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Um servidor de Cristo que caminha com o seu rebanho
Nomeado Bispo titular da Diocese de Livramento de Nossa Senhora, na Bahia, Dom Vicente Ferreira, C.Ss.R. encara uma nova missão em seu episcopado, cuja posse canônica aconteceu no dia 15 de abril. Em sua bagagem, além da experiência vivida na Arquidiocese de Belo Horizonte, da luta pela justiça e pelo cuidado com a biodiversidade, carrega também um coração Redentorista e a mística da copiosa redenção, que o sustentam nessa travessia.
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Após quase seis anos como Bispo Auxiliar de Belo Horizonte, como o senhor recebeu essa nova missão para assumir a Diocese baiana de Livramento de Nossa Senhora?
Com sentimentos misturados. Toda mudança mexe com a gente. Apesar de ter feito tantas, essa tem sido bem particular. Estou deixando Minas Gerais. Estado onde vivi por quase quatro décadas. Ciclo que me trouxe muitos sabores e também dores. Cresci como gente, cristão e missionário. Em 1985, deixei a família, em Araraí, Alegre, ES; em 2017, com minha nomeação, deixei a Congregação Redentorista; e, agora, despeço-me da Arquidiocese de Belo Horizonte, onde enfrentei realidades complexas como as de Brumadinho. Vou para Livramento. Esse nome é forte. Ainda mais o de
Nossa Senhora. Espero continuar contribuindo com a libertação de tantas feridas dos pobres e da terra, em nome do Evangelho da vida. Nessa travessia, a Bahia passa a ser meu chão existencial e teológico. Lugar de caminhar com o povo de Deus. Desde já, agradeço a acolhida de Dom Armando Bucciol, dos padres e de nossos irmãos e irmãs da Diocese de Livramento de Nossa Senhora.
Em 25 de janeiro de 2019, houve o rompimento da barragem da Vale, na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). Um crime que matou 272 pessoas e destruiu a bacia do Rio Paraopeba. Trauma de dimensões complexas. Lancei-me na experiência compassiva, com as pessoas e nossa Casa Comum. Foi um caminho muito difícil. Quando digo que nesse drama vivi as tramas de minha conversão ecológica é porque algo mudou em mim. Que exigiu uma nova posição subjetiva. Até hoje não sei nomeá-la muito bem. Acho que eu vivia a perspectiva de uma caridade muito idealizada. E passei a experimentá-la, com mais profundidade, no chão da estrada. Entende? Hoje, tenho dito que Brumadinho “é um luto local que ganhou em mim uma luta global”. Não podemos seguir alienados em relação ao que está acontecendo com nosso planeta. Em nome do lucro, uma minoria gananciosa está destruindo a biodiversidade. E fabricando uma quantidade enorme de vítimas sistêmicas. Ou seja, as feridas mais graves dos pobres e da terra não são naturais. São impostas por um modelo neocolonialista global. A partir do Evangelho de Jesus, temos que enfrentar isso. Não somente com boas ideias, mas com um corpo que vive uma incondicional proximidade com os territórios e as pessoas que mais sofrem. Tenho a convicção de que onde os pés não pisam, as ideias podem ser equivocadas. Então, meu processo de conversão tem sido a experiência dessa passagem. Talvez algo como Santo Afonso viveu em sua saída de Nápoles para Scala. Às vezes, penso nisso. Essa coisa de “Igreja em saída” deve envolver fé e vida. Liturgia e compromisso transformador concreto.
Quais são as suas expectativas para esse novo tempo na Diocese baiana?
Nos últimos seis anos, aprendi muitas coisas que serviram como lições. Sobretudo no que aprofundei sobre as feridas socioambientais. Atravessamos uma crise planetária. E temos que construir uma nova civilização. Sem levar a sério o grito dos pobres e da terra como nosso lugar teológico comum, não teremos êxito na travessia. Levo para a Bahia um mundo de aprendizado. No entanto, sei que minha missão não tem cartilha marcada. Por isso, a agenda está aberta. Tenho um coração aprendiz dos livros e da vida. Gosto muito do diálogo. Só não aceito discursos e práticas violentas, como as graves injustiças contra os povos originários, os negros, as mulheres, as crianças e com a criação, em geral. Por isso, minhas expectativas são muito positivas. Como bispo titular terei oportunidades de construir, ainda mais, redes de cuidado com a biodiversidade. Darei continuidade aos belos projetos que já acontecem em Livramento. Formação do clero e dos leigos, vivência de uma Igreja servidora nas mais de 600 comunidades, alegria de anunciar o evangelho etc. Talvez essa realidade transversal da Ecologia Integral seja um horizonte que necessita de um cuidado especial.
Espera-se de nós bispos que consigamos ter uma visão abrangente do mundo global no qual vivemos. Faz parte de nossa missão falar com a sociedade poliédrica. E não ficar presos apenas aos nossos grupos afins. Para que não nos fechemos em ideais do tipo clericalistas. Sem caridade, não testemunharemos nenhuma verdade. Temos a singular missão de seguir a estilística samaritana de Jesus. Bons pastores que dão a vida pelas ovelhas (Cfr Jo 10,11). Não podemos perder tempo com disputas secundárias, como a questão de cargos, poderes. Nosso lugar mais nobre é o lava-pés. As estruturas passarão, mas o amor feito vida doada, esse vira eterno, na memória sagrada. O que é mais específico de um bispo? No contexto de uma Igreja particular, ajudar a salvar a caridade que nos salva. Colocar na mesa os pontos mais importantes. E contar com a contribuição das forças eclesiais e sociais para defender a dignidade de todas as pessoas e do meio ambiente.
De que maneira a formação Redentorista o auxilia no exercício do ministério episcopal?
A mística da copiosa redenção é a inspiração de fundo. Em Jesus, encontro um projeto lindo de vida. Foi a formação Redentorista que me ajudou nessa experiência. Não há nada na vida que não participe do mistério da fé. Por isso que encontrei na poesia, na música, na psicanálise espaços de cultivo de meus dons e de cura das minhas angústias. Além disso, na Congregação fiz um doutorado que muito me ajuda no diálogo entre fé e pós-modernidade. Na vida fraterna Redentorista, encontrei uma forma prática de integrar o egoísmo. No campo da oração, aprendi com os Redentoristas a rezar os afetos, a partir da realidade cotidiana. Nosso corpo é o templo mais sagrado que temos. E ele pode ser lugar de reconciliação, de acolhida do outro, ou de rivalidades. Quem me ajudou a entender isso? Os pilares da Espiritualidade Redentorista. Encarnação, Paixão, Eucaristia e Maria. Santo Afonso é fonte para mim. Inclusive, como bispo. Sem essa herança, não seria, hoje, o defensor de direitos humanos e da natureza, que tenho tentado ser.
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Caro amigo e amiga do Akikolá, saiba que sempre conservo um carinho especial por essa grande Família Redentorista. Sigamos, juntos! De Livramento, da Bahia, do querido nordeste brasileiro, conte com minhas orações. Não se esqueça também de fazer preces por mim. Tenho pedido muito a Deus, para minha existência, o seguinte. E peço para vocês também. Ainda que eu não participe das colheitas, que eu não desista de ser semente. Os pontos de partida e de chegada, não são tão complicados. Desafio maior é a travessia. E estamos nela...