EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
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José Francisco de Melo Neto
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
Editora Universitária João Pessoa
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2001
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA reitor JÁDER NUNES DE OLIVEIRA vice-reitor MARCOS ANTÔNIO GONÇALVES BRASILEIRO
EDITORA UNIVERSITÁRIA diretor JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES vice-diretor JOSÉ LUIZ DA SILVA divisão de produção JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO divisão de editoração ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR secretário MARINÉSIO CÂNDIDO DA SILVA
Direitos desta edição reservados à: UFPB/EDITORA UNIVERSITÁRIA Caixa Postal 5081 - Cidade Universitária - João Pessoa - Paraíba – Brasil www.editora-ufpb.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil Foi feito o depósito legal
CEP 58.051-970
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ÀS CLASSES TRABALHADORAS QUE, DE VARIADAS FORMAS, MUITO CONTRIBUEM PARA ESTE TIPO DE TRABALHO.
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AGRADECIMENTOS Às professoras Miriam Limoeiro Cardoso e Maria de Lourdes Albuquerque Fávero, pelo especial empenho na realização deste trabalho. À professora Célia Linhares e aos professores Pedro Benjamim Garcia, José Silvério B. Horta, Miguel Arroyo e Dermeval Saviani, pela disponibilidade da leitura cuidadosa. Aos ex-dirigentes da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários (PRAC/UFPB), Ivan Targino e Genaro Yeno, pelo apoio. Às equipes dos Projetos de Extensão da UFPB, aqui analisados: Projeto CERESAT: Thereza Mitsunaga, Glauce Yeno, José Gomes Neto, Dráusio Rodrigues, Lindemberg, Edil e Hélder Pordeus. Projeto Escola Zé Peão: Timothy Ireland, Lourdes Barreto, Adriana, Erenildo, Santana, Paulo e Afonso. Projeto Praia de Campina: Falcão, Maria do Carmo, Edileuza, Zé João, Patrícia, Sandro, Selma, Antenor e Zé de Porquério.
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Projeto Qualidade de Vida: Marcus Vinicius, Ana Virgínia, Ariosvaldo, Edson e Tatiana. A Guerreiro, Anaina, Socorro, Lívia, Suana, Ana e Lucas. A Adriana e BID, pela dedicação à causa dos trabalhadores em educação do Rio de Janeiro.
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APRESENTAÇÃO Este texto sobre extensão universitária é uma análise crítica de projetos em extensão direcionados aos setores populares da sociedade, vivenciados por membros da universidade. Esta análise é entendida como a condição de se pensar qualquer ente de desejo de conhecimento, em suas dimensões negativas e positivas, ressaltando, na pesquisa, suas condições favoráveis de possibilidades, do ponto de vista da organização das classes trabalhadoras. Tenta mostrar que são possíveis práticas extensionistas com orientações à construção da hegemonia dessas classes, embora que, contraditoriamente, a função ideológica dominante da instituição universitária seja contribuir para a sustentação dos setores elitizados da sociedade. Nessa perspectiva, esta pesquisa buscou um redimensionamento conceitual da extensão para além das visões de mão única ou de mão dupla, tentando extrair das experiências analisadas um conceito que conduza à perspectiva da extensão como um trabalho social útil, cujo atendimento se preste aos setores sociais populares da sociedade. Extensão universitária – uma análise crítica – é, antes de tudo, um convite às pessoas comprometidas com o movimento democrático pela cidadania crítica e ativa. Tenta, restabelecer possíveis laços da universidade com as lutas sociais, na perspectiva da produção de um conhecimento da realidade que seja relevante socialmente na ciência, na arte e na filosofia, além de fortalecer uma cultura inovadora, aberta e crítica. Nessa direção, a universidade pode ter um papel de destaque.
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................... 13 TRILHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS ........................... 19 1 - Dialética: concepção do objeto e orientação metodológica ..... 20 2 - Hegemonia como direção intelectual e moral .......................... 37
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA .................................................. 49 1 - Concepções de extensão universitária ..................................... 49 2 - Extensão na Universidade Federal da Paraíba - UFPB ............ 63 2.1 - Política de extensão na UFPB .......................................... 63 2.2 - Projeto CERESAT ........................................................... 83 2.3 - Projeto Escola Zé Peão .................................................. 108 2.4 - Projeto Praia de Campina ............................................... 141 2.5 - Projeto Qualidade de Vida ............................................. 171
A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E SUAS FUNÇÕES HEGEMÔNICAS ........................................................................ 191 1 - Extensão e hegemonia nos projetos da UFPB ....................... 191 2 - Para uma reconceituação da extensão universitária enquanto trabalho social ......................................................... 213
CONCLUSÕES .......................................................................... 226
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................ 235
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INTRODUÇÃO
Este trabalho, quando foi concebido, inicialmente, sob a forma de projeto de tese, era uma tentativa de mostrar a universidade como ente fundamental para a organização dos setores subalternos da sociedade, particularmente através de projetos de extensão universitária. Partia-se da perspectiva de que era possível realizar projetos de extensão universitária que constituíssem ações, efetivamente, transformadoras e mesmo revolucionárias. Imaginava-se a universidade como um canal para o exercício da transformação, ao abrigar projetos de extensão que se orientassem para a realização dessa possibilidade. Um exercício que não se colocava necessariamente pelo ensino ou pela pesquisa, mas admitia-se que seria realizado pela extensão. Acreditava-se que a universidade poderia se constituir em um importante instrumento de transformação da sociedade, à medida que fossem viabilizados tais projetos de extensão. No entanto, as análises que embasaram a organização e o desenvolvimento da própria pesquisa transformaram o que antes eram certezas em meras possibilidades, que se expressam conforme as formulações para pesquisa: há práticas de extensão que contribuem para a construção da hegemonia dos setores sociais não burgueses; há elementos dessas práticas que permitem ultrapassar a concepção de extensão limitada à realização de eventos ou de programas temporários na universidade. Esta pesquisa, portanto, em nenhum momento teve a pretensão de elencar ou descrever o conjunto das propostas ou das práticas de extensão que podem ser encontradas nas universidades brasileiras. Sabe-se que tanto ou mais que o ensino e a pesquisa, o campo da extensão universitária tem visado preferencialmente à repro-
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dução social, seja buscando reforçá-la por meio de mais um uso da instituição escolar, seja pelo aplacamento de alguma espécie de consciência culpada de dominadores ou servidores da dominação. Não se desconsidera, aqui, a existência e mesmo a possível predominância dessa concepção de extensão universitária. Apenas, ela não é incluída como parte do objeto desta investigação, no qual toda a atenção foi dedicada a encontrar propostas e práticas de outro tipo de extensão universitária, procurando discuti-las enquanto possibilidade e enquanto concepção. Para alcançar um objetivo como este, não parece metodologicamente necessário e talvez nem mesmo recomendável tomar como objeto de pesquisa o universo das experiências de extensão universitária no Brasil. Parece ser mais adequado considerar experiências pontuais, desde que, fazendo parte regular e integralmente da instituição universidade, sejam significativas e relevantes em termos dos objetivos visados e sejam tratadas com o cuidado teórico, metodológico e técnico que tal objetivo requer. Foi seguindo essas diretrizes que se tomaram como objeto específico de investigação algumas das experiências em extensão universitária desenvolvidas na Universidade Federal da Paraíba. Desse modo, este é um estudo sobre a concepção de extensão universitária, o qual procura seguir as orientações metodológicas que Karl Marx formula sobre a dialética, suas orientações teóricas sobre sociedade e ideologia e de Gramsci sobre Estado ampliado, intelectual e hegemonia. Admite-se a anterioridade das ações de extensão da UFPB. Mas o objeto científico desta pesquisa é assumidamente construído, reconstruindo aquelas ações sob orientação metodológica e teórica precisa e explícita. Este trabalho assume que existe uma teoria que o fundamenta e o sustenta e tem uma metodologia que incorpora essa teoria na construção do objeto: o objeto empírico (os projetos da UFPB) não é tomado dessa forma (empírica). Na verdade, é construído teori-
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camente a partir do conceito de hegemonia, em termos dialéticos. O objeto da pesquisa é, portanto, construído por um instrumento de análise, o qual tem clara orientação teórica. A universidade é tratada enquanto aparelho de hegemonia. Conseqüentemente, as experiências de extensão que ela propõe e realiza são concebidas como partes constituintes daquele aparelho, inseridas, portanto, no conjunto das relações de forças aí implicadas e submetidas às contradições que o caracterizam. Parte-se da compreensão de que, em Gramsci, hegemonia e crise de hegemonia formam sempre um par. Ao se trabalhar com a concepção gramsciana de hegemonia para pensar a universidade, em especial uma de suas funções - a de extensão - coloca-se, no entanto, como norte da pesquisa e como foco central da análise a noção de crise de hegemonia. Afinal, o que aqui preocupa, verdadeiramente, são as possibilidades que estão abertas ou que possam vir a ser abertas para a construção de uma nova hegemonia, capaz de configurar um novo bloco histórico. Assume-se, pois, a ótica das classes e setores sociais que hoje se encontram subalternizados e adota-se a perspectiva da sua autonomização ideológica, procurando discernir caminhos e meios pelos quais se possa - por meio do trabalho no âmbito institucional - contribuir para essa autonomização. O objeto empírico do estudo compreende quatro projetos de extensão que se encontram em andamento na UFPB: os projetos CERESAT, Escola ZÉ PEÃO, PRAIA DE CAMPINA e QUALIDADE DE VIDA. A seleção obedeceu a alguns critérios principais. Foram escolhidos projetos entre os que estão sendo desenvolvidos atualmente de forma efetiva e que estão implantados há pelo menos cinco anos, com isso, caracterizando sua permanência e consolidação. Houve também a preocupação de incluir projetos que, adotando diferentes tipos de orientação, fossem significativos para a caracterização do conceito de extensão universitária ou de concepções alternativas para esse conceito.
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O material empírico coletado se constitui de textos produzidos nos projetos em estudo, fruto das análises dos membros dos grupos e, basicamente, de entrevistas, sendo que estas são distribuídas em três níveis: o nível dos planejadores dos projetos, o nível dos seus executores e o nível da comunidade onde se desenvolve o projeto. Esses projetos foram submetidos a um instrumento de análise elaborado a partir da teoria e do método utilizados como suporte ao trabalho analítico, sobretudo no campo da hegemonia, adotandose a perspectiva gramsciana1. Assim, é que este texto toma por objeto concepções e tem como objetivo a formulação de um conceito. A pesquisa em que a tese se baseia tem como origem e como destino a prática, uma prática que pretende o desenvolvimento crítico do trabalho universitário voltado para a transformação social. Neste sentido, tem-se uma reflexão teórica calcada num certo tipo de prática e que deverá retornar a ela. Esta expressa um texto, cujo objeto são concepções e cujo objetivo é uma determinada (re)formulação de um conceito. Tendo-se estudado, detidamente, documentos e entrevistas com participantes de projetos de extensão, chegou-se à formulação da tese de que há projetos de extensão na universidade que podem 1
A utilização dessa orientação teórica de forma efetiva não impediu, porém, que eventualmente tenham sido também incorporados a esse instrumento elementos experienciais gerados nas próprias entrevistas e nas anotações de campo realizadas quando do acompanhamento de alguns desses projetos. Como parte de uma teoria mais ampla - a teoria do modo de produção - a categoria da hegemonia organiza um conjunto de temas, sendo cada tema composto de itens que, por sua vez, se expressam por indicadores. O instrumento assim construído se compõe de dez temas, assim distribuídos: a visão de mundo; a concepção de sociedade; a concepção de Estado; a configuração dos interesses sociais e da prática social; a relação da universidade com a sociedade; a concepção de extensão universitária; a natureza do trabalho social na extensão; o papel do agente institucional - os que estão executando os projetos - e, ainda, a pedagogia que está sendo veiculada nessas práticas de extensão universitária. A partir desses temas geradores, constituem-se vinte e oito itens, que, por sua vez, são expressos nos documentos analisados através de quinhentas e cinqüenta e uma variáveis ou indicadores. A técnica utilizada neste instrumento de análise não se configura como uma análise de discurso. É, sim, uma forma específica de análise de conteúdo desenvolvida por Miriam Limoeiro Cardoso em Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK-JQ. É uma técnica de análise que se adotou porque tem se mostrado fecunda, permitindo aprofundar a análise e entender relações e conexões esclarecedoras.
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contribuir para a ampliação da hegemonia dos setores subalternos da sociedade. A tese aponta, portanto, no sentido da existência concreta e objetiva desta possibilidade, que, porém, não é mais do que possibilidade e, mesmo assim, limitada. Nesses termos, é demarcadora: por um lado, a extensão universitária não tem necessariamente que ser reprodutora e, assim, uma extensão da dominação; por outro lado, é ingênua e ilusória a pretensão de tomá-la como revolucionária das relações sociais, dadas suas condições e suas limitações institucionais, sociais e políticas. O resgate da possibilidade de contribuição para a construção de uma nova hegemonia, na perspectiva das classes subalternas, parece ser capaz de esclarecer relações decisivas e contradições importantes da instituição universidade na área de extensão, encaminhando uma reconceituação deste campo enquanto trabalho social. Para apresentá-la e defendê-la, existem algumas indicações metodológicas e teóricas da fundamentação do estudo, procura-se situar o objeto como parte da universidade, enquanto aparelho de hegemonia, e se procede ao desenvolvimento analítico dos temas propostos. Com a sua análise, procura-se especificar a extensão universitária e as suas funções hegemônicas, indicando elementos para reconceituar extensão universitária nos marcos do trabalho social útil. Finalmente, discutem-se alguns aspectos, de dimensão mais ampla, a respeito de novos problemas da e para a universidade.
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TRILHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS Têm-se muito presentes, para a realização deste trabalho, os desafios contemporâneos do fazer ciência, como também uma busca para novos caminhos e, necessariamente, novos encontros com outros tantos desafios. Ao se estudar a extensão universitária, através de um olhar crítico, faz-se necessária uma maior exigência metodológica. Por outro lado, considerando-se o problema em discussão, não poderá ser adotada uma metodologia fixa, determinada e sem abertura para as tantas possibilidades novas que surgem, a cada momento, na procura de se produzir conhecimento. Carvalho (1995: 25), na busca de caminhos/descaminhos para a razão, mostra-se atenta aos caminhos que se descortinam quando perscruta as trilhas do fragmento, do particular e do sentido. Em que bases deve fundamentar-se a análise de práticas de extensão que busquem as suas dimensões educativas para processos de construção de hegemonia de setores sociais não burgueses? Que elementos compartilhar, quanto à metodologia, na busca de constituintes que possam contribuir para a superação de concepções no campo da extensão universitária, que parece não atenderem as necessidades políticas de liberdade de setores sociais subalternos? Dentro dessas preocupações é que se colocaram, à frente das questões da pesquisa, os constituintes da análise dialética. Como escapar das críticas à ciência moderna, consideradas por Fausto (1987: 15) pertinentes e fecundas, no sentido de que esta se fechou numa perspectiva instrumental, perdendo-se em modelos universais abstratos, definidos a priori? Segundo ele, a ciência moderna “desconsiderou a riqueza e multiplicidade da experiência humana e mais: vulgarizou a dialética”. Nesse sentido, a questão a ser respondida é: que dialética pode ser utilizada como constituinte dessa metodologia?
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1 - Dialética: concepção do objeto e orientação metodológica Para se iniciar a tentativa de apresentação dos constituintes da dialética, é razoável buscar-se a resposta à questão: O que é dialética? Essa resposta exige um debruçar-se sobre a história da filosofia, onde se pode encontrar a utilização da noção de dialética de várias maneiras e, dessa forma, nada passível de ser determinada ou explicada de forma definitiva2. Um conceito que tem recebido diferenciados significados no decorrer do tempo os quais, mesmo assim, são relacionados entre si. De forma sintética, baseando-se em considerações etimológicas, podem ser consideradas algumas fases dos quatro conceitos principais da dialética: a dialética vista por Platão como um método de divisão; a dialética como lógica do provável, presente em Aristóteles; a dialética como lógica, segundo Kant; e a dialética como síntese dos opostos, a partir das formulações de Hegel/Marx. São quatro conceitos pautados também em quatro doutrinas que exerceram forte influência na história da dialética, respectivamente: a doutrina platônica, a doutrina aristotélica, a doutrina estóica e a doutrina hegeliana. Nesta introdução à questão a ser conduzida tenta-se, de certa forma, alguma síntese conceitual. Na verdade, será mantida a sua generalidade, tendo em vista a impossibilidade de se englobarem as possíveis formulações em um só conceito. A resposta à questão acerca do conceito de dialética apresenta grande dificuldade, considerando-se que os autores a definem 2
É uma tarefa que transcende o propósito deste estudo, sendo aqui apenas colocada a questão. No máximo, serão externadas algumas noções preliminares para efeito, simplesmente, de situar a análise que se deseja no que concerne à extensão universitária.
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e a interpretam de várias maneiras. Parece que cada procedimento nessa direção se apresenta como insatisfatório. Há intérpretes que apresentam a dialética como sendo “a arte do diálogo, ou que ela é uma lei” (Bornheim, 1983: 153). Esta definição, que parece elucidativa, apresenta-se, porém, com nuanças que abrem outros tipos de questões fundamentais, como a discussão sobre o sentido do diálogo, por exemplo. Existe, nessa visão, uma certeza ou uma clareza de base no sentido de que a dialética, em sua essência, é a arte do diálogo, em sua essência, é lei. Segundo essa interpretação, não tem sentido a defesa de uma determinação, uma definição como mecanismo de exclusão das demais. Bornheim (Ibid.:154) assim se expressa: “Nada prova que diversas determinações não possam corresponder de algum modo à índole interna da dialética. Vimos que, do ponto de vista histórico, a dialética metafísica não só se justifica como foi necessária. Assim também, a dialética pode ser a arte do diálogo, ou a lei do real, ou de certos setores do real. Talvez a dialética seja ainda outras coisas”.
Diante dessas dificuldades pode-se ver, contudo, que a dialética é uma das expressões filosóficas bastante usada e que a sua universalidade tem sido muito estudada. Maritain (1964: l45), por exemplo, vai entender que está em Hegel o traço genial de fazer da idéia de Absoluto, Pensamento ou Espírito, o universo real que é apreendido, não por possuir uma existência fora do pensamento, mas no sentido de que o real passa a ser uma manifestação do pensamento no seio de si próprio. Na introdução da Fenomenologia do Espírito, Hegel destaca a impossibilidade do conhecimento formulado por Kant, seja através de um instrumento com o qual dominaria o Absoluto, seja como meio com o qual seria possível a sua contemplação. Explicita sua crítica ao fazer a seguinte afirmação:
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“Essa precaução deve até transformar-se na convicção de que toda a tarefa de conquistar para a consciência, por meio do conhecimento, o que é em si é, na sua conceituação mesma, um contrasenso, e de que o conhecimento e o Absoluto sejam separados por uma nítida linha de fronteira” (Hegel,1974: 47).
Se, para Kant existia, entre o sujeito e o objeto, o entendimento, uma separação da coisa em si, e se, agora, o real é manifestação do pensamento no seio de si próprio, a coisa em si está superada. O pensamento, sendo o Absoluto em movimento, passa a encerrar sobre si mesmo tudo quanto de si surge, bem como as suas autodiferenciações. Em sua crítica, Hegel (ibid.: 48) continua: “... as representações do conhecimento entendido como instrumento e meio e, bem assim, uma diferença entre nós mesmos e esse conhecimento; pressupõe, sobretudo, que o Absoluto esteja de uma parte e o conhecimento, mesmo sendo algo de real, esteja de outra parte, para si e separado do Absoluto”.
Algo inadmissível para ele, pois no seu sistema não há separação entre o sujeito e objeto. E mais, não se conhece nada senão o que já está conhecido em nós mesmos. Para Hegel, o Absoluto não pode utilizar-se de qualquer astúcia para se chegar ao conhecimento, já que Ele está e quer estar “em nós tal como é em si mesmo e para si mesmo” (ibid.: 48). Não só não há separação, como também o seu fazer história “é a história do pensamento que a si próprio se encontra” Hegel (l974a: 329). Um movimento dialético se instala como a síntese dos opostos. A filosofia hegeliana vê, em todos os lugares, tríades do tipo: tese, antítese e síntese, segundo intérpretes, como Azevedo, Bornheim, Thadeu Weber, Lima Vaz e Llanos, em que a síntese representa a negação ou o oposto ou o ser outro da tese. A síntese constitui a unidade, no seu próprio tempo, a verificação tanto de
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uma como de outra. Para Llanos (1988: 94), “uma vez alcançada a síntese, esta se põe a si mesma como uma nova tese, isto é, como uma categoria afirmativa que se há de converter na base de uma nova tríade”. Ao analisar esse movimento triádico da dialética, Weber (l993: 41) afirma que “em cada síntese, os momentos anteriores estão suprimidos (negados), mas, ao mesmo tempo, integrados numa forma superior”. Coube à Feuerbach, apud Llanos (1988:109), a crítica às formulações idealistas de seu tempo, mostrando ser o espírito absoluto hegeliano “o espírito finito - humano - mas abstraído e separado do homem”. Toda crítica formulada (ibid.: 110) se constituía num materialismo, ao contrapor-se à idéia da transcendência sobre o dado no pensamento de Hegel, embora esse materialismo fosse limitado, ostentando um “caráter contemplativo, metafísico e antropológico, combinando-se com uma concepção idealista de sociedade”. Feuerbach, segundo o citado autor, não via a passagem do homem abstrato para um homem que atuasse, necessariamente, na história. A passagem do culto a esse homem abstrato, centro da formulação feurbachiana, pela ciência do real e de seu desenvolvimento histórico, poderia ser efetivada por Marx. Marx vai realizar a inversão da dialética, colocando o objeto ou dado como primeiro, o natural imediato antes da consciência. Assegura a primazia dos conteúdos materiais ou históricos - as formas finitas da consciência - sobre as formas infinitas da mesma consciência. Mas, após a crítica ao movimento dialético no campo das idéias, em Hegel, pode-se perguntar qual é a dialética ou o método de Marx. Ao estudar o método de análise da economia política, Marx descobre que esse método inicia-se sempre pelo real e pelo concreto, parecendo esta a forma correta. No estudo de um país, parece ser correto iniciar-se pela população que se constitui na base e no sujeito social da produção. Porém, uma observação mais atenta, segundo ele, mostra que a população, mesmo sendo tão concreta, é, na ver-
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dade, uma abstração. Por conseguinte, esse método é falso. Marx (l978:116) afirma: “A população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem. Por seu lado, estas classes são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos em que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital, etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços, etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço, etc., não é nada. Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações as mais simples. Chegados a este ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma representação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas”.
Este é o método dialético de Marx. Assim, o pensamento pode mover-se por dentro de suas partes do universo, apreender as suas interconexões e o conjunto no qual elas se fundem. Para Prado Junior (1980:513), Marx, “... aproveitando-se das comportas abertas por Hegel e do terreno desembaraçado que se estendia à sua frente, empurra o pensamento filosófico para fora do seu isolamento idealista e introspectivo”. O mundo das idéias, agora, passa a ter o sentido de mundo material, “transposto e traduzido no espírito humano”. Fausto (l993: 49), ao estudar o lugar da forma e o do conteúdo na dialética, observa que, em Marx, “o sistema de formas permanece sempre inscrito na matéria. Assim, a matéria é, em Marx, o lugar da inscrição das formas, não mais mas não menos do que isto”.
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Contudo, é em Limoeiro Cardoso (1990: 19) que se encontra um acompanhamento mais explícito sobre o desenvolvimento do método de Marx, que está subdividido em seis partes. “A primeira trata do método em geral e indica um movimento que é exclusivamente teórico, passando-se totalmente no abstrato. A segunda afirma a anterioridade do concreto. A terceira propõe e resolve uma relação específica entre o real e o teórico, desdobrando as relações entre as categorias mais simples e as mais concretas. A quarta precisa a condição da produção das abstrações mais gerais a partir do desenvolvimento concreto mais rico. A quinta indica que é no último modo de produção já estabelecido, porque o mais complexo, rico e variado, que se torna possível a inteligibilidade não só dele mesmo, como também de todas as sociedades anteriores. A sexta retorna ao método, estabelecendo que a ordem das categorias deve seguir uma hierarquia teórica, em função da sua importância correlativa dentro da sociedade mais complexa, base das abstrações mais gerais e categorias mais simples, e não em função do seu aparecimento histórico”.
Esta divisão vai possibilitar, para a autora, uma segunda apreensão do método, que está assim exposta: 1 - Do abstrato para o concreto pensado. Na crítica ao método da economia clássica, considera-se que esta inicia sua análise a partir do concreto. Ela vai entender que tal concreto só tem sentido à medida que se vão descobrindo as suas determinações. A realidade social é determinada, e assim é não por obra natural. Há relações específicas que a determinam, respondendo a uma certa causalidade. Nesse sentido, a realidade social é determinada e só é possível a sua explicação, quando também se apreender a sua determinação. Na suposição de que não existam determinações essenciais, a realidade é concebida como se esgotando no mundo dos fenômenos. Para Marx, no entanto, a realidade é determinada, é produto de
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determinações que não se encontram no mundo fenomenal. Desse modo, enquanto o pensamento não alcançar as relações profundas (não-aparentes) entre os fenômenos, apenas conseguirá descrevêlos, jamais explicá-los. Na verdade, as explicações precisarão melhor o próprio fenômeno e a sua completude nas relações (de superfície) que mantêm uns com os outros. O concreto real, de que partem os economistas clássicos, apresenta um sentido que não é previamente dado, mas sim, “adquirido pela ação do pensamento, na abstração” (ibid.:21). Este concreto real é uma abstração. “Assim, um procedimento como este não parte do concreto, como se supõe, e sim da abstração, e não pode sequer procurar condições para reencontrar o concreto, porque supõe, enganosamente, que já o incorpora à análise desde o início” (ibid.: 21). O real, nesse sentido, se apresenta com um caráter caótico. Havendo uma ordem no real, essa ordem não se apresenta como já-dada, não transparece. Ela só pode ser atingida pelo pensamento que a investiga, aprofundandose no mesmo. Essa investigação, contudo, não terá respostas imediatas dos dados ou contatos do real, mas será produto da reflexão que, informada pela teoria, vai em busca da realidade externa. Por ser determinada é que esta realidade se torna passível de ser conhecida e explicada racionalmente. Isto só é possível, todavia, quando se atingem os seus determinantes fundamentais. “E isto acontece no mundo dos conceitos, no plano teórico, no abstrato. Abstrato que tem a pretensão de reproduzir o concreto, não na sua realidade imediata e sim na sua totalidade real” (ibid.: 22). Possibilita-se, assim, a compreensão da formulação de Marx em que “o concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações”. A totalidade real se constitui, portanto, do conjunto das determinações, juntamente com o que elas determinam. Nas situações onde dominam as perspectivas empíricas, não se pode atingir essa totalidade real, valendo-se do estilo daquele método. A partir de uma análise que procede do real, não se conse-
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gue reproduzi-lo enquanto totalidade significativa. Este traz, em si mesmo, um impeditivo para tal conhecimento. Em Marx, segundo a autora, há uma proposta de procedimento novo - “do abstrato (determinações e relações simples e gerais) ao concreto (que então não é mais ‘uma representação caótica de um todo’ e sim ‘uma rica totalidade de determinações e de relações diversas’)”. O método de Marx vai do abstrato ao concreto. “E o mais importante, este concreto é um concreto novo, porque pensado. É um concreto produzido no pensamento, para reproduzir o concreto real (‘as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento’)” (Ibid.: 23). 2 - Anterioridade do concreto. O movimento produção/reprodução do concreto, no caminho de volta, e o que constitui esse concreto a que se chega precisam ser explicitados. A resposta, para isto, está, conforme sua interpretação, na formulação do texto de Marx, em que o concreto é concreto porque ele se constitui em síntese de múltiplas determinações. Essa concepção estabelece que o fato de se ter realidade não garante ser concreto. “O caráter de concreto está estreitamente vinculado ao de determinação. O que conta de fato são as determinações. Atinge-se o concreto quando se compreende o real pelas determinações que o fazem ser como é” (ibid.: 24). O concreto é síntese de muitas determinações e, assim, é uma totalidade: unidade determinante/determinado ou unidade de múltiplas determinações. Esse processo aparece, então, no pensamento como expressão de uma síntese, porquanto é unidade do diverso, como resultado e não como ponto de partida. Ele não se constitui simplesmente de um dado, mas é o resultado de um elaborado processo de pensamento. “E se esse processo começa cientificamente no abstrato, seu verdadeiro ponto de partida é o real. Está dito, explicitamente, que o verdadeiro ponto de partida do pensamento é o real, que é o ponto de partida da percepção e da representação. O papel do real para o pensamento e para o conhecimento não é, pois, eli-
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minado como se, por ser o abstrato o campo próprio do teórico (em que se move o pensamento para produzir conhecimento) para ele, teórico, o real não existisse senão sob a forma pensada. Uma coisa é afirmar que o concreto só faz parte do teórico como concreto pensado (acentua-se aí o fazer parte de); outra coisa diferente é afirmar que o concreto real não se relaciona com o teórico (abstrato), sob a alegação de que o teórico só pode afirmar do concreto o que sabe dele, isto é, o que tem precisado sobre ele. A perspectiva seguida por Marx é a que ele explicita, de que o concreto aparece no pensamento como resultado, embora seja o verdadeiro ponto de partida. O pensamento parte do concreto (real), ainda que só se torne verdadeiramente científico quando retoma o concreto, pensando-o, a partir do abstrato (suas determinações atingidas pelo pensamento originado no concreto” (ibid.: 25).
Nesse momento tem-se, em Marx, segundo Limoeiro Cardoso, um triplo movimento. Um primeiro, onde se parte do real, porém se afastando cada vez mais dessa realidade, através da abstração, atingindo conceitos mais simples desse real. Um segundo movimento, que é o início da atividade científica propriamente dita, onde se tem como caótica a representação do real. Nesse movimento não se parte do real ou de sua representação imediata caótica e abstrata. Parte-se dos conceitos mais simples produzidos pelo movimento anterior. Esse movimento seria a busca pela especificação das determinações gerais e simples, configurando um movimento de reconstrução teórica. Finalmente, o terceiro movimento será de construção teórica de reprodução do concreto. De forma simplificada, os movimentos podem ser representados, através do seguintes vetores básicos:
1o) real
abstrato
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(concreto) 2o) abstrato
abstrato (concreto)
3o) abstrato
concreto (pensado)
Para a autora, “com o segundo movimento, se iniciaria o que Marx aponta como ‘método cientificamente correto’” (ibid.: 27). Dessa forma, pode ser entendido que o caminho de volta não se torna nada simples. Não significa apenas a troca do ponto de saída pelo de chegada ou o começo pelo resultado. Também pode não ser apenas uma troca de sentidos ou inversão de uma rota. Além do mais, esse ponto de partida do método de Marx é outro ponto diferente daquele de chegada do primeiro método - o da economia política de seu tempo. “Não só porque é abstrato, e não concreto. Sendo abstrato, é outro abstrato, diferente do abstrato a que o método anterior permitia chegar. É um abstrato reconstruído criticamente a partir deste” (ibid.: 28). Esclarece ainda que, por um lado, o real está presente e alimentando a percepção e a representação e, por outro, também “não esquece que o concreto produzido pelo pensamento é ‘apenas’ pensamento, não real. É neste ponto que contesta Hegel, ou a relação que este propõe entre abstrato e concreto” (ibid.: 28). Essa compreensão traduz, de forma explícita, uma negação, presente em Marx, de que o real seja resultado do pensamento. Na contestação marxista de que o pensamento seja a gênese do concreto, segundo Limoeiro Cardoso, “Marx argumenta que mesmo o pensamento mais simples só existe como relação unilateral e abstrata de um todo concreto, vivo, já dado. É nesse sentido que para ele o real é anterior ao pensamento” (ibid.: 29). Contesta dessa forma a possibilidade de um movimento de categorias autô-
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nomas e produtoras de real, como também a concepção de que o pensamento se basta a si mesmo e se movimenta por si mesmo. Em Marx, “a realidade concreta preexiste, subjaz e subsiste ao pensamento. É este que de algum modo depende dela, e não ao contrário” (ibid.: 30). Dessa forma, o conhecimento científico do real tem início com a produção crítica das suas determinações. Essa produção se dá ao nível do teórico, ao nível das categorias. Porém, constituindose como crítica da produção anterior, ela só se realiza quando da existência de um desenvolvimento teórico razoável e disponível. “É daí que o método para produzir esse conhecimento se eleva do abstrato ao concreto” (ibid.: 32). 3) - Relação categorias/real. Foi abordada até agora, na interpretação de Limoeiro Cardoso, a afirmativa de Marx de que os conceitos mais simples permitem chegar a uma inteligibilidade do real. Supõe-se também a exposição desses conceitos a partir de uma abordagem que parta do próprio real. E mais: esse real, como ponto de partida, também é uma abstração das determinações que se expressam naqueles conceitos simples. Além disso, afirma a existência do real fora do pensamento que é anterior a ele. Estabelecido o conceito, na primeira parte da discussão do método, e o real, na segunda, busca-se a relação existente entre ambos, na terceira. Nesse sentido, salienta a autora que “para produção teórica, o pressuposto básico é que ela seja comandada pelos conceitos mais simples, para ser possível a reprodução do concreto no pensamento” (ibid.: 32). E mais, dando sustentação a esse pressuposto, tem-se o mais geral - o da exterioridade e independência da realidade - a tese materialista fundamental3. 3
Salientam-se, então, algumas questões suscitadas, tais como: 1) o porquê das determinações do real serem formuladas através de conceitos simples; 2) a da simplicidade originária dessas categorias; 3) as categorias simples terem ou não existência independente e anterior às das mais concretas; 4) a evolução histórica do real, que são postas e analisadas por Limoeiro Cardoso( 1990: 32-44).
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As categorias mais simples, não se apresentam em Marx com existência independente sem nenhuma característica histórica ou natural. A exigência fundamental de sua existência está na admissão do concreto vivo, isto é, expressando-se como relação unilateral e abstrata de um todo concreto já dado. “É sobre ele que se erigem as categorias, mesmo categorias as mais simples, que não são capazes de captá-lo no plano do teórico a não ser parcialmente, unilateralmente” (ibid.: 33). Quanto à discussão do simples originário, empreendida por Marx, Limoeiro Cardoso vê um movimento em três dimensões. A discussão passa por uma análise de que as categorias simples têm ou não existência independente e anterior às categorias mais concretas. O primeiro momento desse movimento consiste em que “as relações mais simples sempre pressupõem relações mais concretas - relações estas expressas em categorias mais concretas, no sentido de que se referem a um grau mais baixo de abstração” (ibid.: 34). As categorias simples expressam, assim, relações simples, e estas não existem antes de relações mais concretas, expressadas também em categorias mais concretas. Uma análise que convém salientar não se dá apenas no campo de categorias teóricas. O segundo momento se dá de forma mais complexa a partir da exemplificação de Marx, em que a posse se torna a relação jurídica mais simples. Acontece que não há posse sem a família, superada apenas quando inicia com a distinção que é feita entre posse e propriedade. “A posse é uma relação simples, que exige uma relação mais concreta, como a família”. Aí também se insere, para superação dos questionamentos, a questão da evolução histórica real, influenciando tanto na diferenciação como na produção das categorias. É importante, portanto, se entender que “a categoria mais simples exige um certo grau mínimo de desenvolvimento para que possa seguir a relação mais simples que ela exprime” (ibid.: 37). Apresenta-se, até agora, uma contradição. No primeiro momento, o mais concreto é anterior ao mais simples; no segundo, o
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mais simples se torna anterior ao mais concreto4. Ao colocar e discutir a questão, a autora mostra que esta é uma contradição, mas que não é produzida por pura negação. O segundo momento não é pura negação do primeiro. Ele é outro momento. No primeiro, o concreto é real, é o dado. “As categorias mais simples são as mais abstratas(abstrações simples). A relação proposta é uma relação real, com sua contrapartida pensada: família - posse; comunidade de famílias propriedade. No segundo momento, o concreto pertence ao plano do pensamento. A relação dinheiro e capital é uma relação entre categorias pensadas. O real aparece relacionado com cada uma destas categorias através dos diferentes graus do seu desenvolvimento e da sua complexidade” (ibid.: 39).
Assim, pode-se entender que é, numa sociedade mais complexa, onde a categoria mais simples se apresenta mais desenvolvida teoricamente. Em sociedades com grau de desenvolvimento menor, a categoria mais simples também existe, porém é parcial no sentido de não impregnar todas as relações do setor a que se refere. Este se constitui no terceiro momento, onde se analisa a categoria simples, como o dinheiro. Os exemplos apresentados, como o dinheiro, mostram a sua existência como categoria simples, mesmo que haja sociedades, bem desenvolvidas e não historicamente maduras, como o Peru pré-colombiano, onde não existia qualquer forma de moeda. O mesmo ocorre com os povos eslavos, em que a existência do dinheiro limitava-se às atividades comerciais nas suas fronteiras. De forma sintética, sistematizam-se esses três momentos da seguinte forma: “1) concreto 4
simples
Esta aparente aporia é resolvida em Limoeiro Cardoso, Miriam. (op. cit.: 38-41).
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- relações mais concretas são anteriores a categorias mais simples; - fundamento: relação concreto/abstrato (abstração simples). 2) simples
concreto (complexo) - categorias mais simples são anteriores a relações mais complexas (expressas em categorias mais concretas); - fundamento: relação simples/complexo (concreto) complexo simples (concreto) - a categoria mais simples só tem seu desenvolvimento completo numa sociedade complexa, enquanto que as categorias mais concretas podem ter seu desenvolvimento completo anteriormente” (ibid.: 42). Desses movimentos resultantes da relação entre categorias e real, surge a constatação de que o simples não é a origem. As categorias mais simples exigem um substrato mais concreto, isto é, uma certa organização social, um todo vivo. Também se observa que o processo histórico real vai do mais simples ao mais complexo. Aqui, e nesse sentido, o mais simples pode preceder o mais complexo. Contudo, é no mais complexo - completo - que o simples pode estar mais desenvolvido. Agora, ele pode ser pensado de forma teórica e mais completa. 4) - Produção das abstrações mais gerais. A autora identifica uma quarta parte no texto e descobre que é na sociedade mais complexa que a categoria mais simples se completa. É aí também onde se alcança o elo específico entre o real e o conceito. E conclui:
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“O abstrato de que se deve partir para começar a produção do conhecimento, que se fará no concreto pensado, já não depende só da produção teórica anterior, que se utilizará, criticando. Estas produções teóricas e o movimento que as produz despontam numa íntima conexão com o real e o seu movimento próprio” (ibid.: 44).
Pode-se entender como a categoria trabalho é uma categoria simples. Ora, a idéia de trabalho é bastante antiga, contudo, como categoria econômica é recente. O trabalho é a relação daquele que produz com o produto. Então, a categoria, entendida como trabalho em geral, já está presente em A. Smith. O trabalho em geral, gerador de riqueza, segundo o economista, retira deste qualquer determinação possível que possa conter. Tem-se, desde aí, o trabalho em geral, indo além da formulação anterior, econômica, de trabalho manufatureiro, comercial e agrícola. Como trabalho em geral, não se pensa em particularidades da relação entre produtor e produto, mas nas formas de trabalho no seu caráter comum. Para a autora (ibid.: 45), “aparece aqui a primeira especificação precisa da categoria simples: a sua generalidade. O trabalho é uma categoria simples quando ele é pensado como trabalho em geral, como trabalho sem determinações, como trabalho, simplesmente”. É no atual estágio de sociedade que se vive com a diversidade de formas de trabalho, uma sociedade mais complexa, onde a categoria simples completa o seu desenvolvimento. A categoria trabalho, em sendo mais simples, se torna, pela diversidade de formas de realização, mais geral, e isso só é possível na sociedade mais complexa. A sociedade que possibilita a existência da categoria mais simples, no caso, o trabalho em geral, é aquela em que concretamente existe o trabalho em geral. A sociedade mais complexa possibilita o deslocamento do trabalhador, mesmo especializado, para outro ofício. Nesse tipo de sociedade tem-se o trabalho em geral, como a categoria mais simples, mais abstrata, criada na
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sociedade mais complexa. Esse desenvolvimento teórico “não depende exclusivamente da capacidade e da disponibilidade teórica. Em última instância, a produção teórica deriva de condições reais” (ibid.: 46). As categorias mais simples detêm as abstrações mais gerais. São definidas pela simplicidade, pelo alto grau de abstração, pois são úteis a todas as épocas, exatamente, pela sua generalidade. 5) - A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. A análise feita até agora tem mostrado o método como um caminho, o papel do abstrato (conceito simples, determinação) na reprodução do concreto no pensamento, a relação da abstração com a realidade e a importância da fase do desenvolvimento da realidade social para a produção das abstrações mais gerais. Esta última incorpora, em si mesma, a própria história. A teoria desenvolvida aponta para a economia numa perspectiva histórica, residindo nela também a determinação, em última instância, da totalidade social, que é uma totalidade histórica. A análise dessa totalidade remete, por sua vez e necessariamente, para o conhecimento da economia, considerando a história um estudo do determinante da totalidade social. Convém destacar que a sociedade, em estudo, é a sociedade burguesa. O presente significa não o contemporâneo ou o que está ocorrendo, mas “o último modo de produção completo, o modo de produção capitalista” (ibid.: 53). Portanto, é nesse tipo de sociedade, mais complexa, onde é possível a criação de categorias as mais simples e, conseqüentemente, mais complexas e mais abrangentes, possíveis de serem utilizadas em análises de sociedades menos desenvolvidas. “A análise da história deve ser conduzida por categorias simples e gerais produzidas no estado mais avançado da própria história” (ibid.: 48). Entretanto, levanta-se a questão do risco que se corre, ao se fazer uma análise com categorias geradas na sociedade mais complexa, questionando também se o olhar do presente não deformará o passado. Essa é uma preocupação para não se perder as especifi-
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cidades de cada momento histórico, uma vez que cada um desses momentos se define por suas peculiaridades, diferenciando-se, assim, um do outro. Com esse cuidado de não perder a própria história, a autora vai mostrar que há em Marx uma concepção de história em que laços orgânicos ligam os diferentes momentos históricos. Em Marx, contudo, não há a possibilidade de ocorrer a perda da especificidade dos distintos momentos históricos. A análise entre esses diferentes momentos exige a preservação da diferença essencial entre eles. Nesse sentido, a autora afirma: “A lição dada é no sentido de que se disponha de categorias gerais que na sua generalidade abranjam todo o desenvolvimento desde o ponto em que foram produzidas. A sua generalidade, apoiada numa abstração que é condicionada historicamente, lhes dá validade para todos os momentos anteriores ao da sua produção, inclusive e principalmente para este” (ibid.: 50).
Ora, a demarcação das diferenças essenciais de cada momento histórico exige uma definição a respeito de onde devem incidir os cortes na história ou na sua periodização. A autora levanta novo questionamento: Como realizar a periodização? Respondendo, ela destaca que a sociedade tem dificuldade de se ver criticamente. Em condições bem determinadas, um momento histórico consegue fazer sua crítica. Sendo assim, para a sociedade mais desenvolvida socialmente, mais complexa, isso também é verdadeiro. Ela vê no texto de Marx a possibilidade de relativizar os outros modos de produção, quando tem condições de relativizar este atual modo de produção. Como solução, aponta a crítica ou particularmente a autocrítica, compreendendo que isto só é possível na seguinte hipótese: “... Quando uma sociedade deixa de se absolutizar e passa a ser, portanto, capaz de assumir sua própria particularidade e especi-
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ficidade, é capaz de atingir, reconhecendo-as e conhecendo-as, outras particularidades e especificidades diferentes da sua, ainda que lhe sejam anteriores” (ibid.: 51).
A autocrítica de uma sociedade, contudo, é uma capacidade dessa própria sociedade para perceber, na sua singularidade no tempo, a sua historicidade. Isto ocorre quando esta não mais se identifica com o passado, conseguindo se ver como diferente. Mas, continua seu questionamento, buscando as conseqüências importantes dessa argumentação. Essa análise conduz, necessariamente, para um estudo do desenvolvimento social mais complexo na sua especificidade histórica, em que a autora vê várias conseqüências5. A primeira nega a possibilidade de explicação genética da história. Dizer, por exemplo, que a produção é histórica, é dizer que ela surge num determinado momento da história e se extingue em outro. Isto supera a possibilidade de uma visão genética que vê o desenvolvimento da história de modo linear. A segunda é que se procure ver, antes de tudo, as diferenças essenciais. É preciso respeitar as especificidades históricas, “tanto as do presente como as do passado”. A terceira é que “tanto ‘presente’ como ‘passado’ sejam entendidos (argumentos) em termos de ‘organização histórica da produção’. Toda essa discussão é travada no nível teórico do modo de produção” (ibid.: 53). 6) - A ordem das categorias - Esta é a última parte do texto do método. É o momento em que se trata do plano de análise e da ordem das categorias nesse mesmo plano. Agora, as questões levantadas dizem respeito a como montar essa análise e por onde começá-la. Convém destacar que a realidade concreta existe independentemente de estar sendo pensada ou mesmo depois de ser pensada. Sua independência a localiza fora do espírito, caracterizado por atividades apenas teóricas. As categorias criadas têm todas, como 5
Um desenvolvimento teórico mais elaborado encontra-se em LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. (op. cit.: 52 53).
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base, o pressuposto da anterioridade da realidade, mas destas “não são mais que parciais em relação a ela”. As categorias não conseguem, senão de forma unilateral, dar conta do real em toda sua completude. Isso exige organização dessas categorias para que se possa chegar ao conhecimento mais abrangente e mais profundo da realidade. E aí de novo surge a questão: E qual é o princípio organizador dessas categorias? Limoeiro Cardoso apresenta os diferentes modos de produção, tentando mostrar como a agricultura, num determinado modo de produção, se constituiu numa atividade principal. Conseqüentemente, a renda fundiária e a propriedade vão se constituir em categorias que expressam essas dominâncias. Na sociedade burguesa, por sua vez, o capital é ponto de partida e de chegada de tudo, e se estabelece, no capitalismo, como categoria principal diante da renda fundiária. Finalmente, afirma: “A ordem das categorias, portanto, responde à ordem de importância relativa das relações que expressam, importância que é relativa à capacidade das relações em determinar a organização da produção. Tem precedência teórica a categoria que expressa as relações mais determinantes” (ibid.: 54).
É com esse método que Marx busca analisar a sociedade burguesa. Como método geral, tem início no campo das abstrações (as determinações mais simples), reproduzindo essa sociedade no pensamento. Chega às determinações, teoricamente, ao realizar a análise crítica de conceitos gerados na empiria da economia clássica. Tal crítica apresenta o confronto desses conceitos com a realidade. Uma suposição primeira, presa à exterioridade e anterioridade do real, e uma outra, que é a mutabilidade histórica. Sob o manto da mutabilidade, conseqüentemente das condições históricas, é que são produzidos determinados conceitos. Conceitos simples - os mais abstratos - só são possíveis em sociedades mais complexas aquelas que se quer estudar. E ainda, a ordem dos conceitos traba-
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lhados não é a do seu aparecimento histórico e, sim, uma ordem significativa para a sociedade em estudo. O princípio que rege essa ordem é o da hierarquia teórica.
1.2 - Hegemonia como direção intelectual e moral Essa forma de raciocínio, transmitido com o nome de dialética, apresentou-se, inicialmente, como uma arte de perguntar e responder, presente não só em Platão6, mas também em antecessores, como Sócrates e sofistas. Adquiriu o significado de argumentação naquilo que é só provável, em Aristóteles7; lógica formal, no sistema de artes medievais. Em Kant8, apresenta-se como lógica das aparências, porém, como motor do conhecimento primeiro, lógico ou na sua totatalidade. Transforma-se, hoje, em sinônimo de realidade histórica. Isto é possível, quando o homem se reconhece com consciência da realidade e nela atua buscando uma contínua transformação. A busca por elementos teóricos que possibilitem análises para o objeto de pesquisa, com a visão de contínua transformação, está presente na filosofia da práxis, em Gramsci, mantendo-se um debate com Hegel e Marx, vindo trazer outros elementos para a análise da realidade histórica. Gramsci reelabora e apresenta novos conceitos para o campo do marxismo, tais como: bloco histórico, hegemonia, aparelhos de hegemonia, intelectuais orgânicos. Desse debate, destaca-se, como pontos constituintes de uma doutrina sobre o marxismo, uma visão da filosofia como historici6
Ver Platão. Diálogos. O Banquete - Fédon - Sofista - Político. Seleção de Textos de José Américo Motta Peçanha; traduções e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. 2a. ed. São Paulo, Abril Cultural, l979. 7 Ver Aristóteles. Tópicos; Dos Argumentos Sofísticos. Seleção de José Américo Peçanha. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. Abril Cultural, São Paulo, l978. 8 Ver Kant, Emannuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo, Abril Cultural, l980.
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dade e como ideologia. Chega-se à compreensão de que a “filosofia não faz história consigo mesma, mas com e a partir de outra coisa” (Sichirollo, 1980: 196). Daí a natureza da filosofia, nada utilitarista, mas tendo a ver com aquilo que existe, consistindo nisto seu caráter ideológico e abstrato. Limoeiro Cardoso concebe o debate sobre a ideologia9, no campo do marxismo, a partir da perspectiva em que as relações de produção constituem a estrutura econômica da sociedade e sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política. Essa superestrutura vai corresponder a formas de consciência social determinadas. Apresenta, outrossim, uma diferenciação marcante entre a transformação material das condições econômicas de produção e as formas jurídicas, políticas, religiosas ou filosóficas. Essas são as formas ideológicas em que se expressam os conflitos e onde o homem toma consciência dos mesmos, buscando a sua superação. É importante destacar essas formas ideológicas que, juntamente com as condições de produção, constituem a estrutura, cabendo na superestrutura o jurídico, o político e as formas de consciência social. Explicita ainda que “as formas de consciência social existem no jurídico, no político e nos demais aspectos (religiosos, artísticos, filosóficos) que compõem a superestrutura” (Limoeiro Cardoso, 1978: 42). O político, o jurídico, o artístico, o religioso, o filosófico são superestruturais e formam um só conjunto. São determinados pela base econômica, mas que reagem entre si e também com essa base. “Há, pois, uma ação que dinamiza aquele conjunto internamente e em direção à base econômica, mas estas ações são reações, embora como reações adquiram forma, consistência e direção próprias” (ibid.: 42). A autora apresenta ainda a estrutura não como expressão de unidade, mas como o campo de uma oposição. Nesse sentido, vê as 9
Ver LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK - JQ. Rio de Janeiro , Paz e Terra, 2a.ed. l978, p. 41-42.
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relações de produção como o fundamento da estrutura, necessariamente, permeadas de classes sociais que estão bem definidas por essas relações de produção. Com as classes sociais no seu devido lugar na estrutura, esta conterá necessariamente a sua marca, não se expressando como uma unidade. Há, por parte da autora, um resgate necessário nesta formulação com o lugar das classes sociais e seu papel na estrutura. “As classes são condição da produção, pois são elas que dão forma à produção e a permitem; assim como são condição da troca, na sociedade produtora de mercadorias, pois é através delas que as mercadorias chegam e saem do mercado. As classes sociais são tão importantes na determinação do processo da produção quanto as condições materiais” (ibid.: 54).
Situa-se a seguir numa posição gramsciana ao desenvolver uma análise teórica da ideologia, caracterizando-a e distinguindo-a a partir de sua vinculação com as classes sociais. “Resulta, pois, o caráter de classe da ideologia. A ideologia comporta a ideologia dominante e a ideologia dominada, com tendências semelhantes às classes sociais” (Limoeiro Cardoso, l977: 91). Para uma melhor caracterização a autora define, frente à ótica da sociedade de classe, uma ideologia do como, isto é, aquela ideologia dominante cuja tarefa principal é a apresentação das justificativas das necessidades daquela classe dominante, mascarandoas como necessidades gerais. A outra é a do por que , a ideologia das classes subalternas baseada, sobretudo, no questionamento da dominação, que é ao mesmo tempo responsável pela busca de outro tipo de organização da sociedade. Nesse sentido, está a importância da ação ideológica dessas classes subalternas, tornando-se possível a construção de sua própria ideologia, mesmo na sociedade capitalista. É de se questionar qual seria a categoria teórica explicativa dessa produção ideológica nas sociedades de classe. Parece que se
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encontra no conceito de hegemonia10, segundo Gramsci. É com esse conceito que se tornam possíveis as explicações das relações que se travam entre as classes sociais e no interior das classes sociais fundamentais, constituindo-as. Torna-se possível trabalhar, agora, com os aspectos da direção política e cultural que envolvem as classes fundamentais presentes na sociedade. Em Gramsci, hegemonia é, portanto, um conceito que não exige o domínio prévio do poder, mas sim a adesão em torno de uma classe, seja por outra classe ou por segmentos dessa classe. Dessa adesão decorrem dois aspectos básicos: primeiro, a coesão por oposição, isto é, o processo de adesão no interior de uma classe, através de um processo gerador de uma direção, a partir de frações dessa mesma classe, distanciando-a da outra classe fundamental. Esse processo conduz à coesão de classe. É possível que a direção política também se exerça entre classes sociais, quando um projeto de uma fração de uma classe consegue a adesão não somente de setores afins da mesma classe, como também de frações de outra classe. Através desse processo, um projeto cuja base e origem é particular, se generaliza ou até se universaliza, funcionando então como um projeto da sociedade como um todo. O segundo aspecto se refere à coesão por domínio, num processo de imposição entre classes distintas. Instaura-se aí, com o recurso à força, a coesão entre classes. O primeiro aspecto depende da “subordinação, ou do exercício negativo do domínio e conduz a uma coesão de classe”. O segundo “depende do exercício positivo do domínio e instaura uma coesão, precária por que entre as classes” (Limoeiro Cardoso, 1978: 73). Há algo diferente na formulação gramsciana de hegemonia. Para ele, esta se exerce e se expressa de duas maneiras: uma, pelo domínio; outra, pela direção intelectual e moral. 10
Essa interpretação de hegemonia é desenvolvida por Limoeiro Cardoso em seus dois livros: La Construcción de conocimientos: cuestiones de teoría y método, p, 103 e Ideologia do Desenvolvimento- Brasil: JK-JQ, p, 73.
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“O domínio supõe o acesso ao poder e o uso da força, compreendendo a função coercitiva; a direção intelectual e moral se faz através da persuasão, promove a adesão por meios ideológicos, constituindo a função propriamente hegemônica” (ibid.: 73).
Dessa forma, abre-se a possibilidade de se conceber hegemonia no campo das classes dominadas, naturalmente vinculada ao grupo hegemônico interno ou grupo social básico. Esta interpretação tem forte significado para o conceito de hegemonia, considerando-se que, em Lenin, a hegemonia era exercida pela classe dominante, sendo necessário o acesso ao poder para se estabelecer a hegemonia também no campo cultural, moral e político. É uma visão onde a transformação no campo ideológico se implanta com a necessária transformação econômica, sendo possibilitada pelo acesso político. Na interpretação gramsciana há, portanto, uma negação dessa visão, abrindo espaço para o exercício da direção intelectual, moral e política da hegemonia, antes da chegada ao poder. Estabelece-se, dessa maneira, uma nova forma de relacionamento do político e do econômico. “Sem deixar de considerar o econômico como determinante, procura descobrir a autonomia relativa da política quanto à economia, revalorizando, assim a ideologia. ... Não há dúvida de que a determinação é do econômico, mas não diretamente, nem imediatamente, nem absolutamente” (ibid.: 74).
Segundo a autora, há uma revalorização positiva e determinante do fator ideológico, expressando-se assim uma forma de como se efetiva tal ação, onde há o exercício da função dirigente sem testar ainda sob seu controle a função de domínio. Fica claro que não há independência entre transformações ideológicas e transformações econômicas e nem tão pouco que elas podem acontecer de forma natural, direta ou espontânea. “A hegemonia é apresentada
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como uma reforma intelectual e moral junto a uma transformação das relações econômicas da sociedade”11. Esse é um processo de formação da vontade coletiva, unificador do proletariado, dos trabalhadores em torno das lutas fundamentais da classe. Um processo de unicidade de fins econômicos e políticos com a unidade intelectual e moral que é possível com a formação de uma política de alianças. “O proletariado pode se tornar classe dirigente e dominante na medida em que consegue criar um sistema de alianças de classes que lhe permita mobilizar contra o capitalismo e o Estado burguês a maioria da população trabalhadora ...”(Gramsci, l977: 22). Assim é que se estabelece como elemento fundamental a questão das alianças no pensamento de Gramsci. É uma questão decisiva para o operariado na conquista da direção ideológica e política da sociedade. Para Carvalho (1986: 54), as alianças são importantes para a conquista do poder, considerando que é através desse sistema de alianças que se “configura a base social da ditadura do proletariado e do Estado operário”. A constituição desse sistema ou a construção dessa vontade coletiva se dá em decorrência de um processo complexo de relações políticas que se estabelecem entre as frações das classes dominadas. Dessa maneira, está reservado a uma dessas frações (por exemplo, o operariado) o exercício da direção política, firmando alianças, eliminando-se qualquer relação de opressão política e de domínio e estabelecendo-se compromissos com as reivindicações fundamentais da classe. “O processo de constituição de alianças é um processo democrático na busca de um consenso, pressupondo uma direção exercida pela classe proletária enquanto classe que, assumindo
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Cambareri, S. Il Concetto di egemonia nel pensiero di A. Gramsci. Roma, Runiti, apud Limoeiro Cardoso , Miriam. Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK - JQ, p. 75.
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uma função fundamental no sistema produtivo, tem um papel histórico no desenvolvimento da sociedade” (Ibid.: 55).
Dessa mesma base teórica surge o conceito de bloco histórico, que, de acordo com uma das interpretações correntes, designa o fato de que as forças materiais são o conteúdo, enquanto as ideologias constituem a forma desse pensamento. Não se conceberão, portanto, historicamente, forças materiais sem forma nem as ideologias sem forças materiais. “Esse conceito pode ser assumido como o positivo, sendo o negativo as componentes que o acionam, o colocam em crise e o derrubam” (Sichirollo, 1980: 198). As forças materiais, as ideologias e a sua dialética não são, na verdade, um ponto de vista na análise gramsciana. A filosofia, como historicidade e ideologia, e o conceito de bloco histórico se tornam “um resultado histórico, e o conceito de dialética, que é a sua mediação, identifica-se com a realidade histórica, quando é encarada como (e na) plenitude das contradições” (ibid.: 199). Em Concepção Dialética da História, Gramsci faz um resgate da filosofia da práxis . No contexto da chamada corrente historicista, pode-se afirmar que põe uma essência nessa elaboração, não isolando as dimensões econômica, política e ideológica, mantendo em última instância a determinação econômica. Essa visão vai perpassar os temas candentes do campo do marxismo, tais como a singularidade de seu método de análise, bem como a transição para o socialismo. Ao resgatar a filosofia da práxis, Gramsci (1981: 189) também lhe confere uma autonomia, que consiste no fato de não poder se confundir e nem se reduzir a nenhuma outra filosofia. “Ela não é só original enquanto supera as filosofias precedentes, mas notadamente enquanto abre um caminho inteiramente novo, isto é, renova de ponta a ponta o modo de conceber a própria filosofia...”. Nessa perspectiva está uma nova concepção de mundo. Está também uma nova formação social, sendo indispensável pensar a ideo-
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logia nesse contexto, considerando-se que ela está encaixada nas relações entre as classes constituintes dessa formação social. “Eliminando-se qualquer destas relações, elimina-se a possibilidade de entender a ideologia e a sua influência na formação, na manutenção e na transformação da sociedade” (Limoeiro Cardoso, l978:72). O conceito de hegemonia não pertence exclusivamente à fórmula gramsciana da hegemonia civil, pois já aparece em outros autores na tradição marxista, particularmente em Lenin. Trata-se de uma fórmula que aponta para uma necessidade tática, para as atividades de organização dos setores subalternos da sociedade, na busca da construção de sua própria hegemonia. Tumolo (1991) mostra que a escola, a universidade, como aparelho de hegemonia, pode tornar-se uma das “agências” da construção da hegemonia proletária, na medida em que exercer a função de transmissão do conhecimento sistematizado, considerando que essa construção pressupõe a apropriação desse conhecimento. A busca por outras visões de mundo com as classes subalternas, que eventualmente estejam sendo discutidas através de projetos de extensão ou outras formas, pode constituir-se em experiências de construção de hegemonia. A discussão da hegemonia, em Gramsci (l987: 9), implica reforma intelectual e moral. Ele fala de outra civilização que pretende a “elevação civil dos estratos oprimidos da sociedade” e que “deve estar ligada a um programa de reforma intelectual e moral”. Uma discussão da hegemonia trata especificamente de relações internas à superestrutura, mas também remete à estrutura como determinante delas. Essa análise (ibid.: 45) é marcada por duas formulações feitas por Marx. A primeira diz respeito à impossibilidade da sociedade de propor tarefas para cuja solução não existam já as condições necessárias e suficientes, ou que estas não estejam em vias de aparição e de desenvolvimento. A segunda é que nenhuma sociedade
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se dissolve ou pode ser substituída sem antes ter desenvolvido todas as formas de vida implícitas nas suas relações. São essas relações que precisam ser distinguidas em movimentos orgânicos e movimentos de conjuntura. Hegemonia com essas características, incluindo a possibilidade de que também seja construída e exercida pelos grupos dominados, constitui um avanço no campo das formulações marxistas, desdobrando teoricamente recursos de estratégia e de tática para um processo de transformação, a ser assumido pelas classes subalternizadas. É um processo marcadamente cultural enquanto conhecimento de sua própria personalidade, compreensão de seu valor histórico, de sua função na sociedade, além de seus direitos e deveres. Tudo isso pode dar-se antes da tomada do poder. Este é um processo em que as classes subalternas já iniciam o exercício de sua hegemonia, enquanto a consolidam através de sua própria prática política, difundindo e vivenciando a sua concepção de mundo. A partir daí, pode-se analisar a sociedade com base numa metodologia que é a de detectar os princípios ou movimentos que buscam a organização de uma vontade nacional-popular12 , tendo como desafio a combinação do orgânico e do ocasional - a conjuntura. A dimensão ocasional valoriza aspectos econômicos num determinado momento. A estratégia é, contudo, a afirmação da necessidade de acúmulo de forças, intensificando a busca por mais e mais aliados. A visão orgânica pode arrastar consigo um certo voluntarismo, salientando a intervenção da vanguarda teórica que interpreta o desejo das massas. Essa vanguarda, muitas vezes, buscou uma ruptura revolucionária, apesar de não haver movimento das mesmas. Dias (l991: 5) exemplifica essa visão com a postura da tática classe versus classe, desenvolvida pela Internacional Comunista, contra a qual Gramsci se posicionara, mesmo no cárcere. No 12
Ver DIAS, Edmundo Fernandes. Hegemonia: nova civilitá ou domínio ideológico. História e Perspectiva, no. 5 , juldez. l991. Editora da Universidade Federal de Uberlândia, MG.
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processo de construção de hegemonia das classes subalternas da sociedade, Gramsci (1987: 49) distingue três níveis ou momentos das relações e forças. No primeiro, a classe existe objetivamente, mas não se traduz necessariamente em existência política. No segundo momento - o político - as classes vivem um processo econômico-corporativo voltado para si e para seus interesses específicos. Seu processo de avanço político dá-se no sentido de perceber a necessidade de sair de seu isolamento enquanto classe. É um processo de onde se desenvolvem avaliações do grau de homogeneidade a classe, de sua auto-consciência e de organização. Quanto a esse momento, Gramsci (ibid.: 50) afirma: “Há vários graus de consciência política coletiva: a) o econômico-corporativo onde a identificação se faz a nível de corporação, e não de classe; b) já se apercebe da identidade de classe mas não coloca a questão do Estado. Sua política está na perspectiva e no terreno da política existente; c) é, especificamente política e que assinala a clara passagem da estrutura à esfera das superestruturas complexas; é a fase em que as ideologias germinadas precedentemente se tornam partido (...), criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados”.
No terceiro momento, situa-se a relação das forças militares. Este, por sua vez, está dividido em graus, no sentido estritamente técnico-militar e político militar. Em Gramsci, há possibilidades de cristalização de limites onde se tenha a criação de novo bloco histórico, como nas revoluções francesa e russa. Para ele, “o desenvolvimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o terceiro momentos, com a mediação do segundo” (ibid.: 51). Assim é que a construção da teoria da hegemonia na visão gramsciana vai sendo construída através da concepção de ampliação do Estado, e com isso, a estrutura de poder, com a retificação
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do conceito de intelectual-partido, bem como de uma concepção mais abrangente da luta de classe, ou seja, da revolução. Nesse processo de análise, alguns pressupostos são colocados como base na formulação da teoria de hegemonia das classes subalternas. Num primeiro momento da obra gramsciana, investese no terreno das relações sociais, dando maior amplitude e definição aos sujeitos dessas relações. Hegemonia, como direção e consenso, não se simplifica nas explicações das relações entre classes. Vai mais além. A hegemonia, ao explicar as relações entre os diversos grupos e camadas sociais que dão a conformação de uma sociedade, ultrapassa o terreno das relações entre classes e passa a nomear outros sujeitos para as relações entre grupos sociais no interior de um mesmo aparelho de hegemonia, num partido político ou nas igrejas, entre leigos e pastores, ou no interior da escola, entre alunos e professores. Amplia-se mais a hegemonia ao discutirem-se as relações de um país, ao estudar-se a História dos Estados, nomeando-os hegemônicos e subalternos. Maior ampliação se apresenta, ao trazê-la para o nível conceitual, destacando as relações do exercício do saber, ao desenvolver a critica à filosofia idealista, posicionando-se pela filosofia da práxis, buscando, como ação, a unidade entre ciência e vida, entre teoria e prática. Convém ainda destacar em Glucksmann (l980: 30), como elemento importante na abordagem de Gramsci sobre esse processo de construção de hegemonia, a questão do conceito de Estado, entendido como instrumento coercitivo. Esse conceito se apresenta como expressão de equilíbrio entre sociedade civil e política (ou hegemonia exercida por um grupo social sobre a sociedade nacional como um todo, por meio de organizações pretensamente privadas, tais como: Igreja, sindicatos, escolas, etc). Essas organizações vão constituir os aparelhos de hegemonia de uma classe, em suas várias articulações e subsistemas. Situam-se, como aparelhos de hegemonia, o aparelho escolar, o apare-
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lho cultural e o editorial, envolvendo bibliotecas e museus. Como aparelho de hegemonia estão também os jornais, as igrejas, os partidos e até os nomes de rua. Esse conceito, segundo a autora, é uma novidade nos Primeiros Cadernos - o conceito de aparelho de hegemonia - sendo completado pelo de “estrutura ideológica de classe”. Define-se aparelho de hegemonia como um “conjunto complexo de instituições, ideologias, práticas e agentes (entre os quais os “intelectuais”), que encontra sua unificação através da análise da expansão de uma classe vindo qualificar e precisar o conceito de hegemonia” (ibid.: 70). Fundamental também é a compreensão do intelectual no processo de direção, bem como, seu papel no processo de organização e transformação. Gramsci (1979: 7) compreende o intelectual não no sentido da erudição, deslocando-o daquilo que é intrínseco às atividades intelectuais, para defini-lo “no conjunto de sistema de relações no qual estas atividades (e, portanto, os grupos que as personificam) se encontram, no conjunto geral das relações sociais”. Isto exige, para a realização do conceito, a ação ao nível da organização da classe reivindicada pelo intelectual. É, então, um organizador em todos os campos da vida social. Sua função social e seu vínculo orgânico com um projeto político de classe, para construção de hegemonia, são os parâmetros que definem o intelectual gramsciano. Partindo de suas observações do modo de constituição da unidade italiana, Glucksmann (1980) destaca a importância dada à maçonaria, como representação da ideologia e da organização real da classe burguesa capitalista. Para ela, isto é a prova de uma organização aparentemente privada, porém, desempenhando papel ideológico e político, portanto decisivo, na unificação de classe, por intermédio do Estado e dos intelectuais. Um exemplo apresentado pela autora “mostra o papel do aparelho de hegemonia em um mo-
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do de constituição de classe, seus vínculos com o Estado” (ibid.: 141). Aparelhos de hegemonia podem ou não estar vinculados ao Estado. A escola e a universidade se constituem em aparelhos dessa natureza, veiculando ações que podem ajudar a construção de hegemonia da classe subalterna. Gramsci (1979: 130), em sua investigação sobre o princípio educativo, onde discute também o papel dos intelectuais, observa: “A escola luta contra o folclore, contra todas as sedimentações tradicionais de concepções de mundo, a fim de difundir uma concepção mais moderna, cujos elementos primitivos e fundamentais são dados pela aprendizagem da existência de leis naturais como algo objetivo e rebelde às quais é preciso adaptar-se para dominá-las, bem como de leis civis e estatais que são produtos de uma atividade humana estabelecida pelo homem e podem ser por ele modificadas visando a seu desenvolvimento coletivo (...) a lei civil e estatal organiza os homens de modo historicamente mais adequado à dominação das leis da natureza, isto é, a tornar mais fácil o seu trabalho, que é a forma própria através da qual o homem participa ativamente na vida da natureza, visando transformá-la e socializá-la, cada vez mais profunda extensamente”.
A noção de aparelho de hegemonia, atribuindo qualificação e precisão à hegemonia, acrescenta ainda mais uma proposição na formulação dessa teoria. Nela, a de idéia de hegemonia não depende só dos sujeitos e locus da sua realização. Não diz respeito à maneira distinta de sua realização. Depende, isto sim, da articulação dessas proposições. Ela se efetiva através de instrumentos, as instituições várias. Para Nascimento (l984: 81), “a hegemonia de um sujeito histórico precisa realizar-se em ‘locus’ específicos, com um conteúdo preciso, em formas singulares e através de instrumentos e instituições que lhe são próprias”.
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Da tentativa de compreensão de uma relação hegemônica, portanto, surgirá a definição do sujeito ou sujeitos a quem ela diz respeito, mesmo que nem sempre estejam evidentes. A definição de espaço social, em que a hegemonia se exerce, precisa seu tempo, forma e conteúdo na historicidade dos sujeitos. Serão necessários também os seus mecanismos particulares de realização, além dos instrumentos e instituições onde a hegemonia se concretiza, ou se concretiza o seu aparelho. Estas são as bases teórico-metodológicas que estarão permeando os estudos dos vários projetos de extensão universitária, em desenvolvimento, na busca de respostas às questões formuladas para pesquisa.
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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA 1 - Concepções de extensão universitária Os primórdios da extensão universitária aparecem com as universidades populares da Europa, no século passado, que tinham como objetivo disseminar os conhecimentos técnicos, segundo vários autores, como Rocha (1986), Fagundes (1986) e Botomé (l992). É importante observar os comentários de Gramsci (1981: 17) sobre essas universidades: “ ... estes movimentos eram dignos de interesse e merecem ser estudados; eles tiveram êxito no sentido em que revelaram da parte dos simplórios um sincero entusiasmo e um forte desejo de elevação a uma forma superior da cultura e de uma concepção de mundo. Faltava-lhes, porém, qualquer organicidade, seja de pensamento filosófico, seja de solidez organizativa e de centralização cultural; tinha-se a impressão de que eles se assemelhavam aos primeiros contatos entre mercadores ingleses e negros africanos: trocavam - se berloques por pepitas de ouro”.
A crítica se refere aos intelectuais que, mesmo desejosos de servir ao povo, à classe dominada, teriam um outro papel, que era o de compreender as formas de vida e as propostas da classe trabalhadora. Esquecidos desse papel, ou mesmo por incompetência, esses intelectuais expressavam, segundo a crítica de Gramsci, uma visão dominadora de seus saberes ao pretender levá-los ao povo. Além das experiências européias, foi em universidades norte-americanas, sobretudo naquelas localizadas na zona rural, que surgiram duas novas visões diferenciadas daquelas existentes na Europa: uma visão denominada cooperativa ou rural e outra universitária em geral. Essas visões, contudo, estavam marcadas por um certo desejo de ilustrar as comunidades. A extensão nas univer-
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sidades americanas caracterizou-se, pela idéia de prestação de serviços. Os movimentos europeus de universidades populares, ou a extensão veiculada por eles, diferenciam-se substancialmente das versões americanas. Estas, em geral, resultaram da iniciativa oficial, enquanto aquelas surgiram de esforços coletivos de grupos autônomos em relação ao Estado. A esse respeito, Tavares (l996: 27), afirma: “ Visando, por um lado, preparar técnicos e, por outro lado, dispensar o mínimo de atenção às pressões das camadas populares, ainda que cada vez mais expressivas e mais reivindicativas, a extensão universitária se consolida através de cursos voltados para os ausentes da instituição que, sem formação acadêmica regular, desejam obter maior grau de instrução”.
Já, na América Latina, a extensão universitária esteve voltada, inicialmente, para os movimentos sociais. Merece destaque o Movimento de Córdoba, de l918. Nesse movimento, os estudantes argentinos enfatizam, pela primeira vez, a relação entre universidade e sociedade. A materialização dessa relação ocorreria através das propostas de extensão universitária que possibilitassem a divulgação da cultura a ser conhecida pelas classes populares. Esta foi uma idéia preliminar, que permeou também a organização estudantil no Brasil, a partir de l938, quando da criação da União Nacional dos Estudantes - UNE. Essa idéia foi determinante para a concepção de extensão veiculada pelo movimento estudantil brasileiro. No Brasil, anteriormente ao movimento estudantil organizado pela UNE, houve experiências de vinculação da extensão com as universidades populares, na tentativa de tornar o conhecimento científico e literário acessível a todos. No início do século, surgem a Universidade Popular da Paraíba e a Universidade Popular de São Paulo, sendo esta a mais importante. Mas, sobretudo com a Univer-
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sidade Popular de São Paulo, a experiência de extensão a partir da organização universitária inicia-se pela promoção de cursos de extensão veiculadores de conteúdos “positivistas ou de disseminação da cultura da elite” (Rocha, 1989:7). Na concepção veiculada pelo Movimento de Córdoba, a extensão universitária surge como “fortalecimiento de la función social de la Universidad. Proyección al pueblo de la cultura universitária y preocupación por los problemas nacionales” (Blondy, 1978: 8). Nesse caso, a extensão universitária se desenvolve como uma tentativa de participação de segmentos universitários nas lutas sociais, objetivando transformações da sociedade, sendo esta uma preocupação marcante no movimento de reformas de Córdoba, uma combinação, segundo Rocha (1989: 11), da “ideologia nacionalpopulista então vigente, com uma luta política de combate ao imperialismo, que se traduzia na necessidade de uma aliança panamericana”. Desses ideais, destacam-se dois tópicos constantes na Carta de Córdoba: “a) a extensão universitária entendida como fortalecimento da função social da universidade. Projeção ao povo da cultura universitária e preocupação pelos problemas nacionais; b) a unidade latino-americana e a luta contra as ditaduras e o imperialismo” (ibid.: 13). Essas reivindicações estudantis, entre outras, sugerem que a reforma de Córdoba se movimenta num campo teórico-político muito vasto. Caracterizando-se como um movimento político-estudantil, a reforma mostrou a necessidade de participação das classes subalternas na nação, através da extensão. Tudo isso ocorre num momento político em que a Argentina vivia um clima de anti-imperialismo, projetando-se a necessidade de que, através de segmentos universitários, a própria universidade participasse das transformações sociais. Pode-se compreender que as ‘tarefas de extensão’ possibilitariam aos estudantes formas de se familiarizarem com os problemas da realidade, decorrentes dos contatos com o povo.
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O ideário da extensão desenvolve-se voltado para a difusão cultural, sobretudo, para a educação popular - desde o Congresso Universitário, em l908, no México - refletindo-se no movimento de reformas de Córdoba. São esses ideais que inspiram a plataforma dos estudantes brasileiros. A UNE, que é referência da organização do movimento estudantil no país, assume essas idéias, de acordo com Rocha (Ibid.:13) ao “elaborar o Plano de Sugestões para uma Reforma Educacional Brasileira”. O ideário de Córdoba está expresso nas funções sociais reservadas para a universidade, assim delineadas: “1) (...) a transmissão e desenvolvimento do saber e dos métodos de ensino e pesquisa através de exercício da liberdade do pensamento, da cátedra, da imprensa, de crítica e de tribuna de acordo com as necessidades e fins sociais; 2) a difusão da cultura pela integração da universidade na vida social popular” (apud, Poerner, 1979:328).
A extensão aqui é entendida em termos de difusão da cultura e de integração da universidade com o povo. As vias de implementação serão, naturalmente, os cursos de extensão e divulgação de conhecimentos científicos e artísticos. Trata-se de uma concepção que compreende a função da universidade como doadora de conhecimentos, pretendendo impor uma sapientia universitária a ser absorvida pelo povo. Por isso, o caráter assistencialista está presente nesse Plano de Sugestões da UNE. A concepção de extensão do movimento estudantil foi sendo divulgada pelas mais diferentes formas em todo o país, através do Teatro da UNE, dos Centros de Debates, Clubes de Estudo, Fóruns, Campanhas para a Criação de Bibliotecas nos Bairros, Agremiações Desportivas das Populações Pobres e, até, Educação Política, com debates públicos, quando a temática era de interesse dos trabalhadores.
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Com a criação da UNE, o Movimento Estudantil enfrentaria, em vários momentos, a política hegemônica dos grupos dominantes em relação não só à universidade, mas também às políticas voltadas para a sociedade. Em particular, destaca-se a famosa campanha do Petróleo é Nosso. Em seu Congresso da Bahia (UNE, 1961: 26), ao discutir a Reforma Universitária, a entidade apresenta os traços marcantes da extensão universitária. Esse documento trata de dois aspectos básicos: a análise da realidade brasileira e a análise da universidade no Brasil. No texto, merece destaque o capítulo que trata da Reforma Universitária que, definindo suas diretrizes, passa a assumir um “compromisso com as classes trabalhadoras e com o povo”. Assim, é que se defende a abertura da universidade ao povo, com prestação de serviços e promoção de cursos a serem desenvolvidos pelos estudantes em faculdades. Esses cursos possibilitariam o conhecimento da realidade por eles e, por isso, a universidade - a extensão - os levaria à realidade. A universidade teria um papel de “trincheira de defesa das reivindicações populares, através da atuação política da classe universitária na defesa de reivindicações operárias, participando de gestão junto aos poderes públicos e possibilitando cobertura aos movimentos de massa” (ibid.: 56). Caberia à universidade, através da extensão, a conscientização das massas populares, despertando-as para seus direitos. Das diretrizes da Declaração da Bahia depreendem-se as características de uma universidade democrática, marcada pela extensão universitária. O Movimento Estudantil, através das mais diferentes formas, encaminhava suas propostas, principalmente pelos Centros Populares de Cultura - os CPCs da UNE - desenvolvendo ações no sentido de abrir a universidade ao povo e, por outro lado, de levar os estudantes à realidade. Torna-se problemático, nesse documento, o papel da universidade que, enquanto serviço de órgãos governamentais, seria também a gestora na defesa das reivindicações operárias.
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Mesmo assim, na Declaração da Bahia, o caráter da extensão é marcado pela autoridade do saber universitário e pelo seu paternalismo em relação às comunidades tanto da cidade como do campo. Quanto aos processos de democratização da universidade, as lutas continuavam ainda limitadas a processos eleitorais de que apenas estudantes e docentes participavam. Após 64, a ditadura militar assumiu algumas das reivindicações do Movimento Estudantil, dando-lhes a sua peculiar conotação ideológica13. Inclui como disciplina nos currículos da universidade os estudos de problemas brasileiros. A análise política, contudo, era feita segundo o catecismo do poder militar dominante e não traduzia, na prática, o significado dado pelos estudantes, na Declaração da Bahia. No tocante à extensão, a ditadura militar criou vários programas de integração estudante-comunidade como o do Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária CRUTAC14, considerado por Mattos (1981: 108) “um recurso realmente capaz de viabilizar a política de extensão universitária...” , sendo relevantes o destaque que teve o programa na estrutura da universidade e as condições, inclusive financeiras, de sua realização. Foram criados o Projeto Rondon e a Operação Mauá, esta vinculada mais diretamente à área tecnológica. Criaram-se tais programas como expressão política de contenção das reivindicações estudantis e de combate às mudanças de base, defendidas no governo de João Goulart. Com isso podiam apresentar-se às comunidades rurais como os benfeitores da sociedade organizada que preconizavam. Os estudantes podiam desenvolver atividades profissionais, nesses projetos, ainda que de caráter assistencial, tudo sob 13
Ideologia. Ver: Limoeiro Cardoso, Miriam. Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK - JQ. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2a. ed., 1978. Destacar a partir da temática: A ideologia como problema teórico. p.39. 14 Para melhor análise, ver: PAIVA, Vanilda. Extensão Universitária no Brasil. Rev. Bras.de Estudos Pedagógicos. Jan/abril/86, vol, 67, no. 155.
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rigoroso controle político e ideológico. Observe-se o papel político atribuído à extensão universitária, demonstrando como pode também servir ao controle social e político. A universidade pode, dessa maneira, exercer efetivamente uma função social sem estar sob o ponto de vista das classes subalternas. Convém ainda lembrar que, naquele momento, também efetivavam-se duras medidas de repressão sobre a sociedade brasileira e, de forma mais direta, sobre o Movimento Estudantil, vindo a desfazer, em conseqüência, o sonho da universidade democrática. Ao analisar conceitualmente a extensão veiculada por Córdoba e pelo Movimento Estudantil, Rocha (l989: 27) vê uma dupla possibilidade nessas formulações. A primeira se apresenta como uma linha institucional, em termos de atuação própria da universidade; a segunda se processa no plano organizacional, quando da ação autônoma do estudante, que sempre foi o agente fundamental desse processo. Na vida universitária, a partir da Reforma de l968, a extensão formaliza-se institucionalmente, firmando-se a idéia de prestação de serviço, “como algo próprio e permanente na vida universitária”. A extensão passa a desempenhar papel importante para a realização das políticas do governo, através da extensão universitária, a partir da Reforma Universitária, assumindo uma função oficialmente definida e que tem tido também o objetivo de captação de recursos para complementação de verbas insuficientes das dotações universitárias. A relação da universidade com as classes subalternas da sociedade tem se efetivado, preferencialmente, pela oferta de cursos - os cursos de extensão - ou ainda através de serviços médico, odontológico ou jurídico. A extensão se delineará como um canal de construção de hegemonia de setores dominantes da sociedade, enquanto veiculadora, sobretudo, de um saber dominante. Esse tipo de função social se exerceu, de forma marcante, na época da ditadura militar, na medida em que se buscou o controle total da universidade. É importante destacar que, nos dias de hoje, de novo, o Governo procura também exercer o controle da univer-
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sidade com as suas decisões políticas. Essa situação põe em alerta os que desenvolvem atividades acadêmicas e em particular aqueles que estão trabalhando em projetos de extensão. As experiências vêm mostrando que a universidade continua praticamente mantendo essa mesma postura, ao lado dos setores dominantes. Ao discutir o envolvimento da universidade na vida da sociedade, Kerr (1982: 97) apresenta uma visão ainda mais ampla da extensão universitária, considerando uma maior fusão dos campi das universidades com as indústrias e com o próprio governo. Nesse sentido é que compreende a extensão como uma aprendizagem permanente, expressando um entendimento idêntico ao que vem sendo apresentado pelas atuais políticas neoliberais para a universidade. Saviani (1981), por outro lado, apresenta uma visão não extensionista da extensão universitária. O autor faz um detalhamento sobre o que é o ensino, a pesquisa e a extensão na universidade. Vê o ensino centrado, basicamente, na transmissão do saber; a pesquisa destinada à produção de novos conhecimentos, à ampliação da esfera do saber humano. Por fim, a extensão, a terceira função da universidade, “significaria a articulação da universidade com a sociedade” (ibid.: 62). Essa visão se torna importante, pois aquilo que se está produzindo, como conhecimento novo, precisa ser repassado à sociedade e não apenas a um grupo especial que busca uma profissão acadêmica. O autor tenta superar uma visão profissionalizante de universidade. Darcy Ribeiro (1982), por outro lado, vai tratar a extensão universitária como extensão cultural, considerando-a uma atividade de caráter mais ou menos demagógico, exercida no interior da universidade ou fora dela. Entende tal ação como um borrifar caridoso de um chuvisco cultural sobre as pessoas. Para superar essa prática política, propõe que na universidade haja obrigatoriedade no sentido de que
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todos os seus setores assumam atividades de extensão universitária como atividades regulares. Um segundo requisito é que a universidade nova ofereça o maior número possível de Cursos de Seqüência. “Para isso, será preciso tornar obrigatória, para todos os Departamentos, a abertura de seus cursos regulares à inscrição de candidatos não curriculares, até o limite de 25% do total das matrículas” (ibid.: 239). Pode-se perguntar se isso constitui democracia na universidade ou não será essa a qualidade de educação pública superior proposta por Darcy Ribeiro. Que significa esse tipo de presença das pessoas na universidade? A quem serve essa medida acadêmica? A idéia de extensão universitária, segundo Fragoso Filho (1984), é algo que vem de fora da universidade. A finalidade principal era, na verdade, o aprimoramento ou desenvolvimento de novas técnicas para a produção, sobretudo nos Estados Unidos. Para ele, a extensão é um recurso inventado para queimar etapas do desenvolvimento, fazendo parte de um projeto da UNESCO, para os países de Terceiro Mundo. Extensão pode então ser entendida como “ação prolongada da universidade junto à comunidade circundante; segundo, como expansão para outra comunidade carente e distante de sua sede, do resultado de sua atividade universitária” (ibid.: 29). Para ele, esta segunda versão também é conhecida por campi avançados. MEC (BRASIL/MEC,1985: 31) expressa a importância, bem como a conceituação de extensão universitária, através da Comissão Nacional para a Reformulação da Educação Superior. O relatório final dessa comissão menciona que a extensão universitária vem assumindo formas diversificadas e, conseqüentemente, exige uma melhor definição de sua natureza. A extensão universitária tem adotado as mais variadas formas de atividades como: estágios curriculares, trabalhos de assessorias e consultorias, além de atendimento a setores sociais carentes. Isto posto, a comissão recomendou, na época, estudos sistemáticos para uma maior especifi-
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cação da “natureza e seu significado para o conhecimento da realidade” (ibid.: 31). Contudo, propõe que as atividades de extensão universitária busquem assegurar a “difusão dos conhecimentos obtidos; a continuidade dos serviços oferecidos à população; a contínua ação recíproca entre a extensão, por um lado e, por outro, o ensino e a pesquisa” (ibid.: 32). Destaca-se sobre extensão, em relação ao MEC, o relatório do GERES (BRASIL/MEC,1986: 3), reforçando a Lei no. 5.540/68, em que se estabelece o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, prefigurando esta como elemento associado em igualdade de condições. Mas a formulação sobre a extensão é ausente nesse relatório que, por seu turno, reforça sua compreensão idealizada de universidade, com citação de Karl Jaspers, onde a idéia de universidade vincula-se a de sua independência para “a busca da verdade sem restrições”. Para profissionais da área tecnológica, há uma diferenciação também quanto ao conceito de extensão universitária. Para Alencar (1986: 99), a extensão universitária apresenta visibilidade quando se formula através de convênios diretos entre universidade e empresa. Assim, vê a extensão contando com programas dentro de possíveis convênios, apontando para um espectro amplo de atividades que, no campo da tecnologia elétrica, envolve programa de visitas de alunos e professores a empresas; visita de engenheiros e técnicos das empresas às universidades; programa de estágios e até programas de atualização técnica de professores junto às empresas. Trata-se de uma visão em que, utilizando-se um laboratório, por exemplo, se pode fazer extensão através da prestação de serviço tecnológico. Uma solicitação que é formulada a um laboratório por uma empresa e sua resposta a essa demanda vão se constituir numa via de duplo sentido, caracterizando uma atividade extensionista. Para o autor esta é uma idéia em que se busca a superação da instituição universitária, entendida como tradicional, caminhando-se, assim, na direção de um perfil moderno de universidade.
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Vislumbra, dessa forma, a modernização da universidade através da extensão. A extensão, nessa perspectiva, aparece como “função fim, interligada ao ensino e à pesquisa e voltada para a formação de carreiras tecnológicas, em estreito contato com a sociedade, para servi-la em suas necessidades de progresso e desenvolvimento” (Almeida, l992: 61). Esses autores atribuem à extensão um papel modernizador único e bastante sonhador, como se o atendimento dessas necessidades só dependesse da extensão. Antes de tudo, deve-se questionar essa modernização perguntando pelo menos a quem ela serviria, mesmo que se realizasse através da extensão. Para Cordeiro (l986: 51), de uma maneira geral, as iniciativas no campo da extensão universitária têm se curvado à influência cultural dominante do autoritarismo e do elitismo. Isto conduz a autora a formular dois grandes desafios à universidade, a saber: a tarefa educativa para construção de uma cultura democrática e a tarefa necessária de se rever a si mesma, frente aos ensinamentos da realidade. Para ela, “esses processos podem se constituir em um só e a extensão, enquanto momento de vivência comunitária, poderá ser um eixo importante para as mudanças que se quer promover”. Tem-se uma perspectiva possível de extensão como eixo possibilitador de alguma transformação, bem como a extensão expressa pela convivência comunitária. A proposta de extensão da Universidade de Brasília (UnB: l989), veiculada pelo Decanato de Extensão, caracteriza a sociedade em um nível incipiente de organização, tendo como conseqüência a falta de consciência pelos seus direitos de cidadania. As solicitações imediatas são as primeiras a serem colocadas, vindo fomentar o assistencialismo e não a autonomia dos setores populares. Nessa situação, a extensão universitária pode direcionar-se para “a autonomia política dos segmentos populares, resgatar sua cidadania e lutar contra o tradicional e nocivo assistencialismo (ibid.: 58). Durante o XIII Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas do Nordeste (BRASIL/MEC,1994: 1), a ex-
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tensão é vista como “um nascedouro e desaguadouro da atividade acadêmica, da qual a pesquisa seria o desenvolvimento das respostas, e o ensino o envolvimento dos estudantes em todas as etapas desse processo ...”. Isto vai implicar a necessária parceria tão propalada nos dias de hoje. Parcerias que se expressarão tanto na dimensão interna como, também, na dimensão externa da comunidade universitária. Tal perspectiva vai abrir a concepção de extensão como “a porta na qual os clientes e usuários têm de bater, quando necessitados” (Sousa, 1994: 16). Para o autor, a extensão tem o papel de construir as “passarelas” para o relacionamento da universidade com a sociedade. A universidade exerce, segundo ele, uma liderança na sociedade, pois ela “faz com“ e “faz fazer”. ”Amealhar parcerias. E, num mutirão de solidariedade, consegue navegar” (ibid.:16). Como resultado das deliberações do VIII Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (BRASIL/MEC, 1994a: 3), ter-se-á uma perspectiva de extensão voltada para a cidadania. É a partir do conceito de cidadania que a extensão se externa como um conjunto de direitos civis, políticos e sociais gerando, como conseqüência, deveres do indivíduo para com a sociedade e para com o Estado. Nesse encontro, a universidade é vista como sujeito social, devendo, portanto, inserir-se na sociedade “cumprindo seus objetivos de produtora e difusora de ciência, arte, tecnologia e cultura compreendidas como um campo estratégico vital para a construção da cidadania”. A partir de uma auto-reflexão, a universidade deve possibilitar esse intercâmbio entre si mesma e a sociedade, contribuindo para a construção de uma cultura de cidadania. É diretriz daquele encontro que “as atividades de extensão devem voltar-se prioritariamente para os setores da população que vêm sendo sistematicamente excluídos dos direitos e da compreensão de cidadania” (ibid.: 3).
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Nesse debate, Rocha (1980) mostra, sinteticamente, as diferentes formulações “equivocadas” sobre extensão, quais sejam: como prestação de serviços, como estágio expressando, as mais das vezes, a agregação da universidade aos programas do governo, opção de captação de recursos, expressão da autonomia do ensino e da pesquisa, como possibilidade de se estudar a realidade e ainda como qualquer atividade que não possa situar-se como ensino ou como pesquisa. Analisando aspectos ideológicos do “fazer extensão”, Freire (1976) sugere a substituição do conceito de extensão por comunicação, entendendo que este último traduz muito mais essa dimensão da universidade, superando o conteúdo de uma educação “bancária e domesticadora” , a qual a extensão possa conduzir. Para Reis (l994), a extensão universitária, no Brasil, vem apresentando duas linhas de ação, refletindo o próprio conceito. Em uma delas, o autor apresenta a extensão centrada no desenvolvimento de serviços, difusão de cultura e promotora de eventos, daí a denominação de eventista - inorgânica. Na outra linha, denominada de processual - orgânica, está voltada para ações, com caráter de permanência presente ao processo formativo (ensino) do aluno, bem como à produção do conhecimento - pesquisa - da universidade. Nessa linha de ação, estão sendo realizadas, em geral, as atividades de extensão por boa parte das universidades brasileiras, com base no conceito de extensão universitária do I Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão de Universidades Públicas , em Brasília. Nele a extensão foi considerada: “ Processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e a sociedade. A extensão é uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica que encontrará, a sociedade, a oportunidade de elaboração da praxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será associado aquele conhecimen-
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to. Este fluxo que estabelece a troca de saberes sistematizado, acadêmico e popular, terá como conseqüência: a produção de conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira regional; a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade. Além de instrumentalizada deste processo dialético de teoria/prática, extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integradora social” (BRASIL/MEC, l987: 1).
Dantas (1983: 26), ao analisar a tarefa social que constitui a extensão universitária, em especial ao pensar os serviços da extensão, coloca-a “gravitando” em dois aspectos fundamentais: o primeiro, que é a consideração do saber que existe no povo, destacando a necessidade de não “absolutizar e sacralizar essa sabedoria popular, porém deve-se levar em conta, criticamente, a extensão universitária”. O segundo, que é a extensão voltada à ação que assessora as populações com mecanismos ou instrumentos que as ajudem, tendo em vista a transformação social. Já o Movimento Docente, através da ANDES, ainda voltado à compreensão de extensão como prestação de serviço, vai caracterizála à parte, em relação à realização de atividades. Estas devem ser concebidas e estruturadas enquanto instrumentos acadêmicos voltados à formação acadêmica e ao desenvolvimento da pesquisa, bem como a apoios à comunidade. Essas ações não podem estar voltadas à captação de recursos para complementação de verbas das instituições universitárias. O Movimento Docente, admitindo saldos financeiros dessas atividades, entende que “aos departamentos envolvidos cabe gerenciar os recursos eventualmente provenientes dessas atividades dentro de normas gerais, estabelecidas de forma democrática” (ANDES, l985: 20). Isto sugere uma abertura para tais possibilidades de geração de recursos, submetendo-os, entretanto, a uma gestão “transparente” de seu gerenciamento.
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O Ministério da Educação e Desporto - MEC continua utilizando o conceito de extensão definido no I Fórum Nacional de PróReitores de Extensão como um processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a sociedade. Reconhece a extensão como uma prática acadêmica que visa a interligar as atividades de ensino e pesquisa com as demandas da sociedade, com isso, procurando assegurar o compromisso social da universidade para com a sociedade. Para o MEC (BRASIL/MEC, 1996) a extensão, sendo essa via de interação entre universidade e sociedade, se constitui em elemento capaz de operacionalizar a relação entre a teoria e a prática. Ao assumir o conceito desse Fórum, o MEC coloca também como objetivos da extensão, no ano de l996, a articulação do ensino e da pesquisa, no sentido de atender as demandas da sociedade. Estabelece mecanismos de integração entre o saber acadêmico e o saber popular. Propõe democratizar o conhecimento acadêmico promovendo a participação da sociedade na vida universitária e formando o profissional-cidadão. Pretende, também, contribuir para as reformulações das concepções e práticas curriculares e, ainda, para a reformulação do conceito de “sala de aula”. Para efetivar sua política, o MEC definiu, para l996, o Programa de Fomento à Extensão Universitária, voltado à integração com o ensino fundamental que abrange três linhas básicas: “formação inicial e continuada de professores do ensino fundamental(1a. a 4a. séries); produção de material didático; educação de jovens e adultos” (ibid.: 1). Na vida universitária, como se vê, a extensão vem se colocando, em geral, de forma institucionalizada por parte do poder de Estado, seguindo a tônica da prestação de serviço e, mais que isso, buscando integrar as comunidades a seu projeto de sociedade e de universidade. Isto tem, de certa forma, se constituído em algo próprio e permanente na vida universitária. A extensão assume uma
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função oficialmente definida, passando a ter um papel de captação de recursos para complementação de verbas insuficientes das dotações orçamentárias. A relação da universidade com a sociedade tem se dado preferencialmente pela oferta de cursos e dos serviços de saúde e jurídico. A extensão se delineia como um canal de construção de hegemonia de setores dominantes da sociedade enquanto veiculadora, sobretudo, de um saber também dominante. A universidade parece manter essa postura. Todavia, o papel da extensão não tem sido apenas o de contribuir para um exercício de ratificação dessas práticas de dominação. Por exemplo, as experiências de extensão, no início da década de 60, da Universidade de Pernambuco; as tentativas de extensão como caráter processual da Universidade de Brasília; projetos de extensão como os da Universidade de Ijuí, no Rio Grande do Sul; projetos de extensão na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), como o SEAMPO ( Setor de Estudos e Assessorias aos Movimentos Populares) e outros projetos em andamento nas várias universidades, onde profissionais atuam, as mais das vezes, de forma isolada, ao que parece, veiculam uma outra visão de mundo, outro papel para a extensão universitária, outra concepção de universidade. Parece importante conhecer como vem se desenvolvendo a extensão na UFPB e, a partir daí, fazer-se uma análise sobre suas possibilidades diante desse quadro da extensão universitária.
2 - Extensão na Universidade Federal da Paraíba - UFPB 2.1 - Política de extensão na UFPB A Universidade Federal da Paraíba tem presença marcante em todo o Estado, por constituir-se numa instituição que oferece
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oitenta cursos de graduação e quarenta e cinco cursos de pósgraduação, dos quais quinze em nível de doutoramento. A área construída e a sua população, de aproximadamente vinte e quatro mil pessoas, são marcas de sua presença no Estado. Presença essa que é notável, sobretudo, na área artístico-cultural do Estado, sendo expressa quando dirigentes do Estado vêm dos quadros da própria universidade - professores ou técnicos - ou quando a arte se faz nas próprias dependências da instituição, em espaços culturais, alternativos ou formais. Num Estado com características econômicas como as da Paraíba, a universidade é bastante solicitada, atuando, às vezes, em áreas de obrigação do Estado e de Municípios. A UFPB é uma das poucas instituições de ensino superior no país distribuída em sete “campi”, cobrindo as várias regiões do Estado. É uma configuração que traz benefícios à população, pois possibilita um “olhar” tanto diferenciado como mais próximo da realidade do Estado e, assim, tenta responder, através da produção de conhecimentos, às suas demandas. “Por outro lado, é essa mesma malha, que, grande e operosa, espalha recursos e pulveriza ações tendo em vista que o MEC não consegue, orçamentariamente, ‘ler’ as necessidades mínimas de uma instituição desse porte. Sua matriz orçamentária passa ao largo entre o real e o ideal” (UFPB/PRAC, 1994c: 2).
Sendo um centro gerador e formador de recursos humanos em nível de graduação e pós-graduação, é uma das poucas instituições no Estado a desenvolver pesquisa, o que a torna significativa, não somente para o Estado da Paraíba, mas para toda a região nordestina. Quanto à extensão, a UFPB conta com a Coordenação de Extensão Cultural, que vê nessas práticas a saída para o interagir da universidade com a sociedade nas diversas regiões do Estado. A extensão, como conceito, se torna “o elemento catalisador e pro-
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pulsor dessa empatia, e mais, especificamente, a leitura cultural que essa instituição pode, e deve fazer, da sua identidade e do seu povo” ( ibid.: 2). Uma declaração, na verdade, de uma instituição que busca tornar-se “vanguarda” dos movimentos da sociedade. A Coordenação de Extensão Cultural entende “ser a extensão o caminho mais curto entre a academia e a sociedade que nos sustenta” (Ibid.: 3). Estes são conceitos de extensão apresentados como elemento catalisador e propulsor de empatias ou como um caminho, demonstrando uma diferenciada percepção sobre extensão no próprio setor coordenador da extensão. Essas concepções repassam para a extensão um papel de responsabilidade pela promoção de contatos com a sociedade. Todavia, esse papel não é exclusivo da extensão. Na segunda concepção, elege a extensão como um caminho, pretendendo-o talvez verdadeiro e, conseqüentemente, único. Essa é uma perspectiva que pode expressar o autoritarismo da própria definição. Na Universidade Federal da Paraíba, a extensão universitária destina-se a toda a comunidade acadêmica - alunos, servidores não docentes e servidores docentes - como “um processo educativo, cultural, científico e tecnológico que articula o ensino e pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a sociedade” (UFPB/CONSEPE, 1993: 1). Esse processo pode ser exercido com um duplo caráter: o eventual e o permanente. O caráter eventual da extensão é compreendido como a realização de atividades esporádicas que estão voltadas ao aperfeiçoamento e à atualização de conhecimentos. Visa também à implementação de práticas objetivando a produção técnico-científica, cultural e artística. Essas práticas podem estar voltadas a “serviços educativos, assistenciais e comunitários”. O caráter permanente, por sua vez, é aquele conjunto de atividades já elencado, mas que
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adquiriram formas sistematizadas e de maior duração em relação ao tempo de execução. Esse conceito de extensão já é conhecido dentro das formulações em estudo, mesmo que, do ponto de vista da equipe da UFPB, exista um alerta aos aplicadores de projetos ou programas de extensão - os departamentos - destacando que a “indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão é um preceito constitucional, que deverá ser obedecido...”(ibid.: 1), quando da elaboração e realização de planos de atividades originárias de núcleos ou departamentos. Reconhece que a extensão é uma das atividades básicas da universidade, colocando para os seus diversos setores a necessidade de ser tratada de forma compatível com a sua importância quanto aos aspectos de disponibilidade de recursos financeiros, programação das atividades e distribuição de encargos docentes, bem como para efeito de avaliação funcional do docente. Ao enfatizarem a legalidade quanto à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, os dirigentes reafirmam não a indissociabilidade que é necessária entre ensino, pesquisa e extensão. Reforçam, na verdade, o conceito de extensão exposto anteriormente que também passou a ser uma orientação para os Pró-Reitores de Extensão, ou seja, o conceito de extensão como sendo uma via de mão dupla. Com isso impede-se a tentativa exploratória, papel característico da pesquisa, em buscar outras formas alternativas e conceituais para a extensão. A extensão universitária passou a se realizar através das seguintes formas: “Cursos de treinamento profissional; estágios ou atividades que se destinem ao treinamento pré-profissional de pessoal discente; prestação de consultoria ou assistência a instituições públicas ou privadas; atendimento direto à comunidade pelos órgãos de administração, ou de ensino e pesquisa; participação em iniciativas de natureza cultural; estudo e pesquisa em termo de aspectos da realidade local ou regional: promoção de atividades ar-
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tísticas e culturais; publicação de trabalhos de interesse cultural; divulgação de conhecimentos e técnicas de trabalho; estímulo à criação literária, artística, científica e tecnológica; articulação com o meio empresarial; interiorização da universidade” (UFPB/CONSEPE, 1993: 2).
As formas de extensão acima definidas foram apresentadas aos Centros da Instituição. Nos Conselhos de Centros estão sendo regulamentadas, contemplando-se as especificidades dos diversos campos do conhecimento. Ao se observar a regulamentação em um dos Centros da UFPB - o Centro de Educação - se constata que o conceito de extensão permaneceu, basicamente, igual ao que já havia sido definido pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade (CONSEPE). Pouca ou nenhuma contribuição houve, nesse sentido, na regulamentação pelos diversos Conselhos de Centros. A extensão universitária, considerada “como atividade básica e indissociável de ensino e da pesquisa, deve ser contemplada quanto a recursos financeiros; espaço físico; programação das atividades e distribuição de encargos docentes; avaliação funcional docente” (UFPB/CE, 1994: 4). Esta é a orientação aprovada, mas, como se sabe, deverá haver muita pressão política, por parte daqueles profissionais que atuam também na extensão, para a efetivação desse dispositivo legal. Vê-se, por outro lado, que a formulação de extensão da UFPB se enquadra perfeitamente nas orientações gerais repassadas aos Pró-Reitores de Extensão para as demais universidades no país. O processo de organização da Pró-Reitoria de Ação Comunitária - PRAC - se inicia com a criação do Comitê de Extensão, com o objetivo de manter discussão permanente sobre as práticas na extensão universitária, sobretudo buscando, através desse grupo, formular políticas para serem desenvolvidas no âmbito dos sete “campi” instalados em todo o Estado: João Pessoa, Campina Grande, Areia, Bananeiras, Patos, Sousa e Cajazeiras. Na instalação des-
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se comitê, discutiu-se a extensão na universidade, ocasião em que o Reitor a considerou como: “... A ligação direta com a comunidade, acreditando no crescimento da UFPB, na construção de uma universidade diferente, com pesquisa de ponta, ensino de qualidade, e a extensão na escuta do que está acontecendo na região, na integração da sociedade e que, independentemente de posições políticas, tem-se que trabalhar para a construção dessa universidade que desejamos” (UFPB/PRAC; 1993a: 2).
Com esse comitê instala-se efetivamente um grupo de discussão sobre questões de extensão, apresentando formas de encaminhamentos com projetos que estão, por sua vez, sendo desenvolvidos em todo o Estado. Tal comitê, tratado como um fórum de debates sobre políticas de extensão no âmbito da UFPB, torna-se também um elemento da estrutura da vida acadêmica. Com sua instalação, evidencia-se uma compreensão sobre extensão, considerando-a um “elo importante que a universidade mantém com a comunidade” (ibid.: 2). Assim, enfatiza-se definitivamente a concepção da extensão como um elo dentro do ideário simbólico da via de mão dupla. Será necessário, para se acompanhar o desenvolvimento de projetos no campo da extensão universitária, através da PRACUFPB, destacar-se a avaliação que foi realizada pelos diversos setores voltados para a extensão e, particularmente, para sua decisão de criação de coordenações. A primeira é a Coordenação de Cursos e Programas de Extensão (COPREX), voltada para políticas de incentivos e apoio a cursos que são aprovados em nível departamental. A segunda é a Coordenação de Extensão Cultural (COEX), voltada para implementação de projetos e eventos no campo cultural do Estado. A terceira é a Coordenação de Assistência e Promoção Estudantis (COAPE), que cuida das questões referentes aos estudantes. A quarta é a Coordenação de Programas de Ação Comunitá-
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ria (COPAC), que se ocupa da elaboração de projetos de organização das comunidades e movimentos sociais, bem como da efetivação e acompanhamento desses projetos. A quinta e última é a Coordenação de Programas de Integração Universidade - Municípios, criada para o atendimento das demandas vindas de prefeituras das várias regiões do Estado. Cuidou-se ainda de organizar um grupo de trabalho para acompanhar, junto à própria universidade, os diversos processos de ordem financeira e de pessoal envolvidos na extensão universitária. A dinamização e a agilização desses trabalhos de extensão ficaram por conta do setor de projetos que passou a ter como um dos objetivos principais a identificação de fontes de financiamento e ajuda para os diversos setores da Pró-Reitoria, atuando na elaboração e encaminhamento desses projetos. Uma tarefa que se apresenta imediata, exigindo posicionamento político da equipe de extensão, é a presença de muitas demandas dos setores sociais organizados, basicamente, de prefeituras. Quem deve ser prioritariamente atendido? Um debate estabelecido e não resolvido a nível de equipe, indica que, pelas orientações gerais, devem ser atendidos todos os segmentos sociais. Porém, isto não é possível pelas limitações intrínsecas da equipe. Segundo análise da equipe da Pró-Reitoria, a PRAC teve crescimento, sobretudo, quanto ao número de funcionários assumindo atividades de extensão, algo incompatível com as suas funções. Em si, atividades de extensão não são da competência de uma Pró-Reitoria específica. A extensão estava muito centrada na PróReitoria de Ação Comunitária, com isso, dificultando o trabalho de profissionais da universidade voltados à extensão que estavam em seus departamentos ou centros. Importa ressaltar, no entanto, que houve um reordenamento de pessoal e, com isto, uma descentralização das atividades de extensão para os departamentos, no sentido de que os projetos de extensão pudessem ser gerados a partir dos
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profissionais nos seus setores de trabalho. Esse aspecto foi aceito pela equipe, que iniciara o processo de “retorno” da extensão aos centros e particularmente aos departamentos. Na verdade, o papel da Pró-Reitoria é apoiar, vitalizar e coordenar as atividades de extensão no âmbito da UFPB. Nesse sentido, o grupo de reordenamento de pessoal passou a ter o seguinte entendimento da extensão: “Uma atividade acadêmica que se propõe ser o elo de ligação entre a universidade e a sociedade, no sentido de que a ela cabe levar para a sociedade os resultados dos conhecimentos adquiridos e produzidos, objetivando a melhoria da qualidade de vida da população, ao mesmo tempo que permite à universidade apreender os problemas, os anseios, as necessidades existentes na comunidade, de modo, tanto a instigar novas pesquisas quanto a repensar o seu saber” (UFPB/PRAC; 1992: 11).
Portanto, a equipe expõe a sua visão voltada para a extensão como uma via de mão dupla. Para ela, nesse sentido é que a universidade se coloca em um processo permanente de interação com a sociedade. Entende ainda que, sem esse processo extensionista, a universidade “entra em processo de envelhecimento, de isolamento, de esclerose, deixando de exercer a sua função social” (ibid.: 11). Com o cuidado de não cair em práticas pontuais ou mesmo voluntaristas, a equipe definiu alguns programas básicos que congregassem e fortalecessem os esforços existentes nos diferentes setores da universidade. A visão de mão dupla, como foi apresentada, torna a extensão a única via de se interagir com a sociedade. Nega dessa forma que, através do ensino e da pesquisa, também se interage com a sociedade. A discussão que deve ser encaminhada por qualquer via - ensino, pesquisa ou extensão - é a seguinte: Quem está interessado por essa interação e a quem ela está servindo? Os programas iniciaram-se pela assistência estudantil, caracterizando-se não como mero assistencialismo, pautado apenas
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pelas distribuições de passagens, doações de xerox, ajudas financeiras individuais como tônicas de Pró-Reitorias de Ação Comunitária, mas para o direcionamento de ações dirigidas aos estudantes, situadas no âmbito da formação da cidadania. “O apoio aos estudantes deve ser feito através de suas entidades representativas em função de uma política do reitorado frente ao movimento estudantil” (Ibid.: 11). Segue-se, com essa política, uma redefinição do programa de bolsas, inserindo-o no programa de extensão e das atividades de pesquisa, estabelecendo critérios de concessão, em que haja pleno conhecimento do segmento estudantil. Estimulou-se a atividade cultural com ações voltadas para a organização de cursos de extensão cultural, mapeamento e dinamização dos espaços disponíveis, existentes na universidade e em todo o Estado. Finalmente, no campo interno, salientou-se a importância no sentido de que as atividades de extensão fossem voltadas ao processo de avaliação da universidade, fomentando os seminários internos de avaliação das atividades de extensão. É interessante ressaltar o desenvolvimento de uma política voltada para os estudantes, a partir da assistência. Será essa a melhor política a ser implementada pela extensão, ensino ou pesquisa para ser desenvolvida com os estudantes? Não será interessante o fortalecimento maior das entidades estudantis primando pela sua autonomia? Com relação aos programas, criou-se o da Integração Universidade/Setor Produtivo, no sentido de estabelecer mecanismos que contribuíssem para a viabilização da integração entre a instituição e o setor produtivo estadual. O programa volta-se para esse setor, de modo a buscar as suas dificuldades ou problemas técnicos que enfrenta, promovendo-se, com os pesquisadores da universidade, o estudo desses problemas. O relacionamento exigiria, por outro lado, a necessária divulgação dos resultados dessas possíveis pesquisas. Até porque já existem na universidade setores com potenci-
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al técnico para realizar pesquisa nesse campo. Por conseguinte, não constitui nenhuma novidade a consolidação e expansão de mecanismos como esses. A extensão na UFPB, com esse projeto, continua enfatizando o percurso que vem sendo dado, que é a ênfase ao atendimento ao empresariado. Abre possibilidades de pagamentos por esses serviços prestados, dentro da perspectiva de a universidade colocar-se no mercado para, no futuro, buscar os seus próprios recursos. No campo da saúde, já existiam vários projetos em andamento, alguns deles fixados nos próprios setores e inerentes àquelas atividades, como o atendimento ambulatorial nos HU’s. Desenvolvem-se ainda atividades voltadas para o campo didático do ensino da saúde como o Estágio Rural Integrado - ERI - do qual participam estudantes de várias universidades do país, como também ao atendimento odontológico e farmácia/escola. Além dessas atividades, buscaram-se incentivos para outros programas de saúde, inserindose o CERESAT - Centro de Referência da Saúde do Trabalhador - e outros programas, no sentido de integrá-los em torno de núcleos de extensão permanente. Um cuidado especial se exige das coordenações de projetos dessa natureza, como o ERI, para não repetir simplesmente a fórmula do Projeto Rondon, em que a extensão se tornou um instrumento muito importante na veiculação da ideologia dominante. Definiu-se também um programa de Apoio e Assessoria aos Movimentos Sociais. A perspectiva desse programa é no sentido de contribuir com o processo organizativo da sociedade civil. A PRAC definiu-se pelo apoio e incentivo às iniciativas que visassem a colaborar, no interior da universidade, com os vários tipos de movimentos sociais existentes na Paraíba - sejam movimentos comunitários, como associações de moradores, cooperativas, comunidades de base e outros, bem como o movimento sindical e movimentos populares. O apoio a esses movimentos não estava voltado apenas para o caráter de suas reivindicações, mas, principalmente, “en-
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quanto experiências de exercício criativo na busca de alternativas viáveis para a superação de aspectos da crise econômica, política e social que passa o País” (Ibid.: 13). O Programa de Extensão Cultural está dirigido à promoção do processo de interiorização da arte e da cultura, em suas diferentes formas de expressão e manifestação, juntamente com outros órgãos do Estado e de prefeituras. Volta-se ainda para a identificação e o incentivo à preservação das diversas manifestações locais de cultura popular. Toda a perspectiva até então analisada configura uma percepção do papel da universidade, particularmente pela extensão, de atendimento a todos os setores sociais. Uma visão eclética da função social da universidade em que ela deve atender a todos devido ao seu caráter de universalidade. Esconde-se dessa forma a idéia de que todos os setores da sociedade são atendidos de forma equânime, tornando sem sentido o debate sobre a existência de classes sociais. Vários foram os encaminhamentos feitos no sentido de inicialmente regulamentar as atividades de extensão da universidade, num processo de institucionalização. Com isso, também foi possível a interiorização das atividades de extensão. Com a criação do informativo Eventos, de divulgação mensal, possibilitou-se a socialização de todas as atividades desenvolvidas nos departamentos, no âmbito de toda a universidade. Pode-se, agora, acompanhar com maior agilidade a programação que está se realizando nos centros e departamentos. Procurou-se viabilizar um programa de cooperação técnica entre as universidades do Nordeste na área de extensão, com destaque para o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis e Comunitários, contribuindo para a definição de uma política nacional de assistência estudantil, destacando a luta pela dotação orçamentária que garanta a implementação dessa política. Existe, ainda, a implementação de um Programa Nacional de Refe-
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rência de Extensão - PRONARE - em andamento, que está subordinado ao Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão. Destacam-se, na dimensão social-comunitária do Plano de Trabalho para l993, as ações visando à criação de condições básicas para o desenvolvimento das atividades de extensão - a proposta de regulamentação da extensão como orientação para toda a universidade e a criação de bolsas de extensão, com os recursos da própria instituição, como forma de estímulo à participação discente nos projetos de extensão. É determinante, nesse momento, a definição da política de extensão da UFPB, apresentada através do Programa de Apoio ao Ensino de 1o. e 2o. Graus, objetivando a coordenação e apoio às diversas iniciativas existentes na UFPB, voltadas a treinamento e qualificação da rede pública de ensino de 1o. e 2o. graus. O programa de extensão cultural busca dotar a universidade de uma política extensionista com identidade cultural, “na formação de novos agentes e na difusão dos bens artístico-culturais, a linha mestra de suas ações, na perspectiva de uma nova relação da sociedade com o seu fazer cultural” (UFPB/PRAC, 1993b: 2). Entre as atividades em desenvolvimento até o ano de l994, podem ser destacadas aquelas voltadas à melhoria do ensino de 1o. e 2o. graus, a partir dos diversos núcleos, laboratórios, programas e serviços disseminados pelos vários “campi”, em todo o Estado. Os seis núcleos existentes ocupam-se com atividades que vão desde a educação especial até estudos sobre a mulher sertaneja. Os quatro laboratórios envolvem-se com pesquisa do ensino da Matemática, no Campus II, bem como com a capacitação de professores em Ciências e Matemática, em João Pessoa. Os quatro programas tratam desde a pesquisa em literatura popular até programa de apoio ao ensino de Química nas escolas. Os projetos de extensão, voltados ao ensino fundamental, desenvolvem-se também com as mais variadas temáticas. Há projetos no campo da Comunicação e Expressão, no tocante à linguagem, destinados aos professores de primeira fase do primeiro grau, do município de Olivedos, na Serra da Bor-
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borema, - “revendo o conceito de leitura e produção de texto” - ou mesmo um projeto, como “o livro de pano é coisa séria” desenvolvido em Campina Grande e Guarabira. Ao todo podem ser listados quatorze projetos no Estado. Ainda no mesmo campo, em Educação Artística e Educação Física, outros projetos se desenvolvem, bem como na área da Matemática - como a Forma e a Figura na Escola, em Estudos Sociais, como o projeto sobre a Avaliação da Qualidade e Melhoria do Ensino de Geografia, projetos da área de Ciências, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, além de outros projetos, cursos, treinamentos, assessorias, reciclagens, como o projeto de capacitação para professores leigos da zona rural, em Cajazeiras. Além disso, são desenvolvidas atividades em congressos, encontros e até em cursos ao nível de pós-graduação, como o curso de Especialização em Administração da Educação a Distância. Todas essas atividades estão sendo desenvolvidas em trinta e oito municípios do Estado. Em relatório divulgado pela Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários, observa-se a existência de um hiato entre as intenções e gestos no orçamento e nas precárias condições para o desenvolvimento de projetos voltados, em particular, para a extensão universitária. Com o crescente esvaziamento das atividades extensionistas, foi criado um Programa de Bolsas de Extensão “como forma de incentivar o engajamento do corpo discente em projetos elaborados pelos docentes, estimulando, por sua vez, a produção acadêmica nessa área” (UFPB/PRAC, 1994a: 2). Vislumbra-se, na participação do aluno, um canal de reflexão sobre os problemas da sociedade. Essa participação, por seu turno, revigora o saber acadêmico acumulado, através desse “estreitamento das relações entre a universidade e sociedade” (ibid.: 2). Com o objetivo de promoção da participação dos alunos em atividades de extensão, essas bolsas são distribuídas para os programas de Extensão Cultural, Apoio ao Ensino de 1o. e 2o. Graus, programa de Saúde, Promoção
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Estudantil, Assessoria aos Movimentos Sociais e Programa de Integração Universidade/Empresa/Municípios. Um programa foi implantado, a partir do mês de setembro de 93, com dotação de duzentas bolsas, distribuídas entre os projetos selecionados nos Centros da Universidade. A distribuição pautou-se por critérios de eqüidade entre os Centros e proporcionalidade em relação ao números de alunos, definidos pelo Comitê Assessor da Pró-Reitoria que, por sua vez, é composto por assessores de extensão dos Centros e coordenadores da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários. Esses projetos variam quanto aos objetivos, considerando as diferentes temáticas, envolvendo: Curso de Instrumentação Cirúrgica, promoção do I Circuito Integrado de Ciências e Artes, Capacitação de Professores ao Ensino de Ciências, Assessoria ao Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil em Saúde e Segurança do Trabalho, “Design” de um equipamento para fins de Dessalinização de Águas Salobras, Rotinas Trabalhistas, Assessoria às Administrações Municipais na nova Visão Jurídico-Social e Empréstimo de Reprodutores “Sindi” aos Criadores do Semi-Árido paraibano, com objetivos de “melhoramento genético do rebanho bovino da região, difusão da raça Sindi e a observação do desempenho dos mestiços do cruzamento Sindi x Animais comuns da região” (UFPB/PRAC; 1994b: 52). Ao se buscarem os objetivos da Coordenação de Extensão Cultural, encontra-se, nas suas atividades, o relato, de forma sucinta, das principais experiências extencionistas na área cultural. Tem ainda por objetivo: “Oportunizar ao meio universitário, em geral, o conhecimento das atividades desenvolvidas pela administração central no campo artístico-cultural; prestar contas, ao contribuinte, em geral, de tudo o que se fez nesse período administrativo, do menor gesto ao mais problemático projeto; e, registrar e avaliar as realizações, os acertos e os desacertos visando o consolidar um
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processo de transformação nas maneiras de administrar a coisa pública” (UFPB/PRAC, 1994c: 3).
No relatório de atividades, podem-se destacar os seguintes eventos: reuniões, encontros, seminários, debates, programas e aquelas atividades necessárias para a efetivação dos apoios a eventos, seja em forma isolada ou mesmo em parcerias com outros organismos, inclusive com empresas privadas. Registra-se, no período de janeiro a dezembro de 1994, um total de quatrocentas e onze atividades. Destas podem ser destacadas as seguintes: apoio ao V Curso de Teatro Infantil, à Associação Cultural de Cabedelo (cidade do litoral da Paraíba), ao grupo Lâmpada Mágica, do Curso de Educação Artística, ao Documentário Homem-Peixe, ao vídeo SERTÃOMAR, de Marcus Villar, e ao Núcleo de Documentação NUDOC. Para a Coordenação de Extensão Cultural, todo esse trabalho está reconhecido no cenário cultural paraibano e nordestino. Isto é decorrente de um programa que leva em consideração “os documentos e discussões emanadas dos fóruns de debates sobre políticas culturais. Esse resgate é um detalhe importante. Queremos mais” (UFPB/PRAC, 1994c: 41). Este “querer mais” vem se confirmar ao serem elencadas as atividades do ano seguinte(1995), constatando-se a realização de seiscentas e noventa e uma atividades, sendo grande parte delas ações do ano anterior, acrescidas de novas atividades (UFPB/PRAC; 1995a). Da Coordenação de Programas de Ação Comunitária (COPAC) destacam-se as atividades conduzidas pela própria equipe da COPAC, incentivando a organização social e melhoria da capacidade produtiva de várias comunidades. Essas comunidades são em número de cinqüenta e cinco, distribuídas em praticamente todo o Estado, sobretudo em comunidades do litoral e brejo paraibanos. Essas atividades organizativas passam por criação de associações em muitas dessas comunidades, como Associação dos Pesca-
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dores de Costinha, Associação de Moradores da Aldeia Cumaru, em Baía da Traição e Associação de Moradores da Praia de Campina, no Município de Rio Tinto. Além disso, incentiva, no processo de organização, a criação de conselhos como o Conselho Indígena da Aldeia São Francisco, Conselho Indígena Nova Jerusalém, na aldeia Tracoeiras, na Baía de Traição, Conselho Indígena Tupã, Conselho dos Indios Potiguaras, Conselho da Aldeia de Jacaré de São Domingos, em Rio Tinto, e incentivos às atividades sindicais, como também à luta pela posse da terra. As atividades desenvolvidas nessas comunidades são sistematizadas por projetos - os mais variados - tais como: barcos de pesca, projetos agrícolas, projetos de produção de confecção e costura (Bairro do Areial) ou projetos de horticulturas. Desenvolve-se um total de dezenove projetos (UFPB/PRAC, 1993c: 3). Os cursos organizados também constituem atividades dessa coordenação e ajudam, por vezes, as lideranças comunitárias na própria comunidade. Há ações voltadas para a saúde e promoção de mutirões de canais para plantio em várzeas e até abertura do Rio Jaguaribe, em João Pessoa. Foram ainda atividades dessa coordenação, em l995, o apoio ao plantio em dez comunidades e o apoio à distribuição de mudas em parceria com o Estado. Nesse ano, realizaram-se trezentas e trinta e oito reuniões, nas várias comunidades, abordando os diferenciados trabalhos dirigidos a sua organização. Destaque-se ainda o necessário acompanhamento desses movimentos. Registre-se também, como importante, a articulação com outras instituições, em nível estadual ou mesmo federal, como o IBAMA, EMATER, FUNAI, INCRA, e Bancos, como o do Brasil e do Nordeste, além de Secretarias de Governo e ONGs internacionais. Para acompanhar essas ações, existe o programa das bolsas de extensão. As equipes que fazem parte desses programas ou projetos são constituídas de alunos dos mais variados cursos, tais como: Filosofia, Serviço Social, Odontologia, Educação e Medicina.
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Já se registram conquistas resultantes dessas lutas, como a desapropriação de terras do litoral para os moradores da comunidade praieira da Penha e conquista de várzeas para plantio, sobretudo em períodos de seca, na região do Vale do Mamanguape, composto dos Municípios de Mamanguape, Rio Tinto, Baía da Traição, Itapororoca e Espírito Santo. Conquistou-se também a demarcação de terras indígenas, na aldeia de Jacaré de São Domingos; criação de uma Federação de Associações Comunitárias de Pequenos Produtores, no Vale do Mamanguape; apoio a pequenos produtores no plantio em terras até mesmo da própria universidade, bem como assessoria ao Banco do Brasil quanto ao acompanhamento de projetos do Fundo de Desenvolvimento Comunitário - FUNDEC, para as comunidades rurais, nos municípios de Bananeiras, Fagundes, Solânea e Caaporã (Mata Sul do Estado). Em relação ao Programa de Assessoria aos Movimentos Sociais, destaca-se o movimento sindical, com projetos em parcerias com a Secretaria Nacional de Formação, da CUT; com os Sindicatos de Trabalhadores em Educação do Estado; com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de vários municípios, contribuindo na sua organização burocrática e nos projetos de educação de adultos, assim como educação sindical para lideranças do movimento sindical. Em particular, registra-se o apoio ao Sindicato da Construção Civil, em João Pessoa, com diversas assessorias, destacando-se o projeto de alfabetização nas construções da cidade, denominado Projeto Escola Zé Peão. Com as comunidades rurais surgem demandas no sentido de montar programas com assessorias da UFPB, como as dos sindicatos das cidades do Conde e Pitimbu. No âmbito da Educação Física, são solicitados até padrões de camisa de futebol para organização do esporte nessas comunidades e organização de comitês contra a fome. Nesses movimentos, unem-se tarefas da Pastoral Operária, da Igreja Católica, de Centros Sociais e Movimento dos Sem-Terra, quando existentes, além de organizações não governamentais. Das ações concretas, a Coordenação destaca as seguintes:
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roçados comunitários em comunidades das várias regiões do Estado; hortas comunitárias ou de quintal, projeto de captura de pescado na Praia da Penha e apoio à educação rural. Vários desses projetos são realizados em parceria com diversas instituições, a exemplo da FAC - Fundação de Ação Comunitária - e até com a Marinha do Brasil, na orientação técnica de navegação marítima em cursos para os pescadores. No ano de l995, as atividades foram acrescidas com novas frentes de trabalho. Implementaram-se maiores níveis de organização com aquelas comunidades onde vem se desenvolvendo algum projeto de extensão. A COPAC destaca a participação de seus técnicos, estudantes e professores nos seguintes setores: programa de Comunidade Solidária, do governo federal, juntamente com a Casa Civil do Governador do Estado da Paraíba; trabalho ligado aos pescadores da Praia da Penha; assessoria nas comunidades com ONGs como a AGEMTE (Assessoria de Grupo Especializada Multidisciplinar em Tecnologia e Extensão) e a Visão Mundial; grupos de assessorias dessas organizações, desenvolvendo ações em dezessete municípios, nas regiões do Agreste, Litoral, Brejo, além de quatorze municípios do Cariri. O relacionamento da universidade com outras entidades, mesmo as estatais, insere-se na linha do discurso das parcerias. Aqui também lançam-se as equipes de projetos de forma pouco analítica sobre o significado dessas parcerias com projetos ou campanhas governamentais. Atende-se a essas demandas, justificando-se apenas pelo convite que foi feito à universidade. Ora, a universidade pode dizer não. Esta é uma opção política de suas equipes de trabalho na extensão. É preciso, portanto, uma análise sobre essas solicitações, questionando os destinatários e a que políticas podem estar atendendo. Operacionalizou-se o acompanhamento do Convênio UFPB/INCRA, nas áreas de assentamento de reforma agrária, na Paraíba, através de vários projetos, como a publicação do Atlas
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Geográfico e Fundiário do Estado, produzido pela Profa. Emília De Rodat Moreira. Fez-se o levantamento de áreas de tensão e conflitos de terra no Estado e instalação de vários núcleos habitacionais. Destacam-se a formação de banco de germoplasmas e campos de multiplicação de sementes selecionadas de várias espécies e o aproveitamento nas áreas de assentamento do INCRA, sob a responsabilidade de docentes da área de agricultura do Campus de Areia. Ressaltem-se também cursos de capacitação em dez áreas de assentamento sobre gerenciamento de associações de pequenos produtores rurais e associativismo, assim como a parceria realizada com a implantação do Projeto CONTACAP/INCRA, sob a responsabilidade do INCRA, BNB, DEFARA, INTERPA, EMATER - organizações do Estado - o MST e a CPT, sob a coordenação de professores da universidade. No total listam-se quarenta e dois projetos ou atividades em desenvolvimento. Na parte esportiva, estão envolvidas duas mil, oitocentas e quinze crianças, além de outros projetos que atendem as mais variadas faixas etárias, como o projeto do Núcleo sobre a Terceira Idade, do qual têm surgido trabalhos monográficos ao nível de especialização em Gerontologia, voltados a temáticas “da afetividade na meia - idade para as mulheres que estão realizando curso de pós-graduação na UFPB; o alcoolismo como causa da senilidade”(UFPB/PRAC, 1995; 8). A Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários tem expressado uma preocupação contínua com a construção de uma base institucional, assegurada ao nível dos conselhos da universidade, para a implantação e execução de uma política de extensão. Como síntese das atividades desenvolvidas até final de l994, a coordenação apresenta as seguintes iniciativas ( UFPB/PRAC, 1994d: 105): a) regulamentação das atividades de extensão pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE); b) desenvolvimento de ações junto às assessorias de extensão; c) criação e implantação do programa de bolsas de extensão; d) implantação do banco de dados
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sobre a temática ligada à extensão - o Bandex; e) estímulo e apoio às assessorias de extensão; f) reestruturação do setor de registro de eventos da universidade; g) calendário de eventos; h) elaboração do catálogo de atividades permanentes de extensão; i) apoio material a eventos; j) criação de uma equipe de apoio estrutural a eventos; k) reorganização da Pró-Reitoria; m) participação na elaboração do projeto de avaliação institucional, em andamento na instituição. Com essas atividades, a Pró-Reitoria entende que, juntamente com as assessorias de extensão dos centros da universidade e dos departamentos, os seus vários segmentos “têm contribuído efetivamente para o resgate das atividades de extensão da UFPB. ... tem-se procurado recuperar a importância da extensão, lado a lado com o ensino e a pesquisa, enquanto funções legitimadoras da própria existência da universidade” (Ibid.: 128). Essa recuperação deu passos importantes quando da realização do I Encontro Integrado de Ensino, Pesquisa e Extensão, em 1995. O Encontro não expressou ainda uma ‘perfeita’ indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, mas apontou um caminho. Nesse encontro realizaram-se outras atividades, a saber: a) o III Seminário de Monitoria, com apresentação de quarenta e oito temáticas na área do ensino; b) o III Encontro de Iniciação Científica, com apresentação de seiscentos e oitenta e quatro trabalhos, dos quais duzentos e cinquenta e oito em painéis, e quatrocentos e vinte e seis sob a forma de comunicação oral, correspondentes aos bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC - sob avaliação do CNPq (UFPB/PRPG, 1995); c) o II Encontro de Extensão, com apresentação e exposição de cento e oitenta projetos de extensão assim distribuídos: sessenta e oito projetos voltados para a articulação com o ensino de 1o. e 2o. graus, quarenta e oito na área de saúde, dezoito de articulação da universidade com o setor produtivo, nove projetos de extensão cultural, trinta e cinco voltados à ação comunitária e três projetos identificados como de outras políticas públicas, a exemplo do projeto de
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assessoria em contabilidade pública das prefeituras municipais do Estado da Paraíba ( UFPB/PRAC, 1995b). Todas as atividades desenvolvidas constam de forma mais explicitada no relatório de atividades da Pró-Reitoria, referente ao ano de 1995, reforçando os objetivos já expostos para o campo da extensão. O relatório apresenta também as ações desenvolvidas pelas suas várias coordenações - COPREX (cursos), COAPE (estudantes), COPAC (ação comunitária) e COEX (cultural), detalhando nesta última os projetos permanentes e as atividades em andamento: as do núcleo de Teatro Universitário, os projetos do Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular, o Núcleo de Arte Contemporânea, o Coral Universitário, o Balé Popular da UFPB e demais atividades do Núcleo de Documentação. São destacados também o II Encontro de Extensão, as publicações e os investimentos nesses setores, bem como as dificuldades financeiras diante das políticas públicas voltadas para a universidade (UFPB/PRAC, 1995 c). Assim, entendem os coordenadores que a extensão, embora não tenha se iniciado nesse período administrativo, venha apresentando, contudo, maior ritmo e corpo institucional. Buscando ainda a manutenção do debate em torno da problemática da extensão universitária, o desenvolvimento de processos de avaliação e a dinamização das atividades extensionistas, a Pró-Reitoria volta-se para a criação de convênios com vários órgãos e instituições estatais, bem como com entidades da sociedade civil. O objetivo é “a obtenção de recursos e melhorar a possibilidade de viabilização de projetos e práticas de extensão, em quase todas as áreas de conhecimentos onde a UFPB tem produção acadêmica significativa” ( UFPB, 1996: 45). Como se vê, é também propósito da administração da universidade encaminhar a obtenção de recursos a partir da extensão universitária. Isto expressa uma confluência administrativa com o
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discurso do projeto neoliberal que se instala nas instituições de ensino superior. Dos programas institucionais em andamento na universidade, particularmente os voltados à extensão, pode ainda se destacar, no campo da ação comunitária, o Programa de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho, em ações conjuntas com mais trinta outras universidades brasileiras, envolvendo, interna e externamente, grupos de acadêmicos preocupados com as questões da temática do trabalho. Há a publicação de catálogo das produções teóricas e relatos de experiências nesse campo, ao nível do Estado, bem como a publicação de um boletim da UNITRABALHO/PB. Há o programa dirigido à criação de políticas de extensão voltadas para a assessoria de grupos e movimentos sociais e o programa de apoio a projetos produtivos comunitários, que articula várias iniciativas de grupos ou setores da universidade. Isto vem possibilitando a viabilização de alternativas produtivas rurais e urbanas, juntamente com órgãos governamentais e entidades da sociedade civil, possibilitando a realização de projetos e atividades em cinquenta e duas comunidades rurais, oito comunidades de pescadores, onze comunidades urbanas, com a presença da universidade em cento e vinte e um municípios da Paraíba (Ibid.: 47). Essa presença é marcada por atividades de acompanhamento de produção, assessoramento, realização de cursos, treinamento e participação na implantação de área de proteção ambiental. Pode-se perceber o leque de demandas advindas da sociedade para a universidade, exigindo as devidas soluções. Por isso, a instituição universitária deve estar permanentemente atualizada e qualificada no que diz respeito aos instrumentos de ações e de políticas no campo da extensão, para seu atendimento ou não. A compreensão da administração é que o seu atendimento é expressão construtiva para uma universidade verdadeiramente pública. Esse atendimento não necessariamente pode significar a construção de uma universidade radicalmente pública. Ela pode
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desenvolver ações radicais, no sentido de torná-la pública, caso esse atendimento esteja voltado aos processos de democratização interna da universidade. Deve-se esclarecer também se essas demandas têm origem em setores da maioria da sociedade ou de pequenos grupos participantes das elites que dominam politicamente o Estado. São alguns procedimentos que podem construir uma universidade “mais radicalmente pública”. Mas não se pode conceber a universidade, por mais que sua direção seja “comprometida” com o social, como uma instituição que está agindo com “desprendimento”, em busca de algum “nobre ideal”. A “polivalência” no atendimento às comunidades pode sugerir melhores análises sobre o relacionamento da universidade com aqueles que estão sendo “servidos” por seus projetos. O atendimento da universidade em relação à comunidade não pode desconhecer a heterogeneidade que é inerente, tanto à própria universidade como à comunidade. É um equívoco pensar a sociedade como algo homogêneo, sem diferenciação de classes. Assim, são múltiplos os interesses que presidem as relações entre sociedade e universidade. Atualmente, mais críticas são apresentadas às práticas e conceito de extensão universitária. É preciso voltar-se às atividades de extensão que desenvolvem esforços “de construir o conhecimento e educar a população para atuar de acordo com o melhor conhecimento disponível” (Botomé, l996: 83). A extensão, no contexto em que se está vivendo no país, tem apresentado problemas de concepção sobre o papel da universidade e sobre o que é possível ser feito. Nesse sentido é que experiências em extensão merecem análise mais detida, na busca de suas formulações e possibilidades transformadoras. A partir da análise crítica de algumas dessas experiências desenvolvidas na UFPB, cabe perguntar: Há práticas de extensão que contribuem para a construção da hegemonia dos setores sociais não burgueses? Há elementos dessas experiências que permitem ultrapassar a concepção de extensão limitada à realização
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de eventos ou programas temporários? São questões que estarão norteando esta pesquisa.
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2.2 - Projeto CERESAT O CERESAT - Centro de Referência de Saúde do Trabalhador - está vinculado à Universidade Federal da Paraíba, através do Núcleo de Estudos de Saúde do Trabalhador (NESC). Formou-se a partir de um grupo de profissionais da universidade, preocupados com a necessidade de realização de um trabalho interdisciplinar. Há economistas, médicos, geógrafos, psicólogos e outros profissionais que buscam analisar a relação da saúde e dos processos da saúde com o processo da produção. No que se refere à saúde, o grupo vincula-se a uma perspectiva da medicina social atual, que elabora a sua análise a partir de instrumental marxista, buscando alcançar e entender a origem da doença. Na área da saúde, que se caracteriza por ser um setor crítico da visão biologicista dominante nas análises sobre as doenças - a doença como sendo causada por agentes biológicos que apareceriam, de repente, para atacar o ser humano. Aquela visão crítica vai mostrar, por outro lado, que os agentes biológicos causadores das doenças não surgem dessa maneira, mas que existe uma história da doença. A partir dessa concepção, buscase a problematização dessas relações. Esta idéia não é novidade no âmbito da organização dos trabalhadores. Entre os trabalhadores italianos, há bastante tempo vêm se colocando as questões de saúde no conjunto de suas reivindicações. Saliente-se que na Itália, bem como no Brasil, esse movimento esteve inicialmente ligado diretamente aos sindicatos. Entre os seus princípios básicos há a compreensão de que os trabalhadores não devem delegar a responsabilidade de sua saúde a nenhum técnico ou mesmo a nenhum Estado. Outro aspecto desse movimento é a idéia da necessidade de uma política de afirmação da experiência operária conduzida pelos próprios operários. No caso em que um trabalhador esteja com problemas de saúde decorrentes do uso de uma máquina, não sendo o problema detectado pelo médico da empresa, recomenda-se que todos devem denunciar as condições
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existentes. A experiência operária italiana promove a politização dos trabalhadores também em relação à saúde. A saúde entra como elemento dinamizador da política do sindicato. Na Itália, ocorreu uma aliança entre as centrais sindicais, de modo que em muitas fábricas os operários passaram a exercer a própria vigilância sanitária, no sentido de lutar por mudanças no ambiente de trabalho. Essas lutas levaram a reformas importantes no campo da saúde, em todo o mundo, inclusive no campo da psiquiatria. “O trabalhador está com problema neurológico, mas está por quê? Como é que pintou esse problema neurológico? Foi desde criança? Ou foi alguma substância, tipo mercúrio, que está no seu ambiente de trabalho que causou essas lesões neurológicas irreversíveis?” 15
O resultado de todo esse movimento é que o trabalhador mutilado no trabalho, por exemplo, passa a ser analisado a partir do ponto de onde esse problema surgiu e tem a ver com a sua condição de trabalho. Passa-se a ter uma vigilância sanitária nos locais de trabalho. E o que é a vigilância sanitária? “É o lado político e que tem um lado técnico, que é você ter a capacidade de ir lá e fazer a sua investigação no ambiente de trabalho” 16.
Esta é uma estratégia de cunho nada regional ou mesmo nacional, adquirindo dimensões hoje internacionais. No caso do Brasil, também é um movimento amplo de dimensão maior, agrupando profissionais na Bahia, SãoPaulo, Rio Grande do Sul, Paraíba e outros Estados. Procura juntar três aspectos na saúde: a assistência, isto é, cuidar do ‘paciente’ com o seu problema e conhecer o local 15 . Membro 16
da equipe do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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de trabalho; desenvolver uma vigilância epidemiológica construindo um banco de dados para desenvolver a vigilância sanitária. Essa vigilância exige maior empenho político e, portanto, é mais difícil de se realizar, já que implica mudança do ambiente de trabalho. Os sindicatos, dessa forma, podem ter um campo importante para sua atuação nesse aspecto. No Brasil, essa experiência do operariado italiano é absorvida muito mais pelo movimento sanitarista e bem menos pelo movimento operário. Na Paraíba, esse projeto é gerado partindo da preocupação de se fazer a articulação da universidade com os movimentos sociais. A partir do SEAMPO (Setor de Pesquisa e Apoio aos Movimentos Populares), ligado ao CCHLA/UFPB, cria-se o grupo que vai tratar a saúde do trabalhador como ente de pesquisa. Esse movimento inicia-se na década de 70. Na Paraíba, no início da década de 90, cria-se a rede de informações sobre a temática, com a finalidade de fazer avançar a organização das informações, bem como de reduzir a sua burocracia. Com a criação do CERESAT, monta-se a estratégia de não se limitar a trabalhos isolados e nem ao nível de poucos sindicatos. Executa-se o trabalho, mas coloca-se também a necessidade da absorção dessa política pelo Estado, isto é, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), considerando, inclusive, a exigência da legislação em vigor de “que a saúde do trabalhador seja assumida pelo Sistema Único de Saúde”17. O CERESAT tem atuado nos níveis sindical e governamental, incentivando a criação do Fórum Estadual de Saúde do Trabalhador, com entidades estaduais e com o SUS. Criou-se ainda o Coletivo de Saúde, Trabalho e Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores - CUT. As atividades do CERESAT vêm se desenvolvendo também em municípios da Zona da Mata (como o município de Mamanguape), do Litoral (como o município de Caaporã) e em sindicatos da zona urbana da grande João Pessoa. Mais 17
Membro da equipe do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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recentemente vem desenvolvendo, junto ao Hospital Universitário o Programa de Saúde do Trabalhador, que apresenta como objetivo: “Contribuir com a melhoria da qualidade de vida do trabalhador realizando assistência integral à sua saúde através de: a) consultas para trabalhadores de um modo geral, com a finalidade de fornecer diagnóstico, tratamento e referências para ambulatórios clínicos e internamentos hospitalares; b) estudos epidemiológicos a partir dos casos registrados de doenças e agravos relacionados com o trabalho; c) formação de profissionais na área de Saúde do Trabalhador” (UFPB/PRAC, JAN/1995).
Em todos os municípios ou sindicatos onde vem atuando, o CERESAT tem sido, no princípio da discussão coletiva, o fator propulsor para se “aumentar a compreensão de todos sobre o processo gerador de saúde/doença, além de possibilitar a tomada de posição dos interessados na solução dos problemas identificados” ( STRC/SACTES/UFPB, 1993:151). Observe-se a seguir como os temas da pesquisa aparecem neste projeto, após a quantificação de seus indicadores ou variáveis.
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GRÁFICO 1 FREQÜÊNCIA DOS TEMAS
2000 1500 1000
X VII
500 IV I
0
I. II. III. IV. V. VI. VII. VIII. IX. X.
Concepção de mundo Concepção de sociedade Concepção de Estado Configuração dos interesses sociais Concepção de prática social Relação universidade-sociedade Concepção de extensão universitária Natureza do trabalho social na extensão Papel do agente institucional Pedagogia da extensão universitária
Em termos quantitativos, salta aos olhos que três temas aparecem de forma mais expressiva: os temas I - concepção de mundo, II - concepção de sociedade e VIII - natureza do trabalho social na
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extensão veiculados pela coordenação do projeto(A), pelos executores do projeto (B) pelos membros da comunidade entrevistados(C) e pelos textos produzidos no projeto(D). É conveniente observar com cuidado os demais temas que, mesmo não se sobressaindo pela quantidade, podem apresentar aspectos importantes para a análise. Note-se que os temas IV - configuração de interesses sociais, V - concepção de prática social, VII - concepção de extensão universitária e X - pedagogia da extensão universitária, aparecem com resultados quantitativos muito próximos. Chama também a atenção para a pouca expressão em quantidade de dados dos temas III - concepção de Estado, VI - relação universidade-sociedade e IX - papel do agente institucional. O gráfico aponta, apenas, para uma primeira aproximação com o material empírico, que deverá ser analisado na sua consistência e nas possíveis contradições que abrigue. A simples distribuição percentual dos temas, no total de entrevistas e documentos analisados num determinado projeto, não significa mais do que o volume relativo das informações que os conjuntos dos textos coletados apresentam. É, dessa forma, um dado importante que assim precisa ser considerado, mas que requer a análise qualitativa da sua expressão e compreensão interna para que se possa chegar a alguma conclusão. Neste estudo, cabe lembrar que se manterá sempre como preocupação central a busca de elementos que permitam a continuação do debate sobre extensão universitária, especialmente no seu aspecto conceitual. A Tabela 1 - Distribuição dos temas e itens, por segmento permite um maior detalhamento da análise.
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TABELA 1 DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO 1 Temas
I - Concepção de mundo
II - Concepção de sociedade
III - Concepção de Estado
IV - Configuração dos interesses so ciais V - Concepção de prática social
VI - Relação universidadesociedade
VII - Concepção de extensão universi tária VIII - Natureza do trabalho social na extensão
IX - Papel do agente institucional X - Pedagogia da extensão universitária
Itens
A%
B%
C%
D%
Fi
1.1 - Visão que privilegia o mercado 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a soc. 1.3 - Visão transformadora 2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção 3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. absoluta 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos 4.3 - Interesses voltados à classe dominada 5.1 - Interesses voltados a indivíduos 5.2 - Processo em consonância com classes dominadas 6.1 - Instituição do saber com vida independente 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico 7.1 - Via de mão única 7.2 - Via de mão dupla 7.3 - Trabalho social ( construção de nova hegemonia ) 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 9.1 - Agente de interesses do mercado ( capital ) 9.2 - Agente neutro da instituição 9.3 - Agente comprometido com as classes dominadas 0.1 - Pedagogia tradicional 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora
07 06 87
06 02 92
09 02 89
09 01 91
136 36 1668
% itens 07 02 91
Fgi
% tema
1840
26
04 01 95
02 04 94
01 03 96
03 01 96
43 43 1713
02 02 96
1799
25
22 33 45
14 50 36
67 00 33
00 100 00
06 16 10
19 50 41
32
01
00 57 43
03 21 76
00 10 90
07 68 35
11 155 425
02 26 72
591
08
02 98
05 95
03 97
06 94
19 423
04 96
442
06
38 00 62
65 11 24
58 33 09
31 56 13
41 17 16
55 23 22
74
02
61 06 33
29 08 63
66 00 34
62 01 37
167 17 16
48 05 47
349
05
00 09 91
02 06 92
00 08 92
04 09 87
23 89 1063
02 08 92
1175
17
14 28 58
64 01 35
36 41 23
55 14 31
85 21 51
54 13 33
157
02
00 100
00 100
00 100
00 100
00 549
00 100
549
08
A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores
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B - Entrevista com executores res
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D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicado-
Esta tabela mostra a composição interna dos temas com seus itens, a freqüência dos indicadores por item e seus percentuais considerados separadamente nos documentos e nas entrevistas - estas distribuídas em entrevistas com os coordenadores, os executores e os membros da comunidade alcançada pelo projeto. Mostra ainda a frequência geral dos indicadores de cada tema, bem como o percentual desse tema no conjunto do projeto.
Concepção de mundo e de sociedade De acordo com o instrumento de análise construído, o tema I - concepção de mundo, pode manifestar-se através de uma visão que privilegia o mercado, em sintonia com as perspectivas dominantes nesse momento, no que tange às políticas públicas em andamento no país. Nessas políticas destacam-se temáticas que podem ser tomadas como indicadores úteis para se detectar tal tendência num discurso, como o da qualidade fixada pela eficácia e pela eficiência, projetando a competência e a competitividade a serem asseguradas pela qualidade total. O mercado, a empresa, o lucro e o faturamento são preocupações marcantes nessa tendência. Outro item do tema concepção de mundo a expressa através de uma visão integradora entre instituições e pessoas, aperfeiçoando a sociedade. No caso em estudo, o pequeno produtor, parcerias e integração são marcas dessa concepção. Um terceiro item, adotado como possibilidade neste tema, exprime o mundo através de uma visão transformadora, em que se dá ênfase aos movimentos sociais, às classes sociais, às relações capital-trabalho e à luta e organização dos setores subalternos da sociedade. No projeto CERESAT, a análise do tema I mostra grande consonância entre coordenadores, executores, comunitários e documentos, todos adotando em sua grande maioria (de 87% a 92%)
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uma visão transformadora do mundo, sendo também um dos temas quantitativamente mais destacados em todo o projeto, com um índice de 26% do total dos temas. Isso significa pelo menos uma grande e comum preocupação em definir o projeto em termos de transformação social. No caso deste projeto, não parece que essa preocupação se manifeste unicamente no discurso. No tema II - concepção de sociedade, três perspectivas definem as possibilidades enquanto itens, quais sejam: sociedade como um conjunto de instituições independentes; sociedade como uma totalidade integrada, que pode se revelar sob a forma de sistemas ou subsistemas, pela perspectiva funcional dessas organizações e da vida em sociedade e, sobretudo, a concepção de vida em equilíbrio entre as classes ou a ausência de conflitos. Inclui a defesa do controle social. A comunidade é vista como um todo homogêneo, como também “a população” e “o povo”. A terceira possibilidade entende a sociedade como um modo de produção, definido a partir de uma base material. Enfatiza-se a existência de conflitos sociais, as lutas entre trabalhadores e patrões, a presença de “movimento” como categoria fundamental da concepção, além do destaque aos movimentos populares e sociais. Os índices do tema II mostram consistência entre as posições expressas por coordenadores, executores, comunitários e pelos documentos gerados nos projetos(variando de 94% a 96%) e são quantitativamente expressivos, atingindo o índice de 25% do total do projeto. As concepções de mundo e de sociedade se especificam na concepção da relação entre universidade e sociedade (tema VI). Essa relação apresenta, a partir da perspectiva da particularidade da universidade, a percepção que se tem do mundo, bem como da sociedade. Uma possibilidade de expressão dessa relação considera a universidade como instituição do saber, com vida independente da sociedade. Trata-se de uma visão marcada pela ênfase na produção
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neutra de conhecimento, sendo a universidade tratada como organização fechada e deslocada da sociedade e, especificamente enquanto tal, como geradora e difusora de conhecimento, capacitadora e formadora. Uma outra perspectiva coloca a universidade voltada para o mundo empresarial, caracterizando-a nos mesmos termos que a universidade privada. Aí a ênfase passa pelo desenvolvimento do próprio Estado e do empresariado, sendo a instituição universitária vista como prestadora de serviço às empresas ou de consultoria através de convênios. Uma terceira posição define a universidade como um aparelho de hegemonia permeado por conflitos político-ideológicos, inclusive com a presença de movimento político interno em disputa para torná-la efetivamente pública, gratuita, de qualidade, autônoma, democrática, laica e necessariamente crítica. Esta é uma visão onde são apresentadas as contradições, as mediações, os embates políticos e ideológicos, a disseminação do conhecimento e as possibilidades alternativas, com ênfase nos processos de democratização da universidade e da sociedade. A análise dos itens do tema VI, considerando a origem dos textos(documentos do projeto e entrevistas com seus coordenadores, executores e membros da comunidade alcançada), revela inconsistências, discrepâncias e contradições. Para os executores do projeto e para os membros da comunidade a universidade aparece como uma instituição do saber, independente da sociedade(65% do tema entre os executores e 58% entre os comunitários). Já para os coordenadores do projeto, 62% dos indicadores deste tema apontam para uma compreensão da universidade como aparelho permeado de conflito. Chama ainda a atenção o fato de que 56% dos mesmos indicadores nos documentos concebem a universidade voltada para o mundo empresarial. É interessante essa discrepância. Nos documentos do projeto, a universidade é pensada prioritariamente enquanto ligada ao mundo empresarial, secundariamente enquanto
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
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instituição independente e minoritariamente enquanto aparelho ideológico. Cabe indagar como e em que circunstâncias este projeto foi concebido. Os dados disponíveis na pesquisa indicam que pelo menos os atuais coordenadores adotam uma concepção de relação entre universidade e sociedade que é bem distinta daquela que se expressa nos documentos do projeto. Nas entrevistas com os coordenadores, a posição majoritária nos documentos é completamente ausente. Há, mesmo, uma completa inversão de posições neste tema em relação aos dados provenientes dessas duas origens. Entre os coordenadores, 62% de suas manifestações sobre o tema VI consideram a universidade como aparelho ideológico e 38% como instituição independente. Por outro lado, executores do projeto e membros da comunidade atendida adotam majoritariamente a identificação da universidade como independente da sociedade. A posição que identifica a universidade como aparelho ideológico aparece em 24% das manifestações do tema VI entre os executores do projeto e em apenas 9% entre os comunitários. Os dados desse tema mostram compreensões e expectativas diferentes quando são comparados pela origem dos textos em estudo. As diferenças e mesmo divergências encontradas indicam tensões que podem ser bastante significativas. Esta discussão envolve a questão do mercado de trabalho que é manifestada, neste projeto de saúde coletiva, como não criador de mercado de trabalho. Mesmo assim, existe algum mercado de trabalho, porém “a grande maioria dos formados está sendo absorvida pelos outros Estados do Nordeste ou mesmo do Sudeste. A universidade forma, mas fora dela não existe uma política de absorção desses recursos humanos”18. Uma visão como esta pode significar também uma perspectiva de vida independente da instituição universitária, por parte da equipe de coordenação do projeto. O 18
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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José Francisco de Melo Neto
que se evidencia, entre os coordenadores, é a perspectiva diferenciada surgida com essa discussão e que se revela, por exemplo, na seguinte afirmativa: “Pensar saúde coletiva é pensar um pouco todas as relações que não estão somente no aparelho do Estado. Estão na própria sociedade que as produz e que vão ser objetos de uma intervenção do profissional de saúde. Então, muitas vezes, o que é predominante aqui nas instituições públicas, que absorveriam esse tipo de recursos humanos, não é ainda essa concepção de saúde que predomina” 19.
Projeta-se nos documentos(letra D) a concepção voltada para uma visão da instituição vinculada ao mundo empresarial. Isso mostra que os documentos aí gerados, como por exemplo relatórios, têm tido pouca ou nenhuma participação da equipe coordenadora. Os textos produzidos evidenciam sempre uma grande equipe de elaboradores com presença marcante de seus executores e comunitários, uma ênfase do processo de participação desenvolvido no projeto. É, contudo, uma prática que se mostra como algo limitador para a divulgação daquilo que se está produzindo neste projeto de extensão quanto a uma linha política única do projeto. É significativo destacar que este tema se apresenta em relação aos demais como pouco significativo, já que apenas 2% de seus indicadores foram detectados, o que demonstra contradição quanto à perspectiva transformadora e visão de sociedade apresentada nos itens anteriores. Mas, é nos executores do projeto que se evidenciam as possibilidades, no interior dos próprios instrumentos estatais, para se ter uma maior pressão por mudanças na legislação. Há uma disposição por parte dos executores na busca de que as possíveis conquistas, no campo do movimento da saúde, também passem a fazer parte das normas estatais. E mais: enquanto não ocorrerem as possíveis conquistas, em 19
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
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termos formais, avança-se no interior do aparelho do Estado, conquistando aqueles que são simpáticos a essa luta. “É preciso, também, dentro de vários organismos do aparelho estatal, conquistar alianças”20. Interesses sociais e prática social A configuração dos interesses sociais (tema IV) objetiva visualizar: se eles estão voltados a indivíduos, isto é, se externam de forma enfática a individualidade, a promoção dos indivíduos pela política, cultura ou economicamente, e se manifestam por comportamentos com características estritamente pessoais; ou se os interesses definidos estão voltados a grupos específicos, presentes no movimento organizativo em estudo ou em outro setor da sociedade. Aí observa-se a presença ou não de interesses corporativos (sejam produtivos, privados, industriais ou do comércio) e a promoção de grupos pela política, pela prevalência do econômico ou pela cultura. Vizualiza ainda se esses interesses estão voltados às classes e se eles se projetam através da explicitação direta pela classe. Nesse caso, os tipos de compromissos surgem através de indicadores como greve, aliança, paralisação, luta, e também através das instituições de classe, como o sindicato, a associação, etc. As concepções de prática social (tema V) perpassam duas visões. A primeira procura mostrar a ênfase aos interesses voltados a indivíduos. São seus indicadores palavras que expressem o significado do que está sendo colocado para este conceito através de expressões que apontam para o tipo de indivíduo que se deseja, ou seja, eficiente, eficaz, competidor, reciclado, modelado em relação ao indivíduo do “Primeiro Mundo”. No processo de modelamento buscam homogeneizar as sociedades, a cultura, a educação, a moral e a ética. A segunda visão diz respeito ao processo político em con20
Membro da equipe do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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José Francisco de Melo Neto
sonância com as classes dominadas, expressando movimentos com diferentes mediações e espaços, mas no campo dos dominados. Estão presentes nesse tipo de discurso palavras que expressam transformação, movimento, alternativa política, combatividade, compromisso e envolvimento com as lutas, entre outras. A observação da Tabela 1 revela consistência entre esses dois temas (IV e V ). Há uma sintonia entre a configuração dos interesses sociais que estão sendo colocados ao nível do discurso e ao nível da prática social. É inexpressiva, nesse caso, a perspectiva individualista ou individualizante, variando de 2% a 6% a soma desses indicadores no discurso dos coordenadores, dos executores, dos comunitários e nos documentos do projeto. Entre os coordenadores há maior expressão de interesses voltados para a classe e para grupos que expressem setores do movimento, mas a variação nesta opção abrange apenas de 94% a 98%. Ao se conjugarem os itens 4.2 e 4.3, por considerá-los como aprofundamento e diferenciação meramente esclarecedora de uma caracterização ideológica bastante semelhante, vê-se que tanto entre os coordenadores quanto entre os comunitários não há qualquer menção de interesses de caráter individual. Entre os executores do projeto, essa identificação alcança apenas 3% e sua maior expressão, que se encontra nos documentos, não ultrapassa 7%. Esses dados são consistentes com o que revela o item 5.1, quando os interesses são definidos não genericamente, mas em termos de prática social, quando a variação atinge de 2% a 6%. A análise comparada dos temas I, II, IV e V, neste projeto, demonstra forte consistência de uma concepção transformadora, adotando a perspectiva dos setores dominados da sociedade. Agente institucional e natureza do trabalho O tema IX - papel do agente institucional, é aqui concebido conforme as seguintes alternativas possíveis: a primeira é a de que o agente apresenta-se comprometido com interesses do mercado,
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isto é, com o capital. Dessa forma estarão presentes no discurso os interesses individuais, a promoção do indivíduo, a ênfase no bemestar individual e a necessidade da formação para o profissional avançado, no que concerne à sua adequação aos interesses do mercado. Uma segunda possibilidade é a perspectiva do agente neutro frente à realidade, seja ele de qualquer instituição, do Estado ou mesmo da universidade. Nessa compreensão estará presente a visão de que os agentes são meros representantes da instituição, no caso, a universidade. A terceira possibilidade é a figura do agente comprometido, especificamente, com a classe subalterna. Nessa visão o agente assume perspectivas de solidariedade, participação, combinação de seu discurso com a prática, afetividade, companheirismo, ajuda, conscientização e cooperação, entre outras. Em relação ao tema VIII - a natureza do trabalho na extensão - esta é analisada, prevendo a possibilidade de o trabalho se apresentar com um discurso “modernizador”, em consonância com as idéias do mercado e assumindo a perspectiva da qualidade total, da integração das comunidades e dos indivíduos à sociedade dominante, da preocupação com a produtividade tida como meta, da atualização técnica, do gerenciamento e da otimização do trabalho. Uma outra alternativa é a sua expressão através de um trabalho com discurso da neutralidade e aí o trabalho é prestador de serviço numa perspectiva do tipo paternalista. Sua ação é pautada pela cientificidade. Evidenciam-se os aspectos corporativos. Conceitos como os de cidadania, de parceria e de confiabilidade, sem nenhuma explicitação do significado de cada um, estão sempre presentes nessa linha de discurso. A terceira possibilidade aqui vislumbrada é o trabalho como discurso transformador. Este se externa através das preocupações com a organização dos setores subalternos. Está presente a preocupação do diálogo com a população. Aparecem a discussão pela autonomia, as lutas dos trabalhadores, os processos, a articulação política, a formação de lideranças, etc.
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Esses temas passarão a ser confrontados, pois, de certa forma, a discussão sobre o papel do agente institucional se configura como uma continuidade do tema sobre a natureza do trabalho em desenvolvimento pelos agentes do projeto de extensão. Poderão, por sua vez, consolidar contradições ou revelar consistência interna existentes entre os diferentes grupos em análise, sejam coordenadores, executores, comunitários ou mesmo presentes nos documentos do projeto. A comparação entre os percentuais dos itens do tema VIII evidencia que dois temas projetam a natureza do trabalho na extensão como um trabalho técnico com discurso transformador, tendo índice, no geral, de 90%. Destaca-se a consistência existente entre os membros dos vários grupos de trabalho e nos textos gerados pelo projeto. Os percentuais 91%, 92%, 92% e 87% para os coordenadores, executores, comunitários e textos, respectivamente, são bem ilustrativos. Este tema, por sua vez, representa uma preocupação que parece importante entre os grupos do projeto, já que apresenta um percentual de 17% em relação aos demais . O papel do agente institucional (tema IX) se mostra bastante esclarecedor. De início se apresenta contraditoriamente em relação ao tema anterior. Os indicadores apontam um percentual de apenas 33% para o papel do agente comprometido, especificamente, com a classe dominada. Um total de 54% dos indicadores afirma o papel do agente voltado aos interesses do mercado, ao capital. Há diferenças importantes quando da comparação entre os temas VIII e IX, bem como quando se comparam as posições dos diferentes grupos participantes do projeto. O percentual do tema (2%) mostra que a discussão interna no projeto sobre o papel do agente institucional foi pouco desenvolvida. São discutidas normalmente as propostas e as tarefas imediatas geradas das ações de saúde, contudo, o papel do agente nessas ações aparece muito mais de forma embutida na análise das ações.
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Pode-se avançar no estudo das contradições, observando-se a Tabela 2 - Papel do agente institucional, frequência de indicadores e percentual.
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TABELA 2 PAPEL DO AGENTE INSTITUCIONAL Distribuição dos itens do tema IX, por segmento Item
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
C1
C2
C3
CT
%
D1
D2
D3
DT
%
TT
9.1
01
---
---
01
14
20
11
28
59
64
03
10
---
13
36
04
06
02
12
55
85
% item 54
9.2
02
---
---
02
28
00
01
00
01
01
10
05
---
15
41
01
01
01
03
14
21
13
9.3
04
---
---
04
58
03
12
17
32
35
03
05
---
08
23
01
00
06
07
31
51
33
9.1 - Agente comprometido com interesses do mercado ( capital ). 9.2 - Agente neutro da instituição, seja Estado ou universidade. 9.3 - Agente comprometido especificamente com a classe dominada.
A - Entrevista com coordenadores AT - Freqüência de indicadores no item A B - Entrevista com executores BT - Freqüência de indicadores no item B C - Entrevista com comunitários CT - Freqüência de indicadores no item C D - Documentos dos projetos DT - Freqüência de indicadores no item D TT - Freqüência total de indicadores no item
% tema 02
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
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Consolida-se nesta tabela a visão conflitante entre os diferentes grupos pesquisados no projeto, constatando-se no item agente comprometido com interesses do mercado, percentuais de 14% e 64%, para os coordenadores e executores, respectivamente. Juntando-se os indicadores relativos ao agente que se identifica com o mercado e o agente neutro, tem-se 67% de opção por essa compreensão, ao passo que o agente da classe dominada alcança 58%. São dados que negam os procedimentos de ação do agente institucional voltados à classe dominada (tema V). Os próprios comunitários vêem predominantemente esses agentes como neutros, possivelmente por cumprirem tarefas acadêmicas. Contraditoriamente, esses agentes se identificam na sua ação como aqueles que incentivam a necessidade da vigilância sanitária, o que significa ir ao local de trabalho e detectar qual é de fato a questão da saúde do trabalhador que está em cena. Sentem-se como agentes que vão ao local onde está aparecendo a doença, de forma que o deslocamento significa intervir no sentido da mudança. Todavia, para que esse trabalho de mudança seja possível, deve-se atuar no âmbito do legislativo e do judiciário, tentando provocar, inclusive, mudanças das leis. É a luta do trabalhador por mais espaços de atuação. Sabe-se que a configuração jurídica apresenta uma correlação de forças desfavorável para o trabalhador. Sobre essa necessidade de atuação do agente, diz um dos entrevistados: “Então, ou ele se mobiliza, há uma mobilização política para que as leis abram mais espaço para essa intervenção de mudança ou fica um campo político bastante desfavorável” 21.
Nos debates que se desenvolvem no interior do projeto, surge com clareza a necessidade de contrapor-se ao corporativismo que comumente cerca a ação sindical. No caso da saúde coletiva, 21
Membro da equipe do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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sempre se discute a articulação que deve ser feita entre os sindicatos, no sentido de maior pressão para mudanças das leis. É aí onde surge o debate sobre as necessidades de se buscarem mudanças mesmo no aparelho estatal. Muitas vezes, mesmo ao nível das plenárias de saúde coletiva, coordenadas pela CUT e onde há participação dos setores governamentais, os trabalhadores começam a perceber o deslocamento de problemas que estão em pauta para serem analisados em futuras plenárias. Eles começam a perceber o jogo quando os representantes do governo (DRT, Secretaria de Saúde, INSS, CRP (Centro de Realização Profissional) pretendem deslocar questões de solução iminente para outros momentos, no futuro. Há, portanto, muito jogo por parte das autoridades da saúde quando a decisão aponta para medidas imediatas. É importante ressaltar que é também papel do Coletivo de Saúde, Trabalho e Meio Ambiente, da CUT, a formação de trabalhadores de base, de cipeiros (membros da CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e de dirigentes sindicais. Eles percebem a reação dos representantes do governo, que vão logo se fechando, mesmo quando admitem que o problema deva ser resolvido. Apesar disso, os sindicalistas e membros da equipe do Projeto Zé Peão que vão aos canteiros já conseguem promover discussões salariais e também questões de saúde. Tempos atrás a única discussão era a questão salarial. Também os representantes do governo tomam consciência ali do que deveriam estar fazendo e vários deles assumem esta situação. “A saúde do trabalhador passa a ter um papel fundamental na formação política, a partir da discussão da problemática da saúde do trabalhador com o processo de trabalho” 22.
22
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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As discussões são, posteriormente, remetidas ao âmbito institucional e os agentes do projeto passam a ser cobrados como incentivadores daquelas críticas. Mas os trabalhadores também cobram desses agentes do CERESAT maior empenho na solução dos problemas. Esses embates parecem suscitar possíveis explicações da visão dos comunitários, no caso um percentual de 41%, sobre o papel neutro do agente do CERESAT. Os dados mostram uma profunda contradição nesse aspecto, contradição não só entre a natureza do trabalho no projeto e o papel do agente institucional, como também acerca da visão dos interesses voltados à classe (tema IV), da consonância da prática social com as classes subalternas (tema V) e da noção do trabalho com discurso “transformador” (tema VIII). Já se notam, na análise do tema IX, as diferenças de posição quanto ao papel do agente institucional entre os coordenadores e os executores do projeto. Cabe confrontar esses dados com as opções encontradas nos documentos do CERESAT. Aí prevalece a identificação do agente do mercado (55%), seguida da compreensão do agente da classe dominada (31%) e, finalmente, do agente neutro (31%). Trata-se do mesmo tipo de distribuição encontrada entre os executores do projeto. Já entre os coordenadores, as prioridades se acham invertidas: 58% dos indicadores do tema se concentram na concepção do agente como agente da classe dominada, enquanto que 14% o apontam como agente do mercado. Ou os atuais coordenadores não participaram da elaboração dos documentos do projeto, ou mudaram sua concepção no exercício da coordenação. É ainda curioso o fato de que coordenam executores cujas concepções são divergentes das suas, embora perfeitamente ajustadas aos documentos do projeto. A discussão do tema acerca do papel do agente institucional mostrada pela freqüência desses indicadores(157) e o percentual entre os temas de 2% apontam mais ainda a necessidade da discussão dessa questão entre os membros do projeto CERESAT.
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Extensão universitária O tema VII do instrumento de análise dos projetos de extensão está voltado à compreensão de extensão veiculada pelos participantes das atividades de extensão. Além de buscar encontrar elementos das concepções que são veiculadas, hoje, através de diferenciados projetos de extensão, também buscar-se-ão elementos outros que, talvez, possam contribuir para o debate conceitual. No tema concepção da extensão universitária enfatizaram-se três visões sobre a questão e que estão muito em voga nas práticas educativas. A primeira é a visão de extensão como um caminho ou uma via de mão única. O que caracteriza essa visão é a compreensão de que a universidade é uma instituição independente e que cabe a ela passar para a sociedade os resultados de alguns dos seus trabalhos. Bem caracterizam essa visão a prestação de serviços, a promoção de cursos e eventos, a assistência, a venda de serviços, o treinamento de indivíduos da sociedade, a realização de estágios, enfim, a universidade levando benefícios à sociedade. Uma outra visão é apresentada através da simbologia da “mão dupla”. Nesse caso, a extensão é compreendida como um processo educativo, cultural e científico. Esta concepção privilegia o aspecto de que a universidade leva conhecimento à comunidade, como também traz conhecimento da sociedade para a instituição. A universidade e a sociedade são aí concebidas como agindo de mãos dadas. Estabelece-se, às vezes, a simbologia do canal e do elo como expressões dessa mão dupla. A universidade procura atender as demandas sociais em forma de troca de algo com a sociedade e tendo desta a sua contrapartida. Uma terceira concepção em desenvolvimento neste trabalho está sendo inserida com o objetivo de tentar encontrar nessas experiências elementos que possam ser apresentados ao debate sobre a extensão e que possam projetar conceitualmente a extensão como um trabalho social. Nesse sentido é que essa compreensão estaria
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sendo marcada por indicadores que mostram certo tipo de trabalho em desenvolvimento entre universidade e sociedade, não como entes separados, mas em relação permanente entre si. Contudo, nem por isso se identificam, pois se diferenciam. Trata-se de um movimento contínuo de relação e de diferenciação. A universidade tem suas especificidades, mesmo que a sociedade, como um todo, a contenha. O sentido que se propõe apreender é de um trabalho social como processo educativo, cultural e científico, porém voltado à construção de uma nova hegemonia. O trabalho aqui aparece configurado com a própria classe subalterna, especialmente voltado à organização dos seus diferentes setores. De acordo com esse entendimento, a universidade e também a comunidade devem ser as proprietárias do produto desse trabalho. A extensão assim concebida deve acarretar processos em desenvolvimento de forma contínua que se realimentam desse fazer e que são marcados por uma relação imanente da teoria e da prática.
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TABELA 3 CONCEPÇÃO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Distribuição dos itens do tema VII, por segmento ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
C1
C2
C3
CT
%
D1
D2
D3
DT
%
TT
%item
7.1
00
---
---
30
61
11
23
11
45
29
04
15
---
19
66
29
12
32
73
62
167
48
7.2
03
---
---
03
06
00
10
03
13
08
00
00
---
00
00
00
00
01
01
01
17
05
7.3
16
---
---
16
33
16
19
61
96
63
04
05
---
09
34
21
05
18
44
37
165
47
% tema
05
7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade. 7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico. 7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia.
A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B CT - Freqüência de indicadores no item C DT - Freqüência de indicadores no item D TT - Freqüência total de indicadores no item
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Para uma maior visualização observe-se a Tabela 3 - Concepção de extensão universitária, constante já na Tabela 1, que revela no geral a existência de duas concepções diferenciadas que são bastante nítidas. Um percentual de 48% dos indicadores desse tema (% item) refere-se à extensão como uma via de mão única, enquanto 47% apontam para uma percepção da extensão como trabalho social. Contudo, na visão da extensão como mão única, a análise interna dos itens por origem dos textos revela diferenças importantes entre os coordenadores e comunitários e nos textos gerados que são de 61%, 66% e 62%, respectivamente. Convém destacar que a expressão “mão única” não aparece sempre explicitada dessa forma precisa nos textos ou nas entrevistas, só estando registrada assim quando o sentido é claramente este. Já com relação aos executores do projeto, 63% das opções do tema se concentram no entendimento de extensão muito mais em termos da possibilidade de torná-la um trabalho social. É importante ressaltar que a percepção de extensão como mão dupla teve pouca expressão percentual. É digno de se notar que este tema se apresenta com 5% do total dos temas do projeto. Parece não ser relevante quantitativamente, contudo, serão vistas com maior atenção as possibilidades de diferenciação conceitual surgida no projeto. Uma observação de forma vertical (Tabela I), em torno dos temas do projeto, afirma-se de forma consistente entre os seus coordenadores: a visão transformadora de mundo; a concepção de sociedade como um modo de produção; a concepção de Estado ampliado com suas contradições de classe, mesmo com a sua frequência de indicadores baixa em relação aos demais temas, (1%); a concepção de prática social como processo voltado às classes subalternas; a relação entre a universidade e a sociedade como uma relação permeada de conflitos ideológicos; a natureza do trabalho social como um trabalho técnico com discurso transformador, além do papel do agente institucional como aquele agente da classe do-
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minada, com percentuais de 87%, 95%, 45%, 98%, 62%, 91% e 58%, respectivamente. Para os executores surge um relacionamento entre o tema IX - papel do agente institucional entendido como agente do mercado, com 64% e o tema VI - relação da universidade com a sociedade, sendo a instituição vista como portadora de um saber com vida independente, com 65%. Estes aspectos conflitam frontalmente com a visão de mundo (tema I) e concepção de sociedade (tema II) com percentuais de 92% e 94%, respectivamente voltados a uma visão transformadora e a sociedade como um modo de produção. Assim, estes últimos estão em consistência, contudo, com a possibilidade de verem na extensão uma concepção diferenciada daquelas que hegemonizam o debate em torno dessa temática, com percentual 63% para extensão como trabalho social. Esta concepção também está em consonância com a idéia de prática social voltada às classes subalternas, com percentual de 95%. Já entre os executores, as visões predominantes são: o Estado árbitro acima das classes; a universidade se expressando como saber e com independente; a extensão vista como via de mão única, expressando percentual para o papel de agente de mercado ao agente institucional com 67%, 58%, 66%, e 36%, respectivamente. Entre os textos produzidos pelos projetos (D%) também se estabelece a consistência nos temas sobre visão de mundo (91%) e visão sociedade (96%), sendo nessa perspectiva dissonante quanto à visão de extensão como via de mão única (62%) e quanto ao papel do agente institucional como agente de mercado (55%). Considerações O debate diferenciador está presente no projeto CERESAT. Coordenadores que vêem a instituição como um aparelho de conflito ideológico (62% do total do tema VI), contudo, não apresentam uma perspectiva de extensão como trabalho social.
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“Não vejo a função social da universidade, apenas, como trabalhar na visão dos trabalhadores, embora não se possa escapar disso. Na área tecnológica, não vejo como ela não realizar ou ouvir as necessidades de outro segmento ” 23 .
Um entendimento como este possibilita uma perspectiva eclética do trabalho de extensão. Pode-se encontrar ainda a visão de extensão como “os canais que existem para se fazer essa passagem entre o que está acontecendo na universidade e o que está acontecendo na sociedade, de forma a criar esse caminho de mão dupla”24. Para alguns executores do projeto que estão numa perspectiva diferenciada de extensão universitária, em relação aos coordenadores, esta pode ser “ exatamente as respostas da universidade para a sociedade, ou seja, seria a tentativa da universidade de penetrar nos movimentos, nas instituições e ali poder dialogar com os atores mais diversos, que estão presentes nessas diversas instituições, nas diversas instâncias da sociedade”25. Esse tipo de visão coloca a necessidade de que a universidade responda às demandas sociais e a extensão se torna essa própria resposta. Para outros membros do CERESAT, no entanto, o seu trabalho de extensão se inicia a partir de um desejo de atender a uma demanda especificamente sindical, embora permaneça também aí a marca da compreensão de extensão como uma resposta, tal como foi considerado anteriormente. Não importa que seja para um sindicato de trabalhadores, sindicato patronal ou uma instituição qualquer. O produto do fazer extensão seria a resposta a ser dada àquela demanda. Há, todavia, nessa visão a decisão de cunho ideológico de atender a uma demanda de um sindicato ou mesmo de 23
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. 25 Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. 24
120
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iniciar um trabalho na possibilidade de desenvolvimento desse sindicato, tendo como base a realidade da classe trabalhadora. Nessa perspectiva é que um dos entrevistados vislumbra uma nova forma de trabalho na categoria dos trabalhadores da construção civil: “Hoje, o pessoal consegue ir para os canteiros de obra e fazer uma discussão com os trabalhadores sobre a questão da saúde e, não só, como faziam antigamente: apenas discutindo a questão econômica” 26.
Esta se apresenta como uma forma diferenciada de concepção de extensão, que coloca não mais as perspectivas, seja de mão única ou de mão dupla, e que estabelece o índice de 63% do item para os executores do projeto CERESAT, diferenciando-se, assim, das compreensões dominantes de extensão. Contudo, as diferenciações se mantêm ainda dentro do próprios coordenadores quando vêem no desenvolvimento do projeto a seguinte dimensão: “Em muitos momentos, se inicia uma atividade que seria, predominantemente, de prestação de serviços. Na prática, contudo, ao se ter uma concepção mais ampla do que é o conhecimento; do que são as interrelações do Estado - Sociedade; de repente, se vê que nesta prestação de serviço, o que se produz como informações, só seriam geradas se tivessem formalizadas como pesquisa” 27.
26 27
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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2.3 - Projeto Escola Zé Peão A tinta esconde a massa. A massa esconde o tijolo. O tijolo ocupa o vazio. A massa, a tinta, o tijolo escondem a minha mão. Escondem a mão do meu companheiro pintor. Escondem a mão do meu companheiro pedreiro. O edifício aparece naquela rua. Alto, bonito, aprumado ... 28
A década de 70 marca a tentativa dos trabalhadores de recuperarem as suas organizações e particularmente os seus sindicatos, apesar da vigência da ditadura militar. Esse processo inicia-se, sobretudo, nos centros mais industrializados do país, sendo São Paulo o carro-chefe, e espalha-se pelos demais Estados. Na Paraíba, a luta dos sindicatos dos trabalhadores, no caso o da construção civil, faz parte dessa luta maior pela democratização da sociedade. É dessa época a história da organização de um grupo de pessoas, voltado para a organização dos trabalhadores da construção civil, em João Pessoa. Esse grupo veio denominar-se Movimento de Reconstrução Sindical ou Grupo Zé Peão, caracterizandose em três períodos: “O primeiro período cobre os anos 1976-81, formando a “préhistória” do grupo. O segundo período começa em l982 com a decisão do grupo de assumir a sua identidade de oposição sindical e termina com a sua consagração nas urnas como direção do sindicato (l986-l989), a sua reeleição em l989 e a continuação de sua luta até o atual momento, no qual o Projeto Escola Zé Peão está profundamente arraigado” (IRELAND, 1991: 5). 28
Ver texto para alfabetização no livro: IRELAND, Vera S. J. da Costa. Aprendendo com o trabalho: livro de alfabetização de jovens e adultos trabalhadores. Col. Maria de Lourdes Barreto de Oliveira. João Pessoa, Editora Universitária/UFPB/1995.
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Essa referência histórica se torna importante, para que se possa traçar uma análise marcada pela dimensão histórica do projeto e pela preocupação crescente do grupo Zé Peão, na tentativa de contribuir para a organização de uma categoria de trabalhadores, através da construção de sua identidade coletiva. De forma mais geral, pode-se reconhecer a influência de todo um movimento nacional, com o renascer do sindicalismo no ABCD paulista, das lutas pela anistia, sendo o embrião de organização nacional dos trabalhadores a I Conferência Nacional das Classes Trabalhadores - I CONCLAT - e posteriormente com a criação da Central Única dos Trabalhadores - CUT . Esse é o primeiro momento organizativo desse grupo, tendo suas raízes em uma Comunidade Eclesial de Base (CEB), no bairro popular de Mandacaru, em João Pessoa. Esteve nessa origem o movimento de criação da Comissão Pastoral Operária (CPO), além de operários que, sem vínculos com organização religiosa, vieram a constituir o primeiro núcleo de trabalhadores da construção civil nos bairros populares em João Pessoa. Esta foi uma medida tomada internamente pelo grupo, visando ao seu crescimento. O grupo volta-se às atividades das lutas operárias por melhores salários e condições de trabalho. Estabelece, dessa forma, um início de relacionamento com a instância formal da categoria - o sindicato. Todavia, o grupo só vem se formalizar como oposição sindical em l982. Prepara-se, inclusive, para enfrentar as eleições sindicais. As dificuldades de acesso às normas sindicais e às informações burocráticas dos procedimentos de eleições, a pouca inserção nas bases, as dificuldades no trato com as grandes firmas da construção civil, as perseguições políticas aos trabalhadores, a pouca presença do grupo nos canteiros de obras e a conjuntura política local adversa foram os elementos marcantes e responsáveis pela derrota eleitoral dessa oposição sindical que se apresentava para a categoria, através de boletim, com o nome de Zé Peão.
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Em l986, a conjuntura política, no país, era bem diferente da de l983. As preocupações dos empresários locais estavam muito mais voltadas para as eleições estaduais e federais e menos para as eleições sindicais. O afastamento da base sindical pela diretoria “pelega” era marcante. A oposição sindical se afirmava e mantinha um elo com a categoria, através do boletim Zé Peão. Levava a sua mensagem oposicionista e reiterava sua opção pela organização da categoria e dos demais trabalhadores. Esse trabalho vai consolidarse, finalmente, com a eleição da diretoria oposicionista, naquele mesmo ano, desenvolvendo as atividades antes postuladas pelo boletim para toda a categoria. Agora, o Zé Peão estava na direção do sindicato. Pode-se configurar como um outro momento desse processo ou o Sindicato Zé Peão. O percurso de ação política do grupo esteve, desde esse momento, em sintonia com um grupo de profissionais da Universidade Federal da Paraíba, constituindo-se numa perspectiva de se desenvolver processos de educação básica para os trabalhadores adultos. Isto revelaria contradições entre os operários, considerando o desejo de mudanças imediatas. (Poderia também) “justificar-se tanto pelos pequenos ganhos de ordem pragmática que ela(educação) pode conferir ao trabalhador quanto pela possibilidade de se constituir num meio através do qual ele avalia sua inserção/alienação da sociedade. Isto fortaleceria as lutas desses setores pela afirmação de sua cidadania” (Oliveira, 1994: 5).
O grupo chegava à direção com idéias diferentes sobre o processo de organização da categoria. Era um conjunto de idéias políticas voltadas a uma prática sindical democrática, participativa, na construção de um sindicalismo combativo.
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“E como parte da estratégia do grupo para ir criando um sindicato democrático, obviamente, com um eixo muito forte, era a questão da educação. Educação em termos abrangentes” 29.
Todo o trabalho, praticamente, estava por ser feito, desde aquele mais simples, como a burocracia do sindicato, até as ações políticas necessárias e importantes, como a realização de assembléias preparatórias para os dissídios coletivos. Os diretores iniciam suas visitas aos locais de trabalho. Detectam alto índice de analfabetismo e pouca formação sindical e política entre os trabalhadores. Além dessa questão, outras ainda são específicas da categoria. O operário da construção civil não tem condições de, depois da longa jornada de trabalho, sair do canteiro para um local de estudo. Eles dormem no próprio canteiro. Sua vida toda está no próprio canteiro de obras. São operários que vêm do meio rural. Trabalham, comumente, por temporada. Nas épocas de plantio retornam às suas terras. Há canteiros constituídos de trabalhadores de um mesmo sítio ou município do interior do Estado. Essa situação gerou a idéia de, junto com o pessoal da universidade, organizar-se uma escola no próprio canteiro de obras. Foi preciso um certo tempo de mobilização e politização para se conseguir, até, a autorização do sindicato patronal para poder efetivar-se a experiência da escola Zé Peão. Esta foi uma conquista forjada na luta e na justiça através da organização do dissídio coletivo. Projeta-se a Escola Zé Peão, como uma experiência de alfabetização de adultos, dirigida aos operários da construção civil. Estes são caracterizados como operários, vindos da zona rural, migrantes para a cidade em busca de emprego, com baixa ou nenhuma escolaridade. “Eles não têm, de um modo geral, uma alfabetização preliminar. Alguns entraram na escola e aprenderam a decodificar ou codi29
Membro do Grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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ficar alguma coisa, mas necessitam de um processo mais sistematizado de alfabetização, no sentido tanto da leitura e da escrita, quanto do cálculo e do conhecimento geral. O Projeto Escola Zé Peão tenta trabalhar, justamente, com esse pessoal mais específico. Esta foi a proposta inicial, em l991, quando tínhamos em mente esse objetivo” 30.
A realidade do operário da construção civil relativa à educação apontava para a existência de um quadro de trabalhadores analfabetos. Para estes elaborou-se um programa denominado de Alfabetização na Primeira Laje (APL). Contudo, parte desses operários já tinha alguma noção da escrita e de cálculo. Essa outra realidade revelou a necessidade de outro programa que foi denominado de Tijolo Sobre Tijolo (TST), destinado a essa outra clientela. Essa experiência se reveste de uma perspectiva educativa voltada não apenas à sistematização dos códigos da leitura e de cálculo, mas que privilegia uma visão de globalidade e de politização dos operários. Este projeto pedagógico se desenvolve e está contido no livro Aprendendo com o Trabalho, elaborado a partir dessa experiência e em utilização nas escolas do Projeto Zé Peão. “O projeto tem um caráter escolar, onde a gente trabalha a linguagem, a matemática e os conhecimentos gerais, estes através de discussões, cujos temas estão implícitos nos livros didáticos. No caso, o livro Aprendendo com o Trabalho é um relato da história de Benedito. É uma cartilha construída a partir do conhecimento da realidade do operário. Esse livro didático contém uma diversidade de temas do tipo: migração, subjetividade do operário, exploração do trabalho, reconhecimento do operário, etc” 31.
30 31
Membro do Grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro do Grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Com o processo educativo de caráter mais amplo, configurou-se um terceiro programa que veio subsidiar o trabalho nas escolas através de imagens. Um programa que pudesse utilizar as potencialidades da cidade como o Planetário e os diversos espaços da arte. Criou-se o programa Varanda Vídeo (VV). Seu objetivo era enfatizar as visitas culturais, as discussões sobre os mais variados temas relacionados a geografia, história, democracia e cidadania. Em síntese, é um projeto organizado nessas três dimensões: APL, TST e VV. Não é um projeto do sindicato. É um projeto gerado das discussões, das necessidades dos operários e em parcerias com profissionais da universidade, com setores da universidade comprometidos com os operários e em conjunto com o sindicato. Atuando junto à universidade, a educação do trabalhador é pensada e praticada numa dimensão de parceria do tipo universidade/sindicato e da perspectiva para a luta política que possa interessar aos trabalhadores. Mais adiante o Estado também entrará nessa parceria, assumindo parte das despesas decorrentes. Contudo, o que se demonstrava, ao se desenvolver uma educação nos canteiros de obras, era a urgência de se tratar da articulação de dois temas fundamentais: “trabalho e escola ou trabalho e educação”(ibid.: 5). As questões-chave postas para estudos dos participantes da universidade, nesse processo de educação, eram: “Como encontrar a educabilidade do trabalho a partir da práxis produtiva do trabalhador da construção civil ou como encontrar a educabilidade da escola e da alfabetização pela práxis produtiva? Este era um desafio interno que a experiência colocava” (Ibid.: 5).
Trabalho estava sendo entendido como uma relação social e não como expressão de relações de força ou poder. Estava definindo o modo humano de existência, não apenas atendendo às exigên-
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cias físico-biológicas, mas envolvendo dimensões sociais, estéticas, de lazer, etc. Era o trabalho construindo o mundo da liberdade. A questão enfatizada vai ao encontro de preocupações postas por educadores, como Arroyo (1980: 23), que, desde o início da década de 80, já mostrava a necessidade urgente de se “redefinir nossas pesquisas sobre as relações reais entre escola e organização do processo produtivo”. Essa experiência também vai relacionar-se com as posturas e práticas dos sindicalistas. Este modelo de escola projeta um repensar de suas práticas sindicais ou um delinear da “nova prática do Zé Peão”. A chegada da diretoria Zé Peão ao sindicato provocou, de início, o fim das “mordomias” de várias pessoas que percebiam salários da entidade sem desenvolver qualquer trabalho sindical. O ambulatório médico atendia a toda a redondeza do sindicato com dividendos eleitorais para a antiga diretoria, não servindo aos sindicalizados. Dessa forma foi sendo desativado como política de superação do assistencialismo desenvolvido. O funcionamento da diretoria foi modificado e os diretores passaram a trabalhar, pelo menos, duas horas por dia, na sede do sindicato. O tempo restante foi direcionado às visitas aos canteiros de obras. Os duzentos e cinqüenta canteiros passaram a receber visitas, praticamente, diárias. Existiam muitas reclamações dirigidas ao sindicato, às empresas, reclamações trabalhistas que vinham, conseqüentemente, aumentar os pedidos de visitas por parte dos próprios trabalhadores. A prática da nova diretoria foi se diferenciando das anteriores. O princípio do seu trabalho passava, inicialmente, pelos canteiros de obras. ”Temos a vantagem de não nos envolvermos com o trabalho burocrático. Toda parte burocrática são dos funcionários. A nossa parte é apenas a política. Isso facilita o trabalho com a categoria” 32 . 32
Liderança sindicalista da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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A participação da universidade enquanto instituição só se manifesta após o convênio firmado em l992, como fruto de uma integração de profissionais que já atuavam individualmente junto aos trabalhadores da construção civil. “Eu quero dizer que a universidade tá nesse meio também porquê a gente fez com que ela viesse. A gente pediu. A gente fez com que ela se aproximasse. Eu acho que a universidade tá diferente da universidade de 20 anos atrás” 33.
Destaca-se, a seguir, a apresentação dos variados temas em discussão na pesquisa do Projeto Escola Zé Peão, após a aplicação do instrumento de análise aos documentos e às entrevistas realizadas, expressa pela quantificação de seus indicadores ou variáveis.
33
Liderança sindicalista da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa .
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GRÁFICO 2 FREQÜÊNCIA DOS TEMAS
2000 1500 1000
X VII
500 IV 0
I
I. Concepção de mundo VI. Relação universidade sociedade II. Concepção de sociedade VII. Concepção de extensão universitária III. Concepção de Estado VIII. Natureza do trabalho social na extensão IV. Configuração dos interesses sociais IX. Papel do agente institucional V. Concepção de prática social X. Pedagogia da extensão universitária A visualização do Gráfico 2 demonstra a freqüência com que os indicadores aparecem nos variados temas da pesquisa. Proje-
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tam-se dois temas: a concepção de mundo e a concepção de sociedade. Ambos se expressam no conjunto dos demais temas, com percentuais de 26% e 27%, podendo mostrar que, do ponto de vista teórico, estão bastante discutidos tanto entre os coordenadores do projeto como entre seus executores e sindicalistas, assim como nos documentos produzidos por membros do projeto. O Gráfico 2 destaca um segundo bloco de temas: a configuração dos interesses sociais, a concepção de prática social, a natureza do trabalho social na extensão e a pedagogia da extensão universitária. Esses temas tiveram percentuais de 11%, 7%, 12% e 7%, respectivamente, e servirão como guia para uma melhor observação, ao nível desses temas, considerando que o Gráfico 2 não possibilita tal averiguação. Finalmente, oferece um bloco de temas com percentuais pouco expressivos quantitativamente, mas ainda assim muito importantes qualitativamente, quais sejam a concepção de estado, a relação da universidade com a sociedade, a natureza do trabalho social na extensão e o papel do agente institucional. Os percentuais referentes a esses temas estão expressos em 1%, 2%, 2% e 3%, respectivamente. Esses dados conduzem a uma busca de maiores detalhes no interior dos referidos temas. Vai se tornando necessária a observação mais específica sobre a consistência interna entre os temas, em seu conjunto, e dentro do projeto. Para isso, a explicitação maior será possível através da Tabela 4 - Distribuição dos temas e itens, por segmento.
Concepção de mundo e de sociedade Observe-se que há uma consonância entre os percentuais referente à concepção de mundo projetada pela visão transformadora entre os vários atores do projeto, sejam eles: coordenadores, executores ou sindicalistas. Tanto os coordenadores como os textos produzidos no projeto apresentam percentuais ligeiramente abaixo dos
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demais. Porém, o percentual geral de 88% dessa perspectiva é bem ilustrativo da predominância de concepção de mundo, enquanto temática discutida tanto nas entrevistas como nos textos.
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TABELA 4 DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO Temas I - Concepção de mundo
II - Concepção de sociedade
III - Concepção de Estado
IV - Configuração interesses sociais
dos
V - Concepção de prática social
VI - Relação universidadesociedade VII - Concepção de extensão universitária
VIII - Natureza do trabalho social na extensão
IX - Papel do agente institucional X - Pedagogia da extensão universitária
Itens 1.1 - Visão que privilegia o mercado 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a soc. 1.3 - Visão transformadora 2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção 3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. absoluta 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos 4.3 - Interesses voltados à classe dominada
A% 13 01 86
B% 09 01 90
C% 07 01 92
D% 24 01 75
Fi 183 08 1420
% itens 11 01 88
Fgi
% tema
1631
26
06 01 93 83 17 00
06 01 93 20 80 00
04 03 93 00 100 00
01 01 98 60 40 00
61 37 1586 12 25 00
04 02 94 33 67 00
1684
27
37
01
00 37 63
01 17 82
00 20 80
00 49 51
01 207 508
00 29 71
716
11
5.1 - Interesses voltados a indivíduos 5.2 - Processo em consonância com classes dominadas 6.1 - Instituição do saber com vida independente 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico 7.1 - Via de mão única 7.2 - Via de mão dupla 7.3 - Trabalho social ( construção de nova hegemonia ) 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 9.1 - Agente dos interesses do mercado ( capital ) 9.2 - Agente neutro da instituição 9.3 - Agente comprometido com as classes dominadas 0.1 - Pedagogia tradicional 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora
11 89
01 99
02 98
07 93
08 433
02 98
441
07
41 12 47
57 25 18
74 13 13
55 25 20
79 23 31
60 17 23
133
02
35 07 58
35 04 61
84 02 14
24 06 80
92 10 110
43 05 52
212
04
02 27 71
03 09 88
01 07 92
01 03 96
08 58 680
01 08 91
746
12
38 27 35
30 00 70
17 04 79
52 03 45
48 12 110
28 07 65
170
03
00 100
00 100
00 100
00 100
00 100
00 100
461
07
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A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicadores
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Essa visão é veiculada pelos próprios sindicalistas. Quando são consultados sobre os seus planos para o futuro, respondem que, ao se tornarem uma pessoa que adquiriu conhecimentos sobre a vida do operário, sobre a mecânica desse sistema e o funcionamento da sociedade, vão continuar voltados a essa causa. “Os planos são estes: de continuar na luta, de continuar lutando, organizando os trabalhador, procurando dar minha contribuição, como operário para operário e para os outros trabalhador. ... Meu plano é continuar esse trabalho, não pensando em mim, ... mas na perspectiva de um dia os trabalhador, a classe operária, comemorar sua emancipação” 34.
Essa compreensão vem sendo alicerçada pela prática de vários participantes do Projeto Escola Zé Peão, desde os tempos que juntavam as pessoas dos bairros para reuniões. Essa prática abriu a possibilidade de debates e discussões com trabalhadores da construção civil e com outras categorias de trabalhadores e trabalhadoras, isto é, as donas de casa, as lavadeiras de roupa, as empregadas domésticas, os operários do setor têxtil, em que juntos discutiam as questões do bairro onde viviam. Esse debate não se traduzia como sinônimo de consenso entre eles, mas estava cheio de conflitos e de contradições. Para um dos líderes sindicais, ainda há brigas, mas que não têm ocorrido pelo poder ou por cargos simplesmente, pelo menos no Projeto Escola Zé Peão. “Temos uma briga, sim, pela consolidação dos trabalhadores. Temos briga, sim, quando um membro sindical da diretoria começa a achar que o sistema capitalista tá correto. Se achar que os patrão tá correto, aí sim, vamo brigar” 35. 34 35
Líderança sindicalista da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa. Id., ib.
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Tal interpretação também se expressa através da concepção de sociedade. Aí se consolida uma concepção onde predomina a visão da sociedade como um modo de produção, sendo definido a partir de uma base material. Todos os setores do projeto apresentam proximidade na concepção e quase coincidência no percentual. Uma média dos itens de 94% (2.3) expressa tal aproximação de visão de sociedade e visão de mundo. É uma concepção veiculada após o aprendizado do trabalho educativo de organização num bairro ou num sindicato, com todas as suas possibilidades e limitações. Conhecem, desde o início, as contradições que permeiam os movimentos e as pessoas que os constituem. Muitos se identificam com uma visão mais ampla de sociedade, demonstrando clareza quanto aos modos de exploração. Conhecem os mecanismos culturais de dominação e são capazes de assumir a sua classe social. Esclarecem a seus colegas as diferentes formas de lutas nas relações trabalho-capital. São capazes de distinguir com nitidez as formas diferenciadas dos movimentos sociais. Isto tudo, porém, não elimina as contradições, que são intrínsecas aos indivíduos. Entre membros da diretoria do sindicato e membros da equipe do Projeto Zé Peão surgem formulações onde os procedimentos de organização dos trabalhadores são divergentes quanto à sua concepção. Expressam-se quando do confronto nos embates políticos internos. Num mesmo palco ideológico, como o da equipe do Projeto Escola Zé Peão, as divergências muitas vezes passam pela percepção dos instrumentos organizativos dos trabalhadores. É colocada a visão de que sindicato é sindicato, associação de moradores é associação de moradores; trabalho de comunidade de base é um, trabalho sindical é outro, trabalho religioso é outra coisa. Essa percepção enfatiza a diferenciação existente entre os vários instrumentos e
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formas de organização, esquecendo, todavia, da relação necessária existente entre todas essas formas. Outras contradições surgem da comparação do tema I - concepção de mundo, e do tema II - concepção de sociedade, com o tema VI - relação da universidade com a sociedade. Seria consistente para aqueles que se identificam com a visão de sociedade e a visão de mundo, apresentada no Gráfico 2 , verem, na universidade, uma instituição permeada de conflitos no seu interior. A universidade se mostra como um aparelho de hegemonia expressando os seus conflitos ideológicos. Um aparelho de hegemonia em que pelo menos uma parcela de sua comunidade está em permanente luta para torná-la pública, gratuita e crítica. Aparelho permeado por suas contradições de classe, porém com mediações que possibilitam sua penetração nos movimentos sociais. Aí destaca-se um núcleo de formulação de propostas alternativas em busca de sua democratização interna, disseminando conhecimento e promovendo a consciência política. A contradição surge ao se observar a relação da universidade com a sociedade, quando a primeira é vista como uma instituição do saber com vida independente. Nesse aspecto, registra-se um percentual de 41% (6.1) entre os coordenadores, percentual que cresce entre os executores do programa para 57% (6.2) e é ainda maior entre os trabalhadores, com 74% (6.3). Chega-se a uma média de 60% (6.1) da visão da universidade tida como fechada para a sociedade. Trata-se de uma visão na qual a universidade permanece encastelada em seu próprio mundo e forma indivíduos comprometidos, basicamente com a ideologia das elites. Ou seja, uma instituição que vem exercendo o papel de treinadora, recicladora de pessoas, em geral das classes dominantes. A relação da universidade com a sociedade, no item referente à visão da instituição como um aparelho de conflito ideológico, apresenta, contudo, um percentual expressivo de 47% (6.3) para os coordenadores. É, ao mesmo tempo, uma contradição e uma dife-
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renciação de percepção entre os próprios coordenadores do Projeto Zé Peão. Os coordenadores vêem a necessidade de criação de vínculos entre universidade e sociedade. Uma forma bastante procurada neste projeto é a via da institucionalidade, observando-se, entretanto, que não é tão fácil a realização desse vínculo. Sabe-se que não é um papel assinado ou um documento burocrático que vão gerar esse vínculo. No início do Projeto Escola Zé Peão, já havia uma relação informal da universidade com o sindicato. Essa relação evoluiu, transformando-se de um compromisso individual para um compromisso institucional. Já quanto ao compromisso individual político, destaca-se no projeto a visão de que há grupos no interior da universidade, marcadamente, descomprometidos com o mundo fora dela. Em debates internos admite-se que há grupos comprometidos politicamente com mudanças, mas que apresentam limitações intelectuais quanto ao desempenho do trabalho acadêmico e que tendem a apoiar ações pouco recomendáveis para o campo da extensão. No entanto, há grupos não comprometidos que assumem com competência suas atividades. “Acho que há uma divisão. Infelizmente, o lado progressista, também, tem a sua dose de incompetência - de muito discurso e pouca prática. O que ganha as pessoas é um projeto sério. É honestidade” 36.
Numa linha diferenciada da apresentada, mas no campo dos coordenadores e formuladores do projeto, há visões que se expressam na perspectiva de existir, na universidade, um espaço de liberdade para dar respostas às demandas imediatas. Isto, todavia, não pode levar a universidade ao comprometimento apenas com o imediato, porque a instituição seria sacrificada pelo imediatismo. 36
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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“Talvez ela passasse a ser, simplesmente, uma instância de assistencialismo e não uma instância onde a questão do conhecimento, de forma mais profunda, e, portanto, mais duradoura, pudesse acontecer” 37.
Entendimentos os mais variados vão sendo externados no conjunto do projeto, como a tentativa de se conceber uma unidade entre universidade e sindicato. Define-se pela possibilidade de elaboração de projetos que atendam os diferenciados interesses existentes. O surgimento do Projeto Escola Zé Peão passa por essa interface. Esse relacionamento, contudo, não se dá na direção da universidade para o sindicato. “Ele ocorre de setores da universidade comprometidos com essa clientela e desse sindicato(construção civil) que reconhece a necessidade de construir um projeto” 38.
O encaminhamento dessas relações poderá produzir ações pensadas não simplesmente pelos representantes da universidade para serem repassadas aos operários, mas por setores comprometidos com a classe trabalhadora, desenvolvendo atividades com esses trabalhadores, nesse caso, também com o sindicato. O operário da construção civil deixa evidente a sua visão de universidade fechada para a sociedade, conforme foi apresentada, na Tabela 4, com um percentual de 74%. É uma visão em que a universidade é uma instituição do saber com vida independente, mas que, mesmo assim, se mostra contraditória. Os operários, em suas reuniões, afirmavam que seria muito bom que a universidade apoiasse todos os projetos que a classe trabalhadora pretendesse. Entendiam eles, porém, que o atendimento a essa expectativa tem 37 38
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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limitações, por conta da existência de um sistema por trás dessa instituição que não permite que isso aconteça. Do operário surge a visão de que a universidade bem que poderia, de certa forma, conscientizar o seu estudante que no futuro pode ser o patrão. A universidade, para ele, poderia: ”Ter um insinamento, um isclarecimento prá ele(estudante), então, ele seria um patrão mais flexíve do que aquele patrão que não aceita siquer niguciar” 39.
Esta é uma visão já bastante conhecida na história da educação, sobretudo no campo religioso, onde muito se investiu nas mentalidades das elites, na esperança de que poderiam ser “melhores” e dirigentes mais “caridosos”. Interesses sociais e prática social A configuração dos interesses sociais(tema IV) está definida de acordo com três possibilidades. A primeira é que os interesses podem estar voltados a indivíduos, estando permeada de formulações que conduzem à sua promoção, seja na política, no aspecto econômico ou mesmo na dimensão cultural. São interesses que se expressam por uma visão que privilegia o comportamento da pessoa individualmente, marcada por enfatizar as expressões financeiras e as promessas. A segunda possibilidade de interesses é aquela voltada a setores do movimento. Essa percepção concebe apenas os interesses corporativos e busca a promoção de grupos da sociedade, nas dimensões política, econômica e cultural. Pode estar definida em torno de interesses do setor produtivo, privado, seja industrial ou comercial. 39
Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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A terceira possibilidade é aquela em que os interesses se apresentam direcionados à classe. Os seus indicadores revelam os interesses políticos voltados à classe que defendem. Também podem apresentar interesses ligados ao campo das alianças ou mesmo de greves. Lutas, organização, reclamações, etc. são expressões também utilizadas por aqueles que defendem os interesses da classe trabalhadora. Quanto à concepção de prática social (tema V), tem-se uma complementação e uma reaplicação do tema anterior - configuração dos interesses sociais. A prática social está formulada através de interesses, podendo estar voltada a indivíduos. Nesse caso ter-se-á um discurso pela modernização preocupado com eficiência, eficácia, competitividade, competência, modelamento e que prende em geral as preocupações administrativas. Um segundo aspecto da prática social é quando ela se constitui como processo político em consonância com as classes dominadas, podendo externar-se ou expressar-se como movimento com diferentes mediações e espaços. Essa postura passa a afirmar e complementar o jogo de interesses sociais, explicitando-se em discursos onde estão presentes possibilidades de mudanças, transformações, lutas, alternativas políticas, consciência política e formação política das classes trabalhadoras. A Tabela 4 revela consistência entre o tema IV - configuração dos interesses sociais e o tema V - concepção de prática social, como revelam os percentuais dos indicadores. No tema IV, os interesses voltados à classe apresentam os índices de 63%, 82%, 80% e 51%, relativos, respectivamente, aos coordenadores do projeto, aos seus executores, aos trabalhadores ou comunitários e aos documentos produzidos pelo projeto. Esses dados serão expressos de forma consistente no tema V - configuração da prática social, por meio dos indicadores que apontam para uma prática como processo em consonância com as classes subalternas (5.2). De forma mais acentuada, os percentuais de 89%, 99%, 98% e 93% são determinantes quanto à percepção da prática no
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Projeto Escola Zé Peão. As médias desses indicadores são também expressivas - 71% (4.3) e 98% (5.2) -relativas ao compromisso voltado para os interesses das classes trabalhadoras, como também às práticas direcionadas para essas mesmas classes. A análise das entrevistas dos trabalhadores da construção ou comunitários indica uma percepção clara dessa prática, que se apresenta através de resultados concretos. Quanto aos resultados que os sindicalistas esperam, não se faz necessário que suas propostas sejam executadas pelos próprios trabalhadores ou mesmo por seus agentes ou instituições. Para eles, o importante é que haja repercussão da necessidade de se fazer aquele tipo de trabalho. Nesse sentido, o resultado passa pela disposição gerada no sindicato patronal para fazer convênios e também para realizar cursos de alfabetização nos canteiros de obras, até a possibilidade de financiamento pelos empresários, a partir do Ministério da Educação e Desporto. A esse respeito, diz um dos sindicalistas: “Quando vejo o Presidente da República que não soltou dinheiro prá nós, mas já está financiando o empresário que quiser alfabetizar, o meu trabalho teve uma repercussão lá em cima” 40.
Para ele, pouco importa quem são os agentes da prática social; o que importa é a realização dessa prática e o atendimento das necessidades. Esta é uma contradição (ou a indicação de uma falha) no discurso do dirigente sindical, pois se sabe que os agentes da prática social são determinantes na realização do trabalho que se pretende como organizador de uma classe. O exercício pedagógico da escola Zé Peão não será o mesmo se for desenvolvido por qualquer agente social, despojado também de compromisso de classe. Para o sindicalista, pouco importa a discussão política, inclusive interna, 40
Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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que possa traduzir-se como visões de tendências ou visões políticas diferenciadas. O ganho de uma posição política se apresenta como uma possibilidade de pouca importância, a que ele se refere como “brigas ou picuinhas políticas”. O que importa para ele é o trabalho. O que ele pretende mesmo é trabalhar. É de se perguntar se o trabalho político não é um trabalho. Essa compreensão de prática social coloca-se em contraposição às formulações dos coordenadores, que vêem na prática pedagógica de um fazer sistematizado o significado dessa prática social, no sentido de que o operário passe também a apropriar-se do saber sistematizado, assim como aqueles que estão desenvolvendo aquela ação. A organização do projeto passa a ter sentido desde que haja um caráter educativo primordial, ou seja, a formação de uma identidade de classe: “um conhecimento da condição de trabalhador”. Revelam-se também metodologias de práticas sociais bastante peculiares a partir dos próprios trabalhadores ou dirigentes sindicais. Para se levar o boletim Zé Peão e algumas discussões até os canteiros de obras, muitas vezes chega-se na hora do almoço dos trabalhadores. “Às vezes chego na hora do almoço. Eu pego um ‘bico’ com eles. Um me dá um pouco de feijão, outro farinha, outro um pedaço de carne. Pego o ‘bico’ deles. Quando falta 15 ou 20 minutos prá eles pegar no serviço, costumam jogar até a cachorra bater, é a sineta, que é um pedaço de ferro que bate prá eles pegar no serviço. Eu vejo que eles já têm jogado bastante, já deu prá se divertir, aí eu digo: companheiro! vamo parar o dominó. Hoje, vamo discutir um assunto que é muito importante. A questão, vamo dizer, do plano. Quem tá entendendo o plano do Governo?” 41.
41
Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Para esse líder sindical, a discussão imediata sobre política não será compreendida tão facilmente pelos trabalhadores. Daí porque tal técnica possibilita ao próprio dirigente sindical uma inserção no mundo específico aquele canteiro de obra. Tanto o tema político como o próprio sindicato, como instituição, pode não ser aceito naquele ambiente de trabalho. Esse é um trabalho conhecido por “começar de baixo”, mas que suscita desconfiança por parte de outros dirigentes, que não aprovam essas formas de passar as informações aos seus companheiros. Para a liderança sindical, entretanto, essa é a linguagem e também um pouco a escola do trabalhador. Ao ser questionado sobre essas estratégias de fazer prática sindical, o sindicalista responde que não vai chegar entre os operários da construção e dizer que irá conscientizá-los e que o certo é a instalação do comunismo no Brasil. Não irá dizer aos trabalhadores que devem votar no Lula para Presidente ou que devem votar todos no PT ou outro partido de esquerda. Os trabalhadores não vão entender essa linguagem. “Eles acham que todo partido é igual. Eles acham que todo político calça 40. Nós temo que começar pelo dominó, mostrando prá ele que as pedra do dominó são diferente. Umas têm três pingos brancos outras têm quatro. Temos de mostrar prá ele que todo dirigente sindical é diferente. Todo político não é igual” 42.
Há, portanto, diferenças e contradições no que concerne às percepções de prática social entre os coordenadores, bem como entre coordenadores e comunitários que participam do Projeto Escola Zé Peão, e ainda entre os dirigentes sindicais que participam diretamente do projeto.
42
Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Segundo um membro da coordenação do projeto, ao participar dessa luta na busca de bens simbólicos, se encontram “futuros heróis”: o trabalhador que após dez horas de trabalho ainda vai em busca da escolarização, em nome da cidadania. Há uma introjeção desses bens como sendo bons para eles. Constroem um projeto pessoal. Há muitos aspectos nessa relação das práticas sociais com a configuração dos interesses sociais. “Há, contudo, uma vida noturna e uma sociabilidade entre esses operários e até de ‘encantos’ das professoras do projeto. Vai se vendo que, agora, esses trabalhadores ‘compraram’ o projeto. Inicialmente, ia-se ‘vender’ tal projeto” 43.
Agente institucional e natureza do trabalho O papel do agente institucional(tema IX) configura-se das seguintes formas: a primeira analisa o comprometimento do agente institucional com os interesses do mercado, do capital; a segunda vê o papel desse agente expresso de forma neutra e a terceira compreende a possibilidade de o agente institucional estar compromissado, especificamente, com as classes subalternas da sociedade. Em relação à primeira possibilidade, serão enfatizadas aquelas palavras ou expressões indicadoras de situações como, por exemplo, o discurso voltado aos interesses individuais, à promoção individual ou mesmo à preocupação com o bem-estar individual. Além disso, estão inseridas como indicadores expressões que definam integração, bem como formação para profissionais “avançados”, no sentido de saber utilizar as tecnologias ditas de “ponta”. Na segunda condição - o agente neutro da instituição, seja ligado à universidade ou ao Estado, há indicadores que apontam esses pro43
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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fissionais relacionando-se com a comunidade ou entre si, como representantes apenas da instituição a que pertencem. Já a terceira forma analisa o papel do agente institucional como pessoa comprometida com a classe dominada. Observa se ele se externa assumindo e defendendo as condições de participação da comunidade ou de pessoas nos projetos ou práticas sociais em estudo. Costuma estar presente aí uma preocupação com a relação entre teoria e prática. O agente se apresenta na defesa da solidariedade, da afetividade, do compartilhamento, companheirismo, conscientização e cooperação. A Tabela 4 (temas, itens e percentuais de indicadores) apresenta percentuais onde se pode ver que a equipe de coordenadores é constituída por pessoas com marcante diferenciação de perspectivas políticas. No tema VIII (natureza do trabalho social) os coordenadores divergem quanto à natureza do trabalho, onde 27%(8.2) indicam que esta se constitui de trabalho técnico com discurso de neutralidade frente às ações em desenvolvimento no projeto. Um percentual expressivo de 71%(8.3) assume, contudo, que o caráter desse trabalho deve ser técnico, acompanhado de um discurso transformador. Todavia, ao nível do sindicato e do grupo Zé Peão, discutem-se as formas de fazer chegar tal discurso à categoria, diante de sua complexidade quanto à origem dos trabalhadores da construção civil. Essa composição se apresenta com uma duplicidade de identidade. Trata-se de um trabalhador rural que veio à cidade enquanto espera o tempo de plantio e colheita no campo. Breve estará voltando ao seu lugar de origem. É também um trabalhador urbano, pois seu trabalho localiza-se na cidade, sendo conduzido pelo movimento social da própria cidade. Sua relação com o sindicato da construção, na maioria dos casos, é a primeira e esta é conduzida pelos traços da relação política vivenciada por ele lá na sua terra de origem. É uma relação geralmente de dependência para com o vereador ou o prefeito da pequena cidade: é o compadre que o conduz à feira e que não cobra passagem. São relações de amizade familiar,
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considerando que a família vive na mesma região. Ou é uma relação ao nível econômico, baseada no empréstimo de dinheiro sem cobrança de juros, fora, portanto, das relações normais do capital. Enfim, alguém com esse tipo de história passa a ver no sindicato uma possibilidade de relacionamento semelhante, onde espera ver resolvido o seu problema. O sindicato trabalha no sentido de quebrar esse tipo de relacionamento. Parece razoável se entender que o trabalho social desenvolvido não rompe “in totum” com essas práticas políticas, mas que contribui para a sua superação, pelo menos enquanto esse trabalhador permanecer na cidade. Essas são algumas expressões das dificuldades enfrentadas e que são geradoras de contradições entre coordenadores. Os índices relativos ao papel do agente institucional (tema IX), ou seja, 38% para a perspectiva de se apresentar como um agente de mercado, 27% como agente neutro e 35% como agente da classe dominada, expressam contradições. E isso, talvez, se constitua na divergência maior na solução de questões como aquela apontada no parágrafo anterior. Isto tem sido colocado e analisado, no âmbito do projeto, como uma característica que lhe é inerente, ou seja, a tentativa de manter as posições diferenciadas nos limites do próprio grupo. Trata-se de uma experiência onde os conflitos nunca foram sufocados, mas sempre colocados em discussão. “Os conflitos, sejam cognitivos, políticos, de valores, sempre foram colocados como objeto de observação e de discussão. Sempre tendo em vista o aprimoramento do projeto, no sentido último, de viabilizar para o operário, o acesso a todo esse saber e contribuir, em parte, para sua subjetividade e, em parte, para formação de uma identidade sindical, de uma consciência coletiva. Entretanto, todas as coisas que eu disse, na entrevista, refletem um olhar” 44. 44
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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O Projeto Escola Zé Peão contém uma diversidade de percepções. Essas percepções têm tido diferenciação marcante a partir da posição que ocupam no projeto, do tempo como agente do projeto e da conjuntura do momento. Há também uma diferenciação marcante no que se refere à natureza do trabalho social caracterizado, neste projeto de extensão, como um trabalho técnico com discurso transformador, embora apenas 35% dos respondentes estejam voltados à visão do papel do agente institucional comprometido com a classe dominada. Destaca-se a consistência existente em ambos os temas quanto à visão da natureza do trabalho social na extensão se constituir como um trabalho técnico, com discurso de neutralidade, com 27%, verificando-se o mesmo índice para o papel do agente institucional, expresso como agente neutro. O papel do agente institucional ganha relevo quando da movimentação para o dissídio coletivo ou quando questões específicas de algum canteiro de obra são colocadas. Há casos em que os trabalhadores de determinados canteiros de obra nunca tinham paralisado suas atividades. A presença da escola, após sete meses de atividades, contribuiu para que os trabalhadores desse canteiro resolvessem paralisar suas atividades por conta de não pagamento de salário-família por parte da empresa construtora. O sindicato, inclusive, chegou a formular uma proposta para o grupo daquela empreiteira, a qual não foi aceita por parte dos trabalhadores. Entraram em negociação com a empresa e com o sindicato, e decidiram pela greve, independentemente da proposta do sindicato. O sindicato, naturalmente, aprovou a greve desse grupo. O que marca a presença da escola são declarações dos próprios trabalhadores para o diretor sindical e membros do Projeto Escola Zé Peão:
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“Ah! você sempre falou que era a gente se unindo que conseguia as nossa reivindicação e agora, eu posso dizer que é verdade” 45.
É importante salientar que hoje a organização nos canteiros de obra é bastante variada, como são variados os próprios trabalhadores nesses canteiros. O trabalho na construção civil leva o operário a permanecer por pouco tempo no mesmo local, considerando o pouco tempo de duração da obra e conseqüente rodízio no trabalho. Mas há canteiros com uma organização maior que outros. A diretoria, cada vez mais, tem de manter o processo de visita direta aos canteiros. Alguns deles exigem a presença do sindicato diariamente. Há outros que procuram o sindicato como forma de prestar todos os esclarecimentos que precisam ter em decorrência de mudanças de salários e cálculos de percentuais de férias, décimo terceiro salário ou mesmo o cálculo do FGTS. Essas discussões ajudam a todo o processo de um desenvolvimento organizativo. “Chego em canteiros de obras em que os operários estão dando aulas uns para os outros. É uma teima gostosa entre eles. Você não sabe que é desse jeito? Você não sabe como é que você dividiu isso e deu esse resultado?” 46.
Essas constatações parecem configurar uma natureza do trabalho social em extensão neste projeto. O Projeto Escola Zé Peão vem, inclusive, contribuindo para a criação de frentes de lutas como a da questão da saúde e da segurança no trabalho. Ainda mais esclarecedoras são as contribuições do projeto no seio da categoria e diretamente para a diretoria sindical. Ressalte-se que o projeto tem sido bastante divulgado, no Nordeste, através da liderança que o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil tem exercido na região. Em l991 organizou-se em João Pessoa o I Encontro dos Sindicatos da Construção Civil do 45 46
Declaração de um operário no canteiro de obras, após a conquista da reivindicação do salário-família. Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Nordeste. O sindicato também já participou da formação de uma Federação de Trabalhadores. Há um departamento de trabalhadores da construção civil na Central Única dos Trabalhadores(CUT) onde esse sindicato exerce a liderança no Estado da Paraíba. Há ainda fortes contatos com sindicatos da construção civil em Campinas/SP, Recife e em Fortaleza. O contato com Campinas vem se dando, através do trabalho que vem sendo desenvolvido naquela cidade voltado à educação básica, para a alfabetização dos operários. “Acho que o projeto tem extrapolado o espaço local, isto porque foi divulgado, a nível nacional, via trabalhos escritos, participação em eventos, encontros nacionais e internacionais, através da rede do MEB”47.
A natureza do trabalho social neste projeto de extensão, que expressa a opção por um trabalho técnico, acompanhado de um discurso transformador, atinge o percentual expressivo de 88% entre os executores do projeto. Sabe-se que a alfabetização não é tarefa específica da universidade e sim do Estado. Mas, ao realizarem tal papel, a universidade ou o sindicato apontam a sua perspectiva. A universidade pode estar se propondo a um trabalho de ensino ou de pesquisa ao realizar atividades de extensão. O sindicato, por sua vez , assume a formação política de sua base operária. Pretende motivar suas bases de trabalhadores para incentivá-las à participação no sindicato, exercitando-os para uma participação mais ampla no âmbito da sociedade. O sindicato e a universidade confluem, portanto, para um objetivo comum, relacionando-se e diferenciando-se quanto ao propósito de que o acesso ao saber sistematizado faz parte do processo de conquista de cidadania. A universidade tem, dessa forma, uma
47
Membro do grupo Zé Peão.Texto da entrevista para esta pesquisa.
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José Francisco de Melo Neto
ligação social com as pessoas, desenvolvendo, com eles, um trabalho particular. Nesse sentido, existem perspectivas: “ Primeiro, a perspectiva de melhor formação de professores para educação de adultos. A segunda é estender os seus conhecimentos à comunidade. Mas não é qualquer conhecimento e sim um conhecimento de qualidade. A universidade tem a responsabilidade de colocar o que há de melhor que tem a serviço da comunidade” 48.
A proposta do Projeto Zé Peão era inicialmente modesta, mas pouco a pouco foi conquistando a construção civil. A demanda, hoje, é mais expressiva e já são os trabalhadores que procuram o sindicato reivindicando a Escola Zé Peão no seu canteiro de obras. Há pressão sobre o sindicato nesse sentido e, atualmente, já existem dificuldades para o atendimento dessas reivindicações. Em discussões da diretoria do sindicato sobre o Projeto Escola Zé Peão, diretores costumam afirmar que essa parceria não pode se prender apenas à escola, no sentido de alfabetizar, ensinar a ler e escrever o nome. Para eles, esse trabalho conjunto da universidade com o sindicato, através deste projeto, precisa ir além do que se está fazendo. Às vezes, acham vaga a proposta pedagógica da alfabetização. Levantam a necessidade de que esse trabalho possa ir além do que se está propondo como alfabetização, como escola. Para os trabalhadores não basta apenas saber escrever o nome ou fazer algumas contas. É necessário que seja envolvido todo o contexto da sociedade em que vivem. O trabalho social desenvolvido está despertando entre os próprios sindicalistas a necessidade da reciclagem das diretorias. A oposição Zé Peão foi eleita para a direção do sindicato. Houve uma repetição de mandato desse grupo. Agora eles estão preocupados em sair dos cargos que exercem. Como inicialmente estiveram em 48
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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funções de “linha de frente”, agora acham que, se permanecerem na diretoria, serão deslocados para cargos com atividades de menor importância. Assim, acreditam que estarão empurrando os demais diretores para assumir a proposta de desenvolver tal política. Outra dimensão da natureza do trabalho desenvolvido tem sido o avanço no sentido de maior envolvimento da direção sindical e de alguns trabalhadores da base sindical em vários outros movimentos sociais, indo além da participação exclusiva no sindicato. Os membros do Projeto Escola Zé Peão e da diretoria do sindicato atuam em várias frentes como nos partidos políticos, nos movimentos da Igreja Católica ou na organização de associações de moradores em seus bairros. Suas atividades no movimento sindical passam a ter maior expressão nos diversos movimentos de organização da sociedade, possibilitando que suas questões passem também pelas discussões do movimento sindical. Com relação ao Projeto Escola Zé Peão, podem-se confrontar, na Tabela 4, os dados do tema IV - configuração dos interesses sociais, e do tema V - concepção de prática social com os temas VIII - a natureza do trabalho social, e IX - o papel do agente institucional. Constata-se a consistência expressa pelos dados da tabela, através dos percentuais dos itens: interesses voltados à classe subalterna e os processos em consonância com as classes dominadas; o trabalho técnico com discurso transformador e o papel do agente voltado às classes dominadas, com percentuais de 71%, 98%, 91% e 65%, respectivamente, havendo, mesmo assim, uma diferença de trinta e três pontos percentuais entre os executores e textos do projeto. Não se pode deixar de observar, contudo, a dificuldade existente no grupo de coordenadores, apresentando a divergência maior quanto ao papel do agente institucional. A extensão universitária
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O tema VII trata das concepções de extensão universitária apresentadas no projeto. As concepções de interesse no estudo projetam três possibilidades na apresentação dessas concepções. A primeira é a concepção de extensão como uma via de mão única, em que a universidade se “dirige” para a sociedade. É uma perspectiva reveladora de uma visão onde a universidade se situa desvinculada da sociedade. Ela “vai” em busca da sociedade. Essa visão é detectada por indicadores que apresentam a universidade como prestadora de serviço, fornecedora de cursos, condutora de conhecimentos para a sociedade. Firma-se nessa compreensão a idéia da assistência ou da venda de serviços. A universidade se torna um balcão de atendimento de demandas mais imediatas de comunidades ou grupos da comunidade, ou mesmo de interesses individuais. Consolida-se a idéia de patrocínio de eventos onde os serviços de assessoria aparecem como forma de ganho de proventos para os departamentos ou para os profissionais prestadores de serviços. Prevalece a noção de que a universidade deve fazer treinamento e estender os seus conhecimentos à sociedade. Assim, “beneficiará” a sociedade e exercerá a sua função social. Outra possibilidade de extensão universitária é aquela definida como via de mão dupla. Esta visão se reveste de um processo educativo, cultural e científico. Em geral, tem sido apresentada pelas Pró-Reitorias voltadas à extensão universitária. É uma conseqüência do conceito alimentado nos encontros dos Pró-Reitores dessa área de atividades das universidades. Está sempre presente nesse conceito a compreensão de que a universidade leva conhecimentos para a comunidade e, ao mesmo tempo, dela extrai conhecimentos. A extensão da universidade é simbolizada pela mão dupla, compreendendose como um canal ou elo promovedor do diálogo, da troca, buscando tanto captar como atender as demandas postas aos organismos de extensão da universidade. A terceira possibilidade em construção é a visão de que extensão universitária pode ser entendida como um trabalho social e
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necessariamente será um processo educativo, cultural e científico. Esse processo está relacionado com o papel do agente de extensão, bem como com a sua concepção e prática social. Revela-se como processo voltado à construção da hegemonia dos setores subalternos da sociedade. Concebe-se como um trabalho realizado junto à comunidade pela universidade ou seus agentes(estudantes e professores) que, mesmo diferenciando-se, relacionam-se, rompendo a dicotomia existente entre os pólos dessa relação. O conhecimento é produzido não só pela universidade e repassado para a comunidade (através de pessoas participantes dos movimentos), mas também pela comunidade e universidade(através de seus pesquisadores, estudantes, etc). A comunidade e a universidade são as proprietárias do conhecimento produzido e de todo o produto gerado dessa ação conjunta. É uma perspectiva onde o trabalho se configura numa dimensão de continuidade e de permanência, em processos de realimentação, valorando a prática e a reflexão sobre essa prática. A projeção dos percentuais da Tabela 4 sugere a presença, no Projeto Zé Peão, das várias correntes de conceituação sobre a extensão universitária. É marcante a visão de que extensão universitária se expressa como uma via de mão única, em percentuais de 35% para os coordenadores do projeto, 35% para os executores e 74% para os comunitários. A comunidade mantém a expectativa de que a universidade, como instituição governamental, deva atender as suas demandas de forma assistencial. Essa é uma visão que reforça uma concepção autoritária do fazer acadêmico da instituição, no momento em que a universidade se torna a detentora da solução ou a única possuidora do saber. São expressivos, contudo, os resultados do item 7.3 entre os coordenadores e executores e nos documentos produzidos pelo projeto, com percentuais de 58%, 61% e 80%, respectivamente. Esses dados abrem possibilidades para um novo pensar sobre as formulações conceituais dominantes acerca da extensão universitária.
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TABELA 5 CONCEPÇÃO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Distribuição dos itens do tema VII, por segmento
ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
C1
C2
C3
CT
%
D1
D2
D3
DT
%
TT
t%
7.1
11
05
00
16
35
11
06
00
17
35
10
14
19
43
84
09
07
00
16
24
92
43
7.2
01
02
00
03
07
01
01
00
02
04
01
00
00
01
02
03
01
00
04
06
10
05
7.3
14
13
00
27
58
14
16
00
30
61
03
02
02
07
14
31
15
00
46
80
110
52
% item
04
7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade. 7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico. 7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia.
A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B CT - Freqüência de indicadores no item C DT - Freqüência de indicadores no item D TT - Freqüência total de indicadores no item
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Observando-se, na Tabela 5 - concepção de extensão universitária, o total de indicadores em relação aos itens, constata-se que foram detectados 35% entre os coordenadores, 35% entre os executores, 24% nos documentos e 84% entre os comunitários, perfazendo um total de 43% de indicadores detectados para a compreensão da extensão como uma via de mão única. Essa expectativa entre os comunitários surge com um total de 84% dos indicadores, sendo um índice esperado, considerando as perspectivas das comunidades habituadas ao paternalismo das políticas públicas. Todavia, o percentual final de indicadores (52%), voltado para a visão da extensão como trabalho social, projeta-se com maior significação para se pensar a extensão como trabalho social. A extensão universitária, neste projeto, vai se explicitando no trabalho de extensão feito em conjunto, estabelecendo uma relação entre a universidade e a realidade da construção civil. Constitui-se em um espaço pedagógico para aprendizagem dos grupos envolvidos, sejam eles da universidade, da comunidade ou de um sindicato, conferindo significado ao fazer ensino a partir da extensão. Há um espaço pedagógico de formação profissional tanto para os trabalhadores como para os membros da universidade que fazem extensão. Há, inclusive, um profundo exercício de responsabilidade para todos os envolvidos num projeto dessa natureza. Quanto ao espaço pedagógico existente no fazer extensão, foi apresentado o seguinte depoimento: “É o espaço que a extensão oferece para a pesquisa. Eu acho que quando a gente fala na possibilidade do ensino-pesquisaextensão é uma frase vazia para muitas pessoas. Na área de extensão, você dificilmente separa o ensino, a pesquisa e a extensão. Uma coisa está embutido na outra. Não se consegue fazer extensão sem um mínimo de ensino e de pesquisa também. Pode
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não ser formalizada em termos de projeto, mas a nível de sistematização isto tem que existir” 49 .
O projeto de extensão universitária Escola Zé Peão vem apresentando a dimensão de pesquisa quando, de forma concreta, vários trabalhos acadêmicos são gerados dessa experiência. Dissertações de mestrado e teses de doutoramento já foram aprovadas, cujos objetos de pesquisa analisavam aspectos sócio-culturais do projeto ou estudos de dimensões metodológicas voltados à área pedagógica, especificamente, no campo da alfabetização de adultos. O espaço do Projeto Escola Zé Peão tem se mantido aberto a alunos e professores comprometidos com a sua perspectiva política. A extensão realizada pelo projeto vai se configurando dentro da idéia de um trabalho inserido em questões sócio-políticas e culturais da região. Tem buscado coletivamente alternativas viáveis e práticas para as necessidades do cotidiano, num trabalho que, à medida que vem se realizando, promove também a pesquisa. Esta adquire um “caráter” de ênfase no conhecimento da realidade para subsidiar futuros planejamentos e ações de ensino. A pesquisa vai se fortalecendo, na medida em que são produzidos mais conhecimentos sobre a realidade. Diante de uma necessidade que é destacada para estudos de propostas de solução viáveis, nesse momento, surge um conhecimento mais minucioso, mais concreto, que só é possível através da pesquisa. A pesquisa vai, inclusive, qualificando essa intervenção possibilitada pela extensão. “Eu penso que a articulação do trabalho de extensão e pesquisa, se casa bem na particularidade do Projeto Escola Zé Peão. Em sendo um projeto que atua no âmbito do simbólico, as três dimensões se articulam: extensão, ensino e pesquisa” 50.
49 50
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro da equipe Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Considerações Uma observação de forma vertical nos índices percentuais dos temas e itens mostra que prevalece neste projeto a grande consistência existente nas formulações dos executores do projeto: a letra B da Tabela 4. Em relação aos comunitários, dirigentes sindicais, os dados também se comportam assim, excetuando-se o tema VII, em que prevalece a conceituação da extensão universitária como via de mão única, como expressão de uma clara contradição à consistência dos dados desse segmento da pesquisa nos demais temas. Esta concepção da extensão universitária como via de mão única, com índice de 84% entre os comunitários, se choca tanto com as concepções que prevalecem entre os coordenadores e os executores quanto com os documentos do projeto. A análise dos documentos demonstra sua grande consistência no conjunto dos temas, com exceção do tema IX - papel do agente institucional. Neste tema há uma divisão entre a opção do papel do agente como agente do mercado (9.1), que prevalece com 52%, e aquela onde se destaca o papel do agente comprometido com a classe subalterna(9.3), com 45%. É importante destacar a definição do papel do agente institucional relacionado aos interesses do mercado (tema IX), com percentuais de 38% e 52%, respectivamente, para os coordenadores e textos produzidos. Ao considerar todo o tema, essa configuração percentual se altera para 65% de um posicionamento para que o agente institucional esteja comprometido com as classes subalternas. Neste projeto se consolida uma perspectiva em que o sindicato vem desempenhando um papel fundamental no sentido de dizer a cada um que todos são operários. Todos pertencem a uma mesma classe. Também os dirigentes sindicais, até o momento, não perde-
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ram os seus contatos com as bases da categoria. Já desenvolvem sua própria capacidade de elaborar análises sobre o mundo e sobre a realidade. Eles apresentam condições de falar sobre sua própria realidade e, além disso, são capazes de passar para os seus companheiros essas suas análises. Sem a junção dessas duas coisas, possivelmente, não teria sido possível o funcionamento do projeto, que permanece até os dias de hoje. Há a relação da universidade com o sindicato, no sentido formal, o que também privilegiará a continuidade do projeto e conduzirá os seus encaminhamentos para além do compromisso individual entre pessoas. Estão superadas as relações informais de assessoria. Desperta-se, entre os docentes da universidade, bem como entre os estagiários ou professores do projeto, um compromisso político para com o próprio projeto e sua filosofia. Além disso, é oferecido aquilo que de melhor se tem - a própria força de trabalho, o trabalho profissional da equipe, sem ser preciso sair da área profissional de cada um. Assim é que, do ponto de vista metodológico , não se espera esse tipo de situação: “Não! Eu não vou agora porque ainda não aprendi. Não. Tem que ir. Isso acontece, também na extensão e aconteceu com a gente. Tivemos de ir criando e só no final de três anos é que se teve uma proposta metodológica. Tem-se um projeto metodológico para experiência. Marcado esse projeto, não só pelas minhas convicções, mas por outras que foram se cruzando também com as minhas próprias observações” 51.
Este é um projeto que se revela com a possibilidade de trazer à tona a questão da aquisição de bens simbólicos pela aprendizagem da língua escrita. Enquanto trata da oralidade como forma de expressão, também acrescenta um novo código do qual o operário está excluído. Esta é a possibilidade que se aponta. 51
Ver. IRELAND, Vera E. J. da Costa. APRENDENDO COM O TRABALHO: livro de alfabetização de jovem e adultos trabalhadores. Col. Ma. de Lourdes Barreto de Oliveira. João Pessoa, Editora Universitária UFPB, 1995.
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Um projeto que tenta fazer regular a irregularidade de não se ter escola para uma classe na sociedade. Um projeto estabelecido com as contradições que lhe são peculiares como, por exemplo, superar a rotatividade da equipe da universidade. Esta questão pode gerar também insegurança na sustentabilidade do próprio projeto. Um projeto que luta na expectativa de que a escolarização do adulto, mesmo chegando tardiamente, se torne um direito da cidadania e um dever do Estado e da sociedade. Uma luta para que a educação básica se torne popular, com o objetivo de produzir a organização da base do setor social do poder das comunidades ou, no caso, no canteiro de obras e na sociedade em geral. Uma experiência que vem conduzindo a instrução com a alfabetização, porém combinada com o trabalho produtivo. Talvez seja esta uma expressão específica da relação entre teoria e prática. Esta experiência tem nessa relação uma dimensão prática, pois, “ enquanto a teoria serve de guia de ação, a atividade prática constitui o fundamento de todo o conhecimento” (Machado, 1992: 129).
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2.4 - Projeto Praia de Campina “Se não se discutir o problema político, fica o campo aberto para os burgueses” 52. O início das visitas da equipe da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários à Praia de Campina, município de Rio Tinto, litoral norte do Estado da Paraíba, foi decorrente de convite feito pelo pessoal da Fundação Peixe-Boi-Marinho. A Fundação tem sede em Barra de Mamanguape onde se desenvolvem atividades voltadas à proteção do peixe-boi. A região é constituída de l4.500 hectares, sendo a Praia de Campina a área mais habitada. A situação dessa população depende do cultivo da cana-deaçúcar, que tem crescido na região, sobretudo de l975 a l985, mas cuja manutenção hoje se constitui em um grande desafio para o governo. Presos ao Projeto do PROÁLCOOL, os moradores da região estão hoje à mercê da crise desse setor. Para Moreira(l992:1), “após l986, segue-se uma fase de desaceleração, desencadeando a crise por que passa atualmente a agroindústria sucroalcooleira estadual”. Trata-se de uma área de proteção ambiental do IBAMA. Juntamente com esse órgão, a partir do Projeto Peixe-Boi, atua a universidade. Em conversas conjuntas formulam a necessidade de organizar a comunidade e desenvolver um programa experimental nessa base, que é cedida pelo IBAMA, ainda que esteja ocupada pela Usina de Açúcar Japungu. No início do projeto houve algumas reuniões com a comunidade, onde foram discutidas suas dificuldades em relação à produção de alimentos, à pesca e à disponibilidade de tempo para desenvolver um trabalho comunitário, um mutirão talvez, para se fa-
52
Declaração de um trabalhador rural, participante das Ligas Camponesas, presente no 3o. Encontro de Comunidades Rurais. Promoção do Projeto/PRAC/UFPB.
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zer a plantação de uma área denominada de paul 53. A área estava tomada totalmente de vegetação “braba”, exigindo daqueles moradores trabalho braçal. Vinte e dois homens da comunidade, moradores de Praia de Campina, iniciaram esse trabalho com a participação de dois técnicos da universidade. Todo o processo de organização foi dirigido nesse local para a produção de várias culturas, como a mandioca, a macaxeira, o milho e o feijão. Sendo a área considerada de proteção ambiental, a sua jurisdição deveria passar automaticamente para o IBAMA. Isto, contudo, não estava ocorrendo, pois o domínio era da Usina Japungu que impedia qualquer ação da comunidade nesse sentido, mantendo os seus jagunços na área, sob intensa fiscalização. Estabeleceram-se imediatamente conflitos com a usina e o pessoal da universidade teve de responder processos na comarca local. Contudo, a comunidade se estabeleceu nessa área, fazendo suas plantações que, ainda hoje, são a base de sua sobrevivência. Dessas lutas foi criada a Associação Agrícola dos Moradores de Praia de Campina, que desde então passou a coordenar as lutas e as reivindicações da comunidade. Todo um processo de educação ambiental se desenvolveu nesse trabalho, sob a responsabilidade da equipe do Projeto PeixeBoi e da universidade. Era necessária a compreensão por parte da comunidade a respeito do manejo de solo e sobre o significado da produção ambiental - a condição de usar a região do mangue, por exemplo, sem degradá-lo. Os conflitos aí gerados não estiveram apenas voltados à usina. À medida que se discutia a questão ambiental, veranistas que são proprietários e que constroem suas mansões praticamente na praia, foram alertados pelo IBAMA sobre suas construções. Mexeu-se com pessoal muito forte política e financeiramente que tentou sustar as atividades da universidade e do IBAMA naquela região. Entretanto, essas pessoas não tiveram sucesso e foram duramen53
Região com muita água, possibilitando plantio mesmo em época de seca. Sua característica é a fertilidade.
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te multadas pelo IBAMA, tendo que recuar de seus empreendimentos. Assim, têm início as atividades nessa região, que se abre para parceria com organizações não-governamentais, como a AGEMTE e a Visão Mundial, organização não-governamental internacional. Desse conjunto de organizações presentes em Praia de Campina se consolida um projeto apresentado ao governo japonês, cuja aprovação deveu-se muito à presença da universidade em outros projetos dessa natureza. Trata-se de um projeto voltado para o desenvolvimento de formas de produção de alimentos, de material escolar, de fardamento escolar, de saúde e de educação das crianças. A medicação deve ser desenvolvida no próprio local, comprando-se apenas o que não existe na produção local. A duração do projeto está prevista para sete anos. Há vários conflitos no local. Uma companhia de tecidos passou a reivindicar as casas dos moradores do povoado de Praia de Campina. Ainda que as casas tivessem sido construídas pelos moradores, a Companhia de Tecidos de Rio Tinto, município vizinho de Mamanguape, exigia sua propriedade sobre essas construções. Muitas negociações foram encaminhadas, decorrentes da participação e do trabalho da equipe de extensão. Com a participação da comunidade foram preparados vários processos, expostos em reuniões e encaminhados à justiça, aguardando uma solução. Daí surge, por parte da equipe da universidade, em parceria com o Estado, com a AGEMTE e com a Associação Agrícola local, a formulação da proposta de compra da terra pelo Estado e de criação de um condomínio produtivo, abrangendo inclusive a região do paul. Denominado Produção em Condomínio em 120 ha de Policultura em Praia de Campina, esse projeto tem como objetivo a compra de 120 hectares de terra na área. A terra seria utilizada para produção de alimentos de subsistência, além de produtos economicamente viáveis, em forma de cooperativismo, criando uma alternativa produtiva em condomínio. O projeto tem como objetivos espe-
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cíficos: o combate à fome e a miséria, com a produção de alimentos básicos; a implantação de um programa produtivo consorciado; a implantação de cooperativa de produção com os moradores locais e a capacitação dos mesmos para administração, economia, armazenamento, contabilidade, comercialização e educação ambiental. A proposta nunca se consubstanciou de forma concreta. Continua sob análise do Projeto Peixe-Boi Marinho e do Governo do Estado. A AGEMTE, em contato com a Secretaria do Bem-Estar Social do Estado, também formulou uma proposta de desenvolvimento integral para os municípios paraibanos, tendo como base experimental as atividades no Vale do Mamanguape e em Praia de Campina. Esse projeto centra suas metas na produção de alimentos, na geração de emprego e renda, na educação, na saúde e na cultura. É um projeto inspirado em programas de outros Estados, como o PDCTA(Programa de Difusão e Capacitação em Tecnologia Alternativa), desenvolvido pelas ONGs SERTA/PE(Serviços de Tecnologia Alternativa), GTAE/Al e PAER/PB( Programa de Apoio à Educação Rural). Essas experiências vêm sendo “implantadas” em Pernambuco e em Alagoas e podem ser também implantadas na Paraíba. É um projeto que está no papel, mas que ainda não teve nenhum encaminhamento por parte do Governo do Estado. Finalmente, há um terceiro projeto na região, que é um programa de preservação e de educação ambiental, onde se aprende a promover o extrativismo sem provocar desequilíbrio ao meio ambiente. São projetos da zona dos pescadores, dos catadores de marisco, de ostras, de caranguejos, entre outros. Basicamente são estes os três projetos existentes. O conjunto de atividades em desenvolvimento em Praia de Campina passa a compor o Programa Interdisciplinar de Extensão Comunitária, sendo o responsável pelas bolsas de extensão da universidade, que possibilitam o deslocamento de estudantes, semanalmente, para tais atividades. Esse programa teve início em l990
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na PRAC/UFPB, buscando também uma metodologia para a prática da interdisciplinaridade. Ele cobre, hoje, mil e duzentas famílias em várias comunidades e “busca a promoção do homem e de uma prática acadêmica mais comprometida com a ética e a democratização dos conhecimentos gerados dentro da Universidade”54. Desa forma, o Programa Interdisciplinar de Extensão Universitária se afirma como “um trabalho que tem como prioridade a discussão sobre as demandas da sociedade e sobretudo a relação que a universidade tem para com essas demandas”55. Esse trabalho se constitui na possibilidade de desenvolver nas comunidades certas ações que conduzam para um processo de discussão sobre seus problemas particulares e, assim, apresentem soluções para os mesmos. Tais ações devem ser capazes de melhorar as condições de vida e de cidadania dos habitantes da comunidade, buscando um desenvolvimento social, político, econômico e cultural. O programa se organiza a partir de um grupo interdisciplinar subdividido em três outros grupos: saúde, produção e educação. Esses grupos, por sua vez, vêm desenvolvendo as seguintes ações: treinamentos, capacitação, assessorias, diagnósticos, consultorias, organização, caracterização sócio-econômica e acompanhamento técnico e científico. Atuam em várias comunidades como Penha, Praia de Campina, Fagundes, Cruz do Espírito Santo, Mussumago, Costinha, Mamanguape e Santa Rita. Esse trabalho se expande para além da comunidade de Praia de Campina, abrangendo, atualmente, trinta e oito comunidades em vários municípios vizinhos às cidades de Rio Tinto e Mamanguape. Envolve também outras organizações como os sindicatos rurais dos dois municípios, participando de programações e até de passeatas
54
UFPB/PRAC/COPAC. Extensão. Programa Interdisciplinar de Extensão Comunitária. Folder de divulgação. João Pessoa, s/d. 55 Id. , ib.
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nessas localidades, objetivando a luta por suas reivindicações, além de comemorações como a do dia 1o. de Maio. A organização dessas comunidades foi gerando associações de moradores, que em sua evolução chegaram a constituir-se em uma Federação de Associações do Vale do Mamanguape, responsável agora por alguns dos projetos em funcionamento na região, como, por exemplo, o da Comunidade Solidária. As ações desenvolvidas por esses projetos promovem a participação da universidade, do IBAMA, da comunidade e de organizações não- governamentais, bem como do Estado. Elas confluem, através de suas mediações, correlações e contradições contidas em cada uma dessas entidades, como uma experiência das mais complexas, do ponto de vista político, geradora também de maiores contradições frente ao “alinhamento” difuso que apresenta. Todas as ações que vêm sendo desenvolvidas em Mamanguape, Rio Tinto e Praia de Campina, através dos três projetos, sinteticamente apresentados, serão denominadas para efeitos deste estudo, de Projeto Praia de Campina. Projeta-se, agora, o estudo elaborado sobre o Projeto Praia de Campina a partir de entrevistas com os coordenadores do projeto, os executores e os comunitários, além de textos do próprio projeto. O instrumento de análise é o mesmo que foi utilizado tanto no Projeto CERESAT quanto no Projeto Zé Peão. Pode-se observar o comportamento dos variados temas neste projeto, a partir do Gráfico 3.
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GRÁFICO 3 FREQÜÊNCIA DOS TEMAS
1000 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0
IX V I
I. I. Concepção de mundo VI. Relação universidadesociedade II. Concepção de sociedade VII . Concepção de extensão universitária III. Concepção de Estado VIII. Natureza do trabalho social na extensão IV. Configuração dos interesses sociais IX. Papel do agente institucional V. Concepção de prática social X. Pedagogia da extensão universitária O Gráfico 3 revela quatro blocos temáticos considerando-se a sua expressão quantitativa. O primeiro é a concepção de sociedade, externada em 28% de indicadores do projeto. É um projeto que,
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de acordo com as possibilidades colocadas dentro dessa concepção, vai apresentar uma divisão quase pela metade dos respondentes, sejam coordenadores ou executores do projeto, num total de 52% e 59%, respectivamente, para uma visão de sociedade se expressando como uma totalidade perfeitamente integrada (ver Tabela 6). Por outro lado, também se externa a visão de modo de produção para os mesmos setores, com percentuais de 46% e 40%, respectivamente para os coordenadores e executores. Surge logo de início uma contradição, considerando-se que essas mesmas visões não partem dos mesmos índices relativos aos comunitários e textos produzidos no projeto. A visão de sociedade como uma totalidade integrada apresenta índices bem inferiores, assim como a perspectiva do modo de produção, tendo conseqüentemente 63% e 83% dos percentuais. Os comunitários, na condição de trabalhadores rurais, talvez não tenham a percepção ou a compreensão de uma sociedade integrada, mas talvez sintam na pele o significado da sociedade como um modo de produção, considerando a sua situação de trabalhadores. No segundo bloco estão o tema VIII - natureza do trabalho social na extensão, e o tema I, concepção de mundo. Seus percentuais de 21% e 16% dentro do tema indicam essa proximidade quantitativa. Ao observar-se a Tabela 6, ter-se-á uma consistência no tema I, voltado à visão transformadora de mundo, com percentuais de 81%, 81%, 72% e 80%, referentes aos coordenadores, executores, comunitários e documentos do projeto, respectivamente. Essa visão está em total discordância com o tema VIII, onde os percentuais mais altos apontam para a perspectiva de um trabalho técnico com discurso de neutralidade, com percentuais de 58% e 63% para coordenadores e executores. Estão em consistência, contudo, com os percentuais de 72%, 80%, 71% e 89% relativos aos comunitários e textos produzidos no projeto para ambos os temas. O terceiro bloco é constituído pelos temas X - pedagogia da extensão universitária, com 12% de percentual, e IV - configura-
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ção de interesses sociais, com um percentual de 8%. Analisando-se a Tabela 6, observa-se uma certa consonância entre os discursos pedagógicos da extensão com a configuração de interesses sociais. No quarto bloco, estão os temas V (concepção de prática social), VII (concepção de extensão universitária), VI (relação da universidade com a sociedade), XI (papel do agente institucional) e III (concepção de Estado), com percentuais de 5%, 4%, 3%, 2%, 1%, respectivamente. Observem-se ainda os dados da Tabela 6. Concepção de mundo e sociedade A comparação entre esses dois temas mostra as discordâncias existentes no projeto. Na concepção de mundo ter-se-á de forma clara a marcante visão transformadora no projeto, com percentuais expressivos entre os coordenadores(A%), executores(B%), comunitários(C%) e textos do projeto(D%). Esses percentuais atingem índices elevados, o que porém não se confirma com o tema II. Neste, a visão de sociedade como modo de produção sobressai-se apenas nos textos, com percentual de 83%. Aproxima-se da visão dos comunitários, com percentual de 63%, mas é bastante destoante da visão dos executores e coordenadores. É expressiva, contudo, no tema II, a visão de sociedade integrada, com percentuais de 52% e 59% entre os coordenadores e executores, respectivamente. Há de se perguntar: Qual é mesmo a visão de mundo externada por este projeto? Ela está no discurso dos coordenadores e executores ou está explicitada pelos comunitários e nos textos? Os comunitários não estão assimilando pedagogicamente as visões veiculadas pelos coordenadores e executores, ou há um conflito estabelecido e uma profunda discordância interna e externa entre essas visões?
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TABELA 6 DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO Temas I - Concepção de mundo
II - Concepção de sociedade
III - Concepção de Estado IV - Configuração dos interesses sociais V - Concepção de prática social
VI - Relação universidade-sociedade VII - Concepção de extensão universitária VIII - Natureza do trabalho social na extensão
IX - Papel do agente institucional X - Pedagogia da extensão universitária
Itens 1.1 - Visão que privilegia o mercado 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a soc. 1.3 - Visão transformadora 2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção 3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. absoluta 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos 4.3 - Interesses voltados à classe dominada 5.1 - Interesses voltados a indivíduos 5.2 - Processo em consonância com classes dominadas 6.1 - Instituição do saber com vida independente 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico 7.1 - Via de mão única 7.2 - Via de mão dupla 7.3 - Trabalho social ( construção de nova hegemonia ) 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 9.1 - Agente dos interesses do mercado ( capital ) 9.2 - Agente neutro da instituição 9.3 - Agente comprometido com as classes dominadas 0.1 - Pedagogia tradicional 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora
A% 15 04 81
B% 15 04 81
C% 19 09 72
D% 10 10 80
Fi 92 33 442
% itens 16 06 78
02 52 46 -66 34 -39 61 12 88 55 21 24 25 28 47 01 58 41 42 29 29 01 99
01 59 40 -100 -05 32 63 -100 82 09 09 63 24 13 01 63 36 64 04 32 -100
-37 63 75 25 -01 07 92 -100 65 31 04 68 13 19 -29 71 --100 -100
-17 83 50 -50 -20 80 -100 -50 50 95 -05 -11 89 100 ---100
08 455 516 04 05 02 03 47 253 04 181 68 18 13 73 24 25 03 361 360 23 05 18 01 389
01 47 52 36 46 18 01 16 83 02 98 69 18 13 60 19 21 01 50 49 50 10 40 01 99
Fgi
% tema
567
16
979
28
11
01
303
08
185
05
99
03
135
04
724
21
46
02
408
12
A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicadores
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A concepção de mundo e de sociedade também vincula-se às relações da universidade e da sociedade. Comparando-se o tema VI - relação da universidade com a sociedade, com o tema I - concepção de mundo, e com o tema II, concepção de sociedade, observa-se que aparece outra inconsistência, considerando-se que a visão transformadora de mundo poderia replicar na relação entre a universidade e a sociedade com o item (7.3), ou seja, a instituição como um aparelho de hegemonia. O que se vê, contudo, é que no tema VI os índices mais marcantes estão entre os coordenadores, executores e comunitários - 55%, 82% e 65%, respectivamente, na visão da universidade como possuidora de um saber com vida independente. Já os textos dividem-se igualmente, expressando uma visão dupla e contraditória. Portanto, há possibilidades e dificuldades as mais variadas para implementação desse tipo de projeto. Uma delas é a visão de que a universidade continua elitizada e enclausurada nos seus muros, nas suas salas de aula. “Não tenta renovar essa parte rica que poderia sustentar o ensino e a pesquisa, aproveitando isso que está acontecendo como algo novo. Essas experiências mostram que a universidade deve ser feita em cima do tripé: ensino, pesquisa e extensão. E a gente percebe, hoje, que infelizmente a extensão não consegue ser articulada com a pesquisa e o ensino. A extensão fica um pouco relegada a um plano inferior” 56.
Contudo, os trabalhos continuam sendo realizados e apresentam alguns resultados interessantes em regiões circunvizinhas à de Praia de Campina. Esta parece isolada no litoral; contudo, comunidades as mais diversas e localizadas até quinze quilômetros de distância chegam a participar de algumas reuniões. Fazem-se presentes comunidades, como a de Tacaré, área de assentamento, como da Estiva e a localidade do Geraldo. O processo de organização 56 . Membro
da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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de Tavares, outra comunidade, surgiu a partir da influência do Projeto Praia de Campina. Os trabalhadores têm conseguido mostrar a sua força, mesmo com as contradições existentes. Isso tem motivado outras comunidades a buscarem sua auto-organização. A universidade nessa sua relação com a sociedade, percebe que assim pode ajudar os grupos em certas comunidades a se organizarem no sentido de conquistarem sua autonomia. Pode ajudar a superar a dependência de grupos comunitários ao “doutor” e às forças políticas locais a que estão submetidos, quer sejam secretários de Estado, vereadores, deputados ou prefeitos, que só marcam presença nas comunidades naquelas tradicionais épocas eleitorais. Logo, a universidade pode estar passando conhecimento para a comunidade e vice-versa, estabelecendo-se uma dupla troca, inclusive técnica. Pode, dessa forma, marcar sua presença nos problemas da sociedade. “O papel da universidade, é interessante porque apesar de ser instituição governamental, ela não é tão atrelada quanto outros órgãos. É mais independente. Acho que ela é uma ponte com as comunidades e com outros órgãos de uma forma mais independente, mais interessante portanto. Então, a gente quer manter essas relações, quer aproximar mais, quer aprofundar essa relação. Especificamente com o Estado, a Visão Mundial não tem relação direta” 57.
Apesar das contradições já apresentadas, os executores expressam suas lutas e suas utopias em relação ao projeto. Dedicamse, enquanto estudantes, à busca de alimentar as ansiedades do seu próprio saber científico, transmitido apenas em sala de aula, com complementações resultantes da sua permanência nessas comunidades. Acreditam naquilo que estão fazendo. 57
Membro da equipe do projeto e de ONG na Paraíba. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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“A gente fala muito na universidade transformar a sociedade e a gente não pode esquecer que a universidade devia ser transformada internamente. Essa universidade pode ser uma universidade diferente. Essa sociedade pode ser uma sociedade diferente e embora muitos digam que não. Esses trabalhadores podem se organizar. A gente tem condições de ter um país diferente, de romper com isso aí, a partir do que a gente tem visto em Praia de Campina” 58.
Interesses sociais e prática social A configuração dos interesses sociais combinada com a prática social (ver Tabela 6) alerta para a caracterização de uma perfeita consonância entre os interesses sociais e a prática social. Os interesses sociais indicados pelo tema IV, voltados à classe dominada, definem percentuais para os coordenadores, executores, comunitários e textos do projeto, em perfeita consonância. Os percentuais de 61%, 63%, 92% e 80% demonstram a inexistência de qualquer contradição, mesmo havendo diferenças significativas percentualmente de 61% e 63% para 92% e 80%. Mas isso não se sustenta ao serem observados os índices do tema V - concepção de prática social, onde se tem, de forma exagerada, percentuais de 88%, 100%, 100% e 100%, para uma compreensão de prática em consonância com as classes dominadas. A heterogeneidade dos participantes desse projeto não possibilita tal nível de identidade em suas formulações discursivas ou mesmo nos textos escritos. Isso que se apresenta como uma consistência de praticamente 100% não significa, a rigor, consistência de prática social, considerando a heterogeneidade do ideário das equipes de extensão. Por outro lado, também é possível observar-se nesse projeto a participação maior dos trabalhadores, ao se fazer uma comparação temporal de 1990 até os dias de hoje. Houve uma certa intran58
Membro da equipe do projeto e estudante. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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qüilidade em setores dominantes do município onde está localizado o projeto, na medida em que já se explicitam certos desejos de trabalhadores de também quererem “mandar”, terem a autoridade de mando. Um dos entrevistados usa uma linguagem simbólica para expressar um possível avanço organizativo. “E com relação ao poder do capital, os grupos oligárquicos da região, a gente vê o seguinte: de uma forma ou de outra, os sindicatos conseguem barrar um pouco aquele achatamento que era feito pelas usinas e pelos fazendeiros sobre o trabalhador da região. Claro que ainda é muito tímida essa relação do trabalho com o capital. Os conflitos ainda precisam ser avaliados. A gente viu que antigamente só os usineiros e as fazendas ganhavam com placar de 10 x 0 , hoje, já tá dando de 7 x 3. Quer dizer, o placar já mudou um pouco” 59.
Mas quanto à politização dos comunitários, os executores do projeto também divergem frontalmente, como se percebe no depoimento de uma estudante participante, desde o início, da organização dos comunitários, “Se eu chegar lá com uma proposta política, eles não estão preparados. Eles ainda estão acostumados com aquela história dos donos de lá, dos que têm dinheiro lá dentro, com aqueles que lhes são mais próximos. A questão política é forte. É muito mais lenta. Se é prá gente conseguir lá entrar, fazer com que eles assimilem algo diferente será um algo mais lento” 60.
Em Praia de Campina possivelmente não há mais necessidade da presença de técnicos da universidade. Lá, as reuniões são feitas pelo próprio pessoal local. Suas lideranças já geraram novas 59 60
Funcionário da UFPB e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa. Estudante e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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lideranças e permutaram os dirigentes da Associação Agrícola. Tocam seus interesses com o grupo da própria comunidade. Há o pessoal que organiza a burocracia e as finanças da Associação. “Para nossa alegria, hoje, Praia de Campina não precisa mais dos técnicos da universidade. Já caminha com seus próprios pés. Agora, não quer perder o vínculo de amizade, de acompanhamento, porque é uma coisa salutar” 61.
Contudo, é fácil entender as diferenças dos percentuais presentes na Tabela 6, ao se comparar outra declaração do mesmo funcionário, referente ao crescimento pessoal de componentes da equipe. Sobre um membro da comunidade, afirma: “Era uma pessoa subserviente e, hoje, já tem o seu carrinho, já tem seu televisor a cores, seu vídeo-cassete. Então, quer dizer, não sei se isso aconteceria com outras pessoas, mas a maioria dos líderes trabalharam, cresceram e melhoraram de vida. Isso é um fato concreto. Se esses líderes melhoraram de vida, isso quer dizer que qualquer outro líder poderia, também” 62.
Tal afirmação expressa de forma clara, as contradições existentes entre os próprios coordenadores e demais participantes do projeto. Concepção dessa ordem exigirá de todos a ocupação dos postos de lideranças. Todavia, é impossível a sua realização, pois não há postos para todos. A condição de melhoria de vida também fica condicionada à exigência de ser líder, outra condição impossível de se concretizar pela própria exigência que torna cada um, necessariamente, um líder. Além do mais é uma compreensão muito semelhante à expressão popular do “crescer na vida”, caracterizada como a conquista de algum bem material. Ficam esquecidas as dimensões culturais e sociais, além do crescimento das relações como 61 62
Funcionário da UFPB e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa. Id., ib.
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pessoa, seja líder ou não, ou um crescimento voltado à dimensão coletiva dos comunitários. E mais: ele opõe “subserviência” a “subir na vida”, como se “o mau” da subserviência fosse dificultar ou impedir “o subir na vida”. A relação entre prática social e interesses sociais também se destaca em Praia de Campina no tocante às demais entidades presentes na área, além da universidade, ou seja, o pessoal do Projeto Peixe-Boi, da Visão Mundial, do Sindicato Rural. Nessa localidade, logo de chegada, parece não existir nada de organização comunitária. Os moradores estão sempre ocupados com suas tarefas de pesca ou agrícolas. Chegar-se até as organizações e a população diz respeito à prática social e aos interesses em jogo para aqueles comunitários. Depende da postura não só dos órgãos, mas das pessoas. Depende também do tipo de relacionamento que elas mantêm. Esse mesmo cuidado vai estar presente quando da preparação de lideranças para a continuidade do trabalho em desenvolvimento. “Há uma responsabilidade de quem trabalha com esse pessoal de formar lideranças que sejam só legítimas. Elas devem ser da comunidade mas é preciso que tenham uma visão correta das coisas, isso é, não podem ser pelegas ou atreladas a quaisquer interesses que não seja o interesse comunitário” 63.
Ao ser questionado sobre as formas de que dispunha para preparar os futuros presidentes da associação ou mesmo os futuros sócios, um dos principais líderes locais responde com a sua singular fala de homem do campo. Para ele, o preparo de futuros dirigentes se dá da seguinte forma: “É cunvesano. é cunvesano. Porque num é em dinhêro qui a gente ganha. Num é nada. É cunvesano o povo prá se combiná; prá 63
Membro do projeto e de ONG na Paraíba. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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se ajuntá e aí vai. ... Quando nóis vamo apresentá uma conta, aí se ajunta a diretoria na minha casa. Vamo cunversá prá vê o que nóis vamo falá na reunião” 64
Vem se desenvolvendo entre as associações agrícolas da região uma vida de bastante solidariedade. Em épocas de seca, como em l993, a grande dificuldade era conseguir as ramas dos produtos para serem plantados, como mandioca, macaxeira, inhame e batata. Desenvolveu-se entre eles um processo de troca dentro das comunidades onde havia algum trabalho organizativo. Há uma troca até mesmo de informações “sutis” que circulam entre os presidentes ou coordenadores de associações e sindicatos. O que está ocorrendo com uma associação, com o sindicato ou com algum trabalhador nessas áreas de atuação do projeto logo é transmitido para todos e assim se iniciam as primeiras providências de solução. Então existe uma espécie de canal, indicado por um dos líderes do Sindicato Rural: “Esse canal, essa rama é os presidentes de associação. Quando a gente precisa de alguma coisa, vai buscar deles. Eles lá, dos sítios, traz o pessoal deles e faz a festa na cidade” 65.
Com isso se mantém um intercâmbio de informações relativo às questões que estão ocorrendo no campo, o que é de fundamental importância para a própria organização sindical da região. O sindicato não tem como percorrer todo o município com regularidade. Mesmo assim se transformou numa referência para os trabalhadores rurais que passaram a vivenciar sua própria organização e resolveram muitos de seus problemas. Transformou-se numa espécie de central de solução de impasses, sobretudo aqueles que não se consegue resolver nas associações. As informações repassadas para 64 65
Líder comunitário e membro da Associação Agrícola de Praia de Campina. Texto da entrevista para esta pesquisa. Liderança sindical rural da região. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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o sindicato são fundamentais, inclusive as críticas, mesmo as críticas “raivosas” contra essa entidade ou contra a associação. “ Sempre se tem uma falha. Não se agrada a todo mundo. Quando há uma falha, nós vamos corrigir. Vamos ver onde falhou. Se houver falha a gente tenta corrigir. Vamos conversar. Se precisar me desculpar, eu me desculpo. Se eu precisar então contar a história que não é daquele jeito, eu conto. É por aí” 66.
Agente institucional e natureza do trabalho A comparação entre os temas IX - o papel do agente institucional, e VIII - natureza do trabalho na extensão, apresenta dados bastante contraditórios (ver Tabelas 7 e 8). Os coordenadores e executores, no tema IX, apresentam percentuais de 42% e 64%, voltados à visão do agente comprometido com interesses do mercado, do capital. Existe uma contradição expressiva na medida em que eles vêem os agentes institucionais comprometidos com as classes dominadas, mas os textos apontam para compromissos com o mercado e, portanto, com o capital. Os comunitários estão presentes, ao lado dos agentes da universidade, em suas ações na comunidade. Seu discurso, entretanto, não bate com a disposição de trabalho que os comunitários têm apresentado sobre esses agentes. Contudo, há percentuais importantes de comprometimento do agente com as classes dominadas, que são 29% e 32%. O Tema VIII - a natureza do trabalho na extensão, se apresenta dividido em dois blocos. Um entende que esse trabalho deve ser técnico, porém com discurso de neutralidade. Os percentuais apontam uma maioria para essa visão, com 58% e 63%, não haven66
Liderança sindical rural e comunitária. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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José Francisco de Melo Neto
do correspondência com a visão dos comunitários e dos textos, já que os percentuais da visão de um trabalho técnico com discurso transformador são de 71% e 84%. Esses valores apontam para uma inconsistência, ao serem comparados no interior do tema, bem como entre os temas.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
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TABELA 7 PAPEL DO AGENTE INSTITUCIONAL Distribuição dos itens do tema IX, por segmento ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
C1
C2
C3
CT
%
D1
D2
D3
DT
%
TT
% item
9.1
03
03
---
06
42
---
15
01
16
64
---
---
---
---
---
01
---
---
01
100
23
50
9.2
---
04
---
04
29
01
---
---
01
04
---
---
---
---
---
---
---
---
---
---
05
10
9.3
02
02
---
04
29
02
05
01
08
32
06
---
---
06
100
---
---
---
---
---
18
40
% do tema
02
9.1 - Agente comprometido com interesses do mercado ( capital ). 9.2 - Agente neutro da instituição, seja Estado ou universidade. 9.3 - Agente comprometido especificamente com a classe dominada. A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B CT - Freqüência de indicadores no item C DT - Freqüência de indicadores no item D TT - Freqüência total de indicadores no item
180
José Francisco de Melo Neto
TABELA 8 NATUREZA DO TRABALHO NA EXTENSÃO Distribuição dos itens do tema VIII, por segmento ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
C1
C2
C3
CT
%
D1
D2
D3
DT
%
TT
% item
8.1
01
---
---
01
01
---
---
02
02
01
---
---
---
---
---
---
---
---
---
---
03
01
8.2
64
42
---
106
58
28
96
88
212
63
26
05
06
37
29
09
---
---
09
11
361
50
8.3
45
28
---
73
41
22
83
18
123
36
72
08
11
91
71
73
---
---
73
89
360
49
% do tema
21
8.1 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “modernizador” . 8.2 - Trabalho técnico acompanhado de discurso de “neutralidade” . 8.3 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “transformador” .
A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B CT - Freqüência de indicadores no item C DT - Freqüência de indicadores no item D
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
181
Esperava-se que o percentual do item 8.3 do tema VIII fosse replicado no tema IX, item 9.3, pois são visões que se aproximam. Não é, contudo, o que vem ocorrendo no projeto. Há uma profunda variação e discrepância, tanto no interior do tema como ao serem comparados os diversos temas. No entanto, essas incongruências estão presentes no cotidiano da comunidade. Uma parte dos moradores fica localizada mais entre os coqueirais e se diferencia radicalmente da outra parte, que são moradores-visitantes de finais de semana, residentes em mansões, à beira da praia. Também é foco de problema quando, após dois anos de seca, a água vem para além do necessário e destrói as plantações preparadas coletivamente, baixando o ânimo daqueles trabalhadores para o trabalho coletivo. Em suas falas e discursos, observa-se que a perspectiva de classe que vai se construindo é bastante tênue, considerando, inclusive, que a identificação que se faz por meio da palavra trabalhador vai sendo substituída pela expressão pequeno produtor. Introduzem o que se reflete posteriormente nos processos eleitorais e partidários da região, já que processos desse tipo criam dificuldades para a construção de alternativas políticas efetivas daqueles trabalhadores, quando passam a aceitar o jogo de mando das práticas políticas tradicionais na localidade. Mesmo que as escolhas para representação recaiam sobre membros da comunidade, as opções partidárias adotadas não têm demonstrado nenhum compromisso com as questões que vêm sendo colocadas através daqueles movimentos em construção. As práticas dos agentes são agora determinantes. Nas últimas eleições, Praia de Campina passou a ter uma representação na Câmara Municipal de Rio Tinto. Tem-se reforçado o discurso de que o importante é a pessoa. Resta esperar pelo exercício parlamentar dessa visão e ver se é mesmo insignificante a questão da sigla partidária.
182
José Francisco de Melo Neto
A prática comunitária em Praia de Campina vem demonstrando que a comunidade pouco a pouco constrói seus líderes. Observa-se um crescimento não só das lideranças como também da comunidade como um todo, com a contribuição da vivência de agentes de várias instituições no dia-a-dia daquela comunidade. Constatam-se as diferenças através das relações das lideranças com o grupo de jovens, com o clube de mães e com a percepção que se desenvolve em relação ao Projeto Peixe-Boi. Tudo isso parece tender à superação de relações de dependência. As contradições, contudo, permanecem no que concerne ao problema mais grave a ser enfrentado - o problema da terra. Querem a legalização oficial da terra. Sonham com a sua pequena propriedade, mesmo que já se tenha falado de cooperativa, de condomínio produtivo ou de outras formas coletivas de sobrevivência. A propriedade é a grande fascinação. A falta de ambulância na região, a falta de médicos nos postos de saúde ou outras reivindicações da comunidade ficam em segundo plano quando se trata da questão da terra. As práticas com as diferenciadas instituições também são geradoras de conflitos e inconsistências. Relações com ONGs, com o Governo do Estado, com a Prefeitura, com programas do tipo Comunidade Solidária ou com a universidade podem tornar-se pouco institucionais e muitas vezes expressam apenas relações entre pessoas. “Há necessidade de união entre todos. O governo também pode ser comunidade; também pode ser sociedade, depende muito desse ou daquele governante. O Estado também está um pouco mais acima do que os governos provisórios que são hoje e não são amanhã. Sei que é uma relação um tanto tensa. Eu só vejo condição dessa relação dar alguns frutos a partir das pessoas, dos técnicos, do compromisso pessoal desses técnicos” 67. 67
Membro da equipe do projeto e de ONG. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
183
Realizam-se, mesmo assim, atividades que têm consistência para o desenvolvimento da comunidade e para aqueles que estão mais diretamente voltados ao processo organizativo. Pode-se destacar, por exemplo, a realização da Semana da Saúde. Para os comunitários, Semana de Saúde significa presença de médicos, de dentistas, de enfermeiras, enfim de “um povo” todo de branco para realizar consultas médicas para toda a população. Significa ainda o recebimento gratuito de remédios. “Então, a gente começa a preparar o pessoal prá desmistificar essa história toda - de dar remédio, extrair dente. Nesta primeira semana de Saúde não foi nenhum médico, nem odontologista. Foram pedagogos, pessoal de nutrição, educação física, biblioteconomia. A gente começou a falar prá eles que saúde não só diz respeito à doença, mas a prevenção de doenças ...” 68.
Atividades dessa natureza vão apresentando as formas de pensar dos moradores daquela região. Surgem as compreensões que eles têm de mundo que, por sua vez, vão sendo confrontadas com as maneiras, o trabalho e as práticas dos agentes dessas atividades. Tudo isso começa a mexer nas percepções, nos relacionamentos e nas formas de sentir e agir dessas comunidades. Perpassando esse tipo de trabalho, percebe-se que ele não é todo composto pela totalidade da comunidade que está presente. Há grupos que estão mais próximos do projeto e que vão influenciando os parentes, os vizinhos, etc. Esse trabalho vai se estendendo à medida que os benefícios vão aparecendo e mais gente vai se sensibilizando. Há, inclusive, discursos produzidos pelas lideranças locais que vão sendo colocados durante as reuniões e que acabam sendo reproduzidos por todos eles. Podem até ser repetitivos, mas a comunidade 68
Estudante e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para a pesquisa.
184
José Francisco de Melo Neto
os entende e começa a reproduzi-los. São discursos produzidos no dia-a-dia, discursos que vão se modificando e começam a repercutir até mesmo na prefeitura e nos sindicatos, de maneira agora bem diferenciada. Mas o agente comunitário, o líder comunitário, também vai absorvendo práticas coletivas e necessárias, a partir de coisas simples. Nas reuniões da associação se faz, por exemplo, a prestação de contas, assim apresentada por um dos comunitários: “Agora, eu vou apresentar aqui as conta. Mando a tisôrêra dizer. Fica dizendo: gastei tanto, tanto, tanto. Pregunto assim o povo: qui você quisé prá quem foi, vocês pregunta. Tá tudo assentado. Ainda tem gente que pregunta: prá qui foi esse dinhêro qui o prisidente gastou? Então, ela diz: dez prá fulano, uma viage prá fulano, reméido prá fulano. ...” 69.
As contradições também estão presentes entre os comunitários quanto à prática social e ao papel do agente institucional. Existem até quanto à natureza do trabalho, por exemplo, em relação ao Programa Comunidade Solidária que aqui foi desenvolvido em conjunto com a Federação das Associações. Todavia, coube à Federação definir as formas de como deveriam ser distribuídas as cestas básicas. A tradição na região é de doação simplesmente, mantendo as pessoas no costume da mendicância. Com a intervenção da Federação, porém, passou-se a fazer a doação a partir do trabalho da pessoa, trabalho necessário para o preparo das terras e organização de todos para o plantio. Apesar disso, houve uma grande reclamação. “O pessoal não acreditava nesse trabalho. Começou a história de trocar alimento por serviço. Dar alimento não funciona não, doutor. Alimento dado é a mesma coisa de você está fabricando bandido. Aí, veio umas cestas básicas e ia todo mundo na reuni69
Líder comunitário e membro da Associação Agrícola de Praia de Campina. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
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ão: era velho, velha, homem, menino. Quando chegava lá que se cadastrava que tinha que fazer alguma coisa, aí nego não queria nada” 70.
Mas assim foi feito e houve resultados importantes quanto à produ-ção de alimentos. Com a regularização das chuvas, tem-se feito distribuição para as regiões mais carentes das ramas e sementes, para que essas localidades assumam a sua própria produção, comercialização e alimentação. Destacam-se, ainda, nessa luta por melhores condições de vida, as mobilizações feitas na cidade de Mamanguape, reivindicando serviços de saúde e energia na área rural. Aconteceram passeatas, antes nunca vistas, para pressionar o prefeito a assumir esse compromisso com a população rural. Os agentes da universidade, das ONGs, dos sindicatos rurais e membros do governo estiveram todos presentes nessas mobilizações. Hoje muitas das comunidades dispõem de energia elétrica, havendo inclusive um programa do governo estadual para “apagar a última lamparina, na Paraíba”. Contudo, nesse movimento permeado de inconsistências e contradições, a comunidade continua a tentar a sua organização e com isso se torna importante que “vá crescendo, nesta articulação, na coesão, na elaboração de sua forma de entender a realidade”(Saviani, 1984: 63).
Extensão universitária Como foi mostrado, a extensão pode-se apresentar sob três possibilidades. A primeira enfatiza a via de mão única em que a universidade vai à sociedade levar algo de sua especificidade. Admite-se que a universidade resolve ir à sociedade para prestar algum serviço, 70
Líder comunitário e sindical. Texto da entrevista para esta pesquisa.
186
José Francisco de Melo Neto
oferecer curso, promover algum evento, fazer assistencialismo, ensinar, prestar alguma assessoria, levar algum benefício à população, que é vista apenas como receptora desses “serviços”. A segunda possibilidade trata a extensão como via de mão dupla, pensando a universidade como promotora de um processo cultural, educativo e científico em que, por um lado, leva conhecimento para a sociedade e, por outro lado, traz conhecimento da comunidade. Num processo desse tipo, a universidade e a sociedade estão de mãos dadas, daí a idéia de mão dupla. Nessa compreensão, a extensão passa a ser o elo, o canal capaz de promover essa troca através do diálogo em termos das demandas da sociedade e também da universidade. A terceira possibilidade manifesta a extensão como um processo educativo, cultural e científico assumido a partir de uma posição das classes subalternas, buscando contribuir para a construção de uma outra hegemonia. Nesse sentido, a extensão é um trabalho social a serviço das classes subalternas. O processo que se estabelece, por conta dessa concepção, envolve a universidade e a sociedade, propondo uma relação efetiva entre elas a partir da sua clara diferenciação, considerando as suas especificidades. O conhecimento aí gerado é produção coletiva e deve estar voltado ao trabalho de organização coletiva das classes dominadas. Trata-se de um trabalho que pretende se apropriar do saber da universidade e do saber dessas classes, dessas populações ou comunidades, para, num processo de reflexão e reelaboração, possibilitar nova apropriação desse saber. Deve ser um trabalho continuado, permanente e que contemple as possibilidades do conhecimento teórico e prático. Observando-se a Tabela 9 - concepção de extensão universitária, conclui-se que os coordenadores expressam visões bem diferenciadas do trabalho que vêm desenvolvendo. Se o percentual de 47% em (7.3) traduz a extensão como um trabalho social e assim vem se exercendo no projeto, os percentuais de 25% para a visão de mão única e 28% para a visão de mão dupla são valores muito expressivos. O desenvolvimento das atividades do projeto tem mos-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
187
trado uma ênfase, inclusive, na concepção de extensão como mão dupla, assumindo os coordenadores, em geral, a visão dos PróReitores de Extensão. Entre os executores, os percentuais se invertem, pois a percepção de que é a universidade que vai através do estudante levar algo é mais marcante. A via de mão única apresenta percentual de 63%; a via de mão dupla 24%, enquanto a perspectiva de realização de um trabalho social cai para 13%. Para os comunitários, a visão marcante de dependência continua quando mantêm o entendimento de que a universidade vai levar algo para eles, que apenas esperam ou recebem esse bem ou serviço. A instituição tem algo para dar e eles precisam receber. Isto evidencia a expressão de que as políticas públicas têm sido assistencialistas, particularmente nessa região. Os textos também traduzem uma outra contradição com o conjunto dos segmentos envolvidos, considerando que não expressam sequer a visão dos coordenadores e se enfileiram em torno da visão da extensão como mão única, com um percentual de 95%. Muitas ações e atitudes desenvolvidas no projeto surpreendem e contrapõem-se aos dados. O trabalho se mostra comumente de forma comunitária, mesmo que se tenha a produção com área de plantio individualizada. A produção que vem se adquirindo tem sido marcante, quantitativamente. No final de l995, foram colhidas em torno de mil toneladas de macaxeira e mandioca. Além disso, registrou-se um total de trezentas e cinquenta sacas de farinha como sobra de produção que foi comercializada na região, apesar do prejuízo causado pela chuva.
188
José Francisco de Melo Neto
TABELA 9 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Distribuição dos itens do tema VII, por segmento. ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
C1
C2
C3
CT
%
D1
D2
D3
DT
%
TT
% item
7.1
06
01
---
07
25
17
12
04
33
63
14
01
---
15
68
08
---
---
18
95
73
60
7.2
08
---
---
08
28
04
08
01
13
24
03
---
---
03
13
---
---
---
---
---
24
19
7.3
05
08
---
13
47
01
02
04
07
13
02
02
---
04
19
01
---
---
01
05
25
21
% do tema
04
7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade. 7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico. 7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia.
A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B CT - Freqüência de indicadores no item C DT - Freqüência de indicadores no item D TT - Freqüência total de indicadores no item
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
189
Por outro lado, esse tipo de trabalho marca o aluno da universidade, que passa a ter maior respeito por esses trabalhadores, ao perceber que eles também levam as coisas muito a sério. Estabelece-se uma relação pedagógica de aprendizagem para os próprios alunos, gerando maior respeito pelas comunidades e pelo saber dessas comunidades. O aluno, com essa experiência, começa a desenvolver uma maior preocupação com o seu conhecimento e com a comunidade. Essa aprendizagem ocorre com todos os integrantes do projeto, sejam eles da universidade, do Estado, das ONGs ou da localidade. A universidade passa a ser vista como parceira, diferenciando-se da visão do Estado patrão que promove apenas a mera assistência. Este é um exemplo claro de uma tentativa de encontrar outras formas de se fazer extensão e de se fazer pesquisa e ensino. “Voltando um pouco àquela história da universidade de ensino, da pesquisa e da extensão. Acho que o mundo da pesquisa é estritamente técnico. O mundo do ensino tá muito preso ainda aos livros acadêmicos, aos livros de pesquisa. Nos compêndios da vida existe, contudo, uma outra coisa que a gente chama de extensão que alimentaria, muito bem, novos livros, novas pesquisas” 71.
As visões diferenciadas de extensão percorrem todo o projeto. Da parte de executores encontram-se também formulações contrárias a qualquer visão que venha confundir extensão com assistência social paternalista, colocando a perspectiva de não se confundir com a cultura política do assistencialismo. São formulações que vislumbram a extensão como um estar presente na universidade, na vida cotidiana da sociedade, em particular, no projeto daquela comunidade. Abrem ainda a perspectiva de um trabalho que pos71
Membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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José Francisco de Melo Neto
sibilita a compreensão das causas que geram as brigas internas da comunidade, das lutas periódicas pela administração, entendendo a existência de grupos políticos e o jogo de seus interesses. Propõem um trabalho em que seja possível também o esclarecimento das questões ligadas às lutas sindicais e partidárias e que permita aos comunitários compreenderem a diversidade entre a universidade e as demais instituições presentes nesses projetos. Um trabalho que ajude os comunitários a tentarem caminhar com suas próprias pernas e que possibilite fazer suas reflexões comparativas com outras formas de realizar extensão. Um trabalho que tem como objetivo, no depoimento de um dos entrevistados, “organizar o homem do campo e fazer com que ele se valorize com o seu pequeno pedaço de terra”.
Considerações A participação de várias instituições neste projeto o torna rico, embora abrigue maior possibilidade de orientações díspares e até inconsistentes. Afinal, num trabalho envolvendo equipes da universidade, Estado, ONGs, dirigentes sindicais e até o pessoal de prefeitura, existem as mais variadas posições políticas e ideológicas interagindo e se refletindo nas diferenciadas visões das temáticas apresentadas. Parece não haver aqui um privilégio de qualquer das orientações assumidas para o trabalho organizativo da comunidade. No entanto, o trabalho organizativo está sendo encaminhado, apesar desses percalços, com saldos políticos, inclusive, partidários, bem diferenciados. O estudo vertical dos temas revela que as disparidades que o projeto abriga podem apontar mais uma pluralidade de visões, mas que se identificam naquilo que deve ser feito. A concepção de mundo presa à visão transformadora, inicialmente, não condiz com a concepção de sociedade voltada a uma visão de totalidade inte-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
191
grada. Ainda que os interesses estejam predominantemente voltados às classes subalternas, a unanimidade quanto à compreensão de prática social não deixa de chamar a atenção, especialmente diante de tantas contradições já apresentadas. A relação da universidade com a sociedade se expressa através do saber com vida independente que se assemelha aos percentuais referentes à concepção de universidade como via de mão única. Além disso, a natureza do trabalho na extensão é bem destoante do papel do agente institucional, o qual oscila entre os interesses do mercado, o agente neutro ou o agene comprometido com as classes dominadas. Mesmo o exercício do compromisso com as classes dominadas exige grande esforço do agente institucional ou comunitário, no sentido de que, reconhecendo a importância política do seu trabalho e sua essência política, não caia nas “malhas” da doutrinação política de qualquer coloração ideológica. Esse trabalho deve desenvolver-se na direção do apoio político às lideranças comprometidas com a sua comunidade, incentivando-as a manterem seus compromissos políticos com aquela gente. Foi promovido, no ano de 96, o 5o. Encontro de Comunidades na universidade, do qual, certamente saíram novos ensinamentos que devem ser, posteriormente, trabalhados pela equipe da universidade. Observa-se que, nesses encontros, o narcisismo de alguns membros do projeto começa a sobressair-se de forma exacerbada, inibindo a formação de novas lideranças. Há ainda o processo de valorização exagerada de membros da equipe do projeto por parte dos trabalhadores, inibindo assim os demais membros da própria equipe de trabalho. Deseja-se desmistificar mitos tradicionais, mas não podem ser gerados outros com as mesmas práticas que se está combatendo. Esses encontros parecem cobrar maior politização dos membros das equipes, refletindo exigências dos próprios trabalhadores.
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José Francisco de Melo Neto
avanço organizativo dos trabalhadores também vai gerando conflitos ideológicos internos à comunidade, entre os próprios trabalhadores. Passa-se a exigir um maior preparo político da equipe para enfrentar questões pertinentes como a discussão sobre Estado, ideologia, propostas estratégicas dos partidos políticos, etc. Contraditoriamente, tem se observado a existência de um reduzido campo voltado às políticas de esquerda neste projeto, expressando outros encaminhamentos políticos de interesses muito particulares e sutis. Também se pode observar que as relações com outras instituições, como a Igreja Católica local e sindicatos de outros municípios, se tornam bastante “pesadas” e difíceis de se tornarem efetivas. Há ainda a força das relações familiares que são muito profundas no Projeto Praia de Campina. Não se pode pretender quebrálas, mesmo porque não há necessidade. Ocorre que em alguns momentos não são compreendidas certas atitudes, que, ao serem analisadas, mostram passar por esse tipo de relação. Pode ser uma facilidade a mais, como também pode tornar-se um agravante para a organização. Outro aspecto a destacar é a acomodação da comunidade em relação aos seus próprios líderes. Ao instalar suas lideranças, parece que a comunidade chegou a um patamar de excelência e aí tudo volta ao lugar de antes. Deve-se ter cuidado permanente para que as lideranças não passem a substituir os antigos políticos ou os papéis exercidos pelo Estado quanto à autoridade, ao assistencialismo e até mesmo quanto à possibilidade de se gerar novos “coronéis” respaldados pelos trabalhos da extensão universitária. Parece ainda necessário dar-se maior atenção à participação da mulher nesse tipo de projeto. Até mesmo como filiada da associação, seu espaço é bastante reduzido, como mostra um dos líderes comunitários: “Mulé pode filiar-se . Pode. Mulé tem pouca, mas mulé só aquelas quando não têm home em casa”. Também precisa ser enfatizada a questão da identidade institucional da associação e
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
193
a sua importância para os comunitários. Essa maior compreensão é que possivelmente dará mais consistência quanto à defesa da associação, sua manutenção e sua continuidade. Contudo, os tantos esforços e equívocos gerados vão exigindo, cada vez mais, a colocação de questões tais como: Como fazer tudo isso em outras localidades? Por onde começar? E o que se deve levar em conta? São desafios que devem estar presentes em cada momento de encaminhamento desse tipo de projeto e de outros que poderão vir, dadas as atuais condições políticas do país.
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José Francisco de Melo Neto
2.5 - Projeto Qualidade de Vida O Projeto Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos Urbanos e Qualidade de Vida - Projeto Qualidade de Vida - vem sendo desenvolvido num bairro periférico da cidade de Campina Grande, numa das áreas mais pobres da cidade e bastante distante do centro - o Mutirão. É um bairro de características mais rurais do que propriamente urbanas. Por ser uma das áreas mais pobres da cidade e sem assistência do governo municipal, inclusive relativa à coleta de lixo, é que uma equipe do Campus II, da UFPB, decidiu iniciar esse projeto de coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos com o objetivo principal de implantar a coleta seletiva dos resíduos sólidos, promover sua reciclagem e buscar comercialização desse produto72. O projeto tem como meta a reativação de uma unidade de produção de material de construção que já existiu na comunidade e, por meio dessa atividade, possibilitar a geração de emprego e renda para um grupo de moradores da localidade. Essa unidade de produção deverá estar em funcionamento, articulada com a usina de triagem e compostagem dos resíduos sólidos, coletados pelo grupo de moradores envolvidos no projeto. Boa parte desses resíduos será usada como insumo alternativo na fabricação de materiais de construção. É um projeto que, de acordo com sua dimensão técnica, não se limita apenas a esses aspectos da usina, compostagem, geração de emprego e renda. Nessas ações vivencia-se todo um processo educativo junto à comunidade, através da promoção de debates com os moradores locais, onde se discute a usina, o próprio lixo como uma perspectiva de educação pela saúde e, de forma mais ampla, a questão ambiental.
72
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
195
É um projeto voltado à conscientização daquela comunidade que também objetiva: “Sensibilizar os poderes públicos para a preservação do meio ambiente e para a redução do desperdício. Na realidade, tudo que se joga no lixo tem trabalho incorporado e pode ser reaproveitado. A questão é usar a inteligência e a criatividade para isso. ... Ali nós pretendemos provar que tudo que vai para o lixo que não seja produto químico corrosivo, que não seja lixo atômico ou lixo hospitalar contaminado, tudo mais pode ser convertido em material de construção” 73.
Originário de um outro projeto de extensão que tinha como objetivo determinar quais eram os resíduos sólidos industriais do município de Campina Grande, o Projeto Qualidade de Vida, todavia, dirigiu seu trabalho só para o bairro do Mutirão. Espera-se que sua próxima versão avance, não especificamente quanto ao objetivo técnico do projeto, mas com relação a um maior envolvimento dos demais departamentos da universidade, considerando a abrangência da temática. Espera-se com isso absorver ainda mais o curso de Engenharia Civil, além do curso de Engenharia Mecânica, o de Engenharia Agrícola e o de Engenharia Química. Num primeiro momento, as ações do projeto estiveram voltadas ao acompanhamento de um Plano de Saúde da Família (PSF) que já vinha sendo desenvolvido pelo Governo Federal há mais de dois anos. Dessa forma, foi possível a discussão da questão do lixo e da saúde decorrente daqueles resíduos espalhados por todo o bairro. Assim se caminhou para um processo de conscientização da população, através da saúde, chamando a atenção dos comunitários para a importância da reciclagem do lixo e despertando os moradores para o valor do próprio lixo. 73
Membro da equipe do projeto. Texto de entrevista para esta pesquisa.
196
José Francisco de Melo Neto
“O lixo não é ‘lixo’. Ele pode até virar dinheiro. Ele pode gerar emprego, sendo uma alternativa de renda para a população. O principal, contudo, é uma melhoria na qualidade de vida da própria comunidade. Esta é uma conseqüência principal” 74.
Um dos eventos mais importantes gerados a partir do projeto foi a realização do I Seminário de Resíduos Sólidos Urbanos e Rurais da Paraíba. Nesse seminário, que se desenvolveu durante três dias, foram apresentadas mais de vinte palestras, além de trabalhos de pesquisa sobre essa temática. Foi um seminário bastante abrangente, quanto à diversidade de conteúdos apresentados e que envolveu toda a equipe do projeto. A diversidade das palestras mostra o interesse que o assunto vem despertando não só entre alunos do Campus II, como também entre os professores que estão, em suas diversas áreas, dirigindo estudos e pesquisas para a questão da qualidade de vida das populações mais carentes, debatendo especificamente a questão do lixo. Apresentou-se um trabalho da área de Engenharia Mecânica em que estudantes estão desenvolvendo peças apropriadas para as tarefas do projeto. Também foi apresentada a possibilidade de utilização de outros tipos de materiais na construção de casas, adequados às necessidades e condições financeiras dos moradores, fruto de pesquisas em andamento no curso de Engenharia Civil. No caso, discutiu-se a possibilidade de construção de material 30% mais barato do que o convencional e pronto para ser utilizado na construção civil em geral, com a técnica do solo-cimento. Essa técnica consiste na construção de qualquer obra apenas com terra e cimento dentro das proporções adequadas, já sendo testada para aquele ambiente. Inicia-se assim uma divulgação maior do próprio projeto entre setores da comunidade universitária, assim como em setores do 74
Estudante do curso de Engenharia e membro do projeto. Texto da entrevista para a pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
197
governo do Estado e da prefeitura local, acreditando-se que isso possa vir a alterar as condições de apoio à realização e à aceleração do projeto. Esse estudo do projeto como objeto de pesquisa em extensão universitária seguiu o mesmo instrumento que foi aplicado aos demais projetos em exame. Ou seja, é um instrumento voltado a detectar a presença de indicadores para os vinte e oito itens que são gerados em dez temas, assim definidos: tema I - concepção de mundo; tema II - concepção de sociedade; tema III - concepção de Estado; tema IV - a configuração dos interesses sociais; tema V concepção de prática social; tema VI - relação da universidade e sociedade; tema VII - concepção de extensão universitária; tema VIII - natureza do trabalho social na extensão; tema IX - papel do agente institucional e tema X - a pedagogia da extensão universitária. Aplicado o instrumento de análise ao material do projeto, isto é, às entrevistas75, apresenta-se uma maior visualização do mesmo ao se observar o Gráfico 4, a seguir. GRÁFICO 4
75
Não foram aplicadas entrevistas entre comunitários por não haver grupos definidos em torno do projeto, nem analisados textos por não haver, ainda, uma produção própria de textos.
198
José Francisco de Melo Neto
FREQÜÊNCIA DOS TEMAS
200 150 100
X VII
50 IV 0
I
I. Concepção de mundo VI. Relação universidadesociedade II. Concepção de sociedade VII. Concepção de extensão universitária III. Concepção de Estado VIII. Natureza do trabalho social na extensão IV. Configuração dos interesses sociais IX. Papel do agente institucional V. Concepção de prática social X. Pedagogia da extensão niversitária Pode-se observar no gráfico três blocos de temas bem delineados quantitativamente. O primeiro bloco reúne o tema I - concepção de mundo, com 18% de indicadores do projeto; o tema II concepção de sociedade, com 25% de indicadores e o tema VIII -
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
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natureza do trabalho social, com 17% de indicadores no total do projeto. O segundo bloco compõe-se do tema X - pedagogia da extensão universitária, com 6% ; do tema VII - concepção de extensão universitária, com 6% e do tema VI - relação universidade sociedade, com 8% dos indicadores dos temas. O terceiro e último bloco é formado pelo tema III - concepção de Estado; tema IV - configuração dos interesses sociais; tema V - concepção de prática social e tema IX - papel do agente institucional, com 1%, 3%, 3% e 3% de indicadores, respectivamente. A observação do Gráfico 4, contudo, não apresenta um quadro que possibilite maior detalhamento dos temas. Expressa apenas percentuais que são importantes para análises posteriores. Nesse sentido é que são sugeridos outros estudos a partir da Tabela 10: Distribuição de temas e itens, por segmento.
Concepção de mundo e de sociedade Observa-se que, no tema I - concepção de mundo, apresenta-se uma visão que privilegia a perspectiva do mercado, com percentuais de 53% e 58% entre os coordenadores e executores do projeto. Uma compreensão transformadora também está presente com expressivos percentuais entre os coordenadores e executores, com percentuais de 37% e 41%, respectivamente. Comparando-se com o tema II - visão de sociedade, encontra-se uma surpresa, pois, embora a concepção integradora de mundo não apresente percentual exexpressivo, é marcante, contudo, a concepção de sociedade como totalidade integrada, com percentuais de 48%, entre os coordenadores e 75% entre os executores. Surge uma contradição, portanto, ao se comparar a concepção de mundo com a concepção de sociedade. Há também uma diferença de percentuais entre os coor-
200
José Francisco de Melo Neto
denadores e os executores, tanto na visão da sociedade como uma totalidade integrada (perto de trinta pontos percentuais) quanto na visão de sociedade como um modo de produção (com uma diferença de dezessete pontos percentuais). Na sua relação com a sociedade, a universidade é apresentada predominantemente como uma instituição que tem um saber com vida totalmente independente. Essa visão perpassa os coordenadores e também como o executores do projeto, consolidando percentuais de 84% e 76%, respectivamente. Os percentuais referentes a uma visão da relação entre universidade e sociedade de forma empresarial são de 16% e 12%, o que também aponta para uma inconsistência com a visão de mundo apresentada no tema I. Nesse item a visão de mercado é preponderante, não se reproduzindo na relação da universidade com a sociedade. Pode observar-se ainda uma discrepância ao se comparar o tema VI com o tema II visão de sociedade, no sentido de que a perspectiva de totalidade integrada que domina o tema II não se reproduz no tema VI. A visão transformadora que aparece no tema I, com percentuais de 37% e 41%, não se traduz na visão da universidade como um aparelho ideológico, e, portanto, submetido aos conflitos ideológicos, frutos de suas contradições. No tema VI, não há indicação da universidade como aparelho ideológico entre os coordenadores, sendo apenas de 12% entre os executores. Quanto ao papel do agente institucional, há coordenadores que sabem que sua ação não é neutra, embora 50% dos indicadores do tema IX o afirmem nesse segmento. “Não existem atividades de ensino, de pesquisa e de extensão ‘neutras’. Em sala de aula, quando se está pesquisando, e/ou fazendo extensão, de certo modo, também se está contribuindo para alguma transformação”76.
76
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida . Texto da entrevista para a pesquisa.
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201
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TABELA 10 DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO Temas I - Concepção de mundo
II - Concepção de sociedade
III - Concepção de Estado IV - Configuração dos interesses sociais V - Concepção de prática social
VI - Relação universidade-sociedade VII - Concepção de extensão universitária VIII - Natureza do trabalho social na extensão
IX - Papel do agente institucional X - Pedagogia da extensão universitária
Itens 1.1 - Visão que privilegia o mercado 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a soc. 1.3 - Visão transformadora 2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção 3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. absoluta 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos 4.3 - Interesses voltados à classe dominada 5.1 - Interesses voltados a indivíduos 5.2 - Processo em consonância com classes dominadas 6.1 - Instituição do saber com vida independente 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico 7.1 - Via de mão única 7.2 - Via de mão dupla 7.3 - Trabalho social ( construção de nova hegemonia ) 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 9.1 - Agente dos interesses de mercado ( capital ) 9.2 - Agente neutro da instituição 9.3 - Agente comprometido com as classes dominadas 0.1 - Pedagogia tradicional 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora
A% 53 10 37 15 48 37 75 00 25 00 69 31 09 91 84 16 00 69 14 17 09 74 17 12 50 38 00 100
B% 58 01 41 05 75 20 00 00 100 00 00 100 10 90 76 12 12 83 17 00 16 72 12 27 09 64 07 93
C% ---------------------------------------------------------
D% ---------------------------------------------------------
Fi 107 13 75 19 101 54 03 00 02 00 11 09 02 19 44 08 01 30 06 05 15 91 18 04 05 10 02 43
% itens 55 07 38 11 58 31 60 00 40 00 55 45 10 90 83 15 02 73 15 12 12 73 15 21 26 53 05 95
Fgi
% tema
195
28
174
25
05
01
20
03
21 03 53
08
41
06
124
17
19
03
45
06
A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicadores
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Evidencia-se, na relação objetiva da universidade com a sociedade, a dificuldade de se trabalhar institucionalmente com a participação da Secretaria Estadual ou Municipal de Saúde, por exemplo, ou com a Fundação de Ação Comunitária do Estado, Secretaria de Meio Ambiente, além de empresas públicas como a ATECEL (empresa sem fins lucrativos que facilita projetos entre pesquisadores e universidade, situada no Campus II) e às vezes até com empresas privadas. “Apesar da dificuldade para se desenvolver um trabalho em equipe, conseguimos quebrar barreiras e formar uma equipe multi-disciplinar, interdepartamental e interinstitucional” 77.
As contradições internas dessa equipe são fatores determinantes e geradores de muitas dificuldades de encaminhamento num projeto dessa natureza. Cruzam-se interesses eleitorais de prefeituras ou do Estado com interesses acadêmicos dos profissionais da universidade, além dos interesses diferenciados dos membros da comunidade. Estes precisam de resultados imediatos. Aspectos burocráticos e recursos materiais também são pontos difíceis de superação que demandam, normalmente, tempo para solução. Ao se falar da relação entre a universidade e a sociedade, logo vem à tona a questão da função social da universidade colocada por coordenadores que vêem essa função em todas as atividades da universidade. Para eles, ensinar e pesquisar são funções sociais e conseqüentemente concebidas como ações “extramuros” ou extensão. “Na hora que a universidade exerce a extensão universitária tenta melhorar, educar a comunidade. Tenta conscientizar a comunidade e até sensibilizar os poderes públicos. Ela está ensi77
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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José Francisco de Melo Neto
nando, ensinando a viver, ensinando a promover melhores condições de vida, melhorar a qualidade de vida. Tudo isso é função social da universidade” 78.
Assim, de acordo com esse depoimento, a função da universidade é tudo que está ocorrendo, seja no seu exterior ou no seu interior. É uma visão muito ampla, onde cabem os mais variados interesses em jogo na instituição. É uma visão que carrega uma dosagem grande de neutralidade para a tomada das decisões, considerando-se que qualquer atividade é passível de ser assimilada por um trabalho de extensão e, conseqüentemente, inserida na função social como salvaguarda para qualquer prática. O entrevistado sente a falta, inclusive, de empresas privadas, como em países estrangeiros, em que a universidade atende demandas que com freqüência vêm dessas empresas. Isso indica que a função social da universidade não se apresenta como salvaguarda sem a perspectiva de interesses determinados, conforme o mesmo entrevistado havia afirmado anteriormente. “Elas vão buscar apoio na universidade. Vão buscar tecnologia. Vão buscar desenvolvimento. Vão buscar processos tecnológicos na universidade. Encomendam pesquisas. Financiam pesquisas. Aqui, infelizmente, não há muito essa mentalidade” 79.
No sentido da mudança, argumenta o entrevistado que, mesmo os processos técnicos novos e desconhecidos, sofrem dificuldades para serem implantados. As práticas de extensão, como a deste projeto, se processam muito lentamente. Resiste-se muito a mudanças. Mesmo os mais progressistas resistem à mudança. Isso acontece também com as técnicas desenvolvidas como a do solocimento, muito mais barata e possível de utilização não só em con78 79
Id.,Ibid. Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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juntos habitacionais como em mansões ou outros tipos de construções. Mudanças até mesmo para implantação de novas técnicas levam muito tempo. “O processo é confiável ou não. É natural que mesmo os mais evoluídos, os progressistas, não queiram a mudança. Estes ficam em guarda, um pouco, até terem a certeza de que a coisa é confiável. Um pé atrás, outro na frente. Mas no Brasil, parece que quem mais resiste a essas mudanças não é o povo, é o próprio governo. Nós temos encontrado grande aceitação popular, grande aceitação por parte exatamente de quem só pode aplicar pouco. Quem pode aplicar pouco é o pobre governo municipal, estadual e o pobre governo federal. São os três pobres que mais precisariam dessa tecnologia. Mas tendem a resistir” 80.
Torna-se necessário um certo empenho por parte da universidade, no sentido de promover essas possíveis mudanças, até mesmo as de dimensões técnicas. São mudanças que precisam ser demonstradas para servir de convencimento às demais instituições que se integram num projeto desse tipo. Também se observa uma dedicação muito grande por parte de executores do projeto que, como “sonhadores”, assumem até materialmente o projeto. Neste, em especial, se tem trabalhado com as próprias mãos em substituição a peças como colher do pedreiro ou misturadeiras para análises em laboratório dos materiais em exame. “Acho que também deveria a universidade liberar o material para a gente fazer o trabalho. Não adianta você estar com a boa vontade e não ter material para trabalhar” 81.
80 81
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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José Francisco de Melo Neto
Interesses sociais e prática social Comparando-se, na Tabela 10 - distribuição dos temas e itens, por segmento - os temas configuração de interesses sociais e concepção de prática social, observam-se alguns elementos destoantes. Na configuração dos interesses há, entre os executores, uma forte tendência (60%) para entenderem os interesses voltados a grupos. Os interesses voltados à classe dominada expressam-se em 31% e 100% entre os executores. Essa perspectiva entre os executores apresenta consistência, enquanto que na concepção de prática social tem-se uma compreensão de que a ação do projeto se dá em consonância com as classes dominadas. A opção pela região e pelas atividades a serem desenvolvidas mostra essa tendência que é muito mais forte percentualmente entre os executores do projeto: os estudantes. As práticas desenvolvidas no Projeto Qualidade de Vida não se restringem simplesmente ao aprendizado de separar seletivamente o lixo. “Na verdade, esse trabalho envolve não só um processo de educação ambiental, hábitos higiênicos mas também a mobilização da população para outras sugestões relacionadas com a qualidade de vida” 82.
Por outro lado, além das práticas com a dimensão educativa, observa-se um despertar de interesses por parte de bairros vizinhos ao Mutirão que anseiam por desenvolverem atividades semelhantes com a equipe da universidade. As equipes que vêm tocando o projeto estão sendo convidadas para participarem de reuniões em outros bairros. Esse fato leva à seguinte conclusão: 82
Membro da Equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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“Um projeto desse tipo atende de forma direta à comunidade do Mutirão. Indiretamente, teríamos bairros vizinhos que percebem as ações ali desenvolvidas e nos requisitam para falarmos sobre a experiência no Mutirão. Atinge ainda: professores, alunos, funcionários que participam do projeto onde temos muito aprendido e de certo modo, a universidade, particularmente os quatro departamentos do CCT envolvidos...” 83.
É importante destacar que existem possibilidades concretas de ser reativada a fabriqueta de material alternativo para a construção, feita à base de resíduos de toda essa coleta seletiva de vidro, granito artificial e uma série de outros resíduos. Tudo isto se constitui em processos educativos com a comunidade ou com grupos de moradores dessa comunidade. “Pode ser que se consiga gerar empregos prá várias pessoas. É uma forma de melhorar a qualidade de vida delas. Elas vão ser educadas no momento em que trabalhem a reciclagem produzindo alguma coisa útil. Elas vão também se educar. Eu acho que isto é possível” 84.
A visão utilitarista da perspectiva educativa é dominante entre os técnicos e engenheiros da universidade. Um processo terá significado e expressará algo importante, se lhe for apresentado um resultado que seja positivo. Claro que se precisa de resultados, mas a universidade não pode estar presa à realização de atividades que expressem apenas resultados positivos imediatos. O imediatismo sempre está presente nos projetos de áreas técnicas, mas precisa ser relativizado, considerando-se que, mesmo nessa área, processos dialógicos de comunicação e de educação estão sempre ocorrendo e
83
Id., Ibid.
84 . Membro
da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
208
José Francisco de Melo Neto
estabelecendo momentos de participação de todos para o exercício da cidadania, muito além de meros resultados imediatos.
Agente institucional e natureza do trabalho na extensão Comparando-se o tema VIII - natureza do trabalho na extensão, com o tema IX - papel do agente institucional, observa-se que há consistências e contradições. A consistência fica por conta da percepção da natureza do trabalho social com discurso de neutralidade, com percentuais de 74% e 72%, respectivamente entre coordenadores e executores. Já com relação ao tema IX, a dimensão da neutralidade do agente é expressa entre os coordenadores, com percentual de 50%, sendo destoante entre os executores, com apenas 9% dos indicadores. Outra contradição se expressa nos percentuais referentes ao trabalho técnico com discurso transformador, verificando-se percentuais de 17% e 12% entre os coordenadores e executores, enquanto que os percentuais de comprometimento com as classes subalternas, pelos agentes institucionais, são de 38% e 64%, respectivamente. É mais uma contradição entre os temas e uma falta de consistência quanto ao papel a ser desempenhado pelo agente institucional entre os próprios agentes do projeto. O projeto também tem a tarefa de resgatar práticas do Estado já existentes no Mutirão. O Estado, através da FAC(Fundação de Ação Comunitária), vinha tocando a idéia de produzir material de baixo custo na comunidade. Mas havia abandonado até mesmo o galpão já construído e só agora resgatado pelo projeto. Já tinha havido um treinamento dado pela FAC para um grupo de pessoas, mas tudo havia sido suspenso. A universidade assume o projeto e se propõe, inicialmente, diferenciar a sua atividade de agente nessa área, para trabalhar não só elementos técnicos, mas sobretudo a educação ambiental. Há, portanto, um conjunto de outras práticas
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
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que vinham sendo desenvolvidas e que mudaram com a intervenção da universidade. A universidade assume, dessa forma, uma atividade específica do Estado. Para um dos entrevistados, a idéia de que é o governo que está continuando o trabalho é muito importante para a universidade. Para ele, o povo acredita muito no governo, mesmo que o governo esteja desacreditado.
210
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TABELA 11 PAPEL DO AGENTE INSTITUCIONAL Distribuição dos temas e itens, por segmento ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
TT
% item
9.1
00
01
---
01
12
03
00
---
03
27
04
21
9.2
00
04
---
04
50
01
00
---
01
09
05
26
9.3
00
03
---
03
38
07
00
---
07
64
10
53
% tema
03
9.1 - Agente comprometido com interesses do mercado ( capital ). 9.2 - Agente neutro da instituição, seja Estado ou universidade. 9.3 - Agente comprometido especificamente com a classe dominada. A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B TT - Freqüência total de indicadores no item
TABELA 12
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
211
NATUREZA DO TRABALHO Distribuição dos itens do tema VIII, por Segmento ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
TT
%item
8.1
05
02
---
07
09
08
00
---
08
16
15
12
8.2
27
28
---
55
74
32
04
---
36
72
91
73
8.3
04
08
---
12
17
04
02
---
06
12
18
15
% tema
17
8.1 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “modernizador” . 8.2 - Trabalho técnico acompanhado de discurso de “neutralidade” . 8.3 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “transformador” . A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B TT - Freqüência total de indicadores no item
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José Francisco de Melo Neto
A universidade, contudo, já experimentou essas técnicas em suas próprias instalações físicas, construindo bibliotecas no Campus de Cajazeiras, por exemplo. ”É preciso a gente mostrar a todo momento que a universidade é governo e que a universidade está fazendo. Está fazendo para ela própria. Se ela faz para ela própria é porque acredita. Se ela está fazendo para ela própria é porque acredita” 85.
Trata-se de uma técnica de convencimento muito simples, de acordo com o coordenador do projeto. Nesse sentido, vai-se tentando a superação das contradições existentes também na universidade e enfrentando outras, quando se assumem experiências que não tiveram início unicamente na universidade. “Não só a importância de como se recicla o material ou como se separa o material. Não só quanto de energia se vai economizar ou quanto vai economizar prá gente e gerar renda. A gente passa também uma questão holística: o que é o meio ambiente? Por que é importante a educação ambiental? De onde vem isso? Prá onde vai isso? Quais os vetores que nos prejudicam? Quais os que nos ajudam?” 86.
Esses questionamentos, por sua vez, abrem a perspectiva da pesquisa. Um exemplo prático ocorre com a turma de Engenharia Mecânica, como já foi afirmado, trabalhando no sentido de desenvolver novas peças para se encaixarem na realidade local. Essa é uma dimensão também interessante neste projeto, sendo a comunidade beneficiada onde ele vem sendo implantado, sobretudo na possibilidade de se gerar alguns empregos. 85 86
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Extensão universitária Para destacar a análise sobre extensão universitária, faz-se necessário observar a Tabela 13, referente ao tema VII - distribuição dos itens do tema VII, por segmento. A tabela vai mostrar uma visão de extensão como via de mão única, onde a universidade tem um conhecimento que precisa ser repassado para a sociedade. É a visão da universidade como prestadora de serviço, promotora de eventos, que leva um conhecimento necessário para a sociedade. Em geral essa visão está “impregnada” de forte assistencialismo. A Tabela 13 revela que essa visão é preponderante neste projeto, com percentuais entre coordenadores e executores de 69% e 83%, respectivamente. “É justamente aí onde eu vejo essa parte da extensão. Eu vejo como um trabalho da universidade, justamente com a sociedade, com o objetivo de quê? De assessorar essa comunidade, transmitindo conhecimentos que ela não adquiriu. A gente está na universidade, tem esse conhecimento que precisa ser repassado para a sociedade” 87.
Com a visão de mão dupla, entre a universidade e a sociedade, é estabelecida uma ligação, pela qual o conhecimento é levado e trazido a uma e a outra. A extensão é um canal, um elo ou algo que possa simbolizar uma passagem da universidade para a sociedade ou vice-versa. Esse caminho tem a finalidade de captar e também de atender as demandas sociais. Existe, nesse sentido, uma troca de conhecimentos. A Tabela 13 apresenta percentuais pouco significativos para essa perspectiva. 87
Estudante e membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Diferenciadas compreensões, contudo, se externam mesmo entre os coordenadores, como o entendimento de que a extensão é expressão do cumprimento das obrigações sociais da universidade a todos os segmentos da sociedade. Para um deles, a universidade precisa estar atendendo a todos os segmentos, pois tem obrigação para com todos. O que se vê, entretanto, é a expressão de interesses de diferenciadas formas e intensidades dos setores sociais para com a universidade. Existem muitas demandas de prefeituras, particularmente de certos prefeitos, que vêem a possibilidade de conquistarem a universidade para seus governos e com isso transformarem alguns trabalhos da universidade em expressão de sua própria política. Portanto, o atendimento a todos setores da sociedade, em certos casos, tem um viés que pesa mais para o lado daqueles que detêm o poder local ou regional. Assim, não se pode entender de forma “ingênua” o atendimento a todos os setores sociais. Esses setores se expressam politicamente diferenciados e com forças diferenciadas quando apresentam suas demandas à universidade. Existem ainda outros procedimentos educativos que passam por projetos como este. Pode-se falar de processos informais de educação transmitidos pela universidade em momentos em que há reuniões. A comunidade leva sua educação aos agentes da universidade e estes à comunidade. De acordo com um dos entrevistados, não se trata, na verdade, de uma educação de banco de escola. É uma palestra menos formal, ilustrando assuntos que estão mais voltados aos interesses das pessoas. Quanto à visão da extensão como uma possibilidade de trabalho social, esta é apontada pelos coordenadores, com um percentual de 17%. É um percentual expressivo, considerando o fato de que esse tema se revela com 6% no conjunto dos temas do projeto, enquanto que este mesmo item projeta um percentual de 12% entre os demais itens.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
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TABELA 13
DISTRIBUIÇÃO DOS ITENS DO TEMA VII, POR SEGMENTO
ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
TT
%item
7.1
05
15
---
20
69
10
00
---
10
83
32
73
7.2
04
00
---
04
14
01
01
---
02
17
06
15
7.3
05
00
---
05
17
00
00
---
00
00
05
12
% tema
06
7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade. 7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico. 7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia.
A - Entrevista com coordenadores AT - Freqüência de indicadores no item A B - Entrevista com executores BT - Freqüência de indicadores no item B
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Este é um trabalho de extensão que, embora apresente contradições e inconsistências, também configura uma possibilidade de extensão como um trabalho social. Volta-se para a produção de um conhecimento que num certo nível é conjunta, pois a comunidade, além de contribuir com a apresentação do problema, também apresenta soluções através da sua participação. A universidade e a comunidade se apoderam daquele conhecimento. É um trabalho que se afirma como permanente na comunidade e que prioriza, como expressão da verdade daquele conhecimento, a relação que está ocorrendo entre a teoria trazida pela equipe da universidade e a prática da qual a comunidade participa. Considerações Um projeto com essa perspectiva de um trabalho social contribui para a busca de mais adeptos para seu desenvolvimento, como também para a abertura de outros tipos de projeto, com outros profissionais. O que se exige é a pertinência das questões a serem abordadas pela comunidade universitária. São questões que podem estar nas imediações do próprio campus universitário. Pouco a pouco, como vem demonstrando o curso de Engenharia Mecânica, ao participar deste projeto, a técnica pode adquirir a dimensão social que está embutida no seu desenvolvimento. Não é a comunidade toda fabricando em um torno mecânico determinadas peças que lhe são úteis, mas é o processo de definição daquelas necessidades técnicas que, junto com as possibilidades de conhecimento da universidade, permite que sejam trocadas as experiências e os conhecimentos, também, no campo tecnológico.
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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E SUAS FUNÇÕES HEGEMÔNICAS
1 - Extensão e hegemonia nos projetos da UFPB Após a apresentação de cada projeto de extensão tomado como objeto de análise, torna-se necessário fazer-se alguma comparação entre eles. Sabe-se, contudo, que cada um desses projetos analisados tem sua peculiaridade, o que traz dificuldade para um estudo em bloco, contemplando-os conjuntamente. Por outro lado, pode-se verificar que elementos teóricos estão presentes em todos eles e podem ser apreendidos através das temáticas políticas que estão no conjunto da teoria da hegemonia e que reaparecem no interior das práticas desses tipos de projetos. Há projetos voltados para áreas distintas de conhecimento, como: saúde, educação, desenvolvimento comunitário e tecnologia, esta voltada à qualidade de vida. Pode mesmo se tornar interessante um estudo abordando os quatro projetos, pois essa análise comparada possibilita, na sua diversidade, trabalhar com elementos teóricos que podem suscitar diferenciados debates. Para este estudo é preciso observar-se a Tabela 14 (temas e itens nos projetos, por segmento). Nessa tabela pode-se destacar que os temas I - concepção de mundo, e II - concepção de sociedade, em todos os projetos, tiveram os percentuais mais expressivos, tendo como destaque o tema sobre a concepção de sociedade. Esses temas mostram uma grande coerência entre os projetos, sobretudo, o CERESAT, o Zé Peão e o Praia de Campina, onde se externa, no tema I, uma perspectiva transformadora. Faz exceção o Projeto Qualidade de Vida, em que os percentuais referentes à visão são privilegiadora do mercado são mais expressivos, atingindo 53% e 58% entre os coordenadores e executores do projeto.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica
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Quanto ao tema II - concepção de sociedade, os projetos apresentam discordância no seu conjunto. São concordantes apenas os projetos CERESAT e Zé Peão quanto à visão de sociedade como modo de produção. Existe diferenciação no projeto Praia de Campina, em que coordenadores e executores vêem a sociedade como um conjunto de instituições integradas entre si, divergindo em relação aos executores e aos textos. Destaca-se a visão integradora da sociedade no Projeto Qualidade de Vida, com percentuais de 48% e 75%.
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TABELA 14 TEMAS E ITENS NOS PROJETOS, POR SEGMENTO T I
II
III
IV V
VI
VII
VIII
IX X
Item 1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 2.3 3.1 3.2 3.3 4.1 4.2 4.3 5.1 5.2 6.1 6.2 6.3 7.1 7.2 7.3 8.1 8.2 8.3 9.1 9.2 9.3 0.1 0.2
AE 07 06 87 04 01 95 22 33 45 00 57 43 02 98 38 00 62 61 06 33 00 09 91 14 28 58 00 100
BE 06 02 92 02 04 94 14 50 36 03 21 76 05 95 65 11 24 29 08 63 02 06 92 64 01 35 00 100
I - Concepção de mundo II - Concepção de sociedade
CE 09 02 89 01 03 96 67 00 33 00 10 90 03 97 58 33 09 66 00 34 00 08 92 36 41 23 00 100
DE 09 02 89 01 03 96 00 100 00 07 68 35 06 94 31 56 13 62 01 37 04 09 87 55 14 31 00 100
TE 26
25
01
08 06
02
05
17
02 08
AZ 13 01 86 06 01 93 83 17 00 00 37 63 11 89 41 12 47 35 07 58 02 27 71 38 27 35 00 100
BZ 09 01 90 06 01 93 20 80 00 01 17 82 01 99 57 25 18 35 04 61 03 09 88 30 00 70 00 100
CZ 07 01 92 04 03 93 00 100 00 00 20 80 02 98 74 13 13 84 02 14 01 07 92 17 04 79 00 100
DZ 24 01 75 01 01 98 60 40 00 00 49 51 07 93 55 25 20 24 06 80 01 03 96 52 03 45 00 100
TZ 26
27
01
11 07
02
04
12
03 07
AP 15 04 81 02 52 46 --66 34 --39 61 12 88 55 21 24 25 28 47 01 58 41 42 29 29 01 99
BP 15 04 81 01 59 40 --100 --05 32 63 --100 82 09 09 63 24 13 01 63 36 64 04 32 --100
IV - Configuração dos interesses sociais V- Concepção de prática social
CP 19 09 72 --37 63 75 25 --01 07 92 --100 65 31 04 68 13 19 --29 71 ----100 --100
DP 10 10 80 --17 83 50 --50 --20 80 --100 --50 50 95 --05 --11 89 100 ------100
TP 16
28
01
08 05
03
04
21
02 12
AQ 53 10 37 15 48 37 75 00 25 00 69 31 09 91 84 16 00 69 14 17 09 74 17 12 50 38 00 100
BQ 58 01 41 05 75 20 00 00 100 00 00 100 10 90 76 12 12 83 17 00 16 72 12 27 09 64 07 93
TQ 18
25
01
03 03
08
06
17
03 06
VIII - Natureza do trabalho social na extensão IX - Papel do agente institucional
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III - Concepção de Estado
A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários U - Política da UFPB
VI - Relação universidade-sociedade VII - Concepção de extensão universitária
X - Pedagogia da extensão universitária
D - Documentos dos projetos E - Projeto CERESAT T - Percentual total do tema
1.1 - Visão que privilegie o mercado 1.2 - Visão integradora ( inst. pessoa ) aperfeiçoando a socieddade. 1.3 - Visão transformadora 2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção 3.1 - Estado árbitro: acima das classes 3.2 - Estado instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos ( setores de movimento ) 4.3 - Interesses voltados à classe 5.1 - Interesses voltados a indivíduos 5.2 - Processo em consonância com classes dominadas
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P - Projeto Praia de Campina Q - Projeto Qualidade de Vida L - Grupo de Tecnologia Z - Projeto Zé Pião
6.1 - Instituição do saber com vida independente 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico 7.1 - Via de mão única 7.2 - Via de mão dupla 7.3 - Trabalho social 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 9.1 - Agente do mercado 9.2 - Agente neutro 9.3 - Agente da classe dominada 0.1 - Pedagogia tradicional 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora
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José Francisco de Melo Neto
Quanto ao tema III - concepção de Estado, o que se observa é, praticamente, uma ausência dessa discussão, o que leva a entender que o debate político em geral estabelecido nos projetos é de pouca efetividade, considerando a ausência da temática referente ao Estado em suas discussões, mesmo que suas ações sejam muito vinculadas com as atividades do Estado. No tema IV - configuração dos interesses sociais, existem discrepâncias e concordâncias. Nos projetos Zé Peão e Praia de Campina, existe uma afluência para a visão de interesses voltados às classes subalternas da sociedade, enquanto que os dois outros projetos se diferenciam, sobretudo internamente, quanto às perspectivas de interesses sociais. No tema V - concepção de prática social, há um destaque nos quatro projetos para a visão de prática como processo e em consonância com as classes dominadas. Estabeleceu-se, praticamente, um consenso no projeto Praia de Campina quanto a essa visão, com percentuais de 88%, 100%, 100% e 100% respectivamente para os coordenadores, executores, comunitários e textos. O tema VI - relação da universidade com a sociedade, também mostra entre os projetos uma diferenciação das visões, ora voltada para uma compreensão de instituição com saber e com vida independente, ora como instituição voltada ao mundo empresarial, ora como aparelho de conflito ideológico. Há uma aproximação maior entre os projetos Praia de Campina e Qualidade de Vida quanto à visão de universidade como instituição do saber com vida independente, com percentuais de 55%, 82%, 65% para coordenadores, executores e comunitários e no Projeto Qualidade de Vida, com percentuais de 84% e 76%, respectivamente para os coordenadores e executores. Os projetos CERESAT e Zé Peão revelam discordâncias, num predominando a perspectiva de instituição voltada ao mundo empresarial e noutro a de instituição como aparelho de conflito ideológico. Quanto ao tema VII - concepção de extensão universitária, são apresentadas três possibilidades de visão: a via de mão única, a
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via de mão dupla e a perspectiva de extensão como um trabalho social. Os índices se distribuem entre essas três possibilidades, destacando-se um expressivo percentual em alguns projetos quanto à visão do trabalho social. Nos projetos Praia de Campina e Qualidade de Vida aparecem os menores índices para essa perspectiva, com percentuais de 13% e 5%, para os executores e os textos do Projeto Praia de Campina e de 17% e 00%, para os coordenadores e executores do Projeto Qualidade de Vida. É importante destacar que mesmo os índices mais baixos revelam indicadores qualitativamente expressivos para a discussão conceitual da extensão universitária como um trabalho social. A perspectiva da via de mão dupla se expressa com os menores índices nos Projetos CERESAT e Zé Peão, com índices que variam de 00% a 7%, entre os coordenadores, executores, comunitários e textos de ambos os projetos. O tema VIII trata da natureza do trabalho social na extensão. Entre os projetos, há quase um consenso na ausência da perspectiva de um trabalho técnico com discurso modernizador. Destoam os projetos CERESAT e Zé Peão com relação aos demais, no que tange à visão de um trabalho técnico com discurso de neutralidade. Os índices no Projeto Praia de Campina, com alguma divergência interna, vão se tornando ainda maiores no Projeto Qualidade de Vida, atingindo percentuais de 72% e 74% entre os coordenadores e executores, respectivamente. Consolidam-se índices expressivos para a visão de um trabalho técnico com discurso transformador, particularmente nos projetos CERESAT e Zé Peão, com índices que variam entre 71% e 96% . O tema IX - papel do agente institucional, revela-se um dos temas mais dilemáticos, considerando-se a variação entre os seus índices, tanto interna como externamente. A comparação interna desses percentuais conduz a uma inconsistência presente entre os coordenadores, executores, comunitários e textos dos projetos, o que também ocorre na comparação externa com os demais projetos.
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José Francisco de Melo Neto
Quanto à visão do agente institucional como agente do mercado, os índices variam de 14% a 64%, no projeto CERESAT; de 17% a 52%, no projeto Zé Peão; de 00% a 100%, no projeto Praia de Campina e de 12% a 27%, no Projeto Qualidade de Vida. Disparidades semelhantes ocorreram nas demais visões de agente como neutro ou como agente da classe dominada. Em relação ao tema X - pedagogia da extensão universitária, pode-se observar uma consistência interna que alcança percentuais de 100%, praticamente em todos os projetos e em todos os agentes dos projetos. Trata-se de uma consistência que chama a atenção para o tipo de discurso que está sendo veiculado e que de certa forma nega o distanciamento que se tem no exercício prático desse discurso. Passa uma idéia de que o discurso pedagógico transformador está bem consolidado entre os agentes destes projetos, o que colide com a caracterização expressa do agente institucional e com as concepções de sociedade ou de mundo, que nem sempre estão em sintonia com o discurso ou a visão pedagógicoeducativa da ação política declarada. Na Tabela 14, destacam-se temas, tanto pela forte, como pela fraca presença quantitativa, valendo a pena tentar uma melhor compreensão dos dados apresentados. O tema III - concepção de Estado, apresenta percentuais de apenas 1% em todos os projetos analisados. Isso indica um ausência da discussão política fundamental ao se encaminharem ações políticas para a organização de setores subalternos da sociedade. As políticas públicas são formuladas e encaminhadas apenas pelo Estado, nessa região. Essa condição torna imprescindível o debate sobre o Estado, suas concepções e diferenciações políticas, bem como a dimensão da ação de seus agentes para qualquer projeto que apresente tal dimensão social. A ausência desse tipo de debate tende a limitar as possibilidades de um maior conhecimento sobre o papel do Estado e necessariamente sobre as condições de possibilidade de mudanças.
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A relação da universidade com a sociedade é outro tema que se apresentou pouco expressivo quantitativamente, em relação aos demais, com percentuais de 2%, 2%, 3% e 8% para os projetos CERESAT, Zé Peão, Praia de Campina e Qualidade de Vida, respectivamente. Esses dados demonstram a dificuldade existente entre os agentes dos projetos para uma formulação mais clara sobre o papel da universidade em sua relação com a sociedade. Terá a universidade vida independente, como mostram alguns percentuais, como no Projeto Qualidade de Vida, que chegam a 84% e 76%, entre os coordenadores e executores do projeto? Essa visão apresenta a instituição isolada da sociedade, como se isso fosse possível, gerando, conseqüentemente, uma outra visão que é a da neutralidade de seu trabalho ou do produto desse trabalho: o conhecimento. O tema IX - papel do agente institucional, também apresenta percentuais praticamente desprezíveis do ponto de vista quantitativo. Seus percentuais, seguindo a ordem dos projetos já citada anteriormente, atingem os índices de 2%, 3%, 2% e 3%. Ora, a perspectiva da ação prevista no papel do agente institucional depende da compreensão daquilo que se entende por Estado e do posicionamento do agente diante do mesmo. A ausência dessa discussão em uma sociedade de classes só contribui como fator gerador de dúvidas quanto ao papel do agente. Assim é que, mesmo prevalecendo uma visão transformadora em relação à sociedade, como foi apresentado na Tabela 14, isso não é suficiente para se definir com clareza o papel do agente institucional como agente das classes subalternas. Todos esses temas, embora quantitativamente pareçam pouco ou nada indicar para a análise, não podem deixar de ser tratados no conjunto dos projetos, onde é preciso tentar alcançar a importância de cada temática, independentemente de percentual. Esses temas também contribuem muito para a discussão e o entendimento
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dos projetos em estudo, e não apenas os temas com valores expressivos, como os temas I e II (a concepção de mundo e concepção de sociedade), que atingiram os maiores índices dos projetos. Parece que, juntos, podem estar indicando os debates que em geral ocorrem na universidade. Os percentuais encontrados nos temas I e II apontam para visões nem sempre transformadoras e indicam que estes projetos estão impregnados de variadas possibilidades de concepção de sociedade e de mundo. Os percentuais, entretanto, não conduzem a exigências maiores quando se analisam temas tais como o jogo dos interesses sociais ou mesmo as concepções de práticas sociais . O que subjaz nesses tipos de projetos, particularmente nos Projetos Praia de Campina e Qualidade de Vida, é a idéia da necessidade de se desenvolver a comunidade, de fazê-la crescer. Nesses projetos, as formulações quanto aos objetivos passam pela idéia de desenvolver as regiões onde o atraso é responsável pela miséria. Nessa perspectiva têm-se apresentado vários projetos para financiamento, mesmo os que envolvem a universidade. Coloca-se normalmente um desejo, às vezes até religioso, de se pretender vencer esse atraso e para isso vai-se tentando resolver as questões da pobreza. Existe uma ideologia de desenvolvimento para as comunidades “carentes” na perspectiva de mudanças ou de transformações. Esses são propósitos que precisam ser submetidos ao crivo dos dados dos projetos. Também é preciso descobrir se estão em curso projetos que pretendam contribuir para a organização dos setores subalternos da sociedade. Parece fundamental para a execução dos projetos que seus coordenadores, executores e comunitários possam estar minimamente afinados com a filosofia desses projetos e sua formulação política. Isso traz mais clareza às suas ações, gerando benefícios à comunidade, de maneira diferenciada. Quando essa aproximação ou identificação não ocorre, a comunidade percebe, ainda que não
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expresse oralmente sua percepção. Isso cria uma situação mais difícil que quando o poblema é posto em reflexão pelos grupos ou equipes dos projetos, já que ela, docilmente aceita tal situação. Em conseqüência, a comunidade tende a desenvolver formas de participação em que cada indivíduo passa a buscar, nessa diferenciação, o máximo de benefícios para si próprio. Tais formas deveriam exigir das equipes uma reflexão mais crítica possível no sentido de buscar atividades ou políticas que possam envolver todos os setores da comunidade. Esse trabalho, no entanto, está se tornando ausente das atividades de reflexão crítica das equipes de trabalho social. Pelo menos nos projetos Praia de Campina e Qualidade de Vida, as discussões têm basicamente decorrido de encaminhamentos imediatos, dando-se ênfase a uma metodologia do tipo “aprender a fazer, fazendo”, esquecendo-se da importante tarefa da reflexão crítica sobre o fazer, para inclusive poder refazer o que está sendo feito quando ocorrerem possíveis equívocos, permitindo correções. Esse movimento se constitui de ação educativo-crítica fundamental. Forma-se, assim, uma ideologia nas equipes de trabalho destes projetos, particularmente por parte dos estudantes, que aceitam as condições que lhes são oferecidas como membros de equipe dos projetos, sendo conduzidos pelo pressuposto não da reflexão crítica, mas da acomodação às atividades em desenvolvimento nos projetos. As concepções de universidade e de extensão dominantes são aquelas mais veiculadas, impedindo dessa maneira a reflexão sobre possibilidades outras que venham a ser geradas nesses trabalhos sociais. Essa ideologia expressa os valores e as concepções dominantes, que, por sua vez, mantêm a ordem vigente sem questionamentos. Por outro lado, em nome de um desenvolvimento de comunidades consideradas “atrasadas” ou “carentes” , procura-se veicular como ideologia uma necessidade de superação da situação do atraso como se fosse algo de consenso entre todos. Isto é, todos
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apóiam que se desenvolvam as regiões ou as comunidades. Conseqüentemente, qualquer ação com essa denominação é bem vista, bem aceita e deve ser implementada. Estabelece-se dessa forma uma total ausência da reflexão. Torna-se necessário, pelo menos, responder-se à pergunta: A quem interessam essas ações ou que organização social está sendo promovida para os setores subalternos da sociedade? Trata-se de uma ideologia sutilmente veiculada e assimilada por várias equipes de projetos de extensão, que procuram instaurar um processo único para toda e qualquer comunidade, o qual, portanto, vem carregado de autoritarismo. Há certas vantagens, inclusive, que podem acontecer nas relações de entidades com o Estado ou com ONGs onde se beneficiam, às vezes, poucos. Casos assim são veiculados como se fossem conquista ou benefício de todos. Escondem-se a diferenciação e a exclusão de tantos que ficam sem essas benesses dentro dos próprios projetos. Ora, estas são formas de se veicular as ideologias dominantes e se prestam para a organização do proletariado, no sentido de sua não autonomia e sob o controle ideológico ou político dos setores dominantes. As ações desenvolvidas nos projetos em estudo mostram um conjunto de contradições, discrepâncias e mesmo divergências. Nos embates entre os trabalhadores da construção civil e dos trabalhadores de Praia de Campina com a usina, surgem imediatamente contradições profundas. Com relação à política local da prefeitura dos dois municípios vizinhos, Mamanguape e Rio Tinto, apresentam-se formas de resistência e luta, mas também existe uma certa tolerância que assume ares de valor ético por parte daquelas autoridades. Tal atitude traduz a ideologia pela qual é preciso tratar da miséria, pois o seu combate, além de expressar uma atitude “caridosa” e muito ligada à religiosidade, se torna uma questão de segurança para o município e seus setores médios. Os poderes locais comumente estão se prontificando a colaborar com esses projetos, a fim de manterem a sua presença também nessas ações sociais.
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O processo, particularmente desenvolvido pelo Projeto de Praia de Campina, de se buscar atender a algumas necessidades básicas das comunidades, pode interessar aos poderes locais, pois não estabelece nenhuma mudança estrutural radical que possa ameaçar o poder das oligarquias da região. O incentivo para tornar-se voluntário, desencadeado na universidade e por equipes desses projetos em relação aos encaminhamentos do Programa Comunidade Solidária, por exemplo, mostra bem que a ideologia de acabar com a pobreza tem dimensão nacional, sendo, portanto, uma ideologia nada restrita a particularidades regionais. Equipes da universidade, através de projetos de extensão, podem se prestar a esse tipo de trabalho social, se não entenderem o caráter ideológico de um projeto dessa natureza. Um projeto como o da Comunidade Solidária ajuda a ver que a ideologia vai exercendo o seu domínio em dimensão nacional. A politização e a aprendizagem da análise crítica pelos setores subalternos da sociedade não são desejos dos setores dominantes. Esses setores sempre se apresentam com as decisões já tomadas. A discussão aberta e crítica não é de interesse dessas minorias dominantes, que nunca promovem nem estimulam o debate das questões a serem decididas. Seus representantes se apresentam como se já conhecessem todos os problemas e suas soluções. E já têm definidas as decisões. A sua política é uma política de bastidores. O entendimento desses aspectos ideológicos conduz necessariamente as equipes de projetos a atuarem como educadores críticos da realidade, baseados no desenvolvimento da capacidade de pensar autonomamente, no desenvolvimento da capacidade crítica e assim compreenderem as diferenciadas formas de dominação desse estilo de política. Essa é uma atividade considerada imprescindível por aquele agricultor que mostrava a necessidade de se discutir as questões políticas para não se deixar campo aberto para a burguesia. Essa educação sistemática é pouco desenvolvida, carecendo de in-
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centivo maior, aproveitando o conjunto de outras ações encaminhadas pelos projetos. Tanto o tema referente à ideologia como também seu conceito precisam ser analisados nesses projetos. Permeia toda a discussão o conhecimento político sobre o Estado e, a partir daí, as suas relações com os aparelhos de hegemonia, com o intelectual, com os comunitários e o seu papel como agente de mudanças, as políticas do Estado. Tudo isso costuma estar fora de discussão nesses projetos. A ausência dessas discussões dificulta a sua compreensão crítica por parte dos comunitários e deixa vazio um espaço pedagógico importante para o exercício da discussão, da autonomia e da crítica. A análise crítica do papel do Estado, muito pouco desenvolvida nos projetos, se torna fundamental para o exercício educativo e crítico entre os setores subalternos da sociedade. Os Estados capitalistas mais avançados apresentam uma complexidade maior, bem como a sociedade civil. Nessa direção, urge a discussão para o redirecionamento dos aparelhos de hegemonia na superestrutura e na vida estatal. Destaca-se a rediscussão sobre concepção de Estado como instrumento de uma classe, ou mesmo a redução da compreensão da própria hegemonia à dominação de classe. A ausência de objetivos educativos como exercícios da crítica desses projetos retira a compreensão necessária da articulação das diferentes práticas sociais e, sobretudo, elimina o debate sobre as medidas políticas das classes dominantes. A ausência dessas discussões de forma sistemática nesses equipes dificulta a compreensão das temáticas da atualidade, como a autonomia do próprio movimento, a democracia na sociedade e, conseqüentemente, a necessidade de sua defesa. Através do aprendizado crítico, a partir das ações nos projetos, mostra-se a necessidade de combate às práticas autoritárias, sobretudo nas relações entre dirigente e dirigido; reduz a busca por novas formas de organização de instrumentos para transformação e avança no exercício de valorização de seu
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próprio saber, passando pela compreensão da necessidade do respeito ao saber diferente. São possibilidades que podem ajudar na condução do desenvolvimento metodológico de se aderir ao real concreto de forma diferenciada da adesão positivista, assegurando uma compreensão mais sistematizada e rica, no sentido da superação do conservadorismo estabelecido na sociedade. Estes projetos demonstram a limitada ação da universidade, como uma instituição, nessa direção. Ainda um aspecto a considerar diz respeito à cultura e aos intelectuais na teoria da hegemonia, que Gramsci chama de “questões pedagógicas” e escolares. Essas questões podem ser vistas no desenrolar dos projetos em estudo e dizem respeito à ligação das questões culturais e escolares com o movimento dos trabalhadores. As tentativas de desenvolver atividades que contribuam para uma organização dos trabalhadores passam pela prática concreta do movimento dos trabalhadores. Há, nesse sentido, uma forma diferente no processo de organizar as reivindicações dos setores de trabalhadores, como o desenvolvido nesses projetos, que é voltar-se à organização da cultura. Manifesta-se também como importante a solidificação dos instrumentos de divulgação e sua articulação com as lutas concretas em desenvolvimento, constituindo-se em uma dimensão da luta pela hegemonia dos setores subalternos da sociedade. As manifestações culturais estão inseridas no próprio movimento da realidade. Não se constituem como algo abstrato. Estão, na verdade, presas ao “povo”, sendo sua própria manifestação em cada momento histórico. Uma concepção como esta expressa o fim do saber enciclopédico. O homem culto não pode ser “depósito” de informações, cheio de dados e fatos. A perspectiva gramsciana valoriza o saber como fruto de um processo de conquista “espiritual” (o homem como criação histórica e não natureza):
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“A tomada de consciência, social e histórica, é, ao mesmo tempo, a construção de si próprio e dos outros. A cultura passa a ser pensada, pois, como consciência pensada, pois, como consciência de si próprio, do contexto social no qual se está inserido, da realidade histórica, enfim, de que se é parte” (Pamplona: Cadernos do Cedes no. 3, p.19).
O desenvolvimento de atividades nesses projetos, sobretudo nos Projetos Zé Peão e Praia de Campina, tem valorizado o aspecto cultural. Ações educativas são promovidas no sentido de articular as necessidades do movimento em organização, bem como as suas exigências. Pode-se exemplificar com a comemoração da colheita do camarão - a festa do camarão - que tem sido incentivada e se tornou, hoje, uma tradição entre os pescadores da região. Isto pode ser entendido como parte de um processo de expansão da hegemonia que, assim, deve ser buscado, ainda mais porque consolida um aprendizado de fortalecimento de diversas dimensões que constituem o cultural. Destaca-se a importância de reconhecimento dessas manifestações dos trabalhadores, fortalecendo, dessa forma, sua própria cultura, para além das tantas manifestações da cultura burguesa. É possível conceber essas atividades de tal modo que com elas se vá definindo e distinguindo a concepção de intelectual. É importante trabalhar com uma ampliação do conceito de intelectual, que passa a ser definido nos marcos de sua função de organizador da sociedade, abrangendo todas as esferas da vida social cotidiana dos trabalhadores. Assim, nega-se a formulação burguesa do intelectual pedante e recusa-se a postulação positivista do saber. Aprofunda-se também a discussão sobre a natureza humana como algo abstrato, fixo e imutável, como é normalmente entendido. Abre-se a perspectiva de destaque para as relações sociais entre os homens/mulheres, contrariando a formulação transcendental de sua natureza ou essência. Nega-se qualquer determinação apriorística
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ou transcendente. Essas noções de cultura e de intelectual, bem como as suas relações, ficam determinadas pelas condições de existência em seus contextos reais e históricos. Esses aspectos tendem a conduzir para formulações diferenciadas desses conceitos. Intelectual, agora, pode ser qualquer homem/mulher, apesar de nem todos estarem exercendo uma atividade que lhes é peculiar, voltada à organização de sua classe. É este o papel do intelectual orgânico no processo de ampliação da hegemonia dos setores subalternos da sociedade. Nesse sentido, estão sendo propostas certas atividades nos projetos em estudo. Estas têm conduzido os projetos para contribuírem na criação de instrumentos ou aparelhos de hegemonia capazes de ampliarem esse processo. Não se pode esquecer, todavia, de que a hegemonia passa pelos diferenciados momentos de relações de forças. Não está presa apenas à esfera cultural, mas também diz respeito à economia e não pode prescindir dessa dimensão. Os encontros promovidos por vários aparelhos de hegemonia dos trabalhadores, como sindicatos, central sindical, associações, federação de associações, encontros abertos para toda a comunidade, como o da Semana de Extensão, e mesmo reuniões isoladas em comunidades, de que têm participado equipes dos projetos em estudo, também abrem a discussão da hegemonia como relação pedagógica. Essas atividades vão mostrando a importância da escola, particularmente da Escola Zé Peão, que vem demonstrando ser fundamental nesse processo. Sabe-se que são experiências com equipes reduzidas e que não cobrem a classe trabalhadora, tanto no campo quanto na cidade. Essas experiências, todavia, expressam programas adequados à importância que vêm expressando esses movimentos. Supera-se o estudo compreendido como “desinteressado” ou a “objetificação” no sentido positivista e que vão assumindo importância na formação da cultura dos setores subalternos. E mais: destacam-se como elementos-chave nesse processo dois
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aspectos, que são a organização dessa cultura e a necessária articulação dessa educação com ações concretas desses movimentos. Abre-se, dessa forma, a discussão sobre o papel do intelectual, intelectual orgânico e a sua participação nas lutas desses movimentos, estabelecendo-se nexos entre a cultura e a sua direção. Ao mesmo tempo, a partir das ações em andamento nesses projetos, superam-se as posturas de uma cultura popular inferior baseada na simples informação e aceitação passiva da cultura dominante. Esta está sempre sendo apresentada como a mais bela, sistemática, melhor elaborada, mas se omite o quanto ela é “carregada” de ideologia dominante. Algumas das experiências desses projetos apontam para a superação pedagógica de visões mágicas do mundo ou da natureza e, além disso, caminham no combate ao individualismo tão presente hoje em dia. A partir do seu ensino se passa a incentivar o folclore, posicionando-se contra as tradicionais concepções de mundo em que elementos da realidade são dados à aprendizagem. Inicia-se o ensino a partir das questões locais, mas abrindo-se para diversas temáticas, superando o localismo daquelas questões. A tentativa de rediscussão das concepções dominantes de homem/mulher e de mundo põe em xeque essa escola tradicional. Funciona, ao que parece, como tentativa de superação do tradicionalismo estabelecido pelo ensino das escolas formais, estando essas experiências marcadas por um outro modo de vida intelectual e moral. Essas experiências caminham, de forma positiva, para a afirmação de uma nova personalidade voltada à sua realidade no sentido de sua transformação. Um homem/mulher com a consciência voltada ao processo de mudança. O intelectual comprometido com as lutas permanece ao lado dessa transformação e isso significa situar-se do ponto de vista das classes subalternas e lutar por sua formação cultural e política. Essa compreensão significa também a necessidade de mudança do modo de existência da filosofia. Uma filosofia cuja tradição tem se pauta-
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do pelas formulações idealistas. Essa filosofia é superada quando se estabelece um processo de conhecimento originado na prática. A análise dos projetos realizada sob a ótica da teoria da hegemonia em Gramsci pode ainda apresentar diferenciados ângulos. Pode-se, segundo Cardoso (l995: 78), tomar a questão das alianças de classe(operário e camponeses) como central. Uma segunda perspectiva é ter como fundamental a questão do partido político como intelectual coletivo “ao qual é atribuída a tarefa de estabelecer o nexo entre intelectuais e massa, cultura científica e cultura popular, no sentido da construção da vontade coletiva nacional popular, ou seja da constituição das classes subalternas como sujeitos da ação histórica”. Por fim, uma terceira possibilidade examina o processo de construção de hegemonia como reforma intelectual e moral ou como a construção de uma outra cultura. A análise crítica dos projetos a partir do ângulo das alianças de classes, mostra que estes pouco privilegiaram essa perspectiva. Pouco se analisou a questão da aliança entre os diversos setores de trabalhadores. O Projeto Escola Zé Peão é a experiência em que essa perspectiva foi trabalhada pelas equipes de extensão. Essa experiência tem contribuído para a formação de “quadros” para os vários movimentos de organização de trabalhadores, particularmente para a Central Única dos Trabalhadores e para partidos que vêm assumindo as bandeiras da classe trabalhadora. Além da participação na CUT com seus quadros, o sindicato da construção civil tem tido papel importante nas relações entre os vários movimentos surgidos na cidade de João Pessoa, não só financeiramente como também com sua presença marcante nesses movimentos. Saliente-se ainda a sua contribuição relativa a quadros sindicais que assumiram vários partidos de esquerda no interior do movimento dos trabalhadores. Um sindicato que antes era desconhecido se tornou, hoje, um dos mais atuantes no Estado e até na região Nordeste. Não se pode creditar, naturalmente, todo esse conjunto de atitudes apenas à obra
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do Projeto Escola Zé Peão. Contudo, este tem dado uma contribuição considerável no âmbito da política sindical. Quanto ao projeto CERESAT, o seu envolvimento na questão da saúde e a sua busca de alianças entre as demais categorias de trabalhadores, em torno dessa questão, começam a aparecer através da Central Única dos Trabalhadores. Com isso vai introduzindo a questão da saúde nos demais sindicatos. Contudo ainda é um trabalho que apenas foi iniciado. O Projeto Praia de Campina vem desenvolvendo um concentrado esforço no sentido de que as lutas da região onde funciona o projeto possam se prestar como motivadoras para outras comunidades. Tem havido vários momentos onde se veiculam essas experiências e outros procedimentos semelhantes como os dos sindicatos dos trabalhadores rurais das cidades de Rio Tinto e de Mamanguape. A partir das associações geradas nas comunidades, que atingem hoje um total de trinta e três, criou-se a Federação dessas Associações, envolvendo cada vez mais trabalhadores de vários municípios. Contudo, os membros da equipe e os comunitários ainda não perceberam a importância política que pode assumir a aglutinação dessas forças políticas no seio da classe ou entre classes, bem como a questão das alianças políticas. O quarto projeto - Qualidade de Vida - não tem apresentado preocupações com essa questão. Cabe considerar a incipiência do seu processo de implantação, bem como as dificuldades que vem enfrentando quanto à implementação de políticas que envolvam conjuntamente outras entidades e o Estado. A questão das alianças exige clareza das equipes dos projetos para o problema. Também salienta-se o papel da direção de classe que se exerce nos marcos de uma política deliberada de alianças e a clareza das equipes de que essa hegemonia se ganha na luta. Assim como está apresentada, pode-se afirmar que a busca pela hegemonia, nesses projetos, não tem se apresentado como uma
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deliberação educativa e crítica voltada à construção da hegemonia dos setores subalternos da sociedade. Quanto ao segundo aspecto, que é a ênfase na construção do partido político como intelectual coletivo, a contribuição desses projetos aparece, talvez, de forma indireta, considerando que a universidade pública com suas atividades rotineiras não interfere nessas questões. Além do mais, em virtude da heterogeneidade de classe no seu interior, pode-se perguntar qual seria o partido que ela poderia ajudar a construir. Pelas relações de forças existentes no seu interior, não seriam partidos comprometidos com as classes trabalhadoras. Contribui, contudo, para uma maior projeção política do Sindicato da Construção Civil, com a sua inserção nos diversos movimentos sociais que se têm manifestado na cidade de João Pessoa. Os demais projetos não têm se voltado para essa questão como uma decisão política deliberada dos membros de equipes envolvidas. O exame do processo da construção de hegemonia como reforma intelectual e moral merece alguns detalhamentos. Esse movimento de construção de hegemonia precisa ser analisado como processo que se realiza na prática política. Nessa perspectiva, a hegemonia se apresenta de forma mais explícita como uma função “eminentemente pedagógica, enquanto processo de constituição ideológica das classes subalternas, que se realiza tanto para afirmar a direção dessas classes quanto para superar a sua condição de subalternidade, construindo uma nova ordem social”(Ibid., 79). Esse caráter pedagógico não significa, em nenhum momento, que se está reduzindo a compreensão do pedagógico à dimensão da escola. O conjunto de relações em que as novas gerações entram em contato com as mais antigas e destas vão absorvendo suas práticas, visões, valores e experiências transpõe a dimensão meramente escolar. São relações históricas de que participam intelectuais, não inte-
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lectuais, Estado, elites e seus seguidores, trabalhadores, aparelhos de hegemonia, dirigidos e dirigentes. São, portanto, relações no interior da sociedade. Essa dimensão alcança uma percepção mais rica dentro dos projetos analisados em que se manifestam lutas ideológicas e tentativas de superação, seja entre os trabalhadores da construção civil, trabalhadores da área de saúde ou trabalhadores rurais ou urbanos (Projeto Qualidade de Vida). Tem havido eventos que vão demonstrando o rompimento com a dominação ideológica entre trabalhadores que estão mais em torno desses projetos. Sabe-se que o rompimento só ocorre definitivamente com as transformações econômicas, apesar de que não depende exclusivamente destas. Várias são as manifestações presentes nesses projetos em que foram externadas visões de mundo fora do controle da burguesia, produzidas por trabalhadores que também se tornam filósofos, segundo Gramsci. Isso ocorre quando se manifestam em relação ao mundo, veiculando sua visão de mundo, sendo implícita também a sua ideologia. Esta vem sendo expressa entre os trabalhadores de diferenciadas formas. Por isso há grande cuidado por parte dos membros de equipes desses projetos quanto à observação atenta das suas formas de falar e de gesticular. Sua visão de mundo e sua ideologia aparecem nas suas crenças, no seu bom senso, no senso comum das pessoas, nas superstições, nas opiniões e nos modos de ver e de agir diante do mundo. Os seus códigos lingüísticos são outros e é preciso estar atento a isso quando se trata de trabalhos de extensão, de pesquisa ou mesmo de ensino. Os recursos utilizados por eles nesses códigos se exteriorizam normalmente em expressões concretas e, de forma concisa, através do olhar e de diversos gestos que precisam ser traduzidos em cada contexto cultural onde se desenvolve o projeto. Essas expressões, por sua vez, causam dificuldades ao se buscar um significado mais adequado, considerando que normalmente os pesquisadores e as equipes de extensão não vivem no local e só compartilham algum tempo com essas pessoas. Tais difi-
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culdades vão aparecer em todo e qualquer projeto que busque reconhecer formas culturais nas comunidades e que estejam fora dos padrões dominantes. Um trabalho que é o de reconhecimento de elementos da cultura que não seja os da classe dominante. Nesse sentido, é que BOSI (1982: 27) destaca a importância de se ter a fadiga como elemento presente nessa construção cultural e na sua poesia, possibilitando uma maior compreensão por parte do trabalhador. É sobre esse conjunto interpretativo e de ação sobre o mundo que se pode conhecer a complexidade de suas visões e a elaboração ideológica dessas pessoas, inclusive, a que grupos sociais pertencem. A compreensão desses fatores que envolvem as relações sociais e o exercício de elaboração crítica tem sido presenciada nos projetos, particularmente, Zé Peão e Praia de Campina. A percepção de que o homem é um produto de sua história é, também, uma marca inicial dessa elaboração crítica. A hegemonia como expressão de uma reforma intelectual e moral se constitui na criação de homens que sejam capazes de pensar o real presente de modo unitário e dessa forma construir cultura, tornando-a patrimônio de todos. Para Gramsci (l981: 4), “este é um fato filosófico bem mais importante e original do que a descoberta, por parte de um ‘gênio filosófico’ , de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais”. Nessa direção é que vem sendo desenvolvido um conjunto de atividades nesses projetos, que parecem estar contribuindo para o exercício do pensar criticamente a realidade desses trabalhadores. Essa reflexão é que fundamenta a compreensão gramsciana de filósofo, sendo possível a afirmação de que “todos os homens são filósofos” , considerando-se que em qualquer atividade intelectual há uma visão de mundo. Mas existe uma diferenciação entre os filósofos que estão no nível da elaboração crítica realizada por cada um. Há diferenças entre a filosofia e o senso comum. Ambos expressam visões de
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mundo ao se manifestarem como fenômenos históricos, porém são diferenciados quanto ao nível da crítica que cada um desenvolve. A filosofia se desenvolve enquanto crítica do senso comum que passa pela elaboração “individual” e também se constitui na luta para transformar a mentalidade popular buscando “verdades” que se firmaram historicamente. Pode-se afirmar que nos projetos aqui analisados não há propósitos programáticos e deliberados que busquem o exercício crítico permanente das situações vivenciadas, mesmo que, de certa forma, essas atividades se constituam em ações organizativas. Pensar a escola dentro do canteiro de obra, pensar a organização da terra coletivamente ou trabalhar em mutirão para o plantio em terras adquiridas na luta são atividades que expressam e possibilitam, mesmo que parcialmente, exercícios críticos sobre a realidade. Os projetos (com menor intensidade, nessa direção, o Projeto Qualidade de Vida) têm possibilitado, mesmo assim, alguns exercícios de reflexão. Contudo, a construção da hegemonia dos setores subalternos da sociedade está associada ao desenvolvimento de novo projeto cultural, mesmo que se coloque no terreno econômico, propiciando a elaboração de outra visão de mundo e em combate a toda a lógica do capital. O processo de construção de hegemonia dos setores subalternos da sociedade passa pelas dimensões da consciência de classe e da organização. Essa consciência vincula-se necessariamente à atividade material e coletiva dos homens/mulheres. Não dá para compreendê-la de forma isolada ou fora do conjunto das relações sociais. Enquanto isso, do ponto de vista intelectual, o que fundamenta a ação organizativa revolucionária é também a realidade histórica. Nesses projetos há relações que se movem na busca da ampliação da hegemonia desses setores subalternizados, destacando os aspectos intelectual e moral . Mesmo assim, pode-se afirmar que não respondem aos dois níveis distintos e que se interpenetram na direção da hegemonia, apontados por Lowy (l962: 139) :
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“a) Uma análise e previsão de processos histórico-sociais em curso, sobretudo o da emergência da consciência de classe do proletariado (sua estrutura interna, determinantes, etc., ; b) um plano de organização do instrumento de ação revolucionário (o partido) e de coordenação de suas relações com o conjunto da classe operária, tendo em vista a concretização do programa comunista de mudança social”.
Parece que a ausência de um propósito organizativo nas formulações dos projetos de extensão, a reflexão crítica sobre a política partidária nas equipes e nos comunitários e mesmo na equipe total de cada projeto e, sobretudo, o caráter do aparelho(a universidade) da hegemonia dominante em uma sociedade de classe dificultam e distanciam as possibilidades de ampliação de hegemonia dos setores subalternos da sociedade. Nesses projetos existem ações que estão voltadas ao processo organizativo das classes trabalhadoras, mas não existe busca pela hegemonia daqueles setores, onde todos tenham clareza política de que hegemonia se constitui em um processo e que, portanto, as atividades imediatas são apenas possíveis como início de um projeto político mais amplo. Além disso, é preciso clareza no sentido de compreender que esta é uma disputa política no interior da universidade, no terreno da sociedade civil, que atinge os aspectos da vida e do pensamento de uma comunidade, conseqüentemente de uma sociedade. Além do mais, não se pode esperar que caiba à universidade a construção da hegemonia dos setores subalternos dessa sociedade de classe. Além disso, a hegemonia como processo se efetiva no interior das classes e entre classes diferenciadas; especifica relações de direção e de domínio de setores de classes sobre grupos afins e entre classes. Hegemonia em processo instaura uma coesão de classe, bem como uma adesão entre classes, manifestando-se pela direção,
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através da persuasão e da ideologia, bem como pelo domínio, através da dimensão coercitiva. Considerando-se a ampliação da hegemonia entre os setores subalternos como uma possibilidade e um objetivo, constata-se que esses projetos de extensão universitária estão muito distantes, pelo menos ainda, nas suas formulações de um processo hegemônico desse tipo, apesar de que em suas práticas muitas ações imprescindíveis são encaminhadas no sentido da ampliação de um processo de hegemonia entre os setores subalternos da sociedade. Um exemplo dessas atividades é a promoção de vários seminários por parte de entidades não-governamentais e da universidade, em que se discute a extensão universitária e a organização dos trabalhadores. Uma dessas entidades, por exemplo, é a organização não-governamental Equipe Quilombo dos Palmares (EQUIPE), responsável pela formação política e pela pesquisa para a Central Única dos Trabalhadores no Nordeste. A universidade e a EQUIPE realizarão juntas, neste ano de l997, o IV Seminário Fazer Acadêmico e Movimentos Sociais no Nordeste, expressando a busca de conhecimento da realidade nordestina, ao desenvolverem pesquisa para subsidiar as lutas dos trabalhadores da região. Ora, comparando-se a situação existente no início desses projetos com o nível de atividades que vêm sendo desenvolvidas, nos dias de hoje, pode-se comprovar que essas experiências de extensão vêm promovendo um movimento de ampliação dos sujeitos históricos com suas práticas que também incentivam outras categorias a se organizarem. Com certeza não estão apresentando a intensidade que se espera. É de se destacar que também buscam novos aliados, particularmente dentro da mesma classe. Há finalmente a ampliação do “tempo social”, isto é, a teoria da hegemonia sustentada num arcabouço teórico perfeitamente útil para a análise dessas situações vivenciadas mesmo para os dias de hoje. As crises que envolvem a contemporaneidade, por certo, abrangem as formula-
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ções mais diferenciadas nos campos teóricos. Contudo, essas experiências têm possibilitado sua utilização para análise. As categorias gramscianas têm mantido o seu valor enquanto contribuem para a compreensão do passado. Hoje, a exemplo do que ocorre nessas experiências, projetam indicações para a formulação de estratégias em busca de uma democracia que possa atender aos anseios das maiorias subalternas da sociedade.
2 - Para uma reconceituação da extensão universitária enquanto trabalho social Uma leitura mais atenta nos dados dos projetos apresentados e a participação em várias de suas atividades - a atuação em comissões de seleção de projetos de extensão, em seleção de alunos bolsistas para fazerem parte das equipes de projetos de extensão desenvolvidos pela Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários (PRAC) - possibilitam uma reflexão crítica sobre os conceitos de extensão, que vêm sendo assumidos pela universidade. A preocupação maior que lastreia tal reflexão é a possibilidade de elaboração de outro conceito que contemple a perspectiva da construção de hegemonia das classes subalternas. O envolvimento com as atividades de seleção de projetos de extensão e de seleção de alunos para atuarem nesses projetos facilita a apreensão de vários conceitos externados e que estão fazendo parte das compreensões dominantes sobre extensão universitária. Uma dessas concepções afirma ser a extensão algo “enriquecedor” para os objetivos da universidade. Observa-se nessa compreensão que, primeiro, não são colocados os objetivos da universidade e muito menos se esclarece de que forma acontece esse enriquecimento, se é monetário, teórico, prático ou outra alternativa. Esta é
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uma formulação que permanece vaga, vazia de conteúdo e de sentido, no que tange ao conceito de extensão. Existem concepções do tipo: “a extensão promove o conhecimento”. Nessa mesma linha se questiona que tipo de conhecimento está sendo promovido, bem como quem está sendo beneficiado com ele. A extensão também é vista como expressão do “retorno à sociedade daquilo que esta investe na universidade”. Embute-se uma compreensão de troca entre a universidade e a sociedade, em que aquele precisa devolver a esta tudo que está sendo investido. A possibilidade de execução dá-se através da extensão. Essa visão coloca a universidade numa situação de devedora da sociedade, com isso fragilizando-a nessa relação. Nesse sentido é que não se determina o lugar específico pelo qual se prevê a “devolução” daquilo que seria devido. Um outro aspecto é o fato de que se estabelece esse lugar como se fosse a extensão. Por que não se propõe que seja pelo ensino ou pela pesquisa? Ou talvez, não seria a política do toma-lá-dá-cá, instalando-se na universidade? Define-se extensão “como um meio que liga ensino e pesquisa”. Imagina-se que um ente concreto liga os dois outros constituintes: ensino e pesquisa. Contudo, o ensino e a pesquisa também podem constituir esse ente. Mas será necessário que se saiba o significado de meio que é colocado nessa conceituação. Será o meio um instrumento com o qual se pode chegar a outras conjecturas sobre extensão? Será um instrumento com o qual se domina a própria extensão, o ensino ou a pesquisa? E mais: quais as outras possíveis conjecturas? Será o meio o intermediário para se chegar ao ensino e à pesquisa? Precisa-se desse meio? Extensão é apresentada ainda como “uma forma de corrigir a ausência da universidade na problemática da sociedade”. A extensão, aqui, se externa como forma. Terá essa forma um conteúdo? Se houver, a questão a ser posta será : E qual é o conteúdo dessa forma? Mas a formulação vai mais além. Nessa compreensão con-
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sidera-se a universidade como ausente dos problemas da sociedade. É verdade que ela está ausente de vários problemas, mas é também verdade que se faz presente em outros tantos problemas. No campo das Ciências Sociais, por exemplo, por que nos cursos de graduação não se estuda “Brasil” ou “América Latina”? Em tantos cursos de Medicina não se estudam as doenças tropicais. Essas mesmas indagações podem ser feitas em relação à pesquisa. A universidade estará presente, todavia, naquelas temáticas que os setores dominantes definirem para que sejam submetidas ao ensino e à pesquisa. Os órgãos financiadores de pesquisa são os definidores do lugar onde deve estar a pesquisa da universidade. Durante a realização do XIII Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas do Nordeste, a extensão foi considerada “um nascedouro e desaguadouro da atividade acadêmica, da qual a pesquisa seria o desenvolvimento das respostas, e o ensino o envolvimento dos estudantes em todas as etapas desse processo ...”88. Ao considerar a extensão como nascedouro e desaguadouro de atividades, esta visão simplesmente a elege como a origem e o fim das atividades acadêmicas. Parece muito mais um procedimento idealizado quando destina esse papel para a extensão. Há de se perguntar: A origem da problemática da pesquisa não passa pela realidade circundante do pesquisador? Será obra de mera idéia gerada de sua própria “genialidade” ou de circunstancial “inspiração”? O ensino envolvido pela perspectiva apresentada não poderá ter origem a partir de elementos da realidade? De que forma a extensão se propõe a ser nascedouro e desaguadouro de toda e qualquer atividade acadêmica? Essa formulação inspira Pró-Reitores para veicularem a compreensão de extensão como “a porta na qual os clientes e usuários têm de bater, quando necessitados”. Materia88
Conceito apresentado no XIII Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas do Nordeste. Natal, l995.
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liza-se a extensão, extraindo-se o véu metafísico que a envolvia anteriormente para uma base real ao tornar-se um ente concreto. Todavia, a presença de uma porta pressupõe a existência de uma divisão, sendo esta o divisor entre o “dentro” e o “fora”. Pressupõese, em decorrência das formulações até então apresentadas, que a universidade deva estar do lado de dentro e o algo de fora deve ser a sociedade. Mais uma vez, se isto é verdade, mantém-se o mesmo viés da visão na qual a universidade se constitui numa instituição descolada da sociedade e esta, por sua vez, desvinculada da universidade. Em grande medida a extensão vai sendo veiculada como prestação de serviços. Ora se torna estágio, quando atrelada a programas de governo; ora, se torna uma forma de captar recursos; ora, por meio dela, se busca estudar problemas da realidade. O mais curioso é que extensão muitas vezes é considerada como uma espécie de sobra na universidade, podendo ser tudo aquilo que não se identifique como atividade de ensino ou de pesquisa. Para Rocha (l980), todas essas expressões são “equivocadas”, na compreensão do que seja extensão. Segundo ele, é melhor pensar a extensão por meio da comunicação, considerando esta comunicação numa perspectiva freireana, em que a sua sustentação decorre do processo dialógico. Colocada a existência do diálogo, é preciso, porém, perguntar com quem o diálogo se faz. Será que não permanece, nessa formulação, a divisão entre a sociedade e a universidade, mesmo que ambas possam existir se distanciando e se aproximando como resultado desse diálogo? Como se dá esse diálogo comunicativo? Existe uma ação comunicativa habermasiana nessa compreensão, onde a busca principal se constitui no consenso como mecanismo último da organização da sociedade? Esse diálogo proposto como estratégia para a convivência social suportará a coexistência consensual em uma sociedade de classes? Pode-se ainda recuperar nessa revisão a formulação de extensão universitária produzida pelo I Fórum Nacional de Pró-
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Reitores de Extensão de Universidades Públicas. Nele foram apresentados vários aspectos úteis para uma compreensão da extensão universitária e que merecem destaque, como por exemplo: a extensão se constitui como processo educativo, cultural e científico. Parece interessante ter como ponto de partida para uma análise sobre o conceito de extensão a idéia de que o que existe na extensão é um processo. O Fórum caracteriza esse processo como via de mão dupla. Aí pode-se questionar o uso da idéia de via, considerando que essa simbologia cai também na dificuldade de compreensão da existência da instituição universitária como integrada à sociedade. Essa via de mão dupla da extensão teria o papel de manter a interligação entre ambas. Esse movimento de vai e vem, na formulação do Fórum, viabiliza a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade, ou seja, no buscar e levar conhecimento. Ora, será que a democratização do conhecimento, mesmo aquele acadêmico, resolve-se simplesmente pela extensão nessa perspectiva de mão dupla? Parece que não. A questão da democratização do conhecimento envolverá a produção e a posse dos resultados, constituindo-se, dessa forma, numa questão muito mais abrangente e complexa do que aquela colocada na formulação do Fórum. O conceito de extensão não pode fixar-se como uma via de mão única, considerando que nessa compreensão está implícita a concepção autoritária do fazer acadêmico, onde a universidade “sabe” e vai levar algum conhecimento àqueles que “nada sabem”, a classe trabalhadora. A concepção de extensão como via de mão dupla separa o processo educativo da própria educação, o processo cultural da produção da cultura, bem como o processo científico da própria ciência. Pode-se questionar a constituição dessa articulação ou perguntar quais os interesses que se manifestam na sua realização. Será a extensão algo ideal, capaz de viabilizar uma relação transformadora, como propõe aquele conceito? Em uma via de mão
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dupla, há um momento de tensão nesse passar de algo que vem em uma mão, por algo que vem em “sentido” contrário. Será esse o momento da extensão? Mas de que se constitui esse momento? Em geral as ultrapassagens no mundo físico, seguindo a simbologia das vias apresentadas, são muito rápidas. Extensão é apenas um rápido momento ou busca-se a sua permanência, considerando-se a idéia de processo? Talvez, visualize-se uma mão que segura outra. Essa simbologia já foi bastante utilizada, na década de 60, sobretudo nos tempos da Aliança para o Progresso, prestando-se para a ideologia do desenvolvimento. Mesmo a concepção da mão que segura a outra não garante permanência. Essa simbologia parece conduzir, por conseguinte, à monotonia e à estabilidade. Assim, essas situações não combinam com o conceito de processo, que é dinâmico. Extensão será expressão de monotonia? A compreensão de extensão, como via de mão dupla, destaca um retorno dos conhecimentos para a universidade, como se aí estivesse o único espaço para a reflexão teórica. Será que apenas na universidade é que está sendo gerada a reflexão teórica? Os participantes das ações de extensão promovem sua reflexão crítica e desta têm necessidade. Não estará sendo gerada uma dicotomia, inclusive espacial, da condição de reflexão teórica, ao transladá-la para o espaço da universidade? Pode-se até perguntar: Será a universidade o lugar, por excelência, para a reflexão teórica? Não seria esse espaço o próprio “locus” de realização das atividades de extensão? Ainda na compreensão da extensão, como via de mão dupla, afirma-se que a produção de conhecimento é resultante do confronto com a realidade, seja brasileira, regional, .... enfim, confronto com a realidade. Será que, somente dessa forma, ocorre a geração do conhecimento? A quem interessa esse conhecimento produzido numa ação de extensão? Contudo, na perspectiva conceitual do Fórum, convém retomar a idéia de que “... extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integradora social” (BRASIL/MEC, l987: 1). Esta é uma formulação interessante que traz o trabalho como uma
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preocupação conceitual. Um trabalho que pode, perfeitamente, servir à concepção integradora de sociedade. Portanto, a extensão terá o papel integrador e, além disso, poderá ser um instrumento integrador da sociedade. Esse tipo de trabalho não condiz com o tipo de sociedade que interessa aos setores subalternos da sociedade. Mas, o conceito de trabalho poderá ser útil para se discutir uma perspectiva diferenciada da extensão voltada ao trabalho. O conceito de extensão carece da presença da crítica como ferramenta nas atividades que o constituem. Esse conceito traz, em si, a dimensão de superação do “senso comum”, ao expor, explicar ou mesmo tomar contato com os elementos da realidade. Elementos que são gerados de formulações abstratas, sim, mas tendo na realidade, no mundo concreto, a anterioridade de suas bases analíticas; a compreensão de que nesse movimento de análise da realidade, um segundo movimento tem continuidade no campo das abstrações, em busca de elementos mais abstratos, permeados, entretanto, pelo concreto inicial e, finalmente, através dos recursos expostos por essas abstrações, seja possível criar um novo concreto, permeado das abstrações anteriores, um concreto pensado. Nesse percurso, a crítica tem papel determinante, pois, além da superação do “senso comum”, também é propositiva. Busca a superação das dimensões do estabelecido, considerando, por exemplo, que “as relações de classe não são espontaneamente transparentes ao nível da experiência ‘imediata’, da experiência ‘vivida’ aquela experiência que é simplesmente um reflexo sobre a vida cotidiana” (Przeworski, 1989: 122). Para se conhecer essas relações, torna-se necessário o exame da crítica. Este possibilita ir além da experiência vivida pelas equipes e comunitários, superando esse “reflexo” primeiro da experiência. A crítica é necessária, pois perscruta essas relações e, além do mais, assume seu papel transformador. A extensão pode ir além de um trabalho como o proposto pelo
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conceito do I Fórum de Pró-Reitores. Esse trabalho tem uma dimensão educativa e precisa, conseqüentemente, ser “qualificado”. Esse direcionamento conceitual é manifestado ao nível dos projetos analisados. Observe-se que os indicadores em torno dessa perspectiva apresentaram percentuais elevados nos projetos CERESAT e Zé Peão, particularmente entre os executores, com percentuais de 63% e 61%, respectivamente. Entre os coordenadores do Projeto Praia de Campina, atinge-se o índice percentual de 47% e entre os executores, 13%. No Projeto Qualidade de Vida, essa concepção se expressa entre os coordenadores com 13%, um índice também importante, considerando ser este um projeto da área tecnológica. Retomando-os, pode-se destacar a universidade sendo vista em outra perspectiva, por outros entrevistados. É entendida, por outro lado, como responsável por um “trabalho para fazer com que os alunos assimilem um conhecimento pela inserção na realidade em que estão vivendo e que esses conhecimentos digam alguma coisa para o nosso momento atual”89. Essa mesma visão concebe a universidade como responsável por um trabalho que possibilite o exercício da função de “ligar o ensino e a pesquisa com a realidade”. A extensão é vista como responsável pela saída dos muros da universidade. Constrói problemas a partir da discussão da realidade em que está se inserindo e vivenciando. Extensão como uma busca não só de explicações teóricas mas também de respostas àquelas necessidades imediatas de setores da sociedade. Nesse sentido, a extensão se torna: “Um trabalho. Um trabalho que não tem um tempo definido mas está dentro de uma perspectiva de trabalho permanente, trabalho continuado” 90.
89 90
Membro da equipe da PRAC. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro da equipe de projeto CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Tem-se dessa maneira não apenas uma perspectiva diferenciada daquelas até então apresentadas, como também se vai qualificando o tipo de trabalho que está sendo desenvolvido pelas atividades nos projetos em andamento. Para alguns entrevistados, a preocupação conceitual é desnecessária, porém mesmo estes identificam a extensão com as próprias atividades que desenvolvem nos projetos e as consideram como trabalho. “Penso extensão como o trabalho a partir daquilo que a gente faz. Acho que é a partir daquilo que cada grupo faz que, na verdade, vai se constituindo o que a gente chama de extensãouniversidade ...” 91.
Veicula-se, em alguns projetos de extensão, uma perspectiva de extensão necessariamente gerada a partir das atividades em desenvolvimento e sem estar prisioneira de qualquer formulação idealista. O ponto de partida dessa perspectiva é a realidade concreta ou o concreto real que, submetido à análise da teoria, da abstração, vai possibilitando que se vislumbrem outras possibilidades ideológicas da extensão. Expressa-se ainda da seguinte forma: “ Extensão como trabalho que envolva pesquisa e um trabalho que tenha uma finalidade social bastante definida” 92.
Assim, enfatizando-se outras possibilidades de realização para a extensão universitária, esta pesquisa aponta um conjunto de elementos teóricos que podem constituir uma dimensão de trabalho que seja adequada à questão, do ponto de vista das classes subalternizadas. Esse trabalho, por exemplo, se realiza junto com a comu91 92
Membro da equipe do projeto CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro da Direção da Universidade. Texto de entrevista para esta pesquisa.
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nidade ou com os grupos da comunidade que vivenciam o projeto. Aqui se pretende destacar a não existência da dicotomia entre universidade e sociedade ou comunidade. A universidade existe como instituição da sociedade. A universidade é parte da sociedade. Ambas se diferenciam, mantendo cada uma as suas peculiaridades. Entretanto, não existe a visão dualista de que, de um lado, está a universidade e, de outro, está a sociedade, confrontando-se ou não. Sendo trabalho, a sua efetivação gera um produto que transforma a natureza, na medida em que cria cultura. É um trabalho imbuído da sua dimensão educativa. O produto desse trabalho, todavia, passa a pertencer tanto às equipes de projetos de extensão como também à própria comunidade ou aos grupos comunitários para aplicação na organização dos movimentos. Tanto a comunidade como a universidade ou os movimentos sociais são os proprietários do produto desse trabalho. A extensão, marcada por essa dimensão do trabalho será produtora de cultura, estabelecendo pelo trabalho a possibilidade de conhecimento do mundo onde o indivíduo atua. Essa dimensão da extensão, em que o produto seja pertecente aos movimentos sociais e à universidade, possibilita a superação da alienação gerada pela não posse do produto do trabalho por seus produtores, no modo de produção capitalista. Todos os produtores se apropriam desse produto do trabalho, que é o saber. Esse trabalho deve apresentar ainda a dimensão do desenvolvimento da comunidade. Não é a produção de algo para manterse guardado e reservado a uns poucos privilegiados. A apropriação do saber gerado deve ser possível a todos os produtores. Esse trabalho se caracteriza como um espaço de atuação de todos os que buscam a organização de seus grupos, de sua comunidade ou de sua classe. Um espaço onde existem processos de realimentação dos conhecimentos que estão sendo produzidos e outros que são gerados a partir desses últimos. Esse trabalho deve expres-
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sar, necessariamente, uma relação íntima entre a teoria e a prática social em desenvolvimento. O trabalho que se presta para esse conceito se constitui em um processo educativo das comunidades e das classes subalternas. É também um processo cultural, produtor de conhecimento científico e, ao mesmo tempo, produtor de consciência política para a ampliação da hegemonia dos setores subalternos da sociedade. Uma questão necessariamente se põe: Que qualificativos deve ter o substantivo trabalho para poder atender a essas exigências e tornar-se o fundamento do conceito de extensão? É importante ver que o trabalho, como dimensão educativa pertence a instâncias fundamentais na vida da sociedade. É pelo trabalho que o ser humano assegura as condições materiais de sua subsistência. Já pela educação, em seu sentido mais amplo, se garante a preservação dos conhecimentos do passado, que são transmitidos às novas gerações, num processo de acumulação de conhecimentos, essencial à qualidade de vida material e espiritual da humanidade, que mantém a sobrevivência da espécie. O estudo conceitual do trabalho na sociedade capitalista foi apresentado, inicialmente, por Adam Smith. Mas é em Marx, em seu livro O Capital, particularmente no Volume I, que se apresenta o trabalho, inicialmente, na perspectiva natural, considerando-o como uma relação do homem com a natureza. Contudo, desde esse início, ele apresenta o trabalho como um processo. “Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento sobre a Natureza externa a
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ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza” (Marx, 1983: 149).
Mas o homem, diferentemente dos outros animais que se guiam pelo instinto, atua sobre a natureza de forma diferenciada, modificando-a e modificando também a si mesmo. É esta situação que o distingue dos demais animais, ao superar a condição de animalidade de sua espécie. Também, a partir das análises realizadas nos projetos de extensão da UFPB, parece que o trabalho deve ser considerado como categoria fundamental para a rediscussão e reconceituação da extensão universitária. Ao defrontar-se com a natureza, o homem realiza, a partir dela própria, uma síntese do particular com o universal. É o trabalho que possibilita o significado da ação social, suas limitações, suas possibilidades e conseqüências sem nenhum recurso metafísico. Mesmo sendo um ponto de partida, é sobre essa base natural do trabalho que se elevam as relações sociais da espécie humana. O trabalho se torna uma relação social já a partir da relação estabelecida com a natureza. Em Marx, vai se observar que esse estabelecimento das relações sociais na produção indica o caráter social, indissociável, que acompanha o processo de trabalho. À medida que a extensão universitária pode ser apresentada como um trabalho, exige-se desse trabalho a superação da simples relação primeira do homem com a natureza. O trabalho realiza-se como processo constituído através das relações sociais - trabalho social. A atividade orientada nos projetos de extensão analisados passa pela produção do conhecimento como uma necessidade humana, indispensável a esse “metabolismo” entre o homem e a natureza, como dimensão do social. No modo de produção capitalista, os conhecimentos do processo de trabalho, que antes estavam sob controle de indivíduos como os artesãos, se tornaram capital. Fleury (l990: 129) afirma:
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“A totalidade do processo, as condições que lhes dão sentido, somente são apreendidas a partir do ponto de vista dos capitalistas, e o conhecimento passa a ser uma propriedade exclusiva deste grupo social, e como tal, uma das suas grandes fontes de poder na sociedade”.
A possibilidade de se entender extensão como trabalho social opõe-se à visão fragmentada do trabalhador em relação ao processo produtivo, no modo de produção capitalista, determinada pela divisão social do trabalho. O conhecimento da totalidade do processo é transferido para o capital, representado sobretudo, pela classe social dominante: a burguesia. A posse desse conhecimento reforça as estruturas de dominação que estão inseridas nas relações sociais de produção e também vai garantir, pelo lado do capitalista, a reprodução das relações de produção, considerando que o modo de produção capitalista se funda na separação entre a propriedade do trabalho e a dos meios de produção. Essa separação também impõe ao trabalhador a manutenção de sua posição na estrutura das relações de produção, considerando que a sua sobrevivência estará garantida enquanto ele estiver fornecendo ao mercado a sua força de trabalho, já que esta é seu único bem disponível. A extensão expressa pela realização do trabalho social pode efetivar e desenvolver entre os participantes a necessidade da conquista de cidadania. Uma cidadania cujo significado deve estar bem “cristalino” na perspectiva de que seja um processo de formação de cidadão crítico, enquanto consciente como sujeito de transformação, e também ativo, superando o idealismo contemplativo e interpretativo da natureza. Um trabalho social não se exerce apenas a partir dos membros da comunidade universitária, servidores e alunos. Ele tem uma dimensão externa à universidade que é a participação dos membros da comunidade com os movimentos sociais, dirigentes sindicais,
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associações, numa relação “biunívoca” para a qual confluem membros da universidade e participantes desses movimentos. Extensão, como trabalho social, passa a ser agora exercida pela universidade e pela comunidade sobre a realidade objetiva. Um trabalho coparticipado que traz consigo as tensões de seus próprios componentes em ação e da própria realidade objetiva. Um trabalho onde se buscam objetos de pesquisa para a realização da construção do conhecimento novo ou novas reformulações das verdades existentes. Esses objetos pesquisados são também os constituintes de outra dimensão da universidade: o ensino. Portanto, a extensão é um trabalho que se realiza na realidade objetiva, sendo exercido por membros da comunidade e membros da universidade. É um trabalho de busca de objeto para a pesquisa e também para o ensino. Como trabalho social, a extensão se expressa sobre a realidade objetiva. Essa relação é responsável pela geração de um produto resultante da parceria com a comunidade cujo resultado a ela deverá retornar. Esta é outra dimensão fundamental caracterizada como devolução de suas análises da realidade objetiva à própria comunidade ou a seus movimentos organizados. A devolução dos resultados do trabalho social à comunidade caracteriza a universidade como possuidora de novos saberes ou saberes rediscutidos, os quais serão utilizados pelas lideranças em seus movimentos emancipatórios e reivindicatórios. Isso faz acreditar na extensão exercendo e assumindo uma dimensão filosófica, também fundamental, que é a busca de superação da dicotomia entre teoria e prática. Há, então, possibilidade de direcionarem-se projetos para a ampliação da hegemonia voltada aos setores subalternos da sociedade, contribuindo para o desvelamento das ideologias dominantes e construindo uma nova estratégia da função social, ou mesmo uma condição de serviços de extensão a favor da cultura das classes subalternas. Aparelhos de hegemonia permeados de suas contradições e seus conflitos possibilitam expectativas para
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esses setores de classes. Este é mais um papel do aparelho de hegemonia - a universidade - que, através da extensão, pode também direcionar a pesquisa e o ensino para um outro projeto social.
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CONCLUSÕES O estudo que vem sendo apresentado sobre a extensão universitária teve início com a apresentação dos principais projetos de universidade em discussão no Brasil, o projeto defendido pelo governo e aquele outro projeto que busca reconstruir esse aparelho de hegemonia, de modo a que este não seja reduto exclusivo da ótica do capital, como propõe o governo, mas que abrigue também a ótica dos setores subalternizados da sociedade. O percurso analítico desenvolvido neste trabalho, através da teoria da hegemonia e da ferramenta metodológica da dialética materialista, necessariamente retoma a discussão sobre a temática geradora do problema, objeto deste estudo: a questão da universidade. Com base nesse crivo teórico-metodológico, questões maiores podem ser vistas sobre a universidade no Brasil e nos demais países do mundo “subdesenvolvido”. Isso possibilita o conhecimento da profundidade e do volume das tarefas que estão depositadas naqueles que assumem a perspectiva de dominados e que procuram contribuir para a organização dos setores subalternos da sociedade, inclusive através do trabalho profissional exercido na universidade. A análise dos projetos de extensão sob a perspectiva crítica e a possibilidade de se pensar extensão como um trabalho social abre entendimentos de como as atuais políticas, hegemônicas na sociedade, se fazem presentes e mesmo dominam esse aparelho de hegemonia, o que se reflete na prática usual da extensão universitária. Há de se perguntar que elementos teóricos da política surgem em trabalhos dessa natureza. E, também, que elementos filosóficos estão substanciando as atuais políticas, replicando no trabalho de extensão. A resposta a essas questões exige o conhecimento das políticas, reconhecidamente neoliberais, que estão sendo implementadas no país, de diferenciadas formas, e que de certa maneira já vi-
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nham sendo propostas em décadas anteriores. Hoje estão mais visíveis, com “ímpeto avassalador”, em decorrência das condições objetivas que estão postas e que são profundamente desfavoráveis para os setores críticos dessas políticas. Esses setores assumem posturas de resistência diante do que vem sendo implementado pelo governo. O liberalismo configura-se como uma tradição que vem se definindo desde a segunda metade do século XVII e durante o século XVIII. Como uma visão capitalista do mundo, vem tendo diferenciações no decorrer do percurso histórico. Decerto, como toda formulação teórica que se pretende hegemônica, o liberalismo tem apresentado, também, “plasticidade” conceitual, tendo atualmente assumido uma nova forma, que vem sendo denominada “neoliberalismo”. O liberalismo é uma filosofia, no sentido gramsciano do termo, isto é, um pensamento que engloba um arco de uma época e que, por si mesmo, se torna capaz de organizar toda uma civilização. Mesmo na efetivação de projetos como os que foram apresentados nesta pesquisa, é possível ver a força desse ideário através das decisões tomadas, das posturas políticas dos agentes desses projetos e das próprias políticas da universidade, em andamento. O liberalismo expressa, de forma articulada, uma concepção de economia, política, história e ética. É uma síntese do racionalismo enquanto elege a razão e não a fé como meio de conhecimento e guia de conduta; do naturalismo tendo o homem inscrito no “estado de natureza” e não na ordem divina; e do individualismo ao fazer críticas ao ideário do homem da Idade Média e sua organização social. Essa síntese cultural apresenta-se com um “núcleo rígido” constituído da defesa intransigente da propriedade privada, do mercado e da acumulação capitalista. Particularmente o mercado que, se já era anunciado como o centro na formulação liberal, agora se transforma na sua nova deusa. Exacerba esse conceito gerando uma leitura economicista do mundo que se pretende única e verdadeira.
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Atualmente, cada vez mais se observa, do ponto de vista político, um deslocamento para a direita em nível internacional, reforçado pelos resultados políticos do Leste Europeu e dos Estados de Bem-Estar Social na Europa. As políticas do “neoliberalismo” vêm se fortalecendo e atacando a política keynesiana, o distributivismo do Estado de Bem Estar Social (com a denúncia da crise fiscal), o gigantismo estatal, acusando-o de burocrático, ineficiente e, sobretudo, os “excessos” de democracia que abrem um exagero de demandas (reivindicações ou mesmo apropriação por setores) sobre o Estado. Em um segundo momento se torna propositivo em torno de alguns temas como privatização, desregulamentação, diminuição dos impostos e encargos sociais, internacionalização da economia, bem como autonomização dos governos frente ao controle democrático. E ainda: o neoliberalismo pretende tornar-se a última e mais avançada organização da história da sociedade - o fim da história - e dessa maneira aniquilar todo e qualquer pensamento crítico. O trabalho desenvolvido em projetos de extensão sofre o impacto dessas políticas em andamento no país, em particular, na universidade. Nesses projetos e nos contatos com as comunidades, elas se externam de diferenciadas formas, desde dificuldades de instrumentos para efetivarem os projetos até, e sobretudo, a questão do individualismo que vem impregnando cada vez mais pessoas alcançadas por esse ideário. Cada dia se torna mais difícil a defesa de “bandeiras” éticas, como as da solidariedade, preocupações com a coletividade, tolerância e respeito às pessoas. Os participantes desses processos não podem deixar de conhecer as formulações políticas dominantes atualmente na sociedade e precisam fortalecer-se teórica e politicamente, para tentar diminuir o risco de, com a sua ação ou a sua omissão, deixar ainda mais “o campo aberto para os burgueses”. A realidade dos projetos analisados exibe, na verdade, um mundo injusto, violento e profundamente instável. O que está ocor-
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rendo assemelha-se mais a um exercício de dominação, expressando uma contra-reforma, tanto econômica e política quanto cultural, contra as conquistas democráticas e sociais em lugares em que já se havia chegado a essas conquistas e dificultando ainda mais que estar sejam alcançadas naquelas regiões onde o desenvolvimento social é mais rudimentar. O que se vê é desemprego de longa duração, precariedade quanto aos instrumentos elementares de vida, pobreza antiga e surto de pobreza nova, pauperização de populações, problemas de agressão ecológica, impacto e maior distanciamento dessas populações em relação à implantação das novas tecnologias, exacerbação da exploração do trabalho, aceitação explícita das desigualdades, além da crise moral (crise esta tanto em âmbito internacional, como nacional). Os agentes de extensão precisam estar atentos, inclusive, quanto às ações em desenvolvimento nos projetos, pois é possível a reprodução dessa crise moral, também dentro desses projetos, considerando a sua presença no interior da universidade. As práticas de extensão na perspectiva de trabalho social, voltadas aos setores subalternizados, abrangem todas essas condições e problemas, e submetem-nos à análise nos grupos de agentes de extensão e em reuniões abertas à comunidade. São temáticas que devem ser apresentadas e que exigem metodologias adequadas para sua veiculação e seu encaminhamento. As questões que estão sendo colocadas como pertencentes à comunidade e da sociedade também dizem respeito à universidade. A universidade é igualmente submetida à ordem para a realização das políticas públicas. Contudo, no seu interior é possível constatarse, à medida que se efetivam projetos envolvendo particularmente a pesquisa, questões de ética na produção do conhecimento93. É 93 . Ver
análise sobre a questão em : LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. Reflexões sobre ética e produção do conhecimento. ( anotações para pesquisa - versão preliminar). Caxambu, MG, 1994. Texto apresentado na Conferência de Abertura da 17 a. Reunião anual da ANPED (Associação Nacional de Pós - Graduação em Educação). 41p.
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quando se destaca a presença daqueles que vêem a universidade basicamente como espaço de poder, bem como dos que buscam, sobretudo, vantagens pessoais e corporativas por meio da própria rotina do trabalho universitário. A universidade abriga dessa maneira muitas contradições as quais, pelo exercício desses projetos voltados à construção da hegemonia dos trabalhadores, vislumbrando também a pesquisa, passam a ser mais visíveis. Mas a universidade pode contribuir para o debate e a construção de projetos voltados para o conjunto da sociedade, projetos pautados em questões éticas que permitam superar uma ética concebida pela valorização máxima do sucesso econômico e que afirmem, sim, uma ética pautada “ ... pela valorização da responsabilidade social do governante e do intelectual ...” (Limoeiro Cardoso, 1994: 16). No confronto entre projetos de universidade, as questões fulcrais desse aparelho de hegemonia precisam ser mais discutidas e socializadas, demonstrando-se a importância de sua existência e as suas potencialidades, mesmo que reduzidas, para os setores subalternos da sociedade. O Projeto da ANDES para a universidade no Brasil defende os seguintes pontos: o padrão unitário de qualidade; as diretrizes para definição de políticas acadêmicas de ciência e tecnologia; o financiamento da universidade; a gestão democrática; a organização da carreira profissional e o incentivo à capacitação docente além da avaliação institucional tanto externa quanto interna. Todas essas questões são permeadas pela inegociável autonomia universitária. O projeto da Universidade Cidadã para os Trabalhadores, apresentado e defendido pelo Movimento dos Servidores das Universidades, através da FASUBRA-Sindical, Federação dos Sindicatos que representam os trabalhadores técnico-administrativos em educação das Instituições de Ensino Superior Públicas do país, defende a necessidade de uma universidade pública e gratuita; a definição do padrão unitário de qualidade; o compromisso social da instituição; a defesa da democratização da instituição, sendo todas
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essas questões também fundamentadas na necessidade de autonomia universitária. As propostas de ambos os projetos traduzem a resistência ao modelo de universidade que paulatinamente vem sendo implantado no país. Essas propostas procuram ir além dos limites já conquistados quanto ao processo de democratização da universidade, ampliando o seu atendimento ao público estudantil, na perspectiva de uma universidade pública, gratuita, autônoma, de qualidade, laica, democrática e necessariamente crítica. Estes são elementos mais diretamente voltados à universidade que podem compor a elaboração de uma pauta de debates a ser desenvolvida na efetivação de projetos de extensão universitária. Além da temática universitária, há as questões estratégicas gerais que precisam estar nos embates do cotidiano. As informações sobre o que ocorre na sociedade brasileira precisam chegar aos setores sociais que dispõem de pouca informação. Assim, os projetos de extensão revelam-se úteis para essa tarefa, socializando as temáticas que vêm sendo discutidas nos mais diversos espaços como, por exemplo, as que têm sido discutidas em conferências como as realizadas em Brasília, promovidas por universidades, organizações não-governamentais, instituições civis, empresariais e de trabalhadores de diferentes Estados brasileiros94. Tanto esse tipo de debate nacional quanto as práticas sociais trazem temáticas que estão no dia-a-dia das pessoas, independentemente da localidade em que estejam vivendo. Por que não promover discussões dos paradigmas e “modelos” de desenvolvimento, com atenção ao próprio desenvolvimento da sociedade com um sentido ético, capaz de encaminhar o rompimento com a “exclusão” social, cada dia mais expressiva? Nessa agenda não podem faltar as discussões sobre o papel do Estado, especialmente enquanto definidor de políticas econômicas e 94
Ver Projetos Estratégicos Alternativos para o Brasil, primeira e segunda Conferências, realizadas em Brasília, em 1993 e 1995.
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sociais, tão ausentes nos projetos aqui analisados. O estudo de toda essa lógica de exclusão social é fundamental para que os comunitários e agentes de extensão compreendam melhor os processos sociais dentro dos quais atuam, dando então mais sentido político às atividades de extensão voltadas aos interesses dos trabalhadores. A alternativa de desenvolvimento(sustentável), com suas particularidades, também é temática necessária na educação dos setores sociais subalternos da sociedade e na formação de uma ética para as gerações futuras. A distribuição espacial do desenvolvimento tornase central, não como uma variável exógena para depois ser incorporada, mas como elemento constitutivo do projeto estratégico diante das discussões e impactos decorrentes da “globalização”. Esse conceito precisa estar voltado à construção do espaço, também enquanto globalização da cidadania, a partir de forças sócio-espaciais locais e regionalizadas. Em todo esse debate se insere o papel da universidade, sobretudo, naquilo que diz respeito às questões da ciência e da tecnologia, perpassadas pelo debate sobre a cultura, com destaque para a veiculação de valores coletivos frente à avalanche do individualismo patrocinada pelas políticas neoliberais. Um debate que é necessário tornar-se mais público, mais regionalizado e mais localizado, para maior interação com propostas e com diversos atores sociais dispostos a somarem na direção das mudanças na sociedade brasileira. Os projetos de extensão como um trabalho social voltados aos subalternizados podem contribuir para “o quadro de uma nova ética para o desenvolvimento nacional, cuja definição deve ser aprofundada, em termos teóricos, a partir de experimentos concretos, em curso no País, que podem ser generalizados” 95. As reflexões sobre as temáticas aqui expostas podem ser apresentadas em seminários ou encontros de extensão, ensino e pesquisa, na universidade e nas comunidades. Através dessas ativida95
Carta de Brasília. Projetos Estratégicos Alternativos para o Brasil. 1a. Conferência Nacional. Brasília, nov/ 1993.
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des instala-se uma forma de socialização e de integração no fazer acadêmico, seja ele realizado pelo ensino, pela pesquisa ou pela extensão. Encontros ou seminários dessa natureza alertam para a necessidade de se estudar e pesquisar temáticas localizadas (sem que isso signifique defesa de uma “ciência” regional) que parecem não ter “valor acadêmico” exatamente por serem localizadas, segundo cânones que estão se implantando para a avaliação da produção de conhecimento. É necessário fazer-se este estudo para maior conhecimento dessas realidades diferenciadas. Que multinacional patrocinará pesquisa96 sobre a situação de crianças na Amazônia ou na região do Semiárido nordestino; sobre o impacto de tecnologias no ambiente da Zona da Mata no Nordeste; sobre o mundo da economia informal fora dos grandes centros populacionais; sobre as potencialidades da caatinga nordestina ou do cerrado do CentroOeste; sobre a avaliação de carcaças, gordura de cobertura e peso de bovinos abatidos no matadouro municipal de uma cidade de interior do país; sobre a regionalização pluvial das águas de um rio num determinado Estado com pouca expressão econômica no cenário nacional; sobre o emprego do maturi (caju verde) na introdução do conceito de acidez, ou sobre a análise dos conflitos de terra e áreas de assentamento? São todos projetos que privilegiam as questões regionais e até localizadas, objetos de trabalho de extensão e de pesquisa, embora seja razoável desconfiar que não sejam de interesse do capital nacional ou internacional. E mais: tais pesquisas só se tornam possíveis caso seja garantida a autonomia da universidade, possibilitando a produção do conhecimento também voltado às problemáticas regionais ou localizadas. À medida que projetos de extensão se efetivam como trabalho social, do ponto de vista teórico, vão mostrando que a miséria, 96
Estes temas formam uma amostra de projetos apresentados no I Encontro Unificado de Ensino, Pesquisa e Extensão, composto pelo III Seminário de Avaliação da Monitoria, II Encontro de Extensão e III Encontro de Iniciação Científica, num total de novecentos e quatorze projetos em andamento na Paraíba, sob a coordenação da UFPB.
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por si só, não gera mudanças. O pensamento crítico, por si só, também não. Mas ele tem um papel a desempenhar no processo de transformação da realidade. Nesse sentido, é importante e necessário o debate de temáticas atualizadas, como as da cidadania e da democracia política e social; a globalização dos direitos humanos proclamados; os direitos civis e a igualdade desses direitos para crianças, jovens e mulheres; o discurso de combate à ditadura do mercado que instaura a lei do mais forte; a solidariedade entre gerações (ecologia) e a internacionalização de direitos sociais; a dívida externa e a reforma agrária. Realidades e pensamento crítico precisam estar num permanente confronto, gerando práticas sociais que contribuam para o delineamento de reivindicações e processos pedagógicos de uma nova formação intelectual e moral em que os trabalhadores se apercebam de sua própria realidade e se convençam da justeza de suas próprias reivindicações. Parece necessário vislumbrar-se um horizonte, pois não é possível movimento social conseqüente sem um projeto no horizonte. Há dilemas que vão se configurando com a realização de projetos de extensão quanto às práticas dos agentes do trabalho social, como o incentivo de se ter as mais diferenciadas práticas possíveis contribuindo para esse projeto de horizonte, que, por outro lado, corre o risco, com esta fragmentação, de perder esse horizonte. Outro problema que convém não esquecer são as tentativas de cooptação de membros de equipes, seja da universidade ou da comunidade, pelos setores dominantes, caracterizando o processo político que Gramsci chama de ‘transformismo’ e que gera situações cuja superação ou “controle” é quase impossível. Também começa a crescer, ainda mais, a influência dos setores conservadores de igrejas, particularmente a Igreja Católica, em decorrência das posições políticas que passam a adotar com o remanejamento de dirigentes religiosos que, na região, estavam mais comprometidos com os setores subalternos da sociedade. Muitas organizações governamentais, às vezes, estão se transformando no próprio movi-
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mento social e seus dirigentes passam, dessa maneira, a substituir as próprias lideranças dos trabalhadores, tornando-se o próprio movimento. Há uma espécie de translado das direções dos movimentos, que passam a ser ocupadas por essas assessorias. Os movimentos, assim, se tornam apenas temas de estudos para intelectuais, desaparecendo seus conflitos, suas confrontações, quando são anulados os “verdadeiros” atores sociais. Mas a universidade se insere como elemento propulsor para o projeto de modernização conservadora em curso no país e no mundo. A ela está reservado um papel, que é o de divulgar e garantir a efetivação desse projeto como um aparelho de hegemonia do Estado. Cabe às forças internas comprometidas com um movimento democrático resgatar as contradições daquele projeto, à medida que se formula e se implanta. Para isso parece necessário restabelecer possíveis laços da universidade com as lutas sociais, a luta democrática, promover a produção de um conhecimento da realidade que seja relevante socialmente na ciência, na arte, na filosofia, produzindo e fortalecendo uma cultura inovadora, aberta e crítica. Esses laços, essas lutas e esses saberes podem trazer contribuições valiosas para montar e implantar uma nova agenda voltada para uma sociedade livre, igualitária, justa - socialista. Isto, no entanto, está por ser construído. A universidade pode ter aí um papel de destaque.
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