2017 | ano 03 | nº 05 Revista-laboratório do curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Rio Branco
estrangeiros
em sp Refugiados que encontram aqui uma chance de recomeçar
Os desafios e as conquistas de ser estrangeiro na maior cidade da América Latina Culinária para estrangeiro ver: as delícias da multicultural gastronomia brasileira
Editorial
PROCESSO SELETIVO
“E eu não tenho pátria... E quero frátria”
Revista-laboratório do curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Rio Branco
blico. Que significados pode ter o “ser estrangeiro” hoje no Brasil? Presidente da Fundação de Rotarianos de São Paulo Nahid Chicani
lina Osmak, Kathia Laurindo e Marcelo Pereira Surcin trazem a his-
Chanceler Eduardo de Barros Pimentel
comércio em São Paulo. Na sequência, Carolina Cristina e Kaique
Em “Quem faz parte da história do nosso comércio”, Ana Carotória de estrangeiros que reinventaram a própria vida no ramo do Dalapola visitam o tema do “Mais Médicos: um conflito no cenário da saúde”, e constatam que as estatísticas positivas não são suficientes para criar consenso em torno do programa, que, para muitos, “rouba empregos de brasileiros”. Um canadense abre um bar e usa o espaço para a prática do
Coordenadora do Curso de Jornalismo Profª Dra. Patrícia Rangel
idioma inglês. Damaris Barros e Jemima Barbosa vão conferir, em
Coordenador dos Cursos de Comunicação Social, Publicidade, Editoração e Design Profº Me. Paulo Durão
tes, o leitor descobre, na reportagem de Bruno Solano, Ketheleen
Reportagem, edição e revisão Professoras Responsáveis Profª Dra. Patrícia Ceolin do Nascimento Profa. Ma. Renata Carraro Profa. Ma. Patrícia Paixão Planejamento visual gráfico Profª Dra. Iara Pierro de Camargo Profº Me. Paulo Durão
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Mantendo seu já tradicional padrão de qualidade, a revista
sai às ruas para dar conta do melhor que um jornalista sabe fazer: profissional, em busca da informação de atualidade de interesse pú-
Diretor Acadêmico Profº Dr. Alexandre Uehara
Campi Lapa e Granja Vianna
este editorial e de guia para a quinta edição de ORIGENS.
sujar a sola do sapato, que é como se diz no jargão dessa categoria
Diretor Geral Profº Dr. Edman Altheman
PRESENCIAL E EAD
O
trecho da canção de Caetano Veloso serve de título para
2017 | ano 03 | nº 05
Projeto Gráfico Carolina Izabel da Silva Estagiária de Design: Caroline Padilha Foto da capa: Banco de Imagem Istockphoto
“Próximo pedido: inglês em uma mesa de bar”. Nas páginas seguinOliveira, Lavinia Simonavicius e Vitalina Câmara, que “Nem todo asiático é japonês!”, com ponto de exclamação, porque preconceitos e desinformação causam sempre sofrimento em alguém. O leitor interessado viajará com prazer por muitas outras pautas nas páginas seguintes de ORIGENS. “Senhoras sem destino”, por Ana Rodrigues, Larissa Darc, Sarah Furtado e Wallace Leray; “Uma vida construída por retalhos”, por Jenniffer Santos Silva e Pedro Paulino; “Uma jornada de sabores”, por Daniela Romano, Giovanna Félix, Julia Pinto, Mariana Franco e Paloma Sganzerla; “Orgulho de ser português”, por Caroline Fernandes, Deise Dantas, Jefferson Rodrigues e Sarah Siqueira; “Refúgio”, por Isabella Liporoni e Mariana Barros; “Jornalista peruana diz ser ‘estrangeira privilegiada’”, por Isabella Liporoni e Mariana Barros; “Sentimento de estrangeiro”, por Gigi Pavanello; “Estrangeiros unidos por uma bola no pé”, por Cleber de Oliveira Silva e Tatiane Cordeiro; “Complexo de vira-lata”, por
Faculdades Integradas
Revista Origens é uma publicação elaborada pelos alunos do curso de Jornalismo, das Faculdades Integradas Rio Branco.
Ana Beatriz Felicio, Bianca Bispo, Lucas Frizzo, Miréia Lima, Nathália
Endereço: Avenida José Maria de Faria, 111 Lapa, São Paulo - SP, Cep: 05038-190 Tel. (11) 3879-3100
um jeitinho!”, a crônica assinada por Mariana Barros. Esses jovens
Garcia e Rafhaella Bonadio; “Professores na Terra Prometida”, por Ester Muniz e Karine Seimoha; e, finalmente, em “Calma, vou dar aprendizes de feiticeiros mostram, com autoridade, diferentes facetas do ser estrangeiro no Brasil. Nada mais resta do que desejar boa leitura a todos! Muito boa, aliás. Renata Carraro
www.riobrancofac.edu.br | 0800 16 55 21
Sumário REFUGIADOS
Roteiro O comércio praticado por estrangeiros em São Paulo sob o olhar de um taiwanês, um líbanês e um alemão
Omana Kasongo Ngandu Petench, 50 anos, refugiado da República Democrática do Congo
ENTREVISTA
Saúde
Verônica Goyzueta, jornalista peruana, vencedora do Prêmio Comunique-se
Mais Médicos: um conflito no cenário da saúde
sentimento de estrangeiro
perfil
Padre Assis Tavares, de Cabo Verde para Vila Prudente
Brasileiros que se sentem estrangeiros em terras paulistanas
futebol
empreendedor
Estrangeiros unidos por uma bola no pé
Estrangeiro abre estabelecimento para incentivar forma descontraída de praticar o idioma
comportamento
IDENTIDADE
Complexo de vira-lata: a falta de fé do brasileiro em si mesmo
Nem todo asiático é Japonês!
TRABALHO
professores
As dificuldades de quatro mulheres africanas em busca de emprego
cultura Portugueses que, apesar de morarem no Brasil há décadas, fazem questão de manter suas tradições e costumes
gastronomia As influências na gastronomia brasileira de geração a geração
Imigrantes ensinam idiomas e suas diferentes realidades aos brasileiros
Como fizemos Os desafios e as histórias de bastidores das reportagens
crônica Calma, vou dar um jeitinho
Quem faz parte da história do nosso comércio? Sob olhares de um taiwanês, um libanês e um alemão, a reportagem mostra o comércio praticado por estrangeiros em São Paulo
O
Revista Origens
por Ana Carolina Osmak, Kathia Laurindo e Marcelo Pereira Surcin
2017
por conta disso, alguns produtos eram perdidos. O que
Carlos conta que o pai veio para o Brasil por volta de
sobrava era vendido a preços muito baixos. Foi a par-
1947. O plano não era se instalar, mas ele gostou. Então,
tir daí que a 25 passou a ser frequentada por gente do
construiu o restaurante sem fins lucrativos para receber
mundo inteiro, à procura de diversidade e preço baixo. Mohamed Youssef, dono de uma loja de eletrônicos, fugiu do seu país para buscar algo que não tinha: paz! “É muito difícil ficar longe de todo mundo, principalmen-
Crédito: Ana Osmak
ROTEIRO
7
Mohamed Youssef, dono de loja de eletrônicos
te da minha família e amigos. Aqui (no trabalho) tenho amigos que me ajudaram muito”, declara. E na região sul de São Paulo, a cultura alemã cria raízes no bairro do Brooklin Brooklin, bairro situado na zona sul de São Paulo, tem duas festas anuais que acontecem há quase 20 anos e atraem mais de 150 mil pessoas. Elas retratam especialmente a culinária, bandas e brincadeiras típicas alemãs.
Brasil é um país multicultural desde que foi des-
médio, rosto largo e olhos puxados.
A MaiFest ocorre em maio, pois é a entrada da primavera
coberto e explorado por portugueses no século
A Liberdade é um bairro na região central da cidade
na Alemanha. Já a BrooklinFest é uma versão brasileira
amigos. Nas décadas de
XVI. Abrimos as portas para receber toda e qual-
de São Paulo. Conhecido pelas variedades gastronômi-
da OktoberFest (Festival de cerveja realizado na Alema-
70 e 80, a quantidade de
quer cultura, filosofia, raça, cor, não importa de onde es-
cas, roupas e objetos trazidos do Japão, ela tende para a
nha).
alemães nessa região
ses estrangeiros vêm, mas sim, como podem acrescen-
cultura exclusiva deles. Certo? Errado.
“A gente participa das festas desde as primeiras, pois
era enorme, já nos anos
tar para nosso país. A cidade de São Paulo encaixa-se
Não é um lugar apenas de japoneses. Existem fortes
o nosso restaurante fica exatamente onde acontecem, é
90 eles foram casando
perfeitamente nessa união de culturas. Um roteiro sobre
aliados a eles: os chineses. A costumeira rivalidade fica
o único restaurante alemão que participa diretamente”,
com brasileiros e a colô-
a capital paulista mostrará pedacinhos de Taiwan, Liba-
da porta para fora do nosso país. Aqui, são parceiros de
revela Carlos Heying, um dos proprietários.
nia se dispersou.Mesmo
no e da Alemanha no comércio paulistano.
trabalho e de amizade. A cultura desse povo agregou-se
O restaurante “ZurAltenMühle” é conduzido pelos irmãos Carlos e Werner Heying, filhos de pai alemão e mãe italiana. O espaço dá a impressão de que voltamos
central paulistano
o país passou a receber vários estrangeiros que busca-
no tempo e nos deparamos com uma taverna: arquite-
A arquitetura e as pessoas parecem ter sido teletrans-
vam uma vida melhor ou fugiam de guerras. O comér-
tura rústica, luz ambiente escura, chopp’s servidos em
portadas de seu país de origem. Iluminação em formato
cio “Mercearia e Bomboniere TOWA” é resultado dessa
grandes canecas e mobília de madeira maciça. Muitos
arredondado, postes com características típicas de um
imigração. A mercearia vende produtos importados há
brasileiros visitam o local.
país com muita tradição. Dragões e músicas represen-
mais de 40 anos. O dono do local, Johnny Chang, escla-
tam uma cidade alegre. Uma feirinha típica atrai mul-
rece por que as pessoas se confundem. “Antigamente,
tidões, sendo a maioria oriental. Pessoas de tamanho
os japoneses tinham o comércio, mas com o tempo eles
assim há muitos alemães no bairro.
Crédito: Ana Osmak
Depois que a escravatura acabou no Brasil, em 1888,
“É muito difícil ficar longe de todo mundo, principalmente da minha família e amigos. Aqui (no trabalho), tenho amigos que me ajudaram muito.” Mohamed Youssef
Crédito: Kathia Laurindo
aos costumes locais. Cultura chinesa e árabe ajudam a construir o comércio
Crédito: Ana Osmak
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foram procurar outra profissão, aí os chineses vieram para cá”. Ainda pelo centro de São Paulo, ponto comercial muito forte, percebe-se que a Rua 25 de Março é a mais movimentada. Lá, encontra-se de tudo: desde bijuterias até eletroeletrônicos. Além disso, passou a ser um grande point de comerciantes estrangeiros. Basta caminhar para ouvir, no mínimo, três idiomas diferentes. Mas não foi sempre assim... No século XIX, os imigrantes árabes abriram as primeiras lojas no local, onde havia muitas enchentes e,
Johnny Chang em sua Mercearia na Liberdade
Mercearia e Bomboniere TOWA existe há mais de 30 anos
Carlos Heying proprietário do restaurante alemão ZurAltenMuhle de arquitetura rústica ente escuro dão o clima
SAÚDE
Revista Origens
por Carolina Cristina e Kaique Dalapola
conflito MAIS Um no cenário MÉDICOS: da saúde Mesmo com estatísticas positivas, o impacto do programa no país divide opiniões entre profissionais
18.240
73%
NOVOS MÉDICOS
DE COBERTURA EM MUNICÍPIOS
REFORMAS, CONSTRUÇÃO E AMPLIAÇÃO
26 MIL UNIDADES BÁSICAS (UBS)
A
34 DISTRITOS INDÍGENAS
criação dos Mais Médicos,
nuel Josue Cardona Bermudez, 30,
trabalhava na saúde pública para
no segundo semestre de
integrante da primeira turma em
comprar
algumas
sábados e domingos, mas, às vezes,
ficam em unidades precárias, que
rural aqui”. E continua: “Na Ve-
campanhas para a população são
causam uma impressão negativa.
nezuela, se você for bom, mas
feitas durante o final de semana. Já Andrea acredita que a falta
não tiver dinheiro, tudo bem, Entra qualquer um que tiver
porque você não paga para ser
de recursos para a profissão é mui-
grana
médico. Aqui, as poucas univer-
to mais relevante para a falta de
No Brasil, muito se cogita sobre
sidades públicas são muito difí-
médicos na saúde pública.
os altos salários da classe
“A saúde no Brasil é uma lásti-
médica, além de suas
ceis de entrar, e nas pri“A saúde no Brasil
ma. Saúde pública é mais do que
boas condições de tra-
isso. Acho que hoje enfrentamos
balho. Porém, o que
uma situação muito complicada.
se vê nas periferias
Para o médico conseguir trabalhar
paulistanas é a falta
na rede pública, ele sofre. Não há
de qualidade no aten-
recurso nenhum para trabalhar
dimento e escassez desses
como realmente precisa”.
profissionais. Esse quadro era
é uma lástima. Saúde pública é mais do que isso.” Andrea Lemos
vadas entra qualquer um que tiver muita grana para pagar”. Porém, uma
existe
diferença
relação
à
2013, causou um impacto
São Paulo, acredita que os brasi-
para o posto. Ela ainda se queixa de
leiros têm “frescura em não querer
erros em receitas que recebeu de
cas como “só vieram tomar empre-
trabalhar nos hospitais públicos
paciente medicado. “Uma vez eu
go dos brasileiros” e “não dá nem
das periferias”.
peguei de um médico colombia-
para entender o que eles falam” são
Assim como outros participan-
no.Segundo ele, a paciente estava
frases comuns quando o assunto
tes do programa, Cardona passou
com gripe. Ele receitou um antibi-
são os doutores estrangeiros que
por um período de adaptação,
ótico para tratar infecção bacteria-
chegaram ao Brasil para integrar o
sendo nove horas de aulas por dia,
na, mas a paciente estava infectada
programa. Na verdade, essas frases
durante um mês e uma avaliação
por um vírus”, exemplificou.
eram quase unânimes no país. Hoje,
para, só depois de aprovado, iniciar
Trabalhando oito horas diárias
muitos estrangeiros de diversas na-
na Unidade Básica de Saúde (UBS).
e quatro dias por semana, Cardona
cionalidades ganharam a confiança
No entanto, Andrea Lemos, 42,
conta que os médicos estrangeiros
dos nativos, principalmente os que
brasileira, médica há 17 anos, con-
estão restritos ao programa e não
residem nas áreas periféricas.
ta que já tirou dinheiro do próprio
podem trabalhar por fora, regis-
bolso por diversas vezes enquanto
trados. As UBS não funcionam aos
em
distribui-
ção dos salários entre os cubanos e demais estran-
A assessora técnica da Coorde-
ainda pior antes de 2013, quan-
geiros. Com o primeiro grupo,
nadoria Regional de Saúde Sudes-
do o Mais Médicos foi implan-
o Brasil paga diretamente para
te, Renata Luciana Hasegawa Fre-
tado. Cardona explica que “é
Cuba, que destribui a remune-
gonezi, diz que existe uma falha na
melhor para um médico brasi-
ração para a família que ficou
formação acadêmica, porque tem
leiro trabalhar na cidade, fazen-
no país. Já para os outros es-
pouca carga teórica na atenção
do residência e pós-graduação,
trangeiros, o pagamento é re-
básica, e quando os novos profis-
do que ficar indo pra fronteiras,
cebido diretamente pelo Minis-
sionais vão para hospitais públicos,
porque não é obrigatório fazer
tério da Saúde.
necessidades
muito grande para o país. As crÍti-
O venezuelano Alvaro Emma-
2017
Crédito: Acervo pessoal
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Alvaro Cardona, médico venezuelano da primeira remessa do Mais Médicos, tece elogios à saúde pública brasileira.
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SAÚDE
Revista Origens
por Carolina Cristina e Kaique Dalapola
Crédito: Carolina Cristina
Andrea Lemos, formada pela Universidade de Mogi das Cruzes, fez residência em medicina de família e trabalhou nesta área por cinco anos. Quando chegou na UBS do Jardim Alegria, em Francisco Morato, encontrou um posto sem pacientes, pois as pessoas não tinham o conhecimento de quando ir ao médico. Por essa razão, Andrea começou a aplicar provas às agentes de saúde, para ensinarem a população sobre a periodicidade das consultas. No começo, o posto era vazio. Depois, as
– Ele não está, foi ao Centro da Vila Prudente.
dimento.
– Bom dia, o Padre Assis está?
grama do Governo, Andrea diz que é contra a for-
– Não, ele hoje foi ao dentista.
tem profissionais o suficiente no Brasil, não sendo
– Alô! Padre Assis?
A médica explica que os médicos brasileiros
Uma simplicidade sempre vem à tona nas falas de Assis: “Se eu morrer amanhã já disse à minha mãe que
Andrea Lemos, médica brasileira, acredita que o Programa Mais Médicos não passa de propaganda do governo.
cursos. “Para mim, existem três pontos negativos: a falta do revalida [passar por novo processo de
ficou afastada por férias e, depois,
revalidação de diploma], a criação de mais facul-
problemas de saúde, foram o
dades, e trazer mais médicos para o Brasil”, conta
suficiente para a jovem “quase
Andrea. “Se eu quiser ser médica na Europa, tenho que estudar lá por dois anos, e só depois fazer uma
– Alô, ele mesmo, pode falar... Dia 19 de março estarei
quero ser enterrando aqui na Vila Alpina pra dizer que
em um casamento, 26 não posso, é Semana Santa, mui-
sou um de todos”, diz ele.
to corrido. Dois de abril? Não, vou viajar à Brasília. Nove? “Os brasileiros
Está perfeito para mim!
Um retrato fiel de sua cultura africana, Assis afirma não ter vergonha de suas origens: “Como teria vergo-
têm frescura em não
Enfim, chega o dia. Era uma manhã extremamente
nha dos meus dreads, cabelo crespo? É o meu berço. Ter
perder o bebê, sem nem saber
querer trabalhar nos
quente, o metrô estava cheio. A partir daquele momen-
vergonha é resultado de uma defasagem entre o hoje e
hospitais públicos das
que era um problema grave”.
periferias.”
to seriam três horas de viagem até chegarmos à estação
o passado. Me considero um cidadão do mundo, uma
Vila Prudente, na zona leste de São Paulo.
colcha de retalhos”.
Karina explicou que o tem-
se lá como, esse foi o revalida deles. Você é mé-
po em que foi atendida pelo
dico no seu país, mas se for pra outro, tem que
doutor Ricardo, não se lembra o
revalidar”.
sobrenome e nem guardou as recei-
Alvaro Cardona Bermudez
A principal diferença entre os profissionais es-
tas médicas dadas por ele, foi descoberto que o
trangeiros e brasileiros não está na qualidade de
feto tem síndrome de intestino ecogênico+, recla-
formação acadêmica, segundo pacientes. Karina
mou.
Farias Monteiro, 22, moradora do Grajaú, zona sul
A jovem relatou que em seu sexto mês de ges-
de São Paulo, destacou que a educação, paciência
tação, quando a médica cubana voltou a atendê-
e atenção dos médicos estrangeiros é o que difere
-la, foi constatado que o problema no bebê teria
os participantes do programa dos demais médicos
que ser tratado com urgência e, a partir de então,
da região em que ela vive.
ela teria que passar em consultas pelo SUS em mé-
rante cinco meses pela médica cubana Maydaivis
muito recente, porém, foi descoberto antes do Brasil, em 1460.
preciso a importação.
Grávida de sete meses, Karina foi atendida du-
então, dentro de mim essa sede por liberdade aflora”. Cabo Verde tornou-se independente apenas em 1975,
ma como o Mais Médicos foi criado. Para ela, exis-
prova. Eles fizeram uma avaliação e entraram sabe
Cabo Verde que corre nas veias “Meu país, assim como o Brasil, foi um país colonizado,
Atenta a todas as notícias relacionadas ao pro-
tro, porque nas demais regiões não existem re-
igreja, onde começaria um papo descontraído e cheio de histórias.
quinta para sexta-feira, a fim de agendar seu aten-
são mal aproveitados, todos querem ir para o cen-
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Uma vida construída por retalhos – Alô! Por favor, o Padre Assis.
pessoas iam para a fila à 1h, 2h da madrugada de
2017
dia três vezes por mês, não apenas uma vez mensal, como estava sendo anteriormente.
Gomes Callejas. Os dois meses em que a doutora
Por sorte, chegamos pontualmente no horário marcado, 10 horas. Telefonamos e ele veio ao nosso en-
Infância e entrada no seminário
contro. Ao chegar, logo pôde ser reconhecido: roupa
Assis Tavares, 34 anos, nasceu em Cabo Verde, África.
colorida tipicamente africana, e sua inconfundível touca
Nunca havia pensado em seguir o caminho do sacerdó-
rastafári. Sorriso espontâneo. Logo um abraço e a per-
cio, mas como ele mesmo diz, os “retalhos” da vida gerou
gunta: Assis Tavares
- Tudo na paz? Uma caminhada de mais ou menos dez minutos, o padre aparenta entusiasmo, adianta nosso trabalho, responde perguntas que nem ao menos haviam sido feitas. Ele gosta de conversar. Logo aparece uma fiel da Paróquia São José Operário. Os dois conversam até chegarmos ao farol e então se despedem. Ele nos conta que por ser uma senhora sozinha, conta com a amizade dos padres e de seu gatinho para amenizar a solidão.
Colaborou nesta matéria: Lindomar Maria da Silva
Uma comunidade e logo na entrada um olheiro. As paradas para os cumprimentos continuam até chegar à
Foto: Sabrina Bertuccio
10
PERFIL
12
Revista Origens
por Jenniffer Silva, Pedro Paulino e Priscila Oliveira
desconfiança por parte da família.
pele, de sua roupa. “É terrível quan-
“Eu sempre fui muito bagunceiro,
do cara entra nessa coisa da crise de
sabe? Meu pai e as pessoas falavam:
identidade. É preciso ter fierté (orgu-
Assis no seminário?”
2017
13
de serviço. Momento de muita emoção. “Elas choravam
Inspiração
Um abraço muda tudo
muito, me mandaram cartas dizendo que estão aqui há
“Dizia Rosa Luxemburgo: ‘Sonho com um mundo onde
Era uma manhã de domingo, quan-
três anos que foram três dias que valeram mais que três
sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes,
anos, isso acabou comigo”.
mas totalmente livres’. Olha que ela nem era santa, mas
lho, em francês). É importante o res-
do os participantes de um evento
Entrou para a Congregação dos
gate histórico para saber quem você
religioso fizeram uma oração no Ce-
Espiritanos e foi para Portugal estu-
é hoje. Digo aos meus alunos: ‘falem
mitério de Perus, local que remete
A igreja em cima do muro
gro e o branco possam circular livremente. Acredito que
dar Filosofia. Depois, morou na Fran-
favela sim!’”
aos anos de sofrimento da ditadura.
Com relação à postura da igreja nos dias de hoje ele
a liberdade te dá responsabilidade. Se for para apanhar,
falou a verdade. Sonhamos com um mundo onde o ne-
O que ninguém poderia imaginar, é
logo afirma: “Com o Papa Francisco eu respiro. Nossa,
eu apanho. Se for para matar um pai de família, prefiro
Este foi seu primeiro contato com o
Identidade
que entre os jovens havia um que o
esse cara é o exemplo da igreja que eu sonhei, é um po-
ir no lugar dele. Quero viver e não ter vergonha de ser
Brasil.
ça e fez seu estágio no Amazonas. O propósito de ajuda ao próximo
pai fora enterrado como indigente
lítico; afinal, quem está na pólis, cidade, é um político”.
feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno
O interesse por São Paulo surge
sempre fez parte; a luta aqui no Bra-
naquele local. Logo as lembranças
“Escolhi estar com o povo e assumir as consequências’.
aprendiz. Então eu vou. Gosto de militar e estar junto e
quando um antigo amigo, Patrick
sil nada mais é do que um reflexo do
surgem no coração dele. Seu nome,
‘Os poderosos podem matar muitas rosas, mas nunca
misturado. A causa é comum, temos que lutar por ela.
Clark, da mesma congregação que
que sua família vivia em Cabo Verde.
Bruno Cesar.
poderão deter a primavera’; essas frases para mim são
Não sabemos se venceremos, até um dia a liberdade
a sua, ativista e fundador do Movi-
“Meu pai e meu tio faziam parte da
Ao retornarem à igreja, Cesar,
como bússolas e não foram santos que disseram, mas
cantar para alguém. Ela ainda não é efetiva, absoluta.
mento de Defesa do Favelado, man-
Cruz Vermelha e desde criança via os
em um momento de partilha, relata
sim homens que, assim como Jesus, não compactua-
Será um dia quando seus netos crescerem. Quem sabe?”
da a ele um projeto. “Um casamento
caras ajudando as pessoas; isso me
o que havia sentido e os motivos,
vam com o mal e a injustiça”.
perfeito entre a igreja e o social”, de-
influenciou bastante. Chegava de-
todos ficam muito surpresos, pois
fine Assis.
zembro eu ganhava brinque-
defendidos e realizados pelo padre
crianças,
é tirar as crianças da rua e fazer uma
ficava chateada.”
concorrência leal com o tráfico. Em
nunca antes ele havia
dos e dividia com outras minha
“Minhas
mãe
túnicas
um de seus passeios pela comunida-
são coloridas, eu me
de, passou por uma situação curiosa,
sinto um homem li-
mas muito significativa: “Uma vez
vre”.
contado isso a ninguém. Assis tam-
“ Escolhi estar com o povo e assumir as consequências.”
bém participava daquela missão e ao ouvir suas palavras, o abraçou e disse que
disse para o filho de um traficante
onde quer que seu
chegar em casa e dizer para o pai
Sacristia ou Protesto?
‘je’taime’. Foi o que ele fez. Alguns
Em sua vida de militância, Assis
dias depois, o traficante me parou,
nunca poupou esforços para lutar
me deu a mão e disse:
por causas que jugasse justas, ele enfrenta os mai iferentes conflitos.
pai
estivesse,
teria
orgulho do homem que havia se tornado. “Lavai os pés uns dos outros”
- Meu filho chegou em casa falando
Em um protesto contra o aumen-
Era semana santa, três presidiárias
todo enrolado e eu perguntei quem
to da tarifa, ele e mais três jovens vão
estrangeiras, duas cabo-verdianas
o havia ensinado.
até a Avenida Paulista participar de
e uma moçambicana, conseguem o
uma manifestação. Durante a cami-
benefício de sair no feriado de pás-
nhada, a polícia militar faz uma in-
coa, ficam hospedadas na Casa Pa-
tervenção jogando gás de pimenta
roquial Espiritana. Como em todos
e balas de borracha sobre os mani-
os anos é realizada, na quinta-feira
festantes, momento em que o gru-
santa a chamada Missa de Lava Pés;
po acaba se dispersando em meio à
o escolhido para reproduzir o gesto
confusão.
deixado por Jesus foi Assis. Seguin-
- O padre, pai. - O que significa filho? - Te amo. - Padre, o senhor aqui tem proceder.
Foto: Sabrina Bertuccio
O objetivo dos vários projetos
Tempo depois eles se reencon-
do a tradição são escolhidas doze
tram. Assis afirma a eles: Eu prefiro
pessoas para compor a mesa (o cri-
Fierté é a palavra
estar aqui apanhando da polícia
tério para a escolha é livre). Neste
Assis diz para a criançada se orgu-
com vocês, do que estar na sacristia
ano as três mulheres fariam parte
lhar do lugar onde moram, da cor da
folheando o lecionário.
da roda, Assis lava seus pés em sinal Assis Tavares e a Comunidade de Vila Prudente
Revista Origens
por Damaris Barros e Jemima Barbosa
PRÓXIMO PEDIDO: INGLÊS em uma mesa de bar
O estabelecimento abre às 18 horas e fecha à meia noite, de terça a sábado e aos feriados.
2017
Ao ser questionado sobre o desempenho daqueles que são iniciantes no estudo do idioma e vão lá para
Um dos funcionários do Igloo diz trabalhar com
praticar, ele responde que algumas pessoas são mais
comércio exterior. “Teve uma época que passei a usar
tímidas e por isso não conseguem desenvolver a con-
menos o inglês no meu trabalho. Se não pratica cons-
versação. “Então não muda nada, eu irei recebê-las,
tantemente acaba perdendo um pouco da fluência. O
falo um pouco de português, ofereço bebidas e ok. Se
bar me proporcionou a oportunidade de exercitar bem
o cliente quiser falar conosco, tudo bem, se não, nós
mais, e com isso, obviamente, a gente acaba evoluin-
não falamos, aqui é um bar, é um lugar público, as pes-
do”, conta Murilo, 27 anos, que conheceu o bar por mo-
soas podem vir, beber, assistir televisão e conversar em
rar perto. Se apegou ao local desde a primeira visita, há
português”.
dois anos.
Estrangeiro abre estabelecimento para incentivar forma Prática de inglês em ambiente descontraído.
descontraída de praticar o idioma
L
uzes baixas, mesas iluminadas internamente
cologia quando eu morava lá
com lâmpadas azuis, vários quadros de perso-
no Canadá, trabalhei com isso
nalidades da música, prateleira branca com uma
durante seis meses e me man-
iluminação que chama atenção para a diversidade de
dei para o Japão, onde fiquei
bebidas que se distribuem nela, um sino na parte cen-
por 15 anos e dois na Austrália.
tral do salão, rock para agitar o local e uma escada no
Trabalhei em bares, cafés, res-
fundo. É nesse cenário de descontração que alunos de
taurantes”. Depois se casou com
inglês praticam o idioma e curtem como em qualquer
uma brasileira de Santo André.
outro bar. O estabelecimento surgiu da iniciativa de um canadense que passou a morar no Brasil.
“O bar me proporcionou a oportunidade de exercitar bem mais (o idioma)” Murilo, 27
Seu primeiro trabalho foi ser professor particular de inglês. Hoje, tem quatro alunos por conta das demais
O professor de inglês, Rusty Russell Roy Coulson, 45
ocupações. Ele também foi professor no Japão. Rusty
anos, não teve formação na área de docência. “Fiz psi-
afirmou ser mais fácil lecionar no Brasil porque os brasileiros são mais receptivos.
Rusty Russell, proprietário do bar.
Depois de perceber que os alunos não tinham onde praticar a língua estrangeira, o canadense decidiu abrir o bar “Little Igloo”. O lugar é frequentado por alunos de níveis iniciante, intermediário e avançado, pessoas que foram para o exterior e voltaram ao Brasil ou simplesmente que querem tomar um drink. O estrangeiro tem uma rotina agitada, além de ser professor e dono do bar, também trabalha com vendas. “Eu uso o inglês para vender. Vendemos para o Canadá, Estados Unidos, Austrália e Brasil”. Os funcionários não são fixos e trabalham com a intenção de aprender o idioma. “Alguns vêm uma vez por mês, outros, uma por semana”. Os frequentadores, segundo o dono, gostam do ambiente, tanto para treinar o inglês, como para fazer novas amizades. Todos têm empregos fixos e ganham um dinheiro extra trabalhando no bar.
Degustação do espanhol com sabor peruano O Rinconcito Peruano, restaurante com mais de 10 anos de tradição na cidade de São Paulo, comporta 293 clientes sentados, superando até as expectativas do proprietário peruano Edgar Villar, 37 anos. Villar chegou à capital paulista com 21 anos e passou a trabalhar como artesão na Rua 25 de Março em troca de comida e moradia; entretanto as dificuldades e a paixão pela arte de cozinhar o levaram a vender marmitas representativas da culinária peruana, ocasionando a abertura do restaurante.
O local é conhecido por sua clientela variada, que além de consumir, tem a possibilidade de treinar o idioma. Hoje, com seis filiais, Villar ajuda seus conterrâneos no Brasil, empregando-os por dois anos. Ganhador de dois prêmios renomados, o Prêmio Ceviche na Expoceviche e o melhor Ceviche de São Paulo pelo “Paladar”, o Rinconcito mostra que através de muito trabalho e acreditando em seu sonho é possível vencer fora de seu país.
15
Foto: Arquivo pessoal
EMPREENDEDOR
Crédito: Damaris Barros
14
IDENTIDADE
Especialistas e representantes das comunidades orientais comentam a generalização que sofrem no dia a dia
u acho que é tudo a mesma coisa, é tudo igual. É só você ver as pessoas por aí ó, tudo
igual”, diz Emerson de Oliveira, 23, que tra-
balha como porteiro de um estacionamento da Liberdade, bairro onde há grande concentração dos povos asiáticos, sobretudo japoneses e descendentes. A mesma coisa é dita por Darcy Vieira da Silva, 65, que trabalha há 30 anos na região como comerciante, e Paulo Loja, 58, que
Paulo (USP).
todos iguais” aparece no discurso de
ambos, sintetizando a generalização
que os brasileiros costumam fazer daqueles que possuem os olhos puxados.
pouco de tensão, uma disputa entre os países da Ásia, resultado do conflito existente na Segunda Guerra MunPor outro lado, há muitos asiáticos que confessam
ela adotou no Brasil), 42, diz que essa confusão é algo
não se incomodar quando têm a sua nacionalidade tro-
natural pelo fato de a chegada em massa de japoneses
A chegada dos coreanos, em 1963, tornou essa con-
cada. Yuit Tamaioto, 56, é um exemplo disso. Japonês,
na Liberdade ter acontecido bem antes: “Os brasileiros,
ele afirma não se importar, pois as características físi-
já acostumados com os japoneses, achavam que todos
Brasil, o brasileiro já não conseguia diferenciá-los. ”A ge-
cas entre esses povos são semelhantes e somente eles
que ali chegavam, eram japoneses”.
neralização aumentou. Todo asiático que o brasileiro
mesmos conseguem distinguir: “É a mesma coisa com o
Mesmo sendo tão parecidas, esses povos podem sim
vê, pensa que é japonês. Essa é uma caracte-
pessoal daqui [de São Paulo]. Costuma generalizar como
ser diferenciados através da linguagem e escrita, dos
rística muito própria do Brasil. Há diversos
“cearense” ou “baiano” qualquer pessoa com sotaque,
seus costumes, da cultura, da religião, comidas típicas
vinda das regiões Norte e Nordeste”.
e suas especificidades. Então fica a dica: da próxima vez
motivos para que ela ocorra. Dentre eles, a semelhança física, pele clara, estatu-
O chinês Well Zhaio, 18, e a estudante coreana
em que você vir uma pessoa asiática, para evitar cons-
ra mediana, formato do rosto, isso sem
Priscila Park, 24, também disseram ser confundidos
trangimentos, pergunte antes qual é a sua nacionalida-
mencionar os olhos pequenos e puxa-
frequentemente, mas que já se acostumaram e não se
de. Com esse comportamento, estará demonstrando
dos”, complementa Uehara.
importam. “Se alguém chamar você (um brasileiro) de
respeito e atenção aos estrangeiros que tanto amamos.
A blogueira Hagne Ciocchi, 17, mais
“Origem das imigrações ao Brasil”
as culturas orientais em seu blog “Nosso Mun-
ce?
Morando no Brasil há 18 anos, a professora do Instituto Confucio, Tsui Huan Lin (Helena Lin é o nome que
conhecida como Young Mi, que fala sobre
Você já se perguntou por que isso aconte-
argentino, isso incomoda?”, pergunta Priscila.
fusão ainda maior. Diante de tantos “olhos puxados” no
“Se alguém chamar você (um brasileiro) de argentino, isso incomoda?” - Priscila Park, 24, coreana
também trabalha na região. A frase “são
Mesa típica para refeições na Coréia
dial. e doutor em Ciência Política pela Universidade de São
2017
Desde o início do século 19 o Brasil convive com os
dinho”, afirma que o principal motivo para a generaliza-
povos asiáticos. Os chineses foram os primeiros, segui-
ção é a falta de conhecimento das culturas orientais por
dos pelos japoneses, e, bem mais tarde, chegaram ao
parte dos brasileiros. “É natural que, com essa carência
Brasil os coreanos. “Com a dificuldade de adaptação
de informação, os brasileiros não saibam diferenciar tais
aos costumes brasileiros, os chineses não foram tão
culturas e acabem por generalizá-las.”
A imigração coreana
A imigração japonesa
A imigração chinesa
Na condição de colonos agríco-
Após o Tratado de Comércio,
A imigração chinesa no Brasil,
bem sucedidos. O contrário aconteceu com a imigração
Muitas vezes, os asiáticos se ofendem ou até mesmo
las, em 1963, começa a imigra-
Amizade e Navegação, começa a
data de 1810, quando os primei-
japonesa, que desde o seu início, em 1908, só fez cres-
se magoam. “Essa generalização de culturas acaba por
ção coreana no Brasil. Porém, há
imigração japonesa para o Brasil,
ros chineses, vindos de Macau,
cer. Com o sucesso
passar dos limites. Mesmo sabendo que é errado, elas
registros de que os primeiros co-
em 1895, porém devido à dificul-
colônia de Portugal, chegaram
desse movimento,
continuam fazendo”, declara Hagne.
Alexandre Uehara, doutor em Ciência Política pela USP
reanos que chegaram em 1918,
dade da língua, barreira cultural,
ao Rio de Janeiro, capital do Brasil
o povo brasileiro
Descendente de chinês, Ana Zhaio, 14, afirma não
eram apenas seis pessoas que
problema político com os Esta-
na época, para o cultivo do chá.
começou a rotular
gostar de ser confundida com outra nacionalidade por
vieram visitar o país e não retor-
dos Unidos e à política de em-
Nesse período a experiência não
todos os asiáticos
divergências ligadas ao passado desses povos. O mes-
naram. Na década de 1950, tam-
branquecimento (nessa época os
foi bem sucedida devido à difi-
como
japoneses”,
mo ocorre com Paulo Teruachi Takeda, 75, assessor e
bém vieram ao Brasil pequenos
políticos achavam que a popula-
culdade de adaptação por causa
explica
Alexandre
guia do Museu da Imigração Japonesa no Brasil. Ele diz:
grupos familiares e prisioneiros
ção brasileira devia ser europeia)
de seus costumes e cultura, que
Uehara, 48, espe-
“confundir japonês com chinês é uma ofensa. Se uma
da Guerra da Coreia (1950-1953).
ela não prosperou. Somente em
eram muito diferentes dos cos-
cialista
Rela-
pessoa me chama de chinês é porque faltou bom senso
50 mil é o número de coreanos
1908, a imigração japonesa ga-
tumes brasileiros. Atualmente há
ções Internacionais,
da pessoa que confundiu. Se não sabe, é melhor per-
em São Paulo de acordo com o
nhou corpo. Residem em São
200 mil chineses em São Paulo,
com
guntar e não julgar pela aparência”.
Consulado Geral da República
Paulo 326 mil japoneses confor-
segundo o Consulado do Gover-
da Coréia.
me o Consulado Geral do Japão.
no Popular da China.
em ênfase
em
assuntos asiáticos,
De acordo com Alexandre Uehara, ainda existe um
17
Foto: Bruno Solano tirada no Centro Cultural Coreano
Nem todo asiático é japonês!
“E
Revista Origens
por Bruno Solano, Ketheleen Oliveira, Lavinia Simonavicius e Vitalina Câmara
Crédito: Ketheleen Oliveira
16
TRABALHO
por Ana Rodrigues, Larissa Darc, Sarah Furtado e Wallace Leray
sem destino S
A saga de novela que mulheres enfrentam em busca de trabalho
ão de histórias maravilhosas contadas em novelas brasileiras exibidas lá fora, como América, Coração de Estudante e Tempos Modernos, que jovens en-
xergam no Brasil o lugar onde poderiam escrever o seu
próprio roteiro de aventuras. O enredo, normalmente, narra casos bem sucedidos de personagens felizes, em-
pregados, cercados de amigos e familiares, plenamente integrados à sociedade. Não foi essa a trama que quatro
estrangeiras africanas encontraram ao procurar emprego no Brasil.
É fato que o Brasil tem passado por dias de crise eco-
Revista Origens
2017
Ela ressalta que chegou a ser discriminada, por ser negra: “o primeiro mês foi tudo tranquilo, mas, depois disso, passaram a nos tratar com indiferença. Nossa cor faz diferença”. O desabafo das moças não deve ser interpretado como ingratidão. Elas reconhecem que suas formações profissionais podem nunca ser sua fonte de renda oficial e entendem as dificuldades para a validação de seus diplomas devido à língua. Em poucas palavras definem suas expectativas: “Aceitamos qualquer trabalho. Limpeza, cozinha, qualquer coisa. Mas tem que ter dignida-
Centro de Integração à Cidadania (CIC) Barra Funda
de, tem que nos tratar com consideração”, diz Kaxika.
nômica. Segundo registros do IBGE, desde 2012 a taxa de desemprego no país está cada vez mais alta, chegan-
Coração de estudante
esferas da nossa sociedade, o governo criou o CIC do
do aos 10,4 milhões de trabalhadores fora do mercado.
O maior obstáculo na vida profissional das quatro afri-
Imigrante, localizado no bairro da Barra Funda, zona oes-
Se a situação é difícil para quem é daqui, imagine para
canas é o idioma. Apesar de falarem inglês, francês e
te da capital. No local, encontra-se um Posto de Atendi-
quem acabou de chegar e precisa se adaptar ao país?
alguns dialetos do seu país natal, ainda tropeçam em
mento ao Trabalhador (PAT). Como a falta de emprego
Alguns até conseguem uma oportunidade, mas
palavras do português. De acordo com Thais Alcanta-
é um carácter emergente dentro da comunidade de imi-
nem sempre ela é consolidada. Yvone, a congolesa de
ra, supervisora na Unidade do Imigrante, no Centro de
grantes, ele acaba sendo o serviço mais procurado.
32 anos, por exemplo, conseguiu um emprego em um
Integração à Cidadania (CIC), a primeira dificuldade é o
Thais Alcântara fala sobre a mudança no cenário
salão de beleza como faxineira, onde trabalhou durante
idioma. “Vivemos em um país que fala apenas uma lín-
de empregos do país e os impactos nas vagas ofereci-
9 meses. Foi demitida com a alegação de que o salão
gua, então não temos a mesma tradição de outros paí-
das aos imigrantes. “Até uns quatro, cinco anos atrás, a
América
seria fechado por causa da crise, mas descobriu mais
ses, que são bilíngues. O Brasil fala só português, e como
gente estava em outro cenário de emprego, tinha mui-
Maravilha Mavenga, uma angolana de 21 anos, tem
tarde que o estabelecimento continua aberto. Abigawo
essas pessoas vêm de países com dialetos, não possuem
ta vaga, as empresas contratavam, vinham aqui, iam à
um trabalho. O expediente de 12 horas diárias em uma
e Kaxika, ambas nascidas em Angola, foram contratadas
grande conhecimento na língua portuguesa”.
Igreja Missão Paz, no Glicério. Tinha vaga pra obra, para
lanchonete permite que ela coma, tenha um lar e se
por uma rede de fast food, porém 3 meses depois, foram
locomova. Não em altos padrões, obviamente, mas a
desligadas da empresa sem justificativas.
Essa dificuldade exclui automaticamente as chances
um monte de coisa. Levavam as pessoas para trabalhar.
dessas pessoas de assumirem cargos onde a comunica-
Só que agora não, o quadro mudou. Hoje é muito mais
mantém um passo à frente de Abigawo, Kaxika e Yvone.
As condições de trabalho também deixam a desejar.
Essas três estrangeiras chegaram ao Brasil há um ano e,
“Eles nos contratam como auxiliares de cozinha, mas so-
sas são as funções de maior remuneração e
no momento, estão desempregadas. Duas delas já tra-
mos obrigadas a fazer toda a limpeza do lugar. Trabalha-
menor carga horária.
balharam na mesma rede de fast food que Maravilha, e
mos das 11 da manhã às 11 da noite, com apenas uma
Existem algumas entidades que ofe-
uma foi auxiliar de limpeza em um salão de beleza. As
hora de descanso. Nosso almoço é arroz e feijão todos os
recem cursos de português para estran-
quatro dividem uma casa no bairro de Arthur Alvim,
dias, e um danoninho de lanche da tarde com um pãozi-
geiros gratuitamente. Entretanto, um
zona leste de São Paulo.
nho.”, disse Abigawo.
paradoxo cruel obriga o imigrante a esco-
ção é de grande importância. Ironicamente, es-
lher entre trabalhar para poder pagar seu
intensa a vinda dessas pessoas, então, o país não
“Passaram a nos tratar com indiferença. Nossa cor faz diferença.” Abigawo
aluguel e sua alimentação ou estudar para crescer profissionalmente. “Não podemos desis-
comporta a situação, não está conseguindo absorver”, ressalta a supervisora da Unidade do Imigrante. Ela explica também a desinformação que esses estrangeiros têm quando estão à procura de trabalho: “eles acham que é só chegar aqui e trabalhar. Pensam que é só tirar a carteira de trabalho, o CPF, o protoco-
lo e já podem trabalhar. Teoricamente seria isso,
tir do emprego pra estudar, porque não temos família
mas, na prática, não é assim que funciona. Cada empresa
no Brasil para nos ajudar no sustento. E também não
tem o seu critério de contratação, cada empresa sabe o
podemos estudar, porque estamos trabalhando”, afirma
que ela precisa”.
Maravilha. Vida de Novela
Abigawo, Maravilha, Yvone (nome fictício usado para garantir a segurança da entrevistada) e Kaxika, imigrantes africanas.
19 Foto: Wallace Leray
Senhoras
Foto: Sarah Furtado
18
Tempos Modernos
Mesmo hoje, vivendo no cenário que cresceram assistin-
Conscientizando e dando alternativas acessíveis para
do nas novelas, essas imigrantes ainda chegam em casa,
promover a justiça, o Centro de Integração à Cidadania
após um longo dia de trabalho, e assistem à televisão.
(CIC) é um programa governamental que busca propor-
Apesar de caminharem pela longa avenida chamada
cionar à sociedade um meio de integração popular e a
Brasil, ainda não se tornaram senhoras de seu próprio
reivindicação dos seus direitos. Visando alcançar outras
destino.
Orgulho de ser
PORTUGUÊS! Eles beijam a bandeira de seu país e ficam com os olhos marejados ao lembrarem das histórias que viveram nele. Nesta reportagem, você vai conhecer portugueses que, apesar de morarem no Brasil há décadas, fazem questão de manter suas tradições e costumes
S
Revista Origens
por Caroline Fernandes, Deise Dantas, Jefferson Rodrigues e Sarah Siqueira
gal, bairro da Liberdade, São Paulo. Faltando apenas 30 minutos para começar a
pica”, que celebra a colheita das uvas, uma senhora vestida com xale preto finamente bordado com flores verme-
lhas, e um sorriso acolhedor, desce as
escadas rumo ao salão principal. Seu
nome é Tereza de Jesus de Oliveira. A
aposentada, de 74 anos, é viúva e canto-
hoje. Eu sinto que tenho que estar lá. Eu tenho fé que vou comprar a casa que era da minha avó, pois quero morrer lá, porque é onde a minha árvore foi construída ”, diz, acrescentado: “minha aldeia é o meu céu”. “Se falar mal de português, o pau come!” Armando Lopes Baptista, o “Seu Armando”, um comerciante aposentado de 72 anos, desembarcou no Brasil em 1961, no dia 22 de abril, justamente na data em que se comemora o descobrimento do país pelos portugueses. Foi só pisar em terras brasileiras para descobrir quanto ama Portugal. Embora more no Brasil há mais de meio século (55 anos), mantém viva suas raízes e seu sotaque.
ábado, 19 de março de 2016, Casa de Portu-
tradicional festa portuguesa “Vindima Tí-
onde nasceu. “Se eu pudesse, eu estava em Portugal
Nesta noite de celebração, Tereza se emociona ao
“Acho muito importante preservar os valores, os costu-
tirar uma foto ao lado da bandeira de Portugal. Dan-
mes, aquilo que se aprende da nação através da escola,
ça como quem não se cansa, ao som de “Uma
da família e religião, porque isso faz a sua história”, afirma.
Casa Portuguesa”, música de Amália Rodri-
A casa de Armando é rica em elementos decorati-
gues, e participa da pisa das uvas, dese-
vos que caracterizam seu país e seu povo. Devoto de
jando que aquele momento nostálgi-
Nossa Senhora de Fátima, faz questão que esta esteja
este sentimento tipicamente português. Para Isabel Bo-
co não acabe. Mas a noite chega ao fim.
bem representada na sala de visitas, e seu maior prazer
telho, 58 anos, co-fundadora do “Rancho Folclórico Por-
Passam-se duas semanas, é dia 28 de
é poder sempre participar dos eventos portugueses da
tuguês Pedro Homem de Mello”, quando a saudade
março. Tereza assiste ao jogo de Portugal
cidade. “Se falar mal de português, o pau come”, declara
bate à porta é difícil segurar a emoção: “muitos imigran-
Armando, aos risos.
tes, ainda que tenham uma vida boa aqui, se lembram
“Somos tipo família, a gente pode falar mal de português, mas não gostamos que ninguém fale.” Isabel Botelho, 58 anos.
ra. Precisou deixar sua aldeia em Chaves, Por-
tugal, com quase 19 anos para vir morar no Brasil.
e México na disputa por uma vaga no torneio olímpico de futebol. Como de costume,
Estar por dentro das notícias diárias de Portugal é
do pãozinho de milho e da sardinha que comiam lá em
de suma importância para Armando, então, para não
Portugal, porque, embora fossem tempos difíceis, lá eram
há um altar com uma imagem de Nossa Senhora de Fáti-
como uma verdadeira saudosista. “Costumo dizer que
ma que a aposentada trouxe de Portugal e, pela sala, pe-
sou transmontana roxa, porque onde está a cultura portuguesa lá eu estou”, afirma, com o sotaque por-
tuguês que fez questão de conservar.
Armando Lopes Baptista com seu urso de pelúcia vindo de Portugal, que o acompanhou na Copa de 2014.
reza para que seu time vença. Para sua alegria, o placar encerra-se em 4-0 para os lusitanos. Ao lado da TV,
Nunca abandonou suas raízes, vivendo, desde então,
perder nada, ele acompanha o canal português por assinatura, pois cada informação é relevante. “Meu desejo é fazer com que a cultu-
quenas bandeiras verdes e vermelhas usadas como deco-
ra portuguesa se torne mais conheci-
ração. A lembrança de Portugal está por toda parte. “Sou
da”, ressalta.
patriota, lá é minha terra mãe, acredito que nós temos de
Essa não é apenas uma vontade
ser aquilo que somos e em Portugal é onde está a minha
dele. Ernesto de Lemos, 69 anos, dire-
raiz, então é o que sou”.
tor do grupo folclórico da Casa de Por-
Dentre os vários discos que Tereza coleciona, deci-
muito felizes”. Isabel acredita que todos os portugueses, sem exceção, lembram de sua terra, este é um
tugal há 33 anos e diretor da instituição,
vínculo difícil de ser quebrado.
“Sou transmontana roxa. Onde está a cultura portuguesa lá eu estou”. Tereza de Jesus de Oliveira, 74 anos.
“Mesmo que um oceano nos separe, o nacionalismo e as raízes falam mais alto. O português é um nacionalista convicto. Somos tipo família, a gente pode falar mal, mas não gostamos que ninguém fale”, destaca.
de, naquela tarde, ouvir um LP que gravou aos 52 anos
também sonha com mais espaços para
em homenagem a sua terra mãe e, principalmente, à
eventos tradicionais portugueses, de forma
pequena aldeia de Chaves. Ao som das guitarras por-
que mais pessoas possam ter acesso a essa cultu-
tuguesas, sem demora ela começa a dançar no meio
ra. Não por um desejo megalomaníaco de transformar
imigrantes tão saudosos não voltam para sua terra-mãe?
da sala e lembra o quanto Portugal lhe faz falta: “lá é
todos em portugueses, mas simplesmente pelo prazer
Segundo Isabel, muitos portugueses não retornam, por-
tudo natural e com outro gosto, como as cebolas, o leite
que sente em poder difundir e mostrar suas raízes. “Eu
que conseguiram se adaptar bem ao Brasil: “aqui há
de cabra. Ah... minha vida lá era maravilhosa”, comenta,
me sinto muito bem podendo espalhar minha cultura e
algo muito favorável, que é a língua”.
suspirando.
orgulhoso em apresentar minha terra”, ressalta Ernesto.
Mesmo envolvida o máximo que pode em quesTeresa de Jesus na Casa de Portugal, um de seus lugares favoritos.
2017
Foto: Jefferson Rodrigues do Amaral
CULTURA
Foto: Caroline Fernandes Santos
20
Diante de todo amor declarado a Portugal e pessoas vivendo no Brasil como se ain-
da estivessem lá, nos perguntamos: por que esses
Há ainda aqueles que estão juntando dinheiro para voltar a viver em sua aldeia, sem preocupações, e outros
tões que a façam lembrar de Portugal, no fundo,
“O português é um nacionalista convicto!”
que simplesmente não sentem necessidade de voltar
nada substitui a vontade de um dia voltar para o lugar
Não importa o lugar, a cultura portuguesa permanece
nesse momento. Porém, de acordo com ela, uma coisa é
forte, assim como a paixão pela pátria e o saudosismo –
certa: “muitos querem morrer em Portugal”.
21
22
GASTRONOMIA
Revista Origens
por Daniela Romano, Giovanna Félix, Julia Pinto, Mariana Franco e Paloma Sganzerla
Uma jornada de SABORES
F
gem de mais de 500 anos ao passado, remontando ao nosso processo de colonização pelos portugue-
ses. Os alimentos trazidos por esses povos, combinados com a cultura gastronômica indígena e, mais tarde, com os alimentos e pratos típicos dos povos africanos, vindos para cá por conta do processo de escravidão,
indígena, a portuguesa e a africana. Essas possuem períodos diferentes. A indígena desde sempre, a africana a partir da
chegada dos escravos já no século XVI e
a europeia com a expansão marítima nos
oriundo do cuscuz libanês que é feito com sêmolas de
leite de coco.”
trigo. “Os primeiros imigrantes árabes trouxeram um es-
Globalização gastronômica
acabou tiveram que buscar algo parecido e encontra-
As influências de diversos países em nossa culinária fez
ram a farinha de milho. O cuscuz é um exemplo de he-
com que ela se configure, hoje, como um mosaico de
rança árabe, “Temos também o arroz e alguns doces”,
culturas orientais e ocidentais, concretizando uma “glo-
afirma Samir Cauerk Moysés, Chef e dono do restauran-
balização” no campo gastronômico.
te Folha de Uva, localizado em São Paulo e escritor do
“A culinária brasileira tem pontos muito particula-
livro “Do Oriente para o Ocidente”.
res e, ao mesmo tempo, tem muita herança de outras
alar das raízes da nossa culinária é fazer uma via-
dúvida as influências mais fortes foram a
azeite doce e banha de porco contra o dendê e o
toque de sêmolas de trigo para o preparo, mas quando
As influências na gastronomia brasileira de geração a geração
fizeram surgir a gastronomia brasileira.” Sem
2016
nacionalidades. Um ingrediente que me surpreendeu e
Mandioca
do 20. ”Todas contribuíram para estruturar e estabele-
que acabei incorporando no cardápio, por exemplo, foi
A mandioca é um alimento fundamental na alimen-
cer a gastronomia brasileira nos dias de hoje, manten-
o cumaru, que é a semente de uma árvore, que coloco
tação brasileira, que foi trazida pelos tupi guarani. No
do as características próprias de cada região”, explica a
na sobremesa. É só usar a criatividade”, explica o chef de
geral, foi trazida da Amazônia para a região do Para-
professora. Segundo a docente, alimentos como arroz,
cozinha e apresentador do programa de televisão Mas-
guai, Mato Grosso e se transformou num alimento fun-
feijão, milho, tomate e diversas carnes que costumamos
terchef, Henrique Fogaça.
damental na região. “Já naquele início de colonização
preparar hoje não são genuinamente brasileiros. Eles
O chef destaca que o prato que faz mais sucesso em
foram trazidos para nosso país e acabaram incorpo-
seu restaurante, o Sal Gastronomia, é o atum que vem
cartas, como Anchieta e Nó-
com crosta de gergelim ao molho teryiaki, arroz negro,
brega, dizendo “O biju de
Pouca gente sabe mas o arroz foi, pro-
pupunha e tomate. “Esse é um prato que é composto
mandioca é muito mais
vavelmente, a primeira planta cultivada na
por ingredientes singulares, que traduzem bem a diver-
gostoso que o nosso
Ásia. Os registros mais antigos encontrados
sidade da nossa cozinha”.
pão de trigo”, afirma o
rados em nossa culinária.
“A identidade gastronômica do Brasil é a identidade de uma miscigenação bem temperada.” Ricardo Maranhão
séculos XV e XVI ”, explica a Doutoranda do
curso de gastronomia da faculdade Sorbonne Nouvelle, Priscila Rosin.
os padres jesuítas escreviam em
tem contato com a gastronomia, ela consegue abrir novos horizontes para que
sobre o cereal aparecem na literatura chine-
Várias comidas que temos aqui no Ocidente são
historiador, professor e
sa há cerca de 5 mil anos. O sudeste da Ásia
oriundas do Oriente. Aqui no Brasil temos o cuscuz pau-
coordenador do Centro
é apontado como seu local de origem, especi-
lista que é feito com a farinha de milho, esse cuscuz é
de Pesquisas em Gastro-
ficamente as províncias indianas de Bengala, As-
“Uma vez que você
se entenda um determinado país.” Klaus Vidrik
sam e Miamar, onde se conta com a maior variedade de tipos de arroz. Ja o percurso do feijão, antes de compor
Mas essa a culinária rica e diversificada, repleta de
a parceria célebre da culinária nacional, foi bem diferen-
opções de ingredientes e sabores não resulta apenas das
te. Tipos selvagens foram encontrados no México e da-
influências dos portugueses, índios e africanos.“Temos
tados de cerca de 7000 a.C., o que gerou a hipótese de
também a influência italiana, alemã, árabe, japonesa,
que o feijão teria se disseminado dali para toda a Amé-
espanhola, grega e a francesa que, por sinal, foi a mais
rica do Sul. Por outro lado, achados arqueológicos ainda
presente no Rio de Janeiro no final do século 19, início
mais antigos, de cerca de 10.000 a.C., revelaram feijões
Foto Julia Pinto
cultivados na América do Sul, no sítio arqueológico de Guitarrero, no Peru. Outras inflências Em “A História da Alimentação no Brasil”, Câmara Cascudo, o maior historiador sobre o tema, faz um apanhado das várias culturas que fizeram parte da formação
nacional o gosto das massas de farinha de trigo, Alimentos do mercado municipal
com os molhos espessos e condimenta dores, resistindo às seduções da pimenta, e teimando no
Por Marjorie Slivinski
da culinária brasileira destaca, de forma positiva, essas influências. “Trouxeram para a culinária
Carpaccio de tubarão: prato “exótico”.
23
24
GASTRONOMIA
Revista Origens
por Daniela Romano, Giovanna Félix, Julia Pinto, Mariana Franco e Paloma Sganzerla
nomia Brasileira, Ricardo Maranhão:
picos do Brasil têm outra naciona-
cigenação bem temperada”, acres-
O professor destaca que muitos
lidade. A identidade gastronômica
centa o historiador.
ingredientes que pensamos ser tí-
do Brasil é a identidade de uma mis-
Culinária exótica em
SÃO
2017
25
REFÚGIO
A possibilidade de um final feliz Omana Kasongo Ngandu Petench, 50 anos, refugiado da República Democrática do Congo
PAULO Cansado após um dia exaustivo
culturas, o que só aconteceria atra-
carpaccio de tubarão. Já se imagi-
no trabalho? Que tal uma bebida
vés de viagens internacionais.
nou comendo a carne de um dos
refrescante feita com morango,
Esses pratos acabam sendo
mel, aceto balsâmico, iogurte,
uma alternativa para os estrangei-
guaraná e flor de lavanda? Aceto
ros que visitam ou trabalham no
Marinado no shoyu com óleo
balsâmico?? Flor de lavanda??? Pa-
Brasil e não se acostumaram com a
de gergelim, limão, pimenta e
rece estranho, não é? Esse e outros
nossa culinária. É uma maneira de
manga na cama de rúcula e em co-
“Desde criança me perguntava por que mulheres
mento, pediu para que a família fugisse por uma passa-
drinks e pratos estrangeiros pouco
fazê-los reviver costumes de seus
lheres de porcelana, o carpaccio de
e crianças têm tantas dificuldades? Quando fui para a
gem nos fundos. Ao abrir a porta foi retido, espancado
conhecidos da nossa gastronomia
cotidianos.
maiores predadores do oceano? Nós não.
tubarão foi servido desta maneira
França fazer o meu mestrado, enxerguei os problemas
e levado com outros reféns para
podem ser encontrados em algu-
“Uma vez que você tem con-
em nossa mesa. Cortada em cubos,
do meu país. Eu morava na província de Nord-Kivu, o
uma clareira perto da frontei-
mas das opções de restaurantes
tato com a gastronomia, ela con-
a carne do animal tem uma textura
lugar onde todas as guerras do país acontecem. O Con-
ra da Uganda. Lá, um dos
exóticos da cidade de São Paulo.
segue abrir novos horizontes para
lisa e macia. O sabor é semelhante
go é um país muito rico em recursos naturais, mas a po-
militares o reconheceu:
que se entenda um determinado
ao de outros peixes, como a truta,
pulação é muito pobre. A classe política tem o poder e
“Ele começou a conver-
país”, afirma.
e é possível sentir um acentuado
abusa dele”, declara Omana Kasongo Ngandu Petench,
sar comigo: ‘Professor,
gosto de shoyu e pimenta.
Os frequentadores desses estabelecimentos desfrutam dessas “iguarias” com a mesma naturalidade com que se deliciam do nos-
Sentindo na pele
so famoso “arroz com feijão”.
refugiado do Congo. Com a intenção de melhorar as
você deu aula pra mi-
Para acompanhar o carpaccio
condições para as mulheres e crianças de seu país, criou
nha irmã. Vamos matar
“Se você me prender como ladrão, é vergonhoso, mas se você me prender como líder que defende os direitos humanos, Deus irá me ajudar” Omana Petench
O restaurante Tantra, por exemplo,
de tubarão, escolhemos o Straw-
uma ONG, em 2004, Action Urgence d’Utilité Publique
todo mundo que você vê
A diversidade cultural e étnica
é especializado na culinária mon-
berry lassi, o drink citado no come-
(Ação Urgência de Utilidade Pública). Por conta disso,
aqui’. Esse jovem soldado
da capital paulista também é re-
gol.Uma curiosidade é o método
ço dessa reportagem. Trata-se de
muitas vezes foi detido pelo governo.
disse que iria me ajudar e que
fletida na gastronomia. São Paulo
de apresentar e preparar a comi-
uma bebida muito popular e con-
é uma das cidades do país com
da no restaurante no estilo de um
siderada sagrada na Índia.
onde morava em que o governo assassinou por volta
Os reféns foram separados em grupos. Enquanto um
mais opções de restaurantes exó-
guerreiro mongol, despertando o
Os banheiros do Tantra são
de 25 mulheres e 30 crianças. Todo o povo da região se
deles foi levado para a execução, dois militares ficaram
ticos, que exploram culinárias de
interesse nos clientes, de uma for-
suspensos e lembram a aparência
uniu para uma grande manifestação e Omana se tornou
com o grupo de Omana. Houve uma discussão, quan-
diferentes países. Segundo o espe-
ma divertida.
de uma casa na árvore, o que foi
o líder do movimento: “Foi a primeira vez que eu vi a po-
do um deles atirou no outro e nos reféns. “Eu vi três ou
Em 2012, houve um massacre próximo à cidade
íamos fugir”, conta.
cialista e professor de tecnologia
O cardápio, a princípio, parece
motivo de riso e curiosidade por
pulação agindo”. Por consequência disso, ele foi levado
quatro pessoas caindo, mas depois não lembro de nada.
em gastronomia do Senac, Klaus
como o de qualquer outro restau-
parte da nossa equipe de reporta-
à prisão, mas isso não o desmotivou. “Se você me pren-
Até hoje não sei o que aconteceu. Não sei quanto tempo
Vidrik, os pratos diferentes e consi-
rante, mas, se você for mais atento,
gem, que lançou o desafio: quem
der como ladrão, é vergonhoso, mas se você me prender
depois eu abri os olhos. Havia muito sangue e muitos
derados bizarros, do ponto de vis-
perceberá que cada item tem uma
vai ter coragem de utilizar o toillete
como líder que defende os direitos humanos, Deus irá
corpos, uma pessoa gritando por ajuda. Um homem es-
ta dos brasileiros, são importantes
particularidade. Como o primei-
à moda Tarzan. E aí? Você toparia?
me ajudar”, acrescentou Omana. Algumas horas depois,
tava ao meu lado, sua barriga estava aberta. Nesse mo-
por facilitarem um acesso a outras
ro prato que experimentamos: o
foi solto graças a uma manifestação protagonizada por
mento, algo me disse que eu deveria ajudá-lo. Coloquei
mulheres.
suas vísceras de volta e amarrei com sua roupa. O que eu
por Marjorie Slivinski e Thaynara Moretti
Naquela noite, Omana ouviu um barulho, olhou pela
não sabia, é que aquele era o meu próprio intestino, se
janela e viu aproximadamente 30 militares. Neste mo-
soubesse eu estaria morto. Eu achei que havia ajudado
26
REFUGIADOS
por Isabella Liporoni e Mariana Barros
outra pessoa”, relata Omana.
Revista Origens
27
Refugiados (ACNUR), até dezembro de 2014, havia 59,5
O jovem soldado o encontrou no meio dos corpos:
milhões de pessoas deslocadas forçadamente de seus pa-
“Eu pedi ajuda, fiquei de pé e ele perguntou se eu estava
íses, destas, 19,5 milhões refugiadas. A Síria é o país com a
bem e apenas disse para irmos embora”, completa. Perto
maior quantidade, 3,8 milhões, quase 20% da população.
da fronteira da Uganda, Omana se deu conta do ferimen-
Seguido do Afeganistão e Somália; por conflitos como vio-
to e desmaiou. Acordou em um hospital, onde ficou em
lação de direitos humanos, desastres naturais, persegui-
coma por dois dias. Quando se recuperou foi levado para
ção religiosa, perseguição política, entre outros.
Kampala, na Uganda, onde conheceu a brasileira que o
2017
Segundo dados do relatório divulgado no dia 10 de
O começo de um final feliz nos aceitava, ninguém da Europa e ne-
Além do trabalho das ONGs, algumas pessoas agem por
ao Brasil que
nhum país árabe dá visto para a gente”.
conta própria, como é o caso de Ingrid Pacheco. Ela conhe-
me ajuda muito. Eu sou muito feliz”.
Chegaram a São Paulo no início
ceu uma moradora de sua região que ajuda o grupo de re-
de 2014, onde foram informados so-
fugiados de Guarulhos e entrega as doações diretamente
“Eu agradeço
Omana Petench
bre uma mesquita em Guarulhos que
para Marah. Logo se interessou e começou a ajudar: “Ela
recebia refugiados. Quando chegaram,
postou ano passado que precisava trazer uma família para
maio de 2016 pelo Comitê Nacional para os Refugiados
foram alojados em uma casa com outra fa-
o Brasil, porque se não trouxesse, os pais e os filhos iam
Omana chegou em São Paulo em junho de 2013 e
(CONARE), houve um aumento de 127% do número total
mília. Hoje, faz um ano que eles têm um apar-
ter que ir pra guerra. Caso não fossem iriam presos, dei-
com ajuda de um amigo e da ONG ADUS (Instituto de
de refugiados reconhecidos no Brasil. Em 2010, a quan-
tamento próprio. No Brasil, Marah conheceu seu marido,
xando a mulher e os filhos desamparados. E aí, eu pensei
Reintegração do Refugiado), começou a reestruturar sua
tidade era de 4,2 mil, hoje subiu para 8,8 mil, sendo São
também refugiado da Síria, e no final do ano passado o
‘será que não dá pra trazer com milhas’? E no final a gente
vida. “Hoje eu dou aula de francês, suaíli, cultura africa-
Paulo a cidade mais procurada. Os refugiados são em sua
casal teve seu primeiro filho. Mais tarde, abriram um res-
conseguiu trazer não só essa família, como mais uma”, ex-
na e também de gastronomia. Também criei uma ONG,
maior parte sírios, seguidos de angolanos, colombianos,
taurante também em Guarulhos.
plica Ingrid.
chamada LFCAB – Língua Francesa e Cultura Africana no
congoleses e palestinos.
ajudou a vir para o Brasil.
Brasil”, afirma Omana.
Marah diz que nunca pensou em vir para o país: “A
Uma das famílias que ela ajudou foi a de Omana: “O
Apesar de o Brasil ser um país acolhedor, o refugiado
gente já começou a vida aqui. Eu gosto muito do Brasil”.
conheci quando curti a página da ADUS no Facebook, e
Quando foi sequestrado, sua esposa e cinco de seus
encontra alguns obstáculos, como a língua e cultura, difi-
Ela chegou a estudar três anos de farmácia na Síria e pre-
apareceu a história dele, entrei em contato e resolvi aju-
filhos conseguiram fugir. Sua filha de 15 anos, não esta-
culdade em obter um emprego, serviços públicos de saú-
tende finalizar o curso no Brasil. “Eu tentei ano passado
dar”, conta. Ela conseguiu juntar milhas suficientes para
va em casa e foi assassinada pelo governo congolês. Eles
de e moradia. Uma das principais ONGs os auxilia no Brasil
entrar pela USP, mas não consegui. Vou tentar esse ano
três passagens, um outro amigo de Omana comprou as
fugiram para a Uganda, onde encontraram refúgio. So-
é o ADUS (Instituto de Reintegração do Refugiado). Criado
de novo”, afirma.
outras três. Sua família chegou a São Paulo no dia 10 de
mente depois de oito meses no Brasil, Omana encontrou
em 2010, por Marcelo Haydu, o ADUS tem como objetivo
Em 2015, ela criou uma página no Facebook para
abril. Com auxílio de seus amigos, Omana conseguiu uma
sua esposa no Facebook e descobriu o paradeiro de sua
promover a integração social dos refugiados no país. “O
ajudar refugiados, “Esperança refugiados sírios no Brasil”.
casa para morar, hoje seus filhos voltaram a estudar e aos
família.
processo de integração local é aquele que possibilita inte-
“Falei pra minha família que eu iria ajudar essas pessoas,
poucos aprendem o português. “Eu estou muito feliz. O so-
gração plena, efetiva. Ou seja, que permite que a pessoa
porque eu já passei por isso”, declara. Dessa forma, arreca-
nho virou realidade, o sol nasceu agora. Mas eu tenho mui-
Refugiados no Brasil e no mundo
seja um cidadão da nação em que buscou refúgio”, explica
dou muitas doações e chegou a ajudar mais de 60 famílias.
ta dor no meu coração quando eu me lembro das crianças
Segundo relatório da Agência das Nações Unidas para
Haydu.
Além de distribuir doações mensalmente, também auxilia
que deixei no Congo por causa da minha luta. Agora vou
na chegada e adaptação dos refugiados, como documen-
formar meus filhos aqui pra eles voltarem pro Congo e aju-
tação, matrículas escolares e procura de emprego.
dar esse grande grupo que eu deixei lá. Eu agradeço ao
Refugiados Reconhecidos no Brasil: por país de origem
Total de refugiados reconhecidos e reassentados Fonte: Comitê Nacional para os Refugiados
Refugiados reconhecidos no Brasil
Brasil que me ajuda muito. Eu sou muito feliz”.
Total de refugiados reconhecidos e reassentados Fonte: Comitê Nacional para os Refugiados
Marah Khamis, 23 anos, refugiada da Síria
lhar, foram novamente
Marah e sua família moravam no interior de Damasco,
obrigados a se mu-
mas devido à destruição foram obrigados a se mudar
dar. Marah conta
para o centro. “Um dia uma bomba caiu muito perto de
que de todos os
nós, uma de minhas irmãs ficou em choque durante um
países que tenta-
dia inteiro”, conta.
ram o visto, apenas
No dia 12 de outubro de 2012, a família deixou a Síria
o Brasil aceitou: “A
e partiu para o Egito, onde moraram por dois anos. Não
gente
conseguiram documentação, então não podiam traba-
perguntou e ninguém
perguntou,
ENTREVISTA
por Jayane Silva e Gabriel Plasa
Jornalista peruana diz ser “ESTRANGEIRA PRIVILEGIADA” Vencedora do Comunique-se e
indicada ao Troféu Mulher Im-
prensa, Verónica Goyzueta tem bar tradicional em SP e famoso site
S
em nunca ter sido funcionária fixa em uma empre-
nhuma dificuldade. Sou muito próxima da comunidade
sa brasileira, Verónica Goyzueta, peruana, corres-
peruana que tem aqui, e sempre procuro apoiar os re-
pondente internacional do jornal espanhol ABC e
cém-chegados, pois passam por alguns obstáculos. No
professora na ESPM, está há 24 anos no país. Verónica
começo do século passado, havia uma maior aceitação
também é sócia do Tubaína Bar, um famoso bar pau-
com os imigrantes. Depois, isso se fechou com a ditadu-
listano que abriga uma parede repleta de fotos, cuja
ra, e eu sinto que isso ainda é muito vivo.
proposta é ter como referência uma casa de família. Recentemente, ela inaugurou o portal Brasil China Report, plataforma que faz um intercâmbio de informações entre os dois países. Além disso, esteve recentemente entre as finalistas do Troféu Mulher Imprensa,
O: Conte um pouco sobre a proposta do site Brasil China Report. VG: Pelo número de visitas que temos, percebo que realmente achamos o nicho de alguma
na categoria de correspondente estrangeira residente no Brasil. Com um currículo tão recheado e especial, ela nos conta sobre o início de sua trajetória, as dificuldades da profissão e os desafios de ser correspondente em um país desconhecido. Confira!
coisa. A gente tenta mostrar coisas que você
“Quando você sai do seu conforto, você fica muito melhor como pessoa”.
não vai achar na imprensa comum. É um conteúdo que não tinha antes. O: Acredita que o jornalismo correspondente está comprometido, devido à alta tecnologia?
O: Você está há 24 anos no Brasil. Conte como foi a sua chegada.
VG: Não acredito. Como correspondente, tenho uma série de vivências que qualquer pessoa que
VG: Eu vim sozinha, já tinha parentes aqui no Brasil,
estiver do outro lado do mundo não vai ter. Não adianta
por isso não me senti uma órfã. Passei quatro anos em
a pessoa entrar no Wikipédia, pesquisar sobre o Temer,
Brasília e vim pra São Paulo, mas tinha uma imagem ne-
por exemplo, e dizer que conhece. Eu conheço os perso-
gativa da cidade. Até que comecei a conhecer pessoas,
nagens da política brasileira, a reação deles em determi-
fazer amigos. Recomendo às pessoas que elas saiam por
nadas situações e seus históricos.
um tempo de seu lar e que vão para qualquer lugar, não precisa nem ser outro país. Quando você sai do seu conforto, você fica muito melhor como pessoa.
O: Além da indicação ao Troféu Mulher Imprensa, você já ganhou o Prêmio Comunique-se como melhor correspondente estrangeira no Brasil em 2005. Os tí-
O: Quais as principais dificuldades em ser estrangeira? VG: Posso dizer que sou uma estrangeira privilegiada, aonde vou sou sempre bem recebida, não tenho ne-
tulos funcionam como um incentivo para continuar no país e na profissão? VG: Com certeza! Acho que esses prêmios mostram que ser correspondente ainda vale muito a pena.
Crédito: Jayane Condulo e Gabriel Plasa.
28
Revista Origens
2017
29
SENTIMENTO DE ESTRANGEIRO
Revista Origens
por Gigi Pavanello
2017
31
S
ão Paulo, sem dúvida, é o maior exemplo da mis-
O sentimento de estrangeiro de uma pessoa brasi-
PERSONAGEM: Rogério Carneiro - Cozinheiro - Belém do Pará O cozinheiro Rogério Carneiro que costuma mis-
turar sabores, cheiros e iguarias hoje se adapta com o caldeirão étnico que São Paulo abriga. “É como se tu tivesse de passagem por um lugar que tu gosta, mas é como umas férias”
“Essa ‘mixtura’ me agrada muito, aqui eu não sou
cigenação que temos em nosso país. Professores,
leira, na capital paulistana, não se diferencia de outra
o único. Quando tu pega um taxi quem conduz é um
profissões são compostas por cidadãos que não nasce-
indiferença e, aliás, nossos pré-conceitos acaba por nos
Nada mais democrático que uma cozinha, lugar
taxistas, médicos, cozinheiros entre tantas outras
ram aqui, no entanto é nesta cidade que depositaram
que veio de um determinado país. Nosso ritmo, nossa
nordestino, e eu não me sinto sozinho”
caracterizar de maneira negativa diante do outro.
onde compartilhamos ideias, culturas e sentimento. A
sua felicidade.
paraense é notório identificar inquietações muito simi-
capital paulistana e acolhe, seja quem for. “Comer é
fica modo de receber ou maneira de ser recebida, con-
cosmopolita pudesse traduzir em ações, versos simples
suas expectativas em melhorias e, de maneira utópica, No dicionário da língua portuguesa, “acolher” signi-
sideração ou hospedagem, além de ser um lugar que te transmite segurança. Estes são significados que pessoas
migrantes de outro Estado, muitas vezes, não têm em São Paulo.
Ao conversar com um gaúcho, uma carioca e um
lares no convívio em São Paulo. Quem dera esta capital da composição de Caetano Veloso em “Sampa” quando diz “Quem vem de outro sonho feliz de cidade/ Aprende
Crédito: Gigi Pavanello
SENTIMENTO DE ESTRANGEIRO
arte de cozinhar para alguém desacelera a frenética cultural, sinto falta do açaí, tacacá, cupuaçu, das especiarias e do acesso fácil aos frutos do mar, lembro da minha mãe”
depressa a chamar-te de realidade/ Porque és o avesso, do avesso, do avesso”.
PERSONAGEM: Diego Vitello - Metroviário - Gaúcho de Porto Alegre Crédito: Gigi Pavanello
PERSONAGEM: Vanessa Duarte - Psicopedagoga - Nascida em Minas Gerais e criada no Rio de Janeiro
Crédito: Gigi Pavanello
30
Vanessa Duarte uma psicopedagoga que estimula
seus alunos a alcançarem, sozinhos, respostas sobre diversas questões que suas cabecinhas hiperativas insistem
questionar. Com uma alegria contagiante, torna a sala de
Vitello “Tem certas coisas que prefiro nem comentar”.
O ditado seja você a mudança que quer ver no mun-
do nunca fez tanto sentido, visto que foi em prol de me-
aula um lugar desejado pelos seus pequeninos alunos do
lhorias sociais que Diego veio para São Paulo.
5º ano do ensino fundamental da rede privada de ensino.
O tamanho de São Paulo muitas vezes acua as pes-
Educando há 15 anos, hoje vê-se obrigada a aprender
soas e nessas horas nada melhor que nos restringirmos
ção fluminense em que cresceu. “Aqui os vizinhos não
respeitar e se sentir acolhido. “No sul somos mais reser-
a conviver em uma cidade que, para ela, foge da educa-
ao nosso cantinho, como uma forma, quem sabe, de
te cumprimentam, no Rio o bom dia já é rindo ‘E ai? Be-
vados, tem algumas coisas que pra mim são muito ofen-
leza?’ ”
sivas, por isso fico mais em casa”
“Tenho uma sensação de perda em São Paulo, mas
já estou melhor aqui”. Deixar pra trás uma paisagem natural e pela claustrofóbica capital paulistana é uma questão de tempo para adaptar-se.
Olhar pra trás é com ver, com saudade, um álbum de
fotos antigas “Não posso reclamar de uma cidade que me acolheu, mas sinto falta do Rio, deixei meus filhos e um neto lá”.
A miscigenação se encontra com facilidade e conforto na cozinha de um lar, para Vanessa cozinhar é materializar
em cheiros, gostos e prazeres o ambiente que acolhe sua alma. “Minha comida é ‘mineroca’, como nasci em Minas e cresci no Rio misturo tudo”.
Gaúcho em São Paulo acaba se tornando fonte ines-
gotável de piada, para o torcedor do Internacional Diego
Como um instrumento, comum em
entre uma plataforma e outra, nós prefe-
e assim àqueles que buscam manter seu
grandes capitais, pode causar tamanho
rimos utilizá-la para chegar mais rápido,
ritmo acabam desistindo e rendendo-se a
desconforto? É o que sentem nossos en-
forçando àqueles que não têm pressa de
vida frenética dessa cidade.
trevistados, quando com unanimidade
manter-se a direta.
Abrigar pessoas de outros Estados ou
queixam-se da forma como nós paulistas
Esta aceleração, realmente assusta-
Países é uma arte, e nós aprendemos mui-
e paulistanos fazemos uso da escada ro-
dora, causa desconforto às pessoas que
tos com esta colcha de retalhos cultural
lante das estações de metrô.
vem a passeio ou de forma definitiva para
de São Paulo. Obrigada!
Criada para facilitar a locomoção dos
São Paulo. No entanto, com o passar do
usuários, proporcionando, em média, de
tempo contaminamos a todos com nos-
trinta a sessenta segundo de descanso
sa pressa e anseio em controlar o tempo
Revista Origens
por Cleber de Oliveira Silva e Tatiane Cordeiro
ESTRANGEIROS UNIDOS
Quando veio da Bolívia para o Brasil realizar um tratamento fisio-
Hoje, sua renda vem da atuação na área da saúde.
terapêutico devido a uma lesão,
Em 2000, criou a Copa Vimart
em 1986, Jorge Gutierrez, 60, não
para proporcionar interação entre
pretendia ser o criador de um dos
os estrangeiros no país. O nome
principais torneios de imigrantes
surgiu três anos depois, para ho-
no país.
menagear a esposa Vitória Marle-
Aqui, Gutierrez iniciou a carreira profissional como costureiro.
ne Torres, que morreu no mesmo ano que seu filho.
tos.” enfatiza Hélio. “Nós gostamos de trazer jovens, des-
Um fato curioso são as esposas na torcida que incentivam os maridos a jogarem bem. Jossa Magne entende
conclui Jerônimo.
que é uma forma de lazer, pois trabalha em confecções
A
rme, arme. No dejan pasar nada. Vamos Vamos.
dade de Osasco, que duram em torno de três meses no
Que pueda, Que pueda. Essas são as frases de in-
primeiro semestre do ano.
centivo ouvidas à beira do Campo de Futebol na
Para o jogador Leonardo Ramon, que participou uma
Copa Vimart. Idioma diferente? Sim, mas a emoção é a
vez da Copa e defendeu a camisa da seleção brasileira, a
mesma dos brasileiros.
experiência de jogar com estrangeiros foi ótima. “Coisa
A Copa Vimart surgiu na ideia de integrar todos os
de sul americano, pique de Libertadores”, com risos nos
imigrantes de qualquer país que vivem aqui no Brasil,
conta. As diferenças ficam somente em campo, o respei-
originada pelo boliviano Jorge Gutierrez nos anos 2000.
to sempre prevalece. “No Brasil tem muito preconceito,
“Era necessário integrar, sem medir fronteiras. Regula-
em campo somos todos iguais”.
mentar, disciplinar e estruturar, foi o que a Copa fez”, satisfeito nos diz o fundador.
e veem no esporte uma forma de divertimento. Em campo, encontram suas raízes e promovem sua cultura.
de judeus. “Todos queriam ver os judeus jogarem, uma
“Futebol para nós é uma diversão, o esporte é assim no
coisa linda”, alegre diz Gutierrez.
mundo inteiro. Juntar nossos colegas, Hermanos e pa-
São três torneios durante o ano em São Paulo, na ci-
O marido de Jossa, o jogador Sérgio Lossa, vê o fu-
os fazem ser bem vindos naquele lugar. “Nunca teve ne-
tebol como forma de divertimento onde descansam e
nhum problema ou encrenca, eles jogam, terminam o
veem os amigos. Ele é defensor de um time da Bolívia na
jogo, pegam o carro e vão embora. Eles dão exemplos
Copa, não poupa palpites para o campeão do torneio.
de respeito. Para mim podem ficar 300 anos”,
“No Brasil tem muito preconceito, no campo somos todos iguais” Leonardo Ramon
declara com felicidade.
triotas. Quando nos encontramos nos sentimos satisfei-
“Vamos ser campeões”. A Copa Vimart cresce a cada dia, assim como o nú-
Luana Ferreira trabalha no bar
mero de imigrantes sul americanos no Brasil. A prática
em frente ao campo onde as parti-
do esporte é vista como um meio de permanecerem uni-
das acontecem, e vê com positivis-
dos, mesmo distantes de seu países. A união dos joga-
mo a presença deles. “Eles trazem a
dores foi a maneira que encontraram para dar um novo
harmonia, são respeitosos.” Além de
significado a palavra “estrangeiros”. Passou então a sig-
aumentar o movimento no estabeleci-
nificar “integração”, fazer parte, completar uma nação. Colaborou nesta matéria: Gigi Pavanello
Os organizadores do Torneio em Osasco, Jerônimo
No último torneio foram nove times peruanos, qua-
futebol.
leza do futebol praticado e o respeito que demostram,
e Hélio Quisque, já estão no Brasil há mais de 15 anos
tro brasileiros, um equatoriano e o primeiro e único time
diariamente e aos finais de semana aproveita um bom
Crédito: Gigi Pavanello
Torneios reúnem sete nacionalidades. Imigrantes veem o futebol como um meio de integração com a comunidade paulista
mento.
melhores coisas que existem, com ele chegamos longe”,
amor os jogadores. Para o morador Firmino Pereira, a be-
33
Jorge Gutierrez, idealizador do Copa Vimart
cobrir talentos, praticar o futebol. O esporte é uma das
Todos os fins de semana a comunidade recebe com
POR UMA BOLA NO PÉ
2017
Crédito: Gigi Pavanello
FUTEBOL
Crédito: Gigi Pavanello
32
Esposa e filha prestigiam o jogador Sergio Lossa em Osasco-SP
COMPORTAMENTO
por Ana Beatriz Felicio, Bianca Bispo, Lucas Frizzo, Miréia Lima,
Revista Origens
Nathália Garcia e Rafhaella Bonadio
Complexo de vira-lata:
A falta de fé do brasileiro em si mesmo
PUC/SP (Pontifícia Universidade Ca-
inferioridade é a pior delas: “se esse
tólica de São Paulo), depois da Guer-
elemento se materializa e se rever-
ra Fria aconteceu um novo colonia-
bera por toda a sociedade, ganha
lismo ideológico e cultural no Brasil.
força um sentimento de que somos
Os Estados Unidos lançaram o impe-
subalternos, subdesenvolvidos”.
rialismo, visando vender seus costu-
Esther Solano avaliza a opinião
mes e modo de vida para ampliar a
do historiador, acrescentando que
influência norte-americana no país.
esse pensamento serve bem às
2017
O COMPLEXO DE VIRA-LATA
Foto: acervo Funarte
34
“Foi a partir dos anos 40 e, princi-
classes detentoras do poder. “É
Perceber as raízes e consequências do viralatismo é necessário para que sejamos vacinados contra essa doença que desvaloriza o que possuímos de melhor
palmente, desde a consolidação de
como se fosse um instrumento das
uma sociedade de massa no Brasil,
elites para controlar a população,
que se criou uma perspectiva cada
porque quando você tem uma so-
vez mais rigorosa de tentar colocar
ciedade alienada, que acredita, sem
a cultura brasileira a reboque de um
questionar, que o país está fadado
novo estilo de vida e percepção cul-
à mediocridade e nunca vai sair do
– Sabe, Arthur, tem uma peça de
de Madrid e professo-
tural, que é a estadunidense”, expli-
lugar, ninguém realmente se esfor-
teatro que vi em Nova Iorque, que
ra do curso de Relações
texto traz clichês, típicos de quem
ca o historiador. Assim, começamos
ça para mudar nada. A população
deixa qualquer montagem brasi-
Internacionais da Universidade
não conhece a fundo o Brasil, mas
a consumir cada vez mais produtos
permanece em estado de sonolên-
leira no chinelo.
Federal de São Paulo (Unifesp),
mesmo assim muitos brasileiros
típicos da cultura americana, pa-
cia”, explica a professora.
- É claro, Carol! Na Europa sim há
ela afirma que o brasileiro tem a
concordaram com o ponto de vis-
lavras em inglês passaram a fazer
Enquanto uma parte da socieda-
cultura de verdade. O Brasil deixa
ideia de que tudo que acontece
ta do autor que é, inclusive, escri-
parte do nosso dialeto e o sonho
de brasileira continua se autodepre-
O CRIADOR
muito a desejar.
aqui é negativo. Em contraparti-
tor de livros de autoajuda.
de conhecer a Disney tornou-se um
ciando, diversos estrangeiros que
Nelson Falcão Rodrigues nas-
ideal para muitas pessoas.
O
da, tem um olhar utópico para o diálogo é imaginário, mas
resto do mundo. “A Europa e os
O nascimento do vira-lata
muitos
brasileiros
O Criador, Nelson Rodrigues
conhecem o Brasil apontam pontos
ceu em Recife no dia 23 de
“Sobretudo, culturalmente, te-
positivos. O estudante norte-ame-
agosto de 1912. Foi um jor-
não
Estados Unidos costumam ser
As raízes desse complexo e suas
mos o Brasil colonizado pelos por-
ricano Kevin Rodrigues, que atu-
nalista e escritor brasileiro,
vezes
vistos como lugares paradisía-
consequências vão muito além
tugueses e depois o Brasil coloniza-
almente vive em São Paulo, conta
conhecido como grande dra-
em concordar com ele. É comum
cos. É um olhar muito simplifica-
de um “textão” no Facebook. Para
do pelos Estados Unidos. É aquele
que já conheceu muitos brasileiros
maturgo.
acharmos que a cultura e os hábi-
do e reducionista da realidade,
compreendê-lo, é necessário avaliar
modelo de que o que vem dos ame-
que o questionaram com a pergun-
tos que vêm de fora são melhores
que coloca o Brasil como se fos-
o conturbado processo de forma-
ricanos tem que ser seguido, como
ta: “o que você está fazendo aqui?”
do que os nossos.
se o inferno dos infernos e onde
ção da nossa sociedade, marcado
se fosse um espelho que devemos
Rodrigues salienta que seu país de
A expressão foi criada pelo
nada dá certo”, explica a docen-
por uma cultura de subserviência
copiar”, ressalta Esther.
te.
a uma pequena elite detentora do
pensariam
duas
Em 1950, o jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues já cha-
A CRIATURA
origem também tem diversos pro-
escritor em um texto para a
A especialista em Relações In-
blemas. “Muitos brasileiros pensam
revista esportiva Manchete, no dia 31 de maio de 1958.
mava a atenção para o que apeli-
O complexo de vira-lata pode
ternacionais lembra, por exemplo,
que os Estados Unidos têm mais do
dou de “complexo de vira-lata”, um
ser reconhecido em vários âmbitos
Logo após a independência do
da fascinação que parte da socie-
que o Brasil tem, que a cultura e o
Em seu texto, ele diz: “Por
problema que parece intrínseco
da nossa sociedade, como nas artes,
Brasil, em 1822, o país foi obrigado
dade brasileira tem em viajar para
jeito de viver são superiores, mas
‘complexo de vira-latas’ en-
em nossa sociedade. O termo sur-
política, economia e até na mídia.
pela Inglaterra a assinar diversos
cidades como Miami e Orlando: “o
eu não acredito nisso. Todo lugar
tendo eu a inferioridade em
poder político e econômico.
giu depois da derrota que o Brasil
O elevado número de compar-
documentos para ter o movimento
que tem em Miami e Orlando de
possui seus pontos fortes e fracos,
que o brasileiro se coloca,
sofreu para o Uruguai na Copa do
tilhamentos nas redes sociais, em
legitimado. Esses tratados torna-
interessante? As elites do país, em
vantagens e desvantagens. Se você
voluntariamente, em face do
Mundo daquele ano. Trata-se da
meados de fevereiro de 2016, do
ram nossa política econômica total-
vez de enxergarem isso como uma
assistir aos noticiários dos Estados
resto do mundo. Isto em to-
inferioridade que o povo brasileiro
texto “Uma Carta Aberta ao Brasil”,
mente dependente da Grã-Breta-
colonização cultural dos Estados
Unidos, irá se surpreender”, diz.
dos os setores e, sobretudo,
costuma sentir em relação a outros
escrito pelo estadunidense Mark
nha. Já naquela época, era comum
Unidos, veem essas viagens como
países, tidos, para muitos, como
Manson, evidenciou essa situação.
o rico viajar à Europa para estudar e
uma forma de status”.
mais desenvolvidos.
no futebol. [...] Eu vos digo: O vira-lata na cultura e na arte
o problema do escrete não
Dentre outras coisas, o artigo des-
até mesmo as construções de par-
A cultura brasileira é resultado das
é mais de futebol, nem de
Esther Solano é espanhola e
taca que a causa dos problemas
ques e bairros brasileiros copiarem
O problema de “ser vira-lata”
tradições e costumes de diversos
técnica, nem de tática. Abso-
atualmente mora no Brasil. Mes-
do Brasil é o próprio brasileiro
os moldes europeus.
As consequências do complexo do
povos. Influenciada por indígenas,
lutamente. É um problema de
tre e doutora em Ciências Sociais
que, com seu famoso “jeitinho”,
De acordo com Luís Gabriel, que
vira-lata são profundas. Para o pro-
europeus e africanos, nossa cultura
fé em si mesmo”.
pela Universidad Complutense
faz com que a nação não evolua. O
é mestre em História Social pela
fessor Luís Gabriel, o sentimento de
é rica e bastante criativa, com estilos
35
COMPORTAMENTO
por Ana Beatriz Felicio, Bianca Bispo, Lucas Frizzo, Miréia Lima, Nathália Garcia e Rafhaella Bonadio
Foto: Miréia Lima
Luís Gabriel, doutor em ciências sociais e mestre em história.
e tendências para todos os gostos.
Revista Origens
do jeito que podemos, porque não
de fora e não dê importância à pró-
nema da Universidade de São Paulo (USP), Roberto
há como abordar a cultura brasileira
pria manifestação musical autêntica,
Moreira, defende que não é a nacionalidade
de forma homogênea”, diz Veloso.
copiando padrões e ritmos”.
do filme, mas sim seu gênero que define a preferência do público. “Todas
Mas a “Brasileiríssimos” é ex-
Já no cinema, desde o começo
ceção. A maioria dos veículos tra-
do século 20 a indústria norte-ameri-
as pesquisas sobre as expectativas
dicionais, como rádios e canais de
cana tem grande peso no nosso mer-
do público com o cinema em geral,
televisão, poucas vezes mostra a
cado, dificultando a produção nacio-
brasileiro ou estrangeiro, mostram
complexidade da nossa cultura,
nal. De acordo com o portal Adoro
que o espectador está interessado
focando sua divulgação no que os
Cinema, em 2015, dos 10 filmes com
em duas coisas: ação e comédia”,
sociólogos alemães Theodor Ador-
maior bilheteria nos cinemas do Bra-
pondera o professor. Segundo Mo-
no e Max Horkheimer chamam de
sil apenas um era nacional.
reira, o público não costuma ir ao ci-
2017
37
rio o complexo do vira-lata. “O jornalismo brasileiro reproduz muito o viralatismo. Você pega o jornal e o tom da matéria é pessimista, o texto insinua que ninguém pode mu-
“O viralatismo é como se fosse um instrumento de controle das elites”
dar nada por aqui. A mídia nunca impulsiona mudanças, e quando o faz, são mudanças boas para as elites”, explica Esther. Vale destacar que abandonar o
Esther Solano
viralatismo não é renegar a importância e os valores dos estrangeiros que estão no nosso país ou vêm pra cá
nema para assistir a um drama, mesmo
“produtos da indústria cultural”, ou
Além deste empecilho, a sétima
seja, músicas, filmes e outras formas
arte é atualmente uma indústria
quando o filme é americano. “Drama ele
de arte especialmente criadas para
que rende bilhões de dólares, e os
assiste na televisão. Você não precisa do aparato
a trabalho ou a turismo. Os estrangeiros e sua cultura foram essenciais na formação da nossa sociedade.
gerar lucro, marcadas pela superfi-
donos das salas de cinema de maior
de uma sala cinematográfica pra assistir um drama”,
Josué Veloso é o CEO da página
cialidade e pela padronização. “Há
sucesso reproduzem o que vende
argumenta.
do Facebook “Brasileiríssimos”, que
sim uma tentativa, que não é ingê-
mais, tornando o acesso a outros ti-
busca valorizar as várias manifesta-
nua, e faz parte da indústria, de criar
pos de filme mais complicado. “Qui-
Como deixar o vira-lata para trás
ções artísticas do país e conta hoje
uma mediocridade cultural”, desta-
çá pudéssemos ter acesso ao cine-
Para Luís Gabriel, o investimento na nossa cultura pelo
com mais de 7 milhões de seguido-
ca Luís Gabriel. Ele complementa:
ma japonês, iraniano ou russo. Os
setor público é uma das saídas para invertermos o qua-
res. “Tentamos passar para as pesso-
“as nossas rádios, principalmente as
nossos shoppings, em quase todas
dro do “viralatismo”. “O Ministério da Cultura tem menos
“Se queremos criar um processo de globalização,
as que cultura não é só o que você
voltadas para grande massa e para o
as salas, nos impõem um tipo de
de 1% do orçamento do governo, apenas 0,04% do Or-
precisamos estar abertos ao intercâmbio cultural,
gosta”, explica ele. “Cultura é a ma-
público jovem, acabam selecionan-
cinema, o hollywoodiano, no qual
çamento da União. É necessária vontade dos governan-
sem que, com isso, tenhamos que jogar fora elemen-
nifestação de uma classe, de um gru-
do uma música estadunidense de
o roteiro é sempre o mesmo, sem
tes para investir em políticas culturais, criando, assim,
tos que são característicos da nossa cultura. O que é
po. Com a página, temos a missão de
baixa qualidade”. Isso faz com que o
variações”, lamenta Luís Gabriel.
um processo de democratização ao acesso cultural”.
propriamente nosso precisa ser valorizado, pois é o
representar cada um desses grupos
público se acostume com que vem
Portanto, calma leitor! Você vai poder continuar a ouvir a Lady Gaga e planejar aquela viagem para Europa ou para Miami. Uma coisa não exclui a outra.
Uma mídia mais pluralista e menos elitista tam-
O cineasta e professor de ci-
bém ajudaria a nação brasileira a tirar do imaginá-
Uma carta que chocou o Brasil Mark Manson é um escritor americano que causou
conta que esperava respostas sobre o seu texto,
polêmica ao veicular o texto “Uma Carta Aberta
mas não toda a reverberação que o assunto ge-
ao Brasil” em seu site, em fevereiro de 2016. Nela,
rou. “Muitos brasileiros me agradeceram e me dis-
enfatiza que o problema real do país não é apenas
seram que o jeito de ver as coisas mudou. O texto
a corrupção ou a conturbação política em que vi-
abordou um assunto sobre pontos importantes
vemos, mas sim o próprio cidadão.
que eu sinto que não são abordados no Brasil”.
Um dos principais argumentos de Mark é que o
O estadunidense, escritor de livros de autoa-
brasileiro é caracterizado como superficial e egoísta,
juda, morou por quatro anos no país e acabou se
aquele que se preocupa com seus familiares e ami-
casando com uma brasileira. Segundo ele, a for-
gos, mas não no bem da sociedade como um todo.
mação histórica do Brasil não é um motivo para
A postagem de Manson dividiu opiniões e teve
os problemas atuais “Eu acho que muitos brasi-
muita repercussão nas redes sociais, desde pes-
leiros usam a opressão que sofreram no passado
soas que concordaram com o texto do autor até
como uma desculpa para não lidarem com os
aqueles que o acharam preconceituoso e super-
problemas que têm hoje”. Para ler o texto “Uma
ficial. Mais de 300 mil pessoas curtiram a publica-
Carta Aberta ao Brasil”, de Manson, na íntegra,
ção. Em entrevista para a Revista Origens, o autor
acesse: http://markmanson.net/brazil_pt
O importante é não absorvermos a visão simplista de que só que vem de fora é bom.
que nos diferencia. Um povo sem cultura é um povo sem identidade”, conclui Luís Gabriel.
O LADO BOM DO BRASIL Dados comparativos com outros países do mundo mostram que o Brasil não é tão ruim quanto parece
PIB - Produto Interno Bruto
Crédito: Ana Felicio e Miréia Lima
36
Brasil
IDH - Indíce de desenvolvimento Humano
1.772.589
Suécia
492.618
Noruega
389.482 0
500000
1000000
1500000
2000000 DADOS: IMF - 2015 *Em milhões de U$D
Brasil
0,755
América Latina
0,748
Mundo
0,711 0,00
,1
0,20
,3
0,40
,5
0,60
,7
0,8 DADOS: HDRO 2015
38
PROFESSORES
por Ester Muniz e Karine Seimoha
Revista Origens
PROFESSORES NA TERRA PROMETIDA
2017
te em todos os lugares, eles não acreditam. “Não é só ensinar a língua. É também ensinar a cultura e uma realidade econômica.”, garante. Mais que isso, ensinar um idioma é compartilhar as lendas sobre uma realidade que não existe.
Imigrantes que vieram ao país em busca de uma vida melhor ensinam idiomas e suas diferentes realidades aos brasileiros
O alemão Joerg Lippmann, por exemplo, conta que sua vida não tem sido das mais fáceis no país. Por ter vindo de uma potência mundial, muitas vezes, a impressão que se tem é a de que ele leva uma vida fácil, prós-
N
pera. Isso está bem distante da realidade.
a sala de uma residência na zona sul da contur-
a mão de obra assalariada
bada cidade de São Paulo, Joerg Lippmann fala
do país, outros, casaram-
com um dedicado aluno em um inglês fluente. O
-se com brasileiras e con-
professor, no entanto, é alemão. Assim como ele, vários
seguiram
outros estrangeiros no Brasil dão aulas de línguas que
– se assim desejaram – e
não são as suas nativas.
estão em busca de empre-
De acordo com estatísticas da Polícia Federal, o Brasil abriga 1.847.274 imigrantes. Alguns desses integram
naturalização
go. Apesar disso, poucos
Lippmann acorda todos os dias às 6h da manhã e
“Não é só ensinar a língua. É também ensinar a cultura e uma realidade econômica.” Pierre Lograne
segue de sua casa em Perdizes para a Vila Olímpia, sua principal área de atuação. Após muitas horas de aulas em residências de alunos nos mais diversos pontos da zona sul e empresas na Vila Olímpia, ele só regressa à sua casa por volta da meia noite. Em contrapartida, o cubano Jesus leva uma vida
desses imigrantes lecionam
mais tranquila, porém, não mais fácil. Jesus tem um emprego formal, na editora de um grande jornal paulista, e leciona inglês e espanhol em regiões próximas à sua casa. Aos domingos, vende mojitos e cubas libres línguas, seja a sua língua nativa ou não, nas principais
em sua barraca na feira andina da Kantuta, na região do
escolas de idiomas da capital paulista.
Canindé.
Em outro ponto da cidade, na região da Armênia,
O escritor brasileiro João Guimarães Rosa afirmou,
está o cubano Raimundo Jesus Gálvez Ruiz – conhecido
certa vez, que o universo da língua estrangeira é algo
como Jesus. Na pequena sala de sua casa, leciona inglês
extremamente complexo. E que, para vencer esse de-
a atentos alunos, vez por outra, perdidos no espanhol
safio, “uma nação precisa aprender idiomas sempre
galanteador do professor.
com divertimento, gosto e distração”, e é dessa forma
Diversos fatores são atrativos para os imigrantes no
que os professores estrangeiros que ensinam línguas no
Brasil. Os de países mais ricos, geralmente, são atraídos
país têm buscado fazer o seu trabalho: de forma atra-
por promessas de amor verdadeiro nas terras tupini-
tiva e dinâmica. Seja da forma aten-
quins, belas praias e um clima tropical. Enquanto que,
de Lippmann, seja da forma
em países mais pobres, o fator de atração é a imagem de
galanteadora de Jesus, ou
“terra prometida”, a esperança da prosperidade. Porém,
ainda, estimulados pela
nem sempre é assim.
curiosidade de descobrir
Para Pierre Lograne, francês, professor da sua língua nativa e de inglês, os brasileiros têm a concepção de que em países ricos, não existe desemprego, não existe pobreza. Então, quando ele explica que a pobreza exis-
uma realidade diferente, como faz Lograne.
ciosa
Vários outros estrangeiros no Brasil dão aulas de línguas que não são as suas nativas
39
COMO FIZEMOS
por Profa. Patrícia Ceolin
por Mariana Barros
CRÔNICA
41
Origens
as histórias por trás da revista
M
ais uma Origens em produção. Como nas de-
nalistas em formação, como para jornalistas veteranos:
mais edições, as aulas iniciais foram destina-
o trabalho “de rua”, a realização das entrevistas, a cap-
das às propostas de pautas e planejamento
tação das fotos... Ou seja, o momento em que a reporta-
das reportagens, com a diferença de que esta edição
gem efetivamente “se faz”.
foi dividida entre alunos de duas turmas: o terceiro e o
Nessas idas e vindas, algumas “portas fechadas” fo-
quinto semestres, tendo em vista a atualização da matriz
ram inevitáveis: dificuldades de agenda de entrevista-
curricular do curso de Jornalismo.
dos, falta de resposta de alguns, “não” literal por parte
CALMA,
vou dar um JEITINHO!
O tema da vez: “estrangeiros (que amamos)”; de cer-
de alguns outros, dificuldades com assessorias ou na
ta forma, uma “chamada” a mergulhar nessas variadas
obtenção de determinadas informações... Mas o que fi-
Quem nunca ouviu aquele ditado: “Só não dá
preferenciais quando não se tem necessidade.
faces da relação dos brasileiros com os estrangeiros; por
cou de aprendizado, sem dúvida, é o “como” lidar com
para dar jeito na morte”? Esse é o principal lema
Burlar as regras de trânsito, passando no farol
um ângulo, uma relação marcada por preconceitos; por
imprevistos, como repensar focos, como conseguir a in-
do famoso jeitinho brasileiro. O Brasil possui
vermelho. Esses são comportamentos os quais
outro, uma relação de “adoração” desmedida... com a
formação que se quer. E, nesse sentido, os “parabéns”
uma cultura autêntica, formada por uma mis-
acostumamos e que (infelizmente) muitas ve-
percepção recorrente, e nem sempre sutil, de que “o que
se estendem a todos os alunos que participaram desta
cigenação de portugueses, índios, africanos,
zes, lidamos com naturalidade diante da nossa
não é daqui”, é melhor, na mais pontual versão do nosso
edição, por encararem esses desafios com comprometi-
imigrantes italianos, alemães, japoneses... Essa
sociedade. Mas como explicar o jeitinho brasi-
chamado “viralatismo”, como abordado na matéria da
mento e como oportunidades de aprendizados.
página 34.
mistura de culturas tornou-se uma única. A es-
leiro a um estrangeiro? É fato que esse caráter
E apenas para compartilhar um pouco desse cenário
sência do brasileiro é conhecida pela “ginga”,
passional, o agir com o coração, é valorizado
Nesse início de percurso, diversas ideias de repor-
de bastidores com vocês, leitores, listo aqui alguns in-
essa que é caracterizada pela malandragem do
pelos estrangeiros que aqui visitam. Diferente
tagem foram surgindo e já na primeira aula, algumas
gredientes – só os apetitosos, é claro - que fizeram parte
bon vivant. O jeitinho brasileiro é uma identi-
da visão negativa que os próprios brasileiros
pautas foram se delineando, com as divisões de grupos.
da confecção desta edição da revista: conversas anima-
dade construída socialmente, e define a prática
tem de si mesmos, pelos estrangeiros que vi-
Pautas entregues, o próximo passo foi o das pesquisas
das, salas cheias, dúvidas, soluções, reformulações, par-
criativa de resolver problemas do dia a dia.
sitam o país são vistos como um povo afetivo,
relacionadas às matérias e realização dos contatos para
cerias... Um pouco de tudo isso aqui, nesse “tudo junto
Sérgio Buarque de Holanda diz que esse
marcação de entrevistas.
e misturado”, para brindar este aniversário de “edição
comportamento faz do povo um “homem cor-
Cada povo tem sua cultura, cada cultura, sua
número 5” da nossa revista Origens. Até a próxima!
dial”. Mas o “cordial” nada tem a ver com a
ética. Mas é com o nosso jeitinho que conquis-
cordialidade propriamente dita — a gentileza
tamos os que de fora vêm visitar. Nossa capaci-
e a polidez. Do latim, cordis, significa coração.
dade de acolher, a curiosidade que temos pelas
Logo, o homem cordial é quem age com o co-
outras culturas, diferentes das nossas. Seja pela
ração, a emoção, ao invés da razão. O jeitinho
língua, comida ou música. No Brasil, há espaço
lida com a improvisação diante de conflitos e a
para todas elas. Para ensinar e aprender tam-
informalidade do agir.
bém. E quem sabe assim, podemos descobrir o
E assim chegamos a esta que é, sem dúvida, a fase mais empolgante (e mais desafiadora) não só para jor-
Créditos: Sabrina Bertuccio
40
Há sempre uma forma de “dar um jeitinho”. Um jeito de furar a fila, ou até mesmo ir a filas
Alunos Pedro e Jennifer entrevistam o padre cabo-verdiano Assis Tavares.
hospitaleiro e alegre.
homem cordial, em seu verdadeiro sentido, em todos nós.
42
QUEM SOMOS?
Alunos que participaram desta edição: Káthia Laurindo
Mariana Franco Carolina Cristina Giovana Félix
Julia Pinto
Ester Muniz
Pedro Paulino dos Santos
Isabella Liporoni
Marjorie Slivinski
Priscila Oliveira
Marcelo Surcin
Kaique Dalapola
Caroline Fernandes
Gigi Pananello
Gabriel Plasa
Ana Carolina Osmak
Jemima Barbosa
Lavinia Simonavicius
Jefferson Rodrigues
Larissa Darc
Ketheleen Oliveira
Deise Dantas
Sarah Furtado Ana Rodrigues
Jennifer Silva
Tatiane Cordeiro
Daniela Romano
Wallace Leray Damaris Barros Karine Seimoha Thaynara Moretti Cleber de Oliveira Jayane Silva Vitalina Câmara
Lucas Frizzo
Rafhaella Bonadio
Nesta edição colaboraram também: Sarah Siqueira e Bruno Solano
Ana Beatriz Felicio
Bianca Bispo
Paloma Sangzerla
Nathália Vieira
Mireia Lima
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