Temas em Debate 04 - 2º Semestre de 2009

Page 1

temas em debate

Indo à luta 1

Indo à luta.indd 1

30.04.10 12:40:43

Foto Cortesia Sindicato dos Eletrecitários de São Paulo

Número 4 – São Paulo – 2º Semestre de 2009

Os transeuntes, 1954. Nemesio Antúnez, Santiago, Chile, Óleo s/ tela. MAC-USP.

Faculdades Integradas Rio Branco – Curso de Jornalismo


Serra Pelada, Pará, 1991. Foto: Miguel Chikaoka/Kamara-Kó

temas em debate

temas em debate

Número 2 – São Paulo – 2º Semestre de 2008

Faculdades Integradas Rio Branco – Curso de Jornalismo

Número 3 – São Paulo – 1º Semestre de 2009

Foto Cortesia Sindicato dos Eletrecitários de São Paulo

Foto Cortesia Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte (Asmare)

Faculdades Integradas Rio Branco – Curso de Jornalismo

Desenvolvimento sustentável

Vencendo preconceitos

1

1

Arregaçando as mangas Q

diante de situações adversas, como estar ou ficar desempregado, contrair uma doença ou sofrer um acidente? Com base nessas indagações, a reportagem de temas em debate foi às ruas para saber como as pessoas comuns enfrentaram tais problemas no dia-adia. O resultado desse trabalho, o leitor poderá conhecer nesta edição. São exemplos encorajadores de luta e de superação dos próprios ue fazer

limites, lições de vida que a todos inspiram e comovem. Os relatos traduzem uma cultura de sobrevivência própria dos brasileiros, e remetem ao refrão da música de Paulo Vanzolini: Levanta, sacode a poeira! Dá a volta por cima! Deixamos aqui consignado os nossos agradecimentos ao ex-aluno Ricardo Barros, pela generosidade de imprimir mais uma vez esta publicação.

expediente temas em debate é uma publicação dos alunos da disciplina Reportagem II do Curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Rio Branco. São Paulo Ano II - N. 4 – Julho-Dezembro de 2009. editor

prof. dario luis borelli

diretor geral

prof. dr. custódio pereira

diretor acadêmico

prof. dr. edman altheman

coordenadora

de

comunicação social

profa. maria ursulina

de

moura

faculdades integradas rio branco curso de comunicação social avenida josé maria de faria, 111 cep 05038-070 – são saulo, sp telefone: (011) 3879-3100 www.riobrancofac.edu.br Apoio cultural – CTP, impressão e acabamento:

2

Indo à luta.indd 2

30.04.10 12:40:44


“Estou aqui para a cantar a vida, a felecidade e a fé” A cantora e compositora Giovanna Maira, que perdeu a visão com um ano e dois meses, acaba de lançar o seu primeiro CD Ana Luísa Mello e Natália Bezutti Fotos Ana Luísa Mello

A

visão é um dos cinco sentidos

mais importantes para o ser humano. É ela a responsável pelo recebimento do maior número de informações sobre o ambiente, fazendo assim com que adquiramos mais da metade dos conhecimentos do mundo ao nosso redor. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2008, estima-se que no Brasil existam 12,5 milhões de pessoas com deficiência visual, ou seja, 7% da população total. Mesmo assim, pouco tem sido feito para essa fatia da população. A falta de acessibilidade nas ruas, empresas, meios de transporte, entre outros, dificulta a possibilidade de proporcionar uma rotina com qualidade de vi-da e agilidade. Os deficientes paulistanos, além de encarar as barreiras urbanas impostas pela arquitetura da cidade, acabam tendo que superar o preconceito da sociedade e a falta de educação dos demais habitantes. Com a perda da visão, provocada por um câncer em seu primeiro ano de vida, a cantora Giovanna Maira, por meio de um conselho médico, foi estimulada pelos pais Giovanna Maira é formada pelo Conservatório Villa Lobos e pela USP a aprender a tocar piano. Com isso, e, além disso, ser responsável fez com que Maira desistisse de poderia desenvolver outros sentidos também por ensinar a igualdade, seus sonhos. Desde os 10 anos, e se relacionar melhor com a socie- independente das diferenças. ela assumiu os palcos de casadade, pois, segundo o médico Nenhuma dificuldade física mentos, eventos de empresas, conValter Brandão, muitas crianças acabam se tornando introspectivas, sentindo que a deficiência é uma grande limitação e por isso deixam de se relacionar com o meio. Aos três anos de idade, quando foi de fato matriculada no curso de piano, Maira começou a demonstrar aptidão para o canto. “Adorava cantar junto com outras crianças. Tudo que ia falar, falava cantando, até quando pedia comida, água, era cantando também.” A família, fator imprescindível de apoio aos deficientes, pode ser responsável por meio de estímulos pela inserção dele no convívio social Giovanna Maira canta e encanta nos lugares por onde solta a sua voz

fraternizações, e nunca mais largou o microfone. Hoje, é formada em canto popular pelo Conservatório Villa Lobos e é bacharel em Canto Lírico pela Universidade de São Paulo (USP). Com 22 anos, acaba de gravar seu primeiro CD independente, com letras próprias e algumas interpretações de cantores que admira. Seu pai, além de ser o motorista da perua Kombi 1996 que a transporta até o local do evento, auxilia na montagem da aparelhagem de som e toca alguns instrumentos durante o show, enquanto sua mãe cuida do figurino, maquiagem e monta uma pequena lojinha com o CD da filha. “É muito bom trabalhar em família, isso nos mantém unidos e nos dá muita força para lidar com situações adversas”, diz Wiliam Ribeiro. Para Maira não foi problema lidar com situações adversas, pois desde muito nova foi estimulada a arregaçar as mangas e ir à luta, ao invés de ficar dependendo de outras pessoas. “Tenho muito orgulho em dizer que consigo sobreviver de música, não só eu, como toda a minha família. Além de serem meus grandes incentivadores, meus pais ainda trabalham comigo e me auxiliam para que minha carreira evolua. Estou aqui para cantar a vida, a felicidade e a fé.” A mãe, orgulhosa e consciente do talento da filha, diz que o incentivo e apoio da família são essenciais para que pessoas portadoras de qualquer deficiência se sintam aceitas e percebam que podem ir além. “É preciso ensinar o deficiente a utilizar os meios de transporte público, comprar a bengala, ou o cão-guia”, diz Ivone Ribeiro. Outro fator importante também é a inclusão social. “Montar um e-mail e comprar seu celular, por exemplo, são formas de estímulo. A avó de Giovanna é quem lê no celular os e-mails da neta, mas é Giovanna quem atende e liga

para qualquer pessoa. Ela também consegue ir sozinha ao encontro dos amigos, sem crise, conhece as livrarias especializadas em braile, entre tantas outras coisas que ela faz sem precisar pedir a nossa ajuda”, completa a mãe. Durante um dos shows de Maira, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, Tainá Ianone, jornalista de 26 anos, que cobria o evento, disse ter sentido muita emoção. “A voz dela é de arrepiar. Saio daqui contagiada pela emoção e pela alegria de vê-la cantar. Definitivamente foi um grande show”, afirmou. Após entrevistar a cantora, a jornalista insiste em complementar o seu depoimento. “Ela é tão segura de si, que até não aparenta possuir deficiência alguma. Realmente é uma menina linda, de talento irreparável, que terá muito sucesso.” Além de sua agenda de show, a cantora também se dedica a ministrar palestras que envolvem a inclusão do deficiente na sociedade. Nelas, procura sempre motivar a família e o deficiente a se abrirem a novas perspectivas usando como base tópicos de sua vida, de seu trabalho e de seus estudos. Outra parte importante de sua palestra é sobre auto-estima e superação do preconceito. “O preconceito não é restrito apenas àqueles que possuem alguma deficiência física. É algo implícito a cada ser humano, por difeentes razões, e cabe a cada um provar que pode realizar seus sonhos, seja ele qual for, mesmo com as limitações”, diz. Mas, segundo dados da pesquisa “Retratos da Deficiência no Brasil”, divulgada recentemente pela Fundação Getúlio Vargas, as limitações ainda interferem na hora dos deficientes conseguirem emprego. Considerando 26 milhões de trabalhadores formais ativos, apenas 537 mil são deficientes, ou seja, 2% do total.

3

Indo à luta.indd 3

30.04.10 12:40:46


Fotos Leandro Silva

Driblar a crise e vencer na vida, é o desejo de Marcelo Luis da Silva Ele já provou que com força de vontade e determinação é possível dar a volta por cima e realizar o sonho profissional Leandro Silva e Felipe Prado

O

promotor de

eventos Marcelo Luis da Silva, de 29 anos, nasceu no município de Osasco (SP). Quando tinha dois anos de idade, mudou-se para São Paulo com a sua mãe, dona Maria Leda, que acabara de se divorciar do marido por não reconhecer a paternidade do filho. Na Capital, passou grande parte de sua infância na Vila Brasilândia, um bairro localizado na Zona Oeste da cidade. Lá cresceu e estudou até o primeiro ano do Ensino Médio. Abandonou a escola quando foi contratado no dia 16 de fevereiro de 2003, com salário de R$ 732,19, além de benefícios, para trabalhar como porteiro de um prédio residencial localizado na rua Tabatinguera, região central. Passava 12 horas por dia dentro de uma guarita controlando o aces-so das pessoas ao local. Foram quatro anos na função. Aos domingos, era possível encontrá-lo na Paróquia Santa Terezinha, coordenando eventos da Pastoral da Juventude, na Brasilândia. Era o único dia da semana que se sentia plenamente realizado, pois lhe permitia fazer o que mais gostava: produzir eventos. Com a perda do emprego em outubro de 2007, Silva investiu o dinheiro da indenização na “MS Eventos”. “Comprei um notebook e um kit de som usado, com mesa e duas caixas”, revela. A mãe entrou em desespero, pois não acreditava que a ousadia do filho daria certo. “Uma semana após a demissão, ele estava muito calado. Quando perguntei se tinha recebido e ele me contou que já havia até gastado

o dinheiro, tive um surto, pois tinha as Casas Bahia para pagar”, conta. Além de trabalhar na Pastoral, Silva tornou-se voluntário na Casa de Caridade Mensageiros da Esperança, na Freguesia do Ó, região Norte da cidade. Com o tempo, foi contratado pela entidade para cuidar do setor de evento social e captação de recursos, recebendo um salário fixo e mais comissão. Foi o início de sua carreira no Terceiro Setor. Com sua ajuda, a Casa de Caridade fechou recentemente um convênio com o projeto Coletivo, da Coca-Cola, que irá atender mais de 40 jovens de 14 a 22 anos, que serão preparados para ingressar no mercado de trabalho. Pouco a pouco, Silva passou a buscar novos parceiros para prestar seus serviços. Entre os parceiros está a Associação Central e Comunitária do Estado de São Paulo (Ascecom). Na Ascecom, entidade que atende 175 idosos e 150 crianças, com assistência social, cursos e orientação jurídica, Silva é o diretor cultural e proporciona, em parceria com os comerciantes da região, fóruns de cinema com os jovens visando trabalhar o censo crítico e a cidadania. Os comerciantes são os principais mantenedores das atividades e responsáveis pela ajuda de custo dos educadores. O representante da Construtora A4, Adilson Alexandrino, diz que projetos como esses merecem cada vez mais incentivo de todos aqueles que vivem no entorno da Associação, pois não se trata apenas de marketing, mas de consciência cidadã. Quando consegue realizar três

Voluntários da Associação do Morro Grande, no bairro da Freguesia do Ó, zona Norte de São Paulo eventos no mês, sem considerar o salário fixo da Casa de Caridade, sua renda é de R$1.500,00. Pode parecer pouco, mas Silva compara com o valor que recebia no condomínio e fica satisfeito. “Meses como janeiro e fevereiro são difíceis, por conta das férias. Por isso, poucos optam em fazer festas e eventos nesses períodos”, conta Silva. O jeito então é buscar saídas. Normalmente as férias escolares enchem as ruas da periferia de crianças, jogando futebol, bolinha de gude, soltando pipa, rodando peão, sem a supervisão de um adulto, e sem teor pedagógico nessas atividades. Aí entra o pequeno empresário do Terceiro Seto. Silva busca apoio dos comerciantes da região para ofertar atividades de recreação às crianças e jovens dos bairros de maior vulnerabilidade.

A contribuição ocorre por meio de recursos financeiros e materiais. A mão-de-obra fica por conta de ONG´s, que contratam seus serviços como produtor das atividades. “As crianças e a comunidade ganham com essa iniciativa, pois é uma forma de estreitar laços entre os jovens e sua comunidade”, relata Flávio Batista, voluntário da Associação do Morro Grande, no bairro da Freguesia do Ó. Silva diz sentir paixão pelo que faz e que o dinheriro ajuda mas não é o principal fator para seguir em frente. “Vivo o dia-a-dia do bairro e vejo de perto a vontade de vencer dessa galera. Vem muita gente de fora dá palpite aqui sem ao menos ouvir os anseios da população. São esses ‘forasteiros’ que criticam nosso trabalho para nos desmotivar e tomar nosso espaço”, reclama.

Silva diz ter alguns desafios pela frente, entre eles: concluir o Ensino Médio, ingressar na universidade, montar o escritório próprio da “MS Eventos”, e ampliar seus negócios visando não o lucro sobre a tragédia alheia, mas seu crescimento em conjunto com sua comunidade. “Olho todos os dias no espelho e vejo o que fui ontem, o que sou hoje e penso no que quero ser amanhã. Ainda não sei bem. Por isso, a cada dia busco uma resposta. Para alcançá-la sinto a necessidade de mobilizar pessoas que têm as mesmas dúvidas que eu. Enquanto não acho a resposta, vou dando minha contribuição para um mundo melhor”. É dessa forma que Silva resume seu trabalho e mostra como foi possível acreditar num sonho diante do fantasma do desemprego.

4

Indo à luta.indd 4

30.04.10 12:40:47


Filha ajuda mãe desempregada a recomeçar a vida Após terminar relacionamento e perder emprego, Janete de Oliveira Martins reconstruiu sua vida com negócio que desconhecia Diego Maulana e Glauco Lopes comercial, no qual as pessoas pagam uma taxa, normalmente cobrada de maneira proporcional ao tempo de uso, para utilizar um computador com acesso à internet e uma rede local. Além da internet, os clientes podem utilizar outros serviços, como programas em geral, jogos eletrônicos e soluções de escritórios. Nos dias de hoje, as lan houses tornaram-se centros de educação e cultura. Pensando nesses aspectos, Janete de Oliveira Martins, de 47 anos, resolveu abrir uma lan house próximo a sua casa. Mas a decisão não foi tão simples quanto se imagina. No início do ano de 2005, Janete terminou um relacionamento que durava mais de vinte anos. Além disso, foi demitida, após 15 anos de empresa, onde era gerente comercial e tinha um salário que se aproximava aos R$3.500,00. Foi nesse momento que ela percebeu que sua vida estava “devastada”. “Foi talvez a situação mais complicada da minha vida. Em menos de um mês, tudo virou de cabeça para baixo. A minha filha tinha acabado de completar 15 anos, e eu precisava me virar, por mais que o pai dela pudesse bancála. Mas sempre fui uma pessoa de fibra e jamais iria deixar faltar nada para ela.” Precisando trabalhar urgentemente, a ex-gerente comercial resolveu recomeçar do zero, e para isso tomou uma das decisões mais arriscadas de sua vida. Decidiu vender seu apartamento para comprar um mais simples e, com o restante do dinheiro, mais o seu fundo de garantia, resolveu investir em um estabelecimento comercial. Depois de estudar algumas opções, Janete decidiu que a alternativa que possivelmente seria a mais adequada e interessante financeiramente, na região em que estava alugando o espaço, era abrir uma lan house, pois a mais próxima

Foto Diego Maulana

L

an house é um estabelecimento

Janete de Oliveira Martins recomeçou a vida com o apoio da filha estava situada a dois quilômetros do lugar. “Na época, lan house era uma novidade. Nunca entendi nada de computador, apenas o básico. Minha filha ajudou muito, inclusive com informações de como funcionavam esses estabelecimentos. Resolvi alugar o local e comprar alguns computadores e equipamentos de informática. Eu corria um sério risco de perder todo meu dinheiro caso não desse certo minha ideia”, revela Janete. Assim, Janete resolveu iniciar essa nova fase de sua vida em um mundo desconhecido possuindo apenas o capital para iniciar o negócio e informações de outras lan houses. Em outubro daquele ano estava tudo pronto. Janete cuidou da divulgação, para inauguração do local, confeccionando diversos panfletos e conversando com amigos, familiares, vizinhos. Batizou seu estabelecimento com o nome de Planet Lan House, e, no começo, os funcionários eram ela e sua filha, que só trabalhava após a uma hora da tarde, pois estudava no período da manhã. “Foi um dia inesquecível. Quando eu abri a porta pela primeira vez, confesso que fiquei um pouco

ansiosa. Investi quase 25 mil reais em computadores e equipamentos. Fora a reforma do local, que precisei fazer porque estava completamente abandonado. O meu futuro e o da minha filha estavam em jogo a partir daquele dia e isso me deixava mais apavorada ainda”, relatou. Os primeiros dias não foram fáceis e tanto a mãe quanto a filha Carolina, tiveram que se manter firmes, para não deixar o desespero tomar conta. Por ser algo inovador na época, as lan houses ainda não tinham o mesmo impacto na sociedade como nos dias de hoje. Mas com a febre de sites de relacionamento e programas de conversa instantânea via internet, esses estabelecimentos começaram a ganhar muita força, principalmente entre o público jovem, tornando-se verdadeiros pontos de encontro e um dos lugares preferidos da nova geração. E com a Planet Lan House não foi diferente. Após um início complicado, o estabelecimento começou a ganhar seus primeiros clientes, tornnado-se tornar um dos lugares mais frequentados do bairro da Freguesia do Ó. Janete e sua filha, já não conseguiam mais dar conta de todos os serviços sozinhas.

Com isso a dona da lan house decidiu contratar três funcionários, divididos em dois turnos, pois o horário de funcionamento do local era das nove da manhã às dez horas da noite. “Eu e a Carolina não conseguíamos mais dar conta de todas as obrigações. Eu chegava em casa esgotada, pois ficava doze horas trabalhando, praticamente sem horário de almoço e ainda tinha que cuidar da minha casa. A Planet estava se tornando um sucesso da galera desta região, por isso resolvi contratar três funcionários e graças a Deus me ajudam muito”, afirmou. O sucesso da lan house se tornou uma realidade. Janete conquistou clientes fiéis, que comparecem em seu estabelecimento diariamente e lá permanecem por várias horas. Seus funcionários são registrados, conforme lei federal e recebem todos os seus direitos mensalmente. Thiago Araújo, um dos funcionários, conta como é trabalhar na Planet Lan House: “Poucas vezes tive prazer em trabalhar como eu tenho aqui. O clima é maravilhoso, ninguém fica entediado. E o melhor de tudo é que os clientes acabam se tornando nossos amigos. É muito gratificante. Minha chefe, sempre a chamo assim, é muito divertida e nunca deixa os problemas interferirem no trabalho”. Atualmente, Janete tem a certeza de que seu estabelecimento é um sucesso. Ela afirma ter mais de quatro mil clientes fixos, fora os que passam eventualmente por necessidade de utilizar a internet, ou algum outro serviço em um determinado momento. Após quatro anos, conseguiu não só recuperar o investimento feito, como consegue lucrar e se manter com o dinheiro ganho em sua lan house. Com a ajuda de sua filha e de seus funcionários, ela conseguiu tempo para cuidar de sua casa e para ampliar seu estabelecimento. “Há quatro anos eu tinha 15

computadores, uma impressora que não fazia impressões coloridas e internet. Hoje eu consegui ampliar para 45 computadores, três impressoras, internet rápida e também acesso à internet sem fio, que é a nova tecnologia dos dias atuais. Consegui fazer até uma pequena lanchonete, ou seja, as pessoas podem ficar lá o dia inteiro que ainda tem o que comer”. Atualmente, a Planet Lan House é um lugar muito concorrido entre os jovens da região. No período da tarde, por exemplo, existe uma pequena fila de espera, para utilizar os computadores. Com o acesso a rede sem fio, os clientes podem levar seus próprios computadores e acessar a internet em um lugar muito agradável e confortável. Janete conseguiu superar uma enorme dificuldade em sua vida, e começar tudo novamente, em uma área que ela desconhecia por completo. Hoje ela tem orgulho de seu negócio e não pensa em abrir mão dele em hipótese alguma. “Ali é minha vida agora. Eu sei o quanto eu lutei para conquistar o meu objetivo. Eu não tinha mais nada na vida, perdi o meu emprego e vendi a minha casa. Hoje tenho um negócio estável, consigo manter minha casa, cumprir com todas minhas obrigações financeiras e ainda sobra um dinheirinho para gastar. E se Deus quiser irá permanecer assim até os últimos dias da minha vida”, deseja a empresária. Milhões de brasileiros já passaram ou estão passando pela mesma dificuldade que Janete. E a certeza que fica, é que nunca se deve pensar em desistir e deixar de lutar pelos sonhos pessoais e profissionais. Em um país com enormes dificuldades, encontramos pessoas que sempre desejam lutar para conquistar seus objetivos. Não é fácil, mas está provado que isso não é impossível.

5

Indo à luta.indd 5

30.04.10 12:40:49


Foto Caio Miranda

O aposentado Celso Ferreira de Andrade, de 60 anos, prepara lanche para servir a estudante universitário

Aposentado, “Barba” não abre mão do trabalho ambulante Esposa faz apelo para que marido para de trabalhar, mas vontade de servir e fazer novos amigos fala mais alto Caio Miranda e Barbara Pinheiro

T

odos lhe chamam de “Barba”

mas seu nome de batismo é Celso Ferreira de Andrade. Aposentado como fresador ferramenteiro, trabalha como vendedor de refrigerantes, lanches, cachorros-quentes e churrascos. Começa a atender os clientes a partir das 17h e segue até de madrugada, de segunda a sexta-feira. Está há 12 anos no mesmo ponto – uma rua calma com muitas fábricas e uma faculdade próxima. O “bar” do “Barba” é improvisado. Depois de estacionar sua Perua Kombi na rua, próximo à calcada, ele coloca uma lona sobre algumas mesas, uma churrasqueira e uma TV. O clima é muito descontraído. Com simpatia e sorriso no rosto, conquista a freguesia. “O ‘Barba’ é muito carismático, tem uma receptividade incrível, conhece as pessoas e chama todos pelos nomes. Além disso, faz promoções

e pendura para a gente”, comenta a estudante universitária Natália Bezuttil. “Estou aqui porque gosto, já tive muito prejuízo, vendo fiado para alguns, às vezes não recebo e levo ‘bica’. Gosto de fazer o bem para as pessoas, muitas vezes o trabalhador só tem dinheiro no final do mês, e só por causa de alguns eu não vou deixar de vender fiado, eu vendo sim”, conta. “Barba” revela que há dois anos começou a ser “perseguido” pela Prefeitura de São Paulo e, por causa disso, resolveu reformar sua Kombi e tirar uma licença que lhe dá o direito formal de trabalhar. “Fiz curso de manuseio de alimentos, paguei para retirar minha Perua do pátio, apresentei todos os documentos necessários para tirar o alvará que me dá legalidade do espaço, e ouço dizer por aí que desde 2007 não sai nada, nenhuma

licença, a única coisa que saiu foi no Diário Oficial uma nota com meu nome e que fui aprovado, mas ‘licença de solo’ nada. Eu sou trabalhador, me sinto bem atendendo as pessoas, eu gosto do meu trabalho”, declara. Hoje, na cidade de São Paulo, cerca de três mil ambulantes estão cadastrados na Prefeitura, segundo o último levantamento da Secretaria Municipal das Subprefeituras. Para comercializar produtos é necessário que o ambulante possua o Termo de Permissão de Uso (TPU). O número de ambulantes da cidade está em queda. Em 2005, havia cerca de seis mil cadastros, o número era excessivo e não havia as adequações necessárias. Devido a isso, a Prefeitura decidiu reorganizar o setor e desde 2007 proibiu a emissão de novos TPU. Em entrevista concedida ao site da Prefeitura de São Paulo, o secretário

das Subprefeituras, Andrea Matarazzo, disse que a proibição de novos TPU era imprescindível, pois “havia a necessidade urgente de solucionar problemas decorrentes do aumento do comércio informal na cidade.” Além de prejudicar muitas pessoas, a medida adotada pela Prefeitura aumenta o comércio ilegal. Assim como o “Barba”, muitas pessoas trabalham como ambulantes para aumentar a renda e sustentar a família. Outra importância do comércio ambulante é a geração de novos empregos. “Sempre tem uma pessoa para ajudá-lo nas vendas, isso é bom para ele, que tem um controle maior sobre os produtos e também para mim, pois ganho um trocado a mais para ajudar em casa”, diz Caio Fernando do Araujo de Fazzio, o funcionário do “Barba”. O trabalho sempre esteve presente na vida dele. Aos 14 anos, já era funcionário registrado. Iniciou como aprendiz de fresador ferramenteiro – função que prepara as peças para máquinas. Depois seguiu para o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), onde fez o curso profissionalizante. Trabalhou três anos na profissão até sofrer um acidente nas máquinas e perder uma parte do dedo indicador. “Fiquei afastado três meses”, conta. Aos 17 anos, seu pai morreu, e sua mãe ficou sozinha cuidando de quatro filhos. “Barba” era o mais velho e lembra com orgulho da mãe. “Ela sempre foi ‘porreta’, muito trabalhadora. Em dia de pagamento eu entregava meu salário todinho na mão dela, não ficava nada para mim.” Quando casou com sua única mulher e mãe dos dois filhos, “Barba” morou por oito anos com sua mãe, pois não queria pagar aluguel. Embora tendo sofrido acidente, continuou trabalhando na mesma função: fresador ferramenteiro na empresa Irmãos Capozzi, na qual permaneceu por 10 anos. Nessa época, conta que teve a ideia de vender carros aos domingos para aumentar sua renda. Nas idas e vindas ao Anhembi, onde acontece

a Feira do Automóvel, percebeu que havia poucos marreteiros vendendo bebidas. “Parei de vender carros e percebi que eu ia ganhar dinheiro vendendo bebidas. O Anhembi ainda não tinha aqueles murros enormes como hoje, e, além de bebidas, comecei a vender lanches também, comprei um kit de cachorro-quente e coloquei na perua”, conta. O sucesso do novo “bico” foi tanto que todos os domingos ele levava a esposa, os dois filhos e a filha de criação (irmã de sua mulher) para ajudar nas vendas. “Nós vendíamos cerca de duzentos lanches por domingo. Nosso faturamento era de R$ 1.000,00 a R$ 1.500,00 por domingo”, declara a esposa Sonia Regina Dall’Armi de Andrade, 53 anos. O casal juntou dinheiro e comprou uma casa, um sonho antigo que não era realizado porque não queriam entrar em um financiamento. No auge de sua carreira, com 38 anos, “Barba” foi demitido da empresa Irmãos Capozzi. Faltava pouco para a aposentadoria, por isso procurou novo emprego. Passou por três empresas até chegar na Deca, onde se aposentou. Em seguida, pegou a sua Perua e foi trabalhar no antigo Cândia Supermercados como entregador de compras. Desistiu de prestar serviço ao supermercado e resolveu novamente pegar o Kit de cachorro-quente e ir na porta do PlayCenter. “Quando cheguei na porta do parque, os poucos marreteiros que haviam lá ficaram bravos, porque além de chegar mais um concorrente eu tinha um diferencial, vendia lanches”, diz “Barba”. Como não havia espaço de sobra nos arredores do PlayCenter, ele procurou um novo lugar para se instalar. “Barba” recebeu a dica de um ponto de um travesti, conhecido como Leila. “Achei legal e fui para lá, onde estou até hoje”. A aposentadoria daria para ele parar de trabalhar, mas sua vida não seria a mesma, trabalha com vontade até de madrugada pensando o que seria do local sem ele. Quando não vai trabalhar seu telefone não para de tocar, com perguntas como “Por que você não veio?”

6

Indo à luta.indd 6

30.04.10 12:40:51


Brincadeira de criança vira negócio de gente grande Determinado a conquistar as metas definidas aos 12 anos, Leonardo Barros é hoje dono de lava rápido de 220 metros quadrados Aline Rivetti São Paulo, o trânsito intenso nas ruas da capital paulista e no subsolo de um supermercado conhecido no país, cerca de 20 carros são lavados e polidos por um número aproximado de 15 funcionários. Com 220 metros quadrados, o lava rápido “CarWash” é um dos mais movimentados do bairro de Vila Prudente, Zona Leste de São Paulo. Homem moderno, descolado e inteligente, Leonardo Barros lava carros desde os nove anos. Usa o uniforme da empresa diariamente: camisa azul-cobalto, gravata, calça social e sapatos lustrosos. “Quando comecei a trabalhar percebi que alguns clientes ficavam intimidados se você estava mal vestido. Por isso, nos vestimos bem e os deixamos à vontade”, disse Barros é dono de uma empresa de verdade, como ele mesmo diz. O “CarWash” é um dos lava rápidos mais famosos da região e muito movimentado, todos os dias. Agora a meta é expandir os horizontes, formando uma rede. “Uma pessoa, uma empresa, uma criança de cada vez”. Não são apenas palavras. A empresa oferece programas destinados não apenas a promover o bem-estar do cliente quanto ao atendimento, mas também eliminar uma série de problemas relacionados ao meio ambiente. Foi pioneira no uso de aparelhos para lavagem de automóveis sem a utilização da água, contribuindo com a manutenção de um planeta saudável. Sim, alguns poderiam dizer que tudo isso é simplesmente marketing eficiente. Barros, porém, não esconde seu desejo de atrair e manter o maior número possível de clientes. Se não fosse a obsessão dele pelo próprio progresso, o “CarWash” teria sucumbido há tempo. Ele tinha pouco mais de 20 anos e não tinha certeza do que

queria. Seu pai queria que fizesse faculdade mas não tinha em mente o que poderia fazer, nada agradava seu gosto. Não acreditava que conseguiria vencer. Se você lhe perguntar o por quê, ele poderá lhe contar sobre uma experiência que teve aos nove anos, quando conseguia um dinheiro lavando carros com sua irmã mais nova no condomínio onde moravam. Levavam como brincadeira, que hoje virou seu ganha pão. Ele conseguiu oito novos membros no primeiro dia. “Normalmente leva-se meses para fazer isso”, disse. Ou ele poderá lhe contar sobre um livro que leu pouco depois, O poder do pensamento positivo, de Norman Vincent Peale, um dos clássicos da autoajuda. A obra o convenceu a definir uma meta: O “CarWash” é um dos lava rápidos mais movimentados do bairro da Vila Prudente, na Zona Leste de São Paulo tornar-se o melhor do mercado de lavagens de automóveis. Conseguiu e os sócios felizes, o tempo todo. meçando com um formulário mas este lugar realmente não é isso em três meses. Em seis meses, ele contornou todos de inscrição de quatro páginas para você”, disse. O sujeito ficou Com o passar do tempo aprendeu os empecilhos e atingiu a sua meta que consiste principalmente em pasmo. “Mas você ainda não me quebra-cabeças e jogos. “Com entrevistou...”. “Sim, acabei de que o segredo do sucesso está em número 1. saber o que você quer. Ele pegou As outras nove metas demo- isso, eliminamos a maioria dos entrevistar”, disse ele indicando a um bloco e escreveu dez objetivos, raram um pouco mais, mas ele preguiçosos”, afirma Barros. Depois, porta de saída. que deveria ler em voz alta antes de alcançou todas elas em 12 anos – são verificadas as referências. O “Todo o processo se destina dormir e quando acordasse. Fez isso antes de completar 33. Tirou duas terceiro passo é uma entrevista em a eliminar as pessoas erradas”’, durante alguns anos. Os objetivos lições dessa experiência. Primeiro, grupo e outra pessoal, para veri- comenta. Barros leva muito a sério eram: 1. Possuir um lava rápido; 2. você pode realizar praticamente ficar se os candidatos realmente a ideia de que se deve contratar Torná-lo respeitado na comunidade; tudo o que imagina, se estiver dis- compartilham os quatro valores da pela atitude e treinar para sua 3. Ganhar um dinheiro considerável; posto a trabalhar duro e não desistir. empresa: integridade, disposição capacidade. Quando tenta adaptar 4. Possuir uma Mercedes-Benz con- Segundo, os livros podem mudar para trabalhar duro, dedicação as pessoas ao seu modo de fazer versível, seu sonho de consumo; 5. a sua vida. Não há limite para o extraordinária a ajudar as pessoas as coisas, cria a tensão de que Ter uma casa na montanha e uma quanto você pode melhorar, desde e o desejo de criar o futuro. o treinamento vai ‘consertar’ os na praia e construir outra para que continue lendo, escutando e Uma técnica, por exemplo, é o empregados. Isso pode ser mais seus pais; 6. Tornar-se craque em buscando conhecimento. teste da cadeira. Barros a usou uma prejudicial do que ter uma empresa administração de empresas; 7. A qualquer momento que você vez com um candidato que havia um tanto autoritária, seletiva e Tornar-se um excelente tocador de aparecer no “CarWash”, encon- passado pela entrevista de grupo voltada para metas. piano; 8. Viajar por todo o Brasil; trará exemplos da aplicação de com ótimas notas. O candidato Barros tornou-se uma publici9. Viajar pelo mundo inteiro; 10. algo que Barros ouviu falar ou estava sentado na sala quando dade ambulante do poder do penAprender a economizar. leu. Todo mês, por exemplo, ele Barros entrou. “Estão precisando samento positivo. Ainda possui a Ele acreditou que foi o destino se reúne durante dois dias com o de cadeiras na sala ao lado”, pequena Mercedes, mas só a usa que o orientou. Para atingir seu que chama de “Time do bem”, para disse ele, e começou a pegar as para passeios especiais nos finais primeiro objetivo, Leonardo teria pensar em maneiras de aperfeiçoar cadeiras extras colocadas na sala de semana. Seus pais vivem em de levantar dinheiro, encontrar os negócios. Os novos funcionários de entrevista e carregá-las para fo- uma casa que ele lhes deu. Tem um lugar, convencer o proprietário recebem elogios de um minuto ou ra. Ele continuou fazendo isso até sua própria casa, assim como uma a alugá-lo, conseguir as licenças reprimendas de um minuto, tirados que só restaram duas. O candidato na praia, em Maresias. Só falta a não se mexeu, exceto para tirar os casa na montanha que ainda não necessárias, reformar o local, mudar diretamente do livro. o equipamento e, de alguma forma, São cinco etapas para ser pés de uma delas, quando ele lhe sabe se quer com cinco ou seis manter o lava rápido funcionando, contratado no “CarWash”, co- pediu. “Bem, obrigado por vir aqui, quartos.

Foto Aline Rivetti

U

m dia ensolarado na cidade de

7

Indo à luta.indd 7

30.04.10 12:40:51


Fotos Natasha de Paula Bonomi

Professora aposen ser capaz de criar p e funda o atelier “O

O que antes era visto como passatempo, t

Natasha de Paula Bonomi

E

Vasos de cerâmica pintados à mão

Relógio decorado com pastilhas coloridas

garagem de uma casa localizada na Zona Norte de São Paulo, artesãs encontraram uma forma de driblar as dificuldades, superar o fator idade que as impedem de encontrar um novo emprego e se sustentar financeiramente. Fundado em 2007, o atelier Oficina da Terra é a atração da rua do Guacá, no bairro do Mandaqui. Reunindo grande diversidade de peças artesanais produzidas por moradoras do bairro, é possível encontrar desde uma caixinha de chá decorada, até um belo quadro. Nada é impossível para essas “arteiras”, como define Maria Elena, 66 anos, dona da casa e uma das sócias do atelier. Maria Elena é professora aposentada, mas não por vontade própria. Um dos prazeres que ela tinha na vida era dar aulas, mas a escola onde trabalhou por 12 anos fechou, e a idade dificultou o encontro de outro emprego. Mas ela não desanimou. Em uma tarde revolveu ir à papelaria, comprar algumas tintas para pintar uma velha caixinha de costura que tinha em casa. Inicialmente, a única pretensão era a de passar o tempo. Quando viu o trabalho realizado, Mariana, a filha mais velha, resolveu comprar para a mãe algumas caixinhas de madeira que futuramente foram pintadas, decoradas e vendidas. A ideia de criar um espaço só para artistas nasceu em conjunto com uma amiga de Maria Elena que morava na casa a frente. Alzemira Souza, 52, trabalhava meio período também como professora, e passou a ocupar m uma

Quadros decorativos retratam casal de idosos acenando aos clientes

as suas tardes ajudando Maria Elena a pintar algumas caixinhas que eram encomendas para datas comemorativas. Em pouco tempo, outras seis mulheres já faziam parte do grupo. “Aqui todas têm oportunidade de trabalhar, fazer o que gosta e ganhar um dinheirinho”, diz Marcia Galindo, 49, ex-auxiliar de Administração. Ela compõe a equipe de artesãs, e é responsável pela produção de uma das peças mais procuradas pelos visitantes: os vasinhos que podem ser pendurados na parede, pintados e decorados. Não existem limites, são oito mulheres que um dia enfrentaram a rotina de um escritório e hoje presenciam o crescimento do trabalho produzido pelas próprias mãos. Uma delas, Cida Andrade, 47, trabalhou durante 24 anos em uma loja de roupas no bairro de Santana. Com o tempo, a dificuldade de subir e descer do estoque que fica sobre a loja foi percebida pela dona do estabelecimento. Segundo Cida, hoje uma garota de aproxima-

damente 25 anos ocupa o seu lugar. “Inicialmente eu até pensei em processar a loja, mas depois eu percebi que isso seria perda de tempo. Prefiro gastar as minhas energias fazendo o que eu realmente gosto aqui no atelier”. declarou ela. A secretária Luciana de Sousa, 40, encontrou no atelier uma forma de fazer amigos e ao mesmo tempo de colocar em prática o que estudou quando morava em Minas Gerais. A mineira conta que abriu um negócio com uma amiga no centro de Poços de Caldas. “No começo era tudo muito bom, a gente se dava super bem, mas depois os conflitos foram aparecendo, o negócio ia bem e depois descobri que ela me roubava. Foi um choque. Aprendi muito com tudo isso que aconteceu na minha vida e tenho certeza que isso só me fez crescer”, afirmou. Depois, sem dinheiro, ela teve de voltar para a casa dos pais que se mudaram para a Zona Norte de São Paulo há 13 anos. Foi quando conheceu o espaço através de sua mãe, Julia

8

Indo à luta.indd 8

30.04.10 12:40:56


Fotos Natasha de Paula Bonomi

osentada descobre ar peças artesanais r “Oficina da Terra”

tempo, transformou-se em atividade rentável

Fotos Natasha de Paula Bonomi

a Bonomi e Paula Baldini

A professora aposentada Maria Elena fundou em 2007 a Oficina da Terra

de Souza, 62, amiga de Maria Elena e passou a trabalhar no atelier quatro meses depois que foi inaugurado. Impressionada com o trabalho, ela se juntou à equipe. Uma outra pessoa que caiu de pára-quedas nessa história foi Roberta Vasconcelos, 45, formada em Psicologia. Ela nunca se interessou por trabalhos artesanais, sempre trabalhou em escritórios e lidava com pessoas o tempo todo, mas depois de algum tempo esse trabalho foi esgotando a sua vida e ela teve que se afastar devido a problemas de saúde. Ao visitar o atelier Oficina da Terra, ficou encantada com o trabalho das mulheres e começou a frequentar o grupo diariamente. Agora sua principal obra são vasos feitos com argila em que a psicóloga usa sua criatividade para cativar as pessoas de uma maneira delicada. “Por eu entender um pouco o pensamento das pessoas, procurei usar aqui no meu trabalho formas de colocar isso em prática”, afirmou Roberta com entusiasmo. Mariana Brandão, 35 anos, é a

mais jovem do grupo. Formada em Publicidade, ficou encarregada da parte de divulgação. Mesmo sendo formada em Comunicação nunca teve o dom da oratória e essa foi a melhor maneira de descobrir que é ótima para convencer as pessoas a comprarem determinado produto. É a mais recente integrante do grupo. A publicitária cuida da parte da assessoria da Oficina divulgando as peças de todas e organizando cursos para que outras pessoas que também se sensibilizem pelo trabalho e queiram participar venham para o atelier. Ela e suas sete companheiras dão palestras, criam eventos e coquetéis para que todos conheçam o trabalho dessas artesãs. “Mesmo sendo uma empresa pequena, nós, com o nosso esforço e dedicação, transformamos esse espaço em um grande atelier”, conta Mariana. Ela conta ainda que antes trabalhava para outras pessoas e não tinha esse mesmo prazer de fazer acontece. “Tudo girava em torno de meus chefes aprovarem as decisões a serem tomadas, aqui nós somos parceiras e o que temos em comum

é que amamos essa forma de criar coisas e de colocar amor em todas as nossas criações”, afirmou a publicitária. Hoje o atelier ocupa a garagem e dois quartos que ficam no fundo da casa de Maria Elena. Orgulhosa, ela mostra a grande quantidade de obras produzidas por ela e pelas companheiras. Segundo ela, cerca de 40 pessoas visitam o local diariamente, especialmente na hora do almoço. Nos finais de semana, as artesãs se revezam para cuidar do espaço. “É impossível sair daqui sem levar nada. Sempre que venho acabo comprando alguma coisinha encantadora”, diz Vera Lúcia Garrote, uma das clientes. Adalberto Santi, 68, marido de Maria Elena, diz que no começo achou muito estranho essa história de abrir as portas da garagem como se a casa fosse um estabelecimento comercial. Achava um pouco perigoso e um tanto arriscado. Hoje, ele é um dos maiores apoiadores do atelier, e também ajuda com algumas peças que exigem serviço de carpintaria. “Eu também sou aposentado e aproveito para dar uma mãozinha” declarou ele. O atelier Oficina da Terra atende a pedidos especiais, peças personalizadas e diversos tipos de encomenda. Recentemente, Maria Elena e suas sete amigas receberam de uma grande empresa o pedido de 400 caixinhas do kit cachaça individual, que conta com uma caneca decorada, uma garrafinha de cachaça e uma caixinha enfeitada. Para as artesãs, esse foi até hoje o maior reconhecimento de seus trabalhos.

Galo pintado à mão sobre madeira reciclada

Tela retratando a onça pintada

9

Indo à luta.indd 9

30.04.10 12:41:01


Fotos Renata Gollo

Gravação do Programa Shop Tour, e imagens do interior da loja em Moema – acessórios variados e roupas femininas de vários tamanhos

Empresária de sucesso começou fazendo bijuterias Para realizar o sonho de trabalhar no mundo da moda, economista abandonou o emprego e abriu o seu próprio negócio Débora Fiúza e Renata Gollo

E

laine cristine, 34 anos, sempre se interessou pelo do mundo de moda. Na adolescência, as amigas a procuravam para saber sua opinião sobre o que vestir para ir a uma festa. “Elas me ligavam e perguntavam: Cris, como eu vou? Posso usar isso com aquilo? Será que combina?” Mesmo encantada e sonhando com o mundo da moda, Cristine optou por seguir a carreira de economista. Cursou Economia no Mackenzie, depois fez MBA em Finanças e, sem seguida, pósgraduação em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Mesmo tendo conseguido um bom emprego na

área financeira, desligou-se da empresa para montar o seu próprio negócio, um atelier de moda. Em 2001, Cristine começou a criar bijuterias e semijoias. “Tinha dias que eu fazia 15 colares diferentes, meus dedos chegavam a doer, passava noites criando”, conta Cristine. Passou a vender os adereços para os amigos, parentes, mas a cada dia a procura aumentava e não conseguia dar conta das encomendas. Com o tempo e com a necessidade de um espaço maior para expor suas peças, Cristine montou uma pequena loja de bijuterias no bairro do Ibirapuera, em São Paulo. Além de confeccionar, passou a

comprar peças de outros fabricantes para revender. Deu à loja o nome de Cristine Bijoux. Com o movimento e crescimento da loja, Cristine optou por agregar novos acessórios, como bolsas, brincos, colares, pulseiras, cintos. Aos poucos também colocou vestidos de festas e a aceitação da clientela foi boa. No mesmo espaço, ela uniu itens para compor um look de festa ou um look de trabalho. Com o aumento do movimento e das peças na própria loja, Cristine teve a ideia de expandir o negócio. Mudou-se para um ponto na mesma região, no movimentado bairro de Moema. Lá passou a vender não só roupas de festa, mas também

looks mais casuais. As roupas da loja vão desde o casual até roupas de festas, uma especialidade da marca. A fórmula é trazer que há mais de atual na moda, com pesquisas realizadas pela própria Cristine em Milão, Paris (onde participou da feira de moda Eclat de Mode), Nova York, Grécia e México. A grife atende mulheres de todas as idades, estilos e manequins. O mais interessante foi a percepção da proprietária em atender um público até então esquecido pelas grandes grifes, os tamanhos grandes. A grade de suas peças vai do manequim 36 ao 54, sem contar que o primeiro andar da loja é exclusivo das “cheinhas”. Ele

está repleto de araras com vestidos de festa, roupas com um estilo mais casual, jeans e acessórios. “As gordinhas geralmente são esquecidas pelo grande mundo da moda, mas aqui não, prezamos e queremos inserir essas mulheres belíssimas no mercado da moda, ou ao menos oferecer muita elegância em nossas peças como qualquer outra mulher”, afirma Cristine. Os planos da empresária para o futuro é expandir a loja, abrir outras filiais e até mesmo montar uma confecção própria, já que as peças da loja são de outros distribuidores, mas todos levam a etiqueta com o nome de sua loja. “Espero até o ano que vem conseguir ampliar o

10

Indo à luta.indd 10

30.04.10 12:41:01


exclusividade Simone Sales, modelo plus size (manequim 48). Sales é percussora do segmento aqui no Brasil e é conhecida como a Gisele Bündchen das gordinhas. “É um prazer trabalhar para uma grife tão conceituada, que reconhece a nossa beleza e a necessidade das mulheres, pois nem todas vestem um modelito 38”, diz. Além de anunciar no canal de vendas, Cristine realiza desfiles mensais em programas de TV, como “Mulheres” (apresentado por Kátia Fonseca), “Todo seu” (apresentado por Ronnie Von), na TV Gazeta, e “Hoje em dia”, da TV Record. E os resultados tem sido surpreendentes, a loja está cada dia mais frequentada e as vendas cada vez maiores.

O nome Cristine Bijoux não foi por acaso. “Depois que a loja passou a vender roupas e não apenas bijuterias, decidi deixar o mesmo nome, porque bijoux em francês significa tudo o que é glamoroso, charmoso, de bom gosto e não apenas semijóias”, diz Cristine. A loja possui 15 funcionárias, entre vendedoras, gerentes, assessoras e modelos. Fabiana Alves, 29, foi vendedora e hoje gerencia a loja “É muito bom trabalhar na Cristine Bijoux.Somos uma família e trabalhamos sempre fazendo o melhor. É muito gratificante”, diz Alves. Marta Lulia, 58, é gerente de contas da boutique desde sua inauguração e é a responsável pelos investimentos e controle de

compra, “Estamos investindo muito em mídia como o “Shop Tour”, desfiles em TV, e o retorno que temos é imenso, vale muito a pena. Todos os dias chegam a loja cerca de 10 novas clientes e é muito difícil não comprarem nada, saem daqui cheias de sacolas”, revela Lulia. A loja em Moema atende cade vez mais o público feminino, que vai do manequim 36 ao 54 e além de tudo inclui roupas de festa, clássica, casual e até mais despojadas, e buscam atender a todos os perfis. Silvia Abranches, 54, e Juliana Abranches, 19, mãe e filha, respectivamente, são clientes da Cristine Bijoux há quatro anos e toda semana visitam a loja para ficar por dentro das novidades e comprar roupas e acessórios do dia-a-dia.

“Levamos um brinco e uma peça de roupa pelo menos, toda semana. O bom que encontro roupas para mim, para minha filha e sempre que tenho que presentear alguma amiga, o presente é sempre daqui. As peças são lindas e de muito bom gosto”, diz Silvia, feliz com a sua nova compra, um vestido de seda pura. A filha Juliana completa: “Eu adoro os acessórios da Cris, compro aqui e ninguém tem igual, saio daqui com vários brincos todas as semanas.” O sucesso bateu a porta de Cristine, mas claro que depois de muita luta e persistência, “Não foi nada fácil chegar aqui, mas sei que ainda vou muito mais longe”, declara. Foto Débora Fiúza

negócio, ou crescer mais a nossa própria loja ou criar um segundo endereço”, afirma Cristine. Para ampliar as vendas, Cristine criou um plano de comunicação que inclui anúncio em um canal de televisão à cabo, o “Shop Tour” (46 UHF). As gravações vão ao ar diariamente, cerca de 19 vezes ao dia em São Paulo e Campinas. Pessoas de diversos lugares começaram a ligar para comprar os vestidos. “Muitas vezes a cliente liga e enviamos a roupa que ela viu para o interior de São Paulo e até Minas Gerais”. Com o crescimento do público de tamanhos maiores, Cristine integrou a sua equipe não só uma modelo manequim 38, Mônica Reginato, como contratou com

A fachada da loja Cristine Bijoux, no bairro de Moema, em São Paulo, de Elaine Cristine, que trocou a vida de economista para realizar o sonho de trabalhar no mundo da moda 11

Indo à luta.indd 11

30.04.10 12:41:01


Filha mais nova de feirantes vira dona de loja de roupas

Ana Flávia conta como tornou-se proprietária de duas lojas de roupas: uma, no biarro de Itaim Paulista e outra, em Itatiba (SP)

A

na flávia,

paulistana, nascida no bairro do Tatuapé, em São Paulo, está hoje com 29 anos e é dona de duas lojas que levam o seu nome “Ana Flávia Modas”: uma, no bairro do Itaim Paulista, e outra, na cidade de Itatiba, interior de São Paulo. Começou vendendo roupas nas feiras da zona leste de São Paulo com os pais, Therezinha Nascimento e Juraci de Freitas Leite. Acordava bem cedo e assim como os seus sete irmãos, ajudava na montagem das barracas de peças de roupas das marcas Malvee, Hering e Lee, entre outras, que a família comprava diretamente dos fabricantes. Ana Flávia começou ainda criança, com sete anos de idade. Junto com sua irmã Ana Lúcia, era encarregada pelos pais de arrumar as roupas nas barracas. Quase não dava para enxergar as duas crianças, pois viviam cobertas pelas roupas que retiravam das sacolas, quase do tamanho delas. A menina sempre dava um jeito de se divertir com sua irmã mais velha entre os montes de roupas que os pais vendiam. Vestidas com algumas roupas da barraca, normalmente levavam broncas da mãe, dona Therezinha Nascimento, que, mesmo chamando atenção das meninas, sabia que aquela brincadeira era a única que as filhas conseguiriam ter no decorrer do dia. “Nós sempre brincávamos muito, mas também levávamos o trabalho a sério, pois nossa família necessitava”, conta Ana Flávia. Apesar de não ter estudado, Juraci de Freitas Leite administrava todo o negócio de compra e venda de roupas. “A parte financeira era de sua responsabilidade. Era ótimo negociador, na hora de comprar as roupas para revender conseguia sempre um menor preço, pois sabia que seus clientes pediriam descontos e assim conseguia obter o seu lucro”, conta Ana Flávia Apesar levar todos os seus

filhos para ajudar no trabalho na feira, uns ainda crianças, como Ana Flávia, Juraci de Freitas Leite se preocupava com os estudos dos filhos. Depois do trabalho, todos se arrumavam para ir à escola. “Meu pai era analfabeto”, revela Ana Flávia. Seu pai faleceu em maio de 2003. Ana Flávia conta que o trabalho na feira durou cerca 10 anos. “Aprendi muito com o meu pai. Ele dizia sempre que é com as dificuldades que se aprende, quando chegar em um bom estágio da vida, lembre-se do que passou para permanecer daí para melhor, pois muitos querem chegar no alto, mas se não dar valor, é difícil ficar”, conta. Depois desse tempo, seu pai conseguiu a que é hoje a sua primeira loja, no Itaim Paulista. No início, a loja era um presente para ela e sua irmã, Ana Lúcia, 36, que atualmente trabalha na área de turismo. “Minha irmã não gostava de trabalhar na loja como eu, se ela ficou seis meses foi muito, depois assumi a loja sozinha”. Os outros irmãos seguiram pelo mesmo caminho, todos envolvidos com o mesmo trabalho, porém em locais diferentes. “Flávia é muito batalhadora, me orgulho muito dela por ter conseguido manter a loja”, diz Rodrigo, seu irmão. Ana Flávia iniciou o trabalho com a irmã, Ana Lúcia, que não gostava muito de ficar na loja. “Não era o que eu queria, buscava outros objetivos para a minha vida”, diz Ana Lúcia. Ana Flávia cuidava de tudo pessoal-mente, atendia os clientes, geren-ciava os números, negociava as mercadorias, o transporte, adminis-trava e cuidava do caixa. “Não foi nada fácil começar, foi muita responsabilidade”. Atualmente possui dez funcionários, oito vendedoras e duas gerentes. Está totalmente focada em administrar os negócios,

Foto Daiane Almeida Cabral

Daiane Almeida Cabral e Fernando Verdasca A. Junior

Caçula de sete irmãos, Ana Flávia, 29 anos, aprenderu com o pai feirante o ofício de vendedor de roupas além de gostar muito de negociar mercadorias e de obter sempre o menor preço, assim como fazia o seu pai. Mesmo tendo hoje funcionários auxiliando, trabalha todos os dias, nunca deixa de ir ver o trabalho na loja, quando não está presente, está pesquisando novidades e fazendo compras para carregar seus estoques. Sempre firme e muita atenta, ninguém entra despercebido na loja, conhece tudo, cada peça tem o seu lugar, é perfeccionista, interrompe o atendimento de suas vendedoras caso elas não passem as informações completas. “A Flávia é muito generosa, mas sempre está de olho em tudo”, relata a vendedora Jaqueline. Ana Flávia gosta de estar sempre no controle de tudo, persuasiva como todo o bom vendedor deve ser. Alguns clientes a conhecem desde do início. “Conheço a Flávia há dez anos, praticamente desde a abertura da loja, gosto muito do atendimento e das roupas daqui, me sinto muito bem e hoje somos boas amigas”, diz a cliente Sônia. A loja é pequena, mas muito aconchegante, possui decoração simples e singela, as paredes são pintadas de tons pastéis e araras são alocadas de forma a não atrapalhar a movimentação das pessoas no local. Muitas vezes

a vitrine é feita por ela mesma, conhece bem os seus clientes e sabe o que eles compram, sempre coloca as peças que mais saem da loja na vitrine e isso sempre lhe traz um bom retorno de vendas. Ana Flávia mantêm uma relação muito boa com seus funcionários. Isso se nota pelo contato carinhoso que cada um deles tem com ela, mesmo que às vezes sobre alguma bronca, no final acabam sempre em boas risadas de alguma piada ou situação engraçada que passaram durante o dia. “A Flávia é muito engraçada e bem humorada, além de ser uma boa profissional, consegue reverter muitas vendas”, conta Shirley, uma de suas vendedoras. Há cerca de cinco anos, ela se casou novamente, apesar de dizer que não é casada, não foge disso, pois mora junto com o seu atual parceiro, Sérgio, que é dez anos mais velho que ela. O seu primeiro casamento durou seis meses, menos que o tempo de namoro, que foi de dois anos, na época com vinte e dois anos. Atualmente o casal trabalha junto, viraram sócios e com a parceria e o crescimento da loja, eles adquiriram mais uma, agora no interior de São Paulo, em Itatiba. Nessa, Sérgio administra mais assiduamente, enquanto Flávia

cuida da loja em São Paulo, porém nunca deixam de estar sempre de olhos bem atentos a tudo o que acontece. A loja em Itatiba possui três anos e conta com três funcionários fixos. “Ela é antenada em tudo o que acontece, presta atenção no que os clientes falam sobre a loja, questiona sobre os desejos e necessidades deles”, diz Sergio. Os planos do casal é de crescer ainda mais, comprar mais uma loja e desenvolver as que já mantêm. Flávia dá dicas para quem quer abrir um negócio próprio. “O comércio tem altos e baixos, tem que estar sempre capitalizada para conseguir segurar as fases baixas, sem contar as despesas altas. Tem que ter capital reserva sempre, se não tiver, nem tente, é o que eu digo para quem quer abrir um comércio”. Ana Flávia fala com satisfação de sua história, o orgulho que tem de sua família e de sua trajetória de vida. “Agradeço muito a minha família e a todos que me ajudaram a crescer, clientes e funcionários”. Ela tentou concluir o curso Administração por três vezes, porém não conseguiu devido a falta de tempo. “Tentei terminar a faculdade, mas sempre estou muito envolvida com as lojas, em épocas festivas eu faltava muito, mas ainda penso em concluir o curso”, diz.

12

Indo à luta.indd 12

30.04.10 12:41:01


Casal de desempregados dá a volta por cima sozinho

A ex-servidora pública Fátima Gonçalves e o ex-operário da Ford “Betão dos pneus” tornaram-se vendedores ambulantes Cristiane Mendes e Mariana Sabato Foto Cristiane Mendes

“T

rabalhar hoje em dia não é nada fácil, ainda mais quando se procura um emprego que nos dê segurança de renda fixa. Na hora do sufoco, nada é impossível se tiver força de vontade e criatividade”, afirma Fátima Gonçalves, exemplo de perseverança e luta. Essa senhora de 53 anos resolveu abrir um negócio há cinco anos quando o marido perdeu o emprego de motorista na Ford. A família ficou apenas com o salário dela para sustentar os quatro filhos. Desde então, tiveram que arregaçar as mangas e pensar nas possibilidades para ganhar mais dinheiro. Como ganhar dinheiro sem gastar muito? Simples: abriram uma banca de alimentos que funciona aos sábados em uma feira no bairro em que a família vive em Osasco (SP). “Com a chegada da crise, a empresa do meu marido, Gilberto Gonçalves,cortou aproximadamente 150 funcionários”, conta Fátima. São profissionais dedicados, que acumularam experiência ao longo dos anos, fizeram planos, têm dívidas para pagar e, de repente, surge a crise fazendo com que muitos trabalhadores passem a ficar na situação de desempregados. Com a demissão, além de terem que administrar os estragos pessoais, muitos se deparam com um dilema: como tocar a vida a partir daqui? Como juntar o que sobrou de autoestima e partir para uma possível recolocação? Em 2008, alguns meses após abrir o primeiro empreendimento, Fátima também perdeu o emprego de servidora pública na secretaria da Educação de São Paulo. Foi a vez de agir com calma, não se desesperar e pensar na possibilidade de abrir um segundo negócio. O que parecia um pesadelo se transformou na oportunidade de dar um novo rumo à vida. Segundo a ex-servidora pública, “passada a sensação horrível de medo e

Fátima Gonçalves segura cesta de pães caseiros no centro da cidade insegurança, fiz de uma situação desesperadora o trampolim para

seguir adiante. Confesso que, hoje, sou uma pessoa muito mais

feliz e realizada porque tenho mais tempo para dar a devida atenção às coisas importantes. Sinto que realmente assumi o controle da minha carreira e dos meus projetos”. De segunda a sexta, ela vende sanduíches, bolinhos e quitutes nas proximidades da Avenida Brigadeiro Faria Lima, região da avenida Paulista. “Não é nada fácil passar por essa situação. A gente fica extremamente insegura”, conta Fátima. Os cerca de R$1.000 que os dois negócios rendem por mês sustentam a família, constituída por quatro filhos, além da mãe do Gilberto, Dona Maria, que também está inclusa com os gastos da casa. Segundo Fátima, no momento da decepção de ter sido mandada embora, ninguém consegue planejar e pensar em nada e, portanto, a tomada de decisões precipitadas pode resultar em grandes riscos, financeiramente falando. Mas isso não quer dizer que a pessoa deva cruzar os braços, muito menos aceitar o lugar de vítima. De acordo com o especialista em Recursos Humanos, Washington Sorio, “a maioria das pessoas são definidas em termos de seus empregos e acabam recebendo um sobrenome corporativo. Quantos de nós não conhecemos o Fulano da Xerox, o Beltrano da Shell, o Sicrano do Bradesco etc”. Na Ford Gilberto era conhecido por “Betão dos pneus”. Quando percebeu que já não era mais o “Betão” entrou em uma grave crise de depressão e teve que contar com a garra da esposa e ajuda dos filhos. “Minha esposa é uma mulher extremamente dedicada, não apenas ao trabalho, mas, também, aos filhos e ao marido. Quando fui mandado embora sofri de uma depressão profunda e não tinha vontade nem força para procurar emprego. Mas independente das

dificuldades, Fátima me ergueu e me ajudou na época em que estava me sentindo totalmente impotente. Me transformou em outro homem, isso que é mulher!”, afirmou. No momento do aperto, a família deve ser compreensiva e colaborar sempre, complementa o especialista em RH. “As crianças hoje são compreensíveis e nos ajudam, mas na época não foi fácil lidar com a reação deles. Não apenas pela a idade, mas por terem que passar vontade e por não terem condições de ter o mesmo que os coleguinhas. Hoje meu filho mais velho trabalha como office boy e colabora com as despesas de casa”. De acordo com a psicóloga Renata Soares, quando os pais desempregados vêm os filhos sofrendo com a situação de ter pais desempregados, há uma imediata e inevitável sensação de fracasso por parte dos pais. “Pessoas sem emprego sentem-se sozinhas, constrangidas e inferiores. A vida parece mais insípida, mais tênue”. A verdade é que o emprego ajuda as pessoas a dizer a si mesmas e aos outros quem elas são. A falta de emprego gera diversas implicações, como a baixa autoestima, ansiedade, sensação de abandono e incompetência, fase de instabilidade emocional e desesperança, intolerância nas relações familiares e sociais que são prejudicadas pela mudança no status social e aumentam as preocupações com a vida financeira e os apelos de consumo. “Não fique parado, pois não existem desculpas para não se ganhar dinheiro, mesmo que seja pouco. Use a criatividade, dentro das suas possibilidades e dentro da lei, por mais difícil que seja. Corra atrás para não ficar atrás e não deixe a sensação de impotência tomar conta da situação”, finaliza Fátima Gonçalves, exemplo de perseverança e luta.

13

Indo à luta.indd 13

30.04.10 12:41:02


Foto Débora Araújo

Sonia Basaglia Freitas e Álvaro Freitas Neto em frente ao Instituto Embelezze, montado pelo casal com recursos da poupança e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)

Casal com espírito empreendedor abre negócio próprio

Eles se conheceram há 15 anos em empresa do ramo alimentício e montaram escola que forma profissionais da beleza na Capital Débora Araújo e Diego Lima

E

diversos fatores que levam colaboradores comuns, novos ou não na empresa em que atuam, a abrir o seu próprio negócio ou trabalhar em regime autônomo, pagando seus próprios gastos e administrando seus problemas e expectativas de conquistas de seu empreendimento. Um dos motivos é o desejo de não ter patrão. Nesse sentido, muitos consultores consideram essa não é uma motivação, mas sim uma ilusão daqueles que esquecem que em todo negócio haverá sempre alguém a quem prestar contas, como clientes e funcionários. xistem

Um segundo aspecto seria por necessidade, a ausência ou falta de uma oportunidade de emprego ou mudança para uma chance melhor podem obrigar um indivíduo a recorrer a um negócio próprio como alternativa de sobrevivência e a partir desses casos podem vir a nascer negócios informais. Há também um terceiro quesito, que seria por vocação própria do funcionário – considera-se que aqueles que demonstram alguma vocação para exercer algum tipo de trabalho têm muitas chances de sucesso, pois quando não há vocação é provável que na primeira

oportunidade de emprego a pessoa migre para essa condição. Nesse caso, o negócio próprio cumpre seu papel de colocar o indivíduo na “vitrine” do mercado. E, por fim, um último e provável motivo seria por pressões familiares e do meio, no caso do entorno do colaborador e quando a motivação para essa ação acontece dessa maneira, mesmo que funcione e gere bons resultados, a insatisfação do empreendedor por estar tocando um negócio por pressão pode emperrar a expansão do empreendimento e, principalmente o desenvolvimento pessoal e profissional do indivíduo.

Mas, com todos esses motivos, será que os profissionais que optam por “suar a camisa” e conquistar seu sucesso profissional a partir do próprio negócio e ter sua lucratividade a partir de ações e investimentos próprios, atuando sem um patrão costumam ter bons resultados em suas escolhas, independente da causa dessa nova opção profissional? No caso de Álvaro de Freitas Araújo Neto e Sonia Basaglia, a escolha por mudar de ramo está dando certo há quase um ano. O casal, marido e esposa, se conheceu há mais de 15 anos no

local de trabalho – na grande e ex-empresa Vale Refeição, atual Grupo VR, empresa de negócios para o ramo alimentício. Ele cuidada da Gerência de Administração da empresa, mas começou na organização no cargo de office-boy. Ela cuidava da Gerência de Projetos, e iniciou como auxiliar da mesma área. Os anos passaram-se e em meados de 2007 os negócios e andamentos na empresa já não estavam como antes devido a uma suposta fusão que estava acontecendo, sem conhecimento profundo dos funcionários. Com

14

Indo à luta.indd 14

30.04.10 12:41:03


Fotos Débora Araújo

tantos anos de “casa”, mas sendo o único trabalho relevante de ambos, eles pressentiram e esperavam a possível demissão, que já estava acontecendo com demais colaboradores. Em 2008 a crise internacional foi chegando com reflexos diretos no Brasil e os profissionais Álvaro e Sônia já não faziam mais parte do grupo de funcionários da empresa, mas a demissão aconteceu de forma negociada, porém, como na maioria dos casos, ainda não era esperada. Com contas para pagar, uma filha pré-adolescente de 11 anos para criar e educar, e móveis e imóveis para terminar de quitar, o casal resolveu investir o dinheiro da restituição e fundo de garantia recebidos em um negócio próprio: abriram uma franquia da Embelleze – escola que forma profissionais da beleza (cabeleireiros, manicures, maquiadores e profissionais de depilação e estética no geral) no bairro Campo Belo, na zona Sul de São Paulo. O desafio deles? É diário, pois agora a responsabilidade é toda deles. Desde os gastos com a compra de produtos de beleza até o pagamento dos quase 30 funcionários que eles possuem para atender os quase 400 alunos matriculados. Para Álvaro Freitas, a experiência adquirida anteriormente possibilitou grande auxílio em seu desafio atual. “Mesmo sendo meu primeiro negócio próprio, a base que tive no meu emprego anterior me auxiliou muito para administrar e inovar essa franquia da Embelezze, pois o antigo dono tinha procedimentos e ações diferentes das minhas e da minha mulher. Mudamos muita coisa e para melhor, inclusive ações de divulgação, que praticamente não existiam aqui”, afirma. Sonia Basaglia já se sente adaptada com as novas responsabilidades. “Antes eu era avaliada, hoje sou eu quem avalio e aqui principalmente, pois estamos avaliando pessoas que estão passando conhecimento na área de beleza e estética. Precisamos saber para avaliar, então antes de mais

Os lavatórios usados pelos alunos durante os cursos e a placa com a Missão do Instito Embelleze nada eu e meu marido passamos por treinamentos e palestras do setor para adaptarmos bem a nossa ideia de projeto com as rotinas do dia-a-dia do nosso negócio. Para ser chefe você precisa entender do seu negócio e de todas as áreas da sua empresa”, explica. O professor e cabeleireiro da franquia Leandro Souza trabalha na área há mais de cinco anos e

já atuou em outras franquias da Embelezze, em São Paulo, Ele fala sobre a atuação dos novos patrões. “Fiquei sabendo recentemente que esse é o primeiro negócio deles e me surpreendi, pois eles passam muita segurança para nós, funcionários e para os alunos matriculados nos cursos. Eles sabem o que estão fazendo e nos guiam muito bem”, conta.

A aluna do curso de manicure, Elza Soares, está matriculada na unidade há quase seis meses e falou o que está achando do aprendizado e do ambiente. “Estou gostando dessa escola, é uma franquia organizada, os professores e donos nos tratam muito bem, me sinto em casa, passo horas aqui e não quero saber de ir para casa, pois nem percebo a hora passar.

É um dinheiro que invisto para o meu futuro para eu poder ajudar minha família e estou aprendendo bastante. Também quero abrir meu próprio negócio”, conta a aluna. A filha do casal, Giovanna Basaglia, está feliz com a abertura do próprio negócio dos pais, mas conta que o tempo livre deles diminuiu. “Antes eles tinham horário para chegar em casa, era uma rotina comum e hoje eles trabalham até aos sábados, muitas vezes eu até vou junto. Eu entendo a responsabilidade deles, e sei que é começo, mas parece estar sendo bastante cansativo”, desabafa. Desafios Nem sempre as coisas são fáceis e fluem corretamente de imediato. Foi o caso da maquiadora Maria do Socorro do Nascimento, cuja escolha do próprio negócio não foi assertiva. “Fiz o curso de maquiagem há mais de três anos e resolvi que trabalharia só com isso, já que já tinha experiência suficiente adquirida tanto no curso quanto trabalhando em salões, mas não fui feliz nessa tentativa, pois minha qualificação é muito específica e muitos salões querem profissionais que saibam fazer todas as outras coisas como cortar, fazer unhas, depilar, além de maquiar e eu não tive condições e nem tempo para fazer os demais cursos. Hoje sou copeira”, afirma, desanimada. Já Odete Pereira realizou alguns cursos de cabeleireira há mais de um ano e hoje tem seu pequeno mas charmoso salão de beleza. Diz ela: “Quem quer seu próprio ganha-pão tem que investir, se esforçar e acreditar que vai dar certo. A divulgação do meu salão foi boca-a-boca, de um para o outro e está indo bem. Não estou rica, mas já cessei os gastos iniciais e está valendo a pena. Futuro O próximo passo dos proprietários que tem seu próprio negócio aberto? Nas palavras do casal Álvaro de Freitas Araújo Neto e Sonia Basaglia, continuar “suando a camisa”, pois só assim “é possível que um futuro estável chegue mais rápido”.

15

Indo à luta.indd 15

30.04.10 12:41:05


Trabalho autônomo pode melhorar a renda doméstica

Alguns exemplos de trabalhadores autônomos que exercem atividades visando suprir a falta de salário no final do mês Danielly Augusto de Abreu e Rafaella do Nascimento Negri

D

aleth augusto, dona de casa de 61 anos, viu o orçamento doméstico despencar depois que o marido perdeu 80% da clientela da gráfica onde trabalha como tipógrafo. “O que antes era feito em dias, o computador hoje faz em minutos”, diz Daleth. Vendo o desespero de não ter dinheiro para pagar as contas, ela tentou transformar o seu lazer em profissão. Sempre gostou de cozinhar, principalmente fazer doces. Começou vendendo bolos sob encomenda e depois partiu para o pão de mel. “Tenho encomenda toda a semana. Achei uma forma de conseguir pagar as contas”, diz. Sem panfletos, ela sobrevive com a propaganda boca-a-boca. “Quem gosta, recomenda e assim chegam as encomendas”. Sergio, marido de Daleth, percebe que a vida dos dois mudou bastante. “Antes eu chegava em casa e tinha comida na mesa. Hoje, entro na cozinha e vejo a mesa cheia de doces e cheiro de chocolate por toda a casa”, conta. Mas diz que se sente animado ao atender ao telefone e anotar um novo pedido. “Dou incentivo para que ela faça cursos, pois é sempre bom inovavar e não ficar parado”, diz Sergio, que está se aprimorando na área de informática. José Rodrigues também usa seu dom de cozinhar para conseguir completar o orçamento de sua casa. Após ser despedido de uma empresa de carretos, em meados da década de 1990, seguiu para a área da culinária. Sem curso específico ou graduação, arrisca na cozinha o que aprendeu durante toda a vida. Começou com uma pequena cantina, depois foi para um restaurante, e hoje faz as encomendas em sua própria casa, sem se preocupar com patrão ou com os pratos do dia, apenas com as encomendas de lanches e salgados para festas. “Tem semana que estou cheio de pedidos, em compensação outras

Dona Daleth Augusto faz pão de mel no fogão de casa para vender não há nenhuma ligação. Mas vamos lidando”, diz Rodrigues. Outra alternativa que se vê no cotidiano da cidade é a venda de produtos nos meios de transportes. Dona Maria José, aos 71 anos, carrega o peso da idade e da mercadoria. Mas não desanima, roda São Paulo em busca de cliente. “Eu estou vendendo dentro das peruas. Vou no pé das pessoas, vou carregando água e refrigerante. Eu tô com força, né!” A realidade dos ambulantes é alternada de bons e maus dias. Além de não ser considerada seguro, eles podem ser surpreendidos a qualquer momento pela fiscalização da Guarda Civil Metropolitana ou então dos próprios funcionários da companhia de transporte, e

perderem toda a mercadoria. Dessa forma, usam como estratégia esconder a mercadoria em mochilas ou sacolas de supermercado, camuflar e aguardar o momento certo para oferecer aos passageiros. Mas, às vezes, o cuidado é em vão. “Já perdi muita mercadoria, e a sensação de voltar para casa sem nada é muito triste”, conta a ambulante Valdalice Souza, 42 anos. Além do desemprego, outro problema que obriga muitas pessoas a trabalhar em empregos informais, é o valor da aposentadoria. Dona Maria Cleusa garante que a aposentadoria não paga as contas. Ela e o marido de 73 anos vendem cachorro quente para se manter. “Quando ele se aposentou, o dinheiro não dava mais, e com a falta de dinheiro nós começamos a entrar em conflito. E a gente não tinha opção, então decidimos vender cachorro quente”, conta. Dona Maria Cleusa revela que o casal já passou alguns apuros e humilhações nessa profissão, já que eles não têm licença para trabalhar. “Ladrão roubando ou eu trabalhando é ilegal do mesmo jeito”, diz, revoltada, a aposentada,

ao contar sobre um dia em que o casal foi vender cachorro quente na porta de um estádio de futebol, e a Guarda Civil Metropolitana os retirou de lá, e pegou toda a mercadoria. Hoje catador de papel das ruas do centro de São Paulo, Luiz Fenício, foi, durante 15 anos, metalúrgico, e trabalhou como inspetor de qualidade em uma fábrica no ABC paulista. O operário ganhava R$1.800,00 e agora, nas ruas, ganha R$500,00 “Eu não tenho horário para entrar nem para sair, eu trabalho até a hora que eu conseguir juntar muito papelão, senão eu não tiro nem 500 reais no fim do mês. E olha que esse dinheiro só dá para pagar as contas e comer, e eu ainda estou cheio de dívidas para pagar”, contou Seu Luiz. “Hoje eu me sinto um Zé ninguém”, desabafa o catador. Todas essas pessoas, desde as que fazem doces para fora até as que vendem produtos nos meios de transporte, estão em busca de pão e sustento para a família. São sobreviventes que se alimentam de migalhas de dignidade, conquistadas pelo trabalho. Fotos Rafella de Nascimento Negri

Dona Maria José, de 71 anos, percorre as ruas da cidade de São Paulo vendendo água e refrigerantes 16

Indo à luta.indd 16

30.04.10 12:41:05


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.