Poesia Elisa Ponciano
Presença
por Elisa Ponciano
Serei, pois, poeira dos dias, brisa que refresca a tarde. Além da lembrança serei os gestos, pequenos e singulares,passarei pelos objetos sem tocá-los e guardarei em mim todos os olhares. Além daqui estarei nos sorrisos, nos filmes antigos, nas ruas desertas e estreitas das pequenas cidades, viverei de retratos e cartas amassadas. Estarei nos quadros que se eternizam e nos artistas de rua ignorados, serei a pena do poeta e o suave toque dos dedos no piano. Sentirei cada emoção, cada encontro casual em um café desses que nos conduzem por seu aroma. Mais do que tudo serei sonho, ideologia e rejeição, serei destroços do que já foi e fagulha de esperança do que virá.
Ilustração Pablo Aguiar
Conto Diego Saldanha
os braços
por Diego Saldanha
um. despertou antes do rádio relógio. os olhos de farol vaguearam pelo quarto. quatro e cinquenta e dois, berrava em vermelho o aparelho. foi até a cozinha e acendeu o fogão. pôs água na caneca de metalcerâmica descascada e sentou-se na banqueta. o sonho veio outra vez. coçou os olhos. deus vê a minha obra o café desceu anestesiando a garganta. roeu os biscoitos de água e sal e saiu da cozinha. no guarda-roupa, escolheu uma camisa branca. buscou uma calça social e recolheu as mangas da camisa. as tatuagens, cada dia mais desbotadas, eram a prova diária de que deus perdoava-lhe as malescrituras do passado. na parada de ônibus, apenas ele estava sentado. as demais pessoas ou ignoravam a sua presença ou, disfarçadamente, observavam-no. embora o ônibus tivesse lugares vagos, não se sentou. em pé, pegou da pasta e tirou o livro. nem sempre utilizava aquele espaço, mas hoje não poderia deixar de fazê-lo. irmãos! e o motorista parou o ônibus.
Conto Diego Saldanha
esse sonho, irmãos! meu sonho! só aqui há salvação! ergueu a bíblia, enfático, mas o braço do motorista, robusto, pegou-lhe do pescoço. o pregador não se defendeu, do contrário, manteve a bíblia no alto, arfando noutra tentativa de falar. o motorista jogou-o pela porta aberta. hoje não! enquanto se levantava das pedras da rua, as portas pressurizadas se fecharam e o ônibus partiu. um filete de sangue escorreu do cotovelo ao antebraço. a.m.f., diziam as letras num azul esverdeado. recolheu o livro do chão e resolveu que caminharia até o centro da cidade. hoje ainda há salvação. dois. pedro, de, não, não é isso não conseguia dizer porque não lembrava. porque quem lhe arrancou o bico dos seios também tirou-lhe parte do que era. porque estava ali, em frente à catedral, coberta tão somente por um plástico que fedia à fruta. porque aquele homem magro, ajoelhado ao seu lado, e as pessoas que se agrupavam ao redor dos dois, eram as mesmas que não a permitiam ser. não sabia e, por não saber, tremia. preciso que tu me diga teu nome. do outro lado da rua, em passos rápidos, veio um segundo homem. este ostentava um bigode espesso e, assim como o interrogador, usava um avental verde com frutas bordadas. sai, caralho. com a barriga à frente, passou pelas pessoas que, às sete da manhã, tiveram a sorte de achar um assunto para levar aos escritó-
Conto Diego Saldanha
rios. agachou-se ao lado do amigo. deixa esse traveco, cara. até parece que tu não sabe. tudo cracudo. e porque não havia a roupa a ser dada ou lugar para o qual pudesse ser levada, levantaram-se os dois homens. deixaram-na sentada nos paralelepípedos, coberta com a lona. não te preocupa, tu já deu o plástico, já fez tua parte. seguiram em direção à quitanda. tu tem um bom coração, por isso fica assim, murcho. e atravessaram a rua. o homem magro olhou pra trás e percebeu que parte do circo se desfizera. as novidades se dissolvem rapidamente e, além do mais, todo mundo tem as suas frutas para vender. atenção, freguesia! promoção! ameixa madura, madurinha! falou o de bigode. doce como beijo de moça! completou o mais magro, erguendo uma ameixa lustrosa. três. avistou a catedral, enxugou o suor do rosto e rumou em direção à quitanda. com um suco em mãos, sentou-se nas escadarias. abriu a bíblia e leu por entre os dentes. ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou. levantou-se e foi ao centro do largo. içou o livro e, à luz do sol, percebeu que as tatuagens esfumaçavam-se num vapor esverdeado. irmãos! eu tenho esse sonho! um sonho que se dissipa quan-
Conto Diego Saldanha
do acordo! mas que vem de algum lugar, e porque nada se faz ou se desfaz sem a vontade de deus, meu sonho é de deus! mas o barulho do corpo quebrando-se no meio da escadaria interrompeu o discurso. meu deus, o padre! atiçadas pelo grito, as pessoas tomaram as escadarias. o pregador virou-se em direção ao corpo que pulsava. manteve-se imóvel, com os olhos na cabeça do pároco, dividida ao meio. das pernas contorcidas, quase viradas ao inverso, vinha o sangue que descia escadaria abaixo. ele pulou lá de cima! que coisa horrível, meu deus do céu. viu como aconteceu? alguns celulares começaram a tocar e, mais adiante, o barulho de uma freada tomou a atenção de todos. dois carros arrastaram consigo a placa de pare e uma senhora com um carrinho de feira. subitamente um dos homens que acompanhava o padre desfeito se afastou num pranto descontrolado. foi quando um segundo corpo, ao atirar-se de uma janela, rasgou-se na armação de ferro da quitanda e se abriu por sobre as frutas. que que tá acontecendo? o pregador foi em direção à quitanda. no caminho notou duas pessoas mais distantes. deitadas na calçada. o barulho histérico dos pneus se multiplicaram. desviou da mulher que jorrava sangue por sobre as ameixas e chegou no meio da fruteira que que tá acontecendo? o homem magro, sentado sobre um caixote, ergueu os dedos em direção à televisão. a tela apresentava a imagem do presidente com os olhos vermelhos e o rosto pálido. nesse instante, saiu do banheiro o segundo homem, tirando o avental e pegando as
Conto Diego Saldanha
chaves do carro. que que tá acontecendo? perguntou novamente. o fim. quatro. ergueu-se, deixando o plástico sob os pés, e flutuou nua até o centro da praça. o largo silenciava-se com os cadáveres. parecia não haver mais ninguém, mas um disparo, cuja origem não se podia precisar, fez com que ela fechasse os olhos. qual o seu nome? perguntou o homem na escadaria, sentado sobre a bíblia. amanda. dessa vez, podia dizer-se. amanda machado figueira. o homem olhou os próprios braços e, como neles nada viu além de suas veias, sorriu em júbilo. que tu acha que vai acontecer, amanda? o fim. então o fogo. o oxigênio queimou-se em instantes e o impacto levantou uma poeira densa e distinta por sobre toda coisa existente, mas não havia mais ninguém para testemunhar-lhe a beleza.
Rabiscando nos Encontros
por Rodrigo, Elisa e Nicole
Perfil
Perfil Aline Santos
por Aline Santos
J
unto com o recém chegado friozinho do outono, chega também o perfil de uma skoober muito bacana, é a nossa querida Ingrid Muguerza Prá. Lembra dela? Claro que sim! A Ingrid é estudante de Letras da Unisinos e técnica em biblioteconomia (nós também adoramos estar na biblioteca Ingrid!). Esta moça de Porto Alegre curte muito os gêneros de romance e fantasia, entrelaçando seu repertório de leitura com Harry Potter, Silmarillion e Eleanor & Park. Além de ler, a skoober também curte séries, boa parte delas, com exceção de documentários (só não pode faltar a pipoca né galera?). A leitura é como a melhor amiga da Ingrid, uma amiga que ela gosta de encontrar na Cafeteria Abuelita, seu local favorito já frequentado nos encontros. Para a skoober, os encontros do grupo são interessantes para conhecer novas leituras e abrir a mente para gêneros literários diferentes. O grupo se tornou importante para a Ingrid pois segundo ela, os frequentadores são incríveis e aquecem o seu coração (olha que fofa gente!!!). Do seu caderninho de citações, a Ingrid deixa uma mensagem super carinhosa para o Skoob: “Pensando bem, talvez ela fosse semelhante a ele: o lar dela também consistia em papel e tinta de impressão, como o dele. Talvez ela se sentisse tão estranha quanto ele no mundo real.” Coração de tinta – Cornelia Funke.
Minha Estante Ingrid Muguerza
Minha Estante
por Ingrid Muguerza
Bom, eu organizo a minha estante primeiro por livros infantis, depois quadrinhos, literatura e por fim, livros técnicos. Não tenho mais espaço pra eles, então na estante eles estão em “fila dupla” (o que me deixa bem triste, porque não dá pra ver as lombadas deles nem a estampa do forro dela, que eu tenho muito orgulho em mostrar porque é linda e eu apliquei tudo sozinha! hahahaha). Em função da falta de espaço, eu comecei a desapegar e, ao invés de comprar mais, troco ou doo vários. Tento manter só os meus favoritos, os com uma característica mais de “colecionador” e os que ainda não li. O que predomina são os romances, de Jane Austen à Rainbow Rowell (que é minha favorita).
Minha Estante Ingrid Muguerza
Diário de Viagem Carolina Barcelos
Inhotim
por Carolina Barcelos
Viajei para BH para conhecer o Inhotim, Museu de Arte Contemporânea à céu aberto e jardim botânico, uma coisa única no mundo e que fica no Brasil. O museu fica na cidade de Brumadinho, eu voei até BH e então fui de ônibus de rodoviária para lá. Aconteceu um perrengue com a minha passagem e meu ônibus que era para às 8h partiu sem mim e eu só pude ir às 11h. Acabei conhecendo muito intimamente a Rodoviária de BH, mais do que eu gostaria. Aproveitei para comer um pão de queijo e uma broa de queijo. O primeiro era bem mais ou menos, o segundo, um bolinho doce de queijo bem bom! Cheguei no Inhotim quase 13h. Peguei a visita guiada, tinha apenas eu de ouvinte! Foi muito bom, pude conversar mais com a instrutora e conhecer melhor a organização do Inhotim. Algumas curiosidades: Eles não contratam estagiários. Os funcionários pesquisam autodidatamente sobre arte e fazem apresentações entre si para que possam ter o conteúdo necessário para explicar aos visitantes e auxiliar na montagem das exposições.
Diรกrio de Viagem Carolina Barcelos
Uma das obras no Inhotim do Helio Oiticica, Quadrado Mรกgico
Uma das obras interativas, uma mistura de caleidoscรณpio com telescรณpio, numa vista em cima do morro
Diário de Viagem Carolina Barcelos E o nome Inhotim não é indígena, é de “Sinhô Tim”, antigo dono das terras. Após a visita guiada fui comer pão de queijo num dos cafés. Pão de queijo recheado de pernil! Lindo, gostoso e bem grande. Foram dois dias de visita ao Inhotim, no dia anterior eu tinha pego o mapa e à noite marquei os lugares já vistos na visita guiada e fiz um plano de rota para ver as demais galerias. Optei por não comprar o carro que leva entre as galerias, então não pude ver todas pois algumas eram muito distantes. Mas ficou a vontade de ir de novo para vê-las. Este foi o dia que caiu a ficha como o Inhotim é maravilhoso! Caminhar por aqueles caminhos sinuosos em busca das obras, quase uma caça ao tesouro, com muito verde em volta. A organização perfeita, muitos funcionários, que sempre sabiam ajudar. E principalmente as obras, lindas, elaboradas, despertavam muitos sentimentos. Às 16h, quando o Museu fecha, voltei para BH. Aproveitei a ida e passei dois dias e meio conhecendo a capital. Os museus na Praça da Liberdade, todos lindos, novos, bem interativos, um deles o Museu de Ciências e Tecnologias da UFMG, tem um planetário dentro, eu assisti 2 sessões. A primeira era de curtas que não fossem sobre o tema espaço e o segundo sobre o céu de BH, explicando as constelações que estavam aparecendo atualmente e porque, e também mostrou o efeito da poluição visual. Também conheci um cinema cultural o Cine 104, e vários restaurantes. O Mercado Público que descobri que ganhou um prêmio de segundo melhor mercado do mundo. Bem bacana, com algumas coisas exóticas como venda de pombos e pavões.
Diário de Viagem Carolina Barcelos Comprei balas de doce de leite, queijo e artesanato para presente. E tentei visitar a Feira Hippe da Afonso Pena, mas foi o passeio mais frustrante da viagem, era bem sem graça, não recomendo. Troquei a visita da feira por visitar o mirante da Praça do Papa com vista para a cidade toda e para uma serra bem bonita.
Igrejinha do Oscar Niemeyer no Parque da Pampulha
Sendo clichê em Minas e comendo pão de queijo
por Quino
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Mafalda
Expediente Edição nº 5 - Maio de 2017 Produção Independente Projeto gráfico: Pablo Aguiar Capa: Pablo Aguiar
Colaboradores desta edição: Aline Santos Carolina Barcelos Diego Saldanha Elisa Ponciano Ingrid Muguerza Nicole Bazzaneze Pablo Aguiar Rodrigo Bercini . . . . . . .
Correspondência
Rua jaguari, 515 - Cep: 94824-210 Alvorada/RS - Brasil literalmentepablo@gmail.com