Lemmy Kilmister nasceu em Stoke-On-Trent. Tendo sido membro dos Rocking Vicars, Opal Butterflies e Hawkwind, Lemmy formou a sua própria banda, os Motörhead. A banda celebrou recentemente o seu quadragésimo aniversário. Após mudar de residência para os Estados Unidos, viveu em Los Angeles, onde faleceu a 28 de Dezembro de 2015 a poucos passos do Rainbow, o bar de rock ‘n’ roll mais antigo de Hollywood. Desde 1987, Janiss Garza tem escrito sobre todo o melhor rock e música alternativa. De 1989 a 1996 foi editora sénior na RIP, na altura a principal revista de música pesada do mundo. Tem também colaborado com os jornais Los Angeles Times, Entertainment Weekly, e New York Times, Los Angeles.
“Desde afundar caravanas a arder em lagos no festival Finlandês de 1970 a desmaiar após três sessões consecutivas de sexo oral, o homem dos Motörhead prova ser um vil contador de histórias enquanto se precipita pelo seu nublado resumo da sua carreira no heavy metal” Guardian “Como autobiografia de rock, White Line Fever é para guardar” Big Issue “White Line Fever é realmente a derradeira autobiografia do rock & roll… Aumentem para o 11 e leiam!” Skin Deep Magazine
k i l m y i m ster m e l WHITE LINE FEVER A AUTOBIOGRAFIA COM JANISS GARZA
Tradução Machado dos Santos
música rro A FeAc‚o e
ÍNDICE
Prólogo
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Capricorn
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Fast and Loose
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Jailbait
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Metropolis
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Speedfreak
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6
Built for Speed
71
7
Beer Drinkers and Hell Raisers
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Keep Us On The Road
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Back at the Funny Farm
119
10 (Don’t Let ‘Em) Grind Ya Down
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11 Angel City
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12 We Are Motörhead
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13 Brave New World
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PRÓLOGO
N
asci Ian Fraser Kilmister na Véspera de Natal de 1945, umas cinco semanas prematuro, com lindos cabelos loiros, os quais, para deleite da minha peculiar mãe, caíram ao fim de cinco dias. Sem unhas, sem sobrancelhas, para além de ser de um vermelho vivo. A minha memória mais antiga é de gritar: para quem e por que razão, eu não sei. Provavelmente por uma birra; ou estaria a ensaiar. Fui sempre um miúdo precoce. O meu pai não estava satisfeito. Suponho que se possa dizer que eu e o meu pai não começámos bem – ele foi-se embora, três meses depois.Talvez fosse o cabelo a cair; talvez tenha pensado que eu já estivesse a dominá-lo. O meu pai foi capelão na RAF durante a guerra, e a minha mãe foi uma jovem bibliotecária muito bonita que não fazia qualquer ideia da duplicidade do clero – quero dizer, ensinam as pessoas que o Messias era o primogénito da mulher de um vagabundo (que é virgem) e de um espírito? E esta é a base de uma religião mundial? Não tenho tanta certeza. Sempre calculei que se José acreditava numa dessas, então ele merecia dormir nos estábulos! Por isso, eu não senti verdadeiramente a falta do meu pai, porque nem sequer me lembro dele. E ainda por cima, a minha mãe e a minha avó estragaram-me com mimos. Conheci-o vinte e cinco anos mais tarde, numa pizzaria em Earls Court Road, devido a ele ter, aparentemente, entrado num frenesim de remorsos e por querer “ajudar-me”. Eu e a minha mãe pensámos, “Talvez possamos sacar alguma coisa àquele filho da puta!” Então fui até lá para conhecer o pobre diabo – achei aquilo duvidoso, e estava certo. Reconheci-o de imediato – parecia mais baixo, mas eu era maior, certo? Ele era um miseravelzinho com óculos e careca. Suponho que tenha sido estranho para ele – tendo abandonado alguém a quem deveria ter sido o seu ganha-pão, e depois, nem uma palavra du8
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rante vinte e cinco anos… estranho, claro. Mas foi bastante estranho para a minha mãe, sustentar-me sozinha, e tomando conta da minha avó, ao mesmo tempo! Então ele disse, “Gostava de te ajudar no teu trabalho, tentar compensar-te por não ter sido um pai para ti”. Ah! Eu disse, “Escuta, vou-te facilitar a vida. Estou numa banda de rock ‘n’ roll e preciso de algum equipamento” – amplificador avariado, mais uma vez! – “por isso, se me comprares um amplificador e um par de pedais ficamos quites, ok?” Houve uma pausa. “Ah”, disse ele. Podia perceber que ele não estava a cem por cento neste cenário. “A indústria da música é bastante precária”, disse ele (aparentemente, ele tinha sido um excelente pianista de concertos, nos seu tempo. Mas o seu tempo já tinha desaparecido). “Sim”, disse eu, “Eu sei, mas ganho a minha vida assim”. (Mentira… pelo menos, na altura!). “Bem”, disse ele, “o que eu tinha em mente era pagar-te umas aulas – aulas de condução, de técnicas de vendas. Pensei que poderias tornar-te num representante comercial, ou…”, a sua voz desvanecia. Era a minha vez de mostrar pouco entusiasmo. “Vai dar uma volta”, disse eu, e levantei-me da mesa. Ele teve muita sorte por a pizza ainda não ter chegado ou ter-se-ia tornado o seu novo chapéu. Regressei ao caminho dos órfãos de pai. Estava o tempo limpo lá fora – e era a Earls Court Road! Por falar em bastardos de duas caras – a minha banda, Motörhead, foi nomeada para um Grammy em 1991. A indústria da música a fazer-nos outro favor, estão a ver? Então apanhei o avião em Los Angeles – era uma grande caminhada até Nova Iorque.Tinha uma garrafinha de Jack Daniels no meu bolso: Acho que é sempre bom para me manter sóbrio. Enquanto nos deslocávamos elegantemente pela pista banhada de sol do aeroporto, tomei um gole e conversava agradavelmente acerca disto e daquilo. Uma voz: “Dê-me essa garrafa!” Olhei para cima; uma assistente de bordo com cabelo de cimento e uma boca que parecia um buraco do cú repetia-se, tal como a História – “Dême essa garrafa!” Bem, eu não sei o que teria feito o meu honorável leitor, mas aquela merda tinha sido comprada e paga. Sem hipótese. Forneci esta informação. A resposta: “Se não me der essa garrafa, irei expulsá-lo do avião!” Isto estava a tornar-se interessante; éramos cerca de cinco pessoas na fila para entrar, já estávamos atrasados, e esta puta de merda ia-nos tirar da fila por uma garrafinha de Jack Daniels? “Tudo bem”, disse eu. “Faça-me lá sair desta merda deste avião, agora PRÓLOGO
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mesmo”, ou algo parecido. Vocês acreditam, a cretina de merda fez isso mesmo! AHAHAHAHAHAHAH! Ela fez com que toda aquela gente se atrasasse e perdessem a ligação com Nova Iorque, tudo por causa de uma dose do doce âmbar… e depois? Ela que se foda! Mais o cavalo que ela monta! Pensando nisso, ela é o cavalo que ela monta! Apanhei outro vôo, hora e meia mais tarde. Foi um começo pouco auspicioso das festividades, e continuou tal como começou. Quando chegámos à afamada Radio City (Casa das Estrelas!), estavam todos vestidos com smokings à pinguim, tentando assemelhar-se ao máximo com os filhos da puta que roubam o dinheiro deles! Eu não uso smokings - não acho que seja verdadeiramente eu, estão a ver? E acho que os porteiros não gostaram da minha Cruz de Ferro. De qualquer forma, tendo sido nomeado para um Grammy pelo nosso primeiro álbum com a Sony, alimentei estupidamente a ideia de que a empresa devia estar agradada. Acho que eles nem repararam! Até hoje, não tive ainda a sorte de contemplar, enfeitiçado, o esplendor que é Tommy Mottola - acho que, nessa noite, ele estava provavelmente mais ocupado a procurar a Mariah Carey nos bastidores. Não sou um homem com grandes ambições: “Olá” ou apenas “Bem-vindo a bordo” ou até “Então?” teria sido suficiente. Nada. Zero. Foda-se tudo. Por isso, fui à festa da Sire1. Muito melhor. Engatei uma gaja. Por isso, que se fodam. E ao cavalo que eles montam!
1 Da marca de instrumentos, Sire Basses. (N.do T.)
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CAPÍTULO DOIS
d n l a o o se t s a f P
recisava de um companheiro, e ali estava um, ali mesmo – um tipo chamado Ming, como o imperador no filme Flash Gordon. O Ming tinha cabelo comprido e um género de bigode comprido e descaído. Costumávamos ir a bares e discotecas e engatar as miúdas dos outros, e regra geral, chocávamos toda a gente! Algum tempo nisto e começámos a pensar que devíamos tomar drogas (não que soubéssemos o que raio era isso), por isso contactámos um amigo meu de quando eu vivia em Anglesey, Robbie Watson de Beaumaris (famoso pelo seu castelo bem-preservado). O Robbie viveu em Manchester e tinha o cabelo muito comprido, o que pensámos que era uma coisa Muito Fixe. Começámos por fumar um pouco de erva, quando uma noite, no Venezia Coffe Bar em Llandudno, o Rob deu-me uma ampola de speed - Metil anfetamina hidroclorato – com uma caveira e ossos cruzados lá marcados. Era suposto de o injectares no braço. Nunca gostei de injectar nada, e nunca o fiz até hoje. É como entrar num ritual. Tenho visto pessoas fazerem merdas esquisitas com agulhas: injectarem água só como desculpa para terem uma agulha no braço. Era o que o Rob andava a fazer, e também me recomendava a fazer o mesmo. Mas eu misturava aquilo numa caneca com qualquer coisa – chocolate, penso eu – e bebia-o. Havia uma miúda por detrás do balcão num determinado bar, e eu falei com ela sem parar por quatro ou cinco horas. Insistia com o Robbie em como aquilo não me estava a fazer nenhum efeito, e depois, lá voltava eu à carga com a pobre rapariga que estava em choque com a minha tagarelice – mas eu sentia-me fantástico, ‘tão a ver, Rei do Mundo! O problema, é que aquilo acaba-se. (Já agora, Robbie Watson, que foi o meu melhor
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amigo por muito tempo e tinha um brilhante sentido de humor seco e irónico, está morto faz trinta anos – injectou uma a mais. Alguma pergunta?) Mas, voltando a mim e ao Ming – ou ao Ming e a mim! Eu tinha dezasseis anos quando o Ming e eu deixámos Gales e nos dirigimos para leste em direcção a Manchester. Na verdade, estávamos atrás de duas miúdas, que tínhamos conhecido quando elas estavam de férias em Colwyn Bay. Íamos casar com elas, e essas merdas todas. Mas, obviamente, acabou por ser apenas sexo, como é habitual. Elas estão muito melhor assim, do que se tivéssemos casado com elas, garanto-lhes que sim. Não me lembro do nome da miúda do Ming, mas a minha chamava-se Cathy. Ela era uma miúda fantástica, toda ela com quinze anos, e que quinze anos entusiásticos e curiosos eles eram. Por isso, quando elas voltaram para Stockport, o Ming e eu fomos atrás delas. Arranjámos um apartamento em Heaton Moor Road e continuámos a conhecer pessoal, e eles não tinham onde ficar, e por isso deixávamo-los dormir no chão, no sofá ou em qualquer lado, e em um mês éramos trinta e seis de nós num quarto! O único de quem eu me lembro era o Moses (com quem ele era extremamente parecido, se aqueles filmes do Charlton Heston são para serem tidos em conta). E então a Cathy engravidou… Quero dizer, ela era fantástica, mas também tinha apenas quinze anos – visões de barras de prisão! O pai dela escrevia cartas ao meu padrasto a chamar-me de beatnik Galês exilado. Os dois arranjaram uma daquelas soluções “convenientes” e o bebé, Sean, foi adoptado à nascença. Lembro-me da Cathy ter de fazer os exames da escola na maternidade e de eu ir lá visitá-la. Ela ficou mesmo muito grande e eu costumava cair para o lado de tanto rir – “Olá, porquinha” e ela também rebentava a rir. Ele era uma miúda fantástica, o meu primeiro amor. Nunca mais vi a Cathy, não sei porquê. Curiosamente, ela entrou em contacto comigo há alguns anos, mesmo a tempo para este livro… ela contou-me que encontrou o Sean, mas agora não vou entrar por aí – deixemo-lo viver a sua vida. Quanto à minha situação financeira, obviamente que nós (os trinta e seis colegas de quarto) depressa fomos despejados – o senhorio deve ter-se questionado do porquê da conta do gás ter chegado às £200.000. Uma vez que o Ming O Aventureiro Destemido voltou para Gales (eventualmente para se tornar funcionário de atendimento da Segurança Social – e dizem-me que há um grande padrão e um sentido da vida… ), eu estava mais uma vez sozinho. Durante o tempo em que lidei com a Cathy e por mais um par de anos tornei-me um “vadio”, o que na altura era uma ocupação em particular entre os miúdos de todo o país. Todos usávamos casacos da US Army, os impermeáveis com forro duplo. Podíamos encontrá-los muito baratos em FA S T A N D L O O S E
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segunda-mão, e a cena era pôr toda a gente que conhecíamos a escrever o nome no casaco com uma caneta de feltro, e assim ficarmos cobertos com estes estranhos autógrafos. Andávamos à boleia pelo país, e ficávamos alojados com miúdas ou em parques de estacionamento para carruagens de comboios, ou em caves ou assim, visitando mulheres de beleza local. Nesses dias, era uma coisa muito fixe, “andar na estrada”. Era o tempo de Bob Dylan, com a guitarra às costas e o saco cama. Muitas miúdas gostam dessa cena transitória. É uma tradição, se pensarmos nisso: o circo, o Exército, piratas, bandas de rock em digressão – as miúdas encontram-nos sempre. Acho que as mulheres vêem algo romântico num tipo que hoje está aqui e que amanhã já não está. Eu também gosto – mas sendo gajo, tinha de gostar, não é? Esses tempos dos inícios dos anos Sessenta foram fantásticos. Deixávamos crescer o cabelo até ao cu e vadiávamos e vivíamos das mulheres onde quer que nos encontrássemos. As miúdas costumavam roubar comida dos frigoríficos dos pais para nos alimentar, e merdas dessas – é como levar uma refeição ao prisioneiro convicto em fuga. Elas gostam do drama disso tudo, e nós gostávamos da comida. Não era tudo diversão e tempos bem passados, contudo. Algumas vezes, quando andava à boleia, gajos paravam os seus camiões para me vir bater. Ou acabávamos a pedir boleia a algum enorme camionista homossexual. “Olá, filho.Vais para onde?” “Manchester”. “Manchester, claro. Gostava de te chupar a pila”. “Fico mesmo aqui, então”. O apartamento em Heaton Moor foi uma antecipação às comunas, penso eu. Se tinhas uma miúda, era assassínio. Ias ficar rodeado por enormes olhos na escuridão, e saberias que iam ver cada vez melhor no escuro! Fazer sexo tinha muito mais piada na altura – não haviam coisas horríveis agarradas a isso como há agora. E o sexo era suposto de ser divertido, ao invés de todo este estigma – “Oh, só pensas nisso!” Bem, mas é claro que sim, e tu, não?! Quando já não tem piada, então não o faças mais, pelo amor de Deus. Todos os habituámos a ir pedir para a Mersey Square, e se conseguíamos alguma coisa, então voltávamos e partilhávamos tudo. Penso que vivíamos essencialmente à base de Ambrosia Creamed Rice5. Usávamos um abridor de latas e chupávamos para fora da lata. Era um grande acepipe naquela altura, e melhor ainda frio. Penso que foi nesta altura que adquiri o gosto por comida fria, que mantenho até hoje – consigo comer bife frio, esparguete frio, até batatas fritas frias, e isso já requer alguma capacidade! Mas 5 Ambrosia Creamed Rice: Marca Britânica fundada em 1917 por Albert Morris em Lifton, Devon. Produzia inicialmente leite em pó enriquecido para crianças, e mais tarde também arroz de pudim, sempre embalado em lata. (N. do T.)
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se tiverem sal suficiente, então estão sempre boas. Manchester não é muito longe de Liverpool, e havia música fantástica a sair de ambas as cidades no início dos anos Sessenta. Pelas duas cidades corre o rio Mersey e assim a cena musical daquela zona passou a chamar-se de Merseybeat. Havia inclusivamente uma banda bem-conhecida naquela altura chamada The Merseybeats, assim como haviam os Mersey Squares, o mesmo nome do bairro onde íamos pedir. Havia centenas de bandas a sair de Manchester e Liverpool, e todas tocavam as mesmas vinte músicas - «Some Other Guy», «Fortune Teller», «Ain’t Nothing Shaking but the Leaves on the Trees», «Shake Sherry Shake», «Do You Love Me»… todas as bandas que existiram entre 1961 e 1963 eram bandas de versões, incluindo os Beatles. Havia uma horrível competição e rivalidade a acontecer, relativamente a se conhecíamos ou não o artista original. Como quando a banda de suporte dizia, “Vamos tocar agora «Fortune Teller» dos Merseybeats”, e os Merseybeats entravam e diziam, “Gostávamos de tocar agora «Fortune Teller» de Benny Spellman”. Claro, isso não durou muito, porque eles acabaram de dizer à audiência quem era o artista original, certo? Outra coisa que as bandas faziam era pegar num número antigo e transformarem aquilo em rock. Os Rory Storm and the Hurricanes fizeram uma versão de «Beautiful Dreamer», lembro-me, e os Big Three fizeram uma de «Zip-A-Dee-Doo-Dah!” Eram tempos únicos com algumas bandas verdadeiramente incríveis bandas. Uma delas eram os Johnny Kidd and the Pirates. Johnny Kidd usava uma pala no olho e uma camisola rasgada e botas de pirata. Algumas vezes usava uma camisola branca com aquelas mangas de balão – bela vestimenta. Os Pirates fizeram o primeiro espectáculo com efeitos de luzes que alguma vez vi, consistia simplesmente num roadie a pôr as mãos na caixa da electricidade do bar e a ligar e desligar os fusíveis muito depressa. O guitarrista deles era o Mick Green, que era excelente – eu costumava carregar as guitarras dele para entrar de graça nos espectáculos. Anos depois, gravei um disco com o Mick. Solitários como ele nunca criaram uma reputação nessa altura. O Eric Clapton teve sorte – ser um solitário funcionou com ele, porque as pessoas procuravam-no. Ninguém quis saber de todos os outros isolacionistas! Outra grande banda eram os Birds – não tem nada a ver com os americanos Byrds que estavam a tocar na mesma altura. Estes Birds tinham o Ronnie Wood, que mais tarde se juntou aos Rolling Stones, a tocar guitarra. Os Birds eram mágicos, excelentes mesmo, muito além do seu tempo. Tiveram apenas três singles e desapareceram. Costumava segui-los por toda a parte, cheguei até a dormir na carrinha deles. A banda onde eu estava na altura – os The Motown Sect, de quem vão ouvir mais um FA S T A N D L O O S E
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CAPÍTULO CINCO
speedfreak A
minha associação aos Hawkwind começou com o Dikmik. O “instrumento” que ele tocava na banda, era uma caixa pequena com dois puxadores colocados numa mesa de jogo de cartas. Era chamado de modulador de som, mas era na verdade um gerador de som que saía para o ouvido humano em ambos os extremos, alto e baixo. Se saía alto, podias perder o equilíbrio, cair e vomitar; se saía baixo, cagavas-te pelas pernas abaixo. Podias fazer as pessoas terem ataques epilépticos com esta engenhoca. No palco, Dikmik podia escolher os membros da audiência que eram susceptíveis. Quando estávamos a tocar juntos nos Hawkwind, fui ter com ele e perguntei, “Está aí algum bom?” e ele respondeu, “Sim, aquele gajo ali. ´Tás a ver isto?” E ele rodou o puxador – hrummmmm – e o gajo começou a cair pesadamente. As coisas incríveis que se podem fazer com o som. Mas claro, nós nunca podemos afirmar, se era do gerador de som ou se era por causa da comida e do ácido que tínhamos ingerido antes do concerto. Mas como sempre, já me estou a adiantar. De qualquer maneira, foi o Dikmik que me levou para os Hawkwind. Ele andava às voltas, à procura de speed e é claro, eventualmente, encontrou-me. Eu estava a viver com uma rapariga como “ocupas” em Gloucester Road em Londres, e ela correu para ele. “Oh, eu tenho um amigo em casa que toma comprimidos”, disse ela. Então, ele apareceu e descobrimos um interesse mútuo, descobrir até que ponto o corpo humano aguenta até ultrapassar os limites. Entrámos numa espécie de compulsão que durou três semanas, durante as quais tivemos apenas duas horas de sono. Ele tinha decidido que ia para a Índia para encontrar o Sufista secreto ou alguma merda mística dessas. Mas ele chegou tão longe como Gloucester Road, que era na direcção contrária, afinal de contas, e depois
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desistiu. Ele encontrou-me, de qualquer das maneiras, e isso foi bom para ele porque ele era o único speedfreak13 nos Hawkwind – o resto deles eram cabeças de ácido – e ele queria companhia. Já tinha visto os Hawkwind antes – não no início, quando eles eram conhecidos como Group X. Toda a audiência parecia estar a ter um ataque epiléptico, todas aquelas seiscentas pessoas fazendo o mesmo movimento. Lembro-me de pensar, “Bem, tenho de me juntar a eles – não vê-los!” Eu queria um lugar a tocar guitarra. O seu guitarrista principal, Huw Lloyd Langton, tinha acabado de deixar a banda – desapareceu, mesmo. Tinha estado a fazer um concerto no festival da Ilha de Wight. Muito embora, eles não estivessem verdadeiramente a tocar no festival; eles tocaram fora do festival – e esta, para ser alternativo? De qualquer forma, uma data de pessoal estava sentada à volta da fogueira e Huw fez qualquer coisa como, tomar oito tabletes de ácido. “Vou dar uma volta, rapazes”, disse ele aos outros, foi por uma colina e durante cinco anos ninguém o viu! Era esta a forma como as coisas eram nos Hawkwind – livre, muito livre. Huw reemergiu alguns anos depois, numa banda chamada Widowmaker (não o projecto do Dee Schneider de 1990, que apareceu depois). Assim, eu estava à espera da brecha para a guitarra, mas fui para o baixo, em vez disso. De facto, no dia em que me juntei aos Hawkwind foi quando me iniciei a tocar baixo. Foi em Agosto de 1971. A banda tinha um concerto ao ar livre em Powis Square em Notting Hill Gate, e o baixista, que era o Dave Anderson, não apareceu. Mas como um idiota, deixou o baixo na carrinha, como quem deixa caminho aberto para um sucessor, não é? Era como se estivesse a convidar alguém a roubar-lhe o emprego, e foi o que fiz. Aparentemente, o Dave não gostava de tocar de graça nos festivais, como aquele que os Hawkwind estavam a fazer naquela noite. Ele queria ser sempre pago, e a banda estava naquela de fazer todos estes espectáculos de beneficência. Lembro-me de tocarmos em defesa dos Stoke Newington Eight, quem quer que eles fossem. Eles tinham ido parar à prisão por uma merda qualquer e pensámos que não era justo porque nós éramos freaks e nada era justo por causa dos bófias - sabem, toda aquela conversa de merda que falámos uns com os outros naquela altura. E assim, andávamos a fazer todos aqueles espectáculos para aquelas pessoas, mas estávamos a ser enganados a toda a hora. Os organizadores daqueles espectáculos tinham bolsos em todo o lado. Tudo uma fraude, o que aquilo era. Ainda é, na verdade. Mas, mais uma vez, eu divago. De qualquer forma, aqui estavam os Hawkwind em Powis Square sem baixista, e alguém andava de um lado para o outro a perguntar, “Alguém toca baixo?” o Dikmik, vislumbrando a sua oportunidade de ter um par13 Tradução literal: Maníaco do speed. Foi mantido no original por opção do tradutor, por forma a manter a coerência com o título do capítulo, que surge como referência ao título de uma música. (N. do T.) SPEEDFREAK
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ceiro do speed a tempo inteiro, apontou para mim e disse, “Ele toca”. “Sacana!” Sussurrei-lhe, porque eu nunca tinha tocado com um baixo na minha vida! Então o Nik Turner, que tocava saxofone e cantava, aproximou-se de mim e disse-me com um tom de voz muito importante, “Faz aí uns sons em Mi. Esta chama-se «You Shouldn’t Do That», e afastou-se. Quero dizer, isso é muita informação opara um gajo, não é? E depois abriram com outra canção. Deve ter corrido bem, pois fiquei com eles por quatro anos. Durante todo esse tempo, nunca me informaram oficialmente que eu estava na banda. O Del Dettmar, que tocava no sintetizador, vendeu-me um baixo Hopf, que conseguiu num leilão no aeroporto de Heathrow por apenas 27 libras. Até hoje ainda não lhe paguei. Como disse anteriormente, os Hawkwind eram uma banda muito desprendida. De meses a meses, havia uma mudança no alinhamento; as pessoas iam e vinham. Nunca se tinha muita certeza quem estava na banda a um dado momento - pelo menos, nunca se sabia bem quem é que ia aparecer. Numa determinada altura, havia nove de nós na banda e poucas semanas depois já só havia cinco, depois passou para seis e depois para sete e a seguir cinco outra vez. Em cada fotografia há pessoas diferentes na merda da banda. Era muito estranho. O Dave Brock, que cantava e tocava guitarra, fundou a banda em Julho de 1969 e foi o único membro constante ao longo dos anos. Na verdade, é a banda dele, tal como Motörhead é a minha. Os Hawkwind não existiriam sem ele. E até ele desaparecia ocasionalmente. Ele passava por estas fases, do género, filho da natureza era o que lhe chamávamos - indo pelos campos com mais pessoal, vestido apenas com uma tanga, incontactável. Quer dizer, não fazia sentido dizerlhe, “Dave, temos um concerto esta noite”, porque ele desaparecia, ele andava muito ocupado a ser um filho da natureza, certo? Acrescentando ao facto de ser uma parte do núcleo duro dos Hawkwind, o Dave também escrevia a maior parte das canções. Mas nunca partilhava a escrita com mais ninguém da banda. Pelo menos com os Motörhead, eu dou crédito aos outros, mas o Dave era auto-suficiente. Aprendi muito com ele, na verdade, acerca de visão e tenacidade - coisas que já sabia, mas que ao vê-lo deram impulso à minha confiança. Ele fez-me ter certeza disso. Ele também tinha as suas cenas, como as suas fantasias de pancadinhas. Ele costumava passar por miúdas da escola na estrada e punha a cabeça fora do carro e gritava, “Spank! Spank! Spank! Olá, meninas, spanky-spanky!” Quando ele tripava, estava sempre convencido que tinha mordido a própria língua. Nunca tinha, claro, mas costumava ter um lenço vermelho no bolso de trás e limpava a boca com aquilo. Então quando via o lenço todo vermelho - aaahhh! - e lá ia ele! Uma vez, em Grantchester, enganámo-lo assim e levámos quarenta e cinco minutos a convencê-lo que era a brincar (eu próprio estava a tripar, por isso não devo ter sido 56
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muito convincente!). O Dave estava sempre a tentar enganar as Finanças. Certa vez contou-nos o seguinte, “Comprei uma casa nova. Depois reportei a despesa da baixa de valor da minha outra casa e comprei uma quinta e eles não me podem tocar”. E dava-nos a entender que em Londres, os fiscais andavam na casa dele em Devon a retirar toda a mobília. Que ideia de merda. O Nik Turner era a outra metade do núcleo duro naqueles dias desde que ele era o frontman, basicamente. Ele também estava nos Hawkwind desde o início, e era um daqueles parvalhões cheios de moral e hipocrisia, como só os Virgens podem ser. O Nik era o mais velho nos Hawkwind mais velho até que o Dave e penso que foi daí que veio o comportamento dele. Do género, por um lado ele conseguia ser muito conservador mas sempre ansioso de mostrar o quão rebelde conseguia ser. Acho que era uma espécie de crise de meia- idade pós-hippie. E ele fazia coisas incómodas, como, tocar o seu saxofone - por um pedal de wah-wah - mesmo por cima da merda das vozes. Cada vez que tínhamos um gajo novo a cuidar do som, o Dave ou eu dizíamos-lhe, “Quando estamos a cantar - nada de saxofone”. Lembro-me de uma vez que o Dave não apareceu para um concerto no Norte de Londres, e telefonámos para a sua casa em Devon. A mulher dele, que raramente falava, disse-nos, “Oh, eu não sei onde ele está. Ele tomou alguma mescalina e foi dar um passeio. Isso foi esta manhã e não o vi desde então”. Então o Nik arranjou um gajo, o Twink (que fundou mais tarde os Pink Fairies), para tocar guitarra solo. A única guitarra que tínhamos só tinha duas cordas e ele não conseguia tocar nenhuma delas porque ele era baterista. Essa foi uma das grandes decisões do Nik. Ele também foi um dos que, mais tarde, fez com que eu fosse despedido da banda, por isso, aí têm. Mas o Nik era ocasionalmente fonte de grande divertimento. Uma vez ele dirigiu-se até ao microfone, a segurar o seu saxofone, que estava ligado, e desapareceu numa névoa de faíscas azuis! Estávamos todos a rir, “Sim, boa, Nik!” De seguida descarregou nos amplificadores, que caíram em cima dele, o que me deu uma imensa satisfação pessoal. De outra vez fizemos um concerto num palco aberto que tinha um fosso com água a cobrir a parte da frente. Então estávamos a tocar e chovia como a merda - todos aqueles hippies estavam sentados em cima de bocados de plástico, todos ensopados a comprar hambúrgueres a 15 libras - toda aquela cena fixe dos festivais. Parte do palco estava sob uma cobertura em formato de tigela, mas o primeiro metro e meio do palco estava aberto e molhado. Eu e o Dave estávamos nessa parte do palco e o Nik faz uma entrada pela esquerda, vestido de sapo - tinha botas de cowboy pretas, collants verdes, um fato de ginástica verde e uma cabeça de sapo de borracha. Segurava o miSPEEDFREAK
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CAPÍTULO DOZE
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omo podem perceber, não fiquei exactamente perturbado por ter sido descartado pela Sony. Já tínhamos experimentado piores situações. Coisas dessas não me preocupam nada – só tens que continuar e tudo se vai resolver por si. É sempre assim. Não podes andar às voltas em pânico e a desistir; tens de ter força nas tuas convicções; tens de perceber que alguém lá fora vai-te dar reconhecimento e que vais ficar bem na fotografia. Se pareceres derrotado, quem é que chegar-se à frente? Dessa forma, continuámos os últimos dias de colapso com a Sony como sempre o fizemos – tocando alguns concertos. Não muito depois de termos sido descartados fizemos cerca de cinco datas com o Ozzy Osbourne e os Alice in Chains. O Ozzy andava a fazer umas das suas supostas digressões de “despedida” – como se ele alguma vez se fosse reformar! Ele dava em doido se se aposentasse! O Ozzy é um dos artistas mais carismáticos do mundo; é o que ele faz.Tirem-lhe isso e ele ficaria completamente doido. Se ele se visse da maneira como os outros o vêem, ele nunca mais falava em reformar-se outra vez. Ele vai ter que se reformar um dia, suponho eu, mas não antes de já não conseguir andar. Mas, de qualquer forma, apenas tocámos em alguns desses concertos de “despedida” e depois fomos despedidos do cartaz porque andávamos a tocar na digressão dos Guns N’ Roses/Metallica nos nossos dias de folga. Aquilo não era lá muito rock ‘n’ roll, mas como tocávamos em terceiro lugar, a seguir aos Alice in Chains, não me importei muito. Também gravámos algumas coisas. Fizemos uma ou duas canções na banda-sonora no filme do Clive Barker, Hellraiser III: Hell on Earth – a «Hellraiser» (talvez sem surpresa) e a «Hell on Earth», que foi gravada na mesma sessão. Para além dessa, gravámos a «Born To Raise Hell», na qual partilhei as vozes com o Ice T e o Whitfield Crane, o voca174
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lista dos Ugly Kid Joe (ele é boa pessoa… agora é boa pessoa! Olá, Whit!). Esta última canção foi uma coisa de último minuto – tocou nos créditos no fim do filme e nem constou na banda-sonora do álbum. Fizemos um vídeo para o «Hellraiser», mas a Sony, claro, não o pagou – penso que foi a produtora do filme a fazê-lo. Como podem ver, a nossa carreira não estava dependente de tudo o que a Sony fazia (e graças a Deus por isso!). Mais tarde fizemos alguns concertos na Argentina e no Brasil, com os Alice in Chains como banda de suporte. Alguns daqueles países Sul-Americanos são virtualmente desprovidos de leis, e temos mesmo que nos precaver. Houve um ano em que, quando fomos fazer uns espectáculos no Brasil, fomos também convidados a ir até à casa do filho do Presidente, e os polícias tentaram parar-nos durante o caminho. É uma grande fonte de rendimento para eles, prender pessoal como nós e depois tentar sacar-nos bastante dinheiro. E, como é óbvio, todas as bandas de rock são milionárias – ah, ah! Nesta situação em particular, estávamos em concerto com os Iron Maiden e os Skid Row, e depois que terminámos, fomos até ao parque de estacionamento, e haviam uns seguranças à volta da carrinha que nos ia levar até ao hotel, e um deles estava lá dentro de volta de um dos bancos. Ele saiu da carrinha com um ar muito manhoso e eu pensei, “Que se foda!”. Fui ter com o meu pessoal e disse-lhes, “Ninguém vai naquela carrinha!”, e insisti que devíamos usar outra. O tipo tentou dizerme,“Oh, não há mais carrinhas”, e eu disse,“Então passamos aqui a merda a noite. Vou dormir no camarim. Ok? De alguma forma, lá arranjaram outra carrinha e deixámos o pessoal que ia ficar no hotel e dirigimo-nos à casa do filho do Presidente. Cerca de dez metros mais à frente, quem diria que tínhamos um polícia a mandar-nos parar. O tipo fez-nos sair da carrinha e foi direito ao tal banco. Não havia lá nada, obviamente, e ele não sabia o que fazer! Fez-nos umas perguntas de merda - “Qual a idade destas raparigas?” e essas coisas – mas ele estava lixado e sabia disso. Depois tivemos de esperar (ele disse que a carrinha estava “sobrelotada”) até que trouxeram outra carrinha e eu pensei que ia ser o mesmo esquema outra vez. Caminhei até à entrada do hotel, com o Todd a seguir-me - não havia razão para entrar na boca do lobo voluntariamente! Mas a carrinha passou por nós e não havia nenhum polícia a segui-los e eles disseram, “Entrem”. Entrámos e chegámos finalmente à casa do filho do Presidente. Isso foi incrível só por si! Chegas lá e uma série de soldados saem de repente por detrás das árvores com as armas em posição, a perguntar a palavra-passe, e essas coisas. Tínhamos permissão para entrar por isso deixaram-nos passar sem problemas. Divertimo-nos bastante mas se me perguntarem, diria que não havia mulheres suficientes. O Phil Campbell andava para ali bêbado com o filho do Presidente e com os enormes seguranças, e acabaram por se revelar malta porreira – não que fôssemos ser amigos para sempre ou WE ARE MOTÖRHEAD
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coisa do género. Fizemos também os Estados Unidos mais uma vez, desta vez com os Black Sabbath. A cena peculiar de ir em digressão com eles era que todos os dias eles tinham de fazer uma sesta à tarde; desligava-se tudo, tinha de ficar tudo escuro no camarim e três deles sentavam-se lado a lado no sofá, pareciam três coelhinhos. Na verdade, o Bobby Rondinelli não queria fazer uma sesta, mas ele andava com o Geezer e com o Tony! Foi muito aborrecido para nós em Milwaukee porque partilhámos o camarim com eles – era uma divisão enorme, dividida por uma cortina. Então, todas as luzes tinham de estar apagadas e tivemos de nos sentar no escuro por uma hora. Foi muito estranho. Caso os Motörhead aqui estejam em 2035, acho que nunca iríamos estar preparados para uma sesta. Dito isto, tenho de dizer que os Black Sabbath foram muito bons naquela noite. Foram consistentemente bons por toda a digressão. O ano acabou com uma nota amarga. Éramos suposto de ir em digressão pela Inglaterra mas como mencionei anteriormente, esta foi cancelada porque os promotores não garantiam o dinheiro e nós não íamos suportar aquilo nós próprios – sabem como é. Fomos, no entanto, pela Europa, e fomos muito bem, como sempre. Reparem, nós somos o único factor constante em todo o esquema: nós aparecemos sempre e tocamos as nossas cenas, chegamos sempre a horas, e somos sempre bastante razoáveis (bem, quase sempre). Se os promotores fizessem tão bem o seu trabalho como nós fazemos o nosso, ficaríamos felizes. Passámos uma semana em 1993 a tocar em alguns concertos de pequena monta num local em Anaheim chamado California Dreams que já não existe, enquanto tentávamos decidir o que fazer acerca de conseguirmos um contrato com uma discográfica. Tínhamos de assinar contrato, obviamente, e acabámos por assinar um com a discográfica Alemã ZYX, o que foi um desastre autêntico. Mas eles ofereceram-nos mais dinheiro que qualquer outro – uma quantidade absurda, adiantado – então aceitámos. E estávamos falidos: é o que se faz quando se está teso, aceita-se o dinheiro. Aquilo até começou bem, devo admitir. Por um lado, a Alemanha tem sido um dos nossos melhores mercados ao longo dos anos, por isso, fazia sentido assinar com uma editora Alemã. E eles faziam todo o género de promessas e atravessavam o Atlântico a toda a hora para vir ter connosco. Uma vez que a ZYX era primariamente uma editora de dance (isso devianos ter dito alguma coisa), disseram-nos que podíamos fazer a distribuição e ter a nossa própria editora subsidiada, e isso tudo. Mas no fim, insistiram em fazer eles mesmos, o que foi um autêntico pesadelo. Não sabiam nada acerca do mercado Americano. Para mais, o tipo que manda na empresa foi o mesmo que fundou aquilo em 1926, ou qualquer coisa do género. Ele era tão velho que cuspia a Arca de Noé, e todas as decisões tinham 176
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de passar por ele. Não me recordo quantas vezes o Todd sobrevoou o Atlântico para se reunir com eles, mas foram mais vezes que eles o fizeram para vir ter connosco! O Todd só estava connosco por pouco mais de um ano e esses meses foram um baptismo de fogo para ele. Contudo, saiu da situação bastante bem. Em todo o caso, não fazíamos ideia no que nos estávamos a meter, e fomos em frente e gravámos um álbum, como sempre fazemos. Esta foi a primeira vez do Mikkey connosco e ele revelou-se ainda melhor que o esperado. Ele fez parte do processo de escrita para este álbum, que se veio a chamar Bastards. O Phil Taylor não se interessava pelo processo de escrita há já bastante tempo, antes de o despedirmos. E o Mikkey começou o seu trabalho assim que entrámos no estúdio. Ele atirou-se às faixas de bateria e terminou-as em tempo recorde. Ele foi fantástico, e continua a ser fantástico até hoje… para não mencionar engraçado! Também arranjámos um produtor novo para este álbum. Na melhor parte das nossas carreiras, parece que os Motörhead mudaram de produtores, álbum sim, álbum não – O Jimmy Miller fez dois, tal como o Vic Maile e o Peter Solley. Parece que não conseguiam fazer mais do que isso. Penso que os esgotámos até à última! Não me recordo do nome do outro tipo que andávamos à procura para produzir o novo álbum, mas era ele ou o Howard Benson e ficámos com o Howard. O Howard bem ganhou o lugar: ele era activo e veio a todos os ensaios (tenho de dizer que foi a última vez que ele fez isso!). O Howard estava lá, o Howard ia produzir esse álbum acontecesse o que acontecesse. Ele apenas veio e ficou por ali a conviver connosco até que dissemos que sim. Foi mesmo o que ele fez – no fim, acabámos por dizer, “Que se foda, vamos deixá-lo fazer isto!” Ele queria muito produzir este álbum e demos-lho e ele, e por incrível que pareça, ele ficou connosco por quatro álbuns. Não faço ideia como é que ele conseguiu quebrar a barreira dos dois-álbuns mas ele conseguiu e ficámos bastante satisfeitos com ele apesar dos seus hábitos estranhos (mais pormenores daqui a pouco, mas não se entusiasmem – não são assim tão excitantes). Ele fez um trabalho fantástico no Bastards – Penso que é um dos melhores álbuns que os Motörhead fizeram até agora.Todas as canções são fortes. A «Death or Glory» e a «I Am the Sword» são provavelmente as minhas favoritas, juntamente com a «Lost in the Ozone». Depois há a «Don’t Let Daddy Kiss Me», que é sobre abuso de crianças. Escrevi-a eu próprio e tive-a durante três anos no bolso. Ofereci-a a toda a gente – à Lita Ford, Joan Jett – porque eu achava que uma mulher é que devia cantá-la, mas ninguém ficou com ela. Elas ouviam a canção e diziam, “Adoro-a! Tenho de a cantar, tens de me deixar ficar com essa canção!” e três semanas depois, o manager ligava e dizia, “Não!”. Por isso acabei por cantá-la eu próprio. WE ARE MOTÖRHEAD
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Gostámos mesmo de gravar o Bastards. Embora ele ainda estivesse connosco no álbum seguinte, o Sacrifice, considero este o último álbum do Wurzel nos Motörhead, porque foi o último que ele esteve mesmo presente de corpo e alma. E divertimo-nos a mostrar ao Howard como trabalhar connosco. Ele torna-se muito maricas no estúdio e basta uma coisa simples para o deixar perturbado. Ele começava a dizer – “Não me insultes, meu!” e essas coisas – e eu dizia, “É impossível insultar-te, Howard. Para quê dar-me a esse trabalho? Já fazes isso sozinho”. Uma vez ele estava a usar uma camisa que tinha, não sei, o número 36 lá escrito ou qualquer coisa assim, e o Phil disse, “Essa camisa é estrangeira, Howard?” E ele disse, “Não, porquê?” E o Phil respondeu,“Nunca tinha visto a palavra “cabrão” escrita dessa maneira”. Apanhámo-lo duas vezes com esta e finalmente ele começou a passar-se – “Porque é que me contrataram, afinal, se não gostam de mim!” E o Phil disse, “Bem, tu és o único disponível dentro do nosso orçamento”. Apesar disto, o Howard gostou mesmo de ser o nosso produtor. Ele certamente que não admitia que ninguém dissesse mal de nós, isso é de certeza (penso que ele teve de nos defender de alguma foram, uma ou outra vez). Apesar de tudo, discutimos um pouco enquanto estivemos no estúdio, eu e ele. No início da nossa relação de trabalho, houve um dia que eu estava à espera há horas para fazer a parte das vozes enquanto ele tratava da parte das guitarras, ou assim. Finalmente, mandei vir um hamburger e ia mesmo começar a comê-lo quando ele disse, “Certo! Vozes!” “Oh, seu cabrão!”, disse eu. “Porque é que não me deixas comer a merda do meu hambúrguer?” Mas não – “Vá lá, vá lá, temos um prazo a cumprir!” O Howard a ser parvo no estúdio, sabem. Então fiz a coisa mais lógica; enfiei o conteúdo do hamburger na mesa de mistura. Calculei que era justo. Os hábitos de alimentação do Howard, a propósito, deixam muito a desejar – ele come todas aquelas merdas vegetarianas, frutas e nozes. Essa merda não é saudável! Os seres humanos são carnívoros – olhem para os nossos dentes! O nosso sistema digestivo não foi feito para lidar com comida vegetariana. Faz uma pessoa peidar-se a toda a hora, e ficas com flora intestinal. O vegetarianismo é irrealista – é por isso que as vacas têm quatro estômagos e nós temos um. Pensem nisso. (Olá, Howard!). E não se esqueçam – o Hitler era vegetariano! Durante todo o tempo em que trabalhámos com a ZYX, a única coisa que correu bem foi a gravação do álbum. Mas quando estamos no estúdio é assim que as coisas correm. Quando o Mikkey começou a gravar connosco pela primeira vez, ficou surpreendido com a forma como fazemos tudo de improviso. Ele estava habituado a pessoal como o Don Dokken, que trabalha no mesmo álbum por três anos e tem tudo planeado de antemão. Não suporto trabalhar assim. Entramos com nada e limitamo-nos a 178
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soltar tudo. Custa menos dessa forma, e é óbvio que funciona. Se não funcionasse, fazíamo-lo de outra forma. De qualquer forma, o álbum estava fantástico mas o problema é que não o conseguíamos encontrar à venda em lado nenhum. Encontrávamos na Alemanha – é uma editora Alemã, e é único mercado que conhecem. De resto, era horrível. Demorou algum tempo, mas colocaram-no finalmente no Japão. Nos EU ninguém sequer sabia que tínhamos lançado um álbum. No entanto, fizemos muitas digressões para esse álbum – calculámos que, se não conseguias encontrar o álbum à venda, então valia mais sair e tocar o álbum para o ouvires! Mas na verdade, era uma situação trágica. O Bastards foi um dos melhores álbuns que alguma vez fizéramos e desapareceu completamente. É uma desilusão tão grande, quando dás tudo por um álbum e estás mesmo entusiasmado com ele e mais ninguém se interessa, em especial a nossa própria companhia discográfica. Nem conseguíamos fazer com que a ZYX pagasse por cópias promocionais. A nossa publicitária, a Annette Minolfo, pediu 200 CD’s para dar a DJ’s e à imprensa e eles disseram que não, que era muito caro. Muito caro?! Eles deram-nos meio milhão de dólares de avanço para fazer aquela merda e agora é muito caro promover o álbum com 200 CD’s! Alguém deve ter a cabeça enfiada no cú, certo? Apesar de tudo, há uma coisa que tenho de dizer acerca do Bastards: ao menos esteve na rádio, o que é mais do que se pode dizer do 1916 ou do March or Die. A razão é porque enviámos o álbum nós próprios. Simples, na verdade. De qualquer forma, assim que terminámos o Bastards fomos pela América do Norte e pela Europa duas vezes, a cena habitual. Divertimo-nos em Montreal com o Mikkey. Estavam dois gajos nos bastidores – travestis. Estavam todos produzidos e queriam tirar uma foto connosco. Como sabem, não me interessam os gostos sexuais de cada um, muito menos o que vestem, e o Phil a mesma coisa (O Phil veste-se assim metade do tempo – porque é que acham que ele é chamado de ‘Stiletto Heels’32 no Bastards?). Mas o Mikkey é uma história completamente diferente – com o seu estilo de menino-bonito, ele detesta esse tipo de coisas. Então dissemos ao gajos, “Sim”, mas esperámos até ao último minuto para informar o Mikkey. De seguida, “Mikkey! Anda tirar uma foto com estas miúdas!” E lá veio ele a correr, “Olá, meninas!”, e isso tudo. Estacou imediatamente. Foi mesmo engraçado, porque o vestido de um dos gajos não tinha costas e as nádegas saíam para fora. Mas tirámos a fotografia na mesma, e o Mikkey murmurava, “Paneleiros de merda”. Ainda por cima, fomos no autocarro até um bar, e o Mikkey teve de ir a outro lado e só depois foi ter connosco até ao bar. Ele não sabia que o bar, depois de terminado o espectáculo de rock, se transformava numa discoteca gay! Ele saiu do táxi, com uns 20º abaixo 32 Saltos altos, em tradução livre. (N. do T.) WE ARE MOTÖRHEAD
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