ISSN 2238-9849
VOLUME 1 NÚMERO 1 2010
ISSN 2238-9849
Educte
Macei贸
v. 1
n. 1
2010
Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica Instituto Federal de Alagoas
Reitor Sérgio Teixeira Costa
Conselho Editorial Presidente Manoel Santos da Silva
Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação Carlos Henrique Almeida Alves Pro-Reitoria de Desenvolvimento Institucional José Carlos Pessoa
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Revisores de Normas Técnicas Maria Lucilene da Silva Eunícia Canuto Bibliotecária Eunícia Canuto Produtor Gráfico Daniel Carvalho dos Santos Diagramador Gilton José Ferreira da Silva
E24 EDUCTE: Revista Científica do Instituto Federal de Alagoas, v. 1, n. 1 2010. Maceió: IFAL, 2010. Semestral ISSN 2238-9849 1. Educação – Periódicos. I – Instituto Federal de Educação de Alagoas. CDD 370.5
Instituto Federal de Alagoas – IFAL A/C do Conselho Editorial EDUCTE Rua Odilon Vasconcelos, 103 Jatiúca 57035-350 Maceió-AL revista.educte@ifal.edu.br
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Editorial
Aos leitores
O acesso ao conhecimento científico faz parte do direito à educação de todos os indivíduos e a educação científica é de fundamental importância para o desenvolvimento humano, para a criação de capacidade científica endógena e para que tenhamos cidadãos participantes e informados. Neste sentido, as revistas científicas se configuram como a principal forma de divulgação do conhecimento científico e tecnológico. A EDUCTE - Revista Científica do Instituto Federal de Alagoas chega a sua terceira edição e confirma sua consolidação como publicação de caráter científico e tecnológico no Estado de Alagoas, visando sempre à contribuição para o desenvolvimento local. O IFAL vive, atualmente, um momento ímpar no que se refere ao desenvolvimento das atividades de pesquisa e inovação. Com a expansão da Rede Federal de Ensino Tecnológico, o número de professores qualificados cresceu substancialmente nos últimos anos; o número de bolsas dos Programas de Iniciação Científica Institucionais dobrou e, de forma inédita, o IFAL foi contemplado com cotas de bolsas de PIBIC e PIBITI do CNPq. Portanto, é crescente também a produção acadêmica dos pesquisadores do IFAL e a Revista EDUCTE vem justamente para colaborar neste processo. Neste contexto, gostaríamos de agradecer a todos que acreditaram na EDCUTE e submeteram seus artigos, assim como, agradecer aos avaliadores ad hoc e ao Conselho Editorial, que tem realizado um trabalho árduo e sério. Desejamos, portanto, uma boa leitura e que se sintam convidados a submeter seus trabalhos nas edições vindouras.
Stoécio Malta Ferreira Maia Diretoria de Pesquisa e Inovação
Sumário ANÁLISE BACTERIOLÓGICA DOS RECURSOS HÍDRICOS DA APA DO CATOLÉ E FERNÃO VELHO
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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UM DEBATE SOBRE SUAS IMPOSSIBILIDADES
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EPT: UM TEMA URGENTE E EMERGENTE PARA PESQUISA
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INTERDISCIPLINARIDADE COMO FORMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL E EDUCACIONAL: CARNAVAL NO PROJOVEM URBANO
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Juliana V. Batinga, Adelmo L. Bastos, Vicente R. S. Cesar, Patrícia E. S. Oliveira
Tarcísio Augusto Alves Silva, Laíse Soares Lima
Vera Lúcia Bueno Fartes, Adriana Paula Quixabeira R. e S. Oliveira Santos, Maria de Cássia Passos Brandão Gonçalves
Manuella Alves Gonçalves, Amanda Pereira Silva
POLINIZAÇÃO DA ABÓBORA (CURCUBITA MOSCHATA D.): UM ESTUDO SOBRE A BIOLOGIA FLORAL E VISITANTES FLORAIS NO MUNICÍPIO DE SATUBA-AL
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PRODUÇÃO DE FERMENTADO ALCÓOLICO A PARTIR DA POLPA DE UMBU
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PROGRAMA DE GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS QUÍMICOS NO LABORATÓRIO DE QUÍMICA ANALÍTICA DO IQB/UFAL: UMA APLICAÇÃO DA QUÍMICA VERDE
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SABERES DISCENTES DO CURSO DE INFORMÁTICA BÁSICA (PROEJA) DO INSTITUTO FEDERAL DE ALAGOAS – CAMPUS SATUBA
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TECNOLOGIA E ENSINO: O USO DE BLOGS COMO FERRAMENTA DE MOTIVAÇÃO E APRENDIZAGEM
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Diogo de Barros Mota Mélo, Anselmo Lucio Aroucha Santos, Roger Nicolas Beelen, Thiago Silver Lira, Dinayza Anita Santos de Almeida, Leandro Pereira Lima
Eduardo Elenice Mendes Silva Gomes, Tatiane de Omena Lima, Thalyta Christie Braga Rabelo, Evandir Gonçalves de Oliveira, Margarete Cabral dos Santos Silva
Ana Paula Aquino Benigno, Elysson David de Santana Lima, Wander Gustavo Botero, Josué Carinhanha Caldas Santos, Paulo dos Santos Roldan, Paulo César Costa de Oliveira
Simone Ferreira da Silva Melo
Marcos Antonio de Araújo Dias, Herbert Nunes de Almeida Santos
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE NOVAS TECNOLOGIAS, EDUCAÇÃO E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Maria Luciane da Silva* Maria Lucilene da Silva** Anne Francialy da Costa Araújo***
Resumo Este artigo é resultado de um projeto maior que procura entender as relações entre as novas Tecnologias da Informação e Co AL. Aqui, o objetivo é tecer algumas reflexões sobre a Sociedade da Informação e do língua portuguesa. Para tanto, utiliza dados bibliográficos, fundados especialmente nas contribuições de Área (2001), Castells (1999), Lévy (1999), entre outros, para apontar o
Palavras-chave: Novas tecnologias. Educação. Língua Portuguesa.
Abstract This article is the result of a larger project that seeks to understand the relationships between the new Information and Communication Technologies (ICTs) and the teaching of Portuguese Language in the IF-AL. Here, the goal is to make some reflections on the Information Society and Knowledge and the impact of ICTs for education and, in particula r for the teaching of Portuguese language. We also use the bibliographic data, based especially on the contributions of area (2001), Castells (1999), Levy (1999), among others, to point out what is this society and how ICTs are interconnected with changes in the contemporary world and with a "new relationship with knowledge." Keywords: New technologies. Education. Portuguese.
*Mestre em Educação - UFPB, professora de Língua Portuguesa do IFAL - marialuciane@uol.com.br **Doutora em Letras - UFAL, professora de Língua Portuguesa do IFAL - marialucilene@hotmail.com ***Doutora em Letras - UFAL, professora de Metodologia e Psicologia da SEUNE - annefrancialy@hotmail.com
Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 3, jul./dez. 2011
Introdução
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96) menciona, de maneira clara e objetiva, nas diretrizes específicas para os currículos do Ensino Médio, no seu artigo 36, o uso e domínio das tecnologias como forma de acesso ao mundo moderno, em decorrência das novas exigências impostas pelo desenvolvimento tecnológico e social. Para que isso ocorra, no entanto, é preciso pensar e garantir o acesso a uma educação que contribua, de fato, para o pleno desenvolvimento do educando. Considerando a língua como princípio da identidade de um povo e como elo que perpassa todas as questões educativas, faz-se necessário observar, estudar e analisar como se dá a relação entre a aquisição de novos conhecimentos no ensino da Língua Portuguesa (LP) e as no Esse é o ponto de partida que nos motivou a realizar um Projeto que estuda como Educação de Alagoas
IF-AL. O intento é, a partir da análise empreendida, mostrar se -aprendizagem de LP no IF-AL e, se não ocorrer, como se realizará a inserção dessas novas tecnologias, considerando que, de acordo com a LDB 9394/96, a escola deve possibilitar e inserir o uso dessas ferramentas educativas como forma de desenvolvimento individual e coletivo. Este artigo expõe a primeira etapa desse objetivo, analisando-se o que é a Sociedade da Informação e do Conhecimento e quais os seus desdobramentos para a educação, indicando já algumas das conexões disso com o ensino de língua portuguesa. Utiliza, para tanto, como fundamento teórico, as reflexões erigidas por Área (2001), Castells (1999) e Lévy (1999), entre outros.
1 Sociedade, informação, conhecimento
A nossa abordagem faz parte de um consenso que afirma que os indivíduos estão vivendo em um novo contexto econômico, social e cultural que congrega diversas denominações: sociedade da informação, sociedade do conhecimento, sociedade pósindustrial, sociedade pós-moderna, sociedade tecnológica, sociedade da aprendizagem e outras, ocorrendo aí um problema terminológico, conceptual e ideológico, revelando visões múltiplas desse novo contexto e uma forma diferenciada de compreendê-lo. Neste estudo, optamos por considerar a atual sociedade, redesenhada pelas tecnologias da informação e comunicação como sociedade da informação e do conhecimento, porque as ferramentas para gerar, armazenar, transmitir e acessar a informação, que é a matéria-prima do conhecimento e sua aplicação para gerar novos conhecimentos, apontam para a capacidade de o indivíduo ir aprendendo ao longo da vida inteira.
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Algumas reflexões sobre novas tecnologias, educação e o ensino de língua portuguesa
Essa sociedade caracteriza-se pelo crescimento exponencial de informação produzida e distribuída pela velocidade do desenvolvimento e pela diversificação dos suportes de informação, colocando ao alcance dos cidadãos conectados um volume de informação e conhecimento elaborado, possuindo esses indivíduos os mesmos recursos biológicos, intelectuais e afetivos para captar, entender e dar sentido a essa informação (GIL, 2001). Com base no pensamento de Área (2001), podemos deduzir, para uma abordagem mais aprofundada, que a sociedade da informação e do conhecimento envolve uma tipologia do discurso: o discurso tecnológico e o discurso pedagógico. O discurso tecnológico, propagado pelos governos, empresas, campanhas publicitárias e pelos meios de comunicação sobre os encantos da sociedade da informação e do conhecimento, tendo como consequência uma vida mais confortável e a superação de todas as necessidades humanas, é um equivoco. Em termos de distribuição dos bens econômicos e socais, caminhamos para uma sociedade perversa, alentadora de uma distribuição desigual dessas riquezas e com um enorme poder e novas formas de controle e vigilância sobre os indivíduos. Entretanto, em alguns aspectos, não podemos negar que essa sociedade tecnológica proporciona facilidades de comunicação e um volume de informação jamais presenciado na história da humanidade. Comungamos com Área (2001), quando insiste em afirmar que a sociedade da informação e do conhecimento, dentre outras características, é fundamentalmente um novo estágio de evolução do capitalismo. Essa atual revolução tecnológica e informacional permite não apenas manter e incrementar o poder econômico, mas legitimar suas influências políticas, sociais e culturais.
2 Pensar a educação na era das Tecnologias da Informação e Comunicação
significativa, a cultura, os métodos e as formas de ensino tradicional, criando novos cenários de formação em qualquer tempo e espaço. Por tecnologias, entendemos, como Castells (1999), um conjunto de processos e produtos oriundos de ferramentas (software e hardware), suportes de informação e canais de comunicação relacionados com o armazenamento, processamento e transmissão digitalizados de informação. É importante salientar que essas tecnologias têm como características a materialidade, a interatividade, instantaneidade, inovação, elevados parâmetros de imagens e sons, digitalização, influência de processos sobre os produtos, automatização, interconexão e densidade (ÁREA, 2001). Essas tecnologias têm sido consideradas por alguns estudiosos como uma estratégia adequada e útil na formação de trabalhadores e postos de trabalho. Configurando um contexto que oferece possibilidades em todos os níveis, as tecnologias modificaram nossa maneira de viver, conhecer, atuar e de nos relacionarmos com o outro, sem barreiras geográficas, temporais e espaciais. As tecnologias têm, portanto, uma enorme importância na educação, e sua interatividade permite que o emissor e o receptor possam permutar saberes e intercambiar 9
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mensagens. Embora reconheçamos que a educação é um setor tradicional pouco dado a novidades e intercâmbio e menos ainda às tecnologias, devetêm um papel relevante para as tarefas que ali se realizam. Há certo receio de incorporar a educação formal de múltiplas formas. Os seus defensores garantem que a sociedade do futuro será uma sociedade do conhecimento e que a educação e a formação serão, indubitavelmente, os principais vetores de promoção social. Aliado a isso, a Comissão Européia sustenta que, através da educação e formação, adquiridas em um sistema educacional, empresa ou informal, os indivíduos terão seu futuro e direitos garantidos. Essa educação deve prolongar-se ao longo de toda a vida e a formação e atualização permanente são elementos-chave para uma sociedade desenvolvida e moderna. Por essa razão, a sociedade da informação e do conhecimento deverá criar mecanismos necessários para que a formação continuada alcance grandes quantidades de pessoas que, certamente, vão necessitar de novos conhecimentos, habilidades, destrezas (MINGUELL; FONT, 2001). Essas alterações exigem mudanças de paradigmas e a substituição dos modelos educacionais de educação. Nesse contexto, a educação tem sido convocada para reconsiderar essas alterações, inserindo um modelo pedagógico que atente para as funções de diferentes elementos que intervêm no processo educativo: aluno, professor, currículo, família, contexto, recursos e outros, valorizando a importância destes por todas as fases do desenvolvimento profissional. A tônica da educação, nessa sociedade da informação e do conhecimento com seus aparatos tecnológicos, volta-se intensamente para formação, entendendo-a como um processo que se expande por toda a vida do indivíduo. Em relação a este, o novo modelo conhecimentos a partir de sua experiência, sem perder de vista aqueles elementos necessários à formação do indivíduo que vão surgindo em sua trajetória pessoal e profissional. Nesse ponto de vista, dialogamos com Minguell e Font (2001) quando assinalam que o modelo pedagógico de ensinar precisa deixar de ser um sistema baseado na transmissão de conhecimentos, valores e cultura geral do professor para o aluno. Na sociedade da informação e do conhecimento, supõe-se um modelo centrado mais na aprendizagem do que no ensino, mais no aluno do que no professor, capaz de ajudar as pessoas a conseguirem seus próprios objetivos e metas. O autor chama a atenção para um dado importante: desfazer a crença de que é possível criar um modelo hegemônico para todos os indivíduos, uma vez que observar as diferenças é fundamental. Trata-se de facilitar os recursos materiais, pessoais e de formação que permitam empregar os meios e recursos disponíveis para a realização pessoal de distintos indivíduos. Essa tarefa, no ensino de LP, requer uma oferta educativa, tecnológica e linguística capaz de atender às necessidades dos alunos, cada vez maiores e diferenciadas. Nesses aspectos, em nosso entender, o docente deverá reunir os recursos disponíveis e as estratégias criativas e inventivas que possam dar conta dos usuários cada vez mais 10
Algumas reflexões sobre novas tecnologias, educação e o ensino de língua portuguesa
exigentes e conhecedores dos novos meios ou tecnologias. Ao tratar dessas questões, asseguram Minguell
meio da oralidade e da escrita, impondo novos meios de transmissão da informação, de domínio da língua, diversas formas de expressar a comunicação e disseminação do conhecimento e da cultura acumulada. Nessa sociedade da informação e do conhecimento, a digitalização da informação e as redes de comunicação propiciadas pelo avanço das tecnologias ampliaram os métodos de ensinar a língua, deslocando, assim, as limitações de tempo e espaço. Com o nascimento das redes informacionais, surge um dos fenômenos poderosos da comunicação: a Internet com seus programas e infraestrutura que possibilitam a navegação de milhões de pessoas que atuam sobre ela, interagindo, tomando decisões, constituindo uma grande comunidade que troca relações, interesses e outras atividades, sons, sequências animadas e textos múltiplos. O hipertexto mudou o modo de ler, escrever e ensinar a LP. De acordo com Minguell e Font (2001), a leitura de um hiperdocumento depende de cada um dos leitores. A forma como o hipertexto é formado na estruturação do modelo/rede proporciona grande liberdade ao leitor, permitindo passar de um texto ao outro, de um documento a outro, de um ponto ao outro, com facilidade. Esse cenário digital possibilita situações aos usuários ou obstáculos, recordando certas informações, tomando decisões frente a determinadas situações, formulando hipóteses,sol L; FONT, 2001, p. 334). Mas, como sublinha o autor, para o indivíduo inserir-se nesse contexto, dependerá das possibilidades tecnológicas do momento. Na educação, no entanto, a mudança de paradigma não exige apenas o deslocamento do modelo formal, é preciso modificar o virtuais mediadas pela docência, onde os meios são elementos integrantes do processo formativo, tratando-se de um modelo pedagógico em que o docente deve atuar como instrutor, facilitador, orientador, para priorizar o sujeito que aprende. Por isso, para mudar é preciso entender que "o cerne da transformação que estamos vivendo na revolução atual refere-se às tecnologias da informação, processamento e comunicação," afirma Castells (1999, p. 50-1), que completa: "As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas nos processos a serem desenvolvidos." A afirmação de Castells (1999, p. 28) antecipa e esclarece o conceito de tecnologias da informação, entre as quais inclui o conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão e dade multiforme de grupos humanos, um devir coletivo complexo que se cristaliza sobretudo em volta de objetos materiais, de programas de computador e dispositivos de comunicação." 11
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O avanço e a disseminação dessas tecnologias, possibilitando o acesso às mais recentes descobertas científicas, diminuindo distâncias e interconectando as pessoas dos mais diversos cantos do planeta, criam modos diferentes de convivência e de interação, e como consequência, no campo educacional, coloca-se o desafio de integrar a cibercultura emergente ao universo "limitado" do conhecimento e saberes dos alunos. Segundo Guimarães e Dias, Torna-se cada vez mais necessário um fazer educativo que ofereça múltiplos caminhos e alternativas, distanciando-se do discurso monológico da resposta certa, da sequência linear de conteúdos, de estruturas rígidas dos saberes prontos, com compromissos renovados em relação à flexibilidade, à interconectividade, à diversidade e à variedade, além da contextualização no mundo das relações sociais e de interesses dos envolvidos no processo de aprendizagem (GUIMARÃES; DIAS, 2002, p. 45).
Em conformidade, como consequência do que os autores afirmam, o ensino da língua centrado na transmissão e recepção compartimentalizada cederá espaço ao ensino voltado para as novas maneiras de pensar, respeitando o "savoir faire" dos alunos, e em sintonia com o ciberespaço. Não se coloca com isso que se devam usar obrigatoriamente as tecnologias intelectuais em sala de aula, mas deve-se, na opinião de Lévy (1999, p. 172), "acompanhar consciente e deliberadamente uma mudança de civilização que questiona profundamente as formas institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas educacionais tradicionais e, sobretudo os papéis de professor e de aluno." Nessa direção, para Geraldi (1997), o trabalho com textos é a especificidade do ensino de LP. Por isso, o professor dedica esforços, tempo e recursos ao trabalho com leitura e escrita. Mas poucos compreendem que ler e escrever significa poder interpretar qualquer texto e saber expressar as próprias ideias, em qualquer linguagem; assim, para facilitar esse processo, o professor pode dispor dos recursos tecnológicos disponíveis, mas deverá saber encontrar os pontos de interação entre sua visão sobre o ensino, as necessidades dos alunos e a utilização desses recursos. De acordo com Valente, Isso significa que, sem o conhecimento técnico, será impossível implantar soluções pedagógicas inovadoras e vice-versa, sem o pedagógico os recursos técnicos disponíveis tendem a ser subutilizados. Afirmar que tais conhecimentos devem ser casados é muito fácil. Porém isso implica maior profundidade na formação de professores e mudanças substanciais na concepção de educação (VALENTE, 1999, p. 21).
Anterior a esse contexto, e mais ainda em decorrência dele, sob o ponto de vista de alguns escritores, como: Aquino (2000a e 2000b); Kleiman (1995; 1999); Lajolo (1993); Geraldi (1997); Suassuna (1995) e Gnerre (1998) estão as reflexões sobre leitura e escrita. Destacando as ideias de Gnerre (1998, p. 41), é possível considerar que a [...] a escrita, e a reflexão do impacto da escrita sobre as sociedades humanas, veio a ser um objeto de interesse quando ela, assim como praticada em moldes e formas tradicionais, parece ter já alcançado o seu apogeu e estar prestes a se tornar uma atividade obsoleta. Enquanto os centros importantes de decisões manipulam bilhões de dados e de informações através de toda uma série de novas tecnologias, a escrita tradicional vai perdendo lentamente a sua posição, antes exclusiva e, neste processo, torna-se aos poucos também um objeto de reflexão.
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Em referência aos objetivos e propósitos para a leitura, Kleiman (1995, p. 30) afirma que a realidade da escola ainda não colabora para que se definam objetivos voltados especificamente para leitura, pois esta continua como uma atividade acessória, servindo
Corroborando com esse ponto de vista, Lajolo (1993, p. 108) acrescenta que não basta apenas abrir uma discussão sobre a leitura; é necessário, sobretudo, que os profissionais que trabalham de forma mais direta com ela dediquem-se com maior empenho, praticandode ler, precisa ler muito, precisa envolverPor isso é que, após essas afirmações, podemos dizer que as considerações sobre leitura e escrita não se encerram aqui, uma vez que o universo social e cultural no qual se situam é bastante amplo, ultrapassa os muros da escola, exige formação do professor, para repensar a sua função e a função do aluno como leitores, produtores de texto, no contexto do mundo informatizado. Concordamos, portanto, com Freire (1996, p. 43) quando afirma: "Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da Sob o ponto de vista de Geraldi (1997), que diz que o trabalho de Língua Portuguesa, na escola, caracteriza-se, cada vez mais, pela presença de textos, seja como objetos de leitura, seja como trabalhos de produção; e entendendo que a utilização das tecnologias da informação (na prática educativa) e de seus recursos informáticos funciona como ferramentas de suporte ao processo educativo, o trabalho para a aprendizagem da língua, referida por Geraldi (1997), pode passar a contar com o suporte de todo esse aparato tecnológico, uma vez que possibilita a organização do conhecimento de uma área determinada, e o aluno passa a interagir com o objeto de estudo específico. Dessa forma, a prática educativa faz a mediação entre os alunos e o acesso ao conhecimento, através de diversos meios e metodologias, fazendo do espaço escolar um espaço interativo, porque, sobretudo é participativo, o professor assumirá um papel diferente: não será apenas o transmissor do conhecimento, será o facilitador, intermediando a comunicação, as experiências, enfim, situações de aprendizagem, consequentemente, ajudando a construir a cidadania, no exercício da interação. Isso se evidencia bem na afirmação de Lévy (1999, p. 171): "A partir daí, a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos conhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento." Nessa perspectiva, a formação de professores adaptada às necessidades atuais é um dos alicerces básicos a todo processo de reforma educativa porque "uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo" (FREIRE, 1996, p. 31). Todo o suporte das Tecnologias da Informação e comunicação pode-se tornar, aliado a uma prática docente nova e diversificada, indispensável à educação que pretenda preparar o aluno para a autonomia, para a criatividade, para a produção de seus próprios saberes e para viver as relações sociais que estão sendo definidas pelos novos meios e linguagens. E esse também será um aluno diferente. E o seu papel é de construtor do seu 13
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conhecimento, pois terá uma função atuante no processo do qual é o elemento principal, pois que deve ser o sujeito de suas descobertas, de suas aprendizagens, atuando, participando, contextualizando e transformando suas experiências em compromisso com o mundo para agir e para mudar. Isso se dará, segundo Garcia (2001, p. 64), "por pretender a formação do homem, não de qualquer homem, mas de um homem fraterno, solidário, tolerante e aberto à alegria de novas experiências." Dessa forma, para facilitar as mudanças na educação, e na forma de produzir/adquirir novos saberes, aliando-se à forma de trabalhar língua/discurso histórico-social-ideologicamente, defendida pela AD, constituem, para nossa pesquisa, o ponto central.
3 Novas linguagens na educação escolar
ações, os processos e as estruturas da vida social em geral, tanto quanto as produções e criações que conformam a sociedade, em âmbito local, nacional, regional e mundial, afirma Ianni (2002). Esse autor acrescenta, ainda, que, por isso, a linguística, a filosofia da linguagem, a sociolinguística, a etnolinguística, entre outras ciências, têm contribuído bastante para o possibilidades de reflexão e descoberta sobre os ma (IANNI, 2002, p. 25). De acordo com o posicionamento desse autor, ao afirmar que a linguagem é que constitui, em síntese, a nossa vida e que diversas ciências se dedicam a analisar o seu funcionamento, consideramos importante destacar do pensamento de Ianni (2002) a da Informação e comunicação, as quais possibilitam não apenas refletir sobre a linguagem, mas, principalmente, descobrir novas formas de se trabalhar a linguagem, de produzir conhecimentos. Considerando, a partir dessas afirmações, que a aprendizagem de LP se dá no exercício de operação com a linguagem, e que não pode estar dissociada da cultura na qual os educandos estão inseridos, porque essa cultura envolve todo um processo de comunicação e elementos culturais propostos pela família e pela sociedade, faz-se necessário, uma vez que é possível, que a escola analise o problema da comunicação, analisando-se e aos educadores, os quais precisam estar habilitados para atuarem como inserindo e fazendo uso do suporte técnico e tecnológico da comunicação e informação. Nesse sentido, a escola deve estar sintonizada com as novas exigências intelectuais que as tecnologias nos impõem, e cabe à educação produzir e socializar os saberes, preparando o alunado para agir no mundo competentemente, pois [...] uma das muitas missões hoje atribuídas ao sistema escolar é a de capacitar os alunos para decifrarem e interpretarem o mundo em que vivem e poderem contribuir, a partir dos conhecimentos, das habilidades adquiridas ou
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Algumas reflexões sobre novas tecnologias, educação e o ensino de língua portuguesa
desenvolvidas no sistema educativo, com o sistema produtivo, social e cultural (GIL, 1999, p. 12).
Parafraseando as ideias de Bustamante (2001), entendemos que as tecnologias na comunicação e na educação exigem a criação de conteúdos de qualidade e adaptados às culturas e necessidades locais, uma metodologia comunicativa e discursiva que ofereça um novo conceito de conhecimento e sua transmissão, um novo conceito de ensino de LP, novos recursos didáticos e novos instrumentos a serem apropriados adequadamente pelos usuários individuais e coletivos. Essa tarefa requer não somente a mudança da posição do professor-transmissor, mas o professor-comunicador e políticas públicas educacionais capazes de suprir as escolas com os recursos eletrônicos necessários, pois a educação da escola à Universidade só poderá ter uma função proeminente na sociedade da informação e comunicação se puder exercer o papel de protagonista na expansão universal e equilibrada dessa sociedade da informação e do conhecimento. Trata-se, porém, de linhas de ações que possam suprir tais necessidades, pois o desafio básico é o de que essas tecnologias sejam de domínio público generalizado. Além disso, nota-se a ausência de docentes preparados para dominar termos como multimídia, hipertexto, Wikis, blogs, web, interatividade, hipermídia e outros que se expandem no volume d
4 Novos tempos-espaços para a escola
O cerne da questão que se discute não é apenas a introdução de novas tecnologias nas salas de aulas, mas, sobretudo, rever a forma de atuação e construção dos currículos escolares, já que é inevitável o célere avanço tecnológico, que estimula novas formas de pensamento e de concepção de mundo, evidenciando, dessa forma, que é impossível para a escola construir conhecimentos isolando-se das influências de seu ambiente, pois em um mundo como o atual, plural, multicultural, será impossível educar dos muros para dentro, sem adequar conteúdos e metodologias à nova realidade imposta pelos meios de comunicação e informação. O relatório organizado por Delors et al (2000) produzido para a UNESCO imputa uma grande responsabilidade à educação que deve favorecer e permitir de modo eficaz que o educando desenvolva cada vez mais saberes adequados à sociedade do conhecimento e da informação. Para que essa proposta se efetive é preciso que a educação esteja alicerçada em torno de [...] quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes (DELORS et al, 2000, p. 89-90). Ênfase em itálico no original.
Esses quatro pilares harmonizam-se e constituem o princípio básico de todo processo educativo que tem por finalidade a formação integral do cidadão, para que este 15
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possa não somente ter acesso ao conhecimento, mas desenvolver suas habilidades e potencialidades para agir no mundo produtivo com competência, aliando ensino e o reconhecimento dos saberes. É imprescindível que a escola considere o contexto mais amplo no qual os alunos estão inseridos. Segundo Lévy (1993), por sua natureza histórica, as escolas fundamentamse em relações baseadas na oralidade, na leitura e na escrita; por isso há a necessidade de conhecer novas e diversas linguagens para incorporar às práticas pedagógicas as novas formas, os novos instrumentos e os novos recursos que lhes possibilitem ajustar-se a uma realidade na qual as relações se modificam constantemente. A escola é, sem dúvida, o melhor lugar do mundo para preservar o que há de melhor em nossa cultura oral-escrita, mas essa função tradicional não pode exilar das práticas educativas as novas falas, as novas escritas e as novas leituras que tecem o sentido de nossa experiência cotidiana (MONTEIRO; FELDMAN, 1999, p. 39).
Entendendo, portanto, que o espaço da escola deve ser flexível, aberto, e que nele se deve realizar constantemente a busca pelo aprender; assim, é possível acompanhar a evolução, ou revolução tecnológica e abrir-se para as novas e diferenciadas formas de produção e descoberta de saberes, que dificilmente terão um significado se o aluno os receber estática e mecanicamente, incorporando conteúdos isolados, sem que possa relacioná-los a sua existência individual e coletiva. Deve a escola, então, propiciar situações problemáticas, levando os alunos a reelaborarem o conhecimento, para romper definitivamente com a prática tradicional que determina que todos devem aprender as mesmas coisas da mesma maneira. Dessa forma, cabe aos educadores descobrirem e utilizarem metodologias que desenvolvam nos alunos senso crítico, para que estes se tornem capazes de se expressar e criticar, dialogar, com autonomia, interagindo com seu universo audiovisual e virtual, lendo tradicional, era consumido com o estudo da gramática e da sintaxe da língua escrita, além da literatura, agora precisa ser compartilhado com o estudo das múltiplas linguagens e seus 41). Porque o tempo que nos desafia é o tempo presente, não o passado. O tempo presente comanda nosso dia-a-dia, a cada instante. E a escola deve estar sintonizada com ele e vivenciar o processo de mudanças, mantendo-se alerta às relações de saber que, consequentemente, estão implícitas nessas mudanças, transformando nossa existência. Por isso, pensar a inserção de novas tecnologias no espaço escolar requer uma reflexão sobre o nosso presente, [...] que é sempre um espaço-tempo de agenciamentos, de gestação de um futuro para cada um de nós e para as outras formas de vida com as quais compartilhamos o planeta Terra. É narrar uma época caracterizada pela invenção de máquinas, possibilitadas pelos notáveis avanços da indústria microeletrônica. É pensar em sociedades onde a disseminação de novos artefatos, ligados às ciências e à tecnologia, condicionam cada vez mais nossa vidas (SOMMER, 2001, p. 107).
aparato que cria novos textos, com escrita e leitura novas, novas formas de conviver e interagir uns com os outros, e com o mundo virtual. 16
Algumas reflexões sobre novas tecnologias, educação e o ensino de língua portuguesa
Assim, de acordo com Kenski (2000, p. formação de leitores por diversos caminhos e linguagens. Precisa também ampliar suas concepções de linguagem, de leitura e de escrita para incorporar as mediações textuais recursos tecnológicos possuem de conduzir à interação e à construção de diferentes tipos de textos, e, consequentemente, possibilitando um outro tipo de processo informativo, que permitirá a ressignificação e a reconstrução dos objetos de estudo. E, considerando o contexto dos sistemas informacionais, afirma Kuenzer (2001, p. 144) que "a promoção do domínio, das diferentes linguagens passa a ser uma das finalidades mais importantes da escola." Já que prepara cidadãos para atuarem numa sociedade em constante metamorfose, esses deverão ter um amplo domínio acerca das diversas formas de linguagem, saberem distinguir, criticamente, seus usos e finalidades implícitos. Isso exige uma mudança de postura e um novo modo de pensar a relação entre mundo linguagem educação.
Conclusão
-as à educação tem se mostrado um tema de grande importância e necessidade, pois, ao que nos parece, há um certo silenciamento sobre o que, Consideramos que é fundamental discutir a prática docente como um todo, e não apenas de LP, no sentido de se repensar posturas relacionadas a práticas centradas em livros didáticos, apostilas, exposição oral e práticas centradas em recursos disponibilizados a -nos, nesse sentido, em especial, ao uso do computador e do data show vistos, por muitos, como recursos primordiais para o desenvolvimento do processo ensinar/aprender. Entendemos, por conseguinte, que é urgente e necessário construir novas e variadas práticas, com abordagens e métodos de ensino que respeitem a criatividade dos educandos e seus interesses pessoais, para que se possa facilitar o processo de descoberta, reconhecimento e construção dos saberes individuais e coletivos dentro da dinâmica de um mundo globalizado e conectado. Para isso, é imperioso articular conhecimentos de diversas áreas, tais como a Educação, a Psicologia, a Informática, a Sociologia, a Filosofia, entre desafio atual a ser enfrentado por todos nós.
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AUTORIA EM PRODUÇÃO DE VÍDEOS: UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DOS PROJETOS INTEGRADORES DO CURSO DE FÍSICA LICENCIATURA DA UFAL
Ícaro Douglas da C. Silva* Ivanderson P. da Silva
Resumo O presente trabalho investiga a contribuição da produção de vídeos enquanto proposta metodológica para as disciplinas de Projetos Integradores do Curso de Física Licenciatura da UFAL. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso que se deu a partir da observação direta das aulas nas disciplinas Projetos Integradores II, III e IV e da aplicação de formulário de coleta de dados com os autores dos vídeos. Dessa experiência, resultaram quatro vídeos do tipo curta-metragem, sendo um humorístico, um telejornal, um documentário e uma videoaula. Da análise dos formulários de coleta de dados, foi possível constatar que os alunos, embora tenham produzido os vídeos, não se reconhecem como autores nesses. Esses alunos reconhecem que tal atividade aumentaria o interesse dos alunos da Educação Básica e superior pelas aulas de Física e revelam a necessidade da produção de material didático de alto nível que favoreça a integração das mídias ao currículo. Como limitadores da proposta metodológica, os alunos apontam que a produção de vídeos de boa qualidade não se constitui tarefa fácil e exige muita dedicação e recursos estruturais que nem sempre estão disponíveis e que por vezes não são de fácil acesso na universidade. Palavras-chaves: Formação de Professores. Pedagogia da Autoria. Produção de Vídeos
Abstract This work investigates the contribution of video production as a methodological purpose for the Degree Course in Physics' subject, Integrator Project. It is a qualitative research like the case study which took place from after the direct observation of Integrator Project classes II, III and IV and as well from the appliance of gathering data forms to the authors of the videos. Four short film videos came out from this experience: a comedy, TV news, a documentary and a video lesson. To produce the videos, three groups used a digital camera and mobile phone. From analysis of the data collection forms, we could realize that: they do not recognize themselves as authors of the videos, and said that the video production would increase their interest in basic education and higher education for the physic classes, it also reveals the need for production of high-level educational materials to promote the integration of media into the curriculum, recognizing that the production high-quality videos is not an easy task and requires dedication and structural features, which, are not always available and sometimes not easily accessible at the university. Keywords: Teacher Education. Pedagogy of Authorship. Video Production
*Licenciado em Física UFAL *Mestre em Educação Brasileira - UFAL
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Introdução
As relações sociais no contexto da cibercultura (LEVY, 1999) ultrapassam os limites de tempo e espaço com a popularização das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC). A crescente utilização das TIC nos processos de ensino/aprendizagem tem sinalizado para necessidade da exploração de alternativas metodológicas que favoreçam o uso consciente e a gestão das TIC nos espaços de aprendizagem. Nesse contexto, a Produção de Vídeos se constitui alternativa que possibilita a transposição do perfil do aluno/professor de mero expectador para uma atitude de criação, autoria, análise e produção de conhecimento. Ao questionar e refletir, o professor tem oportunidade de produzir intencional e criticamente novas formas de perceber a realidade. No entanto, cabe evidenciar que a simples utilização das TIC não significa uma inovação pedagógica. Para que isso aconteça, é preciso explorar suas potencialidades. A esse respeito, Mercado (2002) afirma que com as novas tecnologias, novas formas de aprender, novas competências são exigidas, novas formas de realizar o trabalho pedagógico são necessárias e fundamentalmente, é necessário formar continuamente o novo professor para atuar neste ambiente telemático, em que a tecnologia serve como mediadora do processo ensino-aprendizagem (MERCADO, 2002, p. 15).
Portanto, não basta apenas usar as TIC, mas se apropriar delas para utilizá-las bem. Para isso, Neves (2005) aponta a necessidade da adoção de uma pedagogia que favoreça a aprendizagem dos conteúdos e na qual as TIC sejam mediadoras desse processo de ensino/aprendizagem. A construção de saberes baseia-se na capacidade do ser humano de criar seus próprios projetos e conhecimentos socialmente relevantes. Nesse sentido, o presente trabalho investiga a contribuição que a produção de vídeos enquanto proposta metodológica para os Projetos Integradores do curso de Física Licenciatura da UFAL pode trazer para a formação de futuros professores de física da Educação Básica. O desafio consiste em ultrapassar a instrumentalização do uso das TIC que forma leitores, para favorecimento da formação de autores. Segundo Mercado (2009) é necessário que os professores, tenham boa formação, além de conhecimentos sólidos da didática e dos conteúdos, com desenvolvimento de práticas pedagógicas que utilizem a educação online e as TIC como ferramentas que atendam as necessidades individuais e coletivas, que estimulem a construção criativa e a capacidade de reflexão e favoreçam o desenvolvimento da capacidade intelectual e afetiva, levando à autonomia e a democracia participativa e responsável (MERCADO, 2009, p. 17).
Diante disso, a proposta fundamenta-se na intencionalidade, na exploração do conhecimento existente, na utilização das mídias para criação de conteúdos de autoria num trabalho colaborativo entre professores e alunos. O trabalho colaborativo entre professores e alunos sob a perspectiva de Neves (2005) enriquece a relação didático-pedagógica possibilitando uma interação mais intensa dos sujeitos na produção de novos conhecimentos, na releitura do que já está produzido.
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Autoria em produção de vídeos: uma experiência com alunos dos projetos integradores do curso de física licenciatura da UFAL
1 Produção de Vídeos
A produção de vídeos revela a intencionalidade ao ato de aprender fazendo, de interagir com o outro, explorando e analisando os saberes já disponíveis como base para o processo de criação. Nesse sentido, a utilização da ferramenta de produção de vídeo sinaliza um trabalho pedagógico significativo para os alunos e professores que, segundo Paula (2010, p.1), possibilita expressão e comunicação escrita e oral utilizandovídeo, seja desenvolvendo conteúdo ou acompanhando a montagem de um experimento que experimentação dos conceitos e aproximando-os do dia-a-dia dos alunos. Assim, professores e alunos são sujeitos atuantes no processo educacional, fazendo um trabalho colaborativo na perspectiva de crescimento do grupo como um todo. Vivenciando o aprender a aprender, o aprender a fazer, o aprender a conviver e o aprender a ser em todas as fases da produção de vídeo com autoria consciente, dinâmica, criativa e com intencionalidade pedagógica. A partir da orientação pedagógica do professor com a escolha do tema, a exploração de material disponível para a produção de vídeo deve buscar fontes publicadas e disponíveis em livros, CD, DVD, interfaces da internet, programas de TV, vídeos da internet, blogs. É necessário um levantamento exaustivo do que já foi construído e realizado em torno daquela determinada temática de estudo. A exploração do material disponível desenvolve nos alunos competências e habilidades que, conforme Cruz e Carvalho (2007) possibilitam ... a análise, a partir das fontes disponibilizadas na Web, [...], uma reflexão sobre o tratamento dado à informação. [...], desenvolver várias competências, nomeadamente, pesquisar, analisar, sintetizar, ler diferentes fontes e cruzar informações para produzir um trabalho final (CRUZ; CARVALHO, 2007, p. 245).
No ato de explorar, o aluno começa a afinar os critérios para a escolha do que vai fundamentar o seu trabalho, definindo o que e como poderá utilizar as informações colhidas. A partir desse olhar crítico, a construção da autoria passa pela interpretação dos dados coletados que fundamentarão o trabalho de transformação/produção. Tal experiência favorece a transposição dos muros da escola, pois não fica dela. Ao mesmo tempo, o professor deixa de estar preocupado apenas em ensinar, mas consegue mediar com mais eficácia o processo para qu CARVALHO, 2007, p. 246). Nesse sentido, o professor tem o papel fundamental de mediador do processo de ensino/aprendizagem, visto que o olhar de criticidade, a valorização da criatividade e o desenvolvimento de habilidades inerentes à produção de vídeo não promoverão apenas a exibição de um conteúdo com uso das TIC, mas a construção efetiva de conhecimento. A experimentação direta caracteriza-se pela formulação, definição do meio que os alunos utilizarão para expressar o conhecimento a ser produzido após a exploração e a análise dos saberes disponíveis nas diversas mídias. Os alunos deverão manipular variáveis, 23
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identificar categorias, mapear cenários, descrever estratégias de reflexão e/ou intervenção, elaborar esquemas, planejamentos, organogramas, divisão de tarefas e cronogramas. É o momento de organizar as ideias, determinar como e quando será executado o projeto de estudo. No caso da produção de vídeo em autoria coletiva, espera-se que estejam definidos o roteiro da filmagem/slides, trilha sonora, recursos tecnológicos a serem utilizados, e tempo de execução do projeto. Os autores se utilizarão das múltiplas inteligências, cujo trabalho colaborativo será a base da produção. Esses terão o desafio de expor a sua produção aos colegas de sala. Para Martins apud Cruz e Carvalho (2007) os alunos gostam e envolvem-se em tarefas quando podem produzir e socializar algo que é reconhecido socialmente. Por isso podem aprender muito quando têm a oportunidade de criar um blog, um Podcast, um jornal da escola -se de uma proposta pedagógica baseada em algo que é produzido socialmente fora da escola: elaboração, construção, edição e socialização de um vídeo (CRUZ; CARVALHO, 2007, p. 246).
Essa contribuição se amplia na internet já que, segundo Mercado (2009, p.11), -line colocam o aluno em contato com múltiplas linguagens. Elas possibilitam: desenvolver diversas formas de expressão, em situações de comunicação expressão corporal, sua escrita como também verá com outro olhar o trabalho dos colegas fazendo uma análise mais atenta do que se encontra ao seu redor. A possibilidade de disponibilizar, visualizar e comentar o fruto de um trabalho fortalece a educação como um espaço democrático de discussão, revisão, melhoria e surgimento de novas ideias para o trabalho pedagógico, para a vida pessoal e profissional educacional; integra estratégias didáticas, linguagens e tecnologias; harmoniza o global O ato de compartilhar os saberes, as conquistas, os resultados de um trabalho individual ou coletivo fortalece as relações na escola, na comunidade. O mostrar ao mundo possibilita a valorização e o respeito às diversas raças e culturas, intensifica o ato educacional extrapolando os limites dos cadernos, os muros da escola, tornando os alunos e professores sujeitos atuantes na sociedade. A produção de um vídeo possibilita o envolvimento concreto dos alunos com o conhecimento, com os diversos recursos tecnológicos disponíveis. Possibilitará uma reflexão crítica acerca do produto a ser apresentado, superando até os objetivos didáticopedagógicos elencados pelo professor ao propor a atividade. Segundo Neves (2005, p. 4), -se mais consciente e atento à construção do conhecimento preocupando-se com a roteirização, a captura e a edição do vídeo a ser apresentado em sala ou na rede mundial de computadores. As situações de aprendizagem com a pedagogia da autoria ultrapassam os limites de uma disciplina para o total envolvimento de alunos e professores pelo produto a ser exposto ao grupo da sala de aula, da escola, dos internautas de todo o mundo. Compartilhar o fruto de um trabalho no qual se mostra o resultado de um processo de pesquisa, discussão, produção para o mundo, seja com os colegas de sala de aula ou com todos aqueles que acessam a internet, é a resposta que a escola/universidade deve dar à sociedade. O compartilhamento acontece no instante em que se expõe em um 24
Autoria em produção de vídeos: uma experiência com alunos dos projetos integradores do curso de física licenciatura da UFAL
cartaz produzido pelos alunos, quando se faz uma mostra de conhecimento na escola ou se divulga na internet através das redes sociais ou nos sites de divulgação de vídeo.
2 Estudo de Caso: os projetos integradores do curso de física licenciatura da UFAL
A disciplina Projetos Integradores faz parte do currículo do curso de Física Licenciatura do Instituto de Física da UFAL que é voltado exclusivamente à formação de professores de Física para a Educação Básica. Com esse propósito, a estrutura curricular do curso de Licenciatura em Física apresenta toda a fundamentação teórica articulada com a prática, ao mesmo tempo em que procura manter no licenciando uma postura de reflexão acerca de sua futura atuação como professor. [...] Além disso, um diferencial na nova estrutura do curso é a associação direta e constante da parte teórica de cada disciplina com a parte experimental. (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE FÍSICA LICENCIATURA, 2007, p. 12).
Dessa forma, a disciplina tem como principal objetivo estabelecer uma relação de integração com os conteúdos específicos do curso de Física e do ensino de física, através de estratégias didáticas diferenciadas, bem como promover a produção de material didático em variados formatos midiáticos em autoria coletiva. Essa proposta pedagógica para a formação do físico-educador possibilita uma experiência a partir da qual o professor harmoniosamente espaços e tempos de aprendizagem, trabalho individual e colaborativo, a produção de textos, sons e imagens, [...] trata-se de aprender de forma intencional, profunda e ética, valorizando os sujeitos Partindo desses pressupostos, no 2º semestre de 2010, os alunos das disciplinas Projetos Integradores II, Projetos Integradores III e Projetos Integradores IV, foram desafiados a assumir uma postura diferente no processo ensino/aprendizagem. A atividade proposta foi a formação de grupos de trabalho para a elaboração de vídeo gravações com experimentos que abordassem conceitos sobre Cinemática, Hidrostática e Fenômenos Eletrostáticos respectivamente. A promoção dessa atividade com os futuros professores de Física possibilitou a experimentação de uma metodologia que observa o processo de construção do conteúdo ou acompanhando a montagem de um experimento que já foi feito, ele tem Os alunos tiveram quatro semanas para: buscar fontes de informação sobre como produzir vídeos; em seguida, fazer uma análise acerca do tema de trabalho; determinar o experimento; elaborar um roteiro e produzir o vídeo gravação. Após as etapas de experimentação direta, na qual buscaram os meios de filmagem, a edição e finalização do vídeo numa produção com autoria, os alunos-autores compartilharam a produção com os colegas em sala de aula para a avaliação do produto. Nessa última etapa, foram feitas sugestões pelo professor e pelos colegas de turma, logo após a exibição das vídeo gravações. O objetivo dessa estratégia didática foi promover o trabalho colaborativo, a autoria e o uso didático das TIC pelo futuro professor de Física. Competências, habilidades 25
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e atitudes a serem desenvolvidas conforme o Projeto Pedagógico do Curso de Física Licenciatura da UFAL (2007, p.13): desenvolver metodologias e materiais didáticos de diferentes naturezas, coerentemente com os objetivos educacionais almejados; aprender de forma autônoma e contínua, mantendo atualizada sua cultura geral, científica e pedagógica, e sua cultura técnica específica; articular ensino e pesquisa na produção e difusão do conhecimento em ensino de física e na sua prática pedagógica; conhecer e absorver novas técnicas, métodos ou uso de instrumentos, seja em medições, seja em análise de dados (teóricos ou experimentais). Segundo Neves (2005, p. 3), a integração das mídias com a produção com centro da ação educacional. As tecnologias facilitam esse processo, modificando o papel do educador e dos ensino/aprendizagem torna-se mais efetivo e a avaliação deixa de ser um produto final, tornando-se um processo formativo, menos traumático e estanque. A produção de vídeos para uso educacional torna-se mais significativa para professores e alunos visto que os envolvidos passam a ter um contato direto com os conteúdos, com os experimentos, com as dificuldades que surgem durante a atividade aluno mais perto da realidade do trabalho de um pesquisador e do próprio debate conceitual da Fí e protótipos didáticos fortalece a formação do aluno de Física, tanto nos aspectos específicos da ciência como na integração de diversas linguagens midiáticas no processo educacional. Silva e Mercado (2009) acreditam que a apropriação de conceitos físicos pelos alunos poderá ser bem mais intenso se a produção do vídeo for feita por eles mesmos, desta forma a produção de material audiovisual, além de se constituir numa atividade motivadora na qual estarão sendo exercitadas as habilidades visuais e de processamento de informação, ou mesmo o poder de síntese textual por conta da objetividade da mensagem, também estará possibilitando ao aluno ser o protagonista na ação educativa tornando-o responsável pelo seu próprio aprendizado e também pelo de seus colegas, que irão assistir ao vídeo por ele produzido (SILVA; MERCADO, 2009, p. 4).
Portanto, essa concepção trabalhada na disciplina Projetos Integradores do curso de Física potencializa as competências e habilidades necessárias ao professor em formação, que encontrará alunos em salas de aula da educação básica, públicas ou privadas, naturalmente familiarizados com as TIC, e desmotivados a aprender física apenas com giz, lousa, livros e apostilas. O trabalho com vídeos produzidos pelos alunos de Física, conforme Silva e tecnologias até mesmo para que os alunos possam, ao fazer acesso à rede, tomar 26
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consciência de que aquele ambiente foi concebido, para proporcionar um aprendizado rico, O processo de produção dos vídeos iniciou-se com a escolha dos experimentos pelos grupos conforme os conteúdos específicos das disciplinas de Física, num trabalho de exploração e experimentação direta. Os roteiros foram elaborados, como também o planejamento, divisão de tarefas, esquema de filmagem e recursos tecnológicos a serem utilizados. Definidos os roteiros, os grupos partiram para o trabalho colaborativo. Nesse momento, foram utilizadas as múltiplas inteligências, a criatividade aflorou nas filmagens, na organização das alocações, no figurino, na trilha sonora. Com a vídeo gravação realizada, partiu-se para a edição das imagens, definição de efeitos e trilha sonora. Pode-se observar nos vídeos apresentados a diversidade de gêneros utilizados: videoaula, telejornalismo, humorístico e documentário. A etapa seguinte foi a apresentação dos vídeos em sala de aula como uma pré-exibição para avaliação do professor e dos outros grupos, na perspectiva de apontar acertos, melhorias e definir os trabalhos a serem expostos. Neste contexto, quatro trabalhos foram apresentados pelos alunos do curso de Física Licenciatura. Todos baseados na produção audiovisual de conteúdos para o ensino de física na educação básica. Os vídeos produzidos expressaram à criatividade, a adaptação, a identificação de oportunidades para o ensino de física na educação básica como também ilustraram a importância da disciplina como elemento integrador dos conteúdos específicos do curso de Física. Os conteúdos abordados pelas vídeo gravações foram cinemática, hidrostática e fenômenos eletrostáticos, com curta duração e de diversos gêneros televisivos que atingem o objetivo de ilustrar o ensino de física na educação básica, aproximando os alunos e professores dos experimentos. As produções demonstraram a importância do estímulo audiovisual para o processo ensino/aprendizagem.
Quadro 1 Disciplina Projetos Integradores 2
Grupo
Conteúdo abordado
Vídeos Produzidos Título do vídeo
Duração
Gênero
G1
Cinemática
TV Tô ligado!
Telejornal
G2
Cinemática
Atomatizando
Humorístico
Projetos Integradores 3
G3
Hidrostática
O fantástico mundo de Fisckman
Documentário
Projetos Integradores 4
G4
Fenômenos Eletrostáticos
Fenômenos Eletrostáticos
Videoaula
Fonte: Os autores
âncoras: um repórter questionando a população pelas ruas sobre Física, e uma entrevista com um físico respondendo às principais dúvidas surgidas nas ruas sobre cinemática. Para concluir, utilizam imagens com fórmulas para uma breve revisão do assunto abordado no telejornal. Com uma proposta mais humorística, o segundo grupo (G2) produziu um programa com apresentação por âncoras irreverentes de conceitos físicos da Cinemática 27
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acompanhada por um fundo musical, explicando os conteúdos de forma bem humorada. O encerramento do vídeo se deu com uma revisão dos conceitos apresentados e a elevação dos créditos aos produtores da vídeo gravação. Numa proposta de documentário, o vídeo produzido pelo terceiro grupo (G3) trouxe questões do cotidiano sobre hidrostática. Por fim, o quarto grupo (G4) produziu uma vídeo aula sobre fenômenos eletrostáticos com cinco cenas de experimentos simples, mas que ilustram bem os conceitos de carga elétrica, eletrização por indução, a visualização da ação dos elétrons na imagem da TV, demonstração da ionização do ar através de um experimento com um capacitor, e uma experiência com a influência do campo magnético sobre as cargas elétricas numa TV de LCD.
3 Análise dos Dados
No sentido de investigar as contribuições e as dificuldades enfrentadas pelos Grupos de Trabalho na atividade proposta, foi aplicado um questionário, ao final do estudo, inquirindo sobre a opinião dos participantes sobre a produção do vídeo, focando três dimensões: a autoria, a apresentação dos vídeos e a metodologia de ensino/aprendizagem utilizada. A partir dos dados obtidos no questionário de opinião, destacaremos os pontos de vista de cada grupo sobre o desenvolvimento da atividade de produção de vídeos no âmbito da autoria, elaboração das videogravações e da metodologia de ensino utilizada.
a) Autoria Percebe-se, a partir da análise dos questionários aplicados com os grupos de alunos que produziram os vídeos, que esses não se reconhecem como autores na atividade, fato detectado nas respostas de três dos quatro grupos acompanhados. Eles acreditam que necessitam de mais empenho e dedicação; têm apenas capacidade criativa de realizar projetos, como podemos constatar a partir das falas abaixo: Não, porém me reconheço como alguém que tem capacidades criativas para dar vida a alguns projetos, etc. (G2) Não. Creio que se considerar autor de uma produção exige muito mais dedicação e empenho, objetivando obter o melhor resultado possível. (G3)
Quando questionados se já tinham vivenciado experiências didáticas de autoria em outras ocasiões, surgem respostas positivas e até mesmo reconhecendo sua autoria na atividade citada, mesmo respondendo negativamente à primeira pergunta. Sim, atualmente no curso de física da UFAL, onde estudo, tive a oportunidade de participar da criação de uma videoaula e uma radionovela ambos promovidos afim de avaliação na disciplina de projetos integradores 2. (G2) Sim, em uma feira de ciência. (G3)
Observa-se que parece ser o autor um ser distante das possibilidades dos alunos. Faz-se necessário intensificar as atividades de formação com autoria na educação básica e no ensino superior, como também sua valorização e reconhecimento, com a valorização da criatividade, da autonomia, e a possibilidade real de integração das TIC com a sala de aula. 28
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b) Elaboração das videogravações Quanto à elaboração das videogravações foram feitas cinco perguntas. A Na maioria dos grupos, a opinião foi de que a produção de vídeos aumentaria o interesse pelas aulas. Eles relatam que apesar das dificuldades, foi bom experimentar e desfrutar da Física nas descobertas com a produção de material audiovisual. Um grupo destacou a sua contribuição para a educação básica: A produção de vídeo pode se tornar uma poderosa ferramenta de ensino na educação básica, já que permite aos envolvidos a assimilação dos conteúdos para posterior difusão através da filmagem. (G3)
No entanto, um grupo achou a experiência diferente e um tanto distante da realidade e dos objetivos deles. Esse fator aparece também nas respostas que situaram as dificuldades para realizar o vídeo. Falta de prática, tanto na parte de cenografia, roteirização, gravação e edição. (G2) Um problema fundamental foi conseguir reunir todo o pessoal, todos nós trabalhamos. E as outras disciplinas exigiam bastante de nós. O roteiro não foi tarefa tão simples, dada as exigências do professor, nenhum de nós tínhamos a habilidade necessária, nem o gosto por escrever roteiros. Outro ponto foi a falta de equipamentos adequados. (G3)
Identifica-se nas respostas uma necessidade de produção de material de alto nível logo na primeira experiência de trabalho, talvez, isso explique o tal distanciamento da realidade citado por um dos grupos. Pode-se verificar também que a prática pedagógica diferenciada exige um maior envolvimento do aluno, que se encontra moldado ainda ao papel de receptor do conhecimento pronto. Há também a dificuldade na realização de uma atividade em grupo, ilustrada nas respostas sobre que fatores influenciaram na qualidade do vídeo. A disposição dos componentes do grupo. (G2) Antes de tudo envolvimento com o projeto. (G3)
O trabalho colaborativo exige comprometimento e dedicação para que todos os envolvidos tenham sua parcela de contribuição no produto final. Portanto, identifica-se a necessidade de motivar e orientar, desde a Educação Básica, o trabalho em grupo com delegação de tarefas, responsabilidades e autoavaliação numa perspectiva de formação. Os alunos foram críticos quanto à qualidade do vídeo produzido. Na sua maioria, os alunos consideraram o resultado entre regular e bom. As repostas demonstraram que não só a inexperiência com equipamentos e softwares influenciou a qualidade no trabalho, mas também a parte teórica de sistematizar o conteúdo a ser produzido e saber utilizar as TIC como ferramentas pedagógicas. Para produzir os vídeos, três grupos utilizaram câmeras fotográficas digitais e um grupo utilizou a filmadora de um aparelho celular. Equipamentos de fácil acesso, atualmente, e com inúmeros recursos audiovisuais e diversos níveis de definição e qualidade de imagem. Contudo, fica implícita, nas respostas dos grupos, a curiosidade de utilizar equipamentos adequados para a produção e edição de vídeos educacionais.
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c) Metodologia de ensino utilizada A metodologia de ensino utilizada foi a produção de vídeo com experimentos de física pelos alunos da disciplina Projetos Integradores do curso de Física Licenciatura da UFAL. Foi considerada pelos grupos uma boa alternativa didática a ser usada na educação básica pelos autores, quanto por outros professores interessados como afirmam Sartori e Ramos (2007) Podem-se esperar diversas vantagens educativas quando o professor passa a trabalhar com a construção do próprio material audiovisual de apoio. Por exemplo, dada a realidade cultural de determinada escola, um vídeo ali desenvolvido por um professor em trabalho pode, além de atender imediatamente suas necessidades, ser difundido e usado por outros colegas, em contextos e condições de trabalho semelhantes. Desta forma, cada escola pode ter disponível uma videoteca virtual que atenda diretamente as necessidades dos planos curriculares adotados por elas e, até mesmo, difundida pela Rede Mundial de Computadores (Internet) (SARTORI; RAMOS, 2007, p. 2).
Nesse sentido, quando questionados sobre as desvantagens identificadas nessa metodologia em relação a outras metodologias de ensino/aprendizagem, os alunos revelaram a preocupação com o desvio do objetivo da atividade e na qualidade da produção com equipamentos adequados, como pode ser observado nas falas abaixo: Um grande risco que se pode ter é o desvio de foco do conteúdo, que se deve aprender. A produção total do trabalho exige muito tempo e estudo de assuntos que nada tem a ver com o ensino de física. Exemplo: o estudo de gêneros de vídeos, história do cinema etc. Conseguir os equipamentos necessários para a produção com qualidade. (G3) Não encontramos desvantagens nesta metodologia, entretanto temos que lembrar que se qualquer metodologia for utilizada de maneira desastrada, ou no mínimo sem responsabilidade, a mesma torna-se inútil. (G2)
Outro fator inovador vivenciado pelos grupos da disciplina Projetos Integradores do curso de Física licenciatura foi a apresentação dos trabalhos no I Encontro Alagoano de Formação de Professores para o Ensino de Física. Para os alunos, mostrou-se uma oportunidade inovadora na vida estudantil, trazendo a oportunidade de mostrar o que se produziu na sala de aula, de conhecer outras experiências e pessoas. Foi uma experiência nova, e que nos trouxe satisfação, já que tivemos a oportunidade de conhecer novas pessoas, isso sem mencionar que aprendemos novos métodos de aprendizado e ensino. (G2) Francamente não queríamos, porém terminou nos dando uma dimensão inovadora, quanto a participação neste encontro, o qual nunca havíamos participado. (G3)
O fato de os alunos terem de construir um vídeo com experimentos de física parece ter-lhes ajudado no desenvolvimento de competências gerais, como sintetizar as ideias principais, pesquisar e selecionar imagens, fazer roteiros e editar vídeos, trabalhar em equipe. Os alunos expressaram a validade da metodologia utilizada nas respostas ao questionário aplicado, mesmo ilustrando as dificuldades, os desafios e as limitações pertinentes dos recursos utilizados.
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Autoria em produção de vídeos: uma experiência com alunos dos projetos integradores do curso de física licenciatura da UFAL
Considerações Finais
Este estudo possibilitou acompanhar o desenvolvimento de uma proposta didática para os Projetos Integradores do curso de Física da UFAL que tomou por base a exploração da autoria dos sujeitos através da produção de conteúdos audiovisuais. Integrar os saberes das disciplinas de formação de professores, com os saberes das disciplinas específicas do curso, não se constitui tarefa fácil aos formadores de professores. Embora a importância de tal integração seja evidente, a materialização de propostas didáticas capazes de favorecê-la representa um dos nós górdios das licenciaturas. Diferentemente do Estágio, que é um momento no qual o aluno vai à escola evidenciar, no plano real, o que na teoria foi discutido, os projetos integrações visam, em princípio, articular as próprias disciplinas dentro do curso de formação de professores. A primeira grande contribuição deste estudo consiste na proposição de uma metodologia a partir da qual a proposta de integração dos saberes do curso pode ser efetivada. O segundo apontamento conclusivo que se pode fazer consiste na afirmativa de que a proposta favorece o desenvolvimento de competências e habilidades para a construção de materiais didáticos em formato audiovisual. A análise das categorias: a) Autoria; b) Elaboração das videogravações; e c) Metodologia de ensino utilizada; ao mesmo tempo em que permitiu avaliar o emprego dessa metodologia, favoreceu o levantamento de contradições importantes e que revelam a distância existente entre os saberes das disciplinas específicas do curso de física licenciatura e os saberes das disciplinas pedagógicas. Nessa direção, aprofundar os estudos a respeito de metodologias capazes de favorecer a integração entre as disciplinas nas licenciaturas é um desafio urgente aos cursos de formação de professores.
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CONCENTRAÇÃO DE NUTRIENTES EM COMPOSTOS ORGÂNICOS INFLUENCIADA PELA ADIÇÃO DE PÓS DE ROCHAS SILICATADAS
Claudivan Costa de Lima* Tâmara Claudia de Araújo Gomes**
Resumo Com o objetivo de avaliar o efeito da adição de pós de rochas silicatadas sobre a concentração de nutrientes em compostos orgânicos, foram obtidos seis compostos a partir dos seguintes materiais: bagaço de cana-de-açúcar (BC), borra proveniente da decantação da vinhaça (BO), esterco de galinha poedeira (EG) e pós de rochas silicatadas (SM), os quais foram mesclados para obtenção dos seguintes tratamentos: C1) BC + BO + 10 kg m -3 de SM; C2) BC + BO + 5 kg m-3 de SM; C3) BC + BO; C4) BC + EG + 10 kg m -3 de SM; C5) BC + EG + 5 kg m-3 de SM; e C6) BC + EG. Decorridas 18 semanas, quando os compostos atingiram a maturidade, foram coletadas amostrados para sua caracterização química. O enriquecimento mineral com pós de rochas silicatadas possibilitou elevação dos teores de nutrientes tanto nos composto a base de borra como nos contendo esterco de galinha. A dose de 10 kg m-3 de pós de rocha silicatada no composto a base de borra elevou os teores de N, P e K em 23, 51 e 21 % respectivamente. O teor de N do composto a base de esterco de galinha aumentou em média 6 %, e elevação de 34 % do teor de P e 12 % no teor de K quando se adicionou mais pós de rocha. Palavras-chave: Esterco de galinha. Bagaço de cana. Qualidade de fertilizante orgânico. Teor de nutrientes
Abstract To evaluate the effect of the addition of powders of silicate rocks on the concentration of nutrients in organic compounds were obtained six compounds from the following materials: sugar cane bagasse (SCB), sludge from the settling of vinasse (SV), poultry manure (PM), and powders of silicate rocks (SR). These materials were mixed to provide the following treatments: C1) SCB + SV + 10 kg m-3 of SR; C2) SCB + SV + 5 kg m -3 of SR; C3) SCB + SV; C4) SCB + PM + 10 kg m-3 of SR; C5) SCB + PM + 5 kg m -3 of SR; e C6) SCB + PM. At the end of 18 weeks the composts were sampled and characterized chemically. The enrichment with powders silicate rocks contributed to increase levels of nutrients in both compost with SV and PM. The dose of 10 kg m-3 of powders silicate rock in the compost containing sludge of vinasse increased the concentrations of N, P and K in 23, 51 and 21% respectively. The N content of compost containing poultry manure increased on average 6%, the content of P increased 34% and K content 12%, when more powder of rocks was added. Keywords: Chicken manure. Sugar cane bagasse. Quality organic fertilizer. Nutrient content
*claudivanc@yahoo.es **tamara@cpatc.embrapa.br
Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 3, jul./dez. 2011
Introdução
O processo de compostagem contribui sobremaneira com a melhoria da qualidade agronômica de materiais orgânicos para fins de fertilização do solo. Entretanto, há grande variação de qualidade do produto final que pode ser decorrente tanto da natureza dos materiais orgânicos empregados, quanto ao manejo dispensado no processo de compostagem. A obtenção de composto orgânico de melhor qualidade pode ser alcançada por meio do enriquecimento mineral do mesmo durante o processo de compostagem (LIMA et. al, 2009). Geralmente, as recomendações técnicas para enriquecimento de composto têm enfocado apenas a minimização da saída de N na forma amoniacal pela adição de fontes de fósforo (TIBAU, 1983; KIEHL, 1985; COSTA, 1985) e sulfato de cálcio (TIBAU, 1983; KIEHL, 1985; PROCHNOW et al, 1995). A adição de fosfatos contribui para formação de compostos estáveis de N como os fosfatos monoamônico e diamônico e a adição de sulfato de cálcio para formação do sulfato de amônio, possibilitando, deste modo, redução das perdas de N das medas e a consequente poluição do ar, bem como a obtenção de composto orgânico com maiores teores de N (KIEHL, 1985). Abordagens associando a elevação da CTC de compostos orgânicos à adição mineral, como a realizada por PEREZ et al. (2005), ainda são escassas na literatura. Outro enfoque foi abordado por LIMA et al. (2005). Estes autores sugerem que a adição de pós de rocha silicatada na montagem das pilhas de compostos contribui para oxidação da matéria orgânica tanto por via biótica como abiótica. A oxidação abiótica da matéria orgânica decorre da ação de agentes oxidantes, como o Ni, Mn e Fe, presentes em pós de rochas de serpentinito e micaxisto, que atuam como catalisadores do processo de oxidação da matéria orgânica. A oxidação biótica ocorre indiretamente pelo favorecimento da atividade microbiológica, a qual acelera a decomposição orgânica, contribuindo para elevação das perdas de C e N durante processo de compostagem. A oxidação da matéria orgânica possibilita, portanto, a redução mais intensa do volume das pilhas de composto, bem como a maior concentração de nutrientes no final do processo de compostagem. Isso reduz a relação volume de composto/teor de nutriente, refletindo sobre a diminuição dos custos de transporte destes para as áreas a serem adubadas. O presente trabalho teve por objetivo avaliar o efeito da adição de pós de rochas silicatadas em resíduos orgânicos provenientes da indústria sulcro-alcooleira, compostados em escala real, sobre a concentração de nutrientes no fertilizante obtido no final do processo.
Material e métodos
Os compostos orgânicos foram montados em planta de compostagem para produção em larga escala, pertencente à Cooperativa Pindorama, município de Coruripe-AL. Resíduos provenientes de Usina de Açúcar e Álcool pertencente à referida cooperativa e esterco de aviários (cama de frango) obtido nas imediações foram compostados em pilhas com seções trapezoidais de 4,5 x 1,8 x 400 m (largura x altura x comprimento) por um 34
Concentração de nutrientes em compostos orgânicos influenciada pela adição de pós de rochas silicatadas
período de 18 semanas. Os tratamentos foram constituídos das misturas. Para o enriquecimento mineral dos compostos utilizaram-se pós de rochas silicatadas (serpentinito + micaxisto), em duas concentrações distintas: 5 e 10 kg m -3, estimadas com base em Lima et al. (2009), as quais foram incorporadas mecanicamente às pilhas de compostagem. Foi realizado revolvimento a cada 2 semanas durante as 10 primeiras semanas a partir da montagem das pilhas, seguindo-se de período de maturação do composto por mais 8 semanas, sem revolvimento. Amostra representativa de cada tratamento foi coletada no final do processo, sendo esta composta de 10 subamostras coletadas ao longo da pilha do composto tal como sugerido por CABAÑAS-VARGAS et. al (2005). Estas amostras foram secas ao ar, peneiradas em malha de 2 mm e submetidas à análise química.
Tabela 1 - Compostos orgânicos formulados com diferentes materiais e adição de pós de rochas silicatadas Composto orgânico C1 C2 C3
Composição
Proporção
Bagaço de cana + borra* + pós de rochas silicatadas (10 kg m -3) -3
Bagaço de cana + borra + pós de rochas silicatadas (5 kg m ) Testemunha A Bagaço de cana + borra
1:2 1:2 1:2
C4
Bagaço de cana + cama de galinha + pós de rochas silicatadas (10 kg m -3)
1:2
C5
Bagaço de cana + cama de galinha + pós de rochas silicatadas (5 kg m -3)
1:2
C6
Testemunha B Bagaço de cana + cama de galinha
1:2
*subproduto resultante da decantação da vinhaça nos tanques de resfriamento.
Foram determinados pH em CaCl2 0,01 mol L-1, condutividade elétrica em água na relação 1:10, teor de cinzas por ignição em mufla a 550 ºC por 1 hora, carbono orgânico total (YEOMANS & BREMNER, 1988), nitrogênio total pelo método Kjeldahl, de acordo com MILLER & KEENEY (1982). Determinaram-se também os teores de P, K, Ca, Mg, Fe e Cu dos compostos, após digestão nitroperclórica (MIYAZAWA et al., 1999), por meio de espectrometria de emissão óptica em plasma induzido (ICP-OES), no Laboratório Espectrometria Molecular e Atômica pertencente ao Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa. Foi realizada a estatística descritiva das medidas obtidas em cada tratamento, as quais foram comparadas em termos percentuais, para todos os parâmetros avaliados.
Resultados e discussão
Os compostos à base de borra apresentaram pH mais ácido comparativamente aos compostos à base de cama de galinha (Tabela 2). A elevação do pH ao longo do processo de compostagem decorre, principalmente, devido à transformação do N orgânico em amônia (NH4+) pela ação das nitrosomonas, e em seguida em NO 2- pela ação predominante das nitrobactérias, o qual se converte rapidamente a nitrato, sendo este o produto final da 35
Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 3, jul./dez. 2011
degradação do N orgânico (SANCHEZ-MONEDERO et al., 2001 e KIEHL, 2002). Ocorre que, quando a amônia (NH4+) é oxidada a NO3-, verifica-se produção líquida de 2H+ e, consequentemente, há abaixamento do pH. Tanto a borra como a cama de galinha apresentam elevados teores de N orgânico, com valores de 3,31 e 2,01 % de N, respectivamente. A ausência de inoculantes, como o esterco de galinha, nos compostos a base de borra deve ter contribuído decisivamente para o abaixamento do pH, conforme observou KIEHL (2002).
Tabela 2 - Composição química de compostos orgânicos obtidos com diferentes materiais e doses de pós de rochas silicatadas Característica
C1
C2
C3
C4
C5
C6
5,75
5,60
5,64
6,79
7,79
5,08
C.E. (mmol cm )
3,62
3,62
3,81
6,54
5,98
5,08
MO (%)
27,49
23,94
26,12
15,09
20,57
18,73
pH -1
Cinzas (%)
72,51
76,06
73,88
84,91
79,43
81,27
C Total (%)
15,27
13,30
14,51
8,39
11,43
10,41
N (%)
1,23
1,05
1,00
1,12
1,14
1,06
Relação C:N
12,41
12,67
14,51
7,50
10,03
9,82
0,78
0,76
1,02
0,97
0,76
1,38
1,17
1,13
1,34
1,24
1,20
2,31
1,53
1,59
2,50
2,29
1,66
P (g kg-1) 1,18 K (g kg-1) 2+
-1
Ca (g kg ) Mg2+ (g kg-1)
0,43
Fe (g kg-1)
0,27
0,17
0,36
0,34
0,29
58,39
44,69
52,03
43,79
55,14
43,07 Cu (mg kg-1)
8042,10
7724,10
3305,80
3274,90
2569,20
7739,40
A condutividade elétrica dos compostos à base de cama de galinha foi superior à observada nos compostos à base de borra. Isso se deve ao fato destes compostos não apresentarem em suas respectivas formulações esterco animal, o qual contribui significativamente com a elevação da CE devido ao alto nível de ionização dos sais presentes nestes materiais, principalmente o cloreto de sódio e o cloreto de potássio (WATSON, 2006). Verificou-se que o enriquecimento mineral com pós de rochas silicatadas possibilitou elevação dos teores de nutrientes tanto nos tratamentos contendo borra como nos contendo esterco de galinha. Esta elevação foi mais pronunciada com a adição da dose de 10 kg m-3 no composto a base de borra (C1). Neste composto os teores de N, P e K foram 23, 51 e 21 % respectivamente, superiores a testemunha A.
36
Concentração de nutrientes em compostos orgânicos influenciada pela adição de pós de rochas silicatadas
O composto a base de esterco de galinha contendo pós de rochas silicatadas apresentou, em média, elevação do teor de N em torno de 6 %, sendo que a dose não influiu nos resultados obtidos. O teor de P do composto com a dose de 10 kg m -3 de pós de rocha (C4) apresentou elevação de 34 % e aumentou de 12 % no teor de K em relação à testemunha B. Em geral, durante o processo de compostagem, verificam-se perdas acentuadas de C orgânico que é desprendido para atmosfera na forma de CO 2. Por essa razão o volume do composto final pode reduzir em até a 1/3 do volume inicial (PEIXOTO, 1984). Esta redução é consequência da decomposição microbiológica da matéria orgânica do composto. A ação dos microrganismos sobre a decomposição e humificação da matéria orgânica resulta, como produto final, em dióxido de carbono, água, substâncias húmicas estabilizadas, sais inorgânicos, além do desprendimento de energia térmica (BIDDLESTONE & GRAY, 1985; HAO et al., 2004). Este fato por si é responsável pelo efeito concentração dos demais componentes minerais, onde se observa, via de regra, maiores teores de nutrientes no produto final, inclusive o N. Entretanto, este elemento, dependendo das condições de manejo do processo de compostagem, pode ser perdido para atmosfera na forma de NH3, deixando o composto orgânico mais pobre neste nutriente. A intensidade das perdas de N depende de vários fatores, dentre os quais se destacam a relação C:N dos materiais a serem compostados, a umidade e a aeração que condicionam o ambiente para desenvolvimento dos microrganismos aeróbicos, a densidade da pilha e o pH da formulação dos compostos (RYNK & RICHARD, 2001; DAY & SHAW, 2001), sendo que tais perdas podem ser mitigadas mediante a manipulação do processo de compostagem. Estes procedimentos técnicos foram seguidos na condução do presente trabalho para que todos os compostos formulados fossem conduzidos em uma mesma condição. As diferenças nos resultados obtidos foram, portanto, atribuídas a oxidação abiótica promovida pelos agentes oxidantes contidos nos pós de rochas de serpentinito e micaxisto. Verificou-se ainda que os compostos que receberam a dose mais elevada de pós de rochas silicatadas apresentaram teores mais elevados de Ca e Mg. Dentre os compostos à base de borra, o teor de Ca e Mg foi 45 e 152 % superior a sua testemunha A (C3), enquanto que o composto a base de esterco de galinha foi de 50 e 24 % superior a sua respectiva testemunha B (C6). Os micronutrientes analisadas pouco diferiram com a adição dos pós de rochas, tendo em vista que se trata de elementos encontrados na matéria prima dos compostos em pequenas quantidades. Apenas o teor de Fe do composto à base de borra foi, em média, 157 % superior ao composto à base de esterco de galinha. Esta diferença se deve a características químicas da borra utilizada na confecção do composto que apresenta elevado teor de Fe.
Conclusão
- O enriquecimento mineral com pós de rochas silicatadas possibilitou elevação dos teores de nutrientes tanto nos composto à base de borra quanto naqueles à base de cama de galinha; - A adição de 10 kg m-3 de pós de rocha silicatada no composto à base de borra elevou os teores de N, P e K em 23, 51 e 21 % respectivamente; 37
Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 3, jul./dez. 2011
- A adição de pós de rocha silicatada, independente da dose empregada, aumentou, em média, 6 % o teor de N e, na adição da maior dose, elevação de 34 % do teor de P e 12 % no teor de K; - O teor de Ca e Mg foi 45 e 152 %, respectivamente, no composto à base de borra que recebeu a adição de 10 kg m-3 de pós de rocha silicatada, enquanto que o composto à base de cama de galinha alcançou teores de 50 e 24 %, respectivamente, superiores ao tratamento sem adição.
Agradecimentos Os autores agradecem a diretoria da Cooperativa de Colonização Agropecuária e Industrial Pindorama Ltda. e a todos os seus cooperados pela disponibilização de materiais, área experimental e da mão de obra necessária para formulação dos compostos orgânicos, bem como pelo custeio das análises laboratoriais realizados nesta pesquisa.
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ECONOMIA E COMPLEXO MILITAR NA PERSPECTIVA MARXIANA
Artur Bispo dos Santos Neto*
Resumo O presente texto tem como ponto de reflexão a peculiaridade do militarismo enquanto complexo parcial enunciador de algumas das categorias decisivas que constituem o modo de produção capitalista. Busca-se apontar as vicissitudes do complexo militar frente ao desenvolvimento do complexo econômico, entendendo seu desenvolvimento como essencialmente contraditório e desigual, ao longo do processo de constituição das sociedades de classes. Por fim, salienta-se como o complexo industrial-militar emerge como uma alternativa circunstancial ao processo de sobrevivência do capital, à proporção que implica na necessidade de expansão e acumulação do capital pela mediação do Estado e representa ameaça permanente de destruição da humanidade pela ampliação de artefatos bélicos alcançados pela expropriação significativa do trabalho assalariado. Palavras-chave: Trabalho. Guerra. Indústria. Capital
Abstract The current text has as reflection point the militarism peculiarity as decisive categories announcer partial complex which constitute the capitalist mode of production. The aim is to point out the vicissitudes of the military complex facing the economic complex development, understanding its development as essentially contradictory and uneven throughout the constitution process of the society of classes. Finally, it enhances how the industrialmilitary complex emerges as one circumstantial alterative to the process of surviving from capital, in the proportion that implies in the necessity of expansion and accumulation of capital by the mediation of State and it represents a permanent destruction threat of humanity by the implication of the bellicose artifact attained by the significant expropriation of the employee work. Keywords: Work. War. Industry. Capital
Mestre em Filosofia; Doutor em Letras arturbisponeto@gmail.com
UFAL
Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 3, jul./dez. 2011
Introdução
A concepção materialista do mundo contrapõe-se diametralmente àquelas concepções que erigem a disjunção entre complexos parciais e totalidade social como esteio de suas perspectivas fetichizadas da realidade. Longe das perturbações refratárias que perpassam as diferentes concepções burguesas de mundo, nosso propósito aqui é salientar a relevância do critério histórico-ontológico na compreensão do complexo militar como um complexo essencialmente articulado aos complexos das classes sociais, da economia, da divisão social do trabalho etc. Esse percurso tem sua démarche fundante na produção teórica de Karl Marx, Georg Lukács e Rosa Luxemburg, visto que os trabalhos desses pensadores permitem desvelar a peculiaridade do complexo militar, enquanto complexo profundamente articulado ao processo de expropriação forçada do excedente da produção. E diferentemente do modo como a tradição filosófica tratou a categoria da totalidade, com Aristóteles e Hegel, Lukács dá um passo significativo, constituindo um verdadeiro tertum datum, porque não se circunscreve a perspectiva lógico-gnosiológica e não estaciona nos limites de seu pensamento anterior, expresso em História e consciência de classe. A totalidade social não emerge como simples preceito axiológico, mas emana da própria relação que o homem estabelece com a natureza mediante seu trabalho. É pela mediação do trabalho que o homem opera um salto decisivo sobre as formas precedentes de ser, tanto inorgânica quanto organicamente, revelando-se como um ser eminentemente social e capaz de produzir e reproduzir sua existência material. É mediante a práxis dos homens que se inscreve a realização do ser social como um complexo de complexo, em que os complexos se desenvolvem em estreita conexão entre sociedade e natureza, indivíduo e sociedade. O trabalho, como intercâmbio orgânico do homem com a natureza, possibilita a constituição da série intermediária dos complexos que vão além do trabalho propriamente dito. Embora seja a categoria fundamental que permite elucidar a totalidade social como uma categoria dinâmica e complexa, composta de numerosos e heterogêneos complexos parciais, o trabalho em si não explica a totalidade da realidade social. A predominância da totalidade social não deve obnubilar a peculiaridade dos complexos parciais, pois eles também interagem e interferem no modo de ser da totalidade social. Cada complexo possui uma relativa dependência ontológica e uma reprodução da totalidade que, neste múltiplo sistema de interações, constitui o momento É importante destacar que, na perspectiva marxiana, a economia é um complexo que está diretamente articulado ao mundo do trabalho. Embora a economia seja uma ciência que somente brote posteriormente na história dos homens, particularmente no contexto do desenvolvimento das ciências particulares que perpassa o cenário ideológico constituído pela burguesia. A economia é um complexo espontâneo como o trabalho, pois está articulada ao fato de que os homens precisam resolver suas necessidades imediatamente postas na cotidianidade, por isso que ele é menos mediado que os complexos postos socialmente para atender às especificidades ideológicas do desenvolvimento e aprimoramento da divisão social do trabalho. 42
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A economia ocupa a condição de momento predominante perante o complexo militar e os demais complexos parciais; no entanto, é preciso entender que existe uma interação dialética entre esse complexo e o complexo militar, o que permite aludir que, na perspectiva marxiana, não existe uma relação hierárquica ou mecanicista entre economia e demais complexos parciais, porque estes interagem mutuamente entre si. A relação dialética estabelecida entre os referidos complexos lança abaixo a perspectiva de que o complexo militar seja um mero efeito do complexo econômico, como postula o marxismo vulgar, e que o complexo econômico seja a única causa motora do complexo militar. O desenvolvimento de ambos os complexos aponta para uma intricada rede de interações que pressupõe uma observação mais atenta do problema.
1 Capitalismo e complexo militar
O desenvolvimento da história da humanidade não é um movimento linear e homogêneo, mas pautado pela presença de movimentos complexos envolvidos de avanços e recuos, continuidade e descontinuidade. Embora os elementos que gestam a sociedade de classes estejam postos nas sociedades precedentes, parece claro que sua emergência representa uma ruptura completa com o modo de vida que pautava o comunismo primitivo, pois desde então a natureza deixa de ser pertencente à comunidade para ser considerada como posse individualizada de uma determinada classe social. No centro dessa passagem está o desenvolvimento dos meios de produção que possibilitam que o trabalho de um homem seja capaz de produzir mais do que o necessário para reprodução de sua existência biológica (LUKÁCS, 1981). A história das sociedades de classes é a penosa história da humanidade na qual o desenvolvimento dos meios de produção e a recorrência aos meios coercitivos caminham de mãos dadas. Para consolidar seu poder sobre as outras classes sociais, as classes dominantes precisam constitui-se uma série de complexos bem mais sofisticados (direito, política, educação, Estado, etc.) que o complexo militar; por sua vez, esses complexos não podem efetivar-se sem a recorrência, permanente ou episódica, do referido complexo coercitivo. O capitalismo inaugura, de um lado, uma nova relação do homem com a natureza mediante o desenvolvimento dos processos científicos e tecnológicos que possibilita o aprimoramento dos meios de produção; do outro, na gênese de sua revolução tecnológica, situa-se a luta de classes entre expropriadores e expropriados, entre capitalistas e camponeses (MARX, 1985b). A acumulação primitiva de capitais é uma das bases fundamentais que permite a passagem da manufatura para a maquinaria. A Revolução Industrial se constitui sobre a contradição entre, de um lado, subversão de todo o processo de produção que permite que a produção social ultrapasse o nível da escassez que permeava as sociedades precedentes; do outro, ela representa a primazia da máquina no processo de produção em que ocorre a subsunção da subjetividade do proletariado, que deixa de ocupar o papel de sujeito fundamental do processo de produção. 43
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Desse modo, os meios deixam de ser uma extensão do proletariado e este passa a ser uma extensão da máquina. A introdução da maquinaria no processo de produção representa demissões dos trabalhadores e intensificação da exploração do trabalho. É indubitável que o desenvolvimento tecnológico propiciou, de um lado, a transformação do processo de produção, mas, do outro, trouxe consigo consequências sociais negativas para a classe operária, isso porque o controle absoluto do capital sobre o trabalho significa o aperfeiçoamento do processo de expropriação do tempo de trabalho do operariado. No centro da Revolução Industrial, impõe-se a luta de classes, em que o capitalista tenta aprimorar os mecanismos de expropriação do tempo de trabalho que o proletariado deve oferecer gratuitamente ao capital. Com ela se passa do processo de mais-valia absoluta para o processo de mais-valia relativa, ou seja, aquela forma de mais-valia engendrada pelo aperfeiçoamento dos meios de produção, em que uma não significa a exclusão da outra (MARX, 1985a). É dessa maneira que o capital consegue recuperar as perdas sofridas diante das concessões oferecidas à classe trabalhadora pela redução da jornada de trabalho. É somente numa perspectiva unitária e totalizadora da história que se superam as idiossincrasias que concebem a técnica como dotada de uma estrutura em si e de uma autonomia absoluta. A técnica e a maquinaria não são entidades metafísicas que existem em si mesmas. Elas são expressão do desenvolvimento do capital como uma nova totalidade social. É tão somente no contexto dessa totalidade social que os complexos parciais podem ser devidamente elucidados. É o mundo material que engendra as condições de possibilidades para que a ciência possa irradiar pelo mundo da economia e das relações sociais1. A predominância do elemento econômico frente aos outros complexos parciais não significa uma anulação dos outros complexos, pelo contrário, existem complexos que são fundamentais no processo de gestação das condições econômicas. É preciso sempre considerar a relação dialética que envolve os diferentes complexos entre si. A Revolução Industrial serve para revelar a relação existente entre o complexo da técnica e o complexo da luta de classes, o complexo econômico e o complexo militar. Escreve Lukács: Exatamente como na própria economia, a técnica é uma parte importante, mas sempre derivada, do desenvolvimento das forças produtivas e, acima de tudo, dos homens (o trabalho) e das relações inter-humanas (divisão do trabalho, estratificação de classe etc.), do mesmo modo, as categorias especificamente militares, como tática e estratégica, não derivam da técnica, mas das mudanças que intervêm nas relações socioeconômicas fundamentais entre os homens (LUKÁCS, 1981, p. 87).
Embora se constituam como esferas distintas, é possível apontar elementos de reciprocidade entre complexo militar e complexo econômico. A interação dialética pode ser verificada no fato de que o complexo militar recorre ao uso de categorias que são próprias do complexo econômico como trabalho assalariado, divisão social do trabalho, liberdade, dinheiro, relações de troca, maquinaria e mercadoria. Para Marx, "as novas formas da produção material desenvolvem-se na guerra antes de se desenvolverem na produção do KORSCH, 2010, p. 6). Observa-se a interposição dialética de elementos militaristas sobre aspectos econômicos, ocorrendo no universo da guerra à emergência de formas mais intensamente evoluídas do que aquelas que permeavam a economia propriamente dita. 1
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Entre as heterogêneas experiências sucedidas nas sociedades precedentes, o complexo militar se constitui como um complexo irradiante de categorias e elementos decisivos que são próprios da sociedade capitalista. O exército romano, por exemplo, apresenta-se como um ordenamento social que permite observar algumas das características imanentes ao modo de produção capitalista. Como assinala Marx: No império romano, por exemplo, no apogeu do seu desenvolvimento, o tributo e as prestações continuavam a ser fundamentais. O sistema monetário propriamente dito só estava completamente desenvolvido no exército. E nunca se introduziu na totalidade do trabalho (MARX, 1983, p. 221).
Certos aspectos da economia capitalista têm sua gênese nas relações engendradas no complexo militar. É o que demonstra Marx numa carta a Engels de 1857: A história de army elucida, com maior evidência que qualquer outra coisa, a exatidão da nossa concepção sobre a relação existente entre as forças produtivas e as condições sociais. A army é, em geral, importante para o desenvolvimento econômico. Por exemplo, entre os antigos o sistema assalariado se desenvolveu completamente, antes de tudo, no exército. Do mesmo modo entre os romanos o pecúlio castrense é a primeira forma jurídica pela qual se reconhece a propriedade mobiliária daqueles que não são pais de família. Do mesmo modo, o regime corporativo nas corporações de ofício. Igualmente, se encontra no exército o primeiro emprego das máquinas em larga escala. Até o valor particular dos metais e seu uso como dinheiro parece que originalmente se baseia... sobre sua importância bélica. Também a divisão do trabalho no interior de um determinado setor se realiza, primeiramente, nos exércitos (MARX apud LUKÁCS, 1981, p. 86).
A superioridade de o complexo militar diante do desenvolvimento das relações que perpassam a esfera econômica encontra sua razão de ser no processo de organização da própria economia escravista. Lukács (1974) ressalta que um dos limites fundamentais do processo de produção na sociedade antiga era a impossibilidade de reconciliação da escravidão com o emprego de máquinas. Como o trabalho era considerado coisa de escravo, não havia nenhum interesse na aplicabilidade dos inventos científicos ao mundo da produção2. Por sua vez, como o exército era uma esfera da totalidade da vida social antiga que não pertencia ao mundo dos escravos, ele podia contar com a aplicabilidade dos inventos da ciência. A atividade bélica geralmente pertencia aos homens livres. Destaca oficiai (LUKÁCS, 1981, p. 87). A exceção encontrada no complexo militar não altera em nada a estrutura da sociedade escravocrata, pois o complexo militar não poderia ocupar papel predominante no desenvolvimento da organização da existência material dos homens, haja vista que ele se circunscrevia à representação do poder coercitivo contra as classes dominadas. O fato de certos fenômenos econômicos poderem se manifestar no complexo militar, de forma mais desenvolvida do que na própria atividade econômica, não representa qualquer afirmação de autonomia absoluta do campo militar sobre as relações de produção, mas serve para ilustrar o caráter essencialmente contraditório dos complexos e como eles podem se manifestar historicamente de maneira desigual. Essa conexão dialética entre complexo econômico e complexo militar é ainda mais acentuada na sociedade capitalista. Primeiro, é fundamental recordar que o capital vem ao mundo pondo em movimento uma nova forma de produção que é eminentemente 45
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cooperada, quer dizer, ele presume a organização e mobilização de um conjunto de trabalhadores para que ocorra a reprodução em escala ampliada. Como um exército, os trabalhadores precisam ser postos em movimento de uma forma combinada e articulada. Assinala Marx: Do mesmo modo que a força de ataque de um esquadrão de cavalaria ou a força de resistência de um regimento de infantaria difere essencialmente da soma das forças de ataque e resistência desenvolvida s individualmente por cada cavaleiro e infante, a soma mecânica das forças de trabalhadores individuais difere da potência social de forças que se desenvolve quando muitas mãos agem simultaneamente na mesma operação indivisa, por exemplo, quando se trata de levantar uma carga, fazer girar uma manivela ou remover um obstáculo. O efeito do trabalho combinado não poderia neste caso ser produzido ao todo pelo trabalho individual ou apenas em períodos de tempo muito mais longo ou somente em ínfima escala. Não se trata aqui apenas do aumento da força produtiva individual por meio da cooperação, mas da criação de uma força produtiva que tem de ser, em si e para si, uma força de massas (MARX, 1985a, p. 259-260).
Da mesma forma que a infantaria consegue transpor a cavalaria, o trabalhador da manufatura ultrapassa o trabalhador isolado da corporação de ofício. A atividade combinada de diferentes trabalhadores entre si supera as idiossincrasias individuais mediante a divisão social do trabalho. O mecanismo específico da manufatura é o trabalhador coletivo, constituído de muitos trabalhadores parciais como se fosse um exército. A mobilização de um determinado quantum de trabalhadores depende da grandeza de capitais que o capitalista consegue mobilizar para comprar força de trabalho e meios de produção. Quanto maior for esse capital maior será o quantum de trabalhadores e, consequentemente, menor será o custo social da produção (MARX, 1985a). O trabalho combinado é extremamente favorável ao capitalista; primeiro, porque 12 trabalhadores simultaneamente dedicados à produção de uma determinada mercadoria produzem, num dia,mais do que um trabalhador em 12 dias, quer dizer, 144 horas de trabalho coletivo é maior do que 144 horas de trabalho individualizado. Segundo, ao fazer doze trabalhadores produzirem num mesmo local de trabalho ocorre uma economia de meios de produção. O trabalho combinado sabe atacar o objeto mais unilateralmente, porque o trabalhador coletivo é dotado do dom da ubiquidade, ele possui olhos e mãos à frente e atrás (MARX, 1985a). O que revela que o todo é maior do que a soma de suas partes. Segundo aspecto de identificação entre capital e complexo militar, subsiste no controle absoluto que o capital exerce sobre o trabalho. O sistema do capital presume a existência de um sistema hierárquico em que, de um lado, põem-se os seus comandantes, e, do outro, os comandados. O ordenamento do sistema de produção presume um decisivo processo de cooperação do trabalho em que se instauram, de um lado, aqueles que assumem tarefas de controle do processo de produção mediante as atividades de vigilância e administração; e do outro, aqueles que compõem a massa do proletariado produtivo que, como soldados rasos, destituídos de grandes habilidades, podem ser substituídos a qualquer momento do processo produtivo. A subordinação técnica do operário ao andamento uniforme do meio de trabalho e a composição peculiar do corpo de trabalho por indivíduos de ambos os sexos e dos diversos níveis etários geram uma disciplina de caserna, qu e evolui para um regime fabril completo, e desenvolve inteiramente o trabalho de
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supervisão, já antes aventado, portanto ao mesmo tempo a divisão dos trabalhadores em trabalhadores manuais e supervisores do trabalho, em soldados rasos da indústria e suboficiais da indústria (MARX, 1985b, p. 44).
O espaço da fábrica mimetiza o cenário interior do mundo militar, sem que haja nenhuma relação de reconhecimento da autoridade fundada no mérito pessoal ou na história de vida de seus oficiais como no interior de um exército. O capitalista deve, enquanto
de produção tornam-se agora tão indispensável quanto às ordens do general no campo de Para fazer valer sua autoridade, será fundamental a constituição de um código fabril que ultrapasse o código de caserna, em que cada falta será compensada por um desconto significativo no salário. A autoridade tradicional do chefe militar ou do feitor de escravos será substituída pelo manual de penalidades do supervisor ou suboficial. Desse modo, a violação da legislação fabril representa uma atividade mais rendosa para o capitalista do que sua própria observância 3. Aqui, nota-se como o desenvolvimento do sistema sociometabólico do capital impõe a constituição de uma série de mediações sociais muito mais complexa do que a simples dominação de classe que advém da força bruta do exército; ao seu lado se impõe a coexistência de uma série de complexos muito mais mediados, como o complexo jurídico, político, educacional etc. No entanto, a existência de todos esses complexos, que revelam a superioridade do processo de sociabilidade da sociedade capitalista frente às sociedades precedentes, não implica que o sistema do capital tenha dispensada a recorrência ao auxílio do complexo bélico, pois a guerra constitui-se como apanágio fundamental ao processo de acumulação e expansão do capital.
2 Guerra e complexo industrial-militar
É sempre pertinente rememorar como a reconfiguração das táticas e estratégia militares, em que as armas de fogo desfrutam primeiro plano, desempenhou papel substancial no processo de acumulação primitiva de capitais. A cavalaria, na luta dos príncipes contra os camponeses na Revolução alemã de 1525, foi substituída imediatamente pela infantaria, pois sem a constituição de novos incrementos bélicos, a superioridade numérica dos camponeses teria dado outro curso ao seu desfecho histórico. A descoberta da pólvora pelos chineses e sua consubstanciação em foguetes, canhões e sabres ganharam, nas mãos dos capitalistas europeus, um papel fundamental na constituição da acumulação primitiva de capitais ou etapa pré-diluviana do capital. A descoberta das terras do ouro e da prata, na América, o extermínio, a escravização e o enfurnamento da população nativa nas minas, o começo da conquista e pilhagem das Índias Orientais, a transformação da África em cercado para a caça comercial às peles negras marcam a aurora da era da produção capitalista. Esses processos idílicos são momentos fundamentais da acumulação primitiva. De imediato segue a guerra comercial das nações europeias, tendo o mundo por palco. Ela é aberta pela sublevação dos Países Baixos contra a Espanha, assume proporção gigantesca na Guerra Antijacobina da Inglaterra e prossegue ainda nas Guerras do Ópio contra a China, etc. (MARX, 1985b, p. 285).
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A violência é o fio condutor de todo o processo de constituição da acumulação de capitais, em que culturas milenares e populações antiguíssimas são varridas do mapa. As barbaridades e as atrozes crueldades das assim chamadas raças cristãs, em todas as regiões do mundo e contra todo povo que pudesse subjugar, não encontram paralelo em nenhuma era da história universal, em nenhuma raça, por mais selvagem e ignorante, por mais despida de piedade e de vergonha que fosse (HOWIT apud MARX, 1985b, p. 286).
asce Entretanto, existem os que teimam em afirmar que o capitalismo é produto de um desenvolvimento natural quando nada existe de natural no capital. A sua essência é completamente social, pois sem apropriação do trabalho e sem expropriação dos povos não existiria capital. ..., nos primórdios do capitalismo europeu, o militarismo desempenhou papel decisivo na conquista do Novo Mundo e dos fornecedores de especiarias das Índias; desempenhou também mais tarde, na conquista das colônias modernas, na destruição das comunidades sociais das sociedades primitivas e na apropriação de seus meios de produção, na imposição violenta do comércio aos países cuja estrutura social constituía um obstáculo à economia mercantil, na proletarização forçada dos nativos e na instituição do trabalho assalariado nas colônias (LUXEMBURG, 1985, p. 311).
O capital é um sistema sociometabólico que apenas pode se reproduzir levando à ruína todas as demais formas econômicas de organização social da produção. Para isso, o complexo militar se constituiu como ferramenta indispensável. A economia do tempo é essencial ao capital 4. O capital tem pressa, por isso toda economia primitiva será destruída impiedosamente. Desse modo, o capital põe abaixo, num curto período de tempo, sistemas de produção milenares. É sempre importante rememorar aquilo que fez o capital, na segunda metade do século XIX, com o que havia restado do modo de produção asiático, especificamente com as economias da Índia 5, China6, Egito7, Turquia, Marrocos etc. É verdade que o desenvolvimento acelerado da economia mercantil do Egito, obtido graças ao auxílio do capital europeu, transformou o país em propriedade desse capital. Assim como na China e mais recentemente em Marrocos, o caso egípcio nos mostra como atrás dos empréstimos internacionais, das ferrovias, das obras de irrigação e de outras obras civilizadoras, o militarismo fica à espreita como executor da acumulação do capital (LUXEMBURG, 1985, p. 300).
A força emerge de forma articulada à potência econômica; através dela, velhas sociedades serão dizimadas, e novos monumentos serão erguidos sobre o sangue de suas vítimas. Através da recorrência aos aparatos sofisticados de corrupção e traição de lideranças e da coerção ostensiva das forças militares, o capital conseguiu garantir novos processos de expropriação do trabalho nas diferentes regiões do mundo, alternando paulatinamente trabalho escravo com trabalho assalariado. Numa perspectiva totalizadora, Lukács (1981) considera que a guerra parece representar um elemento de aceleração (algumas vezes também um freio) do desenvolvimento socioeconômico. Isso ainda é possível de ser assinalado acerca do conjunto das atividades bélicas desenvolvidas anteriormente ao século XX, quando as 48
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guerras ainda desempenhavam papel de reconfiguração da vida social das diferentes nações; particularmente, quando lembramos o que representou a Guerra de Independência dos Estados Unidos e as Guerras napoleônicas, depois da Revolução Francesa 8. No entanto, isso não poderá mais ser afirmado no contexto do século XX, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, pois, com ela, engendrou-se, de um lado, um elevado desenvolvimento do processo de produção, em que a sociedade do pós-guerra pôde desfrutar do universo da informática e da robótica, do aprimoramento das telecomunicações e dos transportes aéreos; do outro lado, tudo isso seria impossível sem o genocídio e o sacrifício de milhões de vidas ao processo de reprodução do capital. Se, de um lado, é possível elencar a existência de aspectos positivos; do outro, não deixa de ser descomunal o nível de ameaça que ela representa para o destino da humanidade. A Segunda Guerra Mundial trouxe à luz do dia o caráter essencialmente destrutivo do capital. A guerra em grande escala revela o caráter paradoxal do capital, pois ela não apenas gera o desenvolvimento e o lucro, mas acima de tudo a destruição e a inumanidade. É este o grande problema do complexo militar-industrial nesse começo de século XXI. Como a humanidade não suporta mais uma guerra em escala planetária, sem pôr em risco a existência de toda humanidade, o expediente de uma Terceira Guerra Mundial não pode se constituir como alternativa para debelar a crise de acumulação e expansão que afeta as esferas da produção, distribuição e consumo do capital desde 1970 (MÉSZÁROS, 2006). Bellum omnium contra omnes é a essência do sistema do capital. A guerra declarada de todos contra todos subsiste em todos os nexos desse sistema sociometabólico. Tanto na gênese do capitalismo quanto na fase imperialista, quer dizer, tanto na fase de acumulação primitiva de capitais quanto na etapa econômica em que o capital precisa ampliar suas áreas de influência para conseguir desencalhar aquilo que foi produzido em grande escala. A guerra subsiste tanto no nível interno da produção, quando o capitalista precisa controlar, como um general, o processo de produção, quanto no nível da circulação, quando o capitalista precisa enfrentar a guerra da concorrência com os outros capitalistas no mercado mundial. Isso não implica de maneira alguma que a guerra seja capaz de explicar a totalidade das relações sociais, muito menos que a guerra se constitua como momento predominante, mas apenas que ela ocupa um papel relevante no processo de desenvolvimento do complexo econômico e na totalidade social. Partindo desse pressuposto é que se pode avançar na consideração da relevância desse complexo parcial. É nessa perspectiva que deve ser entendida a máxima do bellum omnium contra omnes como princípio hedonista que reverbera por todos os poros da sociedade capitalista. A guerra de concorrência marca tanto a existência dos trabalhadores entre si quanto dos próprios capitalistas, em que o exército dos pequenos capitalistas fragmentados é literalmente destruído pelo exército dos grandes capitalistas coesos. Desse modo, a expropriação dos trabalhadores é sempre seguida pela expropriação dos capitalistas entre si. Por sua vez, a concentração e acumulação do capital, de um lado, não podem subsistir sem a concentração e acumulação da miséria, do outro (MARX, 1985b). Paradoxalmente, a liberdade que perpassa o mercado acaba conduzindo à superprodução, por isso que o capital precisa recorrer à destruição de suas próprias unidades produtivas. O (MARX, 2011, p. 345). 49
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A liberdade apregoada como pilar desse sistema sociometabólico não existe sem a intervenção permanente do Estado na perspectiva de resguardar seus interesses no contexto da luta de classes. Assim, a guerra deixa de ser estranha ao dinamismo desse sistema de produção e circulação para se colocar como um de seus apanágios fundamentais. Através da destruição de determinadas cadeias produtivas, o capital busca reorganizar o processo de concentração e reconstituição dos padrões de lucratividade e expropriação da mais-valia. É nesse contexto que se coloca a peculiaridade da emergência do complexo militar-industrial no decorre Estado de Bem-Estar Social. A articulação entre capitalismo de Estado e complexo militarindustrial se configura num formidável casamento que tem como propósito resolver problemas estruturais de produção, distribuição e consumo do sistema do capital. Convém destacar que o Estado capitalista é o principal agente financiador e consumidor do aparato militar-industrial. Ao financiar esse setor da produção, ele consegue fazê-lo diretamente com os recursos públicos captados pela intermediação da expropriação da mais-valia dos operários e camponeses. É preciso destacar que quem paga a conta do militarismo desse peso morto da sociedade de classes é o Estado (LUXEMBURG, 1985). O complexo industrial-militar não é financiado pelos capitalistas, porque, primeiro, eles teriam que sacrificar parte de sua mais-valia destinada à capitalização; segundo, ela deixaria de revitalizar a própria crise de produção e consumo que circunda o sistema do capital no decorrer dos séculos XX e XXI. São os proletários e camponeses que financiam o complexo militar-industrial mediante o altas tarifas alfandegárias, os custos do militarismo são cobertos em grande parte pela A tributação indireta dos operários significa a transferência de uma parte do poder de compra da classe operária para o Estado. Assim, parte da soma de dinheiro obtida pela venda da força de trabalho, adquirida na forma de salário, vai parar nas mãos do Estado. O deslocamento de parte de capitais representa a diminuição do poder de compra dessa classe e a ampliação do poder financeiro do Estado. A extração de parte do valor do salário do proletariado para o complexo militar-industrial representa o subconsumo da massa operária e sua pauperização (LUXEMBURG, 1985), o que representa uma alteração na relação entre capital constante e capital variável. Essa variação implica que o capitalista do setor da produção dos meios de subsistência da classe operária deve diminuir sua produção em detrimento do setor da produção bélica, que deve, por sua vez, ampliar a produção de armamentos e a contratação de novos soldados (LUXEMBURG, 1985). Tal variação serve para revitalizar o processo de rotação do capital. Além disso, é fundamental que o Estado invista no complexo militar industrial, porque, sem ele, torna-se difícil a constituição de novos processos de acumulação e expansão do capital. Ao ser financiado com recursos do Estado capitalista, o complexo militar-industrial deixa de ser uma responsabilidade econômica direta da burguesia e passa a ser um mecanismo de aperfeiçoamento da extração e partilha da maisvalia dos trabalhadores expropriada pelo Estado, dinamizando o capital. Ao mesmo tempo não se deve esquecer que o complexo industrial-militar foi o capitalistas avançadas, mediante o denominado Estado de Bem-Estar Social. O complexo 50
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industrial-militar se constituiu como uma solução eficaz, ainda que transitória, de intervenção dos elementos extraeconômicos sobre o mundo da economia, na medida em conseguiu salvar os capitalistas, apresentando um novo mercado consumidor; do outro lado, tentou resolver o problema de parte do exército industrial de reserva, que no pósguerra conseguiu ser reduzido dos percentuais de 20% para 5%. A produção destrutiva do complexo industrial-militar constitui-se pela alocação significativa de recursos para um setor completamente avesso às necessidades efetiva dos homens como a guerra. A sua contínua expansão revela o caráter perdulário do capital e a ameaça permanente de destruição que acomete a humanidade. Diante do caráter parasitário do capital, investimento no setor especulativo e no complexo militar, nessa etapa do modo de produção e reprodução do capital, é imprescindível ultrapassarmos todas as lutas defensivas para adentrar numa fase histórica de ofensiva do trabalho contra o capital (MÉSZÁROS, 2006). Essa luta ofensiva significa o cessar de todas as lutas que pedem o impossível, ou seja, reformar o sistema do capital.
Conclusão
Diante da barbárie que ameaça a humanidade, existe a possibilidade concreta de constituição do socialismo como verdadeira alternativa ao estado de reificação imposto pelo sistema do capital. Este tem sua gênese na expropriação dos expropriadores, como assinala: O que está agora para ser expropriado já não é trabalhador economicamente autônomo, mas o capitalista que explora muitos trabalhadores. [...]. Lá, tratouse da expropriação da massa do povo por poucos usurpadores, aqui se trata da expropriação de poucos usurpadores pela massa do povo (MARX, 1985b, p. 293-294).
A expropriação dos expropriadores é a negação da negação; quer dizer, é a negação do capitalismo enquanto negação do feudalismo. No entanto, essa etapa constituise somente como gênese duma transformação mais ampla do processo sociometabólico que plasma as relações socioeconômicas. É necessário, portanto, que a ofensiva política do proletariado seja seguida pelo processo de reorganização da produção, tarefa possível de ser realizada apenas pelo trabalho associado. Nele, o preceito de cada um segundo suas (MARX, 1980, p. 72). Com isso, a administração dos homens será superada pela administração das coisas. O que representa uma nova forma de sociedade em que a humanidade não precisará mais gastar seu excedente com o Estado, muito menos com armamentos e financiamento da indústria da guerra, porque finalmente o homem pode afirmar-se como princípio elementar de todo processo de produção e reprodução da riqueza social.
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Notas: 1
e é, ao mesmo tempo, premissa dela, como ocorre em sistema orgânico. E este mesmo sistema orgânico, como totalidade, tem suas próprias premissas, e seu desenvolvimento total consiste cabalmente em submeter a ele todos 2
A depreciação do trabalho produtivo, nesse tempo histórico, é expressão de um sistema socioeconômico fundado no trabalho escravo, em que ainda não é posta necessidade fundamental da recorrência ao sistema de máquinas e engrenagens para desenvolver as forças produtivas. Segundo com a matemática, e esta ficou reduzida a um artesanato aplicado, sobretudo, ao exército. Inclusive no caso de Arquimedes, indica explicitamente Plutarco, que o sábio desprezava a aplicação mecânica, porque nesse caso era 3
A tirania militar do capital sobre o trabalho se manifesta no modo como o capitalista controla a jornada de trabalho do operaria minutos, é punido; caso chegue 10 minutos atrasado, não pode nem entrar até depois do café da manhã e perde ¼ de dia do salário. Ele tem de comer, beber e dormir sob o comando. [...] O sino despótico arranca -o da cama, do desjejum e do almoço. E o que acontece afinal na fábrica? Aí, o fabricante é legislador absoluto. Baixa regulamentos fabris conforme lhe apetece; modifica seu código e lhe faz acréscimos como lhe agrada; ainda que insira a coisa mais extravagante, os tribunais dizem ao trabalhador: Já que os senhores por livre e espontânea vontade aderiram a esse contrato, agora também têm de cumpri4 ima instância a isto: economia de tempo [...]. Portanto, a primeira 5
O modo de produção asiático que perpassava a Índia conseguiu sobreviver a todos os seus conquistaram a Índi a (persas, gregos, citas, árabes, afegãos, mongóis), porque nenhum deles conseguiu alterar as relações de produção, limitando-se as tarefas políticas do governo, da administração e da supervisão militar. Mas a dominação capitalista inglesa trouxe consigo algo totalmente diferente, na medida em que ela afetou de alto abaixo sua estrutura em curto tempo aquilo que milênios não conseguiram, nem mesmo a espada dos Nogai soube fazer: arrasar completamente a organização social da população. O objetivo do capital inglês: apossar-se do solo que constituía, em pouco tempo, surge a grande propriedade fundiária na Índia, enquanto a massa dos camponeses passavam a condição de proletários ou pequenos arrendatários, em seguida completamente arruinados pelo endividamento (LUXEMBUG, 1985, p. 257). 6 De acordo com L mercadorias com o capital europeu, foi inaugurado com a Guerra do Ópio, quando a China foi obrigada a adquirir a droga das plantações indianas, proporcionando lucro ivados. As ruínas fumegantes das cidades maiores e mais antigas, a decadência das plantações em grande extensão da planície da China e a pressão fiscal insuportável para o pagamento das indenizações de guerra acompanhou passo a passo o progresso, o avanço europeu desse comércio. Os quarenta ou mais treaty ports chineses foram conquistados 7
oná-lo, fazendo da submissão do país o resultado das grandes operações do capital no Egito e completando por meio dela a liquidação da economia camponesa pelo capital europeu. [...] É evidente que uma transação como essa, que exigiria normalmente um desenvolvimento histórico secular, só foi possível realizar-se em apenas três décadas graças ao látego egípcio e foi justamente o primitivismo das relações sociais egípcias a incomparável base de 8
Para Karl Korsch, longe de ser uma invenção do fascismo, a guerra em escala internacional é uma condição indispensável para a consolidação do poder político e econômico da sociedade burguesa. E isso se exprime tanto na fase de acumulação primitiva de capital quanto na sua fase de guerras revolucionárias. A própria Revolução Francesa revela o caráter militarista da burguesia quando arrasta consigo toda Europa a uma guerra deliberada (1792ertar todos os povos oprimidos não podia ser concebida e prosseguida senão sob a forma de uma guerra nacional do povo francês contra os países inimigos. Guerra de defesa à pátria, não tardou em transformar-se numa guerra de conquista; a emancipação prometida aos povos oprimidos foi rebaixada a um mero tema de propaganda destinada a facilitar a anexação dos respectivos territórios; e a guerra revolucionária atacou indistintamente todos os países, livres ou não, que não tomavam o partido da república francesa na luta de morte por ela desenvolvida contra as coligações
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Letramento e analfabetismo: reflexões sobre conceituações, índices e desafios
Referências
KORSCH, K. A guerra e a revolução. Disponível em: <http://www.http//guydebord.blogspot.com/.../karl-korsch.> . Acesso em 15/06/2011. LUKÁCS, G. A reprodução. Texto mimeografado, extraído de Per l'ontologia dell'essere sociale, v. II. Roma: Editori Riuniti, 1981. LUKÁCS. G. Estética: la peculiaridad de lo estético: cuestiones preliminares y de principio. Trad. Manuel Sacristán. Barcelona: Grijalbo, 1974. LUXEMBURG, Rosa. Acumulação do capital: contribuição ao estudo econômico do imperialismo. Trad. Marijane Vieira Lisboa e Otto Erich Walter Maas. São Paulo: Nova Cultural, 1985. MARX, K. O capital: crítica da economia política, v. 1. São Paulo: Nova Cultural, 1985a. ______. O capital: crítica da economia política, v. 2. São Paulo: Nova Cultural, 1985b. ______. Grundrisse: lineamentos fundamentales para la crítica de la economia política 1857-1858., v. 1. México: Fondo de Cultura, 1985c. ______. Contribuição à crítica da economia política. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1983. ______. Crítica ao Programa de Gotha. In. MARX, K.; ENGELS, F. Obras escolhidas, v. 2. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. MESZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2006.
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LETRAMENTO E ANALFABETISMO: REFLEXÕES SOBRE CONCEITUAÇÕES, ÍNDICES E DESAFIOS José Adailton C. Freire* Daiane da C. Barbosa**
Resumo O presente trabalho pretende, primeiramente, esclarecer as razões que deram origem ao termo letramento. Considera-se esse fenômeno como a funcionalidade das habilidades de leitura e escrita, especialmente para atender às novas demandas sociais nas quais o sujeito está inserido. Além de esclarecer esse novo vocábulo, o artigo propõe-se iniciar uma discussão sobre a temática, ressaltando a importância do tema para o avanço da educação brasileira. Para finalizar, serão apresentados resultados de algumas pesquisas de instituições científicas que se preocupam em verificar o nível de letramento da população. Embora, de certo modo, essas estatísticas reflitam a condição brasileira de alfabetização e letramento, elas apresentam consideráveis problemáticas. Isso decorre de algumas dificuldades metodológicas que são encontradas e impedem o seguro mapeamento desse tipo de informação. Palavras-chave: Analfabetismo. Letramento. Leitura. Escrita
Abstract This paper aims, at first, distinguishing between the concepts of alphabetizing and literacy. The latter takes into account the functionality of reading and writing skills, especially to meet the new demands of society in which the subject is found. In addition to clarifying this new term, we intend to start a discussion on the matter, stressing the importance of the theme for the advancement of education in Brazil. Finally, we will present some results of researches from scientific institutions which attempt to measure the level of literacy of the population. Although to some extent, these statistics reflect the status of alphabetizing and literacy in Brazil, they have quite problems. This is due to some methodological difficulties that are found and prevent safe accurate information. Keywords: Illiteracy. Literacy. Reading. Writing
*Graduado em Comunicação Social Jornalismo IFAL dal.freire@hotmail.com **Mestranda em Educação Brasileira UFAL newdaday@yahoo.com.br
Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 3, jul./dez. 2011
Introdução
relativamente novo ao centro da discussão acadêmica que esse trabalho foi produzido. Diante dos novos desafios socioeducacionais, em que alfabetizar se tornou insuficiente para promover a inclusão social e a igualdade de oportunidades, percebe-se o surgimento de um termo que tenta suprir a carência educacional: letramento. O presente artigo se propõe iniciar um debate sobre letramento, alfabetização e analfabetismo funcional. Embora se saiba que este trabalho não consegue diluir toda a complexidade do tema, é importante para fomentar uma reflexão sobre o assunto, principalmente porque as temáticas tratadas são alguns dos desafios que a educação brasileira enfrenta na pós-modernidade. Por questões didáticas, dividiu-se o artigo em quatro partes: na primeira, o foco recai sobre as questões de alfabetização, trazendo um breve panorama sobre a evolução do termo e apontando também aspectos do analfabetismo funcional; no segundo, procura-se explicar o surgimento do fenômeno do letramento, abordando seus conceitos e suas dimensões; no terceiro momento, tratar-se-á sobre as dificuldades de medição e avaliação do nível de letramento. O último tópico será encerrado com a apresentação de estatísticas que, até certo orque existem diversas variáveis que tornam a definição de letramento ainda em processo de construção. São observados os dados pesquisados através do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SAEB, que objetiva avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência do ensino e da aprendizagem no Ensino Fundamental; de censos populacionais e levantamentos estatísticos promovidos pelo Governo Federal com a população, por meio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE; e do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional INAF, realizado pelo Instituto Paulo Montenegro em parceria com a Ação Educativa.
1 Analfabetismo: considerações preliminares
O analfabetismo é um problema social ainda presente em todo o país. Durante grande parte da nossa história, apenas uma minoria seleta usufruía dos diretos à leitura e à escrita. As habilidades de ler e escrever sempre estiveram associadas ao poder econômico. Entretanto, com a modernização e as inovações tecnológicas do novo século, ler e escrever tornou-se habilidades não apenas necessárias, mas essenciais a todos os indivíduos, independentemente de classe social. É interessante compreender que analfabetismo não é um problema de responsabilidade, apenas, do sistema escolar brasileiro, mas é, sobretudo, um problema 56
Letramento e analfabetismo: reflexões sobre conceituações, índices e desafios
social, que reflete os desajustes de um país em desenvolvimento. O analfabeto é, antes, conhecimentos, o mínimo aprendido pela aprendizagem oral, que se identifica com a A concepção de analfabetismo passou por transformações ao longo dos anos. Na primeira metade do século XX, uma pessoa era considerada analfabeta ou alfabetizada se soubesse assinar o próprio nome (PAINI et al, 2005). A partir de 1950, sob influência do conceito formulado pela UNESCO (RIBEIRO, 1997), o critério passou a ser a habilidade de ler e escrever um bilhete simples. Isso ocorreu porque as demandas sociais mudaram. Atualmente, assinar ou desenhar o próprio nome não é suficiente para participar das atividades sociais do nosso cotidiano, independentemente da classe social em que o sujeito está inserido. Porém, apesar de a concepção mais aceita sobre analfabeto ser através do critério da UNESCO, há pesquisadores que apresentam alguns questionamentos. A definição da UNESCO não dá conta de explicar como uma pessoa considerada analfabeta que não sabe ler nem escrever um texto simples consegue ler placas de ônibus, identificar informações importantes em supermercados, identificar anúncios, propagandas, receitas médicas, contas de água, luz, telefone, marcas de produtos diversos etc. Será que essas habilidades desenvolvidas no seu cotidiano não lhe permitem certo nível de letramento? Supondo que sim, se esse nível de letramento, ainda que precário, garante o acesso a algumas atividades do mundo letrado, essa pessoa ainda deverá ser considerada analfabeta? Observamos, assim, que a definição formulada pela UNESCO não consegue explicar o fenômeno do analfabetismo nas suas mais variadas formas. Por outro lado, o fato não pode constituí-lo em um sujeito alfabetizado, pois ele ainda depende de um ensino sistemático para a aprendizagem do sistema alfabético, que constitui a base estrutural dos textos escritos. Essas habilidades de identificação de algumas informações de gêneros textuais desenvolveram-se por uma necessidade de sobrevivência e se baseiam em suposições, identificação de formas, figuras, cores etc. Essas inferências, certamente, garantem a sobrevivência em várias situações. Contudo, é uma aprendizagem assistemática, informal e extremamente limitada. Por isso, o analfabeto continua ainda alheio às atividades sócioculturais que ocorrem nas sociedades letradas e não está apto a participar e atuar nessa sociedade de maneira autônoma. Outra consideração sobre o analfabetismo ainda se faz necessária. Na década de 1990, os estudiosos começaram a perceber que muitos dos que tinham frequentado a escola, ou seja, as pessoas consideradas alfabetizadas, não conseguiam utilizar a leitura e a escrita em atividades de seu dia-a-dia. Tal fenômeno ficou popularmente conhecido como analfabetismo funcional. Diante dessa realid conforme o número de séries concluídas no fluxo regular do sistema educacional. Foi 57
Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 3, jul./dez. 2011
considerado analfabeto funcional o indivíduo que possuía menos de quatro anos de escolaridade. Para Magda Soares, Esse critério fundamenta-se no pressuposto de que, atingido certo grau de instrução, o indivíduo terá não só adquirido a tecnologia da escrita, isto é, terá se tornado alfabetizado, mas também terá se apropriado das competências básicas necessárias ao uso das práticas sociais de leitura e escrita, isto é, se tornado letrado (SOARES, 2003, p. 96).
Contrapondo(2002) propõe uma classificação mais precisa para avaliar os níveis de letramento da população letramento1 em nível 1, nível 2 e nível 3. Entretanto, essa classificação apresenta-se problemática, uma vez que o fato de se ter menos de quatro anos de escolaridade não assegura que o indivíduo seja incapaz de utilizar as habilidades de leitura e escrita no seu cotidiano. As atuais demandas sociais apontam que a probabilidade de se usar as habilidades de leitura e escrita aprendidas na escola é consideravelmente alta. Porém, apesar das limitações, Ferraro (2002, p. 32) concorda que esse critério censitário deva ser preservado por se constituir na única informação do estado educacional da população disponível nos censos anteriores a 1940 e por indicar a existência (ainda considerável) do fenômeno do analfabetismo. De modo geral, o analfabetismo ainda é um problema social preocupante em nosso país, uma vez que as exigências do mundo globalizado tornam-se cada vez mais numerosas. É necessária a implantação de políticas públicas que consigam reduzir, eficazmente, esse problema. Políticas que não se constituam em programas esporádicos de alfabetização, mas que tomem como foco principal a formação do leitor frente às demandas sociais de seu cotidiano.
2 Letramento: surgimento, conceitos e dimensões
designar a funcionalidade da alfabetização, já é um fenômeno no qual se pensava há
Aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, Freire não compreendia o processo de alfabetização apenas como um reconhecimento do código ou uma manipulação mecânica da língua, mas defendia justamente a importância desse processo cognitivo para inserir o sujeito no contexto social, dando condições de igualdade e oportunidade a todos. Para isso, torna-se fundamental o
58
Letramento e analfabetismo: reflexões sobre conceituações, índices e desafios
Mas o que seria exatamente letramento? Primeiramente, é interessante observar que o termo letramento surgiu do conceito de alfabetização. Quando esta não dava mais conta das demandas sociais, ou seja, quando se percebeu que alfabetizar, no sentido de conhecer o código linguístico e fazer uso rudimentar deste não era suficiente para inserir o sujeito em sociedade, dando a plenitude de seus direitos, outro termo foi criado com o objetivo de designar a utilização das habilidades de leitura e escrita: letramento. Segundo Magda Soares, letramento é O estado ou a condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de escrita, com diferentes gêneros de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita desempenham na nossa vida. Enfim: letramento é o estado ou a condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 2009, p. 44).
Ao observar melhor esse conceito, compreende-se que o foco do letramento reside num estado/condição social daquele que faz uso da leitura e da escrita. Para isso, é preciso que o indivíduo assuma para si, aproprie-se dessas duas destrezas, visto que elas são exigidas em praticamente todas as atividades sociais. Em uma sociedade grafocêntrica como a do século XXI, faz-se necessário que o sujeito seja capaz de fazer uso efetivo dessas habilidades, para permitir sua inserção/inclusão na comunidade. Uma curiosidade é que enquanto os países desenvolvidos já se preocupavam, há décadas, com os níveis de letramento de sua população, no Brasil e em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, a preocupação ainda era (em alguns casos, ainda é) o índice de alfabetização. Em outras palavras, o Brasil se preocupa em diminuir suas taxas de analfabetismo, enquanto Estados Unidos e países da Europa já se empenham em tratar das questões funcionais, ou seja, dos níveis de letramento. Para promover o letramento, é fundamental a efetivação de, pelo menos, duas ações diretas: promover uma escolarização de qualidade, uniformizando a educação em todo o país; e disponibilizar material de leitura para a população, tanto por meio das próprias escolas, como por bibliotecas públicas. Essas ações poderão promover a utilização das habilidades de leitura e escrita em situações de comunicação, uma vez que o indivíduo letrado não apenas sabe ler e escrever, mas utiliza socialmente essas duas habilidades, atendendo às demandas sociais da comunidade da qual faz parte. É interessante ressaltar essa questão para compreender melhor as dimensões do letramento. Segundo Soares (2009), o letramento possui duas dimensões, sendo uma individual e outra social. Na primeira, o indivíduo adquire a tecnologia da leitura e da escrita, que envolve tanto as habilidades psicológicas como as linguísticas, as quais vão desde a capacidade de decodificar e codificar palavras escritas até a competência de compreender e escrever textos. Ler e escrever envolve uma série de processos complexos, a exemplo dos seguintes: interpretar sequências lógicas de um enunciado e combinar conhecimentos prévios com informações textuais com relação à leitura; registrar unidades de sons e transmitir significados de forma adequada com relação à escrita. em com as habilidades de leitura e escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com 59
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dimensão social se refere à maneira como os sujeitos participam de um conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita. Tanto a dimensão individual como a social englobam dois processos essenciais, porém diferentes: ler e escrever. Tomando como fundamental a apropriação dessas destrezas para o indivíduo passar da condição de iletrado para letrado, verifica-se que não é possível ainda delimitar essa linha divisória de maneira não arbitrária. Essa questão é justamente a maior dificuldade em definir um conceito de letramento que abranja todas as suas peculiaridades. Mesmo não existindo ainda uma definição que abarque toda a complexidade desse termo, é consenso que o letramento é fundamental para o desenvolvimento de uma comunidade, por meio da inclusão dos indivíduos nas relações e práticas sociais de uma sociedade grafocêntrica.
3 Avaliação e medição do letramento
A preocupação com a medição e a avaliação das taxas de alfabetismo no país é um fato bastante recente. Como o maior problema foi, por muito tempo, os altos índices de analfabetismo absoluto, as pesquisas detinham-se, apenas, em classificar, dentre a população brasileira, os alfabetizados e os analfabetos. Contudo, sabe-se que medir o letramento não é uma tarefa fácil, uma vez que o conceito de letramento varia de acordo com o momento histórico e o lugar social em que o fenômeno ocorre. Assim, o conceito de letramento depende das demandas sociais de uma comunidade, num dado momento de sua história. Além disso, o letramento é um fenômeno complexo, refere-se a uma grande variedade de habilidades de leitura e escrita que o indivíduo desenvolve em suas relações e práticas sociais. Não há como propor uma avaliação que consiga abranger o letramento em todas as suas manifestações. Para Magda Soares, [...] qualquer avaliação ou medição desse fenômeno será relativa, dependendo de o quê (quais habilidades de leitura e/ou escrita e/ou práticas sociais de letramento) estiver sendo avaliado ou medido, porque (para quais fins ou propósitos), quando (em que momento) e onde (em que contexto socioeconômico e cultural) se está avaliando ou medindo, e como (de acordo com quais critérios) é feita a avaliação ou a medição (SOARES, 2009, p. 115).
Dessa forma, é preciso considerar todos esses aspectos em que a avaliação ou a medição do letramento se dá, para que se possam compreender melhor os resultados que a partir delas são obtidos. Assim, apesar da complexidade em se construir um instrumento avaliativo preciso para o letramento, é fundamental conhecer e compreender os níveis de letramento de um povo num dado momento da história ou até mesmo nos diversos momentos de sua história. Esses dados, ainda que imprecisos, poderão conduzir a uma melhor percepção da situação do letramento no país, bem como a uma reflexão sobre propostas potenciais para a melhoria desses índices. 60
Letramento e analfabetismo: reflexões sobre conceituações, índices e desafios
4 Níveis de letramento: comentários sobre alguns dados de pesquisas
Existem, pelo menos, três mecanismos para avaliar e medir o letramento no Brasil: os censos populacionais, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; as provas realizadas por órgãos oficiais - SAEB, ENEM -, que avaliam os sistemas educativos; e as pesquisas por amostragem. Cada mecanismo tem objetivos e métodos próprios para avaliar e medir o letramento no lugar e no momento em que aplicam suas avaliações.
a) Censos populacionais: alguns dados do IBGE Os censos populacionais, através do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE -, têm feito pesquisas sobre alfabetização desde o início de sua atuação, em 1872 (FERRARO 2002, p. 26). Porém, apenas no ano de 1950, a concepção de alfabetizado e analfabeto foi consideravelmente alterada, a partir da definição da UNESCO, citada anteriormente. Portanto, é interessante ressaltar que uma análise comparativa que considere os anos anteriores a 1950 deverá mostrar que o critério para definição de alfabetizado e analfabeto era bem diferente. O IBGE utiliza o critério baseado na definição da UNESCO ler e escrever um bilhete simples e o número de anos de estudo. É considerada alfabetizada a pessoa que declare ter essa competência. Observa-se, contudo, que esse método de coleta de dados compromete a precisão dos resultados, uma vez que a condição de analfabeto é carregada de preconceitos e discriminação. A declaração livre e espontânea do indivíduo é afetada por essa condição socioculturalmente marcada. Com o critério de anos de escolaridade, o IBGE estabelece o nível de letramento do indivíduo, que varia do nível um ao nível três, numa escala entre um a oito anos ou mais de estudo. O nível um corresponde àqueles que possuem de um a três anos de estudo; o nível dois refere-se àqueles que possuem entre quatro a sete anos de estudo; e o nível três corresponde àqueles que possuem oito anos ou mais de estudo. Contudo, nesse critério, como no anterior, temos também a dificuldade de depender da declaração de um indivíduo abordado na pesquisa, que, além de responder por si, responde ainda por todos os moradores da casa. É importante mencionar que nos países desenvolvidos não são quatro, mas oito anos de estudo o critério para superar a condição de analfabeto funcional (RIBEIRO, 2002, p. 53). Percebemos, assim, que o país carece de políticas públicas que valorizem e viabilizem uma formação educacional, entendendo que isso é requisito fundamental para o desenvolvimento de um país. Vejamos os seguintes dados, colhidos entre 2002 e 2005, por Pesquisa Nacional de Amostra a Domicílio - PNAD:
61
Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 3, jul./dez. 2011
Tabela 1
Grau de instrução da população brasileira de 15 a 64 anos
% PNAD 2002
% PNAD 2003
% PNAD 2004
% PNAD 2005
9,5
9,2
9,1
8,7
28,4
26,7
25,9
24,9
26,6
26,5
25,8
25,5
25,9
27,4
28,8
29,9
Grau de instrução Sem escolaridade 1ª a 4ª série 5ª a 8ª série Ensino Médio 9,6 10,2 10,5 Superior Fonte: Arquivo INAF- Balanço de cinco anos, em que os autores atribuem esses dados ao IBGE
10,9
Observamos que, entre 2002 e 2005, menos de 10% da população brasileira jovem - classificação dada pelo IBGE - de 15 a 64 anos, possuem nível superior. A maioria da população do país, nessa faixa etária, divide-se entre os níveis correspondentes ao Ensino Fundamental. E quase a terça parte do total declara ter o Ensino Médio. Isso representa um avanço considerável no acesso à educação básica nesse início de século. Fazse, ainda, necessário verificar a questão da qualidade desse ensino. Esses índices revelam um país em que a maioria da população possui níveis básicos na habilidade de leitura e escrita. Tal constatação é preocupante porque a carência de instrução ocasiona e/ou contribui para a carência de outras necessidades, de modo que o desenvolvimento de um país, nessas condições, fica comprometido.
b) Avaliações do sistema educativo brasileiro: alguns dados do SAEB O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica - SAEB -, criado em 1990, objetiva avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência do ensino e da aprendizagem no âmbito do Ensino Fundamental e Médio. Aplicado a cada dois anos, utiliza testes e questionários para analisar o desempenho dos alunos e os fatores associados a esse desempenho, coletando informações sobre alunos, professores, diretores e escolas públicas e privadas em todo o Brasil. Participam da avaliação alunos da 4ª e 8ª séries do ensino fundamental, que fazem provas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências, além de responder a um questionário sobre seus hábitos de estudo e suas características socioculturais. As provas do SAEB, contudo, são elaboradas de acordo com uma matriz de operações mentais desenvolvidas pelos alunos, que se traduzem em certas competências e precisão dos dados no que se refere à competência leitora e escritora em situações cotidianas de uso dessas habilidades. Os dados quantitativos obtidos na prova do SAEB correspondem a escalas de desempenho2 que estão subdivididas nos seguintes estágios: Muito crítico, Crítico, 62
Letramento e analfabetismo: reflexões sobre conceituações, índices e desafios
Intermediário e Adequado. Cada estágio é composto por habilidades que evidenciam o nível atingido pelos alunos, de acordo com a série que está cursando. Vejamos alguns dados do SAEB, para os alunos do Ensino Fundamental, antiga 4ª série, atual 5º ano:
Tabela 2
Nível de proficiência em leitura e escrita 2001 (%)
2003 (%)
Muito crítico
22,2
18,7
Crítico
36,8
36,7
Intermediário
36,2
39,7
Estágio
Adequado
4,9
4,8
Total
100
100
Fonte: Adaptado MEC/INEP/DAEP (2004)
Percebe-se que 39,7% dos alunos da 4ª série - 5º ano - do ensino fundamental estão no estágio intermediário, ou seja, estão começando a desenvolver algumas habilidades de leitura próximas do nível exigido para a série. Porém, quando somamos o percentual de alunos nos níveis crítico e muito crítico, percebemos que mais de 55% dos alunos estão em níveis precários de habilidades de leitura. Tal soma aponta que a maioria dos alunos mal consegue decodificar o que está escrito, não foi alfabetizada adequadamente, decodifica apenas narrativas simples e curtas e localiza informações explícitas. É um resultado alarmante para esse nível de ensino, uma vez que é considerado o grau mínimo de escolarização para que se possa adquirir as habilidades básicas de leitura e escrita. Vejamos, agora, o SAEB aplicado aos alunos da série final do Ensino Fundamental, a antiga 8ª série, atual 9º ano:
63
Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 3, jul./dez. 2011
Tabela 3 - Nível de proficiência em leitura e escrita 2001 (%)
2003 (%)
Muito crítico
1,9
4,3
Crítico
20,1
22
Intermediário
64,8
63,8
Adequado
10,3
9,3
Total
100
100
Estágio
Fonte: Adaptado MEC/INEP/DAEP (2004)
Observa-se que cerca de 60%, ou seja, mais da metade dos estudantes da 8ª série, estão no nível intermediário nas habilidades de leitura, enquanto mais de 20% ainda permanecem entre os níveis crítico e muito crítico. Apenas 10% alcançam o nível adequado de proficiência em leitura. Apesar de termos mais da metade dos alunos no nível intermediário, isso não deve ser tomado como algo aceitável. O nível intermediário corresponde àqueles alunos que estão começando a desenvolver as habilidades de leitura e escrita, mas o nível dessas habilidades não corresponde ao adequado para a série. Ainda assim, esses dados apresentam um diagnóstico melhor do que os dados dos estudantes de 4ª série. Entretanto, mesmo que os consideremos como representativos da população escolar brasileira, o nível intermediário de proficiência em leitura não assegura que os estudantes possam interagir na comunidade letrada em que se inserem. É provável que, se o indivíduo não avançar para o nível adequado, as habilidades de leitura aprendidas possam ser esquecidas devido à falta de uso. Essa probabilidade aumenta ainda mais quando consideramos o fato de que muitos dos estudantes que concluem a 8ª série não ingressam no Ensino Médio.
c) Pesquisas por amostragem: alguns dados do INAF O Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional - INAF - é uma iniciativa de duas organizações não governamentais brasileiras: o Instituto Paulo Montenegro e a Ação Educativa. O INAF orienta-se por uma concepção ampla de alfabetismo, que abarca não só habilidades de leitura, escrita e cálculo numérico, mas também as práticas de leitura, escrita, cálculo e representação numérica dos diversos segmentos sociais, em seus mais variados contextos. O INAF utiliza dois tipos de instrumentos para coleta de dados: testes (de leitura e matemática) e questionários que recolhem informações detalhadas sobre os usos que as pessoas fazem dessas habilidades em diversos contextos, os acervos e equipamentos a que têm acesso, as opiniões que têm sobre suas disposições e capacidades para usar a leitura, a escrita e o cálculo numérico. Esse órgão define quatro níveis de alfabetismo3: Analfabeto, Alfabetismo nível rudimentar, Alfabetismo nível básico, Alfabetismo nível pleno. 64
Letramento e analfabetismo: reflexões sobre conceituações, índices e desafios
Vejamos alguns dados do INAF: Tabela 4 - Inaf/Brasil - Evolução do Indicador de Alfabetismo População de 15 a 64 anos (%) 2001-2002
2002-2003
2003-2004
2004-2005
2007
2009
Analfabeto
12
13
12
11
9
7
Rudimentar
27
26
26
26
25
20
Básico
34
36
37
38
38
46
Pleno
26
25
25
26
28
27
Fonte: Arquivo INAF Brasil 2009. Indicador de Alfabetismo Funcional. Principais resultados.
De modo geral, observamos que a maioria da população brasileira encontra-se entre os níveis rudimentar e básico (66%, em 2009). O número de analfabetos diminuiu cinco pontos percentuais de 2001 a 2009, enquanto que o número de pessoas no nível pleno permaneceu por volta de um quarto da população de jovens do país, número ainda pouco significativo. Esses dados permitem vislumbrar uma sociedade que utiliza a leitura e a escrita em situações básicas de interação verbal, reservando a uma minoria o acesso aos bens culturais da sociedade letrada.
Considerações finais
Observamos, neste trabalho, que os índices de analfabetismo, neste país, ainda são expressivos e que tais índices ainda são insuficientes diante das exigências postas pela vida social. O letramento constitui, assim, habilidade fundamental a ser trabalhada nas escolas para promover a conscientização e a compreensão das contradições sociais que nos cercam. A preocupação com o analfabetismo absoluto ainda se configura como um problema urgente, mas não apenas para que o indivíduo conheça o código linguístico e, assim, possa ler e escrever, como se esse fosse um processo meramente mecânico. É necessário promover um ensino que não se configure apenas na aquisição do código, mas que capacite o sujeito para interagir no contexto das práticas sociais em que ele se insere. Os índices de alfabetismo apontam que a população adquiriu as habilidades de leitura e de escrita em nível básico e que o grau de escolaridade atinge o Ensino Médio. Ou seja, os dados revelam, de modo geral, que as habilidades de leitura e de escrita apresentadas não correspondem ao grau de escolaridade adquirido. Essa constatação aponta deficiência na qualidade do ensino. Dessa forma, é importante refletir sobre a questão da democratização do ensino básico. Isto é, não basta garantir o acesso à educação básica, é necessário garantir a qualidade desse ensino. O ensino básico deve atender às necessidades do indivíduo no acesso aos bens culturais da sociedade letrada, nas oportunidades de emprego e na 65
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continuidade de estudos. Um ensino que garanta ao indivíduo condições de competir numa sociedade dominadora e excludente. Assim, pensamos que a questão do letramento no Brasil envolve também um comprometimento maior com a qualidade da educação. Não se pode permitir que dados estatísticos medianos levem ao comodismo da sociedade civil. É preciso que a preocupação com a qualidade da educação permaneça não pela vergonha de ocupar os últimos lugares nas pesquisas, mas, sobretudo, pela conscientização de que é por meio da educação que se desenvolve um país. É importante mencionar, ainda, que, apesar de o país ainda apresentar índices insuficientes de níveis de letramento, o tema já tem sido discutido por vários estudiosos da área da educação e da linguagem, de modo que já temos alguns encaminhamentos para promoção e ampliação desses níveis. Enquanto educadores, precisamos nos apropriar dessas contribuições teóricas e investir nessa proposta em nossa prática docente.
Notas: 1
aqueles que informaram ter um a três anos de estudo concluídos. De um lado, ele sinaliza a ultrapassagem da barreira que se interpõe entre o analfabetismo na sua forma mais cabal e o que se poderia chamar de mínimo dos mínimos em termos de alfabetização e 38tenham ido além da 7ª série do fundamental. Este segundo atesta a aquisição da capacidade mínima de operação em s -42). O nível 3 de letramento compreende todos aqueles que concluíram a 8ª série ou mais. Ele constitui naquilo que seriam as competências letradas mínimas, estabelecidas (FERRARO, 2002, p. 42). 2
Muito Crítico (0 a 125) Não desenvolveram habilidades de leitura mínimas condizentes com quatro anos de escolarização. Não foram alfabetizados adequadamente. Crítico (125 a 175) Não são leitores competentes, lêem de forma ainda pouco condizente com a série; construíram o entendimento de frases simples. São leitores ainda no nível primário, decodificam apenas a superfície de narrativas simples e curtas, localizando informações explícitas, dentre outras habilidades. Intermediário (175 a 250) Começando a desenvolver as habilidades de leitura mais próximas do nível exigido para a série. Inferem informações explícitas em textos mais longos; identificam a finalidade de um texto informativo; reconhecem o tema de um texto e a idéia principal; e reconhecem os elementos que constroem uma narrativa, tais como o conflito gerador, os personagens e o desfecho do conflito, dentre outras habilidades. Adequado (acima de 250) São leitores com nível de compreensão de textos adequado à série. São leitores com habilidades consolidadas. Estabelecem a relação de causa e conseqüência em textos narrativos mais longos; reconhecem o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação; distinguem efeitos de humor mais sutis; identificam a finalidade de um texto com base em pistas textuais mais elaboradas; depreendem relação de causa e conseqüência implícita no texto, além de outras habilidades (Adaptado do arquivo: Resultados do SAEB. Brasília, DF, 2003-2004). 3
Analfabetismo corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem decodificação de palavras e frases. Alfabetismo nível rudimentar corresponde à capacidade de localizar informações explícitas em textos curtos, um anúncio ou pequena carta. Alfabetismo nível básico corresponde à capacidade de localizar informações em textos um pouco mais extensos, podendo realizar pequenas inferências.
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Letramento e analfabetismo: reflexões sobre conceituações, índices e desafios
Alfabetismo nível pleno corresponde à capacidade de ler textos longos, orientando-se por subtítulos, localizando mais de uma informação, de acordo com condições estabelecidas, relacionando partes de um texto, comparando dois textos, realizando inferências e sínteses (Adaptado do arquivo: INAF BRASIL 2009 Indicador de Alfabetismo Funcional Principais resultados)
Referências
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______. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, V. M. (Org.) Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003.
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ONTOPHC: UMA ABORDAGEM SEMÂNTICA PARA REPRESENTAÇÃO DO CONHECIMENTO APLICADO AO PROGRAMA BRASILEIRO DE SAÚDE NA FAMÍLIA Eduardo Cardoso Moraes* Vinícius Cardoso Garcia** Sílvio Lemos Romeiro Meira***
Resumo Existe uma quantidade considerável de conhecimento sendo criado em novas pesquisas e metodologias relacionadas a problemas na área de atenção primária à saúde e existe uma constante necessidade de atualizar o conhecimento dos profissionais com conhecimentos que permitam enfrentar as diversidades e adversidades do processo de saúde em sua rotina diária. A abordagem semântica com o uso de ontologia é uma proposta para representar o conhecimento. As ontologias tornaram-se uma maneira interessante de compartilhar e reutilizar o conhecimento formalmente representado entre sistemas e são úteis para definir o vocabulário comum utilizando fundamentos matemáticos, em que o conhecimento compartilhado seja representado e entendido por pessoas e processado por computadores. O artigo descreve o desenvolvimento de uma ontologia para representar parte do conhecimento do Brasil na Atenção Primária à Saúde, utilizando-se da experiência do Programa Saúde da Família e detalha o desenvolvimento de um sistema com suporte semântico, para auxiliar aos profissionais como uma fonte de informação, além de conter rotinas para controlar efetivamente suas atividades diárias. Palavras Chave: Ontologias. Programa Saúde da Família. Atenção Primária à Saúde. Web Semântica.
Abstract There is a considerable amount of knowledge being created in new research and methodologies related to problems in the area of primary health care and there is a constant need to update the knowledge of professionals with expertise to deal with diversity and adversity of the health of your routine daily. The semantic approach to the use of an ontology is proposed to represent knowledge. Ontologies have become an interesting way to share and reuse formally represented knowledge among systems and are useful to define the common vocabulary using mathematical foundations, in which shared knowledge is represented and understood by people and processed by computers. The article describes the development of an ontology to represent the knowledge of Brazil in the Primary Health Care, using the experience of the Family Health Program and details the development of a support system with semantic, to help professionals as a source of information, and contain routines to effectively control their daily activities. Keywords: Ontology. Family Health Program. Primary Health Care Semantic Web.
*IFAL eduardo.moraes@ifal.edu.br **UFPE - vcg@cin.ufpe.br ***UFPE silvio@meira.com
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Introdução
Hoje em dia, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico e científico na área da saúde, ainda é um dos maiores desafios proporcionar um sistema de saúde eficiente e equilibrado para todos os cidadãos para os governantes. Encontrar a solução deste problema não é uma tarefa simples devido as raízes em más condições sociais da população. Essas causas tem que ser resolvidas através de ações multi-disciplinares. Também não é novidade que os gestores de saúde que atuam em áreas distantes tem tentado, sem sucesso, atrair e reter os médicos e profissionais de saúde qualificados para fornecer cuidados básicos e avançados à população. Para fornecer um serviço de saúde bem organizado e estruturado, o governo brasileiro está investindo em um modelo preventivo com foco em atenção primária à saúde, para proporcionar melhores condições, menores custos e atender à população onde que os programas tradicionais não conseguem alcançar. Nesse intuito, em 1991, o governo Brasileiro criou a Estratégia Saúde da Família, onde o Programa Saúde da Família(PSF) está inserido e que faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS). Os profissionais de saúde que atuam no PSF precisam ser capazes de atuar conforme a Portaria n. 648, de 28 de Março de 2006, que dispõe e define características do processo de trabalho da Saúde da Família. É responsabilidade dos agentes, manter atualizado o cadastramento das famílias e dos indivíduos e utilizar, de forma sistemática, os dados para a análise da situação de saúde, respeitando, entendendo e valorizando as características demográficas e epidemiológicas do território, organizar e documentar todo o processo de acompanhamento ao paciente, desde o agendamento, a anamnese, a visita, passando pelo diagnóstico e terapia, mas sempre priorizando a solução de problemas de saúde mais simples, evitando, com isso o inchamento e redirecionamento de diversos pacientes para a rede referenciada de saúde. Este processo de garantir atenção primária de qualidade envolve uma vasta gama de informações e processos multidisciplinares que necessitam ser formalizados e automatizados, a fim de melhorar o controle sobre a qualidade da prestação do serviço de saúde e possibilitar indicadores para os gestores nas esferas municipal, estadual e federal, compartilhando dados e seus resultados entre si, para que possam, a partir do conjunto integrado de todos estes resultados, serem capazes de realizar as intervenções e mudanças necessárias com maior grau de acerto.
1 Programa Saúde na Família (PSF)
O modelo de Saúde da Família é entendido como uma estratégia governamental de reorientação do modelo assistencial, operacionalizado mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Essas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes e na manutenção da saúde dessa comunidade (BRASIL, 1993). 70
OntoPHC: uma abordagem semântica para representação do conhecimento aplicado ao Programa Brasileiro de Saúde na Família
A responsabilidade pelo acompanhamento das famílias coloca, para as equipes saúde da família, a necessidade de ultrapassar os limites classicamente definidos para a atenção básica no Brasil, especialmente no contexto do SUS (MS, 2011) e é um dos mais importantes programas da saúde pública nacional, que implementa uma política nacional de atenção básica, com o objetivo de reformular parte do modelo tradicional do modelo assistencial para um modelo preventivo. Como o próprio nome diz, seu foco é nas famílias ao invés de indivíduos. É organizado em torno de equipes multidisciplinares da Saúde formada por um núcleo de profissionais como médicos, enfermeiros, dentistas e assistentes sociais, bem como agentes comunitários de saúde. Essa estratégia governamental é regida, principalmente, pela Portaria nº 648, de 28 de Março de 2006, que tem como objetivos principais: 1.
manter atualizado o cadastramento das famílias e dos indivíduos e utilizar, de forma sistemática, os dados para a análise da situação de saúde considerando as características sociais, econômicas, culturais, demográficas e epidemiológicas do território;
2.
definição precisa do território de atuação, mapeamento e reconhecimento da área adstrita que compreenda o segmento populacional determinado, com atualização contínua;
3.
diagnóstico, programação e implementação das atividades segundo critérios de risco à saúde, priorizando solução dos problemas mais frequentes;
4.
prática do cuidado familiar ampliado, efetivada por meio do conhecimento da estrutura e da funcionalidade das famílias, que visa propor intervenções que influenciem os processos de saúde dos indivíduos, das famílias e da própria comunidade;
5.
trabalho interdisciplinar e em equipe, integrando áreas técnicas e profissionais de diferentes formações;
6.
promoção e desenvolvimento de ações intersetoriais, buscando parcerias e integrando projetos sociais e setores afins, voltados para a promoção da saúde, de acordo com prioridades e sob a coordenação da gestão municipal;
7.
valorização dos diversos saberes e práticas na perspectiva de uma abordagem integral e resolutiva, possibilitando a criação de vínculos de confiança com ética, compromisso e respeito;
8.
promoção e estímulo à participação da comunidade no controle social, no planejamento, na execução e na avaliação das ações;
9.
acompanhamento e avaliação sistemática das ações implementadas, visando à readequação do processo de trabalho.
Nesse trabalho consideramos, com a mesma definição, a atenção primária e a atenção básica à saúde.
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1.2 Ontologias
O termo ontologia originou-se no século XVII e foi utilizado inicialmente na disciplina de metafísica tradicional da "primeira filosofia" de Aristóteles. Nesse contexto, é um ramo da metafísica que se preocupa em identificar, em termos mais gerais, os tipos de coisas que de fato existem e como descrevê-las. A ontologia se tornou muito popular desde meados dos anos noventa, mas, infelizmente, na academia, ainda não há uma definição universalmente aceita. Na computação, a definição de ontologia mais aceita é a de Gruber (1993) que define como uma especificação formal, explícita e compartilhada de uma conceitualização, aqui entendida como uma visão abstrata simplificada do mundo que desejamos representar para algum propósito, por exemplo, fazer inferências, para realizar a classificação automática. O termo é muitas vezes refinado como "ontologia formal". Isto significa que o conteúdo é descrito por meio de lógica matemática. Isso pode dotar os sistemas computacionais com a capacidade de inferência lógica, como também pode apoiar autonomamente a decisão sobre os dados gravados, reutilização e troca de conhecimentos. Podem ser criadas por muitas maneiras, mas podem ser classificadas, segundo Guarino (1998), em três categorias: vocabulários definidos usando linguagens naturais, linguagens que se baseiam em frames e linguagens baseadas em lógica, (por exemplo, lógica descrição) e pode representar desde léxicos simples, com muito pouca ou nenhuma relação entre os conceitos, até ontologias muito expressivas, que englobam um vasto domínio e têm axiomas matematicamente embasados. Com isso, verifica-se que a expressividade da ontologia é limitada pela língua que é usada para sua especificação. Poderíamos citar a evolução das diversas linguagens que descrevem ontologias, mas, como esse não é o foco do artigo, recomendamos ler Fensel (2000), Studer (1998), ou GomezPerez (1994). A capacidade das ontologias capturarem o conhecimento do domínio pode variar muito e a independência de uma aplicação irá definir o tipo de ontologia associada. Esta definição não tem um acordo geral e muitos autores discordam sobre quantos níveis de ontologias existem e sobre o tipo de conhecimento representado. As ontologias, no contexto da Web, proveem um conhecimento compartilhado do domínio, de acordo com Antoniou e van Harmelen (2004). Geralmente, em uma determinada área de conhecimento, diferentes especialistas tem entendimento diferenciado sobre os conceitos envolvidos, o que nos leva a problemas na comunicação, como a ambigüidade. Ao se construir uma ontologia, essas diferenças são explicitadas e busca-se um consenso sobre seu significado e importância, conforme Gruber (1993). Como o conteúdo da ontologia é descrito por meio de lógica matemática, faz acabar a ambiquidade. Um dos grandes benefícios do uso de ontologias é o reuso do conhecimento expresso nelas, para isso, mostraremos um exemplo concreto. Para a construção de nossa aplicação, criamos uma ontologia do domínio.
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2 Metodologia
Uma nova onda de tecnologia é conhecida como a Web Semântica (Berners, 2001), onde as páginas da Web não serão analisadas apenas em termos estruturais, mas semanticamente e, para que a partilha de significado possa ocorrer, é necessário que os dados sejam consensuais e inteligíveis para todos aqueles que compartilham as informações. Não é uma nova web, mas será implementada gradualmente para que a Web do futuro projete ambientes onde as páginas estarão em conformidade com normas aceitas pelos softwares e regras que estão em vigor atualmente. As ontologias são um suporte apropriado para a Web Semântica. Apesar da relevância do esclarecimento semântico no domínio da saúde, mais especialmente na atenção primária à saúde, onde a maioria dos profissionais é recém-formada e sem experiência anterior neste domínio, tendo que entender rapidamente sobre área complexa, multidisciplinar e vasta, com mais de mil de leis, decretos e procedimentos operacionais em manuais impressos e, na sua grande maioria, não possuem nenhum sistema de apoio no trabalho, com controle feito em papel. Verifica-se que neste contexto essa informação não é integrada, nem facilmente acessada.
2.1 Escolha da Ontologia de Topo
Para o desenvolvimento deste trabalho foi criado uma ontologia e, com o intuito de torná-la mais reutilizável, possibilitando a integração com outros sistemas de recuperação de informação e extensiva a outras ontologias, foi necessário se utilizar uma Ontologia de Topo ou Upper Ontology. A definição de Ontologia de Topo dada por Grupo de estudo do IEEE (SUO WG): Uma Ontologia de Topo é limitado a conceitos que são meta, genérico, abstrato e filosófico, e, portanto, são gerais o suficiente para atender (em alto nível) uma ampla gama de áreas de domínio. Conceitos específicos para domínios dado não serão incluídos, no entanto, esta norma irá fornecer uma estrutura e um conjunto de conceitos gerais sobre os quais ontologias de domínio (por exemplo, médica, financeira, engenharia, etc) podem ser construídas.
Após muita discussão e testes com diversas Ontologias de Topo como BFO, Cyc, DOLCE, GFO, PROTON, a ontologia Sowa e SUMO, foram baixadas todas aquelas que eram livres (exceto Cyc) e tentou-se entender suas formulações. Decidimos utilizar a Ontologia de Topo BFO por se adequar melhor à nossa necessidade e por ter um enfoque mais real ao invés de um viés filosófico.
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2.2 Escolha da Engenharia de Ontologias
O processo de desenvolvimento da ontologia refere-se a passos que você deve realizar quando construir o seu modelo, no entanto, não é uma verdade universal, dependendo de seu contexto e devem ser adaptados para atender às particularidades do seu domínio. Para nos auxiliar no desenvolvimento de ontologias existem, hoje, diversas propostas de engenharia de ontologias. Neste trabalho optamos por utilizar a metodologia Methontology (Figura 1) , desenvolvida por um grupo de pesquisa na Universidad Politécnica de Madrid e é baseada em atividades identificadas pelo processo de desenvolvimento de software (IEEE, 1996) e metodologias de engenharia do conhecimento. Figura 1- Etapas de desenvolvimento da metodologia MethOntology
3 Metodologia de criação da Ontologia de domínio
No desenvolvimento da ontologia, que foi chamada de OntoPHC (devido ao termo em inglês Primary Health Care), utilizamos a linguagem Ontology Web Language (OWL), que nasceu a partir da junção entre outras duas linguagens DAML+OIL e incorpora facilidades de ambas para publicar e compartilhar ontologias. Essa linguagem foi proposta para ser utilizada na Web, sendo aceita como padrão pelo World Wide Web Consortium e utilizada pela Web Semântica. 74
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Inicialmente, seguindo a MethOntology, elaboramos um documento com a especificação de forma global de como seria nossa ontologia, sua cobertura, objetivos, granularidade e escopo. Para a elaboração deste documento nossas principais fontes de conhecimento foram os manuais do Ministério da Saúde, as Portarias 1886-1897, o Decreto nº. 3.295/98, a Portaria 648/2006, a Portaria 649/2006, as Normas Operacionais Padrão para o SUS (NOB 96), o website brasileiro sobre atenção primária à saúde (http://dab.saude.gov.br) e entrevistas com profissionais de saúde PSF - do Estado de Alagoas, mais especificamente por uma médica, duas enfermeiras e 8 agentes comunitários de saúde. Houve reuniões preliminares com os peritos de Saúde da Família para o conhecimento geral, a fim de construir uma versão preliminar do documento de especificação de requisitos. Outra fonte foi uma pesquisa para obter os principais conceitos em livros e manuais, em análise de texto informal. Foram feitas entrevistas estruturadas com os mesmos especialistas para analisar e revisar o conhecimento detalhado sobre os conceitos, suas propriedades e seus relacionamentos para avaliar o modelo conceitual, uma vez que a atividade de conceituação foi finalizada. Algumas questões de competência foram criadas. Questões de competência (Fernandez, 1997) são a base para uma caracterização rigorosa do conhecimento que a ontologia tem que cobrir. Tem o objetivo de especificar o problema e demostrar a que provê uma boa solução. Algumas Questões de Competência utilizadas: 1 O que é Atenção Primária à Saúde? 2 Como é composta a Equipe de Saúde do PSF? 3 - Quais são os principais subprogramas do Programa de Saúde da Família? 4 - Como é o procedimento e tratamento para uma pessoa diabética? 5 - Quais são as atividades de rotina principal para o Programa de Saúde da Mulher? 6 Quantas famílias uma equipe de saúde deve cobrir? 7 - Quais são os principais indicadores de avaliação do Programa de Saúde da Família? 8 - Que orientação deve ser oferecida ao planejamento familiar? 9 - Que tipo de orientação a Atenção Primária à Saúde pode incluir? 10-Como são acompanhadas as crianças menores de 1 ano? Após isso entramos na fase da Conceptualização que, segundo a MethOntology, deve organizar o conhecimento coletado na fase anterior utilizando uma representação independente de linguagens de implementação. Como os cuidados de saúde primária não são domínios simples e definidos, abrangendo várias áreas da medicina, fragmentando os cuidados básicos em diversas especialidades, os profissionais de saúde que trabalham nessa área devem ter uma visão ampliada de saúde. Cuidados de Saúde Primários incluem doenças, procedimentos, papéis, medicamentos, conceitos básicos e muito mais e é quase impossível que uma única ontologia englobe todas as áreas. Depois de muitas reuniões com os profissionais, decidimos onde se concentravam suas atribuições, procedimentos e conceitos básicos e importamos, para o banco de dados, a Classificação Internacional Aplicada à Atenção Primária - ICPC-21, que é aceita pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A ideia de associar a OntoPHC com uma classificação de doenças para a atenção primária à saúde foi a de saber, para cada situação, quais as possíveis ações e causas 75
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relacionadas já caracterizadas por outros profissionais de saúde. Com isso juntamos, com base na experiência brasileira no PSF, os papéis, os procedimentos e as relações que influenciam o domínio dos cuidados primários de saúde. O objetivo será o de prover o conhecimento essencial para os profissionais de nível médio como técnicos em enfermagem ou agentes de saúde e outros profissionais iniciantes no Programa de Saúde da Família. Com isso poderemos recuperar rapidamente informações relevantes e inteligentes, permitindo-lhes saber o que fazer e evitando o inchamento e redirecionamento de pacientes para a rede referenciada de saúde, podendo ser tratados localmente. Nosso trabalho destaca que é um novo conceito de saúde não se centra exclusivamente na assistência à doença, mas, especialmente, na melhoria da qualidade de vida e intervém sobre fatores que possam comprometer a incorporação de atividades de forma mais abrangente. Figura 2
Programas incluídos na OntoPHC
Verifica-se que o Programa de Saúde da Família engloba uma vasta série de outros programas e atende as mais diversas faixas etárias. Para tornar mais claro o entendimento, vamos detalhar o Programa Saúde da mulher mais abaixo.
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Figura 3
Conceitos incluídos no Programa de Saúde da Mulher
3.1 Implementação e Avaliação
O OntoPHC foi criado usando OWL-DL (Description Logic) e modeladas com PROTÉGÉ Framework, versão 4.0.1, que permite gerar automaticamente a ontologia OWL código, como mencionado anteriormente. PROTÉGÉ permite criar um número diverso de relações, tipos de objetos e tipos de dados. A avaliação é uma fase importante do processo de desenvolvimento, pois julga as ontologias desenvolvidas. As Ontologias devem ser avaliadas antes de serem usadas ou reutilizadas. Existem dois tipos de avaliação: a técnica, que é realizada por softwares que analisam a complexidade da linguagem; e a avaliação por usuários especialistas, que analisam a qualidade da informação que foi representada. Neste trabalho utilizamos uma técnica híbrida, baseada em softwares que utilizam métricas, porque oferecem uma perspectiva quantitativa da qualidade expressa da ontologia. Esta técnica faz uma varredura através da ontologia por reunir diferentes tipos de 77
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estatística sobre o conhecimento apresentado na ontologia. Foi realizada, também, a avaliação pelos profissionais do domínio. Isso é importante para determinar o nível de coerência, consistência e complexidade. Este tipo de medida não pode ser avaliada por computadores, apenas por especialistas no domínio.
Figura 4- Expressividade da OntoPHC segundo o software Protégé
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A figura representa a avaliação por meio de software e significa que a ontologia contém quantificação existencial limitada, negação complexos, propriedade inversa, interseção, conceito e uso de propriedades tipos de dados. Mostra a expressividade obtida pela OntoPHC no quadro Protégé com motor de inferência Hermit.
4 Implementação do Software
O governo brasileiro tem investido muito nos últimos anos no Programa Saúde da Família que, hoje, contempla mais de 70% da população brasileira. Porém, este crescimento não tem tido o suporte devido ao controle e acompanhamento de resultados. Há pouco tempo o 78
OntoPHC: uma abordagem semântica para representação do conhecimento aplicado ao Programa Brasileiro de Saúde na Família
Ministério da Saúde tem exigido que os municípios enviem dados acerca do Programa e incluam no DATASUS2, mensalmente. A necessidade de aprimorar os serviços prestados à população e de avaliar a ontologia desenvolvida, motivou o desenvolvimento de uma aplicação semântica com o objetivo de permitir que, através de um navegador web, pudéssemos ter acesso ao conhecimento representado. Foi desenvolvido um aplicativo chamado SemanticPHC utilizando a linguagem Python e o framework Django, que utiliza o padrão MVC (Model-View-Controller), que provê uma separação clara entre para manipulação de ontologias OWL por usuários finais. O aplicativo tem recursos como consultar em SPARQL, navegar através de classes e subclasses, gerar propriedades de visualização e gerar gráficos de acordo com consultas. Além disso, incluimos a possibilidade de cadastramento de famílias, cadastramento de atendimentos, vacinas, área de cobertura, atividades culturais, agendamento, entre outras funcionalidades. Figura 5- Arquitetura do software desenvolvido
4.1 Exemplo de funcionalidade semântica
Neste artigo descreveremos apenas um exemplo de uma funcionalidade que utiliza semântica. Por exemplo: imaginemos que determinado profissional não conheça os sintomas associados à doença catapora e o usuário busca pela palavra-chave "catapora". Se o usuário tentasse pesquisar usando o banco de dados relacional comum, essa consulta não iria encontrar resultados, porque o nome formal da doença é varicela. Uma consulta SQL 79
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puro não encontraria nenhum registro com a palavra-chave catapora, mas se aplicarmos semântica, os resultados podem mudar. A consulta semântica expande a consulta para outros termos, pois foi definida na consulta semântica irá incluir um outro termo: varicela como palavra-chave. Depois que o componente semântico consulta o SGBD, utilizando a linguagem SQL tradicional, não buscará por uma, mas duas palavras-chave: catapora e varicela. A consulta acessa a tabela ICPC do SGBD e, para evitar erros, usamos a função UPPER fornecida pela MySQL, que transforma todos os personagens de alguma string para maiúsculas. O sistema encontra resultados para varicela, recupera a classificação CID desta doença e mostra critérios para o diagnóstico da doença correta. Os critérios de diagnóstico vêm do campo definido pela ICPC (disease_criteria) e contém texto com dados relevantes para fazer um diagnóstico correto. Ele explica sintomas e sinais. É importante afirmar que a consulta expandida é uma consulta booleana, por exemplo: "catapora" OU "varicela" e nunca deverá reduzir o desempenho da pesquisa. Depois disso o resultado da consulta é mostrado para o usuário. Figura 6 - Exemplo de uma funcionalidade do Aplicativo SemanticPHC
4.2 Avaliação
Esse sistema encontra-se em fase de aperfeiçoamento sendo, no momento, validado em um projeto piloto por uma equipe multidisciplinar da cidade de Penedo e Junqueiro, no interior de Alagoas. Com este sistema, pode-se controlar atividades diárias dos profissionais de saúde primária e recuperação de conhecimentos específicos da área de saúde primária, utilizando a busca semântica. 80
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A avaliação preliminar foi realizada através de questionários impressos pela equipe multidisciplinar que trabalhou no desenvolvimento da ontologia, o que é uma clara limitação. A avaliação envolveu a análise de 10 profissionais de saúde que atuam efetivamente na atenção primária, obtendo-se o seguinte resultado: Métrica 1- Avaliação da ontologia com acesso aos dados diretamente por meio do software Protégé em que 60% consideraram a ontologia muito útil, 20% útil e 20% pouco útil; Métrica 2- Avaliação da ontologia recuperada pelo sistema SemanticPHC: 80% consideraram muito útil, 20% como pouco útil; Métrica3 - Avaliação das funcionalidades do sistema SemanticPHC de uma forma geral: 80% consideraram muito útil, 20% como útil.
Conclusões e Trabalhos Futuros
Acreditamos que este trabalho contribui cientificamente com a criação de uma ontologia formal baseada em Ontologia Superior BFO, aumentando a interoperabilidade com outras ontologias que representam o domínio de Atenção Primária à Saúde e pode fornecer reutilização de conhecimentos para aplicações futuras. A combinação da Classificação de Doenças Primárias (ICPC-2) com a ontologia desenvolvida amplia as possibilidades de atuação e a resposta do sistema. O desenvolvimento do sistema SemanticPHC é uma iniciativa importante para organizar o processo de atividades desenvolvidas pela equipe de Saúde, aplicar e testar a ontologia e ainda pode ser traduzido para outros domínios com pouca adaptação, uma vez que a ontologia foi desenvolvida usando OWL-DL. Outra contribuição é a distribuição gratuita para a comunidade da ontologia desenvolvida e ser uma fonte de conhecimento compartilhada em Saúde da Atenção Básica, que engloba as funções, atividades, competências e colabora para padronizar a nomenclatura neste domínio. Pretende-se, em trabalhos futuros, ampliar as técnicas de recuperação de informação inteligentes com técnicas como data mining, a aprendizagem e máquina, folksonomy que poderia trazer melhores resultados em buscas semânticas. Outra possibilidade futura é ampliar o escopo de equipamentos que podem se beneficiar dessa solução, tornar este sistema multiplataforma e ubíquo, para que possa ser acessado em diversos equipamentos como celulares, tablets e notebooks. Além disso, deseja-se ampliar a relação de conceitos relativos à medicina, sendo uma maior fonte de informação explícita, auxiliando aos agentes de saúde em suas atividades diárias, além de expandir o controle para processos relativos a medicamentos.
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Notas: 1 2
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PELAS TRILHAS DA HISTÓRIA: MEDICINA HIGIENISTA COMO INDÍCIO DO SURGIMENTO DA PEDAGOGIA HOSPITALAR
Carla Daniela Khon* Myrian S. de Moraes**
Resumo Este trabalho trata dos indícios da Pedagogia Hospitalar no contexto brasileiro. Percebe-se que, desde o final do Brasil Império, já havia uma grande preocupação com a higiene, visto ser ela uma das vertentes para a modernização. A ligação da Medicina Higienista com a educação possibilitou avanços para a nação graças ao trabalho realizado de combate às doenças geradas pela falta de higiene. Assim, este trabalho tem como objetivos apresentar a importância da Medicina Higienista na República, retomando alguns acontecimentos do Império, e identificar o contexto da história do Brasil junto ao primeiro atendimento pedagógico no hospital. A metodologia será uma pesquisa com base em uma revisão de literatura. Alguns resultados foram encontrados. Um deles foi que a Medicina Higienista favoreceu a modernização do Brasil desde a sua Monarquia até chegar à República, auxiliando no processo de urbanização e de civilidade. Palavras-chave: Civilização. França. Medicina Higienista. Pedagogia Hospitalar
Abstract This work deals with the evidence of Pedagogy in the Brazilian Hospital. It is noticed that, since the end of Brazil Empire, had a great concern with hygiene as it is it one of the strands to modernization. The connection with the medical hygienist education possible for the nation advances through the work of combating diseases of poor hygiene. Thus, this study aims to present the importance Medicine Hygienist resuming some events in the Republic of the Empire, and identify the context of Brazil's history with the first medical teaching hospital. The methodology is based on a survey in a literature review and iconographic research. Some results were found. One was that medicine Hygienist favored the modernization of Brazil since its monarchy until the Commonwealth, aiding in the process of urbanization and civilization. Keywords: Civilization. France. Hygienist Medicine. Teaching Hospital
*Doutoranda em Educação UFBA **Mestranda em Educação - UFS
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Introdução
Para realizar este estudo, optamos pelo aprofundamento no período da República remetendo-nos a alguns fatos que tiveram origem no período Imperial - visto ser neste espaço temporal que surge a Pedagogia Hospitalar. A ideia de buscar embasamento na Medicina Higienista se deu pelo fato de ser um tema que trata da saúde e da educação, através de um processo de conscientização populacional para a formação de corpos sadios. O nosso objeto de estudo neste trabalho é a Medicina Higienista. O recorte temporal que escolhemos vai do fim do período imperial até a República, de modo a fazer uma breve explanação sobre a Pedagogia Hospitalar no fim da República. Como metodologia, utilizaremos a pesquisa bibliográfica partindo de uma revisão de literatura. A escolha por esse objeto seu deu pelo fato de ser um assunto que ligava a saúde à educação. Durante as leituras realizadas, pudemos constatar que, nas entrelinhas da Medicina Higienista, havia indícios de um discurso sobre a Pedagogia Hospitalar. Desse modo é que optamos por investigar alguns indícios encontrados. O texto é dividido em três partes. A primeira tem como objetivo apresentar o processo para proclamar a República no Brasil e os seus processos históricos, ajudando a compreender como funcionava o contexto da época dentro dos fatos apresentados no decorrer do trabalho. A segunda parte destaca a Medicina Higienista e o papel de conscientização da escola para o enquadramento dos padrões impostos de civilidade e urbanização. Por fim, a terceira parte trata da importância da França no processo civilizatório do Brasil, identificando alguns aspectos que contribuíram para a modernização do Império e, depois, da República; um desses aspectos influenciadores foi o aparecimento da Pedagogia Hospitalar no Brasil. Na perspectiva da criação de um modelo de corpo saudável pela higienização, é apresentado também outro viés: o do corpo dentro dos moldes de higienização que estava preparado para aprender. Assim é que se instaura, aos poucos, a ideia de higiene como um dos parâmetros do processo de modernização, já no fim do período imperial. A cultura brasileira vai sendo remodelada com a influência de outras culturas vindas da Europa, principalmente da França, as quais trazem alguns modelos de civilidade. Desse modo, o que caracteriza a prática cultural humana é a possibilidade de os indivíduos trocarem experiências nas suas relações sociais, nas suas culturas. Mesmo quando uma sociedade é colonizada por outra como foi o caso do Brasil há uma troca de culturas. Estas circulam e, ao circularem, deixam seus elementos em outros lugares e se apropriam de outros modelos culturais. Diante disso, é possível perceber que a cultura faz parte da história de uma sociedade e que ajuda a entender como esta se constitui. Nesse contexto, nasce a História Cultural que é uma linha recente na pesquisa educacional. Para entender a História Cultural, é necessário pôr em relevo o conceito de cultura. 86
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A ideia de cultura implica a ideia de tradição, de certos tipos de conhecimentos e habilidades legados por uma geração para a seguinte. Como múltiplas tradições podem coexistir facilmente na mesma sociedade laica e religiosa, masculina e feminina, da pena e da espada, e assim por diante trabalhar com a ideia de tradição libera os historiadores . 39). Desse modo, a cultura tem significação ímpar para o processo de entendimento da história de uma sociedade ou de um determinado hábito. Sem a diversidade cultural que existe no mundo, seria impossível realizar estudos peculiares a um determinado objeto em diferentes visões culturais ou em épocas diferenciadas. A multiplicidade de pesquisas realizadas na linha da História Cultural é uma prova de que há cultura e esta se dá, por vezes, de forma insignificante a olhos leigos, mas de muito valor quando existe um olhar apurado de um historiador-pesquisador. Souza (1998), Nascimento (1999), Vidal (2000) e Carvalho (2003) são historiadores que tratam da História Cultural nas suas obras, apresentando a circularidade de culturas e a reformulação de uma nação mediante as influências culturais de cada região. acontecia a interlocução dos intelectuais brasileiros com a cultura alemã e como o racionalismo científico alemão influenciou os intelectuais pernambucanos. Carvalho -se pela análise do discurso veiculado pela Associação Brasileira de Educação, ABE, a fim de investigar como esse discurso se pautou a partir de p civilização: a implantação da escola primária graduada no estado de São Paulo (1890explicitando as mudanças que uma nova modalidade escolar implementada representou para o sistema de ensino paulista e nacional e suas implicações socioculturais no meio urbano. Ao pensarmos num tema que envolvesse a História Cultural, imaginamos que poderia ter uma diversidade de assuntos para trabalhar, visto ser uma temática que abrange um leque de possibilidades. Um ponto, todavia, chamou a nossa atenção, pelo fato de a cultura ser constituída por hábitos e costumes cotidianos que regem a sociedade numa determinada época. Significa dizer, então, que faz parte da cultura todas as práticas que fazem o ser humano ser, sentir e agir. das quais uma sociedade ou um indivíduo vivem e refletem sobre sua relação com o eiras (2010, p.18) a cultura se
De fato, cada região é impregnada por uma cultura que lhe é própria. Isso acontece com a culinária, as danças, os ritmos, o modo de portar-se, a arquitetura, entre outros aspectos que compõem o perfil cultural. Este que tem uma origem significativa nos primórdios e que é passado de geração a geração. Para que hoje possa se conhecer a fundo uma determinada cultura, porém, é necessário buscar na história a história da cultura. A história, por sua vez, tem o seu papel de transmissão da cultura através da descrição e narração dos fatos acontecidos. Chartier (2009) ainda acrescenta que a história é 87
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feita por fragmentos com base nas investigações eruditas e se aproximando dos usos e costumes humanos. Desse modo, Lopes e Galvão (2001, p. 39) compreendem que a Nova utilizados Pensamos que os usos e costumes humanos são também componentes da educação pelo fato de as primeiras práticas educativas de aquisição de costumes serem dadas no seio familiar onde a criança, ainda pequena, começa a aprender as primeiras lições da vida. A educação, nesse sentido, é responsável pelo conjunto de práticas que possibilitam a transmissão da cultura. É fato que a cultura é mutável, sofrendo influência de outras regiões. Influências tais que estão conectadas à postura política e econômica de uma determinada localidade. Assim como em outras localidades, o Brasil que foi Colônia, Império e República em cada processo histórico teve seus hábitos e sua educação transformados pelo contexto de cada época. Com o propósito de tratarmos neste trabalho sobre algumas facetas do período republicano, apresentaremos o contexto histórico da República, referindo algumas explicações ao período imperial, quando se iniciaram alguns projetos desenvolvidos na República.
1 A República no Brasil: aspectos históricos
Após 66 anos de império, em 1889 é constituída a República no Brasil. A ideia de instituir a República se dava pelo fato de o Império não mais acompanhar os avanços econômicos, políticos e sociais que a nação almejava. A substituição da mão de obra escrava com as leis que foram instituídas em favor dos escravos, como a Lei do Ventre Livre e a Lei Áurea, apresentava o contexto social de liberdade dos escravos com o déficit de mão de obra para os trabalhos realizados por eles. Quanto à visão econômica, encontrava-se, à época, o café como carro chefe da economia no final do Império. No entanto, as inovações tecnológicas para a produção desse produto ficavam, cada vez mais, especializadas, o que se contrapunha às velhas ideias de modernização que o Império ainda defendia. Tudo isso gerava choques de interesse entre os café. inenses e do Vale do Paraíba, presos às velhas e arcaicas formas de produção escravista, a nova aristocracia paulista introduziu o trabalho assalariado em suas fazendas, substituindo a mão de obra escrava. As divergências políticas incompatibilizavam as duas elites cafeeiras, pois, poder, a aristocracia paulista aspirava ao comando político, já que São Paulo sustentava, em grande parte, a economia do país. 88
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'Brasil é café. Café é São Paulo. Logo, São Paulo é Brasil', pensava-se, e esse pensamento justificava as pretensões políticas dos paulistas. Para os aristocratas de São Paulo o governo central tinha de atender às necessidades da lavoura cafeeira em expansão, incrementar a imigração, acabar com a escravidão e financiar alguns empreendimentos paulistas como a construção de ferrovias etc. Não era apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro que as novas ideias e fórmulas modernizantes se contrapunham às velhas; isso ocorria em todo o país. Nas zonas canavieiras, por exemplo, tornavam-se cada vez mais sensíveis as diferenças entre os modernos usineiros, responsáveis pela modernização no fabrico do açúcar, e os velhos senhores de engenho, que, empobrecidos, não tinham condições de modernizar a produção (SILVA, 1992, p. 176). Desde 1817, já havia indícios da luta pela Proclamação da República com a Inconfidência Mineira, Conjuração Bahiana, Revolução Pernambucana, Confederação do Equador, Sabinada, Guerra dos Farrapos e a Revolução Praieira. Todavia, é somente em 1870 que o movimento para tornar o Brasil uma República vem a ser efetivado através da criação do Partido Republicano. Com os ideais de um partido que rompia com as tradições monarquistas, os republicanos se dividiam em duas correntes: a evolucionista e a revolucionária. A primeira defendia as eleições livres como um meio de desgastar e, assim, fazer cair o regime monárquico; já a segunda lutava por uma revolução popular para implantar o regime republicano. A Proclamação da República, contudo, aconteceu diferente dessas duas formas: sem lutas e sem a participação do povo (SILVA, 1992). A República durou até 1929 e teve como presidentes até esse período Marechal Manuel Deodoro da Fonseca (1891), Floriano Peixoto (1891-1894), Prudente de Morais (1894-1898), Campos Sales (1898-1902), Rodrigues Alves (1902-1906), Afonso Pena (1906-1909), Nilo Peçanha (1909-1910), Hermes da Fonseca (1910-1914), Venceslau Braz (1914-1918), Epitácio Pessoa (1919-1922), Artur Bernardes (1922-1926) e Washington Luís (1926-1930). A presidência de Rodrigues Alves destaca o processo de modernização e saneamento no Brasil. Silva (1992) aponta o Rio de Janeiro como o Estado modelo de todo esse processo, visto que o país encontrava-se equilibrado financeiramente graças ao crédito internacional do governo de Campos Sales. O equilíbrio financeiro foi o motivo de novos empréstimos para a construção de obras públicas: portos, estrada de ferro, ferrovias, remodelação arquitetônica de algumas faculdades, entre outras obras realizadas no país. A cidade do Rio de Janeiro foi a principal obra, uma vez que estava totalmente fora dos padrões de modernização que a Medicina Higienista propunha: Com o auxílio do prefeito Pereira Passos, o presidente modernizou a capital federal, até então cheia de becos e vielas sujos e estreitos e em cujas ruas proliferavam o lixo e a sujeira. O lixo acumulado e apodrecido no porto e nas ruelas malcheirosas era foco de ratos e mosquitos transmissores de doenças então fatais, como, por exemplo, a peste bubônica, a febre amarela e a varíola, que matavam anualmente milhares de pessoas. 89
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O alargamento e a abertura de ruas, praças e avenidas, o saneamento da Lagoa Rodrigo de Freitas, a remoção dos cemitérios da região central para a periferia, a melhoria no abastecimento de águas, a construção de um cais para impedir que as praias fossem invadidas pelos mangues, o surgimento de novos bairros como Copacabana, a proibição de mendigos e bandos de vacas de perambularem pelas ruas da cidade para não sujarem os logradouros públicos, a melhoria do serviço de limpeza pública, a extinção de cães vadios etc. foram algumas das obras que transformaram a cidade do Rio de Janeiro numa atração internacional (SILVA, 1992, p. 211-212). Nesse mesmo governo, Osvaldo Cruz - diretor da saúde pública e responsável pelo saneamento da cidade - criou medidas para evitar a sujeira e os animais que circulavam pela cidade e transmitiam doenças. Junto com a iniciativa de sanear e urbanizar a República, Osvaldo Cruz institui a vacinação obrigatória contra a varíola. A vacinação obrigatória causou ainda mais descontentamento entre as classes mais baixas visto que, depois da urbanização do Rio, as elites tinham casas luxuosas, e os que moravam nos cortiços e casebres destruídos para a construção das obras suntuosas não tinham nem onde morar. Esta foi a causa de resistência e negação para tomar a vacina, resultando na Revolta da Vacina, que aconteceu em 1904 e teve como consequência muitos mortos, presos e deportados pela vitória das tropas do presidente. Nessa perspectiva, pode-se evidenciar a importância da urbanização e saneamento no Brasil de modo que contribuiu para a diminuição de doenças e, consequentemente, de mortes; possibilitou o desenvolvimento da República, tornando-se um atrativo internacional. Como sempre há um câmbio de culturas entre diversas regiões, pode-se constatar que a ideia da modernização e do saneamento desde o período imperial fez parte da influência europeia que já havia realizado esse mesmo projeto com os países de lá. É também no Rio de Janeiro, durante o final do Império, que Oliveira (2010) o período citado. Nessa época, a higiene já era apresentada como uma prática a ser seguida por todos, independentemente de suas classes sociais. Nessa perspectiva, ensinava-se ao povo como cuidar da higiene da casa e da higiene pessoal de forma didática, aproximando o hábito da higiene com os cinco sentidos. É válido perceber que o uso de objetos da cultura material para explicar o procedimento de limpeza nos cômodos da casa, com os utensílios da cozinha e os alimentos preparados, assim como a arrumação da casa no sentido de mantê-la sempre arejada, evitava a disseminação de doenças e possibilitava cheiros agradáveis. Era necessário educar o tato para não tocar em coisas contaminadas; refinar o paladar para selecionar o alimento puro; aguçar o olfato para não ter contato com os cheiros podres, enfim, era urgente sanear as sensibilidades. Os seres microcorpulares, a invasão dos infinitamente pequenos, a contaminação da pele, tudo contribui para mudar a relação do sujeito com o seu próprio corpo e o banho é uma dessas mudanças cotidianas, pois é visto pelos higienistas como uma prática que diminui de 90
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maneira acentuada o número de micróbios na pele. Mediante muitas instituições e práticas, a concepção do corpo limpo pela água é aprendida e interiorizada, torna-se quase natural (OLIVEIRA, 2010, p. 40).
2 A Medicina Higienista: traços da civilização na República
Diante da circularidade cultural, foi possível a influência da Europa na jovem nação que tinha por volta de 400 anos de descoberta. Dessa maneira, muitos traços culturais europeus, começaram a circular nas terras do Brasil. Para Nascimento (1999), um dos motivos da circulação europeia no Estado Brasileiro foi a substituição de mão de obra escrava com o objetivo de diminuir a influência negra nos aspectos político e social. Foi assim que, no fim do período imperial, houve um grande desejo de civilizar a nação, inserindo novos moldes nacionais típicos da França, Inglaterra e Alemanha: os três países que influenciaram a cultura brasileira de modo significativo. O Romantismo influiu diretamente no comportamento e nos hábitos familiares, à medida que os projetos hegemônicos, que durante todo aquele século foram sustentados pela Inglaterra, pela França e pela Alemanha, fizeram com que o intenso comércio entre o Brasil e essas nações levasse o estabelecimento de símbolos claros de seu status social do período. Assim, o piano inglês se consolidou nas primeiras décadas do século passado como um importante elemento de demonstração da importância social do seu proprietário, da mesma maneira que os jantares elegantes de então, nos quais era recomendável servir-se o presunto inglês da marca York. Era hábito das famílias mais ricas fazerem viagens de férias à Europa, viajando em navios a vapor de passageiros, cujas linhas eram mantidas inicialmente por companhias inglesas e consultar-se com médicos franceses (NASCIMENTO, 1999, p. 63). É visível a presença cultural e intelectual dos países citados de modo a influenciar a educação, a arquitetura, o investimento econômico, entre outros setores, desenvolvendo padrões civilizatórios nos indivíduos. A criação dos bancos do Brasil, Rural e Hipotecário, a inauguração da primeira linha telégrafa do Rio de Janeiro, assim como estradas de ferro que começavam a funcionar na metade do século XIX foram indícios do processo de urbanização ainda no período imperial. A necessidade de implantar a higiene no processo de modernidade do Estado Nacional devia-se ao fato de evitar a transmissão de doenças causadas pela sujeira, com o asseio do espaço físico onde se habitava e com os arredores da cidade limpos. A falta de higiene era visível em todas as classes sociais, no entanto, os mais pobres chamavam mais atenção pela ausência de limpeza, visto as instalações precárias onde moravam. Da mesma maneira que alheia ao discurso acerca da modernidade estava a imensa massa de pobres que residia não apenas nas grandes cidades, mas também em todo o interior do Brasil. A maior parte de uma população que não tinha acesso à moradia digna, vivendo em condições sub-humanas e sem a mínima possibilidade de hábitos de higiene e 91
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hábitos alimentares adequados. Muitas dessas pessoas integrantes do enorme exército de mendigos que se espalhava por todo o país. (NASCIMENTO, 1999, p. 61). A realidade em São Paulo não era diferente. No período de transição do Brasil Império para o Brasil República, Rosa Fátima de Souza traz o seu estudo acerca dos grupos escolares, apresentando o contexto no qual se encontravam as condições de higiene relacionada com a educação. Quanto ao grupo escolar de Ribeirão Preto, a autora constatou: O interior era insalubre. As epidemias de doenças infectocontagiosas febre amarela, tifo, tuberculose grassaram na capital e vários municípios do interior nessa época, retrato da pobreza e miséria gerada pela opulência do café. As ruas de Rio Claro não eram calçadas em 1896, a luz elétrica era deficiente, a rede de água encanada estava em construção desde o ano interior e não havia rede de esgoto. Por toda parte assombrava o perigo de doenças e infecções. A escola, espaço de encontro coletivo, vivia ameaçada, sendo comum o fechamento por algumas semanas e, às vezes, meses, em virtude do aparecimento de algum tipo de doença entre os alunos ou nas proximidades da mesma. Em São Simão e Ribeirão Preto ocorreram os últimos surtos de epidemia de febre amarela no Estado de São Paulo, por volta de 1903- 1904 (SOUZA, 1998, p. 97). Na Província de Sergipe, a realidade da pobreza não era diferente no século XIX: muitos alunos eram considerados pobres e não tinham condições de ir calçados ou com a camisa utilizada para a escola. O presidente Manuel Ribeiro, não conhecendo a situação econômica, ordenou aos professores que somente permitissem os alunos frequentarem as aulas, com decência, asseados e alinhados (NUNES, 2008). A falta de higiene que, desde o início da colonização, foi constituída como um hábito entrou em choque com as inovações de costumes que assolavam o período imperial. É certo que, para o início de um período moderno com a estada da família real no Brasil, era necessário que os habitantes que ali viviam mudassem seu estilo de vida. Isso se dava pelas novas construções, assim como pelo calçamento que as ruas começavam a receber. Dessa forma, era preciso uma organização nos padrões de higiene e no saneamento para fazer valer a modernização civil. Sabe-se que para mudar um comportamento é preciso conscientizar os sujeitos da importância do novo. Esse processo de conscientização para ensinar o novo surge dos princípios educacionais. Ou seja, o espaço de transmissão de saberes socioculturais é a escola. Desde a colonização e, principalmente, entre os séculos XIX e XX, era possível constatar esse papel da escola, ensinando as primeiras noções de higiene. Assim, a Medicina Higienista surge num momento histórico no qual os médicos da época buscavam educar a sociedade através de hábitos de higiene que antes não havia. Os médicos aproveitam espaços públicos para desempenhar esse processo educativo; um deles era a escola, como pode ser constatado: As escolas primárias desempenharam na vida urbana um importante papel social e cultural. É assim, por exemplo, que elas auxiliaram o serviço sanitário exigindo a vacinação e tornando-a obrigatória, participando na escalada de intervenção das políticas de saúde pública no combate das epidemias que assolavam as cidades nesse período. Participaram, também, dos projetos de higienização dos espaços urbanos, não apenas ensinando aos 92
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alunos noções de higiene como exigindo o asseio e as normas de urbanidade e civilidade (SOUZA, 1998, p. 116). À mulher era dedicada a tarefa do cuidado com a casa e com os filhos. Era ela a responsável pelo asseio do lar, da família e dela própria. Cabia-lhe, primeiramente, o hábito da higiene consigo quanto a banhos, uso de roupas limpas e frescas, cabelos soltos e arrumados com bom cheiro, unhas cortadas. Não foi somente a imagem feminina que vigorou durante o período de desenvolvimento da modernidade do Brasil como Estado Nação. O investimento da arquitetura favoreceu para a urbanização das províncias brasileiras. Foi grande a mudança das estruturas arquitetônicas que davam espaço a construções inovadoras com características europeias. Prova dessa efervescência urbana do século XIX é uma das passagens que faz referência à modernização de Pernambuco. A discussão em torno do espaço urbano preocupava as elites de várias regiões. Na segunda metade do século passado, depois de ter sido senador do Império, o Presidente da Província de Pernambuco, Herculano Bandeira de Melo, centrou a ação do seu governo basicamente em duas obras: a modernização do Porto do Recife e a construção dos serviços de esgotos da cidade, num momento em que Pernambuco desfrutava de grande prestígio político no cenário nacional e podia dispor de verbas abundantes (NASCIMENTO, 1999, p. 43). Em Sergipe, os traços da modernização foram identificados no começo do século XX, com a construção de prédios aparentando palacetes, centros de diversões que comportavam, entre outros espaços, o cinema aracajuano inaugurado em 1909. As obras de infraestrutura também começaram a surgir a partir de 1908, com a água encanada; 1913, com a implantação da energia elétrica e, em 1914, com a rede de esgotos (NUNES, 2008). É assim que a República passa a ser vista: como um período moderno, com pessoas limpas, com ordem, e disciplinadas. Esses também foram os requisitos para uma boa organização escolar na época, contendo gestos, instintos e emoções das crianças que estavam na escola. Pode-se considerar, então, que todo o estado de liberdade do homem com há -se nas representações culturais formuladas na época. O asseio e a decência constituíam, na República, valores morais que estavam relacionados ao corpo como um instrumento de expressão dessas representações culturais. Para Souza (1998), a higiene era o fio norteador entre o asseio e a decência, uma vez que com a higiene era produzida a ideia de corpo moral. A decência era um resultado do asseio, visto que a apresentação de uma pessoa com as unhas mal cortadas, ou com os cabelos compridos e descuidados, era um sinal de desleixo. Faria Filho (2000) destaca a importância da saúde para aprender. Assim, aponta a falta de estruturas sem higiene e espaço para fazer acontecer a educação infantil. A preocupação dos higienistas tratava da incoerência do Estado que disseminava a necessidade de higiene para a modernização e, ao mesmo tempo, mantinha instalações escolares críticas. Os higienistas, conhecendo os espaços da escola que eram adaptados e desaprovando suas instalações, vão influenciar na decisão de criar um espaço próprio para a 93
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instituição escolar, como as características que são necessárias para o desenvolvimento da criança saudável. Assim, com a educação nos moldes da saúde e para a saúde seria possível de um brasileiro doente e indolente, apático e degenerado, alegoriza os males do país. Transformar essa espécie de Jeca Tatu em brasileiro laborioso, disciplinado, saudável e produtivo era o que se esperava da escola" (CARVALHO, 2003, p. 63). Para que houvesse sucesso na educação do currículo e na conscientização dos pção de ensino laborial avançava a atividade da escola e das pessoas que envolvia para além da mera observação. Experimentar era a nova meta no teorias educacionais da época, advindas da Europa com a Escola Ativa. No Brasil, essa ideia foi aprimorada por Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, pioneiros do Movimento Escola Nova. Foi assim que nas salas de aula começaram a ser utilizados objetos para que as crianças aprendessem também com a prática. Além de materiais indispensáveis às funções do ensino, o mobiliário revela determinados hábitos e costumes sociais que se quer disseminar nos alunos, especialmente os objetos relacionados à manutenção da limpeza e higiene: bacias, limpa-pés, lavatórios, escarradeiras. Foi assim que a escola primária contribuiu para desenvolver hábitos de civilidade e urbanidade (SOUZA, 1998, p. 143). Na década de 20, a saúde nos moldes da higiene foi uma das iniciativas da Associação Brasileira de Educação ABE pelo fato de se acreditar que era por meio da educação que poderia mudar a sociedade. Nesse sentido, o discurso da ABE voltava-se para a construção de corpos saudáveis como forma de deter maus hábitos e comportamentos. Junto com essa ideia está o funcionalismo da ginástica que, para Rousseau (2004), estava ligada a corpos sadios com músculos enrijecidos. Isso significava que com a musculatura enrijecida haveria obediência, disciplinamento e bom caráter, o que refletia no bom enquadramento aos padrões legais daquela década. Carvalho (2003), ao apresentar e analisar um viés histórico da ABE, aponta os trâmites educacionais da República, com seus documentos e os processos históricos pelos quais passava a educação no Brasil. Percebe-se que a década de 20 foi marcada também pela preocupação com a saúde. Dessa vez, ainda mais relacionado com um novo aspecto da saúde que estava também voltada para o fortalecimento dos corpos. A formação de hábitos saudáveis era objeto de atenções especiais. A saúde não era somente um dos temas preferidos das preleções cívicas nas festividades, como também objeto de celebração em inúmeras competições esportivas oferecidas em espetáculos como modelos exemplares de comportamento. O esporte e a vida saudável simbolizavam a energia, o vigor, a força, a operosidade, signos de progresso inscritos no corpo que conhece o movimento adequado e útil para cada ato. Preceitos de higiene eram divulgados em palestras e folhetos ou constituídos, ainda, pelo incentivo à organização de Pelotões de Saúde, em preceitos cívicos de bom comportamento (CARVALHO, 2003, p. 63). 94
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No Brasil, a influência da medicina higienista foi um grande contributo para o desenvolvimento do econômico, social, político e intelectual, pois passou a ser uma atração turística internacional, combateu doenças contagiosas pela falta de higiene o que, consequentemente, provocou bem-estar para todos os que tinham moradia aqui. Isso gerou também menos mortes e mais tempo de vida, constituindo uma quantidade de mão de obra estável para o país. Assim como as ideias sobre higiene foram uma influência francesa, vale ressaltar que a ginástica também surgiu na França. Nessa perspectiva, é fundamental conhecer a influência que a França produziu para a cultura brasileira na arquitetura, cultura, educação e saúde.
3 Influência francesa para a instituição da Pedagogia Hospitalar
A França foi um país que muito contribuiu para o desenvolvimento do Brasil, principalmente nos períodos históricos da Monarquia e da República. Tratava-se de trazer as ideias, costumes, inovações que transitavam pela cultura nas trocas de influência. O ideal iluminista francês foi um marco que revolucionou o mundo e que depositou também no Brasil as suas ideias de liberdade, igualdade e fraternidade. Prova disso foi a Inconfidência Mineira, em 1789, liderada por Tiradentes que lutava por esses ideais para constituir uma República: esse fato foi um indício para que, tempos depois, começasse a luta para a proclamação da República. As noções de higiene que começaram a ser divulgadas pelos médicos higienistas, no final do Império, tiveram como ideias pioneiras sobre civilização e limpeza aquelas já utilizadas na França. Pode-se perceber que esse país teve uma importância significativa no processo de modernização e para urbanizar a Monarquia daquele período. Segundo nos mostra Nascimento (1999) as ideias sobre higiene foram uma influência francesa: A França foi o berço da mais influente de todas as sociedades de corte que se conhece. País mais poderoso à época das sociedades de corte, as maneiras e a linguagem refinadas que distinguiam as camadas superiores francesas das inferiores foram copiadas pela aristocracia absolutista de outros países. A etiqueta francesa oferecia instrumentos de hierarquia social bem visíveis e fazia todos conscientes de sua posição nessa escala de valores. Assim é que, em toda a Europa, os franceses moldaram, além da linguagem, o gosto pela leitura e aspectos do estilo de vida como o vestuário e os hábitos alimentares (NASCIMENTO, 1999, p. 110). A educação também era provida pelas ideias e indicações francesas. A utilização de compêndios e livros de autores da França no ensino das Escolas Normais, no início da República, foi um dos meios que se encontrou para difundir um pensamento ao nível da modernização que se buscava. Desse modo, não só os livros eram adotados para o uso nas Escolas Normais, como também os métodos de ensino para a educação infantil e os materiais necessários para colocar em prática esses métodos (SOUZA, 1998). 95
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O comprometimento com a civilização da França em outros países resultou num processo que influenciou não só o Brasil, como também outros países da América Latina: Efetivamente, apesar de toda essa influência francesa no Brasil e da influência anteriormente recebida, havia algo que afrancesava aceleradamente a nossa cultura, assim como a de vários países da América Latina e de outras regiões do planeta: a expansão hegemônica da França e a tarefa 'civilizatória' de todos os povos que o projeto imperialista dos franceses lhes impusera. A cultura, a ciência e a técnica da França eram incorporadas sob todos os meios (NASCIMENTO, 1999, p.107). No início do século XX, surge na Europa o Movimento da Escola Ativa organizado por teóricos da educação. Esse movimento apresenta um método de ensino que partia do pressuposto de que a criança aprendia com mais facilidade uma teoria quando manuseava objetos para chegar à conclusão daquela teoria. Assim, com a prática, era mais fácil entender o conteúdo ministrado; por isso o nome Escola Ativa. É notável a importância da Europa para a Educação Especial. Pois muitos dos estudos feitos eram realizados com crianças deficientes intelectuais que viviam hospitalizadas. Maria Montessori foi uma das médicas que realizava esses estudos. Seu trabalho é conhecido pelo material dourado que aplicava para as crianças com desenvolvimento intelectual abaixo da média considerada normal, apresentando resultados satisfatórios no desempenho. Ainda na perspectiva da Educação Especial, encontra-se a Pedagogia Hospitalar que surge na França por Henry Sellier. A Pedagogia Hospitalar foi uma resposta social às crianças e adolescentes europeus que tiveram seus corpos mutilados durante a Primeira Guerra Mundial e, para manter o equilíbrio da sociedade sem impactos, eram obrigados a morar distantes da cidade. Pedagogia Hospitalar seria um conceito diferenciado da Pedagogia Tradicional, uma vez que se dá em ambiente hospitalar e que busca, além do conhecimento curricular, construir conhecimentos sobre esse novo contexto de aprendizagem e criar situações que estimulem uma melhora na qualidade de vida desse aluno-paciente através de atividades evidencia abaixo: A Pedagogia Hospitalar, por suas peculiaridades e características, situa-se numa inter-relação, entre os profissionais da equipe médica e a educação. Tanto pelos conteúdos da educação formal, como para a saúde e para a vida, como pelo modo de trazer continuidade do processo a que estava inserida de forma diferenciada e transitória a cada enfermo (MATOS & MUGIATTI, 2006, p.37). Para dar continuidade à educação dessas crianças, um professor ia para esses espaços onde moravam, para poder ao menos alfabetizá-las, estabelecendo com elas um papel de mediador social. Ao ser oficializado na França esse cargo, no ano de 1935, o professor passa a trabalhar diretamente no hospital onde tem e mesma função da sala de aula convencional, estimulando a criança nos processos de desenvolvimento e aprendizagem e possibilitando o contato da criança hospitalizada com o seu cotidiano educacional, através de atividades feitas por ela quando estava em pleno estado de saúde. 96
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Vale ressaltar, quanto ao surgimento da Pedagogia Hospitalar e ao trabalho com as atividades lúdicas, que embora o cargo de pedagogo hospitalar tivesse se constituído em 1935, em 1919 já havia indícios da prática de atividades lúdicas que serviam apenas para combate ao ócio, sendo realizadas por prisioneiros atendidos pela Cruz Vermelha. Algumas imagens capturadas por uma de nós revelam tal evidência em duas legendas. Uma com a Glass beads, theard. United feitas pelos prisioneiros [com inscrição]. de peixe, vidro e algodão na 1ª Guerra Mundial; como pode ser observado nas descrições abaixo: Figura 1 - Legenda de uma cobra feita pelos prisioneiros
Foto: Myrian Soares de Moraes
Figura 2 - Legenda de uma miniatura de chá
Foto: Myrian Soares de Moraes
No Brasil, essa realidade chega em 1950 ao Rio de Janeiro. O hospital geral Jesus recebe a pedagoga Lecy Rittmeyer através da Portaria nº 634, atendendo a reiterados pedidos do diretor da época David Pillar (AROSA e SCHILKE, 2008). Dois autores brasileiros da História da Educação apontam indícios da Pedagogia Hospitalar. Nascimento (1999), ao criticar o trabalho de Clarice Nunes, aponta o início do trabalho com medidas e análise psicológicas no Rio. Tal fato pode contribuir para um possível processo de escolarização no hospital, já que a atividade do pedagogo hospitalar parte de princípios psicológicos quanto ao desenvolvimento e aprendizagem infantil. Souza (1998) parte de outro olhar: observa a rotina da criança que é quebrada para se submeter à hospitalização, e a questão das epidemias que também foram um dos maiores motivos que consolidaram a presença do pedagogo no hospital: Quebrando o ritmo do calendário, outras interrupções de motivações sociais marcavam a cadência do ir e não ir à escola. Entre elas destacam-se frequentes epidemias de febre de mau caráter, varíola, entre outras moléstias que assolavam as populações da capital e do interior do Estado (SOUZA, 1998, p. 218).
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Considerações Finais
Diante do exposto, foi possível considerar o tempo que a Medicina Higienista gastou para implantar um novo modelo de civilidade no Brasil. Desde o fim do Império, já havia diversos discursos sobre a importância de implantar a higiene como um recurso de saúde geral da nação. A falta de conhecimento ainda era uma realidade no início da República. Esse fato garantiu à escola a transmissão de um processo de conscientização de modo que, como transmissora de cultura, a escola precisava ensinar hábitos ao nível da sua época concomitante à modernização. A influência dos médicos higienistas foi de grande relevância para o processo civilizatório do Brasil visto as melhorias com relação à saúde e à urbanização que causou para o Estado Nação. Soma-se a isso a ideia dos corpos disciplinados que também partiu dos princípios higienistas, uma vez que fazia parte desse processo o disciplinamento aos padrões morais e cívicos. Logo, a Medicina Higienista na República brasileira foi um estágio de nova adaptação ao tempo em que os governantes precisavam fazer valer essas ideias como uma forma de exemplo, pois eram visíveis incoerências entre o discurso higienista e a prática. Isso acontecia com as estruturas escolares que se encontravam totalmente fora dos padrões indicados pelos higienistas, assim como as condições sociais de muitos que não permitiam fardamentos completos. A influência dos países europeus foi significativa para a modernização do Brasil. A França teve destaque no processo civilizatório no que se refere à transmissão de saberes sobre a Medicina Higienista. É fato que sua colaboração para a cultura brasileira, como para outras culturas, foi essencial no processo civilizatório. Desde a arquitetura até a educação, a França contribuiu com algumas invenções, métodos de ensino, material didático, vestimentas, boas maneiras. Toda essa influência se dava pelo fato de a França ser um dos países mais estimados do mundo, de modo que tudo de boa qualidade vinha de lá, inclusive os médicos. Assim, no contexto da Medicina é que surgem algumas técnicas desenvolvidas dentro da Educação Especial. A Pedagogia Hospitalar foi uma dessas ramificações que surgiu na França e que logo foi difundida no Brasil com alguns indícios de sua prática. Portanto, podemos concluir que a Medicina Higienista favoreceu a modernização do Brasil desde a sua Monarquia até chegar a República, auxiliando no processo de urbanização e de civilidade, de modo a contribuir para uma nação dentro dos moldes nacionais. Assim, o Brasil teve a oportunidade, graças às influências estrangeiras, de se constituir um templo de civilização.
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TÃO PERTO, TÃO LONGE: O PARADOXO BRASILEIRO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
Maria Aparecida da Silva* Vânia Maria Galdino da Silva**
Resumo O presente artigo consta de uma análise sobre as facilidades trazidas pela internet como meio de comunicação do século XXI, sobretudo no que se refere às conseqüências evidenciadas para o âmbito educacional. Enfatiza o caráter da aproximação entre as pessoas e povos provocada pelo rompimento das fronteiras configurado na sociedade em rede. Faz uma reflexão a respeito das possibilidades que a tecnologia via rede apresenta aos países subdesenvolvidos, colocandoao desenvolvimento. Mostra como a proximidade da informação afeta, modifica e até dispensa a educação nos moldes clássicos de sua configuração. Chama a atenção, porém, para um paradoxo subjacente ao contexto da sociedade informacional nos países em desenvolvimento com destaque para o Brasil: está tão perto da informação não significa ter acesso a ela, principalmente quando um dos impedimentos é a superação do desafio de assegurar escolaridade para todos. Palavras chave: Rede. Educação. Tecnologia. Cidadania. Exclusão Abstract The present paper presents an analysis of the facilities created by the web-community in the XXIth century, mainly focusing the consequences for the educational field. The following ideas are presented: a. the proximity among individuals and people break with the borderline-world building up a new web-society; b. the possibilities that the web technology bring to third world countries, putting them in a privileged condition, could help to skip stages towards development; c. the closeness to information affects, modify and even could make classical methods of education disappeared. But a hidden paradox should be pointed out in not signify having access to this world of information, specially when a great problem is the challenging fight to bring literacy to everyone. Keywords: Net. Education. Technology. Citizenship. Exclusion
*Mestre em Educação - UFPB e Pedagoga do Instituto Federal de Alagoas **Mestre em Educação - UFPB, Pedagoga do Instituto Federal de Alagoas
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Um pouco de história
É sabido que o advento da computação pessoal e comunicabilidade de redes no final dos anos de 1970 - primeiro nos Estados Unidos, depois para todo o mundo, precisando apenas de computadores pessoais, modems e linha telefônica, abrindo mão de redes de computadores sofisticadas - representou o marco fundamental para a existência hoje de milhares de micro-redes que, mundialmente, abrangem todo o espectro da comunicação humana. O espaço cibernético incorpora desde questões de política e religião a sexo e pesquisa. Tendo surgido a partir de 1969/1970 - no meio universitário fator decisivo para a sua expansão no âmbito da difusão da comunicação eletrônica pelo mundo a rede, que no início dos anos 90, nos Estados Unidos, efetivava a comunicação mediada por computadores entre docentes e pós-graduandos, proliferou-se em larga escala no resto do mundo, sempre tendo o meio acadêmico como matriz de aglomeração do maior contingente de internautas. Chegando a empresas e residências nos anos 90, a rede, hoje sinônimo de Internet, pode ser acessada mesmo quando não se é proprietário ou usuário frequente de um computador, bastando dirigir-se a ambientes/espaços dotados de máquinas de acesso público a ela interligada, a exemplo de bibliotecas, livrarias etc. No Brasil, a expansão da comunicação mediada por computadores já é fato. Nosso país não pegou esse bonde com muito atraso, mesmo considerando a distância existente para com os Estados Unidos e o resto do mundo. Ocupamos o oitavo lugar no ranking mundial de usuários da Internet. Na América Latina, ocupamos o primeiro lugar em número de usuários, contudo, nosso atraso em relação à informatização de escolas de ensino fundamental e médio é inaceitável. Acredita-se, porém, que o Brasil coloca-se no mesmo patamar dos países europeus no que concerne à compreensão pelas escolas do potencial pedagógico da Internet. De acordo com a afirmação da jornalista Sônia Aguiar, em entrevista à Revista Educação [...] estamos começando a descobrir esse potencial e experimentando soluções. A diferença fundamental está na restrição de acesso a computadores, em função da baixa renda da maioria da população e da falta de investimentos públicos nessa área, e de linhas telefônicas (AGUIAR, 2000, p. 35).
Se por um lado temos proximidade da informaçã, em virtude da superação de fronteiras que a rede possibilita, por outro, estamos há anos luz de distância pela impossibilidade do acesso, uma vez que a comunicação mediada por computadores, especialmente nos países pobres, ficará sob o domínio de um segmento populacional mais instruído e de maior poder aquisitivo. Por essa razão, estamos tão próximos e ao mesmo tempo distantes da informação via rede. Eis o paradoxo que se estabelece em relação à comunicação digital em nosso país nos dias atuais. No Brasil, boa parte da população é analfabeta e isso, além de ser um indicativo de pobreza, é também um impedimento ao acesso à informação, ao conhecimento veiculado na rede. Se as desigualdades gritantes na 102
Tão perto, tão longe: o paradoxo brasileiro na sociedade da informação
sociedade brasileira têm provocado um apartheid histórico em todos os sentidos, no que se refere à informação via rede parece-nos difícil impedir a manutenção do mesmo. Não só porque a era da informatização no nosso país só bateu à porta das classes mais altas, mas também pelo pouco nível de escolaridade da população e falta de investimentos em educação, condição primeira para tomar parte na sociedade digitalizada. A experiência brasileira de informatização da educação básica se iniciou na década de 1980, limitando-se à rede de ensino privada no sul do país. Em 1985, apenas quatro escolas públicas utilizavam o computador para fins educativos em todo o Brasil. Mesmo as pesquisas em informática educativa, nas universidades, a esse período são restritas a cinco instituições no centro sul. Foi um início com prospecções pouco otimistas. Os desníveis digitais no Brasil são profundos. Além do ainda considerado desafio da universalização da escola, faz-se necessária a universalização das telecomunicações para que o país possa pensar em vencer a exclusão digital. Diferentemente do pensamento ingênuo do início dos anos 90 de que a teleinformática, por si só, fosse capaz de ampliar a democracia e eliminar os desníveis de riqueza social, hoje a própria Organização das Nações Unidas ONU- já coloca o atraso digital ladeado pela fome, o desemprego e o analfabetismo como as grandes mazelas sociais da atualidade. No Brasil, à exclusão escolar soma-se agora a exclusão digital. Em suma, um desafio único se impõe ao país: construir um modelo educacional fundamentado na democratização do acesso e da permanência do aluno na escola; na democratização da gestão escolar assegurando a participação de todos os segmentos da comunidade: alunos, pais, professores e funcionários; na alfabetização de jovens e adultos; e, por fim, numa nova qualidade de ensino que estabeleça um redimensionamento na organização do trabalho docente. Nessa construção, mesmo que tardiamente, uma vez que nosso país ainda não cumpriu a tarefa de escolarização da população, faz-se necessário, conforme salienta Castells (1999), levar a sério as mudanças introduzidas em nosso padrão de sociabilidade em razão das transformações tecnológicas e econômicas que fazem com que a relação dos indivíduos e da própria sociedade com o processo de inovação técnica tenha sofrido alterações consideráveis (CASTELLS, 1999, p. 72).
Apresentando desafios
A tarefa brasileira de universalização da escola tem que incorporar a tarefa da inclusão digital de sua população. Isto porque, estando a sociedade contemporânea baseada no paradigma econômico-tecnológico da informação, a escola atual tornou-se obsoleta. Como local de aprendizagem, como espaço privilegiado para as pessoas adquirirem e construírem conhecimentos, a escola precisa ser uma organização do seu tempo; do contrário, perderá sua importância. Nos contornos de uma sociedade global centrada no uso e aplicação da informação via redes interligadas, na qual a divisão do trabalho não mais se efetua, exclusivamente, segundo Castells (1999), sob jurisdições territoriais; a escola tem que acompanhar o 103
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aumento vertiginoso do conhecimento em todos os campos. Situada numa verdadeira
[...] a escola vive na tensão entre o universal e o local, entre a tradição e a modernidade, entre as perspectivas de longo prazo e as necessidades imediatas, entre a economia globalizada e a valorização da microprodução, entre o social e o individual, entre a competição e a igualdade de oportunidades, entre o acesso aberto a todas as fontes de informação e do conhecimento e a absoluta falta de condições primárias de estudo numa periferia pobre (DIDONET, 1998, p. 45).
Servimo-nos desse contexto de contrários onde se insere a escola pública brasileira para reafirmarmos o paradoxo de que vimos tratando: a proximidade da informação evidenciada pelo advento da informática e o seu distanciamento, devido à impossibilidade de acesso a essa tecnologia. Os avanços tecnológicos de fato expõem a informação na vitrine, porém a exclusão social em que está mergulhada a maioria dos brasileiros apenas permite a contemplação da vitrine na esquina. Atividades cotidianas como assistir à televisão, falar ao telefone, movimentar conta no terminal bancário e, pela Internet, poder verificar multas de trânsito, realizar compras, trocar mensagens com o outro lado do planeta, colocam-nos, despercebidamente, tão próximos a ponto de até nos sentirmos membros da sociedade da informação. Contudo, subjacente a todas essas atividades corriqueiras está uma imensa gama de meios de comunicação que interliga continentes formando uma verdadeira estrada de informações e serviços dos quais os usuários nem se dão conta do complexo aparato que os apoia. Elementos que configuram o estado de distanciamento da informação, pelo simples fato de que a dinâmica da era do conhecimento requer educação continuada ao longo da vida e, no Brasil, até a educação básica em nível fundamental ainda possui marcantes deficiências. Notadamente, nos segmentos sociais de baixa renda e em regiões menos favorecidas, ainda é o analfabetismo a realidade nacional, dado que coloca, portanto, esse segmento da população na condição de excluído, afastado e, inexoravelmente, distanciado da informação. Como não poderia deixar de ser, o Programa Sociedade da Informação do Ministério da Ciência e Tecnologia do governo brasileiro coloca a educação como elemento-chave na construção de uma sociedade baseada na informação, no conhecimento e no aprendizado. Parte considerável das desigualdades sociais entre países, regiões, organizações e indivíduos têm como elemento causal as desigualdades de oportunidades relacionadas à capacidade de aprender. [...] educar em uma sociedade de informação significa muito mais que treinar as pessoas para o uso das tecnologias de informação e comunicação: trata-se de investir na criação de competências suficientemente amplas que lhes permitam ter uma atuação efetiva na produção de bens e serviços, tomar decisões fundamentadas no conhecimento, operar com fluência os novos meios e ferramentas em seu trabalho, bem como aplicar criativamente as novas mídias seja em usos simples e rotineiros, seja em aplicações mais sofisticadas (Brasil, 2000, p. 45).
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Tão perto, tão longe: o paradoxo brasileiro na sociedade da informação
No entanto, pensar a educação na sociedade da informação vai além de uma visão reducionista motivada pela atração que as novas tecnologias provocam ao enfatizar para a educação a pura capacidade tecnológica em detrimento de sua função mais abrangente de formação de sujeitos. Na sociedade da informação, educar exige considerar um leque de aspectos relativos às tecnologias de informação e comunicação, iniciando pelo papel que elas desempenham na construção de uma sociedade que tenha a inclusão e a justiça social como sua prioridade. Se a inclusão social tem como requisito a formação para a cidadania, assim, as tecnologias da informação e comunicação precisam ser utilizadas para a democratização dos processos sociais. Isto é, para articular escola e comunidade em tal nível que a educação possa mobilizar a sociedade até atingir a superação da fragmentação entre o formal e o informal. No dizer de Kuenzer (1997, p. 38) [...] esta forma de organizar a escola e o sistema de ensino tem por finalidade, pela unificação entre cultura e trabalho, a formação de homens desenvolvidos multilateralmente, que somem a sua capacidade instrumental às capacidades de pensar, de estudar, de criar, de dirigir ou de estabelecer controles sociais sobre os dirigentes.
Conforme arremata o Programa Sociedade da Informação no Brasil, [...] formar o cidadão não significa preparar o consumidor. Significa capacitar as pessoas para a tomada de decisões e para a escolha informada acerca de todos os aspectos na vida em sociedade que as afetam, o que exige acesso à informação e ao conhecimento e a capacidade de processá-los judiciosamente, sem se deixar levar cegamente pelo poder econômico ou político. (Brasil, 2000, p. 45).
Em pleno século XXI, portanto, para que a educação cumpra a sua finalidade de promover a humanização dos seres humanos, é condição sine qua non, responder às demandas sociais da atualidade, configuradas nas demandas evidenciadas pela sociedade da informação. Nunca se teve tanta informação disponível como se tem hoje. Contudo, informação por informação não é conhecimento. Para se chegar ao conhecimento, faz-se necessário selecionar informações, analisá-las e interpretá-las. Cabe à escola fazer com os alunos esse caminho para poder chegar à construção do conhecimento. Para tanto, inserir-se no plano da sociedade da informação é tão urgente para o Estado Brasileiro quanto à universalização da escola para a população. Urge, portanto, que um e outro aspecto se efetive como forma de resgatar a dívida social do país, alavancar o desenvolvimento e manter posição de competitividade no mercado internacional. Num mundo em que ainda prevalecem injustiças medievais e uma concentração de renda brutal, desponta o fenômeno da exclusão virtual como mais um elemento que impede o acesso de milhões de pessoas à mais nova forma de cidadania. Ninguém tem dúvidas de que o acesso à informação e ao conhecimento poderá conduzir as sociedades a relações sociais mais democráticas, daí ser indispensável que os serviços de informação e comunicação sejam acessíveis a todos como condição necessária para a inserção dos indivíduos como cidadãos. É nesse sentido que a educação ainda é o espaço privilegiado de realização dessa ponte de mão dupla para o ingresso nesse mundo sem fronteiras. A incorporação das tecnologias da informação e da comunicação pela escola, no sentido de alavancar-lhe a sua revigoração, representa o ponto de partida como 105
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contribuição para que os programas de educação ganhem maior eficácia e alcancem um número cada vez maior de comunidades e regiões. Em virtude da impossibilidade de aquisição, o computador pessoal, com certeza, não se apresenta como a saída que possibilite o acesso à informação aparentemente tão próxima. Assim sendo, não há dúvidas de que a opção mais imediata para a promoção da inclusão digital da sociedade brasileira está nas escolas. Fora do primeiro mundo, o Brasil é hoje o país que detém o maior número de usuários na Internet. Por meio da escola talvez consigamos, após perder todos os embarques da história, ingressar nessa viagem sem retorno rumo a uma sociedade mundializada. Aposta-se na escola como o grande bonde para essa viagem em função de que, historicamente, ela é o espaço onde as sociedades vislumbram a formação de todos os seus cidadãos, sem qualquer tipo de distinção. E não se pode pensar em formação de cidadãos sem incluir o oferecimento de instrução básica em informática. Advirá uma humanidade planetária Desenvolver-se para um país historicamente defasado é queimar etapas: o atraso facilita soluções desusadas e futuristas (LIMA, 1991, p. 5).
Entendemos hoje que o desafio da formação tecnológica se confunde com o desafio da educação. Nas décadas de 70 e 80, muitos países dentre eles o Brasil conceberam planos nacionais de capacitação tecnológica e produção de bens e serviços em informática, como concretos atalhos rumo ao desenvolvimento. De acordo com Lima [...] muitos pensadores estão convictos de que reflexão prospectiva dedução do status quo dos países altamente desenvolvidos é a melhor solução para os países subdesenvolvidos: assim, estes países evitarão incorrer (por ensaio e erro) nas soluções que hoje se mostra m inadequadas naqueles. Por outro lado, o processo civilizatório atual dentro das defasagens internacionais mostra que é possível queimar etapas: a eletronização da comunicação da Amazônia, por exemplo é uma comprovação de que se pode antecipar as comu nicações que (se a pé, a cavalo, por água, pela estrada de ferro e, finalmente, pelo avião... antes de chegar às microondas a aos satélites (LIMA, 1991, p. 5).
As novas tecnologias de informação e comunicação abrem oportunidades para integrar, enriquecer e expandir os materiais instrucionais, além de apresentarem novas possibilidades de interação e comunicação entre professores e alunos, propiciando a construção de conhecimentos, pois além da rápida difusão de material didático e de informações de interesse para toda a comunidade escolar, as novas tecnologias oferecem condições para a construção interdisciplinar de informações produzidas individualmente ou em grupo por parte dos alunos, bem como o desenvolvimento de projetos pelos atores do processo educacional, geograficamente dispersos, graças à velocidade de transmissão das redes que a cada dia vão ampliando as possibilidades de aplicação para fins educacionais. 106
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A compreensão de que o ato de educar hoje não pode abrir mão do uso da tecnologia via Internet se fundamenta no princípio da educação para a cidadania. Ou seja, não é possível contribuir na formação do cidadão deixando-o à margem do circuito da informação mundial de cujo processamento e análise é que se chega ao conhecimento. É função precípua da educação a formação dos homens e, conforme afirma Morin (1999), o homem não pode ficar limitado ao mundo que o cerca; precisa estabelecer nexos entre suas ações locais e as questões globais, apontando para uma prática escolar consciente das várias dimensões do homem, que extrapole os limites da transmissão de saberes justapostos, optando por ensinar a compreensão e o respeito mútuos entre seres, naturezas e culturas diferentes como aproximações que conduzam à eliminação das desigualdades. A ideia de escola como espaço fechado é incompatível com os modos de convivência dos dias atuais, sobretudo no que se refere à progressão acelerada da história. Não é aceitável que se modifiquem todas as atividades humanas diante do impacto da tecnologia e a aula permaneça com a configuração/disposição que foi inventada na idade média, quando o professor era o único informador disponível, pois não se dispunha sequer de livros. Se a escola não responde às solicitações do contexto social, que papel estará desempenhando na formação da cidadania? Haverá um dia talvez este já seja uma realidade em que as crianças aprenderão muito mais e muito mais rapidamente em contato com o mundo exterior do que no recinto da escola. [...] Os novos meios ultra-rápidos de comunicação a grande distância rádio, telefone, televisão, estão a ponto de ligar o mundo inteiro numa ampla rede de circuitos elétricos, suscitando uma nova dimensão do engajamento do indivíduo face aos acontecimentos. (LIMA, 1991 apud MCLUHAN, l991, p. 8 e 24).
Em educação, toda situação clássica que não leve em conta, hoje, a comunicação via rede, já nasce obsoleta. Dessa forma, os países pobres, talvez, por não possuírem estruturas arcaicas para substituírem, até pela dívida social que historicamente construíram, estejam mais propensos a adotarem soluções mais ousadas, justamente por não terem que abrir mão de estruturas geralmente boas e já consolidadas como as que possuem os países mais adiantados. Assim sendo, corroboramos com a afirmação de Lima (1991, p. 24) ao em busca de soluções inteiramente novas; jamais repetir soluções históricas do mundo desenvol
Tão perto?
É o que nos parece em função da gama de informações e das amplas possibilidades que a comunicação informatizada pode proporcionar hoje. Faz-se necessário, portanto, procurar de todas as formas tornar viável o acesso frequente de professores e alunos às novas tecnologias. Pode parecer utopia falar isso no Brasil, porém o ensino de qualidade, necessariamente, passa hoje pelo acesso rápido, contínuo e abrangente de todas as tecnologias, principalmente as telemáticas (MORAN, 2000, p. 50). 107
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Nosso país precisa derrubar as fronteiras que impossibilitam seu crescimento. O analfabetismo, a pouca e precária escolaridade de grande parte da população ainda são fenômenos que demarcam nossa singularidade como nação. Tais fenômenos vêm se arrastando ao longo dos anos e são marcas com as quais não podemos mais conviver sob pena de, mais uma vez, perdermos o bonde da história. É chegada a hora de o Estado brasileiro, assumindo o compromisso político com a universalização da educação, simultaneamente, incorporar a alfabetização digital em seu projeto educacional suscitando [...] a procura de formas de diminuir a distância que separa os que podem e os que não podem pagar pelo acesso à informação. As escolas públicas e as comunidades carentes precisam ter esse acesso garantido para não ficarem condenadas à segregação definitiva, ao analfabetismo tecnológico, ao ensino de quinta classe (MORAN, 2000, p. 51).
Compete à educação criar novos hábitos com relação à tecnologia, para que cada um dos seus meios possa ser considerado como uma possibilidade de ocupar o tempo livre ou de trabalhar com mais eficiência. A era da informação requer profunda revisão do sistema educativo. Sua tarefa é formar as novas gerações, respeitando a sua natureza e tendo consciência de suas necessidades, que estão mudando, e a escola não pode ignorar isso. [...] é na escola para a maioria que se dá a única chance de aquisição do conhecimento acumulado, da ciência e da tecnologia. Isto se reveste da maior importância se considerarmos que a tecnologia informática é o mais poderoso instrumento tecnológico já desenvolvido pelo homem, com alto poder de transformação, produção e dominação; além disso, tal tecnologia pode constituir-se em poderosa ferramenta para veicular o conhecimento significativo e ainda propiciar novos e eficientes métodos e técnicas pedagógicas (TENÓRIO, 1991, p. 12).
Tão longe? O quadro educacional brasileiro ainda é bastante insatisfatório conforme vimos destacando nesta análise. Insatisfatório tanto do ponto de vista da equidade quanto em relação a alguns indicadores quantitativos. Comparativamente com outros países em estágio de desenvolvimento equivalente ao nosso, estamos em desvantagem flagrorosa na área de educação (INEP, l997). Vale retomar aqui a ponderação levantada pelo Professor José Carlos Libâneo no
consequência desse fato, salientamos o que já afirmara Lima [...] as escolas esforçam-se para sustar a evolução. própria essência da vida. Mas a vida se rebela e termina encontrando meio de ficar fiel à biogênese; a pisicogênese e a sociogênese. Cada criança que nasce inicia uma nova humanidade (LIMA, 1991, p. 62):
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A finalidade da educação é promover a humanização dos seres humanos e esta é a razão pela qual nenhuma criança que nasce no mundo pode ficar à margem da escola. Mais do que nunca as novas tecnologias delineiam as possibilidades de que, conforme afirmara
transmissão oral de um indivíduo para outro como que apelando para a fixação e consequente reprodução da erudição. Hoje, o que se configura para os processos escolares é o apelo à criatividade e originalidade do jovem. As crianças, mesmo as mais pequeninas, sós ou em grupos, pesquisarão por si mesmas soluções dos problemas, talvez, pela primeira vez apresentados como tais. É evidente hoje que a escola (instituição localizada em um edifício ou em um conjunto de edifícios) não conservará o papel primordial, a menos que se adapte às mutações inevitáveis do mundo exterior (LIMA apud MCLUHAN, 1991, p. 45; p. 53).
Sem dúvidas, estamos imersos numa grande rede informatizada. Por mais que isso pareça impactante, não podemos esquecer que as novas tecnologias não provêm de outro planeta, mas sim que são produtos desenvolvidos pelo próprio homem. Pierre Lévy (1999), filósofo francês, afirma que estamos entrando numa nova fase da inteligência a fase da inteligência coletiva, que tem no ciberespaço seu ambiente favorável para se desenvolver e provocar profundas transformações culturais. A fase da inteligência coletiva decorre do surgimento de novos suportes para a escrita (microcomputadores, comunicação eletrônica à distância) as quais estariam possibilitando a passagem da etapa da inteligência com base na escrita linear para a etapa da inteligência coletiva, com base no hipertexto. De acordo com Lévy (1999), estaríamos testemunhando uma ruptura nas práticas sociais da leitura e escrita que, ao modificarem nossa forma de nos relacionarmos com o texto e a forma de o pensarmos, contribuiriam para uma verdadeira As perspectivas para o século XXI apontam a educação como pilar fundamental para alicerçar os ideais de justiça, paz, solidariedade e liberdade. As transformações pelas quais o mundo vem passando são reais e irreversíveis, exigindo da população uma aprendizagem constante. No cenário de revolução científica, epistemológica, cultural e tecnológica, segundo Octávio Ianni (1998, p. 119) [...] os meios de comunicação de massa, potenciados por essas tecnologias, rompem ou ultrapassam fronteiras, culturas, idiomas, religiões, regimes políticos, diversidades e desigualdades sócioeconômicas e hierarquias raciais, de sexo e idade. Em poucos anos na segunda metade do século XX, a indústria cultural revoluciona o mundo da cultura transforma o imaginário de todo o mundo. Forma -se uma cultura de massa mundial, tanto pela difusão de produções locais e nacionais como pela criação diretamente em escala mundial (IANNI, 1998, p. 119).
Portanto, a educação já não pode funcionar sem se articular com dinâmicas mais amplas que extrapolam a sala de aula. O mundo que hoje surge constitui ao mesmo tempo um desafio ao mundo da educação e uma oportunidade. É um desafio, porque o universo de conhecimento está sendo revolucionado tão profundamente, que ninguém vai sequer perguntar à educação se ela quer se atualizar. É uma necessidade, visto que os alunos 109
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diariamente comparam os excelentes filmes, reportagens científicas que surgem nas nistradas no dia a dia na escola.
Construindo pontes Trata-se então de buscar uma formação sintonizada que venha preparar o aluno cidadão para conquistar uma melhor qualidade de vida. Ou seja, um aluno sujeito histórico de seu próprio ambiente, buscando desenvolver a consciência crítica, que o leve a trilhar caminhos para a construção de um mundo melhor. Anseio cuja possibilidade de concretização tem como um dos requisitos a perspectiva de mudança da prática escolar, bastante ampliada na sociedade da informação. Assim sendo, a abertura de novos horizontes mais aproximados da realidade contemporânea e das exigências da sociedade do conhecimento depende de uma reflexão crítica do papel da informática na aprendizagem e dos benefícios que a era digital pode trazer para o aluno como cidadão. Educação permanente: eis a exigência básica da sociedade do conhecimento em função da necessidade de uma aprendizagem ao longo de toda a vida. Para que essa educação se efetive, a escola precisará tornar possível o desenvolvimento de quatro pilares básicos sustentados por Jacques Dellors (1998) quais sejam: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos; aprender a ser. Respectivamente: domínio dos instrumentos do conhecimento; articulação teoria e prática; consciência das semelhanças e da interdependência entre os povos do planeta visão de totalidade; e o desenvolvimento , apud MCLUHAN, 1991, p. 58). Por fim, recorremos a um conto de Eduardo Galeano como síntese que expressa as expectativas projetadas para a educação de todos na sociedade da informação e da comunicação, pois tão bem traduz o paradoxo perto/longe relativo às tecnologias da informação e da comunicação com que trabalhamos: Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: Ajuda-me a olhar (SCHIMIDT, 2001, p. 60).
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A partir desse desafio, de conformidade com o que diz Gadotti, a escola tem a missão de: Amar o conhecimento como espaço de realização humana, de alegria e de contentamento cultural; cabe-lhes selecionar e rever criticamente a informação; formular hipóteses; ser criativa e inventiva (inovar); ser provocadora da mensagem e não pura receptora; produzir, construir e reconstruir conhecimentos elaborados. E mais: numa perspectiva emancipadora da educação a escola tem que fazer tudo isso em favor dos excluídos. Não discriminar o pobre. Ela não pode distribuir poder, mas pode construir e reconstruir conhecimentos, saber, que é poder. Numa perspectiva emancipadora da educação, a tecnologia não é nada sem a cidadania (GADOTTI, 2000, p. 251).
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MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do Futuro. São Paulo: Cortez, 1999. TENÓRIO, Robson Moreira. Computadores de papel: máquinas abstratas para um ensino concreto. São Paulo: Cortez, 1991. VEIGA NETO, Alfredo: Sarai Schmidt (Org.) A Educação em tempos de globalização. Rio de Janeiro: DP& A, 2001.
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UMA ONTOLOGIA PARA O MAPA DE CONTEÚDOS E O MAPA DE DEPENDÊNCIAS
Maria das Graças Pereira da Silva* Rommel Wladimir de Lima*
Resumo Este artigo apresenta a proposta de uma ontologia para representar o Mapa de Conteúdos e o Mapa de Dependências: duas ferramentas pedagógicas, cujo processo de criação é uma metodologia de planejamento de disciplina. O Mapa de Conteúdo que é uma ferramenta que possibilita apresentar a disciplina ou curso através de uma visualização gráfica dos conteúdos e das relações existentes entre os mesmos e do Mapa de Dependências que é uma ferramenta formada por um conjunto de objetivos educacionais relacionados entre si, por meio da hierarquia definida pela Taxionomia de Bloom, apresentados de forma gráfica e por um conjunto de comportamentos necessários para alcançar esse objetivo. O objetivo desta ontologia é fornecer um modelo de representação computacional dessas ferramentas, possibilitando sua reutilização, o compartilhamento do conhecimento e evitar interpretações ambíguas. Palavras-chave: Ontologias. Mapa de Conteúdos. Mapa de Dependências. PROTÉGÉ
Abstract This article presents the proposal of ontology to represent the Contents Map and Dependencies Map: two teaching tools, whose process of creation is a planning method of discipline. The Content Map is a tool that enables you to present the discipline or course through a graphical display of the content and the relationship between them and Dependencies Map is a tool that consists of a set of educational objectives related to each other by by a set of behaviors needed to achieve this goal. The goal of this ontology is to provide a computational model of representation of these tools, allowing its reuse, knowledge sharing and to avoid ambiguous interpretations. Keywords: Ontology. Content Map. Dependence Map. PROTÉGÉ
*Universidade do Estado do Rio Grande do Norte **rommelwladimir@uern.br
UERN gracinhapesilva@hotmail.com
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Introdução
A necessidade de administrar os recursos reutilizáveis disponíveis para o processo de ensino-aprendizagem tem impulsionado o desenvolvimento de especificações de diversos metadados, a fim de representar o conteúdo de aprendizagem, recursos educacionais e metodologias de processo de aprendizagem (AMORIM et al, 2006). As especificações para processos de aprendizagem, conhecidos como EML (Educational Modelling Language), são modelos de informação semântica e agregação que descreve, de um ponto de vista pedagógico, o conteúdo e as atividades educacionais. De acordo com Silva (2002), o objetivo do EML é criar uma notação que consiga representar integralmente uma unidade de estudo (um curso ou parte dele, por exemplo), isto é, não apenas seu conteúdo (textos, tarefas, provas, etc.), mas também as regras, relações, interações e atividades dos estudantes e professores. Para Amorim (2006), as principais especificações EML são: LMML (COVER PAGES, 2011), PALO (2011) e IMS (IMS LD, 2011). A LMML (Learning Material Markup Language) é baseada em um metamodelo que pode ser utilizada em diferentes domínios de aplicação. Baseada em XML e utilizada na descrição de material de e-learning (Slavin et al, 1995), a LMML compreende vários módulos de materiais de aprendizagem, cada um contendo outros sub-módulos. Focada em uma estrutura conceitual, modular e hierárquica de conteúdo de e-learning, a LMML pode ser adaptada a diferentes situações de aprendizagem e alunos. Ela utiliza o conceito de Curso como uma unidade de estudo. A PALO é uma linguagem de modelagem desenvolvida pela Universidad Nacional de Enseñanza a Distancia, Spain UNED (Rodríguez-Artacho et al, 1999) que descreve cursos organizados em módulos que contém atividades de aprendizagem, conteúdo e um plano de ensino associados. A linguagem fornece modelos para definir os tipos de cenários de aprendizagem com suas propriedades pedagógicas associadas. Com algumas limitações, esses atributos também permitem definir prazos e dependências entre os módulos e tarefas. A linguagem utiliza o conceito de módulo como uma unidade de estudo. A IMS LD (IMS Learning Design) é uma especificação, elaborada pelo grupo de trabalho IMS/LDWG, é uma integração da EML (Educational Modelling Language) desenvolvido pela Universidade Aberta da Holanda (Open University of the Netherlands OUNL), com outras especificações IMS existentes para o intercâmbio e a interoperabilidade do material de e-learning. A IMS LD incorpora a EML OUNL e descreve a estrutura e processos educativos com base em um meta-modelo pedagógico, utilizando unidades de aprendizagem chamadas Learning Design. Embora exista uma grande quantidade de ferramentas e de métodos para representação do processo de aprendizagem, de acordo com Lima e Fialho (2008b), existem poucos trabalhos relacionados com o processo de planejamento da disciplina. Para auxiliar o professor nesta tarefa, os autores propõem duas ferramentas pedagógicas: o Mapa de Conteúdos e o Mapa de Dependências cujo processo de criação é uma metodologia de 114
Uma ontologia para o Mapa de Conteúdos e o Mapa de Dependências
planejamento para disciplina. Embora estejam implementadas em um Ambiente Virtual de Aprendizagem verifica-se a necessidade de um modelo de representação computacional dessas ferramentas, evitando ambiguidades e favorecendo seu compartilhamento e reuso entre sistemas e pessoas (SILVA; LIMA, 2011). Neste contexto a utilização de uma ontologia conforme Noy e Mcguiness (2001) fornecem um modelo de representação computacional, evitando interpretações ambíguas e possibilitando o compartilhamento de conhecimento e seu reuso. Dessa forma, o objetivo desse trabalho é apresentar uma ontologia para o Mapa de Conteúdos e para o Mapa de Dependências. Para isso, na segunda seção serão apresentados os principais conceitos envolvidos. Na terceira seção, será descrita a ontologia definida e por fim, na quarta seção serão apresentadas as considerações finais.
Conceitos envolvidos Nessa seção, serão apresentadas as ferramentas pedagógicas: Mapa de Conteúdos e Mapa de Dependências e alguns dos principais conceitos envolvendo ontologias, tais como: metodologias de desenvolvimento e ferramentas de construção.
Mapa de Conteúdos e Mapa de Dependência: uma metodologia de planejamento de disciplinas com base em objetivos educacionais O Mapa de Conteúdo e o Mapa de Dependência são duas ferramentas pedagógicas definidas em (Lima; Fialho, 2008b) que tem como principal objetivo fortalecer o processo de ensino-aprendizagem através de uma metodologia de planejamento da disciplina. O Mapa de Conteúdos (MC) é uma ferramenta baseada na Teoria da Aprendizagem Significativa (Ausubel, 1976) e nos Mapas Conceituais (Peña et al, 2005). A Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel prioriza a aprendizagem cognitiva através da integração do conteúdo aprendido em uma edificação mental conectada à estrutura cognitiva já existente. A Figura 1 mostra um exemplo de um MC, contendo o primeiro nível de visão para disciplina de Educação a Distância, cujo conteúdo programático é mostrado na Figura 2.
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Figura 1 - Exemplo de um MC
Fonte: LIMA (2009)
Os Mapas Conceituais de Novak, são representações gráficas semelhantes a diagramas que indicam relações entre conceitos (palavras) através de setas descritivas. Seu conteúdo parte de uma estrutura que vai desde os conceitos mais abrangentes até os mais específicos, podendo contemplar as diversas áreas do conhecimento. Segundo Okada e Santos (2004), os Mapas Conceituais podem ser utilizados para auxiliar a ordenação hierarquizada de conceitos.
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Uma ontologia para o Mapa de Conteúdos e o Mapa de Dependências
Figura 2 - Exemplo de um Conteúdo Programático
Fonte: LIMA (2009)
Muito semelhante aos Mapas Conceituais, o MC é uma ferramenta gráfica que apresenta as relações e hierarquias existentes entre os conteúdos de uma disciplina ou curso. O MC tem como objetivo principal fortalecer o processo de ensino-aprendizagem, através do fornecimento de um conteúdo mais significativo para professor e aluno. O MC torna possível a apresentação da disciplina ou curso através de uma visualização gráfica dos conteúdos e das relações existentes entre os mesmos. No MC, as relações entre os conceitos obedecem a uma hierarquia, onde os conteúdos mais introdutórios ocupam o topo do gráfico e os mais complexos a base. Essa relação entre os conteúdos indica ao aluno a necessidade de entender os conceitos presentes no conteúdo mais simples para poder compreender os conceitos existentes no conteúdo mais complexo. O Mapa de Dependências (MD) é uma ferramenta pedagógica formada por um conjunto de Objetivos Educacionais (OE) apresentados de forma gráfica e relacionados entre si através da Taxionomia de Bloom (BLOOM et al., 1977; BLOOM; HASTNGS; MADANS, 1983). A Taxionomia de Bloom surgiu para facilitar a troca de informações sobre os desenvolvimentos curriculares e os planos de avaliação, e tem como finalidade classificar objetivos do sistema educacional. O seu uso possibilita a definição dos OEs desejados para uma determinada unidade e ou conteúdo. Contudo, a taxionomia permite apenas que se verifique se o resultado foi alcançado ou não. Dessa forma, o uso exclusivo da Taxionomia de Bloom pode apresentar problemas quando o aluno não alcança o objetivo proposto. Nesse caso, tanto o professor como o aluno não conseguem identificar onde se encontra a falha do processo de ensino-aprendizagem. Para que seja possível identificar onde está o problema, quando o aluno não consegue atingir o OE designado, a metodologia proposta apresenta o MD. Trata-se de uma 117
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ferramenta formada por um conjunto de OEs relacionados entre si, através da hierarquia definida pela Taxionomia de Bloom, e que são apresentados de forma gráfica. O MD, em geral, é formado por um OE e por um conjunto de comportamentos necessários para se atingir esse objetivo. Tanto o OE quanto os comportamentos necessários para alcançá-lo são definidos de acordo com as categorias existentes na Taxionomia de Bloom. O nível mais alto do MD representa o OE, pertencente a uma determinada classe da taxionomia, definido pelo professor para explicitar o que espera dos alunos em relação a um conteúdo. Após esse primeiro nível, o MD mostra a relação de dependência entre esse objetivo inicial e qualquer número de comportamentos da classe inferior, que possam contribuir para a realização do objetivo inicial. Esse relacionamento de dependência se repete, com o MD podendo conter tantos níveis quantos forem necessários, até se atingir a classe mais simples da Taxionomia de Bloom ou até que se atinja um comportamento que não necessite de novas dependências. No exemplo ilustrado pela Figura 3, o OE definido foi: caracteriza habilidades da classe de Aplicação. No exemplo, foi definido que para se alcançar esse objetivo o aluno deve possuir duas habilidades no nível de Compreensão:
no nível de Aplicação, o aluno tem que dominar determinadas habilidades no nível de Compreensão.
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Uma ontologia para o Mapa de Conteúdos e o Mapa de Dependências
Figura 3 - Exemplo de um MD
Fonte: Lima (2009)
O processo de definição de habilidades ou comportamentos necessários continua, de forma recursiva, até que se verifique que não são mais necessárias ou que se atinja o nível mais baixo da taxionomia. No exemplo, para cada habilidade definida no nível de Compreensão foi definido pelo menos um comportamento necessário no nível de Conhecimento.
Ontologias
A palavra Ontologia vem do grego ontos+logoi e signific Para filosofia, ontologia é o estudo que trata da natureza do ser, da realidade, da existência dos entes e das questões metafísicas em geral (SEMPREBOM; CAMADA; MENDONÇA, 2007). Para computação, de acordo com Freitas (2003), as ontologias servem como ferramenta para a organização, reutilização, compartilhamento e disseminação de conhecimento, para trocas de informações entre os membros de uma comunidade, sejam eles humanos ou agentes inteligentes, para caracterizar e relacionar os conceitos em um domínio, fornecendo um vocabulário para representação do conhecimento nele contido, e para a construção semântica da base de conhecimento, dotando os sistemas de inteligência e autonomia. De acordo com Gómez-Pérez (1999), uma ontologia é formada pelos seguintes componentes: conceitos, relacionamentos, funções, axiomas e instâncias. Os conceitos, que são organizados de acordo com uma taxonomia, representam qualquer coisa em um domínio, como uma tarefa, uma função, uma estratégia, um conjunto, uma classe de entidades entre outras coisas. Os relacionamentos representam um tipo de interação entre os conceitos de um domínio, sendo a cardinalidade sempre n para n. Já a função é um caso especial de relacionamento em que um conjunto de elementos tem uma relação única com outro elemento, ou seja, a cardinalidade é n para 1. Os axiomas são as sentenças que restringem a 119
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interpretação e o uso do conceito e são sempre verdadeiras, independentes da situação, ou seja, devem ser verdadeiras em todos os mundos possíveis. Por fim, as instâncias são utilizadas para representar os elementos específicos do domínio, ou seja, os próprios dados. Embora seja uma área em efervescência, devido a web-semântica, com uma grande quantidade de pesquisas e modelos sendo desenvolvidos, não existe um consenso sobre a utilização de uma metodologia para a construção de ontologias, ficando a critério do desenvolvedor a adoção de alguma metodologia. Muitos pesquisadores da área estudam os aspectos relacionados à construção e manipulação de ontologias e, com base nesses estudos, algumas propostas de metodologias foram desenvolvidas (OLIVEIRA, 2006). Seguindo essa linha, outro exemplo é a metodologia Toronto Virtual Enteprise TOVE proposta por Michael Grüninger e Mark S. Fox (1994). Essa metodologia teve como base para o seu desenvolvimento a experiência obtida no desenvolvimento da ontologia do projeto TOVE, o qual modela processos e atividades comerciais para empresas com os domínios de processos corporativos e de negócios. Assim, a primeira metodologia para o desenvolvimento de ontologias foi proposta por Mike Uschold e Martin King (1995). O grupo do pesquisador Mike Uschold desenvolveu o projeto Enterprise Ontology, que trata da modelagem de processos empresariais. A experiência obtida com a construção da ontologia deste projeto serviu de base para o desenvolvimento da metodologia. Outro exemplo é o projeto KACTUS cuja metodologia proposta por Bernaras et al (1996) tem como um dos objetivos investigar o reuso do conhecimento com suas regras ontológicas necessárias em sistemas complexos. Esta metodologia foi proposta para integrar ontologias existentes para a construção de uma nova, em aplicações de complexos sistemas técnicos. Além de não existir uma metodologia padrão para a construção de ontologias, também existem disponíveis muitas ferramentas e ambientes que podem ser usados para a construção e reuso de ontologias. Em relação à escolha de quais ferramentas e ambientes adotar, Gava e Menezes (2003) definem alguns critérios que devem ser considerados, por exemplo: a arquitetura do software e a evolução da ferramenta, a interoperabilidade, a representação do conhecimento, o serviços de inferência e a usabilidade. No trabalho proposto, o editor de ontologias utilizado na construção da ontologia do Mapa de Conteúdos e do Mapa de Dependências foi o PROTÉGÉ. O PROTÉGÉ é um software livre, recomendado pela W3C, para construção de ontologias e que, a princípio, foi desenvolvido para a área biomédica em atenção às bases de conhecimento que formam a Biblioteca Nacional de Medicina (ELUAN; FACHIN, 2007). Além do código aberto, o PROTÉGÉ importa e exporta ontologias em diversos formatos, o que facilita a reutilização da ontologia. Assim, o uso desse editor elimina parte da complexidade e diminui a probabilidade de erros (DINIZ, 2010).
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Uma ontologia para o Mapa de Conteúdos e o Mapa de Dependências
Metodologia de Desenvolvimento
Embora muitas metodologias para sistematizar a construção de ontologias tenham sido propostas, ainda não existe um consenso de um modelo padrão a ser utilizado. Dessa forma, o desenvolvimento da ontologia proposta não seguiu fielmente nenhuma metodologia para construção de ontologias encontradas na literatura. O domínio utilizado neste trabalho refere-se a duas ferramentas pedagógicas: Mapa de Conteúdos e Mapa de Dependências, utilizadas para auxiliar o professor no planejamento de uma disciplina. Nesse sentido, o primeiro passo no desenvolvimento da metodologia proposta foi a análise desse domínio, onde foram identificados os termos importantes para o contexto, como por exemplo, os conceitos e propriedades identificados informalmente antes da representação formal. A identificação dos termos foi realizada através da análise do trabalho definido por Lima e Fialho, (2008b). Foi verificado que o Mapa de Conteúdo é composto pelos conteúdos existentes para um determinado nível de visão da disciplina ou curso e por seus relacionamentos. Um conteúdo pode está relacionado ou não com um ou mais conteúdos e representa os conteúdos informados pelo professor. Para facilitar o entendimento do conteúdo pelo aluno cada conteúdo pode ser composto por vários subníveis, onde cada subnível é composto por um conjunto de conteúdos e seus relacionamentos. Cada conteúdo contém objetivos educacionais que se espera que o aluno alcance. Cada objetivo educacional será associado a uma das categorias definidas na Taxionomia de Bloom. O Mapa de Dependência é formado por um objetivo educacional e por um conjunto de comportamentos necessários para alcançar o objetivo educacional, cada comportamento é considerado um novo objetivo educacional que pode necessitar de comportamentos para alcançá-lo. A fase final da criação da ontologia foi realizada através de uma representação específica que permite o processamento e a abrangência do conhecimento pela máquina. Isso é possível através de uma linguagem específica para a criação de ontologias e de uma ferramenta que permita sistematizar e integrar as especificações definidas à linguagem utilizada. Para a implementação da ontologia, foi utilizada a linguagem OWL Web Ontology, ou simplesmente OWL por ser padronizada pela W3C e por oferecer recursos compreensíveis às máquinas, atendendo assim às necessidades da Web Semântica. Esta linguagem possibilita descrever classes e as relações existentes entre elas, além de possibilitar que essas classes sejam reutilizadas. A ferramenta utilizada foi o PROTÉGÉ. Um editor de ontologias de código aberto e foi desenvolvido pela Stanford Medical Informatics na Stanford University School of Medicine. Ele permite a criação, visualização e manipulação de ontologias em diferentes formas de representação, tal como a OWL. As funcionalidades do mesmo podem ser estendidas utilizando plug-ins disponíveis na internet ou mesmo podendo ser criados pelos próprios usuários. O plug-in utilizado para visualização da ontologia do Mapa de Conteúdos e do Mapa de Dependências foi o ONTOGRAF. 121
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A conexão entre os indivíduos é representada no PROTÉGÉ através das propriedades do objeto (Object Properties). Uma propriedade é declarada como do Object Property quando tem o papel de relacionar uma classe à outra classe. Após a definição das classes, subclasses e propriedades, criaram-se as instâncias para a base da ontologia. As instâncias representam indivíduos específicos de uma determinada classe. Na ontologia proposta as instâncias são os verbos que podem representar os comportamentos esperados do aluno.
A Ontologia do Mapa de Conteúdos e do Mapa de Dependências
Na construção da ontologia do Mapa de Conteúdos e do Mapa de Dependências foram definidas as seguintes classes: Mapa de Conteúdo, Conteúdo, Relação, Subnível, Objetivo educacional, Nível, Mapa de Dependência e Nível-1. A figura 4, retirada do software PROTÉGÉ, ilustra a estrutura dessas classes e suas hierarquias. Além das classes, existe a necessidade de se modelar a relação entre os indivíduos, ou seja, como eles se conectam. Essa conexão é representada através das propriedades do objeto (Object Properties). A Figura 5 ilustra as propriedades dos objetos para ontologia proposta. A classe Mapa de Conteúdo é composta pela quantidade de conteúdos que existem para um determinado nível de visão da disciplina ou curso e pelos conteúdos e suas relações com outros conteúdos. Por sua vez, a classe Conteúdo representa cada conteúdo informado pelo professor e seus nomes e a classe Relação mostra o nome e relacionamento existente entre cada Conteúdo. Assim, Mapa de conteudo está relacionado com Conteúdo através da propriedade tem Conteúdo. Esta propriedade também conecta Mapa de conteúdo a Relação. Figura 4
Classes da ontologia do MC e do MD
Fonte: Silva; Lima (2011).
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Para facilitar o processo de entendimento do aluno, a classe Subnível implementa subníveis de visões. No caso, cada Conteúdo pode ser composto por vários níveis, onde cada nível contém um pequeno conjunto de Conteúdo e sua Relação. Nesse caso, cada conteúdo pode ser expandido para outro subnível de visão, num processo de refinamento da descrição da disciplina ou curso. A classe Conteúdo está relacionada à classe Relação através da propriedade tem Relação. Como visto, cada conteúdo pode conter subníveis, assim, a ligação entre Conteúdo e Subnivel é realizada através da propriedade tem Subnível. Por sua vez, Subnível esta relacionada com Mapa de conteúdo através da propriedade tem Mapa de Conteúdo. Os conteúdos contêm objetivos educacionais, a relação entre a classe Conteúdo e a classe Objetivo educacional é estabelecida através da propriedade tem Objetivo Educacional. A classe Objetivo educacional representa os objetivos educacionais que o aluno deve alcançar, para cada um dos conteúdos inseridos. Cada objetivo educacional pertence a um nível da Taxionomia de Bloom. A categorização dos objetivos educacionais é realizada através de verbos e dos comportamentos esperados do aluno. Cada Objetivo educacional será associado a uma classe Nível, que representa as categorias definidas na Taxionomia de Bloom (BLOOM; HASTINGS; MADANS, 1983). Como mencionado no parágrafo anterior, a metodologia leva em conta que a categorização dos objetivos educacionais, de acordo com a Taxionomia de Bloom, pode ser realizada através de verbos ou atitudes que representam os possíveis comportamentos esperados do aluno (LIMA, 2009a). Estes Verbos foram classificados na ontologia do Mapa de Conteúdos e do Mapa de Dependências como entidades. A seguir, uma descrição de cada subclasse da classe Nível com suas instâncias: Figura 5- Propriedades do Objeto
Fonte: Silva; Lima (2011)
Subclasse Conhecimento: inclui comportamentos e situações de verificação, nos quais se salienta a evocação, por recognição ou memória, de ideias, materiais ou fenômenos. O aluno adquire e armazena informações que mais tarde precisa evocar. (Entidades: escreva, 123
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liste, rotule, mostre, tabule, enumere, copie, selecione, nomeie, diga, defina, reproduza, relate, identifique, cite, colete e evoque.) Subclasse Compreensão: referem-se àqueles objetivos, comportamentos ou respostas que representam um entendimento da mensagem literal contida em uma comunicação. Para alcançar esta compreensão, o estudante pode modificar mentalmente a comunicação, expressando-a em uma forma análoga que lhe é mais significativa. (Entidades: explique, associe, distinga, estenda, estimule, agrupe, sumarize, converta, discuta, traduza, ordene, diferencie, resuma, parafraseie, descreva, interprete e ilustre.) Subclasse Aplicação: necessita de uma etapa a mais do que a categoria compreensão, que requer apenas que o aluno conheça suficientemente a abstração para demonstrar seu uso quando necessário. Em um problema novo apresentado para o aluno, ele deverá aplicar as abstrações apropriadas, sem que lhe tenha sido sugerido quais são estas abstrações ou sem que lhe seja ensinado como usá-las naquela situação. O aluno, ao demonstrar compreensão, pode usar abstração quando seu uso está especificado. Na aplicação, o aluno deve usar corretamente a abstração em uma situação na qual ela não está de modo algum especificada. (Entidades: use, compute, resolva, aplique calcule, termine, experimente, demonstre, descubra, determine, torne, estabeleça, articule, transfira, ensine, prepare e construa.) Subclasse Análise: focaliza o desdobramento do material em suas partes constitutivas, a percepção de suas inter-relações e seus modos de organização. Orienta-se, também, em relação às técnicas e instrumentos que se empregam para comunicar o significado ou estabelecer o resultado final de uma comunicação. (Entidades: analise, classifique, categorize, compare, contraste, deduza, arranje, conecte, divida, prioriza, indique, diagrame, discrimine, focalize e separe.) Subclasse Síntese: o aluno deve reunir elementos de diversas fontes e reorganizá-los em uma estrutura ou configuração não claramente percebida antes. Seus esforços devem estar dirigidos para a elaboração ou construção de um resultado identificável em vários sentidos e mais integral do que os materiais com que ele iniciou seu trabalho. (Entidades: crie, proponha, formule, modifique, planeje, elabore, hipótese, invente, projete, desenvolva, ligue, componha, generalize, substitua, integre, rearranje, reescreva, adapte, antecipe e compile.) Subclasse Avaliação: pode ser definida como um processo de julgamento acerca do valor de ideias, trabalhos, soluções, métodos, materiais, dentre outras, realizados com um determinado propósito. A avaliação foi colocada neste nível da taxionomia porque é relativamente considerada como um estágio final do complexo processo, que envolve certa combinação de todos os outros comportamentos classificados nas categorias anteriores. (Entidades: julgue, argumente, avalie, recomende, critique, justifique, decida, teste, convença e conclua.) A Classe Mapa de Dependência modela a ferramenta Mapa de Dependências, que é formada por um objetivo educacional e por um conjunto de comportamentos necessários para se atingir este objetivo. O objetivo educacional é definido dentro de uma das categorias da Taxionomia de Bloom e os comportamentos necessários para atingir o objetivo proposto pertencem a níveis inferiores. Por sua vez, cada comportamento esperado 124
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do aluno é considerado um objetivo educacional que também pode necessitar de comportamentos esperados para que seja alcançado. Na ontologia proposta, essa recursividade é representada pela classe Nível-1. Assim, temos que os objetivos educacionais são compostos por níveis e por um Mapa de Dependência. O relacionamento entre a classe Objetivo educacional e a classe Nível é realizado através da propriedade tem Nível. A relação entre Objetivo educacional e Mapa de dependência é estabelecida através da propriedade tem Mapa de Dependência. O Mapa de Dependências pode conter vários objetivos educacionais de nível inferior ao objetivo proposto, representado na ontologia pela classe Nível-1. Esta classe se relaciona com Objetivo educacional através da propriedade tem Objetivo Educacional.
Considerações Finais
Embora existam diversas ferramentas relacionadas com ensino-aprendizagem, principalmente para os Ambientes Virtuais de Aprendizagem, existem poucas ferramentas relacionadas com o processo de planejamento da disciplina. O Mapa de Conteúdos e o Mapa de Dependências são duas ferramentas pedagógicas desenvolvidas com base em teorias pedagógicas consolidadas e que promovem o planejamento da disciplina através da definição do objetivo educacional para cada unidade. Embora as ferramentas tenham sido implementadas em um Ambiente Virtual de Aprendizagem, funcionalidades mais complexas, tais como: reutilização de cursos, busca por conteúdo, dentre outras, necessitam que as ferramentas sejam modeladas numa representação que possibilite o tratamento computacional. Para isso, a utilização de uma ontologia permite representar os termos envolvidos de forma a evitar ambiguidades, favorecendo seu compartilhamento e reuso. Além disso, possibilita, também a formalização, o compartilhamento e a definição de conceitos, restrições, instâncias, relacionamentos e axiomas de um domínio de conhecimento (CARNEIRO; BRITO, 2005). Para a representação da ontologia proposta foi utilizado o software PROTÉGÉ, um editor popular, de código aberto que importa e exporta ontologias em diversos formatos, facilitando a reutilização e intercâmbio de ontologias. A ontologia do Mapa de Conteúdos e do Mapa de Dependências é composta pelas classes: Mapa de Conteúdo composta pelos conteúdos existentes para um determinado nível de visão da disciplina ou curso. Conteúdo que pode está relacionado ou não com um ou mais conteúdos e representa os conteúdos informados pelo professor e a classe Relação representando o relacionamento existente entre cada Conteúdo. Para facilitar o entendimento do conteúdo pelo aluno cada Conteúdo pode ser composto por vários subníveis, onde cada subnível é composto por um conjunto de Conteúdo e sua Relação. A classe Subnivel implementa os subníveis de visões. Cada conteúdo contém objetivos educacionais. A classe Objetivo educacional representa os objetivos educacionais que se espera que o aluno alcance. Cada Objetivo educacional será associado a uma classe Nível, que representa as categorias definidas na 125
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Taxionomia de Bloom. A classe Mapa de Dependência é formada por um objetivo educacional e por um conjunto de comportamentos necessários para alcançar o objetivo educacional, cada comportamento é considerado um novo objetivo educacional que pode necessitar de comportamentos para alcançá-lo, esta recursividade é representada pela classe Nível-1. A utilização de uma ontologia possibilita desenvolvimento de mecanismos que irão facilitar o processo de utilização e aplicação das ferramentas Mapa de Conteúdos e Mapa de Dependências. Nesse sentido, a modelagem dessas ferramentas pedagógicas dentro de uma ontologia possibilita o desenvolvimento de novas funcionalidades e mecanismos que irão facilitar o processo de utilização e aplicação dessas ferramentas. Dessa forma, este artigo apresentou uma breve descrição das ferramentas pedagógica Mapa de Conteúdo e Mapa de dependências e apresentou uma proposta de uma ontologia para estas ferramentas. Como o Mapa de Conteúdos e o Mapa de Dependências são ferramentas pedagógicas relacionadas com o planejamento de cursos em Ambientes Virtuais de Aprendizagem, o próximo passo do trabalho será modelar a ontologia definida dentro de uma ontologia genérica de domínio para cursos virtuais.
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