Pseudo&Cult #1

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Crônica -----------------L.A. Kapletto

A Navalha Largou a navalha sobre a bancada. O movimento estava fraco nos últimos dias. Atualmente eram poucos homens que procuravam os barbeiros para aparar o cabelo e afeitar a barba. “Deve ser culpa dos shoppings” - pensava. Diariamente a barbearia era aberta. Pontualmente, as 8:30. O jornal do dia, comprado na banca próxima, era depositado em uma das tradicionais cadeiras; a Playboy do mês, sobre outra; o branco jaleco era vestido. E a navalha era afiada - sem pressa, com esmero. Haviam dias em que a navalha sequer era utilizada, independente disto, no fim do dia era guardada na gaveta e afiada novamente no dia seguinte - sendo mais uma vez colocada sobre a bancada. O calor dos últimos dias devia estar espantando os clientes. Assim como o frio de alguns meses atrás. “E o jogo de ontem?”, “Será que chove?!”, “Roubalheira nessa política!” - citavam os passantes e os poucos cativos clientes. O tempo passava. As pessoas passavam. O chão era varrido, recolhendo os fios caídos. O sol baixava. E a navalha era limpa e guardada na gaveta. No dia seguinte a barbearia era aberta. 8:30. Jornal do dia sobre uma cadeira. Playboy sobre outra. Jaleco Branco. E a navalha era retirada da gaveta e afiada - sem pressa, com muito esmero. “E o jogo?”, “Chove?!”, “Roubalheira!”. Com o sol baixando, o chão era varrido. A navalha pairava sobre a bancada. Logo voltaria para a gaveta, até a próxima manhã.


Poesia --------------------Simone Schuck

foto Gênesis, de Sebastião Salgado


Poesia --------------------Simone Schuck

ser & tempo queria morrer para dentro me livrar do fardo pós-moderno retornar à tábula rasa de Locke uma folha em branco pra me escrever poética essência do meu ser ah, desejo analítico pleno que forças encontras diante da compra da velha casa? o carro – tão moderno! maquinarizado por mãozinhas chinesas de cinco anos (a arte tem se subsumido ao preço do violão) os vermelhos cinquenta anos em cinco orientais me esqueceram aqui, perturbada, iludida, inocente carente, carente trocando almas enquanto a gente troca corpos bastaria um grito histérico e eu morreria para dentro reinventada num mundo obsessivo e cada passo na rua seria dor (sensibilidade não dá lucro) sofrendo bela em templos feios a angústia globalizada queria matar para fora queria viver para dentro


Conto --------------------Diego Saldanha

vitiligo na estação rodoviária, há uma hora, ataliba esperava. caminhava de um lado pro outro, parava, se sentava e levantava outra vez. metia as mãos para trás e mexias os dedos. olhava o seu relógio, o da parede, o seu. mason. seculus. mason. intermitentemente. senhor, algum problema? deu um pulo. uma mocinha duns vinte anos o abordou. elisete. no crachá com a logomarca da veppo. não, não, tô só esperando um amigo meu. e em qual ônibus que ele vem? eu posso ver o horário pro senhor. não precisa. estava sendo interrogado. é que, assim, na verdade, eu não conheço ele. e a atendente franziu as sobrancelhas. é uma reunião de negócios, entende. encostado na perde, o segurança tomou atenção pela conversa. ninguém pode saber em qual ônibus ele vai chegar. pessoal, parada de vinte minutos. o diabo desceu na rodoviária de pantano grande e pediu um café preto e um pão de queijo. vinha da fronteira oeste, negócios com criadores de gado. gente briguenta aquela. disputas por herança, vereadores que não cumpriam o prometido, abigeatos, delegados mornos de apatia. todo tipo de gente que, enfim, merecia seu serviço de desgraça a contrato.


Conto --------------------Diego Saldanha

o pedido deu quinze reais. como o preço era um roubo, teve de engolir a revolta a seco. aproveitou pra dar uma passada no banheiro e retocar a maquiagem. avon. uma base forte pra esconder o vermelho da pele. ajustou o chapéu panamá que lhe cobria os chifres miúdos. verificou o rabo. bem amarrado ao tornozelo direito. voltou para o ônibus. logo que se acomodou na poltrona, o motorista deu partida no motor. é vitiligo, né? a senhora do lado, que não havia tirado os olhos dele desde bagé, resolveu falar. quê? vi pela maquiagem. conheço vitiligo. minha irmã, que deus a tenha, tinha. sabe o que é bom? babosa. babosa cura vitiligo. babosa cura mais coisa também, mas na tevê ninguém fala, né. não dá dinheiro. tem gente que se cura de um monte de coisa com creme de babosa, sem médico nem nada. sorriu orgulhoso. foi um dos coordenadores do grupo de pseudociências no brasil durante a década de noventa. gerente do serviço de contrainteligência, havia ajudado a fundar boa parte das revistas de dieta da época. isso, vitiligo. por mais discreto que fosse, sempre cruzavam o seu caminho pessoas assim. fechou os olhos para não ser incomodado e fingiu dormir até chegar em porto alegre. aguardou o motorista tirar a bolsa debaixo do ônibus, agradeceu e foi até os bancos de metal. olhou o relógio no alto da rodoviária e percebeu que estava ali há mais de duas horas do acertado. a rodoviária estava cal-


Conto --------------------Diego Saldanha

ma. buscou com olhos alguém assustado, com cara de quem aguardava se encontrar com o diabo, mas não encontrou ninguém. caminhou até a parte externa da rodoviária. o senhor quer um táxi? perguntou um taxista barrigudo. não. estou esperando um cliente, mas acho que me atrasei e ele foi embora. bá! será que não foi o magricelinha que saiu arrastado daqui pela brigada? essa não seria a primeira vez, pensou. o maluco tava ensandecido, tu precisava ver! proximidade da copa, sabe como é. todo mundo é suspeito. o cara tava meio nervoso, acharam estranho e foram conversar com ele. perguntaram quem ele tava esperando e tal, mas parece que ele não respondia nada com nada. só dizia que tinha uma reunião. daí só sei que ele agrediu não sei quem e chamaram a brigada. acabei perdendo metade da confusão pra fazer uma corrida. acho que não deve ser o mesmo. mas, de qualquer forma, não vou ficar aqui esperando, mesmo. enquanto o taxista entrava no lado do motorista, o diabo sentou-se no banco de trás. não tinha muito tempo a perder. isso na tua cara aí, velho, é vitiligo? na restinga, outro pastor queria consultoria para montar uma igreja. isso, isso mesmo. vitiligo.


Perfil Skoober --------------------Aline Santos

Desvendando Nick Nascida em Curitiba no dia 09/11/1992, Nicole Laís Bazzaneze atualmente mora em Porto Alegre e cursa Ciências Econômicas na UFRGS. A estudante tornou-se membro do Skoob a convite da Carol, que segundo informações, possui a intenção de povoar o grupo (ou o mundo) com seus ciborgues estudantes de economia. Brincadeiras a parte, Nicole curte bons livros, independente do gênero. Autores como George Orwell, Aldous Huxley e Jorge Amado atraem muito nossa querida skoober. Nos momentos em que não está envolvida com a leitura, é possível encontrar Nicole jogando vídeo game ou fazendo trilha por algum lugar interessante. Com relação aos locais já explorados pelo grupo nos diferentes encontrinhos, a integrante se encantou pela barbarella Bakery, onde teve um breve “affair” com o croissant de chocolate. E encerrando esta primeira sessão, que tal deixar a Nicole se expressar? Conta para a galera, guria! “Por mais clichê que seja, eu acho incrível a maneira como a leitura te permite viajar pelas Terras Médias, viver Neo-Tokyo depois da 3ª Guerra Mundial, resolver um caso, voltar para a sua residência na 221B Baker Street e de quebra brincar com um tigre real. É a maneira que eu encontro de experienciar o inexperienciável.”


Internacional --------------------João Heleno Duarte

A literatura da Irlanda Apesar de o irlandês ser seu idioma original, a Irlanda é também um país de língua inglesa, que foi inserida em sua cultura através dos anos de influência (nem sempre pacífica) do seu poderoso vizinho, a Inglaterra. De fato, embora da Irlanda tenham emergido grandes nomes da literatura mundial, como James Joyce e Jonathan Swift, a produção literária irlandesa esteve sempre fortemente mesclada à literatura britânica. Muitos concordam, contudo, ser através da poesia a principal contribuição dos irlandeses para a língua inglesa. Disse-se que todo irlandês volta e meia escreve algum poema lá e cá, mesmo que nunca saia da gaveta. No século XX, com a independência do império britâncio adquirida arduamente, o país voltou-se para a literatura e para as tradições religiosas com o intuito de “recuperar” e firmar a sua própria cultura, após séculos da presença britânica no país. Um dos autores que foi extremamente bem sucedido ao explorar o regionalismo irlandês foi o mundialmente aclamado James Joyce. Joyce era destes intelectuais que gostam de observar o vai-e-vem diário nas ruas, o bate-papo nos bares, o trejeito dos andares, o sotaque dos falares, as nuances das personalidades moldadas pela sociedade…


foto Jo達o H. Duarte


Internacional --------------------João Heleno Duarte

Sentado no pub de Oliver St. John Gogarty, bloco de notas à mão, óculos à la Fernando Pessoa, ele “pescava” das conversas eloquentes das mesas ao lado o material que comporia “Ulisses”, “Os Dublinenses”, e seus demais trabalhos. Mas parece que o povo irlandês tem uma relação um tanto conturbada com seus ícones… Dizem que os cidadãos de Dublin (a capital) e do país no geral sentiram-se intimidados com a demasiada exposição de seu modo de vida promovida pelas obras de Joyce, e que o próprio sentiu-se desconfortável o suficiente com a recepção de seus trabalhos para mudar-se do país… O mesmo fez Oscar Wilde. O extravagante dandy, autor de “O Retrato de Dorian Gray”, romance repleto de ideias cínicas, aparentemente sentia-se mais à vontade em meio à alta sociedade inglesa da época do que entre seus conservadores - e porque não dizer “tímidos” - conterrâneos. Fatos e boates à parte, a cidade de Dublin é hoje um tributo àqueles que ajudaram a construir a história da Irlanda. Ainda hoje, caminhando pelas ruas da capital, é possível, por exemplo, topar com os vários trechos de Os Dublinenses escritos no chão, marcando os lugares reais citados na obra. Em meio ao Marion Square, bairro georgiano onde Wilde residia, existe uma estátua do escritor em tamanho real - e com uma expressão entalhada na face que faz jus à pessoa de Wilde. Dentre os lendários personagens celtas dos primódios da história, em meio aos guerreiros que lutaram pela independência do país, passando pelos popstars da atualidade, os escritores, poetas e artistas irlandeses são celebrados com orgulho através de estátuas, monumentos, parques, ruas, etc., que tornam-se pontos turísticos e marcos de sua participação na formação da cultura irlandesa.


Quadrinhos -------------------Pablito Aguiar


Quadrinhos -------------------Pablito Aguiar


Quadrinhos -------------------Pablito Aguiar


Resenha Literária ------------------------Tauana Weinberg

Eleanor & Park, de Rainbow Rowell

Esta é uma daquelas histórias que deixam o coração apertado. Uma história de dois adolescentes, que descobrem o que é ser amado e protegido em um ambiente hostil, lembrando-nos como o colégio pode ser doloroso e como aqueles que nos cercam podem ser cruéis conosco. A obra foge do clichê ao mostrar como uma menina enfrenta o seu contexto, em meio à rejeição alheia, em uma família desestruturada, com um padrasto agressivo e pedófilo. Park não traz somente gibis e músicas para a vida de Eleonor, traz também um refúgio, traz Eleonor para o seu abraço. E ela é inspiradora: não liga para o que os outros pensam, enfrenta as dificuldades, sabe que é gordinha, que tem um cabelo que chama muita atenção e que não tem roupas descoladas. Ela não se enquadra nos padrões. Ela é única, com seu cheirinho de baunilha. Ela é “a Eleanor do Park”.


Ilustração -----------------------Saul Tamborena


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Expediente

Edição nº 1 - Julho de 2014 Produção Independente

Conselho editorial: Diego Saldanha, Leonardo Capeleto e Pablo Aguiar Projeto gráfico: Pablo Aguiar Capa: Pablo Aguiar Skoobers colaboradores desta edição: Aline Santos aline.s.santos82@gmail.com Diego Saldanha diego.saldanhadss@gmail.com João H. Duarte joaoheleno10@gmail.com Pablo Aguiar literalmentepablo@gmail.com L. A. Kapletto kapletto@gmail.com Saul Tamborena saultamborena@hotmail.com Simone Schuck sschucksilva@gmail.com Tauana W. Jeffman tauanamwj@gmail.com

Correspondência

Rua jaguari, 515 - Cep: 94824-210 Alvorada/RS - Brasil pseudoecult@gmail.com




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