A Música como Instumento de Inclusão e Invenção Social

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A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO E INVENÇÃO SOCIAL Bernardo G. B. Nogueira Organização



A música como instrumento de inclusão e invenção social Bernardo Gomes Barbosa Nogueira Organização

Belo Horizonte | 2017


©2017 O organizador ©2017 By Centro Universitário Newton Paiva Belo Horizonte | 2017 Presidente do Grupo Splice: Antônio Roberto Beldi Reitor: João Paulo Beldi Diretor Acadêmico: Celso de Oliveira Braga Diretor Administrativo e Financeiro: Cláudio Geraldo Amorim Sousa Coordenador da Pesquisa, Extensão e Inovação: Jan Diniz Coordenação da Escola de Direito Coordenação Geral Prof. Mestre Emerson Luiz de Castro Coordenação do Curso de Direito - Campus CL Profa. Mestre Valéria Edith Carvalho de Oliveira Coordenação do Curso de Direito - Campus Buritis Profa. Dra. Sabrina Tôrres Lage Peixoto de Melo Organização: Bernardo Gomes Barbosa Nogueira Apoio Técnico Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton Paiva Editora de Arte e Projeto Gráfico: Helô Costa - Registro Profissional 127/MG

ESCOLA DE DIREITO DO Centro Universitário Newton Paiva Av. Presidente Carlos Luz, 220 - Caiçara Av. Barão Homem de Melo, 3322 - Buritis Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil

A música como instrumento de inclusão e invenção social


A música como instrumento de inclusão e invenção social



A invenção musical O alimento da alma , o despertar das emoções ... algo que , com palavras ou não, abre a nossa caixinha de sonhos, lembranças, devaneios!!! Sou um privilegiado!! Trabalho com a musica!! Sou mais que um privilegiado, sou pai do Theo! Meu caçula lindo, saudavel e muito especial!! Para nós aqui, Tetheo!! Nesses últimos 6 anos , em meio a toda a intensidade de sentimentos, conceitos e preconceitos sobre esse novo mundo, ela, a música, se mostrou aliada, forte, poderosa e salvadora!! Ver meu filho ouvindo, dançando, cantando e descobrindo o mundo através dos sons, das canções, dos instrumentos, da mágica das notas e toda a dimensão que elas podem assumir, me traz uma felicidade enorme!! É uma cor nova em nosso espectro! Como explicar? Há apenas sentir!! Muita música a todos nós!!! Marco Túlio Lara Jota Quest

A música como instrumento de inclusão e invenção social



Downtown No título do livro que agora se apresenta como produto de um projeto aprovado pelo Programa de Iniciação Científica do Centro Universitário Newton Paiva temos palavras interessantes, nos referimos a inclusão e invenção, acompanhadas da palavra música. No mesmo projeto temos a participação de cinco áreas distintas do conhecimento: psicologia, direito, fisioterapia e pedagogia, acompanhadas da música. Isso seria desde já caldo bastante para dizer que a pesquisa caminha no bom terreno da procura pelo outra e pela outra, por uma diferença que pede passagem e que por vezes é silenciada por um monismo científico que ao fim das contas é opressor e preconceituoso. Foi importante dizer estas palavras pois nossa pesquisa está sustentada em duas dimensões marginais, ora, a música não comparece corriqueiramente como artefato científico que sustente teses, tampouco, pessoas com síndrome de down carreiam saberes. Ao contrário, até então, o que se observa é um corte racional que se operou dentro da construção humana, e esta, sem saber, pela arrogância de saber demais, limou sua própria condição de transcendência, limitando o conhecimento a um arranjo metodológico fundado na razão. Bom, o que temos aqui é uma pesquisa inspirada em uma pessoa com síndrome de down que toca vários instrumentos, possui banda, já gravou cd e tem uma vida social extremamente ativa e vivaz. Além disso, o Dudu, personagem da vida real que inspira essa pesquisa, nos mostrou que a música pode extrapolar essas barreiras que vão desde o conhecimento científico até a própria relação ética entre as pessoas. Daí que nossa pesquisa esteve atenta, portanto, àquilo que pretendemos enquanto projeto de relação humana, que é, de per si, plural, multi e necessariamente ávida pelo que vem, pelo que é invento e criação. A ONU com seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS objetiva várias dimensões, e atento a esta questão, o Centro Universitário Newton Paiva direcionou os projetos de pesquisa para essa realização. Ao mirarmos para o que fizemos, percebemos o quanto a fisioterapia para as pessoas com down contribui com o ODS 3: “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”, da mesma forma que a pedagogia quando privilegia as inteli-

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gências múltiplas abre as portas para a diferença e para a inclusão, afetando diretamente o ODS 4: Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. O projeto contou com a participação de três professoras, Eliane Monken, Renata Lima e Sheyla Santos, bem como, de Suzanna Soares, Gabriela Oliveira, Carolina Gomes, Izabela Linhares, Roberta Sena, Leila de Oliveira, Ariany Bispo, Sarah Abdon, Isabela Costa, todas alunas do Centro Universitário Newton Paiva, exceto Suzanna, pesquisadora convidada do curso de Direito da UFU. Esses números são para compararmos com a participação de três professores e dois pesquisadores, o que nos catapulta democraticamente direto para o ODS 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Ainda dentro da pesquisa, a psicologia nos abre a dimensão da sublimação pela arte, que aliada à garantia de direitos das pessoas com deficiência, a partir do Estatuto da Pessoa com deficiência, que fora trabalhado pelos pesquisadores e pesquisadoras do curso de direito, indicam-nos que o ODS 10: Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles, e o ODS 16: Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis, foram cumpridos. Três palavras para dizer de uma virada de página, não há livros sem invenção, como não há livros sem leitores e leitoras. A inclusão faz a gente construir uma sociedade que dança: down-town!!!

Bernardo G.B. Nogueira Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Coimbra – inverno, 2017.

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Sumรกrio


Apresentação ..................................................................................................... 13 Não existe folha em branco ................................................................ 17 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira | Leonardo Gontijo

A FISIOTERAPIA ASSOCIADA À MÚSICA NO ACOMPANHAMENTO DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN: das deficiências físicas/cognitivas e limitações funcionais à exploração das potencialidades e ampla inserção social ........................................................... 31 Renata Cristina Magalhães Lima | Carolina de Freitas Gomes | Izabela Faúla Miranda Linhares | Roberta Lopes Sena | Bernardo Gomes Barbosa Nogueira

A MÚSICA COMO VIA SUBLIMATÓRIA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO SUJEITO COM SÍNDROME DE DOWN ...................... 45 Sheyla Rosane de Almeida Santos | Leila Cristina Alves de Oliveira | Bernardo Gomes Barbosa Nogueira

A MÚSICA COMO LINGUAGEM MOTIVADORA PARA O APRENDIZADO E INCLUSÃO SOCIAL DAS CRIANÇAS COM SÍNDROME DE DOWN, NA PERSPECTIVA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS .............................. 59 Eliane Maria Freitas Monken | Ariany Cristina Moreira Bispo | Bernardo Gomes Barbosa Nogueira

AS MUDANÇAS PARADIGMÁTICAS DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI 13.146) .............................................. 81 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira | Raphael Furtado Carminate | Lucas Maciel Guimarães | Sarah Abdon Lacerda Fernandes

LEITURA SOBRE O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIALEI 13.146/15: Olhar sobre a igualdade diante da diferença ....................... 95 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira | Raphael Furtado Carminate | Guilherme de Campos Abreu Costa | Isabela Costa Pereira

O acesso à cultura como local de invenção do outro ......... 107 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira | Raphael Furtado Carminate | Gabriela de Oliveira Silva | Suzanna Luíza Pereira Soares

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Apresentação


“Estava à toa na vida. O meu amor me chamou...” Este projeto de iniciação científica que agora vem a lume é um projeto multidisciplinar, sustentado por pesquisadores e pesquisadoras das áreas do direito, psicologia, pedagogia e fisioterapia. Desde já, nasce como um desafio, não apenas pelas diferentes áreas que estão envolvidas, mas, sobretudo, pelo fato de que o fio condutor das áreas é a música, e, como se não bastasse, o problema levantado, a hipótese da pesquisa, é saber a música como instrumento de inserção e invenção social, sendo que a palavra social aí vai diretamente ligada às pessoas com síndrome de down. A pesquisa nasceu a partir da inspiração natural que é a musicalidade do Dudu do Cavaco. O multi artista Dudu já é um parceiro de longa data da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, sempre participou de nossas Semanas Jurídico Culturais. Sempre o mesmo Dudu, porém, sempre outro Dudu. Posto que a cada encontro ele nos suscita uma inspiração outra. Cada acorde do Dudu pode ser considerado como uma porta aberta à inclusão, assim, todas as vezes que ele toca, inventa um espaço no qual a questão do cromossomo não significa. Por isso mesmo que a música inventa e insere, a linguagem musical coloca as pessoas no mesmo tom, e, ao mesmo tempo, a música, por força de seus vários ritmos torna-se a própria ambiência ética. Neste sentido, temos uma leitura da fisioterapia que mostra como a música pode trazer benefícios motores e sensoriais para aquelas pessoas que estão em contato com ela, assim como, a psicologia mostra como a arte, no caso, a música, nos insere no mundo enquanto sujeitos, de outro lado, através da pedagogia vê-se a música compondo a inserção trazida pelas múltiplas inteligências. Dentro dos temas afeitos ao direito, pode-se ler reflexões acerca do Estatuto da Pessoa com deficiência, representante de uma virada ética importante, pois, transforma a própria noção de alteridade. Aquele paradigma empoeirado que tinha como pedra de toque a razão herdada desde a modernidade - castrador de uma existência que vem - queda superado pelas leituras e proposições do Estatuto, que se mostra como uma ruptura paradigmática em relação a qualquer

A música como instrumento de inclusão e invenção social

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noção de igualdade, inclusão e diversidade de maneiras de existir.



A música é uma hipótese que nos abre uma fenda de inspiração. Em contato com a música o humano torna-se obra de arte, por dançar, transcender, inventar, aprender, ensinar ou apenas sentir – a relação da ciência com a arte de alguma maneira está ligada à necessidade de afago que o outro e a outra nos solicitam. Não há ciência que não uma ciência do outro e da outra. Por uma ciência, nos moldes que esta pesquisa entende, necessitamos também de uma abertura na própria concepção de conhecimento, de saberes, do que é saber(?) e, sobremaneira, de como a construção da sociedade pode ser transformada com a inserção de pessoas com habilidades, peculiaridades e maneiras de existir tão diversas. A letra “a” pode figurar como partícula negativa, ou seja, em uma apresentação, na verdade, não estamos presentes, ora, no ato mesmo da escrita nos perdemos da arrogância autoral em detrimento dos olhos daquele e daquela que vem - o leitor e a leitora. Na mesma palavra “apresentação”, não há o sujeito que escreve, mas, necessariamente, há uma ação em curso, este ponto é o que nos interessa: falar dessa iniciação foi uma ação que surgiu porque o projeto foi concluído, assim, exatamente porque esse projeto existiu é que podemos nos encher de esperança e deixarmos um pouco de lado a existência egológica que move o ocidente deste os gregos antigos e abrirmo-nos a uma existência que vem, aquela na qual o outro ou a outra sejam a via que conduz nossas ações. A partir de agora apresentar será abrir as portas para a outra e o outro. Ouçamos...

Emerson Luiz de Castro Coordenador Geral da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

A música como instrumento de inclusão e invenção social



Não existe folha em branco Bernardo Gomes Barbosa Nogueira* Leonardo Gontijo**

* Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. ** Professor Universitário, advogado, engeheiro civil . Mestre em Administração. Idealizador do Instituto Mano Down e do Portal Incluo. Irmão do Dudu.

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A música como instrumento de inclusão e invenção social


Todas as vezes que a página

quando se tornam palavras escri-

em branco tilinta à frente dos meus

tas. A folha em branco é a voz que

olhos verdadeiramente sinto como

vem, que assombra as teclas, que

se uma alteridade estivesse con-

lhes chamam à vida e que, portan-

vocando, chamando e mais impor-

to, instauram vida. O nascimento do

tante, à espera por existir. Dessa

texto é um ato de hospitalidade2.

forma, parece-nos, não há verda-

Por essa via de raciocínio, po-

deiramente folhas em branco. Por

demos argumentar desde já que essa

mais que seja evidente o contrário,

alteridade que nos constitui e que

ou seja, há folhas em branco, em

nos permite à escrita é ela mesma

contato com os olhos, à mão, a folha

condição de nossa possibilidade de

em branco não mais pode ser consi-

existir, fim, início e meio, dentro da

derada uma folha em branco. O to-

qual nos colocamos enquanto escre-

que, o tato, o olhar que deita sobre

vedores, mas que a mais das vezes,

a folha toda a angústia da respon-

não está sob nossa opressora função

sabilidade pelo que virá a ser escri-

de conhecedores. O sentido impresso

to, toda a necessidade da escrita, a

nas palavras que sujam a folha em

vida que ela traz, que ela é impelida

branco não se dá, senão, pela hipó-

a fazer nascer, a folha, nada mais é

tese que aqueloutro e aqueloutra que

do de que um clamor pelo outro e

a assombram permitem. Qualquer

pela outra, em melhores palavras,

ato de escrita só o é se um é ato de

um clamor do outro e da outra. não

escrita pelo outro ou pela outra. Ali

há dimensão racional a priori, se-

mesmo onde a arrogância racional

não aquela que é inaugurada pela

nos impulsiona a manifestarmos

face por detrás da folha em branco.

nossa egologia, encerra-se enquanto

Há, portanto, toda uma herança que

seu próprio epitáfio. O eu se esboroa

reclama sua chegada. Toda uma

quando não percebe que só o é pelo

sorte de distâncias que diminuem

outro e pela outra. não estamos aqui

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2 A referência à palavra hospitalidade está alicerçada naquilo que Derrida concebe com o tal, que não é uma hospitalidade institucionalizada por uma lei, ou qualquer código de acolhida, a hospitalidade, como qualquer ao ético, dentro desta concepção, não concebe uma chegada esperada. Aquele e aquela que vem, saltam-nos de cima, caem por sobre nossas experiências e raciocínios cartesianos, a chegada há de ser inesperada, como um ataque, entanto que não é possível espera-lo. A outra e o outro nos assombram com sua dimensão incalculável, descabida, absurda, o que impõe, e agora pensamos em Lévinas, um “eis-me aqui”, sem que, contudo, possamos prever. Só há hospitalidade incondicional, que se esfuma em uma responsabilidade já outra, no momento mesmo em que se efetiva. O outro e a outra são nesse caso, inapreensíveis.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


a anunciar de maneira profética,

tor a música, e a música de uma pes-

como já o fizeram, o fim do escritor

soa com síndrome de down, tivemos

ou da escritora, a morte do autor ou

a exata dimensão da responsabilida-

da autora, ao contrário, estamos aqui

de e da impossibilidade de dizermos

a dizer da imperiosa necessidade de

da folha em branco, ora, dentro da

percepção que um ou uma, só está,

academia, dentro das universidade,

por intermédio, pelas mãos do outro e

uma pessoa com síndrome de down

da outra, não existe escrever sem que

seria desde sempre uma folha em

haja assombro. Daí a necessidade,

branco. Um receptáculo no qual to-

outra vez, de reconhecermos que o

das as nossas opressões racionais

local de existência da escrita dá-nos

pudessem ser depositadas, contudo,

o outro e dá-nos a outra. A folha em

ao revés dessa dimensão, quisermos

branco como a face do impossível.

expor aquilo que iniciamos por con-

Talvez seja aqui que gostaríamos de

tar, a ideia de que aquele e aquela

chegar. Ora, assim como nos permite

que vem, não vêm da maneira, da

reconhecer Derrida, a invenção, só é

forma e com as dimensões que pre-

invenção do outro e da outra, e des-

tendemos. Neste sentido, a pessoa

sa ordem de ser que a cada instante

com síndrome de down pareada

inventa, nasce a questão impossível

com uma ideia de hospitalidade in-

mesmo dessa ideia. Uma vez que há

condicional é uma das maneiras de

invenção, ali onde ela nasce, neces-

evidenciar que a folha em branco, o

sariamente já não há mais que falar

outro, a outra, nunca são, deveriam

em invenção. Vez que ela já apareceu.

ser, de fato, uma folha em branco.

Iremos abandonar, por ora, a

Não há folha em branco. Não há alteridade em branco.

de necessariamente ser um abando-

Daí que temos alguns elemen-

no impossível, sobretudo, pelo fato

tos dentro dessa reflexão que pre-

de que quando o cursor mudar de

cisam ser trazidos. Fomos instados

página, será novamente uma folha

a pensar ou em melhores palavras,

em branco a nos espreitar. Mesmo

fomos tomados pela responsabilida-

tendo afirmado logo acima que a fo-

de infinita de que nos fala Lévinas,

lha em branco não existe. Quando

quando encontramos pela primeira

há um ano atrás pensamos na con-

vez o Eduardo Gontijo, o Dudu do

cepção de um projeto de iniciação

Cavaco. Bom, ali, parece-nos, depois

científica que teria como fio condu-

de alguns anos lendo e passando

A música como instrumento de inclusão e invenção social

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questão da folha em branco, apesar


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pelo pensamento do impossível que

que conduz a uma dimensão total-

nos informam tanto Lévinas quanto

mente nova, por assim dizer, absur-

Derrida, pudemos perceber a que es-

da, exatamente pela força de sua in-

tes autores aludiam quando diziam

ventividade. O outro e a outra, assim

do outro como um evento criador de

como a relação com a folha em bran-

tempo, ora, dentro do pensamento

co, são experiências do impossível, e

destes autores, aquele e aquela que

por isso mesmo, as únicas possíveis

vem criam tempo, inventam, o que

enquanto eventos, inauguração, éti-

nos coloca absolutamente responsá-

ca e hospitalidade.

veis e ao mesmo tempo, devedores,

Dito isto imaginamos então

vez que sem o outro, sem a outra,

um projeto no qual pudéssemos

não há sequer tempo - e se estamos

mostrar que a questão da chamada

no tempo...

pessoa com deficiência, entremeada

Através da música do Dudu pu-

pela música, nos permitiria reconhe-

demos, portanto, acessar e ver luzir

cer a própria dimensão de ética da

essa alteridade de maneira inolvi-

alteridade em Lévinas, bem como,

dável. Fomos conduzidos pelas can-

como a hospitalidade incondicional

ções, pelos gestos e pela novidade,

de Derrida, que são elementos cons-

para um tempo que a razão modela-

tantes quando estamos em contato

dora da ciência não alcança. O Dudu,

com estas pessoas, e em nosso caso,

por força mesmo de sua condição de

especialmente, o Dudu do Cavaco -

pessoa com síndrome de down, nos

primeira pessoa com síndrome de

coloca em condições de observação

down do país a gravar um cd. Assim,

acerca da inediticidade do encontro.

a grande questão seria como dar

Aquilo que se chama filosoficamen-

uma face para uma pesquisa que é

te evento, dá-nos o Dudu, a cada

atravessada pela dimensão da arte

encontro, que nunca é reencontro,

e pela dimensão de uma alteridade

posto que novo. Mais uma vez, não

que normalmente é enquadrada em

há folha em branco. O Dudu eviden-

ditames científicos. Essa questão

cia que a folha em branco, diferente

foi respondida quando vislumbra-

da evidência de sua brancura, traz

mos uma pesquisa multidisciplinar

sempre, por detrás, pelas suas bor-

que contou com pessoas de diversas

das, toda a sorte que o desconhecido

áreas, a saber, fisioterapia, direito,

pode nos proporcionar. O Dudu fora

psicologia e pedagogia, portanto,

então aquele elemento inaugurador

pela via da diversidade, que é o lo-

A música como instrumento de inclusão e invenção social


do próprio estatuto que regulamenta

quer hipótese de ciência, ora, não há

legalmente a vida das pessoas com

ciência senão ciência do outro e da

deficiência, pudemos perceber que

outra, conseguimos entrelaçar, em

o diálogo entre distintas formas de

forma de uma dança, entanto, can-

saber é o a-caminho para que pos-

ção, uma pesquisa que não estives-

samos deixar o outro passar, feito

se presa aos ditames modernos de

novidade que é, sem que estejamos

pesquisa nos quais cientista e objeto

desde sempre com nosso julgamen-

estivessem dissociados. A face impe-

to racional pronto para captura-lo

riosa que atravessou a pesquisa foi

e torna-lo apenas um novo eu, que

a necessidade de estarmos todos os

se repete, enquanto a diferença, a

envolvidos, entrelaçados pelo tema,

novidade, se esvai pelas águas de

porém, ao mesmo tempo, com o ou-

nossa arrogância científica. Não há

vido aberto para a escuta daquele

pesquisa senão pesquisa do outro,

e daquela que vem. Por isso mesmo

da outra.

entendemos que a música seria um

Essa tarefa, portanto, não

local privilegiado, ora, dentro dos

poderia percorrer outro caminho

acordes entoados pelo Dudu não

senão o da escuta, a todo o tempo

haveria barreira em relação à inser-

estivemos mais escutantes que fa-

ção - dentro de sua arte tornamo-

lantes, menos precisos e, por isso

nos todos iguais. E esse apelo por

mesmo, mais preciosos, uma vez que

inserção, junto com uma ideia de

a cada descoberta dos efeitos peda-

invenção, posto que o outro e a outra

gógicos, terapêuticos, de mobilida-

são invenções, foram os verbos pelos

de e mesmo jurídicos, estávamos a

quais procuramos pautar nossa pes-

desvelar uma face do nosso eu que

quisa. Não iremos apresentar os tex-

estava encoberta pela camada cien-

tos, vez que seus autores e autoras

tífico-opressora da deficiência. Uma

fundam de per si um tempo próprio,

página em branco nos torna res-

que nos obriga a respeitá-los, apre-

ponsáveis por tudo, desde sempre,

sentar seria furtar ao leitor o efeito

por todos e todas, indistintamente.

de novidade que o outro e a outra

Assim, entregarmo-nos a esta pes-

nos obrigam. Porém, importa dizer

quisa, em verdade, fora entregarmo-

que desde a dança e os movimentos,

nos a um salto para o desconhecido,

até a sublimação, passando pelas in-

pois, como dito, a cada descoberta,

teligências múltiplas e por análises

reinventávamos nossa condição de

A música como instrumento de inclusão e invenção social

21

cal em que acreditamos morar qual-


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percepção do mundo. Cada entrevis-

responsabilidade pela face do outro

ta, cada artigo e cada livro escuta-

e da outra, podemos afirmar que

do era jeito de deixar esse outro e

esta pesquisa tem um só tempo, o

essa outra virem, e só depois, reco-

do outro e da outra, e que as faces

nhecidamente habitados por eles

da ética da alteridade estão sem-

e elas, nos colocávamos no mundo.

pre evidentes quando em contato

O mundo desta pesquisa foi assim,

com uma pessoa com down. Dudu,

o mundo da invenção, de humanos

portanto, nos ensina mais do que a

dançantes, ora, as palavras que es-

folha nunca é uma folha em branco,

crevem estas páginas que seguem,

mostra-nos que enquanto buscamos

são páginas conduzidas pela can-

uma ideia de verdade, de razão, ou

ção do Dudu, pela desarmonia den-

quando sustentamos argumentos

tro da qual a diferença não queda

para dizer da diferença, estamos já

esquecida pelo acorde da verdade

impedindo qualquer ideia mesma de

sobre o qual se sustenta uma ideia

ética e de inserção. O outro e a outra

de ciência. não há ciência que não

vem com todas as suas mazelas, be-

seja ciência do outro e da outra. A

nesses, lembranças e esquecimen-

repetição no texto é insistente por

tos, mal e bem, e isso nos mostra o

conta mesmo da novidade que cada

quanto a própria construção social

palavra que escorrega aqui traz, as-

é maniqueísta e opressora, o padrão

sim como cada encontro como Dudu

daquilo que pode ou não ser escrito,

nos permite.

daquilo que é ou não ouvido, da for-

não seria possível uma pes-

ma que é ou não aceita, só importa a

quisa assim se não reconhecêsse-

quem está fora da dança e não quer

mos que essa alteridade down seria

ouvi-la. Dudu com sua música é um

a alteridade por excelência, pois, ao

convite intenso e constante, uma es-

mesmo tempo em que nos transpor-

pécie de porta que se mantém sem-

ta para seu mundo infinito de doa-

pre aberta, mas que não garante um

ção, nos responsabiliza instauran-

ponto de chegada. E exatamente por

do-nos enquanto seres no mundo.

não existir essa chegada esperada,

nesses termos, Lévinas, ao propor

esse leito arrumado, é que podemos

que a ética deveria estar anterior

afirmar com tranquilidade que nos-

à ontologia, ou seja, que a ética an-

sa pesquisa é uma invenção. Ora, da

tecederia o ser e que a existência

invenção, não sabemos o que espe-

do humano se daria em vias de sua

rar. Assim como a inediticidade que

A música como instrumento de inclusão e invenção social


marca as pessoas com down tam-

uma experiência que antes dela, se-

bém não entregam itinerário.

quer poderíamos supor. Dudu rein-

A estrada pela qual a pesquisa

ventou a ciência com seus acordes.

se conduziu foi a estrada da inven-

Todas as folha em branco estão à es-

ção. Professores e alunos, oriundos

pera de um ouvido. Saibamos ouvir,

da academia, foram chamados a

senão não há dança, inclusão, peda-

dançar com o Dudu do Cavaco, que,

gogias múltiplas, sublimação e, tam-

ademais, não está na universidade,

pouco movimentos que inventam.

pois é ele mesmo a aula. Uma sala de

Por força mesmo de uma ideia

aula com as portas abertas, musical-

de hospitalidade, uma ciência que

mente abertas. Quando anunciamos

dance é uma ciência do outro e da

que não haveria folha em branco

outra, a dança é sempre um ato con-

quisemos dizer que por detrás dela

junto, pedagogia é andar junto do

há toda uma miríade de hipóteses

outro e da outra, não pode ser im-

outras à espera da chegada. Da mes-

posição de ou a. Da mesma forma, a

ma maneira, cada ciência que tocou

sublimação pela arte é um encontro

esse tema, pedagogia, fisioterapia,

com todo o outro e toda a outra, as-

direito e psicologia, foi invadida por

sim como, só se garante o direito do

aquilo que vem tornando outro aque-

outro e da outra. Junto desse caldo

la caminho. Agora podemos dizer

que resta do que o Dudu fez da nossa

que há uma pedagogia-down, um di-

pesquisa, seu irmão, Leonardo Gon-

reito-down, uma fisioterapia-down,

tijo, mostra que a partir do Dudu,

uma psicologia-down, porém, não

nunca mais houve, sequer, um dia

daquela maneira usual que a ciência

em branco, quiçá, uma folha.

em diante, cada vez que cada um de

NÃO EXISTEM

nós olhar para o tema que trabalha-

DIAS BRANCOS

mos, iremos escutar um acorde que

Folheando o livro da vida,

fará com percebamos que as folhas

compreendi que todas as fo-

em branco não existem e que cada

res criadas são formosas, que

vez que nos laçamos a ela, todas as

o esplendor da rosa e a bran-

dimensões outras estarão ali a nos

cura do lírio não eliminam

acompanhar, feito herança, feito ins-

a fragrância da violetinha

piração, porém, acima de tudo, feito

nem a encantadora simplici-

uma existência que nos conduz a

dade da margarida... Fiquei

A música como instrumento de inclusão e invenção social

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costuma tratar seus temas. De agora


entendendo que se todas as

consegue expressar seus sentimen-

pequenas fores quisessem ser

tos de forma tão pura e clara como já

rosas, perderia a natureza

vi inúmeras vezes ele fazer?

sua gala primaveril, já não

Tantas vezes esbarrei em

ficariam os jardins esmalta-

pessoas normais infelizes e amar-

dos de florinhas”

guradas. Dudu ama a vida e as pes-

Teresa de Lisieux,

soas, distribui alegria sem medo de

Religiosa Francesa

acabar. vê encanto na simplicidade

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e ensina que a mente tem o passo É muito importante rever coi-

mais ligeiro, mas o coração vai mais

sas na vida. Olhar para trás e obser-

longe. Penso que ele é super feliz a

var o que mudou, o que ficou igual, o

seu modo. Ele me ensina que o im-

que melhorou. Se os rumos que to-

portante é o presente, que tem du-

mamos foram os certos, se decisões

ração de um instante que passa, que

tomadas tiveram os resultados espe-

é preciso viver cada momento com

rados. Rever foi o que fiz quando me

intensidade máxima e sonhar sem

propus a escrever este texto. Rever a

perder os minutos presentes.

vida, meus conceitos e meus sonhos.

Sempre sou questionado - e

Antes de conhecer o Dudu, eu

acredito que meus pais também

pensava, como muitos, que a defici-

– sobre o que faz do Eduardo uma

ência era uma fisionomia marcada.

pessoa tão sociável. Haveria graus

A sociedade, de modo geral, nos im-

na síndrome de down? Seria o nível

põe algumas regras e alguns mitos

de estimulação? Seria a aceitação

que trazemos desde a infância até a

da família?

vida adulta. Um desses mitos é ter

Hoje penso, sem me embasar

pena de pessoas tidas como dife-

na ciência, que um conjunto de fato-

rentes, pessoas que têm algum tipo

res influência o desenvolvimento da

de limitação. O tempo me ensinou e

pessoa com down: estimulação, acei-

desmistificou o que me foi imposto,

tação, características hereditárias,

inclusive pela escola, que deveria

dedicação, estabilidade emocional

ensinar justamente o contrário. Per-

dos pais. Acho que é um pouco de

cebi que o Eduardo é uma pessoa

tudo e, principalmente, acreditar

privilegiada e quem tinha várias li-

que a diferença está no olhar de

mitações era eu. Que ser humano

quem vê. não há vários níveis gra-

dito como normal pela sociedade

duais de síndrome de down. Existem

A música como instrumento de inclusão e invenção social


no sonha ser livre para escolher seu

cidades intelectuais, como as pesso-

caminho, mesmo que errado, e para

as ditas “normais”.

falar o que sente, mesmo se não

Vivemos em uma sociedade em

agradar. Sei que a total liberdade é

que se é treinando para não expor

utopia. O mundo tem leis, regras so-

a vida íntima a estranhos, embora,

ciais e valores éticos. Para uma boa

com o advento das redes sociais, es-

convivência, temos que respeitá-los.

tejamos passando por uma mudança.

Pagamos também um preço por isso,

Evitamos falar dos problemas e das

por reprimir nossos instintos. O se-

dificuldades mais profundas como se

gredo é aprender a viver em grupo,

nos mostrar humanos e verdadeiros

sem vender a alma. E isso o Dudu faz

nos diminuísse. Preferimos parecer

muito bem.

contidos deuses perfeitos aos olhos

É do próprio contato com o

alheios. E o Dudu nos ensina a leveza

outro, principalmente com os di-

da transparência, a beleza da since-

ferentes, que aprendermos a nos

ridade e a lindeza da autenticidade.

conhecer. Que ele possa continuar

Só crescemos quando nos mostramos

espalhando alegria e cativando cada

por dentro, sem máscaras, sem firu-

vez mais as pessoas. Aprendemos

las, com menos roupa. Ele nos ensi-

muito com ele, especialmente em

na sem saber. Sei que é difícil para

relação à formação humana, o que

todos aceitarmos o que é diferente,

nos torna melhores e mais prepa-

o que foge do padrão. Abençoados

rados para a vida. Ele nos ensina a

os que não têm preconceito, pois nos

nos contentar com pequenas coisas

ajudam a respirar.

e pequenos momentos.

Sou consciente hoje de que ter

Ao escrever este texto, pensei

um irmão com down é uma bênção

na riqueza do viver e em quantas op-

para mim. E hoje nem poderia ima-

ções existem. Pensei nos sonhos, na

ginar minha existência sem esse

necessidade tão simples e primordial

tesouro, esse professor da vida.

de projetar, de antever a vida de for-

Possível, para ele, é conseguir o má-

ma sensível, feita de desejo e imagi-

ximo dentro da realidade de cada

nação. Vez por outra, penso no futuro

momento. E isso ele sabe fazer como

do Dudu. Na ausência de nossos pais.

ninguém. Penso que, na profundeza

Isso apenas me faz ter a certeza de

da alma, onde moram os mais estra-

que ele sempre terá companhia. A ca-

nhos e sinceros desejos, o ser huma-

minhada seguirá desconhecida. Com

A música como instrumento de inclusão e invenção social

25

sim diferenças em virtude das capa-


26

esperança e otimismo enfrentaremos

todo o amor e gratidão. Ele é capaz

os obstáculos e comemoraremos mui-

de entender muito bem as coisas

tas vitórias juntos.

com naturalidade. não é necessário

É fácil amar o perfeito, o belo,

um linguajar especial nem atitudes

o correto. É fácil conviver com a

e comportamentos diferentes para

normalidade, conhecida e previsível.

lidar com ele. É receptivo na aproxi-

Difícil é gostar do desconhecido, do

mação, interage melhor conosco do

fora do padrão, do imperfeito. Mas

que nós com ele, pois é ele que inicia

quando se chega a este amor pleno,

o contato. Basta responder e trocar

percebe-se o privilégio de conquistá-

o mais natural possível. É preciso

lo. Então, a alma fica repleta de

reconhecer que nos foi dada uma

ternura, de bem querer. É uma

grande oportunidade em nossa vida:

sensação tão boa que há muito não

a de provar que o ser humano é bas-

posso imaginar minha vida sem ela!

tante misterioso para nos surpreen-

A simplicidade, a calma, o otimismo,

der diariamente e superar as nossas

a alegria, o amor que deseja ao outro

mais firmes expectativas. Penso que

toda a felicidade, do fundo do ser; a

o verdadeiro obstáculo que temos

paciência, o altruísmo e a esperança.

que vencer não é a pessoa ou a sín-

Tudo isso aprendi com o Dudu, um

drome, mas, precisamente, o enor-

irmão que me dá tanto sem nunca

me preconceito que a envolve. Para o

me pedir nada, uma pessoa que atua

Dudu, a amizade não tem distinção.

como um guia contínuo, em direção o

Ele ama igualmente, pois seu amor é

ao mais alto nível do consciente que

incondicional. Por mais que um ser

um ser humano é capaz de atingir.

tente alcançar um grau de pureza,

Tenho certeza de que, ao final des-

nunca conseguirá ser como ele, que

ta jornada, sou e serei uma pessoa

é feliz como é. Somos limitados por

melhor. não melhor do que ninguém

não entendermos isso. O amor fala

e sim melhor do que eu era e melhor

mais alto e ele surpreende mais do

do que eu mesmo seria se não tives-

que corresponde.

se um irmão como ele, esse Jovem

Penso que é preciso aceitar as

encantador que emociona e me faz

diferenças e acreditar em nosso po-

sentir mais humano. A ele devo a

tencial que é ilimitado. O fundamen-

ascensão da alma e a sensação de

tal é que olhemos para as pessoas

plenitude. A ele devo a luz que hoje

com deficiência preocupados com

tenho no meu caminho. A ele devo

suas potencialidades e não com os

A música como instrumento de inclusão e invenção social


seus defeitos. Torço para que o Dudu voe

em nossos cora- ções, com real von-

alto, sonhe muito. Estarei sempre

tade de inserir as pessoas com defi-

observando-o e aprendendo que

ciência em nossas vidas, na família,

quem possui limite são os municí-

na sociedade. E essa inclusão signifi-

pios. Como diz o filósofo Jean Coc-

ca ajudá-los a conquistar a sua cida-

teau: “E sem saber que era impos-

dania, ensinando-os a cumprir deve-

sível, ele foi lá e fez”. A ciência já

res como qualquer cidadão. Somente

demonstrou que as etnias humanas

os governos, a escola, as leis e os pro-

são muito mais semelhantes entre si

fissionais não fazem o milagre da in-

do que aparentam ser porque gran-

clusão. Ela só vai acontecer quando

de parte da variação que nós vemos

aceitarmos as pessoas com deficiên-

entre as mesmas são resultantes de

cia como ele é e não como queríamos

diferenças culturais. Por isso, não

que fosse, sem cobranças, sem criti-

podemos, apressadamente, concluir

cas, sem fugir à realidade. Não pode-

que uma diferença que percebemos

mos exigir direitos sem cumprir de-

na aparência ou jeito de uma pessoa

veres. A anormalidade é um desafio

deve-se à diferença na sua constitui-

para todos nós que queremos aceitar

ção genética. Se a diversidade é a re-

e compreender tudo o que envolve a

gra, por que temos tanta dificuldade

vida e as dificuldades de uma pessoa

em aceitar a diferença?

com deficiência. Compreender é mui-

E penso que aceitar significa

to mais que aceitar. É acreditar que

ver as pessoas como seres humanos,

todo ser humano é limitado, indepen-

com sua própria personalidade, limi-

dentemente de ser deficiente ou não,

tes e desafios. Cresci nesta caminha-

e que todos temos um potencial a ser

da com o Dudu, sou mais tolerante e

descoberto. Em uma sociedade com-

com um grau de compreensão maior

petitiva e preconceituosa como a nos-

em relação às diferenças. As bata-

sa, essa é uma tarefa, no mínimo, difí-

lhas que vencemos são fruto de muito

cil. Se, atualmente, falamos muito em

amor e cumplicidade. A luz que ema-

inclusão social, não a colocamos em

na do meu irmão é a mais intensa

ação porque a verdadeira inclusão

bênção de nossa família, iluminando

acontece no momento em que deixa-

a vida de todos, com seus olhos puxa-

mos a teoria de lado e partimos para

dos e brilhantes, com seu sorriso sin-

a prática, deixando os preconceitos

cero e abraço afetuoso. A inclusão só

de lado e dando oportunidade para

A música como instrumento de inclusão e invenção social

27

vai acontecer se acontecer também


28

que as pessoas com deficiência mos-

Temos que acabar com os rótu-

trem sua eficiência. Uma das ques-

los e começar a enxergar o potencial

tões mais complicadas do homem é

de cada ser humano, procurando

entender e aceitar o outro como ele

atendê-los de acordo com suas difi-

é, pois criamos um modelo de ser hu-

culdades, sempre criando possibili-

mano imposto pela sociedade moder-

dades para o pleno desenvolvimento,

na. Como as pessoas com deficiência

dentro da capacidade, possibilidade

não seguem esse padrão, muitas ve-

e vontade de cada um. Como educa-

zes ficam sem a convivência social.

dores, não devemos nos conformar

Para se conhecer verdadeiramente a

em avaliar habilidades, destrezas,

capacidade de uma pessoa apenas dê

conhecimentos que o ser humano

a ele uma oportunidade. É triste, ao

tem ou não tem ou em que medida

final desta jornada, constatar que o

os tem. Precisamos nos fixar na evo-

maior bloqueio ao progresso e inser-

lução do processo e não apenas no

ção das pessoas com deficiência não

resultado final. Quanta evolução o

é o imposto pela genética, mas sim

Dudu já nos mostrou! Embora atual-

por nós mesmos. Se não permitirmos

mente alguns aspectos da síndrome

esta convivência e inclusão, como po-

de down sejam mais conhecidos, e

demos aprimorar nossa sociedade?

a pessoa com down tenha melhores

Há quem diga que, num futuro

chances de vida e desenvolvimento,

talvez até próximo, a engenharia ge-

uma das maiores barreiras para a

nética desenvolva-se ao ponto de eli-

inclusão social destes indivíduos

minar a trissomia do cromossomo 21.

continua sendo o preconceito.

Porém, não devemos aguardar a ciên-

no entanto, embora o perfil da

cia para superarmos a nós mesmos

pessoa com síndrome de down fuja

e aceitar a conviver com a diferença.

aos padrões estabelecidos pela cul-

nossos irmãos estão aí. Diferentes

tura atual - que valoriza sobretudo

sim. Capazes também. Temos que ser

os padrões estéticos e a produtivi-

os primeiros a acreditar neles. Sem

dade -, cada vez mais a sociedade

falsas ilusões, inseri-los no contexto

está se conscientizando de como é

de acordo com o seu potencial. Des-

importante valorizar a diversidade

cobrir isso junto com eles é o nosso

humana e de como é fundamental

desafio. Sem pena, ressentimentos

oferecer equiparação de oportuni-

ou frustrações. Apenas enxergando

dades para que as pessoas com de-

suas qualidades e aptidões.

ficiência exerçam o direito de con-

A música como instrumento de inclusão e invenção social


viver na sua comunidade. Cada vez

ciência, mas respeitá-los é o mínimo

mais, as escolas do ensino regular e

que se espera.

as indústrias preparadas para rece-

Digo que o meu irmão me trou-

ber as pessoas com deficiência têm

xe para uma nova realidade. Deu

relatado experiências muito bem su-

à minha vida um sentido especial.

cedidas de inclusão benéficas para

Com ele consegui ver o mundo com

todos os envolvidos.

um olhar mais humano. Dudu me

Colocar-se no lugar do outro

permite evoluir, pois me faz ques-

é uma postura que pode nos possi-

tionar sobre nosso papel no mundo.

bilitar posicionamentos mais éticos

As oportunidades são dadas. Cabe

e de respeito, modificando precon-

a nós aproveitá-las. Para mim não

ceitos e injustiças, pois sempre que

é possível viver são sem um sentido

pensamos como nos sentiríamos se

para a vida. Isso é deixa-lá passar

estivéssemos no lugar do outro mo-

em branco. Dudu foi a maior opor-

dificamos modos de pensar e agir.

tunidade eu tive para desenvolver e

Preconceitos, geralmente, são pro-

reconhecer as minhas próprias for-

dutos de nossa ignorância, resultado

ças e fraquezas.

de nossa postura de pensar a reali-

Acredito que meus pais se

dade a partir daquilo que conhece-

preocupam que o Dudu possa se

mos e vivenciamos, sem pensar em

transformar, futuramente,

outros aspectos, sem avaliar o que

peso para os seus irmãos. Gostaria

os outros podem sentir. Que possa-

que soubessem que, por mim, será

mos, portanto, evoluir e compreen-

o peso de uma pluma, com a leveza

der essa realidade que o Dudu tanto

de um ser humano inigualável. Será

nos ensina: Todos somos diferentes,

um prazer conviver com ele. Como

mas devemos ter oportunidades

acompanhei toda a trajetória de vida

iguais. Como nos ensina o filme “Do

do meu irmão, sei de alguns de seus

luto à luta”: quando os bebês come-

sofrimentos, de suas dificuldades e

çam a andar, nós os chamamos para

de suas superações e lutas. Fizemos

caminhar. Ter um parente ou amigo

o que todos deveriam ter feito. Nada

com deficiência é um chamado para

mais, nada menos do que dar amor,

nos conhecer melhor e nos aprimo-

essa palavrinha mágica que só fun-

rar como ser humano. Sabemos que

ciona se for de verdade. Amor não se

nem todas as pessoas têm obriga-

finge não se acha, nem se compra.

ção de aceitar as pessoas com defi-

Simplesmente se ama ou não.

A música como instrumento de inclusão e invenção social

29

em um


30

Gostaria de expressar que ter

possamos ver o que talvez não espe-

um irmão diferente, para alguns,

rávamos: que seus sentimentos são

pode ser um grande trauma. Obvia-

tão semelhantes aos nossos. Quem

mente nos causa muitas perguntas,

sabe agora, após contar esta histó-

principalmente sobre nossos valores

ria, quando encontrarmos pessoas

e sentido da vida. Por ter esta opor-

com deficiência na rua possamos

tunidade, agradeço imensamente,

fixar nosso olhar não na síndrome

primeiramente aos meus pais e es-

que o faz ser diferente, mas nos em-

pecialmente ao Eduardo. Obrigado

penhemos em nos questionar: quem

sempre. Com esta iniciativa do tex-

está aí? ninguém é igual a ninguém.

to gostaria de ressaltar o exemplo

Por isso, somos autênticos e únicos.

do Dudu. Convoco todos a entrar

Dudu me ensinou o mais importante

em seu mundo e ver que, além de

na vida: nunca deixar de demons-

sua aparência tão marcada pela

trar nossos sentimentos aos que

síndrome, estão seus medos, seus

amamos. Foi esse ensinamento que

conflitos, seus desejos, e quem sabe,

tentei demonstrar neste texto.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


A FISIOTERAPIA ASSOCIADA À MÚSICA NO ACOMPANHAMENTO DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN: das deficiências físicas/ cognitivas e limitações funcionais à exploração das potencialidades e ampla inserção social Renata Cristina Magalhães Lima * Carolina de Freitas Gomes ** Izabela Faúla Miranda Linhares *** Roberta Lopes Sena **** Bernardo Gomes Barbosa Nogueira *****

* Doutora em Ciências da Reabilitação, professora titular do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva. ** Acadêmica do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva. *** Acadêmica do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva. **** Acadêmica do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva. ***** Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

31

A música como instrumento de inclusão e invenção social


Como parte de um imenso

(BRASIL. Ministério da Saúde, 2013)

trabalho em equipe interdisciplinar,

As pessoas com SD apresen-

este capítulo visa apresentar um

tam características clínicas (físicas

pouco das deficiências físicas e cog-

e cognitivas) peculiares a esta popu-

nitivas, limitações funcionais e res-

lação, que podem variar de acordo

trições sociais que pessoas com sín-

com cada indivíduo. Alterações neu-

drome de Down podem apresentar,

rológicas, cardiopulmonares e mus-

sob o olhar e saberes da fisioterapia.

culoesqueléticas são encontradas e

Discute a influência da música como

geram implicações por vezes nega-

ferramenta de trabalho durante tra-

tivas na funcionalidade e qualidade

tamentos convencionais fisioterápi-

de vida do indivíduo. São alterações

cos e mostra como ela pode facilitar

que, detectadas precocemente, e com

a inserção social dessas pessoas

uma indicação adequada, podem ser

especiais, com inúmeras potenciali-

tratadas com fisioterapia. Para o

dades. O melhor caminho para que

sucesso da reabilitação, o trabalho

isso aconteça é a estimulação, e o

em uma equipe interdisciplinar com-

quanto antes se inicia melhores são

posta em geral por neurologista, fo-

os resultados!

noaudiólogo, terapeuta ocupacional,

32

dentista, psicólogo, pedagogo e asO quE é A SÍNDROME

sistente social, é imprescindível. As

DE DOWN?

limitações funcionais e restrições na

A Síndrome de Down (SD) é

participação social dessas pessoas

uma alteração genética, devido a

podem ser amplamente minimizadas

um cromossomo extra no par 21,

com associação de outros profissio-

totalizando 47 ao invés de 46 cro-

nais em conjunto, como advogados

mossomos; ou seja, existe uma parte

e pedagogos – que garantirão os

a mais em todas as células ou par-

direitos desses cidadãos na socie-

te delas da pessoa com a síndrome.

dade, seja nas escolas, ambientes de

A SD pode acontecer com qualquer

lazer e trabalho. Mostrar as várias

pessoa, independente de raça, clas-

vertentes deste trabalho em equipe

se socioeconômica, nacionalidade e

foi o maior objetivo do projeto de ini-

sexo. no Brasil os dados epidemioló-

ciação científica do Centro Univer-

gicos não são precisos, mas estima-

sitário newton Paiva intitulado “A

se que a cada 600 a 800 nascimen-

música como instrumento de inclu-

tos, uma criança nasce com Down.

são e invenção social”, coordenado

A música como instrumento de inclusão e invenção social


pelo professor Bernardo Nogueira.

cal deve ser realizada quando o feto

Juntos todos esses saberes se fazem

tem entre 45 e 84 mm de comprimen-

mais fortes em prol dos direitos de

to, medindo da cabeça à nádega. Isto

pessoas com SD.

corresponde a cerca de 11 a 14 semanas de gestação contadas a partir do

Como é feito o

primeiro dia da última menstruação.

diagnóstico da SD?

A medida da translucência nucal

O diagnóstico da SD pode ser

não é um teste de diagnóstico, ela

feito por meio de exames de sangue,

apenas define qual grupo tem alto

exames de imagem (ultrassom) e ava-

ou baixo risco. Para diagnosticar se

liação das características físicas do

o feto tem, por exemplo, a síndrome

bebê ao nascer. O exame da alfa-fe-

de Down deverá ser realizada uma

toproteína (AFP), é considerado um

biópsia de vilosidades coriônicas ou

marcador para o diagnóstico. A AFP

amniocentese. (BRUNS, 2016)

é uma proteína produzida pelo fígado

As características físicas que

do feto durante a gestação, e é encon-

estarão presentes na maioria da

trada no sangue do bebê, da mãe e no

população com SD são: hipotonia

líquido amniótico. Um nível baixo de

muscular, que é uma alteração no tô-

AFP, no sangue materno, pode indicar

nus dos músculos, em que eles irão

uma possível presença da Síndrome

se apresentar flácidos, com frouxi-

de Down. (GUNDERSEN, 2007)

dão ligamentar; prega palmar única

A translucência nucal (ou TN)

(prega simiesca nas mãos); diminui-

é uma medida realizada na região

ção do comprimento dos membros

da nuca do feto, conhecida por meio

inferiores; implantação baixa da

do exame de ultrassom. Esta medi-

orelha que pode levar a alterações

da ajuda a estimar o risco do feto

na audição; clinodactilia no 5° dedo

ter algumas doenças, entre elas a

da mão, que é quando o dedo se cur-

Síndrome de Down e as cardiopatias

va um pouco para dentro; a face do

congênitas. Fetos com malformações

bebê pode ser mais alargada e seu

ou doenças genéticas possuem uma

nariz menor que o das outras crian-

tendência a acumular liquido na re-

ças; olhos puxados e amendoados;

gião da nuca. Portanto uma medida

cabelos finos e lisos; o céu da boca

aumentada significa um aumento de

um pouco mais encurvado; menor

risco. (BRUNS, 2016)

número de dentes; alterações cognitivas com presença de retardo

A música como instrumento de inclusão e invenção social

33

A medida da translucência nu-


mental em diferentes graus; dentre

significa que o bebê não seja inteli-

outras características. Todas essas

gente ou seja incapaz de aprender,

características podem ou não estar

e sim que ele irá demorar um pouco

presentes nas pessoas com a síndro-

mais em aprimorar suas habilida-

me (GUnDERSEn, 2007).

des cognitivas. Ele é sim capaz de aprender a falar, ler, escrever, dese-

COMO ME ADAPTAR

nhar, sonhar... Ele irá fazer tudo que

A ESSE BEBÊ ESPECIAL?

uma outra criança faz, mas do seu

no primeiro momento quando

jeito e na sua hora, dependente da

os pais recebem a notícia de que seu

quantidade e qualidade dos estímu-

bebê tem SD, o mundo “vira de cabe-

los dados a ele.

ça para baixo” causando um misto

Crianças com limitações fun-

de sentimentos, envolvendo desde

cionais tem dificuldade no desenvol-

insegurança, até medo pelo futuro

vimento, por isso é preciso oferecer

da criança, de como será dali para a

a elas possibilidade de intervenção

frente, como enfrentar todas as ad-

precoce que possibilite o aprimora-

versidades que possivelmente virão.

mento de sua potencialidade. A in-

Mas quando os pais conhecem

tervenção precoce é essencial para

o mundo de seu filho especial, perce-

que a criança se desenvolva da me-

bem que aquela criança trará gran-

lhor forma possível. Por isso é muito

de alegria e muito orgulho para toda

importante que busquem profissio-

família. As crianças com SD podem

nais capacitados e que se divirtam

apresentar algumas limitações como

com o mundo único e extraordinário

atraso no desenvolvimento (sentar,

das pessoas com SD.

andar, falar,...), mas, dentro de suas

Durante o desenvolvimento

limitações, são crianças incríveis,

da criança com SD ao passar por

curiosas, espertas e dispostas a des-

cada dificuldade enfrentada, perce-

bravar um mundo de novidades.

be-se que toda a família acaba por

Os pais não precisam se sentir

se transformar do ponto de vista

culpados pela síndrome de seu bebê.

ético. As mudanças acontecem em

É importante que renunciem a essa

todos! Muitas vezes preconceitos

culpa, e a transformem em energia

antes existentes entre os próprios

para se fortalecer e auxiliar seu bebê

familiares acabam por cair por ter-

a desenvolver seu incrível potencial.

ra a partir do momento que se veem

34

A deficiência intelectual não

inseridos em uma família agora com

A música como instrumento de inclusão e invenção social


uma pessoa com deficiência. E quan-

tal. Isto quer dizer que qualquer

do a aceitação da síndrome aconte-

ação mental, organizada, dependerá

ce precocemente pela família, todo o

de um sistema postural bem estru-

processo é facilitado!

turado e consequentemente de movimentos intencionais bem organizados. (JANAINA; et. al.)

A fisioterapia no

Se a estimulação é importante

processo de aquisição de habilidades

para qualquer criança com ou sem

A fisioterapia pode intervir no

atraso no desenvolvimento, a criança

desenvolvimento motor auxiliando

com SD tem essa necessidade muito

na aquisição da marcha, coordena-

mais inerente de experimentar situ-

ção, equilíbrio, controle postural e

ações e conviver com pessoas dife-

funcionalidade de modo a proporcio-

rentes às de seu ambiente. O desen-

nar maior independência funcional e

volvimento de uma criança se dá por

melhor qualidade de vida.

meio de descobertas de si mesmo e

O desenvolvimento global da criança com SD acontece com re-

do mundo que a rodeia a cada nova experiência. (JANAINA; et. al.)

tardo do padrão considerado ideal,

O interesse que ela manifesta

no entanto a criança pode chegar a

pelo movimento dos objetos, faz dos

progressos consideráveis, com boa

brinquedos um bom suporte para

estimulação,

por

estimulá-la a passar de uma posição

profissionais capacitados e, sobre-

para outra. Os jogos e as brincadei-

tudo, pela família com a qual convive

ras, além de serem úteis para a aqui-

diariamente, e que tem papel princi-

sição da motricidade, têm grande

pal no progresso da criança. (BRA-

importância para que a criança se

CK; et. al., 2015)

desenvolva do ponto de vista mental

proporcionados

Na sequência do desenvolvi-

e afetivo.

mento do indivíduo, em primeiro

Apesar de ter características

lugar vem a postura, depois a ação

que o diferencia dos indivíduos di-

motora, para depois vir a ação men-

tos “normais” 1, a criança com SD é

A música como instrumento de inclusão e invenção social

35

1 Segundo Michel Foucault, a ideia de normalidade é muito mais uma questão social do que de saúde. O atual paradigma da ciência impõe rótulos, e ao impor-se uma classificação, restringi-se o universo de alguém. Pode-se dizer que uma pessoa tenha deficiência de aprendizagem e dar-lhe remédios ou pode-se descobrir a dificuldade dessa pessoa e introduzir novos métodos de ensino mais adequados à sua situação especial. Existe um padrão de comportamento exigido pela sociedade, e todos aqueles que fogem da média são considerados desviantes da normalidade, ou seja, “anormais”.


semelhante a estes no processo de

sibilidades. na sua utilização traze-

desenvolvimento. Por meio de ativi-

mos prazer para as sessões, reme-

dades com jogos e brincadeiras, a

tendo ao ambiente uterino. A música

criança se envolve com o desejo de

é conhecida e acessível, está presen-

descobrir o mundo e de se autodes-

te em todo lugar a todo tempo e não é

cobrir. Essa motivação desperta a

necessário nível de instrução musical

vontade de se movimentar, tornando

alto para reproduzir sons ritmados e

esses movimentos mais espontâne-

agradáveis (SALGADO, 2000). Com

os, mais prazerosos e as conquistas

a inserção da música temos, a prin-

mais evidentes (JAnAInA; et. al.).

cípio, a construção de uma igualda-

nada é impossível para uma

de outra, assim como, constrói-se

pessoa com Síndrome de Down, mas

uma nova percepção acerca do que

não se devem fixar metas muito ele-

é normal, portanto, em relação aos

vadas que possam de alguma forma

padrões sociais.

inibir ou desmotivar a criança. Por-

A música é uma instituição hu-

tanto os objetivos devem ser traça-

mana, uma forma de linguagem, na

dos sempre relacionados à idade e

qual podemos encontrar significado e

às condições clínicas de cada indiví-

beleza por meio dos sons, da improvi-

duo. O que realmente conta é a su-

sação, da apresentação e da audição.

peração dos seus próprios limites no

Ela aproxima as pessoas e famílias,

dia a dia, por menor que seja. nada

estabelece recordações e sentimen-

impede que a criança com SD con-

tos. A música é um produto, um ma-

siga a sua independência motora. A

terial real e ao mesmo tempo imagi-

falta de estimulação é que limita o

nário e sem limites. Está presente em

desenvolvimento global da criança.

todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e comemorações,

FISIOTERAPIA

rituais religiosos, manifestações cí-

MÚSICO-SOCIAL -

vicas, políticas, etc., e é um elemento

A uTILIZAçÃO DA

que auxilia no bem-estar das pessoas

MÚSICA COMO RECuRSO

(BRUSCHIA; et. al. 2010).

36

FISIOTERAPÊuTICO

Além disso a música pode

A Fisioterapia pode utilizar

exercer influência de duas maneiras

a música como um novo recurso de

distintas no corpo humano: direta

tratamento porque proporciona ao

com o efeito do som sobre as células

paciente novas perspectivas e pos-

e os órgãos, e indireta, agindo sobre

A música como instrumento de inclusão e invenção social


lidade de vida e funcionalidade. A

mento importantíssimo, pois mobili-

partir da estimulação do bebê será

za, contribuindo desta forma para a

possível adquirir posições que au-

transformação e o desenvolvimento

xiliarão na aquisição de atividades

social do indivíduo. (JÚNIOR, 2015)

como rolar, passar de deitado para

O repertorio sonoro ou “iden-

sentado, quatro apoios (gato), en-

tidade sonora” da criança inicia-se

gatinhar e posteriormente andar.

ainda no útero materno, ouvindo o

É importante até mesmo para ins-

som dos batimentos cardíacos da

tigar a pessoa com Down quanto

mãe, conversas dos pais, ou sentido

à criatividade para fazer tarefas

(pelas vibrações provenientes do am-

manuais, danças, esporte, e ma-

biente externo). Esse repertório au-

ximizar suas funções cognitivas

menta durante a vida, porque a mú-

de aprender coisas novas, e so-

sica e os sons estão por toda a parte.

ciais como trabalhar. Além disso

No contexto escolar a músi-

o estímulo sensorial, ao tocar um

ca tem a finalidade de ampliar e

instrumento, sentir a vibração dos

facilitar a aprendizagem do edu-

sons ou dançar, provoca prazer e

cando, pois ensina o indivíduo a

alegria, possibilita conhecer novos

ouvir e a escutar de maneira ativa

sons e texturas. (JÚNIOR, 2015)

e refletida. Porque a música tem

Provavelmente, o mais im-

como característica firmar con-

portante progresso na investigação

teúdos, ou seja, é capaz de manter

científica da música, foi a desco-

a atenção com mais eficiência em

berta de que a mesma é percebida

comparação com técnicas não mu-

através da parte do cérebro que

sicais, portanto a memória musi-

recebe o estímulo das emoções,

cal possibilita a evocação mais fa-

sensações e sentimentos, sem ser

cilmente de conteúdos estudados

primeiro submetida aos centros do

do que a memória verbal, falada

cérebro que envolvem a razão e a

(SALGADO, 2000).

inteligência. (JÚNIOR, 2015). Por

No ambiente terapêutico per-

estimular diferentes partes do cére-

mite desenvolver habilidades, pa-

bro, a música durante o tratamento

drões de movimentos ou posturas

possibilita a neuroplasticidade, que

antes não incentivados. A música

é a reorganização das conexões

junto à fisioterapia tem por obje-

neuronais a partir do estímulo e da

tivo proporcionar melhora da qua-

prática. A neuroplasticidade gera

A música como instrumento de inclusão e invenção social

37

as emoções e auto-estima. É um ele-


38

novas possibilidades de adaptação

RELATO DE PAIS

do indivíduo em seu meio, fazendo

COM FILhA COM SD

com que seja mais funcional (MUS-

“Nossa aventura começou em

ZKAT, 2015). Os benefícios terapêu-

junho de 2014 quando o Gui

ticos da música são variados desde

e eu soubemos que estáva-

participação social à funcionalida-

mos grávidos. Finalmente o

de para atividades de vida diária, o

grande dia havia chegado!!!

que faz da mesma um ótimo recurso

Tudo transcorria normal-

no tratamento de pessoas com defi-

mente, até realizarmos o exa-

ciências diversas.

me de translucência nucal.

A seguir, temos dois relatos

Aos nossos olhos um exame

relacionados à importância do estí-

como qualquer outro e que

mulo precoce e da música na vida

não chamou nossa atenção

de pessoas com SD. O primeiro se

no primeiro momento, pois

trata dos pais da pequena e encan-

estávamos tão felizes com a

tadora Olívia, de quase dois anos

gravidez, que nada, naquele

com SD, se descobrindo a cada dia.

momento, poderia dar er-

O segundo é a transcrição de uma

rado. Pois bem, ao final do

entrevista feita com o nosso fa-

exame, o médico com muito

moso Dudu do Cavaco – um jovem

cuidado, nos disse que o exa-

brilhante, de 26 anos, com ampla

me tinha dado uma pequena

bagagem musical, primeiro músico

alteração e que isso indica-

com SD a gravar CD e DvD no Bra-

ria a possibilidade de nosso

sil, multi instrumentista e ator. Sua

querido bebê ter alguma al-

carreira musical iniciou desde mui-

teração cromossômica, sendo

to cedo, e aos 12 anos aprendeu a

a Síndrome de Down a mais

tocar cavaquinho. Atualmente tem

comum. Saímos da clínica e

uma banda própria e faz parte do

fomos direito a um especia-

grupo de samba Trem das Onze. É

lista que nos confirmou a al-

constantemente

para

teração e reforçou a possibili-

abrir solenidades e fazer partici-

dade da nossa Olívia nascer

pações especiais em programas de

com Síndrome de Down. Foi

televisão. Já fez mais de 150 pales-

o dia mais difícil desde en-

tras e 80 shows e já abriu um show

tão. Foi nos dada a opção

do Jota Quest no novo Mineirão.

de fazer um exame chamado

convidado

A música como instrumento de inclusão e invenção social


amniocentese, exame este invasivo e confirmaria antes mesmo do nascimento se a Olívia tinha alguma síndrome. Decidimos não realizar o exame. Não queríamos correr o risco de perdê-la e ela, independentemente de qualquer

Fonte da imagam: Acervo pessoal dos pais

quer maneira. A partir des-

Porém, veio no 3º (terceiro)

ta decisão decidimos seguir

mês, em uma quarta feira,

com a gravidez da melhor

quando chegou o resultado

maneira possível e assim foi

o exame do cariótipo, e ao

feito. A cada exame que não

abrir o resultado não conse-

era detectada qualquer anor-

guíamos enxergar nenhuma

malidade, nos deixava ainda

palavra, enxergamos, porém,

mais felizes, pois nosso bebê

um cromossomo extra no par

estava saudável a cada mês

21. A partir daí soubemos

que se passava. A cada novo

que nossa filha tinha Síndro-

ultrassom e diante da ex-

me de Down. E desde então,

celência dos resultados dos

nosso amor por ela cresceu

exames a possibilidade de

e juramos para nós mesmos

Olívia nascer com alguma

que iríamos fazer o melhor

alteração cromossômica di-

para ela e é o que estamos

minuía. E então, veio o dia

tentando fazer. O amor rom-

do nascimento, e Olívia che-

pe barreiras, preconceitos

gou chorosa, linda e radian-

e estereótipos. Olívia foi na

te. O diagnóstico não foi dado

contramão de todas informa-

logo após o nascimento, pois

ções a respeito da Síndrome

os próprios médicos tinham

de Down. Nos surpreendeu

dúvidas, pois nossa filha não

desde o primeiro dia de vida.

tinha as características co-

Ela mamou no peito desde a

muns das crianças com Sín-

primeira semana, começou a

drome de Down, com exceção

firmar o pescoço logo no ter-

dos olhos amendoados.

ceiro mês, ficou de bruços.

A música como instrumento de inclusão e invenção social

39

coisa, seria amada de qual-


Fonte da Imagem: Acervo pessoal dos pais.

No quarto e no quinto mês se virou sozinha. Ao sexto mês já sentava com apoio, no sétimo já quase se sentava sozinha e a hipotonia era quase nula.

Fonte da Imagem: Acervo pessoal dos pais.

O desenvolvimento dela está excepcional em virtude da estimulação precoce desde o segundo mês de vida, quando ainda nem sabíamos com certeza que Olívia tinha SD. Olívia faz fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, além de toda estimulação em casa. Olívia é uma dádiva de Deus. Um bebê de luz e que veio para encher nossos corações de felicidade. ”

Fonte da Imagem: Acervo pessoal dos pais.

Hoje com 1 ano e 9 meses já tem um vocabulário rico em palavrinhas e já dá seus primeiros passos junto a independência motora.

Giovana e Guilherme – Pais da

40

pequena Olívia de quase 2 anos A música como instrumento de inclusão e invenção social


Fonte das Imagens: www.manodown.com.br

Entrevista com uma pessoa com SD Dudu do Cavaco - “Mano Down” 4 Nome completo: Eduardo Gontijo / Idade: 26 anos

A música como instrumento de inclusão e invenção social

41

4 Instituto Mano Down é uma organização não-governamental, que “nasceu a partir da idealização e sonhos de um grupo de pessoas que, acreditando nas capacidades das pessoas com síndrome de Down, pensaram que poderiam agir e oferecer as pessoas com Down oportunidades de serem protagonistas de suas histórias”. (site: www.manodown.com.br)


1 – Como você define a sua música? “Quando eu estou tocando, eu pego a minha emoção, jogo no cavaquinho, e no cavaquinho eu mando para todos vocês!” 2 – Qual a influência / importância da música para você? “Quando estou tocando eu me sinto muito alegre, a minha vida é música, quando a música toca eu sinto uma vibração muito boa e começo mexer o corpo. A música é um grande instrumento de inclusão social que oportunizou eu ter uma vida ativa e autônoma.” 3 – O que mudou na sua vida depois que você entrou no mundo da música? “Mudou tudo na minha vida, minha autoestima aumentou, me sinto mais feliz, além de eu ser reconhecido, eu sou tratado como ser humano. Hoje sou músico e por acaso tenho Síndrome de Down.” 4 – Há quanto tempo você se dedica à música? “Eu toco desde os quatro anos de idade. Hoje toco sete instrumentos (Pandeiro, Banjo, Repique, Bangu, Tamborim e Cavaco) e me dedico todos os dias uma hora por dia à música.” 5 – Qual é a sua música preferida? “Como é grande o meu amor por você - do Roberto Carlos.” 6 - O que levou você a tocar? Quem te apresentou a música? “vi o meu Tio Maurício tocando atabaque fiquei observando, depois meu primo Igor começou a tocar cavaquinho e também fiquei observando e comecei a tentar tocar em casa, e foram eles quem me apresentaram a música. Hoje tenho dois professores, o Hudson Brasil e o Pablo.” 7 – Além de tocar você faz outras atividades? Pratica algum esporte? “Pratico capoeira, zumba, dança, faço academia e percussão no instituto (Instituto Mano Down)3, faço palestras no Brasil todo e teatro algumas vezes”

42

8 – Como você se sentiu ao saber que é a primeira pessoa com síndrome A música como instrumento de inclusão e invenção social


de Down a lançar um CD no Brasil? “É um sentimento indescritível, estou muito orgulhoso, muito feliz em poder realizar mais este sonho, a música é muito importante para mim, como a banda me trata eu me sinto muito feliz, e ser reconhecido é um grande sonho.” 9 – Deixe um recardo para todas as pessoas com Síndrome de Down: “Ser diferente é normal, todas as pessoas podem batalhar pelos seus sonhos, e temos que nos dedicar muito, mas a deficiência não pode ser um encalhe na vida das pessoas. Todos temos que sonhar e a superproteção muitas vezes é boa a curto prazo, mas todos os seres os humanos querem ser autônomos e buscar seus objetivos e seus sonhos. ”

CONCLUSÃO A intervenção precoce e a presença da música em todas as suas formas e também utilizada como recurso auxiliar em sessões de fisioterapia, são benéficas para a vida de pessoas com Síndrome de Down. Ambas proporcionam maior interação social, melhora da funcionalidade e qualidade de vida em atividades diárias. Além disso, possibilitam a esses indivíduos irem além... enchendo-os de alegria e criatividade, aprimorando ainda mais suas potencialidades! Mostrando a essas pessoas o quanto elas são especiais, importantes para família e amigos e produtivos para a sociedade. E que elas podem sim desbravar o mundo, com seu jeito único e incrível!

A música como instrumento de inclusão e invenção social

43

Todas as imagens foram autorizadas pelos familiares da criança Olívia e do Dudu do Cavaco. A coleta dos dados se deu com prévia autorização concedida pela assinatura no termo de consentimento livre e esclarecido, parte do projeto aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Centro Universitário Newton Paiva (Parecer no 1.818.461)


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44

SOUZA, Carlos Eduardo de; JOLy, Maria Carolina Leme. A importância do ensino musical na educação infantil. Cadernos de Pedagogia, São Carlos, 2010, vol.4, n.7, pp. 96-110.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


A MÚSICA COMO VIA SUBLIMATÓRIA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO SUJEITO COM SÍNDROME DE DOWN

Sheyla Rosane de Almeida Santos * Leila Cristina Alves de Oliveira** Bernardo Gomes Barbosa Nogueira*** O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. (Guimarães Rosa, 1994, Grande Sertão: Veredas).

* Mestre em Administração. Pós-Graduada em Gestão Estratégica de Recursos Humanos. Graduada em Psicologia. Professora do curso de Psicologia, Centro Universitário Newton Paiva. ** Acadêmica do Curso de Psicologia, Centro Universitário Newton Paiva. *** Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

45

A música como instrumento de inclusão e invenção social


RESuMO

ando-o como autor principal, escre-

Esta pesquisa pretende dizer

vendo sua própria história de vida.

sobre as principais características

Os estudos para a elaboração desse

cognitivas e comportamentais do

constructo se deram a partir de pes-

indivíduo com Síndrome de Down

quisa bibliográfica em livros e arti-

intentando esclarecer aspectos re-

gos científicos.

levantes acerca dos estímulos influenciadores na sua formação como

PALAvRAS-CHAvE: Síndrome

sujeito, recebidos durante o seu de-

de Down. Identidade. Sublimação.

senvolvimento. Objetiva dizer sobre

Música.

46

o método psicanalítico como principal orientador da formação do indi-

INTRODuçÃO

víduo como sujeito, de acordo com as

Ao discorrer sobre o que faz o

premissas de Freud e Lacan, assim

sujeito, seja a forma como ele se cons-

como sobre o processo de Sublima-

trói e reconstrói o seu caminho, ou a

ção como um mecanismo de defesa

forma como ele modifica o ambiente

possível nesse constructo. Pretende

a sua volta, é razoável que, em dado

explicitar a relevância do contexto

momento, exista um estranhamento

sócio cultural no desenvolvimento

diante dos embaraços marcados pela

humano e de que forma as relações

diversidade das relações. É possível

intra e interpessoais influenciam na

dizer que a relação dual de alterida-

atitude de empoderamento desse su-

de, ou seja, das construções feitas

jeito, modificando a forma como este

a partir do outro, que acompanha o

se posiciona frente aos desafios da

desenvolvimento humano, em que ora

vida, se apropriando do espaço, e

pode ser precursora dos constructos,

dessa forma, incluindo-se numa re-

ora dos marcadores limitantes do

alidade social possível. Pretende-se

indivíduo enquanto sujeito, passa

ainda dizer, de que forma a música,

por esse estranhamento e incide di-

como ética infinita, pode ser inter-

retamente nas relações que o mesmo

posta como instrumentalidade nesse

estabelece, seja no desenvolvimento

processo de inclusão, que transcen-

de uma criança com Síndrome de

de os registros simbólicos de iguais

Down (SD), seja no Desenvolvimento

ou diferentes no sistema de signos

Típico (DT). Sobre essas relações, é

de percepção e eleva o indivíduo a

possível observar que as diferenças

uma condição de autonomia situ-

apresentadas entre as crianças com

A música como instrumento de inclusão e invenção social


SD e crianças com DT, podem com-

música enquanto via sublimatória,

prometer as construções individuais

aponta uma possibilidade de cons-

e em grupo, refletindo em ambiente

trução de identidade do indivíduo

desfavorável para a pluralidade das

com SD, assim como do indivíduo

relações, ou seja, para as diversas

com DT, e o insere em uma realidade

formas de se relacionar. Dessa for-

possível. Por meio da música, o in-

ma, a compreensão das característi-

divíduo pode ser incluído de forma

cas cognitivas, emocionais, psicológi-

inventiva, levando em consideração

cas e comportamentais do indivíduo

sua subjetividade e a subjetividade

com SD se tornam essenciais para o

presente nas suas relações.

desenvolvimento de um trabalho que

Assim, pretende-se, com este

oriente essa diversidade das relações

estudo, responder ao seguinte ques-

e tenda às suas especificidades.

tionamento: é possível dizer que a

Essa pesquisa visa conhecer a

música, em sua ética infinita, pode

música enquanto um constructo so-

ser eleita como instrumento de uma

cial capaz de promover a atividade

linguagem inclusiva e inventiva, na

sublimatória do indivíduo com SD

construção da identidade de indiví-

na sua construção de identidade e

duos com SD?

papel social. A atividade sublima-

O desenvolvimento deste estu-

tória por sua vez, é o mecanismo

do foi possível por meio da pesquisa

que evidencia em nós essa condição

bibliográfica e se baseou na leitura

igualitária em termos de sistema de

de livros e artigos científicos que

signos de percepção, enquanto re-

apresentaram discussões acerca das

gistros simbólicos de iguais ou dife-

principais diferenças no desenvolvi-

rentes. Trata-se de um processo que

mento das crianças com SD e com DT,

nos coloca em uma mesma condição,

nos aspectos envolvidos na formação

a de sermos capazes de superar as

da identidade do sujeito, segundo o

intercorrências

posicionamento psicanalítico e a mú-

provenientes

do

nosso processo de desenvolvimento

sica como elemento terapêutico.

intra e interpessoais à medida que

A CONSTRUÇÃO DA

nos defendemos daquilo que é par-

IDENTIDADE NA SÍNDROME

te de nós, é estrutural, mas que de

DE DOWN

alguma forma é insuportável. A hi-

A Síndrome de Down (SD) é

pótese aqui apresentada é de que a

caracterizada por uma alteração

A música como instrumento de inclusão e invenção social

47

e nos faz estabelecer novas relações


no cromossomo 21 que resulta em

e do espaço, interferem em geral, no

um fenótipo específico com altera-

processo do desenvolvimento cogni-

ções físicas e cognitivas, sendo a

tivo dessa criança. As publicações

causa mais comum de deficiência

sobre o comum atraso motor em

intelectual associada a uma anoma-

crianças com SD tem aumentado,

lia genética, segundo Canfield et al

demonstrando maior interesse na

(2006, apud MECCA et al., 2015, p.

comunidade científica nessa linha

214). De acordo com Bonomo e Ros-

de pesquisa. O reconhecimento das

setti (2010, p. 725) trata-se de uma

condições e possibilidades relacio-

condição genética muito conhecida e

nadas ao desenvolvimento da crian-

tem como característica um espera-

ça com SD, faz com que seja possível

do atraso global do desenvolvimen-

desenvolver uma forma que melhor

to. no entanto, uma criança com SD

se adeque à realidade vivenciada.

pode desenvolver suas habilidades

Quanto ao desenvolvimento

motoras da mesma forma que uma

cognitivo, sabe-se que a deficiência

criança com DT, ainda que essas

mental é um quadro bastante en-

habilidades se evidenciem de forma

contrado e variável nesta síndrome,

tardia, podendo ser numa idade mé-

com uma larga extensão das funções

dia duas vezes maior que uma crian-

cognitivas para cada criança. (BO-

ça que não apresenta déficit motor.

nOMO, ROSSETI, 2010, p. 728)

A hipotonia muscular tem sido

De acordo com Bonomo e Ros-

considerada uma das principais cau-

setti (2010), as crianças com SD cos-

sas das alterações motoras encontra-

tumam exibir um atraso no início

das nesses indivíduos, pois tende a

das atividades locomotoras, o que

diminuir a exploração do ambiente e o

influencia na exploração precoce do

desenvolvimento de suas habilidades

ambiente e no aprendizado contínuo

(BOnOMO, ROSSETTI, 2010. p. 728)

sobre o universo. Dessa forma, mais

A

48

apresentada,

experiência física e principalmente

com relação às experiências físicas

deficiência

apoio, são fundamentais para que as

vivenciadas pela criança com SD,

diferenças existentes não se tornem

pode dificultar o processo de conhe-

consistentes ao passar dos anos.

cimento e exploração do ambiente

Isso nos mostra que a família de-

e, segundo as autoras, associada a

sempenha um importante papel no

um déficit de integração sensorial e

desenvolvimento da criança com SD.

perceptiva de si mesmo, dos objetos

O quadro motor característico

A música como instrumento de inclusão e invenção social


da SD dificulta o uso das mãos e o

rá-lo um processo previsível e univer-

controle durante o manuseio de ob-

sal. Ao citarem Vygotsky (1988, apud

jetos. Com isso, as crianças tendem

VOIVODIC, STORER, 2002,), lembram

a manipular e explorar menos, inter-

que, desde o início do desenvolvimen-

ferindo na aprendizagem sobre as

to da criança, suas atividades adqui-

propriedades do universo à sua volta.

rem um significado próprio dentro do

(BONOMO, ROSSETTI, 2010, p. 730)

contexto social em que vive. O

processo

de

maturação

pelo qual o organismo passa, defi-

al e a lentificação no processamento

ne parcialmente o desenvolvimento

das informações aferentes, colabo-

humano, já os processos internos,

ram com quadros de desatenção,

possíveis mediante a relação que

desmotivação e de retardo da con-

o indivíduo estabelece com o am-

quista de importantes marcos.

biente a sua volta, é atribuído ao

A manutenção do olhar pode

aprendizado: “O aprendizado huma-

parecer frágil nessas crianças princi-

no pressupõe uma natureza social

palmente nos primeiros anos de vida,

específica e um processo através do

em que as dificuldades motoras são

qual as crianças penetram na vida

mais evidentes. Dessa forma, o pro-

intelectual daqueles que as cercam”

cesso de construção da percepção

(1988, apud VOIVODIC, STORER,

corporal está intrinsicamente ligado

2002, p. 32). O autor atribui às pri-

ao processo de construção da mobili-

meiras vivências emocionais e de

dade dessa criança. Quanto mais ela

aprendizagem, através das relações

explora os seus próprios movimen-

que a criança estabelece no contexto

tos, mais ela se percebe e se conhece,

familiar, a formação da sua identida-

o que torna suas ações sobre o am-

de e, em grande parte do seu desen-

biente mais efetivas, evidenciando

volvimento. As relações familiares

a relação das dimensões percepção

podem favorecer significativamente

corporal, motricidade e cognição.

para que a criança com SD tenha um

(BONOMO, ROSSETTI, 2010, p. 732)

desenvolvimento saudável.

De acordo com Voivodic e Storer

Segundo Melero (1999, apud

(2002), o desenvolvimento humano

VOIVODIC, STORER, 2002, p. 32),

está intrinsecamente relacionado ao

no caso das crianças com SD, pode

contexto sociocultural em que está in-

haver um comprometimento dessas

serido, portanto é impossível conside-

primeiras vivências devido ao impac-

A música como instrumento de inclusão e invenção social

49

Ainda segundo as autoras, na SD, as alterações da percepção visu-


to que a notícia de ter um filho com

cessos que envolveram a mudança

SD produz no contexto familiar. Tal

dessas condições, como elas aconte-

impacto pode ocasionar dificuldades

ceram e vão acontecer. Um ambiente

na relação da mãe com a criança,

que favorece relações afetivas em

incidindo em experiências desfa-

que as pessoas podem dizer o que

voráveis no seu desenvolvimento.

sentem, pensam e o que desejam

De acordo com Bowlby (1993, apud

tende a se reestruturar e se adequar

vOIvODIC, STORER, 2002, p. 33)

às novas condições com menos per-

“a existência de uma criança com

das e traumas. As atividades desen-

distúrbio representa uma ruptura

volvidas podem ou não proporcionar

para os pais”. Os pais constroem ex-

um ambiente motivador quanto ao

pectativas quanto ao nascimento de

processo educativo.

uma criança, principalmente no que

A vida das crianças com SD

se refere ao seu desenvolvimento, é

poderia ser bem melhor se sua in-

comum perceber uma projeção dos

serção no contexto sociocultural fos-

pais nos filhos.

se mais adequada, segundo Silva e

50

no caso das crianças com SD,

Dessen (2002, p. 169)

essas expectativas não se susten-

O entendimento sobre o tipo

tam, e os filhos passam a represen-

de relação que a criança com SD es-

tar a perda de sonhos e esperanças.

tabelece com seu ambiente, durante

De acordo com voivodic e Storer

seu ciclo de vida, é de grande impor-

(2002, p. 35),

tância para uma melhor compreen-

as experiências no contexto

são de aspectos de seu desenvolvi-

familiar oferecem à criança oportu-

mento, bem como de suas interações

nidades para o aprendizado e o seu

sociais. neste particular, a família

desenvolvimento por meio do mode-

desempenha um papel fundamental,

lo, da coparticipação, da realização

pois constitui o primeiro universo de

assistida e de tantas outras formas

relações sociais da criança, poden-

de mediar a aprendizagem.

do proporcionar-lhe um ambiente de

Uma família, que se prepara

crescimento e desenvolvimento ou,

para receber uma criança em condi-

ao contrário, um ambiente que ve-

ções típicas e em um dado momento,

nha a dificultar um desenvolvimento

percebe que as condições se torna-

mais adequado e saudável.

ram atípicas, precisa falar das suas

De acordo com Pizutti (2012,

emoções e mesmo conhecer os pro-

p. 8), “a construção psíquica é um

A música como instrumento de inclusão e invenção social


processo pelo qual o bebê huma-

irá suprir todas as necessidades de

no precisa passar para que venha

sobrevivência do bebê. A demanda

a se constituir enquanto sujeito”.

é construída a partir dessa relação.

De acordo com Freud (1995, apud

“A demanda é um pedido recíproco

PIZUTTI, 2012, p. 8) o infans, ao

tanto do filho à mãe quanto da mãe

nascer, por sua dependência, preci-

ao filho. A demanda é apresentada

sa do Outro para lhe dar um lugar

assim como um atrelamento, pois o

de existência e, para isso, é necessá-

nascente projeta todos os seus de-

ria a linguagem. Segundo a autora,

sejos na mãe e pretende que ela os

a falta é necessária na estruturação

realize” (2012, p. 9). Segundo Lacan

do sujeito “pois o ato da provocação

(1999, p. 96) o desejo é:

gera nesta criança a pulsão como representante do biológico, a qual só

[...] uma defasagem essen-

pode ser aliviada por meio do Outro

cial em relação a tudo o que

(objeto) ” (2012, p. 8).

é, pura e simplesmente, da

É esse Outro que pela repe-

ordem da direção imaginá-

tição vai inscrever no filho o traço

ria da necessidade – neces-

de memória. Desta forma, a mãe

sidade que a demanda in-

amamenta seu filho aplacando sua

troduz numa ordem outra,

fome (mal-estar) e ao retirar o seio

a ordem simbólica, com

(satisfação) desperta no bebê uma

tudo o que ela pode intro-

tensão no sentido de desejar que

duzir aqui de perturbações.

esse Outro (mãe) deseje suprir o que

(LACAN, 1999, p. 96)

sempre vai faltar. A marca que fica Para

Lacan

(1999,

apud

no inconsciente o objeto do desejo.

PIZUTTI, 2012, p. 9), a demanda

A pulsão, assim, é a propulsora do

desperta o desejo de que o filho seja

desejo. Constitutivamente, o signi-

aquilo que supõe a mãe desejar. Nes-

ficante causador da falta vai estar

sa unicidade regida pelo desejo, ela

sempre num lugar de objeto faltan-

permite que o filho, em um primeiro

te no imaginário do bebê, enquanto

momento, esteja atrelado a ela como

o real do vazio lhe causa o desejo.

um só corpo.

(PIZUTTI, 2012, p. 8-9)

Nesse laço libidinal entre mãe

Inicialmente existe um Outro,

e bebê são inauguradas as zonas

a mãe, e nesta, o desejo de ser quem

erógenas do filho, definidas no ma-

A música como instrumento de inclusão e invenção social

51

pelo objeto faltante é o que desenha


52

nuseio das partes do seu corpo pela

por meio do “Outro”, que tem a ca-

mãe. Por intermédio do toque e da

pacidade de nomear a fonte e dire-

fala que a mãe dirige a esse que cho-

cionar ao objeto, a força pulsional.

ra, respondendo ao filho, ela supõe

neste sentido, a estruturação

saber a razão do seu choro. Possui-

psíquica de um bebê só se dá a partir

dora desse saber, a mãe investe no

de um determinado momento, ao ser

corpo carne, mapeando uma zona

inscrito pelo desejo da mãe, pela lingua-

erógena no corpo do filho e o amar-

gem. Assim, a mãe oferece a essa crian-

rando a significantes. Ou seja, a

ça a oportunidade de existir, ou seja, de

mãe, como Outro de linguagem, vai

ser sujeito. (PIZUTTI, 2012, p. 10)

significando um corpo e, ao mesmo

De acordo com Pizutti (2012, p.

tempo, o nomeando, dando um lu-

12), esse sujeito de que trata a Psi-

gar a este pequeno ser no discurso.

canálise só pode ser pertencente à

(PIZUTTI, 2012, p. 9)

espécie humana. O corpo biológico

Ao amamentar o filho, suprin-

não é suficiente para ser sujeito, é

do assim a sua fome, de acordo com

necessário que outro da mesma es-

Pizutti (2012, p. 9), a mãe instala na

pécie cuide deste e o insira no con-

criança o prazer. “Isso significa pôr

texto familiar e social. “Depende,

em movimento seus orifícios pulsio-

necessariamente, da significação do

nais, ou seja, provocar a erotização

Outro, e é esse outro que apresenta

do corpo numa antecipação de que

o mundo ao nascente” (2012, p. 12).

aí se trata de um sujeito. Ela oportu-

É possível inferir que a vida da

niza ao bebê o início da constituição

criança é marcada pela estrutura e

psíquica” (2012, p. 9).

pelo desenvolvimento. Ela se consti-

Essa constituição só é possível

tui sujeito e se constrói em um corpo

quando o infans passa a investir em

que passa pelo processo de desen-

outro objeto que não só o seio materno,

volvimento, amadurecimento e cres-

elegendo uma parte de seu corpo ou

cimento, de acordo com Levin (2002,

qualquer outra coisa que lhe propor-

apud MAGALHãES, 2006, p. 2). “O

cione prazer (PIZUTTI, 2012, p. 9-10).

desenvolvimento do corpo e sua

De acordo com a autora, a

construção corporal vão formando o

pulsão se dá através das relações,

aspecto imaginário dessa estrutura

uma vez que a excitação corporal,

que, através da ligação do sujeito

que causa incômodo e demanda uma

com seu funcionamento imaginário,

resposta, apenas pode ser aliviada

realiza os acontecimentos singula-

A música como instrumento de inclusão e invenção social


res do desenvolvimento” (2002, apud

o intuito de convocar esse outro a

MAGALHÃES, 2006, p. 2).

atender as suas demandas.

De acordo com Magalhães

Desse modo, haverá uma me-

(2006, p. 5), Lacan formula a base de

diação até o ponto em que a lingua-

sua concepção de estrutura a par-

gem sozinha resolva a tensão. O que

tir da linguística. “Nessa perspecti-

vem dar a esse bebê a sensação de

va, a linguagem é considerada uma

prazer é a alternância vivida entre

instituição coletiva, cujas regras se

tensão orgânica e apaziguamento,

impõem aos indivíduos, sendo trans-

uma vez que, antes de o bebê pos-

mitidas, de modo coercitivo, pelas

suir um “Eu”, ele é submetido a esse

gerações” (2006, p. 5).

ritmo imposto pela mãe. Esse tempo

O fato de incluir o sujeito fa-

é rompido quando a articulação en-

lante na estrutura da linguagem faz

tre tensão e apaziguamento falha,

com que seja necessário pensar essa

obrigando o bebê a mobilizar-se

estrutura como tendo um traço de

para refazê-la. Nesse momento, ele

falha: o sujeito que a faz funcionar

engaja-se na linguagem, e se mani-

não é da mesma materialidade que

festa para apelar ao Outro, o retor-

ela. É essa diferença que possibili-

no do ritmo perdido; ou seja, a sua

ta todo o movimento e dinâmica da

manifestação tem função simbólica.

fala de um sujeito numa língua dada.

Assim, a mãe empresta para o bebê

(MAGALHÃES, 2006, p. 5-6)

uma subjetividade que ele ainda não tem, ao introduzi-lo na linguagem. (MAGALHÃES, 2006, p. 8)

ridade, presente na relação da crian-

A música como esta lingua-

ça com quem desempenha a função

gem possível, possibilita por meio da

materna, constitui, na criança, “sis-

arte, o desenvolvimento da subjetivi-

temas significantes – as formações

dade do sujeito, sua identidade, seu

fantasmáticas – que se ordenam, em

sentido de “eu”, inserido em uma

cada exploração corporal, por meio

realidade social. Assim, a música

das pulsões, procurando em vão re-

pode ser interposta como instru-

cobrir e penetrar o lugar da falta que

mentalidade nesse processo de in-

é constitutivo do sujeito” (2006, p.

clusão, que transcende os registros

7). Para sua sobrevivência, é preciso

simbólicos de iguais ou diferentes

que a criança se sirva da linguagem

no sistema de signos de percepção

como forma de comunicação, com

e eleva o indivíduo a uma condição

A música como instrumento de inclusão e invenção social

53

A autora, ao citar a teoria lacaniana, diz que o processo de alte-


de autonomia, empoderando-o como

vra sublimação já está vinculada à

protagonista de sua história. A mú-

maneira de conter uma exigência

sica pode possibilitar ao indivíduo,

erótica, transformando-a em ener-

construções subjetivas com signifi-

gia para as realizações culturais. É

cantes sustentadores de um modo

como se, nas nossas experiências

único de vida.

cotidianas, a gente se deparasse com obstáculos, aparentemente in-

A SuBLIMAçÃO NA ARTE

transponíveis, e o nosso aparelho

A pulsão é uma montagem his-

psíquico nos mostrasse um caminho

tórica e singular, segundo Mendes

possível para supera-los, tudo isso

(2011, p. 57). “Prescinde de um obje-

na dimensão do inconsciente.

to preestabelecido, como no mundo

Recalque e sublimação apa-

animal, e sua satisfação passa por

recem paralelamente, na maioria

vários encaminhamentos” Ainda de

das vezes, por que são os dois po-

acordo com a autora, existem várias

los extremos das vicissitudes das

possibilidades para a pulsão: pode

pulsões. São as mais importantes

ser recalcada, revertida em seu opos-

formas de evitamento da realização

to, retornar em direção ao eu ou ser

sexual direta. no recalque, o sujeito

sublimada. “na sublimação a pulsão

permanece preso ao sexual, que é

mantém seu teor sexual, modificando

o ponto de referência para ele, no

sua finalidade, que se desvia do sexu-

nível do proibido. na sublimação, o

al para o social” (2011, p. 57).

sujeito deixa a referência à satisfa-

A sublimação consiste, pois,

ção sexual direta e lida com ela na

numa das vicissitudes específicas da

sua dimensão de impossível. Esse

pulsão, sendo esta um estímulo men-

impossível da satisfação que está

tal constante, com renovável poder

em jogo na pulsão encontra na su-

de pressão, que visa satisfazer-se.

blimação sua possibilidade de ma-

[...] A pulsão alude ao corpo como

nifestação plena, pois a sublimação

regido pelo princípio do prazer, di-

revela a estrutura do desejo huma-

ferentemente do corpo biológico da

no como tal, ao evidenciar que, para

medicina. O corpo humano possui

além de todo e qualquer objeto se-

um sentido, uma articulação entre as

xual, esconde-se o vazio da Coisa,

zonas erógenas e o domínio das re-

do objeto enquanto radicalmente

presentações (MEnDES, 2011, p. 57).

perdido (MEnDES, 2011, p. 58).

54

Segundo a autora, a pala-

De acordo com Lacan (1988,

A música como instrumento de inclusão e invenção social


apud MENDES, 2011, p. 62), na su-

A arte evidencia-se no seu de-

blimação há a elevação do objeto à

senvolvimento, que ocorre a partir

dignidade da Coisa. “A Coisa (das

do vazio, revelando-se dessa for-

Ding) é conceituada na obra freu-

ma, mais honesta, pois se constitui

diana como o objeto perdido de uma

como criação.

satisfação mítica”.

delo da criação, que é a concepção a

se esconde o vazio da Coisa, vazio

partir do nada. O artista exercita sua

inerente à própria estrutura da se-

incurável perplexidade. A pulsão, em

xualidade humana. Como a sublima-

última instância, visa a morte como

ção é um ato em vias de produção,

término das tensões. Eros, a pulsão

daí vem sua possibilidade de ser

de vida, complexifica esse caminho do

causa da criação e não se ligar ao

aniquilamento. (MENDES, 2011, p. 63)

que já foi criado. Ela traz a dimen-

Ao se referir ao artista, Men-

são do novo e da transformação.

des (2011) o coloca como o indivíduo

(MENDES, 2011, p. 62)

que tem a capacidade de lidar com

Mendes (2011, p. 63) faz cita-

as suas pulsões, ou seja, com seus

ção à Clarice Lispector quando esta

conteúdos inconscientes, para além

se refere à condição humana: “Exis-

da via do recalque, trazendo-os

te um nada antes do nosso nasci-

transformados em novo objeto, pela

mento e um nada depois da morte.

via da arte, possibilitando que ou-

O que temos então é um por enquan-

tros indivíduos compartilhem dessa

to”. Esse por enquanto, é o tempo e o

criação, por meio do que a sua obra

espaço vividos desde o nosso nasci-

evidencia de cada um. “A sublima-

mento até a nossa morte.

ção, se não garantiu a harmonia

Temos dois vazios que nos cer-

psíquica do próprio sujeito artista,

cam, sem representação possível. A

teve êxito em dar a compartilhar as

sublimação tenta fazer a ponte en-

vivências de agonia e êxtase, conti-

tre os dois vazios, já que evidencia

das em suas obras, das quais somos

o enlace da satisfação pulsional com

todos tributários” (2011, p. 66). Essa

o impossível. A arte é uma forma de

construção possível, por meio da su-

saída para esse impossível, pois di-

blimação, é o que nos posiciona de

fere da religião e da ciência, outras

forma igualitária na condição huma-

tentativas de se sair do impasse.

na, em que todos somos dotados de

(MENDES, 2011, p. 63)

capacidade para vivenciar as rela-

A música como instrumento de inclusão e invenção social

55

Ela repete, dessa forma, o mo-

Por trás de todo objeto sexual


ções de forma inclusiva.

possui prioridade sobre a ciência e a

na perspectiva das pulsões,

música se descola de todas as artes.

Bertelli (2012, p. 64) diz que a “su-

Schopenhauer postula a mú-

blimação permitiria uma flexibiliza-

sica como uma linguagem universal

ção do circuito pulsional originário,

anterior a toda outra linguagem,

operando uma retificação do que es-

plástica ou verbal, ela é uma cópia

taria nas fixações originárias”. En-

da vontade mesmo, equivalendo di-

tão o aparelho psíquico, poderia se

zer, as ideias são alcançadas pela

contrapor ao que está presente nas

verdade da música sem intermedia-

formas originárias do gozo como fi-

ção (2012, p. 59).

xação e repetição e a sublimação apontaria para novas possibilidades

CONSIDERAçÕES FINAIS

de gozar. “Por esse movimento subli-

O processo de constituição do

matório, de ruptura com as fixações

sujeito, pelo viés psicanalítico, pos-

originárias, é que se constituiria

sibilita a compreensão das suas rela-

uma diferença que modificaria os

ções e do seu desenvolvimento, bem

traços do mesmo, presentes nas fi-

como das suas construções, enquan-

xações originárias” (2012, p. 64). A

to sujeito, incidindo em uma visão

hipótese de Bertelli é que “a criação

ampliada do seu posicionamento no

musical estaria amparada nessa

mundo. Compreender a relação dual

ruptura, permitindo novos investi-

de alteridade, como processo que

mentos, ou ‘outra forma de gozar’,

marca a diversidade das relações,

trazendo a sublimação como suporte

contribui para que o estranhamento

desse ato de criação”.

diante dos embaraços, que permeiam

Com efeito, na relação criação/

a vida humana, possibilite a legitimi-

criador, obra/ouvinte predominaria

dade dos constructos do indivíduo in-

o processo sublimatório, toman-

serido e incluído de forma inventiva.

do, por assim dizer, o percurso de

A partir das suas relações, o

destino do recalque e da repetição,

indivíduo com SD, que recebe por

ambos fixações mortíferas alentan-

meio do contexto familiar, o suporte

do a erotização não mais como uma

que lhe é necessário, é capaz de de-

forma de idealização e permitindo,

senvolver suas habilidades e ter um

assim, “seu triunfo da vida contra a

desenvolvimento favorável, que irá

morte”. (BERTELLI, 2012, p. 64)

sustentar uma vida marcada por es-

56

Bertelli (2012) diz que a arte

colhas pautadas na sua autonomia e

A música como instrumento de inclusão e invenção social


lacional. A energia libidinal sublima-

construção plena de autoria da pró-

da para o campo da arte, neste caso

pria vida. A música, como via subli-

a música, evidencia o enlace com a

matória, pode ser esse instrumento

satisfação pulsional. Assim, o indiví-

inventivo enquanto inclusão social,

duo com SD constrói sua identidade

possibilitando que o indivíduo com

a partir da música, como uma forma

SD se posicione e estabeleça boas

de se colocar no mundo e ser reco-

relações consigo e com o mundo que

nhecido por ele.

o cerca. Por meio da música, em seu

Mesmo diante do interesse da

aspecto de linguagem universal, que

comunidade científica sobre essa

transcende o sistema de signos de

linha de pesquisa, os estudos de-

percepção, este indivíduo é capaz

monstram limitações nos processos

de lidar com os seus conteúdos in-

de inclusão e invenção do indivíduo

conscientes realizando novos inves-

com SD. Ainda há um longo caminho

timentos, criando caminhos infinitos

a percorrer para que possamos, en-

enquanto sujeito, se apropriando

quanto sociedade que acolhe as par-

dos recursos que a linguagem mu-

ticularidades, transpor os desafios

sical dispõe. A arte em seu caráter

que a subjetividade interpõe nas re-

intersubjetivo, enaltece os processos

lações plurais. Trata-se de um pro-

criativos representados pelos regis-

cesso relevante e contínuo que in-

tros simbólicos individuais, e trans-

cide em condições mais adequadas

cende a multiplicidade evidenciada

para que os direitos fundamentais

nas relações humanas, valorizando

sejam observados e possibilite a ga-

dessa forma, a singularidade que

rantia da dignidade humana com a

nos marca, havendo o empodera-

premissa de que somos todos iguais

mento deste, enquanto indivíduo re-

ainda que diferentes.

A música como instrumento de inclusão e invenção social

57

independência, possibilitando uma


REFERÊNCIAS BERTELLI, Flavio. Música, arte e sublimação. Reverso, Belo Horizonte, ano 34, n. 63, p. 59-66, jun., 2012. BOnOMO, Lívia; ROSSETTI, Claudia. Aspectos Percepto-Motores e Cognitivos do Desenvolvimento de Crianças com Síndrome de Down. Rev. Bras. Crescimento e Desenvolvimento Hum., vitória, p. 723-734, 2010. GUIMARãES ROSA, João. Grande Sertão: veredas. nova Aguilar. 1. ed. v. II, 1994. Disponível em: < http://stoa.usp.br/carloshgn/files/-1/20292/GrandeSertoveredasGuimaresRosa.pdf> Acesso em: 08 Fev. 2017. LACAn, Jacques. O seminário. Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, 271 p. MAGALHãES, Darlene. Constituição do sujeito x Desenvolvimento da criança: um falso dilema. Estilos clin., São Paulo, v. 11, n.20, 2006. Disponível em: <http://pepsic. bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282006000100008#1a> Acesso em: 14 Dez. 2016. MECCA, Tatiana et al. Perfil de Habilidades Cognitivas não-verbais na Síndrome de Down. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v. 21, n. 2, p. 213-228, abr-jun., 2015. MEnDES, Eliana. Pulsão e Sublimação: a trajetória do conceito, possibilidades e limites. Reverso, Belo Horizonte, ano 33, n. 62, p. 55-68, set., 2011. PIZUTTI, Jaqueline. A COnSTITUIÇãO DO SUJEITO nA PSICAnáLISE. 31 f. Monografia – Psicologia, Universidade Regional do noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, 2012. SILvA, nara; DESSEn, Maria Auxiliadora. Síndrome de Down: etiologia, caracterização e impacto na família. Interação em Psicologia, Brasília, jul/dez. p.167-176, 2002. vOIvODIC, Maria Antonieta; STORER, Márcia Regina. O desenvolvimento cognitivo das crianças com Síndrome de Down à luz das relações familiares. Psicologia Teoria e

58

Prática, São Paulo, p. 31-40, 2002.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


A MÚSICA COMO LINGUAGEM MOTIVADORA PARA O APRENDIZADO E INCLUSÃO SOCIAL DAS CRIANÇAS COM SÍNDROME DE DOWN, NA PERSPECTIVA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS Eliane Maria Freitas Monken * Ariany Cristina Moreira Bispo ** Bernardo Gomes Barbosa Nogueira***

* Professora do curso de Pedagogia e Letras do Centro Universitário Newton Paiva. **Acadêmica do curso de Pedagogia do Centro Universitário Newton Paiva. *** Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

59

A música como instrumento de inclusão e invenção social


RESuMO

sobre a inclusão escolar, Livros e

Este artigo é o resultado do

artigos de Gardner (1995), sobre as

projeto de Iniciação Científica, in-

inteligências Múltiplas, Brito (2003)

titulado como A Música como Ins-

para estudar a especificidade da

trumento de Inclusão e Invenção

música, Schwartzman (2003) para

Social. A partir dessa investigação

compreender as especificidades da

foi possível abrir vários objetos de

Síndrome de Down e Monken (2001);

estudos e pesquisas dentre eles o

Monken (2015) para o entendimen-

que culminou nesse estudo a Música

to das propostas Pedagógicas in-

como Linguagem Motivadora para o

terdisciplinares. Conclui-se nessa

Aprendizado e Inclusão Social das

investigação

Crianças com Síndrome de Down, na

musical é linguagem motivadora

perspectiva das inteligências múl-

para o aprendizado e inclusão das

tiplas. O objetivo desse estudo foi

crianças com Síndrome de Down. A

o de investigar as contribuições da

atenção a uma proposta pedagógica

Inteligência Musical na perspectiva

aplicada por meio dos projetos de

da Teoria das Inteligências Múlti-

trabalho favorecerão sobremanei-

plas, como estratégia de inclusão

ra o desenvolvimento integral das

social e melhoria do ensino-apren-

crianças envolvidas no processo en-

dizagem das crianças com Síndrome

sino-aprendizagem.

que

a

inteligência

de Down. A metodologia empregada para a realização dessa investiga-

PALAVRAS-CHAVE: Inteligên-

ção foi a pesquisa bibliográfica, que

cias Múltiplas. Inteligência Musical.

conforme Gil (2014, p.50), “é desen-

Inclusão social. Síndrome de Down.

volvida a partir de material já elabo-

Currículo. Projetos de Trabalho.

rado, constituído de livros e artigos

60

científicos”, a fim de ampliar novos

1. INTRODuçÃO

conhecimentos referentes ao tema

Ao longo dos séculos xIx,

abordado. Foram lidos e analisados

xx, até a atualidade, os currícu-

documentos oficiais como a Consti-

los escolares apoiaram-se em di-

tuição Federal (1988), a Lei de Dire-

versas concepções de ensino, tais

trizes e Bases, nº 9394/1996, o Esta-

como tradicional, tecnicista, hu-

tuto da Pessoa com Deficiência, n°

manista e progressista. Contudo,

13146 (2015), estudos em Montoan

em sua maioria as práticas eram

(2011) para a busca de argumentos

alicerçadas em conteúdos volta-

A música como instrumento de inclusão e invenção social


dos para as competências ligadas

saiam do padrão de normalidade da

à matemática e a linguística, en-

escola e da sociedade, a instituição

tendendo que essas linguagens

não as aceitava, indicando-as para

eram as mais importantes para

as escolas especiais.

serem trabalhadas na escola. As

Todavia, a partir da Consti-

outras formas de expressão fo-

tuição Federal (1988), da Lei de Di-

cadas nas artes de modo geral,

retrizes e Bases n.9394 (1996), do

apareciam quando era necessário

Estatuto da Pessoa com Deficiência,

planejar ações voltadas para as

nº 13146 (2015), além das transfor-

datas comemorativas, como festas

mações advindas do mundo moderno

da família, junina, ecologia, den-

e dos movimentos sociais, foi possível

tre outras. (MONKEN, 2015)

e exigido que as escolas incluíssem

Ao basear-se nessa premissa

de direito e de fato todas as crianças,

apresentada acima, entende-se que

indiferente de suas características

apenas as crianças com sucesso

pessoais, necessidades e deficiência.

mática eram consideradas capazes,

Ao confirmar tal premissa, Montoan (2011) afirmou que,

deixando as demais competências

a Constituição de 1988 ga-

à margem, como as artes cênicas, o

rante a educação para todos

movimento, a música etc.

e isso significa que é para

Os conteúdos escolares eram

todos mesmo e, para atin-

os mesmos para todas as crianças

gir o pleno desenvolvimento

indiferente de suas aptidões. As

humano e o preparo para a

crianças eram sempre avaliadas da

cidadania, entende-se que

mesma forma e a garantia de ser

essa educação não pode se

“inteligente” ou não, era analisada a

realizar em ambientes se-

partir dos resultados de testes e pro-

gregados. No Capítulo III

vas. Essa forma de avaliação selecio-

— Da Educação, da Cultura

nava as crianças que atendiam aos

e do Desporto —, artigo 205,

objetivos das áreas de matemática e

a Constituição prescreve em

linguística e as demais eram excluí-

seu artigo 208 que o dever

das do processo (MONKEN, 2001).

do Estado com a educação

Assim eram vistas as crianças

será efetivado mediante a

com deficiência ou com Necessida-

garantia de [...] atendimen-

des Educativas Especiais. Como elas

to educacional especializa-

A música como instrumento de inclusão e invenção social

61

nas áreas da alfabetização e mate-


do aos portadores de defi-

ção e usabilidade pedagógica

ciência, preferencialmente

de recursos de tecnologia as-

na rede regular de ensino.(

sistiva (BRASIL, 2015).

MONTOAN, 2011, p. 15) Diante do exposto, sabe-se que Ainda nesse contexto de lega-

as escolas precisam se adequar e tra-

lização, de acordo com a Lei de Di-

balhar com concepções de ensino que

retrizes e Bases, n. 9394, no art. 24,

são capazes de assegurar a todo indi-

toda criança tem o direito ao acesso

víduo a sua inserção nas instituições

e à permanência na escola básica,

de ensino e sua permanência, ofere-

“bem como o acesso aos níveis mais

cendo-lhe uma educação de quali-

elevados do ensino, da pesquisa e da

dade em todos os aspectos desde os

criação artística, segundo a capaci-

conteúdos intelectuais ao estético.

dade de cada um” (BRASIL, 1996).

62

Somando-se a essa exigência,

Então questiona-se: qual teoria

o

seria capaz de entender a formação

Estatuto da Pessoa com Deficiência,

do indivíduo de forma integral e que

Lei Brasileira de Inclusão, nº13.146,

dê a ele possibilidades de crescimen-

de 6 de julho de 2015, exige que para

to em nas áreas do conhecimento?

toda criança com deficiência e /

Sabe-se que na concepção

ou necessidades Educativas Espe-

progressista, especialmente, a cog-

ciais, é necessário a construção de

nitivista, teóricos como Piaget, vy-

um projeto individual que garanta

gotsky (1989), wallon (1986), H.

o seu desenvolvimento integral, nos

Gardner (1995; 2000), entre outros

aspectos afetivos, morais, cognitivo,

contribuíram, sobremaneira, para o

psicomotor e artístico, oferecendo a

campo da educação.

ela todas as possibilidades de cres-

nesse estudo, em particular,

cimento, de acordo com o Cap. Iv, do

serão apresentados os estudos de

Direito à Educação, art. 28, item vII

Gardner (1995), na perspectiva de

que prevê o

compreender como se processam as

planejamento de estudo de

inteligências múltiplas citadas por

caso, de elaboração de plano

ele, tendo como problema de pesqui-

de atendimento educacional

sa: de que forma a música, em espe-

especializado, de organização

cial, pode contribuir para a inclusão

de recursos e serviços de aces-

social e de aprendizagem em crian-

sibilidade e de disponibiliza-

ças com Síndrome de Down, na pers-

A música como instrumento de inclusão e invenção social


pectiva das Inteligências Múltiplas?

Constituição Federal (1988), a Lei

Este artigo tem por objetivo

de Diretrizes e Bases, nº 9394/1996,

investigar as contribuições da Inte-

o Estatuto da Pessoa com Defici-

ligência Musical na perspectiva da

ência, n° 13146 (2015), estudos em

Teoria das Inteligências Múltiplas,

Montoan (2011) para a busca de ar-

como estratégia de inclusão social

gumentos sobre a inclusão escolar,

e melhoria do ensino-aprendizagem

Livros e artigos de Gardner (1995),

das crianças com Síndrome de Down.

sobre as inteligências Múltiplas,

Para o alcance do objetivo ge-

Brito para estudar a especificida-

ral, foram estabelecidos os seguin-

de da música, Schwartzman (2003)

tes objetivos específicos: a) Estudar

para compreender as especificida-

as Inteligências Múltiplas e sua

des da Síndrome de Down e Monken

contribuição para a inclusão social

(2001); Monken ( 2015) para o en-

e melhorias de aprendizado esco-

tendimento das propostas Pedagó-

lar; b) Relacionar música e inclusão

gicas interdisciplinares.

da criança com Síndrome de Down

Este artigo foi organizado da se-

de acordo com abordagem nos do-

guinte forma: foi construída a introdu-

cumentos oficiais governamentais;

ção com sua devida justificativa e obje-

c) Pesquisar a respeito da inclusão

tivos da pesquisa, o referencial teórico

social do indivíduo com SD utilizan-

partindo das Inteligências Múltiplas e

do a inteligência musical como fer-

sua contribuição para inclusão so-

ramenta para o desenvolvimento in-

cial: uma breve discussão; a Música

tegral. d) Propor ações pedagógicas

como ferramenta de Inclusão social e

para a construção de uma proposta

melhorias de

interdisciplinar.

drome de Down, a Aprendizagem e a empregada

Música , a Construção de um currículo

para a realização dessa investiga-

metodologia

interdisciplinar: a Música como tema

ção

foi a pesquisa bibliográfica,

transversal e os projetos de trabalho

que conforme Gil (2014, p.50), “é

como metodologia favorável para a

desenvolvida a partir de material

inclusão social e melhoria da apren-

já elaborado, constituído de livros e

dizagem da criança com Síndrome de

artigos científicos”, a fim de ampliar

Down. Por fim foram declarados se os

novos conhecimentos referentes ao

objetivos da pesquisa foram alcança-

tema abordado. Foram lidos e ana-

dos e suas respectivas referências es-

lisados documentos oficiais como a

tudadas e utilizadas.

A música como instrumento de inclusão e invenção social

63

A

aprendizagem , a Sin-


2. AS INTELIGÊNCIAS

fontes de informações mais natura-

MÚLTIPLAS E SuA

listas a respeito de como as pessoas,

CONTRIBuIçÃO PARA

no mundo todo, desenvolvem capaci-

INVENçÃO SOCIAL:

dades importantes para seu modo de

um caminho para a

vida.” (GARDnER,1995, p.13).

construção de competências

dade da escola precisa ser a de au-

plas foi criada pelo pesquisador norte

xiliar no desenvolvimento das inteli-

Americano H. Gardner, no século xx

gências dos indivíduos, canalizando

e seus estudos tem sido discutido no

a formação de competências para

âmbito acadêmico em geral. Esse au-

as diversas inteligências nas quais

tor pautou a sua teoria na psicologia

os sujeitos têm o direito de aprender

cognitiva, contrariando a premissa

e que têm aptidão para elas. Assim,

de que a inteligência podia ser medi-

segundo ele “ as pessoas que são

da, como um conjunto de habilidades

ajudadas a fazer isso se sentem mais

isoladas. Para ele, a inteligência pode

engajadas e competentes, e portanto

ser considerada uma teia de relações

mais inclinadas a servirem à socie-

entre todas as dimensões, podendo

dade de uma maneira construtiva.”

ser pensada em várias possibilidades.

(GARDnER, 1995, p.16).

(STREHL, 2000).

Gardner (1995) apresenta, sob

Para ele, não existe um uni-

uma ótica escolar diferenciada, as di-

verso restrito para a construção de

versas possibilidades para explorar

competências, como nas áreas da

as inteligências de cada indivíduo.

matemática e do português. Ele afir-

Sendo diferente do modelo escolar

ma que existem várias inteligências

existente, reconhece a pluralidade da

e por isso o indivíduo pode aprender

mente, entende que cada ser desen-

em todas elas ou quase todas, de-

volve-se cognitivamente de maneira

pendendo dos estímulos e oportuni-

única, diferenciada e com estilos

dades oferecidas. (STREHL, 2000).

contrastantes, propondo um modelo

Ao contrário da teoria de Al-

escolar centrado no aluno, baseando-

fred Binet (1908) que visava medir a

se na “ciência cognitiva (o estudo da

inteligência por meio de testes de QI,

mente) e a neurociência (o estudo do

Gardner (1995), acredita que é ne-

cérebro)” (GARDnER, 1995, p.13).

cessário afastar-se dos testes e das correlações entre eles e “observar as 64

Ainda acrescenta que, a finali-

A teoria das Inteligências Múlti-

Estudos em Gama (1998) apresentam que

A música como instrumento de inclusão e invenção social


Gardner propõe que todos

Segundo a autora supraci-

os indivíduos, em princípio,

tada, a cultura é básica para a

têm a habilidade de ques-

teoria das Inteligências Múltiplas.

tionar e procurar respostas

Com a sua acepção de inteligência

usando todas as inteligên-

como a habilidade para resolver

cias. Todos os indivíduos

problemas ou criar produtos que

possuem, como parte de sua

são significativos em um ou mais

bagagem

certas

ambientes culturais, Gardner re-

habilidades básicas em to-

comenda que alguns talentos só

das as inteligências. A linha

se desenvolvem porque são valo-

de desenvolvimento de cada

rizados pelo ambiente. Ele afirma

inteligência,

entanto,

que cada cultura valoriza certos

será determinada tanto por

no

talentos, que devem ser dominados

fatores genéticos e neurobio-

por uma quantidade de indivíduos

lógicos quanto por condi-

e, depois, passados para a gera-

ções ambientais. Ele propõe,

ção seguinte. Nesse sentido, tanto

ainda, que cada uma destas

a família, quanto a escola podem

inteligências tem sua forma

ajudar sobremaneira o indivíduo

própria de pensamento, ou

em seu desenvolvimento pleno de

de processamento de infor-

acordo com seus talentos.

mações, além de seu sistema simbólico.

Estes

Para ilustrar melhor cada in-

sistemas

teligência apontada por Gardner

simbólicos estabelecem o con-

(1995, apud, ARMSTRONG,2001, p.

tato entre os aspectos básicos

14), serão apresentadas a seguir as

da cognição e a variedade de

inteligências propostas por Gardner,

papéis e funções culturais.

conforme Quadro 1.

A música como instrumento de inclusão e invenção social

65

genética,


QUADRO 1 – AS InTELIGÊnCIAS MúLTIPLAS Inteligência linguística

Capacidade de usar as palavras de forma efetiva, quer oralmente, quer escrevendo.

Inteligência interpessoal

Capacidade de perceber e fazer distinções no humor, intenções, motivações e sentimentos de outras pessoas.

Inteligência intrapessoal

Autoconhecimento e a capacidade de agir adaptativamente com base neste conhecimento.

Inteligência lógico-matemática

Capacidade de usar os números de forma efetiva e de racionar bem.

Inteligência musical

Capacidade de perceber (por exemplo, como aficionado por música), discriminar (como um crítico de música), transforma (como compositor) e expressar (como musicista) formas musicais. Esta inteligência inclui sensibilidade ao ritmo, tom ou melodia e timbre de uma peça musical. Podemos ter um entendimento figural ou geral da música (global, intuitivo), um entendimento formal ou detalhado (analítico, técnico), ou ambos.

Inteligência espacial

Capacidade de perceber com precisão o mundo visuo-espacial (por exemplo, como caçador, escoteiro ou guia) e de realizar transformações sobre essas percepções (por exemplo, como decorador de interiores, arquiteto, artista ou inventor). Esta inteligência envolve sensibilidade à cor, linha, forma, configuração e espaço. Inclui também, a capacidade de visualizar, de representar graficamente idéias visuais e de orientar-se apropriadamente em uma matriz espacial.

Inteligência corporal-cinestésica

Perícia no uso do corpo todo para expressar ideias e sentimentos (por exemplo, como ator, mímico, atleta ou dançarino) e facilidade no uso das mãos para produzir ou transformar coisas (por exemplo, como artesão, escultor, mecânico ou cirurgião). Esta inteligência inclui habilidades físicas específicas, tais como coordenação, equilíbrio, destreza, força, flexibilidade e velocidade, assim como capacidades proprioceptivas, táteis e hápticas.

66

Fonte: Armstrong (2001).

A música como instrumento de inclusão e invenção social


Diante do exposto, nota-se que

tação dos intestinos. A voz

a partir dessa vertente apresentada

materna também constitui

por Gardner (1995), a escola se abre

material sonoro especial e

para os indivíduos, que não se enqua-

referência afetiva para eles.

dram somente nas inteligências lógi-

(BRITO, 2003, p. 35)

co-matemática e linguística, reforçadas pelo modelo educacional, e, sim,

Campbell et al (2000) também

para os sujeitos capazes de desenvol-

defendem que utilizamos “[...] a voz

ver em outras formas de inteligên-

humana e o corpo como instrumen-

cias, como as inteligências artística,

tos naturais e meios de autoexpres-

corporal e musical, sendo essa última

são.” (CAMPBELL et al, 2000, p.132)

objeto do estudo em questão.

levando esses autores à conclusão

Para melhor compreensão do

de que somos seres musicais e te-

uso da inteligência musical como

mos a capacidade de desenvolver

objeto de inclusão social e de apren-

essa inteligência – a inteligência mu-

dizagem da criança com síndrome

sical, em nós mesmos e nos outros.

de Down , serão apresentados no

Para Brito (2003, p.53), “[...] a

tópico a seguir algumas premissas

música é linguagem cujo conhecimen-

sobre a música.

to se constrói com base em vivências e reflexões orientadas.” Dessa forma,

2.1 A Música como ferramenta de

todos podem e devem fazer parte do

Inclusão Social e Melhorias de

processo, vivenciar sua expressivida-

Aprendizagem

de musical sem ser, necessariamente

Sendo uma das expressões ar-

um virtuoso, visto que “[...] a música

tísticas mais antigas, a música faz

deve promover o ser humano acima

parte do nosso universo antes mes-

de tudo [...]”, pois o que importa é a

mo do nascimento. Neste sentido,

vivência musical e não o produto fi-

Brito (2003), afirma que

nal que, infelizmente, na maioria das

[...] na fase intrauterina os

Ainda segundo Brito (2003), a

bebês já convivem com um

música é essencial no aprendizado

ambiente de sons provoca-

das crianças que possuem necessi-

dos pelo corpo da mãe, como

dades especiais por promover a in-

o sangue que flui nas veias,

tegração, por meio de gestos e movi-

a respiração e a movimen-

mentos percebidos e exteriorizados

A música como instrumento de inclusão e invenção social

67

vezes, é o mais valorizado.


pela percepção da sensação que as

e compor – os próprios conteúdos

vibrações sonoras exaltam, com o

que deverá aprender. Enfatizam a

mundo em que vivemos.

importância da educação musical na

Como a criança pertence, ori-

educação infantil de uma forma tão

ginariamente, a um mundo de fanta-

contundente que sugere, aos profes-

sias e de ludicidade, a música anda de

sores desse primeiro nível da edu-

mãos dadas com o desenvolvimento

cação básica, as formas mais ade-

da fala e a fala se torna aprimorada

quadas para que uma criança possa

pela música por intermédio de am-

aprender por meio da música, por

bientes musicais e que têm por objeti-

meio de orientações pedagógicas,

vos ensinar conceitos, comportamen-

objetivos e os próprios conteúdos

tos e valores e condutas que devem

dessa linguagem e área de conheci-

ser moldadas e aprendidas ainda na

mento para o fazer musical e a apre-

infância. (RAvELLI; MOTTA, 2005).

ciação musical.

A nova concepção de criança,

Como instrumento e metodolo-

adotada por professores e educado-

gia para a inclusão social, o professor

res nos séculos xx e xxI, traz em si

tem papel de mediador entre a música

a ideia de que a criança é um ser de

e a criança ao fazer com que, propon-

direitos e que tem o direito de apren-

do as músicas tocadas ou cantadas

der brincando. nesse sentido, a mú-

– como linguagem universal – tenha

sica pode ser classificada como uma

o poder de unir as mais diversas rea-

estratégia, que, inserida em brinca-

lidades trazidas por diferentes crian-

deiras como rodas, intencionalmen-

ças para dentro da escola.

te, levam a criança ao alcance dos objetivos traçados pelo professor. Esses pressupostos estão pre-

vidual em aprendizagens coletivas,

sentes nos documentos que dão as

ao deixar de ser uma ação isolada

bases da educação infantil no Brasil,

par gastar tempo da criança diante

como a Lei de Diretrizes e Bases da

de uma deficiência pedagógica apre-

Educação nacional (LDBEn/96).

sentada pelo professor para alcan-

Já no Referencial Curricular nacional da Educação Infantil, 1998

68

Sendo assim, a música socializa, une, torna a aprendizagem indi-

çar uma dimensão de estratégia de aprendizagem.

(RCnEI) a música é introduzida

Santa Rosa (1990) afirma que

como elemento que vai permitir à

a música bem trabalhada auxilia na

criança experimentar, improvisar

formação e inclusão social da crian-

A música como instrumento de inclusão e invenção social


ça, enriquece sua cultura e insere-a

outros aspectos; exploração do am-

como pessoa no mundo ao reforçar

biente com comportamentos repeti-

a auto estima, segurança e posicio-

tivos e estereotipados, com traços

namento seguro diante de situações

de impulsividade, desorganização e

de sociabilidade, compartilhamento,

instabilidades emocionais.

liderança e ajuda mútua, além da formação de hábitos e atitudes.

Nos aspectos cognitivos, a deficiência intelectual é presente nas

Conforme o RCNEI (1998) a

crianças com Síndrome de Down,

música é a linguagem musical capaz

pois compromete todas as outras

de expressar sensações e emoções

áreas do desenvolvimento. Os indi-

através de sons e silêncio presentes

víduos com SD apresentam reações

em nossa cultura e que ela é expres-

mais lentas que os demais, na aqui-

são e forma de conhecimento acessí-

sição da linguagem falada e escrita,

veis aos bebês e crianças, inclusive

por exemplo e nessa, estão os maio-

aquelas que apresentem necessida-

res atrasos.

des especiais, incluindo nessa categoria, os portadores de SD.

O déficit de atenção, outro aspecto importante, compromete o ende Down em atividades cotidianas, a

Aprendizagem e a Música

forma como o mundo é percebido e na

A Síndrome de Down (SD) é um

sua maneira de explorar o meio. O dé-

distúrbio genético que indica a pre-

ficit de atenção é explicado por meio

sença de um cromossomo 21 a mais

do funcionamento irregular e atípico

em todas as células do organismo, fa-

do cérebro e suas redes neuronais.

zendo com que a criança tenha carac-

Cada criança é única e seu de-

terísticas físicas e mentais diferentes

senvolvimento se dá de maneira indi-

das demais que não possuem essa al-

vidual. Apesar de existir alguns pa-

teração. (SCHWARTZMAN ,2003)

drões comportamentais, cada uma

Schwartzman (2003) consi-

segue seu próprio ritmo no aprendi-

dera importante observar essas

zado das mais diversas atividades.

características para a proposição

A facilidade com a qual consegue

de estratégias de aprendizagem: o

solucionar determinadas questões

desenvolvimento motor das crianças

depende das aptidões que possui e

com um atraso significativo e que

as que desenvolve, do ambiente em

vai interferir no desenvolvimento de

que se encontra e até mesmo da sua

A música como instrumento de inclusão e invenção social

69

volvimento da criança com Síndrome 2.2 A Sindrome de Down, a


70

hereditariedade, como propõe Godói

cia física precisam de muito mais do

(2006). Para ela, cada criança possui

que tão-somente recursos básicos

condições de desenvolvimento espe-

que satisfaçam suas necessidades

cíficas e que são influenciadas por

primárias. São crianças que pode-

suas possibilidades (características

rão precisar de cuidados e atenção

genéticas e estruturas corporais).

ininterruptos em todos os dias de

E nessa construção da pessoalida-

sua vida, ou superar as dificuldades

de, o ambiente e as pessoas que o

iniciais se forem bem estimuladas e

compõem, podem facilitar ou não.

bem acolhidas. (GODÓI, 2006, p.32)

A criança deficiente se desenvolve

A criança com SD possui um

assim como uma criança sem defici-

desenvolvimento diário, ainda que

ência e ambas passam pelo proces-

mais lento se comparada às demais.

so da conquista da autonomia e da

Possui plena capacidade de evolução

aquisição de conhecimento, na mes-

no processo de aprendizagem devido

ma ordem e pelas mesmas razões.

à sua inteligência. Evidentemente,

Segundo Melo (2009), os indi-

existem traços únicos: “[...] cada uma

víduos com Síndrome de Down não

terá suas graças, seu jeito de ser, de

eram estimulados corretamente, por

brincar, de se comunicar e também o

serem considerados, no passado,

seu tempo de aprendizado, ficando

treináveis. As pessoas responsáveis

a nosso encargo perceber a hora e a

pela sua educação pensavam não

forma mais carinhosa de nos aproxi-

possuir inteligência suficiente para

marmos dela.” (MELO, 2009, p.18)

que pudessem ser educados numa

Dando ênfase a esse estudo, a

escola regular. Atualmente sabe-se

Inteligência Musical define-se por, de

que a criança com SD é plenamente

acordo com Armstrong (2001), como

capaz de desenvolver suas habilida-

a capacidade de perceber (como

des e possuem boa memória, princi-

aficionado por música), discrimi-

palmente se forem estimuladas pre-

nar (como um crítico de música),

cocemente pelos pais e educadores

transformar (como compositor) e

através de estímulos pedagógicos

expressar (como musicista) formas

adequados, diversificados, intensifi-

musicais. Essa inteligência inclui

cados, com envolvimento e atenção

sensibilidade ao ritmo, tom ou melo-

plena de seus cuidadores.

dia e timbre de uma peça musical. Po-

Crianças com necessidades

demos ter um entendimento figural

especiais decorrentes da deficiên-

ou geral da música (global, intuitivo),

A música como instrumento de inclusão e invenção social


um entendimento formal ou detalha-

aprendizagem dos alunos com algu-

do (analítico, técnico), ou ambos.

mas características “deficitárias”. (COLL et al., 1995 p.12).

“fazer musical como o contato entre

Para Melo (2009), uma inteli-

a realização acústica de um enun-

gência pode se destacar às demais.

ciado musical e seu receptor, seja

O importante é estimular ainda mais;

este alguém que cante, componha,

nas áreas em que apresentar alguma

dance ou simplesmente ouça.”

dificuldade, o indivíduo, mais especi-

Dessa forma, como uma “[...]

ficamente, com a Síndrome de Down,

pessoa com perda ou anormalidade

“[...] deverá ser estimulado de forma

de uma estrutura ou função psicológi-

criativa e curiosa, onde a atuação do

ca, fisiológica ou anatômica que gere

lúdico será fundamental.” (p.27). Ou-

incapacidade para o desempenho das

tro fator importante é a atenção espe-

atividades, tem capacidade para en-

cial dada à socialização, no contato

tender e manifestar essa linguagem?

com o outro por meio de experiências

De acordo com Campbell et al

e atividades musicais individuais e

(2000), a inteligência musical é uma

coletivas. Dessa maneira, eleva-se a

forma de talento humano que emer-

autoestima, buscando a identificação

ge mais precocemente, mas a razão

com os indivíduos que participam do

disso é um mistério. Gardner sugere

grupo, sejam eles indivíduos com SD

que a revelação de um grande talen-

ou não.

to musical na infância pode estar

Nessa perspectiva, a par da

condicionada ao fato de tal inteli-

comunicação verbal, a música con-

gência não depender da experiência

figura-se como “facto social total”,

adquirida com a vida.

porque abrange momentos funda-

Dessa forma, a deficiência

mentais da vida (individual e coleti-

não pode ser vista como um empe-

va), concretiza as capacidades do ser

cilho para o “fazer música”; o que

humano de pôr-se em sintonia e re-

deve ser observado é a resposta do

lação consigo próprio, com o ambien-

indivíduo quando em contato com

te e com os outros, e facilita ainda a

ela e cabe à família, a escola e aos

compreensão ativa da “vida social

educadores promoverem essa inte-

como conjunto de relações” (GRECO

gração visto que “o sistema educa-

e PONZIANO,apud FOÀ, 2013, p.24).

cional pode, portanto, intervir para

Além disso, a prática musical

favorecer o desenvolvimento e a

auxilia nas competências e habi-

A música como instrumento de inclusão e invenção social

71

Brito (2003, p. 57) considera o


lidades de vida pessoal, inter e in-

2.3 a construção De um currículo

trapessoal, desenvolvendo elemen-

interDisciplinar: a música como tema

tos de aprendizagem transversais:

transversal

capacidade de escuta, organização,

De acordo com Honora e Fri-

coordenação, disciplina, ritmo, inte-

zanco (2008), não existem soluções

ligência auditiva, pertença ao grupo

imediatas ou prontas para os alunos

e ação em virtude de objetivos e va-

que são “diferentes” do normalmen-

lores partilhados (GRECO e POn-

te padronizado. Cada um é um ser

ZIAnO apud FOÀ 2013.).

na suas potencialidades, necessida-

nesse sentido, a escola regu-

des e bagagem vivencial. Dentre es-

lar tornar-se-á inclusiva quando re-

ses alunos especiais, estão as crian-

conhecer as diferenças dos alunos

ças com SD.

diante do processo educativo e busca

Segundo

Melo

(2009),

as

a participação e o progresso de todos,

crianças com Síndrome de Down

adotando novas práticas pedagógi-

devem ser encorajadas a desen-

cas e com todos os alunos sejam eles

volver suas capacidades por meio

portadores de Síndrome de Down ou

de um currículo interdisciplinar, e,

não. Por isso, o mais importante é

para isso, se faz necessário educa-

não rotular nenhuma criança, respei-

dores que rompam com as barrei-

tando seus limites e valorizando suas

ras da educação regular.

capacidades. (MELO, 2009).

Para Campbell et al (2000)

Para que a família, pais e edu-

uma forma interessante de estimu-

cadores lancem mão da teoria das

lar a audição e a concentração são

inteligências múltiplas , em especial

as brincadeiras musicais; para esti-

a música torna-se necessário a cria-

mular a habilidade manual pode-se

ção de uma proposta pedagógica que

realizar oficinas para a construção

contemple a concepção cognitivista,

instrumentos. Atividades em con-

bem como metodologias favoráveis

junto, seja tocando, dançando, can-

para esse empreendimento.

tando ou como um ouvinte passivo

nesse caso, serão apresenta-

são consideradas desafios positivos

das a seguir algumas ações impor-

quando essas práticas fazem parte

tantes para o desenvolvimento so-

da educação como prática rotineira.

cial dos alunos e para melhoria de

Estimular a apreciação de

sua aprendizagem.

sons que fazem parte do cotidiano,

72

jogos que possuam sons repetitivos, A música como instrumento de inclusão e invenção social


sons ritmados e a possibilidade de

nova proposta;

expressar-se corporalmente são ma-

- Formação continuada de

neiras propostas por Melo (2009),

professores e família;

com o objetivo de auxiliar a memória

- Incluir todos os participantes do

e a atenção da criança. Utilizando

processo de construção e se incluir .

as possibilidades de entonação, rit-

- Desenvolver a autonomia dos

mo, intensidade e timbre, tem-se um

sujeitos inseridos e

leque de possibilidades para traba-

- acreditar na experiência.

lhar aspectos que contribuam para o

(MONKEN, 2015)

aprendizado, assim como introduzir canções infantis que, por sua sim-

É importante, reconhecer o

plicidade, ajudam no aprendizado

direito da autonomia dos indivíduos

linguístico desde que a atenção às

participantes do processo, sejam

articulações das palavras tenha a

eles portadores de alguma síndro-

devida atenção do educador.

me ou não, pois é dever de todos se

Sob a perspectiva de Godói

assumir como protagonista de sua

(2006), é preciso repensar as pro-

própria história, visto que “o exces-

postas curriculares e os projetos

so do cuidado é a evidenciação da

educativos, com professores enga-

opressão.” (NOGUEIRA, 2016).

jados, que busquem formas e ferramentas lúdicas para um aprendiza-

2.4

Os Projetos de Trabalho

do que atenda a diversidade, sendo

como

Metodologia Favorável

este interessante e significativo. As

a Inclusão

escolas, por sua vez, devem valori-

Aprendizagem da Criança com

zar as potencialidades de cada alu-

Síndrome de Down

para

Social e Melhoria da

no, oferecendo oportunidades para

Quando se discute hoje que

que esse processo de construção do

a infância deve ser considerada de

conhecimento seja, de fato, efetivo.

acordo com as bases socioculturais

Para que se construa um cur-

na qual a criança vive, bem como

rículo interdisciplinar tendo como

seus valores, suas necessidades, sua

foco a música, serão necessários os

forma de ver e perceber o mundo, é

seguintes quesitos:

oportuno buscar estratégias diferenciadas para o trabalho na educação.

mudanças que surgirão a partir da

De acordo com as discussões presentes na atualidade, a criança

A música como instrumento de inclusão e invenção social

73

- Flexibilidade e tolerância às


é considerada sujeito de direitos,

guagens são desenvolvidas ao lon-

amparado por Lei, com suas espe-

go de todo processo, sendo que as

cificidades, que devem ser levadas

crianças sejam elas portadores da

em conta no momento de construir

SD ou não, desenvolverão de acordo

propostas pedagógicas para o tra-

com seus próprios ritmos, interesses

balho voltado para essa faixa etária

e capacidades próprias.

(FREITAS, 2008).

Então, questiona-se: se o su-

Segundo a mesma autora: ao

jeito tem diferentes formas de pen-

reconhecermos na criança, um su-

sar e de agir, se as linguagens estão

jeito competente , participativo e

presentes no cotidiano, como os

importante dentro do seu grupo, no-

projetos podem contribuir no desen-

vas experiências serão assimiladas

volvimento dessas crianças com Sín-

por ele, que estará atento às suas

drome de Down?

colaborações e às conquistas adqui-

Acredita-se que o trabalho

ridas ao longo do processo ensino

com projetos contribuirá para que a

-aprendizagem. A criança repetirá

criança:

em outros espaços estas atuações

- se manifeste por meio de suas

e passará a ser escutada e valoriza-

diferentes linguagens, tendo em

da. Conscientes de suas limitações

vista que, no trabalho com projetos,

, mas capaz se pensar em sua vida,

ela tem espaço e autonomia para

seus problemas , o contexto onde

pensar e agir;

está inserida, vislumbrando a pos-

- aguce sua criatividade apontando

sibilidade de agir sobre si e sobre

para o grupo quais são seus

este meio, tentando transformá-los.

talentos;

(FREITAS, 2008).

- descubra as diferentes formas de

É nessa perspectiva de inclusão que o trabalho com projetos se

aprender por meio da música e de outras linguagens afins;

destaca, por entender que essa for-

- tenha acesso aos diversos pontos

ma didática de trabalhar o marco

de vistas;

curricular vai contribuir com o pro-

aprenda a aprender todas as

fessor e com os alunos na constru-

formas de conhecimentos, dentre

ção de competências e habilidades

outros. (MOnKEn, 2015)

74

nas diversas linguagens, de forma interdisciplinar. A música será o

Portanto, para que o trabalho

foco do trabalho, mas as demais lin-

com projetos seja realizado com

A música como instrumento de inclusão e invenção social


qualidade, é importante que o edu-

equipe sobre o que será trabalhado;

cador saiba sua concepção, como

- Fazer previsões de recursos e

planejá-lo, executá-lo e avaliá-lo.

cronograma. (HERNANDEZ apud MONKEN, 2001)

2.4.1 O planejamento das atividades por meio dos projetos

Hernandez (1998) afirma que se deve planejar o desenvolvimento

Ao construir o projeto de traba-

do projeto sobre a base de uma ava-

lho, o professor e os alunos deverão le-

liação processual. Assim, ele divide

vantar uma questão articulada com as

as várias etapas:

diversas competências voltadas para

1o momento: O que sabem e o que

a linguagem musical e demais lingua-

querem saber sobre o tema.

gens a fim de atender à demanda do

2º momento: O que estão

grupo envolvido, vislumbrando um

aprendendo, como estão

caminho de buscas e de investigações

acompanhando o projeto.

relacionadas com a proposta.

3º momento: O que aprenderam em

Ao levantar a demanda especi-

relação às propostas iniciais e se

fica após um diagnóstico, devem-se

são capazes de estabelecer novas

levantar as possíveis situações:

relações.

- Identificar qual será o fio condutor

4º momento: Recapitular o processo

do projeto (que está diretamente

em que se realizou o projeto,

relacionado com a linguagem

compatibilizando com os objetivos

musical, com as necessidades e

do projeto e se foi atendido tanto

interesses da turma);

às necessidades e os objetivos da

- Prever os conteúdos (pressupostos

proposta. (HERNANDEZ, 1998)

teóricos e metodológicos), fazendo Nesse contexto, o desenvolvi-

fornecer subsídios teóricos para o

mento do projeto e a qualidade das

desenvolvimento do projeto;

atividades se concretizarão de acor-

- Buscar estudar e atualizar as

do com o grupo envolvido no traba-

informações em torno do tema

lho. É o professor que promoverá o

ou problema do qual se ocupa o

diálogo para tratar de estabelecer

projeto, oportunizando a construção

comparações, inferências e rela-

e produção do conhecimento;

ções, que o ajudará a dar sentido à

- Criar um clima de envolvimento da

forma de trabalho que se pretende.

A música como instrumento de inclusão e invenção social

75

de início estudos capazes de


(HERnAnDEZ, 1998) As pessoas envolvidas (professor, crianças, pais e comunidade),

como sujeitos de direitos e capazes de serem os protagonistas de suas aprendizagens.

por sua vez, deverão estar atentas durante o processo e, por intermédio da investigação, e levarem sempre

Como foi possível observar, a

para o coletivo o que produziram, a

estimulação da Inteligência Musical

fim de criarem novas possibilidades,

intensifica as relações entre as pes-

oportunizar a troca de experiências,

soas, trazendo uma sensibilidade

construir e socializar os conheci-

necessária para enxergar o outro

mentos. (HERnAnDEZ, 1998)

com suas diferenças, seus talentos e

Sabe-se que somente seguir

aptidões, respeitando sua individua-

os passos do projeto não garante

lidade e tudo o que ele acrescenta no

um trabalho rico, eficaz e eficiente,

coletivo. Por meio da música o indi-

entretanto, garante um caminho me-

víduo consegue se fazer ouvir, inse-

todológico para o alcance dos obje-

rindo-se no meio social naturalmen-

tivos. O que garantirá na verdade o

te sem que seja necessário impor

sucesso do projeto e o trabalho em

isso aos outros. É no fazer coletivo

si é a concepção que estará por trás

que o indivíduo passa desempenhar

desse trabalho, bem como o controle

seu papel enquanto membro de uma

da execução e avaliação do trabalho

comunidade, sendo incluído no gru-

ao longo do processo. Além disso , de

po indiferente de sua condição física

que forma as crianças estão sendo

ou algum transtorno.

incluídas e como estão sendo avaliadas e em qual perspectiva.

76

3 CONSIDERAçÕES FINAIS

É importante salientar que, além da teoria das inteligências

Diante disso, é notório perce-

múltiplas, as teorias de Piaget (ver-

ber que a metodologia de projetos

tente construtivista), vygotsky (so-

aproxima-se mais da perspectiva da

cioconstrutivista), dentre outras,

inclusão, uma vez que todos os alu-

contribuírem, sobremaneira, para

nos são vistos com equidade e são

que novas práticas fossem desenvol-

respeitados em suas individualida-

vidas no campo educacional.

des. nesse caso, os alunos com de-

É notório o avanço da inclusão

ficiência, alunos portadores de SD,

no campo da educação a partir da

alunos com necessidades Educati-

Constituição de 1988, do Estatuto

vas Especiais serão sempre vistos

da Criança e do Adolescente (1990),

A música como instrumento de inclusão e invenção social


da Lei 9394 (1996) e somada a isso

postas forem criadas para favore-

as teorias que as escolas lançaram

cer o desenvolvimento dos sujeitos,

mão para se apoiarem em suas

novas oportunidades continuarão

propostas pedagógicas.

a surgir para todos: uma escola inclusiva e democrática.

é imprescindível que a proposta

A escola e a família têm um

pedagógica deve ser construída na

papel fundamental enquanto agen-

concepção progressista, em que

te transformador, acolhendo, in-

os sujeitos são vistos como pro-

cluindo, desenvolvendo e criando

tagonistas de sua própria apren-

pontes entre os indivíduos com Sín-

dizagem, bem como todas suas

drome de Down e a sociedade como

necessidades devem ser respeita-

um todo, quebrando paradigmas,

das e trabalhadas de forma inter-

mostrando que é possível ir além

disciplinar , a fim de promover a

das expectativas quando existe en-

aprendizagem em todos os alunos,

gajamento e a quebra da barreira

especialmente a criança que é por-

formada pelo preconceito e abertu-

tadora da Síndrome de Down. A

ra para as mudanças advindas do

partir do momento em que as pro-

mundo contemporâneo.

A música como instrumento de inclusão e invenção social

77

Por isso, a partir do exposto,


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A música como instrumento de inclusão e invenção social


AS MUDANÇAS PARADIGMÁTICAS DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI 13.146) Bernardo Gomes Barbosa Nogueira* Raphael Furtado Carminate ** Lucas Maciel Guimarães *** Sarah Abdon Lacerda Fernandes ****

* Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. ** Doutorando e mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professor de Direito Civil. *** Acadêmico da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. **** Acadêmica da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

81

A música como instrumento de inclusão e invenção social


INTRODuçÃO

e efetiva na sociedade em igualdade

O presente trabalho visa ex-

de condições com as demais pessoas

plicitar alguns impactos que a lei

e não, como antes era compreendido,

13.146, o novo Estatuto da Pessoa

no impedimento de natureza física,

com Deficiência, tem na sociedade

mental, intelectual ou sensorial em

contemporânea e como o Estado e

si. Sendo assim, compreende-se que a

a sociedade foram modificados com

limitação maior está na sociedade em

essa nova lei.

não conseguir garantir igualdade de

A forma como acontece a mu-

condições à pluralidade humana. Afi-

dança paradigmática depende de

nal, a deficiência é apenas mais uma

uma série de alterações no pensa-

característica da condição humana.

mento científico que é explicado

A mudança de pensamento so-

por Thomas Kuhn. A ciência em seu

cial é vista como marco entre eras.

estado inerte (ciência normal) é pro-

não acontece rapidamente, tam-

vocada quando não atende mais as

pouco sutilmente. Para que ocorra

exigências sociais, sendo, portanto,

uma mudança é necessário que haja

necessária uma mudança no âmbi-

um problema a ser pensado. Desse

to1. Essa mudança não é feita de ma-

modo, da necessidade de assegurar

neira natural, sempre que há uma

condições de igualdade às pessoas

quebra de paradigma, são desenca-

com deficiência, o Estatuto da Pes-

deadas consequências em todas as

soa com Deficiência nasceu rompen-

áreas da sociedade.

do padrões anteriores.

As mudanças relacionadas às

Diferente das leis anterio-

pessoas com deficiência ocorreram

res, o dever de garantir os direitos

principalmente na maneira como é

presentes na lei não fica somente

vista a deficiência. A Convenção so-

a cargo do Estado ou de iniciati-

bre os Direitos das Pessoas com Defi-

vas privadas, sendo responsáveis

ciência que o Brasil ratifica em 2008

também a sociedade e a família.

(Decreto Legislativo 186/2008)2 vem,

Agora, a obrigatoriedade de asse-

em seu texto, admitindo que as bar-

gurar todos esses direitos ao má-

reiras da deficiência são causadas

ximo é de todos.

pela obstrução da participação plena

O Estatuto revela o pensar o

82

1 OSTERMAnn, Fernanda – A Epistemologia de Kuhn – Instituto de Física, UFRGS, 1996. O estudo visa discutir a forma como ocorre a modificação no mundo científico, tendo como base as mudanças e métodos propostos por Thomas Khun em sua obra “A estrutura das Revoluções Científicas” de 1962. 2 À Convenção foi dada a equivalência de emenda constitucional de acordo com o art. 5°, § 3º, CF/88.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


outro e suas singularidades, ideia

A RESPONSABILIDADE

muito bem expressa pelo filósofo

DE INCLUSÃO

Emmanuel Lévinas ao conceituar

O pensamento filosófico con-

a ética da alteridade. Respeitar

temporâneo depreende a ética da

a singularidade humana é garan-

alteridade4 pensada pelo filósofo

tir dignidade, igualdade e justiça.

Emmanuel Lévinas. Essa alterida-

Como bem lembra a professora

de provoca uma mudança interior,

Carla Silene (2008, p.79) ao retra-

aspirando uma sociedade melhor

tar a justiça para Lévinas “Logo, a

para se viver. Ela representa a rup-

justiça para ele não parte do uni-

tura do pensamento egocêntrico e é

versal, mas do singular, que não é o

expressa pela responsabilidade por

Eu, mas o outro. E mais, é a relação

outrem. A ética da alteridade define

Eu-outro que dá origem ao Estado,

que a perspectiva ética deve ser o

sendo este mero instrumento de

ponto de partida de toda a filosofia

realização da justiça que tem seu

e demonstra que a responsabilidade

limite no outro”.

pelo outro e o reconhecimento das

3

Houve também a inclusão de

suas peculiaridades é a melhor for-

conteúdos curriculares em cursos

ma de aceitar as próprias individu-

superiores e tecnólogos relaciona-

alidades. Como sugere o professor

dos ao assunto de inclusão, como

Luigi Bordin:

linguagem de sinais. Isso é impor-

Do ponto de vista filosófico, a

tante por haver a pretensão de edu-

tarefa de Lévinas não foi a de

car e conscientizar a população so-

escrever uma nova ética, mas

bre a importância de uma sociedade

de mostrar que a perspecti-

mais inclusiva.

va ética deve ser o ponto de

Esse Estatuto visa à ampla

partida de toda a filosofia. A

inclusão e não a assistência, como

descoberta de que eu sou um

foi em outros momentos. Agora, o

sujeito infinitamente respon-

viés de pensamento é a participação

sável pela vida do outro é o

plena e efetiva da pessoa com defici-

início de uma meditação em

ência na sociedade em igualdade de

torno da pergunta sobre o ser.

condições com as demais pessoas.

A tomada de consciência de

A música como instrumento de inclusão e invenção social

83

3 Carla Silene Cardoso Lisbôa Bernardo Gomes. 4 Princípio ético para as relações sociais na qual a existência do “eu-individual” só é permitida mediante um contato com o outro.


minha responsabilidade é o

fica mostrar que a existen-

início de cada conhecimento

ciação do humano está ne-

geral, pois cada conhecimen-

cessariamente ligada à sua

to deve ser purificado de sua

relação com o outro. Nesse

tendência natural ao egocen-

sentido, estar no mundo

trismo. A base da consciência

é desde já estar no mundo

de si não é a reflexão, mas a

diante e perante, e, mais

relação com o outro. Lévinas

ainda, responsável por esse

recusa conceder a dialética

outro que ante a minha

hegeliana do senhor e do es-

existência se põe como con-

cravo, à guerra das consciên-

dição da mesma, ou seja,

cias, o privilégio da origem

como aquele que me ins-

da consciência de si. Esta é

taura enquanto humano.

mais o fruto do milagre da

(NOGUEIRA, 2015, p. 376).

saída de si mediante a abertura ao outro, que, antes de

Como compreende-se desse

ser uma força alienadora

pensamento, a identidade humana

que me ameaça, me agride

está completamente dependente do

e me esvazia, pode ser uma

outro. Desse modo, infere-se ainda

possibilidade

abertura

que a sociedade como unidade é im-

que rompe as correntes que

de

portante para enxergar e incluir a

me prendem a mim mesmo.

pluralidade do ser. Respeitar as dife-

(BORDIN, 1998, p.555).

renças e reconhecer o quão importante são as particularidades humanas,

Com essas mudanças dentro

84

do pensamento filosófico, o cresci-

é enxergar a própria individualidade como uma condição humana.

mento da ideia de alteridade fomen-

A Alteridade não é apenas

tou novas rupturas sociais, as quais

uma qualidade do outro,

um indivíduo também é responsável

é

pelo outro e, por isso, deve protago-

instância, a verdade do seu

nizar mudanças que colaborem para

ser e, por isso, para nós,

o progresso do outro.

torna-se muito fácil uma

sua

realidade,

sua

Ao invés do eu sou, estamos

permanência na coletividade

agora perante uma espécie

e na camaradagem – difícil

de “eis-me aqui”. Isso signi-

e sublime é co-habitar com

A música como instrumento de inclusão e invenção social


a diferença, é viver o eu-tu

competente qualquer forma

profundamente

(HADDOCK-

de ameaça ou de violação

LOBO, 2006. p.48 apud COSTA;

aos direitos da pessoa com

CAETANO, 2014, p. 202).

deficiência. Parágrafo único. Se, no exer-

Com seu perfil inovador, a lei

cício de suas funções, os ju-

13.146 reconhece a importância de

ízes e os tribunais tiverem

todos para garantir a participação

conhecimento de fatos que

plena e efetiva das pessoas com de-

caracterizem

ficiência em igualdade de condições

previstas nesta Lei, devem

na sociedade. Dessa forma, além da

remeter peças ao Ministério

mudança jurídica, o Estatuto repre-

Público para as providências

senta mudança científica e social

cabíveis.

de pensamento. A deficiência se

Art. 8o

tornou somente uma peculiaridade,

da sociedade e da família

uma diferença como qualquer outra

assegurar

e os padrões sociais que provocam

deficiência, com prioridade,

situação de desvantagem é que fo-

a efetivação dos direitos

ram considerados obstáculos. Es-

referentes à vida, à saúde, à

sas mudanças propuseram plurali-

sexualidade, à paternidade e à

dade de comportamento, aceitação

maternidade, à alimentação,

da diversidade humana e, principal-

à habitação, à educação,

mente, consciência social do dever

à

de inclusão.

trabalho,

as

violações

É dever do Estado, pessoa

profissionalização, à

com

ao

previdência

Com essas alterações, extin-

social, à habilitação e à

guir a discriminação e proporcionar

reabilitação, ao transporte,

máxima autonomia às pessoas com

à acessibilidade, à cultu-

deficiência tornou-se responsabilida-

ra, ao desporto, ao turismo,

des sociais. É dever de todos respei-

ao lazer, à informação, à

tar os direitos das pessoas com defi-

comunicação, aos avanços

ciência e denunciar qualquer ameaça

científicos

ou violação desses, como estabeleci-

à dignidade, ao respeito, à

do no artigo 7º e 8º do Estatuto:

liberdade, à convivência fa-

e

tecnológicos,

Art. 7 É dever de todos

miliar e comunitária, entre

comunicar

outros decorrentes da Consti-

o

à

autoridade

A música como instrumento de inclusão e invenção social

85

à


tuição Federal, da Convenção

A quEBRA DE PARADIGMA

sobre os Direitos das Pessoas

A quebra de paradigma trazi-

com Deficiência e seu Proto-

da pela lei é um fenômeno de várias

colo Facultativo e das leis e

dimensões e faces. Como propõe

de outras normas que garan-

Luiz Felipe Soares e João Paulo de

tam seu bem-estar pessoal,

Azevedo Lima em um estudo sobre

social e econômico.

a obra “Um discurso sobre as ciências”5, a mudança que ocorre no

Todas essas mudanças que-

modelo social deve constituir uma

bram paradigmas que couberam em

gama de saberes incluindo o saber

uma determinada época da socieda-

do senso comum. Porém, deve haver

de. Paradigmas esses, que se torna-

a preocupação de não usar o senso

ram obsoletos quando não atende-

comum como fonte única ou princi-

ram mais as necessidades sociais.

pal para a mudança de um paradig-

nas mudanças de pensamento

ma existente, uma vez que um novo

científico, por exemplo, ao não atender

conhecimento adquirido visa se tor-

as exigências sociais, a ciência adqui-

nar objeto comum da sociedade, isso

re um olhar reflexivo para sua própria

faz com que haja uma aproximação

essência. Isso sugere uma mudança

da ciência ao cotidiano das pessoas,

paradigmática, que é a troca de um

o que Boaventura chama de “senso-

modelo de paradigma por outro.

comunizar a ciência”6. Por conse-

Como consequência da evolu-

quência, para que haja a mudança

ção humana, a sociedade está em

paradigmática, recorrer apenas ao

constante mudança. À vista disso,

paradigma existente não acarreta-

para acompanhar as primordialida-

rá em uma mudança significativa, o

des da pessoa humana, padrões são

que impede a superação deste para-

rompidos e estabelecidos frequente-

digma para a criação de um outro.

mente. O Estatuto é um grande re-

Isso ocorreu com os assuntos rela-

gistro dessa transição, ele represen-

cionados às pessoas com deficiên-

ta as quebras de paradigmas éticos,

cia: a mudança foi acontecendo aos

científicos, jurídicos e sociais.

poucos no Brasil, a ideia existente já

86

5 Luiz Felipe e João Paulo explicitam os conceitos trazidos por Boaventura Souza em “Um discurso sobre as ciências” – (2012) qual o trajeto para a criação de um modelo científico. O título é o mesmo da obra de Boaventura. 6 Essa expressão que Boaventura usa significa democratizar os conhecimentos adquiridos, para que se tornem usuais no cotidiano social.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


estava usual na sociedade, porém foi

somente existe o conhecimento de

visto que ainda haviam carências a

ciências exatas, mas que existem

serem supridas, gerando outro olhar

ainda conhecimento musical, artís-

acerca do assunto. Como recorrer

tico, linguístico e outros. Isso serviu

somente ao que já estava difundido,

também para integrar socialmente

aos tratamentos dados às pessoas

os indivíduos excluídos.

com deficiência e a como elas eram

Algumas pessoas com Síndro-

vistas pela sociedade, não levaria a

me de Down, por exemplo, possuem

mudanças que melhorassem a situ-

dificuldades em saberes linguísticos,

ação existente, recorreu-se a outros

mas existem outros ramos, como co-

métodos, que foi a Convenção sobre o

nhecimento musical, que podem ser

Direito das Pessoas com Deficiência.

trabalhados e desenvolvidos de acor-

Como os direitos existentes

do com as habilidades que a pessoa

não atendiam as reais necessidades

possui. Os poderes das habilidades

sociais formaram-se microssistemas

musicais são muito bem lembrados

jurídicos- como o Estatuto das Pes-

pelo musicoterapeuta Harley Lavagni-

soas com Deficiência- que promovem/

ni Gonzalez e pela professora de His-

buscam promover a inserção e rein-

tória Maria de Cássia Araújo e Souza:

venção dessas pessoas no cenário

As vivências musicais pro-

sócio-jurídico. Esse amparo jurídico

porcionadas pela Musicotera-

é essencial para atender proporcio-

pia estimulam a criatividade

nalmente a carência de cada grupo.

e a autoconfiança, ajudando

As pessoas com deficiência,

a mobilizar o potencial de

por exemplo, eram enxergadas como

saúde

pessoas com certo defeito que cau-

reabilitando-o ou habilitan-

savam transtornos sociais. Porém,

do-o. Tocando, cantando, im-

um dos pensamentos que é modi-

provisando, acompanhando,

ficador desse cenário é o de que

compondo, recriando, dan-

cada indivíduo possui sua limitação

çando ou ouvindo música,

dentro da sociedade. Não é neces-

a pessoa partilha a sua

sário que todos exerçam as várias

experiência

atividades, diárias ou profissionais,

individuais ou de grupo.

de maneira exemplar. Haja vista, o

(Gonzalez; Souza, 2013, p.4)

do

cliente/paciente:

em

sessões

modelo educacional de múltiplos coA

interdisciplinaridade

da

A música como instrumento de inclusão e invenção social

87

nhecimentos, que defende que não


música é indubitavelmente uma das

sua inclusão e socialização.

melhores formas de promover essa

(Gonzalez; Souza, 2013, p.11)

quebra de paradigma, pois rompe, não somente as barreiras sociais,

Como infere-se do artigo 2°

mas também os limites pessoais

dessa lei, a pessoa com deficiência é

existentes. Dessa forma, a música

aquela que possui impedimento pes-

e suas diversas manifestações reco-

soal, no entanto, em interação com

nhecem a individualidade do ser e

uma ou mais barreiras, tem a par-

respeitam sua pluralidade.

ticipação plena e efetiva obstruída

Considerando a ampliação

na sociedade em igualdade de con-

da expressividade dos alu-

dições com as demais pessoas. Por

nos, pode-se afirmar que as

respeitar a individualidade e plura-

práticas com musicoterapia

lidade do ser, a música e suas diver-

contribuem

sobremanei-

sas manifestações garantem igual-

ra para a exploração mais

dade a todos. Consequentemente, o

ampla de todo seu potencial

principal objetivo do Estatuto, parti-

criativo. Evidenciou-se, ao

cipação plena e igualdade na socie-

longo do processo, maior ca-

dade, é alcançado pela música.

pacidade de exteriorização

A título de exemplo, o músi-

de seus desejos, opiniões,

co Dudu do Cavaco7, quando expõe

sentimentos, ideias, enquan-

suas habilidades, rompe os limites

to participam das ativida-

sociais e revela seu domínio no âm-

des propostas e realizadas

bito musical. Quando ele realiza as

no ambiente escolar. Com-

apresentações é nítido que a música

putaram-se ganhos no seu

é um instrumento de integração que

desenvolvimento

cognitivo

o coloca em igualdade de condições

e sociocultural de maneira

com os demais indivíduos. Por isso,

aprazível, saudável e mais

nas palavras de seu irmão Leonardo

feliz. Ao desenvolverem ha-

Gontijo “A música é o maior instru-

bilidades, ampliou-se a au-

mento para superar os preconceitos.

toestima desses alunos e, por

Em um evento musical, não existem

consequência potencializou

diferenças e sim harmonia”. 8

88

7 Dudu é a própria inspiração para a construção desta obra, a quem agradecemos e dedicamos essa inspiração. 8 Fala exposta pelo Leonardo, irmão do Dudu, sobre sua integração social através da música, no site: www.dududocavaco.com.br, na aba de História do Dudu.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


Este é o objetivo do novo para-

to prioritário, a educação inclusiva e

digma: integrar socialmente aqueles

outras garantias já existiam antes da

que já foram excluídos mediante a

promulgação do Estatuto. No entanto,

consciência de que todos possuem

isso não era o suficiente.

particularidades.

A Constituição brasileira de 1988 já esclarecia em seus funda-

A MODIFICAÇÃO SOCIAL

mentos (art.3º) e nos Direitos e De-

DO ESTATUTO

veres Individuais e Coletivos (art.5º)

Nos últimos 35 anos, a situa-

a sociedade que deve ser alcançada.

ção da pessoa com deficiência ga-

E para conquistar essa sociedade,

nhou ainda mais atenção no mun-

em 2008, a Convenção da ONU sobre

do. O ano de 1981, por exemplo, foi

os Direitos das Pessoas com Defici-

declarado pela ONU o ano interna-

ência foi incorporada à legislação

cional da pessoa com deficiência e

brasileira. Desse modo, os indícios

teve como lema “Participação plena

das futuras transformações brasilei-

e igualdade”. Nesse tempo, diversas

ras ficaram evidentes. Finalmente,

foram as conquistas e os indivíduos

em 2015, foi promulgado o Estatuto

tomaram conhecimento da própria

da Pessoa com Deficiência ratifican-

existência enquanto cidadãos, exi-

do algumas normas já existentes e

gindo direitos civis, políticos, sociais

criando novos conceitos.

e econômicos. A sociedade teve que

A lei 13.146 teve forte impac-

se adaptar as circunstâncias aten-

to no ordenamento jurídico, pois a

dendo as reais necessidades da

deficiência deixou de ser, por si só,

pessoa com deficiência, pois, além

causa de incapacidade, alterando a

da inclusão de um grupo com pouca

capacidade civil descrita nos artigos

visibilidade na sociedade, essas con-

3º e 4º do Código Civil.

quistas marcaram o reconhecimento

Art. 3o São absolutamente

mútuo e coletivo da situação em que

incapazes

se encontravam muitos indivíduos

pessoalmente

com deficiência no país.

vida civil os menores de 16

os

exercer atos

da

(dezesseis) anos. 4o

São

incapazes,

to jurídico algumas mudanças aborda-

Art.

das pelo Estatuto foram anteriores a

relativamente a certos atos

sua criação. Em defesa da igualdade,

ou à maneira de os exercer:

a lei de acessibilidade, o atendimen-

I - os maiores de dezesseis e

A música como instrumento de inclusão e invenção social

89

Como no âmbito social, no âmbi-

de


menores de dezoito anos;

ou sensorial, o qual, em

II - os ébrios habituais e os

interação com uma ou mais

viciados em tóxico;

barreiras, pode obstruir sua

III - aqueles que, por causa

participação plena e efetiva

transitória ou permanente,

na sociedade em igualdade

não puderem exprimir sua

de condições com as demais

vontade;

pessoas.

IV - os pródigos.

§ 1o A avaliação da deficiência,

Parágrafo único. A capacida-

quando

de dos indígenas será regula-

biopsicossocial, realizada por

da por legislação especial.

equipe

necessária,

será

multiprofissional

e

interdisciplinar e considerará: O Estatuto considera pessoa

I - os impedimentos nas fun-

com deficiência aquela que tem im-

ções e nas estruturas do corpo;

pedimento de longo prazo de nature-

II - os fatores socioambien-

za física, mental, intelectual ou sen-

tais, psicológicos e pessoais;

sorial, o qual, em interação com uma

III - a limitação no desempe-

ou mais barreiras, pode obstruir sua

nho de atividades; e

participação plena e efetiva na so-

IV - arestrição de participação.

ciedade em igualdade de condições

§ 2o O Poder Executivo criará

com as demais pessoas (vide artigo

instrumentos para avaliação

2º). Ele ainda estabelece que, quan-

da deficiência.

do necessária, a deficiência será

Para garantir o Direito à Mo-

avaliada por análise biopsicossocial,

radia, por exemplo, o Estatuto ins-

realizada por equipe multiprofissio-

tituiu que o poder público adotará

nal e interdisciplinar. Assim sendo,

programas e ações estratégicas para

reconhece a subjetividade das rela-

apoiar a criação e a manutenção de

ções humanas e a importância de di-

moradia para a vida independente

versas áreas do conhecimento para

da pessoa com deficiência (vide ar-

determinar a deficiência.

tigo 31). Esse direito fundamental

Art. 2o Considera-se pessoa

assegura a dignidade e desconstrói

com

aquela

ainda mais a falsa ideia de incapa-

que tem impedimento de

cidade das pessoas com deficiência.

longo

natureza

Destarte, também garante ao indiví-

intelectual

duo autonomia de desenvolver diver-

90

física,

deficiência prazo

de

mental,

A música como instrumento de inclusão e invenção social


sos atos da vida civil e a oportunida-

deficiência em atividades artísticas,

de de superar as limitações sociais

intelectuais, culturais, esportivas e

impostas a ele.

recreativas, com vistas ao seu prota-

Art. 31. A pessoa com deficiên-

gonismo (vide artigo 43). Tal incen-

cia tem direito à moradia dig-

tivo é essencial para a construção

na, no seio da família natural

de uma identidade social ilimitada e

ou substituta, com seu cônjuge

para diversificar essas atividades. In-

ou companheiro ou desacom-

serir a pessoa com deficiência nesses

panhada, ou em moradia para

espaços gera benefício a todos, pois

a vida independente da pessoa

aumenta a acessibilidade e preserva

com deficiência, ou, ainda, em

Art. 43. O poder público deve público

promover a participação da

adotará programas e ações

pessoa com deficiência em

estratégicas

apoiar

atividades artísticas, intelec-

a criação e a manutenção

tuais, culturais, esportivas e

de moradia para a vida

recreativas, com vistas ao seu

independente da pessoa com

protagonismo, devendo:

deficiência.

I - incentivar a provisão de

§ 2 A proteção integral na

instrução, de treinamento e

modalidade de residência

de recursos adequados, em

inclusiva será prestada no

igualdade de oportunidades

âmbito do Suas à pessoa

com as demais pessoas;

com deficiência em situação

II - assegurar acessibilidade

de

não

nos locais de eventos e nos

disponha de condições de

serviços prestados por pessoa

autossustentabilidade,

ou entidade envolvida na

com

organização das atividades

§

poder para

o

dependência

vínculos

que

familiares

fragilizados ou rompidos.

de que trata este artigo; e

Os Direitos à cultura, ao espor-

III - assegurar a participação

te, ao turismo e ao lazer também são

da pessoa com deficiência

assegurados pelo Estatuto e, para

em

efetivar alguns desses, foi estabele-

recreativas, esportivas, de

cido que o poder público deverá pro-

lazer, culturais e artísticas,

mover a participação da pessoa com

inclusive no sistema escolar,

jogos

e

atividades

A música como instrumento de inclusão e invenção social

91

residência inclusiva. 1o O

a equidade de inúmeros direitos.


em igualdade de condições

lhor modo de assegurar a igualdade

com as demais pessoas.

de direitos. Sem dúvidas, com seus conceitos e direitos garantidos, a lei

Em todo o seu texto o Estatuto

13146, rompe com os padrões ante-

preza pelo respeito, pela autonomia

riormente estabelecidos e propõe

individual, pela liberdade de escolha

uma nova forma de garantir a digni-

e de opinião, pela não discriminação,

dade humana.

e, principalmente, pela igualdade. In-

A justiça estabelecida pelo Es-

dubitavelmente, com todas as suas

tatuto determina, principalmente,

garantias ele rompe diversos para-

uma nova forma de se pensar a de-

digmas e conduz o combate a estere-

ficiência. A deficiência agora é vista

ótipos e preconceitos. Portanto, todo

como uma peculiaridade comum a

esse esforço é primordial para alcan-

qualquer indivíduo e que, no entan-

çar uma sociedade justa e harmônica.

to, em contato com obstáculos, limi-

92

tam a participação plena e efetiva do CONCLuSÃO

indivíduo na sociedade em igualda-

A busca pela autonomia do in-

de de condições com os demais.

divíduo é um esforço para a inserção

A falsa ideia de incapacidade

e invenção de uma nova identidade.

da pessoa com deficiência e a gene-

Essa ruptura ético-jurídico-social do

ralização de como a deficiência afeta

Estatuto transforma uma identidade

os indivíduos também são descons-

subordinada aos diversos obstácu-

truídas pelo Estatuto. Afinal, ele re-

los sociais em uma face independen-

conhece a pluralidade humana e a

te. Tais conversões da lei iniciam-se

importância da interdisciplinaridade

com as propostas de medidas de

para lidar com as individualidades.

igualdade de condições da pessoa

O Estatuto da Pessoa com De-

com deficiência com as demais pes-

ficiência é recente, no entanto, já

soas na sociedade.

introduziu diversas mudanças na

Tentando alcançar um país

sociedade. Dessa forma, garante a

mais justo e inclusivo, o Estatuto

oportunidade da população se supe-

implicita a alteridade pensada por

rar em Direitos Humanos e de cons-

Lévinas, tratando essa como o me-

truir novos conceitos.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


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A música como instrumento de inclusão e invenção social


LEITURA SOBRE O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIALEI 13.146/15: Olhar sobre a igualdade diante da diferença Bernardo Gomes Barbosa Nogueira* Raphael Furtado Carminate ** Guilherme de Campos abreu costa *** Isabela Costa Pereira ****

* Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. ** Doutorando e mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professor de Direito Civil. *** Acadêmico da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. **** Acadêmica da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

95

A música como instrumento de inclusão e invenção social


INTRODuçÃO

forma, ou em algum gênero, cada um

O presente artigo abordará a

irá se encontrar ou se inventar, como

música como instrumento de inclu-

é o caso do músico Eduardo Gontijo,

são e invenção social como tema cen-

conhecido como Dudu do Cavaco1. Da-

tral do presente artigo, para tanto,

qui em diante, vamos traçar as mu-

analisaremos o Estatuto da Pessoa

danças trazidas pelo Estatuto da Pes-

com Deficiência sob a ótica da ética

soa com deficiência (Lei 13.146/15) a

da alteridade do filosofo Emmanuel

partir do olhar ético segundo traba-

Lévinas. Além deste presente texto,

lha Emmanuel Lévinas.

outras áreas do conhecimento, tais

Analisando os preceitos dis-

como, a Fisioterapia, Psicologia e Pe-

postos na Lei de Inclusão da Pessoa

dagogia, irão trabalhar seus respec-

com Deficiência podemos vislumbrar

tivos assuntos, possuindo como eixo

a elaboração de normas que trazem

central: a música como instrumento

em seu texto certa diferenciação da

de inclusão e invenção social.

pessoa com deficiência em relação

Assim, juntos possuímos o

aos sujeitos que não possuem tais

objetivo de ampliar o tema falando

necessidades, tentando, deste modo,

da influência que a música tem em

atingir uma igualdade2 material, en-

pessoas com deficiência, em sua rea-

tre estes indivíduos.

bilitação, na construção do conheci-

Percebemos na sociedade con-

mento, no desenvolvimento cognitivo

temporânea que o agravamento das

e mais especificamente neste texto,

desigualdades nada mais é que um

a importância de ver, conhecer e

desdobramento de nossas relações

reconhecer o outro demonstrando

interpessoais e das ações realiza-

como as diferenças tornam cada hu-

das pelo Estado. A lógica individu-

mano um universo único e especial.

alista na qual estamos inseridos

A música entra como o ponto

reproduz em suas consequências o

em comum de equilíbrio entre as áre-

retardamento dos avanços sociais e

as e os próprios grupos sociais, já que

o agravamento das crises institucio-

ela infinita as pessoas e de alguma

nalizadas. O filósofo francês Gilles

96

1…quando eu estou tocando, eu pego a minha emoção e coloco no meu cavaquinho e jogo para todo mundo… e me sinto Feliz! (Dudu do cavaco, site do instituto Mano Down: http://www.manodown.com.br/) 2 Para alcançar a efetividade do princípio da igualdade, haveria que se considerar em sua operacionalização, além de certas condições fáticas e econômicas, também certos comportamentos inevitáveis da convivência humana. Apenas proibir a discriminação não garantiria a igualdade efetiva. Daí surgiu o conceito de igualdade material ou substancial, que se desapegava da concepção formalista de igualdade, passando-se a considerar as desigualdades concretas existentes na sociedade, de maneira a tratar de modo dessemelhante situações desiguais.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


Lipovetsky afirma que essa lógica

tologia uma versão crítica, na qual,

individualista é a expressão do de-

a ética é anterior ao pensamento so-

saparecimento da moral, somado a

bre o ser.

uma crise de sentido e valores: Outrem permanece infinitaAs lógicas económicas e

mente transcendente infini-

culturais do universo indi-

tamente estranho, mas o seu

vidualista conduzirão in-

rosto onde se dá sua epifânia

discutivelmente à guerra

e que apela para mim, rompe

de todos contra todos, ao

com o mundo que nos pode ser

cinismo, ao egoísmo gene-

comum cujas virtualidades se

ralizado, à degradação das

inscrevem na nossa natureza

relações sociais, em sín-

e que desenvolvemos também

tese, a uma sociedade sem

a nossa existência.” (LEVINAS,

alma, nem fim, nem senti-

Totalidade e infinito)

do. (LIPOVETSKY, 2013) Em relação à formação da Neste contexto, a implemen-

sociedade e das necessidades ge-

tação de políticas públicas, que

rais, temos o eu e o outro envol-

rompem com a lógica individualis-

vidos numa relação complexa que

ta e buscam através de ações afir-

não consiste apenas no eu consigo

mativas ou de normas igualitárias

mesmo, ou com o outro somente,

uma efetiva igualdade material, é

mas em um emaranhado de seres

de suma importância para o alcance

humanos, que se relacionam na

de resultados imediatos ou não, em

pluralidade da existência. Na pla-

relação às igualdades em direitos e

taforma da individualidade tem-se

oportunidades.

as necessidades pessoais de cada

Ainda nestas circunstâncias

sujeito, seja ela uma básica e ofer-

de negação do outro3, o filósofo

tada pelo Estado ou alguma que

Emmanuel Levinas compreende um

reclama apoio social. No segundo

novo sentido para a valorização da

grupo vê-se a figura do outro, que é

ética humana. Ele constrói sob a on-

também a coletividade e, de acordo

A música como instrumento de inclusão e invenção social

97

3 Seria uma caminhada para o infinito. O outro em Lévinas é um abismo que nos convida a des-conhecer. Desconcertando nossas miradas e trazendo vertigem às certezas de nosso olhar. Ante o abismo infinito e indecifrável do outro devemos nos prostrar, como ante um deus. (NOGUEIRA, Será que o homem voa?, 2013)


com Levinas, em sua obra Totali-

A MÚSICA PERSONIFICADA

dade e infinito é nossa hipótese

ATRAVéS DO AMOR PARA

para enxergar o mundo, pois, o

COM O OuTRO

acesso ao rosto que não é seu te

Conhecer a história de Edu-

torna responsável por ele.

ardo Gontijo, o “Dudu do Cavaco”, nos faz aproximar do amor ge-

Outrem permanece infinita-

nuíno pelo outro. Através de sua

mente transcendente infini-

música6 Dudu nos faz ver que re-

tamente estranho, mas o seu

almente é diferente. Sua arte não

rosto onde se dá sua epifa-

se limita apenas às cordas de seu

nia e que apela para mim,

instrumento, ela transcende. Atra-

rompe com o mundo que nos

vés do seu sorriso demonstra que a

pode ser comum cujas vir-

felicidade é feita para ser compar-

tualidades se inscrevem na

tilhada. E seu compartilhamento é

nossa natureza e que desen-

espontâneo, pois seu compasso na-

volvemos também a nossa

tural é o amor.

4

existência. (LEVINAS, 1961)

Romper com o comum e atingir a máxima através do som, da poesia,

A ética5 alteridade, segundo

dos números travestidos em formas

propõe Levinas em sua obra, con-

de música. Essa melodia que entra em

siste em se abrir para o que o ou-

nossos corações faz confundir nos-

tro apresenta de diferente em sua

sos conceitos mais arraigados. Sua

relação com o eu que merece ser

simplicidade, leveza e amor nos leva

respeitado como é sem que ele seja

a um ponto comum. Local onde nos

punido com a rejeição por sua par-

percebemos humanos. As notas emiti-

ticularidade – ação que sustenta as

das por um cavaco se confundem com

relações fundadas no logos, que é

o pensamento. O pensamento agora

destronado a partir do pensamento

baila e concluí que não importa a per-

em questão.

gunta, a resposta é o amor.

98

4 Aparecimento ou manifestação reveladora de qualquer divindade. na obra pode ser entendido por aparecer, estar na luz, este que tornará claro quem é e como estabeleceremos nossa relação ética. 5 Levinas, classifica a ética como filosofia, a qual, as outras surgem como ramos. Para ele, a ética consiste não em uma lei ou código moral, mas em um movimento de encontro face a face com o outro. 6 Desde bebê já participava das rodas de samba da família e tomou gosto pela música. Sempre atento, observava todos os movimentos e repetia(...) Muito estimulado por seus primos e seus tios, Eduardo, foi sendo despertado para a música. A música foi uma ferramenta de desenvolvimento. Foi e é sua grande companheira.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


O Dudu do Cavaco hoje é um

todas as pessoas têm deficiências di-

ícone da esperança do de-

ferentes e podem seguir sua própria

senvolvimento e de uma in-

trajetória como lhe é possível. Pro-

clusão mais justa em nossa

porcionar essa liberdade para essas

sociedade. A conclusão que

pessoas é o intuito do Estatuto da

chegamos é que a sensibili-

Pessoa com Deficiência e o principal

dade dos músicos é linda.

questionamento acerca disso é se o

A música é o maior instru-

Estatuto esse tem cumprido o papel

mento para superar os pre-

seu ético para com o todo social.

conceitos. Em um evento musical, não existem diferenças

ESTATUTO E A LÓGICA

e sim harmonia.

INDIVIDUALISTA

Construir a igualdade e con-

mentais é importante reconhecer

quistar a liberdade através do amor

que antes mesmo do Estatuto, a in-

é a filosofia do Dudu e das pessoas

clusão já vem redigida desde o arti-

que o cercam. Vivenciar um mundo

go 5°ao 11° da Constituição federal

livre de preconceitos, discrimina-

de 1988, também chamada Consti-

ções e ódio é o que sua música ex-

tuição cidadã. Neles são previstos

pressa. Essa ação do Dudu o torna

parte dos direitos e garantias funda-

um ser singular. É fácil visualizar

mentais de todo cidadão brasileiro.

Dudu como um ser único, porém, sua

No Artigo 5° o princípio da

peculiaridade é comum, afinal todos

igualdade, da liberdade, da vida e da

somos singulares.

segurança são expostos em seu con-

Nossa singularidade deve ser

teúdo e se relacionam com o tema in-

visualizada não como algo ruim,

clusão na medida em que asseguram

mas sim, como a individualização

a todo cidadão a igualdade perante a

da nossa identidade enquanto seres

lei, sem distinção de qualquer natu-

únicos. Estar aberto a essa singula-

reza. A igualdade é um pilar para a

ridade é deixar o outro vir como ele

democracia, que foi consagrada no

é, estar desde sempre por ele res-

Brasil com o surgimento da CF de

ponsável, isso é um pouco do que a

1988 que traz em seu parágrafo único

alteridade de Lévinas nos ensina.

do Artigo 1° o poder como exercício

Através de sua representação

do povo, para o povo e exercido por

livre e autônoma Dudu mostra que

ele ou por representantes escolhidos.

A música como instrumento de inclusão e invenção social

99

Ao falar sobre Direitos funda-


Todos são iguais perante a

Diante das implementações

lei, sem distinção de qualquer

normativas trazidas pelo Estatuto,

natureza, garantindo-se aos

os próximos capítulos abordarão de

brasileiros e aos estrangeiros

forma específica as principais dispo-

residentes no País a inviola-

sições que buscam a igualdade ma-

bilidade do direito à vida, à

terial entre os sujeitos. Buscaremos

liberdade, à igualdade, à segu-

realizar uma crítica aos parâmetros

rança e à propriedade (CONS-

sociais já estabelecidos e analisar

TITUIÇÃO, 1988, art. 5°, caput)

a igualdade sobre a ótica do outro, assim como ensina o filosofo francês

100

A Constituição procura tornar

Emmanuel Lévinas.

menores os degraus que distanciam

Em uma sociedade plural, di-

as diferenças físicas, intelectuais

versificada e líquida7, por vezes a

ou de qualquer outro caráter. Sen-

diferença é uma face por vezes não

do assim, é uma reafirmação para

observada. Contudo, a construção

o Direito ao acesso igual para todos

histórica e cultural que marca a

a tudo que for necessário e estiver

identidade de cada indivíduo peran-

disponível. no Estatuto da Pessoa

te o meio social o torna um ser sin-

com deficiência isso é trazido em um

gular, assim como sua especificidade

dos seus artigos que conceituam a

física que também bem lhe é única.

capacidade da pessoa com deficiên-

na sociedade liquida, conforme

cia e seu exercício: “A pessoa com

conceituações de Zygmunt Bauman

deficiência tem assegurado o Direito

são efetuadas construções sociais

ao exercício de sua capacidade legal

desorganizadas, pois as relações

em igualdade de condições com as

sociais de pensamento coletivo tor-

demais pessoas”.

naram-se voláteis, fazendo com que

no contexto do Estatuto da

referenciais teóricos de construção

pessoa com deficiência é possível

coletiva não sejam utilizados. nestes

identificar que ser ético é sentir

termos, os sujeitos, inconscientemen-

que o outro, sendo aparentemente

te, criam um sistema de construção

diferente ou não, necessita ser res-

individual, no qual o indivíduo, por

peitado, uma vez que o outro é quem

exemplo, se entende livre para efetu-

possibilita ao eu sua própria exis-

ar sua própria construção de consci-

tência, logo, constitui na alteridade

ência de classe. neste sentido o filó-

a hipótese da linguagem.

sofo Zygmunt Bauman afirma que a

A música como instrumento de inclusão e invenção social


liquidez é justamente essa inconstân-

é necessário observar a diferença

cia e incerteza que a falta de pontos

como um ponto comum, entenden-

de referência socialmente estabeleci-

do que como seres materialmente

dos e generalizadores gera.

diferentes, necessitamos de provi-

Nosso desenvolvimento estru-

mentos diferentes para nossa exis-

tural societário tem demonstrado que

tência. Realizar essa observação

a lógica individualista de construir a

rompe com o padrão individualista

igualdade transforma algumas dife-

já instituído e permite que estabele-

renças em desigualdades. A garantia

çamos outro padrão, qual seja, cons-

ou não de oportunidades e acesso aos

truir a igualdade tendo como base a

direitos são fundamentados na inter-

diferença. Neste sentido, José Luiz

pretação subjetiva, inconsciente e

Quadro de Magalhães ao tratar so-

cultural que fazemos das diferenças.

bre o Pluralismo Epistemológico

Estabelecemos desigualdades subs-

afirma que:

tanciais e as normalizamos, fazendo com que a desigualdade se torne um sinônimo da diferença.

Não pode haver cultura vencedora, nem sistema econômico (economia gera cultu-

Existe uma multiplicidade

ra) vencedor, e é claro não

de diferenças, contudo, al-

pode haver uma filosofia

gumas, por sua interpreta-

ou uma epistemologia ven-

ção nos jogos de poder das

cedora. Assim todos perde-

relações sociais e culturais,

mos, e muito, pois perdemos

colocam os sujeitos que se

a diversidade, a possibili-

identificam com elas no cam-

dade de ver mais, compre-

po da discriminação, do pre-

ender mais, a partir de um

conceito e da não garantia de

sistema que possibilite a

direitos. (BATISTA, 2015)

percepção de complementaridade presente na diver-

Para romper com essa lógica

sidade e sistematicamente

A música como instrumento de inclusão e invenção social

101

7 São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que nossos contemporâneos sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de ‘grupos de referência’ predeterminados a uma outra de ‘comparação universal’, em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual (…) não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosa e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo. (BAUMAN, 2001)


negada pela modernidade.

mento da diferença, agora não mais

(MAGALHÃES,2012)

como uma característica de exclusão, ao contrário, trocando a ideia

O Estatuto da pessoa com

de incapacidade e dependência,

deficiência aos olhos do senso co-

dando espaço para a autonomia, a

mum pode parecer discriminatório

capacidade e a independência.

por descrever condutas, ações e até

O artigo 3° do Estatuto da pes-

mesmo identificar como diferentes

soa com deficiência deixa claro o Di-

as pessoas com deficiência. Mas,

reito à acessibilidade8 para todos. A

quando é avaliado vê-se a necessi-

utilização de locais públicos móveis e

dade disso para a inclusão global

imóveis é integral a todos os cidadãos

dos indivíduos e para que esses não

e por isso é necessário que esteja ao

fiquem nos porões mas tenha livre

alcance de todos. Logo, para atingir

acesso à cidade.

a máxima dessa teoria são necessárias mudanças, alterações dentro de

ESTATuTO E A éTICA DA

uma estrutura, no caso, a cidade e

ALTERIDADE

seus espaços, para que seja possível

Emmanuel Levinas em seu

o acesso de forma independente ao

102

conceito trabalha o dever ético im-

que for preciso e necessário.

plícito na alteridade, que segundo

O capítulo II do Estatuto da

ele é a relação com o outro, que não

Inclusão da Pessoa com Deficiên-

pode ser apanhado pelo nosso en-

cia através de seus artigos, propõe

tendimento, ou seja, não trata-se de

ações que enfatizam a capacidade

reconhecer sua diferença, mas sa-

das pessoas com deficiência para

ber que ele é sua responsabilidade.

atos comuns da vida civil e trazem

Em sua concepção a verda-

ações afirmativas (facultando aos

deira ética não é unir-se mas é o

seus beneficiados a utilização des-

contato rosto a rosto, na obra Éti-

tas), que possuem o intuito de pro-

ca e Infinito Levinas expõe que: “O

porcionar uma efetiva igualdade

rosto fala. Fala porque é ele que

material entre os sujeitos. O supra-

torna possível e começa o discur-

mencionado capítulo define em seu

so” (Levinas, 2000b, p.79).

primeiro artigo que: “Toda pessoa

O conceito do filósofo é lem-

com deficiência tem Direito à igual-

brado quando o Estatuto da Pessoa

dade de oportunidades com as de-

com deficiência auxilia no entendi-

mais pessoas e não sofrerá nenhu-

A música como instrumento de inclusão e invenção social


ma espécie de discriminação”.

vil aos portadores de necessidades

Analisando este capítulo res-

especiais. Percebemos que com a

ta evidenciado que o legislador quis

criação do Estatuto da Pessoa com

demonstrar que os portadores de

deficiência o tratamento face à capa-

deficiência são plenamente capa-

cidade destas pessoas foi alterado.

zes para reivindicarem e exercerem

Anteriormente o artigo 3º dispunha

seus direitos, devendo ser punido

em seu texto de forma taxativa que

qualquer ato ou atitude discrimina-

as pessoas que por enfermidade ou

tória contra estes.

deficiência mental não tiverem o ne-

Observamos através das nor-

cessário discernimento para a prá-

mas instituídas pelo Estatuto que este

tica desses atos eram consideradas

busca através de seus artigos trazer

absolutamente incapazes. Com a

uma ruptura da lógica individualista

nova elaboração normativa do Esta-

na qual estamos inseridos. Seus arti-

tuto percebemos que essa imposição

gos forjam uma sociedade mais ética e

foi totalmente flexibilizada.9

inclusiva, ocupada com o outro.

A título de exemplo, antes da

Essa relação Ética que o Es-

promulgação do Estatuto, os indiví-

tatuto propõe se aproxima da ética

duos que por enfermidade ou defici-

da Alteridade de Emanuel Levinas,

ência mental não tiverem o necessá-

pois, observando os artigos do Esta-

rio discernimento para a prática do

tuto percebemos que ele não institui

ato ou os sujeitos antes denomina-

uma relação ética de união, mas sim,

dos excepcionais que não possuíam

estabelece uma relação pautada na

desenvolvimento mental completo,

construção “face a face”. Neste sen-

eram considerados absolutamente

tido, Lévinas expressa: “na relação

ou relativamente incapazes, isto é,

interpessoal, não se trata de pensar

não poderiam exercer atos da vida

conjuntamente o Eu e o Outro, mas

civil ou precisariam da anuência de

de estar diante. A verdadeira união

seus responsáveis para a concretude

ou junção não é uma função de sínte-

destes. Atualmente os indivíduos com

se, mas uma junção de frente a fren-

essas enfermidades ou deficiências

te” (Levinas, 2000a, p.69)

podem realizar os atos da vida civil,

Nesse sentido, um ponto ino-

desde que esses atos não possuam

vador e polêmico do Estatuto é a

qualquer nulidade, como define o ar-

regulamentação da capacidade ci-

tigo 166 e seguintes do Código Civil.

A música como instrumento de inclusão e invenção social

103

8 Acessibilidade é a qualidade do que é acessível, ou seja, é aquilo que é atingível, que tem acesso fácil, é um substantivo feminino que está relacionado àquilo que tem facilidade de aproximação, no trato e na aquisição.


neste norte foi elaborado o

a norma funda-se em um vínculo de

inovador instituto da tomada de de-

responsabilidade, pois, no momento

cisão apoiada, onde é deflagrado um

em que o Estatuto se personifica,

processo judicial no qual o indivíduo

humanizando-se, coloca-se de fren-

com desenvolvimento mental incom-

te para o outro, assumindo, desta

pleto elege ao menos duas pessoas

forma, a responsabilidade por ele.

de sua confiança que fornecerão a ele

Esta é uma relação desinteressada.

elementos e informações necessárias

Ele (Estatuto) não se relaciona com

para que o mesmo possa tomar deter-

o Outro porque deseja algo em troca

minada decisão a respeito de atos da

mas sim pelo simples fato de estar

sua vida civil. Uma vez iniciado este

com ele. É essa relação de desinte-

procedimento, o juiz, juntamente com

resse que permite a presença do ou-

o representante do Ministério Públi-

tro ser na Constituição do Estatuto.

co e uma equipe multidisciplinar, irão analisar e decidir a respeito da viabi-

CONCLuSÃO: PARA uMA

lidade desta pretensão.

SOCIEDADE éTICA

Além do código civil, no ca-

Analisamos algumas das dis-

pítulo I, artigos 1° ao 5°, o Estatuto

posições e das inovações implemen-

em um dos seus artigos trata a dis-

tadas pelo Estatuto da Pessoa com

posição que fala sobre a igualdade

deficiência e percebemos que o texto

perante a lei e o reconhecimento. “A

do Estatuto trouxe uma nova forma

pessoa com deficiência tem assegu-

de tratamento civil em relação aos

rado o Direito ao exercício de sua

sujeitos destinatários das disposi-

capacidade legal em igualdade de

ções ali inseridas. Com uma nova ló-

condições com as demais pessoas”.

gica inclusiva o Estatuto proporcio-

verificando as alterações rea-

na as pessoas que antes eram vistas

lizadas e os artigos supramenciona-

como incapazes uma nova perspecti-

dos resta evidenciado que o Estatuto

va de participação autônoma em sua

da Pessoa com deficiência estabele-

vida privada e pública.

ce uma relação de face a face com o

Para além das normas observa-

Outro. Deixando clara uma possível

mos um novo olhar ético do Estatuto.

relação com a ética levinasiana pre-

Percebemos que ele traz uma valo-

sente no Estatuto. Percebemos que

rização do outro, demonstrando sua

104

9 Com a criação do Estatuto, os artigos do Código Civil que tratam da capacidade civil foram alterados, sendo revogados incisos do artigo 3º e 4°, sendo que a Capacidade Civil dos deficientes, sob uma análise apriorística é plena

A música como instrumento de inclusão e invenção social


importância e tendo toda uma aten-

um facilitador, onde os agentes pos-

ção especial com suas necessidades

suem total legitimidade e liberdade

mais específicas. O Estatuto efetua

para definirem seus rumos.

uma troca de linguagem, onde ele se

Desta forma, vislumbramos

posiciona face a face, na interlocução

uma nova forma de atuar do Esta-

com as pessoas com deficiência.

tuto. Suas disposições espalham

“A linguagem, então, não é

liberdade, autonomia, segurança,

apenas sobre nomear, apre-

acessibilidade e oportunidades. Po-

sentar um tema, alcançar o

rém, para sua aplicabilidade real

conhecimento, etc. Pelo con-

será necessária uma atuação eclé-

trário, ela se origina no re-

tica e colaborativa.

lacionamento face a face. A

Assim, acreditamos que um tra-

outra pessoa surge e seu sur-

balho multidisciplinar, realizado entre

gimento exige nossa respos-

a partir dos mais variados campos

ta” (HUTCHENS, 2007).

do conhecimento, povoado pelas prófamílias destas pessoas talvez seja o

tatuto não é como a de um manual

caminho. Uma vez que a estrada se

impositivo a ser seguido pelas pes-

dá apenas na medida e em direção do

soas com algum tipo de deficiência.

outro, que vem e que nos inaugura no

Pelo contrário, ele se posiciona como

mundo – responsabilizando-nos.

A música como instrumento de inclusão e invenção social

105

prias pessoas com deficiência e pelas A resposta realizada pelo Es-


REFERÊNCIAS BAUMAn, Zygmunt – Modernidade Líquida – Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed 2001 BRASIL, Lei 13.146/15, Site: Planalto.gov.br BRASIL, Lei 13.146/15, art. 4, Site: <Planalto.gov.br> BRASIL, Lei 13.146/15, art. 6, Site: <Planalto.gov.br> BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: vade mecum- edição: 2016 COSTA, Márcio Luis. Levinas: uma introdução. Tradução de J. Thomaz Filho. Petrópolis: vozes, 2000 HISTÓRIA, Disponível em: <http://www.dududocavaco.com.br/historia/> HUTCHEnS, Benjamin C. Compreender Lévinas. Trad. vera L. M. Joscelyne. Petrópolis: vozes, 2007. Instituto Mano Down, blog: <http://www.manodown.com.br/> LEvInAS, Emmanuel: Ética e Infinito. Traduzido por João Gama. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2000b. LEvInAS, Emmanuel, Totalidade e Infinito. Traduzido por RIBEIRO, José Pinto. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2000ª LIPOvETSKy, Gilles. Uma Sociedade sem Alma. Disponível em: <http://www.esenviseu. net/recursos/Download/Tema_28/Uma_Sociedade_Sem_Alma.pdf> MAGALHãES, José Luiz Quadros. Pluralismo epistemológico e modernidade. Disponível em: <http://joseluizquadrosdemagalhaes.blogspot.com.br/2012/12/1274pluralismo-epistemologico-e.html> MELLO, nélio vieira de. A ética da alteridade em Emmanuel Levinas. Porto Alegre: EDIPCURS, 2003. TRInDADE, nicolas da Silva, Da igualdade formal a igualdade material, Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_ leitura&artigo_id=12556>

106

vALÉRIO, Juliana Batista de Diniz. Diversidades étnico-raciais, sexuais e de gênero. Disponível em: < http://blog.newtonpaiva.br/pos/educacao-sem-homofobiaum-olhar-para-a-diversidade/>

A música como instrumento de inclusão e invenção social


O acesso à cultura como local de invenção do outro Bernardo Gomes Barbosa Nogueira* Raphael Furtado Carminate ** Gabriela de Oliveira Silva*** Suzanna Luíza Pereira Soares****

* Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. ** Doutorando e mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professor de Direito Civil. *** Acadêmica da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. **** Acadêmica do curso de Direito pela Universidade Federal de Uberlândia.

107

A música como instrumento de inclusão e invenção social


INTRODuçÃO

tória relevância considerando que

O presente trabalho visa uma

aborda uma problemática atual no

análise crítica da Lei nº 13.146 co-

Direito e consequentemente no es-

nhecida como Estatuto da Pessoa

tabelecimento das relações sociais.

com Deficiência que trouxe consigo

Recentemente sancionado, o Esta-

uma série de mudanças, como uma

tuto encontra ainda barreiras para

alteração no regime da capacidade,

sua real e total adaptação. Por isso

no direito de constituir família e ou-

faz-se necessário seu estudo e críti-

tras mudanças que serão discutidas

ca, para que nesse início de vigência

no texto. Contudo, o foco central do

possamos entendê-lo melhor e apli-

estudo é com relação à Pessoa com

cá-lo de forma efetiva para alcançar

Síndrome de Down, centralizando o

resultados reais e, principalmente,

estudo na aplicação da Lei na vida

transformadores.

dessas e os benefícios trazidos e mudanças ocorridas.

Infelizmente ainda não há números provenientes de investigações

O Estatuto que vige desde 06

de campo sobre a população com

de Julho de 2015, institui a Lei Bra-

Down e outras informações relacio-

sileira de Inclusão da Pessoa com

nadas a essa temática no âmbito das

Deficiência e objetiva assegurar e

pesquisas demográficas. no último

promover as liberdades e direitos

censo demográfico, feito em 2010

fundamentais para a inclusão na

pelo Instituto Brasileiro de Geogra-

sociedade e o verdadeiro exercício

fia Estatística, 23,9% das pessoas

da cidadania pela pessoa com defici-

que participaram da pesquisa decla-

ência. Tal inclusão e cidadania toma

raram ter deficiência, e dessa por-

forma nesse Estatuto sob a égide

centagem 2.617.025 pessoas teriam

do principio e direito fundamental

deficiência intelectual.1 Embora não

da igualdade, que concede à pessoa

tenha uma especificação das causas

com deficiência o pleno exercício de

da deficiência intelectual das quais

sua capacidade civil, ou seja, as do-

são tratadas nesse censo.

enças e deficiências deixaram de ser motivo, por si só, de incapacidade O tema aqui tratado é de no-

Há uma mera estimativa do número de pessoas com síndrome de Down no Brasil, de que a cada 700 nas-

108

1 CEnSO DEMOGRáFICO 2010. Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em:<ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/caracteristicas_religiao_deficiencia.pdf>. Acesso em: dez. 2016

A música como instrumento de inclusão e invenção social


cimentos, uma criança nasce com a

e acesso às fontes da cultura nacio-

síndrome. Assim, segunda essa estima-

nal, e apoiará e incentivará a valori-

tiva, o Brasil teria cerca de 270 mil pes-

zação e a difusão das manifestações

soas com a Síndrome de Down. (Fonte:

culturais.”) e a dignidade como míni-

IBGE Censo Demográfico 2000).

mo fundamental a existência huma-

2

Além de estudar e estabelecer

na, nota-se que a Constituição Brasi-

críticas à Lei aqui referida, o traba-

leira foi mais além e buscou garantir

lho visa também propor formas da

a todos a inclusão escolar, cultural e

melhor eficácia social da lei, ou seja,

ainda tantas alternativas como meio

não somente apontar os pontos crí-

de efetivar o acesso necessário e

ticos, mas buscar medidas que me-

adequado para que ocorra um de-

lhorem os mesmos e mais que isso,

senvolvimento intelectual e social,

medidas que sejam eficazes na inte-

aproximadamente 24% da população

gração da pessoa com Síndrome de

nacional enfrenta alguma barreira

Down no seu círculo social.

na hora de exercer essa garantia: as

Segundo o centro de informa-

pessoas com deficiência. Essa dificul-

ções sobre projetos e iniciativas “Arte

dade de acesso à Cultura dificulta a

para Incluir” , embora 1,2 em cada 5

inclusão da pessoa com deficiência,

brasileiros possua algum tipo de defi-

uma vez que “a partir das impressões

ciência, apenas uma pequena parcela

artísticas, sejam elas ocasionadas

da programação cultural no país con-

pela fruição ou pelo desenvolvimen-

ta com recursos de acessibilidade.

to da arte, é possível promover a in-

3

4

Embora a cultura seja um di-

clusão social desses indivíduos, bem

reito de todo cidadão, (assegurado

como impulsionar o empoderamento

em nossa Carta Magna de 1988, Art.

e protagonismo.” 5

215 “O Estado garantirá a todos o

Tal protagonismo torna-se cen-

pleno exercício dos direitos culturais

tro das atenções em Convenções da

A música como instrumento de inclusão e invenção social

109

2 MOVIMENTO DOWN. Estatísticas. Disponível em: <http://www.movimentodown.org.br/2012/12/estatisticas/>. Acesso em: 10 nov. 2016. 3 O site Arte para Incluir tem o objetivo de ser um centro de informações sobre projetos e iniciativas que proporcionam à pessoa com deficiência a possibilidade de construir seu próprio olhar sobre a arte. Ele nasceu a partir de duas disciplinas do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP, sob a orientação das docentes Daniela Osvald e Mônica Rodrigues Nunes. O site está no ar desde 2015. http://arteparaincluir.com.br/. Acesso em: dez. 2016 4 ARTE PARA INCLUIR. A arte como ferramenta de inclusão social para pessoas com deficiência. Disponível em: <http://arteparaincluir.com.br/>. Acesso em: 10 dez. 2016. 5 ARTE PARA INCLUIR. A arte como ferramenta de inclusão social para pessoas com deficiência. Disponível em: <http://arteparaincluir.com.br/>. Acesso em: 10 dez. 2016.


OnU e acaba de ser recepcionado em

aquela matéria. Acabando não agre-

nosso ordenamento jurídico por meio

gando os saberes de outras “reali-

da alteração do Código Civil com a

dades”, principalmente das ciências

mudança da definição de capacidade

que não se aproximam tanto do seu

em seu artigo 4 inciso III (“aqueles

campo de domínio. Gerando assim

que, por causa transitória ou per-

uma pesquisa de resultado especí-

manente, não puderem exprimir sua

fico e perigosamente o exagero da

vontade”). O intuito dessa alteração é

especificação.

fazer com essas pessoas recebam de

Embora a pluridisciplinarida-

forma adequada o apoio necessário

de, a interdisciplinaridade e a dis-

para tomada de decisões, suas vonta-

ciplinaridade “sejam flechas de um

des e aspirações sejam respeitadas e

único e mesmo arco: o Conhecimen-

não mais sejam integralmente repre-

to” 7, a primeira e a segunda não são

sentados criando provavelmente um

sinônimos. A pluridisciplinaridade

cerceamento de direitos.

é quando um objeto de determina-

A interdisciplinaridade e a plu-

da disciplina é estudado por várias

ridisciplinaridade são a finalidade da

outras disciplinas, todas ao mesmo

pesquisa disciplinar. Quando falamos

tempo. Ou seja, é um objeto observa-

em disciplinariedade no âmbito das

do por varias “realidades” diferentes.

investigações cientificas dizemos que

Enquanto a interdisciplina-

o estudo tem caráter de especifici-

ridade significa o empréstimo dos

dade e de mergulho a fundo no tema

métodos e conhecimentos de ou-

tratado. nicolescu diz que a pesquisa

tras ciências para uma determina-

disciplinar diz respeito, no máximo a

da disciplina, podendo até mesmo,

um único e mesmo nível de Realida-

em determinado grau, criar uma

de; aliás, na maioria dos casos, ela

terceira e nova disciplina. Aqui o

só diz respeito a fragmentos de um

objeto é estudado por uma “reali-

único e mesmo nível de Realidade.

dade”, porém essa agrega métodos

6

Ou seja, a pesquisa discipli-

de várias outras realidades para

nar opta por estudar somente uma

um olhar múltiplo e mais abran-

disciplina e suas ramificações, mas

gente. não se perde, porém, a espe-

sempre dentro da “realidade” que é

cificidade, pois ainda é desdobra-

110

6 nICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Triom : São Paulo, 1999. p.22 7 nICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Triom : São Paulo, 1999. p.23

A música como instrumento de inclusão e invenção social


mento da pesquisa disciplinar, mas

1. Deficiência e seu

não carrega consigo as especifica-

histórico

ções em demasio.

sócio-jurídico-cultural

A interdisciplinaridade é ba-

Ficou evidente em nossos es-

silar na construção dessa pesquisa

tudos que a deficiência era descrita

uma vez que a inclusão social não

como uma tragédia pessoal, e base-

se faz somente pela forma da lei,

ava-se na ideia de que uma criança

mas com a união de vários ramos

nascida fora dos padrões ditos nor-

das ciências e principalmente da

mais era resultado da ira dos deuses

atuação diária nas comunidades e

ou até mesmo explicações absurdas

nas vidas das pessoas com defici-

como fruto de pecados cometidos pe-

ência e do seu circulo de convivên-

los pais ou até mesmo uma maldição

cia. A inclusão social carece de ser

vinda do céu. A deficiência era vista

olhada por variadas ciências e suas

então como um fardo a ser carrega-

“realidades”, para que essa seja

do por toda vida.

verdadeira e abrangente quando

A consequência dessa visão

exercida no meio social, sabendo

antiquada gerou o cometimento de

reconhecer as diferentes realidades

crimes como o infanticídio e também

sócias que irá encontrar e assim as

o isolamento social que se baseava

transformar.

na ideia que a pessoa por não se

Focaremos aqui na questão do acesso à cultura pelos deficientes

adequar ao padrão dito normal, não poderia ser incluída na sociedade.8

e de que forma a legislação, espe-

Com o intuito de compreen-

cialmente o Estatuto da Pessoa com

dermos melhor essa visão despro-

Deficiência, atua de maneira a asse-

porcional sobre a normalidade ini-

gurar tal acesso. Importante se faz a

cialmente buscamos responder a

investigação não somente do tópico

seguinte pergunta: Afinal o que é a

anterior, mas que, a Lei vem garan-

normalidade? Segundo o dicionário

tir não um mero acesso à cultura,

de filosofia (2003) está conceituado

mas o acesso da pessoa deficiente

por Abbagnano como “aquilo que

como protagonista e autor de sua

está em conformidade com a nor-

própria jornada.

ma”; aquilo que está em conformida-

A música como instrumento de inclusão e invenção social

111

8 FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão. A proteção Jurídica da Pessoa com Deficiência como uma questão de Direitos Humanos. In: FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão. Direito à diversidade. São Paulo: Atlas, 2015. p. 93-113.


de com um hábito ou com um costu-

afastada de qualquer possibilidade

me ou com uma média aproximada

de desenvolvimento de um olhar que

ou matemática ou com o equilíbrio

valorize o outro.

físico ou psíquico”).

mos a identidade/singularidade do ser

(1926-1984) a visão sobre o patológico

nasce no momento em que nos pren-

é construída a partir do entendimen-

demos a padrões pré-estabelecidos,

to que a doença não deve ser compre-

infelizmente esse olhar passa a fa-

endida como uma essência contra a

zer parte de nós e a crueldade chega

natureza da normalidade, mas sendo

quando passamos a entender a exclu-

a própria natureza dessa normalida-

são como um comportamento normal,

de, num processo invertido.

o que afasta qualquer possibilidade de

no início do século xx com o

mudança de um quadro social.

fim da primeira guerra mundial pas-

As aspirações, sonhos, supe-

sa a ser adotada outra perspectiva:

rações e tantos outros sentimentos e

a biomédica ou reabilitadora. Esse

desejos das pessoas com deficiência

modelo individualizava a deficiência

são anuladas no momento em adota-

e adotava uma visão que para a pes-

mos um modelo, onde as explicações

soa tornar-se adequada aos padrões

sobre a deficiência e seus aspectos

sociais, ditos normais, só haveria

passam a ser elaborados por ex-

um meio, o distanciamento, e, por-

perts no assunto e apoiam-se ape-

tanto, a cura da deficiência como se

nas em definições científicas, o que

esse caminho fosse a chave para o

torna tais definições incompletas e

fim do processo de exclusão.

superficiais, pois, não há um olhar

Tal forma de observar a deficiência acabava por não reconhecer

112

A impossibilidade de preserva-

Para o filosofo Michel Foucault

para o outro nem uma valorização de suas vontades.

a diversidade trazida pela diferen-

A consequência dessa análise

ça e a partir daí anulava a singula-

é uma visão onde uma pessoa com

ridade do ser.

deficiência

considerada

inválida

Ao escolher um padrão, que

e/ou doente passa a não ser vista

parta da ausência de limitação, e,

como um sujeito de direitos e deve-

por conseguinte do conceito de “nor-

res, apenas merecedor de políticas

malidade”, traz em si um juízo de

assistencialistas e de caridade.

valor, e este por sua vez adota uma

Torna-se evidente que por não

análise carregada de preconceito e

propiciar os meios necessários para

A música como instrumento de inclusão e invenção social


acesso à cidadania as normas de

Cabe ressaltar que esse reconheci-

assistência e seguridade social ca-

mento obriga e traz o Estado para o

minharam para uma imensa neces-

centro dessa responsabilidade.

sidade de cuidados e representação

Quando lançamos um olhar

no âmbito civil e tantos outros, che-

sobre o outro pautado em sua inca-

gamos, portanto, no modelo da cura-

pacidade formamos ali um quadro

tela que torna distante a promoção

de exclusão e de cerceamento de

da igualdade material e a autonomia

direitos, porque não são os fatores

da vontade.

intrínsecos que discriminam e sim os fatores extrínsecos.

1.1 Mudanças sociais

Podemos analisar claramente

e novas perspectivas

o meio em que vivemos e concluir

Por volta de 1970, nos Estados

que a deficiência é causada pelas

Unidos da America principalmente,

pessoas que não tem deficiência,

estudos desenvolvidos sobre defici-

pois são elas que criam, sedimentam

ência tinham como foco a promoção

as restrições que determinam esse

de direitos civis e a garantia de uma

quadro de exclusão e a impossibili-

vida independente. Anos depois o so-

dade de alcance de uma vida digna

ciólogo Mike Oliver, denominou essa

pautada na capacidade de desfrutar

proposta de promoção da pessoa

de direitos e realizar deveres no âm-

com deficiência como “modelo social

bito civil.

de deficiência”.

O desenvolvimento dessa nova

9

Com o desenvolvimento dessa

ordem de ideias, desse olhar afas-

nova perspectiva a deficiência passa

tado dos pré-conceitos apresenta o

a ser vista não como um problema

quanto à diferença deve ser valori-

individual, e sim como uma limita-

zado e a uniformidade do ser deve

ção da própria sociedade. Sociedade

ser afastada. É essa diversidade que

essa que deverá realizar uma adap-

nos une e, a aplicação desse olhar

tação estrutural a fim de mudar esse

que promove a inclusão e assegura

quadro e a partir daí trabalhar uma

direitos.

inclusão adequada por meio da aces-

Esse modelo revolucionário

sibilidade e promoção da cidadania.

consolida a ideia que a adequação

A música como instrumento de inclusão e invenção social

113

9 OLIVER, Mike. Una sociología de la discapacidad o una sociología discapacitada? In: BARTON, L.(Coord.) Discapacidad y sociedad. Madri: Morata, 1998. p.44.


dos espaços tantos públicos, quan-

soma de um caminho recheado de

to particulares tem plena relação

legislações pertinentes.

com o alcance de uma vida digna,

Em 1989 ocorreu a aprovação

independente, integrada e produti-

da lei 7.853 que criminaliza a discri-

va ligada diretamente à autonomia

minação de pessoas com deficiência

individual e também a definição de

no ambiente de trabalho. Dois anos

rumos da própria existência.

depois, em 1991 houve a criação da Lei 8.213que estabeleceu a política de

1.2 Contexto Brasileiro

cotas, as quais o governo classificou

no Brasil a recepção desses

como política de ações afirmativas,

valores pode ser identificada por

que dispõe sobre os Planos de Benefí-

meio de legislações vigentes confor-

cios da Previdência e dá outras provi-

me disposto na constituição federal e

dências a contratação de portadores

também na lei 13.146 de 6 de Julho

de necessidades especiais.

de 2015 (Estatuto da Pessoa com De-

Em 2008 foi o ano da Con-

ficiência). Dentre outras mudanças

venção de Direitos de Pessoas com

atuais no campo da Inclusão Social,

Deficiência e o governo por meio do

um passo fundamental foi a incor-

decreto 6.949, de 25 de agosto de

poração ao Ordenamento Jurídico

2009 reconhece em sua alínea “n”

nacional a Convenção da OnU (Orga-

reconhece a importância para as

nização das nações Unidas) Sobre os

pessoas com deficiência, de sua au-

Direitos das Pessoas com Deficiência.

tonomia e independência individual

nota-se a partir disso, no

e ainda a liberdade de fazer suas

Brasil verifica-se muito menos uma

próprias escolhas.

114

necessidade de mudança nas leis e muito mais a necessidade de buscar

1.2.1 O Estatuto da Pessoa

formas para que legislações presen-

com Deficiência e a busca

tes ganhem eficácia social e uma

pela real Inclusão Social

aplicabilidade que chegue realmen-

A mais recente mudança na

te à sociedade, garantindo assim o

Legislação Brasileira foi a sanção

respeito no mundo dos fatos.

da Lei 13.146/15, que propõe algu-

A Lei Brasileira de Inclusão

mas mudanças e busca a real in-

ou Estatuto da Pessoa com Defici-

clusão da pessoa com deficiência.

ência é resultado de um processo

Adotando um novo parâmetro para

histórico que carrega consigo a

definir deficiência, o Estatuto optou

A música como instrumento de inclusão e invenção social


pelo conceito pautado na avaliação

em geral de modo a ser usado com

biopsicossocial e não na saúde o tra-

segurança e autonomia pela pessoa

zendo em seu artigo 2º:

com deficiência.

Considera-se

com

Para tanto não se trata de

deficiência aquela que tem

pessoa

conceder vantagens às pessoas com

impedimento de longo prazo

deficiência, a ideia do primeiro ob-

de natureza física, mental,

jetivo é justamente assegurar esses

intelectual ou sensorial, o

direitos. O questionamento que se

qual, em interação com uma

tem é como pode-se assegurar esses

ou mais barreiras, pode obs-

Direitos, e o Estatuto aponta como

truir sua participação plena

solução o caminho da promoção da

e efetiva na sociedade em

equiparação de oportunidades e por

igualdade de condições com

último a garantia da acessibilidade.

as demais pessoas.

Segundo o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geo-

São três os principais objeti-

grafia e Estatística) de 2010 cerca de

vos da Lei Brasileira de Inclusão: o

45,6 milhões de pessoas tem algum

Direito, ou seja, promover os direi-

tipo de deficiência, visto que algu-

tos das pessoas com deficiência e

mas pessoas têm mais de um tipo de

buscar a efetivação desses de modo

necessidade especial.10

a não admitir qualquer violação aos

Como exemplo de como a Lei

Direitos dessas pessoas. A oportu-

de Inclusão pode efetivar direitos,

nidade, para que haja seu desenvol-

desde 2016 as escolas não poderão

vimento, porém mais do que propor

negar a matrícula de qualquer pes-

oportunidade, é trazê-la como Jus-

soa com deficiência e muito menos

tiça Material, ou seja, que a pessoa

cobrar valores diferentes nas men-

deficiente tenha igualdade de condi-

salidades no ensino particular. Essa

ções com as demais pessoas.

abertura vai muito além da criação

Outro objetivo da Lei é a aces-

de rampas ou banheiros adaptados,

sibilidade, que possibilita e condicio-

por exemplo, o foco principal está

na a utilização dos espaços, mobili-

na educação, com profissionais de

ários, edifícios, serviços e sistemas

apoio, sala de recursos e materiais

A música como instrumento de inclusão e invenção social

115

10 CENSO DEMOGRÁFICO 2010. Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em:<ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/caracteristicas_religiao_deficiencia.pdf>. Acesso em: dez. 2016


adaptados, ensino de libras e adoção do sistema braile.

2.1 O nascimento do Estatuto da Pessoa com Deficiência

2. A LEI BRASILEIRA

A Lei Brasileira de Inclusão So-

DE INCLuSÃO SOCIAL

cial nasceu no âmbito legislativo após

(LEI 13.146/2015):

a ratificação da Convenção Interna-

O ESTATuTO DA PESSOA

cional sobre os Direitos das Pesso-

COM DEFICIÊNCIA

as com Deficiência. Já tramitava no

A trajetória da historia das

congresso nacional uma proposta de

pessoas com deficiência tomou um

Estatuto, porém após a ratificação

caminho esperado há anos: o trilhar

da Convenção da Organização das

da proteção e visão humanista e a

nações Unidas (OnU) vários grupos

igualdade e promoção delas. Isso

se opuseram à proposta, uma vez

se deu, no Brasil, com a criação do

que não estava em consonância com

Estatuto da Pessoa com Deficiência.

a Convenção Internacional, o que fez

A lei 13.146, o Estatuto da Pessoa

nascer uma comissão de reformula-

com Deficiência, foi instituído em

ção e aprimoramento do Estatuto.

16 de Junho de 2015 com a missão

Importante salientar que a

de, após muita militância e anos de

Convenção Sobre os Direitos das Pes-

espera, promover a integração, in-

soas com Deficiência e seu Protoco-

clusão e equiparação de oportuni-

lo Facultativo foi o primeiro tratado

dades das pessoas com deficiência

internacional de Direitos Humanos

na sociedade de forma eficaz e real.

com valor de Emenda Constitucio-

Além de responsabilizar o Estado do

nal. Após a Emenda Constitucional

seu dever de promover a inclusão

45/2004, ficou-se estabelecido que

e igualdade e não mais as institui-

“os tratados e convenções interna-

ções religiosas, por exemplo, como

cionais sobre direitos humanos que

acontecia antigamente. É importan-

forem aprovados, em cada Casa do

te frisar que o Estatuto promove a

Congresso nacional, em dois turnos,

inclusão social e não uma situação

por três quintos dos votos dos res-

assistencialista, como era antes da

pectivos membros, serão equivalen-

sua vigência.

tes às emendas constitucionais.” 11

116

11 BRASIL. Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52,92, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103-B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm>. Acesso em: 15 nov. 2016.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


Isso significa que a Convenção

Desde o nascimento, a LBIS

Sobre os Direitos das Pessoas com

busca a inclusão da pessoa com

Deficiência passou por todo o proces-

deficiência. Já no seu processo de

so legislativo previsto pelo inciso 3º do

elaboração, a comissão responsável

artigo 5º da Emenda Constitucional

adaptou uma plataforma para todos

45/2004, tomando força de Emenda

os cidadãos com deficiência visual

Constitucional e fazendo parte efeti-

para que eles pudessem participar

vamente do ordenamento brasileiro.

da criação do Estatuto, sem que pre-

Sendo assim, a Convenção tem

cisassem ser assistidos para tal ato

alta relevância social, jurídica e po-

da vida civil, desde então promoven-

lítica, além da constitucionalidade

do sua autonomia e desenvolvimento

dos seus termos, que foram afirma-

da personalidade humana.

dos ao passar pelos parâmetros de

Então, após muito trabalho,

validade das normas constitucionais

investigação e vivencia nasce a Lei

brasileiras.12

Brasileira de Inclusão Social, sob o

Segundo Mara Gabrili, Depu-

manto da Proteção aos Direitos Hu-

tada Federal relatora da Lei Brasi-

manos e a promoção da Autonomia e

leira de Inclusão da Pessoa com De-

Promoção da Pessoa. Essa visão hu-

ficiência, a Democracia nunca antes

manista fica muito clara já no início

fora tão escancarada e plenamente

da Lei, onde o artigo 1º institui que

exercida. Isso porque, durante toda

a lei objetiva “assegurar e promover,

a discussão e reformulação da Lei,

em condições de igualdade, o exer-

foram mais de mil propostas para

cício dos direitos e das liberdades

o Projeto de Lei, inclusive o nome

fundamentais por pessoa com defici-

surgiu de uma sugestão enviada ao

ência, visando à sua inclusão social

congresso. Aconteceram também

e cidadania.”

consultas e audiências públicas por

Ao surgir a necessidade da

todo território brasileiro, além de

atualização da legislação que dis-

disponibilizar o texto do Projeto de

põe sobre a pessoa com deficiência

Lei para consulta via internet no

pode-se obsevar que houve uma evo-

portal e-Democracia.13

lução do antigo projeto de estatuto

A música como instrumento de inclusão e invenção social

117

12 LEITE, Flávia Piva Almeida; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; COSTA FILHO, Waldir Macieira da. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 41 13 LEITE, Flávia Piva Almeida; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; COSTA FILHO, Waldir Macieira da. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 24


para o então Estatuto. A inovação

O direito à cultura é um Direi-

trouxe grandiosos avanços e vitórias

to Fundamental e foi positivado na

para as pessoas com deficiência,

Constituição Federal de 1988, e se

começando pela mudança na deno-

encontra na seção II Da Cultura, e

minação, que anteriormente trazia

seu o artigo 215 prevê que o Estado

como “portadores de deficiência”

garantirá a todos o pleno exercício

iniciando já no chamamento uma

dos direitos culturais e acesso às

discriminação.

fontes da cultura nacional, e apoiará

14

Pode-se observar também que o cerne da legislação sofreu a chamada “virada Kantiana”. Essa foi

e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Acrescenta

nos

parágrafos

considerada como a inversão do va-

que cabe ao Estado proteger as ma-

lor do Direito, anteriormente, o valor

nifestações das culturas populares,

do direito era a norma, a partir da

indígenas e afro-brasileiras, e das

virada kantiana o ser humano toma

de outros grupos participantes do

esse posto central da visão jurídica.

processo civilizatório nacional. Adi-

Com isso, a Lei visa não só o livre

ciona ainda que a lei disporá sobre a

desenvolvimento da pessoa humana,

fixação de datas comemorativas de

mas sua liberdade na busca por sua

alta significação para os diferentes

substancia e subsistência.

segmentos étnicos nacionais.

15

O terceiro parágrafo do artigo 3. DO DIREITO À CuLTuRA

251 da Constituição Federal foi acres-

O estatuto é composto por vá-

centado à mesma pela Emenda Cons-

rios capítulos que garante diversos

titucional 48/2005 para instituir o

Direitos Fundamentais como, Direito

Plano nacional de Cultura, que deve-

à vida, à habitação e saúde. O Capí-

rá ser regulamentado por Lei e terá

tulo Ix trata do Direito à Cultura, ao

duração plurianual. Esse plano visa o

Esporte, ao Turismo e ao Lazer, e é

desenvolvimento cultural e a integra-

esse o tema de estudo aqui proposto.

ção das ações do poder público que

118

14 Fernando Rodrigues Martins, Doutor em Direito das Relações Sociais, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia e Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, (Lecture), Escola Institucional do Ministério Público de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, 01 de Junho de 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LOLt3hgKDwk Acesso em: 30 jun. 2016 15 Fernando Rodrigues Martins, Doutor em Direito das Relações Sociais, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia e Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, (Lecture), Escola Institucional do Ministério Público de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, 01 de Junho de 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LOLt3hgKDwk Acesso em: 30 jun. 2016

A música como instrumento de inclusão e invenção social


conduzem à a) defesa e valorização

dução cultural das pessoas com defi-

do patrimônio cultural brasileiro;

ciência. Isso se dá por meio primeira-

b) produção, promoção e difusão de

mente do acesso físico acessível aos

bens culturais; c) formação de pesso-

teatros, estádios, museus e todos os

al qualificado para a gestão da cultu-

locais onde há e possa haver apre-

ra em suas múltiplas dimensões; d)

sentações culturais de toda espécie.

democratização do acesso aos bens

Para Deborah Affonso, ao tecer

de cultura; e) valorização da diversi-

comentários ao capítulo relacionado

dade étnica e regional.

à cultura, esporte, lazer e turismo do

Cabe ressaltar que somente

Estatuto explica que os mecanismos

no contexto de redemocratização do

trazidos pela Lei garantem não só o

Brasil com a chegada da Constitui-

acesso das pessoas deficientes como

ção cidadã, ou seja, a Constituição

meros assistentes, mas determina

Federal de 1988, que os Direitos

o protagonismo deles nas ativida-

Culturais foram tratados de forma

des. Isso deverá ser feito por meio

explicita e assegurados pela Carta

de incentivos às atividades, acesso

Maior. Pois nas Constituições an-

a locais e eventos e a participações

teriores mal se falava em Direitos

efetivas em esportes, apresentações

Culturais, e quando se ousava tratar

musicais e quaisquer atividades cul-

sobre cultura, aparecida de forma

turais, de lazer ou esportivas, em

tímida e rápida.16

igualdade de condições com as de-

O Estatuto especialmente em

mais pessoas.17

seu artigo 42 é um mecanismo para

O incentivo à cultura para as

não só incluir a pessoa com deficiên-

pessoas com deficiência deve ocor-

cia no acesso à cultura, mas também

rer por parte do Estado e por ele

para assegurar que eles possam ser

assegurado como direito fundamen-

protagonistas da Cultura Brasileira.

tal. Hoje já existem programas, po-

Por isso a Lei aqui estudada

líticas públicas e ações de apoio ao

prevê que haja acessibilidade e o

desenvolvimento cultural. Mas deve-

apoio do Estado no incentivo à pro-

se ressaltar que no caso da pessoa

A música como instrumento de inclusão e invenção social

119

16 ROCHA, Sophia C.; ARAGÃO, Ana Lúcia. Direitos culturais no Brasil e uma breve análise do Programa Cultura Viva. III Seminário internacional de Políticas Culturais de 19 a 21 de setembro de 2012, Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro. p. 3 17 LEITE, Flávia Piva Almeida; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; COSTA FILHO, Waldir Macieira da. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2016.p. 210


com deficiência isso deve acontecer

tor do livro A necessidade de arte

de forma especial e como já dito, de

diz que, “a função da arte não é a de

modo a promover igualdade de opor-

passar por portas abertas, mas é a

tunidade com as demais pessoas.

de abrir as portas fechadas.”19

Isso deverá se dar em virtu-

E é seguindo a premissa de

de de historicamente a pessoa com

que a arte é emancipadora e permite

deficiência sofrer discriminação e

a inclusão social juntamente com o

inúmeros tipos de segregação, os

protagonismo daqueles que nela se

colocando assim à margem da socie-

encontram, que o estudo aqui apre-

dade. Por isso faz-se importante pro-

sentado volta seu olhar ao modo

mover o desenvolvimento cultural

como o Estatuto da Pessoa com De-

dessas pessoas que possuem barrei-

ficiência propõe e assegura que as

ras físicas e sociais para ate mesmo

pessoas deficientes tenham acesso

chegar e permanecer de modo con-

à arte por meio da cultura e dessas

fortável nos locais onde ocorrem ati-

possam ser protagonistas e empre-

vidades culturais.

enderem, mostrar e desenvolver

Assim, o Estatuto tem um pro-

suas artes.

pósito legal de assegurar que a par-

Convém destacar que a arte não

ticipação nas atividades culturais

se limita a museus e pinturas de artis-

ultrapasse a ideia de superação e se

tas renomados, nesse sentido, concor-

mostre realmente como inclusão so-

damos com Read quando ele diz:

cial. Pois é exatamente isso que a 18

participação cultural é, forma efetiva

A arte é uma dessas coisas

de inclusão social da pessoa deficien-

que, como o ar ou o solo, estão

te na comunidade de forma geral.

por toda a nossa volta, mas que raramente nos detemos

4. A ARTE COMO

para considerar. Pois a arte

INSTRuMENTO DE

não é apenas algo que en-

INCLuSÃO SOCIAL

contramos nos museus e nas

Ernst Fisher, poeta, filósofo,

galerias de arte, ou em anti-

jornalista, escritor austríaco e au-

gas cidades como Florença

120

18 LEITE, Flávia Piva Almeida; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; COSTA FILHO, waldir Macieira da. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 211 19 FISHER, Ernst. A necessidade de arte. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar,1973.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


e Roma. A arte seja lá como

e seus direitos, não somente a em-

definimos, está presente em

prego e renda, mas à moradia, à cul-

tudo que fazemos para satis-

tura, a serviços sociais e à saúde.22

fazer nossos sentidos.20

A partir da explicitação dos direitos

e a participação em atividades cole-

A arte se faz inclusiva quando,

tivas, a pessoa que sofre com a não

em virtude da sua atuação coletiva,

inclusão social passa a integrar um

une artistas, os aprendizes das ar-

processo de emancipação, sendo

tes e a sociedade que recebe o obje-

protagonista e autora de sua própria

to artístico final. Criando assim um

trajetória.

ciclo de integração entre aprender,

Portanto, acreditamos que a

desenvolver e apresentar a arte por

coletivização entre educação, socie-

cada um desempenhada.

dade e arte pode além de desenvolver

A arte como um instrumento

o individual de cada ser, ensinando a

educacional alcança esse objetivo de

se reconhecer, pode também formar

integralização, uma vez que a educa-

uma consciência social, que soma-

ção deve ter a posição de integração

das resultam na inclusão social.23

e não apenas de individualização, no sentido de reconhecer a singularidade de cada um, mas também sua

4.1 A música e a inclusão social A música é uma linguagem universal e sempre esteve presente

unidade social.21 Nesse sentido de coletivização

na história da humanidade desde as

e integração, Henrique Rattner ex-

primeiras civilizações, quando era

plica que a inclusão para ser viável

usada nos rituais. Na atualidade, a

deve ocorrer por meio da participa-

música além do seu caráter artístico

ção em ações coletivas, onde são ca-

também é considerada ciência, uma

pazes de reconhecer sua dignidade

vez que as relações entre os elemen-

A música como instrumento de inclusão e invenção social

121

20 READ, Herbert. Educação pela arte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p 16 21 READ, Herbert. Educação pela arte. Rio de Janeiro: Zahar, 2002..p 6 22 RATTNER, Henrique. Sobre exclusão social e políticas de inclusão. Revista Espaço Acadêmico, ano 2, n. 18, nov. 2002. Disponível em: https://www.espacoacademico.com.br/018/18rattner.htm. Acesso em: 10 jan. 2017 23 Nesse mesmo sentido, Lena Vania Ribeiro Pinheiro afirma que, “a convergência do trinômio arte, educação e sociedade pode sustentar a formação individual e social, norteadora da consciência e propulsora da inclusão social”. PINHEIRO, Lena Vania Ribeiro. “Educação da sensibilidade”: informação em arte e tecnologias para inclusão social. Inclusão Social, Brasília, v. 1, n. 1, p.51-55, out./ mar. 2005. Disponível em: <http://revista.ibict.br/inclusao/article/view/1508/1699>. Acesso em: 09 jan. 2017.


tos musicais são relações matemáti-

comum na comunidade, sendo lhe

cas e físicas.

dada todas as oportunidades para

24

Mas muito além dessas ca-

seu livre desenvolvimento da perso-

racterísticas, a música tem o poder

nalidade. Um passo importante para

de transformar momentos e mudar

essa integração é a proposta de que

a vida das pessoas. Ateremos-nos

as crianças especiais sejam educa-

aqui a mostrar como a música pode

das juntamente com crianças em de-

ser um elemento efetivo na inclusão

senvolvimento normal.

e integração social da pessoa que convive com Síndrome de Down.

O que Saad afirma é que, as crianças com síndrome de Down

Quando se fala em inclusão o

podem não acompanhar o extenso

que se busca é que haja a aceitação

ensino regular das escolas, mas isso

da diversidade, ou seja, que o modo

não deve deixar de forma alguma

de ser de cada um seja aceito e res-

essas às margens do processo inclu-

peitado no convívio social. Assim,

sivo. Ele ressalta ainda que eles cos-

para Suad nader Saad, a síndrome

tumam demonstrar capacidade do

de Down não deve ser olhada como

intelecto pratico, ou seja, são bons

uma anormalidade, uma doença ou

em lidar com comunicação, música,

ate mesmo uma inferioridade, mas

artes em geral e também ao traba-

sim como uma diversidade. Pois esse

lharem com dinheiro.26

é um passo importante para a cons-

Assim, a integração por meio

25

da cultura e das artes, mais especifi-

Partindo do pressuposto da

cadamente aqui, por meio da música

Síndrome como diversidade, a pes-

é uma alternativa para o desenvol-

soa que convive com Down deve

vimento da pessoa que convive com

ser incorporada como um cidadão

Down, uma vez que poderá partici-

trução de uma sociedade inclusiva.

122

24 CHIARELLI, Lígia Karina Meneghetti; BARRETO, Sidirley de Jesus. A importância da musicalização na educação infantil e no ensino fundamental: A música como meio de desenvolver a integração do ser. Recreart, Santiago de Compostela, jun. 2005. Disponível em: <http://www.iacat.com/revista/recrearte/recrearte03/musicoterapia.htm>. Acesso em: 01 ago. 2011. 25 SAAD, S. n. Preparando o caminho da inclusão: dissolvendo mitos e preconceitos em relação à pessoa com Síndrome de Down. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 9, n. 1, p. 57-78, Jan.-Jun. 2003.p. 73. Disponível em: http://www.abpee.net/homepageabpee04_06/artigos_em_pdf/revista9numero1pdf/6saad.pdf p16 . Acesso em: 10 jan. 2017 26 SAAD, S. n. Preparando o caminho da inclusão: dissolvendo mitos e preconceitos em relação à pessoa com Síndrome de Down. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 9, n. 1, p. 57-78, Jan.-Jun. 2003.p. 73. Disponível em: http://www.abpee.net/homepageabpee04_06/artigos_em_pdf/revista9numero1pdf/6saad.pdf p16 . Acesso em: 10 jan. 2017

A música como instrumento de inclusão e invenção social


par de um processo de aprendiza-

cimento pessoal e também um ca-

gem, de uma atividade coletiva e

minho para a integração da pessoa

conhecer a si mesmo e suas habili-

na comunidade. Além de trazer para

dades e a partir daí escolher seus

essas pessoas um olhar sobre as ar-

caminhos e se emancipar.

tes, o que na maioria das vezes se

É maravilhoso ver que a mú-

faz novo, pois o numero de pessoas

sica como estímulo, no mo-

com acesso à cultura ainda é peque-

mento certo e adequado, tem

no. Vemos então na musica nas artes

a capacidade de retirar estas

e na cultura de forma geral uma pos-

pessoas deste mundo de inca-

sibilidade de inclusão e principal-

pacidades onde eles estão ro-

mente de construção do ser.

tulados; neste momento, eles ficam livres deste estigma da deficiência mental.

27

CONCLUSÃO O presente artigo teve como objetivo a abordagem do direito a

A música torna o mundo me-

inclusão para pessoas com Síndro-

nos assustador para quem convive

me de Down por meio de ações afir-

com alguma deficiência ou diversi-

mativas que envolvem cultura, arte,

dade, pois através dela as pessoas

educação, música, desenvolvimento

podem se comunicar, se conhecer e

social e para tanto a busca por uma

se expressar. A educação musical

não exclusão.

também tem importante papel no

O desenvolvimento dessa mu-

desenvolvimento sensorial e motor,

dança de olhar é possível quando

trazendo assim, além de um novo

trabalhamos de forma que o outro

olhar sobre o corpo e suas habilida-

seja parte de nós como sociedade,

des, novos limites e possibilidades

como humanidade respeitando to-

de um caminho que é tão amplo.

das as diversidades e entendendo

Concluindo, assim, a música é

que a diferença nos torna humanos.

um efetivo instrumento de reconhe-

É nela que possibilitamos o de-

A música como instrumento de inclusão e invenção social

123

27 Ana Sheila Uricoechea, Musicoterapeuta do IPICEP e coordenadora do curso de formação de MT. do Conservatório Brasileiro de Música, em entrevista para Maria Inês Couto Augusto para a pesquisa e desenvolvimento da monografia “As possibilidades de estimulação de portadores da sídrome de down em musicoterapia”. Apresentada em 2003 para conclusão do curso de graduação em musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música - Centro Universitário. Orientador: Professora Marly Chagas. Disponível em: http://www.meloteca.com/musicoterapia2014/as-possibilidades-de-estimulacao-de-portadores-da-sindrome-de-down-em-musicoterapia.pdf. Acesso em: 13 Jan. 2017


senvolvimento do ser e de todas as

Fato é que ainda não alcan-

adaptações necessárias para ade-

çamos o lugar ideal para se viver,

quação do meio em que vivemos.

entretanto essa visão não pode ser

A arte e sua interdisciplinaridade proporcionam esse avanço moral e intelectual.

como essa que desenvolvemos. Acreditamos que o presente

Por meio da música somos en-

artigo é um ponto de partida ou até

volvidos e a partir daí nos tornamos

mesmo um elemento facilitador na

pessoas iguais sem distinção, essas

construção do respeito à dignidade

ações que buscam a igualdade po-

e a diversidade é chave fundamental

dem mudar o futuro do nosso país.

para todos aprendermos a respeitar

vivemos num tempo em que a dignidade precisa ser sempre lem-

124

empecilho para estudos e pesquisas

as diferenças, no Estado Democrático de Direito.

brada, faz-se necessário que ela es-

O que importa agora é com-

teja estampada em nossas leis, para

preendermos que sem a diferença a

que o futuro seja sempre melhor

cidadania e a democracia são cons-

e nunca mais absurdos que foram

tantemente ameaçadas, o que certa-

cometidos no passado voltem a ser

mente ameaça também nossa condi-

comum, normal em nossa sociedade.

ção de humanos.

A música como instrumento de inclusão e invenção social


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