Revista
ORIGENS Publicação dos alunos do 5° semestre de jornalismo/matutino das Faculdades Integradas Rio Branco
As histórias
de mulheres que transcenderam suas gerações e vivem sozinhas ou com familiares, mas de forma independente e acompanhando a evolução da cultura
São Paulo, Ano I - N° 2 Fevereiro a Junho de 2011
A “Revista Origem” é uma publicação dos alunos da disciplina “Oficina de Produção IV” do curso de Jornalismo, das Faculdades Integradas Rio Branco. Esta edição da Revista Origens tem a proposta de trazer a realidade dos avós e bisavós para o cotidiano dos netos e bisnetos. Ele faz um comparativo do modo de vida das gerações anteriores com a geração atual. Expediente: Professor Responsável: Clara Correa Agência de Jornalismo: Égon F. Rodrigues Coordenador de Jornalismo: Prof. Patrícia Rangel Diretor Acadêmico: Alexandre Uehara Diretor geral: Edman Altheman Faculdades Integradas Rio Branco Endereço: Av. José Maria de Faria, 111 – Lapa, São Paulo - SP - Cep 05038-190 www.riobrancofac.edu.br Agência de Jornalismo Fone: (11) 3879 3100
Aos 68 anos Marcília nos conta um pouco da sua história “Quando criança brincava de casinha com bonecas de pano, pois era isso que a família podia lhe proporcionar.”
Amanda Campoy
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arcília Aparecida da Silva Mendes nasceu no dia cinco de fevereiro de 1943, em Paraguaçu Paulista, interior de São Paulo. Estudou somente até a 4ª série do Ensino Fundamental. Casouse com João Evangelista Mendes em 1962, com
quem vive até hoje. Quando criança, Marcília, para se divertir, brincava de casinha, com bonecas de pano, cavalinho de pau e pular cordam. Era o que sua família podia lhe proporcionar, pois é filha de trabalhadores rurais. Quando adolescente, conta que para se divertir “fugia” com sua prima para ir a programas de rádio em que havia a participação do auditório da cidade. Em um desses, quem se apresentava era o tecladista “Caçulinha”, que hoje trabalha no programa do Faustão. Quando adolescente, trabalhava como babá e levava as crianças que cuidava ao cinema, onde acabava se divertindo também. No ano de 1963, quando ainda morava no interior, nasceu sua primeira filha, Roseli (minha mãe). No ano seguinte, veio Rosana e dois anos depois, João. Em 1970, a família se mudou para São Paulo para tentar
11 de desembro de 1954 Marcília recebe seu diploma
Marcília com aproximadamente 6 anos
buscar uma vida melhor, e em 1973 a última filha do casal, Renata, completou a família. Desde a adolescência, gosta de cinema e esse interesse dura até hoje, pois quando tem algum filme que lhe interessa em cartaz ela combina com alguma amiga e vai ao shopping assistir. Outra coisa que adora fazer é ler. Ela lê pelo menos dois livros por mês, mostrando como se interessa, pois somente estudou até a quarta série. Marcília também adora fazer cursos. Já cursou informática, inglês e fez aulas de pintura. Outra atividade que não abre mão é sua ginástica. Toda terça e quinta se reúne com um grupo de senhoras em um centro esportivo perto de onde mora.
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Esse grupo se conhece há pelo menos 20 anos, e uma vez por mês viajam para uma comemoração anual. Hoje em dia, Marcília e seu marido João moram na mesma casa que compraram há 30 anos. O casal gosta de viajar, conhecem diversas cidades do Nordeste brasileiro, como Maceió e Porto Seguro. A família é sempre muito unida, todos os finais de semana se reúnem para o clássico almoço de domingo, onde estão presentes Marcília, João e todos os quatro filhos com seus respectivos maridos e esposas. E claro que não podia faltar todos seus queridos oito netos: Cassiano, João H., Natália, Amanda, Kadu, Gabriela e o caçula João A.
Família reunida no Natal
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Marcília ao ser coroada Princesa; Foto acima: Marcília e sua prima
Maria Lucia, uma mulher de fibra Maria Lucia Domingos Machado, durante muito tempo foi mãe e pai, agora faz o papel de avô e avó. Aguerrida que não deixa a peteca cair em nenhum instante. Católica devota e exímia cozinheira. Conheça mais um pouco de sua história.
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Foto: Arquivo pessoal
Luis Otávio e Maria Lucia durante o batismo de seu sobrinho
Infância, superação, religião Caio Bibiano
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aria Lucia Domingos Machado, nasceu em 5 de fevereiro de 1944 no bairro do Ipiranga, região sul de São Paulo. Filha de imigrantes italianos, se mudou bem jovem para a cidade de Campinas, onde passou sua infância. Aos seis anos de idade, voltou com a família para a região metropolitana de São Paulo, mais precisamente no bairro do Jabaquara. Lá viveu durante 18 anos. Quando criança, costumava passar o dia na rua brincando de ciranda, passa-anel e pega-pega. Porém, o que mais fazia era sentar em frente ao
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rádio e ouvir suas músicas e programas favoritos da época. Ela relata que as novelas eram os programas mais ouvidos. Sua infância foi, na maior parte, dentro de casa. Nesse tempo ela aprendeu a bordar, ativi-
Desde muito nova ela teve de aprender a lidar com frustações. dade que tem até hoje como passatempo. Desde muito nova ela teve de aprender a lidar com as frustações da vida. Com cerca de 20 anos de idade ela ficou
grávida de um menino, teve problemas na gestação e a criança veio a falecer. Por essas dificuldades, a religião sempre esteve presente na vida dela. Seus pais sempre foram religiosos e ela procurou levar essa característica à frente. Quando criança, realizou a primeira comunhão e nos dias atuais ela vai à igreja. Além de ler passagens da Bíblia Sagrada. Ela sempre reza por seus netos, filhas, genros, sobrinhos e grande parte da família pedindo proteção e acompanhamento divino.
Vivendo, aprendendo e crescendo Já na fase adulta, viveu um período complicado de sua vida. Mais precisamente aos 20 anos de idade, no ano de 1964, quando teve inicio o período do Regime Militar. Ela se lembra que quando estava na rua não podia comentar sobre política e a situação em que o país vivia na época. A repressão e a censura trabalhavam arduamente para manter a ordem no Brasil. O chamado “Estado de Sítio”. Quando completou 22 anos se casou com Luís Otávio, que chegou à cidade de São Paulo vindo de Belém do Pará e logo arrancou suspiros da jovem. O resultado foi o casório.
A família se divertia muito e sempre iam passear pela cidade, viajar e se divertir. Casaram e tiveram três filhas. Filomena nasceu no dia 12 de maio de 1967;Deborah, dia 03 de agosto de 1969; e a caçula, Flávia, no dia 9 de janeiro de 1973. Nesta época ela morava na região de Santo André, no grande ABC, e posteriormente mudou-se para São Bernardo do Campo, onde viveu até se mudar para Praia Grande, litoral sul de São Paulo. Seu casamento com Luis Otávio foi uma das melho-
Maria Lucia e seus netos na Praia Grande
res coisas que lhe poderiam acontecer. Juntos, passaram ótimos momentos. A família se divertia muito e sempre iam passear pela cidade, viajar e brincar. Compraram até um apartamento na Praia Grande, para passar os fins de semana. Após 23 anos de casamento, Luís Otávio faleceu. Na época, Maria Lúcia esta-
Foto: Arquivo Pessoal
va com 46 anos e não deixou que a situação abalasse sua vida. Por isso, mesmo sendo dependente, financeiramente, de seu marido, já que ele era a principal fonte de renda da família, ela juntou os cacos, refez sua vida e se mudou para Praia Grande, onde vive até hoje. Foto: Arquivo Pessoal
Família reunida no feriado de Páscoa
O que se pode tirar da história de Maria Lúcia é que, independente de sua situação, o importante é viver sua vida. Um dia após o outro, sempre de bom humor e agradecendo por cada dia que é concedido à nós.
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Camila Farinhuk
ascida dia quinze de janeiro de 1944, em São Francisco do Sul, litoral de Santa Catarina, Marina Pereira Farinhuk descreve-se na sua infância como “uma menina sapeca” que adorava brincar de boneca e várias outras atividades com seu irmão mais velho Aroldo. Começou a freqüentar a escola pública com sete anos, onde alem das aulas, treinava basquete e vôlei, e fazia aula de canto. Aos fins de semana, costumava ir à praia no verão e no inverno passava o tempo na praça principal da cidade, ou ia ao cinema com as amigas. Em janeiro, há uma festa muito famosa em São Francisco, que se chama “boi de mamão”, era como um carnaval de rua fora de época onde várias pessoas seguiam uma espécie de carro alegórico pelas ruas da cidade. O circo também ia muito à cidade, havia espetáculos quase todo final de semana. Marina conta que não trocaria sua infância em São Francisco por nenhuma outra cidade. Lá as pessoas eram amigáveis, simpáticas e muito diferentes dos moradores de Mafra, onde reside atualmente. Em sua adolescência, o que mais marcou, segundo ela, foram as festas e bailes que freqüentava. Como tinha muita liberdade com seus pais nunca deixou de ir a um
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Marina Pereira
evento sequer. O Sarau, como era chamado o baile naquela época, tinha musica ao vivo e muitos meninos de Joinville compareciam, o que deixava as meninas de São Francisco mais interessadas. “Eu e meus amigos sempre fazíamos festas americanas em casa, onde cada menina levava um prato de comida, e os meninos levavam as bebidas”. O rádio naqueles anos estava sempre presente na vida dos moradores
de “São Chico”, como a cidade é chamada carinhosamente. “Ouvíamos musicas, novelas... Como não tinha TV naquela época, o rádio ficava o dia inteiro ligado”. Marina também ia aos programas de auditório e a show de calouros na rádio, “sempre assistia os shows de calouros ao vivo, era uma bagunça, mas nunca tive coragem de participar” conta. Era pelo radio também que
desfiles de moda e concursos de beleza durante sua juventude. “Ganhei o concurso de Agremiação de Líder Estudantil em São Francisco, e fui até Rio do Sul concorrer à rainha de Santa Catarina. Saí de casa às 5 da manhã e cheguei lá só às 4 da tarde. Viajei com bobs no cabelo e quando tirei enchi de laquê! Me achei horrível. Quem ganhou foi uma menina de Florianópolis, mas eu não achei a mais bonita” descreve. “No outro dia, teve almoço e eu estava muito bonita. As outras
Marina é casada com Manoel Pedro Farinhuk há 43 anos, e o conheceu num baile de ano novo em São Francisco, quando tinha 20 anos. “Ele morava em Mafra e tinha uma irmã que morava aqui.Me tirou para dançar e queria me levar em casa, mas não deixei, não estava a fim de namorar”. No dia após o baile, se encontraram quando ela saiu da igreja. Manoel pediu seu endereço e começou a escrever cartas, durante um ano. “Nós só nos víamos a cada três me-
“Ouvíamos musicas, novelas... Como não tinha TV naquela época, o rádio ficava o dia inteiro ligado”
ficavam sabendo o que estava acontecendo na política, por exemplo, Marina cita que se lembra muito bem de quando João Goulart foi nomeado novo presidente do Brasil, após Jânio Quadros renunciar ao cargo. Marina participou de
meninas que também estavam concorrendo perguntaram ‘Nossa! Mas porque você não desfilou do jeito que você está hoje?’ ” lembra. Os concursos não eram apenas de beleza, também havia testes de perguntas e respostas. “O menino que eu namorava me deu uma apostila com tudo o que iam perguntar, e eu havia estudado, mas na hora me deu um branco, não respondi nenhuma certa”.
ses, era muito difícil, e então ele me pediu em casamento e eu aceitei”. Ela se mudou para Mafra após se casar e teve seus dois primeiros filhos, Alessandro e Luidy. Marina e Manoel e os filhos mudaram-se para São Paulo, onde ficaram durante um ano, pois ele trabalhava numa madeireira. “Por mim eu não voltaria para Mafra, já tinha me acostumado com São Paulo”. Quando voltou para Mafra, teve sua
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“Nós só nos víamos a cada três meses, era muito difícil, e então ele me pediu em casamento e eu aceitei” terceira filha, Lisandra. Há dez anos, Marina abriu sua loja de roupas, e agora, após fechar a loja, continua trabalhando com vendas em sua casa. Sua rotina é academia de segunda a sexta feira, na parte da manhã, e a tarde visitar e receber visitas de suas clientes. Aos fins de semana recebe seus três filhos, esposas e seus seis netos em sua casa porque preza em primeiro lugar, a união de sua família.
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Os contos de uma mineira paulistana chamada “Tia Fia” Mulher, mineira, amiga dos animais e familiares, estas são as voltas do mundo de Maria Aparecida Aliandro. Diego de Souza
Nascida em 1940, a Tia Avó de Diego Rafael ,aluno de jornalismo, Maria Aparecida é moradora de Diadema desde 1945. Aos cinco anos de idade, veio com seus pais devido uma oportunidade de trabalho em São Paulo que seu pai recebeu. Foi uma época muito difícil, quando o Brasil sofria com a ditadura sem precedentes, em que oposicionistas negros e esquerdistas eram os principais caçados pelo regime.
Nesta época, Maria ainda era criança, mas ajudava sua mãe com as tarefas de casa.E assim fez depois de adolescente e iniciar a vida adulta, quando a repressão continuava no país. Mas vivia uma vida mais pacata, em um lugar que mal estava se formando. Aos 13 anos, ela resolveu trabalhar de empregada doméstica, emprego no qual atua até hoje para atingir a sua independência financeira. “Eu não queria ter que ficar pedindo dinheiro a ninguém,
queria ter o meu próprio, por isto resolvi trabalhar”. Orgulhosa de seus empregos, ela trocou poucas vezes as casas onde trabalha, ou trabalhou. Sempre teve um bom relacionamento com os seus chefes. Ao todo foram cinco casas, estando na atual desde 1981. Quanto aos estudos, naquele tempo não havia creches e o jeito era entrar diretamente no 1º ano que fazia parte da “Admissão”.
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meninas, seis meninos e ela é a caçula de todos eles. No inicio ela disse que foi muito difícil, mas pouco a pouco foram se ajeitando no município. “No início, os meninos tinham que trabalhar com o pai na vida rural para ajudar no sustento”. Sua filha, Amalia Aliandro, é fruto de um relacionamento com Francisco Resende, com
Apesar de não ter chegado ao ensino superior, Maria possui um grande interesse pela cultura. Sempre que pode lê, gosta de filmes antigos, MPB e tudo que o que possa enriquecer os seus conhecimentos. Tia Fia, como é conhecida por todos, veio de Minas Gerais de caminhão, onde morava em uma fazenda de café. Só retornou à sua cidade natal aos 22 anos. A família era composta por nove irmãos, quatro
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“Eu não queria ter que ficar pedindo dinheiro a ninguém, queria ter o meu próprio, por isto resolvi trabalhar” quem só ficou até o noivado e depois resolveu se separar. Após este relacionamento, ela resolveu não se envolver com mais ninguém a não ser a própria família. No seu dia a dia, a caçula da família Aliandro gosta muito de preparar
as suas delicias da culinária mineira, cuidar das suas plantas e do seu cachorro. Gosta muito, também, de receber a família, cuidar das crianças e, sempre que arranja um tempo, viaja para o campo. Uma das primeiras famílias a chegar no ABC, os Aliandros, pessoas que tem como características suas festas animadas, com a participação e a colaboração de todos. Aos 70 anos, a Tia Maria, por ser muito querida ganhou uma festa surpresa. No dia, a filha dela e uma de suas sobrinhas disseram que a levariam para assistir uma peça de teatro. Ela se arrumou toda e forjaram um esquecimento da chave na casa da sobrinha (local da festa), quando chegou e tomou um susto, sorrisos e choros em meio a uma imensa felicidade retrataram os 70 anos de uma guerreira chamada Maria Aparecida Aliandro.
Aos 91 anos e com grande vitalidade Egon Rodrigues
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uem vê Dona Joana, de 91 anos, mãe de seis filhos e com uma saúde de ferro, não imagina que ela já teve de enfrentar um câncer, uma cirurgia para a colocação de pinos metálicos no fêmur da perna direita, após cair de uma escada, e até mesmo uma cirurgia no coração, tudo isso depois dos 80 anos e sem sequelas. Joana Maria de Jesus Franco mora em Osasco, em uma casa de dois andares de um bairro de classe média. Nasceu em Juazeiro, fronteira com Petrolina, Bahia, em 8 de fevereiro de 1920. Filha de João Feliciano Mota, que já havia sido escravo e que chegou a lutar na Guerra de Canudos, Joana foi doméstica desde jovem. Trabalhava em casas de fazendeiros, mas não era registrada. Petrolina é uma cidade que fica localizada no interior da Bahia, a mais de 500 km da capital Salvador. Na época de sua infância, Joana levava uma vida bem simples e frequentava uma escola com um ensino precário. “A vida, naquela época, era ir pra escola, levar palmatória e soletrar durante a leitura. Era tudo atrapalhado, não
entrava nada na cabeça. E naquela época, os meninos e meninas sentavam-se divididos.” ela conta. As crianças entravam aos sete anos na escola e, segundo Joana, apanhavam em casa dos pais e na escola das professoras. “Salas precárias, professoras severas, ninguém aprendia direito. Por isso os nordestinos chegavam aqui sem ler, nem nada!”, ela brinca. E sua crítica tem fundamentos. O sistema de ensino que ainda se usava no Nordeste era muito atrasado. As professoras mandavam os alunos lerem textos e, cada vez que lessem uma palavra, deveriam soletrá-la. Era fácil, portanto, se perder em meio a uma leitura que logo se tornava bagunçada e acompanhada de surras com palmatórias de madeira nas mãos. Ela conta sobre a maneira de se vestir, alguns dos costumes durante sua infância e da situação em que viviam: “Eu usava um vestido de algodão fino para ir pra escola. Naquela época, as mulheres andavam muito recatadas. Vestidos de prega abaixo do joelho e roupas fechadas no pescoço. Nós éramos católicos, íamos à missa. Pra tomar banho por lá, naquela época, só indo no ribeirão que tinha
Doana Joana, durante passeio com a família.
Doana Joana, seu filho Adauto Franco (à direita) e suas netas Marta Alves (no colo) e Rosemary Alves, à frente.
ali perto”. “Quanto à culinária, consumíamos apenas alimentos puros, como carne de bode, porco, ovelha, coalhada de leite puro, requeijão, peixe, ovos de galinha caipira, pão feito em casa, caruru, vatapá, carne seca, mocotó, dentre outros” ela relembra.
Dona Joana e sua neta Marta Alves.
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A vinda para São Paulo Joana (atrás, à direita e de pé) com o pai João Feliciano Mota (sentado), os filhos Antônio Carlos (bebê à frente), José Franco (em pé, atrás), sua filha Vera Lúcia (à direita) e a amiga da família, Maria (à esquerda, com seus filhos Rubens e Aurora.
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oito anos, aproximadamente, veio para São Paulo na migração com a família. Vieram de navio e chegaram à região de Bom Jesus da Lapa. As famílias eram trazidas com muitas promessas e tinham as terras tomadas. A viagem de navio durou cerca de um mês e muitas pessoas morreram no caminho. Em São Paulo, notou a diferença na metodologia das escolas: “A palmatória era só para os meninos mais levados mesmo”, conta ela comparando com a escola de Juazeiro. No entanto, aqui em São Paulo, ela estudou por pouco tempo e passou a trabalhar em casa e na lavoura também: “Aqui em São Paulo, as pessoas da migração trabalhavam nas lavouras de café, desde jovens aos mais velhos, e sofriam muito. A maioria dos jovens trabalhava o dia todo e não estudava, pois não havia escola de noite”, ela ressalta. Logo, era comum ver crianças e jovens que trabalhavam para ajuos
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dar a sustentar as famílias e acabavam não estudando. Neste período em que trabalhou nas lavouras de café, Dona Joana testemunhou como os imigrantes nordestinos, italianos e japoneses sofriam com os trabalhos pesados: “Os jovens iam para as lavouras nos trens lotados da Sorocabana até Ourinhos, Botucatu ou Avaré, onde havia as extensas lavouras de café. Às vezes, estes trens acabavam virando e morriam muitas famílias de imigrantes!” E ela acrescenta: “As famílias de imigrantes japoneses também eram muito escravizadas e judiadas! As pessoas que trabalhavam nas lavouras eram como escravos que ganhavam um pouco! Os japoneses colocavam as crianças em alças nas costas e ficavam
Dona Joana e seu marido Sebastião Franco (já falecido).
trabalhando o dia inteiro. Ao final do dia, as crianças estavam mortas... Os japoneses, os nordestinos e os italianos sofriam muito! Os japoneses, para não passarem fome, faziam pão com inhame e comiam peixes que pescavam, em alguns lugares”. Joana por volta dos 30 anos.
Joana (à direita), sua filha Vera Lúcia (ao meio) e a mãe de seu genro, Maria Fernandes Alves.
O casamento e a vitalidade
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oi na adolescência, na região do interior de Avaré, que Joana conheceu seu marido Sebastião Franco, filho de italianos. Casou-se com ele aos 18 anos, em uma igreja na cidade de Cerqueira César, em 1939. E foi somente depois de casada, e com filhos, que Dona Joana aprendeu a ler, após fazer um MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização). O MOBRAL surgiu como uma continuação das campanhas de alfabetização de adultos, iniciadas com Lourenço Filho, visando ensiná-los a ler e escrever. Durante seu casamento, Joana teve 10 filhos. Seis nasceram de parto normal e quatro sofreram aborto. Todos nascidos em casa. O último de seus filhos, Adauto Franco, nasceu quando ela já tinha 40 anos.
Da esquerda para a direita: Dona Joana, sua filha Vera Lúcia, sua neta Keetulin e seu genro Manoel Alves.
Em toda sua vida, Dona Joana sempre demonstrou uma grande vitalidade, atribuída por ela à sua boa alimentação durante toda sua vida. Vitalidade esta que assustou alguns de seus médicos, quando ela, após os 80 anos de idade, se recuperou rapidamente e sem sequelas de um câncer no reto. Posteriormente, passou por uma cirurgia para a colocada de um pino no fêmur direito, após cair da escada e ter uma fratura exposta. Mais recentemente, recuperou-se de uma cirurgia feita no coração, para a realização de um cateterismo. Hoje, mesmo com uma idade avançada, Dona Joana impressiona pelo seu ânimo no dia-a-dia e uma memória muito boa. Ela é um exemplo de mães que já passaram por muitas lutas para criar seus filhos e para terem a vida que buscavam. É um exemplo de vida para seus filhos, seus netos e bisnetos, tanto por sua experiência, quanto pela pessoa que é.
O café e a economia brasileira
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café foi o produto que impulsionou a economia brasileira desde o início do século XX até a década de 1930. Concentrou-se, a princípio, no Vale do Paraíba (entre Rio de Janeiro e São Paulo). Depois expandiu-se nas zonas de terra roxa do interior de São Paulo e do Paraná. O grão foi o principal produto de exportação do país durante quase 100 anos. Foi introduzida por Francisco de Melo Palheta ainda no século XVIII, a partir de sementes contrabandeadas da Guiana Francesa. A economia cafeeira em São Paulo foi o grande motor da economia brasileira desde a segunda metade do século XIX até a década de 1920. Como o Brasil detinha o controle sobre grande parte da oferta mundial desse produto, podia facilmente controlar os preços do café nos mercados internacionais, obtendo assim lucros elevados. As políticas do governo de valorização do café consistiam, basicamente, em comprar os estoques excedentes da produção de café, através de empréstimos externos. Estes empréstimos eram financiados por tributos cobrados sobre a própria exportação de café. A curto prazo, essa política ajudou a sustentar os preços internacionais do pro-
duto, sustentando a renda dos exportadores. Porém, a médio e longo prazo, essa política deu uma posição de favorecimento do café sobre os demais produtos brasileiros de exportação. Além de inflar artificialmente os lucros do setor e estimular novas inversões de capitais na produção, isso pressionou ainda mais a oferta nacional de café. A crise internacional de 1929 exerceu imediatamente um duplo efeito na economia brasileira: ao mesmo tempo em que reduziu a demanda internacional pelo café brasileiro, jogando seus preços para baixo, impossibilitou ao governo brasileiro tomar empréstimos externos para absorver os estoques excedentes de café. Tudo isso devido ao colapso do mercado financeiro internacional. Contudo, o governo não poderia deixar os produtores de café à sua própria sorte e vulneráveis aos efeitos da grande crise. O custo político de uma atitude como essa seria impensável para um governo que ainda estava se consolidando no poder, como era o caso do governo de Getúlio Vargas no início da década de 1930. Por isso, a partir deste período, o Estado brasileiro passou a desempenhar um papel ativo na economia nacional.
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Clarisse e sua primeira neta.
Experiências de vida que trazem mensagens de liberdade e diversidade Isabelle Stepanies
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ona Clara, que aceita o apelido do filho caçula sem muita boa vontade, nasceu em 1943 em Guaratinguetá. Mas seus pais decidiram buscar melhores condições de vida e mudaram-se para a capital, no Brás, quando Clarisse tinha apenas dois anos. “Era bom por ser perto do centro da cidade, mas era perto de um presídio, o Presídio da Alegria, por isso meus pais não me deixavam sair sozinha” conta, lembrando que passou a maior parte de sua infância dentro de casa. “A gente ia à matinê do Cine Piratininga, no final da rua, que era de
paralelepípedo. Minha mãe ficava olhando a gente da porta e depois ia buscar no final da sessão”. Clarisse saía apenas para visitar a avó que morava na Vila Maria, ia de bonde que “custava uma moeda”. Ela conta que o serviço de saúde na região era bom e atendia bem à
Clarisse conta sobre a vida no Brás: “Era bom por ser perto do centro da cidade, mas era perto de um presídio, o Presídio da Alegria, por isso meus pais não me deixavam sair sozinha”
população “Tinha o posto de saúde lá no Brás e eu nunca tive problema, sempre que ia era atendida e fazia todos os exames que precisava. Quando fui mordida por um cachorro, fui ao instituto Pasteur e era tudo muito lindo, bem arrumado”. Estudou até a admissão, com doze anos. “Eu queria fazer comércio no Colégio Vera Cruz, mas meu pai não deixou”. O motivo foi ela ter presenciado o sequestro de uma colega de sala, “Se não fosse ela a sequestrada, era eu, porque a gente saiu junto da aula e eu vi quando os homens a
Uma de suas aventuras, experimentando a profissão de apicultora.
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arrastaram pra dentro do carro. Por isso meu pai me tirou do colégio e não me deixou mais estudar”. “Para minha mãe e meu pai, os guardas civis de farda azul eram tudo sem vergonha” então ela ficava em casa, Isabelle - retrato de sua primeira neta. assistia a TV e escutava a rádio do Silvio de cabeleireira e passou Santos “era drama que a arrumar as noivas para o casamento, num atelier tinha a tarde inteira, a gente não via a hora de que seu pai construiu em ligar o rádio pra ouvir o casa. “Foi o que eu fiz até casar”. drama”. Nesse tempo que não O casamento podia estudar, Clarisse apareceu como fez vários cursos e, a porta para aos poucos, foi se inserindo no mercado conquistar sua de trabalho. Primeiro fez liberdade corte e costura depois se especializou como Também experimentou “modista” e começou a cursos de violão e balé, fazer vestidos de noiva. Em seguida fez um curso no SESC da Mooca. Mas como havia a dificuldade Carnaval de transitar pela rua do presídio, Clarisse desistiu para não ter que ouvir as reclamações de sua mãe enquanto a acompanhava. “O vô (seu marido) era um tenente do presídio. Ele vestia farda branca e portava espadachim, era guarda do Palácio do Governo do Parque Dom Pedro. Um dia ele veio conversar comigo e pedir pra namorar. Bem na hora o meu pai chegou e Retrato de seu filho Mauro
eu deixei os dois conversando e entrei em casa.” Clarisse casou depois de um ano de namoro, em 1974, queria casar logo para sair de casa. Não sabia que acabaria morando nos fundos da casa da sogra, na Mooca. “Lá era bem livre, a gente podia andar por tudo, era bem tranqüilo.” Depois voltou para o Brás, seu pai havia construído uma casa para ela nos fundos, onde ficou mais dois anos. A situação com o presídio ficou cada vez mais difícil e o casal mudou pra uma chácara em Suzano. ”Era o adr Qu
a na parede que fic de s eu qu a
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fantasiado para o Carnaval.
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bom, os meninos andavam sozinhos pra tudo quanto era lugar”. Ela conta que também teve um salão de cabeleireira por dois anos lá, mas teve que fechar para cuidar dos filhos. Clarisse se separou e continuou em Suzando por um tempo. A procura de novidades e sustento para os filhos, foi aprender tarô. No começo ela ia a um terreiro de umbanda, mas tinha medo, então aprendeu sozinha. “Eu gostei muito, dava bons resultados... tudo o que eu falava acontecia!” Em 1982, Clarisse mudou com os filhos para Atibaia. Continuou um tempo como taróloga, mas acabou parando pelo preconceito sofrido pela sociedade. “Quando eu parei de jogar tarô, comecei a pintar. Comecei sozinha, depois fui fazer aulas. Me encantei pela pintura quando comecei a pintar rostos”. Mas Clarisse começou a pintar por hobby. Para se sustentar e pagar a faculdade dos filhos ela decorava quarto de bebês. Confeccionava os móveis, bichinhos de pelúcia, bonecos, almofadas. Então começou a fazer esculturas de rostos, animais, objetos, para vender. Na sequência foi trabalhar numa clínica de autistas, onde ela ficava brincando
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e desenhando com os internos. Depois disso, abriu o “Aconchego” com uma amiga, uma casa onde cuidava de idosos. Nessa época participou de concursos de pintura da prefeitura, fez uma exposição e vendeu todos os quadros. “O último quadro que eu pintei foi você (sua primeira neta) sentada numa vitória-régia, de
Clarisse deixa uma mensagem para os jovens: “Viva intensamente o aqui e agora. Viva porque depois pelo menos você terá histórias pra contar”. perninha cruzada”. Ela conta sobre sua visita ao Egito, “Eu me apaixonei pelo Egito,
Algumas das jóias que produziu inspirada pela viagem ao Egito.
pelas figuras, pela Esfinge – imagina uma formiga perto do seu pé – é você perto das pirâmides.” Na viagem aprendeu a fazer papiro e essências. Quando voltou não demorou para começar a produzir e vender seus produtos. “Fiz cabeças de Nefertite, quadros, jóias e bijuterias. Aprendi fazer essências, vendi perfumes pra todo mundo! Eu voltei do Egito faraônica, tudo eu faço grande agora.” Clarisse deixa uma mensagem para os jovens: “Viva intensamente o aqui e agora. Viva porque depois pelo menos você terá histórias pra contar.”
Clarisse em sua viagem para o Egito, sempre buscando novas experiências.