Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Igualdade de Género Espaço Privado vs Espaço Público Esfera masculina vs esfera feminina 20092009-2010
A presente investigação foi realizada pela Associação Famílias, no âmbito Projecto Sinergias, indo de encontro aos objectivos do III Plano para a Igualdade – Cidadania e Género (2007(2007 -2010).
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Ficha Técnica INVESTIGAÇÃO Igualdade de Género Espaço Privado vs Espaço Público Esfera masculina vs esfera feminina
Autores: Benedita Aguiar Catarina Rodrigues Daniela Monteiro Eduardo Sepúlveda
Edição Gráfica: Hugo Mendes Regina Sequeira
Prefácio: Dr.ª Benedita Aguiar, Coordenadora do Projecto Sinergias
Edição: Comissão para a Igualdade e para Direitos das Mulheres Associação Famílias Braga – Bragança /2009 -2010
Projecto Sinergias – Equipa Técnica: Coordenadora: Dr.ª Benedita Aguiar Acção Social: Dr.ª Daniela Monteiro Comunicação: Dr.ª Regina Sequeira
Contactos: Telefone: 253 611 609 e-mail: projectosinergias@gmail.com www.projectosinergias.org www.projecto-sinergias.blogspot.com
Sede: Rua de Guadalupe, nº 73 4710-298 Braga (São Vicente) Telefone: 253 618 456 E-mail: associacao.familias@gmail.com
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Índice Introdução …………………………………………………………………………………………... 5 Capítulo 1 | Itinerários de género ………………………………………………………………. 6 1.1 O tempo dos deuses e a sua tropologia …………………………………………………………… 6 1.1.1. Mitologia vs Simbologia....…………………………………………………………………………. 8 1.2 A antiguidade e os primórdios do pensamento filosófico ……………………………………. 12 1.3 A idade média …………………………………………………………………………………………… 13 1.4 Do Renascimento À Idade Moderna ………………………………………………………………. 17 1.4.1 Renovação Social ……………………………………………………………………………………. 17 1.4.2 Da prefação industrial à contemporaneidade……………………………………………….... 20 1.5 Da Primeira Grande Guerra Mundial à actualidade ………………………………………….… 25 Capítulo 2 | Encontros com as Questões do Género …………………………………….…. 33 2.1. Abordagens sobre o Género ………………………………………………………………….……. 33 Abordagem Biológica …………………………………………………………………………………….... 33 Abordagem da aprendizagem social …………………………………………...……………………… 34 Abordagem cognitivo-desenvolvimentista …………………………………………………………… 35 Abordagem do esquema de género ……….……………………………………………………..…… 36 Abordagem do papel social ………………………………………………………………………………. 38 Abordagem da auto-apresentação ………………………………………………………...…………… 39 2.2 Revisão dos constructos fundamentais …………………………………………………………... 41 2.2.1. Sexo, Género e Essência dos Estereótipos de Género …………………………………….. 41 2.2.2. As Manifestações das Diferenças de Género no Quotidiano …………………………….. 46 2.2.3. Entre o Espaço Público e o Privado ……………………………………………………….……. 59 Capítulo 3 | Análise e Discussão dos Resultados da Investigação ……………………… 71 3.1. Contextos da Investigação ………………………………………………………………………….. 71 3.1.1. Breve enquadramento territorial do distrito de Braga ……………………………………. 71 3.1.2. Breve enquadramento territorial do Distrito de Bragança ……………………………….. 73 3.2. Caracterização Efectiva da Amostra ………………………………………………………………. 75 3.3 Caracterização Sócio-familiar ……………………………………………………………………….. 77
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3.4 Situação Profissional e Económica ………………………………………………………………… 80 3.5 A Divisão das Tarefas domésticas …………………………………………………………………. 85 3.6 Conciliação da vida profissional com a vida familiar ………………………………....………. 87 3.7 Igualdade e Cidadania ………………………………………………………………………………... 87 3.8 Mobilidade ………………………………………………………………………………………………. 88 3.9 A violência ………………………………………………………………………………………………. 90 Conclusão ……………………………………………………………………………..…………… 92 Bibliografia ………………………………………………………………………………………... 98
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Introdução No que diz respeito à organização deste trabalho, ele é constituído por três capítulos. O primeiro capítulo, denominado por “Itinerários de Género”, apresenta uma retrospectiva concisa, em que se procura aludir, de uma forma genérica, ao caminho percorrido por ambos os géneros ao longo dos tempos. O segundo capítulo, designado por “Encontros com as questões de género”, fazse uma referência às principais abordagens sobre o género, e ulteriormente efectua-se uma revisão dos principais constructos. Nesse sentido, neste último ponto, começa-se por estabelecer uma diferenciação entre os conceitos sexo e género e por fazer uma referência à essência dos estereótipos de género. Posteriormente, explicitam-se as manifestações que se consideraram mais relevantes acerca das diferenças de género no quotidiano, e por último, estabelece-se, por um lado, uma distinção entre os domínios público e privado, e por outro, faz-se referência às ambiguidades que se cometem quando se estabelecera dicotomia “público/privado”, às mudanças que se têm operado relativamente às questões de privacidade dentro do sistema familiar, e ainda ao que é necessário fazer-se para se eliminarem todas as formas de desigualdade entre géneros. O terceiro capítulo, denominado por “Análise e Discussão dos Resultados da Investigação”, apresentam-se e analisam-se os resultados mais importantes, contrapondo-os com aquilo que vem descrito na literatura, apresentamos as principais conclusões a que se chegaram.
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Capítulo 1 | Itinerários de género género Actualmente e cada vez mais se encetam esforços no sentido da defesa e luta pela igualdade de género, tal deve-se, também, à necessidade e pertinência de colocar na agenda política e social este tema, uma vez que embora muitos progressos tenham sido realizados nesta área ainda se mantêm claras desigualdades entre mulheres e homens, fruto de factores sócio-históricos assentes nas imagens de fragilidade, instabilidade e incapacidade femininas, assumidos até, com maior ou menor consciência, pelas próprias mulheres que mantêm de uma forma mais ou menos consciente, uma submissão aos interesses masculinos dominantes. De facto, conservamos muito do que herdámos dos nossos antepassados, e tal também se deve à convergência dos pontos de vista milenares das civilizações grecolatinas, neste sentido, abordamos alguns elementos que consideramos enquadrantes desta temática. vão da Psicologia à Literatura e ao
1.1 O tempo dos deuses e a sua tropologia
Nos primórdios da era civilizacional com a tentativa de explicar a génese do mundo e da vida, foram criados deuses e deusas à semelhança dos seres humanos. As civilizações procuravam através destas divindades as respostas para o que acontecia de bom e de mau no mundo. Era através da criação de mitos1, aos quais se outorgava um significado específico, que as civilizações procuravam dar então resposta ao enigmático. A mitologia é uma condição inerente a todas as culturas e situa-se entre a razão e a fé, apesar de ser considerada, eminentemente, uma ilustração 1
Entenda-se que mitos constituem, geralmente, relatos, baseados em tradições e lendas idealizados, na tentativa de explicar o universo, a criação do mundo, os fenómenos naturais e qualquer outro aspecto a que não fosse possível ou plausível atribuir uma explicação terrena.
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sagrada. A primeira civilização, a sustentar diversos mitos para poder passar mensagens para as pessoas e, em concomitância, preservar a memória histórica de seu povo, foi a grega. Há três mil anos, não se procuravam explicações científicas para a maioria dos fenómenos, independentemente da sua natureza. Deste modo, na ânsia de arregimentar uma série inexorável de significados para os factos políticos, económicos e sociais, a civilização grega gerou e nutriu uma correnteza de histórias, de origem imaginativa que eram veiculadas, sobretudo, através da literatura verbal. Grande parte destas lendas e mitos chegou até os dias de hoje e constituem importantes fontes de informação para o entendimento da era civilizacional que consubstanciou a Grécia Antiga. A mitologia grega enfatizava o contraste entre as fraquezas dos seres humanos e as grandes e ameaçadoras forças da natureza, apesar de os deuses serem figuras antropomórficas, isto é, tinham características humanas, quer ao nível da fisionomia, quer ao nível do carácter (i.e., qualidades e defeitos). Em geral, as relações entre os humanos e os deuses eram afáveis. Todavia, os deuses aplicavam implacáveis castigos aos mortais que patenteassem comportamentos inadmissíveis, como orgulho condescendente, ambição extrema ou prosperidade desmesurada. Os deuses formavam no Olimpo, local situado numa região da Grécia chamada Tessália que a população acreditava ter sido eleito pelos deuses como uma espécie de sociedade organizada, três segmentos que controlavam o universo conhecido: o céu, o mar e a terra. Os principais deuses, conhecidos como Olímpicos, eram doze (Zeus, Hera, Hefesto, Atena, Apolo, Ártemis, Ares,
Afrodite, Héstia, Hermes, Deméter
e Poséidon), cada
um
possuía
atributos/atribuições muito específicos. Ulteriormente, vão ser apresentados apenas aqueles que se consideraram os mais relacionados com a temática em estudo:
Juno ─ era o equivalente à deusa grega Hera. Filha de Saturno e de Reia (rainha do céu, deus da luz), logo irmã de Júpiter, mas, também, sua esposa. 7
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Tinha a função de soberania e de representar a mulher e as suas características na civilização romana: casamento, gravidez e parto. Procurava, também, proteger as mulheres que ocupavam altos cargos administrativos e que não eram casadas;
Marte ─ correspondente ao deus grego Ares. Da sua ligação ocasional com Reia, nasceram os gémeos Rómulo e Remo, fundadores de Roma. Era venerado como o deus da Primavera, daí o nome do mês de Março, sendo por isso o protector da natureza e da agricultura, bem como da guerra;
Vénus ─ deusa pré-romana arreigada aos campos e à vegetação. Enquanto divindade romana, Vénus não tinha mitologia própria, daí que tenha incorporado a da deusa grega, Afrodite. Permaneceu associada à condição feminina, à beleza e ao amor. Como mãe do herói Eneias, o fundador mítico do povo romano, ficou também conhecida como a protectora da cidade de Roma.
1.1.1. Mitologia vs Simbologia
A crença mitológica, independentemente da era civilizacional, está impregnada de bastante simbolismo. Importa ressalvar que os mitos e os ritos de passagem possuíam um significado muito específico e estavam envoltos num certo misticismo, acabando por conferir significado à existência das populações. Esta Era fica, ainda, marcada pela enunciação e estabelecimento dos símbolos sexuais. Estes constituíam insígnias, baseadas nos signos astrológicos, que foram concebidos com a finalidade de patentear e ilustrar a dissemelhança entre o género feminino e o género masculino. Os primeiros símbolos a serem concebidos, perdurando desde a Roma Antiga, foram os que definem a feminilidade e a masculinidade (cf. Fig. 1), e a partir dos quais foram criados outros, com o propósito de diferenciar as distintas orientações
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sexuais. São, precisamente, estes elementos que a seguir se apresentam sumariamente (cf. Figuras 2 a 7). Fig. 1 Insígnia da
Um círculo com uma cruz invertida na parte
Feminilidade
inferior caracteriza a feminilidade e simboliza
e masculinidade
Vénus, a deusa do amor e da beleza. O círculo com uma seta, indicada, simultaneamente, para cima e para a direita, no quadrante direito da parte superior, representa a masculinidade e representa Marte, o deus da guerra.
Fig. 2 Insígnia
Os dois símbolos interligados são
da Heterossexualidade
utilizados, quer para caracterizar o orgulho heterossexual, quer a união do movimento masculinos
de /
homossexuais femininos.
Genericamente, pretende representar a compreensão das diferenças e da diversidade entre homens e mulheres.
Fig. 3 Insígnia da Bissexualidade
Dois pares de insígnias representativas da feminilidade e da masculinidade entrelaçadas formam a insígnia da orientação bissexual (tudo o que se refere aos dois sexos).
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Fig. 7 Insígnia da Transsexualidade
Estas
duas
insígnias
representam
a
transexualidade / “transgenderismo”, ou seja, a ruptura com os papéis de género tradicionais,
baseados,
quase
que
exclusivamente, nos aspectos biológicos. Existem
diversas
formas
de
“transgenderismo”: na primeira categoria estão as pessoas que sentem que nasceram no
corpo
errado,
psicologicamente,
uma
vez
pertencem
ao
que, género
oposto e tentam ou gostariam Fig. 4 Insígnia
Os
dois
símbolos
femininos
entrelaçados
da Homossexualidade
representam a homossexualidade feminina,
Feminina
isto é, a atracção emocional e sexual que se estabelece entre duas pessoas do género feminino.
Fig. 5 Insígnia
Os
dois
símbolos
masculinos
entrelaçados
da Homossexualidade
caracterizam a homossexualidade masculina, isto
Masculina
é, a atracção emocional e sexual que se estabelece entre duas pessoas do género masculino.
Fig. 6 Insígnia do
Três insígnias, representativas da feminilidade,
Feminismo
entrelaçadas
representam
o
colectivo
de
mulheres e a solidariedade feminista. Este símbolo tem sido, também, empregado para 10
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evidenciar a rejeição dos padrões masculinos de monogamia.
de proceder a transformações morfológicas, definitivas ou transitórias, para corrigir esse “desacerto”; na segunda categoria estão as pessoas com visual e comportamento andrógino (“agendered” – não se enquadram em nenhuma das
identidades
de
género
tradicionais;
“poligendered”
–
possuem
características de ambas as identidades). Qualquer uma das insígnias representa o “transgenderismo”. A do lado direito traduz a fusão das insígnias da feminilidade e da masculinidade, enquanto a do lado esquerdo provém da mitologia romana: segundo o mito, Vénus teve um filho do deus Mercúrio que nasceu com ambas as genitálias, daí o nome Hermafroditus, que significa “hermafrodita” ou “intersexual”. É representado através do símbolo de mercúrio, em que a cruz na parte inferior do círculo representa a parte feminina, enquanto a meia-lua no topo representa a parte masculina).
Através das figuras mitológicas e dos símbolos sexuais verifica-se que, desde muito cedo, houve uma preocupação em distinguir o que é masculino do que é feminino. Isso sempre esteve bem visível na mitologia, bem como nos antigos cultos realizados em diferentes sociedades no decurso do tempo, pese embora a sua significância e possibilidade alterarem consoante a sociedade e a cultura em que as pessoas estão inseridas.
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1.2 1. 2 A antiguidade e os primórdios do pensamento filosófico Platão (século V e IV a.C.) e Aristóteles (século IV a.C.) foram, indubitavelmente, dois dos principais precursores do pensamento filosófico. Homens de cultura, de estudo, de pensamento, são, ainda hoje, filósofos de referência. Platão, talvez por ser discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles, acaba, de certo modo, por alcançar uma maior supremacia social e literária. Por outro lado, importa ressalvar que para isso também muito contribuiu o facto das grandes linhas do pensamento socrático terem sido veiculadas, principalmente, por Platão, dado que Sócrates não nos deixou nenhum legado escrito. No que diz respeito às atribuições sociais veiculadas por Platão, vários são os autores que referem que ele considera que as mulheres são inferiores aos homens, pelo que desse modo, lhe devem estar subordinadas. Segundo Tuana (1992), Aristóteles perfilha das mesmas ideias de Platão no tocante à condição e papel das mulheres, pese embora as razões que ele adianta sejam divergentes. Nesse sentido, enquanto Aristóteles considerava que essas diferenças entre sexos se deviam essencialmente a características de cariz mais biológicas, Platão, pelo contrário, entendia que estas eram decorrentes sobretudo de factores mais cognitivos, espirituais. As repercussões da ideologia platónica ficaram, ainda, bem evidentes no pensamento de outros intelectuais da antiguidade, designadamente em Filon de Alexandria, que desvalorizou o género feminino, associando o género masculino com a dimensão noética da humanidade e o feminino com a sua dimensão estética. Também se verifica que Tertuliano perfilha esse pensamento, quando através da sua famosa e polémica obra intitulada, “De
Cultu Feminarum”, considerava a mulher como a grande responsável pela situação miserável em que se encontrava a humanidade. Importa ainda salientar que para além destes autores, existem muitos outros que defendem as mesmas asserções.
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1.3 A idade média
Decidiu-se efectuar-se uma trifurcação deste período, designadamente: a primeira parte que designa a Alta Idade Média ou Idade Media Antiga, e que decorre do século V ao século X; a segunda, denominada Idade Média Clássica ou Idade Media Plena e que se estende do século XI ao século XIII; e finalmente a terceira e última parte designada Baixa Idade Média ou Idade Média Tardia, e que abrange os séculos XIV e XV.
a) Alta Idade Média Neste período assistiu-se a uma invasão de diferentes povos no Império Romano Ocidental, nomeadamente dos Suevos, dos Vândalos, dos Alanos, dos Visigodos, dos Ostrogodos, dos Francos, dos Anglos, dos Jutos e dos Saxões. Estes reinos que se geraram no Ocidente outorgaram um novo semblante ao continente europeu, sem, contudo, originarem uma total deserção dos costumes e tradições que Roma havia deixado. A “Germanidade2 e Romanidade misturam-se ao nível dos homens e das instituições, das sociedades e da economia, da religião e da cultura” (Balard, Genet & Rouche, 1994, p. 43), e dessa forma, as sociedades efectuaram uma alteração dos Códigos Civis vigentes, como por exemplo, a reestruturação dos princípios normativos que regiam a escravatura3 ou o direito matrimonial. No que diz respeito à conjugalidade, a autoridade do marido sobre a mulher ficou mais reforçada. Segundo Coelho (1997), os povos germânicos elegeram o princípio da “personalidade da lei”, segundo o qual toda a pessoa, fosse ela 2
“Os povos germânicos, ou Bárbaros, eram um conjunto de povos seminómadas que viviam da pastorícia, da agricultura, da caça e da guerra, chefiados por um rei eleito entre as famílias mais poderosas. Praticavam cultos pagãos e professavam o arianismo” (Coelho, 1997, p.104). 3 Segundo Balard (1994), a escravatura e o colonato alcançam um novo estatuto, o de “servo”. Como determinados escravos encontravam-se ligados a um pedaço de terra, o que fazia com que a sua condição se aproximasse à dos colonos (também, denominados por camponeses livre romanos), eram delegados a cederem as suas terras a um grande proprietário, o qual tinha o dever de os proteger.
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homem ou mulher, tinha de viver sob a égide do seu pai, pelos menos até atingir a maioridade e, no caso de a mulher ser casada, estar sob a protecção do seu cônjuge. Contudo, é de ressalvar que quando as mulheres enviuvavam passavam a desempenhar um papel mais interventivo, assumindo não só o controlo dos seus bens mas também a custódia dos seus filhos menores de idade. Dessa forma, a instituição dessas alterações concernentes aos direitos económicos das mulheres constituíram indubitavelmente, uma das principais modificações instituídas ao nível do direito de propriedade. Também Carlos Magno, introduziu diversas reformas legislativas, das quais se destacam os preceitos referentes ao matrimónio e ao estatuto da mulher. A título ilustrativo evidencia-se, por um lado, a possibilidade concedida aos divorciados, independentemente do seu sexo, poderem voltar a casar e, por outro, a declaração de que o adultério não era razão para a dissolução do matrimónio. As cruzadas tiveram um grande contributo na conversão da Igreja Católica na Instituição mais importante e poderosa da Idade Média: assegurava a regência religiosa e política, era a principal responsável pela ciência, pelo conhecimento e pela representação da mulher como a grande causadora do pecado original (ex., “Criação” e “Queda” do Livro “Génsesis”), e que ficou vigente no pensamento das pessoas até finais do século XVIII.
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b) Idade Média Clássica Este período que teve a sua origem no fim do Império Romano e que se caracteriza por uma nova forma de estruturação socioeconómica e política denomina-se por Feudalismo. Baseava-se então numa relação jurídica designada por vassalagem, na qual o “senhor” garantia protecção ao seu “servo”, apenas se este trabalhasse para ele, lhe pagasse os impostos e lhe fosse leal. Durante este período feudal, segundo Balard et al. (1994), a Europa cresceu demográfica, produtiva e economicamente, promovendo o desenvolvimento do comércio e das cidades. Assistiu-se a uma diminuição em massa do número de famílias alargadas de tipo patriarcal, dado que os “senhorios” preferiam dividir as suas terras em parcelas, e consequentemente os casais mais jovens erigiam novas explorações produtivas e fecundas. É de salientar a importância de duas ordens religiosas mendicantes no crescimento e na expansão da religião cristã, do escolasticismo (refere-se a uma linha de pensamento filosófica cristã que se fundamenta na fé e na razão) e da cultura, designadamente através dos franciscanos (que pregaram o protótipo da pobreza e humildade entre o povo) e dos dominicanos (dedicaram-se sobretudo ao ensino e ao estudo teológico nas universidades). Estas ordens religiosas e suas orientações de carácter racional, religiosa e política acabaram por regular toda a organização social. Apenas as classes sociais e economicamente mais favorecidas tinham acesso à educação. Ao nível da nobreza, existia uma clara preocupação em veicular os tradicionais valores masculinos aos rapazes, sendo estes ensinados a “olhar a direito e longe” (Duby & Perrot, 1990, p. 284), de modo a seremlhes transmitidos valores como a coragem e franqueza, enquanto que nas raparigas eram transmitidos os tradicionais valores femininos, sendo estas ensinadas a “baixar o olhar ou levantando-os para o céu” (idem, p. 284), de forma a expressar-lhes valores como a humildade, a sobriedade, a afabilidade e a castidade até ao matrimónio. 15
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O próprio estatuto jurídico alcançado pelo homem e pela mulher era distinto, em que a mulher mais uma vez tinha uma “série de restrições dos direitos, dentro e fora da família, no domínio ‘privado’ como no do direito público” (Duby & Perrot, 1990, p. 356). Exemplo ilustrativo das restrições impostas às mulheres no espaço público é a seguinte situação: elas não podiam estar presentes em nenhum evento público, inclusive num tribunal; caso houvesse necessidade, elas teriam que se fazer representar por “tutor” ou por outro mandatário masculino.
c) Baixa Idade Média Aos progressos da economia ocidental vigentes entre o século XII e XIII, sucedeu um período de profunda crise económica, social e espiritual. A Baixa Idade Media representa uma fase de regeneração e de grandes mudanças que pautaram a vida e a posição das mulheres, alterando, desse modo, as relações entre os sexos, a nível económico ou jurídico, religioso ou ideológico, concorrendo ainda mais, sobretudo nas classes sociais superiores, para o incremento da subjugação da mulher em relação ao homem, ao nível da vontade, da autonomia de decisão e da liberdade das práticas sexuais - o corpo feminino devia “permanecer reservado unicamente para a fecundação pelo marido” (Duby & Perrot, 1990, p. 362). O modelo societário vigente, bastante autoritário e centrado na família, que se caracterizava também por um tal despotismo, originou alterações expressivas no âmbito conjugal, designadamente, com “a institucionalização do paradigma matrimonial cristão ou do acto “único e indissolúvel, celebrado para toda a vida na base do ‘consensus’ dos conjugues” (idem, p. 362). Concomitantemente com a representação da mulher submissa ao cônjuge, surge a imagem da mulher com soberania e poder económico e importância jurídica, detentora de algum espaço de actividade social, em consequência dos longos períodos de ausência masculina devido às expedições militares. Nos 16
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estratos sociais mais desfavorecidos, as mulheres também alcançaram bastante relevo e importância, sobretudo enquanto mão-de-obra, na agricultura, na criação de gado, na produção de leite e no pequeno comércio. Porém, esta emancipação por parte da mulher provocou bastante contenda e contribuiu para “uma crescente hostilidade para com as mulheres e uma repressão e boicote do trabalho feminino” (idem, p. 396), conduzindo inclusive “várias corporativas ordenar barreiras à participação do trabalho feminino” (idem, p. 403). Menos hostilizada e polémica foi a figura feminina no âmbito da área da educação, e da saúde (desempenhavam funções ao nível da enfermagem, da assistência geriátrica e da obstetrícia). Nesta última área, as mulheres podiam competir com os homens e ter formação especializada (Duby & Perrot, 1990).
1.4 Do Renascimento à Idade Moderna
A Idade Moderna denomina o período que decorre entre o fim do século XV (com a queda de Constantinopla) e a eclosão da Revolução Francesa, já no último terço do século XVIII. Este período assinala: os “Descobrimentos”, a consolidação da soberania monárquica, os expressivos progressos do “espírito” científico e, consequente racionalização da natureza humana.
1.4.1 Renovação Social Impulsionado por vários pensadores e criadores, nomeadamente: Botticelli, Leonardo da Vinci, Rafael, Michelangelo, este movimento fomentou o interesse pela literatura, pelos textos clássicos e pela ciência. Este ideal de “ressurreição das letras e das artes graças ao reencontro com a Antiguidade foi, seguramente, fecunda como fecundo são todos os manifestos lançados em todos os séculos por novas gerações conquistadoras” (Delemeau, 1984, p.19), permitindo dessa forma, por um lado, um prosseguimento cultural com o 17
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passado, e por outro, concomitantemente, esforços para uma nova posição face às letras, à arte, e também, às dificuldades do quotidiano. A característica mais proeminente do Renascimento é o antropocentrismo. O antropocentrismo é uma concepção que valoriza o Homem, e que considera que o Homem deve permanecer no centro das atenções do pensamento filosófico e da racionalidade “tratava-se na verdade de valorizar as pessoas em si, encontrar nelas as qualidades e as virtudes negadas pelo pensamento católico medieval” (Petta, 1999, p.36). Nesse sentido, acreditava-se que o ser humano poderia vir a compreender e conhecer todas as coisas e realidades que se conhecem (idem). No que diz respeito à estrutura social, esta estava edificada em função desses ideais humanos, em que a homens e mulheres, compreendiam semblantes
completamente divergentes
Assim, no género masculino
salientam-se as seguintes personagens: príncipe ou guerreiro, artista ou humanista, mercador ou eclesiástico, sábio ou aventureiro, enquanto que no feminino, evidenciam-se estas três faces: a virgem, a mulher e a velha, e que já na Antiguidade simbolizavam a divindade das três cabeças (Garin, 1991). A “mulher-mãe” simbolizava a fertilidade e assegurava a riqueza e a dignidade da família (idem), e o propósito basilar do matrimónio para a mulher era a procriação da espécie (Balard et al., 1994). A “velha-viúva” encarada como “uma trabalhadora, uma dependente, uma mãe degenerada que abandonara os filhos e a família, alguém que através de uma aprendizagem mercenária adquiria riqueza ou seria uma bruxa” (Garin, 1991, p.206). A perseguição às bruxas, levada a cabo pela Igreja Católica e pelo poder político contra as mulheres que viviam no campo, e que possuía um “significado religioso, político e sexual” (Ehrenreich & English, 1984, p.10), constituiu um dos sinais representativos capitais da Idade Moderna. “Calcula-se que sensivelmente nove milhões de pessoas foram acusadas, julgadas e mortas neste período, 80% das quais eram mulheres (Menschik, 1977). As vítimas femininas eram então culpadas por realizarem crimes sexuais sobre os homens e de estabelecerem um pacto com o demónio (Ehrenreich & English, 18
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1984). Por outro lado, a classe médica masculina que se encontrava em plena ascenção e que se sentiu ameaçada, sobretudo do ponto de vista económico, revoltou-se então com essas mulheres que utilizam os seus conhecimentos e a sua sabedoria na cura de doenças, e associou-se a um poderoso aliado, a Igreja Católica e ao seu tribunal eclesiástico: a Inquisição (idem). Finalmente, a “filha-virgem”, cujo destino era o de Eva, designadamente o de procriar, contraindo todavia a figura de “mãe-mulher” (Garin, 1991). Segundo o referido autor, a “filha-virgem” podia também seguir o exemplo/“modelo de Maria, virgem mesmo na maternidade, imutável na sua essência, eternamente imaculada através da clausura nos conventos” (idem, p. 207). Importa mais uma vez salientar que a mulher continuava subjugada à figura masculina: tinha de obedecer e honrar tanto o seu progenitor masculino como o seu conjugue, dado que eram as pessoas que legitimamente estavam responsáveis por ela (Duby & Perrot, 1990). As mulheres das classes média e alta da sociedade tinham também um tutor, ao invés do que sucedia nas mulheres das classes sociais mais desfavorecidas, que tinham que contribuir não apenas para a sua própria subsistência mas também para a da sua família. Porém, de acordo com o citado autor, esse facto não seria garantia de autonomia e emancipação, também porque a mulher era percepcionada como sendo maléfica, devendo sempre o seu pai ou marido arcar com as suas responsabilidades e garantir a sua subsistência. Os principais trabalhos que as mulheres realizavam eram agrícolas e/ou domésticos, que podiam ser efectuados
na
sua
própria
família,
a
título
gratuito,
ou
em
residências/herdades aristocráticas. O Renascimento não foi unicamente “um período em que as mulheres das classes dominantes se distinguiam das que lhes eram socialmente inferiores pelas suas formas mais nutridas e pela brancura imaculada da roupa interior, mas, também, um período em que se tornou mais importante que as mulheres fossem ‘diferentes dos homens’ tanto na forma de vestir como na aparência e no comportamento” (Duby & Perrot, 1990, p. 83). 19
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Para Condorcet, o século das Luzes ficou assinalado pela presença da mulher no âmbito da educação, da política4 e da filosofia. Para este autor, a educação tinha uma finalidade instrutiva e política, daí que ele advogasse que a mulher deveria ter instrução5 como o homem, por dois motivos: por um lado, poderia zelar pela instrução dos seus filhos e, por outro, ao ter conhecimentos similares aos do seu cônjuge, promoveria a felicidade, a satisfação e o êxito da família (idem, p. 401). Este período ficou também assinalado pelo aparecimento dos primeiros movimentos feministas, levados a cabo pelas camadas sociais mais instruídas e /ou aristocráticas.
1.4.2 1. 4.2 Da prefação industrial à contemporaneidade contemporaneidade
Para a maioria dos especialistas, a Idade Contemporânea começou com a eclosão da Revolução Francesa no ano de 1789 e ainda não terminou. Este extenso horizonte temporal subdivide-se em dois grandes e distintos períodos: o primeiro estende-se desde a revolução francesa até ao final da primeira década do século XX, enquanto o segundo inicia-se com a Primeira Grande Guerra (1914) e ainda não cessou. As principais consequências da revolução francesa foram as transformações que se operaram na sociedade em termos sociais, científicos, instrutivos e ideológicos (ex., modificação da relação entre sexos e da posição e dos papéis das mulheres na sociedade, consideradas seres humanos completos, capazes de fruírem e de exercerem os seus direitos), e seu famoso cânon: Liberté,
Egalité et Fraternité. No que respeita aos princípios ideológicos associados à revolução francesa, destacaremos a modificação da relação entre sexos e da posição e dos papéis das mulheres na sociedade. Nesse sentido, esta era considerada um ser humano completo, com os mesmos direitos dos homens, e portanto, “livre das 4
Alguns exemplos apontados são os de Isabel de Inglaterra ou Catarina da Rússia, imperatrizes que reinaram entre 1558 a 1603 e 1762 a 1796, respectivamente. 5 O autor distingue instrução de educação. Enquanto o carácter instrutivo era da responsabilidade da Escola, que deveria salvaguardar o direito de usufruto de todos; o carácter educativo deveria ser da responsabilidade da família.
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
suas opiniões e das suas opções, segura da integridade da sua pessoa e dos seus bens” (Burke, 1797, citado por Sledziewski, 1991, p. 45). No âmbito jurídico-legal, produziram-se entre 1792 e 1973, uma panóplia de documentos legislativos, que concediam à mulher, segundo Sledziewski (1991), a possibilidade de depor nos registos civis, de ter direito a partilhar os bens com o seu cônjuge ou familiares, e de fruir dos mesmos direitos que o progenitor paterno no exercício do poder paternal. Também no ano de 1792, estabeleceuse o princípio da igualdade de tratamento no divórcio e no matrimónio, em que neste último os cônjuges eram “igualmente responsáveis e capazes de verificar por si mesmos se as obrigações criadas pelo acordo são correctamente executadas” (Burke, 1797, citado por Sledziewski, 1991, p. 45). É neste contexto que as acções feministas alcançam uma outra importância e atenção, sobressaindo-se no espaço público Olympe de Gouges (1748-1793), em que a referida autora reclamava que a mulher deveria ter os mesmos direitos aos espaços e empregos públicos, consoante as suas competências. Todavia, em 1793, Olympe de Gouges foi sentenciada e condenada à guilhotina por ter ansiado ser um homem e desvalorizar as características e os valores associados à sua condição de mulher, pelo que as corporações feministas foram suprimidas, combatendo, desta forma, a ampliação e a instituição da notabilidade pública do género feminino. Por outro lado, a Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra, e que emerge colateralmente com a Revolução Francesa, também contribuiu para o surgimento de uma nova sociedade capitalista. De acordo com Hobsbawm (1982), a Revolução Francesa teve um papel preponderante na política e na ideologia dessa nova sociedade capitalista, enquanto a Revolução Industrial Britânica teve uma grande influência na economia do novo mundo. As duas ocorrências acabaram por convergir uma na outra, isto é, a Revolução Industrial Britânica conduziu à adesão da Europa aos princípios declarados pela Revolução Francesa, ao passo que esta consolidou os desígnios progressistas e liberais da Revolução Industrial.
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
A máquina a vapor e a difusão das indústrias concorreram para essa revolução industrial, que se pautou então por uma passagem de uma unidade fabril familiar, de pequenas dimensões e com uma micro produção, para macro indústrias detentoras de uma grande tecnologia, com uma produção em massa, e caracterizadas por um combinação/ajuste multicultural e social. É de ressalvar que todas essas alterações socioeconómicas, culturais e tecnológicas modificaram a um ritmo extraordinário a mentalidade e o estilo de vida de milhões de pessoas, e que se reflectiu na elevada migração da população rural para as cidades, nas condições de vida precárias dos trabalhadores braçais (que viviam em condições sub-humanas: proliferavam os “cortiços”, dado que estes tinham parcos recursos económicos e não tinham portanto rendimentos para comprar ou edificar o seu próprio domicílio) e laborais (com jornadas de trabalho muito longas, podendo chegar às 80 horas semanais, e muito mal remunerados). Ainda no tocante a este último ponto, importa salientar que “as mulheres e crianças constituíam igualmente a força braçal, vivendo em circunstâncias mais íngremes do que os adultos masculinos” (Arruda & Piletti, 1996, p. 46), consequência, sobretudo, da menor resistência, essencialmente física, que demonstravam. Por outro lado, a massificação e a divisão da produção afastaram cada vez mais o proletário do produto final, uma vez que cada operário ocupava-se e era especializado somente numa tarefa específica da produção, não necessitando de conhecer e dominar todo o processo de produção (fragmentação da produção). Como se depreende, caminhou-se então, paulatinamente para um “mundo novo”: o do capitalismo, da cidade, da tecnologia e da mudança constante. Como consequência do panorama provocado pela industrialização, não demoraram a emergir, tanto no Continente Europeu como nos Estados Unidos da América, movimentos de corporações do proletariado contra o patronato e, consequentemente, contra o sistema policial e político. Do conjunto de movimentos evidenciam-se:
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
a) Movimento Ludita (1811-1812) Este movimento foi uma espécie de sindicância contra os proprietários dos meios de produção e as máquinas criadas após a revolução industrial para substituir e reduzir a mão-de-obra. Foi sobretudo no ano de 1811 que este movimento, liderado por Ludd, agiu de forma mais
extremista e
revolucionária, apoderando-se de fábricas e destruindo as máquinas que, conforme os activistas, estavam a substituir os trabalhadores por serem mais produtivas que estes.
b) Movimento Cartista (1837-1848) Em seguimento do movimento ludista, sucede o movimento "Cartista” que reivindicava melhores condições laborais e a regulamentação do mesmo. Algumas das revindicações prendiam-se: com a restrição da jornada de trabalho para um período de 8 horas; a regulamentação do trabalho feminino; com a abolição do trabalho infantil; e ainda com o descanso semanal e o salário mínimo. Este movimento sobressaiu-se essencialmente pela sua organização e actuação, alcançando e conquistando, por intermédio da via política, diversos direitos sociais para o proletariado.
c) As Trade-Unions O século XIX cujo propósito era o de instituir o Socialismo e materializar o Comunismo, pautou-se então pela sua ideologia antiliberal, contribuindo, desse modo, para o auxílio e para a organização do movimento revolucionário da classe proletária e sua luta contra o capitalismo. Dentro destas variações ideológicas, sobressaem-se as trade unions. d) Movimentos Feministas A industrialização concorreu para o impulsionar de movimentos feministas mais sistematizados e mais consolidados e revolucionários. Estes movimentos regularam-se bastante no socialismo que principiava a alcançar contornos e que difundia os valores da igualdade. Porém, apesar desta equidade 23
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
valorativa, perduravam as contendas entre operários e operárias, em que os homens lhes imputavam a responsabilidade de se apoderarem do seu trabalho. Nos períodos em que se pretendia a massificação da produção, fruíase não só da mão-de-obra feminina mas também da mão-de-obra masculina, enquanto nos momentos mais difíceis, o trabalho masculino era substituído pelo trabalho feminino, uma vez que era bastante menos dispendioso. O primeiro movimento feminista organizado, propriamente dito, foi assinalado pela Convenção de Séneca Falls, sob incumbência das activistas americanas Lucretia Mott (1793-1880) e Elizabeth Cady (1815-1902), que sucedeu entre 19 e 20 de Julho de 1848 na cidade de Nova Iorque, com o propósito de debater os Direitos das Mulheres, designadamente no âmbito político, uma vez que ainda lhes era vedada a possibilidade de votar. Importa também destacar outras acções desenvolvidas: (1) em 1850, também nos Estados Unidos da América (Worcester - Massachusetts), é efectuado o Primeiro Congresso Internacional das Mulheres em que se discutiram as questões dos direitos das mulheres, dos escravos e da liberdade política; e (2) a manifestação conduzida, em 8 de Março de 1857 em Nova Iorque, pelas tecelãs da Fábrica de Tecidos Cotton, considerada como a primeira greve norteamericana levada a cabo exclusivamente por mulheres, que reivindicavam menos horas de trabalho, melhores condições laborais e salariais, e que foram excessivamente coibidas pelas autoridades policiais. No ano de 1909, o Partido Socialista Americano instituiu o dia 28 de Fevereiro como o Dia Nacional das Mulheres. Isso sucedeu como forma de consagração do dinamismo e coragem demonstrada pelas mulheres na luta pelos seus direitos e pela sua habilidade para mobilizarem a sociedade civil. Em 1911, consequência da conferência de Copenhaga, o Dia Internacional da Mulher foi assinalado pela primeira vez, no dia 19 de Março, em diversos países como a Áustria, a Dinamarca, Alemanha e a Suíça, sendo comemorado nas duas décadas ulteriores. Esse ano acabou por assinalar o mundo moderno e os modelos de relação homem-mulher e destes com a sociedade. Contudo, desde esse período até à década de 60, esse dia (Dia Internacional da Mulher) 24
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
desvaneceu-se, tendo sido novamente
restaurado pelos
movimentos
feministas que surgiram nesse período. Em 1975, a data foi reconhecida e consolidada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que principiou com a comemoração do Ano Internacional da Mulher e, ulteriormente, com a instituição do Dia Internacional da Mulher no dia 8 de Março. No decurso do ano de 1977, a Assembleia-geral deste organismo aprovou uma deliberação que estabelecia o Dia Internacional dos Direitos da Mulher e da Paz, como ratificação da luta pela paz, da equidade de direito, de oportunidade e de participação, e ainda contra a discriminação e a segregação social/ocupacional. Ficou determinado que os estados membros da ONU elegessem essa ocorrência em qualquer dia do ano. A mulher ao começar a trabalhar como operária fabril viu, por um lado, intensificar-se o seu trabalho, e por outro, deparou-se com dificuldades em conseguir conciliar as tarefas domésticas com os cuidados familiares e a sua vida profissional, levando-as, desse modo, a reclamarem por creches, escolas e pelo direito à maternidade.
1.5 Da Primeira Grande Guerra Mundial Mundial à actualidade a) “Era da Catástrofe Nomenclatura empregada para denominar o período que decorre entre a rebentamento da Primeira Guerra Mundial e o rescaldo da Segunda Grande Guerra e que condensa uma época importante do século XX. A Primeira Guerra Mundial tinha sido encarada pelo então presidente norteamericano Wilson (1856-1924) como a guerra que iria findar com todas as guerras, mas todavia, esse presságio não se concretizou, pelo facto de Adolf Hitler sentir-se humilhado com a derrota que lhe fora infligida nessa mesma guerra e, então canalizar todos os esforços no sentido de efectuar uma retaliação aos seus inimigos. Nesse sentido, na perspectiva de Maia (2005), o eclodir da Segunda Guerra Mundial encontra-se intimamente relacionado com as humilhantes condições que o Tratado de Versalhes imputou às nações 25
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
derrotadas. Hitler procurou então inverter essa situação e, desse modo, principiou, logo desde 1919, a implantar uma panóplia de princípios totalitários e imperialistas apoiado na doutrina nietzschiana que advogava a existência de uma “raça” superior, e que levou a uma nova contenda à dimensão mundial: a Segunda Grande Guerra. Iniciada em 1939 e terminada em 1945, essa guerra mundial traçou uma nova reestruturação do espaço geopolítico e reeditou, novamente, colossais desgastes na Europa, nomeadamente em países como a França, a Inglaterra, a Alemanha ou a Itália. Adicionalmente a segunda guerra mundial também teve outras consequências, designadamente: a diminuição da
demografia
europeia
(diminuição
da
população,
envelhecimento
demográfico, etc.); o acréscimo do desemprego; a crise económica mundial e o colapso da europeia; a diminuição da produção industrial (mesmo com o recurso permanente à mão-de-obra feminina e juvenil); e a reafirmação e a consubstanciação do papel da mulher no mercado de trabalho. Entretanto, no ano de 1945 foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), com o propósito de se: resolverem e se evitarem os conflitos entre os países, de modo a tentarem-se evitar desenlaces extremamente nefastos como os das duas Grandes Guerras Mundiais; assegurar a paz mundial; promover a cooperação entre os países; fomentar o desenvolvimento mundial; e de se desenvolver o respeito pela dignidade da ser humano. Em 1948, esta organização teve uma preponderância decisiva na promoção e na instituição da Igualdade Humana, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial ficaram populares como a “Era de Ouro”, na medida em que permitiram não apenas um grande desenvolvimento económico-financeiro mas também uma reforma social.
b) Movimentos Feministas e a Reorganização Social As lutas das mulheres que se começaram a fazer sentir, ainda que timidamente nos finais do século XIX, intensificaram-se indubitavelmente no decurso do século XX, e das quais resultaram transformações no âmbito das 26
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
suas representações e dos seus papéis sociais na sociedade contemporânea. Isso deve-se em grande parte às duas grandes guerras mundiais, na medida em que estas determinaram perdas substanciais da mão-de-obra masculina, situação que promoveu e acelerou sem dúvida a inserção da mulher no mundo laboral. As três primeiras décadas do século XX caracterizam-se pelo feminismo maternalista, cujos protestos e exigências assentes na sub-representação social da mulher, aludiam para a demanda pelo seu bem-estar e pelo apoio social que lhes seria concedido enquanto progenitoras. Desse modo, as mulheres estavam a tentar inverter essa sua situação adversa, ao recorrerem a esse fundamento (a maternidade), como forma de reclamarem por uma renovada panóplia de direitos. A legislação (ainda que manifestamente abaixo dos desígnios dos movimentos feministas) produzida neste período, por um Estado que nalguns países começava a adoptar contornos de provedor (Estado Providência), procurou então dar apoio às mães e às crianças. Começou a comprovar-se nessas acções implementadas pelas mulheres no decurso dos anos 20/30 a alguns sinais de emancipação da mulher (ex.: o direito ao voto), e assim, a instituir-se paulatinamente uma sociedade mais equitativa e justa, e que se afastava cada vez mais do sistema patriarcal. No que diz respeito à realidade dos movimentos feministas em Portugal no mesmo período de tempo, importa ressalvar que eles não conseguiram demarcar-se dos paradigmas sociais dessa mentalidade patriarcal, e dessa forma, pese embora as feministas nacionais estarem relativamente bem organizadas, estavam claramente em desvantagem, dado tratar-se de uma minoria em representação da grande maioria. No entanto, a voz feminina fez escutar-se suficientemente para que a I República examinasse o Código Civil, conferindo às mulheres direitos como o divórcio ou a igualdade perante os cônjuges. Embora tenham ocorrido estes progressos, vários autores referem que as mulheres no âmbito político não tiveram qualquer benefício. A maior das reivindicações políticas de sempre, designadamente o direito ao voto, foi concedida às mulheres portuguesas em 1931 pelo Estado Novo, pelo facto 27
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
desse regime ditatorial não se sentir ameaçado pelas mulheres, uma vez que estas se evidenciavam defensoras e condescendentes com essa política. Com efeito, é lícito o questionamento da legitimidade dessa acção atendendo à história e à política preconizada por esse regime ditatorial: a política instituída por esse governo relativamente às questões de igualdade de género mascarava a soberania e a supremacia masculinas. Nesse sentido, o despotismo do Estado Novo seguia as orientações das demais ditaduras europeias, que convenientemente aclamavam os traços femininos para controlarem as suas ideologias e acções. A “Era de Ouro”, socialmente, foi marcada por distintas acções sociais, que se encontravam associadas à posição/conjuntura social da mulher, e em que o feminismo ressurgiu, movimentando massivamente as mulheres, tendo alcançando uma importância e visibilidade nunca vistas. Esses movimentos feministas
alteraram
completamente
a
condição
social
da
mulher,
nomeadamente na sua inserção no mundo laboral, sendo concebida uma legislação que contemplava os seguintes assuntos: a discriminação sexual laboral; a parentalidade; a articulação da esfera profissional com a vida familiar; e a protecção das mulheres de violência física e/ou psicológica e de abusos sexuais por parte dos conjugues. O reconhecimento político dos movimentos feministas em Portugal ocorreu posteriormente, dado que as referidas acções apenas alcançaram maior visibilidade e notoriedade nos anos setenta e oitenta. Isso sucedeu por duas razões e que se encontram intimamente relacionadas: o regime político ditatorial vigente, e o manifesto atraso estrutural que o país apresentava em relação a outras nações. Porém, a Revolta de 25 de Abril concorreu para uma alteração dessa mesma ordem social., visto que as modificações introduzidas e a vontade de transformação
integral
estendeu-se
aos
movimentos
feministas
que
reforçaram o seu combate à alteração do Código Civil vigente, no tocante aos direitos das mulheres. Essa aspiração foi consubstanciada em 1978 com a ratificação do citado documento e, por outro lado, através da acção de alguns movimentos feministas: a Comissão Nacional para a Questão da Mulher 28
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
(CNQM); a Liga dos Direitos das Mulheres (LDM); ou o Movimento da Libertação da Mulher (MLM). A actividade destes grupos incidiu: na realização de conferências de imprensa; na elaboração de projectos de lei concernentes a questões como a maternidade, a contracepção e o emprego; nas manifestações; e na organização de encontros nacionais.
c) Tratados para a Igualdade de Oportunidade e de Género Após a segunda metade do Século XX, assistiu-se a uma incontestável transformação sociocultural, concernente à situação do homem e da mulher. No decorrer de 1945, a ONU causou alguma surpresa ao mundo ao afirmar na sua declaração que homens e mulheres deveriam ter os mesmos direitos e privilégios na vida em sociedade, e consequentemente uma equidade social. Na sequência desse depoimento sucederam-se as Conferências Mundiais das Nações Unidas sobre as Mulheres, designadamente, a Conferência da Cidade do México, a Conferência de Copenhaga, a Conferência de Nairobi e a Conferência de Pequim. Nessas conferências foram continuamente debatidos os antigos e novos desafios que se colocavam e colocam para se alcançar uma real e efectiva paridade entre géneros. Do Convénio para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, realizada em 1979, estabeleceu-se um conjunto de regulamentos legais que circunscrevem a discriminação e aclamam a igualdade entre mulheres e homens. De acordo com o INE (2002) esta convenção determinou aquilo que internacionalmente se concebia por paridade entre géneros e, enquadrou-se numa panóplia de referenciais de acção desenvolvidos pelas Nações Unidas ao longo das décadas de 70 e 80 no âmbito de assuntos relacionados com a condição e situação das mulheres. A Plataforma de Acção realizada em Pequim difundia um conjunto de direitos internacionais que pretendiam fomentar a paz, o progresso, a equidade entre povos e pessoas e a paridade de direitos para homens e mulheres (a igualdade de acesso a oportunidades; a emancipação das mulheres e a supressão de todas as formas de discriminação). 29
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
As calendarizações e as planificações da ONU respeitantes à igualdade de género, não se limitam apenas às Conferências Mundiais sobre as Mulheres, expandindo-se desse modo, a outros âmbitos, designadamente, a resolução da Cimeira do Milénio, que incide, entre outros factos, sobre os oito principais desafios com que as actuais sociedades se deparam: a promoção da igualdade entre géneros até 2015; o combate ao analfabetismo; a questão dos refugiados; a controvérsia da herança; a segregação vertical e horizontal; a saúde reprodutiva; e a premência de se abrandarem não apenas as oportunidades mas também a adesão a produtos e serviços. Também é importante salientar a importância de uma organização de suma proficiência, nomeadamente o Observatório Internacional da Cidadania Social (OIKOS), uma vez que se propõe a incrementar programas que visam o desenvolvimento da ajuda humanitária (da utilidade da mulher na gerência dos meios de subsistência dos agregados familiares com menos recursos económico-financeiros), bem como de projectos que promovam a igualdade de géneros (na extinção dos desequilíbrios no acesso a serviços e produtos e da protecção dos direitos dos e entre homens e mulheres). Já na União Europeia a igualdade de género surge com o Tratado de Maastricht (1991) e, mais tarde, em 1997, através do Tratado de Amesterdão, corroborou o interesse outorgado à promoção da igualdade entre géneros, na medida em que, por um lado, formalizou o compromisso da inclusão da perspectiva do género (mainstreaming), e por outro, sugeriu não apenas a necessidade de se regularem as adversidades ocasionadas pela discriminação, mas também a de fomentar a paridade em todos os domínios gregários. Por último, é importante destacar que esse desígnio de igualdade entre géneros foi o culminar de décadas de medidas isoladas, indispensáveis, mas contudo bastante desmembradas: princípio da igualdade de remuneração (1975); equidade no acesso ao emprego, promoção profissional e formação (1976); paridade de tratamento nos regimes de segurança social (1978) e nas actividades independentes (1986); defesa de licença de maternidade e das
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
condições de higiene e segurança para trabalhadoras grávidas ou lactantes (1992); e licença parental e absentismo laboral por razões familiares (1996).
Da Especificidade à Especificação dos Principais Programas Políticos e Plataformas de Acção em Portugal Após o 25 de Abril de 1974 é que Portugal sofre autênticas mudanças no seu sistema social, político e cultural, e que se caracteriza por um período de cisão com o passado, e de implantação de novas perspectivas e pretensões. A Constituição Portuguesa, revista em 1976, concorreu indubitavelmente para a instituição da equidade entre géneros em todos os domínios societários. Em Novembro de 1977 institucionalizou-se pelo Decreto-Lei n.º 485/77, a Comissão da Condição Feminina, que já se encontrava em funções desde 1975, sob diligência de Maria de Lourdes Pintassilgo, Ministra dos Assuntos Sociais, e que tinha como primordial propósito a supressão das discriminações efectivadas contra as mulheres, sobretudo no âmbito das convenções colectivas de trabalho, concorrendo em muito para a fundação da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) em 1979. Já na década de noventa e após de um longo processo negocial é estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 161/91, de 9 de Maio, que a Comissão da Condição Feminina (conotação individualista e que remetia principalmente para as questões das mulheres) passaria a Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (CIDM). Nesta linha da legitimação política da igualdade de género foi criado em 1999, o Ministério da Igualdade, sob tutela de Maria de Belém, mas que foi subitamente desmantelado no ano de 2002. Desta forma, o panorama concernente à tão desejada equidade, fracassou, não alcançando o êxito ambicionado. Todavia, o papel e a intervenção de cada uma dos organismos anteriormente aludidos e de outros que não foram referidos, continuou progressivamente a concorrer para uma sociedade mais equilibrada. Importa 31
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
ressalvar que grande parte da actividade e ingerência destas entidades resultou dos benefícios da adesão de Portugal à CEE em 1986 e, mais concretamente, dos quadros comunitários que daí provieram. Modelos prementes dessa conjuntura foram os Planos Nacionais, nomeadamente o Plano para a Igualdade (PNI, I e II), o Plano Contra a Violência Doméstica (PNCVD) e o Plano de Acção para a Inclusão (PNAI). A pequena subvenção anuída às Organizações Não Governamentais (ONG’s) e, em particular, a que foi anuída à Associação Famílias através do seu “Projecto de Acção Agir +”, veio corroborar a preponderância de se envolverem todos os estratos populacionais na contenda da igualdade de género.
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Capítulo 2 | Encontros com as Questões de Género
2.1. Abordagens sobre o Género Abordagem Biológica
A abordagem biológica advoga que existem diferenças inatas entre homens e mulheres (Neto, 2000). Neto (2000) e Nogueira (2001) referiram que as mulheres possuem virtudes especificamente femininas (como cuidar de crianças, ser mais maternal, dar suporte afectivo e carinho) pelo facto de serem responsáveis, no decurso da história evolutiva da nossa espécie, por dar à luz, amamentar e ocupar-se das crianças, enquanto os homens se tornaram mais agressivos e com uma maior capacidade visuo-espacial, por serem responsáveis por caçar e lutar. Desse modo, essas diferenças biológicas “serviram para colocar as mulheres ´nos seus devidos lugares´, isto é, na esfera familiar e nas relações de suporte afectivo” (Nogueira, 2001, p. 12). Por outro lado, Neto (2000) considerou que ambos os sexos possuem estratégias reprodutoras distintas: as mulheres devem assegurar que poucos dos óvulos que produzem sobrevivam, ao passo que os homens podem ser pais de um número indefinido de filhos pois têm a capacidade de produzir milhões de espermatozóides. Assim sendo, as mulheres desenvolveram-se para serem mais recatadas, enquanto que os homens desenvolveram-se para serem sexualmente mais agressivos e activos. Nesse sentido, Maccoby e Jacklin (1980) afirmaram que o comportamento social que mais diferencia ambos os sexos é a agressividade, enquanto que no que diz respeito a outros comportamentos sociais, tais como os comportamentos não verbais, de ajuda e de influenciabilidade, são muito ténues.
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Abordagem da aprendizagem social
Enquanto a abordagem biológica salienta as diferenças inatas entre homens e mulheres, a abordagem da aprendizagem social acentua as diferenças aprendidas (Neto, 2000). As diferenças comportamentais entre os dois sexos podem ser explicadas pelo condicionamento clássico (o rótulo “maricas” adquire um importância distinta para ambos os sexos, na medida em que ridiculariza o rapaz, e por isso adquire
uma
conotação
bastante
desagradável)
(Neto,
2000),
pelo
condicionamento operante (sucede quando os rapazes e as raparigas são recompensados
e
castigados
sistematicamente
por
assumirem
um
comportamento adequado ou inadequado ao próprio sexo: a rapariga pode ser alvo de sorrisos e elogios quando brinca com bonecas, enquanto que o rapaz pode ser censurado pelo mesmo comportamento), e pela modelagem (através da aprendizagem por observação e imitação: as crianças aprendem frequentemente os comportamentos “masculinos” e “femininos” através da observação de vários modelos, entre os quais se salientam os pais, os amigos, os familiares, e ainda aquelas personalidades que se destacam na sociedade por terem alcançado notoriedade, seja ela do ponto de vista social, cultural, científico e académico) (Hernandez & Oliveira, 2006; Neto, 2000). De acordo com esta abordagem, nas sociedades e culturas em que as expectativas do papel do género estão declaradamente determinadas, como, por exemplo, na Arábia Saudita, existe um grande consenso no modo como cada sexo modela o seu comportamento adequado. Desta forma, essas expectativas de papel de género são mais passíveis de serem transmitidas de geração em geração, em consequência de uma modelagem consistente e de um reforço do comportamento adequado. Ao invés, nas sociedades em que as expectativas de papel de género estão em constante mutação e não estão
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
claramente determinadas, como sucede em Portugal, as crianças terão frequentemente modelos antinómicos para reproduzir e imitar (Neto, 2000).
Abordagem cognitivo-desenvolvimentista
A
teoria
cognitivo-desenvolvimentista
enfatiza
a
importância
dos
mecanismos cognitivos e dos estágios de desenvolvimento como mediadores do desenvolvimento do papel de género (Souza & Ferreira, 1997). Ao contrário da abordagem da aprendizagem social que situa a criança num papel passivo, esta abordagem advoga que as crianças têm um papel activo na aquisição do papel de género (Neto, 2000; Souza & Ferreira, 1997). Esta teoria defende, portanto, que a identificação sexual e o comportamento do papel sexual apropriado só sucedem quando a criança, por volta dos seis ou sete anos, alcança um estado crítico de desenvolvimento cognitivo. Assim, só a partir desse estádio é que a criança compreende que o género é constante e imutável através do tempo e das situações, e que, portanto, não se modifica. A criança evidencia então preferências sistemáticas e coerentes com essa identidade (idem). Nesse sentido, Kohlberg (1966) cit in Neto (2000) referiu que a autocategorização de género (“Sou rapaz” ou “sou rapariga”) faz com que a criança desenvolva comportamentos masculinos ou femininos estereotipados. De acordo com o citado autor, a teoria cognitiva adopta a seguinte sucessão: Sou rapaz, por isso quero fazer coisas de rapaz e, assim se eu me comportar como rapaz vou ser recompensado. Ao invés, a teoria da aprendizagem
social defende uma sequência distinta: Quero ser recompensado, vou ser recompensado se me comportar como um rapaz de rapaz, e por isso quero ser rapaz. Desse modo não são as recompensas que fazem o rapaz masculino; a identificação de si próprio como homem é que contribui para que as condutas masculinas sejam recompensadoras. 35
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Em suma, segundo esta teoria considera que o sistema cognitivo da criança, os pais e o sistema social, assumem igualmente um papel preponderante na socialização do papel de género (Neto, 2000).
Abordagem do esquema de género
A abordagem do esquema de género faz uma combinação dos melhores aspectos da abordagem cognitivo-desenvolvimentista (os processos cognitivos da criança estimulam o desenvolvimento do papel de género) com os da abordagem da aprendizagem social (o esquema de género é um fenómeno aprendido, e em que o ambiente tem um papel preponderante) (Giavoni & Tamayo, 2005; Neto, 2000; Souza & Ferreira, 1997) e ainda com os da teoria psicanalítica (Souza & Ferreira, 1997). “A teoria do esquema de género postula que alguns indivíduos possuem uma prontidão para assimilar e organizar informações – inclusive informações sobre o self – de acordo com as definições culturais de masculinidade e feminilidade” (Giavoni & Tamayo, 2005, p. 25). Essa propensão em classificar as informações como masculinas ou femininas demonstra bem a presença do esquema de género (idem). O esquema de género reporta-se à auto-percepção de qualidades instrumentais, orientadas para a efectivação de metas, ou de qualidades expressivas, dirigidas para as relações interpessoais, e que definem, respectivamente, os papéis culturalmente reconhecidos como masculinos ou femininos. No decurso do seu desenvolvimento, as crianças formam um esquema de género, e desse modo, aprendem a diferenciar os atributos, as atitudes e os comportamentos que a sociedade determina para o seu próprio sexo (Souza & Ferreira, 1997). O esquema de género refere-se, portanto, à organização que as pessoas têm das crenças e das expectativas acerca do seu papel de género. As pessoas que internalizaram os papéis de género tradicionais, e que, por um lado, apresentam uma maior propensão para classificar as informações em categorias de masculino e feminino, e por outro, 36
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
uma maior predisposição para decidir que qualidades incluem ou não no seu auto-conceito (esquemáticos), apresentam um esquema de género mais forte do que aqueles indivíduos que têm papéis sexuais menos tradicionais ou do que aqueles que não ajustam o seu comportamento e o dos outros em relação ao género (aesquemáticos) (Giavoni & Tamayo, 2005; Hernandez & Oliveira, 2006; Neto, 2000). Um dos factores fundamentais para a formação da identidade de género nas crianças é a procura da aprovação social, sobretudo daquelas que lhe são mais significativas. A identidade de género que se desenvolve e constrói nos primeiros anos de vida na criança, e que permanece como uma parte central no seu auto-conceito no decurso da vida, tem, por um lado, alguns aspectos sólidos, constantes e estáveis, e por outro, outros que estão constantemente a alterar (Souza & Ferreira, 1997). O esquema de género opera então como um padrão, sendo a auto-estima afectada pela forma como o indivíduo se equipara com o padrão. Nesse sentido, quando as características de uma criança correspondem ao esquema de género, elas ficam com uma maior autoestima, mas nas situações em que não há correspondência, a auto-estima diminui (Neto, 2000). Bem (1981) e Spence (1984, 1985) cit in Souza e Ferreira (1997) advogam que a masculinidade e a feminilidade, apesar de serem características independentes, podem coexistir na mesma pessoa. Dessa forma, no que diz respeito à sua identidade de género, os indivíduos podem ser classificados: em masculinos (alto índice de masculinidade e baixo índice de feminilidade); em femininos (alto índice de feminilidade e baixo índice de masculinidade); em andróginos (alto índice de masculinidade e feminilidade); e em indiferenciados (baixo nível de masculinidade e feminilidade).
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Abordagem do papel social
A ideia central desta teoria é a de que “as diferenças sexuais são um produto dos papéis sociais que regulam o comportamento na vida adulta (em oposição a muitas teorias das diferenças sexuais baseadas quer em factores biológicos, quer na socialização infantil precoce)” (Nogueira, 2001, p. 14-15), embora não decline que tais divergências possam, de alguma forma, subsistir e contribuir para a desigualdade dos papéis sociais entre homens e mulheres (Neto, 2000). Esta teoria enfatiza portanto, a importância dos contextos sociais na orientação dos comportamentos sociais e perceptivos (Neto, 2000). Segundo
ela,
contextos
que
atribuem
um
estatuto
desigual,
e
consequentemente papéis sociais específicos e dissemelhantes entre homens e mulheres, deveriam determinar diferenças salientes nas competências e crenças de ambos os sexos que, por sua vez, afectam o seu comportamento social (Neto, 2000; Nogueira, 2001). Desse modo, homens e mulheres, conformam-se e adaptam-se, até certo ponto, a essas diferentes expectativas vigentes na sociedade em que estão inseridos e de que são parte integrante, desenvolvendo consequentemente diferentes capacidades, crenças, atitudes e papéis (idem). Ao invés, em contextos em que não existem diferenças tão acentuadas entre sexos e, que lhes conferem um estatuto semelhante deveriam conduzir a comportamentos análogos (Neto, 2000). Assim nas culturas em que se assiste a uma divisão do trabalho entre sexos, os homens habitualmente executam tarefas mais pesadas, extenuantes e melhor remuneradas, e as mulheres ficam responsáveis com as tarefas domésticas e com a educação das crianças. Importa ressalvar que, estas diferenças de papéis entre homens e mulheres conduzem, inevitavelmente, a
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
dissemelhanças perceptivas e comportamentais entre géneros, que em seguida vão ser aludidas. Nesse sentido, as pessoas tendem a percepcionar os homens como sendo mais competitivos, independentes, dominadores e agressivos do que as mulheres, dado que aqueles, na sua generalidade, tendem a evidenciar esses traços. Já as mulheres, de uma forma geral, costumam estar associadas aos seguintes traços: sensibilidade, emocionalidade e gentileza (Neto, 2000; Nogueira, 2001). De acordo com Neto (2000), as mulheres estão mais atentas ao comportamento não verbal das outras pessoas, e recorrem a respostas socialmente mais “calorosas” do que os homens, tais como o sorriso e o olhar, por um lado, para melhor compreenderem os sentimentos e as emoções daqueles que as rodeiam e que com elas convivem, e por outro, para aumentarem o conforto interpessoal. O mencionado autor refere que isso sucede devido à sua posição de subordinação e de subjugação na sociedade, em relação ao homem.
Abordagem da auto-apresentação
Em oposição com as abordagens anteriormente aludidas, surge uma perspectiva mais radical que afirma que o comportamento relacionado com o género é flexível, mas não é perene e não se afigura “real” para as pessoas (Boham, 1993). Esta abordagem do construtivismo social considera que as pessoas “constroem” género quando estabelecem relações interpessoais com aqueles que as circundam, rejeitando, desse modo, que o género seja uma qualidade pessoal (Neto, 2000). Pese embora, Deaux e Major (1990) não afastem
a
possibilidade
de
existirem
algumas
regularidades
no
comportamento dos homens e das mulheres devido à biologia e à socialização do género, eles advogam que os comportamentos de género são determinados pelo contexto situacional, pelo comportamento das outras pessoas e, pelas nossas próprias opções e escolhas. A título ilustrativo do 39
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
contexto situacional, constatou-se que estudantes universitários heterossexuais exibem comportamentos claramente mais masculinos quando conversam com um homem descrito como homossexual do que quando interagem com um homem descrito como heterossexual (Neto, 2000).
Quadro 1 | Abordagens teóricas sobre diferenças sexuais e de género
Abordagens Biológicas Teorias evolutivas Factores fisiológicos Aprendizagem social Condicionamento clássico Condicionamento operante Aprendizagem por observação CognitivoCognitivo-desenvolvimentista Esquema do género
Papel social
AutoAuto-apresentação
Focalização principal
Pressões evolutivas sobre mulheres e homens préhistóricos Diferenças hormonais e no cérebro entre os sexos Rótulos como “maricas” adquirem fortes conotações emocionais Diferentes comportamentos recompensados e punidos para os rapazes e para as raparigas Crianças imitam pais, colegas e modelos mediáticos A auto-rotulagem como homem ou mulher conduz a comportamentos relacionados com o género Os esquemas de género incluem crenças culturais acerca do género; as pessoas esquemáticas de género guiam o seu próprio comportamento e o dos outros em relação à masculinidade e à feminilidade Diferentes papéis sociais ocupados pelos homens e pelas mulheres conduzem a estereótipos de género e a comportamentos diferentes nos homens e nas mulheres O género é uma realização social que varia consoante os esquemas de género, o contexto e a audiência
Ainda antes de terminar este capítulo concernente às diferentes abordagens teóricas existentes acerca do género, é importante referir que: (1) por enquanto nenhuma destas abordagens apresenta uma clara vantagem sobre as restantes; (2) e que elas não são necessariamente mutuamente exclusivas (idem).
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
2.2 Revisão dos constructos fundamentais 2.2.1. Sexo, Género e Essência dos Estereótipos de Género
No âmbito deste subcapítulo vai-se começar por estabelecer uma diferenciação entre os conceitos sexo e género, e ulteriormente, vai ser feita uma breve alusão à essência dos estereótipos de género e aos constructos igualdade, diferença e desigualdade de género. Os
constructos
sexo
e
género
são
muitas
vezes
utilizados
indiferenciadamente e considerados sinónimos, e daí a confusão que a generalidade das pessoas faz. Nesse sentido, é frequente ouvir dizer-se e afirmar-se: mulher = feminina e homem = masculino. Contudo, um número crescente de investigadores advoga que estes dois conceitos deveriam ser distinguidos com a finalidade de isso conduzir a uma melhor compreensão do que é ser homem ou mulher (Neto, 2000). O Sexo refere-se aos atributos físicos e características fisiológicas e anatómicas de ser homem ou mulher (Citeli, 2001; Neto, 2000) e que muitas vezes dá origem a uma correspondente identidade de género (Silva, 1999). O Género “representa as forças sociais, políticas e institucionais que moldam os comportamentos e as constelações simbólicas sobre o feminino e o masculino” (Citeli, 2001, p. 133), e refere-se, portanto às características e às significações que uma cultura atribui e ensina a homens e mulheres (Ferreira, 2000; Neto, 2000). Assim, em determinada sociedade, cada pessoa aprende a agir, a pensar e a falar de acordo com os atributos sociais e culturais normalmente associados ao masculino ou ao feminino, os quais estão estritamente imbricados na sua pertença sexual. Essas significações sociais e culturais atribuídas à feminilidade e masculinidade são flutuantes, pois enquadram-se em contextos históricos, sociais e culturais variados (Neto, 2000; Silva, 1999). 41
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
O modelo dominante nas sociedades ocidentais assenta na dominação patriarcal, visível em várias esferas da vida em sociedade. Isto significa que o masculino exerce uma dominação simbólica sobre o feminino, a qual parece ser natural e divide o mundo em duas categorias dicotómicas: o masculino e o feminino. Os traços típicos do feminino evidenciam imagens estereotipadas da mulher como um ser maternal, emotivo e submisso, enquanto os do masculino apontam para o homem como um ser forte, independente e dominador (Silva, 1999). Ora
pode
acontecer
que
estes
comportamentos
e
características
considerados masculinos numa cultura possam ser julgados femininos noutra cultura. Nesse sentido, Mead mostrou que na Nova Guiné, os Tchumbali esperavam que os homens fossem artistas, emocionalmente dependentes e ciumentos, enquanto que esperavam que as mulheres fossem dominantes, responsáveis e impessoais (Neto, 2000). Tendo em consideração a definição acima apresentada, o sexo não é uma variável em que existe um amplo leque de diferenças individuais: as pessoas ou são homens ou mulheres (à excepção dos hermafroditas). Ao invés, as pessoas podem apresentar uma ampla variação de género. Nesse sentido, mesmo nas situações em que as pessoas são socializadas para pensar, sentir e agir de forma considerada natural ou desejável para o seu sexo, muitas vezes não se conformam com essas expectativas tradicionais. Desse modo, os homens podem apresentar características consideradas femininas, e as mulheres características masculinas (idem). Em suma, sexo refere-se à construção biológica e género aos comportamentos e às expectativas social e culturalmente construídas a propósito do desempenho “adequado” de ambos os sexos (Ferreira, 2000; Neto, 2000; Silva, 1999).
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Quadro 2 | Sexo e Género
Sexo
Género
- Mulher e Homem.
- Feminino e Masculino.
- Construção natural com a qual se nasce.
- Construção Social.
- Apenas corresponde aos atributos físicos, - Sublinha as diferenças sociais entre os biológicos, anatómicos e fisiológicos dos
homens e mulheres, separando-as das
seres humanos que se definem como machodiferenças meramente biológicas. e fêmea.
Imagine que realizou uma longa viagem à volta do mundo, tendo visitado países diferentes de todos os continentes. No final da viagem decide desfolhar as notas do seu diário para relembrar aquilo que vivenciou. Numa dada altura anotara no diário que durante a sua estadia na Índia, observou que os homens eram muito visíveis nas actividades do quotidiano. As mulheres raramente se viam nos lugares públicos, e quando se avistavam, pareciam desempenhar tarefas específicas e vestiam-se de forma tão diferente das mulheres do mundo ocidental, que era difícil dizer alguma coisa sobre elas fisicamente: o corpo e cara estavam tapados pelo vestuário. Raramente se viam homens e mulheres jovens a deambular juntos nos espaços públicos, desfrutando o que em Portugal seria designado de namoro. Avançando algumas páginas do diário descobrira anotações aquando da sua estadia na Noruega, em que os homens e as mulheres pareciam participar igualmente em muitas actividades do dia-adia. Casais heterossexuais estavam por todo o lado e muitos jovens vestiam-se de modo idêntico com um estilo unissexo. Ao reflectir sobre as diversas experiências que teve nos diversos países por onde passou, constata que existem diferenças nas percepções culturais e nos papéis aceites de homens e de mulheres em diferentes países. Segundo Neto (2000) esta temática levanta dois aspectos distintos, ainda que relacionados, da forma como mulheres e homens são vistos em diferentes culturas. O primeiro prende-se com os estereótipos de género que dizem respeito a um sistema de crenças populares acerca de características 43
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
masculinas ou femininas, a propósito de como homens e mulheres diferem psicologicamente. A título ilustrativo, frequentemente consideram-se os homens como sendo mais agressivos que as mulheres, enquanto estas são percepcionadas como sendo mais emotivas que os homens. Os estereótipos de género podem-se subdividir em dois níveis: os estereótipos dos papéis de género (crenças relacionadas com a adequação de diversos papéis e acções aos homens e mulheres – ex.: os trabalhos da construção civil devem ser
realizados por homens) e os estereótipos dos traços de género (características psicológicas que se considera qualificarem mais ou menos frequentemente cada um dos géneros – ex.: os homens são mais robustos,
fortes, e desse modo, estão mais propensos para realizarem os trabalhos da construção
civil).
O
segundo
reporta-se
aos
papéis
de
género, género
designadamente às crenças concernentes às relações de papéis e actividades com significado social em que os dois sexos (homens e mulheres) se associam de modos distintos (ex.: existem mais homens que mulheres na construção
civil). É de suma importância aludir-se para o facto de, ainda actualmente, existirem uma panóplia de estereótipos de género que continuam enraizados na mente das pessoas. Assim, é habitual persistir e admitir-se na nossa sociedade uma panóplia de crenças estereotipadas acerca dos papéis e características masculinas e femininas, muito embora existam já diversos movimentos que lutam pela equidade entre géneros (idem). Inclusive Williams e Best (1990a), vão mais longe, ao constatarem no seu estudo realizado a crianças e adultos em 25 países de todos os cinco continentes, que essas crenças referentes aos atributos masculinos e femininos eram tão universais, dado que apareciam consistentemente no pensamento dessas pessoas. Nesse sentido, vai ser feita referência a um rol de características que se admite como estando associados aos homens, e dos quais se salientam as seguintes: aventureiro, agressivo, mandão, vigoroso, com humor, masculino, brincalhão, robusto, valente, austero, duro, grosseiro, descuidado, rude, corajoso, decidido, dominador, empreendedor, orientados para a tarefa, 44
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
ambicioso, independente, engenhoso, rápido, rígido, severo e forte. Como atributos conotados como femininos, evidenciam-se os seguintes: afectuoso, vaidoso, dependente, feminino, inconstante, agitado, esmerado, pudico, sossegado, queixoso, sensível,
sentimental, sensual, fraco, submisso,
supersticioso, susceptível, sem ambição, orientado para as pessoas, débil, queixoso, amável, compreensivo, prestativo e pacífico (Neto, 2000). Constructos como igualdade, diferença e desigualdade estão intimamente relacionados com as relações sociais de género, sendo nesse sentido, imprescindível fazer-se uma consideração sobre eles. Pode-se afirmar que as diferenças são intrínsecas ao corpo humano, e a características individuais como a idade, o sexo e/ou a etnia. Já as desigualdades remetem para as questões de género, a actuações e procedimentos diferentes entre géneros, e são circunstanciais, isto é, encontram-se circunscritas factual e historicamente e dentro de um determinado processo e âmbito. As desigualdades podem estar associadas a questões de poder, propriedade, riqueza e liberdade, entre outras (Barros, 2005). Por último, a igualdade associa-se horizontalmente com a diferença e na diagonal com a desigualdade. O par igualdade vs diferença expressa-nos se uma coisa é análoga a outra ou então se difere dela, enquanto que o par igualdade vs desigualdade desigualdade reporta-se às características procedimentais e de tratamento (ibidem). Ulteriormente a se fazer referência a estes conceitos convém reforçar a sua conexão com o género, ressalvando que a paridade entre homens e mulheres constitui um dos princípios da Constituição da República Portuguesa, considerando-se, desse modo, como uma das funções basilares do Estado Português, para além de estar consignada no direito comunitário. Contudo, apesar de presentemente se caminhar para uma sociedade cada vez mais inclusiva (Silva, 1999), ainda perduram as disparidades de género. A Igualdade de Género advoga que tanto os homens como as mulheres tenham as mesmas possibilidades, direitos e deveres, ou seja, pela 45
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
oportunidade de se conceder às mulheres poder suficiente para que estas aproveitem verdadeiramente as suas competências para se poderem afirmar na sociedade em paralelo com os seus homólogos masculinos, pese embora tenham os seus próprios valores e interesses (idem). Neste sentido, a Igualdade de Género implica, um novo relacionamento entre géneros, que se consideram e se ajustam como pessoas livres e iguais, e em que portanto, não existe um domínio de um sobre o outro. O mesmo autor remata referindo que a igualdade de género se encontra intimamente relacionada com a cidadania e, sem a qual a sociedade não pode alcançar a paz e a harmonia.
2.2.2. As Manifestações das Diferenças de Género no Quotidiano Neste subcapítulo vai ser feita referência às diversas manifestações das diferenças de género que ocorrem no dia-a-dia, e que são: a violência de género, a família, a educação, o trabalho, a saúde, e a participação política. Violência de Género No decurso dos tempos os comportamentos violentos têm sido associados à masculinidade dominante. Esta construção social advém, por exemplo, do facto de os exércitos serem compostos maioritariamente por homens, enquanto que as mulheres estão associadas à paz, ao cuidado e à passividade (CES, 2008). É condição imprescindível veicular que qualquer tipo de violência é inaceitável, e neste caso a violência contra as mulheres. Todavia, actualmente continuam a existir muitas mulheres vítimas de agressões e explorações. Estas ocorrências violentas podem suceder no seio da família (CIDM, 2000) ou fora dela, e perfilham distintas formas. De acordo com a proposta de classificação da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), existem cinco formas de violência, designadamente: (1) a violência psicológica inclui os seguintes comportamentos: ameaçar bater; ameaçar fazer mal às crianças, a animais, entre outros; ameaçar usar uma arma; ameaçar matar-se; partir objectos e/ou destruir bens pessoais; dar 46
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
murros nas paredes; bater com as portas; e perseguir pessoas através de telefonemas ininterruptos, e-mails ou mensagens ameaçadores; (2) a violência emocional considera as seguintes situações: criticar pensamentos, sentimentos, opiniões e acções; interromper quando está a comer, falar, entre outros; imputar à outra pessoa as responsabilidades por tudo o que sucede de mal; deitar abaixo a pessoa devido a defeitos físicos; perseguir a pessoa no contexto laboral, familiar ou no núcleo de amizades; ter atitudes de extremo ciúme (acusa-a de ter amantes, de o andar a enganar); controlar as conversar telefónicas e os quilómetros do carro; proibir a utilização do telefone e de ver amigas (os); não deixar sair de casa; forçar a fazer coisas degradantes (por exemplo, ajoelhar-se); e insultar pessoas de quem gosta, nomeadamente amigas/os ou familiares; (3) a violência física consiste em: dar bofetadas, socos e pontapés; puxar; empurrar; esmurrar; beliscar/picar; morder; arranhar; deitar ao chão; cuspir; bater com um objecto; e agredir com armas ou objectos; (4) a violência económica diz respeito às seguintes acções: tirar o dinheiro (ordenado, subsídios e pensões); esconder a situação financeira do casal; negar o acesso à conta bancária; obrigar a pedir dinheiro; e controlar as despesas (o que comprou, quanto gastou, o uso do carro e do telefone); (5) na violência sexual assiste-se às seguintes práticas: criticar e chamar a outra pessoa de frígida e/ou prostituta; dar toques não desejados; forçar a actos sexuais que a pessoa não deseja (sexo oral, actuação pornográfica, entre outros); forçar a ter relações sexuais com outras pessoas; exigir sexo quando a pessoa está doente, cansada ou depois de lhe ter batido; ou a violação. A violência doméstica constitui o tipo de violência mais visível contra as mulheres, tanto nacional como internacionalmente (Alvim, 2008). A antítese agressividade/passividade masculinidade/feminilidade
e
correspondente
encontra
na
violência
doméstica
corolário a
sua
materialização mais evidente, dado que esta sucede habitualmente num local privado, em que a feminilidade fica subjugada à masculinidade e, em que consequentemente a mulher assume um papel claramente passivo (CES, 47
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
2008). Indubitavelmente, é no sistema familiar que as mulheres portuguesas sofrem grande parte da violência de que são vítimas. A violência doméstica é transversal na medida em transpõe todas as classes etárias, sociais e profissionais (Amnistia Internacional, 2005). A violência no namoro é um outro tipo de violência com uma visibilidade cada vez maior, que ocorre quando um companheiro exerce domínio e controlo sobre o outro, como forma de alcançar aquilo a que se propõe, e que tanto pode ser utilizado por homens como por mulheres (Casimiro, 2008). No entanto, a violência nestas relações amorosas habitualmente emerge quando os rapazes consideram que têm o direito de dispor a seu “bel-prazer” da namorada, uma vez que são os “machos”, ou pelo facto de que por serem homens têm legitimidade para poderem ser agressivos e recorrerem à força física. Ao invés, as raparigas admitem, por um lado que os ciúmes e o sentimento de posse por parte do homem denotam o amor que ele nutre por elas, e por outro que são elas as culpadas pelas dificuldades que surgem na relação. Consideram ainda que não podem declinar ter relações sexuais quando o namorado assim o entende. No fenómeno da violência de género é lícito colocar-se a seguinte questão: Se muitas mulheres conhecem todo este processo de violência e sabem que este se vai repetir, como explicar o silêncio das mesmas perante tal situação? Existem inúmeras justificações para este mutismo e muitas delas encontramse relacionadas com a apreensão e o temor (CDIM, 2000). Assim sendo, muitas mulheres mostram-se constrangidas e têm receio de sofrerem retaliações por parte do agressor. Há que destacar os parcos recursos económico-financeiros destas mulheres e a total dependência económica destas relativamente aos homens, pelo que, desse modo, não dispõem de condições económicas para se afastarem do agressor). Por outro lado, a existência de filhos e a crença de que a presença da figura masculina é o melhor para as crianças, remete as mulheres para o silêncio e para a solidão, uma vez que sentem que ninguém confia nelas. É também importante referir que o facto de as mulheres viverem
48
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
num ambiente de violência doméstica aumenta a probabilidade de considerarem-na como sendo algo de natural e habitual num relacionamento. Em Portugal, a violência doméstica é considerada um crime público, o que implica que pode ser denunciada por terceiros, e não requer que seja a própria vítima a denunciar presencialmente. A violência doméstica é punível com pena de prisão que se pode estender de um a cinco anos nas seguintes situações: maus tratos entre cônjuges, entre quem conviver em condições análogas às dos cônjuges, do progenitor ou do descendente comum em primeiro grau. Família No decurso das últimas quatro décadas têm-se assistido a modificações na organização e na dimensão das famílias em Portugal, designadamente: a diminuição do número de casamentos e o acréscimo das uniões de facto e dos divórcios; a diminuição do número de filhos; a maior multiplicidade vigente nos sistemas familiares actuais (famílias nucleares, alargadas, monoparentais, heterossexuais e/ou homossexuais); e as alterações na divisão das tarefas domésticas entre os elementos familiares. Estas transformações, por um lado, espelham algumas das propensões sócio demográficas actuais, entre as quais se evidenciam: a diminuição da natalidade e do casamento; o aumento do número de divórcios; o prolongamento da idade em que se tem o primeiro filho; e o incremento da esperança média de vida, e por outro, estão relacionadas com: o incremento do bem-estar das sociedades ocidentais; a modificação gradual do estatuto jurídico, cívico e profissional das mulheres; e a mudança na relação entre avós, pais e filhos (Amâncio & Wall, 2007). No decurso deste subcapítulo analisaremos sumariamente: as alterações mais relevantes e as continuidades registadas ao nível da extensão e modelos familiares; as tendências de casamento e divórcio; e ainda da divisão familiar do trabalho. Desde o 25 de Abril de 1974, assistiu-se a um conjunto de alterações na “família tradicional” vigente, que se pautava por ser ampla, e por não se 49
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
circunscrever apenas ao núcleo familiar. Nesse sentido, as famílias actuais pautam-se pelas seguintes características: encontram-se mais centradas em si, enaltecendo a intimidade familiar; diminuição do número de elementos que constituem o seu agregado (apenas pais e filhos); permanência cada vez mais tardia dos filhos em casa dos pais, até alcançarem um trabalho relativamente estável; manifesta alteração das estruturas e da disposição das divisões nos domicílios (cada filho do casal tem usualmente um quarto individual, maior multiplicidade de divisões e as habitações têm geralmente água corrente, electricidade). Por outro lado, assistiram-se concomitantemente a mudanças nos valores que foram despoletadas e incrementadas pela referida Revolução, e que outorgaram novas aspirações aos novos casais portugueses, como por exemplo, o de usufruírem de casa própria e de alcançarem uma maior independência económico-financeira, entre outros aspectos (Wall, 2005). No que concerne à dimensão das famílias, importa salientar que ao longo dos últimos dois recenseamentos efectuados em Portugal, e segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2001, a extensão média das famílias clássicas6 foi de 2,8 em Portugal, de 2,7 em Bragança e de 3,2 em Braga, enquanto em 1991 estes valores eram mais elevados, sendo de 3,1 para Portugal, 3,0 para Bragança e 3,6 para Braga. As famílias constituídas por dois elementos adultos do mesmo sexo, comummente denominadas de homossexuais, paulatinamente começam a alcançar maior reconhecimento e visibilidade pública. Já no que se refere às famílias monoparentais, Portugal regista actualmente três situações diferentes: pais e mães sós, normalmente viúvos e que coabitam com os filhos (adultos ou não); mães solteiras que moram com os descendentes menores de idade; e ainda pais e mães divorciados e que vivem com os seus filhos (Wall & Lobo, 1999). Em termos estatísticos, em 2004 existiam em Portugal cerca de 7,3% de famílias monoparentais, sendo que em 2008 este valor aumentou ligeiramente para os 8%.
6
Por famílias clássicas entende-se o conjunto de pessoas que residem no mesmo alojamento e que têm relações de parentesco entre si.
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
O número de divórcios tem vindo a aumentar em Portugal no decurso dos últimos trinta anos, sendo que em 1991 efectuaram-se 12429 divórcios, em 2001 este número aumentou para 18851, e em 2006 para 22881. Uma parte destes divórcios origina uma família recomposta, e que é consequência de um outro casamento com um cônjuge diferente. No tocante às famílias recompostas, elas decorrem de um (re) casamento, isto é, de um casamento entre pessoas e que culminou em viuvez ou divórcio. O casamento persiste como sendo o principal pilar que subjaz à criação de uma família em Portugal, muito embora a sua preponderância tenha vindo a diminuir em benefício da coabitação no decurso dos últimos 30 anos (Almeida, 1994). Assim, a percentagem de casamentos católicos celebrados em Portugal tem vindo a diminuir progressivamente: em 2001 cerca de 63% dos casamentos celebrados foram católicos, sendo que, em 2007 este número ficou-se pelos 47%. Ao invés, o casamento civil teve um acréscimo na ordem dos 15%, indo dos 37% em 2001 para os 52% em 2007, acabando por ser a forma de casamento mais prevalente em Portugal. O prolongamento da idade média do primeiro casamento constitui uma outra modificação no matrimónio em Portugal. Ainda no que se refere à divisão familiar do trabalho em Portugal, é importante começar por ressalvar que a mudança foi progressiva e lenta (Costa, 1992). Passou-se de um modelo de família patriarcal assente na divisão diferenciada dos papéis de género, em que o homem velava pela subsistência da sua família, e a mulher estava incumbida de cuidar do marido e dos filhos e da lida doméstica, para um modelo centrado numa divisão mais equitativa dos papéis de género (Camps, 2001). Esta mudança pode dever-se, entre outros aspectos, ao facto das mulheres ingressarem na vida profissional e terem um maior grau de instrução, ou pelo facto de se advogar que as mulheres têm os mesmos direitos e deveres dos seus congéneres masculinos. A diminuição do trabalho doméstico pelas mulheres advém da inserção de outras pessoas, pagas e não pagas, tais como as empregadas domésticas, nos casais em que ambos trabalham fora de casa (Amâncio & Wall, 2007). 51
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Todavia, ainda perdura a dicotomia entre as tarefas masculinas e femininas: as tarefas habitualmente efectuadas pelos homens estão intimamente relacionadas com o espaço público, e contemplam, por exemplo, o cuidar do automóvel, a ida às repartições de finanças ou a realização de trabalhos administrativos e de jardinagem, enquanto às mulheres competem mormente os trabalhos rotineiros e domésticos, que parecem nunca estar concluídas, tais como aspirar e limpar a casa, tratar da roupa da família, cuidar dos membros da família doentes, cozinhar e fazer as compras. Dessa forma, continuam a existir tarefas marcadamente masculinas e tarefas marcadamente femininas e a partilha das tarefas domésticas revela-se principalmente nas compras (uma tarefa que é realizada fora do espaço privado) e nos cuidados prestados a terceiros (os cuidados com os filhos e com os ascendentes). As desigualdades entre géneros verificam-se também nas diferenças salariais auferidas, em que o vencimento feminino destina-se às despesas com a alimentação, o vestuário e o calçado, enquanto o salário masculino dirige-se à compra de bens duradouros e à prestação da casa e do automóvel. Nas situações de divórcio entre casais, apenas os bens duradouros são contabilizados, dado que os bens de consumo rápido adquiridos com o salário da mulher mas que já foram consumidos, não são portanto contemplados. Em suma, pode-se afirmar e constatar que Portugal ainda é bastante tradicionalista no modo como se posiciona e age no âmbito da divisão dos papéis de género (Amâncio & Wall, 2007), embora o homem já comece a ter um papel mais activo nas tarefas domésticas, dividindo-as com a respectiva mulher, contribuindo de certa forma, para a diminuição da sobrecarga de trabalho familiar por parte daquela. Educação No que concerne à educação, é condição sine qua non salientar que o seu acesso nem sempre foi igualitário, dado que até há algumas décadas atrás, a educação destinava-se maioritariamente aos homens, enquanto a mulher, ao invés, tinha a ingerência de cuidar dos filhos e da casa (Costa, 1992). 52
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Presentemente, embora esta distinção de papéis continue vigente, o acesso à educação é agora promulgado como equitativo para ambos os géneros. A partir da década de 70 do século XX assistiu-se na generalidade dos países europeus e, inclusive em Portugal, a um aumento da escolarização das mulheres (Duby & Perrot, 1995). Contudo, apesar desse incremento da escolarização por parte das mulheres portuguesas, Portugal ainda está muito distante da média europeia, particularmente em relação ao nível da formação académica das mulheres, entre os 20 e os 24 anos de idade, que concluíram o ensino secundário ou superior. Em Portugal, a discrepância entre os níveis de escolaridade entre géneros é maior no ensino superior, o que corrobora a sua crescente feminização. Mas essa feminização não é análoga em todos os âmbitos de instrução, uma vez que esta sucede mais lentamente nas áreas ligadas às engenharias e à arquitectura, ao invés do que acontece nas áreas das humanidades, das ciências sociais e do comportamento, da saúde e dos serviços sociais, em que as mulheres estão sobre-representadas. Isso sucede porque as suas preferências profissionais prendem-se mais com questões de utilidade social e interesse pela vida familiar e pela maternidade (Costa, 1992). A escolarização representa pois uma importância preponderante em qualquer país, dado que a obtenção de conhecimentos, aptidões e qualificações alcançados pelas pessoas no decurso do período escolar são deslocados para o mundo laboral e profissional e, consequentemente isso poderá contribuir para um incremento da empregabilidade. Nesse sentido, a crescente escolarização das mulheres, com níveis similares aos homens em questão dos saberes-fazer e dos saberes-saber, tem concorrido, por um lado, para o aumento da participação das mesmas no mercado de trabalho qualificado, e por outro, para a sua crescente emancipação económico-financeira.
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Trabalho No que se refere ao trabalho é importante mencionar que a partir dos anos 50 do século XX é que as mulheres começaram a ter um trabalho remunerado, tendo isso sucedido pela carência de mão-de-obra em tempo de guerra e no pós-guerra, conjuntura aliás que reestruturou e relançou a economia mundial. Já Portugal, na década de 60 do século XX vivia num período bastante conturbado, a guerra colonial, e que teve como resultado o ingresso da mulher no mercado de trabalho. Essa situação conduziu ao questionamento do desempenho de um único papel social – o de esposa-mãe (Perista, Maximiano & Freitas, 2000). Nesse sentido, os trabalhadores, as entidades patronais, o Estado e os sindicatos encaravam o trabalho feminino como uma actividade transitória e não como uma profissão, e dessa forma, as mulheres continuaram a ser encaradas como esposas, mães e donas de casa mas não como trabalhadoras. A massificação da entrada das mulheres portuguesas no mercado de trabalho ocorreu na década de 70, período em que a feminização laboral se tornou mais evidente, sendo que para esta condição contribuíram três razões basilares: a) o crescimento do sector terciário e da administração pública: a ingerência estatal conduziu ao acréscimo do emprego das mulheres em Portugal, ao desenvolver uma panóplia de medidas que coadjuvaram a entrada da mulher no mundo laboral, tais como a outorgação da licença de maternidade de 90 dias e de outros direitos na gestação e na assistência familiar, e a fixação do salário mínimo e do subsídio de desemprego; b) as consequências indirectas da emigração: por um lado, as mulheres que ficaram sozinhas e/ou com filhos em Portugal defrontaram-se com novas situações e responsabilidades que habitualmente competiam aos homens, e por outro, as mulheres que emigraram com os maridos tiveram a possibilidade de contactarem com novas culturas, mais equitativas, o que se reflectiu na educação dos seus descendentes;
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c) a necessidade de sustentar a família através do duplo salário (Amâncio & Wall, 2007). Actualmente, um dos papéis do Estado português consiste em assegurar o direito ao trabalho, certificando uma paridade de possibilidades na selecção da profissão, para que não seja proibido ou circunscrito o acesso a qualquer trabalho em função do sexo (CCIG, 2001). No entanto, a inserção da mulher no mercado de trabalho tende a efectuar-se mais tarde do que a dos homens devido ao prolongamento dos estudos, à maior dificuldade em conseguir encontrar o primeiro emprego e de conciliar a vida profissional com a familiar (Perista, Freitas, Maximiano & Fontaínha, 1999). O reforço da participação feminina no mundo laboral ocorre na sequência de uma das propensões de modificação da sociedade portuguesa, operada a partir dos anos setenta do século XX, e que tem ajudado a reformar o contexto orgânico do mercado de trabalho no nosso país (Gonçalves, 2008). Em 1995, em Portugal apesar da taxa de feminização da população activa ser de 45%, afigurando-se desse modo, como o terceiro país europeu com a percentagem mais elevada de trabalho feminino na faixa etária dos 25 aos 49 anos, constatou-se que os trabalhos realizados por essas mulheres eram praticados em condições (maioritariamente trabalho a tempo inteiro) e sectores de actividade (maioritariamente sector primário) divergentes da restante Europa. Em 2001, altura em que se realizaram os últimos Censos em Portugal, a taxa de actividade feminina era de 42% em Portugal, de 47,4% no distrito de Braga e de 35,9% no distrito de Bragança. As diferenças entre géneros também são evidentes quando se examina a situação por grupos profissionais: a percentagem de homens que trabalha por conta própria e com empregado é mais do dobro do que o que sucede nas mulheres na mesma situação; e a percentagem de mulheres trabalhadoras familiares não remuneradas é aproximadamente duas vezes superior à assinalada nos homens.
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Em Portugal, as diferenças entre os sistemas sectoriais e profissionais de emprego feminino e masculino não são tão substanciais como sucede nalguns países europeus, tal como a Holanda. A nível nacional, as diferenças de género são mais salientes na estrutura profissional do que na sectorial, o que atesta que as mulheres ingressam em todos os sectores de actividade, mas somente numa parcela restrita de profissões, que não exigem qualificações e que se ligam principalmente aos serviços, em resultado das especificidades do nosso sistema produtivo. É de salientar ainda que existe uma ligeira preponderância de mulheres nas profissões intelectuais e científicas em comparação com os homens. Já no que se refere ao género masculino, uma porção significativa ou é operária ou se dedica a actividades análogas. No que se refere aos salários auferidos, as mulheres estão geralmente em situação de inferioridade em relação aos homens (na ordem dos 20% para trabalhos equivalentes), situação aliás, que de acordo com Perista et al. (1999), é aproveitada pelos directores empresariais, para a diferença salarial aplicada entre o trabalho entre géneros. Eis alguns dos factores que podem explicar essas discrepâncias de vencimento entre mulheres e homens, e que assentam: na necessidade das mulheres acompanharem os filhos ao médico ou à escola, e de tratarem os familiares doentes, o que faz com que tenham de faltar ao emprego ou de sair mais cedo e, desse modo, tenham de descurar o emprego e/ou a progressão na sua carreira profissional; e na classificação da mão-de-obra feminina e masculina em termos de qualificação, e que é estabelecida pelas políticas de pessoal de cada empresa, e não tanto pela idade, pela qualificação académica e pela antiguidade laboral. As diligências que se podem levar a cabo em prol da melhoria da condição e da posição das mulheres no mundo laboral podem passar, por ajudas económico-financeiras concedidas às empresas que admitam ou formem mulheres em funções tradicionalmente masculinas, bem como por estímulos ao empreendedorismo feminino. Nesse sentido, o Instituto do Emprego e 56
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Formação Profissional (IEFP), elaborou projectos específicos de formação e emprego das mulheres, como por exemplo, a iniciativa NOW (Rocha, 2007), cujo propósito consiste no fortalecimento e na renovação dos programas de formação consignados às mulheres, e na promoção da sua participação nas referidas acções. Por outro lado, a Associação Portuguesa de Mulheres Empresárias (APME) tem implementado acções de informação, formação, consultoria e suporte a empreendedoras e empresárias, de forma a impulsionar não apenas o empreendedorismo, mas também as empresas e as empresárias nacionais, fortalecendo a sua função/papel e a sua ingerência nos domínios económico, político e sociocultural. Saúde As principais diferenças de género no âmbito da saúde são as seguintes: as mulheres têm uma esperança média de vida superior à dos homens; as mulheres recorrem mais aos serviços de saúde; e as mulheres consomem mais medicamentos (Alves & Silva, 2003). Relativamente ao primeiro aspecto, em muito concorrem o “seu estilo de vida menos stressante no quotidiano e à tendência masculina para comportamentos de risco associados a acidentes e a episódios de alcoolismo e toxicodependência” (Giddens, 2001, p. 152). Todavia, o facto de as mulheres viverem mais anos que os homólogos masculinos não implica necessariamente que eles sejam forçosamente vividos com mais qualidade de vida (CCIG, 2007). Alves e Silva (2003) mencionam ainda que os papéis e estatutos tradicionalmente associados às mulheres, e que se prendem, por exemplo, com a sua maior manifestação emocional, poderão concorrer para uma maior sobrecarga laboral e para um maior sentimento de não realização pessoal e profissional, e que se pode repercutir mais nefastamente na sua saúde e no seu bem-estar biopsicossocial.
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Participação Política Relativamente à participação política, importa ressalvar que em 1911 as mulheres portuguesas foram as primeiras a exercer o direito de voto na Europa7, apesar do sufrágio universal só tenha sido estabelecido no nosso país ulteriormente ao 25 de Abril de 1974. O facto de haver uma sub-representação das mulheres nos processos públicos de tomada de decisão indica que os seus pontos de vista, interesses e necessidades, não são devidamente sustentados, definidos e ponderados pelas pessoas responsáveis pela análise e definição das políticas públicas em Portugal. A oportunidade de uma participação política equilibrada entre géneros pode trazer para a deliberação política, económica ou social novos valores, concepções e tendências comportamentais, dado que as identidades, os papéis e as relações sociais de género divergem em determinadas situações. Por outro lado, a capacidade de gestão que as mulheres demonstram para administrar o dia-a-dia poderá contribuir para uma melhor superintendência das finanças públicas e para resolver alguns contratempos que habitualmente incidem sobre a sua ingerência, como é o caso das escolas, dos infantários e do transporte das crianças (Duby & Perrot, 1995). Um dos motivos que possibilita entender a sub-representação feminina nos órgãos de jurisdição no nosso país pode estar relacionado com as características que assinalaram o trilho percorrido para se alcançar a equidade de oportunidades e para se eliminarem os impedimentos jurídico-políticos à sua realização. Em 2006 foi criada a Lei da Paridade em Portugal com o propósito de, por um lado, impedir a sub-representação das mulheres no poder político e, por outro, institucionalizar a sua acessão à tomada de decisão política, impulsionando, desse modo, uma maior harmonia e igualdade entre a representação de ambos os géneros nos cargos de deliberação política. Esta Lei estabelece uma percentagem mínima de 33% de elementos de cada género
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No quadro dos doze países que vieram a constituir a União Europeia até 1996.
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
nas listas de candidatura para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias. De acordo com o III Plano para a igualdade género cidadania, este processo de quotas ou de percentagens mínimas deliberado por legislação, irá possibilitar uma participação equitativa nas tomadas de decisões e aproximar a vida política da social, para além de fomentar alterações na dinâmica das instituições públicas, envolvendo inclusive os partidos políticos. De acordo com a CCIG (2007), a paridade jurídico-legal entre homens e mulheres diz essencialmente respeito ao reconhecimento do direito à não discriminação com base no sexo. Actualmente existe uma panóplia de legislações que consagra a igualdade de género, mas nem sempre isso sucedeu. Somente com a instituição da democracia em Portugal é que se começou a dar maior relevância às desigualdades associadas às relações de género.
2.2.3. Entre o Espaço Público e o Privado
Os gregos percepcionavam o homem como um ser particularmente social, e nesse sentido, ele “...é um produto da sociedade e só aí encontrava a sua humanidade, realizando-se como Homem. Esta ideia está bem espelhada na célebre afirmação de Aristóteles quando afirma que ´O homem é um animal político`. Os gregos desvalorizavam por completo a vida privada” (Fontes, s/d, p. 1). Já no que diz respeito aos romanos, uma dos seus principais tributos para o direito e a política, prende-se com o facto de terem estabelecido o constructo “direito privado”, que regulava os direitos das famílias e da propriedade privada entre os cidadãos romanos. Desse modo, desenvolveram uma diferenciação entre o espaço público e o espaço privado, em que o primeiro se refere ao Estado, enquanto o segundo reporta-se à vida das famílias e dos seus membros, pelo que apenas estes estão aptos para poderem intervir (idem).
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Importa salientar que estas distinções entre o público e o privado, alcança um grande interesse no século XVII e seguintes no Continente Europeu. Locke, está em profundo desacordo com a ingerência do Estado na vida dos cidadãos e, sustenta então uma clara demarcação entre aquilo que é da esfera pública e aquilo que é da esfera privada. Para ele, a esfera pública refere-se a tudo aquilo que afecta directamente as outras pessoas, e por outro, constitui um domínio em que os cidadãos delineiam o seu próprio espaço, o qual é necessariamente diferente daquele que está sob a jurisdição Estatal. Representa assim, um local onde são discutidos assuntos públicos, e em que se vai construindo uma opinião pública capaz de ter uma influência preponderante nas deliberações levadas a cabo pelo Estado. Ao invés, “o privado o que é matéria de consciência de cada um, como por exemplo as crenças religiosas, mas também aquilo que decorra fora dos olhos dos restantes cidadãos e não tenha para os mesmos qualquer implicação” (idem, p. 1). No século XX, nas sociedades que atingiram um maior desenvolvimento económico, assiste-se a um gradual desinvestimento e indiferença das pessoas pelo domínio público e pela intervenção cívica, e que se podem dever a estas razões, designadamente: à massificação das nossas sociedades, em que os indivíduos são vistos apenas como “meros” clientes; à substituição dos debates públicos pelos debates realizados nos diversos meios de comunicação social, tais como as televisões e as rádios; à substituição dos consensos obtidos nos debates públicos pelas sondagens de opinião pública; e à restrição da participação dos cidadãos na vida pública e política apenas nos períodos eleitorais (idem). Fontes (s/d) finaliza, concluindo que “o cenário de um afastamento total dos cidadãos da esfera pública não parece ter qualquer fundamento. Na verdade, assiste-se actualmente ao surgimento de novos espaços públicos como a Internet…os cidadãos já se mostraram capazes de formar importantes correntes de opinião e intervir de forma eficaz na esfera pública” (p, 2).
60
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
O “espaço privado” reporta-se então a um ou diversos domínios da vida social, e nos quais a liberdade assume um papel fundamental, enquanto o “espaço público” refere-se a um domínio ou vários domínios que estão mais acessíveis e visíveis, tais como a vida não doméstica, económica e política (Biroli, 2008). Reportando-nos ao contexto grego clássico, “o espaço público remetia para a praça pública, a agora, espaço simultaneamente físico e simbólico de discussão, totalmente contraposto ao domínio privado; se o primeiro surgia associado à cidadania, igualdade e liberdade, o segundo caracterizava-se pela submissão e necessidade” (Martins, 2005, p. 704-705). Segundo Arendt, uma feminista de referência, o domínio público associado ao masculino, à cultura, à equidade, à razão, à liberdade e à acção, tem um carácter público e político que permite ao homem viver com autenticidade, em contraposição com o domínio privado, associado ao feminino e aos subordinados em geral, à natureza, ao labor, à necessidade e aos sentimentos, e que não possibilita que as pessoas sejam autênticas, verdadeiras e livres (Martins, 2005; Francisco, 2007). O público, por um lado, “…designa que tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por outros e tem a maior divulgação [publicity] possível” (Martins, 2005, p. 705), e por outro, “…significa o próprio mundo, comum a todos os indivíduos, erguido artificialmente contra a natureza, e signo de durabilidade e estabilidade” (idem, p. 705). Na perspectiva de Arendt, a esfera privada caracteriza-se pelos seguintes aspectos: “…a primazia da necessidade e a ausência de liberdade; a sua destinação à perpetuação da espécie e do indivíduo; a identificação do homem ao animal pela sujeição inescapável e necessária à perpetuação biológica; a desigualdade das relações humanas; a justificação da dominação pela desigualdade das relações humanas” (Francisco, 2007, p. 38). O espaço privado assume um carácter não político ou pré-político, e pode ser analisado numa dupla vertente: por um lado, numa interpretação positiva, a privacidade é o local que oferece à pessoa amparo, que lhe permite proteger-se da 61
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
permanente exposição pública, e que funciona como seu “refúgio”; por outro, numa interpretação negativa, privado designa um domínio de não cidadania, e portanto, de restrição à vida pública, com um cariz privativo e que representa a desigualdade (Martins, 2005). De acordo com diversas feministas, ao se estabelecer uma dicotomia “público/privado” incorrerem-se, inevitavelmente, em duas ambiguidades (Biroli, 2008). A primeira relaciona-se com o facto da nomenclatura “público/privado” se empregar tanto para diferenciar Estado de sociedade como para distinguir vida não doméstica de vida doméstica, sendo que o Estado assume um carácter eminentemente público, enquanto a família, a vida doméstica e a esfera pessoal da sexualidade adoptam um cariz paradigmaticamente privado (Biroli, 2008). Nesse sentido, e de acordo com a referida autora, Weinstein estabelece uma comparação feliz entre o “espaço público” e o “espaço privado” e as diversas camadas que constituem uma cebola, ao afirmar que “assim como uma camada que está do lado de fora de outra camada estará também dentro de uma outra, algo que é público em relação a uma esfera da vida pode ser privado em relação a uma outra” (idem, p. 307). A segunda ambiguidade advém do facto das práticas e teorias patriarcais transactas se alicerçarem numa
panóplia
corpo/mente,
de
polaridades
emoção/razão,
visibilidade/privacidade,
-
público/privado,
paixão/interesse,
alteridade/unidade,
natureza/cultura,
relevância/irrelevância, particular/universal,
liberdade/necessidade, humanidade/animalidade, igualdade/desigualdade, persuasão/violência,
objectividade/subjectividade,
concreto/abstracto,
casa/mundo -, que actuam como normas culturais, e que conferem lugares e papéis consistentes aos homens e às mulheres (McLaughlin, 2004; Francisco, 2007), terem resultados nefastos, sobretudo para as mulheres: os homens estão ligados, principalmente ao trabalho, à política e à economia, enquanto as mulheres são responsáveis pelas tarefas da esfera privada, e que abrangem as acções domésticas e reprodutivas (Biroli, 2008; McLaughlin, 2004).
62
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Contudo, Biroli (2008) mencionou que a globalidade dos teóricos políticos contemporâneos insiste na mesma prática, isto é, na cisão do “espaço público” e
do
“espaço
privado”,
ao
descurarem
a
relevância
da
família,
designadamente a divisão de tarefas que nela operam, mas também os seus padrões de subordinação económico-financeira, e consequentemente a sua organização/estruturação de poder. Importa ressalvar que, embora a pluralidade das feministas do século XIX e do início do século XX – a “primeira onda do feminismo”, não tenha contestado ou desafiado a função e o papel particular da mulher no seio da família, admitindo existir, assim, uma afinidade natural e inevitável entre o domínio doméstico e o compromisso da mulher por esse mesmo domínio, elas combateram activamente contra a subordinação jurídica das esposas, e reivindicaram por uma igualdade de direitos para as mulheres no domínio público. Elas lutaram então por um conjunto de direitos e de oportunidades para as mulheres, designadamente à educação e ao voto, argumentando que isso “…fariam dessas mulheres esposas e mães melhores, ou que as capacitariam para trazer sua sensibilidade moral especial, desenvolvida na esfera doméstica, para o mundo da política” (idem, p. 312). Entretanto, numa “segunda onda do feminismo”, que se iniciou nos anos 60 do século XX, existem duas correntes feministas com visões e perspectivas diametralmente divergentes. Uma delas que advoga, por um lado, a supressão de todos os obstáculos exercidos sobre as mulheres no universo político e laboral, e por outro, apoia a concepção de que as mulheres têm responsabilidades particulares na família, que segundo Nicholson, esse “duplo papel” da mulher era declaradamente antinómico. No outro extremo, evidencia-se um grupo de feministas radicais que sustenta que a esfera privada deveria ser suprimida, dado que, foi a grande responsável pelo início da opressão exercida do homem sobre a mulher (idem). Todavia, decorrido pouco tempo, a maioria das feministas adoptou uma posição entre os dois extremos acima referidos, “…recusando-se a aceitar a divisão do trabalho entre os sexos como natural e imutável, mas recusando-se 63
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
também a abrir mão da família” (idem, p. 313). Elas consideraram que se não se operasse uma transformação real e efectiva na organização e dinâmica familiares, não seria possível caminhar-se para uma paridade de género, tanto no “espaço privado” como no “espaço público”. Na sua óptica, nem a esfera da vida doméstica e pessoal, nem a esfera da vida não doméstica, política e económica, podem ser explicadas e analisadas separadamente, dado que para elas “o pessoal é político”. Nesse âmbito, aquilo que sucede na vida pessoal, nomeadamente nas relações entre géneros, não é resistente e isento às questões de poder, e ao seu cariz eminentemente público e político, uma vez que os domínios público e privado estão associados e inter-relacionados, pelo que não devem ser analisados sem uma alusão constante ao outro. Aliás, a afirmação seguinte ilustra bem o que anteriormente se aludiu: “Nós demonstrámos como as desigualdades dos homens e das mulheres no mundo do trabalho e da política são inextrincavelmente relacionadas, em um ciclo causal de mão dupla, às desigualdades no interior da família” (idem, p. 314). Então, e focando-nos na dicotomia tradicional entre o público e o privado, importa destacar que nem todas as feministas comungam da mesma posição: as feministas radicais e as socialistas advogam a extinção integral da diferenciação entre público e privado, enquanto as feministas liberais advogam uma explanação mais delimitada da esfera privada. Arendt advogava uma distinção e separação absoluta entre público e privado (Francisco, 2007; Martins, 2005), radicalidade essa que era estranha a Aristóteles e em quem Arendt se inspirou, que considerava que existia uma oposição relativa entre esses dois domínios. Desse modo, e “na perspectiva de alguns autores, Arendt terá levado a cabo uma apropriação acrítica da tradição clássica, sem se questionar sobre as exclusões intrínsecas a essa tradição” (Martins, 2005, p. 706). Contudo, é importante salientar que muitas das feministas “…não negam nem a utilidade de um conceito de privacidade nem o valor da privacidade na vida humana. Nem mesmo negamos que há algumas distinções sensatas a
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
serem feitas entre as esferas pública e doméstica” (Biroli, 2008, p. 314), como o comprova a asserção previamente citada: “o pessoal é político”. Nesta ordem de ideias, as feministas contrapondo-se ao pensamento mais ou menos universal da actual sociedade, afirmam que a diferenciação que esta última estabelece entre as esferas pública e privada é puramente ideológica e social e politicamente construída, e que está assente em princípios, pressupostos e valores de uma sociedade tipicamente patriarcal, e que nesse sentido, considera que os homens e as mulheres desempenham naturalmente papéis e responsabilidades distintos: “…a segregação e a discriminação sexuais correntes na força de trabalho, a escassez de mulheres nas altas rodas da política e a pressuposição estrutural de que os trabalhadores e ocupantes de cargos políticos não são responsáveis por cuidar das crianças” (idem, p. 315). Contudo, essas feministas consideram que os papéis que as mulheres desempenham como “cuidadoras” das crianças nos primeiros anos de vida, devem-se a um conjunto de razões. Por um lado, consagram-se às características de personalidade das mulheres, que as levam a ser psicologicamente mais ligadas às outras pessoas, e a existir uma maior possibilidade delas elegerem espontaneamente a função de cuidadoras, ao invés do que sucede nos homens, que são mais individualistas, e que procuram alcançar um “status público”. Por outro lado, deve-se à segregação sexual existente nos locais de trabalho, em que as mulheres, de uma forma geral, ainda são aquelas que desempenham as profissões pior remuneradas e mais desprestigiantes (idem). Desse modo, e a partir do momento em que se admite que as mulheres crescem numa sociedade em que ainda se assiste a uma submissão por parte destas em relação aos homens, e a responsabilidade feminina pela esfera doméstica, é lícito então, por um lado, pensar-se que as “…diferenças significantes entre mulheres e homens são criadas pela divisão do trabalho existente na família” (idem, p. 317), e, por outro, perceber-se “…a profundidade e a amplitude da construção social do género” (idem, p. 317).
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Nesse sentido, Biroli (2008) levanta uma questão de assaz pertinência: “As práticas nos locais de trabalho, no mercado ou no parlamento seriam as mesmas se elas tivessem se desenvolvido pressupondo que seus participantes teriam de acomodar-se às necessidades de dar à luz, educar um filho, e às responsabilidades da vida doméstica?” (p. 320). Nicholson sublinha portanto, a utilidade e a importância da história para a compreensão da demarcação entre a esfera pública e a privada, e para a compreensão de género. De acordo com autores clássicos como Locke e Warren e Brandeis, somente os homens, considerados os chefes de família, tinham o direito à privacidade da sua pessoa, nomeadamente nas relações que estabelecem uns com os outros, sendo que esse privilégio não se estendia às pessoas que lhe estavam submissas e que eram parte integrante dessa sua privacidade, como por exemplo, as mulheres (idem). Todavia, “é particularmente notável que as discussões contemporâneas sobre a privacidade, ao fazerem referência a essas fontes clássicas, não mencionem esse aspecto delas, uma vez que se pode perceber que alguns desses traços do patriarcado duraram até muito recentemente, e alguns deles estão ainda entre nós” (idem, p. 322). Nesse âmbito, os movimentos feministas em defesa dos direitos dos mais indefesos, alertam a sociedade contemporânea, de uma forma cada vez mais acérrima, para o facto de muitas mulheres e crianças ainda não estarem consagradas pela legislação em vigor, à protecção integral da sua pessoa, para quem o domicílio e a sua suposta privacidade, pode funcionar nas situações de violência doméstica/familiar/sexual como o local mais perigoso e menos protector, dado que o agressor é a própria família, respectivamente marido e adultos (idem). No decurso dos últimos 40 anos, assiste-se nos Estados Unidos da América, a uma mudança ainda que gradual e lenta, relativamente às questões de privacidade dentro do sistema familiar, designadamente por parte de um Organismo intitulado de Suprema Corte dos Estados Unidos, e que contrapõe as 66
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
concepções patriarcais de Locke ou de Warren e Brandeis. Passou-se então, de uma privacidade da família para uma privacidade no seio da família, no sentido de se proporcionar e assegurar uma protecção legal dos direitos de cada um dos membros que constituem cada uma das famílias, ainda que estes assumam posições e opções divergentes das dos seus membros mais poderosos (como por exemplo, os pais sobre os filhos ou o marido sobre a mulher), ou ainda da decisão colectiva do agregado familiar. Dessa forma, vai ser feita alusão a uma afirmação de Biroli (2008), que corrobora bem o que atrás foi dito, e que se prende com os direitos relativos à tomada de decisão concernentes à contracepção e ao aborto, e que declara o seguinte: “…que foram antes sustentados pela Corte sob a rubrica da privacidade familiar ou marital, logo evoluíram no sentido de serem entendidos como direitos dos indivíduos, sejam eles casados ou não, e em alguns casos constituem direitos em oposição às famílias, vistas como entidades colectivas” (p. 323). São dadas três possíveis explicações em defesa da privacidade na vida doméstica por parte de ambos os géneros, e que se prendem: com a sua importância para o desenvolvimento das nossas relações pessoais íntimas; e que permite que cada um de nós, ainda que transitoriamente, coloque de lado os nossos papéis públicos, isto é, as nossas “máscaras”, para que possamos desenvolver a nossa personalidade e, dessa forma, sejamos capazes de assegurar e manter os mais diversos papéis públicos que assumimos na vida em comunidade; e finalmente a possibilidade que nos proporciona de tempo e liberdade para estimularmos e desenvolvermos as nossas competências cognitivas, comportamentais e criativas. Contudo, a supracitada autora interroga-se e bem, até que ponto é que as mulheres têm a oportunidade de encontrar essa privacidade na esfera doméstica numa sociedade tão estruturada pelas questões de género, procurando ulteriormente, proceder a uma análise sumária de cada uma dessas três razões em função do género. Apesar de se considerar que a esfera privada constitui um pré-requisito para que a intimidade possa ocorrer, é importante destacar mais uma vez que, essa intimidade é impraticável, se subsistir uma supremacia de um sexo sobre o 67
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
outro. Nesse sentido, Biroli (2008) destaca que essa intimidade “…não é encontrada por todos na esfera doméstica, e não é possível, em especial, para muitas mulheres e crianças que convivem com a experiência quotidiana do abuso físico, e para aquelas, em número ainda maior, que vivem sob a ameaça constante desse abuso” (p. 325). Assim, é necessário outorgar ao Estado a função de fazer políticas profilácticas e de atendimento aos diferentes tipos de violência exercidas sobre as mulheres, nomeadamente a doméstica e a sexual (Silveira, 2004). Por outro lado, e no que se refere ao desenvolvimento da personalidade, é fundamental salientar antes de mais que, muitas mulheres apresentam manifestamente grandes dificuldades nesse sentido, na medida em que não encontram em casa a tal privacidade de que necessitam, independentemente de desempenharem ou não papéis não domésticos. Assim, e citando Biroli (2008) “…espera-se muito mais delas…em seus papéis de mães e de responsáveis pela família, do que se espera dos homens…os homens que têm sucesso na vida pública são frequentemente desculpados por negligenciar suas famílias, enquanto as mulheres, na mesma situação, não o são” (p. 325-326). Já os homens, referem que a sua casa, nalguns aspectos, não constitui o mais privado dos locais, visto que segundo eles, encontram maior privacidade no escritório do que no domicílio. Assim, podemos constatar que a privacidade não é vivenciada da mesma maneira quando se contrapõe o género masculino com o feminino. Finalmente, e no tocante ao último aspecto, as mulheres mais uma vez, não dispõem de tanto tempo como os homens, para poderem ficar sós e terem a oportunidade de se concentrar, dado que são muito mais sobrecarregadas na esfera doméstica em contraposição com o que sucede com os homens, e que entra em conflito com as realizações profissionais e criativas. Desse modo, elas sentem a necessidade de fazer uma escolha: optar pela vida familiar e doméstica, ou então optar e investir na sua carreira profissional e na progressão de carreira. Assim, pode-se afirmar que na nossa sociedade contemporânea, ainda bastante pautada por princípios, asserções e práticas 68
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
socioculturais patriarcais, as mulheres não estão ainda verdadeiramente em igualdade de circunstâncias em relação aos homens, para poderem ter a privacidade necessária para se poderem auto desenvolverem mental e criativamente (Biroli, 2008; Silveira, 2004). Silveira (2004) mencionou que é necessário “…criar meios de reforçar o
empowerment das mulheres, capacitando-as para as escolhas mais emancipadoras e que levem a uma progressiva eliminação de todas as formas de desigualdade…as mulheres têm que se organizar no sentido de se tornarem também sujeitos do mainstreaming” (p. 6). Inicialmente, o mainstreaming de género requer os seguintes requisitos: determinação política de prosseguimento da paridade de género; formação específica dos diferentes actores que intervêm na promulgação e edificação das políticas vigentes, nomeadamente os decisores políticos, os quadros técnicos e os dirigentes; recursos humanos e económico-financeiros; e uma unidade encarregue pela dinamização e pela prossecução do processo (Silva, 1999). O Mainstreaming de género, afigura-se então como uma estratégia que tem como principal propósito integrar a perspectiva de género na definição, implementação e avaliação de políticas, de modo a ultrapassar as desigualdades estruturais que ainda persistem entre homens e mulheres, contemplando concomitantemente a realização de acções específicas em prol da melhoria da condição das mulheres. A implementação desta estratégia exige que a dimensão equidade e a dimensão género estejam interligadas em todas as acções políticas, abrangendo intervenções activas e reactivas, que compreendem acções particulares dispostas a melhorar a condição do género mais desfavorecido: maior responsabilização por parte das instituições internacionais; maiores benefícios para ambos os géneros nos processos de tomada de decisão, que ficam mais transparentes; identifica, potencializa e movimenta os recursos intrínsecos a cada género; permite uma maior progressão das sociedades; e concorre para o desenvolvimento das práticas democráticas (idem). 69
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Nesse sentido, Biroli (2008) sublinha que “…as instituições e práticas de género terão de ser muito alteradas para que as mulheres tenham oportunidades iguais às dos homens, seja para participarem das esferas não-domésticas do trabalho, do mercado e da política, seja para se beneficiarem das vantagens que a privacidade tem a oferecer” (p. 327). É então necessário que o Estado implemente novas políticas que promovam a igualdade entre géneros, em que homens e mulheres dividissem equitativamente todas as tarefas domésticas, muito em particular a criação e a educação dos seus filhos (Biroli, 2008; Silveira, 2004). Uma dessas medidas poderá ser o aumento do número de creches que acolhem as crianças, para que a mulher possa então “…dedicar-se ao trabalho remunerado, mas também veja diminuída a sobrecarga
de
trabalho
doméstico
e
possa
também
se
capacitar
profissionalmente, estudar ou ter algum tempo para o lazer e a cultura” (Silveira, 2004, p. 9).
70
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Capítulo 3 | Análise e Discussão dos Resultados da Investigação Neste capítulo apresentamos os resultados e sua discussão de acordo com os objectivos traçados nesta investigação. A estrutura com que apresentamos o capítulo aborda as principais temáticas ou áreas de interesse para o tema da igualdade de género, da mesma forma apresentamos de forma breve o contexto/território em que foi realizada a investigação.
3.1. Contextos da Investigação
Partes integrantes da região nortenha, os distritos em estudo registam preponderância territoriais distintas. Enquanto o Distrito de Braga detém uma superfície territorial de 2696 km2 e uma desagregação concelhia de 14 unidades, circunscrevendo 12,7% da área total da Região Norte, o Distrito de Bragança ocupa todo o extremo Noroeste da região (equivalente a 6599 km2 e a 31% da área total) e é constituído por 12 concelhos. A nossa investigação realizou-se nos Concelhos de Braga e Bragança.
3.1.1. Breve Breve enquadramento territorial do distrito de Braga
O Distrito de Braga é parte integrante da província minhota e encontrase delimitado a norte pelo Distrito de Viana do Castelo, a leste pelo Distrito de Vila Real, a sul pelo Distrito do Porto e a oeste pelo Oceano Atlântico. Segundo o último momento censitário, em termos de superfície terrestre, abrangia cerca de 2696 Km2, o que equivale a 12,7% da área total da Região Norte e 3% da área continental portuguesa. A amplitude territorial abrangida, não é, propriamente, o factor que lhe consagra a relativa importância estratégica que 71
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
granjeia, até porque existe outras unidades territoriais que consagram maior cobertura terrestre e não logram uma quota-parte da sua importância estratégica, mas sim a posição territorial que ocupa e a rede de acessibilidades que guarnece. Fazem parte do distrito catorze concelhos, tal como pode ser vislumbrado na Fig. 1. Esta disposição tributa-lhe uma matriz territorial bastante diversificada, já que conglutina no mesmo dispositivo administrativo áreas predominantemente urbanas e áreas predominantemente rurais, conferindo-lhe características heterogéneas em termos de demografia, urbanização e problemas sociais. Apesar de para fins de natureza administrativa / governamental estes concelhos encontrarem-se confederados no mesmo dispositivo territorial, para fins de natureza estatística esta conformação já não se verifica. Concelhos como Amares, Barcelos, Braga, Esposende, Terras de Bouro e Vila Verde integram a unidade territorial denominada por NUT8 III Cávado, enquanto os demais encontram-se dispersos, ou pela NUT III Ave (Fafe, Guimarães, Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão e Vizela) ou pela NUT III Tâmega (Cabeceiras de Bastos e Celorico de Basto).
8
Nomenclatura Territorial Utilizada para Fins Estatísticos (NUT);
72
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Fig. 8 Mapa do Distrito
Fonte: Disponível em www.fisicohomepage.hpg.ig.com.br/distwww.fisicohomepage.hpg.ig.com.br/dist-braga.htm
3.1.2. Breve enquadramento territorial do Distrito de Bragança O distrito de Bragança ocupa o extremo Noroeste de Portugal Continental e pertence à província tradicional de Trás-os-Montes Montes e Alto Douro. Numa área adjacente de 6599 Km2, correspondentes a 7,4% da superfície do país e a 31% da área total da Região Norte, limita limita a norte e a leste com Espanha, a sul com o Distrito da Guarda e com o Distrito de Viseu e a oeste com o Distrito de Vila Real. Para além da sua amplitude territorial, especialmente no panorama regional, outro factor que lhe consigna uma relativa importância estratégica é o seu posicionamento territorial e as redes de transbordo que favorece para toda a sua envolvência. A capital do distrito, cidade de Bragança, dista a 217 km da cidade do Porto e 107 km e 169 km das cidades espanholas de Zamora e Salamanca, respectivamente. Administrativamente está dividido em 12 concelhos (Figura 1), oito dos quais pertencem à NUT III - “Alto Trás-os-Montes” Montes” (Alfandega da Fé, Bragança, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela, Mogadouro, 73
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Vimioso e Vinhais) e os remanescentes estão integrados na NUT III - “Douro” (Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta, Torre de Moncorvo e Vila Flor).
Fig 9. Mapa do Distrito
Fonte: Disponível em www.fisicohomepage.hpg.ig.com.br/distwww.fisicohomepage.hpg.ig.com.br/dist-bragança.htm Tabela 1 - População do concelho de Braga e Bragança9
Braga Bragança Total
2008 – INE População residente com idade igual ou superior a 15 anos Homens Mulheres Total 68.946 76.650 145.596 14.348 17.785 32.133 83.294 94.435 177.729
9
fórmula para o cálculo da amostra: n=(Nxn0)/(N+n0) em que n0=1/E0^2, com erro amostral de 3%. Braga: H/M - 904, H – 428, M – 476; Bragança: H/M – 200, H – 89, M – 111.
74
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
3.2. Caracterização Efectiva da Amostra
Neste sub-ponto, apresentamos em termos descritivos a caracterização efectiva da amostra através das frequências relativas e percentagens: do sexo; idade; estado civil; nível de instrução.
TABELA
2 – CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA AMOSTRA Bragança
Braga N Sexo Mulher Homem Idade [15-20[ [20-25[ [25-30[ [30-35[ [35-40[ [40-45[ [45-50[ [50-55[ NS/NR Estado Civil Solteiro(a) Casado(a) Junto(a)/em coabitação Viúvo(a)… Separado(a) Divorciado(a) NS/NR Nível de instrução Não sabe ler nem escrever Sabe ler e escrever (s/ grau de instrução formal Ensino Básico 1º Ciclo Ensino Básico 2º Ciclo Ensino Básico 3º Ciclo Ensino Secundário Curso Técnico/Profissional Ensino Superior NS/NR
75
%
N
%
476 428
52,7 47,3
111 89
55,5 44,5
136 209 142 147 86 56 64 10 54
15,1 23,1 15,7 16,3 9,5 6,2 7,1 1 6
19 40 38 38 25 13 13 4 10
9,5 20 19 19 12,5 6,5 6,5 2 5
491 287 78 6 7 29 6
54,3 31,7 8,6 0,7 0,8 3,2 0,7
97 70 19 2 1 11 0
48,5 35 9,5 1 0,5 5,5 0
0 0 8 333 178 204 23 146 12
0 0 0,9 36,8 19,7 22,6 2,5 16,2 1,3
0 0 0 0 61 46 42 9 40 2
0 0 0 0 22,1 16,7 15,2 3,3 14,5 0,7
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Concelho de Braga Se analisarmos a composição dos inquiridos segundo o sexo, verifica-se que a nossa amostra apresenta um predomínio de mulheres (52,7%) face aos homens que representam 47,3%, embora a diferença não seja significativa, mas sim representativa da diferença existente no concelho de Braga. Relativamente à idade dos inquiridos, esta está dividida em oito estratos, sendo que a maioria dos inquiridos encontram-se entre os quatro primeiros estratos (70,2%), isto é entre as idades de 15 e 35 anos, podendo-se considerar uma população jovem adulta. Relativamente à variável “estado civil” ou “situação conjugal”, observase uma predominância dos inquiridos solteiros com 54,3%, algo que pode estar relacionado com a faixa etária maioritária, logo em seguida, destacam-se os inquiridos casados com 31,7%. Quanto à variável “Habilitações”, como se pode verificar, observa-se a predominância de inquiridos que apenas possuem o Ensino Básico do 2º ciclo (36,8 %), seguido do Ensino Secundário com 22,6%.
76
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Concelho de Bragança Se analisarmos a composição dos inquiridos segundo o sexo, verifica-se que a nossa amostra apresenta um predomínio de mulheres (55,5%) face aos homens que representam 44,5%. Mais de metade dos inquiridos encontram-se entre as idades dos 20 e os 35 anos (58%). Relativamente à variável “estado civil” ou “situação conjugal”, observase uma predominância dos inquiridos solteiros com 48,5%, algo que pode estar relacionado com as idades dos inquiridos, logo em seguida, destacam-se os inquiridos casados com 35%. Quanto à variável “Habilitações”, como se pode verificar, observa-se a predominância de inquiridos que apenas possuem o Ensino Básico do 2º ciclo (22,18 %), seguido do 1º ciclo com 16,7% e do ensino superior facto associado a muitos dos estudantes que foram inquiridos e estudam em Bragança.
3.3 Caracterização SócioSócio-familiar Tal como referimos no enquadramento teórico as alterações de valores potenciados pelo 25 de Abril de 1974 deram aos novos casais portugueses sonhos de casa própria e maior autonomia, entre outros aspectos (Wall, 2005). Desde então, o núcleo familiar é cada vez mais reduzido e verifica-se uma acentuada privatização dos espaços e das relações entre os seus elementos e as próprias habitações viram a sua estrutura alterada em conformidade com estas mudanças - hoje cada filho do casal tem normalmente um quarto individual, existe uma maior diversidade de divisões e as residências dispõem de água corrente, electricidade e instalações sanitárias. De acordo com os dados disponíveis no site do Instituto Nacional de Estatística, em 2001 a dimensão média das famílias clássicas10 foi de 2,8 em Portugal, de 2,7 em Bragança e de 3,2 em Braga; em 1991 estes valores eram mais elevados, cifrando-se em 3,1 para Portugal, em 3,0 para Bragança e em 3,6 10
Por famílias clássicas entende-se o conjunto de pessoas que residem no mesmo alojamento e que têm relações de parentesco entre si.
77
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
para Braga. A “tradicional” família extensa deu lugar a um modelo familiar constituído apenas por pais e filhos, os quais permanecem na casa dos progenitores até terem um trabalho medianamente estável. Em suma, a família está hoje mais voltada para o seu interior e celebra o amor conjugal e a intimidade familiar (Nogueira, 2005: 571). Tal como se verifica em Portugal, também em Braga e Bragança o número de pessoas que constituem o agregado familiar está numa média de 3 elementos.
T ABELA 3 - Nº DE PESSOAS AGREGADO FAMILIAR
[1-3[ [3-5[ [5-7[ [7-9[ [9-11] NS/NR
Braga % 16,4 56,5 18,9 1,4 1,9 4,9
Bragança % 20,7 45,7 16,6 6,6 7,1 3,3
O casamento permanece como o pilar preferencial que subjaz à constituição de uma família em Portugal, ainda que o seu peso relativo venha a diminuir a favor da coabitação ao longo dos últimos 30 anos (Almeida, 1994: 114). A percentagem de casamentos católicos celebrados em Portugal tem vindo a decrescer: se em 2001 cerca de 63% dos casamentos celebrados foram católicos, em 2007 este número cifrou-se nos 47%. Ao invés, o casamento civil registou um aumento na ordem dos 15%, passando de 37% em 2001 para 52% em 2007, passando a constituir a maioritária forma de casamento em Portugal.
78
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Tabela 1 - Casamentos celebrados em Portugal, Braga e Bragança, segundo o tipo, 2001 e 2007 (%) Portugal Braga Bragança 2007 2001
Católicos 47,32 62,53
Civil 52,49 37,47
Católico 60,66 69,68
Civil 39,23 30,32
Católico 38,12 62,05
Civil 61,88 37,95
Fonte: INE, Casamentos, disponível em www.ine.pt , acesso em 3/05/09
Dos 904 inquiridos, 38,5% (348) têm filhos, sendo que a grande maioria tem entre um filho (46%) e dois (43,5%), o que está de acordo com os dados mais recentes do número médio de filhos em Portugal. Destaca-se ainda que a maioria dos inquiridos teve o primeiro filho entre os 19 e os 26 anos, sendo que a tendência apresentada por estudos recentes é que os casais tenham filhos cada vez mais tarde, facto associado, muitas das vezes às questões da insegurança laboral, ou a “pressão” sentida sobretudo pelas mulheres. TABELA
1 2 3 4 5
5 – Nº DE FILHOS Braga Bragança % % 46 13,7 43,5 13,4 8,4 2,3 0,9 0,33 1,2 0
Sendo a licença de maternidade/paternidade um direito nem todos os inquiridos usufruíram da mesma, embora a maioria tenha usufruído, 28% afirma não ter tido essa oportunidade, facto que pode estar associado ao tipo de trabalho exercido pelos inquiridos, muitas vezes situações de recibos verdes, ou receio e pressão para voltar ao trabalho sob pena de puderem ser despedidos,
facto
este
que
profundamente
preocupante.
Igualmente
preocupante, embora não seja estatisticamente de especial relevância, 14,2% dos inquiridos de Braga afirmam que viram afectada a sua situação profissional com a maternidade/paternidade., por vários motivos que passam por questões mais pessoais ou por opção a questões relacionadas com as dificuldades de conciliar a vida profissional com a profissional, receio de colocar em causa a 79
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
situação profissional ou problemas relacionados com questões económicas. Todos estes factores influenciam, ainda a escolha de 66,1% dos inquiridos que afirmam não pretenderem ter mais filhos. Embora o espaço doméstico seja cada vez mais democrático em que a partilha de tarefas se verifica da mesma forma que as decisões são partilhadas e discutidas verifica-se tanto no concelho de Braga como Bragança a maioria das pessoas afirma que na sua família existe a figura de “Chefe de Família”, vejase a tabela 6.
T ABELA 6 - “CHEFE DE FAMÍLIA” Braga Bragança % % SIM 60% 42,8% NÃO 34,6% 25,4% NS/NR 5,4% 31,8%
3.4 Situação Profissional Profissional e Económica Económica Entre os três últimos momentos censitários verificou-se, mesmo com a passagem da idade mínima de entrada no mercado de trabalho dos 12 para os 15 anos, um aumento da população economicamente activa, com excepção para o Distrito de Bragança, que fruto do decréscimo e envelhecimento populacional compadeceu um decréscimo (especialmente entre 1981 e 2001,já que, entre 1991 e 2001 registou um aumento). Este aumento em muito se deve à entrada massiva da mulher no universo laboral, panorama que reflecte a tendência nacional, regional e distrital. Com intuito de minorar os efeitos das variações populacionais recorre-se à leitura da taxa de actividade, indicador mais fidedigno dos níveis de actividade de uma determinada área geográfica. O Distrito de Braga registava níveis de actividade superiores à média nacional e regional, em contrapartida, o Distrito de Bragança evidencia uma taxa de actividade muito inferior às das demais unidades (37,4%). A média nacional em 2001 situava-se nos 48,2%. 80
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Os homens revelam índices de actividade superiores, apesar do aumento gradual logrado pelas mulheres ao longo das últimas décadas. Além de subsistirem mais homens activos do que mulheres, os primeiros tendem, ainda, a permanecer durante mais tempo activos. Cenário extensível a todas as unidades territoriais em análise. Apesar da supremacia masculina, em termos de índices de actividade, a população feminina manifesta níveis de escolaridade superiores, reproduzindo o cenário veiculado aquando da análise das qualificações populacionais. Tal como a população activa, a população empregada também aumentou consideravelmente nas últimas décadas, mesmo no Distrito de Bragança. Independentemente da unidade territorial de reporte, o predomínio do sexo masculino é inequívoco, nomeadamente em actividades de cariz agrário ou industrial. O sector terciário perfilha, fruto das confluições dos últimos anos, uma tónica perfeitamente feminina. O Distrito de Braga evidencia um padrão produtivo com forte matriz industrial, contrariando a lógica nacional onde impera o sector terciário. Por sua vez, o Distrito de Bragança segue o padrão nacional, ou seja, primazia do sector terciário, mas evidenciando, simultaneamente, uma presença robusta do sector primário. Os grupos sócio-económicos que granjeiam maior representação a nível nacional são os operários qualificados e semi-qualificados (25,9%), os empregados administrativos do comércio e serviços (21,7%), os trabalhadores não qualificados (13,8%) e os quadros intelectuais e científicos (7,4%). Os valores continentais e regionais tendem a assumir alguma semelhança, mas não necessariamente com a mesma valorimetria percentual, uma vez que, à medida que se desce na estrutura administrativa o peso do operariado aumenta, especialmente ao nível do Distrito de Braga. O forte cunho do operariado industrial na estrutura sócio-económica do distrito realça, ainda mais, a proeminência que o sector secundário assume. No distrito de Bragança, os parâmetros de relevo afastam-se do cenário traçado para as demais unidades territoriais, uma vez que são os empregados administrativos do 81
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
comércio e serviços (18,3%), o grupo com maior representatividade, seguindose grupo operário qualificado e semi-qualificado (16,2%), o grupo de trabalhadores não qualificados (12,7%) e o de trabalhadores independentes do sector primário (12,5%). Esta estrutura sócio-económica deixa clarividente as diferentes matrizes produtiva que confluem no interior na Região Norte e lhe consignam a diversidade tão veiculada. O aumento do volume de horas de trabalho semanais reporta uma transfiguração na matriz de mão-de-obra. As mulheres tendem a ter proeminência nos horários até às 35 horas semanais, mas a partir deste marco horário a proeminência é assumida pelos homens. As 40 horas semanais, independentemente da unidade territorial em análise, assumem-se como um patamar da inflexão. De acordo com os dois últimos momentos censitários, o aumento da população desempregada foi bastante acentuado, assumindo especial incidência no sexo feminino e no Distrito de Bragança. No que concerne aos indicadores do desemprego registado, indiciam uma repercussão extensiva deste flagelo social que é o desemprego. A grande maioria da população desempregada é do sexo feminino, apesar das taxas homólogas apontarem variações mais elevadas no sexo masculino; ou seja, os últimos anos manifestam uma “dessexualização” do desemprego, já que, começa, também, a afectar fortemente o sexo masculino. Apesar de existirem mais mulheres desempregadas do que homens, o número médio de dias de benefício do subsídio de desemprego tende a ser superior no sexo masculino. Em consonância com os índices de actividade encontra a taxa inactividade. A proporção de população inactiva no Distrito de Braga (50,2%) era ligeiramente inferior às proporções registadas a nível nacional (51,8%), continental (51,6) e regional (51,9%), o mesmo já não se sucedia em Bragança, já que, em 2001 mais de 60% da população residente do distrito encontrava-se na condição de inactividade.
82
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
As categorias da inactividade são na sua maioria compostas por elementos do sexo feminino (população estudantil, doméstica e reformada / aposentada), sendo a categoria que abrange os indivíduos com menos de 15 anos de idade a única que é composta maioritariamente por elementos do sexo masculino. Entre
1991
e
2001,
a
população
reformada
aumentou
significativamente, porém, enquanto no Distrito de Braga o nível de incremento foi superior no sexo masculino (reflectindo o padrão nacional), em Bragança a taxa de variação foi superior no sexo feminino. Em termos proporcionais, entre 1991 e 2001, o decréscimo na população doméstica foi mais acentuado no sexo masculino, apesar de em termos absolutos a diminuição ter sido superior no sexo feminino, até porque a população doméstica é constituída esmagadoramente por mulheres. Com a entrada massiva da mulher no mercado de trabalho, denota-se uma clara diminuição do peso da população doméstica na estrutura económica do país, contrapondo com o aumento caucionado pela população reformada, especialmente no Distrito de Bragança onde representava cerca 42,8% dos casos de inactividade.
T ABELA 7 - RENDIMENTOS Braga % <150 150 – 300 301 – 450 451 – 600 601 – 750 751 – 900 901 – 1050 1051 – 1200 1201 – 1350 1351 – 1500 1501 – 1650 1651 – 1800 1801 – 1950 > 1950
H 29,02 0 14,25 38,86 3,63 3,63 0 3,63 0 0 3,37 0 0 3,63
Bragança % M 4,01 4,68 31,77 48,16 4,68 1,34 3,01 2,34 0 0 0 0 0 0
83
H 22,78 1,27 15,19 36,71 5,06 5,06 0 3,80 2,53 1,27 3,80 0 0 2,53
M 4,94 3,70 25,93 45,68 6,17 0 7,41 3,70 0 1,23 0 0 0 1,23
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Observa-se que de uma forma geral os rendimentos são baixos encontrando-se a maioria abaixo dos 750€ . Da mesma forma que, embora não de uma forma estatisticamente expressiva, verifica-se que os salários mais altos são ganhos pelos homens. Segundo os dados disponibilizados pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego (CITE), os salários das mulheres são normalmente inferiores aos dos homens, diferença esta que se situa na ordem dos 20% para trabalhos equivalentes. A suposta diferença qualitativa entre o trabalho feminino e masculino serve para justificar a diferença de remunerações por parte dos dirigentes empresariais (Perista, 1999: 157). Estes elementos são muitas vezes usados para sustentar com "naturalidade" o facto de serem as mulheres quem sacrifica o emprego e a progressão na carreira, saindo mais cedo ou ausentando-se do trabalho quando tal é necessário, como por exemplo para acompanhar os filhos nas idas ao médico ou para ir à escola, assim como para cuidar de familiares doentes. Estas situações reforçam-se mutuamente, ou seja, dão origem a um círculo vicioso que vai das baixas remunerações aos limites que impedem a progressão na carreira das mulheres e vice-versa. Outro dos factores que pode explicar o desfasamento entre os rendimentos médios de mulheres e homens reside na classificação da mão-deobra feminina e masculina em níveis de qualificação, a qual é sobretudo determinada pelas políticas de pessoal das empresas e menos por variáveis que podem ser “manipuladas” pelas trabalhadoras e trabalhadores, tais como a idade, a antiguidade no posto de trabalho ou até a qualificação escolar (Perista, 1999: 159). De facto, o gap salarial entre mulheres e homens tende a ser superior quando ambos possuem níveis de qualificação escolar elevados (Perista, 1999:157).
84
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
3.5 A Divisão das Tarefas Domésticas Domésticas Quando questionados se concordam com a divisão das tarefas domésticas, os inquiridos de Braga e Bragança, na sua grande maioria afirmam concordar.
T ABELA 8 - CONCORDA COM A DIVISÃO DIVISÃO DAS TAREFAS DOMÉSTICAS DOMÉSTICAS Braga %
Bragança % Sim Não
Sim
Não
Homem
90,19
9,81
91,01
8,99
Mulher
93,40
6,60
93,58
6,42
De um modelo de família patriarcal centrado numa divisão diferenciada dos papéis de género, no qual o homem era o responsável pelo sustento da família e a mulher cuidava da casa, do marido e dos filhos, passamos formalmente para um modelo centrado numa divisão mais equilibrada de papéis (Camp, 2001), mas esta mudança ocorre a um ritmo lento em Portugal (Costa, 1992). Esta alteração pode dever-se, entre outros aspectos, ao acesso das mulheres à vida profissional e a níveis de escolaridade mais elevados ou ainda à disseminação da ideia de que os direitos e deveres de cada um dos cônjuges são hoje os mesmos (Ferreira, 1999: 206). Em
Portugal,
a
desigualdade
de
género
na
repartição
das
responsabilidades familiares e domésticas traduz-se numa diferença de 3 horas diárias entre o trabalho feminino e masculino; isto significa que, comparativamente aos homens, as mulheres despendem mais três horas diárias em trabalho doméstico e familiar (III Plano Nacional para a Igualdade – cidadania e género, 2007: 6). A sobrecarga feminina, ilustrada na realização simultânea de mais tarefas domésticas e de trabalho assalariado tem diversas implicações ao nível do bem-estar das mulheres, como a indisponibilidade de tempo para cuidar delas próprias, tempo para se cultivarem, fazer desporto e cuidar da saúde (Wall e Amâncio, 2007). Na tabela 9 verifica-se exactamente 85
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
que tanto em Braga como Bragança aos mulheres despendem um maior número de horas que os homens para a realização das tarefas domésticas.
T ABELA 9 - Nº DE HORAS NAS TAREFAS DOMÉSTICAS/DIA Braga % [0[0-2[ [2[2-4[ [4[4-6[ [6[6-8[ >8
H 39,02 49,87 10,85 0 0
Bragança % M 18,18 42,50 30 6,36 2,95
H 38,75 52,50 8,75 0 0
M 16 44 36 4 4
As tarefas normalmente realizadas pelos homens dizem respeito a cuidar do carro, ir às repartições de finanças e/ou conduzir a família em viagem, ou seja, estão associadas ao espaço público e não têm um carácter diário obrigatório; já às mulheres cabem sobretudo os trabalhos rotineiros, como aspirar, limpar a casa, tratar da roupa da família, cuidar dos membros da família doentes, cozinhar e fazer as compras, tarefas estas que parecem nunca estar feitas (Ferreira, 1999). Segundo Amâncio (2007) continuam a existir tarefas marcadamente masculinas e tarefas marcadamente femininas e a partilha das tarefas domésticas revela-se principalmente nas compras (uma tarefa que é realizada fora do espaço privado) e nos cuidados prestados a terceiros (os cuidados com os filhos e com os ascendentes). No quadro seguinte podemos ver que a tarefa na qual os homens portugueses mais participam é a realização de serviços administrativos e a que menos participam é na limpeza da casa. Já as mulheres preparam sempre as refeições e tratam da limpeza da casa e as compras habituais também são, na sua esmagadora maioria, realizadas pelas mulheres, as quais nunca executam serviços de jardinagem e raramente tratam de serviços administrativos.
86
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
3.6 Conciliação da vida profissional com a vida familiar
Cerca de 80% da população com descendência considera que a maternidade / paternidade não afectou a sua situação profissional, o que contribuiu de sobremaneira para que indicassem que não têm / tiveram dificuldade em conciliar a vida familiar com a vida profissional. Pese embora, exista uma pequena diferença entre mulheres e homens (76,28 - 81,45% respectivamente) em Braga. Os principais factores identificados como facilitadores da conciliação são a flexibilidade horária e a articulação com o companheiro na realização das tarefas de índole doméstico. Apesar desta evidência não se encontrou uma relação estatística entre o grau de preconização da divisão das tarefas e nível de conciliação entre a esfera familiar e a esfera profissional. Estes factores assumem relevâncias distintas em função e do distrito. Os principais factores enunciados como suscitadores de dificuldade na conciliação foram o horário de trabalho muito longo, a presença física no local de trabalho e “descoincidência” entre o local de residência e o local de exercício profissional. Na enunciação dos factores é possível aferir diferenças na importância relativa atribuída aos mesmos, em função do sexo e do distrito de residência.
3.7 Igualdade e Cidadania
68,6% da população do Distrito de Braga e 61,3% do Distrito de Bragança denotou a equivalência total de papéis como ícone da igualdade de género e de oportunidade, enquanto 27,5% e 36,3%, respectivamente, reportou a complementaridade de papéis e 3,9% e 2,4% não sabia ou não respondeu.
87
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Não se vislumbra um efeito de sexo específico em Braga, mas em Bragança, apesar de bastante ténue, guarnece relevância estatística, registando-se uma maior propensão das mulheres em veicularem o postulado da
equivalência
total
de
papéis.
Independentemente
do
sexo,
a
conceitualização da igualdade de oportunidade tendia a variar em função dos grupos etários, do estado civil, dos níveis de escolaridade e dos grupos profissionais de pertença. Com base na pertinência consagrada a infra-estruturas informacionais e promocionais do predicado da igualdade e cidadania, registou-se que a grande maioria das pessoas não sabia se existiam este tipo de espaços / serviços na área de residência (70,4% no Distrito de Braga e 65,6% no Distrito de Bragança), 19,1% e 29,3%, respectivamente, tinham a perfeita noção que não existiam. Retirando as proporções de desconhecimento / não respostas (2,3% e 0,9%), apenas 8,2% dos residentes do Distrito de Braga e 16,7% do Distrito de Bragança fruíam esse conhecimento. Contrapondo proporcionalmente os dois distritos não deixa de ser curioso, tendo em consideração que Braga dispõe uma rede relativamente consubstanciada de infra-estruturas dessa natureza, circunstância que não ocorre em Bragança, mas a proporção de desconhecimento é claramente superior à registada em Bragança.
3.8 Mobilidade
O panorama nacional caracteriza-se por uma forte fixação residencial (65,8% da população residia no concelho de origem), assumindo maiores evidências a nível da Região Norte (74,8%) e, em especial, nos Distritos de Braga e Bragança (81,5% e 77,8%). Apesar do primeiro patamar de desagregação denunciar níveis de imobilismo superiores em Braga, essa circunstância não reflecte completamente a realidade, uma vez que, o distrito manifesta
níveis
de
mobilidade
intra-concelhia 88
consideráveis,
isto
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
comparativamente às demais unidades, facto que não ocorre no Distrito de Bragança, que cauciona uma fixação mais estrutural (61% da população residia na próxima freguesia de origem). No plano ocupacional, a proporção de população que exercia a sua ocupação fora do âmbito de abrangência do seu concelho de origem é claramente inferior a nível distrital, com maior evidência no Distrito de Bragança. Este distrito demarcava-se por completo daquilo que era o padrão regional e nacional ao manifestar que cerca de 63% da população estudantil e / ou laboral residia na mesma freguesia onde desenvolvia a sua ocupação. A média das unidades de referência situava-se na casa dos 40%, sendo mesmo inferior a esse patamar no Distrito de Braga. No entanto, Braga caracterizavase novamente por elevados níveis de mobilidade intra-concelhia, já que, a maioria da população reportara que o seu local de estudo / trabalho se situava numa outra freguesia do concelho. Como o traço característico dos distritos era os baixos níveis de deslocamento, não seria de estranhar que as classes temporais de duração do deslocamento para o local de estudo / trabalho que arrolavam maior expressão estatística serem as com menor horizonte temporal. Na grande maioria das situações aplicáveis, o meio ocupacional encontrava-se a uma distância de 15 minutos ou menos, com especial pertinência a nível distrital, tal como pode verificar pelas ponderações caucionadas: 52% em termos nacionais, 51,8% no Continente, 54,2% na Região Norte, 59,4% no Distrito de Braga e 69,7% no Distrito de Bragança. A média distrital é claramente superior à das unidades de referência, reproduzindo o raio de deslocamento reduzido que pautava o vector distrital em questão. Relativamente ao meio de transporte, o Distrito de Braga enquadra-se no padrão nacional e regional onde primava o veículo automóvel, imperando o sexo masculino na condição de condutor e o sexo feminino na condição de passageiro, enquanto o Distrito de Bragança demarca-se dessa tendência, apesar do meio de transporte enunciado arrolar proporções próximas das demais unidades, já que, a maioria do segmento populacional em questão 89
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
deslocava-se pedonalmente. Este meio de deslocamento já assumia, também, alguma relevância em Braga, superior à média nacional, conotando como uma componente do traço característico dos distritos, grande proximidade do meio residencial face ao meio ocupacional.
3.9 A violência Os números da violência em Braga No gabinete de apoio à vítima (GAV) de Braga registaram-se 411 processos de apoio no ano de 2008, dos quais 376 foram sinalizados11 (APAV, 2008:1). Em 376 processos (38,6%) foram efectuadas queixas e denúncias junto das autoridades competentes. Nestes processos predominam os crimes de violência doméstica (86,4%) e, em menor extensão, os maus tratos físicos (19,1%) e psíquicos (25,6 %). Os crimes aconteceram sobretudo na residência comum (73,9%).
O tipo de apoio efectuado nestes processos
foi
essencialmente presencial (44,5%) e telefónico (41,6%). Em mais de 50% dos casos, a iniciativa de contacto foi tomada pelo próprio utente e nas restantes situações foi efectuado por terceiros (em particular pela família e amigos). O tipo de intervenção foi sobretudo genérica12 (48,5%) e jurídica (34,4%). No GAV de Braga predominam as vítimas do sexo feminino (83%) e a maioria das vítimas tem idades compreendidas entre 26 e 55 anos (49%). Na maior parte dos casos, o agregado familiar das vítimas é composto pelo casal com filhos (63,6%). No nível de escolaridade das vítimas predomina o 1.ºciclo e o 2.ºciclo. As profissões dominantes das vítimas atendidas no GAV de Braga em 2008 eram as reformadas e desempregadas. As vítimas residiam no concelho de Braga (54,8%), Guimarães (11,7%) e Barcelos (5,3%). A maior parte dos crimes registados foram praticados por indivíduos do sexo masculino (90,7%). Os autores dos crimes têm sobretudo entre 18 e 55 11
Entenda-se por caso sinalizado aquele que normalmente está a ser trabalhado e acompanho na instituição.
12
Ou seja, cederam informações gerais e globais às vítimas, bem como encaminharam e apoiaram emocionalmente.
90
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
anos (48%), havendo ainda 14,4% de indivíduos com idade inferior a 18 anos. Os autores dos crimes tendem a ser casados (56,6%) e os seus níveis de ensino situam-se entre o 1.º ciclo (15%) e o 2.ºciclo (8%)13.
Os números da violência em Bragança No distrito de Bragança não existe um GAV, o que dificulta o conhecimento das situações de violência que aí ocorrem. As vítimas de violência que residem em Bragança têm de se deslocar a um GAV fora desta área geográfica, recorrendo, por exemplo, ao GAV de Vila Real. De acordo com as estatísticas fornecidas pelos GAV situados nas imediações de Bragança, em 2008 foram sinalizados 38 casos onde as vítimas residiam em Bragança. As vítimas têm um perfil semelhante ao retrato de Braga. Os autores do crime são predominantemente do sexo masculino (91,2%) e em 44,1% dos casos os agressores eram cônjuges ou companheiros das vítimas. A residência comum é o local eleito para praticar os crimes (50%). Os tipos de crimes praticados que recaem sobretudo na violência doméstica são os maus tratos psíquicos (31,9%) e físicos (25%).
13 Não existe informação quanto ao nível de escolaridade em 63% dos indivíduos.
91
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Conclusão É indubitável que quando se parte à descoberta de novos horizontes e dimensionamentos sociais, especialmente tendo como porta-estandarte / chancela o sigma da investigação científica, torna-se necessário ter bem presente as limitações inerentes ao processo e o papel / contributo que o mesmo transigirá, quer para a comunidade científica, quer para a comunidade civil. O corolário de todo o trabalho tem e deve ser considerado à luz das próprias limitações, tal como todo e qualquer trabalho. Esta menção não propositou a emanação de qualquer espécie de lamúria ou inquietude por algum tipo de ambiguidade, escolho ou óbice, até porque elas são parte integrante de qualquer processo construtivo, mas sim para recapitular o enquadramento empírico do presente trabalho. À parte de todo o vislumbramento de considerações sociais pertinentes, algumas de cariz estrutural, e da panóplia de novos (ou mesmo antigos que não tinham sido, até então, alvo de atenção ou de afloração com a profundidade / orientação perfilhada) quesitos / incógnitas, talvez ainda mais do que aqueles que se afiguraram no portão de entrada do esquadrinhamento convencionado e posteriormente desbravado e calcorreado, importa delimitar a componente mais latente do horizonte informacional e redistributivo deste produto. Obviamente que o ponto de partida da investigação foi o favorecimento de uma leitura multidimensional, fortemente alicerçada em pressupostos de natureza estatística e claramente perspectivada em função do sexo, das sociabilidades latentes e manifestas dos estratos populacionais em questão, tal como é apanágio de uma sociografia, contudo, essa objectividade ambicionava a possibilidade de agenciamento de um documento (dossiê) de trabalho consideravelmente nutrido, consistente e proficiente, especialmente para os protagonistas da área de intervenção social, política e pedagógica. Crê-se que, apesar das restrições temporais, humanas e monetárias que sempre existem a este nível e que acabam por limitar a profundidade analítica almejada pelos investigadores, foi possível atingir-se os objectivos traçados. Mais do que o 92
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
conhecimento gerado, será importante destacar o manancial informativo e de conhecimento que ainda pode ser gerado, caso os actores sociais envoltos nas questões da análise e intervenção social e educacional pretendam e sejam capazes de reaproveitar o afluente de dados colocados à sua disposição. Essa será claramente a mais-valia deste trabalho e não propriamente aquilo que já se gerou. O conhecimento produzido poderá e deverá, ele próprio, propiciar a perspectivação da realidade societária. Actores sociais mais conhecedores, actores sociais mais e melhor interventores (mais conhecimento, mais e melhor intervenção / acção), este foi um lema que acompanhou e marcou, desde o início, o espírito de trabalho / pesquisa e a avidez de conhecimento deste conjunto de individualidades. Apesar da realização de uma reflexão desprendida, fidedigna e profícua ser uma responsabilidade de qualquer pensador / analista social, bem como a salvaguarda que dos seus estudos e ensaios provenham bases para a constituição de uma sociedade mais liberta das denominadas “aliteracias do pensamento”, tal como é exemplo premente a desigualdade / discriminação entre seres humanos, a aceitação / adesão, interiorização e preconização dessas premissas dependerá inequivocamente da vontade de cada ser. Como a persecução dos princípios que granjeiam o estado de direito e a democracia paritária, estoicamente alicerçados no axioma “meritocrático”, estão conotados como
um
dos
principais
desafios
que
qualquer
sociedade
da
contemporaneidade têm de atentar, o que implica, obviamente, o envolvimento nessa peleja de todos os agentes que as corporizam, quer enquanto seres individuais, quer enquanto seres colectivos, e como as bases de informação e conhecimento sempre foram e sempre serão um dos principais motores / propulsores da acção humana, aspira-se que a motivação provida para a acção e para a integração das questões de género e da igualdade de oportunidade em todos os domínios sociais (“mainstreaming”), através desta “mega sensibilização sociográfica”, contribua firmemente para a efectivação de uma igualdade dentro da diferença que caracteriza e pauta cada realidade e cada ser humano que a integra. 93
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Destacamos, ainda, os pontos-chave das conclusões retiradas na investigação, tais como: as representações existentes sobre a figura de “Chefe de Família”; os rendimentos e gap salarial entre homens e mulheres; a divisão das tarefas domésticas e as tarefas-tipo associadas a cada género; o número de horas gastas nas tarefas domésticas por dia; a conciliação da vida profissional com a vida familiar e as principais dificuldades encontradas; as visões da população acerca do tema da Igualdade e Cidadania e seus conhecimentos relativamente a infra-estruturas informacionais e promocionais sobre esta temática; e as questões da mobilidade (transportes usados e percursos realizados). A figura de “Chefe de Família” associado ao Homem permanece, embora se fale cada vez mais em democratização do espaço doméstico, 60% dos inquiridos em Braga e 42,8% em Bragança afirmam que na sua família existe um “Chefe de Família”. Observa-se que de uma forma geral os rendimentos são baixos encontrando-se a maioria dos inquiridos abaixo dos 750€ . Da mesma forma que, embora não de uma forma estatisticamente expressiva, verifica-se que os salários mais altos são ganhos pelos homens (o gap salarial entre mulheres e homens tende a ser superior quando ambos possuem níveis de qualificação escolar mais elevados). Quando questionados se concordam com a divisão das tarefas domésticas, os inquiridos de Braga e Bragança, na sua grande maioria (rondando os 90%) afirmam concordar. No entanto, tanto em Braga como Bragança as mulheres despendem um maior número de horas na realização das tarefas domésticas diariamente (de 4h a 6h) enquanto os Homens se encontram na sua maioria no intervalo das 0h às 4h despendidas diariamente nas tarefas domésticas. Os tipos de tarefas segundo o género também são diferentes, os homens participam mais na realização de serviços administrativos e participam menos na limpeza da casa. Já as mulheres preparam sempre as refeições e tratam da limpeza da casa e as compras habituais também são, na sua 94
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
esmagadora maioria, realizadas pelas mulheres, as quais raramente executam serviços de jardinagem e tratam de serviços administrativos. Cerca de 80% da população com descendência considera que a maternidade / paternidade não afectou a sua situação profissional, o que contribuiu de sobremaneira para que indicassem que não têm / tiveram dificuldade em conciliar a vida familiar com a vida profissional. Pese embora, exista uma pequena diferença entre mulheres e homens (76,28 - 81,45% respectivamente) em Braga. Embora, os principais factores enunciados como suscitadores de dificuldade na conciliação da vida profissional com a familiar foram: o horário de trabalho muito longo, a presença física no local de trabalho e “descoincidência” entre o local de residência e o local de exercício profissional. Quando questionados sobre o que entendem por igualdade e cidadania, 68,6% da população do Distrito de Braga e 61,3% do Distrito de Bragança denotou a equivalência total de papéis como ícone da igualdade de género e de oportunidade, enquanto 27,5% e 36,3%, respectivamente, reportou a complementaridade de papéis e 3,9% e 2,4% não sabia ou não respondeu. Pese embora se registasse, que a grande maioria das pessoas não sabia se existiam infra-estruturas informacionais e promocionais sobre Igualdade e Cidadania na sua área de residência (70,4% no Distrito de Braga e 65,6% no Distrito de Bragança), 19,1% e 29,3%, respectivamente, tinham a perfeita noção que não existiam. Retirando as proporções de desconhecimento / não respostas (2,3% e 0,9%), apenas 8,2% dos residentes do Distrito de Braga e 16,7% do Distrito de Bragança fruíam esse conhecimento. Contrapondo proporcionalmente os dois distritos não deixa de ser curioso, tendo em consideração que Braga dispõe uma rede relativamente consubstanciada de infra-estruturas dessa natureza, circunstância que não ocorre em Bragança, mas a proporção de desconhecimento é claramente superior à registada em Bragança. No plano ocupacional, a proporção de população que exercia a sua ocupação fora do âmbito de abrangência do seu concelho de origem é 95
Projecto Sinergias - Igualdade de Género
claramente inferior a nível distrital, com maior evidência no Distrito de Bragança. Este distrito demarcava-se por completo daquilo que era o padrão regional e nacional ao manifestar que cerca de 63% da população estudantil e / ou laboral residia na mesma freguesia onde desenvolvia a sua ocupação. A média das unidades de referência situava-se na casa dos 40%, sendo mesmo inferior a esse patamar no Distrito de Braga. No entanto, Braga caracterizavase novamente por elevados níveis de mobilidade intra-concelhia, já que, a maioria da população reportara que o seu local de estudo / trabalho se situava numa outra freguesia do concelho. Relativamente ao meio de transporte, o Distrito de Braga enquadra-se no padrão nacional e regional onde primava o veículo automóvel, imperando o sexo masculino na condição de condutor e o sexo feminino na condição de passageiro, enquanto o Distrito de Bragança demarca-se dessa tendência, apesar do meio de transporte enunciado arrolar proporções próximas das demais unidades, já que, a maioria do segmento populacional em questão deslocava-se pedonalmente. Este meio de deslocamento já assumia, também, alguma relevância em Braga, superior à média nacional, conotando como uma componente do traço característico dos distritos, grande proximidade do meio residencial face ao meio ocupacional. A Investigação teve como principal objectivo criar um “Mapa de género” entre o espaço púbico e espaço privado em Braga e Bragança. O seu enquadramento teórico teve como principal sustentação matérias conseguidas em várias leituras exploratórias que permitiram trilhar um caminho para a elucidação dos conceitos inevitáveis à presente investigação. Assim este estudo conceptual pretende contextualizar a temática, no seu stricto sensu, através de conceitos fundamentais para a sua compreensão. Não sendo conclusivo neste aspecto, pretende acima de tudo deixar um suporte teórico e introdutório para futuros estudos no âmbito da temática “Igualdade de género”.
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Projecto Sinergias - Igualdade de Género
Este estudo, fica como um contributo, para que outros estudiosos, alunos, professores e investigadores da temática “Igualdade de Género” o possam aprofundar e assim enriquecer a matéria teórica a este respeito.
97
Projecto Sinergias - Igualdade de GĂŠnero
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Siglas AMCV - Associação de Mulheres Contra a Violência APME - Associação Portuguesa de Mulheres Empresárias CIDM - Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres CITE - Comissão para a igualdade no trabalho e emprego CNQM – Comissão Nacional para a Questão da Mulher LDM – Liga dos Direitos das Mulheres MLM – Movimento da Libertação da Mulher OIKOS - Observatório Internacional da Cidadania Social CCIG - Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional INE – Instituto Nacional de Estatística ONU - Organização das Nações Unidas POPH – Programa Operacional do Potencial Humano CEE – Comunidade Económica Europeia UE - União Europeia PNI - Plano Nacional para a Igualdade PNCVD - Plano Nacional Contra a Violência Doméstica PNAI - Plano Nacional de Acção para a Inclusão ONG’s - Organizações Não Governamentais
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