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Entrevista

ENTREVISTA COM Dom Fernando José Monteiro Guimarães, C.Ss.R.

Caminhando com Jesus nas estradas da vida

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Dom Fernando José Monteiro Guimarães, C.Ss.R.

Brasília - DF Os 50 anos de sacerdócio de Dom Fernando Guimarães, C.Ss.R., completados em 15 de agosto de 2021, trazem incontáveis recordações que marcam o Missionário Redentorista em sua trajetória vocacional. A convivência com o Papa São João Paulo II, o trabalho desenvolvido em Roma e sua missão atual como Arcebispo Ordinário Militar, relatadas nesta entrevista exclusiva ao Akikolá, são apenas alguns capítulos de sua história na Igreja, partilhando a Palavra de Deus e revelando a presença do

“Serei pobre em fazer a minha vontade, e rico em buscar a Tua” São Geraldo Majela

Redentor, que caminha conosco nessa desafiadora estrada da vida. Aos 75 anos de idade, Dom Fernando carrega o “DNA Redentorista” e afirma: “Vale a pena responder ao chamado!”.

Como o senhor conheceu a Congregação Redentorista e o que mais o atraiu para se tornar um Missionário Redentorista?

Pelos anos cinquenta, foi criada uma nova paróquia no bairro da Madalena, na cidade do Recife, onde eu morava. Foram os Redentoristas holandeses que ali se estabeleceram e começaram a construir tudo do zero: Padres Arnaldo de Laet e Pedro Kruter. Impressionei-me com seu estilo de vida, sua oração em comum, sua dedicação ao povo. Tornei-me o primeiro coroinha da Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e logo passei a ajudá-los nas atividades, convivendo ainda mais no dia-a-dia dos padres. Eu já queria ser padre, mas foi a partir daí que quis viver aquela maneira de ser padre. Entrei para o seminário menor da Vice-Província do Recife em 1958, na cidade de Garanhuns, onde, cinquenta anos depois, eu me tornaria Bispo Diocesano, por nomeação de Bento XVI. Caminhos misteriosos da Providência!

Em 1964, minha Vice-Província me enviou à Província do Rio de Janeiro para fazer o Noviciado, sob a batuta do saudoso Padre Lima. Professei no Santuário do Bom Jesus, em Congonhas, no dia 25 de janeiro de 1965. Fui estudar a filosofia no Seminário da Floresta, então sob a direção do saudoso Dom Lara. No início da teologia, o Vice-Provincial me chamou de volta ao Recife, para uma experiência de seminário inter-religioso, que não deu certo para mim. Foi quando fui acolhido na Província do Rio, e terminei a teologia novamente na Floresta. Como diácono, fui destinado a Campos (RJ), onde me ordenei sacerdote em 15 de agosto de 1971. No ano seguinte, fui transferido para nossa casa do Rio de Janeiro e, como já era conhecido por estar trabalhando com movimentos de juventude da região, fui nomeado coordenador da pastoral da juventude no Vicariato Norte. Foi assim que o saudoso Cardeal Dom Eugênio Sales acabou solicitando à Província que eu fosse liberado para o trabalho com ele na Arquidiocese, continuando a residir sempre em nosso convento.

Quais lembranças o senhor recorda do tempo em que trabalhou em Roma (Itália), onde atuou em diversas funções na Santa Sé?

No início de 1980, estava sendo preparada a visita do Papa São João Paulo II ao Brasil, a terceira que ele realizaria em seu pontificado. Não havendo, então, no Vaticano um padre brasileiro (havia um Cardeal, Dom Agnelo Rossi, e um Arcebispo, Dom Lucas Moreira Neves), o Núncio Apostólico do Brasil, Dom Carmine Rocco, napolitano nascido ao lado da casa natal de Santo Afonso em Marianella, e que me conhecia bem, recomendou-me à Secretaria de Estado para que eu fosse convocado a trabalhar na preparação daquela viagem histórica. Curioso que muita gente pensa que foi Dom Eugênio que me indicou. Na realidade, ele procurou enviar outro em meu lugar porque, naquele momento, eu tinha várias responsabilidades na Arquidiocese. Foi o Núncio que me indicou pessoalmente.

Cheguei em Roma em fevereiro de 1980, hospedando-me na Casa Generalícia. Era Reitor o nosso Padre Gas-

“A melhor oração é fazer o que agrada a Deus, e quando se faz por amor a Deus, tudo é oração” São Geraldo Majela

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par de Almeida, então um dos Consultores Gerais. Comecei meu trabalho na Secretaria de Estado do Vaticano, na seção portuguesa, encarregado de acompanhar a preparação dos discursos do Papa no Brasil. Assim sendo, tive a oportunidade de me encontrar com São João Paulo II frequentemente, inclusive participando de almoços de trabalho com ele e da celebração, três vezes por semana, da Santa Missa em português em sua Capela particular. Foi intensa para mim esta experiência. Ensinar o português a um santo e vê-lo agir, no dia-a-dia, como um homem de Igreja e um bom Pastor, é algo que nunca se esquece. Fui o único brasileiro na comitiva que o acompanhou em junho-julho de 1980, para os quinze dias de viagem em nossa pátria.

Após a trabalheira da visita, com a licença de meus superiores, iniciei os estudos superiores de teologia moral em nossa Academia Afonsiana e de direito canônico na Universidade da Santa Cruz. Continuei trabalhando no Vaticano, como colaborador na Congregação para os Bispos, encarregando-me do setor das Visitas Quinquenais em língua portuguesa. Terminados os estudos, passei, como Oficial, para a Congregação para o Clero, onde permaneci trabalhando na seção disciplinar, que se ocupa da vida e dos ministérios dos padres diocesanos do mundo, chegando a coordenar a seção a partir do ano 2000.

Neste trabalho, fui surpreendido pela nomeação como Bispo Diocesano de Garanhuns, pelo Papa Bento XVI, em 2008.

Dos momentos em que o senhor esteve com São João Paulo II, teve algum que mais o marcou?

Em primeiro lugar, as celebrações da Missa na CapeIa particular: era impressionante ver como rezava São João Paulo II, sem a presença de público, somente as três freiras polonesas do apartamento e seus dois secretários. Mergulhava na contemplação como quem mergulha em uma piscina em dia de grande calor; perdia-se em Deus. A Palavra proclamada o atingia em cheio e ele reagia, murmurando coisas em polonês que eu não compreendia, mas era evidente o contato direto e imediato com Deus “como se visse o invisível”. E na parte da Oração Eucarística, todo o ambiente realmente místico com que ele celebrava, sem afetação, na simplicidade, porém... algo estava acontecendo ali.

Depois, no trabalho do governo da Igreja: sua serenidade aliada à firmeza; seu espírito decidido aliado ao desejo de ouvir seus colaboradores, dos mais importantes aos mais simples e jovens, a sua abertura aos desafios do mundo para apresentar a este mundo Cristo e o seu Evangelho, sem concessões. Acompanhei seu pontificado até à morte e pude constatar como ele se consolidava, sempre mais, como um ponto de referência.

Entre muitas outras ocasiões que trago no coração e na memória, apraz-me relatar a última, poucos meses antes de sua morte. Fui chamado para

um jantar com ele, juntamente com alguns padres latino-americanos que ele queria consultar. Era costume, ao término das refeições, acompanhá-lo à capela particular, para uma pequena visita ao Santíssimo. Na ocasião, sentado em sua cadeira e voltado para o altar, pediu que cantássemos a “Salve Regina”. Sendo de casa, fui eu que entoei. Talvez tomados pela emoção, os padres presentes não me acompanharam e tive que sustentar o canto, sozinho, até o fim, com minha voz de taquara rachada. Ao final, o Papa se virou para nós, os olhos cheios de lágrima, e disse: “Che bello! Che bello!” e me deu o braço para acompanhar-nos até a saída do apartamento. A emoção não era pelo meu canto, mas pela sua contemplação amorosa de Maria, a quem ele se declarava a todo momento: “Totus tuus”, todo teu, ó Maria.

O que significa ser Arcebispo Ordinário Militar? Como é o seu trabalho junto aos militares?

Tenho uma dupla função. Como Arcebispo, coordeno o Ordinariado Militar, que é uma Arquidiocese pessoal, que atinge todos os militares, da ativa e da reserva, junto com suas famílias. Sou bispo de cerca de 170 padres capelães militares e de uns 90 diáconos permanentes, a quem tenho que acompanhar como bispo diocesano. No Ministério da Defesa, tenho uma função de assessorar o Ministro da Defesa no cumprimento do preceito constitucional do atendimento religioso às Forças Armadas e, nesse papel, ocupo-me indiretamente também dos capelães evangélicos.

Realizei as Visitas Pastorais às várias unidades militares espelhadas pelo Brasil. Já percorri mais de uma vez todos os Estados e as várias regiões, da Amazônia aos pampas gaúchos, passando pelo Pantanal e pelos nossos sertões nordestinos. Após a pandemia, infelizmente, estou sem viajar, mas espero, se ainda estiver na função, retomá-las no próximo ano.

No desempenho de sua atual função, qual característica do Missionário Redentorista o senhor carrega?

Ser Redentorista é um DNA que trazemos impresso em cada um de nós, recebido na nossa formação na Congregação. Eu não diria que conservo uma característica, creio conservar muitas: o espírito missionário que não se cansa e não teme as dificuldades e incômodos; o estilo de vida simples proposto em nossas Constituições; nosso modo direto de pregação apostólica; a dimensão afonsiana da direção espiritual baseada na consciência; enfim, a busca constante da“copiosa redemptio”.

Deixe uma mensagem aos leitores do Akikolá! Completei 75 anos de idade, tenho 56 anos de profissão religiosa e 50 anos de sacerdócio. Aguardo o momento em que o Papa Francisco concederá ao Ordinariado Militar o meu sucessor. Olhando meu passado, até aqui, sinto uma imensa gratidão a Deus e à Congregação Redentorista. Se algum bem pude e posso ainda realizar, devo aos dois. Vale a pena responder ao chamado!

Brenda Melo Jornalista

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