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Artigo JESUS E A FOME (2)
No mês passado, vimos o texto onde Jesus “teve compaixão do povo faminto” e o saciou com cinco pães e dois peixes. Este fato, narrado pelos quatro evangelistas, pode estar relacionado com outros textos bíblicos.
São João narra que a multiplicação aconteceu “no monte” (6,3). Para os judeus, isto lembra-lhes Moisés que, no Monte Sinai, transmitiu o Código da Aliança (Ex caps. 19 a 24). Os cinco pães podem estar relacionados com os cinco livros do Pentateuco (Torah) e que os dois peixes simbolizam os Profetas e Escritos. Em ordem de valores, Pentateuco/Profetas/Escritos são a base doutrinal da Bíblia Hebraica.
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Já Mateus e Marcos relatam que a multiplicação dos pães se dá no deserto (14,13; 6,31). O deserto é um dos lugares fundamentais na história do povo de Israel. Nele, Moisés recebeu a missão de libertá-lo da escravidão egípcia (Ex 3,1-22). Na peregrinação pelo deserto, é alimentado com maná, carne e água (caps. 16 e 17).
É, também, o lugar da revolta, pois querem “escolher um novo chefe e voltar ao Egito” (Nm 14,4).
É no deserto que o povo modela, com suas próprias mãos e recursos, um bezerro de ouro, oferecem-lhe holocaustos e aclamam, “oh, bezerro, foste tu que nos tiraste da escravidão egípcia” (Ex 32,1-6).
O deserto é um dos lugares privilegiados de Deus. Após a libertação do Egito, Deus não conduziu o povo para a Terra Prometida pelo caminho mais curto, mas o levou para o deserto (cf. Ex 13,22). Ali, além do Código da Aliança, Deus quer mudar-lhe os costumes e idolatrias, adquiridos nos 430 anos que passaram no Egito (Ex 12,40).
Quarenta anos eram tidos como o tempo de uma geração. A mudan- ça de mentalidade é demorada e, às vezes, é questão de gerações. Mais ainda quando o próprio Deus chama seu povo de “cabeça dura” (Dt 9,13; 31,27). Leva-o ao deserto para “falar-lhe ao coração” (Os 2,16).
O mesmo acontece com Jesus. É o Espirito que o conduz ao deserto para ser tentado (Mt 4,1; Mc 1,12; Lc 4,1-2). Por isso, faz sentido os evangelistas Mateus e Marcos situarem a multiplicação dos pães, no deserto. Faz sentido, também, o apóstolo João narrar que “estava próxima a festa da Páscoa” (6,4). Sua intenção é relacionar os cinco pães com o maná no deserto. Porém, todos os que comeram destes pães e do maná, morreram (Jo 6,49). Começa, então, propor-lhe que Ele é o maná que dura eternamente. “Quem come a minha carne bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu o ressuscitarei no último dia” (6,54).
Os judeus têm razão de reclamar e exigir provas, pois são muito criteriosos a respeito de comida, especialmente, carne, com o agravante de ser carne humana.
Jesus não lhes mostra nenhuma prova. Apenas, por seis vezes, insiste: “Quem come a minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna” (6,33.35.50.54.56.58). É uma questão de fé.
Quem não crê, O abandona (6,60). Quem crê, assume a postura do apóstolo Pedro e diz: “A quem iremos, Senhor! Só tens palavras de vida eterna” (6,69).
Os gestos realizados na multiplicação dos pães se repetem na Última Ceia: tomar o pão em suas mãos, elevar os olhos aos céus, abençoá-los e distribuí-los.
Notemos, também, que há uma descentralização: Jesus não faz tudo sozinho! Entrega o pão aos apóstolos e, estes, ao povo. Recolhem as sobras de doze cestos que podem simbolizar as doze tribos de Israel, bem como os doze apóstolos. Doze é multiplicação de 4x3, isto é, quatro simboliza a totalidade (norte/sul/leste/oeste) e o três (Trindade).
Para Deus, a evangelização universal (nº 4) é feita com o “resto de Israel” que, ao retornar do exílio babilônico, reconstrói o país e o Templo (cf. Is 10,20-22).
Aos seus, Jesus diz: “Não temais, pequeno rebanho, pois foi do agrado do Pai dar-vos o Reino” (Lc 12,32). O fermento colocado na massa é pouco, mas se for um fermento bom leveda toda a massa (cf. Mt 13,33).
Por fim, a simbologia do “ao entardecer”. Nesta hora, Jesus multiplicou os pães. É a mesma hora da Última Ceia e do seu sepultamento. Do primeiro, Ele se torna alimento e, do último, Deus o ressuscitará glorioso e transfigurado (cf. Mt 27,57; Mc 15,42).
Estas simbologias mostram a complementariedade da doutrina cristã, presente nos dois Testamentos. São duas mãos que se somam na mesma doutrina e dois pés que mantêm a Igreja numa contínua peregrinação para a pátria celeste.
“Exorto-vos a que, como peregrinos e forasteiros neste mundo, vos abstenhais dos desejos carnais que promovem verdadeira guerra com os valores espirituais. Seja bom vosso comportamento entre os pagãos para que, mesmo vos caluniando, vendo vossas boas obras, glorifiquem a Deus” (2Pd 2,11-12).
Luiz Iakovacz