RIO DE JANEIRO . ANO 09 . EDIÇÃO 49
A ÉTICA É ABSOLUTA OU RELATIVA?
DEPENDE DO CASO
VAMOS REVIVER CECÍLIA MEIRELES NOS SONHOS POR UMA MELHOR EDUCAÇÃO A FÍSICA QUÂNTICA PRESENTE EM TUDO QUE VEMOS E O QUE NÃO VEMOS
SEMENTE DE UMA NOVA ERA
O QUE ESPERAR DOS JOVENS NESTE MOMENTO EM QUE ESTAMOS VIVEMOS?
ARQUITETURA SUSTENTÁVEL
UM FUTURO MELHOR PARA OS HABITANTES DO PLANETA
CARLOS
MINC
O PILAR BRASILEIRO DA LUTA PLANETÁRIA PELA SUSTENTABILIDADE
ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: É HORA DE FOMENTAR! R E V I S TA R U M O S U S T E N TA B I L I D A D E
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EXPEDIENTE
EDITORIAL
Diretoria Ariane Pacheco Porciúncula gruporumo@gruporumocom.com.br Coodernação Geral Ariane Pacheco Porciúncula Departamento de Jornalismo Nick Aust (MTB 31.275/2005) redacao@gruporumocom.com.br Igor Gama de Oliveira (15.114 / MG) Colaboraram nesta edição: Arnaldo Carvalho Carlos Eduardo Aguayo Rey Denise de Mattos Gaudard Étore Dalboni Grasiela Fragoso Holmes Antônio Jaqueline Gomes Rita Feris Rodrigo B. Capaz Diagramação Juliana Pinto criacao@gruporumocom.com.br Departamento Administrativo e Financeiro Georgia Maia administracao@gruporumocom.com.br Armando Constantino financeiro@gruporumocom.com.br Departamento de Operações Rafaela Pereira Barra de Almeida operacoes@gruporumocom.com.br Departamento de Relações Comerciais Chharbel di Nicollau comercial@gruporumocom.com.br Seção de cartas redacao@gruporumocom.com.br Tiragem – 2.000 Periodicidade – Trimenstral Atendimento ao leitor. Telefone: (24) 99957-6396 Os artigos constantes nesta publicação não representam necessariamente a opinião da editora.
Vivemos, no mundo atual, uma grande dicotomia. Cuidar do Planeta Azul preservando as nossas espécies e riquezas naturais ou crescer e desenvolver a qualquer custo, sem se importar com o futuro do planeta e consequentemente da humanidade? O atual governante dos Estados Unidos da América é o exemplo em evidência de um grupo que entende que o crescimento econômico, principalmente do seu país, está acima de tudo, independente dos efeitos colaterais que venham a causar no ecossistema mundial. Estamos vivendo um momento crítico na história da humanidade. Os poucos que acordaram lutam desesperadamente contra a ignorância, a falta de consciência coletiva, o egoísmo, o capitalismo desenfreado e o catatonismo daqueles que percebem um perigo ainda longe de sua realidade cotidiana. O mundo melhor que almejamos está na segunda etapa de um processo de sangramento do planeta que precisa ser estancado. A cada qual a sua parte, grande ou pequena, do micro ao macro, de dentro de nossas casas às governanças. O processo de mudança é lento e começa no nível da consciência individual. Aqui em nossa redação, nas conversas com nossos parceiros e articulistas, procuramos debater isso. Entendemos que a cada edição da Revista Rumo poderemos levar a reflexão aos nossos leitores e todos que desejam viver em um PLANETA SAUDÁVEL e assim mantêlo para suas gerações futuras. Um desses ilustríssimos Defensores da Terra é Carlos Minc, nosso convidado a falar um pouco de sua luta em prol de um mundo sustentável, onde há mais de 4 décadas vem plantando sementes da transformação. Com o mesmo peso, abordamos outros temas dentro das mesmas vertentes, complementares e convergentes a ideia única de mudança. E não há mudança sem entendimento dos preceitos básicos sobre ÉTICA e MORAL, discorrido por Carlos Eduardo. Como mídia independente e alternativa iremos abordar questões poucos debatidas pela mídia de massa, que faz parte integrante de um sistema interligado que visa somente seus interesses econômicos e de seus “cooperativados” em acordos intrínsecos de silêncio onde a verdade não possa colocar em risco seus negócios, suas riquezas e esquemas de enriquecimento. Temos a obrigação de falar, de alertar, de manifestar, de pedir apoio, de promover a mudança de comportamento, de esclarecer, de incluir, de fazer pensar. Não podemos pensar em num planeta sustentável com grandes conglomerados, empregando uma parcela da população e deixando de atender à milhões em suas necessidades básicas, por conta de um conceito de desenvolvimento excludente. Se o mundo urge mudar comecemos por nós. A Editora Novo Rumo fez jus ao seu nome fantasia mudando o foco de suas discussões para promover a mudança através do conhecimento, da realidade. Vamos compreender os fatos para pensarmos em soluções e agirmos com atitudes em busca desse mundo sustentável. Vamos olhar com os olhos de Arnaldo Carvalho sobre a “descoisificação do mundo capitalista”, se unir na forma de repensar nossos lares com a arquiteta Rita Feris, refletir, com Grasiela Fragoso, a necessidade de olhar a educação, como chave mestra para a reconstrução da nossa vida em uma sociedade sustentável. Por fim, não poderíamos pensar em sociedades sustentáveis, sem passar pelo caminho básico da saúde onde Holmes Vieira, aborda os 30 anos de SUS ainda na esperança de que se torne o modelo de atendimento a qual foi pensado e planejado. Vamos compartilhar o conhecimento, vamos ampliar nossa visão, vamos expandir nossas consciências e vamos partir pra luta! Boa leitura!
SUMÁRIO TÊTE A TÊTE Carlos Minc........................................................................................................03 PARADIGMAS A ética é absoluta ou relativa?.....................................................................08 PERSPECTIVA O capital humano e os potenciais do desenvolvimento sustentável regional gestado pelo fomento aos micro arranjos produtivos locais............................................................................10 CADERNO EDUCAÇÃO, CIÊNCIA & TECNOLOGIA REPENSANDO EDUCAÇÃO Educação Popular em Saúde: 2018, trinta anos de SUS..................14 CONTEXTO Cecília Meireles Escritos sobre Educação..............................................16 CIÊNCIA HOJE Física Quântica.................................................................................................18
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MEIO AMBIENTE A dor do parto da sociedade.......................................................................20 PARA TODOS O peso sustentável de Ser............................................................................22 REFLEXÕES Sementes de uma nova era........................................................................24 EM FOCO A Conferência sobre mudança climática que pouco muda o destino da atmosfera.................................................................................26 EDIFICANDO Arquitetura Sustentável.................................................................................28 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A saga do licenciamento ambiental.........................................................30 INFORME PUBLICITÁRIO IED-BIG: Orgulho da Costa Verde..............................................................32
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TÊTE À TÊTE
CARLOS
MINC Texto por Igor Gama / Fotos Assessoria
Carlos Minc, 66 anos, é professor da UFRJ (departamento de geografia); deputado ecologista, preside a Comissão de Defesa do Meio Ambiente da ALERJ e recebeu o Prêmio Global 500 da ONU pela defesa do meio ambiente à escala planetária. Foi ministro do Meio Ambiente entre 27 de maio de 2008 e 31 de março de 2010; secretário estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro entre 22 de novembro de 2006 e 26 de maio de 2008; e cumpre seu 6º mandato de deputado estadual no Rio de Janeiro. É membro-fundador do Partido Verde (PV) e da ONG Defensores da Terra. Autor de alguns livros que abordam a temática ambiental. São eles: “Como fazer Movimento Ecológico (Vozes, 1985); “A Reconquista da terra (Zahar, 1986); e “Ecologia e Política no Brasil” (Espaço e Tempo/ Iuperj, 1987). Tivemos uma longa conversa com Minc, da qual poderemos todos chegarmos à conclusão de que somente com muita luta poderemos transformar o destino e tratamento das questões de meio ambiente e sustentabilidade no Brasil. Acompanhe na página seguinte toda a nossa conversa.
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QUAL A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A FORMAÇÃO DE JOVENS CONSCIENTES?
Abraço a Lagoa de Itaipu, contra a especulação imobiliária.
A educação ambiental é um processo participativo e contínuo da sociedade, fundamental para a consciência crítica acerca dos problemas socioambientais existentes, fruto de um modelo de desenvolvimento econômico cada vez mais predatório, de uma relação homem/natureza que se baseia na superextração dos recursos da natureza, superdegradação e poluição dos ambientes, e geradora de grandes desigualdades mundiais. Nesse sentido, a educação ambiental se apresenta como uma via para a realização de ações que visem à transformação dessa realidade, rumo a sociedades cada vez mais justas, ambientalmente equilibradas e sustentáveis, necessitando estar tanto dentro quanto fora dos espaços formais educativos, para que consigamos realizar as transformações necessárias.
QUAIS AS CONTRIBUIÇÕES MAIS IMPORTANTES DA ONG DEFENSORES DA TERRA, QUE VOCÊ AJUDOU A CRIAR EM 1987, PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA MENTALIDADE SUSTENTÁVEL NA SOCIEDADE?
Com outros ambientalistas em campanha na praia do Leme.
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Os Defensores da Terra são uma entidade da sociedade civil, sem fins lucrativos e de utilidade pública, que nasceu das lutas do movimento ecológico. Investe na educação ambiental, na sensibilização, mobilização, organização e formação da sociedade para o enfrentamento dos desafios socioambientais e para a formação de uma nova cultura ambiental, a cultura da gestão participativa do ambiente. Ao longo desses 30 anos, a entidade promoveu centenas de ações de fiscalização e defesa de diferentes unidades de conservação, rios e lagoas do Estado do Rio de Janeiro, propôs projetos que se transformaram em leis e políticas públicas, atuou junto a escolas
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da rede pública municipal e estadual de ensino, organizou e participou de fóruns, coletivos, redes, grupos e seminários, e realizou 38 cursos de formação ecológica, gratuitos e abertos a população do Rio de Janeiro.
COMO VOCÊ VÊ A MOBILIZAÇÃO DAS PESSOAS EM TORNO DAS QUESTÕES AMBIENTAIS HOJE EM DIA? O ENGAJAMENTO TEM AUMENTADO OU DIMINUÍDO? Quando começamos, lá no início dos anos 1980, a crise ambiental era um assunto pouco falado pelas mídias e meios de comunicação, e os ambientalistas eram poucos e vistos como exagerados e chatos, um entrave ao desenvolvimento. Ao longo desses 30 anos, com o acirramento da crise ambiental em escala planetária, esse cenário mudou. Os problemas socioambientais se tornaram mais evidentes, e o assunto se tornou cada vez mais discutido em várias instâncias e setores da sociedade. A consciência pública aumentou consideravelmente, assim como os investimentos em ações
educativas, e em busca de novos modelos de produção e consumo. Por outro lado, o engajamento da sociedade em ações realmente transformadoras ainda é muito aquém das necessidades reais, pois os investimentos nesse tipo de políticas públicas ainda são muito deficientes.
ALGUMAS DAS CONQUISTAS IMPORTANTES DOS AMBIENTALISTAS SE RELACIONAM ÀS ALTERNATIVAS DE TRANSPORTE NAS GRANDES CIDADES. NO RIO, A LUTA PELA ADOÇÃO DO GÁS NATURAL E DA CICLOVIA SÃO ALGUNS EXEMPLOS. QUAL O MAIOR ENTRAVE PARA GARANTIR NOVAS POSSIBILIDADES PARA A POPULAÇÃO? Os ambientalistas sempre lutaram por melhoria na qualidade dos serviços de transporte público, de modo a diminuir o uso de carros individuais na cidade e, consequentemente, a poluição do ar. E ao longo desses 30 anos, tivemos avanços significativos, com a implantação da
Foto Arquivo/ Defensores da Terra
Uma das ideias ecológicas que floresceu nos anos 80, no Rio de Janeiro, foi a implantação de ciclovias, focando no transporte alternativo não-poluente, com benefícios para a saúde e melhorando a qualidade de vida da população, que motivou passeatas e atos públicos.
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Foto Arquivo/ Defensores da Terra
No início dos anos 80, contra a fumaça e a poluição dos ônibus: portando máscaras anti-poluição, os veículos infratores eram parados e tinham seus canos de descarga preenchidos com batatas, como forma de protesto bem-humorado.
malha cicloviária por toda a cidade, novas linhas de Metrô, e a instalação do BRT e o VLT. Um dos desafios é a integração entre os diferentes modais de transporte, com impacto positivo na mobilidade urbana. Para pensar mobilidade urbana, é preciso ir muito além da implantação de sistemas de transporte coletivo, sejam eles BRT, VLT, metrô ou trens. É preciso, hoje, pensar em uma rede integrada e multimodal que atenda às necessidades de deslocamento dos pontos de origem
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aos de destino. Quando existe um sistema de integração modal eficiente, os passageiros ganham mais acesso à cidade, pois há conectividade entre os diversos bairros. É possível ampliar esse escopo através da construção de bicicletários e paraciclos em estações terminais de integração. O projeto do VLT, por exemplo, vai nesse sentido também, conectando metrô, trens, barcas, teleféricos, BRTs, redes de ônibus convencionais e o aeroporto Santos Dumont.
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A LEI 2457/95, DE SUA AUTORIA, OBRIGOU EMPRESAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, PRODUTORAS DE GELADEIRAS, A USAR MECANISMOS DE RECICLAGEM DO CLOROFLUORCARBONO (CFC – UM DOS CAUSADORES DO BURACO DA CAMADA DE OZÔNIO). A ADOÇÃO DESSA MEDIDA SE TORNOU REFERÊNCIA NO CONTEXTO NACIONAL? COMO FORAM OS RESULTADOS?
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Por mais de cinco décadas, o clorofluorcarbono (CFC) representou uma ameaça silenciosa à vida na Terra. O gás foi sintetizado em 1928, nos EUA, e fez um tremendo sucesso na indústria porque era versátil, barato e fácil de estocar. Passou a ser largamente empregado como gás refrigerante em geladeiras, aparelhos de ar-condicionado e propelentes de aerossol. E assim foi até a década de 1970, quando suspeitouse que, ao escapar para a atmosfera, ele estava abrindo um rombo enorme na camada de ozônio. O debate científico durou mais de 10 anos, a partir de 1974, quando a tese foi proposta pela primeira vez, até que o geofísico inglês Joe Farman finalmente comprovasse o fenômeno, numa expedição à Antártida, o continente gelado, que era o que mais estava sofrendo com o fenômeno em meados dos anos 1980. O buraco estava lá, tinha quase 30 milhões de quilômetros quadrados e não parava de aumentar. O jeito foi banir o CFC, decisão ratificada em 1987, numa convenção internacional em Viena pela proteção da camada de ozônio. Em 1993, apresentamos nosso projeto de lei sobre a proibição da liberação de gases de refrigeração à base de CFCs, e lutamos pela sua aprovação, que ocorreu em 1995. Além disso, na época, o engenheiro Lúcio Flávio Campos de Castro desenhou uma peça que evitava o escape do CFC quando se trocava o gás de aparelhos de ar condicionado, geladeiras..., que passou a ser usada em larga escala pela indústria de refrigerantes e de refrigeração do país todo, apoiando o cumprimento da lei e o banimento do uso do CFC no Estado e no Brasil. E o esforço tem dado certo. Dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) indicam o exemplo do Brasil: entre 2000 e 2007, o país reduziu em 96,5% seu consumo do gás.
COM A SOCIEDADE CADA VEZ MAIS CONSUMISTA, A PRODUÇÃO DE LIXO AUMENTA DE MANEIRA SIGNIFICATIVA A CADA DIA. ENTRE AS SOLUÇÕES QUE JÁ FORAM POSTAS EM PRÁTICA PARA LIDAR COM ESSA QUESTÃO, QUAL SE MOSTROU MENOS IMPACTANTE PARA O MEIO AMBIENTE? Fizemos diversas leis que apoiam a retirada do plástico no ambiente, como a Lei 3369/00, que determina responsabilidades na destinação final dos comerciantes e fabricantes, que passam a pagar pelo retorno de embalagens PET em postos de recompra, além de destinar recursos para apoiar cooperativa de catadores de materiais recicláveis. Alguns setores ainda não cumprem, como o de cosméticos e fármacos, enquanto outros começam a se adequar. Outra ação importante nesse sentido foi a nossa Lei 5502/09, que determina a substituição e recolhimento de sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais localizados no Estado do Rio de Janeiro, como forma de colocá-las à disposição do ciclo de reciclagem. A lei incentiva o uso de sacolas retornáveis, garantindo um abatimento de R$ 0,03 na conta (a cada cinco mercadorias compradas). Com a aplicação da lei, os supermercados diminuíram o número de sacolas plásticas distribuídas. O Mundial, em 2014, por exemplo, deixou de distribuir cerca de 2 milhões de sacolas plásticas no Rio. E a nossa campanha “Saco é um Saco”, criada quando estive à frente do Ministério do Meio Ambiente, apresentou números que demonstram a redução significativa das sacolas plásticas. Em 2007, de acordo com a indústria do plástico, 18 bilhões de sacolas foram produzidas no Brasil. Já em 2009, com apenas seis meses de campanha, o número caiu para 15 bilhões, uma redução de 16,66%. Em junho de 2009, 600 milhões de sacolas plásticas foram evitadas em todo o País, o equivalente a 4% do que foi produzido.
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PARADIGMAS
A ÉTICA É ABSOLUTA
OU RELATIVA? Carlos Eduardo Aguayo Rey
Administrador de empresas graduado pela PUC-RJ e permacultor. Fundador da empresa de ecologia profunda ECOFOCUS. Palestrante nas atividades realizadas na Rio +20 e também no Curso de Formação Ecológica da ONG Defensores da Terra.
Para facilitar o entendimento deste artigo vou tirar o trecho de uma página web (Círculo Cúbico) para explicar a confusão muito comum entre Ética e Moral: “Existe alguma confusão entre o Conceito de Moral e o Conceito de Ética. A etimologia destes termos ajuda a distingui-los, sendo que Ética vem do grego “ethos” que significa modo de ser, e Moral tem sua origem no latim, que vem de “mores”, significando costumes. Esta confusão pode ser resolvida com o estudo em paralelo dos dois temas, sendo que Moral é um conjunto de normas que regulam o comportamento do homem em sociedade, e estas normas são adquiridas pela educação, pela tradição e pelo cotidiano. É a “ciência dos costumes”. A Moral tem caráter normativo e obrigatório. Já a Ética é “conjunto de valores que orientam o comportamento do homem em relação aos outros homens na sociedade em que vive, garantindo,
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assim, o bem-estar social”, ou seja, Ética é a forma que o homem deve se comportar no seu meio social.” Complementando as definições acima podemos então concluir que a Ética deveria ser absoluta (os principais filósofos gregos, Sócrates, Platão e Aristóteles, entendiam sua característica imutável e universal) e a Moral relativa. Mas a nossa sociedade, especialmente nossos políticos (será?), justificam a relativização da Ética. Funciona mais ou menos assim.... Se os interessa, criam artifícios para tornála legítima e tem 1001 justificativas de ordem pragmáticas para apoiar a relativização da Ética. Caso não os interessa, aí sim esbravejam como grandes cumpridores da ordem pública e defensores implacáveis do bem estar comum (fenômeno especialmente evidenciado durante as campanhas eleitorais). Esse desnudamento tem sido exposto mais explicitamente pela Operação Lavajato..... Mas a Operação Carne Fraca tornou mais amplo ainda essa relativização da Ética. Mostrou que a conduta dos políticos que tanto criticamos, é comungada pela sociedade como um todo. Ora, se queremos ser impolutos, implacáveis, magnânimos, não podemos tratar de certos assuntos relativandoos, avaliando somente a parte que “nos
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interessa” e deixar de fora aquilo que “não nos interessa”. Qual seria a diferença entre a conduta ética de um político e de um cidadão? Afinal de contas a Operação Carne Fraca deflagrou uma conduta inapropriada da ética de todas as pessoas envolvidas no cotidiano da produção e comercialização da indústria da carne. Mas, algo ficou de fora! Algo não foi mencionado nem um minuto se quer, em TODOS os meios de comunicação que pude acompanhar. Os editoriais se limitavam a avaliar os impactos econômicos, as perdas de mercados, as questões sanitárias da atividade. Mas somente relativizaram a Ética por trás dessa atividade. Propositadamente, assim como jornalistas, políticos e magistrados, ocultaram outros aspectos da atividade. Justamente deixaram de fora a ÉTICA de realizar essa atividade econômica. Já passou do momento que a sociedade desperte, ao total conhecimento, para que a Ética tenha sua característica
ABSOLUTA, o que acontece por trás dessa atividade que atende a desejos de consumo humano (e não necessidades) e que vem comprometendo até mesmo o equilíbrio do planeta. Essa atividade é patrocinada pelos consumidores que relativizam as atrocidades que já é livremente divulgado no Youtube e em outros canais. É sabido que vem do meio rural a existência do trabalho escravo, os assassinatos encomendados (Chico Mendes, Dorothy Stang, entre tantos outros menos conhecidos), a degradação ambiental, e o infinito sofrimento e tortura que seres vivos são submetidos, só pelo pecado de não serem da nossa espécie. Grande parte desses absurdos são protagonizados por pecuaristas e latifundiários, justamente os “atores” da cadeia da atividade industrial que foi deflagrada pela Operação Carne Fraca neste ano de 2017. Façam o difícil e duro, mas necessário despertar da consciência e assistam documentários como: “A Carne é Fraca”, “Cowspiracy”, “Farm to Fridge”, “A verdade mais que incoveniente”, “Food Choice” e “Terráqueos” para evidenciar que a maioria de nós, por conveniência, está “flexibilizando” a Ética.
ENTÃO FICAM AQUI DUAS PERGUNTAS PARA REFLEXÃO: 1º) SÃO SOMENTE OS POLÍTICOS QUE ADEQUAM A ÉTICA EM FAVOR DE SEUS INTERESSES PRÓPRIOS? 2º) AFINAL DE CONTAS, A ÉTICA DEVE SER ABSOLUTA OU RELATIVA? R E V I S TA R U M O S U S T E N TA B I L I D A D E
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PERSPECTIVA
O CAPITAL HUMANO E OS POTENCIAIS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL REGIONAL GESTADO PELO FOMENTO AOS MICRO ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS Denise de Mattos Gaudard
Mestre em Desenvolvimento Local pela UNISUAM; Consultora, Professora, Tutora e Conteudista de Gestão e Sustentabilidade em diversas organizações nacionais e internacionais (UNIGRANRIO, IIDEL-ONWARD e outras)
Nos últimos anos, diversas pesquisas têm demonstrado a conexão direta entre os conceitos de capital humano e social tem se solidificado como elementos preponderantes para a formulação das políticas públicas locais nas questões inerentes ao desenvolvimento local e regional como apoio na construção de relações, estabelecendo confiança entre Estado e sociedade. Destaca-se a relevância sobre o fato da abordagem do conceito de desenvolvimento sustentável estar diretamente ligado aos alicerces de construção teórica que norteiam o conceito de Capital Social ou Capital Humano preconizado por diversos
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autores e o fato desta abordagem ser importante para a formulação de políticas públicas de desenvolvimento local e regional no Brasil. Ao contrário das abordagens que concebem as atuais teorias desenvolvimentistas, tradicionalmente limitadas aos movimentos neoliberais ditados somente pelos movimentos dos mercados, as iniciativas de políticas públicas locais vêm recebendo intervenções pontualmente positivas. Poucos governos têm procurado agregar valor sob a ótica da sustentabilidade. De fato, as vertentes sob o ponto de vista estrutural, social e ambiental, tiveram pouca participação nas
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PERSPECTIVA
prioridades das pautas estratégicas dos últimos governos que assumiram o compromisso de promover o aumento da renda da população e com igual intensidade, o combate à poluição, o acesso à agua potável, à moradias e transportes de massa de menor custo nas áreas periféricas dos grandes centros urbanos. De outro lado, a sociedade moderna pós anos 70, solidificou os processos de industrialização e a contínua globalização promoveu um modelo de desenvolvimento profundamente baseado no consumismo desenfreado, gerando consequências nefastas tais como o exponencial aumento do descarte de materiais inservíveis e de embalagens de vida longa, aumentando a poluição do solo, dos rios e da atmosfera. Pessoas de todas as classes são motivadas a consumir, incansavelmente, o que resulta em uma grande produção de lixo na maioria das cidades brasileiras. Pela lógica, as políticas públicas deveriam acompanhar esse processo (já que parar com ele tem sido uma tarefa quase impossível), encontrando alternativas para o destino final dos resíduos, que não seja apenas os lixões e aterros, porém é visível a ausência de políticas públicas que atendam as demandas do lixo produzido pelas cidades, pela escassez de programas que realizem a coleta específica de materiais recicláveis.
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PERSPECTIVA
O POTENCIAL LOCAL DO CAPITAL HUMANO NA FORMAÇÃO DE MICRO ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS Num primeiro momento, podemos dizer que uma das características marcantes do campo de atores envolvido com o fomento econômico de um município é a proatividade do capital humano produzido pelo setor privado, incentivado de forma aparentemente coadjuvante, porém regulatória, pelo setor público. Aponta-se então para o potencial transformador e resgatador de práticas com base em reciclagem reversa de resíduos cuja estruturação e o fortalecimento de projetos locais para micro e pequenos empreendimentos de economia solidária possam contribuir para fornecer soluções de alavancar a escala do potencial da inclusão social no Brasil. (BRASIL, 2010). Outra questão de grande relevância é mapear e identificar as circunstancias socioeconômicas locais que propiciaram o inicio das articulações que possibilitaram a formação destas redes e a estruturação
dos microempreendimentos cujas iniciativas promoveram a criação de processos metodológicos que possibilitassem agregar mais valor a esta cadeia produtiva. O modelo de micro empreendimento a ser proposto têm como características comuns, a Reciclagem Reversa, a formação de arranjos produtivo locais e a estruturação de redes ou cadeias produtivas que envolvam processos produtivos que propiciem o desenvolvimento e a maturidade do capital humano local. A proposta de objetivo geral que aqui se intenta é de buscar a identificação dos processos que possam viabilizar a construção de arranjos produtivos locais (APLs), alavancados por programas de políticas públicas que promovam iniciativas de introdução de núcleos de microempreendimentos próximos às áreas de baixa renda e que possam ser intra e interligados em redes
cooperativas. Promover Micro APLs (MAPLs), também pode ser menos difícil com a colaboração sinérgica e capilar dos outros atores ou parceiros potenciais, que possam vir a agregar valor às economias locais. Apesar de já ter se passado quase uma década após a promulgação da PNRS, os agentes públicos, membros das universidades, empresários têm de se unir para fomentar e implantar projetos empresarias produtivos e geradores de emprego e renda. Mapear localmente as expertises e talentos que demarquem a presença dessa rede formada por esses atores, por esse capital humano que vem se formando e se estruturando ainda muito informalmente, sem qualquer tipo de planejamento público, mas que reúne um expressivo potencial de empreendimentos, tem sido um hercúleo desafio paras os gestores públicos e privados.
A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS Por outro lado, analisando-se a evolução das políticas de fomento sob o olhar da legislação socioambiental pertinente e considerando-se o fato de que as questões de saneamento e saúde vem ocupando atualmente um patamar elevado na consciência da população brasileira e consequentemente, de seus representantes políticos, que se solidificou um cenário propicio para a materialização de recentes legislações, destacando-se a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), ou a Lei No. 12
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12.305/2010, cujo texto deixa claro o papel de participação dos governos em todas as suas esferas através de programas de políticas de fomento local e também ratifica que as pessoas físicas e jurídicas passaram a ter responsabilidade solidaria pela geração e pelo gerenciamento dos resíduos sólidos (BRASIL, 2010). Quando a PNRS foi promulgada, certamente a força da Lei passou a impulsionar a criação e o desenvolvimento de novos foros de discussões, que promoveram iniciativas que passaram a
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discutir de forma mais profunda o papel de cada um dos diferentes atores, como forma de entender como ocorrem os processos de fomento econômico nas esferas locais, principalmente do ponto de vista dos municípios. Esses programas deveriam ser alvo de estratégias prioritárias por parte dos governos em todas as esferas, de forma que se possibilite impulsionar o empreendedorismo local/ regional com o incentivo à formação de Capital Humano e assim, recuperar a confiança na economia nacional.
PERSPECTIVA
É A PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA FOMENTO DA MICROECONOMIA, ESTÚPIDO! Com os municípios atualmente completamente desprovidos de recursos e totalmente dependentes de repasses de recursos oriundos dos já combalidos estados e de um governo federal em plena crise política e econômica, ganha o primeiro milhão de dólares, a cidade que consiga encontrar a fórmula eficaz (e não, mágica) de forma a alavancar suas cadeias produtivas locais através da gestação de novos micro-empreendimentos, baseados na introdução de micro polos de reciclagem que girem em torno de sistemas colaborativos ligados em redes de coleta seletiva. É evidente que há ações de alto grau de complexidade e vínculo direto com a oferta potencial de recursos naturais e estruturais que cada município possui em seu entorno geográfico. Dependendo da região, esses fatores somados ou diminuídos, poderão propiciar resultados de médio e longo prazo. O potencial de cadeias produtivas no Brasil é tão evidente que, mesmo no sertão nordestino ou nos confins da Amazônia, certamente existem potenciais de negócios mais competitivos, que poderão construir novas cadeias de valor a partir da gestão de resíduos, que ainda são descartados em larga escala, nos lixões por todo o Brasil. Os produtos com base em resíduos podem gerar emprego e renda apenas aplicando a coleta seletiva e a reciclagem para posterior revenda podem promover um início de formação de Micro Arranjos Produtivos Locais (MAPLs). Outra questão de extrema relevância estratégica é a endêmica falta de formação e capacitação dos prefeitos
eleitos que não conseguem analisar os potenciais locais, principalmente no tocante à gestão do lixo produzido no município, de forma que consigam produzir investimentos mínimos em análise e introdução de sistemas de micro inovação de forma que os próprios arranjos locais que forem sendo fomentados retroalimentem uma microeconomia regional que seja capaz de estruturar e avançar sozinha e assim, poder ir libertando aquele determinado município da nefasta dependência dos repasses de recursos estaduais e federais. O refinamento do capital social no Brasil, pode ser parte do problema, mas também do norte da busca pelas soluções locais. Desta forma, os gestores das políticas públicas têm que reforçar seu papel regulador nessa equação, dada a sua capacidade de aumentar ou reduzir as desigualdades existentes entre grupos que desfrutam vantagens econômicas e aqueles pobres em capital social. Isso implica criar mecanismos institucionais e legais que favoreçam a formação de determinados tipos de redes que possibilitem gerar impactos positivos sobre a população e sobre as políticas públicas. É sob a perspectiva do papel político das redes de conexões sociais que o capital social deve ser apreciado. Amparar as análises sobre a democracia existente em uma sociedade na qual existem espaços de participação das pessoas nas decisões que atendam aos seus anseios e a construção da igualdade e justiça social. Avaliase como uma costura construtiva destas relações podem contribuir para traçar uma opção viável e fortalecer a confiança entre Estado e Sociedade. R E V I S TA R U M O S U S T E N TA B I L I D A D E
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CADERNO EDUCAÇÃO, CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Holmes Antônio
Homes Antônio é Médico Pediatra e Psiquiatra; Professor da Universidade Federal Fluminense de Psiquiatria da Infância e Adolescência (Departamento de Psquiatria e Saúde Mental, Instituto de Saúde da Comunidade).
EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE: 2018, TRINTA ANOS DE SUS. A primeira geração que teve seu registro de maternidade no formato digital, a nomeada “geração Y”, já chegou às Pós graduações. Têm perto de 30 anos de idade, seres maduros portanto. É deles a naturalização da pesquisa em tempo real durante uma consulta médica, sem estranhamento: médico falando e paciente (paciente?) complementando o que o médico falou. Ou mesmo contestando e dando os caminhos para o médico repensar (repensar-se, corrigir-se, reeducar-se). Não existe mais espaço para se cultivar reserva de saber, essa coisa de não ensinar o que se sabe por medo de perder espaço. Tão combatida por Paulo Freire, é dele aliás a epígrafe que ilustra a segunda publicação da PNEP-SUS, a Política Nacional de Educação Popular em Saúde: “A democracia é, como o saber, uma conquista de todos. Toda a separação entre os que sabem e os que não sabem, do mesmo modo que a separação entre as elites e o povo, é apenas fruto de circunstâncias históricas que podem e devem ser transformadas.” In: II Caderno de educação popular em saúde. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Brasília:
Ministério da Saúde, 2014. Em nossa contemporaneidade, na época em que vivemos, saber se cuidar, saber pensar e raciocinar sobre seu corpo, poder compreender tomadas de decisões é um reconhecido direito. Mas como? É isso que vou tentar compartilhar como uma lição para 2018, o ano em que nosso SUS completa trinta anos. Dois conceitos: 1- Educação Popular em Saúde : “Conjunto de práticas e saberes populares e tradicionais que, segundo a Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEP-SUS), apresentamse como um caminho capaz de contribuir com metodologias, tecnologias e saberes para a constituição de novos sentidos e práticas no âmbito do SUS”. 2- Sistema Único de Saúde (SUS): É uma estrutura integrada e hierarquizada entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o objetivo de atender integralmente a todas necessidades de saúde da população. O SUS parece utópico, mas é real e funciona: não podemos deixar que seus alardeados defeitos comprometam a reputação de algo tão grandioso e único no mundo. Tal qual um Shakespeare que, para escrever suas peças, desmontava e recriava contos e histórias que já faziam algum sucesso ali ou acolá, o SUS nasceu de recortes precisos de praticas existentes e que
funcionaram em algum lugar do Brasil e do mundo, sendo constantemente aperfeiçoado. Está na Constituição de 1988, parida na mesma época da geração Y e, como esta, influenciando nossas práticas cotidianas. A Educação Popular em Saúde é um desses aperfeiçoamentos, nascida em 2007. Como um jovem recém-ingresso na maioridade, autônomo portanto, o SUS há dez anos, em 2007, vivia um momento de reflexão sobre sua própria existência. Ao mesmo tempo, coincidindo com a popularização da internet, médicos trocavam os velhos “black books” – manuais para consultas rápidas sobre sinais e sintomas, sobre aplicabilidade e doses de medicamentos, etc. – por laptops, notebooks e, por fim, os smartphones. Naquele ano, encaixotei minha querida biblioteca médica, pois passei priorizar o estudo em livros e artigos no formato digital. Ao mesmo tempo, larguei do estranhamento e comecei a perceber como normal ser questionado (sim, isso via de regra não existia!) por uma pessoa em consulta. Mas aí veio a questão que me motivou a escrever esse texto: as pessoas durante uma consulta apresentavam informações 1- obtidas na rede, 2sem identificação da fonte primária, 3- hierarquizadas em “importância” pelo site de busca do Google e não por
1Disponível gratuitamente em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_educacao_popular_saude_p1.pdf
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trabalhos acadêmicos (meta-análises, etc.), 4- com base em algoritmos que são baseados em número de buscas para dar relevância a este e não a aquele texto (um viés portanto). Era como fazer um artigo científico ser mais importante que outro simplesmente imprimindo panfletos com seu conteúdo e os despejando de helicóptero sobre nossas cabeças, aos borbotões. Ler um artigo científico é uma habilidade dominada por poucos. Mesmo médicos devem ficar alertas sobre propagandas de produtos entregues nos consultórios, propagandas essas (geralmente bem encadernadas) que podem não conter partes importantes de um determinado artigo, minando a formação crítica do profissional e facilitando que um viés do artigo passe despercebido. Essa capacidade de leitura é um
RePenSanDo eDUcaÇÃo
objetivo a ser desenvolvido não apenas profissionais de saúde, mas em toda pessoa que está realizando um determinado tratamento. Poder o médico dialogar com o paciente (paciente?) de maneira articulada é uma garantia a mais de que a decisão adequada sobre um determinado diagnóstico ou tratamento será tomada. O que podemos extrair de lição desses trinta anos de SUS, que serão completados agora em 2018, é que já existe maturidade suficiente da população para que repensemos a forma como é tratada a educação em Saúde. (Saúde, aliás, é “tema transversal” nos Parâmetros Curriculares Nacionais). Devemos, assim, criar meios para sermos plenos em nossos diálogos. A formação da população em saúde – a Educação Popular em Saúde – é um dos instrumentos que pode formar massa crítica para a melhoria,
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o aperfeiçoamento e a própria sobrevivência do SUS. Só com a participação dos usuários seria possível fechar a torneira do desperdício, melhor alocar a rede de recursos e democratizar o acesso a uma vida saudável. Assim, é obrigação inalienável de cada um fazer valer e aperfeiçoar o direito a sermos alfabetizados em toda matéria que nos interessa. É inadmissível que, numa democracia, se delegue o saber sobre si a um outro absoluto, seja político, artístico, amoroso, educacional ou em saúde. “...A separação entre as elites e o povo, é apenas fruto de circunstâncias históricas que podem e devem ser transformadas.” A Educação Popular em Saúde, a democratização do acesso à educação permanente em saúde, é um intrumento capaz de atenuar essa fronteira.
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Grasiela Fragoso
Historiadora e Professora de História.
CECÍLIA MEIRELES ESCRITOS SOBRE EDUCAÇÃO
Instruir para educar, educar para viver, e viver para quê?
Indagações como essa ganharam corpo na Página de Educação do Diário de Notícias1, jornal carioca que circulou entre 1930 a 1974, no qual Cecília Meireles iniciou sua carreira de jornalista, dirigindo uma coluna diária denominada “Comentário”. Nessa Página, ela fez entrevistas e escreveu durante o período de 12 de junho de 1930 a 12 de janeiro de 1933. Dona de um talento eclético, reconhecida como autora de diversos gêneros- poesia, prosa, crônica e conto, Cecília Meireles embora tenha desenvolvido uma atividade marcante e intensa pela educação, sua produção nessa área é pouco difundida. Em 1924 publicou Criança, meu
amor, pela editora Anuário do Brasil, com ilustrações de Correia Dias. Esse livro, adotado pela Diretoria Geral de Instrução Pública do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, foi aprovado também pelo Conselho Superior de Ensino dos Estados de Minas Gerais e Pernambuco. A escassez e a má qualidade dos livros didáticos disponíveis à época, despertaram na autora a preocupação com a produção de materiais com essa finalidade. A sua produção no gênero didático prosseguiu nas décadas seguintes. Em 1937 Cecília publicou em parceria com Josué de Castro, A festa das letras, primeiro volume da Série Alimentação, que a Livraria Globo de Porto Alegre organizou a título de colaboração para uma campanha lançada em âmbito
nacional. Em 1939 ela lançou, ainda pela Globo de Porto Alegre, a obra Rute e Alberto resolveram ser turistas, livro adotado pelas escolas públicas para o ensino de ciências sociais no 3º ano elementar. Em 1934, atuando como diretora do Centro Infantil do Pavilhão Mourisco, no Rio de Janeiro, Cecília inaugurou uma biblioteca infantil, a primeira do gênero no país. Era um centro de cultura infantil que recebia as crianças após as aulas, desenvolvendo atividades não somente de biblioteca, como também artísticas e musicais. A própria Cecília era responsável pela seção artística da biblioteca, na qual se realizavam dramatizações, hora do conto, conferências e exposições, para as quais eram convidados artistas e
1 O Diário de Notícias foi um matutino de tamanho standard lançado a 12 de junho de 1930 no Rio de Janeiro (RJ), por três jornalistas egressos de O Jornal dos Diários Associados: Orlando Ribeiro Dantas (o regente da iniciativa e diretor da nova folha), Nóbrega da Cunha e Alberto Figueiredo Pimentel Segundo. Inicialmente propriedade de uma sociedade anônima presidida por Manoel Magalhães Machado, com Aurélio Silva como secretário, o periódico surgiu moderno e arrojado, contextualizado na guinada que consolidou a estrutura empresarial na imprensa brasileira. Após se firmar como um dos mais importantes diários do jornalismo brasileiro, tendo apoiado e, sobretudo, combatido a política de diversos governos distintos, ocasião em que se mostrou ambivalente, circulou até novembro de 1976, após falhar em seu projeto de colher dividendos ao adotar uma linha favorável ao governo militar instaurado com o golpe de 1964.
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educadores que apoiavam a obra. Em outubro de 1937, o Pavilhão Mourisco foi desativado devido a questões políticas. Cecília Meireles foi signatária do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, histórico documento de 1932 redigido por Fernando de Azevedo e assinado por vinte e seis intelectuais, no qual se encontravam as principais formulações do movimento educacional renovador denominado Escola Nova2. O manifesto, originalmente denominado A reconstrução educacional no Brasil – ao povo e ao governo, foi publicado com o título Manifesto da nova educação ao governo e ao povo, na seção dirigida por Cecília no referido jornal Diário de Notícias. Em sua coluna diária, a poetisa
repercutiu vários itens do temário da Escola Nova, tais como a discussão das relações entre escola e família, o incentivo ao emprego das artes como recurso educativo, a questão da infância, da formação do professor, das metodologias de ensino, da universalidade e da laicidade nas escolas públicas. Cecília parecia ter plena consciência das dificuldades que se interpunham à efetivação das inovações pretendidas pelos pioneiros. Em matéria datada de 12 de junho de 1932, quando comemorou os dois primeiros anos de sua Página de Educação, Cecília escreveu que o problema da educação não seria resolvido em dois
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ou três anos, devido à extensão das exigências que lhe eram inerentes e às dificuldades para “atender aos seus detalhes, sem prejuízo para a obra de seu conjunto”. E disse mais : “Os sonhos levam tempo a ganhar a sua realidade exata, principalmente quando não querem transigir em se perder uma deformação apressada.” Cecília Meireles foi a voz poética no ideário da educação moderna brasileira, suas palavras fizeram e fazem sonhar educadores de todo o Brasil. A infância como momento primordial de construção do humano e a sensibilidade como algo inerente à formação de educadores são traços marcantes de sua produção intelectual no campo da educação.
2 Influenciado pelas ideias de Ferrière e Dewey, o movimento da Escola Nova veio para contrapor o que era considerado “tradicional”. Os seus defensores lutavam por diferenciar – se das práticas pedagógicas anteriores. A escola renovada pretendia a incorporação de toda a população infantil. O aluno assumia o centro dos processos de aquisição do conhecimento escolar. No Brasil caracterizou-se pela defesa da universalização da escola pública, laica e gratuita. Tem no Manifesto de 1932 o marco histórico do movimento.
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Rodrigo Capaz
Ph.D. em Física pelo Massachusetts Institute ofTechnology (MIT) e Professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
FÍSICA
QUÂNTICA
Uma rápida busca na internet de livros sobre Física Quântica nos traz, além de livros de Física propriamente ditos, alguns títulos no mínimo curiosos. Temas como cura quântica, física quântica e espiritualidade, o ser quântico, etc. certamente despertam a curiosidade de um leitor desavisado e parecem dar um carimbo de validade científica às ideias mais diversas. Mas afinal, o que é a Física Quântica? É ciência ou filosofia? É uma nova visão do mundo? Qual sua conexão de fato com temas como cura, espirtualidade, consciência, etc.? A verdade é que a Física Quântica é ciência e, surpreendentemente para muitos, não é nenhuma novidade. As ideias da Física Quântica foram desenvolvidas nos primeiros 25 anos do século XX, ou seja estão entre nós há aproximadamente 100 anos. Tratase de uma das maiores conquistas coletivas do intelecto humano, desenvolvida por um grupo de jovens físicos como Planck, Einstein, Bohr, Heisenberg, de Broglie, Schroedinger e Pauli, entre outros, que tinham como único objetivo entender como a natureza funcionava na escala microscópica. Esses cientistas iniciaram uma revolução no pensamento humano que tem sim implicações filosóficas – como toda ciência fundamental que nos apresenta uma visão nova da natureza – mas que, de forma mais importante, teve um impacto
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inacreditável na sociedade moderna e no nosso dia-a-dia. Invenções como o laser, o computador, os aparelhos de ressonância magnética, entre outros, são consequências do entendimento da natureza que nos foi trazido pela Física Quântica. A Física Quântica descreve o comportamento das partículas muito pequenas, como moléculas, átomos, elétrons, etc. Estas partículas não seguem as mesmas leis físicas que os objetos de tamanho grande, como um carro ou um foguete, por exemplo. Estes seguem as leis da Mecânica de Newton, que aprendemos no Ensino Médio, e que nos são muito familiares, pois estão muito próximas da nossa experiência cotidiana. Já as partículas microscópicas apresentam alguns comportamentos
que poderíamos classificar como “bizarros” de acordo com a nossa visão “preconceituosa” baseada na experiência do cotidiano. Alguns destes comportamentos são razoavelmente bem conhecidos do público leigo. Um deles é o Princípio da Incerteza de Heisenberg, segundo o qual é impossível conhecer com precisão absoluta simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula. Ele está associado a outro aspecto bem conhecido da Física Quântica que é sua natureza probabilística, ou seja, em muitas situações não é possível predizer com certeza absoluta o resultado de um experimento, mas apenas as probabilidades dos diferentes resultados possíveis. Apesar de parecem estranhos, estas
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e as demais consequências da Física Quântica têm sido verificadas reiteradamente por experimentos ao longo dos anos, de modo que hoje em dia o sucesso da Física Quântica como a mais bem concebida teoria da natureza na escala microscópica é inquestionável. Em resumo, a Física Quântica é uma teoria científica centenária e extremamente bem sucedida, que nos explica o comportamento da natureza na escala microscópica e permitiu em grande parte o desenvolvimento tecnológico que a humanidade experimentou no século XX. Dificilmente tem alguma conexão com cura e espiritualidade, mas na visão dos físicos isso não a torna menos interessante, muito pelo contrário!
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Carlos Eduardo Aguayo Rey
Administrador de empresas graduado pela PUC-RJ e permacultor. Fundador da empresa de ecologia profunda ECOFOCUS. Palestrante nas atividades realizadas na Rio +20 e também no Curso de Formação Ecológica da ONG Defensores daTerra.
A DOR DO PARTO DA SOCIEDADE
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Sou homem, e, portanto, nunca terei a possibilidade de experimentar a sensação física e emocional do trabalho de parto natural. Mas desde nossa perspectiva de “ator coadjuvante” é possível perceber o esforço, a dificuldade, e a dor, expressada no rosto e corpo da nossa companheira. Em alguns casos o parto pode durar minutos, em outros, horas, e quem sabe, dias. A dor pode ser leve ou aguda, o esforço suave ou exaustivo, mas, em toda e qualquer circunstância, esse ato instintivo e animal, vem ao final, acompanhado de um sorriso, uma alegria, um choro! De uma certa maneira, várias circunstâncias da vida, tem características análogas ao parágrafo anterior. Sou ambientalista há mais de duas décadas, e ao longo dessa jornada, venho vivenciando que, de uma certa maneira, as pessoas envolvidas em meio ambiente são uma das “parteiras” de uma nova sociedade que vem surgindo. A dificuldade é muito grande, a resistência é enorme, pois o meio ambiente é de interesse difuso e pressupõe uma sociedade com visão de longo prazo e não com o imediatismo que evidenciamos na era do whatsapp, smartphone e Internet 4G (5G já está no Japão). Infelizmente os interesses comerciais e econômicos prevalecem sobre a qualidade de vida já comprometida pelo planeta conturbado em crises sócio-ambientais. Observase que o politicamente correto é declarar que está preocupado e agindo em benefício do meio ambiente. Ironicamente e infelizmente, em um grande número de auto-intitulados, defensores da natureza, o dito não corresponde ao feito. Trilhar um novo caminho, que de uma certa maneira vai em contra de um
meio ambiente
mundo tão voltado para o consumismo, o conforto, a frenética tecnologia que sempre apresenta algo novo, é um desafio maior que os 12 trabalhos de Hércules. Em minha experiência pessoal, o mais conflitante é perceber como é difícil que os indivíduos aceitem mudanças de hábitos que trazem de gerações anteriores; mesmo que estes hábitos venham a comprometer o futuro de seus filhos e netos. Isso é uma resistência maior que a cabeça de um bebê com dificuldade de sair de sua mãe durante o parto! Mas, da mesma maneira que a mãe deve ajudar a seu primogênito vir ao mundo, as gerações atuais carregam a enorme responsabilidade de colaborar em um mundo seguro e saudável para as futuras gerações. Nossa geração, após o despertar do problema ambiental, tem o comportamento descrito na “Alegoria da Caverna” do filósofo grego Platão. Não podemos mais ficar olhando para o fundo da caverna enquanto a natureza se degrada cada vez mais e mais, pois cedo ou tarde, o “nascimento” desse novo mundo, virá, e, poderá ser com muita dor, sofrimento e angústia. Ou, então, aceitamos o inevitável, com sabedoria e pró-atividade, ajudando a este mundo a ser mais justo, mais feliz, e mais harmonizado. Esta última opção com certeza favorecerá em criar o ambiente que trará muitos sorrisos, despreocupados, de muitas e muitas mães e seus filhos! Finalizo este texto com o pensamento de um povo que muito admiro e que sempre foi muito desprezado e diminuído por nossa sociedade contemporânea: “Nós não herdamos a Terra de nossos antepassados, pedimos emprestada aos nossos filhos” (provérbio indígena).
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PARA TODOS Arnaldo V. Carvalho
Terapeuta, pai, professor. Membro fundador do Instituto Michel Odent; Membro fundador da ABRASHI (Associação Brasileira de Shiatsu); Membro do SINDACTA (Sindicato de Acupuntura do Rio de Janeiro). Autor do Livro "Shiatsu Emocional", criador e administrador dos sites Calor Humano, Portal Verde, Shiatsu Emocional, entre outros relacionados à qualidade de vida, e coordenador geral da Shiem - Centro-Escola de Shiatsu.
O PESO SUSTENTÁVEL DE SER
Na juventude, tentei por duas vezes ler A Insustentável Leveza de Ser (1). Não consegui. Não o entendia, e minha imatura solução era desgostar do que não conseguia alcançar. Isto foi na década de 1992, quando os países do mundo começaram efetivamente a se darem conta da insustentabilidade do mundo artificial que haviam criado. A Eco 92 (2), cujo evento participei, foi o grande ícone. Environment and Development já não podiam ser tratados em separado (3). A ideia de desenvolvimento sustentável deu lugar a um sentido mais amplo, e a palavra “sustentabilidade” tornou-se a âncora para tudo o que diz respeito a ideia de se conseguir viver sem destruir o futuro do planeta. Sustentabilidade passa por conseguir enxergar além do próprio Eu, e olhar um futuro que nem sempre ao Eu pertence. Passa pela percepção de que o planeta não é apenas para ser usufruído, é para ser cuidado. Que o presente da vida não se consuma em nós mesmos, mas seja passado para quem vem. A noção de uma coletividade sustentável foi propagada em termos macro, na qual grandes ações sociais da parte de governos
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PARA TODOS
e empresas seriam a mola mestre do processo. Também se faz presente de forma cada vez mais numerosa em comunidades intencionais como as Ecovilas. Finalmente, ser sustentável é associado a um consumo pessoal mais inteligente, o qual gera menos lixo, e a uma série de comportamentos ”ecologicamente corretos”: separar o lixo orgânico do material reciclável; trocar sacolas de supermercados por permanentes; ou ainda, aumentar o consumo de orgânicos no dia a dia. Vinte e cinco anos após a Eco 92, e minha então infeliz tentativa de compreender a leitura da Insustentável Leveza do ser , olho para o mundo e vejo que ele segue insustentável. Nossos governos não aprenderam a lição; nossas empresas também não. As ecovilas seguem, embora em meio às bem sucedidas haja um número de frustrações interrelacionais (4). E nossos comportamentos individuais parecem ser insuficientes. Esquecemos que não é possível ser sustentável materialmente, sem que sejamos sustentáveis imaterialmente. Nenhuma teoria considerou a sustentabilidade firmada nas experiências do indivíduo. As emoções humanas, e a forma como se estruturam desde o nascimento foram negligenciadas, e a qualidade das relações evapora mais a cada dia. Criamos uma vasta quantidade de ideias sustentáveis e aplicamos quase nada… Quantas dietas começam todas as semanas? Quantas promessas de que
“agora farei exercícios”, “agora vou criar foco”, “agora darei mais atenção à minha família” são frustradas a cada minuto? Não pensamos na sustentabilidade de ser, e queremos que o mundo seja sustentável. Sabe o que isso significa? Que se o mundo fosse perfeito, as ideias sustentáveis todas colocadas em prática, talvez não se pudesse usufruir dele tão bem. Porque um interior insustentável perde elementos essenciais à vida: a capacidade de adaptação; o dom de maravilharse nas pequenas coisas; a justa leveza; a mente indo mais ao fundo das experiências, menos cheias de “janelas abertas” por onde se passa para cá e para lá o tempo todo, impedindo vivências plenas. No livro de Kundera, uma das protagonistas encarna a “terrível” possibilidade de experienciar liberdade. E o que sente é solidão e medo. Viver uma existência “livre e insustentável” é o que a aparente liberdade da sociedade atual estimula. Suas intervenções corporais, sua oferta incontável de coisas e situações atrativas e inócuas, e sua esgarçada capacidade de consumi-las vêm oferecendo. Voltar-se para dentro, e escolher uma nova dimensão na forma como se ligam emocionalmente experiências, coisas e pessoas no “infinito particular” de cada um é devolver a Vida uma leveza sustentável. Vamos começar?
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REFLEXÕES
SEMENTES DE UMA NOVA ERA Jaqueline Macedo Gomes
Designer gráfico graduada pela PUC-RJ e pós-graduada em Gestão Ambiental pelo IAVM-UCAM e em Meio Ambiente Executivo pela COPPE-UFRJ. É criadora do blog sobre consumo consciente “Seu consumo, seu futuro” (www.seuconsumoseufuturo.blogspot.com.br), com sua fanpage no Facebook (www.facebook.com/SeuConsumoSeuFuturo/?ref=br_rs). E atualmente trabalha na ONG Defensores da Terra.
1968 – este foi o ano marcado pelo não-conformismo e pela urgência em transformar o mundo. Jovens de todo o planeta levantaram-se contra todas as formas de conservadorismo e autoritarismo. Começaram a surgir os primeiros sinais de descontentamento com o sistema capitalista e o progresso ilimitado, que promovia a desigualdade entre os povos, aumentava a fome e a miséria, destruía a natureza. A juventude da época passou a perceber que deveria agir em busca de valores alternativos, de um maior equilíbrio com o meio ambiente e uma harmonia entre as dimensões espiritual e material, entre homens e mulheres, entre raças e etnias, entre razão e emoção. Vários movimentos políticos surgiram, eclodindo no protesto estudantil em Paris que se espalhou pelo mundo. Foi o ano da revolução promovido pelos jovens que abalaram a política, a cultura e o comportamento. Meio século passou e neste espaço de tempo foi possível observar que
muita coisa mudou e que fizemos várias conquistas através da mobilização da sociedade que conseguiu sensibilizar os governantes. Aos jovens de 1968 devemos muita coisa do que somos hoje: a melhoria na igualdade de direitos entre as mulheres, raças e etnias, uma maior liberdade de expressão e de escolhas políticas, o início do movimento ecológico tentando equilibrar o homem e a natureza. Já à juventude atual cabe, com o devido incentivo, dar continuidade a esses avanços e tentar alcançar diferentes valores éticos onde uma nova utopia e um novo paradigma de governança possam ser alcançados. Justamente por isso, deve-se apostar no jovem como cidadão que atua politicamente no mundo, como agente transformador, com articulações que vão muito além dos espaços escolares, capazes de traçar seus próprios objetivos, metas e ações. No Brasil, há um crescente fortalecimento do movimento juvenil pelo meio ambiente, presente em todas as unidades federativas
do país, e tanto aqui como em outras partes do planeta, o movimento ambientalista ganha força com o surgimento de novas Organizações Não Governamentais (ONGs), Associações, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), com o fortalecimento das já existentes e pelo envolvimento cada vez mais atuante da sociedade civil, com a participação fundamental dos jovens. Por outro lado, há uma parcela da juventude que ainda não acordou para a grande dimensão do problema ambiental. De fato, ao visualizar tanta desigualdade, violência, corrupção, deturpação de valores, onde o “ter” passa a valer mais que o “ser”, fica difícil ter esperança e vislumbrar uma perspectiva para o futuro. É justamente a ausência dela que estimula a falta de horizonte de uma extensa parte da humanidade, em especial dos jovens. Há um vazio de sonhos e causas que os incentive a se mobilizarem. Entretanto, o verdadeiro legado desta crise ambiental pode ser, na verdade, uma batalha global
Unidade Jacuecanga - (24) 3361-1656 Unidade Centro - (24) 3365-2404 Unidade Mambucaba - (24) 3362-3168
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REFLEXÕES
em torno de ideias novas que alimentem o sonho de se construir um mundo melhor. Partindo deste princípio, cada um deve fazer sua própria revolução interna, em busca de uma evolução, não esquecendo que deve despontar de nós mesmos a grande virada de todo o sistema. Ainda há tempo de a crise ecológica não se transformar em uma tragédia, mas numa oportunidade de mudança. Mais do que parte do problema, devemos nos dar conta de que podemos ser, principalmente, parte da solução através da construção de diálogos e ideias, de trocas de experiências entre povos, mostrando que todos somos interdependentes, diferentes, mas não desiguais. É preciso dar importância ao cultivo de valores relacionados à espiritualidade e à solidariedade. Importa criar espaços e oportunidades com a finalidade de elaborar processos de reflexão sobre o verdadeiro papel dos seres humanos, em essencial dos jovens, já que a crise ambiental especialmente os afetará na fase adulta. Esta crise é por si só um convite a uma visão mais ampla do mundo e das pessoas que estão inseridas nele. Ela deve servir como uma espécie de “lente” para a juventude, na proporção em que amplia
concepções e questiona e propõe novos valores que procurem atingir o tripé da sustentabilidade, ou seja, a total integralidade entre as questões ambiental, social e econômica. A juventude alimenta-se de causas e sonhos e amadurece muito através destas questões. Contudo, nunca, em época alguma da história da humanidade, os jovens tiveram uma legítima causa que abrangesse todas as outras para lutar. A defesa do planeta e da nossa própria espécie, talvez seja a única capaz de incentivar a mobilização da juventude nessa época tão difícil em que estamos vivendo, com tantos conflitos e saturação de perspectivas individuais. Todos nós unidos e principalmente os jovens, com seus corações cheios de sonhos e ideais, somos capazes de desenvolver uma força interior muito grande e promover coisas extraordinárias, diante da necessidade do enfrentamento de graves questões existenciais. Há ainda a esperança de que toda esta crise faça brotar novas sementes, as de uma nova era, que não nos leve à extinção, mas sim, à um renascimento. R E V I S TA R U M O S U S T E N TA B I L I D A D E
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EM FOCO
A CONFERÊNCIA SOBRE MUDANÇA CLIMÁTICA QUE POUCO MUDA O DESTINO DA ATMOSFERA Texto por Igor Gama
A 23ª Conferência do Clima (COP 23), que reuniu 197 países integrantes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (UNFCCC), em Bonn - na Alemanha terminou no último dia 18 de novembro sem definir praticamente nada em relação às metas de redução dos gases de efeito estufa. Temas como o debate sobre fundos de financiamento e a redação final do documento que determina os objetivos de cada país ficaram para a próxima COP, em 2018. Os países ricos e em desenvolvimento, mais uma vez, se negaram a aprofundar o debate sobre quem tem de pagar a conta do aquecimento do planeta. Segundo o pacto firmado em Paris, em 2015, cada país havia se comprometido a cortar as emissões segundo a realidade doméstica, que foi registrado num documento chamado de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês). Foi acordado que as nações signatárias 26
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definiriam metas individuais, revistas periodicamente, que convergissem para um objetivo: limitar, até 2020, o aumento da temperatura a no máximo 2ºC e, desejavelmente, abaixo de 1,5ºC. O problema é que a conta não fecha. No fim de outubro, a agência ONU Meio Ambiente divulgou um novo relatório afirmando que as promessas nacionais feitas pelos países no Acordo de Paris representam apenas um terço das ações necessárias para alcançar metas relacionadas ao clima e evitar os piores impactos da mudança climática. Se todo mundo fizer o que prometeu, a temperatura deve subir 3°C até o fim do século, ou seja, bem acima do que foi estabelecido. Neste cenário, países insulares como as Ilhas Fiji, que presidiram a conferência, seriam engolidos pelo oceano. Na prática, a elevação não pode passar de um 1°C daqui para frente: desde o início da Revolução Industrial, a Terra registrou um aquecimento médio
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de 0,9°C, segundo a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês). Em Bonn, “foi feito o que poderia ser feito”, disse na plenária de encerramento, Jan Szyszko, ministro do Meio Ambiente da Polônia, próxima anfitriã do encontro. Nesse contexto, ele citou avanços no reconhecimento de que é preciso melhorar a agricultura para reduzir emissões, e a importância dos conhecimentos de comunidades tradicionais e populações indígenas no combate às mudanças climáticas. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), 2017 deve estar entre os três anos mais quentes desde que se começou a registrar as temperaturas, em 1880. No Ártico, a temperatura na superfície terrestre atingiu, em 2015, os níveis recordistas de 2007 e 2011, com um aumento de 2,8°C em relação ao início do século XX.
EM FOCO
NO BRASIL
Em Bonn, o Brasil recebeu o indesejado prêmio Fóssil do Dia, concedido por uma crítica da rede de ONGs Climate Action Network, desde 1999, para quem dá maus exemplos na área climática. A razão é a Medida Provisória 795, em discussão no Congresso Nacional, que vai aumentar os subsídios à indústria do petróleo. Segundo um levantamento da assessoria legislativa da Câmara dos Deputados amplamente divulgado na COP - isso significaria, em 25 anos, uma renúncia de R$ 1 trilhão, apenas com o pré-sal. Momentos antes, o ministro do Meio Ambiente e chefe da delegação brasileira, Sarney Filho, havia apresentado a candidatura brasileira para sediar a COP de 2019, anunciando programas de incentivo ao uso de biocombustíveis e o plano de recuperação de florestas, além de prometer leilões de fontes renováveis. “Precisamos de mais ambição nas negociações e muito mais ação prática nos países onde as emissões ocorrem. O Brasil, em especial, continua tomando decisões políticas que vão na contramão dos objetivos do Acordo de Paris”, disse
Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF Brasil. O geofísico, Heitor Evangelista, do departamento de Biofisica e Biometria da UERJ, aponta algumas ações do governo federal que não estão alinhadas com as políticas ambientais que estão sendo discutidas no mundo. Segundo ele, a isenção de impostos para importação de maquinários voltados à exploração do présal por empresas estrangeiras e a continuidade de uso das termelétricas a gás e carvão como alternativa direta em nossa matriz energética são exemplos que mostram o distanciamento entre o discurso e a prática. “Em 2016, o Brasil aumentou em quase 9% suas emissões, sem qualquer avanço na produtividade econômica ou na melhoria de índices sociais. Os modelos climáticos preveem cenários difíceis para a agricultura e o bem estar social, tais como intensificação de secas no Centro-Oeste e Nordeste, aumento de tempestades na Região Sul, além de déficit hídrico”, alertou o geofísico brasileiro. R E V I S TA R U M O S U S T E N TA B I L I D A D E
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EDIFICANDO
ARQUITETURA SUSTENTÁVEL Rita Feris
Arquiteta e Decoradora, especialização em Gestão Ambiental de Resíduos Sólidos pela PUC-MG. Realiza projetos residenciais, comerciais, design de móveis, objetos de arte e decoração aplicando de técnicas da Arquitetura Sustentável com foco em Bioconstrução, Geobiologia, Feng Shui, entre outras.
A Arquitetura Sustentável se consolida, a cada dia, como o estilo de construção do futuro. Uma nova concepção que reconhece como fundamental as relações entre o ambiente natural e o ambiente construído, buscando possibilidades acerca das diferentes formas ecológicas de se construir uma edificação. Arquitetura Vernacular, Bioarquitetura, Bioconstrução, Arquitetura Boa, Arquitetura Solar, Permacultura são termos usados para qualificar especialidades distintas que envolvem projetos e construções concebidos de maneira sustentável. Os processos construtivos associados a esses padrões de arquitetura propiciam soluções econômicas, sustentáveis, interativas e práticas. Adotam, preferencialmente, a mão de obra e matéria prima regionais de fontes renováveis, como a madeira reflorestada, bambu, restos de demolição. Propõem o uso racional da energia valendose de equipamentos como painéis de energia fotovoltaica, de energia térmica para aquecimento da água dos chuveiros, além de sistemas de captação de água da chuva e de reuso de água. Faz uso de sistemas de iluminação e ventilação naturais, que incrementam o conforto termo acústico dos espaços. O telhado verde, por exemplo, (cobertura vegetal colocada sobre os telhados) é uma alternativa extensamente usada na Alemanha e outros países 28
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europeus (IDHEA - Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica, 2015). Alguns desses estilos de construção se utilizam de técnicas construtivas tradicionais como cimento queimado, parede de adobe, taipa de pilão, esta última, amplamente divulgada na Casa Cor de São Paulo, em 2015. Uma das atividades que geram grande impacto ambiental e econômico em nossa sociedade é a construção civil. Impactos esses que aumentam na medida em que cresce a urbanização e principalmente, quando se mantém métodos construtivos convencionais, e a mesma matéria prima empregadas na maioria das construções nos dias de hoje. Materiais como areia, cal, ferro, madeira, água potável, tornamse cada vez mais caros e escassos esgotando também a capacidade da Terra de prover estes recursos naturais para a nossa sobrevivência. “Toda atividade humana gera impacto, positivo ou negativo, dentro da contextualização socioambiental, o que se busca são alternativas que proporcionam menos impactos negativos ao meio ambiente”. (PISANI, 2005) É importante ressaltar o papel dos profissionais procurando soluções sustentáveis para problemas urbanos que vão muito além da construção de moradias. Passa pela preservação de áreas verdes, pelo gerenciamento do lixo, o suprimento de água potável, pela conservação
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Casas na Noruega, com grama nos telhados. Foto: Lukasz Janyst / Shutterstock.com.
do patrimônio histórico e cultural, passa por novas questões ambientais que estão surgindo a cada dia. Nos dias atuais, são inúmeras as soluções e alternativas disseminadas na internet, redes sociais e meios de comunicação. O “Instituto Tibá” criado pelo arquiteto Johan van Lengen, autor do livro “Manual do arquiteto descalço”, o “Instituto Pindorama” em Nova Friburgo (RJ), o “CERBAMBU - Centro de Referência do Bambu “em Ravena (MG), entre tantos outros, realizam palestras, oficinas de trabalho, cursos para interessados em aprender ou aperfeiçoar técnicas de arquitetura sustentável, e auxiliando a inserir esta ideia, também no conceito do projeto. O arquiteto João Diniz sugere “As 12 recomendações para a arquitetura durável” (Diniz, 2011). Práticas que podem fazer com
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Bota-fora clandestino _ Fonte: FRAGA, M.F.M.2007
que um projeto seja sustentável, ou durável, palavra mais ampla e correta, como ele mesmo diz. Você pode acessá-las pelo site: joaodiniz.com. br/dialogos.php?id=7. “Não será fácil adotar estas 12 recomendações em um só projeto, mas o mais próximo que aproximarmos de algumas delas em nossas ações como arquitetos fará nosso trabalho mais significativo em relação ao bem estar das pessoas e do planeta. ”
Disposição em vias públicas _ Fonte: FRAGA, M.F.M.2007
Não obstante, deparamo-nos com um problema de dimensão gigantesca: a destinação dos resíduos sólidos. O impacto do volume de lixo no meio ambiente é muito grande e este volume só tende a aumentar. Sabe-se que a concentração populacional em centros urbanos contribui para o aumento desta produção de resíduos e falta locais adequados para sua disposição. Válido lembrar também dos processos industriais que agravam ainda mais
o problema, gerando produtos em alta velocidade e uma escala cada vez maior, seja durante o processo de fabricação ou estimulando o consumo, consequentemente, o descarte. “Resíduo pode ser considerado qualquer material que sobra após uma ação ou processo produtivo. Restos de demolições e obras, solos de escavações, são, geralmente, material inerte, passíveis de reaproveitamento.” (NBR 10004 ABNT).
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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A SAGA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL Étore Luiz Dalboni de Souza
Engenheiro Florestal, Graduando de Direito. Especialista em Ciências Ambientais, Direito Processual e Tutela Ambiental.
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Há tempos que a questão ambiental extrapolou os debates técnicoacadêmicos e alcançou o domínio público, saindo das discussões planetárias como desertificação, perda da biodiversidade e aquecimento global, para percepções imediatas como a falta de água potável para abastecimento humano, a falta de tratamento adequado dos esgotos domésticos, a poluição das indústrias, a limpeza urbana e a destinação adequada dos resíduos sólidos. O senso comum já vincula o bem estar humano com a qualidade do meio ambiente. A robustez das legislações e a relevância jurídica constitucional dada ao Meio Ambiente, pois, o direito de viver num ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido à categoria de Direito Humano Fundamental pela Constituição Federal de 1988, ainda não foi suficiente para uma mudança de postura e para efetivar uma sadia qualidade de vida às populações. A extensa e, por vezes, sobreposta legislação ambiental nos âmbitos federal, estadual e municipal, a
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exigência de normas ultrapassadas e imprecisas, a fragilidade das instituições públicas e a demanda crescente de regularização dos empreendimentos, contribuem para a discutível qualidade dos serviços públicos e dos seus instrumentos de gestão. O Poder Público, responsável pelo licenciamento ambiental, está engessado por procedimentos que lhe impõem uma rotina pesada e muitas vezes além de sua capacidade operacional, dentro de um emaranhado de normas que se interconectam, que estabelece regras e procedimentos distintos. A morosidade na concessão das licenças ambientais, a existência de zonas nebulosas na legislação e o conflito de competência entre órgãos públicos municipais, estaduais e federais atrasam cronogramas de empreendimentos, elevam seus custos, causam insegurança jurídica e, no fim, acabam por afugentar investidores. É notória a falta de objetividade na imensa maioria dos processos de licenciamento em virtude da ausência de regras claras, com normas imprecisas e procedimentos que aumentam demasiadamente o grau de discricionariedade dos analistas e dos gestores. Isto leva invariavelmente à solicitação de informações complementares que
retardam os processos e aumentam em demasia os prazos, abrindo espaço para a politização do processo, uma contaminação pelas convicções ideológicas do analista e aumenta a aversão ao risco por parte dos técnicos, que podem ser punidos criminalmente pela Lei 9.605/98, na medida em que a subjetividade e a imprecisão permitem interpretações variadas e, não raro, opostas da decisão adotada, levando à frequente atuação do Ministério Público. O atual sistema de licenciamento ambiental, sem o apoio dos demais instrumentos subsidiários e sem compromisso com metas de qualidade, confirma a sua vocação meramente cartorial, pois o objetivo é a LICENÇA PELA LICENÇA. A gestão gira em torno da Licença Ambiental que, uma vez concedida, não é mais considerada dentro do sistema de gestão pública, salvo para monitoramento e fiscalizações aleatórias, ou seja, se tem licença não tem dano ambiental, mas se não tem licença tem o dano ambiental. Sabemos que nem sempre é assim! O que a sociedade reivindica é apenas bom senso e equilíbrio no aperfeiçoamento do licenciamento ambiental, para que este seja mais ágil, transparente, eficaz e que promova de fato o desenvolvimento sustentável.
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INFORME PUBLICITÁRIO
IED-BIG: ORGULHO DA COSTA VERDE
Texto por Igor Gama
Foto José Luiz Zaganelli / IED-BIG
Estes são alguns exemplos dos coquilles Saint-Jacques (vieiras) que dão origem às sementes produzidas no IED-BIG
O Instituto de Ecodesenvolvimento da Baía da Ilha Grande (IED-BIG) foi criado em 1991 para fortalecer a maricultura e preservar o ecossistema da região da Costa Verde. Por meio do Projeto de Repovoamento Marinho da Baía da Ilha Grande (POMAR), implantado três anos mais tarde, em 1994, são produzidas - em laboratório - sementes de uma espécie de molusco denominado coquille Saint-Jacques (vieira), nativo da costa brasileira. Em meados dos anos 90, o coquille estava sumindo. Seu número foi reduzido devido principalmente à pesca de arrastão, que carrega tudo que se encontra no caminho da rede. Na época em que o IED-BIG foi criado, o molusco entrava em extinção justamente por causa desta pesca irregular. Muitos pescavam a espécie já adulta e são elas as responsáveis pela reprodução. O quase desaparecimento desse molusco foi o principal incentivo para o nascimento do POMAR 32
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pelo IED-BIG. As sementes (coquilles recém-nascidos) são cultivadas em laboratório e passam por um longo processo até serem comercializadas. Quando completam um mês, são levados à fazenda marinha, onde viverão em torno de dez a doze meses. A partir de um ano, as vieiras atingem o tamanho ideal para entrar no mercado. Aproximadamente 60 milhões de sementes de vieiras já foram produzidas no laboratório do instituto, localizado na Vila da Petrobras - em Jacuecanga agregando desenvolvimento econômico, social, educacional, cultural, ambiental e científico na região da Costa Verde. Boa parte dessa produção é doada, através de parcerias ou convênios com empresas, e o restante é comercializado para maricultores de todo o Brasil. Os pescadores recebem cursos de capacitação e manejo, que são ministrados por técnicos especialistas do IED-BIG. Além de beneficiar os
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pescadores da baía da Ilha Grande, o coquille também é um importante bioindicador, pois uma das condições essenciais para seu bom desenvolvimento é a qualidade da água do mar. Ele não resiste em águas poluídas, já que se alimenta de matéria orgânica. Com o coquille SaintJacques, é possível fazer uma análise química e identificar se o lugar está contaminado; se houver alguma poluição na região, ele a acusará, certamente. Por isso, é chamado de sentinela do mar. Outro aspecto a ser destacado é que esse tipo de molusco não tem período de defeso, por ter a produção feita em laboratório, o que facilita na comercialização. O projeto das fazendas marinhas - em que são criadas as vieiras - são aprovadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O Instituto Estadual do Ambiente (INEA), do Governo do Rio de Janeiro, e a Capitania dos Portos são os órgãos que autorizam a liberação das fazendas marinhas.