O FANTÁSTICO MUNDO DAS PESSOAS COMUNS E OUTRAS HISTÓRIAS
ANDREANA LUCAS ANIELI AMORIM BRUNA MENDONÇA DEYLON FELIX HUDSON CASTELO BRANCO
O FANTÁSTICO MUNDO DAS PESSOAS COMUNS E OUTRAS HISTÓRIAS
Editora Nepan Diretor administrativo: Marcelo Alves Ishii Conselho Editorial: Agenor Sarraf Pacheco (UFPA) - Ana Pizarro (Universidade Santiago/Chile) - Carlos André Alexandre de Melo (UFAC) - Elder Andrade de Paula (UFAC) - Francemilda Lopes do Nascimento (UFAC) - Francielle Maria Modesto Mendes (UFAC) - Francisco Bento da Silva (UFAC) - Francisco de Moura Pinheiro (UFAC) - Gerson Rodrigues de Albuquerque (UFAC) - Hélio Rodrigues da Rocha (UNIR) - Hideraldo Lima da Costa (UFAM) - João Carlos de Souza Ribeiro (UFAC) - Jones Dari Goettert (UFGD) - Leopoldo Bernucci (Universidade da Califórnia) Livia Reis (UFF) - Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro (UFAM) - Marcela Orellana (Universidade Santiago/Chile) - Marcello Messina (UFAC) - Marcia Paraquett (UFBA) Maria Antonieta Antonacci (PUC/SP) - Maria Chavarria (Universidad San Marcos) - Maria Cristina Lobregat (IFAC) - Maria Nazaré Cavalcante de Souza (UFAC) - Miguel Nenevé (UNIR) - Raquel Alves Ishii (UFAC) - Sérgio Roberto Gomes Souza (UFAC) - Sidney da Silva Lobato (UNIFAP) -Tânia Mara Rezende Machado (UFAC)
Textos, ilustrações, projeto gráfico e capa: Andreana Lucas Anieli Amorim Bruna Mendes Deylon Félix Hudson Castelo Branco Revisão Jhillian Albuquerque Talita Oliveira
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UFAC ______________________________________________________________ L933f Lucas, Andreana, 1995 O fantástico mundo das pessoas comuns e outras histórias / Andreana Lucas, Hudson Menezes, Bruna Mendonça, Deylon Félix e Anieli Amorim; Orientação de: Talita da Silva Oliveira. - Rio Branco: Nepan, 2019.
36 f.: il.; 21 cm.
ISBN 978-85-68914-70-0
E-book. 1. Crônicas. 2. Juventude. 3. Cotidiano. I. Menezes, Hudson. II. Mendonça, Bruna. III. Félix, Deylon. IV. Amorim, Anieli. V. Oliveira, Talita da Silva (orientadora.). VI. Título. CDD: 070.4 _______________________________________________________________ Bibliotecária: Nádia Batista Vieira CRB-11º/882.
AGRADECIMENTOS
Marcelo Ishii Marina Bylaardt Talita Oliveira
A todos os jovens de vinte e poucos anos que não fazem a mínima ideia do que estão fazendo da vida
CASTELO BRANCO
Com a cabeça sempre na lua. mantenho por pura teimosia uma calmaria num mundo que tem pressa. Com tendência a hipocondria e introspecção. As vezes acho que enxergo as coisas de uma forma diferente... igualzinho a todo mundo.
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CERTAMENTE VOCÊ ESTÁ MAL Há uma regra da vida moderna que diz que a relação com nossos vizinhos de apartamento deve ser a mais restrita possível, nunca questionei isso, e por que questionaria? Minha geração não foi incentivada a relações amistosas de convivência, aprendemos que o tempo anda corrido demais para algo além de um bom dia e um sorriso constrangido em encontros inevitáveis na portaria do condomínio. Só me dei conta desse modelo de não socialização na última semana. Na segunda-feira fez um frio de 14° em Rio Branco, pode não parecer uma temperatura tão baixa, mas para acreanos acostumados com o calor amazônico isso é extremamente frio, e o tempo frio deixa Sabrina, minha amiga que também mora em apartamento, melancólica. Sua melancolia dessa vez tornou-se uma crise de ansiedade o que a fez recorrer a uma sessão no psiquiatra. Assim como todos os meus amigos, Sabrina desenvolveu em algum momento de sua vida problemas psicológicos e sempre que posso a acompanho na terapia. Mas, não é sobre a terapia de Sabrina que quero falar, e sim sobre Natália, minha vizinha do 3° andar que encontrei na sala de espera do psiquiatra. Tudo que sabia sobre Natália até esse dia era que ela cursava psicologia e dividia apartamento com a namorada. Devido as regras imaginárias de convivência da modernidade, nunca tive uma conversa longa com ela, era só mais uma vizinha que aparentemente tinha uma vida boa e sem muitos problemas. Obviamente não perguntei o que ela fazia ali, mas certamente Natália estava mal. Dois dias depois de ter encontrado por coincidência minha vizinha num consultório psiquiátrico, descobri que ela tem depressão desde os 16 anos de idade, informação que obtive de outros vizinhos (a regra de convivência limitada, não impede de uns bisbilhotarem a vida de outros). Foi confirmado: Natália está mal. E não apenas ela… Meu antigo professor de português desanimado com a licenciatura está mal; Meu irmão que terminou um relacionamento de anos e adquiriu transtorno de ansiedade e depressão está mal; Meu amigo que não suporta mais a vida acadêmica está mal; os colegas de faculdade, a chefe da firma, as tias da limpeza, todos estão mal. 9
Se você estiver ansioso neste momento está seguindo a risca o roteiro da vida pós-moderna, e não pense que é o único. Por trás das paredes que dividem os apartamentos e fazem as pessoas se isolarem dentro de alguns metros quadrados, substituindo as relações pessoais por um smartfone e um frasco de rivotril, certamente mora alguém com algum grau de abalo psicológico. Tá todo mundo no mesmo barco, mas a gente só se dá conta disso quando encontra uma vizinha na sala de espera do consultório de psiquiatria.
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O FANTÁSTICO MUNDO DAS PESSOAS COMUNS Quarenta e seis minutos e trinta e quatro segundos, esse foi tempo que gastei para escolher um filme na última vez acessei a Netflix. Gosto de cronometrar minhas ações, me dá uma dimensão das horas que desperdiço em coisas improdutivas. Mas, não é como se as informações sobre tempo desperdiçado fizessem eu mudar meu comportamento e me tornar uma pessoa mais produtiva e ágil. Continuo fazendo mais playlists do que ouvindo música, enchendo e esvaziando carrinhos de lojas virtuais mais do que realmente comprando e passeando pelo catálogo de filmes da Netflix mais do que assistindo um por inteiro. Na última vez que fiquei vagando os olhos no computador a procura de uma obra cinematográfica que me parecesse no mínimo atraente, me deparei com um título que fez valer a pena todos os quarenta e seis minutos e trinta e quatro segundos de procura. Frances Há, esse é o nome do longa metragem que mudou a forma como enxergo o mundo em minha volta. Ele é um desses filmes que meus amigos certamente diriam “não vou assistir porque parece muito cult” mas depois que eu os obrigassem a assistir com o poder de persuasão de um canceriano manipulador, com certeza eles falariam “porra! que filme fantástico, eu me pareço demais com a protagonista”. E não é privilégio nenhum se parecer com Frances, a protagonista, afinal ela é tudo que os jovens comuns são, no bom e no mal sentido. O filme é sobre uma jovem, mas não essas jovens que a gente tá acostumado a ver nas histórias de hollywood cheias de qualidades, que nunca falham. Frances Ha é sobre algúem de 26 anos que mesmo com as cobranças do mundo ainda não se encontrou. A história retrata com humor e delicadeza a frustração das expectativas. Trata da vida das pessoas comuns, dessa gente como a gente, que não é nada além de um ser humano mediano, e como tal, cultiva hábitos nada saudáveis e está em constante conflito com o mundo externo e consigo mesma. Frances é dessa gente que fica bêbada, que leva fora de namorado, que corre atrás do sonho e por várias vezes fracassa, porque está nas regras da vida do ser humano mediano fracassar às vezes. 11
As horas que passava assistindo filme, faziam eu sentir como se esbarrasse em mim mesmo, foi como despertar para dentro, como se encontrar no mundo e reconhecer-se como Frances e perceber que todos a minha volta são Frances também, cheios de conflitos e que no fundo não sabem a menor ideia do que estão fazendo com a vida, e de modo algum isso é triste, porque o mundo das incertezas é também o mundo das possibilidades.
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MARTELADA NOS DEDOS Quando as coisas não vão muito bem costumo lembrar da minha infância, talvez numa tentativa inconsciente de buscar momentos que expliquem meu atual estado de espírito. Numa dessas tardes melancólicas em que o sentimento de nostalgia é inevitável, comecei a lembrar de quando ainda morava com meus pais e de como minha mãe adorava fazer reformas na nossa velha casa de madeira. Reformas que iam desde a troca de uma porta a demolição e construção de novas paredes. Meu pai, que era o encarregado por todas as obras, quase nunca concordava com as mudanças, mas sempre acatava as vontades de minha mãe, não sei se pôr a amar demais ou apenas para evitar brigas, ele odeia qualquer tipo de discussão. Toda a calmaria e paciência que eu acredito ter, certamente herdei do meu pai. Uma vez, minha mãe cismou que queria uma varanda maior pois a que tínhamos, segundo ela, não era suficiente para acomodar visitas e tomar um bom café. Meu pai como de costume cedeu e aceitou ampliar a varanda e na mesma semana começou a reforma. Eu que de costume apenas o observava trabalhar, dessa vez quis ajudar... queria olhar para a fachada da casa e saber que ali tinha a minha contribuição. Comecei a pregar tabuas nos lugares que me haviam sido indicado, era uma sensação indescritível ver os pregos entrando entre a madeira e de repente ver a construção ganhando forma, com certeza eu estava muito empolgado, e decidi ali mesmo que iria ser engenheiro (eu queria mesmo era ser carpinteiro mas minha mãe certamente acharia a profissão insuficiente pra mim), mas não deu nem tempo eu pensar na minha promissora carreira na construção civil, em um mísero momento de descuido o martelo que eu estava usando acertou em cheio meu dedo polegar. A dor foi imensa, porém tentei segurar ao máximo o choro. Não queria que meu pai me visse chorando, ele acharia que eu era fraco e não não me convidaria nunca mais ajudá-lo. Mas era tarde demais... as lágrimas já estavam escorrendo pelos meus olhos, aquela 13
martelada era mais do que eu podia suportar. Já estava preparado para um sermão quando enxuguei as lágrimas e me deparei com meu pai sorrindo. Eu não sabia o que aquele sorriso significava, mas com certeza era melhor do que ouvir uma bronca. Então ele pegou meu dedo, deu alguns sopros e disse que ficaria tudo bem. Fomos almoçar, ao retornar, decidi que voltaria a ficar só observando. Durante algum tempo achei que marteladas nos dedos fossem a pior dor que poderia sentir, mas depois daquele episódio a vida tem me mostrado que a gente pode suportar muito mais. De lá para cá já quebrei um braço, um pé, a cara, a alma... por incrível que pareça almas também podem fraturar. Já me apaixonei, criei expectativas, me decepcionei, senti saudades, perdi oportunidades e perdi amigos. E essas coisas doem tanto ou mais que uma martelada no polegar e dói mais ainda saber que nenhuma delas vai passar com alguns sopros do meu pai.
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GAIA SAETRE
Acriana dramática, t o t a l m e n t e e s c o r p i a n a , manipuladora e chata. Amo música e sei sincronizar músicas que estão tocando em dispositivos diferentes.
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PRESIDENTE MIAU Em mais uma noite comum na Ufac, eu e meus amigos estávamos sentados, na beira da calçada, fumando cigarros pra passar o tempo, cada um com celular na mão, envolvidos e entretidos nas “vidas sociais digitais” das pessoas bem-sucedidas do Instagram. Já se tornou costume da gente se reunir pra apenas ficar um ao lado do outro, com o aparelho móvel nos impedindo de termos uma conversa. Acho muito estranho isso, mas ao mesmo tempo fico com a sensação de que não estou sozinha e que é melhor ter eles ali calados, do que nem ter eles. É triste saber que os meus amigos não conversam comigo, eles não sabem do meu cotidiano e nem do que acontecem no meu dia, assim como eu não sei a vida deles. Mas a gente se vê basicamente todos os dias, como pode a gente ser tão distante, mesmo tendo contato 25 dias por mês? a culpa é minha, do mal do século ou dos nossos pais? Por que tudo hoje em dia é culpa deles não é mesmo? Mas ontem foi muito engraçado o que aconteceu. O nosso silencio foi quebrado por uma criança que repentinamente se atreveu a entrar na nossa roda e perguntar: - Você tem um gatu moça? A gente ficou olhando pra o rosto da criança, meio que sem entender o que estava acontecendo, até porque a dicção dela era péssima, eu fiz um esforço danado pra entender o que ela estava falando. E mesmo a gente estando sem reação e com uma cara de espanto, devido uma criança que teve o atrevimento de quebrar o silêncio da vida cotidiana dos cansados jovens academicos, ela não se preocupou com a nossa resposta, ela só queria conversar. - Pois é... Sabia que o meu gato fugiu? Correu pra rua e o meu pai não conseguiu pegar de volta... Ela queria que a gente falasse, então entrei na onda da criança: - Poxa vida, que pena ele ter fugido... e qual era o nome dele? - PRESIDENTE MIAU!!! 16
- Como é que é? – perguntei sem acreditar no que ele falava. - O nome dele era Presidente Miau! Repetiu o menino. O inesperado se tornou incrível, a criança era um gênio, e eu não conseguia disfarçar a minha cara de admiração por aquele garoto. Fiquei imaginando se ele sabia da dimensão das coisas que ele estava falando pra gente. Como pode um guri de no máximo 6 anos de idade, romper a tranquilidade dos jovens modernos? Começamos a rir da situação e apesar disso, a criança não sentiu vergonha e logo soltou uma perola: - Sabia que o frio, é o ar gelado que sai da boca? Não deu outra, se não uma série de gargalhadas de todos. Aquele momento icônico promovido pela criança. Um marco no meu segundo semestre de 2019. A criança continuou nos divertindo, até a sua tia pedir que ele parasse de nos “encher o saco”, para voltar pra casa. Enquanto ele ia embora, comecei a pensar. Será que os pais o incentivam ser assim, ou ele já nasceu comunicativo? Fico muito impressionada com crianças comunicativas, talvez seja pelo fato de eu ter sido reprimida na infância, que até hoje refletem nas minhas relações. Ainda mais, pelo menos no meu ambiente de crescimento, crianças não tinham escolhas, nem desejo e quem dirá a fala. Ao encontrar pessoinhas assim, que me deixam tão feliz em saber que talvez o mundo esteja mudando pra melhor. Que possivelmente, as pessoas serão mais comunicativas e não se limitem a dizer o que sentem. Ainda mais com as pessoas que gostam, com os seus pais, amigos, seus companheiros... Otimista demais por pensar no futuro assim, pelo menos espero que todos tenham um momento “Presidente MIAU” na vida.
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AMORIM ALMEIDA
Taurina com ascendente em Áries, impopular e imemorável com grande potencial em opinar. O intuito de apresentar o cérebro da autora com desleixos conectivos será concluído com sucesso após o término do capítulo que virá a seguir.
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VESTIDO
Eu não tenho local de fala, mas começou assim...
Estava feliz igual como quem ganha na loteria, ou como quem ANETROPIA consegue uma casa nova num desses programas de televisão que gostam de exibir a pobreza humana. As pessoas não têm como comprar uma casa, alguém resolve fazer um quadro novo na tv e as presenteiam com uma casa nova. Então o pai de família agradece, e com certeza alguns meses depois ele não consegue mais sustentar aquela moradia. Ai fiquei triste. Na verdade, anteriormente eu estava feliz só porque consegui comprar um vestido brilhoso para ir à uma formatura, que está a um dia de acontecer. Mas aconteceu de novo: fiquei triste por lembrar que o vestido foi caro, o evento vai acabar daqui dois dias, e alguém que ganhou uma casa está com preocupações maiores do que pensar em vestidos. Então me concentrei em ficar feliz e repetidamente repetia Taurina comficaascendente Áries, um repetimento insistente: ‘’fica feliz, feliz, fica feliz’’.em Quando me impopular e imemorável granconcentrava em pensar que o evento ia ser bombástico,com acabava pende dele. potencial opinar. O intuito sando também no fim E quandoem pensava que iam comentar de socérebro da autora com bre a minha peça deapresentar roupa brilhosa,olembrava-se da minha felicidade será cessada em relação desleixos aos programasconectivos de televisão. Cara, queconcluído loucura! com sucesso após o término do capítulo seguir. nada, né? Peguei Então eu fingi queque não virá estava a acontecendo meu vestido, minha nota fiscal, e sai da loja. Triste e feliz, numa montanha russa infernal. Funcionou assim: andei por todas as lojas do shopping, a procura de um maldito vestido brilhoso. Não queria que ele fosse de lantejoulas, nem de strass, mas queria que ele tivesse o brilho do tecido. Não sei explicar. Olhava para a minha compra feliz, pois tinham brilhos muito brilhantes de uma brilhagem que não acabava mais. Havia rodado muitas lojas daquele shopping, e então achei esse do qual falo.
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Mas foi ai que aconteceu: no final do corredor, na última loja possível do shopping que eu ainda não tinha ido, entre alguns cabides de calças horrendas, vi uma coisa. Não conseguia acreditar e então cheguei perto daquelas peças de roupas feias e afastei todas elas, até ver o que meus olhos não quiseram ver, mas viram. Um vestido muito mais bonito do que aquele a qual tomou grande parte do meu dinheiro, e este custava muito menos. Nem sei explicar como me senti. Um ódio muito gigantesco dentro do meu peito. A única coisa que pude fazer foi sentir esse ódio, e fui sentido da hora que pisei na primeira lajota depois de me afastar daquele belíssimo vestido que não era meu, até sair dali, da maldita última loja do corredor, e chegar em casa. Até chegar na sala, e até chegar no quarto. E lembrar que tenho uma casa e a única coisa que pensava eram em peças de roupa de adolescente. Vesti meu outro vestido menos feio e mais caro, e estava me sentindo bonita, mas não como me sentiria se vestisse o outro. Fiquei pensando em como minha felicidade virou tristeza, e minha tristeza virou ódio, e depois fiquei tranquila. No final das contas, faltavam então algumas horas para a festa. Tinha que dormir logo para acordar cedo, fazer o cabelo e o resto das coisas que me deixam bonita. Não tinha contas de casa nova para me preocupar.
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FOI AQUI QUE APRENDI QUE REALMENTE NÃO TENHO LOCAL DE FALA: Bom, se você quer saber, acordei aparentemente horrível. Meu cabelo estava ressecado, minha unha do dedão do pé encravou, e estava com uma aparência de quem sofre muito na vida, com uma olheira de universitário que não estudou durante o curso, ficou de final, e leu a noite toda o conteúdo da prova. Mas não tão feia ao ponto de que um dia de beleza não salvasse. Passei muitas horas no banho com direito a um spa, cuidei do cabelo, da pele, do rosto e tudo mais. Passei o dia inteiro buscando incansavelmente me sentir bonita, até me sentir mais ou menos. Agora a pouco faltava um dia para o role, e já faltam três horas. A única coisa que fiz o dia inteiro foi tentar ficar aceitável na frente das pessoas, usando meu vestido substituto. Então já estava pronta. As unhas estavam pintadas de vermelho, o cabelo estava encaracolado desde a raiz, e o vestido estava brilhando. Me sentia bonita e feliz, então comecei a pensar em coisas legais. Estava vindo me buscar o homem de quem gosto, que não foi arranjado por um programa de televisão que expõe as pessoas carentes e arranja um namorado para elas. Quando chegou, ele me deu um beijo e elogiou o vestido, e aquele elogio me fez esquecer que haviam outros vestidos bonitos. Você lembra de algum vestido melhor que o meu? Eu não. Na festa, estavam todas as mesas decoradas com lâmpadas de cores diferentes, e também uma bela coleção de pratos, talheres e copos na cor rosa-ouro. É uma cor bem bonita. Fora isso, tinha um banquete de frutas e petiscos que pareciam apetitosos. Nosso investimento na comemoração valeu a pena, pelo menos pela decoração e serviços. A gente não estava tendo gastos de dinheiro com casas novas presenteadas. Que privilégio.
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Estava comendo todas aquelas gostosuras e também estava bebendo igual uma desesperada. Meu namorado chegou a esconder o penúltimo copo de vodca que bebi essa noite. A felicidade tomava conta de mim, pois tinha companhia, comida e bebida. Uma imensa libido passava pelo meu corpo e depois cessava quando eu lembrava que tinha tudo que um programa de televisão acha legal entregar para alguém, e era exatamente algo que ela não poderia ter para sempre.
E então quis vomitar.
Quando percebi, estava no banheiro com meus cabelos nas mãos do meu comparsa. Havia muito barulho, e precisei me concentrar em apenas botar tudo pra fora para poder passar aquele mal estar. Mas eu não parava de vomitar. Tudo com cheiro de podre, meu cabelo, meu namorado, meu vestido de segunda mão e o chão do banheiro. A única coisa que eu torcia era para chegar em casa e poder desfrutar do meu porre sozinha. O restante da festa foi até o outro dia de manhã, e acabou quando estávamos eu e mais cinco pessoas descalças na calçada esperando a nossa carona. E então comecei a refletir a minha felicidade instável. Que saco. Tive alguns reflexos de alegria, onde achei realmente estar feliz, mas no final das contas poderia ser só algo da minha cabeça. Isso não era o suficiente. Quando cheguei em casa, que pude tirar toda a maquiagem e também meu vestido de quinta, começaram os pensamentos de insuficiência. Aquele maldito vestido no cabide estava me invocando, e a importância que dei para ele também. Igual como as vezes que priorizei algumas compras básicas que rapidamente não eram mais necessárias. Aliás, por que bebi tanto assim, se só me recordaria das coisas que ficariam na minha mente enquanto estive sóbria? E então lembrei que os programas de televisão gostam de nos mostrar que as pessoas pobres bebem para esquecer seus problemas, 23
e trazem aquelas entrevistas de superação.
FOI AQUI QUE SENTI NA PELE QUE REALMENTE NÃO TENHO LOCAL DE FALA. Quando acordei, me sentia feliz. O que passava pela minha cabeça das ocorrências da festa eram só coisas boas, e mesmo com o meu porre do qual só me lembro de ter vomitado, recordei como uma lembrança boa. Tomei meu café e tive um belo descanso pela manhã, mas quando fui escovar os dentes, puxei a portinha para pegar a escova de dente no armário suspenso e quando fui fechar, tomei um susto com o que vi no espelho. Estava igual como todos os dias, e seguindo a rotina de sempre. Não tinha mais nada de emocionante para acontecer e precisava suprir aquilo. E então liguei para meu namorado, perguntando se poderíamos fazer algo. 24
Podemos ir ao clube. Podemos ir ao shopping. Podemos simplesmente passear pela praça. Me preparando para sair, abri o armário e vi o vestido. Pensei então nas possibilidades de usá-lo. Não usaria de novo em uma nova festa. Não usaria para ir ao clube. Não usaria para ir ao shopping. Não usaria para passear pela praça.
O vestido não foi o ápice do momento que tive.
Fui para a praça com uma roupa comum, tive um dia bom, mas não estava com dinheiro o suficiente para aproveitar o momento e gastar com comidas ou programas legais. Isto porque, infelizmente... Eu gastei meu dinheiro para comprar aquele maldito vestido.
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E fui assistir televisão.
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DEYLON FELIX
Livre, leve e em paz. Ainda acredita no amor e a cor laranja ĂŠ minha favorita. Uma melancia alegra o meu dia. Sei que um dia ainda vou ser muito feliz. Por enquanto levo a vida na tranquilidade. Positividade sempre
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SEU SORRISO Incrível como o mundo está cada vez mai s se tornando conectado. Um tempinho atrás um homem pré histórico descobriu o fogo, outro inventou a roda, depois outro o avião. Agora temos várias tecnologias que nos aproximam de tudo, é possivel até ver ou conversar com alguém que está do outro lado do mundo. O avanço tecnológico em nosso mundo também me permitiu viver momentos super importantes na minha vida. Há um tempo atrás estava voltando da minha faculdade, pouco mais de 23 horas, um horário desse que é completamente diferente de todos os outros estados do meu país. Duas horas, as vezes três, dependendo do horário de verão, a menos do que o da capital do Brasil. Como de costume, após pegar dois ônibus, vindo sempre escutando minha playlist de músicas super dançantes e outras bem tristes, chego em casa e deitado no sofá, descansando um pouco da viagem entediante. Aproveito para olhar as minhas redes sociais e após vários vídeos e fotos curtidas, aparece uma lista com várias pessoas a qual eu poderia adicionar como amigos. Nesse quesito, essa é a área a qual eu nunca tenho interesse, mas a primeira pessoa me chamou muito a atenção. No perfil encontrado tinha várias informações, esta pessoa era um professor, estava em outra graduação, tinha amizades em comum comigo, mas o que mais me chamou a atenção foi aquele sorriso nem um pouco vergonhoso. Coisas nessas vidas que me deixam super felizes são bolo de chocolate, banho de chuva, música e ver o sorriso daqueles que eu amo. E aquele sorriso logo de primeira me mostrou que muito da minha vida iria mudar depois que ele tivesse presente nos meu dias. O convite foi enviado e não muito tempo depois aceito. Algumas fotos daquele rapaz que morava em uma cidade a 1.527 km distante da minha, foram marcadas com um coração para ver se conseguia chamar a sua atenção, mas nada funcionou. As 9 horas da manhã de um domingo, 24 de março, eu preci28
sava perder a vergonha que estava, pois a vontade de conhecer ele era ainda maior. Então escrevi um “Oi” em sua caixa de mensagem, e esperei uns 15 minutos até conseguir enviar. Depois desse dia consegui ter na minha vida a pessoa mais inteligente, respeitosa, alegre, meiga e sensível que conheci. Todos os dias trocávamos mensagens, fotografias de coisas que fazíamos, as minhas como sempre eram de festas ou bebidas alcoólicas e as deles era de livros que estava lendo, apostilas, ou planos de aulas, mas o melhor de tudo era passar horas nos falando por vídeos chamadas. Não importava como eu estava, preocupado, feliz, triste, bonito ou feio, sempre tinha espaço no meu dia que eu podia ficar olhando mesmo que através da tela de um telefone celular, para aquele garoto com o sorriso mais lindo, cheio de piadas sem graça, mas além de tudo isso conseguir enxergar o quão bom ele é por dentro. Todo o sentimento que crescia dentro de mim, só me deram a certeza que ele podia ficar o tempo máximo possível, pois tudo aquilo estava me fazendo muito bem. Desde as primeiras conversas e ainda mais depois de conhecê-lo, sempre quis na minha vida, olhando para o meu fracasso de relacionamentos amorosos passados, que com ele tudo seria diferente, com ele eu realmente iria saber o que era amar e ser amado, todos os nossos planos poderiam ser encaixados e que ficaríamos juntos. Mas aquele homem o qual eu vi tudo o que sempre quis em outra pessoa, não estava nem um pouco perto de mim. Para ele isso também estava claro, nossas condições, familiares, deveres nos lugares que moramos, nos impediam de viajar pra cidade um do outro. Mas a clareza nos detalhes sempre me fizeram demonstrar o quanto eu quero ele, o quanto tudo seria perfeito se estivéssemos juntos, tudo o que sempre sonhei em compartilhar ao lado de alguém seria juntos. Nada nessa vida é por acaso. Mesmo com a distância, continuo acreditando que vamos nos encontrar e sermos um do outro. Por isso Leandro Dias, seu sorriso me fez te querer por perto e seu grande coração me deu a certeza de que preciso de você na minha 29
vida. Que o destino, que um dia permitiu o homem se aquecer com o fogo, andar com mais velocidade por causa de uma roda e voar em todo o cĂŠu desse mundo, nos coloque juntos.
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BRUNA MENDONร A
Ariana do bem. Fotรณgrafa que estuda ser documentarista. Ama a fotografia preto e branco, pintura em aquarela e quando estรก inspirada, uns rock pesado juntos de umas cervejas.
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AQUELE CINTO Essa história aconteceu com um casal de amigos cariocas que fiz quando morei uma época no Rio de Janeiro, Luís e Ana. BRUNA Faziam MENDONÇA dois anos que esse casal de amigos meus estavam desempregados. Me lembro que o carro, os terrenos e outros bens já haviam sido vendidos. Do Leblon, mudaram-se para dentro do Vidigal. Um dia, conversando comigo, Luís me disse que não sabia mais o que fazer. Não tinha ânimo sequer para fazer um currículo, sair de casa e procurar um emprego. Diferente de sua mulher, que olhava incansavelmente o Correio Braziliense à procura de vagas de emprego. Saía às 8 da matina, voltava perto das 18 da tarde. Nada. Nenhuma vaga. Em nenhuma das zonas. Ariana do bem. Fotógrafa que estu Após anos trabalhando em cargos comissionados da prefeitura da ser documentarista. Ama a fotodo Rio de Janeiro, eles perderam seus empregos e entraram no choque grafia preto e branco, pintura em aquarela e quando está inspirada, de realidade, da desigualdade que existe no país. Muita concorrência. uns rock pesado juntos de umas cerMetrô lotado que vai e vem, jovens e adultos a procura de uma oportuvejas. nidade. Salvo os que não optam pela criminalidade. Luís, principalmente, nesses seus dois anos desempregado saiu de sua bolha social e, com o tempo em casa, sem ter como arcar com a vida boa que levava com altos salários do dinheiro público, desenvolveu uma imensa depressão. Ana, próximo do aniversário do marido, enquanto andávamos por Madureira espalhando currículo, achamos um estoque de cintos. Eu, sabendo das dificuldades, sugeri levar um de presente. Por que não? Sempre pensei que o que valesse seria a intenção. Eu sabia da situação 32
financeira de casa e que Luís não estava bem. Levamos o azul marinho, cor na qual ele gostava. Como a cor do mar. Chegando em casa, a surpresa: o que ele ia fazer com um cinto? Mal tinha roupa para usar, quanto mais roupas que combinasse com um cinto azul marinho social. Não lembrava a última vez que tinha usado um traje esporte fino. Acredito eu, que ele fingiu felicidade e agradeceu. À noite, por algum motivo, Luís me ligou. Demorou a dormir. Agradeceu pela sugestão do cinto azul marinho. Me falou sobre tudo o que acontecia na sua vida. Não sabia o que fazer. Não conseguia mais sair da cama. Contas altas, mensalidades atrasadas, dívidas no cartão de crédito e três consignados para pagar. Mas também disse que estava motivado e não iria desistir. Acreditei nele. Dei boa noite e disse para se preparar para o outro dia. E nesse outro dia, a matriarca foi fazer o que já era de costume. Chegou em casa por volta de 11 da manhã, cheia de alegria. “ - Luís, Luís! Consegui um emprego, finalm...” Ela o encontrou no banheiro, com o cinto em mãos, prestes a colocar no pescoço.
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SOBRE OS AUTORES Andreana Lucas e Souza – Ex estudante de arquitetura, nasceu em Rio Branco (AC) em 1995 e cursa jornalismo na tentativa de encontrar outro curso melhor. Ama música e tudo relacionado ao mundo pop gay. Anieli Amorim Almeida - Nascida em Porto Velho (RO) mas reside em Rio Branco (AC) há dezessete anos. Estudante de Jornalismo, escritora de blog desde os quatorze anos de idade. Bruna Mendes Mendonça – Nascida em Porto Velho (RO), mas reside há 20 anos na capital do Acre. Estudante de Jornalismo, fotógrafa documental e de shows, e atualmente também estuda Pintura em Aquarela na Usina de Artes João Donato. Deylon Félix - 25 anos, o mais velho do grupo, acreano e cursando Jornalismo, tentando sua segunda graduação. Experimento ser desenhista e sou muito bom com as palavras; Hudson Menezes Castelo Branco – Acreano de 21 anos, estudante de jornalismo pela Universidade Federal do Acre, escreve contos e poesias desde os 10 anos influenciado pela família de professores de literatura.
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