tucunduba Arte e Cultura em Revista
tucunduba tucunduba Arte e Cultura em Revista Universidade Federal do Parรก 2015 n.5 ISSN 2178-4558
Arte e Cultura em Revista Universidade Federal do Parรก 2016 n.5 ISSN 2178-4558
MEMBROS DO CONSELHO E DO COMITÊ EDITORIAL DA REVISTA TUCUNDUBA
COMITÊ EDITORIAL Fernando Arthur de Freitas Neves (PROEX) Leonardo José Araujo Coelho de Souza (DAC/PROEX) José Maia Bezerra Neto (DAIE/PROEX) Mauro Veloso (DPP/PROEX) Celson Henrique Sousa Gomes (PROEX/ICA) CONSELHO EDITORIAL Leonardo José Araujo Coelho de Souza (DAC/PROEX) Adriana Clairefont Melo Couceiro (EMUFPA/ICA) João de Castro Ribeiro (DAC/PROEX) ORGANIZADORAS Liliam Barros (ICA) Sonia Chada (ICA) FOTO DA CAPA, ILUSTRAÇÕES E EDITORAÇÃO Dayanne Eguchi (DAC/PROEX)
tucunduba Arte e Cultura em Revista 2016 número 5
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Ana Lúcia Oliveira (DAIE/PROEX) Deivid Teixeira dos Santos (DAC/PROEX) Ednalva Sabá (DAC/PROEX) Josilane Moreira Lopes (DAC/PROEX) Kátia Limão (DAC/PROEX) Robson Silva (DAIE/PROEX) COLABORADORES REVISÃO DE TEXTO Dalielson Mendes Moreira Débora Souto da Costa (DAIE/PROEX) Heliny da Silva Nogueira (DPP/PROEX) Tatiany Natividade dos Reis (DPP/PROEX) IMPRESSA NA GRÁFICA DA UFPA Exemplares desta publicação podem ser solicitados à Diretoria de Apoio Cultural DAC/PROEX/UFPA Av. Augusto Correa, 01 Campus Universitário do Guamá Prédio da Reitoria, 2º andar. CEP 667590, Belém - Pará - Brasil FALE CONOSCO Fone: (91) 3201-8008 / Fax: (91) 3201-7260 dacproex@gmail.com
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ REITOR Carlos Edilson de Almeida Maneschy VICE-REITOR Horácio Schneider PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO Fernando Arthur de Freitas Neves DIRETOR DE ASSISTÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ESTUDANTIL José Maia Bezerra Neto DIRETOR DE PROGRAMAS E PROJETOS DE EXTENSÃO Mauro José Guerreiro Veloso DIRETOR DE APOIO CULTURAL Leonardo José Araújo Coelho de Souza
Sumário 04
Encontro de Saberes
12
Boi-Bumbá em Belém
20
Pássaro Junino Tucano no Projeto Encontro de Saberes
28
Saberes e Fazeres
34
Oficina Diversidade e Diferença Ministrada pelo Mestre Tixnair Tembé
42
Boi-Bumbá Estrela D’alva:
50
O Pássaro Junino Tucano
56
O Grupo Sancari do Bairro da Pedreira
Uma experiência de ensino e aprendizagem no Curso de Licenciatura em Música e no Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará
Tradição e resistência que vem de longe...
Oficina de construção de instrumentos do carimbó
Conhecimento tradicional na academia
Carimbó do Interior para a Capital do Pará
64
Encontro de Saberes: Diversidade e Diferença A Música da Etnia Tembé
76
Projeto Encontro de Saberes - BoiBumbá “Estrela D´Alva”
90
Encontro de Saberes: Vivêcias no Cordão de Pássaros no Programa de Pós-graduação em Artes da Universidade Federal do Pará
100
Do Estranhamento à Reflexão:
112
A cultura e a música do povo Tembé
Uma análise a partir do Encontro de Saberes com o Mestre Lucas Bragança do grupo de Carimbó Sancari.
Especial ENCONTRO DE SABERES O Projeto Encontro de Saberes, do Instituto de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino e na Pesquisa, da Universidade de Brasília, em parceria com o Curso de Licenciatura em Música e o Programa de Pós-Graduação em Artes, da Universidade Federal do Pará, propiciou o diálogo entre saberes de mestres de música tradicional e a etnografia/ estudos culturais/ etnomusicologia/ sociologia da música, aos alunos dos referidos cursos. A partir da experiência de transmissão de conhecimento dos mestres e com base na reflexão sobre a diversidade de práticas musicais existentes na cidade de Belém-Pará, além do impacto no processo de formação do licenciado e do mestre em música, foi possível vivenciar uma experiência de inovação metodológica. O objetivo foi o de propiciar um espaço de experimentação pedagógica e epistêmica capaz de inspirar resgates de saberes tradicionais e com eles promover inovações e fornecer subsídios teóricos e práticos para o desenvolvimento de pesquisas em música, importante na formação de professores de música na medida em que promove reflexão sobre as relações entre música, sociedade e cultura.
Experiência do Encontro de Saberes no programa de Pós-graduação do Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará
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APRESENTAÇÃO O estudo da música na UFPA tem sido praticado já há muitas décadas, inicialmente com um formato institucional do Serviço de Atividades Musicais – SAM, para posteriormente ser formatado na Escola de Música para atender a formação inicial e técnica. Porém, as requisições para ser instalado nos quadros de um currículo de graduação em música, completando um circuito do magistério nesta linguagem artística, foram conquistadas somente no século XXI. O corpo de Professores e pesquisadores em música esteve à frente de amalgamar a cultura de diferentes saberes, como uma experiência de ensino e aprendizagem envolvendo as discussões da pósgraduação em artes juntamente com a graduação em música. Se anteriormente os estudos de música tiveram um contínuo sem a intervenção do estatuto acadêmico da universidade, a partir da constituição da graduação em música, as formas tradicionais passaram a ser revisitadas com mais afinco, e delas sendo extraídas uma multiplicidade de trilhas de pesquisa para compor uma elástica enciclopédia sobre a incorporação da música no tecido acadêmico, dissecando as qualidades dos instrumentos musicais, dos músicos, das escolas de música, da plateia e porque não dizer de uma crítica sobre a relevância da música em diálogo com outras linguagens. As associações da música com outras linguagens artísticas forneceram mais territórios para serem agregados ao campo de pesquisa, como encerra em único espetáculo o teatro, a dança, a música, o canto, o cenário, a pintura e outras mais, no intuito de efetivar a expressão artística como uma apoteose. Com efeito, o Boi-Bumbá em Belém narra desde os figurinos até a apresentação de um processo de resistência cultural, pelo qual atores firmam uma postura pela manifestação do cultivo da tradição, dispondo-se, inclusive, a confrontar a polícia para não perderem seu direito de expressão. As elites conseguiram circunscrever as manifestações às periferias da cidade, alegando as desordens por causa dos conflitos, quando grupos rivais de bois se defrontavam. Entretanto, a manifestação cultural não desapareceu, continuou a significar sua presença no imaginário simbólico, como facilmente é percebido nas festas juninas, embora não se restrinja exclusivamente à essa efeméride. Mas devemos reconhecer uma vitória das elites, quando estas conseguiram folclorizar essa expressão, como se manifesta nos festivais e concursos no período junino. Um rito de morte e ressurreição do boi é encenado em volta dos valores de uso ao serem aprendidos pela necessidade de manutenção de uma estrutura e de uma metafísica, como prevê a lenda. Uma vez satisfeito esse valor de uso, há de ser restituída a ordem cósmica, conforme foram ensinadas pelos Mestres que zelam pela realização do Boi-Bumbá. De modo semelhante, o Pássaro Junino Tucano representa um cordão no qual se ligam enredo, música, cenário e figurino sobre a guia de um Guardião, que é, a exemplo do Mestre de Boi-Bumbá, quem lidera a obra de arte em suas apresentações. Na oportunidade oferecida pela UFPA, os membros do Pássaro Junino, particularmente, a Guardiã, galgaram mais um posto de reconhecimento dos saberes tradicionais, pois lhes foram outorgadas a qualidade de docentes enquanto ministravam essas oficinas. Modelar os fazeres e saberes na prática de confeccionar os instrumentos musicais utilizados no carimbó foi uma ação correlata desenvolvida no âmbito do território da Universidade, tendo na mesma um Mestre de Carimbó que promoveu junto aos alunos da graduação uma iniciação na própria musicalidade da dança e em sua arte de construir instrumentos como o curimbó e maracás. Confeccionar os instrumentos bem como saber tocá-los coroou o empreendimento cultural, ao mesmo tempo em que promoveu o fomento à discussão sobre patrimônio, identidade, e política pública. Sob o manto da diversidade e diferença, a cultura Tembé conquistou uma ambiência na universidade ao ser ministrado um panorama das experiências vividas pela tribo com a história do povo e suas tradições; tanto quanto as explicações sobre os signos de fauna e flora presentes e recriados no quotidiano daqueles que vivem a cultura Tembé sob o território do Alto Guamá. Apoiando-se nos recursos dos utensílios de cultura material do acervo do Museu Emilio Goeldi, foi exercitada a exegese Tembé sobre
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a sua concepção de mundo. Fundindo passado e presente, a retomada do povo Tembé pelo seu próprio destino foi indicada pela afirmação do direito às terras ancestrais como a forma inicial de valorização da cultura sobre o território. Uma oficina realizada na UFPA permitiu um contato dos alunos e professores com essa experiência de perceber o mundo através de cantos entoados do acordar ao dormir, revestidos pela ecologia do lugar. O Boi-Bumbá Estrela D’Alva também trilhou o território universitário ao compartilhar histórias de como mantém ativo o patrimônio histórico do Boi-Bumbá. As finanças para o sustento dessa ópera popular são assentadas na colaboração da família do Mestre e complementado com recursos públicos, sobretudo da Fundação Cultural de Belém; contudo, a saga para suprir as necessidades do grupo sempre envolveram uma dura lida. Por isso, devemos estar atentos para a situação compartilhada por todos os outros grupos e coletivos culturais quando enfrentam a questão de encontrar provisões, na maioria das vezes muito inconstantes. O público pouco se pergunta sobre os significados dessa obra de arte. Já os brincantes não vacilam em testemunhar a característica de preservação da manifestação tanto quanto da identidade familiar e local das mesmas. As inovações no corpo das tradições culturais são uma evidência inscrita nas marcações e libretos desses legados populares, ou ainda, a noção de aversão a adotar outra configuração não espelha a realidade. A incorporação de um corpo de balé como é atestado na atual encenação do Pássaro Junino Tucano demonstra a vitalidade da cultura popular em estabelecer dinâmicas de troca e assimilar aquilo até então estranho. A experiência do Grupo Sancari e suas interpretações sobre o antigo e o moderno no Carimbó são uma reflexão sobre as raízes culturais nas quais está imerso o grupo, como assinala o temário dos pescadores como a praia, o mar, o rio, os seres encantados, o mundo natural e o sobrenatural sendo mediados pela dança, tanto quanto sofrem pelas maresias das lutas pelo reconhecimento do ritmo como Patrimônio Cultural Brasileiro. Esta luta mobilizou diversos grupos e gerou, por parte deles, um inventário sobre as suas tradições e seus usos. O Sancari reflete a tensão da valorização da identidade cultural, reconhecendo as dificuldades da profissionalização em torno do carimbó devido ao pouco apoio fornecido pela esfera pública, enquanto na esfera privada apenas alguns poucos conseguem emplacar alguma participação de relevo na indústria fonográfica. O processo de formação dos alunos da universidade nos contatos com os Mestres da Cultura propiciou o reconhecimento de um gradiente de conceitos dos saberes ilustrados com seus respectivos espelhos em outras culturas, como fica patente nas análises de afinação, ritmo e melodia, tanto quanto a imersão no imaginário de arte e fazer artístico desafiam nossa compreensão sobre os termos explicativos canonizados pela nossa sociedade letrada e pelo nosso sentido de estética. Há ainda um conhecimento mais especializado do qual o encontro de saberes se beneficia ao transpor para as partituras os ritmos executados por essas expressões culturais. A culminância desses espetáculos evoca todas as forças criativas da tradição ao reportarem as vivências e lembranças de tempos e espaços da sociedade tradicional, do mundo rural, das relações homem-natureza, bem como das relações de poder e de lutas de classes. Esta iniciativa de um número especial focando o encontro dos saberes é uma oportunidade privilegiada para aprofundarmos a indissociabilidade entre Extensão, Ensino e Pesquisa. TUCUNDUBA ARTE E CULTURA EM REVISTA revela os nexos entre tradições e saberes escolares urdindo uma outra trama, ainda como matéria bruta a ser refinada pela metodologia de investigação e reflexão em torno da obra de arte e da manifestação da substância cultural. Fernando Arthur de Freitas Neves Pró-Reitor de Extensão da UFPA
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ENCONTRO DE SABERES Uma experiência de ensino e aprendizagem no Curso de Licenciatura em Música e no Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará José Jorge de Carvalho Liliam Barros Sonia Chada Jorgete Maria Portal Lago Paulo Murilo Guerreiro do Amaral Rosa Maria Mota da Silva Lohana Gomes
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INSTITUIÇÕES DE ENSINO DE MÚSICA EM BELÉM DO PARÁ/ AMAZÔNIA/ BRASIL A enorme diversidade musical da região amazônica dos tempos pré-coloniais deixa-se entrever a partir dos documentos coloniais e dos vestígios das civilizações que aqui viveram, a exemplo dos instrumentos musicais
das
sociedades
indígenas
Tapajônicas que habitaram a região do Rio Tapajós no período entre os séculos XIX e XX (GUAPINDAIA, 1993). Todavia, a instituição de práticas musicais de origem europeia foi introduzida ainda no período colonial, no século XIX, quando da chegada dos Padres da Companhia de Jesus (SALLES, 1980; BETTENDORF, 1990; BARROS, 2009). Segundo Lia Braga Vieira:
foi introduzida e firmada em Belém do Pará pelo europeu colonizador. A ele coube reproduzir, no novo espaço geográfico conquistado, as práticas culturais, entre as quais estava a música, como meio de assinalar a sua conquista. Ela foi ensinada pelos padres franciscanos, mercedários, carmelitas, capuchinhos da Piedade, jesuítas, por meio do canto gregoriano e com o auxílio de instrumentos medievais, como o órgão, o slatério, o pífano (flauta transversal), a gaita (flauta vertical), a charamela, a corneta e a rabeca. Alguns instrumentos renascentistas, como o cravo e a viola, também eram utilizados (2012, p. 163).
As Crônicas dos Padres da Companhia de Jesus (BETTENDORF, 1990) e o Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas, do Pe. João Daniel (1976) vez por outra se refere a contextos e práticas musicais de sociedades indígenas durante o período colonial, a partir do julgamento cristão e etnocêntrico.
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Desta forma, tais práticas musicais nunca
criada a Fundação Carlos Gomes e, em 1997,
foram vistas ou tidas como legítimas. Em
o Curso de Bacharelado em Música, numa
certo momento na Crônica dos Padres,
parceria entre a Universidade do Estado do
Bettendorf (1990) descreve a chegada dos
Pará e a Fundação Carlos Gomes, voltado
Aruans, antigos habitantes do arquipélago
para a formação de músicos instrumentistas
do Marajó, “pacificados” pelo Padre Antônio
especialistas em música erudita.
Vieira, que vieram com seus instrumentos
Em 1961 foi criado o Centro de Atividades
musicais e foram recebidos pelo Coro dos
Musicais – CAM, vinculado à Universidade
Frades Mercedários. Tal imagem fornece
Federal do Pará, depois denominado Serviço
uma visão das distintas práticas musicais do
de Atividades
período colonial e do processo de assimilação
Escola de Música da Universidade Federal
e sujeição das populações nativas da
do Pará, à qual o Curso de Licenciatura em
região. Da mesma forma, as práticas
Música é vinculado desde 2008, posto que
musicais afrodescendentes foram vistas
foi criado separadamente, em 1989 (PPC,
de forma negativizada durante o processo
2010). A Universidade do Estado do Pará e
colonizador. Salles (1980) e Lago (2006)
a Universidade Federal do Pará, ambas com
abordam notadamente a demonização e
os Cursos de Licenciatura em Música, são as
marginalização de práticas como o Boi-
instituições responsáveis pela formação de
Bumbá e o Carimbó.
professores de música na cidade de Belém
Musicais
e,
finalmente,
Continuando o processo de ocupação
do Pará. Este artigo aborda uma experiência
da região amazônica, durante o período da
pedagógica na formação de professores
Belle-Époque, ao mesmo tempo em que
na Universidade Federal do Pará a partir
inúmeras companhias líricas aportavam
da implementação do Projeto Encontro de
em Belém e partiam rumo a Manaus, foi
Saberes, coordenado pelo Instituto Nacional
construído o Teatro da Paz, em 1878, e
de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino
o Conservatório Carlos Gomes em 1895
e na Pesquisa da Universidade de Brasília, no
(SALLES, 2012). Ambas as instituições
âmbito da graduação e da Pós-Graduação em
coroavam o período rico da borracha na
Artes na UFPA.
Amazônia como expoentes máximos da música culta europeia (VIEIRA e SOUZA, 2013), que passou a fazer parte do cenário musical da região e que, até hoje, movimenta e dinamiza a cidade. Na primeira metade do século XX, ocorreu o fechamento do Conservatório Carlos Gomes e sua reabertura em 1929 (BARROS, 2012), ao mesmo tempo em que inúmeros cursos particulares de piano funcionavam nas casas de professoras de música (BARROS e MAIA, 2011). Em 1986 foi
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SABERES TRADICIONAIS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS O INCTI/UNB desenvolve ações de pesquisa
e
inclusão
pioneiras
através
do Projeto Encontro de Saberes, desde 2010, bem como participa ativamente de ações afirmativas de valorização dos saberes tradicionais dos mestres da cultura
popular. Este projeto está sendo replicado
de experimentar uma inovação pedagógica
na Universidade Federal de Minas Gerais,
na formação dos licenciandos e dos mestres
na Universidade Estadual do Ceará e na
em música e, ao mesmo tempo, reconhecer
Universidade Federal do Pará, congregando
e valorizar o conhecimento tradicional dos
a Rede Encontro de Saberes. Tal projeto está
mestres e mestras de música.
ligado aos grupos de pesquisa da Escola de Música da UFPA, quais sejam: Grupo de Pesquisa Música e Identidade na Amazônia – GPMIA e, Grupo de Estudos sobre a Música no Pará – GEMPA, responsáveis pelo andamento
ENCONTRO DE SABERES NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
do projeto através de suas líderes, Líliam Barros e Sonia Chada, respectivamente.
O Projeto Encontro de Saberes na
Para a ministração das disciplinas, foram
Universidade
convidados
assistentes
vinculado ao Curso de Licenciatura em
Jorgete Lago e Paulo Murilo Guerreiro do
Música, através da disciplina Sociologia da
Amaral, da Universidade do Estado do Pará
Música e, ao Programa de Pós-Graduação
(UEPA) e, Rosa Silva e Líliam Barros, da
em Artes, através da disciplina Seminários
Universidade Federal do Pará (EMUFPA).
Avançados III – Encontro de Saberes, com
os
professores
Federal
do
Pará
esteve
O objetivo do projeto foi o de incorporar
o objetivo de incluir os saberes tradicionais
os saberes tradicionais dos mestres de
de mestres de práticas musicais diversas da
música do Pará no Ensino Superior, com o
cidade de Belém. Para isso foram organizados
intuito de oportunizar uma visão abrangente
quatro módulos temáticos: 1. Música, Cultura
de música e a diversidade de práticas
e Sociedade, ministrado pelo mestre de
musicais ocorrentes em Belém. Tratou-se
Boi-Bumbá Alberto Melo e pela professora
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assistente Jorgete Lago; 2. Música, Cultura e
para a importância desta vivência para todas
Experiência, ministrado pela Mestra/Guardiã
as partes e para formação docente, além
de Pássaro Junino Tucano, Iracema Oliveira
de oportunizar a discussão de paradigmas
e pela professora assistente Rosa Silva; 3.
próprios da disciplina Etnomusicologia e
Saberes e Fazeres Musicais, ministrado pelo
Sociologia da Música que emergiram a partir
mestre Lucas Bragança, do Grupo de Carimbó
da fala dos mestres.
SANCARI, e pelo professor assistente Paulo
Na réplica do Projeto Encontro de
Murilo Guerreiro do Amaral e, 4. Diversidade
Saberes na UFPA, os alunos constantemente
e Diferença, ministrado pelo mestre indígena
são incentivados a interagir com os mestres
Tixnair Tembé e pela professora assistente
convidados e a participar das atividades
Líliam Barros.
por eles propostas, acreditando que essas
O planejamento interno de cada módulo
interações produzirão efeitos imediatos e,
foi feito pelos mestres e os professores
a médio e longo prazo, em sua formação
assistentes. Os mestres imprimiram sua
profissional. Assim sendo, para a avaliação
própria metodologia e maneira de ver/fazer
da disciplina foi considerada a participação
música, proporcionando uma expansão no
nos encontros e a produção de um texto
universo musical experimentado pelos alunos.
final abordando um dos mestres, sua prática
Cada módulo iniciava com dois seminários
musical e as questões por ele apontadas,
teóricos ministrados pelas coordenadoras
atividades dependentes da interação dos
do projeto na UFPA e responsáveis pelas
alunos com os mestres convidados.
disciplinas, Líliam Barros e Sonia Chada.
Um relato dos alunos do Curso de
Nestes módulos eram discutidos conceitos
Licenciatura Plena em Música nos mostra a
inerentes à disciplina e suas relações com
relevância desta experiência:
os temas trazidos pelos mestres. As aulas ministradas pelos mestres perfaziam duas semanas e culminavam com atividades práticas e musicais propostas pelos mestres.
OS SEMINÁRIOS DE AVALIAÇÃO Foram previstos três seminários de avaliação ao longo do projeto, com o objetivo de refletir sobre a experiência em curso e os procedimentos metodológicos. O Primeiro Seminário de Avaliação contou com a presença de alguns mestres e dos alunos e professores de ambos os cursos. Os relatos de todos os envolvidos no projeto apontavam
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O encontro dos saberes nos proporcionou a experiência de conhecer diferentes saberes musicais despertando a nossa consciência e reflexão da importância que eles representam para a nossa cultura e as comunidades a que pertencem. Nos fez perceber que alguns conceitos musicais que são de nosso conhecimento, como, afinação, ritmo, melodia, estão inseridos de alguma forma em suas práticas músicas, talvez até de maneira sinestésica (FERREIRA ET ALL, 2014).
Outro grupo menciona a necessidade de inserção destes saberes na academia: Esse contato com o mestre Beto permitiu que os graduandos conhecessem a manifestação e reconhecessem a figura do mestre, como um promotor do conhecimento não só na música, mas também nas artes plásticas e coordenação do grupo. Aliás, essa iniciativa
sociais e papéis dispensados aos membros do grupo bem como no acesso a diferentes instrumentos musicais e estratos musicais; - Processos específicos de ensino e aprendizagem nos diferentes postos de performance do grupo (coreografias, padrões rítmicos, interpretação dos papéis, domínio do repertório); - Ingresso, aceitação e permanência no grupo – formas de coesão social; - Aspectos sócioculturais presentes no auto, nas toadas, na performance musical e nas manifestações culturais; - Domínio do repertório, flexibilidade e mudança nas toadas, toques e outros domínios musicais; - Questões de gênero e religiosidade; - Representatividade da manifestação em relação ao contexto onde está inserida. - Interesse dos alunos da graduação na execução instrumental das músicas das manifestações culturais ministrantes da disciplina. - Dificuldades na execução instrumental das músicas, dificuldade no aprendizado por imitação. - Falta de conhecimento sobre as práticas musicais paraenses. Um distanciamento cultural.
de trazer o mestre de Boi-Bumbá para dentro da universidade é bastante relevante, pois esse mestre está às margens do conhecimento científico, sendo que o conhecimento que ele possui é imenso e tem fortes indícios de que esteja em situação de vulnerabilidade, afinal, não existem atualmente pessoas dispostas a assumir e preservar a manifestação com o mesmo interesse. Com o reconhecimento e valorização desse mestre, será possível resgatar e inserir os saberes de tradição oral na academia. Visto que, o ensino da música não se dá somente a partir do ensino conservatorial e formal. Provavelmente, os licenciandos em música da UFPA, terão uma visão ampliada e diferenciada daqueles que não tiveram esse contato com os mestres e seus conhecimentos. De certo, foi um momento ímpar e fará toda a diferença para os que puderam vivenciar e principalmente para a manifestação que, certamente ganhou novos seguidores (CORDOVIL ET ALL, 2014).
CONTRIBUIÇÕES DO ENCONTRO DE SABERES PARA O ENSINO DAS ARTES E DA MÚSICA. A
partir
da
fala
dos
mestres,
foram elencadas questões que geraram contribuições para a área da sociologia da música e da etnomusicologia: - Interfaces artísticas entre música, teatro, poesia, dança, cenografia, figurino, gestão cultural e ofícios e modos de fazer específicos da cultura musical; - Processo de confecção de instrumentos musicais, vulnerabilidade do processo de transmissão deste ofício e possível adaptação musical a partir da introdução de instrumentos musicais industrializados; - Especificidade de timbre, afinação, registro e volume sonoro do uso de instrumentos tradicionais (com materiais considerados tradicionais); - Técnicas de uso, armazenamento e manutenção de instrumentos musicais (cuidado para não molhar, necessidade de se colocar no sol para estirar o couro e manter a afinação e timbre); - Estratificação e hierarquia nas funções
As discussões em torno das questões acima
levantadas
oportunizaram
uma
ampliação do conceito de música para além do utilizado no senso comum (ocidental) e, por conseguinte, uma quebra de paradigmas no próprio ensino de música agora obrigatório nas escolas de ensino fundamental e médio na capital paraense. Do ponto de vista da disciplina Sociologia da Música, em seu diálogo com a Etnomusicologia, observa-se que tais
questões
estão
relacionadas
com
as proposições dos módulos do projeto, espraiando-se nas relações entre música, cultura e experiência propostas por Blacking (1995), iluminadas pela própria vivência dos alunos no contexto de ensino dos mestres,
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em que a experiência fala mais alto do que a mera racionalização do saber musical. Os aspectos históricos, de estratificação social, as relações entre os diversos grupos sociais e cada manifestação e as interelações com a prática musical, aprofunda a percepção das relações entre música, cultura e sociedade (BLACKING,
2000).
Oportunamente,
a
especialidade, domínio de técnica e apuração de conceitos musicais a partir do domínio do ofício de mestre executante e construtor de
instrumento
musical,
apresentados
pelo mestre de carimbó – Lucas Bragança – sublinhou a questão dos saberes e fazeres musicais (BLACKING, 1979; NETTL, 2005).
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Recortes do Vídeo de Apresentação do Grupo Boi Estrela Dalva do Bairro do Guamá- Belém-PA Divulgação do Grupo no Youtube
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BOI-BUMBÁ EM BELÉM: Tradição e resistência que vem de longe... Jorgete Lago
O Módulo I do Projeto Encontro de
coordenadoras locais, asprofessoras Liliam
Saberes iniciou no dia 26 de fevereiro de 2014,
Barros e Sonia Chada. Nessa reunião houve
com sua apresentação na disciplina Sociologia
a elaboração do cronograma dos módulos, a
da Música, para os graduandos da UFPA. No
escolha dos mestres e resoluções de questões
dia 11 de março, ocorreu a apresentação do
burocráticas.
Projeto para a turma de pós-graduação em
Finalizada a reunião, nossa tarefa foi a
Artes da mesma Universidade. Com estas
elaboração de uma justificativa para a escolha
turmas foi desenvolvido o projeto por meio de
de cada mestre, para o módulo I, sobre o
disciplinas ofertadas em cada curso.
saber da prática do Boi-Bumbá em Belém foi
Antes do início das aulas, houve
escolhido o Mestre Beto, Sr. Alberto Melo, em
momentos de preparação, desenvolvidos
função de sua notoriedade e reconhecimento
em etapas nas quais estivemos presentes.
de seu trabalho junto ao grupo Estrela Dalva,
A primeira etapa foi o convite recebido
com mais de 50 anos de atividades na cidade.
pela coordenação local para participação
Com a escolha do Mestre definida, a
de professora acompanhante do módulo
bolsista
I, acreditamos que tal escolha ocorreu em
Lohana Gomes e a professora Liliam
virtude da pesquisa realizada sobre a prática
Barros estabeleceram os primeiros contatos
do Boi-Bumbá em Belém e nossa experiência
com o Mestre Beto, mediante sua aceitação
e vivência junto com os grupos, além da
para participar do projeto, foi providenciada
formação
prática
sua documentação e de seu assistente, o
docente na Universidade do Estado do Pará
rapaz que dança debaixo do Boi Estrela Dalva,
(UEPA) e doutorado em curso na mesma área
Cleto Esmaez. Paralelamente ao contato,
na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
elaboramos o cronograma de realização do
em
Etnomusicologia,
Após aceitarmos o convite, nós, os professores parceiros, fomos convidados para participar de uma reunião com as
módulo I colaborando com textos para as aulas teóricas e nas aulas práticas com o Mestre. Quando chegamos a Belém, entramos
TUCUNDUBA 13
em contato com o Mestre Beto paraafinarmos melhor as quais informações que seriam repassadas
para
os
alunos
da UFPA,
considerando o tempo disponível para o módulo. O Mestre nos perguntou sobre o perfil dos alunos e a partir desta informação achou interessante repassar informações sobre a prática musical do Estrela Dalva, ensinando-os a cantar e tocar as toadas de Boi-Bumbá. Para isso, foram copiadas dez toadas escolhidas pelo Mestre Beto, digitadas e repassadas aos alunos. Além das toadas, foi solicitado material para confeccionar um pequeno esplendor e mostrar aos alunos uma pequena parte do figurino dos brincantes do seu grupo. Terminada a organização, junto ao Mestre Beto, foram agendados dia e horário em que ele e o Cleto iniciariam nos cursos de turmas de graduação e pós-graduação.
execução instrumental. - Articular diálogos entre os alunos da licenciatura e pós-graduação da UFPA e os grupos de Bois-Bumbás da cidade. A prática do Boi-Bumbá em Belém tem relatos desde meados do século XIX, quando grupos saíam pelas ruas centrais da cidade cantando e dançando, tendo com figura principal um boi feito de cipós e panos vistosos com uma pessoa embaixo para lhe dar vida e mobilidade ao boneco. Em função de brigas que ocorriam entre grupos rivais quando se encontravam e também ao apelo das elites que moravam no centro da cidade, os grupos foram impedidos pela polícia de circularem pelas ruas. Com a urbanização da cidade de Belém e o afastamento das classes populares para a periferia, os grupos passaram a se apresentar em locais circunscritos aos quintais das casas de seus coordenadores,
DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA os chamados currais. E assim, nos bairros da periferia, nos quintais das casas onde eram UTILIZADA NO MÓDULO I organizados os arraiais do mês de junho que
O Módulo I do Projeto Encontro de Saberes foi realizado com o Mestre Alberto Costa, o “Seu Beto”, que é coordenador do grupo de Boi-Bumbá Estrela Dalva, juntamente com seu assistente Cleto, que é brincante no grupo e faz o papel de “tripa” do Boi, pessoa que carrega e dança debaixo do boi. Os objetivos deste módulo foram: - Apresentar a prática do Boi-Bumbá em Belém desde os primeiros relatos na cidade. - Divulgar a experiência do mestre Beto através do Boi-Bumbá Estrela Dalva. - Conhecer as técnicas de confecção de figurinos do Boi Estrela Dalva. - Executar as toadas do Boi-Bumbá Estrela Dalva através do canto e da
14 TUCUNDUBA
os grupos passaram a se apresentar, de forma mais contida, organizada e espetacular. Os grupos de Boi-Bumbá em Belém têm como auge de suas atividades o mês de junho, durante as festas juninas, quando realizam suas apresentações em vários locais da cidade, eventos promovidos por órgãos públicos, contratos particulares e festas na própria comunidade em que estão inseridos. A apresentação do Boi-Bumbá consiste no desenvolvimento de uma história, chamada de comédia, na qual o tema central é a morte e ressurreição do Boi. A comédia possui uma variedade de personagens que retrata de forma caricata a sociedade brasileira, desde tempos coloniais. Encontramos o Amo, dono
da fazenda, senhor branco e poderoso, sua
que com sua maloca, ou caboclos reais, vão
esposa Mãe Maria, mulher frágil e bondosa
caçar o Nego Chico. Depois de capturado pela
com os trabalhadores da fazenda. Na fazenda
Maloca, Nego Chico explica porque matou o
encontramos o Rapaz, que é o capataz e braço
Boi, mas o Amo não quer saber, só quer seu
direito do Amo e os Vaqueiros que cuidam
animal vivo, ele chama o Doutor para curar
do Boi. Também vive um grupo de negros
o boi, mas não é possível. Então Nego Chico
arrendatários, que na comédia são chamados
apela para o sobrenatural e chama o Pajé ou
de Matutagem, representados como matutos
Macumbeiro para ressuscitar o Boi. Depois
ou caboclos: Nego Chico, sua esposa Catirina,
de fazer a sua dança, o Pajé levanta o Boi e
Cazumbá e Mãe Guimá, sua esposa. Catirina
todos comemoram com toadas de louvação.
está grávida e deseja comer a língua do Boi,
Ao longo da apresentação, os grupos
com receio de perder seu filho, Nego Chico
cantam toadas antes, durante e depois
mata o boi do Amo e foge para não ser preso.
da comédia. Além das toadas, também
Como Nego Chico foge para mata é preciso
encontramos as marchas e o valseado que são
chamar pessoas que conheçam este ambiente
executados pelos grupos. Os instrumentos
para capturar o “fujão”. Então o Amo manda
musicais são: a barrica, o cheque, o bumbo
uma carta para o Tuxaua, chefe dos índios,
ou marcação, o apito e o pandeiro que são
TUCUNDUBA 15
executados somente pelo Amo ou puxador
prática, pois seu objetivo era ensinar alunos
de toadas.
a tocarem e cantarem as toadas do boi, além
O início deste primeiro módulo foi
de dançar com o mesmo. Os alunos tiveram
de cunho teórico, onde foram discutidas
a oportunidade de observar a confecção
questões ligadas à temática “Música, Cultura
de um esplendor, utilizado pelas índias da
e Experiência”. Na turma de graduação foram
maloca, aprendendo como ocorre o processo
estudados dois textos de John Blacking do
de produção do esplendor, desde o rascunho
livro How Musical is Man? (1974). Além do
do molde até a finalização com purpurinas
texto de Blacking, foi apresentado um artigo
e penas. Houve mais interesse por parte
de José do Espírito Santo sobre a prática do
dos alunos nessa parte manual do trabalho,
Boi-Bumbá em Belém desde seus primeiros
onde houve colaboração durante o processo
relatos até dias atuais com um enfoque no
de confecção do esplendor. Mestre Beto
bairro do Guamá. Na turma do PPGARTES
ressaltou sobre a confecção dos figurinos dos
além dos textos citados, as professoras Liliam
brincantes do boi, reinterando que o esplendor
Barros e Sonia Chada apresentaram o Projeto
é somente uma das peças de figurino, que
Encontro de Saberes, finalizando com o vídeo
ainda tem o dos demais personagens,
sobre o mesmo.
inclusive o do próprio Boi. Infelizmente não
Finalizado esse momento teórico e
foi possível concluir o esplendor com os
as questões gerais, inicio-se o segundo
alunos, dada a indisponibilidade do tempo.
momento com a presença do Mestre Beto
Eles aprenderam o início do processo e Mestre
e seu assistente. Mestre Beto falou de sua
Beto finalizou o esplendor em sua casa.
experiência com a prática do Boi-Bumbá
Terminado o processo com o esplendor,
desde a infância, quando saía com sua mãe
os alunos foram aprender as toadas do Boi-
no bairro do Guamá, descreveu também os
Bumbá Estrela Dalva. Mas antes de iniciarem
personagens da comédia do Boi-Bumbá,
esta parte, Mestre Beto trouxe algumas fotos
quais são e o que fazem. Metre Beto levou
de apresentações do Estrela Dalva em anos
alguns figurinos para mostrar para os alunos,
anteriores para mostrar os personagens e
explicando como eram confeccionadas as
suas fantasias, pois não teriam oportunidade
fantasias, quais os materiais utilizados e
de vê-los pessoalmente. Além de mostrar
as técnicas de aplicar os bordados. Ainda
o vídeo de uma apresentação do grupo no
neste momento de apresentação, o Mestre
ano de 2013 em um evento promovido pela
mostrou os instrumentos musicais utilizados
Secretaria de Cultura do Estado em um ponto
no grupo, seus respectivos nomes e o papel
turístico da cidade. Finalizada a visualização
dos músicos e do Amo na brincadeira do
das fotos e vídeo, Mestre Beto ensinou o
boi. Ele também falou sobre o repertório
ritmo de acompanhamento das toadas, nas
musical, quais os ritmos tocados e quando
barricas e no xeque, pois os dois têm ritmos
são executados na apresentação do Boi.
diferenciados. Para isso, houve a participação
Na semana seguinte, Mestre Beto organizou suas aulas de maneira mais
16 TUCUNDUBA
de dois brincantes do grupo que foram nesta semana para as aulas.
Alunos, 2014. Acervo LabEtno
Um dos brincantes era um rapaz que
eles chamam de “socado” que corresponde
fazia o papel de Nego Chico e o outro era um
à maioria das músicas do grupo, além do
garoto que fazia o papel de vaqueiro no Boi-
“socado” tem a “marcha”, que também
Bumbá Estrela Dalva. A metodologia utilizada
foi ensinada para os alunos. Outro ritmo
por eles era a de imitação, o brincante tocou
executado pelo grupo, o “valseado”, que
a barrica enquanto os alunos escutavam,
é executado somente na comédia, como
depois foram tocando até acertarem o ritmo.
ela não foi encenada devido a restrição de
Então, Mestre Beto foi ensinar as toadas,
tempo, os alunos não puderam aprender este
as mesmas foram digitadas e entregues as
outro ritmo. Ainda nestas aulas, os alunos
cópias para os alunos.
presenciaram a evolução do Boi que foi
Ele cantava a toada sozinho, para todos
levado para o local e assim, ficou explícito o
conhecerem a música e depois com o apito e
papel do “tripa” na brincadeira, demonstrado
pandeiro dava a entrada para os instrumentos.
pelo ajudante Cleto, ensinando como se
Quando ele achava que o acompanhamento
colocar debaixo do Boi e quais as evoluções
estava ajustado dava entrada para o
do mesmo. Ele dançou com os alunos
grupo cantar. O ritmo das toadas é o que
enquanto cantavam e tocavam as toadas,
TUCUNDUBA 17
alguns se ofereceram para dançar debaixo do boi e apesar da dificuldade, conseguiram uma boa evolução e tiveram o aval de Mestre Beto e dos demais, momento de comoção e alegria na turma.
REFLEXÕES SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICOMETODOLÓGICAS DO MÓDULO I PARA A FORMAÇÃO DOS LICENCIANDOS EM MÚSICA
Para finalizar, Mestre Beto ensinou para a turma o “Rola Boi” que é uma toada de
apresentação
dos
personagens
Acreditamos
que
o
interesse
da
demonstrado pelos alunos neste módulo I
comédia do Boi-Bumbá, quando cada um
foi estimulado pelas discussões nas aulas
dos personagens é chamado pelo Amo para
teóricas por meio dos textos estudados, ao se
dançar com o Boi e depois retorna a roda.
pensar nas práticas musicais como elemento
No PPGARTES, Mestre Beto foi chamando
integrador e integrado as práticas sociais
o nome dos alunos e alunas para dançar com
de um grupo ou comunidade. Outro ponto
o Boi, na turma de graduação, os alunos
importante foi pensar que em centros urbanos
decidiram interpretar alguns dos personagens
e complexos, como é o caso de Belém, a
e foram chamados por grupos, a exemplo da
variedade de práticas culturais é imensa,
maloca, matutagem e vaqueiros. A execução
mas, muitas delas se tornam invisíveis, pois
desta toada finalizou as aulas deste Módulo
são desconhecidas por grande parte da
com muita animação por parte dos alunos
população, sendo relegadas às comunidades
e do Mestre Beto também, que gostaria de
que
ter ficado um pouco mais de tempo com os
dificuldade em se conhecer profundamente
alunos para ensinar mais toadas.
todas as práticas musicais de uma cidade
as
praticam.
Compreendemos
a
Ao final do módulo, os alunos pediram
como Belém, mas não podemos esquecer
o contato do Mestre Beto e do Cleto, pois
que há uma desigualdade na divulgação e
tinham intenção de assistir alguns ensaios
difusão das mesmas. Para alguns grupos, os
do grupo e as apresentações que ocorrem na
órgãos governamentais e a mídia local dão
cidade no mês de junho. Um dos resultados
mais visibilidade em detrimento de outros.
parciais atingidos com a finalização do
É neste sentido de se fazer conhecer estas
módulo I foi o despertar do interesse das
práticas menos visibilizadas e os saberes de
turmas em acompanhar as atividades do
pessoas que trabalham edivulgam a cultura
grupo Estrela Dalva e de conhecer outros
popular que enriquece a diversidade cultural
grupos e Bois-Bumbás da cidade de Belém.
da cidade é que o Projeto Encontro de
No
decorrer
do
semestre
outros
Saberes tem sua contribuição.
resultados surgirão assim como a contribuição
Observamos também o interesse dos
do material produzido pelos alunos da
Coordenadores e Pró-Reitores da UFPA em
graduação e pós-graduação da UFPA.
colaborar com a divulgação e valorização de um conhecimento que está ali em frente
18 TUCUNDUBA
ao Campus, mas que até o momento ainda
há hierarquia e um desejo de manter uma
não havia recebido um convite para adentrar
tradição que articula o movimento cultural e
no mundo acadêmico, tão distante, tão
social daquela comunidade. Todos obedecem
inatingível para pessoas como o Mestre Beto
a uma ordem, uma organização, mas
e seus brincantes. E para os alunos, fica a
com interesses e perspectivas diferentes.
oportunidade de conhecer e reconhecer os
Acreditamos que esta experiência para os
saberes proporcionados, além de refletir
alunos da graduação e da pós-graduação
sobre como as metodologias e teorias não
foi importante na reflexão de um ensino
estão somente na academia.
de música ou arte mais democrático, mais
No Boi-Bumbá Estrela Dalva há uma sistematização,
uma
organização,
uma
acessível e articulado com os saberes tradicionais praticados na cidade de Belém.
Modificada - LabEtno
estética musical, corporal, coreográfica,
TUCUNDUBA 19
PÁSSARO JUNINO TUCANO NO PROJETO ENCONTRO DE SABERES Rosa Maria Mota da Silva
20 TUCUNDUBA
PREPARAÇÃO PARA O MÓDULO II
de manter o grupo participativo e atuante nas atividades oficiais, assim como em
Após termos aceito o convite das
apresentações extraoficiais na cidade e no
professoras Liliam Cohen e Sonia Chada, para
interior do Estado. A partir do Concurso 1999,
integrar a equipe do projeto e participarmos
o grupo passou à categoria especial, não
das reuniões iniciais, elaboramos uma
concorrendo a prêmios, mas apresentando-
justificativa para a escolha da Guardiã
se em todos os eventos oficiais. Atualmente,
Iracema Oliveira, responsável pelo Pássaro
sua sede está localizada na residência da
Junino Tucano, ministrar as aulas práticas do II
guardiã: Rua Curuçá, número 1.109, bairro do
Módulo do Encontro de Saberes na Disciplina
Telégrafo, antigo São João do Bruno, ao qual
Sociologia da Música.
a letra da Marcha do Tucano faz referência.
Foi apresentada a seguinte Justificativa
“São João do Bruno organizou este grupo
para a escolha da Guardiã: Elegemos o
Joanino/Para mostrar a muita gente que ele
Pássaro Junino Tucano para esse projeto, por
também é competente. ”
ser um grupo tradicional e representativo do
A guardiã Iracema Oliveira – figura
gênero Pássaro Junino Melodrama Fantasia
querida e respeitada pela comunidade
em Belém do Pará.
artística paraense – começou com a idade de oito anos a participar das manifestações
HISTÓRICO DO PÁSSARO JUNINO TUCANO
culturais da cidade, primeiro como Portapássaro, depois Princesa e, à medida que crescia, representou outras personagens nos grupos “Cigarra Pintada” e “Quati”.
Fundado
em
1927,
por
Cipriano
Francisco Oliveira, seu pai, foi um
Simplício dos Santos, teve sua primeira sede
conhecido dramaturgo e músico popular
na rua dos Mundurucus, bairro da Cremação.
que contribuiu com diversas peças para os
Apresentou-se regularmente até a morte
grupos da cidade, escrevendo e musicando
de seu guardião, em 1942. Ressurgiu por
suas peças, pois tinha a facilidade para tocar
iniciativa do dramaturgo professor Laércio
vários instrumentos sem ter recebido o
Gomes e Guaracy de Oliveira, em 1980. No ano
ensino musical tradicional. Hoje, muitos dos
seguinte, o professor Laércio Gomes passou
seus familiares estão envolvidos em diversas
a guarda do Tucano para Iracema Oliveira,
manifestações populares e três de suas filhas
que desde então assumiu a responsabilidade
são guardiãs - Iracema Oliveira (Tucano),
TUCUNDUBA 21
Guarany de Oliveira (Ararajuba) e Raimunda
seus dados, escolheu como sua assessora
Domingas de Oliveira Carneiro (Pavão do
Nazaré Azevedo, coreógrafa do grupo, e
Mosqueiro).
pediu a presença de um músico, conhecido
Iracema, com a vivência adquirida
por Jó, que é o responsável em acompanhar
no teatro popular, direcionou sua escolha
os brincantes no período de ensaio, e ficou de
profissional para as artes, atuando como atriz
ajudá-la na preparação das músicas durante
em radionovelas, telenovelas e peças teatrais
as aulas na universidade.
na cidade. Atualmente, é locutora de uma
No segundo encontro (26/02/2014),
importante rádio local, assim como ministra
foram discutidas as proposta de trabalho
cursos sobre o processo de construção de
como: a escolha da peça, seleção de quadros
Pássaros para produtores culturais do interior
e músicas da comédia a serem trabalhadas,
do Estado e cursos de aperfeiçoamento de
ficando acertado que seria trabalhada a
dicção e interpretação para grupos da cidade.
comédia: “A justiça das selvas”, de autoria
Como produtora cultural, organizou
de seu pai, Francisco Oliveira, com livreto e
quadrilhas, pastorinha “As filhas de Sion” e,
músicas impressos pelo Instituto de Artes do
mantém, desde 1992, o grupo parafolclórico
Pará - IAP. Fiquei responsável em providenciar
“Frutos do Pará”, que no passado chamava-
a compra de vinte exemplares da peça no IAP,
se “Frutos do Tucano”, por ser formado por
adquiridos pela coordenação do Projeto.
brincantes que pediam para apresentarem-
No terceiro encontro (01/03/2014), foi
se mais vezes durante o ano. Este grupo
apresentado o PPS para a primeira aula e
gravou seu primeiro CD em janeiro de 2001,
selecionados os vídeos com as cenas que
com músicas e danças típicas do Pará como
seriam apresentadas em sala, do arquivo de
carimbó, siriá e outros.
vídeos do Pássaro Junino Tucano. Fizemos
O Tucano é formado por cinquenta e seis
também a seleção das músicas para as aulas
integrantes com idade de 8 a 80 anos, que
e ficou acertado que D. Iracema levaria
são familiares, amigos e vizinhos da família
o figurino e acessórios dos personagens
Oliveira.
trabalhados e a porta-pássaro do grupo no último dia de aula, para os alunos vivenciarem como acontece uma apresentação do Pássaro
ENCONTRO COM A GUARDIÃ E A ELABORAÇÃO DO PLANO DE AULA
Junino. Assim, pensamos no seguinte plano de aula: - O que é um Pássaro Junino. Elementos comuns aos Pássaros Juninos: Enredo,
Em 13/01/2014, aconteceu o primeiro
Músicas, cenário e figurino, organização,
encontro com a Guardiã D. Iracema Oliveira
personagens e quadros. Apresentação de
quando lhe foram apresentadas a carta
vídeo com o trabalho do Pássaro Junino
convite e a proposta do Projeto. A guardiã
Tucano.
aceitou de pronto e ficou lisonjeada com o
- Ensaio das músicas de entrada e
convite. Após preencher o formulário com
despedida e preparação do Quadro da
22 TUCUNDUBA
Matutagem e suas músicas.
Iracema, que respondia a perguntas dos
– Revisão das músicas da aula anterior e
alunos:
Explicação e Ensaio do Quadro da Maloca e suas músicas. - Explicação Ensaio de Magia e suas músicas e a cena de Caçada do Pássaro, considerada
o
clímax
da
comédia.
Apresentação dos alunos com os quadros trabalhados.
DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA UTILIZADA NO MÓDULO II O Módulo II do Projeto Encontro de Saberes foi realizado com a Guardiã D. Iracema Oliveira, que é a proprietária da razão social do Pássaro Junino Tucano e figura central desse grupo, tendo como assistentes: Nazaré Azevedo (coreografa do grupo) e o músico Jó, responsável por passar as músicas com os brincantes nos ensaios. Foram
objetivos
desse
módulo:
apresentar o que é um Pássaro Junino; quais são seus elementos formadores: Enredo (comédia); estrutura musical (músicas de entrada -músicas da comédia – músicas de despedida) e seus gêneros musicais (marchas, valsas, xotes entre outros), descrição dos personagens
e
figurinos;
apresentação
dos quadros (Matutagem, Macumba e Caçada), que compõem a comédia. Ensaiar o repertório musical da peça “A justiça das selvas”. Selecionar alunos para compor o quadro de personagens, além da preparação do coro e da banda musical. Na primeira aula foram abordados os seguintes tópicos em apresentação de slides, além de fotos e vídeos comentados por D.
- O que é um Pássaro Junino? É um teatro popular musicado, com histórias dramáticas, que tratam das vicissitudes da psique humana como ódio, vingança, assassinato, adultério e traições. Que segundo Vicente Salles tem seu registro mais remoto no ano de 1877. - Quanto ao Enredo - Narra episódios da vida de nobres, nos quais um deles representa o vilão que arquiteta suas maldades contra os mais fracos. Porém, haverá um herói, também pertencente à nobreza, que com o auxílio dos mais humildes, grupo formado pelos índios, matutos e caboclos, vencerá o tirano. Quando não há o núcleo da nobreza, o poder é representado por um fazendeiro ou coronel. Entrelaçado a este enredo, há a história de um pássaro de estimação, pássaro que é ferido, alvejado ou capturado. - Quanto à organização - Guardião ou Proprietário, Ensaiador, Brincantes, Figurinista, Coreógrafo e Músicos. - O Guardião ou Proprietário - é a figura central do grupo. Em seu nome está o registro ou razão social do Pássaro, o que garante a participação do grupo nas programações oficiais. Dentre as suas inúmeras atribuições destacamos: arcar com as despesas financeiras do grupo, escolher ou encomendar a peça, selecionar brincantes, distribuir papéis, elaborar e confeccionar figurinos, marcar ensaios, organizar a agenda de apresentações, contratar músicos e regê-los durante os ensaios e espetáculos, gravar fitas das músicas para os músicos. - O Ensaiador - é a pessoa responsável em passar o texto com os brincantes. Geralmente esta função é desempenhada pelo próprio Guardião. - Os Brincantes - são as pessoas que sobem ao palco para a realização da apresentação. Eles podem representar
TUCUNDUBA 23
um personagem, compor a maloca grupo de índios, ou fazer parte do balé. O nome Brincantes é usado para as pessoas que representam sem serem atores profissionais, embora alguns pássaros contratem atores ou cantores profissionais para atuarem como personagem de destaque. Porém, a maioria dos participantes são amadores. - O Figurinista - é o responsável pela concepção e confecção das roupas e adereços usados pelo grupo. - O Coreógrafo - cria e ensaia a coreografia dos dançarinos do grupo. - Os Músicos - acompanham os grupos nos espetáculos das apresentações oficiais, recebem cachê sendo um dos itens mais onerosos para os guardiões. - Os Personagens - A Porta-pássaro é representada por uma menina com idade entre cinco e dez anos e de pequena compleição. Sua indumentária é a mais luxuosa do grupo. Na cabeça traz um capacete com a escultura do pássaro, veste-se com um macacão de tecido brilhoso e plumas nas cores do pássaro, tendo um leve tecido ligando as pernas aos braços, que com o movimento constante dos braços de cima para baixo simula o voo da ave. Quando em cena, movimentase constantemente por todo o palco demonstrando leveza, graça e fragilidade. Os Nobres representam o poder social e econômico. É o núcleo formado por rei, rainha, príncipes, princesas, marquês, marquesas, duque, duquesas e barões que vivem em palácios dentro da floresta amazônica. Suas vestimentas luxuosas e extravagantes são baseadas nos figurinos do século XVIII. Os Coronéis ou fazendeiros representam a classe dominante. Suas vestimentas estão mais próximas do nosso tempo. O modelo mais comum lembra a moda “country”. O Caçador é um dos papéis principais. Seu figurino se compõe de bota, calças justas, camisa, chapéu e a espingarda. Os Matutos representam o lado cômico do espetáculo. Com eles o público se descontrai e ri bastante. O
24 TUCUNDUBA
figurino dos matutos lembra as fantasias de São João na roça, chapéu de palha, camisa quadriculada e as meninas com vestidos de chita. Temos geralmente dois tipos de matutos: o paraense e o cearense. Seus modos de falar retratam bem o linguajar do nosso caboclo ribeirinho. A presença do matuto cearense pode ser justificada pela grande imigração de nordestinos para a extração da borracha em seu período áureo e na II Guerra Mundial. A música dos matutos é pensada com a finalidade de se fazer rir; as letras são maliciosas e de duplo sentido. A Fada é uma personagem saída dos contos de fadas europeus, com estrela na cabeça e varinha de condão. Aparece sempre para fazer revelações, cortar encantamentos e canta com uma voz suave e doce, sua missão constante é a defesa do bem e proteção da natureza. A Feiticeira é também chamada de “Mãe de Santo”. Seus poderes podem estar ligados ao bem ou ao mal. Para realizar suas sessões, conta com a colaboração das ajudantes, também chamadas de Filhas de Santo. Suas roupas lembram as das baianas sem dispensarem o uso do turbante e colares. O Tuxaua ou Morubixaba é o chefe da tribo. Tem a responsabilidade de proteger a floresta, consequentemente, o pássaro. É solicitado para encontrar e prender o caçador ou qualquer personagem que se perca na floresta. Nos Pássaros Juninos seu figurino é um dos mais luxuosos. - Os Quadros - O Quadro da Maloca é formado por uma tribo de índios, que impressiona pela beleza de suas fantasias. Fazendo parte da maloca, temos como destaque as personagens do Tuxaua, do primeiro guerreiro e da índia branca ou índia favorita, que foi uma criança perdida na floresta e salva pelos índios, sendo ela o elo de comunicação entre índios e brancos, falando sempre as duas línguas. O Quadro da Matutagem representa o lado cômico do espetáculo. Seus personagens são caracterizados como matutos cearenses ou caboclos paraenses. Geralmente os quadros de matutagem estão intercalados
Alunos, 2014. Acervo LabEtno
ao lado de momentos de maior tensão nas peças dos Pássaros Juninos. O Quadro da Macumba é um quadro formado pela feiticeira e seus ajudantes, mãe de santo ou pajé e ajudantes. Tendo como função principal a cura ou ressurreição do pássaro, ou realizar serviços benéficos ou maléficos para os personagens da história. O Quadro de balé é frequente nos Pássaros Juninos. Tem a função de distrair o público durante a troca de roupas dos brincantes, já que não há intervalos durante o espetáculo. É tradicional serem apresentadas neste quadro coreografias de rumbas e mambos semelhantes às coreografias dos filmes musicais americanos.
Marcha de apresentação e Marcha de
Terminada
genuinamente paraense
a
exposição,
houve
a
despedidas. Os alunos tocaram a melodia com flautas doce, acompanhados ao violão e percussão (tambor, atabaque, chocalho). Depois de aprendidas as canções, foram ensinadas as coreografias das marchas. Esse momento, propiciou tanto aos alunos da graduação quanto aos da pósgraduação o conhecimento da manifestação, desconhecida pela maioria dos presentes, e despertando o interesse deles em conhecer a prática do Pássaro Junino, também conhecido de
“opereta
cabocla”
e
manifestação
distribuição do libreto “A justiça das selvas”
Iniciamos a segunda aula, relembrando
aos alunos que começaram a leitura das
as músicas já estudadas, da seguinte maneira:
partituras das músicas: Marchas de rua;
primeiro foram trabalhadas as partituras
TUCUNDUBA 25
destacando as entradas dos músicos: que eram
escolhia pelo biótipo do aluno: Pulquério,
alunos da graduação e depois com os alunos
Jujuba, Salviana e Ceará (os Matutos),
da pós-graduação. Estes tocaram trompete,
Meeram (a feiticeira),
clarinete, percussão (tambor, atabaque,
,Vicente (o caçador) e
chocalho) e o violão fico a cargo do músico
experiência nas escolhas foi comprovada,
do Pássaro Tucano. Essa banda formada
pois todos os alunos se destacaram em seus
por alunos deixou a Guardiã muito feliz. Em
personagens.
Paulo (o príncipe) o Soldado. Sua
seguida, as músicas foram trabalhadas com
A partir daí, aconteceu à leitura
o coro e os músicos. Aprendidas as músicas,
do texto com D. Iracema orientando o
foram ensinadas as coreografias das marchas
posicionamento, a postura dos personagens,
para todos os alunos.
a dicção dos matutos. Nesse momento, D.
Na segunda parte da aula, foi ensinada
Iracema, percebeu que o revisor do livro, tinha
a valsa do caçador e ensaiado o quadro da
corrigido o falar característico do caboclo
caçada. D. Iracema aproveitou o momento
alterando a intenção do autor da peça.
para selecionar os seguintes personagens: o
A aula foi finalizada com um ensaio geral,
caçador, a fada, a índia e demonstrou o papel
do que seria apresentado como resultado final
da porta-pássaro. Os alunos realizaram a cena
do Módulo II, com o seguinte roteiro: Músicas
com empenho, surpreendendo a Guardiã que
de entrada, parte da comédia (quadro da
os convidou para participarem de seu grupo.
Matutagem, quadro da Macumba, quadro da
Na
semana
seguinte,
D.
Iracema
iniciou a aula contando o enredo da peça
Caçada e cura do Pássaro, terminando com as músicas de despedidas.
selecionada e relatou que atualmente são
Na última aula, houve um ensaio geral
feitas mudanças no final das peças, pois no
em sala de aula, com os alunos usando os
passado havia muitas cenas violentas. Assim,
figurinos dos personagens, com a presença
como contou que houve um acordo entre os
da porta-pássaro do Tucano. A banda foi
guardiões para não matarem o pássaro e sim
formada por alunos do curso e dois músicos
feri-lo ou tonteá-lo. A aula prosseguiu com o
do Pássaro Tucano (violão e atabaque). Em
ensaio do quadro da Matutagem e o quadro
seguida, aconteceu uma apresentação no hall
da Macumba. Primeiro, foram ensaiadas as
de entrada para os alunos de outras turmas
músicas da matutagem, a embolada “Menina
e professores, que elogiaram o trabalho
toma cuidado com o namoro no escuro”, com
apresentado.
letra jocosa e de duplo sentido, provocou risos entre os alunos.
D. Iracema agradeceu e elogiando a participação dos alunos/brincantes, e as
Depois foram cantadas as músicas:
coordenadoras do curso pela iniciativa de
“Meu Santo Antônio de ouro fino”, “Quem
levar e divulgar a cultura popular no espaço
rola pedra na pedreira” e “Beira-mar” que
universitário e se comprometeu em receber
pertencem ao quadro da Macumba.
os alunos em sua casa para assistirem aos
Em seguida, houve a seleção dos personagens entre os alunos, que a Guardiã
26 TUCUNDUBA
ensaios do grupo, bem como divulgar os locais das apresentações no mês de Junho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ensaios e de apresentações durante as festas juninas.
O trabalho desenvolvido com a Guardiã
O
envolvimento
dos
músicos
Iracema Oliveira e os alunos da graduação
universitários e seu interesse em aprender
e pós-graduação foi bem produtivo, pois
a tocar os gêneros musicais dos Pássaros
em duas semanas de aulas os alunos, além
sensibilizou
de adquirirem o conhecimento teórico
dificuldade para os grupos de Pássaros é
do que é um Pássaro Junino, tiveram a
conseguir instrumentistas de sopro e fazer o
oportunidade de aprender como se prepara
pagamento desses nas apresentações, pois
esse teatro-popular-musicado, que tem
somente os instrumentos de percussão são
como especificidade possuir diversas peças
tocados pelos brincantes.
a Guardiã,
pois
a
maior
antigas e atuais com autores e compositores
O momento também foi propício,
conhecidos, mas ainda são pouco conhecidas
porque desde 2009 os Guardiões dos Pássaros
fora de seu meio de atuação.
Juninos junto com pesquisadores e o Prof.
Outro ponto positivo foi constatar
João de Jesus Paes Loureiro vêm lutando
a alegria da Guardiã e seus colaboradores
pelo reconhecimento do Pássaro Junino com
por ter ministrando aula pela primeira vez
Patrimônio Cultural Brasileiro de Natureza
na universidade, e ter obtido o resultado
Imaterial, por meio da Superintendência do
excelente na apresentação do espetáculo.
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Motivo que levou a Guardiã a convidar os
Nacional (IPHAN), que em 2013, através
alunos para fazerem seus trabalhos de campo
de Edital iniciou o estudo para realização
dentro da comunidade de origem do Pássaro
e preservação da manifestação na área
Tucano, além de conhecerem os espaços de
metropolitana de Belém.
TUCUNDUBA 27
28 TUCUNDUBA
SABERES E FAZERES Oficina de construção de instrumentos do Carimbó Paulo Murilo Guerreiro do Amaral
APRESENTAÇÃO
de maracas (ou maracás), ganzás (ou milheiros), e de tambores denominados
O presente artigo comenta sobre as
curimbós, cuorimbós ou carimbós. Estes
atividades de preparação e execução de
últimos figuram no imaginário popular e de
Oficina de construção de instrumentos
Mestres como o símbolo mais emblemático
tradicionais do Carimbó durante o módulo
desta manifestação, que além de musical é
Saberes e Fazeres Musicais do Projeto
também coreográfica e de contundente teor
“Encontro de Saberes”, no âmbito das
social e étnico.
III,
Suas coreografias refletem um típico
oferecida em 2014 (primeiro semestre) no
erotismo de danças profanas (a exemplo
Programa de Pós-Graduação em Artes da
da
Universidade Federal do Pará, e Sociologia
movimentos sensuais de cortejo realizados
da Música, ofertada no mesmo período para
por casais. Dialogando com a música
o curso de Licenciatura em Música da mesma
instrumental, a poesia cantada retrata
IES.
o amor, o trabalho e o lazer do caboclo
disciplinas
Seminários
Avançados
umbigada
africana)
traduzido
em
amazônida. A partir da década de 1970 o Carimbó
PREPARAÇÃO DA OFICINA
ganhou popularidade em Belém graças à produção de LPs de artistas referenciais
Considerada peculiar do Estado do
como Pinduca e Mestre Verequete. Em
regional,
contrapartida, mudanças de ordem musical
a música do Carimbó mistura vozes,
teriam afetado sua estrutura “original”,
instrumentos
destituindo-o de seu teor de “pureza”.
Pará
e
referência
identitária
melódicos
e
percussão
TUCUNDUBA 29
O Pau & Corda do Carimbó 2011 - Belém-PA (foto Acervo SANCARI)
Estariam relacionadas, em primeira instância,
recentemente, declarado patrimônio cultural
à introdução de fontes sonora elétricas
brasileiro.
ao grupo instrumental pau-e-corda e à
Ao longo de um lapso de tempo de
incorporação de outros ritmos na estrutura
cerca de quarenta e cinco anos o Carimbó
musical.
jamais deixou de ser mencionado, lembrado
Apesar de estabelecido como ícone
e valorizado. Se me pedirem para dançá-lo
cultural regional, vinte anos mais tarde o
ou cantar algum sucesso, certamente eu o
Carimbó passa a experimentar popularidade
faria. Conheço a dança e também as letras
mais restrita, por um lado encantando os
das músicas. Talvez eu consiga inclusive
turistas e curiosos que visitam Belém, mas,
percutir no tambor alguns “toques”. Ainda
por outro, não fazendo parte do cotidiano
assim, continuo refletindo sobre o tipo de
cultural local e da cena artístico-musical
popularidade encarnada no Carimbó, que
com a mesma força de antes. Situação
não raramente me urge, de certo modo,
oposta acontece com gêneros musicais
como uma essência intocada.
populares como o Brega e o Tecnobrega,
Na esteira deste preâmbulo sobre o
que arrebanham multidões para grandes
Carimbó, emergiu como grande desafio nesta
festas populares, mesmo sem talvez gozar
fase de preparação de módulo o de contatar
do prestígio do Carimbó como símbolo de
um Mestre ou um grupo musical que, ao
identidade musical e cultural regional, e, mais
mesmo tempo, atuasse em Belém e fosse
30 TUCUNDUBA
Alunos, 2014. Acervo LabEtno
reconhecido localmente como detentor de
acompanhada de experiências musicais
saberes tradicionais. Por meio de mensagens
envolvendo os alunos, já que, além de ser
trocadas em redes sociais e conversas com
artesão, Mestre Lucas também sabe tocar as
músicos populares atuantes na cena musical
percussões.
de Belém foi possível fazer contato com
Após a elaboração da Oficina, foi
Mestre Lucas Bragança, que lidera o Grupo
necessária especial atenção à aquisição
Sancari.
de matérias-primas para os instrumentos
Três encontros presenciais que tive com
musicais,
incluindo
troncos
escavados
Mestre Lucas Bragança anteriormente à
de madeira de mangue e couro bovino
Oficina destinaram-se aos acertos referentes
hidratado para os cinco tambores que foram
à sua participação no módulo. Inicialmente
construídos. Adquiriram-se, ainda, esferas de
imaginei que seria uma oficina de percussão
aço e canos PVC para os milheiros e maracas.
de tambores, maracas e milheiros. Aconteceu,
Estas últimas foram feitas de cuias de coco
porém, que Mestre Lucas Bragança preferiu
doadas à Universidade Federal do Pará pelo
ministrar Oficina de construção destes
próprio Mestre Lucas, que também doou à
instrumentos, que é a sua especialidade no
IES um milheiro de metal soldado similar aos
âmbito do grupo.
utilizados em seu grupo.
Combinou-se, portanto, que a Oficina de construção dos instrumentos seria
Ressalto a receptividade de Mestre Lucas
em
relação
à
proposta,
pela
TUCUNDUBA 31
oportunidade tanto de divulgar o trabalho
procedimentos: 1) corte do couro (já
do Sancari quanto de perceber valorizada a
hidratado),
cultura popular no âmbito acadêmico. Apesar
cobrindo uma das aberturas de cada tronco
de visivelmente apreensivo, o Mestre sentiu-
(demanda grande força física), e 3) fixação do
se recompensado, por antecipação, pela
couro em cada tambor por meio da utilização
possibilidade de atuar na Universidade na
de tarraxas de madeira. A participação dos
condição de professor.
alunos nesta etapa foi predominantemente
2)
retesamento
do
couro
de observação. A construção dos milheiros ficou
NOTAS SOBRE O MÓDULO E DESCRIÇÃO DA OFICINA
praticamente sob a responsabilidade dos alunos que, orientados por Mestre Lucas, serraram os canos PVC, inseriram as esferas e
O Módulo III do Projeto “Encontro de
vedaram as extremidades dos instrumentos.
Saberes” teve como professor convidado o
Quanto às maracas, as cuias foram
Mestre Lucas Bragança, que lidera o grupo de
preenchidas com esferas através de seus
Carimbó Sancari. Mestre Lucas foi assistido
orifícios naturais, que por sua vez foram, em
por Dona Neire Prestes Rocha, sua esposa,
seguida, vedados com cola em barra. A cola
que com ele participou de todas as aulas,
serviu ainda para fixar haste de madeira no
inclusive encabeçando algumas discussões
lado diametralmente oposto ao do orifício
que serão comentadas no final deste relatório.
de cada cuia. Em virtude da cola não secar
O Módulo em questão teve como
em curto espaço de tempo, Mestre Lucas
objetivos:
conhecer
procedimentos diferentes
para
as a
instrumentos
técnicas
e
emprestou as maracas do Grupo Sancari aos
construção
de
alunos durante as experiências musicais dos
de
percussão
alunos com os instrumentos construídos.
utilizados na “orquestra” do Carimbó;
Ao final de cada uma das duas etapas
confeccionar esses instrumentos; transmitir/
iniciais, Mestre Lucas ensinava aos alunos
apreender saberes em relação à prática de
como tocar os curimbós, maracas e milheiros.
cada instrumento de percussão; viabilizar
O envolvimento dos alunos foi positivamente
diálogos e trocas de experiências entre
surpreendente, conforme me relatou Mestre
acadêmicos e Mestres da cultura popular e
Lucas.
outros detentores de expressões tradicionais na localidade.
A última etapa aconteceu no momento da culminância do módulo, em que uma
A Oficina inserida neste Módulo foi
grande “orquestra” se formou com a
dividida em três etapas: 1) construção de
participação de alunos e de integrantes do
curimbós; 2) construção de milheiros e
Grupo Sancari. Deu-se em espaço aberto do
maracas; e 3) experiência musical.
campus da Universidade Federal do Pará e
A primeira etapa foi a mais longa, trabalhosa para
e
Mestre
32 TUCUNDUBA
desgastante
fisicamente
Lucas. Constou
de
três
contou com a apreciação de muitos curiosos que por ali passavam.
CONTRIBUIÇÕES PARA A ÁREA DE ETNOMUSICOLOGIA
do Pará. Na esteira do tema anterior, comentouse a respeito de agenciamentos ligados
Ao longo de todo o módulo, Mestre
à campanha junto ao IPHAN em favor de
Lucas mostrou-se bastante solícito em
o Carimbó tornar-se patrimônio cultural
relação aos questionamentos dos alunos,
brasileiro, a exemplo de políticas públicas
que abrangeram questões não apenas da
necessariamente se voltarem às comunidades
ordem estrita da produção sonora. Temas
tradicionais protagonistas desta expressão e
importantes para a Etnomusicologia foram
da construção de uma identidade musical e
tangenciados a partir dos debates entre
cultural regional com base forte no Carimbó.
Mestre Lucas e as turmas de Graduação e
A Etnomusicologia encontra ressonância
Pós – dentre as quais: 1) mudança cultural;
no “Encontro de Saberes” na medida em que
2) sustentabilidade e patrimonialização;
o Projeto valoriza saberes e práticas musicais
3) políticas públicas; e 4) formação de
enquanto reflexo de práticas socioculturais
identidades – e com base em textos teóricos
e, ao mesmo tempo, enquanto geradoras de
discutidos em classe em momento inicial do
culturas, comportamentos, modos de vida e
Módulo.
visões de mundo. Ainda, confere atenção a materializou-se
saberes e práticas culturais expressivas tais
em discussões nos âmbitos da música e
como as do Carimbó, que por um lado teriam
da performance relacionadas às práticas
perdido visibilidade na cena musical local de
antepassadas do Carimbó, que remontam
Belém do Pará, mas que por outro se mantém
o século XIX, e ao surgimento de grupos
reconhecido
artísticos e folclóricos, a partir da década de
regional.
O
primeiro
tema
como
símbolo
identitário
1970, em Belém e particularmente no interior
fonte: SANCARI - 2014
TUCUNDUBA 33
OFICINA DIVERSIDADE E DIFERENÇA MINISTRADA PELO MESTRE TIXNAIR TEMBÉ Liliam Barros
34 TUCUNDUBA
PREPARAÇÃO
Festa do Moqueado e a Festa do Mingau. Tixnair propôs chegar uma semana antes do
O Mestre Tixnair Tembé estava morando
início das aulas para preparar os materiais a
na aldeia Tekohaw, no Gurupi, fronteira entre
serem utilizados em sala e solicitou a compra
Pará e Maranhão, e estávamos sempre em
de papel, canetinha, cartolina, fita durex e
contato através do telefone de uma liderança
cola. A Escola de Música apoiou o projeto
local, o Sr. Waldecir Tenetehara, chefe
financiando a hospedagem e alimentação do
da FUNAI local. Através das professoras
mestre no hotel conveniado com a UFPA, no
Eneida Assis e Carmem Izabel Rodrigues
caso, o Hotel Regente. Vieram, então, Tixnair
(antropologia/UFPA) e da pesquisadora
Tembé e Waldecir Tenetehara para Belém.
Claudia Lopez Garcés (antropologia/MPEG)
Waldecir seria o assistente, mas, em razão
fiquei sabendo da maestria de Tixnair
de sua condição de liderança, foi chamado
na condução das cerimônias e tradições
urgentemente para reuniões em Brasília e
culturais Tembé após a morte de seu pai
para tratar de assuntos relativos à invasão
– Chico Tembé – poderoso pajé e sabedor
nas terras indígenas Tembé na área de
dos cantos, danças, rituais e da cultura
Capitão Poço, de forma que não foi possível
geral deste povo. Após contato inicial com
permanecer para o módulo. Todavia, foi
Tixnair por telefone, foi combinado que ele
possível realizar entrevistas com ele também.
ministraria aulas sobre a Festa da Moça Nova
No hotel, Tixnair tinha a tranquilidade para
Tembé, que embute duas outras festas – a
estudar e preparar suas aulas. Ao longo da
TUCUNDUBA 35
semana de preparação, o mestre foi algumas
tiveram como objetivo fortalecer o material
vezes na sede da FUNAI de Belém para ter
para ministração de suas aulas nas aldeias.
acesso a livros que falavam sobre a história
A primeira delas foi na FUNAI, conforme
Tembé e sobre a história de uma liderança
relatado acima, teve como objetivo ter
feminina fundamental para o processo de
acesso à bibliografia sobre seu povo e obter
reorganização deste povo – a Sra. Veronica
informações sobre Verônica Tembé para
Tembé, falecida em 2012. Durante o período
basear a confecção do banner. Este banner
de preparação das aulas, o grupo que havia
seria utilizado numa festa em homenagem a
escolhido a cultura Tembé para realizar o
ela, cuja preparação estava sendo feita desde
trabalho final teve a possibilidade de realizar
aquele momento. Depois Tixnair pediu que
entrevistas com o mestre no hotel e, para isso,
o levasse ao Museu Paraense Emílio Goeldi.
utilizaram gravador digital. A bolsista Lohana
Marcamos, então, uma visita à Reserva
Gomes e eu estávamos sempre à disposição
Técnica Curt Nimuendajú, localizada no
do mestre para o que ele necessitasse. Tendo
Campus de Pesquisa do Museu Paraense
em vista falar sobre a atuação da Senhora
Emílio Goeldi, cuja curadoria é da antropóloga
Verônica para os alunos e, ao mesmo tempo
colombiana Claudia Lopez Garcés, sob
homenageá-la, Tixnair solicitou a confecção
responsabilidade
de um banner com o histórico desta liderança
Karipuna Suzana Primo. A visita à Reserva
feminina. Também durante o período de
Técnica foi muito rica. Suzana Primo, sabendo
preparação para as aulas, Tixnair desenhou
que se tratava de um parente indígena, fez
em cartolinas os principais elementos visuais
uma exposição sobre os artefatos Tembé
para que os alunos entendessem a Festa da
coletados por Curt Nimuendajú e Frederico
Moça Nova e que ele mostraria durante as
Barata. Tais artefatos consistiam em flechas,
aulas. Decidiu, também, os tópicos que iria
alcangataras,
abordar:
maracás. Tixnair tomou fotografias e disse
técnica
da
socióloga
tornozeleiras-chocalho
e
1. A história do povo Tembé;
que atualmente não se fazem mais maracás
2. A história do Maíra e do Mairaí;
como aqueles, com estilo tipicamente Tembé.
3. Os momentos da Festa da Moça Nova e
Os maracás atuais possuem forte influência
seus significados;
Kaapor. Tixnair pretende que, através
4. Os cantos do dia e da noite, ligados à
das fotografias, possam refazer maracás
Festa da Moça Nova;
iguais àqueles (ressalta-se que fotografias
5. Ensinar dois cantos compostos por ele
são permitidas apenas aos índios. Demais
para os alunos, na língua Tembé;
pesquisadores necessitam de autorização
6. Algumas explicações sobre fauna e flora
e termo de responsabilidade especial para
a partir da perspectiva Tembé.
acessá-las). Posteriormente a visita de
Importante
que
Tixnair foi ao Parque do Museu Paraense
Tixnair fez algumas pesquisas por conta
Emílio Goeldi, localizado no centro da cidade.
própria na cidade, sempre auxiliado por
O objetivo da visita ao parque era procurar
mim e pela bolsista Lohana. Tais pesquisas
algumas plantas que Verônica Tembé havia
36 TUCUNDUBA
mencionar,
ainda,
plantado anteriormente por ocasião de sua
seres
visita a Belém, todavia, não encontramos as
encantados pelos Tembé, responsáveis pela
plantas. Tixnair aproveitou para conhecer
guarda da floresta. Segundo ele, o caçador
a exposição dos Kayapó Mebengrokê, cujo
desavisado que mata muitos bichos de uma
catálogo de artes foi lançado por ocasião
só espécie, com intuito outro que não seja a
da Feira Pan-Amazõnica do livro em Belém,
alimentação, ou mata bichos com espíritos
em maio de 2014, e cujos materiais estavam
potencialmente perigosos como a onça, ou
à venda na lojinha do Museu. A exposição
mata fêmeas grávidas, são castigados pelos
contava, entre outras coisas, com mostra
encantados, rodando perdidos na floresta ou
de alguns animais empalhados, os quais
“mundiados”, ou ainda loucos e enfermos.
Tixnair tomou fotografias com o objetivo de
Todavia, aquelas reproduções não surtem
mostrar a seus alunos. Durante o passeio pelo
efeito por estarem num ambiente de mata
Parque Zoobotânico, Tixnair foi detectando
muito pequeno. Tixnair tomou fotos para
a diversidade de árvores, plantas, frutos e
mostrar aos seus alunos.
bichos presentes no parque, fazendo um raio-X daquele micro-bioma.
sobrenaturais
são
considerados
A última instituição visitada por Tixnair com o objetivo de pesquisa foi o projeto
Ainda em busca das plantas de dona
POEMA, na UFPA. Na área do POEMA há
Verônica, Tixnair manifestou interesse em
uma maloca construída pelos Tembé, e
visitar o Bosque Rodrigues Alves, localizado
Tixnair desejava verificar as condições da
no bairro do Marco. Lá, percorreu todas as
maloca. Fomos lá e Tixnair me disse que a
trilhas do bosque, identificando as espécies
maloca estava necessitando de reparos no
de árvores, os rastros dos bichos, os caminhos
teto, feito com palhas trançadas em padrões
que os bichos fazem para beber água e para
tipicamente Tembé. As estacas são todas
ir para suas casas, identificou as casas dos
enclavadas e não é utilizado pregos. Após
bichos, sendo que alguns tinham duas casas!
todas essas visitas de pesquisa, tiveram início
Identificou uma árvore importante para o
os módulos que serão contados a seguir.
povo Tembé – a tauari. Trata-se de uma árvore enorme com raízes separadas em pequenos gabinetes,
onde
ficam
escondidos
os
DESENVOLVIMENTO DA OFICINA
caruanas. A casca do tauari é usada para feitura do cigarro de tauari, usado nas pajelanças
No primeiro dia de aula o mestre iniciou
para defumar os doentes. Segundo Tixnair,
ensinando algumas palavras nas línguas
o cigarro é apenas soprado e não aspirado
Tembé, Guajajara e Kaapor. Escreveu no
pelos pulmões. Ele mencionou diversas
quadro cada palavra nas três línguas e explicou
vezes que em sua aldeia o uso do tauari e das
as diferentes sonoridades da pronúncia de
bebidas fermentadas é feito apenas durante
cada uma delas, depois pediu aos alunos
as cerimônias. No Bosque Rodrigues Alves
que repetissem, pedido que foi prontamente
encontramos duas estátuas representando
atendido pelos alunos. Depois explicou todo
o Curupira e o Mapinguari. Ambos os
o processo de luta do povo Tembé para
TUCUNDUBA 37
conquistar suas terras – processo no qual
se referiam a animais específicos, com
Verônica Tembé teve papel fundamental
diversas simbologias que ele explicou em
– e para reorganizar as famílias Tembé
outro momento, como veremos a seguir.
que estavam desbaratas e marginalizadas
Mencionou que assim que a moça fica
em razão do processo colonizador. Falou
menstruada ela é conduzida à “tocaia”,
também de como procede atualmente
onde fica reclusa por sete dias ou enquanto
enquanto professor das escolas indígenas, na
o fluxo menstrual durar. Desta forma, com
medida em que ensina conteúdos da própria
as pinturas, a reclusão e a dieta específica,
cultura Tembé, com o intuito de fortalecer
ela não fica vulnerável à ação dos caruanas
a cultura entre as crianças e jovens. Ao
– os espíritos dos animais. Para a realização
falar do processo de retomada das terras, o
da festa, é necessária uma preparação de
mestre apresentou o banner confeccionado
meses de antecedência, incluindo a caça
pelo projeto e ressaltou a importância da
dos animais específicos da dieta para esta
liderança da Sra. Verônica que não permitiu
festividade – os animais do dia e os animais
que os Tembé fossem transferidos para
da noite. Antigamente esta festa era feita
outros lugares, garantindo a conexão deste
para cada moça, atualmente, em razão da
povo com a sua terra ancestral e a ligação
escassez de caça (há um problema sério
com as demais famílias Tembé, bem como
com caçadores ilegais não-índios na reserva
com os grupos indígenas vizinhos com
indígena), a festa só é feita uma vez por ano,
os quais possuem relações de amizade e
e todas as meninas que se tornaram moças
intercâmbios culturais, como os Kaapor e
naquele ano participam desta festa. No ano
Guajajara. A cada informação que o mestre
de 2014 a festa foi realizada na semana de
dava, era interrompido por um mundaréu de
26 de julho e durou sete dias. A realização
perguntas dos alunos, tanto na graduação
da festa requer, também, a presença de
quanto na pós-graduação, assim, o mestre
um pajé cuja função é manter o equilíbrio
era estimulado a tratar de vários tópicos
espiritual da aldeia. Neste caso, o próprio
relacionados com sua cultura, desde questões
Tixnair é o pajé, assumindo a função que seu
de gênero e parentesco (casamento com
pai desempenhava no passado. Tixnair não
não-índios ou com outros grupos indígenas)
se considera tão preparado quanto seu pai,
até questões de criação musical.
todavia, ele tem o respeito e respaldo de seu
No segundo dia de aula, foi abordada
povo para a realização destas cerimônias.
a Festa da Moça Nova. O mestre iniciou
Após a caça de alguns animais como paca,
explicando que a festa se realiza uma vez
veado, cutia e outros, realiza-se a Festa do
por ano e está ligada à primeira menstruação
Moqueado. Os animais são tratados pelos
da menina que então se torna moça. Para
homens e moqueados pelas mulheres, que
ministrar esta aula o mestre valeu-se dos
servem a porção de cada pessoa durante
desenhos que havia feito. Apontando para
as refeições. Ao longo do dia cantam-se os
o primeiro desenho, o mestre demonstrava
“cantos do dia” e os “cantos da noite” que,
a moça nova pintada com desenhos que
por sua vez, referem-se aos “animais do
38 TUCUNDUBA
dia” e aos “animais da noite”. Os “animais
os cantos são acompanhados pelo maracá,
do dia” são mais perigosos que os “animais
percutido apenas pelos homens. As mulheres
da noite”, pois, segundo o mestre, possuem
acompanham cantando e dançando. Os
tendência a ficar “loucos” e se deixam ver,
cantos possuem refrão e estrofes, os refrãos
não se intimidam com o ser humano, a dança
são repetidos por todos.
é pulada em roda. Ainda segundo o mestre,
Afora os cantos das Festas da Moça
seus cantos são mais rápidos. Os “animais
Nova, havia o uso da trombeta. Trata-se
da noite” são menos perigosos e seus cantos
de um aerofone feito de madeira cortada
são mais lentos, a dança é em roda apenas
em duas metades coladas com um breu,
com a batida do pé direito. Os cantos são
com a presença de um bocal no estilo
propriedade coletiva e são aprendidos
trompete, desbastado na própria madeira. O
a partir da incorporação do espírito do
instrumento é todo revestido de um trançado
animal pelo pajé. Quando o pajé incorpora
nos padrões Tembé, o que lhe confere uma
o espírito do animal, este canta seu canto,
beleza única. Sua função é comunicacional,
e todas as pessoas aprendem, tornando-
anunciando chegadas, partidas e outras
se, então, parte do repertório do grupo.
formas de aviso que Tixnair não chegou a
Tixnair mencionou que qualquer pessoa pode
detalhar. O último tocador desta trombeta
incorporar espírito dos animais a partir dos
faleceu há alguns anos, e seu filho, por
cantos e aprender novos cantos, todavia, há
tristeza, não quis mais tocar, apesar de saber
necessidade de ter um pajé para manter um
confeccionar e tocar o instrumento. Tixnair
equilíbrio e conseguir “puxar” a pessoa de
disse saber confeccionar o instrumento e
volta. Ele diz que é possível ter domínio sobre
prometeu doar um para a UFPA.
os cantos e não incorporar, como ocorreu
Além da Festa da Menina Moça, havia
em sala de aula, ocasião em que ele cantou e
também a Festa do Milho que hoje não é
não incorporou os espíritos. O mestre disse,
mais realizada. Segundo Tixnair, a realização
ainda, que não se sente forte o suficiente
desta festa exige a presença de um pajé
para aguentar sozinho os espíritos de alguns
forte, pois atinge espíritos muito poderosos
animais, haveria necessidade de ter outro
cuja fortaleza, se não for dominada por um
pajé para ficar ao seu lado e lhe “puxar”.
pajé experiente, pode trazer malefícios para
Caso isso não ocorra, pode haver malefícios
toda a coletividade. Isso acontece, também,
coletivos para a aldeia. O mestre fez uma
em outra festa denominada Festa do Mel.
relação dos “cantos do dia” e dos “cantos da
Ambas possuíam repertórios específicos e
noite”, indicando os nomes em português
não ocorrem mais nas aldeias Tembé. Apesar
e na língua Tembé. Para cada canto há um
dos mais velhos conhecerem todos os ritos e
animal, então ele ia descrevendo o modo
mitos vinculados a elas, a não existência de
de ser de cada animal, seus hábitos diurnos
um pajé experiente inviabiliza a realização da
ou noturnos, sua forma de andar no mato,
mesma.
de comer, suas pegadas, sua personalidade
No terceiro dia de aula Tixnair contou a
e instinto e seus habitats preferidos. Todos
história de Maíra e Mairaí, trata-se da saga de
TUCUNDUBA 39
um herói cultural, criador das coisas, Maíra,
dificuldade, pois a música na realidade é
e de seu ajudante, Mairaí, os quais Tixnair
acompanhada pelo maracá, e os alunos não
traduziu como Deus e Jesus, para que os
conseguiam determinar o tempo inicial de
alunos entendessem. Este tema despertou
cada unidade de tempo, por desconhecer
o interesse nos alunos em saber acerca
o sistema musical e o próprio canto/letra.
da introdução do cristianismo nas aldeias
No final do módulo, os alunos fizeram uma
Tembé, pelo que Tixnair mencionou que ele
homenagem a Tixnair cantando músicas
não permite igrejas em sua aldeia, apesar
populares para ele, e manifestaram suas
de existirem algumas pessoas evangélicas
impressões sobre o módulo.
e uma assistência de alguns moradores às festividades católicas realizadas por uma comunidade quilombola que mora nas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
cercanias, em lugar não precisado por ele. Maíra foi criador da mandioca, dos fazeres,
A experiência com o mestre Tixnair
das comidas, da luz e do dia, da noite e dos
Tembé
possibilitou
a
ampliação
da
animais, e Mairaí era seu filho, possuía alguns
compreensão da prática musical vinculada
dons espirituais, mas não era tão poderoso.
a outros saberes como o conhecimento da
No último dia Tixnair ensinou duas
biodiversidade; a compreensão de processos
músicas criadas por ele e que são utilizadas
específicos Tembé de criação, circulação,
em suas aulas nas aldeias do Tekohaw e
ensino e aprendizagem e renovação musical
Itaputyre. As músicas foram escritas à mão
a partir dos cantos vinculados à Festa da
por ele e depois digitadas pela bolsista
Menina Moça e das relações simbólicas que
Lohana, as cópias foram entregues aos
compõem uma cadeia Inter comunicacional
alunos. Tixnair primeiramente explicou que
a partir dos domínios estéticos da pintura,
aquelas músicas não trariam espíritos dos
dança, música e mito. Junto com isso,
animais. Ele resolveu falar isso em respeito
oportunizou-se a percepção de sistemas
aos alunos evangélicos presentes na sala,
sonoros e linguísticos diferenciados a partir
mencionou, ainda, respeitar as diferentes
da prática dos cantos criados por Tixnair e
religiões. Depois, ensinou a pronúncia de
a observação do ciclo infinito entre música,
cada palavra e sua tradução (já transcrita
natureza, humanidade e território indígena.
no texto entregue aos alunos) e, só depois,
A percepção da maestria de um líder indígena
ensinou a melodia juntamente com a letra.
e seu domínio técnico, grande conhecimento
Por fim, pediu aos alunos que se levantassem
filosófico e liderança de seu povo e o aumento
e cantassem batendo os pés no chão. Assim
do respeito e interesse em ter contato com
ocorreu com as duas músicas compostas por
a pluralidade e riqueza cultural indígena
ele. Ao final da aula, Tixnair cantou uma das
brasileira,
músicas dos espíritos dos animais, sozinho,
representaram enorme contribuição para a
mas pediu que os alunos batessem o pé junto
formação dos licenciandos como professores
com o canto dele. Os alunos sentiram alguma
e como cidadãos.
40 TUCUNDUBA
notadamente,
amazônica,
Telhado do POEMA na UFPA Dayanne Eguchi
TUCUNDUBA 41
BOI-BUMBÁ ESTRELA D’ALVA: Conhecimento tradicional na academia
Brena Cordovil Daniela Lira Flávia Bandeira Luana Raquel Mara Lúcia Rayssa Macedo
42 TUCUNDUBA
INTRODUÇÃO A
divisão
A MANIFESTAÇÃO – BOI-BUMBÁ ESTRELA D’ALVA entre
as
esferas
do
conhecimento científico e tradicional é
PERSONAGENS E ENREDO
um paradigma ocidental recente, forjado na modernidade e que traz em si uma
Enredo significa intriga ou trama e,
determinada concepção do que é a educação,
num texto narrativo, designa a sucessão de
que é também cultural e permeada por
acontecimentos que compõem a ação de
ideologias.
uma obra de ficção. O Boi Estrela D’alva é
Para discutir isso, o curso de graduação
uma prática cultural que trabalha expressão,
em música da Universidade Federal do Pará
enredo, música que mostram um pouco do
foi exposto ao projeto nomeado Encontro
cotidiano dos que integram o Boi.
de Saberes, promovido pela Universidade
O Boi, como parte da cultura popular,
de Brasília, a fim de promover a inserção
pode se adaptar dependendo do contexto
de outras bases de conhecimento, a partir
em que se encontra. De acordo com DIAS
do conhecimento dos mestres da cultura
JR. (2010), na maioria das encenações, o
popular. O objetivo do projeto é promover
desfecho se dá com a morte do Boi e Pai
o diálogo entre os saberes acadêmicos e os
Francisco (Preto Velho), que faz represália
saberes tradicionais, populares e indígenas,
aos seus antepassados.
além de contribuir para o processo de
Menezes
(1972),
citado
por
Dias
reconhecimento de mestres de artes e ofícios
Jr. (2010), atribui esse comportamento
como docentes no ensino superior.
às reminiscências nobres presentes na
Para representar o diálogo em questão,
linhagem dos cativos "que não podendo
a disciplina Sociologia da Música foi dividida
impor-se pela força ou violência" recorriam
em quatro módulos, contando cada módulo
à sátira para manifestar seus sentimentos.
com um mestre de saber tradicional e um
Diferentemente do enredo do Boi do amo
professor parceiro. Para esse trabalho foi
Beto, onde Pai Francisco tem apenas o desejo
realizada uma pesquisa acerca de uma
de satisfazer a vontade de sua esposa sem o
manifestação em específico, o Boi-Bumbá
sentimento de vingança.
Estrela D’Alva, conhecimento pertencente ao saber tradicional de Mestre Beto.
O início do enredo se dá com o Rolarola, que é a música introdutória, na qual
TUCUNDUBA 43
os personagens são apresentados. Entra a
anos, durante os meses de maio e junho,
Mãe Maria, o Amo, o Capataz, os Vaqueiros,
os brincantes e mais algumas pessoas que
o Doutor, o Pajé, a Tuxaua, a Maloca, as
não participam das apresentações, mas se
Catirinas, Cazumbá e por último Pai Francisco
envolvem por puro prazer, se dedicam nas
que atira no Boi, então a música encerra e
preparações e nas apresentações do boi.
começa a comédia.
Os ensaios acontecem durante a noite
Pai Francisco era um preto velho
no curral do boi. Todos os anos o boi Estrela
que vivia na área de pastagem do animal,
D’Alva traz novas toadas (canções) compostas
uma vez que sua esposa, Catirina, grávida,
pelo amo Beto. Segundo ele, sua inspiração
sentira o desejo de comer a língua do boi,
para compor as toadas vem de seu dia-a-dia
ele resolve feri-lo, mas o Amo ao ver o que
e da própria convivência na comunidade, o
havia acontecido com o seu Boi cobrou dos
amo não atribui nenhum sentido religioso
Vaqueiros, que acusaram o Pai Francisco.
nem á toadas, nem á manifestação em si.
Estes foram capturá-lo, mas não conseguiram
As apresentações se dão de forma
trazê-lo, pois era um homem rude. Foi
lúdica, onde todos os brincantes devem
necessário, então, o Amo chamar o Tuxaua
estar caracterizados de acordo com os seus
e toda a Maloca para trazer o Pai Francisco
personagens e, por isso, são confeccionadas
até ele. Quando questionado pelo Amo, Pai
novas fantasias todos os anos. Todos
Francisco explica que queria satisfazer o
se envolvem nessa fase e cada um fica
desejo de sua esposa grávida, então o Amo
responsável por pelo menos uma etapa da
desejando salvar o seu boi, convoca o Doutor
confecção de sua fantasia.
para curá-lo, mas este não tem sucesso, então o Pajé foi chamado e, através de rituais
DIFICULDADES
de pajelança, o Boi levanta. As
melodias
são
importantes
na
Mestre Beto é o único que arca com todas
manifestação. Os brincantes e o Boi desfilam
as despesas da manifestação. O material
enquanto o amo canta as toadas e ainda
para a confecção das fantasias, o transporte
o acompanham os músicos que tocam a
até as localidades das apresentações e
barrica e o xeque-xeque. As letras das toadas
a alimentação durante os trabalhos de
narram a comédia enquanto os brincantes
confecção das fantasias e ensaios, tudo sai
entoam os coros.
do bolso do próprio amo que poupa uma parte do seu salário de pedreiro e carpinteiro
PREPARATIVOS
durante o ano todo com essa finalidade. Mas arcar com estes custos está cada vez mais
O que começou com uma brincadeira
difícil, pois os materiais ficam mais caros
para as crianças da rua, foi tomando forma.
com o passar dos anos e a manifestação fica
E hoje, o boi estrela D’Alva possui entre 80
cada vez menos valorizada. O único apoio
e 85 brincantes. Estes são moradores das
financeiro que o boi recebe vem da FUMBEL,
redondezas do curral do boi. E, todos os
que consiste em uma quantia aproximada
44 TUCUNDUBA
Crianças que tocam no boi estrela D’Alva. Fonte: Vídeo Youtube
de R$1.300,00 que só é entregue depois do período de apresentações, mas segundo os
A IMPORTÂNCIA DO BOI PARA OS BRINCANTES
relatos do Mestre Beto, essa quantia é muito inferior aos gastos que ele tem. No entanto,
A importância desta manifestação para
mesmo assim ele continua firme em não
os participantes vai além das apresentações.
pedir ou cobrar nenhuma ajuda financeira de
Muitos dos brincantes têm o Boi Estrela
seus brincantes. Muito pelo contrário, ele se
D’Alva como parte de suas vidas e estão
sente em dívida com aqueles que participam
emocionalmente ligados ao Boi. Isto é
da brincadeira. E, a seu ver, a única forma
perceptível em relatos, como o do rapaz que
que ele tem de recompensá-los é durante a
assumiu o posto de tripa do Boi. Cleto, que
“ferração” do boi. Esta consiste na festa de
participa deste Boi há treze anos, afirma se
encerramento do período de apresentações
arrepiar e chorar quando escuta as canções de
do boi. Nela, além de ser feita a cerimônia
despedida. Sua ligação começa na infância,
de “ferração” do boi, o amo contrata uma
quando apenas observava as apresentações.
aparelhagem e oferece almoço e bebida para
Em seu testemunho ele afirma que sentia
os brincantes como um agradecimento pela
uma alegria muito grande em apenas usar
participação e pelo trabalho dos brincantes.
o chapéu de um dos vaqueiros. Ele ainda
TUCUNDUBA 45
diz sentir prazer por fazer parte do grupo e
séria. Seu Solino honrou Dona Tereza
orgulho pelo seu posto.
passando o Boi Estrela D’Alva para a sua
Em outro depoimento, dona Jurema,
administração, para que então, aos 28 anos,
esposa do mestre Beto, relata a importância
Mestre Beto assumisse a posição de maior
do Boi como uma tradição, pois a mãe de seu
honraria dentro da manifestação, ser o Amo
Beto pediu que eles não permitissem que a
do Boi.
manifestação acabasse. Menezes (1972),
Dias Jr. (2010, p. 79) relata que,
citado por Coimbra (2009), diz que, participar
[...] os bumbás estavam reorganizados e em maior número, restabelecendo os “encontros” agora marcados pela “briga entre bairros”. [...]. Os “amos” eram respeitados pelo poder de improvisação nos encontros onde a arma de combate era a resposta pronta, a glosa ao mote do contrário.
do Boi gera uma grande sociabilidade entre os brincantes. Homens, mulheres e crianças seguem o Boi pelos bairros e eles acabam tornando este evento num momento de distração. A contribuição destes é de forma dinâmica, pois todos estão muito envolvidos nos ensaios e na preparação dos trajes.
Foi nesse cenário que Mestre Beto cresceu, vendo em tantos outros bois, mas especialmente no “Malhadinho” e no “Tira-
SOBRE O MESTRE BETO Natural de Belém, Alberto Costa Melo Mestre Beto - construiu uma longa jornada de cinquenta e cinco anos brincando e cantando a brincadeira do Boi-Bumbá. Aos 62 anos é Amo do Boi Estrela D’Alva, proprietário e cantador das toadas. O mestre começou a participar da manifestação ainda cedo, em 1959, assistido pela sua mãe, Dona Tereza, aos sete anos de idade. Para ele a festa ainda não passava de uma brincadeira de criança em frente à casa de seu vizinho, Solino Rodrigues da Costa, no Guamá, bairro localizado a sul de Belém, capital do Pará. Mestre Beto conta que Seu Solino tinha vários filhos e muitas outras crianças que gostavam de brincar, mas por uma questão de deslocamento optou por confeccionar um “boizinho” de paneiro para eles. A criançada tomou gosto e posteriormente virou coisa
46 TUCUNDUBA
Fama”, o exemplo de como produzir o seu próprio boi. Aprendeu a fazer as fantasias, encourar barricas, criar toadas e todos os pormenores da manifestação. Essa importância do saber do mestre vem do vínculo com o Boi desde a sua infância, quando ele apenas observava e aprendia sobre a tradição, além de toda a responsabilidade que ele traz sobre si, afinal, a manifestação só permanece pela sua iniciativa e por se sentir responsável em manter o legado de sua mãe. Identidade histórica e entretenimento são
duas
importantes
consequências
promovidas pelo saber do mestre Beto. A perpetuação do boi Estrela D’Alva traz consigo significados históricos que desencadearam a atual identidade da população belenense, ou mais especificamente dos moradores do bairro do Guamá. O enredo do boi, as toadas, as vestimentas dos personagens, as formas de tocar, a arte em si, prestam serviço à história cultural no sentido de desenhar um
período onde hábitos de diferentes povos
de tradições populares oriundas de diversos lugares.
passariam por uma "primeira miscigenação", a miscigenação de costumes. De acordo com Dias Jr. (2010, p. 82), A forte relação dos bumbás com os cultos da religiosidade afro demonstra a aproximação da cultura popular urbana com as reminiscências da ancestralidade negra e escrava na Amazônia, um aspecto do hibridismo cultural presente nos bairros de periferia de Belém.
Essa realidade reflete a importância do saber do mestre em promover conhecimento cultural. Na verdade, a arte em si é responsável por promover as concepções e tendências de determinado período. Como afirma Palisca, Somos tentados a crer que existe, de fato, uma relação estreita - e não só no século XVII, mas em todas as épocas entre a música e as outras atividades criadoras do homem, que a música produzida em determinada época não pode deixar de refletir de forma adequada à sua natureza própria as mesmas concepções e as mesmas tendências que se exprimem nas outras artes contemporâneas (GROUT & PALISCA, 2001, p. 308).
Além da identidade histórica, o fazer do mestre produz um dos provedores do bem estar, o entretenimento. Que nada mais seria do que promover diversão aos seus brincantes. Isso é confirmado por Dias Jr. (2010, p. 82) quando diz que: O boi bumbá é um entretenimento popular que ajuda a compreender costumes e aspectos da vida social brasileira, ironizados e carnavalizados por “homens do povo” que dedicam tempo e atenção realizando seus espetáculos nas ruas, praças, currais e teatros, manifestando suas identidades por meio da perpetuação da tradição e de traços ancestrais que resistem às transformações do tempo. Uma expressão da cultura popular brasileira que cresceu juntamente com os subúrbios de cidades como Belém, envoltas em um mosaico
O SABER ACADEMIA O
TRADICIONAL
projeto
encontro
de
NA
saberes
realizado na UFPA proporcionou a relação do
conhecimento
acadêmico
com
os
saberes tradicionais da cultura popular. Essa experiência única permitiu aos licenciandos em música, uma visão abrangente da diversidade de práticas musicais, gerando uma reflexão acerca do reconhecimento, valorização
e
até
da
validação
do
conhecimento de tradição oral. Para Schön (apud ARAÚJO 2006, p. 145), A prática reflexiva deve ser considerada como um elemento-chave da educação profissional, pois favorece o encontro de respostas às situações novas do cotidiano docente. Segundo ele, deve-se integrar teoria com prática, por meio da reflexão-na-ação e sobrea-ação, ou seja, do aprender por meio do fazer.
Nesse módulo, foi possível vivenciar e participar dos bastidores do Boi-Bumbá Estrela D’alva, tendo a oportunidade de aprender muito sobre essa manifestação, desde o enredo, a decoração do boi, o canto e até a dança que o acompanham: Para saber o que é música e quão musical é o homem, precisamos nos perguntar quem escuta e quem toca ou canta em uma dada sociedade, e por quê. Esta é uma questão sociológica e situações em diferentes sociedades podem ser comparadas sem referência alguma às formas superficiais da música (BLACKING, 2000, p. 64).
Essa concepção de Blacking é justificada quando observamos a construção das
TUCUNDUBA 47
Acervo LabEtno
práticas musicais do Boi-Bumbá inserida em
Esse contato com o mestre Beto
um contexto específico de alguns bairros de
permitiu que os graduandos conhecessem a
Belém, restrito a um determinado número de
manifestação e reconhecessem a figura do
pessoas e não incorporado em todo o Estado.
mestre, como um promotor do conhecimento
Blacking também afirma que,
não só na música, mas também nas artes
As funções da música na sociedade podem ser fatores decisivos na promoção ou inibição de habilidade musical latente, bem como a escolha dos materiais e conceitos culturais a partir do qual a compõem. Nós não seremos capazes de explicar os princípios de composição e os efeitos da música até que não compreendamos melhor a relação entre a experiência musical e experiência humana (2000, p. 67).
48 TUCUNDUBA
plásticas e coordenação do grupo. Aliás, essa iniciativa de trazer o mestre de Boi-Bumbá para dentro da universidade é bastante relevante, pois esse mestre está às margens do conhecimento científico, sendo que o conhecimento que ele possui é imenso e tem fortes indícios de que esteja próximo da extinção, afinal, não existem atualmente
pessoas dispostas a assumir e preservar a
saberes tradicionais, de forma a incentivar
manifestação com o mesmo interesse.
a participação em diferentes experiências
Com o reconhecimento e valorização
musicais já vividas fora da academia, para
desse mestre, será possível resgatar e inserir
então estender a investigação e conhecer os
os saberes de tradição oral na academia, visto
processos de apropriação musical a partir dos
que, o ensino da música não se dá somente a
mestres envolvidos.
partir do ensino conservatorial e formal. Provavelmente, os licenciandos em
A música no contexto do Boi-Bumbá Estrela
D’Alva
opera
com
materiais
música da UFPA terão uma visão ampliada
específicos do grupo, apresentado com
e diferenciada daqueles que não tiveram
suportes específicos, que determinam os sons
esse contato com os mestres e seus
e suas combinações, formas específicas de
conhecimentos. De certo, foi um momento
reconhecer, criar, compartilhar a mensagem
ímpar e fará toda a diferença para os que
da manifestação.
puderam vivenciar e principalmente para a
Em meio às várias discussões sobre
manifestação que, certamente ganhou novos
estes múltiplos espaços onde ocorre a
seguidores.
criação musical tradicional, nenhuma há uma definição precisa acerca dos termos a serem utilizados ou considerados mais adequados
CONSIDERAÇÕES FINAIS
para se tornar acadêmico. Dessa forma, é necessário fazer reflexões sobre a forma como
As
contribuições
desta
pesquisa
o estudo dessa música específica se constrói,
outros
possíveis
para encontrar verdadeira herança, sem o
estudos que possam verificar a importância
risco de descuidar-se com as peculiaridades
do processo de ensino e aprendizagem dos
da manifestação.
tencionaram
fertilizar
SAIBA MAIS ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Formação docente do professor de música: reflexividade, competências e saberes. Música Hodie, v. 6, n. 2, 2006. BLACKING, John. How musical is man? Seattle: University of Washington Press, 2000. COIMBRA, Adriana Modesto. Bruno de Menezes: Reminiscências da cultura africana na
obra Boi Bumbá – auto popular. Belém. 2009. Disponível em: <http://amazoniagraopara.ufpa. br/publicacoes/reminiscencias_cultura_africana. pdf>. Acesso em: 23 de Jun. 2014. DIAS JR., José do Espírito Santo. Boi Bumbá em Belém, uma expressão urbana e popular. Revista Estudos Amazônicos. Pará, vol. V, nº 2, 2010, pp. 75-103. GROUT, D. J & PALISCA, C. V. História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 2001.
TUCUNDUBA 49
O PÁSSARO JUNINO TUCANO Antonio Diego Paula Nascimento Camila Silva Costa Danilo Rosa dos Remédios Gabriel Barros de Souza Lenno Yuri Siqueira Soares Silvana Pereira da Cruz Yudae Thadeu Galeno Costa
50 TUCUNDUBA
INTRODUÇÃO
teriam se destacado no cenário das festas populares paraenses a partir de 1900, época
O Pássaro Junino é uma manifestação
da Bélle Époque amazônica” (PÁSSARO
cultural popular paraense que acontece,
TUCANO, 2010) e Tito Barata, organizador
como se subentende do próprio nome, no
da Revoada dos Pássaros no IAP, explica
mês de junho, no estado do Pará. É uma das
que “foram os camareiros do Theatro que de
mais criativas manifestações de cultura, que
tanto vestir as estrelas da ópera e ver trechos
combinam teatro, música, dança e literatura,
das encenações das coxias, resolveram eles
com lições de humanidade e respeito à
mesmos montar suas óperas nos bairros onde
natureza.
moravam, ali para os seus pares” (AGÊNCIA
Existem diversos grupos no Estado,
PARÁ, 2014), aproximando um pouco as
com temáticas e nomes variados, dentre
pessoas marginalizadas do Theatro com a
os quais acompanhamos o Pássaro Tucano.
cultura das “óperas” e ao meio artístico.
Acompanhamos de perto durante um mês
Estão divididas em duas vertentes:
o processo de ensaios e apresentações do
o Cordão de Pássaro ou Pássaro Meia Lua
ano de 2014 e queremos, através deste
e o Melodrama Fantasia, que apresentam
texto, expor o resultado de nossa pesquisa,
características diferentes no modo de
feita através de pesquisas de campo,
apresentação. Melodrama Fantasia é uma
pesquisas bibliográficas e entrevistas sobre a
espécie de teatro somado a música e que tem
manifestação popular do Pássaro Junino, em
temáticas dramáticas. Segundo Moura:
especial o Pássaro Tucano, que existe desde o início do século XX, criado por Cipriano e atualmente tem como organizadora, roteirista e produtora Dona Iracema, que há 20 anos está à frente do mesmo.
PÁSSARO JUNINO, CORDÃO DE PÁSSARO, MELODRAMA FANTASIA E SUAS DIFERENÇAS Bruno de Menezes expõe que “se tem registros de apresentações no estado do Pará desde o século XIX. (...) os Pássaros Juninos
A humanidade, no melodrama clássico, se caracteriza por uma dupla divisão: de um lado os maus, e de outro os bons e entre eles não há compromisso possível. Nos melodramas dos autores do pássaro junino o mau, por vezes, um tirano sanguinário, é personificado por um fidalgo transplantado para a Amazônia, um fazendeiro ou um seringalista, o “coronel da borracha”, cujos atos de exploração econômica e violência ainda estão guardados na memória do povo amazônico (apud MAUÉS, 2009, p. 38).
Seus textos complexos e suas ricas alegorias é que os diferem dos Cordões de Pássaros, mas a principal distinção entre eles atualmente são quanto ao enredo dos personagens, mais especificamente o que
TUCUNDUBA 51
acontece com o pássaro no decorrer da história. Podemos dizer que nos pássaros juninos, tanto os cordões quanto os
O SURGIMENTO DO BAMBA DA CURUÇÁ
melodramas fantasias, o pássaro é morto, porém nas últimas décadas, a ave dos
Em 1927, é criado em Belém do Pará,
melodramas fantasia é apenas alvejada,
mais um grupo de uma das manifestações
devido à conscientização ambiental.
mais originais do povo paraense, o Pássaro
Outra observação é quanto ao foco dos
Tucano, fundado por um senhor chamado
enredos dos personagens. Além do tema
Cipriano. Em 1942, o Pássaro Tucano
central da ave, o melodrama agrega outros
consagrou-se campeão, entretanto, deixou
aspectos envolvendo os dramas e sofrimentos
de se apresentar no mesmo ano, devido à
de uma família de nobres e fazendeiros. Essa
morte do senhor Cipriano. O tucano voltou
trama envolve suicídio, morte, vingança,
aos “palcos” no ano de 1980, mediante os
traição, entre outras problemáticas.
esforços de Laércio Gomes e Guaracy de
O Cordão de Pássaro, cujo encontro
Oliveira (conhecido como Ara). Nos anos
maior está no interior do Pará, se apresenta
seguintes, os cuidados do pássaro foram
em espaços abertos em formatos de
passados à senhora Iracema Oliveira (irmã de
semicírculos, com a presença dos integrantes
Ara), que desde então é a Guardiã do Pássaro
em cena o tempo inteiro; já o Melodrama
Tucano.
Fantasia, é característico da capital e
Os ensaios ocorrem na casa da Guardiã,
também é chamado de Ópera Cabocla, pois,
localizada na Rua Curuçá, no bairro do
faz uso de palco, cortina, coxias e iluminação.
Telegrafo e, por esse motivo, o pássaro ficou
Segundo Maués (2010) “em Belém, os
conhecido como o “Bamba da Curuçá”. Os
pássaros juninos receberam a influência dos
brincantes ou atores advêm de profissões
grandes espetáculos — óperas, operetas,
bem variadas. Alguns são vizinhos e amigos
burletas e revistas — encenadas no Teatro
da dona Iracema, outros estudantes de teatro
da Paz, no período faustoso da borracha,
e dança.
a chamada Belle Époque, quando se deu a construção da grande casa de espetáculos” e assim, tentando fazer uma manifestação popular tão grandiosa e glamorosa quanto as
A INSERÇÃO DA DONA IRACEMA NO ÂMBITO DO PÁSSARO JUNINO
obras apresentadas no da Paz; equiparando a produção do povo com a produção da elite.
Em entrevista realizada com a Guardiã
Os grupos são batizados com nomes de
do Pássaro Tucano, em 7 de Junho de 2014,
aves: Tucano, Rouxinol, Tangará, Uirapuru, Beija-Flor, Tem-Tem. Cada Pássaro tem um Guardião, que é o coordenador dos espetáculos e o responsável pelo grupo.
52 TUCUNDUBA
ela expôs que: em 1900 e antigamente, como costumamos dizer, não tinha vocês [pesquisadores] para divulgar esse trabalho. Eu comecei com 7 anos de idade, com meu pai, que dirigiu vários grupos, escreveu várias peças. O
primeiro grupo que eu participei foi a cigarra pintada, onde eu era ‘porta-pássaro’, onde meu pai dirigia. O segundo foi o grupo Quati (...). O pássaro junino se vem ao fato de nós nos apresentarmos só no mês de junho, nós éramos preparados para a quadra junina, mas isso não quer dizer que não se possa apresentar fora de época, aí deixa-se de ser junino e fica só pássaro ou cordão.
o intermédio do matuto, responsável pela carga cômica para a encenação. De acordo com Maués (2010), o Pássaro Junino fala “sobre e para o homem comum” mediante “sua maneira de olhar e entender o mundo, às vezes contraditória, mas, talvez por isso mesmo, ricamente poética”. Outra
ENREDO JUNINOS
DOS
PÁSSAROS
observação
que
podemos
ressaltar é quanto ao clima da dramaturgia, que sempre deriva de momentos de muita tensão vivida pelos personagens da nobreza
Existem várias dramaturgias de pássaros
e que é amenizado pelo papel dos matutos,
e elas não costumam ser encenadas em anos
que com sua irreverencia descontraem o
consecutivos. Mesmo com a mudança anual
público e o conflito ocorrido no âmbito da
das histórias escritas por antigos autores (das
nobreza, porém, na maioria das vezes, além
quais muitos eram donos ou guardiões de
da quebra no clima do drama, a matutagem
pássaro), ainda são contratados dramaturgos
desenvolve
para fazer adaptações das peças trazendo-
contexto e sem fazer relação nenhuma com
as ao contexto atual (em termos de
a cena anterior e a seguinte. A descontração
problemáticas políticas, sociais, econômicas,
feita pelos matutos aborda temas, palavras
ambientais, entre outras) ou escrever novas
e ideias que fazem apologia à sexualidade,
histórias. Um exemplo disso é a Guardiã do
exemplo: macaxeira, cobra, barata, e outras.
pássaro Tucano, Iracema Oliveira; que altera
Portanto, sem essa quebra, a tensão seria
todos os anos parte de cenas, falas e a própria
praticamente insuportável.
cenas
totalmente
fora
de
história, mas sem perder o seu teor original. Uma das partes da dança é o balé, que foi inserido por pessoas que não queriam participar do conto com personagens que
O “ENCONTRO DE SABERES” E “A JUSTIÇA DAS SELVAS”
desenvolvessem diálogos, mas se tornou fixo e hoje em todos os pássaros existe a parte coreográfica do balé.
No projeto “Encontro de Saberes”, organizado e coordenado pelas Professoras
A narrativa do espetáculo gira em torno
Doutoras Sonia Chada e Liliam Barros Cohen,
da caçada, morte e ressurreição de um pássaro,
na Universidade Federal do Pará (UFPA), no
o personagem central. A esta estrutura base,
curso de Licenciatura em Música, por meio da
somam-se outros personagens, a exemplo
atividade curricular Sociologia da Música, na
de fazendeiros, matutos, feiticeira, fada,
turma de 2013, foram apresentados grupos da
soldado, índios e nobres. No caso do Pássaro
cultura popular paraense (Boi bumba Estrela
Fantasia, as histórias são melodramáticas e
Dalva, Pássaro Junino Tucano e o Carimbo do
traduzem a luta do bem contra o mal, com
grupo Sancari) e a cultura, história e rituais da
TUCUNDUBA 53
tribo indígena Tembé.
a presença dos matutos, que fazem parte do
No primeiro dia de encontro do segundo módulo, a turma de 2013 foi apresentada à
núcleo humorístico da peça, onde amenizam todo o drama.
dona Iracema, que explicou o que é o Pássaro
A história conta com os seguintes
Junino e o que é o Pássaro Tucano. Ela também
personagens: Marquês: Juarez Montovany,
apresentou as músicas do Tucano, falou um
Marquesa: Matilde Montovany, Princesa:
pouco a respeito do enredo e nomeou alguns
Míriam Montovany, Príncipe: Paulo de
músicos da sala, para tocarem no próximo
Lucena, Fidalgo: Vicente (caçador), Fada:
encontro.
Amazônia Lendária, Feiticeira: Meeram,
No
segundo
encontro,
a Guardiã
Matuta: Salviana, Matuto: Pulquério, Filho
escolheu alguns alunos para executarem o
do matuto: Jujuba, Matuto cearense, Matuto
papel de alguns personagens, foi estudada
paraense, Soldado, Índia favorita: Yanejacy,
uma cena e, depois dos discentes a terem
Guerreiro: Iaci, Tuxaua: Jacyra e Maloca:
assimilado, a cena foi executada juntamente
índios.
com os músicos escolhidos na aula anterior. O terceiro encontro se deu com o intuito de ensaiar o trecho da peça visto na aula
INCENTIVOS E SUBSÍDIOS
anterior, com o objetivo de apresentar o trecho, no hall do ateliê de artes da UFPA. No último dia, ocorreu a apresentação do que foi ensaiado nos encontros anteriores. Dona Iracema trouxe as vestes usadas nas apresentações do Tucano, trouxe sua neta para fazer o papel do pássaro, um violonista, instrumentos musicais e contou com os alunos da graduação para encenarem e tocarem a obra “A Justiça das Selvas”. A peça gira em torno da ira de Paulo (príncipe), que se dá por seu amor não correspondido por Miriam (Princesa), que por sua vez é completamente apaixonada por Vicente (caçador) e vivem um amor de
Em entrevista com a dona Iracema, foi perguntado se ela recebia algum tipo de ajuda dos órgãos governamentais. Ela respondeu: Em parte sim, porem acho que devemos ser olhados com mais carinho, mas não que eles não estejam presentes, por exemplo nós temos o IAP, que nos oferecem a oficina de bordados, que nos ajuda muito, agora a prefeitura nos dão apenas um cachê que são para a despesas, mas devia ter mais atenção sim, porque só tem aqui em Belém e temos que ser mais valorizados, e nos viramos para mantê-lo, mas o que precisamos mesmo é de divulgação, espaço físico, se resume mais a isso, a mídia tem que vir até nós. Isso é um espetáculo, mas sem essa divulgação, vamos levando.
infância, então, Paulo resolve matar Vicente, para ter a oportunidade de ter Miriam, e tem a ajuda de Meeram (feiticeira), que usa de suas magias para fazer a vontade de Paulo. Mas com a ajuda da Fada e com auxílio dos índios, o mal não consegue prevalecer e a falcatrua é toda descoberta. Também se tem
54 TUCUNDUBA
A EVOLUÇÃO DO PÁSSARO Em outro momento, Dona Iracema foi questionada quanto às alterações que o Pássaro sofreu no decorrer dos anos. Ela respondeu:
A mudança foi muito grande, mas não em referência ao trabalho dos pássaros, mas o que nos deixa mais saudade são os espaços físicos. Os espaços que nós tínhamos foram se fechando, Belém foi crescendo e hoje ficamos sem saber pra onde ir, mas agora temos a esperança da reabertura do Teatro São Cristóvão, que já foi muito importante pra nós, onde vai ser uma mão na roda, fica em frente ao Parque do Governador, e hoje é difícil saber onde os pássaros estão, pois não temos um lugar fixo, e nem todos os lugares não tem um espaço bom pra nós, mas pra ficar claro que os pássaros não estão morrendo, os pássaros estão aí, o único problema é esse mesmo. Na década de 80 nós éramos 6 melodramasfantasia, em 82 nos reunimos com o DETUR e trouxemos todos os pássaros do interior para a capital, porque tudo é Belém.
e enredos diferentes. O que se percebe é que se tem uma abertura maior tanto do público em geral, quanto do apoio do Estado a esta manifestação. Na visão dos autores deste artigo, existe sim apoio do Estado a esta manifestação popular,
que
abre
espaços
públicos
como teatros e instituições públicas de disseminação cultural. É certo e claro que ainda há muito a se fazer, tendo em vista que o Pássaro Junino é uma manifestação genuinamente paraense, diferente de outras, e poucas pessoas no Estado tem conhecimento deste. Então pensamos que através de políticas públicas
CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente, no Pará, existem diversos Pássaros em atividade, de nomes, abordagem
SAIBA MAIS AGÊNCIA Pará. Instituto de Artes do Pará abre quadra junina com a Revoada dos Pássaros. Agência Pará. 2014. Disponível em: <http://www. agenciapara.com.br/noticia.asp?id_ver=101959>. Acesso em: 23 jun. 2014. OLIVEIRA, Francisco. A justiça das selvas. Adaptação de Iracema Oliveira. Belém: IAP, 2001. PÁSSARO Tucano. O que é Pássaro Junino? Pássaro Tucano. 2010. Disponível em: <http:// passarotucano.wordpress.com/2010/05/16/oque-e-passaro-junino/>. Acesso em: 07 jun. 2014.
o Estado pode ajudar a disseminar essa manifestação tão bonita e rica para que todos tomem o conhecimento da existência e da relevância dos Pássaros Juninos.
MAUÉS, Marton. Pássaros juninos do Pará: a matutagem e suas relações com o cômico popular medieval e renascentista. Repertório: Teatro & Dança, Salvador, n. 14, 2010. Disponível em: <http://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ ri/2034/1/4662-11938-1-PB.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2014. MORIM, Júlia. Pássaros Juninos. Pesquisa Escolar Online. Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 2014. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov. br/pesquisaescolar/index.php?option=com_co ntent&view=article&id=1050%3Apassarosjuninos&catid=50%3Aletra-p&Itemid=1>. Acesso em: 23 jun. 2014.
TUCUNDUBA 55
56 TUCUNDUBA
O GRUPO SANCARI BAIRRO DA PEDREIRA
DO
Carimbó do Interior para a Capital do Pará Daniel Rodrigues Durão Gabriela Rodrigues de Souza Geraldo Sousa Ingred Janaise Faro Lopes Sara Bianca S. S. Cecim Sidney Pio Silva da Silva Tassiane Silva Gazé
INTRODUÇÃO
CONTEXTO HISTORICO CARIMBÓ NO PARÁ
DO
Este artigo tem como objetivo apresentar a história do grupo de Carimbó Sancari, como
O carimbó, tipo de música e dança
e quando foi criado e, como o grupo trabalha
popular da região norte do Brasil, tem sua
apresentando o Carimbó, além de demonstrar
origem em uma mescla de culturas: indígena,
a opinião do grupo sobre o ritmo paraense
africana e europeia, adquirida pela tribo
e apontar diferenças entre o Carimbó de
Tupinambá, que incorporou o ritmo de uma
raiz, estilizado e o Carimbó moderno. A
forma monótona, mais lenta, vindo a ser
metodologia empregada é embasada em
reformulada com a chegada dos portugueses,
pesquisas bibliográficas, entrevistas com o
pelos escravos africanos, colocando ritmos
grupo Sancari e observações dos módulos.
mais alegres e a sensualidade típica do seu povo. Em várias expressões do carimbó, do
TUCUNDUBA 57
instrumental e do bailado e canto, fica difícil
Lucindo Rebelo da Costa, o “Mestre
definir um contexto exato da sua formação
Lucindo”, foi um dos marcos na história do
étnica e cultural. Até os que assiduamente
Carimbó paraense, com suas composições
frequentam as rodas e são amantes do
que valorizavam a natureza e o romantismo.
gênero, não sabem definir exatamente sua
Encanta até hoje os seguidores do gênero.
origem com total clareza.
Mestre Verequete e Cupijó completam o ciclo
Existem poucos registros sobre a formação do carimbó, seu histórico é muito
dos Mestres do carimbó denominado “pau e corda”, que segue as raízes do movimento.
rico, mas nem tudo pôde ser documentado.
Aurino Quirino Gonçalves, o Pinduca,
Salles e Salles (1969, p. 260-276) colecionaram
é uma das figuras mais famosa do gênero,
as poucas referências bibliográficas sobre o
desde os anos 60, quando começaram a
carimbó. Definem o gênero como: “samba
serem introduzidos novos instrumentos
de roda do Marajó”, “baião típico de Marajó”,
na execução do carimbó como, guitarra,
ou “dança popular muito divulgada na ilha de
contrabaixo,
Marajó”. Sabe-se que a música e a dança de
instrumentos já existentes. Pinduca, então,
carimbó representavam um contexto social
passou a ser denominado como o “Rei do
de desigualdade; o nome tem origem do
Carimbó”, sendo hoje, um dos maiores
instrumento de percussão indígena, chamado
divulgadores do gênero.
juntamente
com
os
curimbó, instrumento indispensável para a realização dos encontros em terreiros. O tambor, feito de tronco de madeira e pele de animal, é um marco simbólico do carimbó,
CARIMBÓ, PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO
gênero capaz de unir culturas através de uma mesma linguagem.
A Campanha “Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro” é uma iniciativa que busca envolver e mobilizar a sociedade em torno da
ORIGEM NO PARÁ
valorização e do reconhecimento do Carimbó como expressão importante da cultura
É uma dança típica de Belém e em
brasileira. Organizada por grupos de carimbó
alguns municípios como Salinas, Bragança,
e entidades culturais de vários municípios,
e em vários municípios localizados na Ilha do
a campanha faz parte do processo iniciado
Marajó. Em Soure é conhecido como Carimbó
pela Irmandade de Carimbó de São Benedito,
pastoril, já em Santarém, é conhecido como
junto ao Instituto do Patrimônio Histórico
Carimbó rural.
e Artístico Nacional – IPHAN, em 2008,
No município de Marapanim, arredores de Belém, estão alguns dos mais reconhecidos
para registrar o Carimbó Paraense como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
grupos de carimbó da região, que guardam a
Entre tantas manifestações integrantes
fama de serem os maiores difusores do ritmo
que fazem parte da cultura brasileira,
e da dança no Estado do Pará.
o Carimbó tem se destacado por sua
58 TUCUNDUBA
importância histórica, artística, cultural, ambiental, histórica e social. Desde os primórdios da cultura popular na Amazônia, são inúmeras as obras de Carimbó que não possuem registro, são inúmeros os casos de produções musicais, saberes e trajetórias de vida de relevância para a história da cultura nacional que sobrevive somente na memória coletiva desses mestres e seus descendentes. O registro do Carimbó como bem cultural de natureza imaterial significa um importante passo para garantir sua preservação e seu reconhecimento. O registro se faz necessário diante do acelerado processo de desagregação social e homogeneização cultural que atinge a região amazônica, aonde as culturas nativas e tradicionais vem sendo velozmente atropeladas pelos produtos culturais da modernidade capitalista, o que ameaça a diversidade e as identidades próprias dos povos desta região.
O GRUPO SANCARI Samcari Boi foi o primeiro nome que o grupo adotou, há 17 anos. Quando questionado sobre o significado do nome do grupo, Lucas Pacheco Bragança, mestre e um dos fundadores do grupo, respondeu que o nome se devia aos gêneros tocados no grupo, segundo o mestre: O nome era porque nós tocávamos samba, carimbo e boi, só que a gente nunca tocava boi, ai a gente pensou, e tirou o boi. Continuou só “Samcari” porque a gente só tocava samba e carimbó. Depois de um tempo a gente não tocou mais samba e ai a gente pensou no que fazer pra mudar o nome, foi ai que só mudou uma letra, trocou o M pelo N ficando “Sancari” de “Santo Carimbó”, San de Santo e Cari de Carimbó.
O grupo teve início na Rua Álvaro Adolfo, com os fundadores: Flávio Monteiro, Américo, Lucas Bragança, Sergio Seabra (Jacaré), Jason Leandro e Alberto, um grupo de amigos que se reunia para tocar samba, carimbo e boi. Tudo começou com uma brincadeira, onde os mesmos saiam para tocar uns nas casas dos outros. Como o grupo viu que nada iria para frente, “O carimbó era proibido não sei por quê. Desde então procuramos divulgar o carimbó e tentar mudar essa realidade que é a do preconceito” (Mestre Lucas em 05/05/2014.). O Sizico decidiu então vender os curimbós que o grupo tinha que eram dois, para o Jason (vocalista), foi então que Jason levou a idéia adiante: “Ai começamos a vir pra uns bares daqui da Pedreira, tocava, no primeiro momento o cara dava cinco cervejas, depois aumentou pra dez cervejas, uma grade, e assim a gente ia, quer dizer, o Sancari foi o primeiro grupo de carimbó que teve aqui na Rua Álvaro Adolfo” (Jason Leandro, entrevista cedida ao Pau & Corda Histórias de Carimbó. Documentário da TV Cultura (4’10). Depois que o grupo se firmou o carimbó ficou conhecido na comunidade, “os restantes dos grupos, pode até dizer que é filho do Sancari” (idem, 4’’23). Atualmente o grupo utiliza em suas apresentações dois curimbós deitados, dois pares de maracas, dois milheiros, um banjo e um instrumento de sopro (na maioria das vezes um clarinetista contratado). A instrumentação está relacionada à opção do grupo de tocar o “carimbo de raiz”. O carimbo de raiz tem como tema a natureza, a praia, o mar, a sereia e o boi, “as músicas autorais eram compostas pelo pai do Jr.” (Neire, produtora e esposa de Lucas em 05/05/2014). A maioria das composições do grupo Sancari foi feita pelo pai de Lucas Pacheco, que era o antigo milheiro do grupo. Dona Onete (amiga dos componentes do grupo), também cedeu algumas de suas composições para o grupo, outras foram compostas pelo grupo e outras, ganhas em competições. Existe uma variação na forma como o carimbó é tocado. Por isso existem outros
TUCUNDUBA 59
carimbós, o estilizado, por exemplo, que usa instrumentos eletrônicos, ou o carimbó moderno, como o carimbó composto pelo Pinduca. “Eu procuro sempre fazer o modelo rústico, mais o rústico do que o moderno” (Mestre Lucas em 05/05/2014.). Quase todos os instrumentos que são utilizados nas apresentações do Sancari foram fabricados pelo grupo, com exceção do banjo, fabricado sob encomenda e supervisão dos membros pelo Lutie Luiz Sampaio, em Cachoeira do Arari, pois o grupo queria algo “barulhento”. Depois de formado e com apresentações marcadas o grupo sentiu falta de dançarinos, e optou por contratar dançarinos de outros grupos. Posteriormente, Luciete tornouse dançarina e professora atual do Grupo Sancari, e ensina as crianças da comunidade que fazem parte de um mini projeto onde aprendem desde cedo a dançarem carimbo de raiz, dentro de rodas de carimbó. O grupo não costuma ter ensaio para as apresentações em virtude de que todos os integrantes trabalham em outras áreas, o que dificulta a conciliação do horário. Segundo o Mestre Lucas “o ensaio já é a apresentação, valendo”. O grupo só marca ensaios em casos extremos como quando eles participam de competições. O Sancari mantém o projeto Pau & Corda do Carimbó há seis anos, com a finalidade de conquistar mais pessoas para o grupo. O projeto é anual e comemora a Semana do Folclore e do Carimbo, com diversas atividades culturais e oficinas. O projeto funciona com a ajuda da comunidade e de doações, acontece no mês de agosto, com duas semanas de duração. Todos os integrantes do Sancari tocam mais de um instrumento, isso é um costume do grupo, pois as apresentações duram em torno de uma hora e meia a duas horas e, devido ao longo tempo, eles revezam os instrumentos. Outro costume, adquirido com o tempo, foi o de todos os membros cantarem, pois no carimbó, assim como em outros ritmos, acontece a “pergunta e resposta”, e assim todos participam do canto. O Sancari atualmente é composto por doze músicos e quatro dançarinos. Costumam tocar no Mormaço, Coisas de Negro, Casa de
60 TUCUNDUBA
Show, aniversários em que são contratados, em rodas de carimbó e na sede do Arraial do Pavulagem. O grupo já lançou dois CDs, cada um com doze músicas. Apesar da falta de investimento e das dificuldades, o grupo está em fase para lançar o terceiro CD. No dia seis de dezembro de 2014, o grupo completou dezessete anos de existência.
RELATOS DO MODULO 3 SABERES E FAZERES MUSICAIS No dia 05 de maio de 2014, o mestre Lucas e seus auxiliares Neire e Junior deram um panorama geral sobre como o grupo Sancari vê o carimbó em Belém do Pará, e como faz carimbó. Na ocasião o mestre respondeu a perguntas dos acadêmicos e expôs como o grupo trabalha. Entre as perguntas feitas pelos discentes surgiram: Quando foi fundado o grupo Sancari? Quem são os fundadores? Com quais instrumentos se toca o carimbó? Como são feitos os instrumentos musicais? Onde conseguem os materiais para fabricação dos instrumentos? Como se organizam para ensaiar? Existe alguma ajuda governamental para o grupo? Quantas músicas o grupo tem? Quantos CDs gravaram? No grupo há crianças? Quantos componentes têm no grupo? O que é o projeto Pau e Corda? Qual a temática das musicas? Entre outras. Após as
a
exposição
perguntas
feitas
do
mestre,
e
pelos
alunos,
o
responsável pelo Sancari respondeu a todos
os
questionamentos
levantados
pelos acadêmicos. Disse que ele é um dos fundadores do grupo; salientou que por não terem tempo para ensaiar, por motivo de trabalho, o grupo faz suas apresentações
sem ensaio; que os dançarinos pelo mesmo
preferido o clarinete para acompanhar suas
motivo não ensaiam; mencionou que gosta
músicas; falou que tinha dois adolescentes
do som dos seus instrumentos rústicos e
que são tocadores oficiais de curimbó no
não dos modernos; explicou que existem por
grupo, um de 12 e o outro de 14 anos de
volta de 148 ritmos no Pará, mas no carimbó
idade; segundo o mestre algumas coisa que
do grupo Sancari ele não faz questão de
conseguem é na amizade, citou o exemplo do
instrumentos eletrônicos; que no inicio ele
couro de búfalo para fazer o curimbó.
não tocava carimbó, era pagodeiro e tocador
Neste mesmo dia Neire, esposa do
de pandeiro; que se mudou para o bairro da
mestre, também falou sobre a fundação
Pedreira e lá organizou um grupo de carimbó,
do grupo e que dia 06 de Dezembro fará 17
por causa da cultura do bairro; disse que
anos; explicou que os temas de sua música
Santarém Novo, Vigia e no Marajó fazem
falam sobre sereia e boi, e em outros grupos
carimbó e a quantidade de instrumentos varia
as lendas amazônicas são mais exploradas;
de grupo para grupo, e alguns instrumentos
mencionou que para eles, no Pará, os grupos
são até exóticos; disse que os instrumentos
de carimbó são chamados de parafolclóricos,
do seu grupo são 2 Curimbós, Maracas,
todavia o grupo Sancari é Carimbó de Raiz;
Banjo, Milheiro, e os instrumentos de sopro,
que o grupo tem um projeto chamado Pau e
Flauta transversal, Sax ou Clarinete, sendo o
corda há 6 anos.
TUCUNDUBA 61
Júnior mencionou que as músicas
colocar tudo, e pelo furo de cima da cuia
autorais eram compostas pelo seu pai; que
colocar as esferas. Empurrar o cabo até
todos tocam e cantam juntos é o que chamam
o furo superior, passar durepox nos dois
de pergunta e resposta musical; que fazem
furos e esperar secar. Por fim foi cortado
show no Mormaço, Coisas de negro, casas de
o que ficou do cabo de vassoura na parte
show diversas, aniversários e onde chamarem;
de cima e preenchido com durepox. Para o
que no carimbó que fazem procuram não
milheiro foi preciso um tubo de PVC de 45
envolver a religião; falaram que tem mais de
cm e duas dobradiças de cano. A confecção
100 música próprias; no grupo as pessoas vão
do instrumento foi colar de um lado o cano
mudando de instrumento, cita que o Junior
com a dobradiça. Na outra dobradiça foram
antes tocava curimbó e agora está no banjo;
colocadas 500 a 750 esferas para despejar
para eles o carimbó era proibido no passado
no outro lado do cano. Feito isso foi colado
e não sabiam porquê, agora o problema é a
o lado do cano que estava aberto com cola
má aceitação dos paraenses, embora seja
de PVC. Ao fim, foi explicado como se toca a
reconhecido no Sul e Sudeste do Brasil.
maraca e o milheiro.
No segundo dia de aula o mestre propôs
No último dia foi feita uma roda de
a construção de dois curimbós. Trouxe
carimbó à beira do rio do Guamá, dentro na
algumas partes pré-prontas como os troncos
UFPA. Tocamos juntos acadêmicos de música
de arvore já estavam contados no formato
e músicos do Sancari, com o conhecimento
que precisava e os couros já vieram do
tradicional do carimbó. Esta foi uma
tamanho certo só para furar. Trouxe, também,
experiência incrível para ambas as partes.
cordas com ganchos para esticar o couro e ferramentas para furar o couro e o pau oco. Assim, com esse material, começou a fabricar
CONSIDERAÇÕES FINAIS
o instrumento. Os alunos observavam e faziam perguntas. A aula terminou com
O Mestre Lucas Bragança informou
uma roda de carimbó no corredor do prédio,
sobre as diversas culturas que contribuíram
com os alunos tocando carimbó junto com o
para o surgimento do Carimbó. Ritmo
Sancari.
que
representa
um
papel
importante
No terceiro dia a proposta foi conhecer
no processo de formação da identidade
o processo de criação dos instrumentos
cultural brasileira com as particularidades da
Maraca e Milheiro. Começou pela maraca,
Amazônia. Embora, a sua forma de dançar, os
mostrando que os mesmos precisavam ter
instrumentos que acompanham os curimbós
duas cuias furadas em cima e em baixo, um
e a vestimenta dos grupos e dos que dançam
cabo de vassoura cortado na medida certa
carimbó possam variar de acordo com a
(20 a 25 cm) para que servisse como cabo
região do Pará em que o ritmo está presente.
do instrumento, 500 esferas pequenas e 10
O artigo teve como objetivo contar a
médias. A construção foi colocar o cabo de
história do Grupo Sancari e comentar como
vassoura na cuia pelo furo de baixo, sem
este grupo faz o carimbó em Belém.
62 TUCUNDUBA
SAIBA MAIS
SALLES, Vicente. A música e o tempo no GrãoPará. Belém: CEC, 1980.
CONJUNTO DE CARIMBÓ MODELO. Mestre Lucindo recebe homenagens. Disponível em: < http://conjuntodecarimbomodelo.blogspot.com. br/p/mestre-lucindo recebe-homenagens.html>. Acessado em: 20 de junho de 2014. CARIMBÓ PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO. Disponível em: <http:// campanhacarimbo.blogspot.com.br/>. Acessado em: 20 de junho de 2014.
SALLES, Vicente e SALLES, Marena Isdebski. Carimbó: trabalho e lazer do caboclo. Revista Brasileira de Folclore, n. 9. Rio de Janeiro, set./ dez. 1969. SANCARI. Documentário da TV Cultura. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=yNSHKqbgW84>. Acessado em: 05 de maio de 2014.
Representação do Instrumento Musical Curimbó - Grupo Sancari
TUCUNDUBA 63
ENCONTRO DE SABERES: Diversidade e Diferença A Música da Etnia Tembé Hamilton Rocha Elionay Luz Ricardo Vidal Marcos Roberto Sara de Lima Ferreira Samara Helen Sílvio Barbosa
Telhado do POEMA e Instrumento da Graduação em Música/ UFPA
64 TUCUNDUBA
ENCONTRO DE SABERES
pareciam totalmente desamparados. Teria acontecido um movimento de valorização
Nos últimos anos temos testemunhado os mais diversos movimentos sociais no Brasil,
cultural dos costumes e saberes tradicionais e históricos de nossa nação?
em suas lutas por igualdade e conquistas.
Seguindo na vanguarda das inovações
Têm sido comuns as ondas de protesto em
dos direitos sociais, a UNB em parceria
todo o território nacional. Sem duvidas, a
com o Instituto Nacional de Ciência e
extensão da nossa terra só se compara as suas
Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior
disparidades, o que estimula a insatisfação
e na Pesquisa (INCTI), Conselho Nacional de
e a sede por mudanças, explodindo em
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
focos de manifestações. Diante das diversas
(CNPq) e com a realização do Ministério
demandas, a das minorias dos grupos raciais
da Educação, em 2010, dá inicio ao projeto
e étnicos, tanto os representantes indígenas e
Encontro de Saberes. Esta medida pública
quilombolas quanto os das cidades, o governo
vem como um misto de revalorização dos
tem se mantido quase que completamente
saberes de origem oral e renovação dos
inerte.
país
paradigmas epistemológicos que foram
presenciamos as conquistas tão controversas
herdados do modelo europeu da cultura do
para o auxilio do ingresso das minorias nas
saber exclusivamente escrito e acadêmico.
Recentemente
em
nosso
faculdades, as “Cotas Raciais”. Uma tentativa
As primeiras faculdades no Brasil
de permitir o acesso de afrodescendentes,
buscaram padrões, métodos e exemplos
indígenas e quilombolas que até hoje são
naquelas que já existiam e possuíam
minoria absoluta nos cursos superiores.
renome, em geral estabelecimentos como um
a Faculdade de Coimbra que é até hoje o
exemplo da segregação social, como diz
alvo de escolha dos estudantes do ensino
Carvalho (2010, p. 11): “A porcentagem de
superior. Com isso herdou os lemas,
professores brancos em nossas universidades
paradigmas, métodos etc., do pensamento
chega a 99%. Nas seis universidades mais
cientifico europeu. Existia e existe, porém, o
importantes do País, onde já existem cotas,
erro do pensamento etnocêntrico, darwinista
o número de professores afrodescendentes é
social, que almeja o destaque de certa etnia
de apenas 0,6% do total. ”
ou raça, que é “considerada” superior a todas
As
nossas
universidades
são
As Instituições de Ensino Superior tem
as outras, portanto a esta se deve todas as
desde seu início e origem um pensamento
oportunidades da vida, ou seja, a detenção
etnocêntrico e elitista. A Universidade de
do saber, das riquezas e do poder.
Brasília foi pioneira apresentando em 1999, a
Ainda havia e há a manutenção do
primeira versão da proposta para as cotas. A
pensamento, da experimentação e da
partir de então a administração federal tem se
criação através da razão (grega) e da escrita
mostrado um pouco mais preocupada com a
(monacal europeia) que desvirtua todo o
integração dos extratos sociais que até então
processo de aprendizagem oral, tornando
TUCUNDUBA 65
renegado todo conhecimento adquirido
de uma comunidade quilombola em Goiás,
por vias orais. O projeto vem retomar os
Lucely Pio, foi a terceira mestra convidada.
últimos séculos perdidos da tradição, cultura
O quarto mestre convidado foi Maniwa
e conhecimento oral indígenas, tradicionais
Kamayurá, do Parque Nacional Xingu,
e afrodescendentes no país, como mais um
no Estado do Mato Grosso, que é xamã,
passo a galgar nessa jornada pela isonomia
músico e arquiteto indígena conhecedor
social e cientifica do saber. A UNB e parceiros
de toda arquitetura tradicional Xingu. O
vem mantendo desde 2010 a iniciativa de
projeto conta com o auxilio de professores
reconhecimento dos mestres e ensinos
colaboradores especialistas nas áreas dos
tradicionais em equiparação aos docentes e
mestres convidados para o auxilio nas aulas.
saberes das universidades.
A Universidade Federal do Pará, em
O projeto Encontro de Saberes em sua
parceria com a Universidade de Brasília,
primeira edição procurou trazer cinco mestres
desenvolveu o Projeto Encontro de Saberes,
- da cultura e conhecimento tradicional, de
coordenado pelo professor doutor José Jorge
quatro regiões distintas do território nacional.
de Carvalho (UnB), do Instituto de Ciência e
Da região nordeste o mestre Biu Alexandre,
Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e
do Estado de Pernambuco, criador do
na Pesquisa (INCTI) e pelas professoras Líliam
grupo “Cavalo Marinho”, que é um grupo de
Barros e Sonia Chada (UFPA). O projeto
teatro com performances em teatro, dança,
aconteceu em 2014, nos meses de março
canto, musica e poesia, e que constrói até 71
a junho, em um formato novo no curso de
personagens diferentes em seu espetáculo.
Licenciatura em Música, com a participação
Benki Ashaninka, do Estado do Acre, fronteira com o Peru, foi o segundo mestre
de quatro mestres de música popular e tradicional feita no Pará.
participante. Ele é um especialista em manejo
Nesta versão participaram mestres
florestal e reflorestamento. Sua comunidade
de Boi-Bumbá, Pássaros Juninos, Carimbó
é responsável por mais de 200 mil sementes
e um Mestre Indígena. Com exceção do
plantadas ao longo da última década.
mestre indígena, os mestres convidados são
Do Estado de São Paulo o mestre
moradores da cidade de Belém do Pará, cuja
José Jerome, que é líder de um grupo de
diversidade de práticas musicais é enorme.
“Congado” e “Folia de Reis” do vale da
Participaram das disciplinas os mestres
Paraíba. O Congado é uma manifestação
Lucas Bragança, do grupo de carimbó
cultural e religiosa de influência africana
Sancari; (professor assistente: Paulo Murilo
celebrada em algumas regiões do Brasil. Trata
Amaral), o mestre Alberto Costa Melo, amo
basicamente de três temas em seu enredo: a
do Boi-Bumbá “Estrela D’Alva”; (Professora
vida de São Benedito, o encontro de Nossa
assistente:
Senhora do Rosário submergida nas águas
Iracema, Guardiã do Pássaro Junino Tucano
e a representação da luta de Carlos Magno
(Professora assistente Rosa Silva) e o mestre
contra as invasões mouras.
indígena Tixnair Tembé, da Aldeia Tekohaw
A especialista em ervas medicinais e líder
66 TUCUNDUBA
(Gurupi),
Jorgete
(professora
Lago),
a
assistente
Mestra
Liliam
Barros). Mantendo a ideia principal da matriz
e cerimônias religiosas e de envolvimento
do projeto, na UNB, a coordenação procurou
social. Foi uma experiência completamente
alcançar os objetivos já firmados, como elevar
singular para nós e todos os participantes do
o conhecimento oral e tradicional destes
projeto.
mestres da cultura popular paraense ao nível
Como alunos de música estamos
das outras disciplinas musicais do curso, além
acostumados
a
estudar
matérias
de reconhecer o valor diante dos gêneros de
essencialmente técnicas e teóricas, todas
estudo mais comuns nas universidades como
voltadas para a música clássica ocidental.
a música clássica ocidental.
Em nenhum momento da formação musical
Nas aulas tivemos a oportunidade
tanto na universidade quanto nas escolas
de conhecer as músicas, personagens,
especializadas em música há o cuidado
poesias, figurinos e apresentações de cada
de estudar os gêneros, ensinos, cultura e
mestre e seus grupos. Também tivemos a
saberes populares do nosso Estado. Tivemos
oportunidade de aprender a confeccionar
a oportunidade de entrar em contato direto
alguns instrumentos regionais.
com as mentes conservadoras e criadoras
O encontro de saberes realizado na UFPA foi dividido em módulos e cada módulo
de mundos totalmente diferentes de nosso contexto acadêmico.
teve um tema com seus respectivos mestres
O Encontro de Saberes na UFPA
representantes para desenvolver o trabalho e
conseguiu com total êxito seus objetivos de
foram formadas equipes de alunos sendo que
inclusão e valorização dos conhecimentos dos
cada uma ficou responsável por um módulo.
mestres e nos fez refletir sobre o nosso tema,
Módulo 1: Música cultura e sociedade; Módulo
Diversidade e diferença. Nos fez perceber
2: Música cultura e experiência; Módulo
que dentro de uma cultura tão diversa como
3; Saberes e fazeres musicais; Módulo 4:
a nossa existe um povo, que mesmo tendo
Diversidade e diferença.
passado pelo processo de colonização, ainda
Todos os módulos foram filmados e no final de cada um deles foi feito uma
procura manter suas tradições culturais e musicais baseada nos ritos e mitos.
avaliação participativa dos alunos através
Nos fez refletir também a respeito do
de mesa redonda, bate-papo, conferências e
que significa ser diferente dentro de uma
homenagens aos mestres.
sociedade, como devemos nos comportar
Este artigo foi feito com base em
diante
dela,
que
importância
tem
o
pesquisas e entrevistas com o mestre
esclarecimento dessas diferenças, como elas
indígena Tixnair Tembé, da Aldeia Tekohal,
vão interferir no nosso comportamento e no
que fica no Gurupi próximo a Paragominas. O
nosso pensamento e nas nossas atitudes.
mestre é um representante da Aldeia Tembé.
Esperamos que o projeto possa ser
Entramos em contato com a cultura, tradições
uma iniciativa fixa dentro do nosso curso de
e crenças dos Tembé, e nos propomos a
música e também se expanda para as demais
falar do envolvimento da música tanto no
áreas do conhecimento.
xamanismo quanto nas suas diversas festas
TUCUNDUBA 67
POVO TEMBÉ
mais velhos aos mais novos, esta atividade também interfere no cotidiano das escolas,
Falantes da língua Tenetehara, hoje
pois as crianças normalmente pedem para
vivem na região do alto rio Guamá, localizado
acompanhar os pais nesta caçada e, a “escola
nos limites dos Estados nortistas, Pará e
fica vazia. ”.
Maranhão. Por volta do século XIX parte dos
O açaí e a bacaba são complemento
Teneteharas saiu do Maranhão em direção ao
nas refeições dos Tembé. Nas proximidades
Pará, para os rios, Gurupi, Guamá e Capim.
das residências podemos encontrar algumas
Sua economia baseia-se na agricultura,
plantas que também podem ser consumidas:
onde são cultivados mandioca, banana,
urucum, limoeiro, etc. Há também o jenipapo
arroz, milho e malva, entre outras coisas.
de onde retiram a tinta para a pintura
No mês de maio a novembro são feitas as
corporal. O hábito da pintura corporal
queimadas, coivaras e limpezas nas áreas
durante algum tempo ficou esquecido, mas
destinadas a plantação, e nos meses de
nos últimos cinco anos a prática vem sendo
novembro a fevereiro é feito o plantio e as
retomada inclusive com a ajuda da escola.
capinas, fazendo parte da economia desse
É importante destacar que as atividades
povo a caça e a pesca para consumo diário
feitas por cada um dos gêneros se completam,
e festividades como é o caso da Festa da
garantindo a qualidade de vida de toda a
Menina Moça, onde o alimento consumido
comunidade Tembé. Juntos, toda a aldeia é
por essas meninas tem um papel de grande
responsável pela produção de redes, bancos,
importância
casas, canoas, ferramentas utilizadas no
na
formação
das
futuras
dia-a-dia, como vasos de cerâmica, cestos,
mulheres que serão. É bastante comum entre os povos
flechas, arcos etc.
indígenas, uma divisão das tarefas entre
Os Tembés se organizam em famílias.
homens e mulheres. Para os Tembé esta
Liderados pelo Pajé que é a figura de
divisão
alguns
extrema importância dentro da comunidade.
aspectos, onde as mulheres são as principais
Detentor de muitos conhecimentos e da
responsáveis pelo cuidado dos filhos, na
história do povo, ele é o mais experiente e
preparação do alimento, ficando sobre os
o responsável por passar adiante a cultura,
homens a obrigação das atividades de caça
história e tradições do seu povo. O pajé
(catitu, cutia, paca, anta, tatu, gauriba, jacu,
também possui a função de curandeiro
mutum, queixada e o jabuti.), pesca, retirada
dentro da tribo, pois conhece diversos rituais
do mel, roça e liderança.
e detém também o poder de cura com ervas
também
acontece
em
A maior cultura é a da mandioca,
e plantas. É o conhecedor dos meios para
que segundo eles tem quatorze tipos
entrar em contato com os espíritos e deuses
diferentes. É da mandioca que preparam a
protetores da tribo. Os Tembé acreditam que
farinha, ingrediente que não pode faltar na
o pajé possui o “poder” de entrar em contato
alimentação deles. O trato da mandioca é
direto com os espíritos dos animais, Curupira,
uma atividade que envolve toda a família, dos
Mapinguari, Mãe d’água, Yara.
68 TUCUNDUBA
Alguns costumes do cristianismo foram
entre a cultura dos índios e dos não índios.
incorporados pelo povo Tembé, devido a
Com escolas em suas aldeias aprendem
intervenção da igreja católica nos costumes
sua cultura também de forma pedagógica,
indígenas, como o batismo. Ainda assim o
assim como são ensinados a língua dos não-
cristianismo não é sua religião principal. Os
índios, o português, aprendendo, também,
Tembé tem por Maíra sua principal divindade.
matemática,
música,
informática,
etc.
Através da oralidade o povo Tembé
Assim também acontece na saúde da tribo.
passa de geração em geração sua história,
Com postos de saúde os índios garantem
de como se deu a sua origem. No livro de
suas consultas com os médicos, vacinações,
Munduruku
encontrar
consultas com oftalmologista, sem desprezar
narrativas que contam histórias do povo
suas tradições no uso de plantas e ervas na
Tembé, tendo como personagem principal a
cura de doenças.
(1964)
podemos
figura de Maíra, o mais poderoso pajé dessa cultura.
O primeiro contato dos Tembé com os não índios se deu por volta de 1615, quando
Suas festividades mantêm a cultura
os franceses foram expulsos do Maranhão. Os
viva, atravessando gerações, como: A festa
jesuítas chegam com o intuito de catequizar.
da Menina Moça que é o momento que marca
Nos anos seguintes, o trabalho na extração
a passagem da infância para a adolescência,
de copaíba marca um momento de perda
comemorado com o canto das mulheres e a
populacional para o grupo, acometidos de
batida dos maracás, danças e caças, acontece
varíola, coqueluche e sarampo. A extração de
no mesmo período da festa do milho.
copaíba fazia com que os índios tivessem que
A educação Tembé é dada através dos
se deslocar constantemente com suas famílias
ensinamentos e observação, os pequenos
e ainda eram explorados pelos regatões
índios conhecidos em algumas tribos como
(comerciantes de óleo que utilizavam de suas
curumins, aprendem de forma prática
embarcações para negociar) tornando assim
observando os adultos. A educação desse
uma problemática para os índios.
povo é vinculada à realidade da vida na aldeia. Aos poucos essa educação vem se tornando bilíngue,
multicultural
e
diferenciada.
Contudo, os Tembé mantêm a preocupação
A FESTA DA MENINA MOÇA (WIRA’U HAW)
com sua cultura cultivando suas tradições dentro da tribo. Mesmo tendo as escolas que
Tixnair (2014) explica que, essa festa
ensinam a língua dos não índios, as crianças
é feita a partir da primeira menstruação da
são estimuladas a falar a língua nativa, o
menina, é uma passagem da menina para
Tenetehara.
ser mulher. Esta festa é dividida em: Festa do
As
migrações
ocorridas
findaram
Mingau e Festa do Moqueado.
por fixar os Tembés nos territórios onde
A menina é recolhida para um lugar
atualmente habitam. Hoje os Tembé de
chamado “tocaia”, uma espécie de maloca.
certa forma vivem em dois mundos distintos
Só a mãe e a avó podem ter contato com
TUCUNDUBA 69
ela e fica em dieta comendo peixe, caça, não
se dá na primeira menstruação. A mãe é
pode pegar sol, nem sair desacompanhada. A
avisada pela própria filha, que logo é proibida
menina toma banho do sumo de jenipapo e
de comer qualquer coisa e sair sozinha. Este
após uma semana ela sai do confinamento e
momento é cercado de vários tabus, acredita-
aí é realizada a Festa do Mingau. O mingau é
se que a moça está vulnerável a todo tipo
feito de raízes. Essa festa tem a duração de
de perigo, porquanto requer uma atenção
um dia e uma noite, ocasião na qual a menina
especial.
é pintada com as cores da anta novinha.
Elas, neste período, não podem tomar
Depois dessa festa se espera alguns dias para
banho de rio, visto que os espíritos da água
a Festa do Moqueado que é um ritual que dura
podem fecundá-las ou lhe trazer doenças.
seis dias, e acontece entre os meses de junho
Narra-se que houve meninas que estavam
e julho. Nessa festa também podem ser feito
esperando há um ano pela festa, pois sua
casamentos, inclusive o da própria moça se já
menstruação chegou antes das demais e
tiver um pretendente. Também os meninos
esta espera varia de menina para menina.
celebram a passagem deles de meninos
Dias antes da festa, cada menina que no
a homens pela mudança de voz, mas não
ritual participa, oferece uma festa chamada
tem as mesmas obrigações que as meninas.
de mingau da moça, a cerimônia começa às
A música se constitui em musica do dia e
19h e termina ao raiar do sol. Dona Verônica
musica da noite. Os instrumentos usados são
que era a coordenadora da festa, era quem
os maracas que são tocados somente pelos
mantinha a tradição e o conhecimento de
homens. As mulheres e também os homens
como preparar os remédios para as meninas,
cantam os cânticos. O moqueado é dado a
que evitam as cólicas, a infertilidade, doenças
todos na festa, a letra da musica se refere aos
e para dar sorte. Dona verônica faleceu em
pássaros da região e está dividido em duas
2012, conforme relatos de Tixnair. Todas só
partes o canto da noite e o canto do dia.
podem passar para a Festa da Moça se passar
Héber Negrão (2008) explica que, na
nesta etapa. A distribuição do mingau é feita
aldeia Tekohaw a festa da moça como é
através de muita cantoria e o mingau de
chamada não tem uma data especifica.
mandioca é servido pelas moças. O mingau
A realização desta festa tem uma ligação
é preparado somente pelas moças que irão
com um rito de passagem pelas meninas
participar da festa.
e meninos da aldeia com a chegada da
As meninas passam por uma dieta
puberdade. As meninas com o primeiro ciclo
alimentar como peixes e caça, com exceção
menstrual e os meninos com a mudança de
de pássaros que não estão incluídos nesta
voz, a faixa etária é entre onze a quinze anos.
dieta. Só é quebrado esse regime no ultimo
Esta festa é feita principalmente para
dia da festa. No entanto são percebidas
as meninas, a participação delas é feita
transformações neste ritual, segundo Galvão
de proibições e preparações. Os meninos
e Wagley, antropólogos que estiveram com
participam também do ritual, mas não são
os Tenetehara, no período de 1941- 1943:
submetidos às mesmas preparações. O rito
70 TUCUNDUBA
Antigamente, tanto rapazes como meninas submetiam-se a um período de isolamento que antecedia os ritos de puberdade. Durante esse período não podem comer carne, somente milho, mandioca, farinha e mingaus. Uma vez ou outra, pequenos peixes considerados inofensivos lhes são servidos. A água que bebem deve ser ligeiramente aquecida (1961, p.88).
a fumaça até ficarem possuídos totalmente. O pajé atravessa entre eles cantando canções próprias, que diferem das que estavam cantando. No ultimo dia da festa é realizada uma refeição coletiva com o moqueado feito pelas mulheres, da caça trazida pelos homens e todos pegam o pedaço que lhe cabe. O ritual acontece dentro da Festa da Menina
A FESTA DO MOQUEADO
Moça, que dura cerca de sete dias. Durante a festa a comunidade Tembé resgata a sua cultura, nos ritos da dança e da música.
Galvão e Wagley (1961) explicam que
Os Tembés fazem suas ornamentações
os acontecimentos que indicam a passagem
com pinturas corporais, a tintura é artesanal
dos jovens para a fase adulta na aldeia se
e feita com jenipapo, urucum e adereços
concretizam em ambos os sexos. Segundo
feitos com sementes. O principal atrativo da
Claudio Zannoni (1999), no passado essa festa
festa é o moqueado, um tipo de bolo feito
era organizada por cada família grande na
com carne de caititu e massa de mandioca,
comemoração da passagem de cada menina
que é oferecido pelas meninas durante o
dos seus membros. Nos dias atuais essa festa
ritual e, depois de comerem, já podem a
é feita uma única vez por ano para todas as
ser consideradas mulheres. Durante a festa
meninas da aldeia que menstruaram pela
não se pode comer qualquer tipo de caça, a
primeira vez. A causa é a escassez de caça
exemplo do tatu. Segundo a crença dos índios
nas matas e também o alto custo com armas
Tembés, o tatu faz buraco no chão e enterra-
e pólvora usado nas caçadas. As atividades
se, então acreditam que esta caça pode levar
começam pela manhã e se prolongam até a
o espírito das pessoas para o fundo da terra.
noite. As moças são enfeitadas pelas mães ou por parentes próximos, ela tem o corpo pintado com uma tinta feita do sumo do
A MÚSICA TEMBÉ
jenipapo a cabeça é coberta por penugem branca. A festa é realizada no centro da aldeia ou na casa dos parentes da jovem.
Tem sempre um tema para as canções, segundo as palavras de Tixnair, “a música
Começa o ritual pela manhã com
repete, mas o verso pode mudar, pode
canções do cantador da festa. As mulheres
ter uma resposta diferente”. Ele se refere
seguram as jovens e levam para perto dos
à melodia que se mantém com o mesmo
homens da aldeia que os acompanham com
ritmo, mas os versos podem se improvisados.
passos simples de dança. No espaço de tempo
Observa-se a sua fala e percebe-se que o
que é realizada as danças os pajés passam
único instrumento é o maracá. Ele diz que
a invocar os espíritos que eles controlam.
o tambor, feito de couro de veado ou jiboia,
Eles trazem grandes cigarros e inalam toda
e uma madeira “maneira” (leve) chamada
TUCUNDUBA 71
cedro, é usado espontaneamente a hora que
Segundo ele, quando se canta uma
quiser e, a “mymy”, uma espécie de corneta
música o ritmo das músicas é o mesmo só
feita de madeira com um orifício no meio, é
muda o verso, mas dependendo do tema
usada para anunciar a chegada de um índio
os ritmos variam e todos podem cantar as
em outra aldeia.
músicas, só que as mulheres e as crianças não
A música está relacionada com a
tocam o maracá.
natureza, com suas crenças, com os espíritos,
A Música dos animais. Observa-se
com os rituais e também com os mitos. O
e percebe-se nas palavras de Tixnair que os
mestre explica que elas são enviadas por
versos são feitos conforme o comportamento
espíritos ao pajé, e ele começa a cantar.
e as características dos animais, “Cada um
Os mais velhos aprendem a música nova e
tem seu jeito, a música vai falando tudo”. Ele
repassam às crianças. Tem música de pajé
cita, por exemplo, “canto da onça (zawar),
(relacionada com a cura espiritual, pajelança),
o verso diz como caça, grita, se é preta se
de animais, de criança, de agradecimento, de
é pintada, se anda em grupo ou só de um”.
pedido, do tempo, da natureza, etc. Quando
Canto do vento (iwyto), “como o vento
ele fala no pajé, enfatiza muito a palavra
aparece, se tá frio, se tá quente, que horas
“caruara”, uma espécie de feitiço. A música
aparece”. Segundo ele explica tem música
pode ser dividida em música do dia e música
do pica-pau (peku), da saracura (aracur),
da noite.
do macaco (kati), da cigarra (zariran), do
A Música do dia, “Fala dos animais da
curupira (karapira), esse ele diz que é o dono
terra, aos espíritos da terra como, Curupira,
da mata, então a música diz onde ele mora,
Matinta e animais do dia”. Entre outras, canto
que é o dono dos animais.
do gavião, da águia, do aracuã, de jauarí, de
Se a música for sobre pássaro o verso
maracapi, da borboleta, peixe, cobra coral, de
descreve o comportamento do pássaro,
peixe boi, de andorinha, de taquari e da ema.
como ele voa, canta. Segundo Tixnair, nas
Segundo ele, cantam para ser protegidos
festas são usados maracás, que é tocado nas
quando saem para caçar.
festas pelos homens e cantados também
A Música da noite, segundo Tixnair,
pelas mulheres que acompanham a dança, e
“É da água, espíritos da água, como, Mãe
todos marcam o ritmo com uma acentuação
d’água, Yara, peixes, animais da noite ” Entre
forte no pé direito. A música é uma grande
outras, canto do pica-pau (peku), da onça, de
ferramenta de comunicação, e exerce um
curupira, da saracura, da sururina, da cigarra,
papel importante na preservação de seus
do macaco, do macaco kuxiú, de socó, do
rituais e suas tradições.
macaco da noite, macaco juparar, do bem te vi, do guariba, do vagalume, do pinto pelado, do pindaré, da inambú, de tucano, do
A FESTA DO MILHO E DO MEL
uirapuru. Ele diz que o ritmo dessas músicas são mais “calmos” porque a noite a “água está mais calma”.
72 TUCUNDUBA
O mestre indígena falou pouco sobre essas duas festas, mas disse que o milho é
considerado um ser humano, uma mulher
festa e o objetivo comum é o bem estar, a
por causa do cabelo do milho. Segundo ele
proteção da colheita do milho e do povo em
é uma festa de agradecimento pela colheita,
geral contra o mal que o azang pode causar.
e que na festa tem cantos que mudam os
A Festa do Mel, segundo Tixnair, não
versos, que eles ficam sentados, que usam
tem época, “é quando a colmeia está cheia.”
somente maracás e fumam cigarros. Em
Não é uma comemoração, é um pedido
outra entrevista, menciona que “o milho é
ao “Deus Maíra” aos espíritos dos animais,
uma das bases da alimentação local e o tema
“pássaros encantados, “por saúde, vida longa
da festa é o milho e o repertório é dividido em
e coisas boas. ” A festa tem um dono, ele é o
música do dia e música da noite. ”
responsável por organizar e convidar as outras
Segundo Tixnair a Festa do milho é uma
aldeias. O dono da festa é um homem que se
oportunidade para os pajés demonstrarem
destaca na tribo. Não é necessário que seja
seus poderes em chamar e controlar os
um pajé ou um chefe de uma família maior,
espíritos. É uma festa em que todos podem
mas sim um excelente cantador e também
participar, porém quem se destaca é o pajé.
ele tem que conhecer as músicas da festa.
São canções apropriadas para este momento
São os homens que vão em grupo na mata
e podem ser acompanhadas por homens e
e colhem o mel silvestre. Quando retornam,
mulheres que estão presentes.
chegam pulando, cantando e dançando
O pajé segura em suas mãos um maracá
para que o mel não fique triste. Os potes
que é usado para marcar o ritmo das canções
são pendurados no esteio da casa que foi
e também um cigarro, “tawary”. Segundo o
construída para armazenar o mel. No período
texto há uma sessão de “xamanismo” para
em que ocorre a coleta, todos eles se reúnem
chamar os espíritos, dois pajés puxam fumaça
a noite para cantar, sendo que dentro da casa
de cigarro.
ficam as mulheres e fora dela os homens.
Quando o corpo de um deles é cedido
As aldeias vizinhas também são chamadas
ao azang, que é um espírito passa a agir de
para participarem da festa. O número de
maneira característica, então, é servido para
convidados varia conforme a quantidade
ele tapioca crua e raiz de mandioca, que é
de mel colhido e também da quantidade
para o azang comer porque ele está com
de alimentos, já que a aldeia que fez o
fome.
convite se responsabiliza pela alimentação
Quando o pajé recebe espíritos de
dos que participam da festa. Os que foram
animais passa a agir como eles, porém os
convidados chegam com grande euforia e
mais frequentes são os azang e isso vai até o
são recebidos em silêncio, logo em seguida
fim da festa.
todos se direcionam eufóricos para a casa.
Na festa do milho os pajés aproveitam o
Antes de entrarem na casa do mel eles ficam
público para mostrarem suas potencialidades
em silêncio ou falam baixo. A festa inicia com
em controlar os espíritos, em particular
os membros das aldeias organizados em fila
os azang, o sobrenatural. Segundo Tixnair
e o primeiro homem da fila da primeira aldeia
“pajelança” é a principal característica dessa
começa a cantar. Quando este termina, o que
TUCUNDUBA 73
está atrás dele inicia o canto, e quando todos
que são de nosso conhecimento, como,
desta fila já tiverem cantado, a vez passa para
afinação, ritmo, melodia, estão inseridos
os outros homens da aldeia. Os homens da
de alguma forma em suas práticas músicas,
aldeia que realizam a festa ficam por último e
talvez até de maneira sinestésica.
as canções se repetem por várias vezes e para
Despertou o desejo de conhecer mais as
as mulheres ficam os estribilhos que cantam
práticas populares e nos fez reconhecer que
todas juntas com os homens. Ao entardecer
devem ser valorizadas porque os mestres
formam um grande círculo e os homens e
mesmo sem ter o conhecimento acadêmico
as mulheres cantam e dançam as músicas e
desenvolvem com grande capacidade o seu
o mel é servido. Enquanto houver mel para
fazer musical e artístico, que nos foi ensinado
os participantes dura a festa, sendo que no
de maneira simples e prazerosa. Observamos
último dia de manhã os homens saem juntos
que eles ainda têm grande responsabilidade e
para caçar, quando voltam ao entardecer, a
preocupação em manter e preservar a nossa
caça moqueada é servida em grande jantar.
cultura, que é tão diversa. Ter conhecido a etnia Tembé e seus saberes musicais, nos fez refletir sobre um
CONSIDERAÇÕES FINAIS
povo que teve sua cultura invadida, e que hoje busca preservar sua cultura através de suas
O projeto Encontro de Saberes nos
tradições musicais baseadas nos ritos e mitos.
proporcionou a experiência de conhecer
Nos fez refletir a respeito das diferenças e
diferentes saberes musicais despertando a
da natureza, como devemos nos comportar
nossa consciência e reflexão da importância
diante dela. O quanto foi importante conhecê-
que eles representam para a nossa cultura e
la, e o quanto aprendemos no sentido mais
para as comunidades a que pertencem. Nos
amplo da vida.
fez perceber que alguns conceitos musicais
Maraca Indígena - Instrumento da Graduação em Música/ UFPA
74 TUCUNDUBA
SAIBA MAIS BLACKING, John. How Musical Is Man? Washington: University of Washington Press, 2000. BARROS, Maria M. dos S. e ZANNONI, Claudio. A voz dos espíritos. Caderno de Pesquisa, São Luís, v. 19, n. 2, maio/ago. 2012. CARVALHO, José Jorge de. Los estudios culturales en américa latina: interculturalidad, acciones afirmativas y encuentro de saberes. Tabula rasa. No. 12, enero-junio, 2010, pp. 229-251. CARNEIRO, Taymã. UFPA desenvolve Projeto Encontro de Saberes em parceria com UnB. Jornal Beira Rio. Belém. 2014. GALVÃO, C. e WAGLEY, C. Os índios Tenetehara: uma cultura em transição. Rio de janeiro:
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A Festa da Menina Moça
Modificada do site https://www.flickr.com/photos/midianinja/10940352666
TUCUNDUBA 75
PROJETO ENCONTRO DE SABERES - BOI-BUMBÁ “ESTRELA D´ALVA” Dayse Maria Pamplona Puget Marco Antonio Moreira Carvalho Valdemir Vinagre Mendes
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De janela, o mundo até parece o meu quintal Viajar, no fundo, é ver que é igual O drama que mora em cada um de nós Descobrir no longe o que já estava em nossas mãos Minha vida brasileira é uma vida universal É o mesmo sonho, é o mesmo amor Traduzido para tudo o que o humano for Olhar o mundo é conhecer Tudo o que eu já teria de saber Estrangeiro eu não vou ser. Estrangeiro eu não vou ser Ê, ê, ê, Estrangeiro eu não vou ser ê, ê (Canção “Janela para o Mundo” de Milton Nascimento e Fernando Brandt)
encantamento. E finalmente, admiração. Neste caso, o foco deste trabalho é sobre o BOI-BUMBÁ ESTRELA D´ALVA avaliando sua história oral, sua prática, sua organização, sua criatividade, seu mestre, sua prática aprendida com a rotina de tantos anos de dedicação, seus membros e seu mecanismo de funcionamento e de expressão da arte popular que envolve seus participantes e especialmente, uma crença. A crença numa cultura que vem de costumes tradicionais que não morreram com a globalização e que existem como um modelo de resistência do
globalizado,
que somos, mesmo que a maioria de nós não
conectado por meios tecnológicos, onde
saiba o que realmente somos: cidadãos do
o conhecimento de quem ou o que está ao
mundo sim, mais antes de tudo, cidadãos de
seu lado, presencialmente, se torna, muitas
uma cidade chamada Belém, com toda a sua
vezes, impreciso e obscuro. As mídias em
riqueza e sabedoria popular a ser revelada e
geral, o domínio cultural através das artes
descoberta, e mais do que isso, perpetuada.
Vivemos
num
mundo
(cinema, música, livros), o comportamento
Como na letra da canção de Milton
de consumo influenciado pela moda que dita
Nascimento e Fernando Brandt, “estrangeiro
normas e regras diariamente aos “mercados
não vou ser”, mas, para isso não devemos mais
globalizados” e especialmente a falta de
deixar de lado esta rica cultura tão próxima
uma política educacional local/regional que
e significativa, aprendendo e revelando sua
entenda e valorize a cultura popular de sua
importância para a consolidação da cultura
cidade/estado/país para os alunos de todas
popular paraense.
as idades, certamente são responsáveis por esse desconhecimento, esse estranhamento, essa sensação de que somos estrangeiros em nosso próprio lugar. Por isso, ao entrar em
O PROJETO SABERES”
“ENCONTRO
DE
contato com elementos da cultura popular tão próxima e tão distante de nossa visão,
O Boi Estrela D’Alva integra o Projeto
do nosso dia a dia, da nossa rotina urbana,
Encontro de Saberes desenvolvido pela
a primeira sensação é de surpresa. Depois,
UFPA, em parceria com a Universidade de
TUCUNDUBA 77
Brasília, e tem como coordenador o professor
nosso Estado, encontramos algumas linhas a
doutor José Jorge de Carvalho (UNB), do
respeito das origens do Boi Bumbá, na obra de
Instituto de Ciência e Tecnologia de Inclusão
Horta (2004). Refere este autor que, “dizem
no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI), e
que o Boi Bumbá se originou na Europa mais
também pelas professoras doutoras Líliam
precisamente na França há mais de 800 anos”
Barros e Sonia Chada.
(2004, p. 42), entretanto comenta que as
O objetivo principal do projeto é
festas de boi tiveram seu início muito antes,
promover a inserção de outras bases
citando as festas ao Boi Ápis, no antigo Egito,
epistemológicas, tendo como ponto de
e também as dos sumérios e caldeus.
partida o conhecimento de mestres da cultura
popular,
incorporando
O fato é que as festas de Boi chegaram
saberes
ao Brasil, e segundo Horta (2004), se
tradicionais dos mestres da música popular
encontram atualmente em todas as suas
do Pará no ensino superior, objetivando uma
regiões, chegando à região Norte através
visão abrangente da música e a diversidade
dos nordestinos. Entretanto, para Salles
de práticas musicais em Belém do Pará.
(1994, apud LAGO), a origem da encenação
O projeto está inserido nos cursos de
do Boi Bumbá estaria nos folguedos dos
Licenciatura em Música da UFPA integrando
negros escravos e que esses grupos faziam
a disciplina Sociologia da Música e, também,
confrontos corpo a corpo, em disputas de
no Programa de Pós-Graduação em Artes da
classes.
UFPA em oferta de atividades curriculares
A denominação dada a estes grupos
nos Seminários Avançados III – Encontro de
apresenta diferenciações. Segundo Lago
Saberes. O projeto foi dividido em quatro
(2004), em Belém e no Estado do Amazonas,
módulos: Boi – Bumbá Estrela D’Alva, do
são conhecidos como “Boi-Bumbá”, e nos
mestre Beto; Pássaro Junino Tucano, da
outros Estados, como “Bumba meu Boi”. Para
Guardiã Iracema Oliveira; Grupo de Carimbó
Horta (2004), os Bois Bumbás se classificavam
Sancari, do mestre Lucas Bragança; e os
segundo os instrumentos musicais em: boi de
Saberes indígenas, com o mestre indígena
matraca, quando havia a batida das matracas
Tixnair, da Aldeia Tekohal (Gurupi). Com
(duas taboas pequenas percutidas entre si)
exceção do mestre indígena, todos são
por todos os componentes do grupo; o boi
moradores da cidade de Belém1.
da ilha, em que a marcação era feita por zabumbas, tantãs e atabaques, e o boi de orquestra, os que utilizam instrumentos de
O BOI BUMBÁ NO BRASIL
sopro. Este autor cita que atualmente já não existe tanta diferença.
Pesquisando
as
origens
desta
O que se observa, entretanto, é que
manifestação cultural tão tradicional em
ainda existem diversidades em relação à encenação do Boi Bumbá. No Amazonas, por exemplo, tem seu grande destaque no boi
1 Informação baseada no texto de autoria de Taymã Carneiro (Assessora de Comunicação da UFPA.).
78 TUCUNDUBA
de Parintins, cidade do Estado do Amazonas
distante 420 quilômetros da capital Manaus,
bois de Belém têm características distintas.
na ilha de Tupinambarana, e que alcançou
Encontramos na obra de Silva (2004) algumas
grande repercussão por vários fatores
importantes considerações dos antigos bois
incluindo entre esses a disputa entre os dois
de Belém do Pará. Segundo a autora, os bois
mais importantes bois da cidade, quais sejam
eram classificados em duas categorias: o boi
“O Caprichoso” cuja cor símbolo é o azul e “O
tradicional e o boi de comédia (SILVA apud
Garantido” de cor vermelha (HORTA, 2004).
MENEZES, 1993).
A disputa entre esses dois bois acontece
O boi tradicional segue os padrões
durante três dias consecutivos no final do
dos bois de cortejo e encena o melodrama
mês de junho em um espaço denominado
que ainda se verifica nos padrões dos bois
“bumbódromo”, cujo formato é uma cabeça
atuais. Neste melodrama, o boi de estimação
de boi e que tem capacidade para quarenta
é morto por uma personagem chamada
mil pessoas (HORTA, 2004). Embora o enredo
Pai Francisco para atender o desejo da sua
seja semelhante aos dos bois de outras
mulher Catirina que está grávida; já o boi de
regiões do Norte do Brasil, com algumas
comédia é descrito como uma variante que
variações, se observa em reportagens da
realizava um melodrama de enredo diferente,
mídia o grande apelo coreográfico, além da
mais semelhante ao do Pássaro Melodrama
grandiosidade das alegorias e o alto luxo
Fantasia (SILVA, 2004, p. 23).
das suas fantasias, fazendo com que o Boi
Neste boi comédia o enredo se constituía
de Parintins seja visto como um espetáculo
em um boi de uma sinhazinha que era
realizado principalmente para turistas que
roubado por uma feiticeira e não morto por
vem de várias regiões do Brasil e como não
pai Francisco. Nesta encenação se tocavam
dizer também do mundo, que lá vão para
vários gêneros musicais como o samba,
conhecer a Amazônia e sua cultura.
cânticos, boleros e marchas que integravam
Em Belém, existe um grupo tradicional
os cantos das personagens. Os bois de
que por apresentar características diferentes
comédia desapareceram, assim como suas
dos padrões, merece ser citado neste
partituras musicais segundo depoimentos
trabalho. Trata-se do Boi do Campo de
do mestre Drago em entrevista concedida
Odivelas. Segundo seu mestre, Nivaldo
à Silva (2004), em outubro de 2000; Mestre
Figueiredo, este boi segue os padrões do Boi
Drago (1899-2002), foi músico e compositor
de Máscaras de São Caetano de Odivelas,
e atuou nestas manifestações da cultura
munícipio distante 120 km de Belém. O Boi
popular paraense.
do Campo não tem dramatização2 .
Em um artigo de junho 1938, editado
Em relação aos bois de Parintins, embora
no jornal O Estado do Pará, sob o título “Os
se apresentem também no mês de Junho, os
grandes festejos joaninos da Praça Floriano Peixoto” (Cf. SILVA, 2004), podemos ter
2 Segundo entrevista concedida por Nivaldo Ferreira em 05/03/2009 para José do Espírito Santo Dias Júnior sobre a dissertação “Cultura Popular do Guamá: Um Estudo sobre o Boi Bumbá e outras práticas culturais em um bairro da periferia de Belém”, do programa de pós-graduação de História da UFPA.
uma relação dos bois existentes àquela época, embora este artigo não relacione somente os bois, mas, também pássaros e
TUCUNDUBA 79
outras formações afins. Ainda neste mesmo
que mestre Beto foi nos introduzindo em sua
artigo, se reportando à programação que
casa. A casa estava repleta de pessoas, todas
iria se realizar, os bois são definidos como
ou quase todas, personagens e brincantes do
Boi de Comédia e Boi de Batuque. Os bois
boi, que lá se reuniam para o ensaio geral.
relacionados são: Última Hora; Lindo Cravo;
Neste dia o Estrela D’Alva fazia aniversário:
Flor da Noite; Pai do Campo (sic); Novo
55 anos de vida. A casa tem poucos cômodos,
Querido; Brilhante; Riso do Campo; Flor da
mas o que nos chamou logo a atenção foi uma
Duque; Estrela do Norte; Estrela D’Alva.
parede onde uma estante se apresentava lotada com dezenas de troféus, frutos das vitórias conseguidas ao longo da vida do
O BOI-BUMBÁ ESTRELA D´ALVA
Estrela D’Alva que é atualmente bicampeão. Conhecemos dona Jurema, esposa do
O Boi Estrela D’Alva integra uma
mestre Beto, e Sebastiana, que está no boi
tradição de bois-bumbás do bairro do
há 46 anos. Segundo ela, que é a tuxaua do
Guamá, em Belém do Pará. Neste ano de
boi, “este papel passa de mãe para filha”.
2014, o boi completa 55 anos de existência.
Dona Jurema nos levou aos dois quartos da
Entrevistamos mestre Beto – Alberto Costa
casa; o 1º lotado de fantasias e adereços,
Melo, atual mestre do Estrela D’Alva e um
entretanto no 2º, fomos surpreendidos
dos seus fundadores no dia 13/06/2014.
com a enorme quantidade de fantasias que
Mestre Beto mora com sua família na rua
estavam depositadas em caixas por cima da
Paes e Souza, nº 789, em uma casa simples,
cama do casal. Em volta da cama, dezenas de
de madeira, de poucos cômodos, no bairro do
esplendores encostados nas paredes em uma
Guamá. (Figura 1)
profusão de cor e beleza que nos encantaram.
Mestre Beto já nos aguardava, visto
Dona Jurema, com determinação, foi
que havíamos mantido contato telefônico
retirando os esplendores, um a um e, ao
com o Cleto, um dos atuais tripas do Estrela
chegar a um belíssimo esplendor todo branco
D’Alva, quando solicitamos que ele avisasse
nos disse com certo orgulho, “esse é o da
mestre Beto da nossa visita. Ao chegarmos à
índia branca”, e logo em seguida nos revelou
Rua Paes e Souza, nos deparamos com uma
que o casal não pode dormir na cama, pois
dezena de meninos de várias idades que,
o Estrela ocupou toda a cama do casal que
tocavam “barricas” e “cheque- cheques”,
dorme em redes “lá fora”. (Figura 2)
pedimos informações sobre a casa de mestre
Com respeito ao histórico do “Estrela”,
Beto que era logo em frente onde os meninos
complementando o que havia revelado
estavam. Em toda a estreita rua, várias
durante o módulo, mestre Beto nos disse
pessoas eram vistas, sentadas nas portas das
que quando tinha 5 anos de idade, ele e seu
casas, em uma atitude de interação.com os
irmão Raimundo Nonato Costa Melo (já
meninos e suas batucadas.
falecido), assistiam à noite o ensaio dos bois,
Fomos recebidos inicialmente com certa
que naquela época eram somente dois –
curiosidade que foi se dissipando à medida
Tira Teima e Malhadinho; esses bois tinham
80 TUCUNDUBA
Figura 1 - Boi-Bumbá Estrela D´Alva
Figura 2 - Grupo de alunos observando a movimentação do Boi-Bumbá
TUCUNDUBA 81
grande rivalidade entre eles. Um dia os dois
nome e, depois de muitos pedidos, mas com
irmãos “se meteram no Corre Campo, que era
relutância a princípio, o vizinho colocou o
um boi pequeno”.
nome de Estrela D’Alva, em homenagem
Em uma noite em que os irmãos estavam
à sua filha, ainda muito pequena. Dona
brincando no Corre Campo, houve “um
Terezinha, mãe do mestre Beto, foi escolhida
problema de briga”, gerando uma grande
para ser a madrinha do boi, e quando pouco
confusão, e fazendo com que os irmãos
tempo depois por motivos não esclarecidos o
voltassem para casa; lá chegando, a mãe
vizinho não pode mais ser o mestre do Estrela
deles, dona Terezinha, ao saber do ocorrido,
D’Alva, coube à madrinha ser sua próxima
proibiu a participação dos meninos no boi.
mestra.
Muito tristes, os irmãos foram chorando para
O Estrela D’Alva foi crescendo em
a frente da casa; um vizinho (não lembra o
número de brincantes e no tamanho dos seus
nome), vendo a tristeza dos dois e tomando
participantes que foram se incluindo deixando
conhecimento do ocorrido disse que iria fazer
de ser o Estrela, um boi só de crianças. Dona
um boi, já que ele também tinha filhos ainda
Terezinha quando adoeceu legou o boi para o
crianças.
mestre Beto, que com muito orgulho diz que:
Desta forma foi criado um boizinho no dia 13 de Junho (dia de Santo Antonio), no
“O Boi não se faz só para a gente, mas para o público”. (Figura 3)
ano de 1959. O boi, entretanto, não tinha
Figura 3 - Mestre Beto numa dinâmica do módulo. Acervo LabEtno
82 TUCUNDUBA
Durante nossa entrevista com mestre Beto, tivemos contato além da Tuxaua, também com o Pai Francisco, que muito se interessou pelo nosso trabalho, ainda mais
PERSONAGENS (SEGUNDO MESTRE BETO E CLETO)
quando muito objetivamente falamos do porque de estarmos com eles, salientando a importância dos saberes deles (do Guamá) e dos outros mestres, quando fomos aplaudidos por todos os presentes. Constatamos o quanto é importante para a comunidade a participação no Estrela, mesmo não sendo os adultos, mas seus filhos e netos. A tradição da passagem das personagens menos importantes para as mais importantes é motivo de muito orgulho na comunidade; esse fato foi verificado quando em conversa com os meninos que tocam barricas e cheque- cheques, um deles disse que já galgou a posição de “vaqueiro”, demonstrando no sorriso, a importância que ele está investido. Parece que participar do Estrela é algo de extremo significado na vida das pessoas que dele participam. Este fato nos foi mostrado em vários momentos, quando da nossa visita, entretanto um dos mais interessantes ocorreu quando Pai Francisco e a Tuxaua, em conversa descontraída, estabeleceram um diálogo quando então Pai Francisco nos disse que a Tuxaua quando vai prendêlo juntamente com as índias, faz isso com muita força e determinação, ao que a Tuxaua rebateu que, ”Quem mandou tu matá o boi”. Encerramos nossa visita com a promessa de irmos assistir a apresentação do Estrela na Estação das Docas, o que foi motivo de grande alegria para todos que ali estavam.
Amo: é o fazendeiro, dono do boi canta as toadas. Mãe Maria: é a mulher do fazendeiro. Ela veste vestido branco, tipo noiva. Tripa: fica embaixo do boi comandando os movimentos do boi. Existem 4 tripas no Boi Estrela D’alva. Cleto (tripa) gosta muito de dançar. “O critério é dançar. O boi é pesado. A cada ano inovo e crio ensaiando e criando. A paixão é o Estrela D’Alva porque é branco com a malha preta”. Rapaz: capataz da fazenda. Recebe ordem do fazendeiro e da mulher dele Vaqueiros: eles tomam conta do boi. Evitam que mexam com o boi e que ele saia da roda. Doutor: ele vem para curar o boi, mas é fraco, pois não cura o boi. Pajé: é o último a ser chamado para curar o boi. Pai Francisco: Matuto. Caboclo que vem do interior. Cazumba: compadre do pai Francisco (faz papel de Matuto). Catirinas: mulher do pai Francisco e a outra mulher do Cazumba. Rebolam usando roupa de carimbó. Tuxaua: comanda a Maloca e prende o pai Francisco na hora que matam o boi para levar para o dono da fazenda. Índias: prendem o pai Francisco junto com a Tuxaua. Índia Branca: foi criada na aldeia e vai com todas as índias prender o pai Francisco. Maloca: conjunto da Tuxaua e todas as índias.
TUCUNDUBA 83
INSTRUMENTOS Bumbo, xeque-xeque e tambor ou barrica: Batuqueiros. Apito e pandeiro: tocado pelo Amo no início e final de cada música. A Barrica tem um som “fino”, tem couro de cobra ou pelica. O Xeque-xeque é feito de latas de óleo munida com madeira e dentro tem arestas pequenas.
ENREDO O tema principal da encenação do Boi– Bumbá é a morte e a ressureição do Boi.
Índias: saiote de penas, top bordado em patês e o esplendor (são 25 de vários tamanhos); Catirina: roupas tipo de carimbó (saia estampada, blusa, renda); Batuqueiros: calça normal com aplicações, jaqueta vermelha, camisa branca, chapéu de palha bordado com paetês; Doutor: jaleco branco; Pai Francisco: calça com suspensório quadriculada e blusa estampada com chapéu de palha desfiado; Tuxaua: além do esplendor, ela usa um cocar.
ROTINA
O enredo segue os padrões do enredo
Segundo mestre Beto, “existe uma
geral do Boi-Bumbá. Em uma fazenda,
associação folclórica, mas não funciona.
Catirina, a mulher do capataz pai Francisco,
Qualquer pessoa pode brincar de Boi. Tem
está grávida e deseja comer língua de
pessoas que desde criança participam e até
boi. Pai Francisco, não tendo alternativa,
mesmo pessoas mais idosas”.
mata o boi preferido da fazenda. Ao tomar
“Meu neto me ajuda porque os dois que
conhecimento, o dono da fazenda (o Amo),
me ajudaram antes estão no andar de cima.
manda os vaqueiros e a maloca prender
Meu neto já canta não como cantador, mas
pai Francisco. Um médico chega, mas não
um dia ele chega lá”.
consegue ressuscitar o Boi. O pajé então
“Graças a deus nossa brincadeira é bem
é chamado e após a sua intervenção o boi
aceita. Dou o meu esforço porque não tenho
levanta para alegria do Amo e de todo o povo
mais nada para dar”.
que canta e dança louvando o Boi.
“Vou dormir duas ou três horas da amanhã. Os outros vão embora e eu fico”. A
FANTASIAS Amo: jaqueta preta bordada com camisa branca por dentro e calça curta vermelha com bordado; Mãe Maria: toda de branco, tipo noiva; Vaqueiro: roupa mais simples, jaqueta lisa, camisa vermelha, estampa branca;
84 TUCUNDUBA
arrecadação de dinheiro para o boi vem dos próprios mestres do Boi-Bumbá.
SELEÇÃO Feita pelo mestre Beto. No caso das índias passa pela seleção de uma índia mais antiga do grupo (a Tuxaua). Ela está há
46 anos no grupo (Sebastiana dos Santos
estranho ao que nos é comum e nos
Pantoja) cria as coreografias e escolhe índias
argumentando perante as problemáticas dos
de várias idades. Quando é mulher que quer
lugares de memória de Pierre Nora (1993),
ser índia de destaque, ela tem que passar por
que são os locais de arquivamento do objeto-
um teste feito pela Tuxaua, dançando vários
história que buscamos nesta pesquisa para a
ritmos do Boi.
perpetuação de saberes populares, buscados para a consolidação de registros históricos em formas de vídeos, artigos e em outros
IMPRESSÕES DO “ENCONTRO DE SABERES” - AO BOI-BUMBÁ ESTRELA D’ALVA
meios. No entanto, de alguma forma, nos distanciando
de
nossa
memória
viva,
dinâmica, lúcida, que faz parte de nossos Antes de especificar os nossos estudos,
costumes
típicos
populares.
Então
“a
abordaremos a disciplina que nos ofereceu
memória é um absoluto e a história só
em nosso curso a oportunidade de dialogar
conhece o relativo ” (NORA, 1993, p. 09).
com nossos saberes populares. Colocando-
Como pesquisadores, nessas aulas,
nos como espectadores de nossa cultura
tivemos a possibilidade da sensibilidade
dentro de uma sala de aula, oferecendo
perante o nosso objeto de estudo, pois as
maneiras de estudar e registrar esses saberes
nossas falas de conhecedores facilitaram
para a história.
uma relação paralela com o objeto. Pois, no
Tivemos quatro momentos divididos em
caso do Boi-Bumbá, temos conhecimentos
aulas, cada um expressando um elemento de
de vivências que trouxemos para o nosso
nosso saber popular, que foram: o Boi-Bumbá,
diálogo nas aulas sobre o Boi-Bumbá.
o Pássaro junino, o Carimbo e os índios
Nas
aulas
apresentadas
sobre
o
Tembés. Não nos foi dado uma estrutura
Boi-Bumbá
fixa de aula para a aprendizagem destes
pelo mestre Beto, junto ao Cleto, que é
elementos com seus respectivos “mestres”.
responsável por ser um dos “tripa”3 neste
Foram aulas à vontade, como uma roda, em
boi, nos foi contada as peculiaridades do boi
que os mestres populares nos transmitiram
“Estrela D’alva”, por meio das conversas, de
de forma oral seus saberes. Dessa forma, a
fotos, vídeos, a confecção de um “esplendor”,
disciplina “Encontro de Saberes” nos trouxe
e a apresentação dos ritmos musicais que
o que nos é próximo, vivenciada e que se
pertencem a esta manifestação, com seus os
manifesta em nossa memória, em nossa
instrumentos musicais, e a dança feita pelo
cultura, em nossa linguagem, própria de
“tripa”. Todos estes ensinamentos, segundo
nosso lugar.
o próprio mestre Beto, são realizados de
Mas
todo
esse
conhecimento
se
“Estrela
D’alva”,
orientado
uma forma que não se perca a tradição, que é
apresentou dentro de padrões acadêmicos, dentro de normas da pesquisa cientifica, nos forçando um olhar de fora, um pensar
3 Responsável por carregar e encenar o boi.
TUCUNDUBA 85
presentes no boi “Estrela D’alva”, que são: socado, marcha e tipo valsa (Figura 5). Esses ritmos nos foram demosntrados pelo mestre Beto durante a apresentação da dança do “tripa” junto aos intrumentistas, o que foi realizado utilizando o ritmo “socado”. Os outros ritmos foram executados apenas para que conhecessemos suas características, num curto intervalo de tempo. (Figura 6) Durante um periodo de tempo das aulas sobre o Boi-Bumbá “Estrela Dalva”, foi nos mostrado em uma oficina a confecção do “Esplendor”, que é um acessório utilizado pelas “indias” 4. O mestre Beto nos orientou Figura 4 – Mestre Beto numa dinâmica do módulo. LabEtno
sobre a utilização de uma armação de ferro, pronta para ser encaixada no corpo das “indias”, e nesta armação era aclopado
bastante valorizada neste Boi-Bumbá (Figura 4). Adiante, analisaremos cada um desses ensinamentos de acordo com nossa pesquisa de campo, em alguns momentos relacionando com estudos sobre a manifestação do boi feita por estudiosos do folclore brasileiro. Abaixo tentamos fazer uma transcrição musical aproximada dos ritmos musicais
um papelão, que é um tipo mais grosso e resistente de papel, no qual se ornamentava com pintura e outros materiais para se dar brilho e o luxo necessário para a expressão de realeza passada pelas “indias” durante a apresentação do Boi. Com uma roupa carnavalesca, as “indias” dançam e mostram um exemplo de como esta manifestação pode ser conectada com outras formas de expessão popular do povo, neste caso o carnaval. Nos foi ensinado também, em oficina, a produção do instrumento musical “xequexeque”, que utilizou-se duas latas de óleo vazias, um pedaço de madeira com pregos para a junção das latas, e uma quantidade de “arestas”, que são pregos pequenos, colocados dentro das latas, para produzirem o som característico do instrumento. (Figura 7)
Figura 5 – Ritmos musicais do Boi-Bumbá
86 TUCUNDUBA
4 Personagens da encenação do Boi-Bumbá.
Figura 6 - Mestre Beto mostrando vestimentas e instrumentos. Acervo LabEtno
Figura 7 - Mestre Beto e um grupo de alunos. Acervo LabEtno
TUCUNDUBA 87
Durante o ultimo momento das oficinas
e manifestações artísticas de dança, música,
tivemos a experiencia de cantar, tocar os
teatro, e outras funções artísticas que se
intrumentos e dançar junto ao boi, ou mesmo
fazem presentes neste Boi-Bumbá paraense,
sendo o “tripa”. Isso tudo para nos fazer
que nos foi contado pelo genuíno mestre
entrar em contato com praticas comuns na
Beto.
vivencia desta manifestação de boi-bumbá. Própria do Boi-Bumbá “Estrela Dalva”.
Assim, utilizando a desconstrução do popular, para inserir esse saber dentro das conexões existentes na contemporaneidade5, dessa forma, nos confrontando com a
CONCLUSÃO
manifestação popular, acima dos padrões mercadológicos da indústria cultural, acima
O Boi-Bumbá no Brasil é, certamente,
dos registros da ciência social, para evidenciar
uma manifestação que, diante dos estudos,
uma vivencia desta prática, sem conclusões
se comprovou uma diversidade de expressão,
aparentes, para deixar que, a partir desta
relativos
contextos
memoria nos direcionamos novamente, e
regionais. O Estrela D’Alva, dessa forma, se
prazerosamente, nesta festa do boi Estrela
torna único, como objeto da cultura popular
D’alva. E como disse a contadora de histórias,
com suas particularidades que evoluíram,
“a boca abre, a boca fecha e os contos
no decorrer do tempo, para um modelo de
continuam falando...”6. (Figura 8)
aos
seus
próprios
prática preservado, mas que evolui em suas conexões e confrontos com o social, que o toma como detentor de singularidades de acepções criativas e artísticas, dentro de uma geografia e, fundamentalmente, de uma memória que, até hoje, ainda se mantem viva, para que no momento de suas apresentações, originaliza e legitima o conceito de Boi-Bumbá. Perpassando em seus valores uma estrutura de inclusão social
88 TUCUNDUBA
5 Explicando sobre a compreensão de Canclini sobre a cultura popular, Catenacci diz que “Para esse autor, a crise atual da investigação do popular se dá devido à forma pela qual os paradigmas são construídos nas Ciências Sociais. Segundo ele, essa construção é feita de forma desconectada, e essa cisão que condiciona as divisões interdisciplinares é a mesma que confronta tradição e modernidade”. (Disponível em: http://viviancatenacci. blogspot.com.br). 6 Extraído, de autoria de Vivian Catenacci, do blog http:// viviancatenacci.blogspot.com.br.
Figura 8 - Boi-Bumbá Estrela D´Alva. Acervo LabEtno
SAIBA MAIS CATENACCI, Vivian Silva. Cultura Popular - Entre a tradição e a transformação. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/spp/v15n2/8574.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2014. LAGO, Jorgete Maria Portal. A Prática do BoiBumbá em Belém – Uma Breve apresentação. Disponível em: <http://www.seer.unirio.br/index. php/coloquio/article/viewFile/123/81>. Acesso em: 15 jun. 2014.
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares, In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, 1993, pp. 07-28, HORTA, Carlos Felipe de Melo Marques. O Grande Livro do Folclore. Belo Horizonte: Ed. Leitura, 2004. SILVA, Rosa Maria Mota da. A Música do Pássaro Junino Tucano e o Cordão de Pássaro Tangará em Belém do Pará. In: VIEIRA Lia Braga; IAZZETTA, Fernando (Orgs.). Trilhas da Música. Belém: EDUFPA, 2004.
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ENCONTRO DE SABERES: Vivências no Cordão de Pássaros no Programa de Pós-graduação em artes da Universidade Federal do Pará Jaddson Luiz Souza Silva Letícia Silva e Silva Thiago de Araújo Lopes
Tambor ou Barrica. Instrumento da Graduação em Música/ UFPA.
90 TUCUNDUBA
INTRODUÇÃO
no intuito de que estas promovessem a compreensão de como esta base epistêmica
No primeiro semestre de 2014, o
pode ser utilizada. A relação entre etnologia
Programa de Pós-Graduação em Artes
e música, constitui um campo de pesquisa já
(PPGARTES), ligado ao Instituto de Ciências
bem consolidado.
da Arte (ICA), da Universidade Federal do
Como trabalho final, nos foi orientado
Pará (UFPA), possibilitou a alguns mestrandos
que cada discente ficaria responsável por
da turma de 2013, a vivência com algumas
escrever um artigo sobre um dos módulos
das diferentes culturas e manifestações
vivenciados em aula, trazendo à tona a
tradicionais praticadas no território paraense.
importância deste Encontro de saberes para
Os mestrandos interessados em vivenciar tal
a nossa formação acadêmica. Assim sendo,
experiência, matricularam-se na disciplina
no presente trabalho, serão apresentadas
Seminário Avançados III: Encontro de
as abordagens referentes às características
Saberes, sob a responsabilidade das docentes
da manifestação do Cordão de Pássaro
Líliam Barros e Sonia Chada.
Junino, sua prática musical, seus agentes,
A disciplina foi dividida em quatro
sua constituição histórica, bem como, a
módulos: o 1º referente à Música, Cultura
importância desse Encontro de saberes na
e Sociedade, onde ouvimos os relatos e
formação de pesquisadores.
presenciamos o fazer musical do Mestre Beto de Boi Bumbá e da professora assistente Jorgete Lago; o 2º foi destinado à Música, Cultura e Experiência, a partir da Guardiã Iracema Oliveira do Pássaro Junino “Tucano”
CONHECENDO O PÁSSARO JUNINO Narrativa do Pássaro Junino
e da Professora Assistente Rosa Silva; o 3º correspondeu aos Saberes e Fazeres
Quem pouco ou nada conhece sobre o
Musicais do Mestre Lucas Bragança de
Pássaro Junino pode imaginar que a história
Carimbó, mediação do Professor Assistente
de um espetáculo dessa natureza é bastante
Paulo Murilo; e, por fim, o 4º módulo versou
simples. Se o simples estiver ligado à falta de
pela Diversidade Cultural a partir do Mestre
recursos dos grupos, é possível admitir que a
Tixnair, da etnia indígena Tembé, com a
palavra “simplicidade” se encaixa muito bem,
mediação da Professora Assistente Líliam
mas quando há uma busca por conhecer a
Barros.
fundo os significados desta manifestação
No decorrer das aulas tivemos acesso a pesquisas na área da etnomusicologia
cultural, tipicamente paraense, percebe-se um gigantesco equívoco.
TUCUNDUBA 91
Ao ser analisado por estudiosos da cultura
que a manifestação foi criada.As comodidades
popular, o Pássaro Junino mostra-se um poço
do palco - termo atribuído a Vicente Salles -
de história e infinitos conhecimentos que se
foram também requisitadas pela encenação,
desdobram. Ao contar sobre o nascimento
logo, “a cortina, a iluminação, os bastidores,
dessa manifestação, Fares diz que,
a cena frontal do palco à italiana e até o extinto ‘ponto’ – poucos brincantes decoram
[...] a quinze de fevereiro de 1878, foi inaugurado o Teatro de Nossa Senhora da Paz, situado na Praça da República, antigo Largo da Pólvora, em Belém, Pará. A inauguração desta casa de espetáculos foi responsável por um intenso fervilhar artísticocultural na cidade ainda imersa nas benesses advindas do Ciclo da Borracha. Nesta época, retratada pela literatura de alguns escritores, Belém viveu sua belle époque. E as camadas privilegiadas dessa província que começava a tomar feição de metrópole davam-se ao luxo de assistir a espetáculos importados, sobretudo da França. Era a hora e a vez da ópera. No entanto, nem todos gozaram das regalias da seringa. O leite que escorria das seringueiras não nutriu a todos. E foi justamente essa camada social desprestigiada pelo látex, que, num verdadeiro processo de carnavalização, inventou o chamado cordão de pássaro, folguedo junino tipicamente paraense (1992, p. 1).
Todos os anos, particularmente durante o mês de junho, a manifestação acontece em Belém do Pará e em outras cidades do Estado. O Cordão de Pássaro ou Pássaro Meia Lua é tido entre os guardiões, brincantes e estudiosos da manifestação como outra vertente do Pássaro Junino, já que existe também o Pássaro Melodrama Fantasia. O Cordão de Pássaro é conhecido por suas apresentações “em espaços abertos, mantendo os seus integrantes o tempo todo em cena, numa estrutura semicircular” (MAUÉS, 2010, p. 3), e cada um, conforme o seu momento no enredo, sai para apresentar a sua cena e volta para o semicírculo ao final dela. O Pássaro Melodrama Fantasia possui características bem diferentes por ter absorvido elementos característicos das óperas e operetas encenadas no período em
92 TUCUNDUBA
todo o texto –”, (MAUÉS, 2010, p.1) foram absorvidos. O tema abordado é relativamente parecido. Antes mesmo que a cortina se abra a audiência já conhece o princípio, meio e fim da história. Nada que diminua a curiosidade e o interesse do público. Nos cordões de pássaros, a ave sempre morre e, posteriormente, é ressuscitada por um médico ou um pajé, num claro enfrentamento entre a ciência e a magia, logo, através de sua caçada, morte e ressurreição, o pássaro é o personagem principal da peça, porém, segundo Silva (2004), no Pássaro Melodrama Fantasia, o pássaro passa a ser um elemento secundário, uma vez que outros núcleos são cenicamente explorados. Maués confirma esta afirmação ao dizer que o Pássaro Melodrama Fantasia agrega outros elementos ao tema central através de seus “dramas e sofrimentos de uma família de nobres ou fazendeiros, “costurados” por tramas de suicídio, morte, vingança, traição e incesto” (2010, p. 1). Sobre a eventual morte do pássaro e a sua posterior ressurreição, Fares ao conectar manifestações culturais diz que “na ‘comédia’ do boi, Nego Chico, também chamado de Pai Francisco, é um vaqueiro que se vê obrigado a matar o boi de estimação do patrão, pois Catirina, sua esposa, grávida, deseja comer a língua do garrote preferido do fazendeiro. Por isso, Nego Chico embrulha-se em “maus
lençóis”. E diante do animal morto, decide
Sabiá e Uirapuru. Outros animais também
tomar providências. Lança mão da ciência e
emprestam seus nomes aos grupos, mas a
da religião para ressuscitar o boi. O médico
predominância é mesmo dos pássaros.
e o padre são convocados, no entanto, é a
O pássaro é sempre levado por uma
pajelança que consegue trazer à vida o animal.
criança – porta-pássaro – em sua cabeça sob
O folguedo se encerra quando o boi levanta
um arranjo muito rico em detalhes. Segundo
e, ao som das barricas, põe-se a dar volteios
Loureiro, o porta-pássaro possui “a imagem
entre as personagens que, contagiadas pela
mítica do homem-pássaro – o pássaro na
alegria da ressurreição, caem na folia. No
cabeça do homem ou da mulher no Egito
Cordão de Pássaro, o boi é substituído por
antigo, onde essa figura simbolizava a alma
uma ave pertencente à princesa, filha do
de um morto partindo, ou a visita de um deus
imperador. Neste folguedo, quem tira a vida
a terra”. E pergunta-se se não estaria aí, neste
do animal é o caçador. ” (FARES, 1992, p.1)
símbolo que é o porta-pássaro, representada
Os grupos em Belém que trabalham
“a alma nativa que não morre, que não pode
para que esta manifestação não seja
ser morta? (...) Uma espécie de fênix tropical
esquecida, são representados ou tem o seu
da alma de uma cultura? ” (LOUREIRO apud
nome ligado a uma ave, tais como: Bem-Te-
MAUÉS, 2009, p. 3-4).
Vi, Colibri, Tem-Tem, Tucano, Papagaio Real,
Mestrandos do PPGARTES na Vivência do Pássaro Junino Tucano (Registro Pessoal: Letícia Silva)
TUCUNDUBA 93
ELEMENTOS CONSTITUINTES (AGENTES)
No
Pássaro
Melodrama
Fantasia,
podemos encontrar outra visão no que diz
Cenário e Figurino
respeito a movimentação no palco, pois, como tal, recebeu influências significativas dos
A “simplicidade” presente no Pássaro
grandes espetáculos que eram encenadas no
Junino é verificada pela não utilização de
Teatro da Paz no período majestoso da Belle
cenários, ou melhor, o figurino utilizado pelos
Époque, a encenação, segundo Charone:
brincantes serve como cenário e evidencia para o público, momentos distintos na trama. Na encenação do Cordão de Pássaro, a apresentação por ocorrer em “espaços abertos, em formato de semicírculo, com a presença dos integrantes em cena o tempo inteiro” (MORIM, 2009), leva os brincantes
Requer espaço mais apropriado, com palco, camarim e cortina. Os brincantes, durante as apresentações, fazem várias trocas de roupas. As cortinas são utilizadas para a finalização de cenas e quadros. Assim, se temos uma cena da maloca e, a seguir, o bailado, o ato de abrir e fechar a cortina faz a separação imaginária dos ambientes, muitas vezes, acompanhado do comentário de um narrador (2009, p. 1).
para o centro do palco em seus respectivos momentos e de volta aos seus lugares ao fim deles. Já os figurinos são confeccionados de
maneira
evidente
ao
caráter
dos
personagens, onde, por exemplo, a nobreza utiliza vestimentas comuns ao século XVII e XVIII e os matutos vestem-se de maneira semelhante à comunidade ribeirinha do interior do Estado. O pássaro recebe atenção especial chegando muitas vezes ao excesso devido à abundância de material utilizado na sua confecção. Segundo Refkalevsky, no figurino do pássaro: Evidencia-se a riqueza e elaboração da indumentária (...), estruturada a partir de uma calça e uma túnica que permitem ao comediante maior flexibilidade nos movimentos. Os motivos bordados procuram dar volume a certas zonas do corpo do pássaro como no peito ou ainda desenhos que lembrem penas. Os pássaros possuem asas de tecido pregadas na parte inferior das mangas da vestimenta. Os trajes são dispendiosos e utilizam uma grande quantidade de elementos brilhantes, como lantejoulas, vidrilhos e pedrarias, bordados em motivos muito bem elaborados sobre cetins e veludos (apud MAUÉS, 2009, p. 2).
Personagens A escolha dos intérpretes que darão vida aos personagens é obtida de maneira muito peculiar, pois segundo Maués (2010, p. 40), “os intérpretes, nos pássaros juninos, são escolhidos pela adequação de seus dotes físicos aos personagens, segundo a ótica de cada ensaiador. ” Como o Pássaro Melodrama Fantasia agrega outros agentes à trama como nobres ou fazendeiros, figuras essas que não são encontradas no Cordão de Pássaros, tomaremos como base para descrição dos personagens envolvidos, a peça “A Justiça das Selvas”, de Francisco Oliveira, publicada pelo Instituto de Artes do Pará1 e encenada pelo Pássaro Junino Tucano que tem como Guardiã, Iracema de Oliveira.
1 Cf. OLIVEIRA, Francisco de. A justiça das Selvas: pássaro junino/Francisco de Oliveira; adaptação de Iracema de Oliveira. Belém: Instituto de Artes do Pará, 2001.
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Os personagens são esses:
imperial, o que configura a presença do europeu; há a maloca, corporificando o elemento nativo, e há ainda a feiticeira, que desenvolvendo os rituais de umbanda, traz as marcas da cultura africana. Afora esses elementos constitutivos da estrutura dramática da encenação, existe um quadro, o da matutagem, composto pelos caboclos, ou seja, por aqueles que já sofreram o processo de mestiçagem. Esse quadro faz-se necessário ressaltar, é desvinculado da encenação trágica, e ocorre paralelamente. A matutagem é a responsável pelo riso, elemento capaz de aliviar as tensões do público ante a tragicidade contida no enredamento da peça (1992, p. 1).
Marquês: Juarez Montovany Marquesa: Matilde Montovany Princesa: Miriam Montovany Príncipe: Paulo de Lucena Fidalgo: Vicente (caçador) Fada: Amazônia Lendária Feiticeira: Meeram Matuta: Salviana Matuto: Pulquério Filho do Matuto: Jujuba Matuto cearense Soldado Índia favorita: Yanejacy Guerreiro: Iaci Tuxaua: Jacyra Maloca: Índios
Quadros Nos Pássaros Juninos, os quadros funcionam como os atos nas óperas. Esses quadros tornam-se mais evidentes no Pássaro Melodrama Fantasia, uma vez que, o ato de “abrir e fechar” as cortinas, numa clara influência operística, confirma para o público que um novo momento na trama ou a entrada de um novo personagem chegará. São exemplos dos quadros encenados nos Pássaros Juninos: O quadro da maloca, com a presença de uma tribo de índios, dos matutos que trazem riso e descontração ao espetáculo após momentos de grande tensão, da macumba que entre outras coisas apresenta o momento da ressureição ou
Livro “A Justiça das Selvas”: Pássaro Junino/Francisco de Oliveira; adaptação de Iracema de Oliveira. Belém: Instituto de Artes do Pará, 2001. (Registro Pessoal: Letícia Silva)
da cura do pássaro e o balé, que auxilia os brincantes na função de entreter a audiência enquanto a troca de roupa dos personagens é realizada.
Ao visualizar os personagens descritos, podemos conectá-los ao universo operístico, onde
uma
quantidade
razoável
de
Organização da cena
personagens é apresentada através de atos que dividem o espetáculo. Segundo Fares:
Para a construção e organização do Pássaro Junino Tucano, existe uma variedade
O pássaro nada mais é que uma ópera cabocla (...) o núcleo dramático é protagonizado pela família
de etapas a serem desempenhadas e muitas
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vezes quem as realiza são os próprios
conhecimento quanto à estrutura musical
integrantes do espetáculo. Há um Guardião
do espetáculo “Pássaro Junino Tucano”.
ou Proprietário que por ser a figura central
Assim, após essa compreensão, alguns
do grupo é o responsável por todo o
mestrandos puderam vivenciar a prática
desenvolvimento até chegar à apresentação,
musical de algumas das músicas que
como por exemplo, o registro e/ou a razão
compõem o espetáculo. Tais canções foram
social do Pássaro. Silva descreve algumas das
interpretadas na voz de Iracema de Oliveira
inúmeras atribuições do Guardião como:
que mesmo reduzindo a quantidade de
Arcar com as despesas financeiras do grupo, escolher ou encomendar a peça, selecionar brincantes, distribuir papéis, elaborar e confeccionar figurinos, marcar ensaios, organizar a agenda de apresentações, contratar músicos e regê-los durante os ensaios e espetáculos, gravar fitas das músicas para os músicos (2004. p. 25).
músicas para que o tempo do encontro não fosse ultrapassado, teve um cuidado especial ao escolher as peças que serviriam como uma pequena demonstração do Pássaro Junino. Por não estar em um teatro ou na sede de suas apresentações2, foi possível vivenciar
Todavia também há auxiliares que
o improviso e um pouco da dificuldade
complementam essa organização como:
da guardiã em conseguir músicos para
Ensaiador, Figurinista, Coreógrafo, Músicos
acompanhá-la.
e Brincantes. Cada um a partir de sua
Para o Encontro de Saberes, um músico
singularidade desenvolve seu papel, com
conhecido
responsabilidade e criatividade.
alguns alunos foram incluídos e um grupo
Silva ressalta que os músicos por receberem
cachê,
nas
da
guardiã
foi
contactado,
que constava de 2 (dois) violões, 1 (uma)
apresentações
clarineta e percussão seguiu durante os
oficiais, tornam-se um dos componentes
dois encontros como o responsável por
mais caros para os guardiões. Enquanto que
acompanhar as canções do Pássaro. Sobre as
a maioria dos participantes são amadores,
canções, Silva (2004) ressalta a importância
como por exemplo, os brincantes; ficando
de compreendermos como são inseridas as
ao guardião a responsabilidade da escolha
músicas tanto no Cordão de Pássaro como no
dos participantes, onde esse pode escolher
Pássaro Junino.
alguém do seu seio familiar para integrar
De acordo com Andrade (1982, p. 57),
o Pássaro ou pode escolher espectadores
essa estrutura musical é caracterizada por
interessados em participar do cortejo (2004,
Danças Dramáticas que são nomeadas como:
p. 25).
cortejo, parte dramática e despedidas. Silva destaca esta relação no Pássaro Junino da seguinte maneira:
VIVÊNCIA MUSICAL ESPETÁCULO
DO 1. Músicas de Entrada: são consideradas aquelas que antecedem a parte dramática. Geralmente,
No decorrer do 2° Módulo, Pássaro Junino, foi possibilitado aos participantes o
96 TUCUNDUBA
2 Ponto de Cultura Herança do Velho Chico, Bairro Telégrafo.
Músicos e Mestrandos do PPGARTES na Vivência da Prática Instrumental do Pássaro Junino Tucano (Registro Pessoal: Leonice Nina)
fazem parte desse grupo uma abertura musical ou canto de apresentação e hino do grupo; 2. Músicas da parte dramática: são aquelas que compõem o enredo (músicas das personagens) ou aquelas que servem de entreato (músicas do balé ou quadro especial) e 3. Músicas de despedida: apresentação das despedidas e agradecimentos finais do grupo (2004, p. 44).
evento” (2008, p. 238) são levantadas e por isso, podemos dizer que a experiência vivida em sala de aula potencializou o sentimento de
contentamento
devido
ao
grande
desconhecimento sobre a manifestação cultural presenciada. As palavras da Guardiã do PássaroTucano Iracema Oliveira trouxeram
CONSIDERAÇÕES FINAIS Seeger ao estabelecer um conceito sobre a etnografia da música cita a expectativa
outra visão, ou melhor, acrescentaram visões para muitos dos envolvidos que nunca tinham vivenciado tal experiência. As
dificuldades
enfrentadas,
as
que envolve músicos participantes e público
esperanças de um futuro melhor – com a
antes de uma apresentação. Questões
reforma do Teatro São Cristóvão – foram
como “ações do público” e as “expectativas
partilhadas e os valores adquiridos desde a
sobre o que irá acontecer, tendo como base
infância foram expostos como se um grande
experiências passadas e conceitos sobre o
livro estivesse sendo aberto. A inclusão
TUCUNDUBA 97
de alunos no enredo e no grupo musical –
como as pessoas fazem sentido de “música”
prática recorrente, principalmente, entre os
em uma variedade de situações sociais e em
músicos - que acompanhava a encenação
diferentes contextos culturais, e distinguir
confirmaram as palavras de Eco que afirma
entre as capacidades humanas inatas que as
que uma obra de arte “é passível de mil
pessoas usam no processo de fazer sentido
interpretações diferentes, sem que isso
de “música” e as convenções culturais que
redunde em alteração de sua irreproduzível
orientam suas ações 4(1979, p. 223).
singularidade” (2005, p. 40).
Ao tomarmos como base as palavras
Cada canção, cada frase, cada nota,
de Blacking para ressaltarmos a importância
possuía um significado que foi encantando
do contato estabelecido, concluímos que o
todos os participantes. Embora, a timidez e o
Pássaro Junino, em especial, o Pássaro Junino
desconhecimento tomassem conta da turma,
Tucano, por seguir aproximando gerações
cada momento ia superando o anterior e, de
através do teatro e da música, presta enorme
repente, tudo fazia sentido.
serviço à cultura popular tradicional paraense
Canções como: Marcha de Rua, Marcha
e merece uma maior atenção dos nossos
de Apresentação, Canto do Caçador e a
governantes para que esta atividade não
Marcha da Despedida serviram de base para
pereça.
a pequena encenação que contou com a
As palavras de Maués são perfeitas para
participação de alunos do PPGARTES e da
descrever como o Pássaro Junino deve ser
porta-pássaro do grupo. Outras canções como
visto:
o Canto da Fada e o Canto da Sambista foram somente apresentados sem a encenação com a voz da Guardiã e do grupo musical presente. Canções de um valor inestimável e que foram compostas por Francisco Oliveira - pai da Guardiã - em parceria com outros compositores3.
O pássaro deve morrer sempre, mas somente na quadra junina, enredado em suas tramas melosas e dramáticas, em meio a reis, princesas, nobres, coronéis, capatazes, feiticeiras, fadas, seres lendários e míticos, matutos, números musicais e dançantes. Morrer para sempre e sempre renascer, por um toque de mágica, em meio a fogos e fogueiras. Como uma fênix. Uma fênix que também ri (2010, p. 41).
Sobre o processo de criação musical, Blacking afirma que “fazer ‘música’ é um tipo especial de ação social. “Música” não é apenas reflexiva, é também geradora, tanto como sistema cultural, como quanto capacidade humana, e uma das tarefas importantes da etnomusicologia é descobrir
3 Laércio Gomes e João Oliveira.
98 TUCUNDUBA
4 “Music” making is a special kind of social action. “Music” is not only reflexive, it is also generative, both as cultural system and as human capability, and an important task of ethnomusicology is to find out how people make sense of “music” in a variety of social situations and in different cultural contexts, and to distinguish between the innate human capabilities that individuals use in process of making sense of “music” and the cultural conventions that guide their actions.
SAIBA MAIS BLACKING, John. The Performing Arts. Mouton Publishers, 1979. CHARONE. Olinda. O teatro dos pássaros como uma forma de espetáculo pós-moderno. Revista Ensaio Geral. Belém, v.1, n.1, jan-jun, 2009. ECO, Umberto. “Obra Aberta: Forma e Indeterminação nas Poéticas Contemporâneas”. Trad. Giovanni Cutolo. São Paulo: Perspectivas, 2005. FARES, Josse. Pássaro Junino: cordão e entre - lugar do discurso amazônico. Revista Asas da Palavra, Belém: Ed. Unama, 1992. LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura amazônica: uma poética do imaginário. Belém: Cejup, 1995. MAUÉS, Marton. Breve voo sobre o universo imagético do Pássaro Junino Paraense. Revista Ensaio Geral. Belém, v.1, n.1, jan-jun, 2009. MAUÉS, Marton. Pássaros Juninos do Pará: a matutagem e as suas relações com o cômico
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DO ESTRANHAMENTO À REFLEXÃO: Uma análise a partir do Encontro de Saberes com o Mestre Lucas Bragança do grupo de carimbó Sancari. Danihellen Prince Dias Siqueira Joelma de Almeida e Silva Bezerra Leonice Silva Nina
Instrumento Musical Curimbó da Graduação em Música na UFPA e Mestre Lucas
Modificada do endereço eletrônico http://musicaeidentidadenaamazonia.blogspot.com.br
100 TUCUNDUBA
No meu “pedaço”, onde moro, tenho certeza que o carimbó não vai morrer! Lucas Pacheco Bragança (13.05.14).
manifestações, nascidas em outros ares e lugares tão distantes de nossa realidade cabocla, criando um elo entre o que vemos, ouvimos para assim construir alicerce teórico
Falar, debater, escrever sobre a temática
para esta manifestação.
do carimbó é para nós um grande desafio,
Alguns conceitos da palavra Carimbó
pois tal tarefa nos faz mergulhar não só
são necessários para nos situarmos neste
nas lembranças sonoras de nossa infância,
contexto,
nas teorias pensadas e estruturadas por
“Dicionário Crioulo” de Vicente Salles:
acadêmicos que “estranhamente” observam e tentam compreender e “explicar” as manifestações culturais e de que forma elas acontecem e, também no “simples” e tão “complexo” falar de um dos mestres do carimbó, Mestre Lucas Pacheco Bragança, um dos fundadores do grupo Sancari, e sua esposa dona Neire Prestes Rocha, que estiveram nos dias 06 (seis) e 13 (treze) de maio de 2014 relatando suas vivências com o grupo de carimbó em Belém do Pará. A disciplina Seminários Avançados III – Encontro de Saberes nos proporcionou o diálogo com o mestre da cultura popular, ministrando
aulas.
Participaram
desta
experiência alunos do curso de Mestrado em
optamos
por
buscá-los
no
Carimbó é “dança rural; tambor. Comum no Pará e Maranhão, onde é atrativo para manter o homem no seu meio. As mulheres ficam mais paradas, os homens saracoteiam a sua frente, evitando serem cobertos pelas saias das mulheres (banho). Dançase ao som de pequeno conjunto instrumental, predominando os tambores do carimbó na marcação do ritmo. L. C. Cascudo redigiu verbete próprio no Dic. Folcl. Bras. (1954: 1956), ampliado na 2ª edição (1962, I: 184), com a colaboração de Bruno de Menezes. V. Salles e Marena I. Salles publicaram a pesquisa “Carimbó: trabalho e lazer do caboclo” (RBF, 1969). DIC.: Chermont: “Atabaque, tambor, provavelmente de origem africana. É feito de um tronco, internamente escavado, de cerca de um metro de comprimento e de 30 centímetros de diâmetro; sobre uma das aberturas se aplica um couro de veado, bem entesado. Senta-se o tocador sobre o tronco, e bate em cadência com um ritmo especial, tendo por vaquetas as próprias mãos. Usa-se o carimbó na dança denominada batuque, importada da África pelos negros cativos (1906:23, 1968:20).
Artes do PPGARTES-ICA/UFPA e convidados dos grupos de pesquisas GPMIA e GEMAM,
O conceito de Carimbó encontrado na
estando presentes os professores Doutores
Enciclopédia da Música Brasileira: Popular,
Sonia Chada, Liliam Barros e Paulo Murilo.
Erudita e Folclórica é:
Partimos
para
o
levantamento
bibliográfico específico para a temática do carimbó. A dificuldade primeira foi a de como “adaptar” nossa forma de perceber e
compreender
tal
manifestação
em
teorias acadêmicas relacionadas a outras
s.m. Dança brasileira de origem incerta, registrada na ilha de Marajó e arredores de Belém- PA, em São Luiz–MA e nas zonas de lavradores e pescadores do Salgado, Curuçá, Marapanim e Maracanã-PA. Parece mais ligada aos fandangos que a origens africanas, pois se trata de dança de salão, durante os festejos natalinos. Talvez se assemelhe aos lundus primitivos… Acompanhamento: carimbó, pandeiro,
TUCUNDUBA 101
tambor, reco-reco, marimba e eventualmente instrumentos de corda. Em Bragança-PA existe uma dança muito semelhante ao carimbó, chamada retumbão.
De acordo com o dossiê do Inventário Nacional de Referências Culturais do Carimbó – INRC (2013), a palavra carimbó vem do Tupi Korimbó, é composta pela junção de curi (pau
de Alan Merriam que envolve conceito, comportamento e som, elementos que ao serem analisados nos auxiliarão na compreensão de uma leitura da prática do carimbó do grupo Sancari, que segundo o mestre Lucas, embora em área urbana, apresenta expressão interiorana.
oco) e m’bó (furado, escava), assim significa pau que produz som. Esse documento foi elaborado entre 2008 a 2013 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, resultante de pesquisa realizada no Estado do Pará em “150 localidades e em cerca de 45 municípios resultando em 415 entrevistas”1, e indica que o carimbó foi criado no século XVII, pelos negros que habitavam a região da Amazônia, no Estado do Pará, sofrendo influências da cultura indígena e europeia. Observamos
que
há
controvérsias
sobre a origem desta dança e/ou ritmo, mas o que queremos abordar é o Carimbó como uma manifestação que transcende um estilo musical e/ou dança realizada em várias localidades do Estado do Pará e em especial na zona do Salgado, de onde mestre Lucas é filho; uma manifestação rica de saberes e fazeres redimensionada a partir da sua vivência como mestre de carimbó, como expressão interiorana na área urbana de Belém, um convite a compreender o que diz este mestre sobre ele e sobre o que o seu grupo faz. Cada fazer tem seu discurso, e cada discurso, em se tratando de manifestações, tem seu resultado sonoro, e é a partir desse pensar que chegamos ao Modelo Tripartite
SANCARI – VARIAÇÕES NOMINAIS E REPERTÓRIO Há trinta e três anos atrás, com sete anos de idade, o senhor Lucas Pacheco Bragança, conhecido como Mestre Lucas, veio morar em Belém do Pará, residente da Pedreira, bairro do samba e do amor, como é conhecido. O mestre com orgulho lembra como surgiu o nome do grupo, antigamente denominado Samcariboi, e que poderia ser traduzido como os estilos de repertório tocados pelo grupo na época, a saber; samba, carimbó e boi. Depois passou a se chamar Sancariboi, que segundo ele preferiu tirar do repertório o samba, e posteriormente o boi, sendo assim passaram a se chamar Sancari, porque no repertório agora somente o Santo Carimbó era tocado. Analisando a história contada pelo mestre Lucas, fez-se relação com o modelo Tripartite
de Alan
Merriam,
conceito,
comportamento e som. A nomenclatura e significado do nome do grupo traz o programa a ser tocado, ou seja, o próprio repertório ao qual o grupo se especializou, o que escolheu tocar, aqui percebemos o pensamento prático materializado no próprio nome do grupo, que passou por “fases” de descobertas sobre o
1 Ver site IPHAN disponível em http:// www.iphan.gov.br acessado em 23 de junho de 2014.
102 TUCUNDUBA
repertório que poderiam tocar, chegando até
a negociação e decisão entre seus integrantes a partir da predominância do ritmo carimbó. O grupo agora, ao rever seu repertório muda de nome e passa a se chamar Sancari, san de santo, e cari de carimbó, o santo carimbó.
DE UMA RODA DE CARIMBÓ “SEM” COMPROMISSO AOS PALCOS DE CASAS NOTURNAS E GRANDES EVENTOS NO PARÁ E EM OUTROS ESTADOS DO BRASIL
Percebe-se a grande valorização do ritmo sobre os outros e sua “divinização”, se assim, podemos dizer.
Dona
Neire,
esposa
do
mestre
Lucas, ajudou a lembrar como se formou
Segundo Mestre Lucas, o Sancari
o grupo. Segundo ela, no início era algo
é um grupo de carimbó urbano, pois foi
meio “desorganizado”, tocavam nas casas
formado na cidade de Belém, embora 99%
por uma grade de cerveja e assim iam, se
de seus integrantes sejam interioranos dos
ganhavam camisas de apoiadores, ao final
municípios da Zona do Salgado, Cafezal,
da apresentação davam as camisas3, ela viu
Marapanim, Bragança, Cachoeira do Arari,
que o grupo precisava de algo mais além
Curuçá e outros. A temática das músicas se
do tocar, cantar e dançar o Carimbó, e aí
reporta à “essência” do carimbó; ou seja,
passou a organizar a agenda, se preocupar
a natureza, o dia-a-dia dos pescadores e
com as “roupas” de apresentação, ou seja,
seus “causos”. Apesar de o grupo residir
com a retaguarda do grupo, melhor dizendo,
na cidade de Belém cativa a temática do
produção, e então passou a estudar sobre
“carimbó tradicional” da região interiorana.
o que é o ritmo e a dança do Carimbó e
O repertório é constituído por músicas de
começar uma “luta” para o reconhecimento
compositores diversos e músicas autorais
e valorização do ritmo pela população local.
geralmente compostas por seu filho, que
Aqui
vemos
uma
mudança
no
estudou música na universidade, e que
comportamento a partir da reflexão do
também é responsável por ensinar crianças e
que e como tocar, antigamente, a reunião
jovens.
do “grupo” era considerada um tipo de
Percebemos aqui a preocupação de uma
brincadeira, que com o passar do tempo
continuidade à prática do grupo a partir do
se
ensino às crianças e jovens, vislumbrando
(performance)
“formar” novos integrantes a partir da
localidades, evocando sua beleza e o modo
vivência e do aprendizado que ocorre de
de viver do caboclo com a predominância da
forma oral e prática, se a criança ou jovem
região do Salgado. Mestre Lucas afirma que
deseja tocar instrumentos, cantar ou dançar.
embora morando na cidade, não esquece sua
Mestre Lucas fala com convicção: “No meu
terra, juntamente com os outros integrantes
“pedaço”, onde moro, tenho certeza que o
do grupo, e diz que aquela sonoridade é de
carimbó não vai morrer! ”2.
sua região. Observamos que há além da
2 Aula ministrada pelo mestre no PPGArtes-ICA/UFPA, realizada em 13 de maio de 2014
3 Depoimento dado pela dona Neire em aula ministrada pelo Mestre Lucas.
transformou da
numa
representação
sonoridade
de
suas
TUCUNDUBA 103
mudança do repertório a partir da reflexão do
passado realizou o quinto ano da iniciativa
que cantar, uma mudança no comportamento
objetivando comemorar no período de
do grupo, que agora, funciona de forma
17 a 24 de agosto o Dia do Folclore e o Dia
mais organizada e profissional, adquiriu-
Municipal do Carimbó na passagem Álvaro
se e agregou-se valor e significado a sua
Adolfo, bairro da Pedreira, Belém-PA,
prática musical, refletindo na sonoridade do
constando de uma vasta programação para o
grupo, o que os possibilitou certas práticas
público de todas as idades com brincadeiras
nunca vivenciadas pelo grupo, como convites
populares como quebra-pote, corrida do
em vários locais dentro e fora do Estado,
saco, amarelinha e outras; apresentações
e a repercussão e valorização do seu fazer
de grupos de folguedos populares; oficinas
musical.
de dança, flauta-doce, reciclagem; exibição
O Sancari participa ativamente dos
de curtas paraenses para o público infantil;
eventos realizados para a prática de
rodas de conversas sobre o carimbó e sobre
valorização e divulgação da Campanha
a Campanha Carimbó Patrimônio Cultural
Carimbó – Patrimônio Cultural Brasileiro
Brasileiro; cortejos pelas ruas de Belém e
lançada em 2008.
apresentações de grupos de Carimbó. Tal
Vale ressaltar que a Dança do Carimbó
iniciativa tem apoio cultural do Instituto de
foi declarada como Patrimônio Cultural e
Artes do Pará- IAP, Armarinho Progresso,
Artístico do Estado do Pará, através da Lei
CINE e outros.
n. 7.345, de 3 de dezembro de 2009, que objetiva:
Observamos o grande empenho deste grupo em criar mecanismos para a prática, divulgação e valorização do Carimbó na
preservar, conservar e proteger as formas de expressão, objetos, documentos, fantasias e músicas da Dança Carimbó” (Art. 2°), bem como inclui também o “carimbó nos calendários: histórico, cultural, artístico e turístico anual do Estado do Pará” (Art. 4°), “cabendo a ele através dos órgãos gestores a política estadual de cultura, registrar, manter e garantir os patrimônios documentais, fonográficos e audiovisuais das entidades civis de direito privado organizadas na representação” (Art. 5°) desta dança.
O grupo Sancari desde 2004 participa ativamente de festivais de música em Marapanim (PA), Santarém Novo (PA), Belém (PA), Mosqueiro (PA), Cachoeira do Arari (PA), Ourém, São Paulo (SP) e Maringá (PR) conquistando sempre os primeiros
sociedade, buscando envolver a comunidade do seu famoso “pedaço”, a passagem Álvaro Adolfo. A partir da fala do mestre Lucas Bragança foi possível observar a visão do carimbó, com base na sua vivência no grupo Sancari. Nettl (2005, p. 178) aponta que: Músicos são melhores em fornecer pontos de vista de suas próprias vidas, e enquanto eles podem e desejam realmente lançarem-se em um tipo especial de luz, eles provavelmente têm mais dados factuais disponíveis sobre si mesmos na memória do que eles têm sobre a cultura de seu povo como ele pode ter mudado ao longo de uma série de décadas. Mas, além disso, o estudo de indivíduos também nos diz como eles se veem em sua própria cultura, e como eles representam a si mesmos.4
lugares. Realiza além de apresentações uma programação especial dentro do seu Projeto Pau e Corda do Carimbó, que no ano
104 TUCUNDUBA
4 Musicians may be much better at providing views of their own lives, and while they may indeed wish to cast themselves
que essa mudança pode ser compreendida a Baseado nas lembranças individuais do
partir de quatro processos distintos, que são:
mestre é possível compreender o carimbó
inovação, aceitação social, performance e
de forma ampla, pois Halbwachs (1990)
integração.
expõe que não existe memória puramente
A inovação (1989, p. 307) é definida
individual, em virtude de o indivíduo estar
“como uma recombinação de conceitos de
envolvido em um contexto social coletivo,
duas ou mais configurações mentais em
sofrendo as influências desse meio. Enne
um novo padrão que é qualitativamente
(2004, p. 1), a partir de influência de E.
diferente de formas existentes”. No caso do
Durkheim, diz que a memória coletiva pode
grupo Sancari observa-se na mudança de
ser sentida:
repertório um novo fazer musical a partir da tomada de decisão pela predominância do
como aquela que é referendada pelo (s) grupo (s) com o qual se convive e do qual extraímos nossas lembranças. É preciso não esquecer que as lembranças, ao contrário das referências históricas, pertencem ao e estão no indivíduo, mas isso não as tornam únicas e individuais. Mesmo a lembrança aparentemente mais particular possui um caráter particularista, remetendo a um grupo, a um contexto de interação.
Blacking (1979) aponta que o fazer musical é reinventado pela interação social e diz que “a criação de música pode ser descrita como uma partilha de sentimentos íntimos em um contexto social através de extensões de movimento do corpo, em que certas capacidades específicas da espécie são modificadas e estendidas através da experiência social e cultural”. O carimbó faz parte do cotidiano paraense desde o século XVII, porém essa manifestação vem sofrendo mudanças ao longo dos anos, visto que como diz Spradley e McCurdy (1989, p. 302), “cada cultura está em um constante estado de mudança”, indicam
carimbó o que gerou aceitação social. Aceitação Social consiste em “ensinar sobre uma inovação, aceitar isso como válido, e então revisar o conhecimento cultural deles para incluir a nova configuração (idem, p. 324). Observamos que os integrantes buscaram nova forma de se relacionar e compartilharam essa nova forma em sua prática musical, pois, agora o grupo ampliava seu fazer agregando novos conhecimentos e estudos sobre o que faziam e como deveria ser apresentada essa mudança para a sociedade, então a performance acontece a partir do momento que uma inovação é utilizada por alguns membros de uma sociedade para interpretar experiência e/ou para gerar comportamento (idem). O grupo Sancari a partir da inovação e da aceitação social aperfeiçoou o processo de produção do fazer artístico do grupo, refletindo na sua forma de se apresentar enquanto grupo de carimbó. Sendo assim, foi gerado também uma mudança na performance do grupo ganhando visibilidade na sociedade.
in a special kind of light, they probably have more factual data available about themselves in memory than they have about the culture of their people as it may have changed over a series of decades. But beyond this, the study of individuals also tells us how they see themselves in their own culture, and how they represent themselves.
Seeger (2004, p. 238), relata que: Antes dos músicos iniciarem sua performance eles devem ter passado por um longo treinamento
TUCUNDUBA 105
em alguma tradição musical, a música que eles executam deve ser significante o suficiente para justificar a eles e à audiência o tempo, o dinheiro, a comida ou a energia utilizada no evento.
quando as inovações são legitimadas e a partir dessa aceitação surgem várias adaptações para serem integradas a cultura existente. Spradley e McCurdy (1989, p. 320), diz que
Blacking (2007, p. 204) diz que “toda
inovação “refere-se ao processo de ajustes
performance musical é, num sistema de
que ocorrem como consequência da adoção
interação social, um evento padronizado
de uma inovação”, importante ressaltar que
cujo significado não pode ser entendido ou
esse é um processo contínuo.
analisado isoladamente dos outros eventos no sistema”.
Abaixo uma síntese da manifestaçãocarimbó do grupo Sancari com base na visão
Dando continuidade ao pensamento
de Spradley e McCurdy (1989):
de Spradley e McCurdy, a integração ocorre
Configurações Culturais PROTÓTIPO
ESTIMULO
Elementos da configuração
Grupo de carimbó pau e corda/ Tradicional/de “raiz”
Lembrança e execução do fazer musical de suas localidades. Projetos culturais; divulgação nacional; participação em festivais de música no Brasil.
Identidades
Grupo Samcariboi
Performance de interioranos dos municípios da Zona do Salgado de Cafezal, Marapanim, Bragança, Cachoeira do Arari, Curuçá e outros na área urbana de Belém.
Grupo Sancari
Natureza da performance
Dança e Música do grupo Sancari de carimbó (pau-ecorda)
Produções musicais (Apresentações, CDs) e dramáticas (dança)
Bem material e riqueza
Bens especiais confeccionados (curimbó e outros instrumentos) CDs e shows
Dinheiro e reconhecimento
Direção de troca de riqueza
Carimbó de “raiz” Das performances para o público
Do público para os performances
Finalidade e função
Para validar o carimbó como patrimônio brasileiro; status e reconhecimento por ser um grupo de “raiz”.
Para ganhar dinheiro e reconhecimento
106 TUCUNDUBA
Maçaranduba6 .
CONFECÇÃO DE INSTRUMENTOS DE PERCUSSÃO
Dando prosseguimento ao processo de fabricação do curimbó, é iniciada a tarefa de escavação até se chegar à espessura
formação
desejada, para se executar sons mais grave
instrumental do Sancari é: dois curimbós,
ou agudo. Utiliza-se a pele de animal (boi ou
banjo, que antigamente poderia ser viola,
búfalo) para o fechamento e revestimento
milheiro de latão, maracas, pauzinhos (clavas)
de uma das extremidades desse cilindro cuja
para marcar a pulsação, clarineta ou sax, ou
afinação é refinada por tarraxas feitas de pino
flauta de bambu, PVC ou outros materiais.
de madeira. Tal instrumento é herdado dos
Durante a disciplina nos foi demonstrado o
escravos.
Segundo
D.
Neire,
a
processo de construção de curimbós. Mestre
Foram também confeccionados outros
Lucas se “especializou” na confecção desses
instrumentos como o milheiro e as maracas,
e outros instrumentos dessa manifestação,
ajudando-nos a compreender a sonoridade
iniciou seu processo de aprendizagem
dos instrumentos a partir de sua fabricação.
observando os antigos a realizarem tal ofício e depois passou a sozinho confeccionar os instrumentos e a ensinar crianças e jovens. O Curimbó5 - Mestre Lucas nos mostra
O ENCONTRO DE SABERES - DO ESTRANHAMENTO À REFLEXÃO
dois grandes cilindros de madeira que são utilizados para a confecção do famoso
A experiência do contato com um
Curimbó, o instrumento mais importante do
professor-mestre da cultura popular em
Carimbó. Tal instrumento é feito do tronco de
uma disciplina de pós-graduação causou-
árvore do mangue, que segundo o mestre,
nos inicialmente grande surpresa, embora
não precisa derrubar a árvore para a sua
todas nós de alguma forma tenha a vivência
fabricação. A madeira deve ser forte como a
com repertórios que advém do contexto popular e o exercício de pesquisa de obras de mestres no contexto de nossa cultura.
5 “O mesmo que carimbó. Grande atabaque de origem africana, feito de um tronco oco, com cerca de um metro de comprimento por 30 cm. de diâmetro. Usado na dança homônima do Pará e também no batuque. Montado no instrumento, o tocador percute-o com as mãos”. Ver ENCICLOPEDIA DA MÚSICA BRASILEIRA: POPULAR, ERUDITA E FOLCLÓRICA.
6 “Maçaranduba Nome científico: Manilkara spp., Sapotaceae. Observação: a Madeira de maçaranduba pertence ao grupo de espécies do gênero Manilkara que produzem Madeiras pesadas, duras, de coloração castanho-avermelhada. Dentre essas espécies, pode-se mencionar Manilkara amazônica (Huber) Chevalier (sinônimo M. bidentata subsp. surinamensis (Miq.) Penning.; M. cavalcantei Pires & Barb. Rodr. ex Penning.; M. huberi (Ducke) Chevalier; M. inundata (Ducke) Ducke. Essas Madeiras recebem nomes vulgares típicos em suas regiões de ocorrência, como aparaiú, marapajuba-davárzea, maçaranduba, marapajuba, maçaranduba-de-leite e maçarandubinha, na Amazônia; maçaranduba e paraju, no sul da Bahia até as regiões Sul e Sudeste. Como essas Madeiras são semelhantes nas suas características e têm o mesmo valor no comércio, nesta ficha são tratadas em conjunto, sendo mencionada a espécie, quando pertinente” Disponível em: <http://www.ipt.br/informacoes_madeiras/4.htm>
TUCUNDUBA 107
Todas são professoras de música e regentes, seja de coro ou de banda.
Em seu artigo “Los estúdios culturales
Inquietude e
estranhamento se deram no sentido de lidar
em
América
Latina:
Interculturalidad,
com o espaço em que estávamos; um curso de
acciones afirmativas e encuentro de saberes,
pós-graduação, e a proposta de se encontrar
Carvalho (2010, p. 244) comenta que o
um mestre ensinando como se constrói um
Encontro de saberes (UnB) será a primeira vez
curimbó. Pensamos: O que esta ação teria a
em que pessoas sem formação acadêmica
ver com nossa formação em mestres no curso
ocidental ditarão classes convencionalmente
de Pós-Graduação em Artes do Instituto de
como professores em universidades públicas
Ciências da Arte da Universidade Federal do
brasileiras onde um dos temas chave da
Pará? Temos 24 meses para construir uma
ruptura acadêmica com o modelo euro
pesquisa para neste período obtermos o
centrismo será a oralidade, ponto central
título de mestres. Mas o que a construção de
nas práticas culturais de tradição africana e
um instrumento nos revela e nos conecta a
indígena. Afirma também que os mestres e
esta realidade? Antes de nos aprofundarmos
mestras trarão essa cena da oralidade para
nesta questão, vamos saber um pouco mais
o nosso mundo acadêmico onde os mesmos
sobre o projeto Encontro de Saberes, que está
rejeitaram em sua constituição.
vinculado ao Instituto Nacional de Ciência
A partir daí com a disciplina sugerir
e Tecnologia de Inclusão no Ensino e na
uma intervenção que envolva o modelo
Pesquisa – INCTI, na Universidade de Brasília
universitário
– UnB- INCTI segundo Carvalho (2014):
executar essa inovação em vários planos
disponível
simultaneamente O objetivo é “propiciar um espaço de experimentação pedagógica e epistêmica e de promoção da diversidade cultural no ensino superior capaz de inspirar resgates de saberes e inovações que beneficiem a todos os envolvidos – estudantes, aprendizes, mestres e professores universitários” (Projeto Executivo, 2012). O INCTI/ UnB desenvolve ações de pesquisa e inclusão pioneiras e, há quatro anos, através do Projeto Encontro de Saberes, participa ativamente de ações afirmativas de valorização dos saberes tradicionais dos mestres da cultura popular que atuam como professores nas unidades envolvidas. Este projeto está sendo replicado na Universidade Federal de Minas Gerais, na Universidade Estadual do Ceará e na Universidade Federal do Pará, congregando a Rede Encontro de Saberes. As atividades resultantes do projeto integram a oferta de disciplina regular, seminários, exposições e oficinas. O projeto Encontro de Saberes nas Universidades Brasileiras, com a proposta de abertura de uma cátedra de saberes tradicionais, ministrada por mestres e mestras é, provavelmente, uma iniciativa totalmente inédita e inovadora na história das nossas universidades (Projeto executivo, 2012).
108 TUCUNDUBA
ordem
para
como:
institucional
que
inovar
Inovação
e na
favoreça
a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade; Uma política de inclusão por meio de ações afirmativas para estudantes indígenas e estudantes afros; Expansão do universo do conhecimento para se deslocar de faculdade para uma monoepistémica multiepistémica universidade;
Uma
reestruturação
de
conhecimento e teorias sobre a linha dada por Wallerstein para superar as duas culturas de CP Snow; Uma reestruturação educacional. Uma expansão radical do corpo docente da universidade, incluindo professores e acadêmicos indígenas e professores afros como cursos regulares de diferentes raças, em constante diálogo com os colegas na formação exclusivamente europeia.
Desta forma, segundo Carvalho (2010,
mais interativa e participativa, que leva ao
p. 241) assim teremos reconhecimento
quase desarmamento e até esquecimento
e a valorização do conhecimento afro e
das exigências do dia-a-dia, necessitando
indígenas que foram totalmente excluídos
de tempo para sentir confiança; De outro, a
e desqualificados ao longo dos últimos
urgência de saber lidar com prazos, criação
quinhentos anos de repúblicas coloniais
de artigos, projetos, dissertações, e em meio
e racistas exclusivo: “A meu ver, a tarefa
a tudo isso nosso simples ser e a dificuldade
dos
de
de se lidar com o tempo cronológico e
multiculturalismo deve ser parte desse
“lógico” do programa, em que a cada fração
projeto de refundação do nosso universo
de segundo estamos mais próximos do fim.
acadêmico”.
E qual o fim do conhecimento a não ser servir
estudos
Diante
culturais
de
e
iniciativa
políticas
“inovadora”
ao bem estar humano? Em algum lugar no
precisamos seriamente fazer grande revisão
passado esquecemo-nos do fundamental
do processo de ensino-aprendizagem em
em qualquer processo que envolva humanos,
nossas universidades, mas como propor
sermos simplesmente humanos, criar um
um espaço de reflexão em um sistema tão
espaço de reflexão, de ouvir o outro, o
rígido que valoriza notas, conceitos, e uma
Encontro de Saberes parece ser um grande
única forma de aprender, atrofiando a visão
exercício de humildade, onde nenhum “título”
de quem é mestre, quem é aprendiz, ou
nos diferencia ou distancia, poder olhar nos
simplesmente e tão complexamente quem
olhos, cumprimentar um ao outro, valorizar
aprende, ensina; ensina, aprende, ouve,
o conhecimento adquirido de amplas, ricas
questiona, dialoga, faz junto? Carvalho
e diferentes formas e saber conviver com
(2014) afirma que “a universidade é racista no
a alegria de se saber mais sendo mais, mais
imaginário”, de “saberes” com “alma branca”
humanos. Talvez essa “inovação”, não seja
que nascem de um formato ocidental.
O
tão inovadora quanto pensamos, parece
que sentimos e vivenciamos, revela-nos uma
que ganhamos um espelho ao olhar para o
encruzilhada, de um lado; nossa sensibilidade
semelhante, e ver que apesar das diferenças
humana e artística, de ouvir, dialogar, se
merecemos as mesmas coisas, viver com
permitir uma apropriação de conhecimento
dignidade respeitando uns aos outros.
TUCUNDUBA 109
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TUCUNDUBA 111
Representação da árvore Tauari
112 TUCUNDUBA
A CULTURA E A MÚSICA DO POVO TEMBÉ: Experiência do Encontro de Saberes no Programa de Pós-Graduação do instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará Jose Antonio Salazar Cano Letícia Silva e Silva
ENCONTRO DE SABERES: CULTURA DO POVO TEMBÉ
A
na aldeia do Rio Gurupi. O acesso para tal aldeia se dá através de uma estrada de terra a cerca de duzentos e sessenta quilômetros
O presente artigo foi elaborado a partir do
do município de Paragominas, no Estado
contato com Leosmar Lima Tembé, o mestre
do Pará, na divisa com Maranhão. Além das
indígena Tixnair, realizado no decorrer da
atividades comuns em sua aldeia, o mestre
disciplina Seminários Avançados III: Encontro
Tembé realiza um importante trabalho de
de Saberes, do Programa de Pós-Graduação
ensino em projetos de resgate da língua e das
em Artes da Universidade Federal do Pará,
tradições culturais em diversas comunidades
que propõe um espaço de experimentação
Tembé e instituições de ensino como, por
pedagógica e epistêmica que possibilite o
exemplo, universidades.
resgate de saberes tradicionais, assim como
Segundo depoimento do Mestre Tixnair
o diálogo entre a visão do pesquisador e a
descrito durante as aulas no Encontro de
visão do mestre da cultura.
Saberes, de acordo com relato de seu pai,
Os Tembés formam um subgrupo
anteriormente, havia nove mil Tembés. Após
derivado dos Teneteharas e vivem nas terras
o contato com os “brancos” não indígenas
do Alto Rio Guamá, no Estado do Pará, na
ocorreram muitos conflitos ligados à posse
fronteira com o Maranhão.
de terras, sobretudo com madeireiros
Tixnair Tembé – Mestre Tembé – vive
e
garimpeiros.
Também
ocorreram
TUCUNDUBA 113
contaminações por vários tipos de doenças
acesso a uma grande diversidade de produtos
como malária e o sarampo. Justificando,
e alimentos industrializados comprados nas
assim, que esses são alguns dos fatores que
vilas e cidades próximas às aldeias.
determinaram o extermínio de muitos índios
Para melhor compreensão da turma,
e corroboraram para a separação do povo
a respeito do povo Tembé, o Mestre narrou
Tembé.
sobre a criação do mundo através da história
Descreveu que atualmente, na sua
do “Deus Maíra”, que vivia queimando a
aldeia, já existe um sistema de saúde e
terra neste mundo e assim queimou todas
educação geridos pelo município, onde
as florestas. Quando resolveu plantar as
são lecionadas diversas matérias tanto da
sementes, encontrou uma lagarta e disse
grade comum das escolas regulares como
para ela que se casaria caso ela fosse uma
por exemplo a matemática, como também
mulher. Após algum tempo ela apareceu
são ofertados conteúdos pautados nas
em forma de mulher e se entregou a ele.
necessidades cotidianas da aldeia, como as
Assim eles se casaram, ela engravidou e
noções de tempo, distância, quantidades
ele criou várias roças. Posteriormente ela
de rios, árvores, plantas medicinais, tipos
também engravidou do Mucura, entidade
de caças etc. Contudo a tradição Tembé é
que representa o reino animal. Mairaí,
mantida, e os ensinamentos são transmitidos
representação de Jesus, filho do Deus Maíra
de pai para filhos.
e o Mucuraí filho de Mucura, estavam na
A seguir Tixnair ressaltou que a aldeia do
barriga da mãe que havia sido devorada
Rio Gurupi é a maior aldeia do povo Tembé
pela onça. Dentro do útero, Mairaí doava
com aproximadamente dois mil e duzentos
parte do poder herdado de seu pai Maíra ao
habitantes e que além dessa existem mais
seu irmão Mucuraí. Ao nascerem, a Onça
quatro, localizadas nas terras indígenas do
Velha não conseguia matá-los e, por isso,
Alto Rio Guamá: Capitão Poço com seiscentos
resolveu criá-los e em menos de seis meses
habitantes, Santa Luzia com duzentos e
eles já estavam desenvolvidos como adultos.
cinquenta habitantes, Santa Maria com
Certa vez tiveram a ideia de matar a Onça
cento e oitenta habitantes e a reserva Turé-
Velha para vingar a morte da mãe, assim
Mariquita, do Rio Acará, em Tomé Açu, com
transformaram piranhas, cobras e jacarés
quatrocentos e cinquenta habitantes.
nos rios para que devorassem a Onça. Na
Os Tembés vivem da caça, pesca, coleta
volta para a aldeia levaram frutas para a
de frutos e do plantio nas “roças”, as quais
Onça Velha, quando ela atravessava a ponte
a produção além de servir para sua própria
Mucuraí cortou a corda fazendo com que ela
subsistência também é comercializada.
caísse no rio. Assim seguiram o caminho até
Mestre Tixnair descreveu que em sua aldeia
encontrar Maíra, que logo reconheceu seu
também já se teve como atividade econômica
filho, porém sabia que Mucuraí não era seu
a confecção e venda de acessórios indígenas
filho, então resolveu testá-los para saber se
para lojas de artesanato em Belém, onde
eles tinham conhecimento e poder. Mandou
a renda obtida com o comércio permitiu o
primeiro que Mairaí fosse ate à beira do
114 TUCUNDUBA
Desenho apresentado aos mestrandos pelo Mestre Tixnair sobre as pinturas corporais Tembé (Fonte: Letícia Silva)
rio, lá ele encontrou um pescador. Depois
pedagógico para facilitar a aproximação com
mandou Mucuraí, que ao chegar ao destino
os indígenas durante a colonização.
faleceu. Sentindo a falta do irmão, Mairaí na forma de uma grande formiga tucandeira, saiu à procura de Mucuraí e encontrou sua
A MÚSICA TEMBÉ
ossada, juntou tudo para ressuscitá-lo. Os dois passaram por outras diversas provações
Embora também possuam músicas de
até que Mairaí percebeu que seu pai queria
caráter não ritualístico, a música ancestral
matar o Mucuraí, e assim o indagou. Irritado,
dos Tembés está mais relacionada aos rituais,
Maíra partiu deste mundo e Mairaí ficou para
porém Mestre Tixnair relata que temas
proteger os Tembés.
famosos do cancioneiro popular também já
Quando Mestre Tixnair diz que Maíra é
pertencem ao universo sonoro da aldeia. Isso
Deus e Mairaí é Jesus, nota-se aí não apenas a
provavelmente se dá devido ao processo de
presença de certo sincretismo religioso, mas,
aculturação com a forte influência a partir do
sobretudo indícios de uma herança secular do
contato com a “cultura dos brancos”. Ele diz
domínio bélico e ideológico europeu imposto
ainda que foram produzidos livros didáticos
pela igreja católica através da catequese
para o ensino da música Tembé e que já
que era utilizada como recurso político e
existe uma iniciativa para registro de áudio
TUCUNDUBA 115
em estúdios.
do dia, sendo assim existem aquelas criadas
Descreve alguns instrumentos, um deles
para serem cantadas durante o dia e aquelas
é um tipo de corneta feita de madeira de cedro
para serem executadas à noite. Muitas
com cerca de um metro de comprimento,
delas servem para explicar ou descrever a
ornamentada com traços geométricos da
fauna, flora, fenômenos e espíritos. Algumas
cultura Tembé, que é utilizada no dia a dia,
funcionam num esquema de pergunta
em momentos de festa, em banhos de rio e
e resposta, enquanto o primeiro canta
também para anunciar a chegada de canoa
a pergunta, em seguida o outro entoa a
a outra aldeia; é mais usada quando se está
resposta; mestre Tixnair diz que esses cantos
próximo do rio, pois funciona melhor quando
não possuem versos criados previamente,
está molhada. Outro importante instrumento
mas que esses versos são improvisados por
sagrado é o maracá, tipo de chocalho feito
quem canta.
com uma pequena cabaça esférica adornada
Como músicas para serem cantadas à
com penas, contendo em seu interior certa
noite, ele cita: Canto do Pica-Pau (Ipeku),
quantidade de sementes, tocado somente
Canto do Vento (Iweto), Canto da Onça
por homens em dias específicos de rituais.
(Zawar), Canto do Curupira (Karapira), Canto
Aos rituais também são incorporados
da Saracura (Arakur), Canto da Sururina
um conjunto de acessórios artesanais como
(Tururi), Canto da Cigarra (Akiran), Canto
cuias, cocar, tipitis, “estrelas” e as pinturas
do Macaco (Kati), Canto do Macaco Kuxiú
corporais realizadas pelas mulheres com as
(Kuxihu), Canto de Socó (Hoko), Canto do
tinturas de diversas cores extraídas de fontes
Macaco da Noite (Tupaxi), Canto do Macaco
como urucum, breu, jenipapo e carvão; cada
Juparar (Kuwi’a), canto do Bem-te-vi (Pitawã),
pintura possui um significado específico.
Canto do Guariba (Wariwa), Canto da Flor
É através dos cantos que o Pajé recebe o
( Ma’e Putyr), Canto do Amanhecer do Dia
poder espiritual e a autorização para realizar
(Ku’Emare), Canto do Jenipapo (Zanypaw),
outros trabalhos ou cantos de cura. Nos
Canto do Vagalume (Vag), Canto do Pinto
rituais existem os “cigarros” feitos com casca
Pelado (Zapukar), Canto do Apaixonado
de tauari que são utilizados na defesa contra
(Zaio), Canto do Pindaré (Kagahy Pàwàm),
maus espíritos. O “cigarro de cura” pode ser
Canto do Inambú (Inambu), substância que
usado tanto para tirar como para pôr feitiço
é o principal remédio da Festa da Menina
de caruara e quebrante. Mestre Tixnair
Moça, Canto de Tucano (Tukano), Canto da
conta que já não existem muitos Pajés com
Pergunta (Marazewe Ereiko), para pessoas
antigamente; talvez isto ocorra por conta da
que são de fora da aldeia que vão para
influência de igrejas e cultos não pertencentes
realizar projetos, associações etc e, Canto do
a cultura Tembé que se encontram presentes
Uirapurú (Wirapuru Wukamarar).
na aldeia e que podem ter enfraquecido a
Entre as músicas para serem executadas
crença no Pajé e na religiosidade ancestral
durante o dia, Mestre Tixnair, cita: Canto
Tembé.
do Gavião (Wyrahu), Canto de Tesoura
As músicas são divididas pelos turnos
116 TUCUNDUBA
(Tapetapem), Canto da Águia (Japocani),
Canto do Aracuã (Arakwá), Canto da Nuvem (Ywak), Canto da Tarde (Karuk), Canto da
FESTA DA MENINA-MOÇA
Capoeira (Kokaiwepe), Canto do Macarapi (Makarapy), Canto da Chegada (Awyze),
A festa da menina moça é um ritual
cantado quando se chega em uma aldeia para
realizado para comemorar a passagem da
cumprimentar e agradecer, Canto do Início
“menina-criança” para a “menina-moça”.
(Azegar Tamo Rihixe), Canto da Curupira
Durante a 1ª menstruação a mãe e a avó
(Ka’azar), Canto da Mãe da Água (Yzar),
são as responsáveis pelo banho de jenipapo
Canto dos Espíritos (Teko A’G), pois existem
na moça. Depois esta é levada para uma
vários tipos de espíritos, bons e ruins, Canto
“Tucáia” – espécie de maloca feita de palha
da Borboleta, Canto da Maracá (Maraka),
de açaizeiro (ver ilustração abaixo) –, ficando
Canto da Caruara (Karuwar), tipo de feitiço
recolhida na maloca por 5 a 6 dias.
em que se usa o cigarro, Canto do Pajé (Paze
Após uma ou duas semanas é realizada
Zegar), existem momentos certos para
a Festa do Mingau, com duração de 24 horas.
cantar, Canto de Peixe (Pira Zegar), Canto
Durante toda a noite é tocado o maracá e feita
de Cobra Coral (Axawoz), Canto de Peixe
a distribuição do mingau. Ao nascer do sol a
Boi (Tapi’ir Pira), Canto de Tanga (Hopoz)
Festa do Mingau é encerrada com cânticos.
relacionado à vestimenta masculina, Canto
Em seguida, ocorre a Festa do Moqueado.
de Cocar (Wazay), que é usado apenas em
Geralmente o período dessa festa dá-se de
rituais, Canto de Andorinha (Wiriri), Canto de
Junho a Julho, há uma reunião para organizar
Taquari (Takuari) e, Canto da Ema (Wyranu).
e dividir as tarefas da festa com a participação de outros integrantes de outras aldeias. Os
Música de Agradecimento
homens são responsáveis pela caça e a pesca
(Autor: Tixnair Tembé)
e as mulheres preparam os maracás, cocares, colares e tangas.
Heta zane ma’ e kwapaw 2x Ko tàri; zanawe kury. Txiko wiwi kwaw, kwehe arer. Wazewe zane kury no. Heta wiwi zane ma’ e kwapaw 2x Zanawe a’ e kury no. Agora existe para nós a inteligência Hoje nós não estamos mais como antes Cada vez chega para nós Novos conhecimentos
Plumas e adereços ultilizados pelas índias moças Tembé
Modificada do site https://www.flickr.com/photos/ midianinja/10940409374/in/photostream/
TUCUNDUBA 117
Ilustração apresentada aos mestrandos pelo Mestre Tixnair sobre a Tucáia (Fonte: Letícia Silva)
Depois todos aguardam a chegada da caça. Servida para os presentes.
mesma forma não devemos julgar a aparente complexidade de uma prática musical, segundo o autor. Ressalta ainda que a questão da
CONSIDERAÇÕES FINAIS
complexidade na música torna-se importante quando se busca compreender o grau de
Blacking (2000), destaca que para
musicalidade humana. Há muitas sociedades
identificar o quão musical uma sociedade é
nas quais os membros são tão competentes
devemos perguntar quem ouve, toca e canta
em música quanto na língua falada, como
nessa sociedade e porque faz isso. Esta é
vivenciado por nós com o mestre Tixnair
uma questão sociológica, por isso não se
Tembé.
pode comparar música e seu significado em
Contudo, a função da música numa
sociedades distintas, como por exemplo, a
sociedade pode ser um fator decisivo em
vivência no Encontro de Saberes. Por esta
promover ou inibir a habilidade musical tanto
razão também não devemos julgar a eficácia
quanto afetar a escolha de conceitos culturais
da música ou os sentimentos dos músicos
e materiais com os quais se compõe música.
apenas a partir do que vemos e ouvimos. Da
Nós podemos não ser capazes de explicar
118 TUCUNDUBA
os princípios composicionais numa cultura,
a experiência humana e musical, como
como, por exemplo, na música apresentada
experienciada nesse encontro de saberes
pelo mestre Tixnair Tembé, os efeitos da
(idem).
música até que conheçamos a relação entre
SAIBA MAIS ALONSO, Sara. Os Tembé de Guamá: processo de construção da cultura e identidade Tembé. UFRJ, 1996. Disponível em: <http://pt.wikipedia. org/wiki/Temb%C3%A9s>. Acesso em: 12 Jun. 2014. BLACKING, John. How musical is man? 6ª Ed. Seattle: University of Washington Press, 2000.
<http://pib.socioambiental.org/pt/povo/ tembe/1695>. Acesso em: 12 Jun. 2014. <http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2013/01/ indios-tembe-desenvolvem-projeto-depiscicultura-em-tome-acu-pa.html>. Acesso: em 18 Jun. 2014. <http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ amazonica/article/viewFile/774/1060>. Acesso em: 18 Jun. 2014.
Representação Indios Tembé
Modificada do Jornal Eletrônico Agência Pará
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