JUSTICE FOR ALL: A VERDADE SOBRE OS
JUSTICE FOR ALL: THE TRUTH ABOUT
CE
LL
TH
S
JOELMcIVER McIVER JOEL TRADUÇÃO Jorge Colaço REVISÃO António Freitas
“Very professional... I get asked to sign copies of this book all over the world” Lars Ulrich, Metallica
Índice Prefácio de António Freitas 11 Prefácio à edição de 2014 15 Prólogo por Thomas Gabriel Fischer 17 Introdução 21 Fontes e agradecimentos 24 1 Antes de 1980 27 2 1980 – 1981 41 3 1981 – 1982 54 4 1982 64 5 A Verdade Sobre o Thrash Metal 77 6 1982 92 7 A Verdade Sobre Cliff Burton 104 8 1982 – 1983 110 9 1983 123 10 1983 – 1984 139 11 1984 – 1985 151 12 A Verdade Sobre Master Of Puppets 168 13 1986 180 14 A Verdade Sobre a Morte de Cliff 192 15 1986 – 1988 203 16 1988 – 1991 219 17 A Verdade Sobre o Black Album 233 18 1992 – 1995 248 19 1996 – 1997 260 20 A Verdade Sobre Load e Reload 279 21 1998 – 1999 287 22 2000 – 2001 305 23 A Verdade Sobre o Napster 329 24 2001 – 2003 343 25 2004 – 2005 371 26 2006 – 2009 395 27 2010 – 2014 415 28 A Verdade Sobre os Metallica 434 Discografia 449 Recursos Online 451 Índice remissivo 452 9
Prólogo Por Thomas Gabriel Fischer, Celtic Frost/ /Apollyon Sun/Triptykon
Será possível capturar verdadeiramente, por intermédio de meras palavras impressas no papel, um sentimento tão intenso e pungente como não há outro, um espírito, uma rebeldia, um impulso adolescente fanático e incontrolável? Uma música? Será possível retratar de modo exacto a atitude e o estado de espírito de uma época e de uma geração, se essa mesma geração foi impulsionada por algo que não se consegue descrever por palavras? Pela música? Estou tentado a dizer, não, não é… No entanto acredito ao mesmo tempo que é extremamente importante que alguém tente fazer exactamente isso. Os Metallica mudaram a face da música rock moderna pelo menos duas vezes. A primeira vez foi no início dos anos oitenta quando eles irromperam numa cena completamente nova de miúdos ansiosos à procura de exorcizar a imobilidade complacente e persistente do hard rock do final dos anos setenta aplicando o power cru que o movimento punk veio mostrar tão descaradamente. Os Metallica adoptaram este power, agora rudemente desenvolvido pelos grupos da New Wave of British Heavy Metal, e apresentaram-no a nós de uma forma completamente nova e totalmente contagiante. A segunda vez foi há cerca de dez anos atrás, quando eles provaram a essa mesma cena, que se tinha tornado ela própria num monstro sólido, orientado para a indústria e totalmente permissivo, como voltar a produzir uma obra-prima inovadora lançando aquele que é popularmente conhecido como o Black Album. Para alguns, isso pode não ser muito importante. É justo. Mas para mim, e para centenas de milhares de outras pessoas… isso mudou as nossas vidas. Tornou-se o nosso mundo, e permaneceu para o resto das nossas vidas como parte da base da nossa percepção da música. A primeira vez que ouvi Metallica, eles ainda mal se assemelhavam ao que mais tarde se tornou talvez na força mais significante da música 17
Prólogo pesada. Eu era um adolescente naquela que era apenas uma cena underground em 1981, 82, muito antes da introdução de determinadas coisas como PC’s, a internet ou os CD’s. Os meus amigos e eu tentávamos juntar dinheiro suficiente para comprar novos singles obscuros de metal a lojas de discos igualmente obscuras, e passávamos os sábados a conduzir durante horas à procura de novos lançamentos, importados apenas por alguns lojistas obcecados, por vezes em edições de um ou dois exemplares. Eu também fiz parte do que se tornaria numa florescente rede de trocas de cassetes, onde a malta nova copiava e trocava novas músicas de metal, fazendo cópias das cassetes e enviando-as aos seus contactos em redor do mundo. Juntamente com essas cassetes recebiam também fanzines fotocopiadas de onde constavam listas intermináveis de nomes de bandas recentes de metal. Entre esses nomes estava Metallica. Dois dos meus melhores amigos na altura eram mais velhos que eu e tinham empregos “a sério” e ganhavam dinheiro “a sério”. Foi por essa razão que eles conseguiam pôr as mãos em algumas das melhores músicas novas antes de todos nós. Eles compilavam cassetes para mim, e algures em 1982, uma dessas cassetes continha uma música que era mais rápida e mais intensa que qualquer outra coisa que eu já tivesse ouvido. Era incrivelmente moderna e incluía uma aparentemente interminável secção de guitarra solo de nos levar completamente à loucura. A música era «Hit The Lights» e a banda eram os Metallica. Os meus amigos gravaram-me essa música de uma das primeiras cópias da pioneira compilação Metal Massacre. Havia um ar de imprevisibilidade no desenvolvimento musical daquela época, e «Hit The Lights» era o seu expoente típico. De uma forma pouco plausível era nova, ousada, extrema, e muito mais avançada que a maioria das músicas das então dominantes bandas britânicas. Uma edição posterior da Metal Massacre, que me apressei a comprar, continha uma versão regravada da «Hit The Lights», tornando-se evidente que os Metallica eram uma banda que não se contentava em ficar parada. Eu estava em Inglaterra e a meses de distância do lançamento da primeira gravação da minha própria banda, quando encontrei o primeiro álbum dos Metallica numa loja de música no final do verão de 1983. É quase embaraçoso, mas o Kill’Em All continua de muitas formas a ser o meu lançamento favorito dos Metallica até ao dia de hoje, de simples e espartano que é, e do quanto os Metallica têm provado ser capazes de criação musical desde então. Mas o Kill’Em All foi uma revolução, e talvez não seja tanto a música em si que o faz tão especial, mas antes a memória do que este fez a uma cena musical à qual todos tínhamos 18
Justice for All: A Verdade Sobre os Metallica dedicado a nossa existência. Isso significa uma aura, uma atmosfera, uma emoção única. Ainda assim os Metallica passaram a gravar e a produzir álbuns decisivos um após outro, e a maior parte de nós, das outras bandas, devemos muito do nosso próprio sucesso à pura força dos Metallica e ao facto da sua música ser forte e profissional o suficiente para uma vez mais fazer do heavy rock um pilar da música e um mercado forte e dominante. Quando vi os Metallica ao vivo pela primeira vez em Fevereiro de 1984, eles iam abrir para outro grupo e o concerto deles começou com problemas técnicos que obrigaram ao recomeço do espectáculo. Mas ainda assim eles partiram tudo e fizeram-nos passar da cabeça na mesma. Este era apenas um dos vários indicadores que os concertos desta banda se iriam tornar numa inflexível explosão de música executada com precisão, o qual teria algo a dizer a quase todas as bandas de rock contemporâneas. Os Metallica nasceram e cresceram como uma manifestação da adolescência, da agressão, da discórdia, da rebelião, da frustração – o que significa que havia mais pessoas capazes de se identificar com a sua (aos olhos de alguns) música arcaica do que com qualquer música supostamente “séria” dos últimos anos. Mas por quanto tempo pode uma banda representar verdadeiramente tais impulsos enquanto ao mesmo tempo se tornam eles próprios adultos com um enorme sucesso? Respondendo a uma pergunta que o Joel me colocou há algum tempo atrás, eu disse-lhe algo como isto: sendo um músico que tem experimentado e conduzido forçosamente a sua própria música a novas fronteiras, sei como alguém genuinamente criativo necessita por vezes de uma abordagem nova e ousada. Eu julgo compreender a razão pela qual os Metallica também o fizeram. Eu acredito que era algo que eles tinham de fazer, principalmente pela sua sanidade mental. A indústria musical é um acto de equilíbrio. Tu podes tornar-te um sucesso porque representas o novo, o revolucionário, o arrojado, e no entanto, quando após anos de carreira vais tentar fazer exactamente o mesmo, os teus fãs fizeram da tua revolução original algo intocável que não permite mudanças. É fácil compreender as razões de ambos os lados. Aplaudo o esforço do Joel em deitar alguma luz sobre a ascensão dos Metallica e sobre as razões por trás do seu desenvolvimento. Acredito genuinamente que este livro nos vai iluminar a todos cujas vidas foram tocadas pela sua música e pela sua força. Tom Gabriel Fischer Zurique, Suíça, Maio de 2003 19
Introdução Este é um livro que precisava de ser escrito, e existem várias razões para isso. Em primeiro lugar, nos seus 30 anos de carreira e até à data os Metallica venderam mais de 85 milhões de CD’s e álbuns, mais um enorme número de singles, vídeos, DVD’s, box sets e merchandise. Estão actualmente na sétima posição dos artistas que mais vendem na história da gravação dos Estados Unidos, e mesmo os seus mais próximos concorrentes no campo do heavy rock e do metal (vêm-me à ideia grupos que vendem bastante por direito próprio como os Iron Maiden, Guns N’ Roses, Korn, Linkin Park e Limp Bizkit) nem se aproximam em termos comerciais. Mas estas simples estatísticas não dão a indicação das mudanças culturais que os Metallica induziram. A sua carreira pode claramente ser dividida em duas metades – a primeira como um grupo de metal “extremo” fora dos parâmetros e a segunda como uma banda mundialmente famosa como poucas. Algures entre estas duas fases paira um álbum avassalador, Metallica de 1991, que mudou a face da música popular. Este álbum trespassou todas as regras que caracterizavam o heavy metal no final do século XX, e ao fazê-lo marcou o início de uma variedade de novas bandas com uma maior ou menor dívida para com os Metallica. Ao longo do caminho os Metallica mudaram. Em tempos foram uma banda de thrash metal, resumindo o estilo com música altamente agressiva e totalmente inabalável tocada em velocidades que variavam entre o rápido e o extremamente rápido. Bem tocado, o thrash metal é dos géneros musicais mais emocionantes, exigente e inequivocamente tóxico, durante oito anos foi a especialidade preferida dos Metallica. Tocaram-no com total compromisso e com uma perícia de deixar o queixo caído, ao fazê-lo acumularam centenas de milhares de fãs. Contudo, para perplexidade e desilusão dos mais dedicados headbangers da sua legião de fãs, os anos noventa viram-nos desdobrar a sua música numa forma de blues, de rock alternativo e de metal mais lento, 21
5 A Verdade Sobre o Thrash Metal Mito 1: Os Metallica foram a primeira banda de Thrash Metal. Mito 2: O primeiro álbum dos Metallica, Kill’Em All, foi o primeiro álbum de Thrash Metal.
Foi o thrash metal descoberto por acidente? “Como disse Paul Stanley,” argumenta Jeff Dunn, o guitarrista dos Venom, “quando alguém lhe perguntava como é que eles se lembraram da maquilhagem dos Kiss, ele disse, ‘se alguém cair ao Mississippi e voltar com 16 pedrinhas de ouro não o vais chamar de génio do caralho. O que fizemos foi apenas o que fizemos, não foi forçado.’ ” O que Dunn (cujo nome artístico é Mantas) quer dizer é que a sua banda não tomou conscientemente nenhuma decisão de tocar mais rápido que todos os outros no seu primeiro álbum. Um dia decidiram apenas tocar rápido. “Não houve um momento particular em que isso aconteceu,” lembra Jeff. “Apenas aconteceu, e a primeira música de thrash metal que fizemos foi «The Witching Hour».” Ah sim – «The Witching Hour», um ponto alto de Welcome To Hell e uma canção na qual o baterista Tony Bray (Abaddon) dos Venom emprega um padrão de tarola com dupla-velocidade pela primeira vez. É uma canção primitiva, cheia de riffs crus, de rugidos do vocalista Conrad Lant (Cronos) e com uma produção tão básica como indecifrável. Mas a canção é lendária, e tem sido tocada por outras bandas várias vezes, notavelmente pelos Slayer. É esse padrão de ritmo que é a essência do thrash metal, tal como os riffs de uma corda em palm-mute ou power chords de duas cordas que o acompanham (os riffs movem-se geralmente muito rápido para serem empregues acordes completos, embora muitas canções contenham 77
A Verdade Sobre o Thrash Metal secções mais lentas e mais pesadas quando estas são tocadas). A parte de bateria de Abbadon, que foi empregue com bom efeito na cena punk hardcore, era muito mais rápida que os padrões de bateria típicos do rock e do metal, e agora tipifica a base de todo o metal extremo (o predominante género do metal do qual o thrash metal é apenas uma parte). Claro, muitas bandas anunciaram que eram as mais pesadas de sempre, a maior parte para publicidade, mas a ideia que mais rápido era igual a melhor não fazia sentido até os Venom aparecerem. Uma vez que Welcome To Hell se espalhou pelo underground e gozou de alguma cobertura dos media (não que as críticas fossem usualmente positivas: a habilidade dos músicos estava muito pouco desenvolvida para isso), outras bandas começaram a emergir, todas a entregarem-se a alguma forma de tempo acelerado e todas a partilhar um tema comum na escrita – Satanismo – o que trouxe a alguns interessados, pelo menos nos media, alguma preocupação. Embora a maior parte desses espectadores interessados tivesse já notado que os grupos de thrash metal dos anos oitenta empregassem imagens anti-cristãs, mais numa simples tentativa de chocar do que pelo facto de levarem isso a sério, na altura era algo genuinamente perturbador e excitante, também. O alinhamento inicial dos Venom foi influenciado pelo classic rock e pelo metal, mas tornou-se instável devido à inclinação de alguns membros para tocar mais rápido e com mais peso que os outros. “Eu estava numa banda chamada Guillotine com outro guitarrista e um baixista que era um pouco ‘armado em esperto,’ ” lembra Dunn com alguma satisfação. “Eu disse, ‘bem, vamos dedicar-nos a material com algum peso, Priest, Motörhead, Sabbath, esse género de música’ – e pus um anúncio no jornal para um baterista. Eu e o Abaddon demo-nos mesmo bem desde o início, mas o baixista foi do género, ‘se ele vai entrar na banda, eu saio. Então disse, Adeus!’ ” Os Venom estavam sediados em Newcastle, onde a New Wave Of British Heavy Metal se encontrava com a força toda. “Aqui, no início dos anos oitenta havia uma série de bandas da N.W.O.B.H.M. muito boas – Tygers Of Pan Tang, Raven, Fist, Emerson, White Spirit, grupos muito bons. Basicamente nós tivemos sucesso e elas não. Tiveram uma certa dose de êxito, mas de repente, bang – Os Venom tomaram conta de tudo.” Questionado sobre o porquê de a sua banda ter tido tanto reconhecimento enquanto aquelas outras bandas não, Dunn argumenta: “Penso que o público que comprava metal estava preparado para algo diferente. Nós tínhamos a atitude do punk e ao início descrevíamo-nos como punks de cabelo comprido. As pessoas costumavam dizer, ‘fazem 78
Justice for All: A Verdade Sobre os Metallica cá uma algazarra…’ nós chegámos e dávamos cabo daquilo tudo e o público adorava. As outras bandas estavam a fazer o seu melhor para serem bons músicos e tudo isso.” O mesmo era verdade para o cenário diametralmente oposto de Los Angeles, onde Gene Hoglan, Eric Peterson e outros fãs de metal observavam o declínio dos Mötley Crüe desde a respeitabilidade à Judas Priest para clones de hair-metal. Existia lado-a-lado uma cena punk e uma cena metal em L.A. e em Newcastle – em ambos os casos a promissora cena thrash metal estava prestes a emergir como uma fusão das duas. A causa do thrash metal Europeu naqueles dias beneficiou da visão de três bandas: Venom, uma banda dinamarquesa chamada Mercyful Fate e uma banda sueca que tinha por nome Bathory. Os três gravaram álbuns negros e agressivos enlaçados com imagens demoníacas, tudo com orçamentos microscópicos que iam em direcção a um som nebuloso e inacabado que acrescentava muito à sua atracção sinistra. Isso era apenas a música: as letras e os títulos das canções (e o artwork que foi inspirado nelas) carregavam a infame marca satânica. Como explica King Diamond, vocalista dos Mercyful Fate, a influência do shockhorror veio de fontes bem conhecidas: “Foi o Alice Cooper. Eu vi a Welcome To My Nightmare Tour em Copenhaga em 1975. Apesar de não haver muita maquilhagem, tás a ver, esta mudou-o completamente. Ele tornou-se irreal. Lembro-me tão bem do concerto. Estava na frente – e pensava que se conseguisse esticar-me e tocar na bota dele, ele provavelmente desaparecia.” Diamond, mais cerebral que muitos dos seus colegas, depressa se cansou de ser questionado acerca das suas supostas crenças satânicas, mas admite que o assunto requer alguma reflexão: “As pessoas dizem, ‘és Satânico?’ E eu digo, ‘bem, primeiro que tudo preciso de ouvir a sua definição de Satânico antes de responder sim ou não,’ ” brinca. Existe, apesar de tudo, uma estabelecida Igreja de Satã na América, com a sua Bíblia Satânica e vários textos associados, escritos ou co-escritos pelo fundador da Igreja, o falecido Anton LaVey. “Posso identificar-me com as filosofias que Anton LaVey escreveu,” continua o vocalista dos Mercyful Fate. “Quando li os seus livros pela primeira vez pensei, esta é a forma como vivo a minha vida. Estes são os valores que tenho. Mas ao mesmo tempo há um imenso vazio naquilo – ele não diz a ninguém, ‘ouve lá, este é o deus certo e este é o deus errado.’ Não há nada sobre deuses ali. Apenas diz para escolheres o que quer que te faça feliz, porque ninguém pode provar nada de qualquer das formas. Por isso se 79
A Verdade Sobre o Thrash Metal as pessoas dizem que sou Satânico porque acredito na filosofia de vida daquele livro, então sim, claro. Mas se estão a dizer, ‘acreditas que sangue de bebé te vai dar energia extra e que podes conjurar demónios com isso?’ Então não, eu não acredito nisso.” Os Venom alcançaram uma segunda vitória em 1982 quando lançaram o seu segundo álbum, Black Metal, um álbum que veio mais tarde a emprestar o seu nome a qualquer metal que lidasse com o mal ou com temas anti-cristãos. Os media e os fãs começaram a aplicar este rótulo a mais ou menos qualquer grupo com um metal ligeiramente mais dark, as bandas mais preocupadas responderam com uma subida da aposta para níveis extraordinários. Embora duas décadas depois a cena black metal esteja viva e de boa saúde, principalmente na Escandinávia (Dimmu Borgir, Immortal, Mayhem e muitos outros) e no Reino Unido (Cradle Of Filth, Hecate Enthroned), ironicamente as duas bandas que são geralmente reconhecidas por estarem entre as mais Satânicas de todas são os Slayer e a banda de death metal Deicide, ambas americanas. Contudo, há uma enorme diferença entre as duas, que é o facto dos Slayer terem abandonado os temas demoníacos no início dos anos noventa por tópicos mais realistas como o conflito de guerra e a decadência social (Tom Araya: “Muito do material satânico foi escrito pelo nosso guitarrista Kerry King, mas do meu ponto de vista ele é um escritor de ficção”), enquanto que os Deicide são verdadeiros crentes do Satanismo. O frontman Glen Benton explica: “Eu sei no que acredito e quando escrevo as letras não o faço para ofender o máximo de pessoas que consigo ou para fazer com que as pessoas se tornem Satânicas. Eu acredito muito nas filosofias Satânicas.” Em 1981 os tópicos anti-cristãos sobre os quais os Slayer e os Deicide cantam teriam levado a um escândalo em massa e provavelmente a serem banidos, mas felizmente o seu auge estava ainda por vir e nesta época inicial a imagem relativamente suave dos Venom, Mercyful Fate e Bathory era mais que suficiente para a indústria lidar com isso. O frontman dos Kreator, Mille Petrozza, cuja banda iria encabeçar a segunda divisão do thrash metal nos finais dos anos oitenta, pondera: “No início tocávamos covers dos Raven, dos Twisted Sister e dos Priest, mas quando ouvi Venom, a nossa música mudou drasticamente.” O terceiro membro desta primeira vaga thrash, os Bathory, estavam de alguma forma dissociados do resto do género, encontrando-se isolados numa pequena cidade na Suécia e influenciados principalmente pela cena punk. Os Bathory são primariamente o trabalho de um 80
Justice for All: A Verdade Sobre os Metallica homem, Quorthon, cujo nome verdadeiro nunca foi publicado,* que cresceu a alguma distância do resto do mundo da música: “Havia uma loja de discos em Estocolmo chamada Heavy Sounds que importava álbuns de heavy metal,” lembra. “Três ou quatro meses após o lançamento do nosso primeiro álbum em Junho de 1984 o gajo mostrou-me um dos álbuns dos Venom, e apercebi-me que havia um movimento em acção.” Contudo, os Bathory tornaram-se numa influência importante na onda do metal extremo que iria surgir pelos anos oitenta e depois, embora os temas Satânicos acerca dos quais Quorthon e os outros escreviam inicialmente não fossem muito populares em qualquer outra parte. Nos E.U.A. particularmente, os grupos cristãos têm tido sempre uma voz forte em ambos os círculos da sociedade e político e isto reflectiu-se na recepção dada às primeiras bandas de thrash metal no início dos anos oitenta, como lembra Tom Araya: “Passámos por muita merda com os nossos álbuns Show No Mercy e Hell Awaits por causa dos títulos – que até eram muito certeiros tás a ver? – e um pouco também com o Reign In Blood.” Alguns músicos trataram inclusivamente o assunto com alguma lógica ridícula. John Bush dos Anthrax disse ao jornalista Xavier Russell: “Quanto a essas coisas Satânicas, isso são tretas. Para mim Satanás é um assunto chato. Não o conheço e nunca o conheci, então porque é que devia escrever letras de canções sobre ele? De qualquer forma não o quero conhecer, ele é um cara de caralho. Essa cena toda do demónio está totalmente fora de moda. A grande maioria das bandas que escreve canções sobre Satanás escreve porque é um tópico fácil de abordar.” O próprio Kirk Hammett disse à Guitar World em 1988 que “não estou nessa cena Satânica. É apenas algo para nos encostarmos se não tivermos muita imaginação. Cantar a minha quinquagésima canção sobre almoçar com o diabo? Não é para mim. Isso é parvo.” Muitos concordaram com estes sentimentos, e à medida que os anos passaram, o elemento anti-cristão do thrash metal esvaneceu-se ao ponto destes tópicos ficarem mais ou menos confinados às arenas do black metal e a um menor nível ao death metal. Os próprios Venom, os instigadores de tudo isto, os progenitores do thrash metal e os inventores do termo black metal, continuaram a ser bastante elogiados por grupos e Quaisquer supostos “nomes verdadeiros” que possa encontrar em várias revistas e obras de referência são deliberadamente falsos, como o mesmo contou ao autor em Dezembro de 2002.
*
81
A Verdade Sobre o Thrash Metal críticos dentro da cena metal mas nunca alcançaram um grande sucesso comercial. Como lembra agora Jeff Dunn, “para efeitos de publicidade, dizíamos que iríamos ser os maiores e os mais rápidos e todas essas merdas que todas as bandas dizem – mas acho que apenas alcançámos isso até um certo ponto. Penso que abrimos as comportas para uma série de outros grupos chegarem e fazerem também este género de coisas.” Pensará ele que outras bandas pegaram na receita do thrash que ele patenteou e a tomaram para os seus próprios propósitos? Sem qualquer amargura, diz “desse ponto de vista, sim… mas lembro-me que os Slayer abriram para nós por volta de 1985 – não me lembro onde estávamos – vi-os e pensei, ‘mas o que é que vocês estão a fazer, rapazes?’ ” O guitarrista ficou petrificado e emudecido com a energia pura da música dos Slayer: “Eles estavam tão mais além do que estávamos a fazer, com toda a coisa do black metal. Se olhares para o metal nórdico hoje em dia, a cena orquestral, isso é mais outro patamar.” Dunn sabe onde fica a sua banda na estima dos fãs de metal, mas é realista acerca da natureza cíclica da música: “As pessoas dizem, ‘como é que te sentes, com o teu lugar assegurado nos livros de história por criares o black metal?’ Mas eu credito o K.K. Downing dos Judas Priest por me servir de influência. Ele era o meu grande herói. Se o K.K. ler isto vai dizer, ‘foda-se, eu influenciei-o a ele? Todos soam como nós!’ ” Welcome To Hell e os seus sucessores são lembrados com afeição até hoje por muito metálicos influentes, e como depressa iremos ver, por um certo grupo de adolescentes em Los Angeles. O vocalista Bobby “Blitz” Ellsworth dos nova-iorquinos Overkill diz: “Welcome To Hell foi um álbum brutalmente fantástico. O baixista D.D. Verni e eu tirámos uma semana apenas para beber e para consumir o sexo oposto quando éramos miúdos e essa foi a banda sonora da semana.” Mais profundo, o vocalista dos Kreator, Mille Petrozza refere-se aos álbuns dos Venom como uma experiência que alterou a sua vida: “Havia uma discoteca em Essen chamada Kaleidoscope. Costumávamos ir lá todas as segundas à noite porque passavam metal por duas horas, antes de começarem o programa habitual. Uma noite o DJ pôs uma coisa que nunca tinha ouvido antes e que era quase perturbadoramente extrema. Dirigi-me à cabine e perguntei-lhe o que é que ele tinha acabado de pôr. Ele disse que a banda chamava-se Venom. Esse dia mudou a minha vida, musicalmente.” Claro que nem todos gostavam de Venom. Mikael Akerfeldt, da banda sueca de death metal progressivo Opeth, diz: “Eu não gostava de Venom, achava que era tocado por péssimos músicos e estava mais numa 82
Justice for All: A Verdade Sobre os Metallica de Scorpions. Eventualmente descobri bandas que podiam ser rápidas e extremas mas ao mesmo tempo controladas. Algumas das bandas thrash eram compostas por bons músicos, o que era importante para mim.” Apesar desta atitude não pouco comum, o virus do thrash espalhou-se rapidamente, com outras bandas como Hellhammer da Suíça, que contava com o jovem Thomas Gabriel Fisher entre as suas fileiras. A velocidade da música, a essência da sua atracção, também aumentava. As razões para isto são incertas – como diz John Bush: “Não sei porque é que as pessoas de repente disseram, vamos tocar mais rápido. O pessoal começou a dizer, ‘eu consigo tocar mais rápido, eu consigo tocar mais rápido!’ Depois os grupos de death metal e de black metal levaram isso a um mundo completamente novo.” Bush é, contudo, um dos poucos a notar uma quase influência clássica no thrash metal, comparando a envolvência da dupla velocidade e os padrões de bateria à música tradicional europeia: “É a polka, é o que é, que de repente ficou enraizada no metal.” Contudo, o ponto mais importante em que Bush e muitos outros concordam é o de que enquanto a velocidade do thrash veio dos Venom e as suas letras e produção crua veio da cena punk, a única banda cuja influência é a mais profunda na emergência do metal extremo são os Motörhead. A sua atitude era ela própria uma inspiração. Como lembra Gene Hoglan, este trio britânico (ocasionalmente um quarteto) foi uma revelação quando tocaram pela primeira vez na América: “Vi os Motörhead aqui pela primeira vez em 1980 quando abriram para o Ozzy Osbourne, o público não fazia a mínima ideia do que fazer com eles. Mostravam-lhes o dedo, o que eu achava muito fixe – não fazia ideia que se podia mandar o público para o caralho! Os outros estavam todos à espera do Ozzy mas os Motörhead partiram tudo.” O jornalista Bob Nalbandian acrescenta: “O álbum Ace Of Spades foi uma inspiração para a cena thrash. Quando o ouvi pela primeira vez, passei-me por completo!” Ironicamente, o frontman dos Motörhead Ian “Lemmy” Kilmister, um veterano da banda R&B The Rockin’ Vickers e das bandas psicadélicas Sam Gopal’s Dream nos anos sessenta e Hawkwind nos anos setenta, não é fã de metal extremo, nem lhe agrada ser creditado como influência. “Isso é ridículo,” diz. “Estremeço quando ouço alguém dizer isso. Não é o meu género de música – o que para um leigo, pode parecer que é música igual à nossa, mas não é.” Mas Lemmy está a ser excessivamente modesto. A sua atitude alimentou o crescimento de todo um género. 83
A Verdade Sobre o Thrash Metal Não há dúvida que as origens do thrash metal emanaram de editoras discográficas pequenas, por vezes underground e certamente sem orçamento, como a pioneira Neat, cujos grupos aperfeiçoaram o seu ofício tocando em pequenos bares. No início dos anos oitenta, bandas como os Venom e os Bathory não passavam na rádio (cruz credo!), nem beneficiavam de exposição na internet ou de cobertura nas revistas e como resultado o mundo não acordou para a sua música até muito mais tarde, quando o thrash se tornou o domínio de bandas maiores com orçamentos de companhias discográficas maiores. Os pioneiros permaneceram mal-amados, mal-apreciados e desacreditados excepto por aqueles poucos fãs que estavam lá desde o início. No entanto muitos críticos creditam os Metallica por terem começado o movimento. Outros insistem que o género estava criado e que existia muito antes dos Metallica se juntarem à cena. Então qual é a verdade? Afinal quem aplicou a palavra thrash à palavra metal pela primeira vez? Eric Peterson, guitarrista dos Testament, lembra que um termo diferente prevalecia de início, cunhado primariamente pelo uso da droga recreacional por muitos dos músicos. “Usávamos o termo speed metal antes de thrash metal,” diz. Muitos de nós usavam muito speed. Saíamos na sexta à noite e voltávamos, por exemplo, da casa do Paul Baloff no domingo de manhã! Ficávamos levantados toda a noite a ‘tripar’ com coisas negras. Tudo era muito negro, satânico e de ‘tripar’. Era definitivamente um clã.” Outros eram menos abertos acerca disto, como acrescenta o guitarrista Eric Meyer dos Dark Angel: “O nosso baterista Gene Hoglan chamou-nos de ‘caffeine metal’, porque não queria nenhumas substâncias ilegais ligadas a nós.” Neil Turbin, vocalista dos Anthrax por pouco tempo, confirmou este facto numa entrevista à Metal Sludge: “Quando os Anthrax e os Metallica surgiram o termo thrash metal ainda não tinha sido usado. Era referido como Power Metal ou Speed Metal.” Claro, o rótulo power metal (que nos dias de hoje se refere a um metal rápido, limpo – mas não particularmente extremo – como o tocado pelos Helloween, Iced Earth e Gamma Ray) pode bem ter vindo da demo de 1982 dos Metallica, para a qual Ron McGovney tinha acrescentado a frase nos seus cartões-de-visita. Turbin afirma que a origem do termo thrash pode ser localizada com exactidão no primeiro álbum dos Anthrax, na canção «Metal Thrashing Mad». “Lembro-me de o ver em princípios de 1984 num artigo da Kerrang! em que escreviam sobre os Anthrax e os Exciter,” diz. “Esta foi a primeira vez que vi o termo thrash metal 84
Justice for All: A Verdade Sobre os Metallica ser usado nos media ou a forma como canto ser descrita como thrash metal.” Esta foi provavelmente a primeira vez que o termo foi utilizado nos media, mas os fãs tinham ainda que o adoptar. De facto algumas revistas proeminentes estavam inicialmente relutantes em usar o termo de todo, como lembra o jornalista Garry Sharpe-Young: “Lembro-me muito claramente de ver thrash ser ridicularizado implacavelmente pela imprensa de rock convencional do Reino Unido. Depressa deram uma reviravolta e não pela última vez!” Ninguém parece saber quando é que os fãs começaram a usar a expressão, confirma Brian Slagel: “Tenhome questionado acerca de quem terá pensado nesse termo. Deve ter sido em 1982 ou 83 e deve ter sido alguém em São Francisco, pois eles abraçaram a cena.” Até o ano da sua origem não é claro. Katon DePena dos Hirax sugere que o termo apareceu muito antes: “Eu diria 1980. Era usado originalmente para denominar o tipo mais grosseiro de metal. Havia já a New Wave Of British Heavy Metal, então nós precisávamos de um nome para o nosso tipo de metal.” Contrariamente, Byron Roberts dos Bal-Sagoth pensa que surgiu muito mais tarde: “O termo thrash era já mencionado pela imprensa de metal americana e europeia em meados dos anos oitenta, que foi onde encontrei pela primeira vez o seu uso generalizado.” Silenoz dos Dimmu Borgir concorda: “Penso que o termo começava a tomar forma por volta de 1984-85. Algumas bandas tinham ainda a palavra thrash nos títulos das suas canções e acho que se tornou mais ou menos um sinónimo do metal agressivo e de ritmo rápido que tocavam na altura.” No entanto outros evitam o debate por completo. Jim Martin, ex-guitarrista dos Faith No More, diz: “Parece que gajos gordos com casacos desportivos e calças de ganga desenvolveram esse termo num encontro de marketing à porta fechada. Penso que nunca disse o termo em voz alta.” Martin tem razão. Os jornalistas de música parecem sobrepor-se com uma pressa imprópria para criar novas categorias para o metal, tanto que a confusão abunda entre todos excepto para os profundamente iluminados. Hoje em dia, ao lado do thrash e do power metal, o fã pode procurar black metal, true metal, doom metal, nu-metal e o tradicional heavy metal, assim como os subgéneros old-school, epic, brutal, symphonic, experimental, avant-garde e ambient de cada estilo. Talvez antigamente fosse melhor e mais simples, como sugere Glen Benton dos Deicide: “Não existia algo como o death metal quando ouvíamos esta merda, era apenas metal. E o que era black metal na altura é considerado death metal agora: 85
14 A Verdade Sobre a Morte de Cliff Mito 6: O acidente de Ljungby foi causado por gelo negro. Mito 7: S e Cliff tivesse vivido, o futuro dos Metallica teria sido diferente.
Como com o acidente, a única forma de se ficar completamente certos acerca do que aconteceu a seguir é perguntando a alguém que esteve lá. A minha investigação levou-me ao posto de turismo de Ljungby, à biblioteca e ao jornal local, Smålänningen, e um dia dei por mim a falar com Lennart Wennberg, um fotógrafo de 58 anos que dirige um estúdio de fotografia no centro de Ljungby e se especializou em fotografia para publicidade e retratos. Também faz uma porção de trabalho independente para os jornais: em Setembro de 1986, quase dezassete anos antes da nossa entrevista, estava a trabalhar para o jornal Expressen. A entrevista correu como se transcreve a seguir, reproduzida no formato de pergunta e resposta para salvaguarda da clareza. Na manhã de 27 de Setembro de 1986, como soube que tinha havido um acidente com um autocarro perto de Ljungby? Telefonaram-me do Expressen. Eu estava em casa. Que horas eram quando soube do acidente? Cerca da 7:30 da manhã. Fui lá de carro. Qual foi a primeira coisa que viu quando chegou? O autocarro, um reboque pronto-socorro, e também havia gente junto da cena do acidente.
192
Justice for All: A Verdade Sobre os Metallica Quantas pessoas lá estavam? Eram cerca de dez pessoas; membros da banda mais pessoal do salvamento e as pessoas do pronto-socorro. Estava tudo calmo, havia uma certa tensão no ar. Onde estava o autocarro? O autocarro tinha tombado, mas quando cheguei a equipa de salvamento tinha-o colocado de novo a direito, pelo que estava com as rodas no chão. O autocarro estava junto à berma da estrada. O que faziam os músicos? Os membros do grupo (os músicos e o manager) tinham sido levados do local para o hospital de Ljungby. O condutor não estava lá, tanto quanto pude perceber – mas posso estar errado, uma vez que não sabia quem era. Quanto tempo lá esteve e quantas fotografias tirou? Estive no local do acidente talvez durante uma meia hora. Tirei cerca de vinte fotografias da localização do autocarro: de trás, de frente e de lado. Não me recordo de ter falado com alguém. A polícia não se importou que tirasse fotografias, mas houve alguém da equipa da banda que achou que eu deveria parar de tirar fotografias. Viu o corpo de Cliff Burton? Não, fora retirado do local. Viu algum gelo na estrada? Disse-se que isso poderia ter sido a causa do acidente. Pessoalmente, acho que está fora de questão. A estrada estava seca. Creio que a temperatura rondara provavelmente os 0ºC durante a noite, mas escorregadia? Não. Pode descrever o condutor? Vi-o alguns dias depois no centro de Ljungby. Deveria andar à volta dos 50 anos, bem constituído, de altura normal. De facto, a identidade do condutor nunca foi revelada. Aguentou uma série de interrogatórios com a polícia local, mas por último, foi libertado sem qualquer acusação. Wennberg confirma que a banda esteve na cidade durante um curto período após o acidente, tendo-lhes tirado 193
A Verdade Sobre a Morte de Cliff fotografias uns dias depois quando entravam para a sala de audiências onde a investigação estava a ter lugar: “Nunca estive dentro da sala de audiências e duvido que os membros tenham permanecido em Ljungby mais tempo do que até à manhã de domingo. Mas tirei-lhes fotografias, de facto, quando chegaram do hospital num carro da polícia e entraram no Hotel Terraza, em Ljungby (a cerca de dez metros, no caminho entre o carro e a entrada do hotel). O manager veio ter comigo e com o repórter do Expressen ao átrio do hotel para uma entrevista. Mas, uns minutos depois, recebeu uma chamada e não voltou mais.” Na noite do acidente, alguns fãs locais dos Metallica ouviram falar do que acontecera. Segundo o músico Mortiis: “O acidente foi muito perto do local onde vivi durante cinco anos. Os amigos que tinha na Suécia eram mais velhos do que eu e foram a todos os hospitais que acharam que ele pudesse estar. Foram a todos os hospitais locais, mas acho que foi levado para uma grande unidade especializada em Gotemburgo ou algures.” O jornal local, Smålänningen, deu-me autorização para reproduzir neste livro a tradução de certos artigos que foram publicados nessa altura sobre o acidente. Na manhã da segunda-feira depois do acidente, a primeira página ostentava o título Morreu Estrela do Rock, e começava o seu relato com as palavras: “ A digressão europeia do grupo americano de hard rock Metallica acabou em tragédia num acidente mortal em Dörarp, na estrada E4, na madrugada de sábado.” Significativamente, o artigo continuava, afirmando: “O condutor acha que uma superfície de gelo foi a razão de o autocarro ter deslizado para fora da estrada. Mas não havia quaisquer manchas de gelo na estrada. ‘Por essa razão, a investigação continua’, disse o inspector Arne Petterson em Ljungby. O condutor negou ter adormecido ao volante. ‘O cenário do evento, e as marcas no local do acidente, seguem exactamente o padrão dos acidentes provocados por adormecimento ao volante’, disse a polícia.” Parece ter sido levantada a hipótese de que ou o gelo negro fez com que o autocarro derrapasse ou o condutor adormeceu ao volante. Hetfield alegou que o condutor tinha bebido. Lennart Wennberg nega categoricamente que houvesse gelo na estrada. Porém, o relato continua, afirmando que “O condutor disse sob juramento que dormira durante o dia e estava completamente descansado. Isso foi confirmado pelo condutor do outro autocarro.” O relato do jornal prossegue: “O acidente aconteceu uns minutos antes das sete da manhã de sábado. Numa curva sem importância à esquerda, não muito longe do restaurante Gyllene Rasten, em Dörarp, o 194
Justice for All: A Verdade Sobre os Metallica autocarro saiu subitamente da estrada e resvalou para uma vala. O condutor conseguiu colocar do novo o autocarro em cima da estrada, mas houve uma derrapagem. O autocarro virou-se e ficou assente no lado errado da estrada. Cliff Burton foi atirado pela janela e ficou provavelmente esmagado sob o autocarro. ‘Não chegámos a ver nada do que aconteceu: estávamos todos a dormir’, disseram à polícia os membros do grupo.” Revelando que, por coincidência, uma médica passou pelo local do acidente de carro e prestou os primeiros cuidados aos feridos, o relato continua, dizendo: “O condutor disse que subitamente percebeu que o autocarro estava a resvalar para fora da estrada. Quando o autocarro voltou à estrada, aconteceu uma nova derrapagem e o autocarro virou-se. ‘Ele disse que o acidente fora causado por uma superfície de gelo, mas mais ninguém envolvido no acidente conseguiu ver quaisquer superfícies de gelo’ disse a polícia.” No dia seguinte, terça-feira, dia 30 de Setembro, o Smålänningen deu seguimento à história, relatando que “O condutor do autocarro… está agora livre de prisão. Está proibido de viajar e tem de contactar a polícia uma vez por semana até a investigação estar concluída. O condutor foi preso depois do acidente, suspeito de negligência na condução e de causar a morte de outra pessoa. Ele disse que o autocarro resvalou porque havia gelo na estrada. Mas a investigação técnica feita pela polícia disse que a estrada estava completamente livre de gelo na altura do acidente. O condutor é suspeito de ter adormecido ao volante. O grupo estava a caminho de um concerto em Copenhaga: esse concerto e a digressão europeia, foram cancelados.” No dia seguinte o jornal afirmou que o condutor estava hospedado no hotel local enquanto o caso decorria e que a peritagem ao autocarro ocorreria nesse dia. A 6 de Outubro, um artigo revelou que “Não houve quaisquer falhas técnicas no autocarro do grupo de rock americano, Metallica. Isso mesmo foi estabelecido pelo departamento da Segurança Rodoviária Nacional numa rápida investigação.” Nove dias depois, noticiava que o ministério público levantara a proibição de conduzir ao condutor do autocarro, que seria autorizado a regressar a casa enquanto o caso se resolvia. Outros jornais contaram uma história semelhante. O Expressen relatou que na noite do acidente, os membros da banda tinham visto um filme de vídeo até cerca da duas da manhã e o autocarro continuara a rodar pela noite fora excepto num intervalo de meia hora na cidade de Ödeshög. Descreve o acidente assim: “O condutor declarou que 195
A Verdade Sobre a Morte de Cliff subitamente deu conta de que o autocarro estava a resvalar para fora da estrada. Tentou guinar para o pôr de novo na estrada, mas falhou. Foi só à segunda tentativa que conseguiu recolocar o autocarro na estrada, mas depois ocorreu uma derrapagem terrível que fez com que o autocarro se virasse.” O tour manager, Bobby Schneider foi citado pelo Expressen num segundo artigo baseado numa entrevista que deu muito pouco tempo depois de chegar ao hospital de Ljungby. Com um ombro deslocado e revelando os sintomas clássicos do choque, tais como tremores e confuso, repetiu a frase ‘Não consigo acreditar nisto’ diversas vezes antes de explicar que “Estávamos a dormir quando o acidente aconteceu… quando consegui sair do autocarro vi Cliff ali estendido nas ervas. Deve ter morrido imediatamente, porque saiu logo pela janela. Aconteceu tudo tão rapidamente que não pode ter sentido nada, e isso é uma espécie de consolo… Nenhum dos membros da banda está agora em condições de tocar. Só queremos voltar para casa o mais rapidamente possível e garantir que o Cliff tenha um funeral decente.” O repórter também acrescentou que Peter Mensch chegara rapidamente após o acidente e estava a falar com os músicos, enquanto o promotor dinamarquês do concerto de Copenhaga, Erik Thomsen, também chegara ao hotel. Mensch arranjara modo de Lars ser levado pelos pais que estavam presumivelmente na Dinamarca nesse momento e podiam ir até ao sul da Suécia para o apanhar. Os três sobreviventes dos Metallica ficaram num hotel em Ljungby nessa noite. James bebeu copiosamente e, num frenesim alcoólico partiu duas janelas e gritou de raiva e de tristeza. Kirk e John Marshall ficaram tão abalados com todo o incidente que deixaram a luz do quarto acesa. As autoridades suecas conduziram uma autópsia antes de o corpo de Cliff ser enviado de regresso para os Estados Unidos. O funcionário que realizou o exame, um Dr. Anders Ottoson, atestou que a causa da morte foi “compressio thoracis cum contusio pulm,” isto é compressão fatal do peito com lesão dos pulmões. O funeral teve lugar a 7 de Outubro de 1986, na Chapel Of The Valley na sua cidade natal de Castro Valley, na Califórnia, e as suas cinzas foram espalhadas no Maxwell Ranch. O seu amigo, Dave Donato, com quem ele e Jim Martin faziam jam sessions até há uns meros cinco ou seis anos, relataram: “Fizemos um grande círculo com as cinzas de Cliff no centro. Cada um de nós foi até ao centro e agarrou uma mancheia de cinzas dele e dissemos o que tínhamos de 196
Justice for All: A Verdade Sobre os Metallica dizer… depois foi lançado à terra, num local que gostava muito.” No fim do serviço religioso, foi tocada «Orion», a peça que ele compusera e que ajudara a tornar Master Of Puppets tão poderoso. Fizeram-se muitos tributos a Cliff. A Kerrang! teve duas páginas desdobráveis, de Jon e Marsha Zazula, com as palavras “O Derradeiro Músico, o Derradeiro Headbanger, a Derradeira Perda, Um Amigo para Sempre,” e uma outra página da Music For Nations que simplesmente declarava ‘Cliff Burton 1962-1986’. Os amigos e colegas de Cliff ficaram aturdidos com a notícia da sua morte. O seu amigo Jim Martin recorda: “Acho que foi a mãe dele que me disse. Eu estava em casa na altura, entre digressões. O meu coração sofreu um baque. Ele era um dos nossos, ele, Donato e eu. Perdemos um parceiro. Os suecos tiveram de o autopsiar e a papelada da alfândega necessária para despachar restos humanos deve ser muito complexa e abundante porque levaram cerca de seis semanas a devolver os seus restos mortais para este lado. Viajei para casa entre dois concertos para estar presente no funeral. Foi uma altura muito dura, especialmente para os pais deles.” Dave Mustaine, cuja banda Megadeth, estava a começar a criar ondas na cena do metal, desenvolvera dependência da heroína e encaixou mal a notícia. Falando para a Metal Sludge, explicou que a notícia o levou a escrever a canção «In My Darkest Hour»:“Maria Ferraro [que] trabalhava para a Megaforce… ligou-me no dia em que Cliff morreu ou perto disso. Mais ninguém dos Metallica ou da gerência deles o fez. Atirei-me logo à droga, meu, tratei de arranjar a merda e comecei a cantar e a chorar e a escrever essa canção. Embora a letra não tenha nada que ver com ele, aquela morte prematura deu-me aquela melodia que vive no coração dos amantes de metal por todo o mundo.” Jon Zazula ficou paralisado pela dor. Na altura, os companheiros de digressão dos Metallica eram os Anthrax, que ele representava: “Acabara de deixar os Metallica, dois dias antes. O meu sócio na altura era Tony Incigeri, e ele estava ainda fora, na estrada. Eu estava em São Francisco e tinha interrompido a digressão Anthrax/Metallica para ver, pela primeira vez, uma nova banda chamada Testament. Às três da manhã, Tony ligou-me, a mim e a Marsha, para o quarto do nosso hotel em S.F. e disse-nos que tinha havido um acidente terrível e que Cliff morrera. Fiquei destroçado. Quando estavam a viver em nossa casa, Cliff costumava ler histórias de fadas à minha filha Ricky. Ele era muito querido.” Ross Halfin também ficou em choque: “O mais esquisito é que eu estava prestes a ir ter com eles. Fotografei-os, antes, nos ensaios, e estava 197
A Verdade Sobre a Morte de Cliff planeado que me juntasse a eles depois, na digressão. Muito estranhamente, eu estava a ouvir «Battery» no carro e, então, deram a notícia da sua morte na rádio. Foi uma coisa esquisita. Foi assim que eu soube.” Os músicos amigos dos Metallica ficaram destroçados. A sua personalidade jovial tinham-no tornado um popular companheiro de digressão e, claro, a sua capacidade musical era admirada por muitos outros executantes. Jeff Dunn, dos Venom, diz: “Foi uma tragédia. Ficámos muito, muito chocados, pensámos,’ que porra, que vai acontecer à banda?’ Porque Cliff, era mesmo uma parte integral daquele grupo. Acho também que foi um baixista muito subestimado.” Jeff Becerra, dos Possessed, ficou especialmente entristecido, tendo sido um tão grande fã da banda: “Lembro-me de que todos os meus amigos andavam às voltas, num torpor. Foi como quando aconteceu o 11 de Setembro ou assim. Algumas das raparigas choravam e ninguém podia acreditar que Cliff morrera. Eu senti que perdi uma das pessoas que mais me influenciou. Foi um dia verdadeiramente triste.” O produtor Flemming Rasmussen, que mais do qualquer outra pessoa de fora da banda testemunhara de perto a notável capacidade de execução de Cliff, ainda hoje se sente melancólico acerca do acidente: “Sabes, em «For Whom The Bell Tolls» há aquele verso que diz ‘Take a look at the sky just before you die’, e depois Cliff morre! Isso acendeu-me uma luz quando a ouvi… A minha mãe acordou-me quando ouviu a notícia, eu deitara-me muito tarde, estivera provavelmente durante toda a noite no estúdio. Ela acordou-me cerca das sete da manhã e disse-me que alguém dos Metallica morrera num acidente de autocarro e que o concerto de Copenhaga fora cancelado. Acho que não quis ser ela a darme a notícia. Mas passava nos noticiários da Dinamarca. Liguei a toda a gente que conhecia que me pudesse dizer o que acontecera. Depois voltaram a dizê-lo num noticiário posterior.” John Bush, dos Anthrax e dos Armored Saint, reflecte: “Foi trágico, foi uma morte incompreensível. Quem sabe o que teria acontecido aos Metallica?” O que teria acontecido aos Metallica se Cliff não tivesse morrido foi uma questão que tanto os fãs como os não-fãs têm ponderado desde aquela noite trágica. Em 1992, o próprio Lars explicou longamente (como é seu costume) que a consciência musical de Burton teve um impacto profundo na escrita e composição de canções dele e de James: “Cliff foi responsável por um monte de coisas que aconteceram entre Kill ‘Em All e Ride The Lightning. [Ele] mostrou-nos, a mim e ao James, todo um novo horizonte musical de harmonias e melodias, todo um novo género de 198