Camilla lisboa - RA 205244 Caroline Norberto - RA 205838 Rafael Gómez - RA 205374
Editorial Do requintado ao “Requenguela” – a SP dos Bares e Botecos Desde os remotos tempos das tabernas, os bares e botecos são ambientes que remetem a confraternização e relacionamentos. São lugares onde reina o encontro com colegas e amigos, regado a álcool, petiscos, e assuntos que vão das miudezas do cotidiano aos grandes dilemas da vida. Por ser um local onde predominam os assuntos corriqueiros e despojados, os freqüentadores acabam, muitas vezes, tornando-se amigos e criam comunidades com características próprias de cada bar. Sentar-se em uma mesa de boteco e observar os acontecimentos é quase que um estudo antropológico. Os bares e botecos têm peculiaridades que são restritas à região onde ficam e dizem muito sobre a sociedade de seu entorno. A partir da observação de aspectos como faixa etária, vestimenta, linguajar e outros, é possível traçar um perfil sociocultural de um local. Em busca do retrato desses pitorescos cenários, de histórias interessantes e de características paulistanas, a reportagem do Profissão Foca saiu a campo entrevistando as personagens mais marcantes de cada região. Além de um panorama dos bares e botecos de São Paulo, o suplemento “Sampa dos Bares e Botecos” apresenta personalidades em crônica e perfil. O resultado, o leitor confere a seguir!
Perfil
Suplemento especial - junho 2013
Minha vida é jogar por São Paulo
Caipira, jogador profissional de sinuca de boteco
Caipira entra calmamente pela porta do Bar do Careca. Em uma das mãos carrega algumas sacolas de compras e na outra sua ferramenta de trabalho: um taco de sinuca. Seu rosto tranquilo explica o conjunto e todos já sabem que ele ganhou outra vez. Após anos trabalhando em uma indústria metalúrgica, Caipira, hoje com 63 anos, se viu um dia com a família para sustentar e sem um emprego que garantisse a provisão deles todos. Além da esposa Maria e das três filhas, viviam em sua casa mais dois netos e um irmão. Sem grandes qualificações no currículo, cansou de pedir emprego por toda a cidade e teve que se virar. Um dia, após mais uma negativa em uma entrevista de emprego, Caipira estava no centro da cidade e foi até um botequim para molhar a garganta. Do fundo do bar vinha o som barulhento de uma partida de sinuca. Ou bilhar, ou snooker dependendo da região. Mas a jogatina tinha direito a torcida e apostas. E elas eram altas. Precisando levar comida para casa, Caipira teve que recorrer a um talento desenvolvido desde a juventude, na Casa Verde. “Nos finais de semana eu ficava o dia todinho no boteco perto de casa. O tempo todo apostando com os amigos nas mesas de sinuca. Daí fiquei bom assim”, explica com todo o seu silêncio tímido. Ele entrou na mesa apostando uns poucos reais que tinha e saiu com a feira da semana garantida. Agora Caipira era jogador “profissional” de sinuca de boteco, modalidade mata-mata. No Bar do Careca, Caipira só joga por lazer, sem apostas. “Aqui eu encontro os amigos, aproveito e pratico para os jogos da semana”. Um a um os adversários amistosos são enfiados nas caçapas, muitas vezes sem sequer jogar. Isso porque Caipira
costuma matar todas as bolas logo de saída, “não dando chances pra alguém melhor que eu”, explica o jogador. Perguntado pela reportagem sobre seus ganhos com as apostas, Caipira abaixa a voz. “Não gosto de ficar me exibindo, tem muito ‘zoião’ por aí”. Ele explica que varia muito do dia, da semana ou mês. Os melhores são os dias do pagamento das pessoas, pois os jogadores compulsivos às vezes deixam todo seu salário em um único jogo. “Cheguei a ganhar dois mil e quinhentos reais em uma aposta no Pari, nesse dia eu lavei a égua”, lembra Caipira. Porém diz que em média tira entre mil e seiscentos e dois mil e trezentos reais por mês. “Dá pra eu viver bem, sem luxo, mas tranquilo”. Sobre seu dia a dia de profissional, Caipira leva apenas alguns segundos para explicar. Acorda 6 da manhã, leva a neta na escola e ruma para os bairros com as melhores mesas de apostas: Brás, Pari, Bom Retiro e Centro. Para não ficar “batido” nos botecos, passa longas temporadas sem repetir um só dia o local de trabalho. “Nesse ramo de apostas existe muito malandro esperto. Se der sopa você fica sem seu dinheiro bem fácil”, conta entre uma tacada e outra. Caipira ganhou outra vez. Na verdade ele já havia batido todos os desafiantes do botequim e agora dava aulas grátis. Ensinou alguns efeitos e boas formas de defender as bolas. Acabou de tomar sua cerveja, guardou o taco e avisou que ia embora. Assim como chegou, Caipira leva o sustento da família. Apostando que a vida pode ser boa, basta jogar certo.
A SP dos Bares e Botecos
Preço para todos os bolsos, qualidade para todos os gostos Largo da Matriz - Freguesia do Ó No bairro da Freguesia do Ó, zona noroeste de São Paulo, é possível confrontarmos com as mais diversas realidades, já que o bairro tem suas partes elitizadas e divide espaço com cenários opostos – pequenas vilas que se formam de maneira desestruturada, formando comunidades mais carentes. Essa disparidade não é tão facilmente notada, mas quando andamos pelas ruas descobrimos essas e outras raízes periféricas. Anos atrás, acompanhando meu pai em uma jornada de trabalho conheci um boteco, até então atípico para o bairro. Concretizado de forma muito simples, o bar se localizava na garagem da casa de seu dono – nas intermediações da Avenida Inajar de Souza. Os clientes eram, em sua maioria, peões e ajudantes gerais de obra, que estavam construindo o prédio em que meu pai era vendedor, na época. Com instalações humildes, logo de entrada é possível ver uma mesa de bilhar, o chão é de azulejos vermelhos, um balcão ao fundo guarda a presença de seu dono. Nas estantes inúmeras garrafas de bebidas, os mais variados rótulos, de bebidas convencionais até outras que nossa equipe nunca havia
ouvido falar. À frente ficam duas mesas, local que acontecem as partidas e competições de baralho e dominó, normalmente valendo um churrasco feito em tijolinhos de barro, financiado com o dinheiro das apostas, na calçada em frente ao bar. A música é sempre muito alta, e de preferência com o marcante ritmo do forró nordestino. Essa festa que acontece – sem muita regra – mensalmente, reúne muitas pessoas, desde os competidores até os familiares, amigos, namoradas e esposas. Com muita bebida e harmonia os casais dançam, outros conversam ou dançam sozinhos. As reuniões não têm hora para acabar. Teobaldo Ferreira Domingos, hoje com 69 anos, revela que com muito esforço realizou seu sonho: ter o próprio negócio, trabalhando com o que gosta – gente, pessoas. Nascido na cidade de Piripiri, no Piauí, o cabra Tió – como é conhecido pelos frequentadores do seu boteco -, conta à nossa reportagem que juntou com dificuldade durante muitos anos o dinheiro que sobrava de seu salário, e enfim, pode comprar sua própria casa e imediatamente cedeu o espaço dos carros para juntar pessoas Vila Madalena à sua volta. “Quis que minha casa fosse espaço para as pessoas ficarem felizes. Aqui foi feito pra gente dar risada, beber e comemorar.” Na simplicidade do homem de aparência cansada, mas realizado, foi possível sentir que o que ele queria e conseguiu foi
manter as raízes do nordeste, de uma forma muito aconchegante.
Vila Madalena A Vila Madalena, que já foi lugar de botequins tortuosos e desmazelados, com copo americano, mesa de sinuca, e campeonato de dominó, hoje é povoada por jovens em busca de bebida, paquera, música e diversão. O estilo musical predominante varia entre o pagode e o sertanejo, mas também há bares com MPB ao vivo, e os que optam por não ter música ambiente. Garçom do Bar Coutinho há 3 anos, Valdemar Cruz, 52, trabalha na região da Vila Madalena há 22 anos e atesta a transformação dos estabelecimentos do local. “Quando eu cheguei aqui em São Paulo, os botecos eram muito diferentes, e as pessoas que vinham aqui, também. Era mais homem, que vinha com os amigos beber, jogar. Hoje o negócio tá mais valioso. Os donos mandaram reformar o lugar, colocar mesinha de madeira, tudo bonitinho. Antes eram aquelas mesas de metal, com a marca da cerveja.” O Bar Seu Domingos, localizado na Rua Fidalga, já é da época do “visual repaginado”. Inaugurado no final de 2010, o casarão com duplo ambiente é decorado em tons de madeira e tem visual aconchegante. Segundo Tayla Pinotti, 20, frequentadora assídua do local, o Bar Seu Domingos tem preferência entre os jovens “porque não é tão cheio, tem muita gente bonita e as porções são uma delícia!”. De toda a mudança dos estabelecimentos do bairro, um dos únicos sobreviventes dos tempos de botecos é a Mercearia São Pedro. Localizada na Rua Rodésia, a Mercearia é reduto de jornalistas e dos velhos
frequentadores da Vila Madalena. O estilo botequim, de parede decorada com pôsteres antigos, balcão com estufa velha e banheiros rudimentares, parece guardar o espírito boêmio da região. Hoje, ao chegar na Vila Madalena, a paisagem é de milhares de moças e rapazes vestidos mais ou menos ao mesmo estilo. As moças, de minissaias e blusas justas, os rapazes de jeans e camisetas de marca, todos segurando um copo de cerveja, conversando animadamente ao som de músicas que cantam a “pegação” e a “balada”. A boêmia Vila Madalena transformou-se hoje em local badalado pelos jovens, e um dos principais pontos de encontro da noite paulistana.
Centro da cidade Localizado na esquina mais famosa de Sampa, a Ipiranga com São João, o Bar Brahma era reduto de músicos e artistas das décadas de 60 e 70. Hoje recebe um grande número de shows que ocupam todos os dias da semana.
As atrações são variadas. Para os mais saudosos, as apresentações vão de Cauby Peixoto e sua eterna Conceição, Salgadinho com seu samba que fez sucesso nos anos 90, Elza Soares Bar Brahma e o imortal Trio Los Angeles, cria do patrão “seu” Silvio Santos. O cardápio cultural não para por aí. Novos artistas de estilos variados se apresentam na casa. O mais curioso é uma noite reservada para o stand-up comedy, moda dos últimos anos. Já na Rua Augusta vários botecos do tipo “pé sujo” pipocaram depois que a Vila Madalena, antigo reduto para a molecada com pouco dinheiro se divertir, passou a concentrar bares com preços elevados para a faixa de público entre 18 e 30 anos. Com bebidas a preço acessível, a fauna de jovens é rodeada por antiquários, alfaiatarias, fábrica de chapéu e casas noturnas.
Modernidade muda hábitos do boêmio paulistano Até o dia 22 de maio, 10 bares da cidade de São Paulo aderiram à campanha “Se beber, use Easy Taxi”, que tem como principal objetivo prestar um inteligente atendimento e alertar a população sobre as negativas de dirigir alcoolizado. A sacada da empresa veio através da observação de que a lei seca ficou ainda mais rígida, e da ideia de que a ação daria fôlego aos bares, incentivando que o movimento não sofresse maiores quedas. Uma moderna alternativa para driblar a lei seca, se tornou prática e acessível – agora nas mãos do consumidor. O “Easy Taxi” é um aplicativo gratuito para smartphones, o qual faz chamadas para que um taxi vá buscar e deixar seu frequentador com segurança, com média de atendimento em 10 minutos. A campanha presenteava o bom cidadão com o direito a um chope em qualquer dos bares participantes. Mesmo após o término da campanha o aplicativo permanecerá ativo com toda sua eficiência. Para mais informações acesse: http:// www.easytaxi.com.br/.
BARES E SERVIÇOS DE TAXI Em 2010, dois anos após a aprovação da lei seca, um veículo patrocinado pela Johnnie Walker - fabricante de uísques, passou a integrar o projeto “Piloto da Vez”. O Taxi Inglês transportou os frequentadores do Astor às quintas, na Vila Madalena, e do Original às sextas, em Moema. O serviço era de graça e atendia a qualquer destino com no máximo 10 quilômetros de distância. A iniciativa chamou a atenção tanto da população quanto dos bares concorrentes, e deu grande credibilidade e visibilidade aos bares adeptos ao projeto.
Crônica
Bar do Geraldo Por Rafael Gómez
Sábado à tarde. Já tínhamos feito todo o roteiro desse dia no Bom Retiro. Agora era repousar o traseiro infanto-juvenil em uma cadeira do bar do Geraldo e esperar a hora passar. Meu velho assumia seu posto junto aos outros mais velhos ainda e jogava dominó na mesa que ficava no fundo, junto da cozinha gordurosa do espanhol. Eu até gostava de assistir às partidas, porém sabia que nunca me deixariam jogar. Preferia sentar sozinho algumas mesas mais a frente do bar. Ali podia ficar de olho no velho e ter tranquilidade para ler ao exemplar do “Notícias Populares” disponível. E o principal de tudo: tinha que ficar longe do banheiro fedorento do fundo. Minhas narinas se retorciam quando tinha que ir até lá. Pedia uma coca-cola e fazia uma viagem por toda a culinária exótica da casa. Sempre fugia dos salgados que estavam na estufa da frente do balcão. A aparência dos croquetes, bolinhos de ovo e quibes não era nada convidativa e preferia algo mais fresco, como uma salsicha na conserva. Elas ficavam mergulhadas em um molho milenar desenvolvido pelo espanhol Geraldo. Comia umas cinco só de saída. Depois partia para o ovo colorido, torresmo, tremoço e mais qualquer outra novidade do dia. Às vezes alguém trazia algo diferente, como lingüiça ou sardela com pão italiano. Ficava forrado e pedia mais uma coca. Aí vinha a hora da sobremesa e mandava uma fatia do bolo que ficava sobre o tampo do balcão, ao lado da antiga máquina de café que me lembrava o robô R2D2. O espanhol dono do bar parecia gostar de mim. Não era de conversar muito, ficava lendo um jornal enquanto eu lia o outro. Só parava pra atender algum pedido meu, porque as cervejas os próprios jogadores de dominó tinham que pegar. E isso era informado por Geraldo com as maiores grosserias que já ouvi. Mas todos sempre voltavam lá, por isso julguei que ele não fazia por mal. 16 horas. Geraldo ficava de pé e caminhava severamente até o fundo do bar. Voltava de lá com baldes com água e sabão, vassouras e outros aparatos de limpeza. Caminhava para o salão principal e anunciava com seu forte sotaque galego. - Hora da limpeza do estabelecimento. Vão todos embora agora! Os velhos do dominó não se comoviam e continuavam a jogar. Geraldo não deixava barato. Vertia o balde para o chão e mandava água em direção à mesa, começando a esfregar com a vassoura logo em seguida. A água molhava os pés de alguns da mesa, que logo reclamavam aos berros. Não adiantava. O chão do bar já estava coberto de água encardida e Geraldo xingava a todos, lembrando o que não era segredo pra ninguém: aos sábados à tarde era a hora da limpeza de seu estabelecimento. Ficávamos logo no limiar da porta com a calçada olhando para aquele homem grosseiro. Alguns riam da situação e prometiam voltar na próxima semana. O espanhol reclamava com grunhidos, puxava a porta com uma barra de ferro e fechava o bar bem na nossa cara.