a fORÇA Afro Brasileira Relatos, Poemas e Fotografias
Alessandra Karoline DiĂŞgo Messias Jorge de Oliveira Willy Lucena Org.
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A Força Afro-Brasileira Relatos, Poemas e Fotografias
1ª edição
Rio Branco – AC Editora Nepan 2019
Diretor administrativo: Marcelo Alves Ishii
Conselho Editorial: Agenor Sarraf Pacheco (UFPA) - Ana Pizarro (Universidade Santiago/Chile) - Carlos André Alexandre de Melo (UFAC) - Elder Andrade de Paula (UFAC) - Francemilda Lopes do Nascimento (UFAC) - Francielle Maria Modesto Mendes (UFAC) - Francisco Bento da Silva (UFAC) - Francisco de Moura Pinheiro (UFAC) - Gerson Rodrigues de Albuquerque (UFAC) - Hélio Rodrigues da Rocha (UNIR) - Hideraldo Lima da Costa (UFAM) - João Carlos de Souza Ribeiro (UFAC) - Jones Dari Goettert (UFGD) - Leopoldo Bernucci (Universidade da Califórnia) - Livia Reis (UFF) - Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro (UFAM) - Marcela Orellana (Universidade Santiago/Chile) - Marcello Messina (UFAC) - Marcia Paraquett (UFBA) - Maria Antonieta Antonacci (PUC/SP) - Maria Chavarria (Universidad San Marcos) - Maria Cristina Lobregat (IFAC) - Maria Nazaré Cavalcante de Souza (UFAC) - Miguel Nenevé (UNIR) - Raquel Alves Ishii (UFAC) - Sérgio Roberto Gomes Souza (UFAC) - Sidney da Silva Lobato (UNIFAP) -Tânia Mara Rezende Machado (UFAC)
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Organização Diêgo Messias, Jorge de Oliveira e Willy Lucena Fotografias Alessandra Karoline Projeto gráfico Diêgo Messias, Jorge de Oliveira e Willy Lucena Capa Diêgo Messias e Jorge de Oliveira Ilustração Quani Revisão Jhillian Albuquerque Talita Oliveira Agradecimentos Marcelo Ishii Marina Bylaardt
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UFAC
K187f
Karoline, Alessandra, 1991 A força afro brasileira / Alessandra Karoline, Diêgo Messias, Jorge de Oliveira e Willy Lucena; Orientação de: Talita da Silva Oliveira. - Rio Branco: Nepan, 2019. 44 f.: il.; 21 cm. ISBN 978-85-68914-61-8
E-book. 1. Racismo. 2. Cultura. 3. Afro. I. Messias, Diêgo. II. Oliveira, Jorge de. III. Lucena, Willy. IV. Oliveira, Talita da Silva (orientadora.). V. Título.
Bibliotecária : Nádia Batista Vieira CRB-11º/882.
CDD: 070.4
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a beleza custa caro Laís Andréa Torres da Sílva
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Me chamo Laís, tenho 22 anos, sou negra e hoje falar isso com tanta afirmação para mim é um ato de poder, pois cresci com os traços de uma cultura racista como qualquer outro negro no Brasil. Quando criança me sentia muito inferior as outras pessoas devido a cor da minha pele e aos meus cabelos. Sempre achei que ser negra era algo ruim e ter os cabelos “ruins”, como era taxado, era a pior coisa do mundo. Para uma criança que crescia assistindo nos desenhos princesas brancas serem “felizes para sempre” e que em eventos da escola o negro só ganhava um papel importante na época da consciência negra, tinha um certo impacto e por vezes eu neguei as minhas origens e minha afirmação, com isso vinha uma autoestima baixa, uma criança com vergonha do tom da sua pele.
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Sempre ouvi piadas por ser quem eu sou e por vezes eu ria só para poder tentar levar na brincadeira. Na minha família, todas tinham cabelos lisos por serem descendentes de caboclos, era o mais comum, aí surge eu com os cabelos cacheados e o preconceito nascia na minha própria família. Aos 11 anos de idade, minhas tias começaram a querer mudar essa realidade fazendo chapinha nos meus cabelos até com o ferro de passar roupas, levando no salão para fazer alisamento e toda as vezes eram torturas diferentes, sempre que eu reclamava elas diziam “ a beleza custa caro”.
Fui crescendo acreditando que era feio ser negra dos cabelos afro, que por ser assim eu tinha que me adequar aos padrões de beleza branca, cresci sempre me moldando a esse padrão, até que fui tendo conhecimento de quem sou, do meu lugar no mundo e dos anos de lutas dos negros. Fui aprendendo todos os dias sobre a importância de ser quem eu sou e de ter meu posicionamento perante essa sociedade estruturada em anos de racismo e escravidão, e poder afirmar todos os dias que sou NEGRA e que carrego comigo minha ancestralidade e ninguém pode tirar isso de mim. 9
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Negra Empoderada Rosangela Martins de Oliveira
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Hoje se tornou comum essa expressão, mas o que de fato mexe comigo é o “susto” que as pessoas tomam quando veem uma mulher negra que se ama e se aceita, mas isso não deveria ser considerado um tabu, como regra deveria ser comum e não um motivo de surpresa. Coisas assim remetem a minha infância, quando eu seguia a cultura pregada por parte da mídia de alisar os cabelos e chorava ao ver que raiz estava crescendo e que aí seria doloroso saber que as pessoas perceberiam que o meu cabelo era enrolado, chorava também quando um colega de classe vinha até mim e falava “hein cabelo de assolan, mil e uma utilidades, hahaha”.
Eu tentava de todas as formas seguir o “padrão de beleza”, evitava o sol para que a minha pele não ficasse mais escura e ainda clareava os pelos do corpo para disfarçar minha cor e outras amigas minhas faziam a mesma coisa, tudo isso visando a aceitação do mundo.
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O mundo então aprendeu, mesmo que na chibata, a não nos ver de uma maneira submissa diante desse padrão, pois assim como eu e minhas amigas, outras mulheres sentiam também essa recusa com o nosso verdadeiro ser, até que há aproximadamente uma década cansamos de seguir aqueles velhos padrões, deixamos nossos cabelos crespos e cacheados florescerem, e nossa pele cada vez mais escura, voltamos a sair livres ao sol e sem o antigo receio de “escurecer” nosso tom de pele, passamos a ter nossa melanina não mais oprimida e agora falamos em alto e bom som, VÃO TER QUE NOS ENGOLIR!
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O PRESENTE
Paulo Cesar Alves Contreiras Júnior
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Todos os dias alguns me encaram, Seja por ser negro Seja por ser gay. De bicha muitos me chamaram, Tanto xingamento que só eu sei. De negro enclenque me chamaram, Eu com 12 anos pensei, "que palavra é enclenque?" Enclenque é sinônimo para doente. Depois de muito tempo percebi que ser gay e Que ser negro são batalhas diferentes, Mas que eu teria que juntar as duas batalhas, Para tentar ser feliz e ser contente. Depois eu me toquei, Nascer negro e gay, É o maior presente que já ganhei!
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o hoje diferente do ontem
Isna Fernanda Moreira de Oliveira
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Me chamo Isna Fernanda, nascida em 1999 no Acre, nortista, descendente de angolano, portuguesa, indígena (lembro da minha bisavó paterna comendo de cócoras numa cumbuca e eu a imitando. Não recordo a minha idade, mas faz tempo), nordestinos e seringueiros (minha mãe fez parte dessa migração para a capital). Curso Nutrição na Universidade Federal do Acre. Estou no Conselho Universitário (a chapa mais votada). Pesquiso sobre a saúde da população negra e indígena. Estou na coordenação de arte e cultura no Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Ufac. Sou modelo fotográfica e de passarela (fui tirar proveito da tal “beleza exótica”).
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Luto e estudo pelo fim das violações de direitos e desigualdade social. Já vivenciando uma vida inteira de racismos, no terceiro ano do ensino médio eu fui ameaçada (mais que isso, planejaram a ação, era uma situação de morte) virtualmente, 2 garotas da escola que eu estava estudando passaram horas do sábado no twitter planejando incendiar meu cabelo na segunda. Não fui para aula, nunca mais voltei a ter aula naquela escola. Uma vez em sala de aula, já na faculdade, uma professora me disse que eu parecia estar muito estressada e falou “Isna, vai lá no lago fumar tua maconha”. Ela jamais compreenderá o que foi essa frase para mim. Não sinto necessidade de falar que não sou usuária, pois não julgo quem é, para mim é questão de saúde pública, mesmo assim, a fala dela, a criminalização e marginalização, sem saber nada sobre mim, sem nunca ter tido nenhum tipo de informação minha sobre, mais que um julgamento, uma humilhação. Eu pensava “o que a faz pensar que pode falar/fazer isso? ”. Eu era a mais nova da turma, a única pessoa negra na sala.
Estas foram algumas situações, existem zilhões e de tantas maneiras de se fazer/receber. Hoje eu tenho acompanhamento psicológico, tenho amigos e família, onde tiro e invento forças para resistir/lidar com todas as naturalizações, violações de direitos, desigualdades, dificuldades próprias e para construir algo melhor, em mim, nos outros, para mim e para os outros. E ainda tenho os banheiros do mundo para chorar quando as coisas trasbordam. “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer” (Conceição Evaristo). 27
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prazer, pedim.
Pedro de Alencar Pedrosa Matos
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Eu sou um negão de tirar o chapéu, não o negão da Alcione, da Marrom... Sou o Negão do Pedro Alencar ou, como sou mais conhecido, Pedim. Claro que é sempre importante dizer o quanto me orgulho de ter essa cor, amo não por achar que sou superior, muito menos inferior, quando eu morrer vou para o mesmo destino que um alemão que vê dez negros por ano. Ser ou não negro nunca alterou no meu gostar, funk, samba, sertanejo, eletrônica, isso só no quesito música. Se ser negro interferisse na minha forma de viver eu poderia até começar a ligar para a sua opinião, o grande problema é que se você me acha menor que você pelo simples fato de eu ser negro, você é racista e eu nem converso com racista. Não por achar que você é inferior a mim e sim por achar que você é mais ignorante que eu, isso aí eu, o Pedro Alencar ou, se você preferir, o negro Pedro Alencar.
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“Um sorriso negro, um abraço negro traz FELICIDADE, negro sem emprego...” mas não é por falta de capacidade. Conheço essa canção pela voz do pessoal do Grupo Fundo de Quintal, mas eu sempre busco efatizar o “mas não por é por falta de capacidade” vou encerrar só dizendo que ninguém é inferior a ninguém e se isso fosse uma regra não seria ser por causa da cor da pele. Vamos juntos rapaziada, não o branco, o negro, o amarelo, o índio, mas as pessoas, vamos juntos buscar vencer na vida e sem levar em consideração a cor, vamos levar em conta a vontade, a dedicação e sempre assim como eu. Assim como? Sorrindo.
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branco demais pra ser negro? Rafael Barros Soares
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As vezes sentir que sou negro é algo independente de mim, muitas pessoas sentem que podem dizer se sou negro ou não, pressupõem que podem escolher a minha raça, contudo, não podem. A minha cor sou eu quem faço, eu, a história, a biologia, a geografia e o que mais vocês quiserem escolher para fazer disso uma regra, no fim sou eu e a minha consciência quem diz que, VOCÊ RAFAEL É UM NEGÃO E UM NEGÃO DE RESPEITO.
Dentro da comunidade negra , existem coisas do tipo “ah, não corta esse cabelo” como se isso fosse me fazer menos negro do que sou. Meus trejeitos afros não me fazem perder a essência e não são vocês que vão dizer que sou branco demais para ser negro ou negro demais para ser branco. Como que se pelo fato de eu ter uma cor mais “clara” eu fosse menos negro dos que aqueles que têm a pele mais escura, estou quase cansando de vocês me chamarem de pardo, esse cabelo lindo, esses lábios carnudos e esse nariz que é o que a mídia trata fora do padrão, são o suficiente para eu ser considerado negro, pode até não ser, na sua visão, mas na minha é o suficiente para eu me auto considerar feliz.
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Se você não gosta, ah mano, eu nem sei o que dizer só quero falar que não precisa gostar, só me respeite e não tente dizer o que eu sou ou o que eu deixo de ser. A dica que esse NEGRO aqui lhe deixa é que antes de rotular alguém você faça uma auto reflexão e perceba que mesmo que eu não seja negro aos seus olhos, ou que eu não seja branco junto a sua percepção, isso não muda e nunca mudará o que eu sinto todo dia ao acordar e sair para matar um leão por dia, quem vence as dificuldades não é nem o negro, tampouco o branco, é o RAFAEL BARROS SOARES e espero que daqui uns anos eu não tenha mais que pensar se sou ou não negro, meu sonho é chegar ao ponto de me olhar no espelho e não pensar nesse questionamento, só quero pensar se eu estou ou não feliz.
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os autores: Alessandra Karoline: Negra, não ligada em rótulos e amanhã vai ser melhor que hoje. Jornalista ligada nas causas indígenas. ^
Diego Messias: Negro, uma grande história que nunca irá parar de crescer. Jornalista fã de esportes. Jorge de Oliveira: Negro, cigarro e cerveja combinam que nem romance e poesia. Jornalista especializado em aventuras. Willy Lucena: Negro, não há nada mais verdadeiro que um sorriso, minha irmã sabe bem disso. Jornalista da área social.
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