Princípios, Volume 02, Número 02, 2005

Page 1

,

PRINCIPIOS

REVISTA DE FILOSOFIA

DEPARTAMENTO DE FILO OFIA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO ORTE

A 0 II, Vol. II N!! 1

JUNHO DE 1995


UNlVERSmADE JiEDERALDO lUO GRANDEDO NOKn: CEN11l0Dl:CIiNcIAsIlUMANAS,LEDlASEAIUES DUAKfAMENfO DEFlLOSOFIA

PRINCiPIOS Revista de Filosofia

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PRINdPIOS

Revistade Filosofia do Departamento de Filosofia da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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CONSDJlOmJrORIAL Antonio Basilio NovaesThomaz de Menezes ",'" Juan Adolfo Bonaa:ini (- Lia Alcoforadode Melo \ Markus Figueirada Silva

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Publ~ SemestJa1 A revista esti aberta a contribui~s a serem avaliadas pelo c:onselho edi~ rial. devendo set' enviadas ern disquetes nos programas Wordfor Windows 6.0 ou PagerMaker 5.0. de ac:ordo comas normas da AB~T. E~: Departamento de Filasofiada UPRN. CCHLA, Campus UniversitBrio - LagoaNova, CIP: 59072-910. Natal-RN.

Prerio do exemplar: 5 reais Aceita-se permuta

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3

SUMARIO

Aspectos da Logica Relevante numa prova por ao Absurdo. Angela Maria Paiva Cruz

Redu~io

05

A Lingi.istiza~io do Sagrado e a Etic:a do Oiscurso em Haberm.as. Antonio Basilio Novaes Thomaz de Menezes.............. J 2

A Conjedura Filosofic:a. Claudio Ferreira Costa

.

Jurgeu Habermas: Oa PragmAtic a Universal dade Transcendental.

Jaime Biella __ _..'

. ... 20

a Ambigiii足

46

o Futebol e 0 Campo do PsiquislDO.

Jose Ramos Coelho

56

Breve Ensaio em torDO a Linguagem Juan Adolfo Bonaccini..................................................... 60

Justific:~io da Indu~io. Lia Maria Alcoforado de Melo

As Dividu cia Cienc:ia. Manoel Barbosa de Lucena

__

_

76

_

84

Direitos aumanos e a Moral do Respeito Universal. Maria Clara Dias

92


T

4 Nietzsche e a Literatura. Maria Helena Lisboa do Cunha

J08

A Prova por Redu~o ao Absurdo na L6&ica OAssica. Ma,.ia do Paz Nunes de Medeiros.... 120 Repensando 0 Conc:eito P1atonico de DianoUl.

Mario Antonio de Lacerda Guerreiro.....................

. ..... J 26

Ensaio acerea da Imagem Poetica: Baehelard e Joio do Rio. Markus Figueira do Silva · ; 135 A Questio da Seculariza~o. Oscar Federico Bauchwitz

J44

SeT, Nada e J.iT-o-So.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel......

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Principios- Depr'. Filosofia UFRN, RN, Junho de 1995

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DEPAilTAMENTO DE I'ILOSOflA DA UFRN

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RESUMO Neste trabalho analisam-seas f6rmuJas geradoras de parado­ xos presentes na Prova por Redu~ ao Absurdo. A defini~o classicado condicional (4) nio traduz satisfatoriamentea n~ deimplica~. Talfato dB origem 80S paradoxos daimpli~ ma­ terial, cujasconseqOencias podem ser analisadasem todos os con­ textos que dele se utilizam. Em particular, a prova por redu~o ao absurdo utiliza-se de algumas fOrmulas geradoras de paradoxos. Coloca-se a Logica Relevante (que teve origem nos trabalhos de ACKERMANN (1956» como uma forma de su~o de tais paradoxes,uma vez que esta10gica constitui-senuma teoria da im­ p~ e como tal procura estabelecer as condi~ necess8riase suficientes para se afirmar que "um enunciado Aimplicamn enunci­ ado B". Por tim,considerando-se que os matem8ticos, sempre que necessario, usam 0 referidotipo de prova, aponta-se a necessidade da constru~ de uma matematica relevante. 1. A DEFINU;AO CLAsSICA DO CONDICIONAL E OS PARAOOXOS DA IMPLICA~AO MATERIAL

Todaestrutura das provas matemilticas se fundamenta na LO­ gica Classicae dentre os conectivos desta logica (ou seja, dentre a • Membro cia brae de pesquisa em LOcica e Epistemologia.

Especialista em LOgica.

I Comunica91o~1Ida na VI Semma de Matcmatica da UFRN, realizeda em setem­ bro de 1994.


6

nega~o, a conjun~o. a disjml~o, 0 condicional e 0 b~dicional)

o condicional ( -+) e0 mais ~ortante. Este conectivo eexpresso . vezes como ''implica " . - .., "lido por ....M; ••• entao ,e muttas Define-se 0 condicional da seguinte forma: SejamA e B enunciados siq>les. 0 condicional de A e B e urn enunciado falso quando 0 valor logico de A everdadeiro e 0 valor logico de B efaJso e eum enunciado verdadeiro nos demais casos. Representa-se 0 condicional de A e B por A -+ B, onde A eo antecedentee B e-o consequente (MENDELSON, 1987: 11).

Esta defini~io diz que: 1. sempre que 0 consequente cverdadeho, 0 condicional e verdadeiro independente do valor logico do antecedente; 2. sempre que 0 antecedente e falso, 0 condicional everda­ deiro, independente do valor logico do consequeate.

e

Se 0 condicional interpretado como implica~io (ou iqlo­ si~o) a defini~o acima tem as seguintes conseqiiencias: a) 0 verdadeiro impliea 0 verdadeiro b) 0 verdadeiro nao implica 0 faIso c) 0 falso implica 0 verdadeiro d) 0 faIso implica 0 falso. Em forma de tabela de verdade isto signifiea:

V

-+ V

V F F

F V V

A

B

V f"

V F

Prova-se atraves de tabelas de verdade que as fomw.las:

I) A -+ (B -+ A)


7

2) (A ~ B) ~ (-A vB) 3) (AA-A)~B sao v8lidas, isto e, sao verdadeiras para too atribui~o de valores de verdade e pode-se interpreta-Ias como segue:

I ') A serverdadeiro implica que qualquer enunciado B im­ plica A 2') A implicaB se, e sornente se, A e:fidso ou B everdadei­ 1'0

3') Uma contradi\:io (A

A

-A ) implica qualquer enlDlciado

B.

EstaioteIp~o llio traduz a no\lio intuitiva de ~licaliio. Tal situa9io caracteriza 0 que os lOgicos Cbamam de "paradoxosda implica~o material" (COPt., 1978:255). Analisando-se a estrntura IOgicada prova por Redu~io ao Absardo' percebe-se que neJa utiliza-se as fOnnulas (I) e (2), gera­ doras dos panidoxos. Discute-se a seguir as consequeacias dauti­ m9io destas fimnulasna rererida prova. . Diante dos paradoxos tem-se duas consider.a~espossiveis:

I) os paradoxos sao inecuos, e assim Dio ha problema al­ gum a ser resofvido; 2) os paradoxos nao sao inocuos, isto e, existe pelo menos um problema que pode ser apontado: 0 condicional clsssico nio

traduz satisfiltoriamente a no~o intuitiva de implica~o. Admitindo a possibilidade (2) pode-se apresentar duas for­ mas de superaliio dos paradoxos: 2. I) Considerando-se a posicao dogmatics, que defende a unicidade da logica efetua-se modifica~s na defini~io do COD­ zA ~ura de \DDS Prows poe Re~(l so Absurdo enoootrs_ DO Arti@o inlitulllllo "A Prova por Redu~(l ao Absurdo na LOgiC<! CI:issica". desta Revista.


8 dicional ou explicita-se melhor 0 seu significado sem mu.dar a 10­ giea; 2.2) Considerando-se a posi~o dialetica, que defende a phrralidade da logica percebe-se a necessidade de u.ma logica desviante' que traduza de modo maisadequado a n~o de impJica­ ~ao (COSTA, 1980: 17). Adota-se neste trabalho a posi~o (2.2) e estucla-se a J6gica relevante como forma de superar os paradoxos.

2. A LOGICA RELEVANTE

As logicas relevantes introduziclas por ACKEllMANN ( 1956) e desenvoIvidas por ANDERSON e BELNAP (1975) pre­ tendem constituir-se nomateoria cia impJica~o, ou seja,elastentam

estabeleceras con~es necessarias e suficientes para afirmar-se que "um e:ounciado A impliaa um ell1mciado B n 011 uA impOe B". Colocam-se aqui asideiasbl.sicas detUs logicas. Quandoa expressio "se A entio B" significa que "B se infere de An, eutio A B deve ser verdadeiro somente quando "A erelevante para B". Segundo ANDERSON e BELNAP (1975: 3 - 106) a Un­ pliaa~io A ~ B deve satisfazer duas condi~Oesessenciais: ~

I. Con~ de relevincia: Se A ~ B e demonstravef entio A e B tern. pelo lDfDOS uma vari8­ vel proposicionaJ em connon.

ela 0

2. Condi~o de necessidade: Se A ~ 8 everdadeira, entio enecessariamente, pois depende de fatores IOgico-formais.

J. (;()osidera-se 1000ca desviame locla 1000ca que dcnosa pelo DlCIIO:i um cIos priDcipios Msicos da 1000ca classi=. 00 seja. toda l<'lgica mile 030 vale 0 prioc4Jio da idaatidadc. au o principio do lerceiro exclutdo, ou 0 priocipio cia 030 L'\XlIcadi~o.

• 0 cmccitn de ~tnWlld'" p. 18.

e dlIfmidn de mod" lIllU&1.. 5U~ vcr MENDFLSON.


9

Apresenta-se a seguir 0 sistema de logica relevante E. (cujos postulados sao aqueles do sistema E de ANDERSON e BELNAP, p. 231, retirando-se 0 E7 ) que conslitui-se dos seguintes itens:

LINGUAGEM: v(

Conectivos logicos: . - ( nega9io ), " ( conjlUl~lo ), condicional ) Simbolos auxiliares: ( .) Conjunto infinito enumetivel de varisveis proposicionais.

disjun~io), ~ (

A no~io de fOrmula edefinida de modo usual. POSTULAOOS ( axiomas e regras de infereacia):

PI.

«A

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A ) ~ B)

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B

«B

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C)

P2.' ( A ~ B )

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P4. A" B

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A

P5. A" B

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B

P3. (A

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(A

(A ~

~

B)

P6. (A ~ B ) " (A ~ C) ~ (A ~ (B " C» P7. A

~

A v B

P8. B

~

A v B

P9. (A

~

C ) " (B

~

C)

~

«A vB)

PlO. A " (B " C) ~ (A " B) v C Pll.(A P12. (A

~-A)

~

-B)

-*i-A

~

(B

~

-A )

~

C)


10 ~A

P13. --A P14.

~

A

~

PIS. A, B / A

BIB· (Regra de Modus POllens) 1\

B (Regra da

Conjun~ao

)

As n~es de prova e teorema sio definidas de modo usual

3. CONCLUSAO Neste sistema niio valem as formulas I) A ~ (B ~ A ), 2) (A ~ B) ~ (-A vB), 3) (A 1\ -A) ~ B, entre outras, que sio geradoras de paradoxos. Assim eJas nio podemser utilizadasnas provas por~oao absurdo de fOmmlas daliogua­ gem do sistema E Portanto, as provas por Reduyio ao Absurdo estio de certo modo "destruidas", 0 que pode signifiear a inexistencia desta ca de prova na matematica relevante, A reconstrucao das provas matemsticas com base na logica relevantenio etarefa 13cil, no entanto, talreconsnucso extrapola 0 ambito desta discussio. L

teem­

REFERENCIAS BWLIOGRAFICAS I. ACKERMANN, W. Begrundung einer strenger implikation. The Joumal of Symbo1icLogic, v.2l, 1956, 113- 128. 2. ANDERSON, AR, BELNAP. N.D. Entailment. the logic of relevance and necessity. Princeton:

Princeton University Press, v.L, 1976.

3. COPI, Irving M. Introducdo a logica. Sio Paulo: Mestre Jou,1978. 4. COSTA, N.C.A da. Ensaiosobre os fundamemos da logica. Sao Paulo: HUClTEC USp' 1980.


11

5. MENDELSON, Elliot. Introduction to mathematical logic. 3 ed, California: Wadswo~ 1987.


12 Revista Principios - Dept2. Filosofia UFRN, RN, \bl II - N2 I Junho de 1995

A LINGUISTIZACAO DO SAGRADO E A ETICA DO

DISCURSO EM HABERMAS

ANTONIO BASiuoNOVAES rnOMAZDE MENEZES DEPARTAMEroITO DE FILOSOFIA DA UFRNJUFRI

INTRODU(:AO:

o presente trabalho situa-se no horizonte daquilo que se convencionou chamar de "processo de secularizacao da modernidade" ou, no sentido weberiano mais puro, "desencan­ tamento do mundo". Ele trata das implica.yOes micas desse pro­ cesso, na fonna de exame da tese de Iingtiist~ do sagrado em Habermas. E tr~ a partir desta, uma estrita re~io entre tal processo e a possibilidade de uma erica discursiva. Caracterizada dentro da perspectiva de urn "experimento mental" e1aboradopor Habermas, a partir de Durkheim e Mead. o processo de lingtiisti~ do sagrado marca uma mudanca de estrutura na passagem do 8mbito do sagrado para a pratica co­ municativa cotidiana. Este procura mostrar a articul~o entre a teoria pragrnatica formal da linguagem e a teoria da sociedade, atraves de uma perspectiva de desatamento ou emancip~o do potencial de racionalidade da a~ orientada para 0 entendimen­ to, refletida no campo da etica. Objeto de nosso trabalho, passamos a examinar aqui cada urn dos aspectos que constituem as condieoes empiricas do pro­ cesso de lingui~o do sagrado como tambem a propria fun­ damentacao do "experimento mental", ou a articulaeao entre Durkheim e Mead em tomo do tema.


13

1- 0 ASPECfO DA FALA GRAMATICAL: Tornado como urn aspecto basico, de onde se desdobram os outrosaspectos na con~o dascondi~empiricasdoprocesso de Iinguistiza~io do sagrado. Habermas destaca sob 0 aspecto da fala gramatical: a conexao das imagens religiosas do mundo com a a~io connmicativa;e a passagemda a9i0ritua] para a comunicativa. A conexio das imagens religiosas do mundo com a a~o comunicativa remete-sea caraeteristicafimdamentaldalilguagcmde articu1a~o doscomponentesproposicionais com os compoo.entes ilocucionanos e os expressivosonde 0 conteUdo semintico ftutua. Desse modo, a ftutua~io dos conteidos ~ticosde origemsacra edeorigempro:fima;no meio linguistico, constituema forma do saber cultural comoproduto de uma fusio de significados; somatorio de conteUdospratico-morais e conteudos expressivoscom contelidos

cogoitivos-irutrumwtais. Dentro dessa perspectiva do mediumlinguist:ico daforma~o do sabercultural, Habermasassinala oprlJprio caniterde difereocia~o nointeriordalinguagematravesdoduploaspecto: l)dosconteUdos pratico-morais que revelam a necessidade da religiio, enquanto tradi~iio cultural, ser prosseguida comunicativamente atraves de experienciasdetiponormativo e expressivo (procedentesdo i.tmito da atualiu~o ritual da identidade coletiva) que sao formuladasna forma de proposicoes e acumuladas como saber cuhural; e 2) dos conteUdoscognitivos-inst.rumtUais: dardigiio eoquantoumaimagem do mundo com pretensOes de totalidade, que traz implicita a necessidadede uniio do sabersacro como saberprofano, procedeute do ambito da a~io instrumental e da coopera~io social. Assim a passagemda a~o ritualpara a a~o comunicativa se d8 pela propria aquisi~io de peso da pnitica comunicativa cotidiana, atraves da necessidade implicita il constitui~io das imagens do mando, de assimila~o do saber profano que as penetra, e euja a influencia as proprias imagens sao cada vez menos capazes de regular. De modo que, a dificu1dade crescenteque se estabeleceno relacionamento dasimagensdolllJDdocomos"componentespnitico足 morais e os componentes expressivos do saber" (2) assinala urn deslocamento da base de validez da tradi~io, da aeiio ritual para a a~o comunicativa, dentro de um quadro de complementa~o dos


14

aspectos estmturais da evolu~o das imagens religiosas do mundo assinaladas tanto em Weber como em Durkheim.' 2- 0 ASPECfO DE CONSTlTUI(:AO DE UM CONCEITO DE VALlDEZ DE NATUREZA LINGuisTICA:

Sob esse aspeeto Habennasdestaca 0 car8ter da fala gramatical, ea articulaQio entre a media~o comunicativa e a integra~o social. Noprimeirofundammta a "natureza geollinaJTJfflte&nguistica" (3) na fonna~o do conceito devalidez atravesda preseaca das forQas ilocucionlriasnosatosdaf3la, auseja, doscomponeotesilocucionarios que se encontram embutidos nos componentes proposicionais e expressivos que constituem 0 concerto de validez enquanto uma transcri~o da autoridade do sagrado fundada empoJissimboIos. De modo que; atraves da natureza Iinguistica do conceito de validezcomoumcaraterfimdamentaldalinguageminerentei propria fiIlagrarnaticAl;aar6.wIaQiomtremedia~comunicativaeint~

social se eocontrano reconhecimento do vinculo de depeod&lciadas institui96es de base sacra para com urn consenso linguisticamente formado. Ondeaintegrl9io social se efetua "atravesde urn recenhe足 cimento intersubjetivo daspretensiies devalidezque os atos de fata ~ortam"(4).

E nesse sentido, 0 desenvo1vimento da pratica comunicativa cotidiana permite com que 8 integraQio social nio se efetue mais atraves de valores, transpondo a efetiva~o direta para a 8910 comunicativa, na medida em que a autonomiza~o da forca ilocucionaria nos atos da fala; a sua independencia dos conceitos normativos; acarreta umredimensiooamento tanto da validade das nonnas como cia sua propria aplica~ao.

3- 0 ASPECTO DA BASE DE VALIDEZ DAS NORMAS DE A~AO A PAKfIR DO CONSENSO MEDIADO COMUNICATIVAMENTE. DEPENDENTE DE RAZOES: . Nessepontodoargumentodalinguistiza~odosagrado. Habermas elenca trestopicos complementaresretomando a perspectiva estru足 ~'

.


15 turl1 de Durkheimna explica9io da universaliza~o do direito e da

tmm o primeiro deles refere-se aperda do cariter de validez por si mesma. das institui96esapoiadasna autoridade do sagrado, devido a depend&1ciadessa autoridade,dasfundamenta9Oesdasimagens religiosas domundo. SalientandoapenetraQio do saberculturl1nas interpfeta90esenas situa90es deinteraQio que exercemfunQ6es de coordenaQio da a9io. FiJfocando aartiada~oentreestrutwaQio linguisticae1egitimw;io institucional, atraves da media9io das imagens miticas do mundo como auto-interpretaQio ejustificaQio do sistema de instituiQ6es. Aborda 0 ca:riter de permanente fusio entre os componentes prmco-moraisdo sabercu.ltural comoscomponentesexpressivose os componentes cogo.itivo-instrumentais, desdobrando 0 duplo ambiguoda experi&1cia. e da necessidade de aspecto do especificaQioimpoo pela mediaQio comunicativa. o carater ambiguo da experi&1cia reside numa bipartiyio sinndtioea desta em: experi&1oias consoentes, ouseja, aquelas

carater

elaboradasdefOllIllcooscienteemwnaimagemdoDDDldoratificadora e reforcadora do sistema de instituiQOes vigeates; e experiencias dissonantes, ou seja, aqaelasque desbordamo "potencialde fimda足 meotaQiodewnaimagemdeJIBDldo"(5)comowntipO deexperiencia quequestiona tanto arenalegitimidadecomo avalidezdasinstitui90es correspondentes. Por outro lado, a necessidade de especifica~o imposta pela media~o comunicativa reside no fato da a~o comunicativa estar encarregada da aplic8Qiodeoormas. Oqueimplica queestas sejam simukaoeamentemaisabstrataseespecfficasdecorreododa ITIlidanr;.a e complexidade das situa96es da a9io. De modo que; coosiderando 0 exposto acima sob 0 aspecto de complernentaridade dostOpicos, quearticulana base de validezdas nonnas 0 car8ter ambiguo da experiencia e a necessidade de

especificaQioimpostapelamediaQiocomunicativa;sepoeaindamn tereeiro elemeoto: aarticuJaQio tJItre a"aplicaQioCOIl1lIIlieat.ivameote mediada de nonnas de aQio" (6) e a universalizaQio das prOprias nonnas. Uma vez que tal decorre da necessidade de defini96es comuns dasituaQio entreos implicados sobre "osaspectos objeti足 vos,normativosesubjetivosdasituaQiiodaaQiodequesetrata"(7). Nesse sentido a interayio se da enquanto relacionamento das "

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16

nonnasdadascomasituacaoespecffica, comobasedesustencao cia

das nonnas as tarefas especiais exigidas pela si~o. Sendoque aautono~dastarefasinterpretativasdo contexto normative, denotamuma capacidadede absorcaoda complexidade crescente de si~es de a~ ramificadas em nonnas basicas abstratas, Dumarede depapeis sociais e regul~s especiais. Assim, Habennasretoma a perspectiva estnrtural deDurkheim na expli~ da universalizacao do direito e cia moral; a partir da dependencia dos problemas de justific~io e apli~io das normas para com "os processos de fo~o linguistica do consenso" (8); o aspecto de secularizacao da comunidade de fe, e de cooperaeao. Onde se destaca a necessidade de uma moral universalista para a manut~io do carater obrigatorio. E, 80 mesmo tempo, a necessi­ dade de urn direito formal baseado em principios abstratos, para estabelecimento do corte entre legalidade e moraJidade, na separa­ ~o dos imbitos de ~io entre aqueles reservados ainstitu~io (di­ reito), e aqueles confiados radicalmente 80S participantes (moral). adapta~o

4- 0 ASPECTO DE INDIVIDUAf;AO DA FALA

GRAMATICAL:

Dando continuidade a abordagem das mudancas estruturais da mudanea do tipo de intel"~; dentro da analise das condicoes empiricas do processo de lingui~o, como emancip~do potencial de racionalidade da ~ orientadapara 0 entendimento; Habermas salienta sob este aspecto a arti~ dos componeotes expressivos com os iIocucionilrios e com os proposicionais nos atos de faJa, na dimensio daestrutura linguistica do processo de sociaJi­ ~io, e cia articula~ entre a indivi~io e a autonomia conwni.­ catiw. Na dimensio daestruturalinguistica, referente 80S significados contrastantesdo pronomepessoal deprimeira pessoa, a saber: 0 eu comofalanteque manifesta as suasvivencias naatitudeexpressiva, e 0 eu como membro de urn grupo que na atitude realizativa estabelece uma rela~ pessoal com outro membro do grupo;

Habennas,apartirdaanaJisedossigmticadosdosujeitooas~

realizalivas, identificaoaspectodalinguagemquepenniteo reoonhe­ .. ~

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17 eimento dos processos de socializa~, marcados pela estrutura linguistica,taIcomoareiaciodacrian",acompessoasdereferencia, onde a estrutura de intersubjetividade linguistica, expressada no sistema de pronomes pessoais, ensina a crianea a desernpenhar papeis sociais na primeira pessoa, enquanto urn "eu" diferente do "outro" . De modo que a coacao estrutural, operante da coercao a individuacao, impede a reduplicacao da identidade do grupo na personalidade, na medida ern que a participacao nas interacoes sociais, nopapel cornunieativodeprirneirapessoa, exigelDlUltornada de posi~o do ator, tanto frente a um mundo interno, 0 qual tern acesso privilegiado (0 mundo subjetivo), quanto frente ao mundo objetivo, das inieiativas das suas ~Oes ou euja a responsabilidade

assume. Assim, a articul~io entre individu~o e autonornia comani足 cativa se tornaevidente pela propria ~ do gnu de individuafrio "corn 0 espaco objetivo com que eonta a ~o eomunicativa auto足 noma" (9). Tal como tambem e identificada em Durkheim no alijamento dos contextos particulares, na fo~ das identidades, e na pertinencia a grupos dependentes da exigSncia da ~o comu足 nicativa na aquisicao de capacidades generalizadas. ~ A IDEIA DE LINGUISTIZA~AO DO SACRO

"APONTADA" EM DURKHEIM E "DESENVOLVlDA" NA LINDA DO PROJETO RECONSTRUTIVO DE MEAD. Apoiado na ideia de linguistizacao do sagrado; a partir das

proprias condicoesempiricasda linguagern; enquanto fundarnento do"experimentomcntal"dentrodaperspectivas6cio-evolutivado processo deconversio daeomunidade defe religiosa (nucleo inicial da cooperacao) "em uma comunidade de comuni~ sujeita a necessidade de cooperar e as coacoes que tal cooperacao traz consigo" (10). Habermas assinala sob esse aspecto a ~o entreas perspectivaste6ricasde Durkheim eMead nos seus pontos de conexio e divergencia em torno aspecto central de heranea do sagrado como nucleo arcaico da nonnatividade naconstituiejo da "eticado discurso" pelo processo de linguis~. Os pontos de divergenciae decoeexao entre DurkheimcMead;


18

considerados soba perspectivadaevo~sociaL talcomoHabennas ossitua; seapresentam namedidaemque amudancadas formasde solidariedade(demecinica para orginica) postuJadapor Durkheim aindaquedefonnainsuficiente;talcomofoianalisadanoitemldeste~

para Mead constituem umatransformacao da conscieneia coletiva passivel de ser recontruida a partir de dentro. 0 que em Durkheim revelavaadificuldadedeentendera mudaneada integr~social na sua evolucso ate a racionalidade Enquanto que para Mead, a racionaliza~ seapresentaromouma fluidifi~comunicativadas institui垄es fundadas natradieao e respaldadas porwna autoridacle sacra; ondea~ comunieativaetomadacomo ponto dereferencia paraa projecao ut6pica da "sociedade racional". Contudo, a conexio entre Durkheim e Mead se encontra no mutua remetimento dentro da perspectiva de evolucao social, das consideraeoes acercadas possibilidadesde evolu~oda sociedade modema; consideracoes acerca do aspecto de wna sociedade "racional" ou "ideal" de Mead; enquanto uma resposta a questio estrutural de adap~o da sociedade, a partir do abandono por inteiro do sagrado como base da integracao social para 0 consenso alcancado connmicativamente, de Durkheim. Oaspecto de heranca do sagrado na "etica do discurso" como nucleo arcaico da normatividade; enquanto urn tema comum que estaria subjacente路 a articulacao das diferentes perspectivas; inicialmente se situaria no quadro de diferenciacao entre ciencia, moral arte no fator duplo: 1) de sujeiitio da ciencia e da moral modernas "aosideais deobjetividade eimparcialidade assegurados porwna discusslo sem restncoes" (11), e 2) de caracterizacao da arte modema pelo subjetivismo da livree irrestrita rel~io que 0 eu consigo mesmo,"emancipado das coacoesdo descenttado conhecimento e da ~ilo" (12). De tal modo que a substituicao do ambito do sagrado, determinante para a sociedade peloseucarater normativo; dentro desse quadro da evolucao social; sO poderia se efetivarpelaconversio da moral em "eticado discurso" enquanto urn

e

mantem

reconhecimentodah~dareligiionafluidifi~comunicativa

em substitui~ aautoridade do sagrado.

A"eticadodiscurso",enquanto~coIJlJOieativa,dissolve

o nucleo arcaicoda normatividadedo sagrado e desprendeo sentido racional da validez normativa. De modo que 0 parentesco entre religiio emoraJ seencontrana ni~assu~ de urn statusunivoco na


19 constlU~ dewnmundodavidaestIUturalmentediferenciado. Tal

como aci&1ciaou aartequenio podem seratribuidasexclusivamen足

tea tradi~wlturalNemtampoucocomo asnormas juridicasouos aspectos do carater quenio podem ser atribuidosexelusivamente a sociedade ou a personalidade. Mas sim, na esfera normativa, da conservacao pela moral de algo da eapacidade de penetracso que caraeterizam os poderes saeros na origem e que penetra de forma peculiar as sociedades modemas nos pianos diferenciados que representam acultura, a sociedade e a personalidade. Assim, a complementariedade entre Durkheim e Mead que a abordagem habennasiana destaca se encontra no fato de que 0 primeirocoloca amoral universalistaatarefadecoesiodasociedade secu1arizada na substitui~ pelo myel sumamente abstrato, do "acordo normativo bilsico assegurado deantemio pelo rituaI" (13)~ enquanto que 0 segundo fundamenta a moral universalista"como resultadodeumaracionaliza~comunicativa,deumdesencanta足

meato do potencialde racionalidade eneerrado na a~ comunica足 tiva" (14).

Notas:

112.

(I) Teoria de la AccionComunicativa, Torno II, cap. V, 3, p.

..

(2)(23)op. cit., p. 127. (3) op. cit., p. 128. (4) ibid. (5) ibid. (6) op. cit., p. 129.. (7) ibid. . . (8) ibid. (9) op. cit., p. 130. (10) op. cit., p. 13 I.

(11)ibid.

(12) ibid. . '. (13) op. cit., p.l32. (14) ibid., grifo do autor.

.'


20 Revista Principios - Depr-l. Filosofia UFRN, RN, \bl. II - N~ I

Junho de 1995

A CONJECfURA FlLOsOFICA a..AUDIO FERREIRA COSTA DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DA UFRNICNPQ

o que ea fiJosofia? A propria pergunta cumula-nosde incer­ tezas. Afinal, essa euma questao filosofica, que, como tantas 00­ tras, permanece irrespondida; nio sabemos, pois, 0 que e aquilo mesmoque nos propomos fazer H3 ao menos urnconsenso pnitico acerca do que quer dizer a palavra'filosofia'? Parece nio haver grandesdificu.ldades quanto a isso. Sabemoscomo utilizara palavra. Nio temos maioresemba­ raeosem apontar esse e aqueletexto como sendo de naturezafiIo­ s6fica. Seria, pois, uma fonna exeqiiivel dese abordar a questio da naturezada filosofia., a tentativade se ohterurnesclarecimento ana­ litico do que nos pennite decidir aplicar ou nio 0 termo, ou seja: uma tentativade elucidar os criterios que, umavez presentes, pos­ sibilitam a efetiva apli~, emsua a~ tecnicausual, da pala­ vra 'filosofia' na designa~ de algo, 0 quetarnbemewna maneira de se esclarecerseu significado descritivo- a maneiracomo a em­ pregamospara designar 0 trabalbo filosofico. E assimque a ques­ ta<> seraabordada aqui. I. Quando buscamosencontrar os efetivoscriterias de apli­ c~o do termo 'filosofia', ha candidatos cujo mau desempeano

sugere reprovacao em urn exame preliminar. Urndeles equalquer coisaque se deixeclassificar como 0 "objeto proprio" da filosofia. Uma decisao quanta aaplica~o do termo 'filosofia' nlo parece deverrepousaremseu pretensoobjeto proprio, namateria da qual ela trata e que so a ela concerne; pois ha boas razoes para se SU~ peitar que esseobjeto nio exista. Afinal, pode-sefilosofar, mesmo academicamente, acercade uma extraordiniria variedadede ques­ tOes. Basta pensar no fato de que qualquer ciencia, fonnal ou empiriea, pura ou aplicada., pode ser objetode inda~Oes em nivel


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filos6fico. Hi, nio obstante,importantes caracteriza¢es da61osofia pelo estabelecimento de urn objeto generico que the seja proprio. Ca­ raeteriza¢es contemporaneas de seus dominios descreveram-na metafisicamente como urna investi~ dos atuais e possiveis tipos de coisas mais importantes do universo e das relacoes entre eles vigentes (G. E. Moore), ou entio, epistemicamente,como an8Jise das estruturas conceituais mais gerais de nosso pensar (P. F. Strawson),como uma investig~io da estrutura de nosso entendi­ mento (E. Husserl), e ainda, como uma elucidaeao do Netzwerk formado por aquelesconcertosconstitutivosdenossoentendimento como wn todo(E. Tugendhat) (1). Embora semeIhantes caracteri­ ~ sejamimportantescomo maneiras dedistinguire sublinhar a centralidade de questoes de fundo metafisico ou epistemico, elas tomam-se inevitavelrnente restritivas e dogm8ticas quando entendi­ das como caracterizacoes da filosofia como urn todo, uma vez que seforcama excluirarbitrariamente amplosdominiosseus, como os das filosofias da matematica, da ciencia natural, da hist6ria,da ad­ tura e da sociedade,e mesmo um dominio central como 0 da filoso­ fia dos valores - areas que uma longa e venerivel tradi~io tern ad­ mitidocomo pertencentes afilosofia. Sendo assim, pareceque aquiloque nos orientaern nosso con­ sense pratico acerca do que e e do que Dio efilos6fico Dio pode ser seu pretenso objeto proprio. Se quisennos uma con~io verdadeiramemeabrangente, que facajuz it amplitude da ace~ tecnicada palavra,talvezsejamosmais bern sucedidos em busdl-Ia no estudo daforma propria do questicmarnento filosOfico, enten­ dendo-se por isso simplesmente tudo 0 que nio eobjeto, materia por elatratada. Assim tio amplamente concebido, 0 que chama de "forma" deve abranger os metodos da investi~ fil0s6fica. Mas a ~ fia tambem Dio parece deixar-se definirpelo seu modo proprio, exclusivo. Poisaquitambemreinaa diversidade. Hi uma profusio de metodos historicamente propostos, da maieutica a redu~ fenomenol6gica, passando pela duvida cartesiana e pelos procedi­ mentos dialeticos,ate chegar as modernas tecnicas de an8lise conceibJal Tais propostas, alem de seremfrequentemente suspei­ tas, 080 se adequam a wna caract~ do que efetivamenteen­ tendemos por filosofia, dado que geralmente se restringem a uma


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imica ou a algumas poucas filosofias, nao chegando nunca a ser generalizaveis a tudo aquilo que charnamospropriamente por esse nome. Ademais, ha razOes para se desconfiar da existencia de urn metodo geouinamente fiIosOfico. Umadelase que, quando esclare­ cernos suficientemente0 metodo, costuma ocorrer que ele se evi­ dencie como sendo tambem apropriado a ciencias particulares. Considere-se, por exemplo,as teorias da defini~, do silogismoe da indu~, naqueleinstrumentario da investiga'Yio filosofica' que Arist6teles pretendeu que fosse 0 seu Organon. Elas pouco se restringemao quehojechamamosde filosofia, servindo tambem as cienaas. Considere-se ainda 0 fato de que versoes da "dialetica" podem encontrar correspondentes aproximadosem algomateoria da argumen~o, na psicologiaevolutiva (ex: na alternancia entre os processos de assimil~io e acomodacao sugerida por Piaget), ou em wna suposta ciencia dos processos hist6ricos ... Alero disso, tambem evisto 0 oposto: ea filosofia que importada cienciasuges­ tOes quanto aforma da investiga.cio: pode-se genericamente falar da apli~ introspectivado procedimento observacional proprio das ciencias empiricas, no caso das filosofias de tendenciaempirista (0 "metodo bist6rico" proposto por Hume), ou de wna apropri~ do procedimentoaxiom3tico-dedutivo das ciencias exatas, no caso das filosofias de Tendencia racionalista (0 metodo cartesiano, ra­ dicalmente adotado por Spinoza). Chegados a esse ponto, sornostentados a retroceder e adotar uma solu~o cetica, que consistiria na rejei~ao de uma real univocidadede signifi~entre as aplicacoes teenicas da palavra 'filosofia'. Sob tal perspectiva,a univocidadeseria apenas aparen­ te, 0 que poderia ser demonstrado em uma adequada eluci~o dos casos de apli~o da palavra 'filosofia'. Tal elucida~io evi­ denciariaque esses casos sio unidos uns aos outros por meras re­ des do que Wittgenstein chamavade "semelhancas de familia". Es­ sas redes de semelhancasentre uns e outros casos de aplic~ao da palavra seriam meramentecontingentes, Ilio cobrindo necessaria­ mente uma mesma essencia comum, que pudesse servir como cri­ terio definit6riopara a apli~ do termo, mas apenas suscitando ilusoriamente a impressao de sua existencia, Com isso a questio de urnesc1arecimento da naturezaunicae essencial da atividadefiloso­ ficadeixariade existir. . s'


23 Careamos, todavia, da ~ dessa ausenaa de univocidade entre os cases de aplica¢<> da palavra 'filosofia' , sendo estrategi­ carnente recomend8vel, que antes de nos precipitarmos por uma triIha talvezprec8ria, busquemos averiguarse ainda nio restou algo de caraeteristico, nio pertencente ametodologia empregada, mas aindaassim presentena estrutura fonnal do questionamenro filosOfi­ co. E aqui pode, com efeito, ser feita mais de wna constat~o significativa. Urn primeiroelementoformal,partiwlarmente manifesto em tododiscurso filosOfico, consiste em seu canner conjectural. Com a palavra 'conieetura' quero me referir ao que os dicion8rios defi­ nemcomo "0 peosamento ou saber sem fundamento certo ou preci­ so", especulativo, nesse sentido. Posso precisar isso melhor expIicitando wncriterio com baseno qual identificamos wna forma de pensamentocomo sendo coQjectmal. Eis como eJepoderia ser fonnuIado: (1) Uma forma de discurso ou de pensamen­ to - ou de urn saber - e conjectural quando (i) de­ rema possibilidade de que nela sejaoferecida, para urn mesmoproblemaou grupo de problemas, uma variedade de solu¢es incompativeiswnas com as outras, ao mesmo tempo que (ii) os membros da con:wnidade de ideias nio se encontrarnem condi­ ~ dedecidir consensualmente pela verdade de umadelas.

Com efeito: urnaformade pensamentosemfundamento certo ou preciso e aquela geradora de teorias que carecem de bases consensualmente decidiveis, 0 quese evidenciana impossibilidade de escoJhaentre elas. Como complemento preventivo do aparecimento do que J Habermas chamou de urn falso consenso, i.e., urn consenso inautentico, resultantede distorcoess6cio-culturais nacomunidade de ideias, podemos adicionar a (1) a seguinte explicitacao de urn pressuposto Sell: (I. 1) A impossibiJidade de decisao consensual referidaem (I) deve constituir-sesob 0 pressupos­


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to de que a discussio se de sob as condi¢es deurn comexto critico (i.e., que suporte uma discussio beuristicae nio-coerciva, feita entre interIoaJtores competentes,razoaveis,comidenticaschancesde parti~ etc.).

Ora, 0 pensamento que chamamosde filos6fico ternsempre 0 criterio (1) - sob 0 pressuposto da satisf~io de (1. 1) - satisfeito;

elee produtorde teorizaeoes incompativeis e indecidiveis entre si. Compare-se, por eKempIo, a epistemologia empiristade Locke com 0 racionaJismo inatistaemsuacontraparte leibniziana. Trata-se de concepcoes mutuamente excludentes. Na epoca em que elas foram propostasseria possivel argumentarde maneira a tomar par­ tes de uma deJas consensualmente rnais plausiveis que as partes correspondentes da outra, mas seria impossivel decidir consensualmente por urnadessas partes, e muito menos por toda wna concepcao - dificuldades que emgrandemedida ainda atingem fonnas contemporineas da discussao (digamos, a polemica Chomski-Skinner). Pareceassimclaroque a filosofia deveser minimamente con­ cebidacomo urnaespecie de saber conjectural,urn saber daquilo sobre 0 que niio nos encontramos em condifOes de conhecer com margem razoavel de certeza. Essa natureza conjectural ou especulativa da filosofia ehojegeralmentereconhecida, razio pela qualtomamo-nos a respeito(como queriaC. S. Peirce) altamente falibilistas. Mas nio foi assim que a maioria dos fil6sofos conside­ rararnsuasfilosofias ao longoda hist6ria. De PIat30 a Hussert, eles mantiveram a aspiraflio dogmcilica de terem se deparado com verdades Ultimas, evadindo-se aplenaadmissio do cariter profun­ damenteconjectural do que faziam, nio se conhecendo exemplo maisradical e sintomaticoque 0 de Hegel, para quem a filosofia, a sua, era a cieo-cia absoluta do absoluto, alias, 0 proprio absoluto. (2).

2. Embora nos pareca hoje natural admitir que 0 carater conjectw"al eurncomponentenecessario aestrutura fonnal do dis­ curso filos6fico, algunsleitores de Wittgenstein discordario. Eles dirio que issoevalido para a maiorparte do que se tem entendido tradicionalmentepor filosofia, que nio passa de urn conjunto de


25 teonzacoes vis, resuhantes de confusOes geradaspelas nossas for­ mas de expressio. Como resultados decOnfusOes,·taist~ sao ilusOrias: elasnio sao maisdo que castelosde areia nietafisicos, nos do pensamento. Esse diagnostico s6 nio evaIido, dirao eles, para a especie de filosofia advogada porWittgenstein, a filosofia "terapeutica", cuja fu~ ea de, desmanchando Seme.lhaDtes cas. teJos de areia, desfazendo as confusOes conceituais, desatar, urn apOs outro, pacientemente, os nos do pensamento. De sua parte, 0 trabalho terapeutico e nio-te6rico, logo nao conjectural, pois ele nio se baseia(como seria licito esperar) em conjecturas menos in­ certas que as aiticadas, masem algo consen.sualmentegarantido: na rneradescri¢o de fatos Jingiiisticos exemplares: "pieces ofcommon­ sense" trivia1mente evidentes, sem valor expIicativo, masque redu­ zero ao absurdo as pretensoes de acesso teoretico Nio obstante, essa obj~o nio encontra suporte em nenhu­ rna pnitica filosOfica mencionavel. Como notaram alguns criticos eminentes (A. J. Ayer, C. Hempel e M. Dummett. entreoutros). a pretensio nikrteoretica da filosofia te.rapSutica nio esuficientemerte corroborada pelo proprio conteUdo dos escritos deWittgenstein, por aquilo que neles encont:ramos de mais sugestivo, 0 que se afigu­ ra tanto mais evidente quanto maiseficazes e relevantes se tomam as terapias (3). Para evidenciar este ponto, reconstruo brevemente as ideias centrais do argumento sugerido nas InVt!StigtlfOes F~ contra a possibilidade de uma linguagem privada (que abreviarei para LP), considerando entio a sua natureza. Esse acgumento e importante por vanasrazOes, especiaJmente a de que, caso correto, eleresulta destrutivo para aquelas fiIosofias quepartem, com inten­ ~ fundacionalista de umaautoconsciSncia solipsista. comoaeon­ tece com boaparte das epistemologias modemas; se assim for, etas falham ern nio terem buscado seus fundarnentos na questio da

intersubjetivid. Uma LP pode ser definida como sendo uma lingllagem cujas palavras devem referir-se aquilo que apenas 0 falantepode saber, aosseus estado memais, como e0 caso das sen~ imediatas e privadas, nio podendopor isso ser compreendidapor outros (4). sao lID meu verdais osprincipais aIgl.IIDtDos pelos quais WIttgenstan quer mostrar a sua impossibilidade. o primeiro deles consiste em imaginar que alguem. procure dar


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sentido a uma palavra S ao associa-la Ii sen~o privada s (5). Para formaca regra que associaS a s, a pessoa nio tern outro meio senio 0 de procurer "imprimir em si mesma" a li~ entre a paIa­ vrae a~. Suponhamosagoraque a mesmapessoa procure ligaruma:outraveza paJavra S Ii mesma sensa~ S, emwna aplica­ ~ da regra, como mostra 0 esquema:

S

I

s

S =

(?)

I

s

Como ela pode saber que a lig~o e realmente a mesmal Ora, a pessoa poderi recorrer apenasa si propria, Ii sua impressiio de ter seguido corretamente a regra, de ter empregado a palavra corretamente. Nio obstante, tera impresslio de ter seguidocorre­ tamente a regra nio e0 mesmoque sober que cia foi corretamente seguida, pois tais impressOes siD tao subjetivasquanta a ~o s. Como nota Wittgenstein, ea concordincia de outras pessoas quanta ao faro da regra ter sido ou Dio seguida a unicacoisa que poderia oferecer tun aiterio independente, a dizer, urn criterio ob­ jetivo (int~etivo) de oorr~ para uma regra; mas isso eaqui de todo impossivel. Nio b8., portanto, a possibilidadede serem constituidos verdadeiros criteriosde correcso paraas regrasdeuma Lp, 0 que equivalea dizer que a pessoa Ilio pode saber se as esti realmente seguindo ou Dio. se elas sio de fato regras ou se sao impressOes de regras, se e1e falauma linguagem ou Ilio. Pode agora parecer-nos que uma LP pode de/ato existir, apesar de Dionos ser possivel saber se ela existe (saber que suas supostas regras sao regras), tratando-se tao somentede wna Iimita­ ~iio pratica de nossas possibilidades cognitivas. Mas para Wittgenstein isso tarnbcD nio pode ser 0 C8S0. Pois para eleniioe umaimpossibilidade priltica 8 de saber se uma pessoa segueou nio as regras de uma LP, masumaimpossibilidade de principio, devido Ii privaticidaderadical que ele atribuiIi LP - devido 80 que poderi­ amos identificar como 0 pressuposto de uma impossibilidade 1000ca de companiJhamento de urnmesmo processointemo entredtteren­ tes sujeitos. Por conseguinte, ahipotese de que a pessoa segue regras privadas eincoerigivelpor principio, 0 que a torna carente


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de sentido Ela e como aroda solta na engrenagem, que embora pareea fazer parte do mecanisme, ca.rece de qualquer fun~ (6). o segundo argumento consiste em mostrar comodevemos ter reaJmeme apreodido aspaIavras reJarivas a estadosmentais ernnossa linguagem publica, Como uma erianca apreode 0 significado de palavras como 'dor' ou 'pensamento'? Ora. ela 0 fazpor interme­ dio dos adultos, que associam tais palavras a criterios comportamentais objetivos, i.e., intersubjetivamente corrigiveis: no caso do verbo doer, hi 0 faro de que a ~ geme e se contorce, demonstrando assim que sente dor; no caso do verbo pensar, hi 0 fato de queela se comportaracionaJmente. demonstrando quepen­ saao filzer as coisas. A ~ de criterios comportamentais passiveis de corr~ intersubjetiva por parte dos membros da co­ JIBlnidade lingiiistica e. por conseguinte, necessaria paraque as re­ gras dalinguagemrelativa a estadosmentaispossam ser apnntidas: "Urn 'processointerno' carece de aittrios extemos" (7). Consideremos agora a natureza dos argumentos. Que eles nio sao nemdescritivos oempuramente terapSuticos emais do que claro; 0 que conta nIo sio os exemplos, masas gen~ que elessugerem. Assim, emboraaiticamente (terapeuticamente)apIi­ cado, 0 argumento contra aLP recebea sua forca de uma pouco eselarecida, emboraplausivel, inter-rel~ teoreticade hip6teses gerais (sugeridas, mas nio tematizadas no curso da exposi~o "descritivista" de Wittgenstein), de aJja importincia temos 1105tor­ nado maise maisconscientes. TaisbipOteses versam sobreas rna­ neiras como teriamosde ter aprendido a Iinguagem na infiIncia, so­ bre 0 carilter convencional da Iinguagem, sobre a vigencia de certas ~ intemas entre nossosconceitosde corrigibilidade, objetivi­ dade, possibilidade de intersubjetividade, e aindasobrea impossi­ bilidade16gi.ca de correeao intersubjetiva de pretenses regras de identifi~o de estados internos ... Algumasdessaship6teses 510 verdadesconsensuais. Mas nem todas. Que dizerda Ultima delas? Sera que erealmenteimpossivel, absolutamente inimaginavel, em todo e qualquermundo possivel, queestadosintemospresentes nas mentes de diferentes sujeitos possamserentree1es compartiJhados? H8, desde Frege,argumemos que sugerem tal impossibilidade, mas seriaexcessivo, face apropria complexidade da questio, concluir que eles sio demonstrativos. Trata-se, pois, nio de um lugar-co­ mum, mas ainda de uma assun~ conjectural.


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Mas nio se trata apenas da rev~ de urn pressuposto conjectmal ocultono argumento. As conseqU&cias anti-intuitiVas qUeurnaleitura rigorosado argumentosugere tornam-no suspeito: se Dio posso construirregras que associempalavrasa estados in­ temos, entia nio parece possivelque eu possa fazer refeeencia a eles,pois umareferencia deve preeisar ser feita atraves de algurna regra de idcntifi~. Ora, mas isso equivale a sustentar que e absurdo faJarmos de nossos proprios estados mentais no sentido usual daexpressio, no qualparecemosreferir-nos existenciaJmente a acontecimentos privados - 0 quee submeternosso entendimento do sentido de expressoes psicologicas a uma indesejavel tor~ metafisica: tudo, no fundo, passa a ter referenaa comportamental, malgradoas ~s anti-behavioriStas explicitas de Wlttgenstein (8). Isso sugeremais ainda a possibilidade de que se ymha a minar a1guma basepressuposicional do argumento, a1terando 0 que ne1e vemoscomorelevante. conduzindo. quem sabe, no final do proces­ so, auma problem8tica ulterioremque a forma conjectural venhaa se perderem argumentoscom fimdamentos maisseguros, perten­ centes aurna mais perspiwa imagemdo Mundo. Eis entio 0 que poderia ser a razio pela qual se pode tambem afinnar (como 0 proprio Wittgenstein 0 fez) que as confusOes corrGttl8isdafilosofia possuemurn cariderde "profundidade". para albn de meras charadas lingoisticas: elas refletiriam, ainda que de formaconfusae equivoca, dificuldades reais,que esperampor res­ postas nio-conjecturais. Com issoa cooceprio estritamente tera­ peutica eta filosofia cai sob a suspeita de ser menosuma proposta iconoclasta do que umaderradeira tentativadepreservar, no supos­ to nio-falibilismo da atividade descritiva, a dogmatica da incontestabilid deum discursofilosOfico. 3. Da discussio precedenteconduo que a forma coqectural euma ~ necem10 aopensamentofil0s6fioo, mesmoquando ele for critico ou "terapeutico" - pois a eficicia da atividade tera­ p&tica repousa na maior plausibilidade de seus fundamentos teoreticos (tematizados ou Dio), sendo isso 0 que the confere a aedibilidade,a fur~ necessariapara deslocar, relativizar os fimda­ mentos de teo~ metafisicas. Isso e possive1, mesmo queos fundamentos da atividade terap&rtica nio sejam tia segurosa p0n­ to de nio precisarem maisser chamadosde fil0s6ficos.


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Mas admitir que 0 carater conjectural e condi~ necessaria do pensamento filosofico 030 basta, decerto, para caraeteriza-lo. Muito do que chamamos de conjectura ou especu1~ nio possui carater filosofico: pode-se conjecturar sobre a existencia de seres vivos ernoutros planetas, sobre alt~ clirnaticas futuras causa­ das pela emissio de gases na atmosfera, sobre as causas do desa­ parecimento. dos grandes repteis, sobre as motivacoes que origina­ ram certas decisoes politicas,e nada disso sera filosofia. 0 proble­ matoma-se entao 0 dese saber 0 que, na forma de uma conjectura, faz com que nos tomemos inclinados a chama-la de filosOfica. A condicao necessariaobtida precisa ser complementada com 0 que, emconjunto comela, constitua uma condi~io suficieme. A solucao - meramente conjectural- que eu gostaria de pro­ por ea seguinte: 0 carater propriamentefilosOfico de certas especu­ lacoes costurna advir do fato delas resultarem da confluencia de alguns elementos, que devidamenteassociados parecem constituir urna condicao suficiente. 0 primeiro e 0 rnais permanente dentre elesconsisteno faro dequea filosofia tern se revelado historicamen­ te como uma especie de antecipacao do conhecimento cientifico: wnaprotociencia. Ea filoso6aque indicaos caminhos que se asse­ meIham viaveis, n80 havendoidea cientifica que nio tenha sido sus­ tentada, aindaantes de seu nascimento, por supo~s e pressupo­ siy5es metafisicas (urnarazao pela qual "fiJosofia" nio se reduz a mera"terapia"). Concepcoes da filosofiacomo conjectura protocientifica fo­ ram defendidas por filOsofos como W. James, B. Russell, K. Popper e 1. L. Austin, podendo ser ouvidos ecos longinquos dela, mesmo no Ultimo Wittgenstein (9). A posi~ de Russell etipica. Em opo­ si~o a PJatio, ele situa a filosofiano reino cia opiniio, e a ciencia empiricano reino do pensarnentomaisou menos certo. A ciencia, diz-nos Russell, e 0 que sabemos; a fiJosofia e0 que nio sabemos, masnaoternos como provar que efalso. Todo av~ do conheci­ mentorouba afilosofia alguns problemas, que passamentio ao do­ miniodaciencia. ApOs essa passagem, deixam eles de ser atrativos para as mentes filosOficas, pois 0 encanto da filosofia est8na liber­ dade especulativa, ern toda a fertil representacao da fantasia, no livrejogo de hipoteses, que 50 pode vigorar onde 0 saber ainda e meramenteconjectural(10). Austin diz 0 mesmo, recorrendo a uma impressiva analogia


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que chama aten~o para a corroboracao historica dessa concep­ "A filosofiatern 0 lugar de urnsol, central e inicial, seminale mmaltuoso; de tempos em tempos ele l~ fora de si mesmo,para estabilizar-se como ciencia, urn planets, frio e bem regulado.pro­ gredindo seguramente em dir~ a urn estado finaldistante. Isso OCOlTfU h8urnlongotempo arrascom 0 nascirnento da mateIrultica, e outra vez com 0 nascimento da fisica; somente no ultimo seculo nos testemunhamos 0 mesmo processo novamente, leetamente e naquela epoca de maneira quase imperceptivel, por ocasiio do nas­ cirnento cia ciencia cia 16gica-matematica. atraves do trabalho con­ jwlto de filosofose matematicos" (11). Austinacreditavaque a sua propria investi~ sistematica dos atos de fala seria 0 inicio de uma abrangenteciencia dalinguagern. .. . A analogia austiniaoanos conduz aquestio do progresso no interior do sol seminal. Se filosofia e conjectura, nela Dio pode haver progresso, se com essa palavranos referimosa urn contiJiua­ do movimento ascensiona/ de apro~o da verdade, comocos­ tumamostesteownhar naciencia;e isso e assim como consequencia da propria impossibilidade de se alcancar em filosofia decisao consensual sobre questoes de principio, impossibilidadeessa que dificulta ou impede a comparacao inter-teoretica. Essa escassa comparabilidade, aliada afrouxidio como diferentesteses sao or­ ganizadas, ccplicacomo urn sistemafilosofico de uma epoca poste­ rior pode, em alguns aspectos, ser mais rico e esclarecedor(JOe urn sistema anterior, mas issoao preeo de ser menos convincente em outros aspectos (ex: 0 fenomenalismotranscendentalista de Kant versus0 realismo direto em AristOteles). Mesmo assim epossivel, em filosofia, falar-se de urn progresso cumulative, tanto de ampli­ ~ do leque de possibilidadesexploradas, quanto de aquisi~ metodoI6gicas, conduzindoa urn gradual estreitamento das maIhas arguIIltDativas. . Em conexio com essas ideias, quero notar que a concepcao de filosofia como antecip~io conjectural da ciencia Dio se opoe, como por vezes se imagina, aideia de que 0 fil6s0fo possa, ou que em certas circunstincias mesmo dew, ser urn anaIista da Iinguag~ mas eIase opoe, certamente, a tentativas de restringir a filosofia a mera an8Jise lingtiistico-conceitual, de encontrar nissoa essencta da filosofia Mais plausivele que a filosofiacontemporinea tenha se tornado em tio vasta medidaurntrabalho de eJuci~o conceitual ~:


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por razOes perfeitamente contingentes: a meraespecul~ empirica (ex: a teoria pre-socratica dos quatro elementos)tem em parte se esgotado com 0 desenvolvimento das aencias experimentais; con­ bJdo, isso Binda nio scorseceu com 0 trabaJho fur~te ulteri­ or de elucida¢o metateoretica dessas ciencias;pois repousando essaulterioridadeno fato mesmode pressupO-las, enteade-se que esse trabalho ainda nio amadureceu ao ponto de libertar-sede seu carater conjectural, que permeiaas filosotias da fisica. da biologia, dapsicologia etc. Mas essemesmo trabalho conjectural, que ainda hoje Dio alcan\X>U bases consensuais satisfat6rias, tende a ceder lugar a metaciencias. eIas pr6priascientificas, no sentidode alcan­ ~em urn adequado grau de consensualidade. Algo semelhante pode sernotadocom r~ a questOes conceituais mais genericas como, digamos, a questio de M. Dummett relativa ao esclareci­ mento da forma a ser assumida por uma teoria do significado do tipo full-blooded paraa linguagem natural. Sob essaperspectiva, a co~ em questoesditas nio-factuais 080 pOeamostra uma suposta"essenciaanatitico-conceitual da filosofia", mas antes 0 he. sitante assenhoreamento de novos patamares epistemicos concementesa uma fase maisrecente da evolu~o hist6ricado sa­ berhumano.

Tambem a proeminencia adquirida nesteseculo peJa.ji/osojia ria /inguagem encontra aqui a sua expli~o. 0 assimchamado "lingUistic turn" pode ser explicado como decorrenciaconjuntural do gradual amadurecimento do que podemos chamar,no maisvas­ to seotido, de semiotica: a "cienciageral dos signos". A semi6tica costuma dividir-se emtres grandes dorninios - a sint8tica. a semin­ tica e a pragmatica -, os quais se deixam melhor conceber como pressupondo-sesucessivamente lOll ao outro. Maisexp1icitamente temos: (i) a sintittica, que investigaas regras de comb~ dos signosentre si;(ii) a semiintica, que investiga as regrasque relacio­ namos signos(e suas combin~) aos seus objetos; (iii) a prag­ matico, que ~estiga as regrasque rdacionam os signos(comsuas combina¢es e seus objetos) aos seus UswU1oS. (Assim, podemos dizerque (iii) pressapoe (ii), que pressupOe (i).) Como filosofia, a investi~o sintiltica compreendeuespecialmenteteorias logico­ formais, incluindo, digamos, a teoria dasdesericoes; a i~ semintica compreendeumaisas teorias das con<ti~Oes de verdade, como a teoria pictorica da frase no Tractatus e tambemcertasteo­


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riasverificacionais do significado cognitivode enunciados; a prag­ matica, por fun, compreendeu mais partiwlannente as diversas teo­ rias das interacoes comunicativas. Por outro Iado, esse aprofundamento de dominios semioocos teve conseqUencias retros­ pectivasna reor~ acomodativa do WeltbildfilosOfico re­ rnanescente - conseqiiencias aliils algoperturbadoras para muito do que a filosofia pudera antes tratar de modo menos distinto e mais forttmelte imaginativo. Como resultado de tais desenvolvimentos, questoes epistemico-ontolOgicas puderam sermaisclaramente anaJisadas do ponto de vista de seu Jugar no sistema semi6tico-conceitual determinadordo conceito de experiencia. Trata-se, nio obstante (comoRussell e outros perceberam), dewna enrase metodolOgica, que comotal privilegia os ''modosfonnais"de questionamento con­ seqoentes 80 desmvolvimento dos campossemi6ticos, e nio (como pensam Strawsone Tugendbat) dewna descobcrta da naturezapro­ pria do questionamento filosofico. Os conceitos epistemicos constitutivos do que chamamos de experiencia, afinal, tambem pos­ suemreferencias psicol6gicas (das quais sao abst~), e se qui­ sennosafirmarque eles se referem ao que econstitutivo da "nossa" experiencia, devemosem algummomentavincula-los a essas refe­ rencias, 0 mesmo sendo vaIido, com ainda mais razio, para questionarnentos ontol6gicos, relatives 80S objetos desse conheci­ mento. .Eis porque talvez se venha ainda a dizer que a analise conceitual eo logicismo que estivemospresenciando foram mera­ mente sintomsticos de uma maneira de filosofar, assim como 0 psicologismo 0 foi com respeitoas filosofias ernpiristas dos seeulos

anteriores. Sob essa perspectivatambem resulta ticil compreender0 de­ senvolvimento da filosofia anaIitica da linguagem. Esse desenvolvi­ mento deu-se em tres grandes ondas sucessivas, correspondentes ao aprofundamento de cada urndos tres grandes dominiosdo em­ brionario complexo prWentifico enganosamente definido comoa «ciencia geraldos signos". A primeira grandeonda £OJ, cIaramente, umaonda de maior densidade /Ogico-sintJitica, deftagradadiscre­ tamentepor Frege, tendo como consequenciafilosOfica mais geral as metafisicas atomistas de Russell e do primeiroWittgenstein; a segunda onda foi de maior densidade semtintico-verijicacional, trazendoem sua aista fiIOsows do circulo de Vama, comoCarnape


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Schlick; finalmente veio a onda de concentracao pragmauco­ comunicacionaI, deflagrada peloUltimo Wrttgenstein e representa­ dapeIa chamadafilosofia dalinguagemordinaria, especialmente por Austin, e, posterionnente, par fiIOsofos maisteenicos como 1. Searle, P.Grice e 1. Habermas. Por fun, a ordem histi>rica do desenvolvi­ mento, comecando pela sintatica e termiiumdo na pragmatica, se justificapela propria ordem de pressuposi¢es vigenteentre OStres dominiossemioticos. Com esses alargarnentosdas possibilidades de esclarecimentove-se confirmadaa maiortoler8ncia e tlexibilida­ de da maneira de ver recem considerada. Mas em que se constitui; afinal, 0 proprio elemento protocientifico da conjecturafilosOfica? E dificil dize-lo. Penso ser possivel caracteriza-lo como 0 elemento que outorga substdncia epistemica ao discursofilosOfico. Trata-se da forma essencialmen­ te cogmtiva, e com isso generalizante,argwnentativa e heuristica., de que 0 discurso filosofico se reveste; trata-se de uma forma de pensamento que se abre a teorizacoes incorporadoras de enuncia­ OOs geraise de suas conexoes informativascom descricoes do que ee do que nio e0 caso, 0 que se manifesta comunicacionalmente em proferimentos constatativos. 0 que ai se enuncia pode ser tanto do genero ex.primivel em assercoesde tipo empirico(ex: "v = d I t") como em assercoes de tipo formal (ex: "p, p ---+q I:. q"),o que precisa ser lembrado, dado que as antecipa¢es em questio Dio parecem dever se restringir a supostos dominios da ci&1cia empirica, epistemicamente, de resto, sO gradualmente separaveis dos dominiosformais, E atravesdesse elementocognitivo,do qual participamgeneralizacaoe argumento,que a filosofia toma-se uma espeeulacao racional, visando 0 conhecimento, a verdade acerca de tudo 0 que, direta ou indiretamente,concerne ao mundoda ex­ periencia: eassim que, embora nio sendo como as ciencias. que ocupam lugares epistemicos estaveis e de diteito, a filosofiapode preparar 0 acesso aos campos de questionamento que 0 conheci­ mentodito cientifico terminanipor ocupar. Ha finahnenteum ponto importante, cuja desconsid~ atrai para a ideiada filosofia como saber antecipatorioa injusta aaJ~ de comprometimento com urn reducionismo positivista. Devido mesmoao caniter aberto do saber antecipat6rio que a filosofia pa­ rece ser, nio podemos previamente adotar para 0 que dela cremos que possa resultar, arbitrariamente, criterios de cientificidadeim­


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..

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portados de ci&cias porticulares ja conhecidas (ex: a fisica), pois isso poderesultar restritivo e inadequado. Felizmente, 0 termo 'ci­ &cia' tambempossui outras e maisabrangentes acepcoes. Para captar uma ace~ suficieotemente abrangente e ainda assim relevante do termo 'ciencia', de modo que ele se tome desig­ ~io satisfatOria para 0 telos da investi~ filosOfica, sugiro que ele seja genericamentee descompromissadamente usado para de­ signar minimamente - por oposi~io aconjectura filosofica- uma especie de saber niio-conjecturaJ, no sentido de ser passive I de decisdo consensual em um comexto critico. Essa ideia vaga e insuficientemente restritiva: considere-se enunciados como (i) "To­ dos sao iguais perante a lei", (ii) "Todos os solidos ocupam espa­ ~", (iii) "AD raio segue-se sempre 0 trovio", (iv) "0 fogo queima" ~ todos eles sao enunciados nio-especulativos e todaviaoiG-cientifi­ cos. Por isso, podemos tentar completar nossa sugestio com a proposta provisOria de que os saberes cientfficos sao aquelescapa­ zes de satisfazer ao menos as tres condicoes seguintes:

e

(I) Constituirem-se de generalizafOes descritivas e de al­ gum potencialexphcitativo - de maneira aexcluir saberes praticos (comoem(i) e g~ redundantes(como em (Ii». (2) Serem de urn tipo niJo-triviaJ - excluindo assim genera­ li~ desensocomum (como em (iii) e (iv». (3) Caso haja conftito entre suas teorias, que sejapossivel uma decisiio consensual a favor do verdode de uma delas em um contexto critico - exclui saberes meramente conjecturais, es­ peciahnente 0 filos6fico. Mesmo sem entrar em maiores detaJhes, parece claro que ali­ nhandocondicoescomo essas podemosalcancarurna concepcao suficieoteme:nte generica e mesrno assim ni«:rtrivial do termo'ci&­

cia', apta portanto a ser contrastada aespeeulacao filosofica, E, pois,atravesde urn caminho maisvasto queparece deslindar-se urn horizonte onde os abismos fiJosOficos deixem de existir, urn horizon­ te decerto meramente virtual, caso des se demonstrem relevante­ mente auto-JWltipIicaveis.

4.

Eoelementoprotocientffico ou epistemico de wna ~

cond~io suficiente para torna-la filos6fica? Parece que nao, pois


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embora ele permita eliminar conjecturas particulares, como as da vida cotidiana, pode-se considera-lo de maneira a admitir como sendo filos6fi.cas hipotesesque nio possuem tal relevincia, como, digamos, as do saber a1qulmico, tido como conjecturaantecipadora da quimicamodema. Alemdisso, teoriaspretensamentecientificas, como as diversas doutrinas marxistas e psicanaJiticas, podem ser consideradas como conjecturasprotocientificas, na medida em que enmito dificil estabelecer-seum consenso quanto a sua ~ e quanto aescolha entre diferentes versOes. Seriam etas entia de natureza fil0s6fi.ca? Em certa medida sim, emboraa refiexlo mais propriamente filos6fica costume possuirmaior abrangencia ~etuaI ou metodol6gica e depender ainda mais de conjecturas argumentativas emdominioscorrespondentes. A questio toma-se: que esp6ciede protociencia ea conjectura filos6fi.ca? Uma resposta pode ser encontrada quando nos cientificamos da existencia de doisoutros elementos de maior importincia, facil­ mentedetectaveis em todo 0 discurso filos6ficoocidental. Quero chama-los de componentes ou aspectos "estetico" e "mistico" da reflexiofilos6fica, lI1gerindo sera adi~ delesrespons3vel pornwito do saborpea.aliar da conjecturaprotocientificafilosoficamente rele­ vante. Componentes de ordem estetica e mistica encontram-se, com efeito, nagrande maioria dos discursos de relevincia filosOfica que nosforma legados pela tradi~. Ha uma caracteristica aomeu ver comuma ambos, pela qual e1es diferem do elementoqlistemico de anteei~o dacieooa; eque, diversamentedo Ultimo, eles Dio sao de ordem essencialmente cognitiva, manifestavel em proferimentos constatativos, visto que nio visam CODlUIi.car urn c0­ nhecimentoformal ou empirico-faetua1 do que ee do que Dio e0 caso no mundo cia experiencia. E1es sio elementos de ordem ex­ pressiva, ou, mais propriamente, realizativa, manifestando-se em proferimentosperformativos, nIo visandotanto informar a verda­ de acerca das coisas quanto produzir ~s de outra especie, como, digamos, a de emocionar peIa beleza e a de animar pela exorta~ (12). Pretendo tornar plausivel a ideiade que pela ade­ quada consideracao dessestres elementos basicos podemos aJ~ar­ nos auma visio integradae nio-restritiva da naturezado labor filo­

sOOco. Considerando primeiro 0 componente estetico, podemos fa­ zer entre a filosofia e a arte urn certo paraJelo. Tanto uma como a


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outra sio, em gera1, fontes deurnprazerdesimeressado, como que auto-suficiente, nio visando essencialmente wn fun para alemde si mesmas. A arte DiocostumapossuirutilidadeprBtica. A fiIosofia taJnbem Dioparece servir para nada;ela e, na presumida afi~ de Heidegger, demasiado nobre paraser de algumaserventia. To­ madascomoconhecimento, ambas manifestam-se facilmente ilus6­ rias. Mas em seu fun proprio, a arte possui uma fun~io catartica, que nosreconcilia coma existencia, harmoniza os sentimentos, reti­ na os sentidos, enriquece a personalidade. Algo nio muitodiverso ocorre com a filosofia. 0 que a arte faz para apurar a nossa sensi­ bilidade, a filosofia parecefazerno sentido de harmonizara experi­ encia,refinar e educarnosso intelecto. A filosofia e, por assim dizer, "a arte da razao": assimcomo a arte trabalha com 0 material parti­ cular das representacoes sensiveis para a obt~io de finsnio es­ sencialmente cognitivos, a fiIosofia trabalha com 0 material geeerico do intelecto, para atingir fins nesseaspecto sirnilares. E etambem por satisfazernecessidades esteticas - de uma "estetica da razao", nio dos sentidos - que muitoda retlexio filos6fica, emque pese a sua inverossimiJhan~ continua a nosincitarintelectualmente. o componente estetico nio e so aparente nos aspectos retericose estiIisticos do discursofiIos6fico; elevernenformado em suasprOprias estruturas sistem3tico-ideativas, no recurso alingua­ gemfigurativa, na propriaforma da argumen~io. E a motiv~ esteticaseriatambemresponsavel pelosaspectospmamenteimagi­ nativosda produ~io filos6fica, pelo elementode fantasia, pelo (U­ sombro (tauma) que nos causa,pela"forca taumatUrgica" que nela freqiientemente admiramos, e que nos faculta reveras coisas como da primeira vez e a tudo questionar. Nio se trata, como na ciencia, de se dizer como as coisas sao, mas deimaginar, de dar a entender especulativamente como poderiamse-Io,como toJvez 0 sejam. A filosofia e, nessa medida., "a arte de formar, de inventar, defabricar conceitos" (13). Quantoao eJ.emento de cono~o mistica, nio podemosdei­ xar de notarque a filosofia nasceudo solo espiritual da mitologiae da religiao. E lugar-comum a consideracao de que 0 advento da filosofia sefez entre os gregos, atraves deuma ~ dos &gen­ tes sobrenaturais por principios expIieativos nio-antropom6rficos. Essesprincipios, que eraminicialmente fisicos, como a cigua, 0 ar, e ofogo, logoforam substituidos por ~intangiveis, como as


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do ser, das ideias, dasuhstdncia edo uno, na filosofia antiga, e as da consciencia, do eu, do absoluto e da vomade na filosofiamo­ dema.

Pode-se ponderar que semelhantes abstr~s foram utiliza­ das de maneira equivoca, como atesta a critica da linguagem, per­ vertendo os sentidos usuais de tennos genericos cuja gramatica e intransparente, para faze-los servir, em grande parte, de meio paraa veia.d~ de equivalentes abstratos das .figui~ mistico-religio... sas de certas conformacoes culturais. Mas tambem pode ser que ainda aqui se esteja obscuramentepropondo novas determin~s de sentido, ou seja, que 0 uso de tais tennos pelos filosofos possa ser considerado urn meio tentativo e analogico de se expor novas ~. Algo assim eo que insiD1am, por exemplo, aS~ e depuracoes que 0 conceito filos6ficc de Deus sofreu, desde 0 mo­ tor im6velde Arist6teles, 0 noesisnoeseos, ate co~Oes mais facilmente assimiJ8.veis, como,do lado de uma disposi~ subjetiva, a ideia normattva de Deus em Kant, entendida como 0 conceito ex.periencialmenimpreenchivel de urnfundamento Ultimo, ooncei­ to que serveapenas COIOO principio hemistico, 0Jdenad0r e unificador de todo 0 conhecimento da namreza, e, do lado de urn suposto correlato objetivo, a concepeao spinozista de uma natureza oniabrangentee infinita, em re~ aqual por vezes poderiamos, em algum sentido, intuir-nos como partes necessirias. Minhasugestio e a de que 0 componentemistico eessencial­ mentereveladoquando consideramosa .fiIosofia sob a perspectiva de duas preocupacoes basicas mais elevadas e abrangentes, que sao as relacionadas "'80 todo do universoe ao lugar que 0 homem nele ocupa" - preocupacoes que sao tambem fundamentais a reli­ giao. Aprimeira delas,concernente a(certameote infundada) ambi­ ~io humana de "compreensao do universocomo urn todo", mani­ festa-se basicamentena tendeneiaespeculativaque 0 fil6sofo de­ monstra ao orientar sua investiga~o em dir~o a fundamentos ultimos, Mo-subordinados, que fatalmente acabampor transcen­ der os limites do empiricamente experienciiLvei ou lingUisticamente dizivel. Eis 0 que eu gostaria de chamar de amhiflio totalizadora da atividade filosofica, revelada, nio 50 no conceito filosofico de Deus, mast:ambem em muitosoutros conceitos-limitesusarlos pe­ los filosofos, como os do incondicionado, d3 coisa em si, dos noumena, do absoluto, do indizivel etc., que sempre a nortearam.


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A segunda preocu~ diz respeito aquestio priltica do "lugardo homem00 universo", manifestando-se maisamp1amente na at~ do filosoto Ii questio (supostamente infundada) da atitude geral que devemosadotar diantedo mundo. TaispreocupecoesespecuJativas e praticasternem seu ceme sedemonstl'ado cognitivarnente, racionalmente irresgataveis, posto queterminam por exigirque nossointelecto, para responde-oIas, trans­ cenda 0 mundo 00 experiencia possivel. Vemoscom isso corro­ borada asugestio de que 0 componente mistico da filosofiaeem essenciaperformativo,exortativoe nio-cognitivo, adiferencado e1e11lento protocientifico, que rnantem-se imanente aexperiencia. E tambem por esse seu carater essencialrnente perfonnativo que 0 e1emento mistico costumaveiadar-se por meiosesteticos, expressi­ vos. De resto, e porque semelhantes preocupacoes totalizadoras sao inerentes aforma do pensamentofilos6fico, que filosofias que as rejeitamsem questionamentoadequado (ex: 0 materialismode La Metrie)tendem a afigurar-se gratuitas e empobrecedoras. 5. Mas nio seria essa, apesar de tudo, uma construcao for­ cada e artificiosa? AfinaL 0 quejustificaa escolhados t:res elemen­ tos recem considerados? Nio seria possiveljuntar os elementos esteticoe mistico em lDD Unico, ou, digamos, adicionar wna varieda­ de de fun~ ideo16gicas? Possivelmente. Mas a escolhaque ~ nio e arbitraria. A razio pela quaJ selecionoesses tres elementos como sendobasicos advemde uma reflexio acerca do lugarque a tilosofia ocupa entre outros cornplexosde atividades e produtos culiuraisda sociedadehumana,entre outras prilticassocio-cultu­ rais em urnsentidoamplo. Podemosdistinguir c1aramente ao todo quatro grandespnlticass6cio-culturais em nossa~: aarte, a religiao. a ciencia e a propriajilosojia. Ora, mas se a filosofia, em seu elemento epistemico, se relaciona com a ciencia como protociencia, e se ela nonnaJrnente contea.componentesesteticos e misticos que a aproximamcia arte e cia religiio, entao parece raw­ avelsupor que elaseja mna praticas6cio-culturalmista ou deriva­ 00: aseme~ cia opera, que eumaformade arte nio possuido­ fa de identidade autOnorna, resuhandode umainstavel comb~ de musica, de poesia e de dramaturgia, a filosofia nutrir-se-ia de umaconfluencia de motiv~ procedentesde outras fontes, que isoladamentepoderiam ter originado ciencia,religiio e arte, mas .. ~

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que juntas geram algo novo. que constitui-se como que de urn am8lgama demateriaisreJacionados aquelas mesmasfontes. Essa hi~ pode ser ilustrada se situannosa filosofia no interiordewn triingulocomo 0 seguinte:

CIENCIA elementos

cognitivos au protocientijicos

FILOSOFIA componenr:es perfonnativos esteticos / misticos

~ARfE ~<--------~>RELIGIAO~ As re~ de estrutura assim estabelecidas podem ser dina­ micamente interpretadas. Primeiro: a ciencia. essenciahnente racio­ naJ, eposterior aarte e areJigiio.mais imagina1ivas, tomando gra­ dua1mente. emaescentes Diveis de complexidade, esp8\X)s que an­ tes Ihespodiam SCI' COJDJIlS; contudo, nem por isso 0 processopre­ cisatomar-sefechadoe finite, dado que 0 Lebenswelt responsivel pelos esp~s estetico e mistico etambem criativo, tendo sempre se aberto il emergenaa de novas possibilidades. Segundo: a arte e areligjio podem inftuenciar-se mutuamente. em competi~ ou co­ mCrcio simbiOtico. e assim tarnbemos componentes esteticoe mis­ ticoda retlexio filosbfica (14). Parece dessamaneiraadmissivel supor que a forma caracte­ ristica do disaJrsofil0s6fico . . para usarmosumaJIlet8fora aili­ naria, a de uma receitaprotocientffica, elaborada com dois condi­ memos basicos, que sao assuascono~ esteticae mistica. FaI­ ta-nos., everdade, medidas e f6nnulas diferenciadas. Mas ja 0 que temos parece bastar para excluirconjecturBS nio-pr8ticas e 080­ fiJosbficas, que nio possuem. por exemplo. auto-suficiencia em SUBS finalidades, como a pseudociencia a1quimica., au quenio demons­ tram preoaJ~ tio ampIas., como a psican81ise e 0 marxismo.


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6. A~quetentei ~efilcilmenteirnpugnaveL

se consideradade urnporso de vista normativo - do que filosofos possam pensar que a filosofia precisa ser, deve tornar-se; como outros conceitosorganieos, 0 conceitode filosofia possui"textura aberta", sendosusceptivel de ampli~ e m~, as quaispo­ dem tanto surgirnaturalmente dapraxis fil0s0fica quantoserem pro­ postas e eventualmente adotadas. Contudo, Diofoi meu intento, nempropor uma renovacao do conceitode filosofia, neminwnizar minha caracterizacao de tais obj~s, 0 que seria 0 mesmo que tentar fechar 0 proprio conceito usual de filosofia. 0 quequis fazer foielucidar 0 concerto de filosofia sob 0 pontode vistade seu signi­ ficadohistOrico-descritivo - do que a filosofia de Jato tern sido, do que se tern efetivameme emendido por ela. Sob essaperspectiva anaIitic<Hlescritiva, a proposta sugerida toma-se bern menosimpugnavel. Ela recebe, naverdade, umacor­ robor~ nwitoamplaquandoconsideramos as obrasdos grandes filosofos do passado Os tres elementosconsiderados podern ser detectados em filosofias as mais diversas, explicando-se ainda a especificidade de certas fonnas de filosofia porvariaeoes na contri­ bui~o de cadaelemento. Ha aquelas filosofias que se aproximam da arte, representadas pelo trabalho de artistas-filosofos como Nietzsche, Kierkegaard, e mesrno Heradito. Ha aquelas que se concentram maisoos ~s mistico-teol6gico-et:icos do triingulo, como 0 sistema spinoziano e as obras de Agostinho, Sio Bonaventura e tambem Kierkegaard. E hi ainda outras que do rnais fortementedirigidaspara 0 vertice da cientificidade, como 0 sistema aristotelico, 0 pensamento cartesiano, a teoria do conheci­ mentode Locke, as filosofias da linguagern de Frege e Russelletc. (Hit tambem aqueles filosofos hostis a esse elemento, como Heidegger e Sartre,e ainda positivistas aversosao modo de filoso­ fur dos quesentemtal hostilidade, comoCamap ...). Hi, par fun, 0 caso de obras que se situam de tal maneira sobrepostas a urn dos vertices do triingulo, que se toma dificil decidirem que medida aiD­ da pertencem ou se jli deixararnde pertencerao dominio da filoso­ fia: considere-se, quanto aciencia, os exemplosde Freud e Marx, e, mais para alem,os de Weber, Toynbee,Levi-Strauss;quanta it arte, hi os exemplos de Seneca, de Novalise Holderlin;de Cioran; e quanta a. religiio, hi os exemplosde misticos iluminados como 1.


Bohme, de sincretismos filoscfico-mlsticos, como 0 do Corpus Hermeticum. Hi tambem 0 registro de epocas historicasem que predomi­ nou a filosofiaorieotada para 0 elemento estetico, como no breve periodo do romantismofilosofieo (e mesmo no idealismo alemio); para 0 mistico, como e 0 caso do pensamento medieval; para a razio cientifica, como no classicismo nxxIemo. Aindamaisvoltada para a cienciae a maiorparte da filosofia coetemporanea,que assim deve se-Iocomo efeitodo imenso sucesso e da impressionanteam­ pli~ dos dominios da ciencia, mas que tambem pode se-lo dogmaucamente, tanto por exigir prernissascientfficas (logo nio­ conjecturais) como ponto de partida, quanto em requererem seu desenvolvimento a coibi~ dos outros elementos. Creio que a for­ ma mais radicale algo fUtil dessa tendencia esteja exemplarmente contida no "quineismo" de uma parte da filosofianorte-americana contemporanea,que parece ver no filesofo 0 ajudante-de-obras do cientista, ou mesmo 0 seu enterteiner: Que a filosofia atual nao precisa ser de uma sO maneiraprova-o, talvez, a filosofiafrancesa contemporanea: Atravesde sua peculiar"ret6rica argumentativa", tambemela costuma orientar-se unilateralmente, mas para uma es­ pedede ~ estetica, que vivedo sacrificio cotidiano do "mito da verdade", comprazendo-se na fabricacao de ilusoes urn tanto supedluas, que, diversamenteda arte, Ilio sao sem subterffigios de born grado admitidascomo tais. Com efeito, parece ser pelo fato de wna conjectura nio ter se polarizadoem nenhwndos vertices do triingulo que ela se rilostra mais particularmenterelevante como filosofia Assirn, Kant linha preoeupacoes cieritificizantes ao teotar esclarecer as condi~ de possibi.lidade da experieacia, mas a sua revolu~ copemicana e as postUl~ metafisicas dela resultantes, e ainda os subsequentes ri:lergu1hos nas iIguas tUIvas do "oceanonoum.emco", sao reveladores de uma ambi~ totalizadora deascendencia mistica. 0 Wtttgemtein do Tractatus preocupou-se,junto a sua expli~ das condi~es de representa~ lingtiistica das ciencias faetuais, com 0 quetrans­ cende os seus limitesde significacao, 0 "indizivel" etico, estetico, mistico. 0 monismomisticoque e 0 sistema spinozianoorienta-se segundo 0 modelo de racionalidade dedutiva das ciencias exatas, a maise1evada qualida­ ciljaordem argumentativaadquire na de estetica 0 esteticismode Kierkegaard, por sua vez, era essen-

taco

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ci.almente mistico, mas nAo necessariamentenio-argurnentativo, 0 mesmo acontecendocom 0 pensarnentoagostiniano,permeado de elementosesteticos e misticos. E a fiJosofia de Platio representou talvez algo proximo deurnequilibrio ideal entre as tres preocupa­ ~. Procure-se (se possivel)conceber como seria a producao de cada urn desses filosOficos se nela fosse considerado apenas urn imicodos tres elementos;nesse caso 0 que teriamosseria uma mu­ til~ do produto, que ficaria privado daquilo que the dava urn valor filos6fico. De sernelhantes consideracoes parece resultar, en­ fun, uma conclusio algo melanc61ica paraos cuItoresda ~:E queas conseqUencias que umaerade escIarecimcnto cientifico total trani paraa filosofia - ao menosemsua formaclassicae proeminen­ te - haverio deser negativas: junto ao colapsodo papel da arte e da religiio. os bons tempos da filosofia terao chegado ao tim. Ainda assim. como rIJJitas das questoes filosOficas tradicionaisquese man­ tiveram vivas continuamtanto insolucionadas quanto indissolvidas, essa era pode Ilio ser tao iminente quanto sugerem a inercia e 0 ceticismodenossa~.

7. As consideracoes precedentes permitem-seconcluircom uma moral acerca da justifi~io pratica da reOexio filos6fica. III. se notou queuma boa justificativapara nos ocuparmos com 0 estu­ do da filosofiaest&. em que todos nos, queiramos ou nio, sempre possuimosuma- a propria decisio de nio filosofar, como ensina 0 paradoxo do Protrepticus, euma decisio fiJosi>fica -; sendo assim, e rnelhor que nossas concepcoes filosoficas Rio sejam ingenuas: que elastenbam passado pelo crivo da discussio em uma comuni­ dade de ideiase mostrado resistencia aos desgastes da da historia (15). Nio obstante, no proprio fato de tennos, queiramosou Rio, uma filosofia, no fato de nio podennos suspender seu exercicio implicito, ja se pressente a sua necessidadepnitica. Embora a filo­ sofia nlo possua uma fun~io pratica extema e imediata, a evid~ de umadimensio cognitiva,antecipadora da ciencia, acrescida deaspectos performativos, aponta para efeitos concre­ tos. A fiIosofia que tivennos, mesmo que implicitamente, escolhi­ do, terminara por orientar tanto a forma de nossas inquiricoes, quanta nossas disposicees e atitudes gerais, influenciando, nessa medida, 0 curse de nossas ~s (16). Se a filosofia Dio influiem nossas ~ imediatas, ela terminara por inftuir no longo curso de


43 .

.

.

nossasexisrencias, e assim, em UltimaiDStincia, em nosso proprio destinocoletivo. .

Notas: I Para uma bibliografiae exposi~io dessa concepeao, no ambito da filosofia analitica, ver ClaudioF. Costa: Filosofia Anali­ tica, (ed. TB) Rio 1992, cap. 1. Em contraste, a concepcao que quero esbocar aqui nio sO evita restriw~ arbitrarias na extensio do conceitode filosofia, mas tambem Ilio deixade fazerjuz Ii pre­ tensio de centralidadede questOes metafisicas e epistemicas. TaJ concepcao pode ser vista como uma tentativa de integrar 0 que parece correto em viuiasoutras. 1 Nio mereDro awn dogmatismo aberto, masmatizado: nio e"Eu tenhoa verdade", mas"Eu creioter chegadoa wna exposi~ aproximada da prOpria verdade", 0 que 0 616s0fo detatodira, quando o que ele deveriadizere: "Eu suponhoque chegueia umaconfusa, fantasiosa, simplificadora e altamente defeituosa aproxima~io da verdade". 3 Ver C. F. Costa: "Wittgenstein: a serninticaimp1icita", in 0 que nosfaz pensar, n" 5. 4 L. Wittgenstein: InvestigafiOes Filosoficas. col. Os Pen­ sodores, Abril 1975, sec. 244.0 argumento estende-se da sec. 244 a sec. 308 da parte I. 5 L. Wrttgenstein: Ibid., sec. 258. 6 L. Wittgeostein, Ibid., sec. 271. Baseio-rne aqui na recons­ ~o de W. Stegmiiller, in: Filosofia Conlemportinea. Vol. L Sao Paulo 1977 (Epu-Edusp), p. 492 ss, 7 L. Wittgenstein: Ibid, §580. 8 Mais expIicitamente: pelo seuprimeiro argumento ( §258). Wingenstein deve ver-secompeIido a re:;eitar que qualquerlingua­ gem, mesmoa nossa, possa ser usada para fazer referenciaa esta­ dosintemos. Mas essaconclusio parece condumaurn bebaviorismo radica1 e Ii viol~ de nossas intui~ lingtiisticas quanto ao uso de termos psico16gicos. Wittgenstein rejeitatal bebaviorismo, ad­


44 mitirido expJicitamente a existenciade estados mentais. 0 que nio parece e que ele tenha conseguido fazer isso sem cair ern contradi­ ~io com seu proprio argumento. Comentadores como P. Geach tentaram evitara contradi~: "0 que Wittgenstein quis negar", diz

Geach, "nio foia referenciaprivada deexpress5es psicolOgicas - e.

g. que 'dor' esta para uma especie de experiencia que pode ser bastante 'privada' - masa possibilidade de dar-Ihes urn sentidoapro­ priado - e.g. de dar sentido a palavra 'dor ' apenas por prestar aten~ as propriasexperienciasde dor, urndesempenho que seria privado e inconferivel". (Mental Acts, Oxford 1970, p. 4). Uma interpretaeaosensivel, essa, masque nio salva 0 argumento da ob­ j~o de que nio seria possivel a referencia a estados privado se para eles nio pudessemos fonnar regras de identifi~. 9 '''Filosofia' poderia sert:ambem chamado 0 que ~ possivel antesde todas as novas descobertase inv~". (L. Wtttgenstein: Ibid. §126). 10 Sobre a psicologia do filosofo acrescenta ainda Russell: "Assim como existem familias naAmerica que desdeos tempos dos Pais Pilgrims emdiante sempreimigraram em dir~ ao oeste, por­ que nio gostavamdavida civilizada, os filosofos tern uma disposi­ ·~o venturosae gostam de lidar com regioesem que ainda existem incertezas", (B. Russell: A Filosofia do Atomismo Logico, p~ 141, col. Os Pensadores (ed. Abril), Sio Paulo 1974. 11 1. L. Austin:PhilosophicalPapersOxford 1979, p. 232. 12 Sobre 0 carater nio-cognitivo da linguagem religiosa, vee 1. Hick: Filosofia til Religitio, (ed. Zahar) Rio 1970, p. 117 ss. A tese se aplica com nio menosrazio alinguagem da arte 13 G. DeleuzeeF. Guattari: OqueeaFilosojia?, (ed. 34) Rio de Janeiro 1991,p. 10. "Parece-me", diz Deleuze, "que a filo­ sofia e urn veedadeiro canto que nio e 0 da voz, e que ele tern 0 mesrno sentido de movimentoque amusica" (ConverSOfiJes, (ed. 34) Rio de Janeiro 1992, p. 202). 14. Esse esquemapodetrazer al~ a ctwnada lei dos Ires estagios de A Comte (ver Curso de Filosofia Positiva, Col. OsPensodores, xxxm, (ed. Abril), S. Paulo 1973). Segundo Cornte, a evolu~ dos saberes passa necessariamentepor tees fa­ ses: 1) 0 est:3gio religioso, que explica a realidadeimaginariamente, pela intervencao de causas sobrenaturais absolutas; 2) 0 estagio metaflsico intermediario, que substitui os deuses por causa recOn­


45

ditas absolutas,como eo easo da substdncia, sendo tambem pro­ duto do imaginario, e 3) 0 estagio cientifico ou positivo, em que a imaginacaoe substituida pela razao, que busca leis derivadas da observ~io de regu1aridade factuais, renunciando adescoberta de eausas U1timas e absolutas.. Para Comte, a fun~ dos dois primei­ ros estagiose tao somentepreparar 0 advento do Ultimo ao manter vivo0 interesse humanona investigaeao Inegavebnenteimportante, ao revelaruma certa tendeneia geral na evolucso do saber,a "lei" comteana eapresentada em um contextoideologicoe rigidamente aplicada, desvalorizando os dois prirneiros estagios emfavor de umarriscado reducionismo positivista, que sintomaticamente acaboupar reproduzirem simesmo muito do obscurantismo que dogmatiearnente condenara fora de si. Seu es­ quemadinfunico tambem diferedo nosso par ser linear, nio levando em conta adimensAo estetica: religiio --+[filosofia] --+ciena.a. 15 K. Popper: Autobiogrcfia InteJectuaJ, Cultrix. Sao Pau­ lo 1976. 16 Exemplo disso e a discussio contemporinea em tomo das teorias da verdade. A teoria que escolhermos, se correspondencial, coerentista,consensual, pragm8tica etc., perten­ ce afilosofia teorica, mas ajuda a detenninar a forma da filosofia praticaa seradotada, 0 que pode influir emtodo 0 ambito de nos­ 50S valores, atitudese comportamentos.


46 Revista Principios -Depts. Filosofia UFRN, RN, 'kIll - WI

Junho de 1995

JURGEN HABERMAS

DAPRAGMATlCA UNIVERSAL AAMBIGUIDADE

TRANSCENDENTAL(*) .

JAIME SIELLA DEPARTAMENTO DE FIWSOFIA DA UFRNIPUCCAMP

RESUMO

Em sua Teoria da AfOO Comumcativa; Jurgen Habermas "distingue" razao instrumental e razio comunicativa e apresenta suasteses sobre 0 estatuto e 0 Iugarda filosofia na roltura contemporiIlea. A partir da analise dos estudos deHabermas so­ bre a Pragmatica Universal, 0 autor discute a natureza da raziio comunicativa (haveria aiurna cim no interiormesmo da razio?) e questionaasbases dadefini~ habermasiana de filosofia (pragma­ . tica au transcendentalismo?).

Todos os filosofos ja se depararam, pelo menos urna vez, com a necessidadede de6nir "0 que ea filosofia". Assim eque toda teoria filos6fica traz, implicita ou explicitamente, uma ~ sa­ bre a propria filosofia Em nosso seculo, parece que esta questiio assurniu propor­ ~es nunca antes experimentadas pelos fil6sofos do passado. Ao mesmo tempo, conhecemos respostas asmaisvariadas possiveis. Desde 0 irracionalismo ontologico de Heidegger e da metafisica atomista de Wittgenstein, urnamploespectro de respos­ tas fbi-nos apresentado neste periodo. Aexponenciacao de temas na filosofia contemporanea cor­ responde, diretamente, a nwltiplicidade de defini~Oes do ato do filo­ sow. (OJ Trabalho apresentado no VI Encontro Nacional de Filosofia - ANOF/ll/94 e na III

Semana de Humanidades-CFRN/1994.


47

Jurgen Haberrnas nio e excecao. Ja lui alguns anos, esteau­ tor vern apresentando reiteradamente SUBS teses sobre 0 estatuto e o lugar da filosofia em nossa eu1tura. Para Haberrnas, a filosofia deve abandonar a pretensio de superioridade que a caraeterizavano passado sem, contudo, abdi­ car dos seus traces mais caracteristicos (universabilidade, carater hipoterico, etc). Ao incursionar por esta temiltica Habermas nos da a conhe­ cer uma resposta bastante atraente: a de que a filosofia pode (e deve) senacional, falibilista, interdisciplinar, criticae libertadora, e ainda: nio fundacionista nemmetafisica. Nosso objetivo na presente exposi~equestionar a defini­ filosofia a partir da analise dos pressupostos que a sustenta. A Moria do Afdo Comunicativa assenta-sena ideia de que, alem da razio instrumental, luiurn outro modeIo de razio: a cornu­ nicativa. Esta razao e, segundo Habermas, passivel de ser identificada e reconhecida a partir dainvestiga~ da ~ lingi.iistica, posto que alinguagem pressupOe umaracionalidade processual. ConclusAo: a razAo cormmieativa situa-se numacomunidade lingilistica. As inferencias de Habermas, entao, sao Obvias: Se a comunidade lingilistica 0 lugar de uma dada razio, temos entio que a filosofia pode abandonar 0 modelo de investiga­ ~ centJada emurn sujeit6 isolado. Ainda: a filosofia pode abando­ nar oparadigma da filosofia da consciencia e aceitar 0 paradigma da intersubjetividade. Se, por outro lado, razio comunicativa corresponde urn interesse emancipat6rio da especie humana, esta saJvaguardado 0 carater critico-libertador da filosofia. Voltemos, agora, aos pressupostos desta razlio. Onde vai ~io haberrnasiana de

e

a

busca-los Habermas? Assim como tantos de nos, Habermas sabe que a filosofia nao e uma ciencia empirica. Todavia, Habermas pretende nio se servir do metodo transcendental de investi~da rea1idade. Res­ ta-lhe portanto, utili2N-se dometodoreconstrutivo Leltb amos aqui, que estes modelos de conhecimento: empirico, transcendental e

tres


48 reconstrutivo, sao exatamente os tres metodos reconhecidos por Habermas. Exemplo de conbecimento reoonstrutivo e a PraglMtica UD~ venal, que, por sua vez, na formula~ habermasiana, serve-se dascontribui~deJ. L. AustinedeJ. Searle. Para Habennas, "a pragmatica universal tem como tare/a identificar e reconstTuiras condifOes universais do entendimento possivel" (Habermas, 1989:299), vale dizer, identificare recons­ truir as condi~ universais do dimogo. A meta da anilIise reconstrutiva da linguagernea de descre­ ver ex:plicitamente as regrasque urn&lante tern deadotarpara cons­ truir oracoes gramaticalmente corretas e as regras para aplica-las de forma aceitavel. Estameta assenta-se na idemde que a compe­ tencia comunicativa tern urn nUcleo tao universal quanto a compe­ tenciaJingiiistica, posto que,

"todo agenle que atue comunicauvamente tem que, na exeCUfDode qua/quer ato defala; erguer pretensoes umversais

de validade e supor que tais pretensses podem ocorren " (Habennas, 1989:3(0) Toda emissio JingOistica pOe a or~ em r~ com a rea­ lidade extema, com a realidadeintema do &lantee com a realidade oormativa dasociedade. A rea1idade externa eo.mundo dos objetos e eventos sobre .osquaissepode fazer emmciadosverdadeiros ou fiIlsos. A realida­ de interna, por sell turno, .eo proprio mundo das expaiencias inten­ cionais do falante, que podem sec expressas verazmente ou nio. Por tim, a realidade normativa da sociedade e 0 que se chama de "110850" mundo social, de valores e normas compartiJhadas, de leis e regras a que urn 310 pode ajustar-se ou nio, que podem ser cor­ retas (legitimas, justificaveis) ou nio. Neste sentido, ao emitiruma~, 0 fBlante levantapreten­ sOes de validade de diferentes tipos. Estas pretens6es sao: a inteligibilidade, a verdade, a veracidade e a retidio. 0 falante pre­ tende, portanto: 1. 2.

que sua emissio sejacompreensivel; que 0 enunciado sejaverdadeiro;


49 J. raz;e

que a expressao manifesta de suas intencoes seja ve­

4. que sua emissao(0 ato de fala) seja,ele mesmo, corre­ to ou adequado em rela~ ao contexte normativo reconhecido.

Dentre estas quatro condicoes de validade da fala, observa­ seque a primeira eimanente Ii propria linguagem, enquanto que as demaiscolocam e emissio do falante em rela~o a ordens de reali­ dadeextraJingiiistica. Portanto, a infra-estrutura pragoWicaconsiste em regras gerais para ordenar os elementos das si.tua~ de faIa do sistemade coordenadas formado por tres eixos: a realidademer­ na, a realidadeinterna do falantee a realidadenormativa da socie­ dade. A difer~ entre competencialingiiistica e competencia co­ rmnicativaesta no fato de que, enquanto a primeiraexigedo fillante apenas a habilidade para produzir ~ gramatic:almente corre­ tas, a competenciacomunicativaexigedo falantehabilidade para: ·produzir oracoesgnunaticalmente corretas; · selecionar 0 conteUdo proposicionaJ deformaque reOita uma experiencia ou faro; ·expressar sua inten~o de forma que a expressio lingilistica retlita no que 0 ouvinte pensa;e ·realizar os atos de fala de fonna que se cumpram DOnnas reconhecidas ou correspondama auto-imagensaceitas.

Urndos aspectos maisimportantespara todae qualquer teo­ ria dos atos de falaea c1arifi.~ do status performativodas emis­ sOes lingaisticas. 0 poder dos atos de fala de produzir 0 tipo de rela\:iopretendidapelofalantefoi denominado por Austinde fo~ ilocucionilria. Segundoeste autor aforca ilocucionana deum ato de fala e0 fato de que, ao realizar emissoes lingiiisticas 0 sujeito est8 realizando a¢es. Por exemplo, ao emitirIingUisticamente urnapro­ messa 0 sujeitoesta fazendo urnapromessa (0 mesmo vaJendo para advertencias, afirma~, etc). Alemdisto,todo ato de falacarrega em si doisaspectos: 0 do eOnteUdo fixado peIa forca ilocucion8ria e 0 da ~ (mesmo que implicita) entrefalantee ouvinte. Alem destes dois aspectos presentes em todo 810 de fala, Habermasdestaea urnterceiro: a forea generativa,a partir da qual


50

podemos anaIisarse urn 810 de falaobteve 0 sucesso pret.endido ou

nao.

Urn 310 de falaobtem sucesso quando, atraves dele, se esta­ belece uma r~o interpessoal entre f . e e ouvinte e quando 0 ouvinte entende e aceita 0 conteUdoque 0 falantepretendeu trans­ mitir quando da emissao lingOistica. Nestesentido, a forcagenerativa eexatameate 0 modo como 0 falante atuou sobre 0 ouvinte, crian­ do, desta forma, as condi~es para que se estabelecesse uma rela­ cio interpessoalentre ambos. Entretanto, 0 estabelecimento de ~ interpessoais nio e privilegiodos atos de fala, masde todo tipo de inter~. Todasas ~ cornunicativas, expressasou nio IingWsticamente, referem-se a urn contexte de normas de acao e valores, isto e, todas curnprem convencoes (expectativas sociais nonnativamente fixadas), 0 que significa. emUltima instincia,queestabeIecem ~ int:apessoais. Portanto,assinalar que b8 0 estabelecimemo der~ interpessoais nio e suficientemente seletivo para 0 proposito de Habermas de estabeleceras condicoes necessiuias para 0 entendimento possivel nas emissOes lingUisticas entre, pelo menos,dois falantes. Urn 310 de fala explicito tern a forma: ."Eu te prometo que virei amanhi"

e comporta dois elementos:0 ilocucioniuio ("eu te prometo") eo proposicional ("que virei amanhi"). Ao primeiro da-se 0 nome de oracao perfonnativa, enquanto que 0 segundodenomina-seora­ enunciativaou subordinada. A diferenea que se estabelece a partir deste momento entre atos de fala explicitos e ~Oes nao lingiiisticas. e que estas nio po­ dem cwnprir ~ expositivas, pois somente os 810s de fala ex­ pHcitosexpressam uma experienciaou ern estado de coisas. Isto e de suma import3ncia para Habennas, porque "os atos de fala proposicionalmente diferenciodos permitem, par conta de sua fuTlflio expositiva, uma maior liberdade de movimemos e confi­ guTatiOesno observdncia de normas" (Habermas, 1989:337, gri­ fo do autor). .

cao

. Habermas observa aindaque urn mesmoato defala pode ser


51

expresso de diferentes formas, Exemplo: ."Afinnoque Pedro fumacachirnbo" ."Te pergunto,Pedro, se tu fumas cachimbo" ."Te advirto, Pedro, que tu deves fumar cachimbo". etc Nota-se no exemploacimaque 0 conteado proposicional e o mesmo emtodas as emissOes ("fumar cachimbo").enquamoque o ato ilocucionariovaria de urn. para outro caso. Ha, portanto, em todo ato defala, umadesconexio entre 0 componenteiIocucion3rio e seu correspondenteconteUdo proposicional. o reconhecimento desta desconexao permite a Habermas distinguir entre (a) a r~ intersubjetiva estabe1ecida entre falante e ouvinte,e. (b) 0 planode experienciase estados de coisasatraves do qual ouvinte e falante estabelecem as condicoes necessaries para que se cumpra (a). Temos, portanto, que ern todo ato de fala existemdois niveisde comu~ao. A vari~o do ato ilocucionario de urn. ate de faIa paraoutro deve-se a que em cada ~ 0 emissor valorizauma das preten足 sOes de vaJidade em detrimentode outras, rnuitoembora asdemais continuem a existir universal e necessariamente em todo ato

Mguistioo. Consequentemente; pede Habermas estabelecer umadistin足 ~ fundamental entre diferentes tiposde atos lingtiisticos. conforme

a pretensio de validade que e privilegiada pelo ernissor, correspondeodo,cada urndeles, a urn modo especifico de connmi足 ~io.

Os tres tipos de ato de fala sio: ConstaJativo: privilegia a pretensio de validadeVERDAOE e eusado para que 0 emissor ~ referenciaa urnestado de coisas. Regulativos: privilegia a pretensio de validadeRETIDAO e eusado para que 0 emissor ~ referencia ao "mundo social" que de cornpartilha com 0 receptor. Expressivo: privilegia a pretensio devalidade VERACIDA足 DE eo ernissorfaz referencia ao seu proprio mundo subjetivo,ao qual sc ele tern acesso. Se epossivel reconhecer, diz Habennas, qual pretensio de validade foi privilegiadaem urn determinado ato de fala, entio. 0


52

componente ilocutivo deurn 810 de falapossuiurn caniter cognitivo, logo, racional. Em suaspalavras:

"... voudefendera seguintelese: em Ultima instincia, 0 fa­ lante pode atuar ilocucionariamente sobreoouvinte e este,por sua vez, atuar ilocucionariamente sobre 0 talanteporque as obri~es tipicasdosatos de falaestio associadas com pretensOes de valida­ de suscetiveisde examecognitivo, isto e, porque a vincuJafiin reciproca tem um carater racional" grifo do autor).

(Habennas, 1989:362,

Estarnos,portanto, conclui Haberrnas, diante de uma nova forma de razio: A RAZAOCOMUNICATIVA . Diantedesta constata~, Habennas estabeIecepara si a ta­ refa de desenvolver 0 concerto de RAZAO COMUNICATIVA. No texto, Oh!~ervafOes sobre 0 conceito de aflio comumcattva. eJeafinna:

"A teoria da a¢o comunicativa se propije como tarefa investigar a "razdo" inscrita no. propria pratica comunieati­ va cotidiana e reconstnar a partir da base de validade da fala um conceito Ilio reduzidode razao " (Habennas, 1989:506, grifo do~or)

No desenvolvimento desta taretil, Habennasestabelecera wna

sera

distin~ (ou wna cislo?) no interiormesmoda RAZAO, dis­ tinguindo razio instrumental e razio comunieativa.

RAZAO INSTRUMENTAL

RAZAO COMUNICATIVA

serve pam 0 dominio. e controle da natureza

serve para criticar, aproxjmar e antecipar 0 homem.

subjugadoraldominadora ';.

; .

"

interesse associado: tecnico

critica e libertadora interesse associado:

emancipat6rio filosofia: da eOnsciencia

filosofia: da linguagem


53

rel~io

monologica

(sujeitolobjeto)

enteric de decisao: coercao

re~ dial6gica (sujeito igual­ mente capacitados

criterio de decisio: melhor ar gumento

Por fun, Habennas ere que com esta distin~, tera estabde­ cido urn novo padrio de reIacio entre teoria e praxis, 0 que lhe abririacampo para a ~ de wnateoria critica,fundamenta­ da, agora, no conceito de razio comunicativa. o problematicoem Habennas, a nosso ver, residejustamen­ te na existenciade uma razio "cindida". Aideiade reconhecimento dewnaestrutura racional inerente alinguagem Dio temos nada a opor. Nossa preocupacao e com 0 que se pode inferirde uma anMise rigorosa da linguagem. Noutras palavras, questionamos a possibilidade de, a partir da analise da linguagem, se inferir0 estatuto daestrutura racional ali subjacente. Aoosso vee, umaan8lise rigorosa dalinguagem pennite a ideo­ tifi~ao de estruturas neeessarias Ii realiza~ dos jogos de lingua­ gem elou quais as pretensoes de validade que sio inerentes a uma situa~o de comunicacao, e, ate, reconhecer que estas pretensOes de validadepossuemuma estrutura racional. Todavia, urnaanalise rigorosa da Iinguagem nao nos permite, a partir da identifica~io das pretensOes de validade, inferir a exis­ tencia de uma nova forma de razio. Se epossivel reconhecer umalegitimidade racional na lingua­ gem, nie seriamais apropriado afirmar simplesmenteque estamos diante daRAZAO? Nio estaria Habermas apresentando-nos urn novo conceito inuativo de razio? SegundoHabennas, 0 conceito de razio comunicativanio e umaconstrucao intuitiva, pois foi obtido atravesda pragmaticauni­ versal, ou seja, pela anaIise daptilticalingiiistica cotidiana. Quer nos parecer que nossas consideracoes acima sobre as possibilidadespresentes numa analise rigorosa da linguagem sio suficientes para demonstrar que a Pragmatica Universal,por si sO,


S4

Ilio nos autoriza a considerar nio intuitivo 0 concertode razio co­ rmnicativa. Gostariamos ainda de salientar que a razao Dio e, em si, libertadora ou dominadora, posto que a emancipacao da especie humana esta condicionadaa mudaneas naspropriascondicoeshis­ toricas que ensejaram a dominacao da qual pretendemosnos eman­ cipar, nio bastando, portanro, 0 reconhecimentode umaoutra for­ rna de razio (razio libertadora) que, como pretendemos demons­ trar, pode trazer rnaisproblemasque solucoes. Volternos aquestio da defini~o da filosofia. Como vimos, a concepeaode filosofia de Habennasassenta­ se no reconhecimento da existencia da razio comunicativa. Se esta for questionada, nlio emaispossivelentio sustentar de fonna nio problemiltica essaconcepcao de filosofia. Por tim, cabe perguntar: se as pretensoes de validade identificadas por Habermas estio presentes em todo ato de fala, nao estariarnos diante de pretensoes TRANSCENDENTAIS de vaJidade? Se a fiJosofia assenta-se no conceitode razaocomunicativa e, se esta deriva da analise da liaguagem, atravesda qual identificamos estas pretens5es de validade, entia 0 conceito de razao comunica­ tiva e, consequentemente, a propriafilosofia nio estaria merecendo de Habennas uma fOlTl1Ul~o transcendental? BffiLIOGRAFlA HABERMAS, Jurgen. Ieoriade la accion comunicativa, 2 vols., trad. de Manuel JimenezRedondo, Madrid: Taurus Ed. 1987, 1136 p. _ _-----,,:- Ieoria de /a accion comunicativa: comp/ementos y estudios previos. trad. de Manuel J Redondo, Madrid: Ed. Catedra, 1989,507 p. _ _-:-=Pensamento pos-metofisico: estudosfilosoficas. trad. Fl8vio Bene Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, ]990, 272 P LOPARIC. Zeljko. Habermas e 0 terror.pratico. Manuscrito.


55 Cempinas, vol. xm, nO 2, p. 111-116, out.ll990.

Endereco doautor: byller@ncc.ufrn.br


56 RevistaPrincipios - Dept•. Filosofia UFRN,RN, \01. II - N2I

Junhode 1995

o FUTEBOL E 0

CAMPO DO PSIQUISMO

JOSE RAMOS COElRO DEPARTAMENTO DE FILOSORA DA UFRN

Tentaremos pensar a paixio profundaque osbrasileirossentem em rel~ ao futebol, 0 jogo maisdemomiticoe popular,umavez queencantacriancaseaduhos, homensemulheres,pessoasdetodas as racas e de todos os credos. Para joga-lo, basta dispor de espaco, uma bola,jogadores e quadro pedras ou duas traves. Desde os tempos maisremotos, os jogosestiveram ligadosao elemento sobrenatural. Osjogosdeazarassemelham-seaosordalios, isto e, a situa~oes de prova preparadas pelos homens, mas cujo resultado seria detenninado pela vontade divinaou sobrenatural, semprecorreta,oniscienteeneutral.Eporisso quedecis6esdificeis podiamsertomadas mediante0 laneamentodedados, 0 cortedeum baralho de cartas, 0 arremesso de uma moeda ao ar ou qualquer atividade semelhante Mesmo nos jogos de habilidade, como 0 futebol,nuncase sabe 0 resultado final antesda partida;ecomo um time,mesmosendomelhorpodelevarapior,aimponderabilidadedo resultado e muitasvezes atribuida ao fator "sorte", 0 qual, para os antigos, era tido como efeito davontade dos deuses. Osjogosoficiaisdefutebolocorremnosest8diosegravitamern torno da possedaboia. Suafonnacircular(da bolaedo estadio)foi, desde aantiguidade, sini>olo de perfeicao. Parmenides diziaque 0 ser(a Unicacoisaqueverdadeiramenteexistia)era..semellwrteauma esfera",ou seja,tinhaurnaformaparecidaa umabola defutebol. No Timeu, Platao, seguindoParmenides, ve 0 Universo como urnser vivoe redondo, sustentando ter-lhe dado 0 Criadorva forma mais convenienteaoanimalquedeveriaconterernsimesmotodososseres vivos,[aquela]que abrangessetodas asformasexistentes. Porisso, eletomeou 0 mundoemforrna de esfera, por estarem todas as suas


57

extremidadesa igualdistaneiado centro, a maisperfeitadas fonnas e maissemelhantea simesmo, por acreditar que 0 semelhantee mil vezes maisbela do que 0 Dio semelhante" (2, 488) Em contraposicao ao circulo temos a forma retangular do campo defuteboledastraves. A simbologiadoret3ngulo, bern como a do quadrado, ambas figuras angulosas, esta ligada ao elemento humano, ao nosso mundo imanente, em oposi~io ao circulo, que alude ao mundo transcendente, a Deus. Nestaconformidade, urn chute a gol - a entrada da bola esferica na trave retangular 足 corresponderia a uma sintese dialeticaentre 0 divino e 0 humano, entre 0 transcendenteeo imanente. E por issolevaa galeraao delirio, ao extase (EKSTASIS = sair de si). .. Jaope, nos mitosdeEdipo, AquileseHefestos, quando ferido, vulnenivelou manco,eum sinaldefraquezada alma.Nesse sentido, como sustenta lung em rela~oao mitodeEdipoRei, ope simboliza a alma.0 contato do pe com a bola seria 0 equivalente metafisico daalma dialogandocom Deus. Assim, lutarpela possedabolae, em certo sentido, lutar pelo controle do mundo. Controla-la e ter 0 MUndo a seus pes. Se, de urn 1000, os homens viam 0 jogo como urnencontro ou confluencia entre 0 humano e 0 divino, por outro 1000, podemos interpretar psicana.liticamente 0 desenrolar de urnjogo de futebol como uma disputa entre 0 desejo e a reaJidade,entre 0 prazer e os lirnitesqueselheinterpOem.Naverdade.ojogodefutebolsuscitaurn conflitoeumatensao intima.0 timepelo qualtorcemos representa o principiodo prazer; eo time adversario, por sua vez, simboliza0 principio de realidade e tudo 0 mais que se the opOe.A vitoria de nossa selecao e a nossa vitoria, urna vez que e a nossa r~o interior.0 principioderealidadeeo outro, 0 que se pospoee limita a relizacaodo nosso desejo. Vencedor e aquele que consegue fazer mais gols. Contudo, 0 que mais ernociona e encanta no futebol, alem dos gols, sao as jogadas bern transadas, os dribles sensacionais que conseguern enganar 0 adversario e furar 0 seu bloqueio. Eles simbolizamas maneirasfurtivas, a maliciae esperteza que as pulsoes encontram paradriblar acensuraeos recalques,ludibriando-osealcancando 0 seuobjetivo. Mas 0 jogo como urntodo esta sujeito a regras berndefinidas. Ojuizeaautoridadeaqua1incumbeaplicarcomisen~ejusti~aas


58 regras. Nesse senti do, cumpre 0 papel do Superego: e ele que intervempara que as regras n80 sejam desrespeitadas. espectador que observa 0 espetaculo faz 0 papel do Ego, da consciencia, eo elo entre 0 principio de realidade e 0 principio de prazer. Eele que observa 0 espetaculo e quetoma partido, ora ern favor do principio derealidade.. oraem favor do principiode prazer. A ~ do jogo provoca no espectador uma paixao, e ele a manifestaquando seemociona, quando grita, torce, xingae seagita tomandopartido. Esta paixio(Pathos= sofrimento.emocao, expe足 riencia) vern acompanhada de umatensao desconfortavelque, no entanto, encontra alivio em cadagrande ranee ee descarregada no momenta em que 0 time pelo qual torcemos marca urn gol e. finalmente, quando ganhaa partida. Nio e apenas a arte, como bern pereebera Aristoteles, que provocaern nosumacatarse: 0 jogofa-lotambem. A vitoriadenossa sel~ e a realjza~o do nosso sonho, das nossas pulsoes mais intimas. Umareali7a~ individual, nacional e ate mesmo c6smica. E por isso que 0 futebol e tao excitante e, ao mesmo tempo, tio perigoso: pode ser maniputado politicamente na medida ern que permite uma r~io imaginaria e sublimada atraves de uma identific~ono outro (no nosso time) e um esquecimento de si, enquanto perdura o extase davit6ria. 18 a eventualidade de uma derrotafaria opovocairnareal-naournarealidadefiumistica, divina, mas a dura realidade de perceber que, como disse Candido, personagem de Voltaire, a vida e urn jardim: 0 que precisamos e

o

c:ultivi-lo.

..


59 ERRATA DO ARTIGO A DIALETICA DA NATUREZA: UM NOVO PARADIGMA FILOSOFICO PARA A ECOLOGIA (Revista Principios Vol. I - NQ I) Na p. 89 inclua-se 0 seguinte:

BmLIOGRAFIA CITADA AURELIO, Marco. - Medita~lJes. Sao Paulo, Cultrix. 1966. CASSIRER, Ernest. - AntropologiaFilosofica; Sio Paulo, Mes­ tre Jou, 1972. CHEVALIER. Jean& GHEERBRANT, Alain. - DicimW10de Sim­ bolos, Rio de Janeiro, Jose Olimpio, 1988. COELHO, Jose Ramos. - A Magia na Aldeia Global, Recife, Fundacao Cesa das Criancas, 1985. DAJOZ, Roger. - Ecologia Geral. Petropolis, Vozes, 1978. DARWIN. - A Origem das Especies, Sao Paulo, Hemus, s.d. ­ ~---,------=-=-. - A Origem do Homem e a Sele¢o Sexual, Sio Pau­ lo, Hemus, 1974. FRAZER, James. -La Rama Dorado; Magia e Religion, Mexico, Fondo deCultura Econ6mica, 1944. LANDMANN, Michael. - Antropologia Filosofica, Mexico, Uteha, 1961. LENOBLE, Robert. - Histoire de L 'idee de Nature, Paris, Albin Michel,1969. LEVI-BRUID.... -ElAlma Primittva; Barcelona, Peninsula, 1974. LEVI-STRAUSS, Claude. - As EstruturasElememares do Pa­ remesco, Petropolis, Vozes, 1982. MALINOWSKI. - Argonautas do PacificoOcidental, in: OsPen­ sadores, Sio Paulo, Abril Cultural, 1978. MAUSS & HUBERT. - Esboco de uma Teoria Geral daMagia, in: Sociologia e antropologia, sao Paulo, EDUSp, VoI.I. 1974. ODUM, EugeneP -Ecologia; SioPaulo, Pioneira, 19n. SCHELER, Max. -La Idea del Hombre y la Historia, Buenos Aires, La Pleyade, 1974. TRISMEGISTOS, Hermes. - Corpus Hermeticum, Sao Paulo, Henms,1978


60 Revista Principios - Depr'. FiJosofia UFRN, RN, 'obI. II - N~ I

Junho de 1995

BREVE ENSAIO EM TORNO A LINGUAGEM JUANAIXLFO OONACCINI DEPARTAMEIITO DE F1I.OS0F1A DA UFRNlUfRJ

"Pensamento e Discurso, pois; sao a mesma coisa, aaJvo que e ao ditJlogo interior e silencioso da alma consigo 1IIeSllUl que chamamos pensamento ..

P1aIio. So...... 263e.

"E enIiio acOllteCeu a rewd~ao. Marino viii a rosa. tal ClNIIOAdiio pOde l'e-fa no Paraiso, e sentill que efa utawz na sua etemidiJde e nao em SIlaspaknru. e que podemos 1IIencionar011/- alwiio. mas niio expressar, e queos alios e sobubosl'OllI1IIesque/DmJal'am n.m lingula da sala IIl11a penllmbra de OIIroniio uam (como a SIUl WlidiJde sonhOIl) 11m espelho do mundo. mas uma coim a mais acrescentada ao rmmdo. Estnihuninafiioa&:~OIIMarinonaWsperadaSllarnorte.eHomero

e Dante acaso a alcQI1farum tamhim ".

JorgeLuis Borges,"Uma RosaAmarilla", Itl Hacedor (1960)

I - Existetoda uma tradivio na forma de pensar e no modo de colocar 0 que e a linguagem. A pergunta parece ter seguido dois carninhos: considerar que a essencia da Iinguagem e ex足 pressio (logica, matematica ou verbal), ou considerar que sua essencia einatingivel. Heidegger parececoncordarcom esta ulti足 mavia. Contudo, julga que e possivel situar ontologicamentea linguagem Oseu ponto de partidaconsisteemcriticara tradi~io que consideroua Iinguagem como meraexpressio de emocoes, inten~s. ou pensamentos, tentando mostrar que a linguageme mais do que isso, e que, por isso mesmo, 010 e suficiente caracteriza-ladesse modo para se chegar asua essencia.


61 Nosso encaminhamento consiste em pensar 0 problema da

linguagem, na esperanea de nio ter incorrido nessa ten~ milenar de confundir a linguagem com sua expressio, e em procurar oferecer uma di~io clara e sucinta da questio sem pretender exauri-la. 0 fato de - vez ou outra - apelarmos a autoridade de Heidegger deve-se muito mais apertineneia e profundidade que ele ve na questio que nos ocupa do que adesmedida pretensao de serem as nossas palavras a expressiomais genuina e fiel do tratarnento filosofico que Heidegger (fa aquestio da linguagem. Na verdade colocamos 0 problema tal como se apresenta para nOs de imediato. E recorremos a Heidegger toda vez que podemos t~1o como nosso aliado, ou fomecendo urn ex:emploesclareced.or para ilustrar ou melhor fundar 0 que dizemos aqui da linguagem. Esta consideracao, que parece fugir aessen-ciada Iinguagem e beirar de antemio a digressio, na realidade, e necessaria, porque a argumentac;io que se ini logo apresentar tentaril elucidar - e, na medida do possivel, fundar- 0 problema daapr~ aessSncia da linguagem atravestins seus aspectos. Contudo, pode-se per足 ceber em seguida que - desde 0 comeco do discursar e colocar a questio - jil tomamos uma posicao: a perspectiva que se abriu ja supOe urn variegado nUmero de tomadas de posi~o, de assenti足 mentos e de recusas, de perguntas e derespostas. E nio poderia ser diferente. Mas seria indesejavel nio tomar isso explicito. E preciso reconhecer que sao privilegiadas certas coisas e que nio podemos responsabilizar Heidegger por tudo que dizemos e diremos doravante, sobretudo no sentido de nada presumirmos estar fazendo senio urn ensaio. Entrementes e preciso salientar urn aspecto fundamental do dizer de todafonnulafiio de qualquer questio: e (sempre) conceitual. Com isso, corre-se sempre 0 perigo de reduzir 0 que se quer fonnulae a uma formula conceitual. Mas isso eem certo modo inevitilvel: 0 importante e te-lo presente o tempo todo. 0 proprio Heidegger reconhece queisso "jamais se podera evitar totalmente ... Porque 0 modo de represeDt~io conceitual se aninha facilmente em todo tipo de experienciatumr.l足 na .. "I.

H - A linguagem envolve questOes que sempre instigaram as noites e fustigararn 0 sono de muitos mortais'. Em principio,


62 qualquer tentativa de apro~ a eJa parece implicar certos pro­ blemas. Pois, de antemio, seja qual for a perspectiva, 0 metodo, ou 0 simples modo de encetar a abordagem, deve-se dizer a lingua­ gem pela Iinguagem - considerando a linguagem Unica fala de todas as falas e de todos os fa1ares. Pareceria ocorrer, dito, urncirado inevitavel, capaz de nos condenar tautologia; ou ate mesmo contradi(:io. Ter que dizer a linguagem envolveria dizer 0 que e 0 dizer pelo dizer. Isso parece ter feito com que poucos se tenham colocado a questio da essencia da Iinguagem; com que alguns achassem sabertudo a respeito dela, e com que outrossofressem a sua intlu&1cia semt~a presente. Paraser mais franco no dizer: nio sabemos nada disso que seja a linguagem. Nio mesmo. Nio sabemos sequer se 0 problema deste circulo invalida 0 acesso a

a

proprialinguagem.

a

.

Sabemos apenas que, de algum modo, falar e falar a lingua­ gem. "Linguajar a linguagem". Toma-la patente. No linguajar da linguagem acontece a fala, 0 gesto, a mensagem, 0 intercdm­ bio, a lingua e 0 idioma. o nosso problema consiste entio em elucidar 0 que seja a linguagem. Mas parece como se nio pudessernos dizer 0 que e a linguagem. Seja porque isso ji envolveria 0 que precisa ser esclarecido, seja porque seria uma trivialidade, ou urn fato, es­ clarecer a linguagem mediante 0 exemplo de urn de seus atos. Por incrivel que possa parecer, nestas alturas, existe mes­ mo assim urn fator que pode auxiliar 0 naufrago antes de ele sucumbir a ira das tempestades. Em primeiro lugar, nada con­ clusivo tern sido dito para negar a possibilidade de que 0 circulo do dizer, que precisa ser dito pelo seu dizer, faca sentido. Em segundo, Dio portanto invlilido aventar urn caminho em dire­ ~io aonde se encastela a linguagem. fato de que a linguagem esteja na base de toda fala, de toda lingua e de todo e qualquer dizer (ou modo de dizer) nao nos constrange a pensar que a linguagem - substantivo que nos obriga a procurar 0 seu referente ou a determinacao do seu conteado atraves dos seus aspectos? - esteja no mesmo nivel logico ou ontol6gico que 0 ato de dize-la, 0 qual pronuncia sucessivamente urn encadeamento de qualidades, propriedades ou aspectos da linguagem. Hi urn corte "mental", por assim dizer, entre a ideia que nos fazemos da linguagem, quando a interpelamos em busca

e

o


63

de suad~o edo seulugar essencial, eodesdobramento, 0 efeitodestainterpelaeao, que egerahnenteumconceitodesdobrado

em suas peculiaridades ou uma cadeiade conceitos elou intui~oes quequeremexplicar0 que se passacoma linguagem. Bastariaisto para mostrar que falare se perguntar a respeito da linguagemnio pode significar algo absurdo ou um produto da insensatez. Esta "dificuldade" envolve um mero exemplo de auto-referencia: A linguagem diz-se, ela ~ de algum modo - nio sabemos como ­ implicada emtodo dizer. E justo suporque semetaniopodeexistir nem faIaoem lingua, nem se dizer sequer nada.. Dai, antes de ser perigoso ou problematico, resulta evidente que tentar pensar a essenciadalinguagemimplicadiscursarsobreelaea partirdeja. Mas ociradoeaparente;equivaleatantoquantofalardalinguaportugue­ saemportugues, Osniveisl6gicosdeimpli~queestioemjogo na auto-referenciaternsentidosdiversose n80 seobstmem recipro­ camente. Aautoretirinciaewnacooseq\ienciadoc:liscurrtoreferencial. Dequalquerfonna,estaquestaodo circuJododizertem aver com a formul~ e nio nos impede 0 acesso, mas, muitoantes,projeta umaluz sobre 0 umbralcujaporta de entradaqueremos atravessar. Porventuraseria tautoI6gico faJardalinguagem. aoponto denada adiantar dizer 0 que pudesse a Iinguagem ser ou Dioser? Se assim fosse, qualquerfaJa!K>brealinguaportuguesaar1iadadaemportugues seriatautol6gica. Evidenciariaociradoumasimplesmet3foradoque rea1mente acontece? Na verdade, parece Dio haver nenbuma especiedeciralloou coisasemelhante. Do mesrnomodoqueaofalar exercemos a linguagem, sem sermos por isso eta mesma ou tencionannosotempo todo pretenderexauri-la. aofalardalinguagem nlocometemos pecadoalgumporfalarnelae apartirdela. Deus nos livredo contrario! Poiscomofalarda linguagemsema pressuporo tempotodo dealgwn modo? Se falar da linguagern Dio e impossivel, talvez devamos atentar para uma fronteiranmito peculiar que parece ser capaz de franquear-nos seu acesso: quando falamos das coisas nos torna­ mos presentes 0 tempo todo na nossa fala. E muitas vezes sequer o notamos. Nessa dimensio emqueafala.W!tala, quasesemsabe­ 10, pode porventura encontrar-se uma via de acesso prometedora para a "linguagem".


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m-Existeumafronteiranwitotenueque aprirneiravistaparece assazmarcadaentrequemdiz, 0 quediz, oqueedito, paraquem,etc. Tenueporqueemalgummementoesses elementos confIuemnurna unidade, nurnatoimico, paraque alinguagemacontecaevenhaaser "linguajada", i.e., realizada. Essa fronteira parece insinuar nio apenas uma via de acesso, mas ta.ml>em jogar nova luz sobre 0 problema. Nio sabemos 0 que ea linguagem, mas sabemosque freqtientemente se realizacomo fala,como falar,dizer. Sabemos tambem que a linguagem nio se reduz afala,que esta eapenas urn dos seus elementos, que a faJa e vista geralmente como 0 uso expressivoda Iinguagem. Oeste modo, faz-se da Iinguagem urn instrumento essencial para a fala. A faJa, contudo, egeralmentea mensagemproferida, 0 quee dito. Sonsfoneticos, representados as vezesporgrafemasquepermitem aescritadafala, Assim entendida, como lingua e instrumento de comuni~, e capaz de sec transcodificadana forma de um idiomadeterminado. Por isso a linguagemIlio ea fala: porqueelaabarcaa faIa, a linguaou idioma, a mensagem, 0 mensageiroque a profere, 0 tipo de contato que estabelece, olugardeondesefala, etc. Dizeristo, entretanto, nio devepoupar nosso esforco ao ponto de imaginarmos que agora ja sabemos 0 quee a linguagem; trata-seapenas deum conhecimento negativo: sabemosquealinguagemnioefalaoulinguaporquenio se reduz a etas, porque as abrange e as encerra em si. Elas sio resuhadode suaexpansio. Mascontinuamosallio saber 0 que ea essenciada linguagem. A Iinguagem Ilio se reduz a lingua, seja 0 portugu&, 0 alemio, o chines ouqualqueroutralingua. Alinguagem habita emtodas elas. Melhor dizendo: todas aslinguas habitama linguagemebebememsuafonte. Pois,qualdelasseria,senio, mais oumenoslinguagemdo queasoutras? Recentemente, oesteseculo, algunsfil6sofos e cientistas ternfaJado muitoacercadaquestio da linguagem indiretamente: faIaram de"linguagens",da"linguagem ordinaria", da "linguagemcientifiea", da "linguagem de tal ou tal ciencia", do"usodalinguagem", da"seminticadalinguagem", da "filosofia analiticadalinguagem", da "filosofiadalinguagem", ede coisas semelhantes.Mas parece como se todas as tentativas reduzissem alinguagem alingua, i.e.,aoidioma(ouasuaestrutura) eaos mUltiplosidiomasexistentes ou possiveis. Heideggerchama a aten~o paraestatentativadereduziralinguagemagramitica, aurn instrumentodeexpressaodeemocoes'.


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Todosessescasospossuemumfittorcomum: fazemdalinguagem urninstrumentoque pode sermanipuladode modo analogo ao que experimentamosquandooperamosemoutrosidiomas, sejaofrances, o ingles, a informatica, a fisica, a logica, ou qualquer codigo do genero. Ateapr6priafilosOfia,quedeveriadarcontadestasquestOes defundo,terncriadoo seu jargao e confundidoamiUde aessencia da linguagem comseuidiomade capitalde provincia. De modoque nio saber 0 que ea linguagem- qual 0 lugar da sua essencia - nio devecausarvergonhanem desanimo.jaqueao menos sabemosque elanio e algumas coisas; eque algumasdestas coisas sio apenasaspectosdelavistosdesde eofoques assazdetenninados. Sim, everdadeque dizendo ou tentando direr o que ea essencia dalinguagem- emsupondo,pelomenoscomo hip6tese,queisto sqa possivel - devemos lancar mio dela. Podemos pensar que a linguagem, see afonteouoprincipiodetododizer, estliimplicadaem todo falarou comerciar,mesrnoaofalar sobreelamesma. Masai e que se da a fronteira que acima mencionamos entre a linguagem propriamentedita e a linguagempropriamentedita dizendo-se a si propria. Nemtodo dizerfalasobreela, masmesmo assimtodo dizeI" adiz;trazeencerraemsimesmoalingtiagem. Poderiamosespecular que, nisso, elase diz. E, assim,aparecema veredaeoatalho: Em que consisteestemodo de elasedi.zer asi mesma,dizendoqualquer coisa,pelosimplesfatode di.zer? Significaquealinguagemenvolve o dizer, 0 ato de dizer como sendo essenciala ela? IV - Dizer e falar, contudo, nio sao nem exprimem sempre a mesma coisa. Ainda assirn ambos "versam". E 0 que e mais interessante: se a linguagem realmente Dio se reduz ao dizer da fala - se nio se esgota nele -; se Dio eum mero instrumento que se reduz asuper:ficie do dito, obliterando 0 que diz, donde 0 diz, a quem 0 dizervai dirigido, 0 que ternemmenteaqueleque faJa, etc.; em suma, se a linguagem emaisdo quea fala, entio elaexpressa; mas niioe expressdo. A expressaoeum mero efeitodalinguagem. Efalando oudizendoqueelasediz. Mas,entio,linguagemefalarou dizer?Se a falathefor essencial,nio sera a tinguagemfala? Para comecar, ebom perguntar se urn surdo-mudo pode dizer alguma coisa mesmo sem ser iniciado na lingua dos sinais e dos signosou na leitura dos l&bios. Nio edificilnem perigoso demais imaginarque elepoderiafazermovimentos corporaisparacomuni足


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car-see"dizer" oquequisesse. Dondebastarverdepertoquemdiz, oudonde diz 0 que diz, para ver que ha linguagem alem das grarnaticas, dasJinguase dosfonemasarticuladosnapalesttadodia­ a-dia. Sehi"dizer",hilinguagem;porqueodizer lheefimdamental, ela esta em meioao dizere "diz", e "se diz". Comunica. 0 surdo­ mudo pode ter maisdificuldade ou demorar mais. tempo com sua pantomima, masnemporissoeledeixadeemitirumdizerque"131a", e etambem linguagem. Linguagemnio es6palavra: ea linguaque e palavra. A linguagem pode ser ou llio ser de palavras. Se a linguagemfosseapenasfeitade palavras,seriauminstrumento; se fossetal, porem,poderiamosnosutilizardelaou dispensa-la como qualquer instrumento. No entanto, Rio podemos abrir mao da linguagem. Pensamos,vivemoseagimosdesdealinguagem. Nos nos versamos e conversamos com ela e por ela com tudo e com todos, ate conosco mesmos.Mas, como e quando realmente nos tomamoscientesde quea linguagem nio ea lingua, a qual eapenas umbraeonocorpodalinguagem? Eqeeasvezesnoscommicamos, comoosurdo-tmdodoexemplo,enosentendemos,mesmoemface delinguasdiferentes: issonos filzpensar"noutratingua" fundamentaJ. Por vezes ocorre que dois homens, mesmo falando linguas diferentese carregando~es, usos,costumesehist6riasdiferen­ tes possam conversar. Na conversa, surge entio a dificuldade de intercimbio. De repenteficadifici1compreender0 outro. Comose afala e a Iinguanao fossem suficientesparachegar ao Iugardesejado etencionado pela conversa. Nesse intermezzo dediferencasocorre o meioonde subitamente0 ponto de contato acontece, dando-se a compreensio e 0 comerciodosdiscursose das pessoas. Ai setorna possivelque os homenspercebamna conversao que nio compre­ endem no outro e 0 que tern dificuldadede passar para 0 outro: 0 perigo da silenciosa incompreensio que suprime 0 dialogo na conv~o. Atequepontoumaconversapermanececonversa,um dialogo permanecedialogo?

"Masumperigoainda maiornosame­ afa. E um pengo que nos atinge a ambose se tomara tantomaisperigoso quantamenospuder serpercebido (...) o perigo que nos ameaca provem de umaregiao inesperadaem quedeveri­


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amos ale percebe-lo (...j Eu ainda me encontro longe de te-la percebido em toda sua envergodura. Mas)o 0 pres足 :..enti, ejustamente nas conversas com o conde Kula(. ..) 0 pengo surgia lias proprias conversas pe/o meroJato de serem conversas (...) 0 perigo lias no.<tSaSconversasseescondianaproprla /inguagem ". ("Aus einem Gespraech von der Sprache ", in: op. cit., pp..88/ 89). * Nesta passagem Heidegger conversa (em alemlo) com urn professor japones sobre a pertinencia da aplic~iio dos conceitos da estetica europeia a fenomenos tio peculiares como a arte e a poesia do Japio. Com isso, ao discutir-se 0 oriental desde uma lingua ocidental, surge 0 perigo de trair-se 0 pensamento; como se estivessemos lidando com coisas tio estranhas e distantes que Dio permitissem mensurar e compreender sua dimensio. Contu足 do, a conversa enquanto tal revela 0 perigo. 0 perigo so parece poder ser percebido quando se conversa, Mas entio a conversa e possivel num limiar em que apesar desta distancia, deste corte e desta lacuna do dizer, ela impoe um raio de tato, de comercio e compreensio, uma passagem tio reciproca quanto uma estrada ligando duas cidades. Se tudo fosse corte e lacuna, sequer a conversa seriapossivel; mas no ambito de clareza e contato que possibilita a conversa, e Dio isola 0 dizer, apesar da "zonaescura" de distincia, aparece aconsciencia do perigo que se corre: sao dois homensquefalamdedoislugaresdistintoslinguaseadturasdistintas, que carregamoutratradicao, outros usose sentires. Contudo a conversa epossivel (cf idem. p. 90). Assim como e possivel "converser" com um surdo-mudo com urn simples olhar em seus olhos ou acenar para ele. Esta linha de fuga onde se da 0 entendimento reciproco da difer~esterenuelimitefronteiri~entreodizereocompreender,

entre 0 dito e 0 nio-dito - tencionado durante todo 0 tempo da conversa- constitui 0 lugarem que se pressentea linguagemnio ser

*

A cil~O

e da

lradu\;io inOOi1a de E. C8I'IIeiro Lela, com pequenu modif"aca~.


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(s6) lingua. 0 japones eo alemio, por exemplo, 510duaslinguase duasculturasparticulannentediversasentresi.Noentanto,odi8logo epossivel. Escolhe-se,ou ocorre, simplesmente, umalinguapara a conversa.E tudo epronunciadonela;epor ela condicionado- mas oj apones falaenquantojapones, desdeseulugarpeculiar, eoalemio falae vetambem desde 0 alemio. Assimse toma patente 0 perigo daincompreensaoe daincompreensibilidade; apenasno momenta emque ocorreaqueleindeterminado 1ugar ondeaesferadaconversa se cia e 0 dito flui na paisagem do que nunca e dito, mas sempre tencionado e em.tensiocomo outroqueouve, etoma-se derepente visivel aluz. Se a linguagem "fala", mas sem por isso ser ela toda tio足 somente fala, talvez este lugar donde a conversa e 0 nucleo da conversasurgemseja 0 lugar para pensar a linguagem, e isto sem ve-la tio-sO como lingua, fala, palavra ou coisa, Alinguagem evidenciaentioocontalo(eseu ambito), queocorre entreas~. Seforassim, podemoscorccrdarcomlfeidegger quandoparecesugerirque aoonversa nao eo reinodo dito, masdo que se silencia" Parece como sealinguagem surgisse do silencioe estabelecesseumaponte coma lingua, coma fala, com 0 olhar,com o gesto. Contudo, a tensio entre 0 dito e 0 nio-dito nio se reduz a conversa. Talveznelaseexplicitemaistacilmente, porem, tambem ocorre na escrita e no pensar e nas falas que nio sao apenas converses, aindaqueraimcerto sentidotudoissoseja"conversar". Everdade, poroutro lado, que denominar efalar, dizer, efazer de tudournalgo, umsubstantivo, urnobjetoou umaqualidadequalquer dealgo qualquer;edealgummodonegar 0 que e.representar algo porumsimbolo, umfonema, urnsigooqualquerepretenderqueseja isso. Dessemodo, 0 dito nuneae 0 que queria ser dito porque este subjaz sempre il superficie, no fundo do dizer. Ele e sempre interpeladoeindicadoporrnet8forasmaisoumenosoonhecidas. De

modo que buscar a esseneia da linguagemna tc!nue fronteira que separa a fala, a lingua, 0 que se diz, quem 0 diz, etc., e como que buscaraess&ciadalinguagemnafronteiraentreditoenio-dito. De todo modo, a linguagem insinuaa1go que niio edito; tal como 0 "dizer" do surdo-mudo,queexpressamenteo8odiz fala, linguaou palavra.masartialladealgwnmodolinguagem: fazcomquealgoseja "dito" a partirdo que 080 e dito. Quemdiz, 0 queeledize 0 que elequer dizer;para quem 0 dize


69 quando 0 diz, tudo isso ocorreem diversosniveis ao mesmo tempo e requerum lugarpara aparecer. Esse Iugareo lugar cia linguagem. Assim, mesmo que a linguagem nio possa ser definicia - pois defini-/asignificareduzi-laaumarepresen~, logoae1a, que de antemioestaportras detodaeqaalquerrepreseeracao lingUistica­ nioedificiJ pressentinnosque a linguagem seocultanesse Iugar. NJo podemos dizer que ela e 0 Dio-dito: elaapeoas se insinua como 0 nao-ditc do que e dito em todo dizer, como que escamoteada por baixo do proprio dizer, que tenta atualizar sua possibilidadede contato, quetenta"entrar em contato". Ocontatoea "area de contato" em que todalingua, falaoudizer podem ser bern-sucedidos parece ser ou albergar a essencia cia linguagem. Mas e urn contato que nio 0 mero tato dos dedos das maos. Bemantes eum "ver" e "tocar" os contomose concavidades do dito; ao ponto de perceber, de leve, se hAinteligencia mUtua ou eseuraecontusainterferencia No que serefere aesteaspecto, o que entendemosaquipor"contato"epor"entraremcontato"poderiaser expresso como comunicar (entrar em contato) e comuni~io ou commicado(contato).mmpreferimosintroduzirestesnovostennos (nio sem seuesclarecimento)afimdenio paetuarcompromissocom o lastro historico das palavras "comuoicar" e "comuni~o" (ou . "comunicado"). Estas Ultimaspalavrascorriqueirasficariarn indefe­ sas perante uma aleg~o de Heidegger segundo a qual pensar a linguagem como expressio de em~. como instrumento de tradu~ de desejos e disposicoes a uma lingua pUblica. e uma represen~formal que Dio atinge nem de longe a essenci.a cia linguagem porque esta e rnais do que isso. Mesmo que corretos - diria Heidegger -, os estudos fiaguisticosefilesoficos passados e atuaisternconsideJadoiImtenuptament.aJinguagemcomolinguaou tala. reduzindo-a agramatica, amorfologia, asintaxe, asemintica, a

logica, etc'. Heidegger oferece urn enfoque muito peculiar e rico quando parece manifestar que a palavra que talvez meIhor "diga" a essencia cia linguagem nio pode ser urn signo, urn grafema ou urn fonema, masumaceno~ ou seja, nenhuma palavra. Pois a essencia dalinguagernnio enadalingiiistico6• no seotidodepalavras, sinais ou signos. Palavras nomeiam; classificam e encaixam tudo na represent~ de uma arma~ conceitual de implica~ e re~s. Mas e a essencia cia linguagem. de saida, oque marca a


70 possibilidade disso tudo. Portanto, deve ser pensada enquanto Porisso Heideggerprivilegia 0 gesto. Isto, por sua vez,jasupOetersidooonsiderado que linguagem pode sermaisdoquefala ou lingua(ou mesmo comercio), posto que

1000ca e ontologicamente primeira.

elaseapresentadeantemioeporprincipiooomoaoondi~detodo

falar, de todo falar qualquer idioma e de todo commercium. 0 mesmo que permiteque tanto 0 aceno, 0 gesto, como a fala eo dizer

digam, parece ser uma essencia comum, que seria precisarnente a linguagem enquanto fonte de falar, pensar e dizer: a essencia da fu~uagan

No gesto, diz Heidegger temos "0 recolhimento de um tra足 zer", uma forca de reuniio que traz il tona, em reunindo, a S1 mesma e ao trazer de nossa parte que a ela se une. 0 gesto brota desde sempreda rwniio queo traz. Nisso, elediz, de acena. Enos compreendemos 0 gesto enquantogesto e, ao mesmotempo, aquilo que ele nos confidenciaem seu aceno. Pois osacenos"acenampara nos e para fora de nos'". 0 que nisso surpreende e a quase perfeita combinacao que sugere Heidegger quando compara quase subreptieiamentea ess&1ciadalinguagem com um gesto. Diziamos queisto pennite negaroaJcance da redu~ tradicional dalinguagem illingua (expressao), porque 0 gesto e tambem linguagem, e em muitasoportunidadeseumdizermaisessencialqueafaladepalavras - i.e., "entra em contato" mais rapida e facilmente. Mas talvez seja born acrescentarque 0 mais importante eofato de Heidegger falar derecolhimento,dereuniio, para refenr-seaessencadabngeagem. Hedclitoja sugeria- "0 raio conduz todas as coisas que sao" (Frag. 64);" ... ofogo, sobrevindo, hadedistinguirereunirtodasascoisas" (Frag.16)-umpoderdereuniaoquenaopodeserdetenninado,mas que, ao ser bemescutado, evideneia-secorno 0 LOgosque tudo pOe edispoe, - "Auscultando moa mim, mas 0 LOgos, e sabio concordar que tudo e um" (Frag. 50)8. Heidegger parece inspirar-se nele e insinuarque a linguagem seja precisamente essepoderdereuniio do LOgos, que nio epor nada determinado e tudo determina. A linguagem, assim, ernais que a fala, a lingua. 0 gesto, 0 discurso, a razio, etc. Mas carla um destes seus elementos, de algum modo, reune. Parececomo se aessencia da linguagem acenassecom seus fenomenosparaumpoderdereuniio. Comoseestaunificacaofosse contracao, expansio ou retracao de um vacuo tio originario e tao pleno de possibilidadesreai s quantoocaos. Por isso Heidegger ~iz:


.71 "alinguagem, faIa''9. Porque a tala e 0 resultado dareuniio, afalaja e desde sempre a reuniio "operada" - permita-se este termo inadequado-pe1opoderessencialdalinguagem.Isto,seadmitirmos que alinguagemeLOgos, opoderdereuniioquejuntaeunificatodas as difer~. Noutro texto'", Heidegger diz que 0 LOgos ja se encontra no Legllein, que significa dizer e falar; LOgos, porem, significa - diz ele - tanto "enunciar" (/epein) como "0 que e enunciado" (legoltlellOn) .

v - De algurna maneira, fazercontato, entrarem contato, contatar com algo ou alguem supoem a possibilidade do proprio contato. EsteUltimo, como 0 LOgos defleraelito, queeum, etudo dirige com seuraio, reime. Como 0 aceno, unifica; traz a tona a reuniio do reunidoeadistineao do distinto. Exatamente como faza linguagemquandotrazareaIidadewnatala, umgesto, ouwnaatitude de mensagem, proferimento iou cornercio. Escutando-a compreendemos, exprimimos ouacenamos 0 uno decadacoisae de tudo, que eum ee mUltiplo~anosmesmos e a outrem. Sealinguagemecontato, e1aeLOgi1S? Elaerazao? ElaeU,0.J, podemosresponder, rnasnio apenas razio. A razio e urn modo de compreendere expressara linguagem, mas nio e alinguagem toda. LOgos e mais do que razio. ill algo mais fundo que a razso, que a propria vontade, que parecetomar possivel todo falar e dizer de razio ou ~razio,de palavra e de silencio Osfil6sofos, autoreSecientistasconsideraramdurantesecuJosser a linguagem a expressio, como que 0 "orgao" de manifestaf/io volumarta comque os homens externariam seus propositos, suas ideias, seusdesejos, seusatos econjecturas. Esse pontofoi referido acima, de passagem, no momento em que lancamos mao de breves alusOes a Heideggerpara melhorelucidar aquestaodaessencia da 1inguagem. Contudo, precisa sermeditado eexplicado. Pois quando a nossa tradi~io abracou essa ideia quis dizer que a Iinguagem nos permiteaexpressioeacompreensio,logoocomerciocomoutrem. Ora, poderiamos interrogar-nos a respeito do que eexpressio ou compreensio. PoderiamosmesmoprOQ.1f3l"vernocomerciohumano o comodo que expressaeo comodo quecompreende. AJinguagem ecornpreensao? Sim, sem duvida, porque prende e Iiga tanto 0 legllein como 0 legomenon e 0 torna para si mesma Mas ela,


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enquamocompreeosiopareceremeterpara"algo"quecom-pmmde. Omesmosucedeaexpressio. Ex-pressiosugerepressioparafora, externamento, methor,auto-externamento. Entrementes, o que a expressio exprimetambeme ligMem e legomenoll (0 enunciare 0 queeproeunciado). Mas,eentio? Senaessasemelhaneacapazde produziraigualdadedeexpressioecompreensio? Estranhamente, nio. Poismuitasvezescompreender nio significanecessariamente expressar. Expressarparecerequerera entradaem cenada compre足 ensao. Poderiamosaindaconsiderarque compreender ede algum modo urn certo tipo de ato de expressao. Mas, ainda assim, nio poderia a compreensio ser toda a expressio. Podemos exprimir compalavrasouatitudesquecompreendemos, porexemplo, quando assmtimosmexendo oqueixolevementeparabaixo;quandorealiza足 mos 0 prop6sitoquese nosencommdou atitulodedever etarefa no trabalhoou na escola,ap6s termos sido exortados paraisso. Masexpressarqueestamoscompreendendonioeamesmacoisa quecompreender. Dondeser dificil pensara linguagemsemumaou sem outraqua/ilas. Seseatentadepertoparaaquestio, alinguagem engaja tanto a compreensio como a expressio, sejaelaatitude de olharou acenoou falade palavras. Mas ejustamente por isso que eta nioe expressio e compreensio apenas: eis 0 problema. Toda a tradi~ pareceter enveredado-por essa trilhas. Nio se podenegar(sem inefic3cia) 0 fato de quea linguagemse evidencia, dealgummodo, comoexpressio. Ecomocompreensio. Mas, nesse caso, "algo" ou "alguem" devecompreender. E expressar. ExpressarimpOewncertotipodecontatoentreoqueseexpressa., ouosqueecpressamdealgummodo,eo desIinatarioouacompanbante da expressio - seja 0 que for ou quem for. 0 contato entio mancomuna, associa,junta; estabelecea ponte quechamarnos de comercio, Quando hil 0 contato, por exemplo, entre nos e a paisagem,ouentreseispessoasquedeliberamarespeitodefilosotia, temos a compreensao e a expressio; e mesmo quando nada se expressa,0 tempotodo secompreendeou sefaz outras coisas sem pensar,oumesmopensandoparticularmentenelas. Do quemeditamos ba pouco acima, podemosextrair0 seguinte, ecomcertatranqUilidade: alinguagem, quepareceterporlugara area de contato que tudo reune, nio e ela mesmanem expressio nem compreensio, mas eaquelealgo que se exprime(ou nio) porque compreende: E assim como reune, separa, distingue, elucida,


73

pergunta. Quando se perguntapelalinguagem, entretanto,pcuece que sepergunta pelaessencia do Homem.ja dizia Aristotelesque 0 homemera zijo" ec/W"IOgoll, urn ser vivo dotado de lAgos. 0 proprioArist6teles sustemumatradi,..ao queseestendeateo pr6prio Heidegger,conformeela 0 homemehomemenquantotal, diferente e distinto dos animais, dos vegetais e do resto das coisas, apenas enquanto fala. Ele teria por natureza a linguagem". Heidegger modificaurn pouco a questio, e avanea muito, quando dizque "a linguagemfala". Mas,dealgumamaneira,aindaconsideraohomem mJDl ponto maisalto na bierarquiado cosmos, na medidaem que ele efaladopelalinguagem,i.e.,namedidaemquealinguagem(nele) fala". Isso faz pensar: sera que nessa atribui~o incondicionaldo privilegioda fala ao ser racionaI nio se esconde, na verdade, a redu~o do homem alinguagem,da linguagem alingua,da lingua afala do dizer, a qual ex.pressaria pensamentos e sentimentos? Sera que isso nio oculta tambem a restri~io do"pensar que fala" ao homem, excluindo animais e outros seres, dos quais sequer sabemosou temos como saber se falam, se pensam ou nio, e dos quais pelo menos temos a certeza de que as vezes sao capazes de possuirIinguagem, uma vezque comerciam entre sie conosco? la diziamos antigos que os animais falam: nos"eque 010 podernos entende-los. Ora, talvez possamos; porem, parece que nio poderemos enquanto continuarmos apegados a este velho pre足 conceito. Esta inciag~io nos permite perguntar se a essencia ciaIingua足 gem, que tentamos pensar como 0 contato que reime e se recolhe ou se expande na reuniilo, define a essCncia do Homero. Se a linguagem,enquanto LOgos, no sentido acima vineulado, niO for propriedade exclusiva do humano, nio servira para nortear 0 que sejao Homem. Mas, se oLogosfor entendido como 0 discurso do pensar,comoopensarnosentidomaisaltoeessencial(cf Epigrafe), parece que devera definir 0 essencialcia hnguageme do mmano. Contudo,oque sucederiaseespeculassemossequerporuminstante sobrepossibilidadede tudo que nio e Homem ser de a1gum modo, como pensara Heraclito, orientado pelolAgos? Deveriamosfalar oomalinguagemdaRealidade? Ounareve~odeaJgumaverdade capazdefugiraimediatidadedovisivelereunirtudoqueeno si1encio constantedoinvisivelasimplesvisada? Seniquepoderiamosadmitir algumasorte de linguagemtotal euniversal quefosse a essenciade


74 tudo? E senio pu~~ossequerimaginarisso, iriamosfazero que comnossa Jinguagem? . Tudo parece indicar que a linguagem e LOgos, e que 0 LOgos e o pensar. 0 pensar que versa, conversa, expoe, reune, recolhe e guarda. E fala, aeena ou diz. T odavia, o que nio sabemose: De que pensar setrata? o que e, como ee a quem pertence essencialmente o pensar? Isto significa: se a linguagem for de alguma maneira, "contato", que "contato" e este? Toda a tradi~o filos6fica ocidental pensou a linguagem como expressio do pensar, de modo que 0 pensar esteve sempre como base da linguagem e do Homem. Dizer que a .Iinguagem expressio de algo implica afirmar aquilo mesmo que se expressa. Tal afi~o e 0 que mais causa estranheza. Pensou-se sempre a linguagem como expressao do pensar, sem se perceber que isso equivalia a pensar a linguagem como sendo 0 proprio pensar . A questao e: se entrevemos mais ou menos 0 que seja 0 Pensar, significa isso sabermos profundamente 0 que ea linguagem? Ao que parece, de maneira alguma.

e

NOTAS E REFERENCIAS BffiLIOORAF'ICAS

1 UlJterwegs%llrSprtIC~, Pfullingen, Neske, 1965, pp. 115/]]6.

Ver tambem Wi1hehn Anz. "Die Stellung derSprachebei Heidegger",

in: HeUkgger. Penpelaiven Dlr Dell",,,, seines Werkes, org.

por Otto Poeggeter, Athenaeum, Koenigsteinffs, 1984. p. 318.

2 Prova disso ea preocupacao peJ.a sua origem, que fbi considera足

da divina durante muito tempo. Vide Heidegger, op. cit., p. 14.

3 Heidegger, op. cit., pp. 14/15.

4 Heidegger, op. cit., pp. 93ss/103ss/152ss.

5 Sobre a consideracao da linguagem como "expressao", cf. "Die

Sprache", in: op. cit. ibidem "Aus einem Gespraech von der

Sprache", in: op. cit., p. 129; Introduccion a laMetaflSica(trad.

de Emilio Estiu], Buenos Aires. Ed Nova, 1959(2. ed.), p. 127.

6 UPlterwegs %IIr Sprache, p. 114.

7 Idem, p. ]]7.

8 A traducao destes tres aforismos (16, 64, 50) ede E. Carneiro

Leio, Rio, Tempo Brasileiro, 1980


75 9 Unterwqs D'r SprtlÂŁhe, pp. 12-13.

10 Logos (HD'ticlito, frag. 50), trad. Ernildo Stein, in: Pre­

Socrtitico:s, col. Os Pensadores, Abril, Sao Paulo, 1985, (3. ed.),

pp. 1121113.

11 Ullterweg:s D'r Sprache, p. 11.

12 Idem, pp.12ss.

End.do autor: juan@cchla.ufrn.br


76 Revista Principios - ~_ FiJosofia UFRN, RN, \bl II - N" I

Junho de 1995

JUSTIFICAf;AO DA INDUf;AO LIAMARIAALCOFORAOO DEMFLO* DEPARTAMSNfO DE FILOSOFIA DA UFRN

RESUMO: Constitui tema de dificil discussio na Filosofia da Ciencia, a questio da existencia de principios cientfficos e suas justifi~. Faz parte desteterna, 0 Principio da Indu~o. Posta em cheque no inicio do seculo XVIII, a Justifica~ da Indu~, tern suscitado interessantes debates e posicionamentos por parte de filosofos e 1000cos. A visiodiaJeticadedicotomiaentrerazioel6gica, fezsurgir as logicas nio classicas respaldadas na evolu~o do pensamento matem8tico enasgeometriasnioeuclidianas. Essepontodereferen­ cia, podenitrazeresclarecimentosimportantes sobreos aspectos de logicidade na Indu~. sera assunto deste artigo, a anilise da Justifi~daInd~.nastentativas: analitica, indutivaepragmi­ tica. Estetrabalho constitui a primeira parte deuma pesquisasobre "oapoioindutivoesuafun~onaaceitabilidadedehipOteses".

1 - INTRODUCAO Desde 0 periodo da Greeia Classica, 0 Raciocinio Indutivo vem sendo utilizado, nio somente na vida cotidiana como na ciencia; desde suas mais elementares manif~s ate nas formas mais complexas e elaboradas. Foi ARlSTOTELES 0 criador do Metodo Indutivo, e. BACON 0 responsavel pela reeleboracao de uma teoria da Inducao, quase dois mil anos depois. Durante 0 seculo XVIII, inicialmente HUME, BERKELEY e outros filosofos desenvolveram criticas e contra • Membro da bale de pesquUa em LOgica e EpiIl.eDloIDgia.

Espccialista em LOgica


77

a

a

criticas Inducao, que apesar de nio ter colocado entraves sua pratica, em contrapartida, afetou 0 interesse e a busca constante de regras apropriadas a Inducao, Os Raciocinios lndutivos mais simples ocorrem constante­ mente no dia a dia: se urn cao late a cada vez que passo, espero, com certa naturalidade, que volte a latir ao ver-me novamente; trata-se de conhecimentos adquiridos a partir de certa amostra; estabelece-se uma predicao acerca de urn caso nio inclilido na arnostra com base nas ocasioes em que 0 cio ja ladrou; assirn, se cria uma antecipayio do que ocorrera numa ocasiio futura. Na utiliza~io pela sabedoria popular, este tipo de raciociniotern sido desenvolvido e serviu para acumular experiencias, ate cerro ponto, interessantes e diversificadas. Quandose trata de racioci­ nios mais elaborados, cuja predi~ao parte de alguns casos para generalizacao em qualquer caso, tem-se: tais ou quais A sao B: logo, urn outro A e B; ou alguns A sio B; logo, todos os A sao B. Surgem alguns pontos que merecem urn certo destaque e algumas consider~. lnicialmente, saliente-se a seguinte indaga~io: 0 que signi­ fica, realmente, urn Acgumento Indutivo? Seria 0 tipo de racio­ cinio, ern que a conclusao se refere a pelo menos uma coisa, a que as premissas nio se referem; aquele raciocinio, cujas premissas tomam razoavel a aceitayio da conclusao, tal como se pretendia. Seria um argumento daforma: p ~ q. Considere-se que urn argumento e Indutivo, quando as premissas apresentam-se relacionadas com a conclusio no senti­ do de proporcionar elementos de juizo favoniveis aeIa; e que se possa afirmardele, que a re~ se cumpre com probabilidade de sua verdade. A proposieao "q" eepistemologicamente provavel, quando "p" proporciona elementos de juizo, que tomam prova­ vel a sua verdade. "p" Dio sugere total responsabilidade de provocar "q"; ou seia, as premissas Dio content todo conheci­ mento expresso na conclusio. Exs: (i) De 520 ocasiOesem quecisnesforamencontrados, eramdecor branca; 0 proximo cisne encontrado sera tambem branco. Oode: p =aobservou-se520casos; q=aocisne521 serabranco. Quando as premissas "p" referern-se a objetos de uma mesma classe, a conclusao"q"devenipredizerqueoutrosobjetosdessaclasseterio asmesmas propriedades.


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(ii) Noscasos observados a uma certa temperatura(t), o volume (v) e a pressio (p) sio constantes. Logo, a uma temperatura (tn) qualquer, 0 volume( vn) e a pressio (pn) sio constantes. A questio filos6fica e 0 saito Indutivo, cuja acusacao e a falacia logica, Aindagacao e se epossivel a extensio de "p" a "q", e. sendo possivel, como se realiza. Para que se possa efetuar 0 salto Indutivo, toma-se como respaldo a experiencia passada que por sua vez, baseia-se na maeutencao da regularidade da natureza. Dai, dizem os filosofos ceticos, e preciso saber: (i) se algo exterior podera mudar 0 curso das leis da natureza; (ii) se 0 numero de ocorrencias no passado proporciona alguma ra.zio paraque ocorra no futuro. Urn ceticismo morbido cuida em exigir uma justifi~io para a Indu~o. De que modo se justifica racionalmente qualquer argumento Indutivo? E, como urn dado procedimento Indutivo e suficientemente digno de confianea para certos fins? Esta corren足 tel define como padrio de raeionalidade se possivel mostrar que os argumentos que urn sistema de logica Indutiva da como indutivamente fortes, na maioria da vezes conduzem de premissas verdadeiras para conclusoes ver足 dadeiras.. Gera-se a polemica entre os fi16sofos e 1000cos. sobre 0 emprego de Raciocinios Indutivos ou do Metodo Indutivo, sob a necessidade de generalizacoes para estabelecimento de leis das ciCnc18S ernpiricas, muito importante no contexto da descoberta. A ciencia, como veiculo da verdade sobre 0 universe, necessita de utilizar procedimentos de total confianca para Dio enfrentar dificuldades maiores no seu desenvolvimento. A aceitabilidade do Metodo Indutivo sem justificativa, seria levar a ciencia para 0 nivel de qualquer crenca. Entre os filosofos desta corrente, esta POPPER2 com sua teoria sobre a "falseabilidade". I

I

Defendidapor HUME. BERKELEY e maio reeentemente RlTSSELI. A 1000ca da pesquisa cientifiu.


79 Otemadajustifi~daIndu~,temocupadoatualmentewn

lugarde destaque nareflexio filosofica, como autentico nucleo do problemae objetivo ultimo de debate. Tern sido apresentadas tres concet*>esdejustificativas: analitica, indutivaepragrnatica. 2 - A JUSTIFICATIVA ANALITICA DA INDUC;AO

A justifi~io analitica', apoia a co~o de que atraves do principio ernpirico, epossiveljustificar a Indu~, mostrando o que e razio suficiente para supor que uma generalizacao sera confinnada no futuro como tem sido afirmado no passado. 0 principio empirico baseia-se no seguinte: (i) os casos negativos sao geralmente excecoes que devem ser explicadas; (ii) 0 proximo caso a ser observado e sempreum numero finito no futuropassado einfinitonofuturo futuro; (iii) atraves da observacao direta pode-se cbegar a conclusoes

positivas. Tem-se como padrao dajustifica~ analitica da Inducao: se epossivel mostrar 0 que euma boarazao para supor que uma generalizaeao sera confirmada no futuro como tern sido afinnada no passado, desde que: (i) sejamanalisadas sintaticae semanticamenteas proposicoes; (ii)sejarnredefinidaspremissasinfonnativas; (iii)sejamexpressas essas premissasinformativas. Esta teoria eexplicada atravesda analise da sintaxee seman足 tiea dos argumentos. Ambigiiidadedos termos, suas diferencas e semelhanyas sio obscurecidas pelacompreeasjo nalinguagem de uso. Detenninadas expressoes levama urnoutro sentido,de modo que, 0 que se refuta ediferente do que se pretendia refutar. Certos argumentos contem "ignoratio elenchi"que sao informa.yOes que deixamde serapresentadasnas premissas, alterandoo potencialdos elementosdejuizo disponiveispara a predi~o da conclusao. Ex: Os seres humanos dizemque aBguaa 50 graus centigrados esta quente;logo, os seres humanos ternimpressOes sensoriaisirreais. 'Dcfendida por Estephen DARKER e Paul EDWARDS.


80

As seguintes informa~sfazem parte do "ignoratio elenchi": 0 calor que x apresenta para um observador normal em condi~ padrio; e, 0 calor que x apresenta para urn observador sob certas condicoes especiais. Ora, com a observacao desse "ignoratio elenchi " a conclusao nesse mesmo argumemo deveria ser: os seres humanos tern impressOes sensoriais diferentes . Analise-se agora, a seguinte proposicao: "ter uma boa razao para proporcionar elementos de juizo para a predicao de que 0 proximo caso sera positivo ". Para os racionalistas "uma boa razio" seria logicamente concludente e com elementos de juizo dedutivameme concludentes. Sob essa otica, as observa颅 ~s passadas jamais serlam uma razio para predi~. Pois, na vida ordinaria como na ciencia, nio se usa ''uma boa raz80 " nesse sentido. Essaproposicso urncaso de "ignoratio elenchi"; pois, seria necessario observar todas as condicoes necessarias, positivas e negativas, para a ocorrencia do caso n+1; nem e necessario que a colecao observada, seja maior do que a que se toma realmente; tao pouco e necessario, que os fracassos nunca tenham ocorrido em nenhurn dominio, mas no mesrno dominic; e, se algurn ocorreu no mesrno dominio, deve-se mostrar que sao suscetiveis de co~ atraves de certos aspectos especiais que nio estio presentes no tema da predicao.

e

J - A JUSnnCA(:AO INDUTIVA DA INDU(:AO

A justifi~o indutiva da lndu~o, admite a ideia de que eviaveljustificaraIn~oatravesdumargumentoindutivamente forte. Este principio apoia-se no ponto de vista de que a Indu~o Cientifica e urn guia satisfatorio para orientar as expectativas, 0 momento. 路05 defensores" porque sempre nos guiou bern desta CODvi~o asseveram que se, ao inves de colocar Duma sO categoriatodos osargumentosque a Indu~o Cientifica apresenta

ate

comofortes, efetuarwna~deniveisde~, serilpossivel constataTqueajustifi~indutivadaIndu~,nioconstituiurna OSroART MILL. MA.X BLACK.....


81 peti~de principio. 0 padriodajustifi~indutivadaInd~

e:

separacarla nivel (k) deregras do sistema, existeurn argumento de Divel imediatamentesuperior (k+ 1) que : (i) dado como indutivarnenteforte pelas regras do proprio sistema , (ii) tem premissasverdadeiras; (iii) tern por conclusio, 0 enunciado que asseveraseremdignas de credito as regras de nivel (k) do sistema. , ... A 1000ca indutiva cientifica seria urna estrutura comple足 xa, constituida por urna infinidade de "stratus", de diferentes conjuntos de regras, relacionados uns coni os outros ; as regras de cada nivel pressupOem, em certa medida, que a natureza uniforme e que 0 futuro assemelhar-se-a ao passado. As regras de carla myel se justificarn por urn. argumento do mvel superior subseqiiente e assim sucessivarnente. Na realidade, nio ocorre a suposicrao exatamente daquilo que se quer provar; a justificativa indutiva da Indu~o Dlo pressupOe que as suas regras dignas de credito, mas, oferece urn argurnento para mostrar que dignas de credito. Em carla nivel as regras sao consideradas dignas de credito, pela apr~o de urn argumento no nivel superior subseqiiente ;assim, nenhum dos argumentos usados para a justifica蔵o indutiva da Inducrao, pressupOe 0 que estio buscando provar. Portanto, nio incidetecnicamente, DUma peti足 ~ de principio. Essa concepcao trouxe esclarecirnentos impor足 tantesparaoestudodalnduyio: (i) mostrou que 810 varies os niveis existentesde Indu~o; (ii) assinalou que pode haversituaeoesem que os Diveissuperiores

e

e

sao

sao

daIndu~Cientificaniodeemapoioaosniveisinferiores,mas,que entretanto, nioseestanumadetais~;

(iii)acentuouqueal6gicaindutivacientificaeindutivamentecoerente comosfatos,e, quesepodeimaginar circunstinciasem.que a 16gica indutivacientifica nlo seriaindutivamentecoerente comos fatos,

4 - A JUSTIFICATIVA PRAGMATlCA DA INDU~AO Para conseeucao dajustifi~racional da Indu~,diferentes viasforamutilizadas, nadependenciadernaioratrib~odeforcaao


82 raciocinio apresentado. A uti~o do raciocinio dedutivamente valida como fundamento da justifica~o, e a via da concepcao pragmatica a. qual se passaagora a analisar : Observe-se 0 padrio da justificativa pragmatica da Indu~o, ou seja . '. "". se demonstrar que os argumentos do sistema de logica indutiva considerados indutivamente fortes possibilitam, na maioria das vezes, conclusoes verdadeiras a partir de premissas verdadeiras, caso exista algum metodo capaz de atribuir forca indutiva a tais argumentos. Considerando esse padrio, tome-se agora 0 argumento dedutivamente valido, apresentado poe REICHENBACHs. (i) Ou a natureza e uniforme ou nio (ii) seanatureza euniforme, aindu~o cientifica tera exito (iii) se a natureza nao e uniforme, nenhum metodo tera exito

e

se algum metodo indutivo podeterexito, a indu~cientifica teraexito. Entretanto. a terceira premissa, embora as duas primeiras sejam verdadeiras, deixa duvida: sera que nio poderia existir urn estranho metodo indutivo que fosse bern sucedido, mesmo com uma natureza caotica? REICHENBACH responde usando a terceira prernissa, com a possibilidade oposta, ou seja : (iii)~ anamrezanaoeuniforme, alguDunetodoteriexito. Entio, nas duas situ~Oes ; neobum ou algum metodotera exito. deduz-se a mesmaconclusio. . Aparentementeo problemaesta solucionado, porem, se sabe que atraves dum argumento dedutivamente valido, de premissas sabiamente verdadeiras, sera demasiado fraca a conclusio aque se chegou. Em resurno, a tentativadejustifi~o indutiva em linhaspragmaricas, pennite compreender que uma justificativadedutivada Ind~o seriaaceitavel, na rnedida em que se admite niveis para as regras daInduCio ; entio, se algum sistema de logica indutiva dispoe de regras que conduzem ao exito, em determinado nivel, a logica indutiva cientifica tambem dispOe de regrasqueconduzemaoexito, nomesmoniveJ.. Porem, osargumentos 'REICHENBACH, FEIGLe SALMON defendema co~o pragmanca.


,,83

apresentados pelos pragrnatistas Ilio chegam a essa conclusio. Mostrarn, em vez disso, que se algum sistema de logica indutiva dispOe de regras satisfatoriasde determinado nivel,entio a logica indutivacientificadanirelevoa umargumentojustificadorpara tais regras., mas, em nivelimediatamente acirna. 5- CONCLUSAO

As varias tentativas de justificacao da Imlu~o, como se terminou de ver,revelaram importantes facetas da indu~ cientificaque deixam claro aimportancia de urn sentido de busca deumajustifi~ maisforte,do quetern sido encontradaate agora. Este resultado, vernreforcar a necessidadede urnincremento nos estudos, sobre 0 nucleodo problemacom enfase nosdebates sobre aspossiveissolucoes,0 potencialheuristicodesseterna, propiciou o interesse por uma pesquisa que vern sendo desenvolvida sobre sobre "0 apoioindutivoesuas ~Oes naaceitabilidadede hipOteses cientificas", que teve este trabalho, como suaprimeiraetapa.

LISTA BmUOGRAFIcA BLACK, M. JustifiCOfliodalndu~iio. In: MORGENBESSER, S. Filosofiada ciencia. Sao Paulo ; Cultrix, 1979, HUME, D. An abstract ofa treatise ofhuman nature. Oxford; ClarendonPress. 1955. POPPER, K. R. A Iogicadapesquisa ciemlfica; "trad." Leonidas Hegenberge Octanny Silveira da Mota. Sao Paulo; Cultrix, EDUSp, 1975. SKYRMS, B. Escolba e acaso; introdu~ao alogica indunva. Sao Paulo; Cultrix,EDUSp, 1971. SWINBURNE, R. La juslific:acion del razonamiento indutivo. Version espaiiolade EulaliaPerez Sedeiio. Madrid. Alianza Editorial, 1976.


84 Revista Principios -~. Filosofia UFRN, RN. \bl Junbo de 1995

n - N~ I

AS DivIDAS DA CIENCIA MANOFLBARBOSADElliCENA DEPARTAMENTO DE FlLOSOFlA • UFIlN

"E politicamente pobre 0

cidadao que somente reclama,

mas nio se organiza para reagir, nio se associa para reivindicar, nio se congrega para inftuir" (Pedro Demo)

1 - A pobreza e uma condi~o criada. Produzida. Mantida.

Cooservada. Multiplicada. E um fenomeno de exclusio do "ter",

Eser impedido de "ter". A pobreza e a escola do fiel, do

carente, do necessitado, produzindo necessidades e carencias, manifest~s da mesma pobreza. A pobreza e0 "Dio ter" subserviente que se "causa circular e cumulativamente". A pobreza e 0 objeto de taticas e tecnicas de controle e do~Io, e industria que se cultiva nas secas, nas cri~ de rna, nas "cestas basicas"... A pobreza hist6rica e estrutural, mas apresentada como resultante de crises momentaneas e conjunturais e, por isso mes­ mo, tratada com politicas compensatorias e inadequados assistencialismos... uma agressio a cidadania. A pobreza do "nio ter" relega a margern a pobreza do "Dio ser". Sim, porque 0 verdadeiro pobre nasce de repressio ao sa­ ber, ao "Dio sec". .. 2 - Ora, a neutralidade cientifica e por si sO ideol6gica. A Ciencia, pretensamente interprete da realidade, tern construido o relevante para a estrutura dominante, simplificando fenome­ nos e os manipulando. A pobreza uma das suas consequencias, pois Use estudar a pobreza nio leva a resolve-la, e porque man­

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85 ter a pobreza faz parte da producao cientifica".'!' 3 - 0 combate a pobreza e igual a"industria da pobreza, e os milhares de pobres, em redes de TV elou em programas ao vivo agradecem 80S "poderosos" a sua manipul~o. 0 princi­ pal fator da fabri~o da miseria e a sua manobra politica, car­ dapio f'acil de candidatos que se revezam no poder, construindo palacios e castelos familiares e economicos. A carencia e 0 meio mais imediato de manipula~io. Por isso, 0 Nordeste e mantido pobre, apesar das politicas contra a fome. 0 mal e adiado, com alimentos que conseguem manter a esperanca dos desiguais e dos pobres. Os tiquetes de leite, oculos e dentaduras, sacos de cimento e "cestas" comprarn a pobreza, transformando os necessitados em miseraveis. Os programas de TV e Radio, reunindo "pobres" e "neces­ sitados", constituern urn processo de repressao do acesso a van­ tagens sociais relevantes. 4 - E que a pobreza material se associa a pobreza politica. E como se a Ciencia nio valorizasse a sua qualidade politica, atendo-se unicamente as leis invariaveis e universals, rescaldo de formais dimensionamentos positivistas, assepticos e frios, cal­ culistas e dogmaticos. o ceme politico da pobreza resgata 0 processo, dando-lhe a sua verdadeira dimensio historica, a dimensao do "ser". 5 - Esta sociedade bipolar repressiva contra os deserdados da terra. E urn dominio que reprime, espezinha, avassala, num tempo disfarcado em afluencia e liberdade. (3) As promessas estio nos palanques oficiais e oficiosos, dis­ farcados em ilusio, mas travestidos de esperancas. Entretanto, o conluio dos poderosos (da comunicacao, da riqueza, do po­ der, da terra, etc.) toma-se sempre mais objeto de uma adminis­ tra~o que a todos absorve: seus crimes sao transformados em empresa racional, suas palavras representarn ordens, suas esmo­ las significam solidariedade e arnor fratemo, a todos conservan­ do objeto de uma anestesia geral/" 6 - 0 desenvolvimento da sociedade hurnana Ilio pode re­ duzir-se a satisf~io das carencias materiais, satisf~o do "ter", pois a pobreza possui caracteristicas essencialmente politicas, carencias do "ser". E a participacao 0 fator mais qualitativo da

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86 construeao da historia humana na construcao do "ser". 7 - A pobreza nio e a careneia material, ou ate a sua injusta distribui\oiO. Nio e aquela que existe, embora apareea, mas seus aspectos politicos, numa degradaeao da propria sociedade. Ou mais, e a carencia do "DioseT" produzindo 0 «nio ter". a- Os pretensos representantes politicos cultivam a pobre­ za, aJimentando-se para se "alimentarem", atraves de politicas clientelistas secu1ares: a) manut~ da inconsciencia; b) assistencialismo como regra, gerando dependencia; c) conservaeao de lideraneas por manobras eleitoreiras (campanhas politicas); d) reserva de mercado para politicas sociais para os po­ bres; e) apropriacao do Estado; t) impotenci~ da popul~, sem informa¢es, amorfa, es­ perando a cidadania como uma concessio; g) manipul~o da informacjo; h) politicas residuais, manipuladas e compensatorias, na inditstri,- da miseria; i) crimes nefandos contra 0 processo de organi~o, com a ~ de associacoes atreladas, sem qualidade politics.; j) politicas de "participacao", fantuiando democracias. 9 - A CiSncia, ela mesma, se torna urn instrumento da do­ ~ . Ciencia dos poucos "iguais" contra os muitos "desi­ guais". Seu objeto construido do pressupOe 0 dialogo, mas re­ presenta a palavra indiscutivelmente dogmatizada, porque alicereada na visio das realidades formais e logicamente siste­ matizadas, proprias das ideologias alimentadoras da pobreza. E a ciencia consttuida para 0 "ter". 10 - Resgatar a Cieneia, este parece ser 0 papel da Filoso­ fia na contemporaneidade. E 80S cientistas, como elite, elite in­ telectua1- 0 de desvincular-se dos blocos economicos e politi­ cos que dominam a sociedade, garantindo e dignificando a ver­ dade a service do povo, a service do "ser' . Nio me refiro Iquela Ciencia dogmatizada nos ultimos se­ culos pelos criterios formais e matematicos, embasada em metodologias e tecnicas positivo-quantitativas rigorosas,


87 mensuraveis e quantificadoras, mas a uma Ciencia que, construida sobre pilares de competencia instrumental e teenica formais, a elas Dio se limite, porem se complete nos aspectos humanos, seja, uma Ciencia do Homem e para 0 Homem, de conteUdos politicos a service da totalidade e nesta, dos desiguais. Nada de obsessio formal. Nada de exatas medidas quantitativas, fora do que tudo e falso. Nada de exatidio. Urn pouco de cada, sim, que se mistura as identidades culturais, as politicas, avida cotidiana, it cidadania, it felicidade de cada urn... II - Nesta perspectiva, 0 objeto a ser construldo pela cleo­ cia e 0 homem todo, 0 real e 0 pensado, 0 ontologico eo logico, em continuo processo. 12 - Desprezadas ou pelo menos suspensas sejam as avali­ ~es puramente quantitativas ou quantificadoras, espelbadas em balanceseconomicose financeiros, de carater ufanistae ate neu­ rotico, de cunho dogmatico irrefutivel, sobrepondo-se a tudo e a todos, alimentados por clencias denominadas contabeis e exa­ las, de cunho ideol6gico puramente capitalista, material-finan­ ceiro, dogmatizando meios e sufocando os objetivos para os quais foram e. sio construidas. Sio puramente ideologicas, pecando por sua irreverencia it Verdade. Sio purameo.te iguais numa so­ ciedade de desiguais, abjetas ao dialogo e ao confronto. 13 - Serio os indices economico-financeiros suficientes para refletir a realidade socio-economica? Os ideais positivistas os consagraram, a service dos neg6cios. A Economia os transfor­ moo em paradigmas, sem 0 que tudo seria questionado. Para eles e em fun~o deles, politicas se implantaram, indices, c6di­ gos e programas foram criados, politicas para desenvolver 0 homem no trabalho se intensificaram, na busca dos lueros, inicio e tim de todo 0 processo. Desenvolveram-se fonnas e meios, eliminando-se movimentos inuteis e cargas excessivas na em­ presa, condicoes e ~a no trabalbo, tudo a servieo da quan­ tidade. Teenicas de Rel.a~s Humanas sio aperfeicoadas, pro­ gramas de indu~io sio introduzidos; tomando ate agradivel 0 lugar do trabalho, tudo em fun~io de resultados. Fala-se ern "nova empresa", transitando com "marketings", estrategias e "quali­ dade total", a service de lucros e quantidade, em novas "re-en­ genharias". 14 - A Ciencia nio se reduz a quantidades. As avaliaeoes


88 deum processo niopodem ser apenas uma fotografia de resultados

quantitativose lucros, a formase regras'logicas, como se a realida­ de fosse feitaapeoas de niuneros, valores quantitativos. formas 16gi­ co-matematicase resultados economico-financeiros. Isto significa­ ria uma visio autoritaria e ~ticame:nte.condicionada, ideologi­ cam.enteimposta a urn mundo de homens e mulheres que por essen­ cia, e desigual. E nisto esta a sua riqueza. -ID­

15 - As politicas de governo, de govemos que apenas pen­ sam no "ter", sao fonnadas dentro deste paradigma nefasto para a sociedade. Nossos Governos Ilio mostram (e nio mostram porque nio sabem, e nio sabem porque nio lhes einteressante) indices de qualidade, reduzindo-se sua a~io a mimeros e valo­ res, crescimentos percentuais e quilometros, metros e distinci­ as, nada mais. 0 desenvolvimento do "ser" participative e poli­ tico e marginalizado, 0 "saber mais" e manipulado, a comunica­ ~ e filtrada e truncada, impossibilitando pop~ a melhoria da qualidade da cidadania. Tais Governos, produtos de valores quantitativos e soma dos custos financeiros de grupos economicos, apresentam-se como provisionadores da verdade, definidores de politicas e so­ lu~oes definitivas. Sua Iinguagem e fechada e dominadora, aves­ sa a qualquer critica, antidialetica, anti-historica, Iinguagem que nio explica, apenas comunica decisoes, Duma "fala" propria dos regimes autoritarios. Decide sobre nossos destinos e nossas vi­ das, numa linguagem manipuladora, funcionalista e quantificante. Suas avaliaeoes sao meramente positivo-funcionais. Seus comportamentos, ufanistas e autoritarios, apresentando-se sem­ pre entre musicas, fogos e discursos, iludindo a quantos aspiram a urn melhor padrao de vida e reali~io pessoal e cotetiva. 16 - Entretanto, as aspiracoes humanas nio sao na sua es­ senoia quantitativas e medidas em valores financeiros e econo­ micos: estes sao meios para os verdadeirosobjetivos da socie­ dade.expressos numa palavra do povo, a felicidade.

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-IV­ 17 - Nossas Universidades e Escolas se prmdem iguahnmte a criterios fonnais e numericos, expressos em notas que avaliam alunos, comose estes fossem "robots" sem alma tornando este pro­ cesso pelo menos suspeito. E por isto, sao obrigados a reproduzir 0 que os outros faJarn, a repetir 0 que escrevem outros, numa copia da sociedade quantitativa imposta ao ser humano. 18 - Tudo isto e pobreza. Em que evoluiu a Ciencia? Nio seria melhor, sob alguns aspectos, ou sob estes aspectos aqui analisados, falannos de uma involucao? 19 - Ora, a totalidade e por natureza dialetica, e sua alma e a antitese, de mUltiplos condicionamentos, feita de objetividades e subjetividades. A realidade natural e detenninada, dentro do rigido esquema de causa e efeito, independmtes da vontade hu­ mana. A realidade social porem e condicionada, e sio os condi­ cionamentos hist6ricos que fazem a vida concreta, no dia a dia do tempo. 20 - 0 processo de participa~, construcao do "ser", e 0 norte da histooa bumana;a ele estio subrnetidos nUmeros e quan­ tidades, valores quantitativos e rigidos controles matematicos. A participacao ou valor qualitativo requer dialogo, e dialo­ go euma fala de contraries. No falae dos prepotentes (e aqui se colocam Governos, Professores e todos os esquemas totalitlri­ os de aval~ quantitativa) nao hi comunicacao, mas monolo­ go. No dialogo, prevalece a contrariedade, na dicotomia de ato­ res essencialmente dialeticos.

-v­ 2I - Karl Marx, em "0 (Apital l ), tentou dar ahist6ria 0 ca­ liter necesserio-posaivista das leis fisico-naturais, quando se referia is "r~s de produ~ e troca", falando de r~s necess8rias e independentes da vontade do homem, subordinando a vida

intelectual adet~ material.

A Escola de Frankfurt, apresenta uma postura frente ao marxismo, rejeitado 0 determinismo hist6rico e excessivo. 22 - 0 empirico ou 0 "ter" 010 pode ser 0 unico criterio de cientificidade ou de analises processuais.


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23 - Como r~ao aos excessos da dedu~io especulativa, nascida na filosofiagrega e presente no continente europeu durante seculos,a indu~ empirica consagrou a experieneia como criterio da cientificidade. Se aquela pecou pelo subjetivismo, nosso seculo se ve hoje sufocado pelo empirico, alimentador de uma pretensa cienciaobjetiva e evidente, pensando ter superado a propria filoso­ fia. 0 utilitarismoeseu filho primogOOito, hoje, numa sociedade pu­ ramente quantificantee materialista. 24 - 0 tim da ciencia e proporcionar a felicidade humana, nos seus desafios, sentimentos, emocoes e desejos; nos seus va­ lores e juizos, na sua consciencia e organizacao, nas suas caren­ cias e necessidades, no seu desenvolvimento participativo-poli­ tico. 25 - Os indices de desenvolvimento nlio podem ser medi­ dos somente pelo poder de compra, por lucros auferidos ou por renda «per capta". A participacao nesse processo e insubstituivel, eliminando-se 0 caudilhismo intelectual elou economico, a ser­ vico do desenvolvimento. A qualidade ou a construcao do user" e urn indice necessa­ rio nesta avaliacio, qualidade das pessoas, qualidade do sistema educacional, base da cidadania, necessitando-se construir 0 su­ jeito historico, hoje "massa de manobra". 26 - Os tratamentos assistenciais do Estado, distribuindo migalhas e aprisionando consciencias, as salas de aula que abri­ gam os "sem mente", recebendo receitas e modelos autoritarios de interpretaeao, as avaliacoes de -desenvolvimento meramente quantitativas, refletidas em Balances economico-financeiros de empresas ou do Estado, tudo se gera no circulo vicioso de pro­ jeto castrador e manipulador de consciencias, gerando "leis" (en­ tre aspas) que representam apenas 0 consorcio de forcas politi­ cas e economicas, na manuteneao de estruturas classicas de pri­ vilegios. 27 - Tudo gira em tOTOO do "ter" e, por isso, a qualificacao da pobreza associada ao "08.0 ter". 28 - Somos pobres quando "nao sornos": e 0 "nao ser", gerando a 08.0 participacao e a propria pobreza material. A pobreza e antes de tudo politica, para posterionnente ser associada a "nio posse" de bens materiais Ser pobre e "nlio ser ". ser pobre politicamente: e 0 '~nio


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saber", ea rome de participa~o, e a nio cons~ioda "qualidade politica", e nio ser cidadio Num mundo de "pobres", de explorados e injusticados, marginalizados e sem voz, uns poucos supostamente "magicos", detentores de solucees, proprietaries da verdade, manipuladores de opiniio, se assemelham a aves de rapina de multidOesde cons足 ciencias alienadas, famintas do "ser", nas mas esquecidas da vida .. Buscamos uma nova Ciencia, urn novo conhecimento que nasce livre de amarras quantificantes e lucrativas e que gera a cidadania do "ser", contra os horrores do "olio ter". Nossos pobres serio outros, e 0 "nio ter" nio sera mais 0 criterio de pobreza.

REFERENCIAS omLIOGRAFlCAS

I. Pedro Demo, - Metodologia Cientifica em Ciencias Sociais - Atlas, 21 ed. Sao Paulo,s. ed, 1992. 2. Karl Marx, - Conmbuicaa para a critica da Economia Politica, Lisboa, s.ed., 1973_ 3. Hebert Marcuse, - A ideologia da sociedade industrial, 61 . ed., Rio, Zahar Editores, 1978.


92 Revista Principios - Depr. Filosofia UFRN. RN; \VI. II - NQ I

Junbo de 1995

DIREITOS HUMANOS E A MORAL DO RESPEITO

UNIVERSAL

MARIACLARADIAS DFPAIlTAME"'I'O DE FILOSOFIA DA UPIWCNPQ

Na nossa vida cotidiana costumamos falar da atribui~ de direitos. Atos deste tipo fazem parte de nossas r~Oes sociais. Outorgamos wn direitoa alguem quando,por eKemplo, lheprome­ temosalgo. Quando digo a uma pessoa:"prometo devolver 0 Iivro naproxima semana" •. usumo urncompromisso peraote a mama, e !he wtorgo 0 direito de exigir 0 a.unprimemo do quelhefOiprometido. A partir de um tal contexto, swgem os chamadosdireitosespeciais au pessoais. Quando minha promessa oio emantida, infrinjo as regras destejogo, e com isto dimino, ao menostemporariamente, minha possibilidade departi~ no mesrt1O. Direitospessoaispodem ser fortalecidos quando encontram wna expressiolegal. Neste caso, serio chamadosdireitos legais. A i~ de urn direito legal significa 0 desrespeito alei, e a eta correspondewna san~ extema. Ha, no entanto, direitos que attibuimos UDS aos outros inde­ pendentemente de acordos pessoais e ded~ legais. Este eo caso dos assimchamadosdireitosbumanos. Acercade direitos humanos costwnamosdizerque estes sao direitosatnbuidos ao ser Iumano esquantotal. Mas0 quesigni6ca dizer quepossuiIms direitos pelosimples fato de sermoshumanos? Faz parte da nossa linguagem acerca de direitos, que uma pretensio sejaerguida e possa serjustificada.Quando se trata de urndireitopessoal, a pretensio em questio pode serverificada com recurso ao ato da promessa. Quando se trata de urn direito legal, podemosrecorrer alegi~. Mas como podemos fundamentar urndireito que nio nos foi atribuido,oem pela promessade outro individuo, nempelalei? Partindodesta questio, torna-se entio claro queos assimchamados direitos humanos exigem umaforma distinta


93 de ~o. Apenas quando pudermos escJarecer, aquilo de que falamos quando nos atribuimos direitos humanos, entia passive! fundamentar urn conjunto especifico de demandas como pertencendo a tais direitos, ou seja, fundamentar direitos sociais basicos como direitos humanos. A proposta deste artigoe fomecerurn argumento moral para 0 reconbecimenlo dos direitos sociais basicos. Paratal, pretendo definir com base em Tugendhat um conceito moderno de moral, a saber: a moraldo respeito universal. Em seguida, pretendo analisar 0 papel da atribu~o de direitos sociais na comunidade moral. Com isto pretendo fundamentar 0 reconhecimento dos direitos sociais b8sicos como um dever de todo aquele que queira ser recoohecido como integrante da comunidade moral e toda forma de estado que erga uma pretensio moral.

sera

1 - A MORAL DO RESPEITO UNIVERSAL Fundamentar um conceito de moral Dio significa apenas

justifica-lo face a uma posi~ cetica ou egoista, mas sobretudo confronta-lo com concepcoes de moral concorrentes. Esta tare­ fa empreende Tugendhat em seu livro Vorlesungen uber Etbik1• Meu objetivo aqui nlo sera reconstruir 0 processo de funda­ ment~o da moral do respeito universal, mas procurar respon­ der a duas questoes: (l) 0 que significa aceitar um conceito de moral, e mais especificamente (2) 0 que significa aceitar a moral do respeito universal. Durante seu processo de socializacao um individuo apren­ de a desempenhar uma sene de tarefas: atividades corporais (tais como andar, nadar e correr), artisticas (como por exemplo pin­ tar, cantar ou tocar um instrumento) e 0 desempenho de deter­ miDadas fun~ (tal como ser professor, ser pai etc.). A capaci­ dade de exercitar determinadas atividades fomece ao individuo a medida de seu proprio valor. Ao fracasso no desempenho das atividades que 0 individuo considera para si fundamentais cor­ responde uma perda da auto-estima manifesta pelo sentimento de vergonha.' Entre todas as fun~s aprendidas, hi. contudo uma que desempenha urn papel central na soci~. Nela, consiste 0


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proprio aprendizado do que sejamtegrar uma soci~e. Trata-se, assim, do papel de cada individuo enquanto membro de uma comunidade, ou melhor, enquantoser cooperativo. As regras

que definem 0 born desempenho desta fun~io sao aquelas a que chamamos regras morais. ~ A negligencia ou infta~o de tais re­ gras corresponde uma san~io interna, manifesta em primeira peSSOB pelo sentimento de vergonha moral ou culpa, em segun­ da e terceira pessoas pelos sentimentos de ressentimento e in­ digna~. A presenca de tais sentimentos nos fomece, assim, urn enteric para 0 reconhecimento da insercao de urn individuo na comunidade moral. . Fundamentar uma conce~ moral especifica, significaPara Tugendbat fomecer uma defini~iio plausivel do que seja 0 born desempenho de urn individuo enquanto ser cooperativo, ou me­ lhor, fomecer urn conceito de "bern" plausivel, e ao mesmo tem­ po mostrar que todos as alternativas concorrentes sao menos plausiveis ou inaceitaveis.' Tal conceito Tugendhat extrai da concepcao moral kamiana, a saber, da segunda formulacao do imperative categorico: "Aja de tal maneira que a humanidade, tanto na tua pessoa, quanta na pessoa de outros, possa ser a cada momenta considerada como urn fim em si mesma, e jamais exclusivamente como urn meio'" Em outras palavras: "Niio tea­ te seres humanos como simples rneio", ou ainda, "Nao instrumentalize seres humanos". Com a ajuda deste principio, sera entio definida a moral do respeito universal. Respeito sig­ nifica, aqui, 0 reconhecimento de cada sec humano enquanto sujeito de direitos (Rechtssubjekt). 0 conteudo desta exigencia nada mais e do que a consideracao a vontade e aos direitos de cada qual. Vma tal moral e, portanto, universale igualitaria. Suas normas 810 aquelas que, a partir da perspectiva de qualquer in­ tegrante da comunidade moral, possam ser aceitas. A decisio de aceitar ou nio uma concepcao moral e, em ultima instancia, urn ato da autonomia do individuo. Nito ha, portanto, nada que nos obrigue a isto. A constituicjo de uma consciencia moral e os sentimentos a ela associados, dependem de que 0 individuo queira ser compreendido como integrante da comunidade moral, ou seja, queira pertencer a totalidade dos individuos, cujo agir esta orientado por regras morais. Resta, portanto, nos perguntarmos: (1) se queremos nos


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compreender enquanto integrantes de uma comunidade moral qualquer e (2) se queremos nos compreender enquanto integran­ tes da comunidade moral definida pelo conceito de "bem" aqui apresentado. Tal questio deve ser compreedida como parte in­ tegrante da questio que conceme aconstituicao da identidade qualitativa" de cada individuo, isto e, a pergunta pelo "0 que" e "quem" queremos ser. A identidade de cada individuo compreende sempre algo que ja esta determinado, tal como, por exemplo, elementos de sua bist6ria pessoal ou talentos individuais, e tambem algo que depende de cada um. A identidade qualitativa e, assim, uma res­ posta do individuo ao seu passado, e ao mesmo tempo a deter­ ~ de seu futuro. 0 individuo elege para seu futuro, aquilo que considera fundamental para sua vida e para sua identidade. Ele vivencia sua vida enquanto lograda ou feliz, quando atinge uma identidade Iograda.' o papel do individuo na constituicao de sua identidade qua­ litativa, ou seja, a responsabilidade do individuo pela parte da sua vida que cabe a ele determinar, euma caracteristica cia soci­ edade modema. A sociedade modema e uma sociedade de indi­ viduos", ou seja, uma sociedade cujos integrantes se relacionarn entresi apenas como individuos e Dio como pertencentes a de­ terminadas castas ou extratos sociais. Voltada para a caracteris­ tica do individuo como ser cooperative, nao resta Ii moral mo­ dema senio reconhecer todo e qualquer integrante da comuni­ dade moral como igual objeto de respeito; em outras palavras, como portador de igual valor normativo. Uma moral modernae, portanto, em sua basenecessariamente universalista e igualitaria." Uma identidade moral na sociedade modema consiste, as­ sim, na identificacao com os principios de uma moral universal e igualitaria, ou seja, urna moral que atribua a todos os individuos igual valor normativo. Neste sentido, todos as tentativa comtemporaneas de restricao das nonnas morais aos individuos de uma determinada na~o ou etnia niio podem erguer qualquer pretensao moral. Igualmente fadada ao fracasso e, no entanto, a tentativa de justificar tais restricoes com recurso a um modelo de sociedade tradicional Em sociedades tradicionais, a identidade de cada urn e detenninada pela inser~ a uma detenninada casta ou grupo social.


96 A identifi~ a umamassa arnorlil. que incluaindividuos de grupos sociais, credos e profissOes diversas - identifica\oio esta inerente a todo nacionalismo - seriaoeste modelo de sociedade impensaveJ. E, contudo, necesssrio que a identidade moral desempenhe urn papel constitutivo na identidade do individuo modemo? Nos dissemos que cada individuo elege para si, aquilo que para sua identidade e para sua vida considera fundamental. E a identida­ de moral de urn individuo essencial para uma identidade ou para wna vida Jograda? Tal questio pennanece em aberto. Ate aqui, podemos apenas afirmarque uma identidade moral na sociedade moderna corresponde a uma identifi~ a principios univer­ sais e igualitarios. Isto significa que qualquer individuo que reinvindica para suas ~ uma pretensio moral, precisa reco­ nhecer em todos os demais um mesmo valor normativo. 0 que deste modo esta sendo excluida e a possibilidade de restri~ do imbito de apli~ das regras morais, porem nio a liberdade de carla individuo aceitar ou Dio uma posi~ moral. A assim cha­ mada "carencia de sentido" moral ("lack of moral sense") per­ manece como sendo uma possibilidade, e detenninando 0 limite de todo discurso moral. Se nio elegemos para nossa identidade qualitativa 0 pertencirnento a wna comunidade moral, suprimimos a possibi­ lidade de censura moral e de qualquer refer&cia a sentimentos morais, tais como: vergonha, indi~o ou culpa. Tais senti­ mentos sio uma r~o da comunidade ou do proprio individuo ainfr~o de urn principio moral ao qual ambos estejam identifi­ cados. Se lIio queremos nos referir ao conceito de bern kantiano, entia nossa rel~o com outros seres humanos sera apenas ins­ trumental. Em outras palavras, trataremos outros individuos nio como subjetos capazes de detenninar suas proprias a¢es e fins, mas como a meros objetos do nosso proprio agir. A identifi~ eom uma comunidade significa, em geral, fazer de seus principios nossos proprios principios. A identifiea­ \oio com os principios da moral do respeito universal significa considerar cada individuo como sujeito de diretos. Se queremos que nossas proprias pretensOes sejam respeitadas, entio deve­ mos eleger viver em uma sociedade, cujo principio supremo e 0 respeito 80S interesses de cada urn. Se aidentidade qualitativa do individuo pertence a identifi­


97 ca~o com os principios da moral do respeito universal, entia 0 respeito a todos os seres humanos sera uma condieao necessaria para que 0 individuo possa ter consciencia de urna identidade ou uma vida lograda 0 respeito ao ser humano e0 respeito a seus direitos. Os direitos atribuidos a todos os individuos sao aqueles a que chamarnos direitos humanos. 0 reconhecimento dos direi­ tos humanos e, portanto, uma exigencia da moral do respeito universal, e uma regra do agir de qualquer individuo que queira ser compreendido como integrante da comunidade moral e de todo estado que erga pretensOes morais. A sugestio de referir a moral a direitos, apresenta uma al­ temativa a uma das mais significantes concepcoes morais corntemporaneas, a saber, 0 utilitarismo. 0 utilitarismo estabe­ Ieee como tim 0 maior grau de satisfa~o para 0 maior montante de pessoas possivel. Quanto mais uma ~o ou uma norma ser­ vir a este tim, maior sera seu valor moral. No discurso acerca da satisf~ maximanio resta, no entanto, lugar para que falemos em direitos. 0 utilitarismo e1ege como objeto, Ilio 0 individuo, mas 0 somatorio dos sentimentos de todos, Apenas em uma moral voltada para 0 individuo, e possivel respeitar cada qual em seus proprios direitos. Apenas no ceme da moral do respeito univer­ sal sao outogardos direitos iguais a todos os individuos, eo ex:er­ cicio dos mesmos pode ser reclamado.!" Respeito significa, aqui, 0 reconhecimento de ca.da qual enquanto sujeito de direitos. Reconhecer alguem como porta­ dor de direitos significa tomar 0 outro nio como mero objeto de nossas obrigacoes, mas reconhecer nossas proprias obrigaeoes como reflexo de seus direitos. JI Apenas no imbito de uma co­ munidade moral assim definida, pode ca.da individuo reclamar seus direitos como algo independente do arbitrio dos demais. Os direitos humanos correspondem aos principios morais, que devem fomecer a garantia de satisfa~o dascondicoes mini­ mas para a realiza~o de uma vida digna. Uma vida digna e antes de tudo uma vida em que 0 individuo possa satisfazer suas De­ cessidades basicas. Uma identidade lograda na sociedade mo­ derna supOe urn sistema, no qual a satisfa~o de tais necessida­ des esteja assegurada. A garantia de sati~ das necessidades . basicas de cada um; em outras palavras, 0 reconhecimento dos direitos lmmanos e uma exigencia da sociedade moral. Nosso


98 proximo passo consiste na investigacao do papel desempenhado pelos direitos sociais basicos no ceme da sociedade moral 2- OS DlREITOS SOCIAlS BAsICOS E ASOCIEDADE MORAL

Vimos, anterionnente, que os direitos humanos devem sa­ tisfazer as condicoes minimas necessarias a uma vida digna. Uma vida digna e, tambem, aquela na qual 0 individuo possa respeitar a si mesmo. A auto-estil1la de cada qual pertence a consciencia de sua propria autonomia. A autonomia de urn individuo consis­ te na sua independencia face ao arbitrio dos demais, e na sua possibilidade de auto-manutencao. Deste modo 0 respeito a au­ tonomia de carla qual requer urn sistema, no qual cada individuo possa detenninar suas proprias ~Oes. Para que todos possarn usufruir desta liberdade a sociedade precisa garantir que todos possam ter acesso a uma formacao profissional e ao trabalho. A satisf~o de direitos sociais aparece, assim, como uma garantia da autonomia do individuo. . Mas, se nao podemos restringir as necessidades basicas de urn ser humano a sua demanda por autonornia, tampouco pode­ mos restringir nossa no~o de direito humano ao direito aliber­ dade, e fundamentar os assim chamados direitos sociais como uma garantia da mesma. Quando 0 reconhecimento dos direitos hwnanos se limita ao reconhecimento do direito a liberdade, e eliminada toda e qualquer possibilidade de exigirmos respeito tambem por aqueles que ja, ou ainda nio podem dispor de auto­ nomia, ou jamais poderio. Entre estes, encontramos pessoas idosas, criancas e deficientes fisicos ou mentais. Nos casosem que constatamos a ausencia de autonomia, ou seja, em que a pessoa Dio e capaz de prover seu proprio sustento, a garantia de uma vida digna podera exigir muito mais da sociedade. No en­ tanto, este nio pode ser urn argumento a favor da limitacao dos direitos humanos a liberdade, mas sim uma indicacao de que a carencia de autonomia deve ser suprida atraves do reconhecimento de outros direitos. Quando elegemos como ponto de partida a moral do res­


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peito universal. entio nos comprometemos considerar todo ser humano como objeto de respeito. 0 respeito a cada sec humano sUpOe 0 reconhecimentode suas necessidades basicas. Somente a .atribui~io de direitos sociais pode garantir a satis~ de tais necessidadese, por conseguinte, fornecer a todos os individuos as condicees minimas para a realizacao de uma vida digna. Por direitos sociais basicos devemos, portanto, compreender tanto os direitos relacionados a edacacao, forma~o profissional, tra­ baIho etc. como 0 direitoa alimenta~o, moradia, assistencia medica e a tudo aquilo,que no decorrer do tempo, puder ser reconhecido como parte integrante da nossa concepeaode vida digna. Este e0 caso nos uItimos anos dos direitos que concemem ademanda por urnmeio ambiente saudil.vel. Mas, como podemos mostrar que tais elementosdevam sec reconhecidos como urn direito de todos? Para responder a esta questao, pretendo agora analisar 0 argumento de Shue para fun­ damentacao dos direitos basicos do individuo.? . Direitos basicos sio, de acordo com Shue, aqueles que ne­ cessitamser satisfeitos, a fim de que qualquer outro direito pos­ sa ser reclamadoou exercido. Seguranca, subsistenciae liberda­ de de participacao e movimento sao, segundo ele, direitos basi­ cos no sentido acima. Na ausencia de tais direitos, a atribui~ de qualquer outro direito se toma vazia. Quem nio dispOe dos direitos basicos, oio se encontra em condicoesde usufiuir dos demais direitos que the venham a ser conferidos. A estrutura do argumento para fundamentar 0 carater ne­ cessario dos direitos basicos e apresentada nos seguintes ter­ mos: "1. Everyone has a right to something 2. Some other things are necessary for enjoying the first thing as a right, whatever the first thing is. 3. Therefore, everyone also has rights to the other things that are necessary for enjoying the first as a right." Para que possamos aplicar tal argumento para a fundamen­ tacao dos direitos sociais basicos sio, contudo, necessaries al­ guns esclarecimentos. Como devemos compreender a premissa de que carla individuo possua urndireitoa algo? Suponhamos que estejamostratando de urn direito qualquer. Ora, a paJavra direito nio eutilizadaapenas comreferencia a direitos moras, senio tan'Jbem


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com referencia aoschamados direitos pessoais e direitos legais. Seria razoavel supor que 0 reconhecimento dos direitos basicos de um indiviWo sejauma~ paraquepossamos Ihe atribJirurndirei.to pessoa1? A primeira vista nossa resposta pareceser claramente ne­ gativa. Urndireito pessoal pode assumir a estrotura de uma pro­ messa. Quando digo a alguem: "Eu the prometo estar aqui na tarde do dia 23." Assurno uma obrig~o perante este individuo de comparecer no dia determinado. Neste sentido lhe outorgo 0 direito de reclamar a promessa realizada. Ate aqui, ainda Dio podemos contudo falar, quer do surgimento de urn direito legal, quer moral. Uma promessa pode ser a base de uma sene de acor­ dos compreendidos como completarnente amorais. Tomemos como exemplo uma organiza~io como a m8fia. Aqui, 0 ate da promessa exerce urn papel fundamental, independentemente de quaquer prernissamoral. Oeste modo podemos dizer que 0 que realmente esta em questio do e 0 simples fato de que 0 indivi­ duo possua um direito, mas sim as razOes pelas quais seus direi­ tos sao respeitados. Podemos respeitar uma promessa, tanto por respeito a outra pessoa, como por temor a san~s extemas. Porem, apenas no primeiro caso podemos falar de urna razio moral. No segundo, trata-se bern mais de uma mera rel~o de poder Direitos basicos sao direitos morais, e neste sentido eles supOem wna comunidade moral. Apenas no cerne de uma co­ munidade moral, cada individuo deve ser tornado como objeto do respeito de todos. 0 respeito apessoa alheiasignifica 0 reco­ nhecimento de suas pretensoes. Nos respeitamos alguem como sujeito de direitos, quando nos compreendemos como integran­ tes de uma comunidade moral. Reconhecemos os direitos basi­ cos de urn individuo como uma garantia, para 0 exercicio de seus demais direitos, quando respeitamos seus direitos por ra­ zOes morais, ou seja, quando respeitamos cada individuocomo urn sujeito de direitos.Oeste modo a premissa de que todos os individuos possuem direitos deve ser compreendida DOS seguin­ tes termos: cada individuo,enquanto integrante da comunidade moral. possui direitos- Apenas sob a perspect.iva damoral do respeito universal, podemos agora apontarpara a sati~ dedireitos sociais basicos,direitoa subsistencia, como uma condi~ minima para 0


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exerciciodos demaisdireitos, sejamestes morais ou nio. De acordo com Shue umavida saudavele ativa euma condi­ ~o necessaria para queurn individuo possa usufiuir de seus direito. A garantia de condicoes minimas de subsistencia euma condi~o minimapara uma vida saudavel e ativa. A rea1iza~ de qualquer direitosupOe, portanto,a garantia de taiscondi~. A esta garantia corresponde os aqui charnadosdireitos sociais basieos. o argumento para 0 reconhecimento dos direitos sociais b8sicos pode ser, portanto, resumido nosseguintestermos: I. Todos os integrantes da sociedade moral possuem direi­ 2. 0 exercicio de tais direitos supOe uma vida saudavel e

ativa.

e

3. A garantia de condicoes minimas de subsistencia lima condi~

minima para uma vida saudavel e ativa. 4. A garantia de condi~s minimas de subsistencia e, por­

tando, desde sempre ja pressuposta, quando os integrantes da sociedade moral se outorgam direitos. A atribuieao de direitos sociais basicos e, assim, um principio fundamental da sociedade moral.

A satisfa~o das necessidades basicas de urn individuo e uma condi~ necessaria para a auto-estirna do individuo, para seu respeito pelos demais e pelo respeito aos principios cia soci­ edade. Enquanto suas proprias necessidades basicas nIo sAo res­ peitadas, nio e razoavel esperar que 0 individuo se identifique as normas da sociedade. 0 atribui~ de direitos sociais basicos e, assim,uma condi~o minima para que 0 individuo possa reco­ nhecer nas normas da sociedade 0 respeito por sua propria pes­ soa.Uma condi~ minima, portanto, para que0 individuoqueira se comprendercomointegrante daconmnidademoral. 3. TREs ARGUMENTOS CONTRA 0 RECONHECIMENTO DOS DIREITOS SOQAIS BAslCOS

Nos vimos, ate aqui, que 0 reconhecimento dos direitossociais


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e,~ exiienciada conn.ridade

mral. 'A garantiade

1DDexistencial

e uma condicao minima para que 0 individuo possa reconhecer nos principios da sociedade 0 respeito por suas pr6prias pretensoes. Este mesmo respeito e para 0 individuo nio apenas

minimo

wna condi~ para suaauto-estima, mastam1:>em para seu respeito pelas normas cia sociedade e por seus integrantes. Com base nesta analise, pretendo agora procurar responder a tres objecoes "standard" contra 0 reconhecimento de direitos sociais. A primeira obje-;ao apoia-se na tese de que apenas direitos negativos podem ser reclamados como direitos universais: Di­ reitos sociais incluem custos. Neste sentido dependem da rique­ za de cada ~o, e como tal nio podem ser encarados como universais. Contra este argumento podemos mostrar que todos os di­ reitos conferidos face ao estado incluem custos, ou seja, correspondem a uma obri~aopositiva, ou melhor, supOem uma performance por parte do estado. Neste sentido, nio ha direitos purarnente negativos. A tradi~ liberal aponta como direitos negativos 0 direito a liberdade e 0 direito a seguranca. Liberdade, no sentido liberal estrito, eentendida como a possibilidade de cada qual agir con­ forme sua propria vontade e determinar suas ~s, independen­ te de qualquer intervencao do estado. Se tomarmos agora a no­ ~io de liberdade contida na propria defini~ liberal, isto e, li­ berdade como a possibilidade de carla individuo determinar suas proprias ~s, podemos entio mostrar que este direito de Iiber­ dade sO pode ser usufiuido por todos, quando 0 estado e capaz de fomecer condi¢es que pennitam as classes menos favorecidas urn minirno de independencia economica e social. Sem que, por­ tanto, 0 estado desempenhe um papel ativo na sociedade, 0 di­ reito liberdade, entendido no seu senrido mais geral, jamais podera ser usufruido como um direito universal. e nao passara de urn privilegio de poucos. Quanto ao direito de segnranea, ef3cil mostrar que a garantia de medidas, cujo custo da seguranea do individuo exige uma pode, certamente, ser comparado ao custo implicado pelos direitos sociais basicos. Entre os custos do direito seguranea, devem ser contabilizados os gastos com todo 0 sistema penitenciario, com as

a

sene

a


103

forcasarmadasetc. Podemos,portanto,concluirque nem mesmo

os direitos aliberdade e aseguranca estio isentos de custos e de qualquer perfonnance do estado. A distincao tradicional entre direitos negativos (Abwehrrechte) e direitos positivos (Leistungsrechte) perde 0 sentido, quando pensamos nos deveres que estio associados Ii concessio de direitos morais. Quando reconhecemos como ta­ refa do estado 0 dever de proteger cada individuos, entia nio seria igualmente razoilvel que Ihe atribuissemos 0 dever de for­ necer a cada individuo a ajuda necessaria, para que este possa usufruir de seus direitos? Em que sentido podemos, aqui, real­ mente separar a tarefa de prot~o e 0 dever de prestar ajuda ao individuo? 0 reconhecimento de urn direito motaI supOe, Dio apenas que 0 estado deva proteger este direito do individuo face 80S demais, mas ainda que deva fomecer ao individuo condi~Oes para 0 exercicio do mesmo. E isto significa, tambem, 0 dever de prestar socorro quando necessario. VIDlOS que a questio dos direitos morais deve ser decidida a partir da perspectiva do sujeito. De acordo com esta perspec­ tiva, a demanda pela ajuda pode, ate mesmo,anteceder todas as demais. 0 dever do estado de proteger cada individuo, sO faz sentido para aqueles que se encontram em condicoes de usufruir deste mesmo direito. Ha, contudo, casos em que a ajuda do es­ tado e uma condi~ para que urn direito possa ser exercido. Urn exemplo de uma situa~deste tipo, jil foi mencionado quan­ do tratamos 0 caso especifico do direito a Iiberdade. Podemos, agora, apresentar urn caso em que esta ajuda pode ser vista como uma condi~o necessaria para que quaJquer direito possa vir a ser exercido, ou seja, a situa~ das criancas. Quando crianca, os seres humanos demandam ajuda constante. Sem esta ajuda, jamais viriam a se tomar seres capazes de,determinersuas pro­ prias ~, e nem sequer sobreviveriam. E urn dever do estado e da sociedade, como urn todo, garantir acada crianca a satisfa­ ~ de suas necessidades bilsicas, ou melhor, uma forma de vida digna. Por conseguinte, wna perspectiva da questio do direito que Dio satisfilca a demanda por ajuda, nio podeestar em consonancia com a atribui~ de direitos iguais e universais. Cabe, no entanto, perguntar se esta atribuicao de deveres morais 80 estado seja realrnente desejilvel. A esta questao, pode­


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mos apenas responder com uma nova pergunta, a saber: 0 que pode significar possuirumdireito moral, se nio dispusermos deuma inst8ncia, a partir daqualtal direito possa ser reclamado? Que papel poderia, ainda, ter 0 estado na sociedade moral, senio pudessemos

atribuir-lhe a garantiade ROSSOS direitos:fimdamentais? Quando 0 individuoergue pretensio a direitos morais, Rio pretende apenas que os demaistomem seus direitos em conside­ r~io, mas ainda que se sintam coletivamente obrigados a pro­ teger tais direitos. Ele pretende, portanto, que a seus direitos morais correspondam direitos legais. Oeste modo, 0 reconheci­ mento de direitos universaise associado a uma obrig~ moral coletiva de constitu~io de uma instincia legal. Tal instincia e 0 estado. A tarefa do estado se ve, assim, definidapela comunida­ de moral e associada 80S direitos basicos de cada qual. o segundo argumento contra os direitos sociais defende que a satisfa~o de tais direitos seria responsavel por uma ex­ plosao demogrilfica de tal ordem, que no futuro faltaria alimen­ to, moradia, trabalho etc. ate mesmo para os que hoje dispOem de tudo isto. Ou seja: a garantia de urn minimo existeneial para todos, h9je, significaria a ausencia deste minimo para nos mes­ mos no futuro. Este eo cerne dos assim chamados "Lifeboat"­ Arguments. Com respeito a tal argumento, podemos antes de tudo re­ plicar que este parta da falsa premissa de que direi.tos sociais e controle populacional sio incompativei.s. Contra isto, podemos apontar para 0 faro de que exatamente nos paises em que 0 pa­ drao de vida da popul~o e mais eievado, constatamos os me­ nores indices de natalidade. Somente quando uma popul~o ja dispoe de condi~es s6cio-economicas minimas, epossivei urn controle racional da natalidade. A concessio de uma alta taxa de mortalidade como mecanismo de controle populacional, onde urn controle da natalidade e possivel, seria desnecessaria e in­ concebivel. A farnosa metafora do "barco saIva-vidas" e, por conseguinte, desapropriada, poisoeste case 0 que esta em questio esta longede ser uma decisio entre salvara propria vidaou a vida de outros. Nio h8., aqui, um dilemamoral, mas sima acei~io de uma premissa ela mesmaabsurda. Em segundo Iugar 0 argumemo de que outras pessoas de­ vern ser privadasde algo que Ihes eessencial, para que aquilo de


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que estao sendo privadas, nio nosfidte no futuro, niio eum argmnento moral, mas sim urn argumento egoista Tal argume~ se torna insustenUivel, quando assumimos uma perspectiva imparcial. Uma tal posi~o nao pode, portanto, erguer qualquer pretensao moral. A terceiratentativa de recusa do reconhecimento dos direitos sociais, enquanto direitos humanos, a1ega que a sati~o universal de direitos sociais basicos, pode vir a piorar 0 padrio de vida de muitos, e ate mesmo dasociedade como urn todo. Ou SE!ia: a garantia de urn minimo para todos pode levar ao empobrecimento da sociedade. Agora Dio esta sendo questionado que a garantia deste minimo seja desejavel, mas sim que seja razoavel reconhecer algo como urn direito hurnano, que possa ter urn preco tio alto para a sociedade. Se todos os individuos possuirem 0 direito awn minimo, e puderem reclamar tal direito, alguns terao que pagar pelo direito de outros. Podemos supor que isto seja desejlivel? E desejavel quando desejamos viver em uma sociedade, na qual todos os seres hurnanos possuam igual valor nonnativo, por conseguinte igual pretensao a satisf~o de suas necessida­ des basicas, 0 reconhecimento de urn existencial minimo como urn direito de todos e, portanto, urn dever todo integrante da comunidade moral e de todo estado que erga para suas a¢es e leis uma pretensio moral. Todo principio de distribuicao, que erga uma pretensao moral, deve, portanto, partir da garantia de urn existencial mini­ mo. Caso contrario, nso passara de uma mera fic~, ou perdera seu fundamento moral. Uma distribuicao igualitaria e - como mostra Tugendhat - a distribui~o justa, quando nio hi argu­ mentos em contrario. Para que se possa colocar em questao a distribuicao igualitaria dos direitos basicos e, portanto, necessa­ rio justificar, por que alguns seres humanos devem ser conside­ rados como possuindo urn valor normativo maior do que os demais. Eprecise, por exemplo, justificar como atributos, taiscomo cor de pete, sexo ou pertinencia a urn determinado grupo social, possam possuir consequencias nonnativas, em outras palavras, possam determinar 0 valor moral de urn individuo. Quando Dio h3 raz.Oes que permitam hierarquizara seres humanos a priori, entio epreciso conceder que ao menos os direitos basicos devam ser distribuidos de forma igualitaria. o reconhecimento dos direitos basicos do homem.. ou seja,


106 dos direitos humanos representa, portanto, a gaJ1Imia de uma ~ minima de ~ que antecede qualquer possivel ~ entre os individuos. Apenas quando os direitos basicos de cada qual estio satisfeitos, podemos conceder- semincorrer em~ - uma distribui~ secundarianio igualit3ria. Umatal distribui~ podera, emio,levar emcomaasdiferen,.:;as constatadasentreas necessidades pessoais, talentos e os direitos adquiridos de cada qual. Uma distribui~ secundaria Rio igualitaria, looge de COIlt11Idizer uma tal ~ minima de justica, sent uma consequeecia de sua propria

apli~io. Apenas quando todos os individuos sio igualplente respeitados enquanto portadores de direitos, podemos tambem considerar carla qual de acordo com suas proprias necessidades, meritos e em sellS direitos pessoais. . . Para condrir, precisolembraique 0 reconhecimento dealgo comourn direitode todos, ou sqa, comown direitohurnano, SllpOe um ponto de partida moral. Apenas aqueles que aceitam uma concepcao mora] estio, portanto, comprometidos com 0 reconhecimento de direitos iguais e universais. Oeste modo, esta足 belecido 0 sucesso eo limite de qualquer argumento a favor dos direitos sociais basicos; por conseguinte, sucesso e limite da tarefa aqui proposta.

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REFERENCIAS BffiLIOGRAFICAS 1 E. Tugendhat, VorleSllngen iibeT Etmk, citado a partir do ma足 msalto. .

2 ~ Idem, ibidem, cap.3. 3 Ver Idem, ibidem, cap 3. 4 Ver Idem, ibidem, cap.5. 5 I. Kant, G",lItllegllngDlr Metophysik der Sittell, Werke, pp.61.(Traducao prOpria)

6 \b" E. Tugeodhat. "Identidad: Personal, nacional y universal",pp.8,


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citado a partir do nwwscrito. 7 Ver Idem, ibidem, pp.13. 8 VerIdem, ibidem,pp.14.

9 VerE. Tugendhat, VorIes",.gen.beT Ethik. cap. IO.

lOVer Idem, ibidem,cap. 17.

II Ver Idem, ibidem, cap. 17.

12 H. Shue, Btuic RighLY, Princeton 1980.

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108 Rcvista Principios - Dept~. Filosofia UFRN, RN, \bl. II - N!! I

Junho de 1995

NIETZSCHE E A LITERATURA * MARIAHElENAUSBOADACUNHA·· DEPARTAME:-rrO DE FIWSOfJA DA UERI

Nietzsche eurnfilosofo intimamentearticu1ado aLiteratura. Cabe-nos perguntar por que? E podemos responder apergunta feitacom margem em seus pr6prios escritos. Nietzsche se refere a eles, empregando freqtientemente na suacorrespondeneia a ex:pres­ sao: "minhaliteratura". Podemos,tarnbem, pergentar-nos 0 que verna ser Iiteratura, e entao, temos duasobservacoesa fazer: 1°)Ate 0 tim do sec. xvm, literatura significava "cultura ge­ raI" ou 0 que os franceses chamariam de "connaissance des belles­ lettres". 2°) A partir dai, literatura passa a significar 0 conjunto das produ~oes liter3rias de uma epoca, de um pais, etc ..., articulado a evo~ sociol6gica do estatuto do escritor, institui~ que, no do­ minio estetico, tern por corolarioa ~aescente daorigina­ lidade, por conseguinte passa a ter peso 0 estilodo autor, isto e, sua autenticidade. Ora, sabemos que Nietzsche quer resgatar a cultura grega, desde a sua obra, A Filosofiana Idade TrAAica dos Gregos. Refe­ rindo-se aIiteratura grega, ele distingue duas epocas: a dUsica, definidapela ausencia de tradi~io literaria e p6s-dUsica que, ao contrario, nascee vive dessa tradi~.PIatio se situa na linha divi­ soria entre as duas, e nio eatoa que, segundo Nietzsche, no que diz respeitoaos seus escritos, se estes se tivessem perdido e a Filo­ sofiativesse comeeado por Arist6teles, por exemplo, Dio sO esse fato seria de se lastimar mas, 0 que seria ainda pior, n6s jarnais teriamos tido conhecimento desse homem notavel daantiguidade quefoi 0 fil6sofo-artista. PJatio, no seu entend« era, alent de nota­ vel escritor, 0 homem politico por excelencia, 0 •• Professor Adjunto c Chcfc do Departamento de I'ilosofia da tiER] • T"OpoIis, ~em uma noite de loa cheia na 1IUI1a", julho de 1994.


109 legislador ao lado de Solon e Clistenes, aquele cuja expressividade e drarnaticidade das ideias encenadas conduziram e intluenciaram a juventude ateniense Acontece que e exatarnente a epoca classica, isenta de tra­ di~io literaria, visceralmente unida ao culto e ao mito que inte­ ressa a Nietzsche resgatar porque diz respeito a epoca tragica, aos pre-socraticos e aos escritores tragicos a exemplo de Heraclito, Empedocles, Anaximandro, Esquilo, Sofocles, Euripides, apesar das res salvas, bern como dos poetas Homero e Pindaro. A fun~o da literatura aqui era de comunhjn, de coe­ sio orginica, sustentando a permanencia de toda uma civiliza­ ~. Por isso, ele afirma,

nada lui de mais absurdo do que atnbuir aos Gre­ gos uma cultura autoctone; pelo contrano, assi­ milaram a cultura viva de todos os outros povos e, se chegaram tao longe, fo; porque souberam con­ tinuar a arremessar a lanca onde um outro povo a tinha deixado. sao odmiraveis no arte de apren­ der dando frutos; e deveriamos, como eles. apren­ der com os vizinhos a utilizar os conhecimentos adquiridos como apoio para a vida e niio para 0 conhecimento erudito, apoio a partir do qual se salta para 0 alto e mais alto ainda do que 0 vizi­ nho. (I) Sabemos que 0 mito, bern como toda vivencia nutre-se da ambiguidade por ser imagistico (ideolOgico, pois desdobra a re­ alidade em imagens, desejos, afetos e desafetos) e, portanto, assimila a simultaneidade no interior de seu sistema, 0 que tam­ bern acontece apalavra nos primordios da civilizacao grega. No mito os contrarios 030 sao contraditOrios mas sim, complemen­ tares, perfazendo uma logica da ambiguidade. 0 Estatuto da palavra, na Grecia, tera que percorrer urn longo caminho, seme­ ado de obstaculos para chegar de urn lado com Simonides de Ceos e Pindaro (poetas), de outro com Platio e Aristoteles (fi­ 16s0fos), atravessando toda a sofistica comProtagoras de Abdera e Gorgias de Leontinos a tim .de nos legar a palavra laica, profa­ na, persuasiva nos debates da Agora e 0 discurso filosofico, lOgico,


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nasAcademias. Em decorrercia do acima exposto verificamos que a fonte do discurso verdadeiro, naGreeia ea mesma fonte do falso. 0 lOps, disaJrso, medida, ordem,simetria, harmonia, proporcso, linguagem que etimologicamente deriva de Legein, colher, recolher, ato de guardar 0 produto da colheita, era uma tarefa dos poetas que contavam a histOria dos her6is e os mitos, tarefa sagrada, inspirada pelas 1DUSaS. TaIIl1>em na india a verdadee RTA, palavra de origem indo-ariana, mas que tambem e oracao liturgica, a potencia que assegura a ordem cosmica, 0 direito e a lei. A Filosofia, porem, esquece esse percurso que sO vai ser reencontrado com Nietzsche na arte tragica, pela articul~ dos dois instintos esteticos, 0 Apolineo e 0 Dionisiaco, nurn primei足 ro momento, com Heidegger recuperando 0 mito e 0 poetico, conforme cita: "0 homem habita em poeta", num segundo mo足 mento e, contemporarieamente com Deleuze, num terceiro mo足 mento, no plano dos afetos. Segundo Deleuze .... grande e a distlincia entre 0 logos e a simples razio (como quando se diz que 0 mundo e racional).: A razio e urn conceito, e urn conceito bern pobre para definir 0 plano (de imanencia) e os movimentos infinitos que 0 percorrem" (2). Nio podemos deixar de aludir a Sartre e a M. Ponty, herdeiros de Heidegger, com a dimensao intersubjetiva e a coI~ do problema do "outre". Trata-se depensara realidade com a consciencia de que esse pensar nio etecnico oem cientifico, mas sim urn esfor~ de compartilhar do rnisterio. Ora, 0 misterio, 0 numinoso, conforme 0 termo cunhado por Rudolfo Otto que deriva de mimen palavra latina cuja etimologia edivindade, ea dimensio propria apoesia, aosor8culos, ao elernento TeWgico por excelencia Reiteramos que pensar Dio eunificar, esquematizar, tomar familiar a aparencia sob a face de urn grande principio de acordo com urna certa tendencia filosofica racionalista, mas fazer de cada ideia, de cada imagem, amaneira de Proust, urn KtJiTos, urn lugar privilegiado, Unico, indizivel, urn momento oportuno, fala tambem sedutora dos sofistas, produtores de ilusoes, de inter足 pretacoes, das ambiguidadesda palavra . Urn exemplo tirado da literatura grega, Esquilo no caso, nos revela a utiliza~o de metaforas paradoxais e ambiguas em sua obra, como a palavra "rede" que tanto pode designar uma armadilha para a pesca quanto para acaca. Uma estimativa feita


III

por especialistasda area (A. Moreau entre outros), nos indicaque na obra de Esquilo paJavras com duplo uti1i7Jldas D vezes mais que na obra de Sofocles e na de Euripides. Este Wtimo.com razio, nio privilegia a ambivalencia por se enquadrar no desenvolvimento da verteate racionalista que comeca jei com .Partnenides 110VI sec. a.C., desenvolve-se comPlatao e Aristoteles no IV sec. a.Ci. lancando as bases do racionalismoOeidemal, via Descartes e A. Comte,confonne 0 conhecemos nos mas de hoje. As palavras arklls e brokhos, por exemplo, que nio sio ambivalentes, pertencentes ao vocabulario da caca sio utilizadas por Esquilo tres e duas vezes, respectivamente; a palavra DiktMOII ambivalente e utilizada oito vezes enquanto Euripedes utiliza as primeiras oito e tees vezes, respectivamente, e a 2-, tres vezes. 0 que seconclui desses dados, munaanilisecomparativa, eque&quito, poeta, privilegiaa ambigOidade por caracterizar a interpenet~o dos planos cosmico (onto16gico)e terrestre (ontico) pennitindo a confusio dos mesmos, uma transgressio na ordem do Universe (hybris) que a subverte, e assim fazendo resgata 0 caos originiuio, a exemplo de Hesiodo ("no inicio era 0 KilOS ...", A Teogonia), fundamento rnetafisico de todaa sua obra. Lembramosque, confonne testemunho bist6rico,os sofistas (Sopltistis), professores na Grecia arcaica tambem eram poetas, wna Vel que. segundoos gregos, a ~o pnlticae os conselhos morais constituiam a fun~ principal dos poetas, a exemplo de SOlon. Hesiodo, Parmenides de Eleia, Empedocles deAgrigento, Alcmeonde Crotona, Ion de Cbios, Melissos e outros mais. Uma cit~o deEsquilo, poeta tragico, pode ser esclarecedora a esse respeito. Diz 0 autor que a hist6ria de Fedra, por ser moralmente perniciosa, tal comoacontaEwipidesna tragectiaHip6lito nio deveria ser apresentada em cena, uma vez que "do mesmo modo que os aluoos tern professores para Ihesindicar 0 caminho,os poetas sio os professoresdos homens". (3) Logo, os sofistas eramos herdeiros da tradi~io pedagogica dos poetas que comecou no sec IX com Homero na Hiada e na OdiSsaa. Temos noticiade que tambem em uma Ode de Pindaro a palavra "Soplaistes" significava poeta. No eotanto, a partir do V sec.,umaonda deestrangeirt>s chega 8 Atenascom a pretensio deensinar aAred (virtude), palavrade multiples sentidos, "lato e stricto sensu". opondo-se mesmo aos poetas, a medidaque a fiJn~i() didatica de ensinar a retorica, as

sentido sao


ll2

rnatem8ticas, 0 estudo da lingua, 0 estatuto das leise dos principios morais, a ideia de contrato social, 0 ateismo e 0 agnosticismo, 0 hedonismo e 0 utilitarismo, substituiu a propria poesia. A Ame tomada em seu sentidolato significava a perfeicso humana,aquilo que fazia de urn homemum dirigentenatural na sua comunidadee por issopensava-se que se apoiava emcertos donsnaturais e mesmo divines que eram a marca do born nascimentoe da boa educacao. Umaquestio delinhagem, diriamos. Stricto sensu, seria a virtude politica, constituida pela Oratoria, retorica, 0 estudo da lingua eo das leis, etc...., isto e, por discipJinas passiveis deserem ensinadas. Esse 0 metierdos sofistas. Esses sofistas, convem assina1ar, mestres de urn saber a comunicar,cujo saber pratico consistiatanto no dominioda con足 duta e da politica quanta no das artes tecnicas, embora tenham mantido a ambiguidade da palavra propria ao mito e Ii poesia, a tornam profana, uma vez que agora eJa vai servir a fins utilitari足 os e praticos nos debates da Agora. Todavia, ainda segundo urn testemunho de Esquilo, a verdadeira Sophia (sabedoria) nlo pertencia aos homens que conheciammuitas coisas mas aqueles cujo saber e util. Desse modo, podemos classificar os sofistas de Sophos,s3bios, e Dio e por outro motivo que, na modemidade, filosofos e historiadores da Filosofia como Theodor Gornperz, Lass e 0 proprio Nietzsche os exaltaram contra aqueles que os queriam denegrir por seu mercenarismo e farisaismo. Acontece, porem, que a ambiguidade nlo esta sornente no discurso dos sofistas, mas no real, na emergencia da PIIjsis, da espontaneidade da linguagem. Na Grecia, diz 0 Prof Gerd Bomheim,ate a palavrado filosofoera PIIjsis e eornplernenta, "0 homem como que vive entre a justica e a injusti~a, entre 0 ser e a aparencia. E a evolucao do tragico consiste na des-roberta da aparencia e na conseqtienteconquista do ser".(4) Sobre 0 esquematismo ironiza Nietzsche, "nao conhecer mas esquematizar, impor ao caos tanta regularidade e forma quanto satisfaca a nossa necessidade pratica". (5) o problema que aqui se vai delineando e 0 da eritica que Nietzschefazdaci&cia, da racionalidade e, consequentemente, do conceito de verdade. Para ele,trata-se menos de estabeleceruma certa verdade, no sentido cartesiano, ideia clara e distinta, que de possibilitar Ii civiliza~ urn fermento portadorda possibilidades de


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uma novaordem em que e1a possa enconttar sw Iugar de comunhio. Os textos para esse intento silo, A origem do tragedia, ConsiderOfOes Imempestivas, Humanodemasiodo humano, Gaia ciencia e 0 Zarathustra, onde afirma, "aquele que escreve com seu sangue e em sentencas, oao quer ser lido mas aprendido pelo coracao. Sua escrita e urn meio de ~ao e primeiramente ~o sobre si mesmo, ~ modeJadora do caosinterior, rnedida e harmonia apolinea sobre a desmedida dionisiaca sempre ameacadora. E nesse sentido que pode ser compreendido 0 aforisma que aqui se segue: A grandeza de um artista nao se mede pelos "bons sentimemos" que ele provoca, mas pelo "grande estilo", na capacidade de se tornar mestre do caos "que se tem em st mesmo ", no fato de forcar seu proprio caos a tornar-se forma; tornar-se logico, simples, sem equivoco, matematico, tomar lei, e neste particular. a grande ambicdo. (6) POT isso, justamente assim se expressa Gianni Vattimo no VD Coloquio Intemacional de Fitosofia, realizado em julho de 1964 em Royaumont:

o

pensamento de Nietzsche niio se preocupa com a evidencia como informllfiio, mas com uma outra concept;iio da verdade. Ele /liio pode ter provas no sentido da evidencia, e ele niio pode mesmo ter uma Escola no sentido do desenvolvimemo de qualquer coisa estabelecida. Mas ele pode ter ,.epeti,6es, resposttu. toque diz Heidegger. Objetam-nos a Filosofia concebida como discurso racionaJ e como prova. Mas 0 pensamento niio tem um outro senti­ do? Ecorreto empregar a 1000ca para colocar um tal problema e para 0 resolver? Se nos cremos que o principia do prova, ou da demonstra¢o indis­ cutivel, ja estamos pre-concebidos... (7) A presente ci~ faz ~ ao conhecido posicionamento de Nietzsche com re~ aos conceitos. Para 0 autor, os conceitos nio podem medic e avaliar a realidade, a vida, mas serem, pelo

e


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contrario, corrigidos e reavaliados pela rea1idade de onde foram tirades. Temos como exemplo 0 conceito folha (A venJade e a memira no sentido Extra-Mora!), abstraido das milharesde folhas existentesna reaJidade, o qual por ser geral e universal, esquece as difere~ e particularidades da existencia: a folhado coqueiro que se diferenciada folha de parreira, que por sua vez se diferenciada folha de bananeira, do abacaxizei.ro, da macieira, da laranjeira,e por aivai. Podemos afinnar que a Filosofia desabrochou (Pltysis vern do Playeill e PiryestIuU que quer dizer desbrochar, erescer, brotar, nascer) dentro de poemas ou de prosas embebidas de imagens poeticas e, por isso mesmo, traz em suas raizes 0 compromisso inadiavel com a ~io artistica, no caso que nos referimos, com a literatura,Em cOOsequ&1cia, podemoscotejar Filosofia e Arte como duas instincias irrnanadaspeJo nascimentocomum mas separadas pelo destino: uma sensivel, outra conceitual, cada qual. de acordo com a belametsfora de Heidegger, erguendo-se ern sua exclusiva altitude, masligadas na base pelo vale que justamente as separa e toma impossivel a fusio. Todavia, em urnmundo laico, cujapalavraangariou 0 estatuto de mercadoria, de signo utilitario, onde a literatura, tendo-se desvinculado do mito e do cuho, torna-se depositaria dos valores consumistas, estando ja submetida ao individualismoda cultura burguesa, a exemplo dos 0 A/quimista. Brida e As Va/quiria~de PauloCoelho, ou depositiuia de receitas nipidas de consumo~ tipo Amar pode dar certo. Ame e de vexame, Sem tesiionlio hiJ solw;iJo, Vivendo, amando e aprendendo, de Roberto Shinyashiki e Eliana Dwna, RobertoFreiree Leo Buscagl.ia, respectivamente; a serie de livros de Lobsang Rampa, diwlgando rasteiramente 0 pensamentoorientale assim 0 dilapidando; ou mesmo a enxurrada de autobiografias de personaIidadecelebres. como 'a de JaneFonda, Liv UImamm. Shirley MacLaine; no Brasil,0 rneJhor exemplo eo de Danusa Leao e suas receitas rapidas e caseiras ate para viagens! Toma-seimperioso, portanto, questionannos 0 sentidoda literatura e para quem temela sentido. Nessemomento, Nietzsche vernabailawna vez queele prOprio fazia severas criticas ao leitor e ao consurnidor de arte. Vale lembrarrnos aobservacao: Que estarnosconsmnindo, erntermos de


lIS arte? Que.e Arte? Que queremos ou que podemos com ela? Este dilenia Nietzschetambem 0 experimentoo em re~ com Wagner, primeiro na glorifi~, depois Do desprezo, na marginaliza~ da mUsica Wagnaiana.- Lembremos wnadas IWitas~ a respeito: '. , ' como 0 nosso gosto se a/aSIOU de toda essa mtrigalhada romdntica, dessa argamassade semi­ dos em que se compraz a plebe da inteligencia. e do suaamOlgama de avpirtH;iies ao sublime, an ele­ vodo, ao retorcido! Niio, se ainda precisamos de uma arte, ela epara nos. convalescentes uma ou­ tra arte, umaarte trocista. Ieve.fluida; divinamen­ te livre e divinameme artificial, que jorra com uma chama clara no meio de um ce» sem nuvens. E anteS de iTiais: uma arte para os artistes; so para os artistas! (8) Nietzsche nos lembra de que e por meio da cria~io que podemos transfonnar a realidade, uma vez que "somente en­ quanto fenomeno estetico e que a existencia e 0 mundo eterna­ mente se justificam". (9) Acri~io tern por essencia, a capaci­ dade de criar roupagens, veus, artificios, sortilegios, aparencias, mascaras, aniquilandoo que se chama ordinariamente realid... de, apesar'dessa realidade se ter criado a partir das mes­ mas roupagens, das mesmas mascaras, tudo isso que, "a forca de ser acreditado,de se transmitir, de se fortifica.r em cads nova gera~ao, acabou por se identificar com as pr6prias coisas, aca­ bou por formaio seu corpo; a aparencia primitiva acaba sempre por se tornara esseneia e fazer 0 efeito da essencia!"(lO).. Vale lembrarmos, a esse respeito, 0 conceito de cria~o a queserefute 0 grande poeta austriaco Rainer Maria Rilke:

rnesma

A ideia de ser criador, de gerar; de moldar niio e nada sem sua grande e perpetua confirmDfiio no vida; nada sem 0 consenso mil vezes repetido das coisas e dos animais. Seu gozo nlio e tlio indescritivamente belo e rico senlio porque esta cheio de reminiscencias herdadas do gera¢o e de


116

parte de milhiies de seres. Numa ideia criadora revivem mil noites de amor esquecidas que a en­ chem de altivez e altitude. Aqueles que se juntam noite e se entrelacam mon baloicar de voliJpia, executam obra grave, reunindo docuras, profundezas e forcas para a callfao de algum poe­ ta vindouro que hO de surgir para dizer indiziveis prazeres. Eles estiio evocando 0 futuro; mesmo que estejam enganodos, que se abrocem cegamen­ te, 0 futuro vira apesar de tudo; um bomem novo se hci de erguet: Sobre a base do caso que parece cumprir-senesse abrtlfo, acorda a Lei quefaz com que um germe forte e poderoso avance ate 0 ovulo que vem aberto a seu encontro. Nao se deixe en­ ganar peta superficie: - nas proftmdidades tudo se toma lei. (11)

a

Nesse contexto, 0 papel da literatura e 0 de desviar-se, melhor dizendo, desviar-nos da natureza como 0 fizeram magnificamente os gregos Exigiam os mais belos discursos na paixio, no teatro, nas versificacoes da tragedia, Diz Nietzsche, a esse respeito, que "0 ateniense ia ao teatro para ouvir belos discursos! E era de belos discurso que Sofocles se preocupa­ va" (12) Na natureza, ao contrario, as a~ sio palidas, desti­ tuidas de profundidade expressiva, diriamos mesmo, de intensi­ dade, e de convencao, subordina~ a Lei, dominio do artificio, da metriea, do ritmo, da proporeao. Seja como for, na Arte lui uma suspensio do tempo presente, do ritmo natural, do fluxo desordenado das sensa~es e em~es em prol de urna estrutu­ ra, que pode ser mais ou menos ftexivel mas que, no cOmputo geraJ, estabelece regras. Nesse particular, diz Graciliano Ramos ern Memonas do Oircere,"Liberdade completa ninguem desfruta: comecamos oprimidos pela sintaxe e acabamos as voltas com a delegacia de ordem politica e social, mas, nos estreitos limitesa que nos coagem a gram'tica e a Lei' ainda nos podemos mexer". (13) 0 esforco culturaldaArte grega sera 0 de se desprender da natureza (Plljais) que e caotica, oriental no sentido de barbara, para aceder aodominio daLei (1I6mos) da~ou do est8tllto, isto e, da diferenc~o e do equilibrio segundo os quais 0 tumuho


117

orgiasnco e finalmente organizado pela forma, pela convencao. No entender de Nietzsche "toda arte maduratern por base uma sene de conveneoes: quando quer ex.primiralgo, a conv~o a condi~ da grande arte, ela nio eurn obstaculo" . (14) Poderiamos, tambem, citar0 exemplo da Antigona de SOfucles, onde 0 combate entre dois tipos de direito, 0 natural (Plajsis) eo citadino (nOmos) se entrecruzarn nasfalas de antigona e Creonte, a primeira no intento de sepultar 0 irmio, Polinice, acusado de ser inimigo da cidade por lutar contra 0 trono, 0 segundo, na proibi~ de tal ~ao pela promulgacao de urn edito e de uma sentenca de morte contra Antigona para defender as Leis da polis, conforme ci~. Diz Antigona: "Nio foi Zeus que a promulgou (a Lei), e a justica que habita a morada dos deuses subterraneos nada disso tracou entre os hornens. Eu nio creio que os seus editos tenham tanto poder que eles perrnitarn a urn mortal violar as Leis divinas: Leis nio escritas, aquelas, mas intangiveis". ( 15) T rata-se da questio tambem sofistica, advinda com 0 huma足 nisrno do Ventre Phjsis e Nomos, a Lei natural e divina que privilegia osrnais bern nascidos, logo de boa Jinhagem, ou 0 Contrato Social entre os hamens, a Lei deisonomia, onde iso = igual., igualdade perante a Lei, em que os homens, pela con~ social estabelecem as normas da convivencia do grupo. A influencia de Nietzsche na Literatura contemporinea tam足 bern e de grande monta e podemos citar os nomes de Gide, Camus, Valery, Artaud, Malraux, Dostoievski, Kafka, apenas para citar os mais importantes. Nio me estenderei sobre 0 assunto; levaria outras tantas paginas de escritura ardua e seria tema para urn outro trabalho. Queremos, apenas, assinalar a riqueza, a profundidade, a extensao e a intensidade da obra Nietzschiana para a prosperidade. Nietzsche, subIinham alguns autores, Ilio se reduz a doutrinas, nem a atitudes, nio se deixa capturar por nenhum

e

sec.

partido.postulardo uma certa maneira de ser,uma certa possibiJidade expressiva e uma exigencia burnana. Por tudo isso, sua "Literatura" a que fizemos referencia no inicio do texto alcanca 0 seu objetivo: cultivar 0 homem (i//usrrer. litteratures, estabelecendo lacos entre existencias que sern per足 der seu contomo proprio ai encontram uma ordem COnmJD. E 0 que afirma 0 autor na cit~ao que se segue:


118 Ah, estes gregos, como eles sabiamviver! Isso exi­ ge a resolufiio de nos mantermos corajosameme a superjitie, de nos conservarmos agarrados a co­ bertura, a ejJiderme, adOicir a aparencia e ocredi­ tar no forma. nos sons, nas palavras; em todo 0 Oiimpo da aparencia! Estes Gregos eram superfi­ ciais .,. por profundidode! E niio voitamos a eles, nOs que partimos a espinha do espirito, que esca­ lamos 0 cume mais elevodo e mais perigoso do pensamemo atual e que, dai, o1hamOs tudo a nossa volta, e que, dai; olhamospara baixo') Niio sere­ 11IOS nos, prectsameme msso .., grega..? Adoradore... da forma, dos sons, das palavras? Artistas; por­ tanto? (16)

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS NIElZSCHE, F. A Fiiosofia no Ichde trcIgica dos Gregos. Lisboa: Edi~ 70,1987. p. 19. DELEUZE,G.;GUftJ'TARI,F. Ooue e Fuosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. p.6O.

GUTHRIE, W. C. K. Les Sophistes PhiJosophique Payot, 1971. p.37-8.

Paris: Bibliotheque

BORNHEIM. G. OsentidoeamiJscara. SioPawo: Perspective,

1992. p.80.

NIETZSCHE, F. Vontade'de Potencia. Rio de janeiro: Ediouro,

Aforisrno 272, p. 221.

Idem. ibidem, af 65. p. J 16.

VAlTIMO, G. -Discussao em Notre point D 1nJerrogaJion. Paris: Ed. de Minuit, CahiersdeRoyaumont, 1967. p.121. NIETZSCHE, F. A Gaia ciencia. Lisboa: Guimaraes, 1984. p. 14. . ..


119

9 61. 10

. L 'Originede fa "agidie. Paris: Gallimard, 1977. p. . A Gaia Ciencia. p.86.

II RILKE, R. M. Carras a umjovem poeta. P. A: Globe, 1961. p.39-40. 12 NIETZSCHE, F. Op. cit. p. 100. 13 RAMOS, G. Memorias do cdrcere. Rio de Janeiro: Jose Olirnpio,1954. p.6 14 NIETZSCHE, F. V P. Af 357. p. 274. 15 SOFOCLES.Antigone. Paris: Gamier-Flammarion, 1966. p.

421-469 - p. 79.

16 NIETZSCHE, F. A Gaia ciencia. p 15.


120 Revista Principios - Depr'. FilosofiaUFRN, RN, \\>1. U ..N! 1

Junho de 1995

A PROVA POR REDU~AOAOABSURDONA LOGICA CLAssICA MARlADAPAZNUNES DE MEDEIROS· UEPAIlTAMEIIo,O DE FlLOSOFlA DA UFIlN

RESUMO: Embora a logica seja, de urn modo geraJ, concebida como um ramo da filosofia, suas aplic~oes via muito alem dos limites de qualquer disciplina isoladamente considerada (SALMON, 1993). Seu papel principal e fomecer meios para determinar a rel~o de consequencia que vige entre as premissas e a conclu­ sao de urn dado argumento. Dentre as tecnicas utilizadas que possibihtarn garantir esta rel~o destaca-se a tecnica por redu­ ¢o ao absurdo por ser amplamente aplicada nas ciencias desde a antiguidade. Sua ideiabasics reside no fato de que uma propo­ si~ nio pode ser verdadeira se dela deduzimos uma contradi­ ~o. Pretende-se, entio, apresentar a estrutura logica de tal tee­ niea de demonstracao a partir de urn dado sistema formal da logica classica.

INTRODUC;AO Apresenta-se a estrutura da prova por redu~o ao absurdo a partir da Teoria dos Conjuntos de Zermelo-Froenkel que se configura como um sistema da logica classics. Assim, coloca-se inicialmente a linguagemna qual ela sera baseada, seus postulados, bern como proposicoes que sao deduziveis nesta teoria, para em seguida, apresentar 0 esquema de tal tecnica de demonstra­ • Membm da base de pesquiu em LOgic:a e Epistcmologia.

Especialista em LOgioa


121 ~io.

Na ultimaparte, escolhe-seuma proposicao dateoria fonnal em questaoe apresenta-sea sua demonst~io utilizando a tecnica por reducao ao absurdo seguindo, passo a passo, 0 esquema anterionnente indicado.

1- SISTEMA FORMAL (TEORIA DOS CONJUNTOS DE ZERMELO FRAENKEI..) l. t - Lingoagem (Lzn

Vocabulario:

a) urn conjunto enumeravel de variaveis: x, y, z, ...

b) conectivos logicos: -, ~, 1\ , V , 'd, 3

d) simbolos relaciooais: = e

E

Expressees bern formadas (f6nnulas)

a) se x e y sao vanaveis, entao x Eye x = y sao fomwlas;

b) se Ac B siiof6rmuJase x umavariavel, entao - A, (A-.+B), (A A B),

(A vB), V'xAe3xA;

c) uma sequenciafinita de simbolos de L7..F e wna formula se. e somente se

puderser determinadaa partir dos itens(a) e (b).

Simbolo definido x Ii!: Y =: - ( x E Y)

1.2 - Postulados Sejam A e B formulas quaisquer

; Estamos apresentando apenas alguns dos axiollUls da Teoria de Conjuatos Zermclo足 Frac:nkcl. Sabiclamcntc. sommtc aquelcs que scri.o ncc:caarios ...... 0 daenvolvimlllllo. do problema em que.uo. Quaato a05 demais axioms.' ..." ja (MIRAGUA 1990).


122

Ax.3) ( ~ B ~ - A) ~ ( ( -B ~ A) ~ B) Ax4) Axioma do vazio: existe urn conjunto, denotado por, 4>, que nio tern elementos, isto e, satisfaz a propriedade VZ (z II 4Âť. Regras de inferencia MP (ModusPonens):BseguedeA e (A~B) RN (Regra de Negacao): Asegue de-c--A IV (Instancia~o Universal): A segue de VxA IE (Instan~Existencial): A(y) seguede3xA(x),sey e uma variavelnova RC (Regra da Conjuncao): (A 1\ B) segue de A e B RS (Regra da Separacao): A segue de (A /\ B)

1.3 -

Defini~Oes

Se A e uma formula, entao uma prova de A e urna sequencia finita de formulas, onde A e a ultima formula e carla urna das demais ou e urn axioma, ou e consequencia das anteriores atraves das regras de inferencia Uma formula A e urn teorema se existir uma prova de A

( A)

r eurn conjunto de formulas e A uma formula, entao r euma sequencia finitade f6nnulas, onde A ea ultima formula e cada uma das demais ou pertence a r Se

uma dedu~o de A a partirde

ou e urn axioma, ou e conseqUencia<las anteriores atravesdas regras de inferencia. (T A). Uma CODtrad~o euma formula que tern a forma: (A /\ -A) 1.4 - Resultados Auxiliares (R.AUX)

1) -(A/\-A)

2) (A~B) +-+(-AvB)

3) -Vx(A~B) 3x(AI\-B)

4) (A v B), - B A

5) Teorema da Deducao (TD): seT, A B, entio onde A e uma formula fechada.

r A ~ B,


123 2 - ESQUEMA DE UMA PROVA POR REDUÂŤ;AO AO

ABSURDO A tecnica de demonstracao por reducao ao absurdo baseia­ se no principio de que urn argumento e valido se e somente se a conjun~io das premissas com a nega~iio da conclusio e uma expressio contraditoria, entendendo uma contradicao como sendo uma expressio que afirma e nega algo ao mesmo tempo. Com base neste principio, explicita-se por que, em uma prova por redu~ ao absurdo, no momento em que se se depara com uma contradicao pode-se imediatamente inferirque 0 enunciado em questao esta provado. Assim, se se deseja mostrar que a formula (A ~ C) ewn teorema usando a ,teenica por redueao ao absurdo, onde A, B e C siD f6rmulcis quaisquer e k a fOrmula (B 1\ - B), a estrutura dessa prova pode ser esquematizada cia seguinte

firnJa.:

Esquema da prova 1) A 2)-c

hipOtese auxiliar

ilK i+l) A, C K

I - i, deducao

i+2)A-c~K

hipotese

I - (i-I), regras de inferencia ou axiomas

i+3) A--C v K i+4) A -K

i+l, TD i+2, R.Aux. (2), MP RAux. (1)

i+5) A --e i+6) A C i+7) A~C

i+3,i+4, R.Aux (4) i+5,RN 1 - (i+6), TD


124

3- UMA APUCA(AO DA PROVA PORREDU(AO AO ABSURDO

Usando a tecnica por redufiio ao absurdo e seguindo passo a passo 0 esquema anteriormente apresentado, considera-se agora urna proposicao da teoria dos conjuntos e mostra-se que ela e um teorema. Mais precisamente, sera mostrado que a proposicao "se eurn conjunto vazio, entio esta contido em qualquer conjunto " e urn teorema da Teoria dos Conjuntos de Zaennelo-Fraenkel. A formula correspondente nesta teoria e: \Ix (x

~

<1»

~

V'x(x E <I>

~X E

tJ. )

Prova por reducao ao absurdo 1) 'Q'x(x ~<1» 2) - V'x(x E<1> ...... x eA) 3) 3x (x e <1>/\ x ~ A )

hipOtese

hip6tese auxiliar 2, RAux.(3)

~xE<1>/\x~A

~lli

S)x e <1>

4,RS

LID

~x~<1>

7) x E <1>/\ X

~ <1>

5,6,RC

8) Vx (x ~ <1», 'Q'x(x e <1> ...... x e A) ? x E <1>/\ X ~$ I - 7, dedu~ 9) 'Q'x(x ~ $) l-- - V'x(x E c1> ...... X E A) ...... (x e c1> /\ X ~c1» 8,1D 10) 'Q'x(x II <1» 'Q'x(x e <1> -+x E A) v (x e lfJ/\ x ~<1»9, RAux. (2),

l----

MP ll)'Q'x(x~ <1» l----(x E $/\x II <1» 12) V'x (x ~ lfJ) l-- - - 'Q'x(x e <1> -u e A) 13) 'Q'x(x ~ <1» l-- Vx (x E <I> X E A) 14) l--'Q'x(x ~ <I»~'Q'x(x E <1> x E A)

R.Aux.(I) 10,1l,RAux(4)

12.RN

13,lD


125

BIBUOGRAFIA 1. FOSSA, John A. Tecmca de Demonstracao em Matematica. Natal: Clima., 1990. 2. LOPARIC. Zeljko e LOPARIC. Andrea. Metodologia do Ciencia. J030 Pessoa: UFPB, 1971. 3.MENDELSON, Elliot. Introduction toMathematica/ Logic. 38 ed, California: Wadsworth, 1987. 4. MIRAGLIA, Francisco. Teoria dos conjumos: um minimo. Sao Paulo: USP, 1990 5. SALMON, Wesley C. Logica. 38 ed. Rio de Janeiro: Pentice足 Hall do Brasil, 1993.

Ender~ da aurora:

M.p.AZ@ncc.ufm.br


126 Revisla PriDCipios - Depr'. Filosofia UFRN. RN, \OJ. II - Nil I

Junho de 1995

REPENSANDO 0 CONCEITO PLATONICO DE

DIANOIA*

MARIOA.L.GUERREIRO DEPARTAMENITl DE FR.OSOFlA DA UFR/I('NPQ

Como e sabido, Platio define dianoia como "dialogo da alma consigo mesma". Pondo de lado dificuldades re1ativas a determinaejo do significado precise da espinhosa no~io de "alma", temos razOes para acreditar que 0 espirito do clefinieoJ pode ser preservado, caso entendamos estar em jogo a no~io de "dialogo interno" ou, 0 que e urn pouco diferente: "di81ogo interiorizado". Apesar da diferenca, em ambos os casos e gera­ do urn contraste entre 0 dialogo propriamente dito - a forma discursiva eleita pelo filosofo para a melhor expressao do seu pensamento - e wna contrapartida privada desta mesma. Antes de investigar as possiveis semelhancas e diferencas entre ambas as formas ou dimensOes dialogais, e oportuno inda­ gar a razio pela qual Platio nio caracteriza a dianoia como "monologo daalma consigomesma", pois - ao menos aprimeira vista - tem-se a impressao de que 0 aJmejado contraste eexpres­ so de modo mais apropriado mediante a contraposicao das no­ ¢es de "dialogo" e "monologo" Em urn livro em que ele mes­ mo faz as perguntas e ele mesmo oferece as respostas, Santo Agostinho 010 hesitou chamar de SoIilOquios (sendo a palavra s~uium perfeitamente correspondente Ii grega moaologos) No entanto, Platilo usa a palavra dialogo5 (dialogo) na elabora­ ~io do seu definiens e nos temos razoes para suspeitar que esta escolba nio e gratuita nem acidental. Reiteramos que, a primeira vista, tem-se a impressio de que 0 almejado contraste e expresso de modo mais apropriado mediante a supramencionada contraposicao. A medita~ fiJos6fi­ •

Conu~o

Estudos

apresentada no I" Reuaiio Anual da SBEC - Sociedade Bns&lein de

Classi~05,

Niteroi, 30/0919].


127

ca desponta como urn solitarioex:ercicio de pensamento em que 0 filosofo conversa consigo mesmo, com sua alma ou consciencia. CODlUdo, pensamos que so cabeq'lalificar 0 referido exercicio como "solitario", caso entendamos quea "spIidio" fica caracterizada como a ausencia de uma alteridade representada por outro ser humano desempenhando 0 papel de interlocutor. Nio obstante, como. pretendemos mostrar, embora a alteridade seja urn ingredieote necesssrio para a constitui~tanto da dianoia como do dialogos propriamente dito, 0 especial tipo de alteridade necessario para a constitui~ deste Ultimo nio eneeessario para ada primeira. Insistimos emindagaT a razio peJa qualPIatao - urndos fiIOsofos mais cuidadosos na escolhadas suas palavras - ernprega "dialogo" e nio "monologo" quando da elabor~io do seu definiens para 0 defUliendUID "dianoia". De modoa encaminharuma resposta para essa indaga~, nio percorreremos os textos platOnicos em busca das mais relevantes passagens em que e tematizada a n~o de "dianoia". Tomaranos atiberdade de nosafastarmos deste pereurso academico ronneiro,pois aventamos a bipOtese de que Platio teve um importante iDSigbt quando daformulacao da sua defini~oe esta ~o pode ser recuperada e explicitada mediante 0 auxHio de algumas comidera¢es contemporaneasa respeito da natureza daIinguagem. dacomuni~ e dos atos conumicativos no contexto da teoria dos atos de rala inaugurada por 1. Austin (1975) e desenvolvida por J. Searle (1969), entre outros. C, Ferreira Costa (1992, pp. 85-90) oferece urn resumo da suprarnencionadateoria. Nossa hipOtese do insight platonico complementa-se com a ideia de que 0 pensamento de P1atioecapaz de nos ajudar a I~ alguma Iuz sobrealguns pontos pouco tematizados no cootexto da pragmatica contemporanea, e esta por sua vez pode nos proporcionar alguns conceitos ca.pazes de lancar alguma luz sabre urnimportante pontodesenvolvido no interior do p1atonismo. Trata­ se, portanto, de fazer uma tentativa no sentido de compreender 0 espirito da expressio "dialogo da alma consigomesma". Visando tal finalidade, procederemos mediante wna especie de contraponto, ora procurando esclarecer algumas~ subjacentes ateoria dos atos de fala, ora procurando elucidar e recuperar 0 espirito do peasameoro platonico, sem conceder at~o aletra e sem recorrer . , . . aos textos relevantes dos seus Dialogos. Para comecar, tentemos fornecer umaresposta parauma


128

indaga,.ao aparentemente simples, poremportadorade insuspeitada complexidade: Quais as condicoes de possibilidade paraque urn individuo venhaadesullpenhar urnmonOIogo? A etimologia parece esclarecedora: compostode"monos"(urnUnico) e "logos"(diswrso ou faJa), "monologo" pode ser entendido como: "forma de desempenho verbal em que urn individuo fala ou pensa consigo mesmo". Enquanto defini~ no..... n80ha qualquerproblema com a apresentada acima, porem, enquanto defioi~ essencial, eta peca tanto por vaguidadecomo inadequa~. Peca poe vaguidade. porque servepara caracterizarao menos tees situa¢es notadamente distintas: (1) a do fil6sofo em uma medita~ profunda, (2) a de uma pessoa comum entregue a despretensiosos pensamentos "pensando com os seus botoes" e finalmente: (3) a do autista totahnente ensimesmado, aJbeio a tudo e a todos, falando sozinbo no meio de algumas pessoas. Peca por jnadequ~, porquenio caracteriza aquela formade repr~ dramaricaem que hi urn sO ator em cena, mas nada impede que este represente diferentes papeis. Alga semeIhante costumaocorrer na conversacao comurn. Consideremos 0 caso daquelas pessoas que, ao contar uma hist6riapara alguem, nio sO passam da ordem indireta paraa diretacomotarnbem assumem 0 modo de falare os trejeitos de alguem envolvido no aoonteeimento re1atado. Disto se depreendede imediatoque, paraque urn monologo sejapossivel, enecessario que tenhamosurnfalante, urndiscursoe falas desempenhadas por este mesmo, estejaeste na solidio do seu quarto pensandoem bobagensou imersoem profundas reflexoes filos6fi.cas, estejaeste em uma praia deserta onde nlio h3 viv' alma ou diante de uma plateia lotada para a qual representa. Diferentemente dos outros, neste Ultimo caso eimprescindivel 0 falante emitir !IlR filJa bern articulada eemvoz alta, para<pe0 plblico o ouca e 0 entenda. No entanto, nos outros casos a fona~ e perfeitamentedispensavel, umavez quecontamoscom a possibiJidade de acionar aassimchamadalinguagem "silenciosa" Mas istoque chamamos de linguagem "silenciosa" nio e por acaso0 mesmo quecostumamos chamarde"pensameeto"? Alguns psic6logos comportamentistas procuraram fornecer evidCncias empiricas de que, quandourn faJante esta entregue a uma reftexio solitsria, suaglote nio deixa deser estimulada pura e simplesmente. Mediante 0 uso de urnaparelhoadequado, podem ser registrados


129 sons lingWsticosde fraca intensidade de decibeis e, por isto mesrno, inaudiveis para 0 proprio falante. Devemos lembrar que os sons sao, antesde qualquer coisa,estrernecimentos vibratOrios produzidos por ondas111.tUnicas longitudinais. Mas, se e assim, nio halinguagem "silenciosa", porem emissio de sons lingWsticosabaixo do Iimiarda percepcso auditivahumana. Todavia, para 0 desalento dos espiritos cientificistas e para 0 alivio dosfilOsofos tradicionalistas, Dio nosapoiaremos em quaisqua足 evidencias empiricas para reivindicar a identidade de pensamento e

Iinguagem. Difurentes filcsotos, tanto no passadocomo no preseete, tern recorrido a argwnentos puramente filosoficos para a sustenta~o da referida identidade. J. Austin pas em circulacao a n~ de "speech act", que em frances foi traduzida como "acte de parole" ou "acte de langage" e em portugues como "ato de fala" ou "am de Iingua足 gem". Pensamos que "ato de fala" e a melhor traducao, desde que se entenda por "fala" nio apenas a fODalYao mas tambem um proferimento dotado de expressao e sentido. Embora Austin nao tenha tematizado a questao das relacoes entre pensamento e linguagem, outros filosofos posteriores a ele - como e0 case de J. Hintikka (1961, pp. 124-6) - apoiara-se no seu conceito para introduzir 0 de thought act (ato de pensamento). entendendo basicamente que um ate de pensamento nada mais e do que urn ate de fala interiorizado. Desse modo, se Dio podemos ter aces足 so direto a atos de pensamento do outro, podemos ter acesso indireto mediado por seus atos de fala. (Guerreiro, 1989, pp. 94-103). Mas quanto a Platao? Qual a posicao da filosofia platonica no tocante a rel~o entre pensamento e linguagem? Ha fortes indicios de que Platao mo chegou a urna conclusiio definitiva a este respeito, assim como nio chegou a nenhuma conclusao de足 finitiva a respeito de uma sene de topicos em que se restringiu a explorar teses e antiteses, sem chegar a quaisquer sinteses heguelianas. Ha passagens em que Platio estabelece uma clara identidade de pensamento e linguagem considerando que ambos, cada qual ao seu modo, sio por natureza dialogais. C. S Peirce (1958, VI. sec. 338, V e sec. 421), ao final do seculo XiX, oferece bons argumentos a favor do carater essencialmente dialogal do ensinamento. Platao, por sua vez, chega rnesmo a afinnar que as


130

faltas cometidas contra a gramatica nio sao apenas deslizes em rel~ acorrecao de linguagern., mas, sobretudo, faltas cometidas contra a correta expressio do pensamento. Estamos certos de que tanto os gramaticos logicos de Port Royal (seculo XVII) como diversos linguistas e fil6sofos da linguagem contemporaneos endossariarn plenamente essa assercio platonica (Katz, 1981, pp. 76-92). Nio podemos, no entanto, deixar de assinalar a existencia de outras passagens em que 0 proprio Platao questiona a supramencionada identidade. Em algumas destas, 0 fil6sofo se queixa de que a linguagem - por mais refinada pelo constante exercicio da re8exio filosofica - mostra-se um instrumento im­ perfeito para a correta expressao do pensamento, podendo ate mesmo, nos casos mais graves, se transforrnar em uma caricatu­ ra da verdadeira face do pensamento. Estamos certos de que nessa outra tomada de posi~o 0 ponto de vista platonico seria endossado por outro grupo de fil6sofos que, desde Leibniz no seeulo XVIII, tern chamado a aten~o para os defeitos e impre­ cisOes da linguagem comum e ate mesmo proposto uma lingua­ gem logica perfetta para a sua substituicao enquanto instrumen­ to adequado para a expressio do pensamento rigoroso e objeti­ vo (Camap, 1959). Deixaremos momentaneamente de lado qualquer tematizacao dessas posicoes aparentemente antagonicas assu­ midas por Platao. Preferimos tentar esclarecer 0 importante insight podendo ser surpreendido no uso da expressio "dialogo da alma consigo mesma". De saida, e imprescindivel desfazer alguns mal-entendidos gerados por apreciacoes superficiais da antitese monologo/dialogo. Caso se entenda - como e frequente se entender - que em um verdadeiro dialogo ha a presenca de ao menos dois falantes e em urn verdadeiro monologo a de apenas urn, tem-se urna vi­ sao distorcida do processo de comunicacao verbal. Neste pro­ cesso, temos de levar em consideracao a sua estrutura formal e, para que esta Ultima seja bern cornpreendida, temos de levar em consideracao niD so individuos faJantes, mas tambem papeis exercidos por eles. Pensamos ser escusado acrescentar que as nocoes de "individuo" e "paper' siD plenamente distintas: Dio podemos confundir jamais urn individuocoma possivel


131 multiplicidade de papeis podendo ser exercidos por ele mesmo. Suponhamos 0 caso de urn pianista tocando em urn concer­ to. Uma visio simplista do processo de comuni~ musical entendera que ele desempenha 0 papel de urn emissor e a plateia o de urn receptor. No entanto, para que 0 pianista consiga dar vida musical aos sinais rnortos da partitura e executar uma peca desde 0 ataque ao finale, e indispensivel que ele desempenhe, ao mesrno tempo, os papeis de emissor e receptor da peea por ele executada, porquanto ele tern necessidade de ouvir a frase musical que acabou de gerar, avaliar rapidamente seu desempe­ nho e se preparar para a frase que se segue. 0 pianista eurn porem os papeis desempenhados por ele sao dois, e ele se deslo­ ca incessante e vertiginosamente de urn para 0 outro. Seus re­ ceptores, por sua vez, embora 080 possam ser considerados in­ teiramente passives (uma vez que a per~io interage com a imagi~) exercem tio-somente 0 papel de receptores (papel que sO abandonam para bater palmas ou jogar tomates no artis­ ta). . Nio resta a menor duvida quanto aexistencia de significa­ tivas diferencas entre as atividades de tocar em urn concerto e desempenhar urn papel no palco, de urn lado, e pensar, falar e escrever de outro. Nio obstante, lui importantes fei~sco­ muns a todas. Talvez, a rnais importante seja a de que em todas estas atividades esta em jogo urn processo dinamico ern que a aten~o tern de se articular com a retencao e com a prospeecao. Alem disso, em todas estas atividades, 0 emissor ve-se compeli­ do a ter de desempenhar 0 papel de receptor, para que possa percorrer de modo bern sucedido urn itinerario discursive. Em outras palavras: este desdobramento de papeis em urn mesmo individuo nao eum fator acessorio ou contingente, poi-em cons­ tituinte do desempenho discursivo enquanto tal Quem exerce, por exemplo, a atividade de escrever so pode realiza-la a medida que experimenta urn desdobramento de pa­ peis em que entra em cena urn interlocutor imaginario ou, caso se queira urn pUblicofieticio constituido de interlowtores imaginari­ os. Nio por Ilio querer, mas por Rio poder, ninguem escreve para si mesmo, ainda que se encoetre em uma condi~ semelhante a do solitario Robinson Crusoe debrucado sobre seu diario secreto. Pode-se alegar que ele escrevia para passar o. tempo, mas para . .,. . '

so,

."


132

quemcontavaelesuas bistorias? Certamente, nio as contava para ele mesrno que,por suposi~, estavacansadodeconhece-Ias Por acaso nio acalentavaele a esperanca de que urndia alguem leria ' . ? seudiano. Mutantis nwtandis, isto que foi dito sabre a atividade de escrever pode ser tambem dito sobre a de pensar, Pensar ees­ sencialmente urn exerciciode autocritica em que estabelecemos uma comunicecao cordial 00 tensa com urn interlocutor imagi­ nario. Ele ba de ser tio argutoe exigente quantoformos capazes de supor, porem a completa ausencia de autocritica parece algo inconcebivel, a menos que seja 0 caso de urn individuo na fron­ teira da oligofrenia. Quemquer que tenha escrito uma tese deve ter experimentado 0 desdobramento de papeis a que nos referi­ mos, ao assumir 0 papel de advogado do diabo em rd~ is suas pr6prias afirma¢es e desenvolvimentos diseursivos; pois e melhor antecipar obj~oes possiveis e procurar responde-las antecipadamente do que se ver surpreendido por insuspeitadas obj~Oes.

Pode-se questionar se ha identidade ou nio entre lingua­ gem e pensamento, porem parece fora de questio 0 fate de que ambos sao processos dinimicos em que tern de estar presentes urn discurso, urn emissor e urn receptor, ainda que estes dois papeiscomunicativos encontrem-se sobrepostos em urn sO indi­ viduo. No dialogo propriamentedito, ao menos dois individuos intercambiam estes papeis, porem na dianoia, basta apenas urn individuo dialogando com a sua alma 00, para usar uma tenni­ nologia moderna, com um alter ego ou urn receptor imaginario assumindo 0 papel de seu interlocutor. Pode-se discutir se e a linguagem que gera 0 pensamento ou vice-versa, porem, independentemente de uma possivd rela­ ~io causal- nio imponando qual seja a causa e qual 0 efeito -lui uma rela~o isomorficaentre pensamento e linguagem. Assirn, qualquer que seja 0 causador, ele teni de apresentar a mesma estrutura formal do causado. No entanto, concebidoscomo pro­ cessos dinimicos e como fonnas dialogais, 0 pensamento e a l!nguagem interiorizada ealinguagem, 0 pensamento exteriorizado.

Eimpossivel conceber qualquerato de pensamentosemque este tenhacomo contrapartidaurn ato defala potencial, assim como e impossivel conceber urnato de fala ato'" sem queestetenhacomo


133 contrapartida urn pressuposto ato de peosamento... Esta identidade estrutural-formal, tal como a delineamos rapidamente, nio incompativel com a altemativa aventada por Platao, de acordo com a qual a linguagem pode se mostrar como urn instrumento imprecise para a expressio do pensameDto pre­ ciso. As imprecisoes e imperfei~ da linguagem comurn po­ dem estar relacio~CO.In. as dimensOes sintatica ou seminti­ ea da linguagem, porem a relacao isomorfica tal como apresen­ tada por nos esta claramente relacionada com a dimeosio prag­ matica da linguagem, porque 0 que esta em jogo 0 carater imprescindivel de urn discurso associado aos papeis comunicati­ vos do ernissor e do receptor Ate mesmo Gorgias, 0 grande sofista, tentando demonstrar a inexistencia do ser e do nio-ser, tem de assumir 0 papel de urn emissor e tern de se servir de falas discursivas, para enderecar seu pensamento a urn receptor, mos­ trando com isto que ao menos tres coisas existem e tern de exis­ tir para que possamos ter pensamento e linguagem.

e

e

REFERENCIAS BffiUOORAF!CAS AUSTIN, 1. L. - How to do Things with Wonk. Oxford: Ll.P 1975.

CARNAP, R - The Logical Analysis ofLanguage. Nova Jersey: Littlefield, Adams and Co., 1959. COSTA, C F -Filosofia Analitica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. GUERREIRO, M. A. L. - 0 Dizivel eo IndiziveJ. Campinas: Papirus, 1989.

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SEARLE, 1. - Speech Acts. CambridgeUniversity Press,-1969.


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Revista Principios - Dept!!. Filosofia UFRN, RN, 'WI. II - N! I

Junho de 1995

ENSAIO ACERCA DA IMAGEMPOtnCA:

BACHELARD E JOAO DO RIO

MARKUSFIGUEIRAPASILVA DEPARTAMENTO DE Fn..oliOf1A DA UFI.NI\JFIlJ

1995

APoetica doEspafo nos revelaa possibilidade de wnafilosofia da poesia, onde encontramos urn outro "lance" de pensamento diferente da "Filosofia TradicionaI" - nio hi n~ de 'principio'em poesia. Ao indagarmos a respeito do poetico, deparamo-nos com 0 descontinuo, 0 sem passado -que prescinde de ordem cronolOgica. BacheJard pensa a imagem poetica como algo que tem urn ser prOprio. urndinamismo prOprio. A partir desta ideia, controi-se todo urn campo teorico que toma a atitude de pensar a poesia de urn ponto de vista filosofi­ co, onde se procura articular como a imagem poetica advem de urn ontologia dir~ ou seja, a imagern poetica como expressio criada do ser - devir de experiencia e devir de nosso ser. Bachelard reeusara as explica¢es causais dadas pelos psi­ cologos e psicanaJistas, que slo insuficientes para esclarecer bern o carater inesperado da (nova) imagem poetica. Partira de ou­ tro ponto - a Fenomenologia de Minkowski - que entende que para determinar 0 ser de urna imagem necessario senti-la em sua rqJefcussio I. Colocar a questao da imagem como expressio criada do ser significa dizer que. a comunicabilidade de uma imagem sin­ gular eurn fato de grande significacao ontologica. Isto recJama urn maior esclarecimento que segundo Bachelard so se dara com a construcao de uma Fenomenologia da Imaginacao, que seria

sera


136

"um estudo do fenomeno do imagem poetica no momento em que ela emerge na consciencia como um produto direto do cora­ f'tio, do alma, do ser do homem tomado na sua atualidade .. 2. Ouvimos a seguir 0 ammcio de uma metafisica da imagina­ ~, que significa lDll8. ruptura com a 'prudencia' da racionalidade cientifica. Para compreende-la enecessario entender 0 fenome­ no da trans-subjetividade da imagem, 0 que se dara atraves de uma analise fenomenol6gica da imagem poetica, Bachelard estabelece uma distincao fundamental entre a imagem poetica e 0 conceito filosofico, entendendo a primeira como essencialmente variacional, isto e, que nao pode ser deter­ minada definitivamente; e 0 segundo como constituitivo. Para entender a real dimensio deste 'variacional', 0 leitor de poemas nio deve tomar uma imagem como objeto, menos ainda como substituto do objeto, mas perceber-lhe a rea.lidade especifica. "Epreciso para isso associar sistematicamente 0 ato da cons­ ciencia criadora ao produto maisjugaz da consciencia: a ima­ gem poetica' 3. Hit, segundo Bachelard, uma fenomenologia microsc6pica no dominic da criacso poetica. Ele nos ensina que uma irnagem em sua simplicidade nio preeisa de urn saber, "ela e dLidiva de uma consciencia ;ngenua-linguagemjovem .. 4. E precise que entendamos que 0 poeta na novidade de suas imagens e sempre origem de linguagem, e que a imagem existe antes do pensa­ mento. Buscar construir uma 'Filosofia da Poesia' significa dar a real dimensio de liberdade ao poeta no que se refere ao uso da linguagem: ela deve receber todas as virtualidades do vocabula­ rio, nao deve simplificar nada, nada tornar rigido. Neste cami­ 000 tomado por Bachelard encontramos uma diferenciacao conceitual entre alma e espirito. Para ele, antes de ser uma .'fenomenologia do espirito', a poesia e uma 'fenomenologia da alma', entendendo-se alma por oonsciencia sonhadora. Aqui espirito e alma nio sao sinonimos. A palavra alma e uma pala­ vra imortal, euma palavra da emana~io. Alma significa luz inte­ rior, luz do sol. Passamos enOO a analisar 0 quevem a ser a Fenomenologia da Alma. " ... A consciencia associada a alma esta mais fundada, menos intencionalizada do que a consciencia associada aos fe­


137 nomenos do espirito" . Compreender uma fenomenologia da alma, significa a1can­ ~ a ideia de uma dialetica que distingue as nocoes de inspira­ Cio (alma) e talento (espirito). A cornpreensao dessas duas no­ COOS e por demais importante para entendermos a evolu~ das imagens poeticas: desde 0 devaneio ate a sua execucao. Bachelard entendera 0 devaneio poetico como fenomenologia da alma, onde se entende devaneio como "instancia psiquica que constantemente se confunde com 0 sonho". E importante no­ tarmos que 0 devaneio poetico Dio flui sO de si proprio, ou seja, para fazer urn poema cornpleto, bern estruturado, sera preciso que 0 espirito se prefigure em projeto. Por outro lado, para uma simples imagem poetica nio lui projeto, pois ela advem de urn simples movimento de alma. A alma tern uma caraeteristica inaugurativa. Ela e uma potencia de primeira linha. Como nos revela Pierre-Jean louvre: "A poesia e uma alma inaugurando uma forma" . Nas trilhas da construcao de uma fenomenologia da alma, Bachelard articulou uma duplicidade fenornenol6gica, onde es­ tabelece umadiferenea entre repercussao e ressonancias. Segundo o pensador, as ressonincias se dispersam nos diferentes planos da nossa vida no mundo - (ouvimos 0 poema), e repercussio nos chama a urn aprofundamento de nossa propria existencia ­ (falamos 0 poema- ele e nosso). A repercussao opera uma revi­ rada do ser - parece que 0 ser do poeta e nosso ser - 0 que toma possivel a caracterizacao da exuberincia e a profundidade de urn poema como fenomenos da dupla ressonancia - repercussio. H8., portanto, duas linhas de analise fenomenologica: urna que leva as exuberancias do espirito, outra que vai as profundezas antes de movimentar a superficie. "Ela nos coloca diante da origem do ser falante", 0 que da sentido ao que falamos no ini­ cio deste trabalho, ou seja: a imagem como expressio criada do ser. E assim caracteriza-se 0 nivel de ontologia que e trabalha­ do. Partindo da tese segundo a qual "tudo que e especifica­ mente humano no homem e lOgos" , compreendemos a imagem poetica como acontecimento do lOgos, e esta e(para nos) inovado­ ra. E carla imagem poetica nova tern urnvalorde intersubjetividade, isto e, nio ha espacopara a causalidade, como queriam psicologos


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e psicanalistas, pois a imagem poetic a escapa a tal dE;tenni~lo, sendo construida pelo lOgos poetico. Isto e de suma importincia quando se trata de compreender a ontologia do poetico, que nio pode ser determinada por doutrinas causais, visto que nada prepara uma imagem poetica: oem a cultura (no modo literario); nem a peI"~ (no modopsicol6gico). SegundoBacbelard, "anovidade essencial dewna imagem poetica coloca 0 problema da criatividade do ser falante". E atraves da criatividade que a conscieacia imaginante se descobre como uma origem. E isto 0 que interessa a Bachelard quando estuda a imagi~ao visando a construcao de mnafenomenologia da imagin~io poetiea, DUma palavra: isolar 0 valor da origem de diversas imagens poeticas 0 que se torna claro quando se pOe a nu que e ao Divel das imagens separadas que podemos repercutirfenomenologicarnente. Tal fen6meno ocorre porque a poesia pOe a linguagem em estado de emergencia. "A vida se mostra ai por sua vivacidade". Outrora., as artes plasticas codificavam as licencas. Mas a poesia contemporaneafesta euma clas~ de Bachelard) pOs a liberdade no proprio corpo da linguagem. "A poesia aparece entio como urn feoomeno da liber­ dade" . Entendemos, finalmente, que a imagem poetica, enquanto origem da consciencia, advent da fenomenologia. E como disse Bachelard: "observando que as coisas nosfa/am, e que por isso mesmo, se damos p/eno va/or a essa linguagem, temos um con­ tato com as coisas ... " j. A imaginacao produz incessantemente e se enriquece de novas imagens. E essa riqueza do ser imaginado que e objeto desta obra de BacheJard Nela, ele busca fazer uma topoanalise dos lugares esquecidos amerce cia intimidade, e que sao rebus­ cados frequentemente pela ima.gina~io - eis 0 objetivo de uma poetica do espaco.

••• "Nenhwnaformula paraa contemporinea expressao do mundo. fer com o/hos livres ''6, .,

.

Oswald de Andrade expressa em pensamento a sabedoria ingerlUa cia adivinhaeao, a poesia feita a partir de uma 'Ieitura', que


-- - - - - - - - - - - - -

139

e construcao imagetica do simples, do corriqueiro, do mundo fragmentado que os olhos atentos podem captar. Assim eJoio do Rio - urn 'tlineur' - urn poeta na novidade de suas imagens - imagens que existem antes do pensamento; que emanam da 'alma', que einspira~. Urn simples movimen足 to da alma eria uma imagem poetica. 0 fl3neur tern a alma em movimento - constante crial;io de irnagens. Diante da multiplicidade do real, 0 poeta "inaugura umaforma" - Assim, a imagem chega as profundezas (onde a alma esta fundada) e e entlo expressaocriada do ser".

"Tudo se transforma, tudo varia - 0 0 odio, 0 egoismo. Hoje e mais amargo 0 riso, mais dolorosaa ironia. Os sec:u/os ptlSS01TI, deslizam, levando as coisas ji'lteis e os acontecimemos

amor;

notaveis. Sopersiste e fica, /egado das 0 amor do

gerafOes coda vez maios;

rua'".

o oIhar do poeta por sobre os ombros das historiografias, expoe uma visao de mundo propria de uma uma reflexiol descomprometida, porem profunda, construida a partir de urn 'aqui e agora', de urn lampejo de som e sentido - 0 verso. o poeta pensador descobre ao dizer, a maneira de dizer 0 quenio pode deixar de ser dito. Assim, ele presencia a realida足 de mesma, imanente ao acontecimento captado no mornento criador do artista - configurador de imagens sililbieas. Etao forte 0 querer expressar-se, sair-se pensamento, rna足 terializando-se em 80m, que urn canconetista de Montmartre e tornado de urn sentimento que 0 leva a dizer versos que seriam interpretados depois por urn eronista do Rio, e dai atribuir urn sentido, isto e, wna possibilidade de eompreensio. o que urn dicionario estabelece como 'verdade' - defini~io cristalizada de uma palavra - a ~ dim num outro movimento, que e possibilidade de dizer da coisa, 0 que num momento e presenciado, 0 que faz-se sentido quando sentido. .


140

" ... A rua era para eles um alinhado de fachadas, por mule se anda nos povoacbes (...) Ora, a rua e mais do que isso, a rua efator da vida das cidades, a rua tem alma ... " K.

e

''A Rua I' eexposi~de imagens, e a co~ deum senbdo e, sobretudo, uma vivencia - 0 exercicio de uma liberdade - a

composicao. Joio do Rio faz de seu relato urn retrato cinematografico da intencionalidade entre uma consciencia irnaginante e 0 que se apresenta como possibilidade de ser falado, versado. E0 que Bachelard chama de imagem poetica,ou seja, aquilo que como origem da consciencia advem da fenomenologia. Tal imagem acontece quando "observando que as coisas nosjalom, e damos pleno valor a essa linguagem, temos um contato com as coisas' re~io de

'I

Ha urn certo trace nomade naquele que ama a rua e faz dela a materia de suas reflexoes. - 0 que leva alguem a se preo­ cupar com a compreensio do •mundano', do que por si e·dife­ renca', heterogeneidade, muhiplicidade de imagens? Talvez esta questio possa seapresentar como uma inda~ do homem sobre a reaJidade - a realidade IlI1ltiplae sent~. :E semdUvida nenhuma uma questio filos6fica; 0 que nio exige urnasistematizada resposta filosOfica. Aqui. 0 indagar nascedo vivenciar poeticamen­ te 0 momento, epor isso mesmo pennite-se responder aind~ JUJID discurso poetico. Se perguntarmos ao texto de Joao do Rio quem teee 0 dis­ curso poetico sobre a realidade, ele dira: 0 flineur. Isto e, aque­ le que pratica a arte de flanar - "Flanar significa ser vagabun­ do e refletir, ser basbaque e comentar; ter 0 virus da observa­ fdo ligadoao do vodiagem... Flanar a distin¢ode perambular com inteligencia. Nada como 0 imuil para ser artistico" 10. E 0 flaneur quem talvez responda de maneira mais autenti­ ca e honesta, porque descomprometida, a pergunta acima for­ mulada. 0 flaneur frequenta os acontecimentos e reflete sobre 0 ocorrido tecendo Iongos discursos, criando magnificas expres­ soes pra dizer 0 que para ele se apresenta como realidade.

e

e


141

"(...) Quando 0 fldneur deduz, ei-lo a concluir uma lei magnifica por serpara seu uso exclusivo, ei-lo a psico/ogar, ei-lo a pintar os pensamentos, a fisionomia, a alma das ruas. E eentiio que haveis de pasmar da jutilidode do mundo e da incoocebiveljuti/idade do« pedestres da poesia de observadio .., j.

11

Se pudermos estabeIecer uma diferenca entre 0 'ser filosofo' e o 'ser pensador' s diriamos que 0 poeta epensador e nio "fil6sofo", pois agindo assim cometemos a delicadeza de Iivrar 0 poeta-flaneur de ser submetido ao tribunal da razao, erguido e sustentado por uma certa tradi~ filosofica, Vemos aqui com certa clarezao quanto podemos aproximar a visao do poeta construida por Joao do Rio, daquela que nos e apresentada por Bachelard em A Poetica .d2 E§paco. Dono de uma indefinivel sensibilidade, Joao do Rio no ini­ cio do seculo, quando escreve sua obra, ja nos coloca questOes que mais tarde aparecem de maneira bastante similar no pensa­ mento poetico de Bachelard. Fazer uma especie de 'henneneutica da poesia', eis a tarefa de um e de outro, na medida em que mergulham no universo poetico e pescam preciosos arranjos de palavras, traducoes de 'modos de ver' a relacao estabelecida entre homem e mundo; entre 0 ser falante e 0 que e objeto de seu discurso - a realidade Nada e dito dentro de complexas malhas conceituais, como e proprio dos sistemas filosoficos, nem e cal­ culavel numa 'metodologia de pesquisa', como e 0 caso dos "edificios" cientificos. o poeta distancia-se dos esquematismos e das metodologias e busca na simplicidade da imagem poetica sempre nova urn va­ lor de intersubjetividade. ou seja, quando "consideroda na trans­ missiio de uma alma para outra; ve-se que uma imagem poetica escapa a.~ pesquisas de cousalidade "12 E assim "0 poeta pOe a liberdade no proprio corpo do linguagem. A poesia aparece entao como um fenomeno da liberdade" 13.


142 1 Repercussio aqui edefinidocomo medida do ser de uma imagem

poetica. 2路Bachelard - A Poetica do Espaco - Introducao. 3 Idem - p. 185. 4 Idem.

5 Idem - p. 190. 6 O. de Andrade - Manifesto da Poesia Pau-Brasil, p. 09

7 JOOo do Rio - a Alma Encantadora das Ruas. 8 J. do Rio - A Alma Encantadora das Ruas. 9Bachelard-apoeticadoEsp~,

p. 190.

10 1. do Rio - A Alma Encantadora das Ruas, pg. 05.

11 Idem, pg. 06.

12 Bachelard - A Poetics do espaco, pg. 187.

13 Idem, pg. 187.

REFERENCIAS BmLIOGRAFICAS: ..

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143 Revista Principios - Depts, Filosofia UFRN, RN, Junho de 1995

~.

n - Nt I

A QUESTAO DA SECULARIZA~AO

OSCARFEDERIm BAUa-iWrr'z DEPARTAMENTO DE f1L050flA DA UFRNIUFRJ

Coma urna antiga estoria que por volta de 200 a.c. urn prosperocomerciantedePompeia, cbamadoPubliusLibonius, tinba oferecido aliberdadeaseu mais queridoescravo, Loreius.Em troca, estedeveriaencontrarumafrasetaJ que,amaneiradospalindromos, pudesse ser lida da esquerda para a direita e ao reves. Mas nio apenasisso,Publius,deespiritoa.uiosoevoitadoparaaselu~

sobreoincompreensivel,exigiradoescravoumaftasequeabrangesse todo 0 misterio da existencia. Assim a fraseteria que significara mobilidade do mundo e a imutabilidade do divino. A tarefa assemelhara-seaos olhos de Loreius a possibilidade de ser livre. Pouco apouco foisendo envolvidopelo enigma da frase. Sonhos 0 perseguiamesequerconversavacomseusenhor. Tornara-seinquieto e preocupado. Ate quenuma certa manhi, apos muitoter sonhado, eleadescobre: Satorarepotenetoperarotas. Seu primeiro impulso foi 0 de contar ao seu senhor e adquirir a liberdade. No entanto, a caminho decidenio ir. Percebeque estandotaoproxima aliberdade, apenas urnprazerpoderia ser maior: adiar, por propria vontade, a libertacao. Embora nio conte a frase a Publius,ja Diose sente urn escravo.Por outro lado,Publius,ao conbecera decisio do escravo, nio sabe o que fazer. Refletesobre 0 assuntodiae noite, emaranha足 se em conjeeturas e em hip6teses, Dio sabe se 0 escravo de fato encontrou afrase ou se nada maiseque urnardil.De al.guma forma a suavida tomara-se,emespirito,servadoseuescravo. Comonuma partida de xadrez ele procura esgotar as possibilidades do seu oponentenumamutiplicidade dejogadas semfim. Loreius,por SUa


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vez, estAdecidido arevelar suadescoberta apenas na hora damorte, para que afrase assinale sua sepultura. Entretanto avaidade perde足 o. Apos beberdemasiado vinho edeter comuma cortesa, elerevela a frase. No dia seguinte, PubLius e toda a cidade imortalizaram a descoberta do escravo. Este, ao ver seu achado tornado publico, vern a matar-se diante daquela que 0 enganara. Aparte 0 final tragico quepossui, a estorianosprovoca etern seu centro na frase de Loreius. Ele representa ao escravo urn valor especial, ao ponto dele preferir 0 privilegio de conhece-laagozar a liberdade. Para nos, que estamos distantes mais de dois mil anos ela DaO simples de ser compreendida. A frase pode ser traduzida da seguinte forma: " Aquele que semea sabe manter com cuidado a charrua nos sulcos". A frase nos interessa aqui pois ela expressa a re1a~io que se estabelece entre a imanencia e a transcedencia Tal rela~ que propomos comentar, considerando-a a partir de uma epoca que se tomou secularizada. As formas variadas querecebeu 0 binomio imanente-transcendente caracterizam e possibilitam os diversos processos e etapas que it historia apresenta Toda epoca se mantern segundo urn certo aspecto desta rel~iio. Eneste sentido que toda epoca expressa, isto e, mantem em suspenso, uma determinada vigencia etica. o vigor de uma etica so pode ser compreendido a partir do sentido que se concede i existencia, i ambi&1ciana qual se insere o bomem, e nao a partir de regras de conduta, expressas em moldes, em mores, pois estas sao apenas consequ&cias de detenninado ethos. A epoca secularizada produz uma que se increduliza no proprio processo de cons~? Esta etica somente se plenifica quando elimina a rela~io entre imanencia e transcendencia? Asecul~ enquantown processohistOrico se realiza totalmente, alcancaoseusummus, nomomento exatoemque perde de vista a re1a~io originaria, uma vez que prescinde de qualqwJ"refer&1ciatranseendente, autoreferindo-seacadamomento, chegando ao ponto de absorver e entender a transcendertcia como sendo nada mais que a propria realidade imanente? Estas sao as questOes que nos motivam a pensar a relayio necessaria entre a seculariu~o e a moderna perda da fe, a incredulidade. Percebemos que a senteacade Loreius eanterior i secuIari~, eisto porque elase referei r~originaria.Assim,

e

e

mea

rna


145 oescravovisaexpressarahannoniaemreumprincipioquetranscmde a realidade e a rea.lidade enquanto tal. Esta harmonia sO pode ser pensada porqueestaaquemda secularizacaoeportanto presencia uma outra eticidade. Embora nao seja nosso proposito tratar desta outra etica, ter em mente a frase misteriosa do escravo nos servira como ponto de partida pois ela se insere numa epoca que ainda vivencia a credulidade, justamente 0 que a secularizaio tende a excluir da existencia humana. E neste sentido eta nos apresenta elementos dos quais estamos muito distaotesdevivenciar, ou seja, de algumaforrnaas suas palavras exprimem uma experieneiaque nos desconhecemos, pois elas dizem sobre a rel~ da criatura com 0 criador, dofinito com 0 infinite, do quemudacom 0 imutilvel, enfim, do ente com 0 ser. Estamosdiante deuma postura especulativa que, sem duvidas, apresentaumcarilterparadoxal "Provaievedequeo Senhorebom " <liz Salrno, no entanto esta experiencia que traz 0 conhecimento e que entra em contato com Deus ou com uma entidade metafisica dificilmenlepodeserexpressaempalavrasquenioestejamnaOrbita defe. Poisa re, como ouviramosHebreusaPauJopregar, "eaposse antecipada do que se espera, urn meio de demonstrar as realidades que nao seveem". 0 carater invisive1e irredutivel desta realidade torna a compreensao datranscedencia urn conhecimento que esta isento de provas e justificativas, mantendo-se sob 0 manto da revelacao. E, na medida em que esta compreensao se revela ao crente, a fe e libertadora. Salvo as experiencias misticas que possibilitamo conhecimento direto e imediato, que Tomaschamou de cognitiode;experimentalis, 0 homem credulo se libertaa partir da propria gratuidade do seu ato de crer. Assim, aceitar a verdade reveladanaoeuma posturaque sejustificaporou em~de,mas, unicamente, porque esta postura se fundamenta " elle-meme ". A demonstracao que 0 apostolo aponta so pode ser aceita a partir da fe. E neste sentido que a fe e antonoma; embora parta da revelacao, a fe sO encontra seu fim quando da maximasemelhan足 ca com Deus. Nao se trata de pensar a praticidade da fe, pois 0 fimaqui nio comportameios. 13 urn fimquepressupoeumcomeco, masenquanto urn principio ou origem. Principiumsineprincipio, quia non aliquando coepit.esse, sed semper era quod est, pensa Joaquim de Fiore. A fe vigora no sentido de aproximar 0 homem desteprincipio. Quantomaisseaproxima, maior a~. Uma


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similitude que se expressa,: nio no aspecto formal, mas na vita spmtualis, isto e, a existencia que' se entrega plenamente a contemplaeao do principio transcedente. 13 desta entrega, deste desprendimento que diz Avicena: "quando 0 espirito e livre se mantem verdadeiramentedesprendido, ele forca Deus a vir ao seu ser; e se pudesse subsistir sem forma a1guma e sem quaisquer acidentes, ele assumiria 0 ser proprio de Deus ". Da mesma forma em Eckhart, queentendeque 0 tim '. Ultimo da fe e 0 proprio desprendimento: " ... 0 desprendimento enobre em si mesmo poiso espiritopennanecetioinsensivelem face detodas as vicissitudesda alegriaedador, das honrarlas, dos tiltrajes edos insuhos, como uma montanha de chumbo e insensivel a um sopro de vento Tal desprendimentoconduz ohomem amaxima semelhancacomfseas

"

Quando pensamos a fecomo libert~io ou desprendimento tomamos nas maos 0 que Nietzsche charnou "0 novelo dos mais profundos dos problemas eticos". Tanto Iibertacao quanto desprendimento dizern respeito a urn certo abandono daexisten­ cia emsua mundanidade. A vida, tal Como a conhecemos, isto e, nascimento ernorte, orientada para a contemplacao do principio originBrio.Nestesentidoafeseaproximadafilosofia,ambasquerem conhecer 0 que "digno e grandioso ". 0 que motiva a fe nio se encontranoslimitespossiveisda experiencia- aima.nencia - massim numprincipioque transcende esteslimites. Entretanto, 0 principio, ou melhor, a aceitafrio deuma transcendencia, que estaaquem dos limitesimanentes poiseoriginaria, sustem uma eticanaqualapr6pria vida assemelha-se a uma •• soma de injusti~s •• a ser expiada. Uma existenciaque nio se legitimamas, ao contrario, se penitenciapelo sucumbir.E nesseprocesso de geracao e corrupeao datotalidade do existente que reside a profundidade do problemaetico: Afinal,oque valeoexistir? Pensar a existeneia a partir de urna injustica ou de uma culpa, urn seguida de uma expiacao ou de uma penitencia, Dio privilegioda fe crista. Isto ja se encontra expresso na Sentenca de AnaxirnandrodeMileto, talvezamaisantigadopensarnentoocidental: "De onde as coisas tern seu nascimento, para Ii tambem devem afundar-se na perdicao, segundo a necessidade; pois elas devem expiar e serjulgadas pela suainjustica, segundo a ordem do tempo ". No entanto e atraves do troncojudaico-cristao que oOcidente se

e

e

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toma apologistadeuma outra vida, a qual, embora nio subvertaa necessidadeda morte,semodifica,tornando-seumavidadedicada e justificada para epela fe, isto e, a aceita~o do mYSterium tremendum. Desta forma, 0 valor que se outorga aVida provemde umaoutra dimensio queIlio aordinaria, ou seja, e oextra-ordinsrio quepossibilitaumsentido apr6priaexistencia. Umaeticasalvacionista entendeLowith. Noentanto,nIoepropriamentea~prometida quecaracterizaumaet:icae, por consequencia,umaepoca credula, mas,principaJmente, 0 voltar-se para, em direcao ao que n80 esta submetidoaofluxoconstantee ininterruptodo vir-a-ser Umamica que vigora no sentido de se dispor ao que transcende." Nada esta foradeDeus, pensaSpinoza, poistodasascoisassao(tern existeneia) nele". Principioquetranseende,mas queesta presenteem carla ens creatum. Esta presenea que transcende e se inserena etica como referenda necessariaparatoda ~iio, isto e, a morada do homerne edificada a partir de uma relacao que se remete aorigem a carla momentode seu obrar. Perder tal referenciae 0 que caraeteriza a ~eaincredulidade.

A caracteristica basica daseeutarizacao consiste na perda de referenciastranscedentes. No entanto, tal processo nio esimples de ser limitado, quer dizer, encontrar 0 momenta no qual perdeu o homem esta referencia nio etarefa de poucamonta. Cabeainda indagar por aquela referencia que ocupou 0 lugar da transcendencia, se eque isto epossivel. A seculariza~ pressupOes a construcao do saeculum, desig足 nando assim 0 tempo propriamente historico em oposieao a etemidade. Esta oposi~io,. embora erie urn antagonismo entre uma existencia secular e uma existeneia eterna , Dio engendra, necessariamente, uma etica incredula. Neste sentido uma etica secular niio e prerrogativa de uma epoca que perdeu a fe, a Ilio ser quando se pensa 0 saeculum de uma maneira inversa. Istoe 0 que sugere Voegelin; na modernidade, notoriamente a epoca secularizada,ocorre umduplo processo na secularizacao. Por urn ladoatranscedenciaqueseafiguranodivinoeabandonada, Mas por outro lado 0 homem modemo torna para si 0 carater do divino, ocorrendo entioumadi~iodo serhumanoe,principahnente, do ohrar humano. Neste sentido no saeculum, despojado de sua referencia transeedente, continuam a vigorar as condicoes transcedentesabsorvidaspela propriaimanenciahumana.


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Ecerto que 0 cristianismo pensou osaec:ulum, entendendo com istoo tempo no qual seinsereatotalidade do existente. No entanto, a medida deste tempo parte daalma, como anuncia Agostinho: "0 que agora esta patente e claro, nem epretento e nem e futuro. Nem se diz com propri­ edade que os tempos siio Ires, preterito.preseme efuturo. mas talvezsedissesse maispropria­ mente, 0.<;tempos siIo Ires: pre­ sente dos pretentos, preseme dos presentes, presente do«fu­ MOS. Pois elesse apresentam aalma, respectivameme. como memona; vista e esperanca ". A perspectiva agostiana do tempo e, desta forma tambem, da historia, orientou grande parte do rnedievo cristio. Ao identificar o tempo apercepcao d'alma, Agostinho por urn lado colocou urn termo as" f'abulas ridiculas dos khiliastas"; mas, por outro lado, conservou no seio do cristianismo 0 e1emento que teria gerado ate mesmo os milenaristas que ele combatia: a esperanca. E importante lembrar que 0 saeculum sempre esteve ligado a ideia da parousia, ou seja, 0 seculo cristio e o periodo da espera, a expectativa da segunda vinda, a espera da esperanca. E, oeste sentido, Agostinho traz a estabilidade a ordem temporal, vale dizer, a trajet6ria historica, 0 permanecer na cidade profana, se mantem confonne osdesignios divines. "Urn dia perante Deus e como mil anos e mil anos como um dia", recorda Agostinho. De talsorte que aparousia esempre umaespera, mas urnaespera que encontraseu 6m no interiord' alma. anavesda fe, que aproximando o homem de Deus the possibilita a presence divina. o tempoordenadoporAgostinhonaideiadosaeculumengendra uma eticacristi, que se mantem atravesdarelacao dacriacao com oCriador.Estarelavio,comovimos,nioepuramemewnfenOmeno cristio. A bist6ria das religi6es fomece diversos aspectos desta r~. Ofato do cristio, imbuido defe, se projetarnahistOria, ede pensa-la a partir da contemp~do criador nio permite que a


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sea.JlariZ8{AoseJaidentificadaaocristianismo, salvoqueseentenda com clareza 0 que signifiea 0 soeculum no sal sentido original. Ou, o que e mais grave, nio se pode tomar a eticacrista como sendo, de alguma forma, veiculo da incredulidade Pensar a seculariza~o e a incredulidade a partir do cristianismo, seja pela sua fe ou pela sua realjza~ohist6rica, niodeixadetmzeravistaum profundo paradoxo. No entanto, a modernidade, a epoca secularizada e incredula por excelencia, conseguiu eliminartal paradoxo. A modernidade constitui uma epoca que nio pennite facil delimit~o. Disto decorrem as dificuldades em tratar esta epoca de urn modo geral. A etirnologia do tenno que a compOO, 0 modemo, como bem lembra Pe. Vaz, apenas aponta "0 que e recem cbegado" ou "0 que recente". No entanto, mais que uma adaptacao do adverbio latino modo, a modernidade designa uma epoca que instaura urn processo de afastamento e esquecirnento da rel~o originaria, que tern na incredulidade a sua mais

e

pervertidaconseqtiencia.Diantedestasdificuldadesdede~o,

nos resta supor que se a incredulidade econsequencianecessariada rnodernidade, deve estar presente ja nos primordios dessa epoca. Valedizer, supomosque a incredulidadetema suagenesena primeira manifest~o quepossa ser denominadacomo modema. fen6meno cia incredulidade nio consiste unicamente num simples ateismo. Isto e, a negaeao de Deus ou Deuses, ou Binda, a d~danatureza, sedistinguedaincredulidade. 0 ateisrno jaseenoontra no pensa.mento grego;nio sonas LeisdePlat8o. onde sepercorreosmodosdo ateismo, ou no materiaIismoepicurista, mas tambemno discursosofistico, comoemProtigoras : "Naturalmente nioestouemcondi~desaberdosdeuses, n emdequeseiam, nem de que nio sejam, nem de como sejam em seu aspecto. Porque lui muitascoisasqueimpedem perceber0 existentecomo tal:tanto anio revel~aodo existente cornotambem a brevidade do curso hist6rico do homem". Ou ainda, nas aporiaselaboradas pelo ceticismo, como as apresenta Carneades de Cirene: "Se existem, os deuseseStio vivos e se estiio vivos sentem. Se sentem recebem dor ou prazer. E se recebem dor ou prazer sao capazes deturbacoes emudan~asem seu detrimento edetal ma.neirasao mortais. Portanto, se sao mortais nio sao deuses". Em suma, 0 ateismo grego talvez possa ser entendido como um ateisrno filosofico, isto umademarcecao do quepodeconheceron sobre oque pode dizerodiscurso filos6fico.

o

e,


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Embora apresente 0 ateismo, entendido como urn esforco de racionali~, aepocaque os gregosvivenciamnio seearacteriza pelaincredulidade, namedida em que afe permanecepresente,seja atravesdeumareligiosidade "oficial", sejapelasreJigiOesde misterio, imbuidas deumcarater esoterico. Conta Plutarco que pouco antes do cristianismo triunfar, espalhando-sepelos mais remotos rincoes do mundo civilizado, uma voz misteriosase fez ouvir, revelando um segredo: Pan esta morto! Tal revela~o teria sido aceita de bom grado pelos homens desse tempo. Tendo 0 cristianismo absorvido as pecu­ Iiaridades das religiOes antigas,e chegando mesmoa seoficializar no Imperio RODWlO, a morte do antigo deus da natureza signifi­ cava ao homem, nio urn profundo pesar, mas, ao contrario, urn verdadeiro a1ivio. Estando morto 0 simboloda natureza estaria morta a t~o que conduz ao mal. No entanto, vale notar que a morte do deus nio implicana incredulidade, pais a fepermanece e, arriseamo-nos a dizer,que a nova fe, a novita christiana, manifestou-se com tal pujan~ como nenhuma outra epoca conheceu. E certo que 0 grego na origem de sua religiosidadevive a feb de umaformaextremamenteviva. Sacrificios, imolacoes, oracu­ los, templos e religioesdiversas pertencemao cotidiano e carac­ terizam a epoca dos gregos antigos. Contudo, e sO a partir do cristianismo que encontraremos uma fe que se edifica temporal­ mente e que fundamenta a disposi~ etica, Ebem conhecido 0 sentimento de orgulho do homem grego: "Nio nos curvamos nemperante reis e nemperante deuses". A rel~o do grego com seus deuses, que estao sujeitos aos mesmos sentimentos que os homens, estabelece uma distincia entre deus eo homem. Esta distincia determina, por um lado, em que consiste a ambiencia humanae, poroutrolado, o lugardosdeuses.o sentimentodogrego cl8ssicoesta longede admitirinterferenciasdivinas, taiscomoasque apresentarn os relatos homericos. Neste sentido, a morte de Pan assinalaofimdo declinio de determinada re e epoca. Epocaesta que sOconheceuoateismoapartirde uma perspectivagnoseolOgica, seja pela impossibilidadede se aleanear ajustamedidadeDeus,sejapelo interesseinquietantedeconheceroslimites, istoe,apropriaablangmcia doconhecimentohumano. Assim, enquanto 0 gregoviunadivindade a medidadesuaexistencia, produziu urnpensamentooriginario, no


151 sentidodeencontrarumfundamentoemtodooexistente. Objetar­ se-ia que se trata de urn panteismo disfarcado, e dessa forma poderiamosaproximar 0 grego do homem moderno, no entanto, a rel~ dos pensadores com essa origem, embora suscite nocoes que remetem IIempiria,produziu umpensamento que de nenhuma forma pode ser tornado como empirico, no sentido modemo do termo. Em suma, ajustamedida, a mensurabilidadedo queexiste, Diosearemapenasaobserva¢es eexperiencias, masque, sobretudo, trazwnarefererr.iaaolllpra-sensivel,justamenteoqueo conhecimento tecnificantee aincredulidadeniopodem, nemquerem, abranger. . Aindaque breves, estasconsideraeoes, que ate aquifizemos,nos auxitiamemnossoprop6sito.Resta-nosentao, que vohemos anossa questio e aosseusdesdobramentos. Porum lado, percebemosque seaincredJJ1idadeefiutoda~,endodeveserencontrada nas origens de tal processo e, vale dizer, da modemidade. E, por outrolado,percebemosqueapropriaepoeamodemafazumavoha, "un tour de force", e encontra 00 cristianismo a genese, tanto da ~quantodaincredulidade.EsteUltimoaspecto,alemde

suscitarwnaantinomia,asaberdoteismoseoriginaoateiSlDO,ouque da credulidadese originaa incredulidade, faz da secularizacgo uma notacaracteristica do cristianismo. Ou seia,afe cristae secularizada desde a sua origem, entendendo assim que 0 dogma maior do cristianismo,de que Deus sefezhomem, e a primeira manifest~o da secularizaeao. Aniquilimmtodavontade, enfraquecimenlodohomem, tnJw1encia eclesiistica;seja sob aperspectivaquefor,encontrarno cristianismo as mazelase osequivocos detoda umaepoca nio e souma postura anti-crista, dotada de urn animuslaedendi, mas sim, 0 que e pior, uma simples redu~io dos acontecimentos e entender 0 saeculum cristae a partir de urn sentido que nio 0 que a propria fe crista professa. Ora, mesmo Agostinho, 0 grande "rnestre do ocidente", confonne as palavras de Gilson, embora situe 0 saeculum na dimensio temporal, Dio deixade reconhecer que os sucessores de Cairn,propriamenteos habitantesdacivitaste"enapreoropam-se maisem "edificarcidades"que emhonrar aDeus. Enquanto que os herdeicos de Abel,emsua permanenteperegrinatio, tomamsua vida como um progresso emdir~o aVerdade, que e 0 proprio Deus. Esta diferenca por si so ja separa os homens propriarnente,como sio espirituaise diriamoshoje, "seculares"eterrenos, daquelesque - .:, . . '.


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celestes. Nestadif~o nio halegitimidade crista paraaqueles quesepreocupammaiscornascoisasdos homensquecornascoisas divinas. No entantoadifereJll;&n80 esuficienteparaentendennosas aiticasqueprovem dasanaIises modemasdo cristianismo, poisseus autoresnio manwmumaquerela pessoal com afecristi. Portanto, cabe-nosapreciar taiscriticaseentenderde que forrnaelasresolvern o paradoxo de creditar it fe crista as causas de uma secul~ioe daincredulidade ernquevivemos. E pelo pensarnentode Nietzsche que encontramos a sentenca maisclaradaincredulidademodema. Atravesdo freneticoficamos sabendoque"Deusmorreu". Estafrasepodesertomadacomouma decortencienecessariadeumaeticidadeque sedelineanaaurorada modemidade. Ecertoquea frasee expressiodeurnaeticaincredula. ooentanto.percebemosqueoenfi"aquecimentodafejaseencontra presente a partir da Alta Escolastica e principalmente,no deismo arWogoediminuenteexpressopelosmodemos. TantoateoJogiadita aristotelico-tomista, quanta aracionaliza-yio de Deus, Diose situam na orbita da fe. Isto e. 0 esforco de conhecer Deus Ilio parte da credulidade, masdo metodoeda retidio dousoda razioemdelinear a ideia de Deus. E urn esforco desta natureza Ilio poderia ser mais contririoacetebre~agostiniana, pelaquaJ expressaarel~ entre 0 conhecimentoe a fe: "Nio procuramos compreender para crer, crernos para compreender e nio compreenderiamos se nio cressemosdeinicio' .

Coube a Nietzsche proclamar ern estiJolapidar 0 que parecia impronunciavel, Aindaque a "morte de Deus" nao expresse urn sentimento original ( ja virnos que ele foi expresso DO fun do paganismo) nospodernos aoompanhar Heideggeremsuaspalavras. quandodizque talfrase"aludea propriahistoriado Ocidente".Sem davidas.oque estaem referenciae 0 proprio cristianismo,a morte do Deus Trine. 0 episodic do frenetico nos diz: "Como podemos sorver toda a agua do mar? Como podemos apagar as linhasdo horizonte1" Asrespostasataisindagacoesdeixemclaraa referencia aocristianismo, quando, apOsentrarem diversas igrejase ovacionar a eternidade divina, 0 personagem pergunta :"Que sio as igrejas senio asfossas e astumbasde Deus?" E aindacontinua Nietzsche : "0 maiordos acontecimentosmodernosja comeea a projetar as suassormrasnaEuropa: QueDeusestamorto. queaa~noDeus cristio converteu-seernincredulidade".


153

Entendera "mortede.Deus", 0 fun da fecrista, suseita, em soma, que se responda esta questao: De que forma se desenvolve a conversio da fecristaoumaincredalidade ?Respondera talquestio e compreender em que sentido a "morte de Deus" designa 0 fato unico da hist6riauniversal, a saber, que nio hamaispertinenciapara a existencia do divino. E, ainda, compreender que a postura nietzsclteananaoewnmeroateismo, mas wnacertaleituradafe cristi pela qual a "morte de Deus " e uma consequencia propria do cristianismo. Ora. tais indagacoes, berncomo as suas possiveis expli~, devem ser investigadas a partir do pensamento de Nietzsche. Desta forma. 0 paradoxo de encontrar os gennes da incredulida­ de na credulidade crista, so pode ser resolvido a partir do conceito-mor que orienta a leitura que Nietzsche faz do cristia­ nismo : A vontade de potencia E a partir deste conceito que Nietzsche considera 0 cristianismo, caraeterizando-o como sen­ do, por principio, uma fe e urnaetica que se constroi sobre valores nihilistas. E no Anticristo que Nietzsche apresente a sua critica mais voraz sobre 0 cristianismo. No entanto, parecejusto que faeamos a consideracao de que tal criticatem como objeto, principalmen­ te, a fe crista pensada, expressada e expandida por Paulo de Tarso. Ajusteza desta consideracaofaz-nos refletir sobre 0 papel que desempenhou a obra de Paulo nos primeiros momentos do cristianismo. Nio se trata de equacionarmos os diversos matizes que compuserama canonicidadedo cristianismo, isto e, aindaque conhecamos os apocrifos, que tenhamos acesso as elucid~es epocais do Mar Morto, que saibamosdos problemas inerentes as tradu~biblicas, umacontecimentosedaao pensamentoe queja se encontraexpresso no interiordaEscritura. Com isso queremos deixar de lado as possiveisintencoeseclesiasticasque possam ter orientadoaaceitacaodeste ou daqueletexto "cristae" paraque nos atenhamosespecificamente aleitura dos textos paulinos aluz da analise deNietzsche.Este deixardelado, contudo, nio induzuma reducao ou urn apequenamento dos problemas propriamente hermeneuticosda Biblia. Seagimosassim epor entendennosqueas obje¢esqueNietzschepropoepodem serinvestigadasnoslimites mesrnosdaobrade Paulo.Agindo-sedessafonnasaberemosqueas aiticasdeNietzscheafecristisemantemnumadimensiofilosOfi.ca


154 por excelencia, da qual pode se encontrar a pertinencia de sua interpretacao no que diz respeito Ii superacao do paradoxo. Uma interpreta~ que deve, entio. apresentar a logica que permite, segundo as palavras do proprio Nietzsche. a "conversao" do cristianisrno aincredulidade, ao nihilismo. Alinguagem queexpressa 0 Anticristo edetal forma, digamos, inusitada, que, porvezes, temos a impressao de que seu autor, por estabeleceruma radical oposicao ao cristianismo, perdia-seno uso das paJavras. Somente assim podemos entender 0 epiteto de Paulo como 0 "ap6stol0 da viaganca"; e tambem entender 0 cuidado recomendado de "calcarhrvas, pois a isso obriga a proximidade de tantairnundicie", quando serefereIi leiturado NovoTestamento. De qualquerfonna, prowramos pela filosofia, portanto, Dio nos cabe ater-nos ao quilatetingilistico utilizado mas, sobretudo, as questoes que sio propostas e que se referem a"conversao". Nietzsehenionosofereceumcorol8riodefinitivodesuaobj~io aocristianismo.contudonioatrai~-lo-iamosseconsider8ssemos

queessa consisteem entenderque 0 "cristianismo eumareligiao que viola e subverte a namralidade da existencia, que epropriamente a vontade de poder".E neste sentido que ele afinna que "born etudo aquilo queaumenta no homern 0 sentimentode poder,a vontade de poder, 0 proprio poder; e 0 mau tudo 0 que procede da fraqueza". quecaracteriza eo instinto de crescimento, ~io. oacUmulo de forcas.logo, ondefitltamtaiselementoshadegener~o.corrupcao, declinio ou 0 proprio fim. Desta forma, segundo Nietzsche. uma religiio da piedade, que 0 sentimento da tolerancia para com a fraqueza, acarreta umainversiodosverdadeiros valoresvitais. Vital. neste sentido, designa tudo quanto rnantem a vida no seu contexte terreno,naarnbienciapr6priadetudoqueexiste.Assim,oaistianismo. marcadamente a religiio dosfracos, elaborou urn ideal em oposicao aos instintos de conservacao da vida. "0 cristianismo, prossegue Nietzsche. defendeu tudoqeantoefiaco, baixo e palido", urn homem dotado devalores outros que nio os naturais. VaJores verdadeiros dizo cristianismo. No entanto, Nietzsche procura demonstrar que uma vida nio e verdadeira ou falsa, isto e. os unicos valores que se podem aplicarli vidadizern respeito, unicamente. aoque serveou nio conservacao dessa vida. Disto decorreo problemadocristianismo de encontrarvaloresverdadeirospara a vida, poistaisvalores.janao se encontram nesternundo. mas, no "mais alem", em suma, 0 valor

o

e

a


155 da vida crista sO e alcan~o quando do encontro com Deus. E justamente irpara "alem de", 0 desejo de encontrar, que tambem euma promessa que 0 cristianismo fez florescer. Ir em busca de Deus, esperar por esse encontro, e, segundo Nietzsche, uma subversio dos valores vitais, a tal ponto que 0 proprio Deus se transforma. Atributos tais como 0 que e forte, valoroso, domi足 nante, orgulhoso, enfim, tudo 0 que caraeteriza uma vida supe足 rior, abandonado e subtraido do conceito de Deus. Deus passa a ser"um b8cuJo para os cansados", uma "tabua de salva~" para os que se afogam. 0 Deus cristio 0 Deus dos desgracados, dos pecadores, dos enfermos, em sama, 0 Deus dos fracos. Ora, cabe-nos voltar a questio principal apresentada por Nietzsche. Se 0 cristianismo cria urn Deus que subverte os valores da vida, testa-nos, entia, que entendamos as consequen足 cias desta subversio. Eo proprio Nietzsche que pergunta: A que conduz tal transformacao e tal redu~ do divino? Ou de uma outra maneira: 0 que ocorre quando se invertem, ou se abando足 nam os valores vitais? A resposta e simples: A piedade que fortaJece e fundamenta 0 cristianismo e, a rigor, uma pratica do nihilismo; a piedade, a propria fe crista, persuade os homens ao nada, a urn Dadadivinizado em Deus; faz da vontade uma vontade para 0 nada santificado. As consequenciasde tal fe, desta pnitica pela qual 0 homem constroi uma etica, onde os vaJores que regern a sua existencia naodizem respeito propriamente avida ou aterra, masprincipalmente, auma verdade que seencontra paraalem dessa existencia. E, no que tern de abandono de uma vida "concrete", 0 cristianismoinstauraumaapologiademorte,deumavidaqueniose justificaanlo serern razio de suacrenca, dacrenca quese legitima no "alem",junto a Deus. Disso decorreque a "morte deDeus" seja uma decorrencia do cristianismo, pois eproprio ao cristianismo 0 afastamento da vida e dos valores que the correspondem. 0 nada que santifica epara 0 qual todos os homensdeveriam convergir, bern como too os os tempos, uma vez que a fe crista e sabidamente universal, istoe, 0 cristianismoseprotDJlgacomoareligiio verdadeira, em detrimento de todas as outras, e apresenta aos creates uma salv~ abstrata. Esta abstracao, pensa Nietzsche, esta presente nos principais argumentos do cristianisrno: Culpa, Pecado, Juizo Final, Vida.Etema, etc... Estasideiasdesviamo olhardarealidade e oferecemuma redenyio e urn consolo para os fracos, para aqueles

e

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156

que nio sio senhoresde umavontade depoder; contudo, 0 salvar足 se e redimir-se nao se encontram sobre a terra. Epreciso a morte p8l1lseremencontrados. Nessesentidoa"conversio" doaislianismo emincredulidadeseriaa passagernnecessariadeuma eticaquenio seresignaavida, talcomoa conaecemos, e seorienta paraumaoutra realidadequenuncafoi vista. Umarealidadeque enadificante pois sobre esta Dio h8 0 que ser dito, a Rio ser a partir da esperanea de que a boanovasejaverdadeira, umavezquetal realidadeestilonge de ser provada,e mesmoconhecidanaexisteneia, Nietzsche ve na boa novaurn grande engano, pois, na realidade, 0 que setern e urn dysangelium, umanoticiainfeliz. E isso,principahnente, porquea fe crista, transfonna 0 estar no mundo num simplesmomenta que se orientapelosereterno. FinaJmente, econtraa~dohomem e da propriavidaque Nietzseheproclama a"morte deDeus" como frutotardiodo cristianismo. As obiecoes levantadas por Nietzsche nio sao desprovidas de sentido. Percebemos que ba uma relativa pertineneia em sua oposi~ ao cristianismoe em sua analise sobre 0 nihilismo. No entanto, a historia Dio permite maximas e tampouco formulas magicaspara secelucidada. Portanto, continua aberta a questio da secularizacaoe da incredulidade,e ainda, a rel~o que possa existir sobre 0 cristianismoe seeularizacao. Entendemos que 0 exercicio queaquifizemoserntomodessa questio eWlidono sentido de apresentar alguns dos pontes que devern ser considera.dos quandodaan3lisepretendida. Outrossim,a questio da secul~io provoca ao pensamen足 to uma investiga~o profunda da epoca que vivemos.. Embora possamos ver um certo "retorno do sagrado" Rio podernos deixar de ver tambem que mesmo urn retorno dessa natureza ja coloca em suspenso 0 proprio sagrado. E sem devida uma questio aqualdevemos responder. Senio a partir da fe, pois essa pressupoe uma disposicao de quem conhece, mas ao menos, a partirda rela~o que se estabeleceentre uma epoca credulae urna epoca destituidade quaisquer referenciasuJtra-sensiveis. Qual 0 momento ou qual 0 desvio que a humanidade seguin no seu percurso historico que provocou a increduJidade e a secuIariza足 ~o, berncomo a decorrente"fuga dosdeuses" permanece sendo a

rnateriamesmado pensarnento boje.


157

BIBLIOGRAFIA NIETZSCHE. F. - Oanticristo, Lisboa, Guimaries, 1988. HEIDEGGER. M. - Sobre lafrase de Nietzsche: "Dios ha muerto".

LOWITH, K. - 0 senudo da historta, Ed. 70. Lisboa, 1991. SANTO AGOSTINHO - A cidade de Deus. Petropolis, Vozes,199O,.


ISS Revista Principios - Depr>. Filosofia UFRN, RN, Junho de 1995

~l.

II - N! 1

511 NADA EVIR-A-SER·

GEORG WILHELM FRIEDRIQI HEGEL(1770(1831)

A. Ser.

Ser, ser puro- sem qualquer outra determinacao. Em sua imediatidade indeterminada ele e apenas igual a si mesmo e se­ quer desigual face a outro; nio possui nenhuma diversidade dentro ou fora de si. Pois se fosse instaurado (gesetzt) mediante alguma determinacao ou conteudo qualquer que nele fosse dis­ tinguido, ou mediante 0 qual ele fosse instaurado como diverso de urn outro, nio iria perseverar em sua pureza. Ele e a indeterminabilidade e 0 vacuo puros. Nada se pode contempJar (aoKhauen) nele, se e que se pode falar aqui do contemplar; ou melhor, ele e apenas este proprio contemplar puro, vazio. Tampouco se pode pensar algo nele, ou melhor, ele e, igual­ mente, apenas este pensar vazio. 0 ser, 0 imediato indetermina­ do, e na realidade nada, nem mais nem menos do que nada. B. Nada

Nada, 0 nada puro, e igualdade simplesconsigo mesmo, va­ cuidade perfeita, ausencia de determinacao e de conteudo; indiferenciabilidade (Ununtenchiedenheit) nele mesmo - Na me­ dida em que 0 contemplar (AnKhauen) ou pensar (Denkeo) pode aqui ser mencionado, vale enquanto uma diferenca, qual seia, se algo ou nada e conternplado ou pensado. Nada contemplar ou pensar possui portanto uma significacao;ambos sao diferenciados, assim nada e(existe) em DOSSO contempJar ou pensar, ou antes e 0 proprio contemplarou pensar vazio, 0 mesmo contemplar ou pen­ • FralJl1elllO extraido da Wissenschaji der Logik (Ciencio do Logrcav: J, pp. 82/83. in: Werke in Zwanzig Binden. Werk II" j (volume V). Frankfun am Main. Suhd.arnp. 1969

L


159

sar vazioque 0 ser puro - Nada, com isso, ea mesmadetermina­

~o, ou antes ausencia de d~'. Portamo, e absolutainente

(iberla.upt) 0 mesmo que 0

serpuro.

C. Vir-a-ser

a. Unidade do Ser e do Nada

o ser puro e 0 nada puro sao, por conseguinte, 0 mesmo. o que a verdade e nio e nem 0 ser nem 0 nada; nem mesmo 0 fato de 0 ser transitar no nada e 0 nada no ser - mas simque cada um transitou no outro ". Porem, do mesrno modo, a verdade nio esua indiferenciabilidade, mas sirn que eles niio sao 0 mesmo; eJes sao absolutamente (absolut) distintos, porem sendo ao mes­ motempo indissociados <_gftraUIt) e indissociaveis (untrennbar), de tal modoque carlaurndesapareceimediatamente emseu opos­ to. Suaverdade e, portanto, este movirnento dodesaparecerime­ diatode urn no outro: 0 Vir-a-ser. Um movimento em que ambos sao distintos, masmediante uma diferen~ quetaInbem se dissotveu de imediato.

Tradu~o

de Juan Adolfo Bonaccini

• 0 texto original reza:

"Was die Wahrtleit iot, ist wed.,.. das Sem noch das Nicll1s. sondem daB das Sein in Nichls und das Nichts in Sein • Ricln ober-geht. sondem ubergegangen ise


160

REV/STA SEMESTRAL DOS DEPARTAMENTOS DE FILOSOFIA, FUNDAMENTOS DA EDUCACAO E PRINC(PIOS E ORGANIZACAO DA PRATICA PEDAGOG'CA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLAND/A, MG, BRASIL CIRETORIA Oiretor, Gereldo Inlcio Filro s.;reMria: My,," Das da Cunha Tesourelnl: MwisJde Sacan; Saneeveto

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DlETOR DE EDlTORAc;Ao: RfJ1ine CMa de s.ntis FeIIrBn

btIIE10R DE DMJLGACiO: Marcio ChlMJ&- TBlloos CONSEI,JtOEDlTORIAl. Antflnio Chizzottj

Emlfo lJemuni

Jetretson IlMIonso de Siva

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CONSUL'IOAES An~io JoaqJ/m SeV8lino ConstllnfB Terezinha Marcondes C4sar Dietmar K. Pfeiffer Marcelo Dascai NIIWton Cameiro All'Dnso cia Costa

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SHfllt Tannus Muchall

Tiago Adla Lara

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