CONTRIBUIÇÃO À HISTÓRIA DO MÉDIO DAOMÉ: O REINO IORUBÁ DE KETU*
Édouard Dunglas** La historia es como cosa sagrada; porque ha de ser verdadera, y donde está la verdad está Dios, en cuanto a verdad; pero, no obstante esto, hay algunos que así componen y arrojan libros de sí como si fuesen buñuelos. – No hay libro tan malo, dijo el Bachiller, que no tenga algo bueno.1
Advertência Antes de empreender, já em 1941, a redação do presente estudo histórico, inicialmente consagrado exclusivamente a Ketu, comecei pela pesquisa das fontes. Como documentação escrita não encontrei praticamente nada. Os arquivos do posto de Ketu são inexistentes: foram dispersados em Pobé e em Zagnanado, o posto administrativo tendo sido fechado várias vezes e por vários anos. As fontes impressas sobre Ketu, bastante lacônicas, são muito mais interessantes no caso de Abomé, que monopolizou, por assim dizer, a atividade dos pesquisadores e dos eruditos. Neste prefácio, só mencionarei três dos principais trabalhos consagrados ao Daomé e aos iorubás:
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Édouard Dunglas, “Contribution à l’histoire du Moyen Dahomey (royaumes d’Abomey, de Ketou et de Ouidah)”, Études Dahoméennes, no 19, Porto Novo, IFAN, 1957, pp. 11-71. Tradução do francês de Claude Lépine. Ver nota bibliográfica no final do texto. Miguel de Cervantes, El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha, [1615], segunda parte, capítulo 3.
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1) L’ancien royaume d’Abomey, de Le Hérissé, que contém rica documentação etnográfica; 2) Dahomey, em dois volumes, do professor Melville Herskovits, em inglês, trabalho completo, verdadeira façanha, que mostra o que um etnógrafo de qualidade é capaz de fazer em sete meses de estada em Abomé; 3) The History of the Yoruba, pelo reverendo Samuel Johnson, antigo oficial da corte do alafin de Oió, trabalho do maior interesse, repleto de informações. Le Hérissé fornece poucas informações sobre Ketu e sobre sua rivalidade com Abomé (páginas 332-333); S. Johnson detalha um pouco mais e nos dá, em particular, o relato de dois ataques dos daomeanos contra Abeokuta: o de 1851 e o de 1864. Lendo atentamente seu trabalho, chega-se a formar uma idéia clara dos reinos iorubás: Oió, Ilorin, Abeokuta, Ifé, Ilesa, Ijebu, muito complicado, mas indispensável ao conhecimento da história dos reinos vizinhos do Daomé. Foi depois de uma leitura aprofundada destas três obras capitais, completada por úteis informações tiradas das mais diversas fontes – Snelgrave, Norris, Forbes, Burton, Skertchly, Bouche, entre os antigos, e P. Hazoumé, J. Bertho, Bernard Maupoil, Simone Berbain, entre os contemporâneos – que decidi transformar o ensaio inicial sobre Ketu num estudo histórico abrangendo o Daomé central. Por mais interessantes que fossem as fontes impressas, às quais acabo de fazer rápida alusão, importantes lacunas teriam permanecido e muitas questões teriam ficado sem resposta, se eu não tivesse podido conhecer as riquíssimas tradições locais. No decorrer de minha longa estada no Daomé, em numerosas cidades, tive a felicidade de poder recolher as principais tradições locais, piedosamente conservadas por alguns velhos que as ouviram várias vezes de seus pais. Eles procuram transmiti-las oralmente a seus filhos, mas, infelizmente, a indiferença cresce dia a dia. Talvez fosse urgente fixar pela escrita tais tradições, o que poderia, sem dúvida, salválas do esquecimento. Felizmente, está surgindo uma nova geração africana de intelectuais: médicos, professores, sacerdotes e pastores, que compreenderam que a história da civilização daomeana não remonta a 1892.2 2
Data da conquista colonial francesa da capital do reino do Daomé [nota da tradutora].
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Estas tradições, tiradas das melhores fontes que pude encontrar, formam uma mistura na qual as antigas lendas, mais ou menos enriquecidas de detalhes maravilhosos, servem de fundo ao relato de eventos mais próximos de nós, e onde as deformações são mais raras. Para os eventos posteriores a 1880, pude reencontrar algumas testemunhas oculares. Entre os principais detentores das tradições de Ketu, devo citar, em primeiro lugar, o chefe do distrito de Ketu, Sr. Adéwori Adégbité, quadragésimo oitavo rei da dinastia local. Ele foi o primeiro dos meus informantes, e o mais qualificado. Em seguida, o imame Séidu, filho do balogun Séidu, morto em 1883; os Srs. Bankolé, chefe da aldeia de Ketu, ex-atirador do exército; Babá Elégun Oyédé, historiador oficial dos reis de Ketu; os esabas (ministros) Ajahokosu e Akiniko, que me comunicaram de bom grado tudo o que sabiam sobre as lendas e as tradições do seu país. Seria ingrato se não mencionasse aqui os nomes do reverendo padre Le Corbeau, superior da Missão Católica de Ketu, bem informado a respeito das velhas tradições de Ilé-Ifé e do Benim; de Habermann, ex-chefe do posto de Ketu, que me comunicou interessantes informações sobre a rainha Ida; de Moussé Albert, diretor da escola de Ketu; e de Fagbémi, sargento da alfândega, membro da família real de Ketu. Recebi preciosos encorajamentos por parte do professor Th. Monod, diretor do Instituto Francês da África Negra, IFAN, do professor Dr. G. Parrinder, do University College de Ibadan; judiciosos conselhos me foram dados pelo professor P. Thomassey, diretor local do IFAN; eu lhes devo muitos agradecimentos. Aos leitores que poderiam pensar que atribuí importância demais às antigas tradições, algumas das quais devem ser colhidas com prudência, oporia o seguinte texto do bom padre Labat, tirado de sua Nouvelle relation de l’Afrique Occidentale (tomo 2, p. 222): “Eles [os negros] têm uma memória tão feliz e uma tradição tão constante de tudo o que aconteceu entre eles nos tempos mais distantes, que é um prazer ouvi-los contar os fatos que aprenderam de seus pais e que estes tinham aprendido de seus avós”, e, para desculpar-me de ter às vezes misturado as fábulas maravilhosas com os relatos históricos mais severos: “Eu sabia [...] que a gentileza das fábulas desperta o espírito: que os atos memoráveis das histórias o levantam e que, lidas com medida, elas ajudam a formar o juízo”. Afro-Ásia, 37 (2008), 203-238
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CAPÍTULO 1 ORIGEM E FUNDAÇÃO DE KETU
Distante aproximadamente 80 km a leste de Abomé, um pouco acima do paralelo 7º 22’, no planalto de laterita, ladeado a leste por um pequeno barranco, ergue-se a cidade de Ketu, antiga capital do reino do mesmo nome, decaída hoje ao nível de mera sede de distrito. Este distrito é atualmente limitado, ao norte, pelo paralelo 7º 38’, que passa, em princípio, pela confluência do rio Uemé com o rio Okpara, seu principal afluente na margem esquerda; ao sul, pelo paralelo 7º 08’, que passa pela pequena aldeia de Odo-Méta, situada na estrada KetuPobé, a meio caminho entre estas duas cidades; a leste, o limite confunde-se com a fronteira Daomé-Nigéria, aproximadamente entre os postos nº 127 (ao norte) e nº 78 (ao sul); a oeste, um limite geográfico, o rio Uemé, substituiu recentemente (em 1947) uma linha de demarcação lingüística que separava as aldeias fons (a oeste) das aldeias iorubás, tendo sido Ewé, no entanto, incluído no território de Ketu. Esta linha, quase norte-sul, passava a menos de 2 quilômetros a oeste de Ketu. Mas o antigo reino de Ketu ultrapassava amplamente estas fronteiras oriental e ocidental. A leste, alcançava o córrego Yewa e incluía Méko (Mekaw), assim como Ilara e Idofa; a oeste, estendia-se até o Uemé. É praticamente impossível saber quais foram as primeiras populações que habitaram outrora a região de Ketu. No entanto, elas deixaram sinais. Em Idanhim (Idigny), por exemplo, encontram-se antigos túmulos cavados no revestimento laterítico, de um estilo hoje abandonado, e que as populações que hoje habitam a região, fons e iorubás, concordam em atribuir a predecessores desconhecidos. Nestes túmulos, podem-se encontrar, às vezes, antigas contas vermelhas de cornelina, facetadas, bem conhecidas no Daomé sob o nome de “contas de Ketu”. Existem, ao norte de Ketu, nas proximidades da aldeia de Ewé, as ruínas facilmente identificáveis de uma antiga aldeia, abandonada há séculos, e que os iorubás chamam de Ilé-Sin (a casa dos sins). Estas ruínas, invadidas pela vegetação, contêm túmulos onde se encontram pedaços
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de cerâmica, cisternas cavadas na laterita e em parte quebradas; lá existem igualmente túmulos análogos àqueles de Idanhim. Quem são os sins? De acordo com as tradições de Ketu, a antiga aglomeração de Ilé-Sin já estava ocupada quando foi fundada a cidade de Ketu. Os fons que lá moravam teriam abandonado sua cidade há seiscentos ou setecentos anos para refugiar-se em Ketu que lhes oferecia a proteção de uma população numerosa e de muralhas fortificadas. Parece que aqueles fons de Ilé-Sin só haviam reocupado um antigo sítio abandonado. Os antigos túmulos não se devem a eles. Mas quais eram estas populações primitivas? A tradição local de Ketu não remonta além da chegada dos iorubás-ifé ao atual reino de Ketu e do recuo consecutivo dos fons para o oeste, em direção ao rio Uemé, numa época que podemos situar por volta do século XI de nossa era. O mais antigo rei que ela menciona é Isa-Ipasan, que teria deixado a metrópole iorubá de Ilé-Ifé para caminhar em direção ao noroeste: foi seu 6º sucessor, o rei Edé, quem fundou Ketu, por volta do século XI. As tradições dos iorubás de Ilé-Ifé falam de antepassados que teriam vindo da Arábia, do Iêmen, que eles teriam deixado após desentendimentos de ordem religiosa. Teriam feito inicialmente uma primeira pausa nas margens do Nilo, no alto Egito, depois de uma viagem de 90 dias, carregando consigo seus bétilos sagrados. Um belo dia, abandonando as margens do Nilo, teriam partido em massa em direção ao Uemé, talvez subindo o curso do Bahr-el-Gazal – o Rio das Gazelas – e teriam chegado, finalmente, à região do Baixo Níger. Lá, teria ocorrido uma divisão do clã. Um primeiro grupo, o mais importante, teria ficado na margem direita do Baixo Níger, onde acabava de chegar e onde tinha sido favoravelmente recebido por um monarca local, ao mesmo tempo chefe político e religioso. As duas antigas metrópoles dos iorubás, cidades santas, teriam sido fundadas, e o culto dos espíritos locais, associado àquele dos antigos deuses da Arábia. Não tinham conseguido, apesar das inúmeras vicissitudes da migração para países desconhecidos, trazer da Arábia para além do rio Kora (Níger), os bétilos sagrados, veneráveis pedras vindas dos lugares mais remotos do Iêmen e que ainda podem ser vistas em Ilé-Ifé e Ilé-Isa? Um daqueles bétilos, o mais famoso, leva gravado na pedra dura as dezesseis respostas
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elementares de Fa, os Fa-dú, que, combinados de dois a dois, dão dezesseis ao quadrado, isto é, duzentas e cinqüenta e seis respostas. E não se pode admirar, em Ilé-Ifé, a famosa espada de Oranyan, o Opa Oranyan, misterioso obelisco de três metros e meio de altura, numa base quadrada de um metro e vinte? Veio realmente do Iêmen? Talvez uma análise geológica e mineralógica nos fornecesse alguma luz neste assunto obscuro. Os atuais iorubás seriam os descendentes destes iemenitas cruzados com as populações do Baixo Níger que haviam chegado antes deles. O segundo grupo teria subido o curso do Níger e chegado até a região hoje habitada pelos songais. Durante muito tempo, os dois grupos iorubás continuaram considerando-se irmãos e, apesar da distância que os separava, não deixavam de trocar mensagens de amizade e presentes para manter os laços que os uniam. É interessante aproximar desta tradição de Ilé-Ifé o seguinte texto do Tariikh-es-Sudan, a preciosa crônica sudanesa que devemos ao letrado de Tombuctu, Es Sadi Abder Bahman ben Abdallah, nascido em 28 de maio de 1596, que publicou o Tariikh em 1652 e o completou em 1655 com um novo capítulo. O primeiro rei songai chama-se Dialliaman. Seu nome deriva da frase árabe diamin el Yémen (ele vem do Iêmen). Dialliaman, segundo contam, deixou o Iêmen com seu irmão. Eles viajaram pela terra de Deus até o dia em que chegaram à terra de Kokia. Kokia era uma cidade dos songais,3 situada nas margens de um rio e muito antiga: já existia no tempo dos faraós. Diz-se que um deles, durante sua disputa com Moisés, chamou feiticeiros que opôs ao profeta. Os dois irmãos chegaram àquela cidade numa miséria tão grande que quase não pareciam mais humanos. Sua pele estava queimada pelo sol e coberta de pó. Estavam quase nus. Tendo pedido hospitalidade aos habitantes, estes últimos perguntaram sobre sua terra de origem: “viemos do Iêmen”, responderam. Os nomes deles foram esquecidos e só ficaram conhecidos pelo apelido “vindos do Iêmen”: dja min el Yemen, que acabou abreviado como Dialliaman.4 3 4
As ruínas de Kokai seriam ainda visíveis nas margens do Níger, em aval de Tombuctu. O texto árabe e a tradução francesa do Ta’rîkh al-Sûdân, de al-Sa‘dî (escrito por volta de 1655), foram publicados em Paris, em 1898-1900, e reimpressos em 1964 (Paris, Adrien Maisonneuve) [Nota do editor].
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Entre os akpenu-ikulés, encontra-se às vezes o nome masculino de Darmni (o autor procedeu a um recenseamento nominativo em 1943). Nenhuma significação e nenhuma origem puderam ser encontradas para este nome, que talvez derivasse de Dialliaman, com a modificação intermediária Dialliamani. O antepassado primitivo, o antigo rei da Arábia, chamar-se-ia Lamurudu, ou Namurudu, de acordo com as antigas tradições. Alguns letrados iorubás, familiarizados com a leitura da Bíblia, não teriam hesitado em identificá-lo com o famoso caçador Nimrod. Kush engendrou também Nimrod; foi ele quem começou a ser poderoso na terra. Ele foi um valente caçador perante o Eterno; é por isto que se diz: “como Nimrod, valente caçador perante o Eterno”. Ele reinou primeiro sobre Babel, Erek, Akkad e Kalné, no país de Senaar (Gênesis, X-8/9/10).
De acordo com Josephe,5 este mesmo Nimrod é quem teria construído a famosa torre de Babel. Estas antigas tradições foram relatadas ao capitão inglês Clapperton pelo sultão Belo, imperador de Sokoto, monarca instruído e letrado.6 O mais antigo rei da dinastia de Ketu, cujo nome teria chegado até nós, pelas tradições locais particulares de Ketu, unânimes a este respeito, é o rei Isa-Ipasan, o “chicote do deus”.7 Para sermos mais precisos, ele não seria propriamente um rei de Ketu: esta cidade será fundada pelo rei Edé, seu sexto sucessor. Entretanto, ele é mencionado no início da lista por todas as tradições que procuram essencialmente lembrar as origens da dinastia local, marcando sua ligação com a família real de Ilé-Ifé, fon et origo de todas as famílias de príncipes do país iorubá e até de Benim. Isa-Ipasan, filho de Kpaluku e de Olu Unku, era um príncipe de Ilé-Ifé, a venerável metrópole da margem direita do Níger. Não nos foi 5 6
7
Josephe, Antiquités judaïques, 1, 4 e 2. Major Denham e capitão Clapperton, Narrative of Travels and Discoveries, 1826, apêndice 12; apud S. Johnson, pp. 5-6. Traduzimos por “deus”, embora o autor tenha usado o termo impróprio de “fetiche” [nota da tradutora].
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contado por que razões ele tomou a decisão de abandonar sua cidade natal para dirigir-se para o oeste, a quase duzentos quilômetros, levando no seu exílio voluntário suas mulheres, entre as quais Tolu Dagbaka e Odua,8 seus filhos, seus servidores e todo o seu clã, composto de várias centenas de famílias. Não é preciso procurar muito: é bem provável que fosse depois de brigas ou mesmo de guerras civis, provocadas pelas ardentes competições dos príncipes, pretendentes ao trono vago. Estas brigas ocorrem tão freqüentemente na história dos reinos africanos... Isa-Ipasan, depois de ter atravessado o rio Ogun, subiu o curso de um dos seus afluentes da margem direita, o Oyan (Awyan, nos mapas da Nigéria), rio que nasce na Nigéria, perto do Okpara, corre para o sudeste e vai jogar-se no rio Ogun, acima de Abeokuta. Uma colina próxima ao Oyan forneceu um local favorável à construção de uma aldeia que foi simplesmente chamada Oké-Oyan (a colina de Oyan). Vários anos se passaram. Um belo dia, uma primeira divisão ocorreu, cujas causas não foram conservadas pela tradição. A aldeia de OkéOyan foi abandonada. Um dos príncipes, Owé, tomando a direção da parte mais importante do clã, seguiu o rumo do oeste. É deste príncipe que nos ocuparemos, pois um dos seus sucessores fundará Ketu. Um segundo príncipe, mais novo, seguido por numerosas famílias, deixou por sua vez Oké-Oyan para penetrar nas solidões do noroeste. Subiu o Oyan até sua nascente, atravessou o Okpara e estabeleceu-se numa grande floresta freqüentada por rebanhos de palancas negras e de búfalos, o que atraía numerosos leões. A aldeia da floresta foi então chamada Kilibo (Kini-Igbo), a floresta dos leões, na atual subdivisão de Savé. O país não estava desabitado e uma tribo iorubá, os ados, perseguidos por todo o Daomé meridional, tinha encontrado ali um refúgio. Mais tarde, os imigrantes de Oké-Oyan instalados em Kilibo serão obrigados, por causa das razias devastadoras dos cavaleiros baribas vindos de Nikki, a descer para o sul, onde fundaram o reino de Savé. 8
Segundo Montserrat Palau-Marti (Histoire de Sabe et de ses rois, Paris, Maisonneuve et Larose, 1992): “Os ketus fazem remontar sua dinastia real a Ìsà Ìpàsán, príncipe de Ifé; este personagem está associado a Odudua que, considerado de sexo feminino em Ketu, vira a sua esposa e mãe dos seus filhos; Odudua também é chamado (ou chamada) Toludagbaka, em Ketu” [nota da tradutora].
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Enfim, o terceiro príncipe, o mais novo, desceu o curso do Oyan e, depois, o do Ogun, acompanhado por uma fração do clã primitivo. Subindo para o norte, além da nascente do Ogun, atingindo quase o 9º paralelo, fundou a cidade de Oió (a antiga, chamada Katunga pelos haussás). Foi durante vários séculos a capital do mais importante de todos os reinos iorubás. O pastor Samuel Johnson nos contou detalhadamente sua história. O rei Isa-Ipasan seguiu o primogênito dos seus sobrinhos, o príncipe Owé, filho de Adeyonu e de Asebi, que, tomando a direção do êxodo, embrenhou-se na floresta do oeste. Após dois dias de viagem, chegaram a uma floresta, onde encontraram um local favorável. Ali, todo o clã parou e uma nova aldeia, Aro, foi fundada, não muito distante da atual fronteira Daomé-Nigéria. Algum tempo depois, o velho rei Isa-Ipasan veio a falecer. O príncipe Owé foi eleito no seu lugar, tornando-se, assim, o segundo soberano da nova dinastia. Seu primeiro cuidado foi proceder ao sepultamento do corpo de Isa-Ipasan, em Oké Oyan, a antiga aldeia abandonada, obedecendo, deste modo, às últimas vontades do velho monarca. Para que se pudesse encontrar seu túmulo no meio da aldeia deserta que a vegetação ia aos poucos invadir, uma plataforma foi construída, sobre a qual o rei Owé plantou um galho da árvore chamada orupa, essência de grande vitalidade e fácil de se identificar. Owé permaneceu vários anos em Aro. Após a sua morte, foi enterrado nas proximidades do lugar consagrado ao espírito Ogun, deus dos ferreiros, das armas e da guerra. Eis por que o local do túmulo real foi chamado Oju-Ogun (sob o olho de Ogun). Nove famílias reais, descendentes dos antigos reis de Ifé, haviam seguido os reis Isa-Ipasan e Owé em suas migrações e estavam estabelecidas em Aro. Numa destas famílias é que foi escolhido o novo rei, Ajojé, filho de Adémunlé e de Odéré. Com a morte de Ajojé, terceiro rei da dinastia, procedeu-se à eleição do seu substituto. Foi escolhido o príncipe Ijá numa outra das famílias reais; o nome do seu pai foi esquecido; só se conhece o de sua mãe: Ofiran. O quinto rei foi Erankikan, filho de Adegbiyi e de Oju. Seu sucessor, Agbo Akoko (Akoko Primeiro) era filho de Adékambi e de Oliji. Afro-Ásia, 37 (2008), 203-238
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Destes sucessores imediatos de Isa-Ipasan, as tradições de Ketu só retiveram os nomes; elas serão incomparavelmente mais generosas com respeito ao sétimo rei, Edé, o fundador de Ketu. O clã que havia permanecido com o segundo rei, Ewé, na aldeia de Aro, não tardou em tornar-se muito numeroso, tanto pelo crescimento natural da população como pela chegada de parentes que tinham ficado, hesitantes, em Ifé. Veio o momento em que os recursos oferecidos pela região se tornaram insuficientes. Foi necessário considerar uma nova migração para terras mais favoráveis. Foi o sétimo rei da nova dinastia, Edé, sucessor de Agbo Akoko, quem tomou a decisão de deixar Aro. Antes de partir, consultou seus três filhos (ou sobrinhos) Alalumon, Idofa e Matsaï, os filhos mais moços, três bons caçadores que conheciam bem a região que se estendia a vários dias de caminhada ao redor. Perguntou-lhes se, no decorrer de suas expedições, haviam encontrado terras com recursos suficientes para sustentar todo o clã e que fossem favoráveis à sua instalação definitiva. Os três caçadores responderam que, com efeito, cada um deles conhecia um local conveniente, mas não extenso o suficiente para poder atender às necessidades do grupo todo. Seria necessário encarar nova separação. Alalumon conhecia uma floresta, a dois dias de viagem para o oeste, fácil de se atingir e em cuja vizinhança já haviam chegado os fons. Estes últimos haviam construído uma pequena aldeia, Kpanku; ele conhecia esta boa gente e garantiu que eles não veriam nenhum inconveniente se iorubás viessem morar na floresta perto deles. Idofa, por sua vez, preconizava a instalação numa região arborizada, perto de um pequeno rio, Yewa, córrego que serve de fronteira, a um dia de viagem para o sul. Matsaï, que não queria entrar em conflito com os fons do oeste, recomendava que voltassem para o leste, além de Oké Oyan, a aldeia onde descansava o velho rei Isa Ipasan. Depois de longas discussões, das quais participaram os chefes de família, decidiu-se que o clã se dividiria em três grupos. O primeiro, o mais importante, permaneceria sob o comando do rei Edé e, guiado por Alalumon, iria até a floresta do oeste, instalar-se perto dos fons da al-
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deia de Kpanku. O segundo tomaria o rumo do sul, sob o comando de Idofa, que o conduziria até as agradáveis margens do pequeno rio. Enfim, o terceiro grupo voltaria para o leste e seria conduzido por Matsaï. A decisão irrevogável estava tomada; o rei Edé fixou a data da separação depois de consultar Fa; o babalaô indicou qual era o dia favorável e passou-se a tratar dos preparativos da viagem. Em primeiro lugar, foram celebradas cerimônias fúnebres para comemorar a lembrança dos antigos reis, predecessores do rei Edé, enterrados no lugar denominado Oju-Ogun, perto de Aro, consagrado às sepulturas reais. Edé pediu aos antepassados a permissão para deixá-los, desculpando-se por abandoná-los. Deu-lhes, em voz alta, as razões imperativas que o obrigavam a procurar novas terras, mais extensas e mais férteis; jurou que nunca esqueceria os antigos reis e fez a promessa de mandar celebrar freqüentes cerimônias comemorativas. Enviados especiais, representando o rei, foram mandados para as ruínas da antiga aldeia Oké-Oyan, a fim de procederem a sacrifícios convenientes sobre o túmulo do primeiro rei, Isa-Ipasan. Os representantes do rei Edé arrancaram um galho da árvore orupa para levá-lo para Aro, onde foi solenemente plantado sobre os túmulos reais de Oju-Ogun. O dia da separação tendo chegado, Idofa, seguido pelos seus, atingiu rapidamente o rio Yewa, que desceu durante algumas horas e, tendo encontrado o lugar propício, parou e iniciou a fundação da aldeia de Idofa, que ainda existe, perto da fronteira. Matsaï, voltando sobre os passos de seus antepassados, passou por Oké-Oyan, atravessou o rio e, seguido por sua fração do clã inicial, parou a uns cinqüenta quilômetros acima de Abeokuta, onde criou a aldeia de Igbo-Oran (floresta pantanosa), ainda habitada em nossos dias: é o Igbo-Awra dos mapas da Nigéria. Enfim, o grupo mais numeroso que tinha ficado sob o comando do rei Edé e era conduzido por Alalumon, partiu, por sua vez, dirigindo-se para o oeste. O caçador Alalumon fazia freqüentes expedições na floresta do oeste, num planalto arborizado, flanqueado ao norte e a leste por um pequeno barranco quase sempre seco. O país não estava vazio e algumas famílias de raça fon, aquelas que, de todas as que se
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tinham estabelecido na margem esquerda do Uemé, mais tinham avançado em direção ao leste, estavam ali, dispersas. A aldeia de Kpanku e, um pouco mais ao norte, as de Adakpamé e de Ewé, habitadas por fons, que ainda existem hoje, já estavam lá. No decorrer de suas caçadas, Alalumon costumava fazer uma pausa para uma frugal refeição, junto a um iroko, em cujo tronco pendurava sua bolsa. Foi neste lugar, próximo ao iroko, que o caçador Alalumon conduziu seu parente, o rei Edé e a parte mais importante do clã. Aquele iroko histórico e venerado morreu no fim do século passado (século XIX). Seu tronco ressecado caiu de velhice por ocasião de uma tempestade, em 1922, e, embora quase queimado pelos fogos anuais do mato, existe ainda em Ketu, no sul do bairro Massafè, nas proximidades da estrada que vai para a Residência. Ainda é chamado “o iroko de Alalumon”; ele foi o ponto de referência inicial e o centro da cristalização da cidade de Ketu, que o rei Edé ia fundar. A tradição local conservou os mínimos detalhes da migração do rei Edé, desde a sua saída da aldeia de Aro até sua chegada nas proximidades do iroko de Alalumon. À primeira vista, estes detalhes e incidentes da viagem, mais ou menos lendários, parecem ter pouco interesse. Entretanto, aos olhos dos iorubás de Ketu, eles preservam uma grande importância, e com razão. Mais tarde, no decorrer das numerosas cerimônias que precedem a entronização do novo rei, o ritual da sacralização foi em grande parte baseado na tradição da viagem lendária do rei Edé. O novo monarca, antes de entrar com grande pompa na sua capital, deve refazer, não simbolicamente, mas real e publicamente, à vista de todos, a mesma viagem que fez outrora o rei Edé, refazendo, escrupulosamente o mesmo percurso. Todos os incidentes da migração lendária são relembrados no decorrer da viagem ritualmente imposta ao novo monarca. É preciso ver nesta comemoração, não um estreito formalismo sem significado muito preciso, mas, pelo contrário, a afirmação simbólica, solene e pública dos direitos antigamente adquiridos pelos iorubás e seu rei, que chegaram como conquistadores no país. Esta resplandecente afirmação – esta recordação figurada e pitoresca – visa os fons que, se tinham inicialmente acolhido pacificamente o rei Edé e seus companheiros, foram mais tarde obrigados a reagir contra suas repetidas usurpações.
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O clã do rei Edé, abandonando a aldeia de Aro, se pôs a caminho, guiado por Alalumon. Menos de uma hora depois da partida, foi preciso parar perto de um grupo de cabanas construídas por um iorubá do clã, futuro núcleo da aldeia de Ilikimon. Uma das mulheres do rei Edé acabava de sentir as primeiras dores que anunciavam que o parto aconteceria em breve. Deixaram-na numa destas cabanas com um grupo de acompanhantes capazes de dar-lhe os primeiros cuidados. O êxodo para o oeste recomeçou. A primeira etapa ocorreu na floresta, depois de um dia de caminhada. Todos pararam e começou-se a preparar a refeição da noite. Um mensageiro, vindo de Ilikimon, trouxe a Edé a boa notícia: sua esposa acabava de dar à luz um lindo menino. O rei, exultante de alegria, viu nesta notícia um presságio de felicidade e do sucesso do projeto que estava começando a executar. Jurou que nunca os iorubás do seu clã fariam a guerra contra a gente de Ilikimon. Nisto, alguns jovens descobriram que o tronco de um enorme iroko abrigava abelhas selvagens. Foram rápidos em pilhar a colméia e todos puderam regalar-se com mel fresco. Foi relembrando esta descoberta que se deu ao lugar de parada o nome de Iroko-Ogni: o iroko do mel (Irokogny). Neste ponto, encontra-se hoje o posto da alfândega francesa e, duzentos metros mais ao norte, a pequena aldeia de Iroko-Ogni. A rainha Ida retirou-se para esta aldeia em 1917 e nela morreu em 1938, com a idade de 80 anos. Pode-se ver ainda aí a “casa da rainha”. Próximo ao sítio presumido do famoso iroko do mel, árvore que desapareceu há muito tempo, foi escolhido outro iroko que é objeto de um culto intermitente, no lugar do seu venerável predecessor. Após dois dias de descanso nas proximidades de Iroko-Ogni, o rei Edé e seus súditos, sempre guiados por Alalumon, retomaram seu caminho. Chegaram rapidamente às encostas de um vasto planalto laterítico, ligeiramente inclinado para o oeste. Alalumon pôde daí mostrar a seus companheiros a floresta, destino da migração. Passando pelo lugar chamado Okpo-Méta (os três okpos), por causa da presença de três okpos, árvores que fornecem uma madeira de construção muito apreciada, o rei Edé, que estava na frente, ouviu o
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coaxar de uma rã. Com efeito, naquele lugar encontram-se numerosos afloramentos de laterita; na estação das chuvas, as águas se juntam nos baixos, formando poças de pouca profundidade, em que toda uma população de rãs vem divertir-se. Numerosos iorubás, atormentados pela sede, pediram ao rei que fizesse uma pequena pausa. Edé consentiu e enviou um jovem rapaz à procura de água, cuja presença tinha sido revelada pelo concerto dos batráquios. O adolescente enfurnou-se no mato e logo encontrou uma casa, morada da velha feiticeira Ia Mèkpèrè. Inteiramente nua, ela estava preparando, diante de sua fogueira, alguma poção mágica, murmurando misteriosos sortilégios. O jovem enviado do rei penetrou bruscamente na casa da feiticeira, sem anunciar-se previamente batendo palmas como exige a boa educação. Furiosa por ter sido surpreendida nesta situação e, sobretudo, por ter sido interrompida no meio de sua operação secreta, agora desprovida de eficácia, a velha proferiu contra o jovem descuidado uma terrível fórmula, e eis o enviado do rei estendido no chão, sem vida. Edé, como o jovem não voltava, mandou um segundo rapaz atrás do primeiro. O novo mensageiro viu, também, a casa da feiticeira, mas, mais bem inspirado que seu predecessor, não esqueceu de bater palmas para informar da sua chegada. A velha, assim avisada de que um visitante se aproximava, teve tempo de se cobrir. Ela abriu a porta ao enviado real e perguntou-lhe, para começar, qual era o motivo de sua visita. O jovem respondeu educadamente: Meu pai, o rei Edé, que acaba de sair de Aro, encontra-se perto daqui acompanhado de todo o seu povo. Nós estamos com sede e meu pai, ouvindo rãs a coaxar, encarregou-me de trazer água. Ele já mandou meu irmão mais velho, que me precedeu por aqui faz pouco tempo e que talvez se tenha perdido. É por isto, minha mãe, que eu entrei na sua casa: para saudá-la e pedir-lhe que nos dê de beber.
Ia Mèkpèrè, acalmada, deu a permissão de pegar água e, sua cólera tendo passado, devolveu a vida ao primeiro enviado. Levada pela curiosidade, saiu de sua casa e, acompanhada pelos dois jovens, seguiu pelo trilho na floresta, para ver o rei Edé.
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Após terem trocado saudações, a feiticeira manifestou ao rei sua surpresa por vê-lo seguido de uma multidão de homens, mulheres e crianças, num caminho habitualmente deserto. O rei explicou os motivos de sua presença naquele lugar e apontou com a mão para o oeste, a floresta onde esperava estabelecer-se e fundar uma cidade. A velha Ia Mèkpèrè desejou-lhe sorte e prometeu preparar um talismã para a proteção da nova cidade. Deixando a velha feiticeira, o rei Edé e o caçador Alalumon, seguidos de todo o seu povo, desceram as encostas do planalto, atravessaram um pequeno barranco e chegaram logo à floresta tão desejada. Alalumon conduziu o pessoal junto ao iroko onde tinha o costume de pendurar sua bolsa, e todos fizeram uma pausa. Era o fim do dia e a noite estava chegando. As crianças se dispersaram para buscar lenha e as mulheres, abrindo suas bagagens, retiraram os mantimentos. Mas precisavam procurar fogo para que se pudesse cozinhar o jantar. Alalumon, o único que conhecia o país, encarregou-se desta tarefa. A aldeia fon de Kpanku, a meia hora em direção ao sudoeste, era a aglomeração mais próxima. Alalumon foi até lá sem perder tempo e, entrando na casa de uma velha mulher, Ia Kpanku, “a tia Kpanku”, pediu-lhe fogo. Ia Kpanku, reconhecendo o caçador, deu-lhe um tição aceso que ele prontamente levou para seus compatriotas reunidos em torno do iroko. Os fogos foram acesos e em toda parte as mulheres puseram-se a cozinhar a primeira refeição. Para relembrar este incidente que marcou o primeiro contato entre fons e iorubás, celebra-se em Ketu uma curiosa cerimônia, a “cerimônia do fogo”, por ocasião do falecimento do rei. Assim que os ministros anunciam solene e oficialmente a notícia fatal pela voz do pregoeiro público, apagam-se todos os fogos da cidade. Até aí, nada de extraordinário: encontra-se em muitos países este costume de extinguir todos os fogos em ocasiões diversas. Mas a particularidade que esta cerimônia oferece em Ketu consiste na procura do novo fogo e na significação escondida que os iorubás lhe souberam atribuir. O último fogo apagado, uma missão conduzida pelo ministro chamado “Alalumon” dirige-se em procissão para a casa de uma das Afro-Ásia, 37 (2008), 203-238
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mulheres velhas da aldeia que, nesta ocasião, substituirá a Ia Kpanku da lenda. Lá, com os mesmos termos que o caçador Alalumon havia antigamente usado, o ministro pede-lhe fogo para preparar a refeição da noite. A velha entrega-lhe, então, um tição em chamas que ele leva processionalmente para Ketu. É com este tição que são então reacesos todos os fogos da cidade. As coisas acontecem de modo diferente para a ocupação do solo. Em primeiro lugar, os iorubás de Ketu não gostam muito de falar da origem de seus direitos. Quando se lhes faz a pergunta de modo categórico, respondem, com algum constrangimento, que seu antepassado, o rei Edé, chegou como conquistador e que foi pela força que ocupou, para ele e seus descendentes, o solo de Ketu e as terras de cultivo das vizinhanças. É verdade que as primeiras lutas do rei Edé e de seus sucessores imediatos foram dirigidas contra os fons das aldeias vizinhas, inclusive a de Kpanku, fornecedora do fogo. Estes fons, pouco a pouco empurrados para o oeste e despossuídos dos seus campos e de suas terras de cultivo pelos iorubás, verdadeiros invasores, foram obrigados a tomar as armas para preservar seus direitos de uso da terra. Por fim, um modus vivendi foi adotado e uma espécie de fronteira, que se confunde mais ou menos com o limite atual entre os distritos de Ketu e de Agonli, marcou a separação entre as terras de cultura dos fons e as dos iorubás. Hoje, esta conquista não é mais seriamente contestada; quase dez séculos de ocupação consagraram as usurpações dos iorubás, e nenhum fon da região de Ketu ousaria declarar-se “chefe da terra” – ainon – local. Subsiste, entretanto, uma lembrança, bastante apagada, de um antigo ainon local, do período que precedeu a chegada do rei Edé e de seus iorubás. Algumas famílias de Ketu, completamente assimiladas aos iorubás, embora tendo fons na sua ascendência, pretendem descender de um antigo ainon fon, cujo nome foi esquecido e que estaria enterrado num cemitério especial, situado a mais ou menos mil e quinhentos metros a noroeste de Ketu. O caminho que leva até lá desemboca diante da porta fortificada dita porta de Idena. O túmulo deste antigo chefe da terra existe ainda e o lugar de sua cabeça é assinalado por uma vara de ferro enfiada na 220
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terra. As famílias que descendem deste ainon exercem zelosamente o direito exclusivo de serem enterradas neste cemitério aristocrático. As demais mandam enterrar seus mortos nas dependências de suas casas. Quanto aos estrangeiros, que não podem pretender nenhum direito de uso das terras urbanas de Ketu, um cemitério especial lhes é reservado, a leste da cidade. Já no dia seguinte à sua chegada perto do iroko de Alalumon, todos os iorubás se puseram a trabalhar para construir suas casas. Segundo a tradição, cento e vinte famílias, das quais nove reais, haviam seguido o rei Edé. Elas se agruparam em função de seus laços de parentesco e de afinidade para formarem bairros nitidamente separados. Talvez fossem dados a alguns destes bairros nomes que lembravam os de Ilé-Ifé. Edificou-se, em primeiro lugar, o palácio do rei, morada bastante simples, pouco diferente das construções vizinhas. Um pequeno muro de terra argilosa em volta definia seus limites; na entrada, instalou-se uma guarita (ou um corpo de guarda?). O bairro que cresceu rapidamente em volta das casas reais foi chamado de Ita-Obá (o bairro do rei). Os recém-chegados não haviam sido mal recebidos pelos fons, primeiros ocupantes do solo; não tinham sido objeto de nenhuma manifestação de hostilidade. Mas, aos poucos, os fons deixaram de ver com bons olhos os iorubás do rei Edé. Todos os dias, constatavam com desgosto que aquelas terras cultiváveis, que eles haviam reservado para os próximos anos, tinham sido ocupadas pelos iorubás que agiam como se tivessem tido desde sempre direitos de usufruto sobre o território. Para não provocarem conflitos, os fons abandonaram progressivamente as terras do leste. Nas proximidades do lugar onde em breve vai erguer-se a porta fortificada de Idena, numa clareira da floresta, moravam dois fons: Akiniko, na casa de quem habitava um tecelão corcunda, e seu vizinho Ajahosu. Ainda hoje mostram no bairro Massafé o lugar onde se encontravam suas casas, pertíssimo do lugar onde foi construído o Dispensário. As constantes usurpações dos iorubás do rei Edé acabaram com a paciência deles e, para viverem em paz, preferiram deixarlhes o lugar. Abandonando sua casa, Akiniko, Ajahosu e, inclusive, o tecelão corcunda foram para a casa de seus compatriotas, na aldeia de
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Ewé, situada a uma dezena de quilômetros ao norte. Eles possuíam por lá um daqueles abrigos que são usados pelos agricultores na época do plantio e que acabou sendo a sua nova casa. O rei Edé, lembrando-se da promessa feita por Ia Mèkpèrè, a feiticeira de Okpo-Méta, mandou um dos seus filhos para lembrar-lhe a promessa do talismã protetor da cidade. A velha pediu certo número de ingredientes, necessários à fabricação da substância mágica. Tendo estes sido fornecidos pelo rei, Ia Mèkpèrè foi um dia até a nova cidade, fabricou, segundo as regras de sua arte, a mistura protetora e a enterrou num recanto secreto do bairro de Idajè. Ela garantiu ao rei que este talismã traria a prosperidade e impediria os inimigos de penetrarem na cidade, passando pelo bairro Idajè. Só faltava agora dar um nome à nova aglomeração. O rei Edé reuniu um dia seu conselho, composto pelos chefes das principais famílias, e discutiu-se longamente. Após ouvir várias propostas, o conselho adotou o ponto de vista de um antigo que havia exposto sua idéia da seguinte forma: Há alguns meses um tecelão corcunda, de raça fon, morava aqui mesmo na casa de Akiniko. Alguém já conseguiu, alguma vez, endireitar sua corcunda? Não, com certeza. Todo mundo sabe que isto é impossível. Então, assim como ninguém jamais poderá endireitar sua corcunda, da mesma forma ninguém poderá destruir nossa cidade.
E, em meio a demonstrações de aprovação, acrescentou a frase alegórica: Ké tu kéé? Ké fo lu? (Quem endireita a corcunda? Quem destrói a cidade?). E, para concretizar este desafio, decidiu-se que o corcunda seria sacrificado e que seria enterrado diante da porta da cidade. Um destacamento de soldados foi logo enviado para Ewé. O infeliz inquilino de Akiniko foi preso, levado diante da porta da cidade, sacrificado e enterrado no mesmo lugar. A cidade foi assim chamada “Ketu” e seu rei, o alaketu (o feiticeiro de Ketu).9
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Na verdade, alaketu significa o senhor de Ketu, e não o feiticeiro de Ketu [Nota da tradutora].
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CAPÍTULO 2 OS REIS DO PERÍODO LENDÁRIO – AS FORTIFICAÇÕES DE KETU – A PORTA DE IDENA
A tradição conservou-nos o nome de quarenta e oito reis de Ketu, incluindo aquele que reina atualmente, Adéwori Adégbité, chefe do distrito de Ketu. O primeiro de todos é o rei Isa Ipasan que, como acabamos de ver, viveu mais ou menos cem anos antes da fundação de Ketu. A tradição local desta cidade não inicia a lista com o rei Edé, o verdadeiro fundador de Ketu. Ela incorpora o rei Isa Ipasan e seus cinco primeiros sucessores para marcar claramente a continuidade da dinastia de Ketu com a de Ilé-Ifé, a velha metrópole dos iorubás que forneceu as famílias de príncipes aos reinos de Savé, Oió, Ketu, Benim, só para mencionar os mais importantes. Não parece extraordinário, à primeira vista, que, pela simples tradição oral, a lista integral destes quarenta e oito reis, ainda complicada como que por prazer, pela filiação completa de cada um deles, tenha podido chegar até nós sem o apoio de veneráveis pergaminhos e de textos autênticos? Não devemos esquecer que os reis de Ketu precisavam conhecer e às vezes, inclusive, publicar sua filiação, sua genealogia e a lista exata de todos os predecessores, mesmo que fosse apenas para estabelecer e afirmar publicamente seus direitos e seus títulos. E foram obrigados a conservar e transmitir a seus sucessores estas genealogias e esta lista. Medidas especiais e eficientes eram tomadas a este respeito. Em primeiro lugar, uma família de griots, a família Oyédé, estava encarregada desta tarefa e seu chefe, conhecido pelo seu apelido popular de Baba Elégun Oyédé, conservava na sua memória a tradição oral recebida do seu pai. Quantas vezes, na hora em que a noite traz a tranqüilidade na cidade, Baba Elégun não repetiu para seus filhos, reunidos no pátio da casa, a famosa lista dos reis? Os erros simulados eram prontamente assinalados pelo coro das crianças; até os adultos participavam desta aula de história. A morte podia levar o chefe da família, sempre ficava alguém capaz de substituí-lo.
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Além deste treino, Baba Elégun Oyédé informava-se, se fosse necessário, para esclarecer um trecho duvidoso, para recolocar um antigo rei no seu lugar cronológico exato, e ele encontrava ajuda junto aos chefes das famílias reais, também interessados na preservação das antigas genealogias. Numa circunstância solene, o dia da entrada do novo alaketu na sua boa capital, Baba Elégun Oyédé, arauto oficial, recitava publicamente, e em voz alta, a lista completa dos reis, sem omitir nenhum, sem cometer nenhum erro sobre a sua filiação e sem inverter a ordem cronológica de seus reinados. Qualquer erro ou omissão era considerado uma falta gravíssima, não apenas pelo recitante, doravante desonrado e condenado ao suicídio, mas ainda para os ouvintes e os presentes. Mas, em compensação, a recitação impecável das litanias reais valia inúmeras felicitações a Baba Elégun Oyéré. Ele era ovacionado e, durante um momento, tornava-se o herói da festa, tanto quanto o próprio rei. Além do alívio inexprimível de se ter desincumbido satisfatoriamente de sua missão, Baba Elégun recebia recompensas mais concretas: carneiros, cabritos, tecidos, bebidas. Naturalmente, o rei mandava-lhe um suntuoso presente. Acrescentamos, em honra da família Oyédé, que em toda a história de Ketu não há um único exemplo de que o mínimo erro tenha sido cometido por ocasião da recitação solene da lista dos reis. Ao rei Edé, fundador da cidade de Ketu, sucedeu Okoyi, filho de Atonsi e de Oniyi. Ele foi o oitavo rei da dinastia. Sob o seu reinado estourou a primeira guerra. Os fons das aldeias vizinhas, Ekpo, Gagnigon e Kpanku, exasperados pelas incessantes usurpações, tomaram as armas para jogar para o leste aqueles iorubás insuportáveis, verdadeiros intrusos no país. Durante o reinado de Edé, os fons haviam tolerado a presença dos seus espaçosos vizinhos. Mas, a cada ano, a rotação das culturas obrigava os recém-chegados a ocupar terras suplementares. Durante o reinado de Okoyi, soberano ao qual faltava prestígio e cuja pusilanimidade era bem conhecida, os fons, tornados mais atrevidos, abriram repentinamente as hostilidades contra os iorubás. Okoyi, à notícia da aproximação de um grupo armado, fugiu e foi refugiar-se 224
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numa floresta que ainda leva o seu nome, nas proximidades da pequena aldeia de Tobolu (Nigéria). Os habitantes de Ketu, que haviam em vão procurado o seu rei, se defenderam com vigor e repeliram os ataques dos fons. Depois de algumas escaramuças sem importância, a cólera dos assaltantes esfriou e conversou-se sobre a paz. Todo perigo tendo sido afastado, o rei fugitivo pôde voltar à sua capital. Foi então que os chefes das famílias iorubás tiveram a excelente idéia de propor aos fons uma fusão dos dois povos e construir suas casas perto dos bairros iorubás, de modo a formar uma só aglomeração. Numerosos fons aceitaram, receberam direitos de cidadãos e foram admitidos no mesmo nível que os iorubás. Alguns chefes de famílias fons, recentemente adotadas graças à paz, puderam entrar no conselho do rei. Alguns deles foram até designados ministros e, em particular Akiniko, o proprietário da casa onde morava o famoso tecelão corcunda, sacrificado diante da porta da cidade, e Ajahosu, o vizinho de Akiniko. Os descendentes de Akiniko e de Ajahosu existem ainda em Ketu. Foram completamente assimilados pelos iorubas e até esqueceram sua língua materna e só falam a língua iorubá. Seus chefes de família conservaram apenas o nome, hereditário, de Akiniko e de Ajahosu: eles fazem obrigatoriamente parte do conselho do rei. Algumas tradições relatam que os iorubás, indignados pela covardia do seu rei, que os havia abandonado no momento do perigo, o teriam executado no decorrer de um levante popular. Mas é possível que haja, no caso, uma confusão com a aventura do mesmo gênero acontecida com Agbo-Keji, décimo terceiro rei da dinastia de Ketu. O rei Okoyi tendo falecido, tragicamente ou não, escolheu-se para substituí-lo o príncipe Etsu, filho de Aro-Baba-Itsa e de Angbá. Não chegou até nós nenhum dado sobre seu reinado, o nono de Ketu, nem sobre seus dois sucessores imediatos: Akpanhun, décimo rei, filho de Adonu e de Awokpè, e Dako, décimo primeiro rei, filho de Ahekpo e de Orèrè. Tudo o que sabemos sobre o décimo segundo rei, Ogôh, é que ele é o mais antigo conhecido rei, pertencendo à família real Alapini, uma das nove famílias reais originárias de Ilé-Ifé, e que havia acompanhado o rei Edé no seu êxodo de Aro para Ketu. É a esta mesma família Afro-Ásia, 37 (2008), 203-238
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Alapini que pertence o rei atualmente reinando, Adéwori Adegbité, quadragésimo oitavo soberano da dinastia de Ketu. O décimo terceiro rei, Agbo-Keji, “Agbo segundo”, era filho de Ajido e de Odiola. Teria acontecido com ele a mesma desventura que com seu predecessor Okoyi, o oitavo rei. Uma nova guerra estourou entre os habitantes de Ketu e os fons do oeste, sempre a respeito das terras de cultivo. Estes últimos tentaram de surpresa um golpe contra o palácio real, simples grupo de casas construídas no bairro sul, na parte sul do bairro Ita-Obá. Agbo-Keji, assustado, assim como Okoyi, fugiu para esconder-se num dos acampamentos de agricultores situado ao norte da cidade, no caminho de Adakplamé. Enquanto isto, o alarme tinha sido dado e os iorubás, superiores em número, repeliram os fons para fora do perímetro da cidade. Procurou-se, então, o rei que, de início, se pensou que havia sido levado pelos fons. Finalmente, ele foi encontrado no seu acampamento, ainda tremendo de medo: seus súditos, exasperados por sua deserção e sua covardia, o massacraram. O rei Sá, filho de Atsabi e de Aguro, sucedeu a Agbo-Keji. Com o rei Edé, ele é o mais famoso dos antigos reis de Ketu. As tradições locais atribuem-lhe a construção dos fossos, dos muros e da porta fortificada, dita porta de Idena. A hostilidade espasmódica dos fons, que já se havia manifestado de improviso, por golpes sangrentos, sob os reinados de Okoyi e de Agbo-Keji, havia demonstrado a necessidade de dar à cidade os meios de resistir às incursões dos inimigos e até de dar-lhe condições de sustentar um sítio. Após ter obtido o assentimento do seu conselho, o rei Sá tomou a direção das obras do plano de defesa; tratava-se de construir uma muralha fortificada, contínua e circundante. O rei Sá passa por ter traçado pessoalmente este amuralhado em volta da cidade: é uma elipse um pouco irregular, cujo eixo maior, quase norte-sul, mede 1.100 metros; o eixo menor mede 965 metros. O desenvolvimento total atinge o comprimento de 3.300 metros, delimitando, assim, uma superfície interna de 85 hectares. A muralha fortificada de Ketu existe ainda, em estado bastante bom; em alguns lugares, os muros estão parcialmente caídos e os fossos invadidos pela vegetação. Estes fossos têm uma profundidade que 226
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varia de 3 a 4 metros; sua largura total oscila entre 5 e 8 metros. Na parte norte é que atingem as maiores dimensões. Com os entulhos originados pelo escavamento dos fossos, foram elevadas, do lado interno, muralhas de 2 a 3 metros de altura. Deviam atingir, na época em que foram construídas, de 3 a 4 metros; a intempérie e a ausência de manutenção diminuíram suas dimensões iniciais. Abruptas no lado externo, elas descem suavemente do lado interno. A tradição local relata que, apesar de sua importância, estas fortificações foram rapidamente construídas. O rei Sá vigiava pessoalmente, dizem, a execução dos trabalhos. É provável que algum perigo fosse iminente e que fosse preciso terminar com toda urgência as trincheiras, pois parece que foram utilizadas duas equipes de trabalhadores simultaneamente, uma de dia e a outra de noite. A lenda, embelezada de detalhes extraordinários, pretende, com efeito, que o rei Sá, iniciado na magia e versado nas ciências ocultas, se tinha assegurado o concurso de dois gigantes, Ajibodu e Oluwodu, um, ferreiro, e o outro, ajudante de obra, para construir a muralha fortificada. Eles dormiam o dia inteiro e trabalhavam de noite. Para acordá-los, os contramestres enviados pelo rei Sá eram obrigados a dar-lhes grandes marteladas sobre os polegares, graciosa brincadeira que fazia os gigantes darem boas gargalhadas. À noite, traziam-lhes uma formidável ração de comida; cada família enviava numerosas cabaças cheias de pratos preparados. No dia seguinte, tudo tinha sido comido. Esta lenda não seria outra coisa senão a lembrança, transformada e enriquecida de detalhes maravilhosos, dos importantes fornecimentos de víveres impostos aos habitantes por ordem do rei, para alimentar aqueles que trabalhavam nas fortificações. Como prova material da existência dos gigantes, os habitantes de Ketu mostram às crianças e também aos estrangeiros, a marca deixada por uma mão colossal sobre a parede interna de um dos corredores da porta fortificada de Ketu, chamada porta de Idena. Mas isto não passa de amável trapaça, feita para provocar a admiração dos meninos e o assombro dos curiosos. O reboco da parede é refeito, em média, a cada dez anos e, a cada vez, os homens encarregados desta tarefa divertem-se reconstituindo no muro a marca de uma mão de enormes dimensões. Em outros lugares do conjunto de construções que constituem a
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porta fortificada, imprimem-se igualmente sobre os muros marcas semelhantes àquelas que são encontradas sobre todas as paredes: riscos paralelos, deixados na terra ainda úmida pela extremidade dos dedos. Mas, na porta de Idena, estes riscos, feitos com o cotovelo, parecem ter sido traçados por dedos gigantescos. Dentro do espaço fortificado, uma passagem foi construída no lugar preciso onde, segundo a tradição, o rei Edé teria passado quando chegou pela primeira vez a Ketu. É justamente neste lugar que fora enterrado o famoso tecelão corcunda, inquilino de Akiniko. Esta passagem, indispensável em tempo de paz para transpor com comodidade as fortificações, corria o risco de tornar-se, em tempo de guerra, um ponto fraco da defesa. Era preciso construir ali uma porta fortificada. A fama lendária do rei Edé fez com que lhe fosse atribuída, por certas tradições, a construção da porta fortificada. Outras tradições, pelo contrário, relatam que o mérito desta construção pertence ao rei Sá. É o mais provável: a porta não precedeu os fossos. Um habitante de Idéré (perto de Pobé), hábil construtor, foi encarregado da edificação da porta, segundo o modelo daquelas que já existiam em várias cidades do país iorubá. A planta é um quadrilátero irregular, aproximando-se sensivelmente de um retângulo. No centro, encontra-se um pátio quadrado de aproximadamente doze metros de lado. Do meio do lado norte do pátio sai um corredor sul-norte que desce abruptamente para os fossos e que é fechado pela única folha da porta externa. Este batente externo é formado por 5 tábuas de iroko, com espessura de 7 a 8 centímetros, largas de 20 a 30 centímetros, grosseiramente talhadas com enxó e sumariamente ajuntadas. Este batente (ilekun) gira sobre um eixo de ferro de fabricação local, pousado sobre um cachimbo cavado num bloco de pedra muito dura. A porta externa dá diretamente sobre o fosso que, neste lugar, está parcialmente enchido para que se possa atravessar facilmente. Diante da porta estaria enterrado o tecelão corcunda. No meio do caminho que, vindo do exterior chega à porta fortificada, cresceu uma árvore que serve de apoio a uma vara de dois metros de comprimento. Uma das extremidades desta vara, inclinada a 45º, repousa no solo, ficando a outra encostada na árvore. A cada lua nova, ela é colocada de forma a impedir a passagem numa das metades 228
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do caminho, à direita ou à esquerda. Os habitantes de Ketu chamaram esta vara de kiliba, e repetem o dito tradicional: otsu lé, makpa ona da (na lua nova eu mudo a passagem). Um membro da família Durossimi é encarregado, a cada lua nova, de deslocar alternadamente a vara kiliba. Esta manobra, que remontaria à época em que a porta foi construída, teria sido imposta por um babalaô, intérprete do oráculo Fa. Uma larga abertura, cavada no meio do muro a oeste do pátio interno, dá acesso a um segundo corredor norte-sul, abrindo sobre uma vasta praça dentro da cidade. Na extremidade sul deste corredor, longo de uns quinze metros, encontra-se outra porta de um só batente, em tudo semelhante àquela que dá sobre o fosso norte. Um caminho de ronda, coberto, circula ao redor do conjunto de construções da porta fortificada. A parte sul deste caminho de ronda tem vista sobre os fossos, acompanha à direita e à esquerda o alto da muralha com cerca de 6 a 8 metros. Um segundo caminho de ronda, interno, dá a volta ao pátio quadrado, sendo interrompido somente pela entrada do corredor que leva à porta externa. Neste local, de cada lado do corredor, o caminho de ronda interno termina por uma escada abrupta, dando acesso a uma seteira aberta sobre o exterior, bem acima do batente da porta, a cinco metros do chão. Em tempos de guerra, um destacamento armado ocupava a porta permanentemente e sentinelas ficavam de vigia sobre os caminhos de ronda e sobre as muralhas. Os batentes, no exterior e no interior, só permaneciam abertos durante o dia, mesmo em tempo de paz. Em caso de alarme, o batente da porta externa era consolidado por fortes vigas transversais e retirava-se com a maior pressa o colmo da cobertura que protegia as construções. Era uma útil precaução contra incêndios que teriam tornado insustentável a posição dos defensores. Nos primeiros tempos, chamaram a porta de Akaba Idéré (a porta de Idéré), nome da aldeia do arquiteto. Mais tarde, ela recebeu o apelido de Odi-Ona, o caminho está fechado. As palavras Idéré e Odi-Ona transformaram-se no termo composto Idena, e hoje só é chamada de Akaba Idena, a porta de Idena. O sábio arquiteto, construtor da porta fortificada, consagrou-a com cerimônias e sacrifícios que lhe conferiram propriedades mágicas. Afro-Ásia, 37 (2008), 203-238
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Aconteceu de os batentes fecharem-se por si mesmos, como movidos por um espírito. Neste caso, presságio de um perigo, o rei é avisado urgentemente, o conselho é reunido e, na presença do guarda da porta, chefe da família Durossimi, procede-se à consulta do Fa. O oráculo responde então, inevitavelmente por intermédio do babalaô, que o espírito da porta pede um sacrifício. Nos dias atuais, o espírito protetor contenta-se com um carneiro ou um cabrito; mas, antigamente, era mais exigente. Precisava de um boi ou até de um sacrifício humano e o sangue da vítima servia para aspergir os batentes que se tinham fechado de modo desastroso. A canção de Arekpa faz alusão a estes sacrifícios humanos. A porta de Idena passa por ter propriedades sobrenaturais, notadamente a de não poder ser aberta por traição. Apesar de suas virtudes extraordinárias, os dois batentes foram assim mesmo transportados para Abomé sobre a cabeça dos prisioneiros, em 1886, por ocasião da segunda tomada da cidade pelo exército do rei Glele. Para consolarem-se, os antigos de Ketu contam que estes batentes, transportados como troféus pelos daomeanos, ergueram-se espontaneamente, suspensos por uma mão invisível assim que tocaram o chão de Abomé. O rei Glele, assustado por este prodígio, teria, então, consultado seus adivinhos que o aconselharam a fazer o sacrifício de um boi para pacificar o espírito irritado que mantinha milagrosamente suspensos os batentes da porta mágica. Com efeito, depois de aspergidos com o sangue do boi sacrificado, os batentes, descendo devagar, apoiaram-se tranqüilamente sobre o solo. Estes batentes, perdidos em Abomé de 1886 a 1892 (teriam, talvez, sido desmontados e as tábuas utilizadas para outros fins?), foram substituídos por outros novos em 1896, por ordem do rei Ognienguin, depois da ressurreição de Ketu. Eles levam as marcas frescas do óleo de palma, devido às freqüentes unções praticadas pelo velho Durossimi, guardião da porta e encarregado do culto do espírito protetor. Não vimos neles nenhum sinal de sangue de boi. Uma feira instalava-se de quatro em quatro dias diante da porta de Idena, numa praça reservada a este fim, fora do perímetro fortificado. É por medida de segurança que a grande feira de Ketu acontecia fora da cidade. Atualmente, ela ocorre na cidade, numa praça interna, diante da porta de Idena, aberta dia e noite já há cinqüenta anos conse-
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cutivos. Uma segunda feira, a pequena feira, oja-kékélé, reúne-se numa pequena praça, no centro da cidade. O rei Sá, construtor das fortificações e da porta de Idena, décimo quarto rei de Ketu, tendo falecido, foi substituído por Ekpo, filho de EkpoKilaja e Irokon. Dando continuidade à política das “grandes obras” que havia marcado o reinado do seu predecessor, ele deu acabamento às fortificações de Ketu e introduziu aperfeiçoamentos, mandando construir em certos lugares, no alto dos muros, diversos trabalhos, como seteiras e barbacãs que protegiam os arqueiros da defesa. Fez ainda prolongar para o sul o fosso e o muro da cidade, a partir do leste do bairro Dagbanji, em direção à aldeia fon de Ekpo, situada a uns quatro quilômetros. As seteiras e as barbacãs, obras de pouca importância e pequenas dimensões, desapareceram. Mas o fosso acoplado à muralha, que devia unir Ketu e Ekpo, ainda existe em bom estado numa distância de mais de dois quilômetros. Uma lenda conta que o rei Ekpo, cujo nome em iorubá significa “óleo de palma”, mandava vir grandes quantidades deste óleo para amassar a terra das fortificações. Pretendem que este rei tenha sido morto no decorrer de uma rebelião pelos habitantes de Ketu, que haviam perdido a paciência devido aos incessantes pedidos de mão-de-obra e de mantimentos. Uma outra tradição, tão plausível quanto a primeira, relata que a rebelião teria sido provocada por um grupo de oponentes irredutíveis ao projeto das fortificações que deviam unir Ketu a Ekpo. Este plano parecia-lhes extraordinário e mesmo fora do bom senso, porque se tratava de incluir na mesma rede fortificada uma cidade iorubá e uma aldeia fon. Os nomes exatos dos quatro primeiros sucessores do rei Ekpo, décimo quinto rei de Ketu, não são conhecidos com certeza. Depois do que relatamos a respeito do historiador Baba Elégun Oyédé, capaz de recitar sem erro a lista cronológica dos reis, parece que deveríamos conhecer com exatidão o nome de todos os reis de Ketu e a ordem em que se sucederam. O historiador Baba Elégun, que consultamos a este respeito, nos forneceu, com efeito, uma lista completa, mas ele acrescentou que não podia garantir a exatidão absoluta, em particular no que se refere aos quatro primeiros sucessores de Ekpo. Faltavam-lhe, dizia ele, os cinco dias de retiro, de preparação e de exercício mnemotécnico, o ambiente excitante da multidão que assiste à recitação solene da lista
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dos reis, e até um certo grau de inspiração. Deveríamos, talvez, acrescentar também o desgosto inconsciente pela perda dos regalos que as famílias reais oferecem? Depois de ter comparado entre si as diversas listas que nos submeteram graciosamente vários membros das famílias reais de Ketu, os quais demonstraram todos algum interesse em ver o presente trabalho redigido, elaboramos a seguinte lista, até conseguirmos novas e mais precisas informações: Décimo sexto rei: Ajina, filho de Asubo e de Abetsu. Seu nome significa “estamos longe”, alusão ao fato de que, a despeito da presença de numerosos concorrentes locais, fora eleito um príncipe que até então havia residido longe de Ketu. Útil precaução que permitia escolher um rei que se mantivera distante das disputas e das intrigas locais. Décimo sétimo rei: Ara, filho de Akambi e de Ofèrè. É provável que este nome seja o de uma essência da floresta que fornece uma madeira de construção muito dura. O rei escolheu este nome para significar que sustentaria o reino de Ketu como se ele fosse uma viga de madeira dura. Décimo oitavo rei: Odiyi Ikoyè Nikan. A designação deste rei constitui a única exceção conhecida nos princípios dinásticos que impõem que o soberano seja escolhido numa das famílias reais aparentadas à de Ilé-Ifé, famílias que haviam seguido inicialmente Itsa Ipasan e, depois, Edé. Este rei, décimo oitavo da dinastia, não pertencia, por sua ascendência, à família real na qual foram buscá-lo. Era, diz-se, um escravo, capturado muito jovem, que não tinha conhecido seus pais. Tinha sido posto à venda na feira de Ketu e comprado pelo chefe das famílias reais. Logo fez-se notar, tanto por suas qualidades físicas, aparência agradável, bela postura, vigor, habilidade nos jogos atléticos, como por suas qualidades morais: viva inteligência, excelente caráter, com o que ganhou todas as simpatias. Na família onde servia como escravo foi logo considerado um filho adotivo e criado com os outros príncipes, e não como um servidor de baixa estirpe. Quando da morte do rei Ara, a família adotiva de Odiyi Ikoyè Nikan pôde apresentar somente um príncipe, criado longe de Ketu. No último momento, percebeu-se que o futuro rei era canhoto, o que acarretou a sua desqualificação como candidato ao trono. O chefe da família real interessada, que não havia previsto este empecilho, não quis deixar passar a ocasião 232
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regular de dar um rei a Ketu, pois era correr o risco de a família ser posteriormente eliminada e perder a qualidade real e dinástica. Na falta de outro candidato, apresentou seu filho adotivo que foi finalmente aceito, após uma séria discussão no conselho, com a condição de que uma cerimônia de troca de sangue com um membro autêntico da família que o apresentava fizesse dele um verdadeiro príncipe. De onde o nome que o rei adotou: Odiyi (às avessas); vimos que havia sido eleito “às avessas” do costume; Ikoyè Nikan não é outra coisa que a pronúncia deformada da frase ko ni énikan: ele não tem ninguém (nem pai nem mãe). O décimo nono rei chamava-se Akèdun, ou Olukèdun. Era filho de Adékambi e de Ajaro. O nome que escolheu ao ascender ao trono significa Olorun kè dun, deus me tornará feliz (deus me ajudará). A partir do vigésimo rei, Arogbo, até o rei atual, Adéwori Adegbité, quadragésimo oitavo rei, todas as listas que pudemos coletar e confrontar concordam exatamente, tanto para o nome dos reis, como para sua ordem cronológica. Vigésimo rei: Arogbo, filho de Ajagbé e de Ijaku. Seu nome, Arogbo, significa “o camponês”, provável alusão à profissão que o príncipe exercia antes de sua eleição, e ao fato de que vivia no campo. Foi o rei Arogbo quem teria levado para Ketu a curiosíssima instituição do eunuco oni oja, o guardião do mercado. Sobre os dezoito alaketus que se seguiram, depois de Odun, vigésimo primeiro rei, até Ojé, trigésimo oitavo rei, as tradições locais estão praticamente mudas. Não tendo podido recolher informações mais detalhadas, só poderei apresentar aqui a seca enumeração que segue: Vigésimo primeiro rei: Odun, filho de Ajoké e de Atsètsè. Odun é a festa; ao tomar este nome, o rei talvez quisesse indicar que, sob o seu reinado, Ketu estaria sempre em festa. Vigésimo segundo rei: Tètè, filho de Ajido e de Adufè. O tètè é um jogo de azar, do tipo do jogo de dados, e muito comum no Daomé; é conhecido até Kuandé. Ele se joga com quatro búzios que os jogadores seguram na mão e lançam simultaneamente para cima. Ao caírem no solo, os búzios mostram seja o lado convexo, seja o lado aberto; a combinação dois convexos e dois abertos ganha. O rei Tètè, que não esperava reinar, queria dizer que seu acesso ao trono fora um acaso. Afro-Ásia, 37 (2008), 203-238
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Vigésimo terceiro rei: Ajiboyédé, filho de Arogbo e de Ahuélé. Havia nascido “calçado”, isto é com os pés envoltos na membrana placentária. Isto era um indício certo de que estava predestinado a ser rei, pois somente o rei tem o privilégio de usar sandálias, enquanto todos à sua volta circulam descalços, por respeito. O nome escolhido pelo rei relembra esta particularidade do seu nascimento: Aji bo yé (a) dé: nascido com a esperança da coroa. Vigésimo quarto rei: Arowo Ojoyé, filho de Akani e de Kobolu. Talvez tenha sido eleito antes que tivesse chegado a sua vez, graças ao que gastara para garantir sua eleição, como deixaria supor o nome que lhe foi dado: o rico foi escolhido. Vigésimo quinto rei: Ekpo Oludi, filho de Omowoyé e de Ajini. A interpretação acima, referente ao nome do vigésimo quarto rei, Arowo Ojoyé, é confirmada pelo nome que adotou seu sucessor. Este nome é a deformação da frase ikpo otun ji: o lugar chegou (a nós). Por ocasião desta eleição, a família real, frustrada na ocasião precedente pela corrupção do colégio eleitoral, tinha enfim obtido satisfação. Vigésimo sexto rei: Etu, filho de Ondo Foyi e de Awokpè. Tomou o nome de etu, fuzil, para significar que, quando fosse necessário defender Ketu, ele seria forte, rápido e violento como o fuzil. Note-se que este nome é uma onomatopéia. Este rei havia sido escolhido na família Mangbo. Já dissemos anteriormente que nove famílias reais, descendentes da muito antiga dinastia de Ilé-Ifé, haviam acompanhado o rei Edé. Desde esta época histórica, quatro destas famílias ilustres desapareceram, sem dúvida por extinção natural, e seu nome foi até esquecido. Só restam hoje cinco famílias reais que possuem o privilégio de fornecer, cada uma por seu turno, um rei a Ketu. 1) A família Alapini, que deu a Ketu o rei atual, Adéwori Adegbitée, eleito em 1937. O mais antigo rei conhecido desta família é Ogoh Alapini, o décimo segundo alaketu. 2) A família Magbo. É nesta família que foi escolhido o rei Etu; ela certamente havia fornecido outros, mas a lembrança deles se perdeu.
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3) A família Aro. O rei Ekotsoni, vigésimo sétimo alaketu, pertence-lhe provavelmente. O primeiro monarca conhecido que com certeza teria saído desta família é Embo, o trigésimo quarto rei. 4) A família Metsa: ela deu talvez o rei Otudi e, com certeza, o rei Agassu ou Agaaossu, trigésimo primeiro rei. 5) Enfim, a família Mefu. As tradições desta família real só remontam à época já distante de Amuwagun, vigésimo oitavo rei, o primeiro que ela tem certeza de ter dado a Ketu. Vigésimo sétimo rei: Ekotsoni, filho de Agbaka e de Abero. Este alaketu pertencia, com muita probabilidade, à família Aro. Seu nome não é outro senão a frase bem conhecida: ko tse oni (“não é hoje que [ele] me pertence”). Esta frase é freqüentemente usada pela pessoa que recupera um objeto emprestado há muito tempo. O rei significava, assim, que sua família retomava posse da dignidade real. Vigésimo oitavo rei: Amuwagun, filho de Adisa e de Atsakè. Foi escolhido na família Mefu. Seu nome é a deformação da frase e mawa ogun (não peça a herança), resposta feita pelo recém-eleito a seus rivais. A palavra ogun significa igualmente guerra, e era de propósito que a resposta do alaketu era ambígua. Vigésimo nono rei: Asunu, filho de Asotan e de Iyamo. Pertence à família Alapini. A origem do seu nome é incerta. Trigésimo rei: Agodogbo, filho de Ileju e de Atsabo. Foi dado a Ketu pela família Magbo. Parece que não queria ser rei; diante da insistência de seus parentes e amigos, acabou por aceitar. Seu nome relembra este episódio de sua eleição: a desculpa ficou inútil. Trigésimo primeiro rei: Agassu, filho de Ajagbé e de Agniké. Provém da família Metsa, cuja vez de dar um rei a Ketu tinha chegado. Seu nome, cuja origem é ignorada, é o mesmo que o do fundador mítico da dinastia dos reis de Abomé. Trata-se de mera coincidência. Trigésimo segundo rei: Orubu, filho de Atsuloyé e de Agbéké, vindo da família Mefu. A significação do seu nome é mal conhecida. Trigésimo terceiro rei: Léké, filho de Adilo e de Korayè. Foi escolhido na família Magbo. A tradição pretende que ele era o mais novo Afro-Ásia, 37 (2008), 203-238
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dos seis filhos de Adilo. O primeiro tornou-se chefe da aldeia de Idanhim. O segundo, chefe de Ilikimon; o terceiro, chefe de Idofa, a aldeia estabelecida nas margens da Yewa. O quarto deixou o país natal e foi morar em Ajasé (Porto Novo), e o quinto foi para a casa de seus primos em Savé. Léké significa “pérola” e o rei Léké, ao escolher este nome, queria expressar a idéia de que ele atraía todos os olhares, como um cinto de pérolas na cintura de uma linda mulher. Trigésimo quarto rei: Embo (ou Oyimbo) filho de Adiro e de Anikè. Este príncipe veio da família Aro. Oyimbo, na língua iorubá, significa “o branco” (o europeu). Etimologia: o yi bo, aquele que chega (do estrangeiro). Começavam a falar, no reino de Ketu, daqueles estrangeiros de pele branca, orelhas vermelhas, conhecidos inicialmente no reino de Binui (Benim) que chegaram por mar, levados por suas grandes pirogas com velas, carregadas de mercadorias desconhecidas e muito procuradas: pólvora, fuzis, novos tecidos, e bebidas fortes. Trigésimo quinto rei: Osuyi Oliborumu, filho de Akandé e de Atsabké. Vinha da família Metsa. Seu nome significaria “bem que você o predisse”, exclamação proferida pelo príncipe quando o chefe de sua família lhe trouxe a notícia de sua eleição. Trigésimo sexto rei: Oniyi, filho de Ojugbélé e de Abétsè. Foi a família Mefu, que, tendo chegado sua vez, deu este príncipe. Seu nome não é muito complicado: “o poderoso”, simplesmente. Trigésimo sétimo rei: Abiri, filho de Asotan e de Awélé, escolhido na família Alapini. A origem do seu nome permanece obscura. Propomos a seguinte explicação: oba iri, nós tínhamos um rei (já tínhamos um rei na família) Este último alaketu encerra a lista dos reis de Ketu sobre os quais só conseguimos reunir informações muito magras e bastante incertas. Não foi possível indicar a duração dos seus respectivos reinados, nem mesmo de modo aproximado. *** [Nota: os capítulos 3 e 4 aparecerão na próxima Afro-Ásia 38].
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NOTA BIOGRÁFICA SOBRE ÉDOUARD DUNGLAS
Édouard Dunglas, filho de modesto funcionário do ensino público, nasceu em Paris em 1891. Em conseqüência do falecimento de sua mãe, foi confiado, com dois anos de idade, à sua família paterna que morava em Saint-Girons, na subprefeitura da Ariège. A origem do nome Dunglas, com sonoridade escocesa, permanece desconhecida. É usado exclusivamente pelos ramos de uma única família, originária de um pequeno vale dos Pirineus do Saint Gironnais. Édouard Dunglas fez sólidos estudos secundários no colégio de Saint-Girons; obteve o diploma de bacharel em ciências em 1908, e freqüentou em seguida a Faculdade de Medicina de Toulouse. Mobilizado no fim de 1914, quando ainda estava no quarto ano da faculdade, partiu para a frente de batalha como médico auxiliar no início de 1915, no 17º Regimento de Infantaria (21º corpo) ao qual se juntou em Notre-Dame de Lorette. Fez toda a guerra como médico em diversas unidades combatentes e obteve a cruz de guerra com duas citações. Tendo saído ileso das provas da guerra e escapado de graves perigos, em particular em Verdun, em 1916, abandonou os estudos de medicina depois da guerra e entrou na administração colonial, na qualidade de funcionário dos serviços civis. Designado inicialmente para o serviço geográfico da África Ocidental Francesa, onde foi particularmente apreciado por M. de Martonne, serviu depois na Costa do Marfim e, sobretudo, no Daomé, para onde foi sucessivamente enviado a partir de 1934. Apaixonado pela etnografia e também pela geografia e pela história das diferentes regiões onde serviu, foi para responder a uma pesquisa promovida em 1933 pelo Governo Geral, em vista da preparação de um tratado de direito local, que ele redigiu um estudo, particularmente reputado, sobre os costumes dos bétés da Costa do Marfim. Do mesmo modo, o mapa em grande escala do círculo de Natitingou, que elaborou em 1937 e que exigiu mais de dois anos de trabalho, valeu-lhe uma medalha de bronze e um diploma da Société de Géographie.
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Enfim, em 1939, estando em serviço em Ketu, começou a escrever a história muito curiosa desta cidade, antiga metrópole dos nagôs, que chegou a contar até 30.000 habitantes; colocava-se como rival de Abomé, foi duas vezes tomada e por fim destruída pelos reis do Daomé. Uma nomeação em Abomé permitiu-lhe, em 1942, completar sua história de Ketu, vista desta vez do ponto de vista do campo oposto. As informações que recolheu nesta ocasião da boca de velhos dignitários daomeanos pareceram-lhe tão interessantes que desejou imediatamente refazer seu primeiro trabalho, fundindo-o numa história detalhada de Abomé, cujo relato ainda estava conservado pela tradição oral nas famílias dos antigos dignitários da corte, mas que corria sérios riscos de cair um dia no esquecimento. A realização da tarefa foi facilitada pelas pesquisas que realizou na biblioteca do centro do IFAN, mina inesgotável de informações e que exigiu dele quase dez anos de trabalho. Mal acabava de terminar este trabalho quando faleceu, em novembro de 1952, de uma “congestão cerebral”. Está enterrado no cemitério de Porto Novo. Pierre Dunglas
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