PRINcIPIOS REVISTA DE FILOSOFIA
v. 9
nJ& 11-12 Jan./Dez. 2002
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Cicncias Humanas, Letras c Artes Programa de Pos-Graduacao em Filosofia
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Reitor
ISSN 0104-8694
Jose Ivonildo do Rego
Vice-reitor Nilsen Carvalho Fernandes de Oliveira Filho
Diretor do Centro de Ciencias Humanas, Letras cArtes Marcia Moraes Valellra
Coordenador do PPGFIL Oscar Federico Bauchwit;
Vice-coordenador do PPGFIL Juan Adolfo Bonaccini PRINCIPIOS, REVISTA DE FILOSOFIA
Editores Responsaveis Juan Adolfo Bonaccini e Oscar Federico Bauchwit:
Comissao Editorial Angela Maria P Cruz, Claudio F. Costa, Markus Figueira da Silva
Editor de Resenhas Glenn W Erickson
Conselho Editorial Colin B. Grant (VFRJ), Walter E. Wright (Clark Univcrsitv/Us/vt. Franklin Trein (VFRJ), Marco Zingano (VSP), Guilherme Castelo Branco (VFRJ), Enrique Dussel (VNAM Mexico), Andre Leclerc (VFPB), Daniel vandervcken (Quebec/Canada}. Maria das Gra cas de MoraesAugusto (VFRJ). Elena Morais Garcia (V ERJj. Gottfried Gabriel (Friedrich Schiller Universitiit, JellalAlemallha).MarioPM.Caillli (UBNArgentillaj, Roberto Ma chado (VFRJj, Steven Daniel (Texas A & M Vlli"CI'sitv/USA). Maria Cecilia M. de Carva lho (PVC-Campinas), Matthias Scliirn (Universitat Miinchen/Alcmanha}.
Editoracao Eletronica Marcus Vinicius Devito Martines
Principios e uma revista que tern como objetivo principal promover a discussao e a divul gacao de ideias pertencentes a qualquer area da filosofia, sem restricoes de metoda. Para aquisicao, encomenda au assinatura, a interessado devera dirigir-se ao seguinte endereco: Principios, PPGFIL, CCHLA, UFRN,
Campus Universitario, Km 1, BR 101, Lagoa Nova.
59078-970 - NatallRN
Tel.: (84) 215-3643 I Fax: (84) 215-3641
www.filosofia.cchla.ufrn.br
principios@cchla.ufrn.br - ppgfil@cchla.ufrn.br
Preco do exemplar: R$ 20,00 para instiruicoes,
R$ 15,00 para assinantes e R$ 10,00 para estudantes.
Articles published in Principios are indexed in The Philosopher :s Index. Catalogacao na publicacao. UFRN I Bibliotcca Central Zila Mamede. Divisao de Services Tecnicos.
Principios, UFRN, CCHLA v. 9 n"'. J 1-12 (2002) Natal (RN): EDUFRN - Editora da UFRN, 2002. Semestral I. Filosofia .. - Periodicos ISSN 0104-8694 RNIUF/BCZM
CDU I (06)
PRINcIPIOS REVISTA DE FILOSOFIA
v.9
nll.\ 11-12 Jan./Dez.2002
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Cicncias Humanas, Lctras c Artes Programa de Pos-Graduacao em Filosofia
Sumario Dossle Metafisica Limites da ldentidade Pessoal Claudio F. Costa
5
La prueba de McTaggart de la irrealidad del tiempo Eduardo Shore
27
Ellogos y su superaci6n en Plat6n Ezequiel Ludueiia
62
La coincidencia de los opuestos: actus et potentia en Nicolas de Cusa y Baruch de Spinoza Jose Gonzalez Rios
69
Os Equivocos de Heidegger na Delimitacao da Ontoteologia Jose Nicolao Juliao 82 Leitura de Heidegger - sobre 0 fundamento Miguel Antonio do Nascimento
109
Artigos Kant: Critica e Hist6ria Abrahao Costa Andrade
126
As Duas Respostas de Kant ao Problema de Hume Eduardo Salles O. Barra
145
Natal, Rio Grande do Norte Princfpios
Semestral Jan.lDez. 2002
La significaci6n politica del concepto de justicia en Marsilio de Padua Julio A. Castello Dubra
179
La critica a Arist6teles en De Beryllo de Nicolas de Cusa Maria Cecilia Rusconi
203
A metafisica Cosmologico/Soteriologica Dualista Maniqueista Marcos Roberto Nunes Costa 219
Resenhas Corbin, H. La paradoja del monoteismo Cicero Cunha Bezerra
239
Vartimo, G. Dopo la cristianita: per un cristanesimo non religioso Cicero Cunha Bezerra 246 Collin, McGinn, The Making ofa Philosopher: My Journey through Twentieth-Century Philosophy Claudio F. Costa 252 P. M. S. Hacker, Wittgenstein: Sobre a Natureza Humana Pablo Capistrano
257
Rudiger Safranski, Nietzsche: biograjia de uma tragedia Sandra S. F. Erickson
266
Rodrigo Duarte, AdornolHorkheimer &A dialetica do esclarecimento Ivanaldo Oliveira dos Santos 272
Natal, Rio Grande do Norte Principios
Semestral Jan./Dez. 2002
Limites da Identidade Pessoal Claudio F. Costa*
Resumo Existem dois tipos de criterio de identidade pessoal, criterios de continuidade mental (geralmente memoria) e criterios de continuidade fisica (como continuidade corporal). Depois de examinar os papeis desempenhados pelos criterios principais, 0 autor sugere uma regra criterial (RECIP) que quando aplicada a urn conjunto de criterios fundamentais fisicos e mentais parece adequar-se a nossas intuicoes acerca do que e ou nao ser a mesma pessoa.
o conceito de identidade que importa para a filosofia nao costuma ser entendido como 0 de exata similaridade de uma coisa com outra, par vezes chamado de identidade qualitativa. Quando digo, por exemplo, que 0 seu carro e identico ao meu, ou que as cores que eles tern sao identicas, nao estou falando de identidade no sentido filosoficamente relevante da palavra. Nem e a questao logica da lei da identidade, afirmando que cada coisa e numericamente identica a si mesma, 0 que para nos importa. Essa euma lei tautologica, pois tudo 0 que existe e identico a si mesmo, nao havendo muito a se dizer sobre ela. 0 conceito de identidade que mais importa a filosofia e 0 da identidade numerica de uma coisa consigo mesma no tempo, ou seja, 0 fato dela permanecer "uma e a mesma" em diferentes estagios de sua existencia. Esse e o conceito que temos em mente quando falamos de identidade pessoal, pois a identidade de uma pessoa e entendida como a sua permanencia como sendo uma unica e mesma pessoa em diferentes estagio s de sua exi stencia. Trata-se, digamos assim, da "mesmidade" de uma pessoa no tempo, independentemente das transformacoes contingentes que ela possa sofrer'. * Professor do Departamento de Filosofia da UFRN. I
Hi urn outro conceito de identidade pessoal, que ocorre quando dizemos que ele "nao e a mesma pessoa que quando era jovem", ou quando dizemos que "ela esta hoje uma outra pessoa". Como notou R. M. Chisholm, esse e urn Principios
UFRN
Natal
v.9
no<. 11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
A ideia de identidade pessoal esta intrinsecamente ligada aideia de criterios de identidade pessoal. Tais cri terio s sao as caracteristicas que precisam ser encontradas para que possamos reidentificar uma pessoa como permanecendo ela mesma; eles seriam, quando criterios ultimos, constitutivos da essencia daquilo que chamamos de uma pessoa. Ha dois grupos principais de teorias sobrc os criterios de identidade pessoal, que podemos chamar de teorias fisicas (corporais) e mentais (ou psicologicas). As teorias fisicas sugerem que 0 criterio pelo qual dizemos que uma pessoa permancce a mesma e algo fisico, como a continuidade de urn mcsmo corpo ou de urn mesmo cerebro. Ja as teorias mentais sugerem que 0 criterio pelo qual dizemos que uma pessoa permanece a mesma e algo mental, por exemplo, a permancncia de suas mcmorias pessoais, de seus conhecimentos e crencas basicas, de seus tracos psicologicos de personalidade e carater, de suas intencoes, dcscjos, etc ... As teorias consideradas mais plausiveis sao, porern, as mixtas, que adotam tanto criterios fisicos quanta mentais. No que se segue quero avaliar comparativamente os principais criterios adotados por essas teorias, concluindo pel a sugestao de uma regra criterial que recorre a uma constelacao mixta de criterios.
1. Criterios Fisicos Quero discutir primeiro os criterios fisicos, distinguindo entre dois tipos. 0 primeiro e mais conhecido e 0 que poderia ser chamado de criterio de continuidadefisica substantiva. 0 conceito de continuidade fisica substantiva pode ser definido como 0 caniter continuo da localizaciio ou mudanca de localizacdo de um objeto fisico em momentos temporais subseqiientes. Quero precisar melhor 0 que entendo por objeto fisico e pelo carater continuo da localizacao ou mudanca de localizacao. conceito frouxo (loose) de identidade pessoal, para 0 qual nao podemos encontrar criterios precisos e que nao pode ser confundido com 0 conceito filos6fico que estamos discutindo (ver R. M. Chisholm: "The Persistence of Persons", p. 334).
Principios
UFRN
Natal
v.9
nllS , 11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
Por objeto fisico pode ser entendido como um certo conjunto de propriedades caracterizadoras de um substrato material. 0 substrato material pode ser gradualmente mudado sem que 0 objeto fisico deixe de ser 0 mesmo, conquanto as propriedades caracterizadoras permanecam as mesmas. Assim, 0 substrato material que constitui 0 corpo humano e totalmente substituido a cada sete anos, mas 0 objeto fisico que e 0 corpo humano permanece 0 mesmo, conquanto as propriedades que 0 caracterizam nao se alteram em demasia. Ja os conccitos de continuidade de localizacao e mudanca de localizacao de urn objeto fisico podem ser esclarecidos sob a consideracao de que espaco e tempo sao infinitamente divisiveis e que aquilo que sc pode entender como momento (imediatamente) subseqiiente e como Iocalizacao contigua e algo relativo a capacidade do observador de escrutinizar sucessivos campos de observacao. Assim, se (i) urn objeto fisico A esta localizado no lugar El no momenta tl, e se urn objeto fisico similar A' continua localizado em E 1 no momento t2, concebido como subseqiiente a tl, dizemos que A = A' e que A permaneceu imovel em El. E dizemos tarnbem (ii): se 0 objeto A esta localizado em E 1 no momenta t1 e A' localiza-se em E2 no momenta subsequente t2, tal que A deixa de ser experienciado em E 1, e E2 e uma localizacao espacial contigua a E 1, entao A = A' eAse moveu de E 1 para E2. Mas sc Ae percebido em tl em El e no momenta subsequente, t2, A' e percebido em E2, mas E2 e percebida como uma localizacao nao-contigua em relacao a E 1, entao 0 corpo A nao apresenta continuidade substantiva com A'. Com isso temos explicitados criterios usuais de permanencia em urn mesmo lugar e de mudanca de lugar de urn mesmo objeto fisico. Ha dois candidatos a criterios fisicos para a identidade pessoal. A continuidade substantiva do corpo humano e a continuidade substantiva do cerebro humano. Quanto ao primeira, e verdade que costumamos reconhecer pessoas par sua aparencia fisica. Mas nao dizcmos que urn cadaver ou 0 corpo de alguem em estado de coma irreversivel sejarn pessoas, embora 0 corpo fisico possa permanecer 0 mesmo. Alem disso, se 0 cerebra da pessoa A pudesse
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12
p.05-26
Jan./Dez.2002
ser transplantado para a calota craniana vazia do corpo de B, e disso resultasse uma pessoa C, 0 criterio de continuidade do corpo humano levaria a conclusao incorreta de que C = B, quando a conclusao intuitiva e a de que C = A. Essa experiencia em pensamento nos leva a considerar 0 segundo candidato a criterio fisico, que e 0 de continuidade do cerebro, C = A porque 0 cerebro de Ceo mesmo que 0 de A2. Assim, a identidade substantiva do cerebro tern prioridade sobre a identidade do corpo, e podemos mesmo dizer que a continuidade substantiva do corpo so nos ajuda a identificar uma pessoa porque e urn sintoma probabilizador de criterios mais importantes, como 0 da continuidade do cerebro. Mas hi! problemas com 0 criterio fisico de cuntinuidade substantiva do cerebro. No que se segue quero considerar primeiro algumas objecoes contornaveis, cuja resposta nos permite aprender algo acerca da natureza daquilo que estamos considerando. Uma primeira objecao contornavel resulta da consideracao de casos em que duas pessoas habitam 0 mesmo corpo. Essa seria uma objecao para 0 criterio de continuidade corporal, mas nao para 0 criterio de continuidade cerebral. Considere 0 caso de pacientes lobotomizados, isto e, que tiveram 0 corpus callosum seccionado, de maneira a impedir a comunicacao entre os dois hemisferios cerebrais. Nesse caso, os hemisferios cerebrais passam a funcionar separadamente, resultando em algo muito semelhante a duas pessoas habitando 0 mesmo COrp03. Contudo, os dois "eus" que surgem num so corpo apos a lobotomia podem ser localizados urn em cada hemisferio cerebral, 0 que apenas corrobora 0 criterio cerebral. Ha tambem os casos de pessoas que apresentam multiplas personalidades, e ainda casos imaginaries como 0 do Dr. Jekyll e de seu assistente Mr. Hyde ... Se mais de uma pessoa podem alternadamente habitar 0 mesmo cerebra, entao parece que 0 2 3
Ver S. Shoemaker: Self-Knowledge and Self-Identity, pp. 23-25 e 1245-7. Sigo a sugestao de quem estudou mais de perto 0 assunto, 0 neuro1ogista R. W. Sperry. Segundo e1e, nos casos de comissurotomia, a "pessoa fa1ante do hemisferio esquerdo" toma-se iso1adada "pessoa-falante-do hemisferio-direito", desconhecendo-se uma a outra. E1assao "como duas mentes em urn corpo" (R. W. Sperry: "Hemisphere Deconnection and Unity in Conscious Awareness"). Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
criterio de continuidade cerebral deixa de ser capaz de individuar uma pessoa como nao sendo a outra. Tarnbem nao parece dificil responder a essa objecao, pois as duas pessoas poderiam estar utilizando alternadamente algo como configuracoes neuronais (fisicas) diversas de urn mesmo cerebra, 0 que seria compativel com urn criterio cerebral mais refinado ... Uma segunda objecao e a seguinte. Suponha que os dois hemisferios cerebrais de A funcionem da mesma maneira e que cada hemisferio seja transplantado para 0 interior da calota craniana vazia de urn diferente corpo humano, constituindo duas pessoas iguais, que sao chamadas de Bee. Ora, nesse caso, quem permanece sendo A? B, C, ou ambos? Se escolhermos responder que ambos sao A, nao estamos mais falando de identidade numerica, mas simplesmente da igualdade de uma coisa com outra, pois 0 conceito de identidade pessoal por definicao so se aplica a uma coisa {mica. Ja se decidimos responder que Beque e A, ou que C e que e A, essa escolha sera meramente arbitraria'. Suponhamos agora que os cerebros de duas pessoas, DeE, pudessem ser fundidos em uma calota craniana de modo que ao final tivessemos uma pessoa F. Seria F D ou E, ou ambos, DeE, ou nem D nem E?5 A essa objecao podemos responder simples mente que todo criterio de identidade tern certos limites pr6prios de aplicacao. Quando uma ameba se divide, nao temos mais como dizer qual das duas amebas resultantes e a mesma que a primeira: trata-se de urn caso de falencia da aplicacao do criterio. 0 mesmo acontece com os dois exemplos em questao, Devemos, pois, responder que nem B nem C sao a mesma pessoa que A, e que nem D nem E podem ser a me sma pessoa que F, pois em cas os de ramificacao, seja ela por divisao ou por fusao, 0 criterio de continuidade substantiva do cerebro deixa de ser aplicavel, 0 criterio de continuidade fisica substantiva s6 e aplicavel aos casos em que a continuidade e nao-ramificada ou, como prefiro chamar, unilinear.
4
Ver D. Parfit: "Personal Identity", Philosophical Review, p. 8.
5
Richard Swinburne: "Personal Identity: The Dualist Theory", p. 324.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.05-26
lan.lDez.2002
Uma terceira objecao tarnbcm contornavel: Suponha que a porcentagem de continuidade cerebral necessaria a identidade pessoal deva ser superior a 50%. Imagine agora que sejam feitas operacoes fundindo cerebros de pessoas diferentes. Primeiro, 0 corpo B recebe 60 % do cerebro de A, e os 40% restantes de urn outro cerebro F. Mais tarde 0 corpo C recebe 60% do cerebro de B e os outros 40% do cerebro de F. Nesse caso C acaba recebendo apenas 36% do cerebro de A. Sendo assim, C nao e mais a mesma pessoa que A. Mas se concordamos que A = Beque B = C, entao deveriamos concordar que A = C, posta que a relacao de identidade e transitiva. Consequentemente, 0 criterio de continuidade fisica substantiva nos leva ao absurdo de ter de aceitar que A e e nao e igual a C6. A resposta consistiria em entender 0 argumento acima como urn caso de sorites, distinguindo entre uma identidade completa (de lOO% dos caracteres relevantes) e a identidade parcial (de menos de 100% dos caracteres relevantes). A identidade completa e transitiva. Ja a identidade parcial nao precisa ser transitiva. A solucao parece ser a de se admitir que a identidade pessoal possa ser parcial e, contra 0 que se afirma, ndo eem todos os casos uma relacao transitiva! Com isso, no exemplo acima, A = B, B = C, mas A nao precisa ser considerado identico a C. (Note-se que esse raciocinio tarnbem pode ser aplicado a criterios mentais: se as caracteristicas mentais de C fossem apenas 36% das de A e 64% das de F, nao teriamos reservas em afirmar que C = F.) Ate aqui as objecoes receberam respostas plausiveis. As objecoes que se seguem sao mais destrutivas, pois elas mostram que 0 criterio de continuidade fisica substantiva nao constitui condicao nem necessaria nem suficiente para a identidade pessoal. Para evidenciar que a continuidade fisica do cerebro nao constitui condicao sujiciente para a identidade pessoal, basta pensar no caso de uma pessoa que morre e que tern 0 seu cerebro extraido e preservado em formol. Se apresentados a esse cerebro, nao "0 exemplo introduzido por D. Wiggins cdiscutido por Derek Parfit em "Personal Identity", p. 6.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.05-26
Jan./Dez.2002
diriamos que fomos apresentados a uma pessoa. Mas deveriamos dizer, caso a criteria de continuidadc cerebral fosse suficiente para garantir a identidade pessoal. Mesmo no caso de urn paciente comatoso, possuidor de urn cerebro vivo que perdeu as suas funcoes superiores, nao diriamos mais que se trata de uma pessoa. o fato da objecao ser obvia nao a toma menos d~cisiva contra a ideia de que a continuidade fisica do cerebro scja condicao suficiente para a identidade pessoal. Podemos evidenciar que a continuidade substantiva cerebral tambem nao e necessaria com auxilio de algumas experiencias em pensamento. Suponhamos que alguem no futuro, vitima de urn tumor cerebral, tenha partes de seu cerebro paulatinamente substituidas por chips de silicio com identicas funcoes, ate que no final 0 seu cerebro sc tome completamente bionico, sem que qualquer coisa da memoria, da personalidade e de outras caracteristicas mentais da pessoa tenham sido alteradas. Diriamos que a pessoa continuou a me sma? Sim. Mas 0 seu cerebro nao e 0 mesmo. Por conseguinte, a continuidade do mesmo cerebro tambem nao e condicao necessaria it identidade pessoal. Alguern podera objetar, creio que com razao, que uma verdadeira substituicao de urn cerebro bio16gico por urn cerebro mecanico funcionalmente identico e algo fisicamente impossivel, o que invalidaria 0 contra-exemplo acima. Mas ha uma experiencia em pensamento mais eficaz, inicialmente concebida por Locke? e imaginativamente reapresentada em roupagem contemporanea por Derek Parfit", Seguindo a versao de Parfit, suponhamos que voce esteja na terra e que ap6s entrar em uma cabine de teletransporte
7
No exemplo de Locke, a alma de urn principe passa a habitar 0 corpo de urn mendigo, passando 0 ultimo a se lembrar de tudo 0 que 0 principe se lembrava eater as mesmas capacidades do principe. Nesse caso, diz Locke, nao teriamos duvida em admitir que a pessoa do principe e a mesma que habita 0 corpo do mendigu, mesmo na ausencia de continuidade fisica entre ambas. 0 exemplo de Locke e problematico pelo fato de que 0 conceito de alma ser hoje considerado de coercncia questionavel. (1. Locke: All Essay Concerning Human Understanding, p. 340.)
, Ver Derek Parfit: Reasons and Persons, cap. 10.
Principios
UFRN
Natal
v. 9
n"'. 11-12
p.05-26
Jan./Dez.2002
12
aperte 0 botao verde. Quando isso acontece, urn computador escaneia a posicao e estrutura de cada molecula de seu corpo, ao mesmo tempo que 0 detroi, enviando as informacoes para urn aparelho semelhante em Marte que reconstr6i la urn corpo perfeitamente identico ao seu. Em seguida essa pessoa, que e voce mesmo, com as mesmas memorias e traces psicol6gicos que voce sempre teve, acorda em Marte, recordando-se que a ultima coisa que fez na terra foi apertar 0 botao verde do dispositivo de teletransporte. A conclusao que Parfit tira disso 6 que, como a pessoa continua sendo a mesma, a continuidade fisica do corpo ou do cerebro nao econdicao necessaria para a identidade pessoal. Com efeito, nao pode haver continuidade substantiva, posto que o lugar onde A' se encontra, E2 (urn certo lugar em Marte), nao e urn lugar contiguo em relacao a E I (urn certo lugar na Terra), onde A se encontrava. Alguns negam que 0 teletransporte mantern a identidade pessoal. 0 que e produzido em Marte e apenas uma replica sua e nao 0 mesmo que voce". Mas suponha que voce possua uma doenca sisternica, que so e curavel se voce entrar em uma dessas cabines de escaneamento que em pouco tempo destrua 0 seu corpo, substituindo-o por outro novo e identico, de maneira que voce acorda no mesmo lugar sern que voce nem outros percebam qualquer mudanca, Nesse caso parece mais aceitavel que a pessoa que segue existindo seja voce e nao uma replica sua. Digo 'parece', pois encontramo-nos no limite entre 0 intuitivo e 0 arbitrario. o fato da continuidade fisica substantiva nao ser sempre necessaria a identidade pessoal nao significa que nenhum tipo de criterio fisico seja necessario, pois nao sendo a continuidade fisica substantiva satisfeita e preciso que seja ao menos satisfeito 0 que chamarei de continuidade ou, melhor dizendo, conexdo flsica causal. Defino a conexao fisica causal como uma relacdo causal entre objetos fisicos em momentos subseqiientes . A' tern continuidade fisica causal com A no caso em que A, em tl,
9
Ver Peter Unger: Persons. Consciousness and Value.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
desempenha urn papel causal na constituicao de A' no momenta subseqiiente, t2, 0 que pode se dar na independencia do fato da localizacao E2 de A' ser ou nao ser contigua a localizacao E 1, de A. No caso da teletransportacao, urn tipo de continuidade semelhante a esse esta presentc: a estrutura molecular do seu corpo na terra e urn elemento causal necessaria para a constituicao da estrutura molecular do corpo que esta sendo copiado em Marte. Nao e dificil conceber experiencias em pensamento destinadas a mostrar que a identidade pessoal depende necessariamente, senao de uma continuidade fisica substantiva, pelo menos de algum tipo de conexao fisica causal. Suponhamos que a pessoaAmorra vitima de urn acidente e que em algum planeta de alguma galaxia distante venha a existir uma unica pessoa B, com exatamentc 0 mesmo fisico, a mesma historia pessoal, memorias e caracteristicas mentais de A no momcnto do acidente que a matou, e que tudo isso se de por uma extrema obra do acaso, nao havcndo nenhuma relacao causal possivel entre A e seu socia na outra galaxia. Quer dizer entao que essa pcssoa B sera A? Parccc certo que nao, e a razao disso e que nao ha continuidade causal alguma entre A e B. Para firmar esse ponto, eis urn exemplo que nao recorre a uma coincidencia extrema. Suponhamos que A seja urn cerebra que tenha crescido em uma cuba, com os seus nervos aferentes e cferentes ligados a urn supercomputador que ja ha urn born tempo produz em A a ilusao de todo urn mundo externo e de toda a sua historia pcssoal. Ele e uma pessoa, com volicoes, personalidade, carater, memorias pessoais e conhecimento, embora esteja em uma cuba e nao saiba. Digamos que urn incendio no laboratorio praduza uma completa destruicao do cerebro na cuba e do super足 computador, eliminando, pois, a pessoa de A. Suponhamos agora que os cientistas ainda disponham de urn cerebra embriao B igual ao de A e tambem do mesmo programa de computador que foi implementado na producao do seu mundo virtual, de modo que em urn outra laboratorio eles possam praduzir uma pessoa B igual aquela que A era momentos antes do incendio, com 0 mesmo carater, a mesma personalidade, os mesmos conhecimentos, as mesmas memorias pessoais e as mesmas volicoes e pensamentos
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
14
que A teve naqueles momentos. A questao agora e: e essa pessoa a mesma que A? Nao parece adequado responder afirmativamente, e a razao e que nao existe uma continuidade fisica causal entre a pessoa que A era antes do incendio e a pessoa igual a A que foi produzida depois. Pela ausencia de uma conexao causal entre A e B, admitimos apenas uma igualdade qualitativa entre as duas pessoas.'? Finalmente, tambem 0 criterio de continuidade fisica causal pode falhar se deixar de haver uma relacao de um-para-um entre os diferentes estagios temporais de uma pessoa. Se 0 aparelho de teletransporte produz 30 copias suas em Marte, nao sera mais possivel se dizer que sao todas a mesma pessoa que voce e, pois nao havendo mais uma relacao univoca ou unilinear entre os estagios temporais, mesmo 0 criterio de continuidade causal deixa de ser aplicavel, 0 mesmo aconteceria se voce e outra pessoa forem simultaneamente teletransportadas e que, por algum erro, ambas forem fundidas em uma so. Concluimos, pois, que 0 criterio de conexao fisica causal, bern como 0 de continuidade fisica substantiva, so podem ser aplicaveis sob 0 pressuposto de serem aplicaveis aos estagios temporais de urn unico indivlduo. Os criterios de continuidade fisica substantiva e conexao causal s6 valem sob 0 suposto de que a continuidade ou conexao sejam nao-ramificadas ou unilineares.
\0
Segundo 0 sofisticado criterio psicologico de Derek Parfit, X e a mesma pessoa que Y sc e sorncnte se (1) hi continuidade psicol6gica, (2) a continuidadc tern a causa correta, (3) ela nao tern forma ramificada (Reasons and Persons, p. 207). Admitindo a causa correta como podendo ser nao-natural, esse criterio se aplica aos dois exemplos anteriores se essa causa for entendida como uma satisfatoria conexao causal entre X e Y, 0 que introduz urn elemento criterial fisico. Entendendo a continuidade psicologica como uma conectividade psicologica superior a 50% entre cada fase da pessoa, 0 criterio de Parfit se toma demasiado vago, pois nao define 0 tempo que deve decorrer entre uma fase e outra, alem de nao estabelecer quais sejam as caracteristicas psicologicas relevantes para a conectividade psicologica. Seu criterio e bastante sofisticado, mas sua vaguidade 0 torna praticamente inapl icavel. Meu criterio e comparativamente grosseiro, mas ao menos funciona.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.05-26
Jan./Dez.2002
2. Criterios Mentais Passemos agora a consideracao de criterios mentais de identidade pessoal. 0 mais famoso e 0 criterio da memoria pessoal, proposto por Locke. Para esse filosofo, sei que sou a me sma pessoa que era quando crianca por ser capaz de recordar-me de minhas experiencias de infancia. A minha consciencia e capaz de percorrer toda uma mais ou menos longa sequencia de memorias pessoais minhas, garantindo-me que elas sao dc uma mesma pessoa; assim, a identidadc pcssoal se estende ate onde a memoria consegue alcancar' I . Para melhor especificar 0 criterio da memoria pessoal c util considerar objecoes relativas a periodos dos quais nao temos memoria, como os periodos de sono. Deixa quem dorme de ser uma pessoa? Explorando esse ponto e farnosa a seguinte objecao originariamente apresentada por Thomas Reid". Suponha que B seja um jovem ofieial que recorda-se de si mesmo como A, uma crianca que havia sido pega roubando macas, Assim, segundo 0 criterio de Locke, A = B. 0 velho general C se recorda de, quando jovem oficial B, ter rendido urn inimigo, mas nao se recorda mais de quando crianca ter roubado urn pomar. Assim, C = B e C 7= A, pelo criterio de Locke. Mas todos sabemos que ao menos nesse caso a identidade funciona como uma relacao transitiva e que A = B = C; logo 0 criterio de memoria nao parece tao confiavel. Essa objecao pode ser reforcada com a adicao de D, 0 general senil, que se recorda de ter roubado um pomar quando crianca, mas que nao mais se recorda de ter rendido 0 inimigo. Assim, pelo criterio de Locke, D = A, mas D 7= B, quando sabemos que D = C = B = A. A solucao proposta por P. Grice para tal dificuldade consiste em sugerir que para 0 criterio de memoria e suficiente que as relacoes entre as varias fases-de-pessoa se associem entre si, mesmo sem
111. 12
Locke: An Essay Concerning Human Understanding, ibid., p. 335 e ss.
Uma importante selecao de textos sobre teorias da memoria encontra-se em 1. Perry (ed.): Persona! Identity.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.05-26
Jan./Dez.2002
respeitar a ordem de sua sucessao temporal". Assim, se C se recorda de B e B se recorda de A, entao C e a mesma pessoa que A, e se D se recorda de A e B se recorda de A e C de B, e D vern logo depois de C, entao D e a mesma pessoa que B. o problema com uma tal solucao (: que 0 criterio de memoria perde a sua principal vantagcm, que ea de ser acessivel atraves de introspeccao imediata, feita em primeira pessoa. Pois no caso do velho general, a propria pessoa precisaria saber que 0 estagio B vcm apos A. E no caso do general senil, embora D saiba que e A, cle nao sabe mais que e B ou C e que D vern logo apos C. So uma terceira pessoa pode eventualmente saber tudo isso, rccordando足 se de que B se recordava de A e recordando-se de que C se recordava de B, alcm de saber que D vern apos C. Mas tal procedimento artificializa tremendamente 0 criterio, tomando-o complicado e insuficiente por pressupor outros criterios. No que se segue quero mostrar que a memoria pessoal nao tern prerrogativa sobre os demais criterios, e que tambem ela nao e condicao nem necessaria nem suficiente para a identidade pessoal. E muito facil mostrar que 0 criterio de memoria pessoal ndo e condicdo necessaria. Imagine que uma pessoa, apos sofrer urn acidentc, perdcsse toda a memoria de suas experiencias pessoais passadas. Essa pessoa continuaria sendo a mesma? Born, se os outros tracos psicologicos continuassem os rnesmos, se ela continuasse com a mesma personalidade, 0 mesmo carater, se a sua memoria de como fazer as coisas (know how) e a sua memoria proposicional (know that), que inclui conhecimentos e crencas, permanecessem, nao teriamos duvida de que se trata da mesma pessoa. Consideremos urn caso real. 0 chofer de Lady Di perdeu de maneira irreversivel a memoria do que ocorreu no acidente que a matou, mas isso nao significa que a sua pessoa nao seja a mesma que a pessoa que estava no volante por ocasiao do acidente. E, pois, evidente, que a memoria pessoal nao econdicao necessaria para a identidade pessoal a ser constatada por terceiros. E ela
13
P. Grice: "Personal Identity" in, J Perry, ibid.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>. 11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
condicao necessaria para a identidade pessoal constatada em primeira pessoa? Uma breve reflexao mostra que nao. Embora 0 chofer de Lady Di seja incapaz de se recordar, ele sabe, pelo conhecimento de outros fatos, que eele mesmo que estava adirecao no momenta do acidente. Uma pessoa que tenha perdido a sua memoria pessoal pode vir a saber de forma menos direta, mas nem por isso menos confiavel, que ela ea mesma pessoa que aquela de cujas experiencias nao e mais capaz de recordar. Ha tambem consideracoes adicionais mostrando que a memoria pessoal ndo esuficiente para a identidade pessoal. Imagine que as rnemorias pessoais pudessem - como talvez algum dia possam 足 ser implantadas no cerebro de uma pessoa, mas que elas ndofossem autenticas; a pessoa se recorda entao de ter sido uma pessoa que nao era ela mesma. Considere tambem 0 caso de pessoas que fantasiam falsas experiencias, como 0 caso do cidadao norte足 americano que passou anos na prisao por ter se "lembrado" de urn crime que nao cometeu, ou ainda, 0 caso de pessoas que se "recordam" do que lhes ocorreu em vidas passadas, como 0 admirador de Balsac que acreditava ser 0 proprio Balsac redivivo. Em tais casos nos valemos de outros criterios para neutralizar 0 criterio de memoria pessoal, negando-nos a reconhecer que se trata da mesma pessoa. Diante desse tipo de objecao, 0 defensor do criterio de identidade de memoria podera responder que so as memorias verdadeiras e que contam, que so as memorias autenticas e que sao criterios. Com efeito, 'memoria' e usualmente sinonimo de 'memoria antentica', pois de uma memoria demonstrada falsa nao diriamos que se trata realmente de uma memoria. Contudo, a admissao de memorias autenticas como criterio de identidade pessoal e aberta a objecao de circularidade: para sabermos que uma memoria de x e autentica precisamos saber que a pessoa que teve a experiencia de x, da qual se recorda, e a mesma pessoa que aquela que agora se recorda de x; por conseguinte, identificamos uma pessoa como a mesma pela autenticidade de sua memoria, e identificamos a autenticidade da memoria pelo fato de ser da mesma pessoa...
Principios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
A resposta usual consiste no recurso ao conceito de quasi足 memoria, que e uma memoria pessoal sem dono, isso e, nao vinculada a pessoa que a tern". Assim, se tenho uma quasi足 memoria, nao esta excluido que ela nao seja a memoria de uma experiencia tida por outra pessoa. A quasi-memoria pode, portanto, contribuir para afirmar a identidade pessoal sem circularidade, pois nao a requer. 0 problema e que 0 conceito de quasi-memoria talvez nao parece coerente. Como distinguir uma quasi-memoria de uma mera fantasia? Parece que memorias verdadeiramente sem dono nao parecem capazes de serem identificaveis como tais. Mas suponha 0 seguinte: em minha mente passam as imagens de ter tornado urn cafe em urn bar na praca de Sao Marcos, de ter entao visto uma exposicao de Frida Kahlo, admirando a autenticidade revel ada em sua obra, tendo depois me sentado na calcada a admirar a catedral resplandescendo ao por do sol, perguntando足 me se nao haveria uma maneira de envenenar os pombos ... Eu conto isso a alguem que me informa que isso e exatamente 0 que se lembra de ter feito anos atras. Excluindo a hipotese de coincidencia, devo concluir disso que estou tendo quasi-memorias? A primeira vista sim, mas nao quando consideramos 0 pequeno detalhe de que necessariamente todas essas imagens, sentimentos, pensamentos que tenho, sao de eu mesmo os tendo. Seria melhor, pois, concluir que eu estava em sua mente ao voce ter tido essa experiencia, e que essa ea lembranca de minha propria experiencia e nao da sua. Assim, mesmo nesse caso, quando a outra pessoa me forca a reconhecer as memorias, eu nao as reconheco como dela, mas como minhas, embora tendo cssa pessoa como 0 "veiculo" que as acessou. Nao obstante, nao creio que 0 recurso a quasi-rnemorias seja necessario, pois parece-me que a objecao da circularidade do criterio de memoria nao e realmente aplicavel. Tal objecao pode tomar duas formas, uma em primeira e outra em terceira pessoa.
14
0 conceito de quasi-memoria foi introduzido por Sidney Shoemaker em Self足 Knowledge and Self-Identity. Ver tambern seu "Persons and their Pasts".
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOS. 11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
Em primeira pessoa ela afirma que para que a pessoa A saiba que a sua memoria de x e autentica, A ja precisa saber que a pessoa que teve a experiencia de x era a me sma que agora se recorda de ter tido a experiencia de x, 0 que toma a justificacao circular. Mas parece-rne que as duas coisas, a recordacao de uma experiencia passada e a identificacao de quem a teve, encontram-se internamente ligadas: ao recordar-se de ter a experiencia de x, A recorda-se "da experiencia de x tida por A", sem maiores mediacoes, sendo precisamente par isso que A pode identificar足 se desse modo como sendo a mesma pessoa. 0 carater falacioso da negacao disso pode ser evidenciado pelo seguinte dialogo, paralelo ao argumento da circularidade do criterio de memoria: A: Sei que a Mula Manca pas sou por aqui, pois identifico o seu rastro. B: Ora, essa sua justificacao e circular, pois para identificar 0 rastro da Mula Manca, voce ja precisou ter identificado a Mula Manca.
o que ha de errado com a objecao de B?
Ora, e que e obvio que para identificar 0 rastro da Mula Manca nao e necessario ter identificado a Mula Manca quando essa pas sou por aqui, ou mesmo te-la alguma vez identificado (pode-se aprender a identificar 0 rastro confiando em informacoes, sem nunca se ter visto 0 animal). De modo similar, pode-se defender que a pessoa A identifica-se a si mesma no passado pela memoria de ter experienciado x sem precisar realizar qualquer forma de auto-identificacao, mas por saber, por experiencia, que a memoria de ter tido a experiencia x e evidencia de que a pessoa que a teve era a mesma que a pessoa que dela se recorda. Passemos a objecao da circularidade do criterio de memoria feito em terceira pessoa. Nesse caso 0 que se supoe e que para se validar a autenticidade da memoria que A tern de si mesmo como experienciando x, uma pessoa B precisa saber que a pessoa que experienciou x foi A, por exemplo, testemunhando a experiencia de x por A. Essa objecao sugere, ao meu ver, que a memoria pessoal eno final das contas urn criterio secundario, que so ganha validade Principios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
se tornado em conjunto com outros criterios. Assim, no caso do Balsac redivivo, a memoria e refutada como nao-autentica pelo fato de nao termos como encontrar uma continuidade fisica substantiva ou causal entre ambos; no caso de alguem que imagina ter realizado acoes que nao realizou, 0 testemunho de terceiros sobre onde ele estava ou nao cstava, usando criterios fisicos e eventualmente mentais para identifica-Io, pode neutralizar 0 criterio de memoria. A memoria pessoal so e efetivamente verificada como autentica quando outros critcrios de identidade pessoal estiverem sendo satisfeitos. A conclusao a que chegamos ea de que 0 criterio de memoria pessoal nao e condicao nem necessaria e nem suficiente para a identidade pessoal. Ele funciona de maneira semelhante ao critcrio de identidade corporal. Tal criterio e de facil acesso e certamentc e 0 mais usado quando identificamos pessoas na vida cotidiana. Contudo, como ja vimos, ele nada tern de essencial. Da mesma forma, 0 criterio de memoria pessoal, embora usual quando nos reidentificamos em primeira pessoa, nao chega a ser essencial. Essa constatacao nao nos deve fazer concluir que a memoria do passado, como tal, nao seja importante. Uma memoria pessoal coletiva nao deixa de ser urn elemento indispen savel no reconhecimento da identidade pessoal, pois 0 reconhecimento da presenca de outros criterios no passado de uma ou de outra forma passara inevitavelmente pela memoria pessoal que sera, senao a da propria pessoa, certamente a de terceiros. Essa conclusao se tom a mais convincente quando consideramos a relacao entre memoria e outros criterios de continuidade mental. Digamos que uma pessoa tenha, em urn acidente, perdido a sua memoria pessoal. Se ela mantiver certas outras caracteristicas mentais, teremos de reconhecer que e a mesma pessoa. Essas caracteristicas incluem muito especialmente a sua memoria proposicional (know that), entendida como sendo a memoria de conhecimentos e crencas, e ainda a sua memoria de habilidades ou de como fazer as coisas (know how), seus traces de personalidade e carater, suas volicoes e desejos mais constantes.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.05-26
Jan./Dez.2002
Suponhamos que apos urn acidente esse conjunto de caracteristicas se modifique, que a pessoa perdeu a sua memoria de conhecimentos, nao sabe mais fazer 0 que sabia, pas sou a apresentar completa mudanca de personalidade e carater, alem de transtornos volitivos e afetivos, mas que a memoria pessoal permanece ainda intacta. Considerariamos ainda a pessoa como sendo a mesma? Inclino-me a responder que sim, pois afinal ha tambern uma continuidade fisica substantiva envolvida. Mas suponhamos agora que essa continuidade se limite apenas amemoria. Suponhamos que, em urn teletransporte, duas pessoas, Arafat e Sharon, sao teletransportadas ao mesmo tempo para Marte, e que por urn erro, Arafat, em Marte, recebe as memorias pessoais de Sharon, e Sharon as de Arafat. Significa entao que Arafat, mantendo todas as outras crencas que constituem a sua memoria de conhecimento, as suas conviccoes e habilidades, a sua personalidade, as suas disposicoes afetivas e volitivas, passou a ocupar 0 corpo de Sharon e vice-versa? Muito dificil acreditar que sim. Mais provavel e que ambos continuem a ser quem sao, embora profundamente perturbados por terem as suas mentes devassadas pela constante intrusao de memorias irreconheciveis e assustadoras".
3. Uma Regra Criterial para a Identidade Pessoal
o que as consideracoes feitas ate aqui demonstram e que para a identificacao de uma pessoa como sendo a mesma lancamos mao de uma variedade inter-relacionada de elementos criteria is, que precisam ser mentais e tambem fisicos. Selecionando 0 que parece mais fundamental do que foi ate agora considerado, quero propor urn criterio mixto de identidade pessoal. Para tal precisa ser estabelecido urn conjunto referencial, formado pelos grupos A e B de elementos criteriais identificadores da pessoa. 0 grupo A e formado de elementos criteriais fisicos, que garante 0 carater
15
Ver a respeito
Principios
0
conto de J. L. Borges, A Memoria de Shakespeare.
UFRN
Natal
v. 9
n~.
11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
22
necessariamente unitario da pessoa, enquanto 0 grupo B e formado de elementos criteriais mentais que the qualificam como pessoas: GRUPO A (criterios fisicos):
continuidade fisica substantiva unilinear
conexao fisica causal unilinear
GRUPO B (criterios mentais): persistencia da memoria pessoal persistencia da memoria proposicional (know that) permanencia da estrutura de personalidade e carater permanencia da estrutura volicional e afetiva Dado esse conjunto referencial, proponho que a seguinte regra criterial para a identidade pessoal (RECIP) seja admitida: RECIP: Uma pessoa pode ser considerada a mesma se ao menos urn elemento criteriaI do grupo A esta sendo satisfcito e ao menos urn ou dois elementos criteriais do grupo B estao sendo satisfeitos. RECIP e uma regra propositadamente vaga, buscando assim rcfletir razoavelmente a vaguidade tipica do conceito de identidade pessoal na linguagcm ordinaria. RECIP torna muito claro porque nao faz sentido tentar analisar a questao da identidade pessoal em termos de alguma condicao objetiva que seja necessaria e suficiente: nenhum dos elementos criteriais constituintes dos grupos A e B precisa estar necessariamente presente, e a presenca isolada de so urn deles sera sempre insuficiente. Mas a aplicacao de RECIP e, ela propria, uma condicao necessaria e suficiente para a identidade pessoal. Quanto aos exemplos que satisfazem RECIP, ha uma gradacao com relacao ao quanta eles satisfazem. Ha primeiro os exemplos paradigmaticos de identidade pessoal, que sao aqueles em que todos os criterios dos grupos A e B estao sendo maximamcntc satisfeitos (ex: a identidade entre minha pessoa agora e minha pessoa hoje ao acordar). Outros exemplos podem satisfazer cada
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"'. 11-12
p.05-26
Jan./Dez.2002
vez menos elementos criteriais (ex: a identidade que guardo hoje comigo mesmo ao fazer meu sexto aniversario), ate chegarmos aqueles casos limitrofes em que nao sabemos mais decidir se a pessoa e ou nao e mais a mesma (ex: a identidade entre urn paciente terminal de Alzheimer e a pessoa que ele uma vez foi). RECIP torna-se assim uma tentativa de explicitar os indefinidos limites minimos, abaixo dos quais deixa de ser intuitiva a afirmacao de que se trata de uma mesma pessoa. Ate onde RECIP esta em consonancia com nossas intuicoes sobre a identidade pessoal, ou se demanda refinamentos, e algo que prefiro deixar para 0 leitor decidir."
Abstract There are two kinds of criteria ofpersonal identity, mental continuity criteria (usually memory) and physical continuity criteria (like bodily continuity). After examining the roles of the main criteria, the author suggests a criterial rule (RECIP), which applied to a set offundamental physical and mental criteria seems to match our intuitions concerning whether a person is the same or not.
l f
Seria RECIP contingente em relacao ao estado atual de nosso conhecimento? Existem criterios auxiliares, como aparencia fisica, que sao utilizados no dia足 a-dia como meros sintomas da satisfacao dos criterios mais fundamentais que sao adotados em RECIP. Mas suponhamos que a memoria pessoal, os conhecimcntos e crencas, a personalidade e 0 carater de algucrn venham a ser traduzidos em termos de estados cerebrais; nao passarao a ser esses criterios mentais meros sintomas dos estados cerebrais que atuariam como os criterios mais fundamentais? Nao parece, pois mesmo que essa traducao fosse possivel, as propriedades mentais continuariam a ser 0 criterio fundamental, posto que e o seu reconhecimcnto que nos permitiria avaliar se a traducao em termos de estados cerebrais e correta, e nao 0 contrario.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
24
Referencias BORGES, 1. L.: A Memoria de Shakespeare (trad. bras. Sao Paulo: ed. Globo, 1998), Obras Completas, vol. III. BOROWSKI, E. G.: "Identity and Personal Identity", Mind 85 (1986), pp. 481-502. CHISHOLM, R. M.: "The Persistence of Persons", em 1. Kim e E. Sosa (eds.): Metaphysics: an Ontology (Oxford: Blackwell, 1999), p. 334) FLEW, A.: "Locke and the Problem of Personal Identity", in C. D. Martin & D. M.Armstrong (eds.): Locke and Berkeley (London: Macmillan, 1968). GARRETT, B: Personal Identity and SelfConsciousness (London: Routledge 1987). GEACH, P.: "Identity", Review of Metaphysics, 21 (1967), pp.3-l2. GRICE, H.P.: "Personal Identity", Mind 50 (1941), pp. 330-50, republicado em 1. Perry (ed.): Personal Identity. JONSTON, M.: "Human Beings", Journal of Philosophy, 84 (1987), pp. 59-83. LEWIS, D: "Survival and Identity", in M. J. Loux (ed.): Metaphysics (London: Routledge 2001), pp. 395-419. LOCKE, J.: An Essay Concerning Human Understanding (Oxford: Clarendon Press, 1979) p. 340. MALCOLM, R.: "Three Forms of Memory", in Knowledge and Certainty (Englewood Cliffs: Prentice Hall 1963) NAGEL, T.: "Brain Bisection and the Unity of Consciousness", in T. Nagel, Mortal Questions (Cambridge: Cambridge University Press, 1971). NOONAN, H.: Personal Identity (London: Routledge & Kegan Paul, 1989).
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
PARFIT, D.: "Personal Identity", Philosophical Review 80 (1971), pp.3-27.
_ _ Reasons and Persons (Oxford: Oxford University Press, 1984). "Divided Minds and the Nature of Persons", in Collin Blakemore and S. Greenfield (eds.): Mindwaves (Oxford: Blackwell, 1987). PERRY, J. (ed.): Personal Identity (Berkeley: University of California Press, 1975). _ _ "Can the Self Divide?", Journal ofPhilosophy 69 (1972), pp.463-88. QUINTON, A.: "The Soul", Journal ofPhilosophy 59 (1962), pp. 393-409. SHOEMAKER, S.: Self-Knowledge and Self-Identity (Ithaca: Cornell University Press, 1963). _ _ "Persons and their Pasts", American Philosophical Quarterly, (1970). SPERRY, R. W.: "Hemisphere Deconnection and Unity in Conscious Awareness"), American Psychologist, 23, (1968). SWINBURNE, R.: "Personal Identity: the Dualist Theory", in P. V. Inwagen & Dean W. Zimmerman: Metaphysics: The Big Questions (Oxford: Blackwell, 1988). UNGER, P.: Persons, Consciousness and Value (New York: Oxford University Press, 1992) WIGGINS, D.: Identity and Spatio- Temporal Continuity (Oxford: Oxford University Press, 1967)
_ _ Sameness and Substance (Oxford: Blackwell, 1980). WILLIAMS, B.: "Personal Identity and Individuation", Proceedings ofthe Aristotelian Society, 57 (1956-7), pp. 229-52,
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"'. 11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
republicado em seu livro Problems of the Self (Cambridge: Cambridge University Press, 1973). _ _ "The Self and the Future", Philosophical Review 79 (1970), repub1icado em Problems ofthe Self.
Principios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.05-26
Jan.lDez.2002
La prueba de McTaggart de la irrealidad del tiempo Eduardo Shore*
A quien me nombraras que conceda algun valor al tiempo, que ponga precio al dia, que comprenda que va muriendo cada momento? Realmente nos engaiiamos en esto: que consideramos lejana la muerte, siendo asi que gran parte de ella ya ha pasado. Todo cuanto de nuestra vida queda atras, la muerte 10posee.... Todo, Lucilo, es ajeno a nosotros, tan 5610 el tiempo es nuestro: la naturaleza nos ha dado la posesi6n de ese unico bienjugaz y deleznable, del cual nos despoja cualquiera que 10 desea',
Resumen McTaggart se apoya en el hecho de que no percibimos el tiempo en si mismo, un tiempo vacio de sucesos: 10que en verdad percibimos es el transcurrir de los acontecimientos, tanto de los extemos como los de nuestro propio estado intemo en la conciencia. Todo el desarrollo de McTaggart y tambien su originalidad, consiste en el desentraiiamiento del mecanismo por el cual aprehendemos el caracter temporal del acaecer, a traves del cual tenemos la ilusi6n de que percibimos el tiempo. De ese analisis se desprende su tesis: La manera de captar 10 temporal es contradictoria en si misma, par 10que, si el significante es contradictorio, 10 significado, en este caso el tiempo, es nada: el nihil privativum kantiano" Pregunto: no tendra raz6n McTaggart, en cuyo caso podria decirse que los sucesos "son" el tiempo?
â&#x20AC;˘ Professor aposentado da Universidade de Buenos Aires. I
2
(destacado mio) Seneca, Epistolas morales a Lucilio ; B.B.Gredos, Madrid, Libri I, EpistoJa 1 Kant, Critica de la razon pura p B 348: "El objeto de un concepto que se contradice a si mismo es nada ... Un objeto vacio sin concepto"
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOS. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
En su trabajo! McTaggart (en adelante MT) sostiene la tesis de la irrealidad del tiempo G 87
Sera conveniente comenzar nuestra investigaci6n preguntando si algo de 10que existe puede poseer la caracteristica de ser en el tiempo. Intentare probar que no es posible.
Un poco mas adelante enuncia rotundamente su tesis: G 87
Yo creo que nada de 10que existe puede sertemporal y que por 10 tanto el tiempo es irreal. Pero creo esto por razones que no han sido expuestas por ninguno de los fil6sofos que he mencionado <Spinoza, Kant. Hegel>.
Quiero comenzar el analisis del texto de MT recordando la impresi6n que tuve al leerlo por primera vez. Me llam6 poderosamente la atenci6n su extrema originalidad y 10 acertado de sus enfoques, muchos de los cuales s6lo los pude aceptar cuando logre desentrafiar la idea que subyace. Para destacar la importancia de este trabajo, publicado por segunda vez en 1927, transcribo algunas opiniones de M.R.Gale al respecto: G 65
La discusi6n de MT es una clave para la comprensi6n de los puntos de vista sobre el tiempo sostenidos por los fi16sofos analiticos del Siglo XX, porque casi todos ellos han tratado de resolver la paradoja de MT. .. si bien no en todos los cas os concientemente... los problemas a los que se abocaron fueron los previamente propuestos por MT.
) 1M.E. Me Taggart. The Nature Of Existence, Vol II, Cambridge University Press, 1927, Book V, Chapter 23, Reprodueido en The Philosophy Of Time, edited by M.Ga1e, New Jersey, Humanities Press, 1978, p 87. Se eita por esta transeripei6n con la letra G seguida par la pagina,
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
G 65
El argumento de MT es falaz, pero es falaz (fallacious) de una manera tan profunda y basica, que una respuesta que resulta adecuada, debe proporcionar un completo y extenso analisis del concepto de tiempo.
Personalmente dudaria en calificar el argumento de MT de falacia, porque si MT al decir que el tiempo no es real, en ingles, unreal, 10 que esta diciendo es que el tiempo carece de realidad, cabe hacer la pregunta: de que indicios disponemos para poder determinar cual es la realidad del tiempo, aun aceptando, por 10 menos provisoriamente que tenga alguna? Adelanto que la respuesta es desalentadora: simplemente, de ninguno, porque 10 que llamamos tiempo aparece como oculto en el transfondo de las sucesiones, entre ellas, la que empleamos como sucesion patron, a tal punto, que confundimos el movimiento de las agujas del reloj, con 10 que el sentido comun denomina el transcurrir del tiempo. Veamos entonces, en que significaci on emplea MT el concepto de realidad cuando se la niega al tiempo, porque podria ocurrir que pese a que nos sentimos tentados, por 10 menos en una primera aproximacion, de declarar absurda su posicion, quizas no seria tan descabellada. Creo que la siguiente definicion de realidad" es adecuada al sentido con que MT la emplea: En su significado propio y especifico, el termino designa el modo de ser de las cosas, en cuanto existen fuera de la mente humana, 0 independientemente de ella.
Por 10 tanto si en esta significaci on, las cosas que existen, son por su existencia reales, 10 que no existe carece de realidad. Sin tomar en cuenta la dificultad que supone aplicar el termino existencia al tiempo, 10 que en definitiva estaria diciendo es que no hay tal cosa como el tiempo, brevemente, no hay tiempo.
4
Nicola Abbagnano, Diccionario defilosofia, F.c. E. Mexico 1968 p. 988.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nlÂť.11-12
p.27-61
Jan./Dez.2002
Pregunto entonces, que podemos decir del tiempo. La respuesta es: nada, pero entonces cambio la pregunta: Porque estamos tan convencidos de que realmente medimos el tiempo 0 que tienen pleno sentido las referencias, ya al transcurrir del tiempo, ya a un tiempo pasado. No podemos concebir el movimiento sin pensar en el tiempo, o si se prefiere, el movimiento es 10 que nos lleva a pensar en el tiempo, 10 que exige decir algo del movimiento. En la naturaleza existen cosas que se mueven, pero no existe el movimiento, que en tanto que concepto, solo tiene existencia en el sujeto. Cuando una cosa se mueve, recorre una trayectoria, esto es, va pasando por sucesivas porciones de la trayectoria, las recorre una tras otra y en ese recorrer, el pasaje del movil por posiciones ya recorridas, va desapareciendo en la medida en que el movil avanza hacia otras nuevas todavia no recorridas, sin estar en ninguna sino meramente pasando sin detenerse. El planeta Tierra girando sobre su eje en el espacio es un buen ejemplo de movimiento y a la vez suministra el patron de medida de los movimientos: construimos un reloj tal que dos vueltas completas de su aguja coinciden con un giro completo de la tierra. El patron de medida es una sucesion uniforme con la que se comparan todas las otras, sin ser en si una medida del tiempo. Esta distincion es importante establecerla porque pensamos en el tiempo como condicion de posibilidad de la sucesion, en general del cambio y al hacerlo, se desliza la ilusion inevitable de que estamos midiendo el tiempo. Si bien no podemos percibir el tiempo, es indudable que tenemos el sentimiento del tiempo 0 mejor dicho del caracter temporal de los sucesos y este sentimiento se genera por la caracteristica temporal del flujo de conciencia: asistimos en nuestro teatro interior a un desfile constante de representaciones, siempre diferentes unas de otras aunque series parciales de ellas traten sobre 10 mismo. Miramos algo y ese mirar no es instantaneo, sino que aunque breve, tiene una duracion en la que recibimos una sucesion oirdenada de representaciones, una tras otra, ligeramente
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
diferentes unas de otras, aunque mas no sea, porque es imposible mantener fija la direccion de la mirada. Podemos mencionar tambien los diferentes pensamientos que nos asaltan en esa accion de mirar algo y que acompafian las representaciones que recibimos. En nuestra percepcion de sucesos extemos, al consistir estos sucesos en cambios de cosas en el espacio", pareciera que no podemos pensar el tiempo sin ayuda de 10 espacial. Pero la existencia de las representaciones en la conciencia tiene una sola dimension, la del tiempo, no son espaciales sino espacialmente representadas.Fue Bergson el que sefialo que la conciencia es el unico ambito que nos permite el sentimiento del tiempo por 10 exclusivamente temporal. Es necesario reiterar que tampoco aqui, 10 que percibimos intemamente es el tiempo, sino que al asistir al flujo continuo de nuestras representaciones, es ese pasar nunca interrumpido, por 10 menos mientras tenemos conciencia, el que nos lleva a la mencionada ilusion de que asistimos al transcurrir del tiempo. Es asi como suele decirse, que lentamente transcurre el tiempo, o por 10 contrario en otros casos, como vuela el tiempo, confundiendo siempre el transcurrir de los sucesos con un supuesto fluir del tiempo. Una vez que queda bien claro, que al referimos a un cierto tiempo 0 a un cierto momenta en el tiempo, 10 que en realidad hacemos es fijar posiciones en la sucesion patron de afios, meses, dias, horas, minutos, segundos ... paso a definir el concepto de acontecimiento: un cierto estado de cosas, que irrumpe a la existencia durante un cierto tiempo, precedido por un tiempo vacio de ese estado de cosas y seguido por un tiempo otra vez vacio de tal estado. 5
Es importante reiterar que en relacion al espacio empleamos el verba estar y en relacion al tiempo empleamos otro verbo, el pasar y la importancia de esta reiteracion reside en que este concepto de pasar, es esencial en la teoria de MT. En adelante entiendo por cosas, unicamente las reales del habla cotidiana, que designate como ellenguaje del sentido cornun (LSC), pero como nunca percibo una cosa, aislada de todas las demas entre las que se encuentra aquella a la que dirijo mi preferente atencion, es mas conveniente emplear la expresion "estado de cosas".
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
Supongamos que un cierto acontecimiento, A 1 aconteci6 un cierto dia desde las 9 hasta las lOde la manana y que otro acontecimiento, A 2 tuvo lugar desde las 11 hasta las 12. Para un observador que haya tornado nota de los tiempos, puede decir que A 1 fue anterior a A 2. Pero esta relaci6n de "anterior a " resulta de la constataci6n por el observador, porque sin la referencia al tiempo, los hechos sucedidos deben ser descriptos por otras relaciones: las existencias de A 1 y de A 2 se excluyen mutuamente, porque la existencia de una tiene lugar cuando la otra no existe. Lo que hace el observador al constatar que Ales anterior a A 2 porque efectivamente asi ocurri6, es expresar esa relaci6n en el unico ambito en que puede hacerse, a saber, en el del sujeto. Cuantitativamente la relaci6n de "anterior a" requiere el empleo del reloj, pero aun sin el reloj, la relaci6n "anterior a" es captada por el sujeto que percibe primero A 1 y despues A 2, porque tiene el sentido del tiempo que le proporciona su reloj interior, el del flujo de sus representaciones. Pero ademas interviene un factor muy importante, que hace que la situaci6n en el sujeto difiera totalmente de 10que ocurre en la naturaleza, donde no hay un reservorio para los acontecimientos que ya transcurrieron y dejaron paso a otros nuevos. En el sujeto, el acontecimiento A 1 qued6 en su memoria, como pasado, que vuelve a reproducirse en el momento de la percepci6n de A 2 y esa reproduccion como recuerdo hecho nuevamente presente, al ser comparado con el presente de A2 le da el conocimiento de la anterioridad de A 1. Esta seria la situaci6n para un observador aislado de su medio ambiente, teniendo acceso unicamente a los mencionados acontecimientos, pero 10que habitualmente sucede es que el curso de otros acontecimientos que se van produciendo en su entomo, le ayudan a la determinacion del intervalo transcurrido. La tesis de MT se apoya en el hecho de que el tiempo, un tiempo en S1 mismo haciendo total abstraccion de sucesos, no es objeto de la percepcion.
Prindpios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
Las pa1abras espacio y tiempo son creaciones del sujeto, por 10 que corresponde determinar, obviamente para e1 sujeto, que significado denotan esos significantes. Inmediatamente se tropieza con la dificultad de que no sabemos que es e1 espacio y mucho menos el tiempo, porque ni uno ni otro, en si mismos pueden ser percibidos. Sin embargo, como es evidente que tenemos, tanto el sentimiento de 10 espacial como de 10 temporal, conviene recordar en que se apoyan, en la existencia de las cosas en 10que hace al espacio y en 1a de los sucesos en relaci6n al tiempo. Las cosas estan en el espacio y los sucesos trans curren en el tiempo, 0 para adecuamos a 10que sigue, diremos que pasan en el tiempo. Mas precisamente todavia, dire que parecen pasar en el tiempo, porque ese pasar es e1 que nos lleva a la idea del tiempo como 10 que hace posible el cambio. El hecho en que se apoya MT para su tesis es verdadero: es el cambio 10 que nos permite referimos al tiempo. E1 cambio resulta esencial en la consideraci6n del tiempo, pero es justamente en que es 10 que entiende MT por cambio, donde reside 1a diferencia entre su concepcion y la otra, comunmente aceptada segun la cual nos referimos al tiempo por medio del cambio. La dificultad de acceder a algun conocimiento sobre e1 tiempo, cuando se hace abstracci6n del concepto de cambio, se comprueba por el conocido recurso a las proposiciones contradictorias de la l6gica. Que dos proposiciones contradictorias una con otra, puedan ser ambas verdaderas, requiere que hagamos intervenir el tiempo, es decir que el tiempo es la condicion de posibilidad de la sucesi6n de estados de cosas. por 10 tanto, S es P y S es no-P resultan los dos verdaderos bajo la condicion de no ser simultaneos, Por 10tanto, inferimos que hay tiempo por las sucesiones, pero el tiempo en si mismo es como un fantasma, no puede ser percibido. Esto es 10 que sabemos, que el tiempo hace posible la sucesion,o si se prefiere, el tiempo es la condicion de posibilidad de 1a sucesi6n, pero no sabemos mas. Esta verdadera tautologia de poco nos sirve, pero quizas su corolario pueda ser de mas utilidad: la
Princlplos
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
sucesion es 10 unico por 10 que aludimos al tiempo y si es asi reitero la pregunta, cual es la realidad del tiempo? Que la sucesion implica necesariamente el tiempo es algo eomunmente aceptado, sin embargo MT invierte la relacion, G89
Se adrnitira, supongo universalmente, que el tiempo implica cambio En el lenguaje ordinario, en efcto, decimos que algo puede permanecer inalterado a traves del tiempo. Pero no podria haber tiempo si nada cambiara.
Si tomamos en en cuenta que MT dedi co gran parte de su vida al estudio de la obra de Hegel, estos enuneiados resultan bastante incomprensibles, sobre todo a la luz de 10 que dice al principio de su trabajo: "Yo creo que nada de 10 que existe puede ser temporal y por 10 tanto el tiempo es irreal "(unreal, en Ingles). La explicacion del empleo que hace MT de estas dos tesis tan dificiles de aceptar que "no podria haber tiempo si nada cambiara" y que "nada de 10 que existe puede ser temporal", requiere profundizar primero en su teoria de las dos series diferentes de posieiones del tiempo. No obstante, un metodo altemativo, que me parece mas adecuado para la comprension de su teoria, es el de presentar primero las consideraciones que 10 llevan a la elaboracion de ella, para despues tratar esos temas con mas detalle. De acuerdo con ese criterio transcribo primero la hipotesis en la que se apoya la prueba que nos ofrece MT de su teoria: G 87
Las posiciones en el tiempo, tal como el tiempo se nos aparece prima facie, se distinguen de dos maneras. Cada posicion es anterior a otra y posterior a alguna de las otras posiciones ... En segundo lugar cada posicion es, 0 bien pasado, presente 0 futuro.
G 87
Cada una de las posiciones es mas temprana que algunas y mas tarde que otras de esas posiciones.
Mas temprana que otra equivale a "anterior a" mas tarde que otra, "posterior a".
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"-'.11-12
p.27-61
Jan./Dez.2002
A continuacion MT enuncia la siguiente tesis: G 87
Las distinciones de la primera clase son pennanentes, mientras que las de la segunda no 10 son. Si M es alguna vez anterior a N, es siempre anterior. Pero un hecho que ahora es presente, fue futuro y sera pasado.
Detengamonos brevemente en el concepto de "posicion en el tiempo", Si por tiempo entiendo el tiempo en si mismo, haciendo total abstraccion del sujeto que percibe sucesos, puesto que en verdad 10 unico que percibimos son sucesos, en ese caso la expresion "posicion en el tiempo" carece de significado, porque si no podemos percibir el tiempo en si mismo, menos aun se puede fijar una posicion en el tiempo. Entendemos en cambio perfectamente cuando se nos dice que un cierto acontecimiento, por ejemplo el estreno de una obra de teatro transcurrio entre las 22 y las 24 horas dellunes pasado. En este caso no estoy detenninando una posicion en el tiempo sino en algunos de los terminos de la sucesion uniforme que tomamos como sistema de referencia. Es importante destacar la diferencia entre ambas expresiones, porque el equivoco se produce cuando al emplear nuestro humano sistema de referencia, de afios, meses, dias, horas, minutos, segundos, decimas de segundo ... pensamos que nos estamos refiriendo directamente al tiempo y en realidad 10 que hacemos es suponer el tiempo a traves de esa sucesion que tomamos como patron de medida. Algo muy diferente es la referencia al "tiempo tal como se nos aparece", que tambien es una manera de hablar, porque sobre el sentimiento que tenemos del fluir de representaciones en la conciencia, la percepcion de acontecimientos es aprehendida como transcurriendo en el tiempo, en un momenta ahora presente, que antes fue futuro y que pasara a ser pasado. Cierto es que los acontecimientos siguen un orden, el de su aparicion sucesiva, pero como veremos, 10 importante para MT es el concepto de pasar en el tiempo y este pasar tiene sentido
Principles
UFRN
Natal
v.9
nOS. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
unicamente porque un suceso antes fue futuro, ahora es presente y despues sera pasado. Pareciera innecesario insistir en algo tan obvio como este pasaje, pero este es uno de los fundamentos de la construccion de MT: el cambio para el, consiste unicamente en dicho pasaje, cuando el mismo acontecimiento pasa de futuro remoto a futuro mas cercano, despues a presente, para pasar a un pasado cercano que se hace cada vez mas remoto. Seguimos el pensamiento de MT segun su posicion "desde el sujeto", posicion que considero correcta, de acuerdo con el criterio de que el tiempo concierne a nuestra percepcion de los cambios. La tesis de MT va entonces a consistir en demostrar que esta manera indirecta de aludir al tiempo es contradictoria en si misma, por 10 que aquello a 10 que alude, el tiempo, seria una nada, no hay tiempo. Es esta concepcion "des de el sujeto", 10 que hace claramente comprensibles, no solamente las relaciones de antes y despues, temprano y tarde, sino tambien las posiciones de pasado, presente y futuro. Continuando con el analisis del texto de MT, si las posiciones en el tiempo se refieren a sucesiones, de acuerdo con el criterio mencionado, sucesion se entiende siempre como sucesion percibida, como sucesion de representaciones en la conciencia. En la expo sicion de MT, los diferentes estados de cosas que percibimos como sucesion, consisten en alteraciones de esos estados y que MT denomina acontecimientos. Un ejemplo que da MT de acontecimiento es el de la muerte de 1a reina Ana. Agrego otros ejemplos: 1a salida del sol esta manana, mi encuentro al mediodia con un amigo, 1a rotura de un vasa a1 caerse al suelo desde 1a mesa, 1a carta que recibi ayer a 1a tarde. En mi explicacion, ademas de las sucesiones de estados de cosas que considera MT, recurro a otras dos: (I) 1a de continuas posiciones espacia1es recorridas por un movil en su trayectoria, como ejemplo de que las posiciones ya recorridas desaparecen para siempre. (II) la del flujo de conciencia como sucesion de representaciones, aun en ausencia de percepcion externa, como
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOS. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
uno de los fundamentos de la construccion de la intuicion de 10 temporal en el sujeto. Veamos a continuacion, como expone MT de manera introductoria la tesis que va a defender. G 87
Ya que las distinciones de la primera c1ase <anterior a> son permanentes, se podria pensar que fueran mas objetivos y mas esenciales a la naturaleza del tiempo que las de la segunda c1ase. <futuro, presente, pasado> Yo creo, sin embargo que esto seria un error y que la distincion de pasado, presente, futuro es tan esencial al tiempo como la distincion de anterior y posterior. Y es porque las distinciones de pasado, presente, futuro me parecen ser esenciales para el tiempo, que considero al tiempo irreal.
La tesis de MT asi enunciada admite entonces implicitamente, que no aprehendemos el tiempo en si, sino que 10 tomamos tal como se le aparece al sujeto. En efecto, si hacemos abstraccion del sujeto, pasado y futuro pierden todo significado. Pero 10 interesante del trabajo de MT y 10 que adernas constituye uno de sus meritos es que describe de una manera precisa como el sujeto al percibir temporalmente estados de cosas, los percibe como sucesos. En cierto sentido podria decirse que para el sujeto, un suceso es tal, porque tiene caracter de acontecimiento, a saber: fue futuro, seguido por un irrumpir de ese estado de cosas en el presente del sujeto, para ser seguido de otro tiempo presente en el que el mismo estado de cosas es ahora pasado, seguido de otros momentos en que ese pasado es cada vez mas remoto. De acuerdo a la metodologia anteriorrnente propuesta, prosigo con otro terna importante de la tesis de MT, su concepto de cambio, que desafia todas las concepciones generalmente aceptadas al respecto. G 89
Principios
Que ... podria ser 10 que cambia?.. el cambio consistiria en e1 hecho de que e1 acontecimiento dejara de ser un acontecimiento, mientras otro acontecimiento comenzara a ser un acontecimiento?
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
Si esto fuera el caso, ciertamente tendriamos un cambio. Pero MT se apoya en la permanencia de la relacion "anterior a/posterior a", para negar rotundamente que en esa sucesion consista el cambio. G 89
Si N es alguna anterior a 0 y posterior a M, siempre 10 sera y siempre ha sido anterior a 0 y posterior a M. Puesto que las relaciones anterior y posterior son permanentes, N estara siempre asi... N tendra siempre una posicion en una serie temporal y siempre ha tenido una.
A continuacion MT da un ejemplo, que pcse a su extension, conviene transcribirlo porque alIi encontramos claramente expuesta la idea central de su pensamiento. G 90
Tomese cualquier acontecimiento, por cjemplo la muerte de la Reina Ana y considerense que cambios se pueden dar en sus caracteristicas. Que es una muerte, que es la muerte de Ana Estuardo, que tiene tales causas, que tiene tales efectos, toda caracteristica de este tipo nunca cambiara.
Lo que sigue denota una caracteristica tan extrema que parece increible: G 90
"Antes que las estrellas vieran una simple llanura" 6 el acontecimiento en cuestion fue la muerte de una reina. En el ultimo momenta del tiempo, si el tiempo tiene un ultimo momento, seguira siendo la muerte de la reina.
A continuacion MT nos dice en que consiste para el el cambio,
6
evidentemente es una cita de una obra conocida
Principios
UFRN
Natal
v.9
n.... 11-12
p.27-61
Jan./Dez.2002
G
Y en todo senti do, menos en uno, esta igualmente exento de cambio. Pero en un sentido efectivamente cambia. Fue una vez un acontecimiento dellejano futuro. Cada vez se fue convirtiendo en un acontecimiento de un futuro mas cercano. Por ultimo fue presente, luego se convirtio en pasado y permanecera siempre pasado. Aunque en cada momento permanecera mas y mas pasado.
Disponemos ya de los elementos para exponer la idea central de MT, sobre la cual desarrolla su tesis de la irealidad del tiempo: [I]
Se admitira, supongo universalmente, que el tiempo implica cambio En ellenguaje ordinario, en efcto, decimos que algo puede pcrrnanecer inalterado a traves del tiempo. Pero no podria haber tiempo si nada cambiara.
[II]
Si N es alguna anterior a 0 y posterior a M, siemprc 10 sera y siempre ha sido anterior a 0 y posterior a M. Puesto que las relaciones anterior y posterior son perrnanentes, N estara siempre asi... N tendra siempre una posicion en una serie temporal y siempre ha tenido una.
[III]
Y en todo sentido, menos en uno, esta igualmente excnto de cambio Pero en un scntido efectivamente cambia. Fue una vez un acontecimiento del lejano futuro. Cada vez se fue convirtiendo en un acontecimiento de un futuro mas cercano. Por ultimo fue presente, luego se convirtio en pasado y permanecera siempre pasado. Aunque en cada momento permanecera mas y mas pasado.
Resumimos estos trcs puntos: [I] el tiempo implica cambio, porque no podria habcr tiempo si nada cambiara.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
[II] la relacion anterior / posterior es permanente. [III] el cambio consiste unicarnente, en que un acontecimiento pasa de futuro a presente y despues a pas ado. Debemos detenemos aqui para considcrar con cierto detalle la relacion anterior/posterior.
La relacion anterior / posterior En [G 87] aludiendo a la relacion anterior / posterior se sostiene que "Las distinciones de la primera clase son permanentes" porque "Si M es alguna vez anterior a N, es siempre anterior. Pero un hecho que ahora es presente, fue futuro y sera pasado". Examinemos entonces si verdaderamente la relacion "anterior a" es permanente en el sentido que le atribuye MT. Una sucesion tiene lugar con independencia del sujeto, pero como no tenemos otra manera de referirnos a esa sucesion que por la representacion que tenemos de ella a traves de su percepcion, cabe entonces distinguir entre 10 que es inhcrente a la sucesion en si misma y por otro lado como la sucesion es captada en su caracter temporal por el sujeto, es decir cuales son las formas de esa captacion, Esta distincion es fundamental, porque si 10 que es inherente unicamente ala manera que es propia del sujeto de captacion de 10 temporal, 10 atribuimos en cambio a la realidad del tiempo llegaremos a conclusiones falsas y tambien veremos si es posible hablar de la realidad del tiempo, en el sentido de si hay tal realidad, por 10 menos para nosotros. La esencia de la sucesion es el acaecer, el aparecer y desa足 parecer uno tras otro, estados diferentes de cosas. Asi por ejemplo en una misma cosa, una alteracion consiste en la sucesion de un estado que podemos llamar A a otro estado B. Por 10 tanto 10 esencial de la sucesion es el cambio: cuando existe A no existe B y cuando existe B no existe A. Pero como en el cambio, necesariamente un estado sucede a otro, hay un 6rden en la sucesion caracterizado por la relacion
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
anterior/posterior, independientemente del hecho de si hay 0 no un sujeto que al registrar la sucesion pueda explicitar esa relacion. Consideremos el ejemplo de un estado de cosas A que deja paso a un estado B. Como la existencia de cada uno de esos estados es excluyente de la del otro, cuando existe A no existe B y viceversa. Entonces cual es anterior, A 0 B? Para fundar la objetividad de esta relacion de anterioridad se debe profundizar en el concepto de alteracion como resultado de una accion y esta solo es posible en el seno de la existencia de las cosas. "Actiones sunt suppositorum", las acciones son el hecho de las sustancias, afirmacion de la escolastica, posteriormente tambien retomada por Leibniz, aunque con un sentido un tanto diferente. Pero 10 que aqui se quiere decir es que las acciones las producen las cosas, 0 dicho de otra manera, debemos dar la explicaci6n de un suceso por el mecanismo natural que 10 ha producido. En resumen, debe buscarse en un estado de cosas, el sistema de condiciones que hacen necesario el estado siguiente. Este criterio nos permite enunciar que el estado que contiene las condiciones es anterior al que se produce como resultado de la puesta en accion de ese sistema de condiciones. Por consiguiente, para determinar la relacion anterior/poste足 rior hay que acudir a la naturaleza del proceso 0 a las huellas que quedaron de alguna manera impresas en las cosas.
La permanencia de la relacion anterior/posterior La relacion anterior/posterior se considera como permanente porque una vez producida es imposible invertirla. Esto se expresa diciendo que si A precedio alguna vez a B, ese orden es para siempre, La objeci6n a esta tesis puede formularse con la siguiente pregunta: es posible que una relacion entre dos cosas tenga una existencia mas alla de la existencia de las cosas entre las cuales es relacion? Cuando A dejo paso a B, necesariamente A fue anterior a By esto es 10 que es imposible cambiar, porque 10 que ya sucedio de
Principios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
42
una detenninada manera no pucde retroceder en el tiempo y volver a ocurrir de otra manera, por ejemplo la opuesta, porque esos estados de cosas desaparecieron y nada queda de ellos, salvo naturalmente las cosas en que se convirtieron, por ejemplo el tronco de madera que se quem6 transformandose en cenizas, humo y calor y esto es irreversible. Es decir que a partir de ellos no puede reconstituirse la madera tal como era exactamente antes de quemarse. Pero la sucesi6n de momentos mientras se quemaba, desde el instante inicial en que se encendi6 el fuego, desapareci6 tan completamente como la madera que se consumi6 enteramente al quemarse. Por consiguiente, en 10 que se refiere a la sucesi6n de estados de cosas, desaparecidas estas, desaparece con ellas las relaciones en que existian.
La relacion anterior/posterior en el sujeto La situaci6n es diferente en el sujeto, capaz de atesorar el pasado, pero entonces el caracter permanente consiste en que al volver el sujeto a reproducir la sucesi6n de la que guarda recuerdo, esta vuelve a hacerse presente en el mismo 6rden en que se produjo. Lo que entonces debe tomarse en cuenta es el contexto en el que se considera el 6rden de los acontecimientos. En la sucesi6n de existencias de estados de cosas, calificar de pennanente e16rden de aparici6n de esos estados no es verdadero ni falso, sencillamente porque no es aplicable el predicado de pennanencia a una relaci6n inexistente. En cambio en la representaci6n que el sujeto tiene del caracter temporal de los sucesos, es correcto afirmar la pennanencia de16rden de la sucesi6n. Yeo caer al suelo unjarron de vidrio que se rompe en pedazos. Eljarron como tal ya no existe porque se transfonn6 en un monton de pedazos esparcidos por el suelo y esa visi6n deljarron, primero en la mesa y despues rota en el sujeto es 10 que seguire conservando en el recuerdo. Pero si no es en mi memoria como unico testigo del suceso ) de que otra manera puede seguir existiendo ese 6rden del jarron cayendo y despues los pedazos en el suelo?
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
La posicion de MT Consideremos la conexion entre tiempo / succsos, dejando a un lado por e1 momento, inquirir si el tiempo implica cambio 0 viceversa, para preguntar si siempre hay sucesos, porque si no hubiera sucesos, tendria sentido la pregunta por el ticmpo? Asi como aceptamos sin que se pueda dar una dcmostracion conc1uyente, la existencia en general de las cosas, debemos tambien aceptar la otra premisa, de que siempre hay sucesos. Pero como en la posici6n de MT, el "desde donde"es "dcsde el sujeto", la cuestion de la existencia de sucesos no se plantea, porque el flujo de conciencia consiste en una sucesion de representacioncs. En nuestra interioridad, la de la conciencia 0 como quiera que llamemos a ese ambito unico en el universo, de existencia no espacial sino meramente temporal, asistimos a una serie de estados continuamente cambiantes. Y justamente tenemos conciencia del cambio porque en un cierto momento, en el presente que corresponde a ese momento, se reproduce el estado inmediatamente anterior, pero como ya pas ado, teniendo adernas conciencia del que tiene que venir inmediatamente. Creo que un buen ejemplo em este caso es el de la musica, que existe en tanto que el sujeto la escucha como sucesivos pasajes de futuro a presente y de presente a pasado, que constituyen la rnusica porque quedan retenidos en la memoria del oyente. Es ese movimiento de futuro presente pasado el que nos da el sentimiento del tiempo. el continuo pasar de nuestros estados de animo, que parecen venir, hacerse presentes para inmediatamente quedar relegados al pasado inmediato. Desde otro punta de vista, esos estados son posibles porque sus contenidos tienen origen en previas vivencias de sucesos extemos, de alli que en definitiva es conveniente remitimos e ellos. Los criterios expuestos nos permiten ahora adelantar en la explicaci6n de la idea de MT sobre el tiempo. Ante todo debe darse una sucesi6n de acontecimientos, uno tras otro, pero el cambio consiste en que un acontecimiento presente, parece venir
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
del futuro y pasa despues a pasado, y es ese pasaje el que segun MT, da el sentido del tiempo. Pero si esa estructura de modos en el tiempo no se llena de contenido, no hay tiempo porque esa estructura no se pone de manifiesto. Eso es 10 que 10 lleva a MT a sostcner que si no hay cambios no hay tiempo. Debemos detenemos aqui, para dar lugar a la exposici6n de la concepci6n de MT de los dos sentidos opuestos del movimiento del tiempo. MT distingue dos movimientos del tiempo, aunque en realidad habria que decir "en el tiempo", que se superponen y en que enscguida veremos cuales son. Pero la arnbiguedad de la exposici6n de MT hace que 10 que es valido para el sujeto se piense como inherente al tiempo en si mismo. Pues bien, el hallazgo de MT consistc en desdoblar en dos sentidos contrarios la relaci6n que se da entre mi a percepci6n de acontecimientos extemos y la de mi autoconciencia como "Yo, presente" en el tiempo. Estos dos sentidos contrarios son: [la]
los acontecimientos vienen a mi encuentro.
[2a]
soy yo quien va hacia los acontencimientos
Para ilustrar estos dos sentidos contrarios, supongamos primero que allevantarme en la maiiana, paso revista a 10 que voy a hacer ese dia, previendo en cierta medida el futuro y como el dia termina inevitablemente a la noche, allevantarme, esc momenta de la noche se me aparece como un futuro mas 0 menos remoto. En el transcurrir del dia y dejando a un lado las situaciones imprevistas, los acontecimientos que pense a la manana se iran produciendo, por 10 que aparentan venir a mi encuentro de un futuro pensado por mi anteriormente. La condici6n para que los acontecimientos parezcan venir a mi encuentro consiste en que no dirija mi atenci6n a mi propio reloj interior, el del flujo de representaciones de mi conciencia, que es el que me da el sentimiento del paso del tiempo. Es decir, que al hacer abstraccion del avance del presente en esa sucesi6n,
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
puedo considerarme a mi mismo como inmovil en relacion a la serie de acontecimientos que se van produciendo. Pero si en cambio presto atencion al avance del dia a partir de las primeras boras de la manana, es como si tomara conciencia de que soy yo quien avanza bacia el futuro y entonces me yeo a mi mismo como si trasladara mi presente a los acontecimientos Teniendo bien claro que el presente en este contexto es siempre "rni presente", el siguiente paso es entonces, sustituir "yo" por "el presente" y obtengo asi el siguiente par de enunciados contrarios, en lugar del anterior [1a] y [2a]. [1b]
los acontecimientos acceden al presente.
[2b]
el presente se va trasladando a los acontecimientos.
A continuaci6n voy a exponer primero las sucesivas modificaciones de los enunciados de los dos sentidos, [1] Y [2], de acuerdo con los conceptos que va introduciendo MT. La dificultad, como veremos, radica en comprender la combinacion de estos enunciados, con las dos series A y B de posiciones en el tiempo, propuestas por MT. Es para superar estas dificultades que doy despues el ejemplo de la aplicacion de la teoria de MT, a una sucesion de cinco acontecimientos acompafiando este ejemplo con un grafico en el que se ve clara mente el movimiento relativo de las dos series A y B. Por consiguiente ellector encontrara en esa segunda parte, la explicacion mas detallada de 10 propuesto en la pnmera. Paso entonces a exponer primero los mencionados cambios en los enunciados de [1] y [2]. Considero a los acontecimientos como los terminos de una sucesion, que al percibirla voy tomando conciencia que estos terminos los percibo mas temprano 0 mas tarde segun el caso. Es decir que cada termino 10 percibo mas tarde que los anteriores y mas temprano que los que todavia no ocurrieron. Reitero que temprano I tarde solo tiene significacion para mi, sujeto, porque los terminos de la sucesion en si mismos no son ni
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOS. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
tempranos ni tardios, simplemente son unos anteriores / posteriores a otros. Si los acontecimientos se me aparecen como viniendo desde un futuro, es en relaci6n a mi posici6n como siempre presente. Esta fijaci6n del presente determina a su vez la fijaci6n del futuro y del pasado y para mi, es como si los acontecimientos se fueran ubicando sucesivamente en cada una de estas posiciones, futuro, presente, pasado. Si yo soy presente, es en relaci6n a ese presente que tiene significaci6n la relaci6n "mas tarde que" y para agregar el sentimiento del avance, MT emplea "cada vez mas tarde". Si en cambio soy yo el que avanza hacia los acontecimientos, en tanto que voy avanzando, avanzo hacia acontecimientos "cada vez mas tardios". Empleando las expresiones "cada vez mas tarde" y "cada vez mas tardios", el nuevo par es ahora: [1c]
Cada vez mas tarde los acontecimientos entran al presente.
[2c]
El caracter de presente pasa a terminos cada vez mas y mas tardios.
Desde el punta de vista del sujeto, se debe considerar no solamente el presente sino ademas el pasado y el futuro, porque es justarnente en el sujeto en donde tienen no solamente significado sino tambien esa particular clase de existencia, el futuro como ambito de 10 posible y el del pasado como recuerdo en la memoria. Introduciendo el concepto de futuro, MT distingue los dos movimientos segun los cuales se presenta el tiempo. [ld]
Cada vez mas tarde los acontecimientos entran al presente surgiendo del futuro y del presente pasan al pasado.
[1e]
El tiempo se presenta a si mismo como movimiento desde el futuro bacia el pasado.
Principios
UFRN
Natal
v.9
no<. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
[2d]
E1 caracter de presente pasando a terminos cada vez mas tardios avanza hacia el futuro.
[2e]
E1 tiempo se presenta a si mismo como movimientode 10 anterior a 10 posterior.
A partir de estas caracterizaciones, MT propone 1aconstrucci6n de dos series. La Serie A toma en cuenta que e1 tiempo se presenta entonces como un movimiento del futuro al pasado pasando por el presente y cada terrnino tiene entonces las tres caracteristicas, futuro, presente, pasado. G 87
Por razones de brevedad, dare e1nombre de Serie A a 1a serie de posiciones que van desde e1 1ejano pasado, a traves de un pasado mas cercano hasta e1 presente y de alli, del presente a traves del futuro cercano hasta e1 futuro 1ejano y viceversa.
Veamos ahora que pasa con e1 otro sentido (yo voy a1 encuentro de los acontecimientos) Recordemos que a1 ir a1 encuentro 10 hago mas temprano 0 mas tarde y con estas relaciones MT construye 1aotra serie: G 87
La serie de posiciones que van de mas temprano a mas tarde e inversamente, 1a llamare SERlE B.
Mediante estas dos series se pueden caracterizar los dos sentidos opuestos: [1]
Los acontecimientos vienen a mi encuentro cada vez mas tarde desde e1 futuro. Tiempo = movimiento del futuro a1 pasado Serie B se desliza sobre 1a Serie A fija
[2]
Yo, presente, voy hacia acontecimientos cada vez mas tardios, avanzando hacia e1 futuro . .1
Tiempo = movijmiento de 10 anterior a posterior Serie A sobre 1a Serie B fija
Principios
UFRN路
Natal
v.9
n"".11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
Veamos los textos correspondientes de MT. Movimiento [1].- Los acontecimientos vienen ami encuentro. Por consiguiente el movimiento es de los acontecimientos, relativamente a yo/presente, fijo, es decir que que 10 que es fija es la Serie A.El movimiento [1] se caracteriza como el deslizamiento de la Serie B sobre la A fija. G 88
El movimiento del tiempo consiste en el hecho de que terminos cada vez mas tardios pasan al presente... estamos tomando la Serie B como deslizandose sobre la Serie A, fija ... El movimiento de la Serie B sobre la Serie A es desde el futuro al pasado... el tiempo se presenta a si mismo como un movimiento del futuro al pasado.
Movimiento [2].- Yo voy hacia los acontecimientos, por 10 tanto 10 que se traslada es el presente y con el el pasado y el futuro. El movimiento es entonces, el de la Serie A sobre la B fija. G 88
010 que es el mismo hecho expresado de otra manera, que el presente pasa a terminos cada vez mas tardios ... Si consideramos esta segunda manera, estamos considerando la Serie A como deslizandose sobre la B fija ... el movimiento de la Serie A a 10 largo de la Serie B es "de mas temprano a mas tarde"... en este segundo caso el tiempo se presenta a si mismo como un movimiento desde mas temprano a mas tarde.
A continuacion y de acuerdo con la metodologia propuesta anteriormente, voy a aplicar la hipotesis del movimiento relativo de una serie sobre la otra, al caso de una sucesion de cinco acontecimientos, que se producen con intervalos de una hora a partir de las 11 horas. Para la mejor comprension, vuelvo a reproducir el cuadro que resume los resultados hasta aqui obtenidos: [1]
Principios
los acontecimientos vienen a mi encuentro.
UFRN
Natal
v.9
n'll.11-12
p.27-61
Jan./Dez.2002
Cada vez mas tarde los acontecimientos, surgiendo del futuro entran al presente y pasan al pasado. El tiempo se presenta a si mismo como movimiento del futuro al pasado. La Serie B se desliza sobre la Serie A fija. [2]
soy yo quien va hacia los acontencimientos.
El presente pasa a terminos cada vez mas tardios avanzando hacia el futuro. El tiempo se presenta a si mismo como movimiento de 10 anterior a posterior. La Serie A se desliza sobre la Serie B fija. En el grafico se han representado los dos movimientos: (1) el de la Serie B sobre la Serie A fija. (2) el de la Serie A sobre la Serie B fija. En (l) puede verse, que a las 11 horas existe S 1 mientras que S5 S4 S3 pertenecen a un futuro lejano y S2 a un futuro cercano. A las 12 horas, mas tarde que a las 11, S 1 pertenece a un pasado cercano mientras que S2 existe como presente y asi sucesivamente cada vez mas tarde. (todo esto por supuesto con la relatividad de esta manera de expresarse). En el grafico (2) es claramente visible que el presente se va trasladando, por 10que la Serie A deja de ser fija, En el grafico, el presente se desplaza verticalmente desde las 11 hasta las 14 horas. En este grafico que muestra la Serie A sobre la B fija, efecti足 vamente se comprueba que el presente pas a a terminos cada vez mas tardios. En esta situacion mas tardio significa que es posterior a los anteriores, de alli que 10 que se conserva en esta manera de representar la sucesion, son las relaciones de "anterior a" porque el artificio es mostrar el presente desplazandose sobre los terminos inmoviles de la sucesi6n. La simultaneidad de los dos movimientos, e1 de la Serie A sobre la B fija y el de la Serie B sobre la A fija, en donde ambos son
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.27-61
Jan./Dez.2002
necesarios para la captacion de 10 temporal, se combina con la preponderancia de la Serie A en la hipotesis de MT. G 91
Caracteristicas como estas son las (micas que pueden cambiar ; por esto, si hay algun tipo de cambio debe ser buscado en la Serie A y solamente en la serie A.Si no hay ninguna Serie A real, no hay ningun cambio real. La Serie B, por 10 tanto, no es por si misma suficiente para constituir el tiempo, ya que el tiempo implica cambio.
A tal punto la Serie A es esencial para el tiempo, que sin ella la otra serie, la B no puede existir y el argumento es que 10 que confiere caracter temporal a la Serie B es el cambio y segun MT el cambio consiste unicamente en el paso de futuro, presente, pasado. En este criterio radica el fundamento que va a emplear MT para sostener la irrealidad del tiempo. G 91
Por 10 tanto se sigue que no puede haber Serie B donde no hay Serie A, ya que sin una Serie A no hay tiempo.
Cabe preguntar si de esta posicion se puede inferir que fuera del sujeto no hay tiempo, porque el pasaje de futuro a presente y de alli al pasado, solo puede darse en el sujeto Para ilustrar este criterio volvamos al ejemplo de un movil que describe una cierta trayectoria, que va de A a B, sin solucion de continuidad durante un cierto intervalo. En ese caso, pasar por una determinada posicion del recorrido, implica necesariamente haber pas ado por todas las anteriores. Introduzco ahora el concepto de existencia, para decir, por ejemplo, que cuando el cuerpo pasa de la posicion An-m dicho estado consiste en el cuerpo existiendo al pasar por An-m. Pero si existe pasando por esa posicion y hemos admitido que debio pasar por todas las anteriores. entonces pregunto ) que quedo de las existencias anteriores, las que corresponden a la porcion de trayectoria ya recorrida?
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"'. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
51
La respuesta es que no quedan en ninguna parte. EI pasado, considerado como posicioncs ya recorridas de la trayectoria, desapareci6 para siempre jamas. En la existencia de las cosas no hay pasado sino unicamente las huellas que los sucesos producidos pueden dejar en las cosas, pero la existencia de las cosas es un presente que se traslada continuamente con su cxistencia. Yeo pasar un auto por la ventana a la que estoy asomado. EI auto cruz6 primero la bocacalle y cuando pas6 dclante de mi ventana, cl cruce de la bocacalle desapareci6 para siempre dc la existencia, Quizas qued6 algo como un indicio de ese pasaje, por ejernplo si las ruedas se mojaron al cruzar un charco y dejaron sus huellas. Aun cuando el movimiento del auto fue continuo, para que pueda ser empleado en la siguiente argumentaci6n, 10 considero como un pasaje discreto por sucesivas posiciones, que al ser recorridas en el mismo sentido, unas detras de otras, podemos decir que la sucesion asi constituidas se caracteriza por Ia relacion "anterior a" / "posterior a ". Es dccir que una posici6n es posterior a Ia que le antecedi6 y anterior a Ia que Ia seguira. Si MT cmpleara este ejemplo, diria que veo el auto cambiando de posici6n, porque asocio las posiciones en cada momcnto presentes con las anteriores que sigo retenicndo en la memoria y como veo el auto avanzando, es como si las posiciones mas avanzadas estuvieran dispuestas para scr alcanzadas por el auto en su recorrido Por 10 contrario, una serie de fotos de las diferentes posiciones consideradas aisladamente unas de otras, no me darian el senti do del tiempo. La argumentacion de MT comienza preguntando: G 88
si es esencial para la realidad del tiempo que sus dos sucesos deban formar tanto una Serie A como una Serie B.
Insisto en que se trata, no del tiempo en si mismo, sino de como capta el sujeto el caraeter temporal de los sucesos. Para demostrar su tesis, de la necesidad de las dos series, MT demuestra el absurdo a que se llega al prescindir de 1a Scrie A.
Principios
UFRN
Natal
v.9
no.:;. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
Si se completa la tesis de MT agregando la condici6n de que las dos series son necesarias para la captaci6n del caracter temporal en el sujeto, entonces MT tiene raz6n. Se debe sustituir realidad del tiempo -expresion de MT- por caracter temporal, puesto que el tiempo, al no poder ser percibido por si mismo no ofrece realidad alguna al sujeto. Supongamos, dice entonces MT que G 89
la distinci6n de posiciones en el tiempo segun pasa足 do, presente, futuro, sea solamente una ilusi6n constante de nuestras mentes y que la naturaleza real del tiempo contenga solamente las distinciones de la Serie B.
Es interesante hacer notar que la primera conclusi6n que la primera conclusi6n que infiere MT de esa suposici6n recuerda la posici6n kantiana segun la cual percibimos las cosas tal como se nos aparecen y no como son en si mismas. No corresponde desarrollar aqui este tema, pero 10 que dice Kant es enteramente correcto, porque no percibimos el mundo directamente, 10 cual seria imposible para sujetos de naturaleza finita como 10 es el humano, sino a traves de las facultades receptivas y representa足 tivas. En efecto, a continuaci6n dice MT: G 89
En este easo no percibiriamos al tiempo como real足 mente es, aunque podriamos pensarlo como realmente es.
El tiempo no 10 percibimos de ninguna manera y en cuanto a pens arlo "como realmente es" se trata de una pretensi6n que excede absolutamente los marcos de 10 posible. Pero MT sigue un camino diferente, porque se apoya en el earacter permanente de las relaeiones de la Serie B para demostrar que sin la Serie A no hay tiempo G 87
Principios
dado que las distinciones de la primera clase <B> son permanentes podria pensarse que son mas objeti足 vas y mas esenciales para la naturaleza del tiempo
UFRN
Natal
v.9
nO:;. 11-12
p.27-61
Jan./Dez.2002
que las de la segunda clase <A>... en un cierto sentido <la Serie A> debe ser considerada como mas fundamental que la distincion de temprano y tarde. El cambio como esencia de la sucesion consiste precisamente en que un estado de cosas desaparece y otro aparece. Necesaria足 mente el primero es anterior al segundo, pero en la realidad de la existencia, si podemos decirlo asi, la relacion desaparece con el paso ala no-existencia de los dos estados. Es decir, la relacion no puede tener una permanencia superior a la de la existencia de las cosas que constituian los terminos de la relacion. Pero en cambio en el sujeto, el orden en el que se dieron los acontecimientos, tal como ese orden queda registrado en el recuerdo del sujeto, ese orden es permanente. Por 10 tanto insisto nuevamente en que si una condicion que es valida unicamente para el sujeto se la considera como condicion necesaria de la sucesion en su existencia como tal, la conclusion que se obtiene con este proceder es falsa. Si ahora se pregunta, si la Serie A es necesaria para poder percibir los acontecimientos en su caracter temporal, la respuesta es afirmativa, coincidiendo con 10 que sostiene MT, la serie A es necesaria. En efecto que quiere decir que percibimos un acontecimiento? Que a un tiempo vacio de ese acontecimiento le sigue un tiempo lleno de el, por supuesto en la conciencia, porque la percepcion del acaecer del suceso exige la percepcion del cambio que se ha efectuado y en ese cambio es como si el estado de cosas en que consiste cl acontecimiento pasara de un futuro al presente en el sujeto. Analogamente cuando dicho estado de cosas desaparece, el paso en la conciencia es de un tiempo lleno de ese acontecimiento a otro tiempo en el que ese estado de cosas ya no esta, pero como cuando era presente yo 10 percibi como tal, en el transito al no ser, el suceso pasa al pasado. Lo que va a sostener MT es que, como las relaciones inheren足 tes al orden en que se dieron los acontecimientos son permanentes, si al acontecimiento no se le proporcionan dos reservorios 足 digamoslo as i- uno antes del presente y otro posterior al presente
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
para que el acontecimiento pueda pasar sucesivamente de uno a otro, en ausencia de esos reservorios, el cambio no se puede producir. MT describe uno de los dos movimientos del tiempo por la relacion "anterior a / posterior a", por que uno de los empleos que haec de csta descripcion es cl de demostrar la imposibilidad de la pcrcepcion del acaecer sin cl agrcgado de la otra serie. G 89
Podria dccirsc que en un tiempo que formara una Serie B pero no una Serie A, el cambio consistiria en el hecho de que un cvento dejara de ser un evento mientras que otro evcnto comenzara a ser un evento?
Prcstcmos atcncion a la especial redaccion de esta cita, que ya a primcra vista cxhibc cierta ambiguedad, pero como ya dije, responde a los fines de la demostracion que a continuacion ofrcce MT. En la Scrie B un estado de cosas deja de existir y otro estado cornienza a existir. Pero cso no quierc decir que las cosas que constituyan un estado dcsaparezean en la nada, sino que esas cosas con las determinaciones y en las rclaciones que constituyen ese estado, ya no existen mas con esas rclaciones y determinaciones. P:or consiguicnte en ningun lugar del espacio y en ningun tiempo volverernos a encontrar cse cstado que dejo de existir, como tampoco 10 cncontraremos antes de que exista. Por supuesto que no es asi en el sujeto que al pcreibir cl cambio, en cicrta medida 10 considera primero como posible en relacion al momento en que se hace presente, es decir como futuro y posteriormente como pasado. Desdc el punto de vista de MT, la construccion a cargo del sujeto, de la realidad del tiempo, requiere neeesariamente la Serie A. Es por eso que la redaccion que emplea, prepara el camino para la demostraci6n de esa necesidad y en lugar de decir que un cicrto estado deja de existir, dice que un suceso deja de ser suceso. Si deja de ser suceso en que se eonvierte, en donde queda almacenado? La respuesta es inmediata: queda almacenado en el
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'. 11-12
p.27-61
Jan./Dez.2002
pasado y al no poder dejar de ser suceso existe eternamente y analogamente 10mismo se exige para el paso del futuro al presente. Efectivamente, en la concepci6n de MT la permanencia a que sujeta e16rden de producci6n de los sucesos, al ser eterno, si a un estado de cosas no se le permite desaparecer, no hay cambio y sin cambio no hay tiempo. G 89
Si la Serie A por si misma constituye el tiempo, N tendra siempre una posici6n en la Serie del tiempo y siempre la ha tenido. Es decir, siempre ha sido un suceso y siempre 10sera y no puede empezar a ser ni desar de ser un suceso.
Lo que MT continuamente deja de mencionar, es la presencia del sujeto condici6n para la existencia del pasado y del futuro. Basta para probarlo el ejemplo que da como ilustraci6n de su tesis (G 90), el de la muerte de la reina Ana, ya citado anteriormente. Si se me permite cierta ironia y con perdon de MT, se podria agregar que segun este ejemplo y para la mayor gloria del imperio ingles, que en el tiempo en que MT redact6 este ejemplo conservaba todavia algunas de sus caracteristicas imperiales, la muerte de la Reina Ana ya debia estar inscripta en esa masa ignea que muy posteriormemnte constituy6 nuestro planeta y no solo eso, sino que en el dia del juicio final seguira a no dud arlo como suceso.Por 10 expuesto MT concluye rotundamente que G 91
Se infiere entonces que no puede haber Serie B cuando no hay Serie A porque sin la Serie A no hay tiempo.
Ya sefiale el error de esta argumentacion, que su validez se restringe al sujeto, pero hay un argumento de otra indole que puede agregarse. Es obvio que todo ser vivo esta sujeto necesariamente al nacer y perecer, por 10tanto es obvio que nadie en el tiempo en que la Reina Ana vivia ignoraba que alguna vez se moriria, pero el tiempo y forma determinada de esta muerte no era en absoluto previsible, no se puede en consecuencia afirmar la posibilidad en
Principios
UFRN
Natal
v.9
nllli . 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
el futuro de un algo indeterminado, argumento por el que que do en deuda con Karl Popper.
La contradiccion que ve MT en la Serie A. Segun 10 expuesto anteriormente, la Serie A es fundamental para la realidad del tiempo. G 87
Yes porque esta distincion de pasado, presente, futuro me parece que es esencial para el tiempo, que yo considero al tiempo como irreal.
Por consiguiente 10 que tiene que probar MT es que G 94
una Serie A no puede existir y por 10 tanto el tiempo no puede existir. Esto implicaria que el tiempo no es en absoluto real (is not real at all) puesto que se ha admitido que la (mica manera en la que el tiempo puede ser real es existiendo.
Esta redaccion parece destruir la coherencia del status onto颅 logico que MT le habia atribuido al tiempo, porque ahora esta considerando el tiempo como un ente que existe. Pero pasemos por alto esta caracterizacion que considero imposible de defender y sigamos con el argumento de MT. G 94
Pasado, presente y futuro son determinaciones incompatibles. Todo suceso debe ser 0 el uno 0 el otro, pero ningun suceso puede ser mas que uno. Si digo que algun evento es pasado, esto implica que no es ni presente ni futuro y 10 mismo con los otros ... Estas caracteristicas son por 10 tanto incompatibles. Pero cada suceso las tiene a todas ellas. Si M es pasado, ha sido presente y futuro. Si es presente ha sido futuro y sera pasado. Como esto puede ser consistente con su incompatibilidad?
Como segun MT no hay ninguna explicacion posible, su exposicion termina de 路la manera mas rotunda negando toda realidad al tiempo y al cambio. Aunque la cita es un tanto extensa, Principles
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
la transcribo para mostrar que en ella no queda resquicio alguno para la duda G 97
La realidad de la Serie A nos conduce a una contradicci6n y debe por 10 tanto ser rechazada. Y puesto que segun hemos visto, el tiempo y el cambio requieren la Serie A, se debe rechazar tambien la realidad del cambio y del tiempo. Y asi tambien la realidad de la Serie B, dado que ella requiere el tiempo. Nada es realmente presente, ni pasado ni futuro. Nada es realmente mas temprano 0 mas tarde que algo 0 temporalmente simultaneo con 61. Nada realmente cambia. Y nada esta realmcnte en el tiempo
Sugiero considerar la propuesta de MT segun dos diferentes puntos de vista: (I)
Las tres representaciones, la de un ente futuro, la de un ente presente y la de un ente pasado tienen determinaciones diferentes: la del futuro se refiere a un ente posible, la del presente a un ente real como objeto de una efectiva percepci6n y la del pasado a un ente en el recuerdo.
(2)
Si 10 que nos permite referirnos al tiempo es el acaecer, el sentido del acaecer es el paso continuado del ser al no ser y vieeversa, es decir que la esencia del acaecer es la contradieei6n.
Veamos el (1). Si digo que un acontecimiento existe durante su acaecer en un presente continuo, no hay en eso contradicci6n. Pero antes de producirse no existia, era un ente posiblc, no un objeto de la experieneia y en ese caso son imprevisibles las determinacionmes con las que accedera a la existencia cuando efectivamente suceda. Es el argumento de Karl Popper, de que la determinabilidad en el futuro exige un grado de exactitud total, pues de 10 contrario no seria el mismo acontecimiento el posible futuro y el real presente.
Princlpios
UFRN
Natal
v.9
n"'. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
Y cuando el acontecimiento ya acaeci6, perdi6 existencia, ya no existe, por 10 tanto si me refiero a el, para hacerlo tengo que traerlo a un nuevo presente, pero no ya como existente en el mundo de las cosas, sino dotado de otra clase de existencia, la temporal en la conciencia, por 10 tanto es ontol6gicamente un objeto diferente del que alguna vez tuvo existencia real Por 10 contrario, la contradicci6n a que alude MT exigiria que al mismo ente se le aplicaran predicados contradictorios, pero como aqui no se trata del mismo ente, la contradiccion no tiene lugar. Pasemos al (2). Justamente 10 que MT aduce para rechazar la Serie A, a saber, la contradiccion, es por el contrario su caracter esencial y esto es facilrnentc comprensible en el caso del movimiento. Supongamos que en un cierto sistema de ejes coordenados des足 cribimos el espacio recorrido por un movil en funcion del tiempo. La curva as! trazada al permitimos ubicar para cada instante del tiempo una posicion del movil en el espacio nos lleva a la erronea conclusion que podemos decir en que lugar del cspacio se encuentra el movil en un cierto tiempo. Pero el instantc no tiene dimension en el tiempo y as! como nada cabe en un punto, nada transcurre en un instante. Para poder ubicar el movil en un lugar del espacio, se requiere un intervalo de tiempo, por breve que sea pero finito durante el cualla posicion del movil sea la misma, 10 que no es posible en el movimiento porque a un incremento del tiempo le corresponde necesariamcnte un incremento en el espacio, por 10 tanto durante el recorrido el movil no esta en ningun lugar. La contradiccion reside en que el movil como cuerpo ocupa un lugar, pero en el movimiento no se encuentra en ningun lugar y si se encontrara no habria movimiento sino reposo. La contradiccion de ocupar un lugar pero no encontrarse en ningun lugar es entonces esencial al movimiento y esta contradiccion la encontramos a veces expresada en, la expresion "el movil esta y no esta en el mismo lugar durante su trayectoria". Corresponderia entonces examinar si 10 contradictorio debe decirse de manera contradictoria. es decir, si corresponde en cse caso un discurso no regido por el principio logico de contradiccion,
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"-'.11-12
p.27-61
Jan./Dez.2002
para referirse a una situaci6n de estados de cosas que existe en tanto que deviene (10 que permanece tiende a la nada) para la cual no rige por 10 tanto, el principio ontol6gico de contradicci6n que afirma que una cosa no puede ser y no ser al mismo tiempo y en el mismo respecto. En el caso afirmativo, asi como se dice que el m6vil esta y no esta en el mismo lugar, seria correcto que el caracter contradictorio del acaecer fuera objeto de un discurso que encerrara la contradicci6n seiialada por MT. Personalmente creo que la posicion de MT es correcta, porque 10 que nos da el sentido del acaecer es que no poedemos fijar un presente en la sucesion porque continuamente 10 presente pasa a pasado, por supuesto siempre des de el punto de vista del observador. El mismo momento que captamos como presente es ya pasado y en otro fue futuro y si dejamos a un lado las pequefias diferencias que prescnta 10 percibido para poder considerarlo como "10 mismo", vale para el caso 10 que dice MT, que tres determinaciones que se excluyen mutuamente, se aplican no obstante al mismo ente, Desde otra perspectiva, la critic a de MT pucde pensarse como una demostracion de que la realidad del ticmpo es inaccesible a travcs de la percepci6n del eambio, 0 del movimiento. La paradoja sin embargo consiste en que el cambio en los estados de eosas 0 de posicion espacial en el del movimiento, requiere algo mas que cl espacio y esc algo mas 10 llamamos tiempo, Pero entonees, no sera que los sucesos son el tiempo? Me gustaria finalizar esta exposicion, recordando algo harto conoeido por el lector, 10 que dijeron sobre cl tiempo, Aristoteles? y despues de el S. Agustin" por que ambos filosofos resumen genialmente la esencia del tema.
7
Arist6teles Fisica, Libra 4, 220 a "el tiempo es el numero del movimiento segun el antes y el despues".
, S.Agustin, Las confesiones, BAC, Madrid, 1979 Libra XI, capitulo XIV,17, p 478 "Que es pues el tiempo? Si nadie me 10 pregunta, 10 se: pero si quiero explicarselo al que me 10 pregunta, no 10 se.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
La referencia del primero al movimiento y al "antes y despues", sugiere fuertemente que inferimos el tiempo por las sucesiones y por su parte S.Agustin, nos recuerda que creemos saber 10 que es el tiempo, pero que es nada mas que un mero creer, porque el sentimiento de 10 temporal no es todavia un conocimiento del tiempo.
Apendice EI tema de algo contradictorio al ser expresado en un lenguaje que tam bien 10 sea, 10 encontramos transpucsto en una obra de Shakespeare", en la que el personaje del bufon, cuando Olivia, su senora, Ie pide que lea en voz alta una carta enviada por el mayordomo, al que se 10 supone loco, comienza a 1eerla tal como el piensa que 10 haria un loco: Olivia - Abridla ya y leedla. Bufon - Atenta a la informacion, pues es bufon quien lee la carta de un loco. <lee freneticamente> En el nombre de Dios, senora mia Olivia - Que sucede, Tarnbien vos desvariais? Bufon - No, senora, que solo leo el desvario ... Y si vuestra sefioria qui ere las cosas como son, ha de permitir que la entone con la vox adecuada. Olivia - Os 10 ruego, leedla como un cuerdo. Bufon - Ya 10 hago, madama. Pero leerla como un cuerdo es leerla como la leo. Asi pues, mucha atencion, mi princesa, y abrid bien los oidos. Olivia, Ie quita la carta y se la pasa a Fabian - Lecdla vos, joven.
9
W.Shakespeare Noche de reyes 6 como querais, Ed Catedra, Madrid, 1991, P 449.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nOS. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
Abstract McTaggart's point rests on the fact that we do not perceive time in itself, empty of events; what we really do perceive is the course of events, so the external as well as those from our own internal states of conciousness. The whole development and originality of McTaggart's argument consist in revealing the mechanism by which we apprehend the temporal character of happening, which gives us the illusion of perceiving time itself. His thesis derives from this analysis: if the way we perceive time is contradictory in itself, then time is unreal; it is something like Kant's nihil privativum. Now, I ask: is McTaggart right? And, if so, can we say that the very events "are" time?
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12
p.27-61
Jan.lDez.2002
EllOgos y su superacion en Platen Ezequiel Ludueiia*
Resumen El siguiente trabajo se propone Hamar la atenci6n sobre algunos pasajes de los Dialogos plat6nicos con el fin de poder extraer de su analisis algunas consideraciones respecto de la noci6n de logos en relaci6n con la figura del fil6sofo. Para esto, dividire la exposici6n segun los siguientes puntos: (I) para constituir una base de apoyo hermeneutico adecuada, recordare primero la naturaleza de la tekhne eidolopoiike tal como es present ada en el Sofista (235d y ss.); luego (II) sefialare la importancia de ciertos pasajes de los Dialogos medios que se refieren a la limitaci6n y funci6n intrinseca del logos ante la captaci6n del ser verdadero; y por ultimo, (III) dare un ejemplo de la superaci6n filosofica del logos teniendo en cuenta 10 encontrado en II. En la conclusi6n intentare realizar una adecuada ponderaci6n de la exposici6n propuesta.
1. La eidolopoiike tekhne En el Sofista (235b-236c) Plat6n distingue entra dos ramas del arte de hacer imageries 0 copias (eidola): en primer lugar menciona aquella que respeta la symmetria intrinseca del modelo que imita. Vemos, asi, que ya en la noci6n de eidolon se halla implicada 1a de mimesis, pero no en sentido despectivo, como si se nos presenta en el1ibro X de 1a Republica dentro del ambito de la critica a la pintura y ala poesia. La mimesis, aqui, es relaci6n entre modelo y copia, 0, mejor, es la relaci6n entre el modelo y su copia. Esta rama es llamada eikastike, y se halla contrapuesta a aquella segunda forma de imitar, de hacer eidola, que no respeta las proporciones del paradigma copiado y que se llama, par ello mismo,phantastike. La primera tiene como consecuencia fundamental el hecho de que
* Universidade de Buenos Aires. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.62-68
Jan./Dez.2002
la copia, al mantener la symmetria (tanto en cuanto a sus medidas como en cuanto a sus cualidades, 235d-e), se halla en una relacion, por asi decir, legitima respecto a su modelo: por esto su nombre, derivado de eikazo: comparar. La copia es, segun esta arte, evocacion, y es asi que deberia traducirse mimesis en este contexto. EI copiar fiel garantiza el que la copia, sin ser el original, nos reenvie a el como a su modelo reconocido. Puede haber entonces evocacion 0, tarnbien, sugestion. Laphantastike, por el contrario, no puede garantizar en forma alguna el que sus productos, sus eidola, sean algo mas que phantasmata, apariencias. El phantasma no evoca su original 0 modelo, y no podria hacerlo jamas puesto que no cs copia fiel de el. No es el original, pero tampoco se halla, con respecto a el, en rclacion legitima. Lo imita segun su aparecer extrinseco. Yaqui mimesis vale, entonces, por imitacion infiel. Asi, los artistas abandonan la vcrdad y belleza de la symmetria en aras de aquellas proporciones que parecen bellas y privan a sus eidola de las verdaderas y bellas proporciones del original (236a). La pintura, por ejemplo, siendo en general de estas ultimas artes tiene como consecuencia el que sus creaciones 0 imitaciones no poseen la nota de la belleza funcional: la cama pintada puede ser bella a la vista pero no posee belleza en cuanto a 10 que deberia ser su funcion mas propia: la de servir para donnir. Razon de 10 anterior es que el pintor no atiende las instrucciones del que usa la cama, como si 10 hace la tecnica del carpintero (Rep., 602a), solo copia la cama tal y como aparece a los sentidos (lb., 598a-b), pero las proporciones verdaderas, interiores, no se nos dan sensiblemente, no se nos aparecen. Aquella funcion solo la puede cumplir la cama que sirve de modelo, nunca la copia (lb., 60ld-602a). Mas tarde en el Sofista (266d), cuando se retoma la discus ion acerca de la naturaleza del arte sofistica, se dice, ademas, que el artista fantastico puede producir apariencias, valiendose de un instrumento externo 0 valiendose de si mismo como de un instrumento (267a). Esta ultima subdivisi6n es la del arte imitativa en sentido especifico, que puede llevarse a cabo con episteme (0
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.62-68
Jan./Dez.2002
gnosisv, con doxa 0 con agnosia del objeto imitado; el sofista y el politico imitan segun opinion (266a-268d). Imitador "epistemico" es en cambio, por ejemplo, el actor (267a). EI sofista fundamenta su imitacion en la doxa la cual habla siempre de apariencia. Pero aun la copia fiel siempre es copia y nunca original, solo el dios puede hacer un doble perfecto de algo, como se dice en el Cratilo (432b-d) y, en este sentido, podriamos decir que, en tanto copia y no doble perfecto, aun el autentico eikon dcforma el original. Pero puede evocarlo y en esto consiste la funcion mas valiosa de una copia. La otra, la de hacemos perder de vista el original deforrnandolo, es la funcion mas pobre que pucde desempefiar la mimesis. Toda esta division tiene lugar en el contexto de la caza del sofista. El sofista con sus logoi nos aleja de la verdad ya que el mismo no la alcanza con su doxa, y, practicando una suerte de arte de skiagraphia, de figuracion de sombras, engafia a aquellos que se hallan lejos de la verdad (234b-c). Sus logoi son como phantasmata logicos (en tois logoisy: eidola legomena (235c).
2. EI logos como refugio y escala EI sofista como el artista, entonces, produce cierto tipo de phantasma, y, como la cama del pintor, su eidolon desvirtuado nos aleja del original. De modo que, si se quiere investigar acerca de la funcion del logos verdadero, no podemos recurrir al logos sofistico ya que este logos carece, como la cama del pintor, de la nota de la belleza funcional, no tiene aptitud de verdadero logos. Para volvemos al logos filosofico, i.e. autentico, debemos recurrir a la figura del filosofo, En la famosa autobiografla intelectual de Socrates consignada en el Fedon (96a-l 02a) se dice que despues de dispersarse en la multiplicidad de causas falsas propuestas por los physikoi y que solo atienden al como y no a la verdadera causa (99b), el filosofo decidio vol verse hacia la verdad de las cosas (ton anton tim aletheian, 9ge). Pero, para no cegar su alma - como si 10 hacen aquellos que, impacientes, quieren enseguida ver el sol en si, sin antes detenerse en sus imagenes 0
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.62-68
Jan.lDez.2002
reflejos ieikona'; -, se refugio ikataphygontay primero en los logoi como en iconos (lb.). La verdad puede intuirse en ellogos como en un eikon, i.e. (segun el Sofista) este logos conserva la symmetria del modelo por el copiado; y por esto puede ofrecer refugio segura: no nos pierde del camino del original buscado. Nos da el ser, las cosas (ta onta) en imagen. El logos no llega a la verdad del ser; asi como la copia no alcanza la naturaleza del modelo. Pero este logos que evoca difiere del eristico que desvirtua, aunque como imagen (como copia y no modelo) opere de por si cierta deformacion, la cual sin embargo no impide que la copia conserve la symmetria del original. Es dificil en el pasaje del Fedon decir a que se refiere esto de la aletheia ton onion, aunque el simil del sol, presente en el pasaje, pueda sugerimos algo. Sin embargo, para evitar una interpretacion infundada, podemos si sefialar 10 siguientc como seguro: si nos volvemos hacia el Banquete, alli la contemplacion de la Belleza en si pura puede ser descripta con toda seguridad como la theoria de la verdad de un ser verdadero y absoluto. Y podemos observar que tambien alli Platen escribe que ellogos cs dejado de lado en el subito (exaiphnes) momento de la theoria (211a): oude tis logos oude tis episteme. No puede ser "logizada". Esto es que tampoco alIi el logos alcanza 10 verdadero. Y no tendria porque hacerlo: que es copia y no modelo, 10 sabemos por el Fedon. Su naturaleza es la del eidolon adecuado a su modelo, la del eikon. En el Banquete, por otra parte, es condie ion de acceso a la belleza (210 c-d); la belleza intelectual es uno de los escalones que deben superarse para alcanzar la Belleza pura. Pero esto tambien esta de acuerdo con 10 dicho en el Fedon: en efecto, en el Banquete, cada escalon implica ya en su mero existir la Belleza suprema, por esto hay un unico camino correcto torthos, repetido en 210a, 1, 4 Y 211c, 1) para alcanzarla, 0 con las palabras del F'edon: todo 10 bello es bello por la Belleza en si (1OOc). Hay que aclarar que esta Iirnitacion del logos, sin embargo, no excluye para Platon una suerte de conocimiento a-logico tmathema, gnosis'; de la Belleza en si (211c). Hay una mia episteme (210d) que no necesita del logos y que mas bien obliga, para captar su objeto segun su pureza
Princlpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.62-68
Jan.lDez.2002
absoluta, a abandonarlo. Ellogos es un escalon (211c); pero por ser el escalon de un camino en el que cada paso lleva implicito la realidac en la que culmina (en el sentido de que adquiere 10 que de verdadero ser tiene por ella) es tarnbien un refugio. Socrates puede refugiarse en los logoi como en imagenes de la verdad solo porque ellos no 10 pierden de su camino, aun cuando luego debe ir elevandose por sobre ellos y abandonarlos uno a uno tFedon, 101 d-e). Esos logoi, como el eikon, conservan "algo" del original, asi como las bellas ciencias conservan "algo" de la Belleza pura cuya ciencia ya no es ciencia logica aunque la implique. Y tambien en la subida hacia la Belleza el camino graduado es una necesidad para ir acostumbrando el alma a contemplar la verdadera unica Bclleza, tanto como 10 es en el Fedon para no cegarse con la luz de la verdad del ser. Y que Belleza y verdad son 10 mismo qucda claro en un pasaje de la Republica (VI, 490 a-b) sobre cl que Haman la atencion, por su similitud con el Banquete, tanto Robin I como Festugiere.' Se dice alli que el hombre cuyo amor no desfallezca en la busqueda de la verdad y logre el contacto con ella, a traves del ojo de su alma, desposandola, engendrara noiis y verdad y conocera y vivira verdaderamente (gnoie te kai alethos zoe). Ese conocimiento verdadero no csta, segun el Banquete, acompaiiado por logos. Y tambien puede citarse aqui el celebre pasaje de la Republica segun el cual por bellas que sean ciencia y verdad "no te engafiaras al pensar que la idea del Bien es una cosa distinta de elIas y mas hermosa todavia" (S08e). La verdadera gnosis es la metalogica, Ellogos es uno de los ponoi (Banquete, 21Oe) necesarios para hacerse con ella.
1
Platon (1958), Le Banquet, ed., trad., introd. y notas por Robin, L., Paris, Les Belles Lettres, p. XCVI.
2
Festugiere, A. 1. (1967), Contemplation et vie contemplative selon Platon, Paris, Vrin, p.364.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n2l>. 11-12
p.62-68
Jan.fDez.2002
3. Superacion filosoflca del eidolon Los ponoi del ascenso son dejados atras en 10 exaiphnes de 1a theoria. Pero una vez lograda esta contemplacion de, 0 synousia con (212a), la Belleza pura, sin mezcla y no corrupta por came humana alguna (katharon, amikton, alta me atuipleon sarkon te anthropinon ... , 211 e), cl que la haya alcanzado, no parira ya imageries de virtud (eidola aretesv puesto que no es ya una imagen 10 que ha tocado (auk eidolou ephaptomenov, sino virtudes verdaderas, habiendo tornado contacto con 10 verdadero y real (212a). E1 filosofo puede superar el nivel dell6gos y devenir caro a la divinidad (teophilei genes thai, lb.). Y en este sentido podemos advertir 10 siguiente: devenir amado del dios es la simetrica correspondencia del ser filosofo, El amante de la sabiduria es amado, a su vez, por ella (i.e. por e1 dios, ya que solo el es sabio: Banquete, 204a; Fedro, 278d; Lisis, 218). Y tal vez no este de mas recordar aqui que una correspondencia tal (donde amado deviene amante y vice versa) es e1 unico fin afiorado por todo amante. Pero en el caso del filosofo, para alcanzarla, e116gos, como eidolon, debe ser, al menos por un instante, dejado atras, El pasaje de 1a imagen a 10 real no es, por eso, logico, sino subito; y es el pasaje ala autenticagnosis que es la co-existencia (synousia) con 10 que verdaderamente es.
Conclusion El logos nos ha resultado una suerte de icono que, si bien conserva a1go intrinseco a1 original que copia, alcanza solo e1 grado de asimilacion que puede a1zanzar 1a copia. El original esta sugerido en ella y en este sentido ella nos reenvia a el. Pero la verdadera natura1eza del original es un epekeina. Siendo e116gos, entonces, copia, solo puede sugerimos e1 ser en una forma que primero le es necesaria a1 filosofo, pero que luego le es un estorbo. Yes un estorbo porque, para lograr 1a mayor asimilacion con e1 objeto deseado (la synousia), se debe trascender toda imagen y
Principios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.62-68
Jan.lDez.2002
68
lograr uno mismo la asimilacion que la copia, como toda imagen, no puede alcanzar. La mediatez de la copia, en este caso del logos, se resuelve en una inmediatez que la fundamenta. Por ultimo, es importante aclarar (aunque sea cosa obvia) que el abandono del logos es momentaneo; nadie que llegue a la theoria de 10 Bello en S1 podria luego en su vida conducirse al margen del logos; que si bien es imagen, es la unica de las imageries que puede llevamos hasta el ser (por eso la insistencia en Sll necesidad). Es, entonces, la imagen mas noble que tiene el hombre y es imagen que solo el hombre posee.
Abstract The present paper concentrates on the relationship between the notion of logos and the character of the Philosopher in Plato s Dialogues. The analysis is divided into the following points. First, the status ofthe tekhne eidolopoiike in the Sophist (235d and ff.) is discussed. Then the very relevance of some Dialogues ofthe second period for the comprehensive of logos in its bounds and function is defended. Finally, the necessity of Plato's getting over logos as eidolon is outlined and assessed.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.62-68
Jan.lDez.2002
"La coincidencia de los opuestos: actus et potentia en Nicolas de Cusa y Baruch de Spinoza'" Jose Gonzalez Rios*
Resumen El trabajo intenta mostrar, a partir de una introducci6n historiografica, uno de los modos posibles en que pueden vincularse el sistema filos6fico de Nicolas de Cusa [1401 - 1464], a traves de la reformulaci6n que hace el Cusano de la coincidentia oppositorum en el Trialogus De possest' [1460], con la teoria sustancialista de Baruch de Spinoza [1632 - 1677], tal como es presentada en el Liber Primus de su Ethica',
Un pensamiento minoritario" La lengua latina ha acuiiado los siguientes terminos como expresiones distintas del limite y de la frontera: limes, terminus, modus etfinis; todas elias utiles para lIevar adelante una pequefia introducci6n historiografica mas que hist6rica en el camino hacia nuestros pensadores: el germano Nikolaus von Kues y el holandes Baruch de Spinoza. El esquema de los grandes y distintos periodos de la historia de la filosofia' opera como una suerte de frontera, limitaci6n 0 determinatio, en el sentido spinoziano de negatio", que vacila y se resquebraja ante la lectura de los textos de los mismos fil6sofos. La imposici6n de los atributos y propiedades de una categoria historico-filosofica [como las de Edad Media y Renacimiento] a la obra de un pensador determina y limita, y, por tanto, finitiza y cierra, la positiva afirmaci6n, indeterminacion, infinitud y potencia que un sistema filos6fico descubre ni bien se ingresa en su entramado. Por 10 eual, estimar a un pensador como antiguo, medieval, renacentista 0 moderno es eiertamente procurarle una determinaci6n, una limitaci6n, una negaci6n, con la que se * Universidade de Buenos Aires. Principios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.69-81
Jan.lDez.2002
mutila, al modo del lecho de Procusto, la potencia de su pensamiento. El movimiento contrario, el que va de las fuentes a las grandes categorias, es el que situa al analisis en la compleja y no esquematica indeterminacion y afirrnacion que aquel ofrece. Mas apropiadas, quiza, sean las nociones de sincronia [su / n足 xro / noj] y diacronia [dia / - xro / noj], terminos estos que permiten llevar adelante un doble movimiento, vertical y horizontal, en la ponderacion de un pensador. La primera perspectiva profundiza en 10 propio del pensamiento del filosofo, en aquello que su sistema tiene de unico, de particular, de irrepetible, respecto de otros pensadores. La mirada sincr6nica atiende al modo en que un pensador se enfrenta ante los problemas filosoficos que siente como propios, aquellos que su vida y su obra intentaran, no siempre con provechosos resultados, comprender. La otra, la diacronica, 10 ubica en la sucesion indeterminada que constituye la historia de la filosofia, pues 10 reune y relaciona con otros pensadorcs, a la vez que 10 emparenta de modo inescindible con un contexto. La mirada diacronica no supone ni implica la desconsideraci6n de la intertextualidad - y no relacion causal - que se establece entre la historia de hechos y la historia de la filosofia. Asume el estimulo de los procesos historicos en la filosofia y la implicancia de los desarrollos filosoficos en la historia. Cuando la historia de la filosofia en general se concibe como un proceso problematico de temas a partir de la lectura de las obras filos6ficas se a1canzan continuidades no necesariamente progresivas, mas bien que revoluciones individuales en el pensamiento. La diacronia en filosofia permite establecer y configurar lineas 0 tradiciones, encontrar parentescos, afinidades, en la forma 0 en el modo con que se asumen ciertos temas de reflexi6n filosofica", Ahora bien, una tradicion de pensamiento no esta necesariamente ligada a una Academia, a un Liceo, a un Jardin, a una secta 0 a una universidad, tampoco implica la relaci6n de maestro-discipulo, ni aun la de escritor-lector, mas bien la signa una afinidad filosofica, un temperamento filos6fico, una simpatia en cuanto a la forma en que ciertos problemas son abordados por los pensadores.
Principios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.69-81
Jan.lDez.2002
En este sentido, en la tradici6n de neoplatonismo, entendida de modo general y no particulars, podemos distinguimos dos sub-tradiciones. Por una parte, aquella que parte de Plotino, luego Porfirio, Mario Victorino y se continua en Agustin. Por otra, aquella otra que se inicia en Proclo, se continua en el Pseudo Dionisio Areopagita, en Escoto Erigena, en el an6nimo Libro de los veinticuatro filosofos, en el Liber De Causis y en Meister Eckhart, entre otros. La particularidad del Cusano es que, si bien mas claramente podemos ubicarlo en esta segunda, la primera no deja de serle completamente ajena", pues su ineptissimum conceptum de docta ignorantia, por cierto, 10 toma de la obra del hiponense!", aun cuando reconoce como su inspirador en esto al Pseudo Dionisio Areopagita". Sin embargo, los origenes de esta otra tradici6n de neo-platonismo!' podriamos buscarlos en el Parmenides [127e - 128a; 133b y ss.] de Platen", obra que Proclo coment6 en su Expositio in Parmenidem. Comentario al que luego, junto a De theologia Platonicis tambien de Proclo, el Cusano ley6, anot6 e incorpor6 criticamente a su propio sistema de pensamiento". Caracteriza a esta segunda tradici6n de neoplatonismo medieval la preeminencia del intelecto y la intelecci6n y el camino interior de busqueda y retorno intelectual dellal Principio 0 Causa, el cual es anterior a sus manifestaciones, que son difusiones 0 despliegues de aquella unidad absoluta e indetenninada. Unidad que el hombre tiende a alcanzar por ser el mismo imagen de aquella, en tanto microcosmos y microtheos": Las proyecciones de esta tradici6n ciertamente minoritaria podemos sugerirlas en Bruno Nolano, que tuvo contacto directo con la obra cusana, y en Benedictus de Spinoza, que, aunque parece no haber tenido contacto con la obra de ninguno de elIos, por 10 menos a traves de 10 que puede colegirse del catalogo que poseemos de su Biblioteca", en su planteo metafisico expresa una afinidad con el Cusano y con Bruno". El Cusano y Spinoza, participan de una repetida sensibilidad filos6fica, que se expresa en parte en la conciencia de la total
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.69-81
Jan.lDez.2002
72
desproporcion entre 10 finito y 10 infinito. En De docta ignorantia, I, 3, 9 Nicolas de Cusa nos confirma que "infiniti ad finitum proportionem non esse"18, axioma que no es ajeno a la Ethica de Spinoza. El hiato cusano entre un entendimiento finito y un principio infinito hacia el que este tiende bien puede mantenerse en la desproporcion spinoziana entre la potencia absolutamente infinita de la sustancia y el conatus, en tanto la potencia finita del modo que es el hombre. Lo que los reune es la participacion en un repetido y no identico modo de concebir ellimite en los alcances cognoscitivos a traves de la labor de la ratio, que en ambos casos es superada por la vis de la intuici on filos6fica, que Spinoza denomina amor intellectualis Dei, y trata con energica velocidad en las ultimas proposiciones de la Pars Quinta de la Ethica [pr. XXV - XLII]. Para ellos la distincion entre el ser cuya esencia implica una existencia posible y el ser cuya esencia implica necesariamente la existencia, es tarnbien la distincion entre determinacion e indeterminacion, entre finito e infinito, entre duracion yetemidad, entre una potencia 0 fuerza absolutamente infinita y una potencia finita. Para ellos el hombre es una potencia simple que expresa en su singularidad de modo determinado la potencia absolutamente infinita de Dios, al que conciben como una unidad absoluta superadora de dualismos. Son filosofias las del Cusano y Spinoza en las que principio y principiado conforman una misma realidad pero considerada desde dos perspectivas de analisis distintas. El mundo, para ellos, es un despliegue de Dios. Dice Spinoza en este senti do en el axioma 1 de la Pars Prima de la Ethica: "Omnia, quae sunt, vel in se vel in alio sunt'?". As! en Dios se reunen y concilian las creaturas que en su despliegue y manifestacion se muestran contradictorias. De 10 que se infiere que estos son pensamientos inaptos para aquellas mentes cultivadas de modo exc1usivamente racionalista, las cuales asumen, sin transgredir, las limitaciones que impone el principio aristotelico de no足 contradiccion. En el pensamiento cusano y spinoziano, en este sentido, encontraremos una invitacion a reconocer las fronteras del discurso de la ratio para luego, superando esta instancia,
Principios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.69-81
Jan./Dez.2002
cultivar doctamente nuestra ignorantia y el amor intelectual a Dios, en la tendencia hacia la verdad, en la que todos los opuestos coinciden.
Coincidencia de acto y potencia en Dios Tras la vaguedad de esta primera aproxirnacion historiografica, descendamos hacia el tema en el que vinculamos los pensamientos de Nicolas de Cusa y de Spinoza. Podemos conjeturar asi que el problema de las denominaciones de Dios, del ente absolutamcnte infinite" - para decirlo con la expresion spinoziana - no solo a ocupado la labor filosofica del Cusano desde su primera gran formulacion del sistema en De docta ignorantia [1438 - 1440] hasta sus ultimos opusculos, sino que tarnbien es un aspecto prioritario en el planteo metafisico de la Pars Prima de la Ethica de Spinoza. En su Trialogus De possest [1460], como en la mayoria de sus textos, el Cusano recorre, sea sintetica 0 sistematicamente, los nucleos problematicos de su pensamiento filosofico, uno de los cuales es el de la expresion del nombre innombrable de Dios, En esta obra Nicolas propone una nueva definicion conceptual, y, por tanto, conjetural, del Deus Absconditus"; la cual ya habia sido mencionada pcro no tematizada por el Cusano en De docta ignorantia, I, 2, 5 al referirse al maximum absolutum que "est actu omne possibile esse". Para expresar humaniter y no precisamente aquello que hace visible la invisibilidad de Dios, en el que se da la coincidentia oppositorum, el Cusano acufio el neologismo possest", que implica la union del infinitivo de possum, posse [poder], y la tercera persona singular del verbo sum, est [es]. El arte conjetural de la humana mens, que busca la verdad en la alteridad, comprende que todo 10 que existe esta constituido por la actualidad, la potencia y el nexo entre ambos, ya que los singulares, como la rosa, no existirian sin poder existir, sin existir actualmente y sin el nexo 0 la union entre ambos, porque no existirian si pudieran ser y no fuesen. El possest es la tramssumptio in infinitum de la constitucion
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.69-81
Jan./Dez.2002
uni-trina del ente singular. Possest [poder es] expresa la coincidencia del posse facere [poder hacer] y el posse jieri [poder ser hecho], la coincidencia de accion y pasion, en el ambito de la maximitatis [maximidad]. Dice el Cardenal, que es el personaje conceptual y no dramatico que encama el pensamiento cusano en este trialogo: ...Deum ante actualitatem que distinguitur a potentia, et ante possibilitatem que distinguitur ab actu esse ipsum simplex mundi principium. Omnia autem que post ipsum sunt cum distinctione potentie et actus. Ita vt solus deus independiente sit quod esse potest. Nequaquam autem quecunque creatura cum potentia et actus non sint idem nisi in principio."
Dios es la absoluta potencia, el absoluto acto y el nexus entre ambos, por tanto, es complicative todo posible ser en acto. En el possest coinciden los contrarios 0 contradictorios, pues en el concuerdan maximo y minimo. En el possest maximo y minimo, ser y no-ser, afirmacion y negacion, acto y potencia, coinciden. Dios es en acto todo 10 que puede ser. En El complicadamente todas las cosas indiferenciadas son una y la misma. Ninguna criatura, nada que este del lado de la explicatio Dei - natura naturata para utilizar la expresion spinoziana [TB, I, 8] - es en acto todo 10 que puede ser. Por ser despliegues 0 explicationes de 10 absolutamente injinito las cosas singulares siempre estan limitadas por una cosa mayor 0 una menor - como 10 expresara tambien la definicion spinoziana de finite", La fuerza del posseset es de tal manera que no Ie falta ninguna actualizacion, no carece de nada. Dice el Cardenal: "Deo enim nil omnium abest quod vniuersaliter et absolute esse potest, quia et ipsum esse: quod entitas potentie et actus"?". No hay nada que sea o pueda ser que no este en el possest. Por tanto, en El todas las cosas estan indiferenciasdas como en su causa, las que fueron, las que son y las que seran, Si bien el Cusano, por boca del Cardenal, reconoce en el trialogus" el caracter conjetural de todo lenguaje referido aDios
Principios
UFRN
Natal
v. 9
n"". 11-12
p. 69-81
Jan.lDez. 2002
75
en general y de la expresion possest en particular, en tanto que el nombre preciso es inalcanzable, la simplicidad del termino, que concilia los contrarios actus etpotentia, alcanza una cierta asercion positiva sobre Dios. En una carta enviada el 2 de junio de 1674 desde La Haya [L] Spinoza le confiesa a Jarig Jelles", uno de sus corresponsales, su interes y preocupacion por la propiedad e impropiedad de los nombres de la esencia de la substantia, natura vel Deus. Si la absoluta infinitud es aquello que constituye la essentia de la substantia, afinnar que nombre expresa con mayor propiedad su absoluta infinitud es 10 que preocupa a nuestro fi16sofo. Por 10 cual, alcanzar el nombre que se adecue a la indeterminacion del ens realissimum implica transitar el camino del Liber Primus de la Ethica, a los fines de alcanzar el vinculo con el Cusano. Situados en su contexto, 10 primero que podria considerarse es que son los propios de la sustantia aquellos que expresan completamente su naturaleza". Pero los propios se distinguen de la esencia. Son inseparables de ella, aun cuando no son una y la misma cosa con la esencia del ens absolute infinitum. Cada propio no agota plenamente la absoluta indeterminacion de la sustancia. Los propios son, de algun modo, los trascendentales de la sustancia: el ser causa sui [Eth., I, def. 129 ] , ser absolutamente infinita [Eth., I, def. 630], ser etema y existir necesariamente [Eth., I, def. 831]. Spinoza considera a estes los propios de Dios y no las determinaciones extrinsecas [Eth., I, pro XVII, esc."] que la teologia katafdtica 0 positiva predica de la esencia de Dios (como el ser suma justicia, suma bondad, etc.). Por otra parte, podria estimarse que aquello que expresa la indeterminacion del ens realissimum son los atributos [Eth., I, def. 4 33 y pro IX34]. Pues, el entendimiento los percibe como constitutivos de la esencia de la sustantia, pero no percibe en ellos a la sustancia en si, comprende algo que es constitutivo de ella, que forma parte de su naturaleza, pero que no es toda su naturaleza. Los atributos son determinaciones infinitas que expresan la esencia de la sustancia, pero que no se funden con su indeterminacion. Los atributos son expresiones infinitas en su genero y no - como
Principles
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.69-81
Jan.lDez.2002
76
la sustantia- absolutamente infinitos. Cada uno de los infinitos atributos infinitos en su genero expresa determinadamente la esencia de la sustancia, pero al expresarla la niegan como absolutamente indeterrninada e infinita, ya que cada uno no puede participar -por ser infinito en su genero y expresar todo aquello que puede bajo su perspectiva - de nada que corresponda a otro atributo. Los atributos son distintos escorzos que expresan separadamente la esencia de la sustancia. La multiplicidad infinita de atributos expresa correcta pero deterrninadamente la escncia de la sustancia. Ninguno se identifica con la esencia de la sustancia. La sustancia es infinito pensamiento, infinita extensi6n e infinitos atributos mas, pero no se "reduce" en SI misma a ninguno de ellos ni a la suma de todos. Hacia el final del Liber Primus Spinoza se refiere a la essentia de la substantia de la siguiente manera [Eth., I, pro XXXIV]: Dei potentia est ipsa ipsius essentia. Demonstratio: Ex sola enim necessitate Dei essentiae sequitur, Deum esse causam sui [per Prop. 11], & [per Prop. 16 ejusque Coroll.] omnium rerum. Ergo potentia Dei, qua ipse, & omnia sunt, & agunt, est ipsa ips ius essentia. Q.E.D. 35
La potentia es el unico nombre que expresa completamente la esencia 0 indeterminaci6n de la substantia, i.e. la potencia es identificada por Spinoza con la naturaleza de la sustancia. El ens realissimum es una potencia que es causa sui, absolutamente infinita, etema y de una existencia necesaria. La indeterminaci6n de la substantia, que ahora podemos identificar con la potentia, es una afirrnaci6n absoluta, que es absoluta potencia, y en tanto perfecta, absoluto acto. Es de tal manera que todas sus infinitas potencias estan en SI misma actualizadas, independientemente de su existencia 0 despliegue concreto. La esencia de la substantia contiene la totalidad de 10 que es indiferenciadamente. La substantia spinoziana es, desde la perspectiva de la etemidad, Pura Potencia en Acto. Todo 10 que puede la substantia esta actualizado. Sin determinaciones,
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nJl>.11-12
p.69-81
Jan.lDez.2002
carencias ni negaciones la substantia es en acto todo 10 que puede ser en su absoluta simplicidad indeterminada. Por otra parte, una de las pruebas de la existencia de la substantia es por la potencia [Eth., I, XI, sch."], Si la potentia expresa el poder existir, la fuerza 0 potencia de la sustancia sera de tal modo, puesto que es complicadamente todas las cosas, que no pueda concebirsela sino como existiendo necesariamente. Careciendo de toda determinacion, de toda limitacion, de toda incompletitud, la sustancia existe de modo tal que su potencia es identica a su realidad, a su actualidad. La substantia es Pura Potencia en Acto. Acto y Potencia coinciden en la esencia de la substantia, y como esta no puede concebirse sino como existiendo, la substantia es toda la potencia a la vez que toda la actualidad. La potencia de Dios es una fuerza absolutamente infinita que se expresa bajo infinitas perspectivas. Todas sus fuerzas estan actualizadas. El poder de la substantia es un poder de afeccion al que no puede faltarle actualmente ninguna de sus afecciones. La potencia es de tal indole que satisface todo su poder de afeccion. Es absoluta accion y afirmacion. Esta identificacion de la indeterminacion de la substantia con la pura potencia en acto confirmara el vinculo implicito con un aspecto del sistema filos6fico de Nicolas de Cusa. La indeterminacion de la substantia, que ahora podemos identificar con la potentia, es absoluta afirmacion, absoluta potencia en acto. Es de tal manera que todas sus infinitas potencias estan actualizadas, independientemente de su existencia concreta. La esencia de la substantia contiene la totalidad de 10 que es contractamente, indiferenciadamente. La substantia spinoziana, al igual que 10 maximum - nombrado como possest -, es, desde la perspectiva de la eternidad, pura potencia en acto. Todo 10 que puede la substantia esta actualizado. Sin determinaciones, carencias ni negaciones la substantia es en si en acto todo 10 que puede ser en su absoluta simplicidad indeterminada.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOS. 11-12
p.69-81
Jan.lDez.2002
Abstract The paper intends to show a possible way of relating Cusa's philosophical system with the theory of substance presented in the first book of Spinoza's Ethics.
Notas I
Este trabajo fue realizado mediante un subsidio de la Fundacion Antorchas.
2
Para las referencias a esta obra seguimos el texto de Nikolaus von Kues, Dreiergesprdch iiber das Konenn-Ist [Iateinisch - deutsch], edidit Renata Steiger, Felix Meiner Verlag, Hamburg, 1973. EI texto latino sigue el de la edici6n critica Nicolao de Cusa, Opera omnia, vol. XI, 2: Trialogus De possest, edidit Renata Steiger, Hamburgi in aedibus Felicis Meiner, MCMLXXIII.
1
Para las citas y menciones del texto de Spinoza seguimos Etique [latin - frances], trad. Ch. Appuhn, 2 tomes, ed. Classiques Garnier, Paris, 1953.
4
5
El especialista Filippo Mignini en su visita a Buenos Aires en noviembre de 1998 estableci6, en una conferencia pronunciada en la Facultad de Filosofia y Letras de la UBA, el vinculo entre la filosofia de Spinoza y cierta corriente de pensamiento tardo medieval y renacentista, de la que Nicolas de Cusa y Giordano Bruno forman parte; tradici6n a la que defini6 como "minoritaria". Para el problema general de la periodizaci6n de la filosofia y de los atributos de las categorias hist6rico-filos6ficas sugerimos una pequefia pero elemental bibliografia: Boas, G., "Historical Periods", en Journal ofAesthetics and Art Criticism, XI, 1953, pp. 248 Yss.; Cantimori, D., Studi di storia, ed. Einaudi, Turin, 1959, pp. 279-314; 340-65 [ref. al problema de la periodizaci6n]; Chabod, F., HEI Renacimiento" en Escritos sobre el Renacimiento, ed. F.C.E, Mexico, 1990. Consultar su extensa bibliografia [pp- 97-124]; Ferguson, w., K., The Renaissance in Historical Thought; Five Centuries of Interpretation, Cambridge, 1948 [trad. Ital. II Rinascimento nella critica storica, ed. II Mulino, Bologna, 1969]. Cfr. "The Interpretation ofthe Renaissance, Suggestions for a Synthesis", en Journal ofthe History ofIdeas, XII, 1951, pp. 483 Yss.; Garin, E., "Edades oscuras y Renacimiento: un problema de limites", en La revolucion cultural del Renacimiento, ed. Critica, Barcelona, 1984, pp. 31-71.; Gilson, Et., "Humanisme medieval et Renaissance", en Les idees et les lettres, Paris, 1955, pp. 171-95.; Gombrich, E., Tras la historia de la cultura, trad. Alberto Coraz6n, ed. Ariel, Barcelona, 1977.; Panofsky, E., Renacimiento y renacimientos en el arte occidental, ed. Alianza Universidad, Madrid, 1986.; Saitta, A., Guia critica a la historia y a la historiografia, ed, Laterza, Bari足 Roma, 1980.; Schmitt, Ch., "The Renaissance concept of philosophy", en The
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12
p.69-81
Jan.lDez.2002
Cambridge History ofRenaissance Philosophy, ed. Cambridge University Press, 1991, pp. 57-74.; Ullman, B., L., "Renacimiento, el termino y el concepto subyacente", en Studies in the Italian Renaissance, Roma, 1955. Spinoza, B. de, Ethica, I, VIII, sch. I: "Cum finitum esse revera sit ex parte negatio, et infnitum absoluta affirmatio existential' alicuius naturae".
6
7
Cfr. Heimsoeth, H. Los seis grandes temas de la metafisica occidental, ed. Alianza, Madrid, 1990, pp. 67-92; Mondolfo, R., El infinite en 1'1 pensamiento de la Antigiiedad clasica, trad. Francisco Gonzalez Rios, ed. Iman, Bs As., 1952; Eco, U., "La linea y ellaberinto: las estructuras del pensamiento latino", en Vuelta Sudamericano, I, mo. 9, Bs. As., 1987. p. 24 Yss; Deleuze, G., Spinoza y 1'1 problema de la expresion, ed. Muchnik, Barcelona, 1994.
, Brunner, F., "Le neoplatonisme au moyen age" [1986], en Metaphysique d'Ibn Gabrirol et de la tradition platonicienne [Variorum Colleted Studies Series], Norfolk, Ashgate, 1997. 9
Cfr. Gandillac, M. de, "Neoplatonism and Christian thought in the fifteenth century [Nicholas ofCusa and Marsilio Ficino", in Neoplatonism and Christian thought, edited by O'Meara, New York, 1982, pp. 143-168,262-4 Y Hoye, N., "The meaning of neoplatonism in the thought of Nicholas of Cusa", en Dow. Rev., 104, 1986, pp. 10-8. Cfr. Agustin, De ordine, II, 16, 44.
10
Cfr. Vansteenberghe, E., Autour de la docta ignorantia: Ad abbatem Tegernsensem et eius fratres de verba mistice theologie, Nicolaus cardinalis ad vincula sancti Petri, Munster, 1915.pp. 116-8.
11
Riccati, c., "La presenza di Proclo tra neoplatonismo arabizzante e tradizione dionisiana [Bertoldo di Moosburg e Niccolo Cusano", en Concordia Discors. Studi su Niccolo Cusano I' l'umanesimo europeo ofJerti a Giovanni Santinello, a cura di Gregorio Piaia, Editrice Antenore, Padova, MCMXCIII, pp. 23-39.
12
No habria que olvidar y desconocer, a su vez, pasajes del Sofista [139b Y ss.], el momenta del Timeo [48a - 53b] destinado a la consideracion del tercergenera indcterrninado [xw/ra] y los pasajes de la Politeia [506a- 509c] que se conocen como la "Alegoria del Sol".
IJ
Cfr. Proclus, Comentaire sur le Parmenide de Platon, traduction de Guillaume de Moerbeke, 2 tomes, T. II: Notes marginales de Nicolas de Cues, edition critique Carlos Steel, Leuven, 1985. La influencia de las obras de Proclo en Nicolas puede buscarte en su opusculo De principio (1459) Y posteriormente en De li non aliud seu Directio Speculantis (1462).
14
15
Castell an, A., "Variaciones en tomo de la cosmo-antropologia del Humanismo. Del Microcosmo al microtheos", en Anales de Historia Antigua y Medieval, vols, 14-15-16, Buenos Aires, 1968-71.
Principios
UFRN;
Natal
v.9
n"'.11-12
p.69-81
Jan.lDez.2002
16
17
"Inventario y Biblioteca", en Biografias de Spinoza, Atilano Dominguez [comp..], ed. Alianza, Madrid, 1998. Si bien el trabajo no trata el pensamiento de Bruno en particular, no puede obviarse la siguiente referenda como una mediacion entre el Cusano y Spinoza: Giordano Bruno, De la causa, principio e Uno: "Dialogo Quinto", in Opere italiane, I, Dialoghi metafisici, con note da G. Gentile, ed. Bari Laterza, Firenze, 1925, pp. 247 - 66.
" Nicolai de Cusa, Opera Omnia, I, De docta ignorantia, I, 3, 9, Iussu et auctoritate Academiae Litterarum Heidelbergensis, ad codicum fidem edita, Lipsiae, in aedibus felicis meiner, 1932. 19
Spinoza, B. de, op. cit., pag. 20.
20
Ibid., I, def. 6: "Per Deum intelligo ens absolute infinitum, hoc est, substantiam constantem infinitis attributis, quorum unumquodque aeternam, & infinitam essentiam exprimit."
21
Santinello, G., Intrododuzione a Niccolo Cusano, cd. Laterza, Roma-Bari, 1987, pag. 124.
22
Cabe sefialar que este concepto, ya presente de algun modo en De docta ignorancia, tam bien es retomado por el Cusano en una de sus ultirnas obras, en la que Ileva adelante, entre otras, una suerte de autobiografia intelectual. Cfr. Nicolai de Cusa, Opera Omnia, XII. De venatione sapientiae. De apice theoriae, edd. R. Klibansky e I. G. Senger, lussu et auctoritate Academiae Litterarum Heidelbergensis ad codicum fidem edita, Hamburgi, 1982.
23
Nikolaus von Kues, Dreiergesprdch uber das Konenn-Ist [Iateinisch - deutsch], edidit Renata Steiger, Felix Meiner Verlag, Hamburg, 1973, p. 8.
24
Spinoza, B. de, op. cit., I, def. 2: "Ea res dicitur in suo genere finita, quae alia ejusdem naturae terminari potest. Ex. gr. corpus dicitur finitum, quia aliud semper majus concipimus. Sic cogitatio alia cogitatione terminatur. At corpus non terminatur cogitatione, nee cogitatio corpore."
25
Nikolaus von Kues, op. cit., p. 14.
20
Ibid., pp. 46-8.
27
Jarig Jelles era un negociante de especias de Amsterdam, que abandono su negocio tras el contacto con el pequefio circulo de discipulos y amigos de Spinoza, y se aboco a la labor filosofica y teologica, Su escrito Belydenisse des algemeenen en Christelyken Geoloofs vervatten in een Briet autonomia escolar N. N., Door Jarig Jelles, Amsterdam, 1684, fue bien recibido por Spinoza, tal como 10 deja ver la carta XLVIII [bis] de su epistolario. Financi6, adernas, la publicacion de los Principios de Filosofia de Descartes demostrados segun el
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.69-81
Jan.lDez.2002
orden geometrico de Spinoza y redacto el "Pr610go" a las Opera Posthuma de Spinoza de 1677. Cfr. Deleuze, G., Spinozatfilosofia practica, ed. Tusquets, Capcllades, 1984, pp.137-8.
28
Spinoza, B. de, op. cit., I, def. I: "Per causam sui intelligo id, cujus essentia involvit existentiam, sive id, cujus natura 110n potest concipi, nisi existens.". Esta definicion expresa la consideracion positiva de la causa sui porque entiende a la causa no como algo distinto de su efecto. Con cual Spinoza est! considerando a la causa sui como un principio que no se escinde de 10 principiado. Principio y principiado participan de la misma naturaleza, no hay alteridad entre uno y otro. La distincion entre ambos no es real, solo se manifiesta en la perspectiva desde la cual se considera a la sustancia, sea la perspectiva de la infinitud 0 la perspectiva de la finitud.
29
Cfr. supra, p. 6, n. 20.
J1' Jl
Spinoza, B. de, op. cit., I, def. 8: "Per aeternitatem intelligo ipsam existentiam. quatenus ex sola rei aeternae definitione necessaria sequi concipitur. EXPLICATIO: Talis enim existentia, ut aeterna veritas, sicut rei essentia, concipitur; proptereaque per durationem, aut tempus explicari non potest, tametsi duratio principio, &jine carere concipiatur"
Ibid., I, pro XVII, esc.: "Alii putant, Deum esse causam liberam, propterea quad potest, ut putant, efficere, ut eo, quae ex ejus natura sequi diximus, hoc est, quae in ejus potestate sunt, non fiant, sive ut ab ipso lion producantur. Sed hoc idem est, ac si dicerent, quod Deus potest efficere, ut ex natura trianguli non sequatur. ejus tres angulos aequales esse duobus rectis: sive ut ex data causa non sequatur effectus, quod est absurdum."
32
Ibid., I, def. 4: "Per attributum intelligo id, quod intellectus de substantia percipit, tanquam ejusdem essentiam constituens,"
.1J
34
35 36
Ibid., I, pro IX: "Quo plus realitatis, aut esse unaquaeque res habet, eo plura attributa ipsi competunt" Ibid., I, XXXIV, p. 94. Ibid., I, XI, sch.: "In hac ultima demonstratione Dei existentiam a posteriori ostendere volui, ut demonstratiio facilius percipcretur; non autem proplerea, quod ex hoc eodem fundamento Dei existentia a priori non sequatur. Nam, cum posse existere potentia sit, sequitur, quo plus realitatis alicujus rei naturae competit, eo plus virium d se habere, ut existat; adeoque Ens absolute infinitum, sive Deum infinitam absolute potentiam existendi d se habere, qui propterea absolute existit, "
Principios
UFRN
Natal
v.9
n2li.11-12
p.69-81
Jan.lDez.2002
Os Equivocos de Heidegger na Delirnitacao da Ontoteologia Jose Nicolao Juliiio*
Resumo
o objetivo deste escrito e analisar 0 conceito heideggeriano de ontoteologia, destacando a sua significacao, enquanto estrutura da historia da metafisica. Para 0 proposto, considerarei duas questoes que me parecem essenciais nessa estrutura, seu inicio e 0 seu fim. No que diz respeito aprimeira questao, (A) veremos 0 quanta eproblernatica a generalizacao da tese, de que ha uma estrutura ontoteologica na historia da metafisica desde Aristoteles, pois nao e tao simples detectar 0 seu inicio, ou seja, quando comeca, de fato, ontoteologia? Teria sido com 0 pensamento classico grego, mais especificamente com Aristoteles, tal como conjectura Heidegger, ou com a Escolastica como pensam alguns medievalistas'. No que se refere asegunda questao, (B) compararemos a critica de Heidegger e de Nietzsche ametafisica, demonstrando a ideia de Deus como a base de sua essencia, considerando-a, particularmente, como ontoteologia - tal como Heidegger a concebe - e demonstraremos que, apesar de tal concepcao ser de inspiracao hegeliana, a matriz critic a da qual ela deriva e nietzschiana, pois pressupoe a sua superacao. Heidegger, em Identidade e Diferenca (1957), na parte intitu1ada "A estrutura onto-teo-logica da rnetafisica", sustenta a tese de que ha uma estrutura unitaria na base da metafisica ocidenta1, nomeada: estrutura onto-teo-logica, Nessa estrutura, a questao originaria do sentido do ser se encontra recalcada e deformada pa1a a investigacao de urn principio unico e divino, do qual deriva a totalidade dos entes. 0 fio dessa ideia, Heidegger foi buscar em Hegel, no curso do semestre de in verno de 1930足 1931 2 , dedicado a Fenomenologia do Espirito, la e dito: "A interpretacao do ser, tomada especu1ativamente e assim fundada
* Professor da UFRRJ. Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
ea
onto-teo-logia, mas de tal modo que 0 ente propriamente dito e 0 absoluto, Theos ( ... ) a interpretacao especulativa (hegeliana) do ser eonto-teo-logia."" A interpretacao especulativa e aquela que pensa 0 pensamento como objeto mesmo de sua especulacao, Para Heidegger, a historia da metafisica, enquanto esquecimento do ser e apropriacao do ente, culmina com a interpretacao especulativa hcgcliana, pois nela, 0 ente, enquanto pensamento, se revela como saber absoluto do absoluto. 0 saber absoluto do absoluto e Deus, pens ado como a essencia do ente do logos. Na mesma obra, Heidegger revela que Arist6teles ja estabelecia uma conexao entre 0 estudo do ser enquanto ser, ontologia, eo estudo do ser mais eminente, compreendido como Deus, teologia; e afirma: "A questao do ser e onto-logica desde os gregos, mas ela ja e, ao mesmo tempo, tal como aparece em Platao e Arist6teles, malgrado a falta de urn desenvolvimento conceitual correspondente, onto-teo-logica.:" Desta forma, a historia da metafisica enquanto onto-teo-Iogia teria suas origens nos gregos, mais espccificamente em Arist6teles e 0 seu encerramento em Hegel. Isso posto, veremos 0 quanto e problernatica tal afirmativa, pois: primeiro, nao e tao evidente que a ontoteologia tenha iniciado, de fato, com Aristoteles, mas, talvez, com a Escolastica; segundo, se foi Hegel quem revelou a Heidegger a estrutura onto-teo-16gica da hist6ria da metafisica, nao foi ele quem instigou a necessidade da sua superacao, estabelecendo, assim, 0 seu fim. Pois, apesar de Heidegger, em Ser e Tempo (1927)5, ja ter falado da ncccssidade da destruicao da metafisica, essa tarefa, ai, niio se efetivou, ficando para uma segunda fase da obra nunca concluida. Dessc modo, nos parece que e a partir do curso de invemo de 1930-1931, sobre Hegel, que a estrutura onto-teo-16gica da tradicao metafisica sera denunciada", mas a necessidade da sua superacao, apesar de ja ter sido lancada em Ser e Tempo e no ensaio Que Metaflsica? (1929), ela somente ganhara folego a partir da aproximacao com Nietzsche, nos cursos de 1936-37, 1940-46.
e
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nll>,11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
I
Vejamos antes, a problematica que envolve a primeira questao - a qual exige muito mais desempenho -, quando comeca a metafisica como ontoteologia? Esta questao nao e nova, ela ja recebeu diversas respostas. Para Heidegger, por exemplo, a ontoteologia e constitutiva da hist6ria da metafisica; ela teria comecado com Arist6teles, ou ate mesmo, antes dele. Para outros, a ontoteologia comecou em urn momenta preciso da hist6ria da filosofia, por exemplo: para Edouard-Henri Weber, ela teria comecado com Enrique de Gante. Segundo ele, a tese de Enrique de Gante, "Deus-Ser objeto primeiro de nosso conhecimento e razao do conhecer de todas as coisas constitui a primeira ontoteologia propriamente dita do mundo latino".? Para Alain de Libera, que critica duramente a tese heideggeriana, a ontoteologia teria comecado em urn sucessor imediato de Enrique de Gante, Duns Scot. 8 Segundo Libera: "De fato, e em Duns Scot, leitor de Avicena, nao em Arist6teles, que a metafisica e apresentada como uma ciencia que tern por objeto comum 0 ser e por objeto eminente Deus. (...) a problematica aristotelica da multiplicidade do sentido do ser, nao pode valer como paradigma da constituicao originariamente onto-teol6gica da metafisica herdada de Aristoteles"." A critiea de Libera e bastante procedente, pois Heidegger ao fazer uso tao abrangente da ontoteologia, como estrutura da hist6ria da metafisica, acaba por tomar partido na disputa da principal aporia da Metafisica de Arist6teles, qual seja: Do que seria a metafisica ciencia? Ciencia do ser enquanto ser, ontologia, ou ciencia da entidade divina, teologia." Para os que defendem a tese da unidade, ha uma identidade entre Ser e Deus na Metaflsica de Arist6teles; para os que defendem a tese da dualidade, nao ha identificacao de objetos na ciencia primeira, a confusao se deu sobretudo,devido 0 equivoco do editor" das obras de Arist6teles, que deu 0 mesmo titulo aos seus tratados de teologia e ontologia. A posicao de Heidegger nessa querela, tal como ele nos revcla na introducao tardia de Que Ii Metafisica/ , c a de que: "0
Principles
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
desvelamento do ser como tal se desdobra precisamente sob esta dupla forma na metafisica de Aristoteles (Cf. Met. IV, VI, XI)".'2 De modo geral, a conexao estreita entre ontologia e teologia, nao euma interpretacao peculiar de Heidegger, ela ebastante comum entre os interpretes de Aristoteles, sobretudo, os de orientacao neo-escolastica. Os argumentos podem ser resumidos da seguinte maneira: Aristoteles, no inicio do tratado (I, 1), define a metafisica como ciencia dos primeiros principios e das primeiras causas. A esta questao, ele responde na abertura do livro IV: 0 objeto dessa ciencia e 0 ser enquanto ser e os atributos que the pertencem. Mas, permanece uma questao: 0 que e 0 ser enquanto ser? E 0 ser universal ou 0 ser particular? No livro VI, 1, Aristoteles indica que 0 ser enquanto ser e 0 ser absoluto, e acaba por identificar a metafisica como teologia. Dessa forma, nos parece, a primeira vista, bastante procedente a interpretacao daqueles que estabelecem uma intima conexao entre teologia e ontologia, mas, nao e bern assim, se examinarmos com mais atencao os livros indicados por Heidegger, acharemos diversos problemas. o livro IV comeca com uma importante tese: "Ha uma ciencia que investiga 0 ser enquanto ser". Nao se trata entao de uma ciencia particular, pois essas consideram apenas uma parte do ser, mas de uma ciencia universal e comum. Essa ciencia foi nomeada mais tarde, na tradicao da filosofia ocidental, como ontologia. Se procurarmos os primeiros principios do ser, nos os acharemos no interior dessa ciencia. Como diz Pierre Aubenque, os primeiros principios sao ao mesmo tempo os mais comuns." Esta ciencia, entao, nao tern nada haver com as substancias inteligiveis ou separadas, como Deus. 0 livro IV nao permite justamente a interpretacao de conexao dimorfica do tipo heideggeriana. Nele e descrita uma ciencia universal, precisamente, aquilo que sera chamado mais tarde de ontologia; e e mencionado uma filosofia primeira, a teologia, e uma filosofia scgunda, a fisica, mas ejustamente para afirmar que: "Nenhuma das outras ciencias , se ocupam universalmente do que e, enquanto algo que e, mas, se ocupam somente de uma parte, elas estudam as suas propriedades."!" A teologia e entao distinta
Principios
UFRN
Natal
v. 9
n"". 11-12
p. 82-108
Jan./Dez. 2002
da ciencia do ser enquanto ser, pois se trata do saber acerca de urn ente particular, isto e, Deus, e nao urn reverso dim6rfico do discurso comum. A filosofia primeira, ou teologia , considera uma parte do ser enquanto ser; e e uma parte especial da ciencia do ser enquanto ser. a livro VI e justamente 0 que da mais subsidio para aqueles que pensam como Heidegger, que estabelecem urna intima conexao entre ontologia e teologia. No inicio do primeiro capitulo, Arist6teles estabelece uma distincao entre a ciencia do ser enquanto ser e as ciencias particulares, tais como: a fisica, a matematica e a teologia. Porem, acaba estabelecendo uma conexao entre ontologia e teologia: "Se existe alguma substancia imovel, esta sera anterior e deve ser a filosofia primeira e universal: por ser primeira?", Essa passagem e considerada por alguns comentadores 16 da Metaflsica, sobretudo, os que defendem a tese da dualidade - que nao ha identificacao entre teologia e ontologia - como sendo bastante platonica, quer dizer, a teologia enquanto ciencia dos principios comanda a ontologia, a ciencia do todo." Todavia, isso nao credencia Heidegger a falar que a metafisica seja ao mesmo tempo, sob dois pontos de vista - de maneira dif6rmica - uma ontologia e uma teologia. E mais prudente afirmar que ha duas ciencias distintas, uma geral, a ontologia, e outra particular ou especial, a teologia. a conhecimento de urn principio e ao mesmo tempo 0 conhecimento de suas consequencias. A tentativa de unificar essas duas ciencias e guiada por uma ideia platonica. Isso se da, devido, a teologia, que considera os seres separados e imoveis, interferir com a ciencia do ser enquanto ser: 0 mais elevado objeto da ontologia eao mesmo tempo objeto da teologia. Ela trata do ser enquanto ser, porque ela trata de uma parte do ser mais eminente. Todavia, isso nao significa que a teologia e a ontologia se identificam. Parece, por conseguinte, que se trata de duas ciencias distintas e nao de duas definicoes diferentes da mesma ciencia, como parece sugerir Heidegger. a livro XI, em continuidade com 0 VI, sugere uma identificacao do ser enquanto ser e oser separado". Porem, atualmente, devido
Principios
UFRN
Natal
v.9
nll.S.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
as suas peculiaridades estilisticas, esse livro einquestionave1mente considerado apocrifo pelos exegetas da Metaflsica. Dessa forma, como se pode perceber, 0 conceito de ontoteologia e bastante uti] para se compreender uma interpretacao dominante de Aristoteles, porem e pouco rigoroso para explicar a unidade da Metaflsica. Nos parece mais plausivel entao, que a ontoteologia, talvez, tenha iniciado com a Escolastica. Tomas de Aquino menciona a sintese da metafisica, compreendida precisamente, como teologia. Ela e sustentada por uma interpretacao neo足 platonica. Esta interpretacao e citada em seu comentario do Livro das Causas (atribuido a Aristoteles). Em seu comentario da proposicao 4 do Livro das Causas, Tomas de Aquino escreve: "Segundo as posicoes platonicas (...) quanta mais uma coisa e comum, mais ela e separada"!"; ou seja, quanta mais uma coisa e comum, mais ela participa daquilo que e posterior. Desse modo, os platonicos estabelecem urn primeiro principio (0 Urn fundido com 0 Bern), separado de tudo aquilo que dele provem. E depois desse principio comum e separado que existe 0 ser comum. Por conseguinte, 0 ser e comum e separado, mas criado pelo Urn e participando dele. Para esta interpretacao, 0 conhecimento da substancia imaterial e objeto de investigacao metafisica. A ontologia e ao mesmo tempo teologia, porque quanta mais consideramos 0 ser comum, mais consideramos 0 ser como separado. Quanto mais consideramos 0 ser enquanto tal, mais consideramos a sua participacao no primeiro principio, Deus. Dessa forma, talvez, possamos dizer que ha uma ontoteologia, pois Deus e Ser sao as duas faces do mesmo fenomeno. Todavia, em Tomas de Aquino, a ontologia e neutra, toda nocao de ser eao mesmo tempo uma consideracao de Deus. A teologia tern urn grau mais elevado que a ontologia. A ontologia, ou metafisica e entao somente urn programa, dado por algumas definicoes da ciencia" (sobretudo, nos comentarios do De Trinitdatde de Boccio e de textos de Aristoteles). Tomas de Aquino jamais desenvolveu uma metafisica propria, pois a considera uma ciencia nao rigorosa, uma ancilla theologiae. Para ele, uma ciencia rigorosa deve ser fundamentada sobre conceitos univocos; mas como 0 ser, em sua
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
filosofia, nao eunivoco, a metafisica somente funciona com tennos analogos." - e ciencia apenas num sentido generalizado Para Duns Scot, ao contrario, ha urn conceito univoco de ser." Duns Scot, assim como Tomas de Aquino, critica tambem a sintese neo-platonica, porem e mais radical. A sintese neo-platonica repousa sobre a tese de que 0 ser e 0 efeito mais universal. Para Duns Scot, esta tese dissimula umafallacia, uma falta de l6gica concernente aos sentidos do universal. Duns Scot cita Avicena: uma causa e urn efeito podem ser universais, seja segundo a potencia, quer dizer segundo sua perfeicao, seja conforme a predicacao. Urn universal de predicacao pode ser predicado de varios, urn universal de virtualidade e 0 que e mais perfeito nele mesmo, e que contem nele mesmo mais de perfeicao do que qualquer outre." o ser nao e0 mais universal segundo a perfeicao, mas somente segundo a predicacao. 0 ser, quando esta incluido em varios, nao e mais perfeito que a coisa na qual, ele esta incluido. Ele e, entao, urn efeito mais universal segundo a predicacao, e sua causa e a mais universal segundo a perfeicao. Ao contrario, Deus e a causa mais universal segundo a perfeicao, Entao 0 ser e a causa mais universal segundo a predicacao, isto implica que urn efeito so pode ser 0 efeito do ser. Porem, isso nao impede que 0 ser (0 efeito mais universal segundo a predicacao) seja produzido por uma causa imperfeita. Deus e primeiro segundo a perfeicao: ele possui 0 ser no mais alto grau. Porem, 0 ser e primeiro segundo a predicacao. Desta forma, Duns Scot radicaliza as objecoes de Tomas de Aquino contra a sintese neo-platonica. Ele nao admite mais as reliquias do neoplatonismo ainda presente na interpretacao de Tomas de Aquino. Em Tomas de Aquino 0 ser absoluto (esse simpliciter) e 0 efeito pr6prio de Deus, e assim, 0 ser e 0 tenno pr6prio da criacao, E porque Deus somente pode criar, dar ao ser alguma coisa. Porque Deus e 0 ser subsistente, pode dar universalmente 0 ser participado aos entes Comuns (Ies entia). A comunidade do ser e ao mesmo tempo 0 principio de sua participacao causal. A comunidade do ser explica que Deus transcende a criatura. 0 principio de universalidade e ao mesmo
Prindpios
UFRN
Natal
vs
nll>.11-12
p.82-108
Jan./Dez.2002
tempo 0 principio de causalidade." Em Duns Scot e bern diferente e mais simples. Na ordem da predicacao, a comunidade do ser se estende a todas as coisas, abarcando Deus. Deus esta incluido no conceito de ser, que e primeiro na ordem da predicacao. Deus nao e anterior ao conceito de ser, porque nao ha nada de anterior a ele nesta ordem. Ele bern merece 0 nome de primeiro ser. Mas, na ordem da perfeicao, Deus e anterior as criaturas. As duas ordens sao coerentes, tanto na ordem da causalidade quanta na ordem da perfeicao, Deus e compreendido como urn ens primum causa de todo 0 resto (as criaturas), porem na ordem da predicacao, Ele esta incluido no ser, que e por sua vez 0 objeto primeiro do intelecto humano e da metafisica. No ser, objeto predicativo da metafisica, ha uma relacao de causalidade entre 0 termo primeiro, Deus, e 0 termo segundo, a criatura. A descoberta scotista do ser univoco, predicado comum de Deus e da criatura, modifica profundamente 0 estatuto da metafisica. Podemos por essa razao, falar de uma estrutura ontoteologica da metafisica. Existem duas partes da consideracao metafisica: uma e comum a todos os seus objetos em geral, a outra e especifica, porque ela recai sobre uma de suas partes. E porque a metafisica transcendental e anterior a ciencia divina, e assim, havera quatro ciencias especulativas: uma transcendental, e as outras tres especiais. Assim, a teologia, ciencia especial, e posterior a metafisica, ciencia transcendental. Estamos, dessa forma, distante da prioridade dada por Tomas de Aquino ao principio do ser comum. Com Duns Scot, nos temos a primeira divisao da metafisica nas duas ciencias modernas, a ontologia, como metaphysica generalis, e a teologia como metaphysica specialis. A prime ira ciencia e independente da segunda, e a segunda e subordinada aprimeira. Isso e precisamente e verdadeiramente 0 que nomeia uma ontoteologia, no sentido heideggeriano. Entao, nos parece que a ontoteologia realmente se inicia com a Escolastica, justamente, na passagem de Tomas de Aquino (1225足 1274) para Duns Scot (1266-1308). Para E.-H Weber e P. Porro a ontoteologia se realizou em Enrique de Gante (1217 -1295). Porro assinala que a peculiaridade da metafisica de Enrique de Gante e
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
a questao da existencia de Deus fazer parte de sua essencia, com isso se da "urn pas so decisivo no caminho da ontoteologia.?" Nesse caso, Enrique de Gante inaugura a ontoteologia e Duns Scot "nao fara nada mais do que radicalizar (...) certos motivos ja presentes.'?" No concernente a primeira questao, sobre 0 inicio da estrutura ontoteologica da historia da metafisica, podemos perceber que Heidegger nao dispoe de urn mecanismo muito rigoroso para 0 seu estabelecimento. Ele se apoia numa interpretacao neo足 escolastica de Aristoteles, difundida nos ambientes alemaes de filosofia de sua epoca, que tende a identificar problemas teologicos com problemas ontologicos, Anossa questao, nao etanto de refutar a tese heideggeriana, de que ha uma essencia divina na historia da metafisica ocidental, mas e mais de questionar 0 seu equivoco na delimitacao do surgimento da ontoteologia. A Metaflsica de Aristoteles, pelo 0 que vimos, nao permite a Heidegger tal intuito.
JJ A segunda questao, sobre a estrutura ontoteologica da metafisica, e menos analitica, ela diz respeito, nao mais ao seu surgimento, mas ao seu fim, ou seja, a necessidade de sua superacao, e implica uma analise de cunho antropologico足 filosofico, no limiar de uma filosofia da cultura, de uma antropologia filosofica. Desse modo, nos parece que e Nietzsche, mais do que Hegel, quem orienta Heidegger no caminho dessa ardua tarefa. Apesar de ter sido Hegel, 0 filosofo que revelou a Heidegger a estrutura ontoteologica da metafisica ocidcntal - tal como vimos aeima -, nao foi ele quem 0 estimulou para a necessidade de sua superacao. A filosofia sistematica de Hegel, com a sua ideia de absoluto fundarnentando-a, ainda se inscreve no contexto da metafisica ocidental. Desta fonna, nos parece que e a partir dos estudos sobre Nietzsche que Heidegger fortalece 0 seu teor critico em relacao a metafisica ocidental e estabelece urn modo operante para supera-Ia, Todavia, a interpretacao heideggeriana de Nietzsche e bastante ambigua: ha textos demasiadamente criticos nos quais
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
Nietzsche nao escapa dos limiares metafisicos; outros rnais amenos, nos quais e considerado 0 ultimo metafisico ou 0 primeiro a pensar". Nietzsche, antes de Heidegger, foi 0 primeiro a denunciar 足 remetendo uma forte critica - a estrutura onto-teo-16gica da metafisica, porem, sem usar tal terminologia. Para ele, a cultura ocidental, herdeira do platonismo, se constituiu atraves de valores universais, que sao extemos avida, e funcionam como autoridade extema que produz 0 sentido hist6rico. Para 0 fil6sofo do martelo, a estrutura das instituicoes que compoem a cultura e constituida por uma essencia divina. Nietzsche nos da urn born exemplo disso em duas ilustrativas passagens de 0 Crepusculo das idalas (1888), diz ele: "A razao na linguagem que velha ernbusteira! Temo que jamais nos livremos de Deus, posta que cremos ainda na gramatica'?". Aqui, Deus e denunciado na pr6pria estrutura da linguagem. E, de forma mais abrangente, edito: "0 erro do espirito como causa confundindo com a realidade, considerado como medida da realidade, denominado Deus7"29 Para Nietzsche, toda a estrutura da cultura ocidental e constituida de uma oculta essencia divina. Porem, no periodo modemo, ela se revelou como ilusao, pois os valores universais que lhe sustentavam, foram derrocados e lancados na nulidade. Esse acontecimento se expressa em sua filosofia na frase "Deus morreu" (Gatt ist tot). 0 significado desta frase em seu pensamento ted de ser aprofundado e, isto se dara, atraves de urn dialogo com Heidegger, que a analisa em seu ensaio A/rase de Nietzsche Deus morreu'". o tema da "morte de Deus" nao eoriginariamente nietzschiano; ja era corrente no ambiente alernao, tanto entre os poetas romanticos quanta na filosofia do idealismo." 0 poeta Heinrich Heine, em seu escrito L 'Histoire de la Religion et Philasaphie en Allemagne." de 1834, com fortes influencias da crise provocada pela critica de Kant a teologia racional, reflete 0 significado simb6lico de tal acontecimento e sentencia". "Esta triste noticia da morte de Deus talvez necessite de alguns seculos para se expandir universalmente "34. Para Heine, Kant, com a Critica da Raziio Pura havia promovido uma revolucao espiritual na
Principios
UFRN
Natal
Y.9
nO>.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
Alemanha, muito mais profunda que a Revolucao Francesa. Pois, para ele, enquanto na Franca caia it monarquia, na Alemanha morria 0 deismo. Desse ponto de vista, para Heine, os franceses haviam sido mais brandos em sua revolucao que os alernaes, pois, enquanto aqueles mataram 0 rei, esses mataram Deus." Urn outro exemplo do desespero causado pelo impacto do criticismo kantiano foi Kleist. Nietzsche - citando uma carta de Kleist, enviada it namorada - chamava a atencao , em suas Consideracoes Intempestivas, sobre "Schopenhauer como Educador", para 0 fato da popularizacao da filosofia de Kant ter disseminado urn certo ceticismo e relativismo sobre a verdade, que levaria determinados espiritos mais nobres, como 0 do melanc6lico Heirich Kleist, ao desespero." Kant teria estalado uma crise no pensamento ocidental modemo, ao afirmar categoricamente que nao hit conhecimento especulativo da coisa em si, mas tao somente de fenomenos, A concepcao de verdade aderida por Kleist, tal como se manifesta na carta em nota, esta intimamente ligada a uma visao pre-kantiana do conhecimento, que pode ser caracterizada como realismo metafisico. 0 realismo metafisico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciencia ou do sujeito. Tal posicao pressupoe uma autoridade externa como fundamento e organizadora da ordem do mundo, aos moldes da metafisica de Leibniz, Wolf e Descartes. A revolucao copemicana promulgada por Kant, poe fim a todo fundamento extemo, tanto gnosiol6gico quanta moral. Dessa forma, 0 intelecto humano e a medida de todas as coisas; e a acao humana, nao a divina, e0 motor da hist6ria, "somos n6s que comandamos". Deus perde seu estatuto de coisa em si, assim como a sua funcao de fundamentador, e passa a ser apenas uma ideia reguladora, urn postulado da razao pratica, que somente orienta a formulacao da lei moral, mas 0 fundamento mesmo e totalmente subjetivo e racional. Esses avancos de Kant na hist6ria do pensamento ocidental geraram urn certo pessimismo, pois nao existe mais nada de verdadeiro fora do sujeito. As influencias do ceticismo de Kant sobre a geracao de poetas e fil6sofos que 0 seguiram, nao param por ai; elas se estendem a Goethe, Schiller.Novalis, Holderlin, Jean-Paul, Schopenhauer,
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"-'.11-12
p.82-108
Jan./Dez.2002
93
Marx etc ... Em Kant, 0 tema da morte de Deus aparece de forma indireta e velada, ja que 0 filosofo de formacao pietista nunca postulou a existencia ou inexistencia de Deus"; ele apenas, ao delimitar os limites do conhecimento, afirmou a impossibilidade de conhece-lo, Porem, se em Kant a frase "Deus morreu" ainda nao aparece, em Hegel, 0 tema aparece literalmente em urn escrito de juventude": " ...0 sentimento em que se funda a religiao dos tempos modernos - 0 sentimento: Deus mesmo morreu (Gatt selbst ist tot.)" . Todavia, as conseqiiencias dessa frase no pensamcnto de Hegel" tern outro sentido do que em Nietzsche. Pois Hegel, assim como Fichte e Schelling, tenta em desespero ressuscitar 0 agonizante Deus. 0 conceito de Deus desempenha urn papel de grande importancia para a edificacao de suas filosofias, compreendidas como sistema. Fichte faz de Deus a ordem moral do mundo e Schelling 0 converte em infinito. Hegel, por sua vez, identifica Deus ao proprio Absoluto; pois Deus, ele mesmo, enquanto saber absoluto do absoluto, e a essencia do ente do 10gos40. A complexidade desses sistemas nos impede uma visao mais detalhada da funcao que Deus neles desempenha, e, alem do mais, 0 nosso objetivo, e tratar de urn Deus que nao desempenha mais nenhuma funcao, e ja nao fundamenta mais nada, pois esta morto. A sentenca de Nietzsche, "Deus esta morto", nao tern apenas 0 significado de uma critica it religiao e nem se resume ao movimento ateista" em yoga no seculo XIX. A critica que tal sentenca sugere e muito mais geral e abrange todo pensamento com pretensoes de edificar valores universais, tais como: unidade, verdades ultimas e finalidade. 0 Deus, que morreu, e quem garantia a ordem metafisica, epistemologica e moral do mundo. Com a sua morte, o conjunto dos ideais e dos valores que direcionavam 0 sentido historico sao denunciados como desprovidos de sentido, e tornam足 se produtos de uma ilusao, Isso revela 0 tipo conflituoso de doutrina que Nietzsche quer ensinar, isenta de autoridade externa, sem pretensoes de finalidades, verdades universais e unidade que fundamentem uma moral.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.82-108
Jan./Dez.2002
A passagem mais significativa em toda filosofia de Nietzsche sobre 0 tema da "morte de Deus" encontra-se em Gaia Ciencia (1882), no aforismo 125, onde urn insensato procura por Deus com uma lanterna na mao: Procuro Deus! Procuro Deus! (...) Para onde foi Deus?足 bradou - Vou lhe dizer! Nos 0 matamos, vos e eu! Nos todos, nos somos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como pudemos esvaziar 0 mar? Quem nos deu a esponja para apagar 0 horizonte? Que fizemos quando desprendemos a corrente que ligava a Terra ao sol? Para onde vai agora? Para onde vamos nos? ...
Alem do estilo bern elaborado e de beleza incontestavel dessa passagem, ai, percebemos toda a preocupacao do autor com as conseqiiencias de tal acontecimento para a humanidade. 0 momenta da tomada de consciencia da "morte de Deus" e 0 mais perigoso de todos, pois ele aponta para dois caminhos: urn - 0 que Nietzsche gostaria que a humanidade seguisse - e 0 caminho da superacao, a tomada de consciencia, de que somos nos que comandamos, ou seja, nao ha autoridade externa que nos guie, mas somos nos mesmos que nos conduzimos, para nos tornarmos aquilo que somos; 0 outro, e 0 perigo que essa percepcao pode lancar sobre a humanidade, pois tal tomada de consciencia revela que aquilo em que depositavamos a mais alta esperanca e desprovido de valor, e ficcao e se revela como nada. Esse sentimento de nada instaurado pela ausencia de Deus pode lancar a humanidade no mais calamitoso e nebuloso dos tempos, no qual nada vale a pena, tudo e em vao. Esse ensinamento e preconizado pelo arquiinimigo de Zaratustra, 0 Adivinho. Diante de tal desolamento, Nietzsche adverte: "Se nos nao fizermos da morte de Deus uma grande renuncia e uma perpetua superacao sobre nos mesmos, teremos de pagar por esta perda. "42 o tema da morte de Deus, no pensamento de Nietzsche, e a maxima expressao do niilismo. 0 termo niilismo designa, por uma parte, a crise ameacadora na qual esta lancado 0 mundo moderno, a desvalorizacao dos valores universais que lanca a humanidade
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'. 11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
na angustiante situacao de que nada mais tern senti do; por outra parte, aplica-se como sua logica interna, ao desenrolar de toda a historia chamada europeia, desde Platao. Na medida em que tern conduzido 0 processo evolutivo da humanidade, 0 niilismo se fez sempre presente como sua logica interna, antes e depois de sua detequitacao. Dessa forma, 0 niilismo acomete a cultura e 0 homem, tanto como experiencia e sentimento de urn estado critico atual, quanta como pensamento critico que 0 homem e a cultura fazem contra as crencas, os valores ou ideais. Por isso, Nietzsche, no esboco de cornposicao da obra postuma, Vontade de Poder , diz: "0 niilismo esta it porta (... ) como 0 mais sinistro dos hospedes"." Primeiro, ele se instala maliciosamente como 0 sentimento entristecedor; depois, como sentimento atemorizador do fracasso de todos os sentidos. E 0 esgotamento progressivo de todos os sentidos, 0 reino em expansao do esvaziamento dos sentidos. E 0 momenta que se experimenta como se fosse urn pesadelo ou desorientacao completa. Para usar uma expressao de Nietzsche, em Assim Fa/au Zaratustra, "0 deserto cresce ".44 Todos os valores que direcionavam os sentidos se esgotaram, se ocultaram, se negaram: faltam as metas. 0 niilismo, como a experiencia do esgotamento dos senti dos, se traduz em urn grande cansaco, 0 grande fastio do homem por si mesmo. E uma agonia infinita, urn interminavel crepusculo. Heidegger" tern razao quando, em seu ensaio A Frase de Nietzsche 'Deus Morreu '46, identifica os dois temas, "morte de Deus" e niilismo. Ele tern razao tambem quando diz: "Nietzsche interpreta metafisiicamente a marcha da historia ocidental, como nascimento e desenvolvimento do niilismo.?" Pois, 0 niilismo enquanto conceito nao se esgota no tema da "morte de Deus", pois, enquanto processo historico, ele e remetido como forma inicial a Platao, que, com sua teoria das ideias, opondo 0 inteligivel ao sensivel, teria inaugurado a metafisica e, por conseguinte, 0 niilismo europeu. Platao, para Nietzsche, teria criado os valores universais, que sao, em ultima instancia, produtos de uma ficcao. Deste modo, e justo, do ponto de vista nietzschiano, dizer que a historia ocidental e niilista, metafisica e platonica, "A morte de
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
Deus" e0 momenta niilista na historia ocidental, no qual se revela que 0 mundo supra-sensivel, 0 mundo dos valores universais, que direcionavam todos os sentidos, ederrocado e entra a humanidade, dessa forma, em uma crise desoladora. Heidegger, no mesmo ensaio, entende que, sendo a filosofia de Nietzsche urn contra movimento a metafisica, ao platonismo, e e1amesma metafisica, pois, como mero movimento contrario, como mera inversao (blosse Umstiilpung)," segue aderida a essencia daquilo contra 0 que se pronuncia". Nesse ponto, discordamos de Heidegger, pois nao podemos remeter contra 0 filosofo do martelo aquilo que ele tentara demolir, isto e, nao e justo the imputar que tenha caido nas malhas da metafisica e, por conseguinte, do niilismo criticado por ele mesmo. A contraposicao de Nietzsche ao platonismo nao representa mer a inversao, tal como propoe Heidegger, mas antes, uma superacao da propria oposicao, Nao nos esquecamos do ensinamento de 0 Crepusculo dos Idolos: "0 Mundo-verdade acabou abolido, que mundo nos restou? 0 mundo das aparencias? Mas nao; com 0 fim do Mundo-verdade abolimos tarnbern 0 mundo das aparenciasl'?". Nietzsche nao cai no niilismo critic ado por ele mesmo. 0 niilismo ao qual ele adere e0 que ele, frequentemente, chama de niilismo ativo, que nao e movido por urn pessimismo, mas antes por urn otimismo, expresso no pensamento afirmativo do eterno retorno, "como a forma mais elevada da afirmacao que em geral se pode alcancar"." 0 niilismo enquanto processo e necessario, e a sua necessidade implica necessariamente a sua superacao.? Podemos afirmar categoricamente que: Heidegger embora rem eta uma forte critica a Nietzsche - 0 qual abala os alicerces da metafisica, mas nao e capaz de supera-la -, ele nao deixa de utiliza-lo como instrumento para executar aquilo que pretendia na introducao de Ser e Tempo, isto e, a tare fa da destruicao da metafisica". 0 desmascaramento nietzschiano da essencia divina como fundamentadora da cultura ocidental em geral, possibili ta a Heidegger a desconstrucao da estrutura ontoteologica da metafisica.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
Para conclui, podemos considerar que: apesar das duas questoes aparentemente nao se relacionarem, pois, como ligar, Aristoteles, Tomas de Aquino, Duns Scot, Enrique de Gante a Hegel e Nietzsche, em uma mesma investigacao? Isso se toma possivel, atraves do conceito heideggeriano de ontoteologia, concebido como a estrutura da metafisica ocidental, que implica uma analise de seu inicio e do seu fim - como superacao. Heidegger, a esse respeito, defende a posicao de que os esforcos de Zaratustra foram em vao na tentativa da superacao do espirito de vinganca, pois segundo ele, a filosofia de Nietzsche, apesar de ser considerada 0 desfecho do pensamento metafisico, nao conseguiu superar 0 ressentimento que caracteriza a vontade niilista e par isso mesmo se viu lancada na propria impossibilidade. o exemplo que Heidegger nos da, de como 0 ressentimento se apresenta no pensamento de Nietzsche, ele vai buscar na ultima linha de EH : "Compreenderam-me? - Dioniso contra 0 crucificado ". Segundo Heidegger, a preposicao "contra" (gegen) apresenta uma oposicao metafisica na filosofia de Nietzsche, que impossibilita que Zaratustra venca 0 espirito de vinganca. (Cf. "Wer ist Nietzsches Zarathustra?" - in Vortrage und Aufsatze, 1954. pp. 121-123. Contra essa posicao de Heidegger, Muller足 Lauter, em recente artigo, agumenta que: Heidegger da soHeidegger, a esse respeito, defende a posicao de que os esforcos de Zaratustra foram em vao na tentativa da superacao do espirito de vinganca, pois segundo ele, a filosofia de Nietzsche, apesar de ser considerada 0 desfecho do pensamento metafisico, nao conseguiu superar 0 ressentimento que caracteriza a vontade niilista e por isso mesmo se viu lancada na propria impossibilidade. o exemplo que Heidegger nos da, de como 0 ressentimento se apresenta no pensamento de Nietzsche, ele vai buscar na ultima linha de EH: "Compreenderam-me? - Dioniso contra 0 crucificado ". Segundo Heidegger, a preposicao "contra" (gegen) apresenta uma oposicao metafisica na filosofia de Nietzsche, que impossibilita que Zaratustra venca 0 espirito de vinganya.(Cf. "Wer ist Nietzsches Zarathustra?" - in Vortrage und Aufsatze, 1954. pp. 121-123. Contra essa posicao de Heidegger, Muller-Lauter,
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
em recente artigo, agumenta que: Heidegger da somente urn significado de aversao (Wider-wollen) ao Gegen de Nietzsche. Retomando antigas teses de sua reflexao sobre Nietzsche, Muller Lauter identifica 0 significado de Gegen ao de Gegensatze (antagonismos), 0 qual, por sua vez, identifica com a ideia de tragico e dionisiaco, Segundo Muller-Lauter, 0 significado de dionisiaco em Nietzsche nao e 0 de urn contra, no sentido de uma reversao do sensivel contra 0 supra-sensivel, mas de uma afirmacao da vida contra 0 modo pessimista de viver. 0 dionisiaco nao surge como uma oposicao dicotornica ao antigo modelo da metafisica platonica, mas surge como 0 pensamento tragico que propoe uma cornpreensao do homem para alem das dicotomias metafisicas".
Abstract The paper intends to analyze and assess Heidegger's notion of 011 to theology as the structural character of the history of western metaphysics. Accordingly, two aspects will deserve special attention. First, it is su ggested that Heidegger does not get suffciciently clear about the very beginning of ontotheology, which turns out to be a problem for the ge neralization of his thesis. Second, Heidegger 's and Nietzsche's criticisms to traditional metaphysics are compared, in order to show that in spite of its Hegelian inspiration Heidegger's criticism to metaphysics as onto theology originated in Nietzsche and is intended to get over him.
Notas I
2
Sobretudo, Alain de Libera, Edouard-Henri Weber e P. Porro. Nesse curso, Heidegger pela primeira vez usou 0 conceito de ontoteologia. Esse curso foi posteriorrnente publicado como: Hegels Phanornenologie des Geistes - GA 32, Frankfurt am Main, 1980. Apesar de Heidegger herdar 0 conceito de Hegel, esse ja havia sido cunhado por Kant que se utiliza dele na Critea da Razdo Pura, II, 3, 7 (A 632, B 660), para definir uma especie particular de teologia. Para Kant, uma ontoteologia e uma teoria sobre Deus obtida pela razao pura, com os conceitos transcendentais puros, e que implicam a sua existencia, como ens realissimum; ou seja, a ontoteologia euma teoria do ser, na qual se perrnite aquilo que Kant nomeia de "prova ontologica",
Principios
UFRN
Natal
v.9
nll>.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
3
P. 141. No texto, a palavra Theos aparece com caracteres grego.
4
P. 183.
5
Paragrafo 6.
6
Ate entao, Heidegger nao tinha 0 conceito de ontoteologia, que nao aparece
nem em Ser e Tempo nem em "0 que e Metafisica?" (1929).
7
E-H. Weber, "Eckhart et I'ontotheologie: histoire et conditions d 'une rupture", dans Maitre Eckhart aParis, Une critique rnedievale de I'ontotheologie, Etude de textes et introduction, Paris, PDF, 1984. P.13-24 e 80.
8
A. de Libera, La Philosophie Medievale, Col. "Que sais-je?" Paris: PDF, 1989.
9
P. 72-73.
IU
As passagens na Metaflsica referentes ao assunto sao: I, I; IV, I; VI, I e XI, 7.
II
Andronico de Rhodes, sec. I. Cf. "Was ist Mataphysik?", Frankfurt am Main, 1992. P.19. Trad. Bras., in Col, Os Pensadores, SP: Abril Cultural, 1979.
I'
P. Aubenque, Le Problerne de l' etre chez Aristote, Paris, 1962. P.200.
13
Metafisica, IV, I, 1003 a, 22 ss. E born ressaltar que Aristoteles, nessa passagem, da como exemplo de ciencia a maternatica, considerada por ele, no livro, VI, I, uma das ciencias te6ricas ao lado da fisica e da teologia.
14
15
Idem, VI, I, 1026 a 28 ss.
16
Entre esses os mais eminentes, P. Natorp, W. Jaeger e P. Aubenque.
17
Cf.
18
Cf. Metafisica, XI, 7, 1064 a. 28.
0
dialogo pseudoplatonico Os Rivais.
T. de Aquino. In librum De Causis expositio, prop. 4, Par. 98. Ed. C. Pera, Turim, 1955. P. 28 .
19
T. de Aquino ve Carlos Arthur R. do Nascimento - De Tomas de Aquino a Galileu, Col. Trajetoria, 2, IFCH, UNICAMP, 1995.
zo Sobre 0 estatuto das ciencias em
" Cf. a esse respeito: Luis Millet - Analogie et participation chez Thomas d'Aquin; Edouard Weber - L'elaboration de I 'analogie chez Thomas d 'Aquin ; Pierre Aubenque - Sur la Naissance de la Doctrine Pseudo-Aristotelicienne de I 'Analogie de I 'Etre. Todos in Les Etudes Philosophiques, n. 3-411989. 22 Cf.
sobre a relacao da univocidade e da analogia em Duns Scot: Olivier Boulnois - Analogie et Univocite Selon Duns Scot: La Double Destruction. In Les Etudes Philosophiques, 3-4/1989.
23 24
D. Scot, Opus Oxoniense, IV, d 1, q l, par. 7, ed. Wadding. t. 8, p. lOa.. Cf. E. Gilson. Jean Duns Scot, Introduction Paris 1952. P. 347.
Principles
UFRN
Natal
v.9
a ses
n"'.11-12
positions fundamentales,
p.82-108
Jan.lDez.2002
P. Porro -- Enrico di Gand, la via delle proposizioni universali, Bari, 1990. P. 127.
25
Ibid., p. 131.
26
Heidegger e mais critico de Nietzsche, sobretudo, em Nietzsche, v. II e no ensaio,"A frase de Nietzsche 'Deus morreu'"; e e mais ameno em Nietzsche, v. I e em "0 que chamamos pensamento?".
27
28
Crepusculo do ldolos, A Razao na Filosofia, 5.
29
Idem, Os quatro grandes erros, 3.
,0 Esse ensaio foi publicado em Holzwege (1950), mas seu essencial havia sido redigido em 1943. Cf. Eugen Biser - Gott ist tot. Nietzsches Deskonstruktion des christlichen Bewusstseins. Miinchen: Kosel Verlag, 1962.
.11
n Essa obra foi escrita para 0 publico frances, na epoca em que Heine trabalhou na Franca como correspondente de jomais alemaes, )) Cf. Biser, E., idem e Tambem - "Ni Antechrist ni a la recherche de Dieu". In Nietzsche Aujourd'hui", vol. 2. Paris: Union General d'Editions, 1973. P. 265. ,. Citacao de E. Biser, in Nietzsche Aujourd'hui", P.265 . Cf. Zur Geschichte del' Religion und Philosophie in Deuntschland, em Heine volA do Schriften iibcr Deutschland. Frankfurt a. M.: Insel Verlag, 1968. P. 119.
.15
Cf. Consideracoes Intempestiva, "Schopenhauer als Erzieher", 3. Nietzsche afirma isso com base numa carta de Kleist remetida a sua namorada Guilhermina: "Recentemente eu travei conhecimento com a mais recente filosofia, assim chamada kantiana, e preciso agora the comunicar uma ideia extra ida de hi, sem nenhum temor de que ela a toque tao profundamente, tao dolorosamente, quanta a mim. (...) Se todos os homens em vez de olhos tivessem oculos verdes, entiio eles teriam de julgar que os objetos que eles pOI'seu meio enxergam sao verdes - e jamais poderiam decidir se seu olho lhes mostra as coisas como elas sao, ou se ele ndo lhes acrescenta algo que ndo pertence a elas, mas ao olho. Assim sucede com 0 entendimento. Nos ndo podemos decididir se aquilo que nos chamamos verdade e verdadeiramente verdade, ou se apenas nos aparece assim. Se for assim, entdo a verdade que nos aqui juntamos ndo e mais depois da morte - e todo esforco de adquirir uma propriedade que nos acompanhe tambem ate ao tumulo e em vao. Ah! Guilhermina, se a ponta dessa ideia niio toea 0 teu coracdo, tambem niio ria de uma outra pessoa que se sente profundamente ferida pOI'isto no seu mais sagrado intima. Meu objetivo unico, mais alto, foi abaixo, e agora eu ndo tenho mais outro" (H. v. Kleist, Sarntliche Werke und Briefe, B.IV, Miinchen, 1982. P. 634.
)6
)7
Cf. a posicao de Kant em relal(iio as provas da existencia de Deus, em: A Critica da Razdo Pura "0 Ideal da Raziio Pura", Cf. tambern 0 escrito pre-
Principios
UFRN
Natal
v.9
nos.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
critico, "Der einzig rnogliche Beweisgrund zu einer Demonstration des Daseins Gottes" (0 unico fundamento de prova possivel de uma demonstracao da existencia de Deus). Em relacao as rnudancas de Kant quanta ao conceito de Deus, ver 0 artigo De Eckart Forster: "As mudancas no conceito kantiano de Deus". In Studia Kantiana; trad. De Guido de Almeida e Julio Esteves. Revista da Sociedade Kantiana vol. I, n. I, 1998. J'
"Glauben und Wissen. Oder die Refllexionsphilosophie der Subjektivitat in der Vollstandigkeit ihrer Formen als Kantische, lacobische und Fichtesche Philosophie". Jenaer Schiften 1801-1807. Suhrkamp, Werke 2. Aufl. 1990. P. 432. Essa passagem e citada por Heidegger em seu ensaio "Nietzsches Wort 'Gott ist tot?', Holzwege.
39 0 pensamento religioso de Hegel e muito complexo e sucita diversas questoes, Ate mesmo seus discipulos divergiam quanta a questao se ele mantinha uma posicao teista ou ateista. A direita hegeliana, representada por Goschel, sustenta que, Hegel e urn crente ortodoxo; a esquerda, representada por Strauss, adota 0 ponto de vista oposto. Cf: 0 verbete God and christianism, in: A Hegel Dictionary - Blackwell Publishers; Oxford, 1993. 40 Sobre essa questao, Cf. Heidegger - Hegels Phdnomenologie des Geistes; GA, 32 Frankfurt - am-Main, 1980. P. 141. 41 E. Biser, na introducao de seu livro - Gott ist tot. Nietzsches Deskonstuktion des christlichen Bewusstseins -- argumenta que, a posicao de Nietzsche niio pode ser considerada ateista, pois ele nao e alguem que fala da nao existencia de Deus, mas do assassinato, que pressupoe que para ser assassinado, teria antes que existir. 42 Ed. Kroner, XII, 167. 43 A esse respeito, Cf. Oswaldo Giac6ia: "A Crise da Cultura como Escalada do Niilismo (De onde procede 0 mais sinistro dos h6spedes?)" - in Labirintos da Alma. Nietzsche e a auto-supressao da moral. Ed. UNICAMP; Campinas, 1997. 44 AFZ, IV, "Entre as Filhas do Deserto", Essa expressao e usada por Heidegger, em 0 Que Chamamos Pensamento", para ilustrar a arneaca que representa 0 niilismo. 45 Cf. "Nietzsches Wort 'Gott ist tot'", in Holzwege; pp. 200-20 I. Tambem, "Der europaische Nihilismus", in Nietzsche II. â&#x20AC;˘" Cf. "Nietzsches Wort 'Gott ist tot'", in Holzwege; pp. 200-201. Cf. Tambem, "Der europaische Nihilismus", in Nietzsche II. 41 "Nietzsches Wort 'Gott ist tot'". pp. 193-194. â&#x20AC;˘8
Cf. Idem, p. 200.
49Heidegger tern uma posicao semelhante a essa em seu ensaio, Quem E 0 Zaratustra de Nietzsche? Nesse, Heidegger defende a posicao de que os esforcos de Zaratustra foram em vao na tentativa da superacao do espirito de vinganca, pois segundo ele, a filosofia de Nietzsche, apesar de ser considerada 0 desfecho
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
do pensamento metafisico, nao conseguiu superar 0 ressentimento que caracteriza a vontade niilista e por isso mesmo se viu lancada na propria impossibilidade. exemplo que Heidegger nos da, de como 0 ressentimento se apresenta no pensamento de Nietzsche, ele foi buscar na ultima linha de Ecce Homo: "Compreenderam-me? ~ Dioniso contra 0 crucificado ". Segundo Heidegger, a preposicao "contra" (gegen) apresenta uma oposicao metafisica na filosofia de Nietzsche, que impossibilita que Zaratustra venca 0 espirito de vinganca. (Cf. "WeI' ist Nietzsches Zarathustra? " - in Vortrage und Aufsatze, 1954. pp. 121-123. Contra essa posicao de Heidegger, Muller-Lauter, em recente artigo, agumenta que: Heidegger da somente urn significado de aversao (Wider足 wollen) ao Gegen de Nietzsche. Retomando anti gas teses de sua reflexao sobre Nietzsche, Muller-Lauter identifica 0 significado de Gegen ao de Gegensatze (antagonismos), 0 qual, por sua vez, identifica com a ideia de tragico e dionisiaco. Segundo Muller-Lauter, 0 significado de dionisiaco em Nietzsche nao e 0 de urn contra, no sentido de uma reversao do sensivel contra 0 supra足 sensivel, mas de uma afirmacao da vida contra 0 modo pessimista de viver. a dionisiaco nao surge como uma oposicao dicot6mica ao antigo modelo da metafisica platonica, mas surge como 0 pensamento tragico que propoe uma cornpreensao do homem para alem das dicotomias metafisicas. (Cf. "Heidegger uber Zarathustras 'Geist der Rache. pp. 21-23. Trata-se de urn artigo ineditado de Muller-Lauter, gentilmente cedi do a mim pelo Prof Dr. Emani Chaves, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Para).
a
50
Cf. "Como
51
Ecce Homo, "Assim Falou Zaratustra".
52
53 54
0'
Mundo-Verdadc' Tomou-se Enfim uma Fabula" 6
Sobre essa questao, cf. Muller-Lauter. Nietzsche. Seine Philosophie der Gegensdtze und die Gegensdtze seiner Philosophie. P.30ss .. Cf. tambem do mesmo autor: "Heidegger iiber Zarathustras 'Geist der Rache"'. Cf. parag. 6. Cf. "Heidegger iiber Zarathustras ,Geist der Rache' ", pp. 21-23. Trata-se de urn artigo ineditado de Muller-Lauter, gentilmente cedido a mim pelo Prof. Dr. Emani Chaves, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Para.
Referencias ANSELMO de Canterbury, Proslogion. In: L' Oeuvre D' Anselmo de Canterbury, Tome Primier. Paris: Les Editions du CERF, 1986. AQUINO, Tomas. Librum De Causis expositio. Ed. C. Pera. Turin, Marietti, 1955.
_______. Induodecim libros Metaphysicae expositio. Turin, Marietti, 1955. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.82-108
Jan./Dez.2002
_ _ _ _ _ _. Expositio Super Librum Boetii De trintate. Ed. B.Decker, Leiden, Brill, 1959. Trad. brasileira de Carlos Arthur R. do Nascimento. Editora Unesp: SP, 1999. - - - - - -. Summa Contra Gentiles. Turin, Marietti, 1961.
_ _ _ _ _ _. Summa Theologica. in 5 v. Paris, Blot, 1926.
ARISTOTELES. The complete Works Aristotle. The revised Oxford Translation. Edited by Jonathan Barnes, 2 v., Princeton University Press, Sixth Printing, 1995.
DESCARTES, R. Oeuvres de Descates.Charles Adam & Paul
Tannery, 11 v. CNRS. Paris: Vrin 1973-78.
DE GANTE, Enrique. Quodlibeta. 2v. Paris, 1960. (reimpressao da ed. 1518).
_ _ _ _ _ _. Summa Theologica. 2v. Paris, 1953 (reimpressao
da ed. 1520).
DUNS SCOT, J. Obras completas. Editadas por Lucas Walding
em 12 v. Lion, 1639.
_ _ _ _ _ _. Opus Oxniense,L. I e II, Quaracchi, 2 v. 1912/
14. Reimpressa em Paris e Vives, em 1891-95. Reeditadas em 12 partes em 16 v., 1968-69.
HEGEL, G. W. F. Werke in Zwanzig Bdnden. Frankfurt a. m.:
Suhrkamp, 1986.
HEIDEGGER, M. Nietzsche. 2 B. Pfullingen, Neske, 1961.
_ _ _ _ _ _. Holzwege. Frankfurt: K1ostemann, 1950. - - - - - -. Vortrdge und Aufsdtze. Pfullingen: Neske, 1954. - - - - - -. Was heisst denken? Tubingen: Max Niemeyer,
1954.
_ _ _ _ _ _. Hegels Phdnomendogie des Geistes. GA. 32,
Frankfurt. a. m.: Klostermann. 1980.
_ _ _ _ _ _. Sein und zeit. Tubigen: Max Niemeyer, 17.
auflage. 1993.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO<.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
_______. Die Kategorien und Bedeutungslehre des Duns Scotus, 1916. trad. Franc. Paris: Gallimard. 1970. _ _ _ _ _ _. Was ist Metaphysik? Frankfurt a. m. 1992.( inc1ui a introducao tardia de 1949). _ _ _ _ _ _. Die GrundbegrifJe der Metaphysik, GA. 29/ 30. Frankfurt a. m.: Klostermann. 1983. _______. Einfiihrung in die Metaphysik. trad. Brasileira,
Rio de Janeiro: tempo Brasileiro, 1976.
_______. Identidade e Diferenca. Col. Os pensadores,
Sao Paulo: Abril Cultural, 1982. _ _ _ _ _ _ _. Aristoteles, Metaphysik, Buch Theta, 1-3. Gesamtausgabe, Band 33, Frankfurt, Vittorio Klostermann, 1981.
_______. Interpretation Phenomenologique d' Aristote. Trad. Frac. de J. F. Courtine, Trans-Europe. Paris: Moevesant, 1992.
_ _ _ _ _ _ _. Que es y como se determina la Physis 足
Arist6teles Fisica, B, I. Trad. Esp. de Francisco Soler. In Revista
de Filosofia. Universidade do Chile, Santiago [ ].
KANT, I. Werke in Zehn Bdnden. Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt, 1983. NIETZSCHE, F. Kritische Studienausgabe. Herausgegeben von G. Colli und M. Montinari. Berlin! NY: dtv/ W. Gruyter, 1988 PLATAo. Diversos dialogos, Trad. Frac., Col. GF Flammarion, Paris [ ]
SUAREZ, F. Disputaciones Metafisicas. Trad. esp. Biblioteca
Hispanica de Filosofia. v.l Madrid.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO:;.11-12
p.82-108
Jan./Dez.2002
Referencias Secundarias AERTSEN, Jan A. "Die Lehre der transzendentalien und die Metaphysik Der Kommentar von Thomas von Aquin Zum IV der Metaphysika".In: Zeitschrift fur Philo sophie e Theologie, 35, Freiburger, 1988. ALMEIDA, Guido Antonio de. A "deducdo transcendental": 0 cartesianismo posta em questdo, In: Analytica, volume 3, numero 1, 1998. AUBENQUE, P. Le Probleme de L 'Etre chez Aristote. P.U.F, Paris,
1962.
_ _ _ _ _ _. Hegel et Aristote [ ]
- - - - - -. La question de l'ontotheologie chez Aristote et
Hegel. PUF, 1991.
- - - - - - -. Sur la Naissance de la Doctrine Pseudo-
Aristotelicienne de I'Analogie de I 'Etre. Les Etudes Philosophiques, 3-4/1989.
BERTI, E. Aristoteles no Seculo XX Trad. Bras. Edicoes Loyola, SP,1997. - - - - - -. As Razoes de Aristoteles. Trad. Bras. Edicoes
Loyola, SP, 1998.
_ _ _ _ _ _. La Metaphysique d 'Aristote: "Onto- Theologie"
ou "Philosophie Premiere"? - In Revue de Philo sophie Ancienne,
XIV, 1996.
BISER, Eugen. Gott ist tot. Nietzsches Deskonstruktion des christlichen Bewusstseins. Miinchen: Kosel Verlag, 1962 ______. "Remarque sur d'Aurore, par Paul Valadier. Ni Antechrist ni a la recherche de Dieu. In Nietzsche Aujourd'hui? Paris: Union Generale d'Edition, 1973. BOULNOIS, Olivier. A la recherche d'un Duns Scot introvable. In: Saint Thomas au .AXe. Sieche. Ed. Saint Paul, Paris, 1994.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nll5.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
_ _ _ _ _ _ _ _ . Quand commence I 'ontologie? Aristole, Thomas d'Aquin et Duns Scot. In: Revue thomiste. XCV, Paris,
1995. _ _ _ _ _ _ _ _. Analogie et Univocite Selon Duns Scot: La Double Destruction. In Les Etudes Philosophiques, 3-4/1989.
BRENTANO, F. Von der Mannigfachen Bedeutung des Seinss bei
Aristoteles. Friburgo, 1862 - Trad. francesa, ed. J. Vrin, Paris, 1992.
CURLEY, Edwin. De volta ao argumento ontologico, In:
Ana1ytica, volume 2, numero 2, 1997.
ETIENNE, G. Le Thomisme. Vrin, Paris, 1989.
_ _ _ _ _. A Filosofia Crista. Trad. brasileira pela Vozes, RJ,
1991.
______. Jean Duns Scot - Introduction a ses positions
fondamentales. Vrim, Paris, 1952.
_ _ _ _ _. La Philosophie au Moyen Age. Payot, Paris, 1952.
FILHO, Raul Landim. Idealismo ou realismo na Filosofia Primeira de Descartes. Analise da critica de Kant a Descartes no IVparalogismo da CRP[A]. In: : Analytica. volume 2, numero 2, 1997. _ _ _ _ _ _. Argumento Ontologico: A prova a priori da existencia de Deus na filosofia primeira de Descartes. In Discurso,
31, USP, SP, 2000. _ _ _ _ _ _ _ _ _. Do eu penso cartesiano ao eu penso kantiano. In: Studia kantiana. vol. I, n." I, setembro de 1998
FORSTER, Eckart. As mudancas no conceito kantiano de Deus. Trad. Guido A. de Almeida e Julio C. R. Esteves. In: Studia kantiana, vol I, n." I, setembro de 1998. GOUHIER, Henri. La preuve ontologique de Descartes (a propor d'un livre recent). In: Revue internationale de Philosophie, n째 29. Bruxelles, 1954.
GUEROULT, Matial. Descartes selon I 'ordre des raisons. 2v.
Aubier, Paris, 1953.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
- - - - - - - - . Nouvelles Reflexions. Sur la preuve
ontologique de Descartes. Vrim, Paris, 1995
IRWIN, T. H. Homonymy in Aristotle. In: Review ofMetaphysixs 34 (March 1981) JAEGER, W. Arist6te1es ( bases para a hist6ria do seu desenvo1vimento inte1ectua1 ). Trad. espanho1a por 1. Gaos, Fundo de Cu1tura Economica, Mexico, 1984. LIBERA, Alain. La Philosophie Medievale, PUF. Paris, 1993. ______. La Philosophie Medievale, - cd. "Que-Sai-Je"> PUF. Paris, 1989. - - - - - - . Les Sources Greco-Arabes de 1a Theorie
Medievale de l' Analogie de 1,Etre. In Les Etudes Phi1osophieques,
n.3-4/1989.
MARION, J-L. Saint Thomas d'Aquin et I'Onto-theo-logie. In
Revue Thomiste, XCV,1995.
MILLET, L. Analogie et Participation chez Thomas d'Aquin. In
Les Etudes Phi1osophiques, n. 3-4/1989.
NATORP. Thema und Disposition der Aristotelichen Metaphyk.
Phi1osophiche Monatshefte 24, 1888.
OWENS. 1. The Doctrine ofBeing in the Aristotelian Metaphysics.
PIMS, Toronto, 1957.
PORFIRIO. ISA GOGE. Trad. portuguesa pe1aGuimaraes Editora,
Lisboa, 1994.
PORRO, P. Eurico di Gand, La via delle proposizioni universali,
Bar, 1990.
PROUVOST, G. Apophantisme et Ontotheologie. In Revues
Thomiste, XCV,1995.
REALE, G. II Concetto di Filosofia prima e L 'unita della
Metaflsica di Aristoteles, Vita e Pensiero. Milan, 1993. Trad. port.,
ed. Paulos, SP, 1990.
ROSS, D. Aristoteles. Trad. portuguesa pe1a Publicacoes Dom
Quixote, Lisboa, 1987.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nllli.11-12
p.82-108
Jan./Dez.2002
TUGENDHAT, E. "Ti Kata tinos". Eine Unteruchung zur Struktur und Ursprung Aristotelischer Grundbegriffe. Friburgo, 1958. VAYSSE, J-M. Aristote et Heidegger: La Memoire de I 'Initial. In Kairos, n. 9, 1999. WEBER, Edouard-Henri. "Eckhart et I 'ontotheologie: histoire et conditione d 'une ruupture". In: Maitre Eckhart a Paris, une critique medievale de I 'ontotheologie, Etudes, texte et introduction. Paris, PUF, 1984.
_ _ _ _ _ _ _. L 'Elaboration de l'Analogie chez Thomas
d'Aquin. In LesEtudes Philosophiques, n. 3-4/1989.
WOLF, Christian. Verniinftige Gedanken von Gott, der Welt und
der Seele des Menschen, auch allen Dingen iiberhaupt. (1719). [ ]
ZiNGANO, Marco. L 'h omonymie de I 'etre et le projet
metaphysique d'Aristote. In: Revue Intemationa1e de Philosophie
3/1997 - n." 201.
Coletaneas Companion to Metaphysics, London: B1akwell, 1997. The Cambridge History ofLater Medieval Philosophy, Cambridge University Press, 1982. CERQUEIRA, L,A. Aristotelismo Anti-aristotelismo - Ensino de Filosofia. Editora Agora da Ilha. RJ, 2000. GOEME, C. Jean Scot ou la revolution subtile - FAC edition, 1982
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.82-108
Jan.lDez.2002
Leitura de Heidegger - sobre
0
fundamento
Miguel Antonio do Nascimento*
Resumo A questao do fundamento traz a tona criticas a metafisica. No pensamento de Heidegger, esta questao mostra que 0 ontologico nao se reduz as deterrninacoes metafisicas. Este fato como tal e que precisaria suscitar interesse e ser aprofundado. Criticas generalizadas e correntes a metafisica nao tomam isto como seu objetivo.
1. 0 pensamento de Heidegger coexiste com as criticas gene足 ra1izadas ametafisica, feitas tambem para "superacao" desta. Mas Heidegger quer caracterizar este problema priorizando 0 Jato do ontol6gico nao se reduzir a determinacoes metafisicas. E 0 Jato que requer atencao e aprofundamento. Isto marca diferenciacao entre esses prop6sitos de critica a metafisica. Aquilo que e desig足 nado, correntemente, por "superacao" pura e simples da metafisica, nao chega a ser ja a explicacao disto. Heidegger mostra, na questao do fundamento, 0 problema do principio de razao e 0 problema ontol6gico como tal. Jade partida, o segundo aspecto - 0 problema ontol6gico como tal - se mostra mais abrangente e ate inclui 0 primeiro - 0 problema do principio de razao, 0 problema ontol6gico como tal atrai para si toda a questao do fundamento, buscando superar a farta especulacao tipica do primeiro aspecto - 0 principio de razao, Tambem de modo especifico refere-se Heidegger ao 'principio da razao '. No caso, ele indica que a tentativa de fundamento segundo este principio teria se efetivado sem garantir 0 enraizamento pr6prio da natureza ontol6gica do fundamento. Em outros termos, pretendeu-se que 0 problema do fundamento se limitasse e coincidisse com 0 'principio da razao'. Para Heidegger, porem, 0 'principio' se torna insuficiente em clareza nao so quando
* Professor do Depto de Filosofia da UFPB. Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p. 109-125 Jan./Dez.2002
tratado de modo mais especifico por Leibniz e Schopenhauer; em Kant e em Schelling ja se poderia identificar a necessidade de se ir alem da medida do 'principio '.' Em suma seria preciso bus car esclarecer 0 fundamento justamente onde ele nao esta apenas circunscrito e reduzido ao 'principio' da razao como tal. Tento adiantar uma ilustracao disto, destacando a intencao heideggeriana de criar novo entendimento para 0 conteudo de "transcendencia". Neste sentido, Heidegger torna 0 filos6fico certo "esforco finito ate ao amago"; e que "testemunha", "necessariamente", a "niio-essencializaciio (Unwesen) que 0 conhecimento humana impulsiona com toda a essencia'? . A presente abordagem segue, entao, esta indicacao do intuito de Heidegger. Nao me detenho na especulacao sobre a justificacao do principio da razao na modernidade; passo ja para a criacao filos6fica, como tal, do fundamento. Por causa disso falo do principio de razao - os modos metafisico-racionais de se constituir o fundamento. E torno necessaria, aqui, a vinculacao disto com 0 que deva ser 0 filos6fico. Pois, Heidegger mesmo esta na condicao de ter que se situar na criacao filos6fica do fundamento para entao poder falar deste. E, com isso, Heidegger deve se ver na mesma motivacao que cria 0 filos6fico, pr6pria a Platao, Aristoteles, Kant, Nietzsche etc. E, no caso, apenas repete 0 que ja foi dito por aqueles. Mas, ainda assim, parece caracterizar alguma coisa diferente de tudo isso. Na Republica' , Platao mostra como a ideia do bern e poder da essencia de tudo e de cada ente. De certo modo significa que e algo que da essencia. Trata-se, portanto, de ter de ser sempre apenas poder de transcender. 0 filos6fico teria de ser sempre 0 empenho mesmo de transcender, ou seja, de criar 0 que nao hi. Por isso, Platao, depois de perceber 0 lugar do filos6fico (a transcendencia), demonstra a dificuldade comum que 0 metafisico
I
Cf. M. Heidegger, "Vom Wesen des Grundes" in Wegmarken, p. 125ss.
2
lb. p. 126.
J
Cf. 509b -51 Ie.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"'. 11-12 p.109-125 Jan.lDez.2002
impoe aos fil6sofos; urn obstaculo tal que os obriga aver 0 mundo como urn modo de ser apenas forjado como totalidade. Platao exprime isto ao denotar que 0 pensamento tern de ser uma forma de purificacao". 0 mundo e referido, entao, como estado de preparacao para a verdade. E sendo assim, a verdade nao e, a rigor, o obstaculo. 0 obstaculo reside no estado - 0 mundo - em que nos encontramos, visando a verdade. Por isso e preciso tomar puro 0 estado de passagem a verdade. Mas, Platao entende a purificacao como instauracao do filos6fico. E isto se da enquanto principio de razao. 0 filos6fico ai nao e definido, entao, como 0 exercicio da essencia da verdade incluindo a "nao-essencializacao" desta, como 0 quer Heidegger; apresenta-o, antes como providencia de superacao da aparencia, que estaria travestida sempre do todo da verdade, de modo forjado. Se isto e 0 mundo, este teria de ser superado mediante algo que seja luz, clareza, retitude - mediante a racionalizacao. A razao seria como que urn testemunho de que a verdade nao se limita as acoes imediatas; antes, teria de ser algo imutavel e etemo. Arist6teles diverge de Platao mas reassegura esta mesma racionalizacao para fundamento. Critica em Platao 0 entendimento de etemidade como algo anterior a algo atual' . Em vez disso, 0 etemo teria de coincidir com 0 principio, justamente porque e 0 que nao so pode estar atualizando, mas sobretudo porque e efetivamente 0 atual. o reparo feito por Arist6teles quer dizer aqui que 0 principio requer advertencia contra a generalizacao do carater de anterioridade. Pois, 0 que pode vir-a-ser, pode permanecer como tal, sem vir a atualizar-se". De fato, alguem pode encontar em Platao a chance de pensar 0 atual excessivamente condicionado ao efemero, a ponto de parecer que 0 principio tern de ser antigo e anterior a tudo. Por exemplo, ele diz no livro X da Republica que se alguma coisa nova se tomasse imortal, teria de provir do que e 4
Cf. Fedon, 69a-d.
5
Cf. Arist6teles, Metafisica, 1071b - lO72a.
6/b.,107Ib.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12 p. 109-125 Jan.lDez.2002
mortal, acabando tudo por tomar-se imortal. E acrescenta que nao devemos admitir isso, a razao 0 proibe? . E preciso observar nesse reparo de Aristoteles, porem, dois aspectos. Pois eles mostram que Aristoteles, a rigor, nao diverge de Platao, Isto e aqui 0 que interessa. Primeiro aspecto: 0 carater de necessario para principio enquanto 0 etemo eai imprescindivel. Donde se ve que tambem em Aristoteles, 0 filosofico se mantem na natureza da verdade. Pois 0 carater de imortal tern de ser preservado. Problema e saber como, isto e, em que estado - em como 0 mundo, a realidade do devir - pode se adequar a isto. De novo, entao, nao e a verdade que surge enquanto dificuldadc; 0 como exercita-la e que implica em obstaculo, Segundo aspecto: a base do referido reparo consiste no mesmo recurso e atitude de compreender, de Platao; reside na logica de superar 0 como mediante a racionalizacao do fundamento. Esta questao esta constituindo 0 pensamento de Kant. Por exemplo, na Critica da razdo pura, ele diz: "Platao observou (... ) que nossa razao se eleva naturalmente a conhecimentos que van muito alem do que possa lhes corresponder alguma vez qualquer objeto dado pela experiencia, mas que, apesar disso, tern a sua realidade e nao sao simples quimeras'" . Sabe-se que a referencia de Kant a Platao e critica. Tern em vista esclarecer que Platao toma as ideias como "arquetipos das proprias coisas"? , como "0 mais perfeito de cada especie de seres possiveis e fundamento originario de todas as copias no fendmeno "!" e nao como "mera chave para experiencias possiveis..."" No entanto pode-se ver nisso, de novo, 0 mesmo problema posta em relevo por Aristoteles. Pois, Kant parece querer so radicalizar 0 modo de se utilizar a razao.
761Ia-b. R
B370-371.
9
B370.
10
B596.
11
B370. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p. 109-125 Jan.lDez.2002
Num primeiro momento de sua declaracao acima, ele quer dizer que as ideias sao certa projecao de urn principio incondicionado. Ele quer exprimir com isso duas coisas: e!as sao necessarias como possibilitacao e regulacao dos fenomenos; e nunca se pode alcancar o incondicionado. Logo, usufruimos de urn poder tomar principio algo que possa escapar a obrigatoriedade de dar conta do todo incondicionado; algo que podemos tomar necessario a todo ato de conhecer; algo que e sempre somente 0 carater de a priori, deduzido mediante a relacao que 0 conhecimento estabe!ece entre o que se experimenta e 0 que e pensado como sua causa e fins. Pode-se dizer que 0 fundamento e criado de modo racional; ele e aquilo que nesta relacao de carater de a priori e deduzido como principio - fundamento. Num segundo momento, esta mesma explicacao de Kant quer assegurar a vantagem e 0 valor que 0 incondicionado exerce sobre a razao, sob pena de nao se poder conhecer os proprios fenornenos, a natureza como tal. E ai entao se percebe que isto nao seria possive! sem as ideias, ou seja, se se as considerasse como "simples quimeras" e nao como "conhecimentos, que vao muito alem...", ja visualizados, entao, por Platao, Esta ambivalencia leva Kant a requisitar a transcendencia para fundamento mas condicionada a pressuposto racional, Ele quer que as ideias sejam "transcendentais", isto e, sejam uma "ilusao (que podemos impedir perfeitamente que nos engane)" e ao mesmo tempo sejam algo que "e, mesrno assim, inevitavclmente necessario se quisermos ver, alem dos objetos que estao em frente dos nossos olhos, tambem aqueles que estao bern longe, as nossas costas..."12 Kant prossegue explicitando isto, e deixando escapar 12
B672-673. Pois, esta "ilusao" enquanto "ideias" se torna "principios reguladores" imprescindiveis, visto que como diz Kant temos de considerar "como se principiasse em absoluto (schlechthin) (por uma causa inteligivel)" (B713). "... na verdade", - diz Kant ainda - "segundo a ideia de urn criador supremo, mas nao para derivar deste a finalidade procurada por toda a parte, e sim para conhecer sua existencia a partir dessa finalidade, que procura na essencia das coisas da natureza e, na medida do possivel, na essen cia de todas as coisas em geral; por conseguinte, conhece-la como absolutamente (schlechthin) necessaria". (B722) Principios
UFRN
Natal
v.9
nll>.11-12 p.109-125 Jan.fDez.2002
como esta "ilusao" se toma nuclear e fundamento, no sentido de que toda a nossa experiencia e condicao de conhecimento dependem dela. E acrescenta: isto e necessario "tambem" sempre que "queremos exercitar 0 entendimento para alem de qualquer experiencia dada (enquanto parte do todo da experiencia possivel) e, por conseguinte tambem para a maior e mais extrema amplitude possivel"!". Nossa atencao deve se voltar para 0 emprego que Kant faz da "ilusao", dizendo que "podemos impedir que ela nos engane". Pois, ele demonstra ai que ha algo mais importante que a propria "ilusao". Mais importante quer dizer aqui: algo que tern de estar sendo tornado para 0 lugar de fundamento. Vale aqui esta observacao: 0 impasse entre ter necessidade da "ilusao" e ter de evita-la ao mesmo tempo por causar erro - "a razao cai em engano de varios modos" -, tal impasse nao se toma em Kant 0 conteudo e 0 lugar de questao para fundamento. Ao inves disso, a transcendencia teria de estar implicada na garantia de que a razao nao se desencaminhe!", Agora, ainda que se critique essa forma da tradicao entender 0 fundamento, nao se marca distanciamento dela, se isto e feito, com base no mera recusa do metafisico, sem mais; como se 0 metafisico em si fosse 0 obstaculo, Negligencia-se com isso, 0 designio proprio da tematizacao do fundamento, a saber: a natureza da verdade. Heidegger nao parece se encontrar nesse tipo de critica. Seu pensamento nos leva a perceber que nao se atinge ja com isso o alvo genuino desta questao, Antes indica que, se se conseguir urn dia compreender 0 fundamento de modo nao metafisico, ainda assim sua natureza permanece carecendo de ser pensada como tal. E isto que a presente abordagem leva a aprofundamento. Na questao do fundamento, entao, 0 filosofo em geral, - assim como os citados acima, - nao pode discordar sem mais da natureza da verdade, ainda que afirme 0 contrario disso. Se e assim, nao
13
B673.
14
Cf. B717.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nllS.11-12
p.109-125 Jan.lDez.2002
adiantaria muito admitir-se hoje que os filosofos podem tomar secundaria e ate mesmo desprezar a natureza da verdade. 2. Como se ve, 0 recinto do fundamento, a dimensao da transcendencia - aquilo que parece ser 0 mais importante de ser alcancado -, nao e algo que se de a conhecer, propriamente. Fur足 ta-se a nossa compreensao e nao se esgota em provas e demons足 tracoes. Heidegger entao emprega certo esforco a mais, junto a isto que foi dito acima; emprega urn "esforco finito ate 0 amago", que tern de "testemunhar" a "ndo-essencializacdo (Unwesen) que o conhecimento humano impulsiona com toda essencia?" . Tenta fazer isto mediante a analitica desta "niio-essencializaciio" a que o conhecimento filos6fico busca dar urn fundamento. A dificuldade encontrada por Heidegger e aquela mesma enfrentada pelos fil6sofos referidos acima. Trata-se de se dizer 0 que e 0 mundo em relacao ao seu fundamento. Destaca 0 fato de Kant se embaracar com a definicao de mundo. Quer mostrar aquilo que provocou 0 equivoco na compreensao de Kant, apesar deste ter criado novo conceito para transcendencia. Cita uma declaracao de Kant em que este faz a seguinte revelacao: 0 tipo de 'totalidade absoluta' que define mundo, embora seja 'facilmente 6bvio', quando pensado com 'profundidade ', 'parece cravar uma cruz no fil6sofo'. Heidegger faz entao este comentario: "Esta 'cruz' foi urn peso para Kant na dec ada seguinte?" . Ele quer dizer que Kant nao conseguira superar a natureza do todo metafisico que critica nos fi16sofos: pois, necessita disto enquanto totalidade incondicionada, apesar de que nao se destina a ser alcancada; necessita porquanto a totalidade precisa permanecer "referida aos fenornenos, 0 objeto possivel do conhecimento finito'"! . Heidegger se poe na condicao de encaminhar uma outra definicao de mundo. Ele diz que "mundo como totalidade nao '6' ente algum; e sim aquilo a partir do qual" determinado ente - 0
15
M. Heidegger, "Vorn Wesen des Grundes" in Wegmarken, p. 126.
16
lb., p. 147.
17Ib., p. 152. Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12 p.109-125 Jan.lDez.2002
homem enquanto Dasein [enquanto 0 estar-ai] se da a conhecer". Recorre aqui ao termo Dasein; isto permite que se obtenha dele 0 carater de entidade do mundo sem se tomar, contudo, 0 senti do mesmo de antropologico, derivado do conceito de homem. Isto vai recair e na inquietacao inerente aquele - 0 homem - que sempre e a cada vez fundamenta 0 mundo. Trata-se da problematica de fundar, ou seja, da situacao propria em que 0 ser se mostra ao homem como questao do principio. 0 termo Dasein se define nao em seu aspecto de ente e sim em sua natureza de implicacao com o ser. Em outros termos, 0 que define tudo e qualquer coisa e 0 seu ser "que esta em jogo", enquanto sua existencia, enquanto seu estar sendo. 0 mundo passa a ser apenas a referencia e "testemunha" deste estar-sendo. Trata-se de presenca a priori, no sentido de que promove "referencia"; no sentido de algo que deixa tudo e cada ente ganhar delimitacao; deixa ver, faz ver como ente cada ente. Isto desloca nossa compreensao de mundo como certo ambito relativo a nocao de totalidade. 0 deslocamento se da quando conseguimos tomar nosso mundo como a mera forma que ganha nosso ultrapassar nos proprios; quando conseguimos nos tomar como Dasein (ser-ai, presenca), 0 mundo passa a ser nada mais que urn registro que testemunha 0 estar-a-superar-se propria ao Dasein. Razao porque em vez de mundo enquanto totalidade, temos sempre somente 0 poder-ser como 0 abrir-se de mundo, como mundanizar. Trata-se do tipo de referencia feita aos entes e presenca como mundo. Entre mundo e os entes que 0 compoem temos uma compreensao relativa a coisas na condicao de entes dados. Tem足 se a conexao do tipo: algo dentro de algo; algo junto de algo; algo contido em algo etc. No entender mundo como presenca, tem-se a conexao deste outro tipo: algo e levado (para sua funcao ou papel) a se deixar ver, a se deixar fazer (em seu papel, em sua funcao: assim algo se deixa ver e fazer martelo, por exemplo, no pregar 0 prego e tambem no que machuca 0 dedo de alguem; 0 uso e serventia do instrumento fazem a circunscricao do ambito do mundo, a partir da referencia que se faz ao ponto ("al") onde se
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.109-125 Jan.lDez.2002
esta. Este ponto nao e qualquer ente dado. E, antes, 0 estar-a caminho que assim sempre se encontra e que agora se percebe e se compreende enquanto tal mediante este ponto, este "ai" que 0 apetrecho martelo serve de pretexto para ser visto. Nisto, mundo e so 0 pretexto. Unicamente este sempre ser-a-caminho e que 0 funda no sentido ontologico, pois e aquele poder de deixar ver e se fazer ou ser de cada ente enquanto ente. Entao, nao sao as coisas a causa do mundo. A causa nao e tambem 0 ser do mundo-ente para 0 qual as coisas tenderiam a buscar urn termo. Ja que a realidade do mundo se da no modo como 0 Dasein se comporta - ou seja: como ele e 0 seu ser -, isto informa que todo fundamento reside no sentido do ser. Significa que nao compreendemos nada sem que seja ja sob a nocao do ser. Assim, para Heidegger, 0 ser nunca e "inteiramente incompreendido", mesmo que nao seja "concebido" 18. No § 2 de Ser e tempo, Heidegger diz: "Essa orientadora visualizacao do ser nasce da cornpreensao cotidiana (durchschnittlichen) do ser em que nos movemos desde sempre e que, em ultima instdncia, pertence propriamente aconstituiciio essencial do Dasein'", Devemos notar que a afirmacao e, em varies momentos, a justificacao ratificada da nocao de fundamento. Entende-se ai que dependemos do ser para cornpreende-Io; que e a "cornpreensao" do ser que gera nosso ver 0 ser como fundamento do movimento em que nos movemos. Mas, tambem 0 inverso disso ocorre ai, simultaneamente e fazendo parte disso, a saber: nesse movimento mesmo em que nos movemos, 0 ser se constitui como sendo 0 que nos somos propriamente - Dasein. Acontece nisso urn fato relativo ao fundamento enquanto questao: aquilo que se parecia com urn todo verdadeiro, e que acabou se mostrando como sendo nada, pois se encontrava apenas como projecao da verdade - como "supra-sensivel", como
18
Cf. Id., Sein und Zeit, § 39, p. 183. (Sigo a tenninologia da traducao brasileira de Marcia de Sa Cavalcanti com pequenas alteracocs de mera conveniencia para 0 presente artigo. Ser e tempo. Petropolis: Vozes, 1988-89)
,. lb., p. 8. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p. 109-125 Jan.lDez.2002
"consciencia transcendental" etc. - aparece, agora, tambem em Heidegger, fundido com a constituicao do homem, mais exatamente como sendo a forma essencial da constituiciio do homem. Mas este nada nao possui aqui uma conotacao logica de negacao ou falta ou falsidade. Possui a conotacao de diferenca entre a constituicao dos entes e a constituicao do ser como 0 fundamento destes. 0 nada e diferenca, no sentido de ser 0 nosso poder ver separado aquilo que nao existe em separado, a saber: ser e ente, Enquanto esta sendo este nada, 0 ser e entao tudo, visto que e a unica condicao de separacao ontologica. Mas, isto quer dizer: ele e apenas 0 poder diferenciar 0 devir de seu fundamento - 0 ser. Em outros termos, deve-se dizer, grosso modo, que tal diferenciacao e igual a nada, contanto que este nada seja a designacdo ontologica dos entes. Este sentido de nada e tambem dito diferenca. Deve-se dizer ainda que isto vale como aquilo que deixa ver e fazer. Por isso, se isto precisa ser 0 recinto da transcendencia, tern de poder se chamar tambem de liberdade. Mas como se ve, liberdade aqui nao coincide com nenhuma de suas definicoes relativas a acao humana. 3. E preciso considerar que esta em debate, todo 0 tempo, a dimensao do ontologico, sob a qual se busca ver tratada a realidade do mundo. Tendo-se isto em vista, 0 sentido de liberdade consiste em certo poder antecipar 0 que ja esta situado; e isto, no que conceme ao pensa-lo detenninado e finito. 0 pensamento projeta足 o para a condicao de corneco. Mas, se apenas projeta para condiciio de corneco e porque nao ha urn corneco como tal; esta condicao e criada. A condicao do principio e, portanto, nada. Urn nada que e, contudo, algo: e 0 poder antecipar 0 real finito enquanto sua natureza de fundamento. Se se iguala, agora, 0 fundamento a poder antecipar, obtem-se fundamento como tendo de ser unicamente 0 real finito mesmo; so que na condicao de seu ser poder antecipar. Isto faz com que a cornpreensao de antecipar tenha de ser os modos de se dar, de acontecer, de ser ou existir do proprio real finito. Nao poderia ser isto apenas urn destes modos de ser. Pois estes sao entes concretos. E a condicao de principio precisaria ser nada, isto e, so 0 poder antecipar, so 0 poder diferenciar entre ente e ser. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.109-125 Jan.lDez.2002
Resulta disto que 0 poder antecipar nao possui a conotacao de necessario propria a 'ideia', a 'substancia', ao 'incondicionado'. Em lugar disso, firma-se a conotacao de liberdade; pois 0 ser so se da junto com 0 real finito mesmo e nao socobra para alem do horizonte em que 0 ente se da em seu existir. E, nao havendo a reclamada necessidade de "adequacao" e "correspondencia" do real finito a urn todo metafisico-racional, 0 uso de urn 'principio de razao ' nao alcanca toda a "essencia do fundamento". Nao se conta mais com a compreensao do principio do mundo existente baseada nas 'razoes' que constituem 0 'porque' de tal existente. Nao e mais aceito 0 fato de que 0 principio se identificaria com este 'porque'; e que as 'razoes' que explicariam tal 'porque' teriam de explicar 0 principio - 0 fundamento. A compreensao do fundamento a partir da liberdade conduz esta questao para 0 conhecimento do sentido do ser. Pois, no que a essencia do fundamento e encontrada nas possibilidades em que (no como) 0 homem "existe", so se da como 0 ser-ai - em referencia a que cada ente se faz ente. Aqui interessa unicamente entender que isto se torna uma forma de transcendencia, precisamente, mediante 0 fato do ente so existir como fundado na referencia ao ser. Heidegger declara que "so hi ser (nao ente) na transcendencia, enquanto 0 situado fundar projetante de mundo'?". A questao do fundamento se funde com a questao do sentido do ser. Sabemos que Dasein tern, em principio a conotacao e aspecto de urn ente. Mas este senti do de ente figura como modo em que 0 ser se diz" . Entao, embora 0 ser so se de mediante os entes, Dasein e ambivalente: enquanto e ente, e forma do ser se dizer ser": Qualquer modo de ser deste ente diz ser. Na verdade, isto quer dizer que cada possibilidade de ser deste ente eja sempre ser.
20
Id., "Vom Wesen des Grundes" in Wegmarken, p. 172.
21 " ••• 0 22
que questiona" seu ser. (Sein und Zeit, § 2, p. 7)
"Visualizar, compreender e conceber por, escolher, aceder a sao atitudes constitutivas do questionamento e, ao mesmo tempo, modos de ser de urn determinado ente, daquele ente que nos mesmos, os que questionam, desde sempre somos" (lb. p. 7). Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.109-125 Jan.lDez.2002
Esta condicao de ambigiiidade com que este ente deixa todo ente se expor como tal ao ver, e liberdade. Neste caso, a essencia do fundamento e liberdade para-ser, liberdade para-deixar-ver. Assim, tudo aquilo que e designado ontologicamente pela referencia ao fundamento, tern a condicao de desvelado. Significa, numa linguagem mais adequada, que desvelamento se da na liberdade para-ser. Sem isto nao ha ente algum. Nesta compreensao de liberdade, por urn lado, 0 homem como o ser-ai (Dasein) e antes de tudo liberdade - a condicao (0 proprium) de desvelamento. E apropriado dizer-se aqui desvelamento para exprimir que 0 todo das possibilidades de vir a ser dos entes desvelados (isto e, 0 mundo), nao e urn conjunto de entes dados e sim 0 jogo de auto-superacao inerente it liberdade para-ser enquanto deixar desvelar. Nesta compreensao do Dasein como liberdade, por outro lado, encontra-se todo significado de comeco e de verdade. Pois, naquilo que se desvela, a liberdade revela que 0 que se desvela, desde sempre j ae. Pode-se marcar aqui 0 fato de que "principio de razao" nao corresponde a esta outra nocao de fundamento. A conotacao de "principio", assim como 0 "principio de identidade" e 0 "principio de nao contradicao" [principios relativos it proposicao] "apontam para tras, para algo mais originario" no sentido de se da com 0 "acontecer da transcendencia como tal (temporalidade)'?" . 4. Como se ve, 0 sentido de fundamento implica 0 "desvela足 mento". Com isso, 0 significado de comeco como "desvelamento" se torna 0 conteudo do filosofico. E fica indicado que a filosofia devia designar por verdade 0 "desvelamento" enquanto comeco, Agora, se se admite que a filosofia tern se conformado a principios de razao, ve-se anunciado por Heidegger aqui certo "fim da filosofia". A questao do fundamento prossegue porem, enquanto questao do pensar como tal e concernindo ao significado de comeco.
23
Id., "Vom Wesen des Grundes" in Wegmarken, p. 173. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12 p. 109-125 Jan.lDez.2002
121
Devem ser destacados dois aspectos desta informacao, a saber: fundamento como sendo verdade que, por ser desvelamento e tarnbern ser, pois e aquilo que desde sempre e. 0 outro elemento e o anuncio heideggeriano do fim da fi losofia. Quanto ao primeiro elemento saliento esta declaracao de Heidegger: "Ser e verdade 'sao', de modo igualmente origi nario"?". De urn lado, isto informa que todo tipo de verdade possivel e sempre ja derivado da liberdade transcendente. Mais exatamente, verdade consiste em se conceber os entes como tendo sua origem ontologica no ser. Isto inclui 0 fato de que somente 0 ser-ai, enquanto liberdade de deixar todo ente ser, ou seja, de criar a abertura de compreensao do ente como ente, institui verdade. E ocorre como a abertura propria do que se desvela. Uma ilustracao disso: As leis de Newton, antes dele, nem eram verdadeiras nem falsas: isso nao pode significar que 0 ente que elas, descobrindo, demons tram nao estivesse ja existindo. As leis se tornam verdadeiras com Newton. ( ... ) Com a descoberta do ente, este se mostra justamente como 0 ente que ja estava sendo."
A verdade, assim, e 0 proprio ser, uma vez que e 0 desvelamento. Por outro lado, a declaracao de Heidegger pretende informar que tal abertura nao somente diz respeito ao desvelado; tambem 0 velado so se diz como tal porque e caracterizado na imediatidade da abertura da compreensao. "0 desvelamento do ente enquanto de urn ente tal e, em si, ao mesmo tempo a dissimulacao do ente na totalidade?" . Isto quer dizer que a verdade se da tarnbem como "dissirnulacao e errancia'?", no que se caracteriza enquanto principios de razao como "ente na totalidade".
24
Id., Sein und Zeit, § 44, p. 230.
25
lb., § 44, p. 227.
26
Id., "Vom Wesen der Wahrheit" in Wegmarken, p. 198.
27
lb, p. 202. Principios
UFRN
Natal
v.9
nl». 11-12
p.109-125 Jan.lDez.2002
122
Neste ponto ressai 0 anuncio do "fim da filosofia" feito por Heidegger. A conotacao disso serve aqui para marcar a direcao da questao do fundamento. Visa ao fato de nao poder ser resolvida no metafisico determinado e de depender de uma outra instancia. Interessa destacar aqui somente a decisao perante aquilo que a filosofia precisa reconhecer. Ela precisa reconhecer a diferenca entre ser e ente e passar a conhecer 0 sentido do ser. Heidegger da a entender que esta vontade de decisao e tao antiga como a filosofia: aponta para certa declaracao de Aristoteles que diz: '''E falta de disciplina (Unerzogenheit) nao ter olhos para aquilo com relacao a que e necessario buscar uma prova e em relacao ao que isso nao e necessario"?". 1) Nenhuma das formas ja tentadas e reconhecida como a decisao suficiente para dar conta do problema; 2) nao se pode encontrar esta forma sem que seja primeiro admitida a sua necessidade. 5. Entao, e preciso acompanhar Heidegger ate 0 fim do que ele quer exprimir. Pois, ele fala de uma dificuldade e nao de uma certeza. Apenas quer que a dificuldade seja pensada como tal dificuldade; que nao seja esvaziada de seu elemento. Expoe sua dificuldade para falar de "desvelamento" como comeco, de modo seguro, em meio a condicao inerente ao conhecimento "ontico". Chegados ate aqui devemos perceber que, a propagacao de certa critica corrente no sentido de "superacao da metafisica" em si, e favorecida com 0 pensamento heideggeriano e se distancia deste, igualmente. Indiferente ao 'que nao requer prova' e plasmada no significado ontico, tal "superacao do metafisico" tern de ser sempre so a repeticao do mesmo metafisico. Diferentemente disso, vemos Heidegger se exprimir sob a indagacao de que aquele ente (der sinnende Mann) que "pensa, deve experimentar 0 curacao inconcusso do desvelamento'?? .
28
29
Id., "Das Ende der Philosophie und die Aufgabe des Denkens" in Zur Sache des Denkens, p. 80.
lb., p. 75. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p. 109-125 Jan.lDez.2002
Nao se teria 0 dire ito de adequar a verdade a uma evidencia, por mais que seja 0 que ha de mais obvio e necessario - a exemplo da racionalizacao propria a qualquer principio de razao. Por isso, desvelamento nao se identifica com aquilo a que tudo 0 mais passe a se adequar, para receber clareza e definicao; e entendido como seu proprio "imperar", inerente a tudo que se desvela e aparece. Neste sentido encontramos a referencia que Heidegger faz, de vez em quando, ao poema de Parmenides": Trata-se de certa "exortacao" por que Parmenides se permite guiar. A "exortacao" possui uma ambivalencia que the e inerente, a saber: de uma parte se refere it perfeicao da verdade. Nada ai e falso, incompleto, escondido. E, portanto, 0 aberto, a abertura plena. E "clareira". Clareira nao e concebida como luz que da clareza, que define; e entendida como fazer aparecer nao so luz mas tambem escuro. No dito de Parmenides, traduzido par Heidegger, isto se expressa assim: e "0 coracao inconcusso do desvelamento em sua esfericidade perfeita". Mas, de outra parte, 0 dito de Parmenides nao termina ai. Inclui tambem a dificuldade relativa ao alcance da verdade. Inclui "a opiniao dos mortais a que falta a confianca no desvelado" , Percebe-se, a partir disto, a dualidade entre as duas instancias, que tern sido facilmente empregadas numa oposicao entre uma e outra. Ede se admitir tambem que uma instancia tenha prevalecido sobre a outra enquanto 0 supra-sensivel e 0 sensivel e que a primeira tenha requerido para si 0 carater metafisico do fundamento como verdade. A outra instancia [a atitude "moderna" contra a verdade dogmatica], como reacao, continuaria ate hoje a se insurgir sempre, pondo em xeque 0 sentido de verdade da primeira. Trata-se de se querer efetivar uma superacao racional da metafisica que, como tal, nao consegue se situar para alem da forma de argumentar da primeira. Neste sentido, Heidegger nos instrui que a reacao contra a verdade do metafisico e nisso tambem a me sma verdade e 0 mesmo metafisico enquanto pura reacao,
30
Fragmento I, 28 ss. citado por Heidegger, cf. lb., p. 74. Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"",11-12
p.109-125 Jan.lDez.2002
Declara, enfim, que 0 esclarecimento disto "permanece encoberto "31 ; e mantido pela historia da filosofia na indiferenca e no esquecimento. E por que assim? Da a entender que ainda nao se respondeu a esta pergunta. Como se ve, Heidegger poe a filosofia como tal em questao. Refere-se a Parrnenides, Heraclito, Anaximandro etc., como pensadores e nao propriamente como filosofos, tal como se tornou a filosofia a partir de Platao e Aristoteles. De certo modo denuncia com isso, que a filosofia aparece como tendo data de surgimento. Teria surgido como surgiram as disciplinas, a 'Logica', a 'Etica', a 'Fisica'. "Em seus grandes tempos, os gregos pensaram sem tais titulos. Nem sequer chamaram de 'filosofia' 0 pensar'?", 0 novo sentido de comeco se torna, em Heidegger, uma especie de crivo especial que indica qual seria 0 perigo da filosofia equal seria a "tare fa do pensamento". Assim, quando se refere a compreensao de comeco como physis, ele nao toma isto no senti do do mundo como uma totalidade mas como desvelamento. Como Aletheia, physis tern 0 sentido de presenca enquanto aquilo que "impera" no que da sentido. Significa que desvelamento sempre "impera" na essencia da presenca, ainda que so a temos compreendido como logos. Para Heidegger, Aristoteles chegou a entender 0 ente como "aquilo que esta desvelado", "ta aletheiat? . No entanto nao caracterizou 0 ente como "presenca". 0 que edito como "0 que esta desvelado", nao poderia vir a perder seu vinculo com 0 que eclodiu originariamente como desvelamento; pois, 0 sentido de "eclosao" nao quer dizer passado e sim 0 proprio "imperar" do que continua a se mostrar como "desvelado". E tera de permanecer assim, imperando e sendo a designacao de fundamento.
31Id., "Das Ende der Philosopnie und die Aufgabe des Denkens" in Zur Sache des Denkens, p. 78. 32 Id., "Brief tiber den Humanismus" in Wegmarken, p. 316. 33
Cf. Id. Hegel und die Griechen in Wegmarken, p. 442.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12 p.109-125 Jan.lDez.2002
Abstract The question of foundation (Grund) is related to criticisms against metaphysics. In Heidegger's thought the question occurs without reducing the ontological issue to metaphysical determinations. This very fact is of interest because standard criticisms to metaphysics severally overlook this important point.
Referencias ARlSTOTELES, Metafisica (Edicao trilingue grego, latim e espanhol). Por V. G. Yebra. Madrid, Gredos, 1987. HElDEGGER, M. "Das Ende der Philosophie und die Aufgabe des Denkens" in Zur Sache des Denkens. Tubingen: Niemeyer, 1988. ___ Sein und Zeit. Tubingen: Niemeyer, 1993. - - - "Vom Wesen des Grundes", "Vom Wesen der Wahrheit",
"Brief tiber den Humanismus", "Hegel und die Griechen" in Wegmarken. Frankfurt am Main, Klostermann, 1996. KANT, I. Kritik der reinen Vernunft. Stuttgart: Reclam, 1993.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nllli.11-12
p.109-125 Jan.lDez.2002
Kant: Critica e Historia Abrahao Costa Andrade'
Resumo
o presente texto visa abordar a pertinencia critic a da filosofia kantiana da hist6ria tentando assinalar 0 lugar transcendental da nocao de fio condutor da natureza, para n6s urn principio regulativo passivel de ser usado pelo discurso filos6fico da hist6ria, que por isso nao se toma urn conhecimento teorico, mas nem por isso deixa de ser uma especie de conhecimento, de cunho pratico. I
o estudo sobre a filosofia da historia de Kant sempre se ve, no inicio, enlacado em muitas dificuldades. Nao tendo sido escrita em uma obra particular e sistematica mas em varies pequenos textos apresentados e aparecidos como "escritos de circunstancias", uma primeira (e fundamental) dificuldade dessa filosofia diz respeito a pertinencia critic a de seus textos. Teriam sido escritos apenas para satisfazer a uma inquietacao mornentanea, seriam eles nada mais que uma daquelas intervencoes de homem de letras que, alem de produzir sua obra longe dos turbilhoes do dia, nao se recusa a participar das discussoes de seu tempo, iluminando com contumaz inteligencia pontos ainda obscuros para seus contemporaneos? Ou estariam eles intimamente ligados a problematica que emana do interior do proprio pensamento kantiano, tao laboriosamente preparado? A hip6tese de que os escritos sobre a hist6ria nao se coadunam com 0 sistema critico, sendo alias va e artificial a tentativa de aborda-los juntamente
* Professor do Departamento de Filosofia da UFRN. Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.126-144 Jan.lDez.2002
com as grandes obras de Kant, foi defendida, dentre outros, por Theodore Ruyssen '. A segunda hip6tese, a da pertinencia critica dos textos sobre a hist6ria, pode ser usado contra ou a favor de Kant. Pode-se por exemplo defende-la apresentando no interior desses textos assercoes que soem escandalosas se comparadas as posicoes firmadas rigorosamente pelo labor critico, e neste caso atribuir 0 motivo dos descompassos entre urn corpus e outro a causas de ordem extrafilos6fica, como fraqueza de pensamento e senilidade mental, de modo a comprometer a unidade do sistema. Ou, de outro modo, pode-se ainda enfrentar esses "descompassos" de maneira mais seria e ten tar esclarece-Ios sem abandonar 0 pensamento original do Autor, desenvolvendo-os positivamente. Por vias nem sempre consoantes, esta ultima tern sido a escolha mais fecunda. A posicao de Ruyssen, porem, nao e completamente desprezivel. Se ele interrompe a via fertil da articulacao entre os escritos sobre a hist6ria e as obras criticas, por outro lado procura dar urn senti do particular a esses escritos. 0 aspecto monolitico do sistema constituido pe1as tres grandes Crlticas, afirma ele, nao deve iludir: 0 fi16sofo, alem de trabalhar seu sistema detida e longamente, atraves de renitentes meditacoes na solidao de seu gabinete, era tambem urn homem de vida comum, que fazia quotidianamente seu passeio pe1as ruas de Konigsberg, recebia de boa vontade a sua mesa colegas e estudantes, interessava-se pela vida publica (a ponto de modificar 0 itinerario ordinario de suas saidas, por ocasiao da Revolucao francesa, para ir ate a diligencia a fim de saber noticias de Paris) e cujas ideias, em materia politica, moral e social, situavam-se sobre 0 mesmo plano que as preocupacoes medias dos homens de seu meio e de seu tempo (cf. Ruyssen: 1929,34). Deste modo, acrescenta, cumpre distinguir duas filosofias kantianas: "urna esoteric a, cujas profundezas nao cessamos de sondar, e outra exoterica, muito mais acessivel, ainda que singularmente rica e sugestiva". Destacando assim a filosofia da hist6ria do restante da especulacao kantiana
I
Cf. RUYSSEN, Th. Kant. Paris: F. Alcan, 1929.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.126-144 Jan.lDez.2002
como filosofia exoterica, Ruyssen, sem negar-1he importancia, situa-a entre tanto num quadro que se explica exteriormente pela educacao pessoal e pela "tendencia intelectual" da geracao do fil6sofo. Seu ponto de vista esem duvida bastante limitado, embora nao se deixe levar por consideracoes que ponham sob suspeita a seriedade do nosso fil6sofo. Afinal, como disse certa vez Marcos Zingano, "tratar seriamente urn fil6sofo implica pensa-Io como fil6sofo; toda explicacao ulterior faz-se necessaria se as tensoes e conflitos de seu sistema nao sao filosoficamente compreensiveis'? . Talvez por isso, por falta de compreensao adequada, foi que alguns aventaram a hip6tese de senilidade e fraqueza mental para explicar o que entenderam por "incongruencias" entre os escritos da hist6ria e a filosofia critica propriamente dita. o pr6prio Zingano, alias, comeca seu livro Raziio e historia em Kant evocando 0 problema da pertinencia critica do texto Ideia de uma historia universal de um ponto de vista cosmopolita, texto inaugural da filosofia politica de nosso fil6sofo. Ao afirmar que a hist6ria da especie humana em seu conjunto pode ser considerada como a realizacao de urn plano escondido da natureza para produzir uma constituicao politica perfeita, este texto, nao obstante escrito "na epoca por excelencia produtiva de Kant, os anos 80" (cf. Zingano: 1989, 11), parece inegave1mente entrar em choque com o sistema critico, segundo 0 qual e a liberdade da vontade - e nao uma providencia - quem deve conduzir 0 homem em sua hist6ria, ou asua hist6ria. Se Kant passa a propor, a despeito disso, um fio condutor da natureza a tracar para os homens, malgrado eles pr6prios, uma hist6ria universal, e se a hip6tese de Ruyssen segundo a qual a filosofia da hist6ria de Kant seja uma outra filosofia nao se sustenta, 0 que tera acontecido com nosso fil6sofo para confundir tanto assim a liberdade da vontade como fundamento da acao na hist6ria e a astucia de urn fio condutor da natureza? Natureza e liberdade ja nao foram rigorosamente
zCf. ZINGANO, M. A. Razdo e historia em Kant. Sao Paulo: Brasiliense, 1989, p. 13. Prindpios
UFRN
Natal
v.9
nos.11-12 p.126-144 Jan./Dez.2002
distinguidas no interior do sistema? Nao se fazendo a distincao entre escritos menores e escritos maiores, nao se poderia afirmar, contra Kant, e diante de evidencias como esta (a hesitacao entre liberdade da razao e fio condutor da natureza), que seu pensamento e urn amontoado de contradicoes? Ou, se essas "contradicoes" tivessem passado despercebidas pelo velho Kant, nao estaria ele realmente senil? Com efeito, diz Zingano, "a anedota de senilidade intelectual precoce foi levada a serio" e, dando urn credito parcial a ela, suspeita de que, "provavelmente, ha aqui alguma coisa de arredia ao pensar ou sobre a qual nao queremos refletir" (id., ibid.: 13). Porem, nao deixa de apontar uma dificuldade consideravel para a hipotese de enfraquecimento mental: "ela e setorial, ligada somente a questao de historia", isto e, de biografia! Urn argumento de maior peso, para Zingano - e sera este 0 defendido -, e 0 de que 0 tema mesmo da historia inscreve-se numa filosofia critica. A hipotese da insercao sistematica e nao contraditoria da filosofia da historia no conjunto do criticismo kantiano, pois, e defendida hoje pela grande maioria dos comentadores de Kant. Talvez nao haja mesmo quem possa aceitar 0 contrario. 0 que acontece, em contrapartida, e que a fecundidade desta hipotese cria uma verdadeira rede de ramificacoes de pontos de vista historiograficos que toma cada vez mais inesgotaveis os rum os das pesquisas sobre a filosofia kantiana da historia, de modo que nao se pode nem fecha-la numa interpretacao univoca nem expor todas as vertentes que a configuram sem cair ou num dogmatismo defensivo ("Kant quis dizer isto, e pronto.") ou num ecletismo injustificavel ("Quis dizer isto e tambem aquilo, e tambem aquilo outro."). Apenas a titulo de ilustracao do que estamos dizendo, embora de ulterior interesse para nosso trabalho, apresentemos aqui esquematicamente duas teses defensoras entre nos desta hipotese e nao obstante bern diferentes. Tendo em vista esta hesitacao, Zingano percebe 0 seguinte perigo: como Kant distinguiu fortemente 0 reino da natureza e 0 reino da liberdade, "0 fosso a ser preenchido por uma doutrina da historia, que ligaria ambos os reinos, esta mais proximo de ser realizado mediante urn salta mortal do que por urn caminho
Principios
UFRN
Natal
v.9
no.>.11-12
p.126-144 Jan.lDez.2002
conceitua1 seguro" (cf. Zingano: 1989, 12). Ora, 0 perigo que e1e chama "salto mortal" nao e outra coisa senao a nocao de "fio condutor da natureza", de forma que, para seguir 0 seguro "caminho conceitua1", tece toda uma teia de argumentos colocando a historia dentro dos limites da simples razao e abandonando aquele "perigo" nao obstante fecundo, a hipotese do fio condutor. Este trabalho magistral peca todavia pelo medo do perigo, na justa medida em que deixa de lado, no pensamento da historia, a aventura da reflexao, aquela mesma suscitada pe1a hipotese do fio condutor. A historia, para ele, seria antes inscrita num juizo determinante "pratico". Numa formulacao que fara escola, Ricardo Ribeiro Terra faz a seguinte proposta: "por que nao tentarmos pensar as tensoes do pensamento kantiano como essenciais a sua expressao, sem necessidade de fazer com que a balanca penda para urn dos lados?"? . Assim, a fecundidade da nocao de fio condutor pode, sem perder em sistematizacao conceitual, ser apreendida por meio da discussao da teleologia na obra de Kant. Atraves disso, podemos considera-la como uma nocao propria do juizo reflexionante e assegurar desse modo sua pertinencia critica. Zingano, salvo equivoco, nao cita Hannah Arendt em suas licoes sobre Ajilosojia politica de Kant e, situando a historia como 0 tecido das intersecoes entre a razao pratica e a razao teorica, diz ser improprio afirmar 0 juizo reflexionante como 0 juizo central do discurso historico, Todavia, na esteira de Arendt e comprometido em nao negligenciar as tensoes do pensamento kantiano, Ricardo Terra, ao contrario, alega optar por abordar a filosofia da historia de Kant tanto pelo vies da liberdade quanta pelo do fio condutor da natureza. Neste sentido, ele nao so tenta mostrar que "a transforrnacao das instituicoes politicas no sentido da aproximacao do direito natural e exigida pela razao pratica", como tambem tenta desenvolver a proposicao segundo a qual "ha como que urn ardil da natureza fazendo com que os homens e os povos, mesmo procurando atingir
3
Cf. TERRA, R. R. A politica tensa. Sao Paulo: Iluminuras, 1995, p. 9. Principios
UFRN
Natal
vs
nO>. 11-12
p. 126-144 Jan.lDez.2002
apenas seus interesses, acabem por realizar urn proposito mais amplo e elevado" (cf. Terra: 1995, pp. 164, 165). Como este proposito "mais amplo e elevado" diz respeito atentativa de alcancar a mais perfeita constituicao politica, a historia, assim, apresenta-se como 0 palco das realizacoes morais que, entendidas largamente, estendem-se no campo do direito e, num certo sentido, nao contradizem a etica, podendo alias servir como uma sua mediacao. Nao queremos com isso insinuar que Zingano nao aceite ou nao acredite nesta concepcao de historia, Tambem ele chega a ela: "A nossa esperanca, afirma, e que a saida do estado da natureza, vantajosa segundo 0 simples entendimento aqueles que aderem a urn pacta social ideal, possa gerar, num movimento de retroacao, sob a figura do tempo, 0 fundamento sob 0 qual unicamente 0 reino dos fins, cuja esfera exterior e 0 direito, e possivel" (Cf. Zingano: 1989, 191). 0 que tentamos mostrar ate aqui foi simplesmente algumas diferencas de parti pris entre Zingano e Terra. Esta tentativa de expor a diferenca de abordagem no estudo da filosofia da historia de Kant, porem, embora se tenha iniciado como simples ilustracao da diversidade dos pontos de vista adotaveis, deve servir tarnbem como indicacao do proprio caminho que vamos seguir, que todavia nao tern a ambicao de ser original e surpreendente, mas apenas pedagogicamente mais elucidativa. Por urn lado, Zingano adotou a senda conceitual da relacao entre razao teorica e razao pratica, porern abandonou a consideracao do fio condutor da natureza; por outro, Terra, embora tenha assumido 0 compromisso de segurar as duas pontas das "indecisoes" kantianas, demorou-se demais na propria tensao, deixando de lado a determinacao mais pormenorizada dos elementos mesmos em coli sao, e isto vale principalmente no que diz respeito ao estudo da nocao de fio condutor da natureza que, convenhamos, e menos posta que pressuposto por ele. Suspeitamos, assim, que 0 estudo minucioso do conceito de fio condutor da natureza e de imprescindivel importancia e necessidade para esclarecer, do interior do texto kantiano sobre a historia;o seu alcance critico. Dessa forma, nossa tarefa deve entao consistir em, por via da consideracao deste fio, e so deste fio,
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nllS.11-12
p.126-144 Jan.lDez.2002
assegurar a pertinencia critica do texto Ideia de uma historia universal de um ponto de vista cosmopolita (1784)4.
II Ha, pois, segundo julgamos, urn lugar critico para 0 pensamento da historia. Mas, digamos, que devemos entender por "critica"? Sao, com efeito, pelo menos tres os sentidos desta palavra no pensamento kantiano, segundo a especificidade de cada uma de suas tres grandes obras: Critica da raziio pura; Critica da razdo pratica e Critica do Juizo. Na primeira a palavra critica deve ser compreendida como urn tribunal no qual se decide os limites e 0 alcance do conhecimento por conceitos; da segunda deve-se reter a nocao de separacdo, no sentido quimico do termo, pois a razao pratica, para ser valida, deve estar isenta de toda e qualquer relacao com 0 mundo empirico, com 0 mundo sensivel; a critica e 0 procedimento pelo qual 0 filosofo afasta as deterrninacoes patologicas (referidas asensibilidade e ao mundo da experiencia) da razao que, assim, devem pura, com a liberdade como autonomia colhida em seu centro mais vivo; 0 terceiro sentido e 0 que nos interessa mais frontalmente: ele diz respeito a urn metodo mediante o qual, no interior do proprio sujeito, a dimensao pratica e a te6rica, a liberdade e a natureza se relacionam sem contradicao. Dissemos bern: no interior do sujeito. Nao se trata ai, como veremos, de uma assercao objetiva - urn juizo determinante - na qual natureza e liberdade se encontrariam imediatamente reunidas, mas de uma pressuposicao valida para 0 sujeito atraves da qual essa reuniao pode ser, nao conhecida, mas pensada. Esta seria, na linguagem kantiana, uma pressuposicdo transcendental. Neste sentido, 0 livrinho sobre a Ideia de uma historia universal de um ponto de vista cosmopolita poderia ser considerado urn texto critico porque suas afirmacoes enunciam-se segundo uma tal pressuposicao transcendental: a ideia de urn fio condutor da natureza.
4
Cf. KANT, I. Ideia de uma historia universal de um ponto de vista cosmopolita. Sao Paulo: Brasiliense, 1985a. Principios
UFRN
Natal
v.9
n.... 11-12 p. 126-144 Jan.lDez.2002
Objetar-se-a que esta concepcao de critica ainda nao havia sido amadurecida em 1784? Mas tal como 0 juizo reflexivo, e notorio que a ideia de urn fio condutor da natureza nao visa determinar cientificamente urn conhecimento plausive1 da historia mas apenas tenta viabilizar urn meio pelo qual 0 pensamento possa debrucar足 se, nao por devaneio, porem em vista de uma exigencia pratica, Com efeito, enunciando suas proposicoes, Kant toma 0 cui dado de, como anota Georges Vlachos, precisar que "nao pretende ter estabelecido uma lei tao certa quanta as leis racionais do mecanismo universal, mas somente urn 'fio condutor', que poderia nao obstante ser transformado mais tarde em lei cientifica tao certa quanta as leis racionais"", embora, acrescentamos, de natureza diversa, pois tambem 0 termo "ciencia" em Kant pode ser compreendido de varias maneiras, como ciencia particular, como filosofia teorica ou como filosofia pratica. Sendo assim, "uma tentativa filosofica de elaborar a historia universal do mundo segundo urn plano da natureza que vise a perfeita uniao civil na especie humana deve ser considerada possivel e mesmo favoravel a este proposito" (cf. Kant, 1985: 22). Isto quer dizer: esta "tentativa filosofica" e uma hipotese plausivel. De fato, embora possa parecer esquisito "e aparen足 temente absurdo" 0 projeto de querer redigir uma historia (Geschichte) "segundo uma ideia de como deveria ser 0 curso do mundo" (id., ibid.: 22), Kant lembra 0 quanta foram proveitosos os intentos de Kepler e Newton, urn submetendo "as excentricas orbitas dos planetas a leis determinadas" e 0 outro explicando essas leis "por uma causa natural universal" (id., ibid: 10), ou seja, Kant parece querer mostrar que tudo sempre vale 0 esforc;:o足 de modo a nao "somente poder resultar num romance" (id., ibid.: 22) - quando se reconduz toda especie de variedade a urn so e unico principio. Evidentemente, de posse de urn principio, de urna ideia, podemos, aos poucos, afastarmo-nos da inquietante
5
VLACHOS, G. K. La pensee politique de Kant, metaphysique de l'ordre et dialetique du progreso Paris: PDF, 1962, p. 172. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.126-144 Jan./Dez.2002
134
multiplicidade (que reunida so po de nos oferecer urn agregado) e, paulatinamente, acercarmo-nos de urn sistema. Para isso basta alcancar esse principio e, para entender "a conduta humana posta no grande cenario mundial" (id., ibid.: I0) - sua manifestacao no espaco publico -, e isto 0 que Kant vai procurar fazer, pressupondo, veja bem,pressupondo "iun proposito da natureza que possibilite todavia uma historia segundo urn determinado plano da natureza para criaturas que procede sem urn plano proprio" (id., ibid.). A ideia, portanto, e quase a mesma efetuada por Kepler e Newton no que diz respeito a seu poder de unificacao dos dados a serem estudados. Nao se trata, contudo, de constituir uma historia planificada, como se tudo quanta viesse a acontecer ja estivesse prede足 terminado, pois os homens nao agem nem apenas instintivamente nem sempre racionalmente, de modo que se possa prever por qual dos dois modos eles optara em cada uma de suas futuras acoes. No palco da historia, os homens estao soltos "no curso absurdo das coisas", eo filosofo, para, por assim dizer, colocar ordem na casa, precisa esforcar-se e recorrer, nao a urn conjunto de homens determinados (0 que alias eimpossivel), mas ahumanidade tomada em sua totalidade, enquanto especie. Como nao se pode deixar de ler n' 0 conjlito das faculdades, nao se trata de constituir uma historia empirica, trata-se, ao contrario, de uma "historia moral e, decerto, nao de acordo com 0 conceito de genera (singulorum), mas segundo 0 todo dos homens unidos em sociedade e repartidos em povos tuniversorums" 6. Nao em outro sentido nosso filosofo afirma: "de urn ponto de vista metafisico, qualquer que seja 0 conceito que se faca da liberdade da vontade, as suas manifestaciies (Erscheinungen) 足 as acoes humanas -, como todo outro acontecimento natural, sao determinadas por leis naturais universais" (cf. Kant, 1985: 09).
6
Cf. KANT, 1. 0 conjlito das faculdades (1789). Lisboa: EdicoesZf), 1993, p.95.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOli.11-12
p. 126-144 Jan.lDez.2002
Algo todavia dissonante parece se ouvir neste enunciado: a ideia de urna historia universal tomada possivel atraves de urn principio da natureza poderia soar como urn atentado a liberdade humana. E isto, na verdade, 0 que se insinua como 0 calcanhar de Aquiles do texto kantiano. Contudo, sem este principio nao seria possivel sequer pensar a historia e, sem 0 processo da historia, como seria possivel a realizaciio da liberdade? De fato, Kant nao afirma, de modo algum, que a natureza predetermina a historia humana; ele apenas pressupoe que mesmo "no jogo da liberdade" a natureza nao deixa de mover-se como fio condutor, arquitetando urn plano, urn sistema, mesmo ali onde tudo parece proceder as cegas e sem razao. Alem disso, a natureza como fio condutor nao constitui nenhum determinismo, simplesmente porque se trata de uma ideia heuristica, isto e, urn postulado pelo qual se possa pensar a historia, e nao conhece-la, como de resto ja observara Eric Weil, para quem "a oposicao entre conhecer (determinar por leis naturais urn objeto), e pensar (conceber, por urn lado, a totalidade acabada das substancias em si, e de outro, a unidade do mundo natural e humano - conforme as aspiracoes mora1mente fundadas da humanidade), e fundamental para 0 pensamento kantiano'". Tornado nestes termos, portanto, Kant explicita seu propos ito da seguinte forma: "A historia, que se ocupa da narrativa dessas manifestacoes [as acoes humanas], por mais profundamente ocultas que possam estar as suas causas, permite todavia esperar que, com a observacao, em suas linhas gerais, do jogo da liberdade da vontade humana, ela possa descobrir ai urn curso regular" (cf. Kant, 1985: 09). Desse modo, 0 que se mostra confuso e irregular nos sujeitos individuais "podera ser reconhecido, no conjunto da especie, como urn desenvolvimento continuamente progressivo, embora lento, das suas disposicoes originais" (id., ibid.: 09). 0 que significa em ultima analise que a ideia de uma historia tomada
7
WElL, E. Problemes kantiens. Paris: PUF, 1970, p. 112. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.126-144 Jan.lDez.2002
possivel mediante a pressuposicao de urn fio condutor da natureza e urn principia regulativo; ou seja, urn principio de alcance nao足 teorico, mas metodologico, bastante fecundo para urn pensamento que procura cingir 0 conjunto da realidade pratica, Com efeito, Bernard Rousset", estudando a historia no ambito da efetividade, isto e, da existencia efetiva do objeto pratico e de suas condicoes, apresenta 0 progresso como a realidade objetiva completa e perfeitamente adequada a razao, e mostra que 0 conhecimento da historia, vern a ser, a pergunta pela condicao de possibilidade de uma historia a priori, passa por tres momentos distintos: 1) 0 reconhecimento do presente assim como 0 recolhimento de documentos do passado para se remontar a serie regressiva dos fatos e construir uma historia empirica (0 que afinal e, do ponto de vista filosofico, insuficiente); 2) a busca de uma unidade pensada na ideia de progresso que de uma ideia de conjunto (e quando a razao entra em cena postulando 0 principio da finalidade da natureza como fio condutor a priori) e, finalmente, 3) a retomada nao so da realidade empirica (existe 0 progresso no presente, do qual sao urn signa as Luzes, ja pressuposta por Kant a epoca do escrito que analisamos, e a Revolucao francesa, a ser por ele pens ada em outros escritos), como tambem de urn fato racional: "0 dever moral de tomar 0 progresso como fim" (cf. Rousset, 1967: 581). Este terceiro momenta afirma assim a possibilidade concreta de urn conhecimento do progresso futuro. Mas, a proposito, Rousset nao deixa de chamar a atencao para a insuficiencia teorica deste conhecimento a priori da historia. 0 principio encontrado por Kant para configurar urn tal conhe足 cimento e(a objetividade do progresso sendo insuficiente do ponto de vista teorico, mas satisfatoria no campo pratico), e, como dissemos, apenas regulador (ou regulativo). o que, todavia, Kant entende por "principio regulativo"? No apendice da "Dialetica transcendental" da Critica da raziio pura,
8
Cf. ROUSSET, B. La doctrine kantienne de I'objetivite. Paris: Vrin, 1967. Principios
UFRN
Natal
v.9
nos.11-12 p.126-144 Jan./Dez.2002
Kant nos infonna diretamente a respeito deste principio? . Ele esta na base do uso regulativo das ideias da razao pura, isto e, esta na base do uso imanente da razao, que consiste nas operacoes da razao dentro de seus pr6prios limites. Kant, com efeito, havia mostrado, no correr da "Dialetica" como a razao, quando passa a enfrentar objetos sem levar em conta a experiencia, cai em impasses insoluveis - as antinomias. Nestes casos ela procura, naturalmente, funcionar como 0 entendimento, no seu uso constitutivo, 0 de producao de saber te6rico. Mas, se 0 entendimento, neste usa, e transcendental, a razao, entretanto, se acaso escapa de seus limites ou tenta funcionar a maneira do entendimento, e transcendente: foge de toda prova da experiencia e e, portanto, ilegitima. Em contrapartida, acrescenta Kant: 0 "metodo que consiste em procurar a ordem na natureza de acordo com urn tal principio e a maxima que considera essa ordem fundada numa natureza em geral, embora sem detenninar onde e ate que ponto reina essa ordem, constituem, sem duvida, urn legitimo e exce1enteprincipio regulativo da razao; como tal, vai longe demais para que a experiencia ou a observacao the possam ser adequadas; mas, sem que nada determine, aponta somente 0 caminho da unidade sistematica."(cf. Kant, 1994a: A688/B696). E a caminho de uma unidade desse tipo que se dirige a ideia de fio condutor da natureza. Mas nao e inutil enfatizar que, dizendo-se isto, alem de ver afinnado 0 principio regulador da razao como util para a formacao da unidade de urn sistema, pode-se observar ainda como 0 fi16sofo se esforca por assegurar que, no usa deste principio, a razao nada determina. A determinacao e uma especie de juizo que, exc1uindo uma infinidade de predicados, subsume certos particulares a urn universal dado de anternao. No capitulo III da "dialetica transcendental" -"ideal da razao pura"-, Kant desenvolve a teoria da determinacao completa, cuja importancia para a filosofia
'!
Cf. KANT, I. Critica da razdo pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1994a. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.126-144 Jan.lDez.2002
kantiana da historia ja foi mostrada por Jose Arthur Giannotti, no artigo "Kant e 0 espaco da historia" (publicado na edicao do texto kantiano cuja leitura ora efetuamos). Nele, alias, todo 0 esforco de seu autor "foi enderecado no sentido de mostrar que a nocao kantiana de historia depende duma extrapolacao do principio de determinacao completa" (cf. Giannotti, em Kant, 1985: 136). a que reza este principio? "A determinabilidade de todo 0 conceito esta subordinada a universalidade (universalitas) do principio da exclusao de urn meio entre dois predicados opostos; mas a deterrninacao de uma coisa esta submetida a totalidade (universitas) ou ao conjunto de todos os predicados possiveis" (cf. Kant, 1994a: A573/B60l). Se nao nos equivocamos, isto significa: nada pode ser afirmado cientificamente senao sobre a pressuposicao de uma totalidade, ou da ideia de urn todo. Porem, alguns anos depois, na Critica do juizo, Kant iria fazer a distincao entre dois tipos de juizo: haveria 0 juizo determinante (como acima definido, alcado no uso constitutivo do entendimento) e 0 juizo reflexionante, que consiste nos casos em que sao dados os particulares e se busca 0 universal. Cada urn desses juizos devem possuir urn principio proprio. Se 0 juizo determinante se baseia no principio constitutivo da razao, logo se ve que, por analogia, 0 juizo reflexionante teria seu principio no uso regulativo!" . Mas a grande descoberta da terceira Critica fora justamente encontrar urn principio que, embora nao tome falsa a analogia entre juizo reflexionante e uso regulativo da razao, oferece urn lugar privilegiado ao juizo e dele faz uma faculdade superior. a principio do juizo reflexionante, estabelecido na primeira introducao a Critica do juizo, consiste em pressupor, nos produtos da natureza, uma forma pela qual possamos estar seguros de que a natureza se organiza de modo a poder haver uma conformidade entre ela e as nossas faculdades de conhecimento. Nao se trata de afirmar que a natureza a possua de fato, mas a reflexao so e acionada se a toma
10
Cf. SOURIAU, M. Le jugement reflechissant dans fa philosophie critique de Kant. Paris: Alcan, 1926. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p. 126-144 Jan.lDez.2002
como se assim 0 fosse. 0 resultado disto e0 surgimento do conceito de uma finalidade da natureza, cuja formacao remonta ao "Apendice da dialetica transcendental" da Critica da radio pura. Este conceito, entretanto, e de acordo com 0 que vinhamos dizendo, nao pode ser tornado objetivamente (para servir a urn conhecimento teorico) mas deve ser tornado como valido apenas para 0 sujeito enquanto possa pensar sobre 0 mundo. Dai se entende porque 0 "conhecimento" da historia, a medida em que se baseia num principio da natureza em geral, como se pode conceber a partir do uso regulativo da razao e da reflexao do Juizo, nao deve ter nenhum peso teorico, mas nem por isto edestituido de qualquer poder cognoscitivo. A pratica, em Kant, e tambem uma forma de saber e, no contexto do conhecimento da historia, sua forca se expressa quando urn tal conhecimento permite pensar na formacao de uma confederacao cosmopolita de Estados. o conceito definalidade da natureza, portanto, no texto sobre a historia universal, inscrevc-se sob dois rcgistros, urn amplo e outro cstrito (mas nao completamente estrito). No primeiro, a finalidade se aprcscnta como uma disposicao natural tanto dos homens quanta dos animais; no segundo, ela seria uma disposicao apcnas dos homens - embora nao cnquanto individuos como tais mas apenas enquanto especie (dai porque nao e tao estrito). A possibilidade deste conceito depende de uma escolha racional, isto e, deve ser tomada pelo filosofo: "Vejo perante mim a ordem e a finalidade da natureza e nao preciso de me lancar na especulacao para me assegurar da realidade (Wi rklichkeit) delas "II. Assim, ou bern 0 aceitamos como valido ou bern 0 rechacamos, Se 0 recusamos, 0 que da natureza se nos apresenta, mostra-se足 nos em uma "desconsoladora indeterminacao" (trostlose Ungefiihr) - 0 que de nada serve; se ao contrario 0 aceitamos como valido, aprendemos uma forma a mais de considerar a natureza que, a proposito, de modo algum nos contradiz, pois uma
11
Cf. KANT, I. Critica da razdo pratica (1788). Lisboa: Edicoes 70, 1994b, p. 161. Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nOli.11-12
p.126-144 Jan./Dez.2002
vez de posse dele logo 0 tomamos como urn fio condutor no qual a natureza mesma se conforma e se nos expoe como se nem sequer precisassemos fazer aquela escolha - e que a decisao pelo principio teleologico, mesmo sabendo-o apenas como uma pressuposicao, e acertada. Alexis Philonenko, com razao, viu neste passo 0 anuncio da terceira Critica: "Aqui, diz ele, Kant ja anuncia a Critica do Juizo onde ele mostra como alem da unidade da sintese categorial desenvolvida na Critica da raziio pura a natureza e concebivel como sistema ordenado'?". Desta forma, Kant pode, entao, propor: "todas as disposicoes naturais de uma criatura estao determinadas a urn dia se desenvolver completamente e conforme urn fim" (cf Kant, 1985: 11). Se isto nao convencesse somente pela forca da razao, os exemplos oferecidos pela natureza, abundantes, certamente nos serviriam para confirma-lo; Kant tambem lanca mao desse recurso.
III Ate aqui, procurou-se mostrar a pertinencia critica da ideia de uma historia universal mediante a explicitacao da nocao de "fio condutor da natureza" como principio transcendental (critico) para o uso do filosofo preocupado, segundo os termos do Conflito das faculdades, com a possibilidade de uma "historia moral". Tratava足 se portanto de urn principio regulador cujo alcance deveria manifestar-se no ambito da filosofia pratica. Contudo, e preciso lembrar ainda que a problernatica da finalidade, seguida do surgimento do uso regulativo ou imanente da razao, nos termos da primeira Critica, nasce no torvelinho de uma questao maior, de interesse especificamente filosofico e, portanto, de espessura, senao "teorica", cognoscitiva, embora em outro nivel que 0 da fisica e da matematica. De fato, 0 contrario disto poderia levar a
12
Cf. PHILONENKO, A. La theorie kantienne de I'histoire. Paris: Vrin: 1986, p.83. Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.126-144 Jan.lDez.2002
afirmacao, altamente insustentavel do ponto de vista do sistema kantiano, que a filosofia da historia seria, nele, urn arranjo simplesmente ideologico, recendendo a certo pragmatismo. Nao se quer dizer com isso que 0 kantismo seja isento de ideologia; 0 que nao se pode fazer e, do ponto de vista do estudo dessa filosofia, tentar explica-Ia unicamente por este vies. a problema maior no qual se deve deter 0 estudioso que deseja situar o teor critico do discurso da historia e 0 problema da passagem da razao teorica para a razao pratica, mediante a analise das antinomias dinamicas, inscritas na "Dialetica transcendental", da Crltica da razdo pura. Este problema da passagem, sob sua forma mais aguda, foi enunciado, e quica resolvido, por Gerard Lebrun": Teria a "Dialetica" sido conduzida de modo a se ordenar inteiramente em vista da moral? Teria Kant, sim ou nao, deslizado rapido demais para a teologia no final de sua primeira Critical Lebrun procura ler a Critica do Juizo como uma retomada do resultado da "Dialetica" da Critica da raziio pura com vistas a assegurar a necessidade de tomar compreensivel e, sobretudo, normal, "a Aparencia transcendental estranhamente benefica, que ainda se concede em 1787" (cf. Lebrun, 1993: 323). a resultado desta leitura e 0 estabelecimento da tese, segundo a qual, de urn ponto de vista arquitetonico, a "Dialetica" e muito mais a abertura para urn campo de discurso - 0 campo do supra-sensivel- que simplesmente para uma filosofia moral. Neste sentido, afirma Lebrun: "A utilidade pratica das tres Ideias e muito indireta" (id., ibid.: 172). au seja: Deus, alma imortal e mundo em si, as tres ideias maximas da razao podadas pela critica, podem ainda desempenhar urn papel licito no discurso da metafisica sem extrapolar os limites fora dos quais permaneceriam dogmaticas. a desempenho dessas ideias nos limites impostos pela crltica significaria propriamente a abertura desse novo, 0 campo supra足 sensivel.
13
Cf. LEBRUN, G. Kant e 1993. Principios
UFRN
0
Natal
jim da metajisica. Sao Paulo: Martins Fontes,
v.9
n"".11-12
p. 126-144 Jan.lDez.2002
Com efeito, 0 estabelecimento do campo supra-sensivel, resguardando a especificidade da critica, afasta completamente a tentacao de interpretar como subterfugio ideo16gico a ideia kantiana da hist6ria enquanto postulado da razao. Alem disso, minimiza-se, ainda, certa leitura tradicional, segundo a qual Kant teria feita da "Dialetica" apenas uma especie de preambulo para a filosofia pratica, concedendo "espaco para a crenca'?". 0 modo como esta hist6ria e pens ada, decerto, nao corresponde ao modo como a maternatica ou a fisica sao cientificamente constituidas; nem por isso, contudo, este modo de pensa-la, cujas irnplicacoes sao efetivamente praticas, e desprovido de "teoria", isto e, de elaboracao conceitual precisa. Deste modo, Lebrun nao deixa de acrescentar: "Na mcdida em que 0 postulado e uma pressuposicao e nao uma crcnca cega, e it razao te6rica que cabe formula-lo" tid., ibid.: 174).0 que significa que a hist6ria a priori, como sugeriu desgracadamente Philoneko, nao e urn delirio ou urn doce sonho "que 0 homem moral forma para a sua especie" (cf. Philoneko, 1986: 107), nem condes足 cendencia pietista, como quis Ruyssen, para qucm e artificial e va a tentativa de relacionar os textos da filosofia da hist6ria com os demais textos criticos, como vimos. A historia a priori, a "historia moral", e proposicao filos6fica com respaldo critico ou transcendental seguro. Em outras palavras, e para dizer bruscamente, a filosofia pratica de Kant nao e de modo algo urn discurso afasico, ou simplesmente distorcido: ela compreende "a conduta do homem posta no grande cenario mundial" (cf. Kant, 1985: 10) - e 0 faz articulando-se filosoficamente, num discurso muito conscientemente concatenado. Situando-se, pois, no ambito da filosofia pratica, Kant pode entao afirmar que, na natureza, tudo esta disposto de tal maneira que nada pode negar-lhe urn certo fim. Nada e gratuito - diria ele - e tudo deve desenvolver-se de modo tal que, cedo ou tarde, possa
14
Cf. TORRES FILHO, R. R. Dogmatismo e antidogmatismo: Kant na sala de aula, in: Revista TEMPO BRASILEIRO, 91, 11/27, out.-dez., 1987, p. 22ss. Princfpios
UFRN
Natal
v. 9
n"'. 11-12 p. 126-144 Jan.lDez. 2002
urn dia chegar a sua destinacao. Como 0 homem tambem pertence a natureza, nao sera impossivel descobrir-se a que fim ele tende. A nocao de finalidade, portanto, como principio critico ou transcendental, e urn instrumento para pensar 0 progresso da humanidade como algo inscrito nos planos da natureza, natureza que para isso e pensada como urn sistema, embora nao em vista de urn conhecimento cientijico, insistamos, mas por uma exigencia (da teoria da) historia com fins morais; exigencia que se efetua, portanto, sob os auspicios de uma razao critica capaz de assegurar, as questoes praticas, densidade conceitual.
Abstract The present paper focuses on the critical legitimacy of Kantian philosophy of History. The transcendental locus of the notion of conductive thread (Leitfadeni of nature is emphasized as a regulative principle which can be used in Philosophy of History and gives place to a certain kind of practical knowledge of History.
Referencias KANT,!. Ideia de uma historia universal de um ponto de vista cosmopolita. Sao Paulo: Brasiliense, 1985a. KANT,!. 0 conjlito das faculdades (1789). Lisboa: Edicoesjt), 1993. KANT,!. Critica da razdo pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1994a. KANT,!. Critica da raziio pratica (1788). Lisboa: Edicoes 70, 1994b. LEBRUN, G. Kant e Fontes, 1993.
Princfpios
UFRN
0
Natal
jim da metafisica. Sao Paulo: Martins
v.9
n"'.11-12
p.126-144 Jan.lDez.2002
PHILONENKO, A. La theorie kantienne de I 'histoire. Paris: Vrin: 1986. ROUSSET, B. La doctrine kantienne de I 'objetivite. Paris: Vrin, 1967. RUYSSEN, Th. Kant. Paris: F. Alcan, 1929. SOURIAU, M. Le jugement reflechissant dans la philosophie
critique de Kant. Paris: Alcan, 1926.
TERRA, R. R. A politica tensa. Sao Paulo: lluminuras, 1995.
TORRES FILHO, R. R. Dogmatismo e antidogmatismo: Kant na
sala de aula, in: Revista TEMPO BRASILEIRO, 91, 11/27, out.足
dez., 1987.
VLACHOS, G. K. La pensee politique de Kant. Paris: PUF, 1962.
WElL, E. Problemes kantiens. Paris: PUF, 1970.
ZINGANO, M. A. Raziio e historia em Kant. Sao Paulo:
Brasiliense, 1989.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12
p. 126-144 Jan.lDez.2002
As Duas Respostas de Kant ao Problema de Hume Eduardo Salles O. Barra*
Resumo
o objetivo deste artigo e, em primeiro lugar, reconstruir 0 chamado "problema de Hume", analisando-o como dois problemas distintos (causalidade e inducao), embora intimamente relacionados - a contar, sobretudo, pela propria tentativa humeana de soluciona-los mediante uma concepcao unitaria de necessidade. Em segundo lugar, 0 objetivo eanalisar a resposta de Kant a Hume, compreendendo-a, do mesmo modo, como duas respostas distintas: a primeira (causalidade) contida na "Segunda Analogia da Experiencia" da Critica da Razao Pura e a segunda (inducao), principalmente, nos prefacios e na segunda parte ("Critica da Faculdade de Juizo Teleologica") da Critica da Faculdade do Juizo. Isso denotaria uma certa assimetria entre as determinacoes decorrentes de cada uma das duas solucoes, pois enquanto a necessidade imposta pelo principio dos juizos de causa e efeito possui vinculos imediatos com as condicces da realidade objetiva dos fenomenos, a necessidade imposta pelo principio dos juizos teleologicos possui vinculos apenas indiretos com as mesmas condicoes, po is decorrem tao-somente das condicoes subjetivas da experiencia. A duvida seria em que medida, nesse ultimo caso, a solucao transcendental kantiana distingue-se da solucao empirista humeana, cuja deficiencia, apontada por Kant, foi justamente fazer "passar uma necessidade subjetiva, isto e, urn habito, par uma necessidade objetiva". A doutrina kantiana dos fins essenciais da razao parece ser 0 unico elemento a justificar uma distincao substantiva entre ambas as solucoes, Este artigo destina-se it compreensao dos nexos entre as filosofias de Hume e Kant. Nao procurarei argumentar em favor da sua existencia, pertinencia ou abrangencia, Minha posicao sera a de assumir 0 valor de face das varias passagens, principalmente, nos Prolegomenos, em que Kant declara perseguir uma "solucdo do problema humeano na sua maxima extensao possivel'".
* Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Parana. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.145-178 Jan.lDeZ.2002
Admitirei que haja urn problema que Kant alega ter sido levantando por Hume e que Kant articulou uma solucao para esse problema. Mas tampouco pretenderei avaliar se Kant estava correto ao aceitar como problematico 0 fato apontado por Hume e se ele tinha boas razoes para se julgar bem-sucedido na sua solucao. Pretendo bern mais articular urn modo de compreender esse problema nos termos em que ele foi formulado por ambos os autores e destacar as diferencas entre as solucoes humeana e kantiana, procurando identificar as continuidades e rupturas entre elas. Por ultimo, e born que se alerte 0 leitor para que nao espere encontrar aqui uma ampla reconstrucao dos nexos entre Hume e Kant. Muitos aspectos decisivos e centrais serao colocados de lado e apenas urn tema assumira a cena desta minha reconstrucao: 0 problema da causalidade. Enfocando esse problema desde a sua forrnulacao inicial por Hume, espero contribuir para 0 esclarecimento de alguns pontos tradicionalmente tidos como obscuros e enigmaticos na doutrina kantiana da causalidade. Mas, mesmo sob esse exclusivo aspecto, a analise aqui apresentada deve ser considerada parcial. Omitirei inumeros detalhes e voltarei a minha atencao, sobretudo, para as interlocucoes reais ou virtuais entre Hume e Kant sobre 0 problema da causalidade.
1. Os problemas da causalidade e da inducao Para a reconstrucao da doutrina humeana das relacoes de causa e efeito, omitirei uma serie de questoes importantes (e talvez preliminares) e concentrar-me-ei nas respostas de Hume as duas questoes colocadas ao final da secao iii. 2, do primeiro livro do Tratado da Natureza Humana (1739):2 "Primeiro,por que razao declaramos necessaria que algo cuja existenciatenha se iniciado deveria ter uma causa? Segundo, por que concluimos que uma causa particular deve necessariamente ter tais efeitos e qual a natureza dessa inferencia que fazemos de umas para as outras e da crenca em que se baseia?"
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12 p.145-178 Jan.lDez.2002
Para efeito da discussao a seguir, chamarei a primeira questao de "problema da causalidade" e a segunda de "problema da inducao", Enquanto 0 primeiro problema diz respeito as condicoes de existencia das coisas, 0 segundo diz respeito as suas condicoes de seu conhecimento (inferencias e crencas), Contudo, estritamente falando, ambas as questoes deveriam ser caracterizadas como problemas da causalidade. A inducao propriamente dita (por simples enumeracao) surge nesse contexto somente como uma das possiveis solucoes que Hume analisa (e recusa) para a segunda questao. Alem disso, Hume julga que somente uma (mica e me sma res posta possa convir a ambas as questoes, visto que qualquer que seja essa resposta, ela deve necessariamente surgir da experiencia. Se a partir da experiencia pudessemos inferir indutivamente regularidades necessarias entre duas ideias, isso nos obrigaria, entao, a conecta-las de modo necessario mediante uma relacao de causa e efeito, pois nao temos nenhuma outra ideia de necessidade que nao seja derivada dessa relacao, Todavia, por outro lado, nao temos nenhuma ideia de conexao necessaria que nao seja ela mesma tambem derivada da experiencia, Se chamo, portanto, a segunda questao de "problema da inducao", isso se deve apenas a essa hip6tese analisada por Hume com relacao aquela questao - e, por implicacao, tambem a primeira. Uma segunda razao para essa terminologia aparecera mais tarde quando analisarmos as resposta de Kant a ambos os problemas. Mas por que uma resposta satisfat6ria a ambos os problemas deve ser buscada na experiencia? Relacoes de causa e efeito nao sao do tipo que podem mudar sem qualquer mudanca nas ideias, isto e, as ideias consideradas como causa e efeito podem ser concebidas independentemente dessa relacao sem que isso implique mudancas nelas mesmas.' Acausalidade nao e, portanto, uma "qualidade particular dos objetos", mas tao-somente uma "relacdo entre os objetos.'" E, sendo assim, nao ha evidencia intuitiva nem demonstrativa da necessidade atribuida a essa relacao, Podemos, dada a ideia da existencia de urn objeto qualquer, imaginar tanto a existencia quanta a nao-existencia de urn outro objeto qualquer, sem que isso implique nenhuma contradicao,
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO:;.11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
"Visto que nao ea partir do conhecimento ou qualquer raciocinio cientifico que derivamos a opiniao da necessidade de uma causa para toda producao nova, essa opiniao deve necessariamente surgir da observacao e experiencia."" Isso inverte a ordem das questoes acima e faz da solucao do problema da inducao uma condicao para a solucao do problema da causalidade - ou, nas proprias palavras de Hume, " a conexao necessaria depende da inferencia, ao inves da inferencia depender da conexao necessaria."? Os raciocinios de causa e efeito possuem uma caracteristica muito particular em relacao aos demais. Vale dizer que Hume reserva 0 termo "raciocinio" apenas para as operacoes mentais que envolvern relacoes de causa e efeito, admitindo que nas relacoes de identidade e de tempo e espaco nao ha propriamente nenhum "exercicio de pensamento nem qualquer acao (... ), mas uma simples admissao passiva das impressoes atraves dos orgaos de sentido." Isso significa que em nenhuma dessas outras relacoes "a mente vai alern do que esta imediatamente presente aos sentidos ou descobre a existencia ou as relacoes reais dos objetos."? Raciocinios pressupoem comparaciies e, consequentemente, a descoberta de relacoes entre dois ou mais objetos. Nao sendo, contudo, a causalidade uma "qualidade particular dos objetos", ela talvez possa ser reduzida a alguma outra relaciio passivel de ser considerada real. Ora, duas relacoes mais basicas sao essenciais as causas e aos efeitos: contiguidade espaco-temporal e prioridade temporal da causa sobre 0 efeito (sucessao). Todavia, contiguidade e sucessao sao ainda insuficientes para fundamentar os raciocinios de causa e efeito, pois, como simples relacoes de tempo e espaco, nao nos permitem ir alem das impressoes dos sentidos e revelar a existencia de objetos que nao estejam imediatamente presentes aos sentidos. De urn modo geral, "nao ha objeto que implique a existencia de qualquer outro, se consideramos esses objetos em si mesmos e nunc a olhamos para alem das ideias que formamos deles." 0 unico meio que Hume julga admissivel para nos fazer olhar "para alem das ideias" presentes a nossa mente e inferir uma existencia qualquer seria a experiencia, mediante a qual exc1usivamente
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nil>. 11-12 p.145-178 Jan.lDez.2002
descobrimos que uma terceira relacao, alern de contiguidade e sucessao, deve ser presumida entre objetos considerados como causas e efeitos, a saber, a conjunciio constante. Pode ser, portanto, que a transicao entre uma impressao presente e a ideia de urn outro objeto ausente aos sentidos esteja "fundada na experiencia passada e na recordacao da sua conjunciio constante." Contudo, a "ordem regular de contiguidade e sucessao" descoberta pela conjuncao constante e ainda insuficiente para explicar a relacao de conexiio necessaria, "po is ela implica apenas que objetos semelhantes se encontraram em relacoes semelhantes de contiguidade e sucessao e parece, ao menos a prime ira vista, que por meio disso jamais podemos descobrir nenhuma ideia nova e apenas podemos multiplicar, mas nao ampliar os objetos da nossa mente."! A ampliacao dos objetos da percepcao e da memoria depende de que possamos fundamentar os principios de que "as instancias das quais nao tivemos experiencia devem se assemelhar aquelas das quais tivemos experiencia e que 0 curso da natureza continua sempre uniformemente 0 mesmo.?? A razao e incapaz de fundamentar ambos os principios, pois, entre outras coisas, e impossivel demonstrar que 0 curso da natureza nao possa ser alterado. Desse modo, "nao podemos penetrar na razao da conjuncao.'?" Excluida a possibilidade de uma fundamentacao racional, a imputacao de regularidade a natureza depende intrinsecamente das operacoes da imaginacao, isto e, de uma associacao de ideias. Trata-se de uma relacao naturalmente introduzida pelos proprios objetos: quando a impressao de urn objeto esta presente formamos imediatamente a ideia de seu acompanhante usual. "Assim, embora a causalidade seja uma relacao filosofica, que implica contiguidade, sucessao e conjuncao constante, e somente na medida em que se torna uma relacao natural e produz uma uniao entre nossas ideias que somos capazes de raciocinar sobre ela ou fazer qualquer inferencia a partir dela."!' Todos os raciocinios ampliativos devem estar, portanto, fundados na imaginacao, na medida em que e a unica faculdade capaz de estender nossa experiencia passada na direcao da
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.145路178 Jan.lDez.2002
experiencia futura. Mas os raciocinios de causa e efeito nao envolvem apenas a concepcao imaginaria de urn objeto ausente aos sentidos. Alem de concebe-lo e, 0 que 6 0 mesmo, concebe-Io como existente, 6 preciso tarnbem acreditar na sua existencia. A crenca, no entanto, nao envolve qualquer acrescimo ou ampliacao da ideia do objeto. A unica diferenca entre a simples ideia de urn objeto - que, para Hume, por si mesma implica a ideia da sua existencia - e a crenca na sua existencia 6 a maneira como a mente concebe a ideia original. A crenca consiste apenas numa "ideia vivaz relacionada ou associada a uma impressao presente.?'? A imaginacao nao 6 capaz de por si mesma gerar a crenca, pois essa nao consiste nem na natureza nem na ordem das ideias - ha, finalmente, urn meio pelo qual as crencas podem ser distinguidas das meras ficcoes, A forca e a vivacidade da crenca sao-lhe transmitidas inteiramente pela impressao presente aos sentidos. Mas uma impressao isolada nao 6 suficiente para produzir qualquer efeito dessa natureza. Devemos antes ter experimentado 0 mesmo tipo de impressao em circunstancias passadas e ter descoberto que, nessas circunstancias, ele esteve constantemente conjugada a algum outro tipo de impressao, "Ora, como chamamos de costume qualquer coisa que procede da repeticao passada, sem urn novo raciocinio ou conclusao, podemos estabelecer como uma verdade certa que todas as crencas que se seguem de qualquer impressao presente 6 derivada exclusivamente dessa origem.?" Temos agora todos os elementos para descrever 0 "problema da inducao", Ele diz respeito a ausencia de uma justificacao demonstrativa para a crenca na regularidade da natureza e, por conseguinte, para as inferencias das experiencias passadas para 0 futuro. Hume resume suas conclusoes ceticas a esse respeito nesses dois principios: (i)"Nao M nada nos objetos, considerados em si mesmos, que possa nos proporcionar uma razao para retirar uma conclusao que va alem deles." (ii)"Mesmo apos a observacao da freqiiente ou constante conjuncao de objetos, nao temos nenhuma razao para fazer uma inferencia concernente a qualquer objeto alern daqueles dos quais temos tido experiencia.''" Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
o principio (i) exclui a possibilidade de atribuir eficacia causal a quaisquer das qualidades conhecidas dos objetos. Assim, (i) parece estar mais relacionado ao problema da causalidade do que propriamente ao problema da inducao. 0 principio (ii) formula mais diretamente 0 problema da inducao. Por esse principio, Hume pretende mostrar a incapacidade da razao de fundamentar a transferencia do passado para 0 futuro argumentando que, diante de eventos contraries e mutuamente excludentes nas nossas experiencias passadas, somente 0 costume ou 0 habito poderia nos levar a fixar nossa crenca num determinado evento futuro. A razao, ao contrario, faria com que as conclusoes contrarias se anulassem reciprocamente, reduzindo-nos acompleta indiferenca quanta ao futuro. "Sem considerar esses juizos como efeitos do costume sobre a imaginacao, estariamos numa etema contradicao e absurdidade."!' Todavia, 0 habito so mente pode oferecer uma solucao promissora para 0 problema da inducao se puder tambern fundamentar a ideia em que se baseiam todas as nossas expectativas acerca da regularidade da natureza. A ideia de conexao necessaria 6 a unica a oferecer uma base salida para tais expectativas. Contudo, essa ideia somente "existe na mente, nao nos objetos; nem nos 6 possivel formar a ideia mais remota dela se a considerarmos como uma qualidade presente nos cOrpOS."16 Para Hume, 6 urn fato que nao haja uma impressao imediata dos sentidos correspondente a ideia de conexao necessaria. As unicas relacoes que se constituem a partir de qualidades presentes nos proprios objetos sao aquelas espaco-temporais (contiguidade e sucessao) e nenhuma delas nos permite dar urn passo alem a fim de "descobrir" qualquer outra relacao entre esses objetos que eles mesmos nao revelassem diretamente aos sentidos por intermedio apenas de suas impressoes correspondentes. A repeticao das mesmas relacoes de contiguidade e sucessao produz, no entanto, uma nova impressao e, consequentemente, uma nova ideia. Portanto, somente mediante a repeticao constante "descubro que, ante a aparicao de urn dos objetos, a mente 6 determinada pelo costume a considerar seu acompanhante usual e a considera-lo numa luz mais forte em Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p. 145-178 Jan./Dez.2002
virtude de sua relacao com 0 primeiro objeto. E essa impressao, entao , ou determinaciio que me proporciona a id eia de necessidade. "17 Tudo isso somente faz sentido se, concomitantcmente ao esvaziamento da objetividade das relacoes de causa e efeito, houver tam bern uma reducao das expectativas sobre as virtudes epistemicas das nossas crencas sobre as dependencias causais dos objetos. As nossas {micas fontes de crcncas sao os sentidos e 0 habito. As crencas determinadas pelo habito sao exclusivamente "relacionais" e, portanto, "nao representam qualquer coisa que pertenca ou possa pertencer aos objetos.''" No caso das relacoes de causa e efeito, anexamos a elas invariavelmente a ideia de neccssidade - supor causas "contingentes" e 0 mesmo que supor o acaso, ou seja, supor nada que possa ser real. As ideias de causalidade e de necessidade nao sao ideias distintas e, portanto, sao inseparaveis, Contudo, os juizos causais particulares jamais alcancam 0 grau maximo de evidencia e nao constituem assim conhecimento propriamente dito. Juizos causais particulares sao intrinsecamente provaveis e contingentes. Somente seriam necessarios se fossem constituidos exclusivamente a partir das qualidades presentes nos objetos por eles conectados. A situacao e mesmo paradoxal: juizos causais sao epistemologicamente necessaries, mas ontologicamente contigentes." Isso porque 0 habito, embora determine completamente a mente, subdetermina a existencia atual das pr6prias relacoes de causa e efeito, 0 que significa dizer que ele subdetermina a existencia objetiva das qualidades que unicamente confeririam necessidade a tais relacoes. Consequentemente, 0 problema (epistemo16gico) da inducao tera uma solucao completa com a hip6tese do habito, mas 0 problema (onto16gico) da causalidade nao totalmente. Nada disso, entretanto, compromete a pretensao de Hume de que os problemas da causalidade e da inducao tern uma solucao comum. A regularidade da natureza depende de que haja urn vinculo necessario entre os objetos. Tal vinculo e exclusivamente aquele que prevalece entre causa e efeito. Anecessidade e, portanto, o elemento unificador das solucoes de Hume para os problemas
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p, 145-178 Jan.lDez.2002
da inducao e da causalidade. Diante da impossibilidade de poder contar com principios racionais que, por si mesmos, impusessem uma ordem necessaria anatureza, Hume oferece como altemativa a "naturalizacao" das inferencias ampliativas mediante 0 recurso aos raciocinios causais. Por conta disso, tanto a regularidade do curso da natureza quanta as relacoes de causa e efeito pass am a depender de uma exclusiva determinacao da mente. E verdade que tanto uma quanta as outras poderiam resolver-se apenas "filosoficamente", desde que nenhuma inferencia ou raciocinio fosse realizado com base na simples comparacao de ideias." A possibilidade de haver uma regularidade no curso da natureza, em particular, poderia sustentar-se no simples registro das conjuncoes constantes dos objetos das mesmas especies nas experiencias passadas. Mas a crenca no curso regular da natureza nao se poderia sustentar independentemente de haver urn vinculo inteligivel entre os eventos. Urn tal vinculo seria exclusivamente aquele que relaciona ou associa os objetos em relacoes de causa e efeito. Relacoes de causa e efeito, entretanto, para que possam fundamentar a nossa crenca na regularidade da natureza, nao podem ser meras contingencias, ou elas sao necessarias ou nao sao absolutamente nada. 0 problema da inducao reencontra 0 problema da causalidade no ponto em que ambos nao admitem solucao possivel independentemente da atribuicao de necessidade. A "naturalizacao" intervem nesse momenta para suprir a unica fonte possivel da necessidade nas questoes de fato ou de existencia: o habito,
2. Conformidade a leis e causalidade Segundo urn consagrado enfoque interpretativo da filosofia transcendental kantiana, a resposta de Kant ao problema levantado por Hume acerca da justificacao racional dos juizos causais universais deve ser buscada na secao da Crltica da Radio Pura (1781,1787) intitulada "SegundaAnalogia da Experiencia". Nessa secao da primeira Crltica, Kant argumenta que a "relaciio objetiva dos fenomenos que se sucedem uns aos outros" somente epossivel
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.145-178 Jan./Dez.2002
mediante "0 conceito da relacdo de causa e efeito." Deve haver assim, entre as condicoes de possibilidade da experiencia de objetos, uma "lei da causalidade" que "torna possivel a pr6pria experiencia, isto e, 0 conhecimento empirico dos fenomenos.'?' o principio da sucessao no tempo segundo essa lei diz que "Todas as mudancas acontecem de acordo com 0 principio da ligacao de causa e efeito.'?" Mas, embora haja urn consenso entre os comentadores sobre onde buscar a resposta de Kant ao problema de Hume, as avaliacoes sobre a cogencia e plausibilidade dos argumentos kantianos variam amplamente. Em vista dis so, urn levantamento e uma avaliacao satisfat6rios dos diversos pontos de vista acerca do alcance e do significado da Segunda Analogia estao bern alem dos objetivos deste trabalho. No maximo, 0 que pode ser aqui considerado e que as duas principais posicoes interpretativas se dividem em tomo das respostas dada a seguinte questao: a Segunda Analogia implica a existencia e/ou a necessidade das leis eausais empiricas? Ou, dito de outro modo, 0 conceito de causalidade envolve universalidade e necessidade estrita a ponto de que, ao ser aplicado na determinacao da sucessao temporal entre os estados A e B, 0 juizo de que A causa B equivale ou implica a afirmacao de que todos os eventos do tipo A sao necessariamente seguidos por eventos do tipo B? A resposta positiva a essa pergunta, como ocorre nas interpretacoes de Lovejoy e Strawson, levou as tradicionais acusacoes de non sequitur ao argumento kantiano. Mais recentemente, Buchdahl e Allison empreenderam tentativas de mostrar os equivocos desse tipo de interpretacao da Segunda Analogia." De acordo com a interpretacao de Buchdahl-Allison, a Segunda Analogia nao e suficiente para prover uma resposta completa ao desafio de Hume, pois e insuficiente para assegurar quer a necessidade quer a existencia de sucessoes causais particulares na natureza - ou, em outros termos, de demonstrar que nossos juizos causais devem invariavelmente assumir 0 carater de leis empiricas, que assegurem que uma mesma especie de objetos ou eventos segue-se necessariamente de outra especie de objetos ou
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'. 11-12
p. 145-178 Jan.lDez.2002
155
eventos. Contudo, a Segunda Analogia desempenha uma funcao imprescindivel na justificacao do proprio emprego significativo do conceito de causa, na medida em que oferece as condicoes sob as quais a cognicao de sucessoes temporais entre objetos da experiencia podem ser consideradas objetivas, mesmo que nao permita decidir a priori se tais estados de coisa existem ou se existem necessariamente. Nos termos em que 0 problema de Hume foi antes analisado, a Segunda Analogia articula uma resposta ao problema (ontologico) da causalidade, mas e insuficiente como resposta ao problema (episternologico) da inducao." Ao contrario de Humc, Kant nao parece supor que uma mesma resposta possa servir a ambos os problemas. Isso porque a necessidade com a qual concebemos sucessoes temporais objetivas nao e a mesma nem possui 0 mesmo fundamento que a necessidade com a qual inferimos a existencia de urn objeto a partir do aparccimento de outro. A primeira necessidade decorre exclusivamente do conceito de experiencia possivel, que tcm seu fundamento a priori nos conceitos puros do entendimento. A segunda nccessidade, ao contrario, nao tern nenhuma base conceitual aprioristica e, par isso mesmo, deve estar fundada exclusivamente nos conteudos da experiencia, donde nao se pode nada inferir com necessidade absoluta. Deve-se, no entanto, reconhecer que Kant nem sempre e coercnte com esses parametres e suas imprecisoes terminologicas podem ser as verdadeiras causas das enormes divcrgencias entre os comentadores. De qualquer modo, 0 argumento central de Kant enfatiza aspectos importantes da interpretacao acima. 0 objetivo de Kant e definir como podemos prover as conexoes acidentais entre nossas percepcoes subjetivas de urn valor objetivo ou "como sai essa representacao ( ... ) para fora de si propria e adquire significado objetivo, para alem do subjetivo, que lhe e inerente como determinacao do estado de espirito.?" A "determinacao" de que fala Kant aqui ea determinacao temporal que, por ser 0 tempo a forma da nossa intuicao intema (e, consequentemente, condicao para a sintese da imaginacao), faz com que nossa apreensao do diverso dos fenomenos seja sempre sucessi."a - e e justamente
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
essa sucessao temporal da apreensao dos fenomenos que possui urn significado apenas "subjetivo". A condicao para que tal ordem se tome objetiva e que possamos "submete-la a uma regra". Uma vez que nao percebemos 0 proprio tempo ou que 0 "tempo absoluto" nao e objeto de percepcao, "sao os fenomenos que tern que determinar reciprocamente as suas posicoes no proprio tempo e torna-las necessarias na ordem do tempo, isto e, 0 que sucede ou acontece deve seguir-se, segundo uma regra universal, ao que estava contido no estado anterior, de onde se constitui uma serie de fenornenos que, por interrnedio do entendimento, produz e torna necessaria, na serie das percepcoes possiveis, a mesma ordem e 0 mesmo encadeamento continuo que se encontra a priori na forma da intuicao intema (0 tempo), em que todas as percepcoes teriam que ter 0 seu lugar." (CRP, A200/8245)
Mas, bern entendido, "necessidade" aqui nao implica que os estados particularcs aos quais essa regra se aplica adquiram 0 estatuto de uma regularidade em "conformidade a leis". Apenas indica que essa regra e a (mica condicao em que se pode determinar objetivamente a ordem temporal em que sao apreendidos, isto e, determinar "necessariamente qual dos dois deve ser anterior e qual posterior e ndo vice-versa.'?" Conferir objetividade as nossas representacoes das sucessoes temporais entre estados de coisas e uma funcao exclusiva do entendimento. Para esse resultado, exige-se a integral admissao da tese kantiana da aprioridade do tempo. Hume supusera a sucessao temporal como uma relacao natural entre nossas percepcoes e fundada exclusivamente nas qualidades sensiveis dos objetos sucessivos. Kant parece, entao , rep lica-Io (supostamente) dizendo: "Ora, 0 tempo e tao-somente a forma da intuicao e, como tal, eurn simples fluxo continuo, indiferente em todas as suas direcoes. Qualquer deterrninacao que 0 segmente em partes e lhes imponha uma 'ordem' ou uma 'sucessao ', distinguindo urn 'antes' e urn 'depois', somente e possivel mediante urn ato do entendimento - 0 unico capaz de
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
tornar irreversivel e, portanto, necessaria a ordem de sucessao das partes do tempo." Na teoria humeana, os estados eram identificados em tempos distintos (digamos, t, e t.) dados em si J mesmos como irreversiveis em vista de uma ordem temporal objetiva (digamos, t, e t). Isso, embora fosse uma condicao necessaria, era assim insuficiente para anexar as suas impressoes uma nova qualidade (conexao necessaria) sem a qual nao se poderia reuni-los em relacoes de causa e efeito - essa era uma prerrogativa exc1usiva do "habito", Kant inverte 0 esquema humeano: estados sucessivos somente sao representados como tais pela (mica determinacao conceitual que nos perrnite distinguir as partes do tempo, t, e t,J e uma ordem objetiva entre e1as, t 1 e t 27 A funcao da Segunda Analogia e, portanto, oferecer as condicoes em que uma sucessao particular de eventos particulares pode ser dotada de valor objetivo. Para tanto, nao e preciso pressupor nem implicar a existencia de leis causais particulares e empiricas. Se Kant pensasse diferente disso, nao estaria apenas incorrendo em non sequitur, mas sendo incoerente consigo mesmo, dadas as muitas vezes em que insiste no estatuto contingente e indutivo de tais leis particulates." 0 fato de que leis empiricas, embora dotadas de generalizacoes relativas, sejam freqiientemente chamadas por Kant de "leis particulares" deve-se, alem de ao seu carater nitidamente espaco-temporal, ao alcance daquilo que pode ser 0 "contributo da experiencia". 29 Leis causais particulares, portanto, nao podem dispor do mesmo estatuto de leis universais e necessarias, visto que sao fundadas indutivamente na experiencia e sujeitas as condicoes de repetibilidade e regularidade das observacoes. Esse elemento empirico exigido para as leis particulares introduz urn certo indice de indeterminacao na sua relacao com 0 principio transcendental da SegundaAnalogia. Nao a ponto de torna-Ias totalmente indeterminadas por esse ultimo principio; mas 0 suficiente para que exc1usivamente por ele nao se possa dizer se as instancias de tais leis existem ou se sao e1as mesmas necessarias. "0 poder justificacional da causalidade se esgota inteiramente ao fornecer urn nexo categorial entre as I
J
1
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
â&#x20AC;˘
p.145-178 Jan.lDez.2002
'percepcoes' a fim de gerar uma sequencia contingente ao nivel da experiencia, "30 Em suma, se Kant forneceu uma resposta completa ao desafio humeano, ele nao 0 fez da maneira mais direta oferecendo 0 tipo de justificacao indutiva que Hume colocara em questao. Kant parece assimilar integralmente a licao humeana de que a causalidade e uma "determinacao da mente" e, sendo assim, nao pode estar fundada em qualquer qualidade que pertenca intrinsecamente aos pr6prios objetos. Mas Kant tende a radicalizar o idealismo latente na licao humeana a fim de que algum tipo de objetividade possa ainda ser assegurada aos juizos causais. Isso se mostra sobretudo na autonomia parcial que ele confere as representacoes das relacoes, que se tornam independentes das qualidades (imediatas ou mediatamente conhecidas) dos objetos. A necessidade inevitave1mente ligada as relacoes causais nao e funcao de uma qualidade que habitualmente associamos aos objetos envolvidos - forca, poder, energia ou "conexao necessaria". Relacoes tornam-se necessarias ou, na terminologia kantiana, objetivas, a medida que tenham como fundamento os unicos conceitos a priori que sao, ao mesmo tempo, condicoes de possibilidade para 0 resultado que somente podemos obter a partir da experiencia: 0 "encadeamento dos fenomenos" ou a "unidade da experiencia",
3. Conformidade a fins e inducao Se a interpretacao acima estiver correta, entao Kant nao fez muito mais do que fizera Hume. Com efeito, apesar de enormes diferencas semanticas, ha urn nitido fundo comum entre as doutrinas kantiana e humeana da causalidade, uma vez que ambos consideram-na como uma exc1usiva "determinacao da mente": a necessidade atribuida as leis causais empiricas depende de uma qualidade que a mente acrescenta aos objetos que lhes sao dados - ainda que Kant pudesse mobilizar a maquinaria aprioristica da filosofia transcendental para caracterizar esses acrescimos subjetivos como condicoes de possibilidade de juizos objetivos.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nllli.11-12
p. 145-178 Jan.lDez.2002
Mas Kant e Hume divergem num ponto que e crucial para 0 primeiro: a unidade sistematica que confere necessidade as leis empiricas precede logica e temporalmente qualquer experiencia que resulte na descoberta dessas leis. A indispensabilidade de uma ideia de uma unidade sistematica da natureza e introduzida por Kant no "Apendice a Dialetica Transcendental" da primeira Critica e desenvolvida mais extensivamente nas introducoes e, sobretudo, na segunda parte da Critica da Faculdade do Juizo (1790), intitulada "Critica da Faculdade de Juizo Teleologica". A primeira vista, os objetivos de Kant na "Critica da Faculdade de Juizo Teleologico" parecem se resumir ao simples csclarecimento das condicoes particulares da nossa expericncia dos organismos, em virtude da sua adesao a tese da irredutibilidade dos corpos organicos (animais ou vegetais) as determinacoes mecanicas da materia. Tratar-se-ia de uma especie de "metafisica especial" da materia organica. Contudo, penso que os objetivos de Kant sao bern mais pretensiosos. Se cle discute as condicoes de possibilidadc da nossa experiencia dos organismos, isso apenas serve como urn mcio de esclarecer e ilustrar urn modo necessario de pensar a toda a natureza: 0 juizo teleologico surge "por ocasiao de algumas formas naturais (e, por ocasiao dessas, ate da natureza no seu todo).'"! Assim, suponho que a precedencia logica e temporal atribuida por Kant a ideia do todo no ajuizamento teleologico possa ser interpretada como uma replica ao problema da inducao levantado por Hume." Juizos reflexivos distinguern-se de juizos determinantes precisamente porque procedem, ao contrario desses ultimos, "do particular para 0 universal". Em outras palavras, para 0 juizo reflexivo, somente os condicionados sao dados e a sua tare fa e identificar quais seriam as condicoes para esses condicionados dados. E isso nao para determinar os particulares dados - pois para isso somente as categorias e os principios a priori do entendimento sao suficientes e necessaries -, mas somente para torna-los suscetiveis de serempensados segundo aqueles aspectos que as categorias e os principios transcendentais deixaram indeterminados. Mas como exatamente devemos proceder nessa
Princfplos
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
tarefa de encontrar universais para particulares dados? A resposta parece estar no que Kant chama na Logica (1800) de "inferencias da faculdade do juizo (reflexiva)", isto e, "certos modos de inferir" que servem para passar "de conceitos particulares a conceitos universais" e que "nao determinam 0 objeto, mas apenas a maneira de rejletir sobre ele a fim de chegar ao seu conhecimento.l'" Nominalmente, essas inferencias sao a inducao e a analogia, que Kant descreve do seguinte modo: "A inducao infere, pois, do particular para 0 universal (a paticulari ad universale) segundo urn principio da generalizaciio: 0 que a muitas coisas de urn genera con vern as demais tambem. A analogia infere da sernelhanca particular de duas coisas a sernelhanca total, segundo 0 principio da especificacao: as coisas de urn genero das quais conhecemos muitos aspectos concordantes tambem concordam nos demais aspectos que conhecemos em algumas coisas deste genero, mas nao percebemos em outras. A inducao amplia 0 que e empiricamente dado do particular para 0 universal no que respeita a muitos objetos; a analogia, ao contrario, estende as propriedades dadas de uma coisa a varias outras da mesma coisa," (L, ยง 84, 133)
Mas Kant adverte que essas inferencias, ao contrario das demais inferencias da razao, nao conferem "necessidade" as suas conclusoes, apenas "certeza empirica". Sua utilidade se resume a "ampliacao do nosso conhecimento por experiencia", Por isso, "devemos nos servir delas com prudencia e cautela.?" Aepoca da "descoberta" da reflexao teleologica, Kant parece haver identificado 0 que pudesse conferir as inferencias ampliativas (indutivas ou anal6gicas) mais do que uma simples "certeza empirica". Isso somente foi possivel gracas a sua conviccao de que a conformidade a fins (finalidade) deveria se converter na "legalidade [isto e, a conformidade a leis] do contingente"." Desse modo, as maximas metodologicas da parcimonia e a uniformidade deixam entao de significar desiderata impostos pelos "simples processos do metodo"," e adquirem urn fundamento transcendental
Princlpios
UFRN
Natal
v.9
nOli.11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
na ideia de urn "sistema da natureza" ou da natureza como urn todo organizado. Essas ideias subsumem totalidades de objetos tao vastas que nao excluem nada que possa ser concebido como uma coisa natural, inclusive aquelas que nao representariamos empiricamente nem mesmo pela maxima extensao dos nossos conceitos de experiencia possivel. Ora, 0 unico modo como tais totalidades nos sao possiveis como representacoes e mediante a suposicao de "fins naturais", nos quais a forma do todo seja causa e efeito de suas partes e, por isso, preceda-as, nao como uma mera causa produtiva, "mas sim como fundamento de conhecimento da unidade sistematica da forma e da ligacao de todo 0 multiple que esta contido na materia dada... "37 Eis, portanto, as condicoes transcendentais pelas quais se poderia conferir as inferencias da faculdade de juizo reflexiva mais do que simples "certeza empirica", Pois, mesmo que a conformidade a fins nao fosse mais do que uma "pressuposicao" da reflexao teleol6gica "para remontar do particular-empirico ao mais universal igualmente empirico"," somente ela poderia conferir a essa inferencia urn significado maior do que 0 presumidamente logico, tornando-se ela mesma a "condicao de possibilidade de aplicacao da logica a natureza. "39 "Tampouco se pode cobrar urn tal principio da experiencia, porque somente sob a pressuposicao do mesmo e possivel instituir experiencia de modo sistematico.?" Numa palavra: a ideia da experiencia como sistema constitui 0 fio condutor da reflexao teleol6gica que unicamente confere legitimidade cognitiva a derivacao do universal a partir dos particulares dados. Outro nao parece ser 0 ponto de divergencia entre Kant e Hume do que a importancia atribuida a concepcao sistematica ou arquitetonica da natureza e da experiencia." Nos Dialogos sobre a Religiiio Natural (1779), Hume realiza uma critica profunda das bases epistemol6gicas do argumento do designio, que se destinava a "provar, a urn so tempo, a existencia de uma Divindade e a sua semelhanca com a mente e a inteligencia humanas.?" Para Hume, 0 ponto problematico desse tipo argumento teol6gico era o pressuposto de que a natureza desse Ser Supremo pudesse ser pensada em "analogia ou semelhanca com as perfeicoes humanas" ,
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p. 145-178 Jan.lDez.2002
quais sejam, sabedoria, pensamento, designio e conhecimento; afinal, nas palavras de Filo - 0 mais constante porta-voz de Hume nos Dialogos -, "nossas ideias so chegam ate onde chega nossa experiencia, e nao temos experiencia de atributos ou procedimentos divines."? Contra as pretensoes dos teistas, representados nos Dialogos pelo personagem Cleantes, Filo argumenta que da aplicacao correta das "regras da analogia"- urn "metodo de raciocinio" tacitamente admitido por Cleantes -, "se segue que a ordem, 0 arranjo ou 0 ajustamento das causas finais nao constituem por si sos a prova de urn designio, mas apenas na medida em que ja se tenha constatado pela experiencia que eles procedem de urn tal principio.?" Nada disso por enquanto esta em oposicao as tcses de Kant sobre 0 ajuizamento teleologico da natureza, que scmpre conservaram urn acentuado distanciamento critico com relacao a hipotese teista.:" Mas pelo menos do is pressupostos da argumentacao anti-teista humeana estao em direta oposicao aos principios da reflexao teleologic a kantiana: a dualidade irreconciliavel entre a ordem das ideias e a ordem das coisas e, principalmente, a legitimidade de "transferir para 0 todo uma conclusao acerca das partes.?" o longo discurso de Filo na Parte II dos Dialogos baseia-se em ambos os pressupostos. Cleantes sustenta seu sistema teista na analogi a entre a "arte" do arquiteto e 0 plano da criacao: a casa construida segundo urn plano que 0 arquiteto concebeu em pensamento e 0 universo que, da mesma forma, deve ter surgido segundo urn plano concebido pela mente divina. A estrategia de Filo para refutar 0 argumento analogico de Cleantes consiste em, primeiro, caracterizar 0 "pensamento" e a "ordem das ideias" como uma mera parte do universo e, entao, questionar: "Mas por que uma parte da Natureza deveria constituir uma regra para outra parte da Natureza remotamente situada em relacao a primeira? Por que deveria constituir uma regra para 0 todo? Uma infima parte pode prover a regra para 0 universov'"? Filo recusa-se a "admitir que as operacoes de uma parte nos capacitem a concluir acertadamente sobre a origem do todo", especialmente se se tratar
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
dessa "dimmuta agitacao do cerebro que denominamos 'pensamento' ... "48 Filo concede, entretanto, que certas partes do mundo material dispoem-se de maneira ordenada por si mesmas, pois disso temos experiencia na geracao e crescimento vegetativo nos seres vivos. Tambern temos experiencia de ideias que se dispoem em ordem por si mesmas; mas, assim como no caso anterior, isso ocorre sem nenhuma causa conhecida. Mas mesmo admitindo que tanto 0 "mundo material" quanta 0 "mundo mental ou universo de ideias" sao "governados por principios semelhantes e dependentes, em suas operacoes de urn sortimento de causas", entao por que "deveriamos pensar que a ordem e mais essencial a urn do que ao outro'i'"? Pelo mesmo "metodo de raciocinio" que Cleantes diz empregar ("0 que observamos nas partes podemos inferir em relacao ao todo"), sabemos que ha uma "ordem dos seres naturais" e que "tudo certamente esta governado por leis fixas e inviolaveis", de tal modo que "em qualquer hipotese, cetica ou religiosa, 0 acaso nao pode ter lugar." Mas, desde que nao se conhece a "essencia mais recondita das coisas", nao podemos saber se 0 "principio ordenador inerente e originario" encontra-se no pensamento ou na materia." Portanto, a unica possibilidade de decidir em favor do sistema teista defendido por Cleantes seria "provando a priori que a ordem esta inseparavelmente ligada, par sua propria natureza, ao pensamento; e que ela, por si mesma ou com base em principios fundamentais desconhecidos, nao pode jamais ser inerente a materia.'?' Uma boa parte dos esforcos de Kant na fundarnentacao da reflexao teleologica parece estar dirigido a oferecer a prova que Filo exige para a justificacao da doutrina de Cleantes. 0 "antropomorfismo simbolico" dos Prolegomenos antecipa a "descoberta" da reflexao como uma faculdade-de-conhecimento heautonoma e baseada na analogia: "pensamos 0 mundo como se a sua existencia e a sua determinacao interna promanassem de uma razao suprema", sem contudo, mediante tal pensamento, pretender descobrir "0 que ele e em si mesmo, mas 0 que ele e para mim, a saber, em relacao ao mundo do qual eu sou uma
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nOli.11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
parte." 52 0 mesmo deve ser dito em relacao a essa suposta "razao suprema": "gracas a essa analogi a, resta urn conceito de ser supremo suficientemente determinado para nos", isto e, determinado "relativamente ao mundo e, por conseguinte, a nos, e nada mais nos e necessario." Os "ataques de Hume" aos raciocinios ampliativos se desvanecem a medida que se retira 0 "antropomorfismo objetivo [dogmatico] do conceito do ser supremo.v'? Assim, 0 ponto crucial da replica de Kant atinge igualmente a Filo e a Cleantes; diz respeito ao "rnetodo de raciocinio" que ambos compartilham, a "analogia". Para Kant, a analogia nao estabelece apenas uma "semelhanca imperfeita entre duas coisas, mas uma sernelhanca perfeita de duas relacoes entre coisas inteiramente dissemelhantes. "54 Assim entendida, a analogia nos permite supor que "a causalidade da causa suprema e, em relacao ao mundo, 0 que a razao humana e relativamente as suas obras de arte.?" o traco mais caracteristico das analogias teleologicas kantianas e que elas dizem respeito exclusivamente as relacoes e nao as qualidades dos seres envolvidos nesse tipo de raciocinio." Relacoes pressupoem totali dade dinamicas, isto e, que os relata sejam possiveis como tais em virtude da propria relacao. Nao se pode, entao, pensar a "existencia" de cada uma das partes de uma relacao sem pensar antes a propria relacao como urn todo: a casa nao pode ser representada sem 0 arquiteto, nem esse sem aquela. Mas, quando se trata de relacoes que nenhum dos nossos conceitos possa representar como objetivas, 0 que nos resta para distingui足 las de meras criacoes arbitrarias da imaginacao? Em particular, esse e 0 caso da propria relacao que Kant pretende estabclecer entre 0 mundo e a sua conformidade a fins: conhecemos as obras de arte e os designios humanos dos quais elas resultam, mas nao temos nenhum conceito empiricamente determinado da totalidade do mundo nem de urn designio que seja suficiente para a sua producao, Recorrer a experiencia e aos seus "metodos de raciocinio" para suprir essa necessidade e incorrer em peticao de principio, pois a totalidade que se busca ea unica capaz de conferir aos dados da experiencia 0 estatuto de partes e, portanto, deve ter
Principios
UFRN
Natal
v.9
n2>. 11-12
p. 145-178 Jan.lDez.2002
precedencia logica sobre elas. Kant esta inteiramente de acordo com 0 diagnostico de Filo sobre a fragilidade do argumento de Cleantes: "nao dispomos de dados para decidir acerca de qualquer sistema de cosmogonia. Nossa experiencia, em si mesma tao imperfeita e tao limitada tanto em alcance como em duracao, nao nos pode oferecer qualquer conjetura plausivel acerca da totalidade das coisas."" Mas, para Filo, nao ha qualquer outra altemativa alem da experiencia, pois qualquer tentativa de constituir urn sistema da natureza em sua totalidade e obstruida pelo fato de que nossas "ideias sao copiadas dos objetos reais e sao ectipicas, nao arquetipicas ... "58 A altemativa de Kant e mostrar 0 desatino de toda tentativa de explicar as mais diversas operacoes naturais pressupondo nossa infinita capacidade cognitiva de "dissecar a [sua] refinada estrutura interna"," quer seja mediante a experiencia atual quer seja mediante as determinacoes a priori da experiencia possivel, pelas quais seria urn contrasenso pretender demonstrar que a ordem "sistematica" e inerente anatureza como urn todo. Nesse sentido, o antromorfismo kantiano significa a recusa de jogar 0 jogo proposto pelo cetico e, assim, de responder construtivamente as duvidas por ele levantadas. Kant inverte a restricao humeana: nossas unicas ideias capazes de constituir uma ordem "sistematica" da natureza nao sao ectipicas, mas sim arquetipicas. Isso nao requer que sejamos capazes de representar as coisas como possivelmente faria urn suposto intellectus archetypus, a cuja ideia somos conduzidos exclusivamente pelo "contraste com 0 nosso cntendimento discursivo, que necessita de imagens (intellectus ectypus) . .." Basta observar que a ordem "sistematica" da natureza, ao contrario da sua ordem mecanica, "nao conceme a possibilidade de tais coisas mesmas (mesmo consideradas como fenornenos) (... ), mas sim e unicamente ao ajuizamento possivel dessas coisas para 0 nosso entendimento."?" Dissolve-se assim a distincao humeana entre ordem das coisas e ordem das ideias, e doravante a unica ordem relevante e possive1 para a totalidade das coisas torna足 se aquela que 0 pensamento constitui, nao para as coisas como sao em si - Hume concebera assim os fenomenos e, por isso,
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.145-178 Jan./Dez.2002
cogitara a possibilidade de que, se nossa experiencia nao fosse "tao limitada e tao imperfeita", a "essencia mais recondita das coisas viesse a abrir-se para nos"?' -, mas como sao para nos ou para a nossa fin ita faculdade de conhecimento. Na medida em que nosso pensamento e parte da totalidade da natureza e, sobretudo, e a (mica parte it qual podemos consistentemente atribuir uma genuina ordem sistematica, a sua forma constitui a causa e 0 efeito daquela totalidade; totalidade com relacao it qual nao faz mais qualquer sentido exigir que seja representada como constituida extern a e independemente do nosso pensamento. A licao fundamental da teleologia reflexiva kantiana e que toda tentativa de construir realisticamente a ordem sistematica da natureza degenera-se em ceticismo.'?
Conclusao A reflexao teleologica e 0 ultimo e decisivo movimento da "revolucao copernicana" que Kant diz ter operado na filosofia, mediante uma "mudanca de metoda na maneira de pensar", fazendo que os objetos se regulassem pelos nossos conceitos e nao vice-versa.f Na sua tarefa de encontrar 0 universal para 0 particular dado, a faculdade de juizo reflexiva nao procede pelo simples acumulo de dados ou de observacoes, Ela deve proceder segundo principios que antecipem a ordem que se deseja identificar nos materiais empiricos. A analogia the serve nessa tarefa nao para ascender gradualmente do mais particular para 0 mais universal, mas para projetar na experiencia relacoes que promovam a sua maior unidade possivel. 0 nexus finalis, sob 0 qual se unifica toda a diversidade de leis empiricas numa totalidade sistematica a priori, "nao e posta no objeto, mas exclusivamente no sujeito, alias em sua mera faculdade de refletir.'?" Com a reflexao teleologica, Kant demarca urn dorninio em que 0 conhecimento de objetos deve se guiar inteiramente por urn conceito derivado tarnbem analogicarnente da razao no seu uso pratico ou "a faculdade de atuar segundo fins (uma vontadej.?" Nesse ponto, tanto Filo quanta Cleantes estavam igualmente enganados. Seria
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOl.11-12
p.145-178 Jan.Dez. 2002
como se Kant encarasse Hume, nas palavras de Lebrun, como "urn naturalista que permaneceu cego ao verdadeiro conceito de pratica", sobretudo porque nao enxergara que "a suposicao de urn outro entendimento" seria inteiramente destituida de "qualquer peso teorico e permaneceria com reduzido proveito conceitual se nao encontrasse uma exigencia advinda da razao pratica, "66 Ora, somente nos mesmos somos capazes de atuar de maneira intencional; portanto, a atribuicao de uma finalidade a natureza em si mesma tera urn carater somente regulativo e subjetivo. Mas, desde que nao possamos nos conduzir na investigacao da natureza a nao ser atribuindo-Ihe uma conformidade a fins, a faculdade de atuar conforme fins torna-se constitutiva nao teoricamente, mas praticamente." A "tecnica da natureza" e 0 que se exige como correlato objetivo da pratica experimental da ciencia da natureza ou "da aplicacao da logic a anatureza". Ela institui as condicoes indispensaveis para a simples constatacao de "tudo esta governado por leis fixas e inviolaveis" - algo que Hume ingenuamente acreditara conhecer exclusivamente por seu "metodo de raciocinio" baseado na experiencia". 0 antromorfismo de Kant desincumbe足 o da agenda proposta por Hume, que consistia em abidicar do ceticismo sobre causas finais somente se a inquiricao sobre a causa ultima da unidade sistematica da natureza revelasse-a como algo inerente a propria essencia das coisas. A ordem e a unidade sistematica da natureza pertencem essencialmente apenas arelaciio das nossas faculdades finitas de conhecimento com os seus objetos empiricamente dados. Nao reside nem nesses proprios objetos tornados isoladamente das suas relacoes com a totalidade da natureza nem numa disposicao da mente (habito) cuja ativacao independa de qualquer decisao volitiva ou racional humana. Para Kant, 0 conhecimento somente e possivel se for uma atividade essencialmente interessada que visa realizar os fins essenciais da nossa razao, Por fim, resta esclarecer qual 0 tipo de vinculo que haveria, se e que havera algum, entre as duas respostas de Kant aos problemas da causalidade e da inducao, 0 proprio fato da irredutibilidade mutua entre as condicoes priori dos juizos determinantes e
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO:;.11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
reflexivos impede que haja algum tipo de continuidade conceitual entre ambas as respostas. Quando juizos empiricos da forma "Todos os eventos da especie A sao seguidos por eventos da especie B" assumem 0 carater de leis, isso parece resultar da aplicacao de duas ordens distintas de principios a priori. Formalmente, a "conformidade a leis" no nivel empirico euma funcao da aplicacao do conceito de causalidade a fim de determinar sucessoes temporais objetivas. Materialmente, a "conformidade a leis" e 0 resultado da atividade regulativa e sistematica da razao, que nao e em si mesmo urn componente transcendental, mas algo que se realiza "em prol de uma ordenacao da natureza". 69 Excluida, portanto, a possibilidade de uma continuidade teorica entre as condicoes formais e materiais da experiencia, resta a possibilidade de uma continuidade pratica, na medida em que as condicoes materiais sao indispensaveis para 0 uso e a aplicacao das condicoes formais. Ora, se somente do ponto de vista pratico podemos justificar a indispensabilidade da reflexao teleologica kantiana, entao ela nao mais se distingue da doutrina humeana do habito num aspecto relevante: ambas fazem uma necessidade subjetiva por uma necessidade objetiva fundada no conhecimento. 70 Isso significaria, entao, que Kant ao fim e ao cabo reincide no mesmo erro que identificara na filosofia humeana, com 0 agravante de que 0 faz sob a pretensao de oferecer a "soluciio do problema humeano na sua maxima extensao possivel."?' Novamente, creio ser preciso invocar 0 carater voluntario e interessado da reflexao kantiana, em oposicao ao carater instintivo e involuntario do habito humeano. E nao sao quaisquer interesses que Kant supoe capazes de por em marcha a empresa reflexiva. Somente os "fins essenciais" da razao estao a altura des sa tarefa, fins esses que, por sua natureza essencial, sao constituintes da propria razao como faculdade de conhecimento - dai Kant considerar que "a razao humana e, por natureza, arquitetonica ... "72 Se for assim, a objetividade na filosofia kantiana deve ser construida com base na mesma duplicidade formal e material apontada acima para a conformidade a leis. Kant restaura assim 0 dominio da vontade
Principios
UFRN
Natal
v.9
no;.11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
na tarefa de estabelecer conexfies necessarias entre os objetos da nossa experiencia. No vocabulario humeano, seria como se 0 programa kantiano tornasse sem efeito a naturalizacao proposta por Hume, justamente porque nao temos como representar as relacoes de causa e efeito sem 0 arbitrio caracteristico das relacoes filosoficas." Numa palavra, Kant pode ser acusado de haver "filosofizado" a necessidade que Hume houvera antes "naturalizado".
Abstract The main purpose of this article is to interpret and to analyze "Hume's Problem" so as to involve two different and intertwined problems: causation and induction. We defend that Kant articulated two different answers, each of them directed respectively to causation (in the Second Analogy) and to induction (in the Critique ofJudgement). By assessing Kantian and Humean analysis of causation and induction we conclude that both of them imply a subjective necessity and that the only thing which seems to make a difference is the Kantian doctrine of the essential ends of reason.
Notas \ Cf. P, Introducao, 261. As referencias aos Prolegomenos a Toda a Metafisica Futuro, retiradas da cdicao de Morae (Kant, 1988),serao feitas daqui em diante pela abreviatura "L", seguida pelo nurnero do paragrafo (exccto, obviarnente, na Introducao, onde os paragrafos nao sao numerados) e pelo nurnero das paginas correspondentes a edicao da Academia de Bedim (Kant Werke, Akadernie Text-Ausgabe, Berlin, 1968), conforrne constam na margem da edicao de Ellington (Kant, 1985). 2
As refcrencias ao Tratado da Natureza Humana, retiradas da edicao de Selby足 Bigge (Hume, 1978), serao feitas daqui em diante pela abreviatura 'TNH", seguida pelo numero do livro em algarismos romanos maiusculos, pelo numero da secao em romanos minuscules, pelo numero da secao em arabicos e pelo numero da pagina correspondente aquela edicao.
'TNH,1. iii. 1,69.
Princlplos
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
4TNH, I. iii. 2, 75. 5TNH, I. iii. 3, 82. 6TNH, I. iii. 6, 88. 7TNH, I. iii. 2, 73. 8TNH, I. iii. 6, 88. 9TNH, I. iii. 6, 89. 10 TNH, I. iii. 6,93. II
TNH, I. iii. 6, 94.
12TNH, I. iii. 7,96. I)
TNH, I. iii. 8, 102.
14TNH, I. iii. 12, 139. 15 TNH, I. iii. 13, 155. 0 habito consiste, portanto, no unico principio de determinacao. Se nao podemos ainda determinar cornpletamente os evcntos futuros, isso se deve exclusivamente a nao possuirmos ainda habitos perfeitos. A mente, contudo, nunca permanece numa posicao de total indiferenca. Isso somente ocorreria se os eventos estivessem sujeitos nao a causas, sejam elas conhecidas ou desconhecidas, mas ao acaso. "Sornente 0 acaso pode destruir essa determinacao do pensamento e deixar a mente na sua siruacao originaria de indiferenca, na qual e instantaneamente reintroduzida na ausencia de uma causa."(TNH, I. iii. II, 125) 0 determinismo do habito esvazia 0 acaso de todo conteudo real. Hume admite urn duplo "sistema de realidades": urn constituido pelos objetos da memoria e dos sentidos (individual) e urn outro constituido pelos objetos dos juizos (relacional). Numa frase bastante enigmatica, Hume acrescenta que e esse segundo sistema que "povoa 0 mundo".(TNH, I. iii. 9, 108) Isso mostra que Hume nao faz qualquer distincao de dignidade ontologica entre as determinacoes imediatas dos sentidos e as determinacoes mediadas pelo habito; ambas sao igualmente reais e distinguem-se na mesma medida das meras ficcoes da imaginacao. Os efeitos dos sentidos e do habito sao rigorosamente os mesmos: gerar a crenca que modi fica a maneira de conceber os objetos, Se pela imaginacao apenas concebiamos objetos possiveis, pelo habito nao somente concebemo-Ios como existentes, mas passamos a acreditar na sua existencia atual, do mesmo modo como fariamos se eles estivessem presentes aos nossos sentidos. 16 TNH, I. iii. 14, 165-166. 17TNH, I. iii. 14, 156. 18TNH, I. iii. 14,164.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nll>. 11-12 p.145-178 Jan.lDez.2002
19
Confonne veremos a seguir, a mesma situacao se repetira na doutrina kantiana da causalidade: juizos causais sao transcendentalmente necessaries, mas empiricamente contingentes.
2째Nisso consiste a chamada "definicao filos6fica" de causa: "uma CAUSA e urn objeto precedente e contiguo a outro e onde todos OS objetos semelhantes ao primeiro estao colocados nas mesmas relacoes de precedencia e contiguidade aqueles objetos que se assemelham ao ultimo." (TNH, 1. iii. 14, 170) Causa aqui nao significa mais que precedencia e contiguidade, exceto pelo fato de que se vai alem da experiencia ao afinnar que "todos os objetos semelhantes estao colocados nas mesmas relacoes." Contudo, as infcrencias ampliativas nas quais se apoiam as conclusoes universais desse tipo serao irremediavelmente arbitrarias, se nao puderem ser sustentadas por urn principio unificador das ideias, "Assim, embora a causalidade seja uma rela<;aofilos6flca, que implica contiguidade, sucessao e conjuncao constante, e somente na medida em que se lorna uma relacao natural e produz uma uniao entre nossas ideias que somos capazes de raciocinar sobre ela ou fazer qualquer infcrencia a partir dela."(TNH, Liii.o, 94) Surge dai a necessidade de complementar a definicao acima com uma "definicao natural" de causa, que a caracterize por meio de uma genuina associaciio de ideias: "uma CAUSA e urn objeto precedente e contiguo a outro e tao unido a ele que a ideia de urn detennina a mente a formar a ideia do outro e a impressao de urn forma uma ideia mais vivaz do outro."(TNH, 1. iii. 14, 170) A qualidade que unifica essas ideias na imaginacao deriva inteiramente do habito, Na medida em que ele esteja presente, pode-se ajuizar sobre os eventos futuros e sobre os vinculos atuais entre as ideias. A "naturalizacao" da necessidade e 0 que perrnite pressupor uma regularidade no curso da natureza e conferir inteligibilidade aos seus nexos causais. 2\ CRP, B234. As refcrencias a Critica da Razdo Pura, retiradas da edicao de Pinto dos Santos e Morujao (Kant, 1989), serao feitas daqui em diante pela abreviatura "CRP", seguida pelos numeros das paginas correspondentes as primeira (A) e segunda (B) edicoes da obra original. 22 CRP, B233. 23
Para as criticas as interpretacoes de Strawson (The Bounds ofSense, London, 1966) e de Lovejoy ("On Kant's Reply to Hume" in Moltke S. Gram (ed.) Kant: Disputed Questions, Chicago, 1967), ver Buchdahl (1992:208-209) e Allison (1983:232-233). Nas ultimas decadas, a principal- e lalvez exclusiva - discordancia da interpretacao de Buchdahl e Allison foi apresentada por Friedman (1992). Para uma avaliacao das divergencias entre esses autores, ver Barra (2000: 173-178, 188-198).
240U, nos termos consagrados por Lewis While Beck, isso significa que a Segunda
Analogia diz respeito a replica de Kant ao desafio cetico humeano ao principio "para-qualquer-efeito-uma-causa", mas nao ao mesmo desafio ao principio "mesma-causa-mesrno-efeito" (cf. Allison, 1994:292).
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p. 145-178 Jan.lDez.2002
25 CRP, Al 97/B242. 26CRP, B234
(OS
italicos sao meus).
27Isso nao implica dizer que Kant estivesse comprometido com uma teoria causal do tempo. Na filosofia transcendental, 0 tempo e, antes de tudo, uma forma da intuicao sensivel c, somente por uma determinacao conceitual do entendimento, converte-se tarnbern numa intuicao formal (I" 12" " , IJ Assim como ocorre com 0 espaco (cf. CRP, B 160n), 0 tempo dctcrminado como intuicao formal somente tcm qualquer significado se for ele mesmo uma determinacao dos objetos da experiencia, Ora, para que esses objetos possam ser dispostos numa ordem temporal objetiva, Cncccssario que estejam antes dispostos em rclacoes causais. Isso nao significa, entretanto, que as dcterminacocs objetivas do tempo sejam essencialmente relaeionais. A serie do tempo, por exernplo, pode ser construida mediante 0 esquema a priori do movimento e que, assim como ocorre com 0 espaco, as detcrminacocs internas do tempo podem ser tarnbem eonstituidas pelas propriedades maternaticas a priori dos fenornenos (cf. CRP, B 154-155). Sendo assirn, Kant nao pensava que as relacoes temporais atribuidas aos fenomenos devessem ser suplementadas por relacoes mais basicas (isto e, eausais) particulares, mas apenas que elas se tomam possiveis mediante uma lei universal da causalidade (cf. Lacey, 1972:96-99). 28 Cf., por exemplo, CRP, B 165. 29CRP, B3. 30
Buehdahl (1992:226).
" CJ, § 70, 315-316. As referencias it Critica da Faculdade do Juizo, retiradas da cdicao de Rohden e Marques (Kant, 1995), serao feitas aqui em diante pela abreviatura "CJ", seguida pelo nurnero do paragrafo e pelo numero da pagina eorrespondente it edicao da Academia de Berlim tKant Werke, Akademie Text Ausgabe, Berlin, 1968), conforme constam nas margens da edicao de Rohden e Marques. 32
Como vimos acima, a primeira Critica pouco ou nada acrescentara a esse respeito, 0 que nos leva a supor uma concordancia tacita de Kant com as conclusoes ceticas de Burne aeerea da inexoravel contingencia dos juizos causais partieulares. Por outro lado, 0 silencio relativo da Critica da Razdo Pura quanta ao problema da inducao poderia tambem signifiear que, ate aquele mornento, Kant nao visualizara urn modo de cnfrenta-lo. A "descoberta" de uma extensao necessaria da faeuldade de conhecimento para 0 dominio da reflcxao permitiu-lhc, entao, eoloear-se indiretamente diante do problema. Digo "indiretamente" porque Kant nunea se refere claramente it inducao em nenhuma das secoes da Critica da Faculdade do Juizo. 0 que ha sao indicios nesse e em outros textos de que os juizos reflexivos ofere cern meios senao para resolver 0
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
problema- esse dificilmente poderia ser 0 objetivo de Kant -, pelo menos com certeza para impugnar algumas de suas consequencias ceticas, "L, ยง 82, 132. As referencias s Logica de Jiische, retiradas da edicao de Almeida (Kant, 1992), serao feitas daqui em diante pela abreviatura "L", seguida pelo numero do paragrafo em romanos e pelo numero da pagina correspondente a edicao da Deutsche Akademie der Wissenschaften (Kanis Gesammelte Schriften, vol. IX), conforrne constam nas margens da edicao de Almeida.
HL, ยง 84,133. "Kant (l995a:53) e CJ, ยง 76, 344. 16
CRP, A661/B689. E muito provavel que a preocupacao de Kant em tomar as suas "maximas" mais do que simples estratagemas heuristicos tenha a sua origem no modo como Hume justificou as suas "regras para os juizos de causas e efeitos". Hume sustentara que, desde que nao podemos determinar a priori quais objetos sao causas de quais outros e que, rigorosamente falando, "qualquer coisa pode produzir qualquer coisa", devemos fixar algumas regras gerais "pelas quais possamos saber quando eles realmente sao assim." (TNH, Liii.l S, 173) A premissa oculta desse argumento parece ser que, embora 0 habito seja suficiente para distinguir a crenca da ilusao, ele c incapaz de por si so produzir uma serie de regras pelas quais se deve conduzir na investigacao empirica. As regras se imporiarn, entao, como urn recurso arbitrario: "Seguir uma regra geral e uma especie de probabilidade muito pouco filosofica e, no entanto, somente quando as seguimos podemos corrigir essa e todas as outras probabilidades nao-filosoficas.i'(Tbll-l.T. iii. 13, 150) Entre as regras de Hume, destaca-se aquela que oferece sustentacao as inferencias indutivas: "A mesma causa sempre produz 0 mesmo efeito, e 0 mesmo efeito nunca surge a nao ser da mesma causa." Ele observa que "derivamos esse principio da experiencia e ele e a fonte da maioria dos nossos raciocinios filosoficos.' (TNH, 1. iii. 15, 173) Nota-se aqui 0 carater arbitrario des sa regra, pois 0 proprio Hume reconhecia que qualquer tentativa de "derivar" rigorosamente esse principio da experiencia incorreria numa peticao de principio (cf. TNH, 1. Ii. 6, 89-90).
nCJ, ยง 65, 291. l'
Kant (I 995a:46).
19
Kant (l995a:47-48n).
40
Kant (l995a:46). E importante distinguir os tipos de "unidade da experiencia'' promovidas pelo entendimento e pela razao. A unidade promovida pelo entendimento e uma "unidade distributiva", enquanto a promovida pela razao e uma "unidade coletiva" (CRP, A644/B672). A "unidade distributiva do uso experimental do entendimento" consiste em determinar afirmativa ou negativamente os fenomenos em relacao a todos os seus predicados possiveis (cf. CRP, A581-583/B609-61l). Desse modo, "0 entendimento reline por
Principios
UFRN
Natal
v.9
nos.11-12 p.145-178 Jan.lDez.2002
conceitos 0 que ha de diverso no objeto". A razao, por sua vez, nao se reporta diretamente aos proprios objetos, mas aos "atos do entendimento" ou ao seu "uso empirico", pelos quais sao constituidas as series dos fenomenos (CRP, A644/B672). Assim, a unidade da cxperiencia que a razao promove visa exclusivamente a "totalidade" dessas series. 0 fundamental, parece-rne, e que a sintese do entendimcnto tern urn "limite" determinado, enquanto a da razao e sempre possivel estcnde-Ia indefinidamente. Isso esta ligado ao proprio fato de a deterrninacao operada pela sintese empirica do entendimento cnvolver tanto a afirmacao quanta a negacao de todos os predicados possiveis a urn objeto, enquanto a unidade sistematica envolve apenas as afirmacoes, pois "todas as negacoes sao (... ) limites" (CRP, A576fB604; cf. tam bern P, ยง 40 c 43, 328 e 330n). Guyer nao distingue desse modo a unidade da experiencia promovida pelo entendimento e pela razao. Assirn, ele sugere que 0 unico meio de a unidade promovida pela razao nao "solapar 0 trabalho do entendimento" e considera-Ia como exclusivamente "opcional" em relacao a unidade promovida pelo entendimento, isto e, que nao seja "urn fator interno a constituicao do proprio conhecimento empirico do entendimento, mas somente urn desideratum adicional que a razao procura encontrar ou construir a partir do conhecimento empirico produzido pelo entcndimento." Em outras palavras, a sistematicidade "pode desempenhar urn papel heuristico na expansao real do conhecimento empirico (... ) mas esse papel nao e mais do que heuristico." (Guyer, 1990:33) Minha argumentacao a seguir pretende mostrar que Kant tinha expectativas muito mais "realistas" e nao apenas simplesmente heuristicas com relacao a sua doutrina sobre 0 "uso empirico" das ideias da razao e que isso nao implicaria em nenhuma sobreposicao a unidade da experiencia promovida pelo entendimento. 41
Kant insiste nesse ponto contra Hume em pelo menos duas ocasioes (ver CRP, A 7671B795 e CJ, ยง 80, 369). Eraro entre os comentadores relacionar a reflexao teleologica kantiana ao problema da inducao. Algumas das excecoes sao Lebrun (cf. 1993a:360 e 601; 1993b:78, 91 e 110) e Zammito (1992:166-169).
42
Hume (1992:31).
4)
Hume (1992:29 e 30).
44
Hume (1992:35).
45
0 que Kant rejeita peremptoriamente na doutrina teista coincide, em parte, com as criticas de Hume. Ambos criticam 0 seu "antropormofisrno dogmatico", que "transfere predicados tirados do mundo sensivel para urn ser inteiramente diferente do mundo." (P, ยง 57 e 58, 357 e 358; cf. tarnbern CJ, ยง 59 e 88, 257 e 436)
46
Hume (1992:38).
47
Hume (1992:40).
Princfpios
UFRN
Natal
v.g
nll>.11-12
p.145-178 Jan.lDez.2002
48
Hume (1992:38).
49
Hume (1992:63 e 65).
50
Hume (1992:88).
51
Hume (\992:98; os italicos sao meus).
52
P, § 58 e 57, 359 e 357. Diversos comentadores, por diferentes razoes, destacam a centralidade do enfoque "antropologico" na filosofia kantiana. Ver, por cxemplo, Allison (1983:14), Lebrun (l993a:609), Putnam (1992:88-92) e Kitcher (1993: 107).
5, P, § 58, 358. 54
P, § 58,357.
55
P, § 58, 360n.
50
Isso mostra a importancia da relativa autonomia ontol6gica que Kant confere as relacoes na secao "Da Anfibolia dos Conceitos da Reflexao" da primeira Critica. Certas relacoes (externas) subsistem por exclusiva imposicao do modo espacial de existir das coisas, sem qualquer concxao irnediata com as suas qualidades internas. A causalidade, que interessa fundamentalmente aqui, pode ser considerada como exclusivamente relacional, de tal modo que subsiste externa e independentemente das qualidades pelas quais se poderia vincular as essencias das coisas (Cf. P. §58, 358n). Assim, a faculdade de juizo reflexiva pode proceder segundo analogias entre as obras de arte human as e a ordem universal, sem com isso supor que suas similaridades residam em qualidades igualmente similares comuns aos seus respectivos autores. Assim entendida, a analogia consiste na "identidade da relacao entre fundamentos e conseqiiencias (causas e efeitos), na medida em que tern lugar sem que considerernos a difercnca especifica das coisas, ou daquelas propriedades que contem em si 0 fundamento de consequencias semelhantes (isto e, consideradas fora desta relayao)."(CJ, § 90, 449n)
57
Hume (1992:95).
58
Hume (1992: 112).
59
Hume (1992:96).
ODCJ, § 77,350-351. 01
Hume (1992:88); cf. tambern THN, 1. iii. 4, 86.
62
Marques, ao contrario, defende uma especie de "realismo dos fins" na teleologia kantiana, que consiste na opiniao de que a natureza, por si mesma, oferece "simbolos" a razao "a/a VOl' da reflexao sobre si mesma e sobre a natureza que se the opoe", que esses simbolos sao realmente "naturais" e que, finalmente, eles se apresentam como "exernplificacao sensivel do projeto que a razao pod era
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nos.11-12 p. 145-178 Jan.lDez.2002
ate a priori tracar. .. " (1987:382 e 383) Nao ha muito 0 que argumentar contra essa interprctacao, alern do que foi dito aqui sobre 0 carater subjetivo e transcendental da reflcxao teleol6gica. Basta lembrar que, para Kant, a necessidade de uma unidade sistematica das leis e conceitos empiricos e absolutamente relativa anossa razao humana. Eassim que Lebrun caracteriza a justificacao do programa da teleologia reflexiva kantiana: "nosso juizo espontaneo de finalidade nao e urn artificio metodol6gico, mas uma exigencia inscrita no estatuto finito de nos so conhecimento." (l993b:97) Portanto, nao me parece ser 0 caso que "so urn juizo que aplique urn conceito, pelo qual a natureza se defina como objetiva e rea/mente final, eque pode assumir-se como urn instrumento de sisternatizacao da natureza." (Marques, 1987:45; cf. tambem 1992:33-34) 63
Cf. CRP, Bxviii,
h4
Kant (1995a:51).
65
CJ, ยง64, 285.
66
Lebrun, 1993b: 101 e 104.
67
Cf. CJ, ยง88, 437-438.
6' Hume (1992:88). 69
Cf. Buchdahl (1992:230)
70
Cf. P, Introducao, 258.
71
Cf. P, Introducao, 261.
72 CRP, 73
A4741B502.
Para os sentidos "filosofico" e "natural" de relacoes, ver acima nota \ h 20.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p. 145-178 Jan.lDez.2002
Referencias ALLISON, H. (1983) Kant's Transcendental Idealism. New Haven: Yale University Press. ALLISON, H. (1994) "Causality and Causal Laws in Kant: A Critique of Michael Friedman" in PARRINI, P. (ed.) Kant and Contemporary Epistemology. Dordrecht: Kluwer, pp. 291-307. BARRA, E. (2000) De Newton a Kant: A Metafisica e 0 Metoda da Ciencia da Natureza. Tese de Doutoramento. FFLCHIUSP. BARRA, E. & MENEZES E SILVA, C. (1998) "A Via Media Kantiana no Debate entre Realismo e Anti-realismo Cientifico" Critica 11:289-326. BUCHDAHL, G. (1992) Kant and the Dynamics of Reason. Oxford: Blackwell. FRlEDMAN, M. (1992) "Causal Laws and the Foundations of Natural Science" in GUYER, P. (ed.) The Cambridge Companion to Kant. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 161-199. HUME, D. (1978 [1739]) A Treatise ofHuman Nature. [ed. L. A. Selby-Bigge and P. H. Nidditch] Oxford: The Claredon Press. HUME, D. (1992 [1779]) Dialogos sobre a Religido Natural [trad. Jose Oscar de Almeida Marques] Sao Paulo: Martins Fontes. KANT,1. (1985 [1783]) Prolegomena to any Future Metaphysics. [trad. James W. Ellington] Indianapolis: Hackett. KANT,1. (1988 [1783]) Prolegomenos a toda Metafisica Futura. [trad. Artur Morae] Lisboa: Edicoes 70. KANT, 1. (1989 [1787]) Critica da Razdo Pura. [trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujao] Lisboa: Fundacao Calouste Gulbenkian, 2. ed. KANT, 1. (1992 [1800]) Logica [trad. Guido Antonio de Almeida] Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
Princlplos
UFRN
Natal
v. 9
nO>.11-12
p.145-178 Jan./Dez.2002
KANT, I. (1995 [1790]) Critica da Faculdade do Juizo [trad. Valerio Rohden e Antonio Marques] Rio de Janeiro: Forense, 2. ed. KANT, I. (1995a [1790]) "Primeira Introducao aCritica do Juizo" [trad. Rubens R. Torres Filho] in TERRA, R. (org.) Duas Introducoes aCritica do Juizo. Sao Paulo: Iluminuras, pp. 31-91. KANT, I. (1995b [1790]) "Introducao a Critica do Juizo" [trad. Carlos A. Marques Novaes et alii] in TERRA, R. (org.) Duas Introducoes a Critica do Juizo. Sao Paulo: lluminuras, pp. 93足 128. KITCHER, P. (1993) The Advancement of Science. New York: Oxford University Press. LACEY, H. (1972) A Linguagem do Espaco e do Tempo. Sao Paulo: Perspectiva. LEBRUN, G. (1993a) Kant e a Fim da Metafisica. Sao Paulo: Martins Fontes. LEBRUN, G. (1993b) Sabre Kant. Sao Paulo: EDUSP/Iluminuras. MARQUES, A. (1987) Organismo e Sistema em Kant. Lisboa: Presenca. MARQUES, A. (1992) "A Crltica da Faculdade do Juizo como Alargamento da Revolucao Copernicana de Kant" in ROHDEN, V. (org.) 200 Anos da Critica da Faculdade do Juizo de Kant. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, pp. 24-34. PUTNAM, H. (1992) Razdo, Verdade e Historia. Lisboa: Dom Quixote. ZAMMITO, J. H. (1992) The Genesis of Kant's Critique of JUdgment. Chicago & London: The University of Chicago Press.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nll>.11-12 p. 145-178 Jan./Dez.2002
La signiflcacien politica del concepto de justicia en Marsilio de Padua Julio A. Castello Dubra*
Resumen El pensamiento politico medieval concibe a la ley como esencialmente ligada a un concepto de justicia superior y objetivo. El trabajo procura zanjar las divergencias en tomo del concepto ley en Marsilio de Padua. Para ella, se efectua un analisis de la ecuacion entre las facultades cognoscitivas y volitivas que aparecen en el tratamiento del fin de la ley, de las cualidades personales requeridas para el juez, y de la idoneidad dellegislador humano. La ley debe poseer un contenido de justicia que es objeto de una captacion racional y de un recto querer. Sin embargo, ese concepto de justicia adquiere en Marsilio una definicion estrictamente politica: se trata del "equilibria" 0 la "medida" que deben a1canzar los aetas transitivos de los hombres, can el fin de preservar la comunidad politica.
I Los conceptos de ley y derecho ocupan en el pensamiento politico medieval un lugar fundamental. Durante un primer periodo de la Edad Media no contamos propiamente con 10 que podriamos denominar textos politicos mas 0 menos sistematicos, por 10 que la doctrina politica 0 el contenido de las reflexiones sobre los principios y la naturaleza de 10 politico que hoy en dia entendemos por "tcoria politica" hay que rastrearlo a traves de la accion misma de gobierno, la cual se expresa, naturalmente, en la jurisprudencia. De alli que un historiador como Ullmann pudiera caracterizar a la ley medieval como "doctrina politica aplicada".' Para la concepcion medieval, la accion de gobierno
.. Universidade de Buenos Aires.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.179-202 Jan.lDez.2002
es siempre una acci6n conforme a derecho. El gobernante, principe 0 reyes, fundamentalmente, iudex. Su funci6n es "dictar derecho" (ius dicere), y la esfera sobre la que ejerce su competencia iurisdictio. Desde un principio, el pensamiento medieval concibe la ley humana como intrinsecamente referida a un concepto de justicia objetivo. En su De libero arbitrio Agustin distinguc entre una "ley etema", superior, inmutable e infalible, por la cual "todas las cosas se hallan perfectamente ordenadas" y una "ley temporal", mudable y, eventualmente, falible, que ha de subordinarse siempre a la ley etema. Con estas bases, una ley "injusta" es una contradicci6n en los terminos: lex esse non videtur. quae iusta nonfuerit,' Tomas de Aquino identific6 aquella ley eterna dc Agustin con la racionalidad divina misma que gobiema el universo. De ella se dcsprende una participaci6n de dicha ley en la crcatura racional, la ley natural, la cual funciona a su vez como parametro objetivo al cual debe conformarse toda ley positiva humana. Una ley que no concuerde con la ley natural, "ya no sera ley, sino corrupci6n de ley'"; una ley que se desvie de la recta raz6n, sera una "ley inicua", un acto de "violencia" mas que una autentica ley.' En comparaci6n con esta tradicion, Marsilio de Padua parece representar una posici6n singular. En la cuarta y mas relevante caracterizaci6n del termino "ley" que Marsilio da en su Defensor pacts", la ley es presentada como "el conocimiento 0 la doctrina, o eljuicio universal acerca de 10 justo y 10 conveniente civil, y de sus opuestos" (sciencia vel doctrina sive iudicium universale iustorum et conferencium civilium, et suorum oppositorumr'' Pero de inmediato Marsilio "desdobla" esta primera caracterizaci6n en dos aspectos: de un lado, tomada en sf misma, en tanto por ella se manifiesta 10 justo y 10 injusto, 10 util 0 perjudicial, conforma la "ciencia 0 doctrina del derecho"; del otro, en cuanto se da para su observaci6n un precepto coactivo con una pena 0 premio en esta vida, 0 en cuanto es transmitida mediante tal precepto, nos hallamos frente a la acepci6n "mas propia" del termino "ley". 7 Como vemos, en su concepto de ley Marsilio parece querer dar espaeio tanto al aspccto "material" de la ley, es decir, su
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOli.11-12
p.179-202 Jan.lDez.2002
adecuacion a un contenido de justicia, como a su aspecto "formal", es decir, su coactividad. Ahora bien, cual de los dos componentes tiene el mayor peso en el concepto marsiliano de ley, no es algo sencillo de determinar." Por una parte, en un controvertido pasaje, Marsilio pareciera destacar el componente formal, cuando sefiala que no todo conocimiento verdadero de 10 justa y de 10 injusto, constituye de por Sl una ley, hasta tanto no se de para su observacion un precepto coactivo, y, por cllo, a veces ocurre que falsos conocimientos de 10 justo y 10 conveniente Began a ser leyes (quandoque false cogniciones iustorum et conferencium leges fiunt), cuando se da un precepto acerca de su observacion.? El reconocimiento de la existencia de "leyes injustas" podria ser un indicio de que la justicia no hace a la ley en cuanto tal. Sin embargo, no es menos cierto que Marsilio no aprueba estas leyes. Se trata, segun su ejemplo, de 10 que ocurre en las regiones de ciertos barbaros, quienes observan como justo el pago de una fianza para absolver al homicida, siendo esto falso desde todo punto de vista. En consecuencia, sus leyes son, desde to do punto de vista, imperfectas. 10 Segun parece, para Marsilio es valido hablar de algo injusto "desde todo punto de vista" (simpliciter), vale decir, confonne a un criterio objetivo independiente de toda legislacion positiva. El parrafo finaliza diciendo que, concedido que estas leyes tengan la "debida forma" -el precepto coactivo-, carecen de la "debida condicion" -la ordenacion verdadera de 10 justo. II La frase que debiera aclarar el punto, ha sido interpretada de mancra divergente, segun en donde se coloque el enfasis: (i) aun cuando estas leyes carecen de la debida condicion, basta con que alcancen la debida forma'l, (ii) por mas que tengan la debida forma, lesfalta la debida condicionP En estas condiciones, seria esperable una definicion de la cuestion, si contararnos con un rotundo pronunciamiento de Marsilio sobre el derecho natural. Lamentablemente, las menciones expresas de Marsilio al derecho natural no dejan de ser incidentales y, en todo caso, en ningun momenta refiere explicitamente que la ley humana deba subordinarse 0 confonnarse a el, Al hablar del regimen de la comunidad primitiva 0 vicus menciona una
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.179-202 Jan.lDez.2002
administracion de 10 justo y 10 conveniente a traves de una cierta ordenacion 0 ley "cuasi-natural", conforme a un dictamen comun de la razon, la cual representa, en verdad, una suerte de legislacion rudimentaria, hecha "sin una gran investigacion" (absque magna inquisicioney; pues las leyes "aun no habian sido inventadas."!" y al examinar, las diversas significaciones de ius, se limita a sefialar que el ius naturale es comprendido, en un sentido, siguiendo a Aristoteles, como aquel "estatuto del legislador" en el cual casi todos los hombres convienen como algo "honesto"; en otro sentido, "algunos" llaman ius naturale al dictamen de la recta razon sobre 10 actuable (agibilium), al cual colocan bajo el dcrecho divino. Sin embargo, hay muchas cosas comprendidas bajo el "dictamen de la recta razon" que por no ser evidentes por si ni admitidas por todos, no son concedidas de parte de todas las naciones como "honestas", y asi tarnbi en se hallan ciertos preceptos 0 prohibiciones de la ley divina que no estan en conformidad con la ley humana. De alli que haya cosas licitas segun la ley humana que no son licitas segun la ley divina y viceversa. A partir de estas declaraciones no es sencillo determinar en donde se ubica el propio Marsilio, por mas que sugiera que, en los casos en que se verifica contradiccion, debe considerarse 10 licito mas bien en conformidad con la ley divina que con la humana."
II Es un lugar comun interpretar el transito del pensamiento politico medieval al modemo en terminos de una "formalizacion" de un contenido moral objetivo, de una "separacion entre etica y politica" 0, incluso, como una "desmoralizacion" de la politica. Lo curio so del caso es que ese giro es apreciado como un progreso por quienes se sienten de alguna manera enraizados en el ideario fundamental de la filosofia politica modema, 0 bien es evaluado negativamente por quienes se alinean en corrientes de pensamiento que abrevan en las fuentes medievales. Al respecto, la situacion de Marsilio es singular. Aparte de la variedad de encontradas interpretaciones sobre la originalidad y la
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.179-202 Jan.lDez.2002
modemidad de su aporte al pensamiento politico, es significativo que dos de los interpretes que en mayor grado han valorado filosoficamente la obra de Marsilio, 0 que analizan su doctrina desde una perspectiva filosofica, tengan una imagen tan contrapuesta de su concepto de ley. La aparicion de la obra de Alan Gewirth, autor de la traduccion inglcsa del Defensor pacis, significo un importante giro en la apreciacion filosofica de Marsilio. Desde el prologo, la contribu足 cion de Marsilio es destacada como la de una de las figuras mas revolucionarias en la historia de la filosofia politica; los efectos y problemas de la revolucion propuesta por el, a juicio de Gewirth, aim permanecen. 16 La indole originariamente polemica de la obra de Marsilio --estrechamente relacionada con las circunstancias de su tiempo-, no tiene por que desmerecer su relevancia filosofica, ni impedir que despierte interes mas alla de la controversia particular que le dio origen." La reorientacion basica que Gewirth atribuye al pensamiento de Marsilio, y que constituye, a su juicio, la fuente principal de su originalidad y su distanciamiento respecto de la tradicion precedente, es la conversion del planteo politico en terminos de fines hacia un planteo dominado por la causalidad eficiente. La preocupacion central de Marsilio no estaria tanto en establecer los fines ultimos que orientan la vida practica -la virtud y la felicidad establecida sobre bases morales 0 teologicas-, cuanto en determinar los medios ciertos con los cuales asegurar el orden y la preservaci6n del Estado." En esta linea, Gewirth interpreta que es del pueblo como causa eficiente de la ley de donde Marsilio hace derivar aquella justicia que sus predecesores habian derivado, a traves de la dependencia de la ley humana, de una ley mas elevada. 19 Es asi como Gewirth finalmente no tiene mayores reparos en calificar a Marsilio como todo un "legal positivist", en contraste con la racionalidad y normatividad predominantes en la tradicion politica medieval. El positivismo de Marsilio no romperia tanto con esta tradicion por el hecho de des creer de una verdad y un bien objetivos, cuanto por desvincular simplemente estos contenidos de la esencia de las normas coercitivas que regulan efectivamente la vida politica. En
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.179-202 Jan.lDez.2002
definitiva, no es la racionalidad, sino la coercitividad 10 que constituye a una ley": "... political authority is directed not to leading men to virtue but rather to the adjudication of disputes and punishment of crimes; and this in order to preserve the state. It is for this reason that the essence of law is its coerciveness, since it functions primarily as a punitive weapon, which is not attached to a content having a specifically moral end."?' Dentro de la literatura marsiliana mas reciente se destaca la obra de Cary 1. Nederman? Aunque el autor se proponc reubicar la tcoria politica de Marsilio en relaci6n con su contcxto socio politico y sus fuentes clasicas y cristianas, asume expresamente la intenci6n de evitar "una potencial consecuencia" de los enfoques "historicos": la reducci6n del Defensor pacis al status de una obra meramcnte polernica, sin ninguna substancia te6rica. Contra la visi6n fuertemente ideologizada de Marsilio que prescnta Conal Condren", Nederman tambien dcfiende la posibilidad de analizar la relevancia intrinseca de la formulaci6n te6rico-politica marsiliana mas alla de su motivaci6n circunstancial y del caracter polemico de su obra." Nederman analiza el paso de la domus a la comunidad politica como el paso de la "esfera privada" a la "esfera publica", esto es, el paso del regimen discrccional de un dominus que gobiema a su arbitrio, al regimen legal establecido conforme a un patr6n racional y universal de justicia. La clave de la transici6n de un regimen a otro estaria dada, en Marsilio, por la noci6n fundamental de consenso: con ella Marsilio establece el "enlace" 0 eslabon entre voluntad y raz6n en la constituci6n de la comunidad politica. "Consent constitutes for Marsiglio the way in which a balance may be struck between will and reason, because consent forms a bridge from the autonomous household to a public system ofjustice and law. [... J Justice, law, and public order, depend upon the voluntary submission of the private wills of individuals (understood in a patriarchal sense as lords of households) to the rational principles of communal justice. "25 Al subrayar la acci6n de aquellos hombres "prudentes", que con su capacidad ora toria convencieron originalmente a los
Principios
UFRN
Natal
v.9
nll>.11-12 p. 179-202 Jan.lDez.2002
hombres de aceptar la comunidad politica, Nederman sefiala, no sin razon, la importancia de la fuente ciceroniana. Pero quiza esta tendencia a hipertrofiar el peso de los pasajes ciceronianos en Marsilio ha llevado a Nederman a sostener ciertas tesis discutibles. Contra las interpretaciones formalistas 0 positivistas del concepto de ley en Marsilio, Nederman extrema la vision contraria, al punto de sefialar que el patron 0 la regla normativa a la cual debe ajustarse la legislacion positiva, y que obra como canon para que una ley pucda ser considerada "materialmente perfecta", esto es, justa, es la ley natural. Es alli donde Nederman cree hallar la fuente del contenido de justicia que constituye el requerimiento necesario e indispensable de toda ley. La "debida condicion" se impone asi sobre la "debida forma". Accrca del polemico pasaje sobre aquellas injustas "leyes de los barbaros'?", Nederman comenta: "Marsiglio may appear to refer to a «law» that is «unjust» but such language is misleading, because an «unjust law» is an imperfect or incomplete law, unacceptable to a civilized society. Therefore, such a law need not be observed even if it has been formally promulgated'?". Puede uno admitir que a partir de 10 dicho por Marsilio la ultima conclusion es posible; pero, en verdad, no hay un solo texto explicito de Marsilio que la apoye. El lenguaje de Marsilio se vuelve asi "misleading" solo para quien se pronuncie sobre 10 que Marsilio debio haber dicho, y no sobre 10 que de hecho dijo. En un intento de demostrar que para Marsilio el contenido de la ley no se reduce a la voluntad popular, sino que esta determinado por la razon, Nederman cree hallar la fuente de los "verdaderos conocimientos de 10 jus to" en la aplicacion de la "recta razon" al descubrimiento de los requerimientos de la ley natural-los cuales, en ultima instancia, estan garantizados par Dios-. "Natural law on this account is a sort of ultimate standard against which may be measured and judged all human legislation by means ofrational inquiry"; "... the dictates of justice, founded on natural law as a subcategory of divine law, supply an insurmountable criterion for distinguishing genuine from bogus, and thus binding from a noncompulsory, decrees. Natural law constitutes an independently
Princfpios
UFRN
Natal
v. 9
n"'. 11-12
p. 179-202 Jan.lDez. 2002
accessible and universally applicable source for the principles of absolute justice. "28 Sin duda, Marsilio no profundiza en el derecho natural. De ello uno no tiene por que inferir necesariamente un rechazo 0 una ruptura respecto de la concepcion tradicional. Lewis tiene razon al decir que la omision de un tratamiento sistematico del derecho natural seria igualmente reprochable, en todo caso, en otros tantos publicistas medievales como Juan de Paris, Dante, etc.; hasta el propio Tomas de Aquino no hace uso de la nocion de derecho natural en su De regimine principumP Uno podria imaginarse al magister artium Marsilio de Padua respondiendo en el ambito universitario a una quaestio acerca de las nociones de lex 0 ius, haciendo uso del repertorio filosofico aristotelico que bien maneja, de manera que resulte coincidente con la terminologia de los juristas. Pero todo ella pertenece al plano de la especulacion. Si la escasa presencia del derecho natural no es una obligacion con la que paduano deba necesariamente cumplir, no puede sino reconocerse como mas que significativo el hecho de que no recurre al derecho natural para fundamentar la validez de las normas legales, ni parajustificar la idoneidad de la instancia de autoridad que las promulga, el legislador humano. Convendremos en que Marsilio admite un acto de discernimiento y una capacidad cognoscitiva que intervienen en el proceso de la legislacion, 10 cual implica una cierta racionalidad para el contenido de la ley. Pero deducir de ello, que hay para Marsilio una legalidad racional superior que obra como patron y medida de todo derecho positivo es una inferencia que va mas alla de las propias declaraciones de Marsilio. Frente a divergencias tan radicales, es razonable pensar que la elucidacion del concepto marsiliano de ley y, en particular, el pronunciamiento a favor 0 en contra del presunto "positivismo juridico" marsiliano, debe hacerse por otro camino. Lo que cabe preguntarse es: (i) si para Marsilio puede eventualmente haber una ley con un contenido falso de justicia, y si esa ley es verdaderamente tal, esto es, obligatoria; (ii) si, aun cuando no hubiere ley con contenido falso, la determinacion de la "verdad"
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOS.11-12
p. 179-202 Jan.lDez.2002
de este contenido se reduce efectivamente a la voluntad del legislador, esto es, si la ley justa es tal solo por el hecho de que el legislador asi la quiso. Respecto de 10 primero, Marsilio dice claramente que no hay ley si no hay un precepto coactivo, por mas que haya un contenido verdadero de justicia; y parece negar la contraria: hay algunas leyes que son deficientes rcspecto de la verdad de 10justo, y que, sin embargo, estan "correctamente formuladas". La duda surge al planteamos el alcance de esta "debida forma". Ahora bien, Marsilio no dice que esas leyes no sean obligatorias, y ese silencio es sumamente riesgoso: esta ornision si es 10 suficientemcnte significativa como para ponemos en transite a una concepcion positivista de la ley. No obstante, 10 que Marsilio dice, al menos, es que tales leyes no son leyes "perfectas", Y esto basta para concluir que a Marsilio Ie importa el aspecto material de la ley, que es preciso que las leyes, fonnalmente promulgadas, seanjustas. Un autor que manifiesta tal preocupacion no puede ser tachado sin mas de positivista, por mucho que en su caracterizacion de la ley ponga el acento en su componente formal. Respecto de 10segundo, cabe decir que Marsilio insiste en que el contenido de la ley puede y debe ser encontrado y deseado por ellegislador: hay lugar para una operacion del entendimicnto y de la voluntad respecto de la determinacion del contenido de justicia de la ley, 10 cual implica que no s610 no es irrelevante, sino que no es irracional ni arbitrario. Tal vcz podamos aproximarnos a una soluci6n satisfactoria sobre el presunto "positivismo marsiliano" tras un analisis de la ecuacion entre las facultades cognoscitivas y volitivas en los siguientes topicos: (i) la explicacion de la finalidad de las leyes, (ii) las cualidades 0 disposiciones personales requeridas para el iudex 0 gobemante en la aplicacion 0 ejecuci6n de las mismas, y (iii) los criterios sobre la base de los cuales se atribuye la auctoritas legislativa 0 la causa eficiente de las leyes.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nllJi â&#x20AC;˘ 11-12 p.179-202 Jan.lDez.2002
III
Despues de haberse ocupado de la definicion del termino "ley", Marsilio pasa a considerar el propter quid, cosa que haec en terminos de su causa final. Marsilio dira que la finalidad de las leyes es el "civile iusturn et conferens commune's", el cual tennina identificandose con el contenido que esta detenninado en la ley: cc â&#x20AC;˘â&#x20AC;˘â&#x20AC;˘ pues en ella esta detenninado de un modo casi perfecto que es 10 justo 0 10 injusto, 10 conveniente 0 10 perjudicial segun cada uno de los actos humanos civiles."!' Marsilio no sc limitara a enunciar esta tesis, sino que procedcra a dcmostrar la necesidad del establecimiento de las leyes a traves de una argumentacion de expresa forma silogistica: ... quoniam illud necessarium est in policia statuere, absque quo civilia iudicia simpliciter recte fieri nequeunt, per quod rite feruntur, et a defectu quantum possibile est humanis actibus preservantur. Lex est huiusmodi, ut cum secundum ipsam detenninatus fuerit principans ferre civilia iudicia, ergo legis institucio necessaria est in policia."
La primera premisa de estc silo gismo es considerada por Marsilio como una proposicion "casi auto-evidente" y cercana a las indemostrables. De todos modos, su ccrteza se remite a un momento precedente de la argumentaci6n de la primera dictio del Defensor pacis, donde se trata acerca de la causa final de la parte gobemante. Marsilio ha demostrado la necesidad de llevar a una "proporcion deb ida" el eventual exceso en cierto tipo de actos humanos que califica como actos "transitivos?" - aquellos actos que trascienden a un sujeto distinto de quien los realiza, y que pueden redundar en dana 0 perjuicio de otro -; del desborde de estos actos podria sobrevenir el conflicto y la separaci6n de los ciudadanos, la disolucion de la comunidad politica y, consecuentemente, la privacion de la suficiencia de la vida." La necesidad de la "regulacion" de estos actos es 10 que da lugar a una pars principans 0 parte gobemante de la comunidad politi ca. Pues bien, esta accion de la parte gobemante es el iudicium civile sobre el cual ahora se insiste en la necesidad de que sea ejercido en Princfpios
UFRN
Natal
v. 9
nO>. 11-12
p. 179-202 Jan.lDez. 2002
forma "absolutamente recta" (simpliciter recte) y "debidarnente", y que sea apartado de 61 todo defecto, en la medida de 10 posible. Aquello que necesariamente se ha de establecer, sin 10 cual no puede garantizarse esta correccion del juicio, es la ley, tal como se afirma en la premisa menor. La ley es, pues, aquel elemento imprescindible para garantizar la rectitud del juicio, en orden a conservar la integridad de la comunidad politica y la consecuente obtencion de la suficiencia de la vida que fuera de ella no es posible alcanzar. En una palabra, la necesidad primaria de la ley - aim entendida en su significacion propia, como un precepto coactivo -, es asegurar la equidad y la justicia de los actos judiciales de la parte gobernante, en los cuales esta comprometida la pervivencia de la comunidad politica misma. En estos terminos, mal puede entenderse que no importe el contenido que la ley prescribe mas alla del hecho de su prornulgacion; por el contrario, ahora se comprende bien la gravedad de que "falsos conocimientos de 10 justo y de 10 injusto" dcvengan leyes, pues en tal caso se corrompe el sentido de una accion judicial que no puede ser ejercida a discrecion, y cuyas consccuencias son fatales. Todo ella abona la importancia y la esencialidad del aspecto material de la ley. En la argurnentacion que funda la verdad de la premisa menor puede advertirse como la determinacion de este contenido de justicia, lejos de estar librado al arbitrio dellegislador, es un asunto en el cual debe intervenir un dclicado balance entre las facultades cognoscitiva y volitiva: Secunda vero proposicio manifestabitur ex hoc: quoniam ad iudicii complementum in bonitate requiritur affeccio recta iudicum et iudicandorum vera cognitio, quoniam opposita civilia corrumpunt indicia."
Forma parte de una larga tradicion medievalla disputa en tomo de la primacia del intelecto 0 la voluntad en la determinacion ultima del acto moral. En estas y otras menciones Marsilio muestra una relativa conciencia de la cuestion 0, al menos, puede interpretarse en ellas el eco de una discusion ampliamente desarrollada y de
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p. 179-202 Jan.lDez.2002
gran significacion para todo el pensamiento medieval. Aqui la fundamentacion de la proposicion que sostiene que la ley es algo necesario que debe establecerse en el regimen politico, y sin 10 cual no puede llevarse a cabo adecuadamente la tareajudicial, se basa en el principio de que esta accion debe ser llevada a su perfeccion "in bonitate", y ella implica tanto una "recta afeccion" o inclinacion de parte del juez, como un conocimiento verdadero de la cosa ajuzgar. Sus opuestos, esto es, una inclinacion perversa o un defecto de conocimicnto 0 ignorancia, terminan por corromper los juicios civiles." En primer lugar, Marsilio considera el aspecto volitivo. Ciertamente una afeccion deljuez como el odio, amor, etc. tiende a pervertir su deseo. Y este inconveniente se cvita en tanto y en cuanto el gobernante 0 juez este determinado en sus juicios conforme a la ley, en razon de que esta "carece de afeccion perversa". En efecto, la ley no esta concebida en terminos particulares como algo beneficioso 0 perjudicial para el amigo 0 el enemigo, sino universalmente, en relacion a quien actua civilmente malo bien. Todo 10 que no se hall a comprendido en esta universalidad es accidental y" ajeno a la ley, no asi aljuez. Los sometidos a juicio pueden ser amigos 0 enemigos del juez, e interferir en la imparcialidad de su juicio aportando un bien 0 un dafio. Por ella ningun juicio debe quedar librado al arbitrio de quien juzga, sino determinarse segun la ley, y enunciarse en conformidad con ella." Es un tema caracteristico de la Politica el de la prioridad de las leyes por sobre el gobierno discrecional de los hombres. Aristoteles se preocupa especialmente por establecer que cs preferible el regimen de la mejor ley, al regimen del "mejor hombre". Este primado de la ley significa, en ultima instancia, el primado de la razon y, en particular, de una razon practica cuya expresion ultima es la justicia misma. Para Aristoteles, quien defiende el gobierno de la ley defiende el gobierno "de 10 divino y de la razon", pues la ley es "razon sin apetito"; mientras que el que defiende el gobierno del hombre afiade este elemento apetitivo 0 pasional." Ahora bien, Marsilio tiende a concebir, la
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12 p.179-202 Jan.lDez.2002
necesidad del "gobiemo de la ley" como la necesidad de apelar a un recurso que permite "extirpar" de la accion judicial factores ajenos que podrian perturbar su deb ida imparcialidad. Como la ley "carece de afeccion perversa", si el accionar del juez esta determinado por la ley, se evita que incidan en el factores pasionales que podrian corromper sujuicio. La universalidad de la ley esta interpretada asi en terminos de una imparcialidad extra-emocional. En suma, Marsilio no concibe la necesidad del gobierno de la ley como la necesidad del dominio de una racionalidad superior cuya expresion es la justicia misma, sino mas bien como la necesidad de contar con un adecuado instrumento que garantice la rectitud de una accion judicial cuya necesidad ya ha sido previamente establecida. Si los actos transitivos de los hombres no fueran reducidos a una medida conveniente, se producirian conflictos y divisiones que podrian culminar en la disoluci6n de la comunidad politica y, consecuentemente, la privacion de la suficiencia de la vida. Para evitarlo se hace necesaria la accion de la parte gobemante, y en funcion de esa necesidad plantea Marsilio la necesidad de que el gobemante actue conforme a la ley. Siempre dentro de la argumentacion en favor de la premisa menor, Marsilio considera luego el componente cognoscitivo. Aun habiendo una buena afeccion 0 intencion de parte del juez, cl juicio puede corromperse tarnbien por ignorancia, defecto que la ley corrige 0 sup rime, en tanto en ella esta determinado de un modo casi perfecto que es 10 justo 0 10 injusto, 10 conveniente 0 10 perjudicial segun cada uno de los actos humanos civiles. Ahora bien, el logro de esta determinacion es imposible para un unico hombre 0 incluso para multiples hombres de una misma epoca; es casi imposible hallar 0 retener todos los actos civiles que estan determinados en la ley. En ella esta condensada, de alguna manera, el resultado del esfuerzo y la experiencia humana de multiples generaciones que van sumando su aporte y perfeccionando la tarea de quienes los preceden. En sintesis, la ley es, para Marsilio, una condensacion de la experiencia humana en tomo de la mejor determinacion de los asuntos humanos civiles. Se trata de un
Principios
UFRN
Natal
v.9
nos.11-12 p.179-202 Jan.lDez.2002
"conocimiento adquirido", resultado de un progreso hecho durante largo tiempo, y asimilado por Marsilio al progreso verificable en cualquier arte u oficio. Lo que un solo hombre puede hallar en la ciencia de 10 justo y 10 util civil, "tanto como en cualquier otra ciencia" es poco 0 nada. E igualmente inacabado es 10 que alcanzan los hombres de una epoca comparado con 10 observado en muchas." La ayuda reciproca de los hombres y el aporte de los descubrimientos posteriores que se suman a los descubrimientos primeros, es 10 que hace que las artes y disciplinas reciban su complemento." La ley es, en tal sentido, como un "ojo compuesto de muchos ojos", una comprension reflex iva (examinata) que procede de comprcnsiones multiples, cuyo fin es evitar el error acerca de los juicios civiles y juzgar rcctamente." Como siempre, Marsilio remite todas sus principales conclusiones a las fuentes aristotelicas, aunque la utilizacion que hace de estas les confiere un matiz peculiar que va bastante mas al la del espiritu aristotelico. Cuando Marsilio cita Etica Nicomaquea VI 8, para fundamentar que la lcgislacion requiere prudencia, y esta implica una larga experiencia, parece perder de vista el caracter eminentemente practice de la phronesis aristotelica.vesto es, un conocimiento relativo a la accion e involucrado en la particularidad de las circunstancias de la misma. El pasaje de Aristoteles justamente dice que "los jovenes pueden llegar a ser geometras, matematicos y sabios en tales cosas, pero no parece que puc dan llegar a ser prudentes.?" Esta distincion entre la indole de los conocimientos teoricos y la de los practicos es la que Marsilio pasa por alto cuando trae a co lacion, a propo sito de como la ley recoge la multiple experiencia politica humana -y, en tal sentido, practica-, numerosos ejemplos del progreso en los conocimientos teoricos o aun por arte.:" En una palabra, Marsilio interpreta la acumulacion de la experiencia politica recogida en la ley como si fuera el logro de un saber tecnico que se perfecciona de 10 simple a 10 complejo, asimilable a cualquicr otro conocimiento relativo a un arte 0 disciplina teorica'", y que dista bastante de la prudencia politica aristotelica. Por ello, resultara tan importante
Principios
UFRN
Natal
v. 9
n"". 11-12
p. 179-202 Jan./Dez. 2002
en Marsilio la figura de los prudentes 0 jusperitos, aquellos hombres versados en el conocimiento del derecho que aportaran a la comunidad el conocimiento verdadero de 10 justo y de 10 injusto, y que tendran a su cargo el descubrimiento 0 la invencion de las leyes a presentar al resto del pueblo para su promulgacion, Puede decirse que esta tendencia a la "cientifizacion" del conocimiento juridico apreciable en Marsilio, es perfectamente coherente con su propia forma de concebir la politica como una ciencia demostrativa y necesaria, e igualmente extrafia al perfil de las ciencias practicas aristotelicas. Con la doble consideraci6n del aspecto volitivo y el cognoscitivo queda asi confirmada la necesidad de la ley para asegurar la correccion de los juicios de la parte gobemante. La subordinacion a la ley implica la exclusion de la afeccion perversa y la ignorancia que pueden corromper las sentencias del iudex. Marsilio exigira, de parte del juez, analogas "disposiciones" 0 cualidades personales para llevar a cabo los juicios en los que el gobemante no pueda deterrninarse por la ley. Por ello se requerira de el, por una parte, que dirija su intelecto segun la virtud de la prudencia, y por otra parte, que conserve la rectitud de su inclinacion 0 afeccion por medio de la virtud moral, en especial, por la mas importante entre ellas, lajusticia. 4 5 La prudencia es necesaria para que el gobemante pueda llevar a cabo su operacion propia: el iudicium iustorum et conferencium civilium. En efecto, como la ley, en su universalidad, no puede contemplar la totalidad de los casos, 0 de las circunstancias en las que estan envueltos, en razon de la enorrne variedad de las cosas humanas en tiempos y lugares diversos, es preciso que el gobemante se dirija por su prudencia en aquellos asuntos que no estan contemplados por la ley; cuando el caso estuviere determinado por la ley, sin embargo, debera regirse por la determinacion legal. 46 Por 10 mismo, en la medida en que la decision sobre aquellos casos no previstos por la ley deben ser confiada al arbitrio del juez, se requiere la virtud moral de la justicia."
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12 p.179-202 Jan.lDez.2002
La correccion en cuanto al conocimiento y la voluntad exigidas para la accion deljuez, seran igualmente trasladadas a quien tiene a su cargo la elaboracion de las leyes, esto es, ellegislador. En el capitulo doce de la primera dictio Marsilio se dedica a demostrar la tesis de que la autoridad de instituci6n de las leyes le pertenece a la corporacion de la totalidad de los ciudadanos 0 su parte preponderante (universitas civium aut eius valentior pars). El primer argumento en que se basa Marsilio se funda en que el legislador debe ser "aquel de quien puedan provenir unicamente las mejores leyes"; y la mejor ley es aquella que esta hecha con vistas al bien comun de los ciudadanos. Dicho sea de paso, el primer criterio que Marsilio utiliza para adjudicar la capacidad legislativa tiene en cuenta la perfeccion de la ley en su aspecto material, su adecuaci6n a un contenido de justicia. Quien debe legislar debe ser quien pueda garantizar que solo hara "leyes justas". Ahora bien, ala hora de demostrar que tal es la corporaci6n de la totalidad de los ciudadanos, Marsilio considera la rectitud de la operaci6n cognoscitiva y volitiva puestas enjuego: "se juzga con mayor certeza la verdad y se atiende con mejor diligencia a la utilidad comun, respecto de aquello a 10 cual la totalidad de los ciudadanos aplica su inteligencia e inclinacion.?" Por una parte, la totalidad de los ciudadanos puede advertir un defecto en una ley propuesta, porque siempre "el todo es mayor que la parte", principio que vale no s610en la cantidad, sino tambien en la fuerza y la accion; 10 cual implica, aplicado al caso en cuesti6n, que la totalidad de los ciudadanos tendra una superior fuerza de discernimiento del bien comun que debe estar contenido en la ley. Por otra parte, a partir de la totalidad de los ciudadanos puede atenderse mejor a la utilidad cornun, porque "nadie se dana a si mismo conscientemente." Si todos los ciudadanos intervienen en la asamblea legislativa, alIi quienquiera podra observar si la ley se inclina mas al beneficio de uno 0 de algunos y reclamar en contrario, cos a que no sucederia si legislara uno 0 unos pocos, atendiendo a su bien propio, mas que al bien comun." En un capitulo posterior Marsilio responde a una serie de objeciones que podrian formularse a su tesis, sobre la base de
Principles'
UFRN
Natal
v.9
nJl>.11-12
p. 179-202 Jan.lDez.2002
que, al parecer, seria inconveniente delegar una funcion tan delicada y compleja como la legislaci6n a una mayoria de indoctos o inexpertos. El legislador no debe estar afectado de "malicia e ignorancia", es decir, no debe incurrir en error en cuanto al conocimiento, ni recaer en un defecto de la voluntad." Marsilio vuelve sobre sus argumentos para asegurar que la multitud de los ciudadanos, en su mayor parte, no es "indiscreta ni malvada", sino por el contrario, "todos 0 la mayoria" de los ciudadanos "son de una sana mente y razon, y poseen un recto apetito hacia el regimen politico (politia) y las cosas necesarias para su permanencia. "51
IV El analisis de la ecuacion entre intelecto y voluntad nos permite extraer algunas conclusiones como para imponer reparos a la interpretaci6n positivista de Marsilio. Se ve facilmente que si el justum et conferens commune pudiera ser un contenido cualquiera, con tal que asuma la "debida forma" a partir de la voluntad del legislador competente que asi 10 formula, carecerian de sentido todas estas prevenciones acerca de una recta voluntad y un certero discemimiento de la materia de la ley. Si la ley carece de la "afeccion perversa" que eventualmente puede comprometer al elemento pasional del juez, es porque ella es el resultado de un "recto querer" y no de un querer arbitrario e irrestricto; si en ella esta determinado de modo casi perfecto que es 10 justo y 10 injusto en los asuntos civiles, es porque hay en sf algo justo y algo injusto, es posible determinarlo objetivamente, y quien ha podido establecer la ley es porque ha podido contar con tal discemimiento racional. Por ello, la auctoritas legislativa debe depositarse en una instancia con una analoga rectitud en la inclinaci6n y en el discemimiento de la ley hecha con vistas al bien cornun. Por otra parte, no puede dejar de reconocerse que la singularidad del planteo de Marsilio radica en un peculiar acento en el aspecto formal de la ley. La coercitividad es, efectivamente, el aspecto definitorio de la ley: 10 propio de la ley es el estar formulada bajo
Principles
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p. 179-202 Jan.lDez.2002
la forma de un precepto coactivo. En este senti do, Marsilio invierte el orden en la caracterizacion de la nocion de ley de la tradicion precedente, tal como puede advertirse en Tomas de Aquino. La ley no es caracterizada, en primer termino, como una racionalidad investida por una fuerza coactiva, sino que es mas bien una fuerza coactiva a la que, sin embargo, no Ie falta 0 no Ie puede faltar la racionalidad de un contenido de justicia. En tal sentido, el que no haya ley, propiamente hablando, si no estamos en presencia de un precepto coactivo, no implica necesariamente que el precepto coactivo pueda ser llenado con un contenido cualquiera, ni que tal contenido sea valido solo por la voluntad de quien 10 define, Por ello, es perfectamente valido hablar, sin contradiccion con una definicion formal de la ley, de algo simpliciter injusto, de leyes "imperfectas" etc .. La ley es, pues, un praeceptum coactivum. Pero su finalidad es el iustum et conferens civile. i Y que es ese contenido? Es el equilibrio necesario en la regulacion de la conducta civil de los hombres, el conjunto de los principios y recursos que permiten regular arrnonicamente la interaccion entre los mismos. EI verdadero alcance del contenido de la ley en Marsilio se advierte cuando se considera la condicion de los actos sobre los cuales la ley se aplica, aquellos actos voluntarios y exteriores, que por trascender a un sujeto distinto de quien los realiza, pueden realizarse en perjuicio 0 dana de otro. Con el fin de preservar la comunion entre los hombres, es necesario que estos actos sean llevados a la medida 0 "temperarnento" conveniente, reducidos a proporcion 0 igualdad debida. En una peculiar adaptacion del concepto aristotelico de justicia correctiva, hay que entender que eljustum et conferens commune que es contenido y fin de la ley no es otra cosa que esta "equidad" de los actos humanos, equidad que Marsilio concibe, insistamos, como imprescindible por oposicion a una desigualdad 0 desborde de consecuencias fatidicamente negativas: la separacion de los hombres y la disolucion de la comunidad politica. Por ello, la ley es caracterizada tarnbien por Marsilio como la "regla de 10 justo?", 0 como la misma "medida (mensura) de los actos humanos civiles'l" 0, en
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.179-202 Jan.lDez.2002
fin, como la regla capaz de conrnensurar (regula commensurativa) tales actos." Asi es como llegamos a una de las caracterizaciones mas completas de la ley que podemos hallar en Marsilio, y que resume todos los elementos analizados hasta aqui: "Est igitur pro vita seu vivere sufficienti huius seculi posita regula humanorum actuum imperatorum transeuncium fieri possibilium ad commodum vel incommodum, ius aut injuriam alterius a faciente, preceptiva et transgressorum coactiva supplicio sive pena pro statu presentis seculi tantum. Quam legem humanam communi nomine diximus .,."55 Con relaci6n a la suficiencia de la vida en este mundo, es decir, para conservar la asociaci6n de los hombres en la comunidad politica, se ha establecido una regia para aquella c1ase de actos de los hombres que pueden ir en beneficio 0 perjuicio de otro, una regla que establece la proporcion dcbida que deben conservar y que, en tal sentido, sirve de "medida" de los mismos: y la establece no solo exhortativamente, sino como una regla preceptiva, que impone y obliga a hacer 10 que debe hacerse, y, para quien no 10 hiciere, fija una pena 0 un castigo a ejecutarse en este mundo. No otra cosa es la ley humana. No debe pasarse por alto el hecho de que Marsilio se refiere al contenido 0 aspecto material de la ley como "10 justo civil" (civile justum). La finalidad de la ley es explicada en funci6n de una acci6n de gobiemo que ha sido definida formalmente como una acci6n represiva de actos contenciosos, y que tiene por ultimo fin preservar el orden de la comunidad politica. El civile ius tum de Marsilio es un contenido definible objetiva y racionalmente. Pero a diferencia de un Tomas de Aquino, la justicia de la ley no esta rcferida a la bondad intrinseca que se manifiesta en actos "justos y honestos", sino a las condiciones minimas e indispensables que haccn a la conveniencia y la estabilidad de la comunidad politica. La justicia de la ley, en Marsilio, no esta derivada de un concepto moral objetivo, sino que adquiere una significacion estrictamente politica. Lo que la ley humana ordena 0 prohibe, 10 hace por, en, y para la comunidad politica.
Principios
UFRN
Natal
vs
n"".11-12
p.179-202 Jan.lDez.2002
Tal vez pueda considerarse que esta reducci6n del concepto de justicia a una definici6n puramente politic a significa un retroceso respecto de la tradici6n precedente. Pero no es menos cierto que en el esfuerzo de postular un concepto de justicia universal y de validez absoluta, y ver en 61 la realizaci6n de la vida practica y social humana, tambien se corre el riesgo de caer en una sacralizaci6n del Estado, 0 de que la argumentaci6n filos6fica termine prestando sus servicios a la legitimaci6n del poder vigente. A pesar de que el propio Marsilio no ha sido inmune a estos riesgos, con todo, los modestos alcances de un concepto de justicia como el marsiliano nos pueden ayudar a no olvidar que la justicia que ejercen los hombres, y que constantemente invocan, no es mas que eso, justicia humana y no justicia absoluta.
Abstract In medieval political thought, law is essentially related to a superior and objective concept ofjustice. The article tries to solve some disputes about the significance of Marsilius of Padua's concept oflaw. In order to do this, it analyzes the equation between cognitive and volitional faculties as they occur in the treatment of the following topics: the end of law, the personal qualities required for the judge, and the competence ofthe human legislator. Law must have a content ofjustice that becomes an object of a rational insight as well as fair will. However, this concept ofjustice is defined by Marsilius in a strictly political way: it means the "balance" or "measure" of transitive human acts, in order to preserve the political community.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.179-202 Jan./Dez.2002
Notas I
Cf. Ullmann (1983): p. 17.
2
Cf. De lib arb. I v, II (PL XXXII, 1227).
, Cf. STI
Cf. ST I II" q. 93, a. 3, ad 2"ffi.
4
5
n- q. 95, a. 2.
Cito indicando numero de Dictio, capitulo, paragrafo y, entre corchetes, pagina y linea de la cdici6n de Scholz.
" Cf. DP I x, 3 [S 49 24-27]. 7
"Et sic accepta lex dupliciter considerari potest: uno modo secundum se, ut per ipsam solum ostenditur quid iustum aut iniustum conferens aut nocivum, et in quantum huiusmodi iuris sciencia vel doctrina dicitur. Alio modo considerari potest, secundum quod de ipsius observacione datur preceptum coactivum per penam aut premium in presenti seculo distribuenda, sive secundum quod per modum talis precepti traditur; et hoc modo considerata propriissime lex vocatur et est." Cf. DP I x, 4 [S 49 28_50 7].
, En un articulo anterior he intentado subrayar la importancia del aspecto material de la ley en Marsilio. Vuelvo aqui sobre el tema con un analisis diferente y, quiza, con un matiz distinto de interpretaci6n. Cf. Castello Dubra (1997). 9
Cf. DP I x 5 [S 50 17-24 ] . Cf. DP I x 5 [S 50 24_51 5] .
III
II
"Esto enim quod formam habeant debitam, preceptum scilicet observacionis coactivum, debita tam en carent condicione, videlicet, debita et vera ordinacione iustorum." (Cf. DP I x, 5 [S 51 5-8]).
12
Cf. Gewirth (195 I): p. 134.
13
Cf. Nederman (1995): pp. 80-81.
14
Cf. DP I iii, 4 [S 145-2ll] . Para Marsilio el descubrimiento 0 "hallazgo" de la ley supone una importante cuota de estudio 0 profundizaci6n en tales contenidos; por ello es una tare a propia mas bien de los "expertos" 0 peritos en los asuntos practices (agibilia), que son los que disponen de tiempo para tal oficio (Cf. DP I xii, 2 [S 62 21-63 4 ] ; I xiii, 8 [S 76 12- 26 ]) .
15
Cf. DP II xii, 7-9 [S 268 7-269 11] .
Ih
Cf. Gewirth (I 95 I): p. ix.
17
Cf. ibid. p. 9.
18
Cf. ibid. pp. 33-7.
Princfpios
UFRN
Natal
v. 9
n~.
11-12 p.179-202 Jan.lDez.2002
19 Cf. ibid. pp. 143-4. Cf. ibid. pp. 134-5.
20
21
Cf. ibid. pp. 137. La interpretaci6n positivista de Marsilio ha sido criticada en primer termino por Lewis (1963).
22
Cf. Nederman (1995).
23
Cf. Condren (1985).
24
Cf. Nederman (1995): pp. 23-24.
25
Cf. ibid., pp. 46-47.
26
Cf. supra. nota 9.
27
Cf. Nederman (1995): pp. 80-81.
2'
Cf. Nederman (1995): pp. 81-82.
29 Cf. Lewis (1963): p. 554, n. 54. Cf. DP I xi, I [S 52'9].
30
in ipsa [sc.lege] determinatum est quasi perfecte, quid iustum aut iniustum, conferens aut nocivum, secundum unumquemquem humanum actum civilern." Cf. DP I xi, 3 [S 54 11. 13] .
31 " •••
»tu« [S 52
12. lR ].
.13
Cf. DP I v, 4 [S 22 21. 23]; II viii, 3 [S 22)5·lR].
34
Cf. DP I iv, 4 [S 1816. 21] ; I v, 7 [S 23 25_24 9].
35
Cf. DP I xi, 1 [S 52 21. 24 ] .
36
Creo que no se ha advertido suficientemente la forma en que Marsilio insiste en presentar en paralelo el funcionamiento de la capacidad intelectual y volitiva. Una excepci6n al respecto es el analisis del concepto de "causa de discordia" en Cesar (1997): pp. 20-22.
37
Cf. DP I xi, I [S 52 24-53 9].
J'
C. Pol. III 16, 1287a28-32.
39
Cf. DP I xi, 3 [S 55 13. lR ] .
'0
Cf. DP I xi, 3 [S 54 17. 24 ] .
41
Cf. DP I xi, 3 [S 57 3 . 6 ] .
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO:;.11-12
p.179-202 Jan.lDez.2002
42
Cf. Arist., £t. Nic. VI 8, 1142a.
43
Cf. Arist., Met. II I, 993b2-3; cf. Averroes, In Met. II 1.
44
45
Cf. I xi, 3 [S 55 14• 15 ] : " tam in sciencia iustorum et conferencium civilium, quam in aliis scienciis "; cf. ibid. [S 55 19.2°]: "de invcncione veritatis secundum unamquamquem artem et disciplinam ..." (subr. nuestro). "Sunt autem futuri principantis perfecti habitus intrinseci duo, separacionem non recipientes in esse, videlicet, prudencia et moralis virtus, maxime iusticia. Unus quidem, ut ipsius in principando dirigatur intellectus, prudencia scilicet [...]. Reliquus vera habitus est, quo ipsius rectus extet affectus, moralis virtus scilicet. aliarum maxime iusticia." (Cf. DP I xiv, 2 [S 78 ' 5. 13 ]) .
46
Cf. DP I xiv, 3-5 [S 78-81].
47
Cf. DP I xiv, 6 [S 81].
4' " ... illius veritas cercius iudicatur, et ipsius communis utilitas diligencius
attenditur, ad quod tota intendit civium universitas intellectu et affectu." (Cf. DP I xii, 5 [S 66 1 6 ]. 49
Cf. DP I xii, 5 [S 66"'''].
50
Cf. DP I xiii, I [S 69 20. 24 ] .
51
"Narn civium pluralitas neque prava neque indiscreta est quantum ad pluralitatem suppositorum, et in pluri tempore; omnes enim aut plurimi sane mentis et racionis sunt et recti appetitus ad policiam et que necessaria sunt propter eius permanenciam, quemadmodum leges et alia statuta vel consuetudines ..." (Cf. DP I xiii, 3 [S 724-9]).
52
Cf. DP I iv, 4 [S 18 20 ] : I x, I [S 48 2. 6 ]; I x, 6 [51 9. 11]; I xv, 6 [S 89"·,9].
5J
Cf. DP I xii, 2 [S 63 6 . ' ].
'4
Cf. DP II ix, 12 [S 243 5. 8].
55
DP II viii, 5 [S 224 12. 17 ].
Principles
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12 p. 179-202 Jan.lDez.2002
Referencias DP = Marsilius von Padua, Defensor pacis. Herausgegeben von R. Scholz. Hannover, 1932. Castello Dubra (1997) = "Finalismo y formalismo en el concepto marsiliano de ley: la ley y el legislador humanos en el Defensor pacis" en Patristica et Mediaevalia 18 (1997), pp. 81-96. Cesar (1997) = Cesar, F. J., "Causa singularis discordiae e situacao italiana no Defensor Pacis de Marsilio de Padua" en Patristica et Mediaevalia 18 (1997) pp. 20-28. Condren (1985) = Condren, C, The Status andAppraisal ofClassic Texts. Princeton, 1985. Gewirth (1951) = Gewirth, A., Marsilius ofPadua and Medieval Political Philosophy. New York, 1951. Nederman (1995) = Nederman, C 1., Community and Consent. The Secular Political Therory ofMarsiglio ofPadua s Defensor pacis. London, 1995. Lewis (1963) = Lewis, E., "The «Positivism» of Marsiglio of Padua" en Speculum 38 (1963) n° 4, pp. 541-82. Ullmann (1983) = Ullmann, W., Historia del pensamiento politico medieval. Trad. cast. Barcelona, 1983.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nllS.11-12
p.179-202 Jan.lDez.2002
La critica a Aristoteles en De Beryllo de Nicolas de Cusa Maria Cecilia Rusconi*
Resumen En De Beryl/a, el tema de la quididad se problematiza, como hemos dicho, en el marco de una revision de la tradicion y, mas especificamente con relacion a este tema, de la critica a la perspectiva aristotelica, Critica que toma como punto de partida, la imposibilidad de la tradicion respecto de alcanzar el Primer Principio, en razon de la dificultad de la mayoria de los filosofos para superar los contrarios, unicamente mas alla de los cuales puede ser visto tal principio.
Nacida a partir de su amistad con los monjes de Tegernsee y compuesta con ciertas interrupciones entre los alios 1454 a 1458, De Beryllo es una de las obras cusanas pertenecientes al periodo de su estancia en Bressanone, en la que se emprende una revision critica de importantes autores de la antigiiedad. Entre ellas: la Metafisica de Aristoteles, en la nueva version de Bessarion, el De Interpetatione Evangelica de Eusebio, en la traduccion de Jorge de Trebisonda, el Comentario al Parmenides de Proclo, el Comentario de Alberto Magno a Acerca de los nombres divinos de Dionisio Areopagita y algunos filosofos arabes como Algazel, Averroes y Avicena. La critic a cusana a las diversas doctrinas estara dirigida a resaltar la deficiencia de la mayoria de estos filosofos - hay que decir que Dionisio no deja de tener un lugar privilegiado desde la perspectiva cusana - respecto del acceso a la vision del Primer Principio indivisible de todas las cosas, entendidas estas como despliegue de todas las oposiciones captables con la razon y los sentidos.
* Universidade de Buenos Aires. Principios
UFRN
Natal
v.9
nO:;.11-12
p.203-218 Jan./Dez.2002
Asi pues, puesto que todos los opuestos emanan del Principio, la vision del mismo - al menos desde una perspectiva humaniter - necesitara, en tanto que excede nuestras facultades cognoscitivas, de la utilizacion de una lente - beryllo - que pueda hacemos posible la vision de la coincidentia oppositorum y, mediante ella la comprension incomprensible de aquel principio, hacia el cual tan solo podremos elevarnos por espejo yen el enigma.' No obstante, el ambito de la verdad inaccesible no pennanece tan solo alejado en su trascendencia. EI mismo vela de inaccesibilidad con que se cubre el Primer Principio, en su antcrioridad respecto de todas las oposiciones medibles, oculta asimismo, 10 mas profundo que puede saberse respecto de cada cosa singular. Aquclla cuestion antigua, cuya solucion ha sido el objeto mas preciado para todos los investigadores de la vcrdad: que sea el ente - quod erat esse. La complejidad de la rcspuesta a esta pregunta se haya en plena coherencia con la inaccesibilidad del Principio rcspecto de nuestra mente. En la obra de 1462; De li Non Aliud, se explicara la relacion entre ambos problemas - el Primer Principio y la quididad de las cosas - como podria esperarse de acuerdo con el titulo, en terminos de no-otredad. Todo ser determinado es tal, en su no ser todos aquellos que se le oponen, como 10 que cl mismo no cs. Asi, cada si mismo sc constituye como tal, en su estar enfrentado a otro y, por 10 tanto, en su ser, el mismo, un otro para los otros. De esta manera, aquello que por su propia infinitud y absolutez, no se haya enfrentado a nada, puede ser pensado, a partir de la negacion de todas las otredades y cnfrentamientos propios de 10 finito, como 10 no-otro. Ahora bien, la quididad de 10 no-otro es 10 no-otro mismo", la cual, en razon de su misma absolutez, no puede pensarse detenninada por ninguna otra quididad diferente, sino que, en toda otra quididad - 0, para decirlo mas claramente - en la quididad de todo otro, 10 no-otro mismo es la misma no otra quididad, cuyos reflejos descienden por la sombra hacia la nada. Y esta quididad que se comprueba que brilla en todas las cosas, es la razon que
Principles
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.203-218 Jan.lDez.2002
precede al mundo, la cual, presuponiendo todo conocimiento, es incognoscible para el hombre, puesto que el, siendo una creatura, es tan solo una porcion del universo. Conocer tal razon seria, ciertamente, saber por que el sol es sol, la luna, luna y, en general, el mundo, mundo '. Pero, a su vez, puesto que Dios crea todo por su voluntad, se explica que la voluntad de Dios, no puede sino ser 10 no-otro, ya que la voluntad que es vista en el ambito de la no足 otredad 0, en terminos cusanos, la voluntad que es vista 10 no足 otro antes de 10 otro, no puede ser sino la razon, la cual reluce trinitariamente en todo 10 que es por ella determinado, causado, estabilizado, consolidado y conservado. En De Beryllo, el tema de la quididad se problematiza, como hemos dicho, en el marco de una revision de la tradicion y, mas especificamente con relacion a este tema, de la critica a la perspectiva aristotelica. Critica que toma como punto de partida, la imposibilidad de la tradicion respecto de alcanzar el Primer Principio, en razon de la dificultad de la mayoria de los filosofos para superar los contrarios, unicamente mas alla de los cuales puede ser visto tal principio. Ahora bien, el Primer Intelecto, siendo simplisimo principio es, no obstante, unitrino", Pues de el emana, primeramente, la unidad 0 necesidad que todo une y agrupa; la igualdad, que provee la forma y, a partir de ambos, el nexo de uno y otro'. Esta trinidad del Principio fue alcanzada por los filosofos a traves de un ascenso gradual de 10 causado a la causa: Los fi16sofos alcanzaron esta trinidad, a la cual vieron en el principio del ser, ascendiendo de 10 causado a la causa ... cad a uno de ellos se esforzo, por su parte, en encontrar este principio por la razon."
Lo que se hara entonces a continuacion, puesto que se dice que estos filosofos buscaron la causa ascendiendo a partir de 10 causado, 0 sea discursivamente, es un analisis de la inaccesibilidad del principio para una facultad -la razon - cuyo ambito propio es aqucl en el que se da el despliegue de las oposiciones, a las que
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.203-218 Jan.lDez.2002
mide comparando y no, por 10 tanto, el de aquello de las que estas emanan y que, en razon de ello, las antecede. En primer lugar, a partir del ยง 35 y hasta el 39, se emprende una lectura de Plat6n y Aristoteles en funcion del tema trinitario, de acuerdo con la cual, en ambos podria leerse una concepcion trinitaria notablemente cercana a la cristiana. Asi, segun 10 relata Eusebio de Panfilia en ellibro Preparacion Eva ngelica, tomandolo de los libros de Numenio, quien redacto los seeretos de Platon y de Plotino", Plat6n denomin6 al Padre, causa, pues junto a el todo se encuentra como en su triple causa eficiente, formal y final. Y al principio por el cual todo ha sido hecho, intelecto hacedor, como si fuera este, mediador entre la causa y 10 causado sensible. Y vio, en tercer lugar, que a traves del universo se difunde el Espiritu que conserva y conecta todo 10 que es en el mundo", Asi, primeramente, vio como todo es en la potestad efectiva y omnipotente. En segundo lugar, como todo es en el ejecutor sapientisimo y, en tercero, c6mo todo es en el instrumento del ejecutor. Asimismo, crey6 que existia el alma del mundo, en la que se hallaban complicadamente todas las almas como en su principio. Por su parte, Aristoteles, denomin6 asi - alma del mundo - al tercer modo - el espiritu - aunque no uti lice tales terminos. De la misma manera, vio tarnbien que todo esta en Dios como en su causa unitaria y que todas las forrnas estan en la inteligencia motriz del cielo y en el movimiento animado por el alma movil, Pero multiplicando las inteligen cias plenas de formas" conforme a la multitud de las orbitas celestes, muestra que es conveniente que lleguen al Primer Motor, al cual denomina intelecto. La conclusi6n cusana a partir de esta lectura de Platon y Aristoteles es la postulaci6n, de parte de ambos, de un mcdio de operatividad - el Intelecto universal 0 el alma del mundo - a traves de la necesidad. Con todo, quiero que tan s610 adviertas que no es necesario que el intelecto universal sea creado 0 bien que 10 sea el alma universal del mundo ... sino que para todo modo de ser es suficiente el primer principio unitario."
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.203-218 Jan.lDez.2002
En otro terminos, el error fundamental en el que la razon ha hecho incurrir, de acuerdo con el Cusano, tanto a Platon como a Aristoteles, se centra en el hecho de haber creido que el Intelecto Hacedor obra por necesidad cuando, por el contrario, no siendo un principio contracto como la naturaleza es, por sobre ella, libre y, de esta manera, todo 10 crea con la voluntad. Esto 10 ignoraban tanto Plat6n cuanto Arist6teles. Pues explicitamente uno y otro creyeron que el Intelecto hacedor hacia todo por necesidad de la naturaleza y de esto se sigui6 todo el error de ellos. II
De este modo, todo 10 creado es tal a partir de la voluntad libre que pertenece a la misma esencia del que impera y, siendo asi confonne a su voluntad, su forma es pues, la misma intencion de este. ... y de esta manera su forma es la intenci6n del que impera. Ahora bien, la intenci6n es la semejanza del que intenta, la cual es comunicable y receptible en otro. Por 10 tanto toda creatura es la intenci6n de la voluntad del omnipotente.'?
La forma intencionada vendra en tanto tal, a unificar, como presencia actual, la originaria posibilidad de ser hecho; aquel otro elemento que es, junto a ella, igualmente originario: la materia. Ahora bien, la impronta de uno de los elementos originarios en el otro, que reside en to do 10 principiado, genera en este ultimo un juego dialectico en el eual reluce el Principio unitrino, cuya intencion ostenta. Pues la cosa, la cual solo puede ser pensada como compuesto a partir de ambos elementos, expresa de este modo el nexo entre uno y otro principio, asi como la Tercera persona, el gozo del amor entre el Padre y el Hijo. En el mismo principio perfectisimamente, al modo divi足 no, encontraras la trinidad, principio simplisimo de toda creatura unitrina. Y advierte que yo en el simple concepto de principiado, expreso la trinidad de la unidad de la esen足 cia por medio de "aquello por 10 que es" y "aquello que
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO:;.11-12
p.203-218 Jan.lDez.2002
es'' y el nexo, 10 que en la sustancia sensible comunmente son llamados forma, materia y compuesto. 13
Ahora bien, de acuerdo con e1 Cusano, Arist6te1es reconoce ambos principios originarios intrinsecos a 1acosa - materia y forma - como contrarios, y propone asimismo, un tercer principio: la privaci6n. Sin embargo, siendo este tercer elemento, principio sin posici6n -sine positione" -, no se muestra por tanto, como un principio conectivo que se encuentre privado en si mismo de contrariedad y precediendo en este sentido ala dualidad neccsaria en los contrarios. Tal insuficiencia es pues 1a que 10 conduce a 1a imposibilidad de decir propiamente que sea e1 ente; cuesti6n a partir de cuya soluci6n se muestra dependiente toda ciencia. Tal pregunta es expresada en terminos cusanos de 1asiguiente manera: quod erat esse, sobre 1a cua1 Arist6teles ha indagado mediante 1a estructura verbal ti en einai. E1 Estagirita encuentra que, como hemos dicho, tanto 1amateria como 1a forma son principios originarios. La materia sustancial, puesto que es 1a posibilidad de ser, no podria ser por otro, ya que en tal caso, ella misma ya seria . .,. tampoco la materia sustancial era hecha puesto que es la posibilidad de ser. La cual si fuera por otro, aquello a partir de 10 cual tiene la posibilidad de ser, habria de ser; puesto que nada sino 10 posible de ser hecho, es hecho. Por ella no hay posibilidad que depende de la posibilidad."
Por tanto la materia no se hace. Asimismo muestra que 1aforma no se hace, pues en caso contrario seria necesario que fuera hecha por e1 ente en potencia y, en tal caso, provendria de 1a materia." Asi pues, e1 bronce redondo no hace ala esfera de bronce, sino que 1a que siempre ha sido esfera es indue ida en la materia del bronce. Por 10tanto ninguno de estos elementos contrarios se hace, sino que s610 es hecho e1 compuesto. Teniendo en cuenta esto, sera a 1a forma, en cuanto es en acto en e1 compuesto, a 10que Arist6te1es considerara quod erat esse y a su vez, denorninara a la misma forma species, en cuanto 1a considere separada.'?
Princfplos
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.203-218 Jan.lDez.2002
Con todo, el fil6sofo, aunque tenido por todos como muy diligente y agudo, no supera la duda acerca de 10 que sea aquella sustancia a la que denomina quod erat esse, concluyendo que es esta una cuesti6n dificilisima. Creemos que la soluci6n que Nicolas intenta respecto de esta cuesti6n antigua puede ser explicada como compuesta en dos movimientos, tornados en funci6n de la distinci6n entre la species, como la forma separada, y 10 que se denom ina quod erat esse, como forma en acto en el compuesto. El primero, en fin, dirigido a la especie 0 forma separada, el segundo dirigido ya a la sustancia singular. De esta manera, el analisis se dirige, en primer lugar a la indagaci6n sobre la forma considerada en si. Perspectiva que estaria expresando el sentido mas originario de quod erat esse, como 10 que la cosa ya era en el escrutar anticipadamente del espiritu divino, antes de este ente singular que es. Ahora bien, como hemos explicado mas arriba, la forma se define como la intenci6n del que impera. Pues, siguiendo el ejemplo cusano, asi como alcanzar la quididad de la elocuci6n del hablante no es sino alcanzar la intenci6n que se manifiesta en su discurso, de la misma manera, cuando a partir de los sentidos pretendemos alcanzar la especie, abstrayendola de los accidentes corruptibles que no pueden ser la quididad, no nos dirigimos sino ala misma intenci6n del Intelecto hacedor, de modo que 10 sensible se constituya en la palabra del Creador, en la cual se contiene su intenci6n, captada fa cual sabemos fa quididad y reposamos. Asirnismo , mediante otro simil!", la casa se estructura fisicamente de acuerdo con la intenci6n del constructor. Pero esta intenci6n, antes de poder ser manifestada en la casa, tuvo que hallarse en la razon del constructor. Y esa intenci6n concebida en la raz6n de quien crea es la verdadera esencia de la casa. De tal modo, siendo fa muy verdadera quididad de la cosa la intenci6n del Intelecto creador - intentio creatoris -, cuya causa reside en la manifestaci6n de su voluntad", la raz6n ultima del ser de cada creatura no podra sino residir en la voluntad de Dios.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.203-218 Jan.lDez.2002
Y asi digo con el sabio, que de todas las obras de Dios no hay ninguna razon, es decir, par que el cielo es cielo y la tierra, tierra y el hombre, hombre, no hay ninguna razon a no ser que asi quiso quien 10 hizo. lnvestigar mas alia es fatuo...20 Por 10 tanto, aunque Aristoteles hubiese encontrado la verdad acerca de las especies, no hubiera podido alcanzar, por ella mismo, la quididad, sino a la manera como alguien pucde alcanzar que esta medida es un sextario, es decir, porque ha sido asi establecido por el principe de la republica y 10 que agrado al principc tiene fuerza de ley." La manifestacion de la intencion del Creador se presenta asimismo, en De li non Aliud" a traves de una imagen que, una vez mas, tendra que ver con el ambito de la construccion humana": EI rey de reyes, para manifestar su gloria, ha creado con su voluntad asi como Trajano, con el objetivo de manifestar a sus sucesores su gloria, la cual solo podia ser puesta de manificsto en elementos sensibles, ha construido con su voluntad la columna que es llamada suya, pues solo par medio de tal voluntad la columna es aquello que es. La forma ejemplar de todas las formas es pues el mismo pensamiento divino creador, en e1 cual estas se presentan como manifestaciones de su voluntad. La misma especie es el Verbo, 0 intencion del Inte1ecto que se manifiesta especificamente. De esta manera, la unificacion de todas las formas ejemplares en Dios, asumira un caracter voluntarista, ligado a su vez con el motivo de la autorrevelacion". No obstante, si bien Dios es Inte1ecto que crea par si, por medio de su voluntad, sabemos que El es Principio simplisimo. Simplicidad en la cual no se distinguen voluntad y razon. De manera que la voluntad creadora no le pertenece como ur. accidente, sino que es, por el contrario, e1 mismo Dios creador simple Intelecto. En otros terminos, en el Principio, la voluntad, que se manifiesta en el campo de las oposiciones mediante su similitud mas proxima - la species - coincide plenamente con e1 Intelecto.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.203-218 Jan.lDez.2002
La razon ultima de cada cosa, siendo pues Voluntad, es Intelecto o Razon, que se aparece a nosotros como voluntad". Con 10 cual, podriamos decir con Santinello, que el voluntarismo se transforma mas bien, en la manera de abordaje de la misma insondabilidad de la razon divina", a causa de su precedencia respecto de las oposiciones susceptibles de ser medidas. Al respecto, creemos que, una vez mas, podria ser ilustrativa una cita de De li Non Aliud, donde como expusimos anteriormente", se explica la misma idea. En consecuencia, la voluntad que es vista 10 no-otro antes de 10 otro, no es otra de la raz6n, ni tampoco de la sabiduria, ni de otro cualquiera que sea nombrable. Si por tanto yes que la voluntad es 10 no-otro mismo, yes que es la raz6n, la sabiduria, el orden."
Ahora bien - y con esto retomamos el segundo movimiento en el que creemos, se articula la critic a a Aristoteles -, la voluntad, asimismo, reluce trinitariamente en todo". De tal modo, tenemos que, por un lado, Dios crea por voluntad y no por necesidad, y que esta voluntad reluce en la cosa como forma intencionada que actualiza una originaria posibilidad de ser hecho, en cuya composicion - nexo - se constituye la cosa. Vimos asimismo, que si bien el Filosofo reconocia ambos principios originarios y aun, la necesidad de un tercero, consideraba este ultimo solo como principio sin posicion - privacion -. Con 10 cual, no acaba de explicar el ente singular, como un compuesto de uno y otro elemento. Siendo el tercer principio meramente negativo, no llega a alcanzar el nexo, que hace propiamente a la cosa como un compuesto. Esta sacralizacion del dualismo materia-forma, que no permite explicar la sustancia, reside en el racional temor aristotelico de transgredir el principio de no-contradiccion, el cual constituye el impedimento respecto de la admision de dos principios contrarios simultaneamente en 10 mismo, no alcanzando entonces el tercer principio en el cual estes debian coincidir.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.203-218 Jan.lDez.2002
Curiosamente, segun nos explica el Cusano, la ceguera aristotelica respecto de la vision del principio unico de uno y otro contrario, se da en su Metafisica, pero no, sin embargo, en la Politica, puesto que en ella, se aboco a 10 minimo, tanto en 10 correspondiente a la economia cuanto a la politica, viendo como en aquel minimo debia posicionarse 10 maximo. No obstante, en el primer caso, considerando contrarios en la naturaleza a 10 curvo y 10 recto, opina que no pueden ser cambiados uno en el otro, sin llegar de este modo, a a1canzar la vision del principio indivisib1c en todo 10 principiado. As! pues, este temor respecto de admitir la simultaneidad de los contrarios privo al Filosofo de la vcrdad del pnncipio. Luego de esto no pudiendo librarse bien, pareee que eoloea un eierto inieio de las fonnas en la materia, la eual si se la mira con agudeza, es en la eosa el nexo, aeerea del eual estoy hablando ... y por ella todos los fil6sofos no alcanzaron el espiritu, el eual es el prineipio de la eonexi6n y la tereera persona en la divinidad."
El principio de no contradiccion es, como sabcmos, aquel en cuyo limite trabaja la razon, y el que, en consecuencia, le impide conciliar los contradictorios separados por una distancia infinita, para verlos en su principio 0 verdad. Lo que es 10 mismo; en cuanto la razon se encuentra anquilosada en el dualismo para ella insuperable, la verdad - que solo puede ser hall ada en la unidad足 perrnanece para ella permanentemente sustraida. Con todo, mas alla de la esfera de la racionalidad, y como en una suerte de vertice complicativo, como punto superior de la mente humana, la unidad de la alteridad racional, csta dada por el intelecto. Unidad de la razon, que participa de el en la alteridad a la cual este precede, no se hall a por tanto sometido al tiempo, que emana de la razon, ni a la corruptibilidad. . .. de la misma manera, nuestro eonoeimiento intelectual no podria ser mas verdadero que si en la unidad absoluta, que es la verdad, toda alteridad fuera intuida no en cuanto alteridad, sino en cuanto unidad.. .J1
Principios
UFRN
Natal
v.9
nos.11-12 p.203-218 Jan./Dez.2002
La unidad es aquel punto mas sutil del espiritu, el cual se degrada explicitandose en sucesivas contracciones. Como si, dada una esfera, la sola inteligencia pudiera intuirla en su punto central indivisible. En tanto que, contracta en la razon, intuye que todas las lineas que van del centro a la circunferencia son iguales. A su vez, intuyendo desde la fantasia, imagina la esfera redonda y corporea, micntras que desde el sentido no intuye ya la esfera, sino de manera parcial." A su vez, la unidad de cada potencia, se haya en riesgo permanente, en su potencial debilidad, de ser absorbida por la altcridad que la sucede. Asi pues, a no ser que sea fuerte la virtud intelectual, con frecuencia es absorb ida - y este es pues, el caso aristotelico - por la alteridad racional, considerando verdad a la mcra conjetura - asi como la alteridad de los fantasmas absorbe con frecuencia la unidad de la razon y la alteridad de los sentidos, a la unidad de la virtud de la fantasia. Es algo grande que uno pueda establemente fijarse en la conjuncion de los opuestos. Pues aunque sepamos que asi deb a hacerse, sin embargo, cuando regresamos al discurso de la razon, frecuentemente decaemos y nos esforzamos en dar razones de una vision ciertisima, la cual esta por sobre toda razon, por ella decaemos del plano del plano de las cosas divinas al de las humanas e inestables y aducimos razones endebles"
La unidad intelectivo intuitiva, en cuanto unidad desvinculada, es la unica virtud capaz de alcanzar la unidad de todas las formas. No estando pues, ella misma sujeta a la temporalidad racional, puede captar en la simultaneidad. Y no estando asimismo sujeta al principio de no contradiccion, puede comprender la unidad de los contrarios. Esta unidad de contrarios es su Principio, solo a partir del cual emana la contrariedad en la cualla razon ejecuta su movimiento incansable. Asi, a las inteligencias, siendo que poseen la simplicidad de la forma mas sutil, todo se presenta sin fantasmas, de manera que pueda mostrarse a ellas el Intelecto divino en su inmortalidad.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOli.11-12
p.203-218 Jan.lDez.2002
Sin embargo, mientras el intelecto se encuentra todavia atado al cuerpo, el concepto no puede aun desprenderse de el, permaneciendo entonces sujeto a los avatares de la imaginacion. Asi pues, ef enfermo intelecto de cada cual, no es capaz de ver sin velos mientras se encuentra padeciendo fa enfermedad de verse apresado en las ataduras de la animalidad corporal. Con 10 cual no llega a constituir un conocimiento positivo, sino mas bien una conciencia de 10 otro; de 10 que todavia no alcanza y en su no alcanzar reconoce como la otredad mas desvinculada. La razon discursiva, que compara proporciones a partir del numero permanece como el unico conocimiento positivo. Y el intelecto, contrariamente, se identifica, en tanto saber de no saber, con el momento negativo de la docta ignorancia. Se abre entonces el abismo de la incognoscibilidad mas absoluta, pero al cual tan solo podemos entrar, especulando esa incognoscibilidad en nuestro conocimiento. Con el abismo - 0 para el -, se abrira por tanto, un juego de espejos, que sera el medio para acceder a la verdad de manera inaccesible. Se comprende asi la cita de San Pablo, que citamos mas arriba y con la cual el Cusano abre el opusculo. Pues mediante ella se expresa el unico tipo de conocimiento que, en las actuales circunstancias - en las que nuestro intelecto se encuentra atado al cuerpo y asi al discurrir racional -, puede llegar a obtenerse de aquello que, siendo el principio de todo es, por tanto, anterior a la razon y, en general, al conocimiento mismo. Ahora puedes, a partir de esto, ver suficientemente, que conocimiento podemos tener ahora de Dios, como cuando dice el Apostol "vemos por medio de un espejo, en enigma", el cual no es otro ciertamente sino el negative".
Principios
UFRN
Natal
v.9
nll<.11-12 p.203-218 Jan.lDez.2002
Abstract In De Beryllo the question of Quiddity is problematized in terms of a revisionary account of tradition, especially by means of a criticism of the Aristotelian legacy. This criticism starts from the impossibility for the tradition to get the First Principle, because most philosophers cannot achieve the superation of the contraries. The paper is intended to assess Cusa's revision, as well as his intention of attaining the First Principle beyond the opposition of the contraries.
Notas 1
De Beryllo ยง 1,6
2
efr. De Ii Non Aliud VIII
] De Ii Non Aliud IX Este tema sera desarrollado eon mayor detalle en la segunda parte de nuestro trabajo.
4
, De Beryllo ยง 34 6
Tetigerunt philosophi hac trinitatem, quam viderunt in principio esse, a eausato ad causam ascendendo... nisus est autem uterque hoc prineipium per rationem reperire. Ibid. ยง 35
7
R
9
Eusebius Panphilii in libro Preparatoriorum evangelii ex libris Numenii, qui secreta Platonis conscripsit, et Plotini. Ibid. ยง 30, 3-4 efr. Proclo, in Parmenides VI
intelligentias plenas form is. Ibid. 36, 10-13 Cfr. Liber de Causis IX (X) 92, IV (V) 49 solum autem notes non esse necessarium universalem esse creatum intelleetum aut universalem mundi animam ... se ad omnem essendi modum sufficet habunde primum principium unitrinum. Ibid. 37, 12-14
10
II
Istudignorabant tam Plato quam Aristoteles. Aperte enim uterque credidit conditorem intellectum es necesitate naturae omnia facere, et ex hoc omnis eorum error seeutus est. Ibid. ยง 38
Prlnclpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.203-218 Jan.lDez.2002
et ita eorum forma est intentio imperantis. Intentio autem est similitudo intendentis, quae est communicabilis et receptibilis in a/io. Omnis igitur creatura est intentio voluntatis omnipotentis. Ibid. § 37 I. 20-23
12 •••
In ipso principio perfectissime modo divino reperies trinitatem principium simp/icissimum omnis creaturae unitrinae. Et attende me in simp/ici conceptu principiati trinitatem unitatis essentiae exprimere per "quo est" et "quid est" et nexum, quae in sensibi/i substantia communiter nominanturforma, materia et compositum ut ill homine anima, habeas et utriusque nexus. De Beryllo § 39
13
14 ... 15
fecit privationem sine positione principium. Ibid. § 42, I. 6
nee materiafieri sustantialem, cum sit possibilitas essendi. Quae si ab alio esset, id a qllo possibilitas essendi fuiste, cum nihil possibile fieri jiat. Ideo lion est possibi/itas a possibi/itate. Ibid. § 48 I. 10-13
16
Deinde ostendit formam nonfieri; oporteret enim quod ab elite
ill
potentia
fieret et sic de materia. Ibid. I. 14-16 17 IX
ibid. I. 17-20 Es notable la utilizacion, por parte del Cusano, de un simil - la intenci6n de la casa en la mente del constructor - en el cual reluce una vez mas, como en el ejemplo de la construcci6n de la cuchara del por parte del ignorante, la analogia de proporci6n entre la construcci6n humana y la creaci6n divina. Analogia que retomaremos en la segunda parte de nuestro trabajo y la cual, como hemos adelantado, guiara segun creemos, a la eiencia enigmatica hacia sus fundamentos.
19
Ibid. § 54
20
Ibid. § 51
21
quod enim principi p/acuit legis vigorem habet. Ibid.
22
De Ii Non Aliud IX, fol 146 v
23
efr. Nota 84
24
Tema del que trataremos en la ultima parte de este trabajo.
25
Ibid.
26
Santinello, II Pensiero de Nico
27
Cf. P. 33
28
29
Cusano ... p. 98
Voluntas igitur, quae ante a/iud "non aliud" cernitur, non est alia a ratione, neque sapientia, nee alio quolibet niminabili. Si voluntatem igitur esse ipsum "non aliud" vides, ipsa esse ration em, sapientiam, ordinem vides, a quibus non est aliud. De Ii Non Aliud, IX, fol. 146 v 7-10 triniter relucet in omnibus. Ibid. fol. 147 r I. 26
Prindpios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12 p.203-218 Jan./Dez.2002
,0 Post
hoc non va/ens bene evadere quandam videtur incohationem formarum in materia ponere, quae si acute inspicitur, est in re nexus, de quo /oquor .... Et ob hoc omnes philosophi ad spiritum, qui est principium conexionis et est tertia persona ill divines .. non attigerunt. De Beryllo § 42
31
n
sic intellectualis notra cognitio verior esse non posset, quam si in unitate absoluta. quae veritas est, alteritas omnis inueretur; non ut alteritas, sed ut unitas ... De Coniecturis § 168 Ibid.
" Magnum est posse se stabiliter ill coniunctione figere oppositorum. Nam etsi sciamus ita fieri debere, tam en, quando ad discursum rationis revertimur; labimurfrequenter et visionis certissimae nitimur rationes reddere, quae est supra omnem ratonem, et ideo tunc cadimus de divines ad humana instabiles atque exiles rationes adduciinus. De Beryllo § 32, 6-11
,4 Nunc potes satis ex his videre, quam IlUIlC, quando "per speculum videmus in aenigmate ", ut Aposto/us ail, de deo notitiant habere POSSUIllUS, utique lion aliant quam negativam. Ibid. § 15, 1-3
Referencias Nicolas de Cusa, De Beryllo, J G Senger - C Bormann, Meiner, 1988 Nicolas de Cusa, Directio Speculantis seu De Non Aliud, L Baur P Wi1pert, Meiner, 1994 Graziella Fererici Vescovini, Il Pensiero di Nicola Cusano, Milano 1998, Giovanni Santinello, Introduzione a Niccolo Cusano, Roma, 1971. Giovanni Santinello, Tota Pulcra es, Amica mea (Sermo De Pulchritudine), Padova, 1958. Giovani Santinello, "L'Uomo ad imaginem et similitudinem ne1 Cusano" en Doctor Seraphicus n. XXXVII, Marzo 1990. Giovanni Santinello, Il pensiero di Nicolo Cusano nella sua prospettiva estetica, Universita di Padova, 1958.
Principios
UFRN
Natal
v. 9
n"'. 11-12
p. 203-218 Jan./Dez. 2002
Joao Maria Andre, "0 Homem como Microcosmo. Da concepcao dinamica do homem em Nicolau de Cusa" en Philosophica. Filosofia do Renascimento. De partamente de Filosofia. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 14. 1999. Martinez Gomez, "E} Hombre Mensura Rerum en Nicolas de Cusa", en Pensamien to vol. 21, 1965.
Nicolaus ofCusa. Thinker Jorde Modem Age. Edited by Kazuhiko
Yamaki.
A. A. V. v., Coincidencia dos opostos e Concordia. Caminhos do pensamiento em Nicolau de Cusa. Aetas do Congreso intenacional realizado em Coimbra e Salamanca nos dias 5 a 9 de novembro de 2001: Klaus Kremer, Peter Casarella, L. Ribeiro dos Santos, C. D' Amico, W. Andreas Euler, , Mario Santiago Carvalho, Ifiigo Bocken, D. Ferrer, a. Borges, J. Maria Andre, ed. Facu1dade de Letras, Coimbra 2002. Jeannine Quillet, "De 1'art des conjetures it 1ascience divine selon Nicolas de Cues" en Misceldnea Medievalia 22/1 Berlin-New York 1994. Vo1kmann-Schluck Karl-Heinz, Nicolaus Cusanus. Die Philosophie im ubergang von Mittelalter zur Neuzeit, Frankfurt, 1957.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOli.11-12
p.203-218 Jan./Dez.2002
A metafisica Cosmol6gico/Soteriol6gica Dualista Maniqueista Marcos Roberto Nunes Costal
Resumo Fundado na Asia, no seculo III, por Mani, 0 maniqueismo se constituia, do ponto de vista doutrinal, numa gnose que misturava principios das seitas/religioes orientais, especialmente do Zoroastrismo e do Budismo, da Filosofia Grego-Romana e do Cristianismo. Sua tese fundamental consistia na afirmacao de dois principios ontol6gicos do mundo: 0 Bern ou a Luz, representado no sol, e 0 Mal ou as Trevas, personificado na materia. Desse dualismo ontol6gico nascia uma cosmologia/soteriologia que apresentava a hist6ria da salvacao do mundo em tres tempos: 0 primeiro, inicial, engloba as origens c6smicas dos dois principios e seus primeiros afrontamentos. 0 segundo, medio, eo tempo da mistura entre os dois Reinos, que se caracteriza pela queda de uma parte da Luz na materia, bern como, e 0 tempo da criacao dos seres no universo. Enfim, 0 terceiro, final, marca a libertacao de todas as particulas da Luz imbricadas na materia, com 0 retorno da Luz ao reino do Pai e a queda definitiva da materia no inferno.
Mani e as origens hlstoricas do maniqueismo
o maniqueismo foi fundado por Mani, urn monge asceta que nasceu em 14 de abril de 216 d. c., na aldeia rural de Nahar足 Koutha, distrito de Mardinu, localizada entre os rios Eufrates e Tigre (nao muito distante da atual Bagdad), na Babilonia do Norte)". Segundo alguns comentadores, os maniqueus embelezaram a historia de Mani fazendo uma analogia com a historia de Jesus Cristo, uma vez que consideravam Mani como 0 enviado, 0 profeta anunciado por Cristo. Assim sendo, ao seu pai, Pattig (ou Patteg), deram uma descendencia nobre, como fazendo parte da linhagem dos Arsacides, a exemplo de Jose que era proclamado como
Principios
UFRN
Natal
v.9
nlll.11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
descendente da antiga familia real de Israel, con forme narra Polotsky: Mani, enquanto babilonico, era sudito do imperio persiano; na realidade, ele era tam bern de origem iranica: por parte de sua mae e provavelmente tambem por parte do pai ele era aparentado com a familia da casa real dos Arsacides'.
Igualmentc, por analogia cristianizante, segundo Michel Tardieu, deram amae de Mani 0 nome da mae de Jesus: Maryam". Bem como, a scmelhanca das narracoes da infancia de Jesus, onde constam a partida do casal Jose e Maria de Nazare para Jerusalem, e dali para 0 Egito, os pais de Mani teriam emigrado de Hamadam para al-Madain, e dali para Nahr-Kuthi. Por fim, uma outra semelhanca, e que, a exemplo de Jesus, pelo menos para 0 catolicismo, Mani e filho unico. Ainda segundo Michel Tardicu', seguindo a enciclopedia arabe de Ibn al-Nadim, durante 0 tempo em que estevc em al-Madain, 0 pai de Mani, Pattig, freqiientava uma casa de idolos, provavelmente dos Sabeus, onde imperavam praticas licenciosas. Porem, um certo dia, este ouviu uma voz que 0 ordenava a abster-se de carnes, vinhos e a seguir uma rigorosa continencia sexual. A aparicao se repetiu por tres vezes ate que, um certo dia, cste resolveu seguir a ordem e mudou de religiao, juntando-se a um grupo dos helxassaitas, que segundo Daniel-Rops, eram discipulos dum certo Helxassai ou Aleixo, que, no reinado de Trajano, pretendeu ter recebido, dum anjo com a altura de cem quilornetros, a revelacao duma doutrina estranha, em que se ligam, na mais extr aordinaria arnalgama, praticas judaicas, dogmas cristaos e praticas da magia".
Entretanto, so aos quatro anos de idade, seu pai 0 levou para morar com ele na comunidade dos helxassaitas, onde, segundo Puech, entrou, pela primeira vez, em contato com os principios gnosticos e cristaos que essa seita comportava os quais, mais tarde, van influenciar na formacao de sua nova religiao:
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.219-238 Jan./Dez.2002
221
Em uma comunidade desse tipo onde, creio, formou seu pensamento e amadureceu sua VOCa9aO, devemos considerar que 0 Cristianismo - ou ao menos, uma certa imagem de Cristo e dos ensinamentos evangelicos 足 exerceu, desde 0 principio, se nao decisiva, ao menos profunda influencia sobre Mani'.
Na idade de 12 anos, em 01 de abril de 228 d. C. Mani foi visitado pela prime ira vez por urn anjo mensageiro do Reino da luz que the anunciou as primeiras Boas Novas de sua futura e nova religiao, Mas como Mani era ainda muito novo, ap6s a primeira aparicao do anjo mensageiro este permaneceu entre os helxassaitas, apesar de ja ter comecado a manifestar seu descontentamento para com estes, levando-o, inclusive, a ser acusado de ap6stata, por estar prcparando uma nova religiao. Aqui, mais uma vez, para Michel Tardieu, 0 intervalo entre a primeira e a scgunda aparicao do anjo mensageiro, que se caracteriza pelo periodo de amadurecimento de Mani para assumir a missao, e mais uma alusao a vida de Jesus, pois, da mesma forma que Mani-menino copiava Jesus-menino, o jovem Mani discutindo com as autoridades da sua comunidade imita 0 Jesus das controversias anti足 judaizantes referidas pel os Sinopticos",
Finalmente, doze anos ap6s a primeira aparicao, 0 mesmo anjo mensageiro reapareceu a Mani e revelou-Ihe os misterios insondaveis e the deu ordens de proclamar a verdade divina. Dois anos dcpois da segunda aparicao do anjo, em 242, com 26 anos de idade, Mani tomou consciencia de sua missao e comecou a anunciar a nova fe. Pouco tempo depois de iniciar sua missao, Mani foi expulso de sua terra natal. A partir de entao, percorreu varies paises, tendo propagado sua religiao par toda a Asia, na india e, finalmente, na China, onde conviveu por dez anos, entrado em contato com algumas religioes orientais, como, par exemplo, 0 budismo, as quais teriam grande influencia em seu pensamento.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
Trinta anos depois de ter sido expulso de sua terra natal, em 272, mudou 0 contexto politico e Mani foi convidado a retornar a Babilonia pelos seus adeptos, que the prometiam melhores dias. Mas, dois anos depois, mudou novamente 0 contexto politico e 0 novo Rei, Bahram I, iniciou uma campanha de caca e perseguicoes aos maniqueistas. Finalmente, em 277, Mani foi encarcerado na cidade de Gundeshahpur, na Susiana, e, depois de 26 dias de prisao, seguindo a tradicao, crucificado e esfolado, provavelmentc em 26 de fevereiro de 277 9 , com sessenta e urn anos de idadc, tendo sua pele exposta em urn templo dos arianos'". Aqui, mais uma vez, J. P.Asmussen, nos alerta que, a exemplo dos demais dados da vida de Mani, os maniqucus, por processo cristianizante, descreveram 0 martirio c crucificacao de Mani a exemplo da mortc de Cristo, quando diz: Sem duvida, a crucificacao de Mani, de que falam seus discipulos, e uma assernelhacao deliberada a morte de Cristo, 0 que vern confirmar a importancia de Jesus para 0 sistema maniqueu. Se Cristo, 0 doador por excelencia da gnose, morreu na cruz, Mani, a maior personalidade entre todos os redentores, tinha que sofrer 0 mesmo destino!'.
Porem, sua seita nao morreu com ele; Mani, diferentemente de Buda, Zoroastro e Jesus Cristo, que nao escreveram nada, deixou alguns escritos, comumente chamados de Escrituras Maniqueias ou Canon Oficial que dcveria ser seguido pelos membros de sua Igreja e uma grande quantidade de discipulos. Em poueo tempo, a nova religiao propagou-se rapidamente nao s6 na Asia, mas tambem na Europa, desde a Dalmacia ate a Espanha, e na Africa".
A Doutrina cosmologico/soterlologlca dualista maniquela Os maniqueus estavam preocupados em responder a uma simples pergunta: como e possivel compatibilizar os males presentes no mundo: as injusticas, as desgracas, os 6dios, as pestes, as calamidades, as miserias dos homens, os defeitos das sociedades,
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
e muitas outras, com a bondade de Deus? Ou seja, Deus - 0 Bern, pode ser causa do mal? ou devemos admitir a urn outro ser, tao poderoso quanta Ele, a causa do mal? Tentando resolver tal dilema, os maniqueus vao construir uma doutrina ontologico-cosmologico-soteriologico-dualista que isenta Deus de toda responsabilidade pelos males existentes no universo, e 0 homem pelas maldades praticadas individualmente, a qual passaremos a apresentar.
o primeiro tempo: a origem ontologica dos dois reinos o maniqueismo comeca sua doutrina anunciando a existencia ontologica de dois principios originantes: de dois mundos ou duas naturezas, con forme declara Agostinho, criticando-os, em 0 Sobre a Natureza do Bem: Se os maniqueus quisessem refletir, sem que urn zelo funesto os levassem a defender 0 seu erro, e se temessem a Deus, nao b1asfemariam impiedosamente ensinando que ha duas naturezas, uma boa, a que chamam de Deus, e outra rna, nao c~'iada por Deus (De nat. bani, 1,41),
ou seja, dois principios ontologicos, e nao dois deuses, conforme diz 0 bispo maniqueu Fausto, em debate com Agostinho:
E certo
que confessamos dois principios, mas a um chamamos de Deus e ao outro materia (hyle), ou para uti1izar uma expressao comum e freqiiente, dem6nio (Contra Faust. man., XXI, 1)13.
o primeiro, 0 Reino da Luz, situado "no alto", e a casa do Pai da Grandeza, cidade da paz e de uma beleza incomparavel, conforme narra Agostinho em 0 Contra a Epistola que os Maniqueus Chamam de Fundarnento: Sobre 0 primeiro imperio da Luz, domina Deus, 0 Pai, tambem chamado Pai da Luz, etemo por sua origem santa, magnifico no seu poder, verdadeiro por sua essencia mesma, sempre feliz na sua propria etemidade, contendo
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOli.11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
224
em si a sabedoria e os sentidos da vida (Contra. ep. quam man. voc.fund., I, 13).
Apesar de parecer ser de natureza espiritual, au ser assernelhado ao Deus do Cristianismo, 0 deus do maniqueismo e totalmente diferente. Primeiro, ele e de natureza fisica, urn ser corporeo, que ocupa espaco, embora nao tenha uma forma humana, finita e limitada, mas infinito e ilimitado. Em decorrencia disso (segundo), os maniqueus tinham uma concepcao panteista de deus, onde as suas emanacoes sao da mesma substancia dele, ou como diz J. P. Asmussen: "0 Pai da grandeza se identifica com as suas emanacoes, do mesmo modo que estas sao identicas entre Si"14. "Abaixo" do Reino da Luz, ou seja, ao lado desta terra ilustre e santa se encontra a terra das Trevas, profunda e imensamente grande, onde habitam os corpos ignorantes, raca pestifera. La se encontram as trevas intimas, emanadas do mesmo principe e vis como ele [...]. No seu interior sopram os ventos terriveis e violentos com seu principe. E a regiao corrompida pelo fogo com seus chefes e suas nacoes. No centro, encontra-se urn pais cheio de obscuridade e fumaca, onde demanda a soberania terri vel deste mundo, rodeada de cinco principes, que com ele formam uma cabeca e urn corpo unico (Contra ep. quam man. voc.fund., 1,28).
Assim sendo, esse segundo reino - Reino das Trevas - e identificado no maniqueismo com a noite, ou trevas: noite da materia, da morte, do desejo. Dai seu nome proprio e a Materia, Hyle. Para os maniqueus esses dois reinos: 0 da Luz - 0 Bern - e 0 das Trevas - 0 Mal -, sao incriados, ou co-etemos: Com forme palavras de Puech: No principio do mito cosrnologico, no 'Memento Inicial' ou 'Anterior', hi uma dualidade radical e inteira de duas 'Naturezas', de duas 'Substancias' ou 'Raizes': a Luz e as Trevas,o Bern e 0 Mal, Deus e a Materia. Cada urn desses
Principles
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12 p.219-238 Jan.lDez.2002
e em
si mesmo urn 'Principio ', sendo incriados, autonomos, etemos; cada urn de potencia igual. Enfim, esses nao tern nada em comum, mas se op6em em tudo".
Igualmente, por terem principios identicos e independentes, cada urn tern identica potencia, Assim, por exemplo, ambos tern poder de criar, ou melhor de emanar, e na luta cosmica medem forcas em pe de igualdade.
o tempo media: as criacoes au emanaciies o tempo medic, por sua vez, e dividido em tres momentos: Primeiro momento:
0
Homem Primordial
Segundo 0 mito maniqueu, os dois Reinos nada conheciam urn do outro, ate que, urn dia (atemporalmente), 0 principe das Trevas viu 0 espetaculo admiravel e esplendido da Luz, bern superior a ele, dai, invejoso e enraivecido, foi ate os confins do Reino da Luz e provocou urn grande tumulto, transformando os cinco elementos da materia em cinco criaturas ou emanacoes suas, ou seja, conforme nos informa Santo Agostinho, "da fumaca, nasceram os animais bipedes; das trevas, as serpentes; do fogo, os quadrupedes; da agua, os animais que nadam; e do vento, as aves" (Contra ep. quam man. voc. fund., I, 28), e se lancou com seus cinco filhos contra 0 Pai da grandeza. o Pai da Grandeza, por sua vez, vendo-se atacado, faz surgir, por ernanacao de sua propria substancia, 0 Homem Primordial ou Originario, tambem chamado de Segunda Grandeza do Reino, a quem ordena que saia, com seus cinco filhos: eter, ar, luz, agua e fogo, que formam sua armadura, em combate contra as forcas das Trevas. No curso do combate, 0 filho do Pai da Grandeza (0 Homem primordial) e vencido, entregando-se aos inimigos, os arcanjos do Mal, que 0 fazem prisioneiro, sendo sua alma devorada pela materia. Portanto, para 0 maniqueismo, de forma panteistica, 0
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
Homem Primordial e alma do Pai, ou uma parte da substancia luminosa de Deus que esta cativa na materia.
Segundo momenta:
0
Espirito Vivificador
Prisioneiro, entretanto, segundo 0 mito maniqueu, 0 Homem Primordial voltou a consciencia, que havia perdido, enterrada nas Trevas junto com sua Alma, e dirigiu por sete vezes uma prece ao Pai da Grandeza. 0 Pai ouviu sua suplica e fez surgir dele mesmo uma segunda emanacao, 0 Espirito Vivificador ou Amigo da Luz, ou Grande Arquiteto - Terceira Grandeza do Reino - que se dirigiu a regiao das Trevas, descobriu 0 Homem Primordial absorvido pelas Trevas, e seus cinco filhos. o Espirito Vivificador toma, entao, 0 Homem Primordial pela mao direita e 0 liberta das garras e da ira do Principe das Trevas. Mas, 0 Homem Primordial, ao ser salvo, deixou para tras os seus cinco filhos misturados a materia, ou seja, parte de si mesmo, conforme narra Puech:
o Homem Primeiro sobe, em triunfo, ao 'Paraiso da Luz'. Todavia deixa de si, ainda prisioneira das Trevas, a sua 'armadura', a sua 'alma' ou uma parte da sua 'alma', dele mesmo". Terceiro momenta:
0
Terceiro Enviado e Jesus
Mas, como nem toda a Luz estava salva, 0 Pai da Grandeza realizou uma terceira emanacao, 0 Terceiro Enviado ou Grande Espirito, Quarta Grandeza do Reino, que veio continuar a obra de Salvacao. 0 Terceiro Enviado, por sua vez, adota a bela e majestosa forma feminina de Virgem da Luz, ou Mae da Vida, que, na sua desnudez radiante, excita os desejos carnais dos arcanjos do Mal (demonios), que expe1em seu esperma. Urna parte do esperma sobe em direcao a luz e outra cai sobre a terra umida, fecundando足 a, dando origem as arvores e aos animais, dentre e1es a primeira dupla de seres humanos: Adao e Eva.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
E e, nos planos de libertacao dos seres humanos, que entra em cena urn quarto personagem - Jesus, quarta ernanacao do Pai da Grandeza ou Quinta Grandeza do Reino, urn libertador - segundo santo Agostinho -, para limpar as almas boas (animae bonae) do erro e para salva-las do estado de mescla (commixtio) e libera-Ias da servidao (Contra Fort. man., 1,1).
Para 0 maniqueismo, Jesus e 0 responsavel em transmitir a Adao e Eva, e seus descendentes, a grande mensagem ou grito de libertacao - a gnose -, s6 que, diferentemente do Cristianismo, os maniqueus 0 entendiam sob tres figuras ou aspectos. Ou melhor, os maniqueus davam tres nomes a Jesus, cada urn refletindo uma dimensao ou funcao, mas, no fundo, trata-se de uma s6 entidade: Jesus - uma emanacao do Pai da Luz -, responsavel por libertar as particulas da luz manchadas e aprisionadas na materia desde a luta inicial entre 0 bern e 0 mal. Assim sendo, numa primeira figura que se encontra nos escritos maniqueus, Jesus aparece com 0 nome de Jesus Esplendor ou Rei da Luz. Nesse primeiro aspecto, a-hist6rico, Jesus Esplendor e urn Ser transcendente e c6smico, 0 criador da gnose. Ele e0 Grande Pcnsador, ou a Grande Inteligencia (0 Nous) encarregado de instituir a mensagem da gnose ou 0 grito de libertacao a toda humanidade. Entretanto, como alerta Erik Peterson!", nesse primeiro momento, trata-se ainda de urn Ser etereo, 0 Nous ou Inteligencia, e que nao pode ser confundido com 0 Jesus Cristo hist6rico, 0 qual veremos logo adiante. Nessa primeira figura, a salvacao se faz pela acao direta na inteligencia do hom em, pelo espirito. Pois, como a alma do homem esta alienada no corpo fisico, que e prisao e carcere, responsavel pelo estado de inconsciencia do homem, 0 Salvador - Jesus Esplendor, exorciza-o, revelando-se a si mesmo. Seus olhos ou sua consciencia se abre e este se reconhece, salvando-se a si mesmo. Ou seja, 0 Salvador, ao salvar 0 homem, salva-se a si
Principios
UFRN
Natal
v.9
nllli.11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
mesmo, 0 que significa que ha uma concretizacao do mito do "Salvador-Salvado". A partir de entao, 0 homem recebe a faculdade de reconhecer a mescla de sua condicao humana, a dualidade essencial que sua condicao humana implica, na qual a alma se sente aterrorizada pela materia, origem infernal de seu corpo que e maldicao. E essa tomada de consciencia de sua propria condicao humana traz, tambem, uma revelacao da ciencia do mundo: a origem c 0 destino do universo. E ai que aparece urn segundo aspecto, ou sob uma segunda figura, em que Jesus e chamado por "Jesus Partibilis ". ou Jesus Cruz da Luz, ou, ainda, Jesus Vivente ou Sofredor, conformc diz Puech: Esta parte consubstancial de Deus, mesclada em todos os corpos, e curiosamente ligada a erva, as sementes, aos troncos e frutos, as arvores, sufocada pela came, esta 'Alma Vivente' vem assimilada, com 0 simbolo grandioso, a personagem do Jesus Partibilis":
Ou seja, para os maniqueus, em seu panteismo grosseiro, a alma e parte (particulas - Jesus Partibilisi de Deus que esta presente em todos os corpos materiais, esses acrcditavam que e na materia, ou neste mundo que se da 0 calvario de Jesus. Por isso chamam, tambem, essa segunda figura de "Jesus Cruz da Luz". Ou e no mundo que assistimos, a todo memento, a paixao e a crucificacao de Jesus Cruz da Luz, na materia. Nesse momento, Jesus e uma Luz cosmica, atemporal, espalhada no ar ambiental, responsavel em libertar as centelhas da Luz prisioneiras na materia. Aqui, tambem, mais uma vez, Erik Peterson'? observa que ainda nao se trata da figura do Jesus Cristo historico, mas das particulas da luz espalhadas no mundo material. Finalmente, uma terceira figura, agora historica, e Jesus Cristo, o filho do Pai, revestido numa forma humana, que veio ao mundo, no pais dos judeus. E Mani investe na dimensao historica de Jesus como fundamento ou justificativa de sua missao, Afinal de contas, os principais
Principios
UFRN
Natal
v.9
;,'''.11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
destinatarios da propaganda maniqueia eram os cristaos, A esse publico, pois, os maniqueus procuravam acomodar-se ao maximo. Por isso revestiam toda sua propaganda de uma roupagem crista. Em urn dos escritos antimaniqueus agostinianos, 0 Contra Felix Maniqueu, por exemplo, encontramos uma amostra de como Mani fundamenta-se na pessoa de Jesus Cristo, como 0 profeta que 0 antecedeu e veio preparar sua vinda. Tese que sera duramente criticada por Agostinho, con forme aparece ja no inicio do debate: Agostinho perguntou: Se leres algo deste c6dice que tenho em minhas maos, a carta de Mani a que chamais 'do Fundamento', poderias reconhece-la como tal? Felix disse: Reconheco-a Agostinho replicou: Toma-a tu mesmo e Ie. Havendo tornado 0 c6dice, Felix leu: 'Mani, ap6stolo de Jesus Cristo, por providencia de Deus Pai. Eis aqui as palavras salutares que emanam da fonte viva e perene. Quem as ouve e primeiramente as crer, e logo cumpre 0 que ordena, nunca estara sujeito a morte, antes bern desfrutara de uma vida etema e gloriosa. Com efeito, ha de ser considerado justamente ditoso quem tenha sido instruido por este divino conhecimento: libertado par ele permanecera na vida sempiterna'. OBispo Agostinho disse: Tens reconhecido com certeza a carta de vosso Mani? Felix respondeu: Tenho-a reconhecido. Agostinho: Prova-me, entao, como esse Mani e ap6stolo de Jesus Cristo. Pois nunca lemos seu nome no Evangelho dos ap6stolos, e conhecemos quem foi ordenado para ocupar o posta de Judas, 0 traidor, a saber, 0 Santo Matias. E todo mundo sabe quem foi chamado desde 0 ceu pela voz do Senhor: 0 ap6stolo Paulo. Prova-me, portanto, que esse Mani e Ap6stolo de Cristo, como se atreveu a escrever isto no comeco de sua carta.[...] (Contra Felic. man., I, 1)20.
Principlos
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
Como se ve, Mani se via como enviado por Cristo, tanto e assim que, segundo Agostinho, uma das principais obras de Mani, a "Carta do Fundamento", comeca nos seguintes termos: "Mani, apostolo de Jesus Cristo pela providencia de Deus Pai [...]" (Contra ep. quam man. voc. fund., I, 5), por isso seus escritos e de seus seguidores estao recheados de expressoes neotestamentarias. Entretanto, se por urn lado os maniqueus supervalorizavam 0 Novo Testamento, por outro desprezavam e ridicularizavam 0 Velho Testamento, conforme narra Santo Agostinho: Costumam os maniqueus vituperar as Escrituras do Antigo Testamento, as quais ignoram; e com essa recusa, aos catolicos debeis e iniciantes na fe, que nao encontram como responder as suas argucias, os enganam e zombam deles. Nao ha Escritura que facilmente nao pode ser censurada quando a manejam aqueles que nao a compreendem (De gen. contra man., I, 1, 1).
Mas, afinal, 0 que os maniqueus nao aceitavam no Velho Testamento? Nos escritos antimaniqueus, encontramos basicamente tres pontos apresentados por Agostinho como problematicos aos olhos dos maniqueus: em primeiro lugar, uma larga rejeicao as explicacoes criacionistas da Biblia, por meio da qual questionavam a criacao do mundo por urn ato livre de Deus, a partir do nada, e do homem como imagem e semelhanca de Deus. Para eles, esse ultimo ponto implicava dar a Deus uma forma antropornorfica, 0 que era urn absurdo, pois isso significava encerrar Deus em urn corpo humano, limitado e finito, conforme palavras de Agostinho: Sobre esta questao costumam os maniqueus por urn grito no ceu com vas e insensatos discursos, e zornbam de nos, porque cremos que 0 homem foi feito imagem e semelhanca de Deus, e atendo-se a nossa figura corporal, perguntam: acaso Deus tern nariz e dentes e barba e entranhas e todo 0 restante que em nos e necessario? Com razao, pois, dizem que supor tais coisas em Deus e ridiculo, ainda rnais, e improprio; portanto, negam que 0 homem
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.219-238 Jan./Dez.2002
foi criado aimagem e semelhanca de Deus (De gen. contra man., I, 17,27).
Em segundo lugar, questionavam a conduta moral dos patriarcas, principalmente por praticarem a poligamia, que lhes parecia destituida de racionalidade cientifica, com aparentes contradicoes etico-morais, ou seja, a falta de uma explicacao racional para 0 problema do mal, 0 que levaria Evans a dizer: A maior dificuldade do maniqueismo em ler a Biblia estava em aceitar 0 conteudo do Antigo Testamento como digno de estudo serio. Nao s6 na linguagem, mas tambem em sua descricao do comportamento de Abraao, Isaac, Jac6, Moises e dos que vieram depois".
o maniqueismo, ao contrario do Velho Testamento, como uma gnose ou ciencia, OU uma religiao-ciencia, buscava dar uma explicacao racional do universo e da vida, principalmente do problema do mal, conforme diz Puech: No maniqueismo a consciencia e, de fato, presenca iluminante do Espirito, do Nous - 0 elemento salvador 足 na alma - 0 elemento a ser salvo. De tal modo essa confere a alma, unida aos dons intelectuais, a gnose, como, no gnosticismo, a consciencia e ciencia 22.
Por fim, afirmavam haver uma descontinuidade ou grande contradicao entre 0 Velho e 0 Novo Testamentos. Para os maniqueus, as duas Escrituras tinham autores diversos: enquanto o Novo Testamento tinha por autor 0 Senhor Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, 0 Antigo Testamento era obra de satanas, 0 principe das trevas, conforme diz Terzi: Os maniqueus impugnavam a concordancia entre 0 Velho Testamento e 0 Novo. Defendiam que 0 Deus do Velho Testamento nao era 0 Deus verdadeiro, mas 0 principe das trevas. 0 Novo Testamento diziam ter sido falsificado por aqueles que queriam inserir a lei dos judeus na fe crista".
Principios
UFRN
Natal
v. 9
n~.
11-12 p.219-238 Jan.lDez.2002
Quanto ao Novo Testamento, apesar de interpreta-lo de forma diferente dos catolicos, sao poucos os pontos que os maniqueus questionavam; dentre eles, a genealogia de Jesus, que tern como consequencias, a negacao do nascimento de Jesus atraves da Virgem Maria. Mani, fundamentando-se em palavras do proprio Cristo, como, "Quem me recebe, recebe Aquele que me enviou" (Mt. 10, 40; Lc 10, 16; Ja 13,20), "Eu nao vim para cumprir a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (Ja. 6, 38) e muitas outras, afirma ser Jesus uma emanacao da Luz adormecida na materia, urn Espirito Luminoso. E se Jesus nao pode ter nascimento humano, muito menos teve morte na cruz, como diz Agostinho, citando os ensinamentos de Mani: Pois Cristo, posta que nem nasceu, nem mostrou aos olhos humanos carne verdadeira, senao simulada, tampouco sofreu paixao, senao que a simulou (Contra ep. quam man. voc. fund., 8).
Portanto, como observa Manuel da Freitas", apesar dos maniqueus afirmarem a historicidade de Jesus Cristo, como urn dos profetas que veio preparar a vinda de Mani, 0 Paracleto responsavel pelo processo final de libertacao, para eles, Jesus Cristo era apenas uma das emanacoes ou manifestacoes corp6reas do Jesus Esplendor, que se manifestou igualmente em outros profetas, como, Seth, Enos, Henoc, Noe, Sem, Abraao, Buda e Zoroastro, tal como Cristo, vieram preparar a vinda do Paracleto final (Mani) em suas regioes, Ou seja, na doutrina maniqueista, Cristo e igualado a mesma categoria de Buda e Zoroastro. Todos esses enviados sao uma replica humana do Salvador - 0 Nous, enviados para preparar a vinda de Mani, 0 ultimo dos profetas, conforme diz Robert Haardt: "Mani se entende a si mesmo como o 'selo dos profetas', como 0 Paracleto enviado por Jesus Cristo tJo. 14,16,26; 15,26; 16,7), como 0 predicador da final e universal revelacao divina?". Assim, por considerar Jesus como filho direto de Deus, ou melhor, como uma das emanacoes de Deus na historia, os maniqueus acabavam por enveredar pelo docetismo, que, segundo
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12 p.219-238 Jan.lDez.2002
verbete do famoso dicionario da lingua portuguesa "Aurelio", "e uma doutrina gnostica do sec. II, segundo a qual 0 corpo de Cristo nao era real, porern so aparente, bern como negava que Ele fosse nascido de Maria'?". Assim, Mani nao aceitava que Cristo fosse descendente da linhagem genealogica de Davi e, conseqiientemente, que tivesse nascido da Virgem Maria". Para Mani Cristo nao nasceu, nem morreu. Cristo e apenas uma emanacao do espirito da Luz, urn fantasma com aparencia de homem, con forme Trape: as maniqueus atalhavam as dificuldades escrituristicas: rejeitavam em bloco 0 Antigo Testamento. a Novo, aceitavam-no, sim, mas negando, como interpolado, tudo o que se refere ao Antigo. A gene alogia de Cristo era uma destas interpolacoes. De resto, Cristo nao tinha assumido um corpo verdadeiro, mas so um corpo aparente; nao podia ter, par isso, uma genealogia".
Mais do que isso, os maniqueus estendiam suas interpretacoes docetistas ate ao corpo, apaixao, amorte e ressurreicao de Cristo, ou seja, para eles, Cristo nao tinha corpo, mas era urn fantasma ou espirito da Luz com forma humana. Bern como nao sofreu realmente a paixao, nem morreu na cruz, nem ressuscitou". Para os maniqueus, a paixao, morte e ressurreicao de Cristo sao fatos historicos, mas nao reais. Trata-se, pois, de uma simulatio, de urn parecer, que aos olhos dos homens se mostrava como real e nesse sentido da-se como real de fato. Posto que, para estes - os maniqueus, como interroga santo Agostinho, como poderiam crer que ressuscitou aquele de quem nao creem que haja morrido? Pois, como podem crer que haja morrido aquele de quem nao creem que haja tido um corpo mortal? (Contra Faust. man., XII, 4).
Para os maniqueus, Cristo, com 0 objetivo de chegar aos homens mais facilmente, tomou uma came aparente, quando, na realidade, ele e urn "corpo luminoso etereo ou espiritual - urn fantasma". A verdadeira paixao e crucificacao de Cristo esta, para
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
os maniqueus, na mescla ou mistura da Luz na materia, ou seja, Cristo (tambern chamado de Jesus Partibilis ou Cruz da Luz) encontra-se crucificado nas particulas da Luz (alma do mundo) presa ou cativa na materia. Em sintese, os maniqueus negavam que Cristo fosse a encarnacao do Verbo em urn corpo humano. Pare eles, isso significava dar a Deus uma Forma antropornorfica, o que era urn absurdo. Cristo nao necessita de corpo humano, Ele e apenas urn fantasma, urn Espirito.
Abstract Founded in Asia in the third century by Mani, manicheism consisted from a doctrinal point ofview in a gnosis that mixed principles oforiental sects and religions, especially from Zoroastrism and Budism, with Greek足 Roman Philosophy and Christianism. His basic thesis consisted in the affirmation oftwo ontological principles in the universe: Good or Light, represented by the sun, and Evil or Darkness, personified in matter. From this ontological dualism arose a cosmology/soteriology that presented the history of world salvation in three moments: the first one, or initial, wherein the cosmic origins of both principles and their former confrontations occur; the second one, or medial, is the time of mixture, characterized by the downfall of one part of Light in matter, as well as by the creation of all beings in the universe; and finally the third one, or final, which sets free all of Light particles hitherto entangled in matter, with the Light returning to Father's Kingdom and the definitive downfall of matter into hell.
Notas I
Professor de Filosofia Patristico/Medieval da UNICAP e do INSAF - Recife/ Brasil, Lider do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia Antiga e Medieval - GEPFAMIUNICAP/CNPq, Presidente da Comissao Brasileira de Filosofia Medieval - CBFM.
'Cf. TARDIEU, [s.d.], p. 5. 3POLOTSKY, 1996. p. 26. "Maryam para TARDIEU, [ s.d], p. 7 e Marjan para PETERSON, 1951, p. 1959.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nil>. 11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
5Cf. TARDIEU, [s.d.], p. 8. 'DANIEL-ROPS, 1960, p. 60. 7pUECH, 1979, p. 205. 8TARDIEU, [s.d], p. 20.
"Cf, PUECH, 1988, p. 174. IlICf. DANIEL-ROPS, 1960. "ASMUSSEN, 1973, p. 571. "Sobre a larga e rapida expansao do maniqueismo ver nossa obra: COSTA, 2003, especialmente 0 cap. 2, intitulado "Mani e as Origens Hist6ricas do Maniqueismo", p. 25-38. "GARCIA BAZAN, 1978, p. 238, chama a atencao de que os maniqueus nao aceitam que se use 0 epiteto "Deus" para referir-se a materia, apesar desta ser urn principio originante com poderes identicos aos do Deus da Luz. "ASMUSSEN, 1973, p. 574. 15pUECH, 1995, p. 32. 16pUECH, 1995, p. 38. 17pETERSON, 1951, p. 1963. Igualmente diz POLOTSKY, 1996, p. 74: "No maniqueismo, 0 Jesus Esplendor vern acima da barreira do tempo, espaco e de todo limite hist6rico: a sua figura e urn comp1emento mitol6gico do conceito de Nous". 18PUECH, 1995, p. 46-7. 19pETERSON, 1951, p. 1963. 20Cf. TERZI, 1937, p. 13: "Se 0 nome de Mani nao figura no numero dos Apostolos, como diz Agostinho, e1e porem estava sinceramente convicto de ser 0 apostolo de Jesus Cristo". 21EVANS, 1995, p. 28-29. 22pUECH, 1995, p. 26. 23TERZI, 1937, p. 65. 24Cf. FREITAS, 1991, p. 608. 25 HAARDT, 1984, p. 420.. 2'FERREIRA, 1986, p. 605. 27Aesse respeito, diz DI STEFANO, 1960, p. 64:" Os cristaos, para Mani, tinham feito de Cristo 0 criador de Satanas e 0 autor de suas mas acoes, rebaixaram
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
Cristo ao papel de hom em, fazendo dele 0 filho de uma mulher chamada Maria, nascido do seu sangue e da sua came, vindo ao mundo com todas as sujeiras que acompanham 0 nascirnento". 28TRAPE, 1971, p. 64. 29Cf. STEINER, 1995, p. 32: "Para Mani 0 Cristo Jesus eum ser que nao assume verdadeiramente uma corporeidade terrestre, mas vive so em um corpo aparente sobre a terra, em um corpo etereo",
Referencias AGUSTiN, San. Aetas del debate con Fortunato. In: Obras completas des san Agustin. Trad. lnt. y notas de Pio de Luis. ed. Bilingiie. Madrid: La Editorial Catolica, 1986. (Biblioteca de Autores Cristianos, vol. XXX), p. 225 - 378. ___. Replica a la carta Hamada "Del fundamento". In: Obras completas de san Agustin. Trad. lnt. y notas de Pio de Luis. ed. Bilingue. Madrid: La Editorial Catolica, 1986. (Biblioteca de Autores Cristianos, vol. XXX), p. 379 - 460 . . Aetas del debate con Felix. In: Obras completas de san Agustin. Trad. lnt. y notas de Pio de Luis. ed. Bilingue. Madrid: La Editorial Catolica, 1986. (Biblioteca de Autores Cristianos, vol. XXX), p. 461 - 542.
---
___. Contra Fausto. In: Obras completas de san Agustin. Trad. lnt. y notas de Pio de Luis. ed. Bilingiie. Madrid: La Editorial Catolica, 1993.(Bibliotecade Autores Cristianos, vol. XXXI), 834 p. ___. De la natureza del bien: contra los maniqueus. In: Obras completas de san Agustin. Trad. int. y notas de Mateo Lanseros. ed. Bilingue. Madrid: La Editorial Catolica, 1951. (Bibliotcca de Autores Cristianos, vol. III), p. 973-1047. ___. Del genesis contra los maniqueos. In: Obras completas de san Agustin. Trad. int. y notas de Balbino Martin. ed. Bilingiie. Madrid: La Editorial Catolica, 1957. (Biblioteca de Autores Cristianos, vol. XV), p. 351-498.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.219-238 Jan.lDez.2002
ASMUSSEN, Jes P. Maniqueismo. In: BLEEKER, C. Jouco ; WIDENGREN, Geo (Orgs). Historia religionum: manual de historia de las religiones (I): religiones del pasado. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1973. p. 560 - 589. COSTA, Marcos Roberto Nunes. Maniqueismo: hist6ria, filosofia e religiao. Petr6polis: Vozes, 2003. 175 p. DANIEL-ROPS. 0 Santo dos Novos Tempos In: Hist6ria da Igreja de Cristo (I): A Igreja dos ap6stolos e dos martires, Trad. de Eduardo Pinheiro. Braga: Livraria Tavares Martins, 1960.
DI STEFANO, Anna Escher. II manicheismo in s. Agostino. Padova: Casa Editrice Dott. Antonio Milano, 1960. 217 p. EVANS, Gillian R. Agostinho sobre Sao Paulo: Paulus, 1995. 270 p.
0
mal. Trad. de Joao Rezende.
FERREIRA, Aurelio Buarque de Holanda. Novo diciondrio da lingua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986 . .FREITAS, Manuel da Costa. Maniqueismo. In: LOGOS 足 Enciclopedia luso-brasileira de filosofia. Lisboa/Sao Paulo: Verbo, 1991. Torno 3, p. 607-613. GARCIA BAZAN, Francisco. Gnosis: la esencia del dualismo gn6stico. Buenos Aires: Ediciones Castefieda, 1978. 371 p. HAARDT, Robert. Maniqueismo. In: ALFARO, Juan; FONDEVILA, Jose M. (Org.). Sacramentum mundi: enciclopedia teol6gica. Barcelona: Editorial Herber, 1984. Torno IV, p. PETERSON, Erik. Mani - manicheismo. In: ENCICLOPEDIA CATTOLICA. Roma: Citra del Vaticano, 1951. p. 530-541. POLOTSKY, Hans-Jacob. II manicheismo: gnosi i salvezza tra Egito e Cina. Trad. Cllaudia Leurini. Rimini : Cerchio Iniziative Editoriali, 1996. p. PUECH, Henri-Charles. SuI manicheismo e altri saggi. Trad. de Augusto Combra. Torino: Giulio Einaudi Editore, 1995.463 p.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12 p.219-238 Jan./Dez.2002
_ _ _. El maniqueismo. In: . (Org.). Historia de las religiones (VI): las religiones en el mundo Mediterraneo y en el Oriente pr6jimo. Trad. de Lorea Baruti e Alberto Cardin. Mexico/ Madrid: Siglo Veintiuno Editores, 1979. p. 194 - 331. _ _ _. 11 manicheismo. In: . (Org.). Gnosticismo e manicheismo. Trad. de Maria Novella Pierini. Roma: Editori Laterza, 1988. p. 160 - 277. STEINER, Rudolf. I manichei. Trad. de Iberto Bavastro. Milano: Editrice Antroposofica, 1995. 59 p. TARDIEU, Michel. 0 maniqueismo. Trad. de Antonio M. Magalhaes. Porto: Res Editora, [s.d.]. 156 p. TERZI, Carlo. 11 problema del male nella polemica antimanichea di s. Agostino. Udine: Istituto delle Edizioni Accademiche, 1937. 108 p. TRAPE, Agostino. S. Agostino: I' uomo, il pastore, i1 mistico. Fossano: Editrice Esperienze, 1971. 439 p.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.219-238 Jan./Dez.2002
Resenha CORBIN, H. La paradoja del monoteismo. Trad. Maria Tabuyo y Agustin Lopez. Madrid: Losada, 2003.289 paginas, Cicero Cunha Bezerra*
Malgrado 0 atual clima de completa instabilidade politica e religiosa entre Oriente e Ocidente, este livro nos convida a penetrar nos fundamentos comuns das tres grandes religioes monoteistas: judaismo, cristianismo e islamismo. Henry Corbin (Paris, 1903足 1978), fil6sofo, historiador das religioes e um dos grande islamistas mundias do seculo XX, analiza de manera magistral 0 surgimento destas tres grandes religoes como um fenorneno de reacao ao politeismo grego e latino, bem como, os "defeitos" e consequencias hist6ricas radicalmente opostas a mensagem original que as fundaram. No primeiro capitulo intitulado de: 0 paradoxo do monoteismo, Henry nos alerta para 0 "lamentavel" uso que 0 termo <monoteismo> sofreu ao longo da nossa hist6ria. Contra uma visao limitada que reduz 0 conceito de <monoteismo> a uma civilizacao <patronal>, Corbin prop6e uma hermeneutic a que parte, necessariamente, do cxame e alcance que a palavra <Deuses> possuia nos ensinamentos esotericos (no sentido original do termo). Este <plural> tao presente no pensamcnto judeo-cristiano ("0 senhor vosso Deus 0 Deus dos Deuses, Senhor dos Senhores". Deut. 10, 17; "Ele julga em meio aos Deuses". Sal. 82, 1; "Eu disse: vas sois Deuses, sois todosfilhos do Altisslmo. In. 10,34), bem como, na gnosis e teosofia islamicas e investigado exaustivamente como expressao deste <paradoxo monoteista> e como algo vivenciado e superado pela tradicao islamica, particulamente, na escola de Mohyidin Ibn'Arabi (1240) e seu
e
* Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe e doutorando em Filosofia pela Universidade de Salamanca - Espanha. Este trabalho foi realizado com 0 apoio do CNPq. Principios
UFRN
Natal
v.9
nll>.11-12 p.239-245 Jan.lDez.2002
discipulo e critico xiita Ibn' Arabi. Segun Henry Corbin, 0 monoteismo nao encontra sua salvacao e verdade a nao ser em sua forma esoterica: Laysafi'l-wojiid siwd Allah (Nao existe outro ser que Deus), no entanto, por isso mesmo, corre 0 risco de cair, por incomprensao da palabra ser, numa idiolatria metafisica. A questao consite portanto, em comprender 0 teomonismo a partir de uma ontologia integral que professa nao que 0 Ser divino seja o <unico ente> mas sim 0 <Uno-ser> e que, scmelhante aontologia neoplatonica procleana, permite a multiplicida das epifanias que sao os cntes. Fica portanto, eliminada a possibilidadc de se pcnsar, a partir do monoteismo, Deus como ente (ma}j,jud) ainda que superior a todos os entes. A via adota e, neoplatonicamentc, a via negationis (tanzih). A conclusao que chega Corbin e que 0 Uno, pensado como uni-fico constitutivo de todos os unos, de todos os seres e que nao pode ser urn ente, se revela numjogo simultaneo entre Deus-Uno e suas figuras divinas multiplas presente tanto na filosofia neoplatonica grega como de lingua arabe (pg. 21). Deus足 Uno e henada de toda henada e por isso nomea nao ao <que e> mas sim ao absolutamente inefavel, Esta seria, portanto, a forma que assume na teosofia islamica o paradoxo do Uno e do Multiple. Ao afirmar nao existir nada mais que Dios, a teosofia islamica de Haydar Amoli, discipulo de Ibn' Arabi, afirma 0 ser (wojiid - Ato-ser) e neg a 0 en/e. E impontante resaltar que este negar nao signicia dizer que 0 ente nao seja ente, mas sim que 0 ser nao e urn ente. Se os neoplatonicos gregos encontraram na transcendencia absoluta do Uno sobre 0 ser a resposta para este dilema, a escola de Ibn' Arabi postula a reciprocidade entre 0 Uno e 0 Ser transcendental sob a forma de Luz das luzes, origem das origens, etc. (pg. 25). Segundo Henry, 0 Uno para os ishrdqiyiin de Sohravardi e, assim como para Escoto Erigena, teofania. Neste sentido, ser urn ente e ser constituido uno, ser unificado pelo Uno unifico (pg. 25). Quem contempla ao mesmo tempo, diz Haydar Amoli, ao divivo e ao creatural, sem que nenhum valha mais que 0 outro, e um autentico teomonista. Os "sabios de Deus" sao caracterizados por tres niveis de conhecimentos: a) aqueles
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.239-245 Jan.lDez.2002
241
que veem 0 creatural como manifestacao e 0 divino como oculto; b) aqueles que veen 10 divino como 0 que se manifesta e 0 creatural como 0 oculto, nao aparente; c) 0 teos6fo mistico (kakfm mota 'allihs, 0 hieratico, aquele que possue, ao mesmo tempo, intelecto e visao. Este <sabio> ver, simultaneamente, a divinidade na criatura, 0 Uno no Multiple e a criatura na divinidade, dito de outro modo, ver a multiplicidade das teofanias na Unidade que se "teofaniza" (pg. 27). Para Henry Corbin, ainda que nao podamos afirmar que este discipulo de Sohravardi e de Ibn' Arabi tenha lido 0 Parrnenides de Platao, seguramente podemos dizer que se encontra na mesma tradicao exegetica de Proclo que busca des velar 0 segredo da teogonia do Parmenides (pg. 27). A esta ontologia, Henry classifica como sendo uma ontologia integral que tern como fundamento comprender a Criacao como teofania. La ontologia integral pode ser caracterizada por tres momentos: 1) Ponto de vista irnaqdm], a estacao. E a consciencia ingenua que permanece presa aos conceitos. Se caracteriza como a "estacao" exoterica do monoteismo teo16gico (tawhfd alUM) que proclama a unidade divina como Ens supremum (ver as arvores c nao ver 0 bosque); 2) Integracao (jam '): marcada pela reuniao das unidades dispersas num todo unico.mao existe arvores, somente bosque); 3) Nivel de integracao da integracao (jam 'al-jam ') que consiste em passar do Todo indiferenciado ao Todo diferenciado. Seria portanto, a integracao da unidade na diversidade conquistada (pg. 29). Neste nivel de comprensao aparecem as arvores e se ver simultaneamente o bosque. E uma visao integral de Dios Uno e das suas formas divinas multiplas. Em outras palabras, e a expresao maxima da mazhariya ou funcao epifanica que expressa a relacao direta entre o Uno-ser e suas teofanias. A integraciio da integraciio pode ser pensada a partir da relacao entre 0 Uno e seus Nomes ou atributos divinos e multiplos presentes em pensadores como Dionisio pseudo-areopagita. La cosmologia de Ibn' Arabi segue tres momentos teofanicos: 1) teofania da Essencia a si mesma ial-dhdt li-adhdti-hii. Este estado ou momento, e definido como urn <estado puro> que nao implica
Prlnclpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.239-245 Jan.lDez.2002
nem definicao, nem descricao, nem muito menos, qualificacao. 2) Teofania dos Nomes e atributos ou da determinacao inicial (ta 'ayyon awwal). Caracterizada como 0 "momento" em que a <pura essencia> se converte em contemplacao, como testemunho de si mesma. Seria portanto, todos os Nomes e atributos possiveis de serem atribuidos ao Uno-ser como por exemplo: Cognoscente e Conhecimento, Vidente e Visao, etc. (pg. 33). Neste ponto, Corbin nos recorda a possibilidade de uma aproximacao com os Nomes divinos em 3 Enoc, em hebrcu, c com os Deuses neoplatonicos (Proclo). 3) A terccira teofania e, ao mcsmo tempo, contemplativa e operativa, ou seja, ontogenetica (tajalli wojudi sho-hiidii. Se poderia resumir como sendo a manifestacao do ser como Luz (as teurgias). Em resumo, a primeira esta no nivcl da Unidade henadica (Teologia apofatica ou negativa), a segunda, no nivel dos Nomes e atributos (Teologia afirmativa) e por ultimo, o nivel teofanico da Operacoes. Todos estes momentos teofanicos estao representados, de modo bastante detalhado, atraves da reproducao grafica dos Diagramas que ilustram e ajudam a comprender melhor estes "mementos" teofanicos (pp. 41 e 49). No capitulo intitulado: as hierarquias divinas, Corbin analisa 0 conhecimento espiritual como uma ascenso gradual atraves das hierarquias celestiais e terrenas. De maneira puntual 0 autor exponhe a visao teos6fica "ismailies" das hierarquias divinas como urn "politeismo moderado" que tern suas origens na ideia de urn "combate no ceu". Combate cste, que Henry 0 associa diretamente, ademas do livro I de Enoc, com 0 comentario procleano do Parmenides. Todo 0 drama cenico comentado por Proclo e interpretado por Henry Corbin como simbolo de uma batalha de gigantes da qual nasce as hierarquias divinas visto que as ideias, como diz Proclo, son Dioses (pg. 61). Outro aspecto extremamente importante do "paradoxo do monoteismo", diz respeito ao papel que tern os anjos neste conhecimiento hierarquizado. No capitulo: Necessidade de uma angelologia, Henry afirma que uma religiao profetica nao pode carecer de uma angelologia pois a funcao do anjo esta intimamente associada, por exemplo, no islam, com a missao dos profetas. De
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"", 11-12 p.239-245 Jan.lDez.2002
modo que a angelologia responde, por urn lado, a uma exigencia ontologica y por outro, hemeneutica (pg. 108). Neste sentido 0 neoplatonismo, cristianismo e islamismo comparte uma mesma concepcao, a saber: as hierarquias correspondem ao graus do ser. Este aspecto comun se revela no papel dos Anjos como hierofantes do ser, mediadores e hermeneutas dos Verbos divinos. No fundo, a angelologia "salva" a inefabilidade divina no sentido de que provoca uma metafisica que se pauta numa relacao essencialmente teofanica. Para Henry, isso se pode constatar no livro III de Enoc onde os Nomes que designam a divinidade, sao todos nomes de anjos formados com 0 sufixo - e/: 'Anafiel, Serafiel, Uriel, Michael, Gabriel, entre outros. Este fato demonstra que el Absconditum deixa de ser inominavel, inefavel e passa a ser nomeado, mas, os nomes, precisa Corbin, nao sao outros que os nomes das suas teofanias. Chegamos assim a conclusao que a teofania e uma angelofania, 0 Nome divino nao pode ser pronunciado e por isso esta Yahoel (0 Anjo da face) (pg. 115). De modo que 0 autor argumenta, partindo de exemplos concretos presentes nas tres tradicoes abraamicas, que sem uma angelologia nao teriamos mais que uma teologia teorica sem teofania (pg. 116). No fundo, os anjos fazem parte de urn grande sistema teofanico que ao mesmo tempo que revela Deus atraves dos seus modos e operacoes, preserva sua "essencialidade". Este esquema tipicamente neoplatonico e a dernonstracao clara, para Henry, da existencia de urn helenismo que penetra nos filosofos e teosofos islamicos, Nao seria por causalidade que' Arabi era chamado "0 platonico" entre aqueles cuja profetologia foi herdada da profetologia judeocrista (p. 128). Entretanto, para Corbin, a questao nao reside em discurtir se os neoplatonicos tomaram do judaismo alexandrino ou 0 contrario, 0 que realmente importa e cons tatar, por urn lado, que a tradicao judaica alexandrina estava em condicoes de traduzir 0 termo hebreu malakh pela palavra grega angelos e, por outro, que isso expressa a importancia e necessidade de uma angelologia nestas tradicoes, 0 anjo, como vimos antes, e o misterio do Rosto divino manifestando-se em multiplas teofanias. De modo que, como bern observa Henry, aos olhos de urn
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.239-245 Jan.lDez.2002
investigador que permanece no <exoterico> do <culto dos anjos> tudo isso pode parecer uma idolatria ou supersticao, mas, seguramente, para os que compreende 0 senti do seu sentido oculto e profundo, ejustamente a ausencia de uma angelologia, que coloca em risco 0 monoteismo como uma forma de idolatria no sentido corrente da palavra. Esta afirmacao se pauta no fato de que, para Corbin, a idolatria reside no desejo de querer se dirigir diretamente ao Absconditum ignorando, assim, que 0 homem nao pode encontrar mais que ao Anjo YHVH, seja qual seja 0 nome que sc lhes de. Neste sentido, 0 Anjo como Rosto de Deus significa Deus mesmo mergulhado na sua obscuridade (pg. 226). E interessante observar com Henry que a nocao de absolutum pressupoe urn absolvens que 0 absorva do nao-scr e da "obscuridade". Nos diz ele: 0 Anjo 0 absconditum absolvendo足 se da sua "abscondidade" (pg. 226). Partindo deste pressuposto, prescindir da angelologia econfundir absolvens com 0 absolutum e precisamente nisso, reside toda idolatria que destroe 0 plano metafisico em favor de uma desacralizacao e secularizacao da vida publica. A saida residiria, segundo 0 autor, na teologia negativa como antidoto contra 0 nihilismo (pg. 240). Vale res saltar, que para Henry, 0 nihilismo surge justamente quando a sacralidade e a secularizacao deixam de ser fenornenos ou modalidades intemas pelas quais 0 homem, ao projetar seu mundo, decide sua liberdade ou sua servidao, para tcr lugar no mundo das formas exteriores. Neste sentido, a filosofia, por mcdo de ser classificada como "serva da teologia", se converte em "escrava solicita da sociologia" e como a sociologia no po de oferecer a dupla modalidade da teologia, 0 scja, apofatica e catafatica, assume 0 discurso dogmatico dc uma tcologia positiva que formula dogmas absolutos carentes de fundamento e sentido (pg. 240). A teologia negativa ou apofatica nao s6 elimina toda idolatria, como tambem, evita, ao negar todo atributo it divinidade, a identificacao de Deus com urn ente passivel de conhecimento racional e objetivo. A via negativa (zanzih) e a via escolhida tanto pelo isla xiita, como, por grande pensadores ocidentais como Dionisio Pseudo-Areopagita, Escoto Erigena, Mestre Eckhart,
e
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.239-245 Jan.lDez.2002
Nicolau de Cusa, Jacob Boehme e tanto outros. A concepcao de Deus como <Nada> permite a estes pensadores postular uma comprensao do mundo como teofania, como urn manifestar-se constante de Deus que, ao mesmo tempo que supera a paradoxal pergunta de como conciliar a transcendencia e inefabilidade do Absconditum com a rcalidade literal dos seus Nomes e atributos, toma possivel 0 nascimento eterno da pessoa. A teologia negativa, mas que negar, afirma, de maneira profunda e pessoal, a funcao propia do homem, a saber: ser espelho divino. Por ultimo, a brilhante investigacao de Henry Corbin nos leva a transgredir os limites culturais e religiosos estabelecidos entre Ocidente e Oriente ever de maneira profunda e imparcial como estas tres grandes religioes monoteistas (judaismo,cristianismo e islamismo) concebem Deus a partir de uma relacao fundamental mente existencial onde dogma se converte em dokema no sentido grego de aparecer, mostrar-se (dokeo) e a religiao mais que <poder> e beleza na qual Deus cria cada criatura unica e the concede uma individualidade que nao necessita submeter-se a lei das igrejas.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nOli.11-12
p.239-245 Jan.lDez.2002
Resenha VATTIMO, G. Dopo la cristianita: per un cristanesimo non religioso. Milano: Garzanti, 2002.
Cicero Cunha Bezerra*
Nao c novidade que a obra de Gianni Vattimo seja considerada hoje como urn marco de referencia no estudo de pensadares como Nietzsche, Heidegger, Gadamer entre outros. Sua rcflexao sobre 0 pensamento hermeneutico contemporaneo e seu posicionamento frente a tradicao filosofica sempre esteve presente nos programas academicos das universidades sejam elas europeias ou brasileiras. No entanto, pouco se fala de sua postura critica frente a sociedade c, em particular, frente aigreja e sua forte intervencao nos diversos niveis sociais (etico, moral ou politico). Autor de numerosos livros como: Le avventure della dijferenza (1980), Lafine della modern ita (1985) La societa trasparente (1989), Filosofia al presente (1990), Credere di credere (1996), Dialogo con Nietzsche (2001), Vattimo tern buscado como fil6sofo e parlamentar, refletir de modo trans parente seu desconforto com relacao ao conservadorismo c ao que de intitula de imperialismo eurocentrico. No seu recente livro: Dopo la Cristianita. Per un cristianesimo non religoso (Garzanti:2002), Vattimo analisa, de forma extremamente pontual, 0 papcl desempenhado pela religiao cat6lica ao longo da hist6ria como algo, paradoxalmente, decisivo para sua superacao. Dopo la Cristianita significa morte e, ao mesmo tempo, advento de uma nova forma de conceber a religiao, ou melhor dizendo, de vivenciar a experiencia religiosa sob uma nova perspectiva que consiste em assumir, de mane ira radical, a boa nova anunciada e revelada na figura libertadora do Cristo.
* Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe e doutorando em Filosofia pela Universidade de Salamanca - Espanha. Este trabalho foi realizado com 0 apoio do CNPq. Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.246-251
Jan.lDez.2002
Dividido em duas partes, Dapa la cristianitd se caracteriza como uma critica a estrutura eclesiastica e a secularizacao do "sacro" em forma de uma ideologia massificante que no seu desenvolver historico culminou na anunciada marte de Deus, mas, que por isso mesmo, e abertura, como veremos mais adiante, para o ressurgimento de uma vivencia religiosa compativel com 0 pluralismo da sociedade pos-moderna Na primeira parte do livro subtitulada de Licoes novayorkinas (fruto de urn cicIo de conferencias realizadas na Universidade de Nova York sobre a Religiao na pos-rnodernidade) Vattimo, parte do anuncio Nietzscheano segundo 0 qual Deus esta marta e analisa em que sentido este anuncia, mais que uma negacao do tipo: Deus ndo existe, significa a superacao de urn pensamento metafisico que tern sua origem na pretensa fundamentacao do mundo numa estrutura objetiva ou numa verdade do tipo matematica. A crenca tradicional, iniciada por Parmenides de Eleia, de que a realidade se funda sobre uma estrutura objetiva, culminou, inegavelmente, na racionalizaciio do trabalho e na triunfo da tecnologia. Segundo Vattimo, utilizando as palavras de Heidegger, somente na experiencia da liberdade existimos como projeto e esperanca, como ser finito que nao pode ser pensado em termos de uma mctafisica objetivista. A pos-modernidade, corretamente chamada de pas, e a epoca na qual nao se pode pensar a realidade como uma cstrutura fundamentada em urn unico principio, estavel e solido. Para ele, a revolta da Argelia contra a Franca, a guerra do petroleo nos anos 70, entre outras coisas, representam a ruptura nao so teorica mas pratica e politica, cam a eurocentrismo e a pensamenta de uma Europa cama (mica civilizacdo humana (p. 8). Numa sociedade plural como a que vivemos, nao ha espaco para urn pensamento que busque a todo custo, unificar-se em nome de uma verdade ultima. Em efeito, ejustamente numa sociedade plural que se toma possivel a experiencia religiosa. Somente uma sociedade livre de todo pensamento absolutista pode afirmar a crenca em urn Deus. De modo que a marte de Deus nao e uma profissao de ateismo ja que isso pressuporia, por parte de Nietzsche, assumir a estrutura da metafisica tradicional como
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.246-251 Jan.lDez.2002
verdadeira. A morte de Deus representa a morte do Deus足 fundamento da escolastica ou da metafisica racionalista modema. A velha expressao italiana "grazie a Dio sana ateo" expressa de forma clara a negacao e a superacao de urn pensamento judeo足 cristae que compreende a hist6ria como criacao e salvacao, A p6s-modernidade e portanto, a liberalizacao de uma metafisica objetivista e cientificista (p. 11). Contra a ideia escolastica de Deus, como Ser supremo, que pode ser demonstrado de forma racional, 0 Deus da p6s-modemidade, e somente 0 Deus do livro. Vattimo chama atencao para a funcao do genitivo (do livro) que quer dizer: autor da revelaciio biblica. 0 Deus que nos fala Vattimo e 0 Deus que nao existe enquanto realidade objetiva passivel de prova ou demonstracao fisico racional; e 0 Deus que o Novo Testamento anuncia como nao passivel de discurso (Fides ex auditu). A morte de Deus enquanto realidade objetiva, ja manifestada em Kant com 0 estabelecimento da distincao entre razao pratica e te6rica, e, como dissemos antes, a possibilidade concreta de restabelecimento da fe crista pois, ao morrer 0 Deus da metafisica tradicional, morre com ele a justificacao de todo ateismo. Se 0 pensamento modemo problematizava a cxistencia de Deus a partir da verificabilidade ou dos limites da Razao, isso nao ocorre na p6s-modemidade. Hoje, nos diz Vattimo, os fil6sofos, na maior parte, sao religiosos au anti-religiosos somente pOl' inercia, e niio por razoes teoricas (p. 21). Heidegger que mais que qualquer outro fil6sofo contemporaneo pensou 0 destino do ser, 0 compreendia como evento, acaecer. Somente no horizonte do acontecer e que podemos falar do ser, nao como estrutura objetiva estavel, mas como evento. Contra urn pensamento "forte" que tern suas raizes na metafisica tradicional, Vattimo propoe urn pensamento "debil". Debil no sentido de que 0 reconhecimento do ser enquanto evento implica compreende-lo a partir de urn rememorar da sua hist6ria, nao no sentido hegeliano, mas heideggeriano de salta no abismo da tradicdo. Neste salto, 0 fio condutor e urn rememorar que implica necessariamente urn debilitamento (indebolimento) do ser em seu revelar.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12
p.246-251
Jan.lDez.2002
Vattimo divide este debilitamento em do is planos: a) te6rico (passagem da crenca na objetividade da consciencia it consciencia do carater hermeneutico de toda verdade); b) plano individual ou social (passagem da autoconsciencia ao sujeito da psicanalise, do estado desp6tico ao constitucional, etc.). Ao indagar-se sobre 0 motivo que 0 leva a pensar a hist6ria do ser como debilitamento ; Vattimo responde afinnando que somos herdeiros de uma tradicao que se nutre de valores cristaos como: fratemidade, caridade, ncgacao da violencia, etc. (p. 27). Em ultima instancia a base de toda nossa tradicao repousa sobre a kenosis (vazio) paulina e que, por isso mesmo, pennite que 0 ser se revele sempre como evento. Por ultimo, a kenosis de Deus como hist6ria da salvacao epensada, nao como urn abandono da religiao mas como sua vocacao mais intima. Para justificar a estreita relacao entre 0 debilitamento do ser e a secularizacdo do sacro na tradicao ocidental (secularizacao como aspecto constitutivo da historia do ser) Vattimo recorre mais uma vez it nietzscheana sentenca da morte do Deus-Moral que segundo ele e fruto da pr6pia religiosidade. Com a dissolucao da metafisica nasce uma abertura it experiencia religiosa por parte do pensamento filos6fico, da cultura e da mentalidade coletiva da sociedade (p. 30). Em sua analise da secularizacao como momenta constitutivo da pr6pia historia do ser, Vattimo encontra em Joaquim de Fiore elementos suficientes para pensar a revelacao biblica nao simplesmente como a hist6ria daquele que a recebe mas, acima de tudo, como hist6ria do anuncio, pelo qual a recepcdo representa um momenta constitutivo, ndo so acidental (p. 30). A figura de Jesus como encarnacao de Deus e pensada como dissolucdo da transcendencia divina. De Joaquim Fiore, Vattimo se interessa principalmente pel a ideia da hist6ria da salvacao como algo em curso e a Escritura como interpretacdo. A compreensao joaquimita trinitaria da hist6ria dividida em tres idades: do Pai (lei), Filho (graca) Espirito (plena liberdade), dito de outro modo: a idade do temor, da fe e da caridade, e algo extremamente importante e revelador para compreensao da morte
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.246-251
Jan.lDez.2002
de Deus e, conseqiienternente, para que entendamos em que sentido e possivel um cristianismo sem religiao como propoe Vattimo. Joaquim Fiore representa para Vattimo, a descobcrta da historicidade constitutiva da revelacao que bern pode ser associada com eventualidade do ser professada pcla filosofia p6s-metafisica (p. 35).0 signo joaquimita da terceira !dade esta associado, para Vattimo, com epoca do anuncio do fim da metafisica. Sc existe algo concreto na atual concepcao tcol6gica crista, observa Vattimo, consiste no seu retorno radical ao Deus do velho testamento. Urn retorno marcado pcla ignorancia da encarnacao do logos em Cristo. o Deus que se concrctiza novamentc como 0 absolutamente transcendente nada mais e, que 0 retorno ao vclho Deus da mctafisica (p. 42). E importante resaltar que estc fato e pensado como concretizacao de uma hist6ria da salvacao, ou seja, a dissolucao do sacro ou a kenosis paulina. Diante disto, 0 anuncio joaquimita da idade plena do Espirito sc mantem como possibilidadc em curso de construcao dc uma realidade onde os homcns nao serao mais chamados de servos, nem filhos e sim amigos (p. 43). De modo que Vattimo vislumbra no cnsinamento de Joaquim de Fiore uma imagcm para uma religiosidade pos-modcrna. A idade do Espirito, que para Fiore, implicava uma completa reforma da Igreja a partir de uma nova interpretacao da Escritura baseada numa "espiritualizacao" da mensagem crista, e simbolo de superacao de urn pensamento "literal" do texto biblico que propicia distincoes e preconceitos hoje injustificaveis como por exemplo: a proibicao do saccrd6cio feminino (algo que dcvcria ser tornado como positivo por parte da Igreja), a associacao do amor com a rcproducao familiar c os frequentes argumcntos utilizados em discussoes de Bioctica para justificar 0 homem a partir de uma metafisica da "natureza". Estes posicionamentos por parte da Igreja sao, para Vattirno, expressoes claras de urn ensinamento que nao se cnquadra no mundo p6s足 moderno. 0 pluralismo cultural, politico e social caracteristico da p6s-modernidade bern que pode ser pensado como uma especie de "espiritualizacao" do sentido da rcalidade (p. 53).
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12 p.246-251
Jan.lDez.2002
251
Urn aspecto importante do pensamento de Vattimo com relacao a "boa nova" joaquimita, consiste na afirmacao de que 0 estado atual de civilizacao com a tecnologia mecanica e informatica, com a democracia politiea e 0 pluralismo social, oferece uma chance de realizacao do reino do espirito compreendido como poetizaciio do real (p. 58). Nesta perspectiva, a "vida eterna" significa urn "perfeito fluir" do significado e da forma espiritual, dito de outro modo, urn apelo cstctico no qual a realidade perde sua "rigidez" e nao se diferencia da fantasia (p. 57). o ressurgimento da r cl ig iao , bem como, do perigoso fundamentalismo, sao fatores importantes na contemporaneidade. Segundo Vattimo, estes fenomenos nao podem ser desconsiderados pela filosofia. A rcligiao nao pode ser pensada como urn retardo cultural, nem tao pouco como algo alienante a ser superado (p. 94). 0 fim da metafisiea, ao contrar io de impossibilitar 0 pensamento religioso, dissolveu qualquer razao que justifique 0 ateismo e mais, eriou a possibilidade de um dialogo eritico entre a religiao e a filosofia com 0 objetivo de evitar os constantes irraeionalismo presentes na atual sociedade. "A Cesar 0 que e de Cesar" ou cc meu reino niio e deste mundo", sao expressoes de Jesus que sao interpretadas por Vattimo como res gate do originario aspecto missionario do eristianismo e da possibilidade eonereta de garantia de um cspaco para uma experiencia religiosa diversa.Uma experieneia que se pauta numa vivencia espiritual e que tern em sua "debilidade" a garantia de nao culminar em um fundamentalismo religioso. Para eoncluir, Vattimo parte da ideia de que "ir ao mundo e pregar 0 Evangelho" nao impliea colonizar mas, 0 contrario, 0 eristianismo deve abandonar todo imperialismo eolonizador euroeentrieo que sempre marcou sua hist6ria assumindo a Verda de como caritas e 0 ser como even to (Ereignis). Somente assim, pode 0 eristianismo, em urn mundo belico e pluriculturalista, escapar do fanatismo c eontribuir efetivamente, mediante uma renovacao da vida religiosa, com a nova concepcao p6s-modema de ser (p. 142).
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.246-251
Jan.lDez.2002
Resenha COLLIN, McGinn, The Making ofa Philosopher: My Journey through Twentieth-Centurv Philosophy. New York: Harper Collins, 2002. 241 paginas.
Claudio F. Costa*
Uma maneira particularmente agradavel de sc aprender um poueo de filosofia elendo uma boa autobiografia intelectual, onde um filosofo expoe de maneira clara e fluida ideias junto as circunstancias de seu aprendizado ou desenvolvimento. A clara, vivida e humana autobiografia intelectual de Collin McGinn e um exemplo disso. Como diz no Prefacio, ele pretendia escrever uma introducao a filosofia contemporanca e acabou por concluir que a melhor mancira de faze-Io seria relatar 0 seu proprio percurso intelcctual. McGinn nasceu em 1950 em uma pcqucna cidadc no nordeste na Inglaterra, de uma familia de mineiros que nunea haviam eursado uma universidade. Na adolcscencia, fascinado por argumentos filosoficos como a prova ontologica da cxistencia de Deus e 0 argumento da ilusao, decidiu estudar, acabando por graduar-se em psicologia e, com um pouco de sortc, por doutorar足 se em filosofia da linguagem na Universidade de Oxford. Ele trabalhou como professor em Londres e Oxford, acabando por sc transferir para os Estados Unidos, que com razao considera ter desde a decada de 70 ultrapassado a Inglaterra como centro do pensamento filosofico, A maior parte de seu livro consiste na historia de suas influencias intelectuais, que cornccam com Sartre e Chomsky, passando por Russell, Quine, Kripke, Davidson, Putnam, Grice e Wittgenstein, para citar uns poucos, bern como de suas reacoes a essas influencias e de suas incursoes em diversos dominios da filosofia e em literatura.
* Professor do Departamento de Filosofia, UFRN. Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nO>. 11-12
p.252-256 Jan.lDez.2002
A ideia mais influente de McGinn foi a do fechamento cognitivo: os problemas filosoficos centrais sao tao dificeis que se encontram muito alem da capacidade cognitiva do ser humano. Estamos para esses problemas como Chipanzcs para a teoria da relatividade, razao pel a qual nunca seremos capazes de resolve足 los ... (ver p. 206 ss.). Nao concordo com isso, pois penso que McGinn se esqueee que quem e em principio ineapaz de resolver urn problema e geralmente ineapaz de formula-Ic para si mesmo. Chipanzes sao ineapazes de desenvolver a teoria da relatividade, mas tarnbem nao sao eapazes de se perguntar, como Einstein, 0 que lhes oeorreria se viajassem it veloeidade da luz. Por isso defender que somos todos e para todo 0 sempre ineapazes de resolver os problemas filosoficos recende a autocomplacencia. Embora concorde pouco com as ideias de McGinn, acho que elas sao imaginativas e estimulantes, e que ele tern a habilidade de conduzi-las - certas ou erradas - ate as ultimas conscqiiencias. No que se segue quero fazcr algumas breves observacocs criticas sobre algumas eoisas que ele diz. 1. McGinn eonta que lendo An imal Liberation de Peter Singer, que argumenta que eausamos mais mal do que bem aos animais ao nos alimentarmos deles, tomou-se por alguns anos vegetariano (p. 53). Creio que nao havia neeessidade dis so, pois nao pareee que estamos inflingindo nenhum mal a maioria dos animais ao mata-los de forma rapida e indolor. Fariamos isso se destruissemos algo como uma vida humana, enleada em um tear social, cuja mente eautoconseiente e vive em grande parte no futuro, em planos e intcncoes cuja possibilidadc de realizacao precisa ser assegurada. Mas a maioria dos animais vive somente em seu presente e futuro imediato, sendo inconscientes de si mesmos e das circunstancias que determinam as suas existencias e as dos demais. Logo, destruir a vida de urn animal para a alimentacao sem causar-lhe sofrimento produz mais bern do que mal, pois causa um bern para nos e praticamente nenhum mal para os animais.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12
p.252-256 Jan.lDez.2002
254
2. Outra dificuldade que tenho e com a defesa que McGinn faz da teoria da verdade como redundancia (pp. 92-3). Dizer que uma proposicao e verdadeira, pensa cle, c simplesmente fazer urn cnunciado sobre 0 mundo e nada mais: se digo que a sua crenca de que fumo causa cancer e verdadeira, estou apenas concordando com voce que fumo causa cancer. Contudo, isso deixa de ser convincentc logo que nos lembramos que proferir urn enunciado e dizcr algo com pretensao de verdade, ou seja, com a pretensao de que 0 contcudo corresponda aos fatos e que seja alem do mais coerente com nossas outras couviccocs e crcncas, Com isso retomamos ao problema da verdade como corrcspondcncia e como coercncia. A teoria da rcdundancia apenas eseonde 0 problema da verdade debaixo do tapctc do cnunciado. 3. McGinn faz uma generalizacao da teoria de Saul Kripke dos denominadores rigidos. Euma necessidadc de re que 0 nome 'Collin McGinn' se refira a certa pcssoa x. Mas se e assim, c tambern uma necessidadc de re que essa pessoa x seja filho de Joe e June, scnao nao seria x. E assim tambem com os avos ate 0 ultimo australopiteco e mais ... (pp. 98-99) Muito bern, mas a minha suspeita ea de quc com isso ja estamos desccndo por um argumento do tipo ladeira escorrcgadia (slippery-slope), capaz de "provar" que todo nosso conhecimento de objetos cmpiricos e ncccssario. Mas isso nao e uma rcducao ao absurdo da ja pouco convincente teoria de Kripke? Leibniz supos que Deus conhecesse tudo em tennos de necessidade. Uma tcoria que implica que nos mesmos tenhamos essa espccie de conhecimento pareee especulativamente tcmeraria. 4. McGinn ace ita a ideia de David Lewis, de que os mundos possiveis sao tao reais quanta os atuais (p. 100). Ora, e urn fato que em nossa infancia pensavamos que os mundos imaginaries, nos quais em parte viviamos, eram tambern reais. Aos poucos aprendemos uma regra epistemica basica que qualquer adulto domina, segundo a qual os mundos imaginaries ndo possuem realidade. Mas sendo assim, que sentido ha em aconselhar uma
Principios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12 p.252-256 Jan.lDez.2002
regressao a urn estagio infantil de entendimento do mundo que ha muito foi superado? Qual a vantagem de se rejeitar essa regra epistemica basica sem se ter encontrado fortes razoes para tal, a nao ser a de produzir urn certo frisson intelectual gratuito? 5. Ainda urn ponto sobre 0 qual quero manifestar discordancia
e com 0 extemalismo scmantico matizado que McGinn professa sob influencia de Kripke, Donellan, Kaplan e Putnam. 0 externalismo se opoc it posicao de filosofos como Frege e Wittgenstein, para os quais 0 significado de urn nome proprio c constituido de urn feixe de dcscricoes definidas; essas descricoes exprimem 0 sentido (i.e., os criterios de idcntificacao) e fixam a referencia. Assim, 0 significado do nome 'Aristotcles ' pode ser constituido por descricocs como "0 maior filosofo grego alem de Platao", "0 filosofo grego autor da Metafisica", etc. Suponha, escreve McGinn, que eu estipulo chamar de 'Herbert' it pessoa que roubou meu relogio (p. 132). Mas eu mesmo perdi meu relogio e Herbert nao existe. Nao parece que 0 nome 'Herbert' tenha sentido. Por que? Ora, porque ele nao tern rcfercncia. Portanto, a referencia faz parte do significado, e se pen so que Marilyn Monroe foi uma grande atriz, a propria Marilyn de came C osso faz parte de minha proposicao... Concordo com McGinn que 'Herbert' nao possui urn significado solido. Mas nao c pcla falta de uma referencia e sim pcla insuficiente vinculacao com uma pratica linguistics. "Iclemaco ' tem urn significado solido, mas nao preeisa para isso ter referencia. Basta 0 fato de estar bern vineulado ao conto homerico por meio de descricoes. Defendendo urn certo grau de extemalismo sernantico, McGinn faz uma apresentacao simplificada do famoso argumento introduzido por Hilary Putnam para demonstrar que "0 significado nao esta na cabcca" (p. 166 ss). Eu e meu Doppelganger na Terra Gernea, escreve McGinn, chamamos de agua ao mesmo liquido inodoro e transparente. 0 que ocorre em nossos cerebros e exatamente identico quando dizemos "Isso c agua". Mas a rcferencia cmuito diferente: 0 que cles Ia na Terra Gernea chamam
Princfpios
UFRN
Natal
v. 9
n"-'. 11-12
p. 252-256 Jan.lDez. 2002
de agua nao e H20, mas XYZ; nao mata a sede; nao ferve a 100 graus, etc. Assim, embora os est ados cerebrais ou psicologicos sejam os mesmos, referimo-nos a coisas diferentes; logo 0 que queremos dizer, 0 significado, etarnbem diferente, donde devemos concluir que 0 significado nao esta so na cabeca, mas e ao menos em parte determinado pelo contexto, uma conclusao que pode ser estendida tambem aos pensamentos ... Quero notar que assim apresentada essa experiencia em pensamento demonstra-se incoerente. Se eu e meu Doppelganger na Terra Gcmca, quando pensamos "Isso c agua" referimo-nos, significamos e mesmo pcnsamos coisas diferentes, entao parece claro que nossos estados cercbrais precisam ser tam bern diferentes (0 significado da palavra 'agua' pode ser definido, a sernelhanca do dos nomes proprios, tambem em termos descritivos como "urn liquido transparentc e inodoro", "urn liquido de constituicao quimica H20", etc.). Sugerir 0 contrario cassumir algo que precisa ser provado. (0 argumento original de Putnam e, porcm, bern mais sofisticado e dificil de ser refutado).
Principios
UFRN
Natal
v.9
nIlS, 11-12 p.252-256 Jan.lDez.2002
Resenha P. M. S. Hacker, Wittgenstein: Sobre a Natureza Humana. Traducao de Joao Virgilio Gallenari Cuter. Sao Paulo: Editora de UNESP, 2000. 64 paginas. Pablo Capistrano*
No ana de 2000, foi lancada uma traducao brasileira do livro Wittgenstein. On Human Nature, publicado por Phoenix (uma divisao de Orion Publishing Group Ltd) em 1997 de autoria do Fellow do St. John College, Oxford, P. M. S. Hacker. A traducao brasileira e assinada por Joao Virgilio Gallenari Cuter e foi publicada na colecao Grandes Filosofos da editora UNESP. Esta obra de Hacker, que ja publicou diversos volumes sobre Wittgenstein, como, por exemplo Wittgenstein 50 Place in Twentieth-Century Analitic Philosophy e um comentario em quatro volumes sobre as Investigacoes Filosoficas (ambos em co-autoria com G. P. Baker), aborda de maneira geral a questao da privacidade no pensamento do segundo Wittgenstein, estabelecendo cornparacoes bastante elucidativas com as ideias tradicionais sobre privacidade presentes na filosofia da consciencia de matriz cartesiana. Hacker advoga a ideia de que a psicologia filosofica de Wittgenstein subverteu, nao apenas a tradicao cartesiana, mas tarnbem as tradicoes empiristas e behavioristas. Ao inves de uma res cogitans, Wittgenstein enxergava 0 ser humano (urna especie de unidade psicofisica) como uma criatura viva inserida no fluxo do Lebenswelt. Em contraste com as concepcoes modemas acerca da consciencia e da privacidade (tanto cartesianas quanta empiristas) que enfocavam 0 mental como parte de uma experiencia subjetiva, intema e privada, Wittgenstein vai estampar
â&#x20AC;˘ Escritor, professor de filosofia e sociolcgia, especialista em Metafisica pela UFRN, mestrando em Filosofia pela UFRN. E-mail: pcapistrano@hotmail.com Princfpios
UFRN
Natal
v.9
no>. 11-12
p.257-265 Jan.fDez.2002
o mental no espaco do socialmente manifesto, na casca externa do comportamento humano. Tal constatacao, para Hacker, poderia indicar uma vinculacao entre 0 pensamento de Wittgenstein e dos behavioristas. No entanto, ao contrario destes, 0 filosofo austriaco nao entende 0 comportamento como urn mero movimento mecanico-corporal, mas como estando impregnado de signi足 ficacao, pensamento, paixao e vontade. Nao 6 que nao tenhamos vida mental (como po de parecer a urn behaviorista radical), mas que ela nao se situa, como cartesianos e empiristas pensavam. A fim de defender cssa ideia basica, Hacker comeca estabelecendo nortes para a compreensao do conceito de filosofia, que se cncontra no pensamento do Wittgenstein das Investigacoes Filos6ficas. Para Hacker, Wittgenstein nunca teria se caracterizado como urn pensador que tomasse partido nos debates filos6ficos pre-existentes (fato que parece, de certo modo, bastante questionavel), 0 que Wittgenstein supostamente faria seria estabelecer pontos de contato entre as correntes de pensamento em conflito a fim de coloca-Ios em xeque. No que tange a natureza do debate filos6fico em si, Wittgenstein teria posto em questao 0 pressuposto de que a filosofia seria uma disciplina cognitiva, no qual novos conhecimentos sao descobertos, como ilhas em meio ao oceano. Tal concepcao poderia vincular a filosofia a uma ideia equivocada de progresso na qual novas teorias seriam acres-centadas ao ccnario do debate filos6fico substituindo antigas ideias, Como Wittgenstein afirma no paragrafo 109 das Investigacoes Filosoficas, "A filosofia 6 uma luta do nosso entendimento contra 0 enfeiticamento de nos sa linguagem". Isso indica que a filosofia nao 6 uma cornpeticao olimpica pel a verdade e que questoes filos6ficas nao sao questoes em busca de uma resposta, mas sim de urn sentido. Sob esse aspecto a palavra "teoria" nao faria senti do em filosofia. Nao nenhuma teoria filos6fica posta que a nocao de teoria nao caberia a filosofia do mesmo modo, por exemplo, que caberia a ciencia. Os unicos tipos de explicacao em filosofia seriam as explicacoes por descricao. A descricao do uso dos termos numa linguagem corrente seria 0 cerne da atividade filos6fica. Seria justamente em meio a essa descricao
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12
p.257-265 Jan./Dez.2002
que as confusoes conceituais iriam ser desmontadas. 0 que Hacker parece querer fazer neste topico de seu livro e apontar para 0 tipo de analise que Wittgenstein faria acerca do problema da privacidade de modo a construir a sua "terapia filosofica". Sendo os problemas filosoficos especies de disturbios de linguagem, doencas do discurso e do intelecto, caberia ao filosofo desemaranhar a teia da linguagem, evidenciando esses disturbios, a fim de curar 0 intelecto de sua pseudo angustia conceitual. Neste sentido, 0 embate de Wittgenstein contra as ideias tradicionais acerca do funcionamento do mental nao estaria no campo de uma tentativa de propor uma nova teoria para substituir uma velha, mas de uma tentativa de evidenciar (e entao curar) os disturbios do discurso que fomeceriam a fil6sofos cartesianos, empiristas e behavioristas as ilusoes acerca do funcionamento do mental e da sua relacao com 0 comportamento empiricamente observavel. Com 0 intuito de mapear os passos da terapia linguistica de Wittgenstein e que Hacker vai discutir entao, no topico intitulado Mente, corpo e comportamento: 0 poder de uma ilusdo filosofica, as ilusoes da filosofia da consciencia. A ideia de que 0 ser humano tern uma substancia chamada "alma" que e distinta de uma outra substancia chamada "corpo", e que a essencia da alma e 0 pensamento, ao passo que a essencia do corpo e a extensao, de modo que a nossa experiencia de consciencia pode ser descrita como urn espetaculo teatral no qual vemos, pelos sentidos, 0 mundo passar por nos, estaria incrustada em nossa linguagem de modo a condicionar a nossa compreensao acerca dos fen6menos mentais. Tal corpo de conceitos, ou de ilusoes filosoficas, imprimiria a forte impressao de que nossa experiencia mental e de cunho eminentemente privado e que teriamos acesso privilegiado a nossas vivencias e nossas impressoes conscientes. De uma maneira ou de outra, Wittgenstein (segundo Hacker) vai apontar para a permanencia do dualismo tambem na hodiema filosofia da mente. A distincao alma/corpo, ou mente/corpo iria sobreviver como uma ilusao filosofica poderosa no dualismo cerebro/corpo ou mente/cerebro. A ideia de uma substancia
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
nO>.11-12
p.257-265 Jan.lDez.2002
imaterial teria sido substituida pela nocao de massa cinzenta, dando a impressao de que a mente estaria para 0 cerebro assim como urn programa de computador estaria para a maquina que the da suportc. Do mesmo modo, a ideia de uma posse privada da experiencia parece ainda uma ilusao filosofica dificil de scr desmontada. A nocao de que 0 mundo fisico seria publico e abcrto a todos por meio da percepcao e que 0 mundo mental seria privado, pessoal, subjetivo e accssivel apenas por meio da introspeccao, apontaria tambem para a ideia de uma cisao epistcmologica entre 0 interior e 0 exterior. Nao havcria, desta forma, uma conexao logica entre o comportamento e 0 ambito do mental, posta que havcria uma dissociacao que permitiria, por exemplo, que alguern apresente urn certo estado mental, acessivel apenas a ela me sma, sem necessariamente demonstra-lo em publico atraves do compor足 tamento empiricamente observavel. Hacker tenta, atraves da descricao desse quadro de conceitos acerca da experiencia da consciencia, que haveria uma imagem da natureza humana, calc ada tanto em ilusoes cartesianas, quanto num dualismo mentc/cerebro ou cerebro/corpo contra as quais 0 pensamento de Wittgenstein . . . . ina se msurgir. Com 0 objetivo de demonstrar os pharrnakons de Wittgenstein, Hacker vai se dedicar, no quarto topico de seu livro, a observar as ideias do filosofo austriaco acerca da posse privada da experiencia. De acordo com Hacker, Wittgenstein se aprofundaria em diversos momentos de sua segunda filosofia na questao da analise da experiencia da dor, e a cornpreensao das peculiaridades dessa exper iencia seria fundamental para 0 entendimento dos mecanismos de enfeiticamento que nossa linguagem nos oferece. o que significaria dizer que alguem tern uma dor? Caso urn sujeito A tenha os nervos da sua mao conectados a mao de outro sujeito B por meio de uma operacao e, quando a mao de B fosse picada por uma vespa A senti-se tambern a dor, poderiamos dizer que a dor e dos dois? Que e uma mesma dor? Que sao dores diferentes? o que caracterizaria a propriedade da dor enquanto uma experiencia privada? Essa parece ser uma questao fundamental a
Princlpios
UFRN
Natal
v.9
nos.11-12 p.257-265 Jan.lDez.2002
ser respondida. Se 0 requisito da identidade exclui logicamente a transferibilidade da posse, entao uma dor sentida por A de intensidade identic a num mesmo local do corpo nao e uma dor diferente da sentida por B no mesmo local e com a mesma intensidade. Onde entraria entao a nocao de posse? Uma dor nao seria diferente de outra pelo fato de pertencer a urn sujeito A ou a urn outro sujeito B. Afirmar que alguem tern uma dor nao indicaria nada acerca da natureza da dor mais apenas do possuidor da dor, que nao e, de modo algum, uma propricdade da dar. Ter uma dar nao implica possui-la do mesmo modo que alguem possui uma pedra no bolso ou uma jaqucta de couro. Da me sma forma, ter uma consciencia, ou ser urn Eu que pens a, nao quer dizer a mesma coisa de se ter uma bola de futebol ou urn espinho cravado no pe, Mas Hacker nao admite, com base nessas suposicoes que Wittgenstein estaria querendo negar a existencia do mental, de modo a criar uma identidade absoluta entre corpo e consciencia, Wittgcnstein nao seria tao pobre em categorias a ponto de nao pcrceber a pluralidade semantica do conceito de mente. Hacker vai tentar entao mostrar que os conceitos wittgens足 teinianos nao se prestam a uma negacao radical da vida mental. No quinto t6pico do seu livro, ele vai mostrar qual a posicao de Wittgenstein em relacao a ideia da experiencia mental como sendo posse de urn sujeito especifico. A ideia de que a mente eurn mundo interno ao qual apenas 0 possuidor teria a chave de acesso, parece estar na base das ilusoes conceituais da filosofia tradicional. A introspeccao, par exemplo, nao seria uma forma de percepcao interna, mas uma reflexao, urn discurso sobre nos mesmos que fazemos quando procuramos determinar a natureza daquilo que sentimos. Nao e como entrar num teatro e assistir uma peca que corre independente de nossos desejos e vontades, mas uma producao de discurso e entendimento acerca daquilo que sentimos. No caso da dor, por exemplo, nao existiria distincao entre ter uma dar e estar consciente dela. Nao ha como imaginar uma dor que nao se faca notar. A ter consciencia de uma dor nao e descobri-la, e expressa-la. Essa expressao e concomitante ao surgimento da
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.257-265 Jan.lDez.2002
dor de modo que nao hit como dissociar uma coisa da outra. Os processos da vida mental seguiriam entao esse mesmo principio. Aqui nao estariamos diante de uma super atrofia da vida consciente de modo a ser banido, por exemplo, a existencia de processos obscuros e ainda sem forma definitiva na vida mental. 0 que Wittgenstein questiona e 0 contra-senso l6gico oriundo de expressoes do tipo: "Eu sentia dores horriveis mas nao sabia disso"; " Ele estava morrendo de dar mas nao sabia"; "talvez eu esteja morrendo de dor mas nao sei se estou". 0 que pode haver nestes casos e a indeterrninacao da intensidade ou localizacao da dar nao para a sua ignorancia, Ocorre que, se for possivel excluir "A sentia dares, mas nao sabia disso", necessariamente seria possivel excluir "A sentia dares e sabia disso". Isso indica que a expressao "Eu sei que tenho dores" nao e uma expressao de conhecimento do tipo "Eu sei que ha gelo em Marte". S6 haveria sentido em falar de conhecimento quando fizer sentido falar em descobrir, ficar sabendo ou aprender algo que existe independente da atividade de descobrir, aprender ou ficar sabendo. Entretanto, saber que se tern dores e concomitante a ter a dor, por que nao hit como entender a dor como urn processo que esteja amargem do alcance do processo de "tomar consciencia de". 0 que Hacker parece estar tentando mostrar e que Wittgenstein pode estender a analogia do processo de sentir dor para outros fenomenos mentais de modo a desqualificar a introspeccao como urn processo de conhecimento e, como consequencia, por em xeque as concepcoes filos6ficas que admitem a posse privada da experiencia como urn dado evidente. No antepenultimo t6pico do livro, Hacker vai tentar mostrar que 0 tipo de questionamento acerca da posse privada da experiencia mental se estende tambem ao campo do conhecimento dos outros. A ideia de intemo versus extemo esta presente tambem na nossa tradicional concepcao acerca da existencia de outras mentes. E muito comum a ideia de que por tras daquilo que observamos como sendo meras externalidades corporais e comportamentais se encontraria urn universo privado, apenas
Principios
UFRN
Natal
v.9
nJ:lS.11-12
p.257-265 Jan.lDez.2002
accessivel a nos apenas de modo indireto. A ficcao gramatical do intemo esconde urn dado constrangedor para os empiristas e os cartesianos, a nocao de que 0 intemo e muito mais dessemelhante do extemo do que supoe nossa va filosofia. Nao faz sentido descolar 0 comportamento extemo da vivencia extema como se houvesse urn vinculo de oposicao entre intemo e extemo. Se alguem geme com uma dor, descreve urn sentimento ou conta aquilo que pensa se nao podemos dizer: "isto e apenas seu comportamcnto ou sua linguagem, seus pensamentos e sentimentos cle guarda para si mesmo enos nao podemos acessa-los de modo direto". Se alguem revcla 0 que esta sentido, venda ou pensando atraves do comportamento ou da linguagem, nos podemos tambern vcr aquilo que 0 sujeito esta venda scm necessariamente olhannos para dentro, como se estivessemos enfiando a cabeca dentro de urn P0l(O. Apenas a insinceridade do sujeito no momenta da expressao de sua dor, sentimento ou pensamento nos coloraria numa posicao incomoda em relacao aquilo que se passa com ele. Mas a insinceridade nao esconde algo. Ela cria a ilusao de que algo existe. Algo que na verdade nao esta lao Isso e bastante . diferente de nos enganarmos em relacao a natureza de urn sentimento ou urn pensamento. Podemos ser enganados que 0 pcnsamento ou sentimento seja, nao acerca do que ele e. Se eu vcjo que alguem se contorce ou geme de dor apos urn acidente de carro eu estou tento acesso direto a dor do outro, nao se trata de uma inferencia, como no caso de alguem carregar no bolso urn pacote cheio de analgesicos, Sc alguern simula a dor que nao existe nao provoca em mim urn erro acerca do que se passa com ele, mas me induz a acreditar que algo se passa quando na verdade nada se pas sa. Para Wittgenstein aquilo que econsiderado intemo se impregna no extemo, de modo a ser equivocado acreditar que nos inferimos 0 intemo a partir do extemo. 0 que ocorre e, na verdade, urn revelar-se, urn mostra-se. Nao haveria como estabelecer uma distincao radical entre a expressao do mental do mental em si, como se vissemos 0 interior atraves do espelho embacado do comportamento, sempre tendo a sensacao paranoica de que algo nao se mostra, a nao ser de modo indireto.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.257-265 Jan./Dez.2002
Para Hacker, 0 que Wittgenstein estaria tentando elucidar nao e que 0 que existe e apenas comportamento, mas que e 0 comportamento que fornece os cri teri os Io gico s para a compreensao do mental. A partir dai, como Wittgenstein deixa claro no paragrafo 282 das Investigacoes Filosoficas, poderia-se firmar as bases para uma critica a possibilidade de maquinas apresentarem vida mental. A vida mental seria, de acordo com a interpretacao de Hacker para 0 pensamento de Wittgenstein, produto de uma forma de vida especifica, uma forma humana de vida, de onde os jogos de linguagem que utilizamos para dar forma a nossas experiencias surgiriam. Nossa maneira de falar c de dar forma as experiencias que temos estaria assim intimamente ligada como BOSSO modo de vida. Nao seria nem a mente, nem 0 cercbro que ve, sente ou pensa mas 0 ser humano vivo. Deste modo seria urn contra senso atribuir ao cerebro ou a mente a propriedade de sentir dor de dente, posto que nao parece ser logicamente viavel que 0 cerebro ou a mente expressem comportamentalmente uma dor de dente. Hacker analisa entao, no ultimo t6pico de seu livro, a possibilidade de se estender as ideias de Wittgenstein no sentido de construir-se uma critica a Inteligencia Artificial Forte (que relaciona os processos da vida mental, a uma relacao identica a de urn computador com seu programa). Sobre esse aspecto a IA forte estaria reproduzindo as ilusoes dualistas que tanto obscurecem a cornpreensao de nossa vida mental. 0 que ocorre e que os neurofisiologistas contemporaneos tern a tendencia a atribuir ao cerebro as mesmas funcoes que a tradicao cartesiana atribuia de modo equivocado a res cogitans. o livro de Hacker parece ser importante por dois pontos, estabelecer uma critica acorrentes da moderna filosofia da mente com base na dissolucao das ilusoes conceituais acerca do interno e do externo, trabalhadas por Wittgenstein e presentes, de modo insidioso nas teorias neurofisiol6gicas acerca da vida mental e montar urn vinculo estreito entre a critica wittgensteiniana a dualidade interno e externo e as tradicoes cartesianas empiristas. Seguindo a tradicao exegetica de Anthony Kenny, que em 1966
Principios
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12 p.257-265 Jan.lDez.2002
publicou urn artigo intitulado "Cartesian Privacy", que aponta para a possibilidade de se usar as ferramentas conceituais de Wittgenstein para inviabilizar a filosofia cartesiana do cogito, Hacker acaba tarnbem por contribuir para a reavaliacao acerca da natureza do trabalho filos6fico de Wittgenstein, inserindo dentro da tradicao filosofica, se nao como uma continuacao, ao mcnos como urn contraponto aos conceitos cristalizados, oriundos da mais fina flor da tradicao metafisica ocidental.
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.257-265 Jan./Dez.2002
Resenha Rudiger Safranski, Nietzsche: biografia de uma tragedia. Traducao de Lya Luft. Sao Paulo: Geracao Editorial, 2001. 263 paginas.
Sandra S. F. Erickson*
Ao contrario das biografias sobrc Nietzsche rescnhadas para 0 ultimo numero dessa revista I, essa biografia de Rudiger (que alias e nao por acaso tambern escreveu uma biografia de Heidegger publicada pela mesma cditora) e urn texto bastantc interessante e bern cscrito no que se refere it aprescntacao e organizacao do material, tanto "objetivo" (os dados da vida do controvcrtido biografado), quanto "subjetivo" (a aprcciacao do autor c suas rcspostas aos dados reportados). o texto enquanto construto grarnatical, deixa a descjar em muitas passagens por causa de muitos crros que contern (56,60, 61,63,89 ... 122, 123, 124, 125, enfim sao muitas para citar-se todas), inclusive de concordancia e grafia ("0 artistas", 86; "ser referir", 122; "metaforo", 299; "Nnatureza", 103 "aspetos", 255). As notas explicativas no rodape tanto do autor, quanta do tradutor sao bastante uteis, pois contextualizam termos alemaes dificeis de traduzir para 0 portugues, como eo caso de Ungeheuer, que, conforme a nota I (13) explica, pode SCI' traduzido por "rnonstro", mas tarnbern por extraordinario, incomum, ingentc, e ainda inaudito, que c a acepcao acolhida pelo tradutor. Ja para 0 tcrmo
* B.A., em Filosofia, Western Carolina University, Doutorado em Letras, UFPB; Professor do Departamento de Letras, UFRN. E-mail: sferickson@ufrnet.br I
Chamberlain, Lesley. Nietzsche em Turim: ofim do futuro (trad. Pedro Jorgensen Jr.; Rio de Janeiro: Difel, 2000; 283 paginas); e Quando Nietzsche chorou: romance da obsessdo (trad. Ivo Korytowski; Rio de Janeiro: Ediouro, 1995). Alias, vale a pena comentar que a presente biografia menciona Nietzsche chorando varias vezes (ver, por exemplo, 218). Principios
UFRN
Natal
v.9
nl><. 11-12 p.266-271
Jan.lDez.2002
unheimliche, 0 tradutor prefere "sinistro", em vez do "estranha足 mente familiar" de Freud ou Heidegger, mesmo quando ele e utilizado em contraste com heimliche, traduzido por "familiar" (69 e 151, n. 14). Para 0 controvertido Ubermensch, foi adotada a acepcao "alem-do-homem" de Rubens Rodrigues Torres do volume Nietzsche para Os pensadores, conforme explicada na nota 9 (97) e tambern seguida por Scarlet Marton em sua traducao de Nietzsche e suas vozes por Ronald Hayman, mencionada mais abaixo. Comecando a tratar 0 biografado como urn heroi epico modemo (22), urn "Hamlet encarnado", 0 autor oferece a ideia plausivel de que 0 proprio Nietzsche tratou de sua propria vida como urn Bildungsroman, urn "romance de formacao", e seus escritos cram motivados, em parte pela necessidade de responder a proposicao "como me tomei 0 que sou" (20) porque, segundo 0 biografo, ele sempre sc considerou importante e nunca duvidou de que sua vida valeria a pena ser vivida. Existe uma certa tentacao de tratar Nietzsche como uma especie de santo, "alguem que carrega nos ombros, como representantes de Atlas, os problemas do mundo" (22). Essa tendencia de idealizar Nietzsche pareee comum entre seus biografos (por exemplo, em Nietzsche em Turim se chama muito a atencao para seu sofrimento fisico, enquanto 0 ficcional Quando Nietzsche Chorou para 0 sofrimento metafisico). Felizmente, 0 autor abandona logo esse tratamento pouco adequado a Nietzsche, passando a trata-lo, se bern com reverencia, apenas como humano, apenas, humano. A epistografia, parte importante dos escritos de Nietzsche, e utilizada sempre estrategicamente e com born gosto. As selecoes sao sempre apropriadas aos contextos nos quais sao utilizadas. Pouca enfase e dada ao sofrimento de Nietzsche com suas horriveis dores de cabeca. Talvez porque 0 autor nao que ira incitar no leitor sentimentos de pena que 0 proprio biografado nao toleraria, mas independente disso, as constantes e intensas dores de cabeca que Nietzsche sofreu e urn fato importante de sua vida - supera-las fez dele uma pessoa admiravel.
Principios
UFRN
Natal
v.9
nO:;.11-12
p.266-271
Jan./Dez.2002
Urn dos pontos interessantes do texto - e que por si so ja justificam a leitura des sa biografia - e a organizacao do pensamento do jovem Nietzsche que 0 autor faz. Comecando com os escritos do Nietzsche crianca e do adolescentc, 0 autor tenta e consegue mostrar como tudo 0 que Nietzsche cscrcvcu corresponde a urn processo continuo e mesmo sistematico que culmina nos escritos do Nietzsche "maduro" - se eque existe tal coisa. A propria insanidade de Nietzsche parece fazer parte de urn plano. 0 famoso episodic rcportado pela senhoria da pousada onde ele sc hospcdava em Turim, de que 0 tinha visto dancando nu pclo quarto (283), gcralmente apontado como indicio da falta de sanidadc de Nietzsche aparece na biografia como sc fosse urn teatro que Nietzsche encenasse para si mesmo. Porem essa ideia de que a loucura possa ser parte dc urn plano teatral atraves do qual Nietzsche se retirou da vida intelectual ativa, nao seja defensivel, embora possamos entender a descsperada tentativa do biografo de "salvar" ou poupar seu ilustre biografado de um fim tao pouco digno. Sim, porquc 0 problema da loucura de Nietzsche nao e a loucura em si, mas a forma abjeta que ela tomou. Ele podcria ter sido urn grande louco, dancando nu nas luas chcias ao som da musica das esferas, celebrando assim seu Dioniso ate 0 fim de seus dias. Mas nao foi isso que aconteceu. Embora 0 autor pareca nao entender 0 conceito de musica que Nietzsche absorve de Schopenhaucr, isto e, como conceito matematico, abstracao, e nao 0 meramentc audivel, que "existe ate na confusao das linguas em babel" (89), c, portanto, completamente diferente daquilo que e escutado e "apreendido" por alguem "sentado no metro com urn walkman no ouvido" (90), o papel da musica na vida de Nietzsche aparece com dignidade c propriedade, e nao com a mesquinhez do Nietzsche em Turim; da mesma forma, 0 problema da sanidade mental de Nietzsche e enfrentado com dignidade, coragem, embora talvez idea listicamente, conforme se apontou acima, pois aparece meio que de repente (Capitulo 14), numa narrativa que construiu para 0 leitor urn Nietzsche vigoroso, ativo, pleno de poderes fisicos, intelectuais e, por que nao, espirituais? Nesse ponto da narrativa,
Principios
UFRN
Natal
v. 9
nQS â&#x20AC;˘ 11-12 p. 266-271 Jan.lDez. 2002
e com uma tristeza tragica, com urn sentido de hamartia, que 0 leitor se apercebe do que aconteceu com 0 heroico protagonista. o crepusculo do grande pcnsador... Dcpois, alguns comentarios ainda sao acrescentados sobre 0 Nietzsche ensandecido, como que para se confirmar realmente que foi verdade, que aconteceu de fato. Esse outro lado da vida do filosofo tambem aparece pouco em outras biografias. Outro momenta corajoso do texto e a discussao das ideias politicas de Nietzsche, inclusive apoiadas por citacoes do proprio Nietzsche, sobre a questao dificil das proposicoes "biopoliticas" de Nietzsche (285), bern como de suas posicoes (e disposicoes) antidcmocraticas, que muitas biografias abafam, inclusive 0 fato de que ele era a favor, entre outras igualmente dificeis posicocs politicas, do trabalho infantil (135). 0 autor reafirma a incompatibilidadc do pensamento de Nietzsche com 0 nazismo, mas explica como esse pensamento pode desembocar numa justificativa para a guerra coerentemente apropriavel pelo nazismo (300), recuperando depois 0 nietzschismo para seu papel mais historicamente apropriado ao definir sua influencia em termos de uma confrontacao entre a "comunidade dionisiaca contra a sociedade mecanica; herois contra comerciantes, consciencia tragica contra pensamcnto utilitarista" (300-301) da Europa pes-guerra. Alguns pontos fracos podem ser encontrados na relativa pouca importancia dada ao relacionamento de Nietzsche com Lou Salome, embora, contraditoriamente, 0 autor atribua a inspiracao final para Zaratustra, que ele chega a chamar de "filho" dessa relacao de Nietzsche, a essa passagem intensa de sua vida. Outro ponto pouco mencionado nas biografias de Nietzsche e seu alegado homoeroticismo, 0 qual 0 presente autor promete discutir no Capitulo 12, mas que, como a discussao sobre Lou Salome, acabou apenas em passant, gerando mais duvidas do que esclarecimentos. Entre as influencias de outros pensadores sobre Nietzsche, sente-se a falta de Hegel. Uma analise mais sensivel, pertinente e ate, necessaria do poeta grego Hesiodo, a quem Nietzsche estudou
Princfpios
UFRN
Natal
v.9
n"-'.11-12
p.266-271
Jan.lDez.2002
e que 0 autor discute em mais de uma ocasiao seria salutar, ate porque, se, como 0 autor sugere a compaixao era 0 pecado de Nietzsche, essa, como dizer, fraqueza, nao se deriva neces足 sariamente de urn cristianismo mal resolvido em Nietzsche, mas era uma virtude cuja perda Hesiodo muitissimo lamenta em Dias e Trabalhos. Embora seu tratamento das ideias cvolucionistas de Charles Darwin, na verdadc responsaveis pela "rnortc de Deus", apenas proclamada, mas nao promulgada por Nietzsche deixe urn pouco a desejar, 0 autor oferece uma interessante discussao da difcrenca entre a doutrina da cvolucao de Darwin a qual interpreta a existencia em termos de luta pela sobrevivencia, e a doutrina de Nietzsche da "luta pela dominacao" (243). Outra "fraqueza" do texto e a sobrevaloracao estetica de Zaratustra, que na verdade.ja que filosofia nao C, porque em estilo, conteudo e forma nao lhes corresponde, tambem como poesia, deixa muito a desejar em estilo, conteudo e forma. E verdade que o texto de Zaratustra tern seus momentos dc grandeza poetica, como tambcm filos6fica, mas nem uma nem outra qualidade se mantern por todo 0 texto. Zaratustra, se bern ele venceu, como nem Belerofonte 0 fez, 0 interdito da montanha proibida aos excluidos da graca divina, nao passa de urn pobre profeta menor, sem a forca de urn Daniel quando entrou - c saiu - da cova dos leocs, ou sem a dignidade de urn Joao Batista arredio vivendo de gafanhotos e de favos de mel silvestre, pagando com sua cabcca 0 preco de sua liberdade espiritual e 0 direito de bern falar sobre verdades temporais. Essa sobrevaloracao do Zaratustra tarnbem aparece em Nietzsche e suas vozes por Ronald Hayman (trad. Scarlet Marton; Sao Paulo: UNESP, 1999), que promete uma analise das vozes que no texto 0 autor diferencia da do Nietzsche autor, mas nao cumpre, ficando 0 leitor a imaginar, enfim, 0 que de novidade e ali oferecido, ja que 0 Hayman inclusive nao se envergonha de utilizar dados biograficos, quando convenientes, para justificar "vozes" que ele nao consegue derivar dentro do corpo narrativo, talvez por falta de treino na critica literaria. U rna leitura de Zaratustra como par6dia biblica talvez seria mais apropriado.
Principles
UFRN
Natal
v.9
nOli. 11-12
p.266-271
Jan.lDez.2002
Ressalvados esses negativos, 0 livro tern seus momentos bons, ate iluminadores, mesmo para os leitores ja familiarizados tanto com 0 pensamento como com as biografias de Nietzsche. Talvez ate especialmente para esses, pois, podendo separar 0 joio do trigo, o leitor cultivado encontrara bastante desse ultimo. Menciona-se entre esses momentos, a discussao de Wagner e sua influencia na vida do biografado; a analise de 0 nascimento da tragedia, no Capitulo 4, onde se res salva 0 que nunca e demais repetir, a saber, a importancia desse estudo para a estetica; e a discus sao no ultimo capitulo da influencia de Nietzsche em autores como Karl Jaspers, Heidegger, Thomas Mann, Bergson, Adorno, Horkheimer, e Foucault, bern como a discus sao da apropriacao do pensamento de Nietzsche pelo nazismo hitleriano, ja mencionada acima. Esse livro consegue mostrar Nietzsche como 0 pensador original e fascinante que ele foi. Sem ser na linha de entre足 tenimento, 0 que a gente ja sabe nos aparcce de modo agradavel, refrcscante, bern vindo. E se a gcnte nao 0 sabe, aprende-se com a mesma disposicao, pois sem ser urn cstudo "profissional", e filos6fico 0 bastante para atrair, sem trair, 0 interesse de estudiosos e leigos desse pensador. Eurn livro belo, que tern apenas urn erro tragico: nao consegue separar a vida do biografado de seus textos tanto quanta 0 biografado merece. No mais, nota-se 0 cuidado e desvelo, 0 carinho mesmo com 0 qual foi concebido e escrito. Seria tambem elegante, se nao fosse pelos muitos erros gramaticais de urn texto que merece ser melhor editado.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"'.11-12
p.266-271
Jan./Dez.2002
272
Resenha Rodrigo Duarte, Adorno/Horkheimer & A dialetica do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. Colecao Filosofia Passa-a-passo 4. 70 paginas. Ivanaldo Oliveira dos Santos*
Rodrigo Duarte e professor do departamento de filosofia da Universidadc Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele encontra-sc, constantemente, preocupado com dois fatores. De urn lado, com os diversos problemas enfrentados pclo ser humano no mundo conternporaneo (a alienacao, os meios de cornunicacao, a racionalidade instrumental, a estetica, etc) e com as consequcncias filosoficas desses problemas. Do outro, preocupa-se em escrever sobre estes problemas para 0 publico composto, basicamente, por estudantes de graduacao - ai incluidos os graduandos em filosofia - e 0 grande publico que ja frequentou, ou nunca frequentou, os bancos universitarios, mas que possui interesse nestas discussoes, Este ana ele lancou pela editora Jorge Zahar, dentro da colecao Filosofia Passa-a-passo, urn livro intitulado Adorno/Horkheimer & A dialetica do esclarecimento . Trata-se de urn livro para graduandos e amantes da filosofia. E urn livro que comenta, com uma linguagem acessivel ao leitor leigo nos termos tecnicos da filosofia, "uma das obras classicas da filosofia conternporanea" (p. 7), ou seja, a Dialetica do esclarecimento de Theodor Adorno e Max Horkheimer. Rodrigo Duarte trabalha com dois argumentos. 0 primciro C que a Dialetica do esclarecimento soma ainda uma enorme atualidade dos temas por ela abordados, 0 que a torna uma obra verdadeiramente impar, nao apenas no cenario da filosofia
* Mestre em Ciencia Politica; professor do departamento de filosofia da VERN. E-mail: ivanaldosantos@zipmail.com.br. Principios
UFRN
Natal
v.9
n"".11-12
p.272-273 Jan./Dez.2002
conternporanea, mas tambem em todo 0 pensamento ocidental. Ela trata de temas de enorrne atualidade, como a devastacao da natureza pelo homem, a opressao das mulheres, 0 racismo e a transformacao das pessoas em ferramentas do consumo realizada pelos meios de cornunicacao de massa. A ideia nuclear da Dialetica do esclarecimento e a de que 0 processo civilizatorio, no qual 0 homem aprendeu progres足 sivamente a controlar a natureza em seu beneficio, acaba revertendo-se no seu contrario - na mais brutal barbaric -, em virtude da unilateralidade com que foi conduzido des de a idade da pedra ate nossos dias. Este livro e, nas palavras de Rodrigo Duarte, "urn exemplo impar de conciliacao entre 0 rigor filosofico e a atualidade tematica" (p. 9). o segundo argumento e que nao ha nenhum episodio marcante da vida moderna que nao seja uma excmplificacao das tcses principais da Dialetica do esclarecimento , das duas guerras mundiais (com suas conseqiiencias, como os regimes totalitarios) aguerra fria, da queda do muro de Berlim aos atentados terroristas nos Estados Unidos, em setembro de 2001. Essa e uma das razocs pelas quais, apos mais de cinquenta anos de sua publicacao 足 publicado originalmente em 1947 -, e para alern da sua pro fundi dade puramente filosofica, a Dialetica do esclarecimento pode ser considera urn poderoso instrumento para a compreensao de importantes fenomenos da atualidade, por mais desconcertantes que eles possam parecer aprimeira vista. o livro do professor Rodrigo Duarte traz ainda uma sintesc das ideias principais da Dialetica do esclarecimento, uma otima selecao de textos dos autores da obra e uma lista de leituras complementares sobre a Dialetica, incluindo livros do proprio Rodrigo Duarte e os principais comentadores do texto cscrito por Adorno e Horkheimer. E, sem divida, uma boa leitura para os estudantes de graduacao, e os amantes da filosofia, que desejam conhecer 0 pensamento e as preocupacoes da filosofia no Seculo XX, assim como 0 seu percurso historico e dialetico.
Principios
UFRN
Natal
v.9
n"". 11-12 p.272-273 JanJDez.2002
Normas para redacao e apresentacao de trabalhos • Os trabalhos deverao ser ineditos, em area filosofica, apre sentando resultados de natureza critica ou inforrnati va. • Serao bem-vindas resenhas de textos filosoficos e tradu coes, • Os artigos poderao ser escritos em portugues, espanhol, ingles, frances, alemao ou italiano. • Os originais deverao ser apresentados em disquete, digitados no editor de textos Wordfor Windows 98 e acom panhados de duas capias impressas sem 0 nome do autor. • Os artigos deverao vir precedidos de resumo de nao mais de 250 palavras, em portugues e em ingles ou, eventual mente, em portugues e frances. • As notas deverao aparecer no rodape da pagina e as refe rencias bibliograficas no final do artigo.
()utrasinforma-;oes Nao serao devolvidos os originais, a nao ser tendo em vista a sua possfvel reapresentacao, com as devidas modificacoes propostas pelos consultores cientificos. As colaboracoes deverao ser enviadas para 0 mesmo endereco publicado no verso da folha de rosto da revista. A Comissao Editorial nao se responsabilizara pelas correcoes gramatica! e ortografica dos artigos. Solicita-se permuta We askfor exchange