A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO E INVENÇÃO SOCIAL Bernardo G. B. Nogueira Organização
A música como instrumento de inclusão e invenção social Bernardo Gomes Barbosa Nogueira Organização
Belo Horizonte | 2017
©2017 O organizador ©2017 By Centro Universitário Newton Paiva Belo Horizonte | 2017 Presidente do Grupo Splice: Antônio Roberto Beldi Reitor: João Paulo Beldi Diretor Acadêmico: Celso de Oliveira Braga Diretor Administrativo e Financeiro: Cláudio Geraldo Amorim Sousa Coordenador da Pesquisa, Extensão e Inovação: Jan Diniz Coordenação da Escola de Direito Coordenação Geral Prof. Mestre Emerson Luiz de Castro Coordenação do Curso de Direito - Campus CL Profa. Mestre Valéria Edith Carvalho de Oliveira Coordenação do Curso de Direito - Campus Buritis Profa. Dra. Sabrina Tôrres Lage Peixoto de Melo Organização: Bernardo Gomes Barbosa Nogueira Apoio Técnico Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton Paiva Editora de Arte e Projeto Gráfico: Helô Costa - Registro Profissional 127/MG
ESCOLA DE DIREITO DO Centro Universitário Newton Paiva Av. Presidente Carlos Luz, 220 - Caiçara Av. Barão Homem de Melo, 3322 - Buritis Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
A música como instrumento de inclusão e invenção social
A música como instrumento de inclusão e invenção social
A invenção musical O alimento da alma , o despertar das emoções ... algo que , com palavras ou não, abre a nossa caixinha de sonhos, lembranças, devaneios!!! Sou um privilegiado!! Trabalho com a musica!! Sou mais que um privilegiado, sou pai do Theo! Meu caçula lindo, saudavel e muito especial!! Para nós aqui, Tetheo!! Nesses últimos 6 anos , em meio a toda a intensidade de sentimentos, conceitos e preconceitos sobre esse novo mundo, ela, a música, se mostrou aliada, forte, poderosa e salvadora!! Ver meu filho ouvindo, dançando, cantando e descobrindo o mundo através dos sons, das canções, dos instrumentos, da mágica das notas e toda a dimensão que elas podem assumir, me traz uma felicidade enorme!! É uma cor nova em nosso espectro! Como explicar? Há apenas sentir!! Muita música a todos nós!!! Marco Túlio Lara Jota Quest
A música como instrumento de inclusão e invenção social
Downtown No título do livro que agora se apresenta como produto de um projeto aprovado pelo Programa de Iniciação Científica do Centro Universitário Newton Paiva temos palavras interessantes, nos referimos a inclusão e invenção, acompanhadas da palavra música. No mesmo projeto temos a participação de cinco áreas distintas do conhecimento: psicologia, direito, fisioterapia e pedagogia, acompanhadas da música. Isso seria desde já caldo bastante para dizer que a pesquisa caminha no bom terreno da procura pelo outra e pela outra, por uma diferença que pede passagem e que por vezes é silenciada por um monismo científico que ao fim das contas é opressor e preconceituoso. Foi importante dizer estas palavras pois nossa pesquisa está sustentada em duas dimensões marginais, ora, a música não comparece corriqueiramente como artefato científico que sustente teses, tampouco, pessoas com síndrome de down carreiam saberes. Ao contrário, até então, o que se observa é um corte racional que se operou dentro da construção humana, e esta, sem saber, pela arrogância de saber demais, limou sua própria condição de transcendência, limitando o conhecimento a um arranjo metodológico fundado na razão. Bom, o que temos aqui é uma pesquisa inspirada em uma pessoa com síndrome de down que toca vários instrumentos, possui banda, já gravou cd e tem uma vida social extremamente ativa e vivaz. Além disso, o Dudu, personagem da vida real que inspira essa pesquisa, nos mostrou que a música pode extrapolar essas barreiras que vão desde o conhecimento científico até a própria relação ética entre as pessoas. Daí que nossa pesquisa esteve atenta, portanto, àquilo que pretendemos enquanto projeto de relação humana, que é, de per si, plural, multi e necessariamente ávida pelo que vem, pelo que é invento e criação. A ONU com seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS objetiva várias dimensões, e atento a esta questão, o Centro Universitário Newton Paiva direcionou os projetos de pesquisa para essa realização. Ao mirarmos para o que fizemos, percebemos o quanto a fisioterapia para as pessoas com down contribui com o ODS 3: “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”, da mesma forma que a pedagogia quando privilegia as inteli-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
gências múltiplas abre as portas para a diferença e para a inclusão, afetando diretamente o ODS 4: Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. O projeto contou com a participação de três professoras, Eliane Monken, Renata Lima e Sheyla Santos, bem como, de Suzanna Soares, Gabriela Oliveira, Carolina Gomes, Izabela Linhares, Roberta Sena, Leila de Oliveira, Ariany Bispo, Sarah Abdon, Isabela Costa, todas alunas do Centro Universitário Newton Paiva, exceto Suzanna, pesquisadora convidada do curso de Direito da UFU. Esses números são para compararmos com a participação de três professores e dois pesquisadores, o que nos catapulta democraticamente direto para o ODS 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Ainda dentro da pesquisa, a psicologia nos abre a dimensão da sublimação pela arte, que aliada à garantia de direitos das pessoas com deficiência, a partir do Estatuto da Pessoa com deficiência, que fora trabalhado pelos pesquisadores e pesquisadoras do curso de direito, indicam-nos que o ODS 10: Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles, e o ODS 16: Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis, foram cumpridos. Três palavras para dizer de uma virada de página, não há livros sem invenção, como não há livros sem leitores e leitoras. A inclusão faz a gente construir uma sociedade que dança: down-town!!!
Bernardo G.B. Nogueira Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Coimbra – inverno, 2017.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
Sumรกrio
Apresentação ..................................................................................................... 13 Não existe folha em branco ................................................................ 17 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira | Leonardo Gontijo
A FISIOTERAPIA ASSOCIADA À MÚSICA NO ACOMPANHAMENTO DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN: das deficiências físicas/cognitivas e limitações funcionais à exploração das potencialidades e ampla inserção social ........................................................... 31 Renata Cristina Magalhães Lima | Carolina de Freitas Gomes | Izabela Faúla Miranda Linhares | Roberta Lopes Sena | Bernardo Gomes Barbosa Nogueira
A MÚSICA COMO VIA SUBLIMATÓRIA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO SUJEITO COM SÍNDROME DE DOWN ...................... 45 Sheyla Rosane de Almeida Santos | Leila Cristina Alves de Oliveira | Bernardo Gomes Barbosa Nogueira
A MÚSICA COMO LINGUAGEM MOTIVADORA PARA O APRENDIZADO E INCLUSÃO SOCIAL DAS CRIANÇAS COM SÍNDROME DE DOWN, NA PERSPECTIVA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS .............................. 59 Eliane Maria Freitas Monken | Ariany Cristina Moreira Bispo | Bernardo Gomes Barbosa Nogueira
AS MUDANÇAS PARADIGMÁTICAS DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI 13.146) .............................................. 81 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira | Raphael Furtado Carminate | Lucas Maciel Guimarães | Sarah Abdon Lacerda Fernandes
LEITURA SOBRE O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIALEI 13.146/15: Olhar sobre a igualdade diante da diferença ....................... 95 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira | Raphael Furtado Carminate | Guilherme de Campos Abreu Costa | Isabela Costa Pereira
O acesso à cultura como local de invenção do outro ......... 107 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira | Raphael Furtado Carminate | Gabriela de Oliveira Silva | Suzanna Luíza Pereira Soares
A música como instrumento de inclusão e invenção social
Apresentação
“Estava à toa na vida. O meu amor me chamou...” Este projeto de iniciação científica que agora vem a lume é um projeto multidisciplinar, sustentado por pesquisadores e pesquisadoras das áreas do direito, psicologia, pedagogia e fisioterapia. Desde já, nasce como um desafio, não apenas pelas diferentes áreas que estão envolvidas, mas, sobretudo, pelo fato de que o fio condutor das áreas é a música, e, como se não bastasse, o problema levantado, a hipótese da pesquisa, é saber a música como instrumento de inserção e invenção social, sendo que a palavra social aí vai diretamente ligada às pessoas com síndrome de down. A pesquisa nasceu a partir da inspiração natural que é a musicalidade do Dudu do Cavaco. O multi artista Dudu já é um parceiro de longa data da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, sempre participou de nossas Semanas Jurídico Culturais. Sempre o mesmo Dudu, porém, sempre outro Dudu. Posto que a cada encontro ele nos suscita uma inspiração outra. Cada acorde do Dudu pode ser considerado como uma porta aberta à inclusão, assim, todas as vezes que ele toca, inventa um espaço no qual a questão do cromossomo não significa. Por isso mesmo que a música inventa e insere, a linguagem musical coloca as pessoas no mesmo tom, e, ao mesmo tempo, a música, por força de seus vários ritmos torna-se a própria ambiência ética. Neste sentido, temos uma leitura da fisioterapia que mostra como a música pode trazer benefícios motores e sensoriais para aquelas pessoas que estão em contato com ela, assim como, a psicologia mostra como a arte, no caso, a música, nos insere no mundo enquanto sujeitos, de outro lado, através da pedagogia vê-se a música compondo a inserção trazida pelas múltiplas inteligências. Dentro dos temas afeitos ao direito, pode-se ler reflexões acerca do Estatuto da Pessoa com deficiência, representante de uma virada ética importante, pois, transforma a própria noção de alteridade. Aquele paradigma empoeirado que tinha como pedra de toque a razão herdada desde a modernidade - castrador de uma existência que vem - queda superado pelas leituras e proposições do Estatuto, que se mostra como uma ruptura paradigmática em relação a qualquer
A música como instrumento de inclusão e invenção social
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noção de igualdade, inclusão e diversidade de maneiras de existir.
A música é uma hipótese que nos abre uma fenda de inspiração. Em contato com a música o humano torna-se obra de arte, por dançar, transcender, inventar, aprender, ensinar ou apenas sentir – a relação da ciência com a arte de alguma maneira está ligada à necessidade de afago que o outro e a outra nos solicitam. Não há ciência que não uma ciência do outro e da outra. Por uma ciência, nos moldes que esta pesquisa entende, necessitamos também de uma abertura na própria concepção de conhecimento, de saberes, do que é saber(?) e, sobremaneira, de como a construção da sociedade pode ser transformada com a inserção de pessoas com habilidades, peculiaridades e maneiras de existir tão diversas. A letra “a” pode figurar como partícula negativa, ou seja, em uma apresentação, na verdade, não estamos presentes, ora, no ato mesmo da escrita nos perdemos da arrogância autoral em detrimento dos olhos daquele e daquela que vem - o leitor e a leitora. Na mesma palavra “apresentação”, não há o sujeito que escreve, mas, necessariamente, há uma ação em curso, este ponto é o que nos interessa: falar dessa iniciação foi uma ação que surgiu porque o projeto foi concluído, assim, exatamente porque esse projeto existiu é que podemos nos encher de esperança e deixarmos um pouco de lado a existência egológica que move o ocidente deste os gregos antigos e abrirmo-nos a uma existência que vem, aquela na qual o outro ou a outra sejam a via que conduz nossas ações. A partir de agora apresentar será abrir as portas para a outra e o outro. Ouçamos...
Emerson Luiz de Castro Coordenador Geral da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva
A música como instrumento de inclusão e invenção social
Não existe folha em branco Bernardo Gomes Barbosa Nogueira* Leonardo Gontijo**
* Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. ** Professor Universitário, advogado, engeheiro civil . Mestre em Administração. Idealizador do Instituto Mano Down e do Portal Incluo. Irmão do Dudu.
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A música como instrumento de inclusão e invenção social
Todas as vezes que a página
quando se tornam palavras escri-
em branco tilinta à frente dos meus
tas. A folha em branco é a voz que
olhos verdadeiramente sinto como
vem, que assombra as teclas, que
se uma alteridade estivesse con-
lhes chamam à vida e que, portan-
vocando, chamando e mais impor-
to, instauram vida. O nascimento do
tante, à espera por existir. Dessa
texto é um ato de hospitalidade2.
forma, parece-nos, não há verda-
Por essa via de raciocínio, po-
deiramente folhas em branco. Por
demos argumentar desde já que essa
mais que seja evidente o contrário,
alteridade que nos constitui e que
ou seja, há folhas em branco, em
nos permite à escrita é ela mesma
contato com os olhos, à mão, a folha
condição de nossa possibilidade de
em branco não mais pode ser consi-
existir, fim, início e meio, dentro da
derada uma folha em branco. O to-
qual nos colocamos enquanto escre-
que, o tato, o olhar que deita sobre
vedores, mas que a mais das vezes,
a folha toda a angústia da respon-
não está sob nossa opressora função
sabilidade pelo que virá a ser escri-
de conhecedores. O sentido impresso
to, toda a necessidade da escrita, a
nas palavras que sujam a folha em
vida que ela traz, que ela é impelida
branco não se dá, senão, pela hipó-
a fazer nascer, a folha, nada mais é
tese que aqueloutro e aqueloutra que
do de que um clamor pelo outro e
a assombram permitem. Qualquer
pela outra, em melhores palavras,
ato de escrita só o é se um é ato de
um clamor do outro e da outra. não
escrita pelo outro ou pela outra. Ali
há dimensão racional a priori, se-
mesmo onde a arrogância racional
não aquela que é inaugurada pela
nos impulsiona a manifestarmos
face por detrás da folha em branco.
nossa egologia, encerra-se enquanto
Há, portanto, toda uma herança que
seu próprio epitáfio. O eu se esboroa
reclama sua chegada. Toda uma
quando não percebe que só o é pelo
sorte de distâncias que diminuem
outro e pela outra. não estamos aqui
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2 A referência à palavra hospitalidade está alicerçada naquilo que Derrida concebe com o tal, que não é uma hospitalidade institucionalizada por uma lei, ou qualquer código de acolhida, a hospitalidade, como qualquer ao ético, dentro desta concepção, não concebe uma chegada esperada. Aquele e aquela que vem, saltam-nos de cima, caem por sobre nossas experiências e raciocínios cartesianos, a chegada há de ser inesperada, como um ataque, entanto que não é possível espera-lo. A outra e o outro nos assombram com sua dimensão incalculável, descabida, absurda, o que impõe, e agora pensamos em Lévinas, um “eis-me aqui”, sem que, contudo, possamos prever. Só há hospitalidade incondicional, que se esfuma em uma responsabilidade já outra, no momento mesmo em que se efetiva. O outro e a outra são nesse caso, inapreensíveis.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
a anunciar de maneira profética,
tor a música, e a música de uma pes-
como já o fizeram, o fim do escritor
soa com síndrome de down, tivemos
ou da escritora, a morte do autor ou
a exata dimensão da responsabilida-
da autora, ao contrário, estamos aqui
de e da impossibilidade de dizermos
a dizer da imperiosa necessidade de
da folha em branco, ora, dentro da
percepção que um ou uma, só está,
academia, dentro das universidade,
por intermédio, pelas mãos do outro e
uma pessoa com síndrome de down
da outra, não existe escrever sem que
seria desde sempre uma folha em
haja assombro. Daí a necessidade,
branco. Um receptáculo no qual to-
outra vez, de reconhecermos que o
das as nossas opressões racionais
local de existência da escrita dá-nos
pudessem ser depositadas, contudo,
o outro e dá-nos a outra. A folha em
ao revés dessa dimensão, quisermos
branco como a face do impossível.
expor aquilo que iniciamos por con-
Talvez seja aqui que gostaríamos de
tar, a ideia de que aquele e aquela
chegar. Ora, assim como nos permite
que vem, não vêm da maneira, da
reconhecer Derrida, a invenção, só é
forma e com as dimensões que pre-
invenção do outro e da outra, e des-
tendemos. Neste sentido, a pessoa
sa ordem de ser que a cada instante
com síndrome de down pareada
inventa, nasce a questão impossível
com uma ideia de hospitalidade in-
mesmo dessa ideia. Uma vez que há
condicional é uma das maneiras de
invenção, ali onde ela nasce, neces-
evidenciar que a folha em branco, o
sariamente já não há mais que falar
outro, a outra, nunca são, deveriam
em invenção. Vez que ela já apareceu.
ser, de fato, uma folha em branco.
Iremos abandonar, por ora, a
Não há folha em branco. Não há alteridade em branco.
de necessariamente ser um abando-
Daí que temos alguns elemen-
no impossível, sobretudo, pelo fato
tos dentro dessa reflexão que pre-
de que quando o cursor mudar de
cisam ser trazidos. Fomos instados
página, será novamente uma folha
a pensar ou em melhores palavras,
em branco a nos espreitar. Mesmo
fomos tomados pela responsabilida-
tendo afirmado logo acima que a fo-
de infinita de que nos fala Lévinas,
lha em branco não existe. Quando
quando encontramos pela primeira
há um ano atrás pensamos na con-
vez o Eduardo Gontijo, o Dudu do
cepção de um projeto de iniciação
Cavaco. Bom, ali, parece-nos, depois
científica que teria como fio condu-
de alguns anos lendo e passando
A música como instrumento de inclusão e invenção social
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questão da folha em branco, apesar
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pelo pensamento do impossível que
que conduz a uma dimensão total-
nos informam tanto Lévinas quanto
mente nova, por assim dizer, absur-
Derrida, pudemos perceber a que es-
da, exatamente pela força de sua in-
tes autores aludiam quando diziam
ventividade. O outro e a outra, assim
do outro como um evento criador de
como a relação com a folha em bran-
tempo, ora, dentro do pensamento
co, são experiências do impossível, e
destes autores, aquele e aquela que
por isso mesmo, as únicas possíveis
vem criam tempo, inventam, o que
enquanto eventos, inauguração, éti-
nos coloca absolutamente responsá-
ca e hospitalidade.
veis e ao mesmo tempo, devedores,
Dito isto imaginamos então
vez que sem o outro, sem a outra,
um projeto no qual pudéssemos
não há sequer tempo - e se estamos
mostrar que a questão da chamada
no tempo...
pessoa com deficiência, entremeada
Através da música do Dudu pu-
pela música, nos permitiria reconhe-
demos, portanto, acessar e ver luzir
cer a própria dimensão de ética da
essa alteridade de maneira inolvi-
alteridade em Lévinas, bem como,
dável. Fomos conduzidos pelas can-
como a hospitalidade incondicional
ções, pelos gestos e pela novidade,
de Derrida, que são elementos cons-
para um tempo que a razão modela-
tantes quando estamos em contato
dora da ciência não alcança. O Dudu,
com estas pessoas, e em nosso caso,
por força mesmo de sua condição de
especialmente, o Dudu do Cavaco -
pessoa com síndrome de down, nos
primeira pessoa com síndrome de
coloca em condições de observação
down do país a gravar um cd. Assim,
acerca da inediticidade do encontro.
a grande questão seria como dar
Aquilo que se chama filosoficamen-
uma face para uma pesquisa que é
te evento, dá-nos o Dudu, a cada
atravessada pela dimensão da arte
encontro, que nunca é reencontro,
e pela dimensão de uma alteridade
posto que novo. Mais uma vez, não
que normalmente é enquadrada em
há folha em branco. O Dudu eviden-
ditames científicos. Essa questão
cia que a folha em branco, diferente
foi respondida quando vislumbra-
da evidência de sua brancura, traz
mos uma pesquisa multidisciplinar
sempre, por detrás, pelas suas bor-
que contou com pessoas de diversas
das, toda a sorte que o desconhecido
áreas, a saber, fisioterapia, direito,
pode nos proporcionar. O Dudu fora
psicologia e pedagogia, portanto,
então aquele elemento inaugurador
pela via da diversidade, que é o lo-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
do próprio estatuto que regulamenta
quer hipótese de ciência, ora, não há
legalmente a vida das pessoas com
ciência senão ciência do outro e da
deficiência, pudemos perceber que
outra, conseguimos entrelaçar, em
o diálogo entre distintas formas de
forma de uma dança, entanto, can-
saber é o a-caminho para que pos-
ção, uma pesquisa que não estives-
samos deixar o outro passar, feito
se presa aos ditames modernos de
novidade que é, sem que estejamos
pesquisa nos quais cientista e objeto
desde sempre com nosso julgamen-
estivessem dissociados. A face impe-
to racional pronto para captura-lo
riosa que atravessou a pesquisa foi
e torna-lo apenas um novo eu, que
a necessidade de estarmos todos os
se repete, enquanto a diferença, a
envolvidos, entrelaçados pelo tema,
novidade, se esvai pelas águas de
porém, ao mesmo tempo, com o ou-
nossa arrogância científica. Não há
vido aberto para a escuta daquele
pesquisa senão pesquisa do outro,
e daquela que vem. Por isso mesmo
da outra.
entendemos que a música seria um
Essa tarefa, portanto, não
local privilegiado, ora, dentro dos
poderia percorrer outro caminho
acordes entoados pelo Dudu não
senão o da escuta, a todo o tempo
haveria barreira em relação à inser-
estivemos mais escutantes que fa-
ção - dentro de sua arte tornamo-
lantes, menos precisos e, por isso
nos todos iguais. E esse apelo por
mesmo, mais preciosos, uma vez que
inserção, junto com uma ideia de
a cada descoberta dos efeitos peda-
invenção, posto que o outro e a outra
gógicos, terapêuticos, de mobilida-
são invenções, foram os verbos pelos
de e mesmo jurídicos, estávamos a
quais procuramos pautar nossa pes-
desvelar uma face do nosso eu que
quisa. Não iremos apresentar os tex-
estava encoberta pela camada cien-
tos, vez que seus autores e autoras
tífico-opressora da deficiência. Uma
fundam de per si um tempo próprio,
página em branco nos torna res-
que nos obriga a respeitá-los, apre-
ponsáveis por tudo, desde sempre,
sentar seria furtar ao leitor o efeito
por todos e todas, indistintamente.
de novidade que o outro e a outra
Assim, entregarmo-nos a esta pes-
nos obrigam. Porém, importa dizer
quisa, em verdade, fora entregarmo-
que desde a dança e os movimentos,
nos a um salto para o desconhecido,
até a sublimação, passando pelas in-
pois, como dito, a cada descoberta,
teligências múltiplas e por análises
reinventávamos nossa condição de
A música como instrumento de inclusão e invenção social
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cal em que acreditamos morar qual-
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percepção do mundo. Cada entrevis-
responsabilidade pela face do outro
ta, cada artigo e cada livro escuta-
e da outra, podemos afirmar que
do era jeito de deixar esse outro e
esta pesquisa tem um só tempo, o
essa outra virem, e só depois, reco-
do outro e da outra, e que as faces
nhecidamente habitados por eles
da ética da alteridade estão sem-
e elas, nos colocávamos no mundo.
pre evidentes quando em contato
O mundo desta pesquisa foi assim,
com uma pessoa com down. Dudu,
o mundo da invenção, de humanos
portanto, nos ensina mais do que a
dançantes, ora, as palavras que es-
folha nunca é uma folha em branco,
crevem estas páginas que seguem,
mostra-nos que enquanto buscamos
são páginas conduzidas pela can-
uma ideia de verdade, de razão, ou
ção do Dudu, pela desarmonia den-
quando sustentamos argumentos
tro da qual a diferença não queda
para dizer da diferença, estamos já
esquecida pelo acorde da verdade
impedindo qualquer ideia mesma de
sobre o qual se sustenta uma ideia
ética e de inserção. O outro e a outra
de ciência. não há ciência que não
vem com todas as suas mazelas, be-
seja ciência do outro e da outra. A
nesses, lembranças e esquecimen-
repetição no texto é insistente por
tos, mal e bem, e isso nos mostra o
conta mesmo da novidade que cada
quanto a própria construção social
palavra que escorrega aqui traz, as-
é maniqueísta e opressora, o padrão
sim como cada encontro como Dudu
daquilo que pode ou não ser escrito,
nos permite.
daquilo que é ou não ouvido, da for-
não seria possível uma pes-
ma que é ou não aceita, só importa a
quisa assim se não reconhecêsse-
quem está fora da dança e não quer
mos que essa alteridade down seria
ouvi-la. Dudu com sua música é um
a alteridade por excelência, pois, ao
convite intenso e constante, uma es-
mesmo tempo em que nos transpor-
pécie de porta que se mantém sem-
ta para seu mundo infinito de doa-
pre aberta, mas que não garante um
ção, nos responsabiliza instauran-
ponto de chegada. E exatamente por
do-nos enquanto seres no mundo.
não existir essa chegada esperada,
nesses termos, Lévinas, ao propor
esse leito arrumado, é que podemos
que a ética deveria estar anterior
afirmar com tranquilidade que nos-
à ontologia, ou seja, que a ética an-
sa pesquisa é uma invenção. Ora, da
tecederia o ser e que a existência
invenção, não sabemos o que espe-
do humano se daria em vias de sua
rar. Assim como a inediticidade que
A música como instrumento de inclusão e invenção social
marca as pessoas com down tam-
uma experiência que antes dela, se-
bém não entregam itinerário.
quer poderíamos supor. Dudu rein-
A estrada pela qual a pesquisa
ventou a ciência com seus acordes.
se conduziu foi a estrada da inven-
Todas as folha em branco estão à es-
ção. Professores e alunos, oriundos
pera de um ouvido. Saibamos ouvir,
da academia, foram chamados a
senão não há dança, inclusão, peda-
dançar com o Dudu do Cavaco, que,
gogias múltiplas, sublimação e, tam-
ademais, não está na universidade,
pouco movimentos que inventam.
pois é ele mesmo a aula. Uma sala de
Por força mesmo de uma ideia
aula com as portas abertas, musical-
de hospitalidade, uma ciência que
mente abertas. Quando anunciamos
dance é uma ciência do outro e da
que não haveria folha em branco
outra, a dança é sempre um ato con-
quisemos dizer que por detrás dela
junto, pedagogia é andar junto do
há toda uma miríade de hipóteses
outro e da outra, não pode ser im-
outras à espera da chegada. Da mes-
posição de ou a. Da mesma forma, a
ma maneira, cada ciência que tocou
sublimação pela arte é um encontro
esse tema, pedagogia, fisioterapia,
com todo o outro e toda a outra, as-
direito e psicologia, foi invadida por
sim como, só se garante o direito do
aquilo que vem tornando outro aque-
outro e da outra. Junto desse caldo
la caminho. Agora podemos dizer
que resta do que o Dudu fez da nossa
que há uma pedagogia-down, um di-
pesquisa, seu irmão, Leonardo Gon-
reito-down, uma fisioterapia-down,
tijo, mostra que a partir do Dudu,
uma psicologia-down, porém, não
nunca mais houve, sequer, um dia
daquela maneira usual que a ciência
em branco, quiçá, uma folha.
em diante, cada vez que cada um de
NÃO EXISTEM
nós olhar para o tema que trabalha-
DIAS BRANCOS
mos, iremos escutar um acorde que
Folheando o livro da vida,
fará com percebamos que as folhas
compreendi que todas as fo-
em branco não existem e que cada
res criadas são formosas, que
vez que nos laçamos a ela, todas as
o esplendor da rosa e a bran-
dimensões outras estarão ali a nos
cura do lírio não eliminam
acompanhar, feito herança, feito ins-
a fragrância da violetinha
piração, porém, acima de tudo, feito
nem a encantadora simplici-
uma existência que nos conduz a
dade da margarida... Fiquei
A música como instrumento de inclusão e invenção social
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costuma tratar seus temas. De agora
entendendo que se todas as
consegue expressar seus sentimen-
pequenas fores quisessem ser
tos de forma tão pura e clara como já
rosas, perderia a natureza
vi inúmeras vezes ele fazer?
sua gala primaveril, já não
Tantas vezes esbarrei em
ficariam os jardins esmalta-
pessoas normais infelizes e amar-
dos de florinhas”
guradas. Dudu ama a vida e as pes-
Teresa de Lisieux,
soas, distribui alegria sem medo de
Religiosa Francesa
acabar. vê encanto na simplicidade
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e ensina que a mente tem o passo É muito importante rever coi-
mais ligeiro, mas o coração vai mais
sas na vida. Olhar para trás e obser-
longe. Penso que ele é super feliz a
var o que mudou, o que ficou igual, o
seu modo. Ele me ensina que o im-
que melhorou. Se os rumos que to-
portante é o presente, que tem du-
mamos foram os certos, se decisões
ração de um instante que passa, que
tomadas tiveram os resultados espe-
é preciso viver cada momento com
rados. Rever foi o que fiz quando me
intensidade máxima e sonhar sem
propus a escrever este texto. Rever a
perder os minutos presentes.
vida, meus conceitos e meus sonhos.
Sempre sou questionado - e
Antes de conhecer o Dudu, eu
acredito que meus pais também
pensava, como muitos, que a defici-
– sobre o que faz do Eduardo uma
ência era uma fisionomia marcada.
pessoa tão sociável. Haveria graus
A sociedade, de modo geral, nos im-
na síndrome de down? Seria o nível
põe algumas regras e alguns mitos
de estimulação? Seria a aceitação
que trazemos desde a infância até a
da família?
vida adulta. Um desses mitos é ter
Hoje penso, sem me embasar
pena de pessoas tidas como dife-
na ciência, que um conjunto de fato-
rentes, pessoas que têm algum tipo
res influência o desenvolvimento da
de limitação. O tempo me ensinou e
pessoa com down: estimulação, acei-
desmistificou o que me foi imposto,
tação, características hereditárias,
inclusive pela escola, que deveria
dedicação, estabilidade emocional
ensinar justamente o contrário. Per-
dos pais. Acho que é um pouco de
cebi que o Eduardo é uma pessoa
tudo e, principalmente, acreditar
privilegiada e quem tinha várias li-
que a diferença está no olhar de
mitações era eu. Que ser humano
quem vê. não há vários níveis gra-
dito como normal pela sociedade
duais de síndrome de down. Existem
A música como instrumento de inclusão e invenção social
no sonha ser livre para escolher seu
cidades intelectuais, como as pesso-
caminho, mesmo que errado, e para
as ditas “normais”.
falar o que sente, mesmo se não
Vivemos em uma sociedade em
agradar. Sei que a total liberdade é
que se é treinando para não expor
utopia. O mundo tem leis, regras so-
a vida íntima a estranhos, embora,
ciais e valores éticos. Para uma boa
com o advento das redes sociais, es-
convivência, temos que respeitá-los.
tejamos passando por uma mudança.
Pagamos também um preço por isso,
Evitamos falar dos problemas e das
por reprimir nossos instintos. O se-
dificuldades mais profundas como se
gredo é aprender a viver em grupo,
nos mostrar humanos e verdadeiros
sem vender a alma. E isso o Dudu faz
nos diminuísse. Preferimos parecer
muito bem.
contidos deuses perfeitos aos olhos
É do próprio contato com o
alheios. E o Dudu nos ensina a leveza
outro, principalmente com os di-
da transparência, a beleza da since-
ferentes, que aprendermos a nos
ridade e a lindeza da autenticidade.
conhecer. Que ele possa continuar
Só crescemos quando nos mostramos
espalhando alegria e cativando cada
por dentro, sem máscaras, sem firu-
vez mais as pessoas. Aprendemos
las, com menos roupa. Ele nos ensi-
muito com ele, especialmente em
na sem saber. Sei que é difícil para
relação à formação humana, o que
todos aceitarmos o que é diferente,
nos torna melhores e mais prepa-
o que foge do padrão. Abençoados
rados para a vida. Ele nos ensina a
os que não têm preconceito, pois nos
nos contentar com pequenas coisas
ajudam a respirar.
e pequenos momentos.
Sou consciente hoje de que ter
Ao escrever este texto, pensei
um irmão com down é uma bênção
na riqueza do viver e em quantas op-
para mim. E hoje nem poderia ima-
ções existem. Pensei nos sonhos, na
ginar minha existência sem esse
necessidade tão simples e primordial
tesouro, esse professor da vida.
de projetar, de antever a vida de for-
Possível, para ele, é conseguir o má-
ma sensível, feita de desejo e imagi-
ximo dentro da realidade de cada
nação. Vez por outra, penso no futuro
momento. E isso ele sabe fazer como
do Dudu. Na ausência de nossos pais.
ninguém. Penso que, na profundeza
Isso apenas me faz ter a certeza de
da alma, onde moram os mais estra-
que ele sempre terá companhia. A ca-
nhos e sinceros desejos, o ser huma-
minhada seguirá desconhecida. Com
A música como instrumento de inclusão e invenção social
25
sim diferenças em virtude das capa-
26
esperança e otimismo enfrentaremos
todo o amor e gratidão. Ele é capaz
os obstáculos e comemoraremos mui-
de entender muito bem as coisas
tas vitórias juntos.
com naturalidade. não é necessário
É fácil amar o perfeito, o belo,
um linguajar especial nem atitudes
o correto. É fácil conviver com a
e comportamentos diferentes para
normalidade, conhecida e previsível.
lidar com ele. É receptivo na aproxi-
Difícil é gostar do desconhecido, do
mação, interage melhor conosco do
fora do padrão, do imperfeito. Mas
que nós com ele, pois é ele que inicia
quando se chega a este amor pleno,
o contato. Basta responder e trocar
percebe-se o privilégio de conquistá-
o mais natural possível. É preciso
lo. Então, a alma fica repleta de
reconhecer que nos foi dada uma
ternura, de bem querer. É uma
grande oportunidade em nossa vida:
sensação tão boa que há muito não
a de provar que o ser humano é bas-
posso imaginar minha vida sem ela!
tante misterioso para nos surpreen-
A simplicidade, a calma, o otimismo,
der diariamente e superar as nossas
a alegria, o amor que deseja ao outro
mais firmes expectativas. Penso que
toda a felicidade, do fundo do ser; a
o verdadeiro obstáculo que temos
paciência, o altruísmo e a esperança.
que vencer não é a pessoa ou a sín-
Tudo isso aprendi com o Dudu, um
drome, mas, precisamente, o enor-
irmão que me dá tanto sem nunca
me preconceito que a envolve. Para o
me pedir nada, uma pessoa que atua
Dudu, a amizade não tem distinção.
como um guia contínuo, em direção o
Ele ama igualmente, pois seu amor é
ao mais alto nível do consciente que
incondicional. Por mais que um ser
um ser humano é capaz de atingir.
tente alcançar um grau de pureza,
Tenho certeza de que, ao final des-
nunca conseguirá ser como ele, que
ta jornada, sou e serei uma pessoa
é feliz como é. Somos limitados por
melhor. não melhor do que ninguém
não entendermos isso. O amor fala
e sim melhor do que eu era e melhor
mais alto e ele surpreende mais do
do que eu mesmo seria se não tives-
que corresponde.
se um irmão como ele, esse Jovem
Penso que é preciso aceitar as
encantador que emociona e me faz
diferenças e acreditar em nosso po-
sentir mais humano. A ele devo a
tencial que é ilimitado. O fundamen-
ascensão da alma e a sensação de
tal é que olhemos para as pessoas
plenitude. A ele devo a luz que hoje
com deficiência preocupados com
tenho no meu caminho. A ele devo
suas potencialidades e não com os
A música como instrumento de inclusão e invenção social
seus defeitos. Torço para que o Dudu voe
em nossos cora- ções, com real von-
alto, sonhe muito. Estarei sempre
tade de inserir as pessoas com defi-
observando-o e aprendendo que
ciência em nossas vidas, na família,
quem possui limite são os municí-
na sociedade. E essa inclusão signifi-
pios. Como diz o filósofo Jean Coc-
ca ajudá-los a conquistar a sua cida-
teau: “E sem saber que era impos-
dania, ensinando-os a cumprir deve-
sível, ele foi lá e fez”. A ciência já
res como qualquer cidadão. Somente
demonstrou que as etnias humanas
os governos, a escola, as leis e os pro-
são muito mais semelhantes entre si
fissionais não fazem o milagre da in-
do que aparentam ser porque gran-
clusão. Ela só vai acontecer quando
de parte da variação que nós vemos
aceitarmos as pessoas com deficiên-
entre as mesmas são resultantes de
cia como ele é e não como queríamos
diferenças culturais. Por isso, não
que fosse, sem cobranças, sem criti-
podemos, apressadamente, concluir
cas, sem fugir à realidade. Não pode-
que uma diferença que percebemos
mos exigir direitos sem cumprir de-
na aparência ou jeito de uma pessoa
veres. A anormalidade é um desafio
deve-se à diferença na sua constitui-
para todos nós que queremos aceitar
ção genética. Se a diversidade é a re-
e compreender tudo o que envolve a
gra, por que temos tanta dificuldade
vida e as dificuldades de uma pessoa
em aceitar a diferença?
com deficiência. Compreender é mui-
E penso que aceitar significa
to mais que aceitar. É acreditar que
ver as pessoas como seres humanos,
todo ser humano é limitado, indepen-
com sua própria personalidade, limi-
dentemente de ser deficiente ou não,
tes e desafios. Cresci nesta caminha-
e que todos temos um potencial a ser
da com o Dudu, sou mais tolerante e
descoberto. Em uma sociedade com-
com um grau de compreensão maior
petitiva e preconceituosa como a nos-
em relação às diferenças. As bata-
sa, essa é uma tarefa, no mínimo, difí-
lhas que vencemos são fruto de muito
cil. Se, atualmente, falamos muito em
amor e cumplicidade. A luz que ema-
inclusão social, não a colocamos em
na do meu irmão é a mais intensa
ação porque a verdadeira inclusão
bênção de nossa família, iluminando
acontece no momento em que deixa-
a vida de todos, com seus olhos puxa-
mos a teoria de lado e partimos para
dos e brilhantes, com seu sorriso sin-
a prática, deixando os preconceitos
cero e abraço afetuoso. A inclusão só
de lado e dando oportunidade para
A música como instrumento de inclusão e invenção social
27
vai acontecer se acontecer também
28
que as pessoas com deficiência mos-
Temos que acabar com os rótu-
trem sua eficiência. Uma das ques-
los e começar a enxergar o potencial
tões mais complicadas do homem é
de cada ser humano, procurando
entender e aceitar o outro como ele
atendê-los de acordo com suas difi-
é, pois criamos um modelo de ser hu-
culdades, sempre criando possibili-
mano imposto pela sociedade moder-
dades para o pleno desenvolvimento,
na. Como as pessoas com deficiência
dentro da capacidade, possibilidade
não seguem esse padrão, muitas ve-
e vontade de cada um. Como educa-
zes ficam sem a convivência social.
dores, não devemos nos conformar
Para se conhecer verdadeiramente a
em avaliar habilidades, destrezas,
capacidade de uma pessoa apenas dê
conhecimentos que o ser humano
a ele uma oportunidade. É triste, ao
tem ou não tem ou em que medida
final desta jornada, constatar que o
os tem. Precisamos nos fixar na evo-
maior bloqueio ao progresso e inser-
lução do processo e não apenas no
ção das pessoas com deficiência não
resultado final. Quanta evolução o
é o imposto pela genética, mas sim
Dudu já nos mostrou! Embora atual-
por nós mesmos. Se não permitirmos
mente alguns aspectos da síndrome
esta convivência e inclusão, como po-
de down sejam mais conhecidos, e
demos aprimorar nossa sociedade?
a pessoa com down tenha melhores
Há quem diga que, num futuro
chances de vida e desenvolvimento,
talvez até próximo, a engenharia ge-
uma das maiores barreiras para a
nética desenvolva-se ao ponto de eli-
inclusão social destes indivíduos
minar a trissomia do cromossomo 21.
continua sendo o preconceito.
Porém, não devemos aguardar a ciên-
no entanto, embora o perfil da
cia para superarmos a nós mesmos
pessoa com síndrome de down fuja
e aceitar a conviver com a diferença.
aos padrões estabelecidos pela cul-
nossos irmãos estão aí. Diferentes
tura atual - que valoriza sobretudo
sim. Capazes também. Temos que ser
os padrões estéticos e a produtivi-
os primeiros a acreditar neles. Sem
dade -, cada vez mais a sociedade
falsas ilusões, inseri-los no contexto
está se conscientizando de como é
de acordo com o seu potencial. Des-
importante valorizar a diversidade
cobrir isso junto com eles é o nosso
humana e de como é fundamental
desafio. Sem pena, ressentimentos
oferecer equiparação de oportuni-
ou frustrações. Apenas enxergando
dades para que as pessoas com de-
suas qualidades e aptidões.
ficiência exerçam o direito de con-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
viver na sua comunidade. Cada vez
ciência, mas respeitá-los é o mínimo
mais, as escolas do ensino regular e
que se espera.
as indústrias preparadas para rece-
Digo que o meu irmão me trou-
ber as pessoas com deficiência têm
xe para uma nova realidade. Deu
relatado experiências muito bem su-
à minha vida um sentido especial.
cedidas de inclusão benéficas para
Com ele consegui ver o mundo com
todos os envolvidos.
um olhar mais humano. Dudu me
Colocar-se no lugar do outro
permite evoluir, pois me faz ques-
é uma postura que pode nos possi-
tionar sobre nosso papel no mundo.
bilitar posicionamentos mais éticos
As oportunidades são dadas. Cabe
e de respeito, modificando precon-
a nós aproveitá-las. Para mim não
ceitos e injustiças, pois sempre que
é possível viver são sem um sentido
pensamos como nos sentiríamos se
para a vida. Isso é deixa-lá passar
estivéssemos no lugar do outro mo-
em branco. Dudu foi a maior opor-
dificamos modos de pensar e agir.
tunidade eu tive para desenvolver e
Preconceitos, geralmente, são pro-
reconhecer as minhas próprias for-
dutos de nossa ignorância, resultado
ças e fraquezas.
de nossa postura de pensar a reali-
Acredito que meus pais se
dade a partir daquilo que conhece-
preocupam que o Dudu possa se
mos e vivenciamos, sem pensar em
transformar, futuramente,
outros aspectos, sem avaliar o que
peso para os seus irmãos. Gostaria
os outros podem sentir. Que possa-
que soubessem que, por mim, será
mos, portanto, evoluir e compreen-
o peso de uma pluma, com a leveza
der essa realidade que o Dudu tanto
de um ser humano inigualável. Será
nos ensina: Todos somos diferentes,
um prazer conviver com ele. Como
mas devemos ter oportunidades
acompanhei toda a trajetória de vida
iguais. Como nos ensina o filme “Do
do meu irmão, sei de alguns de seus
luto à luta”: quando os bebês come-
sofrimentos, de suas dificuldades e
çam a andar, nós os chamamos para
de suas superações e lutas. Fizemos
caminhar. Ter um parente ou amigo
o que todos deveriam ter feito. Nada
com deficiência é um chamado para
mais, nada menos do que dar amor,
nos conhecer melhor e nos aprimo-
essa palavrinha mágica que só fun-
rar como ser humano. Sabemos que
ciona se for de verdade. Amor não se
nem todas as pessoas têm obriga-
finge não se acha, nem se compra.
ção de aceitar as pessoas com defi-
Simplesmente se ama ou não.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
29
em um
30
Gostaria de expressar que ter
possamos ver o que talvez não espe-
um irmão diferente, para alguns,
rávamos: que seus sentimentos são
pode ser um grande trauma. Obvia-
tão semelhantes aos nossos. Quem
mente nos causa muitas perguntas,
sabe agora, após contar esta histó-
principalmente sobre nossos valores
ria, quando encontrarmos pessoas
e sentido da vida. Por ter esta opor-
com deficiência na rua possamos
tunidade, agradeço imensamente,
fixar nosso olhar não na síndrome
primeiramente aos meus pais e es-
que o faz ser diferente, mas nos em-
pecialmente ao Eduardo. Obrigado
penhemos em nos questionar: quem
sempre. Com esta iniciativa do tex-
está aí? ninguém é igual a ninguém.
to gostaria de ressaltar o exemplo
Por isso, somos autênticos e únicos.
do Dudu. Convoco todos a entrar
Dudu me ensinou o mais importante
em seu mundo e ver que, além de
na vida: nunca deixar de demons-
sua aparência tão marcada pela
trar nossos sentimentos aos que
síndrome, estão seus medos, seus
amamos. Foi esse ensinamento que
conflitos, seus desejos, e quem sabe,
tentei demonstrar neste texto.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
A FISIOTERAPIA ASSOCIADA À MÚSICA NO ACOMPANHAMENTO DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN: das deficiências físicas/ cognitivas e limitações funcionais à exploração das potencialidades e ampla inserção social Renata Cristina Magalhães Lima * Carolina de Freitas Gomes ** Izabela Faúla Miranda Linhares *** Roberta Lopes Sena **** Bernardo Gomes Barbosa Nogueira *****
* Doutora em Ciências da Reabilitação, professora titular do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva. ** Acadêmica do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva. *** Acadêmica do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva. **** Acadêmica do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva. ***** Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
31
A música como instrumento de inclusão e invenção social
Como parte de um imenso
(BRASIL. Ministério da Saúde, 2013)
trabalho em equipe interdisciplinar,
As pessoas com SD apresen-
este capítulo visa apresentar um
tam características clínicas (físicas
pouco das deficiências físicas e cog-
e cognitivas) peculiares a esta popu-
nitivas, limitações funcionais e res-
lação, que podem variar de acordo
trições sociais que pessoas com sín-
com cada indivíduo. Alterações neu-
drome de Down podem apresentar,
rológicas, cardiopulmonares e mus-
sob o olhar e saberes da fisioterapia.
culoesqueléticas são encontradas e
Discute a influência da música como
geram implicações por vezes nega-
ferramenta de trabalho durante tra-
tivas na funcionalidade e qualidade
tamentos convencionais fisioterápi-
de vida do indivíduo. São alterações
cos e mostra como ela pode facilitar
que, detectadas precocemente, e com
a inserção social dessas pessoas
uma indicação adequada, podem ser
especiais, com inúmeras potenciali-
tratadas com fisioterapia. Para o
dades. O melhor caminho para que
sucesso da reabilitação, o trabalho
isso aconteça é a estimulação, e o
em uma equipe interdisciplinar com-
quanto antes se inicia melhores são
posta em geral por neurologista, fo-
os resultados!
noaudiólogo, terapeuta ocupacional,
32
dentista, psicólogo, pedagogo e asO quE é A SÍNDROME
sistente social, é imprescindível. As
DE DOWN?
limitações funcionais e restrições na
A Síndrome de Down (SD) é
participação social dessas pessoas
uma alteração genética, devido a
podem ser amplamente minimizadas
um cromossomo extra no par 21,
com associação de outros profissio-
totalizando 47 ao invés de 46 cro-
nais em conjunto, como advogados
mossomos; ou seja, existe uma parte
e pedagogos – que garantirão os
a mais em todas as células ou par-
direitos desses cidadãos na socie-
te delas da pessoa com a síndrome.
dade, seja nas escolas, ambientes de
A SD pode acontecer com qualquer
lazer e trabalho. Mostrar as várias
pessoa, independente de raça, clas-
vertentes deste trabalho em equipe
se socioeconômica, nacionalidade e
foi o maior objetivo do projeto de ini-
sexo. no Brasil os dados epidemioló-
ciação científica do Centro Univer-
gicos não são precisos, mas estima-
sitário newton Paiva intitulado “A
se que a cada 600 a 800 nascimen-
música como instrumento de inclu-
tos, uma criança nasce com Down.
são e invenção social”, coordenado
A música como instrumento de inclusão e invenção social
pelo professor Bernardo Nogueira.
cal deve ser realizada quando o feto
Juntos todos esses saberes se fazem
tem entre 45 e 84 mm de comprimen-
mais fortes em prol dos direitos de
to, medindo da cabeça à nádega. Isto
pessoas com SD.
corresponde a cerca de 11 a 14 semanas de gestação contadas a partir do
Como é feito o
primeiro dia da última menstruação.
diagnóstico da SD?
A medida da translucência nucal
O diagnóstico da SD pode ser
não é um teste de diagnóstico, ela
feito por meio de exames de sangue,
apenas define qual grupo tem alto
exames de imagem (ultrassom) e ava-
ou baixo risco. Para diagnosticar se
liação das características físicas do
o feto tem, por exemplo, a síndrome
bebê ao nascer. O exame da alfa-fe-
de Down deverá ser realizada uma
toproteína (AFP), é considerado um
biópsia de vilosidades coriônicas ou
marcador para o diagnóstico. A AFP
amniocentese. (BRUNS, 2016)
é uma proteína produzida pelo fígado
As características físicas que
do feto durante a gestação, e é encon-
estarão presentes na maioria da
trada no sangue do bebê, da mãe e no
população com SD são: hipotonia
líquido amniótico. Um nível baixo de
muscular, que é uma alteração no tô-
AFP, no sangue materno, pode indicar
nus dos músculos, em que eles irão
uma possível presença da Síndrome
se apresentar flácidos, com frouxi-
de Down. (GUNDERSEN, 2007)
dão ligamentar; prega palmar única
A translucência nucal (ou TN)
(prega simiesca nas mãos); diminui-
é uma medida realizada na região
ção do comprimento dos membros
da nuca do feto, conhecida por meio
inferiores; implantação baixa da
do exame de ultrassom. Esta medi-
orelha que pode levar a alterações
da ajuda a estimar o risco do feto
na audição; clinodactilia no 5° dedo
ter algumas doenças, entre elas a
da mão, que é quando o dedo se cur-
Síndrome de Down e as cardiopatias
va um pouco para dentro; a face do
congênitas. Fetos com malformações
bebê pode ser mais alargada e seu
ou doenças genéticas possuem uma
nariz menor que o das outras crian-
tendência a acumular liquido na re-
ças; olhos puxados e amendoados;
gião da nuca. Portanto uma medida
cabelos finos e lisos; o céu da boca
aumentada significa um aumento de
um pouco mais encurvado; menor
risco. (BRUNS, 2016)
número de dentes; alterações cognitivas com presença de retardo
A música como instrumento de inclusão e invenção social
33
A medida da translucência nu-
mental em diferentes graus; dentre
significa que o bebê não seja inteli-
outras características. Todas essas
gente ou seja incapaz de aprender,
características podem ou não estar
e sim que ele irá demorar um pouco
presentes nas pessoas com a síndro-
mais em aprimorar suas habilida-
me (GUnDERSEn, 2007).
des cognitivas. Ele é sim capaz de aprender a falar, ler, escrever, dese-
COMO ME ADAPTAR
nhar, sonhar... Ele irá fazer tudo que
A ESSE BEBÊ ESPECIAL?
uma outra criança faz, mas do seu
no primeiro momento quando
jeito e na sua hora, dependente da
os pais recebem a notícia de que seu
quantidade e qualidade dos estímu-
bebê tem SD, o mundo “vira de cabe-
los dados a ele.
ça para baixo” causando um misto
Crianças com limitações fun-
de sentimentos, envolvendo desde
cionais tem dificuldade no desenvol-
insegurança, até medo pelo futuro
vimento, por isso é preciso oferecer
da criança, de como será dali para a
a elas possibilidade de intervenção
frente, como enfrentar todas as ad-
precoce que possibilite o aprimora-
versidades que possivelmente virão.
mento de sua potencialidade. A in-
Mas quando os pais conhecem
tervenção precoce é essencial para
o mundo de seu filho especial, perce-
que a criança se desenvolva da me-
bem que aquela criança trará gran-
lhor forma possível. Por isso é muito
de alegria e muito orgulho para toda
importante que busquem profissio-
família. As crianças com SD podem
nais capacitados e que se divirtam
apresentar algumas limitações como
com o mundo único e extraordinário
atraso no desenvolvimento (sentar,
das pessoas com SD.
andar, falar,...), mas, dentro de suas
Durante o desenvolvimento
limitações, são crianças incríveis,
da criança com SD ao passar por
curiosas, espertas e dispostas a des-
cada dificuldade enfrentada, perce-
bravar um mundo de novidades.
be-se que toda a família acaba por
Os pais não precisam se sentir
se transformar do ponto de vista
culpados pela síndrome de seu bebê.
ético. As mudanças acontecem em
É importante que renunciem a essa
todos! Muitas vezes preconceitos
culpa, e a transformem em energia
antes existentes entre os próprios
para se fortalecer e auxiliar seu bebê
familiares acabam por cair por ter-
a desenvolver seu incrível potencial.
ra a partir do momento que se veem
34
A deficiência intelectual não
inseridos em uma família agora com
A música como instrumento de inclusão e invenção social
uma pessoa com deficiência. E quan-
tal. Isto quer dizer que qualquer
do a aceitação da síndrome aconte-
ação mental, organizada, dependerá
ce precocemente pela família, todo o
de um sistema postural bem estru-
processo é facilitado!
turado e consequentemente de movimentos intencionais bem organizados. (JANAINA; et. al.)
A fisioterapia no
Se a estimulação é importante
processo de aquisição de habilidades
para qualquer criança com ou sem
A fisioterapia pode intervir no
atraso no desenvolvimento, a criança
desenvolvimento motor auxiliando
com SD tem essa necessidade muito
na aquisição da marcha, coordena-
mais inerente de experimentar situ-
ção, equilíbrio, controle postural e
ações e conviver com pessoas dife-
funcionalidade de modo a proporcio-
rentes às de seu ambiente. O desen-
nar maior independência funcional e
volvimento de uma criança se dá por
melhor qualidade de vida.
meio de descobertas de si mesmo e
O desenvolvimento global da criança com SD acontece com re-
do mundo que a rodeia a cada nova experiência. (JANAINA; et. al.)
tardo do padrão considerado ideal,
O interesse que ela manifesta
no entanto a criança pode chegar a
pelo movimento dos objetos, faz dos
progressos consideráveis, com boa
brinquedos um bom suporte para
estimulação,
por
estimulá-la a passar de uma posição
profissionais capacitados e, sobre-
para outra. Os jogos e as brincadei-
tudo, pela família com a qual convive
ras, além de serem úteis para a aqui-
diariamente, e que tem papel princi-
sição da motricidade, têm grande
pal no progresso da criança. (BRA-
importância para que a criança se
CK; et. al., 2015)
desenvolva do ponto de vista mental
proporcionados
Na sequência do desenvolvi-
e afetivo.
mento do indivíduo, em primeiro
Apesar de ter características
lugar vem a postura, depois a ação
que o diferencia dos indivíduos di-
motora, para depois vir a ação men-
tos “normais” 1, a criança com SD é
A música como instrumento de inclusão e invenção social
35
1 Segundo Michel Foucault, a ideia de normalidade é muito mais uma questão social do que de saúde. O atual paradigma da ciência impõe rótulos, e ao impor-se uma classificação, restringi-se o universo de alguém. Pode-se dizer que uma pessoa tenha deficiência de aprendizagem e dar-lhe remédios ou pode-se descobrir a dificuldade dessa pessoa e introduzir novos métodos de ensino mais adequados à sua situação especial. Existe um padrão de comportamento exigido pela sociedade, e todos aqueles que fogem da média são considerados desviantes da normalidade, ou seja, “anormais”.
semelhante a estes no processo de
sibilidades. na sua utilização traze-
desenvolvimento. Por meio de ativi-
mos prazer para as sessões, reme-
dades com jogos e brincadeiras, a
tendo ao ambiente uterino. A música
criança se envolve com o desejo de
é conhecida e acessível, está presen-
descobrir o mundo e de se autodes-
te em todo lugar a todo tempo e não é
cobrir. Essa motivação desperta a
necessário nível de instrução musical
vontade de se movimentar, tornando
alto para reproduzir sons ritmados e
esses movimentos mais espontâne-
agradáveis (SALGADO, 2000). Com
os, mais prazerosos e as conquistas
a inserção da música temos, a prin-
mais evidentes (JAnAInA; et. al.).
cípio, a construção de uma igualda-
nada é impossível para uma
de outra, assim como, constrói-se
pessoa com Síndrome de Down, mas
uma nova percepção acerca do que
não se devem fixar metas muito ele-
é normal, portanto, em relação aos
vadas que possam de alguma forma
padrões sociais.
inibir ou desmotivar a criança. Por-
A música é uma instituição hu-
tanto os objetivos devem ser traça-
mana, uma forma de linguagem, na
dos sempre relacionados à idade e
qual podemos encontrar significado e
às condições clínicas de cada indiví-
beleza por meio dos sons, da improvi-
duo. O que realmente conta é a su-
sação, da apresentação e da audição.
peração dos seus próprios limites no
Ela aproxima as pessoas e famílias,
dia a dia, por menor que seja. nada
estabelece recordações e sentimen-
impede que a criança com SD con-
tos. A música é um produto, um ma-
siga a sua independência motora. A
terial real e ao mesmo tempo imagi-
falta de estimulação é que limita o
nário e sem limites. Está presente em
desenvolvimento global da criança.
todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e comemorações,
FISIOTERAPIA
rituais religiosos, manifestações cí-
MÚSICO-SOCIAL -
vicas, políticas, etc., e é um elemento
A uTILIZAçÃO DA
que auxilia no bem-estar das pessoas
MÚSICA COMO RECuRSO
(BRUSCHIA; et. al. 2010).
36
FISIOTERAPÊuTICO
Além disso a música pode
A Fisioterapia pode utilizar
exercer influência de duas maneiras
a música como um novo recurso de
distintas no corpo humano: direta
tratamento porque proporciona ao
com o efeito do som sobre as células
paciente novas perspectivas e pos-
e os órgãos, e indireta, agindo sobre
A música como instrumento de inclusão e invenção social
lidade de vida e funcionalidade. A
mento importantíssimo, pois mobili-
partir da estimulação do bebê será
za, contribuindo desta forma para a
possível adquirir posições que au-
transformação e o desenvolvimento
xiliarão na aquisição de atividades
social do indivíduo. (JÚNIOR, 2015)
como rolar, passar de deitado para
O repertorio sonoro ou “iden-
sentado, quatro apoios (gato), en-
tidade sonora” da criança inicia-se
gatinhar e posteriormente andar.
ainda no útero materno, ouvindo o
É importante até mesmo para ins-
som dos batimentos cardíacos da
tigar a pessoa com Down quanto
mãe, conversas dos pais, ou sentido
à criatividade para fazer tarefas
(pelas vibrações provenientes do am-
manuais, danças, esporte, e ma-
biente externo). Esse repertório au-
ximizar suas funções cognitivas
menta durante a vida, porque a mú-
de aprender coisas novas, e so-
sica e os sons estão por toda a parte.
ciais como trabalhar. Além disso
No contexto escolar a músi-
o estímulo sensorial, ao tocar um
ca tem a finalidade de ampliar e
instrumento, sentir a vibração dos
facilitar a aprendizagem do edu-
sons ou dançar, provoca prazer e
cando, pois ensina o indivíduo a
alegria, possibilita conhecer novos
ouvir e a escutar de maneira ativa
sons e texturas. (JÚNIOR, 2015)
e refletida. Porque a música tem
Provavelmente, o mais im-
como característica firmar con-
portante progresso na investigação
teúdos, ou seja, é capaz de manter
científica da música, foi a desco-
a atenção com mais eficiência em
berta de que a mesma é percebida
comparação com técnicas não mu-
através da parte do cérebro que
sicais, portanto a memória musi-
recebe o estímulo das emoções,
cal possibilita a evocação mais fa-
sensações e sentimentos, sem ser
cilmente de conteúdos estudados
primeiro submetida aos centros do
do que a memória verbal, falada
cérebro que envolvem a razão e a
(SALGADO, 2000).
inteligência. (JÚNIOR, 2015). Por
No ambiente terapêutico per-
estimular diferentes partes do cére-
mite desenvolver habilidades, pa-
bro, a música durante o tratamento
drões de movimentos ou posturas
possibilita a neuroplasticidade, que
antes não incentivados. A música
é a reorganização das conexões
junto à fisioterapia tem por obje-
neuronais a partir do estímulo e da
tivo proporcionar melhora da qua-
prática. A neuroplasticidade gera
A música como instrumento de inclusão e invenção social
37
as emoções e auto-estima. É um ele-
38
novas possibilidades de adaptação
RELATO DE PAIS
do indivíduo em seu meio, fazendo
COM FILhA COM SD
com que seja mais funcional (MUS-
“Nossa aventura começou em
ZKAT, 2015). Os benefícios terapêu-
junho de 2014 quando o Gui
ticos da música são variados desde
e eu soubemos que estáva-
participação social à funcionalida-
mos grávidos. Finalmente o
de para atividades de vida diária, o
grande dia havia chegado!!!
que faz da mesma um ótimo recurso
Tudo transcorria normal-
no tratamento de pessoas com defi-
mente, até realizarmos o exa-
ciências diversas.
me de translucência nucal.
A seguir, temos dois relatos
Aos nossos olhos um exame
relacionados à importância do estí-
como qualquer outro e que
mulo precoce e da música na vida
não chamou nossa atenção
de pessoas com SD. O primeiro se
no primeiro momento, pois
trata dos pais da pequena e encan-
estávamos tão felizes com a
tadora Olívia, de quase dois anos
gravidez, que nada, naquele
com SD, se descobrindo a cada dia.
momento, poderia dar er-
O segundo é a transcrição de uma
rado. Pois bem, ao final do
entrevista feita com o nosso fa-
exame, o médico com muito
moso Dudu do Cavaco – um jovem
cuidado, nos disse que o exa-
brilhante, de 26 anos, com ampla
me tinha dado uma pequena
bagagem musical, primeiro músico
alteração e que isso indica-
com SD a gravar CD e DvD no Bra-
ria a possibilidade de nosso
sil, multi instrumentista e ator. Sua
querido bebê ter alguma al-
carreira musical iniciou desde mui-
teração cromossômica, sendo
to cedo, e aos 12 anos aprendeu a
a Síndrome de Down a mais
tocar cavaquinho. Atualmente tem
comum. Saímos da clínica e
uma banda própria e faz parte do
fomos direito a um especia-
grupo de samba Trem das Onze. É
lista que nos confirmou a al-
constantemente
para
teração e reforçou a possibili-
abrir solenidades e fazer partici-
dade da nossa Olívia nascer
pações especiais em programas de
com Síndrome de Down. Foi
televisão. Já fez mais de 150 pales-
o dia mais difícil desde en-
tras e 80 shows e já abriu um show
tão. Foi nos dada a opção
do Jota Quest no novo Mineirão.
de fazer um exame chamado
convidado
A música como instrumento de inclusão e invenção social
amniocentese, exame este invasivo e confirmaria antes mesmo do nascimento se a Olívia tinha alguma síndrome. Decidimos não realizar o exame. Não queríamos correr o risco de perdê-la e ela, independentemente de qualquer
Fonte da imagam: Acervo pessoal dos pais
quer maneira. A partir des-
Porém, veio no 3º (terceiro)
ta decisão decidimos seguir
mês, em uma quarta feira,
com a gravidez da melhor
quando chegou o resultado
maneira possível e assim foi
o exame do cariótipo, e ao
feito. A cada exame que não
abrir o resultado não conse-
era detectada qualquer anor-
guíamos enxergar nenhuma
malidade, nos deixava ainda
palavra, enxergamos, porém,
mais felizes, pois nosso bebê
um cromossomo extra no par
estava saudável a cada mês
21. A partir daí soubemos
que se passava. A cada novo
que nossa filha tinha Síndro-
ultrassom e diante da ex-
me de Down. E desde então,
celência dos resultados dos
nosso amor por ela cresceu
exames a possibilidade de
e juramos para nós mesmos
Olívia nascer com alguma
que iríamos fazer o melhor
alteração cromossômica di-
para ela e é o que estamos
minuía. E então, veio o dia
tentando fazer. O amor rom-
do nascimento, e Olívia che-
pe barreiras, preconceitos
gou chorosa, linda e radian-
e estereótipos. Olívia foi na
te. O diagnóstico não foi dado
contramão de todas informa-
logo após o nascimento, pois
ções a respeito da Síndrome
os próprios médicos tinham
de Down. Nos surpreendeu
dúvidas, pois nossa filha não
desde o primeiro dia de vida.
tinha as características co-
Ela mamou no peito desde a
muns das crianças com Sín-
primeira semana, começou a
drome de Down, com exceção
firmar o pescoço logo no ter-
dos olhos amendoados.
ceiro mês, ficou de bruços.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
39
coisa, seria amada de qual-
Fonte da Imagem: Acervo pessoal dos pais.
No quarto e no quinto mês se virou sozinha. Ao sexto mês já sentava com apoio, no sétimo já quase se sentava sozinha e a hipotonia era quase nula.
Fonte da Imagem: Acervo pessoal dos pais.
O desenvolvimento dela está excepcional em virtude da estimulação precoce desde o segundo mês de vida, quando ainda nem sabíamos com certeza que Olívia tinha SD. Olívia faz fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, além de toda estimulação em casa. Olívia é uma dádiva de Deus. Um bebê de luz e que veio para encher nossos corações de felicidade. ”
Fonte da Imagem: Acervo pessoal dos pais.
Hoje com 1 ano e 9 meses já tem um vocabulário rico em palavrinhas e já dá seus primeiros passos junto a independência motora.
Giovana e Guilherme – Pais da
40
pequena Olívia de quase 2 anos A música como instrumento de inclusão e invenção social
Fonte das Imagens: www.manodown.com.br
Entrevista com uma pessoa com SD Dudu do Cavaco - “Mano Down” 4 Nome completo: Eduardo Gontijo / Idade: 26 anos
A música como instrumento de inclusão e invenção social
41
4 Instituto Mano Down é uma organização não-governamental, que “nasceu a partir da idealização e sonhos de um grupo de pessoas que, acreditando nas capacidades das pessoas com síndrome de Down, pensaram que poderiam agir e oferecer as pessoas com Down oportunidades de serem protagonistas de suas histórias”. (site: www.manodown.com.br)
1 – Como você define a sua música? “Quando eu estou tocando, eu pego a minha emoção, jogo no cavaquinho, e no cavaquinho eu mando para todos vocês!” 2 – Qual a influência / importância da música para você? “Quando estou tocando eu me sinto muito alegre, a minha vida é música, quando a música toca eu sinto uma vibração muito boa e começo mexer o corpo. A música é um grande instrumento de inclusão social que oportunizou eu ter uma vida ativa e autônoma.” 3 – O que mudou na sua vida depois que você entrou no mundo da música? “Mudou tudo na minha vida, minha autoestima aumentou, me sinto mais feliz, além de eu ser reconhecido, eu sou tratado como ser humano. Hoje sou músico e por acaso tenho Síndrome de Down.” 4 – Há quanto tempo você se dedica à música? “Eu toco desde os quatro anos de idade. Hoje toco sete instrumentos (Pandeiro, Banjo, Repique, Bangu, Tamborim e Cavaco) e me dedico todos os dias uma hora por dia à música.” 5 – Qual é a sua música preferida? “Como é grande o meu amor por você - do Roberto Carlos.” 6 - O que levou você a tocar? Quem te apresentou a música? “vi o meu Tio Maurício tocando atabaque fiquei observando, depois meu primo Igor começou a tocar cavaquinho e também fiquei observando e comecei a tentar tocar em casa, e foram eles quem me apresentaram a música. Hoje tenho dois professores, o Hudson Brasil e o Pablo.” 7 – Além de tocar você faz outras atividades? Pratica algum esporte? “Pratico capoeira, zumba, dança, faço academia e percussão no instituto (Instituto Mano Down)3, faço palestras no Brasil todo e teatro algumas vezes”
42
8 – Como você se sentiu ao saber que é a primeira pessoa com síndrome A música como instrumento de inclusão e invenção social
de Down a lançar um CD no Brasil? “É um sentimento indescritível, estou muito orgulhoso, muito feliz em poder realizar mais este sonho, a música é muito importante para mim, como a banda me trata eu me sinto muito feliz, e ser reconhecido é um grande sonho.” 9 – Deixe um recardo para todas as pessoas com Síndrome de Down: “Ser diferente é normal, todas as pessoas podem batalhar pelos seus sonhos, e temos que nos dedicar muito, mas a deficiência não pode ser um encalhe na vida das pessoas. Todos temos que sonhar e a superproteção muitas vezes é boa a curto prazo, mas todos os seres os humanos querem ser autônomos e buscar seus objetivos e seus sonhos. ”
CONCLUSÃO A intervenção precoce e a presença da música em todas as suas formas e também utilizada como recurso auxiliar em sessões de fisioterapia, são benéficas para a vida de pessoas com Síndrome de Down. Ambas proporcionam maior interação social, melhora da funcionalidade e qualidade de vida em atividades diárias. Além disso, possibilitam a esses indivíduos irem além... enchendo-os de alegria e criatividade, aprimorando ainda mais suas potencialidades! Mostrando a essas pessoas o quanto elas são especiais, importantes para família e amigos e produtivos para a sociedade. E que elas podem sim desbravar o mundo, com seu jeito único e incrível!
A música como instrumento de inclusão e invenção social
43
Todas as imagens foram autorizadas pelos familiares da criança Olívia e do Dudu do Cavaco. A coleta dos dados se deu com prévia autorização concedida pela assinatura no termo de consentimento livre e esclarecido, parte do projeto aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Centro Universitário Newton Paiva (Parecer no 1.818.461)
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44
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A música como instrumento de inclusão e invenção social
A MÚSICA COMO VIA SUBLIMATÓRIA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO SUJEITO COM SÍNDROME DE DOWN
Sheyla Rosane de Almeida Santos * Leila Cristina Alves de Oliveira** Bernardo Gomes Barbosa Nogueira*** O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. (Guimarães Rosa, 1994, Grande Sertão: Veredas).
* Mestre em Administração. Pós-Graduada em Gestão Estratégica de Recursos Humanos. Graduada em Psicologia. Professora do curso de Psicologia, Centro Universitário Newton Paiva. ** Acadêmica do Curso de Psicologia, Centro Universitário Newton Paiva. *** Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
45
A música como instrumento de inclusão e invenção social
RESuMO
ando-o como autor principal, escre-
Esta pesquisa pretende dizer
vendo sua própria história de vida.
sobre as principais características
Os estudos para a elaboração desse
cognitivas e comportamentais do
constructo se deram a partir de pes-
indivíduo com Síndrome de Down
quisa bibliográfica em livros e arti-
intentando esclarecer aspectos re-
gos científicos.
levantes acerca dos estímulos influenciadores na sua formação como
PALAvRAS-CHAvE: Síndrome
sujeito, recebidos durante o seu de-
de Down. Identidade. Sublimação.
senvolvimento. Objetiva dizer sobre
Música.
46
o método psicanalítico como principal orientador da formação do indi-
INTRODuçÃO
víduo como sujeito, de acordo com as
Ao discorrer sobre o que faz o
premissas de Freud e Lacan, assim
sujeito, seja a forma como ele se cons-
como sobre o processo de Sublima-
trói e reconstrói o seu caminho, ou a
ção como um mecanismo de defesa
forma como ele modifica o ambiente
possível nesse constructo. Pretende
a sua volta, é razoável que, em dado
explicitar a relevância do contexto
momento, exista um estranhamento
sócio cultural no desenvolvimento
diante dos embaraços marcados pela
humano e de que forma as relações
diversidade das relações. É possível
intra e interpessoais influenciam na
dizer que a relação dual de alterida-
atitude de empoderamento desse su-
de, ou seja, das construções feitas
jeito, modificando a forma como este
a partir do outro, que acompanha o
se posiciona frente aos desafios da
desenvolvimento humano, em que ora
vida, se apropriando do espaço, e
pode ser precursora dos constructos,
dessa forma, incluindo-se numa re-
ora dos marcadores limitantes do
alidade social possível. Pretende-se
indivíduo enquanto sujeito, passa
ainda dizer, de que forma a música,
por esse estranhamento e incide di-
como ética infinita, pode ser inter-
retamente nas relações que o mesmo
posta como instrumentalidade nesse
estabelece, seja no desenvolvimento
processo de inclusão, que transcen-
de uma criança com Síndrome de
de os registros simbólicos de iguais
Down (SD), seja no Desenvolvimento
ou diferentes no sistema de signos
Típico (DT). Sobre essas relações, é
de percepção e eleva o indivíduo a
possível observar que as diferenças
uma condição de autonomia situ-
apresentadas entre as crianças com
A música como instrumento de inclusão e invenção social
SD e crianças com DT, podem com-
música enquanto via sublimatória,
prometer as construções individuais
aponta uma possibilidade de cons-
e em grupo, refletindo em ambiente
trução de identidade do indivíduo
desfavorável para a pluralidade das
com SD, assim como do indivíduo
relações, ou seja, para as diversas
com DT, e o insere em uma realidade
formas de se relacionar. Dessa for-
possível. Por meio da música, o in-
ma, a compreensão das característi-
divíduo pode ser incluído de forma
cas cognitivas, emocionais, psicológi-
inventiva, levando em consideração
cas e comportamentais do indivíduo
sua subjetividade e a subjetividade
com SD se tornam essenciais para o
presente nas suas relações.
desenvolvimento de um trabalho que
Assim, pretende-se, com este
oriente essa diversidade das relações
estudo, responder ao seguinte ques-
e tenda às suas especificidades.
tionamento: é possível dizer que a
Essa pesquisa visa conhecer a
música, em sua ética infinita, pode
música enquanto um constructo so-
ser eleita como instrumento de uma
cial capaz de promover a atividade
linguagem inclusiva e inventiva, na
sublimatória do indivíduo com SD
construção da identidade de indiví-
na sua construção de identidade e
duos com SD?
papel social. A atividade sublima-
O desenvolvimento deste estu-
tória por sua vez, é o mecanismo
do foi possível por meio da pesquisa
que evidencia em nós essa condição
bibliográfica e se baseou na leitura
igualitária em termos de sistema de
de livros e artigos científicos que
signos de percepção, enquanto re-
apresentaram discussões acerca das
gistros simbólicos de iguais ou dife-
principais diferenças no desenvolvi-
rentes. Trata-se de um processo que
mento das crianças com SD e com DT,
nos coloca em uma mesma condição,
nos aspectos envolvidos na formação
a de sermos capazes de superar as
da identidade do sujeito, segundo o
intercorrências
posicionamento psicanalítico e a mú-
provenientes
do
nosso processo de desenvolvimento
sica como elemento terapêutico.
intra e interpessoais à medida que
A CONSTRUÇÃO DA
nos defendemos daquilo que é par-
IDENTIDADE NA SÍNDROME
te de nós, é estrutural, mas que de
DE DOWN
alguma forma é insuportável. A hi-
A Síndrome de Down (SD) é
pótese aqui apresentada é de que a
caracterizada por uma alteração
A música como instrumento de inclusão e invenção social
47
e nos faz estabelecer novas relações
no cromossomo 21 que resulta em
e do espaço, interferem em geral, no
um fenótipo específico com altera-
processo do desenvolvimento cogni-
ções físicas e cognitivas, sendo a
tivo dessa criança. As publicações
causa mais comum de deficiência
sobre o comum atraso motor em
intelectual associada a uma anoma-
crianças com SD tem aumentado,
lia genética, segundo Canfield et al
demonstrando maior interesse na
(2006, apud MECCA et al., 2015, p.
comunidade científica nessa linha
214). De acordo com Bonomo e Ros-
de pesquisa. O reconhecimento das
setti (2010, p. 725) trata-se de uma
condições e possibilidades relacio-
condição genética muito conhecida e
nadas ao desenvolvimento da crian-
tem como característica um espera-
ça com SD, faz com que seja possível
do atraso global do desenvolvimen-
desenvolver uma forma que melhor
to. no entanto, uma criança com SD
se adeque à realidade vivenciada.
pode desenvolver suas habilidades
Quanto ao desenvolvimento
motoras da mesma forma que uma
cognitivo, sabe-se que a deficiência
criança com DT, ainda que essas
mental é um quadro bastante en-
habilidades se evidenciem de forma
contrado e variável nesta síndrome,
tardia, podendo ser numa idade mé-
com uma larga extensão das funções
dia duas vezes maior que uma crian-
cognitivas para cada criança. (BO-
ça que não apresenta déficit motor.
nOMO, ROSSETI, 2010, p. 728)
A hipotonia muscular tem sido
De acordo com Bonomo e Ros-
considerada uma das principais cau-
setti (2010), as crianças com SD cos-
sas das alterações motoras encontra-
tumam exibir um atraso no início
das nesses indivíduos, pois tende a
das atividades locomotoras, o que
diminuir a exploração do ambiente e o
influencia na exploração precoce do
desenvolvimento de suas habilidades
ambiente e no aprendizado contínuo
(BOnOMO, ROSSETTI, 2010. p. 728)
sobre o universo. Dessa forma, mais
A
48
apresentada,
experiência física e principalmente
com relação às experiências físicas
deficiência
apoio, são fundamentais para que as
vivenciadas pela criança com SD,
diferenças existentes não se tornem
pode dificultar o processo de conhe-
consistentes ao passar dos anos.
cimento e exploração do ambiente
Isso nos mostra que a família de-
e, segundo as autoras, associada a
sempenha um importante papel no
um déficit de integração sensorial e
desenvolvimento da criança com SD.
perceptiva de si mesmo, dos objetos
O quadro motor característico
A música como instrumento de inclusão e invenção social
da SD dificulta o uso das mãos e o
rá-lo um processo previsível e univer-
controle durante o manuseio de ob-
sal. Ao citarem Vygotsky (1988, apud
jetos. Com isso, as crianças tendem
VOIVODIC, STORER, 2002,), lembram
a manipular e explorar menos, inter-
que, desde o início do desenvolvimen-
ferindo na aprendizagem sobre as
to da criança, suas atividades adqui-
propriedades do universo à sua volta.
rem um significado próprio dentro do
(BONOMO, ROSSETTI, 2010, p. 730)
contexto social em que vive. O
processo
de
maturação
pelo qual o organismo passa, defi-
al e a lentificação no processamento
ne parcialmente o desenvolvimento
das informações aferentes, colabo-
humano, já os processos internos,
ram com quadros de desatenção,
possíveis mediante a relação que
desmotivação e de retardo da con-
o indivíduo estabelece com o am-
quista de importantes marcos.
biente a sua volta, é atribuído ao
A manutenção do olhar pode
aprendizado: “O aprendizado huma-
parecer frágil nessas crianças princi-
no pressupõe uma natureza social
palmente nos primeiros anos de vida,
específica e um processo através do
em que as dificuldades motoras são
qual as crianças penetram na vida
mais evidentes. Dessa forma, o pro-
intelectual daqueles que as cercam”
cesso de construção da percepção
(1988, apud VOIVODIC, STORER,
corporal está intrinsicamente ligado
2002, p. 32). O autor atribui às pri-
ao processo de construção da mobili-
meiras vivências emocionais e de
dade dessa criança. Quanto mais ela
aprendizagem, através das relações
explora os seus próprios movimen-
que a criança estabelece no contexto
tos, mais ela se percebe e se conhece,
familiar, a formação da sua identida-
o que torna suas ações sobre o am-
de e, em grande parte do seu desen-
biente mais efetivas, evidenciando
volvimento. As relações familiares
a relação das dimensões percepção
podem favorecer significativamente
corporal, motricidade e cognição.
para que a criança com SD tenha um
(BONOMO, ROSSETTI, 2010, p. 732)
desenvolvimento saudável.
De acordo com Voivodic e Storer
Segundo Melero (1999, apud
(2002), o desenvolvimento humano
VOIVODIC, STORER, 2002, p. 32),
está intrinsecamente relacionado ao
no caso das crianças com SD, pode
contexto sociocultural em que está in-
haver um comprometimento dessas
serido, portanto é impossível conside-
primeiras vivências devido ao impac-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
49
Ainda segundo as autoras, na SD, as alterações da percepção visu-
to que a notícia de ter um filho com
cessos que envolveram a mudança
SD produz no contexto familiar. Tal
dessas condições, como elas aconte-
impacto pode ocasionar dificuldades
ceram e vão acontecer. Um ambiente
na relação da mãe com a criança,
que favorece relações afetivas em
incidindo em experiências desfa-
que as pessoas podem dizer o que
voráveis no seu desenvolvimento.
sentem, pensam e o que desejam
De acordo com Bowlby (1993, apud
tende a se reestruturar e se adequar
vOIvODIC, STORER, 2002, p. 33)
às novas condições com menos per-
“a existência de uma criança com
das e traumas. As atividades desen-
distúrbio representa uma ruptura
volvidas podem ou não proporcionar
para os pais”. Os pais constroem ex-
um ambiente motivador quanto ao
pectativas quanto ao nascimento de
processo educativo.
uma criança, principalmente no que
A vida das crianças com SD
se refere ao seu desenvolvimento, é
poderia ser bem melhor se sua in-
comum perceber uma projeção dos
serção no contexto sociocultural fos-
pais nos filhos.
se mais adequada, segundo Silva e
50
no caso das crianças com SD,
Dessen (2002, p. 169)
essas expectativas não se susten-
O entendimento sobre o tipo
tam, e os filhos passam a represen-
de relação que a criança com SD es-
tar a perda de sonhos e esperanças.
tabelece com seu ambiente, durante
De acordo com voivodic e Storer
seu ciclo de vida, é de grande impor-
(2002, p. 35),
tância para uma melhor compreen-
as experiências no contexto
são de aspectos de seu desenvolvi-
familiar oferecem à criança oportu-
mento, bem como de suas interações
nidades para o aprendizado e o seu
sociais. neste particular, a família
desenvolvimento por meio do mode-
desempenha um papel fundamental,
lo, da coparticipação, da realização
pois constitui o primeiro universo de
assistida e de tantas outras formas
relações sociais da criança, poden-
de mediar a aprendizagem.
do proporcionar-lhe um ambiente de
Uma família, que se prepara
crescimento e desenvolvimento ou,
para receber uma criança em condi-
ao contrário, um ambiente que ve-
ções típicas e em um dado momento,
nha a dificultar um desenvolvimento
percebe que as condições se torna-
mais adequado e saudável.
ram atípicas, precisa falar das suas
De acordo com Pizutti (2012,
emoções e mesmo conhecer os pro-
p. 8), “a construção psíquica é um
A música como instrumento de inclusão e invenção social
processo pelo qual o bebê huma-
irá suprir todas as necessidades de
no precisa passar para que venha
sobrevivência do bebê. A demanda
a se constituir enquanto sujeito”.
é construída a partir dessa relação.
De acordo com Freud (1995, apud
“A demanda é um pedido recíproco
PIZUTTI, 2012, p. 8) o infans, ao
tanto do filho à mãe quanto da mãe
nascer, por sua dependência, preci-
ao filho. A demanda é apresentada
sa do Outro para lhe dar um lugar
assim como um atrelamento, pois o
de existência e, para isso, é necessá-
nascente projeta todos os seus de-
ria a linguagem. Segundo a autora,
sejos na mãe e pretende que ela os
a falta é necessária na estruturação
realize” (2012, p. 9). Segundo Lacan
do sujeito “pois o ato da provocação
(1999, p. 96) o desejo é:
gera nesta criança a pulsão como representante do biológico, a qual só
[...] uma defasagem essen-
pode ser aliviada por meio do Outro
cial em relação a tudo o que
(objeto) ” (2012, p. 8).
é, pura e simplesmente, da
É esse Outro que pela repe-
ordem da direção imaginá-
tição vai inscrever no filho o traço
ria da necessidade – neces-
de memória. Desta forma, a mãe
sidade que a demanda in-
amamenta seu filho aplacando sua
troduz numa ordem outra,
fome (mal-estar) e ao retirar o seio
a ordem simbólica, com
(satisfação) desperta no bebê uma
tudo o que ela pode intro-
tensão no sentido de desejar que
duzir aqui de perturbações.
esse Outro (mãe) deseje suprir o que
(LACAN, 1999, p. 96)
sempre vai faltar. A marca que fica Para
Lacan
(1999,
apud
no inconsciente o objeto do desejo.
PIZUTTI, 2012, p. 9), a demanda
A pulsão, assim, é a propulsora do
desperta o desejo de que o filho seja
desejo. Constitutivamente, o signi-
aquilo que supõe a mãe desejar. Nes-
ficante causador da falta vai estar
sa unicidade regida pelo desejo, ela
sempre num lugar de objeto faltan-
permite que o filho, em um primeiro
te no imaginário do bebê, enquanto
momento, esteja atrelado a ela como
o real do vazio lhe causa o desejo.
um só corpo.
(PIZUTTI, 2012, p. 8-9)
Nesse laço libidinal entre mãe
Inicialmente existe um Outro,
e bebê são inauguradas as zonas
a mãe, e nesta, o desejo de ser quem
erógenas do filho, definidas no ma-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
51
pelo objeto faltante é o que desenha
52
nuseio das partes do seu corpo pela
por meio do “Outro”, que tem a ca-
mãe. Por intermédio do toque e da
pacidade de nomear a fonte e dire-
fala que a mãe dirige a esse que cho-
cionar ao objeto, a força pulsional.
ra, respondendo ao filho, ela supõe
neste sentido, a estruturação
saber a razão do seu choro. Possui-
psíquica de um bebê só se dá a partir
dora desse saber, a mãe investe no
de um determinado momento, ao ser
corpo carne, mapeando uma zona
inscrito pelo desejo da mãe, pela lingua-
erógena no corpo do filho e o amar-
gem. Assim, a mãe oferece a essa crian-
rando a significantes. Ou seja, a
ça a oportunidade de existir, ou seja, de
mãe, como Outro de linguagem, vai
ser sujeito. (PIZUTTI, 2012, p. 10)
significando um corpo e, ao mesmo
De acordo com Pizutti (2012, p.
tempo, o nomeando, dando um lu-
12), esse sujeito de que trata a Psi-
gar a este pequeno ser no discurso.
canálise só pode ser pertencente à
(PIZUTTI, 2012, p. 9)
espécie humana. O corpo biológico
Ao amamentar o filho, suprin-
não é suficiente para ser sujeito, é
do assim a sua fome, de acordo com
necessário que outro da mesma es-
Pizutti (2012, p. 9), a mãe instala na
pécie cuide deste e o insira no con-
criança o prazer. “Isso significa pôr
texto familiar e social. “Depende,
em movimento seus orifícios pulsio-
necessariamente, da significação do
nais, ou seja, provocar a erotização
Outro, e é esse outro que apresenta
do corpo numa antecipação de que
o mundo ao nascente” (2012, p. 12).
aí se trata de um sujeito. Ela oportu-
É possível inferir que a vida da
niza ao bebê o início da constituição
criança é marcada pela estrutura e
psíquica” (2012, p. 9).
pelo desenvolvimento. Ela se consti-
Essa constituição só é possível
tui sujeito e se constrói em um corpo
quando o infans passa a investir em
que passa pelo processo de desen-
outro objeto que não só o seio materno,
volvimento, amadurecimento e cres-
elegendo uma parte de seu corpo ou
cimento, de acordo com Levin (2002,
qualquer outra coisa que lhe propor-
apud MAGALHãES, 2006, p. 2). “O
cione prazer (PIZUTTI, 2012, p. 9-10).
desenvolvimento do corpo e sua
De acordo com a autora, a
construção corporal vão formando o
pulsão se dá através das relações,
aspecto imaginário dessa estrutura
uma vez que a excitação corporal,
que, através da ligação do sujeito
que causa incômodo e demanda uma
com seu funcionamento imaginário,
resposta, apenas pode ser aliviada
realiza os acontecimentos singula-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
res do desenvolvimento” (2002, apud
o intuito de convocar esse outro a
MAGALHÃES, 2006, p. 2).
atender as suas demandas.
De acordo com Magalhães
Desse modo, haverá uma me-
(2006, p. 5), Lacan formula a base de
diação até o ponto em que a lingua-
sua concepção de estrutura a par-
gem sozinha resolva a tensão. O que
tir da linguística. “Nessa perspecti-
vem dar a esse bebê a sensação de
va, a linguagem é considerada uma
prazer é a alternância vivida entre
instituição coletiva, cujas regras se
tensão orgânica e apaziguamento,
impõem aos indivíduos, sendo trans-
uma vez que, antes de o bebê pos-
mitidas, de modo coercitivo, pelas
suir um “Eu”, ele é submetido a esse
gerações” (2006, p. 5).
ritmo imposto pela mãe. Esse tempo
O fato de incluir o sujeito fa-
é rompido quando a articulação en-
lante na estrutura da linguagem faz
tre tensão e apaziguamento falha,
com que seja necessário pensar essa
obrigando o bebê a mobilizar-se
estrutura como tendo um traço de
para refazê-la. Nesse momento, ele
falha: o sujeito que a faz funcionar
engaja-se na linguagem, e se mani-
não é da mesma materialidade que
festa para apelar ao Outro, o retor-
ela. É essa diferença que possibili-
no do ritmo perdido; ou seja, a sua
ta todo o movimento e dinâmica da
manifestação tem função simbólica.
fala de um sujeito numa língua dada.
Assim, a mãe empresta para o bebê
(MAGALHÃES, 2006, p. 5-6)
uma subjetividade que ele ainda não tem, ao introduzi-lo na linguagem. (MAGALHÃES, 2006, p. 8)
ridade, presente na relação da crian-
A música como esta lingua-
ça com quem desempenha a função
gem possível, possibilita por meio da
materna, constitui, na criança, “sis-
arte, o desenvolvimento da subjetivi-
temas significantes – as formações
dade do sujeito, sua identidade, seu
fantasmáticas – que se ordenam, em
sentido de “eu”, inserido em uma
cada exploração corporal, por meio
realidade social. Assim, a música
das pulsões, procurando em vão re-
pode ser interposta como instru-
cobrir e penetrar o lugar da falta que
mentalidade nesse processo de in-
é constitutivo do sujeito” (2006, p.
clusão, que transcende os registros
7). Para sua sobrevivência, é preciso
simbólicos de iguais ou diferentes
que a criança se sirva da linguagem
no sistema de signos de percepção
como forma de comunicação, com
e eleva o indivíduo a uma condição
A música como instrumento de inclusão e invenção social
53
A autora, ao citar a teoria lacaniana, diz que o processo de alte-
de autonomia, empoderando-o como
vra sublimação já está vinculada à
protagonista de sua história. A mú-
maneira de conter uma exigência
sica pode possibilitar ao indivíduo,
erótica, transformando-a em ener-
construções subjetivas com signifi-
gia para as realizações culturais. É
cantes sustentadores de um modo
como se, nas nossas experiências
único de vida.
cotidianas, a gente se deparasse com obstáculos, aparentemente in-
A SuBLIMAçÃO NA ARTE
transponíveis, e o nosso aparelho
A pulsão é uma montagem his-
psíquico nos mostrasse um caminho
tórica e singular, segundo Mendes
possível para supera-los, tudo isso
(2011, p. 57). “Prescinde de um obje-
na dimensão do inconsciente.
to preestabelecido, como no mundo
Recalque e sublimação apa-
animal, e sua satisfação passa por
recem paralelamente, na maioria
vários encaminhamentos” Ainda de
das vezes, por que são os dois po-
acordo com a autora, existem várias
los extremos das vicissitudes das
possibilidades para a pulsão: pode
pulsões. São as mais importantes
ser recalcada, revertida em seu opos-
formas de evitamento da realização
to, retornar em direção ao eu ou ser
sexual direta. no recalque, o sujeito
sublimada. “na sublimação a pulsão
permanece preso ao sexual, que é
mantém seu teor sexual, modificando
o ponto de referência para ele, no
sua finalidade, que se desvia do sexu-
nível do proibido. na sublimação, o
al para o social” (2011, p. 57).
sujeito deixa a referência à satisfa-
A sublimação consiste, pois,
ção sexual direta e lida com ela na
numa das vicissitudes específicas da
sua dimensão de impossível. Esse
pulsão, sendo esta um estímulo men-
impossível da satisfação que está
tal constante, com renovável poder
em jogo na pulsão encontra na su-
de pressão, que visa satisfazer-se.
blimação sua possibilidade de ma-
[...] A pulsão alude ao corpo como
nifestação plena, pois a sublimação
regido pelo princípio do prazer, di-
revela a estrutura do desejo huma-
ferentemente do corpo biológico da
no como tal, ao evidenciar que, para
medicina. O corpo humano possui
além de todo e qualquer objeto se-
um sentido, uma articulação entre as
xual, esconde-se o vazio da Coisa,
zonas erógenas e o domínio das re-
do objeto enquanto radicalmente
presentações (MEnDES, 2011, p. 57).
perdido (MEnDES, 2011, p. 58).
54
Segundo a autora, a pala-
De acordo com Lacan (1988,
A música como instrumento de inclusão e invenção social
apud MENDES, 2011, p. 62), na su-
A arte evidencia-se no seu de-
blimação há a elevação do objeto à
senvolvimento, que ocorre a partir
dignidade da Coisa. “A Coisa (das
do vazio, revelando-se dessa for-
Ding) é conceituada na obra freu-
ma, mais honesta, pois se constitui
diana como o objeto perdido de uma
como criação.
satisfação mítica”.
delo da criação, que é a concepção a
se esconde o vazio da Coisa, vazio
partir do nada. O artista exercita sua
inerente à própria estrutura da se-
incurável perplexidade. A pulsão, em
xualidade humana. Como a sublima-
última instância, visa a morte como
ção é um ato em vias de produção,
término das tensões. Eros, a pulsão
daí vem sua possibilidade de ser
de vida, complexifica esse caminho do
causa da criação e não se ligar ao
aniquilamento. (MENDES, 2011, p. 63)
que já foi criado. Ela traz a dimen-
Ao se referir ao artista, Men-
são do novo e da transformação.
des (2011) o coloca como o indivíduo
(MENDES, 2011, p. 62)
que tem a capacidade de lidar com
Mendes (2011, p. 63) faz cita-
as suas pulsões, ou seja, com seus
ção à Clarice Lispector quando esta
conteúdos inconscientes, para além
se refere à condição humana: “Exis-
da via do recalque, trazendo-os
te um nada antes do nosso nasci-
transformados em novo objeto, pela
mento e um nada depois da morte.
via da arte, possibilitando que ou-
O que temos então é um por enquan-
tros indivíduos compartilhem dessa
to”. Esse por enquanto, é o tempo e o
criação, por meio do que a sua obra
espaço vividos desde o nosso nasci-
evidencia de cada um. “A sublima-
mento até a nossa morte.
ção, se não garantiu a harmonia
Temos dois vazios que nos cer-
psíquica do próprio sujeito artista,
cam, sem representação possível. A
teve êxito em dar a compartilhar as
sublimação tenta fazer a ponte en-
vivências de agonia e êxtase, conti-
tre os dois vazios, já que evidencia
das em suas obras, das quais somos
o enlace da satisfação pulsional com
todos tributários” (2011, p. 66). Essa
o impossível. A arte é uma forma de
construção possível, por meio da su-
saída para esse impossível, pois di-
blimação, é o que nos posiciona de
fere da religião e da ciência, outras
forma igualitária na condição huma-
tentativas de se sair do impasse.
na, em que todos somos dotados de
(MENDES, 2011, p. 63)
capacidade para vivenciar as rela-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
55
Ela repete, dessa forma, o mo-
Por trás de todo objeto sexual
ções de forma inclusiva.
possui prioridade sobre a ciência e a
na perspectiva das pulsões,
música se descola de todas as artes.
Bertelli (2012, p. 64) diz que a “su-
Schopenhauer postula a mú-
blimação permitiria uma flexibiliza-
sica como uma linguagem universal
ção do circuito pulsional originário,
anterior a toda outra linguagem,
operando uma retificação do que es-
plástica ou verbal, ela é uma cópia
taria nas fixações originárias”. En-
da vontade mesmo, equivalendo di-
tão o aparelho psíquico, poderia se
zer, as ideias são alcançadas pela
contrapor ao que está presente nas
verdade da música sem intermedia-
formas originárias do gozo como fi-
ção (2012, p. 59).
xação e repetição e a sublimação apontaria para novas possibilidades
CONSIDERAçÕES FINAIS
de gozar. “Por esse movimento subli-
O processo de constituição do
matório, de ruptura com as fixações
sujeito, pelo viés psicanalítico, pos-
originárias, é que se constituiria
sibilita a compreensão das suas rela-
uma diferença que modificaria os
ções e do seu desenvolvimento, bem
traços do mesmo, presentes nas fi-
como das suas construções, enquan-
xações originárias” (2012, p. 64). A
to sujeito, incidindo em uma visão
hipótese de Bertelli é que “a criação
ampliada do seu posicionamento no
musical estaria amparada nessa
mundo. Compreender a relação dual
ruptura, permitindo novos investi-
de alteridade, como processo que
mentos, ou ‘outra forma de gozar’,
marca a diversidade das relações,
trazendo a sublimação como suporte
contribui para que o estranhamento
desse ato de criação”.
diante dos embaraços, que permeiam
Com efeito, na relação criação/
a vida humana, possibilite a legitimi-
criador, obra/ouvinte predominaria
dade dos constructos do indivíduo in-
o processo sublimatório, toman-
serido e incluído de forma inventiva.
do, por assim dizer, o percurso de
A partir das suas relações, o
destino do recalque e da repetição,
indivíduo com SD, que recebe por
ambos fixações mortíferas alentan-
meio do contexto familiar, o suporte
do a erotização não mais como uma
que lhe é necessário, é capaz de de-
forma de idealização e permitindo,
senvolver suas habilidades e ter um
assim, “seu triunfo da vida contra a
desenvolvimento favorável, que irá
morte”. (BERTELLI, 2012, p. 64)
sustentar uma vida marcada por es-
56
Bertelli (2012) diz que a arte
colhas pautadas na sua autonomia e
A música como instrumento de inclusão e invenção social
lacional. A energia libidinal sublima-
construção plena de autoria da pró-
da para o campo da arte, neste caso
pria vida. A música, como via subli-
a música, evidencia o enlace com a
matória, pode ser esse instrumento
satisfação pulsional. Assim, o indiví-
inventivo enquanto inclusão social,
duo com SD constrói sua identidade
possibilitando que o indivíduo com
a partir da música, como uma forma
SD se posicione e estabeleça boas
de se colocar no mundo e ser reco-
relações consigo e com o mundo que
nhecido por ele.
o cerca. Por meio da música, em seu
Mesmo diante do interesse da
aspecto de linguagem universal, que
comunidade científica sobre essa
transcende o sistema de signos de
linha de pesquisa, os estudos de-
percepção, este indivíduo é capaz
monstram limitações nos processos
de lidar com os seus conteúdos in-
de inclusão e invenção do indivíduo
conscientes realizando novos inves-
com SD. Ainda há um longo caminho
timentos, criando caminhos infinitos
a percorrer para que possamos, en-
enquanto sujeito, se apropriando
quanto sociedade que acolhe as par-
dos recursos que a linguagem mu-
ticularidades, transpor os desafios
sical dispõe. A arte em seu caráter
que a subjetividade interpõe nas re-
intersubjetivo, enaltece os processos
lações plurais. Trata-se de um pro-
criativos representados pelos regis-
cesso relevante e contínuo que in-
tros simbólicos individuais, e trans-
cide em condições mais adequadas
cende a multiplicidade evidenciada
para que os direitos fundamentais
nas relações humanas, valorizando
sejam observados e possibilite a ga-
dessa forma, a singularidade que
rantia da dignidade humana com a
nos marca, havendo o empodera-
premissa de que somos todos iguais
mento deste, enquanto indivíduo re-
ainda que diferentes.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
57
independência, possibilitando uma
REFERÊNCIAS BERTELLI, Flavio. Música, arte e sublimação. Reverso, Belo Horizonte, ano 34, n. 63, p. 59-66, jun., 2012. BOnOMO, Lívia; ROSSETTI, Claudia. Aspectos Percepto-Motores e Cognitivos do Desenvolvimento de Crianças com Síndrome de Down. Rev. Bras. Crescimento e Desenvolvimento Hum., vitória, p. 723-734, 2010. GUIMARãES ROSA, João. Grande Sertão: veredas. nova Aguilar. 1. ed. v. II, 1994. Disponível em: < http://stoa.usp.br/carloshgn/files/-1/20292/GrandeSertoveredasGuimaresRosa.pdf> Acesso em: 08 Fev. 2017. LACAn, Jacques. O seminário. Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, 271 p. MAGALHãES, Darlene. Constituição do sujeito x Desenvolvimento da criança: um falso dilema. Estilos clin., São Paulo, v. 11, n.20, 2006. Disponível em: <http://pepsic. bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282006000100008#1a> Acesso em: 14 Dez. 2016. MECCA, Tatiana et al. Perfil de Habilidades Cognitivas não-verbais na Síndrome de Down. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v. 21, n. 2, p. 213-228, abr-jun., 2015. MEnDES, Eliana. Pulsão e Sublimação: a trajetória do conceito, possibilidades e limites. Reverso, Belo Horizonte, ano 33, n. 62, p. 55-68, set., 2011. PIZUTTI, Jaqueline. A COnSTITUIÇãO DO SUJEITO nA PSICAnáLISE. 31 f. Monografia – Psicologia, Universidade Regional do noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, 2012. SILvA, nara; DESSEn, Maria Auxiliadora. Síndrome de Down: etiologia, caracterização e impacto na família. Interação em Psicologia, Brasília, jul/dez. p.167-176, 2002. vOIvODIC, Maria Antonieta; STORER, Márcia Regina. O desenvolvimento cognitivo das crianças com Síndrome de Down à luz das relações familiares. Psicologia Teoria e
58
Prática, São Paulo, p. 31-40, 2002.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
A MÚSICA COMO LINGUAGEM MOTIVADORA PARA O APRENDIZADO E INCLUSÃO SOCIAL DAS CRIANÇAS COM SÍNDROME DE DOWN, NA PERSPECTIVA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS Eliane Maria Freitas Monken * Ariany Cristina Moreira Bispo ** Bernardo Gomes Barbosa Nogueira***
* Professora do curso de Pedagogia e Letras do Centro Universitário Newton Paiva. **Acadêmica do curso de Pedagogia do Centro Universitário Newton Paiva. *** Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
59
A música como instrumento de inclusão e invenção social
RESuMO
sobre a inclusão escolar, Livros e
Este artigo é o resultado do
artigos de Gardner (1995), sobre as
projeto de Iniciação Científica, in-
inteligências Múltiplas, Brito (2003)
titulado como A Música como Ins-
para estudar a especificidade da
trumento de Inclusão e Invenção
música, Schwartzman (2003) para
Social. A partir dessa investigação
compreender as especificidades da
foi possível abrir vários objetos de
Síndrome de Down e Monken (2001);
estudos e pesquisas dentre eles o
Monken (2015) para o entendimen-
que culminou nesse estudo a Música
to das propostas Pedagógicas in-
como Linguagem Motivadora para o
terdisciplinares. Conclui-se nessa
Aprendizado e Inclusão Social das
investigação
Crianças com Síndrome de Down, na
musical é linguagem motivadora
perspectiva das inteligências múl-
para o aprendizado e inclusão das
tiplas. O objetivo desse estudo foi
crianças com Síndrome de Down. A
o de investigar as contribuições da
atenção a uma proposta pedagógica
Inteligência Musical na perspectiva
aplicada por meio dos projetos de
da Teoria das Inteligências Múlti-
trabalho favorecerão sobremanei-
plas, como estratégia de inclusão
ra o desenvolvimento integral das
social e melhoria do ensino-apren-
crianças envolvidas no processo en-
dizagem das crianças com Síndrome
sino-aprendizagem.
que
a
inteligência
de Down. A metodologia empregada para a realização dessa investiga-
PALAVRAS-CHAVE: Inteligên-
ção foi a pesquisa bibliográfica, que
cias Múltiplas. Inteligência Musical.
conforme Gil (2014, p.50), “é desen-
Inclusão social. Síndrome de Down.
volvida a partir de material já elabo-
Currículo. Projetos de Trabalho.
rado, constituído de livros e artigos
60
científicos”, a fim de ampliar novos
1. INTRODuçÃO
conhecimentos referentes ao tema
Ao longo dos séculos xIx,
abordado. Foram lidos e analisados
xx, até a atualidade, os currícu-
documentos oficiais como a Consti-
los escolares apoiaram-se em di-
tuição Federal (1988), a Lei de Dire-
versas concepções de ensino, tais
trizes e Bases, nº 9394/1996, o Esta-
como tradicional, tecnicista, hu-
tuto da Pessoa com Deficiência, n°
manista e progressista. Contudo,
13146 (2015), estudos em Montoan
em sua maioria as práticas eram
(2011) para a busca de argumentos
alicerçadas em conteúdos volta-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
dos para as competências ligadas
saiam do padrão de normalidade da
à matemática e a linguística, en-
escola e da sociedade, a instituição
tendendo que essas linguagens
não as aceitava, indicando-as para
eram as mais importantes para
as escolas especiais.
serem trabalhadas na escola. As
Todavia, a partir da Consti-
outras formas de expressão fo-
tuição Federal (1988), da Lei de Di-
cadas nas artes de modo geral,
retrizes e Bases n.9394 (1996), do
apareciam quando era necessário
Estatuto da Pessoa com Deficiência,
planejar ações voltadas para as
nº 13146 (2015), além das transfor-
datas comemorativas, como festas
mações advindas do mundo moderno
da família, junina, ecologia, den-
e dos movimentos sociais, foi possível
tre outras. (MONKEN, 2015)
e exigido que as escolas incluíssem
Ao basear-se nessa premissa
de direito e de fato todas as crianças,
apresentada acima, entende-se que
indiferente de suas características
apenas as crianças com sucesso
pessoais, necessidades e deficiência.
mática eram consideradas capazes,
Ao confirmar tal premissa, Montoan (2011) afirmou que,
deixando as demais competências
a Constituição de 1988 ga-
à margem, como as artes cênicas, o
rante a educação para todos
movimento, a música etc.
e isso significa que é para
Os conteúdos escolares eram
todos mesmo e, para atin-
os mesmos para todas as crianças
gir o pleno desenvolvimento
indiferente de suas aptidões. As
humano e o preparo para a
crianças eram sempre avaliadas da
cidadania, entende-se que
mesma forma e a garantia de ser
essa educação não pode se
“inteligente” ou não, era analisada a
realizar em ambientes se-
partir dos resultados de testes e pro-
gregados. No Capítulo III
vas. Essa forma de avaliação selecio-
— Da Educação, da Cultura
nava as crianças que atendiam aos
e do Desporto —, artigo 205,
objetivos das áreas de matemática e
a Constituição prescreve em
linguística e as demais eram excluí-
seu artigo 208 que o dever
das do processo (MONKEN, 2001).
do Estado com a educação
Assim eram vistas as crianças
será efetivado mediante a
com deficiência ou com Necessida-
garantia de [...] atendimen-
des Educativas Especiais. Como elas
to educacional especializa-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
61
nas áreas da alfabetização e mate-
do aos portadores de defi-
ção e usabilidade pedagógica
ciência, preferencialmente
de recursos de tecnologia as-
na rede regular de ensino.(
sistiva (BRASIL, 2015).
MONTOAN, 2011, p. 15) Diante do exposto, sabe-se que Ainda nesse contexto de lega-
as escolas precisam se adequar e tra-
lização, de acordo com a Lei de Di-
balhar com concepções de ensino que
retrizes e Bases, n. 9394, no art. 24,
são capazes de assegurar a todo indi-
toda criança tem o direito ao acesso
víduo a sua inserção nas instituições
e à permanência na escola básica,
de ensino e sua permanência, ofere-
“bem como o acesso aos níveis mais
cendo-lhe uma educação de quali-
elevados do ensino, da pesquisa e da
dade em todos os aspectos desde os
criação artística, segundo a capaci-
conteúdos intelectuais ao estético.
dade de cada um” (BRASIL, 1996).
62
Somando-se a essa exigência,
Então questiona-se: qual teoria
o
seria capaz de entender a formação
Estatuto da Pessoa com Deficiência,
do indivíduo de forma integral e que
Lei Brasileira de Inclusão, nº13.146,
dê a ele possibilidades de crescimen-
de 6 de julho de 2015, exige que para
to em nas áreas do conhecimento?
toda criança com deficiência e /
Sabe-se que na concepção
ou necessidades Educativas Espe-
progressista, especialmente, a cog-
ciais, é necessário a construção de
nitivista, teóricos como Piaget, vy-
um projeto individual que garanta
gotsky (1989), wallon (1986), H.
o seu desenvolvimento integral, nos
Gardner (1995; 2000), entre outros
aspectos afetivos, morais, cognitivo,
contribuíram, sobremaneira, para o
psicomotor e artístico, oferecendo a
campo da educação.
ela todas as possibilidades de cres-
nesse estudo, em particular,
cimento, de acordo com o Cap. Iv, do
serão apresentados os estudos de
Direito à Educação, art. 28, item vII
Gardner (1995), na perspectiva de
que prevê o
compreender como se processam as
planejamento de estudo de
inteligências múltiplas citadas por
caso, de elaboração de plano
ele, tendo como problema de pesqui-
de atendimento educacional
sa: de que forma a música, em espe-
especializado, de organização
cial, pode contribuir para a inclusão
de recursos e serviços de aces-
social e de aprendizagem em crian-
sibilidade e de disponibiliza-
ças com Síndrome de Down, na pers-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
pectiva das Inteligências Múltiplas?
Constituição Federal (1988), a Lei
Este artigo tem por objetivo
de Diretrizes e Bases, nº 9394/1996,
investigar as contribuições da Inte-
o Estatuto da Pessoa com Defici-
ligência Musical na perspectiva da
ência, n° 13146 (2015), estudos em
Teoria das Inteligências Múltiplas,
Montoan (2011) para a busca de ar-
como estratégia de inclusão social
gumentos sobre a inclusão escolar,
e melhoria do ensino-aprendizagem
Livros e artigos de Gardner (1995),
das crianças com Síndrome de Down.
sobre as inteligências Múltiplas,
Para o alcance do objetivo ge-
Brito para estudar a especificida-
ral, foram estabelecidos os seguin-
de da música, Schwartzman (2003)
tes objetivos específicos: a) Estudar
para compreender as especificida-
as Inteligências Múltiplas e sua
des da Síndrome de Down e Monken
contribuição para a inclusão social
(2001); Monken ( 2015) para o en-
e melhorias de aprendizado esco-
tendimento das propostas Pedagó-
lar; b) Relacionar música e inclusão
gicas interdisciplinares.
da criança com Síndrome de Down
Este artigo foi organizado da se-
de acordo com abordagem nos do-
guinte forma: foi construída a introdu-
cumentos oficiais governamentais;
ção com sua devida justificativa e obje-
c) Pesquisar a respeito da inclusão
tivos da pesquisa, o referencial teórico
social do indivíduo com SD utilizan-
partindo das Inteligências Múltiplas e
do a inteligência musical como fer-
sua contribuição para inclusão so-
ramenta para o desenvolvimento in-
cial: uma breve discussão; a Música
tegral. d) Propor ações pedagógicas
como ferramenta de Inclusão social e
para a construção de uma proposta
melhorias de
interdisciplinar.
drome de Down, a Aprendizagem e a empregada
Música , a Construção de um currículo
para a realização dessa investiga-
metodologia
interdisciplinar: a Música como tema
ção
foi a pesquisa bibliográfica,
transversal e os projetos de trabalho
que conforme Gil (2014, p.50), “é
como metodologia favorável para a
desenvolvida a partir de material
inclusão social e melhoria da apren-
já elaborado, constituído de livros e
dizagem da criança com Síndrome de
artigos científicos”, a fim de ampliar
Down. Por fim foram declarados se os
novos conhecimentos referentes ao
objetivos da pesquisa foram alcança-
tema abordado. Foram lidos e ana-
dos e suas respectivas referências es-
lisados documentos oficiais como a
tudadas e utilizadas.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
63
A
aprendizagem , a Sin-
2. AS INTELIGÊNCIAS
fontes de informações mais natura-
MÚLTIPLAS E SuA
listas a respeito de como as pessoas,
CONTRIBuIçÃO PARA
no mundo todo, desenvolvem capaci-
INVENçÃO SOCIAL:
dades importantes para seu modo de
um caminho para a
vida.” (GARDnER,1995, p.13).
construção de competências
dade da escola precisa ser a de au-
plas foi criada pelo pesquisador norte
xiliar no desenvolvimento das inteli-
Americano H. Gardner, no século xx
gências dos indivíduos, canalizando
e seus estudos tem sido discutido no
a formação de competências para
âmbito acadêmico em geral. Esse au-
as diversas inteligências nas quais
tor pautou a sua teoria na psicologia
os sujeitos têm o direito de aprender
cognitiva, contrariando a premissa
e que têm aptidão para elas. Assim,
de que a inteligência podia ser medi-
segundo ele “ as pessoas que são
da, como um conjunto de habilidades
ajudadas a fazer isso se sentem mais
isoladas. Para ele, a inteligência pode
engajadas e competentes, e portanto
ser considerada uma teia de relações
mais inclinadas a servirem à socie-
entre todas as dimensões, podendo
dade de uma maneira construtiva.”
ser pensada em várias possibilidades.
(GARDnER, 1995, p.16).
(STREHL, 2000).
Gardner (1995) apresenta, sob
Para ele, não existe um uni-
uma ótica escolar diferenciada, as di-
verso restrito para a construção de
versas possibilidades para explorar
competências, como nas áreas da
as inteligências de cada indivíduo.
matemática e do português. Ele afir-
Sendo diferente do modelo escolar
ma que existem várias inteligências
existente, reconhece a pluralidade da
e por isso o indivíduo pode aprender
mente, entende que cada ser desen-
em todas elas ou quase todas, de-
volve-se cognitivamente de maneira
pendendo dos estímulos e oportuni-
única, diferenciada e com estilos
dades oferecidas. (STREHL, 2000).
contrastantes, propondo um modelo
Ao contrário da teoria de Al-
escolar centrado no aluno, baseando-
fred Binet (1908) que visava medir a
se na “ciência cognitiva (o estudo da
inteligência por meio de testes de QI,
mente) e a neurociência (o estudo do
Gardner (1995), acredita que é ne-
cérebro)” (GARDnER, 1995, p.13).
cessário afastar-se dos testes e das correlações entre eles e “observar as 64
Ainda acrescenta que, a finali-
A teoria das Inteligências Múlti-
Estudos em Gama (1998) apresentam que
A música como instrumento de inclusão e invenção social
Gardner propõe que todos
Segundo a autora supraci-
os indivíduos, em princípio,
tada, a cultura é básica para a
têm a habilidade de ques-
teoria das Inteligências Múltiplas.
tionar e procurar respostas
Com a sua acepção de inteligência
usando todas as inteligên-
como a habilidade para resolver
cias. Todos os indivíduos
problemas ou criar produtos que
possuem, como parte de sua
são significativos em um ou mais
bagagem
certas
ambientes culturais, Gardner re-
habilidades básicas em to-
comenda que alguns talentos só
das as inteligências. A linha
se desenvolvem porque são valo-
de desenvolvimento de cada
rizados pelo ambiente. Ele afirma
inteligência,
entanto,
que cada cultura valoriza certos
será determinada tanto por
no
talentos, que devem ser dominados
fatores genéticos e neurobio-
por uma quantidade de indivíduos
lógicos quanto por condi-
e, depois, passados para a gera-
ções ambientais. Ele propõe,
ção seguinte. Nesse sentido, tanto
ainda, que cada uma destas
a família, quanto a escola podem
inteligências tem sua forma
ajudar sobremaneira o indivíduo
própria de pensamento, ou
em seu desenvolvimento pleno de
de processamento de infor-
acordo com seus talentos.
mações, além de seu sistema simbólico.
Estes
Para ilustrar melhor cada in-
sistemas
teligência apontada por Gardner
simbólicos estabelecem o con-
(1995, apud, ARMSTRONG,2001, p.
tato entre os aspectos básicos
14), serão apresentadas a seguir as
da cognição e a variedade de
inteligências propostas por Gardner,
papéis e funções culturais.
conforme Quadro 1.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
65
genética,
QUADRO 1 – AS InTELIGÊnCIAS MúLTIPLAS Inteligência linguística
Capacidade de usar as palavras de forma efetiva, quer oralmente, quer escrevendo.
Inteligência interpessoal
Capacidade de perceber e fazer distinções no humor, intenções, motivações e sentimentos de outras pessoas.
Inteligência intrapessoal
Autoconhecimento e a capacidade de agir adaptativamente com base neste conhecimento.
Inteligência lógico-matemática
Capacidade de usar os números de forma efetiva e de racionar bem.
Inteligência musical
Capacidade de perceber (por exemplo, como aficionado por música), discriminar (como um crítico de música), transforma (como compositor) e expressar (como musicista) formas musicais. Esta inteligência inclui sensibilidade ao ritmo, tom ou melodia e timbre de uma peça musical. Podemos ter um entendimento figural ou geral da música (global, intuitivo), um entendimento formal ou detalhado (analítico, técnico), ou ambos.
Inteligência espacial
Capacidade de perceber com precisão o mundo visuo-espacial (por exemplo, como caçador, escoteiro ou guia) e de realizar transformações sobre essas percepções (por exemplo, como decorador de interiores, arquiteto, artista ou inventor). Esta inteligência envolve sensibilidade à cor, linha, forma, configuração e espaço. Inclui também, a capacidade de visualizar, de representar graficamente idéias visuais e de orientar-se apropriadamente em uma matriz espacial.
Inteligência corporal-cinestésica
Perícia no uso do corpo todo para expressar ideias e sentimentos (por exemplo, como ator, mímico, atleta ou dançarino) e facilidade no uso das mãos para produzir ou transformar coisas (por exemplo, como artesão, escultor, mecânico ou cirurgião). Esta inteligência inclui habilidades físicas específicas, tais como coordenação, equilíbrio, destreza, força, flexibilidade e velocidade, assim como capacidades proprioceptivas, táteis e hápticas.
66
Fonte: Armstrong (2001).
A música como instrumento de inclusão e invenção social
Diante do exposto, nota-se que
tação dos intestinos. A voz
a partir dessa vertente apresentada
materna também constitui
por Gardner (1995), a escola se abre
material sonoro especial e
para os indivíduos, que não se enqua-
referência afetiva para eles.
dram somente nas inteligências lógi-
(BRITO, 2003, p. 35)
co-matemática e linguística, reforçadas pelo modelo educacional, e, sim,
Campbell et al (2000) também
para os sujeitos capazes de desenvol-
defendem que utilizamos “[...] a voz
ver em outras formas de inteligên-
humana e o corpo como instrumen-
cias, como as inteligências artística,
tos naturais e meios de autoexpres-
corporal e musical, sendo essa última
são.” (CAMPBELL et al, 2000, p.132)
objeto do estudo em questão.
levando esses autores à conclusão
Para melhor compreensão do
de que somos seres musicais e te-
uso da inteligência musical como
mos a capacidade de desenvolver
objeto de inclusão social e de apren-
essa inteligência – a inteligência mu-
dizagem da criança com síndrome
sical, em nós mesmos e nos outros.
de Down , serão apresentados no
Para Brito (2003, p.53), “[...] a
tópico a seguir algumas premissas
música é linguagem cujo conhecimen-
sobre a música.
to se constrói com base em vivências e reflexões orientadas.” Dessa forma,
2.1 A Música como ferramenta de
todos podem e devem fazer parte do
Inclusão Social e Melhorias de
processo, vivenciar sua expressivida-
Aprendizagem
de musical sem ser, necessariamente
Sendo uma das expressões ar-
um virtuoso, visto que “[...] a música
tísticas mais antigas, a música faz
deve promover o ser humano acima
parte do nosso universo antes mes-
de tudo [...]”, pois o que importa é a
mo do nascimento. Neste sentido,
vivência musical e não o produto fi-
Brito (2003), afirma que
nal que, infelizmente, na maioria das
[...] na fase intrauterina os
Ainda segundo Brito (2003), a
bebês já convivem com um
música é essencial no aprendizado
ambiente de sons provoca-
das crianças que possuem necessi-
dos pelo corpo da mãe, como
dades especiais por promover a in-
o sangue que flui nas veias,
tegração, por meio de gestos e movi-
a respiração e a movimen-
mentos percebidos e exteriorizados
A música como instrumento de inclusão e invenção social
67
vezes, é o mais valorizado.
pela percepção da sensação que as
e compor – os próprios conteúdos
vibrações sonoras exaltam, com o
que deverá aprender. Enfatizam a
mundo em que vivemos.
importância da educação musical na
Como a criança pertence, ori-
educação infantil de uma forma tão
ginariamente, a um mundo de fanta-
contundente que sugere, aos profes-
sias e de ludicidade, a música anda de
sores desse primeiro nível da edu-
mãos dadas com o desenvolvimento
cação básica, as formas mais ade-
da fala e a fala se torna aprimorada
quadas para que uma criança possa
pela música por intermédio de am-
aprender por meio da música, por
bientes musicais e que têm por objeti-
meio de orientações pedagógicas,
vos ensinar conceitos, comportamen-
objetivos e os próprios conteúdos
tos e valores e condutas que devem
dessa linguagem e área de conheci-
ser moldadas e aprendidas ainda na
mento para o fazer musical e a apre-
infância. (RAvELLI; MOTTA, 2005).
ciação musical.
A nova concepção de criança,
Como instrumento e metodolo-
adotada por professores e educado-
gia para a inclusão social, o professor
res nos séculos xx e xxI, traz em si
tem papel de mediador entre a música
a ideia de que a criança é um ser de
e a criança ao fazer com que, propon-
direitos e que tem o direito de apren-
do as músicas tocadas ou cantadas
der brincando. nesse sentido, a mú-
– como linguagem universal – tenha
sica pode ser classificada como uma
o poder de unir as mais diversas rea-
estratégia, que, inserida em brinca-
lidades trazidas por diferentes crian-
deiras como rodas, intencionalmen-
ças para dentro da escola.
te, levam a criança ao alcance dos objetivos traçados pelo professor. Esses pressupostos estão pre-
vidual em aprendizagens coletivas,
sentes nos documentos que dão as
ao deixar de ser uma ação isolada
bases da educação infantil no Brasil,
par gastar tempo da criança diante
como a Lei de Diretrizes e Bases da
de uma deficiência pedagógica apre-
Educação nacional (LDBEn/96).
sentada pelo professor para alcan-
Já no Referencial Curricular nacional da Educação Infantil, 1998
68
Sendo assim, a música socializa, une, torna a aprendizagem indi-
çar uma dimensão de estratégia de aprendizagem.
(RCnEI) a música é introduzida
Santa Rosa (1990) afirma que
como elemento que vai permitir à
a música bem trabalhada auxilia na
criança experimentar, improvisar
formação e inclusão social da crian-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
ça, enriquece sua cultura e insere-a
outros aspectos; exploração do am-
como pessoa no mundo ao reforçar
biente com comportamentos repeti-
a auto estima, segurança e posicio-
tivos e estereotipados, com traços
namento seguro diante de situações
de impulsividade, desorganização e
de sociabilidade, compartilhamento,
instabilidades emocionais.
liderança e ajuda mútua, além da formação de hábitos e atitudes.
Nos aspectos cognitivos, a deficiência intelectual é presente nas
Conforme o RCNEI (1998) a
crianças com Síndrome de Down,
música é a linguagem musical capaz
pois compromete todas as outras
de expressar sensações e emoções
áreas do desenvolvimento. Os indi-
através de sons e silêncio presentes
víduos com SD apresentam reações
em nossa cultura e que ela é expres-
mais lentas que os demais, na aqui-
são e forma de conhecimento acessí-
sição da linguagem falada e escrita,
veis aos bebês e crianças, inclusive
por exemplo e nessa, estão os maio-
aquelas que apresentem necessida-
res atrasos.
des especiais, incluindo nessa categoria, os portadores de SD.
O déficit de atenção, outro aspecto importante, compromete o ende Down em atividades cotidianas, a
Aprendizagem e a Música
forma como o mundo é percebido e na
A Síndrome de Down (SD) é um
sua maneira de explorar o meio. O dé-
distúrbio genético que indica a pre-
ficit de atenção é explicado por meio
sença de um cromossomo 21 a mais
do funcionamento irregular e atípico
em todas as células do organismo, fa-
do cérebro e suas redes neuronais.
zendo com que a criança tenha carac-
Cada criança é única e seu de-
terísticas físicas e mentais diferentes
senvolvimento se dá de maneira indi-
das demais que não possuem essa al-
vidual. Apesar de existir alguns pa-
teração. (SCHWARTZMAN ,2003)
drões comportamentais, cada uma
Schwartzman (2003) consi-
segue seu próprio ritmo no aprendi-
dera importante observar essas
zado das mais diversas atividades.
características para a proposição
A facilidade com a qual consegue
de estratégias de aprendizagem: o
solucionar determinadas questões
desenvolvimento motor das crianças
depende das aptidões que possui e
com um atraso significativo e que
as que desenvolve, do ambiente em
vai interferir no desenvolvimento de
que se encontra e até mesmo da sua
A música como instrumento de inclusão e invenção social
69
volvimento da criança com Síndrome 2.2 A Sindrome de Down, a
70
hereditariedade, como propõe Godói
cia física precisam de muito mais do
(2006). Para ela, cada criança possui
que tão-somente recursos básicos
condições de desenvolvimento espe-
que satisfaçam suas necessidades
cíficas e que são influenciadas por
primárias. São crianças que pode-
suas possibilidades (características
rão precisar de cuidados e atenção
genéticas e estruturas corporais).
ininterruptos em todos os dias de
E nessa construção da pessoalida-
sua vida, ou superar as dificuldades
de, o ambiente e as pessoas que o
iniciais se forem bem estimuladas e
compõem, podem facilitar ou não.
bem acolhidas. (GODÓI, 2006, p.32)
A criança deficiente se desenvolve
A criança com SD possui um
assim como uma criança sem defici-
desenvolvimento diário, ainda que
ência e ambas passam pelo proces-
mais lento se comparada às demais.
so da conquista da autonomia e da
Possui plena capacidade de evolução
aquisição de conhecimento, na mes-
no processo de aprendizagem devido
ma ordem e pelas mesmas razões.
à sua inteligência. Evidentemente,
Segundo Melo (2009), os indi-
existem traços únicos: “[...] cada uma
víduos com Síndrome de Down não
terá suas graças, seu jeito de ser, de
eram estimulados corretamente, por
brincar, de se comunicar e também o
serem considerados, no passado,
seu tempo de aprendizado, ficando
treináveis. As pessoas responsáveis
a nosso encargo perceber a hora e a
pela sua educação pensavam não
forma mais carinhosa de nos aproxi-
possuir inteligência suficiente para
marmos dela.” (MELO, 2009, p.18)
que pudessem ser educados numa
Dando ênfase a esse estudo, a
escola regular. Atualmente sabe-se
Inteligência Musical define-se por, de
que a criança com SD é plenamente
acordo com Armstrong (2001), como
capaz de desenvolver suas habilida-
a capacidade de perceber (como
des e possuem boa memória, princi-
aficionado por música), discrimi-
palmente se forem estimuladas pre-
nar (como um crítico de música),
cocemente pelos pais e educadores
transformar (como compositor) e
através de estímulos pedagógicos
expressar (como musicista) formas
adequados, diversificados, intensifi-
musicais. Essa inteligência inclui
cados, com envolvimento e atenção
sensibilidade ao ritmo, tom ou melo-
plena de seus cuidadores.
dia e timbre de uma peça musical. Po-
Crianças com necessidades
demos ter um entendimento figural
especiais decorrentes da deficiên-
ou geral da música (global, intuitivo),
A música como instrumento de inclusão e invenção social
um entendimento formal ou detalha-
aprendizagem dos alunos com algu-
do (analítico, técnico), ou ambos.
mas características “deficitárias”. (COLL et al., 1995 p.12).
“fazer musical como o contato entre
Para Melo (2009), uma inteli-
a realização acústica de um enun-
gência pode se destacar às demais.
ciado musical e seu receptor, seja
O importante é estimular ainda mais;
este alguém que cante, componha,
nas áreas em que apresentar alguma
dance ou simplesmente ouça.”
dificuldade, o indivíduo, mais especi-
Dessa forma, como uma “[...]
ficamente, com a Síndrome de Down,
pessoa com perda ou anormalidade
“[...] deverá ser estimulado de forma
de uma estrutura ou função psicológi-
criativa e curiosa, onde a atuação do
ca, fisiológica ou anatômica que gere
lúdico será fundamental.” (p.27). Ou-
incapacidade para o desempenho das
tro fator importante é a atenção espe-
atividades, tem capacidade para en-
cial dada à socialização, no contato
tender e manifestar essa linguagem?
com o outro por meio de experiências
De acordo com Campbell et al
e atividades musicais individuais e
(2000), a inteligência musical é uma
coletivas. Dessa maneira, eleva-se a
forma de talento humano que emer-
autoestima, buscando a identificação
ge mais precocemente, mas a razão
com os indivíduos que participam do
disso é um mistério. Gardner sugere
grupo, sejam eles indivíduos com SD
que a revelação de um grande talen-
ou não.
to musical na infância pode estar
Nessa perspectiva, a par da
condicionada ao fato de tal inteli-
comunicação verbal, a música con-
gência não depender da experiência
figura-se como “facto social total”,
adquirida com a vida.
porque abrange momentos funda-
Dessa forma, a deficiência
mentais da vida (individual e coleti-
não pode ser vista como um empe-
va), concretiza as capacidades do ser
cilho para o “fazer música”; o que
humano de pôr-se em sintonia e re-
deve ser observado é a resposta do
lação consigo próprio, com o ambien-
indivíduo quando em contato com
te e com os outros, e facilita ainda a
ela e cabe à família, a escola e aos
compreensão ativa da “vida social
educadores promoverem essa inte-
como conjunto de relações” (GRECO
gração visto que “o sistema educa-
e PONZIANO,apud FOÀ, 2013, p.24).
cional pode, portanto, intervir para
Além disso, a prática musical
favorecer o desenvolvimento e a
auxilia nas competências e habi-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
71
Brito (2003, p. 57) considera o
lidades de vida pessoal, inter e in-
2.3 a construção De um currículo
trapessoal, desenvolvendo elemen-
interDisciplinar: a música como tema
tos de aprendizagem transversais:
transversal
capacidade de escuta, organização,
De acordo com Honora e Fri-
coordenação, disciplina, ritmo, inte-
zanco (2008), não existem soluções
ligência auditiva, pertença ao grupo
imediatas ou prontas para os alunos
e ação em virtude de objetivos e va-
que são “diferentes” do normalmen-
lores partilhados (GRECO e POn-
te padronizado. Cada um é um ser
ZIAnO apud FOÀ 2013.).
na suas potencialidades, necessida-
nesse sentido, a escola regu-
des e bagagem vivencial. Dentre es-
lar tornar-se-á inclusiva quando re-
ses alunos especiais, estão as crian-
conhecer as diferenças dos alunos
ças com SD.
diante do processo educativo e busca
Segundo
Melo
(2009),
as
a participação e o progresso de todos,
crianças com Síndrome de Down
adotando novas práticas pedagógi-
devem ser encorajadas a desen-
cas e com todos os alunos sejam eles
volver suas capacidades por meio
portadores de Síndrome de Down ou
de um currículo interdisciplinar, e,
não. Por isso, o mais importante é
para isso, se faz necessário educa-
não rotular nenhuma criança, respei-
dores que rompam com as barrei-
tando seus limites e valorizando suas
ras da educação regular.
capacidades. (MELO, 2009).
Para Campbell et al (2000)
Para que a família, pais e edu-
uma forma interessante de estimu-
cadores lancem mão da teoria das
lar a audição e a concentração são
inteligências múltiplas , em especial
as brincadeiras musicais; para esti-
a música torna-se necessário a cria-
mular a habilidade manual pode-se
ção de uma proposta pedagógica que
realizar oficinas para a construção
contemple a concepção cognitivista,
instrumentos. Atividades em con-
bem como metodologias favoráveis
junto, seja tocando, dançando, can-
para esse empreendimento.
tando ou como um ouvinte passivo
nesse caso, serão apresenta-
são consideradas desafios positivos
das a seguir algumas ações impor-
quando essas práticas fazem parte
tantes para o desenvolvimento so-
da educação como prática rotineira.
cial dos alunos e para melhoria de
Estimular a apreciação de
sua aprendizagem.
sons que fazem parte do cotidiano,
72
jogos que possuam sons repetitivos, A música como instrumento de inclusão e invenção social
sons ritmados e a possibilidade de
nova proposta;
expressar-se corporalmente são ma-
- Formação continuada de
neiras propostas por Melo (2009),
professores e família;
com o objetivo de auxiliar a memória
- Incluir todos os participantes do
e a atenção da criança. Utilizando
processo de construção e se incluir .
as possibilidades de entonação, rit-
- Desenvolver a autonomia dos
mo, intensidade e timbre, tem-se um
sujeitos inseridos e
leque de possibilidades para traba-
- acreditar na experiência.
lhar aspectos que contribuam para o
(MONKEN, 2015)
aprendizado, assim como introduzir canções infantis que, por sua sim-
É importante, reconhecer o
plicidade, ajudam no aprendizado
direito da autonomia dos indivíduos
linguístico desde que a atenção às
participantes do processo, sejam
articulações das palavras tenha a
eles portadores de alguma síndro-
devida atenção do educador.
me ou não, pois é dever de todos se
Sob a perspectiva de Godói
assumir como protagonista de sua
(2006), é preciso repensar as pro-
própria história, visto que “o exces-
postas curriculares e os projetos
so do cuidado é a evidenciação da
educativos, com professores enga-
opressão.” (NOGUEIRA, 2016).
jados, que busquem formas e ferramentas lúdicas para um aprendiza-
2.4
Os Projetos de Trabalho
do que atenda a diversidade, sendo
como
Metodologia Favorável
este interessante e significativo. As
a Inclusão
escolas, por sua vez, devem valori-
Aprendizagem da Criança com
zar as potencialidades de cada alu-
Síndrome de Down
para
Social e Melhoria da
no, oferecendo oportunidades para
Quando se discute hoje que
que esse processo de construção do
a infância deve ser considerada de
conhecimento seja, de fato, efetivo.
acordo com as bases socioculturais
Para que se construa um cur-
na qual a criança vive, bem como
rículo interdisciplinar tendo como
seus valores, suas necessidades, sua
foco a música, serão necessários os
forma de ver e perceber o mundo, é
seguintes quesitos:
oportuno buscar estratégias diferenciadas para o trabalho na educação.
mudanças que surgirão a partir da
De acordo com as discussões presentes na atualidade, a criança
A música como instrumento de inclusão e invenção social
73
- Flexibilidade e tolerância às
é considerada sujeito de direitos,
guagens são desenvolvidas ao lon-
amparado por Lei, com suas espe-
go de todo processo, sendo que as
cificidades, que devem ser levadas
crianças sejam elas portadores da
em conta no momento de construir
SD ou não, desenvolverão de acordo
propostas pedagógicas para o tra-
com seus próprios ritmos, interesses
balho voltado para essa faixa etária
e capacidades próprias.
(FREITAS, 2008).
Então, questiona-se: se o su-
Segundo a mesma autora: ao
jeito tem diferentes formas de pen-
reconhecermos na criança, um su-
sar e de agir, se as linguagens estão
jeito competente , participativo e
presentes no cotidiano, como os
importante dentro do seu grupo, no-
projetos podem contribuir no desen-
vas experiências serão assimiladas
volvimento dessas crianças com Sín-
por ele, que estará atento às suas
drome de Down?
colaborações e às conquistas adqui-
Acredita-se que o trabalho
ridas ao longo do processo ensino
com projetos contribuirá para que a
-aprendizagem. A criança repetirá
criança:
em outros espaços estas atuações
- se manifeste por meio de suas
e passará a ser escutada e valoriza-
diferentes linguagens, tendo em
da. Conscientes de suas limitações
vista que, no trabalho com projetos,
, mas capaz se pensar em sua vida,
ela tem espaço e autonomia para
seus problemas , o contexto onde
pensar e agir;
está inserida, vislumbrando a pos-
- aguce sua criatividade apontando
sibilidade de agir sobre si e sobre
para o grupo quais são seus
este meio, tentando transformá-los.
talentos;
(FREITAS, 2008).
- descubra as diferentes formas de
É nessa perspectiva de inclusão que o trabalho com projetos se
aprender por meio da música e de outras linguagens afins;
destaca, por entender que essa for-
- tenha acesso aos diversos pontos
ma didática de trabalhar o marco
de vistas;
curricular vai contribuir com o pro-
aprenda a aprender todas as
fessor e com os alunos na constru-
formas de conhecimentos, dentre
ção de competências e habilidades
outros. (MOnKEn, 2015)
74
nas diversas linguagens, de forma interdisciplinar. A música será o
Portanto, para que o trabalho
foco do trabalho, mas as demais lin-
com projetos seja realizado com
A música como instrumento de inclusão e invenção social
qualidade, é importante que o edu-
equipe sobre o que será trabalhado;
cador saiba sua concepção, como
- Fazer previsões de recursos e
planejá-lo, executá-lo e avaliá-lo.
cronograma. (HERNANDEZ apud MONKEN, 2001)
2.4.1 O planejamento das atividades por meio dos projetos
Hernandez (1998) afirma que se deve planejar o desenvolvimento
Ao construir o projeto de traba-
do projeto sobre a base de uma ava-
lho, o professor e os alunos deverão le-
liação processual. Assim, ele divide
vantar uma questão articulada com as
as várias etapas:
diversas competências voltadas para
1o momento: O que sabem e o que
a linguagem musical e demais lingua-
querem saber sobre o tema.
gens a fim de atender à demanda do
2º momento: O que estão
grupo envolvido, vislumbrando um
aprendendo, como estão
caminho de buscas e de investigações
acompanhando o projeto.
relacionadas com a proposta.
3º momento: O que aprenderam em
Ao levantar a demanda especi-
relação às propostas iniciais e se
fica após um diagnóstico, devem-se
são capazes de estabelecer novas
levantar as possíveis situações:
relações.
- Identificar qual será o fio condutor
4º momento: Recapitular o processo
do projeto (que está diretamente
em que se realizou o projeto,
relacionado com a linguagem
compatibilizando com os objetivos
musical, com as necessidades e
do projeto e se foi atendido tanto
interesses da turma);
às necessidades e os objetivos da
- Prever os conteúdos (pressupostos
proposta. (HERNANDEZ, 1998)
teóricos e metodológicos), fazendo Nesse contexto, o desenvolvi-
fornecer subsídios teóricos para o
mento do projeto e a qualidade das
desenvolvimento do projeto;
atividades se concretizarão de acor-
- Buscar estudar e atualizar as
do com o grupo envolvido no traba-
informações em torno do tema
lho. É o professor que promoverá o
ou problema do qual se ocupa o
diálogo para tratar de estabelecer
projeto, oportunizando a construção
comparações, inferências e rela-
e produção do conhecimento;
ções, que o ajudará a dar sentido à
- Criar um clima de envolvimento da
forma de trabalho que se pretende.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
75
de início estudos capazes de
(HERnAnDEZ, 1998) As pessoas envolvidas (professor, crianças, pais e comunidade),
como sujeitos de direitos e capazes de serem os protagonistas de suas aprendizagens.
por sua vez, deverão estar atentas durante o processo e, por intermédio da investigação, e levarem sempre
Como foi possível observar, a
para o coletivo o que produziram, a
estimulação da Inteligência Musical
fim de criarem novas possibilidades,
intensifica as relações entre as pes-
oportunizar a troca de experiências,
soas, trazendo uma sensibilidade
construir e socializar os conheci-
necessária para enxergar o outro
mentos. (HERnAnDEZ, 1998)
com suas diferenças, seus talentos e
Sabe-se que somente seguir
aptidões, respeitando sua individua-
os passos do projeto não garante
lidade e tudo o que ele acrescenta no
um trabalho rico, eficaz e eficiente,
coletivo. Por meio da música o indi-
entretanto, garante um caminho me-
víduo consegue se fazer ouvir, inse-
todológico para o alcance dos obje-
rindo-se no meio social naturalmen-
tivos. O que garantirá na verdade o
te sem que seja necessário impor
sucesso do projeto e o trabalho em
isso aos outros. É no fazer coletivo
si é a concepção que estará por trás
que o indivíduo passa desempenhar
desse trabalho, bem como o controle
seu papel enquanto membro de uma
da execução e avaliação do trabalho
comunidade, sendo incluído no gru-
ao longo do processo. Além disso , de
po indiferente de sua condição física
que forma as crianças estão sendo
ou algum transtorno.
incluídas e como estão sendo avaliadas e em qual perspectiva.
76
3 CONSIDERAçÕES FINAIS
É importante salientar que, além da teoria das inteligências
Diante disso, é notório perce-
múltiplas, as teorias de Piaget (ver-
ber que a metodologia de projetos
tente construtivista), vygotsky (so-
aproxima-se mais da perspectiva da
cioconstrutivista), dentre outras,
inclusão, uma vez que todos os alu-
contribuírem, sobremaneira, para
nos são vistos com equidade e são
que novas práticas fossem desenvol-
respeitados em suas individualida-
vidas no campo educacional.
des. nesse caso, os alunos com de-
É notório o avanço da inclusão
ficiência, alunos portadores de SD,
no campo da educação a partir da
alunos com necessidades Educati-
Constituição de 1988, do Estatuto
vas Especiais serão sempre vistos
da Criança e do Adolescente (1990),
A música como instrumento de inclusão e invenção social
da Lei 9394 (1996) e somada a isso
postas forem criadas para favore-
as teorias que as escolas lançaram
cer o desenvolvimento dos sujeitos,
mão para se apoiarem em suas
novas oportunidades continuarão
propostas pedagógicas.
a surgir para todos: uma escola inclusiva e democrática.
é imprescindível que a proposta
A escola e a família têm um
pedagógica deve ser construída na
papel fundamental enquanto agen-
concepção progressista, em que
te transformador, acolhendo, in-
os sujeitos são vistos como pro-
cluindo, desenvolvendo e criando
tagonistas de sua própria apren-
pontes entre os indivíduos com Sín-
dizagem, bem como todas suas
drome de Down e a sociedade como
necessidades devem ser respeita-
um todo, quebrando paradigmas,
das e trabalhadas de forma inter-
mostrando que é possível ir além
disciplinar , a fim de promover a
das expectativas quando existe en-
aprendizagem em todos os alunos,
gajamento e a quebra da barreira
especialmente a criança que é por-
formada pelo preconceito e abertu-
tadora da Síndrome de Down. A
ra para as mudanças advindas do
partir do momento em que as pro-
mundo contemporâneo.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
77
Por isso, a partir do exposto,
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A música como instrumento de inclusão e invenção social
AS MUDANÇAS PARADIGMÁTICAS DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI 13.146) Bernardo Gomes Barbosa Nogueira* Raphael Furtado Carminate ** Lucas Maciel Guimarães *** Sarah Abdon Lacerda Fernandes ****
* Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. ** Doutorando e mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professor de Direito Civil. *** Acadêmico da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. **** Acadêmica da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
81
A música como instrumento de inclusão e invenção social
INTRODuçÃO
e efetiva na sociedade em igualdade
O presente trabalho visa ex-
de condições com as demais pessoas
plicitar alguns impactos que a lei
e não, como antes era compreendido,
13.146, o novo Estatuto da Pessoa
no impedimento de natureza física,
com Deficiência, tem na sociedade
mental, intelectual ou sensorial em
contemporânea e como o Estado e
si. Sendo assim, compreende-se que a
a sociedade foram modificados com
limitação maior está na sociedade em
essa nova lei.
não conseguir garantir igualdade de
A forma como acontece a mu-
condições à pluralidade humana. Afi-
dança paradigmática depende de
nal, a deficiência é apenas mais uma
uma série de alterações no pensa-
característica da condição humana.
mento científico que é explicado
A mudança de pensamento so-
por Thomas Kuhn. A ciência em seu
cial é vista como marco entre eras.
estado inerte (ciência normal) é pro-
não acontece rapidamente, tam-
vocada quando não atende mais as
pouco sutilmente. Para que ocorra
exigências sociais, sendo, portanto,
uma mudança é necessário que haja
necessária uma mudança no âmbi-
um problema a ser pensado. Desse
to1. Essa mudança não é feita de ma-
modo, da necessidade de assegurar
neira natural, sempre que há uma
condições de igualdade às pessoas
quebra de paradigma, são desenca-
com deficiência, o Estatuto da Pes-
deadas consequências em todas as
soa com Deficiência nasceu rompen-
áreas da sociedade.
do padrões anteriores.
As mudanças relacionadas às
Diferente das leis anterio-
pessoas com deficiência ocorreram
res, o dever de garantir os direitos
principalmente na maneira como é
presentes na lei não fica somente
vista a deficiência. A Convenção so-
a cargo do Estado ou de iniciati-
bre os Direitos das Pessoas com Defi-
vas privadas, sendo responsáveis
ciência que o Brasil ratifica em 2008
também a sociedade e a família.
(Decreto Legislativo 186/2008)2 vem,
Agora, a obrigatoriedade de asse-
em seu texto, admitindo que as bar-
gurar todos esses direitos ao má-
reiras da deficiência são causadas
ximo é de todos.
pela obstrução da participação plena
O Estatuto revela o pensar o
82
1 OSTERMAnn, Fernanda – A Epistemologia de Kuhn – Instituto de Física, UFRGS, 1996. O estudo visa discutir a forma como ocorre a modificação no mundo científico, tendo como base as mudanças e métodos propostos por Thomas Khun em sua obra “A estrutura das Revoluções Científicas” de 1962. 2 À Convenção foi dada a equivalência de emenda constitucional de acordo com o art. 5°, § 3º, CF/88.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
outro e suas singularidades, ideia
A RESPONSABILIDADE
muito bem expressa pelo filósofo
DE INCLUSÃO
Emmanuel Lévinas ao conceituar
O pensamento filosófico con-
a ética da alteridade. Respeitar
temporâneo depreende a ética da
a singularidade humana é garan-
alteridade4 pensada pelo filósofo
tir dignidade, igualdade e justiça.
Emmanuel Lévinas. Essa alterida-
Como bem lembra a professora
de provoca uma mudança interior,
Carla Silene (2008, p.79) ao retra-
aspirando uma sociedade melhor
tar a justiça para Lévinas “Logo, a
para se viver. Ela representa a rup-
justiça para ele não parte do uni-
tura do pensamento egocêntrico e é
versal, mas do singular, que não é o
expressa pela responsabilidade por
Eu, mas o outro. E mais, é a relação
outrem. A ética da alteridade define
Eu-outro que dá origem ao Estado,
que a perspectiva ética deve ser o
sendo este mero instrumento de
ponto de partida de toda a filosofia
realização da justiça que tem seu
e demonstra que a responsabilidade
limite no outro”.
pelo outro e o reconhecimento das
3
Houve também a inclusão de
suas peculiaridades é a melhor for-
conteúdos curriculares em cursos
ma de aceitar as próprias individu-
superiores e tecnólogos relaciona-
alidades. Como sugere o professor
dos ao assunto de inclusão, como
Luigi Bordin:
linguagem de sinais. Isso é impor-
Do ponto de vista filosófico, a
tante por haver a pretensão de edu-
tarefa de Lévinas não foi a de
car e conscientizar a população so-
escrever uma nova ética, mas
bre a importância de uma sociedade
de mostrar que a perspecti-
mais inclusiva.
va ética deve ser o ponto de
Esse Estatuto visa à ampla
partida de toda a filosofia. A
inclusão e não a assistência, como
descoberta de que eu sou um
foi em outros momentos. Agora, o
sujeito infinitamente respon-
viés de pensamento é a participação
sável pela vida do outro é o
plena e efetiva da pessoa com defici-
início de uma meditação em
ência na sociedade em igualdade de
torno da pergunta sobre o ser.
condições com as demais pessoas.
A tomada de consciência de
A música como instrumento de inclusão e invenção social
83
3 Carla Silene Cardoso Lisbôa Bernardo Gomes. 4 Princípio ético para as relações sociais na qual a existência do “eu-individual” só é permitida mediante um contato com o outro.
minha responsabilidade é o
fica mostrar que a existen-
início de cada conhecimento
ciação do humano está ne-
geral, pois cada conhecimen-
cessariamente ligada à sua
to deve ser purificado de sua
relação com o outro. Nesse
tendência natural ao egocen-
sentido, estar no mundo
trismo. A base da consciência
é desde já estar no mundo
de si não é a reflexão, mas a
diante e perante, e, mais
relação com o outro. Lévinas
ainda, responsável por esse
recusa conceder a dialética
outro que ante a minha
hegeliana do senhor e do es-
existência se põe como con-
cravo, à guerra das consciên-
dição da mesma, ou seja,
cias, o privilégio da origem
como aquele que me ins-
da consciência de si. Esta é
taura enquanto humano.
mais o fruto do milagre da
(NOGUEIRA, 2015, p. 376).
saída de si mediante a abertura ao outro, que, antes de
Como compreende-se desse
ser uma força alienadora
pensamento, a identidade humana
que me ameaça, me agride
está completamente dependente do
e me esvazia, pode ser uma
outro. Desse modo, infere-se ainda
possibilidade
abertura
que a sociedade como unidade é im-
que rompe as correntes que
de
portante para enxergar e incluir a
me prendem a mim mesmo.
pluralidade do ser. Respeitar as dife-
(BORDIN, 1998, p.555).
renças e reconhecer o quão importante são as particularidades humanas,
Com essas mudanças dentro
84
do pensamento filosófico, o cresci-
é enxergar a própria individualidade como uma condição humana.
mento da ideia de alteridade fomen-
A Alteridade não é apenas
tou novas rupturas sociais, as quais
uma qualidade do outro,
um indivíduo também é responsável
é
pelo outro e, por isso, deve protago-
instância, a verdade do seu
nizar mudanças que colaborem para
ser e, por isso, para nós,
o progresso do outro.
torna-se muito fácil uma
sua
realidade,
sua
Ao invés do eu sou, estamos
permanência na coletividade
agora perante uma espécie
e na camaradagem – difícil
de “eis-me aqui”. Isso signi-
e sublime é co-habitar com
A música como instrumento de inclusão e invenção social
a diferença, é viver o eu-tu
competente qualquer forma
profundamente
(HADDOCK-
de ameaça ou de violação
LOBO, 2006. p.48 apud COSTA;
aos direitos da pessoa com
CAETANO, 2014, p. 202).
deficiência. Parágrafo único. Se, no exer-
Com seu perfil inovador, a lei
cício de suas funções, os ju-
13.146 reconhece a importância de
ízes e os tribunais tiverem
todos para garantir a participação
conhecimento de fatos que
plena e efetiva das pessoas com de-
caracterizem
ficiência em igualdade de condições
previstas nesta Lei, devem
na sociedade. Dessa forma, além da
remeter peças ao Ministério
mudança jurídica, o Estatuto repre-
Público para as providências
senta mudança científica e social
cabíveis.
de pensamento. A deficiência se
Art. 8o
tornou somente uma peculiaridade,
da sociedade e da família
uma diferença como qualquer outra
assegurar
e os padrões sociais que provocam
deficiência, com prioridade,
situação de desvantagem é que fo-
a efetivação dos direitos
ram considerados obstáculos. Es-
referentes à vida, à saúde, à
sas mudanças propuseram plurali-
sexualidade, à paternidade e à
dade de comportamento, aceitação
maternidade, à alimentação,
da diversidade humana e, principal-
à habitação, à educação,
mente, consciência social do dever
à
de inclusão.
trabalho,
as
violações
É dever do Estado, pessoa
profissionalização, à
com
ao
previdência
Com essas alterações, extin-
social, à habilitação e à
guir a discriminação e proporcionar
reabilitação, ao transporte,
máxima autonomia às pessoas com
à acessibilidade, à cultu-
deficiência tornou-se responsabilida-
ra, ao desporto, ao turismo,
des sociais. É dever de todos respei-
ao lazer, à informação, à
tar os direitos das pessoas com defi-
comunicação, aos avanços
ciência e denunciar qualquer ameaça
científicos
ou violação desses, como estabeleci-
à dignidade, ao respeito, à
do no artigo 7º e 8º do Estatuto:
liberdade, à convivência fa-
e
tecnológicos,
Art. 7 É dever de todos
miliar e comunitária, entre
comunicar
outros decorrentes da Consti-
o
à
autoridade
A música como instrumento de inclusão e invenção social
85
à
tuição Federal, da Convenção
A quEBRA DE PARADIGMA
sobre os Direitos das Pessoas
A quebra de paradigma trazi-
com Deficiência e seu Proto-
da pela lei é um fenômeno de várias
colo Facultativo e das leis e
dimensões e faces. Como propõe
de outras normas que garan-
Luiz Felipe Soares e João Paulo de
tam seu bem-estar pessoal,
Azevedo Lima em um estudo sobre
social e econômico.
a obra “Um discurso sobre as ciências”5, a mudança que ocorre no
Todas essas mudanças que-
modelo social deve constituir uma
bram paradigmas que couberam em
gama de saberes incluindo o saber
uma determinada época da socieda-
do senso comum. Porém, deve haver
de. Paradigmas esses, que se torna-
a preocupação de não usar o senso
ram obsoletos quando não atende-
comum como fonte única ou princi-
ram mais as necessidades sociais.
pal para a mudança de um paradig-
nas mudanças de pensamento
ma existente, uma vez que um novo
científico, por exemplo, ao não atender
conhecimento adquirido visa se tor-
as exigências sociais, a ciência adqui-
nar objeto comum da sociedade, isso
re um olhar reflexivo para sua própria
faz com que haja uma aproximação
essência. Isso sugere uma mudança
da ciência ao cotidiano das pessoas,
paradigmática, que é a troca de um
o que Boaventura chama de “senso-
modelo de paradigma por outro.
comunizar a ciência”6. Por conse-
Como consequência da evolu-
quência, para que haja a mudança
ção humana, a sociedade está em
paradigmática, recorrer apenas ao
constante mudança. À vista disso,
paradigma existente não acarreta-
para acompanhar as primordialida-
rá em uma mudança significativa, o
des da pessoa humana, padrões são
que impede a superação deste para-
rompidos e estabelecidos frequente-
digma para a criação de um outro.
mente. O Estatuto é um grande re-
Isso ocorreu com os assuntos rela-
gistro dessa transição, ele represen-
cionados às pessoas com deficiên-
ta as quebras de paradigmas éticos,
cia: a mudança foi acontecendo aos
científicos, jurídicos e sociais.
poucos no Brasil, a ideia existente já
86
5 Luiz Felipe e João Paulo explicitam os conceitos trazidos por Boaventura Souza em “Um discurso sobre as ciências” – (2012) qual o trajeto para a criação de um modelo científico. O título é o mesmo da obra de Boaventura. 6 Essa expressão que Boaventura usa significa democratizar os conhecimentos adquiridos, para que se tornem usuais no cotidiano social.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
estava usual na sociedade, porém foi
somente existe o conhecimento de
visto que ainda haviam carências a
ciências exatas, mas que existem
serem supridas, gerando outro olhar
ainda conhecimento musical, artís-
acerca do assunto. Como recorrer
tico, linguístico e outros. Isso serviu
somente ao que já estava difundido,
também para integrar socialmente
aos tratamentos dados às pessoas
os indivíduos excluídos.
com deficiência e a como elas eram
Algumas pessoas com Síndro-
vistas pela sociedade, não levaria a
me de Down, por exemplo, possuem
mudanças que melhorassem a situ-
dificuldades em saberes linguísticos,
ação existente, recorreu-se a outros
mas existem outros ramos, como co-
métodos, que foi a Convenção sobre o
nhecimento musical, que podem ser
Direito das Pessoas com Deficiência.
trabalhados e desenvolvidos de acor-
Como os direitos existentes
do com as habilidades que a pessoa
não atendiam as reais necessidades
possui. Os poderes das habilidades
sociais formaram-se microssistemas
musicais são muito bem lembrados
jurídicos- como o Estatuto das Pes-
pelo musicoterapeuta Harley Lavagni-
soas com Deficiência- que promovem/
ni Gonzalez e pela professora de His-
buscam promover a inserção e rein-
tória Maria de Cássia Araújo e Souza:
venção dessas pessoas no cenário
As vivências musicais pro-
sócio-jurídico. Esse amparo jurídico
porcionadas pela Musicotera-
é essencial para atender proporcio-
pia estimulam a criatividade
nalmente a carência de cada grupo.
e a autoconfiança, ajudando
As pessoas com deficiência,
a mobilizar o potencial de
por exemplo, eram enxergadas como
saúde
pessoas com certo defeito que cau-
reabilitando-o ou habilitan-
savam transtornos sociais. Porém,
do-o. Tocando, cantando, im-
um dos pensamentos que é modi-
provisando, acompanhando,
ficador desse cenário é o de que
compondo, recriando, dan-
cada indivíduo possui sua limitação
çando ou ouvindo música,
dentro da sociedade. Não é neces-
a pessoa partilha a sua
sário que todos exerçam as várias
experiência
atividades, diárias ou profissionais,
individuais ou de grupo.
de maneira exemplar. Haja vista, o
(Gonzalez; Souza, 2013, p.4)
do
cliente/paciente:
em
sessões
modelo educacional de múltiplos coA
interdisciplinaridade
da
A música como instrumento de inclusão e invenção social
87
nhecimentos, que defende que não
música é indubitavelmente uma das
sua inclusão e socialização.
melhores formas de promover essa
(Gonzalez; Souza, 2013, p.11)
quebra de paradigma, pois rompe, não somente as barreiras sociais,
Como infere-se do artigo 2°
mas também os limites pessoais
dessa lei, a pessoa com deficiência é
existentes. Dessa forma, a música
aquela que possui impedimento pes-
e suas diversas manifestações reco-
soal, no entanto, em interação com
nhecem a individualidade do ser e
uma ou mais barreiras, tem a par-
respeitam sua pluralidade.
ticipação plena e efetiva obstruída
Considerando a ampliação
na sociedade em igualdade de con-
da expressividade dos alu-
dições com as demais pessoas. Por
nos, pode-se afirmar que as
respeitar a individualidade e plura-
práticas com musicoterapia
lidade do ser, a música e suas diver-
contribuem
sobremanei-
sas manifestações garantem igual-
ra para a exploração mais
dade a todos. Consequentemente, o
ampla de todo seu potencial
principal objetivo do Estatuto, parti-
criativo. Evidenciou-se, ao
cipação plena e igualdade na socie-
longo do processo, maior ca-
dade, é alcançado pela música.
pacidade de exteriorização
A título de exemplo, o músi-
de seus desejos, opiniões,
co Dudu do Cavaco7, quando expõe
sentimentos, ideias, enquan-
suas habilidades, rompe os limites
to participam das ativida-
sociais e revela seu domínio no âm-
des propostas e realizadas
bito musical. Quando ele realiza as
no ambiente escolar. Com-
apresentações é nítido que a música
putaram-se ganhos no seu
é um instrumento de integração que
desenvolvimento
cognitivo
o coloca em igualdade de condições
e sociocultural de maneira
com os demais indivíduos. Por isso,
aprazível, saudável e mais
nas palavras de seu irmão Leonardo
feliz. Ao desenvolverem ha-
Gontijo “A música é o maior instru-
bilidades, ampliou-se a au-
mento para superar os preconceitos.
toestima desses alunos e, por
Em um evento musical, não existem
consequência potencializou
diferenças e sim harmonia”. 8
88
7 Dudu é a própria inspiração para a construção desta obra, a quem agradecemos e dedicamos essa inspiração. 8 Fala exposta pelo Leonardo, irmão do Dudu, sobre sua integração social através da música, no site: www.dududocavaco.com.br, na aba de História do Dudu.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
Este é o objetivo do novo para-
to prioritário, a educação inclusiva e
digma: integrar socialmente aqueles
outras garantias já existiam antes da
que já foram excluídos mediante a
promulgação do Estatuto. No entanto,
consciência de que todos possuem
isso não era o suficiente.
particularidades.
A Constituição brasileira de 1988 já esclarecia em seus funda-
A MODIFICAÇÃO SOCIAL
mentos (art.3º) e nos Direitos e De-
DO ESTATUTO
veres Individuais e Coletivos (art.5º)
Nos últimos 35 anos, a situa-
a sociedade que deve ser alcançada.
ção da pessoa com deficiência ga-
E para conquistar essa sociedade,
nhou ainda mais atenção no mun-
em 2008, a Convenção da ONU sobre
do. O ano de 1981, por exemplo, foi
os Direitos das Pessoas com Defici-
declarado pela ONU o ano interna-
ência foi incorporada à legislação
cional da pessoa com deficiência e
brasileira. Desse modo, os indícios
teve como lema “Participação plena
das futuras transformações brasilei-
e igualdade”. Nesse tempo, diversas
ras ficaram evidentes. Finalmente,
foram as conquistas e os indivíduos
em 2015, foi promulgado o Estatuto
tomaram conhecimento da própria
da Pessoa com Deficiência ratifican-
existência enquanto cidadãos, exi-
do algumas normas já existentes e
gindo direitos civis, políticos, sociais
criando novos conceitos.
e econômicos. A sociedade teve que
A lei 13.146 teve forte impac-
se adaptar as circunstâncias aten-
to no ordenamento jurídico, pois a
dendo as reais necessidades da
deficiência deixou de ser, por si só,
pessoa com deficiência, pois, além
causa de incapacidade, alterando a
da inclusão de um grupo com pouca
capacidade civil descrita nos artigos
visibilidade na sociedade, essas con-
3º e 4º do Código Civil.
quistas marcaram o reconhecimento
Art. 3o São absolutamente
mútuo e coletivo da situação em que
incapazes
se encontravam muitos indivíduos
pessoalmente
com deficiência no país.
vida civil os menores de 16
os
exercer atos
da
(dezesseis) anos. 4o
São
incapazes,
to jurídico algumas mudanças aborda-
Art.
das pelo Estatuto foram anteriores a
relativamente a certos atos
sua criação. Em defesa da igualdade,
ou à maneira de os exercer:
a lei de acessibilidade, o atendimen-
I - os maiores de dezesseis e
A música como instrumento de inclusão e invenção social
89
Como no âmbito social, no âmbi-
de
menores de dezoito anos;
ou sensorial, o qual, em
II - os ébrios habituais e os
interação com uma ou mais
viciados em tóxico;
barreiras, pode obstruir sua
III - aqueles que, por causa
participação plena e efetiva
transitória ou permanente,
na sociedade em igualdade
não puderem exprimir sua
de condições com as demais
vontade;
pessoas.
IV - os pródigos.
§ 1o A avaliação da deficiência,
Parágrafo único. A capacida-
quando
de dos indígenas será regula-
biopsicossocial, realizada por
da por legislação especial.
equipe
necessária,
será
multiprofissional
e
interdisciplinar e considerará: O Estatuto considera pessoa
I - os impedimentos nas fun-
com deficiência aquela que tem im-
ções e nas estruturas do corpo;
pedimento de longo prazo de nature-
II - os fatores socioambien-
za física, mental, intelectual ou sen-
tais, psicológicos e pessoais;
sorial, o qual, em interação com uma
III - a limitação no desempe-
ou mais barreiras, pode obstruir sua
nho de atividades; e
participação plena e efetiva na so-
IV - arestrição de participação.
ciedade em igualdade de condições
§ 2o O Poder Executivo criará
com as demais pessoas (vide artigo
instrumentos para avaliação
2º). Ele ainda estabelece que, quan-
da deficiência.
do necessária, a deficiência será
Para garantir o Direito à Mo-
avaliada por análise biopsicossocial,
radia, por exemplo, o Estatuto ins-
realizada por equipe multiprofissio-
tituiu que o poder público adotará
nal e interdisciplinar. Assim sendo,
programas e ações estratégicas para
reconhece a subjetividade das rela-
apoiar a criação e a manutenção de
ções humanas e a importância de di-
moradia para a vida independente
versas áreas do conhecimento para
da pessoa com deficiência (vide ar-
determinar a deficiência.
tigo 31). Esse direito fundamental
Art. 2o Considera-se pessoa
assegura a dignidade e desconstrói
com
aquela
ainda mais a falsa ideia de incapa-
que tem impedimento de
cidade das pessoas com deficiência.
longo
natureza
Destarte, também garante ao indiví-
intelectual
duo autonomia de desenvolver diver-
90
física,
deficiência prazo
de
mental,
A música como instrumento de inclusão e invenção social
sos atos da vida civil e a oportunida-
deficiência em atividades artísticas,
de de superar as limitações sociais
intelectuais, culturais, esportivas e
impostas a ele.
recreativas, com vistas ao seu prota-
Art. 31. A pessoa com deficiên-
gonismo (vide artigo 43). Tal incen-
cia tem direito à moradia dig-
tivo é essencial para a construção
na, no seio da família natural
de uma identidade social ilimitada e
ou substituta, com seu cônjuge
para diversificar essas atividades. In-
ou companheiro ou desacom-
serir a pessoa com deficiência nesses
panhada, ou em moradia para
espaços gera benefício a todos, pois
a vida independente da pessoa
aumenta a acessibilidade e preserva
com deficiência, ou, ainda, em
Art. 43. O poder público deve público
promover a participação da
adotará programas e ações
pessoa com deficiência em
estratégicas
apoiar
atividades artísticas, intelec-
a criação e a manutenção
tuais, culturais, esportivas e
de moradia para a vida
recreativas, com vistas ao seu
independente da pessoa com
protagonismo, devendo:
deficiência.
I - incentivar a provisão de
§ 2 A proteção integral na
instrução, de treinamento e
modalidade de residência
de recursos adequados, em
inclusiva será prestada no
igualdade de oportunidades
âmbito do Suas à pessoa
com as demais pessoas;
com deficiência em situação
II - assegurar acessibilidade
de
não
nos locais de eventos e nos
disponha de condições de
serviços prestados por pessoa
autossustentabilidade,
ou entidade envolvida na
com
organização das atividades
§
poder para
o
dependência
vínculos
que
familiares
fragilizados ou rompidos.
de que trata este artigo; e
Os Direitos à cultura, ao espor-
III - assegurar a participação
te, ao turismo e ao lazer também são
da pessoa com deficiência
assegurados pelo Estatuto e, para
em
efetivar alguns desses, foi estabele-
recreativas, esportivas, de
cido que o poder público deverá pro-
lazer, culturais e artísticas,
mover a participação da pessoa com
inclusive no sistema escolar,
jogos
e
atividades
A música como instrumento de inclusão e invenção social
91
residência inclusiva. 1o O
a equidade de inúmeros direitos.
em igualdade de condições
lhor modo de assegurar a igualdade
com as demais pessoas.
de direitos. Sem dúvidas, com seus conceitos e direitos garantidos, a lei
Em todo o seu texto o Estatuto
13146, rompe com os padrões ante-
preza pelo respeito, pela autonomia
riormente estabelecidos e propõe
individual, pela liberdade de escolha
uma nova forma de garantir a digni-
e de opinião, pela não discriminação,
dade humana.
e, principalmente, pela igualdade. In-
A justiça estabelecida pelo Es-
dubitavelmente, com todas as suas
tatuto determina, principalmente,
garantias ele rompe diversos para-
uma nova forma de se pensar a de-
digmas e conduz o combate a estere-
ficiência. A deficiência agora é vista
ótipos e preconceitos. Portanto, todo
como uma peculiaridade comum a
esse esforço é primordial para alcan-
qualquer indivíduo e que, no entan-
çar uma sociedade justa e harmônica.
to, em contato com obstáculos, limi-
92
tam a participação plena e efetiva do CONCLuSÃO
indivíduo na sociedade em igualda-
A busca pela autonomia do in-
de de condições com os demais.
divíduo é um esforço para a inserção
A falsa ideia de incapacidade
e invenção de uma nova identidade.
da pessoa com deficiência e a gene-
Essa ruptura ético-jurídico-social do
ralização de como a deficiência afeta
Estatuto transforma uma identidade
os indivíduos também são descons-
subordinada aos diversos obstácu-
truídas pelo Estatuto. Afinal, ele re-
los sociais em uma face independen-
conhece a pluralidade humana e a
te. Tais conversões da lei iniciam-se
importância da interdisciplinaridade
com as propostas de medidas de
para lidar com as individualidades.
igualdade de condições da pessoa
O Estatuto da Pessoa com De-
com deficiência com as demais pes-
ficiência é recente, no entanto, já
soas na sociedade.
introduziu diversas mudanças na
Tentando alcançar um país
sociedade. Dessa forma, garante a
mais justo e inclusivo, o Estatuto
oportunidade da população se supe-
implicita a alteridade pensada por
rar em Direitos Humanos e de cons-
Lévinas, tratando essa como o me-
truir novos conceitos.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
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A música como instrumento de inclusão e invenção social
LEITURA SOBRE O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIALEI 13.146/15: Olhar sobre a igualdade diante da diferença Bernardo Gomes Barbosa Nogueira* Raphael Furtado Carminate ** Guilherme de Campos abreu costa *** Isabela Costa Pereira ****
* Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. ** Doutorando e mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professor de Direito Civil. *** Acadêmico da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. **** Acadêmica da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
95
A música como instrumento de inclusão e invenção social
INTRODuçÃO
forma, ou em algum gênero, cada um
O presente artigo abordará a
irá se encontrar ou se inventar, como
música como instrumento de inclu-
é o caso do músico Eduardo Gontijo,
são e invenção social como tema cen-
conhecido como Dudu do Cavaco1. Da-
tral do presente artigo, para tanto,
qui em diante, vamos traçar as mu-
analisaremos o Estatuto da Pessoa
danças trazidas pelo Estatuto da Pes-
com Deficiência sob a ótica da ética
soa com deficiência (Lei 13.146/15) a
da alteridade do filosofo Emmanuel
partir do olhar ético segundo traba-
Lévinas. Além deste presente texto,
lha Emmanuel Lévinas.
outras áreas do conhecimento, tais
Analisando os preceitos dis-
como, a Fisioterapia, Psicologia e Pe-
postos na Lei de Inclusão da Pessoa
dagogia, irão trabalhar seus respec-
com Deficiência podemos vislumbrar
tivos assuntos, possuindo como eixo
a elaboração de normas que trazem
central: a música como instrumento
em seu texto certa diferenciação da
de inclusão e invenção social.
pessoa com deficiência em relação
Assim, juntos possuímos o
aos sujeitos que não possuem tais
objetivo de ampliar o tema falando
necessidades, tentando, deste modo,
da influência que a música tem em
atingir uma igualdade2 material, en-
pessoas com deficiência, em sua rea-
tre estes indivíduos.
bilitação, na construção do conheci-
Percebemos na sociedade con-
mento, no desenvolvimento cognitivo
temporânea que o agravamento das
e mais especificamente neste texto,
desigualdades nada mais é que um
a importância de ver, conhecer e
desdobramento de nossas relações
reconhecer o outro demonstrando
interpessoais e das ações realiza-
como as diferenças tornam cada hu-
das pelo Estado. A lógica individu-
mano um universo único e especial.
alista na qual estamos inseridos
A música entra como o ponto
reproduz em suas consequências o
em comum de equilíbrio entre as áre-
retardamento dos avanços sociais e
as e os próprios grupos sociais, já que
o agravamento das crises institucio-
ela infinita as pessoas e de alguma
nalizadas. O filósofo francês Gilles
96
1…quando eu estou tocando, eu pego a minha emoção e coloco no meu cavaquinho e jogo para todo mundo… e me sinto Feliz! (Dudu do cavaco, site do instituto Mano Down: http://www.manodown.com.br/) 2 Para alcançar a efetividade do princípio da igualdade, haveria que se considerar em sua operacionalização, além de certas condições fáticas e econômicas, também certos comportamentos inevitáveis da convivência humana. Apenas proibir a discriminação não garantiria a igualdade efetiva. Daí surgiu o conceito de igualdade material ou substancial, que se desapegava da concepção formalista de igualdade, passando-se a considerar as desigualdades concretas existentes na sociedade, de maneira a tratar de modo dessemelhante situações desiguais.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
Lipovetsky afirma que essa lógica
tologia uma versão crítica, na qual,
individualista é a expressão do de-
a ética é anterior ao pensamento so-
saparecimento da moral, somado a
bre o ser.
uma crise de sentido e valores: Outrem permanece infinitaAs lógicas económicas e
mente transcendente infini-
culturais do universo indi-
tamente estranho, mas o seu
vidualista conduzirão in-
rosto onde se dá sua epifânia
discutivelmente à guerra
e que apela para mim, rompe
de todos contra todos, ao
com o mundo que nos pode ser
cinismo, ao egoísmo gene-
comum cujas virtualidades se
ralizado, à degradação das
inscrevem na nossa natureza
relações sociais, em sín-
e que desenvolvemos também
tese, a uma sociedade sem
a nossa existência.” (LEVINAS,
alma, nem fim, nem senti-
Totalidade e infinito)
do. (LIPOVETSKY, 2013) Em relação à formação da Neste contexto, a implemen-
sociedade e das necessidades ge-
tação de políticas públicas, que
rais, temos o eu e o outro envol-
rompem com a lógica individualis-
vidos numa relação complexa que
ta e buscam através de ações afir-
não consiste apenas no eu consigo
mativas ou de normas igualitárias
mesmo, ou com o outro somente,
uma efetiva igualdade material, é
mas em um emaranhado de seres
de suma importância para o alcance
humanos, que se relacionam na
de resultados imediatos ou não, em
pluralidade da existência. Na pla-
relação às igualdades em direitos e
taforma da individualidade tem-se
oportunidades.
as necessidades pessoais de cada
Ainda nestas circunstâncias
sujeito, seja ela uma básica e ofer-
de negação do outro3, o filósofo
tada pelo Estado ou alguma que
Emmanuel Levinas compreende um
reclama apoio social. No segundo
novo sentido para a valorização da
grupo vê-se a figura do outro, que é
ética humana. Ele constrói sob a on-
também a coletividade e, de acordo
A música como instrumento de inclusão e invenção social
97
3 Seria uma caminhada para o infinito. O outro em Lévinas é um abismo que nos convida a des-conhecer. Desconcertando nossas miradas e trazendo vertigem às certezas de nosso olhar. Ante o abismo infinito e indecifrável do outro devemos nos prostrar, como ante um deus. (NOGUEIRA, Será que o homem voa?, 2013)
com Levinas, em sua obra Totali-
A MÚSICA PERSONIFICADA
dade e infinito é nossa hipótese
ATRAVéS DO AMOR PARA
para enxergar o mundo, pois, o
COM O OuTRO
acesso ao rosto que não é seu te
Conhecer a história de Edu-
torna responsável por ele.
ardo Gontijo, o “Dudu do Cavaco”, nos faz aproximar do amor ge-
Outrem permanece infinita-
nuíno pelo outro. Através de sua
mente transcendente infini-
música6 Dudu nos faz ver que re-
tamente estranho, mas o seu
almente é diferente. Sua arte não
rosto onde se dá sua epifa-
se limita apenas às cordas de seu
nia e que apela para mim,
instrumento, ela transcende. Atra-
rompe com o mundo que nos
vés do seu sorriso demonstra que a
pode ser comum cujas vir-
felicidade é feita para ser compar-
tualidades se inscrevem na
tilhada. E seu compartilhamento é
nossa natureza e que desen-
espontâneo, pois seu compasso na-
volvemos também a nossa
tural é o amor.
4
existência. (LEVINAS, 1961)
Romper com o comum e atingir a máxima através do som, da poesia,
A ética5 alteridade, segundo
dos números travestidos em formas
propõe Levinas em sua obra, con-
de música. Essa melodia que entra em
siste em se abrir para o que o ou-
nossos corações faz confundir nos-
tro apresenta de diferente em sua
sos conceitos mais arraigados. Sua
relação com o eu que merece ser
simplicidade, leveza e amor nos leva
respeitado como é sem que ele seja
a um ponto comum. Local onde nos
punido com a rejeição por sua par-
percebemos humanos. As notas emiti-
ticularidade – ação que sustenta as
das por um cavaco se confundem com
relações fundadas no logos, que é
o pensamento. O pensamento agora
destronado a partir do pensamento
baila e concluí que não importa a per-
em questão.
gunta, a resposta é o amor.
98
4 Aparecimento ou manifestação reveladora de qualquer divindade. na obra pode ser entendido por aparecer, estar na luz, este que tornará claro quem é e como estabeleceremos nossa relação ética. 5 Levinas, classifica a ética como filosofia, a qual, as outras surgem como ramos. Para ele, a ética consiste não em uma lei ou código moral, mas em um movimento de encontro face a face com o outro. 6 Desde bebê já participava das rodas de samba da família e tomou gosto pela música. Sempre atento, observava todos os movimentos e repetia(...) Muito estimulado por seus primos e seus tios, Eduardo, foi sendo despertado para a música. A música foi uma ferramenta de desenvolvimento. Foi e é sua grande companheira.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
O Dudu do Cavaco hoje é um
todas as pessoas têm deficiências di-
ícone da esperança do de-
ferentes e podem seguir sua própria
senvolvimento e de uma in-
trajetória como lhe é possível. Pro-
clusão mais justa em nossa
porcionar essa liberdade para essas
sociedade. A conclusão que
pessoas é o intuito do Estatuto da
chegamos é que a sensibili-
Pessoa com Deficiência e o principal
dade dos músicos é linda.
questionamento acerca disso é se o
A música é o maior instru-
Estatuto esse tem cumprido o papel
mento para superar os pre-
seu ético para com o todo social.
conceitos. Em um evento musical, não existem diferenças
ESTATUTO E A LÓGICA
e sim harmonia.
INDIVIDUALISTA
Construir a igualdade e con-
mentais é importante reconhecer
quistar a liberdade através do amor
que antes mesmo do Estatuto, a in-
é a filosofia do Dudu e das pessoas
clusão já vem redigida desde o arti-
que o cercam. Vivenciar um mundo
go 5°ao 11° da Constituição federal
livre de preconceitos, discrimina-
de 1988, também chamada Consti-
ções e ódio é o que sua música ex-
tuição cidadã. Neles são previstos
pressa. Essa ação do Dudu o torna
parte dos direitos e garantias funda-
um ser singular. É fácil visualizar
mentais de todo cidadão brasileiro.
Dudu como um ser único, porém, sua
No Artigo 5° o princípio da
peculiaridade é comum, afinal todos
igualdade, da liberdade, da vida e da
somos singulares.
segurança são expostos em seu con-
Nossa singularidade deve ser
teúdo e se relacionam com o tema in-
visualizada não como algo ruim,
clusão na medida em que asseguram
mas sim, como a individualização
a todo cidadão a igualdade perante a
da nossa identidade enquanto seres
lei, sem distinção de qualquer natu-
únicos. Estar aberto a essa singula-
reza. A igualdade é um pilar para a
ridade é deixar o outro vir como ele
democracia, que foi consagrada no
é, estar desde sempre por ele res-
Brasil com o surgimento da CF de
ponsável, isso é um pouco do que a
1988 que traz em seu parágrafo único
alteridade de Lévinas nos ensina.
do Artigo 1° o poder como exercício
Através de sua representação
do povo, para o povo e exercido por
livre e autônoma Dudu mostra que
ele ou por representantes escolhidos.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
99
Ao falar sobre Direitos funda-
Todos são iguais perante a
Diante das implementações
lei, sem distinção de qualquer
normativas trazidas pelo Estatuto,
natureza, garantindo-se aos
os próximos capítulos abordarão de
brasileiros e aos estrangeiros
forma específica as principais dispo-
residentes no País a inviola-
sições que buscam a igualdade ma-
bilidade do direito à vida, à
terial entre os sujeitos. Buscaremos
liberdade, à igualdade, à segu-
realizar uma crítica aos parâmetros
rança e à propriedade (CONS-
sociais já estabelecidos e analisar
TITUIÇÃO, 1988, art. 5°, caput)
a igualdade sobre a ótica do outro, assim como ensina o filosofo francês
100
A Constituição procura tornar
Emmanuel Lévinas.
menores os degraus que distanciam
Em uma sociedade plural, di-
as diferenças físicas, intelectuais
versificada e líquida7, por vezes a
ou de qualquer outro caráter. Sen-
diferença é uma face por vezes não
do assim, é uma reafirmação para
observada. Contudo, a construção
o Direito ao acesso igual para todos
histórica e cultural que marca a
a tudo que for necessário e estiver
identidade de cada indivíduo peran-
disponível. no Estatuto da Pessoa
te o meio social o torna um ser sin-
com deficiência isso é trazido em um
gular, assim como sua especificidade
dos seus artigos que conceituam a
física que também bem lhe é única.
capacidade da pessoa com deficiên-
na sociedade liquida, conforme
cia e seu exercício: “A pessoa com
conceituações de Zygmunt Bauman
deficiência tem assegurado o Direito
são efetuadas construções sociais
ao exercício de sua capacidade legal
desorganizadas, pois as relações
em igualdade de condições com as
sociais de pensamento coletivo tor-
demais pessoas”.
naram-se voláteis, fazendo com que
no contexto do Estatuto da
referenciais teóricos de construção
pessoa com deficiência é possível
coletiva não sejam utilizados. nestes
identificar que ser ético é sentir
termos, os sujeitos, inconscientemen-
que o outro, sendo aparentemente
te, criam um sistema de construção
diferente ou não, necessita ser res-
individual, no qual o indivíduo, por
peitado, uma vez que o outro é quem
exemplo, se entende livre para efetu-
possibilita ao eu sua própria exis-
ar sua própria construção de consci-
tência, logo, constitui na alteridade
ência de classe. neste sentido o filó-
a hipótese da linguagem.
sofo Zygmunt Bauman afirma que a
A música como instrumento de inclusão e invenção social
liquidez é justamente essa inconstân-
é necessário observar a diferença
cia e incerteza que a falta de pontos
como um ponto comum, entenden-
de referência socialmente estabeleci-
do que como seres materialmente
dos e generalizadores gera.
diferentes, necessitamos de provi-
Nosso desenvolvimento estru-
mentos diferentes para nossa exis-
tural societário tem demonstrado que
tência. Realizar essa observação
a lógica individualista de construir a
rompe com o padrão individualista
igualdade transforma algumas dife-
já instituído e permite que estabele-
renças em desigualdades. A garantia
çamos outro padrão, qual seja, cons-
ou não de oportunidades e acesso aos
truir a igualdade tendo como base a
direitos são fundamentados na inter-
diferença. Neste sentido, José Luiz
pretação subjetiva, inconsciente e
Quadro de Magalhães ao tratar so-
cultural que fazemos das diferenças.
bre o Pluralismo Epistemológico
Estabelecemos desigualdades subs-
afirma que:
tanciais e as normalizamos, fazendo com que a desigualdade se torne um sinônimo da diferença.
Não pode haver cultura vencedora, nem sistema econômico (economia gera cultu-
Existe uma multiplicidade
ra) vencedor, e é claro não
de diferenças, contudo, al-
pode haver uma filosofia
gumas, por sua interpreta-
ou uma epistemologia ven-
ção nos jogos de poder das
cedora. Assim todos perde-
relações sociais e culturais,
mos, e muito, pois perdemos
colocam os sujeitos que se
a diversidade, a possibili-
identificam com elas no cam-
dade de ver mais, compre-
po da discriminação, do pre-
ender mais, a partir de um
conceito e da não garantia de
sistema que possibilite a
direitos. (BATISTA, 2015)
percepção de complementaridade presente na diver-
Para romper com essa lógica
sidade e sistematicamente
A música como instrumento de inclusão e invenção social
101
7 São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que nossos contemporâneos sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de ‘grupos de referência’ predeterminados a uma outra de ‘comparação universal’, em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual (…) não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosa e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo. (BAUMAN, 2001)
negada pela modernidade.
mento da diferença, agora não mais
(MAGALHÃES,2012)
como uma característica de exclusão, ao contrário, trocando a ideia
O Estatuto da pessoa com
de incapacidade e dependência,
deficiência aos olhos do senso co-
dando espaço para a autonomia, a
mum pode parecer discriminatório
capacidade e a independência.
por descrever condutas, ações e até
O artigo 3° do Estatuto da pes-
mesmo identificar como diferentes
soa com deficiência deixa claro o Di-
as pessoas com deficiência. Mas,
reito à acessibilidade8 para todos. A
quando é avaliado vê-se a necessi-
utilização de locais públicos móveis e
dade disso para a inclusão global
imóveis é integral a todos os cidadãos
dos indivíduos e para que esses não
e por isso é necessário que esteja ao
fiquem nos porões mas tenha livre
alcance de todos. Logo, para atingir
acesso à cidade.
a máxima dessa teoria são necessárias mudanças, alterações dentro de
ESTATuTO E A éTICA DA
uma estrutura, no caso, a cidade e
ALTERIDADE
seus espaços, para que seja possível
Emmanuel Levinas em seu
o acesso de forma independente ao
102
conceito trabalha o dever ético im-
que for preciso e necessário.
plícito na alteridade, que segundo
O capítulo II do Estatuto da
ele é a relação com o outro, que não
Inclusão da Pessoa com Deficiên-
pode ser apanhado pelo nosso en-
cia através de seus artigos, propõe
tendimento, ou seja, não trata-se de
ações que enfatizam a capacidade
reconhecer sua diferença, mas sa-
das pessoas com deficiência para
ber que ele é sua responsabilidade.
atos comuns da vida civil e trazem
Em sua concepção a verda-
ações afirmativas (facultando aos
deira ética não é unir-se mas é o
seus beneficiados a utilização des-
contato rosto a rosto, na obra Éti-
tas), que possuem o intuito de pro-
ca e Infinito Levinas expõe que: “O
porcionar uma efetiva igualdade
rosto fala. Fala porque é ele que
material entre os sujeitos. O supra-
torna possível e começa o discur-
mencionado capítulo define em seu
so” (Levinas, 2000b, p.79).
primeiro artigo que: “Toda pessoa
O conceito do filósofo é lem-
com deficiência tem Direito à igual-
brado quando o Estatuto da Pessoa
dade de oportunidades com as de-
com deficiência auxilia no entendi-
mais pessoas e não sofrerá nenhu-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
ma espécie de discriminação”.
vil aos portadores de necessidades
Analisando este capítulo res-
especiais. Percebemos que com a
ta evidenciado que o legislador quis
criação do Estatuto da Pessoa com
demonstrar que os portadores de
deficiência o tratamento face à capa-
deficiência são plenamente capa-
cidade destas pessoas foi alterado.
zes para reivindicarem e exercerem
Anteriormente o artigo 3º dispunha
seus direitos, devendo ser punido
em seu texto de forma taxativa que
qualquer ato ou atitude discrimina-
as pessoas que por enfermidade ou
tória contra estes.
deficiência mental não tiverem o ne-
Observamos através das nor-
cessário discernimento para a prá-
mas instituídas pelo Estatuto que este
tica desses atos eram consideradas
busca através de seus artigos trazer
absolutamente incapazes. Com a
uma ruptura da lógica individualista
nova elaboração normativa do Esta-
na qual estamos inseridos. Seus arti-
tuto percebemos que essa imposição
gos forjam uma sociedade mais ética e
foi totalmente flexibilizada.9
inclusiva, ocupada com o outro.
A título de exemplo, antes da
Essa relação Ética que o Es-
promulgação do Estatuto, os indiví-
tatuto propõe se aproxima da ética
duos que por enfermidade ou defici-
da Alteridade de Emanuel Levinas,
ência mental não tiverem o necessá-
pois, observando os artigos do Esta-
rio discernimento para a prática do
tuto percebemos que ele não institui
ato ou os sujeitos antes denomina-
uma relação ética de união, mas sim,
dos excepcionais que não possuíam
estabelece uma relação pautada na
desenvolvimento mental completo,
construção “face a face”. Neste sen-
eram considerados absolutamente
tido, Lévinas expressa: “na relação
ou relativamente incapazes, isto é,
interpessoal, não se trata de pensar
não poderiam exercer atos da vida
conjuntamente o Eu e o Outro, mas
civil ou precisariam da anuência de
de estar diante. A verdadeira união
seus responsáveis para a concretude
ou junção não é uma função de sínte-
destes. Atualmente os indivíduos com
se, mas uma junção de frente a fren-
essas enfermidades ou deficiências
te” (Levinas, 2000a, p.69)
podem realizar os atos da vida civil,
Nesse sentido, um ponto ino-
desde que esses atos não possuam
vador e polêmico do Estatuto é a
qualquer nulidade, como define o ar-
regulamentação da capacidade ci-
tigo 166 e seguintes do Código Civil.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
103
8 Acessibilidade é a qualidade do que é acessível, ou seja, é aquilo que é atingível, que tem acesso fácil, é um substantivo feminino que está relacionado àquilo que tem facilidade de aproximação, no trato e na aquisição.
neste norte foi elaborado o
a norma funda-se em um vínculo de
inovador instituto da tomada de de-
responsabilidade, pois, no momento
cisão apoiada, onde é deflagrado um
em que o Estatuto se personifica,
processo judicial no qual o indivíduo
humanizando-se, coloca-se de fren-
com desenvolvimento mental incom-
te para o outro, assumindo, desta
pleto elege ao menos duas pessoas
forma, a responsabilidade por ele.
de sua confiança que fornecerão a ele
Esta é uma relação desinteressada.
elementos e informações necessárias
Ele (Estatuto) não se relaciona com
para que o mesmo possa tomar deter-
o Outro porque deseja algo em troca
minada decisão a respeito de atos da
mas sim pelo simples fato de estar
sua vida civil. Uma vez iniciado este
com ele. É essa relação de desinte-
procedimento, o juiz, juntamente com
resse que permite a presença do ou-
o representante do Ministério Públi-
tro ser na Constituição do Estatuto.
co e uma equipe multidisciplinar, irão analisar e decidir a respeito da viabi-
CONCLuSÃO: PARA uMA
lidade desta pretensão.
SOCIEDADE éTICA
Além do código civil, no ca-
Analisamos algumas das dis-
pítulo I, artigos 1° ao 5°, o Estatuto
posições e das inovações implemen-
em um dos seus artigos trata a dis-
tadas pelo Estatuto da Pessoa com
posição que fala sobre a igualdade
deficiência e percebemos que o texto
perante a lei e o reconhecimento. “A
do Estatuto trouxe uma nova forma
pessoa com deficiência tem assegu-
de tratamento civil em relação aos
rado o Direito ao exercício de sua
sujeitos destinatários das disposi-
capacidade legal em igualdade de
ções ali inseridas. Com uma nova ló-
condições com as demais pessoas”.
gica inclusiva o Estatuto proporcio-
verificando as alterações rea-
na as pessoas que antes eram vistas
lizadas e os artigos supramenciona-
como incapazes uma nova perspecti-
dos resta evidenciado que o Estatuto
va de participação autônoma em sua
da Pessoa com deficiência estabele-
vida privada e pública.
ce uma relação de face a face com o
Para além das normas observa-
Outro. Deixando clara uma possível
mos um novo olhar ético do Estatuto.
relação com a ética levinasiana pre-
Percebemos que ele traz uma valo-
sente no Estatuto. Percebemos que
rização do outro, demonstrando sua
104
9 Com a criação do Estatuto, os artigos do Código Civil que tratam da capacidade civil foram alterados, sendo revogados incisos do artigo 3º e 4°, sendo que a Capacidade Civil dos deficientes, sob uma análise apriorística é plena
A música como instrumento de inclusão e invenção social
importância e tendo toda uma aten-
um facilitador, onde os agentes pos-
ção especial com suas necessidades
suem total legitimidade e liberdade
mais específicas. O Estatuto efetua
para definirem seus rumos.
uma troca de linguagem, onde ele se
Desta forma, vislumbramos
posiciona face a face, na interlocução
uma nova forma de atuar do Esta-
com as pessoas com deficiência.
tuto. Suas disposições espalham
“A linguagem, então, não é
liberdade, autonomia, segurança,
apenas sobre nomear, apre-
acessibilidade e oportunidades. Po-
sentar um tema, alcançar o
rém, para sua aplicabilidade real
conhecimento, etc. Pelo con-
será necessária uma atuação eclé-
trário, ela se origina no re-
tica e colaborativa.
lacionamento face a face. A
Assim, acreditamos que um tra-
outra pessoa surge e seu sur-
balho multidisciplinar, realizado entre
gimento exige nossa respos-
a partir dos mais variados campos
ta” (HUTCHENS, 2007).
do conhecimento, povoado pelas prófamílias destas pessoas talvez seja o
tatuto não é como a de um manual
caminho. Uma vez que a estrada se
impositivo a ser seguido pelas pes-
dá apenas na medida e em direção do
soas com algum tipo de deficiência.
outro, que vem e que nos inaugura no
Pelo contrário, ele se posiciona como
mundo – responsabilizando-nos.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
105
prias pessoas com deficiência e pelas A resposta realizada pelo Es-
REFERÊNCIAS BAUMAn, Zygmunt – Modernidade Líquida – Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed 2001 BRASIL, Lei 13.146/15, Site: Planalto.gov.br BRASIL, Lei 13.146/15, art. 4, Site: <Planalto.gov.br> BRASIL, Lei 13.146/15, art. 6, Site: <Planalto.gov.br> BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: vade mecum- edição: 2016 COSTA, Márcio Luis. Levinas: uma introdução. Tradução de J. Thomaz Filho. Petrópolis: vozes, 2000 HISTÓRIA, Disponível em: <http://www.dududocavaco.com.br/historia/> HUTCHEnS, Benjamin C. Compreender Lévinas. Trad. vera L. M. Joscelyne. Petrópolis: vozes, 2007. Instituto Mano Down, blog: <http://www.manodown.com.br/> LEvInAS, Emmanuel: Ética e Infinito. Traduzido por João Gama. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2000b. LEvInAS, Emmanuel, Totalidade e Infinito. Traduzido por RIBEIRO, José Pinto. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2000ª LIPOvETSKy, Gilles. Uma Sociedade sem Alma. Disponível em: <http://www.esenviseu. net/recursos/Download/Tema_28/Uma_Sociedade_Sem_Alma.pdf> MAGALHãES, José Luiz Quadros. Pluralismo epistemológico e modernidade. Disponível em: <http://joseluizquadrosdemagalhaes.blogspot.com.br/2012/12/1274pluralismo-epistemologico-e.html> MELLO, nélio vieira de. A ética da alteridade em Emmanuel Levinas. Porto Alegre: EDIPCURS, 2003. TRInDADE, nicolas da Silva, Da igualdade formal a igualdade material, Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_ leitura&artigo_id=12556>
106
vALÉRIO, Juliana Batista de Diniz. Diversidades étnico-raciais, sexuais e de gênero. Disponível em: < http://blog.newtonpaiva.br/pos/educacao-sem-homofobiaum-olhar-para-a-diversidade/>
A música como instrumento de inclusão e invenção social
O acesso à cultura como local de invenção do outro Bernardo Gomes Barbosa Nogueira* Raphael Furtado Carminate ** Gabriela de Oliveira Silva*** Suzanna Luíza Pereira Soares****
* Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. ** Doutorando e mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professor de Direito Civil. *** Acadêmica da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. **** Acadêmica do curso de Direito pela Universidade Federal de Uberlândia.
107
A música como instrumento de inclusão e invenção social
INTRODuçÃO
tória relevância considerando que
O presente trabalho visa uma
aborda uma problemática atual no
análise crítica da Lei nº 13.146 co-
Direito e consequentemente no es-
nhecida como Estatuto da Pessoa
tabelecimento das relações sociais.
com Deficiência que trouxe consigo
Recentemente sancionado, o Esta-
uma série de mudanças, como uma
tuto encontra ainda barreiras para
alteração no regime da capacidade,
sua real e total adaptação. Por isso
no direito de constituir família e ou-
faz-se necessário seu estudo e críti-
tras mudanças que serão discutidas
ca, para que nesse início de vigência
no texto. Contudo, o foco central do
possamos entendê-lo melhor e apli-
estudo é com relação à Pessoa com
cá-lo de forma efetiva para alcançar
Síndrome de Down, centralizando o
resultados reais e, principalmente,
estudo na aplicação da Lei na vida
transformadores.
dessas e os benefícios trazidos e mudanças ocorridas.
Infelizmente ainda não há números provenientes de investigações
O Estatuto que vige desde 06
de campo sobre a população com
de Julho de 2015, institui a Lei Bra-
Down e outras informações relacio-
sileira de Inclusão da Pessoa com
nadas a essa temática no âmbito das
Deficiência e objetiva assegurar e
pesquisas demográficas. no último
promover as liberdades e direitos
censo demográfico, feito em 2010
fundamentais para a inclusão na
pelo Instituto Brasileiro de Geogra-
sociedade e o verdadeiro exercício
fia Estatística, 23,9% das pessoas
da cidadania pela pessoa com defici-
que participaram da pesquisa decla-
ência. Tal inclusão e cidadania toma
raram ter deficiência, e dessa por-
forma nesse Estatuto sob a égide
centagem 2.617.025 pessoas teriam
do principio e direito fundamental
deficiência intelectual.1 Embora não
da igualdade, que concede à pessoa
tenha uma especificação das causas
com deficiência o pleno exercício de
da deficiência intelectual das quais
sua capacidade civil, ou seja, as do-
são tratadas nesse censo.
enças e deficiências deixaram de ser motivo, por si só, de incapacidade O tema aqui tratado é de no-
Há uma mera estimativa do número de pessoas com síndrome de Down no Brasil, de que a cada 700 nas-
108
1 CEnSO DEMOGRáFICO 2010. Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em:<ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/caracteristicas_religiao_deficiencia.pdf>. Acesso em: dez. 2016
A música como instrumento de inclusão e invenção social
cimentos, uma criança nasce com a
e acesso às fontes da cultura nacio-
síndrome. Assim, segunda essa estima-
nal, e apoiará e incentivará a valori-
tiva, o Brasil teria cerca de 270 mil pes-
zação e a difusão das manifestações
soas com a Síndrome de Down. (Fonte:
culturais.”) e a dignidade como míni-
IBGE Censo Demográfico 2000).
mo fundamental a existência huma-
2
Além de estudar e estabelecer
na, nota-se que a Constituição Brasi-
críticas à Lei aqui referida, o traba-
leira foi mais além e buscou garantir
lho visa também propor formas da
a todos a inclusão escolar, cultural e
melhor eficácia social da lei, ou seja,
ainda tantas alternativas como meio
não somente apontar os pontos crí-
de efetivar o acesso necessário e
ticos, mas buscar medidas que me-
adequado para que ocorra um de-
lhorem os mesmos e mais que isso,
senvolvimento intelectual e social,
medidas que sejam eficazes na inte-
aproximadamente 24% da população
gração da pessoa com Síndrome de
nacional enfrenta alguma barreira
Down no seu círculo social.
na hora de exercer essa garantia: as
Segundo o centro de informa-
pessoas com deficiência. Essa dificul-
ções sobre projetos e iniciativas “Arte
dade de acesso à Cultura dificulta a
para Incluir” , embora 1,2 em cada 5
inclusão da pessoa com deficiência,
brasileiros possua algum tipo de defi-
uma vez que “a partir das impressões
ciência, apenas uma pequena parcela
artísticas, sejam elas ocasionadas
da programação cultural no país con-
pela fruição ou pelo desenvolvimen-
ta com recursos de acessibilidade.
to da arte, é possível promover a in-
3
4
Embora a cultura seja um di-
clusão social desses indivíduos, bem
reito de todo cidadão, (assegurado
como impulsionar o empoderamento
em nossa Carta Magna de 1988, Art.
e protagonismo.” 5
215 “O Estado garantirá a todos o
Tal protagonismo torna-se cen-
pleno exercício dos direitos culturais
tro das atenções em Convenções da
A música como instrumento de inclusão e invenção social
109
2 MOVIMENTO DOWN. Estatísticas. Disponível em: <http://www.movimentodown.org.br/2012/12/estatisticas/>. Acesso em: 10 nov. 2016. 3 O site Arte para Incluir tem o objetivo de ser um centro de informações sobre projetos e iniciativas que proporcionam à pessoa com deficiência a possibilidade de construir seu próprio olhar sobre a arte. Ele nasceu a partir de duas disciplinas do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP, sob a orientação das docentes Daniela Osvald e Mônica Rodrigues Nunes. O site está no ar desde 2015. http://arteparaincluir.com.br/. Acesso em: dez. 2016 4 ARTE PARA INCLUIR. A arte como ferramenta de inclusão social para pessoas com deficiência. Disponível em: <http://arteparaincluir.com.br/>. Acesso em: 10 dez. 2016. 5 ARTE PARA INCLUIR. A arte como ferramenta de inclusão social para pessoas com deficiência. Disponível em: <http://arteparaincluir.com.br/>. Acesso em: 10 dez. 2016.
OnU e acaba de ser recepcionado em
aquela matéria. Acabando não agre-
nosso ordenamento jurídico por meio
gando os saberes de outras “reali-
da alteração do Código Civil com a
dades”, principalmente das ciências
mudança da definição de capacidade
que não se aproximam tanto do seu
em seu artigo 4 inciso III (“aqueles
campo de domínio. Gerando assim
que, por causa transitória ou per-
uma pesquisa de resultado especí-
manente, não puderem exprimir sua
fico e perigosamente o exagero da
vontade”). O intuito dessa alteração é
especificação.
fazer com essas pessoas recebam de
Embora a pluridisciplinarida-
forma adequada o apoio necessário
de, a interdisciplinaridade e a dis-
para tomada de decisões, suas vonta-
ciplinaridade “sejam flechas de um
des e aspirações sejam respeitadas e
único e mesmo arco: o Conhecimen-
não mais sejam integralmente repre-
to” 7, a primeira e a segunda não são
sentados criando provavelmente um
sinônimos. A pluridisciplinaridade
cerceamento de direitos.
é quando um objeto de determina-
A interdisciplinaridade e a plu-
da disciplina é estudado por várias
ridisciplinaridade são a finalidade da
outras disciplinas, todas ao mesmo
pesquisa disciplinar. Quando falamos
tempo. Ou seja, é um objeto observa-
em disciplinariedade no âmbito das
do por varias “realidades” diferentes.
investigações cientificas dizemos que
Enquanto a interdisciplina-
o estudo tem caráter de especifici-
ridade significa o empréstimo dos
dade e de mergulho a fundo no tema
métodos e conhecimentos de ou-
tratado. nicolescu diz que a pesquisa
tras ciências para uma determina-
disciplinar diz respeito, no máximo a
da disciplina, podendo até mesmo,
um único e mesmo nível de Realida-
em determinado grau, criar uma
de; aliás, na maioria dos casos, ela
terceira e nova disciplina. Aqui o
só diz respeito a fragmentos de um
objeto é estudado por uma “reali-
único e mesmo nível de Realidade.
dade”, porém essa agrega métodos
6
Ou seja, a pesquisa discipli-
de várias outras realidades para
nar opta por estudar somente uma
um olhar múltiplo e mais abran-
disciplina e suas ramificações, mas
gente. não se perde, porém, a espe-
sempre dentro da “realidade” que é
cificidade, pois ainda é desdobra-
110
6 nICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Triom : São Paulo, 1999. p.22 7 nICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Triom : São Paulo, 1999. p.23
A música como instrumento de inclusão e invenção social
mento da pesquisa disciplinar, mas
1. Deficiência e seu
não carrega consigo as especifica-
histórico
ções em demasio.
sócio-jurídico-cultural
A interdisciplinaridade é ba-
Ficou evidente em nossos es-
silar na construção dessa pesquisa
tudos que a deficiência era descrita
uma vez que a inclusão social não
como uma tragédia pessoal, e base-
se faz somente pela forma da lei,
ava-se na ideia de que uma criança
mas com a união de vários ramos
nascida fora dos padrões ditos nor-
das ciências e principalmente da
mais era resultado da ira dos deuses
atuação diária nas comunidades e
ou até mesmo explicações absurdas
nas vidas das pessoas com defici-
como fruto de pecados cometidos pe-
ência e do seu circulo de convivên-
los pais ou até mesmo uma maldição
cia. A inclusão social carece de ser
vinda do céu. A deficiência era vista
olhada por variadas ciências e suas
então como um fardo a ser carrega-
“realidades”, para que essa seja
do por toda vida.
verdadeira e abrangente quando
A consequência dessa visão
exercida no meio social, sabendo
antiquada gerou o cometimento de
reconhecer as diferentes realidades
crimes como o infanticídio e também
sócias que irá encontrar e assim as
o isolamento social que se baseava
transformar.
na ideia que a pessoa por não se
Focaremos aqui na questão do acesso à cultura pelos deficientes
adequar ao padrão dito normal, não poderia ser incluída na sociedade.8
e de que forma a legislação, espe-
Com o intuito de compreen-
cialmente o Estatuto da Pessoa com
dermos melhor essa visão despro-
Deficiência, atua de maneira a asse-
porcional sobre a normalidade ini-
gurar tal acesso. Importante se faz a
cialmente buscamos responder a
investigação não somente do tópico
seguinte pergunta: Afinal o que é a
anterior, mas que, a Lei vem garan-
normalidade? Segundo o dicionário
tir não um mero acesso à cultura,
de filosofia (2003) está conceituado
mas o acesso da pessoa deficiente
por Abbagnano como “aquilo que
como protagonista e autor de sua
está em conformidade com a nor-
própria jornada.
ma”; aquilo que está em conformida-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
111
8 FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão. A proteção Jurídica da Pessoa com Deficiência como uma questão de Direitos Humanos. In: FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão. Direito à diversidade. São Paulo: Atlas, 2015. p. 93-113.
de com um hábito ou com um costu-
afastada de qualquer possibilidade
me ou com uma média aproximada
de desenvolvimento de um olhar que
ou matemática ou com o equilíbrio
valorize o outro.
físico ou psíquico”).
mos a identidade/singularidade do ser
(1926-1984) a visão sobre o patológico
nasce no momento em que nos pren-
é construída a partir do entendimen-
demos a padrões pré-estabelecidos,
to que a doença não deve ser compre-
infelizmente esse olhar passa a fa-
endida como uma essência contra a
zer parte de nós e a crueldade chega
natureza da normalidade, mas sendo
quando passamos a entender a exclu-
a própria natureza dessa normalida-
são como um comportamento normal,
de, num processo invertido.
o que afasta qualquer possibilidade de
no início do século xx com o
mudança de um quadro social.
fim da primeira guerra mundial pas-
As aspirações, sonhos, supe-
sa a ser adotada outra perspectiva:
rações e tantos outros sentimentos e
a biomédica ou reabilitadora. Esse
desejos das pessoas com deficiência
modelo individualizava a deficiência
são anuladas no momento em adota-
e adotava uma visão que para a pes-
mos um modelo, onde as explicações
soa tornar-se adequada aos padrões
sobre a deficiência e seus aspectos
sociais, ditos normais, só haveria
passam a ser elaborados por ex-
um meio, o distanciamento, e, por-
perts no assunto e apoiam-se ape-
tanto, a cura da deficiência como se
nas em definições científicas, o que
esse caminho fosse a chave para o
torna tais definições incompletas e
fim do processo de exclusão.
superficiais, pois, não há um olhar
Tal forma de observar a deficiência acabava por não reconhecer
112
A impossibilidade de preserva-
Para o filosofo Michel Foucault
para o outro nem uma valorização de suas vontades.
a diversidade trazida pela diferen-
A consequência dessa análise
ça e a partir daí anulava a singula-
é uma visão onde uma pessoa com
ridade do ser.
deficiência
considerada
inválida
Ao escolher um padrão, que
e/ou doente passa a não ser vista
parta da ausência de limitação, e,
como um sujeito de direitos e deve-
por conseguinte do conceito de “nor-
res, apenas merecedor de políticas
malidade”, traz em si um juízo de
assistencialistas e de caridade.
valor, e este por sua vez adota uma
Torna-se evidente que por não
análise carregada de preconceito e
propiciar os meios necessários para
A música como instrumento de inclusão e invenção social
acesso à cidadania as normas de
Cabe ressaltar que esse reconheci-
assistência e seguridade social ca-
mento obriga e traz o Estado para o
minharam para uma imensa neces-
centro dessa responsabilidade.
sidade de cuidados e representação
Quando lançamos um olhar
no âmbito civil e tantos outros, che-
sobre o outro pautado em sua inca-
gamos, portanto, no modelo da cura-
pacidade formamos ali um quadro
tela que torna distante a promoção
de exclusão e de cerceamento de
da igualdade material e a autonomia
direitos, porque não são os fatores
da vontade.
intrínsecos que discriminam e sim os fatores extrínsecos.
1.1 Mudanças sociais
Podemos analisar claramente
e novas perspectivas
o meio em que vivemos e concluir
Por volta de 1970, nos Estados
que a deficiência é causada pelas
Unidos da America principalmente,
pessoas que não tem deficiência,
estudos desenvolvidos sobre defici-
pois são elas que criam, sedimentam
ência tinham como foco a promoção
as restrições que determinam esse
de direitos civis e a garantia de uma
quadro de exclusão e a impossibili-
vida independente. Anos depois o so-
dade de alcance de uma vida digna
ciólogo Mike Oliver, denominou essa
pautada na capacidade de desfrutar
proposta de promoção da pessoa
de direitos e realizar deveres no âm-
com deficiência como “modelo social
bito civil.
de deficiência”.
O desenvolvimento dessa nova
9
Com o desenvolvimento dessa
ordem de ideias, desse olhar afas-
nova perspectiva a deficiência passa
tado dos pré-conceitos apresenta o
a ser vista não como um problema
quanto à diferença deve ser valori-
individual, e sim como uma limita-
zado e a uniformidade do ser deve
ção da própria sociedade. Sociedade
ser afastada. É essa diversidade que
essa que deverá realizar uma adap-
nos une e, a aplicação desse olhar
tação estrutural a fim de mudar esse
que promove a inclusão e assegura
quadro e a partir daí trabalhar uma
direitos.
inclusão adequada por meio da aces-
Esse modelo revolucionário
sibilidade e promoção da cidadania.
consolida a ideia que a adequação
A música como instrumento de inclusão e invenção social
113
9 OLIVER, Mike. Una sociología de la discapacidad o una sociología discapacitada? In: BARTON, L.(Coord.) Discapacidad y sociedad. Madri: Morata, 1998. p.44.
dos espaços tantos públicos, quan-
soma de um caminho recheado de
to particulares tem plena relação
legislações pertinentes.
com o alcance de uma vida digna,
Em 1989 ocorreu a aprovação
independente, integrada e produti-
da lei 7.853 que criminaliza a discri-
va ligada diretamente à autonomia
minação de pessoas com deficiência
individual e também a definição de
no ambiente de trabalho. Dois anos
rumos da própria existência.
depois, em 1991 houve a criação da Lei 8.213que estabeleceu a política de
1.2 Contexto Brasileiro
cotas, as quais o governo classificou
no Brasil a recepção desses
como política de ações afirmativas,
valores pode ser identificada por
que dispõe sobre os Planos de Benefí-
meio de legislações vigentes confor-
cios da Previdência e dá outras provi-
me disposto na constituição federal e
dências a contratação de portadores
também na lei 13.146 de 6 de Julho
de necessidades especiais.
de 2015 (Estatuto da Pessoa com De-
Em 2008 foi o ano da Con-
ficiência). Dentre outras mudanças
venção de Direitos de Pessoas com
atuais no campo da Inclusão Social,
Deficiência e o governo por meio do
um passo fundamental foi a incor-
decreto 6.949, de 25 de agosto de
poração ao Ordenamento Jurídico
2009 reconhece em sua alínea “n”
nacional a Convenção da OnU (Orga-
reconhece a importância para as
nização das nações Unidas) Sobre os
pessoas com deficiência, de sua au-
Direitos das Pessoas com Deficiência.
tonomia e independência individual
nota-se a partir disso, no
e ainda a liberdade de fazer suas
Brasil verifica-se muito menos uma
próprias escolhas.
114
necessidade de mudança nas leis e muito mais a necessidade de buscar
1.2.1 O Estatuto da Pessoa
formas para que legislações presen-
com Deficiência e a busca
tes ganhem eficácia social e uma
pela real Inclusão Social
aplicabilidade que chegue realmen-
A mais recente mudança na
te à sociedade, garantindo assim o
Legislação Brasileira foi a sanção
respeito no mundo dos fatos.
da Lei 13.146/15, que propõe algu-
A Lei Brasileira de Inclusão
mas mudanças e busca a real in-
ou Estatuto da Pessoa com Defici-
clusão da pessoa com deficiência.
ência é resultado de um processo
Adotando um novo parâmetro para
histórico que carrega consigo a
definir deficiência, o Estatuto optou
A música como instrumento de inclusão e invenção social
pelo conceito pautado na avaliação
em geral de modo a ser usado com
biopsicossocial e não na saúde o tra-
segurança e autonomia pela pessoa
zendo em seu artigo 2º:
com deficiência.
Considera-se
com
Para tanto não se trata de
deficiência aquela que tem
pessoa
conceder vantagens às pessoas com
impedimento de longo prazo
deficiência, a ideia do primeiro ob-
de natureza física, mental,
jetivo é justamente assegurar esses
intelectual ou sensorial, o
direitos. O questionamento que se
qual, em interação com uma
tem é como pode-se assegurar esses
ou mais barreiras, pode obs-
Direitos, e o Estatuto aponta como
truir sua participação plena
solução o caminho da promoção da
e efetiva na sociedade em
equiparação de oportunidades e por
igualdade de condições com
último a garantia da acessibilidade.
as demais pessoas.
Segundo o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geo-
São três os principais objeti-
grafia e Estatística) de 2010 cerca de
vos da Lei Brasileira de Inclusão: o
45,6 milhões de pessoas tem algum
Direito, ou seja, promover os direi-
tipo de deficiência, visto que algu-
tos das pessoas com deficiência e
mas pessoas têm mais de um tipo de
buscar a efetivação desses de modo
necessidade especial.10
a não admitir qualquer violação aos
Como exemplo de como a Lei
Direitos dessas pessoas. A oportu-
de Inclusão pode efetivar direitos,
nidade, para que haja seu desenvol-
desde 2016 as escolas não poderão
vimento, porém mais do que propor
negar a matrícula de qualquer pes-
oportunidade, é trazê-la como Jus-
soa com deficiência e muito menos
tiça Material, ou seja, que a pessoa
cobrar valores diferentes nas men-
deficiente tenha igualdade de condi-
salidades no ensino particular. Essa
ções com as demais pessoas.
abertura vai muito além da criação
Outro objetivo da Lei é a aces-
de rampas ou banheiros adaptados,
sibilidade, que possibilita e condicio-
por exemplo, o foco principal está
na a utilização dos espaços, mobili-
na educação, com profissionais de
ários, edifícios, serviços e sistemas
apoio, sala de recursos e materiais
A música como instrumento de inclusão e invenção social
115
10 CENSO DEMOGRÁFICO 2010. Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em:<ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/caracteristicas_religiao_deficiencia.pdf>. Acesso em: dez. 2016
adaptados, ensino de libras e adoção do sistema braile.
2.1 O nascimento do Estatuto da Pessoa com Deficiência
2. A LEI BRASILEIRA
A Lei Brasileira de Inclusão So-
DE INCLuSÃO SOCIAL
cial nasceu no âmbito legislativo após
(LEI 13.146/2015):
a ratificação da Convenção Interna-
O ESTATuTO DA PESSOA
cional sobre os Direitos das Pesso-
COM DEFICIÊNCIA
as com Deficiência. Já tramitava no
A trajetória da historia das
congresso nacional uma proposta de
pessoas com deficiência tomou um
Estatuto, porém após a ratificação
caminho esperado há anos: o trilhar
da Convenção da Organização das
da proteção e visão humanista e a
nações Unidas (OnU) vários grupos
igualdade e promoção delas. Isso
se opuseram à proposta, uma vez
se deu, no Brasil, com a criação do
que não estava em consonância com
Estatuto da Pessoa com Deficiência.
a Convenção Internacional, o que fez
A lei 13.146, o Estatuto da Pessoa
nascer uma comissão de reformula-
com Deficiência, foi instituído em
ção e aprimoramento do Estatuto.
16 de Junho de 2015 com a missão
Importante salientar que a
de, após muita militância e anos de
Convenção Sobre os Direitos das Pes-
espera, promover a integração, in-
soas com Deficiência e seu Protoco-
clusão e equiparação de oportuni-
lo Facultativo foi o primeiro tratado
dades das pessoas com deficiência
internacional de Direitos Humanos
na sociedade de forma eficaz e real.
com valor de Emenda Constitucio-
Além de responsabilizar o Estado do
nal. Após a Emenda Constitucional
seu dever de promover a inclusão
45/2004, ficou-se estabelecido que
e igualdade e não mais as institui-
“os tratados e convenções interna-
ções religiosas, por exemplo, como
cionais sobre direitos humanos que
acontecia antigamente. É importan-
forem aprovados, em cada Casa do
te frisar que o Estatuto promove a
Congresso nacional, em dois turnos,
inclusão social e não uma situação
por três quintos dos votos dos res-
assistencialista, como era antes da
pectivos membros, serão equivalen-
sua vigência.
tes às emendas constitucionais.” 11
116
11 BRASIL. Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52,92, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103-B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm>. Acesso em: 15 nov. 2016.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
Isso significa que a Convenção
Desde o nascimento, a LBIS
Sobre os Direitos das Pessoas com
busca a inclusão da pessoa com
Deficiência passou por todo o proces-
deficiência. Já no seu processo de
so legislativo previsto pelo inciso 3º do
elaboração, a comissão responsável
artigo 5º da Emenda Constitucional
adaptou uma plataforma para todos
45/2004, tomando força de Emenda
os cidadãos com deficiência visual
Constitucional e fazendo parte efeti-
para que eles pudessem participar
vamente do ordenamento brasileiro.
da criação do Estatuto, sem que pre-
Sendo assim, a Convenção tem
cisassem ser assistidos para tal ato
alta relevância social, jurídica e po-
da vida civil, desde então promoven-
lítica, além da constitucionalidade
do sua autonomia e desenvolvimento
dos seus termos, que foram afirma-
da personalidade humana.
dos ao passar pelos parâmetros de
Então, após muito trabalho,
validade das normas constitucionais
investigação e vivencia nasce a Lei
brasileiras.12
Brasileira de Inclusão Social, sob o
Segundo Mara Gabrili, Depu-
manto da Proteção aos Direitos Hu-
tada Federal relatora da Lei Brasi-
manos e a promoção da Autonomia e
leira de Inclusão da Pessoa com De-
Promoção da Pessoa. Essa visão hu-
ficiência, a Democracia nunca antes
manista fica muito clara já no início
fora tão escancarada e plenamente
da Lei, onde o artigo 1º institui que
exercida. Isso porque, durante toda
a lei objetiva “assegurar e promover,
a discussão e reformulação da Lei,
em condições de igualdade, o exer-
foram mais de mil propostas para
cício dos direitos e das liberdades
o Projeto de Lei, inclusive o nome
fundamentais por pessoa com defici-
surgiu de uma sugestão enviada ao
ência, visando à sua inclusão social
congresso. Aconteceram também
e cidadania.”
consultas e audiências públicas por
Ao surgir a necessidade da
todo território brasileiro, além de
atualização da legislação que dis-
disponibilizar o texto do Projeto de
põe sobre a pessoa com deficiência
Lei para consulta via internet no
pode-se obsevar que houve uma evo-
portal e-Democracia.13
lução do antigo projeto de estatuto
A música como instrumento de inclusão e invenção social
117
12 LEITE, Flávia Piva Almeida; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; COSTA FILHO, Waldir Macieira da. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 41 13 LEITE, Flávia Piva Almeida; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; COSTA FILHO, Waldir Macieira da. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 24
para o então Estatuto. A inovação
O direito à cultura é um Direi-
trouxe grandiosos avanços e vitórias
to Fundamental e foi positivado na
para as pessoas com deficiência,
Constituição Federal de 1988, e se
começando pela mudança na deno-
encontra na seção II Da Cultura, e
minação, que anteriormente trazia
seu o artigo 215 prevê que o Estado
como “portadores de deficiência”
garantirá a todos o pleno exercício
iniciando já no chamamento uma
dos direitos culturais e acesso às
discriminação.
fontes da cultura nacional, e apoiará
14
Pode-se observar também que o cerne da legislação sofreu a chamada “virada Kantiana”. Essa foi
e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Acrescenta
nos
parágrafos
considerada como a inversão do va-
que cabe ao Estado proteger as ma-
lor do Direito, anteriormente, o valor
nifestações das culturas populares,
do direito era a norma, a partir da
indígenas e afro-brasileiras, e das
virada kantiana o ser humano toma
de outros grupos participantes do
esse posto central da visão jurídica.
processo civilizatório nacional. Adi-
Com isso, a Lei visa não só o livre
ciona ainda que a lei disporá sobre a
desenvolvimento da pessoa humana,
fixação de datas comemorativas de
mas sua liberdade na busca por sua
alta significação para os diferentes
substancia e subsistência.
segmentos étnicos nacionais.
15
O terceiro parágrafo do artigo 3. DO DIREITO À CuLTuRA
251 da Constituição Federal foi acres-
O estatuto é composto por vá-
centado à mesma pela Emenda Cons-
rios capítulos que garante diversos
titucional 48/2005 para instituir o
Direitos Fundamentais como, Direito
Plano nacional de Cultura, que deve-
à vida, à habitação e saúde. O Capí-
rá ser regulamentado por Lei e terá
tulo Ix trata do Direito à Cultura, ao
duração plurianual. Esse plano visa o
Esporte, ao Turismo e ao Lazer, e é
desenvolvimento cultural e a integra-
esse o tema de estudo aqui proposto.
ção das ações do poder público que
118
14 Fernando Rodrigues Martins, Doutor em Direito das Relações Sociais, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia e Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, (Lecture), Escola Institucional do Ministério Público de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, 01 de Junho de 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LOLt3hgKDwk Acesso em: 30 jun. 2016 15 Fernando Rodrigues Martins, Doutor em Direito das Relações Sociais, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia e Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, (Lecture), Escola Institucional do Ministério Público de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, 01 de Junho de 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LOLt3hgKDwk Acesso em: 30 jun. 2016
A música como instrumento de inclusão e invenção social
conduzem à a) defesa e valorização
dução cultural das pessoas com defi-
do patrimônio cultural brasileiro;
ciência. Isso se dá por meio primeira-
b) produção, promoção e difusão de
mente do acesso físico acessível aos
bens culturais; c) formação de pesso-
teatros, estádios, museus e todos os
al qualificado para a gestão da cultu-
locais onde há e possa haver apre-
ra em suas múltiplas dimensões; d)
sentações culturais de toda espécie.
democratização do acesso aos bens
Para Deborah Affonso, ao tecer
de cultura; e) valorização da diversi-
comentários ao capítulo relacionado
dade étnica e regional.
à cultura, esporte, lazer e turismo do
Cabe ressaltar que somente
Estatuto explica que os mecanismos
no contexto de redemocratização do
trazidos pela Lei garantem não só o
Brasil com a chegada da Constitui-
acesso das pessoas deficientes como
ção cidadã, ou seja, a Constituição
meros assistentes, mas determina
Federal de 1988, que os Direitos
o protagonismo deles nas ativida-
Culturais foram tratados de forma
des. Isso deverá ser feito por meio
explicita e assegurados pela Carta
de incentivos às atividades, acesso
Maior. Pois nas Constituições an-
a locais e eventos e a participações
teriores mal se falava em Direitos
efetivas em esportes, apresentações
Culturais, e quando se ousava tratar
musicais e quaisquer atividades cul-
sobre cultura, aparecida de forma
turais, de lazer ou esportivas, em
tímida e rápida.16
igualdade de condições com as de-
O Estatuto especialmente em
mais pessoas.17
seu artigo 42 é um mecanismo para
O incentivo à cultura para as
não só incluir a pessoa com deficiên-
pessoas com deficiência deve ocor-
cia no acesso à cultura, mas também
rer por parte do Estado e por ele
para assegurar que eles possam ser
assegurado como direito fundamen-
protagonistas da Cultura Brasileira.
tal. Hoje já existem programas, po-
Por isso a Lei aqui estudada
líticas públicas e ações de apoio ao
prevê que haja acessibilidade e o
desenvolvimento cultural. Mas deve-
apoio do Estado no incentivo à pro-
se ressaltar que no caso da pessoa
A música como instrumento de inclusão e invenção social
119
16 ROCHA, Sophia C.; ARAGÃO, Ana Lúcia. Direitos culturais no Brasil e uma breve análise do Programa Cultura Viva. III Seminário internacional de Políticas Culturais de 19 a 21 de setembro de 2012, Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro. p. 3 17 LEITE, Flávia Piva Almeida; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; COSTA FILHO, Waldir Macieira da. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2016.p. 210
com deficiência isso deve acontecer
tor do livro A necessidade de arte
de forma especial e como já dito, de
diz que, “a função da arte não é a de
modo a promover igualdade de opor-
passar por portas abertas, mas é a
tunidade com as demais pessoas.
de abrir as portas fechadas.”19
Isso deverá se dar em virtu-
E é seguindo a premissa de
de de historicamente a pessoa com
que a arte é emancipadora e permite
deficiência sofrer discriminação e
a inclusão social juntamente com o
inúmeros tipos de segregação, os
protagonismo daqueles que nela se
colocando assim à margem da socie-
encontram, que o estudo aqui apre-
dade. Por isso faz-se importante pro-
sentado volta seu olhar ao modo
mover o desenvolvimento cultural
como o Estatuto da Pessoa com De-
dessas pessoas que possuem barrei-
ficiência propõe e assegura que as
ras físicas e sociais para ate mesmo
pessoas deficientes tenham acesso
chegar e permanecer de modo con-
à arte por meio da cultura e dessas
fortável nos locais onde ocorrem ati-
possam ser protagonistas e empre-
vidades culturais.
enderem, mostrar e desenvolver
Assim, o Estatuto tem um pro-
suas artes.
pósito legal de assegurar que a par-
Convém destacar que a arte não
ticipação nas atividades culturais
se limita a museus e pinturas de artis-
ultrapasse a ideia de superação e se
tas renomados, nesse sentido, concor-
mostre realmente como inclusão so-
damos com Read quando ele diz:
cial. Pois é exatamente isso que a 18
participação cultural é, forma efetiva
A arte é uma dessas coisas
de inclusão social da pessoa deficien-
que, como o ar ou o solo, estão
te na comunidade de forma geral.
por toda a nossa volta, mas que raramente nos detemos
4. A ARTE COMO
para considerar. Pois a arte
INSTRuMENTO DE
não é apenas algo que en-
INCLuSÃO SOCIAL
contramos nos museus e nas
Ernst Fisher, poeta, filósofo,
galerias de arte, ou em anti-
jornalista, escritor austríaco e au-
gas cidades como Florença
120
18 LEITE, Flávia Piva Almeida; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; COSTA FILHO, waldir Macieira da. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 211 19 FISHER, Ernst. A necessidade de arte. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar,1973.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
e Roma. A arte seja lá como
e seus direitos, não somente a em-
definimos, está presente em
prego e renda, mas à moradia, à cul-
tudo que fazemos para satis-
tura, a serviços sociais e à saúde.22
fazer nossos sentidos.20
A partir da explicitação dos direitos
e a participação em atividades cole-
A arte se faz inclusiva quando,
tivas, a pessoa que sofre com a não
em virtude da sua atuação coletiva,
inclusão social passa a integrar um
une artistas, os aprendizes das ar-
processo de emancipação, sendo
tes e a sociedade que recebe o obje-
protagonista e autora de sua própria
to artístico final. Criando assim um
trajetória.
ciclo de integração entre aprender,
Portanto, acreditamos que a
desenvolver e apresentar a arte por
coletivização entre educação, socie-
cada um desempenhada.
dade e arte pode além de desenvolver
A arte como um instrumento
o individual de cada ser, ensinando a
educacional alcança esse objetivo de
se reconhecer, pode também formar
integralização, uma vez que a educa-
uma consciência social, que soma-
ção deve ter a posição de integração
das resultam na inclusão social.23
e não apenas de individualização, no sentido de reconhecer a singularidade de cada um, mas também sua
4.1 A música e a inclusão social A música é uma linguagem universal e sempre esteve presente
unidade social.21 Nesse sentido de coletivização
na história da humanidade desde as
e integração, Henrique Rattner ex-
primeiras civilizações, quando era
plica que a inclusão para ser viável
usada nos rituais. Na atualidade, a
deve ocorrer por meio da participa-
música além do seu caráter artístico
ção em ações coletivas, onde são ca-
também é considerada ciência, uma
pazes de reconhecer sua dignidade
vez que as relações entre os elemen-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
121
20 READ, Herbert. Educação pela arte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p 16 21 READ, Herbert. Educação pela arte. Rio de Janeiro: Zahar, 2002..p 6 22 RATTNER, Henrique. Sobre exclusão social e políticas de inclusão. Revista Espaço Acadêmico, ano 2, n. 18, nov. 2002. Disponível em: https://www.espacoacademico.com.br/018/18rattner.htm. Acesso em: 10 jan. 2017 23 Nesse mesmo sentido, Lena Vania Ribeiro Pinheiro afirma que, “a convergência do trinômio arte, educação e sociedade pode sustentar a formação individual e social, norteadora da consciência e propulsora da inclusão social”. PINHEIRO, Lena Vania Ribeiro. “Educação da sensibilidade”: informação em arte e tecnologias para inclusão social. Inclusão Social, Brasília, v. 1, n. 1, p.51-55, out./ mar. 2005. Disponível em: <http://revista.ibict.br/inclusao/article/view/1508/1699>. Acesso em: 09 jan. 2017.
tos musicais são relações matemáti-
comum na comunidade, sendo lhe
cas e físicas.
dada todas as oportunidades para
24
Mas muito além dessas ca-
seu livre desenvolvimento da perso-
racterísticas, a música tem o poder
nalidade. Um passo importante para
de transformar momentos e mudar
essa integração é a proposta de que
a vida das pessoas. Ateremos-nos
as crianças especiais sejam educa-
aqui a mostrar como a música pode
das juntamente com crianças em de-
ser um elemento efetivo na inclusão
senvolvimento normal.
e integração social da pessoa que convive com Síndrome de Down.
O que Saad afirma é que, as crianças com síndrome de Down
Quando se fala em inclusão o
podem não acompanhar o extenso
que se busca é que haja a aceitação
ensino regular das escolas, mas isso
da diversidade, ou seja, que o modo
não deve deixar de forma alguma
de ser de cada um seja aceito e res-
essas às margens do processo inclu-
peitado no convívio social. Assim,
sivo. Ele ressalta ainda que eles cos-
para Suad nader Saad, a síndrome
tumam demonstrar capacidade do
de Down não deve ser olhada como
intelecto pratico, ou seja, são bons
uma anormalidade, uma doença ou
em lidar com comunicação, música,
ate mesmo uma inferioridade, mas
artes em geral e também ao traba-
sim como uma diversidade. Pois esse
lharem com dinheiro.26
é um passo importante para a cons-
Assim, a integração por meio
25
da cultura e das artes, mais especifi-
Partindo do pressuposto da
cadamente aqui, por meio da música
Síndrome como diversidade, a pes-
é uma alternativa para o desenvol-
soa que convive com Down deve
vimento da pessoa que convive com
ser incorporada como um cidadão
Down, uma vez que poderá partici-
trução de uma sociedade inclusiva.
122
24 CHIARELLI, Lígia Karina Meneghetti; BARRETO, Sidirley de Jesus. A importância da musicalização na educação infantil e no ensino fundamental: A música como meio de desenvolver a integração do ser. Recreart, Santiago de Compostela, jun. 2005. Disponível em: <http://www.iacat.com/revista/recrearte/recrearte03/musicoterapia.htm>. Acesso em: 01 ago. 2011. 25 SAAD, S. n. Preparando o caminho da inclusão: dissolvendo mitos e preconceitos em relação à pessoa com Síndrome de Down. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 9, n. 1, p. 57-78, Jan.-Jun. 2003.p. 73. Disponível em: http://www.abpee.net/homepageabpee04_06/artigos_em_pdf/revista9numero1pdf/6saad.pdf p16 . Acesso em: 10 jan. 2017 26 SAAD, S. n. Preparando o caminho da inclusão: dissolvendo mitos e preconceitos em relação à pessoa com Síndrome de Down. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 9, n. 1, p. 57-78, Jan.-Jun. 2003.p. 73. Disponível em: http://www.abpee.net/homepageabpee04_06/artigos_em_pdf/revista9numero1pdf/6saad.pdf p16 . Acesso em: 10 jan. 2017
A música como instrumento de inclusão e invenção social
par de um processo de aprendiza-
cimento pessoal e também um ca-
gem, de uma atividade coletiva e
minho para a integração da pessoa
conhecer a si mesmo e suas habili-
na comunidade. Além de trazer para
dades e a partir daí escolher seus
essas pessoas um olhar sobre as ar-
caminhos e se emancipar.
tes, o que na maioria das vezes se
É maravilhoso ver que a mú-
faz novo, pois o numero de pessoas
sica como estímulo, no mo-
com acesso à cultura ainda é peque-
mento certo e adequado, tem
no. Vemos então na musica nas artes
a capacidade de retirar estas
e na cultura de forma geral uma pos-
pessoas deste mundo de inca-
sibilidade de inclusão e principal-
pacidades onde eles estão ro-
mente de construção do ser.
tulados; neste momento, eles ficam livres deste estigma da deficiência mental.
27
CONCLUSÃO O presente artigo teve como objetivo a abordagem do direito a
A música torna o mundo me-
inclusão para pessoas com Síndro-
nos assustador para quem convive
me de Down por meio de ações afir-
com alguma deficiência ou diversi-
mativas que envolvem cultura, arte,
dade, pois através dela as pessoas
educação, música, desenvolvimento
podem se comunicar, se conhecer e
social e para tanto a busca por uma
se expressar. A educação musical
não exclusão.
também tem importante papel no
O desenvolvimento dessa mu-
desenvolvimento sensorial e motor,
dança de olhar é possível quando
trazendo assim, além de um novo
trabalhamos de forma que o outro
olhar sobre o corpo e suas habilida-
seja parte de nós como sociedade,
des, novos limites e possibilidades
como humanidade respeitando to-
de um caminho que é tão amplo.
das as diversidades e entendendo
Concluindo, assim, a música é
que a diferença nos torna humanos.
um efetivo instrumento de reconhe-
É nela que possibilitamos o de-
A música como instrumento de inclusão e invenção social
123
27 Ana Sheila Uricoechea, Musicoterapeuta do IPICEP e coordenadora do curso de formação de MT. do Conservatório Brasileiro de Música, em entrevista para Maria Inês Couto Augusto para a pesquisa e desenvolvimento da monografia “As possibilidades de estimulação de portadores da sídrome de down em musicoterapia”. Apresentada em 2003 para conclusão do curso de graduação em musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música - Centro Universitário. Orientador: Professora Marly Chagas. Disponível em: http://www.meloteca.com/musicoterapia2014/as-possibilidades-de-estimulacao-de-portadores-da-sindrome-de-down-em-musicoterapia.pdf. Acesso em: 13 Jan. 2017
senvolvimento do ser e de todas as
Fato é que ainda não alcan-
adaptações necessárias para ade-
çamos o lugar ideal para se viver,
quação do meio em que vivemos.
entretanto essa visão não pode ser
A arte e sua interdisciplinaridade proporcionam esse avanço moral e intelectual.
como essa que desenvolvemos. Acreditamos que o presente
Por meio da música somos en-
artigo é um ponto de partida ou até
volvidos e a partir daí nos tornamos
mesmo um elemento facilitador na
pessoas iguais sem distinção, essas
construção do respeito à dignidade
ações que buscam a igualdade po-
e a diversidade é chave fundamental
dem mudar o futuro do nosso país.
para todos aprendermos a respeitar
vivemos num tempo em que a dignidade precisa ser sempre lem-
124
empecilho para estudos e pesquisas
as diferenças, no Estado Democrático de Direito.
brada, faz-se necessário que ela es-
O que importa agora é com-
teja estampada em nossas leis, para
preendermos que sem a diferença a
que o futuro seja sempre melhor
cidadania e a democracia são cons-
e nunca mais absurdos que foram
tantemente ameaçadas, o que certa-
cometidos no passado voltem a ser
mente ameaça também nossa condi-
comum, normal em nossa sociedade.
ção de humanos.
A música como instrumento de inclusão e invenção social
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