CONTINUAÇÃO
ALUNOS
A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL E A APLICAÇÃO DA TEORIA DO RISCO INTEGRAL Camila Cristina Azevedo Castro Teixeira*
RESUMO: O presente artigo tem como escopo a análise da aplicação da teoria do risco integral nos casos de dano ambiental. Procura, através da interpretação doutrinária, observando-se os princípios da responsabilidade ambiental, quais sejam, o da prevenção e precaução e do poluidor-pagador, demonstrar que afora a aplicação do risco integral impossível a garantia de implementação dos instrumentos de proteção/conservação do meio ambiente, uma vez que a referida teoria não admite as causas excludentes da responsabilidade. Traz a lume a legislação pertinente tanto no âmbito constitucional quanto no infraconstitucional, ao analisar, em especial, o artigo 225 da Constituição Federal de 1.988 bem como o texto da Lei 6.938/1981, conhecida como Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. O resultado que se espera é a maior efetividade do que dispõe o ordenamento jurídico pátrio no que se refere a reparação do dano ambiental. PALAVRAS-CHAVE: dano ambiental; responsabilidade civil; responsabilidade objetiva; teoria do risco integral. ÁREAS DE INTERESSE: Direito Ambiental e Direito Civil
1 Introdução Na atualidade a preocupação com o meio ambiente tor-
fornecer à geração atual e às futuras os recursos necessários à sobrevivência e desenvolvimento.
nou-se alvo das discussões tanto internacionais como internas. Grande foi o reflexo de tal preocupação em nosso direito
De acordo com Celso Antonio Pacheco Fiorillo, “a nossa Car-
interno, esta demonstrada com a edição da Lei 6.938/1981
ta Magna estruturou uma composição para a tutela dos valores
(Lei de Política Nacional do Meio Ambiente) representando um
ambientais, reconhecendo-lhe características próprias” (FIO-
divisor de águas no ordenamento jurídico pátrio em matéria de
RILLO, 2.012, p. 63).
Direito Ambiental.
Consagrou o texto constitucional a responsabilidade objetiva
Ainda, cuidou a Constituição Federal de 1.988, diante da
em matéria de dano ambiental, esta fundada na teoria do risco,
premente necessidade de tutelar o bem ambiental, de incluir em
admitindo-se, portanto a conjugação da responsabilidade objetiva
seu texto a referida proteção atribuindo ao meio ambiente status
com a teoria do risco integral diante da insuficiência das demais
de bem de uso comum do povo. Criou um direito constitucional
teorias do risco, quais ejam: risco-proveito, risco profissional, risco
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. In-
excepcional e risco criado.
cumbiu não só ao Estado, mas também a toda a coletividade o
A referida conjugação respauda-se na premente necessidade
dever de preservar e conservar o meio ambiente não só para a
de ampliar as possibilidades da recuperação do meio ambiente de-
presente, mas como também para as futuras gerações.
gradado bem como garantir a efetividade de seus instrumentos de
Em atenção ao disposto Paulo Nader (NADER, 2.010, p. 370-371) apregoa:
proteção, vez que a questão ambiental ganhou novo espeque com a mudança de paradigmas da sociedade bem como pela mudança da ordem constitucional acerca do tema.
A Constituição, pelo artigo 225, fixa os princípios da
Através da interpretação doutrinária, observando-se os prin-
política do meio ambiente de um modo abrangente
cípios da responsabilidade ambiental, quais sejam, o da preven-
e moderno, sintonizado às exigências da época. Ao
ção e precaução e do poluidor-pagador, restará demonstrado que
regular esta ordem de interesse a Lei Maior guar-
afora a aplicação do risco integral impossível a garantia de imple-
da sintonia com o principal valor protegido pelo
mentação dos instrumentos de proteção/conservação do meio
ordenamento jurídico: a vida humana. A proteção
ambiente, uma vez que a referida teoria não admite as causas
ao meio ambiente é, em realidade, a proteção à
excludentes da responsabilidade bem como prescinde da de-
própria vida, que exige natureza saudável, apta a
monstração do nexo de causalidade.
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2 A responsabilidade civil
verá o que se reparar sob pena de restar configurado o enriqueci-
Trata-se a responsabilidade civil de instituto que visa à reparação de um dano causado proveniente de um dever jurídico
mento ilícito e/ou enriquecimento sem causa nos termos do artigo 884 do atual Código Civil2.
violado, ou ainda, de uma obrigação secundária proveniente de
O dano pode ser patrimonial ou extrapatrimonial. Das espécies
uma obrigação primária descumprida, ou seja, a de não causar
de dano patrimonial temos os danos emergentes e lucros cessan-
dano a outrem. Sua função consiste na recomposição do dano
tes. Por danos emergentes, aqueles que causam diminuição direta
desencadeado por uma conduta antijurídica – o retorno ao estado
e imediata no patrimônio da vítima. Por lucros cessantes se enten-
de antes. Um dever geral de cautela, tal qual no Direito Romano a
de tudo aquilo que se deixou de auferir em razão do evento danoso.
máxima neminem laedere .
Já o nexo causal é o elemento de referência entre a conduta
1
Para Maria Helena Diniz (DINIZ, 2.010, p. 34):
do agente e o resultado, o que permite a identificação daquele que deverá responder pelo dano causado. A teoria adotada pelo Direi-
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas
to Civil é a teoria da causalidade adequada, onde causa é todo
que obriguem uma pessoa a reparar dano moral
antecedente não só necessário, mas como também o adequado
ou patrimonial causado a terceiros, em razão de
à produção do evento danoso. Se várias condições concorreram
ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem
para o desencadeamento do dano, somente será causa aquela
ela responde, por alguma coisa a ela pertencente
que sem a qual o dano não teria se operado.
ou de simples imposição legal.
A responsabilidade civil é gênero cuja cláusula geral está prevista no artigo 927 do Código Civil de 2.0023, operando-se por
E, para Sergio Cavalieri Filho (CAVALIERI FILHO, 2.008, p. 05):
duas modalidades; a primeira, baseada na teoria da culpa, a responsabilidade subjetiva enquanto que, a segunda, a responsabi-
Há uma necessidade fundamental de se restabe-
lidade objetiva, com fundamento na teoria do risco atribui obriga-
lecer esse equilíbrio, o que se procura fazer reco-
ção de reparar independentemente da conduta culposa do agente
locando o prejudicado no statu quo ante. Impera
causador do dano; estão previstas, respectivamente, nos artigos
neste campo o princípio da restitutio integrum, isto
186 e 187 do referido diploma legal4.
é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situa-
São pressupostos da responsabilidade subjetiva a conduta
ção anterior à lesão. Isso se faz através de uma in-
culposa, o dano e o nexo causal. Baseada na teoria da culpa, a
denização fixada em proporção ao dano. Indenizar
responsabilidade subjetiva exige que se faça prova da condu-
pela metade é responsabilizar a vítima pelo resto
ta culposa do agente causador do dano. Faz-se, então, mister a
(Daniel Pizzaro, in Daños, 1991). Limitar a repara-
identificação da imperícia, negligência e imprudência daquele que
ção é impor à vítima que suporte o resto dos preju-
deve suportar o ônus da reparação.
ízos não indenizados.
Importa dizer que para a responsabilidade civil a distinção entre dolo e culpa bem como a classificação dentre os graus desta últi-
Desta forma, o que se pretende é compelir o agente causador
ma, não alcança grande importância, ficando tal relevo a cargo da
do dano a restituir a situação de antes, na possibilidade, ou, na
responsabilidade penal, vez que a responsabilidade civil averigua a
falta desta prestar indenização correspondente ao dano causado.
indenização pela extensão do dano e não pela gravidade da conduta.
Dos pressupostos gerais da responsabilidade civil a conduta
Não obstante seja a responsabilidade civil subjetiva a re-
(comissiva ou omissiva), o dano e o nexo causal.
gra adotada pelo direito comum, há aqueles determinados por
Por conduta, segundo Sérgio Cavalieri (CAVALIERI FILHO,
lei que respondem civilmente pelos danos causados indepen-
2.008, p. 24), depreende-se todo comportamento humano que se
dentemente de culpa, daí a responsabilidade objetiva prescin-
exterioriza através de uma ação ou omissão produzindo consequ-
dir do elemento culpa do agente, bastando sejam verificados os
ências no mundo jurídico. Não só a conduta comissiva, mas como
pressupostos dano e nexo causal.
também a omissiva, ganham os contornos da responsabilidade
Trata-se da evolução do instituto que perpassa pela necessida-
civil. Da conduta omissiva tem-se que quando esta viola um dever
de de comprovação da culpa, passando a admitir a responsabilidade
jurídico de agir e causa dano a outro, fica o omitente obrigado a
objetiva. Tudo isso em razão da valorização da pessoa do lesado que
reparar o dano que nada fez para impedir.
não raras vezes restava prejudicado pela dificuldade de prova da cul-
Dano é a subtração ou diminuição de bem jurídico qualquer que seja sua natureza, patrimonial ou moral. Sem dano não ha-
pa exigida pela responsabilidade subjetiva, tornando-se esta insuficiente para promover a reparabilidade do dano causado.
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Fundamentada na teoria do risco, a responsabilidade objetiva
Para Ari Alves de Oliveira Filho (FILHO, 2.009, p. 118) dano é
traduz que a atribuição da reparação do prejuízo causado deve ser
entendido como diminuição ou destruição de determinado bem;
ao seu autor, independente deste ter agido com culpa, restando à
sendo a descrição do dano ambiental uma tarefa difícil devido à
vítima somente a comprovação do dano e do nexo de causalidade.
dificuldade de identificação de seu causador e muitas vezes, pela
Das teorias aplicadas à responsabilidade fundada no risco
dificuldade de comprovação do nexo de causalidade que vincula
temos a teoria do risco-proveito, do risco profissional, do risco excepcional, do risco criado e do risco integral.
o lesante e o dano efetivamente causado. A expressão dano ambiental era tratada pela doutrina com
De acordo com a teoria do risco-proveito o dano deve ser re-
uma imprecisão que variava segundo os interesses de tutelar da
parado por aquele que retira algum proveito ou lucro do fato lesivo
sociedade, podendo recair diretamente sobre o patrimônio am-
daí sua utilização para questões industriais e comerciais.
biental quanto se configuraria dano de ricochete5, sendo o ser hu-
A teoria do risco profissional atribui o dever de indenizar sempre que o fato prejudicial for proveniente da atividade ou profissão do lesado.
mano “vítima em sua saúde e em seus bens” segundo Annelise Steigleder (STEIGLEDER, 2.011, p. 102). Ainda sobre o tema, aduz Annelise Steigleder que “conforme
Já a teoria do risco excepcional defende que a reparação é devi-
o ordenamento jurídico que se insere, a norma é utilizada para de-
da sempre que o dano for conseqüência de um risco excepcional, ain-
signar tanto as alterações nocivas como efeitos que tal alteração
da que escape à atividade da vítima e a par do trabalho que pratica.
provoca na saúde das pessoas e em seus interesses” (STEIGLE-
Pela teoria do risco criado, aquele que em razão da atividade ou profissão que desenvolve, cria um perigo e, desta forma, está sujeito à reparação do dano que vier a causar.
DER, 2.011, p. 99). Segundo a autora (STEIGLEDER, 2.011, p. 99), houve uma evolução do entendimento doutrinário na qual dano ambiental
Das teorias do risco, a mais radical, em apelo e cuidado ex-
não é somente aquele que atinge interesse pessoal de particu-
tremo, é a teoria do risco integral a qual apregoa que o dever de
lares, mas aquele que, de alguma forma, interfere no desenvol-
reparar surge tão somente em face do dano, dispensando, além
vimento sustentável6 de determinado meio, entendido por si só;
da comprovação da conduta do agente, o vínculo do nexo causal.
seja natural, artificial, cultural ou do trabalho conforme atualmen-
De encontro com a posição, Paulo Nader (NADER, 2.010, p. 33) assevera:
te já se define. Do reconhecimento do bem ambiental como suscetível à tutela, a utilização da responsabilidade civil, que busca combater os
A teoria do risco, no âmbito doutrinário, apresenta
efeitos danosos através de medidas na esfera cível, estas se não
matizes diversos. A concepção mais radical é do
bastantes pela reparação deverá ser suficiente através do paga-
risco integral, que dispensa não só o elemento cul-
mento de indenização que será destinada á fundo específico7.
pa, mas também a prova do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o prejuízo material ou
Notória se faz a observação de Ari Alves de Oliveira Filho (FILHO, 2.009, p. 131):
moral de outrem, tratando-se de situações excepcionais em que as vítimas têm grande dificuldade
Desta feita, a sociedade busca, no Judiciário, a re-
de comprová-lo, devido à natureza das atividades
paração dos danos causados pelos desastres ecoló-
desenvolvidas pelo agente e dos danos.
gicos, através de processos litigiosos, uma vez que há comoção social, e ela cobra uma resposta, pois
Na teoria do risco integral também não se admite as exclu-
o povo já é sabedor da importância da preservação
dentes de responsabilidade, quais sejam: culpa exclusiva da víti-
ambiental para a sobrevivência de todas as espécies.
ma, fato de terceiro, caso fortuito e força maior. Desta forma, diante das demais teorias, a teoria do risco inte-
Continua o autor, “ao ser acionado, o Judiciário busca desco-
gral é a que mais se mostra suficiente para a reparação diante de
brir qual a extensão do dano, até que ponto ele prejudica o ecos-
um dano causado.
sistema do homem, por fim, quem foi seu causador, partindo, em seguida, para a busca do ressarcimento” (FILHO, 2.009, p. 131).
3 DO DANO AMBIENTAL
O dano ambiental no direito interno, já compreendido
Conforme já exposto alhures, para que seja possível a inci-
em sua forma ampla, fere direito difuso8 da coletividade em se
dência da responsabilidade civil e para que ocorra o dever de re-
tratando da não observância do que preceitua o caput do artigo
paração necessário se faz a existência de um dano.
225 da Carta Magna; bem como, o dano ambiental se caracteriza,
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de forma geral, pelo que aduz a Lei 6.938/81 em seu artigo 3º9,
ambiente e a terceiros, afetados por sua ativida-
por ser qualquer tipo de alteração das características particulares
de. O Ministério Público da União e dos Estados
e singulares daquele ambiente, entendida como degradação; as-
terá legitimidade para propor ação de responsa-
sim como também se preceitua como a alteração na qualidade do
bilidade civil e criminal, por danos causados ao
ambiente, entendida como poluição.
meio ambiente.
Em linhas conclusivas e ensejando uma reflexão aduz
Luís Paulo Sirvinskas que “a utilização excessiva dos recursos na-
Certo é que a responsabilidade civil ao tratar de danos decor-
turais poderá causar o seu esgotamento e a estagnação econômi-
rentes de violação de direitos difusos e/ou coletivos, como o meio
ca, além de colocar em risco todas as formas de vida do planeta”
ambiente, afasta de si a teoria clássica adotada para os casos de
(SIRVINSKAS, 2.012, p. 132).
direitos individuais/patrimoniais e se reveste da teoria do risco e da solidariedade a fim de conferir efetividade à medida que pre-
4 A responsabilidade civil ambiental
tende impor.
A notoriedade da degradação ambiental como o desmata-
Aqui, a função da solidariedade tem o escopo de garantir que
mento das florestas, a contaminação das águas, a poluição do ar
o dano seja reparado, observado, no caso, o direito de regresso
atmosférico e a devastação das reservas biológicas bem como o
daquele que suportou a reparação em face dos demais.
constante sofrer da humanidade em conseqüência dessa condu-
Não obstante o argumento da impossibilidade da responsa-
ta (através do aumento da temperatura, desertificação do solo,
bilidade solidária do Estado em razão da atribuição da reparação
esgotamento de recursos naturais, enfim as catástrofes naturais)
aos administrados faz-se necessário dizer que é o Poder Público o
mostraram a urgência e seriedade com que as questões relativas
responsável pelo controle, fiscalização e vigilância das atividades
ao dano ao meio ambiente deviam ser tratadas.
que possam vir a causar danos ao meio ambiente. Cabe ainda, ao
Ainda, o crescente aumento populacional associado a uma
Estado, a análise das concessões de autorização para exploração
cultura globalizada, capitalista e, portanto consumista, corrobora
dos recursos naturais bem como dos empreendimentos ou ativi-
para a degradação acelerada do meio ambiente.
dades potencialmente poluidoras ou degradadoras, daí a respon-
Diante da insuficiência da teoria clássica da responsabilidade
sabilidade solidária da administração por danos ambientais.
civil (subjetivista) para garantir a reparação às vítimas do dano
Sobre o exposto acima, Pablo Stolze Gagliano (GAGLIANO,
ambiental que ficavam fadadas ao seu infortúnio, seja pela difi-
2.012, p.243), dicorre sobre o emprego da teoria do risco integral:
culdade de prova, seja pela multiplicidade de sujeitos, seja pela
natureza difusa do direito ou pela não fácil tarefa de mensurar a
A teoria em epígrafe leva a idéia de responsabili-
extensão do dano ambiental bem como a necessidade premente
zação às mais altas elucubrações. De fato, a sua
de assegurar a preservação do meio ambiente, a responsabilida-
aplicação levaria a reconhecer a responsabilidade
de ambiental adotou o regime objetivista.
civil em qualquer situação, desde que presentes os
Na dicção de José Jairo Gomes (GOMES, 2.005, p. 332-333):
três elementos essenciais, desprezando-se quaisquer excludentes de responsabilidade, assumindo
O legislador, sensibilizando-se com a injustiça pade-
a Administração Pública, assim, todo o risco prove-
cida pela vítima e com o relevo social do dano ocor-
niente de sua atuação.
rido, fez uma opção radical em prol da reparação, tornando despiciendas quaisquer considerações
A Constituição Federal em seu artigo 23, VI, incumbe à União,
acerca da ilicitude da ação desenvolvida por aquele
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios o dever de “prote-
que deverá arcar com os ônus indenizatórios.
ger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.
Tal entendimento corrobora com a intenção de nosso legislador ao eleboarar o §1° do artigo 14 da Lei 9.638/91, que dispõe:
Ainda, no mesmo diploma legal, em seu artigo 225 assegura que:
Art. 14.§ 1º - Sem obstar a aplicação das penali-
Todos tem direito ao meio ambiente ecologica-
dades previstas neste artigo, é o poluidor obriga-
mente equilibrado, bem de uso comum do povo
do, independentemente da existência de culpa, a
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
indenizar ou reparar os danos causados ao meio
-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
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defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
potencia11” (SÁCHEZ e GUTIÉRREZ, 2.012, p. 42). Quanto ao princípio do poluidor-pagador, este visa a incutir o custo da poluição na produção. Segundo Ari Alves de Oliveira
Desta forma, o Estado (União, Distrito Federal, Estados e Mu-
Filho “este princípio surgiu da necessidade de se impor à socie-
nicípios) pode tanto ser responsabilizado por danos cometidos por
dade mecanismo de alcance preventivo e/ou repressivo” (FILHO,
seus agentes tanto quanto pelos danos ambientais cometidos por
2.009, p. 53).
terceiros, em decorrência de sua conduta omissa, permitindo que o dano ao ambiente se opere.
Verifica-se no referido princípio traço exclusivamente de cunho econômico ao passo que cria um mecanismo de respon-
Os princípios que regem a responsabilidade ambiental são os princípios da prevenção e precaução e o princípio do poluidor-pagador. Dos princípios da precaução e prevenção há de se fazer a distinção conforme Édis Milaré (MILARÉ, 2.011, p. 1069):
sabilidade por dano causado ao meio ambiente, impondo ao poluidor um custo por sua atividade, sendo seu alcance, segundo o autor acima referido “preventivo, no sentido de que, se ocorrer o dano, o responsável arcará com serveras penas (...). Repressivo, no sentido de impor efetivamente as severas penas, fazendo
De maneira sintética, podemos dizer que a preven-
cumpri-las” (FILHO, 2.009, p. 53).
ção trata de riscos ou impactos já conhecidos pela
Trata-se de uma compensação pelo dano ambiental causado
ciência, ao passo que a precaução se destina a
por sua atividade. Não obstante se tenha o princípio do poluidor-
gerir riscos ou impactos desconhecidos. Em outros
-pagador como um mecanismo de alocação de custos, decerto que
termos, enquanto a prevenção trabalha com o ris-
o custo dos bens e serviços produzidos não reflete o custo total das
co certo, a precaução vai além e se preocupa com
medidas necessárias de prevenção, mitigação e compensação dos
o risco incerto. Ou ainda, a prevenção se dá em
impactos negativos associados ao processo de produção.
relação ao perigo concreto, ao passo que a precaução envolve perigo abstrato.
5 A aplicação da teoria do risco integral Para Marcelo Abelha Rodrigues (RODRIGUES, 2013, p.
Nesse sentido, o princípio da prevenção tem por objetivo
372-373), quanto à aplicação da responsabilidade civil objetiva
prevenir, diante do conhecimento do risco, o dano ambiental, en-
a fim de reparar o bem ambiental lesado é necessário, ainda, a
quanto que o princípio da precaução é conduta adotada diante da
observância de alguns obstáculos que dificultam a solução al-
incerteza científica do risco de dano que certa profissão ou ativi-
mejada, quais sejam: a comprovação do dano ambiental, com-
dade irá causar.
provação do nexo causal e efetivação da sanção.
Para o autor a observação do princípio da precaução funda-
Nesse sentido, necessária se faz a conjugação da respon-
-se em “argumentos de ordem hipotética, situados no campo das
sabilidade objetiva com um mecanismo que garanta a efetivi-
possibilidades, e não necessariamente de posicionamentos cien-
dade das normas e medidas implantadas pelo ordenamento
tíficos claros e conclusivos” (MILARÉ, 2.011, p. 1071).
jurídico interno a fim de buscar soluções para eliminar os refe-
Luz Elena Agudelo Sánchez e Fausto Enrique Huerta Gutiérrez
ridos obstáculos.
(SÁCHEZ e GUTIÉRREZ, 2.012, p. 41) também asseveram acerca
Segundo José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior, “a exten-
da diferenciação de ambos os princípios em consonância com o
são do risco é também o tema central quando se discute o pro-
entendimento de Édis Milaré:
blema da reparação integral” (JÚNIOR, 2.012. p. 304). Temos que a teoria do risco integral é a forma mais gravosa
En todo caso, la definición del Principio de Precau-
de responsabilidade civil, não admitindo as hipóteses de exclu-
ción debe desligarse de la del Principio de Preven-
dente de responsabilidade nem mesmo em se tratando de caso
ción, ya que uno y otro, aunque tienen el mismo
fortuito ou força maior, bem como dispensa a comprovação da
fin tendiente a evitar un daño, se fundamentan en
conduta do agente e do nexo causal.
presupuestos diferentes, siendo la prevencíon el género, y la precaución la especie.
10
Assim, por se mostrar meio mais eficaz em face das demais teorias do risco (risco-proveito, do risco profissional, do risco excepcional e do risco criado) a doutrina, jurisprudência e
Continuam os autores seu raciocínio “En otras palabras, las medidas de prevención son las que se adoptan ante un riesgo actual, mientras que las medidas de precaución suponen un riesgo
legislador tem associado à responsabilidade objetiva por dano ambiental a teoria do risco integral. Para José Jairo Gomes (GOMES, 2.005, p. 332) a responsabi-
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lidade civil com base na concepção do risco integral torna eviden-
qualidade de vida... Além das medidas protetivas e
te a incidência da solidariedade e cooperação:
preservativas previstas no § 1º, I-VII, do art. 225 da Constituição Federal, em seu § 3º ela trata da res-
Mais evidente se torna a incidência da solidarieda-
ponsabilidade administrativa e civil dos causadores
de e da cooperação nas hipóteses em que tem apli-
de dano ao meio ambiente. Nesse ponto a Constitui-
cação a teoria do risco integral, ou seja, nos casos
ção recepcionou o já citado art. 14, § 1º, da Lei nº
em que a responsabilidade além de ser objetiva,
6.938/1981, que estabeleceu responsabilidade ob-
não comporta elisão pela ocorrência de caso for-
jetiva para os causadores de dano ao meio ambien-
tuito, força maior, fato de terceiro e culpa exclusiva
te, nos seguintes termos: “Sem obstar a aplicação
da vítima. Nessa categoria estão os danos decor-
das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
rentes de atividade nuclear e danos causados ao
obrigado, independentemente de culpa, a indenizar
meio ambiente.
ou reparar os danos causados ao meio ambiente e terceiros, afetados por sua atividade”.
Desta forma, nenhuma outra conduta será verificada ou serão observadas as excludentes de responsabilidade. José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior (JÚNIOR, 2.000, p. 321) também consagra essa ídeia:
Conclui em seu entendimento “extrai-se do Texto Constitucional e do sentido teleológico da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) que essa responsabilidade é fundada no risco integral” (CAVALIERI FILHO, 2.008, p. 145).
Estando a responsabilidade objetiva por dano
Conforme José Jairo Gomes (GOMES, 2.005, p. 333):
causado ao meio ambientefundamentada na teoria do risco integral, a culpa ou o proveito de
Por outro lado, a Constituição Federal dispõe em
terceiro que invoca a proteção jurisdicional, duas
seu artigo 21, XXIII, “c” que “a responsabilidade
excludentes da responsabilidade objetiva, não
civil por danos nucleares independe da existência
poderiam ser sucitadas.
de culpa”. Destarte, consagrou-se no nível constitucional a responsabilidade objetiva por dano de-
Entende o autor tratar-se de responsabilidade solidária, sendo
corrente de atividade que envolva a manipulação
“irrelevante a mensuração de subjetivismo” no tocante a conduta le-
de substâncias radioativas, tendo sido agasalhada
siva (JÚNIOR, 2.000, p.320-321).
a teoria do risco integral.
Nas palavras de Sergio Cavalieri, a teoria do risco integral “é modalidade extremada da doutrina do risco para justificar o dever de in-
José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior (JÚNIOR, 2.000, p.322)
denizar mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de tercei-
elucida que se posiciona a doutrina majoritária pela vinculação da
ro, caso fortuito ou de força maior” (CAVALIERI FILHO, 2.008, p. 233).
responsabilidade civil à supracitada teoria por se tratar de medida
Para o autor, por se tratar de medida extrema deve ser adotada
mais rigorosa, conforme ja tratado, que desponta como solução efi-
somente em casos excepcionais, como exemplo, em caso de dano
caz em face da preocupante degradação ambiental existente no Bra-
ambiental, devido ao caráter preventivo desse ramo do direito, bem
sil. Disserta ainda que pela aplicação da teoria do risco, “a obrigação
como na impossibilidade de aplicação da Lei 6.938/81 caso se pu-
de reparação decorreria somente do fato dano, excluindo-se qualquer
desse invocar o caso fortuito e a força maior como hipóteses de exclu-
outra determinante externa a ele” (JÚNIOR, 2.000, p.322).
dentes de responsabilidade.
Posiciona-se também Luis Paulo Sirvinskas (SIRVINKAS,
Assim, em seu entendimentoexpõe Sergio Cavalieri (CAVALIERI FILHO, 2.008, p.144-145):
2.012, p. 251) ao aduzir que o dano deve ser reparado integralmente ou o mais aproximadamente possível ressaltando sua aderência a aplicabilidade da teoria do risco integral conjugada com a
c) Temos, a seguir, o art. 14, § 1º, da Lei nº
responsabilidade objetiva.
6.938/1981, que trata dos danos causados ao
Nessa esteira de entendimentos vê-se que o nosso legislador
meio ambiente. O meio ambiente, ecologicamente
além de adotar a responsabilidade objetiva nos casos de dano am-
equilibrado, é direito de todos, protegido pela pró-
biental, tornando prescindível a análise da conduta do agente, tornou
pria Constituição Federal, cujo art. 225 o considera
inaplicável as hipóteses de excludente de responsabilidade ao adotar
“bem de uso comum do povo e essencial à sadia
a teoria do risco integral como medida de proteção ambiental.
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 211
6 CoNSIDERAÇÕES FINAIS Com base na ideia de prevenção o Direito Ambiental tido como um complexo de normas e princípios reguladores do reflexo da atividade humana sobre o meio ambiente, em seu sistema de responsabilidade por danos ambientais, previsto na Lei 9.638 de 1.981 e na Constituição da República de 1.988, adota a teoria
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da responsabilidade objetiva, sendo irrelevante a averiguação da conduta do agente causador do dano. Desta forma, independentemente de culpa, pressuposto da responsabilidade subjetiva, haverá a obrigação de reparar para aquele que em razão de sua profissão ou atividade causou danos ambientais, este entendido como qualquer alteração do equilíbrio do meio ambiente. Apesar do entendimento consolidado quanto a aplicação da responsabilidade objetiva em face do dano ambiental persistiam obstáculos impeditivos da responsabilização dos agentes causadores de danos, seja pela dificuldade de prova, seja pela multiplicidade de sujeitos, seja pela natureza difusa do direito ou pela não fácil tarefa de mensurar a extensão do dano ambiental bem como pela aplicabilidade das excludentes de responsabilidade e demonstração do nexo de causalidade. Não obstante, a fim de solucionar as questões acima propostas, optou-se pela aplicação da teoria do risco integral, medida extremista que, em razão de sua gravidade, outra modalidade não se encontraria efetiva para resguardar o meio ambiente em sua forma ecologicamente equilibrada, tendo em vista, se assim o fosse, ver-se por inatingível a reparação uma vez permitido invocar-se as hipóteses de excludente de responsabilidade bem como a demonstração do nexo de causalidade. Uma vez invocados o caso fortuito e a força maior, a maioria
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2.008. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. São Paulo: Saraiva, 2.010. FILHO, Ari Alves de Oliveira. Responsabilidade civil em face dos danos ambientais. Rio de Janeiro: Forense, 2009. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2.005. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2012. GOMES, José Jairo. Responsabilidade civil e eticidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2.005. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente:a gestão ambiental em foco:doutrina, jurisprudência, glossário. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.011. NADER, Paulo. Curso de direito civil: responsabilidade civil. v. 7. Rio de Janeiro: Forense, 2.010. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito Ambiental: esquematizado.São Paulo: Saraiva, 2.013.
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SÁNCHEZ, Luz Elena Agdelo.GUTIÉRREZ, Fausto Enrique Huerta. El Principio de Precaucíon Medioambiental en el Estado Colombiano. Colômbia: Editorial Universidad Libre Seccional Pereira, 2.012. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2.012.
a um meio ambiente ecologicamente equilibrado a um direito constitucional fundamental, com espeque no artigo 225 da Constituição Federal bem como no artigo 14, § 1º da Lei 9.638/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente) sustenta
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.011.
a excepcionalidade da aplicação da teoria do risco integral nos casos de danos causados ao meio ambiente, esta justificada na importância do bem jurídico tutelado.
NOTAS DE FIM Estudante do 9º periodo do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. *
1 Princípio que rege a responsabilidade civil no qual a ninguém é facultado causar dano a outrem.
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2 Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer á custa de outrem, será obrigado á restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. 3 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 4 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. 10 (SÁCHEZ e GUTIÉRREZ, 2012, p. 42): “Em todo caso, a definição do Princípio da Precaução deve ser separada do Princípio da Prevenção, uma vez que ambos, apesar de terem a mesma ordem para impedir o dano, são baseados em diferentes hipóteses, sendo a prevenção gênero, e a precaução espécie”. 11 (SÁCHEZ e GUTIÉRREZ, 2012, p. 42): “Em outras palavras, as medidas de prevenção são aquelas adotadas diante de um risco real, enquanto que as medidas de precaução supõem um risco potencial”.
5 Dano de ricochete, de modo geral, consiste em ato praticado diretamente sobre uma determinada pessoa, mas seus efeitos afetam indiretamente terceiros. 6 Desenvolvimento sustentável é aquele desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades. Desenvolver de forma sustentável significa melhorar a qualidade de vida humana dentro dos limites de suporte do próprio meio que se explora. 7 Fundo Nacional do Meio Ambiente, instituído pela Lei 7.797/89, regulada pelo Decreto nº 98.161/89 que foi, posteriormente, alterado pelo Decreto nº 99.249/90, que dispõe sobre a administração do fundo conforme observa Ari Alves de Oliveira Filho (FILHO, 2.009, p. 145). 8 Segundo Fiorillo, “o direito difuso apresenta-se como um direito transindividual, tendo um objeto indivisivel, titularidade indeterminada e interligada por uma situação de fato” (FIORILLO, 2.012, p. 56). 9 Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 213
A EQUIPARAÇÃO SALARIAL EM CADEIA Angela Mayara Ribeiro Serra1
RESUMO: O presente artigo abordará o instituto da equiparação salarial com enfoque na revisão e alteração substancial da súmula número 6 do TST, ocorrida no fim do ano de 2010 e novamente em setembro de 2012. Passando a considerar como excludente do pedido de equiparação salarial a hipótese da equiparação salarial em cadeia – aquela que tem como paradigma, colega que exerça a mesma função e tenha obtido a equiparação com outro colega em decisão judicial -, se não demonstrada a presença dos requisitos da equiparação em relação ao paradigma que deu origem à pretensão, caso arguida objeção pelo empregador. Dessa forma, será analisada a equiparação salarial em cadeia, bem como a estabilidade e segurança jurídica trazida pela mesma. O estudo do tema é de suma importância, principalmente, aos operadores do direito do trabalho. Vez que a equiparação salarial em cadeia assusta aos empresários, sendo assunto recente e recorrente na justiça trabalhista. PALAVRAS CHAVE: Equiparação salarial; Súmula 6 do TST; Salário. Área de Interesse: Direito do Trabalho
1 INTRODUÇÃO
-se consignados na CLT mais alguns dispositivos legais, dentre eles
O presente trabalho tem como foco a equiparação salarial,
o artigo 3º, parágrafo único e artigo 5º. O primeiro dispositivo mar-
instituto que se estrutura a partir do princípio da isonomia previs-
ca a inexistência de qualquer distinção no tratamento legislativo
to em nossa Constituição da República de 1988 e na CLT. Tendo
dispensado ao empregado em função da espécie de emprego ou
seu alicerce no princípio da igualdade constante dos artigos 3º,
natureza do trabalho (intelectual, técnico e manual). O segundo
inciso IV e 7º, inciso XXX da CR/88, que estabelece a proibição
aplica-se ao tema em estudo que declara: “todo trabalho de igual
de diferença de salários por motivo de sexo, idade, cor ou estado
valor corresponde salário igual sem distinção de sexo”.
civil. Em síntese, tal norma de conteúdo trabalhista é decorren-
Estando presente também no artigo 461 caput e parágrafo 1º:
te do que dispõe o artigo 5º, inciso I, do mesmo diploma legal, que impossibilita o tratamento diferenciado entre homens e mu-
Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual
lheres. Transformando-se em um relevante aspecto dos direitos
valor, prestado ao mesmo empregador, na mes-
sociais indispensáveis à dignidade da pessoa, não apenas como
ma localidade, corresponderá igual salário, sem
homem, mas igualmente como empregado frente ao empresaria-
distinção de sexo, nacionalidade ou idade.
do e aos demais empregados.
§ 1º: Trabalho de igual valor, para os fins deste ca-
Logo, o princípio de salário igual para trabalho igual é um
pítulo, será o que for feito com igual produtividade
instituto muito mais amplo e que constitui uma das mais gran-
e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas
diosas conquistas da democracia: a igualdade de trabalho entre
cuja diferença de tempo de serviço não for supe-
homens perante a lei. Visando a isonomia, os homens não devem
rior a dois anos.
ser discriminados em razão de sua origem social, sexo, idade, raça e de seus credos religiosos ou políticos. Enfim, o referido
Em suma, o artigo 461 da CLT em conjunto com a Súmula 6
princípio busca o respeito à substancial identidade do homem,
do TST destacam e esclarecem com suficiente precisão os requi-
como homem e como cidadão.
sitos necessários à equiparação salarial, sendo através dos mes-
O tema do presente trabalho será minuciosamente abor-
mos que o empregado poderá postular a equiparação, são eles:
dado, a fim de esclarecer as frequentes indagações acerca da
idêntica função, trabalho de igual valor, prestado para o mesmo
recente alteração da Súmula 6 do TST, que consequentemente
empregador, na mesma localidade, com contemporaneidade no
refletiu no instituto da equiparação salarial em cadeia.
exercício das funções.
2 DESENVOLVIMENTO
obtida a equiparação salarial, o reclamante e paradigma devem
Importante salientar que, conforme já dito, para que seja A reforçar o princípio geral de igualdade entre os homens tem-
exercer igual função. Estabelece a Súmula 6, inciso II do TST que
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para efeito da equiparação de salários, no que se refere ao requi-
paração com B, D com C e assim por diante, ocasionando uma
sito de trabalho igual, conta-se o tempo de serviço na função e
cadeia de equiparações infinita.
não no emprego. No mesmo sentido, será sempre irrelevante o fato de que existam nomes diversos para funções equivalentes,
Após alteração da referida Súmula, a mesma passou ao seguinte texto final:
pois o instituto da equiparação tem por base a primazia da realidade. Assim, comprovada a equivalência no exercício das funções,
VI – Presentes os pressupostos do art. 461 da CLT, é
o empregado terá direito à equiparação salarial. Sendo ainda des-
irrelevante a circunstância de que o desnível salarial
necessário que ao tempo da reclamação trabalhista reclamante e
tenha origem em decisão judicial que beneficiou o
paradigma estejam trabalhando juntos, desde que a pretensão se
paradigma, exceto se decorrente de vantagem pes-
refira a situação pretérita.
soal, de tese jurídica superada pela jurisprudência
Para Maurício Godinho:
de Corte Superior ou, na hipótese de equiparação salarial em cadeia, suscitada em defesa, se o empre-
A equiparação salarial é a figura jurídica mediante a
gador produzir prova do alegado fato modificativo, im-
qual se assegura ao trabalhador idêntico salário ao
peditivo ou extintivo do direito à equiparação salarial
do colega perante o qual tenha exercido, simultanea-
em relação ao paradigma remoto.
mente, função idêntica, na mesma localidade, para o mesmo empregador. A esse colega comparado dá-se
Assim, tem-se consagrado o ideal de que empregados que ofe-
o nome de paradigma e ao trabalhador interessado
recem o mesmo resultado ao empregador não podem ser tratados
na equiparação denomina-se paragonado ou equipa-
de formas distintas. Porém, a hipótese de equiparação salarial “em
rando. (DELGADO, 2009, p. 735)
cadeia”, “em cascata”, “em trama” ou “em rede”, somente poderá ocorrer caso preenchidos os requisitos da mesma em relação ao pa-
Porém, mesmo preenchidos os requisitos supracitados
radigma que deu origem à pretensão, caso arguido pelo empregador.
existem situações em que a equiparação não será procedente,
Portanto, o presente dispositivo veda que a equiparação salarial se
cabendo ao empregador o ônus da prova de fato impeditivo,
dê em forma de corrente, ou seja, um empregado se equipara a ou-
modificativo ou extintivo da equiparação salarial. São elas: dife-
tro, que se equipara a outro e assim por diante, sem que o último em-
rença de produtividade e perfeição técnica no exercício das fun-
pregado preencha os requisitos da equiparação presentes no artigo
ções entre paradigma e paragonado; contar o paradigma com
461 da CLT com o primeiro equiparado.
diferença de tempo de serviço na função superior a dois anos
em relação ao reclamante; a existência de quadro de pessoal
provimento ao recurso do empregador, uma vez que o Tribunal
organizado em forma de carreira homologado pelo Ministério
Regional ao manter a sentença de primeiro grau, não levou em
do Trabalho e Emprego, hipótese em que as promoções deve-
consideração tal vedação da súmula em questão que apresenta
rão obedecer aos critérios de antiguidade e merecimento, alter-
profundos reflexos na vida prática trabalhista.
Tal como no julgado abaixo, onde o TST conheceu e deu
nadamente dentro de cada categoria profissional. Não servindo ainda como paradigma o empregado que exer-
RECURSO DE REVISTA – EQUIPARAÇÃO SALARIAL
ça a função em decorrência de readaptação. Ou seja, aquele em-
EM CADEIA – No caso dos autos, a posição do Tri-
pregado que sofreu algum acidente ou doença que reduziu sua
bunal Regional contraria o disposto no art. 461 da
capacidade laboral, impossibilitando que o mesmo continuasse
CLT, quando manteve a sentença que julgou proce-
exercendo a função anterior.
dente o pedido de equiparação da reclamante com
O inciso VI da súmula 6 do TST cuida especificamente do
a paradigma Fabiana Cristina Chaves, estendendo
instituto da equiparação salarial em cadeia. Anterior redação da
diferenças salariais alcançados por ela em decor-
presente súmula dispunha que, presentes os pressupostos da
rência de outra reclamação trabalhista em que
equiparação salarial, irrelevante seria a circunstância de que o
logrou êxito em seu pedido de equiparação sala-
desnível salarial tivesse origem em decisão judicial que benefi-
rial com Ivone Camilo Tinoco Miranda, sem que se
ciasse o paradigma, exceto se decorrente de vantagem pessoal ou
observasse se a ora reclamante efetivamente pre-
de tese jurídica superada pela jurisprudência de Corte Superior.
enchia os requisitos do art. 461 da CLT, com esta
Desta forma, o empregado B obtinha equiparação com A em vir-
paradigma Ivone. Recurso de revista que se co-
tude do exercício da mesma função. Em seguida, C obtinha equi-
nhece e a que se dá provimento. (RR 1203/2006-
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023-03-40, 7º Turma, Relator Ministro Pedro Paulo
a invocação de ofensa a dispositivo legal ou pre-
Manus, DEJT 21.08.2009)
ceito constitucional a justificar o conhecimento dos embargos, pelo que não cabe o exame da alegada
RECURSO DE REVISTA – EQUIPARAÇÃO SALARIAL
violação do artigo 461 da CLT. 2) Recentemente esta
– JULGAMENTO ULTRA PETITA – VIOLAÇÃO DOS
Corte pacificou entendimento a respeito da questão,
ARTS. 128 E 460 DO CPC. O fato de o eg. Tribunal
mediante a alteração da redação da Súmula/TST
Regional analisar a questão pelo prisma da equipa-
nº 6, VI, no sentido de que, em se tratando de pedi-
ração salarial via transversa com a modelo Ivone
do de equiparação salarial em cadeia, compete ao
Tinoco não configura julgamento ultra petita, mas,
reclamante a comprovação do preenchimento dos
sim, a intenção de demonstrar a realidade fática
requisitos do artigo 461 da CLT apenas em relação
constatada nos presentes autos, uma vez que a
ao paradigma imediato, cabendo ao reclamado com-
reclamante sequer conhecia a paradigma original.
provar a alegação de -fato modificativo, impeditivo ou
Intactos os arts. 128 e 460 do CPC. Recurso de
extintivo do direito à equiparação salarial em relação
revista não conhecido.
ao paradigma remoto-. Sendo assim, nos termos da parte final do inciso II do artigo 894 da CLT, não há
Ao tratar da equiparação salarial em cadeia Paulo Jakutis se posiciona:
que se falar em divergência jurisprudencial. Recurso de embargos não conhecido.
Essa figura, ao que tudo indica, traduz a idéia de
Recentemente caso específico referente a equiparação salarial
uma equiparação que ocorre por meio de um elo,
em cadeia foi submetido à análise da 9ª Turma do TRT-MG que, ao
ou seja, ‘A’ busca a equiparação com ‘C’, mas,
analisar o pedido, julgou com base na revisão da súmula 6 do TST.
para tanto, equipara-se, por primeiro, a ‘B’, quando
Na exordial a reclamante pleiteava a equiparação salarial
‘B’, então, faz o papel de elo e forma a corrente de
com uma colega. Que, por sua vez, já havia obtido a equipara-
equiparados. (JAKÚTIS, 2011, p.08)
ção em relação a outro modelo em decisão judicial. Em análise ao recurso, a desembargadora Mônica Sette Lopes constatou a
Desta forma, nos termos do referido dispositivo legal o que
presença dos requisitos do artigo 461 da CLT em relação a todos
se busca é evitar que empregados que tenham tempo de serviço
os paradigmas, inclusive com a originária da cadeia, explicitando
superior a dez ou mesmo vinte anos recebam o mesmo salário,
em seu voto o item VI da Súmula 6 do TST. No presente caso, ca-
desde que a equiparação se dê de modo intercalado de um em
beria aos reclamados demonstrarem a existência de qualquer fato
um até se chegar ao mais novo empregado, em evidente afronta
impeditivo à equiparação pleiteada, o que não ocorreu.
ao princípio da isonomia e ao artigo 461 da CLT.
A equiparação salarial em cadeia foi ainda personagem prin-
Inúmeros precedentes no mesmo sentido podem ser citados
cipal da seção realizada pela SDI-1 do TST em 23 de maio deste
embasando o que até aqui se disse, dentre eles o presente Recur-
ano. Onde ficou definido que cabe exclusivamente ao empregador
so de Embargos:
provar em sua defesa, a existência de fato impeditivo à procedência da equiparação salarial pleiteada, quando o pedido se susten-
EQUIPARAÇÃO SALARIAL EM CADEIA - ÔNUS DA
tar em equiparação em cadeia.
PROVA DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO
Ao requerer a equiparação, a empregada indicou como para-
ARTIGO 461 DA CLT EM RELAÇÃO AOS PARADIGMAS
digma uma colega que, em anterior ação trabalhista, obteve equi-
REMOTOS - SÚMULA/TST Nº 6, VI. 1) A v. decisão
paração com outro empregado, que, por sua vez, obteve a equipa-
ora embargada foi publicada na vigência da Lei nº
ração com uma quarta empregada. Tal como já apresentado no
11.496/2007, que emprestou nova redação ao arti-
caso acima. Na presente situação o TRT da 3ª região considerou
go 894 da CLT, pelo que estão os presentes embar-
que tal circunstância não impedia o reconhecimento do direito,
gos regidos pela referida lei. E, nos termos da atual
muito embora as reclamadas alegarem que se tratava de equipa-
sistemática processual, o recurso de embargos só se
ração em quarto grau, configurando “uma cadeia sem fim”.
viabiliza se demonstrada divergência entre arestos
Para o Tribunal, a empregada comprovou a identidade de
de Turmas desta Colenda Corte, ou entre arestos de
função com a paradigma apresentada, enquanto a empregadora
Turmas e da SDI. Nesse passo, afigura-se imprópria
não demonstrou qualquer fato impeditivo, modificativo ou extinti-
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vo do direito postulado. O relator do presente recurso - ministro José Roberto Freire Pimenta - observou que o item VI da Súmula 6 foi modificado recentemente, mais precisamente em setembro de 2012, para dispor que, nos casos de equiparação em cadeia, cabe ao empregado a demonstração do preenchimento dos requisitos do artigo 461 da CLT apenas em relação ao paradigma imediato. Devendo situações impeditivas serem apresentadas pelo empregador, em defesa. Ante o exposto podemos observar a ocorrência de certa uniformização da jurisprudência no presente sentido, ocasionando inúmeros benefícios, na medida em que quanto menor o número de decisões conflitantes, menos assoberbados se encontrão os Tribunais Superiores e maior segurança existirá nas relações jurídicas trabalhistas. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim podemos concluir que todos os empregados podem se beneficiar do preceito constitucional da isonomia que consagrou a equiparação salarial, porém, é essencial que se enquadrem nos pressupostos. Desta forma, o trabalho igual terá salário igual, desde que preenchidos os requisitos legais e que não seja apresentado pelo empregador nenhum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do pedido. Dito isto, fácil perceber que a alteração da Súmula em análise teve como intuito final afastar o absurdo de que pessoas que nunca tenham trabalhado no mesmo local, ou ainda, que nem mesmo se conheceram, obtivessem equiparação uma com a outra. Situação que causava prejuízo e insegurança jurídica às empresas empregadoras, que em inúmeras vezes eram condenadas ao pagamento das diferenças salariais - dentre outras parcelas - re-
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1 Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
RR nº 653/2008-038-03-00.0 Dísponível em: http://www.jusbrasil.com. br/jurisprudencia/5377485/recurso-de-revista-rr-653-653-2008-038-03Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 217
A ILICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA NAS EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇÕES Cláudia Ruth da Silva1
RESUMO: O instituto da terceirização trabalhista é um tema de desmesurada importância, em especial para as grandes empresas, que vem crescendo, sistematicamente, com o passar dos anos. Apesar de ser um instituto intrínseco à atualidade, diversas empresas o utilizam de forma errônea. Com este estudo pretendemos demonstrar a má utilização da terceirização trabalhista perpetrada pelas empresas de telecomunicações. PALAVRAS-CHAVE: terceirização trabalhista; ilicitude; empresas de telecomunicações; súmula 331 do TST; Lei 9472/97. ÁREAS DE INTERESSE: Direito do Trabalho.
1 INTRODUÇÃO
Encontra-se o que são empresas de telecomunicações no
A terceirização trabalhista é um importante fenômeno da
disposto no Art. 60 da Lei 9.472/97. As atividades fim de tais
atualidade e tem crescido de forma exorbitante no Brasil. Não
empresas de telecomunicações são: a transmissão, emissão
obstante sua tamanha importância, não está regulamentada por
e a recepção do transmitido, serviços esses que se realizam
lei, tendo que ser todas as questões relativas ao instituto delibe-
mediante redes e outros de valor adicionado.
radas tão somente por jurisprudência já consolidada pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST, através da Súmula 331.
Ainda no que tange à Lei 9.472/97, responsável pela regularização das empresas de telecomunicações, em seu Art.
A terceirização para o Direito do Trabalho é conceituada
94, ao mencionar que é possível a terceirização de “atividades
por Godinho como sendo [...] “o fenômeno pelo qual se desas-
inerentes” abre uma lacuna para a realização de terceirização
socia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhis-
ilícita, vez que essas empresas utilizam tal expressão para en-
ta que lhe seria correspondente” 2.
fatizar que é possível a terceirização de suas atividades fim.
Para que se entenda a diferença entre a terceirização líci-
A realização de terceirização por parte dessas empresas gera um
ta e a terceirização ilícita, importante se faz diferenciar ativi-
dano muito grande aos trabalhadores terceirizados, uma vez que es-
dade meio de atividade fim. A atividade fim é aquela atividade
ses não fazem jus aos mesmos direitos que os empregados da toma-
em que a empresa se propõe a desenvolver como sendo pri-
dora de serviços, mesmo realizando atividades idênticas às daqueles.
mordial, é a essência do desenvolvimento empresarial, aquela
Não obstante ser a Súmula 331 omissa quanto à responsa-
constante de seu contrato social. Por sua vez, atividade meio
bilidade da tomadora de serviços quando for reconhecida a ter-
consiste nos serviços eventuais, aqueles que são prestados
ceirização ilícita, chega-se à conclusão que tal responsabilidade
em caráter emergencial, circunstancial. Não faz parte da es-
só pode ser solidária. Tal entendimento tem como base os artigos
sência da empresa, mas, tão-somente, auxilia no desenvolvi-
927 e 942 do Código Civil, os quais preveem que aquele que co-
mento da atividade principal.
mete dano a outrem, possui o dever de repará-lo.
No entanto, para que seja a terceirização lícita, não basta que se trate de terceirização de atividade meio, é necessá-
2 CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO
rio, ainda, que se observe a inexistência de pessoalidade e
O fenômeno da terceirização tem crescido de forma intensa
de subordinação direta. No que tange à subordinação direta,
no Brasil, e vem sendo utilizado por diversas empresas, principal-
tem-se a subordinação estrutural. Nessa não é preciso que o
mente, as de grande porte. A terceirização trata-se de uma presta-
terceirizado receba ordens diretas por parte do tomador de
ção de serviços a terceiros, a qual é definida por José Carlos Bon-
serviços, basta que esse insira o empregado terceirizado em
figlioli3, como o ato de [...] “repassar a outras empresas a tarefa
sua dinâmica de organização e funcionamento.
de realizar as atividades não essenciais da empresa contratante”.
218 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
Ou seja, uma empresa, denominada tomadora de serviços,
e normas trabalhistas, inclusive o balizamento
contrata outra, prestadora de serviços, para que essa lhe forneça
constitucional e a regra que impede a fraude aos
trabalhadores, com o intuito de exercerem atividades profissionais
direitos do trabalhador (art. 9º da CLT).6
diversas de sua atividade fim. Interessa-nos, no entanto, o conceito de terceirização para o Direito do Trabalho, que é o objeto de nosso estudo.
O Art. 94 da Lei 9.472/97 é um dos argumentos que as empresas de telefonia utilizam para justificar a terceirização realiza-
Para que se esclareça do que se trata a terceirização sob esse
da em seu serviço de call center, qual seja a permissão de ter-
aspecto, citamos o festejado Dr. Maurício Godinho Delgado. Para ele,
ceirizar atividades inerentes, acessórias ou complementares. Tais
[...] “é o fenômeno pelo qual se desassocia a relação econômica de
empresas utilizam o termo “inerente” pra fazer crer que a Lei de
trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente”4.
Telecomunicações admite a terceirização de atividade fim, argu-
Passamos à análise da afirmação. Para que se entenda tal conceito, importante se faz frisar que há na terceirização três persona-
mento esse que será mais bem ventilado no decorrer do presente trabalho.
gens, o que Godinho denomina como relação trilateral. Ou seja, há o empregado/prestador de serviços, a tomadora de serviços e a em-
2.1 Regulamentação da Terceirização
presa terceirizante. O empregado possui vínculo empregatício com a
Com a utilização, cada vez mais constante, da terceirização
empresa terceirizante (relação justrabalhista) e sua função é prestar
para viabilização da exploração econômica das atividades empre-
serviços à tomadora (relação econômica de trabalho). O vínculo em-
sariais, surgiu a necessidade de regulamentação, visando impedir
pregatício é apenas entre o empregado e a empresa terceirizante,
a má utilização daquela. Diante da ausência de preceito norma-
não havendo qualquer vínculo justrabalhista com a tomadora de ser-
tivo que regulamentasse o fenômeno, foi criada a Súmula 331,
viços, pois esta não é considerada empregadora.
consolidando o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho,
Essa relação trilateral difere completamente do clássico modelo empregatício, pois, como é sabido, a relação empregatícia
onde constam os requisitos para a terceirização de atividades empresariais, que dispunha o seguinte em sua redação original:
tem caráter, essencialmente, bilateral. Assim sendo, doutrina e jurisprudência possuem certa resistência quanto a esse instituto,
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
declarando que esse deve ser utilizado apenas como exceção à
LEGALIDADE
contratação de força de trabalho.
I – A contratação de trabalhadores por empresa in-
A título de exemplo, citamos um recente julgado do Tribunal
terposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamen-
Regional do Trabalho da 3ª Região, onde o Exmo. Relator Convoca-
te com o tomador dos serviços, salvo no caso de
do da 7ª Turma, Dr. Antônio Gomes de Vasconcelos, entende como
trabalho temporário (Lei no 6.019, de 03.01.1974).
sendo ilícita a terceirização perpetrada entre a Telemar Norte Leste S.A. e a Contax S.A. Embasou-se o Ilustre Julgador nos termos
II – A contratação irregular de trabalhador, median-
da Súmula 331, entendendo não ser cabível o Art. 94, inciso II, da
te empresa interposta, não gera vínculo de empre-
Lei 9.472/97 . Vejamos:
go com os órgãos da administração pública direta,
5
indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. TELECOMUNICAÇÕES. Aplicável o entendimento da Súmula nº
III – Não forma vínculo de emprego com o toma-
331, itens I e III, do TST, porquanto ocorrida a ter-
dor a contratação de serviços de vigilância (Lei no
ceirização dita irregular ou ilícita, por dar-se na
7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpe-
atividade-fim da tomadora, onde se enquadra o
za, bem como a de serviços especializados ligados
atendimento a clientes, entendido, nesse quadro
à atividade-meio do tomador, desde que inexisten-
fático, que formada a relação de emprego direta-
te a pessoalidade e a subordinação direta.
mente com a tomadora e beneficiária dos serviços. E o setor empresarial de telecomunicações
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhis-
e telefonia não tem especificidade em relação
tas, por parte do empregador, implica a respon-
ao tema, porquanto genérico e inaplicável, em
sabilidade subsidiária do tomador dos serviços,
tal contexto, o permissivo do invocado art. 94,
quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos
item II, da lei nº 9.472/97, frente aos princípios
órgãos da administração direta, das autarquias,
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 219
das fundações públicas, das empresas públicas
V – Os entes integrantes da administração pú-
e das sociedades de economia mista, desde que
blica direta e indireta respondem subsidiaria-
hajam participado da relação processual e cons-
mente, nas mesmas condições do item IV, caso
tem também do título executivo judicial (art. 71
evidenciada a sua conduta culposa no cumpri-
da Lei no 8.666, de 21.06.1993).
mento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das
Conforme se observa, o inciso IV previa que, no caso de
obrigações contratuais e legais da prestadora de
inadimplemento dos encargos trabalhistas por parte da empre-
serviço como empregadora. A aludida responsa-
sa interposta, a Administração Pública, quando tomadora de
bilidade não decorre de mero inadimplemento
serviços, possuía responsabilidade subsidiária quanto ao adim-
das obrigações trabalhistas assumidas pela em-
plemento das obrigações.
presa regularmente contratada.
É sabido, porém, que a Administração Pública é regida por normas próprias, sendo a contratação de seus serviços regula-
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador
mentada pela Lei 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos). Em
de serviços abrange todas as verbas decorrentes
seu art. 71, § 1 , a referida Lei afasta a responsabilidade da
da condenação.
o
Administração Pública quanto aos débitos trabalhistas quando da inadimplência operada pela empresa contratada. In verbis:
Não obstante, por ser a terceirização complexa e bastante ampla, a Súmula deixou de ser suficiente para regulamentar
A inadimplência do contratado, com referência
sobre todas as demandas práticas. Desta feita, encontramos
aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não
regulamentações em leis esparsas, específicas para cada ativi-
transfere à Administração Pública a responsabi-
dade profissional de acordo com o ramo econômico de explora-
lidade por seu pagamento, nem poderá onerar o
ção das empresas.
objeto do contrato ou restringir a regularização e
É o caso da Lei 9.472/97, Lei Geral de Telecomunicações,
o uso das obras e edificações, inclusive perante o
que regulamenta, especificamente, sobre a terceirização reali-
Registro de Imóveis. (g.f)
zada pelas empresas de telecomunicações, principal objeto de estudo deste trabalho. Surgem, com isso, inúmeros problemas,
A incontroversa até então existente entre o enunciado da Sú-
principalmente, o conflito entre normas jurídicas. Certo é que
mula 331 do TST e da Lei de Licitações quanto à responsabilidade
somente a Súmula não consegue prever todas as peculiarida-
da Administração Pública no que tange aos encargos trabalhistas
des que detém o instituto, entretanto, as leis devem ser criadas
foi sanada através da Ação Direta de Constitucionalidade nº 16,
norteando-se na previsão desta.
interposta pelo Distrito Federal, em 2010. O Supremo Tribunal Federal entendeu pela constitucionalida-
3 A ILICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA
de do artigo 71 da Lei 8.666/93, se responsabilizando a Adminis-
Consoante se observa do enunciado da Súmula 331, es-
tração Pública somente quando essa não cumprir com o seu dever
tão previstos os requisitos para que ocorra a terceirização de
de fiscalizar a contratação de empresas terceirizadas ou quando
algumas atividades das empresas. Tais requisitos se fazem
descumprir com seus deveres contratuais previamente estabele-
necessários, vez que, conforme já mencionado, o instituto da
cidos, culpa in eligendo e culpa in vigilando.
terceirização deve ser utilizado como exceção à contratação da
Assim, o Tribunal Superior do Trabalho adequou o enunciado da Súmula 331, alterando o inciso IV e acrescentando os incisos V e VI. Vejamos:
força de trabalho, tendo em vista o caráter bilateral da relação empregatícia, ou seja, empregado e empregador. Importante destacar que, não obstante haja três hipóteses de terceirização permanente, previstas na mencionada Súmu-
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhis-
la, quais sejam: Serviços de vigilância (inciso IIII), serviços de
tas, por parte do empregador, implica a respon-
conservação e limpeza (inciso I) e serviços ligados à atividade
sabilidade subsidiária do tomador de serviços
meio do tomador (inciso I), somente nos interessa no presente
quanto àquelas obrigações, desde que haja par-
trabalho essa última. Ressalte-se, ainda, que a Súmula 331 do
ticipado da relação processual e conste também
TST admite, como única hipótese de terceirização temporária, o
do título executivo judicial.
Trabalho Temporário (Inciso I).
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3.1 Atividade Fim e Atividade Meio
da terceirização e, conseqüentemente, no reconhecimento de
Conforme mencionado, o objeto de nosso estudo é a hipóte-
vínculo empregatício com o tomador. O Legislador quis, com isso,
se de terceirização prevista no inciso I da Súmula 331, a tercei-
delimitar limites à terceirização.
rização dos serviços ligados à atividade meio do tomador. Para
Inicialmente, cumpre salientar que o Art. 3º da CLT conceitua
que possamos melhor compreender do que se trata esse tipo de
empregado ao dispor que “considera-se empregado toda pessoa fí-
terceirização, é mister explicar e diferenciar a atividade fim da ati-
sica que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
vidade meio, pois acreditamos que essa diferenciação auxiliará a
sob dependência deste e mediante salário”. Portanto, extrai-se que
identificar a terceirização quando ilícita.
para que se tenha reconhecido vínculo empregatício, necessário se
Para tanto, cita-se o Dr. Maurício Godinho Delgado que, de forma brilhante, conceitua a atividade fim:
faz estarem presentes cinco requisitos: pessoa física, pessoalidade, não eventualidade (habitualidade), onerosidade e subordinação. Observe que, não obstante estejam presentes na terceiriza-
“atividades-fim podem ser conceituadas como as
ção, normalmente, três dos elementos caracterizadores do víncu-
funções e tarefas empresariais e laborais que se
lo empregatício (onerosidade, pessoa física e não eventualidade),
ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do
a presença dos elementos pessoalidade e subordinação, acarreta
tomador de serviços, compondo a essência dessa
a ilicitude da terceirização, caracterizando o vínculo empregatício
dinâmica e contribuindo inclusive para a definição
diretamente com a tomadora de serviços.
de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial do tomador dos serviços, nem com-
3.2.1 Pessoalidade
põem a essência dessa dinâmica ou contribuem
A pessoalidade, para Alice Monteiro Barros, [...] “exige que
para a definição de seu posicionamento no con-
o empregado execute suas atividades pessoalmente, sem se
texto empresarial e econômico mais amplo. São,
fazer substituir, a não ser em caráter esporádico, com a aquies-
portanto, atividades periféricas à essência da dinâ-
cência do empregador.”9
mica empresarial do tomador dos serviços.”7
Assim, a pessoalidade não separa o empregado da atividade desempenhada, ou seja, ele não pode ser substituído. Tal fato des-
Concluímos, portanto, que a atividade fim é aquela atividade
caracteriza por completo a terceirização, vez que quando se utiliza
em que a empresa se propõe a desenvolver como sendo primor-
tal fenômeno, a intenção é contratar uma empresa, independen-
dial, é a essência do desenvolvimento empresarial, aquela cons-
temente de quem será o empregado colocado à disposição pela
tante no contrato social. A atividade fim é facilmente identificada
empresa terceirizante, afastando, desse modo, o intuitu personae.
quando trata-se de serviços não-eventuais de uma empresa.
Quando se trata de relação bilateral de trabalho, o empre-
Lado outro, temos a atividade meio que, para Sérgio Pinto
gador contrata uma pessoa específica, para exercer determina-
Martins, [...] “pode ser entendida como a atividade desempenha-
da função. O empregador, nesse caso, tem o direito de escolher
da pela empresa que não coincide com seus fins principais”8.
quem contratar, saber se o empregado tem plenas condições
A atividade meio consiste nos serviços eventuais, aqueles
de exercer a função, podendo fazer processo seletivo a seu cri-
que são prestados em caráter emergencial, circunstancial. Não
tério para contratar quem achar que melhor ocupará o cargo. O
faz parte da essência da empresa, mas, tão-somente, auxilia no
mesmo não ocorre na terceirização.
desenvolvimento da atividade principal.
Não obstante, conforme entendimento da autora Gabriela Ne-
Nesse sentido, o Legislador é claro ao dispor que somente
ves Delgado10, tal requisito não pode ter uma leitura finalística.
estão as empresas autorizadas a realizarem a terceirização de
Isso porque a pessoalidade trata-se de um requisito relativo, mui-
serviços que não sejam considerados como sendo atividade fim,
tas vezes imperceptível. Dessa forma, entende a autora que tal
ou seja, que não sejam essenciais ao desenvolvimento das ativi-
pressuposto não pode ser visto formalmente, devendo ser levado
dades da empresa.
em consideração que tal pressuposto pode estar presente, inclusive, nas relações bilaterais.
3.2 Pessoalidade e Subordinação Direta Para que seja a terceirização tida como lícita, não basta que
3.2.2 Subordinação Direta
se trate de terceirização de atividade meio, é necessário, ainda,
A subordinação é o principal elemento de caracterização da
que se observe a inexistência de pessoalidade e de subordinação
relação de emprego. Amauri Mascaro Nascimento bem o concei-
direta. A inobservância desses pressupostos acarreta a ilicitude
tua como sendo a [...] “situação em que se encontra o trabalhador,
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decorrente da limitação contratual da autonomia de sua vontade,
EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO. EMPRESA DE TELECO-
para o fim de transferir ao empregador poder de direção sobre
MUNICAÇÕES. ATIVIDADE-FIM E SUBORDINAÇÃO
atividade que desempenhará.”
ESTRUTURAL. LEI 9.472/97 E SÚMULA VINCULAN-
11
O empregado fica submetido ao empregador, às suas normas e
TE 10/STF. A decisão de não validar a terceirização
ordens. A subordinação permite que o empregador fiscalize, controle,
implementada pela tomadora – uma empresa de te-
regule, realize cobranças, exercendo, assim, seu poder diretivo.
lecomunicações – não afronta o artigo 94, II, da Lei
Observe-se que o poder diretivo é exclusividade do empre-
n. 9.472/97, tampouco a Súmula Vinculante nº. 10
gador. Considerando o já disposto anteriormente, a empresa
do Supremo Tribunal Federal. A discussão sobre a
tomadora de serviços não é empregadora do terceirizado, não
licitude ou não da terceirização não decorre apenas
podendo, portanto, exercer tal poder.
do contrato celebrado entre empresas terceirizan-
Desta feita, caso seja reconhecida a subordinação do terceiri-
tes, mas das condições e dos efeitos dessa tercei-
zado pela empresa tomadora de serviços, poderá ser reconhecido
rização. Assim, as empresas de telecomunicações
o vínculo empregatício diretamente com aquela.
devem cumprir também a legislação trabalhista e
Ao estabelecer limites à terceirização, visa o legislador impe-
a própria Constituição, não podendo permitir que
dir que haja fraude na contratação, vez que ao terceirizar os seus
os terceiros que para si trabalhem sejam discrimi-
serviços, as empresas tem um gasto menor com pessoal.
nados ou recebam tratamento distinto daquele que elas próprias oferecem aos seus empregados.14
3.2.1.1 Subordinação Estrutural Embora seja o poder diretivo inerente à empresa prestadora
A i. Desembargadora Relatora, Dra. Camila Guimarães Pereira
de serviços, constantemente, a tomadora também o tem exercido,
Zeidler, entendeu como sendo ilícita a terceirização realizada pela
sendo o empregado duplamente subordinado. Não é permitido o
Contax S.A. e a Telemar Norte Leste S.A., afirmando que, não obs-
exercício do poder de direção ou disciplinar, pelo tomador de ser-
tante estivesse sido a empregada terceirizada, ora reclamante,
viços, sobre os empregados terceirizados .
contratada pela Contax, prestava serviços de forma subordinada
12
Nesse sentido, o Dr. Maurício Godinho Delgado conceitua a
à Telemar. Nesse sentido, dispôs o seguinte:
subordinação direta de uma forma diferente, trata-se da denominada subordinação estrutural. Nessa não é preciso que o tercei-
Descabido argumentar-se que a empresa tercei-
rizado receba ordens diretas por parte do tomador de serviços,
rizante atuava em atividades diversas ao negócio
basta que esse insira o empregado terceirizado em sua dinâmica
social da TELEMAR. A atividade contratada (e efeti-
de organização e funcionamento. Assim, dispõe Godinho:
vamente realizada pela reclamante) encontrava-se dentro das atividades inerentes desenvolvidas pela
A idéia de subordinação estrutural supera as di-
empresa tomadora. Afinal, se o teleatendimento
ficuldades de enquadramento de situações fáti-
não está inserido na atividade-fim de concessioná-
cas que o conceito clássico de subordinação tem
ria de serviços de telecomunicação, o que estaria?
demonstrado, dificuldades que se exacerbam
Observe-se ainda que, independentemente de
em face, especialmente, do fenômeno contem-
fraude no âmbito da terceirização de serviços, res-
porâneo da terceirização trabalhista. Nesta me-
ta claro que o Direito do Trabalho contemporâneo
dida ele viabiliza não apenas alargar o campo de
evoluiu o conceito da subordinação objetiva para o
incidência do Direito do Trabalho, como também
conceito de subordinação estrutural como caracte-
conferir resposta normativa eficaz a alguns de
rizador do elemento previsto no art. 3º da CLT, que
seus mais recentes instrumentos desestabiliza-
caracteriza o contrato empregatício.
dores – em especial a terceirização.
13
Embora a doutrina majoritária seja aquela que defende o con-
Ressalte-se que um dos princípios de maior valor no Direito
ceito tradicional de subordinação direta, já se tem entendimentos
do Trabalho é o da primazia da realidade, portanto, conclui-se
que acolhem o conceito adotado por Godinho para a subordina-
que a subordinação direta deve se vista de uma forma mais
ção. É o caso do recente julgado do Tribunal Regional do Trabalho
ampla, pois não essa não se caracteriza tão-somente quando
da 3ª Região, vejamos:
o tomador de serviços dá ordens diretas ao terceirizado, mas
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também quando o faz indiretamente. Tudo isso visando prote-
5 DOS OPERADORES DE TELEMARKETING
ger o empregado, parte hipossuficiente da relação trabalhista, e garantir que os seus direitos não sejam suprimidos.
Os empregados são contratados pela prestadora de serviços para prestarem serviço de atendimento aos clientes da tomadora de serviços. No entanto, os empregados da empresa prestadora de ser-
4 AS EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇÕES Inicialmente, cumpre esclarecer a definição de serviço de telecomunicações. Tal conceito encontra-se positivado no Art. 60 da
viços estão diretamente ligados à dinâmica empresarial da tomadora, sendo que recebem, inclusive, ordens de gerentes dessa última. Caracteriza-se, assim, a já citada subordinação estrutural.
Lei 9.472/97. Vejamos:
Tal subordinação é facilmente identificada quando se observa o depoimento pessoal do reclamante e das testemunhas nas inúmeras
Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de
reclamações trabalhistas que são movidos com o intuito de se ver
atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.
reconhecido o vínculo de emprego com a tomadora de serviços.
§ 1º Telecomunicação é a transmissão, emissão
Estando caracterizada a subordinação e estando presente os
ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios óp-
demais elementos fáticos jurídicos, por consequência, a presente
ticos ou qualquer outro processo eletromagnético,
terceirização é considerada ilícita e declarado o vínculo empre-
de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens,
gatício diretamente com a empregadora. Entendimento da maior
sons ou informações de qualquer natureza.
parte dos Juízes das Varas Trabalhistas de Belo Horizonte.
§ 2º Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais
6 LEI 9.472/97
meios necessários à realização de telecomunica-
A presente lei trata, exclusivamente, das empresas de teleco-
ção, seus acessórios e periféricos e, quando for o
municações, tendo sido publicada em 1997, sendo, portanto, pos-
caso, as instalações que os abrigam e complemen-
terior à Súmula 331 do TST. É ela o principal embasamento das
tam, inclusive terminais portáteis.
empresas de telecomunicações para justificarem a terceirização perpetradas por elas em seu serviço de call center. Os maiores
Extrai-se do supracitado artigo quais são as atividades fim
argumentos utilizados por tais empresas são a não caracteriza-
das empresas de telecomunicações, quais sejam a transmissão,
ção do serviço de call center como atividade fim e a possibilidade
emissão e a recepção do transmitido, serviços esses que se reali-
de terceirização de suas atividades fim. Utilizam, ainda, a liminar
zam mediante redes e outros de valor adicionado.
concedida pelo Ministro do STF, Gilmar Mendes, referente à pos-
Desta forma, inegável é que a terceirização realizada por es-
sibilidade de terceirização pelas empresas de telecomunicações.
sas em seu serviço de call center caracteriza-se como terceirização de atividade fim.
6.1 O Sistema Call Center como Atividade Meio
Ainda no que tange ao conceito de telecomunicação, explicita
Alegam as empresas de telecomunicações que o serviço de call center não faz parte de suas atividades fim. Argumento
Márcio Lório Aranha:
esse que não merece prosperar, pois, conforme já vimos, a Lei Dessa forma, e consultando as definições no direi-
9.472/97, em seu Art. 60 expõe, em rol taxativo, as atividades
to nacional e internacional, podemos entender te-
que constituem atividades fim dessas empresas. O que ocorre
lecomunicação como um meio que proporciona co-
é que o sistema call center constitui serviço essencial dessas
municação direta mediante o uso de sistemas de
empresas. Nesse sentido, o Exmo. Desembargador Relator
elementos técnicos (máquinas) que possibilitem
Emerson José Alves Lage, da 6ª Turma do Tribunal Regional do
troca instantânea de informações. Nesse sentido,
Trabalho da 3ª Região, explicita que [...] “não se pode conceber
uma vez que a mediatização da comunicação - va-
que uma empresa que atua no ramo das telecomunicações ter-
lendo-se dos citados elementos técnicos - é o item
ceirize a execução de tarefas ligadas a atendimento a clientes.”
mais relevante na delimitação do que seja ou não
16
telecomunicação, ao regime jurídico das telecomu-
atividade fim e não atividade meio, como quer fazer crer tais
nicações importará mais a regulação dos meios de
empresas.
Nesse sentido, o i. Desembargador entende que trata-se de
transmissão da informação - fator determinante
Pactua-se com o citado entendimento, uma vez que não é
para as telecomunicações - do que a da informa-
plausível que se trate de atividade meio o atendimento aos clien-
ção propriamente dita.15
tes de linhas fornecidas pela empresa tomadora de serviços.
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6.2 Possibilidade de Terceirização de Atividade Fim
Não obstante, o entendimento adotado pelo Ministro Gil-
O segundo argumento utilizado pelas empresas de telecomuni-
mar Mendes deve ser observado com cautela. Isso para que
cações é o disposto no Art. 94, II, da Lei 9.472/97. O mencionado
não sejam suprimidos os direitos dos trabalhadores. Foi esse o
preceito legal admite a contratação com terceiros o desenvolvimento
posicionamento do Exmo. Desembargador Rogério Valle Ferrei-
de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço,
ra, nos autos da ação 1981-2011-011-03-00-0-RO19. Vejamos:
bem como a implementação de projetos associados. Tal disposição dá ensejo à argumentação dessas empresas no
Não se pode interpretar o dispositivo legal de
que tange à expressão “atividades inerentes”. As empresas de tele-
forma a se permitir a utilização da terceirização
comunicações interpretam tal expressão como sendo a possibilidade
com o objetivo de reduzir ou suprimir direitos tra-
de terceirização de suas atividades fim.
balhistas de determinada categoria profissional,
Não obstante, dispõe o Art. 9º da CLT que são nulos de pleno di-
pois agindo desta forma estar-se-ia infringindo
reito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou frau-
o princípio da valorização do trabalho humano,
dar a aplicação dos preceitos contidos na Consolidação Trabalhista.
insculpido nos artigos 170 e 193 da Constituição
Assim sendo, não se pode permitir que tais empresas interpre-
da República.
tem um dispositivo legal com o intuito de se beneficiar, havendo, nesse caso, nítida ofensa ao disposto na Súmula 331 do TST, a qual veda
Desta forma, por mais que exista a Súmula Vinculante nº 10 do STF que garante a cláusula de reserva de plenário, impor-
a terceirização de atividades fim.
tante destacar que no processo trabalhista impera o princípio 6.3 Liminar Concedida pelo Supremo Tribunal Federal
in dubio pro operario, que visa proteger a parte mais frágil na
O Ministro Gilmar Mendes, nos autos do processo RR-1921-
relação jurídica, qual seja o empregado.
57.2011.5.03.0112, pedido de liminar nº 10132, suspendeu os efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na qual afas-
7 AS LESÕES AOS TRABALHADORES TERCEIRIZADOS
tou a aplicação do Art. 94, II da Lei 9.472/97 e considerou irregular
São inúmeras as lesões sofridas por trabalhadores terceiriza-
a terceirização do serviço de call center, por considerar se tratar de
dos de forma permanente, uma vez que o Art. 12 da Lei 6.019/74,
atividade essencial das empresas de telecomunicações.
que garante diversos direitos ao trabalhador temporário, não faz
O Ministro utilizou o argumento de que, embora a Súmula 331
nenhuma menção aos direitos dos terceirizados permanentes.
do TST somente admita a terceirização de atividade meio do toma-
Da mesma forma, omissa também é a Súmula 331 do TST,
dor de serviços, o Art. 94, II, da Lei 9.472/97 permite a contrata-
que não protege, em momento algum, os direitos desses tra-
ção de terceiros para o desenvolvimento de atividades inerentes,
balhadores. No entanto, nada obsta que façamos a leitura do
acessórias ou complementares.17
mencionado preceito legal de forma expansiva, incluindo, as-
Alegou a Vivo S.A., nos autos da reclamação 10132, que a 3ª
sim, os terceirizados permanentes. Tal leitura é possível, tendo
Turma do TST descumpriu Súmula Vinculante nº 10 do STF. A mencio-
em vista o princípio da igualdade, da isonomia e da não-dis-
nada Súmula prevê o seguinte:
criminação, esse último previsto no Art. 5º, incisos I e XLI, da Constituição da República.
Violação da Cláusula de Reserva de Plenário - Deci-
Infelizmente, na maioria das vezes, e principalmente na ter-
são de Órgão Fracionário de Tribunal - Declaração
ceirização realizada por empresas de telecomunicações, a inten-
da Iconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo do
ção da empresa tomadora é baixar seus custos e reduzir despesas
Poder Público
com pessoal. Tendo em vista que, teoricamente, não se reconhece
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97)
vínculo entre o trabalhador terceirizado e a empresa tomadora de
a decisão de órgão fracionário de tribunal que, em-
serviços, não sendo, assim, garantidos aos terceirizados os mes-
bora não declare expressamente a inconstitucionali-
mos direitos que são assegurados aos empregados.
dade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
18
Essa diferença entre os trabalhadores pode ser considerada como discriminação. Nesse sentido, leciona Lívia Mendes Miraglia:
Assim, com base na ora citada Súmula Vinculante, decla-
Não é admissível que pessoas com a mesma ca-
rou a Vivo que a não aplicação do Art. 94, II da Lei 9.472/97
pacidade laborativa, ocupantes da mesma cate-
acarretaria violação à cláusula de reserva de plenário.
goria e que laboram na mesma empresa sofram
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qualquer tipo de discriminação, asseverada pelo
tando responsabilidade solidária às duas empresas
fato de esta ocorrer fundada tão somente na
que praticaram a irregularidade. A previsão da res-
busca incessante do lucro a qualquer preço.
ponsabilidade meramente subsidiária para a em-
20
presa que cometeu a conduta irregular terceirizante Dispõe, ainda, a autora:
consiste em assegurar-lhe tratamento promocional,
As empresas prestadoras garantem seu lucro com
favorável, idêntico àquele que a ordem jurídica de-
a exploração da mão-de-obra e a precarização do
fere á empresa que realizou terceirização lícita. Isso
trabalho. Desse modo, outra não poderia ser a con-
é simplesmente um contra-senso. Se a ordem jurí-
clusão: as condições laborativas oferecidas aos tra-
dica geral, quer no velho Código Civil, quer no novo
balhadores terceirizados, pela empresa prestadora,
estatuto civilista, enfatiza a responsabilidade solidá-
são, no mínimo, insuficientes para assegurar a sua
ria entre aqueles que cometeram ilicitudes, não é
saúde e a sua segurança no ambiente de trabalho.21
lógico que o Direito do Trabalho, mais interventivo do que o Direito Civil, mostre-se acovardado diante
Assim, incabível pensar que os trabalhadores tenham seus direitos suprimidos tão somente por tratar de terceirização. Todo
de uma conduta normativa promocional da própria ilicitude trabalhista. 23
e qualquer direito garantido ao empregado da relação bilateral devem ser devidos também ao terceirizado que exerce a mesma
A prática da terceirização ilícita perpetrada pelas empresas de telecomunicação tem crescido demasiadamente, podendo ser
função que aquele.
comprovado com uma simples pesquisa nos Tribunais Regionais 8 A RESPONSABILIZAÇÃO PELA ILICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO
do Trabalho. Tal prática, por ter sido a Súmula omissa, não gera
O inciso IV da Súmula 331 do TST admite, quando hou-
maiores danos à empresa tomadora de serviços, vez que essa se
ver o inadimplemento das obrigações trabalhistas por pare
vê assegurada pelo instituto do benefício de ordem, ou seja, lhes
do empregador, a responsabilização da empresa tomadora de
são garantido o direito de serem os bens da responsável principal
serviços pelos créditos trabalhistas do empregado terceirizado.
executados antes dos seus. Conclui-se, portanto, que a melhor
Extrai-se, portanto, que a empresa contratante é responsável
solução para o problema é ser a empresa tomadora de serviços
subsidiária quanto às obrigações trabalhistas dos terceirizados.
responsável solidária pelos créditos trabalhistas.
Ressalte-se que o mencionado preceito legal não faz diferenciação entre a terceirização lícita ou ilícita. É omissa a Súmula
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
quanto à responsabilização da tomadora de serviços quando a
O fenômeno da terceirização, embora cada vez mais utilizado,
terceirização for ilícita. Nesse tocante, Lívia Mendes Moreira Mira-
não é bem regulamentado. A Súmula 331 do TST é insuficiente
glia, entende que a responsabilidade será solidária22.
para prever todas as questões atinentes à terceirização. Essa in-
Ainda segundo a autora, no presente caso, utiliza-se o Código Civil. Tal utilização é possível, uma vez que o Art. 8º, parágrafo único, da CLT o admite, expressamente, como fonte subsidiária ao processo do trabalho.
suficiência de regulamentação traz diversas dúvidas sobre a aplicação da mesma. Assim, surgem leis esparsas para tentar suprir as lacunas que deixa a Súmula. Nesse diapasão, temos a Lei 9.472/97, Lei
Assim sendo, aplica-se o disposto nos Artigos 927 e 942 do
das Telecomunicações, que é claramente contrária a Súmula
citado Código, os quais prevêem que aquele que causa dano a
331, uma vez que essa proíbe a terceirização de atividade fim
outrem fica obrigado a repará-lo, independentemente de culpa.
enquanto aquela dispõe que é possível a terceirização de ativi-
Dispõe o Art. 942 que se a ofensa tiver mais de um autor, todos
dades inerentes.
eles responderão solidariamente pela reparação do dano.
Não há dúvidas que o exorbitante número de ações trabalhis-
É completamente plausível, portanto, que seja reconhecida
tas nesse sentido se dá pela dúvida sobre qual preceito deve-se
a responsabilidade solidária entre empresa terceirizante e to-
utilizar. Assim, para desafogar o as Varas Trabalhistas e os Tribu-
madora de serviços, quando da terceirização ilícita.
nais Regionais, o Tribunal Superior do Trabalho deve se manifestar
Nesse diapasão, Gabriela Neves Delgado leciona:
de forma a acabar com tamanha discussão. Enquanto a questão não for resolvida, quem continua sofren-
Não restam dúvidas, portanto, que a única maneira
do as conseqüências são os trabalhadores, pois esses vêem os
de se eliminar a prática ilícita terceirizante é impu-
seus direitos suprimidos com a prática da terceirização perpetra-
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da pelas empresas de telecomunicações. Os empregados da prestadora de serviços realizam as mesmas atividades que os da tomadora, no entanto, não recebem os mesmo direitos que aqueles. Tal fato é um tanto quanto absurdo, tendo em vista a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício quando caracterizados os 5 elementos fáticos jurídicos. Embora as empresas de telecomunicações interpretem o Art. 94, II, da Lei 9.472/97 como sendo permissivo à prática de terceirização de atividade fim, a Súmula 331 do TST veda tal terceirização. Assim sendo, não há que se falar em diferenciação quanto às empresas de telecomunicações. Estando caracterizados os requisitos da relação de empre-
Casimiro Costa, Melchíades Rodrigues Martins, Sonia Regina Da S. Claro. – 41. ed. São Paulo : LTr, 2013 p. 1023. DELGADO, Gabriela Neves; VIANA, Márcio Túlio; AMORIM, Helder Santos. Terceirização: Aspectos gerais. A última decisão do STF e a Súmula 331 do TST. Novos enfoques. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2010 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012. DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, n. 123, ano 32. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, julho-setembro 2006.
go, a terceirização é descaracterizada. Por conseqüência, o vínculo empregatício é reconhecido com a tomadora de serviços e todos os direitos que são devidos aos empregados da desta, passam a ser devidos também aos da prestadora de serviços.
REFERÊNCIAS ARANHA, Márcio Lório. Do processo de terceirização nas empresas de telecomunicações. Da possibilidade da terceirização da atividade-fim. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10995/do-processo-de-terceirizacao-nas-empresas-de-telecomunicacoes-da-possibilidade-da-terceirizacao-da-atividade-fim>. Consultado em: 28/05/2013. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2011. BONFIGLIOLI, José Carlos. Trabalho Temporário e Prestação de Serviços à Terceiros. Jobcenter do Brasil: São Paulo, 2011. Disponível em <www.jobcenter.com.br/arquivos/TrabalhoTemporario2011_Web.pdf>. Consultado em 20/05/2013. BRASIL. Código Civil. 63. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. BRASIL. Lei n.° 9472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 17 de julho de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm> BRASIL. Súmula Vinculante nº 10. Violação da Cláusula de Reserva de Plenário - Decisão de Órgão Fracionário de Tribunal - Declaração da Iconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo do Poder Público. Sessão Plenária de 18/06/2008 DJe nº 117/2008, p. 1, em 27/6/2008 - DO de 27/6/2008, p. 1 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 331. In: ________. Súmulas. COSTA, Armando Casimiro. Consolidação das Leis do Trabalho / Armando
MARTINS, Sérgio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2005. MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. TELECOMUNICAÇÕES. Aplicável o entendimento da Súmula nº 331, itens I e III, do TST, porquanto ocorrida a terceirização dita irregular ou ilícita, por dar-se na atividade-fim da tomadora, onde se enquadra o atendimento a clientes, entendido, nesse quadro fático, que formada a relação de emprego diretamente com a tomadora e beneficiária dos serviços. E o setor empresarial de telecomunicações e telefonia não tem especificidade em relação ao tema, porquanto genérico e inaplicável, em tal contexto, o permissivo do invocado art. 94, item II, da lei nº 9.472/97, frente aos princípios e normas trabalhistas, inclusive o balizamento constitucional e a regra que impede a fraude aos direitos do trabalhador (art. 9º da CLT). Recurso Ordinário no processo 0000558-68.2012.5.03.0025RO. Poliana Talita Evaristo versus CONTAX S.A. e Telemar Norte Leste S.A. Relator: Antônio Gomes de Vasconcelos. Minas Gerais, Acórdão de 21 de março de 2013. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/consulta/detalheProcesso2. htm>. Consultado em: 03/05/2013 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. TERCEIRIZAÇÃO. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. ATIVIDADE-FIM E SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL. LEI 9.472/97 E SÚMULA VINCULANTE 10/STF. A decisão de não validar a terceirização implementada pela tomadora – uma empresa de telecomunicações – não afronta o artigo 94, II, da Lei n. 9.472/97, tampouco a Súmula Vinculante nº. 10 do Supremo Tribunal Federal. A discussão sobre a licitude ou não da terceirização não decorre apenas do contrato celebrado entre empresas terceirizantes, mas das condições e dos efeitos dessa terceirização. Assim, as empresas de telecomunicações devem cumprir também a legislação trabalhista e a própria Constituição, não podendo permitir que os terceiros que para si trabalhem sejam discriminados ou recebam tratamento distinto daquele que elas próprias oferecem aos seus empregados. Recurso Ordinário no processo 0002022-13.2011.5.03.0139RO. Polliane Cristina da Silva versus CONTAX S.A. e Telemar Norte Leste S.A. Relatora: Camilla Guimarães Pereira Zeidler. Minas Gerais, Acórdão de 28 de janeiro de 2013. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/consulta/detalheProcesso1_0.htm>. Consultado em: 03/05/2013
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MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO CONSUBSTANCIADO NA SÚMULA 331 DO TST. CONCESSIONÁRIA DE TELEFONIA. A co-responsabilização subsidiária atribuída, em contextos de terceirização, aos tomadores de serviço, decorre de uma reformulação da teoria da responsabilidade civil, de forma a adequá-la à maior complexidade da vida social e à necessidade de satisfação do anseio de justiça. Nessa linha de idéias, a doutrina e a jurisprudência têm evoluído no sentido de ampliar o campo da responsabilidade civil, não apenas procurando libertar-se da idéia de culpa, deslocando-se o seu fundamento para o risco (responsabilidade objetiva), como também ampliando o número de pessoas responsáveis pelos danos, admitindo-se a responsabilidade direta por fato próprio e indireto por fato de terceiros, fundada na idéia de culpa presumida (“in eligendo” e “in vigilando”). A jurisprudência trabalhista, sensível a esta realidade, vem proclamando a responsabilidade subsidiária do tomador ou beneficiário de serviços, pelo inadimplemento das obrigações sociais a cargo da real empregadora, empresa contratada para a prestação dos serviços. Assim, a Súmula 331 do TST consistiu apenas numa tentativa de pacificação da jurisprudência trabalhista acerca do tema, a qual, por sua vez, nunca deixou de ser a expressão da correta inteligência e da adequada aplicação dos princípios e regras legais que, de forma sistemática, disciplinam a responsabilidade patrimonial daqueles que se beneficiam, ainda que por interposta pessoa, do labor alheio. Por tais razões, não prospera a alegação da recorrente de que a Lei nº 9.472/97 autoriza a terceirização de atividades-fim pelas concessionárias de telefonia. O mencionado diploma legal, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais - em seu art. 94, inciso II, permite à concessionária contratar, com terceiros, o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias e complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados. Contudo, a situação verificada no caso concreto diverge da previsão contida nessa norma, pois a recorrente terceirizou atividade-fim, situação que implica evidente fraude à legislação trabalhista. E, mesmo que assim não se entendesse, não se olvida que a referida lei disciplina as relações entre as concessionárias, não regendo, entretanto, as relações de trabalho entre essas e seus empregados. Recurso Ordinário no processo 015902008-003-03-00-6. Girlene Dias Bicalho vesus Atento Brasil S.A. e Telemig Celular S.A. Relator: Emerson José Alves Lage. Minas Gerais, Acórdão de 31 de agosto de 2009 Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/consulta/detalheProcesso2.htm>. Consultado em: 03/05/2013 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário no processo 01981-2011-011-03-00-0-RO. Lidiane Aparecida Moreira vesus CONTAX S.A. e Telemar Norte Leste S.A. Relator: Rogério Valle Ferreira. Minas Gerais, Acórdão de 17 de março de 2013. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/consulta/detalheProcesso1_0.htm>. Consultado em: 28/04/2013. MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. A Viabilização da Terceirização no Brasil. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/ livia_mendes_moreira_miraglia.pdf>. Consultado em: 02/06/2013. MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. A Terceirização Trabalhista no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1989 Notícias STF. Ministro suspende efeitos de decisão que considerou irregular terceirização de call center em empresa de telecomunicações. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=165687>. Consultado em: 02/06/2013.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Delgado, Maurício Godinho.- Curso de direito do trabalho – 9. ed – São Paulo : LTr. 2010 - p. 414 3 Bonfiglioli, José Carlos – Trabalho temporário e prestação de serviços à terceiros – 5. ed. – junho/2011 – Jobcenter do Brasil – p. 94. Disponível em: <http://www.jobcenter.com.br/arquivos/TrabalhoTemporario2011_ Web.pdf>. Acesso em: 20/05/2013 4 Delgado, Maurício Godinho.- Curso de direito do trabalho – 9. ed – São Paulo : LTr. 2010 - p. 414 5 Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência: II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados. 6 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. TELECOMUNICAÇÕES. Aplicável o entendimento da Súmula nº 331, itens I e III, do TST, porquanto ocorrida a terceirização dita irregular ou ilícita, por dar-se na atividade-fim da tomadora, onde se enquadra o atendimento a clientes, entendido, nesse quadro fático, que formada a relação de emprego diretamente com a tomadora e beneficiária dos serviços. E o setor empresarial de telecomunicações e telefonia não tem especificidade em relação ao tema, porquanto genérico e inaplicável, em tal contexto, o permissivo do invocado art. 94, item II, da lei nº 9.472/97, frente aos princípios e normas trabalhistas, inclusive o balizamento constitucional e a regra que impede a fraude aos direitos do trabalhador (art. 9º da CLT). Recurso Ordinário no processo 0000558-68.2012.5.03.0025RO. Poliana Talita Evaristo versus CONTAX S.A. e Telemar Norte Leste S.A. Relator: Antônio Gomes de Vasconcelos. Minas Gerais, Acórdão de 21 de março de 2013. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/consulta/detalheProcesso2. htm>. Consultado em: 03/05/2013 7 Delgado, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, LTR, abril/2012, p. 429-430 8 Martins, Sérgio Pinto – A terceirização e o direito do trabalho – 7. ed. rev. e ampl. – São Paulo : Atlas, 2005 – p. 136 9 Barros, Alice Monteiro de, Curso de Direito do Trabalho – 7. ed. – São Paulo : LTR,2011
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 227
10 DELGADO, Gabriela Neves, VIANA, Márcio Túlio, AMORIM, Helder Santos, Terceirização: Aspectos gerais. A última decisão do STF e a Súmula 331 do TST. Novos enfoques. 11 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 14ª ed. São Paulo: LTr, 1989, p.103. 12 MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. A Terceirização Trabalhista no Brasil. São Paulo: Quartier Latin. 2008, p.154 13 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, n. 123, ano 32. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, julho-setembro 2006. p. 164 14MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. TERCEIRIZAÇÃO. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. ATIVIDADE-FIM E SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL. LEI 9.472/97 E SÚMULA VINCULANTE 10/STF. A decisão de não validar a terceirização implementada pela tomadora – uma empresa de telecomunicações – não afronta o artigo 94, II, da Lei n. 9.472/97, tampouco a Súmula Vinculante nº. 10 do Supremo Tribunal Federal. A discussão sobre a licitude ou não da terceirização não decorre apenas do contrato celebrado entre empresas terceirizantes, mas das condições e dos efeitos dessa terceirização. Assim, as empresas de telecomunicações devem cumprir também a legislação trabalhista e a própria Constituição, não podendo permitir que os terceiros que para si trabalhem sejam discriminados ou recebam tratamento distinto daquele que elas próprias oferecem aos seus empregados. Recurso Ordinário no processo 0002022-13.2011.5.03.0139RO. Polliane Cristina da Silva versus CONTAX S.A. e Telemar Norte Leste S.A. Relatora: Camilla Guimarães Pereira Zeidler. Minas Gerais, Acórdão de 28 de janeiro de 2013. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/consulta/detalheProcesso1_0.htm>. Consultado em: 03/05/2013 15 ARANHA, Márcio Lório. Do processo de terceirização nas empresas de telecomunicações. Da possibilidade da terceirização da atividade-fim. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10995/do-processo-de-terceirizacao-nas-empresas-de-telecomunicacoes-da-possibilidade-da-terceirizacao-da-atividade-fim>. Consultado em: 28/05/2013. 16 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO CONSUBSTANCIADO NA SÚMULA 331 DO TST. CONCESSIONÁRIA DE TELEFONIA. A co-responsabilização subsidiária atribuída, em contextos de terceirização, aos tomadores de serviço, decorre de uma reformulação da teoria da responsabilidade civil, de forma a adequá-la à maior complexidade da vida social e à necessidade de satisfação do anseio de justiça. Nessa linha de idéias, a doutrina e a jurisprudência têm evoluído no sentido de ampliar o campo da responsabilidade civil, não apenas procurando libertar-se da idéia de culpa, deslocando-se o seu fundamento para o risco (responsabilidade objetiva), como também ampliando o número de pessoas responsáveis pelos danos, admitindo-se a responsabilidade direta por fato próprio e indireto por fato de terceiros, fundada na idéia de culpa presumida (“in eligendo” e “in vigilando”). A jurisprudência trabalhista, sensível a esta realidade, vem proclamando a responsabilidade subsidiária do tomador ou beneficiário de serviços, pelo inadimplemento das obrigações sociais a
cargo da real empregadora, empresa contratada para a prestação dos serviços. Assim, a Súmula 331 do TST consistiu apenas numa tentativa de pacificação da jurisprudência trabalhista acerca do tema, a qual, por sua vez, nunca deixou de ser a expressão da correta inteligência e da adequada aplicação dos princípios e regras legais que, de forma sistemática, disciplinam a responsabilidade patrimonial daqueles que se beneficiam, ainda que por interposta pessoa, do labor alheio. Por tais razões, não prospera a alegação da recorrente de que a Lei nº 9.472/97 autoriza a terceirização de atividades-fim pelas concessionárias de telefonia. O mencionado diploma legal, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais - em seu art. 94, inciso II, permite à concessionária contratar, com terceiros, o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias e complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados. Contudo, a situação verificada no caso concreto diverge da previsão contida nessa norma, pois a recorrente terceirizou atividade-fim, situação que implica evidente fraude à legislação trabalhista. E, mesmo que assim não se entendesse, não se olvida que a referida lei disciplina as relações entre as concessionárias, não regendo, entretanto, as relações de trabalho entre essas e seus empregados. Recurso Ordinário no processo 01590-2008-003-03-00-6. Girlene Dias Bicalho vesus Atento Brasil S.A. e Telemig Celular S.A. Relator: Emerson José Alves Lage. Minas Gerais, Acórdão de 31 de agosto de 2009 Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/ consulta/detalheProcesso2.htm>. Consultado em: 03/05/2013 17 Notícias STF. Ministro suspende efeitos de decisão que considerou irregular terceirização de call center em empresa de telecomunicações. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=165687>. Consultado em: 02/06/2013 18 BRASIL. Súmula Vinculante nº 10. Violação da Cláusula de Reserva de Plenário - Decisão de Órgão Fracionário de Tribunal - Declaração da Iconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo do Poder Público. Sessão Plenária de 18/06/2008 - DJe nº 117/2008, p. 1, em 27/6/2008 - DO de 27/6/2008, p. 1 19 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário no processo 01981-2011-011-03-00-0-RO. Lidiane Aparecida Moreira vesus CONTAX S.A. e Telemar Norte Leste S.A. Relator: Rogério Valle Ferreira. Minas Gerais, Acórdão de 17 de março de 2013. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/consulta/detalheProcesso1_0.htm>. Consultado em: 28/04/2013. 20 MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. A Viabilização da Terceirização no Brasil. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/ bh/livia_mendes_moreira_miraglia.pdf>. Consultado em: 02/06/2013. 21 MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. A Terceirização Trabalhista no Brasil. São Paulo: Quartier Latin. 2008, p. 205 22 MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. A Terceirização Trabalhista no Brasil. São Paulo: Quartier Latin. 2008, p. 194 23 DELGADO, Gabriela Neves (2003, p. 182 apud por MIRAGLIA, 2008, p.195).
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TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NAS GRANDES CIDADES URBANAS Débora Lopes Rosa
RESUMO: O Estudo sobre o trabalho escravo contemporâneo nas grandes cidades urbanas tem como objetivo trazer a reflexão concernente a prática abominável da exploração de mão de obra escrava. Através deste estudo tem-se como finalidade a contribuição para a reflexão de sua importância, no território brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: direito do trabalho; trabalho escravo; dignidade da pessoa humana. Área de Interesse: Direitos Humanos
1 INTRODUÇÃO
ção de normas e medidas mais severas, ante a realidade da prática
A prática do trabalho escravo nas grandes cidades brasileiras infelizmente e assustadoramente, sempre foi utilizada nos qua-
do trabalho em condições análogas à de escravo nos grandes centros urbanos das cidades brasileiras.
tro pontos do globo terrestre no desenrolar da história, estando
É um tema aplicado no âmbito do Direito do Trabalho, todavia,
inclusive ligado ao método de controle do crescimento mercantil.
com reflexos do Direito Constitucional, tendo em vista que o grande
Contudo, surgiram alguns opositores ao trabalho em condições
debate acerca do trabalho esbarra na liberdade e na dignidade da
análogas a de escravo, que pretendiam defender não somente
pessoa humana, que são fundamentos da Constituição da Repúbli-
o ser humano, mas também a dignidade da pessoa humana e a
ca Federativa do Brasil de 1988.
própria sociedade, em virtude do direito que constitucionalmente contemplam os trabalhadores brasileiros. A Carta Magna de 1988 preocupa-se em fazer prevalecer
A Legislação Trabalhista, também sofre violação como direitos ao salário, férias, FGTS, carga horário de trabalho e condições dignas de trabalho.
a dignidade da pessoa humana através do trabalho digno pro-
A presente questão é de suma importância para a sociedade e
priamente dito, e o faz, trazendo como pilar da Constituição,
em especial os trabalhadores, em decorrência serem os mesmos o
sendo um dos princípios fundamentais e estruturante da mes-
principal artefato deste artigo científico.
ma, tendo estes status constitucional. Todavia, a questão da prática abominável do trabalho em condições análogas à de escravo nas grandes cidades urbanas brasi-
Para o desenvolvimento do presente trabalho, foi consultada a bibliografia sobre o tema de forma ampla para que fossem acrescentados conhecimentos diversos.
leiras, ainda é uma triste realidade, embora existam leis, tratados,
A abordagem será feita de maneira concreta, através de pes-
jurisprudências e pensamentos doutrinários que condenam tais
quisa crítica e sólida, abordando e analisando de maneira racio-
práticas, não há efetividade das normas e princípios, vez que ain-
nal o ordenamento jurídico brasileiro, observando as necessida-
da se encontra em grandes fábricas, indústrias e construção civil, a
des e as incoerências existentes no que tange as normas sobre a
exploração de trabalhadores que vivem em condições degradantes.
vedação do trabalho escravo.
Atualmente o ordenamento jurídico brasileiro veda qualquer
Assim sendo, o objetivo deste estudo com aspectos jurídicos
forma de trabalho escravo, desde a Constituição da República Fede-
é analisar o Direito do Trabalho e a Dignidade Humana no Estado
rativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). Todavia, a exploração da mão
Democrático de Direito, enfocando, sobretudo, a necessidade da
de obra escrava é uma realidade temível no Brasil.
aplicação das normas trabalhistas à luz do Direito Constitucional.
Discute-se, então, a possibilidade de aplicação de penalidades mais severas para as empresas que contratam trabalhadores para
2 TRABALHO ESCRAVO
prestação de serviços em condições análogas a de escravo. Em tese, discute-se: é possível inibir o trabalho escravo contemporâneo?
2.1 Breve Histórico
Em vista do parâmetro delineado, constitui como objeto geral
O trabalho escravo no país tem sua história inicial no pe-
deste trabalho, demonstrar a necessidade emergencial da aplica-
ríodo da colônia e do império e teve seu término há 120 anos.
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 229
Nesse período ser escravo era a mesma coisa que ser um obje-
de hoje possam corresponder a um padrão de
to de propriedade de alguém, conforme aduz Patrícia Trindade
maus-tratos herdado da escravidão colonial que
Maranhão Costa (2010).
afetou o Brasil. (2010, pg. 41).
Na época da colônia e do império o país vivenciava a escravidão clássica que era uma forma de se ter uma pessoa sobre a propriedade de outra os senhores de escravos, adquiriam os escravos
Neste mesma vertente, Marcelo Campos (2011, p. 196) aduz que:
e se tornavam proprietários, ou seja, podiam ser negociados e até mesmo comprados nos grandes mercados das metrópoles.
É importante ter essa medida das diferenças e do
Neste período, se vivenciava o trabalho escravo como sen-
status jurídico do que era ser escravo no período
do uma forma comum de manter o mercado financeiro no país.
da colônia e império e daquilo que é ser um tra-
Todavia, isso ocorria da forma mais cruel possível, tendo em
balhador em condições análogas à de escravo no
vista que, os escravos clássicos viviam acorrentados e eram
Brasil contemporâneo. O trabalhador contemporâ-
tratados como animais sem ter para onde fugir.
neo vítima desse tipo de exploração não tem status
Anos depois, precisamente em 1888, houve a abolição da es-
jurídico de escravo. Ao contrário, como já assinala-
cravidão no país, e aos poucos os escravos libertados foram conquis-
do, possui status jurídico de cidadão. Deveria ser
tando com muita luta seu espaço para o começo de uma vida nova.
protegido, deveria ter direitos tais como: carteira
A luta pela conquista perdurou por muitos anos, há curto
assinada; alojamento digno; alimentação farta e
passos, devido à dificuldade de oportunidade para os liberta-
sadia. Deveria ter tudo isso e não tem (....).
dos da escravatura. Atualmente, em pleno século XXI, aproximadamente 120
Nesta perspectiva verifica-se a sutilidade e a grande violação
anos após o término da escravidão clássica, se verifica em vários
a que ficam sujeitos os trabalhadores contemporâneos escraviza-
pontos do país de forma diferenciada dos escravizados no período
dos. Isto se dá devido ao status jurídico dado aos trabalhadores,
colonial e do império, a escravidão contemporânea.
qual seja, a de cidadão, que deveria ter seus direitos garantidos.
A escravidão contemporânea se dá de forma contrária aos
Antônio Alves de Almeida afirma (2011, p. 187):
escravos de 120 anos atrás, as diferenças podem ser destacadas de várias formas dentre elas cita Patrícia Trindade Mara-
O trabalho escravo no Brasil contemporâneo é uma
nhão Costa (2010, p. 40):
questão emblemática, abrangente, complexa e desafiadora. Reinventado pelo capitalismo, manteve
A categoria “trabalho escravo” atualmente utili-
elementos do escravismo colonial, ao mesmo tempo
zada no país refere-se à escravidão contempo-
em que lhe conferiu novas formas de denominação
rânea e guarda inúmeras diferenças com formas
e exploração. No processo histórico ele se metamor-
anteriores de escravidão. Essas eram legais, ti-
foseou. Aliás, as questões estruturais do sistema ca-
nham longa duração e, em alguns casos, como
pitalista estão diretamente relacionadas a essas me-
a escravidão africana nas Américas, passavam
tamorfoses. Significa dizer que, acerca do trabalho
de uma geração para outra. A escravidão contemporânea, por sua vez, é de curta duração;
escravo, existem mudanças e permanências.
a pessoa é tratada como se fosse mercadoria;
A partir de então, é possível verificar as mudanças no que tan-
há um poder total exercido sobre a vitíma, ainda
ge especificamente as características de trabalho escravo contem-
que temporariamente (...).
porâneo e o clássico, pelas suas diversas formas diferenciadas de abordagem dos indivíduos e os meios de crueldade, contudo, uma
Seguindo o mesmo raciocínio expõe a Autora supra:
característica não mudo: a violação frontal dos direitos humanos. Vera Lúcia Ribeiro de Albuquerque (2012, p. 13) afirma que
É importante esclarecer essa diferença, pois a
“O trabalho realizado em condição análoga à de escravo constitui
imagem do antigo escravo negro, acorrentado
uma séria violação de direitos humanos que deve ser combatida
e submetido às senzalas, não corresponde à
com todo vigor pelo Estado brasileiro”.
vítima do trabalho escravo contemporâneo, ain-
Conclui-se desse breve histórico, que as conquistas dos
da que os castigos impostos aos trabalhadores
trabalhadores foram muitas e os problemas também. Contudo,
230 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
verifica-se, que essa história ainda não teve seu ponto final defi-
2.3 Trabalho Escravo Urbano e sua caracterização
nido, diante das violações de direitos fundamentais e trabalhis-
Notadamente, verifica-se que trabalho escravo urbano se
tas, que são, por sua vez, essenciais para a garantida de uma
caracteriza de forma sutil vez que, pouco se observa a presen-
vida digna de qualquer cidadão.
ça de trabalhadores que vivem e laboram de forma degradante nos centros urbanos brasileiros.
2.2 Conceito de Trabalho Escravo Contemporâneo
Percebe-se que essa sutileza vem desde a proposta outro-
Tem-se por trabalho escravo contemporâneo, o ato de aliciar
ra feita a estes trabalhadores que na sua maioria vêm das regi-
pessoas à prestação de serviços de forma degradante, com jorna-
ões norte e nordeste do País em busca de melhores condições
das exaustivas e salários ínfimos. O trabalho escravo em comento
de vida para si próprio e sua família.
envolve cerceamento da liberdade pela dívida, distância, ameaças físicas e morais.
Essa imigração nas áreas urbanas, se dá principalmente na construção civil e nas fabricas de confecção de roupas.
Nesse sentido Marcelo Campos (2011, p.196) descreve que:
Segundo Patrícia Trindade Maranhão Costa (2010, pg. 61), o “trabalho escravo contemporâneo caracteriza-se, portanto pela
(...) O escravo contemporâneo é um cidadão des-
realização, por parte dos trabalhadores, de atividades que exi-
provido, na prática, de direitos que lhe confeririam
gem trabalho braçal e pouca especialização”.
a necessária dignidade. Ele, em tese, tem status
A prática ilegal do trabalho escravo contemporâneo tem como
jurídico de cidadão, é sujeito de direitos e obriga-
início, a proposta de trabalho feita pelos chamados “gatos” que se
ções e deveria estar sendo protegido. No entanto,
apresentam para pessoas sem emprego, desprovidas de ensino e
dele são retirados todos esses direitos trabalhistas
muitas vezes sem perspectiva de um futuro, um bom serviço, com
e humanos. Portanto, ele é desumanizado (....)
salário, moradia e todos os seus direitos trabalhistas garantidos. Neste sentido Patrícia Trindade Maranhão Costa (2010, p. 32)
Passando por esta seara, é importante trazer a baila que:
aduz que:
De modo geral, o escravo contemporâneo per-
Ainda nas suas cidades, os trabalhadores são re-
tence à parcela mais pobre da população, o que
crutados e aliciados por um preposto dos fazendei-
pode ser revelado pelos baixos rendimentos dos
ros, chamado “gato”, que os convida para trabalhar
seus domicílios e pelas dificuldades de acesso a
em regiões distantes do seu domicilio, mediante
recursos públicos básicos, como saúde e educa-
promessas enganosas de emprego e salário [....).
ção. (SINAT, OIT, 2012, pg. 13).
Ao chegar ao local de trabalho, percebem que o trabalho, em geral, é muito mais duro que o ante-
Cosoante explicita Lívia Miraglia (2011, pg. 131):
cipado. Além disso, descobrem ter contraído uma dívida junto ao “gato” referente à passagens, ao
Nessa esteira, pode-se inferir que o trabalho
que foi consumido durante a viagem e ao salário
escravo contemporâneo é aquele que se realiza
adiantado concedido ao trabalhador para deixar
mediante a redução do trabalhador a simples
sua família abastecida durante sua ausência.
objeto de lucro do empregador. O obreiro é subjugado, humilhado e submetido a condições degradantes de trabalho e, em regra, embora não seja elemento essencial do tipo, sem o direito de rescindir o contrato ou de deixar o local de labor
É neste momento que começa a saga dessas pessoas que irão sofrer uma grande mudança em suas vidas. O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas (2010, p. 22) em sua definição sobre o tráfico de pessoas descreve:
a qualquer tempo. [...] recrutamento, transporte, transferência, aloDiante estes conceitos tragos, conclui-se que a escravi-
jamento ou acolhimento de pessoas, recorrendo
dão contemporânea é um meio cruel de aliciar uma pessoa,
à ameaça ou uso da força ou a outras formas de
tratando-a de forma desumana e ferindo todos os seus direitos
coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso
fundamentais e trabalhistas, diante de uma submissão a um
de autoridade ou à situação de vulnerabilidade
trabalho forçado, degradante e a jornadas exaustivas.
ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou
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benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração.
3 PERFIL DOS ESCRAVIZADOS Neste momento necessário se faz a identificação de quem seria enquadrado no perfil dos escravizados, ou seja, a quem se poderia fazer a referência de um trabalhador que vive e la-
Essa sujeição se dá devido às más condições de vida dos sujeitos chamados de vítimas do trabalho escravo. Essa forma de escravidão contemporânea pode ser caracterizada de algumas formas, pode ser uma forma de alicia-
bora em condições análogas a de escravo. Qual seria a escolaridade e situação financeira destes obreiros: estas e outras indagações serão oportunamente neste capítulo explicadas.
mento direto na qual, o próprio empregador explora a mão de
Diante da situação econômico-financeira, muitas pessoas
obra barata, possuindo total controle sobre os “escravizados”,
se vêm obrigadas a se sujeitarem a trabalhos forçados, enca-
ou, através do que se denomina cadeia produtiva, o trabalho
rando os desafios diários de sobrevivência ante a tantas dificul-
é realizado por empresas prepostas também denominados de
dades e perigos a que estão sujeitas.
“gatos” ou terceiros, não tendo o beneficiário final do trabalho
Segundo Patrícia Trindade Maranhão Costa (2010, p. 56):
o controle direto sobre os “empregados”. As contratações são muito atraentes para estes empresários,
(...) no Brasil as principais vítimas do trabalho
vez que eles vêem nestes tipos de contratos a possibilidade de um
escravo contemporâneo não são povos indíge-
grande lucro, posto que a mão de obra é muito barata, baixando, as-
nas amazônicos, mas, trabalhadores não bran-
sim, consideravelmente os custos da produção. (SAKAMOTO, 2011).
cos (pretos e pardos) oriundos da Região Nor-
A exemplo das empresas que se beneficiam da mão de obra
deste, notadamente, dos estados mais pobres e
escrava, existem grandes sociedades como por exemplo, a Zara,
com menos perspectiva de trabalho e emprego.
C&A Modas, Collins e Gregory que, já estiveram com suas marcas, nomes estampados na Lista Suja emitida pelo Ministério do Traba-
Neste mesmo sentido continua a autora:
lho e Emprego (AYRES, 2012). Essa cadeia se sustenta através do consumo excessivo da população consumerista.
A precária situação econômica pressiona a família que, sem condições de manter todos os mem-
Atualmente é nítido que o mercado vem tendo um crescimen-
bros, transforma a procura por trabalho em ou-
to considerável em suas vendas, vez que, o consumo vem crescen-
tros lugares uma necessidade. Partir não resolve
do no país, devido às melhorias das condições de vida.
o problema, mas ficar também não ajuda, pois
Como consequência dessa expansão mercantilista, no objetivo
não há oferta de emprego suficiente, sobretudo
de alcançar grandes lucros, muitos empresários se utilizam de pe-
no meio rural da Região Nordeste, normalmente
quenas empresas que lhes oferecem produtos e mão de obras ba-
assolada pela seca. (2010, p. 101).
ratas, para sustentar o enriquecimento desenfreado de grandes empresas, principalmente nas áreas da confecção e da construção civil.
Notadamente verifica-se que a escravidão contemporânea
Ao realizarem contratações muitas empresas deixam de lado
advêm de diversos estados brasileiros, contudo, a maioria das
a fiscalização da precedência das “empresas” contratadas, essa
vítimas são retiradas da região nordeste do país. Diante das
observação é de suma importância, posto que, a terceirizada, se-
condições em que vivem, as vitimas se vêem sem saída, me-
gundo a legislação trabalhista, responde pelos débitos em caso
diante a situação de pobreza e a falta de emprego que assolam
de inadimplência da empresa diretamente responsável.
esta região, é o que aponta Patrícia Trindade Maranhão Costa
Contudo, visando o lucro, que por certo é maior, algumas em-
(2010, pg 101).
presas negligenciam de onde e como vêm os produtos encomendados bem como, a exploração de mão de obra que labora para o sustento econômico deste grande mercado.
Neste diapasão Patrícia Trindade Maranhão Costa (2010, p. 113) aponta que:
Observe-se também que um dos fatores que colaboram para esta realidade é a competitividade no mercado capitalista. Essa disputa “empresarial” tende a levar as empresas a procurar o que melhor lhes favoreçam, aumentando consideravelmente o capital das mesmas.
Sem terra, sem trabalho e, portanto, sem meios de garantir sua manutenção e da sua família, os trabalhadores submetem-se à exploração e aceitam condições desumanas de
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vida e trabalho, perambulando entre fazendas e cidades em busca de oportunidades.
4 TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO A LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS A Carta Magna de 1988 trouxe grandes e notáveis mudan-
Assim aduz a Auditora Fiscal do Trabalho Marinalva Cardoso
ças principalmente no campo dos Direitos e Garantias Fundamentais. Neste diapasão um dos princípios norteadores de
Dantas (2003, p. 24):
todo ordenamento jurídico é sem dúvida o da dignidade da pesOs escravos são vítimas principalmente da fome. E, no perfil dessas pessoas, vemos que elas pertencem
soa humana bem como a valorização do trabalho. Neste sentido preceitua o art. 1º da CR/88 (BRASIL, 2012, p. 7):
todas a grupos muito vulneráveis, mas não dependem mais de cor, obviamente, mas sim da pobreza.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada
São vítimas desse tipo de escravidão: mulheres,
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
crianças, pessoas de todas as etnias, como índios,
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Demo-
ex-garimpeiros, prostitutas, nordestinos e, principal-
crático de Direito e tem como fundamentos:
mente, o maior número de escravos que nós retiraIII – a dignidade da pessoa humana;
mos são nordestinos. Neste mesmo sentido, Loris Rocha Pereira Júnior (2003, p.
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (...)
25) expõe que: O trabalhador escravo é o produto da desigualdade,
A dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho
da distribuição de renda, é o produto da desigualda-
estão diretamente relacionadas ao direito do homem, sendo con-
de até mesmo na distribuição das terras neste país.
siderados direitos fundamentais tutelados pelo Estado brasileiro
Ele é também o resultado da ineficácia, da ineficiên-
através de tratados internacionais de direitos humanos.
cia dos nossos poderes constituídos, do Ministério Público, do Poder Judiciário, e do Poder Executivo.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), em seu capítulo II assim titulado como “Dos Direitos Sociais” também, tutela como um dos direitos fundamentais no
Estes entendimentos e conceitos ganham reforços e se resu-
art. 6º da CRFB/88 (BRASIL, 2012, p. 11):
mem nas palavras ditas por Hugo Cavalcanti Melo Filho (2003, p. 32): Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, Isso ocorre porque a lógica da acumulação capi-
a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
talista é indissociável da idéia da subordinação do
segurança, a previdência social, a proteção à ma-
mais fraco ao mais forte. Sempre haverá, em paí-
ternidade e à infância, a assistência aos desampa-
ses onde o Estado se desonera de sua função de
rados, na forma desta Constituição.
controle das relações sociais, a subordinação e a dominação dos mais fracos pelos mais fortes
Em seu artigo 7º a Carta Magna traz um rol de direitos e garantias fundamentais especialmente destinados aos trabalha-
Neste cenário, verifica-se que os trabalhadores que são sub-
dores urbanos e rurais, visando à melhoria de suas condições
metidos a condições análogas a de escravos são verdadeiras ví-
sociais, elencando assim, uma série de direitos invioláveis desig-
timas do descaso por parte de seus empregadores e da omissão
nados a todos os trabalhadores.
estatal, vez que não têm a oportunidade justa para auferirem um salário digno que lhes proporcionem uma vida justa. Essa situação de miserabilidade decorre de uma série de fatores estruturais, estas vítimas são afetadas por diferentes proble-
Na seara do trabalho escravo contemporâneo é nítida a violação dos direitos sociais destinados aos trabalhadores, além do princípio da dignidade da pessoa humana e, consequentemente, a lei trabalhista. Nesse sentido Evanize Sydow (2003, p. 110) assevera:
mas de ordem histórica, política e econômica. Desta feita, os princípios constitucionais devem ser garan-
Cerceamento do direito de ir e vir dos trabalha-
tidos em sua totalidade a fim de proporcionar uma vida digna
dores, obrigações trabalhistas não cumpridas,
para estes trabalhadores.
omissões de socorro aos trabalhadores que adoRevista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 233
ecem, aliciamento com promessas enganosas,
-escrava, com vistas a aumentar a efetividade
sujeitando o trabalhador à prática do barracão,
das normas constitucionais já previstas em lei. As
cobrando preços abusivos (....).
ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) são emblemáticas nesse sentido, resultan-
Desse modo, pelo disposto alhures, vários são os abusos sofridos por estas vítimas, como o direito à moradia, à saúde, direito
do no pagamento de indenizações trabalhistas aos trabalhadores resgatados. (Costa, 2010, p. 122).
de liberdade e ao direito de um trabalho digno, que está tutelado pela Constituição e pela Consolidação das Leis Trabalhistas.
Neste diapasão, necessário se faz esclarecer que no curso
Ricardo Rezende (2003, pg. 99) afirma que “viver uma situa-
das ações fiscais se tem como resultado a formalização dos con-
ção de trabalho escravo por dívida é ter uma experiência oposta à
tratos de trabalhos, as Carteiras de Trabalho e Previdência Social
do exercício de cidadania e, mais que um problema trabalhista, a
(CTPS) dos trabalhadores resgatados são assinadas e efetuado o
escravidão é uma grave ofensa aos direitos humanos (...)”.
pagamento das verbas salariais devidas, sendo declarado o rom-
Como bem se sabe, o trabalho digno edifica o homem, o transfor-
pimento do contrato de trabalho por culpa exclusiva do emprega-
ma em ser honrado perante a sociedade em que vive, se tornando útil.
dor. Por consequência, o trabalhador receberá o saldo de salário,
Neste sentido, imperativo se faz, a observância e cumprimen-
de férias, décimo terceiro, Fundo de Garantia do Tempo de Servi-
to de referidas normas e princípios constitucionais na garantia de fiel execução dos direitos e garantias fundamentais preconizados na Carta Magna de 1988.
ço (FGTS), sem prejuízo de outras indenizações. Também no ano de 1995 foi criado o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF), com a finalidade precípua de combater o trabalho escravo. Nesse sentido vários
5 MEDIDAS ADMINISTRATIVAS DADAS AO TRABALHO ESCRAVO
ministérios se integraram nesta missão, como o Ministério da
As medidas especiais de combate ao trabalho escravo na
Justiça, do Meio Ambiente, da Agricultura, da Indústria do Co-
esfera administrativa têm início no ano de 1995, com a criação
mércio dentre outros. Todos sobre a coordenação do Ministério
e atuação das equipes do Grupo Especial de Fiscalização Móvel
do Trabalho e Emprego (COSTA 2010, p. 126).
(GEFM) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que são os
Em 2002, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em
principais responsáveis pela apuração em “massa” das denúncias
sintonia com as necessidades brasileiras para o combate da ques-
sobre a exploração de trabalho escravo no território brasileiro e
tão em comento, desenvolveu o Projeto de Cooperação Técnica
pela consequente libertação dos trabalhadores (LIMA, 2012).
chamado de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil, que busca
A partir das fiscalizações realizadas pelos Auditores Fiscais do Trabalho, são gerados relatórios das operações, contendo minucio-
fortalecer a integração das instituições nacionais que defendem os direitos humanos (COSTA, 2010, p. 126).
samente quem são estes trabalhadores, de onde vieram, nível de
Atualmente estes órgãos continuam na atuação de combate
escolaridade, a situação em que foram encontrados além do, o lugar
ao trabalho escravo contemporâneo em todo o país, sempre agin-
do resgate, dentre outros detalhes que servirão para caracterizar a
do em consonância com os órgãos do poder judiciário, na tentati-
exploração do trabalho em condições análogas à de escravo.
va incessante de erradicar a escravidão.
Após a elaboração do relatório, que por consequência conterá o nome do empregador ou empresário responsável pelo serviço
6 TRATAMENTO JURÍDICO DADO AO
prestado, o MTE lança estes nomes em uma lista chamada lista
TRABALHO ESCRAVO URBANO
suja. Os nomes incluídos nesta lista serão punidos com a restrição
Inicialmente, é necessário identificar o marco inicial que ge-
de alguns direitos: por exemplo, não podem participar de licita-
rou no Brasil os primeiros passos para o combate ao trabalho es-
ções públicas, receber verbas do governo através de emprésti-
cravo. Neste sentido Vera Lúcia Ribeiro de Albuquerque aduz que:
mos, além de não serem bem vistos perante toda a sociedade. Um ponto interessante a ser destacado é a importância da
Em 1995, o Governo Brasileiro reconheceu ofi-
atuação fiscalizatória no combate ao trabalhado escravo con-
cialmente a existência de trabalho em condição
temporâneo, neste diapasão:
análoga à de escravo no país e começou a tomar medidas para erradica-lo. Em relação à inspeção
Nos âmbitos governamentais e jurídico, diferentes
do trabalho, isso se concretizou com a criação
ações têm buscado garantir a punição e repres-
no mesmo anodo Grupo Especial de Fiscalização
são dos empregadores que utilizam mão-de-obra-
Móvel – GEFM. O Grupo Especial de Fiscaliza-
234 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
ção Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego
Importante salientar a existência da Convenção de nº 29
(MTE) é composto por equipes que atuam, pre-
(1930) da Organização Internacional do Trabalho, que trata sobre
cipuamente, no atendimento de denúncias que
o trabalho forçado, que foi ratificada pelo Brasil em 1957, determi-
apresentem indícios de trabalhadores em condi-
nando expressamente que os Estados-membros da Organização
ção análoga à de escravos. (2012, p.12).
Internacional do Trabalho se comprometem a: “abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no
Verifica-se que a partir de 1995 o Governo Brasileiro reco-
mais breve espaço de tempo possível”.
nheceu e começou a trabalhar no combate ao trabalho escravo.
Em sua definição de trabalho forçado para o direito interna-
Várias medidas, desde então, foram tomadas na tentativa de er-
cional, a Convenção de nº 29, fixou que: “todo trabalho ou serviço
radicar o trabalho em condições análogas a de semi-escravidão,
exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não
conforme já explicitado no capítulo anterior.
se tenha oferecido espontaneamente” (OIT, 1930).
O código penal de 1940 em seu artigo 149 descreve como
Destaca-se que a condição de semi-escravidão refere-se a trabalhos forçados e degradantes. Portanto, não só o cerceamento
crime sendo: (BRASIL, 2012, p. 525):
da liberdade do trabalhador, o trabalho em condições forçadas Artigo 149. Reduzir alguém a condição análoga à de
e degradantes constituem a violação à normas, mas também a
escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou
ofensa a garantia de sua dignidade, que por sua vez esta direta-
a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
mente relacionada com a dignidade da pessoa humana descrita
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qual-
na Carta Magna de 1988.
quer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
No que tange à resistência diante a graves violações de direitos humanos e fundamentais que o País vivencia, José Damião de Lima Trindade (2011, p. 34) afirma que:
Pena – reclusão, de (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Hoje, não é mais possível lutar de modo con-
sequente por direitos humanos sem incorporar
§1º Na mesmas penas incorre quem:
as bandeiras de igualdade social substancial, bem como as temáticas do feminismo, do anti-
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte
-racismo, da ecologia, da livre expressão da vida
por parte do trabalhador; com o fim de retê-lo no
sexual, da defesa dos migrantes, da busca de
local de trabalho;
uma cidadania mundial e igualitária. Logo, esse
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho
feixe de propósitos convergentes e libertadores
ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do
encontra diante de si uma muralha – que tem o
trabalhador, como fim de retê-lo no local de trabalho.
nome de capitalismo.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
Na obra do Livro “Combatendo o Trabalho Escravo Contemporâneo: o exemplo do Brasil”, verifica-se que:
I – contra criança ou adolescente;
A ratificação da convenção nº.29 deveria impul-
II – por meio de preconceito de raça, cor, etnia, re-
sionar os Estados-membros a reconhecer o tra-
ligião ou origem.
balho forçado nos seus territórios, um problema oculto na medida em que: a) são raros os dados
Nesse contexto extrai-se que na esfera penal a prática do
estatísticos oficiais sobre o problema; b) a socie-
trabalho escravo é considerada crime, podendo seu infrator ser
dade apresenta um baixo grau de conscientiza-
punido na forma estabelecida em lei.
ção sobre o mesmo. (Relatório Global, 2005: 19) (COSTA, 2010 p. 36).
No mesmo sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos abomina tal prática, dispondo que: “Art. 4º. Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.
Neste mesmo sentido referida obra traz um importante dado, tal seja:
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Dois importantes fatores jurídicos constituem-
de uma política pública de reinserção dos traba-
-se em causas estruturais que contribuem para
lhadores, que libertos do trabalho escravo, a este
a perpetuação da escravidão contemporânea:
retornam por falta de outra opção (2011, p. 225).
a impunidade dos praticantes desse crime e o desconhecimento das leis e dos direitos trabalhistas. (COSTA, 2010, p. 120).
Verifica-se que as políticas governamentais brasileiras não estão sendo eficientes para o combate da pratica do trabalho escravo no país. Desta feita, imperativo se faz a adoção de no-
Nesta perspectiva importante salientar a ineficiência das normas vigentes bem como suas punições que, têm como objetivo o
vos métodos que tenham como objetivo fundamental a extirpação de tal prática abominável.
combate ao trabalho em condições análogas a de escravo. Impe-
Estes impasses enfrentados no cotidiano somente vêm difi-
rativo se faz a conscientização de todos sobre as normas impostas
cultando o combate do trabalho escravo realizado pelos órgãos
e suas punições, além dos direitos que cada uma destas vítimas
competentes.
possuem ante seu status de cidadão (THUSWOHL, 2013). 7 PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 438/2001
Vale atentar que segundo Neide M. C. Cardoso de Oliveira: A inclusão no mercado de trabalho do trabalhador
Em 2001, foi apresentada, a proposta de emenda constitucional
proveniente da escravidão é urgente, bem como é
438/2001 denominada como PEC do Trabalho do Trabalho Escravo.
necessário reconhece-lo como cidadão, garantir-
A presente proposta traz em seu texto original, a determina-
-lhe os direitos básicos, por meio da alfabetização,
ção do confisco das propriedades em que for encontrada a ex-
da qualificação profissional, instituir políticas públi-
ploração do trabalho escravo, devendo tais propriedades serem
cas de geração de renda com a fixação desse ho-
destinadas à reforma agrária ou ao uso social.
mem ao campo, proporcionado-lhe, e à família, as-
O projeto em comento tem enfrentado barreiras devido às crí-
sistência médica, odontológica, psicológica, escola
ticas dos opositores, por questões políticas. Contudo importante
adequada e digna para seus filhos, terra, transpor-
destacar que a PEC ganhou força ao passo que representantes da
te, crédito, assistência técnica, enfim, uma reforma
Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Interna-
agrária competente e real (2011, p. 235).
cional do Trabalho (OIT) declararam apoio à proposta. Desta feita, sendo aprovada nas casas do Congresso, a Pro-
Desta feita, se faz necessária a inclusão destes trabalhadores
posta de Emenda à Constituição será uma grande aliada ao com-
resgatados em condições análogas a de escravos, ao mercado de
bate do Trabalho Escravo Contemporâneo, tornando-se um marco
trabalho de forma digna que de, para este trabalhador possibilida-
para, a erradicação da escravidão no território brasileiro.
de de uma existência honrada.
Atualmente, após várias revisões, a PEC esta em trâmite pe-
Verifica-se neste contexto, que, a sociedade em geral é res-
rante a comissão de constituição, justiça e cidadania no Senado
ponsável pela garantia do patamar mínimo de respeito aos direi-
Federal aguardando a pauta na comissão.
tos legais estabelecidos. Não é diferente o entendimento dos autores do livro: Trabalho Escravo Uma Chaga aberta:
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante a tais considerações, tem-se por necessário a criação
Estado, sociedade civil organizada, organismos
e efetivação de medidas governamentais com a finalidade precí-
internacionais, cidadão enfim, todos responsáveis
pua de erradicação do trabalho escravo contemporâneo tanto na
por fazer com que as relações trabalhistas e huma-
esfera administrativa quanto na judicial.
nas se dêem num patamar mínimo de respeito aos
Nesse diapasão Neide M. C. Cardoso de Oliveira afirma que:
direitos estabelecidos pela lei. Porém, muito mais do que isso, o respeito à vida do outro expõe o nível
As dificuldades no combate ao crime de trabalho
de respeito que temos por nós mesmo e pelo mun-
escravo são imensas, seja pela morosidade do pro-
do no qual vivemos (2003, p. 12).
cesso penal; seja pela até então recente indefinição sobre o juízo competente para o julgamento de
Neste contexto, verifica-se que é necessário a ação direto
tais crimes; pelas penas reduzidas; pelos entraves
no foco, ou seja, o que leva uma pessoa a se submeter a semi-
legislativos; seja, principalmente, pela ausência
-escravidão? Nesta perspectiva foi possível avaliar os diversos
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motivos que levam um trabalhador à submissão ilegal à outra pessoa denominada de “empregador”. O desemprego e o baixo nível de escolaridade são umas das principais preocupações desses cidadãos que vendem sua mão de obra por migalhas jogadas por seus “empregadores”. Essa sujeição se tornam necessárias para estes obreiros, na medida em que eles, já estão em uma posição desprivilegiada na sociedade diante da falta de especialização técnica, razão pela qual as chances de ingressar no mercado de trabalho se tornam mais escassa. Diante desta triste realidade, o trabalhador necessitado de um meio para sobreviver e salvar sua família da condição de miserabilidade, em um ato desesperado mantem-se trabalhando da pior forma e condições possíveis, se submetendo as mais diversas violações à sua integridade física e psíquica. Frente à tal realidade o Governo brasileiro reconheceu e deu início a diversas medidas para o combate ao trabalho escravo contemporâneo. Dentre estas medidas estão as administrativas e as jurídicas, com um só objetivo: a erradição da escravidão no país. Contudo, ainda assim, as medidas governamentais não obtiveram êxito e ante tal realidade foi possível observar que este insucesso ganha força sobre duas vertentes. Primeiro é possível verificar a falta de eficácia das leis que, por sua vez, não têm uma sanção punitiva capaz de “intimidar” os exploradores de mão da obra escrava. Em segunda e última análise se tem a reincidência
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dos próprios obreiros no retorno aos lugares onde foram resgatados pelos órgãos dos poderes públicos ou de onde saíram “fugidos” na busca incessante de uma vida digna. Por fim chega-se a conclusão que para se alcançar a meta de erradição da escravidão contemporânea, imperativo se faz a elaboração de normas mais severas que sejam capazes de inibir totalmente os exploradores da mão de obra barata, bem como, fiscalização mais atuante, ao ponto que o próprio “empregador” vai avaliar e perceber que violar a lei não vale mais a pena. Outra medida seria a reinserção educativa dos trabalhadores explorados, lhes proporcionando novas oportunidades de emprego. Dessa forma acredita-se que, a Carta Magna de 1988 terá sua meta no tocante à preservação da dignidade da pessoa humana, alcançada, bem como, as medidas governamentais através dos tratados internacionais obtidas, valorizando o direito, o trabalho digno e consequentemente o direito a dignidade da pessoa humana.
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IMPRESCRITIBILIDADE DO BEM PÚBLICO SOB O ENFOQUE DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE Wallace Santos Silva1
RESUMO: O presente trabalho visa analisar a vedação legal que impossibilita o instituto da usucapião em bens públicos, mesmo quando estes não estejam relacionados à prestação de serviço público ou não atendam ao princípio da função social da propriedade. PALAVRAS-CHAVE: função social da propriedade; usucapião; bens públicos. ÁREAS DE INTERESSE: Direito Civil. Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO
tituto é baseada no princípio da supremacia do interesse públi-
A usucapião está prevista na legislação brasileira no art.183 da Constituição da República in verbis:
co, segundo o qual o interesse público deverá prevalecer sobre o interesse particular. Entretanto, esse princípio se choca com princípio constitucional da função social da propriedade, previsto
Art 183 Aquele que possuir como sua área urbana até duzentos e cinquenta metros quadrados,
no art. 5º da Constituição Federal que estabelece que “a propriedade atenderá sua função social”.
por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,
Assim, o choque de princípios instaura a dúvida acerca da
utilizando-a para sua moradia ou de sua família, ad-
aplicabilidade da função social da propriedade apenas aos bens
quirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietá-
particulares ou também aos bens públicos. O presente trabalho
rio de outro imóvel urbano ou rural. (BRASIL, 1988)
se destina a advogar a favor da tese de que, caso um bem público não cumpra sua função social, é possível usucapi-lo.
Também o Código Civil tratou do tema no art.1.238 in verbis:
O argumento aqui sustentado é de que, apesar da vedação da usucapião de bens públicos, o Estado, guardião do interesse da co-
Art 1.238 Aquele que, por quinze anos, sem inter-
letividade, deve observar a função social da propriedade também no
rupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel,
que se refere aos seus bens, e não somente os particulares.
adquirir-lhe a propriedade, independentemente de
O presente trabalho foi desenvolvido sob o método dedutivo
título e boa fé; podendo requerer ao juiz que assim
que tem suas proposições enfocadas na situação geral para explicar
o declare por sentença, a qual servirá de título para
as particularidades e chegar à conclusão da afirmativa.
registro no cartório de imóveis. (BRASIL, 2002)
O método dedutivo-lógico foi utilizado para a análise dos textos, artigos, legislações e outro material doutrinário levantado, no intuito
A usucapião é forma originária de aquisição da propriedade de bens móveis e imóveis. Os pré-requisitos para a aquisição via
de verificar a aplicação dos conceitos e dispositivos legais à realidade fática da impossibilidade total de usucapir bens públicos.
usucapião são a posse mansa, pacífica e ininterrupta, durante determinado lapso temporal. As modalidades do mencionado instituto são: usucapião ordinária, usucapião extraordinária, usucapião especial urbana e usucapião especial rural. O instituto da usucapião é vedado na legislação brasileira no que diz respeito aos bens públicos, conforme dispõe o art. 191,
2 CLASSIFICAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS A classificação dos bens públicos se faz necessária, tendo em vista que a distinção entre eles implicam aplicação de diferentes regimes jurídicos. Na conceituação do professor José dos Santos Carvalho Filho são bens públicos:
parágrafo único da Constituição da República de 1988, segundo o qual “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”,
Todos aqueles que, de qualquer natureza e a
e ainda o art. 102 do Código Civil de 2002 que dispões que, “os
qualquer título, pertençam ás pessoas jurídicas
bens públicos não estão sujeitos à usucapião”.
de direito público, sejam elas federativas, como
A justificativa para a proibição da aplicação do referido ins-
a união, os Estados, o Distrito Federal e os Mu-
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nicípios, sejam da Administração descentralizada,
A doutrina e a jurisprudência majoritárias, a saber, José dos
como as autarquias, nestas incluindo-se as funda-
Santos Carvalho Filho (2005), César Fiuza (2003), Maria Silvia Za-
ções de direito público e as associações públicas.
nella di Pietro (2008), entendem que todos os bens públicos são
(CARVALHO FILHO, 2005, p. 873).
imprescritíveis, ou seja, não podem ser adquiridos por usucapião.
O Código Civil brasileiro de 2002 define os bens públicos no art. 98 in verbis:
A imprescritibilidade significa que os bens públicos são insuscetíveis de aquisição por usucapião, e isso independentemente da categoria a que pertençam.
Art. 98 São públicos os bens do domínio nacional
Houve, é bem verdade inúmeros questionamentos a
pertencentes às pessoas jurídicas de direito público
respeito dessa característica especial dos bens públi-
interno; todos os outros são particulares, seja qual for
cos. Contudo, o Direito brasileiro sempre dispensou
a pessoa a que pertencerem. (BRASIL, 2002)
aos bens públicos essa proteção, evitando que por meio de usucapião, pudessem ser alienados como o
A classificação doutrinária dos bens públicos quanto à desti-
são os bens privados, quando o possuidor mantém a
nação, ou seja, o objetivo a que se destinam os divide em: bens
posse por determinado período.
de uso comum do povo, bens de uso especial e bens dominicais.
Atualmente, a constituição estabelece regra espe-
Em se tratando de bens de uso comum do povo, de acordo com o
cífica a respeito, dispondo, no art.183, parágrafo 3,
art.99 do Código Civil de 2002 in verbis:
que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião, norma aliás, respeitada no art. 191, re-
Art. 99 São bens públicos: I- os de uso comum do
lativas a imóveis públicos rurais.
povo, tais como rios, mares, ruas e praças; II- os de
Desse modo, mesmo que o interessado tenha a
uso especial, tais como edifícios ou terrenos destina-
posse do bem público pelo tempo necessário à
dos a serviço ou estabelecimento da administração
aquisição do bem por usucapião, tal como esta-
federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive
belecido no direito privado, não nascerá para ele
os de suas autarquias. III – os dominicais, que cons-
o direito de propriedade, porque a posse não terá
tituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito
idoneidade de converter-se em domínio pela im-
público, como objeto de direito pessoal, ou real, de
possibilidade jurídica do usucapião.
cada uma dessas entidades. (BRASIL, 2002)
O novo Código Civil espancou qualquer dúvida que ainda pudesse haver quanto à imprescritibilidade
Os mares, as praias, os rios, as estradas, as ruas, as pra-
dos bens públicos, seja qual for sua natureza. Nele
ças e logradouros públicos, bem como os bens de uso especial,
se dispõe expressamente que “os bens públicos
que visam à execução dos serviços administrativos e dos ser-
não estão sujeitos a usucapião” (art. 102). Como a
viços públicos em geral, atendem perfeitamente ao interesse
lei não distinguiu, não caberá ao intérprete distin-
público e a função social da propriedade em virtude de sua
guir, de modo que o usucapião não poderá atingir
própria natureza. Entretanto, o mesmo pode não ocorrer em
nem os bens imóveis nem os bens móveis. (CARVA-
relação aos bens dominicais. Neste caso, deve-se verificar se
LHO FILHO, 2005, p.883-884)
atendem ou não ao princípio da função social da propriedade.
O domínio patrimonial está sujeito a regime admi-
Os bens dominicais são os que não se situam nas cate-
nistrativo especial, não se lhe aplicando as normas
gorias de uso comum do povo ou de uso especial, possuindo
que regem a propriedade privada, a não ser supleti-
assim caráter residual. Portanto, se o bem serve ao uso público
vamente. Orienta-se o domínio patrimonial por quatro
em geral, ou se presta à consecução das atividades adminis-
princípios basilares, a saber, a inalienabilidade, im-
trativas, não será enquadrado como dominical, logo não será
prescritibilidade, impenhorabilidade e não oneração.
passível de usucapião.
A regra geral é que a Administração pública não pode
Desse modo, são bens dominicais as terras sem destina-
alienar seus bens. Tal só ocorrerá excepcionalmente,
ção pública específica, as terras devolutas, os prédios públicos
na dependência de lei que autorize a transação.
desativados. Esses bens são disponíveis, podendo inclusive ser
Pelo fato de serem inalienáveis, os bens públicos
alienados sob certas condições.
são também inadquiríveis, enquanto durar a ina-
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lienabilidade. Destarte, não serão afetados pela
reito, e constitui elemento que qualifica a situação
“prescrição aquisitiva” ou usucapião. (FIUZA,
jurídica considerada, condicionando os modos de
2003, p. 643-644)
aquisição, uso, gozo e disposição dos bens. Não envolve portanto apenas limitações do exercício das
Em sentido contrário ao da doutrina majoritária, segundo
faculdades do proprietário inerentes ao domínio. A
a qual não há possibilidade de aquisição de bem público por
função social da propriedade introduz, na esfera
usucapião, entende-se que é uma visão extremamente positi-
endógena do direito, um interesse que poderá até
vista e não busca uma interpretação teleológica dos princípios
mesmo não coincidir com o do proprietário, com o
constitucionais fundamentais.
predomínio do social sobre o individual, fenômeno
A doutrina minoritária, contudo, encabeçada por, Nelson Ro-
denominado de socialidade.
senvald e Cristiano Chaves, vê distinção entre os bens públicos os
A função social da propriedade, que correspon-
dividindo em material e formalmente públicos. Para essa doutrina:
de a uma concepção ativa e comissiva do uso da propriedade, faz com que o titular do direito seja
Os bens formalmente públicos seriam aqueles re-
obrigado a fazer, a valer-se de seus poderes e fa-
gistrados em nome da pessoa jurídica de Direito
culdades, no sentido do bem comum: enquanto as
Público, porém excluídos de qualquer forma de
obrigações de não fazer impostas ao proprietário
ocupação, seja para moradia ou exercício de ativi-
se acham ligadas ao poder de polícia, as obriga-
dade produtiva. Já os bens materialmente públicos
ções de fazer decorrem da função social da pro-
aptos a preencher critérios de legitimidade e mere-
priedade. (KILDARE, 2009, p.801)
cimento, postos dotados de alguma função social, sendo assim, se formalmente público, seria possí-
A função social da propriedade foi alçada à condição de prin-
vel a usucapião, satisfeitos os demais requisitos;
cípio constitucional pelo legislador constituinte, assim, por se tra-
sendo materialmente público haveria óbice à usu-
tar de um princípio fundamental, este remete a valores essenciais
capião. (FARIAS; ROSENVALD, 2006, p. 267-268).
e superiores em um Estado democrático de direito, e tem como escopo direcionar a produção legislativa infraconstitucional, po-
Como visto, há entendimento doutrinário de que os bens
dendo servir como garantia direta e imediata para os cidadãos.
públicos dividem-se em formalmente públicos e materialmente
Tem ainda este princípio o papel de agir como critério de
públicos e que, em se tratando de bens formalmente públicos,
interpretação e integração da Constituição e do sistema jurídi-
não haveria impedimento para aquisição por usucapião, haja vista
co como um todo, dando unidade e coerência a este sistema.
estes não possuírem destinação pública de fato.
Deve a função social da propriedade, na condição de princípio
Em regra, os bens públicos são impenhoráveis, imprescrití-
constitucional, ser obedecida por toda e qualquer espécie de
veis e inalienáveis, mas o próprio Código Civil de 2002 excepciona
propriedade pública ou privada, ideia esta corroborada pela au-
a regra da inalienabilidade ao se tratar de bens dominicais como
tora Cristina Fortini in verbis:
se verifica no Art.101 “os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei”. (BRASIL, 2002)
A constituição da República não isenta os bens públicos do dever de cumprir função social. Por-
3 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
tanto, qualquer interpretação que se distancie do
O princípio da função social da propriedade, consagrado na
proposito da norma constitucional não encontra
Constituição da República de 1988 como garantia fundamental,
guarida. Não bastasse a clareza do texto consti-
traz uma limitação à utilização da propriedade.
tucional, seria insuscetível conceber que apenas
O particular, para ser proprietário, deve respeitar a função so-
os bens privados devam se dedicar ao interesse
cial da propriedade, ou seja, deve efetivamente proporcionar uma
social, desonerando-se os bens públicos de tal
utilização condizente com o Direito e com a realidade social, sob
mister. Aos bens públicos, com maior razão de ser,
pena de perda da propriedade por desapropriação. De acordo com
impõe-se o dever inexorável de atender à função social. (FORTINI, 2004)
Kildare Gonçalves Carvalho in verbis: O princípio incide sobre a estrutura e o conteúdo
Ao dispor a Constituição da República de 1988 que “a pro-
da propriedade, sobre a própria configuração do di-
priedade atenderá a sua função social”, a função social da pro-
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priedade tornou-se um princípio fundamental, e veio socializar a
REFERÊNCIAS
propriedade para que ela se harmonize com a coletividade, reti-
BRASIL. Código Civil (2002). Código Civil e legislação em vigor. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
rando o caráter individualista da propriedade de outrora, e observando determinas regras para fruição e gozo. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em relação à imprescritibilidade dos bens públicos, a doutrina majoritária, bem como a jurisprudência pátria, rechaçam a possibilidade de usucapir bens públicos, seja qual for a sua espécie, mesmo que não cumpram sua função social. Tanto para a doutrina quanto para a jurisprudência, o bem público é função social em si mesmo. Entretanto a corrente minoritária divide os bens públicos em bens materialmente públicos e bens formalmente públicos, entendendo assim, que os bens formalmente públicos, destituídos de função social, são passíveis de serem alcançados pela prescrição aquisitiva. Ainda que doutrina majoritária e jurisprudência tenham olvi-
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LAKATOS, Eva Maria. MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 7ªed. rev.ampl. São Paulo: Atlas. 2010.
pode-se entender que a Constituição não retirou a obrigatoriedade do cumprimento da função social da propriedade dos bens públicos, e nada mais justo seria que, como forma de obrigar o poder público a efetuar uma administração eficiente dos seus bens, eles
NOTA DE FIM 1 Acadêmico de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
possam ser usucapidos, caso estejam ociosos ou destituídos de finalidade pública.
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A INCONSTITUCIONALIDADE DA GUERRA FISCAL RELATIVA A ARRECADAÇÃO DE ICMS Emmanuel Lucas Costa Viana1
RESUMO: O presente artigo tem como finalidade, discutir o sistema tributário nacional no que tange à Guerra Fiscal entre os Estados Brasileiros, relativa à arrecadação do imposto do Sistema Tributário Brasileiro de ICMS – Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. O trabalho terá como destaque, abordar as práticas inconstitucionais adotadas pelos Estados brasileiros do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo. Tais práticas consistem na edição de leis, por meio irregular e são consideradas inconstitucionais pela jurisprudência. Essas medidas adotadas pelos Estados brasileiros repercutem negativamente na arrecadação tributária nacional, por isso devem ser analisadas e discutidas. PALAVRAS-CHAVE: ICMS, guerra fiscal, inconstitucionalidade, principio da legalidade, principio da cumulativade , convenio.
1 INTRODUÇÃO
que são concedidos a empresas por meio de Decretos, não obser-
O Brasil é uma federação composta por 26 Estados, mais o Distrito Federal, sendo que cada unidade federativa possui au-
vando os convênios interestaduais previstos na Lei Complementar 24/1975.
tonomia e competência para cobrar os impostos devidos ao seu território. Nesse prisma, as unidades Federativas podem tam-
2 ICMS
bém editar leis, concedendo benefícios e incentivos fiscais, com
Dentre os tributos previstos na Constituição Federal, possui
intuito de atrair a instalação de indústrias para o seu território.
significativa e importância o ICMS - imposto sobre circulação de
Todavia, essa autonomia deve respeitar dispositivos impostos
mercadorias e prestação de serviços - que incide sobre operações
na Constituição Federal e na lei complementar 24 de 1975, que
relativas à circulação de mercadorias, prestações de serviços de
dispõe que as leis que concedem benefícios fiscais devem ser
transporte e comunicação, conforme previsto no art.155, inciso II.
ratificadas com base em convênio no âmbito do CONFAZ.
O ICMS é um imposto de natureza real, indireto, com incidên-
Nota-se que os Estados não estão respeitando dispositivos
cia plurifásica, ordinário e não cumulativo. Sendo que, o que é
da Constituição Federal, que regulam a forma como os benefícios
devido em cada operação é apurado mediante compensação do
e incentivos fiscais serão concedidos, acarretando uma competi-
montante cobrado nas operações anteriores.
ção desleal, onde os Estados Federais por meio de normas, re-
A Constituição Federal em seu art. 155, II, dispõe que é da
duzem a base de cálculo do ICMS, criam subsídios e isenções do
competência dos Estados e do Distrito Federal instituir impostos
referido imposto, para atrair indústrias. Diante disso, tais práticas
sobre: “operações relativas à circulação de mercadorias sobre
acabam prejudicando a arrecadação de outras Unidades Fede-
prestações de serviço de transporte interestadual e intermunici-
rais, o que enseja em uma grande discussão sobre o cenário atu-
pal e de comunicações ainda que as operações e as prestações
al do sistema tributário brasileiro.
se iniciem no exterior”. (BRASIL, 1988)
Ocorre que os entes federativos estão editando leis de for-
O ICMS - é regulamentado pelas leis complementares de nº
ma unilateral, e sem base em convênio interestadual. O que,
87/96 (lei Kandir), nº116/ 2003, pelo Código Tributário Nacional
por conseguinte, faz com que os mesmos entrem com ações
e pela Constituição Federal, possuindo função predominante-
uns contra os outros, com objetivo de impugnar essas leis clan-
mente fiscal, sendo, pois, considerado uma importante fonte de
destinas, o que acarreta na origem de um fenômeno de cunho
receita para os Estados brasileiros.
jurídico e econômico chamado pela doutrina e jurisprudência de: “Guerra Fiscal”.
Contudo, há possibilidade de tal imposto ser utilizado com caráter extra fiscal, podendo ser também seletivo, em razão da
Por todo o exposto, o presente estudo possui como finalidade
essencialidade das mercadorias e serviços.
demonstrar como os Estados brasileiros vêm agindo perante os
No que se refere aos contribuintes do ICMS, pode-se dizer
benefícios e incentivos fiscais - referentes ao imposto de ICMS -,
que nas operações de circulação de mercadoria, será o vendedor
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 243
ou o remetente, sendo devido à arrecadação pelo Estado onde
qualquer negócio jurídico ou ato jurídico material que seja relativo
aqueles se localizarem.
a circulação de mercadorias. (COELHO, 2012, p.461)
2.1 Breve Histórico do ICMS
2.3 O ICMS nas operações interestaduais
No Brasil, o ICMS, era conhecido como “imposto sobre ven-
O Brasil, diferente de outros países, como os da Comunidade
das mercantis”, que na vigência da constituição de 1924, era de
Européia e dos Estados Unidos, adotou o princípio da origem para
competência da União arrecadá-lo.
definir o sistema de tributação nas operações de compra e venda
Com a Constituição de 1934, foi atribuída a competência dos Estados para sua arrecadação, sendo denominado de “Imposto sobre Vendas e Consignações.” Contudo, com a reforma tributária de 1966, este imposto foi
de produtos entre os Estados, ou seja, ocorrerá a tributação do Estado exportador e desoneração do importador. A Jurista Misabel Abreu Machado Derzi dispõe acerca do princípio da origem da seguinte forma.
substituído pelo ICM, sendo que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o ICM recebeu a denominação atual de
Com o princípio da origem, as mercadorias e ser-
ICMS, originando a unificação de outros seis impostos: Imposto so-
viços que circulam de um Estado a outro indepen-
bre circulação de mercadoria (ICM), Imposto único sobre minerais,
dentemente do seu destino, incorporam no preço,
Imposto único sobre combustíveis líquidos e gasosos, Imposto
os impostos pagos pelo Estado de origem, (ou ex-
único sobre energia elétrica; Imposto sobre transportes; Imposto
portador, inexistindo interrupção na cadeia de ope-
sobre comunicações. (MADEIRA, 2010 p.37)
rações do produtor ao consumidor final. É assim irrelevante que o bem ou serviço se transfira de
2.2A incidência do ICMS
um Estado a outro, havendo verdadeira integração
As hipóteses de incidência do ICMS além de se encontrarem
no mercado, formado por distintos Estados. É ne-
elencadas no rol art. 155, inciso II, da Constituição Federal de
cessário que o Estado de destino aceite os créditos
1988, também estão previstas no artigo 2° da lei Complementar
gerados em outro Estado, de modo que os impos-
n°87/96.
tos pagos naquele de origem sejam abatidos nos
O ICMS incidirá nas operações relativas à circulação de merca-
impostos a ele devido. Essa é a regra da Consti-
dorias e prestação de serviços de transporte interestadual, intermu-
tuição nas operações interestaduais dentro do seu
nicipal e de comunicações, tendo como ente competente na arreca-
mercado interno.
dação do imposto, o Estado no qual o remetente estiver estabelecido.
( DERZI, 2011 p.46)
Assim, preceitua a Constituição Federal. O legislador para combater a desigualdade econômica dos Art.155 da Constituição da República - Compete
Estados nas operações de circulação de mercadorias, criou por
aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos
meio de resolução 22/89 a alíquota de 12 % por cento para as
sobre: [...]
operações interestaduais. No entanto, foi feita a seguinte res-
II - operações relativas à circulação de mercado-
salva: a alíquota será de 7% quando o remetente da mercadoria
rias e sobre prestações de serviços de transporte
for os Estados do Sul e Sudeste (menos o Espírito Santo) e o
interestadual e intermunicipal e de comunicação,
destinatário for os Estados do Norte, Nordeste, Centro -Oeste e
ainda que as operações e as prestações se iniciem
o Espírito Santo.
no exterior; (BRASIL, 1988) Vejamos a resolução nº22 de 1989 do Senado. Tal imposto é de competência privativa dos Estados e do Distrito Federal, tendo legitimidade para sua cobrança, o Estado onde
Art. 1º A alíquota do Imposto sobre Operações Re-
se encontra o remetente da mercadoria. Sendo este também o
lativas à Circulação de Mercadorias e sobre Pres-
lugar onde ocorre o fato gerador, ou em caso de importação, o
tação de Serviços de Transporte Interestadual e In-
Estado em que se localize o estabelecimento do importador.
termunicipal e de Comunicação, nas operações e
A operação que dá ensejo à circulação é, no dizer de Aliomar
prestações interestaduais, será de doze por cento.
Baleeiro, todo negócio jurídico que transfere a mercadoria desde
Parágrafo único. Nas operações e prestações rea-
o produtor até o consumidor final ou segundo Alcides Jorge Costa,
lizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às
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Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Esta-
Art. 155 §2° inciso VI da Constituição Federal
do do Espírito Santo, as alíquotas serão:
VII - em relação às operações e prestações que
I - em 1989, oito por cento;
destinem bens e serviços a consumidor final locali-
II - a partir de 1990, sete por cento.
zado em outro Estado, adotar-se-á:
Art. 2º A alíquota do imposto de que trata o art. 1º,
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário
nas operações de exportação para o exterior, será
for contribuinte do imposto;
de treze por cento.
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for
Art. 3º Esta Resolução entra em vigor em 1º de ju-
contribuinte dele; (BRASIL,1988)
nho de 1989. ( SENADO FEDERAL, 2013)
Nas operações internas, a alíquota será a adotada pelo Estado por meio de lei editada e regulamentada por convênio no
Esta resolução foi criada com o intuito de tornar os produtos
âmbito do CONFAZ. Contudo, a Constituição dispõe que a alíquo-
mais baratos para os Estados que possuem consumidores com
ta interna não pode ser inferior a alíquota interestadual, salvo se
menor poder aquisitivo, e com isto possibilitar que os produtos
houver deliberação dos Estados por meio do CONFAZ .
fabricados nos Estados mais ricos possam ser consumidos nos
O §2° do art. 155 da Constituição Federal dispõe:
Estados mais pobres, tendo em vista que os consumidores da maioria dos Estados do Norte, Nordeste, Centro-oeste tem poder
Art. 155. §2°
aquisitivo menor do que os consumidores dos Estados do Sul e
VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do
Sudeste.
Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII,
O cenário atual das operações financeiras sobre a ótica da Jurista Misabel Abreu Machado Derzi.
g, as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as
Os Estados mais ricos da Região Sul e Sudeste, nas
operações interestaduais; (BRASIL, 1988)
operações interestaduais com destino as demais mais pobres e importadoras- aplicam na origem, a
Com a propagação da mundialização nas últimas décadas,
alíquota de 7%, para que, nas operações internas
a competitividade e a concorrência entre as economias mundiais
subseqüentes, quando incidir a alíquota interna
têm aumentado cada vez mais, e esta extrema competição eco-
de 18%, a diferença, de 11% seja apropriada pelo
nômica, pode se dar não só pela iniciativa privada, como também
Estado do destino, importador. O movimento con-
pela publica nesse caso os Estados.
trário se dá de tal modo que, os Estados do Norte,
Atualmente com a integração de grandes mercados como a
Nordeste e Centro- Oeste, nas operações de saída,
União Européia e o fenômeno da globalização, existe uma intensa
em direção aos Estados mais ricos, apliquem a alí-
competição entre as nações para atrair indústrias e grandes inves-
quota de 12%, reservando-lhes apenas a diferença
timentos financeiros.
de 6% relativos ás etapas subsequentes, a (resolução senatorial 22/90). (DERZI, 2011 p.49)
Tais práticas influenciam diretamente no sistema tributário dos países, pois é através da manipulação do referido sistema é que os Estados conseguem atrair indústrias, investimentos no
No que se refere ao procedimento para cobrança do ICMS, pode-se dizer que existe o instituto da substituição tributária, onde
comércio e no turismo, dando origem a uma prática que pode ser definida pela expressão: Guerra Fiscal.
o crédito presumido consiste na antecipação das operações futu-
O fenômeno “Guerra Fiscal”, é notável no mundo inteiro, com
ras, por uma alíquota única de valor agregado que deve ser insti-
destaque para os “paraísos fiscais”. Os paraísos fiscais são em
tuído por lei estadual.
sua maioria, ilhas de colonização portuguesa, inglesa e holande-
Nas operações em que o consumidor ou destinatário for con-
sa, como as Antilhas Holandesas, e as Ilhas Virgens Britânicas,
tribuinte do imposto, será adotada a alíquota interestadual. En-
que pelo fato de não terem recursos naturais para fomentar sua
tretanto nas operações em que o consumidor ou destinatário não
economia, optam por atrair grandes investimentos financeiros,
for contribuinte, será adotada a alíquota interna do Estado onde
oferecendo carga tributária diminuta, e baixo custo de manuten-
estiver localizado o remetente.
ção para seus investidores. Os paraísos fiscais então oferecem
É o que preconiza a Constituição Federal.
várias opções de investimento em áreas como: indústria, serviços
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e turismo. Vale ressaltar que esses países dificultam a fiscalização
para impugnar leis que concedem os benefícios fiscais sem a anu-
e facilitam a evasão de divisas de outras nações, por isso conse-
ência do CONFAZ, uns contra os outros. De modo que, o Estado
guem atrair grandes investimentos que são utilizados para o seu
(classificado no pólo ativo da lide), que interpõe ADI impugnando
desenvolvimento econômico.
a lei infratora, institui leis sem base em Convênio no âmbito do
( FRANCO, 2008 p.6)
CONFAZ, tornando-se também alvo de ADI, sendo incluído no pólo
Em nosso país ainda existem grandes problemas na área de
passivo de outra lide com a mesma pretensão judicial de impug-
logística, por isso em muitas situações comerciais o local onde é
nar lei editada de forma unilateral.
fabricado o produto é muito distante do local onde esse produto é
Contudo, o número de ADI, interposto pelos Estados, vêm au-
consumido, tornando o frete oneroso, o que justifica a criação de
mentando a cada ano, gerando desgaste do poder judiciário para
incentivos fiscais para certos setores da indústria brasileira.
discutir matéria que é definida como inconstitucional. Acarretando
O Brasil é um país de dimensões continentais, possuindo cinco regiões geográficas: Sul, Sudeste, Centro-oeste, Nordeste, e
um grande acúmulo de ações, com a mesma pretensão, provocando ainda mais a lentidão dos tribunais para julgar demais ações.
Norte. No cenário econômico atual é notável a desigualdade social
Outro procedimento adotado pelos Estados brasileiros é o
e financeira dessas regiões, e pode-se observar que as regiões sul
financiamento do ICMS pago na importação. Tais financiamentos
e sudeste são mais desenvolvidas do que as demais regiões.
são realizados por Bancos Estaduais dos entes federativos, que
O Brasil possui uma produção de mercadorias em toda a
logo depois realizam a compensação por meio de precatórios,
sua extensão territorial, mas temos que enfatizar que a produção
Com isso alguns Estados podem perder receitas de arrecadação
é concentrada nos Estados do Sul e do Sudeste, onde estão os
e a instalação de Indústrias devido a estes Estados infratores
grandes pólos tecnológicos e a indústria de ponta. Por outro lado,
atraírem empresas com propostas de alíquota de ICMS menor,
os Estados consumidores de menor potencial aquisitivo, em sua
do que a cobrada pelos demais entes da federação.
maioria, são os Estados do Norte, Nordeste e Centro - Oeste. Com todas essas divergências, muitas Unidades Federativas optam por
2.3.1 Competência do CONFAZ
oferecer incentivos fiscais ou benefícios fiscais para atrair investi-
A Constituição Federal prevê que a lei complementar, deve
mentos financeiros e a instalação de indústrias em seu território,
regular a forma em que os Estados e o Distrito Federal, poderão
proporcionando crescimento econômico exclusivo para o Estado
conceder ou revogar, isenções e benefícios fiscais, com isso,
que concede atrativos para indústrias.
foi criada a Lei Complementar 24 de 1975, que dispõe que os
A Constituição Federal deu autonomia a todos os Estados Fe-
benefícios fiscais, somente poderão ser concedidos com base
derais para legislar sobre o ICMS, mas devem ser observadas as
em convênio, realizado com a presença de cada representante
normas previstas no texto constitucional. Haja vista, que a autono-
dos Estados Federais no âmbito do CONFAZ.
mia de legislar destinada aos Estados brasileiros deve respeitar
O CONFAZ, Conselho Nacional de Política Fazendária – é
limites. Ocorre que nos últimos anos, Estados brasileiros passa-
órgão deliberativo instituído em virtude de preceitos previstos
ram a editar leis que concedem a redução da base de cálculo,
na Constituição Federal, tendo o dever de promover a eficácia
subsídios e isenção para as operações que incidem ICMS em seu
do federalismo fiscal e o equilíbrio tributário entre os Estados.
território, sem respeitar os convênios autorizados pelo CONFAZ.
Este órgão é composto pelos Secretários de Fazenda, Finanças
Os benefícios fiscais concedidos, têm atraído muitas empresas
ou Tributação de cada Estado e Distrito Federal e pelo Ministro
para se instalarem nos Estados infratores, prejudicando a econo-
de Estado da Fazenda. (CONFAZ, 2013)
mia de outros Estados, que insatisfeitos com a arrecadação do
Para atingir a sua finalidade, as Secretarias de Fazenda de
imposto de ICMS reduzida, tomam a decisão de entrar com ADI
todos os Estados mantêm uma Comissão Técnica Permanen-
- Ação Direta de Inconstitucionalidade - alegando a inconstitucio-
te (COTEPE), que se reúnem regularmente, com o objetivo de
nalidade das leis que concedem benefícios e incentivos fiscais.,
discutir temas em finanças públicas de interesse comum, para
dando origem ao fenômeno “Guerra Fiscal”, que surgiu no Brasil
que possam ser decididos nas reuniões periódicas do CONFAZ.
em decorrência das batalhas judiciais que os Estados Federais
(CONFAZ, 2013)
travam, nos tribunais superiores: como STJ - Superior Tribunal de Justiça e STF- Supremo Tribunal Federal.,
Contudo, todo convênio interestadual deve atender todos os requisitos estipulados pelo CONFAZ, principalmente o de ser
Os Estados brasileiros ajuízam ADI- Ação Direta de Inconsti-
aprovado por decisão unânime para ter base legal. Caso con-
tucionalidade, que é um instrumento aplicado com a finalidade de
trário se o convênio for criado de maneira unilateral, a lei ins-
controle direto da constitucionalidade das leis e atos normativos,
tituída por ele será inconstitucional e terá seus efeitos nulos,
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e se for impugnada por ente federativo tal lei será revogada
impedir que a apenas um ente obtenha benefícios e vantagens e
segundo o entendimento unânime do STF – Superior Tribunal
os demais prejuízo, no que tange a arrecadação do ICMS.
Federal. (CONFAZ, 2013) A lei complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975 regula os Convênios.
2.4 os princípios constitucionais da legalidade, não cumulatividade, e seletividade aplicada ao ICMS; A Constituição Federal quanto à aplicação do Princípio da le-
Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações
galidade determina que todo e qualquer tributo, deve ser criado
relativas à circulação de mercadorias serão con-
por meio de Lei, sendo esta: federal, estadual ou municipal.
cedidas ou revogadas nos termos de convênios ce-
No que se refere ao princípio da não cumulatividade, a Cons-
lebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito
tituição Federal determina, que, deverá ser respeitado pelos legis-
Federal, segundo esta Lei.
ladores dos entes federativos, na edição de suas respectivas leis,
Parágrafo único - O disposto neste artigo também
que regulam a arrecadação e disposição dos valores arrecadados
se aplica:
através do ICMS, é o que se aufere pelo art. 155, §2°, I da Cons-
I - à redução da base de cálculo;
tituição Federal de 1988.
II - à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a
A Constituição Federal prevê o princípio da não cumulatividade no art.155:
responsável ou a terceiros; III - à concessão de créditos presumidos;
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Fede-
IV - à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais
ral instituir impostos sobre:
ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Im-
II - operações relativas à circulação de mercado-
posto de Circulação de Mercadorias, dos quais re-
rias e sobre prestações de serviços de transporte
sulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do
interestadual e intermunicipal e de comunicação,
respectivo ônus;
ainda que as operações e as prestações se iniciem
Art. 2º - Os convênios a que alude o art. 1º, serão
no exterior;
celebrados em reuniões para as quais tenham sido
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao
convocados representantes de todos os Estados e
seguinte
do Distrito Federal, sob a presidência de represen-
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for
tantes do Governo federal.
devido em cada operação relativa à circulação de
§ 1º - As reuniões se realizarão com a presença de
mercadorias ou prestação de serviços com o mon-
representantes da maioria das Unidades da Fede-
tante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro
ração.
Estado ou pelo Distrito Federal;
§ 2º - A concessão de benefícios dependerá sem-
II - poderá ser seletivo, em função da essenciali-
pre de decisão unânime dos Estados representa-
dade das mercadorias e dos serviços; ( BRASIL
dos; a sua revogação total ou parcial dependerá
1988).
de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.
O ICMS é imposto que institui a desoneração da cadeia pro-
§ 3º - Dentro de 10 (dez) dias, contados da data
dutiva, permitindo que o imposto pago em uma etapa, gere crédito
final da reunião a que se refere este artigo, a reso-
para as etapas seguintes. Com isso, o princípio da não cumulativi-
lução nela adotada será publicada no Diário Oficial
dade atua compensando o que for devido em cada operação, com
da União.(CONFAZ,1975)
o que foi cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal, impedindo assim a tributação de-
O CONFAZ tem a competência de fiscalizar e interceder na
nominada de “efeito cascata”, tal efeito ocorreria se houvesse a
promulgação de todas as leis que concedem benefícios Fiscais,
cumulatividade e se em cada operação o contribuinte fosse obri-
com o intuito de preservar a segurança jurídica de tais disposi-
gado a fazer o pagamento novamente de tal tributo.
tivos legais, observando se o efeito da lei que regula redução de alíquotas, subsídio e crédito presumido que irá proporcionar re-
Sobre o tema, o STF- Supremo Tribunal Federal dispôs da seguinte forma
flexos positivos para a economia de todos os entes federativos, e Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 247
O sistema de créditos e débitos, por meio do qual se apura o ICMS devido, tem por base valores certos, correspondentes ao
cias administrativas, legislativas e tributárias, assim dispostas na Constituição Federal.
tributo incidente sobre as diversas operações mercantis, ativas e
A Constituição Federal estabelece que cada ente federativo
passivas, realizadas no período considerado, razão pela qual tais
possui uma esfera de competência tributária que lhe garante ren-
valores, justamente com vista à observância do princípio da não-
da própria.
-cumulatividade, são insuscetíveis de alteração em face de quaisquer fatores econômicos ou financeiros.” (RE 195.902, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 20/11/98) (STF)
( MORAES 2009, p.272) Os estados brasileiros têm como principal arrecadação tributária o recolhimento do IPVA e o ICMS; os municípios o IPTU e o ISS; e a União; o IR, II, IE e o IPI. Contudo a união tem um numero
A Constituição prevê que a seletividade será facultativa quan-
maior de impostos, do que os Estados e municípios brasileiros o
to à essencialidade do produto. A população é sempre a priorida-
que acarreta no desequilíbrio financeiro da arrecadação tributária
de, sendo assim, aqueles produtos que são classificados como
do entes federais.
essenciais para sobrevivência do povo poderão ter uma alíquota menor, enquanto aqueles produtos considerados supérfluos, te-
O federalismo para Alexandre de Moraes:
rão a alíquota maior. Todavia, a aplicação de tal princípio deverá ser analisada com muita cautela, quanto a elaboração de uma
A constituição de 1988 adotou como forma de Esta-
norma regulamentadora do imposto.
do o federalismo, que na conceituação de Dalmo de
Constantemente os Estados brasileiros vêm reduzindo a
Abreu Dallari é uma “aliança ou união de Estados”,
alíquota de produtos considerados essenciais. No entanto, os
baseada em uma Constituição onde “os Estados que
entes federativos estão utilizando disso, para conceder bene-
ingressam na federação perdem sua soberania no
fício e incentivos irregulares. A título de exemplo, O Estado de
momento mesmo do ingresso, preservando, contu-
São Paulo, que instituiu o Decreto nº 52.381/2008, que prevê
do, uma autonomia política limitada.
a redução de 100% da base de cálculo de produtos laticínios,
[...]
todavia tal dispositivo foi editado sem a devida anuência de
A adoção da espécie federal de Estado, gravita em
Convênio no âmbito do CONFAZ.
torno do princípio da autonomia e da participação política e pressupõe a consagração de certas regras
3 Pacto federativo e equilíbrio financeiro entre
constitucionais, tendentes não somente á sua con-
os Estados brasileiros.
figuração, mas também à sua manutenção e indis-
O Pacto Federativo, ou também denominado de Federalismo
solubilidade, pois como aponta José Roberto Dromi,
Fiscal, tem sua definição elencada no rol dos artigos 145 a 162,
analisando a federação argentina “ a simples federa-
da Constituição Federal, nos quais, entre outros temas, são previs-
ção pura é tão irrealizável quanto um sistema unitá-
tas as competências tributárias dos entes da Federação. Por outro
rio, pois é uma aliança e as alianças não perduram.
lado, os artigos 21 a 32 da Constituição Federal dispõem sobre e
Como ressaltado por Geraldo Ataliba, “exsurge a
os encargos ou serviços públicos. (CONJUR, 2013)
Federação como a associação de Estados (foedus,
No Pacto Federativo os entes federativos possuem capacida-
foederis) para formação de novo Estado ( o federal)
de de se autoorganizar, de instituírem suas próprias normas, de se
com repartição rigida de atributos da soberania entre
autogovernar e de se autoadministrarem, contudo, sempre deve
eles. Informa-se seu relacionamento pela autonomia
ser respeitada a integridade territorial da Federação.
recíproca da União e dos Estados, sob a égide da
A capacidade de se autoorganizar e de criar suas próprias nor-
Constituição Federal (Sampaio Dória) caracterizado
mas se dá em virtude de que os estados membros, através do poder
dessa igualdade ( Ruy Barbosa), dado que ambos ex-
constituinte derivado decorrente, podem estabelecer suas constitui-
traem suas competências da mesma norma (kelsen).
ções, e logo depois, suas legislações infraconstitucionais, naquilo
Dai cada qual ser supremo em sua esfera, tal como
que forem de sua competência, todavia os entes federativos, devem
disposto no Pacto Federal (Victor Nunes) (MORAES,
sempre observar o que dita a nossa Constituição Federal.
2009 p.9)
Quanto a capacidade de se auto administrar, ao qual possui os Estados, a mesma é caracterizada pelo fato de que é eles quem
Acerca do equilíbrio fiscal os Estados Brasileiros devem exer-
fazem a sua gestão da coisa pública no âmbito de suas competên-
cer uma arrecadação tributária justa com o contribuinte, e uma
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repartição saudável para aplicação de seus recursos financeiros.
Podemos observar que o ICMS é o imposto de maior arrecada-
Tendo em vista que, com a promoção do equilíbrio financeiro, é
ção monetária dos Estados, e a alternativa que os Estados possuem
que se irá garantir os direitos coletivos, como: saúde, educação e
é a de incentivar o seu fato gerador, que se dá pela circulação de
segurança pública.
mercadorias. Com isso os Estados tendem a incentivar a industria-
Todavia, ocorrem diversas práticas que ameaçam o equilíbrio
lização para produzirem mais e terem um aumento quantitativo da
econômico financeiro, isto por que, o sistema tributário atual, gira
arrecadação provocando uma intensa circulação de mercadorias. Ou
em torno de uma série de práticas ilegais, como já mencionado
seja, quanto mais indústrias o Estado possui instalada em seu terri-
dentre elas, as que os Estados concedem benefícios fiscais sem
tório, maior vai ser a circulação de mercadoria que é o principal fato
qualquer previsão legal prevista na Constituição Federal.
gerador de ICMS, e consequentemente maior vai ser arrecadação do
O ICMS, como já mencionado é o imposto de competência
referido imposto. Mas para atrair indústrias são necessários alguns
estadual, não vinculado, uma vez que o montante monetário ar-
atrativos, como os já mencionados, benefícios fiscais, instituídos por
recadado com a cobrança desse tributo, sobre o seu fato gerador,
meio de leis. O problema é que a necessidade dos Estados em in-
deve ser destinado em qualquer necessidade do Estado, como
tensificar a criação do fato gerador do ICMS, é tão grande, que os
investimentos em saúde, educação, segurança, pública, pavimen-
mesmos dependem de forma viciosa em cometer as práticas incons-
tação, rodovias, e infraestrutura.
titucionais citadas neste artigo.
Um dos maiores problemas atuais do Brasil, é no que tange a infraestrutura logística, dentre os eles, podemos citar o déficit
4. A inconstitucionalidade dos benefícios e
na malha rodoviária, as condições ruins das rodovias brasileiras
incentivos fiscais sem base em convênio.
e a precariedade dos portos que provocam dificuldade no esco-
Os convênios do ICMS têm a função de uniformizar, em âm-
amento da produção de alguns Estados, resultando na perda de
bito nacional, a concessão de isenções, incentivos e benefícios
grandes receitas monetária. A logística no cenário nacional é alvo
fiscais pelos Estados (art. 155, § 2°, XII, “g”, da CF/1988). Em úl-
de uma série de problemas que levam a precariedade do setor de
tima análise, trata-se de instrumento que busca conferir tratamen-
transportes no Brasil, influenciando diretamente na necessidade
to federal uniforme em matéria de ICMS, como forma de evitar a
de arrecadação tributária de cada Estado brasileiro.
Guerra Fiscal. Por isso é de extrema importância para segurança
Todas estas dificuldades mencionadas quanto à logística, e
jurídica do país que os convênios sejam respeitados.
desigualdade de poder econômico entre os Estados, no prisma
Os Estados estão infligindo as regulamentações dos Convê-
das operações financeiras, incluindo importações, podem ser par-
nios e estão adotando práticas inconstitucionais no que tange a
cialmente atribuídas ao desequilíbrio fiscal e econômico entre a
edição de leis sem suporte em convênio, contrariando os incisos
União e os Estados. Uma vez que, atualmente a União tem com-
XII, alínea, g do §2° do art.155 e o inciso VI do §2º do art. 155 da
petência para a arrecadação sobre um número maior de impos-
Constituição Federal. . ( BRASIL, 1988)
tos, do que os Estados Federais. Mormente, os Estados apesar de arrecadarem pouco valor monetário em relação à União, ainda
Deste modo, preceitua a Constituição Federal.
possuem muito mais competências de gestão e investimento em áreas de teor público do que a União. As competências de cunho
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias assegu-
econômico, que envolve infraestrutura, no âmbito da industrializa-
radas ao contribuinte, é vedado à União, aos Esta-
ção, capacidade energética, logística, tecnologia e disponibilidade
dos, ao Distrito Federal e aos Municípios:
de mão de obra, dependem de grandes investimentos monetários. No entanto, muitos Estados não dispõem de recursos financeiros.
§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de
Todavia, devido a atual desigualdade econômica do país, os Esta-
base de cálculo, concessão de crédito presumido,
dos para adquirirem receita, para investir em infraestrutura, em
anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou
educação, segurança, saúde ou simplesmente criar postos de
contribuições, só poderá ser concedido mediante
trabalho, recorrem a práticas que consistem em oferecer incenti-
lei específica, federal, estadual ou municipal, que
vos fiscais para indústrias, com o objetivo de poderem arrecadar
regule exclusivamente as matérias acima enume-
maior valor monetário com o ICMS. Por um lado, o Estado que
radas ou o correspondente tributo ou contribuição,
adota as práticas citadas acima, obtém inúmeros benefícios e por
sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.
outro, causa um maior desequilíbrio financeiro e fiscal em relação
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3,
à arrecadação de ICMS de todos os Entes Federais.
de 1993) [...]
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 249
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Fe-
O art. 155, XII, diz caber a lei complementar, na letra
deral instituir impostos sobre:
g, regular a forma como, mediante deliberação dos
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao
Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e
seguinte
benefícios fiscais serão concedidos e revogados”
b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações
É ver bem. O que cabe á lei complementar regular
para resolver conflito específico que envolva inte-
o modo como (modus faciendi) se processarão os
resse de Estados, mediante resolução de iniciativa
convênios. Evidentemente , a lei complementar não
da maioria absoluta e aprovada por dois terços de
poderá deferir um colegiado interestadual de funcio-
seus membros; [...]
nários públicos poderes para dar e tirar tributação
VI - salvo deliberação em contrário dos Estados
(isenção e reduções e suas revogações) sem lei,
e do Distrito Federal, nos termos do disposto no
contra o princípio da legalidade. Esses convênios
inciso XII, g, as alíquotas internas, nas operações
não são invenção do constituinte de 1988. A carta
relativas à circulação de mercadorias e nas pres-
de 1967 os prevê, numa outra redação menos preci-
tações de serviços, não poderão ser inferiores às
sa, e a Lei Complementar nº 24 cumpria a função de
previstas para as operações interestaduais;
regular os convênios. Ocaso é que extrapolou e exce-
XII - cabe à lei complementar
deu os limites processuais que lhe tinham sido bali-
g) regular a forma como, mediante deliberação
zado e acabou por transformar estas Assembleias de
dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incen-
Estados em verdadeiras Assembleias Legislativas de
tivos e benefícios fiscais serão concedidos e revo-
Estados Membros, sem legisladores eleitos, contra o
gados. [...]
espírito da constituição. Inexplicavelmente, o judiciário tolerou o agravo.
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Fede-
O Convênio é acordo, ajuste, combinação e promana
ral instituir impostos sobre: (Redação dada pela
de reunião de Estados-membros.
Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
A esta comparecem representantes de cada estado in-
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao
dicado pelo chefe do Executivo das unidades federadas.
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucio-
Não é assim, o representante do povo do estado que se
nal nº 3, de 1993)
faz presente na assembléia, mas o preposto do Execu-
XII - cabe à lei complementar:
tivo, via de regra um Secretário de Estado, usualmente
g) regular a forma como, mediante deliberação dos
o da fazenda ou das finanças. Nestas Assembleias, são
Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos
gestados os convênios que só passa a valer depois que
e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
as Assembleias Legislativas – casas onde se faz repre-
( BRASIL, 1988)
sentar o povo dos estados- ratificam os convênios pré-firmados nas Assembleias. Com efeito, não poderia um
Vivemos em um Estado democrático de direito em que todos
mero preposto do chefe do executivo estadual exercer
devem participar das decisões de interesse da sociedade, e estes
competência tributaria impositiva ou exonerativa. Esta e
incentivos e benefícios fiscais influenciam na economia e a na in-
do ente político, não e do Executivo nem do seu chefe,
dustrialização de um Estado atingindo diretamente na geração de
muito menos do preposto, destituível ad nutum.
empregos, e no preço dos produtos. Por isso o teor desses dispo-
(COELHO 2012 p.182)
sitivos é de interesse coletivo, e devem ser ratificados por decisão unânime dos representantes de cada Estado brasileiro. Os Con-
Sob a ótica da renomada jurista Misabel Abreu Machado
vênios são de extrema importância, e notavelmente necessários
Derzi, a desconfiança entre os entes federais, resulta na incons-
para segurança jurídica das operações financeiras entre os Entes
titucionalidade de uma série de princípios jurídicos dentre eles
federativos, por isso devem ser respeitados.
constitucionais e tributários, provocando uma série de conflitos
Nessa mesma linha o Renomado autor Sacha Calmon Navarro Coelho discorre sobre a importância dos Convênios. Os convênios de estados membros relativos ao ICMS e o princípio da legalidade.
fiscais entre os Fiscos, prejudicando os contribuintes brasileiros. Uma das soluções para o problema atual da Guerra Fiscal seria a aplicação abrangente do princípio da proteção da confiança nas relações interestaduais.
250 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
A renomada autora dispõe ainda que.
tas a crédito presumido do tributo “as operações internas e interestaduais com mercadoria ou bem
O combate á cultura da desconfiança é essencial
destinados às atividades de pesquisa e de lavra de
para o êxito das mudanças, sejam elas quais fo-
jazidas de petróleo e gás natural enquadrados no
rem, pois a confiança permite também alcançar a
REPETRO”, as quais eram objeto de impugnação
simplificação, sem os malefícios da desconfiança:
na presente ação direta. 2. A jurisprudência desta
deformação das características constitucionais
Corte é pacífica quanto à prejudicialidade da ação
dos impostos e dos valores e princípios jurídicos .(
direta de inconstitucionalidade, por perda superve-
DERZI, 2011 p.72/73)
niente de objeto, quando sobrevém a revogação da norma questionada. Precedentes. 3. Ação direta
4.1 As decisões dos tribunais acerca das
de inconstitucionalidade julgada prejudicada, em
leis inconstitucionais editadas pelo Estado do
razão da perda superveniente de seu objeto. (STF
Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo;
ADI 2352 / ES – Espírito Santo, Rel. Min. Dias To-
Todos os Estados brasileiros concedem benefícios fiscais irre-
ffoli, DJU: 01/06/2011, Reqte: Governador do Es-
gulares que são a edição de leis, sem autorização de Convênio no
tado de Minas Gerais, Intdo: Governador do Estado
âmbito do CONFAZ, que dão ensejo a Guerra Fiscal, sendo assim
do Espírito Santo)
os prejudicados entram com Ação Direta de Inconstitucionalidade,
(GRIFO DO AUTOR)
pleiteando o ressarcimento dos prejuízos quanto a arrecadação de ICMS, e pedindo a revogação da lei editada pelo Estado con-
As decisões do STF são no sentido de que a lei editada por
cedente de incentivo fiscal irregular. Mas o ápice do fenômeno da
estado concedendo benefícios fiscais de forma unilateral e sem
Guerra Fiscal dar-se quando os Estados Federados promovem ADI-
suporte em convênios intergovernamental no âmbito do CONFAZ é
Ação Direta de Inconstitucionalidade, uns contra os outros o tem-
inconstitucional, uma vez que agride o princípio da não cumulativi-
po todo, e durante o lapso temporal em que o STF não julga estas
dade e legalidade. O Supremo Tribunal Federal demonstra efetivo
ações, as Estados infratores continuam arrecadando o ICMS, por
repúdio a Guerra Fiscal entre os Estados Federados.
meio da lei inconstitucional, que concede benefícios irregulares.
No cenário jurídico nacional pode se observar um grande nú-
Quando aproxima a data do julgamento das ADI, os Estados revo-
mero de ADI, requerendo a inconstitucionalidade de leis origina-
gam a lei que concede os incentivos ou benefícios fiscais de forma
das por decretos que concedem os benefícios fiscais.
unilateral, sendo assim as ADI interposta pelos Estados prejudica-
Os Estados Federais que promovem Ação Direta de Incons-
dos, perdem o objeto. Logo após um tempo, os Estados infratores
titucionalidade, impugnando a lei editada sem concordância
editam uma nova lei, regulamentando a concessão de benefícios
com convênios de outro Estado, também editam leis sem supor-
fiscais sem ser editada por meio de Convênio. O Supremo Tribu-
te em convênio, instituindo no pólo passivo de Ação direta de
nal Federal no julgamento da Ação direta de inconstitucionalidade
inconstitucionalidade. É o caso dos Estados do Rio de Janeiro e
N°2352, decidiu que houve a perda superveniente de seu objeto.
São Paulo, que constantemente promovem ADI, ou seja, estão no
Uma vez que a norma inconstitucional editada pelo Estado do Es-
pólo ativo de diversas ações desta classe, e ao mesmo tempo se
pírito Santo foi revogada.
encontram no pólo passivo de outras ações desta espécie.
Isto posto, assim demonstra o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal
Conforme o exposto demonstra os seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal. Na decisão abaixo apresentada, o Estado de São Paulo pro-
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DE-
move ADI alegando inconstitucionalidade da Lei nº 3.394, de 4
CRETO Nº 153-R, DE 16 DE JUNHO DE 2000,
de maio de 2000, regulamentada pelo Decreto nº 26.273 , do
EDITADO PELO GOVERNADOR DO ESTADO DO ES-
Estado do Rio de Janeiro. O STF, julgou a ação procedente por
PÍRITO SANTO. ICMS: CONCESSÃO DE CRÉDITO
decisão unânime:
PRESUMIDO. LIMINAR DEFERIDA PELO PLENO DESTA CORTE. REVOGAÇÃO TÁCITA. PERDA DE OB-
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE –
JETO. 1. O Decreto nº 1.090-R/2002, que aprovou
LEGITIMIDADE E CAPACIDADE POSTULATÓRIA.
o novo regulamento do ICMS no Estado do Espírito
DESCABE CONFUNDIR A LEGITIMIDADE PARA A
Santo, deixou de incluir no rol das atividades sujei-
PROPOSITURA DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITU-
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 251
CIONALIDADE COM A CAPACIDADE POSTULATÓ-
LIMINAR REPELIDA. PRECEDENTES. DECRETO
RIA. QUANTO AO GOVERNADOR DO ESTADO, CUJA
QUE, NÃO SE LIMITANDO A REGULAMENTAR LEI,
ASSINATURA É DISPENSÁVEL NA INICIAL, TEM-NA
INSTITUA BENEFÍCIO FISCAL OU INTRODUZA OU-
O PROCURADOR-GERAL DO ESTADO. AÇÃO DIRE-
TRA NOVIDADE NORMATIVA, REPUTA-SE AUTÔNO-
TA DE INCONSTITUCIONALIDADE – NATUREZA DA
MO E, COMO TAL, É SUSCETÍVEL DE CONTROLE
NORMA E ALCANCE. O fato de a norma disciplinar
CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. 2.
matéria balizada não a torna de efeito concreto.
INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Decreto
Este pressupõe a individualização. AÇÃO DIRETA
nº 52.381/2007, do Estado de São Paulo. Tributo.
DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO AD-
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Servi-
VOGADO-GERAL DA UNIÃO. Consoante dispõe o §
ços – ICMS. Benefícios fiscais. Redução de base
3º do artigo 103 da Constituição Federal, cumpre
de cálculo e concessão de crédito presumido, por
ao Advogado-Geral da União o papel de curador da
Estado-membro, mediante decreto. Inexistência de
lei atacada, não lhe sendo dado, sob pena de ino-
suporte em convênio celebrado no âmbito do CON-
bservância do múnus público, adotar posição dia-
FAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da cha-
metralmente oposta, como se atuasse como fiscal
mada “Guerra Fiscal”. Inadmissibilidade. Ofensa
da lei, qualidade reservada, no controle concentra-
aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra
do de constitucionalidade perante o Supremo, ao
“g”, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes.
Procurador-Geral da República. “GUERRA FISCAL”
Não pode o Estado-membro conceder isenção, in-
PRONUNCIAMENTO DO SUPREMO – DRIBLE. Sur-
centivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto so-
ge inconstitucional lei do Estado que, para mitigar
bre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS,
pronunciamento do Supremo, implica, quanto a
de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato
recolhimento de tributo, dispensa de acessórios –
normativo, sem prévia celebração de convênio
multa e juros da mora – e parcelamento. Incons-
intergovernamental no âmbito do CONFAZ. (STF,
titucionalidade da Lei nº 3.394, de 4 de maio de
ADI 4152/SP- São Paulo, Rel. Min. Cezar Peluso,
2000, regulamentada pelo Decreto nº 26.273, da
DJe: 01/06/2011, Reqte: Governador do Estado
mesma data, do Estado do Rio de Janeiro. O Tribu-
do Paraná, Intdo A/S):Governador do Estado de
nal, por votação unânime e nos termos do voto do
São Paulo).(GRIFO DO AUTOR)
Relator, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 3.394, de 4 de maio de 2000, do Estado do Rio de Janeiro,
5. Os reflexos da Guerra Fiscal na
regulamentada pelo Decreto nº 26.273, editado.
economia brasileira
(STF, ADI 2906 / RJ – Rio de Janeiro, Rel. Min. Mar-
A princípio, a Guerra Fiscal era vista como opção dos Esta-
co Aurélio, DJe 01/06/2011, Reqte, Governador do
dos mais pobres para atrair investimentos, o que compensava a
Estado de São Paulo, Intdo Governador do Estado
falta de uma política mais efetiva de desenvolvimento regional.
do Rio de Janeiro). (GRIFO DO AUTOR)
Contudo, o tempo foi passando, e os Estados mais ricos também passaram a praticar a Guerra Fiscal, a qual perdeu força como
Na decisão abaixo, o Estado do Paraná promove ADI, alegan-
instrumento de desenvolvimento regional e passou a gerar uma
do inconstitucionalidade do Decreto nº 52.381/2007 do Estado
série de distorções altamente prejudiciais ao crescimento do País.
de São Paulo, por conceder concessão de crédito presumido e ter
Atualmente no Brasil, uma empresa ao fazer um investimen-
sido editado sem suporte em convenio. O STF, julgou a ação pro-
to, a mesma não sabe se seus concorrentes receberão benefícios
cedente por decisão unânime.
que podem comprometer sua capacidade de competir e sobreviver no mercado. Essa insegurança leva os empresários a investir
INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO DIRETA. OBJETO.
menos ou então a exigir um retorno mais alto dos investimentos,
ADMISSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO DE DECRETO
prejudicando os consumidores. (FAZENDA, 2013)
AUTÔNOMO, QUE INSTITUI BENEFÍCIOS FISCAIS.
Vale ressaltar que a insegurança atinge até mesmo as em-
CARÁTER NÃO MERAMENTE REGULAMENTAR.
presas que receberam incentivos irregulares, inclusive essas em-
INTRODUÇÃO DE NOVIDADE NORMATIVA. PRE-
presas não sabem se conseguirão mantê-los, tendo em vista que
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às decisões judiciais que reconhecem a inconstitucionalidade dos
no qual incidem o imposto de ICMS, e assim não dependerão de
benefícios concedidos de forma unilateral, obrigam a cobrança
benefícios fiscais, tendo uma arrecadação fiscal que os possibi-
retroativa dos impostos que deixaram de ser pagos. Por isso, vá-
litem a ter uma receita econômica favorável para investimentos,
rios Estados brasileiros não estão aceitando o crédito de ICMS de
em saúde, educação, e segurança para a população, consolidan-
produtos que receberam incentivos em outras unidades da Fede-
do uma autonomia financeira.
ração. (FAZENDA, 2013)
O sistema tributário nacional deve implantar algumas medi-
Através do benefício fiscal concedido pelos Estados pode veri-
das, que são de grande valia para o combate a Guerra Fiscal.
ficar o crescimento econômico do estado que concede o benefício, e a concentração da arrecadação tributária exclusiva para este
A) Padronização da legislação estadual pela edição
ente. Contudo, há uma grande perda de postos de empregos e de-
de lei complementar nacional, limitando-se a lei esta-
saceleração da economia brasileira, influenciando negativamente
dual a instituição do tributo em norma de repetição.
no crescimento do PIB brasileiro, que diminui.
B) Uniformização dos deveres administrativos e
Devido a tributação do produto nacional oriundo de alguns
dos procedimentos das leis estaduais instituido-
Estados ser mais vantajosa a de outros se torna mais onerosa,
ras do tributo, através de um regulamento edita-
este acaba agregando valor maior de venda, e sendo mais caro, o
do pelo CONFAZ.
consumidor muitas vezes opta pelo produto importado. Com isso
C) Vedação à concessão de quaisquer benefícios e in-
o produto nacional acaba perdendo competitividade com o pro-
centivos fiscais ou financeiros vinculado ao imposto.
duto importado, gerando enfraquecimento da indústria nacional
D) Uniformização das alíquotas do imposto que serão
e a desindustrialização, que têm como consequência a perda de
iguais para as operações interestaduais fixadas pela
inúmeros empregos.
lei complementar e aplicada a cada produto ou ser-
O sistema tributário brasileiro é extremamente complexo, e
viço por resolução do senado mediante sugestão do
além da complexidade, há o problema da cumulatividade de vá-
CONFAZ. Nesse campo, certa margem de discriciona-
rios tributos, o que resulta em organização ineficiente da estrutura
riedade as alíquotas interna deveria ser concedida;
produtiva, aumento do custo dos investimentos e das exportações
E) Não Cumulatividade, simplificação neutralidade e
e favorecimento das importações. A título de exemplo, estudo re-
seletividade do imposto, em razão da essencialidade
cente do Banco Mundial, aponta o Brasil como último colocado,
do produto.( DERZI, 2011, p.53)
entre 177 países, dispostos em ordem crescente de número de horas por ano, destinadas pelas empresas, ao cumprimento de obrigações tributárias. (WORLD BANK, 2013)
O combate à “Guerra Fiscal”, muitas vezes, é utilizado como um artifício para se angariar votos, sendo utilizado como proposta de governo por diversos agentes políticos no período de eleição, por este
6 Considerações Finais e Soluções Pode-se concluir que segurança jurídica, lealdade, praticidade e confiança nas relações federativas entre os Estados em
motivo não há muito interesse em combater esta prática adotada pelos Estados, pois se a Guerra Fiscal fosse erradicada, muitos agentes políticos teriam sua proposta de governo defasada.
conjunto com as relações entre administração e os contribuintes,
Por fim, conclui-se que não há necessidade alguma da re-
são requisitos essenciais, necessários para a eficiência financeira
forma tributária para combater a Guerra Fiscal, bastando apenas
da economia do Brasil, bem como a consolidação de um sistema
que o Senado edite uma Resolução que estabeleça a alíquota mí-
jurídico sobre a ótica do princípio da legalidade.
nima e a alíquota máxima para que os Estados possam conceder
Contudo, para podermos combater a Guerra Fiscal e atingir
nas operações internas e interestaduais.
um equilíbrio fiscal entre os Estados, devem ser adotadas políticas públicas, que possibilitem o desenvolvimento do sistema de logística brasileira, sendo necessário o investimento de recursos finan-
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Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 253
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254 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO TETO SALARIAL NAS HIPÓTESES DE CUMULAÇÃO REMUNERADA CONSTITUCIONALMENTE PERMITIDAS Marco Afonso Batista da Silva Júnior 1
RESUMO: Em sua essência, todo trabalho conta, historicamente, com uma contraprestação remuneratória variável de acordo com a atividade exercida. O sistema remuneratório no serviço público é um ponto confuso e nebuloso, permitindo que agentes públicos inescrupulosos ampliem infinitamente seus rendimentos às custas do erário, em detrimento do interesse público. Para por fim a tal abuso, a EC 19/98 inseriu o inciso XI ao art. 37, limitando a remuneração máxima percebida pelos agentes públicos ao subsídio dos Ministros do STF. Esta limitação, entretanto, cria distorções absurdas nas hipóteses de acumulação remunerada de cargos públicos, constitucionalmente permitidas pelo texto do art. 37, XVI CR/88, inserido pela mesma emenda constitucional. Na última década, o STF, o CNJ e até mesmo Deputados Federais enfrentaram parcialmente tal controvérsia procurando disciplinar a aplicação do teto constitucional, o qual era interpretado como geral e irrestrito por diversos julgadores. Considerando as decisões daqueles órgãos e fazendo uma análise sistemática da Constituição da República, concluímos que a fixação de um teto salarial único para os agentes públicos em geral não se afigura lícita nos casos de cumulação de cargos públicos remunerados com permissão constitucional. PALAVRAS-CHAVE: teto remuneratório constitucional; cumulação de cargos; (in)constitucionalidade. ÁREAS DE INTERESSE : Direito Administrativo e Direito Constitucional
1 INTRODUÇÃO
básicas (como alimentação e habitação) às mais esdrúxulas.
Desde os primórdios da humanidade, o labor sempre tem
Neste ponto, é interessante observar que – afastando os juí-
sido a atividade mais básica e essencial do ser humano, con-
zos de valoração – até mesmo as atividades ilícitas se pres-
figurando-se como o principal meio de subsistência da espécie
tam essencialmente ao mesmo objetivo.
humana. Nas palavras de Marx (1984):
Temos assim, que o trabalho – independentemente de sua modalidade – conta, historicamente, em sua essência, com uma
O primeiro pressuposto de toda história humana
contraprestação remuneratória variável de acordo com a ativida-
é, naturalmente a existência de indivíduos huma-
de efetivamente exercida em uma dada época.
nos vivos. O primeiro ato histórico destes indivídu-
Ignorando tal fato, a versão atual da Constituição da Re-
os, pelo qual se distinguem dos animais, não é o
pública Federativa do Brasil (CR/88), traz em seu Art. 37, XI a
fato de pensar, mas o de produzir seus meios de
seguinte dicção:
vida. (MARX, 1984, p. 22). Art. 37, XI. A remuneração e o subsídio dos ocuAssim, a história do trabalho se confunde com a história
pantes de cargos, funções e empregos públicos
da própria humanidade de uma forma geral. Não obstante sua
da administração direta, autárquica e fundacio-
extensa trajetória e as inúmeras modificações sofridas ao lon-
nal, dos membros de qualquer dos Poderes da
go de todo esse tempo, todas as suas etapas e modalidades
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
do trabalho: 1)coletiva e solidária das sociedades tribais; 2)
Municípios, dos detentores de mandato eletivo
produção tributária da sociedade asiática; 3)trabalho escravo;
e dos demais agentes políticos e os proventos,
4)a servidão da sociedade feudal e 5)o trabalho assalariado
pensões ou outra espécie remuneratória, per-
da sociedade capitalista (adotando a classificação de Knapic,
cebidos cumulativamente ou não, incluídas as
2004) têm como consequência direta a conquista de meios
vantagens pessoais ou de qualquer outra natu-
para a satisfação das necessidades humanas: desde as mais
reza, não poderão exceder o subsídio mensal,
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em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no
2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS A Constituição da República do Brasil assim dispõe em seu art. 1º:
Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada
Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
Poder Legislativo e o subsídio dos Desembarga-
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Demo-
dores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa
crático de Direito e tem como fundamentos:
inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do
I - a soberania;
subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do
II - a cidadania
Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder
III - a dignidade da pessoa humana;
Judiciário, aplicável este limite aos membros do
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Ministério Público, aos Procuradores e aos De-
V - o pluralismo político.
fensores Públicos. (Art. 37,XI da Constituição da
(Art. 1º da Constituição da República, 1988) [grifos
República, 1988) [grifos nossos]
nossos]
Tal dispositivo legal traz uma limitação clara e expressa à
Mais que um princípio, a dignidade da pessoa humana, es-
remuneração percebida pelos detentores de cargos públicos
tampada logo no 1º artigo (inc. III) da Lei Maior, afigura-se como
vinculados à administração pública direta e indireta de todos
a essência, ou o núcleo basilar e informador de todo o nosso or-
os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municí-
denamento jurídico, exercendo – nas palavras de SANTOS, E. R.
pios). Limitação esta que causa distorções absurdas, podendo
(2003) – “um papel axiológico na orientação, interpretação e her-
penalizar o servidor público que acumula dois cargos constitu-
menêutica do sistema constitucional”.
cionalmente permitidos pelo inciso XVI do mesmo artigo. A sua
Logo após a dignidade da pessoa humana, nosso Magno Tex-
interpretação literal ensejaria a esdrúxula situação na qual o
to Republicano (1988), fixa, em seu inciso IV (ainda do art. 1º), “os
servidor pouco ou nada receberia pelo exercício do segundo
valores sociais do trabalho[...]” como outro importante fundamen-
cargo público. Essa situação absurda pode ser exemplificada
to da nossa república. De fato, ambos os fundamentos (Dignidade
com clareza tomando por base os Ministros do Supremo Tri-
e Trabalho) estão intimamente relacionados. Milênios de ativida-
bunal Federal (STF) – cujos subsídios são adotados como teto
des laborativa, em suas mais diversas modalidades e expressões,
remuneratório nacional – que poderiam acumular um cargo de
permitiram-nos consolidar o entendimento de que o trabalho é,
professor em universidades públicas à sua função pública de
sem sombra de dúvidas, um dos instrumentos mais relevantes
Ministros do STF. Esta hipótese, totalmente legal e extrema-
para a afirmação e realização do ser humano.
mente interessante – vez que estimularia a ampliação da qua-
Antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988, o
lidade do ensino público – configurar-se-ia como uma hipótese
Brasil, como signatário da Declaração Universal dos Direitos Hu-
de trabalho absolutamente gratuito. O pagamento de quaisquer
manos, aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia
valores – por menores que sejam – pelo exercício da docência
Geral da Organização das Nações Unidas – ONU, já assumia uma
no setor público excederia o teto remuneratório previsto pelo
postura extremamente ética e responsável, em defesa do trabalho
Art. 37, XI, configurando-se como uma ilegalidade.
digno e com uma remuneração justa e satisfatória, nos termos do
A situação fática e jurídica ora apresentada, certamente,
art. XXIII da referida Declaração:
nos desperta estranheza e indignação, suscitando diversos questionamentos acerca da legalidade da mesma, bem como
Artigo XXIII
de situações correlatas. Diante deste imbróglio, indaga-se se
1.Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre
o exercício de cargos ou funções públicas, acumulados com a
escolha de emprego, a condições justas e favorá-
devida autorização constitucional, sem a justa remuneração
veis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
pelos serviços prestados estaria em conformidade ao ordena-
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem
mento jurídico pátrio, ou seja, a incidência do teto salarial nas
direito a igual remuneração por igual trabalho.
hipóteses de cumulação remunerada constitucionalmente per-
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma
mitidas é plenamente constitucional?
remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure,
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assim como à sua família, uma existência compatível
tatamos que esta limitação é imposta apenas ao exercício de cargos
com a dignidade humana e a que se acrescentarão,
públicos, estando o servidor plenamente livre para exercer a mesma
se necessário, outros meios de proteção social. (OR-
docência aventada acima, porém, no setor privado, percebendo a in-
GANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948)
tegralidade da remuneração devida para a função. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012) observa que mesmo o
Contraditoriamente, ao inserir o inciso XI ao art. 37 da CR/88,
servidor que esteja em regime de acumulação (constitucional-
a Emenda Constitucional nº 19 de 4 de junho de 1998 criou, para
mente permitida) se sujeita a um teto remuneratório único que
as hipóteses possíveis de cumulação de cargos públicos uma li-
incidirá sobre a soma da dupla retribuição pecuniária percebida
mitação salarial, ao determinar que a remuneração e o subsídio,
em razão das atividades laborais (públicas) exercidas cumulati-
decorrentes da cumulação dos ocupantes de cargos, funções e
vamente. Esta interpretação fundamenta-se não somente no art.
empregos públicos da administração direta, autárquica e fun-
37, XI da CR/88, mas também na vedação expressa no final do
dacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos
inciso XVI do mesmo artigo, ao impor a observância obrigatória
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de
– em qualquer dos casos de cumulação remunerada permitida
mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos,
– o disposto no inciso XI. No mesmo sentido, o parágrafo 11 do
pensões ou outra espécie remuneratória, incluídas as vantagens
artigo 40 da CR/88, reitera essa limitação aplicando-a, inclusive,
pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderá exceder o
aos proventos percebidos em razão de aposentadoria ainda que
subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF.
cumulados com outros proventos ou remunerações oriundas de
Conquanto imposta em face do interesse público, tal limita-
cargos constitucionalmente acumuláveis.
ção salarial cria distorções absurdas nas hipóteses de acumulação remunerada de cargos públicos, constitucionalmente permiti-
Art. 40, § 11. Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI,
da pelo texto art. 37, XVI da CR/88.
à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos
Art. 37, XVI. É vedada a acumulação remunerada
ou empregos públicos, bem como de outras ativi-
de cargos públicos, exceto, quando houver com-
dades sujeitas a contribuição para o regime geral
patibilidade de horários, observado em qualquer
de previdência social, e ao montante resultante da
caso o disposto no inciso XI:
adição de proventos de inatividade com remunera-
a)de dois cargos de professor;
ção de cargo acumulável na forma desta Constitui-
b)de um cargo de professor com outro técnico
ção, cargo em comissão declarado em lei de livre
ou científico;
nomeação e exoneração, e de cargo eletivo. (Art.
c)de dois cargos ou empregos privativos de profis-
40, §11, da Constituição da República, 1988)
sionais de saúde, com profissões regulamentadas. (Art. 37,XVI da Constituição da República, 1988)
Em 2003, com o advento da Emenda Constitucional nº 41, a redação do referido inciso foi alterada. Tal alteração, entretanto,
Conforme evidenciado pelo inciso acima, a título de exem-
não somente manteve a distorção causada pela EC 19/98, bem
plo, embora o exercício da docência seja passível de acumu-
como agregou uma complexidade ainda maior, em virtude do es-
lação com cargos públicos, em observância estrita ao teto sa-
tabelecimento de subtetos salariais nos âmbitos dos Estados, Dis-
larial fixado pelo inciso XI ainda do art. 37 (CR/88), tal prática
trito Federal e Municípios.
– em determinadas situações – deveria ser exercida mediante ínfimo ou nenhum pagamento, conforme a remuneração do 1º cargo do servidor público se aproxime do teto salarial (o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal).
3 ATOS DO PODER JUDICIÁRIO No ano de 2004, em sessão administrativa convocada pelo então Presidente – Ministro Maurício Corrêa, o Supremo Tribu-
Distorções como essas atentam claramente contra os princípios
nal Federal enfrentou superficialmente a controvérsia estabele-
da Dignidade da pessoa humana e do Valor Social do Trabalho, na
cida pela fixação do teto remuneratório constitucional durante
medida em que determinam que o servidor público exerça o seu
o julgamento do Processo Administrativo nº 319269. Em seu
trabalho com toda perfeição técnica exigida para o cargo cumulado
voto – o qual fora acompanhado pela unanimidade dos demais
sem, no entanto, oferecer-se uma contraprestação remuneratória
Ministros presentes – Maurício Corrêa externou seu entendi-
adequada. A aberração torna-se ainda mais evidente quando cons-
mento pela inconstitucionalidade da expressão “percebidos
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cumulativamente ou não” da nova redação dada ao art. 37, XI
Mitigando a distorção causada pela limitação estabelecida pela
pela EC 41/03, no que tange à acumulação de cargos de Minis-
imposição do teto remuneratório, a Emenda Constitucional nº 47 de
tro do STF e do TSE, conforme se depreende do trecho abaixo:
5 de julho de 2005 (com efeito retroativo a 30/12/2003, data da entrada em vigor da EC nº 41/03) introduziu o parágrafo 11 ao artigo 37,
Entendo, em conseqüência, que no caso específico
excluindo as parcelas de caráter indenizatório da incidência do teto.
não há falar-se em somatório das remunerações para fins de teto. A Constituição Federal, desde sua
Art. 37, § 11. Não serão computadas, para efeito
redação primitiva, não apenas autorizou, mas deter-
dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI
minou, que houvesse a acumulação dos cargos de
do caput deste artigo, as parcelas de caráter inde-
Ministros do STF e do TSE. A letra “a” do inciso I do
nizatório previstas em lei. (Art. 37, §11, da Consti-
artigo 119 estabelece que comporão o Tribunal Su-
tuição da República, 1988)
perior Eleitoral três Ministros do Supremo Tribunal Federal. Trata-se, assim, de regra permissiva de acu-
A aludida exclusão fundamenta, por exemplo, não somente a
mulação e, mais do que isso, imperativo constitucio-
garantia de pagamento das indenizações asseguradas ao servidor
nal para que se opere o exercício concomitante dos
federal para fins de ajuda de custo, diárias e transporte (confor-
cargos, daí resultando inviável que outra norma de
me art. 51 da Lei 8.112/1990), mas também o justo pagamento
igual hierarquia impeça, ainda que indiretamente, a
aos magistrados e procuradores eleitorais que acumulam funções
incidência e aplicação da previsão constitucional.
nos Tribunais Eleitorais, fazendo jus às gratificações de presença
É fato que a Emenda não está a vedar, de forma di-
nas sessões de julgamento da Justiça Eleitoral previstas na Lei
reta, a mencionada acumulação. Nos exatos termos
8.350/1991. Nesse sentido, o Ministro Gilmar Mendes, no Pro-
em que colocada, porém, o exercício simultâneo de
cesso Administrativo 19.451/DF do Tribunal Superior Eleitoral pro-
cargos ficará obstado de forma reflexa, a exigir, des-
feriu seu voto nos seguintes termos – sendo acompanhado pela
de logo, interpretação conforme a Constituição, de
unanimidade dos demais Ministros do Tribunal:
modo a harmonizar, efetivamente, seus comandos. Não é possível aceitar que uma norma autorize e de-
Em face da entrada em vigor da Lei nº 11.143, de
termine a acumulação e outra venha a proibi-la, total
26 de julho de 2005, e da Resolução nº 306, edi-
ou parcialmente. É inadmissível aqui conflito de nor-
tada pelo STF em 27.7.2005, e dos comandos do §
mas constitucionais que ostentam igual hierarquia,
11 do art. 37 da Constituição Federal, introduzidos
e por isso mesmo reclama se faça uma ponderação
pela Emenda Constitucional ns 47/2005, parece-
simétrica de seus valores.
-me mantida apenas a gratificação de presença
Invoco a práxis da interpretação harmônica e tele-
dos membros dos tribunais federais, por sessão a
ológica do texto constitucional para concluir que,
que compareçam, até o máximo de oito por mês,
na situação particular da acumulação dos cargos
nos termos do art. 1 – da Lei nº 8.350/1991.
de Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tri-
Por essas razões, meu voto é pelo esclarecimen-
bunal Superior Eleitoral, autorizada e mesmo de-
to à Secretaria desta Corte de que, no sistema
terminada pelo artigo 119 da Constituição, não se
normativo em vigor, somente há previsão legal
aplica a cumulação das remunerações para fixação
para o pagamento da gratificação de presença
do teto ou, em outras palavras, as remunerações
por sessão de julgamento eleitoral. (TRIBUNAL
respectivas, para fins da aplicação do inciso XI do
SUPERIOR ELEITORAL, 2005)
artigo 37, que deverão, nesse caso específico, ser consideradas isoladamente. Somente estarão su-
No ano seguinte - em 21 de março de 2006 - o Conselho Na-
jeitas à redução se, em uma ou outra situação,
cional de Justiça (CNJ), no exercício da sua competência como con-
per se, ultrapassar o limite fixado pela EC 41/03.
trolador da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário,
É claro que tal raciocínio se aplica, por decorrência
zelando pela observância do art. 37 (CR/88) – conforme previsão
lógica, a todas as situações de composição da Justiça
expressa do art. 103-B, §4º, II da CR/88, procurou regulamentar a
Eleitoral. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2004)
aplicação do teto remuneratório constitucional sobre a remuneração percebida pelos membros do Poder Judiciário, editando a Re-
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solução nº 13/2006. O referido documento não somente ratificou a
teto de retribuição na administração pública fixado pelo art. 37, XI,
decisão do STF no Processo Administrativo nº 319269 (comentada
da Constituição”. Inicialmente, o projeto qualifica taxativamente
anteriormente), bem como ampliou expressa e taxativamente (em
os agentes públicos que se submetem ao teto remuneratório. Na
seu art. 8º) a imunidade à incidência do remuneratório de verbas
sequência, arrola as parcelas que, por sua natureza, não estão su-
classificadas em quatro categorias distintas, a saber: I) de caráter
jeitas a tal limite constitucional. Neste ponto, a deputada federal
indenizatório, previstas em lei (ajuda de custo com transporte, mu-
praticamente transcreve a Resolução nº 13/2006 do CNJ, ao fixar
dança, moradia, funeral, dentre outras); II) de caráter permanente
as ressalvas e verbas imunes ao teto. A parlamentar, entretanto,
(exercício do magistério e benefícios de planos de previdência); III)
omitiu-se acerca da incidência do teto nas hipóteses de cumula-
de caráter eventual ou temporário (benefícios de assistência médi-
ção permitidas pelo art. 37, XVI. Nem mesmo o exercício do ma-
co-social e educacional, gratificação do exercício da função eleitoral
gistério foi abordado (como fora na Resolução 13/2006 do CNJ).
e do magistério por hora-aula) e IV) abono de permanência.
Neste aspecto – da cumulação de cargos – a deputada limitou-
Focando-se no objeto do presente estudo, destaque merece
-se a estabelecer uma ordem de precedência para a dedução de
ser dado – à acertada permissão do CNJ para a extrapolação do
eventuais excessos remuneratórios e imputar aos órgãos pagado-
teto constitucional aos magistrados que exerçam o magistério no
res a responsabilidade pelo fiel cumprimento do teto.
âmbito do Poder Público, independentemente da modalidade de pagamento (proventos, vencimento-base ou horas-aula) realizada, conforme arts. 8º, II, “a” e III, “e”, reproduzidos abaixo:
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS “O sistema remuneratório no serviço público é um dos pontos mais confusos do regime estatutário”, conforme adverte
Art. 8º Ficam excluídas da incidência do teto remu-
Carvalho Filho (2012). A imoralidade administrativa, o grande
neratório constitucional as seguintes verbas:
choque de interesses, a simulação da natureza das parcelas
II - de caráter permanente:
estipendiais, o escamoteamento de vencimentos, tudo, enfim,
a) remuneração ou provento decorrente do exercí-
acaba por gerar uma enorme confusão, suscitando uma infini-
cio do magistério, nos termos do art. 95, parágrafo
dade de soluções distintas para casos iguais e uma única so-
único, inciso I, da Constituição Federal;
lução para hipóteses diferentes. Tal fato não pode, entretanto,
III - de caráter eventual ou temporário:
ser solucionado pela imposição de uma norma única que ignora
a)gratificação de magistério por hora-aula proferi-
e fere diversos princípios constitucionais.
da no âmbito do Poder Público; (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2006)
Diante de todo o exposto acima, verifica-se que a fixação de um teto salarial único para todos os detentores de cargos ou funções públicas da Administração Pública direta e indireta de todos os entes fe-
Embora dê um grande passo na regulamentação da aplicação
derativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) previsto pelo
do teto remuneratório constitucional, a Resolução 13/2006 do CNJ
art. 37,XI da CR/88, embora perfeitamente compreensível, aceitável
está longe de resolver em definitivo a polêmica em torno da incidên-
e desejável – numa primeira análise – em prol do interesse público
cia do teto salarial nas hipóteses de cumulação remunerada permi-
primário, não se afigura lícita nos casos de cumulação de cargos pú-
tidas constitucionalmente. Primeiro por se tratar de uma resolução
blicos remunerados com permissão constitucional. Inicialmente em
com jurisdição restrita aos Membros do Poder Judiciário. Segundo
razão da permissão expressa do art. 8º da Resolução 13/2006 do
por abordar apenas o exercício cumulado de um cargo público com o
CNJ para a extrapolação do teto no exercício da magistratura e do
magistério, nada versando sobre o exercício cumulado de cargos na
magistério. Conforme observa Di Pietro (2012):
área da saúde, permitido pelo art. 37, XVI, “c”. [...]o princípio da razoabilidade e o princípio do ubi 4 PROJETO DE LEI
eadem est ratio eadem est jus dispositivo (onde
No intuito de aperfeiçoar a norma contida no art. 37, XI, pos-
existe a mesma razão deve reger a mesma disposi-
sibilitando o cumprimento com pleno rigor do limite remuneratório
ção legal) exigem que a mesma interpretação seja
determinado pela Constituição, sem depender de interpretações
adotada em relação aos servidores que acumulam
variadas dos mais diversos órgãos do Poder Judiciário, a depu-
cargos ou proventos com base no art 37, XVI da
tada federal Perpétua Almeida (PCdoB / AC) propôs, em 15 de
Constituição. (DI PIETRO, 2012)
março de 2011, o projeto de lei nº 714 que dispõe – nos termos da ementa do projeto – “sobre a aplicação, no âmbito da União, do
Ademais aplicação do teto salarial único, como se viu, afrontaria
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os princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da razoabilidade, além dos valores sociais do trabalho. Assim, o presente estudo conclui pela necessidade de flexibilização da aplicação do limite constitucional estabelecido pelo art. 37, XI da CR/88, permitindo-se a aplicação de teto diferenciado para os servidores públicos que acumulem cargos em perfeita consonância com a Constituição da Repú-
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NOTA DE FIM 1 Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva – Belo Horizonte, MG.
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A INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ NO PROCESSO PENAL Henrique Oliveira Bontempo1
RESUMO: O presente artigo analisa a possibilidade de produção de provas ex officio pelo juiz criminal à luz da eleição constitucional do sistema acusatório. Para tanto é feita uma analise dos sistemas acusatório e inquisitivo para concluir qual é o sistema processual brasileiro. A partir daí, pretende concluir sobre a constitucionalidade a iniciativa probatória do juiz no processo penal. PALAVRAS-CHAVE: iniciativa probatória, sistema acusatório, sistema inquisitivo, inconstitucionalidade, imparcialidade.
1 INTRODUÇÃO
que isso, exige uma posição de terzietà, um estar
Os sistemas processuais vêm, ao longo do tempo, sofrendo
alheio aos interesses das partes na causa [...]
diversas mudanças. Foram evoluindo de suas fases primitivas O Estado, nesse caso específico o juiz, deve se manter
até as mais modernas. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ado-
imparcial perante as partes, jamais tendo interesse em uma
tou-se claramente um regime democrático de direito no Brasil,
e desinteresse em relação à outra. Deve sempre buscar dar
repercutindo inclusive no plano processual penal nacional. O re-
a cada caso uma decisão justa e livre de vícios de interesse.
gime democrático trouxe consigo o princípio da imparcialidade,
Para garantir que essa imparcialidade esteja presente é
verificando-se nesse ponto o problema, enquanto o sistema acu-
necessário que o juiz seja independente, motivo pelo qual o
satório zela pela imparcialidade do magistrado o sistema inqui-
magistrado possui benefícios como as garantias da vitalicie-
sitivo o despreza.
dade, da inamovibilidade e da irredutibilidade de subsídios,
Dessa forma, sob a análise do sistema processual penal
previstos no artigo 95 da Constituição. Com esses benefícios
adotado no Brasil e do princípio da imparcialidade, intenta-se
o juiz se sente livre para julgar de acordo com o seu livre con-
certificar se seria possível, após a Constituição Federal de 1988,
sentimento, pois sabe que independentemente de sua deci-
a iniciativa probatória do magistrado no processo penal.
são o seu cargo estará garantido e com os seus vencimentos.
Ademais, pretende-se obter um posicionamento concreto sobre a constitucionalidade do artigo 156 do Código de Processo Penal que autoriza ao juiz determinar de ofício, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, além de autorizar também, a produção antecipada de provas consideradas urgente
Ademais, sobre a as garantias dadas aos magistrados, Paulo Rangel (2011, p.20) explica que: As garantias constitucionais a que nos referimos (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos) não pertence à pessoa
antes de iniciada a instrução penal.
física do juiz, mas sim à sociedade, que tem o
2 O PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
relevância social solucionados de forma justa
direito de ver os conflitos de interesse de alta
Inicialmente, para melhor compreensão do tema abordado, deve-se tecer o conceito do princípio da imparcialidade, que surge como um dos pilares do sistema acusatório. Segundo esse princípio, o juiz deve se manter distante da persecução penal, estando isento de qualquer relação com as partes e aos fatos da causa. Nesse sentido, Aury Lopes Júnior (2011, p. 123), leciona que: A imparcialidade corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo, por meio do juiz, atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva. Mais do
e imparcial. O princípio da imparcialidade é o meio para garantir a observância dos demais direitos previstos na legislação, sendo através dele que a jurisdição se dá de forma plena, sem a interferência de vontades de cunho pessoal, estando somente acompanhada de anseios legais. 3 OS SISTEMAS PROCESSUAIS 3.1 O sistema inquisitório O sistema inquisitório tem como principal característica a
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acumulação das funções de acusar, defender e julgar nas mãos
magistrado os poderes de investigar e julgar o acusado. Há a ideia do
de uma única pessoa: o juiz. Essa característica se dá pelo fato de
juiz garantidor da legalidade investigatória.
o juiz poder iniciar a persecução penal, investigando o caso, valo-
Nesse âmbito, o Ministério Público é titular da ação penal, o juiz
rando as provas e posteriormente chegando a um entendimento
se restringe a julgar o caso de acordo com as provas a ele entregues.
sobre o fato ocorrido. Assim, restando claro a falta de imparciali-
Consequentemente, preza-se pela imparcialidade do magistrado,
dade do juiz diante do caso, conforme preceitua Aury Lopes Júnior
mantendo seu equilíbrio por estar distante do conflito, somente ado-
(2011, p. 57):
tando as providências necessárias. Há que se ressaltar outra diferença entre o sistema inquiO sistema inquisitório muda a fisionomia do pro-
sitório e o acusatório, que é a publicidade. No primeiro, os atos
cesso de forma radical. O que era um duelo leal e
processuais são realizados em segredo para que não haja bre-
franco entre o acusador e o acusado, com igual-
cha para questionamentos. Como o sistema inquisitivo é fun-
dade de poderes e oportunidades, se transforma
damentado na busca da verdade real, a publicidade poderia
em uma disputa desigual entre o juiz-inquisidor e o
colocar em dúvida as decisões dos juízes.
acusado. O primeiro abandona sua posição de ár-
Já o sistema acusatório é regido pela publicidade dos atos pro-
bitro imparcial e assume a atividade de inquisidor,
cessuais. Isto, “por um lado, decorre da necessidade da participa-
atuando desde o início também como acusador.
ção da sociedade na gestão das decisões judiciais e, por outro lado,
Confundem-se as atividade do juiz e acusador, e
possibilita ainda a fiscalização da atuação do Juiz e demais agentes
o acusado a condição de sujeito processual e se
responsáveis pela prestação da função jurisdicional” (PRADO apud
converte em mero objeto da investigação.
FARIA, 2011, p. 27). Afirma, ainda, Geraldo Prado (2001, p. 176) sobre a publicidade:
Outra característica é a falta do contraditório e da ampla defesa, o que torna o acusado mero objeto da investigação, como cita-
[...] por cujo meio podem os cidadãos controlar,
do acima. O acusado não detém qualquer garantia, não existindo
adequadamente, o cumprimento das exigências
debates ou publicidade dos atos. O processo é regido pelo sigilo,
de respeito aos direitos básicos, além da morali-
longe dos olhos do povo, impossibilitando qualquer outra verdade
dade e impessoalidade da ação estatal, ficando
se não a do juiz-inquisidor.
limitada a publicidade, sem perigo inaceitável para
O magistrado utiliza-se de qualquer meio necessário para punir o
o sistema, somente nas situações pertinentes à
acusado. Assim, o réu fica a mercê do inquisidor para fazer o que for
preservação de outros direitos fundamentais, por
necessário para comprovar as alegações feitas em seu desfavor, in-
meio da coordenação do exercício de tais direitos,
clusive, na época em que foi criado este modelo processual, utilizava-
de acordo com o princípio da proporcionalidade.
-se principalmente da tortura. Isso se dava em razão do sistema de prova tarifada adotada no modelo inquisitivo, onde cada prova era
Seguindo a ideia de garantismo penal, ao contrário do mo-
valorada com critérios anteriormente estabelecidos, tornando uma
delo inquisitório, os princípios do contraditório e da ampla defesa
prova apta, por si só, para condenar o acusado.
informam todo o processo. “O réu é sujeito de direitos, gozando de
O processo inquisitório baseou-se, sempre, na busca pela ver-
todas as garantias constitucionais que lhe são outorgadas” (RAN-
dade real ou absoluta, devendo o juiz-inquisidor indagar a verdade
GEL, 2011, p. 51). Ademais, Alexandre de Morais (2005, p.93)
por todos os meios possíveis, o que fundamenta o sigilo, e a au-
preceitua a ampla defesa e o contraditório da seguinte maneira:
sência do contraditório e da ampla defesa.
Por ampla defesa entende-se o asseguramento
3.2 O sistema acusatório
que é dado ao réu de condições que lhe possibili-
Como antítese ao sistema inquisitivo, o sistema acusatório apre-
tem trazer para o processo todos os elementos ten-
senta-se com o ideal de garantir os direitos fundamentais individuais
dentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-
do ser humano. Não é admitido que o acusado seja mero objeto de
-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto
prova no processo, devendo figurar na posição de sujeito processual.
o contraditório é a própria exteriorização da ampla
A principal característica do sistema acusatório é a separação
defesa, impondo a condução dialética do processo
das funções de acusar, julgar e defender em pessoas diferentes. Não
(par conditio), pois a todo ato produzido pela acu-
existe o juiz-inquisidor ou investigador, não ficando concentrados no
sação caberá igual direito da defesa opor-se-lhe ou
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de dar-lhe a versão que melhor apresente, ou, ain-
priamente dita, onde as partes iniciam um deba-
da, de fornecer uma interpretação jurídica diversa
te oral e público, com a acusação sendo feita por
daquela feita pelo autor.
um órgão distinto do que irá julgar, em regra, o Ministério Público.
Efetivamente, sobre o contraditório, ensina Fernando Capez (2010, p. 62-63) que:
No entanto, a caracterização do sistema processual brasileiro como sendo misto não é aceito por alguns doutrinadores. Eugênio
[...] exprime a possibilidade, conferida aos con-
Pacelli (2013, p. 13) preleciona que:
tendores, de praticar todos os atos tendentes a influir no convencimento do juiz. Nessa ótica,
No que se refere à fase investigativa, convém lem-
assumem especial relevo as fases da produção
brar que a definição de um sistema processual há
probatória e da valoração das provas. As partes
de limitar-se ao exame do processo, isto é, da atu-
tem o direito não apenas de produzir suas pro-
ação do juiz no curso do processo, E porque, deci-
vas e de sustentar suas razões, mas também de
didamente, inquérito policial não é processo, misto
vê-las seriamente apreciadas e valoradas pelo
não será o sistema processual, ao menos sob tal
órgão jurisdicional.
fundamentação.
Então, podemos dizer que o sistema acusatório é totalmen-
Ademais, para outros doutrinadores, o sistema processual brasi-
te voltado a manter as garantias fundamentais individuais e
leiro é um sistema acusatório, mas que não se trata de um sistema
“que respeita a proibição do ne procedat iudex ex officio, isto
puro, existem ainda resquícios do sistema inquisitivo. Nesse sentido
é, não cabe nunca ao juiz ideal imiscuir-se, sponte sua, na ati-
são os ensinamentos de Paulo Rangel (2011, p. 54-55):
vidade de colheita (principalmente preliminar) de provas ou da de acusar” (GOMES apud FARIA, 2011, p. 28).
Assim, nosso sistema acusatório hodierno não é puro e sua essência. Traz resquícios e ranços do sistema
3.3 O sistema processual brasileiro
inquisitivo; porém, a Constituição deu grande avan-
Diante do exposto, cabe analisar qual seria o sistema proces-
ço ao dar ao Ministério Público privatividade da ação
sual adotado, para posteriormente analisar se seria possível ou
penal pública. Em verdade, o problema maior do ope-
não a produção de prova ex officio pelo juiz no processo penal.
rador do direito é interpretar este sistema acusatório
Apesar de o Código Processual Penal de 1941 ter sido fei-
de acordo com a Constituição e não de acordo com a
to sobre um ideal autoritário e com características inquisitivas, a
lei ordinária, pois, se esta estiver em desacordo com
Constituição Federal de 1988 trouxe, abraçada consigo, o sistema
o ela estabelece, não haverá recepção, ou segundo
acusatório. Dessa forma, alguns doutrinadores trazem até um ter-
alguns, estará revogada.
ceiro sistema, o sistema misto, para se referir ao modelo procesEm face ao exposto, verifica-se que o sistema processual bra-
sual penal brasileiro. Tal sistema seria uma verdadeira mistura entre característi-
sileiro, por mais que a Constituição tenha adotado o sistema acu-
cas do sistema acusatório e do sistema inquisitivo, sendo dividido
satório, ainda possui resquícios inquisitivos. Dessa forma, conclui-
em duas fases. A primeira fase com características inquisitivas e a
-se em concordância com o ilustre doutrinador Paulo Rangel, que
segunda com características acusatórias. Em síntese, Paulo Ran-
o sistema processual brasileiro é acusatório, mas que não é puro
gel (2011, p. 52) elucida essas fases da seguinte forma:
em sua essência.
1ª) instrução preliminar: nesta fase, inspirada
4 A INICIATIVA PROBATÓRIA
no sistema inquisitivo, o procedimento é levado
Uma vez concluído qual é sistema processual brasileiro,
a cabo pelo juiz, que procede às investigações,
cabe analisar se seria possível a produção de prova ex officio
colhendo as informações necessárias a fim de
pelo magistrado.
que se possa, posteriormente, realizar a acusa-
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que ado-
ção perante o tribunal competente.
tou claramente o sistema acusatório, o que deveria ocorrer seria uma
2ª) judicial: nesta fase, nasce a acusação pro-
adequação das leis nesse sentido, no entanto isso não parece ter
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ocorrido no que tange a iniciativa probatória do magistrado. A reforma do Código de Processo Penal, em 2008, modificou
sa, ambos reunidos na exigência de igualdade e isonomia de oportunidades e faculdades processuais.
o artigo 156, que agora prevê a possibilidade de o juiz de oficio determinar, no curso da instrução ou, antes de proferir sentença, a
Ademais, para clarear essa ideia de violação ao contradi-
realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante
tório, cabe mencionar os dizeres de André Faria (2011, p.124):
e mais, até mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes. Dessa forma, atuando
O princípio do contraditório, por sua vez, também
o juiz de forma inquisitória no processo.
fica diretamente comprometido, pois, ao se permi-
Porém, “a reforma, nesse caso, adota o princípio inquisitivo,
tir que o juiz assuma a iniciativa probatória, cria-se
colocando no centro da colheita da prova em total afronta à Cons-
uma situação em que o acusado deve se defender
tituição Federal, que adota o sistema acusatório (art. 129, I, CR)”
das investidas da acusação e também do juiz, de
(RANGEL, 2008, p. 461).
modo que a simétrica paridade exigida no procedi-
No sistema acusatório as funções de investigar, acusar e
mento torna-se inalcançável.
julgar são divididas entre órgãos diferentes para que o juiz seja imparcial ao julgar. Assim, a produção de provas por parte deste ofende diretamente o princípio da imparcialidade. Ademais, sobre a imparcialidade, esclarece Aury Lopes Júnior (2011, p.176) que:
Assim, observa que o juiz estaria, ao produzir prova, enfraquecendo uma parte do processo e fortalecendo outra, além de estar pendendo para um lado, colocando sua imparcialidade em dúvida. Nesse sentido, é o entendimento de Geraldo Prado (2001, p 158):
A imparcialidade do julgador decorre, não de uma virtude moral, mas de uma estrutura de atu-
Quem procura sabe ao certo o que pretende en-
ação. Não é uma qualidade pessoal do juiz, mas
contrar e isso, em termos de processo penal
uma qualidade do sistema acusatório. Por isso a
condenatório, representa uma inclinação ou ten-
importância de mantê-lo longe da iniciativa pro-
dência perigosamente comprometedora da im-
batória, pois quando o juiz atua de ofício, funda
parcialidade do julgador. Desconfiado da culpa do
uma estrutura inquisitória.
acusado, investe o juiz na direção da introdução de meios provas que sequer foram consideradas pelo
Dessa forma, não seria aceitável a ideia de um juiz imparcial
órgão de acusação, ao qual, nestas circunstancias,
que determina a realização de uma diligência. Se ele já se mani-
acaba por substituir. Mais do que isso, o mesmo
festou nesse sentido, já é nítida a sua imparcialidade, conforme o
tipo de comprometimento psicológico objeto das
entendimento de Paulo Rangel (2008, p. 461):
reservas quanto ao poder do próprio juiz iniciar o processo, aqui igualmente se verificará, na medida
Ora, como imaginar um juiz isento que colhe pro-
em que o juiz se fundamentara, normalmente, nos
va no inquérito, mas não leva em consideração na
elementos de prova que ele mesmo incorporou ao
hora de dar sentença? A reforma pensa que o juiz é
feito, por considerar importantes para o deslinde
um ser não humano. Um extraterrestre que desce
da questão, o que afastará da desejável posição
de seu planeta, colhe a prova, preside o processo,
de seguro distanciamento das partes e de seus in-
julga e volta à sua galáxia, totalmente isento.
teresses contrapostos, posição esta apta a permitir a melhor ponderação e conclusão.
Desta maneira, o juiz ao produzir prova estaria desigualando as forças produtoras de prova, ferindo também, os princípios do
Dessa forma, é evidente a característica inquisitória do juiz no
contraditório e da ampla defesa conforme ensina Eugênio Pacelli
mencionado artigo, tratando-se de um verdadeiro retrocesso que, de
de Oliveira (2008, p. 326):
acordo com Eugênio Pacelli (2013, p. 334) “é também inaceitável”. Pauta-se pela busca de uma suposta verdade real para dar
O juiz não poderá desigualar as forças produtoras da
poderes instrutórios ao magistrado, o que evidentemente retira
prova no processo, sob pena de violação dos princí-
dele a sua imparcialidade, afastando-se do acusado e se penden-
pios constitucionais do contraditório e da ampla defe-
do para o lado da acusação.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, a produção de prova ex officio pelo juiz no processo penal brasileiro é uma afronta a Constituição Federal de 1988. Não se pode falar em um juiz inquisidor diante do principio acusatório adotado pela Carta Magna. A produção de provas pelo magistrado retira deste a imparcialidade necessária para enfrentar e julgar o caso. E esta imparcialidade é imprescindível no sistema acusatório de processo. Ademais, é uma afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Se a acusação não cumpre com a obrigação que lhe foi atribuída, qual seja, de produzir as provas necessárias a condenação do réu, não cabe ao juiz tomar o seu lugar, pois ao fazer isto estaria desigualando as forças entre acusação e defesa. Por fim, há que se concluir que o artigo 156 do Código de Processo Penal é flagrantemente inconstitucional. A reforma de 2011 ao invés de adequar-se ao modelo processual constitucional, afastou-se do mesmo praticando um verdadeiro retrocesso.
REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. FARIA, André. Os poderes instrutórios do juiz no processo penal. Belo Horizonte: Arraes, 2011. LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 8 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, v.1. MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 8 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2013. PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 19 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
NOTA DE FIM 1 Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 265
A RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ROMPIMENTO DO NOIVADO Nathália Pimenta Braga1
RESUMO: O noivado ou esponsais é um instituto milenar. Desde a época do Império Romano, este instituto era tratado socialmente como um compromisso entre as partes, cujo desfazimento da promessa de casamento ensejava o direito às perdas e danos. Para o Direito Moderno, em especial para o Direito Brasileiro, o noivado continua a ser a fase intermediária entre o namoro e o casamento, em que os nubentes preparam a si e aos seus familiares, para vivenciarem uma nova etapa de suas vidas em comum. Entretanto, legalmente, deixou de ser tratado como um fato gerador de direitos e deveres, posto que não é mais regulamentado pelo ordenamento jurídico pátrio. Isso não nos exime de alargar tal discussão, questionando a existência da responsabilidade civil dentro do noivado, e da possível abrangência da mesma em relação aos danos gerados pelo seu rompimento. PALAVRAS-CHAVE: noivado; rompimento; responsabilidade civil; indenização; dano moral/material.
ÁREAS DE INTERESSE: Direito Civil
1 INTRODUÇÃO
relacionamento próximo às famílias de ambos, desiste de casar sem
O noivado, como é conhecido popularmente, é considerado
motivo plausível, configura atitude culposa e causadora de prejuí-
como uma promessa de casamento realizada entre duas pesso-
zos? Inclusive, sendo passível de indenização? É importante desta-
as, livres e desimpedidas, com o objetivo de estreitar as relações,
car que a primeira será a pergunta norteadora desta pesquisa.
ampliar a intensidade na convivência e tornar pública a intenção de casar, perante, em especial, suas famílias.
Como a legislação pátria se omitiu quanto ao instituto do noivado e seus efeitos, a doutrina e a jurisprudência vêm avaliando a pos-
Devido à questão cultural, muitos casais ainda optam por
sibilidade de responsabilização civil pelo rompimento da promessa
noivar antes de casar, mas tal fato não obriga os nubentes a con-
de casamento sem que se caracterize, de forma alguma, uma mer-
trair matrimônio, haja vista não ser requisito próprio e inerente ao
cantilização das relações afetivas.
casamento. Além disso, admitir a obrigação do casamento estaria violando o princípio da livre manifestação de vontade.
Nesse mote, é relevante efetuar este estudo, pois o tema a ser desenvolvido é atual, uma vez que os relacionamentos amo-
Neste caso, quando um dos nubentes, injustificadamente,
rosos estão cada vez mais frágeis e, por isso, menos duradouros.
resolve não se casar, tem-se o rompimento do noivado que é o
Ademais, está crescente o número de demandas no Poder Judi-
tema central deste estudo. Desse modo, Américo Luís Martins da
ciário a fim de se alcançar soluções que amenizem os prejuízos
Silva (1999, p. 359) afirma:
oriundos deste rompimento. Os objetivos são: a) geral: demonstrar que, apesar do noiva-
Até aquele momento qualquer dos noivos é livre de se
do ser apenas uma promessa de casamento, o seu rompimento
arrepender, não podendo, de qualquer modo, o arre-
injustificado pode acarretar sérios danos ao nubente prejudica-
pendido ser compelido a casar. Portanto, é possível o
do, configurando-se a responsabilidade civil; b) específicos: anali-
rompimento unilateral e injustificado da promessa de
sar o noivado no atual direito de família brasileiro; verificar a res-
casamento que traga dano a um dos noivos.
ponsabilidade civil sob a perspectiva do rompimento do noivado; delimitar as possibilidades de indenização; pesquisar o entendi-
O rompimento injustificado do noivado, por sua vez, acarreta ao
mento jurisprudencial acerca do tema.
nubente prejudicado um sentimento de tristeza, dor, mágoa, raiva,
Na elaboração do artigo científico foi utilizado o método in-
constrangimento, humilhação perante amigos e parentes, frustra-
dutivo, operacionalizado pela pesquisa bibliográfica e jurispru-
ção de sonhos e expectativas, sem contar os prejuízos materiais de-
dencial. Cumpre ressaltar que este método consiste basicamente
correntes de toda a preparação para o futuro casamento.
em obter conclusões gerais a partir de premissas particulares.
Sendo assim, a atitude do nubente que após assumir a promessa de casamento, oriunda de uma relação séria, com um intenso
No entanto, por fundamentar-se em premissas e ser passível de falhas, conduz apenas a conclusões prováveis.
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2 INSTITUTO DO NOIVADO OU ESPONSAIS
Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 104), o noivado, também conhecido por esponsais, promessa
2.1 Breve Histórico
esponsalícia ou promessa de casamento, “é o ato pelo qual as
O noivado, também chamado de esponsais, é considerado
partes interessadas prometem, recíproca e livremente, casar e,
um dos institutos jurídicos mais antigos da história do direito oci-
para tanto, assumem obrigações recíprocas, como o pagamento
dental, haja vista que o matrimônio desde sua origem, foi prece-
das despesas com a habilitação para o casamento, o enxoval (...)”.
dido pelo noivado. Por estar vinculado à futura realização do ca-
Ainda, na visão de Fernando Fueyo Laneri (1959, apud DINIZ,
samento, o seu descumprimento poderia gerar sansões aplicáveis
2002, p. 48), havendo a promessa recíproca de casamento irá “faci-
àquele nubente inadimplente.
litar a passagem da posição de estranhos à de cônjuges e justificar
No Direito Romano, os esponsais2 significavam promessa solene de contrair casamento futuro (sponsalia sunt mentio et repro-
à sociedade a convivência mais contínua e mais íntima dos noivos, sendo, simplesmente, um ato preparatório do matrimônio”.
missio nuptiarum futurarum). O contrato esponsalício era firmado
Ressalta-se que, com a mudança da sociedade, o noivado
através de um instrumento particular ou reduzido à escritura pú-
pode acontecer entre duas pessoas do mesmo sexo ou de se-
blica lavrada por tabelião local, devendo ser assinada pelos pró-
xos diferentes.
prios esponsais, por seus pais e, na ausência destes, pelos tutores ou curadores, acompanhados de no mínimo duas testemunhas.
Trata-se, portanto, de uma realidade social intermediária, que se encontra acima do namoro e abaixo do casamento. E, por isso,
Contudo, apesar da seriedade que revestia este compromis-
espera-se do noivado a existência de um compromisso moral entre
so, os contraentes não eram obrigados a se casarem e o desfazi-
os nubentes, em que ambos se doam um para o outro, planejam um
mento desta promessa dava direito a uma ação de perdas e danos
futuro próximo juntos e programam suas vidas em comum. Enfim,
denominada actio de sponsio. Todavia, entendia como rompimen-
faz-se de tudo para concretizar o grande sonho de um dia se casar e
to devido e justo, aquele que se caracterizava pelo falecimento
ser feliz, embora o seu cumprimento não seja obrigatório.
de uma das partes, pelo advento de impedimento matrimonial ou pela vontade de um dos nubentes baseada em causa legítima. Em nosso antigo ordenamento jurídico, os esponsais estavam expressamente disciplinados na Lei de 06 de outubro de 1784, co-
Este instituto, hoje, não é dotado de formalidades contratuais. E, em que pese não receba expresso tratamento legal em nosso ordenamento jurídico, há a necessidade de seu reconhecimento como fato gerador de direitos e deveres entre os nubentes.
nhecida por Lei dos Esponsais, e pelos artigos 76 a 94 da Consolidação das Leis Civis de 1858, criada por Teixeira de Freitas. Naquela
3 RESPONSABILIDADE CIVIL
época, os esponsais, assim como no Direito Romano, possuíam caráter contratual cujo descumprimento resolvia-se em perdas e danos.
3.1 Generalidades
Com o advento da Lei de Casamento Civil de 1890 e, poste-
A princípio, a ideia de responsabilidade civil pode ser
riormente, com o Código Civil de 1916, o instituto dos esponsais
retirada do próprio sentido etimológico das palavras que a
deixou de ser regulamentado. E, assim também o fez o vigente
compõem. O vocábulo “responsabilidade” advém do latim res-
Código Civil de 2002. Neste contexto, é de grande valia destacar
pondere, que significa responder a alguma coisa, assegurar, as-
o que Maria Helena Diniz (2002, p. 48) aduz sobre o assunto:
sumir algo que praticou, enquanto que o termo “civil” se refere ao cidadão.
Com a Lei de Casamento Civil de 1890, o Código Civil
Dessa junção, tem-se que a responsabilidade civil está di-
de 1916 e o novo diploma legal deixou tal promessa
retamente ligada à conduta humana que causa danos às outras
de ser regulamentada, surgindo então dúvidas sobre
pessoas, ou seja, é sempre uma obrigação imposta a alguém
a sua validade, sobre os casos em que se admite sua
para reparar o dano, seja moral e/ou patrimonial, causado a
ruptura, sobre a questão de saber se seu rompimen-
outrem em razão de sua ação ou omissão.
to acarreta ou não reparação de danos, sobre o prazo de prescrição de sua cobrança etc.
A doutrina tem enfrentado muita dificuldade para conceituar adequadamente a responsabilidade civil. Há autores que entendem que tal responsabilidade está relacionada à culpa, outros na
2.2 Visão Atual do Noivado
reparação do dano, sem contar naqueles que possuem uma visão
Atualmente, o noivado possui em sua essência o mesmo sig-
mais ampla, no sentido de repartição dos prejuízos causados.
nificado que lhe foi dado antigamente. É um compromisso realizado entre duas pessoas que antecede a realização do casamento.
Dessa forma, veja-se a conceituação de responsabilidade civil dada por Maria Helena Diniz (2002, p. 34):
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 267
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas
sarcimento pelos eventuais prejuízos. Dentro deste conceito,
que obriguem uma pessoa a reparar dano moral
inserem-se as condutas comissivas (prática de ato que não de-
ou patrimonial causado a terceiros, em razão de
veria ter realizado) e omissivas (abstenção de prática de ato
ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem
que deveria ter efetuado).
ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.
3.2.2 Dano Para a incidência dos efeitos da responsabilidade civil, é indis-
A relevância da responsabilidade civil está em restabelecer um equilíbrio moral e/ou patrimonial que fora desfeito, de modo a não permitir que a vítima do dano fique sem o devido ressarcimento e, consequentemente, que o causador saia ileso da situação.
pensável a existência de dano a um bem jurídico ou a direito e sua devida comprovação, visto que sem ele não há o que ser reparado. O dano é o prejuízo (diminuição ou destruição) sofrido pela vítima, seja individual ou coletivo, moral ou material.
O estudo da responsabilidade civil demanda uma análise
O dano moral é aquele que afeta a esfera extrapatrimonial
acerca de seus pressupostos necessários de ocorrência, como
do indivíduo, principalmente no que diz respeito aos direitos de
veremos a seguir.
personalidade, direito à imagem, direito à privacidade, etc. Para Yussef Said Cahali (2000, p. 20-21), o dano moral pode ser enten-
3.2 Pressupostos da Responsabilidade Civil
dido da seguinte maneira:
Para a configuração da responsabilidade civil, é imprescindível a presença de todos os seus pressupostos, quais sejam, a
Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo
conduta ilícita, o dano e o nexo de causalidade entre eles.
aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais
3.2.1 Conduta
inerentes à sua personalidade ou reconhecidos
A conduta, elemento primordial que compõe a responsabilidade
pela sociedade em que está integrado, qualifica-
civil, deve ser o primeiro pressuposto a ser analisado.
-se, em linha de princípio, como dano moral; não
Esta conduta, de modo geral, consiste basicamente em ser o ato
há como enumerá-los exaustivamente, eviden-
humano voluntário, comissivo ou omissivo, lícito ou ilícito, que causa
ciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na
dano ou prejuízo a outrem.
tristeza pela ausência de um ente querido faleci-
No entanto, para fins de responsabilização civil, o ato pra-
do; no desprestígio, na desconsideração social, no
ticado pelo agente deve ser ilícito e decorrente de culpa. O
descrédito à reputação, na humilhação pública, no
doutrinador Sílvio de Salvo Venosa (2004, p. 26) possui este
devassamento da privacidade; no desequilíbrio da
mesmo entendimento, vejamos:
normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas
O ato de vontade, contudo, no campo da responsabilidade deve revestir-se de ilicitude. Melhor diremos que na ilicitude há, geralmente, uma cadeia ou sucessão de atos ilícitos, uma conduta culposa. Raramente, a ilicitude ocorrerá com um único ato. O ato ilícito traduz-se em um comportamento voluntário que transgride um dever.
situações de constrangimento moral. Insta salientar que não é qualquer dissabor da vida que pode gerar o dever de indenizar por dano moral. Deve-se levar em consideração, quando da análise do caso concreto, se aquele dano sofrido causou distúrbio anormal na vida da vítima ou desconforto comportamental. Ao contrário do dano moral, o dano material é aquele que alcança a esfera patrimonial da vítima, ou seja, são os prejuízos
O Código Civil vigente, por sua vez, em seu Título III reservado aos atos ilícitos, trás nos artigos 1863 e 1874 o conceito de ato ilí-
que atingem os bens de cunho econômico. De acordo com Maria Helena Diniz (2002, p. 62):
cito. Já o artigo 927 , do mesmo diploma legal, impõe àquele que 5
cometeu o ato ilícito a obrigação de indenizar a vítima.
O dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que
Dessa forma, o ato ilícito é aquele praticado com culpa e
afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima,
contrário à norma jurídica, de modo a violar direito subjetivo
consistente na perda ou deterioração, total ou par-
individual e causar dano a outrem, ocasionando o dever de res-
cial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo
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suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. Constituem danos patrimoniais a
Entretanto, na hipótese da ruptura do noivado, são imensuráveis os danos sofridos pelo nubente prejudicado.
privação do uso da coisa, os estragos nela causados,
Dessa forma, em que pese à ausência de norma legal que regu-
a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa a
lamenta o noivado e seus efeitos, se o rompimento for caracterizado
sua reputação, quando tiver repercussão na sua vida
pela prática de ato ilícito, seja violência física ou moral ou ainda ofen-
profissional ou em seus negócios.
sa contra a honra ou dignidade do outro nubente, enseja a responsabilidade civil imposta pelo artigo 5º, inciso X, da CR/88, bem como
O dano material pode abranger não só o patrimônio presente
pelos artigos 186, 187 e 927, do Código Civil de 2002.
naquele momento, mas também o patrimônio futuro da vítima,
Assim, “é possível que da ruptura indevida dos esponsais pos-
ensejando a reparação por danos emergentes (o que o lesado per-
sa decorrer responsabilidade civil, com o dever de indenizar eventu-
deu) e por lucros cessantes (o aumento que o patrimônio teria se
ais danos materiais ou morais impostos ao noivo frustrado quando
não tivesse sofrido o dano).
se caracterizar uma ilicitude”. (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 105).
Logo, uma vez configurado, a vítima poderá exigir a reparação pecuniária tanto por dano moral e/ou material, nos termos
Compartilhando deste posicionamento, Yussef Said Cahali (2000, p. 649) conclui:
do artigo 5º, X6, da CR/88. É buscado através da indenização, o restabelecimento do status anterior do lesado, de forma a ameni-
Em condições tais, vem prevalecendo tanto na
zar o dano sofrido.
doutrina como na jurisprudência que, não ficando comprovados motivos ponderáveis para o desfazi-
3.2.3 Nexo de Causalidade
mento do noivado, assiste ao prejudicado o direito
O nexo causal ou a relação de causalidade é a ligação entre a
de ser ressarcido dos prejuízos; rompido sem justa
conduta do agente e o evento danoso. É de suma importância, na
causa o compromisso esponsalício, configura-se o
medida em que sua caracterização possibilita identificar a relação
ato ilícito que dá ensejo à responsabilidade civil.
existente entre o agir do autor, do ato ilícito e o dano correlato. Ausente o nexo causal, não há que se falar em responsabilidade civil.
Não obstante a ocorrência da responsabilidade civil, é necessária a observância dos seguintes requisitos para a aferição do
4 RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ROMPIMENTO DO NOIVADO
dever de indenizar, são eles:
Como dito anteriormente, ao se começar um noivado, cria-se uma expectativa muito grande, principalmente por parte da noiva,
a) Que a promessa de casamento tenha sido feita,
pois é o período preparatório para a futura vida conjugal e familiar.
livremente, pelos noivos e não por seus pais. [...];
No entanto, sabe-se que qualquer relacionamento que es-
b) Que tenha havido recusa de cumprir a promessa
teja pautado em sentimentos, seja namoro, noivado ou casa-
esponsalícia por parte do noivo arrependido e não
mento, está sujeito a sofrer desavenças e rompimentos.
de seus genitores, desde que esta tenha chegado
Neste caso, seja porque os sentimentos acabaram ou até mes-
ao conhecimento da outra parte. [...];
mo porque nunca existiram, configura uma conseqüência natural de
c) Que haja ausência de motivo justo [...];
qualquer relacionamento afetivo, uma vez que ninguém está obriga-
d) Que exista dano [...]. (DINIZ, 2002, p. 143-144).
do a ficar com o outro. De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 107), o amor e o afeto são os únicos mo-
Portanto, doutrina e jurisprudência vêm firmando o posiciona-
tivos que justificam manter duas pessoas unidas, e ainda acrescenta:
mento no sentido de que somente existe o dever de indenizar por danos morais em caso de rompimento do noivado quando o episó-
(...) a falta de amor e de afeto são motivos mais
dio é marcado pelo ato ilícito. Para tanto, devem estar presentes
do que justos e suficientes para o rompimento de
a conduta ilícita do agente, o dano e o nexo de causalidade entre
uma relação. Se não for assim, os nubentes (ou
eles. Dessa forma, a simples ruptura do noivado, por desamor, por
os companheiros de um modo geral) se torna-
si só, não legitima a indenização. E, no que concerne aos danos
rão reféns de certos acontecimentos (os famige-
materiais, é pacífico o entendimento de que as despesas realiza-
rados motivos justos), ficando aprisionados em
das com os preparativos do casamento devem ser indenizáveis,
relacionamentos de fachada.
desde que comprovadas pelo nubente prejudicado.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme demonstrado neste estudo, o fato do casal optar por noivar não significa que estão obrigados a contrair matrimônio. Sua finalidade é pura e simplesmente de comunicar à sociedade e, em especial, às suas famílias, o propósito de se casarem e constituírem família. Sendo assim, até o momento da celebração do matrimônio, existe apenas uma promessa de casamento que pode ser desfeita a qualquer tempo. Neste caso, quando há o rompimento do noivado, dependendo da forma em que ocorre, é possível responsabilizar o nubente pelo ato praticado. Para caracterizar a responsabilidade civil, deve-se proceder a uma análise minuciosa de cada caso concreto, se atendo às suas peculiaridades para definir qual a melhor solução dada. No que se refere ao dano moral, é difícil sua comprovação, devendo verificar as circunstâncias em que ocorreu a ruptura e a situação emocional e psicológica que se encontra o nubente pre-
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação cível nº 1.0134.08.094873-7/001 (0948737-80.2008.8.13.0134). Apelante: Weslyene Soares de Oliveira. Apelado: Edgar Nunes Cota Correa. Relator: José Flávio de Almeida. Belo Horizonte, 06 de julho de 2011. Disponível em: < http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=5&totalLinhas=17&paginaNumero=5&lin hasPorPagina=1&palavras=noivado%20e%20rompimento%20e%20inde niza%E7%E3o&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByD ata=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acesso em: 05 jun. 2013. CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. rev. atual. ampl. 5ª tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 713. CARVALHO, Rômulo Barbosa. Responsabilidade civil pelo rompimento de noivado. 2008. 43 f. (Pós graduação em Direito Civil) – Faculdades Integradas de Jacarepaguá, Barbacena, 2008. Disponível em: < http://sigplanet.sytes.net/nova_plataforma/monografias../4186.pdf>. Acesso em: 18 mai. 2013.
judicado. Quanto ao dano material, em que pese à exigência de sua comprovação, é de fácil visualização. Portanto, conclui-se que o rompimento do noivado, por si só, não legitima a indenização. Todavia, se derivado de ato ilícito pode
CRUZ, Carla; RIBEIRO, Uirá. Metodologia científica: teoria e prática. 2ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Axecel Books, 2004, p. 324.
configurar a responsabilidade civil.
DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 17 ed. 5º v. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 562.
REFERÊNCIAS
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 A expressão “esponsais” decorre da palavra latina sponsio, derivação do verbo spondeo, cujo significado é promessa solene. 3 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 4 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 5 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 6 Art. 5º (...). X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 271
A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM FACE DO REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS DO MAIOR DE SETENTA ANOS Alaine Soares Martins Vieira1
RESUMO: Em 2010, a Lei nº 12.344 alterou a disposição legal que estabelecia a obrigatoriedade do regime de separação de bens daqueles que se casassem com mais de sessenta anos. Passou-se a estabelecer, no Código Civil, a imposição do regime, entretanto apenas aos maiores de setenta anos. A modificação era ansiosamente esperada em âmbito acadêmico, jurídico e social, contudo não foi nos moldes que se apresentou. Esperava-se uma modificação que findasse com esta obrigatoriedade por ofender princípios constitucionais como o princípio da liberdade, igualdade e dignidade humana. Entretanto apenas aumentou a idade fazendo com que permanecesse uma restrição a liberdade de escolha do regime de bens. Isto mantém aberta a discussão acerca da constitucionalidade do dispositivo legal, hoje presente no artigo 1641 do Código Civil, o que motiva o presente debate. PALAVRAS-CHAVE: regime de bens; separação obrigatória; inconstitucionalidade; princípio da igualdade. Área de Interesse: Direito Civil
1 INTRODUÇÃO O Código Civil de 2002, objetivando proteger o patrimônio do septuagenário e evitar a realização do enlace matrimonial exclu-
2 A SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS DISCIPLINADA PELO ART. 1641 DO CÓDIGO CIVIL
sivamente por interesses econômicos, impõe que o casamento
A união pelo casamento traz reflexos patrimoniais, notada-
dos maiores de setenta anos de idade deve ser celebrado sob o
mente após sua dissolução, o que se traduz através do regime
regime de separação de bens.
de bens. Em sendo assim, “o regime de bens constitui uma das
A referida imposição legal é objeto de severas críticas por parte
consequências jurídicas do casamento” (VENOSA, 2006, p. 175),
dos juristas em face de sua incompatibilidade com os preceitos da
regulando os interesses pecuniários daqueles que pretendem
Constituição Federal, notadamente com o princípio da igualdade.
desconstituir o vínculo matrimonial.
Há que se destacar que o atual enfoque jurídico do Direito
No direito pátrio, prevalece o princípio da liberdade de esco-
de Família envolve uma compreensão da unidade familiar em
lha pelos nubentes do regime de bens que lhes aprouver. Assim,
consonância com as necessidades de seu tempo, rompendo com
podem estipular, através de pacto antenupcial, o regime a ser
paradigmas anteriormente consagrados.
adotado ou optar por não estabelecê-lo, oportunidade em que
Note-se, por exemplo, que o estatuto vigente, em obediência
prevalecerá o regime de comunhão parcial.
aos preceitos da Constituição Federal de 1988, estabeleceu a
O Código Civil de 2002 prevê quatro regimes de bens: co-
igualdade entre homens e mulheres para o exercício de direitos
munhão universal, comunhão parcial, separação e participa-
e cumprimento de deveres no âmbito da relação conjugal, bem
ção final nos aquestos.
como reconheceu a união sem casamento. Vê-se, pois, que o progresso humano exigiu alterações legislativas e judiciais para se adequar às constantes mutações do organismo familiar.
A comunhão universal consiste na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, incluindo-se aqueles existentes antes e os adquiridos depois do matrimônio. Na comunhão parcial, são excluídos da comunhão “os bens
Todavia, no tocante à imposição do regime de separação de
que os cônjuges já possuíam ao casar ou que venham a adquirir por
bens para os maiores de setenta anos, vislumbra-se que a legis-
causa anterior e alheia ao casamento.” (RODRIGUES, 2004, p. 178).
lação não acompanhou a evolução social.
A participação final nos aquestos constitui um regime misto,
Diante disso, justifica-se o presente exame, a fim de se ex-
“no qual se aplicam regras da separação de bens e da comunhão
plicitar a inconveniência da intervenção do Estado, bem assim a
de aquestos.” (VENOSA, 2006, p. 198). Dessa forma, nos termos
flagrante inconstitucionalidade do dispositivo legal em análise.
do art. 1672 do Código Civil, cada cônjuge possui patrimônio próprio, cabendo-lhes, à época da dissolução da sociedade conjugal,
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direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso,
É verdade que a proibição não se circunscreve
na constância do casamento.
apenas ao casamento do mancebo com sexagená-
Por fim, o regime de separação de bens é aquele em que
ria, ou ao casamento de sexagenária com mulher
há completa independência patrimonial em que cada cônjuge é
jovem, casamentos esses em que, mais frequen-
responsável pela posse, administração e disponibilidade de seus
temente, a busca de vantagem material se mani-
bens presentes e futuros. (RODRIGUES, 2004).
festa, porém, abrange o casamento da mulher e
Como bem descreve Maria Helena Diniz (2004, p. 166), no
do homem com mais de 60 anos. Aliás, talvez se
regime de separação de bens “existem dois patrimônios perfeita-
possa dizer que uma das vantagens da fortuna
mente separados e distintos: o do marido e o da mulher.”
consiste em aumentar os atrativos matrimoniais
Esse regime poderá ser convencional, quando os cônjuges
de quem a detém. Não há inconveniente social de
assim estabelecem no pacto antenupcial, ou obrigatório, quando
qualquer espécie em permitir que um sexagenário
há exigência legal.
ou uma quinquagenária ricos se casam pelo regi-
Em razão do art. 1641 do Código Civil, será obrigatório o re-
me da comunhão, se assim lhes aprouver.
gime de separação de bens para o casamento das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas de sua
No mesmo sentido, Maria Helena Diniz (2004, p. 174):
celebração; de todos os que dependerem de suprimento judicial para casar e da pessoa maior de setenta anos.
Não se pode olvidar que o nubente, que sofre tal
Portanto, pode-se afirmar que existem exceções à autonomia
‘capitis diminutio’ imposta pelo Estado, tem ma-
da vontade dos cônjuges. São situações nas quais os nubentes
turidade suficiente para tomar uma decisão relati-
perdem a liberdade de escolha, sendo obrigatória a adoção do
vamente aos seus bens e é plenamente capaz de
regime de separação de bens, seja por questões de ordem púbica
exercer atos da vida civil, logo, parece-nos que, ju-
ou como sanção. (DINIZ, 2004).
ridicamente, não teria sentido essa restrição legal em função de idade avançada do nubente, salvo
3 A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM
o fato de se tornar vulnerável psicológica ou emo-
FACE DO REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO
cionalmente, podendo, por isso, ser alvo fácil do
DE BENS DO MAIOR DE SETENTA ANOS
famoso chamado ‘golpe do baú’.
A imposição do regime matrimonial baseada no critério etário constitui uma das hipóteses de restrição à liberdade de escolha, pelos
Atualmente, face a elevação da expectativa de vida da po-
nubentes, do regime de bens. É interessante notar que o Código Civil
pulação brasileira, a Lei nº 12.344/10 alterou o inciso II do art.
de 1916 dava como obrigação a separação de bens no casamento do
1641 do Código Civil, estabelecendo a obrigatoriedade do regime
maior de sessenta e da maior de cinquenta anos (VENOSA, 2006).
de separação de bens para o casamento das pessoas maiores de
Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 323) assim contempla tal aspecto:
setenta anos de idade. Ainda assim, manteve-se uma determinação legal atentatória aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana,
O legislador compreendeu que, nessa fase da vida,
da liberdade e, principalmente, da igualdade.
na qual presumivelmente o patrimônio de um ou
Determinar que o casamento dos maiores de setenta anos
de ambos os nubentes já está estabilizado, e quan-
não pode ser realizado senão sob o regime de separação de bens
do não mais se consorciam no arroubo da juventu-
consiste em patente ofensa à dignidade da pessoa humana na
de, o conteúdo patrimonial deve ser peremptoria-
medida em que há maior valorização do patrimônio em detrimen-
mente afastado.
to da pessoa. Tal postura é veementemente repreendida pela ordem cons-
A redação original do Código Civil de 2002, mantendo a mes-
titucional vigente, posto que o estado democrático de direito bra-
ma diretriz, estabeleceu a idade de sessenta anos para ambos
sileiro fundamenta-se no respeito e valorização da pessoa, como
os sexos, em observância à igualdade entre homens e mulheres
corolário da dignidade da pessoa humana.
estabelecida pela Carta Magna.
A Constituição da República de 1988, ao tratar, em seu Título
Considerando-a uma afronta à liberdade individual, Sílvio Rodrigues (apud DINIZ, 2004, p. 174) assim interpretou a aludida norma:
I, dos Princípios Fundamentais, inseriu, no art. 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 273
Federativa do Brasil.
disposição legal que revela franca violação à autonomia da vontade.
O princípio da dignidade da pessoa humana “é valor supremo
A patente inconstitucionalidade da imposição legal em exa-
que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do ho-
me ainda é revelada pela violação ao princípio constitucional da
mem, desde o direito à vida.” (SILVA, 2003, p. 105).
igualdade, expressamente previsto no caput do art. 5º da Carta
Alexandre de Moraes (2003, p. 50) assim interpreta o aludido princípio:
da República. No mundo, o surgimento do direito à igualdade é associado à Revolução Francesa. Pretendia-se abolir benefícios e privilégios
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente
de determinada classe social e impedir discriminações e persegui-
à pessoa, que se manifesta singularmente na auto-
ções em razão da ascendência. (BASTOS, 1999).
determinação consciente e responsável da própria
Assim, a primeira Declaração dos Direitos do Homem e do
vida e traz consigo a pretensão ao respeito por par-
Cidadão, proclamada em 1789, afirmou que os homens nasciam
te das demais pessoas, constituindo-se um mínimo
e permaneciam livres e iguais em direitos. (BONAVIDES, 2009).
invulnerável que todo estatuto jurídico deve asse-
Nessa época, a institucionalização da igualdade era compre-
gurar, de modo que, somente excepcionalmente,
endida como um valor “que o Direito elegeu para implantá-lo na
possam ser feitas limitações ao exercício dos direi-
sociedade, sob a inspiração dos anseios de justiça e segurança
tos fundamentais, mas sempre sem menosprezar
social.” (BONAVIDES, 2009, p. 218).
a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Na dinâmica brasileira, o princípio da isonomia esteve presente em todas as Constituições. A primeira delas, outorgada em 1824, apresentava o princípio simultaneamente à legitimação do
A conceituação da dignidade está diretamente associada à
trabalho escravo. Ademais, envolvida pela doutrina do Estado li-
capacidade da pessoa regular-se de acordo com seu livre arbítrio,
beral, permitiam-se distinções entre os membros da sociedade,
baseando-se em decisões conscientes para plena realização da
através de critérios individuais diferenciadores. (MACIEL, 2010).
personalidade humana por seu próprio intento.
A Constituição de 1891, visando uma organização política
Como destaca Kildare Gonçalves Carvalho (2007, p. 546), “a
pautada na liberdade e na democracia sob o regime federativo de
dignidade da pessoa humana decorre do fato de que, por ser ra-
Estado e governo republicano, extinguiu todos os privilégios das
cional, a pessoa é capaz de viver em condições de autonomia e de
classes superiores. (MACIEL, 2010).
guiar-se pelas leis que ela própria edita.”
A segunda Constituição republicana, promulgada em 1934,
A previsão legal em exame retira da pessoa o direito de uma de-
com caráter eminentemente social, manteve a igualdade perante
cisão que deve originar-se por sua própria consciência, implicando
a lei e inovou ao vedar os privilégios e distinções por motivo de
em verdadeiro constrangimento autoritário, ilegal e abusivo e confi-
nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe so-
gurando, inclusive, afronta ao princípio constitucional da liberdade.
cial, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas, fatores esses
Relativamente ao princípio da liberdade, o renomado cons-
causadores de desigualdade e discriminação. (MACIEL, 2010).
titucionalista José Afonso da Silva (2003, p. 232) definiu-o como
Seguidamente, a Carta de 1937 conservou o direito à igual-
“um poder de atuação do homem em busca de sua realização
dade, mas retirou o elemento tido como inovador na Constituição
pessoal, de sua felicidade.”
anterior. (MACIEL, 2010).
Partindo-se de um conceito geral, a liberdade pode ser en-
Com o advento da Constituição de 1946, fundada na garantia
tendida como a ausência de controle, restrições e imposições de
dos direitos fundamentais do homem e no interesse público, proibiu-
outrem, opondo-se, completamente, ao autoritarismo.
-se a propaganda de preconceitos de raça ou classe. (MACIEL, 2010).
Dessa forma, “a liberdade consiste na ausência de toda co-
Posteriormente, a Carta de 1967 conservou a igualdade entre to-
ação anormal, ilegítima e imoral. Daí se conclui que toda lei que
dos e estabeleceu a punição do preconceito de raça. (MACIEL, 2010)
limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e legítima.” (SILVA, 2003, p. 255).
Finalmente, a Constituição de 1988, vigente na atualidade, inaugura o capítulo destinado aos direitos fundamentais com
Na visão de Kildare Gonçalves Carvalho (2007, p. 849), liber-
o princípio da igualdade, estabelecendo que todos são iguais
dade “é a ausência de oposição ou impedimentos externos, que
perante a lei, não se admitindo qualquer tipo de distinção entre
muitas vezes tiram o poder de cada um de fazer o que quer.”
as pessoas.
O septuagenário tem sua liberdade de decidir acerca do regime
A conceituação desse instituto, muitas vezes, é associada ao
de bens que considerar adequado para sua união tolhida por uma
pensamento de Aristóteles que, vinculando a igualdade à ideia de
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justiça, apregoa o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades. (SILVA, 2003). Aludindo à importância do princípio da igualdade, Paulo Bonavides (2004, p. 376) pontuou:
Ademais, a desequiparação deve ser totalmente compatível com os interesses e valores prestigiados pelo sistema constitucional, sob pena de ofensa ao preceito isonômico. Nesse contexto, não faz sentido algum estabelecer a idade como critério distintivo para fins de imposição do regime de
O centro medular do Estado social e de todos os
separação de bens no casamento do septuagenário.
direitos de sua ordem jurídica é indubitavelmente o
De igual forma, não se vislumbra motivo racionalmente
princípio da igualdade. Com efeito, materializa ele
justificável para a referida determinação legal. Não há, pois,
a liberdade da herança clássica. Com esta compõe
pertinência lógica entre o fator diferencial adotado e o gravame
um eixo ao redor do qual gira toda a concepção
imposto.
estrutural do Estado democrático contemporâneo.
O septuagenário é plenamente capaz para o exercício de todos os atos da vida civil, todavia, a norma imposta presume
Considerando-o direito-chave, direito-guardião do Estado social, o referido constitucionalista indica a incontrastável superioridade do princípio da igualdade e destaca que sua força vincula o legislador. (BONAVIDES, 2004).
sua incapacidade, configurando uma discriminação ilegítima perante a igualdade constitucional. E mais. O idoso já possui maturidade e experiência suficientes para deliberar acerca do regime de casamento que con-
No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p.
siderar adequado para regular sua união.
9) ensina que “o alcance do princípio não se limita à mera iguala-
Desse modo, não merece prosperar a alegação de que o ob-
ção dos cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria
jetivo da restrição legal consiste na proteção do patrimônio do ido-
lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia.”
so, evitando-se, assim, o casamento por interesses pecuniários.
Em sendo assim, pode-se afirmar que o princípio da igualda-
Se o ordenamento jurídico brasileiro não estabelece que
de constitui um caráter limitador da atuação do legislador, já que a
o avançar da idade constitui impedimento para que a pessoa
própria edição das leis deve atentar para o tratamento equânime
possa comprar, vender e doar seus bens, não há motivo hábil
entre as pessoas.
para justificar a imposição do regime de bens com fins de pro-
Note-se, entretanto, que seguindo a máxima aristotélica, seria
teção ao patrimônio do idoso.
legitimamente possível distinguir pessoas e situações para tutela
Em outras palavras, se a idade não constitui critério dis-
jurídica diferenciada, haja vista a existência de diferenças óbvias
criminatório para fins de se determinar tratamento jurídico di-
entre os homens e situações qualificadas que exigem o estabele-
versificado no que tange à disposição do próprio patrimônio,
cimento de obrigações e direitos em disparidade.
de igual forma, não pode configurar elemento de desigualação
Tais discriminações objetivam concretizar o princípio da igual-
para restrição à escolha do regime de bens.
dade, revestindo-se, para tanto, da proteção àqueles que mere-
Como assevera Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p.
cem tratamento diverso. Nesse diapasão, a dificuldade reside em
39), “a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita.” É impres-
determinar se o aspecto discriminador está ou não em harmonia
cindível que o tratamento diferenciado seja construído de forma
com o princípio da isonomia.
racionalmente adequada à diferenciação em que foi baseada.
Indagando acerca das discriminações juridicamente intolerá-
Dessa feita, a lei discriminatória que impõe a separação de
veis, Celso Antônio Bandeira de Mello (2000) apresenta três crité-
bens aos maiores de setenta anos afronta o princípio da isono-
rios cuja análise primordial permite verificar o respeito ou desres-
mia, tendo em vista que não há pertinência lógica entre o avan-
peito ao princípio da isonomia.
çar da idade e a impossibilidade de escolha do regime de bens.
Para o autor, é necessário investigar o elemento adotado como fator discriminatório; a correlação lógica entre o critério dis-
Nesse sentido, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p. 39):
criminatório e o tratamento jurídico diversificado em razão da desigualdade anunciada; e a conformidade concreta com os valores
A lei não pode conceder tratamento específico,
prestigiados pelo ordenamento constitucional.
vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços
Em síntese, para se aferir a legitimidade de uma regra discri-
e circunstancias peculiarizadoras de uma categoria
minatória em face do princípio isonômico, faz-se mister a existên-
de indivíduos se não houver adequação racional en-
cia de uma justificativa racional para a atribuição do tratamento
tre o elemento diferencial e o regime dispensado aos
jurídico diversificado.
que se inserem na categoria diferenciada. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 275
A intervenção do Estado leva a crer que todo e qualquer enla-
Com efeito, se a política nacional do idoso reforça o enten-
ce matrimonial que envolva pessoa maior de setenta anos é reali-
dimento de que o patrimônio do idoso constitui direito dispo-
zado exclusivamente com fins patrimoniais, excluindo do septua-
nível, não se pode aceitar que o septuagenário seja coagido a
genário a opção de decidir com quem compartilhar e de que forma
adotar o regime de separação de bens.
usufruir dos bens que adquiriu ao longo da vida.
Como se percebe, é inadmissível aceitar a idade como
Compelir a utilização do regime de separação de bens em ra-
critério deflagrador de efeitos jurídicos diferenciados. Não faz
zão da idade avançada do cônjuge caracteriza sério preconceito
sentido algum restringir dos idosos a liberdade de escolha do
por parte do legislador e não pode ser suportado pelo prisma da
regime de bens, pois não há nexo plausível entre o fator de
igualdade.
discriminação e a diferenciação que dele resulta.
A exigência legal carrega uma mentalidade arcaica que vê o
Alcançar a idade de setenta anos, por si só, não presume
idoso como pessoa frágil, vulnerável, dependente, marginalizado
a incapacidade civil e não tem o condão de determinar trata-
e carente, o que não condiz com o contexto social atual.
mento diferenciado, retirando do septuagenário a liberdade de
Hodiernamente, o idoso possui grande participação na sociedade, estando presente nas esferas políticas, sociais e educacionais. Sua sabedoria e vivência devem servir de ensinamento aos mais jovens.
dispor dos seus bens ou partilhá-los da forma que lhe for conveniente. Contudo, é importante mencionar que seria tolerável o tratamento diferenciado para os idosos que se encontrem em
Não se pode associar o idoso nem mesmo aos sinais físi-
condições de vulnerabilidade, que impeçam ou limitem sua
cos clássicos dessa etapa da vida, tais como cabelos brancos,
capacidade de regular-se de acordo com seu próprio entendi-
pele enrugada e patologias típicas, posto que os novos recur-
mento, seja por acidente, doença degenerativa ou problema de
sos científicos e tecnológicos disponíveis vêm superando mui-
sanidade.
tas dessas manifestações decorrentes do avanço da idade.
Portanto, desde que evidenciada a incapacidade do idoso
Nesse caminho, como observam Almeida e Lourenço
para fazer suas próprias escolhas de forma consciente, seria
(2007) diversas personalidades, intelectuais, políticos e artis-
admissível a tutela jurídica específica que, por óbvio, não de-
tas com mais de setenta anos são presença constante nos veí-
veria abranger somente o septuagenário, mas toda e qualquer
culos e meios de comunicação. Por demonstrarem inteligência,
pessoa que se encontrar em situação semelhante.
perspicácia, versatilidade, boa forma, audácia e várias outras características, acabam contradizendo obsoletos paradigmas. Acompanhando a reflexão dos autores supracitados, a velhice não mais pode ser vista como sinônimo de carências afetivas e doenças que sinalizam o fim iminente. E, inclusive, em razão da experiência acumulada ao longo da vida, não se justificaria retirar do septuagenário o direito de decidir qual regime de bens deva adotar.
Aqui, o critério diferenciador estaria absolutamente afinado com a isonomia e não implicaria qualquer inconstitucionalidade, posto que, nesse casso, a desigualdade está evidente, necessitando, pois, de tutela diferenciada. Cumpre mencionar que a política nacional do idoso impõe a nomeação de curador especial em juízo nos casos de comprovada incapacidade do idoso para gerir seus bens. Daí concluir-se que o instrumento jurídico específico para
A proteção à família constituiu dever constitucional do Es-
o idoso que não consegue conduzir seus atos com autonomia e
tado que também deve amparar os interesses dos cônjuges e
independência ou não mantém suas faculdades mentais intac-
de seus herdeiros. Entretanto, esse dever não pode ultrapassar
tas é a interdição.
os limites da esfera privada do cidadão e muito menos contrariar os princípios norteadores de sua atuação, essencialmente o princípio da igualdade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A simples condição de atingir determinada idade não pode
A política nacional do idoso (Lei nº 8.842/94) objetiva promover
constituir critério diferenciador para imposição do regime de sepa-
a autonomia, integração e participação efetiva do idoso na socieda-
ração de bens. O elemento distintivo não guarda qualquer correla-
de e veda qualquer tipo de discriminação. Essa disposição legal não
ção lógica com o tratamento jurídico estabelecido.
condiz com o preconceito estabelecido no Código Civil que indica verdadeira exclusão social do septuagenário.
O Estado pressupõe a incapacidade do septuagenário e faz crer que todo enlace matrimonial em que um dos cônjuges seja maior
Ademais, a Lei nº 8.842/94 ainda assegura ao idoso o direito
de setenta anos é realizado buscando auferir vantagens econômicas.
de dispor de seus bens, proventos, benefícios e pensões, salvo
A norma imposta utiliza uma vestimenta de proteção ao côn-
nos casos de incapacidade judicialmente comprovada.
juge e seus herdeiros, mas, em essência, é totalmente preconcei-
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tuosa, estabelecendo uma desigualdade constrangedora e limitadora de direito patrimonial disponível. Embora o preceito isonômico permita que a lei estabeleça discriminações, exige-se uma atuação absolutamente vinculada a fins sociais e baseada nos princípios norteadores do sistema jurídico constitucional.
______. Lei nº 12.344, de 09 de dezembro de 2010. Altera a redação do inciso II do art. 1641 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para aumentar para 70 (setenta) anos a idade a partir da qual se torna obrigatório o regime da separação de bens no casamento. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 10 dez. 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/ L12344.htm>. Acesso em: 20 mai. 2013.
Tal condição não está satisfeita quando se impõe determinado regime de bens baseando-se unicamente no critério etário. Deve-se permitir a toda e qualquer pessoa a livre administração do patrimônio familiar em busca da felicidade pessoal. A flagrante inconstitucionalidade está evidenciada pela violação aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade e, principalmente, da igualdade. Restou evidenciado que a exigência do regime de separação de bens para o casamento dos maiores de setenta anos configura patente contrariedade à igualdade constitucional. Nenhum cidadão pode ser desigualado pela lei sem que haja harmonia com os critérios acolhidos ou não vedados pelo ordenamento constitucional. Em outras palavras, o Estado não pode atuar contrariando um dos pilares estruturantes dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, qual seja, o princípio da igualdade.
______. Lei nº 8.842, de 04 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 jan. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8842. htm>. Acesso em: 29 mai. 2013. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. MACIEL, Alvaro dos Santos. A evolução histórica do princípio da igualdade jurídica e o desenvolvimento nas constituições brasileiras. Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande, ano XIII, n. 80, set. 2010. Disponível em: <http:// www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_ leitura&artigo_id=8343>. Acesso em: 30 mai. 2013.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
NOTA DE FIM BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 05 mai. 2013.
1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Estagiária. E-mail: alaine29@gmail.com.
______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406. htm>. Acesso em: 05 mai. 2013. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 277
A ADOÇÃO INTERNACIONAL COMO OPÇÃO PRIMÁRIA PARA OS MENORES BRASILEIROS QUE AGUARDAM UMA FAMÍLIA Roannitta Gimenez1
RESUMO: A partir de uma abordagem qualitativa e da utilização dos métodos descritivos e bibliográficos, o presente estudo tem por finalidade a adoção como primeira opção, por estrangeiros, residentes fora do Brasil, com base no direito à filiação. Sendo assim, este estudo busca traçar os limites e requisitos para que a adoção internacional seja adotada como primeira opção às crianças consideradas inadotáveis, através de um caminho mais viável e harmonioso levando em consideração unicamente em fornecer um lar aquela criança que esperaria por anos até ser adotada por uma família brasileira. PALAVRAS-CHAVE: Adoção – internacional – família - legislação. Área de Interesse: Direito Internacional e Direito Civil
1 INTRODUÇÃO O estudo da temática em comento apresenta-se de extre-
adoção de crianças brasileiras por estrangeiros não residentes no Brasil.
ma relevância em razão de sua importância para o Direito de
Defendendo por fim, a importância da adoção internacional
Família, posto que o instituto da adoção propícia para infindas
como primeira opção e uma excelente alternativa para inserção
crianças e adolescentes abandonados à possibilidade de inte-
da criança no seio familiar.
grar uma unidade familiar. A adoção tornou-se forma efetiva na constituição da família, quando por dificuldades através de variados motivos, casais não conseguem constituí-la. Uma análise mais profunda sobre o assunto, tendo em mente a situação atual das crianças desamparadas, é capaz de fazer-
2 A ADOÇÃO NO BRASIL E LEGISLAÇÃO PERTINENTE Uma definição genérica segundo o autor do livro Adoção, de Arnaldo Marmitt: Adoção é o ato jurídico que cria o parentesco civil, gera laços de paternidade e filiação, independentemente de fato natural de procriação. (MARMIT,1993, Pág. 6).
-se refletir sobre a necessidade de incentivar a adoção, buscando a aplicação do que preceitua a Declaração Universal de Direitos
O Código Civil de 1916, pela Lei n º 3071 regulamentou o
Humanos quando assevera que a infância tem direito a cuidados
instituto da adoção em poucos artigos no Título V das Relações
e assistência especiais, o que é incoerente com a circunstância
de Parentesco, Cap. V, artigos 368 a 378.
de haver infantes relegados em instituições de caridade.
Assim, surgiu-se então, a Lei n º 3133 de 08 de maio de
Além disso, a questão emocional acerca da destituição do
1957, que modificou os artigos 368, 369, 372, 374 e 377 do
poder familiar, que deve ser observada no momento do deferi-
Código Civil Brasileiro, atualizando o instituto da adoção com as
mento da adoção, quando não houver consentimento dos pais
seguintes modificações:
biológicos do adotado. Através de métodos descritivos e bibliográficos, será de-
Art. 1º Os artigos 368, 369, 372, 374 e 377 do
monstrado o procedimento adotado pela legislação brasileira e
Capítulo V - Da Adoção - do Código Civil, passa-
internacional, bem como de forma profunda os requisitos elen-
rão a ter a seguinte redação:
cados pela Convenção de Haia e pelo Estatuto da Criança e do
Art. 368. Só os maiores de 30 (trinta) anos po-
Adolescente, determinando as práticas necessárias para a homo-
dem adotar.
logação e concessão do pedido de adoção formulado.
Parágrafo único. Ninguém pode adotar, sendo
Assim, o intuito deste presente artigo é versar sobre a ado-
casado, senão decorridos 5 (cinco) anos após
ção internacional como primeira opção às crianças brasileiras,
o casamento.
no entanto, se faz necessário compreender tal instituto em sua
Art. 369. O adotante há de ser, pelo menos, 16
amplitude, analisando-o no que diz respeito à modalidade de
(dezesseis) anos mais velho que o adotado.
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Art. 372. Não se pode adotar sem o consentimento
trem na família internacional um lar, ao qual será amada como um
do adotado ou de seu representante legal se for
filho, e terá direito à saúde, alimentação, educação, etc.
incapaz ou nascituro.
Após as duas grandes guerras mundiais, o número de crian-
Art. 374. Também se dissolve o vínculo da adoção:
ças órfãs, ilegítimas, abandonadas e disseminadas pelo mundo
I. Quando as duas partes convierem.
cresceu de forma gritante, ganhando novo objetivo para adoção:
II. Nos casos em que é admitida a deserdação.
conseguir uma família para a criança fora de seu território nacio-
Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos,
nal, surgindo-se então a chamada a adoção internacional.
legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção
Assim, após a 2ª Guerra Mundial, muitas crianças órfãs da
não envolve a de sucessão hereditária.
Itália, Alemanha, Japão, China entre outros países atingidos pelos
Art. 2º No ato da adoção serão declarados quais os
conflitos decorrentes da guerra, começaram a ser adotados por
apelidos da família que passará a usar o adotado.
famílias europeias e americanas que tinham dificuldades em ge-
Parágrafo único. O adotado poderá formar seus
rar filhos biológicos.
apelidos conservando os dos pais de sangue; ou
A partir de 1953, começou-se uma grande procura por crian-
acrescentando os do adotante; ou, ainda, somen-
ças para a adoção internacional, e devido a isso, as Nações Uni-
te os do adotante, com exclusão dos apelidos dos
das começaram a relatar o problema em suas reuniões, mas foi
pais de sangue.
somente em 1962, durante a Conferência Internacional de Haia,
Art. 3º Esta lei entrará em vigor na data de sua pu-
que O Serviço Social Internacional apresentou pela primeira vez o
blicação, revogadas as disposições em contrário.
tema de adoção entre os países.
Ainda, o instituto da adoção recebeu profundas modificações
Em setembro de 1971, evidenciando as preocupa-
no Artigo 227 § 6º da Constituição Federal da República Brasileira
ções da comunidade internacional com o fenôme-
de 1988: Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou
no recente da mundialização da adoção de crian-
por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
ças estrangeiras, realizou-se em Milão, na Itália, a
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Conferência Mundial sobre a adoção e colocação familiar, patrocinada pelo Comitê Internacional das
E pelo Artigo 1629 do Código Civil Brasileiro de 2002: A adoção por estrangeiro obedecerá aos casos e condições que forem
Associações de Famílias Adotivas e pelo Centro de Estudos Sangemini. (MARMIT,1993, Pág. 24).
estabelecidos em lei. (Vide Lei nº 12.010 de 2009) Vigência. Contudo, com a finalidade de obtenção de crianças para a O Estatuto da Criança e do Adolescente, regido pela Lei n º
adoção no exterior, representantes de várias agências estabelece-
8.069 de 1990, prima pelo respeito à criança e ao adolescente,
ram-se no Brasil, surgindo-se assim o marco da adoção de crian-
dispondo tal legislação sobre a proteção integral a eles, conside-
ças órfãs brasileiras em países estrangeiros.
rando-os como pessoas em desenvolvimento.
A adoção internacional é prevista no Artigo 51 do Estatuto
Entre esta proteção integral, está a adoção internacional, que
da Criança e do Adolescente do Brasil e regulamentada pela Con-
é medida extrema, só podendo ser deferida depois de esgotados
venção de Haia de 29 de maio de 1993, relativa à proteção de
todos os meios de permanência do menor no seio familiar, ou fora
crianças e à cooperação em matéria de adoção internacional, ao
dele, dentro do território nacional.
qual foi aprovada pelo Brasil através do Decreto Legislativo n º 01 de 14 de janeiro de 1999, e promulgada em 21 de junho de 1999
3 A ADOÇÃO INTERNACIONAL
através do Decreto n º 3.087.
De maneira genérica, temos o conceito de adoção internacional
Conforme Artigo 51 § 2º do Estatuto da Criança e do Adoles-
ao fato de quando se concede às crianças ou adolescentes consi-
cente do Brasil, a adoção internacional ocorre de forma excepcio-
derados abandonados, a possibilidade de viver em um novo lar, em
nal, ou seja, somente após, esgotados todos os meios para colo-
um novo país, assegurando seu bem-estar e educação, desde que
cação em família brasileira, sendo preferível o adotante brasileiro
obedecidas às normas do país adotado e do adotante.
mesmo que residente no exterior, fazendo com que se prorrogue
A adoção internacional visa providenciar um berço familiar fora
mais tempo a criança sem base familiar, carinho e atenção neces-
do território nacional às crianças e adolescentes que após muito tem-
sária para seu crescimento e desenvolvimento, como preceitua o
po sem encontrar uma família brasileira que as adotassem encon-
art. 51, § 1 da Lei 8069 de 1990.
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Assim, devido ao fato de a adoção internacional não ser
2) que tenham sido levadas em consideração a
colocada em prática no primeiro momento em que aparecer, as
vontade e as opiniões da criança;
crianças tornam-se adolescentes e futuros adultos que pela opor-
3) que o consentimento da criança à adoção, quan-
tunidade perdida deixam de obter como direito um berço familiar.
do exigido, tenha sido dado livremente, na forma legal prevista, e que este consentimento tenha sido
4 REQUISITOS PARA A ADOÇÃO INTERNACIONAL,
manifestado ou constatado por escrito;
ESTIPULADOS PELA CONVENÇÃO DE HAIA E PELO
4) que o consentimento não tenha sido induzido
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO BRASIL
mediante pagamento ou compensação de qual-
Conforme artigo 4º da Convenção de Haia, para que as ado-
quer espécie”.
ções internacionais possam ocorrer são necessários os seguintes requisitos:
Os artigos 51 e 52, respectivamente da Lei 8.069 de 1990, estabelecem como requisitos para a adoção internacional: 1) a As adoções abrangidas por esta Convenção só
apresentação da documentação pertinente, presente diante do ju-
poderão ocorrer quando as autoridades compe-
ízo; 2) estudo psicossocial realizado por agências especializadas e
tentes do Estado de origem:
credenciadas no país de origem.
a) tiverem determinado que a criança é adotável;
Não obstante, também é possível que os adotantes habilitem-
b) tiverem verificado, depois de haver examinado
-se diretamente junto ao órgão oficial no Brasil e em seu país de
adequadamente as possibilidades de colocação
origem, sendo necessário que os estrangeiros procedam primeira-
da criança em seu Estado de origem, que uma
mente à habilitação em seu país de origem, para obter homologa-
adoção internacional atende ao interesse supe-
ção em seu pedido no Brasil.
rior da criança;
O objetivo de tais demandas é a proteção do infante, evitando-
c) tiverem-se assegurado de:
-se que este venha a sofrer transtornos no país de origem dos can-
1) que as pessoas, instituições e autoridades
didatos a pais, considerando-se que existem países que vedam a
cujo consentimento se requeira para a adoção
adoção de estrangeiros por seus cidadãos, devendo a adoção ser
hajam sido convenientemente orientadas e devi-
precedida de estudo, com o objetivo de apurar se o casal adotante
damente informadas das conseqüências de seu
possui reais condições de receber um filho com diferentes carac-
consentimento, em particular em relação à ma-
terísticas físicas, culturais, sociais e de si próprios.
nutenção ou à ruptura, em virtude da adoção,
Ainda há casos de crianças com situação jurídica já definida,
dos vínculos jurídicos entre a criança e sua fa-
ou seja, que já possuam sentença transitada em julgado decre-
mília de origem;
tando a perda do poder familiar, ou que por falecimento dos pais a
2) que estas pessoas, instituições e autoridades
crianças esteja sob proteção unicamente do Estado.
tenham manifestado seu consentimento livremente, na forma legal prevista, e que este consentimento se tenha manifestado ou constatado
5 A AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR A criança ou adolescente para serem adotados precisam es-
por escrito;
tar desprovidos de qualquer vínculo familiar, sendo necessário
3) que os consentimentos não tenham sido ob-
que se inicie uma ação de destituição do poder familiar.
tidos mediante pagamento ou compensação de
Conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente
qualquer espécie nem tenham sido revogados, e
do Brasil, em seu artigo 45, é necessária a autorização dos pais
4) que o consentimento da mãe, quando exigido,
do adotante para que a adoção ocorra, ou ainda a destituição do
tenha sido manifestado após o nascimento da
poder familiar.
criança; e
O artigo 1.635 do Código Civil Brasileiro apresenta as hipóte-
d) tiverem-se assegurado, observada a idade e
ses de extinção do poder familiar: Extingue-se o poder familiar: I
o grau de maturidade da criança, de:
- pela morte dos pais ou do filho; II - pela emancipação, nos termos
1) que tenha sido a mesma convenientemente
do art. 5 º, parágrafo único; III - pela maioridade; IV - pela adoção;
orientada e devidamente informada sobre as
V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.
conseqüências de seu consentimento à adoção, quando este for exigido;
Vindo o artigo 1638 do Código Civil Brasileiro, determinar as
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causas de perda do poder familiar por sentença:
não pode ser considerado absoluto e, em seu nome,
Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a
não se pode impedir ou dificultar as adoções, impon-
mãe que. I - castigar imoderadamente o filho; II - dei-
do-lhes exigências rigorosas, tanto de fundo como
xar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à
de forma [...] não se pode admitir que uma criança
moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamen-
permaneça no núcleo familiar de origem em situação
te, nas faltas previstas no artigo antecedente.
de abandono psicológico ou desamparo físico e material. Não reunindo os pais condições pessoais mí-
Nestes casos, o magistrado precisa analisar cuidadosamente
nimas de cumprir, satisfatoriamente, as funções que
a cada situação, atuando de maneira a conceder o que é melhor
lhes são exigidas, ou seja, os deveres e obrigações
para a criança, mesmo que isso importe em abrir mão da sua na-
de sustento, guarda e educação, e uma vez exauridas
cionalidade por outra.
as possibilidades de manutenção dos vínculos com a
Após verificação da destituição do poder familiar, procede-se
família natural, o caminho da colocação em família
ao pedido de habilitação para a adoção, encaminhando a docu-
substituta. Deve ser aberto, sem restrições. Somen-
mentação pertinente, ao qual, preenchidos os requisitos do artigo
te depois de buscada, infrutiferamente, a reinserção
51 da Lei 8069 de 1990 e ouvido o Ministério Público, será defe-
em família substituta nacional é que se considera
rida a habilitação.
a possibilidade da adoção internacional. (COSTA,
Assim, conforme artigo 463, I e II do Código de Processo Civil
1998. Pág. 28).
Brasileiro, uma vez publicada a sentença, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la a fim de corrigir, de ofício
Portanto, não sendo possível para a criança a inserção fami-
ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou por meio de
liar em sua própria família ou noutra dentro de seu próprio país,
embargos de declaração.
não seria justo privá-la de encontrar o bem-estar e felicidade junto
Portanto, conforme previsto no § 4 º do artigo 51 do Estatuto
à família estrangeira.
da Criança e do Adolescente do Brasil, da intimação da sentença,
Neste livro, o autor ainda expõe suas ideias a respeito do
do representante do Ministério Público e dos requerentes, come-
tema da adoção internacional, sua fundamentação, seus proble-
ça a contar o prazo para o trânsito em julgado, ao qual, antes de
mas hoje encontrados, do processo de adoção internacional no
consumada a adoção não será permitida a saída do adotando do
Brasil e seus benefícios visando quebrar preconceitos e equívocos
território nacional.
entre o Brasil e outros países, no qual segundo o autor:
6 DA EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA
Sem uma família, pouco ou nada adianta a criança
O problema atual encontrado provém de que O Estatuto da
saber que, como cidadã, têm ela o direito à cultu-
Criança e do Adolescente do Brasil, além de reconhecer o interesse
ra e ao lazer, à instrução obrigatória, ao acesso à
do menor como o principal objetivo da adoção (artigo 43), consagrou
assistência e à seguridade sociais a não ser abusa-
também o princípio da excepcionalidade da adoção internacional
da, violentada ou explorada, a ser profissionaliza-
(artigo 31) e ensejou a possibilidade de criação das Comissões Es-
da. O ente coletivo a que se denomina ¨ família¨ é
taduais Judiciárias de adoção (artigo 52), que, de certa forma, vêm
a base natural em cujo seio asila a pessoa humana
desempenhando o papel de Autoridades Centrais.
desde tenra idade, para ter acesso aos demais di-
É certo que o legislador prefere os adotantes nacionais aos
reitos reservados aos cidadãos. A família é enfim, o
estrangeiros, considerando prioritária a colocação do adotando
referencial da pessoa humana, no mundo. (COSTA,
em família substituta brasileira e a adoção estrangeira como me-
1998, Pág. 34).
dida excepcional, conforme artigo 31 do Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil, ao que de certo modo, essa postura se ba-
O que deve ser levado em consideração é o fato de crianças
seia na proteção da identidade cultural do adotando, preservando
e adolescentes que não possuem oportunidade de terem vivido
assim sua nacionalidade e características.
junto a seus genitores, serem encaminhados para instituições, ao
Diante disto, como afirma Tarcísio José Martins Costa:
qual passam a serem vítimas da situação em que se encontram, posto que em grande parte dos abrigos existentes não se consta-
O “princípio da prioridade da própria família” ou “prin-
ta empenho no sentido de resguardar os vínculos familiares dos
cípio da excepcionalidade da adoção internacional”
infantes ou de tentar uma volta desses às famílias de origem, nos
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 281
casos em que tal fato seria possível, além de ser difícil a existência
clui indagando se não seria melhor prover às crianças o bem-estar
de condições dignas no que diz respeito à permanência dos inter-
material, moral, afetivo, dando-lhes um teto acolhedor, ainda que
nos nos abrigos. Além disso, demais é fato que em nossa socie-
no exterior, do que deixá-las vegetando nas ruas ou encerrá-las em
dade não há o preparo necessário para proporcionar uma família
locais de estabelecimento educacional.
substituta para os menores que não podem mais conviver com
Portanto, não se deve perquirir a conveniência, ou não, de se-
sua família biológica, especialmente em razão do grande precon-
rem os infantes brasileiros adotados por estrangeiros residentes
ceito existente com relação ao núcleo familiar adotivo, situação
no exterior, mas sim permitir seu ingresso em uma família subs-
essa que urge ser modificada.
tituta, sem fazer quaisquer considerações à nacionalidade dos
Deve-se ter em mente que para lidar com os dramáticos pro-
adotantes, buscando suporte legal no direito pátrio e no direito
blemas das crianças, existem inúmeras frentes de ação, as quais
internacional, pois não é justo serem as crianças prejudicadas,
devem sempre ser interdisciplinares e com parcerias, no entanto,
perdendo a chance de integrarem um lar digno e profícuo.
não se deve culpar um ou outro segmento social, mesmo porque nenhuma ação isolada surte efeitos, mas sempre interligada com outras obras e eventos.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante a pesquisa efetuada, em apertada síntese, pode-se con-
Nessa esteira, consoante o escólio do professor José Sebastião
cluir que a família é a pedra angular de toda e qualquer sociedade.
de Oliveira em sua obra Fundamentos Constitucionais do Direito de
Sua existência, datada desde os primórdios da humanidade, tem-
Família: Uma pessoa, por opção própria, pode perfeitamente adotar
-se mantido por todos os séculos, adequando-se, tal instituto, às
uma criança ou adolescente como seu filho, constituindo a chamada
transformações decorrentes da sociedade hodierna.
família monoparental. (OLIVEIRA, 2008, Pág. 233).
É comum encontrarmos em abrigos e casas de passagem,
Assim, independente do estado civil do adotante, eis que é
crianças deixadas pelos pais, que passam anos sem vê-las, não
possível que esse proporcione um lar equilibrado e digno àquela
obstante, estes não abrem mão do poder familiar, o que impossibi-
criança que jamais teve segurança no seio familiar.
lita a adoção, salvo ser for decretada judicialmente a perda desta,
Contudo, o fato de existir inúmeros casais estrangeiros que
e razão do abandono.
desejam ter um filho, sendo, desta feita, é essencial que as buro-
Assim, para estas crianças a melhor medida cabível é a ado-
cracias sejam minimizadas, permitindo, em maior escala, a ado-
ção e por sim, se houver de imediato interesse e desejo de famí-
ção internacional. Não se trata de abrir mão das prescrições acau-
lias estrangeiras: uma adoção internacional.
telatórias em favor da criança a ser adotada por pais estrangeiros, mas sim, de mitigar entraves existentes nessa seara. Nesse diapasão, pontifica Maria Helena Diniz em sua obra Curso de Direito Civil Brasileiro:
No entanto, deve-se considerar-se no país do adotante que a adoção produzirá os efeitos completos da constituição do novo vínculo filial. Não se pode admitir que, no solo pátrio, a criança ou adolescente tenha todas as garantias, sobretudo as constitucionais, e no país do adotante que não se verifiquem aqueles direitos.
“seria mais conveniente [...] que se estabeleces-
Deve sempre ser levado em consideração o interesse da
sem medidas eficazes para punir corruptos e tra-
criança ou adolescente que deve se sobrepor a todo e qualquer
ficantes, em vez de criar exigências para sua efeti-
interesse diverso que possa estar presente na efetivação de uma
vação, visto que o estrangeiro está mais preparado
adoção internacional, visto que o objetivo desse instituto é o de
psicológica e economicamente para assumir uma
proporcionar ao menor uma vida familiar e um futuro melhor.
adoção, não fazendo discriminações atinentes à
Independentemente da situação jurídica da criança, seja ela
raça, ao sexo, à idade ou até mesmo à doença ou
adotada ou tutelada, verbi gratia, a família substituta passa a desem-
defeito físico que o menor possa ter; ao passo que
penhar as funções da família original, devendo representar para o
o brasileiro é mais seletivo, pois, em regra, pro-
infante a melhor medida para a sua proteção e desenvolvimento.
cura, para adotar, recém-nascido branco e sadio, surgindo, assim, em nosso país, problemas de re-
Em sua obra Direito de Família e o Novo Código Civil, a doutrinadora Tânia da Silva afirma:
jeição social.” (DINIZ, 2007, Pág. 503). O papel desempenhado pela família substituta Nada mais fica claro de que a eminente doutrinadora traz a
é o mesmo que a da natural. Ad hunc modum,
baila à circunstância de que as adoções mal-intencionadas não
consoante disciplina o artigo 227 de nossa Lex
devem afastar as feitas com o real fim de amparar a criança. Con-
maior, cabe a ela, juntamente com a sociedade e
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o Estado, assegurar, à criança e ao adolescente, o exercício de seus direitos fundamentais (PEREIRA, 1996, Pág. 58). Dessa forma, a conclusão a que se chega, é que muito em-
OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. Editora Forense. 2008. PEREIRA, Tânia da Silva. Direito de Família e o Novo Código Civil. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
bora a adoção internacional seja medida excepcional, pois nega o direito a nacionalidade brasileira ao adotado, integrando-o a um
NOTAS DE FIM
novo país, ela nada mais é do que muitas vezes a única hipótese
1 Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
para algumas crianças crescerem dentro de um ambiente familiar com amor, carinho, respeito, atenção, educação, saúde, bem-estar, mesmo em país estrangeiro, que na verdade abrange nada mais do que apenas uma divisa territorial, visto que o berço familiar será o mesmo dado que por uma família brasileira ou até mais. Portanto, é recomendável, de acordo com as circunstancias a serem apuradas no caso concreto, que a partir de quando surgir à oportunidade para a adoção internacional, ao invés de se esgotarem todos os recursos de adoção por meio de famílias brasileiras, uma vez sendo apreciada e aprovada conforme regulamentação, seja tomada como primeira solução às crianças ou adolescentes que precisem de um berço familiar; não permitindo assim como na maioria dos casos atuais, a perda desta oportunidade, resultando para a criança ou o adolescente a espera de um lar que muitas vezes não aparece e atingindo a maioridade civil, perdendo assim a chance de poderem ter tido uma vida familiar e um futuro melhor.
.
REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022: informação e documentação - artigo em publicação periódica impressa - apresentação. Rio de Janeiro, 2003. Brasil, Constituição Federal de 1988. Brasil, Lei 8069 de 1980, Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasil, Código Civil de 1916. Brasil, Código Civil de 2002. Brasil, Código de Processo Civil. COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção Transnacional Um Estudo sócio-jurídico e comparativo da Legislação atual. Editora Del Rey. 1998. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v.5. MARMITT, Arnaldo. Adoção. Editora Aide. 1993.
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 283
ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS NO DIREITO BRASILEIRO Marina Veiga Santos Vitor1
RESUMO: A adoção por casais homoafetivos no Brasil é um assunto extremamente polêmico, desta forma o presente artigo tem como objetivo explicitar as controvérsias existentes acerca deste tema. PALAVRAS- CHAVES: Adoção; Homossexuais; Melhor interesse da criança; Repercussão Jurídica; Proibição. Área de Interesse: Direito Civil
1 INTRODUÇÃO
Recentemente, o STF (Supremo Tribunal Federal) reconhe-
Segundo Maria Helena Diniz (2002, p.448):
ceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo e com esta decisão os casais homossexuais devem se beneficiar no instituto
A adoção é o ato jurídico solene pelo qual, obser-
da adoção, pois a justificativa para tal ato não ocorrer era que a
vados os requisitos legais, alguém estabelece,
criança deveria ser adotada por um casal heterossexual ou por
independente de qualquer relação de parentes-
uma pessoa só, mas com esta decisão, ambos os tipos de casais
co consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de
se equiparam e a busca para adoção se torna mais fácil.
filiação, trazendo para sua família na condição de
A Constituição Federal de 1988 em seu preâmbulo diz:
filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos O Código Civil brasileiro tomou como base os princípios do
em Assembleia Nacional Constituinte para insti-
Direito Romano e o Estatuto da Criança e do Adolescente para as-
tuir um Estado democrático, destinado a assegu-
segurar o instituto da adoção, tendo como objetivo principal que
rar o exercício dos direitos sociais e individuais,
o adotado se integra à família do adotante, preenchendo todos
a liberdade, a segurança, o bem-estar; o desen-
os requisitos legais para tanto.
volvimento, a igualdade e a justiça como valores
A Constituição de 1988 em seu artigo 3º, inciso IV consagrou
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
a existência de um Estado Democrático de Direito, tendo sido
sem preconceitos, fundada na harmonia social e
assegurados os objetivos fundamentais de Direito, quais sejam:
comprometida, na ordem interna e internacional,
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
com a solução pacífica das controvérsias, promul-
sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação.
gamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONS-
Eunice Ferreira R. Granato (2004, p. 142) afirma:
TITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 1988, p.1).
Homossexual é a junção de duas palavras: homo, que significa “igual a”, e a palavra
A adoção tem como finalidade fazer com que os menores que
sexual, proveniente do latim sexuale, que significa
se encontram em orfanatos, e desamparados, tenham uma nova
algo que “pertence ou relativo ao sexo”. Assim,
família. Este tema, porém, gera muitas discussões quando se trata
homossexual é o termo utilizado para pessoas
dos casais homossexuais, apesar da Constituição de 1988 deixar
que praticam relações sexuais e mantém outras
claro em seu artigo 1º que a sociedade deve abraçar valores su-
relações afetivas com pessoas do mesmo sexo.
premos dentre os quais se estabelece a ausência de preconceitos. Para os casais homossexuais, a adoção ainda é vista com
A adoção no Brasil é um tema bastante polêmico e com mui-
muita discriminação, ainda existem muitos mitos e tabus em re-
tas controvérsias, pois a sociedade ainda possui uma consciên-
lação à sexualidade, mesmo com a evolução dos costumes e com
cia cultural e jurídica bastante preconceituosa, na qual a ideia de
as informações, para grande parte da sociedade os chamados
que a criança deve ser adotada por uma pessoa sozinha ou por
“desvios sexuais” são uma afronta a moral.
um casal heterossexual prevalece.
Em princípio, não há uma lei que proíba diretamente a ado-
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ção homoafetiva, será discutido se existem limitações a tal práti-
um ambiente familiar adequado ao seu pleno desenvolvimento;
ca, se este novo tipo de adoção pode prejudicar a criança, ou seja,
e possuírem idade que contemple a diferença de pelo menos 16
se há uma preocupação da lei, visando interesse e benefício para
anos em relação à idade do adotando.
o adotado, bem como será analisado se a decisão do STF (Su-
Dentre os requisitos elencados acima e todos os outros es-
premo Tribunal Federal) em relação à união estável entre casais
tabelecidos na legislação pertinente ao caso, não se encontra
homoafetivos poderá influenciar no instituto da adoção.
nenhum dispositivo legal que negue a adoção por questões referentes à etnia, credo, condições físicas, inserção social ou mesmo
2 ADOÇÃO
a orientação sexual do adotante.
O Instituto da adoção é regulamentado por dois diplomas dis-
Não se menciona no Estatuto da Criança e do Adolescente que
tintos, quais sejam, o Estatuto da Criança e do Adolescente em
o casal homossexual pode adotar ou não uma criança. O estatuto im-
seu artigo 39 a 52 e no Código Civil nos artigos 1618 a 1629.
põe que ela deverá ser feita por maiores de 21 anos (vinte um anos)
Para Pontes de Miranda (2000, p.91) a adoção é “ato sole-
e não especifica o perfil do adotante. Todos devem ser tratados com
ne pelo qual se cria pelo adotante e o adotado, relação fictícia
igualdade e sem preconceitos, o estatuto tem como objetivo principal
de paternidade e filiação”. A partir dessa definição mister se faz
proteger a criança e o adolescente, fazendo com que essas crianças
evidenciar que para a legislação brasileira a família é uma enti-
desamparadas encontrem um lar seguro, com afeto, logo entende- se
dade formada por meio do casamento, seja ele civil ou religioso,
que a opção sexual dos pais não seja relevante.
da união estável entre pessoas de sexos diferentes ou ainda por
A Constituição brasileira assevera como principio fundamen-
meio da comunidade formada por qualquer um dos pais e seus
tal que “todos são iguais perante a lei, sem extinção de qualquer
descendentes conforme é estabelecido pelo artigo 226 da Cons-
natureza” (artigo 5º CR/88). Logo, todos, desde que preenchidos
tituição Federal.
os requisitos são possíveis adotantes, não podendo ser discrimi-
Atualmente a adoção é vista como uma garantia de inser-
nados em virtude de uma mera opção sexual. A faculdade de ado-
ção no âmbito familiar, tanto para o adotante como para o ado-
tar é outorgada tanto a mulheres quanto a homens, bem como
tado, resguardando para essa nova entidade alguns direitos
a ambos. Dessa forma, a orientação sexual de um indivíduo em
previstos na Constituição.
nada interfere em sua capacidade de ser pai, pois seja ele hétero,
No que tange o Estatuto da Criança e do adolescente, impor-
bi ou homossexual, o que importa é o melhor interesse da criança.
tante ressaltar que o artigo 23 determina que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para perda
3 ADOÇÃO HOMOAFETIVA
ou suspensão do pátrio poder familiar. Sendo assim, não há que
Atualmente as relações sociais são marcadas pela heterosse-
considerar a situação financeira como elemento caracterizador
xualidade, causando uma certa resistência da sociedade a acei-
para a concessão ou não da adoção.
tar que casais do mesmo sexo possam participar do instituto da
De acordo com Rolf Madaleno (2008, p.116):
adoção. Estes acreditam equivocadamente que este modelo de adoção gera comportamentos que poderão acarretar sequelas
A adoção é sem qualquer dúvida o exemplo mais
psicológicas ao adotado, decorrentes de perturbações por seus
pungente da filiação socioafetiva, psicológica e es-
pares. Além disso, muito se questiona sobre a possibilidade de
piritual, por que sustentada, eminentemente, nos
incerteza do adotado em relação a sua identidade sexual, fazendo
vínculos estreitos e únicos de um profundo sentimen-
com que seu relacionamento social se torne mais difícil.
to de afeição, justificando a Arnaldo Marmitt deva a
Entretanto, de acordo com o Estatuto da Criança e do Ado-
adoção ser vista sobre o ângulo da solidariedade,
lescente há autorização da adoção por uma única pessoa, e em
fundamento social impregnado de singular conteúdo
momento algum se menciona sobre a orientação sexual de quem
humano, de altruísmo, carinho e apoio.
pretende adotar. Nesse interim, o artigo 43 do ECA, assim determina: “A adoção poderá ser deferida quando apresentar reais vanta-
Para que alguém possa adotar é necessário que, antes de
gens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”
qualquer coisa, direcione-se a uma seção de adoção na Vara da
Assim, o que se deve levar em consideração para a adoção é
Infância e Juventude e cadastrar-se, devendo os interessados
o melhor interesse da criança, importando somente a convivência
preencher todos os requisitos, quais sejam: serem maiores de 18
em um ambiente saudável, tranquilo e duradouro. Ou seja, impor
anos, independente de seu estado civil, com exceção dos avós ou
eventuais limitações em face da orientação sexual dos pais acar-
irmãos do adotando; terem a capacidade de oferecer ao adotado
reta injustificável prejuízo e afronta à própria finalidade protetiva
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 285
à qual a Constituição outorga especial atenção, posto que em seu
Deferimento do pedido. Recurso do Ministério
artigo 3º, §4º, proíbe e não admite qualquer forma de discrimina-
Público. 1. Havendo os pareceres de apoio (psi-
ção, seja ela de qualquer natureza.
cológico e de estudos sociais) considerado que
Não há nenhuma Lei em nosso ordenamento jurídico que pro-
o adotado, agora com dez anos sente agora or-
mova a devida proteção aos casos de adoção por casais homoafe-
gulho de ter um pai e uma família, já que aban-
tivos, logo é necessária uma maior atenção por parte do judiciário
donado pelos genitores com um ano de idade,
ao analisar o caso em concreto, sempre visando o melhor interes-
atende a adoção aos objetivos preconizados
se da criança.
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
A solução de casos como este, não poderá ser baseada em
e desejados por toda a sociedade. 2. Sendo o
preconceitos e posicionamentos particulares dos julgadores, ou
adotante professor de ciências de colégios re-
seja, quando existir em lacunas na lei, deverão ser utilizados os
ligiosos, cujos padrões de conduta são rigida-
costumes, a analogia e os princípios gerais do Direito, como cons-
mente observados, e inexistindo óbice outro,
ta na Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 4º.
também é a adoção, a ele entregue, fator de for-
Cumpre ressaltar, que alguns tribunais vem entendendo por
mação moral, cultural e espiritual do adotado. 3.
bem aceitar a adoção por casais do mesmo sexo, conforme nos
A afirmação de homossexualidade do adotado,
mostram os julgados a seguir:
preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de impecilho à adoção
APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR
de menor, se não demonstrada ou provada qual-
DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE.
quer manifestação ofensiva ao decoro e capaz
Reconhecida como entidade familiar, merecedora
de deformar o caráter do adotado, por mestre
da proteção estatal, a união formada por pessoas
a cuja atuação é também entregue a formação
do mesmo sexo, com características de duração,
moral e cultural de muitos outros jovens. Apelo
publicidade, continuidade e intenção de constituir
improvido” 1998.001.14332 APELACAO DES.
família, decorrência inafastável é a possibilidade
JORGE MAGALHAES - Julgamento: 23/03/1999
de que seus componetntes possam adotar. Os es-
- NONA CAMARA CIVEL.
tudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por ca-
Por fim, temos que o nosso ordenamento jurídico, bem como
sais homossexuais, mais importando a qualidade
o meio social ao qual estamos inseridos não poderá ser mais alie-
do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar
nado em relação a tal fato que está cada vez mais presente.
em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos
4 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS E FAVORÁVEIS
e atitudes hipócritas desprovidas de base científi-
A ADOÇÃO HOMOAFETIVA
ca, adotando-se uma postura de firme defesa da
Ante a complexidade do tema abordado, várias são as ale-
absoluta prioridade que constitucionalmente é as-
gações daqueles que são a favor e dos que são contra a adoção
segurada aos direitos das crianças e dos adoles-
de crianças por casais homossexuais. Segundo Arnaldo Marmitt
centes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em
(1993, p. 112-113):
que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes.
Se de um lado não há impedimento contra o impo-
NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (SEGREDO
tente, não vale o mesmo, quanto aos travestis, aos
DE JUSTIÇA”) (Apelação Cível Nº 70013801592,
homossexuais, as lésbicas, as sádicas, etc; Sem
Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
condições morais suficientes. A inconveniência e
Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em
a proibição condizem mais com o aspecto moral,
05/04/2006) Outro exemplo é:
natural e educativo. Nesse sentido, Wilson Liberati (2004, p. 144) tem uma posição contrária em relação à adoção homoafetiva, onde defendendo
Adoção cumulada com destituição do pátrio po-
seu impedimento com base no artigo 20 do Estatuto da Crian-
der. Alegação de ser homossexual o adotante.
ça e do Adolescente que exige que o adotante tenha um lar que
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proporcione a criança uma convivência harmônica e uma família constituída. No entanto, no que diz respeito à família, esta deve
Logo, o que se observa nos dias atuais é que a jurisprudência
proporcionar interesses assegurados ao adotando, tais como dig-
brasileira vem paulatinamente acolhendo a adoção por casais ho-
nidade, respeito, liberdade, inviolabilidade da integridade da sua
mossexuais e não se pode afirmar que a adoção por tais pessoas,
autonomia, dos seus ideais e crenças, bem como dos seus valo-
principalmente no que tange ao argumento de não serem um bom
res. Sustenta ainda (2004, p. 144): “Outro impedimento absoluto
exemplo para os adotados, constituiria, a princípio, um obstáculo
e insanável é aquele que proíbe a outorga da adoção a duas pes-
ao direito de adoção.
soas, em conjunto, do mesmo sexo. Não é possível, pelo menos nos dias de hoje, aceitar como família dois homossexuais”.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por outro lado, grande parte da doutrina defende a possibi-
O presente trabalho teve por escopo expor a divergência que
lidade de adoção por casais homossexuais, sob o argumento de
existente acerca da adoção por casais homossexuais, elencando
que tal condição poderá trazer benefícios ao adotado, bem como
os principais argumentos contrários e favoráveis, bem como tra-
oferecer um ambiente familiar adequado.
zendo uma ideia acerca de tal instituto.
Nessa esteira, o posicionamento de Ana Paula A. Barion Peres (PERES. Op.Cit. p. 111):
A sociedade possui uma visão restrita em relação ao tema, vez que não possui condições e perspectivas no avanço da evolução humana, no que se refere a tudo que envolve relação à sexualidade.
Tentou-se introduzir uma norma que a vedasse cla-
O respeito à sexualidade é importante para o individuo, sen-
ramente, mas não se encontrou uma forma nítida
do este um direito fundamental inerente a ele. Por este motivo, o
e devidamente definida que não gerasse extrapo-
direito passou a buscar princípios que tutelassem a livre opção
lações inconvenientes. Por esse motivo, assevera:
e manifestação sexual. Sua proteção destaca-se na Carta Magna
Daí optar-se por vedar distinções de qualquer na-
em vários aspectos, mas apesar de tal proteção, se a homossexu-
tureza e quaisquer forma de discriminação, que
alidade, bissexualidade e transexualidade tornassem motivos de
são suficientemente abrangentes para recolher
preconceitos ou discriminação, restaria insignificante toda a ga-
também aqueles fatores que têm servido de base
rantia advinda do texto constitucional.
para desequiparações e preconceitos.
Tem- se ainda, que a omissão do Constituinte ao tratar da família no artigo 226, bem como de seus desdobramentos, fez
E também o de Eduardo de Oliveira Leite cintando John Bruer (2005, p. 103-104):
com que houvesse proibição às relações homoafetivas, nem muito menos significa dizer que a entidade familiar homoafetiva está ausente de tutela jurídica.
Para que um argumento seja verdadeiramente vá-
O que se observa é que a instituição familiar desde sua con-
lido (cientificamente falando) é fundamental” que
cepção até os dias atuais vem passando por inúmeras modifica-
ele traga provas fáticas que ultrapassem nossas
ções, principalmente no que se refere a sua forma de organização.
presunções (ou nossas opiniões pré-concebidas)
As famílias constituídas por adoção possuem a mesma proteção
e nossas preferências ideológicas sobre qual se-
e direitos que as constituídas biologicamente. Sendo assim, uma
ria a política desejável. A ciências deve poder de-
vez que restou estabelecido que a união por tais casais, conside-
terminar quais são as melhores estratégias para
ra-se como família, não resta dúvida que o direito à adoção tam-
atingir os objetivo fixados pelas políticas públicas.
bém é garantido.
Ela é suscetível de contribuir aos debates públi-
O Direito Brasileiro deve sempre acompanhar os anseios da
cos, esclarecendo as causas, os mecanismos e os
sociedade, de forma à acolher a possibilidade da adoção por ca-
efeitos dos meios de ação que se podem explorar
sais homossexuais, vez que há uma omissão legislativa a esse
com maior eficácia. Se o discurso mantido pela ci-
respeito, razão pela qual deverá ser aplicado analogicamente o
ência é equivocado, dissimulado, ou mal interpre-
Direito Consuetudinário, além de garantir a aplicação dos princí-
tado, nossa política de ação passa a ser dirigida
pios gerais de direito, sempre atentando aos fins sociais da lei e
por meios inadequados, ineficazes ou inexistentes.
as exigências do bem comum.
Perdemos nosso tempo e nosso potencial tentando
No Estatuto da Criança e do Adolescente, o fim social que
modifica a situação, apoiando-nos sobre causas,
se busca é acima de tudo, resguardar e proteger a dignidade da
mecanismos ou efeitos que não existem
criança e do adolescente.
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 287
Pode- se afirmar de acordo com os estudos realizados que qualquer indivíduo desde que preencha todos os requisitos pré-estabelecidos para a adoção, poderá adotar independente de sua opção sexual. Deve- se levar em consideração em qualquer caso, o melhor interesse da criança, qual seja: viver sob um ambiente familiar agradável, ter afeto, condições básicas de sobrevivência, educação e saúde. Cumpre ressaltar, que existe sim a possibilidade de uma pessoa de orientação sexual diferente adote isoladamente. Tal direito não lhe pode ser negado, mas o que infelizmente se vê na prática é que à orientação sexual dos adotantes interfere no que diz respeito à adoção. Entretanto não se pode levar isso em considera-
LEITE, Eduardo de Oliveira, Grandes temas da atualidade: Adoção, aspectos jurídicos e metajurídicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005. LIBERATI, Wilson Donizeti. Apud GRANATO, Eunice Ferreira R. Adoção: doutrina e prática.1. ed. Curitiba: Juruá, 2004. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. MARMITT, Arnaldo. Adoção. Rio de Janeiro: Aide, 1993. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2003.
ção ao determinar o deferimento do pedido de adoção, caracteri-
NÚCLEO de Bibliotecas, Centro Universitário Newton Paiva. Manual para
zando discriminação quando assim não ocorrer.
Elaboração e Apresentação dos Trabalhos Acadêmicos: Padrão Newton Paiva. Atualização setembro 2011. Belo Horizonte, 2012. Disponível em < http://www.newtonpaiva.br/NP_conteudo/file/Manual_aluno/Manual_ Normalizacao_Newton_2011.pdf>. Acesso em 27 de maio de 2012.
Sendo assim, pode- se concluir que, o convívio afetivo gera a ideia de família e de acordo com a garantia constitucional estabelecida é possível que casais homossexuais tenham o direito de adotar, vez que deve se levar em consideração sempre o bem estar do adotado, assim como seu melhor interesse. Para a criança é muito mais vantajoso sua inserção em um convívio familiar do que permanecer em orfanatos ou no abandono das ruas, submetendo-se a violência e a toda sorte de degradação pessoal.
REFERÊNCIAS
PERES, Ana Paula A. Barion. Adoção por homossexuais: fronteiras da família na pós modernidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 38. SANTOS. Izequias Estevam dos. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica. 7ª ed. rev. atual. ampl. Niterói, RJ: Impetrus, 2010.
NOTA DE FIM 1 Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito Civil: direito de família. Campinas: Red Livros 2004. BRUER, John. Apud LEITE, Eduardo de Oliveira. Adoção por casais homossexuais e o interesse da criança. Grandes temas da atualidade: Adoção, aspectos jurídicos e metajurídicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena.3º ed. São Paulo: Revistas dos tribunais, 1983. CHAVES, Antônio. Adoção. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o preconceito e a justiça. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: direito de família. 18º edição, vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2002. FERNANDES, Taísa Ribeiro. União Homossexuais. Efeitos jurídicos. 1ª ed. São Paulo: Método, 2004. GRANATO, Eunice Ferreira R. Adoção: doutrina e prática. 1ª. Edição. Curitiba: Juruá, 2004.
288 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
APLICAÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO ESPECIAL: uma reflexão sobre a proposta de emenda à constituição n. 209/2012 Sérgio Henrique Fortes de Castro1
RESUMO: O presente artigo busca explanar os efeitos da PEC 209/2012 no ordenamento jurídico brasileiro que almeja um processo seguro, justo, célere e sempre amparado pela Constituição da República. PALAVRAS-CHAVE: PEC 209/2012, efetividade e celeridade, função do Superior Tribunal de Justiça, repercussão geral. ÁREA DE INTERESSE: Direito Processual
1 INTRODUÇÃO
2 TEMPO E PROCESSO: a eterna luta entre
Um dos grandes desafios atuais do Poder Judiciário brasilei-
efetividade e celeridade
ro é, indubitavelmente, aperfeiçoar o seu trabalho com o escopo
A Constituição Federal prevê, dentre outras garantias funda-
de dar maior celeridade ao processo e, consequentemente, dar
mentais, o devido processo legal, a razoável duração do processo
maior eficiência aos provimentos jurisdicionais dele emanados.
e a celeridade processual. Dessa maneira, cumpre à legislação
Este desafio vem obtendo atenção especial do legisla-
processual atender, da maneira mais eficiente possível, ao pleito
dor pátrio, especialmente devido ao exorbitante número de
daquele que exerceu o seu direito de obter uma prestação jurisdi-
ações que tramitam perante o Poder Judiciário brasileiro,
cional, bem como daquele que resistiu à pretensão apresentan-
que engessa o sistema e, por consequência, tolhe do juris-
do defesa. (TUCCI, 2000, p. 235).
dicionado a obtenção de uma razoável duração do processo,
O art. 8º, inciso I, da Convenção Americana sobre Direitos
conforme garantido no art. 5º, inciso LXXVIII (SARAIVA, 2013,
Humanos, que introduziu as garantias processuais ao sistema
p. 11) da Constituição Federal de 1988.
brasileiro, preconiza:
Por isso, é constante, por parte dos nossos legisladores, a busca de novas técnicas que são elaboradas e introduzidas em
“Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as
nosso ordenamento jurídico com o escopo de garantir aos juris-
devidas garantias e dentro de um prazo razoável
dicionados um processo que seja justo e, principalmente, célere.
por um juiz ou tribunal competente, independente
Dentre as inúmeras alterações já realizadas, destaca-se, por
e imparcial, instituído por lei anterior, na defesa
ser objeto de estudo neste trabalho científico, o instituto da re-
de qualquer acusação penal contra ele formu-
percussão geral, hoje vigente como requisito de admissibilidade
lada, ou para a determinação de seus direitos e
para o Recurso Extraordinário (art. 102, §3º, da Constituição Fe-
obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de
deral) e que se pretende, através da PEC n. 209/2012, estender
qualquer outra natureza” [...]
a aplicação do instituto para o Recurso Especial. Sabe-se que o próprio Superior Tribunal de Justiça foi criado,
Após a assinatura e ratificação do tratado internacional
com o advento da Constituição Federal de 1988, visando desafogar
(Pacto de San José da Costa Rica) pelo Brasil, adveio a Emenda
o Supremo Tribunal Federal, que já estava extremamente sobrecar-
Constitucional n. 45/2004, denominada Reforma do Judiciário,
regado pelo sistema de competências originária e recursal atribuí-
que, além de outras substanciais alterações, acrescentou ao art.
das pela Constituição ab-rogada (MOREIRA, 2011, p. 291-297).
5º, da Constituição Federal, o inciso LXXVIII, que dispõe: “LXXVIII
Com base nessas premissas, passaremos ao estudo da PEC
- a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
209/2012, procurando refletir sobre a extensão do instituto pro-
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeri-
cessual da repercussão geral ao Recurso Especial e as consequ-
dade de sua tramitação” (SARAIVA, 2013, p. 11).
ências daí advindas, especialmente no que tange às garantias fundamentais previstas na Constituição Federal de 1988.
Assim, com a vigência da Emenda Constitucional n. 45/2004, o ordenamento jurídico brasileiro passou a ter o de-
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ver de criar mecanismos com o escopo de garantir a razoável duração do processo aos jurisdicionados.
JUNIOR; NUNES; BAHIA, 2009, p. 09-46). A partir dessa reflexão acerca do que deve prevalecer – se
É importante ressalvar que alguns estudiosos entendem que
um processo célere ou se um processo que respeite inequivo-
a razão da morosidade do Poder Judiciário brasileiro se dá em ra-
camente o contraditório e a ampla defesa – nasce uma eterna
zão do formalismo excessivo presente no Código de Processo Civil,
luta entre a efetividade e a celeridade processual, ainda sem
e não o excesso de recursos (TAKOI, 2007, p. 57).
um denominador comum.
Neste ponto, é de bom alvitre citar trecho do voto do Min. HUM-
Mas, se o Pacto de San José da Costa Rica foi assinado e ra-
BERTO GOMES DE BARROS, em que ele foi vencido parcialmente,
tificado pela República Federativa do Brasil, o nosso ordenamento
proferido por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência no
jurídico absorveu, como garantia constitucional, a razoável duração
REsp n. 449.486-PR, em que o referido Ministro faz uma interessante
do processo, o que possibilitou a criação de mecanismos processuais
reflexão sobre o excesso de formalismo no Poder Judiciário brasileiro:
semelhantes ao da Repercussão Geral e outros “filtros” de recursos. Não é por motivo diferente que, atualmente, através da
Sr. Presidente, tenho medo de tirania, e tenho im-
promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004, o inciso
pressão de que a pior das tiranias, é a tirania do juiz.
LXXVIII foi introduzido ao art. 5º, da Constituição Federal de
Os magistrados brasileiros começam a sofrer de
1988, inserindo a razoável duração do processo como um Di-
algo que eu chamaria de “síndrome do açougueiro”.
reito fundamental do jurisdicionado.
Veja-se porque: o criador vê em uma rês a manifes-
Mas, a necessidade de se adequar o Direito fundamental a
tação de vida e força. Já o açougueiro enxerga na-
uma razoável duração do processo com outras garantias constitu-
quela rês a morte e os pedaços que renderá para
cionais advém do próprio texto constitucional, especificamente no
seu açougue.
art. 5º, §2º, que dispõe:
O excesso de trabalho e o cientificismo processual fazem o juiz examinar processo em busca de uma
§2º - Os direitos e garantias expressos nesta Cons-
falha que justifique o não conhecimento. O juiz bra-
tituição não excluem outros decorrentes do regime
sileiro, hoje, alegra-se quando consegue não co-
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
nhecer do recurso. Faz assim, não por maldade,
internacionais em que a República Federativa do
mas por excesso de trabalho (BRASIL. Superior
Brasil seja parte (SARAIVA, 2013, p. 11).
Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 449.486-PR. Embargante:
A briga eterna entre efetividade e celeridade existe para que o
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Embar-
Direito não se volte contra sua própria natureza e se faça engessar
gado: João Vicente Alves. Relator Ministro Carlos
por medidas meramente temporárias e que não proporcionarão o
Alberto Menezes Direito. Brasília, 02 de junho de
resultado prático desejado (ARRUDA, 2006, p. 375).
2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=4548
3 REPERCUSSÃO GERAL: conceito,
26&sReg=200300500293&sData=20040906&f
aplicação e abrangência
ormato=PDF> Acesso em 10 de junho de 2013).
Conforme já dito, a Emenda Constitucional n. 45/04 introduziu no ordenamento jurídico pátrio a garantia constitucional do
Tais posicionamentos advêm, certamente, da dificuldade en-
jurisdicionado em obter uma prestação jurisdicional em tempo
contrada não só pela doutrina brasileira, mas, também pela jurispru-
razoável e, também, instituiu o regime da repercussão geral como
dência, no que tange à compatibilização de uma razoável duração
um dos requisitos para o cabimento de Recurso Extraordinário.
do processo com as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. (THEODORO JUNIOR; NUNES; BAHIA, 2009, p. 09-46).
A Emenda Constitucional n. 45/04 acrescentou ao art. 102, da Constituição Federal, o §3º, que dispõe:
Entretanto, reformas processuais como a trazida pela Emen-
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá
da Constitucional n. 45/2004, tem sido uma tendência não só
demonstrar a repercussão geral das questões consti-
no Direito brasileiro, como também em vários outros países do
tucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim
mundo, justificado pelo fato de que a razoável duração do proces-
de que o Tribunal examine a admissão do recurso,
so está inserida dentro dos direitos do homem acobertados pela
somente podendo recusá-lo pela manifestação de
maioria dos povos civilizados, contemporaneamente (THEODORO
dois terços de seus membros (SARAIVA, 2013, p. 42).
290 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
O Supremo Tribunal Federal descreve o instituto da repercus-
subjetivos da causa”, por envolver controvérsias que vão além do direito individual ou pessoal das partes.
são geral:
É preciso que, objetivamente, as questões repercu-
A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF, através de um sistema informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal. Para recusar a análise de um RE são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema deverá ser julgado pela Corte. Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar. As abstenções nessa votação são consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria (BRASIL Supremo Tribunal Federal. Glossário Jurídico. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/ glossario/verVerbete.asp?letra=R&id=451>. Acesso em 10 de junho de 2013).
tam fora do processo e se mostrem “relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico” (art. 543-A, §1º). (JUNIOR, 2010. p. 651) FREDIE DIDIER JÚNIOR e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA (2009, p. 331) também ensinam sobre o instituto da repercussão geral: A EC n. 45/2004 acrescentou o §3º ao art. 102 da CF/88, inovando em matéria de cabimento do recurso extraordinário. Prescreve o dispositivo o ônus do recorrente de demonstrar a “repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”, a fim de que o “tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos seus membros”. Embora seja da competência das turmas do STF o julgamento do recurso extraordinário, a análise dessa questão preliminar deve ser feita pelo Pleno, a quem devem ser remetidos os autos. Nessa nova sistemática processual, portanto, é ônus do recorrente, além de fundamentar o seu recurso extraordinário em uma das hipóteses de cabimento previstas no art. 105, inciso III, da Constituição Federal de 1988, demonstrar que a matéria que ele pretende levar à apreciação do Supremo Tribunal Federal possui repercussão geral. E para cumprimento deste requisito de cabimento do recurso extraordinário, nos termos do art. 543-A, §2º, do Código de Processo Civil, cabe ao recorrente, em preliminar, elaborar tópico específico em seu recurso extraordinário demonstrando que a questão que ele pretende levar à apreciação do Supremo Tribunal Federal detém relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico (DIDIER JR, 2009. p. 332).
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR ensina sobre a conceituação legal de decisão que oferece repercussão geral:
A Constituição estabeleceu, ainda, que a repercussão geral somente será reconhecida por meio do voto da maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal, os quais deverão analisar a
Para justificar o recurso extraordinário, não basta ter
relevância do caso concreto apresentado, sob o ponto de vista econô-
havido discussão constitucional no julgado recorrido.
mico, político, social ou jurídico (NUNES, et al, 2011. p. 347)
O STF não conhecerá do recurso “quando a questão
O quórum qualificado de maioria absoluta tem justificativa
constitucional nele versada não oferecer repercus-
nas consequências advindas da decisão que julgar uma causa em
são geral” (art. 543-A, caput).
que se tenha reconhecido a repercussão geral da matéria consti-
Por repercussão geral, a lei entende aquela que se
tucional (DANTAS, 2010. p. 211).
origina de questões que “ultrapassam os interesses
DIERLE NUNES, ALEXANDRE BAHIA, BERNARDO RIBEIRO CA-
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MARA e CARLOS HENRIQUE SOARES (2011, p. 348) comentam,
no regimento interno do Supremo Tribunal Federal, observado as
em termos gerais, as consequências do julgamento de uma ques-
regras gerais dispostas no referido dispositivo legal.
tão constitucional em que se reconheceu a repercussão geral:
É na hipótese do art. 543-B que HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (2010, p. 653) vislumbra o melhor resultado prático para o
Dessa forma, tribunais e turmas de recursos de
escopo da criação do instituto da repercussão geral:
juizados especiais têm parâmetros para não enviar RE e agravos sobre matérias que já tiveram
O grande feito redutor dar-se-á pelos mecanismos de
a questão “definida”. Se não há repercussão, os
represamento dos recursos iguais nas instâncias de
casos são arquivados. Havendo repercussão e jul-
origem, os quais, à luz do julgado paradigma do STF,
gado o mérito de um tema com repercussão geral,
se extinguirão sem subir à sua apreciação (art. 543-
aqueles juízos aplicarão esse entendimento aos
B, §2º); e ainda pela extensão do julgado negativo do
recursos sobrestados.
STF de um recurso a todos os demais em tramitação sobre a mesma orientação (art. 543-A, §5º).
Nota-se, portanto, que introdução do regime da repercussão geral no ordenamento jurídico brasileiro teve por escopo atingir
Todo esse esforço legislativo tem por escopo consolidar a fina-
as causas repetitivas e que transcendem os interesses subjetivos
lidade “eminentemente política” do Recurso Extraordinário, sendo
das partes litigantes, conforme bem ponderado por HUMBERTO
que tal finalidade não o exclui do rol de institutos processuais que
THEODORO JUNIOR (2010, p.653):
visam impugnar as decisões judiciárias, com o escopo de reformá-las (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 656).
Como se vê, a repercussão geral, disciplinada pela Lei nº 11.418/2006, editada com o fito
4 A FUNÇÃO DO STJ E A IMPORTÂNCIA DO RECURSO
de reduzir o excessivo e intolerável volume de
ESPECIAL COMO INSTRUMENTO DE UNIFORMIZAÇÃO
recursos a cargo do STF, não teve como obje-
DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO FEDERAL
to principal e imediato os extraordinários ma-
O Superior Tribunal de Justiça tem como função primordial a
nejados de maneira isolada por um ou outro
uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, e o
litigante. O que se ataca, de maneira frontal,
recurso especial, por consequência, não tem por escopo principal a
são as causas seriadas ou a constante repeti-
correção de injustiças da decisão recorrida. (DIDIER JÚNIOR, p. 316).
ção das mesmas questões em sucessivos pro-
MISAEL MONTENEGRO FILHO (2009, p. 170) ensina sobre as
cessos, que levam à Suprema Corte milhares
particularidades que diferenciam os recursos extremos dos outros
de recursos substancialmente iguais, o que é
recursos previstos em nosso ordenamento jurídico:
muito frequente, v.g., em temas de direito público, como os pertinentes aos sistemas tributário
Como premissa necessária à compreensão das es-
e previdenciário, e ao funcionalismo público. A
pécies em exame, devemos fixar a ratio da existên-
exigência de repercussão geral em processos
cia dos recursos especial e extraordinário, que se
isolados, e não repetidos em causas similares,
afastam em termos de requisitos e de finalidades,
na verdade, não reduz o número de processos
de todos os demais recursos previstos de forma ta-
no STF, porque, de uma forma ou de outra, te-
xativa na Lei Processual Civil.
ria aquela Corte de enfrentar todos os recursos
O tema sobre o qual nos debruçamos neste instan-
para decidir sobre a ausência do novo requisito
te passa pela análise da constatação de que o STF
de conhecimento do extraordinário.
e o STJ não se apresentam como terceira instân-
E nesse contexto, a Lei n. 11.418/2006, introduziu ao Código
cia, aberta após o esgotamento da denominada
de Processo Civil os artigos 543-A e 543-B. O primeiro regulamen-
instância ordinária (1º e 2º Graus de Jurisdição).
ta a demonstração de repercussão geral no recurso extraordiná-
A finalidade dos dois tribunais não é a de rever er-
rio, enquanto o segundo trata dos casos em que houver multiplici-
rores in judicando dos magistrados do 1º Grau de
dade de recursos com idêntico fundamento.
Jurisdição e dos tribunais, ou seja, não se prestam
No caso do art. 543-B, do Código de Processo Civil, a análise da repercussão geral será processada conforme o disposto
à análise dos elementos de fato dos processos judiciais que lhes são confiados.
292 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
sos em 2011. (Disponível em <http://www.camara. Nesse ínterim, a competência atribuída pela Constituição
gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsess
Federal de 1988 ao Superior Tribunal de Justiça tem por objeti-
ionid=3AFECB25E4E7B0372C6A3F4EF1A36A85.
vo a proteção do direito objetivo, no caso do recurso especial, da
node1?codteor=1020915&filename=Tramitacao-
uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional,
-PEC+209/2012> Acesso em 10/06/2013)
evitando que a variedade de interpretação possa desvirtuar o seu sentido (FILHO, 2009, p. 171).
Sendo assim, a PEC n. 209/2012 tem o escopo de aproximar
Essa diferenciação de tratamento dado aos recursos extre-
o jurisdicionado das inovações introduzidas pelas recentes refor-
mos possui fincas no fato de que a Constituição Federal de 1988,
mas que tiveram por fito dar efetividade ao Direito fundamental do
ainda que de forma implícita (FILHO, 2009, p. 19), garante aos
cidadão a uma duração razoável do processo, conforme também
cidadãos apenas o Direito ao duplo grau de jurisdição.
exposto na justificação da PEC:
Assim, o recurso especial é um importante instrumento processual para a efetivação da função primordial do Superior Tribu-
Resta por necessária a adoção do mesmo requisito
nal de Justiça, que é a uniformização da interpretação da legisla-
no tocante ao recurso especial, recurso esse de com-
ção infraconstitucional.
petência do STJ. A atribuição de requisito de admissi-
Se a proposta de emenda a constituição supramencionada
bilidade ao recurso especial suscitará a apreciação
for aprovada irá obstar que Superior Tribunal de Justiça atue como
de relevância da questão federal a ser decidida, ou
mera duplicação da segunda instância, porque o seu papel, con-
seja, devendo-se demonstrar a repercussão geral,
forme foi demonstrado, será, exclusivamente, o de analisar cau-
considerar-se-á a existência, ou não, de questões re-
sas de relevância federal (SOARES, 2005).
levantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos
5 A PEC N. 209/2012
da causa. Atualmente, vige um modelo de livre aces-
A partir do modelo adotado para o recurso extraordinário, co-
so, desde que atendidos os requisitos já explicitados
meçou a tramitar no Congresso Nacional a Proposta de Emenda
como constantes do inciso III, do art. 105, da Cons-
à Constituição n. 209/2012, que visa estender a aplicação da
tituição Federal. De tal sorte, acotovelam-se no STJ
sistemática da repercussão geral, também, ao recurso especial,
diversas questões de índole corriqueira, como mul-
dirigido ao Superior Tribunal de Justiça.
tas por infração de trânsito, cortes no fornecimento
Na justificação da PEC n. 209/2012, a deputada que elabo-
de energia elétrica, de água, de telefone. Ademais,
rou o projeto citou números obtidos pelo Supremo Tribunal Federal
questões, inclusive já deveras e repetidamente en-
depois da regulamentação do instituto da repercussão geral, de-
frentadas pelo STJ, como correção monetária de
monstrando a efetividade do instituto para a diminuição do núme-
contas do Fundo de Garantia por Tempo de Servi-
ro de recursos que chegam ao Supremo:
ço (FGTS) que, nos primeiros 16 (dezesseis) anos de funcionamento do STJ, respondeu por cerca
No entanto, ao exercício dessa competência, soer-
de 21,06% do total de processos distribuídos, um
guem-se problemas de congestionamento simila-
quantitativo de vultosos 330.083 (trezentos e trin-
res aos que suscitaram estabelecer, no âmbito dos
ta mil e oitenta e três) processos.
recursos extraordinários (competência do Supremo Tribunal Federal), a introdução do requisito da re-
Portanto, é de bom alvitre estender ao recurso especial a
percussão geral à sua admissibilidade. Conforme
sistemática da repercussão geral, uma vez que permitirá o bom
se pôde depreender numericamente no caso da
funcionamento do Superior Tribunal de Justiça na sua função
Excelsa Corte, quanto à distribuição processual, de
primordial de uniformização da interpretação da legislação infra-
159.522 (cento e cinquenta e nove mil, quinhentos
constitucional e, via de consequência, permitirá uma resposta ju-
e vinte e dois) processos em 2007 (ano em que a
risdicional mais célere e efetiva.
Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006, entrou em vigor, regulamentando infraconstitucionalmente o §
6 O CIVIL LAW E O COMMON LAW NO DIREITO
3º do art. 102, da Constituição Federal), reduziu-se
BRASILEIRO: overruling e o distinguishing
para 38.109 (trinta e oito mil, cento e nove) proces-
Para a efetivação desta sistemática no recurso especial, é ne-
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cessário a utilização de alguns mecanismos originários do civil law
proferidas nesta sistemática tivessem maior celeridade e um al-
e do common law, com o escopo de não engessar o sistema de
cance efetivo na sociedade com um todo.
interpretação da norma infraconstitucional e, assim, permitir que o Direito evolua de acordo com os anseios sociais.
A ideia de decidir os litígios inspirando em decisões sumuladas em jurisprudências pátrias pode gerar certa insegurança
Nessa busca de um sistema que permita a coexistência de
jurídica. Esta ideia, todavia, pode ser afastada pela existência de
um filtro recursal e de um sistema de revisão pontual desses en-
duas técnicas para o impedimento da consolidação (engessamen-
tendimentos firmados, é que o Direito brasileiro sofre, cada vez
to) das decisões que são o overruling e o distinguishing (THEODO-
mais, influências do common law em suas decisões.
RO JUNIOR; NUNES; BAHIA, 2010, p. 9-52).
Sobre essa influência, manifestou-se o Ministro LUIZ FUX, por
Sobre o tema, doutrinam DIERLE NUNES e HUMBERTO THE-
ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instru-
ODORO JUNIOR que o overruling refere-se a possibilidade dos de-
mento n. 795.809 / RS:
mandantes postularem perante a Corte que emitiu o precedente (ou esta fazê-lo de ofício) a releitura do antigo precedente mos-
O Sistema processual adotado pelo código de proces-
trando as alterações nas hipóteses fáticas/jurídicas que lhes de-
so civil, conferindo força à jurisprudência do E. STF no
ram origem (2010, p. 42).
sentido de submeter as corte inferiores ao seu enten-
Já o distinguishing é uma forma de se fugir ao rigor dos prece-
dimento nos casos de repercussão geral, aproxima-
dentes; pode-se mostrar que o caso possui particularidades que o
-se do regime vigorante na common law, que, em
diferenciam, ou seja, para além das similaridades, advoga-se para
essência, prestigia a isonomia e a segurança jurídica,
que o Tribunal julgue o caso em razão de novas questões jurídicas
clausulas pétreas inafastáveis de todo e qualquer jul-
(ou de particularidades fáticas) não pensadas ou discutidas nos
gamento. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo
precedentes (2010, p. 42)
Regimental no Agravo de Instrumento n. 795.809 / RS. Agravante: União. Agravado: Carlos Pereira Gou-
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
lart. Relator Min. LUIZ FUX. Brasília, 18 de dezembro
Como é sabido, o Superior Tribunal de Justiça encontra-se
2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/pagina-
diante de muitos Recursos Especiais para serem apreciados. Se-
dorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3418651>
melhante situação vivenciou o Supremo Tribunal Federal, quando
Acesso em 09/06/2013.
precisava analisar os Recursos Extraordinários. Assim, houve a possibilidade de implementar a repercussão
E a partir dessa influencia do common law no nosso ordenamento jurídico (que segue majoritariamente os princípios do civil
geral como requisito de admissibilidade dos recursos que eram destinados ao Supremo Tribunal Federal.
law) poderão surgir vários mecanismos efetivos advindos dessa
Diga-se de passagem, a necessidade de demonstrar a repercus-
união dos dois sistemas fazendo com que a análise de um dis-
são geral como requisito para a admissibilidade dos Recursos Extra-
positivo de lei e a utilização dos costumes construídos pela juris-
ordinários provou grande redução no número de recursos destinados
prudência, sejam utilizados concomitantemente no momento da
ao colendo Supremo Tribunal Federal (BRASIL, Câmara dos Depu-
solução definitiva de um litígio pelo Poder Judiciário (THEODORO
tados, Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
JUNIOR; NUNES; BAHIA, 2010, p. 9-52)
prop_mostrarintegra?codteor=1036629&filename=PRL+1+CCJC+%
Essa evolução do Direito brasileiro tem por princípio a utili-
3D%3E+PEC+209/2012. Acessado em 02 de junho de 2013).
zação da hermenêutica jurídica para solução efetiva dos litígios,
A proposta de emenda à Constituição (PEC 209/2012) tem como
que permite ao operador do direito que, utilizando-se concomitan-
objetivo acrescentar o §1º no artigo 105 da CR/88, para que exija no
temente dos dispositivos legais (civil law) e dos costumes (com-
Recurso Especial a demonstração de relevância, social econômica,
mon law), possa buscar a melhor solução para o litígio.
jurídica ou política (aplicação do instituto da repercussão geral).
2
Com isso, deixa-se de lado a ideia de que o magistrado sem-
O presente filtro processual é observado com bons olhos por
pre será a “boca da lei”3, e passa-se a um sistema que pondera
muitos operadores do direito; pois possibilitará que o Estado por
tanto a vontade do legislador, quanto as reiteradas decisões dos
meio do judiciário exerça o seu poder de jurisdição de maneira
Tribunais sobre a questão.
mais efetiva e célere.
No caso da utilização da repercussão geral no recurso espe-
Ademais, a proposta de emenda à constituição em análise de-
cial, se aprovada a PEC n. 209/2012, a utilização desse sistema
monstra uma relação harmônica com a Constituição da República de
misto (common law e civil law), contribuiria para que as decisões
1988, pois, preconiza em seu teor a razoável duração do processo.
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Além disso, à presente PEC nos revela um amparo de muita valia para o judiciário brasileiro; pois, possibilitará ao Superior Tribunal de Justiça o descongestionamento processual. Aliado ao descongestionamento processual teremos como resultado o afastamento da insegurança injurídica em todo o ordenamento jurídico; pois caberão as turmas do colendo Superior Tribunal de Justiça analisar cada caso com maior preciosismo, projetando assim jurisprudências cristalinas e que por ventura poderão se transformar em súmulas que servirão de parâmetro para todo o judiciário brasileiro. Assim, os juízes de primeiro e segundo grau serão amparados com melhores jurisprudências, possibilitando assim julgamentos com mais qualidade, com menos índices de erros. Com isso, resta demonstrado os benefícios inerente da PEC 209/2012, a qual presenteará todo o ordenamento jurídico, que poderá proferir sentenças com maior celeridade e eficiência.
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Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 295
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NOTAS DE FIM 1 Graduando em direito pelo Centro Universitário Newton Paiva 2 Entende-se como hermenêutica jurídica toda análise realizada em determinado caso concreto. Porém, trata-se de uma análise que se utiliza de um fenômeno jurídico, pelo qual, o operador do direito busca interpretar os dispositivos legais com a exclusão do pré-conceito já elaborado, construindo assim a resposta correta à luz do caso concreto bem como sob a égide de uma comunidade de princípios. (DWORKIN, império do direito). 3 Expressão utilizada após a Revolução Francesa, que preconizava que os juízes deveriam aplicar, de forma mecânica, as leis elaboradas pelo poder legislativo. ( MARQUES, Luiz Guilherme. Boca da Lei. Revista Jus Vigilantibus, 15 de fevereiro de 2007. Disponível em: <http://jusvi.com/ artigos/23218.> Acesso em 10 de junho de 2013.
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APLICAÇÃO DA TEORIA DO PUNITIVE DAMAGES NO DIREITO BRASILEIRO Mariana Baudson Godoi de Queiroz1
RESUMO: O instituto do punitive damages, de origem norte americana está sendo habitualmente empregado pelo Poder Judiciário brasileiro, tendo em vista a necessidade de expandir a função de reparação da responsabilidade civil para compreender também as funções de prevenção e punição. Contudo, deve ser realizado um estudo científico, jurídico, político e sociológico para não distorcer o caráter punitivo da indenização por danos morais e acarretar em erros jurídicos. PALAVRAS-CHAVE: responsabilidade civil; dano moral; indenização punitiva. Área de Interesse: Direito Civil
1 INTRODUÇÃO
dimento doutrinário e jurisprudencial, e, após, abordar a possi-
A responsabilidade civil, apesar de ser um instituto sedimen-
bilidade de aplicação do punitive damages no direito brasileiro.
tado na doutrina e jurisprudência brasileira, está em constante evolução, e seu atual cenário passa por transformações, tendo
2 A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DANO MORAL
em vista que seu modelo tradicional de reparação da compensação de danos não se mostra suficiente para solucionar a complexidade das relações sociais atuais.
2.1 Conceito de responsabilidade civil Inicialmente, para melhor compreensão do tema abordado,
Desta maneira, com a maior aplicabilidade das normas
deve-se tecer o conceito de responsabilidade civil, que está re-
constitucionais e anseio por meios mais eficazes para prevenção
lacionado a um encargo, um dever de reparação de um prejuízo
do ato ilícito, analisa-se a aplicação de novas funções da respon-
decorrente da violação de normas preexistentes.
sabilidade civil, através das funções de punição e prevenção do
Pressupõe uma conduta positiva ou negativa, decorrente de
ato ilícito, trazidas por meio do instituto do punitive damages de
um ato ilícito, que viola dever jurídico legal ou contratual, surgin-
origem anglo saxônica.
do, portanto, a obrigação de reparação do dano causado.
Neste sentido, este artigo tem o escopo de demonstrar a pos-
Contudo, a definição de responsabilidade civil, não constitui
sível aplicação do instituto punitive damages, mais adequadamente
tarefa simples, vez que juristas e doutrinadores constroem sua
interpretado como “indenização punitiva”, ao Direito brasileiro.
própria definição e conceito para tal instituto.
Primeiramente serão introduzidas noções gerais de responsabilidade civil e dano moral, conceituando e classificando os
Para Maria Helena Diniz (2009, p. 34), a responsabilidade civil é definida como:
diferentes tipos de responsabilidade civil e apresentando seus elementos. Ademais, será diferenciada a responsabilidade civil
[...] a aplicação de medidas que obriguem alguém
patrimonial da responsabilidade civil extrapatrimonial, demons-
a reparar dano moral ou patrimonial causado a
trando a base constitucional da reparação por danos morais,
terceiros em razão de ato do próprio imputado,
bem como seus imbróglios.
de pessoa por quem ele responde, ou de fato de
Apresentados os parâmetros iniciais, passa-se a análise do instituto do punitive damages, estabelecendo sua definição, dife-
coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal.
renciando o sistema do commom law que deu origem a tal instituto, do sistema do civil law, e, ainda, analisando o seu contexto histórico, bem como os casos concretos em que é aplicado nos
Neste sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2006, p. 09), lecionam que:
países de origem. Por fim, será analisado o caráter punitivo da indenização por
A responsabilidade civil deriva da agressão a um
danos morais no direito civil brasileiro, demonstrando o enten-
interesse eminentemente particular, sujeitando,
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assim, o infrator, ao pagamento de uma compen-
sabilidade civil subjetiva está prevista nos artigos 186 c/c 927 do
sação pecuniária à vítima, caso não possa repor in
Código Civil de 2002.
natura o estado anterior de coisas.
Contudo, a responsabilidade subjetiva é insuficiente para solucionar os danos suportados pela sociedade atual, marcada pela
Segundo as palavras de Rui Stoco (2007, p. 114):
complexidade das relações comerciais e sociais, surgindo, assim, a responsabilidade civil objetiva.
A noção da responsabilidade pode ser haurida da
Esta segunda modalidade, qualifica-se como aquela em que
própria origem da palavra, que vem do latim res-
se dispensa a aferição de culpa do agente, sendo o dolo ou a cul-
pondere, responder a alguma coisa, ou seja, a
pa, insignificantes para a sua caracterização, observando somen-
necessidade que existe de responsabilizar alguém
te o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano, para
pelos seus atos danosos. Essa imposição estabe-
que nasça a obrigação de indenizar.
lecida pelo meio social regrado, através dos inte-
O fundamento principal para a caracterização da responsa-
grantes da sociedade humana, de impor a todos o
bilidade civil objetiva surgiu da Teoria do Risco, pautada na ideia
dever de responder por seus atos, traduz a própria
que a atividade desenvolvida pelo agente causador do dano, por
noção de justiça existente no grupo social estrati-
sua natureza, gera um risco aos direitos de terceiros, legitimada
ficado. Revela-se, pois, como algo inarredável da
pelo artigo 927 do Código Civil Brasileiro de 2002.
natureza humana.
A responsabilidade objetiva veio ratificada em cláusulas específicas na legislação brasileira, que preveem a sua aplicação,
Diante destes conceitos, conclui-se que a responsabilidade
como por exemplo, o abuso de direito (art. 187 CC/02), o exercí-
civil é aquela que deriva de todo ato praticado por pessoa física ou
cio de atividade de risco ou perigosa (art. 927, parágrafo único,
jurídica, consequente de uma ilicitude, que infringe norma jurídica
CC/02), os danos causados por produtos (art. 931 CC/02), a res-
legal ou contratual, ficando o agente obrigado a reparar o dano,
ponsabilidade pelo fato de outrem (art. 932 e art. 933 do CC/02),
tendo em vista o direito da vítima de ser indenizada na intensida-
a responsabilidade pelo fato da coisa ou do animal (art. 936, 937
de do dano sofrido.
e 939 do CC/02), a responsabilidade dos incapazes (art. 928
A doutrina majoritária fragmenta a responsabilidade civil em
CC/02), dentre outras constantes em outras legislações.
razão da culpa e pela natureza da norma jurídica violada, podendo
A doutrina também classifica a responsabilidade civil em con-
ser classificada basicamente como: subjetiva e objetiva, e contra-
tratual e extracontratual que decorre da natureza jurídica do pre-
tual e extracontratual.
ceito violado pelo agente motivador do dano.
A responsabilidade civil subjetiva é aquela em que será
A responsabilidade civil contratual é aquela em que presume
apurada a culpa do agente causador do dano, em virtude de
a existência de um contrato anteriormente ajustado, que vincula
um ato doloso ou culposo, decorrente de uma negligência ou
as partes, sendo que o dano, neste caso, decorre da violação de
imprudência, ficando obrigado à reparação, cabendo à vítima,
uma obrigação contratual contraída pelo agente, quando da assi-
provar a culpa do agente.
natura do negócio jurídico.
Sobre a responsabilidade subjetiva, Silvio Rodrigues (2002, p. 11) leciona que:
Já na responsabilidade civil extracontratual, também chamada de aquiliana, a conduta do agente é oriunda de uma violação de um dever jurídico imposto pela lei.
Se diz ser subjetiva a responsabilidade quando
A responsabilidade civil contratual está presente no Código
se inspira na ideia de culpa e que de acordo com
Civil de 2002, nos artigos 389 a 395, sendo que a extracontra-
entendimento clássico a “concepção tradicional a
tual ou aquiliana, encontra sua base legal nos artigos 186 a
responsabilidade do agente do dano só se confi-
188 e 927 e seguintes.
gura se agiu culposamente ou dolosamente”. De
Assim, constata-se que a teoria adotada pelo Código Civil
modo que a prova da culpa do agente causador do
Brasileiro de 2002, é a teoria dualista ou clássica, que divide a
dano é indispensável para que surja o dever de in-
responsabilidade civil em contratual e extracontratual (aquilia-
denizar. “A responsabilidade, no caso, é subjetiva,
na), sendo que em ambas ocorrem à violação de dever jurídico
pois depende do comportamento do sujeito.
antecedente, mas a distinção entre as classificações é concebida quando da origem do dever de indenizar, se deriva de um inadim-
No ordenamento jurídico pátrio, a cláusula geral da respon-
plemento contratual ou de uma violação da ordem legal.
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Existem alguns pressupostos que qualificam os elementos
A doutrina majoritária versa que a culpa em sentido amplo
gerais da responsabilidade civil, que estão presentes no art. 186
abrange não somente a conduta voluntária ilícita do agente, como
do Código Civil Brasileiro: “Aquele que, por ação ou omissão volun-
também se manifesta nos atos de negligência, imprudência e im-
tária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
perícia, sendo estes em sentido estrito.
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
A negligência pode ser denominada como o descuido ou a fal-
Tais elementos podem ser denominados como: ato ilícito,
ta de atenção do dever de cuidado; a imprudência é a inadvertên-
nexo causal, dano e culpa, sendo as bases fundamentais para ca-
cia, o ato que contraria a prudência violando as regras de cuidado.
racterização da responsabilidade civil.
Já a imperícia trata-se da falta de habilidade e experiência para
O primeiro elemento que deve ser analisado, em apertada
realização de determinado ato.
síntese, é o ato ilícito que deriva de uma conduta humana por
Logo, passado a análise do conceito de responsabilidade ci-
meio de uma ação ou omissão voluntária, que está em desconfor-
vil, suas classificações e espécies, conclui-se que tal conceito é
midade com as normas previstas.
amplo, mas que sua análise é fundamental para uma melhor com-
Sobre este elemento preleciona Silvio de Salvo Venosa
preensão do tema proposto.
(2003, p. 22): 2.2 Responsabilidade civil por dano patrimonial O ato de vontade, contudo, no campo da respon-
e extrapatrimonial
sabilidade deve revestir-se de ilicitude. Melhor di-
É pacífico na doutrina e jurisprudência, a distinção dos danos
remos que na ilicitude há, geralmente, uma cadeia
entre patrimoniais e extrapatrimoniais, sendo o primeiro o prejuízo
de atos ilícitos, uma conduta culposa. Raramente,
econômico efetivamente sofrido, e o segundo, o abalo psíquico ou
a ilicitude ocorrerá com um único ato. O ato ilícito
moral sofrido, ou seja, o dano que não possui efeito econômico.
traduz-se em um comportamento voluntário que transgride um dever.
Os danos patrimoniais e extrapatrimoniais, e o direito a sua reparação, encontram-se previstos em diversos ordenamentos jurídicos vigentes no Brasil, como na Constituição da República de
A ação ou omissão do agente podem ser caracterizadas, respectivamente, como uma conduta ativa e como um comportamento negativo, ou seja, um agir ou não agir.
1988, o Código Civil de 2002, o Código de Defesa do Consumidor, e o Código Comercial, dentre outros dispositivos legais. Aqueles danos que atingem diretamente o patrimônio eco-
O elemento denominado como dano, é imprescindível para o
nômico das pessoas físicas ou jurídicas são denominados danos
instituto da responsabilidade civil, vez que “sem a ocorrência des-
patrimoniais, ou, materiais, configurados através de uma ação
te elemento não haveria o que indenizar, e, consequentemente,
ou omissão, através do nexo de causalidade entre a conduta do
responsabilidade.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 35).
agente e o prejuízo material suportado.
O dano é um prejuízo causado a outrem, podendo ser patri-
Existe, ainda, a possibilidade de configurar o dano material
monial (econômico) ou extrapatrimonial (moral), ocasionado pelo
pelo valor econômico que se deixou de lucrar em razão do dano,
ato ilícito do agente.
denominados lucros cessantes, e, ainda, ao efetivo prejuízo sofri-
Destarte, somente a conduta ilícita do agente e o dano pro-
do, denominado pela doutrina de danos emergentes.
priamente dito não são suficientes para a caracterização da res-
Para configuração do dano material, deve-se averiguar se a
ponsabilidade civil, tendo em vista a necessidade que este dano
ação ou omissão praticada pelo agente foi ou não culposa, com a
seja causado e motivado pelo ato ilícito praticado pelo agente, sur-
demonstração específica da extensão do dano material e do quan-
gindo assim, o nexo causal. (CAVALIERI FILHO, 2007).
tum indenizatório pretendido, para que se possa cumprir com a
Tal elemento é averiguado mediante a verificação se há relação
finalidade que se busca nas ações judiciais de reparação do dano,
de causa e efeito entre o ato ilícito e o dano, podendo dizer que é
o restabelecimento da situação material (econômica), que se ti-
o liame entre o comportamento do agente e o resultado provocado.
nha antes da ocorrência do dano.
Por fim, o último pressuposto a ser analisado, a culpa, é ele-
Neste sentido, ensina Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 198):
mento essencial da responsabilidade civil subjetiva, não sendo aferida na responsabilidade civil objetiva.
Reparar o dano, qualquer que seja sua natureza,
Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa, “culpa é a inobser-
significa indenizar, tornar indene o prejuízo. Inde-
vância de um dever que o agente devia conhecer e observar.” (VE-
ne é o que se mostra íntegro, perfeito, incólume.
NOSA, 2003, p. 23).
O ideal de justiça é que a reparação de dano seja Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 299
feita de molde que a situação anterior seja recons-
mento não traz em seu bojo qualquer rigorismo científico, até por-
tituída: quem derrubou o muro do vizinho deve re-
que representa nítida afronta ao disposto no art. 159 do Código
fazê-lo; quem abalroou veículo de outrem por culpa
Civil.” (ANDRADE, 2000, p. 14).
deve repará-lo; dono de gado que invadiu terreno
Ocorre que a valoração do dano moral é consubstancialmente
vizinho, danificando pomar, deve replantá-lo e as-
difícil, tendo em vista que a indenização não reconstituirá a situ-
sim por diante.
ação anterior ao evento danoso, conforme acontece nos danos patrimoniais, em que ocorre a reparação integral do dano.
Os danos extrapatrimoniais, também chamados de danos mo-
Porém, a busca da sua reparação através de condenação in
rais, são aqueles que atentam contra a honra, dignidade, boa fama e
pecúnia, apesar de não substituir a dor e o abalo sofrido, reduz o
à boa fé subjetiva de pessoas físicas ou jurídicas, causando sofrimen-
sofrimento e traz uma resposta a vítima de que o direito violado
tos e abalos morais, sem produzir qualquer prejuízo material.
e o prejuízo sofrido, ainda que moral teve algum ressarcimento.
Nas palavras de Yussef Said Cahali (1999, p. 20):
Alguns juristas e doutrinadores e algumas decisões judiciais, apontam parâmetros para a fixação do quantum indenizatório, en-
Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo
tretanto, o critério para fixação da importância devida a título de
aquilo que molesta gravemente a alma humana,
indenização por danos morais é subjetivo, apesar de ser um tema
ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais
de grande controvérsia.
inerentes à sua personalidade ou reconhecidos
Desta maneira, é considerável ressaltar que fixação de inde-
pela sociedade em que está integrado, qualifica-
nização por danos morais possui o caráter de recomposição do so-
-se, em linha de princípio, como dano moral; não
frimento e abalo sofrido, além de desestimular o agente a cometer
há como enumerá-los exaustivamente, eviden-
reiteradamente a conduta danosa.
ciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na
Neste sentido, surgiu a teoria do desestímulo que tem como
tristeza pela ausência de um ente querido faleci-
fundamento principal, o fato de que cada ofensor deve ser conde-
do; no desprestígio, na desconsideração social, no
nado ao pagamento de indenização por danos morais para que
descrédito à reputação, na humilhação pública, no
não volte a praticar o ato ilícito ensejador do dano.
devassamento da privacidade; no desequilíbrio da
Tal teoria defende que a condenação deve observar a aptidão
normalidade psíquica, nos traumatismos emocio-
financeira do ofensor, bem como o princípio da razoabilidade no
nais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas
arbitramento do quantum sem que lhe afete excessivamente, mas
situações de constrangimento moral.
que implique a imediata e eficaz correção da prática de atitudes condenáveis como a que ocasionou o dano.
Portanto, constata-se que o dano extrapatrimonial configura
Assim, preceitua Humberto Theodoro Júnior (2001):
uma lesão sofrida pelo sujeito, no seu conjunto de bens ideais, ou seja, aqueles que não possuem valor econômico, resultando
Os danos morais se traduzem em turbações de âni-
do nexo de causalidade entre o ato que gerou o dano e os efeitos
mo, em reações desagradáveis, desconfortáveis
lesivos ao patrimônio moral do ofendido.
ou constrangedoras, ou outras desse nível, pro-
Para a efetiva demonstração da ocorrência do dano, faz-se
duzidas na esfera do lesado. (...) Assim, há dano
mister demonstrar as circunstâncias em que aconteceram as
moral quando a vítima suporta, por exemplo, a de-
ofensas morais, contra a honra, reputação, boa fé ou dignidade
sonra e a dor provocadas por atitudes injuriosas
do indivíduo ofendido, bem como o corolário para sua vida pes-
de terceiro, configurando lesões na esfera interna
soal, comprovando o efeito do dano e os demais abalos criados
e valorativa do ser com entidade individualizada.
por este. A reparabilidade do dano moral foi positivada como direito
Diante do exposto, tem-se que o dano extrapatrimonial ou
constitucional pela Constituição da República de 1988, através do
moral se baseia em ato danoso ao direito de outrem, que por
art. 5º, incisos V e X, certificando o direito de reparação dos danos
consequência lesiona a esfera privada, no que concerne à honra,
morais que a vítima fortuitamente venha a sofrer.
imagem, moral, boa fé e intimidade, não possuindo conteúdo pe-
Contudo, existem alegações desfavoráveis a reparabilidade
cuniário, redutíveis comercialmente a dinheiro.
do dano moral, que sustentam a dificuldade de valoração deste dano, porém, nas palavras de Ronaldo Alves de Andrade “tal argu300 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
3 O INSTITUTO DO PUNITIVE DAMAGES
do a esta funções de prevenção e punição, através de um acréscimo monetário na indenização concedida a vítima do dano, em decorrên-
3.1 Definição
cia da gravidade do ato ilícito e da sua prática frequente.
O instituto do punitive damages, advém do sistema jurídico do commom law e pode ser entendido como o acréscimo monetá-
3.2 Os sistemas do commom law e civil law
rio fixado na ação de indenização que visa à reparação do dano,
Como dito no tópico anterior, o instituto do punitive damages tem
destinado ao autor da demanda, com o objetivo de punir o agente
sua origem no sistema jurídico do Common Law, que é proveniente
causador do ato danoso e prevenir que danos futuros sejam come-
do sistema anglo saxônico, tendo como base os julgamentos proferi-
tidos, observando a capacidade econômica do agente.
dos pelo Poder Judiciário, através da análise do caso concreto, conso-
Neste sentido, Salomão Resedá (2009, p. 225) conceitua bri-
ante outras ações semelhantes, e não no texto legal.
lhantemente o punitive damages:
Este sistema é originário da Inglaterra do século XII, que possuía os costumes do reino reconhecidos pelos juízes como fonte principal
Um acréscimo econômico na condenação imposta
do direito. Atualmente o Common Law é o sistema jurídico seguido
ao sujeito ativo do ato ilícito, em razão da sua gra-
por diversos países como Estados Unidos, Inglaterra e Canadá.
vidade e reiteração que vai além do que se estipu-
Nos Estados Unidos, o preceito do stare decisis é suscetível a
la como necessário para satisfazer o ofendido, no
mudanças, não sendo os precedentes proferidos analisados como
intuito de desestimulá-lo à prática de novos atos,
um axioma, vez que neste país o direito é fragmentado pelo Com-
além de mitigar a prática de comportamentos se-
mom Law e o Statue Law, que são as leis codificadas. Contudo,
melhantes por parte de potenciais ofensores, asse-
existem situações em que os juízes são coibidos a seguirem os
gurando a paz social e conseqüente função social
julgados pronunciados por tribunais superiores, devendo os tribu-
da responsabilidade civil.
nais inferiores respeitarem tais precedentes. Já o sistema do Civil Law é formalmente adotado no siste-
O punitive damages possui diversas terminologias, podendo
ma jurídico brasileiro, inferindo das bases teóricas e legais, que
ser chamado também de exemplar damages, speculative damages,
consolidam conceitos e princípios a serem aplicados, tendo como
smart money, penal damages, vindictive damages, punitory dama-
fonte predominante do Direito a Lei.
ges, retributory damages, dentre outros (ANDRADE, 2009, p.186).
Desta feita, tem-se que o direito brasileiro que adota o civil law
Tal instituto possui a função preventiva e punitiva, que são
é dedutivo, tendo como fundamento as concepções teóricas que in-
em síntese, o montante expressivamente superior ao dano sofrido
troduzem os princípios a serem empregados, composto por elemento
oferecido à vítima de forma monetária, não tendo somente a fun-
variável. Já os sistemas que adotam o commom law, são pragmáti-
ção de compensação do dano, mas também o de prevenção de
cos, e utilizam de casos concretos para dirimir conflitos futuros.
futuros ilícitos e de punir o agente causador do dano.
Ressalta-se ainda, que o commom law é contrário ao civil
Contudo, existe uma grande diferença entre a função com-
law, por ter natureza jurisprudencial, e o direito brasileiro tem
pensatória do dano e a função punitiva, sendo que a primeira tem
como fundamento leis que, imprescindivelmente, necessitam
como finalidade a compensação do dano, e a segunda pretende
de processo legislativo anterior para serem válidas e adequa-
a prevenção contra o ato ilícito praticado, visando à punição da
das.
conduta do agente.
Portanto, conclui-se que o sistema do Common Law pode
Por fim, preceitua Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 432) sobre o conceito dos punitives damages:
ser visto como direito costumeiro, através de decisões judiciais que elaboram o direito, sendo que o Civil Law, tem como alicerce o direito já positivado nas legislações e códigos, mas não
O objetivo originário do instituto é impor ao sujeito
deixa de utilizar os entendimentos doutrinários e jurispruden-
passivo a majoração do valor da indenização, com
ciais.
o sentido de sancionar condutas específicas repro-
Tal diferenciação é essencial para a compreensão do tema
váveis. Como o próprio nos indica, é uma pena ci-
proposto, tendo em vista a necessidade de distinção das con-
vil, que reverte em favor da vítima dos danos.
sequências jurídicas que a aplicação do instituto do punitive damages acarreta nos países que adotam o commom law, e no
Desta maneira, conclui-se que o conceito do punitive damages
direito brasileiro, que adota o civil law.
traz uma amplificação ao conceito de responsabilidade civil, atribuinRevista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 301
3.3 Contexto histórico
demasiada reproduz, conforme traz o contexto de Ryan (2009).
O punitive damages é considerado um dos mais importantes
Diante desta polêmica, torna-se imprescindível a discussão
institutos no sistema jurídico do commom law e teve sua origem
acerca da sua aplicação, sendo essencial analisar as circunstân-
nos países anglo-saxônicos, no século XII, através do Statue of
cias e critérios que devem ser utilizados na aplicação do punitive
Coucester, em 1278, na Inglaterra.
damages, nos diversos países que adotam tal instituto, tendo em
Explorando o cenário da época, Judith Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler (2005, p. 18) observam que:
vista a consequência que pode causar no direito e na economia, por se tratarem de casos que envolvem direitos difusos.
No modelo então construído, o autor do dano era cas-
3.4 A aplicação do punitive damages nos casos
tigado pela imposição de reparação equivalente a um
concretos no sistema commom law
múltiplo do valor do dano sofrido pela vítima que ti-
Como os punitive damages se originaram na Inglaterra, um
nha, ao seu dispor, a previsão de ação civil justamen-
país que adota o sistema da commom law, em que há uma maior
te com tal finalidade. [...] Aí está a raiz de uma tra-
delimitação para sua incidência, bem como maior rigidez a cerca
dição que veio a ser especialmente desenvolvida no
dos critérios e limites para sua utilização no caso concreto, explica
séc. XVIII, quando se criou a doutrina dos exemplary
John Y. Gotanda (2003) em seu artigo:
damages como um meio para justificar a atribuição de indenização quando não havia prejuízo tangível,
Após o acontecimento do primeiro caso envolven-
ou seja, no caso de danos extrapatrimoniais.
do aplicação dos punitives damages – Wilkes VS Wood -, já anteriormente mencionado, houve uma
Judith Martins leciona em sua obra, que a tradição dos pu-
crescente aplicação do instituto até os primór-
nitive damages “veio a ser desenvolvida no século XVIII, quando
dios dos anos de 1964, que nesta época Câma-
se criou a doutrina dos exemplary damages como um meio para
ra dos Lordes, no caso em que envolveu Rookes
justificar a atribuição de indenização quando não havia prejuízo
VS Barnard, limitou a três categorias a aplicação
tangível, ou seja, no caso de danos extrapatrimoniais”. (MARTINS
dos punitives damages, sendo elas: a) casos que
COSTA, 2005, p. 15).
envolvam condutas opressivas, arbitrárias ou in-
Já no século XIX o instituto do punitive damages foi substi-
constitucionais de membros do governo e da admi-
tuído pelo actual damages, restando para o primeiro apenas as
nistração pública; b) fraudes que envolvam casos
funções de punir e prevenir, passando a ser analisada a conduta
de supostos enriquecimento sem causa; c) as con-
do ofensor e não só o dano propriamente dito.
dutas em que a aplicação do instituto deverá ser
Este instituto possui mais de 200 anos de aplicação e aper-
previsto em lei.
feiçoamento, utilizado em vários países, sendo os principais Inglaterra, Canadá e Estados Unidos. O crescimento do punitive damages neste último país foi de tal importância, que é considerado o mais influente e típico deste local, sendo utilizado em mais de 50 estados, demonstrando a sua enorme aplicabilidade.
Ainda adotando o pensamento de John Y. Gotanda (2003), o direito inglês adota, além das três restrições citadas, mais seis delimitações para à aplicação do punitive damages. A primeira dessas seis limitações é considerada o teste do “se, mas apenas se”, que se baseia na concessão da indenizató-
A aplicação do punitive damages nos países que o adotam,
ria, apenas quando esta for insuficiente para desaprovar o ofen-
ainda é controvertida, não sendo pacífico o entendimento juris-
sor; a segunda traz a ideia de que quem demanda tal indenização
prudencial para fixação da indenização, vez que os critérios para
deve ser o ofensor; a terceira diz respeito se o ofensor já foi punido
aplicação são limitados a cada país que o utiliza, criando conflitos
pelo ato praticado; a quarta restringe o polo ativo da ação, poden-
a respeito de quando caberia à aplicação de tal instituto, quais os
do fazer-se inexequível a aplicação do instituto; na quinta restrição
métodos deveriam ser aplicados para se chegar a um quantum
o autor aplica o instituto nos casos em que o agente causador do
indenizatório, a orientação dos jurados para sua fixação, e, ainda,
dano, teria agido de boa fé; já a sexta e última se dá nos casos em
o modo de revisão utilizado pelos tribunais superiores.
que a vítima contribuiu ou gerou o pressuposto dano, no qual seria
As críticas referentes a este instituto são inúmeras, e decor-
utilizado o instituto do punitive damages.
rem de alegações como a falta de equilíbrio das condenações das
No que tange a crítica feita em relação a revisão dos punitive
indenizações pelo júri, bem como a dúvida legal que sua prática
damages, a Inglaterra consolidou no Ato de Serviços Legal e de
302 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
Corte de 1990, uma superior competência à Corte de Apelação
ção. Posteriormente, constatou-se que a explosão
para reexaminar e modificar os importes concedidos pelo júri, de-
ocorreu devido à localização do tanque/reservatório
vido aos crescentes casos que discutiam os valores excessivos e
do carburador, o qual se encontrava na parte traseira
desproporcionais aplicados.
do automóvel. Comprovou-se, também, que a referi-
Como dito anteriormente, é nos Estados Unidos da Améri-
da mudança na localização do tanque/reservatório
ca, que o instituto do punitive damages possui maior proporção
do carburador permitia à empresa uma economia de
e evolução na sua aplicação. Não obstante de terem sua origem
$ 15,00 (quinze dólares) por veículo.
limitada ao dano moral, o instituto do punitive damages atualmen-
No caso sub judice o júri não poupou a empresa,
te neste país, também é utilizado nos danos materiais possuindo
considerando o comportamento descrito acima al-
função de exemplaridade social.
tamente reprovável, pois pela economia de meros
Neste país, o instituto do punitive damages só pode ser defe-
$ 15,00 (quinze dólares) por veículo, o tanque foi
rido pelo Júri, e não é aplicado nos casos de responsabilidade con-
colocado num lugar impróprio e arriscado em caso
tratual e responsabilidade objetiva, uma vez que só é concedido
de uma colisão. Assim em caso de acidente, a Ford
quando restar demonstrado o dolo do agente, e, excepcionalmen-
ganharia mais indenizando a vítima do que colo-
te, quando os atos culposos são considerados reprováveis. Ainda
cando o tanque no lugar correto, uma solução que
assim, é utilizado nas mais diversas matérias, sendo aplicada nas
leva em conta somente a relação custo/benefício.
questões relativas a emprego, família, propriedade, e até pelo di-
O júri aplicou uma alta soma em dinheiro a título
reito internacional e marítimo.
de punitive damages.
Cássio Cunha de Almeida (2010) traz alguns casos que se
3 – A empresa Browning-Ferris Industries of Vermont
demonstram imprescindíveis para demonstrar a matéria exposta:
Inc. temendo a concorrência de outra sociedade, a Kelco, fez o possível para excluí-la do mercado de
1 – Nosso primeiro caso emblemático de uma in-
consumo. Diante de tal comportamento a Kelco in-
denização punitiva ocorreu na década de 80, nos
gressou em juízo. O Tribunal norte americano aca-
Estados Unidos da América, notável pela vultosa
tou o pedido de responsabilização civil pela conduta
soma em dinheiro a título de indenização: 7,53
desleal da empresa concorrente, uma vez que cor-
bilhões de dólares. Trata-se de um caso em que
responderia a um ilícito, posto que a Browning-Ferris
a Pennzoil negociava com os principais acionistas
atuara somente com o objetivo de tirar a competidora
da Getty Oil sobre um Memorando de Entendimen-
do mercado. No caso foi concedida uma indenização
tos regulador de um conjunto de ações em que a
de $ 6.000.000,00 (seis milhões de dólares) a Kelco
Pennzoil e o Sarah C. Getty Trust passariam a ser
referentes aos punitive damages.
os únicos acionistas da Getty Oil, em que a Pennzoill pagaria $110,00 (cento e dez dólares) por
O Código Civil da Califórnia traz em seu texto legal, as possi-
ação. Logo que soube a Texaco, principal concor-
bilidades de aplicação do punitive damages, “como a violação de
rente da Penzoil, iniciou uma negociação com os
uma obrigação extracontratual em que se demonstre, por prova
acionistas da Getty Oil um plano de compra da Get-
clara que o réu foi responsável por opressão, fraude ou malícia”.
ty, acordando um valor de $128,00 (cento e vinte e
(SCHREIBER, 2007, p. 204). Além do estado da Califórnia outros
oito dólares) por ação. Logo após a publicidade dos
estados dos Estados Unidos passaram a adotar limitações em
fatos, a Penzzoil entrou com uma ação em desfa-
suas legislações à aplicação do instituto e, ainda, a própria Su-
vor da Texaco, baseando-se na responsabilização
prema Corte delimitou os casos em que devem ser utilizados a
pela indução à quebra de contrato (torto f induc-
indenização punitiva.
tion into breach of contract). A ação foi provida e a
Conforme o exposto, tem-se que apesar do instituto do puniti-
Penzzoil ganhou uma indenização bilionária pelos
ve damages ser tradicionalmente aplicado nos países que adotam
danos sofridos com a interferência ilícita da Texaco
o commom law, sua aplicação ainda é controvertida por parte da
em negociações alheias.
doutrina e jurisprudência, que vem estabelecendo limites a sua
2 – Em 1981 ocorreu um acidente no qual um ve-
aplicação, através dos casos concretos analisados, para tentar es-
ículo de fabricação da montadora Ford explodiu,
tabelecer um entendimento pacífico.
causando a morte dos três ocupantes da conduRevista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 303
4 O CARÁTER PUNITIVO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E O DIREITO CIVIL BRASILEIRO
Desta maneira, o instituto do punitive damages no Brasil institui um meio de dar efetividade ao princípio constitucional da
O punitive damages, ou indenização punitiva, como é cha-
dignidade da pessoa humana e as normas constitucionais que
mado no Brasil, encontra sua base legal no direito brasileiro no
preveem a indenização por danos morais e aos direitos persona-
artigo 1º, inciso III, da Constituição da República de 1988, que
líssimos, consolidando as funções de punição e prevenção de da-
concretiza o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como
nos contra esses direitos.
nos direitos personalíssimos, conforme preceitua André Gustavo Côrrea de Andrade (2009, p. 237):
4.1 O entendimento doutrinário e jurisprudencial A doutrina e jurisprudência se divergem no que tange a pos-
É no princípio da dignidade humana, estabelecido no
sibilidade de aplicação do punitive damages no direito brasileiro.
art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que a in-
O fundamento da doutrina que é contra a aplicação de instituto
denização punitiva encontra sua base lógico-jurídica.
no sistema jurídico brasileiro, se baseia no fato de que tal instituto
A aplicação dessa forma especial de sanção consti-
não possui expressa previsão legal, ferindo o princípio da legalidade.
tui, também, consectário lógico do reconhecimento
Neste sentido, Maria Celina Bodin de Moares (2003, p. 13)
constitucional dos direitos da personalidade e do di-
afirma que a indenização punitiva fere o princípio da legalidade,
reito à indenização do dano moral, encartados no art.
tendo em vista que nullum crimem, nulla poena sine lege, sendo
5º, incisos V e X, da Constituição brasileira.
que os critérios para fixação deste instituto devem ser firmados pelo legislador.
Diferentemente dos Estados Unidos, no Brasil, a aplicação do
A autora defende ainda que para a concessão de tal indeniza-
punitive damages restringe-se à indenização por danos extrapatri-
ção deve haver expressa previsão legal e em hipóteses excepcio-
moniais, tendo em vista que o dano moral não pode ser medido
nais, como quando se tratar de conduta ilícita que insulta e fere a
pela sua efetiva extensão, e o artigo 944 do CC/02 versa que a
consciência coletiva, ou quando há pratica de um ato ilícito reitera-
indenização por danos patrimoniais mede-se pela extensão do
do que causa um dano a um grande número de pessoas, devendo
dano.
ser o valor da indenização revertido em favor de um número maior
A indenização extrapatrimonial possui caráter compensatório
de indivíduos, e não em favor do autor da ação.
e punitivo, que não se confundem por serem distintos, vez que
Outro argumento utilizado é do risco que as indenizações
o primeiro tem como base o dano e o abalo moral sofrido pela
exorbitantes trazem para o ordenamento jurídico, gerando uma
vítima, e o segundo é aplicado como uma penalidade ao ofensor e
insegurança jurídica, conforme se posiciona Carlos Roberto Gon-
para prevenir que este cometa novo ato ilícito, e servir de exemplo
çalves (2003, p. 575):
para outros casos semelhantes. O instituto do punitive damages ganhou importância no Bra-
[...] é sabido que o quantum indenizatório não pode
sil, a partir do momento em que o caráter compensatório da in-
ir além da extensão do dano. Esse critério aplica-se
denização por danos morais se demonstrou insuficiente para a
também ao arbitramento do dano moral. Se este é
resolução dos conflitos existentes.
moderado, a indenização não pode ser elevada ape-
Tal fato ocorreu nos casos em que se tornaram recorrentes
nas para punir o lesante. A crítica que se tem feito à
a insuficiência do quantum indenizatório arbitrado para prevenir
aplicação, entre nós, das punitive damages do direito
o cometimento do ato ilícito, vez que, para o agente causador do
norteamericano é que elas podem conduzir ao arbi-
dano, o pagamento da indenização se torna mais benéfico e aces-
tramento de indenizações milionárias [...].
sível do que a prevenção do ilícito, ou quando este aufere benefício econômico pelo cometimento da conduta ilícita.
Os doutrinadores que são contra a utilização de tal instituto,
MARTINS-COSTA e PARGENDLER (2005) sustentam que a
versam ainda que o punitive damages daria margem ao enriqueci-
indenização punitiva toma lugar no cenário nacional, por ser um
mento sem causa do ofendido, vez que se a vítima já foi ressarcida
mecanismo capaz a reprimir danos causados por empresas que
com um determinado valor, o que receber a mais configurará um
obtém lucro, comercializando um extenso número de objetos
enriquecimento ilícito, o que não se coaduna com nosso ordena-
danosos, ainda com o valor da indenização paga às vítimas que
mento. (GONÇALVES, 2003, p. 575).
demandam em juízo procurando serem ressarcidas pelos danos sofridos.
Já a doutrina favorável à aplicação do instituto do punitive damages no direito brasileiro argumenta que a indenização punitiva
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encontra respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana,
fundamentos para sua aplicação, distorcendo, portanto, a indeni-
não havendo que se falar em indenização exorbitante, tendo em
zação punitiva.
vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade utilizados na fixação das indenizações.
Sobre tal assunto, Maria Celina Bodin de Moraes (2003, p. 261) versa que:
Neste sentido Salomão Resedá (2009, p. 282): [...] de nada adianta clamar por moderação e equiQuando se fala em aplicação da Teoria do Desestí-
líbrio na fixação do quantum indenizatório quando
mulo no Brasil, liminarmente deve-se afastar a ideia
o sistema que se veio delineando aceita a coexis-
de indenização graduada a partir da decisão popular.
tência de duas regras, antagônicas por princípio,
Não cabe ao povo opinar no caso de responsabilida-
no âmbito da reparação de danos morais: a puni-
de civil, quanto mais quando se refere ao dano moral.
ção, de um lado, e o arbítrio do juiz, de outro. Nes-
A competência restrita ao magistrado, que reduz, em
ses casos, em geral a função punitiva “corre solta”,
muito, as arbitrariedades cometidas, e fulmina, por
não tendo qualquer significação no que tange a um
completo, um dos argumentos de competência da
suposto caráter pedagógico ou preventivo.
doutrina americana. Portanto, a preocupação com a liberdade conferida ao magistrado na busca pelo va-
Tal fato decorre da aplicação da teoria mista do dano mo-
lor a título de punitive damage sufraga em seus pró-
ral, que versa sobre a dupla função da indenização por danos
prios fundamentos. Não há pessoa mais qualificada
morais, baseando na satisfação do ofendido e na punição do
a determinar a aplicação do ideal de justiça do que o
agente. (ANDRADE, 2009).
julgador. Ademais, diante do duplo grau de jurisdição
Apesar da dificuldade de aplicação do instituto, alguns jul-
é possível consertar qualquer decisão que seja con-
gados já vêm aplicando com maestria as funções punitiva e pre-
siderada abusiva.
ventiva da responsabilidade civil, como por exemplo, o acórdão proferido na apelação cível nº 0336530-44.2008.8.19.0001 do
Em combate ao argumento de que a indenização punitiva gera o enriquecimento sem causa da vítima, os doutrinadores fa-
TJ-RJ, em que o Desembargador Nagib Slaibi é relator, conforme se verifica da decisão a seguir:
voráveis sustentam que a lesão sofrida pela vítima justifica a majoração da indenização, e, ainda, que a função de tal indenização
Direito Civil. Indenizatória. Segurado indenizado que
é impossibilitar que o agente obtenha lucro em decorrência do
passa a receber notificações de débitos de IPVA do
ato ilícito.
veículo entregue à Seguradora. Sentença de proce-
Uma solução para tal crítica seria o posicionamento que de-
dência do pedido. Recurso a que se nega provimento.
fende a autora Maria Celina Bodin de Moares (2003, p. 15) de que
Se a propriedade foi transferida com a sub-rogação
a indenização punitiva se destine a determinados fundos como
do salvado pela seguradora em 2000, esta deve
prevê o art. 13 da Lei 7.347/85, que dispõe sobre danos causa-
responder pelos encargos e despesas oriundos do
dos ao meio ambiente, consumidor e a bens específicos, in verbis:
bem desde aquele momento. A transferência posterior a terceiro não afasta a sua responsabilidade,
Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a inde-
pois o autor, que não celebrou qualquer negócio ju-
nização pelo dano causado reverterá a um fundo
rídico com o terceiro adquirente do automóvel, não
gerido por um Conselho federal ou por Conselhos
pode ser penalizado por negligência da ré.
estaduais de que participarão necessariamente o
“No Brasil, a doutrina já vem reconhecendo que
ministério Público e representantes da comunida-
a indenização por dano moral, em muitos casos,
de, sendo seus recursos destinados à reconstru-
deve assumir caráter punitivo. A indenização com
ção dos bens lesados.
função punitiva já é, de há muito, reconhecida no sistema do Common Law, que consagra a doutrina
As decisões pátrias tem habitualmente recepcionado o insti-
dos exemplary damages ou punitive damages, que
tuto do punitive damages, apesar de ainda existirem divergências
constituem uma indenização outorgada em adição
entre os tribunais. Entretanto, na maioria das vezes em que o ins-
à indenização compensatória (actual damages ou
tituto é aplicado, os magistrados não observam os critérios e os
compensatpory damages) quando o ofensor agiu
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com culpa consciente, malícia ou dolo (cf. Blacks
va possibilidade da aplicação do instituto do punitive damages no
Law Dictionary).” (André Gustavo C. de Andrade, in
direito brasileiro. Ambas as doutrinas e entendimentos expostos
Dano Moral e Indenização Punitiva, editora Foren-
são pertinentes e apresentam considerações relevantes sobre o
se, 1ª edição, 2006.)
tema, porém devemos nos conter ao ordenamento jurídico brasi-
Desprovimento do recurso.
leiro, que possui tradição de civil law, apesar todo o destaque que o sistema da common law apresenta.
Neste mesmo sentido foi a decisão do recurso especial nº 389.879 – MG:
No que pese as alegações dos juristas que vão contra a aplicação do instituto, verifica-se que a ausência de previsão legal do punitive damages, não pode ser um óbice para sua aplicação, por
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZA-
ser um instituto capaz de dar efetividade a norma constitucional e
ÇÃO. DANOS MORAIS. DUPLICATA MERCANTIL.
aos direitos personalíssimos, através da punição e da prevenção,
PROTESTO INDEVIDO. ENDOSSOMANDATO. RES-
evitando, assim, lesão ou ameaça de lesão a direitos.
PONSABILIDADE DO ENDOSSANTE. PRECEDENTE.
Diante das considerações realizadas sobre o tema, é cediço
ART. 1.313 DO CÓDIGO CIVIL. DIREITO DE REGRES-
ressaltar as hipóteses e critérios que devem ser utilizados para a
SO. RESSALVA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. APLICA-
aplicação do instituto do punitive damages.
ÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. RECURSO PROVIDO.
Primeiramente, destaca-se que tal indenização deve ser utili-
I - Na linha da orientação deste Tribunal, no endosso-
zada somente em caráter excepcional, não podendo ser aplicada
-mandato, por não haver transferência da proprieda-
a todo e indeterminado ato ilícito ensejador de responsabilidade
de do título, o mandante é responsável pelos atos
civil. De outro modo, o punitive damages deverá incidir exclusiva-
praticados por sua ordem pelo banco endossatário.
mente nos casos em que a ação do agente for reprovável, com
II - Não há negar, ademais, a responsabilidade da
grau de culpa elevado, bem como quando houver reiteração do
endossante também por não ter sido eficiente em
ato ilícito, e, ainda, observado a condição econômica do agente.
impedir que o banco encarregado da cobrança efe-
Não obstante as classificações dos graus de culpa do agente
tivasse o protesto da cártula, consoante os fatos
não terem efeito prático na responsabilidade civil, no instituto do
registrados em sentença.
punitive damages, tal classificação deve ser respeitada, tendo em
III - A indenização pelo protesto indevido de título
vista que a indenização punitiva só deve ser aplicada, quando res-
cambiariforme deve representar punição a quem
tar demonstrado à culpa grave, ou o dolo do agente, quando sua
indevidamente promoveu o ato e eficácia ressarci-
atuação se mostra reprovável diante da sociedade.
tória à parte atingida.
Neste sentido, faz-se mister ressaltar que o ato doloso é aque-
IV - Fica ressalvado, no entanto, o direito de regres-
le em que o agente possui a consciência das consequências jurídi-
so do endossante contra o endossatário, nos ter-
cas lesivas que sua conduta irá gerar, atuando de maneira inten-
mos do art. 1.313 do Código Civil.
cional, com o intuito de provocar o resultado danoso. A culpa grave
V- O protesto indevido de duplicata enseja inde-
consiste na falta de cautela do ato praticado, violando o dever de
nização por danos morais, sendo dispensável a
cautela que possui o homem médio.
prova do prejuízo.
Já a classificação do grau de culpa como leve e levíssima,
(REsp 389.879 – MG. Rel. Min. Silvio de Figuei-
consiste que na primeira o ato praticado pode ser evitado com a
redo Teixeira. Quarta Tuma. Data do Julgamento
atenção habitual, e a segunda a inobservância do empenho máxi-
16/04/2002).
mo. Tais graus de culpa devem ser considerados somente naqueles casos em que há a reiterada conduta ilícita do agente, sendo
Sendo assim, constata-se que a jurisprudência pátria adota
este excessivamente reprovável, como no já citado casos, em que
certos parâmetros quando da aplicação do punitive damages,
as empresas adotam o ato ilícito como uma conduta reiterada, por
como o grau de culpa do agressor, a condição econômica do agen-
ser mais vantajosa economicamente do que a reparação do dano
te e o enriquecimento obtido com a prática do ato ilícito.
propriamente dito. Nesse diapasão, tais condutas ilícitas requerem um compor-
4.2 A possibilidade de aplicação do instituto do punitive damages no direito brasileiro Apesar da controvérsia da matéria, deve-se examinar a efeti-
tamento mais rígido do Estado, por meio da aplicação do instituto do punitive damages, com o objetivo de punir o agente e mostrar para terceiros, que a prática reiterada de condutas idênticas,
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motivará a atuação repressiva do Poder Judiciário, efetivando as
commom law, em virtude da dificuldade de se chegar a um parâ-
finalidades propostas pelo punitive damages, quais sejam, a pre-
metro para fixação do quantum indenizatório e dos critérios para
venção e punição.
aplicação do instituto. Nota-se que mais polêmico ainda, é o deba-
Assim, a indenização punitiva surge no ordenamento jurídico
te que ocorre quando culturas que utilizam sistema diverso, como
brasileiro como um mecanismo para impedir que as condutas pra-
o da civil law, importam o instituto para seu ordenamento jurídico.
ticadas gerem lucro com o ilícito, neste sentido:
No ordenamento jurídico brasileiro, não seria diferente. A utilização do punitive damages não se reputa pacífica, divergindo a
[...] Com efeito, esta espécie de indenização é apli-
doutrina e jurisprudência sobre os critérios para sua aplicação.
cável em outras situações, nas quais não se configu-
Restrita é a sua adoção no ordenamento pátrio, mas já vem sendo
ra essa situação fática. Não há dúvida, no entanto,
admitida por juristas e estudiosos do assunto, como o desembar-
de que, uma vez presente um ganho ilegítimo como
gador André Gustavo Corrêa Andrade, do TJRJ; o professor Antônio
consequência do ato ilícito, a indenização punitiva é
Junqueira de Azevedo, de São Paulo; e Nelson Rosenvald, Procura-
cabível independentemente da gravidade da culpa
dor de Justiça do Estado de Minas Gerais, entre outros.
do agente. [...] Não é razoável que o agente possa
Desta maneira os obstáculos impostos pelos aplicadores do
manter essa vantagem ilicitamente obtida à custa da
direito para a inserção do punitive damages no direito brasileiro,
lesão a bem integrante da esfera não patrimonial de
podem e devem ser superados com a devida adaptação do institu-
outrem. Aqui, embora ausente o requisito da culpa
to para o ordenamento jurídico brasileiro.
grave, a indenização punitiva deve ser aplicada para
Em regra, este instituto introduzido pela common law e utiliza-
restabelecer o imperativo ético que permeia a ordem
do no Brasil, país de tradição jurídica romanista, deve ser aplicado
jurídica. [...] (ANDRADE, 2009,p. 269).
nos casos especialíssimos em que restar configurada a gravidade da conduta do agente e sua reiteração, com o intuito de efetivar
Em contrapartida, o instituto do punitive damages não se coa-
o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e os
duna no contexto da responsabilidade civil objetiva, vez que nesta
direitos personalíssimos, devendo observar a capacidade econô-
a constatação da culpa se mostra irrelevante. Deste modo, como
mica do agente e revertendo o valor pago na indenização para
a aferição da gravidade do ato se mostra indispensável para a
instituições que atuem em prol da coletividade, visando alcançar
aplicação do punitive damages, vislumbra-se que não pode ser
os objetivos e vantagens sociais advindas do instituto do punitive
utilizado nos casos de responsabilidade objetiva.
damages.
Entretanto, tal entendimento admite exceções, como nos casos em que mesmo diante de uma responsabilidade objetiva, será possível fixar a indenização punitiva, desde que reste demonstra-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
da a reprovabilidade da conduta praticada.
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Diante do exposto, conclui-se que o instituto do punitive damages não pode ser demasiadamente aplicado no ordenamento jurídico brasileiro, devendo incidir tão somente em situações excepcionais, quando observada à condição econômica do agente, restar caracterizada a gravidade e a reiterada conduta ilícita, que seja extremamente reprovável aos olhos do homem médio, provocando danos à sociedade como um todo e não somente a vítima. Tais parâmetros são imprescindíveis e devem orientar o Magistrado no momento de determinar a aplicação do instituto do punitive damages, para garantir a efetividade das suas funções, sem incorrer em erros jurídicos, servindo como um meio de controle social. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Constata-se o quanto são discutidos e nunca finalizados os debates que conduzem a matéria relativa ao instituto do punitive
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009. ANDRADE, Ronaldo Alves de. Dano Moral à pessoa e sua valoração. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: O Código Civil e sua interdisciplinaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
damages, tão controverso nos países anglo saxônicos de sistema Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 307
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 389.879 - MG, Quarta Turma, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 02/09/2009. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br>. Acesso em: 11 mai. 2013. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível Nº 0336530-44.2008.8.19.0001, Sexta Câmara Cível, Relator Desembargador Nagib Slaibi Filho, DJ 28/10/2009. Disponível em <http://www.tjrj.jus. br/web/guest>. Acesso em 11 mai. 2013.
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NOTA DE FIM 1 Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v.2. DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v.7. FARIAS, Cristiano Chaves de ; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 4 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 4. ed.. São Paulo: Saraiva, 2006. v.3. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva,2003. GOTANDA, John Y., “Punitive Damages”: A Comparative Analysis (August 2003). Columbia Journal of Transnational Law, v. 42, 2003. MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva (punitive damages e o direito brasileiro). Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, Brasília:, nº 28, p 15-32, jan./mar. 2005. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. RESEDÁ, Salomão. A Função Social do Dano Moral. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009. RYAN, Patrick S. Revisiting the United States Application of Punitive Dam-
308 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
A REVISTA DE PERTENCES COMO FORMA DE CONTROLE: violação à intimidade do empregado no ambiente de trabalho Fernanda Rodrigues Tavares1
RESUMO: O presente artigo visa demonstrar que o procedimento de revista realizado nos pertences do empregado, não caracteriza, a princípio, afronta aos seus direitos de intimidade ou privacidade, configurando direito característico ao poder fiscalizatório do empregador. PALAVRAS-CHAVE: poder de controle, intimidade, privacidade, violação, boa-fé, revista, pertences, empregado. ÁREA DE INTERESSE: Direito do Trabalho
1 INTRODUÇÃO
Mauricio Godinho Delgado (2012, p. 658) define o poder
Conforme se verifica nos dias atuais, diversas empresas pas-
empregatício como:
saram a adotar de forma recorrente o procedimento de revista de pertences de seus empregados, com o intuito de fiscalizar e pro-
[...] conjunto de prerrogativas asseguradas pela
teger seu patrimônio contra quaisquer tentativas de dilapidação.
ordem jurídica e tendencialmente concentradas
Com efeito, a prática desregrada de tal procedimento excede
na figura do empregador, para exercício no con-
os limites do poder diretivo do empregador, chegando a violar a
texto da relação de emprego. Pode ser conceitua-
intimidade do empregado, submetendo-o a condições vexatórias.
do, ainda, como o conjunto de prerrogativas com
Neste cenário de colisão entre o direito de propriedade do
respeito à direção, regulamentação, fiscalização e
empregador e o direito à intimidade do obreiro, a jurisprudên-
disciplinamento da economia interna à empresa e
cia tem se manifestado de forma a conciliar o legítimo interes-
correspondente prestação de serviços.
se das partes em litígio, não constituindo ato ilícito a revista pessoal de pertences dos empregados realizada de modo impessoal e indiscriminado.
Deste modo, verifica-se que o poder conferido ao empregador no âmbito da relação de emprego consiste em atribuições
Dessa forma, o presente estudo tem por objetivo analisar o
que permitam ao mesmo a organização empresarial, o exercício
poder de controle conferido ao empregador, bem como, a inci-
das suas funções administrativas, e a respectiva inspeção, com o
dência dos direitos de personalidade (intimidade e privacidade)
intuito de manter a harmonia no ambiente de trabalho.
na seara trabalhista. Serão abordados ao longo do artigo os pre-
De acordo com Amauri Mascaro Nascimento (2009, p.
ceitos da boa-fé na relação de emprego e os aspectos da revista
226-228), o poder empregatício apresenta-se em três dimen-
de pertences do empregado. Busca-se demonstrar que o poder
sões, quais sejam:
de controle confere ao empregador a possibilidade de inspecionar os pertences de seus funcionários, desde que os outros me-
I. Poder de organização, que atribui ao empre-
canismos à sua disposição se revelem ineficientes na preserva-
gador a organização da sua atividade;
ção do patrimônio empresarial.
II. Poder de controle, que assegura o direito de o empregador de fiscalizar as atividades profis-
2 O PODER DE CONTROLE DO EMPREGADOR
sionais dos seus empregados;
Em que pese ser do empregador o risco do empreendimento,
III. Poder disciplinar, se traduz no direito do em-
é através do poder empregatício que este irá se pautar para o efe-
pregador de impor sanções disciplinares aos
tivo exercício da relação de emprego, ou seja, é por meio de tal
seus empregados.
prerrogativa que será assegurado ao empreendedor o controle sobre as suas atividades empresariais. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 309
Assim, é na modalidade de poder de controle também deno-
trato íntimo da pessoa, suas relações familiares
minada de poder fiscalizatório, que irá se concentrar o presente
e de amizade, enquanto vida privada envolve to-
artigo. Modalidade esta que se caracteriza pela efetiva vigilância
dos os demais relacionamentos humanos, inclu-
do empregado ao longo do espaço interno da empresa, a fim de se
sive os objetivos, tais como relações comerciais,
proteger o patrimônio empresarial.
de trabalho, de estudo, etc.
Delgado (2012, p. 662) designa o poder fiscalizatório da seguinte forma:
Sobre o tema, José Otávio de Almeida Barros Júnior (2012, p. 618) ainda assevera:
Poder fiscalizatório (ou poder de controle) seria o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o
Neste sentido, a intimidade consiste na proteção
acompanhamento contínuo da prestação de tra-
dos segredos mais íntimos da pessoa, do respeito
balho e a própria vigilância efetivada ao longo do
ao “eu”, ou seja, relaciona-se a questões internas
espaço empresarial interno. Medidas como o con-
da pessoa que não são de conhecimento sequer
trole de portaria, as revistas, o circuito interno de
de seu grupo familiar mais íntimo. Já a vida priva-
televisão, o controle horário e frequência, a presta-
da consiste na proteção dos relacionamentos par-
ção de contas (em certas funções e profissões) e
ticulares do indivíduo, seu convívio familiar e social
outras providências correlatas é que seriam mani-
restrito, como local de trabalho, lazer, etc.
festação do poder de controle. Com efeito, há que se dizer que a proteção aos direitos Posto isto, pode-se concluir então que nas situações como o
de personalidade, alcança também a seara trabalhista, sendo
controle de portaria, as revistas propriamente ditas, entre outras,
oponíveis frente a terceiros. Tais direitos devem ser respeita-
encontram amparo no poder de controle do empregador, vez que
dos pelo empreendedor de modo a se preservar a dignidade da
garantem ao empreendedor o acompanhamento da prestação de
pessoa humana.
serviços e a inspeção no ambiente laborativo.
Barros (apud SENA, 2012, p. 1) por sua vez destaca:
Todavia, tal poder é limitado pelos direitos e garantias inerentes a dignidade do ser humano, devendo o empregador se pautar nos critérios de razoabilidade de modo a não ofender a intimidade e a privacidade do obreiro. 3 DIREITOS À INTIMIDADE E PRIVACIDADE A Constituição Federal de 1988 em artigo 5º, X, assegura: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 2013). A expressão direito à intimidade e privacidade está relacionada à tutela dos relacionamentos da vida particular da pessoa. Trata-se da máxima de proteger os direitos de personalidade inerentes ao indivíduo. Alexandre de Moraes (2009, p. 53) conceitua o direito a intimidade e a privacidade como:
[...] tanto o direito à intimidade como o direito à inviolabilidade da vida privada tem características comuns, entre elas sua oponibilidade erga omnes. Assim, embora o Direito do Trabalho não faça menção aos direitos à intimidade e a privacidade, por constituírem espécie ‘direitos da personalidade’ consagrados na Constituição, são oponíveis contra o empregador, devendo ser respeitados, independentemente de encontrar-se o titular desses direitos dentro do estabelecimento empresarial. É que a inserção do obreiro no processo produtivo não lhe retira os direitos da personalidade, cujo exercício pressupõe liberdades civis.
Os conceitos constitucionais de intimidade e
Dessa maneira, não há como negar a presença aos direitos à
vida privada apresentam grande interligação,
intimidade e à privacidade em uma relação de emprego, por cons-
podendo, porém, ser diferenciados por meio da
tituírem direitos da personalidade previstos no texto constitucio-
menor amplitude do primeiro, que se encontra
nal. Assim, não se pode dissociar o direito à intimidade e privaci-
no âmbito de incidência do segundo. Assim, inti-
dade do indivíduo, mesmo sob a presença do poder fiscalizatório,
midade relaciona-se às relações subjetivas e de
devendo este se sujeitar a incidência de tais garantias.
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Neste contexto, Sandra Lia Simón (2003, p. 57) esclarece que:
A boa-fé-lealdade se refere à conduta da pessoa que considera cumprir realmente com o seu de-
Logo, numa relação de emprego, ainda que o poder
ver. Pressupõe uma posição de honestidade e
de direção do empregador seja incontestável, encon-
honradez no comércio jurídico, porquanto con-
trando fundamento em outro direito humano funda-
tém implícita a plena consciência de não en-
mental, qual seja, o direito de propriedade, não há
ganar, não prejudicar, nem causar danos. Mais
como negar a sua ampla incidência no que diz respei-
ainda: implica a convicção de que as transações
to aos trabalhadores. Mesmo que se encontrem em
são cumpridas normalmente, sem trapaças, sem
patamar hierarquicamente inferior em relação aos
abusos, nem desvirtuamentos.
empresários, o poder de mando encontrará limites no exercício dos direitos humanos fundamentais.
De acordo com o autor supracitado (2000, p. 426), a boa-fé que deve vigorar como princípio do Direito do Trabalho é a
Vê-se que o poder fiscalizatório conferido ao empregador encontra limites na esfera da vida privada. Tais limites por sua vez, devem
boa-fé-lealdade, ou seja, que se refere a um comportamento e não a uma simples convicção.
ser observados pelo empreendedor ao proceder à revista de bolsas,
Assim, as relações de trabalho devem estar embasadas em
sacolas e demais pertences dos trabalhadores, sob a consequência
modelos éticos de conduta e lealdade, de modo a não prejudicar
de constituir uma afronta às garantias constitucionais.
ou casar danos às partes envolvidas. Neste sentido, há que se dizer que o procedimento de revista
4 A BOA-FÉ NA RELAÇÃO DE EMPREGO
deve obedecer aos critérios de razoabilidade e ponderação de modo
O código civil em seu artigo 113 estabelece que “Os negócios
a não violar a boa-fé da relação empregatícia. Busca-se respeitar a
jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do
dignidade do trabalhador, não configurando ato lesivo à sua intimida-
lugar de sua celebração” (BRASIL, 2013). Por sua vez, o artigo 422
de, ou mesmo uma afronta à sua presunção de inocência.
do mesmo diploma legal reitera que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” (BRASIL, 2013).
5 A REVISTA DE PERTENCES Tornou-se comum no meio empresarial o monitoramento dos
Tal como nas relações civis, o contrato de emprego deve-se
empregados, buscando-se evitar eventuais subtrações dos esta-
pautar nos preceitos de confiança e boa fé, devendo haver o res-
belecimentos. Neste contexto, a prática das revistas efetuadas
peito mútuo das obrigações por ambas às partes, de modo que a
nos pertences dos empregados ganhou lugar ao fim jornada de
não observância de tais condições confira abuso de direito, res-
trabalho, como forma de proteção ao patrimônio físico.
tando rompidos os elementos basilares do vínculo contratual.
Simón (apud REIS e BEZERRA, 2011, p. 2) assevera que:
Orlando Gomes (2008, p. 45) afirma que: “O princípio da boa-fé é aplicável a toda e qualquer relação contratual independentemente
O procedimento da revista também estará caracte-
da existência de debilidade ou hipossuficiência por parte de um dos
rizado quando realizado em bolsas, carteiras, sa-
contratantes ou do desequilíbrio entre os polos da relação”.
colas, armários individuais, marmitas ou qualquer
Nesse diapasão, Américo Plá Rodriguez (2000, p. 425) distingue a boa-fé, conceituando-a da seguinte maneira:
outro meio que atinja a intimidade do empregado. A jurisprudência e a doutrina brasileiras têm reconhecido, além da pessoa do empregado e seus ob-
A boa-fé-crença é a posição de quem ignora deter-
jetos, a revista em armários, mesas, gavetas, arqui-
minados fatos e pensa, portanto, que sua conduta
vos, escrivaninhas e até mesmo veículo do mesmo
é perfeitamente legítima e não causa prejuízos a
como ofensivas à sua intimidade.
ninguém. É o sentido que se empresta quando se fala do possuidor de boa-fé (que ignora o vício ou o
Deste modo, a vistoria em sacolas, mochilas e demais perten-
obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa ou
ces que atinjam a intimidade do empregado caracterizam o proce-
do direito possuído) ou do cônjuge que contrai um
dimento da revista, sendo reconhecida também como tal prática
matrimônio putativo (pois ignora o impedimento
o monitoramento de lugares particulares, como armários, mesas,
ou o erro essencial, e em consequência, os efeitos
veículos, dentre outros. Já que a vistoria destes locais também
jurídicos se produzem como se o ato fosse válido).
constitui, ofensa à dignidade da pessoa humana.
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 311
5.1 Delineações Legais e Jurisprudenciais
Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais
No tocante à revista no ordenamento jurídico brasileiro, é evi-
destinadas a corrigir as distorções que afetam o
dente a carência de normatização específica e clara acerca de tal
acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas
instituto. Diante dessa realidade, faz-se necessário a adoção de
especificidades estabelecidas nos acordos traba-
princípios constitucionais a fim de assegurar ao empregado à pro-
lhistas, é vedado:
teção de seus direitos de personalidade.
[...]
Maurício Godinho Delgado (2012, p. 663-664) preconiza que:
VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.
Nesse quadro, é inquestionável que a Carta Constitucional de 1988 rejeitou condutas fiscalizatórias e
Criado à luz da lei 9799/99, o dispositivo proíbe a revista ínti-
de controle da prestação de serviços que agridam
ma nas empregadas, devendo ser interpretado extensivamente no
à liberdade e dignidade básicas da pessoa física do
que se refere aos empregados. Porém percebe-se, que a norma
trabalhador. Tais condutas chocam-se, frontalmente,
supracitada não faz menção em seu texto às demais formas de
com o universo normativo e de princípios abraçado
fiscalização.
pela Constituição vigorante. É que a Constituição
Assim, tratando-se de direitos fundamentais, não pode o em-
pretendeu instituir um “Estado Democrático, desti-
pregador se valer da expressão comumente utilizada no direito bra-
nado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
sileiro “aquilo que não é proibido, é permitido”. Tal pensamento não
individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o
se justifica em razão da omissão do legislador acerca dos procedi-
desenvolvimento, a igualdade, e a justiça como valo-
mentos de revista, mais especificamente da revista de pertences.
res supremos de uma sociedade fraterna, pluralista
Neste panorama, há que se pautar nos entendimentos jurispru-
e sem preconceitos, fundada na harmonia social...”
denciais e doutrinários, que já se manifestaram acerca da matéria.
(Preâmbulo da CF/88; grifos acrescidos). A dignida-
Os entendimentos do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região:
de da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado
EMENTA: DANOS MORAIS.REVISTA PESSOAL. CON-
Democrático de Direito (art. 1°, III, CF/88), que tem
TRANGIMENTO CONFIGURADO. A revista pessoal,
por alguns de seus objetivos fundamentais “construir
ainda que seja realizada em todos os empregados
uma sociedade justa e solidária”, além de “promover
indistintamente, revela-se abusiva, desrespeitosa e
o bem de todos, sem preconceitos de origem, sexo,
invasiva, quando o próprio superior hierárquico pro-
cor, idade e quaisquer outras formas de discrimina-
move ao manuseio dos pertences existentes na bolsa
ção” (art. 3°, I e IV, CF/88).
do empregado revistado, além de o procedimento ser feito na frente de terceiros (clientes), ou mesmo de
O referido doutrinador (2012, p. 664) conclui ainda:
algum transeunte que passe na porta da loja, onde se fazem a revistas. Procedimento absolutamente
Todas essas regras e princípios gerais, portanto,
ilícito e hediondo, pois afastado dos limites de razo-
criam uma fronteira inegável ao exercício das fun-
abilidade no exercício do poder diretivo e fiscalizador
ções fiscalizatórias e de controle no contexto empre-
do empregador e em ofensa flagrante à dignidade
gatício, colocando na franca ilegalidade medidas que
humana, malferindo o valor social do trabalho, am-
venham agredir ou cercear a liberdade e dignidade
bos erigidos a fundamentos do Estado Democrático
da pessoa que trabalha empregaticiamente no país.
de Direito, como dispõe os incisos II e III, art. 1o. da CR/88 (Recurso Ordinário 00236-2012-002-03-00-
Desta forma, em meio à ausência de dispositivos normativos que regulem especificamente o procedimento da revista, a seara tra-
4.Relator: Convocada Rosemary de O. Pires; Revisor: Sebastião Geraldo de Oliveira).
balhista utiliza-se dos princípios constitucionais como diretrizes basilares a fim de impedir transgressões frente à dignidade do obreiro.
O egrégio tribunal se manifestou no sentido de que a re-
Na CLT o dispositivo que versa hodiernamente sobre tal
vista ainda que executada de forma indiscriminada se não ob-
assunto é o artigo 373-A, VI que veda expressamente revista
servados os direitos inerentes à dignidade do empregado con-
íntima, vejamos:
figura-se abusiva. No caso em tela, verifica-se que a inspeção
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foi desrespeitosa já que a mesma foi realizada frente a clientes
de e a intimidade dos empregados. O excesso a
do empreendimento, violando a dignidade do obreiro, além disso o
tais parâmetros desperta a sanção constitucional
procedimento realizado pelo superior hierárquico não era meramente
e obriga à indenização do dano moral, providên-
visual, havendo o manuseio dos pertences da bolsa do empregado.
cia que empresta coerção e concretude ao pilar da
O Tribunal Superior do Trabalho também se manifesta acerca da matéria:
dignidade da pessoa humana e delega expressão máxima ao vetor eleito pela Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido. (Recurso
EMENTA: I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. REVIS-
de Revista 843-56.2012.5.08.0014. Data de Jul-
TAS ABUSIVAS EM PERTENCES DE EMPREGADOS.
gamento: 22/05/2013. Relator Ministro: Alberto
DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Agravo de instru-
Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma).
mento a que se dá provimento, em face de potencial ofensa ao art. 5º, X, da Constituição Federal.
De acordo com o TST os princípios e garantias previstos na
Agravo de instrumento conhecido e provido. II - RE-
Constituição Federal atuam como freios do poder de controle do
CURSO DE REVISTA. REVISTAS PESSOAIS EM TRA-
empregador, de forma a não admitir tratamentos degradantes à
BALHADORES. REVISTAS ÍNTIMAS. REVISTAS ABU-
dignidade da pessoa humana. Assim, a inspeção dos pertences
SIVAS EM PERTENCES DE EMPREGADOS. ABUSO
do trabalhador somente é permitida em situações excepcionais,
NO EXERCÍCIO DO PODER DIRETIVO. DANO MO-
devendo o empreendedor recorrer sempre que possível aos meios
RAL. CONFIGURAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR.
tecnológicos à sua disposição.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5º, INCISOS V e X. Os princípios e garantias constitucionais atuam,
5.2 Do procedimento
na contemporaneidade, em defesa do trabalhador,
Conforme já mencionado, a vistoria de pertences do em-
enquanto e em contrapartida, estabelecem freios
pregado deve-se pautar em critérios objetivos trazidos pela
para a conduta patronal. A ordem inaugurada pela
doutrina e jurisprudência, de modo a não ofender à intimidade
Constituição Federal de 1988, quando dá destaque
do empregado, já em muitas situações a adoção de tal medida
à dignidade da pessoa humana e tutela intimida-
se mostra abusiva deixando o trabalhador exposto.
de, privacidade e honra, vedando tratamentos de-
Entende-se que prática da revista como meio lícito se jus-
gradantes, revela visível avanço em relação à situ-
tifica tão somente no ambiente laborativo não facultando ao
ação pregressa: ergue a nível matricial a proteção
empregador interferir na intimidade do obreiro fora do estabe-
que a classe trabalhadora reclama desde a Revolu-
lecimento empresarial.
ção Industrial. Fazendo concreto o ideal do Estado
Alice Monteiro de Barros (2008, p. 583-584) leciona que:
Democrático de Direito, este conjunto de princípios deita-se sobre a legislação ordinária, relendo os li-
A revista deverá ser realizada no âmbito da empre-
mites da atuação patronal no exercício do poder
sa, assim entendido o local de trabalho, a entra-
diretivo - de base restritamente contratual -, sobre-
da e a saída deste. O exercício do poder diretivo
tudo naquilo que represente desnecessária expo-
conferido ao empregador, no caso, não se estende
sição e ofensa aos seus subordinados. Somente
para fora do estabelecimento da empresa, ainda
como exceção e sob escasso olhar, o art. 373-A
que haja fundadas suspeitas contra o obreiro. Nes-
da CLT admite revistas, regra igualmente limitada
sa circunstância deverá o empregador recorrer às
para as mulheres e, por influência do princípio iso-
autoridades competentes.
nômico, para os homens: ao empregador incumbe adotar os meios que a tecnologia lhe oferece
Assim em que pese o empreendedor possuir desconfianças
para defesa de seu patrimônio, sendo-lhe vedado,
quanto ao empregado, não poderá interferir na vida privada deste,
mesmo com tal aparato, violentar a esfera privada
vez que o poder de controle se encontra limitado ao local de trabalho.
daqueles trabalhadores que contrata. Sendo a úl-
Por sua vez, o poder fiscalizatório encontra ainda limites ain-
tima de suas possibilidades, o empregador poderá
da mais específicos, a fim de coibir procedimentos realizados sem
recorrer às revistas pessoais, desde que o faça sob
qualquer fundamento, de forma abusiva, desigual e atentatória à
condições, mas sem jamais macular a privacida-
dignidade do trabalhador.
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Quanto aos requisitos a serem observados pelo empregador
Alice Monteiro de Barros (2008, p. 583) afirma que:
ao se proceder a inspeção Barros sustenta (2008, p. 583) que: Não basta a tutela genérica da propriedade, deQuando utilizada, a revista deve ser em caráter
verão existir circunstâncias concretas que justi-
geral, impessoal, para evitar suspeitas, por meio
fiquem a revista. Mister, que haja, na empresa,
de critério objetivo (sorteio, numeração, todos
no estabelecimento ou no setor bens suscetíveis
os integrantes de um turno ou setor), mediante
de subtração e ocultação, com valor material, ou
ajuste prévio com a entidade sindical ou com o
que tenham relevância para o funcionamento da
próprio empregado, na falta daquela, respeitan-
atividade empresarial e para a segurança das
do-se ao máximo, os direitos da personalidade
pessoas. Ademais, a tecnologia também poderá
(intimidade honra, entre outros).
ser utilizada para evitar ou reduzir os efeitos da revista na intimidade dos empregados. A título
Nessa mesma linha, Alessandro Medeiro de Lemos afirma:
de exemplo a colocação de etiquetas magnéticas em livros e roupas torna desnecessária a
[...] A prática, se adotada pela empresa, deve
inspeção em bolsas e sacolas, nos estabeleci-
ser estendida a todas suas unidades, sem a ob-
mentos comerciais.
servância de regionalismos, salvo se as características de umas ensejarem o procedimento, enquanto que as peculiaridades de outras não o
Neste sentido Alessandro Medeiros de Lemos (2009, p. 55) também se manifesta:
exijam, o que, de todo modo, deve ser plenamente fundamentado [...].
[...] Para que se compreenda a revista em sa-
[...] A revista, preferencialmente, deve consistir
colas, bolsas e pertences de empregados como
em procedimento geral e impessoal, por critério
medida adequada e lícita, é prudente que a mes-
objetivo (sorteio, numeração, todos os integran-
ma seja feita através de comprovação de que
tes de um turno ou setor), respeitando-se ao má-
outras vias de controle não são suficientes para
ximo, os direitos da personalidade e se coibindo
banir a possibilidade de dilapidação do patrimô-
qualquer prática discriminatória na sujeição a
nio do empregador ou para garantir medidas de
tal procedimento [...].
segurança, cuja responsabilidade recaia sobre a empresa, ou ainda, que por outros meios não se
Deste modo, a adoção pelo empreendedor da revista deve ser
conseguiria resguardar o sigilo industrial [...].
realizada de forma impessoal e indiscriminada. Não se justificando no local de trabalho procedimentos vexatórios que desrespeitem os direitos fundamentais do obreiro.
Deste modo, há que se dizer que em meio aos diversos avanços tecnológicos, o empregador tem à sua disposição ou-
Em suma, o poder de controle do empregador é limitado pe-
tros mecanismos menos invasivos que a própria revista para
los direitos à intimidade e à privacidade, por constituírem direitos
assegurar a proteção ao seu patrimônio, tais como: câmeras
de personalidade inerentes ao indivíduo. De modo que quaisquer
de vídeo, aparelhos de raios-X, entre outros, possibilitando uma
violações aos mesmos constituem afronta a dignidade da pessoa
fiscalização mais abrangente e menos ofensiva à privacidade e
humana, sendo passível de reparação.
à intimidade do trabalhador. Alice Monteiro de Barros (2008, p. 592-593) aponta tam-
5.3 Outras formas de fiscalização
bém que:
Em que pese a jurisprudência majoritária permitir o procedimento de revista em pertences dos empregados, alguns dou-
A legislação brasileira não proíbe que o poder de
trinadores ainda o consideram invasivo.
direção conferido ao empregador se verifique por
Dessa forma, é recomendável que este ocorra tão somente
meio de aparelhos audiovisuais de controle de
quando não houver possibilidade de adoção de outros meios de
prestação de serviços, o que, aliás, é uma decor-
controle no ambiente de trabalho, de forma a garantir a inviola-
rência do avanço da tecnologia e poderá consistir
bilidade dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
em instrumento probatório valioso na avaliação da
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conduta do empregado. Inadmissível é entender
adoção, já que na atualidade o empregador tem à sua disposição
que o conjunto de locais do estabelecimento esteja
outros mecanismos menos invasivos que a própria revista para
sob o total controle do empregador e autorizar a
assegurar a proteção ao seu patrimônio.
introdução de aparelhos audiovisuais indistinta-
Por fim, pode-se concluir que a proibição da revista à qualquer
mente. Ora, há certos locais que são privados por
título já não encontra lugar em meio ao cenário globalizado vez
natureza ou se destinam ao descanso do emprega-
que atua em desfavor do patrimônio do empregador, patrimônio
do, logo, não se pode permitir a instalação de um
este que é a base da atividade empresarial e consequentemente
sistema de vídeo, por exemplo, em um banheiro,
o fator responsável pela oferta de empregos.
ou em uma cantina. A autora supracitada (2008, p. 593) aduz ainda que: “a vigilância eletrônica poderá ter um futuro promissor, desde que utilizada de forma humana, combatendo-se os abusos na sua utilização e permitindo-se o acesso do obreiro às informações que lhe digam respeito”. Nestes termos, é indispensável o uso de tecnologias a fim de preservar o patrimônio empresarial, contudo tais medidas
REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008. BARROS JUNIOR, José Otávio de Almeida. A revista pessoal e a violação ao direito à intimidade do trabalhador. Revista LTr: Legislação do Trabalho. São Paulo, v.75, n. 5, 2012.
preventivas devem estar em consonância com as garantias constitucionais, cabendo ao empregador recorrer às práticas menos agressivas antes de utilizar-se das inspeções em bolsas, sacolas e demais pertences do obreiro. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O poder de controle constitui prerrogativa inerente ao empregador, e como tal, é nela que o empreendedor irá se pautar para o efetivo exercício da relação de emprego. O poder a ele conferido não se confunde com o poder de polícia, não sendo, portanto, aceitável a realização de vistorias abusivas e vexatórias com o intuito de assegurar a proteção ao seu direito de propriedade contra ataques de terceiros. Assim, não há dúvida de que a vigilância do empregado no ambiente de trabalho não pode ferir os direitos e garantias constitucionais de forma a produzir resultados lesivos à privacidade e intimidade do obreiro, vez que o amparo aos direitos de personalidade alcança também a esfera trabalhista. Tais direitos se encontram intrinsecamente ligados ao indivíduo, sendo oponíveis a terceiros, no caso, ao empregador. Além disso, devem ser observados pelo empresário a fim de não ofender a dignidade da pessoa humana, causando resultados lesivos a intimidade e à privacidade do funcionário. Neste diapasão, há que se dizer que a relação de emprego deve estar pautada nos preceitos da confiança e boa-fé de forma
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Dano Moral - Revista Pessoal / Revista Íntima. Recurso Ordinário 00236-2012-002-03-00-4. Relator: Convocada Rosemary de O. Pires, 21 de setembro de 2012. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/jurisprudencia>. Acesso em: 23 de maio de 2013. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Dano Moral - Revista Pessoal / Revista Íntima. Recurso de Revista 843-56.2012.5.08.0014. Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Disponível em: < http://www. tst.jus.br/jurisprudencia>. Acesso em: 23 de maio de 2013. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2011. LEMOS, Alessandro Medeiros de. Revista de pertences de empregados: delineações doutrinárias e jurisprudenciais. Ciência Jurídica do Trabalho. Belo Horizonte, v. 12, n. 74, 2009. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24 ed. São Paulo: Atlas 2009. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34 ed. São Paulo: LTr, 2009.
a não prejudicar ou casar danos às partes envolvidas. A revista realizada pelo empregador deve então observar os critérios de razoabilidade e ponderação, sendo medida impessoal e indiscriminada com o intuito de não atingir os direitos de personalidade do empregado. Ademais, tal medida somente é justificável nas hipóteses em que outros meios de controle se mostrem ineficazes ou de difícil
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. 3.ed. São Paulo: LTr, 2000. REIS, Sérgio Cabral dos; BEZERRA, Marília Guiomar Neves Pedrosa. Tutela da intimidade e vida privada do empregado e a revista efetuada nos seus pertences após a jornada diária de trabalho. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 95, dez 2011. Disponível em:< http://www.ambito-juridico.com.br/
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 315
site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10889&revista_caderno=25 >. Acesso em: 22 de maio 2013. SARAIVA, Vade Mecum. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. SENA, Newton Cunha de. Faltas não Relacionadas ao Trabalho: Violação a Privacidade e Intimidade Do Empregado. Revista do Curso de Direito da UNIFACS, n.149, nov.2012. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs. br/index.php/redu/article/view/2373/1742>. Acesso em: 22 maio. 2013. SIMÓN, Sandra Lia. Revistas pessoais: direito do empregador ou desrespeito aos direitos humanos fundamentais do empregado. Revista TST, Brasília, vol.69, nº2, jul/dez 2003. Disponível em:<http://aplicacao.tst.jus.br/ dspace/>. Acesso em: 22 de maio de 2013.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda do Curso de Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.
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OS CONSÓRCIOS PÚBLICOS: Instrumento de concretização do Federalismo Cooperativo Alcione Rodrigues 1
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar, segundo a Constituição Federal e a Lei 11.107/05 se os Consórcios Públicos são adequados para a efetivação do Federalismo cooperativo. PALAVRAS-CHAVE: Constituição Federal; Consórcios públicos; Estado Federal; Entes federados; Federalismo Cooperativo. Área de Interesse: Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO
tituição Federal a União, os Estados, os Municípios e o Distrito
O Estado é uma organização política, com personalida-
de jurídica própria, formado de povo, que é o elemento constituti-
Federal, sendo plenamente possível se consorciarem entre si ou com entidades privadas.
vo, território, que é o elemento físico e poder, que concede a ele – Estado – soberania.
É criada assim, uma pessoa jurídica para prestar ativida-
As formas adotadas de Estado são, em regra, a Federação
des de relevância para o interesse coletivo com mais eficiência,
ou o Estado Unitário, sendo que se diferem conforme a distribuição
vez que os serviços públicos tornam-se cada vez mais onerosos
do poder. No Brasil, o constituinte optou pela Federação, ao criar
“graças ao progresso da tecnologia que amplia cada vez mais as
entes e conceder a eles autonomia e competências próprias.
necessidades e exigências das populações.”, (BORGES, 2008) o
A maneira que o povo se relaciona com aqueles que
exercem o poder em nome do Estado é denominada regime
que acaba por fazer surgir a necessidade de se estabelecer uma gestão associada das atividades públicas.
político, que, numa divisão mais simplória, se classifica em de-
Considerando que a Magna Carta adotou a Federação como
mocrático ou não democrático. O regime adotado no Brasil é o
forma do Estado brasileiro e que no artigo 3º preconiza pelo de-
democrático semidireto, no qual ora a vontade do povo é repre-
senvolvimento nacional, erradicação da pobreza e redução das
sentada através dos membros que ele elege, ora o povo participa
desigualdades sociais é importante encontrar meios que assegu-
diretamente, como por exemplo, em ação popular.
rem a autonomia dos entes federados sem deixa-los impedidos,
No Brasil a autonomia é muito importante e por isso
expressa no texto constitucional, dado o período centralizado
por questões econômicas, por exemplo, de prestar os serviços públicos que visem garantir a igualdade social.
e ditatorial que antecedeu a democratização do país. Contudo,
Dessa forma, a própria Constituição Federal, a fim de limi-
essa autonomia tem que se pautar também pela descentraliza-
tar a atuação dos entes, estabeleceu a cada um deles sua com-
ção. Significa dizer que de nada adianta um ente federado ser au-
petência, porém, permitindo que eles se consorciem, por mera
tônomo se, sozinho, ele não consegue fornecer serviços públicos
liberalidade, para prestar os serviços de natureza coletiva com
capazes de atender à coletividade. Surge daí a importância de se
maior eficiência, conforme redação do artigo 241, que prevê os
instituir o federalismo cooperativo.
consórcios públicos.
Um dos meios para a efetivação do Federalismo pre-
Cabe, no entanto o questionamento, que irá nortear a pesquisa
visto pela Magna Carta de 1988, no artigo, 241, foi o instituto
do tema: É possível considerar os consórcios públicos como instru-
dos consórcios públicos, sendo posteriormente tratado na lei
mento adequado para a concretização do Federalismo cooperativo?
11.107/2005, e regulamentado pelo Decreto 6017/07.
O tema merece ser estudado devido a relevância social que
Os consórcios públicos são negócios jurídicos plurilateral de
agrega. Isso porque Brasil tem grande extensão territorial, o que faz
cooperação mútua, vez que poderá haver vários pactuantes na
com que existam municípios com infraestrutura precária, que não
relação jurídica, com interessantes não antagônicos, mas afins.
conseguem sozinhos fornecer serviços de qualidade à população.
São regidos, em regra, pelo Direito público e compostos pelos
Daí surge a necessidade de se efetivar instrumentos que possam
entes federados, quais sejam, nos termos do artigo 18 da Cons-
atender a coletividade e garantir o preceito constitucional da isono-
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mia, reduzir as desigualdades sociais e gerar desenvolvimento para
Tendo por base o Estado Federal é necessário estabelecer
o país, sem retirar-lhes a autonomia ou descaracterizar a forma de
mecanismos que possibilitem não só exercício da autonomia dos
Estado e o regime político adotado pelo constituinte.
Estados-membros, mas a eficiência na prestação de serviços pú-
O que se visa com o presente estudo é analisar se os Con-
blicos, que muitas vezes, não é possível apenas um ente federado
sórcios Públicos são adequados para a efetivação do Federalis-
realizar. Daí a importância dos consórcios públicos que permitem
mo cooperativo.
aos entes federados cooperarem entre si, sem ferir a autonomia
Além disso, faz-se mister, analisar a forma de controle feita pelos Tribunais de Contas e verificar a idoneidade de tal instru-
concedida a eles, resguardando e fazendo valer, dessa forma o Federalismo.
mento, que deverá ser instituído apenas quando houver relevante interesse coletivo.
2 EXPRESSÕES BÁSICAS
A hipótese que se levanta no estudo em questão é se os con-
Primeiramente é de extrema importância pontuar conceitos
sórcios públicos são importantes para o fortalecimento do Estado
basilares a fim de facilitar o entendimento do estudo em questão.
Federado mais democrático que atenda de forma igualitária o maior
Para tanto, faz-se necessário definir os conceitos que nortea-
número de pessoas possíveis, garantindo assim os objetivos consti-
rão todo o debate, quais sejam: Consórcios públicos, Gestão asso-
tucionais de redução da desigualdade e desenvolvimento nacional,
ciada e Federalismo cooperativo. Isso porque a doutrina os trata
desde que firmado quando haja interesse da coletividade e todos os
de maneira diferente, apesar de estarem intimamente ligados.
entes federados participem de forma voluntária, sem deixar de observar os limites de suas autonomias e competências. Para tanto, será utilizado o método dedutivo de René Descartes, o qual Izequias Estevan dos Santos, ensina que “tem suas proposições enfocadas na situação geral para explicar as particularidades e chegar à conclusão afirmativa.” (2010, p. 196)
Imprescindível também analisar os institutos existentes no ordenamento jurídico que se assemelham aos consórcios públicos com o afinco de clarear os pontos semelhantes e distintos para que não haja confusões no decorrer do estudo. Desse modo, nota-se a necessidade de estudar essas definições básicas, pois é a suporte para a estrutura das ideias discutidas.
A preferência por este método deu-se pelo fato de que será necessário analisar a situação geral, qual seja, a forma de Estado
2.1. Federalismo Cooperativo, Consórcio Público e
Federado e o regime político democrático para explicar uma situa-
Gestão associada.
ção específica; a eficácia dos consórcios públicos.
O Legislador Constituinte, ao optar pelo Estado Federal, pre-
A técnica a ser utilizada para o desenvolvimento da pesqui-
visto no artigo 1º, caput, da Constituição da República, aderiu ao
sa será de documentação indireta, através da busca bibliográfi-
sistema de repartição de competências, uma vez que é intrínseco
ca, a fim de enriquecer o tema com fundamentos doutrinários,
à forma de Estado adotada.
legais e jurisprudenciais.
Como consequência dessa divisão de competência, os entes
A pesquisa será estruturada a partir do conceito de Federalis-
que compõe o Estado brasileiro, são dotados de autonomia para
mo, que Montesquieu, na clássica obra “O Espírito das Leis”, des-
se organizarem, nos limites da Magna Carta, como leciona o pro-
creve como uma convenção dos Estados-membros de se tornarem
fessor Luciano Ferraz:
cidadãos de um Estado maior que será formado. (1996). O Federalismo é uma forma de governo que consiste na descen-
“ ... o atual desenho constitucional da Federação
tralização do poder político, sendo que cada ente é autônomo, ou
Brasileira é diferente, pois consagra Federalismo
seja, é competente para elaborar suas próprias leis, no seu âmbito
tripartite formado pela união indissolúvel de Esta-
territorial, mas não é soberano Isso porque a soberania compete
dos, Distrito Federal e Municípios, reconhecendo-
apenas ao Estado brasileiro, que concede a eles status de igualdade
-lhes, ao lado da União, autonomia político-admi-
perante os demais países, tendo, portanto, pleno poder para tomar
nistrativa (arts. 1º e 18)e outorgando-lhes, a cada
decisões e firmar acordos internacionais.
um deles, competências legislativas e competên-
Segundo os ensinamentos de Alexandre de Moraes, essa forma
cias matérias próprias...” 2
de governo está atrelada ao princípio da autonomia e da participação política, mas também da indissolubilidade do vínculo federativo, vez
Vale ressaltar, contudo, que o federalismo de que trata a atu-
que a Constituição de 1988, preconiza no artigo 1º que a República
al Constituição Brasileira é cooperativo. Significa dizer que todos
Federativa do Brasil é formada pela União Indissolúvel dos Estados,
os entes tem objetivos comuns tratados no texto constitucional,
Municípios e Distrito Federal. (2010, p. 273, 275)
quais sejam a construção de uma sociedade livre, justa e solidá-
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ria; o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e promoção
tração Pública Indireta ou exclusivamente privadas se consorcia-
do bem estar de todos (art. 3º).
rem, diferentes dos consórcios públicos. Para estudarmos o tema,
A priori, conforme ensina o I. Procurador-Geral do Tribunal de Contas do Estado do Pernambuco (TCE-PE), Dr. Dircel Rodolfo
é de extrema importância conhece-los e identificar no que se diferem para que não haja dúvida no decorrer do trabalho.
de Melo Júnior, a doutrina pátria mais respeitável considerava
Uma figura jurídica importante prevista na lei 6.404/76, que
os consórcios públicos como espécies de acordo firmado entre
trata das Sociedades Anônimas – S.A – é a associação entre pes-
entes do mesmo nível administrativo, visando o mesmo objeti-
soas jurídicas para realizar um serviço certo e determinado, o que
vo. Eram semelhantes aos convênios administrativos e, portanto
o artigo 278 denominou de “consórcios”. Entretanto, esses con-
não possuíam personalidade jurídica própria, o que dificultaria
sórcios não tem personalidade jurídica própria, sendo que a res-
então, ser aplicada a coercitividade que o Direito impõe nos con-
ponsabilidade civil recai sobre as pessoas jurídicas associadas.
tratos em geral.
Antes da criação da lei 11.107/05, esse instituto tinha aplica-
Verifica-se desse modo, que os consórcios públicos eram im-
ção analógica à Administração Pública, sem nenhuma finalidade
prestáveis para a concretização de um Estado federal cooperativo,
lucrativa, apenas com o intuito de cooperatividade. Contudo, a fal-
aderindo um regime jurídico ultrapassado, incompatível com o Es-
ta de fiscalização na aplicação desse sistema na Administração
tado Democrático de Direito que se institui.
Pública dá ensejo a gestão inadequada dos recursos, tornando-o
Assim, foi editada a Lei nº 11.107/05, que se incumbiu de compatibilizar os consórcios públicos com o federalismo cooperativo.
ineficaz e insuficiente. Outra figura que merece consideração quando o assunto é
Com efeito, a doutrina passou a descrevê-los, nas palavras
formas de gestão associada são os convênios administrativos,
de Luciano Ferraz como arranjos jurídicos “aptos a levar a cabo
previstos em legislação esparsa, geralmente Decretos e Instru-
a gestão associada de serviços públicos e outras atividades de
ções Normativas4. Essa forma de consórcio também não tem per-
interesse comum de duas ou mais esferas da Federação.”
sonalidade jurídica própria.
A gestão associada é a ação conjunta dos entes federado para
Existem ainda as associações de Municípios, cujo critério
o alcance de interesses comuns que, em regra, são as competências
pode ser geográfico ou político, conforme a compatibilidade das
constitucionais comuns, previstas no artigo 23 da Cara Política.
ações que se desejam desenvolver. Esse instrumento tem natureza exclusivamente privada e pode ter abrangência nacional, como
A gestão associativa dos serviços públicos – junto
no caso da Confederação Nacional de Municípios.
com a prestação direta, a prestação por meio de
Por fim, não com menor importância por isso, vale mencionar
entidades da Administração indireta e a delegação
as regiões metropolitanas, que tem sustento constitucional para
de serviços (art. 175 CR) – representa uma das
suas criações, previstas no artigo 25, § 3º. Trata-se de agrupa-
formas de prestação de serviços públicos, peculiar
mento de municípios limítrofes com o intuito de executar serviços
por consistir num modelo associativo ou compar-
públicos de interesse comum.
tilhado, com a peculiaridade de sempre ser reali-
Todavia, o que se tem nessa hipótese é um mero agrupamen-
zado entre entidades federativas (União, Estados-
to de municípios em torno de um município-pólo, sem a criação de
-membros, Distrito Federal e Municípios).3
um novo ente dotado de personalidade jurídica, sendo cada um dos municípios partícipes autônomos. (SILVA, 2009.)
Significa dizer que determinada prestação de serviço que seria inviável para uma pessoa jurídica de direito público, se torna
3 O FEDERALISMO TRATADO PELAS
mais palpável e eficiente com a parceria de outra pessoa da Admi-
CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS.
nistração Pública. (Di Pietro, 2010
O Estado Federal, ou seja, com o poder político descentrali-
Desse modo, tem-se que os consórcios públicos são arran-
zado, e a República como forma de governo, surgem com a Cons-
jos que permitem que o entes federados, que devem coopera-
tituição de 1981. Até então, vigente a Constituição do Império,
tivamente alcançar os objetivos constitucionais os desenvolva
de 1824, o Estado era Unitário. Significa dizer que o poder era
de forma conjunta.
centralizado somente na fonte produtora das normas. (GUERRA, GONÇALVES-CHAVES, 2007.)
2.2 Institutos semelhantes aos consórcios públicos.
No que a tange a estrutura do federalismo, pode-se dizer que
Existem, no nosso ordenamento jurídico, possíveis formas de
o Brasil adotou o modelo norte-americano, no qual se concede
entes federados ou de pessoas jurídicas, integrantes da Adminis-
soberania à União e autonomia aos Estados “na forma de um con-
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domínio de poder, em que se reconheceram a integração de cada
beleceu o precedente normativo da possibilidade
um e a unidade do conjunto, numa representação dual...” (BAR-
de Munícipios constituírem pessoa jurídica para a
BOSA e PIRES, 2008.)
execução compartilhada de interesses comuns...”
A Constituição de 1891 então extingue o Estado unitário e
“Uma falsa intencionalidade, uma vez que a pró-
concedeu elevada autônima aos entes federados, em contrapo-
pria autonomia municipal já então se fazia neu-
sição ao período de regime centralizado que antecedeu a criação
tralizada pela hegemonia da União no âmbito do
dos Estados membros.
regime ditatorial.”7.
Sobre o assunto, relevante é o ensinamento de Maria Coeli dos Santos e Maria Elisa Braz Barbosa:
A Constituição de 1946, elaborada com o perfil redemocratizador, trouxe novamente a ideia do federalismo cooperativo da
A autonomia dos entes subnacionais no Brasil, em
Carta Política de 1891, porém, não havia previsão expressa para a
um primeiro momento, foi idealizada com base
criação de autarquias plurifederativas ou interfederativas. Contu-
na lógica competitiva sugerida pelo liberalismo, a
do, nesse contexto, foi criado o Banco Regional de Desenvolvimen-
qual se frustrou em virtude das desigualdades dos
to do Extremo Sul (BRDE), tratado pela doutrina como autarquia
entes federativos e da dependência financeira de
interfederativa, uma vez que composto por mais de um ente da
muitos deles em relação à União. Disfunções des-
Federação. (SOUZA, 2010)
sa ordem ocorreram durante a República Velha,
Essa “autarquia interfederativa” foi criada pelos Estados do Rio
quando o poderio de São Paulo e de Minas Gerais
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná e em muito se assemelhava
levou à “quebra” das demais autonomias federati-
ao atual instituto dos consórcios públicos. Todavia, por falta de previ-
vas que apenas se mantiveram reconhecidas no-
são legal, o tema foi debatido no Supremo Tribunal Federal, que deci-
minalmente, eis que, na prática, revelaram-se neu-
diu que não havia “possibilidade de autarquia interestadual mediante
tralizadas pela prevalência daquelas potências. 5:
a convergência de diversas unidades federativas...”8 A forma de Estado federal e a forma democrática de governo,
A Constituição de 1934 surge no período em que o Estado
foram novamente interrompidas em 1964, porém, havia previsão
está voltado para o “bem estar social”, completamente interven-
no texto constitucional da Carta de 1967, de que os “entes federa-
cionista, o que fez com que o federalismo cooperativo ganhasse
dos”9 poderiam “promover convênios para execução das suas leis,
mais corpo.
sendo mantida a essência do dispositivo na alteração promovida
Criada pós Revolução de 30, a Carta Política deu início aos
em 1969.” (SOUZA, 2010)
mecanismos de cooperação entre os entes federados e se incum-
Em contraposição ao regime anterior, a próxima Constituição,
biu de abordar formas de integração entre eles, ainda que de for-
sem hesitar, se incumbiria de reerguer a forma de Estado Federal
ma singela, dada a inexperiência do país no assunto.6
e a forma de governo democrática, restaurando a figura do fede-
Esse tal “federalismo cooperativo” que começava a se deline-
ralismo cooperativo.
ar com a Constituição de 1934, não se sustentou por muito tempo, tomando um novo rumo com a ascensão do Estado Novo, a Era
“É certo, também, que o final dos anos 70 foi mar-
Vargas e a criação da Nova Carta Política – a Constituição de 1937
cado por fortes demandas oriundas dos entes sub-
– onde, indubitavelmente se pode afirmar que houve retrocesso
nacionais, no sentido da reconfiguração do pacto
na forma de governo. O país presenciou novamente o modelo cen-
federativo e de maior descentralização. O movi-
tralizado; tudo passa a ser controlado pelo ente União.
mento culminou com a edição da Constituição da
Verifica-se, no entanto, que a presença do federalismo, em
República de 1988, a introduzir, sob forte influên-
tese, não se dissipou; continuou existindo a divisão do país em
cia democrática, relevantes mudanças na arquite-
Estados Membros, só que agora praticamente sem autonomia. No
tura federativa do Brasil...”10
plano teórico, o Estado Federal não deixou de existir. Entretanto, algo ainda não pensado para o federalismo coo-
A Constituição da República Federativa do Brasil (1988) foi
perativo foi previsto na Carta Política originada pelo golpe de Esta-
inovadora no que tange ao resgate do sistema federal, trazendo
do. Nesse diapasão, ensina Maria Coeli dos Santos e Maria Elisa
táticas descentralizadoras eficazes e muito à frente do que até
Braz Barbosa:
então tinha se visto. Foi um verdadeiro avanço para o país. “Vale ressaltar, todavia, que a Carta de 1937 esta-
A lógica do federalismo brasileiro rege-se, basicamente, pela
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divisão de competências feita pela Constituição Federal. Assim,
novamente a forma federal de Estado e o Estado Democrático de
existem competências privativas da União, que podem ser dele-
Direito, previstos no artigo 1º, caput da Magna Carta. Não bastas-
gadas aos Estados (artigo 22); competências comuns de todos os
se isso, a descentralização nessa nova ordem política deu força à
entes federativos (artigo 23); competência concorrente para legis-
cooperação entre os entes federados, conforme redação do artigo
lar, da União, Estados e Distrito Federal (artigo 24); competências
241 da Constituição Federal.
exclusivas da União (artigo 21); competências dos Municípios, em observância ao ordenamento jurídico dos Estados-Membros (ar-
3.1 A situação dos Municípios após o Estado Federal
tigo 30) e competência remanescente dos Estados e do Distrito
da Constituição de 1988.
Federal (artigo 25, § 1º).
Na década de 80 houve movimentações visando dar maior
Bem ensina sobre o assunto Maria Coeli dos Santos e Jean Alessandro Serra Cyrino Nogueira:
autonomia aos Municípios. Nessa época foi criada, na cidade de São Paulo, a Confederação Nacional dos Municípios, que visava apresentar melhorias, no âmbito nacional para os Munícipios,
O modelo de distribuição de competências, sob a
como por exemplo, a proposta de reforma tributária, visando uma
perspectiva reconstrutiva do federalismo, ao mes-
redistribuição mais igualitária dos recursos da União para Estados
mo tempo em que embasa a cooperação dos en-
e Municípios. Como foi a época de criação da nova Carta Política,
tes federativos, define competências que especial-
os municípios ganharam maior importância, sendo considerados
mente arrimam a atuação competitiva no âmbito
entes federados, concomitante aos Estados, Distrito Federal e
da Federação, haja vista, por exemplo, o arranjo
União, conforme preconizam os artigos 1º e 18 da Magna Carta.
de competências em seara tributária, e, ainda, em
Nisso também, a Carta de 1989 foi inovadora, vez outras
algumas matrizes, o apoio da centralização do po-
importantes federações no mundo, como, por exemplo, Canadá,
der no âmbito da União, em áreas relevantes, ten-
México e Austrália, não concedem autonomia aos Municípios.12
dência, de resto, confortável na cultura interna, alimentada pela consciência da unidade nacional.
11
Entretanto, há de se observar que o Município dotado de autonomia em relação ao Estado-Membro a que está circunscrito, porém, não se pode afirmar que essa autonomia é absoluta, vez
Entretanto a distribuição de competências não só cria um
que a própria Constituição Federal, no artigo 29 prevê a necessi-
modelo competitivo, mas também cooperativo, conforme estabe-
dade do Município observar a Constituição Estadual para a ela-
lece o artigo 23, parágrafo único da Constituição Federal, o qual
boração de lei orgânica. Além disso, o artigo 96 do Ato das Dispo-
vislumbra concretizar os objetivos fundamentais da República Fe-
sições Constitucionais Transitórias – ADCT – estabelece que que
derativa do Brasil, previstos no artigo 3º.
a fusão, criação e incorporação de novos Municípios, dependem
Caminhando nesse sentido, a Emenda Constitucional nº 19
da legislação do Estado a que estão circunscritos. Ademais, a Lei
de 4.06.98, deu nova redação ao artigo 241. Agora, ao invés da
11.107/05 determina que o consórcio entre Município e União de-
Carta de 1946, que trouxe a ideia de federalismo cooperativo,
penderá da intervenção do Estado-Membro ao qual o Município
mas não previu expressamente no texto a possibilidade de consór-
está circunscrito.
cio interfederativo, o texto político possibilita a gestão associada
Disto conclui-se que a autonomia dos municípios está adstri-
de serviços públicos por meio de lei dos consórcios públicos e con-
ta ao princípio da subsidiariedade, sendo o Município, portanto,
vênios de cooperação.
autônomo, sem deixar de ser dependente, ainda que de forma
Pode-se verificar então, que a descentralização no Brasil, é
relativa, do Estado-Membro. Pensar de forma diversa seria romper
tratada de vários modos, conforme a situação política vivencia-
com a teoria do federalismo, vez que os Municípios teriam o mes-
da no período pelo país. O intuito da descentralização na Carta
mo status que os Estados-Membros. (BARBOSA e PIRES. p 42).
Política de 1891 foi, a priori, instituir a forma federal de Estado, extinguindo o Estado Unitário estabelecido na Constituição de
3.2. O Federalismo Cooperativo Brasileiro
1824. Não tão distante desse intuito, foi a força que o federalismo
Como já dito, os entes federados são autônomos para se or-
ganhou com a Constituição de 1934, com o intervencionismo do
ganizarem, governarem, administrarem e legislarem, nos limites
Estado, visando o “bem estar social”, após a Revolução de 1930.
da Constituição da República. Desse modo, os Estados-membros,
Já a Constituição de 1988 ao prevê a descentralização vis-
poderão editar suas próprias Constituições.
lumbrou o reordenamento político, após o regime centralizado,
Isso porque o Poder Constituinte Derivado, que é o poder autôno-
que tinha respaldo na Constituição de 1937. Ademais, instituiu
mo, “tem como características ser derivado, subordinado e condicio-
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nado” ao Poder Constituinte Originário, que é o poder soberano, logo,
da República Federativa do Brasil, notadamente os
as Constituições Estaduais estão sujeitas a Constituição Federal, de-
previstos nos incisos II (garantir o desenvolvimento
vendo, portanto, ser harmônicas a ela. (SILVA, 2009))
nacional) e III (erradicar a pobreza e a marginaliza-
Desse modo, a Constituição Federal, por ser soberana, estabelece limites à Constituição Estadual, que é apenas autônoma.
ção e reduzir a desigualdades sociais e regionais) do art. 3º da Constituição da República.13
Esses limites são classificados pela doutrina como “princípios sensíveis”, ou seja, são de fácil percepção, dispostos no artigo 34, VII
Desse modo, mostra-se totalmente pertinente parcerias “in-
da Carta Maior, cuja consequência da inobservância é a interven-
terfederativas” e a instrumentalização dos consórcios públicos
ção federal. Há ainda princípios limitadores que se subdividem em
para que se possa alcançar os objetivos do Estado Brasileiro.
mandatórios, que determinam quais normas devem estar presentes nas Constituições dos Estados-Membros (v.g. arts. 18, 27, 28, 37, 42) ou vedatórios, que proíbem que alguns atos decorram da Constituição Estadual (v.g. 19, 35, 36, 150, 152). (SILVA, 2009).
4. OS CONSÓRCIOS PÚBLICOS A Constituição Federal de 1988 é analítica. Significa dizer que detalha os assuntos relevantes à formação e funcionamento
O Poder Constituinte Originário, concedeu status de ente fede-
do Estado. Entretanto, optou o legislador por não tratar do con-
rado também aos Municípios e nesse ponto a doutrina a divergente.
ceito de consórcio público no artigo 241, do mesmo modo, a lei
Por um lado, conceitua-se os Municípios como “entidade político-
11.107/05 também não o define, ficando, então a cargo da doutri-
-administrativa de terceiro grau, integrante e necessária ao nosso
na. (BARBOSA e PIRES, 2008.)
sistema federativo”, sob a justificativa de que são eles os entes mais
Antes do advento da Lei 11.107/05 o entendimento pacífico ca-
próximos do povo. Por outro lado, defende-se a ideia “não é porque
minhava no sentido de que consórcio e convênio eram acordos de
uma entidade territorial tenha autonomia político-administrativa que
vontade e o que os diferia eram apenas os consorciados. Em outras
ela necessariamente integre o conceito de entidade federativa”, vez
palavras, quando a parceria ocorria entre entes do mesmo nível fede-
que a Federação não é formada por uma união de Municípios e sim
rativo (v.g. entre Estados-membros) seria tratado como consórcio; já
por uma união de Estados. (TAVARES, 2008)
se as partes envolvidas estivesse em níveis diferentes (v.g. Estados-
Contudo o que se verifica foi que a Constituição Federal classificou os Municípios como entes federados, porém, limitou sua autonomia também aos Estados-Membros. Fato inconteste é que os Municípios estão mais próximos do povo e, por tal motivo podem verificar as suas necessidades, de modo a ser essencial sua autonomia municipal para infirmar ações que promovam o bem estar social.
-membros e Municípios) seria dado tratamento de convênio. Todavia, após a criação da lei que regulamenta os consórcios públicos, estes tornaram-se integrantes da Administração Pública Indireta dos entes consorciados, vez que é dotado de personalidade jurídica própria. Segundo José dos Santos Carvalho Filho, os consórcios públicos se classificam quanto à natureza jurídica como negócio jurídi-
Todavia, é sabido que, muitas vezes os Munícipios, apesar
co plurilaterial de direito público com o conteúdo de cooperação
de conhecerem melhor as necessidades da população, não con-
mútua entre os pactuantes e em sentido amplo pode ser conside-
seguem, sozinhos, supri-las, pelo que faz-se mister o auxílio de
rado contrato multilateral. Sobre o assunto, explica ainda:
outros entes federados. Esse auxílio, entretanto, não lhes retira a autonomia, nem destoa
Constitui negócio jurídico, porque as partes manifes-
do texto constitucional, uma vez que foi da vontade do Poder Consti-
tam suas vontades com vistas a objetivos de natu-
tuinte Originário que o federalismo brasileiro fosse cooperativo.
reza comum que pretendem alcançar. É plurilateral, porque semelhante instrumento admite a presença
A Constituição de 1988 reforça, sobretudo, solu-
de vários pactuantes na relação jurídica, sem o re-
ções cooperativas, mediante relações diretas en-
gime de contraposição existente nos contratos; por
tre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito
isso alguns o denominam de ato complexo. É de direi-
Federal, especialmente, conforme disposto em seu
to público, tendo em vista que as normas regentes se
art. 23, parágrafo único.
dirigem especificamente para os entes públicos que
Tal dispositivo enfatiza a cooperação federativa
integram esse tipo de ajuste. Retratam cooperação
– tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento
mútua, numa demonstração de que os interesses
e do bem-estar no contexto nacional –, a qual se
não são antagônicos, como nos contratos, e sim pa-
volta para a efetivação dos objetivos fundamentais
ralelos, refletindo interesses comuns. 14
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Desse modo, tem-se que os consórcios públicos são negócios
em módulos contratuais ou convencionais e base
jurídicos plurilaterais de cooperação mútua, vez que poderá haver vá-
do Federalismo de Cooperação ou de Equilíbrio (em
rios pactuantes na relação jurídica, com interesses não antagônicos,
contraposição ao Federalismo rígido). Em verdade,
mas afins. São compostos por entes federados, União, Estados, Mu-
já se bispava o desabrochar da Administração Pú-
nicípios e Distrito Federal, nos termos do artigo 18 da Magna Carta.
blica Consensual em detrimento do vetusto modelo
Além de se consorciarem entre si, a lei 11.107/05 permite aos entes
de Administração Pública Imperativa, faltava apenas
federados se consorciarem com entidades privadas.
o estopim para que fossem abandonados o já ultra-
Assim, quando formados apenas por entes federados, serão
passado conceito e o regime jurídico-formal dos con-
regidos pelas normas de Direito Público, sendo, portando conside-
sórcios públicos, bem definido por Marques Neto: “O
rados associação pública, nos termos do artigo 6º, I da referida lei.
doutrinador se nutre e contamina (no sentido positi-
Nesse caso, o consórcio público “integra a administração indireta
vo dos termos) da contribuição que ela segue sendo
de todos os entes da Federação consorciados” (artigo 6º, §1º).
reproduzida, inalterada, até que uma nova realidade
Portanto, terá imunidade tributária, impenhorabilidade dos bens,
jurídica (como uma alteração legal ou constitucional)
processo especial de execução, dilação do prazo em juízo.
ou fática (uma manifestação concreta do poder polí-
Já se houver participação de entidade privada, serão os con-
tico) suscitem a reflexão ou obriguem a revisão dos
sórcios públicos regidos pelas normas de direito civil, todavia,
conceitos ou postulados doutrinários.”15
conforme previsto do artigo 6º, §2º da Lei 11.107/05, deverá observar “as normas de direito público no que concerne à realiza-
Assim, com o advento da lei que regulamenta os consórcios
ção de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e
público, a realidade jurídica mudou. Isso porque conferiu-lhes per-
admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis
sonalidade jurídica, conforme determinam o §1º do artigo 1º c/c o
Trabalhistas – CLT.”
artigo 6º, o que os torna mais eficaz a fiscalização e aplicação do
Nesse contexto, face à Lei 11.107/05 a doutrina classifica os
Direito, uma vez que é possível responsabilizá-los.
consórcios públicos como “associações formadas por pessoas ju-
Prescreve ainda o artigo 6º que os consórcios poderão ser
rídicas políticas (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios),
direito público, caso que integrará a Administração Pública indi-
com personalidade de direito público ou de direito privado, cria-
reta, na forma de associação pública ou de direito privado, regido
das mediante autorização legislativa para a gestão associada de
pelas normas cíveis que se aplicam as entidades privadas sem
serviços públicos”
fins lucrativos. Todavia, merece ressalva tal dispositivo ao passo que os con-
4.1 Lei 11.107 de 06.04.2005 –
sórcios públicos deverão integrar a Administração Pública Indireta
Regulamentação Dos Consórcios Públicos.
de todos os entes consorciados, inclusive quando celebrado com
Antes da vigência da Lei 11.107/05, era unânime pela res-
entidades privadas.
peitável doutrina de Direito Administrativo o entendimento que os
Ora, se foi delegada a prestação de serviços de competência
consórcios públicos não eram dotados de personalidade jurídica,
da Administração Pública Direta (União, Estado, Município, Distrito
tornando-se, portanto, ineficazes, sem qualquer possibilidade apli-
Federal), para uma entidade instituída exclusivamente para pres-
cação coercitiva do Direito.
tar serviço público, não há como deixar de fora o ente federado que na realidade é participante (ainda que com uma pessoa jurídi-
É de notar que o conceito doutrinal então corrente e
ca privada) , uma vez que o ente público será a parte mais impor-
o regime jurídico dos consórcios públicos – o último
tante, pois é requisito primordial para a instituição do consórcio
sem uma disciplina legal apropriada para a espécie
público a sua participação, senão estaríamos tratando de outros
–, os tornaram inservíveis para dar contornos formais
institutos possíveis no âmbito administrativo.
às iniciativas de cooperação e coordenação federativas, além do que já era perceptível um flagrante ana-
A própria Lei nº 11.107 derroga parcialmente o di-
cronismo na até então conhecida percepção dos con-
reito privado, na medida em que se aplica aos con-
sórcios públicos em relação aos influxos emergentes
sórcios públicos, independentemente de sua per-
do alvorecer de um novo pensamento administrativo,
sonalidade pública ou privada. Especificamente, o
restamos uma vez mais nos referindo à ideia-força
direito privado é derrogado quando o artigo 6º, §2º,
de uma Administração Pública concertada, calcada
determina a sujeição dos consórcios com persona-
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lidade de direito privado às normas sobre licitação,
tabilizadas nas contas de cada ente consorciado,
celebração de contratos, prestação de contas e ad-
de forma a serem verificados os limites e parâme-
missão de pessoal. Além disso o Decreto nº5.505,
tros previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal
de 5-8-2005, exige que os consórcios públicos, re-
(LRF) dentro dos níveis aceitáveis de confiabilida-
lativamente aos recursos por elas administrados,
de. Por isso, há que se averiguar – e isto parece
oriundos de repasse da União, realizem licitação
ser também incumbência do controle externo – se
para as obras, compras, serviços e alienações
os consórcios públicos estão fornecendo, adequa-
(art. 1º). No caso de aquisição de bens e serviços
damente, as informações relacionadas com todas
comuns, o mesmo dispositivo impõe a modalidade
as despesas realizadas com os recursos entregues
pregão, preferencialmente na forma eletrônica.16
pelos entes consorciados em virtude de contrato de rateio. Trata-se de uma obrigação legal, nos ter-
Verifica-se desse modo, que na verdade, os consórcios públi-
mos do §4º do artigo 8º do novo estatuto.” 17
cos serão sempre regidos pelo direito público e, no que couber, quando houver participação de pessoa jurídica privada, será aplicado o direito civil. Independente da sua natureza jurídica, os consórcios públicos
Nesse ponto, é importante ressaltar que a Lei veda a aplicação de despesas genéricas quando se trata de contrato de rateio, daí a necessidade de maior controle pelos Tribunais de Contas.
gozam de alguns privilégios concedidos pela lei, como por exem-
Insta salientar que visualizar esse controle quando se trata
plo o artigo 2º prevê a promoção de desapropriação e instituição
de consórcio público de direito público é bem mais nítido do que
de servidão, quando declarada utilidade ou necessidade pública
quando se trata de consórcio de direito privado. Entretanto – e
ou interesse social; prevê ainda a possibilidade do consórcio ser
não poderia ser diferente – a Lei 11.107/05 prevê normas de
contratado pela administração pública dos entes consorciados,
direito público para os consórcios de direito privado, no que tange,
dispensada a licitação; o artigo 24, parágrafo único alterou a lei
dentre outras, a realização de licitação, logo, deve haver nessa
de licitação no que diz respeito aos consórcios para estabelecer
hipótese também fiscalização pelo Tribunal de Contas e controle
limites mais elevados para a escolha da modalidade de licitação;
administrativo, vez que em ambos os casos, os consórcios públi-
dispensa da licitação quando celebrado contrato de programa
cos integram a Administração Pública Indireta.
com ente federado ou entidade da Administração Pública Indireta;
Assim, é extremamente importante que os Tribunais de Con-
valores mais elevados para a dispensa da licitação em razão do
tas tenham domínio e conhecimento acerca das exigências e
valor. (DI PIETRO, 2010.)
formalidades da Lei que rege os consórcios públicos, emitindo,
Uma vez que os consórcios públicos fazem parte da Adminis-
quando for caso, as notas de improbidade, podendo, inclusive re-
tração Pública Indireta, além do controle pelo Tribunal de Contas,
jeitar as contas e pleitear a cassação da candidatura do Chefe do
se sujeitarão ao controle administrativo previsto no Decreto-lei
Executivo, bem como aplicar pena de multa.
200/67. Desse modo, o consórcio público sofrerá controle de vários entes federados e, se algum ente participa de mais de um
4.1.2 Criação, formalização e extinção dos
consórcio público, poderá fiscalizar todos eles.
consórcios públicos.
No que diz respeito ao controle feito pelo Tribunal de Contas,
Para a criação de um consórcio público, deve ser observado
a Lei dos consórcios públicos disciplinou o assunto no artigo 9º,
procedimento específico, cujas fases são: subscrição de protocolo
parágrafo único, prevendo que “o consórcio público está sujeito
de intenções (art. 3º); celebração de contrato (art. 3º); publicação
à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal
do protocolo de intenção em imprensa oficial (art 4º, §5º); promul-
de Constas competente para apreciar as contas do Chefe do Po-
gação, da lei de cada ente consorciado, ratificando o protocolo de
der Executivo representante legal do consórcio...”. Contudo, essa
intenções (art. 5º).
previsão não afasta a possibilidade de controle pelo Tribunal de
O procedimento se inicia com a celebração do protocolo de
Contas dos demais entes consorciados, vez que a Constituição
intenções para que os entes consorciados manifestem a intenção
Federal concede ao Legislativo o poder de fiscalizar os atos do
de firmar um acordo de vontade. Vale dizer que nessa fase, não
Executivo, através do Tribunal de Contas.
existem obrigações, apenas são elencados pontos que deverão ser observado caso haja a celebração do acordo.18
“... os Tribunais de Constas deverão zelar pelo for-
Como se trata da criação de uma nova pessoa jurídica que
necimento fidedigno das informações a serem con-
envolve a Administração Pública não poderá haver simples cele-
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bração de contrato, logo, o protocolo de intenções estará sujeito a
tolherem, haja vista que ser os consórcios públicos um negócio vo-
apreciação pelo Poder Legislativo para a elaboração da lei que irá
luntário, pautado pelo princípio da eficiência, podendo fortalecer
ratificá-lo, sendo que somente após a ratificação é que poderá ser
assim a forma de Estado que rege o Brasil.
celebrado o contrato que constitui o consórcio público.
Pode-se afirmar para que tenha êxito o federalismo instituído
A lei 11.107/05, prevê no seu artigo 4º, que o protocolo de
pela Constituição da República de 1988, é necessário aplicar me-
intenções deverá conter, dentre outras, a denominação do consór-
canismos que incentivem a cooperação federativa, daí a importân-
cio público, a finalidade, entes participantes, sede, área de atua-
cia de se conhecer bem o instituto dos consórcios públicos, a fim
ção, tempo de duração e a natureza pública ou privada.
de aplica-lo no desenvolvimento do país.
Nesse contexto, são celebrados, inicialmente, o contrato de
A atual Constituição Federal ao adotar o Federalismo, trouxe
consórcio público, previsto no artigo 3º da Lei. Esse primeiro con-
expressamente a previsão dos Consórcios públicos, demonstran-
trato depende da ratificação legislativa do protocolo de intenções
do a necessidade destes para a eficácia de tal forma de Estado.
e deverá disciplinar a relação das entidades federativas.
Agora, com os moldes trazidos pela Lei 11.107/05, o novo
A Lei ainda prevê dois outros contratos a serem celebrados.
contorno jurídico dos consórcios público certamente os tornou efi-
O primeiro é o contrato de rateio, disciplinado no art. 8º, mediante
cazes e supriu, em grande parte, a carência de ferramentas capa-
o qual os entes consorciados empregarão recursos, previstos nas
zes de torna-los concretos e permitir que eles sanem os problemas
respectivas leis orçamentárias, ao consórcio público. São estabe-
que não se alojam apenas nos limites territoriais de um ente fede-
lecidas aqui as obrigações de cunho pecuniário.
ral isolado, mas que prejudica o desenvolvimento do país, sendo,
O segundo contrato é de programa, que com fulcro no art. 13 da Lei, visa regulamentar as obrigações dos entes consorciados,
portanto, de responsabilidade dele como um todo, solucioná-lo a fim de alcançar os objetivos constitucionalmente previstos.
que não sejam de natureza financeira. Esse contrato está previsto também no art. 4º, XI “d”, sendo que da leitura conjunta dos artigos, pode-se concluir que a gestão associada poderá ser feita
REFERÊNCIAS
através de consórcio público, criando uma nova pessoa jurídica ou
BORGES, Alice Gonzales. A instrumentalização dos consórcios públicos intermunicipais. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 6, n. 23, p. 79-102, out./dez. 2008
por acordos de vontade. Entretanto, insta salientar que o contrato de programa, poderá ser firmado no âmbito interno ou externo do consórcio público. Aqui nos interessa aquele firmado no próprio consórcio público, no qual um ente consorciado assume a obrigação de prestar serviços por órgãos da Administração Direta ou entidade diversa da Administração Indireta. A personalidade jurídica do consórcio público surge a partir da data que a lei que o instituiu entrar em vigor. Já se regido pelo direito privado, a personalidade terá início “após a inscrição do
Confederação Nacional dos Municípios – CNM. Disponível em: http:// www.cnm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=24&Ite mid=26. Acesso em 02.06.13. Constituições Brasileiras. Disponível em: http://www12.senado.gov.br/noticias/ entenda-o-assunto/constituicoes-brasileiras. Acesso em: 15/05/13. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.
ato constitutivo no respectivo registro”, nos termos do artigo 45 do Código Civil. A responsabilidade dos entes, á luz do art. 37, § 6º da Constituição Federal, é objetiva e quando da sua extinção, até que haja decisão em sentido contrário, os entes responderão de forma solidária. O artigo 12 da Lei dos consórcios públicos determina, para sua alteração ou extinção, a aprovação pela assembleia geral, ratificado mediante lei de todos os entes consorciados. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os consórcios públicos são importantes para a concretização do federalismo cooperativo e um Estado mais democrático, na medida em que através dele, não há retirada das autonomias dos entes federados, mas surge um meio de relacioná-las, sem lhes
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consórcio público na lei 11.107 de 06.04.2005. Revista Eletrônica de Direito do Estado – REDE. Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-3-JULHO-2005-MARIA%20SYLVIA.pdf. Acesso em 15.04.12. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 25 ed revista, ampliada e atualizada até a lei nº 12.597 de 3/01/12. São Paulo: Atlas, 2012. GUERRA, Arthur Magno e Silva; GONÇALVES-CHAVES, Glenda Rose. Direito Constitucional Perguntas e respostas: provas e concursos. Belo Horizonte: Líder, 2007. LIMA, Filipe Antonio de Oliveira A Constituição Brasileira: da Constituição Imperial à Constituição Cidadã. Disponível em: http://www.ambito-juridico.
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com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6352. Acesso em: 15/05/13. MELO JÚNIOR, Dirceu Rodolfo de. O novo regime dos consórcios públicos e o federalismo compartilhado: um desafio para o controle externo brasileiro. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 13, n. 65. p. 245-275, jan./fev. 2011. MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. 2ª ed. São Paulo: M. Fontes, 1996.
resse recíproco, em regime de mútua cooperação. 5 BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008, p 33. 6 V.g. O artigo 7º, II da Carta Política de 37 previa que a União passaria a ter que prestar auxílio aos Estados Membros em casos de calamidades. 7 BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008,p. 34
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2010. 8 Informativo 247 do STF PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord). Consórcios Públicos: Instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. SANTOS, Izequias Estevan dos. Manual de métodos e pesquisa científica. Niterói: Impetus, 2010. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª ed São Paulo: Malheiros, 2009. SOUZA, Frederlan Ferreira de. Breves Considerações acerca dos consórcios públicos instituídos pela Lei 11.107/2005: oportunidades e desafios deste instrumento de cooperação federativa. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 8, n.29, p. 51-100, abr./jun. 2010. Superior Tribunal Federal. Informativos. Disponível em: http://www.stf. jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo247.htm. Acesso em: 02.06.13. TAVARES, Alessandra Schettino. O FEDERALISMO COOPERATIVO NO BRASIL: O Perfil do Estado Brasileiro segundo a Constituição Federal de 1988. 2008. Disponível em: http://bd.camara.gov.br. Acesso em: 04.04.12.
NOTAS DE FIM 1 Concluinte do Curso de Bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008. 3 MELO JÚNIOR, Dirceu Rodolfo de. O novo regime dos consórcios públicos e o federalismo compartilhado: um desafio para o controle externo brasileiro, 2011.
9 Cumpre salientar que toda vez que nasce um regime político novo, nasce uma nova Carta Política que dá embasamento para a subsistência do Estado, com o Golpe de 64, adveio a Constituição de 1967, que do mesmo modo que a Constituição de 1934 manteve no plano teórico o Estado Federal, porém, sobrepondo a União em detrimento dos Estados membros, daí a expressão “entes federados”. 10 BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008, p 35 11 BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008, p. 42 12 BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008, p 40 13 BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008. 14 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo, 2012. p. 225. 15 MELO JÚNIOR, Dirceu Rodolfo de. O novo regime dos consórcios públicos e o federalismo compartilhado: um desafio para o controle externo brasileiro, 2011. 16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed., 2010. 17 MELO JÚNIOR, Dirceu Rodolfo de. O novo regime dos consórcios públicos e o federalismo compartilhado: um desafio para o controle externo brasileiro,. 2011, p. 266. 18 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 2010.
4 V.g O artigo 1º da Instrução Normativa nº1 de 97, da Secretaria do Tesouro Nacional – STN – assim define os convênios administrativos: “instrumento qualquer que discipline a transferência de recursos públicos e tenha como partícipe órgão da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista que estejam gerindo recursos dos Orçamentos da União, visando a execução de programas de trabalho, projeto/atividade ou evento de inte-
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O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE FUNÇÕES ESTATAIS E O ATIVISMO JUDICIAL Letícia Silva de Oliveira1
RESUMO: O presente artigo visa apresentar uma visão crítica da atual postura ativista do Supremo Tribunal Federal em face do Princípio da Tripartição dos Poderes. Para isso, faremos um breve histórico da separação das funções estatais, passando por Aristóteles até a Teoria dos Freios e Contrapesos ( Checks and Balances), formulada por Montesquieu. Analisaremos o modelo brasileiro de separação das funções Legislativa, Executiva e Judiciária, traçado pela Constituição de 1988, bem como das suas atribuições típicas e atípicas (esta última como viabilização do sistema dos Pesos e Contrapesos). Por fim, passaremos pela origem do “ativismo judicial”, alguns exemplos dessa atuação no STF, e do perigo aplaudirmos de modo temerário essa tendência (mundial), tendo em vista o risco de invasão de competência da esfera de atuação tanto do Legislativo quanto do Executivo, configurando violação do artigo 2º, CR/88; e, em última análise, risco à democracia brasileira. PALAVRAS-CHAVE: Judiciário, ativismo, Constituição da República, democracia, invasão. Área de Interesse: Direito Constitucional
1 INTRODUÇÃO
2 A TRIPARTIÇÃO DOS PODERES
Há algum tempo, temos observado uma proeminência do
2.1 Do Ajuste Terminológico
Poder Judiciário no cenário brasileiro. Trata-se de decisões
O poder (para uns; para outros, governo ou soberania) é
inovadoras, onde os magistrados, sobretudo os da Corte do
um dos elementos constitutivos essenciais do Estado, junta-
Supremo Tribunal Federal, tem se manifestado de modo proa-
mente com os conhecidos “povo” e “território”.
tivo na concretização de direitos. Porém, atuam em situações que, ora a lei é omissa, ora tais direitos não estão devidamen-
Deixando de lado a análise do “povo” e “território”, teceremos breves comentários sobre o poder. Parafraseando Bonavides(2007), há somente um titular
te regulamentados por lei. Diante dessas decisões, é necessário questionar: quais
do poder, que para alguns é o povo, para outros é do Estado
são os pontos positivos e negativos desse fenômeno chamado
(pessoa jurídica). Destarte, a manifestação dessa titularidade
ativismo judicial? Essa tendência (mundial) é saudável para o
se dá através de órgãos. Então, teremos o exercício (do po-
chamado princípio da “Tripartição dos Poderes”? Tal ingerên-
der) através das funções legislativas, judiciária e executiva,
cia tem ferido esfera de competência do Legislativo? Devemos
dadas a pessoas distintas.2Conclui o autor, que são caracte-
apoiar tais decisões ou ter um olhar cauteloso sobre estas
rísticas do elemento “poder”, a sua unidade e indivisibilidade.
mudanças? Não seria um indicativo de que algo não está fun-
Assim descreve Bonavides3:
cionando bem? É o que se pretende com o presente trabalho. Demonstrar
O poder do Estado na pessoa de seu titular é indivisí-
as funções de cada esfera de poder, traçar os limites de suas
vel: a divisão só se faz quanto ao exercício do poder,
atuações típicas e atípicas, esclarecer a origem do ativismo
quanto às formas básicas de atividade estatal.
judicial, contrapor este fenômeno com o princípio de Montesquieu da “Tripartição dos Poderes” e apontar caminhos saudáveis a uma verdadeira harmonia e independência dos poderes
Dallari 4, ao disciplinar a questão da separação dos poderes, adverte:
do Estado Brasileiro, conforme determina o artigo 2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Embora seja clássica a expressão separação de poderes, que alguns autores desvirtuaram para
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divisão de poderes, é ponto pacífico que o poder
2.2 BREVE HISTÓRICO DA SEPARAÇÃO
do Estado é uno e indivisível. É normal e neces-
DAS FUNÇÕES ESTATAIS
sário que haja muitos órgãos exercendo o poder
Aristóteles é, segundo Dallari8, “o antecedente mais remoto
soberano do Estado, mas a unidade do poder não
da separação de poderes”. Em sua obra “A Política”, já havia vis-
se quebra por tal circunstância. Outro aspecto im-
lumbrado as três funções estatais e advertiu do perigo e injustiça
portante a considerar é que existe uma relação
que é atribuir o poder a um indivíduo.
muito estreita entre as ideias de poder e de função do Estado, havendo mesmo quem sustente que é
Assim, ao ressaltar a importância e acerto da lei e o perigo do julgamento de um, dispôs9:
totalmente inadequado falar-se numa separação de poderes, quando o que existe de fato é apenas
É preciso que haja magistratura; mas assegura-
uma distribuição de funções.
-se que não é justo que um só homem exerça uma magistratura suprema quando todos os outros são
Para Maluf (2007), o “governo”/ poder “(...) é o conjunto
iguais. Aliás, crendo-se que a lei não possa tudo es-
das funções necessárias à manutenção da ordem jurídica e da
pecificar, poderá um homem fazê-lo com precisão?
administração pública” 5.
Quando a lei tem assentado com zelo as regras ge-
De acordo com o mesmo autor 6, sobre a divisão do po-
rais, ela abandona os detalhes à inteligência e à
der do Estado em três órgãos distintos, esclarece que o “(...)
apreciação mais justa dos magistrados, para que
objeto deste ponto é o princípio da divisão funcional do poder
eles julguem e decidam.
de soberania em três órgãos, pelos quais ela se manifesta na sua plenitude(...)”. Esclarece ainda que o mais adequado seria
Desta forma, fica em evidência além do receio à restrição do
falar em separação de funções. Isso tendo em vista que o poder
poder a poucos, certa desconfiança do acerto da decisão proferi-
de soberania é uno e indivisível. O que existe é a tripartição do
da por este poderoso, uma vez que ele teria que solucionar algo
seu exercício.
que nem a lei teria previsto.
Dessas divisões de funções, há o exercício pleno do poder, da soberania do Estado. Ainda, sobre a unidade e indivisibilidade do poder, segundo Spitzcovsky7, temos que:
Ao concluir, Aristóteles10, diz que: “ fica provado, em consequência, não ser justo que o poder fique nas mãos de um só.” No século XVII, na Inglaterra, John Locke (1632-1704), filósofo vanguardista do liberalismo inglês e precursor da teoria da tripartição de funções estatais, fez uma sistematização doutrinária
Na verdade, o poder não se triparte. É ínsito à
da separação dos poderes.
sua natureza ser uno e indivisível. Assim, a ex-
Locke identificou quatro funções fundamentais exercidas por
pressão mais própria para esse título é triparti-
dois órgãos do poder: o parlamento e o rei. Este primeiro ficava
ção das funções nas quais se divide o exercício
com a função legislativa, enquanto o rei possuía a função execu-
do poder estatal. Em outro dizer, a subdivisão
tiva e a chamada “prerrogativa de poder discricionário”. A função
não se refere ao poder propriamente dito, mas
executiva se subdividia em duas, uma federativa (hoje conhece-
às suas diversas formas de manifestação.
mos por chefe de estado) e outra de chefe de governo. Já previa também a necessidade da distribuição das funções
Compartilhamos deste entendimento, no sentido de que
em mãos diversas, para evitar que aqueles que fizessem as leis
não há divisão do poder, mas de tarefas e atribuições, assuntos
não as fizessem em prol de seus próprios interesses e também
do Estado. Permanece uno e indivisível o poder. Então, apesar
que não se submetessem ao seu cumprimento.
de ser comumente usada a expressão “separação dos pode-
Assim entendia:11
res”, “divisão dos poderes”, ou, até, “tripartição dos poderes”, entendemos da impropriedade técnica desta terminologia, de-
(...) E como pode ser tentação demasiado grande
vendo ser chamado corretamente de separação, divisão ou, até
para a fraqueza humana, capaz de tomar conta do
mesmo, tripartição de funções/atribuições/competências.
poder, para que as mesmas pessoas que têm a missão de elaborar as leis também tenham nas mãos a faculdade de pô-las em prática, ficando dessa maneira isentas de obediência às leis que fazem, e poden-
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do amoldar a lei, não só quando a elaboram como
aptas a exercer legitimamente o poder, no sentido
quando a põem em prática, a favor delas mesmas,
de cooperação e controle mútuo entre as funções
e assim passarem a ter interesse distinto do resto da
desempenhadas, buscando-se o equilíbrio das
comunidade contrário ao fim da sociedade e do go-
instâncias governamentais e a concretização dos
verno; em comunidades bem ordenadas, nas quais
princípios da liberdade política.
o bem de todos se leva em conta como é devido, o poder legislativo vem às mãos de diversas pessoas que, convenientemente reunidas, têm em si, ou jun-
Hoje, este sistema norteia quase todas as constituições modernas. Dallari15assim explicou a teoria:
tamente com outras, o poder de elaborar leis; depois de assim fazerem, novamente separadas, ficam su-
O sistema de separação de poderes, consagrado nas
jeitas às leis que fizeram, o que representa obrigação
Constituições de quase todo o mundo, foi associado
nova e mais próxima para que as façam tendo em
à ideia de Estado Democrático e deu origem a uma
vista o bem geral.
engenhosa construção doutrinária, conhecida como sistema de freios e contrapesos. Segundo esta teoria
2.3 Montesquieu – Sistema de Freios e Contrapesos
os atos que o Estado pratica podem ser de duas es-
Como vimos, a inovação do Barão de Brède e de Montesquieu
pécies: ou são atos gerais ou são especiais. Os atos
foi a visualização da necessidade de um sistema onde um poder
gerais, que só podem ser praticados pelo poder le-
não sobrepusesse ao outro, mas houvesse um equilíbrio.
gislativo, constituem-se na emissão de regras gerais
Montesquieu advertiu que a liberdade política só existiria nos
e abstratas, não se sabendo, no momento de serem
“Governos Moderados”, onde não houvesse abuso do poder. Isso
emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o po-
por que, segundo ele, o homem tende abusar do poder. Então, sa-
der legislativo, que só pratica atos gerais, não atua
lientou que: “para que não possam abusar do poder, precisa que,
concretamente na vida social, não tendo meios para
pela disposição das coisas, o poder freie o poder.” . Tal sistema
cometer abusos de poder nem para beneficiar ou
foi consagrado “Sistema de Freios e Contrapesos” (Checks and
prejudicar a uma pessoa ou a um grupo em particu-
Balances). Nele, podemos visualizar um “poder” freando o outro,
lar. Só depois de emitida a norma geral é que se abre
ao passo que este outro faz um contrapeso àquele.
a possibilidade de atuação do poder executivo, por
12
Assim disciplinou Montesquieu :
meio de atos especiais. O executivo dispõe de meios
13
concretos de agir, mas está igualmente impossibiliPara formar um Governo Moderado, precisa combi-
tado de atuar discricionariamente, porque todos os
nar os Poderes, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir;
seus atos estão limitados pelos atos gerais pratica-
dar a um Poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo
dos pelo legislativo. E se houver exorbitância de qual-
em condições de resistir a um outro. É uma obra –
quer dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder
prima de legislação, que raramente o acaso produz,
judiciário, obrigando cada um a permanecer nos limi-
e raramente se deixa a prudência produzir.
tes de sua respectiva esfera de competência.
Desta forma, relata a necessidade de manter este sistema
Desta forma, a distribuição das funções em diferentes mãos
que naturalmente não seria possível, já que, aquele que detém o
gera um sistema (forçado) de equilíbrio, onde uma função não
poder, tende dele abusar, conforme nos ensinou o próprio Montes-
exorbita sua esfera de competência por ter suas mãos e pés amar-
quieu. Conforme o mesmo autor, com esta divisão de atribuições,
rados pelas outras duas. Mais adiante, veremos que entre nós,
os “poderes divididos”, caminhariam em concerto. Daí viria então,
quem faz estas “amarras” é a Constituição.
sua harmonia. Segundo Soares14, sobre a obra de Montesquieu:
3 FUNÇÕES ESTATAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 A nossa Constituição da República adotou o princípio da sepa-
A sua criatividade está na inserção do sistema de
ração das funções estatais. Em seu artigo 2º, previu expressamen-
freios e contrapesos às funções legislativas, exe-
te: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si,
cutivas e judiciais, ensejando que estas sejam dis-
o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”16
tribuídas a instâncias organicamente distintas e
Este princípio é tão importante que é tido como “cláusula pé-
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trea”, conforme art.60, §4º, III, da CR/88; não podendo nem por
inaugurou o Judicial Review (“ao Judiciário compete dizer o que a lei
emenda constitucional ser abolido (ou que tenda à abolição).
é”19, iniciando neste precedente o controle de constitucionalidade).
Assim, dentro do Estado brasileiro, pela divisão das três fun-
Na ocasião, várias questões foram discutidas, dentre elas se a
ções haverá o exercício de atribuições que são suas por essência,
Suprema Corte dos Estados Unidos possuía competência para anali-
próprias da natureza, mas também, com escopo de fortalecer a
sar o remédio constitucional acionado por Marbury ou não. Isso por
harmonia e independência entre as esferas, outras que apesar
que a lei determinava que existia tal competência mas a Constituição
de não ser “naturalmente” sua, também serão exercidas com o
não tinha fixado como competência originária. Ficou decidido pelo
objetivo de assegurar o equilíbrio e a manutenção da ordem de-
Chief Justice John Marshall que a lei (ainda que posterior) era nula
mocrática estatal.
uma vez que em conflito entre ela e norma constitucional, deveria
Parafraseando Spitzcovsky e Mota,17 são funções típicas do Legislativo: a edição de atos genéricos e abstratos que, provenientes do Legislativo, Executivo ou Judiciário, inovam na ordem jurídica.
prevalecer esta última, por ser hierarquicamente superior. Entre nós, através dessa atuação, o STF tem feito um trabalho hermenêutico de modo a expandir o alcance dos preceitos
Atipicamente, exerce função administrativa, ao dispor sobre sua
constitucionais, sobretudo dos direitos e garantias fundamentais,
organização interna, como da Câmara dos Deputados e Senado Fe-
por meio de uma interpretação que, muitas vezes é baseada nos
deral (conforme art.51, IV; art.52,XIII, da CR/88). Também atua fisca-
princípios (importante lembrar que não se discute a legitimidade
lizando o Executivo, art.49, X, CR/88; art.70, CR/88. Exerce ainda, de
de tal interpretação, uma vez que princípio é espécie do gênero
modo atípico, função jurisdicional ao julgar autoridades elencadas no
norma, juntamente com as regras).
art.52, I, II, CR/88, que trata dos crimes de responsabilidade.
Tamanha proeminência do Judiciário no cenário brasileiro de-
O Executivo possui como função que lhe é típica, a chefia de
corre também do movimento do neoconstitucionalismo, que atri-
Estado (art. 84, VII, VIII, XIX, XX, XXI, e XXII, CR/88); chefia de Go-
bui às normas da Carta Política uma aplicabilidade imediata, sem
verno (art. 84, I, III, IV, V, IX, XII, XIII,XXIII e XXIV, CR/88); e chefia da
a necessidade que normas (infraconstitucionais) venham garantir
administração (art.84, II, VI, e XXV, CR/88).
o já disposto na Carta Magna.
De modo não típico, possui função Legislativa ao editar Medi-
Conforme Lima20,
das Provisórias (art.62, CR/88) e Leis Delegadas (art.68, CR/88). Ainda, atua julgando o contencioso administrativo.
A carta magna passou a ser reconhecida como do-
Quanto ao Judiciário, tipicamente sua função é a jurisdicional.
tada de força normativa, ou seja, aplicabilidade e
Porém, como as funções já faladas, possui atribuições atípicas.
eficácia de todas as palavras nelas contidas e não
Administrativamente, podemos citar a concessão de férias a seus
uma mera carta de intenções, superando a ideia
membros ou serventuários, ou quando provê cargos de juiz de car-
advinda do iluminismo da centralidade da lei no or-
reira (art.96, I, “f” e “c”, CR/88). Também exerce a função legis-
denamento jurídico. Consolidou-se uma teoria dos
lativa, ao editar seus regimentos internos (art.96, I, “a”, CR/88).
direitos fundamentais veiculados na constituição,
Com isso, podemos perceber que nossa Constituição adotou a teoria dos Checks and Balances, de Montesquieu.
com regras próprias de interpretação e aplicação, bem como se expandiu a jurisdição constitucional,
Porém, este balanceamento, por se tratar de interferência de
dotando a sociedade de métodos efetivos de con-
uma função na outra, deve ter previsão expressa na Constituição
trole dos atos da sociedade em desconformidade
(e não por lei). Caso contrário, estaríamos diante de clara invasão
com a Carta Maior.
de competências e consequente “ferimento ao princípio da separação de Poderes”, conforme adverte Lenza18. Para este mesmo autor, isto somente não ocorre uma vez que mesmo exercendo
Importante lição nos traz Silva21 sobre o “protagonismo” que tem tido o Judiciário:
função atípica (que não é ínsita à sua natureza), o órgão exerce função que é sua, e assim o é uma vez que assim determinou o
Na doutrina constitucionalista o protagonismo de
constituinte originário.
que desfruta o Poder Judiciário no sec.XXI é inconteste. Nenhum registro histórico anterior dá conta
4 ATIVISMO JUDICIAL
de acervo semelhante entregue à jurisdição, pois
Ativismo judicial é uma tendência mundial de atuação do Ju-
vieram somar-se às funções usuais desse Poder
diciário, sobretudo das Cortes Constitucionais, que agem de modo
competências inovadoras que lhe são atribuídas
proativo. Tem origem no leading case Marbury x Madison-1803, que
em uma nova engenharia institucional, que signi-
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fica um espécie de outorga aos membros desse
pressamente contempladas em seu texto e indepen-
Poder de função ativa na afirmação da cidadania.
dentemente de manifestação do legislador ordinário;
Enfeixa, então, o Judiciário em seu poder o contro-
(ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos
le da constitucionalidade e do caráter democrático
normativos emanados do legislador, com base em
das regulações sociais, de garantir políticas públi-
critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva
cas, de impedir o desvirtuamento privatista das
violação da Constituição; (iii) a imposição de condu-
ações estatais, de enfrentar o processo de desins-
tas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente
titucionalização dos conflitos, dentre outros.
em matéria de políticas públicas.
Ao falar exatamente sobre isto, Barroso22 nos traz esta ideia
O movimento atualmente tem sido justificado pela inércia ou
com outro nome: “judicialização”. Ele elenca três causas para
mora do Legislativo (ou Executivo) em editar e regulamentar lei
esse destaque do qual o Judiciário tem usufruído: a redemocra-
(sentido amplo) ou, no caso do Executivo, quando este não viabi-
tização do país, com o advento da CR/88; a constitucionalização
liza o que está elencado no rol de direitos e garantias constitucio-
abrangente, onde diversas matérias (que outrora não eram tra-
nalmente previstos. Como exemplo, temos a conhecida “reserva
tadas na Constituição) foram incorporadas à Carta; e, por fim, o
do possível”, muito alegada pelo Executivo.
sistema brasileiro de controle de constitucionalidade que, sendo
O mesmo autor dispõe como que de alguns requisitos autori-
misto, permite a qualquer juiz ou tribunal a análise da constitucio-
zadores da intervenção do judiciário de modo ativista ao dizer que:
nalidade e, por outro lado, o rol (amplo) dos legitimados à propositura das ações no controle concentrado. Porém, ao fazer um paralelo com o ativismo, determina que:
Em suma: o Judiciário é o guardião da Constituição e deve fazê-la valer, em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democrá-
A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato,
ticos, inclusive em face de outros Poderes. Even-
uma circunstância que decorre do modelo constitu-
tual atuação contramajoritária, nessas hipóteses,
cional que se adotou, e não um exercício delibera-
se dará a favor, e não contra a democracia. Nas
do de vontade política. Em todos os casos referidos
demais situações, o Judiciário e, notadamente, o
acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe ca-
Supremo Tribunal Federal deverão acatar escolhas
bia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitu-
legítimas feitas pelo legislador, ser deferentes para
cional permite que dela se deduza uma pretensão,
com o exercício razoável de discricionariedade
subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer,
técnica pelo administrador, bem como disseminar
decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma
uma cultura de respeito aos precedentes, o que
atitude, a escolha de um modo específico e proati-
contribui para a integridade, segurança jurídica,
vo de interpretar a Constituição, expandindo o seu
isonomia e eficiência do sistema.
sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um
Porém, devemos ter reservas ao analisar o movimento. Se-
certo descolamento entre a classe política e a so-
gundo o que foi dito acima, praticamente damos um “cheque em
ciedade civil, impedindo que as demandas sociais
branco” para o Judiciário dizer o que são “escolhas letígimas” do
sejam atendidas de maneira efetiva.
legislador e “discricionariedade técnica” do administrador. O autor ainda afirma que a “atuação contramajoritária” (uma vez que
Por fim, sobre ativismo, Barroso : 23
é feita pelos membros de órgão que não é composto através de eleições) será a favor da democracia. Será!?
A idéia de ativismo judicial está associada a uma
Segundo Teixeira24, são críticas ao “ativismo judicial”:
participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais,
•Juízes não eleitos vs. leis democraticamente
com maior interferência no espaço de atuação dos
aprovadas;
outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta
• Decisões orientadas politicamente vs. deci-
por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a
sões orientadas juridicamente;
aplicação direta da Constituição a situações não ex-
• Uso criativo do precedente vs. uso estrito do
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precedente;
Não podemos conceber uma autoridade magnâni-
• Supremacia da vontade popular vs. direitos
me, que esteja acima das limitações próprias das
humanos;
instituições. A atividade do Poder Judiciário tem
• Política vs. Direito.
também suas contradições e limites. Nem sempre será possível saber exatamente quando o processo político falhou para justificar uma decisão políti-
Além do disposto acima, nos traz diversas modalidades (noci-
ca do Supremo Tribunal Federal.
vas) do movimento, dentre elas, a atuação do juiz como legislador: Mesmo tendo a legitimidade para atuar apenas
Esta crítica nos traz importante reflexão acerca do perigo que
como “legislador negativo”, isto é, para remover
representa um aplauso temerário desta atitude proativa do judici-
do ordenamento jurídico normas inconstitucionais,
ário, a saber, do ativismo. Ele não deve (e nem pode!) inovar na
outra prática nociva é a de proferir decisões que se
ordem jurídica. E muitas vezes, é o que acontece.
constituem em verdadeiras criações legislativas,
Neste caso especificamente, o STF passou claramente de sua
pois vão além das competências jurisdicionais,
competência e arvorou-se em papel do Legislativo criando nova
costumam ser extra petita, geram instabilidade
hipótese de perda do mandato. E isto fica mais claro quando lem-
institucional e culminam na produção de insegu-
bramos que ao se tratar de restrição de direitos, não se permite ao
rança jurídica. Trata-se de algo por completo diver-
intérprete fazer um trabalho hermenêutico extraindo da norma no
so de uma inovação jurisprudencial: o fundamento
sentido de lhe ampliar, dar maior extensão. Importante ressaltar
decisório está na própria decisão ou em uma inter-
que a CR/88 dispõe (num rol obviamente taxativo, não exemplifi-
pretação torpe de legislação não aplicável ao caso,
cativo!) os casos em que haverá a perda do mandato.
como, por exemplo, mediante analogia entre casos que não possuem a mínima identidade entre si.
O mesmo autor sugere que, diante do caso da fidelidade partidária:
Outro aspecto importante levantado pelo autor é o proferir de-
Talvez a melhor maneira de o Poder Judiciário ofe-
cisões políticas, de modo a fugir da “racionalidade jurídica”. Isso
recer a sua contribuição para a melhoria do qua-
é mais um problema do ativismo, tendo em vista que o raciocínio
dro político brasileiro seja exercer de forma mais
jurídico é formado de modo muito diferente do político, onde há
aprimorada seu mister, qual seja, julgar processos
grande discricionariedade nas escolhas.
que envolvam diversos aspectos do exercício da atividade política que são vedados pelo ordena-
Por fim, defende existir o “ativismo judicial positivo” e sua prá-
mento jurídico, em especial as prescritas em nor-
tica “nociva”, assim:
mas penais e cíveis. Desse modo, vamos denominar aqui ativismo judicial positivo aquele que se enquadra no padrão de
Barroso, apesar de ferrenho defensor da postura ativista
racionalidade jurídica vigente no ordenamento em
(dentro dos moldes por ele traçado), previu que tal atitude é peri-
questão e busca, em última instância, assegurar
gosa. Vejamos:
direitos fundamentais ou garantir a supremacia da Constituição, enquanto denominaremos nociva
Uma nota final: o ativismo judicial, até aqui, tem
toda prática ativista que fuja desse quadro ou bus-
sido parte da solução, e não do problema. Mas ele
que, sobretudo, fazer preponderar um padrão de
é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser even-
racionalidade eminentemente político.
tual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura.
Atento aos riscos, Baracho critica a postura “ativista” do Poder Judiciário (no caso, o STF) na decisão acerca da fidelidade partidária, onde criou a possibilidade de perda do mandato eletivo o
Ao final, reconhece que o ativismo esconde, maquia sérios problemas:
candidato que, eleito pelo sistema proporcional, saísse do partido pelo qual foi eleito. Para o autor citado25,
A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia bra-
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sileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de uma reforma política. E essa não pode ser feita por juízes. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Importa nos terminar pelo início, com o parâmetro sobre o qual repousa e de onde emana todo o nosso sistema jurídico. A Constituição da República, que em seu artigo2º prevê a independência e harmonia entre Legislativo, Executivo e Judiciário. Por mais que possamos estabelecer critérios de um “ativismo judicial” legítimo, “positivo”, não podemos perder de vista que a ne-
p. 125-134. ISBN 978-85-7700-267-2. BARROSO, LUÍS ROBERTO. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em : <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/ revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em 13 de junho de 2013. BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. rev. e amp. Belo Horizonte: Fórum, 2008. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 14 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. BONAVIDES, Paulo. Teoria Geral do Estado. 8 ed.rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
cessidade de tal postura revela que algo não está bem ajustado. Na verdade, há um enorme descompasso que não pode nem deve ser resolvido por um dos “poderes” da República. Não poderia por nenhum dos outros, mas legitimar ou apoiar decisões que muitas vezes inovam na ordem jurídica (por quem não detém tal competência e, consequentemente desobedecendo todo o processo legislativo para elaboração de lei), por um judiciário não eleito e, muitas vezes com decisões políticas, é mais que perigoso! Podemos apontar, assim como os autores citados, para as causas desse ativismo. Seja a crise de representatividade ou demora no processo legislativo, não serão estes ou outros problemas solucionados pelo Judiciário. Imperioso lembrar que o Judiciário é composto da mesma matéria que o Legislativo e o Executivo: seres humanos. Sendo assim, não podemos nos iludir pensando que os “super juízes” resolverão os problemas que devem ser por todos nós (cidadãos brasileiros) (re) pensados e (re) discutidos. Acreditamos por fim, que o Judiciário já detém ferramentas su-
BRASIL. CRFB/88, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em 11 de abril de 2013. CHAVES, Vinicius Figueiredo. Possibilidades e riscos da judicialização da política para a consolidação democrática brasileira.Disponível em: <https:// www.revistas.unijui.edu.br/index.php/direitoshumanosedemocracia/article/ view/310>. Acesso em 13 de junho de 2013. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6 ed.rev., amp e atual. Bahia: Jus Podium, 2010. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
ficientes para dizer o direito no caso concreto (sem ser mera “boca da lei”) e efetivar o que temos constitucionalmente previsto. Por fim, a harmonia e independência entre os poderes (tão cara aos filósofos e doutrinadores antigos, sobretudo Montesquieu), essencial a uma democracia saudável, será concretizada quando os limites (constitucionais) da atuação dos “poderes” forem respeitados, inclusive pelo
LIMA, Isan Almeida. Neoconstitucionalismo e a nova hermenêutica dos princípios e direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2503, 9 maio 2010. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/14737.Acesso em :23 abr.2013.
Judiciário. Parafraseando Barroso, não queremos “morrer da cura”.
LOCKE, John. Carta acerca da tolerância; Segundo tratado sobre o governo; Ensaio acerca do entendimento humano. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
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NOTAS DE FIM 1 Estudante do 10º período do Centro Universitário Newton Paiva. 2 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 14 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.P. 118; 119. 3 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 14 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.P. 119. 4 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.P.214; 215. 5 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 27 ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. Revista e atualizada pelo prof. Miguel Alfredo Malufe Neto.P.27. 6 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 27 ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. Revista e atualizada pelo prof. Miguel Alfredo Malufe Neto.P.209. 7 SPITZCOVSKY, Celso; MOTA, Leda Pereira da. Direito Constitucional. 9 ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2009.P. 147. 8 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.P.215. 9 ARISTÓTELES. A política. 15.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1988.P. 71. 10 ARISTÓTELES. A política. 15.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1988.P. 72. 11 LOCKE, John. Carta acerca da tolerância; Segundo tratado sobre o governo; Ensaio acerca do entendimento humano. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.P.91.
verno, a Federação, a divisão dos Poderes. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Montesquieu; introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota.P. 167. 13 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis: As formas de governo, a Federação, a divisão dos Poderes. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Montesquieu; introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota.P. 26. 14 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: Novos Paradigmas em face da Globalização. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2008.P.66. 15 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.P.218. 16 BRASIL. CRFB/88, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em 11 de abril de 2013. 17 SPITZCOVSKY, Celso; MOTA, Leda Pereira da. Direito Constitucional. 9 ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2009.P.149. 18 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. 19 SILVEIRA, Paulo Fernando. Freios e Contrapesos (Checks and balances). Belo Horizonte: Del Rey, 1999.P.90. 20 LIMA, Isan Almeida. Neoconstitucionalismo e a nova hermenêutica dos princípios e direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2503, 9 maio 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14737>.Acesso em :23 abr.2013. 21 SILVA, Maria Coeli Nobre da. O intervencionismo judiciário: protagonismo/ ativismo e legitimaçãodemocrática.Disponívelem:<http://www.publicadireito. com.br/artigos/?cod=2bc8ae25856bc2a6> acesso em: 12 jun.2013. 22 BARROSO, LUÍS ROBERTO. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em : <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/ revista/1235066670174218181901.pdf> 23 BARROSO, LUÍS ROBERTO. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em : <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/ revista/1235066670174218181901.pdf> 24 TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política.Rev. direito GV, São Paulo , v. 8, n. 1, June 2012 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext& pid=S180824322012000100002&lng=en&nrm=iso>. 25 BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira. Fidelidade Partidária e a decisão do Supremo Tribunal Federal. In: BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira (Coord.). Constituição e democracia aplicações. Belo Horizonte. Fórum, 2009. p. 125-134. ISBN 978-85-7700-267-2.
12 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis: As formas de go-
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A ORTOTANÁSIA SOB A LUZ DO SISTEMA JURÍDICO E SOCIAL BRASILEIRO Adriana Oliveira** Claudio Roberto*** Diogo Henriques**** Emily Assumpção***** Fábio Gomes****** Fernanda Mota******* Maximiliam Barroso******** Verônica Macedo*********
RESUMO: A construção narrativa desse artigo tem como intuito explanar sobre a ortotanásia dentro de um contexto jurídico e social, de modo a permitir uma ampliação do pensamento crítico sobre o tema, uma vez que se estabelece no desenvolvimento da discussão um paralelo entre os direitos fundamentais previstos na Constituição Brasileira e o contexto bioético aplicado em casos que envolvem pacientes em fase terminal. PALAVRAS-CHAVE: Ortotanásia, morte digna, sistema jurídico e social brasileiro. ÁREAS DE INTERESSE: Direito Constitucional e Direito Penal
1 INTRODUÇÃO Fruto de um longo processo judicial travado entre familiares
A atividade da medicina moderna não consiste
de Terri Schiavo e a justiça americana – no intuito de conceder
apenas em curar e prolongar a vida, ‘mas também
o direito a morte natural a paciente Terri que permaneceu em
em fazer viver quem já está morto’. Os progressos
estado vegetativo por 15 anos, sendo alimentada e hidratada via
atuais da medicina podem manter as funções vi-
sonda –, tanto a ortotanásia quanto temas relacionados ganham
tais de um corpo muito além do curso normal da
cada vez mais força nas discussões da contemporaneidade, tra-
doença. Nesse contexto o morrer está em nosso
zendo mais uma vez a tona um embate antigo entre a medicina
poder e pode ser dominado. Esse domínio possi-
e o direito, nos levando a questionamentos distintos, tais como:
bilita e favorece uma obstinação terapêutica que
uma vida deve ser mantida a qualquer custo ou devemos tam-
agride e não respeita a dignidade do morrente.
bém ter o direito de escolha sobre a morte?
Antes, a medicina se retirava, quando era incapaz
9
Esse breve relato se fundamenta a partir do momento que
de curar. Hoje, ela pode prolongar indefinidamen-
tomamos como base discussões recorrentes sobre a emersão
te uma vida vegetativa em detrimento da qualida-
de uma consciência e reivindicação de um controle do pro-
de de vida do enfermo. (JUNGUES, 1999, p. 172).
cesso da própria morte em casos terminais, em contraposição com muitos povos que lutam pela sobrevivência e clamam por
Jungues também traz questões relativas ao tema ligadas di-
uma vida mais digna. Isso nos permite dizer que, na contempo-
retamente ao capitalismo e as sociedades de consumo, uma vez
raneidade, a morte se apresenta com diferentes conotações,
que trata-se, em geral, de uma cultura narcisista que faz uma
variando de acordo com o estado econômico de determinada
ligação direta do conceito de vida com o sentimento do prazer
região e/ou o contexto social no qual está inserida, permitindo
e do consumo. E, nesse sentido, quando há uma contracorrente
assim que se levante o pensamento de que a morte deixou
que conecta esses indivíduos com a dor e o sofrimento, há uma
de ser algo natural. Nesse sentido, a morte ou ato de morrer
dificuldade de lidar com essa realidade fazendo assim com que
deixa de depender somente do desenvolvimento da medicina
estes busquem alternativas para não ter que enfrentar grandes
que passa, a partir de então, a dividir espaço com o processo
agruras. E, do mesmo modo, “não se tem sensibilidade e solida-
cultural conforme podemos observar no texto de Jungues:
riedade para com aqueles que sofrem e padecem dor e priva-
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ções. Para essa mentalidade existe uma total incompatibilidade
Recordar e sentir os benefícios de uma vida com-
entre sofrimento e realização humana.” (1999, p. 173). E envolto
partilhada, sendo permitida a visita de amigos e
pelos mais diversos sentimentos, fruto dessa linha de pensamen-
familiares;
to, ou mesmo por entender que a morte faz parte de um processo
Aclarar suas relações, expressar os seus desejos e
biológico de desgaste gradativo natural, muitos acabam por optar
compartilhar os seus sentimentos;
pela morte como meio de estanque.
Planejar com seus familiares as mudanças que a
Essa perspectiva pode também ser apresentada como
sua morte imporá aos que rodeiam;
uma das justificativas e/ou como uma possibilidade de enten-
Ter em conta o interesse pelos sentimentos daque-
dimento do aumento crescente de buscas individuais por diag-
les que ficam;
nósticos médicos de um possível mal, em contraposição ao fato
Receber assistência religiosa.
da história nos mostrar que muitas vezes tanto a morte quanto o nascimento chegavam de forma inesperada. Contudo, o pro-
E é a partir desses direitos que daremos andamento a esse
cesso de morte é algo de extrema relevância para o enfermo. E
estudo no intuito de ampliar o leque discursivo dos temas apre-
para melhor entender como funciona essa dinâmica no psicoló-
sentados nessa introdução. Isto, pois, trabalhar com estas e ou-
gico do paciente, que tem ciência do pouco tempo de vida que
tras questões correlatas significa trazer a tona linhas polêmicas
lhe resta, a pesquisadora americana Elisabeth Kübler-Ross re-
de pensamento do Direito e, por isso, se faz necessário ampliar
lata em seu livro “Sobre a morte e o morrer” (1987, p.49-145)
o entendimento dos mecanismos e aparatos médicos, legais e fi-
cinco fases pelas quais passa o moribundo terminal:
losóficos que transitam pelas discussões desses paradigmas, conhecendo assim suas raízes e o universo no qual essas correntes
Fase da negação explícita: nega a evidência do re-
transitam. Para tal daremos seguimento à pesquisa conceituando
lato dos sintomas;
três temas: a eutanásia, a distanásia e a ortotanásia, sendo este
Fase da ira: o doente assume atitudes coléricas
último o foco de nossa discussão.
contra os que o rodeiam. Ele se sente mal pela vitalidade que o rodeia;
1.1 Eutanásia
Fase da negociação: é uma espécie de tréguas e
Tema ainda polêmico em muitas sociedades, a eutanásia
colocação de prazos, enquanto se negocia com
pode ser definida por uma determinada corrente de pensamento
Deus. A pessoa faz promessas em troca da cura;
como uma morte em paz, sem dor. Já outra corrente a considera
Fase da depressão: inicialmente surge uma culpa
como uma privação da pessoa de sua vida, por acreditarem que
com relação a coisas e pessoas que talvez pudessem
sua existência não faz mais sentido para o próprio indivíduo ou
ter sido mais valorizadas no passado. Posteriormente
mesmo para a sociedade em que ele está inserido. Essas duas
esse sentimento também se volta para o futuro onde
correntes também são tradicionalmente conhecidas como euta-
o enfermo sente a necessidade de estar só.
násia ativa e passiva, conforme explica Jungues:
Fase da aceitação: o medo é superado e dá lugar a um profundo sentimento de paz interior. Nesse
Na moral tradicional, falava-se de eutanásia ativa ou
momento a religião ocupa um lugar central.
positiva, que podia ser direta ou indireta. Era o ato
Em complemento, Jungues (1999, p. 178), em seu
de privar alguém da vida por razões de dor. Por outro
discurso sobre Bioética, nos mostra as responsabi-
lado, falava-se de eutanásia negativa ou passiva, que
lidades dos acompanhantes dos pacientes termi-
era o ato de privar a pessoa dos meios que poderiam
nais, ao citar os seus direitos conforme segue:
prolongar a sua vida. (JUNGUES, 1999, p.179).
Morrer com dignidade, respeito e humanidade;
Essa divergência de correntes gerou diversos debates e atu-
Ser informado adequadamente sobre a verdade de
almente a palavra eutanásia é utilizada apenas para definir “a
sua situação;
prática que procura deliberadamente a morte para aliviar a dor.”
Morrer com a menor dor possível e sem a agressão
(JUNGUES, 1999, p.180).
da obstinação terapêutica;
Ao entender a eutanásia a partir dessa concepção, podemos
Receber os cuidados necessários para o seu bem-
também dizer que estamos diretamente ligados a um tema que
-estar físico;
envolve tanto valores éticos quanto de direitos humanos e, sen-
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do assim, é importante também conhecer a posição de correntes
Para demais práticas correlatas utiliza-se os conceitos de
religiosas sobre o tema. Isto se deve ao fato de que apesar de o
distanásia (morte difícil) e ortotanásia (morte correta) conforme
Brasil ser um país laico, é inegável a força da igreja católica no
veremos nos próximos itens.
que se refere a questões que envolvam o embate entre o direito a vida e a religiosidade, e nesse sentido, ao falarmos de eutanásia
1.2 Distanásia
também é importante considerar o entendimento da igreja sobre
Também conhecida como morte difícil, a distanásia é uma prá-
a questão, uma vez que essa é uma corrente de pensamento se-
tica que visa prolongar a todo custo à vida do paciente terminal por
guida por grande parte da sociedade. E sobre o referido tema
vias terapêuticas. Contudo, há uma crítica perene sobre a prática,
a igreja católica apresenta uma posição rígida, defendendo a
pois o avanço técnico e científico da medicina permite atualmente
valorização a vida humana como premissa única admissível,
prolongar a vida de pacientes que apresentam pouca ou nenhuma
conforme constatamos no relato da declaração sobre a euta-
qualidade de vida, como é o caso daqueles que se encontram cere-
násia, assinada pelo Cardeal Prefeito, Franjo Seper, e aprovada
bralmente mortos. Nesse contexto, Jungues esclarece:
pelo Sumo Pontífice João Paulo II, que descreve: Diante de situações distanásicas, deve-se afirmar Ora, é necessário declarar uma vez mais, com toda
que não é necessário fazer, sempre e em todas as
a firmeza, que nada ou ninguém pode autorizar a
circunstâncias, o máximo para se conservar a vida de
que se dê a morte a um ser humano inocente seja
alguém, pois a existência meramente biológica não
ele feto ou embrião, criança ou adulto, velho, doente
significa necessariamente vida humana; não é pre-
incurável ou agonizante. E também a ninguém é per-
ciso usar meios desproporcionados para prolongar a
mitido requerer este gesto homicida para si ou para
vida de quem já não tem esperança de recuperação;
um outro confiado à sua responsabilidade, nem se-
existem situações em que a melhor atitude ética é
quer consenti-lo explícita ou implicitamente. Não há
deixar o paciente morrer, sem intervir para prolongar
autoridade alguma que o possa legitimamente impor
a vida. (JUNGUES, 1999, p.183).
ou permitir. Trata-se, com efeito, de uma violação da lei divina, de uma ofensa à dignidade da pessoa hu-
Essa linha de pensamento leva em consideração o fato de que
mana, de um crime contra a vida e de um atentado
em certos casos o procedimento terapêutico parece estar em primei-
contra a humanidade. (VATICANO, 1980)10.
ro plano e o paciente em segundo, configurando a chamada “obstinação terapêutica” ou “encarniçamento terapêutico” que é definida por
Em complemento ao acima declarado, a medicina também
Baudouin como “uma prática médica excessiva e abusiva decorrente
possui posições éticas que vão ao encontro desta prática, se nos
diretamente das possibilidades oferecidas pela tecnociência e como
amparamos pelo descrito no Juramento de Hipócrates que define:
o fruto de uma obstinação de estender os efeitos desmedidamente,
“A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um
em respeito à condição da pessoa doente.” (Baudouin apud BORGES,
conselho que induza a perda ”.
2005, p.1). E sendo assim, o exercício dessa prática, sem o devido
11
Esses entendimentos abrem o campo de discussão permitindo um julgamento crítico do pedido de eutanásia do paciente, que pode
consentimento do paciente ou de seus familiares, pode ser visto como um atentado a dignidade humana.
então ser interpretado de diversas formas, devendo assim ser reali-
Essas premissas nos permite compreender o caráter ético da
zado uma análise criteriosa, ou mesmo excludente, de argumentos
permissão familiar de desligamento de aparelhos que mantém
em favor da prática da eutanásia que se amparam em pensamentos
biologicamente vivo o paciente que já se encontra comprovada-
de caráter emocional e que levam em consideração definições parti-
mente com morte cerebral. E, do mesmo modo, abre uma discus-
culares de felicidade e bem estar do enfermo. A utilização do termo
são filosófica sobre o entendimento da vida humana, apresentan-
“análise criteriosa” se fundamenta por acreditarmos que é preciso
do dois pontos distintos: ser humano visto como um ser para a
entender em qual contexto social o moribundo está inserido, uma vez
morte e a morte enxergada como parte da vida.
que, em muitos países há uma luta pela liberação legal da eutanásia, quando aplicada em caráter próprio ao enfermo consciente. Esta prá-
1.3 Ortotanásia
tica é “equiparada ao suicídio racional e defendida como um direito
Caminhando em direção contrária da eutanásia e da dista-
da esfera da autonomia que deveria ser reconhecida e tutelada pelo
násia, a ortotanásia tem como premissa o respeito ao direito dos
ordenamento jurídico” (JUNGUES, 1999, p.184).
pacientes terminais em ter uma morte digna e em paz. Essa práti-
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 337
ca parte do princípio de que, com o devido acompanhamento mé-
que as diretivas externadas pelo paciente, quando
dico, o processo de morte se desenvolva naturalmente, ou seja,
ainda sadio e lúcido, sejam esquecidas e não mais
uma vez que o processo de morte já está instalado, não é aplicado
correspondam à sua vontade, anos depois, quan-
no paciente nenhum procedimento que possibilite um prolonga-
do da terminalidade da vida. (MPF, 2013)13.
mento da vida sem o consentimento do enfermo, como declara Maria Celeste Cordeiro dos Santos ao dizer que “o médico (e só
Toda a discussão relatada até o momento tem girado em tor-
ele) não é obrigado a intervir no prolongamento da vida do pacien-
no do sujeito, estabelecendo um link direto ou indireto com a ideia
te além do seu período natural, salvo se tal lhe for expressamen-
de autonomia e dignidade da pessoa humana. Isso nos permite
te requerido pelo doente.” (apud BORGES, 2005, p. 1). Contudo,
dizer que é de fundamental importância compreender o grau de
vale advertir que a administração de medicamentos para aliviar
autonomia jurídica que o indivíduo possui sobre a morte, uma vez
a dor é um direito do paciente e, nesse sentido, o médico deve
que esse entendimento torna-se imprescindível para a garantia do
agir no intuito de amenizá-la.
direito a dignidade humana. Além disso, “deve-se compreender
Mesmo esse procedimento sendo considerado por mui-
que a dignidade da pessoa humana não é um conceito objetivo,
tos como a “morte correta” existem muitas opiniões que são
absoluto, geral, possível de ser abstraído em padrões morais de
contra o método, uma vez que, argumenta-se que o processo
conduta a serem impostos a todas as pessoas.” (BORGES, 2005,
de desenvolvimento da ciência é contínuo e tem se mostrado
p. 3). Inspirado por esses conceitos, e tendo em vista que a orto-
cada vez mais acelerado e, com isso, torna-se cada vez mais
tanásia é uma prática permitida no Brasil, que acreditamos ser
discutível o julgamento de irreversibilidade de um determinado
fundamental explorar e entender os mecanismos legais e sociais
caso patológico, salvo aqueles que apresentam morte cerebral
que cercam a questão. E é no intuito de levantar questões per-
ou encefálica. Isso permite uma ampliação estrondosa à dis-
tinentes e discutir os desdobramentos jurídicos que envolvem a
cussão sobre o tema, pois, a prática além do campo do lícito
prática da ortotanásia que ampliaremos nossa pesquisa nos pró-
ou ilícito passa também a transitar no campo dos limites do
ximos tópicos.
conhecimento científico. Sobre esse aspecto, o Congresso brasileiro tem se posi-
2 DISCUSSÕES JURÍDICAS
cionado de forma incisiva no que refere à regulamentação da
O procedimento da ortotanásia é um procedimento aprova-
questão, conforme pudemos observar em matéria divulgada
do pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), como prática válida
pelo site da Procuradoria Geral da República12, de onde extraí-
em todo território brasileiro, a partir do descrito na resolução nº
mos o seguinte trecho:
1805/2006 (DOU 28-11-2006). Os autores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald no livro Direito Civil: Teoria Geral (2010,
Vícios - A resolução do Conselho Federal de Me-
p. 290) trazem um aclaramento acerca da questão da eutanásia
dicina possui, entre outros vícios, o extravasa-
e a morte digna apresentando nesse revés a ortotanásia. Ambos
mento do poder regulamentar. “Inexiste norma,
posicionam-se criticamente ao legislador do código civil de 2002
constitucional ou legal, que conceda ao réu com-
face à superficialidade discursiva deste assunto no âmbito da
petência para normatizar a prática da ortotaná-
morte e a possibilidade de estender a este momento o reflexo da
sia”, esclarece Ailton Benedito.
dignidade da pessoa humana, ou seja, estendendo ao momento da inexorabilidade da vida, a morte e a dignidade que o ser gozou
Outra vicissitude do ato do CFM consiste na ame-
em vida. Discussão essa que obrigatoriamente passaria pelo rol
aça à segurança jurídica. Para o procurador, a
jurídico pareando em searas como a moral, a religiosa e a ética.
normativa nem sequer exige capacidade civil
A discussão tem por base os vértices morte e vida. Meta-
para que o paciente manifeste sua vontade, dei-
foricamente esses vértices se apresentam contrários, porém
xando ao arbítrio da criatividade do médico – pro-
complementares. Valendo-se da geometria, morte e vida são
fissional cuja formação não requer conhecimen-
como ângulos adjacentes: contrários, porém complementares.
tos técnico-jurídicos. ‘Exemplificadamente, não
Destarte, para Farias e Rosenvald (2010, p. 290), uma morte
há esclarecimentos sobre casos de menoridade,
digna seria o reverso de uma vida digna. Nota-se que esta defi-
de emancipação ou de interdição civil. Tampou-
nição se apresenta cosoante a um entendimento claro do direi-
co há previsão de limite temporal à validade do
to civil-constitucional. Autores como Roxana Cardoso Brasileiro
‘testamento vital’. Corre-se o risco insofismável de
Borges dissertam também sobre um entendimento do próprio
338 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
doente acerca da morte, para a autora o doente assume o pa-
De acordo com a Resolução n. 1.805/2006 do Conselho
pel de propriedade da morte e assim tenta conferir dignidade
Federal de Medicina (CFM) a ortotanásia se refere a uma forma
ao momento futuro sem o prolongamento da agonia.
de tratamento onde não se envolve uma omissão aos cuidados
A discussão em si, nas searas da eutanásia, ortotanásia e até
do paciente, mas sim de um tratamento que busca aliviar os
da distanásia, não chegará ao ponto da solução pontual para cada
sintomas da doença, evitando os sofrimentos decorrentes da
caso. Ainda assim a melhor solução será a ponderação, o enten-
fase final da doença.
dimento de cada caso e o respeito às circunstâncias envolvidas.
Segundo a referida resolução,
Categoricamente tem-se que o Código Penal brasileiro versa que a eutanásia situa-se na ilicitude, assim sendo, o chamado testa-
Na fase terminal de enfermidades graves e incu-
mento vital documento que o doente expressaria sua opção por
ráveis é permitido ao médico limitar ou suspender
determinado tratamento, não é admitido.
procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários
3 UMA ANÁLISE CONSTITUCIONAL
para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na
Ao tratar do tema ortotanásia sob a luz do sistema constitucio-
perspectiva de uma assistência integral, respeitada a
nal, ressaltamos que a dignidade da pessoa humana é uma das
vontade do paciente ou de seu representante legal.
premissas prevista no art. 1º da Constituição Federal de 1988, se
(RESOLUÇÃO nº 1.805/2006, CFM).
apresentando como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito brasileiro. E é baseado nessa norma que muito se discute
Com efeito, a garantia de dignidade da pessoa humana é um
a respeito da ortotanásia, uma vez que, defende-se que usufruir des-
princípio garantido durante todo o desenvolvimento da vida do ser
se direito constitucional parte do princípio de que o indivíduo possa
humano, e não lhe pode ser negado no momento de seu término,
exercer sua liberdade e autonomia, o que implica em respeitar as
pois constituiria assim em uma violação ao conteúdo assegurado
escolhas dos indivíduos em seus últimos momentos de vida. Aceitar
pela Constituição Brasileira de 1988. Nesse sentido, a autora Ro-
isso é entender que o paciente julga ineficaz passar por tratamentos
xana Borges esclarece:
médicos que apenas irão prolongar por um determinado tempo sua existência biológica, conforme explana Borges no trecho que segue:
A concepção de dignidade humana que nós temos liga-se à possibilidade de a pessoa conduzir sua
A não intervenção, desejada pelo paciente, não é
vida e realizar sua personalidade conforme sua
uma forma de eutanásia, com provocação da morte
própria consciência, desde que não sejam afeta-
ou aceleração desta, é o reconhecimento da morte
dos direitos de terceiros. Esse poder de autonomia
como elemento da vida humana, é da condição hu-
também alcança os momentos finais da vida da
mana ser mortal. É humano deixar que a morte ocor-
pessoa. (BORGES, 2001, p.1).
ra sem o recurso a meios artificiais que prolonguem inutilmente a agonia. (BORGES, 2005, p.1).
Então, o direito a morte digna através da ortotanásia está permeado não apenas pela dignidade humana, mas também pelo
O Código de Ética Médica Brasileiro esclarece que a ortotaná-
direito a vida, previsto no caput do artigo 5º da Constituição da Re-
sia configura-se como uma forma de assegurar ao paciente porta-
pública de 1988. O artigo expressa que todos são iguais perante a
dor de uma doença em estágio terminal, dignidade e autonomia
lei, garantindo-se a inviolabilidade do direito a vida, e a liberdade,
em seus momentos finais de vida. Nesse sentido, a Constituição
portanto, trata-se de garantias fundamentais e inerentes à pessoa
busca assegurar uma morte digna ao paciente, sempre se pau-
humana.
tando no princípio da Dignidade Humana, visto que obrigar uma
Ora, nenhum paciente é obrigado a se submeter a trata-
pessoa a viver através de tratamentos que lhe causam dores e
mento, mesmo que exista o dever estatal e profissional de que
sofrimentos que em muitos casos são extremamente degradantes
os melhores tratamentos médicos estejam a sua disposição.
vai contra a própria finalidade buscada pela Carta Magna.
No momento em que o paciente é obrigado a aceitar algum tra-
Mas não estamos falando aqui em adiantar o momento da
tamento contra a sua vontade temos ai à violação dos direitos
morte, mas sim em assegurar ao ser humano o direito de esco-
e garantias fundamentais, e há também a violação do direito
lha de como ele quer morrer e de garantir lhe o direito a uma
a vida digna e de qualidade, bem como do bem estar físico,
morte com dignidade.
psicológico, social e econômico. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 339
Nesse sentido, os artigos 6º e 196 da Constituição da Repú-
fico para a ortotanásia. Entretanto, mudanças estão por vir uma
blica de 1988 asseguram o direito à saúde e o respeito ao princí-
vez que a comissão de constituição e justiça (CCJ) da câmara dos
pio da universalidade de cobertura e de atendimento, abarcando
deputados aprovou em dezembro de 2012 o anteprojeto que atu-
ações de natureza preventiva e reparadora, senão, vejamos: “É
aliza o Código Penal Brasileiro.
direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas
De acordo com as alterações previstas no anteprojeto do novo
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
Código Penal, a prática da ortotanásia será legalmente válida. Não
de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário ás ações e
caracterizará crime quando o agente deixar de fazer uso de meios
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença gra-
Ressalta-se que este direito a saúde não é aquele onde o
ve irreversível. Segue a seguir o artigo 122 do anteprojeto14:
paciente terminal é obrigado a aceitar tratamentos desumanos e degradantes, mas sim o direito a saúde que busca ajudar ao
Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, pa-
paciente e a família durante os momentos finais, onde o médico é
ciente em estado terminal, imputável e maior, a
solidário a dor e busca auxiliar e diminuir o sofrimento do paciente
seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico in-
e não aumentá-lo com tratamentos que só irão prolongar uma vida
suportável em razão de doença grave:
com dor e sem dignidade.
Pena – prisão, de dois a quatro anos.
Portanto, para que a liberdade seja garantia, é necessário que a vontade do paciente seja respeitada, e sua vontade de
§ 1º O juiz deixará de aplicar à pena avaliando as
morrer com dignidade seja atendida. No entendimento de Ro-
circunstâncias do caso, bem como a relação de
nald Dworking (2003, p.307) levar alguém a morrer de maneira
parentesco ou estreitos laços de afeição do agente
que outros aprovam, mas que para ele representa uma terrível
com a vítima.
contradição de sua própria vida é uma devastadora e odiosa forma de tirania.
Exclusão de ilicitude
4 A ORTOTANÁSIA SOB A LUZ DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
§ 2º Não há crime quando o agente deixa de fazer
Inicialmente, cumpre-nos destacar que a ortotanásia é um as-
uso de meios artificiais para manter a vida do pacien-
sunto bastante polêmico e relevante nos tempos atuais, principal-
te em caso de doença grave irreversível, e desde que
mente a luz do direito penal. O que se tem discutido é se existe a
essa circunstância esteja previamente atestada por
possibilidade legal de deixar que um enfermo morra sem que seja
dois médicos e haja consentimento do paciente, ou,
aplicado nenhum recursos que possibilite um prolongamento a vida
na sua impossibilidade, de ascendente, descenden-
sem que o ato possa configurar omissão ou a eutanásia passiva.
te, cônjuge, companheiro ou irmão. (Proposta de an-
É importante destacar que a definição de ortotanásia tem
teprojeto de reforma do Código Penal. Grifos nossos).
grande relevância na configuração do fato como criminoso ou não. Conforme esclarece Maria Villas-Bôas, a ortotanásia se diferencia
Salientamos que a disposição do artigo 122 constante do an-
da eutanásia provocada por omissão (eutanásia passiva), na qual
teprojeto de reforma do Código Penal vai ao encontro do entendi-
a intenção de matar é direta, recorrendo-se, para tanto, à suspen-
mento firmado recentemente pelo Conselho Federal de Medicina
são ou omissão de medidas que ainda são indicadas e úteis para
– CFM, externado na Res. n°. 1.995/2012.
o paciente que sofre, mas que não se encontra em estado termi-
Conforme consta da Resolução n°. 1.995/2012, foi permiti-
nal ou que ainda poderia delas se beneficiar. Nas condutas médi-
do ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos
cas restritivas da ortotanásia o tratamento é inútil e, por isso,
que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermida-
não indicado, ou seja, na iminência de uma morte inevitável,
de grave e incurável, desde que respeitada à vontade do paciente
após a utilização de todos os recursos existentes e necessá-
ou de seu representante legal. Conforme se depreende abaixo:
rios, renuncia ao tratamento que daria somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem interromper os cuidados
CONSIDERANDO que os novos recursos tecnológicos
normais devido ao paciente (2008, p.61-83).
permitem a adoção de medidas desproporcionais que
Ressalta-se que o Código Penal brasileiro de 1940 não tinha
prolongam o sofrimento do paciente em estado termi-
como prever expressamente hipóteses dessa ordem, assim, não
nal, sem trazer benefícios, e que essas medidas po-
existe no Direito Penal Brasileiro vigente, um tratamento especí-
dem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo;
340 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
CONSIDERANDO o decidido em reunião plenária
tratou da ortotanásia. Segundo seu art. 41, parágrafo único, “nos
de 9 de agosto de 2012, resolve:
casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações
Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade
diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sem-
como o conjunto de desejos, prévia e expressa-
pre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua
mente manifestados pelo paciente, sobre cuidados
impossibilidade, a de seu representante legal”.
e tratamentos que quer, ou não, receber no mo-
Quando se diz uma morte benéfica ou digna pensamos direta-
mento em que estiver incapacitado de expressar,
mente no paciente e também em sua família, porque o “bem” de
livre e autonomamente, sua vontade;
morrer afetaria diretamente a estes. Vendo de perto o quão doloroso é o procedimento pergunta-se se realmente é adequado prolongar
Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamen-
esse sofrimento, mesmo sabendo que a morte é inevitável. Neste
tos de pacientes que se encontram incapazes de
ponto, seria digno deixar o enfermo assistir a deterioração de seu
comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e
corpo sem poder decidir se o que ele realmente quer é morrer sofren-
independente suas vontades, o médico levará em
do em uma cama de hospital ou se prefere encerrar seus dias sem
consideração suas diretivas antecipadas de vonta-
dor em sua casa junto de seus familiares? Cada um tem o direito de
de. (Resolução n° 1.995/2012).
decidir como deve passar seus últimos dias de vida? Dessa forma, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de
Como se observa, embora o atual Código Penal Brasileiro não
Lei nº. 6.715 de 2009, que torna prevista em lei a ortotanásia. Em
aborde o instituto da ortotanásia, o artigo 122 do anteprojeto su-
outros termos, a resolução do CFM poderá sair do campo da po-
pracitado e a própria resolução do CFM nos leva a entender que
lêmica para ter respaldo legal. Segundo o site da Câmara dos De-
essa prática não se configurará crime uma vez que na ortotanásia
putados este projeto de lei ainda está tramitando, encontrando-se
a vida se extingue por si própria.
nesta situação: Aguardando Parecer - Ag. Devolução Relator não-membro na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), Origem: PLS 116/2000, Autor: Senado Federal - Gerson
5 UM OLHAR SOCIOLÓGICO
Camata - PMDB/ES, Apresentação: 23/12/2009, Ementa: Altera 5.1 Morte digna?
o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal),
Etimologicamente a palavra ortotanásia significa ortho = certo
para excluir de ilicitude a ortotanásia.
e tanathos = morte, ou seja, “a morte no tempo certo”. Essa mor-
Além desta posição o Código de Ética Médica17 prevê no ca-
te acontece quando o médico se limita a cumprir os procedimentos
pítulo IV dos Direitos Humanos que é vedado ao médico: Art. 24.
do tratamento que prolongariam a vida do doente em fase terminal,
“Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir
permitindo então ao doente seguir o processo natural, espontâneo,
livremente sobre sua pessoa o seu bem-estar, bem como exercer
sem nenhuma tentativa de tratamento. Segundo a visão de Rodrigo
sua autoridade para limitá-lo”, ou seja, a medicina contemporâ-
da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Fa-
nea tem acolhido a prática da ortotanásia, de modo que o CFM de-
mília (IBDFAM), “O tema ortotanásia é polêmico porque mexe com
monstra uma preocupação com a dignidade da pessoa humana.
os fantasmas da morte e esbarra em valores morais e religiosos.”
Apesar de toda a complexidade que envolve a ortotanásia,
(2013)15. Entende-se que este auxílio a morte é lícito se não provocar
devem ser consideradas as opiniões do médico, da família e
o encurtamento da vida, e, nesse sentido, a ortotanásia se encaixa
principalmente do paciente que se encontra nesta situação. No
no contexto uma vez que visa respeitar o bem-viver global da pessoa
caso da ortotanásia, não há dolo de lesão ou perigo à vida, ou
e a dignidade em seu viver e em seu morrer.
seja, não é crime, ao contrário, pretende-se preservar a digni-
Assim, a ortotanásia se coloca no intuito de proporcionar uma morte valorada de forma positiva, levando em consideração o fato
dade humana de quem está em estado precário de saúde e sem perspectivas de cura.
de que o paciente já se encontra em fase terminal e não deseja mais sofrer com a doença, portanto, a morte gerada através da
5.2 Os direitos humanos
ortotanásia não deve ser considerada um homicídio.
Como já pudemos observar muitas pessoas ainda confun-
Em reforço a esse pensamento, esclarecemos que em 2009
dem os conceitos de ortotanásia e eutanásia, julgando serem
houve a edição do novo Código de Ética Médica (Resolução CFM
a mesma coisa, e por isso condenam de forma preconceituosa
1.931/2009) , vigente desde abril de 2010, cujo texto também
um procedimento considerado nobre na opinião de muitos mé-
16
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 341
dicos, pacientes e familiares de pacientes em fase terminal.
entre os médicos e seus pacientes.
Pois bem, os argumentos expostos nesse estudo deixam claro
Entretanto, a partir da resolução nº. 1.805/2006 promulgada
que a ortotanásia é o procedimento pelo qual o indivíduo se abs-
pelo CFM os profissionais de medicina tiveram um norte de como
tém de um tratamento doloroso e prolongado, ao qual o médico
agir, pois antes não poderiam por vontade própria aconselhar a
mantém um mínimo possível de tratamento para garantir os di-
ortotanásia, quando uma simples menção regulativa iria contra
reitos da dignidade da pessoa humana. Nesses casos, o paciente
princípios morais e éticos profissionais.
em questão é portador de uma doença incurável e frequentemente está em fase terminal irreversível. Assim, médicos e paciente,
A boa morte. Se perguntardes a um homem que
sabendo que se trata de uma doença incurável, optam por uma
morte prefere, ou doce e tranquila, ou então entre so-
“morte boa”, sem o doloroso processo de tratamento para a sobre-
frimentos atrozes e intermináveis, não tereis dúvida
vida, quando o tratamento somente prolongaria uma sobrevida.
sobre a resposta. A razão e o sentimento são acordes
Observa-se, também, que a Eutanásia, por sua vez, desconside-
em querer evitar os males inúteis. Todos desejamos a
ra o mínimo necessário para que haja vida, fazendo com que a morte
eutanásia, a morte boa, e temos medo da morte má.
do indivíduo seja imediata ou quase imediata à sua ação. Desta feita,
(CANTONI apud COSTA, 2011, p. 12).
desligar equipamentos que mantém a vida do paciente é prática de eutanásia, pois, nesse procedimento o médico age ou omite-se, constituindo crime previsto no Código Penal Brasileiro. Desta forma, muitas são as discussões sobre um tema tão relevante e complexo. Mas, se a Constituição Federal contempla o
Assim, podemos dizer que a ortotanásia é o direito que o homem tem desde seu nascimento a viver com dignidade, ou seja, ter seu fim com dignidade e respeito também é um direito do ser humano e o Estado deve garantir esses direitos.
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, buscando assim, um mínimo de condições possíveis para que a pessoa viva uma vida digna, porque não entendermos que também somos merecedores de uma morte digna, sem sofrimentos e muitas vezes, constrangimentos?
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Todo este arcabouço teórico nos permite entender que a ortotanásia está diretamente ligada à morte digna, que é um direito
Não podemos deixar de lembrar, ainda, que a revista Veja
do homem que está amparado por princípios constitucionais da
publicou em sua edição nº. 2162, em 28 de abril de 2010, uma
vida, da igualdade, da liberdade, e do direito a saúde. Além disso,
matéria com depoimentos de médicos, pacientes e familiares
o Conselho Federal de Medicina regulamentando procedimentos
de pacientes, envolvidos em questões relacionadas aos dile-
que buscam proporcionar aos pacientes terminais uma garantia
mas levantados pela possibilidade médica de prolongar ou
de escolha nos momentos finais da vida, colocando o tão polê-
abreviar a agonia de pacientes terminais.
mico discurso morte versus vida nas mãos de quem cabe essa
Um dos depoimentos mais emocionantes é de Cláudia de Crescenzo, de 45 anos de idade, que conta: “Minha filha Ma-
decisão, ou seja, o próprio paciente terminal, consagrando assim a autonomia do enfermo sobre o seu próprio destino.
riana tinha apenas seis anos quando diagnosticada com leuce-
Além disso, a ortotanásia pode ser vista como um modelo natu-
mia. Nos seis anos seguintes, ela foi submetida a tratamentos
ralista que sustenta o fato de que a natureza é dotada de um ritmo
muito agressivos. Valente, enfrentou a doença de forma muito
próprio, pela qual ela se auto regula, isto é, visa que o processo de
madura. Nos últimos dias de vida, pediu para ser sedada por-
morrer deve ser algo natural, fruto da vontade do paciente, conside-
que ‘estava cansada e queria dormir’. Que tipo de mãe eu seria
rando, inclusive, que esta pode ser uma decisão muito complicada
se não respeitasse a vontade de minha filha?”
e dolorosa para os familiares, pois às vezes é difícil pesar racional-
Aliás, a consagração da autonomia de uma pessoa sobre
mente que a natureza deve seguir naturalmente seu curso.
o seu destino é um instrumento legal existente no direito dos
Vale ressaltar que uma série de questões e procedimentos
Estados Unidos, o living will, que traduzido para o português,
médicos e jurídicos deverão ser seguidos até que o processo de
quer dizer testamento em vida. Idealizado no fim da década
ortotanásia se concretize de fato, por isso, é importante frisar que
de 60 pelo advogado americano Luis Kutner. O documento é o
trazer esse tema a tona não significa discutir a morte, mas sim a
registro expresso da vontade do paciente de ter ou não a vida
forma como ela é tratada no estágio final de vida do ser o humano.
mantida artificialmente em casos de doença terminal.
Para tal, procuramos abordar a ortotanásia de forma abrangen-
O testamento em vida é feito na presença de duas teste-
te, trabalhando seus méritos e deméritos sob diversos contextos (éti-
munhas e tem força de lei. No Brasil, um documento assim não
co, social, jurídico etc.), estabelecendo assim um paralelo que nos
tem amparo legal. Mas acordos desse tipo vêm sendo firmados
permitiu entender que, ao violar os direitos fundamentais de um do-
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ente em fase terminal não estamos desrespeitando apenas o direito deste paciente, mas também a própria Constituição Brasileira. Isto, pois, já vimos que a partir do texto previsto na Constituição Brasileira de 1988 é possível defender e assegurar ao paciente terminal, que em pleno gozo de sua faculdade mental, escolha como será o seu tratamento, podendo assim se abster de receber tratamentos que só irão prolongar a sua dor. Desta forma, podemos concluir então que entender esse processo significa conceber o fato de que o direito a uma morte digna deve ser efetivado em plenitude, e, para tal, é preciso compreender e respeitar o fato de que a morte deve ser tratada como um acontecimento natural da vida.
org.br/resolucoes/CFM/2009/1931_2009.htm> Acesso: 20 abr. 2013 COSTA. Wender José da. Ortotanásia sob a luz dos direitos humanos. UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande. Várzea Grande, 2011. Disponível em: <http://www.univag.edu.br/adm_univag/Modulos/Producoes_Academicas/arquivos/Artigo_publicacao.pdf> Acesso: 19 abr. 2013. DWORKIN, R. M. Domínio da Vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. 11ª ed. Salvador: Editora JusPODEIVM, 2013.
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16 http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2009/1931_2009. htm 17 http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra_4.asp
NOTAS DE FIM 1 * Graduanda do curso de Direito - Centro Universitário Newton Paiva; Bacharel em Administração - Centro Universitário Newton Paiva. 2 ** Graduando do curso de Direito - Centro Universitário Newton Paiva; Graduado em Gestão de Negócios Automotivos - Centro Universitário Newton Paiva. 3 *** Graduando do curso de Direito - Centro Universitário Newton Paiva; Bacharel em Ciências Contábeis - Centro Universitário Newton Paiva; Especialista em Gestão Corporativa de Tributos - Centro Universitário Newton Paiva. 4 **** Graduanda do curso de Direito - Centro Universitário Newton Paiva. 5 ***** Graduando do curso de Direito - Centro Universitário Newton Paiva; Bacharel em Administração - Centro Universitário Newton Paiva; Especialista em Gestão de Pessoas e Liderança Estratégica - Centro Universitário Newton Paiva. 6 ****** Graduanda do curso de Direito - Centro Universitário Newton Paiva; Bacharel em Geografia e Meio Ambiente - Centro Universitário Newton Paiva; Especialista em Gestão de Negócios - UNI-BH. 7 ******* Graduando do curso de Direito - Centro Universitário Newton Paiva; Bacharel em Comunicação Social - Centro Universitário Newton Paiva; Especialista em Gestão Estratégica de Marketing (MBA) - Centro Universitário UNA. 8 ******** Graduanda do curso de Direito - Centro Universitário Newton Paiva. 9 Apesar do desespero de uma família que sofreu uma tragédia que já dura 15 anos, a última semana foi tumultuada. Em 18 de março, o tribunal do estado da Flórida finalmente ordenou que fossem removidos os tubos de alimentação de Terri Schiavo, uma mulher que teve sérios danos cerebrais em 1990. (The Economist, 2005, tradução nossa). 10 http://www.vatican.va 11 http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3. 12 http://noticias.pgr.mpf.gov.br 13 Ver matéria na íntegra no anexo 1. 14 Anteprojeto do Novo Código Penal. Disponível em: <http://s.conjur. com.br/dl/anteprojeto-codigo-penal.pdf> Acesso: 20 de abril de 2013.
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ANEXO 1 E ÚLTIMO MPF/GO MOVE AÇÃO CONTRA RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MEDICINA QUE “FACILITA” MORTE DE PACIENTES Resolução do CFM extrapola as suas competências, além de ofender valores constitucionais O Ministério Público Federal em Goiás (MPF/GO) move ação civil pública, com pedido de liminar, para suspender Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.995/2012, que “dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes” (ortotanásia). A normativa extrapola competências legais do Conselho, como também agride a Constituição da República. De acordo com a Resolução do CFM, o paciente poderá definir “diretivas antecipadas de vontade” como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. Pela resolução, essas diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. A diferença entre esse procedimento e a “eutanásia” é que, na ortotanásia, não há uma “ajuda” para a morte do paciente, apenas não é oferecido um possível recurso ou tratamento expressamente recusado pelo paciente. Para o MPF, a resolução é inconstitucional e ilegal, pois “extravasa os limites do poder regulamentar, impõe riscos à segurança jurídica, alija a família de decisões que lhe são de direito e estabelece instrumento inidôneo para o registro de diretivas antecipadas de pacientes, investe o médico da condição de senhor absoluto do cumprimento das diretivas”. O procurador da República Ailton Benedito, autor da ação, explica que a resolução do CFM pretende introduzir no ordenamento jurídico a expressa possibilidade de se facultar a pacientes valerem-se da ortotanásia, consistente em se abdicar do emprego de medidas médicas paliativas, que tenham como único resultado o de retardar, artificialmente, a inevitável e iminente morte do paciente terminal. No entanto, “a pretexto de suprir o vazio normativo atinente às formas de expressão de vontade do paciente terminal, e, assim, conferir segurança jurídica à atividade médica, o CFM dispôs, ilicitamente, sobre o ‘direito de morrer’, sublimando-se todas as repercussões administrativas, civis e penais dessa prática”, aponta o procurador. Vícios - A resolução do Conselho Federal de Medicina possui, entre outros vícios, o extravasamento do poder regulamentar. “Inexiste norma, constitucional ou legal, que conceda ao réu competência para normatizar a prática da ortotanásia”, esclarece Ailton Benedito. Outra vicissitude do ato do CFM consiste na ameaça à segurança jurídica. Para o procurador, a normativa nem sequer exige capacidade civil para que o paciente manifeste sua vontade, deixando ao arbítrio da criatividade do médico – profissional cuja formação não requer conhecimentos técnico-jurídicos. “Exemplificadamente, não há esclarecimentos sobre casos de menoridade, de emancipação ou de interdição civil. Tampouco há previsão de limite temporal à validade do ‘testamento vital’. Corre-se o risco insofismável de que as diretivas externadas pelo paciente, quando ainda sadio e lúcido, sejam esquecidas e não mais correspondam à sua vontade, anos depois, quando da terminalidade da vida”. Pedidos - Primeiramente, em tutela antecipada, e, após, em julgamento definitivo, o maior objetivo do MPF/GO é a suspensão da resolução CFM 1.995/2012. Para tanto, é pedido que a Justiça reconheça e declare a inconstitucionalidade da resolução, além disso, que suspensa, em todo o território nacional, a aplicação dessa normativa. É postulada aplicação de multa diária de R$ 100 mil, para cada caso de descumprimento. Assessoria de Comunicação Ministério Público Federal em Goiás
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BENEFÍCIOS E IMPACTOS DA DESAPOSENTAÇÃO: Proposição de discussão Elaine Cristina Oliveira e Guerra1
RESUMO: Opiniões distintas circulam entre Legislativo, Judiciário e especialistas no assunto. Com este estudo pretende-se demonstrar as vantagens e desvantagens com a regulamentação do tema identificando os benefícios sociais e avaliando a existência de impactos financeiros no sistema atual da Previdência Social. PALAVRAS-CHAVE: Previdência Social; Direito Previdenciário; renúncia; aposentadoria; desaposentação. Área de Interesse: Direito Previdenciário
1. INTRODUÇÃO
Para dar seqüência a este entendimento, serão aborda-
O tema referente à desaposentação tem sido discutido
dos os aspectos conceituais pertinentes à aposentadoria
com mais ênfase na doutrina e na jurisprudência. São diver-
conforme os regimes vigentes e, logo após, seguirá um de-
gentes as opiniões sobre as conseqüências da renúncia à apo-
talhamento sobre a desaposentação, além de uma avaliação
sentadoria para que o segurado possa obter benefício mais
de benefícios sociais e impactos no equilíbrio financeiro do
vantajoso. O fato é que até então o tema era pouco abordado
sistema previdenciário. Por fim, serão apresentadas as consi-
e os principais entendimentos giravam entorno da irreversibili-
derações finais deste estudo.
dade da aposentadoria. Em resumo, conforme Ibrahim (2007, p. 38), o instituto
2. A APOSENTADORIA
da desaposentação exclui o vínculo do segurado com o regime de origem e possibilita a emissão da certidão de tempo de
2.1 Conceito
contribuição, com a respectiva averbação em regime próprio,
Conforme Marcelo (2012, p. 23), a aposentadoria é a
permitindo que o trabalhador aposentado pleiteie nova apo-
prestação dada ao segurado, mediante contribuição, e visa
sentadoria em melhores condições financeiras.
substituir o salário ou renda do trabalhador, garantindo sua
A falta de uma legislação específica e de constantes reformas no cálculo do benefício, aliados ao aumento da expectativa de vida dos brasileiros nos últimos anos, tem levado o jubilado que continua na ativa a converter essas contribuições
subsistência. É o ato administrativo declaratório que reconhece ao segurado o direito a aposentadoria. Já Castro e Lazzari (2006, p. 543) definem aposentadoria como uma prestação por excelência da Previdência Social.
em um benefício maior que o atual. No entanto, pretende-se
Em 2011, segundo Anuário Estatístico da Previdência So-
demonstrar que um benefício maior pode ter impactos sociais
cial, já eram quase 7,5 milhões de segurados por tempo de
positivos para os segurados e déficits incalculáveis para a
contribuição e idade, conforme abaixo:
previdência social. Assim, a análise sobre o beneficio da desaposentação deve ser feita em sua coletividade, já que individualmente o segurado almeja benefício próprio, sem causar prejuízo ao sistema protetivo do país. De imediato surgem algumas conseqüências, dentre elas: o INSS se vê impedido de deferir administrativamente qualquer pedido que tenha por objeto a desconstituição de aposentadoria já concedida; a outra conseqüência é que, o judiciário acaba por ser o único órgão capaz de atender à demanda do segurado, o que acaba por criar diversas soluções para o mesmo tema. 346 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
TABELA 1 - Quantidade de aposentadorias urbanas ativas, por grupos de espécies, segundo as Grandes Regiões e Unidades da Federação - Posição em dezembro - 2009/2011
Nos tópicos seguintes serão apresentadas as modalidades
contribuição e a trabalhadora mulher, 30 anos. Para requerer a
da aposentadoria e os conceitos da desaposentação aplicados ao
aposentadoria proporcional, o trabalhador tem que combinar dois
Regime Geral da Previdência Social.
requisitos: tempo de contribuição e idade mínima. A Aposentadoria Especial é concedida ao segurado que tenha
2.2 MODALIDADES
trabalhado em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. O Auxílio Doença é concedido ao segurado impedido de tra-
2.2.1 RGPS
balhar por doença ou acidente por mais de 15 dias consecutivos.
O Regime Geral de Previdência Social abrange todos os traba-
O Salário Família é pago aos segurados empregados, exceto
lhadores a iniciativa privada, ou seja, aqueles que possuem rela-
os domésticos, e aos trabalhadores avulsos com salário, para au-
ção de emprego regida pela CLT, além de empregados rurais, do-
xiliar no sustento dos filhos de até 14 anos de idade ou inválidos
mésticos, trabalhadores autônomos, empresários, trabalhadores
de qualquer idade.
avulsos, servidores públicos não amparados por Regime Próprio
O Salário maternidade é devido às seguradas empregadas,
de Previdência Social, eclesiásticos, entre outros, garantindo a co-
trabalhadoras avulsas, empregadas domésticas, contribuintes in-
bertura de todas as situações expressas no artigo 201 da Consti-
dividuais, facultativas e seguradas especiais, por ocasião do par-
tuição da Republica Federativa do Brasil.
to, inclusive o natimorto, aborto não criminoso, adoção ou guarda judicial para fins de adoção.
As espécies de prestações para os segurados do Regime Ge-
O Auxílio Acidente é pago ao trabalhador que sofre um aciden-
ral da Previdência Social são as aposentadorias por invalidez, por
te e fica com seqüelas que reduzem sua capacidade de trabalho.
2
idade, por tempo de contribuição integral e proporcional, aposentadoria especial, auxílio doença, salário família, salário maternidade e auxílio acidente, das quais, conforme Ministério da Previdência Social, serão sucintamente conceituadas a seguir. A Aposentadoria por Invalidez é um benefício concedido aos trabalhadores que, por doença ou acidente, forem considerados incapacitados para exercer suas atividades ou outro tipo de servi-
2.2.2 RPPS O Regime Próprio da Previdência Social contempla os servidores titulares de cargo efetivo no âmbito de cada entidade federativa, abrangendo também magistrado e membros do poder púbico. As leis nº. 9.717/98 e nº. 10.887/04 tratam das regras gerais dos regimes próprios da Previdência Social.
ço que lhes garanta o sustento. A Aposentadoria por Idade beneficia os trabalhadores urbanos do sexo masculino a partir dos 65 anos e do sexo feminino a partir dos 60 anos de idade.
3. A DESAPOSENTAÇÃO O tema desaposentação não é recente, foi introduzido no mundo jurídico pelo Advogado previdenciarista Wladimir Novaes
A Aposentadoria por Tempo de Contribuição pode ser integral ou proporcional. Para ter direito à aposentadoria integral, o trabalhador homem deve comprovar pelo menos 35 anos de
Martinez nos idos do ano de 1987, no livro “Desaposentação”, de sua autoria, publicado em 2008, pela editora LTr. Antes de 1994, quem se aposentava e continuava contribuindo,
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tinha a concessão do pecúlio, ou seja, suas contribuições devolvidas
fício integral, aumentando consideravelmente sua remuneração
pelo INSS. Após 15 de abril de 1994, com a lei nº. 8.870/94, não
e mantendo sua margem de contribuição. Além disso, contando
houve mais esta concessão e esta não poderá ser mais invocada pelo
com uma expectativa de vida e fator previdenciário possivelmente
segurado que voltasse ao trabalho após essa data.
diferentes de quando se aposentou.
Atualmente, só há concessão do pecúlio para contemplar di-
O entendimento aqui adotado mescla os conceitos acima,
reitos adquiridos para segurados que preenchem cumulativamen-
tratando a desaposentação como ato jurídico de interesse do
te dois requisitos: pararem de trabalhar agora e terem se aposen-
segurado, que depende da renúncia e do posterior recálculo do
tado antes de 03/1994.
benefício usufruído por ele, com o objetivo evidente de melhorar sua remuneração em detrimentos as contribuições vertidas após
3.1 Conceito
a aposentadoria.
Para Ibrahim (2007, p. 34), o instituto da desaposentação é a reversão do ato que transmudou o segurado em inativo, encerran-
3.2 Modalidade
do, por conseqüência, a aposentadoria. Aqui tal conceito é utiliza-
Conforme Wladimir Novaes (2012, p. 90/93), as modalidades
do em sentido estrito, como normalmente é tratado pela doutrina
adotadas são no bojo do RGPS, RGPS para RPPS, dentro do RPPS,
e jurisprudência, significando tão-somente o retrocesso do ato
proporcional para integral, mudança de cargo, benefício por inca-
concessivo de benefício almejando prestação maior.
pacidade, invalidez para idade e previdência complementar.
Já para Castro e Lazzari (2006, p.506), a desaposentação refe-
No entanto, o presente artigo optou por só tratar do instituto
re-se ao direito do segurado ao retorno à atividade remunerada, com
no âmbito do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Tal se
o desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de
justifica, por abranger a maioria das ações que se apresentam
aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova apo-
para julgamentos nos tribunais pátrios.
sentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário. Segundo Coelho (2009), desaposentação é a contagem do tempo de serviço vinculado à antiga aposentadoria para fins de averbação em outra atividade profissional ou mesmo para dar suporte a uma nova e mais benéfica jubilação.
3.3 Benefícios e Impactos Neste tópico, o objetivo é demonstrar quais são os benefícios e impactos do instituto da desaposentação na atualidade. A partir de 1999, a procura pela renúncia da aposentadoria
Conforme Marcelo (2012, p. 25), a desaposentação consis-
cresceu com a criação do fator previdenciário, criado para inibir
te no ato de renúncia da aposentadoria, definida pela doutrina
as aposentadorias precoces, que reduz o valor do benefício para
como “aposentação inversa”. Nos dias atuais, o conceito de desa-
quem se aposenta com menos idade, independentemente do seu
posentação está sendo utilizado de forma mais ampla, pois além
tempo de contribuição.
de significar a renúncia à aposentadoria é utilizada também para
É certo que em qualquer sistema as despesas necessitam de
conceituar a renúncia de qualquer benefício de natureza previden-
aporte financeiro prévio, não há como quitar débitos sem o recur-
ciária ou assistencial.
so financeiro necessário, sob pena de quebra no equilíbrio das
Aqui se torna importante o entendimento de um novo conceito: a renúncia, que conforme Gomes e Gottsckalk (2007, p.234),
contas. É nesse ponto que se abordam alguns exemplos do reflexo da desaposentação, conforme a seguir.
é o negócio jurídico unilateral que determina o abandono irrevogável de um direito dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico. É ato, portanto, que independe da aquiescência de outrem (KRAVCHYCHYN, 2007).
3.3.1 Benefício Social Os benefícios sociais que a desaposentação poderia trazer, melhorando o nível de remuneração do segurado, são tão desco-
Percebe-se, pelos conceitos apresentados, que a desaposen-
nhecidos quanto os impactos financeiros que essas revisões po-
tação passa pelo ato da renúncia ao benefício já adquirido para
deriam causar à previdência social. Conforme colocação do jurista
que, posteriormente, um novo benefício seja calculado conside-
Wladimir Novaes Martinez, citado por Kravchychyn (2009):
rando o período em que houve contribuição. O grande problema é avaliar se este novo cálculo traz realmente os benefícios sociais
O aumento no tempo de contribuição e a diminui-
esperados e se estas diferenças financeiras serão absolvidas pelo
ção da expectativa de vida podem, no caso con-
sistema de previdência social, já que neste espaço de tempo, o
creto, garantir o equilíbrio atuarial do sistema. Isso
segurado pode deixar de ter um benefício resultante, por exem-
porque, devemos lembrar que uma aposentadoria
plo, de uma aposentadoria proporcional para alcançar um bene-
concedida mais tarde significará um pagamento
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por menos tempo, o que acabará se equilibrando
buindo e usufruindo do benefício da aposentadoria, resultou
com um aumento de valor do benefício. Sem fa-
numa diferença de R$ 1.152,22, um acréscimo de mais 95% em
larmos nas parcelas vertidas ao regime após a pri-
seu benefício, resultante de um aumento de mais de 55% no fator
meira aposentadoria.
previdenciário. Como não está explícito no exemplo, não fica comprovado que as contribuições realizadas pelo segurado durante
3.3.2 Equilíbrio Atuarial e Financeiro
os 7 anos foram suficientes para cobrir o aumento no novo salário
Marcelo (2012, pág. 65) observa que o fator previdenciário
de benefício e a previdência acaba assumindo um seguro sem o
passa a assumir um papel importante no tema “Desaposentação
aporte necessário para cobri-lo. Fica impossível evidenciar essa
e Reaposentação”. Isso se deve porque o segurado que continua
diferença em escalas maiores, mas alguns dados podem ser ob-
a contribuir para a Previdência Social, conta com um acréscimo
servados a seguir.
no fator previdenciário que diminuirá o desconto em relação ao salário de benefício ou ocasionará um acréscimo no mesmo.
A Previdência Social registrou que em 2009, o valor total dos recebimentos do caixa do INSS atingiu R$ 273,5 bilhões, o
Conforme exemplo citado por Marcelo (2012, pág. 65 e 66)
que correspondeu a um aumento de 12,2% em relação ao ano
um segurado, quando se aposentou por tempo de contribuição em
de 2008. O valor dos pagamentos em 2009 atingiu R$ 272,7
20/02/2004, tinha:
bilhões, o que correspondeu a um aumento de 12,4% em relação ao ano anterior. As rubricas mais importantes foram Benefícios –
Salário benefício = R$ 2000,00;
INSS, LOAS e RMV e transferências a terceiros, cujas participações
Expectativa de Vida de 29 anos;
no total foram de 79,7%, 6,9% e 6,7% respectivamente.
Tempo de Contribuição de 35 anos;
Em 2009, a relação entre a arrecadação líquida (dada pela
Idade de 50 anos, 1 mês e 19 dias (50,1361 em decimal);
diferença entre recebimentos próprios menos transferências a
Alíquota de contribuição de 0,31;
terceiros e restituições de arrecadação) e o PIB foi de 5,8%; e a re-
Fator Previdenciário = 0,602310
lação entre os pagamentos com benefícios do RGPS e o PIB foi de 7,2%. O saldo previdenciário (diferença entre arrecadação líquida
A Renda Mensal Inicial com base nestas informações seria de R$ 1.204,62 que equivale a (R$ 2000,00 x 0,602310). Após a desaposentação e posterior aposentadoria por tempo de contribuição concedida em 20/02/2011:
e benefícios previdenciários) foi de R$42,9 bilhões o que correspondeu a um aumento do déficit de 15,5%, quando comparado com o ano anterior. A diferença entre o valor da arrecadação líquida e o total de benefícios foi de R$ -62,9 bilhões, cerca de 15,3% maior que o déficit observado em 2008.
1 – Salário Benefício: R$ 2.500,00 (Houve um acréscimo no salário de benefício)
Com base no exemplo apresentado acima é possível perceber que o benefício social é inquestionável, já que o segurado contará
2 – (ES) Expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria: 23,50 anos;
com um benefício maior. No entanto, o principal problema será o crescimento dos benefícios aos segurados sem a devida contri-
3 – (TC) Tempo de Contribuição até o momento da aposentadoria: 42 anos;
buição a previdência social no período em que eles já usufruíam do benefício da aposentadoria, causando um impacto financeiro
4 – (ID) Idade no momento da aposentadoria: 57 anos, 1 mês e 19 dias (57,1361 em decimal);
considerável nos cofres da previdência. Conforme o Conselho Nacional de Justiça, 70 mil brasileiros
5 – (A) Alíquota de contribuição correspondente: 0,31.
aposentados procuraram a Justiça para pedir a desaposentação3.
Renda Mensal da aposentadoria por tempo de contribuição:
Hoje, há cerca de 24 mil ações desse tipo nos tribunais. Muitas delas aguardam uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, mas ainda não há previsão de quando o caso será julgado. Em matéria do Jornal Hoje4, o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves, diz que o projeto aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado provocaria um rombo de R$ 70 bilhões nas contas do INSS, comentado que: “Se pudesse pagar, tudo bem,
salário benefício x fator previdenciário:
mas não há a menor viabilidade”. RMI = R$ 2.500,00 x 0,942737 =
R$ 2.356,84
A desaposentação para este segurado, após 7 anos contri-
3.4 Necessidade de restituição É fato que um benefício de aposentadoria só é concedido
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quando todos os requisitos forem preenchidos, não podendo o au-
restituição dos valores quando a ela é obrigado. Se o aposentado é
tor requerer um novo benefício até que os requisitos deste sejam
obrigado a devolver e se esta decisão transitou em julgado, torna-se
atendidos, de forma a usufruir de benefício mais vantajoso finan-
possível o entendimento de enriquecimento ilícito.
ceiramente. Contudo, como será demonstrado, alguns autores divergem na opinião sobre a possibilidade de restituição dos valores já auferidos pelos segurados, de forma a abrir uma possibilidade de novo cálculo de benefício. Para Ibrahim (2007, p. 61/62) em caso de migração entre regimes será desnecessário a restituição de valores, vez que o
4. PROJETO DE LEI A matéria que se pretende regular por lei garante ao aposentado que continuar trabalhando o direito de renunciar ao benefício previdenciário e aproveitar o tempo de contribuição no cálculo de nova aposentadoria mais vantajosa.
sistema previdenciário brasileiro adotou a sistemática de reparti-
Cabe relembrar que conforme o artigo 181-B do Decreto n.
ção simples (os da ativa sustentam os da inatividade para serem
3.048/99, as aposentadorias por idade, tempo de contribuição
sustentados no futuro), aduzindo ainda que se trata de benefício
e especial são irreversíveis e irrenunciáveis.
previdenciário, com característica de verba alimentícia, razão pela
Atualmente, como a legislação previdenciária não prevê a
qual não se poderia exigir a devolução de qualquer valor devida-
possibilidade de renúncia do benefício, as agências do Instituto
mente recebido.
Nacional do Seguro Social – INSS se recusam a processar os
Já Martinez (2008, p. 36) entende que se deve restituir apenas o
pedidos de renúncia da aposentadoria. Assim, o segurado que,
necessário, ou o todo, à manutenção do equilíbrio financeiro dos regi-
hoje, pretenda renunciar sua aposentadoria para, em seguida,
mes envolvidos com o aproveitamento do período anterior no mesmo
obtê‐la de novo, em valor mais alto, deve recorrer à Justiça.
ou em outro regime de previdência social, sempre que a situação do segurado melhorar e isso não causar prejuízo a terceiros.
Neste sentido, o projeto de lei nº. 91, de 2010, propõe exatamente o direito à renúncia bem como o cálculo de nova renda
Na Lei nº. 9.796/1999 não há exigência para que o Poder Públi-
do benefício considerando o tempo de contribuição após a apo-
co, por meio de seus regimes previdenciários, efetue compensação
sentadoria, sem que o beneficiado devolva valores já usufruídos.
integral, mas apenas do necessário ao equilíbrio financeiro e atuarial.
O texto da proposta deixa evidenciado que, na hipótese de
Visto ser o benefício previdenciário uma verba utilizada na
concessão de novo benefício, tanto a nova remuneração quanto
sobrevivência do segurado, entende-se que a restituição não é de-
a contagem do tempo de contribuição anterior e posterior à re-
vida, a menos que o segurado seja obrigado a fazê-lo.
núncia têm seus efeitos restritos ao âmbito do Regime Geral de
Certo é que, no momento do acerto de contas, poderá haver insuficiências, já que ao aposentar outro segurado, o regime instituidor não possuirá exatamente os recursos para pagá-lo.
Previdência Social. A proposta do projeto é que o Art. 1º A Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991, passe a vigorar acrescido do seguinte artigo 18-A:
3.5 Enriquecimento ilícito
Art. 18-A. O segurado que tenha se aposentado pelo
Neste contexto, duas abordagens são necessárias: o enrique-
Regime Geral de Previdência Social, por tempo de
cimento ilícito da previdência e o enriquecimento ilícito do segu-
contribuição, especial e por idade, pode, a qualquer
rado. Em ambos os casos é preciso conceituar que para haver
tempo, renunciar ao benefício da aposentadoria.
enriquecimento ilícito é preciso que alguém fique com o bem de outrem indevidamente, sem claramente merecê-lo.
§ 1º Ao segurado que tenha renunciado ao benefício
Os processos de desaposentação indeferidos administrativa-
da aposentadoria fica assegurado o direito à conces-
mente pela previdência não se encaixam neste contexto, visto que
são de nova aposentadoria, no âmbito do Regime
a previdência o faz no exercício legal de suas atribuições, respal-
Geral de Previdência Social, utilizando-se a contagem
dado por lei, não se apropriando de nada que não lhe pertença.
do tempo de contribuição que serviu de base para a
Artigo 18 § 2º da lei 8.213/91.
concessão do benefício objeto da renúncia e a conta-
Aliás, conforme Martinez (2012, pág. 63), a previdência não
gem do tempo de contribuição posterior à renúncia,
enriquece ou empobrece por não ser uma empresa comercial, o
bem como o direito ao cálculo de nova renda mensal
seu plano de custeio enfrenta superávits ou déficits, se tornando
do benefício, na forma do regulamento.
uma devedora momentânea (ou freqüente). Ainda conforme Martinez (2012, pág. 64), alguns autores men-
§ 2º A renúncia do segurado à aposentadoria,
cionam o possível enriquecimento ilícito do segurado que contesta a
para fins de concessão de novo benefício no
350 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
âmbito do Regime Geral de Previdência Social,
profissional, quando empregado (artigo 18, §2º,
não implica devolução dos valores percebidos
da Lei 8.213/91).
enquanto esteve aposentado. Art. 2º Esta Lei entra em vigor no exercício financei-
O entendimento também reforça que, sob a visão da re-
núncia, a aposentadoria não é juridicamente aceitável, já que:
ro seguinte ao da publicação desta Lei. A uma, sob pena de afrontar o princípio da seguCom isso, é importante observar que o projeto de lei é limita-
rança jurídica, consistente no respeito ao ato jurí-
do e faz referência apenas ao Regime Geral de Previdência Social
dico perfeito (artigo 5º, XXXVI, da CRFB) e ao prin-
(RGPS), não mencionando a transição entre os regimes (ex.: RPPS
cípio da legalidade (artigo 37, caput, da CRFB c/c
para RGPS). Apesar de implícitos, os benefícios sociais não são
artigo 18, §3º, da Lei 8.213/91). Isso sem falar no
avaliados e o equilíbrio financeiro e atuarial continua sendo uma
princípio constitucional da isonomia (artigo 5º, ca-
questão sem resposta.
put, da CRFB), uma vez que a desaposentação confere tratamento mais benéfico ao segurado que se
5. POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL
aposenta com proventos proporcionais e continua
À luz dos conceitos vistos até o momento, cabe também res-
trabalhando para, posteriormente, obter nova apo-
saltar alguns posicionamentos jurisprudenciais acerca do instituto
sentadoria em melhores condições, em detrimento
da desaposentação.
daquele que continuou trabalhando até possuir
O entendimento do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, abai-
um período contributivo maior para se aposentar
xo, reforça a impossibilidade de ocorrência da desaposentação:
com proventos integrais.
PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. NÃO CABI-
A duas, porque se extrai a natureza alimentar da
MENTO. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO. REFORMA
aposentadoria, que lhe confere o caráter de irre-
DA SENTENÇA. RECURSO PROVIDO.
nunciável. Assim como a pensão alimentícia, no âmbito do direito civil, é possível a renúncia às
Reanalisando os posicionamentos jurisprudenciais
prestações mensais, mas não ao benefício em si,
e doutrinários e melhor refletindo a respeito do ins-
que é intocável, intangível. A aposentadoria não é
tituto da desaposentação, passo a alinhar-me ao
um direito patrimonial e, portanto, disponível, pos-
entendimento de que é cristalino o caráter irrenun-
suindo, outrossim, um caráter institucional, isto é,
ciável e irreversível do ato de concessão do benefí-
os direitos e obrigações não decorrem de ato de
cio de aposentadoria no âmbito do Regime Geral de
vontade, porém da lei.
Previdência Social - RGPS, evidenciando seus efeitos ofensivos à ordem constitucional vigente.
E a três porque a pretensão de desaposentação não é livre e desembaraçada, gerando ônus a
À luz dos artigos 11, §3º e 18, §2º, da Lei 8.213/91
pessoa jurídica de direito público diretamente en-
e 3, I, 40, 194 e 195 da CRFB, verifica-se que o
volvida na constituição do ato, no caso, ao INSS,
instituto da desaposentação possui vedação legal
sendo claro que o desfazimento da aposentadoria
expressa que se compatibiliza com o caráter soli-
repercute em ônus no sistema previdenciário, uma
dário do sistema previdenciário, não sendo, por-
vez que o mesmo período e salários-de-contribui-
tanto, permitida a utilização das contribuições dos
ção seriam somados duas vezes, com o objetivo de
trabalhadores em gozo de aposentadoria para a
majorar a renda mensal da nova aposentadoria, o
obtenção de nova aposentadoria ou elevação da já
que repercute diretamente no equilíbrio financeiro
auferida, sob pena de subversão para um sistema
e atuarial do sistema (artigo 201, caput, da CRFB).
individualista/patrimonialista que não se compatibiliza com os fundamentos da Seguridade Social. Assim, o aposentado que retorna à atividade so-
Destaca-se ainda o posicionamento de Lorena de Mello
Rezende Colnago:
mente faz jus ao salário-família e à reabilitação Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 351
Embora haja o interesse do segurado, no caso
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
da desaposentação, não há interesse público,
Foram demonstrados, neste artigo, os conceitos para melhor
previsão legal, e, nem mesmo, objeto lícito e
entendimento da aposentadoria, renúncia e desaposentação, defen-
mora - face à aferição de vantagem em detri-
dendo os benefícios sociais resultantes deste processo, mas abrindo
mento do equilíbrio financeiro dos Regimes de
uma reflexão sobre os conseqüentes impactos financeiros no sistema
Previdência, ou seja, o enriquecimento ilícito do
da previdência social.
segurado.
Com isso, percebemos que a aposentadoria é um direito patrimonial e a renúncia é um direito previsto na Constituição. Mesmo
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região também tem
sendo irreversíveis e irrenunciáveis as aposentadorias por idade e
posições não favoráveis a desaposentação, complementando
por contribuição, o segurado deverá confirmar se a renúncia e poste-
com outros entendimentos:
rior aposentação trarão, de fato, uma vantagem patrimonial em seu benefício. Esse benefício social não é imediatamente visível, já que o
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. LITISPEN-
impacto na natureza alimentar do benefício só seria evidente com o
DÊNCIA. INOCORRÊNCIA. APOSENTADORIA POR
aumento da remuneração do segurado e esse cálculo não depende
TEMPO DE SERVIÇO. RENÚNCIA. OBTENÇÃO DE
somente das contribuições vertidas após a aposentadoria, mas tam-
APOSENTADORIA MAIS VANTAJOSA. IMPOSSIBILI-
bém de outros fatores como expectativa de vida.
DADE. REGIMES PREVIDENCIÁRIOS IDÊNTICOS. ÓBICE DO ART. 18, § 2º, DA LEI Nº 8.213/91.
Percebeu-se que o impacto financeiro na previdência é claro, visto que a contribuição do segurado durante a aposentadoria não garante cobertura da diferença no benefício após a desaposentação.
Quanto às contribuições previdenciárias ver-
Esta conclusão também se fundamentou nos números da própria
tidas após a concessão da aposentadoria por
Previdência, já que em diferença entre o valor da arrecadação líquida
tempo de serviço, não geram direito a um novo
e o total de benefícios foi negativa, resultando em déficits maiores a
benefício, tampouco aumentam o valor da ren-
cada ano.
da mensal da aposentadoria em fruição, nem
Com reflexos sociais que podem ser positivos, mas com evidente
podem ser adicionadas à aposentadoria propor-
impacto financeiro, o tema desaposentação torna-se inviável e gera
cional para fins de concessão de aposentadoria
preocupação entorno do equilíbrio e continuidade de um sistema que
integral.
muitos contribuem, mas nem todos usufruíram.
Uma vez concedida a aposentadoria por tempo de serviço com proventos proporcionais, ainda que o
REFERÊNCIAS
segurado volte a contribuir para o sistema previ-
BRASIL. Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm. Acesso em: 11 nov. 2011.
denciário, não poderá utilizar as referidas contribuições para complementar o tempo que restaria para obtenção de uma nova aposentadoria com proventos integrais. O art. 11, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, inclusive, estabelece que as novas contribuições efetuadas pelo aposentado do RGPS que retornar a atividade serão destinadas ao custeio da Seguridade Social. Vê-se que, pelos posicionamentos jurisprudenciais, a concessão do benefício da aposentadoria é irrenunciável e irreversível. Além disso, as contribuições obrigatórias, vertidas após o retorno ao trabalho, não podem ser usadas para novo cálculo do benefício, reforçando que a desaposentação é um processo que interessa mais ao segurado e que gera ônus ao sistema previdenciário.
BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 91, de 2010. Altera a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para permitir a renúncia à aposentadoria concedida pela Previdência Social. Disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=125487&tp=1. Acesso em 23/04/2013. ______. Previdência. Ministério. Benefícios da Previdência Social. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/. Acesso em: 11 nov. 2011. CASTRO Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 7ª Edição. São Paulo: LTR, 2006. COELHO, Hamilton Antônio. Desaposentação: Um Novo Instituto? Revista de Previdência Social, São Paulo: LTR, nº. 228. p.1130-1134, nov 1999.
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ESTADÃO. Site. Expectativa de vida no Brasil passa a 73,2 anos, diz IBGE. Geral, São Paulo –SP: 01 dez. 2010. Disponível em: http://www.estadao.com.br/ noticias/geral,expectativa-de-vida-no-brasil-passa-a-732-anos-diz-ibge,647908,0.htm. Acesso em 17 nov. 2011. JORNADA DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO I / Escola de Magistratura Federal da 1ª Região – Brasília: ESMAF, 2010. Página 46. KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos. Desaposentação: Fundamentos jurídicos, posição dos tribunais e análise das propostas legislativas. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 14 mar. 2009. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/? artigos&ver=2.21165>. Acesso em: 19 out. 2011. LIMA, Marcos Galdino de. O instituto da desaposentação. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 78, 01/07/2010 [Internet]. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7952. Acesso: 23/04/2013. MARCELO, Fernando Vieira. Desaposentação: manual teórico e prático para encorajamento em enfrentar a matéria. Leme: J. H. Mizuno, 2012. MARTINEZ. Wladimir Novaes. Desaposentação. 5. edição. São Paulo: LTr, 2012.
NOTAS DE FIM 1 Aluna concludente do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva em 2013.1. 2 Para maiores detalhes sobre os tipos de aposentadoria, auxílios e pensões: www.mps.gov.br. 3 http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2013/01/setenta-mil-aposentados-procuraram-justica-para-pedir-desaposentacao.html. << Acessado em 30/04/2013 >> 4http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2013/04/comissao-do-senado-aprova-projeto-que-preve-chamada-desaposentacao.html. << Acessado em 30/04/2013 >>
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 353
DANO MORAL: critérios utilizados para a quantificação do dano moral Luiz Henrique Ferreira Seibert1
RESUMO: Este artigo tem como foco central de estudo os critérios e parâmetros utilizados pelos magistrados no Brasil no momento da fixação do quantum indenizatório, fazendo-se uma breve análise quanto a identificação do dano moral no caso concreto. PALAVRAS-CHAVES: Dano moral, critérios, parâmetros, quantum, indenização. ÁREA DE INTERESSE: Direito Civil
1 INTRODUÇÃO
direitos da personalidade podem ser realizados em
O direito de reparação por danos morais foi oficialmente re-
diferentes dimensões e também podem ser viola-
gulamentado com o advento da Constituição Federal de 1988,
dos em diferentes níveis. Resulta daí que o dano
estando o mesmo previsto no artigo 5º, que trata dos direitos e
moral, em sentido amplo, envolve esses diversos
deveres individuais e coletivos, em inciso V. O mesmo veio asse-
graus de violação dos direitos da personalidade,
gurar aos brasileiros o direito de resposta, proporcional ao agra-
abrange todas as ofensas à pessoa, considerada
vo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
esta em suas dimensões individual e social, ainda
De modo geral o dano moral ocorre quando existe lesão à
que sua dignidade não seja arranhada.
integridade física ou violação de direitos personalíssimos do indivíduo. Os doutrinadores tem entendido que o dano moral re-
Pode-se assim dizer que o dano moral está ligado a toda
sume-se à definição de todo dano que atinja exclusivamente o
e qualquer violação que se dê de forma extra patrimonial, que
patrimônio ideal da vitima, conforme esclarece CIANCINE (2003,
venha a violar não só a integridade física do ofendido, mas
p. 6). Seguindo a mesma linha de raciocínio PEREIRA (1992, p.
também o seu ânimo psíquico, a sua moral, a honra, o seu
54), um dos mais notáveis civilistas brasileiros, define dano mo-
nome, imagem etc. Desta feita, sábio é o autor GOMES (1978,
ral como sendo:
p. 333), ao recomendar que “a expressão dano moral deve ser utilizada exclusivamente para designar o agravo que não
[...] qualquer sofrimento humano que não é cau-
produz qualquer efeito patrimonial.”.
sado por uma perda pecuniária e abrange todo
Atrelado ao direito de reparação por danos morais veio a dú-
atentado à sua segurança e tranquilidade, ao seu
vida, pois, nas palavras de THEODORO JÚNIOR (2010, p. 41) “a
amor próprio estético, à integridade de sua inteli-
apuração do quantum indenizatório se complica porque o bem
gência, às suas afeições, etc.
lesado (a honra, o sentimento, o nome, etc.) não se mede monetariamente, ou seja não tem dimensão econômica ou patrimo-
O jurista brasileiro CAVALIERI FILHO (2008, p. 81) também se posicionou a respeito do tema, ao ensinar que:
nial.”, tornando o trabalho de mensuração do quantum indenizatório uma tarefa dificultosa e ingrata, vez que o legislador não regulamentou em lei os critérios e parâmetros a serem utilizados
Os direitos da personalidade, entretanto, englo-
ou seguidos no momento de se mensurar o valor da indenização
bam outros aspectos da pessoa humana que não
pelos danos morais sofridos. Tal tarefa ficou incumbida aos ma-
estão diretamente vinculados à sua dignidade.
gistrados, que no exercício de suas atribuições, ao quantificarem
Nessa categoria incluem-se os chamados novos
o valor indenizatório, devem fazer uso de sua experiência, sensi-
direitos da personalidade: a imagem, o bom nome,
bilidade e bom senso como critérios de valoração.
a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspi-
Tal situação, como já era esperada, gerou certa inse-
rações, hábitos, gostos, convicções políticas, reli-
gurança jurídica e também objeções. A respeito Aguiar Dias
giosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os
(1994, p. 737), afirma que:
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A objeção histórica à reparação do dano moral, entre
estão fora da órbita do dano moral, porquanto,
vários fundamentos, teve como principal argumento
além de fazerem parte da normalidade de nosso
a dificuldade de valoração do correspondente em
dia-a-dia, no trabalho, no transito, entre os ami-
pecúnia, que Aguiar Dias retratou como i) a impossi-
gos e até no ambiente familiar, tais situações
bilidade de rigorosa avaliação em dinheiro; ii) a imo-
não são intensas e duradouras, a ponto de rom-
ralidade da compensação da dor com o dinheiro; iiii)
per o equilíbrio psicológico do indivíduo.
a extensão do arbítrio concedido ao juiz. Deste modo, não só importante os caminhos traçados para se Mas com o decorrer do tempo, com auxilio da doutrina e jurisprudência, alguns critérios objetivos e também subjetivos, pas-
chegar ao valor indenizatório, mas também o reconhecimento do verdadeiro direito à reparação por danos morais.
saram a ser adotados pelos juízes no momento de se determinar o quantum indenizatório.
3 CRITÉRIOS PARA A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL
2 DA IDENTIFICAÇÃO DO DANO MORAL
3.1 O Arbitramento Judicial
Os julgadores, ao realizarem a analise do caso concreto, ne-
Para BERNARDO (2005, p. 162) “A solução genérica de nosso
cessitam ainda identificar se na situação presente houve ou não
ordenamento jurídico é confiar ao prudente arbítrio do juiz a quan-
à ofensa moral, fazendo-se necessário assim distinguir, segundo
tificação do dano moral, sem qualquer tabela ou limite preestabe-
os ensinamentos da ilustre professora BODIN DE MORAIS (2003,
lecido”. CIANCI (2009, p. 151) esclarece ainda dizendo que:
p. 157/158) o “[...] constrangimento, a tristeza, a humilhação, [...] dos aborrecimentos e dissabores do dia-a-dia, situações comuns a
A divergência na utilização dos critérios legais
que todos se sujeitam, como aspectos normais da vida cotidiana”.
ou exclusivamente o recurso ao arbitramento ju-
Igualmente pensa CIANCI ( 2003, p. 44) dizendo que “O re-
dicial, que tem sido motivo de notáveis divergên-
conhecimento do dano moral depende da verificação do efetivo
cias doutrinais e jurisprudenciais, tem origem
abalo causado à esfera ideal do ofendido.”. Já CAVALIERI FILHO
na total falta de regulamentação da reparação
(2003, p. 75) na mesma esteira de raciocínio sustenta que:
por danos morais, desde a sua oficialização pela Constituição Federal de 1988.
Enquanto o dano material, como atrás assinalado, importa em lesão de bem patrimonial, gerando
Ensina CAHALI (2011, p. 637), “Inexistentes parâmetros le-
prejuízo econômico passível de reparação, o dano
gais para o arbitramento do valor da reparação do dano moral, a
moral é lesão de bem integrante da personalidade,
sua fixação se faz mediante arbitramento.”.
tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integrida-
Como é impraticável nos casos de dano moral a restituição ao
de psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza,
status quo ante, se faz imperiosa a indenização pecuniária pelos
vexame e humilhação à vitima.
danos morais sofridos, a fim de tentar compensar a vitima, e por esse motivo o arbitramento judicial aparenta ser o melhor sistema
GONÇALVES (2000, p. 549/550) também faz suas colocações quanto à necessidade de se dissociar o real dano moral dos meros dessabores que todas as pessoas estão aptas a sofrerem no dia-a-dia:
para quantificação do dano uma vez que o juiz tem um contato direto com as partes, depoimentos e provas. Como então mensurar em dinheiro e de forma justa algo tão subjetivo? Este talvez venha sendo um dos grandes problemas na vida dos juízes no Brasil, pois são postos a julgar e
[...] para evitar excessos e abusos, recomenda Sér-
determinar o valor de um sofrimento, de uma dor empregada a
gio Cavalieri, com razão, que só se deve reputar
uma pessoa. Como se não bastasse ainda és lhe cobrada uma
dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilha-
sentença justa, ou seja, que venha a reparar o dano sofrido,
ção que, fugindo à normalidade, interfira intensa-
sem causar o temido e criticado enriquecimento sem causa,
mente no comportamento psicológico do individuo,
mas também que possua um lado pedagógico, buscando inibir
causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio
o ofensor a reincidência do fato.
em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada
Nessa esteira de raciocínio ensina THEODORO JÚNIOR (2010, p. 39) que:
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 355
Se, á falta de critérios objetivos da lei, o juiz tem
A análise da extensão do dano pode ser verificada observan-
de se vale da prudência para atender, em cada
do-se dois aspectos: A dignidade da pessoa humana e o tempo
caso, às suas peculiaridades assim como à re-
de duração do dano. Sendo o primeiro mais importante, uma vez
percussão econômica da indenização pelo dano
que a lesão à vida supera uma lesão à honra objetiva, mesmo
moral, o certo é que o valor da condenação,
esta sofrendo variações conforme a cultura local, no geral, have-
como princípio geral, não deve ser nem tão gran-
rá uniformidade nessa avaliação, sendo a experiência comum, a
de que se converta em fonte de enriquecimento,
sensibilidade do magistrado, suficiente para apurar e estabelecer
nem tão pequeno que se torne inexpressivo.
as distinções. (BERNADO, 2005), Quanto à duração do dano, deve ser observado se possui ca-
Seguindo este entendimento entende-se que a quantifica-
ráter definitivo ou passageiro, influindo tal critério em sua valora-
ção do quantum indenizatório depende muito do caso concre-
ção. O valor da reparação deverá ser superior nos casos de danos
to e da sensibilidade do julgador, e ainda que a indenização
definitivos. Afirma BERNARDO (2005, p. 167) que:
não possa ser ínfima, de modo a servir de humilhação a vítima, nem exorbitante, para não representar enriquecimento
[...] uma lesão corrigida dentro de seis meses é
sem causa. Ocorre que nesta situação, em que valor a ser
muito menor do que aquela que permanece na víti-
arbitrado, fica a cargo da livre vontade e convicção do juiz, a
ma pelo resto de sua vida, trazendo-lhe más recor-
vítima fica a total mercê do mesmo, podendo-se assim “tirar
dações todas as vezes que a visualiza, bem como
do chapéu” um valor qualquer, ficando límpida assim, a ne-
constrangimento em seu convívio social.
cessidade de critérios e parâmetros a serem seguidos para que a valoração do quantum indenizatório não fique apenas vinculada a livre vontade do julgador.
Por fim, quanto ao parâmetro da extensão do dano, conclui o autor BERNARDO (2005, p. 168/169) que:
Ante a completa falta de critérios a serem seguidos, THEODORO JÚNIOR (2010, p. 41) afirma que:
Este é um parâmetro inafastável, que caminha no sentido de estabelecer-se a justa compensação e
Cabe, assim, ao prudente arbítrio dos juízes e à
que deverá ser perseguido pelo magistrado a fim
força criativa da doutrina e jurisprudência, a ins-
de valorar o dano moral, sem que tal preocupação
tituição de critérios e parâmetros que haverão de
se degenere em verdadeira obsessão de atingir-se
presidir às indenizações por dano moral, a fim de
a perfeita equivalência que, como demonstrado,
evitar que o ressarcimento, na espécie, não se tor-
constitui-se em verdadeira impossibilidade.
ne puro arbítrio, já que tal se transformaria numa quebra total de princípios básicos do Estado Democrático de Direito, tais como, por exemplo, o princí-
Deste modo, na valoração do quantum indenizatório, se faz imperioso a analise da extensão do dano no caso concreto.
pio da legalidade e o princípio da isonomia. 3.1.2.2 Condição Economica da Parte É importante, no arbitramento judicial, que o magistrado dei-
A doutrina, não pacificada, adota como parâmetros objetivos,
xe explicito na sentença condenatória a sua motivação bem como
para auxiliar no momento da valoração do quantum indenizatório,
os parâmetros utilizados pelo mesmo, no momento da quantifica-
a condição econômica do réu bem como a condição econômica do
ção do valor indenizatório.
ofendido. Ao se analisar a condição econômica do réu, busca-se infligir a este uma penalização passível de ser cumprida, pois é ine-
3.1.2 Parâmetros Utilizados
ficaz condenar o ofensor a pagar quantia que o mesmo não possui.
3.1.2.1 A Extensão do Dano
dizente com a situação do ofensor, aumentam-se as chances de
Fazendo uso dessa observação e estipulando um valor conVersa o artigo 944 do Código Civil que a indenização mede-se
cumprimento por parte do agressor, porém o valor estipulado não
pela extensão do dano, logo o primeiro parâmetro do arbitramen-
pode ser irrisório, deve ser um valor que venha a causar certo des-
to judicial que se vislumbra da análise das decisões que versam
conforto financeiro e também a inibir a prática reiterada do ato.
sobre dano moral é aquele que determina deva a indenização corresponder à extensão do dano (BERNARDO, 2005).
Do mesmo modo que a situação econômica do agressor, a situação econômica do ofendido deve ser observada pelo
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julgador, a fim de proporcionar a este um valor que possa ten-
Como já dito o dano moral é caracterizado quando a vitima é
tar reparar o sofrimento saboreado por este. Tal valor deve ser
obrigada a suportar profunda dor, vexame, ofensa à honra ou a in-
condizente com sua situação financeira, para que não ocorra
tegridade física etc., e por essa razão o direito a reparação pelos da-
injustiça, nem tampouco o enriquecimento sem causa.
nos suportados, é pleiteado de forma imediata. Porém ao postergar
Proporcionar à vitima um valor compensatório condizente com sua situação financeira, evitando o enriquecimento sem
o ajuizamento da ação, pressupõe-se que a vitima não tenha sofrido um dano moral, mas experimentado um mero dissabor.
causa, é de suma importância para a ordem jurídica, pois deste modo evita-se condenações milionárias, que estimulariam
3.1.2.4 Proporcionalidade e Razoabilidade
apenas a desenfreada propositura de ações com pedidos de
Deve o magistrado na quantificação do dano, se atentar para
danos morais para os mais variados casos, banalizando assim
a proporcionalidade e razoabilidade, sendo que primeiro está inti-
instituto do dano moral como explica o professor CAVALIERI FI-
mamente ligado ao último. Dessa forma a razoabilidade é:
LHO (2008, p. 83), que “[...] corremos, agora, o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento ba-
Um princípio, adotado como um critério não muito
nal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral,
evidente, mas com certeza bastante ativo nas deci-
em busca de indenizações milionárias.”.
sões judiciais, consagrou-se nos tribunais, através de
De forma contraria a esse entendimento posiciona-se BERNARDO (2005, p. 183) ao afirmar que:
reformas das decisões monocráticas consideradas incoerentes e demasiadamente excessivas em suas condenações, de forma a ser bastante levado em con-
Maiores problemas, ainda, aparecem quando se
sideração, mesmo que implicitamente, no arbitramen-
analisa a situação socioeconômica da vítima. Ora,
to do valor a ser pago pelo ofensor nas demandas de
partindo-se do pressuposto de que o dano moral
indenização por danos morais. (BRANDÂO, 2005)
deriva de lesão à dignidade da pessoa humana, diferenciar as vitimas por posses, equivaleria a re-
Por se tratar de um parâmetro subjetivo, o mesmo pode su-
conhecer maior dignidade aos mais afortunados e
portar entendimentos diversos entres os julgadores, ocasionando
menos aos menos favorecidos.
assim divergências em decisões de casos similares vez que:
Entende-se então que as condições socioeconômicas, tanto do
Pode muito bem variar entre os julgadores ou co-
autor quanto da vítima não deverão ser levadas em consideração
legiados, a ponto de o que vem a ser razoável para
quando da fixação do quantum indenizatório. (BERNARDO, 2005)
um, pode não ser para o outro, [...] persistindo, desta feita, a possibilidade de indenizações des-
3.1.2.3 Culpa Concorrente e Demora
proporcionais, o que não deixa de retratar uma
na Propositura da Ação
insegurança jurídica eminente. (BRANDÂO, 2005).
Dispõe o artigo 945 do Código Civil que se a vitima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, sua indenização
Apesar do caráter subjetivo que apresenta o principio da
será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em
razoabilidade, conclui CORRÊA SOUZA DE OLIVEIRA (2003, p.
confronto com a do autor do dano.
87) entendendo que:
A culpa concorrente segundo CIANCI (2009, p. 100) tem sido reiteradamente reconhecida como causa de diminuição do valor
Deveria a razoabilidade incidir sim, em todas as sen-
indenizatório, tanto é que GONÇALVES (2000, p. 424), completa
tenças que envolvem dano moral, como ferramenta à
dizendo que “[...] A culpa concorrente do lesado constitui fator de
ponderação dos interesses envolvidos, a fim de servir
atenuação da responsabilidade do ofensor.”.
como mais um parâmetro na busca da justa indeni-
Outro ponto a ser observado pelo julgador, no momento de deter-
zação, o que, infelizmente, não se verifica na prática.
minar o quantum indenizatório, é a demora na propositura da ação, sendo este causa de diminuição no valor arbitrado. Nas palavras da
A observância deste e de outros parâmetros é importante
autora CIANCI (2003, p. 65) “A demora no ingresso em juízo, de modo
para que o magistrado demonstre em sua decisão uma moti-
exagerado em proporção ao dano sofrido, apresenta-se na jurispru-
vação logica que o levou àquele valor, criando-se assim uma
dência como fato capaz de impor redução ao valor da condenação.”
maior segurança jurídica.
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3.2 Tabelamento
na situação encontra-se mais habilitado para aplicar a justiça,
A hipótese de criação de uma tabela com valores predeter-
como Bernardo (2005, p. 195) que:
minados, nas palavras de BERNARDO (2005, p. 132), seria “o nirvana dos magistrados, livres, agora, de umas das mais árdu-
[...] o arbitramento judicial é o mais adequado. Solu-
as tarefas de sua profissão, qual seja, a fixação da reparação
ções como o tabelamento, seja porque que modo for,
de danos morais.”.
ou a aplicação de formulas matemáticas são inade-
De inicio, esta parece ser a solução para o problema da
quadas, tendendo a estabelecer uma uniformidade
quantificação do dano moral, porém como ensina BERNARDO
artificial, eis que as situações existenciais em jogo
(2005, p. 132), o tabelamento poderia gerar “estabelecimento
serão sempre desiguais, não podendo ser objeto de
de valores ínfimos ou muito baixos, que não reparem os danos
arbitraria uniformização, sob pena de caminhar-se a
causados ou mesmo sirvam de um estimulo ao cometimento
passos largos para a prática da injustiça.
de novos danos”. Outra critica que se faz ao sistema de tabelamento, é que a
Desde modo, cabe ao juiz no momento da apuração do va-
tabela limitaria a atuação do juiz. Assim, em um cenário de ta-
lor a ser arbitrado pautar-se de sua experiência e sensibilidade,
belamento, como ficaria uma espécie nova de dano, não previs-
observando no caso concreto elementos como a duração do
ta em qualquer tabela? Seria indenizado por arbitramento do
dano, sua extensão, seu âmbito etc. para assim se aproximar
juiz ou ficaria sem reparação? Não só a subjetividade do dano
de uma valor justo à ambas as partes. Deste modo não se ob-
moral, mas também a constante evolução e modificação da so-
terá uma uniformização objetiva (BERNARDO, 2005), porém os
ciedade e do ordenamento jurídico inviabilizam a utilização de
valores agora com bases racionais, evitará a comparação dos
sistemas como este do Tabelamento. (BERNARDO, 2005)
tribunais a cassinos e loterias, onde apenas a sorte e o azar prevalecem, comparações estas que desprestigiam o respeitá-
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
vel e importante instituto do dano moral.
O dano moral consagrado na Constituição Federal de 1988, surgi como instituto de proteção à pessoa humana, garantindo a esta o direito de ser ressarcida quando a mesma tem sua honra,
REFERÊNCIAS
ou seu nome, ou sua integridade física maculada por ato de tercei-
AGUIAR DIAS, José de. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense. vol I e II. 1994.
ros como exemplifica GONÇALVES (2000, p. 549/550) que: se deve reputar dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do individuo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem-estar. O reconhecimento do dano moral no caso concreto também se faz imperioso, para que meros dissabores do cotidiano, que todas as
BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Dano Moral: critérios de fixação de valor. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à pessoa humana: uma leitura civil constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BRANDÃO,Caio Rogério da Costa. Dano Moral: valoração do quantum e razoabilidade objetiva. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, no 129. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=659> Acesso em: 11 mai. 2013.
pessoas estão aptas a suportarem, não venham a ser justificativa para a propositura de ações judiciais com a finalidade única de reparação por danos morais. Evitando-se assim a banalização do dano moral e consequentemente o enriquecimento ilícito. Os critérios apresentados dão a falsa impressão de que a tarefa de quantificação do quantum indenizatório é sempre simples e justa. Ocorre que ao se estudar os critérios utilizados para determinação do valor da condenação, chega-se a conclusão de que o arbitramento judicial, entre todos os existente é talvez o mais justo com à vitima. Isto porque o juiz, sendo o
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4. ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Malheiros Editores. 2003. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil . 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2008. CIANCI, Mirna. O valor da Reparação Moral. São Paulo: Saraiva, 2003.
único desinteressado no caso concreto, por sua proximidade 358 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
CIANCI, Mirna. O valor da Reparação Moral. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. GOMES, Orlando. Obrigações. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva. 2000. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano Moral. 7. ed. ver. ampl. Belo Horizonte: Editora Del Rey. 2010.
NOTA DE FIM 1 Graduando do Curso de Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 359
DIREITO DE VISITAS DOS AVÓS Milena Andrade dos Santos1
RESUMO: A Lei n.° 12.398/2011,consolidou novas regras para o exercício do poder família, ampliando os direitos e deveres para um maior parcela dos membros familiares. Tal lei codificou o posicionamento majoritário dos Tribunais no que tange ao direito de visitas dos avós em relação a seus netos, tema deste artigo, que tem como principal finalidade analisar a importância da convivência familiar para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. PALAVRAS CHAVES: vínculo afetivo; direito de visitas; convivência familiar; rompimento de relacionamentos conjugais; avós. Área de Interesse: Direito Civil
1 INTRODUÇÃO A dissolução da sociedade conjugal surgiu a partir da insti-
direito de visitas dos avós a fim de que estes possam manter o relacionamento afetivo com seus netos.
tuição do Estado Laico da República Federativa do Brasil. Desde
Desta feita, o presente artigo possui como base norteado-
então, os mecanismos jurídicos que colocam fim ao vínculo ma-
ra a influência das relações parentais na formação e desenvol-
trimonial evoluíram até a Emenda Constitucional n. 66 de 2010
vimento das crianças e adolescentes, com enfoque notável na
que trouxe a possibilidade do divórcio direto, independente de
convivência familiar entre avós e netos.
prévia separação ou apuração de culpa. Tal progresso no que tange ao fim das relações matrimoniais,
2 CONVIVÊNCIA FAMILIAR
o reconhecimento e a dissolução das Uniões Estáveis no sistema
Sabe-se que o término de um relacionamento afetivo cau-
jurídico vigente e a atual instabilidade dos relacionamentos afeti-
sa grandes mudanças na vida dos filhos, isto porque, em muitos
vos proporcionam mudanças não só na vida do casal, bem como
casos, a criança ou adolescente terá que desenvolver um novo
repercute diretamente na vida dos filhos advindos destas uniões.
conceito de família com transformações em sua rotina. Tais rompimentos, não podem, contudo, desencadear a ex-
Neste sentido, o legislador criou instrumentos normativos
tinção do vínculo da criança com os familiares com os quais co-
que regulamentam os institutos da guarda, direito de alimentos
viviam anteriormente. Neste sentido, a Constituição Federal de
e o direito de visitas, com o intuito de resguardar os direitos da
1988, dispõe em seu artigo 227(BRASIL, 2013, p. 74), sobre o
prole advinda das relações conjugais dissolvidas.
direito à convivência familiar, conforme demonstra a reprodução
Ocorre que as proteções legais supramencionadas não su-
textual in verbis:
prem, por si só, os danos causados na vida dos filhos advindos destes relacionamentos versáteis. Desta forma, é salutar que a
É dever da família, da sociedade e do Estado as-
criança mantenha o convívio com seus familiares a fim de se re-
segurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
construir os vínculos cessados com o término da relação entre
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
seus genitores.
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissio-
Dentre os instrumentos jurídicos que tem por finalidade a
nalização à cultura, à dignidade, ao respeito, à
proteção da criança decorrentes do poder familiar, o direito de
liberdade e à convivência familiar e comunitária,
visitas merece especial atenção por ser o instituto legal respon-
além de colocá-los a salvo de toda forma de ne-
sável por regularizar a permanência das relações familiares entre
gligência, discriminação, exploração, violência,
a criança e aqueles que não possuem sua guarda.
crueldade e opressão. (grifo nosso)
Acontece que até meados de 2011, não havia nenhuma norma jurídica que regulamentasse o convívio familiar avoengo, em
Tal dispositivo normativo elenca a convivência familiar como
que pese à doutrina e a jurisprudência já vinha reconhecendo o
um direito fundamental da criança e do adolescente que deve ser
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assegurado tanto pela família, quanto pela sociedade e pelo Esta-
grande problema que se apresenta hodiernamente consiste no
do. A doutrinadora Maria do Rosário Leite Cintra (2003, p.155), ao
fato de muitos pais, inconformados com o rompimento da relação
analisar o citado artigo da Magna Carta, evidencia a importância
com seus companheiros, se valem dos filhos do casal para ferir o
da família na vida da criança, ao proferir as palavras, in verbis:
outro, obstando assim a convivência familiar. Tal problema se agrava quando o afastamento brusco da
Realmente, a família é condição indispensável para
criança do genitor que não detém sua guarda desencadeia ainda
que a vida se desenvolva, para que a alimentação
o distanciamento da criança dos familiares daquele genitor que se
seja assimilada pelo organismo e a saúde se mani-
encontra ausente, tal como tios, primos, avós, entre outros paren-
feste. Desabrochar para o mundo inclui um movimen-
tes que antes participavam ativamente da vida da criança.
to de dentro para fora, o que é garantido pelos impul-
Neste ponto, Argene Campos e Enrica Gentilezza de Brito
sos vitais vinculados à hereditariedade e à energia
(2006, p. 307) dispõem que “o afeto dos pais em relação aos fi-
próprias do ser vivo. Mas este movimento será poten-
lhos não se confunde com o desafeto dos pais entre si. É direito
ciado ou diminuído, e até mesmo obstaculizado, pe-
das crianças o convívio com os pais de forma equilibrada.”
las condições ambientais: 60%, dizem os entendidos,
Pode-se atrelar aqui o princípio da convivência familiar ao princí-
são garantidos pelo ambiente.
pio do melhor interesse da criança e do adolescente, onde a vontade
Não basta por um ser biológico no mundo, é funda-
dos pais se encontra relativizada em detrimento das melhores condi-
mental complementar a sua criação com a ambiên-
ções para a criança, ora traduzidos na convivência familiar.
cia, o aconchego, o carinho e o afeto indispensáveis
Ante ao exposto, pode-se concluir que o direito à convivência
ao ser humano, sem o que qualquer alimentação,
familiar tem suma importância, sendo tal direito garantido consti-
medicamento ou cuidado se torna ineficaz.
tucionalmente e pautado no melhor desenvolvimento da criança e do adolescente, a fim de que estes tenham uma vida digna e
Podemos dizer, assim, que o direito a vida e a saúde da crian-
sempre estejam amparados por seus familiares.
ça encontra-se claramente ligado ao direito convivência familiar, sendo este fundamental para o desenvolvimento dos menores, devendo, portanto, ser resguardado.
3 DO DIREITO DE VISITAS Sabe-se que crianças e adolescentes demandam do suporte
Neste sentido, o doutrinador Paulo Lôbo (2009, p.392) discursa sobre a convivência familiar dizendo:
familiar para que possam se desenvolver mental e emocionalmente. Nesta acepção, o direito de visita do pai ou mãe que não convive com o menor é um direito fundamental.
A convivência familiar é a relação afetiva diutur-
O interessante é que o direito de vista ocorra naturalmente, onde
na e duradoura entretecida pelas pessoas que
os genitores tenham consciência da importância deste instituto para
compõem o grupo familiar, em virtude de laços de
a formação de seus filhos. Ocorre que, atualmente, inúmeras situa-
parentesco ou não, no ambiente comum. Supõe o
ções colocam fim aos relacionamentos conjugais, desencadeando,
espaço físico, a casa, o lar, a moradia, mas não
em alguns casos, o afastamento total entre pais e filhos.
necessariamente, pois as atuais condições de vida
Com o fim dos relacionamentos matrimoniais deve-se privile-
e o mundo do trabalho provocam separações dos
giar o melhor interesse do menor, vez que, nas palavras de Patricia
membros da família no espaço físico, mas sem per-
de Oliveira Chambers Ramos (2005, p. 79), “(...) a separação dos
da da referência ao ambiente comum, tido como
pais não pode significar para a criança uma restrição ao direito à
pertença de todos. É o ninho no qual as pessoas
convivência familiar. O contato com ambos os pais é extremamen-
se sentem recíproca e solidariamente acolhidas e
te benéfico para o seu desenvolvimento”.
protegidas especialmente as crianças.
Em que pese os genitores da criança não convivam mais juntos, a conexão afetiva entre eles se mantém e possui resguardo ju-
Seguindo tal linha de pensamento, a família atual não
rídico nos termos do artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adoles-
consiste apenas ao marido e mulher e sua prole, atualmente o
cente, que dispõe que “Toda criança ou adolescente tem direito a
conceito de entidade familiar é mais amplo onde a afetividade,
ser criado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família
o respeito e solidariedade entre os componentes do grupo fa-
substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária(...)”.
miliar tem caráter essencial.
Pode-se definir, então, o direito de visitas como o mecanismo
No que tange ao término de relacionamentos afetivos, um
normativo responsável pela manutenção das relações afetivas en-
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 361
tre pessoas ligadas por um vínculo de parentesco.
Neste sentido, tendo em vista que o poder familiar deve ser
Neste sentido, o Código Civil de 2002, em seu artigo 1589
exercido observando-se ao melhor interesse da criança, tem-se
(BRASIL, 2013), prevê que “o pai ou a mãe, em cuja guarda não
que os pais estariam agindo em desacordo com o seu poder-dever
estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, se-
ao proibirem as visitas dos avós, quando estas trouxerem benefí-
gundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz.”.
cio para a criança.
Assim, acerca do direito de visitas, temos que este é um ins-
Ainda no âmbito do poder familiar, tem-se o instituto da guar-
trumento utilizado pelo direito para impedir que as divergências
da, disciplinada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
entre os pais interfira na vida dos filhos, valorizando, desta ma-
como uma obrigação de assistência educacional, material e mo-
neira, o mais favorável para a criança e tutela-los em relação aos
ral. (BRASIL, 2013)
familiares que atrapalhem o desempenho deste direito.
Há que se dizer que, durante a constância do casamento, am-
O distanciamento de crianças e adolescentes do convívio com
bos os cônjuges são detentores da guarda de sua prole. Entretan-
determinados familiares, desconsiderando sua vontade de man-
to, com a dissolução do vínculo matrimonial a guarda geralmente
ter tal convívio, deve ser punido. Nesse ponto, quando não há um
é fixada a favor de apenas um dos genitores. Nesses casos, pode
ajuste entre os pais acerca das visitas, cabe ao Poder Judiciário re-
ocorrer que o genitor detentor da guarda crie empecilhos para que
gulamentar tal direito de acordo com o melhor interesse da crian-
o outro genitor, bem como sua família, não mantenha contato com
ça e seu relacionamento com o parente que encontra-se distante.
a criança. Nestas hipóteses a Regulamentação do Direito de Visi-
O direito de visita trabalhado diz respeito ao fato de que, ante
tas se mostra imprescindível.
a cessação de um convívio entre pessoas que mantenham víncu-
Quando a guarda dos filhos é fixada a favor de um dos pais,
los afetivos, há um direito-dever de se conservar o relacionamento
o outro genitor terá o direito de visitar seus filhos. Tal direito não
entre essas pessoas. Portanto, o direito de visitas tem o objetivo
poderá ser declinado por motivos de ordem material (RIZZARDO,
de preservar as ligações de fraternidade, afeto e respeito que pos-
2009).
sam existir entre familiares. O direito de visita não diz respeito, apenas, a aquele familiar que deseja realizar visitas à criança ou adolescente, é uma via de mão dupla sendo direto de ambas as pessoas que possuem o interesse de preservarem sua convivência. Por conseguinte, a assistência da família na infância e juventude do menor influi diretamente no avanço de sua personalidade, sendo, consequentemente, de substancial importância o trato entre criança e sua família.
Assim, tem-se que o instituto das visitas é um direito inerente aos pais, o qual não pode ser negado e deve ser respeitado pelo genitor que detém a guarda da criança. O artigo 1589, do Código Civil de 2002, por sua vez, regulamenta apenas o direito de visitas dos genitores, não fazendo menção, contudo, ao direito de visitas a ser exercido por outros parentes, tais quais os avós. (BRASIL, 2013) Salienta-se que a possibilidade de exercer visitas não advém apenas do poder familiar, bem como não está reduzido as liga-
Isto posto, direito de visita vai além da esfera familiar, haja
ções de parentalidade, considerando haver casos de vínculos que
vista que o vínculo de parentalidade não é requisito exclusivo
ultrapassam os graus de parentesco legais, onde, terceiro almeja
para se estabelecer visitas judiciais, é elementar que haja afeto
manter os laços afetivos criados com a criança.
entre visitante e visitado. Ademais, o convívio entre genitor e seus descendentes é fundamental para se conservar os vínculos fami-
A este respeito, Maria Helena Diniz (1998, p. 745) dispõe acerca do direito de visitas:
liares interrompidos. Direito-dever que tem pai ou mãe não só de en4- DO DIREITO DE VISITAS DOS AVÓS
contrar e comunicar com os filhos menores nas
Ao desenvolver o tema “direito de visitas dos avós”, é imprescin-
condições determinadas judicialmente, desde que
dível que se trabalhe com institutos do direito de família, qual sejam,
não se tenha enquadrado numa das hipóteses de
o poder familiar, a guarda, o direito de visitas, a dignidade da pessoa
perda de pátrio poder e sempre que a guarda da-
humana e o melhor interesse da criança e do adolescente.
queles filhos for deferida outro cônjuge em razão
Sobre o poder familiar, pode-se dizer que este, em uma con-
de separação judicial, divórcio ou nulidade de ca-
cepção atual, é entendido não como um poder que os pais pos-
samento, mas também de velar pela sua manuten-
suem em relação aos filhos, e sim como uma espécie de poder-
ção e educação. Também têm esse direito os avós,
-dever dos pais de praticar atos de autoridade que beneficiem e
irmãos, padrasto e demais parentes, levando-se
visem o melhor interesse dos filhos (OLIVEIRA, 2008).
em conta a afeição.
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No que tange ao direito de visitas entre avós e netos, tem-se
Ressalta-se que mesmo quando ausente a lei que regulamen-
que este encontra respaldo jurídico no princípio da dignidade da
tasse a convivência entre avós e netos, o direito de visitas não
pessoa humana, por ser o convívio entre avós e netos crucial no
era indeferido pelos Tribunais, sendo tal direito também defendido
que condiz a constituição do caráter da criança e do adolescente
pela doutrina predominante.
(SCURO e OLTRAMARI).
A inovação legal trazida pela lei supramencionada tornou in-
Nesta diretriz, sendo dever da família assegurar direitos fun-
controverso a importância do relacionamento entre avós e netos,
damentais às crianças e adolescentes, é inadmissível que os pais
e a fundamental importância do convívio entre eles para um me-
coíbam o relacionamento entre avós e netos, visto que tal instituto
lhor desenvolvimento da criança.
é indispensável para garantir de maneira digna, um desenvolvimento saudável e completo para o menor.
Neste sentido, sob a égide do princípio da convivência familiar que dispõe ser fundamental o convívio da criança e do adolescente com sua família, é dever do Estado fazer com que este
Tal direito deve ser conjugado com o principio da
direito seja devidamente cumprido.
criança, fundamentando-se na prerrogativa do
Destarte, no que tange ao direito de convivência familiar avo-
neto de ser visitado por seus ascendentes, ou por
engo, temos que este beneficia não só aos avós, bem como aos
qualquer parente que ele mantenha laços de afe-
netos que também gozam dos benefícios trazidos pelo convívio
to de solidariedade, de respeito e de amor. (DIAS,
com seus familiares.
2010, p. 422) 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O parágrafo 4º do artigo 226 da Magna Carta reconhece
E Ante as considerações expostas, podemos concluir que
como família, não só aquela constituída a partir do matrimônio,
a covivência entre a criança e o adolescente tem fundamental
bem como aquela “comunidade formada por qualquer dos pais
importância, se mostrando essencial para um melhor progresso
e seus descendentes”. Esta disposição constitucional amplia o
emocional e mental da criança e do adolescente, a fim de estes
conceito de família, reconhecendo assim, a presença dos avós na
tenham uma vida digna e sempre estejam amparados por seus
entidade familiar. (BRASIL, 2013)
familiares.
Devido à necessidade de manter contato com seus netos, os
A busca pelo reconhecimento da convivência familiar avoen-
avós passaram a ajuizar ações com o intuito de reivindicar o conví-
ga em nosso ordenamento jurídico, desencadeou na criação da
vio com seus descendentes, ora negado pelo genitor que detinha
Lei 12.398 de 2011, que normatizou o então entendimento pre-
a guarda da criança.
dominante nos Tribunais e na doutrina majoritária de que os avós
A grande demanda no judiciário pela busca do reconhecimen-
possuem o direito ao convívio com seus netos.
to do direito de visitas a ser exercido pelos avós desencadeou na
Assim, insta salientar que a presença dos avós na criação dos
criação da Lei 12.398 de 2011, que dispôs que “o direito de visita
filhos se mostra indispensável, isto porque a família é o órgão res-
estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os
ponsável por inserir a criança na sociedade, ensinando os princí-
interesses da criança ou do adolescente”. (BRASIL, 2013)
pios e diretrizes para que o menor desenvolva um convívio social
Desta forma, o direito que há muito vinha sendo buscado perante o Poder Judiciário, passou a ser legalmente reconhecido, impedindo que os pais impossibilitem a convivência entre avós e netos.
e possa crescer tendo uma vida digna com direito a educação, saúde, esporte e lazer. Conclui-se por fim que a Lei 12.398 de 2011, repercutiu no
A Lei n.° 12.398/2011, consolidou novas regras para o exer-
ambiente familiar dando um instrumento para que os avós pos-
cício do poder família, ampliando os direitos e deveres para um
sam participar de forma efetiva na vida dos netos, buscando
maior parcela dos membros familiares. Tal lei adicionou ainda, o
resguardar a integração da criança no ambiente familiar e na
parágrafo único ao artigo 1589 do Código Civil de 2002 ao esti-
própria sociedade, ao passo em que também configura instru-
pular que “O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a
mento capaz de evitar que o menor se afaste da família, mesmo
critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adoles-
quando seus pais decidiram romper o vínculo afetivo que man-
cente”. (BRASIL, 2013)
tiveram. (BRASIL, 2013)
Tal instrumento normativo modificou, ainda, o disposto no inciso VII do art. 888 do Código Civil de 2002, no intuito de conceder aos avós o direito de visitas em relação aos netos.
REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro 1988. Vade Mecum Saraiva. 15 Edição Atualizada e ampliada. Ed. Saraiva, 2013.
(BRASIL, 2013) Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 363
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NOTA DE FIM 1 Estudante do curso de Direito do 9º período no Centro Universitário Newton Paiva. E-mail: milenaandradee@hotmail.com
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DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA Renata Cardoso Lisboa ¹
RESUMO: A Constituição Brasileira de 1988 possui um dos textos mais avançados no que se refere à proteção e a promoção dos direitos humanos. O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) está previsto entre os direitos sociais da Constituição, desde a aprovação da Emenda Constitucional n.º64, em fevereiro de 2010, sendo introduzido no art. 6º CR/88. A instituição da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) – Lei n.º 11.346/2006 e regulamentada pelo decreto 7.272/2010 – representa um marco fundamental na luta nacional contra a fome, pois através dela criou-se o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) que busca promover condições para a formulação da Política e do Plano Nacional nesta área de Segurança Alimentar, desenvolvendo diretrizes, metas, captando recursos e fomentando instrumentos de avaliação e monitoramento, compostos de ações e programas integrados envolvendo diferentes setores de governo e a sociedade, na busca pela alimentação suficiente e de qualidade para todos brasileiros. Portanto, esta pesquisa tem por objetivo geral realizar discussão sobre o Direito Fundamental à Alimentação Adequada, através de busca sistemática sobre a evolução da Segurança Alimentar no Brasil. Como objetivos específicos, pretende-se identificar o conceito de alimentação adequada, realizar histórico sobre as principais leis e decretos que garantem o Direito à Alimentação Adequada e identificar as Políticas Públicas de Segurança Alimentar e Nutricional existentes hoje no Brasil. PALAVRAS-CHAVES: Direitos Humanos; Direito Humano à Alimentação Adequada; Segurança Alimentar e Nutricional; Efetivação. Área de Interesse: Direito Constitucional
1 INTRODUÇÃO
universais que incluam progressivamente (e prioritariamente) a
A Constituição Brasileira de 1988 possui um dos textos mais
população vulnerável à fome e à pobreza.
avançados no que se refere à proteção e a promoção dos direitos
Da mesma forma ainda é exposto pelo relatório do CONSEA
humanos. O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) está
(2010) que o DHAA é violado toda vez que pessoas, grupos ou
previsto entre os direitos sociais da Constituição, desde a aprova-
comunidades vivenciam situações de fome por não terem acesso
ção da Emenda Constitucional n.º64, em fevereiro de 2010, sendo
a alimentos em quantidades e qualidade adequadas, de forma
introduzido no art. 6º CR/88. Antes disso, o DHAA já estava implícito
regular, para satisfazer suas necessidades alimentares e nutri-
em outros dispositivos constitucionais tais como o direito à saúde,
cionais, como também pessoas mal nutridas de qualquer idade
ao salário mínimo, à assistência social, à educação, à alimentação
por deficiências de nutrientes (anemias, hipovitaminoses e ou-
escolar, à reforma agrária, à não discriminação e o direito à vida,
tras carências específicas). E ainda, consumir alimentos de má
dentre outros. A Constituição Federal de 1988 estabelece também
qualidade nutricional e sanitária e aqueles produzidos com a uti-
como um dos princípios fundamentais da República Federativa do
lização de agrotóxicos, são exemplos de violações ao DHAA.
Brasil a dignidade da pessoa humana.
Outro exemplo a ser dado de violação ao DHAA são casos
O DHAA, conforme descrito no relatório emitido pelo Conse-
em que ocorrem a expulsão de agricultores e camponeses, povos
lho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), em
indígenas e comunidades tradicionais de suas terras, o desem-
2010, se realiza quando todas as pessoas tem acesso garantido
prego, o subemprego e a baixa remuneração, pois são situações
e ininterrupto à alimentação adequada e saudável por meios pró-
que irão diminuir a capacidade das pessoas em garantirem de
prios e sustentáveis. As estratégias para a realização do DHAA
maneira digna e autônoma sua alimentação.
são múltiplas e pressupõem a garantia de outros direitos huma-
Vários estudos, como o desenvolvido pelo Instituto Brasilei-
nos. Cabem aos Estados as obrigações de respeitar, proteger,
ro de Geografia e Estatística, baseado na Pesquisa Nacional por
promover e prover os direitos humanos, pois ele é o detentor do
Amostra de Domicílios (PNAD), realizada no período de 2004 a
poder e do exercício sobre os poderes Executivo, Legislativo e Ju-
2009, publicada em 2010, revelou que 17,7 milhões de domicí-
diciário, incluindo a guarda e a execução do orçamento público.
lios, do total de 58,6 milhões pesquisados, encontravam-se em
Assim, a obrigação de garantir a realização do DHAA implica em
algum grau de Insegurança Alimentar, o que representa 30,2%
destinar orçamentos públicos e implementar políticas públicas
dos domicílios pesquisados. Isto significa que, de certa forma, as
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pessoas que vivem nesses domicílios, que representa o total de 65,6 milhões de pessoas, conforme dados da referente pesquisa, estão tendo o DHAA violado e desprotegido. A instituição da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) – Lei n.º 11.346/2006 e regulamentada pelo
2 DIREITOS SOCIAIS Um dos fundamentos do Estado brasileiro é assegurar aos seus cidadãos a sua dignidade como pessoa humana, devendo-se garantir direitos básicos e elementares, para que o ser humano possa sobreviver dignamente e em condições satisfatórias.
decreto 7.272/2010 – representa um marco fundamental na luta
Entre os direitos fundamentais têm-se os direitos fundamen-
nacional contra a fome, pois através dela criou-se o Sistema de
tais de segunda geração, que são os direitos sociais, culturais,
Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) que busca promover
econômicos e coletivos. Alexandre de Moraes (2012) conceitua
condições para a formulação da Política e do Plano Nacional nes-
os direitos sociais como direitos fundamentais do ser humano, ca-
ta área de Segurança Alimentar, desenvolvendo diretrizes, metas,
racterizando-se como “liberdades positivas”, obrigatórias em um
captando recursos e fomentando instrumentos de avaliação e
Estado Social de Direito, visando a melhoria de condições de vida
monitoramento, compostos de ações e programas integrados en-
aos hipossuficientes, concretizando assim, a igualdade social.
volvendo diferentes setores de governo e a sociedade, na busca
Já Pedro Lenza (2011) conceitua os direitos sociais como
pela alimentação suficiente e de qualidade para todos brasileiros.
“prestações positivas” a serem implementadas pelo Estado, que
Com isso, é possível perceber que o Brasil ainda necessita
tendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial
de avançar na elaboração de Políticas Públicas que garantam a
e social na busca de melhores e adequadas condições de vida,
todos os brasileiros uma alimentação adequada, com qualida-
estando, ainda, consagrados como fundamentos da República Fe-
de e em quantidade suficiente e de modo permanente, pois a
derativa do Brasil (art.1º, IV, CR/88).
instituição da LOSAN pode ser visto como algo recente e estu-
A Constituição Federal proclama serem direitos sociais a
dos apontam que as pessoas que tem o seu DHAA violado não
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
tem conseguido acessar as políticas públicas, das quais são
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
titulares de direitos.
assistência aos desamparados (CF, art. 6º). E, a partir da emen-
Sendo assim, o estudo deste assunto justifica-se com introdução do direito à alimentação adequada ao texto constitucional bra-
da constitucional n.º 64/2010 introduziu o direito à alimentação como direito social.
sileiro, através da emenda constitucional n.º 64/2010, que prevê
Pedro Lenza (2011) ainda afirma que a inclusão do direito à
que a alimentação como um direito social a ser garantido pelo
alimentação no rol dos direitos sociais trará para os cidadãos bra-
Estado. Além disso, o direito à alimentação reforça a capacidade
sileiros melhores condições de vida, pois o Estado torna-se obriga-
do cidadão exigir que este direito seja garantido pelo Estado ou
do, a assegurar a todos, não somente o direito a alimentação, mas
pelo Judiciário.
sim a uma alimentação com qualidade.
Diante deste contexto, esta pesquisa procura discutir o se-
Para Daniela Lima de Andrade (2010) é possível destacar
guinte problema: será que o Estado brasileiro garante, através das
que a efetivação do direito à alimentação deve ser visto de forma
Políticas Públicas, o Direito Humano à Alimentação Adequada?
transdisciplinar, pois se discute sobre a adoção de políticas e es-
Será que o Judiciário está fiscalizando as ações governamentais,
tratégias sustentáveis de produção, distribuição, acesso e consu-
no que diz respeito à garantia da Alimentação Adequada? Com a
mo de alimentos seguros e de qualidade, com promoção da saúde
realização desta pesquisa, poderá ser feita uma abordagem sobre
e da alimentação saudável. Desta forma, tratando o assunto de
a evolução do conceito de Alimentação Adequada, quais são os
forma transdisciplinar é possível contemplar o aspecto social, bio-
principais programas desenvolvidos pelo governo brasileiro e se
lógico, sanitário, jurídico e econômico envolvido no assunto.
estes programas estão realmente garantidos à plenitude do conceito de Segurança Alimentar.
O acréscimo da alimentação como direito fundamental constante no art. 6º, junto com outros direitos sociais, representa uma
Portanto, esta pesquisa tem por objetivo geral realizar discus-
evolução do direito à alimentação como direito humano funda-
são sobre o Direito Fundamental à Alimentação Adequada, atra-
mental e tem se apresentado em contínua progressão no Brasil.
vés de busca sistemática sobre a evolução da Segurança Alimen-
Conforme descreve Jacques Diouf (2007) o direito à alimentação
tar no Brasil. Como objetivos específicos, pretende-se identificar
está cada vez mais presente nas constituições nacionais, textos
o conceito de alimentação adequada, realizar histórico sobre as
legislativos, regulamentos e estratégias. Os programas sociais
principais leis e decretos que garantem o Direito à Alimentação
proporcionam mais meios para a reivindicação do direito à ali-
Adequada e identificar as Políticas Públicas de Segurança Alimen-
mentação, tornando mais fácil para os cidadãos exercerem seus
tar e Nutricional existentes hoje no Brasil.
direitos. Além desta alteração no art. 6ª da CF/88, a palavra “ali-
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mentação” também se encontra presente em outros dispositivos
mental, mas pode ser interpretado através da presença do termo
da própria Constituição, como:
“alimentação” em alguns artigos, como os descritos acima.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
3 DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA Mas, o que significa o Direito à Alimentação Adequada?
condição social:
Em relação à conceituação do Direito Humano à Alimentação
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente
Adequada, as autoras Juliane Caravieri Martins Gamba e Zélia
unificado, capaz de atender a suas necessidades
Maria Cardoso Montal (2009), o descrevem sob duas premis-
vitais básicas e às de sua família com moradia, ali-
sas: a disponibilidade do alimento em quantidade e qualida-
mentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higie-
de suficiente para satisfazer as necessidades dietéticas das
ne, transporte e previdência social, com reajustes
pessoas, livre de substâncias adversas e aceitáveis para uma
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo,
dada cultura e, a acessibilidade ao alimento de forma sus-
sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.
tentável e que não interfira com a fruição de outros direitos humanos.
Art. 208 O dever do Estado com a educação será
Um ponto fundamental para que o direito humano à ali-
efetivado mediante a garantia de:
mentação adequada seja uma premissa verdadeira é neces-
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas
sário que o ser humano esteja “livre da fome”. E, o que sig-
da educação básica, por meio de programas suple-
nifica a fome? Segundo as autoras, fome é o termo utilizado
mentares de material didático escolar, transporte,
para expressar a sensação fisiológica manifestada pelo corpo
alimentação e assistência à saúde.
quando este percebe a necessidade de alimentos para manter suas atividades e continuidade à vida. Também pode signifi-
Art. 212 A União aplicará, anualmente, nunca me-
car estados de mal nutrição ou privação de comida entre as
nos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e
populações, comumente associados à pobreza, conflitos ar-
os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo,
mados, instabilidade política, catástrofes ambientais ou con-
da receita resultante de impostos, compreendida
dições agrícolas adversas.
a proveniente de transferências, na manutenção e
No Brasil há um entendimento consensual dos conceitos de
desenvolvimento do ensino.
Direito Humano à Alimentação Adequada e Segurança Alimentar e
4º - Os programas suplementares de alimentação
Nutricional, onde este último é dado por:
e assistência à saúde previstos no Art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de con-
[...] realização do direito de todos ao acesso regu-
tribuições sociais e outros recursos orçamentários.
lar e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o aces-
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
so a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social econômica e ambientalmente sustentáveis. (GAMBA e MONTAL, 2009; p.44). Portanto, o direito à alimentação saudável e adequada é derivado do próprio direito à vida, sendo um direito humano e fundamental na medida em que é indispensável à pessoa humana e necessário para assegurar a todos uma existência
Portanto, nota-se a importância da alimentação para garantir
com dignidade, igualdade e liberdade. O direito à vida é o mais
a saúde, a dignidade e melhores condições de vida do cidadão
fundamental dos direitos humanos, pois é a partir da vida que
brasileiro e ressalta a preocupação do legislador constituinte com
podemos usar todos os outros direitos fundamentais. Ou seja,
o tema. É importante salientar também que o direito à alimenta-
do direito à vida é que surgem todos os outros direitos (MEN-
ção não estava explícito na Constituição como um direito funda-
DOZA et al., 2009).
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 367
4 O DIREITO A ALIMENTAÇÃO ADEQUADA NO
almente e mediante cooperação internacional, as
DIREITO INTERNACIONAL
medidas, inclusive programas concretos, que se
O direito humano à alimentação adequada tem sido debatido
façam necessários para:
amplamente no âmbito internacional, pois é parte dos direitos funda-
1. Melhorar os métodos de produção, conservação e
mentais da humanidade podendo ser observado a sua existência em
distribuição de gêneros alimentícios pela plena utili-
uma série de Tratados, Pactos, Declarações e Acordos Internacionais,
zação dos conhecimentos técnicos e científicos, pela
dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto Internacional sobre Di-
difusão de princípios de educação nutricional e pelo
reitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (Brasil é signatário
aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários,
desde 1992). Até nos dias atuais as organizações internacionais
de maneira que se assegurem a exploração e a utili-
estão empenhadas em garantir que os Estados se comprometam e
zação mais eficazes dos recursos naturais.
cumpram efetivamente a garantia do direito humano das pessoas a
2. Assegurar uma repartição eqüitativa dos recur-
se alimentarem. Dentro deste contexto é importante destacar quais
sos alimentícios mundiais em relação às necessi-
foram os principais documentos que contribuíram para a garantia
dades, levando-se em conta os problemas tanto
deste direito, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o
dos países importadores quanto dos exportadores
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PI-
de gêneros alimentícios.
DESC), o Comentário Geral nº12 e as Diretrizes Voluntárias para o DHAA (NASCIMENTO et al., 2009).
Os Estados signatários do PIDESC têm obrigação de adotar
A declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e
medidas para a realização progressiva dos direitos contidos no
proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de
Pacto e informarem periodicamente, às Nações Unidas, o pro-
dezembro de 1948, onde dispõe no artigo XXV:
gresso obtido na realização progressiva dos direitos previstos no Pacto. O Brasil aderiu ao Pacto em 24 de janeiro de 1992, sendo
Toda pessoa tem direito a um padrão de vida ca-
incorporado à legislação nacional pelo Decreto nº591 de 6 de ju-
paz de assegurar a si e a sua família saúde e bem
lho de 1992.
estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,
Em relação ao Comentário Geral nº12 sobre o Direito Humano
cuidados médicos e os serviços sociais indispen-
à Alimentação Adequada foi elaborado em 1999 pela ONU, fazen-
sáveis, e direito à segurança em caso de desem-
do uma interpretação do artigo 11 do PIDESC. O Comentário defi-
prego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros
ne o Direito Humano à Alimentação Adequada que se realiza “[...]
casos de perda dos meios de subsistência fora de
quando cada homem, mulher e criança, sozinho ou em compa-
seu controle.
nhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para sua obtenção”. Assim,
O PIDESC teve o início de sua discussão em 1951 e foi ado-
os Estados têm o dever de programar ações necessárias para re-
tado pela Assembléia Geral da ONU em 1966, com as seguintes
duzir e suavizar os efeitos da fome e a sociedade deve exigir a
disposições:
possibilidade da existência prática desses direitos. Já, as Diretrizes Voluntárias para o DHAA, desenvolvida em Artigo 11 - §1. Os Estados-partes no presente Pac-
2004 pelo Conselho Executivo da FAO, onde o Brasil teve uma
to reconhecem o direito de toda pessoa a um nível
participação ativa, demonstrou que a realização dos direitos
de vida adequado para si próprio e para sua famí-
humanos é fundamental para a efetividade de programas e po-
lia, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia
líticas de diversas áreas como economia, comércio, educação,
adequadas, assim como uma melhoria contínua
alimentação e nutrição. As diretrizes destinam-se a todos os
de suas condições de vida. Os Estados-partes to-
Estados, partes ou não do PIDESC.
marão medidas apropriadas para assegurar a
Além desses foros mencionados, também é importante sa-
consecução desse direito, reconhecendo, nesse
lientar a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969
sentido, a importância essencial da cooperação
ou o Pacto de São José da Costa Rica que foi ratificado pelo
internacional fundada no livre consentimento.
Brasil em 1992, onde o Brasil reconhece como obrigatória de
§2. Os Estados-partes no presente Pacto, reconhe-
pleno direito a competência da Corte Interamericana de Direi-
cendo o direito fundamental de toda pessoa de
tos Humanos sobre todos os casos relativos à interpretação ou
estar protegida contra a fome, adotarão, individu-
aplicação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
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A Conferência Mundial de 1974, que teve participação do Bra-
abastecimento alimentar e art. 200, VI – a competência e atribui-
sil e teve como resultado o compromisso de erradicar a fome
ção ao SUS para fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido
no espaço de dez anos, mas que não se concretizou. E muitos
o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para
outros foros como Conferência Internacional sobre Nutrição
consumo humano.
(1992), Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (1993),
Em 1993, foi criado o Conselho Nacional de Segurança Ali-
Cúpula Mundial da Alimentação (1996), Cúpula do Milênio
mentar (CONSEA), sendo um órgão de aconselhamento da Presi-
(2000) e Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar e Nutricio-
dência da República e que buscava soluções para o problema da
nal (2009) (NASCIMENTO, et al., 2009).
fome e da miséria no país. O CONSEA realizou a I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, em 1994, na qual lançou a propos-
5 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR
ta da Política Nacional de Segurança Alimentar, com as seguintes
E NUTRICIONAL NO BRASIL
propostas: ampliar as condições de acesso à alimentação e redu-
O conceito de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) vem
zir seu peso no orçamento familiar; assegurar a saúde, nutrição e
evoluindo ao longo dos anos e se modifica na medida em que a
alimentação a grupos populacionais determinados e melhorar tec-
sociedade modifica suas relações de poder e a organização social
nologias dos alimentos e seu aproveitamento, estimulando práti-
(ALMEIDA, 2010).
cas alimentares e estilos de vida saudáveis (MACEDO et al. 2009).
Na década de 80 questionava-se que a fome e a desnutrição eram decorrentes mais do problema de acesso do que da produ-
O CONSEA foi extinto em 1995 prejudicando sua consolidação e o aprofundamento da proposta política.
ção de alimentos, portanto o enfoque das ações de combate à
Ainda de acordo com os autores citados acima, em 1999 foi
fome era voltado para redução da pobreza. Já no final da década
aprovada a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) pelo
de 80 e início dos anos 90, este conceito evoluiu incorporando
Conselho Nacional de Saúde enfatizando a produção e o acesso a
novos aspectos como cita a autora supracitada:
uma alimentação de qualidade; necessidade de programas de alimentação e nutrição para grupos populacionais nutricionalmente vul-
[...] o conceito de segurança alimentar passou a in-
neráveis; controle de qualidade dos alimentos; promoção de hábitos
corporar a noção de acesso a alimentos seguros não
alimentares e estilos de vida saudável; promoção do DHAA como fun-
contaminados biológica ou quimicamente; de quali-
damento de suas ações e a necessidade de criação de uma política
dade nutricional, biológica, sanitária e tecnológica,
abrangente de Segurança Alimentar e Nutricional.
produzidos de forma sustentável, equilibrada e cultu-
Em 2004, foi realizado a II Conferência Nacional de Seguran-
ralmente aceitável e, também, incorporando a ideia
ça Alimentar e Nutricional propondo diretrizes para o Plano Nacio-
de acesso à informação (ALMEIDA, 2010 p. 62).
nal de Segurança Alimentar e Nutricional e avaliação de ações e experiências. Bem como, nesta mesma época o então Presiden-
Esta nova percepção a cerca do assunto foi consolidada na Conferência Internacional de Nutrição, realizada em Roma, em 1992. No Brasil, a discussão sobre SAN iniciou-se em 1985, pelo Ministério da Agricultura, através da elaboração da proposta de uma
te da República Luis Inácio Lula da Silva reinstituiu o CONSEA e ampliou o debate sobre essa temática de Segurança Alimentar e Nutricional, com a criação em 2006 da Lei Orgânica para a Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (Lei 11.346/09).
Política Nacional de Segurança Alimentar, que previa a formação de
Em 2007, aconteceu a III Conferência Nacional de Segurança
um Conselho Nacional de Segurança Alimentar e seria dirigido pelo
Alimentar e Nutricional, quando criou o Sistema Nacional de Segu-
Presidente da República e composto por ministros de Estado e repre-
rança Alimentar e Nutricional (SISAN) com o objetivo de conseguir
sentantes da sociedade civil (TONIN; COLLUCI, 2008).
alcançar a almejada segurança alimentar e nutricional.
Em 1986, ocorreu a I Conferência Nacional de Alimentação
Em 2009, foi lançado o projeto FOME ZERO pelo governo
e Nutrição no Brasil que significou um marco na evolução do con-
federal assegurando o direito humano à alimentação adequada,
ceito de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil, adotando a
sendo articulado por quatro eixos – acesso aos alimentos, forta-
mesma conotação de âmbito internacional já descrita acima.
lecimento da agricultura familiar, geração de renda e articulação,
Outro marco foi a promulgação da Constituição Federal de
mobilização e controle social.
1988, que cita em alguns de seus artigos o direito à alimenta-
E, em 2012, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição
ção, como o art. 7º, IV – a composição do salário mínimo; art. 23,
(PNAN) passou por uma atualização e aprimoramento de suas ba-
VIII – a competência comum à União, Estados, Distrito Federal e
ses e diretrizes, consolidando-se como uma referência para os no-
Municípios para fomentar a produção agropecuária e organizar o
vos desafios a serem enfrentados no campo da Alimentação e Nu-
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 369
trição no Sistema Único de Saúde. O objetivo desta reformulação
A autora Ferreira (2010) ainda descreve que as garantias funda-
foi melhorar as condições de alimentação, nutrição e saúde, em
mentais possibilitam aos indivíduos de exigirem dos poderes públicos
busca da garantia da Segurança Alimentar e Nutricional da popu-
o respeito ao direito que instrumentalizam. Neste sentido, a inclusão
lação brasileira. Como também suas diretrizes estão organizadas
da alimentação como um direito fundamental constitucional está
de forma que abrangem o escopo da atenção nutricional no Siste-
desta forma garantida, diante de qualquer governo presente e futuro,
ma Único de Saúde com foco na vigilância, promoção, prevenção
devendo esse zelar pelo seu cumprimento.
e cuidado integral de agravos relacionados à alimentação e nutri-
E, em relação às leis infraconstitucionais vigentes no país
ção; atividades, essas, integradas às demais ações de saúde nas
destaca-se a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional –
redes de atenção, tendo a atenção básica como ordenadora das
LOSAN, Lei 11.346/06, que define em seu artigo 2º, parágrafo 2º
ações (BRASIL, 2012).
a obrigação do poder público de garantir os mecanismos para a exigibilidade deste direito fundamental:
6 EFETIVAÇÃO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA NO BRASIL
§ 2o É dever do poder público respeitar, proteger,
Como descrito anteriormente, a obrigação do Estado Brasileiro
promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e
de proteger e promover o DHAA está prevista em vários foros inter-
avaliar a realização do direito humano à alimenta-
nacionais, que foram ratificados pelo Brasil, ou seja, Declarações e
ção adequada, bem como garantir os mecanismos
Tratados Internacionais de Direitos Humanos, como também, os des-
para sua exigibilidade.
critos na Constituição da República de 1988 e em várias leis infraconstitucionais vigentes no país, já citadas anteriormente.
Caso ocorra uma violação ao DHAA o cidadão brasileiro pode
Ao firmar um tratado de direito internacional de direitos hu-
exigir o exercício desse direito tanto em nível nacional como in-
manos, como o PIDESC, este deverá elaborar leis, políticas pú-
ternacional. Em nível nacional a exigência desse direito pode ser
blicas e realizar ações que promovam a equidade e reduzam as
junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e por meio
desigualdades nacionais e internacionais. Também deve evitar
de instrumentos de exigibilidade (administrativa, política, quase-
elaborar medidas que possam reduzir ou violar a existências des-
-judicial e judicial) (BURITY et al., 2010).
ses direitos humanos, bem como seus mecanismos de proteção (NASCIMENTO et al., 2009).
Os autores citados acima descrevem que a exigibilidade administrativa é a possibilidade de exigir junto aos organismos públicos
Os artigos dispostos na Constituição da República de 1988
diretamente responsáveis pela garantia do direito à alimentação
que se relacionam com direitos e garantias fundamentais, como
(postos de saúde, escolas, postos de previdência social, entre ou-
no caso do direito à alimentação, possuem aplicabilidade imedia-
tros) a promoção desse direito, bem como a prevenção, correção
ta (art. 5º, § 1º). Mas, em alguns momentos a Constituição
ou reparação das ameaças ou violações. Para que esta exigibilidade ocorra é necessário que seja pos-
(...) faz depender de legislação ulterior a aplicabilida-
tulados rotinas e procedimentos que se tornem públicos, explican-
de de algumas normas definidoras de direitos sociais,
do quem são os titulares de direito, o que são violações no âmbito
enquadrados dentre os fundamentais. Por regra, as
do programa e quando podem ocorrer, quais são os organismos
normas que consubstanciam direitos fundamentais
responsáveis pelo cumprimento das obrigações e reparação das
democráticos e individuais são de eficácia contida e
violações, quais são os mecanismos disponíveis para a cobrança
aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os
de direitos e quem pode exigi-los e como estas obrigações podem
direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também
ser cobradas. Este feito já foi realizado com o Programa Nacional
na Constituição vigente, mas algumas em especial-
de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Bolsa Família (PBF) e
mente as que mencionam lei integradora, são de efi-
a Estratégia de Saúde da Família (ESF).
cácia limitada, de princípios programáticos e de aplica-
A exigibilidade política é caracterizada quando existe a capaci-
bilidade indireta, mas são tão jurídicas como as outras
dade de exigir que os agentes políticos façam escolhas mais eficazes
e exercem relevante função, porque quanto mais se
e diligentes, contemplando a participação social e outros princípios,
aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se
para a garantia dos Direitos Humanos. Junto ao Poder Legislativo e
tornam garantias da democracia e do efetivo exercí-
aos seus membros é possível exigir que sejam elaboradas as leis ne-
cio dos demais direitos fundamentais. (apud NUNES,
cessárias para a realização dos Direitos Humanos e que deixem de
2008, p.34, apud FERREIRA, 2010, p.47)
criar leis que possam criar obstáculos (BURITY et al., 2010)
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E, também é importante ressaltar que junto ao Poder Executivo,
e é necessário estabelecer rotinas e instrumentos públicos de
O DHAA e demais Direitos Humanos podem ser exigidos administra-
exigibilidade, que seja de conhecimento de todos, de fácil aces-
tivamente (junto aos organismos públicos diretamente responsáveis
so e o mais próximo possível das comunidades.
pela garantia do direito à alimentação) ou politicamente (junto aos organismos de gestão de programas e políticas públicas).
De acordo com os manuscritos de Burity et al. (2010), no Brasil, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Ainda, continuam descrevendo, que a exigibilidade quase-ju-
(SISAN) depende das instâncias públicas de defesa e exigibilidade
dicial ocorre quando há a possibilidade de exigir a realização de di-
dos direitos humanos, dos Conselhos de Políticas Públicas e de
reitos aos órgãos que não são parte do Poder Judiciário, mas que
direitos humanos e das iniciativas da sociedade civil.
podem valer do Poder Judiciário para a garantia dos seus direitos,
As instâncias públicas de defesa e exigibilidade são compos-
por exemplo, o Ministério Público, que antes de exigir direitos ao
tas pelo Ministério Público, a Defensoria Pública, os Tribunais de
Poder Judiciário, pode usar instrumentos quase-judiciais para ave-
Justiça, o Senado Federal (Comissão de Direitos Humanos e Le-
riguar violações de direitos, como o inquérito civil e o Termo de
gislação Participativa) e a Câmara dos Deputados (Comissão de
Ajustamento de Conduta (TAC).
Direitos Humanos e Minorias). Os Conselhos de Políticas Públicas são importantes, pois con-
O inquérito civil consiste em um procedimento
tam com a participação de representantes da sociedade civil, em
de investigação de denúncias sobre violações de
alguns casos de forma paritária, propondo a criação de algum pro-
direitos. Esses inquéritos podem levar à emissão
grama ou política pública ou quando recomendam que políticas
de recomendações ao poder público ou à elabora-
e programas sofram modificações com o objetivo de incorporar
ção de TACs – Termo de Ajustamento de Conduta,
perspectivas dos Direitos Humanos em sua operacionalização.
quando necessário. O inquérito civil é um procedi-
Como exemplos pode-se citar o Conselho Nacional de Segurança
mento administrativo e, por essa razão, extrajudi-
Alimentar e Nutricional (CONSEA), Conselho de Alimentação Esco-
cial e pré-processual, que reúne informações, pro-
lar (CAE), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional
vas ou outros elementos que possam fundamentar
de Assistência Social (CONAS), entre outros.
a atuação do Ministério Público, para, por exemplo,
E, por fim, as iniciativas da sociedade civil que pressionam os
promover ações perante o Poder Judiciário. O Ter-
Estados exigindo a realização prática dos Direitos Humanos, po-
mo de Ajustamento de Conduta – TAC é um docu-
dendo citar como exemplos as organizações não-governamentais
mento firmado pelas autoridades competentes, no
(ONGs), entidades populares e sindicais e movimentos sociais.
qual se comprometam em ajustar sua conduta aos preceitos legais, dentro de um período estipulado
7 DESAFIOS PARA GARANTIR A EFETIVIDADE
(BURITY et al., 2010 p. 20).
DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA Conforme afirma Almeida (2010) os desafios para garantir
Outras entidades que utilizam esse tipo de mecanismo são
a efetividade do DHAA apontam problemas enfrentados pela so-
as Instituições especializadas na proteção das minorias étnicas,
ciedade e pelos órgãos públicos, mas também pode trazer uma
indígenas, crianças e mulheres.
maior interação entre órgãos e instituições na concretização de
E, por último, a exigibilidade judicial, que é a possibilidade de exigir a realização de direitos perante o Poder Judiciário, mediante
objetivos comuns. A autora Almeida (2010) ainda descreve que:
a ação civil pública (BURITY et al., 2010). No âmbito internacional a exigibilidade dos direitos humanos
[...] só será possível falar legitimamente de tute-
ocorre quando não haja reparação em nível nacional ou esta re-
la internacional dos direitos do homem quando
paração é demorada ou, ainda, haja risco de vida para as vítimas
uma jurisdição internacional conseguir impor-se e
de violação. Esta reparação pode ocorrer através dos sistemas de
superpor-se às jurisdições nacionais, e quando se
denúncias individuais ou através do sistema de apresentação de
realizar a passagem da garantia dentro do Estado
relatórios e investigações (NASCIMENTO et al., 2009)
- que é ainda a característica predominante da atu-
Mas, para que a sociedade tenha esses direitos garantidos
al fase - para a garantia contra o Estado. Deve-se
e tenha condições de exigir a garantia desses direitos é funda-
recordar que a luta pela afirmação dos direitos do
mental que todos saibam que têm direitos, os portadores de
homem no interior de cada Estado foi acompanha-
obrigações precisam conhecer e fazer cumprir suas obrigações
da pela instauração dos regimes representativos,
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 371
ou seja, pela dissolução dos Estados de poder con-
HORT), Reforma Agrária, Programa da Agrobiodiversidade, Pesca
centrado. Embora toda analogia histórica deva ser
e Agricultura; dimensão III: Renda/Acesso e Gasto com Alimentos
feita com muita cautela, é provável que a luta pela
– Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, Previdência
afirmação dos direitos do homem também contra
Social, Política de reajuste do salário mínimo; dimensão IV: Acesso
o Estado pressuponha uma mudança que, de fato,
à Alimentação Adequada – Programa Nacional de Alimentação Es-
já está em andamento, ainda que lento, sobre a
colar (PNAE), Programa Acesso à Alimentação, Distribuição de Ali-
concepção do poder externo do Estado em relação
mentos à Grupos Específicos, Restaurantes Populares, Cozinhas
aos outros Estados, bem como um aumento do ca-
Comunitárias, Banco de Alimentos, Cisternas, Acesso a água para
ráter representativo dos organismos internacionais
produção de alimentos para o autoconsumo, Programa de Alimen-
(apud BOBBIO, 1992 p.57).
tação do Trabalhador (PAT); dimensão V: Saúde e Acesso a Serviços de Saúde – Suplementação de ferro e vitamina A, Promoção
Os principais desafios para a promoção dos DHAA são a de-
de Hábitos de Vida e de Alimentação Saudável para Prevenção da
sinformação sobre direitos e a forma de exigi-los, a descrença nas
Obesidade e das Doenças Crônicas não Transmissíveis, Saúde da
instituições e instrumentos de proteção de direitos humanos, falta
Família, Agentes Comunitários de Saúde, Cobertura Vacinal no Pri-
de aproximação com a linguagem e prática de direitos humanos
meiro Ano de Vida e Saneamento; dimensão VI: Educação – Com-
por parte de entidades da sociedade civil, falta de informação so-
bate ao Analfabetismo e política de Educação Básica; dimensão
bre as obrigações das instituições e de seus agentes que devem
VII: Populações Tradicionais – Comunidades Tradicionais, Regula-
por em prática os Direitos Humanos, falta de garantia de acesso
rização das Terras Quilombolas, Carteira Indígena e Regularização
aos serviços e às instituições públicas, falta de planejamento, co-
Fundiária de Terras Indígenas (CONSEA, 2010).
erência e articulação entre as políticas de Direitos Humanos e Se-
Portanto, percebe-se que esforços estão realizados para ga-
gurança Alimentar e Nutricional e a falta de instrumentos eficazes
rantir o DHAA, mas ainda existe uma grande insegurança alimen-
de exigibilidade de Direitos Humanos (NASCIMENTO et al., 2009).
tar no país e para que o Estado assuma de fato suas obrigações
Para a realização efetiva do DHAA e construção de com-
uma série de mudanças deve ocorrer, como uma revolução cultu-
petências para a promoção do DHAA, alguns passos são fun-
ral dentro da sociedade e do Estado para que a perspectiva dos
damentais a serem seguidos, como: o Estado deve assumir
Direitos Humanos seja efetivamente considerada e para que mu-
compromissos para a realização dos Direitos Humanos, deve
danças efetivas e profundas possam vir a acontecer.
estabelecer e divulgar termos de referência com definição clara das atribuições e obrigações para a realização dos Direitos
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Humanos devem ser divulgadas informações para os titulares
Através do presente estudo pode-se concluir que o DHAA é
sobre seus direitos e para os agentes públicos sobre suas obri-
um tema relevante, pois ainda existem muitas pessoas e comu-
gações em relação aos Direitos Humanos, devem ser criadas
nidades que vivem em situações de insegurança alimentar, pre-
condições para que os agentes públicos cumpram suas obriga-
judicando o desenvolvimento de suas potencialidades e ainda há
ções e deve haver mecanismos para que os agentes públicos
muito que fazer para melhorar esta situação.
sejam responsabilizados por violações do DHAA.
Particularmente, aqui no Brasil, onde existe uma grande desi-
Para a promoção do DHAA é fundamental aumentar a capaci-
gualdade social as estratégias para a promoção da alimentação sau-
dade dos titulares de direitos de exigir, fortalecer os instrumentos
dável devem ser desenvolvidas sob duas vertentes, uma direciona-
e instituições de exigibilidade e promover a construção de compe-
da para o combate à desnutrição e doenças infecciosas e outra de
tência continuada da máquina estatal e dos servidores públicos
prevenção ao sobrepeso, obesidade e demais doenças crônicas não
(BURITY et al., 2010).
transmissíveis, resultantes de hábitos alimentares inadequados.
O Brasil vem realizando vários esforços para garantir o DHAA,
A evolução do conceito de Segurança Alimentar e Nutri-
através das Políticas Públicas de Segurança Alimentar e Nutricio-
cional também adotado pelo Brasil, permitiram que avanços
nal e as dimensões do DHAA, dispostos da seguinte forma: dimen-
fossem conquistados para garantir o DHAA, preocupando-se
são I e II: Produção e Disponibilidade de Alimentos – Programa
não apenas com a produção de alimentos, mas também com a
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF),
ampliação do acesso aos alimentos e que este acesso ocorra
Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA),
de forma segura, a alimentos de qualidade e quantidade sufi-
Garantia de Preços Mínimos/Formação de Estoques, Programa
cientes, de modo permanente e sem comprometer o acesso a
Brasileiro de Modernização do Mercado Hortigranjeiro (PRO-
outras necessidades essenciais.
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O Estado em conjunto com a sociedade civil deve respeitar, proteger, promover e prover o Direito Humano à Alimentação Adequada. O Brasil está em direção à eliminação dos problemas relacionados à alimentação inadequada, quando incorpora à sua Política Nacional de Alimentação e Nutrição, a ênfase em modos de vida saudáveis e desenvolvimento humano sustentável, para promover a dignidade humana e a redução das discriminações e das desigualdades. A inclusão do direito à alimentação na Constituição Federal como direito fundamental, no at. 6º, através da Emenda Constitucional n.º 64/2010 foi de extrema relevância para garantir o
________. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 05 set. 2012. ________. Decreto n.º 7.272, de 25 de agosto de 2010. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada, institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN, estabelece os parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 25 ago.2010.
de alimentação adequada não sejam apenas programa de gover-
________. Emenda Constitucional n.º 64, de 04 de fevereiro de 2010. Altera o art. 6º da Constituição Federal, para introduzir a alimentação como direito social. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília,
no, mas sim obrigação do Estado.
DF, 04 fev. 2010.
DHAA, pois enfatiza que as intenções de que as políticas públicas
Mas, além de ter esta garantia prevista na Constituição Federal, a sociedade civil deve lutar também pela realização efetiva dos direitos humanos, através da exigibilidade por dignidade, por distribuição de recursos e pela superação de valores
________. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966. Disponível em: http://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20 Internacional%20sobre%20os%20Direitos%20Econ%C3%B3micos,%20 Sociais%20e%20Culturais.pdf.> Acesso em: 12 set. 2012.
que oprimem povos e indivíduos. É necessário que a prática de exigir e respeitar os direitos humanos se torne um hábito na sociedade brasileira. Sendo que a promoção dos direitos ocorrerá através de uma mudança efetiva de cultura e através da pressão política exercida pelos movimentos sociais organizados e pelas instituições da sociedade civil.
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NOTA DE FIM 1 Acadêmica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
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EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO TRABALHISTA: ineficácia diante da impenhorabilidade de verbas salariais Gabrielle Ramos da Silva Ribeiro1
RESUMO: São poucos os juristas que defendem a possibilidade de penhora de verbas de natureza salarial do devedor na execução trabalhista. Este estudo pretende contribuir para a reflexão sobre o tema para além do entendimento majoritário, e dar alento aos que acreditam na efetividade da Justiça do Trabalho. PALAVRAS-CHAVE: execução trabalhista, salários, devedor trabalhista, credor trabalhista, penhora, impenhorabilidade absoluta. ÁREA DE INTERESSE: Direito Processual Civil
1 INTRODUÇÃO
Essa fase tem sido deveras o grande entrave do acesso real
Se existe uma qualidade da qual a Justiça do Trabalho no
e efetivo do trabalhador à Justiça do Trabalho (SCHIAVI, 2010).
Brasil pode se esmerar é a rapidez da tramitação dos proces-
Por força do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho,
sos, graças à simplificação e instrumentalização da sistemáti-
considera-se aplicável à execução trabalhista o art. 649 do Có-
ca de marcação de audiências, de notificações e à consagra-
digo de Processo Civil, o qual abarca todos os bens que não se
ção do princípio da oralidade.
sujeitam à execução, incluindo-se, no inciso IV da norma, todos
A bem da verdade, os processualistas civis sempre se
os créditos de natureza salarial.
utilizaram do processo do trabalho em suas empreitadas, ex-
Assim, pacificou-se na jurisprudência trabalhista o enten-
traindo dele tudo aquilo que pudesse aprimorar o sistema pro-
dimento da impossibilidade absoluta da penhora de créditos
cessual comum (MEIRELES e BORGES, 2006).
salariais, fazendo com que, mesmo a CLT prevendo um pro-
Com isso, a justiça trabalhista poderia ser eficaz, como
cedimento simplificado para a execução, a cada dia o ideal
convém à justiça destinada especialmente a tutelar as rela-
originário desse procedimento venha perdendo terreno para
ções decorrentes do trabalho, fundamento de toda a ordem
a inadimplência, contribuindo para a falta de credibilidade da
econômica, financeira e social desta República (artigos. 1º, III;
jurisdição trabalhista (SCHIAVI, 2010).
170 e 193 da Constituição Federal).
No entanto, em honra ao debate e à boa hermenêutica e
Como bem disse o compositor popular conhecido como
argumentação jurídica, componentes natos e indispensáveis a
Gonzaguinha (1983), “um homem se humilha se castram seu
esta ciência, malgrado o regramento legal e o entendimento juris-
sonho, seu sonho é sua vida e vida é trabalho, e sem o seu tra-
prudencial predominante, cresce, ainda que timidamente, uma
balho o homem não tem honra, e sem a sua honra se morre,
comunidade doutrinária em defesa não apenas da eficiência,
se mata. Não dá prá ser feliz.”
mas da eficácia da execução laboral e, sobretudo, da mudança
O trabalho é mesmo o único meio lícito de inserção do
de mentalidade do devedor trabalhista.
indivíduo no sistema capitalista de produção e instrumento de (re)socialização na busca de uma vida digna e proba (MACHADO, 2011). Eis, pois, a razão da insistência na realização pela Justiça do Trabalho dos anseios da sociedade.
2 BENS ABSOLUTAMENTE IMPENHORÁVEIS A execução trabalhista está disciplina nos artigos 876 ao 892 da CLT, cujo art. 769 esclarece que “nos casos omissos, o
Todavia, a realidade é que, sem embargo da eficiência,
direito processual comum será fonte subsidiária do direito pro-
ainda não se pode falar em eficácia da Justiça Especializada.
cessual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com
É que, a despeito da agilidade da fase de conhecimento,
as normas desse título”.
há um consenso entre os operadores de direito que atuam na
Nesse sentido, o art. 882 é expresso em determinar a obser-
Justiça do Trabalho, sobre a morosidade da fase de execução
vação da ordem preferencial de penhora prevista no art. 655 do
(GUNTHER, 2008), que é a fase em que se entrega efetiva-
Código de Processo Civil, calando-se em relação à circunscrição
mente ao titular o que é seu de direito.
dos bens executáveis.
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Diante dessa lacuna celetista, convencionou-se pela aplicação, ao processo do trabalho, do art. 648 do CPC, que prescreve a não
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.
submissão dos bens impenhoráveis e inalienáveis à execução. Por conseguinte, os bens considerados absolutamente
O indigitado artigo traz duas importantes ressalvas, ambas
impenhoráveis estão perfilados no art. 649 do CPC, cuja nova
incluídas pela Lei n. 11.382/2006. A primeira, contida no § 1º, diz
redação foi dada pela Lei n. 11.382/2006, sendo eles:
inoponível a impenhorabilidade à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem, e a segunda, prevista no § 2º,
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato
diz inaplicável a impenhorabilidade no caso de penhora para pa-
voluntário, não sujeitos à execução;
gamento de prestação alimentícia. Uma terceira ressalva estava prevista na redação original
II - os móveis, pertences e utilidades domésticas
da referida Lei, que acrescentava também o § 3º ao art. 649
que guarnecem a residência do executado, salvo
do CPC, mas este que foi objeto de veto presidencial, conforme
os de elevado valor ou que ultrapassem as ne-
analisado a seguir.
cessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
3 O § 3º DO ART. 649 DO CPC A lei n. 11.382, de dezembro de 2006 alterou vários disposi-
III - os vestuários, bem como os pertences de uso
tivos do Código de Processo Civil, introduzindo no código de 1973
pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
uma nova sistemática em relação aos processos de execução, visando privilegiar o credor e imprimir maior celeridade e efetivida-
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários,
de a esta fase do processo, em especial.
remunerações, proventos de aposentadoria,
O projeto original da referida lei (Projeto de Lei da Câmara n.
pensões, pecúlios e montepios; as quantias re-
51, de 2006; nº 4.497, de 2004, na Casa de origem) acrescentava
cebidas por liberalidade de terceiro e destinadas
o § 3º ao art. 649 do CPC, que assim dispunha:
ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de
Na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será
profissional liberal, observado o disposto no §
considerado penhorável até 40% (quarenta por
3o deste artigo;
cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetua-
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os
dos os descontos de imposto de renda retido na
utensílios, os instrumentos ou outros bens mó-
fonte, contribuição previdenciária oficial e outros
veis necessários ou úteis ao exercício de qual-
descontos compulsórios.
quer profissão; Todavia, por meio da Mensagem n. 1.047 de 6 de dezembro VI - o seguro de vida;
de 2006, o Presidente da República vetou o dispositivo, sustentando-se nas seguintes razões:
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
O Projeto de Lei quebra o dogma da impenhorabilidade absoluta de todas as verbas de natureza alimen-
VIII - a pequena propriedade rural, assim defini-
tar, ao mesmo tempo em que corrige discriminação
da em lei, desde que trabalhada pela família;
contra os trabalhadores não empregados ao instituir impenhorabilidade dos ganhos de autônomos e de
IX - os recursos públicos recebidos por institui-
profissionais liberais. Na sistemática do Projeto de
ções privadas para aplicação compulsória em
Lei, a impenhorabilidade é absoluta apenas até vinte
educação, saúde ou assistência social;
salários mínimos líquidos. Acima desse valor, quarenta por cento poderá ser penhorado. A proposta
X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos,
parece razoável porque é difícil defender que um ren-
a quantia depositada em caderneta de poupança.
dimento líquido de vinte vezes o salário mínimo vigen-
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te no País seja considerado como integralmente de
mais uma vergonha e não pagar os débitos não é
natureza alimentar. Contudo, pode ser contraposto
mais um sinal de desonra. A exacerbação do res-
que a tradição jurídica brasileira é no sentido da
peito à liberdade individual e à vida privada torna-
impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, de remu-
ram vantajosa a posição de devedor”.
neração. Dentro desse quadro, entendeu-se pela conveniência de opor veto ao dispositivo para que
Não se pode olvidar que em países como Alemanha, França,
a questão volte a ser debatida pela comunidade
Estados Unidos, Espanha e Portugal, onde a impenhorabilidade
jurídica e pela sociedade em geral.
dos salários é limitada ou parcial, o devedor não desfruta dessa proteção excessiva (GRECO, apud GIORDANI).
Nos próprios fundamentos do veto é reconhecida a razoabi-
Mesmo assim, a realidade do Brasil ainda é o protecionismo
lidade da proposta legislativa original, o que pode se considerar
do devedor, seja por benevolência, compaixão, ou porque interes-
um pequeno avanço. Ao reverso, impor a impenhorabilidade ab-
sa à ordem pública que certos bens continuem a integrar o univer-
soluta de todas as verbas de natureza alimentar do devedor com
so patrimonial do devedor, isentando-os de qualquer possibilidade
fundamento em “dogma” e “tradição” é um verdadeiro retrocesso.
de serem excutidos pela vontade de quem quer que seja (MEIRE-
Portanto, esse argumento parece frágil.
LES e BORGES, apud NOGUEIRA).
De fato, quando um trabalhador aciona a Justiça para pleitear os salários não recebidos, e, na fase da execução, diante da ine-
4 APLICAÇÃO DO INCISO IV NA
xistência de outros bens executáveis, a única alternativa de satis-
EXECUÇÃO TRABALHISTA: O PARADOXO
fação da dívida são os créditos de natureza salarial do executado,
A regra geral no processo civil sobre a impossibilidade ab-
o quadro que se pinta é um choque de prioridades entre duas
soluta da penhora dos créditos de natureza salarial dispostos
verbas de natureza alimentar.
no art. 649, V do CPC, faz algum sentido no processo civil, repi-
Decerto, cabe ao Estado, soberano, regular esse conflito e definir qual interesse deve prevalecer, porém, de maneira equilibrada.
ta-se: algum sentido. Sim, pois para quem não se habituou à realidade atual em
Quando o veto presidencial afastou até mesmo a mais razo-
que o crédito dispensado irrefletidamente ao consumidor e a in-
ável ferramenta de equilíbrio desse conflito, ficou claro que, no
flação constante fizeram com que muitos compreendessem que a
Brasil, a posição mais confortável é dedicada ao devedor.
posição de devedor é mais confortável, retardando, quanto possí-
Precisas, nesse sentido, as palavras de Giordani (2007, p. 156):
vel, a execução de suas dívidas (PASSOS apud GIORDANI), nenhuma previsão legal que fomente a manutenção dessa mentalidade
Apesar da indiscutível relevância de se tornar con-
há de fazer sentido total.
creta/completa a satisfação do direito reconheci-
No caso, o sentido da intangibilidade salarial no processo ci-
do ao credor, a situação mais confortável fica com
vil se faz ver quando se é levado em conta que o salário, por ser
o devedor, nomeadamente com aquele que não
fonte de subsistência do trabalhador e possuir caráter alimentar,
pretende cumprir com suas obrigações, mormente
merece dispor de mecanismos de proteção que visem resguardar
nos dias que correm, nos quais parece que estar
a dignidade do labutador.
in é não pagar o que se deve, atitude que, para al-
Todavia, a finalidade social do Processo do Trabalho, com sua
guns e infelizmente, até parece motivo de orgulho
principiologia e métodos especiais, se justifica exatamente pela
e satisfação, diploma de “esperteza” (em certas si-
natureza alimentar e preferencial dos créditos trabalhistas, cons-
tuações, com pós-graduação), enquanto que pagar
titucionalmente estabelecida (art. 100, § 1º da CF).
o que é devido, pode encaixar homens probos, na visão dos que se enquadram na visão dos que aca-
Afortunadas, nesse sentido, as palavras de Marcel Lopes Machado (2011, p. 85-86):
bei de traçar, de “out”. E, de se frisar, não se cuida de quadro pintado com cores demasiado fortes
Quem pleiteia crédito alimentar já se presume
para a cena que se retrata, tanto que prestigia-
em situação de necessidade. Não demanda para
dos processualistas estão denunciando essa re-
aumentar patrimônio ou para obter vantagem fi-
alidade; assim, Roger Perrot, mencionado pelo
nanceira. Não pretende dinheiro e riquezas. Luta
festejado Leonardo Greco, assim expressou: “há
por um crédito eminentemente social, cujas par-
um novo ambiente sociológico. Ser devedor não é
celas – salários, proventos, pensões, indeniza-
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 377
ções por morte ou invalidez – dizem respeito à sobrevivência com dignidade mínima.
pode ser aviltada em razão do débito. Mas nem por isso o devedor pode ignorar ou jogar sobre os ombros de outrem as consequências das atitudes que o levaram
O quadro que se forma na seara da Justiça do Trabalho, portanto, é este: o credor deseja satisfazer o seu crédito trabalhista de caráter alimentar, e o devedor deseja proteger as suas verbas salariais também de caráter alimentar.
a essa condição, porquanto honrar com as consequências de seus atos é dever de todos (GIORDANI, 2007). O último quarteto escrito por Ludwig Van Beethoven tem como tema central a expressão em alemão “Muss es sein? Es
Ora, se o credor trabalhista acionou o judiciário, chegando à
mus sein!”. Narrando a origem do tema em A Insustentável Leveza
fase de execução forçada, é porque, em algum momento, se viu
do Ser, o festejado escritor tchecoslovaco Milan Kundera (1986)
privado do recebimento das suas verbas salariais, que por sua vez
conta que um certo senhor Dembscher devia cinquenta florins
lhe foram sonegadas pelo devedor, sendo que esse último, depois
ao compositor que, sempre falido, foi pedir-lhos. “Es muss sein?”
de não disponibilizar nenhum outro meio de satisfação da dívida,
(tem de ser?), suspirou o pobre Dembscher, ao que Beethoven res-
quer ver absolutamente intocados os seus próprios salários.
pondeu em tom irônico: “Es muss sein!” (tem de ser!).
Eis aqui um verdadeiro paradoxo. Sobre esse choque entre dois interesses de mesmo gênero, Jorge Neto e Francisco Ferreira (2008, p. 135):
Não se pode olvidar, portanto, que quem contrai uma dívida, inexoravelmente, contrai um dever de pagar. E em se tratando de uma situação em que há em um dos pólos um trabalhador credor, que “vende” sua força de trabalho,
A restrição legal de impenhorabilidade não pode
não podendo ser tratado como qualquer mercadoria sujeita à con-
ser vista de forma absoluta dentro do sistema
corrência (MACHADO, 2011), e no outro pólo um devedor que, a
jurídico. Não se pode admitir a prevalência de
despeito de sonegar ao empregado suas verbas salariais, goza,
um bem jurídico protegido pelo sistema norma-
serenamente dos seus próprios salários, o pagamento da dívida
tivo sobre outro bem jurídico também protegido
trabalhista, mesmo que em doses homeopáticas – considerando-
pelo sistema.
-se uma limitação percentual da penhora – cumlmina em verdadeiro es mus sein.
No mesmo sentido, pondera Schiavi (2010, p. 231): 5 CENÁRIO JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIO ATUAL Considerando-se o caráter alimentar do crédito
No final de 2008, a Subseção II Especializada em Dissí-
trabalhista, diante da possibilidade da penhora de
dios Individuais (SDI-II) do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
parte do salário para satisfazer o crédito trabalhis-
pacificou o entendimento da Corte com a edição da Orientação
ta e o direito do executado de não ter penhorado o
Jurisprudencial n. 153, verbis:
salário, deve o Juiz do Trabalho dirimir a questão à luz do princípio da proporcionalidade.
MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO. ORDEM DE PENHORA SOBRE VALORES EXISTEN-
Decerto, a questão é tormentosa quando se parte da pre-
TES EM CONTA SALÁRIO. art. 649, IV, do CPC.
missa do primado do trabalho e das parcelas dirigidas a re-
ILEGALIDADE. Ofende direito líquido e certo de-
munerá-lo, porque na Justiça do Trabalho nos dois pratos da
cisão que determina o bloqueio de numerário
balança está sendo pesado um mesmo bem fundamental à dig-
existente em conta salário, para satisfação de
nidade da pessoa humana, de modo que um ou outro terá que
crédito trabalhista, ainda que seja limitado a
ser, inevitavelmente, sacrificado.
determinado percentual dos valores recebidos
Nesse caso, o Estado optou por sacrificar o credor traba-
ou a valor revertido para fundo de aplicação ou
lhista, deixando o devedor na zona de conforto da impenhora-
poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC con-
bilidade absoluta.
tém norma imperativa que não admite interpre-
É bem verdade que a dignidade do devedor também há de
tação ampliativa, sendo a exceção prevista no
ser preservada, até porque, permitir uma flexibilização ilimitada
art. 649, § 2º, do CPC espécie e não gênero de
em relação a um acarretaria, por conseguinte, a flexibilização
crédito de natureza alimentícia, não engloban-
do direito do outro.
do o crédito trabalhista.
E, principalmente, porque a dignidade da pessoa humana não 378 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
Em virtude dessa uniformização jurisprudencial, as decisões
4.840/2003; ART. 115, INCISO VI, DA LEI 8.213/91;
contrárias que chegam ao crivo mais elevado da Justiça Laboral
E ART. 154, INCISO VI, DO DECRETO Nº 3.048/99.
são, fatalmente, reformadas.
SUPREMACIA DO CRÉDITO TRABALHISTA. ART. 100,
E em que pese a inclinação jurídica ser componente do
§ 1º-A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 186 DO
Direito, por outro lado, não se pode deixar de homenagear a
CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN). É lícita, ex-
hermenêutica e a boa argumentação jurídica que, ao reverso,
cepcionalmente, a penhora de até 30% dos rendi-
também é parte integrante dessa atuação, de modo que a in-
mentos decorrentes do trabalho, pensão e aposen-
clinação apática e a resignação não são saudáveis e nem for-
tadoria, discriminados no inciso IV do art. 649 do
mam o Direito, que é dinâmico e não estático.
Código de Processo Civil (CPC), por expressa previ-
Aliás, a interpretação é uma operação mental que acompa-
são no § 2º do art. 649 do CPC, desde que compro-
nha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de um
vado o esgotamento de todos os meios disponíveis
escalão superior para um escalão inferior (KELSEN, 2000).
de localização dos bens do devedor.
Em sendo assim, mesmo diante do entendimento assentado pelo Tribunal Superior do Trabalho, os juízos de piso e os Tribunais
Assim como os magistrados que participaram da 1ª Jornada
Regionais do Trabalho, juntamente com animosos doutrinadores,
de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, Schiavi
vêm formando uma comunidade favorável à penhorabilidade per-
confia numa ponderação de princípios para a sustentação da tese
centual dos créditos de natureza salarial do devedor para satisfa-
da possibilidade da penhora de parte do salário (2010, p. 233):
zer a execução trabalhista depois de frustradas todas as alternativas de adimplemento da dívida laboral.
À luz dos princípios da razoabilidade, da equidade
Nesse sentido, o Enunciado n. 70, aprovado em novembro de
e da justiça no caso concreto, pensamos que a re-
2007, na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do
gra da impenhorabilidade absoluta do salário deve
Trabalho, realizada em Brasília-DF:
ser relativizada na execução trabalhista, uma vez que, tanto o reclamante, como o executado postu-
EXECUÇÃO. PENHORA DE RENDIMENTOS DO DE-
lam verbas de índole alimentar.
VEDOR. CRÉDITOS TRABALHISTAS DE NATUREZA
ALIMENTAR E PENSÕES POR MORTE OU INVA-
Adeptos, também, à corrente da possibilidade da penhora
LIDEZ DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABA-
parcial do salário, outra não é a justificativa de Jorge Neto e Fran-
LHO. PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITU-
cisco Ferreira:
CIONAIS. POSSIBILIDADE. Tendo em vista a natureza alimentar dos créditos
Justificam a nossa posição os preceitos constitucio-
trabalhistas e da pensão por morte ou invalidez de-
nais de valorização do trabalho humano, bem como
corrente de acidente do trabalho (CF, art. 100, §
a natureza alimentar do crédito e sua abrangência
1º-A), o disposto no art. 649, inciso IV, do CPC deve
definida no art. 100-A, § 1º-A, da CF, a efetividade
ser aplicado de forma relativizada, observados o
das decisões judiciais o princípio da razoabilidade e
princípio da proporcionalidade e as peculiaridades
a responsabilidade dos sócios pelo cumprimento da
do caso concreto. Admite-se, assim, a penhora dos
obrigação trabalhista (art. 50, CC).
rendimentos do executado em percentual que não inviabilize o seu sustento.
A atribuição de normatividade aos princípios é mesmo um rico componente do conjunto de idéias do paradigma pós positi-
No mesmo sentido, foi aprovado na Jornada Nacional Sobre Execução na Justiça do Trabalho, realizada nos dias 24 a 26 de novembro, o Enunciado n. 29, a saber:
vista contemporâneo (Barroso, 2005). Não se pode olvidar o potencial choque entre a dignidade da pessoa humana do devedor e do credor trabalhista, pelo que a penhorabilidade deve ser aplicada de acordo com o caso
PENHORA DE SALÁRIO, PENSÃO E APOSENTADO-
concreto, devendo a penhora parcial do salário observar o
RIA. POSSIBILIDADE EM EXECUÇÃO TRABALHISTA.
quantum do valor recebido e do valor devido bem como a pos-
APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 1º, § 1º, DA LEI Nº
sibilidade de fixação de parcelas mensais até a satisfação do
10.820/2003; ART. 3º, INCISO I, DO DECRETO Nº
crédito trabalhista, o que, por sua vez, atende perfeitamente à
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disciplina e à força normativa do princípio da proporcionalidade (JORGE NETO e FRANCISCO FERREIRA, 2008).
Assim sendo, se a apreensão do trabalhador causada pelo atraso dos salários gera dano moral, que dirá da apreensão sofri-
Já os diferentes operadores do Direito na Justiça do Trabalho
da por um trabalhador que sequer recebeu seus salários e que ao
que participaram da Jornada Nacional sobre Execução na Justiça
ser acudido pelo Poder Judiciário vê a execução do seu crédito se
do Trabalho avistaram a possibilidade de penhora parcial de salá-
arrastar por anos com o crescente sentimento de fracasso.
rios na execução trabalhista em razão das inúmeras exceções à impenhorabilidade absoluta no processo comum.
E como bem meditado pela tese de Bezerra, se o processo civil admite a penhora de salário do devedor nas condenações por
Sob esse enfoque, se na Justiça Comum a regra é flexibiliza-
ato ilícito, nada mais sóbrio do que a penhora do salário do deve-
da, a Justiça do Trabalho, que lida com execução alimentar não
dor de créditos trabalhistas quando esgotadas as últimas fontes
há de dar guarida àquele que, devendo – e podendo – não paga.
da garantia da execução.
Ora, se é lícita a previsão de desconto no percentual de até 30%
Em verdade, a ineficácia da execução trabalhista é tão inquie-
de salários, pensões e proventos para quitação de dívidas financei-
tante que já tramita no Senado Federal o Projeto de Lei (PLS) n.
ras com credores cíveis/bancários, cuja natureza jurídica do crédito é
606/2011, que foi elaborado a partir de propostas sugeridas por
quirografária, este mesmo percentual é passível de penhorabilidade
uma comissão de ministros do Tribunal Superior do Trabalho e de
na execução na Justiça Especializada, em face da supremacia consti-
juízes de primeiro e segundo graus e propõe uma revisão dos trâ-
tucional e legal do crédito trabalhista (MACHADO, 2011).
mites da execução, conciliando-os com as regras do direito proces-
O eminente doutrinador Carlos Henrique Bezerra Leite crê,
sual civil com vistas a dar maior efetividade às decisões judiciais. 2
ainda, na possibilidade de penhora de salários na execução tra-
Segundo dados oficiais do ano de 2011 divulgados na audi-
balhista à luz de uma interpretação sistemática do próprio Código
ência pública em que se discutiu o referido Projeto, em cada 100
Processual Civil (2011, p. 1039):
reclamantes, somente 26 lograram êxito na satisfação efetiva dos seus direitos na Justiça do Trabalho. 3
Ocorre que o próprio CPC, em seu art. 20, § 5º, dis-
Infelizmente, o laudável Projeto não prevê a possibilidade de
põe que nas “ações de indenização por ato ilícito
penhora dos salários do devedor, o que conforme o preclaro Gior-
contra pessoa, o valor da condenação será a soma
dani (2007, p.160), contribuiria, sobremaneira, para uma maior
das prestações vencidas com o capital necessário a
efetividade da execução trabalhista:
produzir a renda correspondente às prestações vincendas (art. 602), podendo estas ser pagas, também
[...] a penhora de salário poderá contribuir, em não
mensalmente, na forma do § 2º do referido art. 602,
pequena porcentagem, para minimizar a crise da
inclusive em consignação na folha de pagamento do
execução, ou, como consistentemente dito por Gui-
devedor”. Ora, se o próprio CPC permite, na indeniza-
lherme Freire de Barros Teixeira, “admite-se, portan-
ção por ato ilícito (o que é a regra nas reclamações
to, que a penhora de salários possa servir como um
trabalhistas), a penhora mediante “consignação em
dos vários instrumentos para contribuir na luta para
folha de pagamento do devedor”, ou seja, penhora de
minimizar a crise do processo de execução, sem que
salário, merece urgente cancelamento a OJ 153, pois
isso importe em diminuição das garantias assegura-
olvida a interpretação sistemática do próprio CPC, em
das ao executado”.
evidente prejuízo para a efetividade da execução no processo do trabalho e, em derradeira análise, dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Em verdade, a possibilidade da penhora de verbas salariais não significa a redenção da execução laboral, entretanto, contribuiria, sem dúvida, para a mudança das hediondas estatísticas
Relevante destacar que, em 14 de novembro de 2012, o TST concedeu indenização por dano moral a uma vendedora
de desalento do trabalhador, quiçá para a urgente mudança de mentalidade do devedor trabalhista.
que recebeu seus salários com atraso por quase três anos ao argumento de que o atraso reiterado no pagamento dos salá-
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
rios configura dano moral, “porquanto gerador de estado de
O Direito do Trabalho, como ramo jurídico dirigido a garantir um
permanente apreensão do trabalhador” (BRASIL. Tribunal Su-
aperfeiçoamento constante nas condições de pactuação da força de
perior do Trabalho, RR 3321-25.2010.5.12.0037, Quarta Tur-
trabalho na sociedade contemporânea (DELGADO, 2009), tem, na Jus-
ma. Relatora: Min. Maria de Assis Calsing).
tiça Especializada, a materialização da proteção jurídica do trabalho.
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E em que pese o esmero dessa Justiça no trato ágil e eficiente dedicado às fases iniciais das ações da sua competência, a fase de execução tem representado o grande entrave ao acesso real e efetivo do trabalhador à Justiça do Trabalho (SCHIAVI, 2010). Depois de cumprido todo o processo de conhecimento respeitado processo legal e a ampla defesa do empregador, o trabalhador, com seu direito regularmente reconhecido, malogra-se diante de um processo de execução impotente em face da superproteção dedicada ao devedor no Brasil. Faz parte do conjunto de regras de superproteção a impenhorabilidade absoluta ainda que percentual de verbas salariais do devedor prescrita no art. 649, IV do CPC e aplicável na execução trabalhista, o chega a ser um paradoxo na Justiça do Trabalho que julga e executa senão verbas de natureza alimentar, fundamento da intangibilidade dos salários do devedor. Todavia, como “a plena compreensão do Direito só é possível de maneira concreta e dinâmica, como dimensão que é da vida humana” (REALE, p. 91), a despeito de um entendimento majoritá-
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro, RJ, 09 ago. 1943. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 31 mai. 2013. BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 17 jan. 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l5869compilada.htm>. Acesso em: 31 mai. 2013. BRASIL. Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2006. Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, relativos ao processo de execução e a outros assuntos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 07 dez. 2007 e 10 jan. 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/ l11382.htm>. Acesso em: 31 mai. 2013. BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei da Câmara nº 51, de 2006 (nº 4.497, de 2004, na Casa de origem). Redação final. Brasíla, DF. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/8990.pdf>. Acesso em: 31 mai. 2013.
rio já assentado, inclusive, no TST, referente à impenhorabilidade absoluta dos salários do devedor, vem crescendo uma comunidade de juristas em defesa da possibilidade de penhora parcial de verbas salariais do devedor trabalhista e por derradeiro, da efetividade da execução na Justiça do Trabalho. À saciedade de fundamentos, essa medida se justifica à luz de uma interpretação teleológica do art. 649, IV do CPC, com uma ponderação de princípios constitucionais, mormente dos princípios da efetividade e da razoabilidade e da proporcionalidade; de uma interpretação analógica das inúmeras exceções à impenhorabilidade absoluta no processo comum ou até mesmo de uma interpretação sistemática do próprio CPC. Seja por um ou por outro fundamento, visto a adequação de todos, o fato é que o posicionamento da Corte Superior Trabalhista urge ser revisto e a possibilidade de penhora parcial de verbas de natureza salarial há de ser encarada como mero corolário da missão e do objeto de execução na Justiça do Trabalho. E é de se dizer que não se trata de simples maniqueísmo, em que se decide entre o bom e o mau, entre o credor e o devedor, mas tão somente do reestabelecimento da execução como, nas ditosas palavras de Schiavi (2010, p.24), “fase processual de satisfação do crédito do credor trabalhista e de efetividade dos direitos sociais”, o que, definitivamente, não é pedir demais.
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2 http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/projeto-que-tramita-no-senado-pretende-dar-mais-eficacia-a-execucao-das-sentencas-trabalhistas?redirect=http://www. tst.jus.br/noticias%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_89Dk%26p_p_ lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_ col_id%3Dcolumn-2%26p_p_col_count%3D2
1 Graduanda no curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
3 http://legis.senado.gov.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/110782.pdf
GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto. O princípio da proporciopnalidade e a penhora de salário: algumas outras considerações. Revista LTr, São Paulo, v. 71, n. 2, p. 154-161, fev. 2007. GUNTHER, Luiz Eduardo. Aspectos Principiológicos da execução incidentes no processo do trabalho. In: SANTOS, José Aparecido dos (Coord.). Execução trabalhista: homenagem aos 30 anos Amatra IX. São Paulo: LTr, 2008, p. 13-42. JUNIOR, Luiz Gonzaga do Nascimento. Um Homem Também Chora (Guerreiro Menino). In: JR., Luiz Gonzaga. Alô alô Brasil. [S.l.]: Emi-Odeon. 1983. 1 disco sonoro. Lado A, Faixa 5. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. Tradução Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. Rio de Janeiro: Rio Gráfica, 1986. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2011. MACHADO. Marcel Lopes. A penhorabilidade de salários, pensões e proventos de aposentadoria nas execuções trabalhistas. Suplemento LTr, São Paulo, v. 47, n. 18, p. 85-88, fev. 2011. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
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EMBRIAGUEZ NO DIREITO DO TRABALHO: Uma análise ao Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011 Karen Poliana da Silva1
RESUMO: A aplicação da embriaguez como hipótese de justa causa vem mudando ao longo do tempo com o novo entendimento de ser doença catalogada pela Organização Mundial de Saúde – OMS. Mudança essa que resultou na propositura de um Projeto de Lei que visa adequar à aplicação da norma a realidade social e a evolução do pensamento da sociedade, bem como ao entendimento médico. Portanto, pretende-se com este trabalho o estudo do citado Projeto e a reflexão da importância social do tema ora proposto. PALAVRAS-CHAVES: justa causa, embriaguez, doença, projeto de lei. Área de Interesse: Direito do Trabalho
1 INTRODUÇÃO
mudança na interpretação do dispositivo, dando mais peso àque-
A relação de emprego é, inquestionavelmente, essencial
les que afirmam ser a embriaguez doença.
para a sociedade tanto no aspecto econômico, social quanto polí-
Nesse sentido, pretende-se demonstrar a lacuna axiológica
tico, prova disto é que está na Constituição como um dos direitos
da lei, que sendo uma norma positivada não consegue se de-
sociais que visam à busca por uma sociedade igualitária, desen-
senvolver e evoluir juntamente com a sociedade dependendo da
volvida, sem pobreza e discriminação.
atuação do legislador para que haja adequação do direito à rea-
Tendo em vista a importância desta relação, em 1943 foi
lidade social.
criada a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, que passou a reger a relação entre o empregado e o empregador estabelecendo limites, princípios e garantias, com o propósito de manter uma relação de igualdade e respeito.
2 O ALCOOLISMO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO É notório que o alcoolismo tem grande influência e impacto na sociedade em geral, não discriminando raça, sexo ou status
Nesse diploma legal, o qual disciplina o início e o fim da relação
social, e sua incidência causa grandes transtornos tanto na vida
trabalhista, está presente o art. 482, que dispõe sobre os motivos
pessoal quanto profissional do cidadão empregado, bem como
ensejadores da dispensa motivada do empregado pelo empregador,
na do empregador.
sendo este último detentor do poder diretivo da relação.
Pode-se perceber a figura da embriaguez desde os tempos
Entre as justas causas estabelecidas taxativamente, des-
bíblicos, tendo referência no livro de Genesis capítulo 9-20,21
taca-se, como objeto deste estudo, a hipótese de dispensa por
(BÍBLIA, 2011, p. 12): ”E começou Noé a ser lavrador da terra, e
embriaguez habitual ou em serviço, tendo em vista os diferentes
plantou uma vinha. E bebeu do vinho, e embebedou-se no meio
posicionamentos quanto a sua aplicação.
de sua tenda”.
Portanto, pretende-se diferenciar a embriaguez habitual da
Portanto é um mal que existe na sociedade desde o início,
embriaguez em serviço, bem como os seus impactos na vida la-
sendo que no período da mitologia já existia um deus ébrio cha-
boral do empregado, e para tanto, utilizar-se-á de estudos juris-
mado Baco, o deus do vinho (MARTINS, S., 2006, p. 105).
prudenciais e doutrinários.
Contudo, o vício começou a ser visto como um malefício à socie-
Não obstante, como não é intuito do presente trabalho tra-
dade, às relações de convivência e às relações de emprego, sendo
zer todos os posicionamentos sobre o assunto, será destacado
figurado como forma de punição no art.1229, IV do Código Civil de
o Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011, demonstrando a nova
1916, que trazia como hipótese de rescisão do contrato por justa
visão sobre a embriaguez, a sua aplicabilidade nas relações do
causa os vícios do locador, podendo ser incluída a embriaguez, ten-
trabalho, bem como as possíveis consequências da aprovação
do em vista que na época da criação do mencionado código não
do citado Projeto de Lei, que pretendia no primeiro momento a
existiam leis trabalhistas, assim, eram aplicadas as normas de loca-
exclusão da alínea “f” do art. 482 da CLT.
ção às relações de trabalho ( MARTINS, S., 2006, p. 103).
Será demonstrado que a aprovação do citado projeto visa à
Nesse sentido, a justa causa, incluindo assim a embriaguez,
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no primeiro momento foi uma preocupação do Direito Comercial e
cia social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
Civil que visavam formas de rescisão de um contrato, entendendo
desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso)”.
por este último o direito contratual e não especificamente trabalhista (MARTINS, S., 2006, p. 105). Era possível perceber ainda que ao tratar da Caixa de Apo-
Portanto, a visão sobre o alcoolismo tem tido um avanço no sentido médico, devendo ser sua aplicação como justa causa relativizada, tendo em vista a evolução histórica nas relações de trabalho.
sentadoria e Pensões dos Servidores Públicos (Decreto nº 20.465/1931), bem como ao estipular as regras para o Insti-
3. EMBRIAGUEZ COMO HIPÓTESE DE JUSTA CAUSA
tuto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (Decreto nº
É necessário antes de se conceituar a justa causa, expor bre-
22.872/1933), a embriaguez habitual ou em serviço eram tidas
vemente sobre a controvérsia existente quanto à denominação a
como falta grave (MARTINS, S., 2006, p. 105).
ser utilizada: justa causa ou falta grave.
Contudo, as relações de emprego se tornaram de grande im-
Para Wagner Giglio2 (2000, apud MARTINS, S., 2006, p. 27):
portância social e política, estando ligada não apenas à sobrevivência do individuo, mas também ao desenvolvimento da econo-
Justa causa sempre nos pareceu uma expressão
mia, sendo atado à evolução histórica do capitalismo (DELGADO,
infeliz, porque causa não tem nela sentido jurídico,
2012, p. 83).
mas popular, e justa ( ou injusta ) poderá vir a ser a
Portanto, surge a necessidade de um ordenamento pró-
consequência do motivo determinante da rescisão,
prio no âmbito trabalhista, assim, leciona Sergio Pinto Martins
nunca o próprio motivo ou causa. Assim a justa
(2006, p. 26), que surgiu como antecedente legislativo da CLT a
causa não seria nem justa, nem causa, e melhor
Lei 62/35, a qual trazia em seu art. 5º as hipóteses de dispensa
andaríamos se a ela nos referíssemos, seguindo
por justa causa dos trabalhadores do comércio ou da indústria,
o exemplo da lei, como motivo da rescisão.(...)Via
dispositivo este, que segundo o autor, serviu de base para a Con-
de conseqüência, afirmar-se que alguém cometeu
solidação das Leis Trabalhistas no que tange ao rol das hipóte-
uma falta grave não teria, a rigor, o sentido técnico
ses de justa causa.
pretendido, ensejando dúvidas.
A Consolidação das Leis Trabalhistas, criada em 1943, com o intuito de regulamentar a relação de emprego, trouxe em seu
Contudo, Sergio Pinto Martins (2006, p. 28) conclui a contro-
art. 482 (SARAIVA, 2012, p. 805) o rol taxativo das hipóteses de
vérsia entre a utilização da expressão justa causa ou falta grave
justa causa, que é considerada a pena capital do Direito do Tra-
dispondo que:
balho, permitindo que o empregador dispense o empregado de forma justificada quando este pratica uma das faltas elencadas
A falta grave é um ato mais grave ou sério, em
no citado dispositivo.
decorrência da repetição ou da sua natureza. Diz
Neste contexto, a embriaguez habitual ou em serviço encon-
respeito ao empregado estável. Justa causa seriam
tra-se positivada no citado dispositivo na alínea “f”, devendo ser
hipóteses arroladas no art.482 da CLT para a dis-
aplicada como justa causa. Contudo, a partir da evolução do en-
pensa do trabalhador.
tendimento sobre a embriaguez nas relações de trabalho e sociais, a Organização Mundial de Saúde reconheceu o alcoolismo como doença, incluindo o mesmo na Classificação Internacional de Doenças - CID (MARTINS, S. 2006, p. 111).
Assim, será utilizada a expressão “falta grave” somente quando for estudado a respeito de empregado estável. Destarte, a expressão justa causa é utilizada para denominar a
Frise-se que em 1943, ano da publicação da CLT, nem se cogi-
falta praticada pelo empregado. Quando o empregador dá causa à
tava ser a embriaguez doença. Hoje esse é um tema atual de grande
cessação do contrato de trabalho por justo motivo, a expressão utili-
discussão no âmbito jurídico trabalhista, sendo sua aplicação como
zada na prática é a rescisão indireta (MARTINS, S., 2006, p.28).
penalidade um retrocesso ao entendimento contemporâneo.
Segundo Maurício Godinho Delgado:
Neste contexto, é necessário ter em mente que a relação de emprego é essencial na vida social, bem como para a própria sobre-
Para o Direito brasileiro, justa causa é o motivo re-
vivência do indivíduo, sendo garantido como um direito social pela
levante, previsto legalmente, que autoriza a reso-
Constituição da República de 1988 em seu art. 6º (SARAIVA, 2012,
lução do contrato de trabalho por culpa do sujeito
p. 11), dispondo que: ”São direitos sociais a educação, a saúde, a
comitente da infração- no caso, o empregado. Tra-
alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdên-
ta-se, pois, da conduta tipificada em lei que auto-
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riza a resolução do contrato de trabalho por culpa
álcool, que perdeu o governo de suas faculdades
do trabalhador. (DELGADO, 2012, p.1207)
a ponto de tornar-se incapaz de executar com prudência o trabalho a que se consagra no momento.
A justa causa é vista como uma justificativa fundamentada que tenha repercussão jurídica, sendo prevista em lei, a partir da qual ocorrerá a resolução do contrato de forma unilateral e moti-
Segundo definição da OMS4 (1978, apud MARTINS, A.,
1999, p. 20), a embriaguez é:
vada por culpa do autor do erro. Alice Monteiro de Barros (2007, p. 864) disciplina que a justa
O estado psíquico e também geralmente físico,
causa é uma circunstância peculiar ao pacto laboral. Ela consis-
resultante da ingestão do álcool, caracterizado
te na prática de ato doloso ou culposamente grave por uma das
por reações de comportamento e outras que
partes e pode ser motivo determinante da resolução do contrato.
sempre incluem uma compulsão para ingerir
Por sua vez, Sergio Pinto Martins (2006, p. 28) traz um con-
álcool de modo contínuo ou periódico a fim de
ceito mais restritivo declarando que: “a justa causa é a forma de
experimentar seus efeitos psíquicos e por vezes
dispensa decorrente de ato grave praticado pelo empregado que
evitar o desconforto de sua falta; a tolerância po-
implica a cessação do contrato de trabalho por motivo devidamen-
dendo ou não estar presente.
te evidenciado, de acordo com as hipóteses previstas na lei”. Dessa forma, a justa causa é o fato grave praticado pelo em-
Em consonância com esta definição, Sérgio Pinto Martins
pregado com culpa ou dolo, tendo como resultado final a dispensa
(2006, p.107), afirma que: “o álcool é uma substância psicoativa,
do infrator com base nas hipóteses positivadas.
que age sobre o sistema nervoso central das pessoas. Ela pode in-
Dentre os doutrinadores trabalhistas é possível observar a divisão da justa causa em três sistemas, quais sejam: genérico,
terferir no funcionamento do cérebro, implicando conseqüências sobre a memória, concentração, equilíbrio etc.”
neste sistema há uma definição das hipóteses de justa causa de
Percebe-se no conceito da OMS5 (1978, apud MARTINS, A.,
forma ampla e geral, ficando a cargo do julgador, analisar o caso
1999, p. 20), corroborado pelo citado autor, que a embriaguez
concreto e aplicar a lei utilizando tão somente seu critério subje-
constitui uma doença psíquica que afeta tanto o psicológico quan-
tivo; no sistema taxativo, as hipóteses que geram dispensa por
to o físico da pessoa. Trazendo esta definição para o âmbito traba-
justa causa estão todas fixadas na lei de forma exaustiva e taxa-
lhista, pode-se dizer que o empregado acometido deste mal não
tiva; e no sistema misto há uma mistura do sistema taxativo com
comete falta grave, pois não está agindo com culpa ou dolo, mas
o genérico, uma vez que a lei irá definir as hipóteses da dispensa
sofre de um mal psicológico que o impede de pensar de maneira
motivada, mas por existirem hipóteses de sentido amplo poderá
clara, necessitando assim, de um tratamento médico que o pos-
ocorrer a subsunção de vários fatos à uma norma. (MARTINS, S.,
sibilite realizar suas funções na sociedade como no ceio familiar,
2013, p. 397).
portanto, a aplicação de punição terminaria por piorar a situação
Conforme disciplina Alice Monteiro de Barros (2007, p. 865),
do empregado (MARTINS, S., 2006, p. 109).
a legislação brasileira aderiu ao sistema taxativo ao dispor sobre
Contudo, o autor supracitado determina que enquanto a em-
as hipóteses de justa causa de forma exaustiva, limitando-se a
briaguez estiver na CLT como hipótese de dispensa por Justa Cau-
enumerá-las, sem a preocupação de defini-las.
sa, ela assim tem que ser entendida (MARTINS, S., 2006, p. 109).
Conclui-se, então, que na legislação brasileira, justa causa
Portanto, a embriaguez, seja habitual ou em serviço, é motivo
são todas as hipóteses que se encontram positivadas, sendo
para dispensa por justa causa, uma vez que se encontra positiva-
defesa a criação de nova falta por meio do empregador ou apli-
da na legislação trabalhista, a qual não sofreu alteração ou exclu-
cador da lei.
são, tendo apenas uma mudança do ponto de vista axiológico na
Neste ínterim, a embriaguez está presente no rol das hipó-
interpretação da norma.
teses de justa causa, tendo diversos conceitos nos dicionários e entre os doutrinadores que se dedicam ao assunto. Nas palavras de Almeida Júnior (1996, apud, MARTINS, A., 3
1999, p.151):
3.1 Embriaguez em serviço A embriaguez em serviço, juntamente com a embriaguez habitual, está elencada como hipótese de justa causa no art. 482, “f” da CLT (SARAIVA, 2012, p. 805).
A palavra embriaguez será usada para significar
Segundo Sergio Pinto Martins (2006, p. 115) a “embriaguez
que o indivíduo está de tal forma influenciado pelo
em serviço se caracteriza por uma única falta. Será desnecessária
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a habitualidade nessa falta, de repetição do ato praticado pelo
Neste sentido determinou o Tribunal Regional do Trabalho da
empregado, mas de um único ato. Pode ser ocasional, mas pode
12ª Região:
ser revelada no serviço”. Portanto, para que haja a incidência da embriaguez em servi-
Ementa: DISPENSA POR JUSTA CAUSA. EMBRIA-
ço como justa causa não é necessária a habitualidade, ou seja, a
GUEZ. VIGILANTE. Diante da natureza das ativi-
repetição do ato em um tempo curto, basta que o empregado se
dades desenvolvidas pelo empregado vigilante,
apresente ao trabalho uma única vez com sintomas de embria-
portador de arma de fogo e responsável pela se-
guez ou ingira bebida alcoólica no ambiente de trabalho para que
gurança de várias outras pessoas, não se pode
seja configurada a justa causa, contudo, é preciso observar cada
admitir a continuidade da relação de emprego
caso concreto.
quando comprovada a embriaguez em serviço. A
Um dos exemplos mais clássicos quanto a não repetição da
conduta irresponsável do vigilante nessa situação
embriaguez em serviço para a aplicação da justa causa é o caso
exige do empregador uma atitude enérgica para
do motorista embriagado, tendo como decisão do Tribunal Regio-
evitar que a falta se repita, já que os riscos a que
nal de Trabalho, in verbis:
estariam sujeitos os funcionários, clientes e o próprio empregado são previsíveis. Ademais, no caso
Ementa: JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ EM SER-
em tela, nenhuma prova foi produzida de o autor
VIÇO. MOTORISTA DE CARRETA. A embriaguez
ser alcoólatra, mas, sim, de que se encontrava
em serviço, prevista na alínea f do art. 482 da
embriagado em serviço. (BRASIL. Tribunal Regio-
CLT , constitui falta grave que autoriza o rompi-
nal do Trabalho 12ª região. Recurso Ordinário n.
mento do contrato de emprego por justa causa,
0000872-64.2010.5.12.0047. Recorrente: Ricartt
principalmente quando o empregado desem-
Galdino de Oliveira. Recorrido: Seguridade Servi-
penha função que lhe exige total e constan-
ços de Segurança ltda. Relatora: Ligia Maria Teixei-
te atenção e diligência em serviço, como a de
ra Gouvêa. Florianopolis, 08 de outubro de 2010,
motorista. Provimento negado. HORAS EXTRAS.
Disponivel em: < http://www.trt12.jus.br/portal/
ATIVIDADE EXTERNA. Nos termos do inciso I do
areas/gsa/extranet/jurisprudencia/index.jsp?me
art. 62 da CLT , a exclusão do regime da dura-
moria=partialfields%3D%26as_q%3D%26require
ção do trabalho(...)(BRASIL. Tribunal Regional
dfields%3DBASE&requiredfields=BASE&partialfiel
do Trabalho-4 região.Recurso Ordinário – RO
ds=&site=acordaos&proxystylesheet=jurisesenv&
nº 0000241-30.2010.5.04.0731, Recorrente:
as_eq=&as_oq=&as_epq=&q=embriaguez+e+jus
Anderson Meinhardt. Recorrida: Scapini Trans-
ta+causa&as_ft=i&as_filetype=&num=10&proxyr
portes E Logística LTDA. Relatora: Ana Rosa
eload=1&entqrm=0&exclude_apps=1&sort=date
Pereira Zago Sagrilo. Porto Alegre, 18 de outu-
:D:S:d1&filter=0&getfields=*&as_q=&ip=10.12.4
bro de 2011. Disponível em: < http://gsa3.trt4.
.225&access=p&entqr=3&ud=1&escape=0&sta
jus.br/search?q=cache:rywm3BZcG1oJ:iframe.
rt=10 >. Acesso em 20 de abril de 2013).
trt4.jus.br/nj4_jurisp/jurispnovo.ExibirDocume ntoJurisprudencia%3FpCodAndamento%3D40
Assim, nos julgados apresentados, as decisões se ba-
087850+inmeta:DATA_DOCUMENTO:2011-06-
seiam na análise do caso concreto para aplicação da justa causa,
10..2013-06-10+embriaguez+em+servi%C3%A
sendo que no caso do motorista e do segurança armado o perigo
7o+motorista++&client=jurisp&site=jurisp&out
do exercício de sua profissão em estado ébrio não coloca em risco
put=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=U
apenas a vida do sujeito, mais sim à da coletividade.
TF-8&lr=lang_pt&access=p&oe=UTF-8 >. Acesso em: 05 de maio de 2013.
Em consonância aos posicionamentos dos Tribunais, disciplina Maurício Godinho Delgado:
Outro exemplo é o caso do segurança armado que em decor-
[...] no caso de embriaguez em serviço, ela afeta di-
rência do seu cargo a ingestão de bebidas alcoólicas poderá gerar
retamente o contrato de trabalho, sem dúvida. Em
transtornos irreparáveis, tornando uma única prática de embria-
conformidade com a função do trabalhador (mo-
guez em serviço suficiente para a configuração da justa causa.
torista ou segurança armado, por exemplo), esta
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afetação pode ser muito grave, uma vez que coloca
se refere ao contrato de trabalho. O entendimento
em risco a saúde e bem-estar da própria coletivi-
majoritário, porém, é no sentido de que a embria-
dade, o que tende a ensejar a dispensa por justa
guez não precisa ter relação com o contrato do tra-
causa. Noutros casos, dependendo da atividade do
balho, bastando que ela seja habitual, ainda que
empregado, a afetação pode ser menor, propician-
fora do serviço.(MARTINS, S., 2006, p.114)
do o gradativo exercício do poder disciplinar, com intuitos de ressocialização do obreiro (DELGADO, 2012, p. 1220).
O autor supramencionado vai mais além e declara que a embriaguez habitual ou crônica está muito mais para uma doença do empregado, que necessita de tratamento, do que para justa
Na hipótese da embriaguez em serviço deve ser observado o
causa. Contudo, existe a previsão da lei (MARTINS, S., 2006, 114).
grau de afetação ao contrato de trabalho e qual função é desem-
Destarte, a embriaguez habitual, diferentemente da embria-
penhada pelo empregado, sendo o poder disciplinar exercido pelo
guez em serviço, depende da habitualidade, da reiteração da pra-
empregador com ponderação, uma vez que ao resultado menos
tica do ato de embriagar-se, sendo sua apuração realizada dentro
grave do ato infracional deve ser aplicada uma penalidade menos
ou fora do horário de trabalho, desde que tenha influência na exe-
grave, como a advertência, por exemplo.
cução da função laboral.
Nem todo ato de beber em serviço deve ser entendido como
Neste ínterim, a embriaguez habitual está presente como
embriaguez em serviço, neste sentido, Sergio Pinto Martins (2006,
hipótese de punição tem sido discutida pelos tribunais e doutri-
p. 116) determina que “o ato de beber no intervalo para repouso e
nadores no âmbito trabalhista, que se baseiam em um novo en-
alimentação como aperitivo ou acompanhamento para a refeição
tendimento acerca do alcoolismo, sendo este considerado doença
não pode ser motivo para dispensa por justa causa, desde que o
pela Organização Mundial da Saúde (MARTINS, S., 2006, p. 111),
empregado não fique embriagado”.
o que traz insegurança jurídica, uma vez que não existe um posi-
Pode-se excluir também o caso da embriaguez funcional, é o exemplo do empregado que trabalha na indústria de bebidas, tendo como função, experimentar as bebidas alcoólicas fabricadas, o
cionamento firmado. Neste sentido o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, descaracterizou o alcoolismo como hipótese de justa causa, in verbis:
que não geraria a justa causa (MARTINS, 2006). Portanto, para a aplicação da embriaguez em serviço como
EMENTA: DISPENSA POR JUSTA CAUSA. NÃO CA-
justa causa deve-se analisar a particularidade de cada caso con-
RACTERIZAÇÃO EM VIRTUDE DO ALCOOLISMO DO
creto, sendo observado o cargo, as funções e a consequência da
TRABALHADOR. O alcoolismo configura doença
ingestão de bebida alcoólica à execução do trabalho.
progressiva, incurável e fatal, que consta do Código Internacional de Doenças sob a denominação
3.2 Embriaguez Habitual
“F10.2 - Transtornos mentais e comportamentais
Ao definir embriaguez habitual, Alice monteiro de Barros
devidos ao uso de álcool - síndrome de dependên-
(2007, p. 878) declara que “pressupõe ingestão não só de álcool,
cia”. Neste contexto, considerando-se que o autor,
mas de qualquer substância tóxica, inebriante capaz de alterar
quando praticou o ato ensejador da dispensa moti-
o comportamento do empregado”, portanto, define como embria-
vada, encontrava-se embriagado, é de se mitigar a
guez habitual a regular ingestão de substâncias que alterem o
antiga caracterização da dispensa por justa causa
comportamento do indivíduo.
em face da embriaguez do empregado em serviço
Para Sérgio Pinto Martins (2006) a caracterização da embria-
(art. 482, “f”, da CLT). Isto porque, trata-se de pes-
guez habitual, necessita da repetição do ato. Um único ato não carac-
soa doente, incapaz de controlar a sua compulsão
teriza tal hipótese. Disciplina ainda que a embriaguez habitual não
pelo consumo de álcool. Via de consequência, ele
precisa ser observada no serviço, porém tem que ter reflexos neste:
deve ser encaminhado para o tratamento pertinente ao invés de ser punido, atenuando-se, assim, os
A lei, para o caso, não faz referência que a embria-
problemas daí decorrentes na vida social, familiar
guez tem que ser observada em serviço, mas que
e financeira do empregado já bastante vulnerável
seja habitual. Logo, ela pode ser apurada fora do
em decorrência da doença que, por si só, torna-
serviço, mas deve ter reflexos no serviço. Do con-
-o ainda mais frágil. (BRASIL. Tribunal Regional
trário, não tem sentido a justa causa, pois ela não
do Trabalho da 3ª região. Recurso Ordinário – RO
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nº 00984-2008-033-03-00-9. Recorrente: Carlos
gindo resultados no âmbito legislativo. O Deputado Roberto Ma-
Antônio de Almeida. Recorrida: Companhia de Sa-
galhães propôs Projeto de Lei, o qual recebeu como numeração
neamento de Minas Gerais – COPASA. Relatora:
206/2003 na Câmara dos Deputados, casa de origem (BRASIL,
Deoclecia Amorelli Dias. Belo Horizonte,15 de abril
Câmara, 2003).
de 2009. Disponível em: < https://as1.trt3.jus.br/
Após deliberações na citada casa legislativa, a redação final,
juris/detalhe.htm?conversationId=7933 >. Acesso
aprovada por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça,
em 04 de maio de 2013).
foi pela exclusão do disposto no art. 482 alínea “f” da CLT, o que geraria a retirada da embriaguez habitual ou em serviço do rol da
EMENTA: JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ HABITU-
justa causa para a dispensa do empregado, conforme se verifica
AL OU EM SERVIÇO. INEXISTÊNCIA. Se o trabalho
na ementa final do projeto:
humano é princípio geral da atividade econômica (CF, art. 170), bem como base da ordem social (CF,
Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação
art. 193), constituindo, ainda, um direito funda-
das Leis do Trabalho – CLT aprovada pelo Decreto-
mental, como a vida e a dignidade, compartilho do
-Lei 5.452 de 1º de maio de 1943, a fim de excluir
mesmo entendimento daqueles que consideram
a embriaguez habitual ou em serviço como causa
a dispensa de trabalhador, por motivo de embria-
para a rescisão do contrato de trabalho pelo em-
guez, ato meramente discriminatório, que atenta
pregador. (BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto
contra princípios constitucionais básicos, além
de Lei nº 206/2003, de 26 de fevereiro de 2003.
da própria vedação à despedida arbitrária (art.
Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação
7-o, inc. I, da Constituição Federal). [...]. (BRASIL.
das Leis Trabalhistas. Disponível em: http://www.
Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região. Recur-
camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrari
so Ordinário nº 00213-2007-104-03-00-3 RO(RO
ntegra?codteor=849980&filename=Tramitacao-
-10049/07). Recorrente: Araguaia Engenharia
-PL+206/2003. Acesso em: 19 de abril de 2013.)
LTDA. Recorrida: Antônio Quelce Ferreira. Relatora Convocada: Maria Cecilia Alves Pinto. Minas
Como justificativa da elaboração do citado Projeto de Lei, o
Gerais 30 de junho de 2007, DJMG, página 26.
Deputado ressalta a necessidade da inclusão social ao emprega-
Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/deta-
do que se encontrar perdido no mundo do vício, uma vez que o
lhe.htm?conversationId=7980>. Acesso em: 10 de
desligamento do empregado pioraria o seu estado e afastaria a
maio de 2013).
possibilidade de um tratamento digno que resgataria a saúde e a ampla condição física e psicológica do empregado alcoólico.
Segundo o entendimento jurisprudencial supra, a embriaguez habitual não pode ser motivo para justa causa, uma vez que sen-
Neste sentido destacam-se trechos da justificativa do citado Projeto de Lei:
do doença deve ser tratada, além de ser o trabalho fundamental para a coletividade, tendo influência no âmbito econômico e so-
O presente Projeto de Lei busca dar uma oportuni-
cial, sendo assim consagrado como direito fundamental que re-
dade de reinclusão social ao empregado infelicita-
quer proteção.
do pelo alcoolismo, ameaçado pela demissão por
Frise-se que a embriaguez ainda encontra-se positivada na
justa causa, mediante uma licença de curta dura-
legislação trabalhista devendo ser aplicada, uma vez que se en-
ção, que certamente não onerará tanto o emprega-
contra em vigor, contudo, devem ser analisados os princípios bá-
dor. Nesta matéria de indiscutível caráter humani-
sicos da Constituição, bem como afastada a dispensa arbitrária
tário, é necessário que se dê o primeiro passo, no
do empregado.
sentido de ser dispensado um tratamento compatível ao problema do alcoolismo, começando por
4 PROJETO DE LEI 12/2011
abrandar a dureza da norma esculpida no inciso “f” do art. 482 da CLT. Que a luta seja pela inclusão
4.1 Proposta do Projeto de Lei
social e não pela exclusão, pela recuperação da
Decorrente dos posicionamentos apontados neste trabalho a
capacidade laborativa e da verdadeira cidadania.
respeito da embriaguez como hipótese de justa causa, estão sur-
(BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº
388 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
206/2003, de 26 de fevereiro de 2003. Revoga a
RECORRIDO: Josep Almir Viturino de Araujo. Re-
alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis Tra-
latora: Ivani Contini Bramante. São Paulo, 12 de
balhistas. Disponível em: http://www.camara.gov.
fevereiro do 2010. Disponível em: http://www.trt2.
br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteo
jus.br/pesquisa-jurisprudencia-por-palavra-acorda-
r=114889&filename=Tramitacao-PL+206/2003.
os. Acesso em: 25 de maio de 2013).
Acesso em: 25 de abril de 2013) Na decisão supra pode-se perceber que a Relatora não concorda Neste ponto, destaca-se o autor Sérgio Pinto Martins (2006) que leciona em sua obra:
em hipótese alguma com a aplicação da embriaguez como justa causa, pelo contrário, defende que a única opção aceitável frente a este caso é proporcionar tratamento médico ao empregado.
[...] O alcoolismo é reconhecido como doença pela
Contudo, o referido Projeto de Lei foi remetido à Casa do Se-
Organização Mundial da Saúde.[...] Assim o em-
nado Federal sendo denominado como Projeto de Lei da Câmara
pregado deve ser tratado e não dispensado, sendo
nº 12/2011, tendo sido aprovado na Comissão de Direitos Huma-
enviado ao INSS ou ao Sistema de Saúde Pública.
nos desta respectiva casa, um substitutivo, o qual traz nova reda-
Dispensar o empregado por Justa Causa não vai
ção e ementa ao Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011:
ajudar a recuperar o indivíduo. Este fica sem emprego e com maiores dificuldades para se tratar.
Ementa: Acrescenta § 2º ao art. 482 da Consolida-
(MARTINS, S., 2006, p.111)
ção das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dis-
O autor trabalha o conceito da OMS e ao disciplinar a embria-
por sobre a suspensão do contrato de trabalho, pelo
guez dispõe que a mesma não pode ser considerada justa causa,
empregador, caso o empregado apresente sintomas
mas sim deve ser alvo de tratamento e encaminhamento ao INSS.
de dependência crônica do álcool e dá outras provi-
Neste ponto, a visão do autor se destaca, pois o mesmo não
dências. (BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da
concorda com a aplicação da justa causa, mas também não res-
Câmara nº 12/2011, de 1º de abril de 2011. Revoga
ponsabiliza o empregador, nem tão pouco admite a continuidade
a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do
do empregado no ambiente de trabalho, mas sim responsabiliza
Trabalho. Disponível em: http://www.senado.gov.br/
o Estado no sentido de este ser o garantidor da saúde em face
atividade/materia/getPDF.asp?t=99870&tp=1.Aces-
da população, ou seja, responsável por promover o tratamento ao
so em: 25 de maio de 2013).
empregado alcoólatra, através do Sistema de Saúde Pública. Em consonância com esse entendimento está a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:
Com essa nova redação, o Projeto de Lei não visa mais a supressão total da norma, permitindo que a embriaguez habitual ou em serviço continue no ordenamento jurídico como hipóteses
[...] ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. NÃO CABIMEN-
de justa causa, porém, acrescenta uma ressalva ao art. 482 da
TO. A OMS catalogou o alcoolismo como doença
CLT, dispondo que ao se tratar da embriaguez habitual deve ser
no Código Internacional de Doenças (CID), deno-
oferecida ao empregado a oportunidade de receber o tratamento
minando-a de síndrome de dependência do álcool
médico e caso este não aceite poderá ser efetuada a dispensa por
(referência F-10.2). O 482, letra f, da CLT, portanto,
justa causa.
deve ser reinterpretado à luz de tal reconhecimento legal, de modo que o alcoolismo, por si só, não
A redação aprovada do citado substitutivo ao Projeto de Lei 12/2011, in verbis:
enseja mais a justa causa. Tratando-se de doença oficialmente reconhecida, incabível a punição
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
máxima, devendo o empregador encaminhar o
Art. 1º O art. 482, da Consolidação das Leis do Tra-
trabalhador para tratamento médico e afasta-
balho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452,
mento previdenciário. (BRASIL. Tribunal Regional
de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido
do Trabalho 2ª.Região, Recurso Ordinário – RO nº
do seguinte § 2º, numerando-se o parágrafo único
00231.2009.311.02.00 – 7. Recorrente:Serviço
como § 1º:
Autônomo de Água e Esgoto
“Art. 482. [...]
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 389
§ 2º Caso o empregado apresente sintomas de dependência
Neste trecho do citado substitutivo, o Relator concorda com a
crônica do álcool, na hipótese da alínea f deste artigo, o empre-
perda da eficácia da norma frente à evolução histórica, médica e
gador deverá suspender a vigência do contrato de trabalho e de-
de costumes da sociedade brasileira.
terminar que o empregado submeta-se à perícia junto ao Instituto
Porém, o citado Relator dispõe ainda que o dispositivo da jus-
Nacional do Seguro Social – INSS para a concessão de auxílio-do-
ta causa serve como uma espécie de educação ao empregado,
ença e posterior tratamento, sendo cabível a justa causa em caso
com o intuito de que a possibilidade de ser mandado embora o
de negativa do benefício, recusa ou resistência do empregado ao
impeça de praticar o ato repreendido:
tratamento médico cabível.(NR)”(BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011, de 1º de abril de 2011. Revoga a
Nesse sentido, o texto atual da alínea f do art. 482
alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. Dis-
da CLT possui, no mínimo, qualidades educativas,
ponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.
dado o seu efeito moderador e indutor do controle
asp?t=99870&tp=1.Acesso em: 25 de maio de 2013).
pessoal e equilíbrio mental do trabalhador. Para
Assim, a partir do novo substitutivo, o que se pretende é a
os jovens, principalmente, trata-se de uma nor-
responsabilidade do empregador em proporcionar uma oportu-
ma pedagógica importante, mesmo que não seja
nidade para que o empregado seja tratado e possa retornar as
utilizada, como instrumento de rescisão contra-
suas atividades laborais, lado outro, permite que seja aplicada a
tual, pelo empregador. (BRASIL. Senado Federal.
punição da dispensa motivada caso o empregado não aceite esta
Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011, de 1º de
oportunidade e continue no vício.
abril de 2011. Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em:
4.2 Possíveis conseqüências da aprovação do
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/ge-
Projeto de Lei 12/2011
tPDF.asp?t=99870&tp=1. Acesso em: 30 de maio
Segundo Adalberto Martins (1999, p. 97): “A ineficácia so-
de 2013).
cial da norma decorre da sua inadequação à realidade, portanto se revela manifestadamente injusta, o que se traduz em lacuna axiológica.”
Dessa maneira, a possível aprovação do Projeto de Lei 12/2011 é um passo importante na busca pela inclusão social
Sendo assim, pode-se dizer que o art. 482, alínea f, da CLT
do empregado alcoólatra, servindo de instrumento possibilitador
(SARAIVA, 2012, p. 805), trata-se de norma socialmente ineficaz,
da interpretação mais humana da lei positivada, uma vez que res-
uma vez que sua aplicabilidade não se adéqua a realidade social,
tringe a aplicação simples e pura da norma sem que tenha sido
bem como não satisfaz a necessidade de se proteger o emprega-
levada em consideração a necessidade de um tratamento médico
do da dispensa arbitrária.
pelo empregado.
Neste sentido, o Relator do substitutivo ao PLC 12/2011, Senador Paulo Bauero, dispõe:
No que tange à interpretação da norma, haverá apenas uma ressalva em que o empregador deverá analisar a situação do empregado e, se for o caso, o encaminhará ao sistema de saúde,
O texto celetista, nesse aspecto, perdeu parte de sua
contudo, se este não aceitar, poderá ser dispensado por justa cau-
eficácia e adequação histórica, dada a evolução da
sa e assim, continuará sendo aplicada a norma de forma a ferir
ciência médica, com a compreensão dos efeitos físi-
princípios constitucionais.
cos e psicológicos das substâncias químicas utiliza-
Destarte, a aprovação do Projeto de Lei não soluciona o pro-
das. Também já é reconhecida a existência de fatores
blema da aplicação da norma, visto que não excluirá como hipóte-
genéticos na propensão para o vício. Tudo isso torna
se de justa causa a embriaguez habitual ou em serviço, restando
injustificável a punição, pura e simples, do alcoolista,
ainda, a insegurança e divergências quanto à aplicação da justa
quando for possível diagnosticar a existência de uma
causa nestas hipóteses.
doença.(BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da
Sendo o entendimento prevalecente dos tribunais, bem como
Câmara nº 12/2011, de 1º de abril de 2011. Revoga
por boa parte da doutrina, pela não aplicação da justa causa, ten-
a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do
do como justificativa a aplicação do conceito de doença pela OMS,
Trabalho. Disponível em: http://www.senado.gov.br/
sendo assim, faz-se necessária a observância do valor a vida e
atividade/materia/getPDF.asp?t=99870&tp=1.Aces-
saúde do empregado, bem como o seu direito ao emprego.
so em: 30 de maio de 2013).
Neste sentido, para interpretar e aplicar uma norma infra-
390 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
constitucional deve ser feita uma análise do ponto de vista cons-
cação da justa causa, aproximando a norma à realidade social e
titucional, visto que toda a ordem jurídica deve ser entendida e
possibilitando a afirmação do entendimento de ser a embriaguez
interpretada sob a lente da Constituição (BARROSO, 2005, p. 2).
doença e a sua aplicação incompatível com princípios constitucio-
Dessa forma, para se analisar a aplicação das penalidades
nais, restando uma lacuna de valores.
descritas no art.482 da CLT (SARAIVA, 2012, p. 805) devem ser respeitados em primeiro lugar os princípios constitucionais, den-
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
tre estes se destaca o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A relação de emprego como possibilitadora do desenvolvi-
presente no art.1º da CR/88, sendo um dos fundamentos da Re-
mento social, econômico e político do Brasil é, indiscutivelmente,
publica Federativa do Brasil do qual se irradiam todos os demais
importante para o alcance dos fundamentos e objetivos constitu-
princípios orientadores da ordem jurídica (BARROSO, 2005, p. 1).
cionais, devendo, portanto, ser regida sobre a luz da Constituição.
O citado princípio visa fornecer uma vida digna à sociedade em
Neste ponto, a Consolidação das Leis Trabalhistas ao estipu-
geral, proporcionando uma vida com melhores condições sociais.
lar as hipóteses de justa causa, deve ser aplicada observando-se
Neste contexto, o emprego constitui fator importante na bus-
os princípios constitucionais, em especial a dignidade do empre-
ca da melhoria da condição social, devendo essa relação obser-
gado, considerando ainda a evolução da mentalidade social, ten-
var os princípios constitucionais, e assim zelar pela dignidade do
do em vista que a norma positivada, por si só, não está apta a se
empregado acometido da enfermidade do alcoolismo, que ao ser
adequar as evoluções advindas.
dispensado sem o devido encaminhamento médico recebe um
Assim, conclui-se que a embriaguez habitual é uma doença
tratamento indigno e discriminatório tendo os seus direitos des-
que carece de tratamento médico, sendo a sua aplicação como
respeitados enquanto cidadão brasileiro.
justa causa um retrocesso à evolução do entendimento social e
Assim, não basta apenas uma ressalva quanto à aplicação da penalidade à embriaguez habitual. É preciso que haja a supressão do dispositivo ora estudado, bem como disciplina Adalberto Martins (1999, p. 97):
médico, demonstrando a sua ineficácia social, restando uma lacuna axiológica. Neste sentido, a possível aprovação do Projeto de Lei da Câmara 12/2011 é um avanço a interpretação da lei, uma vez que reconhece a embriaguez habitual como doença e não um simples
Entendemos, pois, que o dispositivo consolidado
desvio de conduta do empregado exigindo do empregador o enca-
deve ser suprimido, não merecendo ser mantida
minhamento do empregado enfermo ao tratamento médico, po-
nem mesmo a tipificação da embriaguez em ser-
dendo, assim, ser um passo em direção à exclusão total da alínea
viço, vez que despicienda. E isso porque esta últi-
“f”do art. 482 da CLT.
ma pode decorrer do alcoolismo (hipótese que não
Este tema analisado como um assunto de cunho social, também
merece punição), ou traduzir ato de indisciplina ou
responsabiliza o Estado pela educação e assistência à sociedade no
insubordinação, o que já se encontra tipificado no
que tange ao alcoolismo, que na atualidade tem assolado diversas
art.482 da CLT.
classes sociais, atingindo a população cada vez mais jovem. Por fim, salienta-se que a melhor solução seria a supressão
Assim, a melhor solução seria a supressão completa da em-
da alínea “f”, do art. 482 da CLT, pacificando o entendimento da
briaguez habitual ou em serviço do rol das justas causas, por ser
embriaguez habitual como doença e a necessidade do tratamento
a primeira doença e a segunda indisciplina ou insubordinação, já
do empregado. Além da embriaguez em serviço poder ser consi-
positivadas no art. 482 da CLT (SARAIVA, 2012, p. 805).
derada ato de indisciplina ou insubordinação, hipóteses já positi-
Apesar de ser mais vantajoso e condizente com a realidade
vadas no citado artigo.
social a supressão total do dispositivo estudado, não é afastada a importância do citado Projeto de Lei, tendo em vista a sua influência na interpretação da norma.
REFERÊNCIAS
Ressalta-se que ao empregado acometido deste mal que é a embriaguez, será possível que o aplicador do direito afaste a incidência da justa causa frente à lacuna axiológica existente (MARTINS, A., 1999, p. 97). Pelo exposto, a aprovação do Projeto de Lei nº 12/2011 trará inquestionável mudança no que diz respeito à interpretação e apli-
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NOTAS DE FIM 1 Graduando em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 GIGLIO, Wagner. Justa Causa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 12. 3 JÚNIOR. Almeida. Lições de Medicina Legal. 21. ed. revista e ampliada. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1996, p. 512. 4 Cf. “ Manual da classificação estatística internacional de doenças, lesões e causas de óbito”. Centro da OMS para Classificação de Doenças em Português, São Paulo, 1978, v. 1, p. 200. 5 Cf. “ Manual da classificação estatística internacional de doenças, lesões e causas de óbito”. Centro da OMS para Classificação de Doenças em Português, São Paulo, 1978, v. 1, p. 200.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região.Recurso Ordinário – RO nº 0000241-30.2010.5.04.0731, Recorrente: Anderson Meinhardt. Recorrida: Scapini Transportes E Logística LTDA. Relatora: Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo. Porto Alegre, 18 de outubro de 2011. Disponível em: < http://gsa3.trt4.jus.br/search?q=cache:rywm3BZcG1oJ:iframe.trt4.jus. br/nj4_jurisp/jurispnovo.ExibirDocumentoJurisprudencia%3FpCodAnda mento%3D40087850+inmeta:data_documento:2011-06-10..2013-0610+embriaguez+em+servi%C3%A7o+motorista++&client=jurisp&site= jurisp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_ pt&access=p&oe=UTF-8 >. Acesso em: 05 de maio de 2013. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª região. Recurso Ordinário n. 0000872-64.2010.5.12.0047. Recorrente: Ricartt Galdino de Oliveira. Recorrido: Seguridade Serviços de Segurança ltda. Relatora: Ligia Maria Teixeira Gouvêa. Florianopolis, 08 de outubro de 2010, Disponivel em: <http://www. trt12.jus.br/portal/areas/gsa/extranet/jurisprudencia/index.jsp?memoria=p artialfields%3D%26as_q%3D%26requiredfields%3DBASE&requiredfields=BA SE&partialfields=&site=acordaos&proxystylesheet=jurisesenv&as_eq=&as_ oq=&as_epq=&q=embriaguez+e+justa+causa&as_ft=i&as_filetype=&num= 10&proxyreload=1&entqrm=0&exclude_apps=1&sort=date:D:S:d1&filter=0
392 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
EVASÃO FISCAL: referente ao imposto do ICMS no transporte ilegal de passageiros no âmbito intermunicipal no Estado de Minas Gerais Grazielle Reis de Morais Pinto1
RESUMO: O presente artigo pretende demonstrar as conseqüências advindas do transporte ilegal de passageiros, especificamente uma das mais prejudiciais que é a Evasão Fiscal, com um foco no Estado de Minas Gerais. Neste sentido, buscou-se apurar medidas existentes que visam coibir o transporte ilegal de passageiros, o porquê que esta atividade aumenta no Estado de Minas Gerais, o desequilíbrio estrutural advindo da Evasão Fiscal atinente ao imposto do ICMS. Nesta esteira, são debatidos assuntos no âmbito do Direito Administrativo e Tributário que envolve o transporte ilegal no Estado de Minas Gerais. Enfim, o que se busca com esse trabalho é uma análise de alternativas que possam combater e amenizar esta atividade ilícita. PALAVRAS-CHAVE: Direito Tributário. Direito Administrativo. Transporte Rodoviário. Transporte Ilegal de Passageiros. Combate. Evasão Fiscal. ICMS.
1 INTRODUÇÃO
tos imensuráveis proporcionados por meio desta atividade ilícita.
Na década de 1990, com o crescimento populacional, as gran-
Justifica-se o artigo, haja vista os danos provocados às conces-
des cidades brasileiras diante de um intenso desenvolvimento em
sionárias de serviço público pela concorrência desleal e a baixa
diversos setores como na economia, indústria, dentre outros, de-
segurança dos veículos destes transportadores ilegais. Diante
parou-se com o surgimento de um aumento do número de carros,
disso, colocam a vida dos usuários em risco, e lesam de forma
ônibus e vans, em circulação pelas grandes metrópoles.
indiscutível o erário por não recolher os tributos devidos.
Diante dessa situação, foi iniciada uma discussão entre os
No campo científico, a importância do referido tema con-
maiores interessados, dentre estes, o Poder Público, os empre-
cretiza-se no enriquecimento jurídico cultural pela relevância
sários e pesquisadores a respeito do desenvolvimento do trans-
em se explanar a respeito do transporte público rodoviário ao
porte de passageiros.
tratar de uma atividade essencial. Nesta esteira, mais do que
Em decorrência dessa ocasião, um dos maiores problemas
supostas hipóteses, esta pesquisa visa promover uma reflexão
vivenciados pelas empresas de transporte de passageiros come-
no setor acadêmico para um maior investimento em estudos
çou a surgir, o qual denomina-se transporte ilegal. Esta atividade
aprofundados em relação a este relevante objeto social, o
preocupa de maneira incalculável os empresários deste setor,
transporte público de passageiros.
uma vez que, estes serviços são exercidos na maioria das ve-
É importante elucidarmos que essa conduta ilícita abarca
zes por vans, ônibus, táxi, entre outros, os quais detêm maior
diversos problemas, dos quais, um dos mais complexos é o fato
flexibilidade de horários, pontos de embarque e desembarque
do não recolhimento de tributos pelos transportadores ilegais de
mais cômodos para os usuários. Desta forma, competem des-
passageiros. Este fenômeno é compreendido como Evasão Fis-
lealmente com as concessionárias prestadoras do transporte de
cal, objeto desse artigo.
passageiros. Nesse sentido, a presente pesquisa irá ater-se ao
As concessionárias de serviço público, prestadoras do trans-
transporte ilegal intermunicipal realizado por vans e ônibus no
porte de passageiros, no âmbito intermunicipal estão sujeitas ao
Estado de Minas Gerais.
pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre
Há estatísticas (COIMBRA 2011, p. 20), que comprovam
Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunici-
que a maioria dos acidentes que acontecem nas estradas en-
pal e de Comunicação — ICMS. O tributo é de competência Esta-
volve o transporte ilegal, e que este modal não oferece segu-
dual e do Distrito Federal, está relacionado neste setor de forma
rança para os passageiros.
ampla, desde a obtenção de recursos que envolvem esta ativida-
Sob esta ótica, como contribuição ao Poder Público, às em-
de, como também na venda de bilhetes de passagem.
presas de transporte de passageiros e à sociedade, este estudo
Destarte, os transportadores de passageiros de forma ilegal
visa avaliar meios diagnosticáveis na tentativa de atenuar os efei-
não pagam esse imposto que é devido. Quais as consequências
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 393
para o erário, concessionárias de serviço público e a população, advindas do não recolhimento deste imposto? Com efeito, o estudo ora a ser desenvolvido apresenta como tema problema: quais medidas poderão ser adotadas pelo Poder
A Lei Estadual 19.445/2011 (estabelece normas para coibir o transporte metropolitano e intermunicipal clandestino de passageiros no Estado de Minas Gerais), em seu artigo 2º, I, apresenta a seguinte definição do transporte ilegal de passageiros:
Público, na tentativa de combater o transporte ilegal? Ademais, como é possível uma atividade ilícita se manter es-
Art. 2º Para efeitos desta Lei, considera-se clan-
cancarada assim? Será que há ausência de fiscalização? Ou, de
destino o transporte metropolitano ou intermuni-
que forma estes transportadores conseguem confrontar os institu-
cipal remunerado de passageiros, realizado por
tos normativos existentes?
pessoa física ou jurídica, em veículo particular ou
O presente artigo pretende apontar como hipótese, diretri-
de aluguel, que:
zes a serem tomadas pelo Poder Público, ao citar como exemplo, investimentos que contemplem uma estrutura para que as
I - não possua a devida concessão, permissão ou
autoridades competentes possam fiscalizar o transporte ilegal
autorização do poder concedente;
de forma adequada; e também implementar políticas públicas que busquem ressaltar os danos ocasionados por meio desta
II - não obedeça a itinerário definido pela Secre-
atividade ilícita, na tentativa de alertar e sensibilizar os usuá-
taria de Estado de Transporte e Obras Públicas -
rios dos riscos que podem correr.
SETOP (ESTADO DE MINAS GERAIS, Lei Estadual
Para tanto, devido à importância do referido trabalho foi
19.445 de 2011).
realizada entrevistas com três especialistas no setor de transporte e um especialista tributário, na tentativa de esclarecer as
Destarte, conforme estabelecido nesta é cediço que o
perguntas norteadoras do presente artigo e evidenciar o dese-
transporte de passageiros realizado sem a devida concessão,
quilíbrio socioeconômico ocasionado ao Poder Público, relativo
permissão ou autorização do poder concedente é considerado
a milhões que deixam de ser arrecadados por meio desta ativi-
transporte ilegal.
dade ilícita. Nesta esteira, foram analisadas também as medi-
Neste cenário é possível vislumbrar diversas nomenclatu-
das sugeridas pelos entrevistados na tentativa de combater o
ras para denominá-lo, como “alternativo”, “ilegal” e “clandesti-
transporte ilegal de passageiros.
no”, mas qual será a correta?
Enfim, independente do diagnóstico deste artigo, o que se al-
A princípio ao analisarmos o significado de “alternativo”,
meja é o desenvolvimento de futuros estudos, como contribuição
definido como opção ou escolha. É equivocada esta denomina-
ao combate do transporte ilegal de passageiros. Com tudo isso,
ção, tendo em vista não ser correto estabelecermos parâmetros
desejamos que os usuários desenvolvam a conscientização em
de escolha, diante de uma atividade regular e outra totalmen-
relação às conseqüências do uso do transporte ilegal e utilizem o
te contrária ao arcabouço jurídico. Desta forma, a definição
regular. Logo, o que se pretende é proporcionar à sociedade me-
de clandestino não deveria ser utilizada, pois pressupõe algo
lhoria no transporte legalizado, e que esta, possa viajar com qua-
realizado às escondidas; que contradiz a realidade, pois esta
lidade, conforto e segurança.
atividade processa-se às claras.
2. TRANSPORTE ILEGAL DE PASSAGEIROS
vez que se trata de atividade que viola o que está expresso em lei.
Logo, a denominação mais condizente é a do “ilegal”, uma Em meados da década de 1990, ao surgir um intensificado
O transporte ilegal de passageiros geralmente se realiza
número de carros e vans pelas rodovias e cidades brasileiras
em torno das rodoviárias, uma vez que nessas áreas os passa-
em decorrência do intenso desenvolvimento industrial, econô-
geiros são persuadidos com a venda de “bilhetes” mais bara-
mico, dentre outros, deparou-se com a realização de um amplo
tos por aliciadores que organizam esta atividade. É importante
debate que envolveu pesquisadores, empresários e represen-
frisarmos que, no “Nordeste e na capital paulista, ruas inteiras
tantes do poder público. Cabe ressaltarmos que estes interes-
são transformadas em terminais fixos de onde partem os ôni-
sados “enfrentam um inimigo comum: os transportes “infor-
bus irregulares” (ABRATI, 2004, p.14).
mais”, “clandestinos” ou “ilegais”, cuja concorrência produziria
Esta atividade preocupa de maneira incalculável os empre-
a quebra das empresas e a perda de qualidade do transporte
sários deste setor, pois estes serviços são exercidos na maioria
ao provocar a desordem nas ruas e a degradação das condi-
das vezes por vans, ônibus, que trabalham somente nos horários
ções ambientais” (MAMANI, 2000, p. 1).
de movimento de passageiros. Diante disso, há uma violação do
394 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
que é estabelecido pela legislação, como o descumprimento de
doras onde o número de veículos de transportadores ilegais já
itinerários, recolhimento de impostos, respeito às faixas próprias,
atinja 20.000 (vinte mil). Com efeito, superam a de 16.470 (de-
limites de velocidade e também sem a concessão de nenhum tipo
zesseis mil e quatrocentos e setenta) da frota dos devidamente
de gratuidade, que são impostas às empresas regulares. Ademais,
legalizados no Estado de Minas Gerais.
é relevante dizer da concorrência ruinosa com as concessionárias prestadoras de serviço do transporte de passageiros.
Cabe frisarmos que os usuários do transporte ilegal ao usufruir do mesmo por ser mais barato e cômodo, não avaliam as
Cumpre ressaltarmos que, essa conduta ilícita abarca di-
conseqüências em relação ao uso. Em uma reportagem do Jornal
versos problemas que foram explicitados na dissertação de Ju-
Hoje em Dia, do dia 16/12/2012 demonstra: (Ônibus ilegal deixa
liana Almeida Coimbra:
mulher paraplégica), “a passageira relata o drama de ser vítima de acidente da empresa que mantém rodoviária clandestina, em
O estudo realizado pelo DER-MG (2003) elucida
Belo Horizonte”.
que o transporte irregular dá margem para diver-
Nessa linha, é válido afirmar que nem o (DPVAT) – Danos
sos questionamentos importantes, como: baixa
Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre,
segurança, aumento da tarifa em função da baixa
este seguro obrigatório não é garantido a esses usuários do
ocupação, a ineficácia dos órgãos regulamentado-
transporte ilegal de passageiros. Portanto, evidencia-se um
res como também:
barato, cômodo e prático que em muitas vezes sairá caro, até mesmo com a perda da própria vida.
a) viola as leis trabalhistas determinadas pela CLT;
Com efeito, trata-se de uma evidente banalização; um serviço
b) não recolhe tributos gerando evasão fiscal;
público desempenhado ilicitamente, que não traz de forma algu-
c) promove concorrência desleal e ruinosa;
ma soluções às necessidades públicas.
d) é exercício ilegal da profissão de motorista;
Para tanto, diferentemente dos transportadores ilegais de pas-
e) dificulta a apuração da responsabilidade objetiva;
sageiros, as empresas regulares devem prestar os seus serviços
f) não atende o interesse público;
de forma segura, regular, eficiente, contínua, atual, com cortesia na
g) não possui universalidade para o serviço prestado;
sua prestação e modicidade de tarifas. Desse modo, as concessio-
h) não dispõe de continuidade, regularidade e
nárias de serviço público possuem responsabilidade objetiva, com
confiabilidade;
o dever de arcar na ocorrência de danos aos seus usuários.
i) não possui padrão de qualidade;
É importante elucidarmos que não basta à aquisição de
j) não possui controle ambiental rigoroso frente às
van, de ônibus ou até mesmo de qualquer veículo, para que
emissões de gás carbônico. (COIMBRA, 2011, p. 72).
se possa exercer o transporte intermunicipal de passageiros é necessário obedecer todos os ditames legais. Este relevante
Nessa vertente ao explanarmos a respeito de alguns fato-
assunto envolve interesse público, o qual possui diversas legis-
res primordiais que predispõe a proliferação de vans e ônibus
lações concernentes que foram expostas acima. Uma delas é o
ilegais, como: o aumento promissor de renda para os trans-
Decreto Estadual 44.035/2005, que estabelece normas sobre
portadores ilegais, pois os mesmos não recolhem os tributos
a autorização para a prestação de serviço fretado de transporte
devidos. Desta forma, colocam as tarifas bem abaixo das con-
rodoviário intermunicipal de passageiros. Por meio do decreto
cessionárias de serviço público. Registramos também a falta
supracitado é concedido ao DER/MG o poder de polícia para
de políticas públicas que contemplem a melhoria no setor de
que possa exercer a fiscalização, com isso o mesmo pode reali-
transporte, tanto no sentido de planejamento quanto operacio-
zar o seu papel ao combate ao transporte ilegal.
nal. É necessário evidenciarmos que estes serviços possuem itinerários flexíveis devido a sua comodidade, diferentemente
Em entrevista concedida pelo Chefe da Fiscalização Intermunicipal do DER/MG Wallace Athayde Rodrigues:
das empresas regulares, as quais devem respeitar o itinerário definido pela Secretaria de Estado de Transporte e Obras Pú-
O DER/MG realiza várias ações nas quarenta re-
blicas — SETOP. Por fim, há existência de decisões liminares
gionais que detém em todo o Estado de Minas Ge-
proferidas pelo Poder Judiciário, que permitem esta atividade.
rais. Assim, em conjunto com a diretoria de fiscali-
Neste contexto, para agravar a situação de acordo com as in-
zação e o núcleo de fiscalização intermunicipal, em
formações do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado
parceria com o sindicato e as empresas regulares,
de Minas Gerais — DER/MG, que corroboram estatísticas arrasa-
há um labor unificado na busca da formalização
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 395
e oficialização das denuncias de concorrência rui-
Segurança e até algumas vezes por meio de Ação Ordinária, com
nosa. Diante disso, as empresas e o sindicato ofi-
o intuito da liberação de seus veículos apreendidos, bem como o
ciam nessas regionais onde há empresas ilegais
não pagamento de multas, taxas, despesas com transbordo de
(RODRIGUES, APÊNDICE A - Resposta 3).
passageiros, remoção e estada. Com efeito, esta situação começou a agravar-se em decorrên-
Nesse contexto, afirma Wallace Athayde Rodrigues que:
cia das liminares concedidas pelo Poder Judiciário. Desta forma, desde o instante em que a supracitada lei entrou em vigor, até
O DER/MG promove a sua fiscalização com base
agora existem diversas ações em tramitação no Poder Judiciário
Decreto 44.035/2005 e na Lei nº 19.445/2011,
no que tange esta matéria.
haja vista que o primeiro diz respeito a regulação
Nesta esteira, de um lado está o DER/MG juntamente com
do transporte fretado em Minas Gerais, já a se-
o sindicato da categoria, na tentativa em combater o transporte
gunda refere-se a normas para coibir o transporte
ilegal de passageiros. No caso da Autarquia, por meio do Poder de
ilegal. A partir disso, são montadas escalas junta-
Polícia conferido pela legislação pertinente. E de outro, os trans-
mente com a polícia rodoviária federal. Desta for-
portadores ilegais de passageiros, com a justificativa na livre ini-
ma, as ações são desempenhadas com o enfoque
ciativa e do argumento de que precisam trabalhar.
em combater esta atividade ilícita, com o amparo
Neste diapasão, o DER/MG tem alegado que em conformi-
nesses dispositivos normativos citados (RODRI-
dade com o princípio da legalidade, que a Administração Pública
GUES, APÊNDICE A - Resposta 3)2.
não pode deixar de aplicar a lei existente, a qual comina a sanção de apreensão de veículo nas situações nela previstas. A Autarquia
Nesse panorama, a Lei 19.445/2011 prevê em seu artigo
ressalta que, os transportadores ilegais na verdade visam afastar
6º, medidas a serem sobrepostas aos transportadores ilegais
a aplicabilidade da lei em tese, com o intuito de conseguir a chan-
de passageiros, as quais são aplicadas aos transportadores,
cela do judiciário, para que possam exercer esta atividade ilícita.
que exercerem o transporte de passageiros de forma ilegal
Nessa linha, argumentam que a fiscalização exercida pelo Estado,
terão o seu veículo apreendido, e sua restituição ocorrerá so-
não pode ser impedida via mandado de segurança; que para a
mente com o prévio pagamento das multas vencidas, taxas,
realização do transporte intermunicipal é necessário a autoriza-
despesas com transbordos dos passageiros, transbordos dos
ção do DER/MG, o qual é detentor do poder de polícia, e que este
passageiros, remoção e estada.
possui a finalidade precisamente de limitar os direitos individuais,
No que tange as políticas públicas existentes que visam aler-
em prol de um interesse coletivo maior. Desta forma, o DER/MG
tar os usuários quanto aos riscos do transporte ilegal, o Chefe da
afirmar que a Lei Estadual 19.445/2011, ao estabelecer a apre-
Fiscalização Intermunicipal do DER/MG informa que:
ensão do veículo, teve como escopo preencher a carência da legislação mineira; na tentativa de coibir a prática do transporte ilegal,
O DER/MG por meio da gerência de comunicação
com o intuito de afastar a impunidade. Nesses termos, elucida
no trânsito, com convênio com o sindicato realiza
também que o Código Nacional de Trânsito determina claramente
campanhas e blitzs educativas, geralmente em
entre suas sanções, a apreensão dos veículos. Com efeito, há a
época de feriado, utilizando cartazes dentro dos
possibilidade do Distrito Federal e os Estados de justaporem suas
ônibus e veículos, alertando o quanto é perigoso
sanções no que tange a fiscalização do trânsito. E finalmente, que
e nocivo, tanto para a sociedade, quanto para o
a Lei Mineira está em conformidade com os artigos 22, I, V e VI, e
poder público o transporte ilegal de passageiros.
art.256, IV e §2º, todos do CTB, diante disso, não há transgressão
(RODRIGUES, APÊNDICE A - Resposta 4) .
ao determinado no disposto no art.22, XI, da CR/88. Logo, é cedi-
3
ço que a constitucionalidade da referida lei. É importante ressaltarmos a problemática existente no mo-
Lado outro, são as argumentações dos transportadores
mento de aplicar-se-á a Lei Estadual 19.445/2011. Com o ad-
ilegais, de que é inconstitucional a apreensão do veículo haja
vento da referida lei iniciou-se uma discussão a respeito da cons-
vista, a realização do transporte ilegal de pessoas, bem com
titucionalidade da sanção de apreensão do veículo, e de suas
condicionar a liberação de veículo apreendido, ao pagamento
medidas condicionantes a liberação do mesmo. Com as primeiras
das despesas elencadas na Lei Estadual 19.445/2011. Nessa
apreensões de veículos, os transportadores ilegais de passagei-
mesma linha, aduzem que a mencionada norma estabelece pe-
ros começaram a ingressar no Poder Judiciário via Mandado de
nalidades mais gravosas, que vão de encontro com as dispos-
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tas na Lei Federal (Código de Trânsito Brasileiro). Com efeito,
parar a pretensão do impetrante, consubstanciada
isso seria inadmissível constitucionalmente.
na busca da prestação livre e ilimitada do serviço
Nessa vertente, indagam que de acordo com o preceituado
de transporte de pessoas, exigindo-se do DER a
no art. 231, VIII, da Lei n. 9.503/97, o transporte ilegal de pas-
abstenção de práticas que efetivem a sua regu-
sageiros é punido com multa e retenção do veículo. Destarte,
lação e fiscalização. (TJMG - Processo 1293211-
é arbitrária e ilegal a apreensão do veículo, bem como o condi-
63.2012.8.13.0024 – 1.0024.12.129321-1/003
cionamento da liberação do mesmo, somente quando houver o
– Relator: Des. Geraldo Augusto– Data da publica-
pagamento de multas e de despesas com remoção e estadia.
ção: 03/05/2013).
Por fim há ausência de guarida legal, haja vista que a lei apenas dispõe a medida de retenção.
Nesses termos, com propriedade a ilustríssima Desembargado-
Para tanto, a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça se
ra Vanessa Verdolim Hudson Andrade em seu voto argumenta:
contrapõem a ambos os lados: EMENTA - AGRAVO DE INSTRUMENTO – TRANSEMENTA: APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁ-
PORTE IRREGULAR DE PASSAGEIROS – APREEN-
RIO - MANDADO DE SEGURANÇA - TRANSPORTE
SÃO DO VEÍCULO - LIBERAÇÃO CONDICIONADA
INTERMUNICIPAL DE PASSAGEIROS - APARENTE
AO PAGAMENTO DE DESPESAS PREVISTAS NA LEI
CLANDESTINIDADE - PEDIDO VISANDO COMPELIR
ESTADUAL 19.455/2011 – APREENSÃO E MULTA
O DER/MG A SE ABSTER DE ATOS DE FISCALIZA-
- POSSIBILIDADE RECONHECIDA PELO SUPREMO
ÇÃO E REGULAÇÃO - INVIABILIDADE - DIREITO LÍ-
TRIBUNAL FEDERAL NA ADI 2751 – MEDIDAS AD-
QUIDO E CERTO - NÃO DEMONSTRADO - SENTENÇA
MINISTRATIVAS QUE SE INSEREM NO PODER DE
REFORMADA. Não é plausível que se almeje, por
POLÍCIA E DE FISCALIZAÇÃO DO TRANSPORTE
intermédio de ação judicial, a abstenção por parte
CLANDESTINO PELO ESTADO. O Plenário do STF
da Administração de atos e funções que lhe são
reconheceu, no julgamento da ADI nº 2751, que
próprios, inerentes ao desempenho das atividades
os Estados podem estabelecer, em suas leis, a
administrativas. Aliás, na hipótese, os atos admi-
penalidade de apreensão de veículo utilizado no
nistrativos questionados possuem natureza vincu-
transporte clandestino, inclusive estabelecendo
lada. Vale dizer: ante a ocorrência de determinada
penalidade não prevista na lei federal, o que não
situação fática, o agente administrativo deve agir,
ofende a Constituição nem a Lei federal, pela de-
por expressa disposição legal. Agindo assim, cum-
legação conferida aos Estados para legislar sobre
pre ditames próprios da atividade administrativa,
medidas administrativas e para exercer a sua
exercendo, em nome da preservação do interesse
atribuição delegada de fiscalização do transporte
público coletivo, a regulação e o controle do desem-
clandestino, bem como em virtude de seu poder
penho de atividades econômicas por particulares.
de polícia. Reconhecida a constitucionalidade da
(TJMG - Processo 1293211-63.2012.8.13.0024 –
apreensão e da multa prevista na Lei Estadual
1.0024.12.129321-1/003 – Relator: Des. Geraldo
nº 19.455/2011 em virtude de transporte clan-
Augusto– Data da publicação: 03/05/2013).
destino. (Processo 0074297-87.2013.8.13.0000 – 1.0024.12.134013-7/002 – Vogal: Des.(a) Va-
Nesse sentido, esclarecedores são os ensinos do eminente Desembargador Geraldo Augusto apresentados no acórdão acima: O DER/MG não só pode como também deve fiscalizar a prestação do serviço de transporte de
nessa Verdolim Hudson Andrade – Data da publicação: 18/04/2013). Nesse ponto é necessário elucidarmos as sábias palavras da Emérita Desembargadora em seu voto:
passageiros, utilizando-se dos instrumentos legais e administrativos postos à sua disposição para tan-
A Lei Estadual não legisla sobre o transporte,
to. É a concretização do poder-dever da Administra-
apenas estabelece a apreensão para o caso de
ção Pública”. “Nessas circunstâncias específicas,
transporte clandestino, no seu poder de polícia.
conclui-se que não há direito líquido e certo a am-
Assim, não se trata de legislar sobre o transpor-
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 397
te, mas de legislação de cunho administrativo. E,
Nessa linha é evidente que um dos motivos que o transpor-
assim sendo, não há que se falar em inconstitu-
te ilegal tem aumentado no Estado de Minas é o fato da conces-
cionalidade em face de invasão de competência,
são de liminares pelo Poder Judiciário ao permitir a liberação
na realidade não existente (Processo 0074297-
dos veículos desses transportadores. Nesse mesmo sentido o
87.2013.8.13.0000 – 1.0024.12.134013-7/002 –
ilustre Coronel Wallace Suares afirma:
Vogal: Des.(a) Vanessa Verdolim Hudson Andrade As liminares tem sido um dos maiores empecilhos a
– Data da publicação: 18/04/2013).
fiscalização, tendo em vista que o transportador ao Todavia, há o entendimento contrário a este exposto acima desse mesmo Tribunal com a seguinte interpretação:
conseguir esta liminar, que determina que a Autarquia fiscalizadora abstenha-se de fiscalizar e apreender o carro que realiza o transporte irregular. Isto
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - TRANSPOR-
dificulta realmente o trabalho de combate desta ati-
TE IRREGULAR DE PASSAGEIROS - LIBERAÇÃO DO
vidade ilícita. (SUARES, APÊNDICE B - Resposta 6)5.
VEÍCULO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE DESPESAS PREVISTAS NA LEI ESTADUAL 19.455/2011
Feitas essas considerações é possível vislumbrarmos o em-
- IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTES DO TJMG E STJ.
bate vivenciado pelo DER/MG, ao realizar seu papel de autarquia
- Em consonância com o art.231,VIII, do CTB,
fiscalizadora, com o dever de cumprir o que a legislação vigente
ao transporte irregular de passageiros, deve
determina, e o impasse do poder judiciário, ao determinar que
ser aplicada a medida administrativa de reten-
o DER/MG se abstenha de apreender os veículos daqueles que
ção do veículo. - Nesse sentido, não deve a Lei
exercem o transporte ilegal.
Estadual estatuir penalidade mais severa para
Com efeito, é importante ressaltarmos que o Supremo
liberação do veículo, porquanto cabe à União le-
Tribunal Federal em julgamento da ADI nº 2751, em um caso
gislar privativamente sobre trânsito e transporte.
semelhante no qual o poder legislativo do Estado do Rio de Ja-
-
0074297-
neiro, editou lei que permite ao Executivo realizar a apreensão
87.2013.8.13.0000 – 1.0024.12.134013-7/002
e desemplacar os veículos ilegais de transporte coletivo. Nesse
– Relator: Des.(a) Eduardo Andrade – Data da pu-
formato, o STF pronunciou que essa legislação não afrontava a
blicação: 18/04/2013).
lei federal, e nem invadia a competência da União, por versar
Recurso
desprovido.
(Processo
de lei com cunho administrativo. Nesse cenário desafiador, há um dos grandes problemas da
Cabe ressaltarmos que a diferenciação entre a lei mineira e a lei
presente pesquisa, sendo a luta deflagrada pelo DER/MG e trans-
carioca é que nesta última há autorização da apreensão e o desem-
portadores ilegais. Em entrevista ao Chefe da Fiscalização Inter-
placamento do veículo, enquanto que na primeira há autorização da
municipal do DER/MG, que corrobora que a maior dificuldade que
apreensão e multa, não estabelece o desemplacamento.
o DER/MG enfrenta para coibir o transporte ilegal:
Desta forma, o STF posicionou-se no entendimento que a apreensão como modalidade de sanção não prevista a Lei Federal
É o fato do poder judiciário está concedendo inúme-
é permitida, pois a Constituição de 1988 prevê dentro da compe-
ras liminares; o nosso setor jurídico tem debruçado
tência do poder de polícia concedido aos Estados.
para poder cumprir a determinação da justiça. Então,
Assim, é visível que os que detêm o entendimento de que
uma decisão dessas, de um juiz, explode na nossa
a apreensão é um ato ilegal, pois, a Lei Federal estabelece a
fiscalização! Vem uma determinação de que o DER/
retenção, não possuem a visão que é acolhida pelo Supremo
MG pode fiscalizar o veiculo, mas não pode proibir
Tribunal Federal, que entendeu em caso de transporte ilegal
que ele exerça a atividade de transporte ilegal. Estas
ser permitida a apreensão do veículo.
decisões determinam que o DER/MG, se abstenha
Eis a ementa do raciocínio do Pretório Excelso:
de aplicar a penalidade de apreensão aos veículos
EMENTA: CONSTITUCIONAL. VEÍCULOS DE TRANS-
da parte, quando configurada a incidência do art.6º,
PORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. LEI 3.756,
II, e art.7º, §1º, ambos da Lei Estadual 19.445/11.
DE 2002, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. I. - Lei
(RODRIGUES, APÊNDICE A - Resposta 7)4.
3.756/2002, do Estado do Rio de Janeiro, que autoriza o Poder Executivo a apreender e desempla-
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car veículos de transporte coletivo de passageiros
abrangência da norma ou simplesmente reduzin-
encontrados em situação irregular: constituciona-
do-se o montante de tributo a pagar (MOREIRA,
lidade, porque a norma legal insere-se no poder
2003, p.2).
de polícia do Estado. II. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 2751,
É importante registrarmos que o escopo da Elisão é alcançar
Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Ple-
uma economia fiscal, de modo a reduzir a carga tributária sem
no, julgado em 31/08/2005, DJ 24-02-2006 PP-
contrariar a legislação. No entanto, é necessário analisarmos os
00005 EMENT VOL-02222-01 PP-00092)
efeitos econômicos e jurídicos de cada operação, pois implementada esta, será considerada a ocorrência do fato gerador, confor-
Por derradeiro, em fechamento dessa problemática a que
me artigo 116 do CTN, com a existência da obrigação tributária.
se salientar a necessidade de maior sensibilidade na verifica-
Portanto, a elisão fiscal é lícita, pois é feita em conformidade
ção da implementação da lei ao caso concreto. É visível que
com a legislação. Diferentemente da Evasão Fiscal que é pratica-
infelizmente a prática do transporte ilegal aumenta, e que suas
da a margem da lei.
conseqüências são desastrosas ao poder público, empresas de
Além, desses dois fenômenos há também o chamado Planeja-
transporte de passageiros legalizadas e a população. Todavia,
mento Tributário, denominado algumas vezes pela doutrina de Elu-
por meio de uma hermenêutica constitucional é que o intér-
são. Entretanto, trata-se de gênero no qual a Elisão Fiscal é espécie.
prete deve analisar a norma a fundo com uma visão pós-positi-
Nesses termos, esclarecedoras são as palavras de Souza
vista, na busca da intenção que o legislador teve no momento
ao definir o planejamento tributário como “o conjunto de con-
da criação da mesma, trazendo a aplicabilidade para os dias
dutas, comissivas ou omissivas, da pessoa física ou jurídica,
atuais. Assim sendo, além dos aspectos legais discorridos é ne-
realizadas antes ou depois da ocorrência do fato gerador, des-
cessário vislumbrarmos que na criação do Código de Trânsito
tinadas a reduzir, mitigar, transferir ou postergar legalmente os
Brasileiro, não havia de forma devastadora o transporte ilegal
ônus dos tributos” (SOUZA, 2005, p. 6).
de passageiros. Sendo necessárias agora, medidas específicas para que esta atividade não fique impune. Diante o exposto é importante compreendermos uma das conseqüências imensuráveis do transporte ilegal de passageiros,
Cabe ressaltarmos que este é dividido em duas fases: no qual a primeira é compreendida pela elisão fiscal, realizada antes do fato gerador. Nessa linha, esta fase comporta planejamentos promovidos por profissionais especialistas como administradores, advogados,
que é o instituto da Evasão Fiscal
contadores e economistas que visam estudar os empreendimen3. EVASÃO FISCAL NO TRANSPORTE ILEGAL DE PASSAGEIROS
tos da pessoa física ou jurídica de modo a minimizar os ônus tribu-
A Evasão Fiscal é a prática de ato que viola a lei, realizado
tários. Este procedimento é feito devido às análises da legislação
após o fato gerador da obrigação, que visa reduzi-lo ou ocultá-
tributária por meio de lacunas apresentadas nestas, que forne-
-lo. Registramos que sua previsão legal e delineada na Lei de
cem outros meios ou contradições neste sistema.
Crimes contra a ordem tributária, econômica e contra Relações
É importante evidenciarmos que a Lei Complementar n. 104/2001 alterou o artigo 116 do CTN, “pelo que se autorizou
de Consumo (Lei n º 8.137/90). Nesta esteira André Mendes Moreira define com proprieda-
a desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados pelo
de: “Evasão fiscal constitui a prática, concomitante ou posterior a
contribuinte com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato
incidência tributária, na qual são utilizados meios ilícitos (fraude,
gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da
sonegação, simulação) para escapar ao pagamento de tributos”
obrigação tributária” (SOUZA, 2005, p. 6). Desta forma, a referida legislação passou a ser denominada
(MOREIRA, 2003, p.2). Noutro enfoque, a Elisão é definida diferentemente da Eva-
de norma “anti-elisão”. Entretanto, ocorreu uma equiparação errônea ao igualar a eli-
são por Moreira como:
são fiscal como evasão fiscal, haja vista que as duas são institutos Elisão fiscal corresponde à prática de atos líci-
totalmente distintos, enquanto a primeira é realizada de acordo
tos, anteriores à incidência tributária, de modo
com a lei, a segunda é contrária ao arcabouço jurídico.
a obter-se legítima economia de tributos, seja
A Elisão é amparada pela Constituição da República de
impedindo-se o acontecimento do fato gerador,
1988, em seu art. 150, III, “b”, ao tratar a respeito do princípio
seja excluindo-se o contribuinte do âmbito de
da anterioridade que assegura ao contribuinte o pagamento so-
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mente no exercício financeiro seguinte da lei que instituiu ou aumentou o tributo, salvo exceções é claro.
Segundo o Chefe da Fiscalização Intermunicipal do DER/MG, Wallace Athayde Rodrigues:
Destarte, o tributo deve respeitar o princípio da legalidade, o qual poderá ser exigido conforme estabelecido em lei.
O desequilíbrio socioeconômico é principalmente
Logo, Marcus Vinícius Saavedra Guimarães de Souza corro-
na questão tarifária. Haja vista, que com a ação
bora ser “inadmissível uma norma “anti-elisão”” (SOUZA, 2005,
do transporte ilegal as empresas do transporte
p. 6). É cediço que a Constituição de 1988 estabelece que “Nin-
regular elas deixam de realizar o transporte então
guém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
isso vai acarretar o que? Vai diminuir o número de
senão em virtude de lei”.
viagem, diminuindo o numero de viagem diminui
Pelo exposto SOUZA salienta que a “Lei Complementar n. 104
a arrecadação, diminuindo a arrecadação, quando
só poderá ser vista, como norma “anti-evasão”, na medida em que
for fazer uma nova planilha de custos do sistema
a elisão fiscal constitui atividade preventiva e em plena consonân-
operacional do transporte vão ver que as empre-
cia com a lei, descortinando uma maior margem de redução fis-
sas estão diminuindo a capacidade operacional
cal” (SOUZA, 2005, P.7).
delas. Isto acarreta o que? As empresas terão que
A Constituição de 1988 prevê o princípio da estrita legalida-
mandar funcionários embora, porque ela não vai
de, bem como o mesmo regula o Direito Tributário. Portanto, não
conseguir manter uma frota, uma empresa com vá-
pode o Fisco impor obrigação não estabelecida em lei.
rios veículos se ela não está trabalhando, operacio-
Nessa linha, na situação em que a legislação não trouxer pre-
nalizando aquela linha. Então muitas vezes linhas
visão, o contribuinte poderá obter a devida vantagem ao utilizar-se
são desativadas em função da demanda cair de-
da Elisão fiscal, pois o mesmo não irá contrariar a lei.
mais. Se ela está vendo que a linha não está tendo
No entanto, a norma anti-elisão vai de encontro com o artigo
demanda, ela tem o prazo de 10 dias, para oficiar a
150, I, da CR/88, o qual dispõe que para ocorrer a obrigação fiscal
SETOP e solicitar a desativação daquela linha. En-
é necessário a previsão legal.
tão isto prejudica a população daquela região tam-
Nesses termos, em decorrência desta lei o Poder Executivo
bém, porque uma região que não tem o transporte
e o Fisco possuem o “direito de desconsiderar a lei aplicada” e
regular estará a mercê do ilegal. E isto causa um
“criar” lei individual a ser aplicada a cada hipótese que desejar,
desequilíbrio econômico e financeiro tanto nas em-
sob a alegação de que teria havido, em cada uma, o desejo do
presas quanto na região, onde eles agem também.
contribuinte de pagar menos tributos, utilizando-se de mecanis-
(RODRIGUES, APÊNDICE C - Resposta 2)6.
mos legais”. (SOUZA, 2005, p. 8) Nessa perspectiva, o artigo 116 parágrafo único do CTN, fere a artigo 150, I, da CR/88.
Diante ao exposto, permeados por toda ilegalidade desempenhada pelos transportadores ilegais, devido à prática da Evasão
Por derradeiro é notório que a norma anti-elisão não impõe
Fiscal, entraremos no quarto capítulo, o qual demonstrará sobre o
nenhum limite. Diante dessas considerações pode o fisco alegar
ICMS, imposto vinculado à atividade de transporte de passageiros.
que o contribuinte ao realizar aquela operação dissimulou para pagar um valor menor de tributação. Face ao argumentado anteriormente, ficou visível a diferen-
4. ICMS — IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÕES
ciação dos institutos da evasão e elisão fiscal. Para tanto é neces-
DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL
sário abordarmos que os transportadores de passageiros ilegais,
E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÕES
exercem uma atividade ilícita com o intuito de escapar do não pa-
As concessionárias de serviço público, prestadoras do trans-
gamento de tributos por meio de fraude, simulação e sonegação.
porte de passageiros, tanto no âmbito interestadual quanto no in-
Logo, concorrem à prática da Evasão Fiscal.
termunicipal, estão submetidas ao pagamento do ICMS - Imposto
Cabe registrarmos que no estudo realizado na Dissertação
sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços
de (CERQUEIRA, 2007, p. 118) é possível vislumbrarmos que
de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação.
milhões de reais são deixados de serem arrecadados pelo Po-
Ocorre que o mesmo é de competência Estadual e do Distrito Fe-
der Público, devido ao transporte ilegal de passageiros. Deste
deral e que está relacionado neste setor de forma ampla, desde
modo, o Estado é lesado, e com isso há ocorrência de um dese-
a obtenção de recursos, os quais envolvem esta atividade, como
quilíbrio socioeconômico.
também na venda de bilhetes de passagem.
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Conforme artigo 16 do CTN “ Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer
transporte rodoviário intermunicipal de pessoas, o qual prevê a seguinte disposição no que tange a fiscalização:
atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. É um imposto previsto no artigo 155, II, da Constituição de
Art. 3º O acompanhamento, controle e fiscalização
1988 não-cumulativo, o qual a incidência é realizada sobre as
das atividades disciplinadas neste Decreto serão
operações relativas à circulação de mercadorias e prestações
exercidos em conjunto ou isoladamente, respei-
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
tada a competência de cada qual, pelo DER/MG,
comunicação. É considerado uma das fontes primordiais de ar-
Polícia Militar de Minas Gerais - PMMG, Secretaria
recadação do Estado a implementação de políticas públicas e
de Estado de Defesa Social, Secretaria de Estado
para o pagamento das custas do Poder Público.
de Fazenda, Secretaria de Estado de Turismo e
As normas gerais do ICMS estão determinadas na Lei Comple-
qualquer outro órgão ou entidade competente, que para tanto, estão autorizados a celebrar acordo ou
mentar n° 87/1996. No Estado de Minas Gerais, o ICMS e regido pela Lei n° 6.763/1975 e o Regulamento do ICMS (RICMS), aprovado pelo
convênio, se necessário (ESTADO DE MINAS GERAIS, Decreto Estadual 44.035 de 2005).
Decreto Estadual n° 43.080/2002. Como já mencionado o ICMS é um imposto que incide sob
Para tanto vale dizer que o DER/MG realiza a fiscalização no
operações relativas à circulação de mercadorias e prestações
tocante ao combate do transporte ilegal de passageiros. Já em
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
relação a questões tributárias quem tem feito a fiscalização é a
comunicação. Nesse sentido, é relevante evidenciarmos que de
Secretaria da Fazenda do Estado de Minas Gerais juntamente
acordo com o art. 2º do RICMS/02, aprovado pelo Decreto n.º
com a Polícia Militar, ao autuarem esses transportadores ilegais
43080/2002 “o fato gerador ocorre, dentre outras hipóteses,
transcrevem um boletim de ocorrência que consta informações,
na saída de mercadoria, a qualquer título, inclusive em decor-
as quais o transportador não possui cadastro de Contribuintes
rência de bonificação, de estabelecimento de contribuinte, ain-
do ICMS da Secretaria de Estado de Fazenda/MG. Desta forma,
da que para outro estabelecimento do mesmo titular”.
imputam a eles o pagamento do ICMS cumulado com multa de
Insta esclarecer que a base de cálculo do ICMS, a que se con-
acordo com acórdão abaixo:
siderar o montante tributável, cujo valor será analisado sobre a alíquota que corresponde à prestação ou operação. Logo o im-
EMENTA
posto incide sobre o valor da prestação ou operação, conforme a
OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA - FALTA DE INSCRIÇÃO
disposição normativa RICMS/02 nos artigos 43 a 54 que determi-
ESTADUAL. Imputação fiscal de falta de inscrição
nam a base de cálculo do referido imposto.
estadual. A realização de quatro prestações de ser-
Uma técnica utilizada para apuração desse imposto é o
viço de transporte de passageiros, em dias espo-
crédito presumido, o qual consiste em realizar substituições
rádicos, não configura a habitualidade necessária
dos créditos que são passíveis de apropriação em razão da en-
para caracterização de contribuinte do imposto.
trada de bens ou mercadorias, que será feito ao verificarmos
Assim, não restaram configurados nos autos os
um percentual referente ao imposto debitado na prestação
requisitos para determinar a necessidade de ins-
do serviço ou na saída de mercadorias, de acordo com o RI-
crição no Cadastro de Contribuintes do ICMS da
CMS/02 em seu art. 75.
Secretaria de Estado de Fazenda/MG. Infração
Nesta esteira, o contribuinte do ICMS será qualquer pessoa,
não caracterizada. Excluída a exigência da Multa
jurídica ou física, que realize operação referente à prestação de
Isolada capitulada no art. 54, inciso I da Lei n.º
serviço ou à circulação de mercadoria exposta como fato gerador
6.763/75.
de acordo com o RICMS/02 no seu art. 55.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE RODO-
Para que seja considerado contribuinte é necessária a
VIÁRIO/PASSAGEIRO - PRESTAÇÃO DESACOBERTA-
prática de prestações ou operações de serviços de transporte
DA. Imputação fiscal de falta de recolhimento de
intermunicipal ou interestadual, ou de comunicação com habi-
ICMS referente à prestação de serviço de transpor-
tualidade, ou intuito comercial.
te intermunicipal de passageiros desacobertada
É relevante elucidarmos que o Decreto Estadual 44.035/2005
de documento fiscal. Uma vez que os Boletins de
que disciplina a autorização para prestação de serviço fretado de
Ocorrência lavrados pela Polícia Militar do Estado
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de Minas Gerais demonstram que realmente o Im-
Há uma elevação da tributação para as empresas
pugnante realizou transporte de passageiros em
que pagam. (MATTA, APÊNDICE C - Resposta 1)8.
prestações de serviço intermunicipais, restou configurada a ocorrência do fato gerador do imposto
Para tanto, o ilustre professor exemplifica da seguinte maneira:
estadual nestes casos específicos. Exigências de ICMS e das Multas de Revalidação e Isolada pre-
O raciocínio é simples. Eu tenho uma despesa de
vistas na Lei n.º 6.763/45, respectivamente nos
dez, posso repartir isso entre dez pessoas. Quanto
arts. 56, inciso II e 55, inciso XVI, § 1º, mantidas.
que cada um tem que pagar? Um. Mais se dessas
Lançamento parcialmente procedente. Decisão
dez, só cinco pagam, os outros cinco não pagam,
por maioria de votos. (Acórdão 20.583/12/3ª - Re-
e eu tenho que cobrir com esses dez, então vou
latora Luciana Mundim de Mattos Paixão - Conse-
cobrar quanto de cada um dos cinco? Vou cobrar
lho de Contribuintes do Estado Minas).
dois. Assim, ao uma sobretaxa a quem paga, pois o Estado precisa do recurso. Ao encerrar fez a se-
Conseqüências provocadas ao poder público, às empresas de
guinte ponderação: além de sobretaxar do ponto
transporte de passageiros e à população, advindas do não reco-
de vista tributário prejudica do ponto de vista eco-
lhimento do ICMS, pelos transportadores ilegais. De acordo com
nômico. (MATTA, APÊNDICE C - Resposta 1)9.
o Assessor Jurídico do DER/MG, Fernando Antônio Silveira RodriAs empresas de transporte de passageiros por terem que
gues são várias as conseqüências:
arcar com uma altíssima carga tributária, advinda do desequilíAo poder público é a sonegação fiscal; pois estes
brio ocasionado ao Poder Público pelas empresas que realizam
transportadores exercem uma atividade ilícita, onde
o transporte ilegal, diante disso, não conseguem manter-se, haja
buscam burlar de todas as formas o que é previsto
vista a concorrência ruinosa que é provocada. Em reportagem
na legislação, e com isso não recolhem os tributos
da Revista da Associação Brasileira das Empresas de Transporte
devidos. Desta forma, no que concerne ao “ICMS há
Terrestre de Passageiros — ABRATI demonstra que “em qualquer
uma perda de receita, e o pior disso tudo é que esta
ramo de atividade, está provado que a economia informal aumen-
atividade gera uma concorrência ruinosa com as em-
ta e se fortalece quando a tributação é maior”.
presas”. Destarte, o Estado fica lesado duplamente
Nessa linha é interessante ressaltarmos que as tarifas do
pelo não recolhimento do ICMS pelos transportado-
transporte rodoviário de passageiros são fixadas pelo Poder Pú-
res ilegais, e pela perda da demanda de usuários
blico, de acordo com levantamentos de preços de equipamentos,
das empresas regulares que pagam o ICMS. (RODRI-
folha salarial, insumos entre outros.
GUES, APÊNDICE C - Resposta 1) . 7
Neste contexto, o reajuste deveria ser somente na questão tarifária, pois os contratos estabelecem reajuste na ocorrência
Nessa linha, o ilustre professor de Direito Tributário Gustavo da Matta, corrobora que o prejuízo para o Estado é vislumbrado pela:
de quebra do equilíbrio socioeconômico. Com efeito, se a carga tributária fosse menor, as tarifas iriam reduzir e as empresas de transporte de passageiros legalizadas poderiam competir com os
Perda de arrecadação pelo poder público, devido
transportadores ilegais.
ao não recolhimento do ICMS. Logo, não haverá
Nesse ponto é relevante destacarmos que iria ocorrer o efeito
investimentos. Em sequência, em relação à popu-
inverso do apresentado pelo professor Gustavo da Matta, onde
lação, o mesmo afirma que, “quando há uma per-
haveriam mais passageiros que escolheriam o transporte regular,
da de arrecadação, o Estado tem menos receita,
muitas empresas ilegais poderiam se legalizarem, com isso au-
com efeito, a sociedade fica prejudicada pela ine-
mentaria a arrecadação dos impostos.
xistência de investimentos em infra-estrutura”. Por
Para tanto digno de destaque a argumentação feita pelo As-
fim, no caso das empresas de transporte há uma
sessor da Diretoria de Fiscalização Fernando Antônio Silveira Ro-
especificidade “de que o Estado depende de uma
drigues que afirma a necessidade da desoneração:
arrecadação”. No entanto, “pelo fato dos transportadores ilegais não recolherem os tributos, e o Po-
Advogo pela desoneração fiscal mesmo porque é
der Público precisar desses recursos o que é feito?
um serviço público, em que é de competência dire-
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ta do Estado, então quando o mesmo concede isso
tradas diariamente em noticiários, revistas e jornais. Entretanto,
o serviço para a exploração do particular, deveria
qual o motivo desta atividade ilícita estar em constante aumento?
passar também a isenção e isso traduziria em uma
Por meio de entrevistas realizadas aos nossos ilustres entre-
série de benefícios para ao usuário de transporte:
vistados, os quais abordaram diversos problemas como: a falta
a passagem iria ser de menor valor, mais acessibi-
de investimentos em pessoal e estrutura para operarem fiscaliza-
lidade mais disponibilidade de transporte, quanto
ções, de outro lado, colocou em questão também a omissão do
menor o preço da passagem, a implementação de
Poder Público. No entanto, chegaram num acordo no que tange a
transporte de massa, e isso tem uma consequên-
Lei Estadual 19.445/2011, que estabelece normas para coibir o
cia no trânsito porque em países por exemplo: Eu-
transporte metropolitano e intermunicipal clandestino de passa-
ropeus se privilegia o transporte público é rara a
geiros no Estado de Minas Gerais. Ressaltaram que a referida Lei
pessoa ir trabalhar de carro próprio.
é um mecanismo de combate ao transporte ilegal de passageiros,
Se a empresa é desonerada dos impostos o que
mas deve ser cumprida.
vai acontecer é que a passagem vai baratear, todo
Entretanto, o embate que o Poder Judiciário Mineiro tem
mundo vai preferir ir para um transporte legaliza-
feito em relação a esta lei, onde o próprio STF na ADI nº 2751 já
do. O qual é fiscalizado e que tem os veículos ri-
decidiu que a apreensão como modalidade de sanção não pre-
gorosamente vistoriados, sujeitos ao cumprimento
vista na Lei Federal é permitida, pois a Constituição de 1988
diário na oferta de transporte. Já o ilegal não, este
prevê dentro da competência do poder de polícia concedido aos
vai no horário de oportunidade, trabalhar mais em
Estados. Assim, é visível que os que detêm o entendimento de
fins de semana, em horários de pico , quer dizer
que a apreensão é um ato ilegal, pois, a Lei Federal estabelece
ele não está sujeito a fazer uma oferta de transpor-
a retenção, não possuem a visão que é acolhida pelo Supremo
te com baixa demanda, com as empresas de ôni-
Tribunal Federal, o qual entendeu em caso de transporte ilegal
bus. Tem empresas de ônibus que são obrigadas
ser permitida a apreensão do veículo.
a circularem horários de pouquíssima demanda. O
Desta forma, é necessária uma sensibilização de uma parte
transporte ilegal é realizado no horário que melhor
do Poder Judiciário Mineiro que é contra a medida de apreensão
lhe propicia maior arrecadação e com o veiculo
do veículo, uma vez que o próprio STF já decidiu tratar-se de uma
com completa lotação de passageiros.
norma de cunho administrativo, com isso não há invasão de com-
Com isso é claro, que das maneiras eficientes
petência. Pois, o que os transportadores ilegais de passageiros na
de combater do transporte clandestino é a de-
verdade almejam é uma chancela do Judiciário para realizarem
soneração fiscal. A qual gera diversos benéficos
esta atividade ilícita.
como: a diminuição de veículos particulares na
Nesta esteira, em decorrência do transporte ilegal de passa-
rua, melhores condições de oferecer um trans-
geiros, face que o mesmo aumenta no Estado de Minas Gerais,
porte de melhor qualidade, mais eficiente ade-
por causa dessas liminares concedidas pelo Poder Judiciário, as
quado em vias próprias exclusivas, redução do
quais atrapalham o trabalho do DER/MG de Autarquia fiscaliza-
tempo de viagem, redução dos problemas de
dora investida do Poder de Polícia. Devido esta situação, um dos
saúde dos usuários que reflete em despesas
maiores problemas advindos do transporte ilegal é a Evasão Fis-
para o governo. E por aí vai, sociologicamente
cal. Como já mencionado esta é a prática de ato que viola a lei,
estudado há profundidade o alcance; mais em-
realizado após o fato gerador da obrigação, que visa reduzi-lo ou
pregos. Traria um transporte eficiente com um
ocultá-lo. Diferentemente da Elisão Fiscal que é alcançar uma eco-
custo adequado, e seria uma solução enorme os
nomia fiscal, de modo a reduzir a carga tributária sem contrariar a
problemas da sociedade. (RODRIGUES, APÊNDI-
legislação. Os transportadores ilegais por não recolherem os tribu-
CE C - Resposta 3) .
tos devidos, cometem um ilícito fiscal, com isso ferem o princípio
10
da legalidade onde “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
fazer alguma coisa senão em virtude de lei” Art. 5, II da CR/88,
Um dos cenários vislumbrados é o fato de vans, ônibus circu-
haja vista atuarem a margem da lei.
larem ilegalmente, todos os dias. Desta forma, vivemos num país
Com efeito, a Evasão Fiscal provoca diversos prejuízos ao erá-
que realmente necessita desenvolver políticas públicas, neste
rio, concessionárias de serviço público e a população, pois os trans-
setor. Catástrofes que envolvem o transporte ilegal são demons-
portadores ilegais não recolhem os tributos devidos. Diante disso,
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de acordo com os entrevistados o Estado é duplamente lesado pelo
tese não iria acontecer, uma vez que as passagens das empre-
não recolhimento do imposto da atividade desempenhada pelos
sas regulares também teriam seus preços reduzidos.
transportadores ilegais, e com a perda da demanda da atividade
Diante o discorrido o Estado arrecadaria mais impostos tendo
que paga o imposto, no caso das empresas regulares. Os usuários
em vista, o aumento de passageiros que optariam pelo transporte
são prejudicados devido aos serviços públicos prestados de manei-
legalizado e as empresas que exercem o transporte ilegal se re-
ra ineficientes, pois o Estado terá menos recursos para investir em
gularizariam. Nesses termos, o trânsito melhoraria, o Estado pos-
infra-estrutura para a população em geral. E as empresas diante o
suiria recursos para investimentos em políticas públicas. Enfim,
não recolhimento dos impostos pelos transportadores são sobreta-
teríamos um transporte eficiente com um custo adequado.
xadas com o aumento da carga tributária que já não é baixa.
Finalmente em fechamento dessa problemática o que se al-
Neste contexto, um dos impostos vinculados na prestação
meja é o desenvolvimento de futuros estudos, como contribuição
e operação da atividade do transporte de passageiros é o ICMS.
ao combate do transporte ilegal de passageiros. Com tudo isso,
Desta forma, pelo fato da ocorrência do fenômeno da Evasão
desejamos que os usuários desenvolvam a conscientização em
Fiscal, os transportadores deixam de arrecadarem esse tributo,
relação às conseqüências do uso do transporte ilegal e utilizem o
o qual é uma das fontes primordiais de arrecadação do Estado
regular. Logo, o que se pretende é proporcionar à sociedade me-
à implementação de políticas públicas e para o pagamento das
lhoria no transporte legalizado, e que esta, possa viajar com qua-
custas do Poder Público.
lidade, conforto e segurança.
Nessa linha, é notório o desequilíbrio socioeconômico advindo do transporte ilegal que necessita ser combatido. É relevante ressaltarmos que, o DER/MG é somente uma Autarquia fiscali-
REFERÊNCIAS
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ABRATI, Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros. Revista Eletrônica. Disponível em: < http://www.abrati.org. br/page/42>. Acesso em 18 de Novembro de 2012.
passageiros. Haja vista que, quem realiza a fiscalização no tocante à questões tributárias é a Secretaria da Fazenda do Estado de Minas Gerais juntamente com a Polícia Militar, o qual promove a autuação desses transportadores ilegais, transcrevem um boletim de ocorrência que consta informações, uma das quais é o fato de que o transportador não possui cadastro de Contribuintes do ICMS da Secretaria de Estado de Fazenda/MG. Nesses termos é aberto um processo administrativo no qual apura a situação, e que geralmente tem punido os transportadores com o lançamento forçado do ICMS e multa. Entretanto, infelizmente o fato de Minas Gerais ser um Estado com uma malha rodoviária enorme é difícil a autuação ao combate do transporte ilegal. Por derradeiro, como resposta da pergunta norteadora da presente pesquisa as medidas que poderiam ser adotadas pelo Poder Público, sugeridas pelos entrevistados no combate do transporte ilegal de passageiros além, do Poder Judiciário Mineiro entender a necessidade da penalidade de apreensão uma vez que o STF entendeu pela sua constitucionalidade. A que se considerar que na criação do Código de Trânsito Brasileiro, não havia de forma devastadora o transporte ilegal de passageiros. Sendo necessárias agora, medidas específicas para que esta atividade não fique impune. Outra sugestão abordada foi o fato da redução da
ANJOS, Dandrêa Betânia Martins dos. O Transporte Informal de Passageiros - Análise à luz do Sistema Positivo Brasileiro. Disponível em: <http://200.198.41.151:8081/tribunal_contas/2002/01/-sumario?next=1. Acesso em 18 de Novembro de 2012. ARAÚJO, Ivan Luiz de Vieira. Dissertação. (Mestrado em Geotecnia e Transporte). Transporte Público Complementar de Passageiros: Um Estudo de Caso em Betim. Belo Horizonte: UFMG, 2012. 141p. AVALONE FILHO, Jofir. Estudo sobre o serviço Público de Transporte Coletivo de Passageiros e a Atividade dos Perueiros e Clandestinos. Disponível em:<http://www.cesarkallas.net/arquivos/livros/direito/00274%20%20Estudos%20Sobre%20o%20Servi%E7o%20P%FAblico%20de%20 Transporte%20Coletivo.pdf>. Acesso em 18 de Nov. de 2012. BRASIL, Constituição da República de 1988. Portal Planalto – Presidência da República. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/presidencia/ legislação> Acesso em 18 de janeiro de 2013. CERQUEIRA, André dos Santos. Dissertação. (Mestrado em Administração). Fatores Determinantes do Transporte Rodoviário Intermunicipal de Passageiros na Bahia: Ameaças para Sustentabilidade e Qualidade Prestação do Serviço. Salvador: UFBA, 2007. p.167.
carga tributária onde as tarifas iriam reduzir e as empresas de transporte de passageiros legalizadas poderiam competir com os transportadores ilegais. Desta forma, como vislumbrado no trabalho, que os passageiros optam pelo transporte ilegal, devido ao preço da passagem mais barata. Nesses termos, isto em
COIMBRA, Juliana Almeida. Dissertação. (Mestrado em Administração). A Evasão de Passageiros no Transporte Público Rodoviário: Porter Explica? Pedro Leopoldo: FPL, 2011. 173p. CUSTOS, Contabilidade. ICMS nas Empresas de Transporte de Passageiros
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TJMG ─ Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em: < http://www.tjmg.jus.br/portal/>. Acesso em 05 de abril de 2013.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Membro suplente dos representantes dos condutores da 2ª Junta Administrativa de Recursos de Infrações de Contagem, MG — TRANSCON. 2 PINTO, Grazielle Reis de Morais. Monografia. EVASÃO FISCAL: referente ao imposto do ICMS no transporte ilegal de passageiros no âmbito intermunicipal no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Newton Paiva. 2013. (RODRIGUES, APÊNDICE A - Resposta 3). 3 PINTO, Grazielle Reis de Morais. Monografia. EVASÃO FISCAL: referente ao imposto do ICMS no transporte ilegal de passageiros no âmbito intermunicipal no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Newton Paiva. 2013. (RODRIGUES, APÊNDICE A - Resposta 4). 4 PINTO, Grazielle Reis de Morais. Monografia. EVASÃO FISCAL: referente ao imposto do ICMS no transporte ilegal de passageiros no âmbito intermunicipal no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Newton Paiva. 2013. (RODRIGUES, APÊNDICE A - Resposta 7). 5 PINTO, Grazielle Reis de Morais. Monografia. EVASÃO FISCAL: referente ao imposto do ICMS no transporte ilegal de passageiros no âmbito intermunicipal no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Newton Paiva. 2013. (SUARES, APÊNDICE B - Resposta 6). 6 PINTO, Grazielle Reis de Morais. Monografia. EVASÃO FISCAL: referente ao imposto do ICMS no transporte ilegal de passageiros no âmbito intermunicipal no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Newton Paiva. 2013. (RODRIGUES, APÊNDICE C - Resposta 2). 7 PINTO, Grazielle Reis de Morais. Monografia. EVASÃO FISCAL: referente ao imposto do ICMS no transporte ilegal de passageiros no âmbito intermunicipal no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Newton Paiva. 2013. (RODRIGUES, APÊNDICE C - Resposta 1). 8 PINTO, Grazielle Reis de Morais. Monografia. EVASÃO FISCAL: referente ao imposto do ICMS no transporte ilegal de passageiros no âmbito intermunicipal no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Newton Paiva. 2013. (MATTA, APÊNDICE C - Resposta 1). 9 PINTO, Grazielle Reis de Morais. Monografia. EVASÃO FISCAL: referente ao imposto do ICMS no transporte ilegal de passageiros no âmbito intermunicipal no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Newton Paiva. 2013. (MATTA, APÊNDICE C - Resposta 1). 10 PINTO, Grazielle Reis de Morais. Monografia. EVASÃO FISCAL: referente ao imposto do ICMS no transporte ilegal de passageiros no âmbito intermunicipal no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Newton Paiva. 2013. (RODRIGUES, APÊNDICE C - Resposta 3).
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GARANTIA PROVISÓRIA DE EMPREGO A EMPREGADA GESTANTE NO CURSO DO AVISO PRÉVIO Duanne David Brumkhorst 1
RESUMO: Demonstrar que a empregada deve ter a garantia provisória de emprego assegurada mesmo quando, tomar ciência de seu estado gravídico durante o curso do aviso prévio. Zelando dessa forma, pelo bem estar da empregada e de seu descendente; logo, da sociedade como um todo. PALAVRAS CHAVES: garantia provisória de emprego; gestante; ávido prévio.
1 INTRODUÇÃO
das Leis do Trabalho. Na qual havia normas de proteção ao tra-
Nas primeiras décadas do século XX o trabalho feminino
balho da mulher, garantindo-lhe, entre outras, a estabilidade.
era explorado sem qualquer regulamentação ou condições
Já as Constituições de 1946 e 1967 não inovaram na esfera da
dignas; as mulheres chegavam a trabalhar mais de 14 horas
maternidade. Por fim, a promulgação da atual Constituição Federal
diárias para receber uma quantia em dinheiro que mal dava
(05/10/1988), que assegurou igualdade entre homens e mulheres
para o próprio sustento. Com a Revolução de 1930 iniciou-
e trouxe a inclusão dos direitos sociais e das garantias individuais.
-se uma nova era para os trabalhadores brasileiros. O pro-
A Constituição Brasileira de 1988 é o marco jurídico de uma
blema do trabalho feminino foi estudado no governo Vargas
nova concepção da igualdade entre homens e mulheres. Estabe-
pelo Ministro Lindolfo Collor, quando foi expedido o Decreto nº
lece que os deveres e responsabilidades do matrimônio cabem
24.417-A de 17 de maio de 1932, a primeira lei que cuidou da
a ambos os cônjuges, sem fazer distinção de sexo. Refletindo,
situação da mulher trabalhadora.
com isso, de forma significativa no direito Trabalhista que, an-
Da década de 70 até os dias atuais, o número de mulheres
tes, destinava-se a proteger o lugar da mulher no lar, e agora se
que trocam o trabalho doméstico pelo exercício de u2ma profis-
destina a proporcionar igualdade, em relação aos homens, no
são remunerada vem crescendo a cada dia, pois se tornou ne-
mercado de trabalho. Enfraquece a figura de chefia masculina na
cessária a participação da mulher no sustento da família. E hoje,
sociedade conjugal, e com ela, as preferências e privilégios que
a busca pela própria independência financeira e realização pro-
sustentavam a sua dominação.
fissional, se tornaram metas do universo feminino. Dessa forma, tem-se uma gama de trabalhadoras que dependem de amparo legal nas diversas situações que poderão envolvê-las, como, por exemplo, a maternidade, objeto dessa exposição.
2 A GARANTIA PROVISÓRIA E A ESTABILIDADE DE EMPREGO A garantia provisória de emprego, Segundo Maurício Godinho Delgado, (2010, p 1165) é:
As Conferências Internacionais do Trabalho realizadas pela OIT, Organização Internacional do Trabalho, fundada em 1919,
a vantagem jurídica de caráter transitório deferida
preocupou-se com a falta de proteção e a constante exploração
ao empregado em virtude de uma circunstância
do trabalho da mulher. A mulher passou então, a ter voltada para
contratual ou pessoal obreira de caráter especial,
si à atenção e criação de regulamentos sobre as condições de
de modo a assegurar a manutenção do vínculo
trabalho. No que tange a maternidade, regulamentou a proibição
empregatício por um lapso temporal definido, in-
de trabalho antes e depois do parto, por exemplo.
dependentemente da vontade do empregador.
A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a tratar, especificamente, do Direito do Trabalho da mulher, garantindo
Ou seja; é um mecanismo que resguarda o trabalha-
salário e licença maternidade, por exemplo. Contudo, a Carta
dor da dispensa arbitrária quando esta é fundada em algum
de1937, conseqüência de um golpe de Estado, não trouxe ga-
ato do empregado como, por exemplo, a eleição do empregado
rantia de emprego à gestante, mas, na vigência desta, por ne-
para cargo de direção da CIPA, a mulher que engravida duran-
cessidade de unificação dos resultados trabalhistas, já então
te o contrato de trabalho; entre outros. Essa garantia Tem por
alcançados, foi promulgada, em 1943, a CLT, Consolidação
objetivo evitar a discriminação no ato da dispensa.
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Já a estabilidade de emprego, segundo o mesmo doutrinador (2010, p 1159):
Ministro Maurício Godinho Delgado, entendeu que a empregada gestante, faz jus a garantia provisória de emprego mesmo que no curso do aviso prévio. Decisão esta baseada, justamente, na Sú-
é a vantagem jurídica de caráter permanente deferi-
mula 244 do TST. (decisão em anexo).
da ao empregado em virtude de uma circunstância
Não obstante, há quem entendia que a empregada gestante não
tipificada de caráter geral, de modo a assegurar a
fazia jus ao direito à garantia provisória quando o seu fato gerador
manutenção indefinida no tempo do vínculo empre-
ocorresse no curso do aviso prévio, quais sejam alguns pensadores,
gatício, independente da vontade do empregador.
como por exemplo, Sergio Pinto Martins em seu livro: “Manual do Trabalho Doméstico” (2000); jurisprudências e no caso da decisão
Um exemplo desse instituto é a estabilidade do servidor públi-
pelo TST, mencionada acima, o próprio juízo de origem, ao argumento
co, todo servidor público que completar três anos de efetivo servi-
de que com a concessão do aviso prévio, já se opera a denúncia do
ço irá ter a estabilidade de emprego.
contrato de trabalho, já houve a manifestação de vontade do empre-
No entanto, ressalta-se que as nomenclaturas desses institu-
gador; logo, não haveria qualquer irregularidade.
tos, na prática, se misturam. No caso da gestante, por exemplo, a
Porém, grande parte da doutrina e das jurisprudências já vi-
mulher grávida tem garantia provisória de emprego, no entanto,
nham sustentado o contrário, que a gravidez no curso do aviso
podemos perceber, em decisões, a utilização de “estabilidade”;
prévio, ainda que indenizado, terá os efeitos da garantia. Dian-
porém, essa estabilidade é provisória tendo prazo certo, determi-
te dessa discussão se faz necessário e importante analisar esse
nado em Lei, para acabar; podendo, inclusive, o empregador dis-
tema, onde corroboramos a decisão do TST.
pensar sem justa causa, quando acabar o prazo pré-determinado. A garantia provisória da empregada gestante é resguardada pelo artigo 10, inciso II, alínea “b” do ADCT, Ato das Disposições
3.2 O Direito a Garantia Provisória da Empregada Gestante, Quando a Gravidez Ocorrer no Curso do Aviso Prévio.
Constitucionais Transitórias. No entanto, o objetivo desse estudo
A garantia provisória é assegurada pelo artigo 10, inciso, II,
é analisar se a garantia provisória de emprego estende-se à em-
alínea “b” do ADCT; e pela Constituição Federal em seu artigo 7º,
pregada que engravidar, ou descobrir o seu estado gravídico, no
inciso XVIII, que também garante licença à gestante sem prejuízo
curso do aviso prévio.
do emprego e do salário. Dispõe o artigo 487, parágrafo primeiro, da CLT, que “a falta
3 PROTEÇÃO DO EMPREGO DA EMPREGADA GESTANTE
do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sem-
3.1 A Garantia Provisória de Emprego
pre a integração desse período no seu tempo de serviço” (BRASIL,
A empregada gestante tem garantida a manutenção do seu
1943, p. 946). Ou seja, o período do aviso, ainda que indenizado,
contrato de trabalho nos termos do artigo 10, inciso II, alínea “b”
integra o contrato de trabalho até o seu término; sendo considera-
do ADCT, Onde estabelece a vedação da dispensa arbitrária ou
do tempo de serviço para todos os seus efeitos legais. Para Alice
sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da
Monteiro de Barros “dispensa é resilição de iniciativa do emprega-
gravidez até cinco meses após o parto.
do, porém sempre sem justa causa. Logo, o aviso é da intenção de
No entanto, existe discussão quanto à manutenção da garantia provisória de emprego quando a empregada ficar grávida duran-
dispensar e não da própria dispensa, que só se verifica ao término do prazo do aviso” (BARROS, 1995, p. 459).
te o aviso prévio. É preciso esclarecer que o ordenamento jurídico
O artigo 489 da CLT, por sua vez, permite que aviso prévio
trabalhista era insatisfatório no sentido de trazer regulamentação
seja reconsiderado, e se aceito o pedido de reconsideração pela
específica para a situação. No entanto em 14 de setembro 2012 a
parte pré-avisada, o contrato continua a fluir normalmente, como
Súmula 244, inciso III, do TST, Tribunal Superior do Trabalho, foi alte-
se o aviso não tivesse existido. Assim, durante o prazo do aviso, o
rada, na sessão do Tribunal Pleno (Res. 185/2012, DEJT divulgado
contrato de trabalho continua a vigorar com todas as característi-
em 25.09.2012), na qual garante a estabilidade mesmo diante de
cas dos contratos por prazo indeterminado.
contratação por tempo determinado; ou seja, a empregada que for
Temos, também, a súmula 244 do TST, inciso I, que con-
contrata para trabalhar com prazo pré-determinado terá direito a per-
sagra a responsabilidade objetiva do empregador, no qual o
manecer no trabalho no mínimo cinco meses após o parto.
desconhecimento do estado gravídico pelo mesmo não afasta
E o TST, no dia 06 de fevereiro de 2013, no julgamento do
o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabili-
recurso de Revista n.: 490-77.2010.5.02.0038 de relatoria do
dade, com a premissa de que o importante é a gravidez, fato
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gerador da garantia provisória. Ou seja, o fato da gravidez se dá
separar, distinguir, fazer distinção, estabelecer di-
durante o curso do aviso prévio não impede a aquisição desse
ferenças; não se misturar; tratamento desigual de
benefício, pois o fato da gestante não ter ciência do seu es-
um indivíduo ou grupo de indivíduos, em razão de
tado gravídico em nada altera a sua situação, posto que a lei
alguma característica pessoal, cultural, classe so-
não traz nenhum requisito para aplicação desse direito. Nessa
cial ou convicção religiosas. (...) A discriminação,
mesma linha de raciocínio o inciso III da respectiva Súmula foi
assim entendida como tratamento desequipara-
alterado, trazendo o direito à estabilidade em casos de empre-
dor, que decorre de preferência ilógica, é conduta
go com prazo determinado.
vedada juridicamente quando referente às pesso-
Sergio Pinto Martins em seu livro “Manual do Trabalho Do-
as devido a sua origem, raça, sexo, cor, idade, reli-
méstico” defende que a empregada não tem garantia provisória
gião ou quaisquer outras formas que as diferencie
de emprego. Para ele quando o vínculo de confiança acaba entre
das demais, e tenha como efeito destruir ou alterar
empregado – empregador não há que se falar em manutenção
a igualdade de oportunidades ou de tratamento
do emprego. (2000, p 90) “Obrigar uma pessoa a ficar com a em-
exigida entre todos – art. 1º, da Convenção 111,
pregada quando a confiança deixou de existir é praticamente im-
da OIT. Nesses casos, distinguir tem o significado
possível, principalmente quando essa pessoa trabalha na casa do
de tratamento desfavorável dado a alguém ou a
patrão, o que é ainda pior. Viola a intimidade da pessoa”
certo grupo de pessoas; seria agir discriminando.
Contudo, não há mais base para essa tese. A Súmula 396 do TST deixa claro, no seu inciso I, que a empregada não terá
4 LEI 12.812 DE 17-05-2013
a sua reintegração no emprego assegurada, garantindo ape-
Para corroborar nosso posicionamento, no dia 16 de maio
nas os salários compreendidos entre a data da despedida e o
de 2013, foi aprovada pela nossa presidenta, Dilma Rousseff, a
fim da estabilidade.
Lei 12.812 que concede à empregada gestante a estabilidade
Com isso, a empregada gestante, conforme dito em última
provisória no curso do aviso prévio, passando a vigorar a partir
decisão do TST, deve ter direito a garantia provisória de emprego
de 17 de maio de 2013, data da sua publicação no Diário Ofi-
mesmo quando tiver ciência da gravidez no curso do aviso prévio,
cial da União.
seja ele indenizado ou não.
A Lei insere na CLT o artigo 391-A com a seguinte redação:
Além dos aspectos legais, não podemos esquecer os aspectos sociais e psicológicos que englobam uma gravidez. Quando a
A confirmação do estado de gravidez advindo no
mulher esta grávida ela esta em um momento especial e merece
curso do contrato de trabalho, ainda que durante
tratamento diferenciado; afinal ela esta resguardando duas vidas,
o prazo do aviso prévio trabalhado ou indeniza-
a sua e de seu filho.
do, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do
Durante a gestação, a mulher não se limita a
art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais
aguardar o filho; trata-se de um processo psico-
Transitórias.
lógico complexo, de intensa atividade emocional, que testa tanto as suas reservas físicas e psíquicas
Ou seja, demonstrada a gravidez através de exame que com-
como sua aptidão para criar uma nova vida. (BAR-
prove que a gestação foi no curso do aviso a empregada fará jus à
ROS, 1995, p. 39)
garantia provisória de emprego. Com essa publicação não restam mais dúvidas ou decisões contrárias sobre esse tema.
Portanto, é fundamental que a mãe esteja protegida no que diz respeito aos seus direitos, para que possa seguir com a sua gestação de forma tranquila e saudável.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante todo o exposto no presente artigo, enfatizado pela Lei
Por fim, vale mencionar, novamente, que a garantia provi-
12.812 de 2013, não há mais controvérsias de que a garantia
sória tem o intuito de evitar a discriminação no ato da dispensa.
provisória de emprego é devida a emprega que engravidar no
Dessa forma, além de proteger a gestante de qualquer ato arbi-
curso do aviso prévio.
trário do empregador, assegura a tutela do nascituro. Discriminar, segundo Maria Luiza Pinheiro Coutinho (2003, p 18) significa:
Posicionamento este acertado já que a finalidade do instituto, garantia provisória de emprego, é impedir a discriminação no ato da dispensa, que tem como intuito, no caso da gestante, a pro-
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teção do nascituro e da própria mãe, enquanto responsável pelo bem estar daquele, englobando na verdade, uma questão também social, que vai além dos limites da relação de trabalho. A proteção à maternidade é de extrema relevância, pois o trabalho da mulher tem papel importante no meio social, contribuindo para o crescimento de toda a sociedade. Assim, quando a norma legal estabelece direito às mães trabalhadoras, está salvaguardando toda a população, as futuras gerações e, ainda, impede a exploração por parte do empregador. Portanto, comprovada que a gravidez se deu no durante o aviso prévio, ainda que indenizado, a empregada terá direito à garantia provisória de emprego, ao salário maternidade e a todos os benefícios que englobem a empregada.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
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6 ANEXO ACÓRDÃO (3ª Turma) GMMGD/gp/jb/jr RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. CONCEPÇÃO NO CURSO DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO. DIREITO À ESTABILIDADE. ART. 10, II, “B”, DO ADCT. A empregada gestante possui direito à estabilidade provisória, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (art. 10, II, “b”, do ADCT). O dispositivo constitucional tem por finalidade tanto a proteção da gestante contra a dispensa arbitrária quanto relativamente aos direitos do nascituro. Portanto, a rescisão do contrato de trabalho da obreira gestante, durante o período de gestação, ainda que desconhecida a gravidez pelo empregador ou até mesmo pela empregada, quando do ato da dispensa, não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade não usufruída, conforme entendimento das Súmulas 244, I e 396, I, do TST. Recurso de revista conhecido e provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-490-77.2010.5.02.0038, em que é Recorrente ANDREA MATSUYAMA TROYANO e Recorrida CONGREGAÇÃO DAS FILHAS DENOSSA SENHORA DO MONTE CALVÁRIO - HOSPITAL SANTA VIRGÍNIA. O TRT da 2ª Região negou provimento ao recurso ordinário da Reclamante. Inconformada, a Reclamante interpõe o presente recurso de revista, que foi admitido pela Vice-Presidência do TRT por possível contrariedade à Súmula 244 do TST. Foram apresentadas contrarrazões, sendo dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2º, do RITST. TRAMITAÇÃO PREFERENCIAL - RITO SUMARÍSSIMO. PROCESSO ELETRÔNICO É o relatório. VOTO I) CONHECIMENTO Atendidos os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, passo à análise dos específicos. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. CONCEPÇÃO NO CURSO DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO. DIREITO À ESTABILIDADE. ART. 10, II, “B”, DO ADCT O Tribunal Regional, quanto ao tema, assim decidiu: “Decidiu o Juízo de origem pelo não reconhecimento da estabilidade por gravidez da empregada, uma vez que a concepção deu-se em data posterior à rescisão contratual. Diante disso, rebate-se a autora, que deseja a procedência do pedido, invocando os efeitos do aviso prévio indenizado. 410 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
Aduz a recorrente que o período do aviso prévio indenizado integra-se a seu tempo de serviço, o que lhe daria o direito à estabilidade provisória da gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, conforme prevê o art. 10, inciso I, alínea ‘b’, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Incontroverso nos autos que a confirmação da gravidez deu-se em 18/11/2009, donde consta a data da última menstruação da reclamante em 11/10/2009. Logo, é fato que a concepção deu-se após o desligamento com a empresa. A rescisão contratual deu-se com a indenização do aviso, prévio, em 01/10/2009, restando ponderar o alcance dessa indenizaçãoem face da pretensão. , Pois bem. Verificando-se que a gravidez ocorreu no período de aviso prévio indenizado, de se concluir que, ao tempo da rescisão dentro de seu poder potestativo, não havendo falar-se em qualquer desatenção ao direito da trabalhadora, posto que não havia estado gravídico no momento da dispensa. Assim, não existe prova a corroborar a tese inicial, uma vez que não houve violação à proteção dada à gestante, nos termos do artigo 10 do ADTC. Aliás, oportuno ressaltar que a corte máxima trabalhista já se posicionou sobre os efeitos do aviso prévio indenizado e sua projeção no contrato de trabalho, nesses termos: 371 - Aviso prévio indenizado. Efeitos. Superveniência de auxílio-doença no curso deste. (Conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 40 e 135 da SDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20.04.2005). A projeção do contrato de trabalho para o futuro, pela concessão do aviso prévio indenizado, tem efeitos limitados às vantagens econômicas obtidas no período de pré-aviso, ou seja, salários, reflexos e verbas rescisórias. No caso de concessão de auxílio-doença no curso do aviso prévio, todavia, só se concretizam os efeitos da dispensa depois de expirado o benefício previdenciário. (ex-OJs nºs 40 e 135 - inseridas respectivamente em 28.11.1995 e 27.11.1998). Nesse passo, em face do que consta dos autos, reconheço que a recorrida não afrontou os termos da lei específica para o caso, posto que ao tempo da dispensa não se encontrava a recorrente em estado gravídico que merecesse a proteção invocada. Bem assim, amparado pela jurisprudência unificada do C. TST, rejeito a pretensão no que tange à prorrogação do aviso prévio para o efeito pretendido. Não provejo.” (destacamos). Nas razões do recurso de revista, a Reclamante sustenta que o pré-aviso não significa o fim da relação empregatícia, “mas apenas a manifestação formal de uma vontade que se pretende concretizar adiante, razão por que o contrato de trabalho continua a emanar seus efeitos legais”. Argumenta que a Súmula 371/TST não cuida da hipótese de estabilidade provisória conferida à gestante. Aponta violação do art. 10, II, “b”, do ADTCT, e do art. 7°, I e XVIII, da CF, bem como contrariedade à Súmula 244, I, do TST. O recurso de revista merece conhecimento. A empregada gestante possui direito à estabilidade provisória no emprego, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (art. 10, II, “b”, do ADCT). O dispositivo constitucional tem por finalidade tanto a proteção da gestante contra a dispensa arbitrária quanto os direitos do nascituro. Portanto, a rescisão do contrato de trabalho da obreira gestante, durante o período de gestação, ainda que desconhecida a gravidez pelo empregador ou até mesmo pela empregada, quando do ato demissional, não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade não usufruída. Na hipótese, o próprio Tribunal Regional admitiu que “a gravidez ocorreu no período de aviso prévio indenizado”. Logo, a mencionada estabilidade é assegurada à empregada gestante, sem outras restrições que não a verificação da concepção na vigência do contrato de trabalho, incluída a projeção do aviso prévio, nos termos da OJ 82/SBDI1/TST. Importante relembrar que esta Corte adotou a teoria da responsabilidade objetiva, considerando que a garantia constitucional tem como escopo a proteção da maternidade e do nascituro, independentemente da comprovação da gravidez perante o empregador. Nesse sentido, têm-se a Súmula 244, I, do TST: “O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 411
pagamento da indenização decorrente da estabilidade. (Art. 10, II, ‘b’ do ADCT)”. No tocante ao direito da Reclamante à estabilidade, ainda que a concepção tenha ocorrido no curso do aviso prévio indenizado, trago à colação os seguintes precedentes: “RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE GESTANTE. CONCEPÇÃO NO CURSO DO AVISO-PRÉVIO INDENIZADO. Nos termos do art. 10, II, ‘b’, do ADCT, para a garantia de estabilidade provisória da empregada é exigido somente que ela esteja grávida e que a dispensa não tenha ocorrido por justo motivo. O atual posicionamento desta Corte é no sentido de se conferir a garantia de estabilidade provisória à trabalhadora a partir do momento da concepção, ocorrida no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o aviso-prévio trabalhado ou indenizado. Essa garantia não visa apenas à proteção objetiva da gestante, mas, sobretudo, à tutela do nascituro. Ademais, consoante preconiza a Orientação Jurisprudencial 82 da SBDI-1 do TST, não há dúvida de que o período relativo ao aviso-prévio integra o contrato de trabalho. A diretriz da Súmula 371 do TST não constitui fundamento pertinente para obstar essa garantia. Há precedentes. Recurso de revista conhecido e provido”. (RR - 205800-71.2009.5.02.0311, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, DEJT de 23.11.2012). “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE GESTANTE. CONCEPÇÃO NO CURSO DO AVISO PRÉVIO TRABALHADO. De acordo com o entendimento atual da SDI-1/TST, a concepção durante o curso do aviso prévio dá direito à estabilidade provisória da gestante, porquanto, além de o contrato de trabalho ainda não ter-se expirado, há de ser observada a dicção do artigo 10, II, ‘b’, do ADCT, o qual é enfático ao determinar que fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Precedentes. Agravo de instrumento conhecido e não provido”. (AIRR- 555-91.2011.5.10.0013, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT de 5.10.2012). “GARANTIA DE EMPREGO À GESTANTE. PROJEÇÃO DO AVISO-PRÉVIO INDENIZADO. SÚMULA Nº 371, PRIMEIRA PARTE, DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 1. O direito de a empregada gestante manter-se no emprego, sem prejuízo dos salários, com consequente restrição ao direito de resilição unilateral do contrato sem justa causa pelo empregador, sob pena de sujeitar-se às reparações legais, nasce com a concepção e projeta-se até cinco meses após o parto. Trata-se de garantia constitucional, prevista no artigo 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, cujo escopo é não somente proteger a gestante, mas assegurar o bem-estar do nascituro, erigindo-se em genuíno direito fundamental. O interesse em assegurar a vida desde seu estágio inicial é da sociedade, cumprindo ao Estado outorgar ao nascituro proteção ampla e eficaz. A condição para a empregada auferir a garantia erigida no texto constitucional é que a concepção ocorra no curso do contrato de trabalho. 2. Consoante entendimento consagrado na Orientação Jurisprudencial nº 82 da SBDI-I desta Corte superior, ‘a data de saída a ser anotada na CTPS deve corresponder à do término do prazo do aviso-prévio, ainda que indenizado’. Tal entendimento decorre da melhor exegese do disposto no artigo 487 da Consolidação das Leis do Trabalho, extraindo-se do referido texto legal que, durante o período do aviso-prévio, ainda que indenizado, o contrato de emprego encontra-se vigente. 3. Uma vez confirmado que a concepção ocorreu na vigência do contrato de trabalho, e considerando a projeção do aviso-prévio indenizado, como no presente caso, tem jus a empregada à garantia provisória de emprego prevista no texto constitucional. 4. Afigura-se inviável, de outro lado, a aplicação, no presente caso, do entendimento consagrado na Súmula n.º 371 do Tribunal Superior do Trabalho, uma vez que, como já destacado pela Ex.ma Ministra Maria de Assis Calsing, no julgamento do processo nº TST- E-RR-3656600-96.2002.5.06.0900, ‘os precedentes que originaram o referido verbete apenas analisaram a projeção do aviso-prévio sob o enfoque da garantia de emprego do dirigente sindical, do alcance dos benefícios instituídos por negociação coletiva ou da aplicação retroativa de normas coletivas e não da estabilidade gestante’. Precedentes da SBDI-I. 5. Recurso de revista conhecido e provido”. (RR-139100-70.2009.5.01.0302, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DEJT de 5.10.2012”. Incontroverso, portanto, que a concepção ocorreu durante o aviso-prévio indenizado, ou seja, antes da despedida, configurada está a estabilidade provisória. Contudo, como período estabilitário já se exauriu, à Reclamante é devido o pagamento dos salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, não lhe sendo assegurada a reintegração. 412 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
Esse é o entendimento consubstanciado na Súmula 396, I, do TST, que preceitua: “Exaurido o período de estabilidade, são devidos ao empregado apenas os salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, não lhe sendo assegurada a reintegração no emprego”. Assim, entendo que o v. acórdão regional incorreu em ofensa ao art. 10, II, “b”, do ADCT e contrariedade à Súmula 244, I/TST, razão pela qual CONHEÇO do recurso de revista. II) MÉRITO ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. CONCEPÇÃO NO CURSO DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO. DIREITO À ESTABILIDADE. ART. 10, II, “B”, DO ADCT Como consequência do conhecimento do recurso de revista por contrariedade à Súmula 244, I/TST, DOU-LHE PROVIMENTO para condenar a Reclamada ao pagamento dos salários e demais direitos correspondentes ao período de garantia provisória de emprego assegurada à gestante. Exaurido o período estabilitário, não há reintegração, mas simples pagamento indenizatório (Súmula 396, TST). Inverte-se o ônus da sucumbência. Custas pela Reclamada. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por contrariedade à Súmula 244, I/TST e, no mérito, dar-lhe provimento para condenar a Reclamada ao pagamento dos salários e demais direitos correspondentes ao período de garantia provisória de emprego assegurada à gestante. Exaurido o período estabilitário, não há reintegração, mas simples pagamento indenizatório (Súmula 396, TST). Inverte-se o ônus da sucumbência. Custas pela Reclamada. Brasília, 06 de fevereiro de 2013. Firmado por assinatura digital (Lei nº 11.419/2006) Mauricio Godinho Delgado Ministro Relator Fls.
PROCESSO Nº TST-RR-490-77.2010.5.02.0038 Firmado por assinatura digital em 06/02/2013 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, nos termos da Lei nº 11.419/2006, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.
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GOVERNANÇA CORPORATIVA Clinton Neyder Leite Junior1
RESUMO: Com a globalização da economia e a busca das empresas pela maximização de seu lucro, a governança corporativa é um meio eficiente para que o empresário possa atingir um maior grau de confiabilidade perante o mercado de valores e a harmonia entre os entes componentes da empresa. Assim, o presente trabalho tem como escopo demonstrar o que é a governança corporativa e como as suas práticas influenciam no engrandecimento da organização. PALAVRAS CHAVE: governança corporativa; valoração econômica; harmonia de poderes; práticas; globalização da economia; modelo de gestão. ÁREA DE INTERESSE: Direito Empresarial
1. Introdução
2 Governança Corporativa
O objetivo do presente trabalho é analisar a importância do instituto da governança corporativa e suas práticas, que visam pro-
2.1 Origem Histórica
porcionar o engrandecimento econômico da empresa e a harmonia
O movimento para formação do instituto da governança
entre os acionistas ou sócios. Serão tratados indistintamente os di-
corporativa se iniciou em meados da década de 80, pelo ALI
versos tipos de sociedades, sejam empresárias, como no caso das
(American Law Institute), que desenvolveu diversos estudos
sociedades anônimas e sociedades limitadas, ou não empresárias,
com o fim de discutir melhores maneiras de gestão das socie-
como as simples e cooperativas, visto que a governança corporativa
dades empresárias. Tais estudos mobilizaram profissionais de
não se direciona unicamente ao grupo de sociedades empresárias,
áreas variadas, tais como Direito, Economia e Administração.
podendo ser aplicadas suas práticas em outros tipos de organiza-
Em que pesem tais esforços, o primeiro registro concreto
ções, como as sociedades simples e as cooperativas.
que se tem do instituto da governança corporativa encontra-se
Diante da atual situação financeira dos mercados pelo mundo,
no Relatório Cadbury, elaborado por uma comissão da Bolsa
as práticas de governança corporativa procuram diferenciar as com-
de Valores de Londres, liderada por Adrian Cadbury, formada
panhias que as utilizam das demais, tornando-as mais competitivas.
em conjunto de outras entidades profissionais e o Banco da
Para tanto, haverá o estudo da história do tema, passando-
Inglaterra. Datado de 1992, continha em anexo o Código das
-se pelos estudos feitos pelo ALI (American Law Institute), o Re-
Melhores Práticas de Governança Corporativa. O relatório con-
latório Cadbury, que foi a primeira regulamentação sobre o insti-
tinha disposições acerca de algumas das práticas empresa-
tuto da governança corporativa, o Relatório Hampel, entre outros
riais utilizadas pelo mercado estadunidense que culminaram
marcos que culminaram na formação atual do tema em foco.
na expansão de diversas empresas americanas, que envol-
Será estudado o conceito de governança corporativa
viam essencialmente o Conselho de Administração, no tocan-
e seus princípios, bem como as regulamentações referen-
te a adquirir uma postura de oposição a ideia de que apenas
tes ao tema, tais como as alterações na Lei 6.404/74 (Lei
determinado indivíduo ou grupo de indivíduos detinham o con-
10.303/01), a Cartilha das Melhores Práticas de Governança
trole da empresa.
Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa,
Após, mais precisamente no ano de 1994, e não menos
o Novo Mercado e os Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa
importante, o American Law Institute publicou os Principles of
da BM&FBOVESPA (antiga Bolsa de Valores do Estado de São
corporate governance (Princípios de Governança Corporativa,
Paulo) e a Cartilha de Recomendações da CVM (Comissão de
em tradução livre).
Valores Mobiliários) sobre governança corporativa.
O Relatório Hampel apareceu posteriormente e teve como
Por fim, ocorrerá a observação prática do tema, com discus-
escopo ampliar as recomendações dos trabalhos anteriores
são sobre o que a CVM e a literatura têm a dizer sobre os efeitos
nos aspectos do papel dos conselheiros, sua remuneração, as
das práticas de governança corporativa nas companhias.
relações com os acionistas, prestação de contas e auditoria e
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conselhos externos independentes (Lodi, 2000, p. 64) Segundo Fábio Ulhôa (2010, p. 331), o movimento se expandiu por outros países:
ciedades por Ações (Lei 6.404/76), que se fizeram por meio da Lei 10.303/01, que, segundo Rubens Requião (2010, p. 43), “[...] procura atualizar alguns sistemas ou institutos da Lei 6.404/76, com proclamado propósito de proteger os ditos acionistas minoritários.”
A partir de suas manifestações originárias nos pa-
Nos dias atuais, o tema é amplamente discutido tanto na aca-
íses de common law, o movimento de governança
demia quanto no âmbito das empresas e vêm sendo cada vez mais
corporativa estendeu-se, ao longo dos anos 1990,
difundidas e utilizadas as práticas de governança corporativa.
aos de tradição jurídica romana, expressando-se, por exemplo, em França (com os informes Vienot I
2.2 Conceito, princípios e abrangência
e II), Itália (com o código de autodisciplina Preda,
Governança Corporativa é o instrumento utilizado para aper-
da Bolsa Italiana) e Espanha (único país em que o
feiçoar a administração da sociedade empresária, de modo a re-
governo tomou a iniciativa de promover a discus-
alizar um esforço conjunto entre acionistas/quotistas, conselho
são das regras de governança corporativa)
de administração, conselho fiscal, assembléia geral, auditoria e outros entes da empresa em benefício ao desenvolvimento da
Percebe-se que a aplicação da governança corporativa não se
mesma, garantindo também a sua longevidade. As práticas de
limitou apenas à Europa e aos Estados Unidos da América. Pode-se
governança corporativa, além de melhorarem a administração da
citar como exemplos de outras regulamentações relativas à gover-
companhia, procuram também o seu robustecimento perante o
nança o Korean Code of Best Practice for Corporate Governance,
mercado, dando confiança aos investidores, estando estes mais
datado de setembro de 1999, o Princípios de Buen Gobierno para
seguros quanto ao investimento a ser realizado.
las sociedades peruanas, de julho de 2002 e o Código de Mejores
Dentre os vários conceitos existentes na literatura, aquele
Prácticas Corporativas, proveniente do México e elaborado em 2006.
que se entende como o mais completo hoje é o presente nas Re-
O Brasil, seguindo esta tendência, publicou por meio do IBGC
comendações da CVM sobre Governança Corporativa:
(Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), em 1999, o seu primeiro Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa.
Governança corporativa é o conjunto de práticas
O IBGC, idealizado inicialmente pelo administrador de em-
que tem por finalidade otimizar o desempenho de
presas Bengt Hallqvist e o professor João Bosco Lodi (este úl-
uma companhia ao proteger todas as partes inte-
timo é um dos mais citados autores no que se refere ao tema
ressadas, tais como investidores, empregados e
em estudo), foi fundado em 1995 em conjunto com diversos
credores, facilitando o acesso ao capital. A análise
outros profissionais, com o nome de IBCA (Instituto Brasileiro
das práticas de governança corporativa aplicada
de Conselheiros de Administração) e objetivava principalmente
ao mercado de capitais envolve, principalmente:
a gestão deste órgão tão importante das sociedades.
transparência, eqüidade de tratamento dos acio-
Porém, com o decorrer dos anos, verificou-se que as discus-
nistas e prestação de contas. (2002, p. 2)
sões dentro do Instituto se desdobraram para outros temas, tais como a diretoria, o conselho fiscal e a assembléia, o que fez com
Para Jorge Lobo (2006), a prática da governança corpora-
que o IBCA passasse a se denominar IBGC, tornando-se paradig-
tiva não envolve apenas ações de certos entes da companhia,
ma mundial no que concerne à governança corporativa.
e sim o seu todo, abrangendo desde o acionista minoritário até
No mesmo sentido, a Bolsa de Valores de São Paulo (BO-
os conselhos de administração.
VESPA) fundou em 2000 o Novo Mercado, que visa principal-
De tal conceito pode-se retirar certos princípios que norteiam
mente listar as empresas que pretendem abrir o seu capital,
a governança corporativa, sendo os basilares a transparência, a
seguindo práticas básicas de governança corporativa. Criou
equidade de tratamento dos acionistas e a prestação de contas.
também seus níveis diferenciados (Nível 1 e Nível 2) que se
A transparência não se traduz apenas na obrigação de infor-
relacionam precipuamente a um aumento no grau de compro-
mar, imposta em leis ou regulamentos, mas no desejo de dispo-
misso de adoção de práticas de governança corporativa.
nibilizar as informações de interesse das partes interessadas. Tal
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários), autarquia fede-
transparência resulta em clima de confiança tanto dentro da em-
ral, também regulamentou o tema por meio de sua Cartilha de
presa como nas relações com terceiros, passando uma boa ima-
Recomendações Sobre Governança Corporativa, de 2002
gem da empresa. (IBGC, 2010, p. 19)
Tais mudanças ensejaram inclusive alterações na Lei das So-
A equidade de tratamento entre credores é o tratamento
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isonômico entre os sócios e acionistas das empresas, da forma
das sociedades empresárias é aquele em que resultou até em
mais correta aplicável ao caso concreto. (IBGC, 2010, p. 19)
dispositivo da Lei 6.404/74, qual seja, o art. 153, que prevê
Tal tratamento não resulta em igualdade total entre os
que o administrador “deve empregar, no exercício de suas fun-
acionistas ou quotistas majoritários e minoritários, já que os
ções, o cuidado e diligência que todo o homem ativo e probo
mesmos possuem diferença quanto ao número de ações/quo-
costuma empregar na administração de seus próprios negó-
tas e poder de decisão perante a assembléia geral, mas seria
cios.” (Lobo, 2006)
possível diminuir esta diferença atribuindo-se, por exemplo, direito de voto a cada ação ou quota.
No que concerne à abrangência de sua utilização, entende-se ser cabível a prática de governança corporativa a todos os
Já a prestação de contas é o princípio pelo qual os sócios,
tipos de sociedades empresárias, desde que sejam possíveis à
administradores, conselho fiscal e auditores devem prestar
realização do objeto social do empresário e não exijam esforço
contas de sua atividade, ficando obrigados quanto aos seus
que possa inviabilizar a atividade empresarial.
atos e omissões. (IBGC, 2010, p. 19)
É perceptível sua maior utilização pelas sociedades anôni-
Jorge Lobo (2006) lista ainda mais alguns princípios comple-
mas, pois as práticas de governança corporativa foram desen-
mentares aos primeiros: eticidade; proteção ao acionista minoritário;
volvidas para este tipo de sociedade empresária tendo em vista
independência dos administradores; e função social da empresa.
a sua complexidade organizacional e o seu objeto, bem como o
A eticidade se traduz sendo o dever de, ao prestar qualquer
mercado de valores mobiliários.
tipo de informação, em especial àquelas que se referem aos
Ainda assim, mesmo sendo um instituto desenvolvido em
balanços patrimoniais e financeiros, de seguir a estrita veraci-
especial para as sociedades anônimas, diante de um grande
dade das informações prestadas. (Lobo, 2006)
volume de notícias de sucesso das sociedades que decidiram
Percebe-se como em alguns casos específicos, fusões milio-
empregar a governança corporativa com o objetivo de aumen-
nárias baseadas em superfaturamentos e superestimativas de
tar seu potencial societário e mercadológico, vêm agora diver-
lucro fizeram com que surgissem diversos litígios entre empresas
sas outras sociedades empresárias, como as limitadas, aderin-
na década de 90, podendo ser citado o caso AOL/Time Warner,
do a tais práticas, o que vem fazendo que aumente o seu nível
em desconformidade com o princípio da eticidade. (Lobo, 2006)
de competitividade.
O ativismo societário consiste numa maior participação do
Seria possível tal uso tendo em vista que as sociedades limi-
acionista ou quotista no futuro da empresa, exercendo seu po-
tadas também possuem órgãos de gestão, como conselho fiscal
der decisório. Seria, por exemplo, a participação do máximo de
e de administração, o que tornaria possível aplicar os modelos
acionistas ou quotistas nas assembléias gerais, procurando o
previstos na governança corporativa no sentido de profissionalizar
melhor para a sociedade empresária. (Lobo, 2006)
os citados órgãos, bem como os princípios da transparência, pres-
A proteção ao acionista minoritário estabelece que não
tação de contas e tratamento equitativo entre quotistas.
possa haver na sociedade empresária um império sobre os
Também se observa que até os entes integrantes da Admi-
acionistas controladores e os acionistas minoritários, cabendo
nistração Pública Indireta nacional vêm absorvendo as práti-
ao legislador impor restrições ao exercício do poder na compa-
cas de governança corporativa à sua atividade. As sociedades
nhia, como, por exemplo, o quórum qualificado para decisão
de economia mista, entes públicos resultantes da descentra-
sobre determinadas matérias. (Lobo, 2006)
lização estatal, que segundo Marcelo Alexandrino e Vicente
Para Fábio Ulhôa Coelho (2010, p. 286), o acionista majori-
Paulo (2008, 16 ed., p. 73), são aquelas pessoas jurídicas de
tário ou controlador é aquele que “é titular de mais de metade
direito privado controladas pela Administração Pública Indire-
das ações com direito de voto”, enquanto os acionistas minori-
ta, mas com participação do capital social privado e público,
tários são aqueles que possuem menos da metade das ações
sob a forma de sociedades anônimas, que exploram ativida-
com direito a voto.
des econômicas ou prestam serviços públicos. Exemplo da
Quanto ao princípio da independência dos administrado-
aplicação da governança corporativa às sociedades de econo-
res, a boa governança corporativa pretende que os adminis-
mia mista é o Banco do Brasil S/A, que atualmente se vincula
tradores sejam terceiros independentes e qualificados não
ao Novo Mercado da BOVESPA.
vinculados nem aos acionistas controladores e nem aos mino-
Importante salientar que, como dito alhures, a aplicação das
ritários, com o fim de tornar isentas de influência externas as
práticas de governança corporativa irá depender da estrutura e da
suas decisões. (Lobo, 2006)
necessidade do empresário. Seria inviável a aplicação da governança
O dever de responsabilidade imposto aos administradores
em empresários com uma estrutura organizacional simplificada. Sen-
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do assim, antes da aplicação das práticas de governança corporativa,
3.1 O IBGC e o Código de Melhores Práticas
necessário será observar o binômio necessidade-utilidade.
de Governança Corporativa O IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), ini-
3 A Governança Corporativa no Brasil
cialmente denominado IBCA (Instituto Brasileiro de Conselheiros
O instituto da governança corporativa ganhou força no Brasil
de Administração), surgiu em 1994, inicialmente com o objetivo
tendo em vista as experiências anteriores e bem-sucedidas dos
de dar aos conselhos de administração atuação efetiva dentro das
países que aderiram as suas práticas, formando conselhos de
companhias. Por fim, e com o desenvolvimento da governança cor-
administração mais atuantes e obtendo maior participação dos
porativa, o IBCA, em 1999, passou a se denominar IBGC e passou
acionistas nas decisões da sociedade.
a tratar não apenas dos conselhos de administração, mas sim
Para André Luiz Santa Cruz Ramos, a evolução da governança corporativa no Brasil se deu da seguinte forma:
de toda a estrutura organizacional das sociedades empresárias aplicando-se a governança corporativa. Diante dos seus estudos do tema, lançou em 1999 o seu
[...] A partir de então, vários outros países também
Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, que,
aderiram ao movimento, o que ocorreu, inclusive,
segundo Lodi (2000, p. 46), baseou-se em outros Códigos de
com o Brasil, onde, em 1999, foi publicado o nosso
Melhores Práticas, como o Relatório Cadbury e o Relatório Ham-
Código de Melhores Práticas de Governança Cor-
pel. Focou-se basicamente no Conselho de Administração, res-
porativa, pelo Instituto Brasileiro de Governança
saltando sua importância dentro das sociedades empresárias,
Corporativa (IBGC), revisado e ampliado em 2001,
suas competências, como fiscalização da gestão dos diretores
após a criação do chamado Novo Mercado da BO-
e a eleição e destituição dos auditores independentes, transpa-
VESPA, em 2000. A importância do movimento no
rência (disclosure), entre outros temas. Houve uma revisão de
Brasil já é tão grande que é facilmente perceptível
seu texto em 2001, passando a discorrer também sobre os ou-
sua influência na reforma da LSA levada a efeito
tros integrantes da companhia, como sócios, conselho fiscal e
pela Lei 10.303/2001[...]. (RAMOS, 2012, p. 279)
gestores. A partir de então diante de diversos acontecimentos, como o renascimento do mercado de capitais, com companhias
Como marcos da governança corporativa no Brasil podem ser citados:
abrindo seu capital, surgiu a necessidade de adequar o Código às necessidades atuais das companhias, merecendo o Código nova reforma. (IBGC, 2010, p. 13)
A criação do IBGC, em 1995, com o fim inicial de
Atualmente, o Código de Melhores Práticas de Governança Corpo-
melhorar a gestão dos conselhos de administra-
rativa encontra-se em sua 4ª edição, que se encontra subdividida em 6
ção das companhias, bem como a elaboração do
capítulos: propriedade (sócios/acionistas), conselho de administração,
primeiro documento inerente à governança corpo-
gestão, auditoria independente, conflito de interesses e conselho fiscal
rativa no país, o Código de Melhores Práticas de
(IBGC, 2010, p. 15), os quais serão a seguir analisados.
Governança Corporativa;
A parte inicial do Código dispõe sobre a propriedade da orga-
A criação do Novo Mercado da BOVESPA (Bolsa de
nização, que dá ao sócio/acionista tal propriedade na sociedade
Valores do Estado de São Paulo), juntamente com
de acordo com sua participação no capital social. Elabora o con-
seus Níveis 1 e 2 de governança corporativa;
ceito de “uma ação = um voto”, que consiste em atribuir a cada
A alteração realizada na Lei 6.404/74 pela Lei
acionista ou quotista direito de voto na assembléia geral. Afirma
10.303/01;
ainda que, caso queira se propor alguma exceção ao conceito, que
A elaboração da Cartilha de Recomendações so-
tal exceção seja devidamente fundamentada, para que não preju-
bre Governança Corporativa da CVM – Comissão
dique o acionista/quotista ou a empresa. (IBGC, 2010, p. 21)
de Valores Mobiliários
Dispõe ainda sobre o acordo entre sócios ou acordo de acionistas, prevendo o Código que tais acordos sigam estritamente os
Tais valores surgiram em razão da mudança de paradigmas
princípios da transparência, eticidade e moralidade, no sentido de
dos empresários brasileiros, que vem abandonando o modelo de
divulgar seu teor aos acionistas, conter mecanismos de solução
controle familiar de administração das empresas para adquirirem
de conflitos, não haver a restrição ou vinculação do voto dos mem-
modelo mais competitivo de administração, pautado na atuação
bros do Conselho de Administração e abstenção da indicação de
mais incisiva dos seus conselhos e dos seus acionistas.
quaisquer diretores para a sociedade. (IBGC, 2010, p. 22)
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 417
Mais adiante trata sobre a Assembléia Geral, órgão máximo
O Código não define um número específico de conselheiros para
de deliberação da sociedade, apontando primeiramente para a
composição do Conselho de Administração, sugerindo o número de 5
sua convocação que, diferentemente de como dispõem os prazos
(cinco) a, no máximo 11 (onze) de conselheiros. (IBGC. 2010, p. 36)
elencados no art. 124, Lei 6.404/74, será de pelo menos de 30
São definidos três tipos de conselheiros pelo Código, sen-
(trinta) dias, para que haja uma adequada preparação do acionis-
do estes os internos, externos e independentes. Internos são
ta/sócio quanto aos temas a serem tratados e, dependendo do
aqueles que já fazem parte da empresa, como diretores e fun-
tema a ser discutido, deve ser a convocação feita em prazo ainda
cionários. São externos aqueles que não possuem vínculo dire-
maior. A pauta da Assembléia Geral deve ser pormenorizadamen-
to com a sociedade, como os prestadores de serviços (advoga-
te elaborada, não podendo constar como item a ser tratado “ou-
dos, consultores). Independentes são os que são contratados
tros assuntos”, pois o que se procura aqui é possibilitar ao sócio/
especificamente por processos formais, não possuindo vínculo
acionista uma maior preparação para a deliberação. Traz ainda o
anterior com a sociedade. Há recomendação de que o Conse-
Código uma abordagem de como devem ser a deliberação, como
lho de Administração seja formado por conselheiros externos e
por exemplo, ao determinar que dados assuntos tenham quórum
independentes, principalmente. (IBGC, 2010, p. 36)
mais qualificado para sua aprovação. (IBGC, 2010, p. 23)
A remuneração e a concessão de benefícios aos conse-
Quanto às relações de conflitos entre os sócios/acionistas,
lheiros devem passar por procedimento formal que atenda aos
o Código traz soluções interessantes, como a previsão expressa
princípios de transparência e prestação de contas, devendo ser
no estatuto de quais situações possibilitam a retirada do sócio
encaminhada a Assembléia Geral para aprovação, devendo ser
dissidente e a possibilidade da imposição da mediação e da
discutida toda a remuneração dos conselheiros como salários,
arbitragem para solução de contendas.
benefícios, gratificações e bônus.
Tratando sobre o Conselho de Administração, o instrumen-
Devem também ser instituídos os Comitês do Conselho de Admi-
to normativo em comento sugere que seria este o órgão de
nistração, capazes de exercer funções que, se fossem centralizadas
maior importância no que concerne à aplicação das práticas
apenas no Conselho, acabariam por inviabilizar as suas atividades,
de governança corporativa, uma vez que segundo o Código é
pois tais funções demandam dispêndio de tempo. Podem ser forma-
“o guardião do objeto social e do sistema de governança. É ele
dos Comitês de, por exemplo, Recursos Humanos/Remuneração, Go-
que decide os rumos do negócio, conforme o melhor interesse
vernança, Finanças e Sustentabilidade. (IBGC, 2010, p. 43)
da organização.” (IBGC, 2010, p. 29)
O relacionamento com os demais componentes da compa-
Entre as atribuições do Conselho, pode-se destacar a preven-
nhia deve ser harmônico, devendo o Conselho atuar de forma
ção e resolução de conflitos de interesses entre os acionistas e a
eficiente e transparente. O Conselho deve manter canal de con-
defesa do objeto da sociedade empresária.
tato com os sócios, sem estar restrito às Assembléias Gerais
Os conselheiros devem ser pessoas capacitadas para tanto
ou reuniões. É o caso da instituição da ouvidoria. A relação en-
e que possam expressar livremente suas opiniões, sem se vincu-
tre o Conselho e o diretor-presidente pauta-se na reciprocida-
larem aos interessados. O prazo de mandato, segundo o Código,
de, mantida a separação de poderes entre ambos. Quanto ao
deve ser não superior a 2 anos, sendo limitada a possibilidade
Conselho Fiscal, será pautada pela transparência, devendo o
de reeleição, privilegiando a renovação do Conselho, devendo to-
Conselho de Administração prestar todas as informações úteis
dos os conselheiros serem eleitos na mesma Assembléia Geral.
para o exercício das atribuições do Conselho Fiscal, como, por
O estatuto ou contrato social deverão expressar o número máxi-
exemplo, fornecer cópia de todas as atas das reuniões do Con-
mo de anos para exercício do cargo de conselheiro, evitando-se
selho de Administração. (IBGC, 2010, p. 48)
a vitaliciedade. (IBGC, 2010, p. 33) Há uma concentração de deveres para o presidente do Conselho, das quais podem ser citadas as de coordenar os ou-
No que toca à gestão da organização, esta é a função essencial do diretor-presidente, que atua como um verdadeiro elo entre Diretoria e o Conselho de Administração. (IBGC, 2010, p. 54)
tros conselheiros, presidir as reuniões e organizar a agenda do
Os diretores são responsáveis pelas suas atribuições. De-
Conselho. Importante dizer que não deve haver concentração
vem prestar contas e atuar de forma transparente perante o
de funções no presidente do Conselho ou no diretor-presidente,
Conselho de Administração, sócios/acionistas e demais entes
a fim de se evitar a concentração de poder dentro da compa-
da sociedade. São escolhidos pelo diretor-presidente e sua
nhia. É aconselhável que o diretor-presidente não seja membro
remuneração é submetida a análise do Conselho de Adminis-
do Conselho de Administração, mas que participe das reuniões
tração, que se fará do mesmo modo que a remuneração dos
como convidado. (IBGC, 2010, p. 36)
conselheiros. (IBGC, 2010, p. 54)
418 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
O capítulo seguinte do Código é dedicado a atividade do
prevenção e tratamento de fraudes, cumprimentos de leis, paga-
auditor independente. Possui como atividade a fiscalização das
mentos ou recebimentos e conflitos de interesses, meio ambiente,
demonstrações financeiras da sociedade, para aferição de sua
entre outros.
adequação à realidade.
Assim, termina-se o estudo do Código do IBGC e começa a
Tal atividade é de suma importância para a organização, pois o auditor independente atua no sentido de atribuir confiabilidade
observação de outro importante marco: as regulamentações da BM&FBOVESPA.
às demonstrações financeiras da companhia. Essa importância foi aumentada logo depois que se teve notícia de diversos escânda-
3.2 O Novo Mercado e os Níveis de Governança
los envolvendo demonstrações financeiras das companhias, como
Corporativa da BM&FBOVESPA
os casos Enron e Xerox, que fraudaram seus demonstrativos com
Criado em dezembro de 2000 pela BOVESPA (hoje denomi-
o objetivo de ganharem maior visibilidade no mercado.
nada BM&FBOVESPA), o Novo Mercado, juntamente com os Ní-
Assim, no panorama da governança corporativa, os audito-
veis Diferenciados de Governança Corporativa 1 e 2 foram um dos
res independentes exercem papel determinante no sentido de
marcos da governança corporativa no Brasil. A elaboração de tais
aumentar a confiabilidade na companhia, atraindo o mercado de
segmentos teve como objetivo precípuo melhorar o ambiente de
valores e novos investidores, além de manter os investidores que
negociação no mercado de valores, visando atender os interesses
já mantinham vínculo com a organização.
dos investidores e valorização da companhia. Enquanto o Novo
Os auditores independentes se reportam ao Conselho de Admi-
Mercado cuida de proporcionar a abertura de capital das com-
nistração ou o Comitê de Auditoria identificando as deficiências rele-
panhias, os Níveis 1 e 2 se dirigem a empresas que já possuem
vantes encontradas na administração contábil da empresa, propõem
ações negociadas na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros
alternativas contábeis, a avaliação de riscos e a análise de possibili-
(BM&FBOVESPA).
dades de fraude, entre outras atribuições. (IBGC, 2010, p. 59)
Ao aderirem ao Novo Mercado, as empresas assumem com-
O penúltimo capítulo do Código de Melhores Práticas de Go-
promissos de governança corporativa, no sentido de que ocorra
vernança Corporativa do IBGC trata sobre outro órgão de extrema
uma melhor prestação de informações que proporcionem facili-
relevância dentro da sociedade empresária: o Conselho Fiscal.
dade ao acompanhamento da administração e a sua fiscalização
O Código atribui ao Conselho Fiscal alguns objetivos, como
bem como a adoção de regras societárias que busquem a redução
fiscalizar os atos dos administradores e verificar o cumprimento
de desigualdades entre os acionistas, perseguindo o equilíbrio,
dos deveres legais e estatutários.
atraindo também a confiança dos investidores.
Ressalta-se que os conselheiros fiscais também devem ser in-
A adesão ao Novo Mercado da BM&FBOVESPA se dá por meio
dependentes, sendo selecionados preferencialmente pelos sócios
de acordo de vontades, que culmina em contrato. Com a assinatu-
não controladores. (IBGC, 2010, p. 63)
ra do instrumento, as partes se obrigam a cumprir o Regulamento
A relação entre os entes da companhia deve ser de isenção,
de Listagem do Novo Mercado, em que estão os requisitos adi-
pois o Conselho Fiscal se responsabiliza para com a organização,
cionais do segmento. É adotada a arbitragem para a solução de
e não com os interesses dos sócios ou o Conselho de Administra-
conflitos entre acionistas.
ção. Quanto aos comitês e os auditores, devem os conselheiros
O Novo Mercado traz ainda algumas das providências já con-
fiscais atuar fiscalizando e cooperando com os mesmos. Sua re-
tidas no Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa
muneração deve ser adequada, de acordo com os trabalhos reali-
do IBGC, como as pertinentes a emissão exclusiva de ações ordi-
zados, divulgando-se individualmente as remunerações.
nárias, com direito a voto.
Por fim, o último capítulo do Código dispõe sobre conduta
A sociedade empresária pode rescindir o contrato que a vin-
e conflito de interesses. O código de conduta, elaborado con-
culou ao Novo Mercado, retornando ao mercado tradicional. A
juntamente pelo Conselho de Administração e a Diretoria. Além
principal característica dessa rescisão é a sociedade não estar
dos preceitos contidos em lei, o código de conduta preverá os
mais obrigada a cumprir os preceitos do Regulamento de Lista-
princípios e políticas que guiarão a atividade empresarial, bem
gem. Em que pese tal fato, existe uma “compensação”, por assim
como o modo de efetuar as denúncias ou resolução de confli-
dizer, quanto a saída da empresa. A retirada deve ser aprovada
tos. (IBGC, 2010, p. 66)
por uma assembleia geral e comunicada com antecedência de 30
O código de conduta deve abranger todos os integrantes da companhia, desde funcionários aos diretores. O código deve tratar sobre temas como política de negociações das ações da empresa,
dias à Bolsa, além de oferta pública de aquisição das ações em circulação por, no mínimo, seu valor econômico. A adesão ao Nível 1 se dá também por meio de contrato, não
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sendo automática mesmo que a sociedade empresária esteja inscrita no Novo Mercado e preencha todos os requisitos para se
A possibilidade dos acionistas minoritários (10%
vincular ao Nível 1. Para tanto, é necessária a assinatura do Con-
das ações em circulação) poderem convocar as-
trato de Adoção de Práticas de Governança Corporativa Nível 1,
sembléia especial para deliberar sobre a oferta
cabendo à BM&FBOVESPA a fiscalização e punição dos infratores.
pública de ações quando do fechamento do ca-
A maior parte dos compromissos contidos no Nível 1 se re-
pital da companhia (art. 4º-A);
ferem a transparência, que é observada na maior divulgação de
A redução da proporção de emissão de ações
informações que auxiliam na avaliação de valoração da empresa,
preferenciais sem direito a voto de 2/3 para 50%
sendo vedada a emissão de partes beneficiárias.
do total das ações emitidas (art. 15, §2º);
É possível, da mesma forma em que é prevista para o Novo
Alteração no regime de preferências e vantagens
Mercado, o desalistamento da companhia do segmento, impor-
nas ações preferenciais (art. 17);
tando a rescisão do contrato e retorno ao mercado tradicional.
Concessão de maior prazo para a primeira con-
Quanto ao Nível 2, apresenta este também a faceta de que
vocação da assembléia-geral (art. 124, § 1º);
seja ampliada a prestação de informações aos sócios/acionistas,
Maior quantidade de documentos que se encon-
sendo modelada de acordo com padrões internacionais, além de
trarão à disposição dos acionistas para delibe-
se instituírem práticas com o objetivo de conseguir equilíbrio entre
ração quando da realização da assembléia-geral
acionistas, como, por exemplo, a atribuição de voto em determina-
(art. 133, IV, V e § 2º);
dos assuntos às ações preferenciais. A adesão também é voluntá-
Inclusão do direito de acionistas minoritários
ria, como no Novo Mercado e no Nível 1, bem como a rescisão se
elegerem ou destituírem membro ou suplente do
dá nos mesmos moldes dos demais segmentos.
conselho de administração e conselho fiscal com
A diferença principal entre o Nível 2 e o Novo Mercado reside na possibilidade de emissão de ações preferenciais pelos
votação em separado da assembléia-geral (art. 141, § 4º e art. 161, §4º);
aderentes ao Nível 2, o que não ocorre com os aderentes ao segmento do Novo Mercado, pois neste existem apenas ações ordinárias com direito a voto.
Com a leitura das alterações efetuadas em cotejo com
Assim, por tal motivo, O Novo Mercado direciona-se à lis-
o texto original da Lei 6.404/76, pode-se perceber que a Lei
tagem de empresas que desejam abrir seu capital e o Nível
10.303/01 teve o claro intuito de delegar mais poderes aos
2 àquelas que já possuem ações preferenciais no mercado e,
acionistas minoritários, como no caso do art. 141, § 4º, em que
num primeiro momento, não podem convertê-las em ações or-
podem eleger ou destituir em separado da assembléia-geral um
dinárias. É necessário afirmar que, no caso de adesão ao Nível
dos conselheiros e suplentes do Conselho de Administração.
2, os investidores que adquiriram ações preferenciais possuem
Entretanto, os preceitos contidos na Lei 10.303/01 não
direito de voto quando a deliberação tratar de temas como
vinculam as companhias, no sentido de ficarem ligadas exclu-
avaliação de bens que concorram para o aumento do capital
sivamente às práticas previstas em lei, podendo e devendo
e transformação, cisão, fusão e incorporação da companhia.
reformar seus estatutos no sentido de inserirem os preceitos
Com tais considerações, é possível afirmar que os segmen-
expostos nas melhores práticas de governança corporativa e
tos instituídos pela BM&FBOVESPA visam a proteção do inves-
em que foi silente a lei, como, por exemplo, atribuir maior prazo
tidor e também a igualdade de tratamento entre sócios, pauta-
do que o previsto em lei para convocação da assembleia-geral.
dos na transparência e prestação de contas confiável por parte
Assim, entende-se que a Lei 10.303/01 teve o objetivo de
da empresa, atribuindo à mesma uma melhoria de sua imagem
introduzir na Lei das Sociedades por Ações alguns dos princí-
no mercado de valores e a sua valoração.
pios de governança corporativa, como a transparência, equidade de tratamento de acionistas e prestação de contas, melho-
3.3 As alterações efetuadas pela Lei 10.303/01 sob
rando a gestão das companhias e a relação entre os sócios.
a influência das práticas da boa governança corporativa
De forma geral, a Lei 10.303/01 constituiu-se horizonte para
A Lei 10.303/01 realizou diversas alterações na Lei 6.404/76,
a introdução de práticas de governança corporativa nas com-
sob a forte influência do movimento de governança corporativa.
panhias, podendo as mesmas também criarem suas regras no
De tais mudanças, podem ser citadas como mais relevantes:
sentido de promover tais práticas.
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3.4 A Cartilha de Recomendações
nistração da companhia. José Antônio Rodrigues (2004, p. 114)
da CVM Sobre Governança Corporativa
diz que “o Conselho deve ser o órgão responsável por delinear
No ano de 2002, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM),
estratégias, monitorar resultados, definir o orçamento de capi-
autarquia federal, responsável pela normatização e operações
tal e a estrutura de financiamento.”
envolvendo valores mobiliários, bem como a fiscalização das so-
Entretanto, a prática empresarial por muito tempo pecou por
ciedades anônimas abertas, elaborou a sua Cartilha de Recomen-
não atribuir ao Conselho de Administração esse grau de profis-
dações Sobre Governança Corporativa.
sionalismo. Em várias oportunidades verificou-se a atuação defi-
Desta feita, em posse de tais considerações, é de se ob-
ciente de tal órgão, geralmente gerido por profissionais que con-
servar que a Cartilha teve os mesmos princípios das demais
centravam uma larga gama de funções, ocorrendo na maioria dos
regulamentações já existentes à época, como os segmentos de
casos o império dos acionistas controladores sobre os acionistas
Novo Mercado e Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa da
minoritários e conflitos societários. Assim, restou claro que a ges-
BM&FBOVESPA, o Código de Melhores Práticas de Governança
tão das organizações deveria se profissionalizar
Corporativa do IBGC e as alterações realizadas na Lei de Sociedades por Ações pela Lei 10.303/01. É ressaltado também o caráter de complementaridade da Cartilha, pois a mesma se omite em alguns pontos onde já exis-
No Brasil, a profissionalização da administração das sociedades empresárias se deu com a utilização de conselheiros e auditores independentes capazes de gerir a sociedade sem a intervenção dos interesses dos demais órgãos das organizações.
te prescrição legal sobre o assunto. Salienta-se que a Cartilha
Há a discussão sobre a existência da efetividade dos princí-
deve ser utilizada de acordo com as necessidades das compa-
pios de governança corporativa. Para Mônica Gusmão (2011, p.
nhias, atendendo ao interesse das mesmas e que o documento
404), “falta a efetiva concreção”. A autora, visando corroborar seu
em comento não vincula nenhum empresário, pois se tratam de
entendimento, cita ainda John Plender e Avinash Persaud (2005,
meras sugestões emitidas pela CVM.
p. 82), dizendo que “Os Códigos de Governança Corporativa estão
Quanto ao conteúdo da Cartilha, verifica-se que se assemelha bastante ao que foi anteriormente visto nas outras regulamentações analisadas, complementando pontos obscuros deixados pelas outras normas.
se proliferando [...], contudo os escândalos corporativos continuam surgindo [...] O que deve ser feito?” Diferentemente do entendido pela ilustre jurista, Fábio Ulhôa (2010, p. 333) entende que “o movimento de governança corpora-
Trata a Cartilha sobre a assembléia-geral, acordos de acio-
tiva é uma tentativa de revitalizar os mecanismos de autofinancia-
nistas, conselho de administração e conselho fiscal, no que toca
mento das empresas através de capitalização ou securitização no
a sua composição e estrutura, proporção de ações ordinárias e
mercado de valores mobiliários”.
preferenciais, direito de voto dos minoritários, padronização internacional de divulgação de informações e auditorias.
Diversos estudos identificam a eficácia das práticas de governança corporativa nas empresas. Em junho de 2000, a McKinsey
Neste ponto, convém dizer que a análise pormenorizada de
& Co, em parceria com o Banco Mundial conduziu uma pesquisa
cada sugestão culminaria em repetição do que já foi dito ante-
(“Investors Opinion Survey”) junto a investidores da Ásia, Europa
riormente quando da análise dos outros dispositivos normativos
e América Latina representando um total de carteira superior a
brasileiros referentes à governança corporativa, o que prejudicaria
US$ 1.650 bilhões, destinada a detectar e medir eventuais acrés-
o objeto de estudo do presente trabalho.
cimos de valor às companhias que adotassem boas práticas de governança corporativa. Como resultado, verificou-se que 80%
4 Importância prática da Governança Corporativa
dos investidores pagariam entre 18% e 28% a mais por ações de
Desde o início da atividade empresarial no mundo sempre se
empresas que adotam melhores práticas de gestão, pautadas na
desejou que a mesma extraísse o máximo de lucro possível do
transparência, equidade de tratamento entre sócios/acionistas e
seu exercício. A governança corporativa é meio hábil a atingir tal
prestação de contas confiável. Tal informação apenas confirma
objetivo harmonizando os interesses de todos os envolvidos na
que as sociedades empresárias que investem na governança cor-
atividade, com o fim de atribuir valor à empresa.
porativa melhoram sua imagem perante o mercado de valores, o
Ao fazer uso das práticas de governança corporativa, a so-
que resulta no aumento de valor de suas quotas ou ações.
ciedade assume compromisso com os princípios de transparên-
Como exemplo brasileiro de uma organização que se utili-
cia, equidade no tratamento de acionistas/sócios e prestação
za das práticas de governança corporativa e vem colhendo os
de contas (accountability). Para que tenham a devida efetivida-
frutos de tal uso é a Vale S/A. Após instituir a governança cor-
de, é necessária a atuação na gestão pelo Conselho de Admi-
porativa, seguindo as regras indicadas pela Bolsa de Valores
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de Nova Iorque, reorganizou o seu conselho de administração,
Petrobras previamente realizar oferta pública de
possuindo atualmente 11 conselheiros e 11 suplentes; instituiu
compra da totalidade das ações de emissão da
diversos comitês, entre eles o de Governança e Sustentabilida-
BR em circulação no mercado. E, considerando
de; inseriu em seu sítio eletrônico informações sobre os pare-
que declarou intenção de fechar o capital da alu-
ceres de do conselho fiscal, as atas das assembléias e outros
dida BR, a oferta deverá seguir os trâmites da
documentos, disponíveis a qualquer um que se interesse por
Instrução 229/95.
observá-las e; elaborou seu próprio código de ética. Diante de tal posicionamento percebe-se o cumprimento do 4.1 Atuação da CVM na aplicação das
art. 4º-A da Lei 6.404/74, inserido pela Lei 10.303/01, oferecen-
práticas de Governança Corporativa
do assim, proteção aos acionistas minoritários da Petrobras e
A CVM também vem atuando no sentido de que cada vez mais
mantendo a confiabilidade na companhia.
as companhias se utilizem da governança corporativa, profissiona-
Quanto à transparência das informações fornecidas pela so-
lizando a sua gestão e aumentando a confiabilidade na empresa
ciedade empresária, a CVM vem atuando no sentido de forçar as
perante o mercado de valores, como se pode observar nos casos
organizações a divulgá-las, atendendo ao princípio em comento,
concretos a seguir analisados.
tomando até medidas mais radicais para a proteção do mercado e
Em atendimento ao princípio da equidade de tratamento en-
dos investidores, como a suspensão do registro da empresa, con-
tre sócios/acionistas pode ser encontrada na decisão de recurso
forme se pode notar quando da leitura do teor da decisão proferi-
no processo RJ2000/6117 a necessidade da companhia realizar
da pelo Colegiado no processo de número RJ2010/14737:
oferta pública de suas ações quando do fechamento do seu capital, valendo destacar de tal decisão o seguinte:
Em seu voto, o Relator ressaltou que a suspensão do registro não constitui medida de sanção
Nada mais justo e razoável, assim, que os acio-
contra a emissora, mas instrumento de que a
nistas da BR possam se manifestar quanto à
CVM dispõe para (i) fazer com que a emissora
operação através da aceitação da permuta de
preste as informações exigidas; e (ii) proteger
suas ações por ações da Petrobras formulada
o mercado, uma vez que aquela emissora vem
através de oferta pública.De outro modo, resta-
deixando sistematicamente de divulgar as infor-
ria aos minoritários da BR, que aplicaram suas
mações que devem servir de base às decisões
poupanças baseados em decisões conscientes
de investimento. Embora a suspensão possa se
de investimento, a frustração de sua confiança
mostrar gravosa para a base atual de investido-
no funcionamento eficiente e regular do mercado
res brasileiros da emissora estrangeira, trata-se
de capitais do País, pois passariam a deter ações
de verdadeiro esforço de proteção ao mercado,
de outra companhia, sem que tenham sido con-
uma vez que, desta forma, se impede a atuação
sultados ou concorrido para tal, e, ao menos, ou-
de emissores que estão inadimplentes em suas
vidos quanto ao seu valor, quando, repita-se, é a
obrigações de cunho informacional por um perí-
mesma vontade que se manifesta dos dois lados.
odo significativo. Assim, a suspensão do registro
A oferta prévia não só é legítima como se coaduna
deve ser mantida até que o registro da Recor-
com os princípios de boa governança corporativa
rente esteja devidamente atualizado com o cum-
de que devem estar imbuídas as companhias que
primento de todas as obrigações periódicas e
se valem do mercado para se capitalizarem. É atra-
eventuais. Qualquer outra decisão representaria
vés de bons exemplos que o mercado de capitais
verdadeira anuência com a falta de transparên-
brasileiro poderá se desenvolver e se tonar respei-
cia, senão a conivência com as más práticas no
tado. Só assim nossas empresas terão condições
que tange ao envio de informações ao mercado
de aumentar a captação de recursos no mercado
– e é por haver rompido com esse padrão que o
de capitais e aumentar dessa forma a sua contri-
mercado brasileiro vem, nos últimos tempos, se
buição para o desenvolvimento nacional.
diferenciando.
Assim sendo, para atingir o objetivo de incorpo-
O Colegiado, acompanhando o voto do Relator Otavio
rar a totalidade das ações de controlada, deve a
Yazbek, deliberou o indeferimento do recurso apre-
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sentado pela Agrenco Limited e a manutenção da
é de que todos os preferencialistas adquirem o
decisão da SEP que denegara o pedido de reversão
direito ao voto após a inadimplência contínua da
da suspensão de registro da emissora. (CVM, 2011)
companhia, em razão da própria natureza das ações preferenciais. (CVM, 2009)
A atual dinâmica do mercado de valores não pode admitir que a sociedade empresária omita informações de interesse
Sob a ótica da boa governança corporativa, na decisão do
dos sócios, sob pena de se incorrer em verdadeira anuência às
Colegiado, foi ressaltada a importância de se atribuir o direito
práticas fraudulentas ou mesmo ao império dos sócios/ acio-
de voto à ação preferencial bem como seria impensável desres-
nistas majoritários ou controladores sobre os acionistas mino-
peitar o preceito contido no art. 109, I, Lei 6.404/74, ao retirar
ritários, o que diminui potencialmente o grau de confiabilidade
do acionista o seu direito essencial de participar dos lucros da
dos investidores para com a organização.
sociedade empresária.
No processo RJ2002/4932, foi destacada a importância da atribuição de voto na assembléia-geral às ações preferenciais da
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
companhia, exaustivamente ressaltada quando da análise do Có-
Por todo o exposto ao longo deste trabalho, pode-se concluir
digo de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC.
que a governança corporativa e suas práticas não são apenas
No caso em análise, uma interpretação errônea do estatuto social
teoria, mas trata-se o instituto de instrumento hábil a produzir
retirava o direito de voto do acionista preferencial sob a condição
crescimento da empresa e a melhoria de sua imagem perante os
de recebimento de dividendo privilegiado, senão confira-se:
investidores. Foi possível perceber que os inúmeros abusos praticados por
Efetivamente, seria iníquo para o acionista, que
conselheiros de administração e diretores que visavam apenas in-
tem como contrapartida da exclusão de seu voto
teresses próprios e que não possuíam habilitação para o exercício
o recebimento de um dividendo privilegiado,
de tal função culminaram em uma série de fraudes e escândalos,
assistir amordaçado o desenrolar da decadên-
o que fez com que houvesse um esforço conjunto para a elimina-
cia da sociedade sem poder interferir. É irrazo-
ção de tais práticas e a profissionalização da administração da
ável admitir-se que fique à frente da sociedade
companhia.
quem deu margem aos prejuízos, sob o risco
Iniciado internacionalmente, o movimento da boa governança
de se atingir a total desvalorização do patrimô-
corporativa se expandiu rapidamente, sendo absorvido pelo Bra-
nio social. Evidentemente não foi esse desígnio
sil, originando diversas regulamentações e incentivando a discus-
antidemocrático que movimentou o legislador.
são sobre o tema.
O espírito é permitir o exercício do poder de
Como já dito, nos dias atuais é indispensável que qualquer
controle pelos acionistas prejudicados, ao me-
sociedade empresária que deseje maximizar a sua captação de
nos, até que a sociedade retorne a seu rumo.
lucros deve seguir os princípios de prestação de contas confiável
Já é questionável, em termos de boa Governan-
(accountability), equidade de tratamento entre sócios/acionistas
ça Corporativa, a existência de ações sem direito
e a transparência, traduzida na padronização e verossimilhança
de voto, quiçá admitir-se que tais ações também
das informações divulgadas.
fiquem indiscriminadamente privadas de parti-
Assim, aquelas companhias que se encontram em estado de
cipar dos lucros, direito intangível do acionista.
liderança no mercado de capitais e de maior capacidade de gestão
O direito de participar dos lucros sociais tem
são as que aderiram ao modelo de governança corporativa no Brasil.
caráter periódico (anual). Assim, a cada ano em que não se pagam os dividendos está-se impedindo um direito essencial do acionista.
REFERÊNCIAS
A contrapartida para essa obstrução só pode
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO; Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16. ed. rev. e atual – São Paulo: Método, 2008.
ser o direito de votar para tentar sustar a infração continuada. Trata-se de direito individual do acionista, ope legis, insuscetível de modificação, nem mesmo pela Assembléia Geral. Assim, a única conclusão lídima acerca do pleito
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Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 423
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SANTOS. Jackson Freire Jardim. A governança Corporativa no Brasil, enquanto técnica de valorização e otimização de desempenho das empresas. 2011 (Pós-graduação em Direito) – Universidade Gama Filho. Belo Horizonte, 2011.
NOTA DE FIM 1 Graduando em Direito, atualmente no 9º período, membro do GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisa em Direito Empresarial do Centro Universitário Newton Paiva, estagiário no Escritório de Advocacia Pinto e Soares Advogados Associados.
BRASIL, Comissão de Valores Mobiliários. Processo RJ2000/6117. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/descol/resp.asp?File=2001-003ED23012001.htm. Acesso em 02 jun. 2013. BRASIL, Comissão de Valores Mobiliários. Processo RJ2010/14737. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/descol/resp.asp?File=2010-049ED14122010.htm. Acesso em: 02 jun. 2013. BRASIL, Comissão de Valores Mobiliários. Cartilha de recomendações sobre Governança Corporativa. 2002. Disponível em: http://www.cvm.gov. br/. Acesso em 15 maio 2013. BRASIL. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. 2010. Disponível em: http://www. ibgc.org.br/CodigoMelhoresPraticas.aspx. Acesso em 04 jun. 2013. COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. volume 2: direito de empresa. 14. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010. GUSMÃO, Mônica. Lições de Direito Empresarial. 10. ed. Atual. – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011. LOBO, Jorge. Governança Corporativa. Disponível em: http://www.jlobo. com.br/artigos1.asp?seq=31. Acesso em: 26 maio 2013. LODI, João Bosco. Governança Corporativa: o governo da empresa e o conselho de administração. – Rio de Janeiro: Campus, 2000. MCKINSEY & COMPANY, KORN/FERRY INTERNATIONAL, Panorama de Governança Corporativa no Brasil, São Paulo, 2001. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 2 ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método: 2012. REQUIÃO. Rubens. Curso de Direito Comercial. 27. ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 2011. RODRIGUES, José Antônio; MENDES, Gilmar de Melo. Governança Corporativa: estratégia para geração de valor. – Rio de Janeiro: Qualitymark, 2004.
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A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO: Uma forma de facilitação ao acesso à Justiça do Trabalho Mateus dos Santos Barros1
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar a inversão do ônus da prova na justiça do trabalho, facilitando o seu acesso e garantindo uma solução mais condizente com as necessidades sociais. O estudo permeia os entendimentos e críticas doutrinárias acerca do tema, verificando a pertinência da utilização subsidiária das normas presentes em outros meios jurídicos que não o processo trabalhista. Assim, nota-se a importância da aplicação supletiva no processo trabalhista da inversão do ônus probatório presente no Código de Defesa do Consumidor, tornando o acesso à justiça laboral mais concreta, efetiva e célere. PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual do Trabalho – Ônus da prova- Inversão do ônus da prova – Código de defesa do consumidor Área de Interesse: Direito do Trabalho
1 INTRODUÇÃO A prova sempre teve grande importância, não só no processo do trabalho, como também no processo civil e no processo penal. Essa necessidade constante de estudar os meca-
deve ser buscada no ordenamento jurídico uma solução que possibilite tornar concreto o direito ao acesso a uma justiça rápida, eficiente e efetiva. (ALMEIDA, 2009, p. 17).
nismos que norteiam os meios probatórios justifica-se devido ao fato da essencialidade de demonstrar e comprovar ao julgador tudo aquilo que se alega.
Portanto, a discussão adiante se fundamenta na importância da aplicação da inversão do ônus da prova, quando necessá-
Dessa maneira, constata-se que a prova é meio necessário para tornar concreto o acesso à justiça e possibilitar uma
ria, para assim, obter-se uma justa solução do litígio, observando sempre os princípios que norteiam tal instituto.
decisão efetiva e completa para a solução do conflito de interesses. Nesse sentido, a inserção do tema é imprescindível, dada a posição simplista da Consolidação das Leis Trabalhistas -CLT- a respeito do assunto.
2 Prova: Considerações gerais O estudo da prova sempre foi de grande relevância para garantir a ordem jurídica e assegurar uma base sólida e bem fun-
Assim, o presente estudo concentra-se no ônus da prova no campo do processo trabalhista, objetivando demonstrar a diver-
damentada à sentença. Exatamente por essas razões, durante vários anos ela foi alvo de inúmeras influências históricas.
sidade de entendimentos e críticas a repeito do tema, bem como
Atualmente, vigora no ordenamento jurídico pátrio o princi-
a relevância da sua inversão para garantir uma solução que seja
pio do livre convencimento motivado do Juízo, estabelecendo que
mais condizente com as necessidades sociais.
o magistrado deverá observar as circunstâncias e fatos trazidos
Nessa esteira, percebe-se a pertinência da abordagem acer-
pelas partes ao processo, para assim embasar e firmar a sua
ca da inversão do ônus probatório, utilizando de modo subsidi-
decisão convicto da verdade formal dos fatos, garantindo uma
ário para tanto o Código de Defesa do Consumidor - CDC -, que
prestação jurisdicional justa.
além de tratar de modo expresso sobre tal instituto, estabelece os requisitos necessários para a concessão da inversão. Esse emprego supletivo de normas jurídicas que não sejam as trabalhistas torna-se indispensável quando se vislumbra a garantia
Já no que se refere especificamente ao conceito do vocábulo prova, existem vários doutrinadores que discursam a respeito, um deles DE PLÁCIDO E SILVA (2002, p. 656), in verbis:
dos direitos humanos e fundamentais, devendo ser ressaltado que: do latim proba, de probare (demonstrar, reconhecer,
[...] a conduta humana é regulada por todo o direito e não por uma norma ou mesmo um conjunto fechado de normas. Dessa forma,
formar juízo de), entende-se, assim, no sentido jurídico, a demonstração, que se faz, pelos meios legais, da existências ou veracidade de um ato material ou
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de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por
fatos, em que se funda a ação ou a defesa, todos os meios legais,
sua existência ou se firma a certeza a respeito da
bem como os moralmente legítimos.
existência do fato ou do ato demonstrado.
Nessa esteira, OLIVEIRA (2001, p. 61), salienta que os meios de prova constituem os veículos pelos quais a prova há de ser ma-
Também ALMEIDA (1999, p. 21), esclarece que:
terializada nos autos, alertando, todavia, para o caráter lícito e os meios admissíveis em direito, nos seguintes termos:
Prova é a série de elementos constantes dos autos de um processo que, em conjunto ou individu-
[...] a parte incumbida de provar o fato alegado
almente conduzem ao conhecimento dos fatos,
(prova) e a parte adversa a quem interessa o des-
objeto de defesa, afirmando-lhes a veracidade e
prestigio da prova produzida (contraprova) pode-
dando procedência às alegações das partes. É a
rão usar de todas as provas em direito admitidas,
demonstração legal da existência e/ou da auten-
desde que requeridas em tempo hábil e desde que
ticidade de um fato material ou de um ato jurídico
idônea se apresente a via eleita.
que interessa ao êxito do que se pleiteia. Adiante, o Código de Processo Civil, elencou um rol não taxaPelo exposto, percebe-se que a prova é de extrema importân-
tivo dos tipos de provas admitidos, como o depoimento pessoal,
cia para que o julgador conheça os fatos alegados pelas partes
a prova documental, testemunhal e pericial, a inspeção judicial,
e solucione a demanda pleiteada. Além disso, é exatamente por
além dos outros meios legítimos que não foram especificados pela
meio da prova que o reclamante tem a possibilidade de convencer
lei, mas que são hábeis para provar a veracidade dos fatos.
o juízo de que os fatos realmente aconteceram, sustentando assim a sua pretensão. Desse modo, é notória a grande relevância de estudar os me-
Sendo assim, NASCIMENTO (2007, p. 533) dispõe sobre a definição da prova documental que é comumente utilizada no processo trabalhista, veja-se:
canismos que norteiam a prova, uma vez que através desse instituto é possível alcançar uma prestação jurisdicional satisfatória.
Documentos são toda representação objetiva de
Outrossim, como já mencionado, uma vez que no Brasil ado-
um pensamento, material ou literal. Em sentido
ta-se o princípio do livre convencimento motivado do juízo, a sa-
estrito, o documento é toda coisa que seja produto
tisfação do direito da parte depende quase que exclusivamente
de um ato humano, perceptível com os sentidos da
das provas que possuem e que comprovam em juízo (DAIDONE,
vista e do tato, que serve de prova histórica indireta
2001, p. 204).
e representativa de um fato qualquer. Num sentido
Por sua vez, CÂMARA (2006, p. 395), destaca que:
amplo, documento é todo objeto físico suscetível de ser levado a presença do juiz.
Todo elemento que contribuiu para a formação da convicção do juiz a respeito da existência de de-
Com efeito, nota-se a importância da utilização da prova do-
terminado fato. Quer isto significar que tudo aquilo
cumental como meio de sustentação e comprovação da alegação
que for levado aos autos com o fim de convencer o
feita pela parte. De outro modo, a prova testemunhal, também
juiz de que determinado fato ocorreu será chama-
presente frequentemente no processo trabalhista, possui grande
do de prova.
valor e revela-se por meio de uma pessoa física que comparece em juízo para prestar informações sobre os fatos de que tem co-
Portanto, mister é a utilização da prova no processo, como instrumento necessário para a realização de um direito e meio essencial para nortear a decisão do julgador.
nhecimento, colaborando, assim, para a solução do dissídio (ALMEIDA, 2009 p. 592). Igualmente, a prova pericial é outro meio fundamental para comprovar o direito pleiteado pela parte, como no caso de com-
2.1 Meios probatórios
provação do trabalho em condições insalubres, à apuração de tal
O artigo 332 do Código de Processo Civil, que tem plena per-
fato demanda um conhecimento técnico especial para que assim
tinência com o direito processual do trabalho, relaciona as possíveis formas de demonstração e comprovação dos fatos alegados
seja possível desvelar a veracidade do caso. Na mesma linha, SANTOS (1989, p. 3), assinala que:
em juízo, disciplinando que são hábeis para provar a verdade dos 426 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
[...] a prova dos fatos faz-se por meios adequados a
O ônus processual consiste, pois, em conferir a
fixá-los em juízo. Por esses meios ou instrumentos
um sujeito um poder de vontade, ou uma faculda-
os fatos deverão ser transportados para o processo,
de para tutelar ou não um interesse próprio, pela
seja pela sua reconstrução histórica (narração de tes-
produção de um certo efeito jurídico. Pelo ônus
temunhas), ou sua representação (declaração cons-
caracteriza-se uma situação jurídica criada pela
titutiva de atos, constante de documentos), ou sua
liberdade que concede à parte ordenar a própria
reprodução objetiva (exame da coisa por peritos, ou
conduta: o sujeito do ônus tem a opção de escolher
pelo próprio juiz), ou, ainda, sob outras formas idône-
entre a realização do fato e a inatividade, que lhe
as para atestar a sua existência, ou suficientes para
trará resultado desfavorável.
se obter a ideia precisa da sua existência. Por fim, importante mencionar também a lição de THEODORO Por todo o exposto, percebe-se que é um direito das partes
JÚNIOR (1999, p. 423) de “que o ônus da prova consiste na con-
utilizarem de todos os meios de provas admitidos em direito que
duta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por
sejam necessários à apuração dos fatos alegados, levando-se a
ela arrolados seja admitida pelo juiz”.
uma justa decisão da causa.
Portanto, a produção da prova do fato alegado constitui um imperativo do interesse da parte, uma vez que o litigante produz a
2.2 Ônus da prova
prova não porque esteja obrigado a fazê-lo, mas porque, caso não
O estudo a respeito do ônus da prova é de grande importância
o faça, corre o risco de não ter sua pretensão atendida (ALMEIDA,
e repercussão na esfera processual, sobretudo no processo trabalhista, em que sua igual distribuição geralmente não satisfaz a parte hipossuficiente da relação, ou seja, o trabalhador. NASCIMENTO (2001, p. 422) salienta que o ônus da prova é a responsabilidade imputada a parte para produzir uma prova,
2009, p. 571). Sendo assim, verifica-se a essencialidade da utilização da prova como forma de concretizar e respaldar uma alegação proferida pela parte, bem como a importância da inversão do ônus, se necessário, caso este que será tratado mais adiante.
sendo que a produção insatisfatória gera, como consequência, o não reconhecimento pelo órgão julgador da existência do fato que
3 A prova no processo do trabalho No que tange ao tratamento dispensado pela Consolidação
a prova pretendia comprovar.
das leis Trabalhistas a respeito da distribuição do ônus da proSeguindo esse raciocínio, SANTOS (2008, p. 357) leciona:
va, o art. 818 estabelece que “a prova das alegações incumbe à parte que as fizer” (BRASIL, 2013). Em razão da simplicidade
Como a simples alegação não é suficiente para for-
deste artigo, e considerando-se a disposição do art. 769 da CLT,
mar a convicção do juiz (allegatio et non probatio
que permite a utilização do direito processual comum nos casos
quase non allegatio), surge a imprescindibilidade
em que houver a omissão do direito processual do trabalho, faz-
da prova da existência do fato. E dada a controvér-
-se necessária a aplicação subsidiária do art. 333 do Código de
sia entre autor e réu com referência ao fato e às
Processo Civil (BRASIL, 2013) ao direito trabalhista, que assim
suas circunstâncias (quaestiones facti), impondo-
estabelece, in verbis:
-se, pois, prová-lo e prová-las, decorre o problema de saber a quem incumbe dar a sua prova. A quem
O ônus da prova incumbe:
incumbe o ônus da prova? Esse é o tema que se
I- ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
resume na expressão – ônus da prova.
II- ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Desta forma, infere-se pela expressão ônus da prova a exigência que a lei faz a cada uma das partes, no sentido de de-
Dessa maneira, é nítida a necessidade de aplicação do dis-
monstrar os fatos que lhe interessa provar, objetivando assim
positivo processual civil na seara trabalhista, uma vez que não
na formação da convicção do magistrado e no possível alcance
existe contradição e nem incompatibilidade entre eles. Corrobo-
do resultado pretendido.
rando com tal entendimento, CARRION (2008, p. 564) elucida:
A respeito do ônus processual, PAULA (2001, p. 28) também comenta: Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 427
Ao processo laboral se aplicam as normas, institu-
afirmar. Foi clara a intenção do legislador de não
tos e estudos da doutrina do processo geral (que
transportar para o âmbito do processo do trabalho
é o processo civil), desde que: a) não esteja aqui
a teoria do ônus da prova do processo civil.
regulado de outro modo (“casos omissos”, “subsidiariamente”); b) não ofendam os princípios do
Assim, embora grandes doutrinadores defendam a não apli-
processo laboral (“incompatível”); c) se adapte aos
cação supletiva da regra de distribuição do ônus do processo civil
mesmos princípios e às peculiaridades deste pro-
no processo trabalhista, a maior parte do entendimento doutrinário
cedimento; d) não haja impossibilidade material de
pauta-se na aplicação subsidiária, principalmente pelo fato de não
aplicação (institutos estranhos à relação deduzida
haver qualquer contradição e incompatibilidade entre os dispositivos.
no juízo trabalhista); a aplicação de institutos não
Com efeito, o art. 333 do Código de Processo Civil comple-
previstos não deve ser motivo para maior eterniza-
menta o art. 818 da Consolidação das Leis Trabalhistas, sobretu-
ção das demandas e tem de adaptá-las às peculia-
do quanto ao critério de julgamento a ser adotado pelo magistrado
ridades próprias.
no momento em que se deparar com a insuficiência da prova de determinado fato controverso e relevante para o deslinde do litígio
Em contrapartida, vários doutrinadores defendem a aplica-
(ALMEIDA, 2011, p. 66).
ção do art. 818 do Diploma Consolidado sem a possibilidade de
Ainda, o descompasso entre a necessidade social e a solução
utilização subsidiária do art. 333 do CPC. O entendimento tem
adotada pelo processo do trabalho no deslinde de um caso con-
como alicerce a incompatibilidade dos dispositivos, além da não
creto, permite a utilização supletiva do processo comum (omissão
omissão da CLT a respeito do tema. Assim é que TEIXEIRA FILHO
ontológica). Sob essa ótica, percebe-se a necessidade do uso do
(2003, p. 126) javascript:void(0); adverte:
Código de Processo Civil quando este apresentar normas mais benéficas e dinâmicas a situação fática. Portanto, quando houver
[...] o art. 818 da CLT, desde que o intérprete
uma norma na CLT, ainda que específica, mas que esteja em de-
saiba captar, com fidelidade, o seu verdadeiro
sacordo com a realidade social, o juiz estará autorizado a utilizar
conteúdo ontológico, deve ser o único dispositi-
o direito processual comum, visando adotar uma solução mais
vo legal a ser invocado para resolver os proble-
condizente com as necessidades sociais (ALMEIDA, 2009, p. 15).
mas relacionados ao ônus da prova no processo
Nesse sentido, pode-se constatar a importância da utilização
do trabalho, vedando-se, desta forma, qualquer
das normas do processo civil, que tenham eficácia, flexibilidade
invocação supletiva do art. 333, do CPC, seja
e dinamicidade, no processo laboral, alcançando-se, assim, um
porque a CLT não é omissa, no particular, seja
processo mais célere e efetivo.
porque há manifesta incompatibilidade com o processo do trabalho.
3.1 A possibilidade de inversão do ônus da prova no processo do trabalho
Seguindo a mesma linha de raciocínio, SILVA (apud AL-
A teoria acerca da inversão do ônus da prova no Processo
MEIDA, 2011, p. 64), alega que o art. 818 da CLT tem o condão
do Trabalho cada vez mais ganha espaço entre a jurisprudência e
de evidenciar a:
doutrina pátrias. A sua utilização faz-se pertinente tendo em vista
2
a necessidade de equilibrar a relação trabalhista, transferindo-se, [...] prudência e moderação do longínquo e eficien-
assim, o ônus da prova que seria do empregado ao empregador.
te legislador de 1943. Sobre o ônus da prova, ape-
Nesse sentido, ALMEIDA (1995, p.180) esclarece que a in-
nas disse, no art. 818, que ‘a prova das alegações
versão do ônus da prova no processo do trabalho tem como obje-
incumbe às partes que as fizer’. Esse dispositivo
tivo a modificação da situação de desequilíbrio existente entre os
não é uma divisão do ônus da prova nem por ele
principais sujeitos da relação de emprego, sobretudo no que diz
se pode reduzi-la, pois as alegações fazem tanto o
respeito ao trabalhador.
autor, quando requer, como o réu, quando contes-
A Consolidação das Leis Trabalhistas não trata expres-
ta. Ora, se a cada um cabe provar o que ‘alega’,
samente da inversão do ônus da prova, contudo, com o advento
é de cada um o ônus das alegações. Portanto, há
do Código de Defesa do Consumidor, o magistrado passou a ter
distribuição igual do ônus da prova, ficando recla-
um respaldo legal para solucionar os conflitos e tentar equilibrar a
mante e reclamado com o encargo da prova do que
diferença existente entre os pólos que compõem a relação laboral.
428 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
Isso porque o art. 6º, VIII do CDC poderá ser utilizado e aplicado de
03-00-8 RO; Data de Publicação: 04/04/2011; Ór-
forma subsidiária para solucionar a lide, visando igualar a relação
gão Julgador: Sexta Turma; Relator: Emerson Jose
de desequilíbrio de forças entre as partes.
Alves Lage; Revisor: Anemar Pereira Amaral; Belo
Corroborando com tal entendimento, TEIXEIRA FILHO (2003,
Horizonte, 01 de abril de 2013. Pág. 219. Dispo-
p. 166), apesar de acreditar na autossuficiência do art. 818 da
nível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.
CLT, defende a utilização supletiva da norma, vejamos:
htm?conversationId=11632>. Acesso em 22 de maio de 2013).
(...) conquanto entendemos que o art. 818, da CLT, é auto-suficiente, em matéria de ônus probandi,
Assim, percebe-se a pertinência da abordagem a repeito do
nada obsta a que se utilize, em caráter supletivo,
tema, que é tratado expressamente no Código de Defesa do Con-
a regra inscrita no inciso VII, do art. 6º, do CDC,
sumidor em seu art. 6º VIII (BRASIL, 2013), in verbis:
máxime, nos casos em que o trabalhador for, verdadeiramente, hipossuficiente.
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: (...)
Nesse diapasão, é nítida a importância da utilização da inversão
VIII- a facilitação da defesa de seus direitos inclusive
do ônus da prova no direito trabalhista, pois o reclamante, na maioria
com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no pro-
das vezes, não é capaz de produzir a prova que sustenta sua alega-
cesso civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a
ção, devido ao seu estado de hipossuficiência ou até mesmo em de-
alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo
corrência da alta onerosidade para a sua produção, inviabilizando-se,
as regras ordinárias de experiências.
assim, o próprio direito pleiteado (PAULA, 2001, p. 151).
No mesmo sentido, o Tribunal Regional do Trabalho de
Minas Gerais perfilha seu entendimento:
Portanto, dada à vulnerabilidade do consumidor, torna-se necessário a aplicação da regra de inversão do ônus da prova no intuito de equilibrar as partes que são desiguais tanto técnica quan-
EMENTA: HORAS EXTRAS. ÔNUS DA PROVA. AU-
to economicamente. Sendo assim, o magistrado deverá observar
SÊNCIA DOS CARTÕES DE PONTO. SÚMULA 338
a incidência da verossimilhança das alegações ou da hipossufici-
DO TST. A ausência injustificada de controle e re-
ência do consumidor para aplicar a inversão do ônus probandi.
gistro da jornada de trabalho pela empregadora,
De acordo com LOPES (2002, p. 50), “a alegação verossímil é
nos termos do art. 74 da CLT, implica inversão do
que tem aparência de verdade”. O juiz terá que analisar se há motivos
ônus de prova, gerando, com isso, presunção fa-
para crer ou não nas afirmações do autor. Ainda, o art. 335 do CPC
vorável à reclamante quanto aos horários de tra-
(BRASIL, 2013) aduz que “[...] o juiz aplicará as regras de experiên-
balho declinados na peça de ingresso. Trata-se da
cia comum subministradas pela observação do que ordinariamente
aplicação do entendimento consolidado pelo item
acontece e ainda as regras da experiência técnica [...]”.
I da Súmula 338 do TST. Sendo relativa essa pre-
Além da análise do critério supracitado, deverá o ma-
sunção, ela pode ser elidida por prova em contrá-
gistrado observar outro requisito, qual seja: a hipossuficiência
rio. Deve, assim, ser sopesada pelo magistrado,
do consumidor, que se traduz pela sua capacidade econômica
não atingindo direitos que tenham sido afastados
e técnica. Todavia, a hipossuficiência não está ligada apenas ao
por outro meio de prova. A convicção do julgador,
conteúdo financeiro, mas também ao social, de técnicas, de infor-
portanto, também se forma com apoio nas demais
mações, portanto, estando o consumidor em manifesta posição
provas existentes nos autos. Desse modo, a con-
de desequilíbrio diante do fornecedor (PAULA, 2001, p. 150).
fissão presumida é tão-somente um dos meios de
Nessa esteira, observado tais requisitos, a inversão do ônus
prova destinado a apreender a realidade vivencia-
da prova é um dos caminhos facilitadores para a defesa do con-
da no contrato de trabalho. (BRASIL. Tribunal Re-
sumidor, sendo imposta por força de lei devido à situação de desi-
gional do Trabalho. Recurso Ordinário nº 00463-
gualdade entre os litigantes. Outrossim, a proteção conferida pelo
2010-107-03-00-8. Recorrente: Juliana Márcia
código consumerista, visa estabelecer uma relação de equilíbrio,
Silva Santos. Recorrido: Mongeral Aegon Seguros
sujeitando-se o fornecedor a produção da prova, já que dispõe de
e Previdência S.A.
uma facilidade maior que o consumidor (PAULA, 2001, p. 151).
(TRT da 3.ª Região; Processo: 00463-2010-107-
Diante do exposto, nota-se que o Código do Consumidor mui-
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to se assemelha ao Processo Trabalhista, sendo viável, assim, a
sob pena de serem admitidas como verdadeiras as
aplicação subsidiária do dispositivo da inversão do ônus da prova
alegações feitas pelo empregado.
na seara trabalhista. Afinal, tanto o direito consumerista quanto o direito laboral são edificados em um alicerce basilar e fundamental, o qual é o da hipossuficiência de uma das partes.
Assim, verifica-se que o tema geral que envolve o princípio supracitado é a questão da disponibilidade dos meios probatórios, o problema cinge-se no fato de transferir o encargo do ônus
4 A inversão como meio de acesso à justiça:
probandi àquele que está apto a isso, tornando concreto, dessa
uma visão principiológica
forma, o direito da parte.
A importância da teoria da inversão do ônus da prova é visível
Já o Princípio do in dúbio pro operário, versa sobre a pos-
quando se trata da posição de igualdade dos litigantes no pro-
sibilidade do magistrado, em caso de dúvida razoável, interpretar
cesso, essencialmente devido ao fato da sentença apoiar-se nas
a prova em benefício do trabalhador, que geralmente é o autor da
provas produzidas nos autos.
ação trabalhista (LEITE, 2007, p. 257).
Desse modo, o equilíbrio da distribuição do ônus da pro-
No entanto, a aplicação desse princípio deve ser feita de for-
va, bem como a utilização da inversão quando necessário, alcan-
ma cautelosa, competindo ao juiz o dever de analisar com discer-
ça de modo justo e efetivo o devido processo legal, facilitando-se,
nimento e ponderação o momento da sua utilização, para alcan-
assim, o acesso à justiça.
çar, assim, uma solução justa e adequada ao litígio.
Nesse sentido, ALMEIDA (2009, p. 16) explicita:
Por fim, o princípio da pré-constituição da prova cuida-
-se daquele instrumento que já se encontra em poder da pessoa A nosso juízo, verificando o descompasso entre
antes que se inicie o processo, como exemplo, as anotações dos
as necessidades sociais e a solução adotada
horários de trabalho que devem ser feitas pelo empregador. Nesse
pelo direito processual do trabalho e visando fa-
sentido, cumpre destacar que o ônus da prova preconstituída ca-
vorecer o acesso à justiça e a realização concre-
berá ao detentor desta, de forma a facilitar a solução da demanda.
ta dos direitos assegurados pela ordem jurídica,
Por todo exposto, nota-se a importância da utilização da inver-
notadamente os de natureza fundamental, o juiz
são do ônus da prova, respeitando os princípios que a norteiam,
está autorizado a recorrer ao direito processual
para que assim seja possível alcançar uma justiça célere, rápida e
comum para adotar a solução que seja mais con-
eficiente, bem como torne concreto o seu acesso.
dizente com as necessidades sociais. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com efeito, a inversão do ônus da prova, quando necessária,
As discussões que envolvem o ônus da prova sempre foram de
deve ser utilizada para patrocinar o acesso à justiça do trabalho, to-
fundamental importância para o desenvolvimento acerca do tema.
davia, sempre que este instituto for empregado, será necessária a
Os doutrinadores e críticos, ao firmarem seus entendimentos,
observância de alguns princípios, quais sejam: o da aptidão para a
acabam por construir soluções que tornam concreta a realização
prova; o do in dúbio pro operário e o da pré-constituição da prova.
dos direitos assegurados pela ordem jurídica.
O princípio da aptidão estabelece que a prova deverá
Sob essa concepção, pode-se constatar a pertinência da utiliza-
ser produzida por aquela parte que a detém, independente de ser
ção supletiva, no processo trabalhista, das normas presentes no di-
autor ou réu, desde que haja a inacessibilidade e dificuldade de
reito comum, para garantir assim, um processo mais célere e efetivo.
apresentação por alguma das partes (PAULA, 2001, p. 139). A propósito, PAULA (2001, p. 143) afirma, em conclusão, que:
Com efeito, as questões atinentes a respeito do ônus da prova no Código de Processo Civil, bem como a sua inversão, prevista no Código de Defesa do Consumidor, devem ser empregadas tam-
Indiscutivelmente, o princípio será aplicado todas as
bém no direito trabalhista sempre que necessário, vislumbrando-
vezes em que o empregado não pode fazer a prova a
-se assim, um processo mais flexível, dinâmico e eficaz.
não ser através de documento ou coisa que a parte
Para tanto, é necessário, de acordo com SANTOS (2002, p. 43):
contrária detém. Partindo do princípio da boa fé, que informa a conduta processual dos litigantes, todas
[...] a disseminação de uma nova mentalidade dos
as vezes que o documento, por seu conteúdo, for co-
operadores das ciências jurídicas, em especial,
mum às partes, haverá também a inversão do ônus
dos magistrados, no sentido de ampliar sua visão,
da prova, competindo ao empregador colacioná-lo,
dos conflitos sociais que nos cercam, passando a
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aplicar institutos, como a inversão do ônus da prova, não só nas demandas que envolvem as relações de consumo, mas em todas aquelas em que, sem o referido instituto, impossível a ampla produção de provas, e consequentemente, mais difícil a justa solução do litígio. Nesse sentido, conclui-se que enquanto não ocorre uma reforma no direito processual do trabalho, a utilização subsidiária de normas mais céleres e eficientes do direito comum, como a inversão do ônus da prova, faz-se imprescindível para garantir o acesso
DAIDONE, Décio Sebastião. Direito processual do trabalho: ponto a ponto. São Paulo: 2. Ed. Ltr, 2001. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: 5. Ed. LTr, 2007. LOPES, João Batista. A prova no Direito Processual do Trabalho. 2ª Edição. São Paulo: RT, 2002. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho. 18. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
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PAULA, Carlos Alberto Reis de. A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2001. SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV, 1989. ________. Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 2. 24. Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 2008. SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova. São Paulo. Ed. Revistas dos Tribunais, 2002. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A prova no processo do trabalho. 8. Ed. São Paulo: LTr, 2003. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. I. 30. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
NOTAS DE FIM 1 Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2013 2 Silva, Antônio Álvares. , A prova com direito humano e direito fundamental das partes no processo judicial, Belo Horizonte, 2011, p. 64.Disponível em<http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUOS8MRFX8/cleber_almeida_27.04.11.pdf?sequence=1> Acessado em 23 de maio de 2013.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 14ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris. 2006. CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2008. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 431
LEI Nº 12.551/2011 E A NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 6º DA CLT: A aplicação da CLT ao teletrabalhador Larissa Rodrigues D’Angelis1
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo definir o conceito de teletrabalhador, bem como traçar os pressupostos dessa nova relação de emprego. Diante disto, pretende-se explicar a caracterização do vínculo empregatício, contrapondo os questionamentos que surgiram a partir da alteração do artigo 6º da Consolidação das Leis Trabalhistas e identificar como a CLT será aplicada nesta nova relação laboral que vem surgindo, já que o teletrabalhador não se submete as dimensões clássicas de emprego. PALAVRAS-CHAVE: teletrabalho; trabalho à distância; vínculo empregatício; jornada de trabalho. ÁREA DE INTERESSE: Direito do Trabalho
1 INTRODUÇÃO
Complexo de princípios, regras e institutos jurídi-
O presente trabalho trata das mudanças nas relações tra-
cos que regulam a relação empregatícia de tra-
balhistas, pois com o uso da tecnologia, permitiu-se que o em-
balho e outras relações normativamente especifi-
pregado preste serviços ao empregador mesmo que a distância,
cadas, englobando, também, os institutos, regras
surgindo, assim, o teletrabalho.
e princípios jurídicos concernentes às relações
Maior produtividade, redução de custos, quebra de barreiras
coletivas entre trabalhadores e tomadores de ser-
territoriais, inclusão social, são consequências do trabalho pres-
viços, em especial através de suas associações
tado à distância, em que há utilização de meios tecnológicos. Es-
coletivas. (DELGADO, 2012, p. 51).
tas vantagens fazem com que cada dia mais o teletrabalho faça parte da sociedade. Ocorre que sempre que algo novo adere incisivamente o comportamento social, além das vantagens, surgem também problemas e vários questionamentos sobre sua prática.
Ademais, cumpre explicitar que a relação de emprego é uma relação jurídica, em que uma pessoa física (empregado), presta serviço a outrem de forma pessoal, onerosa, não-eventual e subordinada. Entretanto, embora o Direito do Trabalho tenha conceitos e
Deste modo, no que tange o teletrabalho, questionam-se a
formas de aplicações bastante consolidadas e bem embasadas
existência do vínculo empregatício, e decorrente disto, os demais
nos preceitos basilares da matéria, ao longo do tempo, o Direito
direitos do teletrabalhor.
do Trabalho careceu de adaptar-se às novas práticas cotidianas
Assim, este artigo vem demonstrar, através de uma abor-
das relações de emprego, para que, deste modo, pudesse con-
dagem jurídica, a relação de emprego existente no teletra-
tinuar a perpetrar decisões e entendimentos no ordenamento
balho, bem como a aplicação das normas trabalhistas, de
jurídico de maneira justa e consoante à realidade da sociedade.
acordo com o entendimento que vem sendo formado através
Atualmente, com a nova era que surge, a sociedade se encon-
dos doutrinadores do direito e do entendimento jurispruden-
tra em um processo tecnológico, passando reiteradamente por revo-
cial dos magistrados.
luções digitais, em que os meios de comunicação começam a afetar incisivamente a vida pessoal e profissional da população.
2 AS NOVAS TECNOLOGIAS E OS IMPACTOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Assim sendo, a utilização de meios tecnológicos, como celulares ou notebooks, possibilitam a interligação de dados e infor-
O Direito do trabalho, no sentido lato, que compreende o
mações mediante o uso de Banco de Dados, Planilhas Eletrôni-
Direito Individual e o Direito Coletivo do Trabalho, advém da
cas, além de permitir o contato em tempo real entre empregado
necessidade de regular as relações e litígios oriundos das re-
e empregador, mesmo que em lugares diferentes, através de e-
lações de emprego. Consoante com este entendimento, Mau-
-mails, mensagens instantâneas, videoconferências, o que per-
rício Godinho Delgado, em seu livro Curso de Direito do Traba-
mite maior agilidade e redução de despesas, fazendo com que
lho, conceitua o Direito Trabalhista como o
escritório tradicional ceda espaço ao escritório virtual.
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O teletrabalho, de origem grega, onde tele significa distância,
ta que este entendimento já vinha sendo perpetrado nas decisões
pode ocorrer por variadas formas, como através de Centro Saté-
dos magistrados e as duvidas existentes em relação ao teletraba-
lites, que são centro de trabalho remoto onde abrigam pessoas
lho não foram sanadas pela lei.
trabalhando para um só empregador, Home-Office, desenvolvido
Ademais, há em tramitação no Congresso Nacional o projeto
na própria residência do trabalhador ligada a uma base de dados,
de lei nº 4505 de 2008, do Deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas que
dentr outros. O trabalhado prestado à distância também pode
“Regulamenta o trabalho à distância, conceitua e disciplina as re-
abranger vendedores, corretores, jornalistas, blogueiros.
lações de teletrabalho e dá outras providências” (BRASIL, 2008).
Deste modo, constata-se que com as revoluções digitais e o
Posto isto, verifica-se que a intenção de regulamentar o tele-
uso cada vez mais frequente da tecnologia como ferramenta de
trabalho e a mudança já ocorrida na legislação celestista, prospe-
trabalho alteraram a forma de se trabalhar, fazendo com que o or-
ram mais segurança jurídica ao teletrabalho. Entretanto, avulsa as
denamento juridico se adequasse a esta nova prática trabalhista.
mudanças da legislação, o ordenamento jurídico já reconhecia o teletrabalho, como se observa adiante.
3 A REPERCUSSÃO NO ORDENAMENTO JÚRIDICO O Direito do Trabalho, criado à luz da Revolução Industrial
1 DEFINIÇÃO DE TELETRABALHO
(Século XVIII), constituiu-se através das premissas do trabalho re-
A definição de teletrabalho se encontra em um processo de
alizado nas fabricas, sob operação de máquinas a vapor, mecani-
formação evolutiva, havendo mais de uma definição e algumas
zação de tarefas, produção em série e a concentração de grande
divergências quanto ao uso dos meios telemáticos2 e a frequência
mão-de-obra assalariada, diretamente subordinada.
das atividades realizadas fora do estabelecimento do empregador.
No entanto, as exigências do mercado contemporâneo,
Desta forma, vale aludir o conceito trazido pela Organização
para que as empresas utilizem novos meios tecnológicos que
Internacional do Trabalho (OIT, 1996, apud JARDIM, 2003, p. 37),
possibilitam maior produção com baixo tempo e custo, bem
em que teletrabalho “é a forma de trabalho efetuada em lugar dis-
como a necessidade de ultrapassar barreiras extraterritoriais
tante do escritório central e/ou do centro de produção, que permi-
existentes no mercado, fazem surgir um novo tipo de relação de
ta a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia
emprego, o teletrabalho.
facilitadora da comunicação”. (Grifou-se)
A fim de se adequar a esta nova fase tecnológica o artigo 6º da Consolidação das Leis trabalhistas sofreu alteração para inse-
Já a Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (SOBRATT, 2008) aduz que:
rir o trabalho a distância em seu texto, garantindo ao teletrabalhador os mesmos direitos daqueles que prestam serviço no estabe-
Teletrabalho é todo e qualquer trabalho realizado a
lecimento do empregador.
distância (tele), ou seja, fora do local tradicional de
Destarte, o referido artigo, aduz que “Não se distingue entre o
trabalho (escritório da empresa), com a utilização
trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o execu-
da tecnologia da informação e da comunicação,
tado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada
ou mais especificamente, com computadores, te-
a relação de emprego.” (BRASIL, 1943)
lefonia fixa e celular e toda tecnologia que permita
Não obstante, com o advento da Lei nº 12.551 de 15/12/2011,
trabalhar em qualquer lugar e receber e transmitir
em vigor desde a sua publicação, passou a dispor o seguinte texto:
informações, arquivos de texto, imagem ou som relacionados à atividade laboral.(Grifou-se).
Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado
Sendo assim, pode-se entender como requisitos essenciais
no domicílio do empregado e o realizado a distân-
para configurar uma atividade como teletrabalho, a prestação de
cia, desde que estejam caracterizados os pressu-
serviço fora do estabelecimento patronal e a utilização de tecno-
postos da relação de emprego.
logias para permitir o contato entre empregado e empregador3.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informati-
Para Alice Monteiro de Barros (2007, p. 317), “teletrabalho é mo-
zados de comando, controle e supervisão se equipa-
dalidade especial de trabalho à distância” e se distingue de trabalho
ram, para fins de subordinação jurídica, aos meios
a domicílio, não somente pelo desempenho de tarefas mais comple-
pessoais e diretos de comando, controle e supervi-
xas do que as manuais, mas também por abranger setores diversos
são do trabalho alheio. (BRASIL, 1943). (Grifou-se)
como vendas e consultorias, além da utilização de novas tecnologias.
Entretanto a Lei 12.551/2011 não trouxe novidades, haja vis-
Contudo, estes conceitos são vagos e possuem algumas
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lacunas, dificultando o enquadramento de determinado ser-
personae (pessoalidade), de forma não-eventual, onerosa e sob
viço como teletrabalho, como quando o trabalhador também
subordinação ao tomador de serviços.
frequenta o estabelecimento patronal. Além disso, a atividade
Assim, presente estes requisitos, bem como a prestação de
não necessita que o uso de meios telemáticos sejam através de
serviço fora do ambiente patronal e mediante o uso de tecnolo-
novas tecnologias, mas sim, de meios tecnológicos.
gias, configura-se o vínculo empregratício no teletrabalho.
Por isto, com intuito de melhor definir a espécie, a autora en-
Entretanto, com o intuito de se esquivarem do reconhecimen-
tende por teletrabalho, aquele prestado, em ponto fixo ou variá-
to do vínculo de emprego e suas consequências, algumas corren-
vel, predominantemente fora do estabelecimento do empregador,
tes alegam a ausência de subordinação ou não-eventualidade na
onde haja a utilização de tecnologias, sobretudo, da informação e
prestação de serviço do teletrabalhador, devido a maior dificulda-
da comunicação à distância, como meio de controle e comando
de em indentificá-los nesta nova modalidade de emprego.
das tarefas desempenhadas pelo obreiro. Frente ao conceito de teletrabalhador, agora, pode-se realizar uma análise jurídica do teletrabalho, indentificando o vínculo trabalhista e os demais direitos do empregado.
2.1.1 Subordinação Neste atual contexto de constante crescimento dos trabalhos à distância, o trabalhador passa a não se apresentar mais no ambiente patronal e, portanto, não se submete à dimensão clássica
2 ASPECTOS JURÍDICOS DO TELETRABALHO Embora a legislação preestabeleça os requisitos do contrato de trabalho e resguarde os direitos da parte hiposuficiente, estes
de subordinação direita. Desta forma, é necessário que a perspectiva de subordinação seja revista, de modo a coibir a identificação do teletrabalhador como autônomo.
preceitos estão predominantemente ligados ao trabalho presen-
Primeiramente, cumpre salientar que o empregado diverge do
cial, enquanto o trabalhador esta cada vez menos presente no
autônomo devido à ausência de subordinação deste, vez que exer-
ambiente pratronal e mais ligado aos meios tecnológicos.
ce suas atividades por conta própria e assume todos os ricos da
Por isto, surge, primeiramente, a indagação quanto à existên-
atividade. Além disso, é regulamentado pelos artigos 539 a 609
cia de subordinação e não-eventualidade, e, consequentimente,
do Código Civil, possuindo a denominação Prestação de Serviços.
se há configuração do vínculo de emprego no teletrabalho. Outros-
Em contraponto às caracteristicas do autônomo, o teletra-
sim, intrinsecamente relacionado, também se questiona o con-
balhador não assume os riscos da atividade, estando vincula-
trole de jornada, horas-extras, dentre outros direitos, motivo pelo
do, ainda que indiretamente, ao arbítrio do tomador de serviço,
qual passa-se à analize da questão.
na medida em que exerce suas atividades a partir das decisões do tomador de serviços e seu êxito está condicionado à apro-
2.1 Configuração do Vínculo Empregatício
vação deste. Isto ocorre, por exemplo, com a constante troca
Dispõe a CLT, em seu artigo 442 que o “contrato individual de
de e-mails e mensagens, que determinam as tarefas a serem
trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de
realizadas e monitoram a execução.
emprego”. Não obstante, infere-se dos artigos 2º e 3º da CLT, ao elen-
Ademais, conforme prevê a nova redação do artigo 6º da le-
car os conceitos de empregado e empregador, os elementos fático-
gislação celetista (BRASIL, 1943), “os meios telemáticos e infor-
-jurídicos que compreendem a relação empregatícia. In verbis:
matizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de co-
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, in-
mando, controle e supervisão do trabalho alheio”.
dividual ou coletiva, que, assumindo os riscos da
Portanto, não há que se falar em ausência de subordina-
atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
ção no trabalho à distância, por não possuir comando direto,
prestação pessoal de serviço.
haja vista que as novas tecnologias concedem o contato entre
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa físi-
empregado e empregador, permitindo a incidência de controle
ca que prestar serviços de natureza não eventual a
e a supervisão. Assim, a subordinação no teletrabalho, pode
empregador, sob a dependência deste e mediante
ocorrer através de sistema de logon/logoff, relatórios, mensa-
salário. (BRASIL, 1943)
gens instantâneas, ligações, dentre outras. Ainda que, como ocorre em alguns casos, o tomador de
Isto posto, compreende-se, pela doutrina majoritária, a exis-
serviço não controle constantemente o serviço que lhe é pres-
tência de cinco elementos fático-jurídcos, que são a prestação
tado, abrandando ainda mais a presença da subordinação e
de trabalho por pessoa física a um tomador, efetuada com intuitu
aumentando o risco da informalidade do teletrabalhador, este
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permanece sobre controle e supervisão, vez que a presença de
ou estrutural), como também aquele que realiza,
subordinação esta ligada à concretização do trabalho pactuado
ainda que sem incessantes ordens diretas, no
nos moldes da empresa, e não aos pequenos comandos ou de-
plano manual ou intelectual, os objetivos empre-
cisões arbitrados pelo obreiro, que não interferem na atividade
sariais (subordinação objetiva), a par do prestador
fim, como, por exemplo, o horário de lanche.
laborativo que, sem receber ordens diretas das
Desta forma, Maurício Godinho Delgado (2012, p. 336), ao
chefias do tomador de serviços, nem exatamente
delinear melhor a ausência de subordinação expõe que a mesma
realiza os objetivos do empreendimento (ativida-
“[...] é aferida a partir de um critério objetivo, avaliando-se sua
des de meio), por exemplo, acopla-se, estrutural-
presença na atividade exercida, no modo de concretização do tra-
mente, à organização e dinâmica operacional da
balho pactuado”. (Grifou-se)
empresa tomadora, qualquer que seja sua função
Logo, embora a observância da subordinação se dê forma
ou especialização, incorporando, necessariamen-
mais tênue no teletrabalho, no qual, ocorre devido à ausência de
te, a cultura cotidiana empresarial ao longo da
comando direto, circunstância que, muitas vezes, impede o reco-
prestação de serviço realizada (subordinação es-
nhecimento do vinculo, Sergio Pinto Martins (2007, p. 153) lecio-
trutural). (DELGADO, 2012, p. 298-299)
na que “a questão de o trabalhador prestar serviços externamente não irá dirimir a zona cinzenta que se revela entre a relação de
Ante o exposto, seja o teletrabalho, comandado do modo clássico, com o emprego de, por exemplo, Workflow4, login/
emprego e o trabalho autônomo”. Em Minas Gerais, as decisões do Tribunal Regional do Trabalho corroboram este entedimento. In verbis:
logoff e mensagens instanêas durante todo o exercício da atividade, ou de modo objetivo ou estrutural, mediante o uso de e-mails semanais e banco de dados onde as tarefas são inclui-
EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. A prestação de
das após finalizadas, há, evidentemente, a presença de subor-
serviços na residência do empregado não constitui
dinação, não podendo, por este motivo, descacterizar o vínculo
empecilho ao reconhecimento da relação de empre-
de emprego do teletrabalhador.
go, quando presentes os pressupostos exigidos pelo artigo 3º da CLT, visto que a hipótese apenas eviden-
2.1.2 Não eventualidade
cia trabalho em domicílio. Aliás, considerando que a
No que tange à habitualidade no estabelecimento do em-
empresa forneceu equipamentos para o desenvolvi-
pregador, muito se questiona o caráter eventual da prestação de
mento da atividade, como linha telefônica, compu-
serviço no teletrabalho, na qual, diante da baixa frequência ou au-
tador, impressora e móveis, considero caracterizada
sência comparecimento ao ambiente patronal, sofrem, de manei-
hipótese de teletrabalho, visto que o ajuste envolvia
ra fraudulenta, a descaracterização do vínculo.
execução de atividade especializada com o auxílio da
Entretanto, entende-se, de acordo com a teoria dos fins em-
informática e da telecomunicação. (TRT 3ª Região,
preendimento, que “[...] eventual será o trabalhador chamado a
Sétima Turma, RO 31973/09, Rel. Des. Jesse Claudio
realizar tarefa não inserida nos fins normais da empresa” (GODI-
Franco de Alencar, DJ 25.11.2009)
NHO, 2012, P. 290). Deste modo, são eventuais aqueles que exercem atividade de meio, cujo objetivo é proporcionar a execução
Consoante este entendimento, Maurício Godinho Delgado
das tarefas de objetivo principal da empresa.
(2012, p. 289-299) entende, como forma de superar as dificul-
Posto isto, mesmo que o teletrabalhador compareça expo-
dades de equandramento dos fatos do novo mundo e alcançar
radicamente às dependências do empregador, seu serviço tam-
o expancionismo do Direito do Trabalho, que é trabalhador su-
bém tem por objetivo alcançar a finalidade da empresa. Assim,
bordinado quaisquer daqueles que se enquadrarem a uma das
não há como impedir a descaracterização do vínculo por sua
três dimensões de subordinação, seja a classica (tradicional),
natureza tecnológica permitir a prestação de serviço à distân-
objetiva ou estrutural. O doutrinador propõe que:
cia, vez que a mesma continua a ser exercida, ainda que embora fora do ambiente patronal.
Na essência, é trabalhador subordinado desde o humilde e tradicional obreiro que se submete à in-
Ademais, a jurisprudência corrobora este entendimento. Vejamos:
tensa pletora de ordens do tomador ao longo de sua prestação de serviços (subordiação classica
VÍNCULO DE EMPREGO. PROFESSOR. CURSOS À
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 435
DISTÂNCIA. Como bem destaca a r. sentença re-
em determinar que o simples fato do trabalho ser descontínuo
corrida, o reclamante foi contratado intuitu perso-
ou ininterrupto não descaracterizaria o vínculo. Assim, um tra-
nae para trabalhar no assessoramento dos cursos
balhador que presta seus serviços de forma permanente, mas
à distância. A intermitência invocada pela reclama-
apenas às sextas, não seria hipótese de trabalhado eventual.
da não descaracteriza o vínculo jurídico de empre-
Desta forma, seja o serviço for prestado exclusivamente à
go entre o professor e a instituição de ensino, por
distância ou de modo que o teletrabalhador também visite, expo-
não ser imprescindível que o empregado compa-
radicamente, o ambiente patronal, não poderá ser descartado o
reça ao estabelecimento de ensino todos os dias,
vínculo de emprego pela ausência de não-eventualidade caso o
especialmente no presente caso concreto, por
serviço seja prestado de forma permanente.
ter sido contratado o reclamante para trabalhar na execução do Projeto Pedagógico dos Cursos à
2.2 Jornada de Trabalho, Horas-Extra e Sobraviso
Distância instituído pela Universidade reclamada,
Intrinsecamente relacionada à dificuldade em evidenciar a
portanto só comparecendo às atividades presen-
caracterização do vínculo empregático, surge a dúvida se o tele-
ciais com a frequência que lhe for determinada
trabalhador faz jus ao recebimento de horas-extra ou sobreaviso.
pelo empregador, o que não descaracteriza a ‘não
Entretanto, para isto é necessário delinear, primeiramente, como
eventualidade’ do vínculo jurídico contratual que
será realizada e controlada sua jornada.
preside o relacionamento jurídico entre as partes.
Segundo Sergio Pinto Martins, em francês, usa-se a expres-
Em se tratando de ensino à distância não é impres-
são jour, que significa dia, e journée para jornada, de modo que
cindível a presença física do empregado no estabe-
jornada de trabalho a quantidade de labor diário do empregado
lecimento de ensino diariamente para que haja a
(MARITNS, 2007, p. 488).
configuração da relação de emprego, como ocorre
Já Maurício Godinho, leciona de forma mais precisa que “Jor-
com o trabalho externo e com o teletrabalho. Quem
nada de trabalho é o lapso temporal diário em que o empregado
se insere num Projeto Pedagógico de Cursos à Dis-
se coloca à disposição do empregador em virtude do respectivo
tância, trabalha para o empregador em casa, par-
contrato” (DELGADO, 2012, p. 862). Assim, o texto constitucional
ticipa de uma equipe de teletrabalho ou que seja
determina a jornada máxida de 8 (oito) horas diárias, podendo
contratado para trabalhar online sozinho em casa,
chegar até 44 (quarenta e quatro) horas semanais. In verbis:
tem plenamente preenchido o requisito da não eventualidade necessária para a proclamação ju-
Art. 7° São direitos dos trabalhadores urbanos e
dicial da existência do vínculo jurídico de emprego.
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
Os cursos à distância até podem ter curta du-
condição social: (...)
ração, ser sequenciados ou ser descontinuados, o que depende exclusivamente do poder de co-
XIII. Duração do trabalho normal não superior a
mando empresário e não da vontade individual
oito horas diárias e quarenta e quatro semanais,
dos professores contratados. A atividade empre-
facultada a compensação de horários e a redução
sarial de educação superior adotada pela recla-
da jornada, mediante acordo ou convenção coleti-
mada é permanente, como instituição de ensino
va de trabalho; (BRASIL, 1988)
superior privada - uma Universidade particular -, cuja característica de permanência fundamenta
Entretanto, o artigo 59 da CLT dispõe que “A duração normal
o princípio jurídico da continuidade da relação
do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em nú-
de emprego, de molde a afastar a suposta even-
mero não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre
tualidade por ela invocada. (TRT da 3ª Região,
empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de tra-
3ª Turma, RO 00423-2009-042-03-00-1 RO, Rel.
balho” (BRASIL, 1943), bem como o pagamento das horas com
Milton V. Thibau de Almeida - DJ 8/2/2010).
acrescimo de no mínido 50% sobre a hora normal. Deste modo, o trabalho que for prestado em sobretempo à jornada normal do
Outrossim, o próprio texto celetista, ao se referir a um dos
empregado, dará a este o direito ao recebimento de horas-extras.
requisitos para configuração do vínculo empregatício como não-
Não obstante ao previsto no texto celetista, bem como a garan-
-eventualidade, por si só, demonstra a intenção do legislador
tia fundamental constitucional, existe uma corrente que entende não
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fazer jus o teletrabalhador ao recebimento de horas-extras. Tal po-
quem deveria dividir as tarefas.
sicionamento basea-se na classificação de sua jornada como “não
Assim, fixada a jornada do teletrabalhador, procedimentos como
controlada”, que são aquelas quando o empregador não pode reali-
a troca de mensagens entre empregado e empreagador ou e-mails
zar efetivo controle, prevista no artigo 62, I, do texto celetista5.
com ordens de serviço em horário extraordinário, darão ao obreiro
Consoante este etendimento, o Deputado Luiz Paulo Vellozo Lu-
o direito ao recebimento horas-extra. Deverá o tomador, a fim de se
cas, no artigo 6º, Parágrafo Único do Projeto de Lei 4505 de 2008,
resguardar, inserir no corpo do e-mail que as tarefas ali delineadas
determina que “Em razão do caráter de controle de jornada aberta e,
deverão ser cumpridas durante a jornada de serviço, e também evitar
via de regra, de forma virtual, aos empregados teletrabalhadores não
ligações ou mesangens instantâneas fora do horário.
será contemplado o direito às horas extras, devendo a remuneração ajustar-se às horas normais de trabalho” (BRASIL, 2008). Entretanto, somente não se enseja cálculo de hora-extra quando a aferição da jornada de trabalho do obreiro for insusce-
Outro aspecto do teletrabalho que gera divergência, é caracterização do regime de sobreaviso, principalmente após a nova redação dada ao artigo 6º da CLT, no qual, equipara os aparelhos telemáticos aos meios pessoais e diretos de controle e supervisão.
tível, ou seja, quando a impossiblidade do cômputo do seu tempo
Entende-se por sobreaviso, segundo o artigo 244, § 2º da CLT
de serviço impede a percepção da prestação de horas extraordiná-
(BRASIL, 1943), o empregado efetivo, que permanecer em sua pró-
rias. O que nem sempre ocorre no teletrabalho.
pria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o ser-
Embora o teletrabalhador preste serviço fora do alcace
viço. Este dispositivo foi editado exclusivamente para os ferroviários,
do seu empregador, esta modalidade de trabalho, que possui
entretanto, os novos meios de comunicação utilizados em outros
como um dos seus requisitos o uso da temática, permite, por
segmentos, fizeram com que houvesse uma interpretação analógica,
meio desta, o efetivo controle da jornada, através do registro de
para possibilitar os demais trabalhadores o direito ao sobreaviso.
login/logoff do obreiro no sistema.
Assim, também conforme o dispositivo legal supracitado, o
O controle da jornada também pode ocorrer mediante a utilização de outros recursos tecnológicos. Exemplo disto ocorre na
obreiro que permanecer sob o regime de sobreaviso fará jus ao recebimento de 1/3 da hora de serviço normal:
International Business Machines (IMB), onde os representantes de vendas em São Paulo digitam seus nomes em micro localiza-
§ 2º - Considera-se de “sobreaviso” o emprega-
dores ao descerem do elevador, obtendo deste a informação da
do efetivo, que permanecer em sua própria casa,
mesa que utilizaram6.
aguardando a qualquer momento o chamado para
Além disto, deve ser aplicado ao teletrabalhador, de acordo
o serviço. Cada escala de “sobreaviso” será, no
com o expancionismo do Direito do Trabalho, o disposto no aritgo
máximo, de 24 horas. As horas de “sobreaviso”,
74, § 3º, da CLT, já que meios informatizados como os bancos de
para todos os efeitos, serão contadas à razão de
dados e Workflow podem ser equiparados às fichas e papeletas
1/3 do salário normal. (BRASIL, 1943)
que constam os horários dos empregados. Vale ressaltar que a limitação da jornada de trabalho é neces-
Havia o entendimento de que o simples uso de aparelho de
sária e possui embasamento, segundo Sergio Pinto Martins, em pelo
intercomunicação, como o celular, por si só, não caracterizava re-
menos quatro fundamentos: biológicos, que dizem respeito aos efei-
gime de sobreaviso. Era necessário que o empregado permacesse
tos psicofisiológicos causados ao empregador, decorrentes da fadiga;
em sua casa aguardando o chamado, como dispunha a redação
sociais, pois o empregado deve poder conviver e relacionar com ou-
anterior da Súmula 428 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
tras pessoas, com a família, além de tempo para o lazer, econômicos,
Entretanto, após a inclusão do parágrafo único ao artigo 6º
diminuindo o problema de desemprego; e humanos, diminuindo os
da CLT e com a ampliação interpretativa justrabalhista, a Súmu-
acidentes do trabalho (MARTINS, 2007, p. 491).
la 428 do TST foi modificada, passando a versar:
Nesta perspectiva, o teletrabalho traz consigo a vantagem de
SOBREAVISO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244,
possibilitar que o obreiro passe mais tempo em casa, com a famí-
§ 2º DA CLT (redação alterada na sessão do Tribunal
lia ou descansando, já que não gasta tempo com deslocamento
Pleno realizada em 14.09.2012) -Res. 185/2012,
ou possíveis engarrafamentos, por exemplo. Contudo, o que seria
DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
uma vantagem se torna um problema caso a jornada seja aberta.
I - O uso de instrumentos telemáticos ou informati-
Pois, sem fazer jus a horas-extra, o empregador poderá socilitá-
zados fornecidos pela empresa ao empregado, por
-lo a qualquer momento, sobrecarregando sua jornada, além de
si só, não caracteriza o regime de sobreaviso.
propiciar que não haja a contratação de outros funcionários com
II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à
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distância e submetido a controle patronal por instru-
SOB A ÉGIDE DA LEI N.º 11.496/2007. HORAS EX-
mentos telemáticos ou informatizados, permanecer
TRAS. SOBREAVISO. REGIME DE PLANTÃO. ITEM II
em regime de plantão ou equivalente, aguardando a
DA SÚMULA Nº 428 DESTA CORTE SUPERIOR. Con-
qualquer momento o chamado para o serviço duran-
soante o disposto na parte final do inciso II do arti-
te o período de descanso. (BRASIL, 2012)
go 894 da Consolidação das Leis do Trabalho, não caberá recurso de embargos “se a decisão recorrida
Assim, passa valer o entedimento de que o uso dos meios
estiver em consonância com orientação jurispru-
telemáticos relativiza a limitação da liberdade de locomoção do
dencial ou súmula do Tribunal Superior do Traba-
empregado, sendo possível atrelar seu uso às peculiaridades que
lho”. Proferida a decisão da Turma em sintonia com
revelem o controle efetivo do trabalhador, como, por exemplo, es-
o disposto na Súmula n.º 428, item II, desta Corte
calas de plantão. Até mesmo porque este entendimento de perma-
superior, no sentido de que -considera-se em sobre-
necer em casa esta ultrapassado, vez que com o uso dos meios
aviso o empregado que, à distância e submetido a
informatizados, tal como celulares, permite-se ao empregador
controle patronal por instrumentos telemáticos ou in-
manter contato e comando sob o empregado, mesmo a distância.
formatizados, permanecer em regime de plantão ou
Destarte, Corroborando este entendimento, veja-se as mais
equivalente, aguardando a qualquer momento o cha-
recentes Juriprudências do TST:
mado para o serviço durante o período de descanso-, resultam incabíveis os presentes embargos. Recurso
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SOBREAVISO. REGIME
de embargos não conhecido. (TST, Subseção I Es-
DE PLANTÃO. USO DE CELULAR.
pecializada em Dissídios Individuais, E-RR nº 4200-
Esta colenda Corte Superior firmou entendimen-
20.2005.5.03.0114 , Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa,
to no sentido de que considera-se em sobreavi-
DEJT 17/05/2013.) Grigou-se)
so o empregado que à distância e submetido a controle por qualquer meio telemático ou in-
Portanto, segue o entendimento que o empregado que à
formatizado, permanece em regime de plantão,
distância estiver submetido ao controle e comando do tomador,
aguardando a qualquer momento o chamado
permanecendo em regime de plantão durante seu período de des-
para o serviço, durante o seu período de descan-
caso, fara jus ao sobreaviso.
so (Inteligência do item II da Orientação Jurispru-
Ademais, o uso da telemática permite que o empregado
dencial nº 428 da SBDI-1.
saia de casa mesmo em sobreaviso pelo fácil contato com seu
Na hipótese dos autos, o egrégio Tribunal Re-
empregador através de aparelhos móveis. E, ainda assim, o
gional registrou que o reclamante atendia ocor-
obreiro tem seu direito de ir e vir limitado, vez que precisa per-
rências nos períodos de intervalo interjornada
macer dentro de um raio de alcace dos aparelhos e de acesso
durante a semana, podendo ser acionado a
ao trabalho caso seja chamado.
qualquer momento através de aparelho celular
Diante de todo o exposto, ressalta-se que no teletrabalho é
fornecido pela reclamada para uso exclusivo em
essencial o uso de instrumentos informatizados. Assim, o simples
serviço, razão pela manteve a r. sentença que
acesso do empregado ao email, ou responder uma mensagem do
deferiu tal período como de sobreaviso.
empregador fora do horario de serviço seriam suficientes para ca-
Dessa forma, percebe-se que a decisão regional foi
racterizar horas-extra e sobreaviso?
proferida em plena consonância com o item II da
Há uma linha muito tênue que separa esta caracterização no
Orientação Jurisprudencial nº 428 da SBDI-1, o que
teletrabalho devido ao fácil acesso do obreio aos meios de co-
torna inviável o conhecimento do apelo, em face da
muniação. Por isto, caso o empregador não tenha interesse no
Súmula nº 333 e do artigo 896, § 4º, da CLT.
trabalho em tempo extraordinário deverá se resguardar. Para isto,
Agravo de instrumento a que se nega provi-
poderá colocar bloqueio nos logins no período que não compre-
mento. (TST, AIRR n° 463-35.2012.5.24.0031,
ender a jornada do trabalhador, avisos de que as mensagens ou
Rel.
e-mails deverão ser respondidas e realizadas durante a jornada.
Guilherme
Augusto
Caputo
Bastos,
DEJT 24/05/2013). (Grifou-se.)
Caso o empregado desobedeça, deverá o tomador aplicar advertências, pois se o empregado acaba extrapolando sua jornada
Ementa: RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO
constantemente, como, por exemplo, ocorre quando o volume de
438 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
serviço é muito grande, e o empregador, embora não tenha solici-
Posto isto, observa-se que embora a Lei 12.551/2011 não
tado, consentir com esta prática, também fará com que o empre-
conduziu largas mudanças, visto que já havia o entendimento de
gado faça jus a remuneração extra.
equiparação entre trabalhador convencional e teletrabalhador, o
Isto posto, é indiscutível a possibilidade de se controlar a jornada de trabalho do teletrabalhador e, sendo esta possível, é
advento da Lei é de grande valia, vez que esta consolidando os demais direitos inerentes ao teletrabalhador.
patente seu direito a horas-extras, sbreaviso e os demais direitos relacionados a jornada do obreiro.
4 PROJETO DE LEI nº 4505 de 2008 Como já mencionado, existe um projeto de lei que visa regula-
3 CONSEQUENCIAS DA LEI 12.551/2011
mentar o teletrabalho, sob o argumento de que “interpretando-se
Ante uma primeira análise, não são visíveis grandes mudan-
o art. 7º, inciso XXVII, da Constituição Federal, observa-se clara-
ças após a publicação da Lei 12551/2011, vez que já prospera-
mente a preocupação e o interesse do Estado brasileiro em re-
va o entendimento de equiparação entre empregado que presta
gulamentar as matérias de direito que possam representar risco
serviço no estabelecimento patronal e teletrabalhador, conforme
ao trabalho” (BRASIL, 2008) indicando expressamente que deve
demonstra-se através da jurisprudência do ano de 2009:
existir lei específica sobre a proteção em face da automação. Adiante, o artigo 1º do Projeto traz o conceito de teletrabalha-
EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. A prestação de
dor. In verbis:
serviços na residência do empregado não constitui empecilho ao reconhecimento da relação de
Art. 1º Para os fins desta Lei, entende-se como
emprego, quando presentes os pressupostos exi-
teletrabalho todas as formas de trabalho desen-
gidos pelo artigo 3º da CLT, visto que a hipótese
volvidas sob controle de um empregador ou para
apenas evidencia trabalho em domicílio. Aliás,
um cliente, por um empregado ou trabalhador au-
considerando que a empresa forneceu equipa-
tônomo de forma regular e por uma cota superior
mentos para o desenvolvimento da atividade,
a quarenta por cento do tempo de trabalho em um
como linha telefônica, computador, impressora e
ou mais lugares diversos do local de trabalho regu-
móveis, considero caracterizada hipótese de te-
lar, sendo utilizadas para realização das atividades
letrabalho, visto que o ajuste envolvia execução
laborativas tecnologias informáticas e de teleco-
de atividade especializada com o auxílio da in-
municações. (BRASIL, 2008)
formática e da telecomunicação. (TRT da 3ª Região, Sétima Turma, RO nº 31973/09, Rel. Jesse Claudio Franco de Alencar, DEJT 25/11/2009.)
Contudo, o Projeto restringe o conceito de teletrabalhador ao determinar uma cota superior a quarenta por cento do tempo de trabalho em um ou mais lugares diversos do local de trabalho regular.
Ademais, Maurício Godinho Delgado (2012, p. 906) entende
Desta forma, o conceito distância a norma de sua efetiva apli-
que o “avanço trazido pela nova redação do artigo 6º e parágafo
cação, além de violar o Principio da Primazia da Realidade sobre
único da CLT, viabilizando a renovação e expansionismo da rela-
Forma, vez que a fixação de cota dificulta e restringe a identifica-
ção de emprego, talvez não seja capaz de produzir significativas
ção da existência do teletrabalho.
repercussões mo plano da jornada de trabalho”.
Assim, entende-se que a legislação deve determinar, ape-
Entretanto, segundo o Presidente do TST, João Oreste Dala-
nas, que o serviço prestado deva ocorrer predominantemente
zen, foi o advento da Lei 12.551/2011, um dos principais mo-
fora do estabelecimento patronal, de modo que fique a cargo
tivos ensejadores da revisão na Súmula 428 do TST, vez que
magistrados a análise ao caso concreto.
aquela determinou a possibilidade de supervisão da jornada
Outro ponto que vale ser discutido é o Parágrafo Único do
de trabalho desenvolvida fora do estabelecimento patronal, de
artigo 6º deste Projeto7 e artigo 7º, alínea “c”8, pois os mesmos
maneira eficaz , através dos avanços tecnológicos dos instru-
dispõem não fazer jus o empregado teletrabalhador a horas-
mentos telemáticos e informatizados.
-extras, além do dever de arcar com a manutenção dos equipa-
Além disto, a alteração do artigo 6º da CLT ampliou o enten-
mentos e materias ao empregado.
dimento dos magistrados, vez que passaram, não só a ter um gra-
O disposto nos artigo supracitados, nada mais é do que
dativo reconhecimento do vínculo de emprego do teletrabalhador,
um retrocesso às conquistas da classe operaria, vez que viola a
mas também a ampliação dos direitos que lhe são devidos.
proposição fundamental do Direito Trabalhista, contrariando os
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Princípios da Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas, Prote-
do controle de sua jornada. Destarte, através de uma análise aos
ção, dentre outros.
preceitos trabalhistas as normas trabalhistas existentes devem
Embora a Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 7º, XXVII (BRASIL/ 1988) determina que são direitos
ser aplicadas aos teletrabalhadores, garantindo-lhes a proteção justrabalhista a parte hiposuficiênte da relação.
dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
Observou-se que a alteração do artigo 6º da CLT, embora te-
melhoria de sua condição social a proteção em face da automa-
nha trazido alguns ganhos quanto ao avanço de entendimento das
ção, na forma da lei, observa que este projeto não atende ao dis-
garantias dos teletrabalhadores, promovendo a alteração da Sú-
positivo constitucional.
mula 428 do TST, não foi suficiênte, tendo em vista que não trouxe
Ressalta-se que o projeto já foi aprovado pela Mesa da Câ-
efetivas mudanças para o Direito Trabalhista.
mara e pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
Primeiramente, em reconhecer o vínculo empregatício para o
(CCJC), sem qualquer veto ou emendas relacionadas aos arti-
teletrabalhador, vez que o entendimento aplicado já era adotado,
gos aludidos. Assim, verifica-se a possível ocorrência de Lobby9,
de forma pacífica, antes da alteração do aritgo.
vez que a violação à direitos trabalhistas tão solidificados só se
Ademais, não trouxe um conceito de teletrabalho, nem tra-
justifica pela influência ou pressão de fortes grupos que visam
ta das peculiaridades desta modalidade de emprego, como, por
interesses privados.
exemplo, a determinação do responsável por arcar com os custos
Ante o exposto, o projeto é anacrônico e não apresenta avanços para o Direito Trabalhista, por isto, não deve ser aprovado.
de manuteção dos aparelhos usados para trabalho. Por fim, conclui-se que há necessidade em se criar lei específica que regulamente o teletrabalho, de modo a corroborar seus
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
direitos, sanar dúvidas e peculiaridades desta forma de labor, evi-
Atualmente vivemos em uma sociedade, que diante de abis-
tar litígios judiciais desnecessárias que transbordam o judiciário,
sais processos tecnológicos, tornou-se dependete destes meios
trazer maior segurança aos teletrabalhadores, bem como atender
informatizados, vez que eles simplificam a rotina.
ao disposto no artigo 7º, XXVII, da CRFB/88 criando lei que prote-
Tal tecnologia alterou os hábitos de toda sociedade, em es-
jam os trabalhadores em face da automação.
pecial nas relações de emprego, devido a fatores como a facilidade na produção de serviços, o aumento da competitividade, a redução do tempo e a diminuição dos custos. Assim, dentro
6 REFERÊNCIAS
das empresas, tanto a realização das tarefas quanto os meios
MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 3ª Turma, RO nº 00423-2009-042-03-00-1 RO, DJ 8/2/2010, Rel. Milton V. Thibau de Almeida. Disponível em: < http://as1.trt3.jus.br/consulta/redireciona.htm ?pIdAcordao=718749&acesso=c26c2b32c7b7902cdeb41fedc77a35b3 >. Acesso: Março de 2013.
de comunicação, foram alterados para inserir os mecanismos tecnologicos ao desempenho das tarefas. Destarte, com introdução dos meios eletrônicos nas relações trabalhistas, surgiram diversos questinamentos quanto à existência esta nova modalidade de emprego e, consequentimente, os direitos dos teletrabalhadores.
Conclui-se, a partir do estudo realizado, que o tele-
trabalhado é definido como aquele prestado, em ponto fixo ou variável, predominantemente fora do estabelecimento do empregador, onde haja a utilização de tecnologias, sobretudo, da informação e da comunicação à distância, como meio de controle e comando das tarefas desempenhadas pelo obreiro. Deste modo, existe vínculo de emprego, vez trata-se de empregado como os que prestam serviço de forma convencional. Estes se diferenciam apenas na maneira como o serviço é prestado, já que a competitividade do mercado exigiu a inclusão da tecnologia na rotina de trabalho. Dito isto, conclui-se que existente o vínculo de emprego, o teletrabalhador faz jus a todos os direitos inerentes à classe operaria, inclusive horas-extras e sobreaviso, tendo em vista a possibilidade
MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 5ª Turma, AIRR nº 463-35.2012.5.24.0031, DEJT 24/05/2013, Rel. Guilherme Augusto Caputo Bastos. Disponível em: < http://as1.trt3.jus.br/consulta/redireciona.htm?pIdAcordao=718749&acesso=c26c2b32c7b7902cdeb41fedc77 a35b3 >. Acesso em: Março de 2013. MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 7ª Turma, RO nº 31973/09, DEJT 25/11/2009, Rel. Jesse Claudio Franco de Alencar. Disponível em: < http://as1.trt3.jus.br/consulta/redireciona.htm?pIdAco rdao=718749&acesso=c26c2b32c7b7902cdeb41fedc77a35b3 >. Acesso em: Abril de 2013. BRASIL. Superior Tribunal do Trabalho. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. E-RR nº 4200-20.2005.5.03.0114, DEJT 17/05/2013, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa. Disponível em: < http://as1.trt3.jus.br/consulta/redireciona.htm?pIdAcordao=718749&acesso=c26c2b32c7b7902 cdeb41fedc77a35b3 >. Acesso em: Maio de 2013. MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 3ª Turma,
440 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
RO nº 31973/09, DEJT 25/11/2009, Rel. Jesse Claudio Franco de Alencar. Disponível em: < http://as1.trt3.jus.br/consulta/redireciona. htm?pIdAcordao=718749&acesso=c26c2b32c7b7902cdeb41fedc77a 35b3 >. Acesso em: Abril de 2013. MATO GROSSO DO SUL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 3ª Turma, RO nº 31973/09, DEJT 25/11/2009, Rel. Jesse Claudio Franco de Alencar. Disponível em: < http://as1.trt3.jus.br/consulta/redireciona.htm ?pIdAcordao=718749&acesso=c26c2b32c7b7902cdeb41fedc77a35b3 >. Acesso em: Abril de 2013. BRASIL. Costituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diponínel em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: Abril de 2013. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 428. Sobreaviso Aplicação Analógica do Art. 244, § 2º da CLT. Disponível em < http://www3. tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450. html#SUM-429 >. Acesso em: Abril de 2013. BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm >. Acesso em: Março de 2013 BRASIL. Congresso. Câmara do Deputados. Projeto de de Lei n° 4505, de 2008. Regulamenta o trabalho à distância, conceitua e disciplina as relações de teletrabalho e dá outras providências. Disponível em: < http:// www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposic ao=420890 > Acesso em: Maio de 2013 MELO, Alvaro; LIMA, Fernando. Lei 12.551/11 - Esclarecimentos gerais. Disponível em: < http://www.sobratt.org.br/lei-12551-11.html >. Acesso em: Março de 2013 PINEL, Maria de Fátima de Lima. Teletrabalho: o trabalho na era digital. Rio de Janeiro: Faculdade de Administração e Finanças, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1998. (Dissertação de Mestrado em Ciências Contábeis). Disponível em: < http://www.teletrabalhador.com/ >. Acesso em: Março de 2013. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direto do Trabalho. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2012. MONTEIRO, Alice de Barros. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2007. JARDIM, Carla Carrara da Silva. O teletrabalho e suas atuais modalidades. São Paulo: LTr, 2003.
1 Acadêmica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Meios telemáticos é o conjunto de tecnologias de transmissão de dados, que compreedem os recursos das telecomunicações (telefonia, satélite, fibras ópticas) e da informática (computadores, softwares e sistemas de redes), que possibilitam o processamento, armazenamento e a comunicação de grande quantidade de dados, em curto prazo, entre usuários localizados em qualquer lugar. (SILVA, 2007) 3 Além dos cinco requisitos fático-jurídicos já existentes, necessários para configuração de qualquer vínculo empregatício. 4 Workflow, em português fluxo de trabalho, segundo a Workflow Management Coalition, é a automação do processo de negócio, na sua totalidade ou em partes, onde documentos, informações ou tarefas são passadas de um participante para o outro para execução de uma ação, de acordo com um conjunto de regras de procedimentos. 5 Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados; 6 Informão obtida pela Mestre em Ciências Contábeis Maria de Fátima de Lima, em sua página www.teletrabalhador.com 7 Art. 6º São direitos do empregado teletrabalhador: (...) Parágrafo único. Em razão do caráter de controle de jornada aberta e, via de regra, de forma virtual, aos empregados teletrabalhadores não será contemplado o direito às horas extras, devendo a remuneração ajustar-se às horas normais de trabalho. (BRASIL, 2008) 8 Art. 7º São deveres do empregado teletrabalhador: (...) c) manutenção adequada dos equipamentos e materiais que lhe forem disponibilizados pelo empregador, bem como conservação e asseio do seu ambiente de trabalho, observadas as normas de segurança, higiene e saúde no trabalho. (BRASIL, 2008) 9 Lobby, para Tiago Dantas “é um grupo de pressão na esfera política, um grupo de pessoas ou organizações que tentam influencias, aberta ou secretamente, as decisões do poder público em favor de seus interesses.” (Equipe Brasil Escola, 2010?)
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo, 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. LAKATOS, Eva Maria. MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 4ªed. rev.ampl.. São Paulo: Atlas. 2001.
NOTAS DE FIM Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 441
DA Constitucionalidade da solicitação do mandado de busca e apreensão elaborado pela Polícia Militar para infrações penais previstas na Lei 10826/03 e Lei 11343/06 Antônio Gustavo Diniz Matoso1
RESUMO: O mandado de busca e apreensão é uma ferramenta tipicamente utilizada pela Polícia Civil e Polícia Federal, mas que vem sendo também utilizada pela Polícia Militar, contudo, essa linha tênue da prevenção e investigação, tem provocado discussões no âmbito das instituições e do judiciário, neste último caso, o objeto discutido é se seria possível a Polícia Militar solicitar e cumprir o mandado de busca e apreensão. Neste contexto, o trabalho foi delineado a verificar as atribuições constitucionais de cada instituição policial, o limite de suas atuações, o embate dos princípios e garantias versos o mandado de busca e apreensão, além das discussões jurisprudenciais. No decorrer da leitura verificará que existe a possibilidade da Polícia Militar em casos excepcionais de condutas criminosas previstas na Lei 10826/03 e Lei 11343/06, presente a relevância urgência, solicitar e cumprir o mandado de busca e apreensão, com o único intuito de combater o avanço desenfreado da criminalidade e possibilitar aos milicianos mais uma ferramenta na tentativa de preservação da ordem pública, além de resguardar a atuação policial. Palavras-chaves: Mandado; busca; polícia; militar; solicitação. Área de Interesse: Direito Penal
1 Introdução O Direito Processual Penal tem por finalidade a viabilização da aplicação do Direito Penal, sendo necessárias ferramentas
pode culminar com sanção administrativa, civil e penal para o policial violador do domicílio alheio, afinal, fere um direito fundamental do indivíduo como já citado o art. 5º, XI, CR/88.
que proporcionem meios para efetivar o caminho para materiali-
Contudo, essa medida é questionada por advogados que
zação da aplicação no caso concreto, ou seja, o Direito Processu-
defendem réus em processos em que foram colhidas provas por
al Penal é o instrumento capaz de aplicar o Direito Penal e tam-
mandados de busca e apreensão solicitados pela Polícia Militar.
bém de efetivar o princípio do devido processo legal.
A defesa alega que isso se trata de usurpação de função pública,
Dentro deste contexto o tema foi escolhido, afinal, uma das melhores ferramentas do Direito Processual Penal para aplicar o
ilegalidade ou ilegitimidade e que quem tem atribuição constitucional, no âmbito estadual, é a Polícia Civil.
Direito Penal de forma efetiva, é a medida cautelar de mandado
Desta forma, a discussão da constitucionalidade da solici-
de busca e apreensão, que legitima a atuação policial no comba-
tação de mandado de busca e apreensão feito pela Polícia Mili-
te à criminalidade, com o intuito de prender criminosos e colher
tar, é um tema importante e relevante no contexto de resguardar
provas para uma futura ação penal.
provas, no intuito de prender criminosos e apreender produtos
Além disso, o mandado de busca e apreensão é uma medida
provenientes de meios ilícitos.
que passa necessariamente pelo crivo judicial, uma vez que a
Todavia, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a in-
inviolabilidade do domicílio é regra constitucional, prevista no art.
constitucionalidade dessa medida, isso pode gerar nulidade em
5º, XI, CR/88, sendo possível a violação do domicílio nos casos
diversos processos e consequente enfraquecimento no combate
de flagrante delito, prestar socorro e na hipótese de cumprimento
à criminalidade brasileira, hoje bem fortalecida com a falta de
de ordem judicial que inicie durante o dia.
políticas de segurança pública eficiente.
Portanto, o mandado de busca e apreensão legítimo, res-
Em síntese, serão empregados como metodologia os co-
guarda a atuação policial, pois a falta da medida cautelar gera
nhecimentos científico e filosófico, utilizando para isso, os mé-
como consequência a violação de domicílio alheio, e este por sua
todos dedutivo e indutivo e como técnicas; a pesquisa biblio-
vez, implica uma conduta tipificada como abuso de autoridade e
gráfica e jurisprudencial.
comina as penas impostas pelo art. 3º, b, da lei 4898/65, que
O objetivo geral é compreender, a partir do atual ordenamen-
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to jurídico, a constitucionalidade da solicitação do mandado de
Antes de tratarmos especificamente das instituições, temos que
busca e apreensão elaborado pela Polícia Militar e como objetivos
ter em mente o conceito de ordem pública, pois, esse é o grande foco
específicos: realizar uma compreensão das jurisprudências a fa-
da segurança púbica quando se faz a leitura dos caputs dos artigos
vor e contra a constitucionalidade da solicitação do mandado de
144 e 136, respectivamente, CR/88 e CE/89. O termo Ordem Pública
busca e apreensão elaborado pela Polícia Militar e compreender
é muito subjetivo, mas pode-se entender como bem-estar das pesso-
as atribuições constitucionais da Polícia Militar.
as, visando à garantia dos direito fundamentais.
2 Segurança Pública
pública:
É neste sentido, que Lazzarini esclarece acerca da ordem O tema Segurança Pública, é tratado pela Constituição da República de 1988 no seu artigo 144, dispondo o dever do Estado
A ordem pública é o efeito de causa segurança públi-
e o direito e responsabilidade de todos. Neste contexto, vemos os
ca, como também, acrescentamos, é o efeito da cau-
órgãos responsáveis pela segurança pública:
sa tranquilidade pública ou, ainda, efeito da causa da salubridade pública. Cada um desses aspectos da or-
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado,
dem pública é, por si só, a causa do efeito da ordem
direito e responsabilidade de todos, é exercida
pública, cada um deles tem por objeto assegurar a
para a preservação da ordem pública e da inco-
ordem pública. (LAZZARINI, 1999, p.53)
lumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
Como previsto nas constituições, ocorrendo à desordem,
I - polícia federal;
todos os órgãos ali listados tem que agir, em especial às polícias
II - polícia rodoviária federal;
por terem o foco em manter essa ordem pública.
III - polícia ferroviária federal;
Contudo, quando a desordem acontece, a Polícia Civil e a Po-
IV - polícias civis;
lícia Militar encontram-se em embates de atribuições, talvez por
V - polícias militares e corpos de bombeiros mili-
um falha do constituinte que elegeu um sistema policial pouco
tares. (BRASIL, Constituição da República, 1988)
utilizado no mundo, dividido atribuições de investigação e prevenção para duas instituições, causando alguns problemas elenca-
No artigo 136 da Constituição do Estado de Minas Gerais
dos pelas seguintes perguntas: até onde vai o limite da atribuição
de 1989 em seu caput, vêm como cópia literal do texto da Carta
da Polícia Militar e da Polícia Civil? Será que esse limite pode ser
Magna, e seus incisos são delimitados de acordo com a com-
ultrapassado para alcançar objetivo de manter a ordem pública?
petência estadual:
Isso é reconhecido juridicamente? Essas são perguntas que se enquadram na interseção abaixo
.Art. 136 – A segurança pública, dever do Estado
demonstrada pela FIGURA 1, onde o combate à criminalidade es-
e direito e responsabilidade de todos, é exercida
barra na já citada linha tênue entre os dois problemas: a preven-
para a preservação da ordem pública e da incolu-
ção e investigação.
midade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
FIGURA 1 – Interseção entre prevenção e investigação no
I – Polícia Civil;
âmbito da preservação da ordem pública
II – Polícia Militar; III – Corpo de Bombeiros Militar (MINAS GERAIS, Constituição Estadual, 1989) Portanto, nota-se que a segurança pública é dever do Estado e no âmbito de Minas Gerais em sentido estrito de Estado é exercido pela Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros Militar, e cabe a estas três instituições a preservação da ordem pública. Neste artigo, em especial trataremos mais especificamente das instituições Polícia Militar de Minas Gerais e Polícia Civil de Minas Gerais.
Fonte: Autoria própria Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 443
Essas atribuições constitucionais, delineadas a Polícia Civil e
De atuação repressiva, que age, em regra, após a
a Polícia Militar, respectivamente, investigação e prevenção, tem
ocorrência de infrações, visando angariar elementos
uma divisão tênue e de difícil identificação como demonstrado
para apuração da autoria e constatação da materia-
e conforme já dito, o ponto de interseção é a grande causa dos
lidade delitiva. (TÁVORA e ALENCAR, 2012, p. 170)
atritos institucionais entre as referidas polícias, onde a discussão central é a prevenção e a apuração do crime e os limites de atribuição de cada instituição. Entre essas discussões acirradas, um dos grandes focos da crise institucional envolve a possibilidade da Polícia Militar solicitar mandado de busca e apreensão para infrações comuns. Para melhor compreensão das atribuições da Polícia Civil e Polícia Militar, os subtópicos seguintes são alicerce para esse artigo.
Nesse viés, é possível enxergar de maneira clara que a Polícia Civil tem o objetivo de investigar as infrações penais comuns e reprimir as condutas delitivas. Existe, porém, a dúvida se a Polícia Civil detém a exclusividade da investigação, nessa seara, estão presentes duas correntes: a primeira favorável à exclusividade da investigação pela Polícia Civil e a segunda desfavorável à exclusividade das investigações pela Polícia Civil, sendo também instituição competente para in-
2.1 Atribuição da Polícia Civil
vestigação o Ministério Público (MP).
O §4º, do artigo 144 da CR/88, determinou a Polícia Ci-
O doutrinador NOLASCO (2012) em seu artigo jurídico (Polícia
vil as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações
judiciária e investigação pelo Ministério Público), no seu escopo trás a
penais, deixando ao cargo desta instituição apurar os crimes
ideia que aqueles que defendem o argumento favorável, alegam que
que não foram evitados preventivamente, colhendo provas para
o MP não é instituição autorizada constitucionalmente a presidir in-
transmitir à autoridade judiciária (Juiz), colaborando para que o
quéritos, mas sim e somente, a requisitar diligências investigatórias,
Ministério Público possa ter elementos necessários para ofere-
instaurar inquéritos policiais e a promover inquéritos civis, afinal, não
cimento da denúncia. Assim refere o parágrafo:
figura essa instituição no rol do art. 144, CR/88, outro argumento levantado é que se o MP acumular funções estaria desvirtuando o sis-
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados
tema penal acusatório brasileiro, que prevê separação de funções, fi-
de polícia de carreira, incumbem, ressalvada
cando o MP com acumulo de função, pois sua atuação desvirtuaria a
a competência da União, as funções de polícia
atuação no processo e uma atuação estaria contaminada pela outra.
judiciária e a apuração de infrações penais, ex-
Contudo, tem prevalecido atual entendimento da legitimidade
ceto as militares. (BRASIL, Constituição da Re-
do MP conduzir investigações, defendida pelos autores Nestor Tá-
pública, 1988)
vora e Rosmar Rodrigues Alencar, sobre os seguintes argumentos:
Também chamada de polícia judiciária ou polícia repressiva,
É perfeitamente possível que o órgão do Ministério
cumpre o papel de auxílio ao poder judiciário na condução de pre-
Público promova a colheita de determinados ele-
sos, execução de mandados de busca e apreensão, mandados de
mentos de prova que demonstrem a existência da
prisão, dentre outras ordens judiciais.
autoria e da materialidade de determinado delito.
O doutrinador Nucci, esclarece o sentido da atribuição da po-
Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judici-
lícia judiciária:
ária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucioO nome polícia judiciária tem sentido na medida
nais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-
em que não se cuida de uma atividade policial os-
-las para permitir não apenas a correta e regular
tensiva (típica da Polícia Militar para a garantia da
apuração dos fatos supostamente delituosos, mas
segurança nas ruas), mas investigatória, cuja fun-
também a formação da opinio delicti. (Disponível
ção se volta a colher provas para o órgão acusatório e, na essência, para que o Judiciário avalie no futuro. (NUCCI, 2009, p.123)
em: <http://jus.com.br/revista/texto/21689) A dúvida elencada é tão recente que existe uma proposta de emenda à constituição chamada de PEC 37, que pretende
Os doutrinadores Távora e Alencar, no mesmo sentido de Nucci (2009), esclarece qual é a atribuição da polícia judiciária:
encerrar esse entendimento do STF da legitimidade do MP conduzir investigações criminais, mantendo somente a exclusividade nas mãos da Polícia Civil.
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2.2 Atribuição da Polícia Militar
Para primeira pergunta, no intuito de acalmar o leitor para
Sua atribuição é pautada pelo §5º do artigo 144, da CR/88
conclusão, alguns operadores do direito, defendem que depen-
também conhecida por polícia administrativa ou preventiva, cabe
dendo dos motivos da busca e apreensão, ou seja, do objeto bus-
a essa o papel eminentemente preventivo de caráter ostensivo,
cado, será sim prevenção, isso se dá pela extensão interpretativa
com fulcro em impedir a ocorrência de infrações penais. Assim
à expressão “preservação da ordem pública”. Para segunda per-
refere o parágrafo:
gunta, no decorrer do artigo chegar-se-á conclusão. Antes de vermos a construção jurisprudencial e doutrinária sobre
§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e
a solicitação e cumprimento do mandado de busca e apreensão pela
a preservação da ordem pública; aos corpos de bom-
Polícia Militar, veremos os limites constitucionais para a sua execução.
beiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (BRASIL, Constituição da República, 1988)
3 Princípios Constitucionais O professor Lopes Junior (2008), ressalta em sua obra que os direitos fundamentais não são absolutos e podem ser restrin-
Portanto, a prevenção exercida pela Polícia Militar para preservação da ordem pública, deve ser regulada por medidas que
gidos, o mandado de busca e apreensão é uma exceção dessa proteção constitucional e por isso é uma medida excepcional.
possibilitem coibir e evitar desordens. Lazzarini descreve a atribuição da Polícia Militar e leciona sua possibilidade de competência específica dos demais órgãos:
3.1 Inviolabilidade do domicílio Em decorrência da garantia à privacidade, estabeleceu-se, expressamente, a inviolabilidade do domicílio, preceituando que nin-
A competência ampla da Polícia Militar na preser-
guém poderá nele entrar sem consentimento do morador, salvo
vação da ordem pública, engloba inclusive a com-
em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro,
petência específica dos demais órgãos policiais,
ou, durante o dia, por determinação judicial.
no caso de falência operacional deles, à exemplo
O acesso domiciliar é restrito ao período do dia, compreendi-
de suas greves e outras causas, que os tornem
do, para alguns doutrinadores como entre 06:00h e 18:00h, para
inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de
outros, enquanto durar a luz do sol, existe ainda a tese confor-
suas atribuições, pois, a Polícia Militar é a verda-
me o doutrinador RANGEL (2011), que deve aplicar o art. 172 do
deira força pública da sociedade. Bem por isso as
CPC, e, portanto, são os atos processuais praticados entre 6:00h
Polícias Militares constituem os órgãos de preser-
e 20:00h, não tendo um consenso acerca do assunto.
vação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema de ordem pública e,
O art. 246 do CPP norteia o conceito de casa, sob o nomen júris, de domicílio e assim o define:
especificamente, da segurança pública. A investigação policial militar preventiva, aliás, é atribuição
[...] quando se tiver de proceder à busca em com-
da Polícia Militar, conforme concluiu o E. TJSP, pela
partimento habitado ou em aposento ocupado de
sua C.4.ª. Câmara Criminal, ao referendar a mis-
habitação coletiva ou em compartimento não aberto
são que policial militar desenvolvia, em trajes civis,
ao público, onde alguém exercer profissão ou ativi-
e que culminou na prisão de traficantes de entor-
dade. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)
pecentes. Na oportunidade, foi salientado que os policiais militares, para que se considerem sempre de serviços são instruídos e treinados e essa é a
3.1.1 Sanção por descumprimento:
conduta que deles reclama a sociedade. (LAZZA-
violação do domicílio alheio
RINI, 1999, p.61)
Na hipótese de violação de domicílio, o violador comete o crime previsto no artigo 150 do CP:
A atribuição da Polícia Militar pode ser observada de
forma claríssima que é a prevenção da ordem pública, mas para
Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou
preveni-la, será que a ferramenta do mandado de busca e apreen-
astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou
são utilizado pela Polícia Militar é prevenção? Será que em todas
tácita de quem de direito, em casa alheia ou em
as infrações penais comuns?
suas dependências (BRASIL, Código Penal, 1940) Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 445
Já se tratando de policial, a violação do domicílio alheio se su-
fundamentais tutelados pelo constituinte originário, que vedou ex-
jeita a hipótese da Lei de Abuso de Autoridade, com penas impos-
pressamente o tratamento desumano e degradante no art. 5º, III,
tas pelo art. 3º, b, da lei 4898/65, que pode cominar com sanção
CR/88, a punição a tortura no art. 5º, XLIII, CR/88 e a discrimina-
administrativa, civil e penal, afinal, fere um direito fundamental do
ção no art. 5º XLI e XLII.
indivíduo, in verbis:
Nesta sistemática constitucional que o legislador garantiu e referendou um rol de direitos e garantias constitucionais, apesar dessa
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer
gama de direitos, o constituinte observou a necessidade de se prever
atentado:
restrições para esses direitos, com intuito de evitar que um liberalis-
b) à inviolabilidade do domicílio; (BRASIL, Lei
mo extremo consiga encobrir condutas delituosas.
4898, 1965)
E é neste contexto, que nota-se que o Estado tem usado a ferramenta do mandado de busca e apreensão como limitador de
Portanto, o policial por mais afoito e dedicado à atividade
direitos, restringindo entre outros, os direitos da intimidade, o da
policial deve se resguardar de ordem judicial para adentrar em
vida privada, o da inviolabilidade do domicilio, essas restrições
casas suspeitas de estar acontecendo infrações penais, mesmo
vem com o fim de combater a impunidade excessiva.
que seja conduta de crime permanente. 4 O Mandado de Busca e Apreensão 3.2 Dignidade da pessoa humana
Busca e apreensão tem natureza acautelatória e coercitiva,
Por ser o princípio de maior hierarquia da constituição da re-
sendo uma maneira de impedir o perecimento da prova, ou seja,
pública, é bom recordar que vivemos em um Estado Democrático
acautelando a prova e obrigando coercitivamente a realização da
de Direito que tem entre seus fundamentos, a dignidade da pes-
busca no domicílio.
soa humana deve ser observada na concessão da ordem judicial
Fernando Capez define bem o que é busca e apreensão:
de busca e apreensão. Ainda porque, no conflito entre princípios constitucionais, a
Logo, a medida cautelar de busca e apreensão é
dignidade da pessoa humana é um princípio que se apresenta
destinada a evitar o desaparecimento das provas.
incontestavelmente superior aos demais princípios nessa arquite-
A busca é, lógica e cronologicamente, anterior à
tura constitucional.
apreensão. Pode ser realizada tanto na fase inquisitorial como no decorrer da ação penal, e até
3.3 Intimidade e a vida privada
mesmo durante a execução da pena. A apreensão
A constituição garantiu no art. 5, X, CR/88, a inviolabilidade
é uma consequência da busca quando esta tenha
da intimidade e da vida privada, assegurando, inclusive, o direito
resultado positiva. (CAPZ, 2009, p.338)
à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação. A intimidade e a vida privada estão diretamente relaciona-
A lei especifica no artigo 240, §1º, CPP, quando deve proceder
das com o tema aqui proposto e estudado, tendo em vista, que
a busca e demonstra as fundadas razões para sua autorização,
as mesmas devem ser respeitadas em decorrência da busca e
limitando a atuação do Estado em busca domiciliar devido aos
apreensão, não podendo a autoridade policial divulgar e expor a
direito e garantias fundamentais:
vida privada do investigado em detrimento de busca realizada. É nesse tom, que o professor Lopes Junior (2008) observa que
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
não é admissível que o resultado da busca se transforme em um es-
§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando
petáculo midiático, tão prejudicial para imagem e intimidade do im-
fundadas razões a autorizarem, para:
putado, podendo inclusive prejudicar a própria investigação.
a) prender criminosos;
Isto posto que, somente é permitida a busca para apreender
b) apreender coisas achadas ou obtidas por
objetos e construir um arcabouço de provas para viabilizar o titular
meios criminosos;
da ação penal, um conjunto probatório necessário para uma con-
c) apreender instrumentos de falsificação ou de
denação, não para se tornar um espetáculo teatral.
contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;
3.4 Incolumidade física e moral do indivíduo
d) apreender armas e munições, instrumentos
As garantias da incolumidade física e moral são apropriadas
utilizados na prática de crime ou destinados a
durante a realização da busca e apreensão, por serem direitos
fim delituoso;
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e) descobrir objetos necessários à prova de in-
O princípio da máxima efetividade, também
fração ou à defesa do réu;
denominado de princípio da interpretação efe-
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas
tiva, orienta o intérprete a atribuir às normas
ao acusado ou em seu poder, quando haja sus-
constitucionais o sentido que maior efetividade
peita de que o conhecimento do seu conteúdo
lhe dê, visando otimizar ou maximizar a norma
possa ser útil à elucidação do fato;
para dela extrair todas as suas potencialidades.
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
(CUNHA JUNIOR, 2011, p.224)
h) colher qualquer elemento de convicção. (BRASIL, Código Processo Penal, 1941)
Portanto, outorgado um poder geral, neste caso a Polícia Militar, para preservar a ordem pública, tendo como regra para
A medida de busca e apreensão é segundo Távora e Alencar
manter essa ordem pública a execução do policiamento ostensi-
(2012), cercada de um mínimo lastro probatório que fundamen-
vo e como excepcionalidade a instituição militar, poderia solicitar
te as razões para sua autorização, com a cautela de indicar que
mandado de busca e apreensão com o único objetivo de continuar
objeto ou pessoa se procura na casa passível da medida. Não se
preservando a ordem pública atribuída.
admitindo o mandado genérico.
Essa maximização da norma como defendida pela doutrina,
Portanto, legalmente são exigidos alguns lastros probatórios
possibilita a Polícia Militar solicitar o mandado de busca e apre-
mínimos para que seja concedida a medida cautelar, vejamos o
ensão, que resulta de uma grande ferramenta para controle da
artigo 243, CPP:
ordem pública e efetivo combate a criminalidade. Em relação à constitucionalidade da Polícia Militar solicitar e
Art. 243. O mandado de busca deverá:
cumprir mandado de busca e apreensão de forma sucinta e bem
I - indicar, o mais precisamente possível, a casa em
clara, COSTA (2011) diz:
que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca
As diligências de policia ostensiva e de manuten-
pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou
ção da ordem pública, em cumprimento de ordem
os sinais que a identifiquem;
judicial de busca e apreensão em residências vi-
II - mencionar o motivo e os fins da diligência;
sam, precipuamente, resguardar os Policiais Mili-
III - ser subscrito pelo escrivão e assinado pela au-
tares quanto a inviolabilidade de domicilio e, prin-
toridade que o fizer expedir. (BRASIL, Código Pro-
cipalmente, o controle externo de suas atividades
cesso Penal, 1941)
pelo Poder Judiciário e Ministério Público. Mesmo sendo o tráfico/posse de arma de fogo de-
Já para execução do mandado, Távora e Alencar (2012) ale-
lito permanente, que enseja a prisão indepen-
gam que existe uma ampla liberdade para execução do mandado
dente de ordem de busca e apreensão, requer a
de busca apreensão, podendo ser antes do inquérito policial, du-
diligência toda a cautela e resguardo de nossos
rante o inquérito ou processo e até mesmo após.
policiais, pois a facilidade e habilidade dos trafi-
5 O mandado de busca e apreensão solicitado
(droga) é espantosa, não raramente jogando o cor-
cantes em desfazer-se da materialidade do delito pela Polícia Militar para as infrações penais
po de delito em sanitários e desfazendo a flagrân-
previstas na Lei 10826/03 e Lei 11343/06
cia até então existente.
O Código de Processo Penal, não vetou o pedido de mandado
Sendo toda a atividade de policia, seja administrativa
de busca e apreensão elaborado pela Polícia Militar e no seu arti-
ou judiciária, pré-processual [07], não há óbice em que
go 242, CPP, assim descreve “a busca poderá ser determinada de
seja realizado o cumprimento de mandado de bus-
ofício ou a requerimento de qualquer das partes”.
ca e apreensão pela policia militar, quando no exercí-
Entretanto, como já vimos no tópico de segurança pública,
cio de atividade de manutenção da ordem pública, ou
o caminho inerente da Polícia Militar é a preservação da ordem
seja, houver fundadas suspeitas de que está ocorren-
pública, mas para alcançar essa preservação o caminho buscado
do, no interior do domicilio, crime em situação de fla-
pela instituição militar é feito baseado no princípio da máxima efe-
grante delito. (Disponível em: <http://jus.com.br/
tividade, bem delineado por Cunha Junior:
revista/texto/19309)
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Neste mesmo foco da possibilidade da Polícia Militar cumprir a execução da busca e apreensão, Távora e Alencar (2012), disseram:
5.2 Lei 11343/06 (Lei de Drogas) Dentro desse mesmo sentido, a Lei 11343/06 trás algumas condutas delitivas que não necessitam na maioria dos ca-
Iniciamente, a diligencia é executada por oficiais de
sos de uma pura investigação policial, entendida nesse último
justiça ou por policias. Excepcionalmente, até a po-
exemplo, como pura investigação policial quando o policial per-
lícia millitar pode ser utilizada. (TÁVORA e ALENCAR,
manece dias monitorando uma pessoal ou casa, necessita de
2012, p. 468) (grifo nosso)
apurar vestígios, requisitar interceptação telefônica, quebra de sigilo telefônico ou bancário... etc.
Insta salientar que, de forma excepcional a Polícia Militar é insti-
Portanto, condutas do art. 33 (tráfico de drogas) e art. 34
tuição legitima para solicitar e cumprir o mandado de busca e apre-
(manter deposito de instrumento para fabricação de drogas), são
ensão, isso no entendimento majoritário da doutrina.
condutas de crimes permanentes e são passiveis de ser facilmen-
Apesar de vários entendimentos doutrinários favorável ao viés
te detectáveis pelo policiamento ostensivo/preventivo e, por mui-
constitucional e infraconstitucional da Polícia Militar solicitar man-
tas vezes, o policial militar é o maior capacitado para narrar os fa-
dado de busca e apreensão, é bom fazer ressalvas, pois somente é
tos e levar ao conhecimento do judiciário que a casa X ou Y existe
possível ter esse entendimento e admitir a Polícia Militar solicitar o
a possibilidade de estar acontecendo uma conduta prevista na Lei
mandado de busca e apreensão nos casos em que não houver uma
11343/06, sendo necessário preservar a ordem pública, e como
pura investigação.
ferramenta é necessário a solicitação e cumprimento do mandado
Desta forma, presentes somente em condutas que perduram
de busca e apreensão.
pelo tempo, como crimes permanentes e em que o policiamento ostensivo esbarra no seu cotidiano. Neste artigo, vislumbrou em elencar as condutas delitivas da
6 Jurisprudência acerca da solicitação de mandado de busca e apreensão elaborado pela polícia militar
Lei 10826/03 e 11343/06, pois são condutas rotineiras em que o
Existem jurisprudências a favor e contra a constitucionalidade
policiamento ostensivo pode deparar, portanto, isso não veda a soli-
da solicitação do mandado de busca e apreensão elaborado pela
citação de mandado de busca e apreensão para outras condutas de
Polícia Militar, a fim de entender em quais situações é possível à
crimes permanentes.
atribuição para a Polícia Militar solicitar a medida cautelar. Portanto, em recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas
5.1 Lei 10826/03 (Estatuto do Desarmamento)
Gerais firmou entendimento recente da legalidade da solicitação
Analisando-se as possibilidades da solicitação do mandado
do mandado de busca e apreensão feito pela Polícia Militar, con-
de busca e apreensão para infrações penais comuns, onde ne-
forme a jurisprudência:
cessariamente não exista uma pura investigação, mas sim uma tentativa de preservação da ordem pública, é possível encontrar
EMENTA: HABEAS CORPUS - TRÁFICO DE DROGAS
dentro da Lei 10826/03 os crimes previstos nos artigos: 12 (pos-
- MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO REQUERI-
se irregular de arma de fogo), art. 14 e 16 (porte irregular de arma
DO E CUMPRIDO PELA POLÍCIA MILITAR - ILEGA-
de fogo de uso permitido/restrito), art. 17 (comércio ilegal de arma
LIDADE - INOCORRÊNCIA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO
de fogo) e art. 18 (tráfico internacional de arma de fogo).
PREVENTIVA - INVIABILIDADE - PRESENÇA DOS RE-
Todas as condutas apresentadas figuram como condutas
QUISITOS DO ART. 312 DO CPP - CRIME COM PENA
de crimes permanentes, e que em tese não necessitam de or-
MÁXIMA APLICADA SUPERIOR A QUATRO ANOS
dem judicial para entrar no domicílio em que as condutas este-
- ORDEM DENEGADA. I - Não obstante a Constitui-
jam sendo praticadas.
ção Federal atribua, em seu art. 144, § 4º, a fun-
Todavia, não é prudente o policial somente com informa-
ção investigativa às Policias Civis, a doutrina e a
ções adentrar em domicilio alheio, desta forma, o recurso do
jurisprudência admitem, em caráter excepcional,
mandado de busca e apreensão para apreender armas de
o exercício de tais funções pela POLÍCIA MILITAR,
fogo que podem ser a qualquer momento utilizado para o co-
inclusive dando cumprimento a mandado de bus-
metimento de diversos delitos, trata-se do cumprimento insti-
ca e apreensão, sendo certo que a Constituição
tucional e constitucional de preservação da ordem pública, e,
Federal estabeleceu exclusividade das funções
portanto, deve ser utilizado como ferramenta para proteção da
de POLÍCIA judiciária tão somente para a POLÍ-
sociedade e posterior proteção legal da ação policial.
CIA Federal em relação à União (art. 144, §1º, IV),
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II A decisão que converte a prisão em flagrante
manifestou-se pela ilegalidade da solicitação do mandado de bus-
em preventiva para resguardo da ordem pública,
ca e apreensão pela Polícia Militar, sobre o argumento que esta
baseando-se em atos e comportamentos concre-
estaria extrapolando atribuições típicas da Polícia Civil:
tos do imputado, não consubstancia constrangimento ilegal, especialmente quando se constata,
[...]
em uma análise apriorística, indícios suficientes de
6. O que transparece da impetração é o objetivo não
seu envolvimento com a atividade criminosa. III -
de trancar e sim de truncar toda e qualquer providên-
Presentes os requisitos do art. 312 do CPP, é admi-
cia que vise a apurar a responsabilidade, ou eventual
tida a decretação da prisão preventiva nos crimes
responsabilidade criminal do paciente, decorrente da
punidos com pena privativa de liberdade máxima
posse daqueles objetos, ditos como produto de rou-
superior a quatro anos (art. 313, I, do CPP).Súmu-
bo, encontrados no interior de sua residência e en-
la: “DENEGARAM A ORDEM. (grifo do autor) (TJMG,
contrados graças à diligente e oportuna iniciativa do
HC 0423215-83.2012.8.13.0000, rel. Des. Julio
Comando do 11° BPM.
Cesar Lorens, j.30.03.2012) 7. a demarcação em sede constitucional, das atribuiEntretanto, existe entendimento contrário à constitucionalida-
ções das polícias militar e civil não se presta a inibi-
de da solicitação de mandado de busca e apreensão elaborado
-las de sua função maior, de combate ao crime e não
pela Polícia Militar, o fundamento é baseado na teoria das árvores
desconstitui a investigação como atividade estatal da
dos frutos envenenados, alegando que tal medida é inconstitu-
persecutio criminis. As polícias são de igual modo o
cional e contaminaria todo o processo, a exemplo o Tribunal de
braço do Estado, e não podem se furtar a propiciar-
Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), abaixo decidiu:
-lhe os meios ao seu alcance para consecução de seus fins.
Habeas Corpus. Processo penal. Jurisdição. Tutela cautelar. Investigação Criminal. Reserva Constitu-
8. juiz, no caso,recebeu uma notitia criminis, ficando
cional de função. Indevida atuação “policial” da
até obrigado a proceder como procedeu, sob pena de
autoridade judiciária. Inevitável incapacidade de
pecar por omissão imperdoável, e de consequências
a autoridade judiciária cumprir as funções afeta-
irreparáveis. Não há, pois, que se discutir a menor, ou
das a ela pela Constituição quando indevidamente
seja, sobre categoria profissional das polícias, “com-
substitui a autoridade policial. Policial militar que
petência” ou função das mesmas. Importante assi-
não está legitimado a deduzir em juízo pretensão
nalar é que o mandado em tela se apresenta formal,
cautelar. Audiência prévia do Ministério Público im-
substancial e materialmente perfeito. É válido, pois.
prescindível à luz do sistema acusatório. Precarie-
9. Embora não sendo o habeas corpus a via própria
dade da denúncia anônima reveladora do propósi-
para o questionamento acerca do mandado de bus-
to singular de contornar a exigência constitucional
ca e apreensão, legitimamente realizado, não cus-
de ordem judicial, prévia e fundamentada, para
ta lembrar que o juiz, determinando a extração e o
ingresso em casa alheia. Não obstante a manifes-
cumprimento do mesmo, agiu no exercício de suas
ta inidoneidade do expediente da polícia Militar,
funções, igualmente firmado em lei.
dúvida séria, ainda, sobre a cronologia dos fatos supostamente estariam a justificar a não audiên-
10. Descabida, portanto, a sugestão de invasão da
cia do Ministério Público e o caráter excepcional da
PM na área de atuação da polícia judiciária, não só
medida cautelar. Prova ilícita de quem decorrem
porque, além dela, outros órgãos podem realizar pro-
todas as demais, contaminando integralmente o
cedimentos preparatórios de investigação (parágrafo
processo. Inteligência do art. 157 do CPP. (TJRJ, 5ª
único do art. 4° do CPP), como porque, na realidade,
Câmara Criminal, HC 2008.059.04669, rel. Des.
o que está sendo posta em cheque é a própria ativi-
Geraldo Prado, j.11.09.2008) (grifo do autor)
dade jurisdicional, retrada na expedição do mandado por ordem do juiz, que poderia e deveria tê-la dita-
Também é bom ressaltar, que o Ministério Público Federal já
do, ante as fundadas razões (Art. 240 do CPP) que
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chegaram ao seu conhecimento. – fls. 28 e v.
O TJMG também, em decorrência da alegação de que have-
forrado por esse parecer, a mim parece que o
ria ilegalidade na expedição do mandado de busca e apreensão
v. acórdão atacado se mostra incensurável. (STJ,
solicitado pela Polícia Militar, julgou o presente recurso e decidiu
RHC 1.236-RJ, 5ª turma, voto do Rel. Min. José
pela legalidade da expedição da medida cautelar, bem como seu
Dantas, J. 01.07.91) (grifo do autor)
cumprimento pela instituição militar, conforme decisão:
O STF durante julgamento do HC 91.481.1/MG, que visava à li-
POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PER-
berdade de um paciente condenado ao tráfico de drogas na cidade de
MITIDO - CONDENAÇÃO - APELAÇÃO - PRELIMINAR
João Pinheiro/MG, que pedia ao STF o reconhecimento da ilegalidade
- ARGÜIÇÃO DE ILEGALIDADE NA EXPEDIÇÃO DO
da prova produzida nos autos, por violação do artigo 144, § 4º, CR/88
MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO - PROVA ILÍCI-
por decisão unânime, entendeu que não existe ilegalidade na conces-
TA, INCORRENDO EM CERCEAMENTO DE DEFESA
são de medida cautelar para a Polícia Militar, pois no caso concreto não
E DESRESPEITO AO DUE PROCESS OF LAW - REJEI-
havia investigação pura, mas sim, uma necessidade de adentrar-se em
ÇÃO - MÉRITO - PROVAS SUFICIENTES DA MATERIA-
lugar onde tinha conhecimento da prática ostensiva de tráfico de entor-
LIDADE E AUTORIA - DOSIMETRIA E INDIVIDUALI-
pecentes. Neste julgado, o relator Ministro Marco Aurélio, diz inclusive,
ZAÇÃO DAS PENAS CORRETAMENTE PERCORRIDA
que a atuação verificada é passível de ser classificada como polícia
- SENTENÇA CONFIRMADA. A expedição de manda-
ostensiva e tentativa de preservação da ordem pública.
do de busca e apreensão pode se dar inclusive ex officio (CPP, art. 242), e até mesmo antes da ins-
BUSCA E APREENSÃO – TRÁFICO DE DROGAS – OR-
tauração do inquérito (STJ, in RT 665/333). Além
DEM JUDICIAL – CUMPRIMENTO PELA POLÍCIA MILI-
do mais, em se tratando de crime permanente, a
TAR. Ante o disposto no artigo 144 da Constituição
situação de flagrante delito dispensa até mesmo
Federal, a circunstância de haver atuado a Polícia
a expedição de mandado de busca e apreensão.
Militar não contamina o flagrante e a busca e apre-
“”Não é o inquérito processo, mas procedimento
ensão realizados. (STF, HC n° 91.481, 1ª turma, Rel.
administrativo-informativo destinado a fornecer ao
Min. Marco Aurélio, DJ. 24.10.2008)
órgão da acusação o mínimo de elementos neces-
Pois bem, consta deste processo que houve a expe-
sários à propositura da ação penal. A investigação
dição de mandado de busca e apreensão em certo
realizada pela autoridade policial não se confunde
local, formalizado por órgão investido do ofício judi-
com a instrução criminal, distinguindo o Código o
cante, dando-se o cumprimento pela Polícia Militar.
inquérito policial (arts. 4º a 23) da instrução crimi-
A atuação verificada é passível de ser classificada
nal (arts. 394 a 405). Por essa razão, regra geral,
como polícia ostensiva e tentativa de preservação
não se aplicam ao inquérito policial os princípios
da ordem pública. Ao que tudo indica, expediu-se o
processuais, nem mesmo o contraditório”” (Júlio
mandado de prisão ante a necessidade de adentrar-
Fabbrini Mirabete, Código de Processo Penal In-
-se em lugar onde os policiais militares, considerada
terpretado, Atlas, 11ª edição, p. 86). Demonstra-
a atividade ostensiva prevista na Carta da República,
das com segurança a materialidade e autoria do
tinham conhecimento da prática do tráfico de entor-
delito, a condenação mostra-se de rigor, inclusive
pecentes. A rigor, não se pode cogitar de investigação
no que diz respeito à dosimetria e individualização
propriamente dita, esta sim, de início, a cargo da polí-
das reprimendas.Súmula: REJEITARAM A PRELI-
cia judiciária, que é a civil. (STF, HC n° 91.481, 1ª Tur-
MINAR E NEGARAM PROVIMENTO (grifo do autor)
ma, voto do Rel. Min. Marco Aurélio, DJ. 24.10.2008)
(TJMG, APELAÇÃO, 4ª Câmara, 1.0313.07.226198-
(grifo do autor)
2/001, rel. Des. Delmival de Almeida Campos, j.18.03.2008)
Neste julgado, o relator Ministro Marco Aurélio, diz inclusive que a concessão da medida cautelar para Polícia Militar estava dentro da
Em outro julgado, desta vez, na 2ª turma do Supremo Tribunal Federal, referendou a natureza emergencial da medida cautelar:
missão constitucional de atividade ostensiva e preservação da ordem pública, reforçando o entendimento da constitucionalidade da solici-
EMENTA: [...] AÇÃO PENAL. Prova. Mandado de
tação do mandado de busca e apreensão.
busca e apreensão. Cumprimento pela Polícia Mili-
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tar. Licitude. Providência de caráter cautelar emer-
foi instrumento somente da Polícia Civil e Polícia Federal e que
gencial. Diligência abrangida na competência da
hoje tem sido muito utilizado por Policiais Militares.
atividade de polícia ostensiva e de preservação da
Contudo, isso não repercutiu de maneira agradável a alguns
ordem pública. Recurso extraordinário improvido.
órgãos do Judiciário, nem a algumas instituições da Polícia Civil,
Inteligência do Art. 144, §§ 4° e 5° da CF. Não
com fundamentos que direcionam a violação legal positivada,
constitui prova ilícita a que resulte do cumprimento
mas que tem encontrado grande aceitação de outra parte do Ju-
de mandado de busca e apreensão emergencial
diciário, operadores do direito e sociedade ordeira, muitas vezes
pela Polícia Militar (STF, recurso extraordinário n°
com um só coro: a impunidade excessiva.
404.593-ES, 2ª turma, Rel. Min. Cezar Peluzo, DJ. 23.10.2009) (grifo do autor)
Portanto, por estar dentro desse processo de mudança quando a hermenêutica jurídica em relação ao fenômeno do neoconstitucionalismo e do pós-positivismo, pode-se afirmar com seguran-
7 Considerações finais
ça que a Polícia Militar em situações excepcionais previstas nas
Finalmente, e com uma pesar tristeza, que este artigo tem sido
leis 10826/03 (estatuto do desarmamento) e lei 11343/06 (lei
objeto de discussão no âmbito jurídico, não por culpa dos doutrinado-
de drogas) têm atribuição para solicitar o mandado de busca e
res, mas sim, culpa exclusiva do constituinte originário, que utilizando
apreensão, quando estiverem em situação de relevância urgência
da exceção mundial, adotou um sistema policial onde dividiu a inves-
para apreender armas, drogas ou produtos criminosos, por não se
tigação e a prevenção para dois órgãos policiais distintos, impossibili-
tratar de investigação pura, mas sim, de uma tentativa de preser-
tando o chamado ciclo completo de policia.
vação da ordem pública.
Insta salientar, que o positivismo exacerbado conseguiu forjar a
Neste artigo, como já dito, vislumbrou em elencar as condu-
termos instituições que não atendem a necessidade da sociedade
tas delitivas da Lei 10826/03 e 11343/06, pois são condutas
contemporânea, onde a polícia civil e a polícia militar fingem ter in-
rotineiras em que o policiamento ostensivo pode deparar, portan-
tegração, e nessa farsa promovida por propagandas políticas menti-
to, isso não veda a solicitação de mandado de busca e apreensão
rosas, nossos graciosos políticos tentam na verdade encobrir a não
para outras condutas de crimes permanentes.
existência de conflitos sérios entre as polícias estaduais, mas que por diversas vezes já foram desmascarados pela mídia brasileira.
Sendo assim, no desempenho de sua atividade preventiva a Polícia Militar está mais propensa a deparar com as situações
Parece que poucos enxergam ou não querem enxergar, mas
excepcionais citadas acima, que são em especial os crimes de trá-
o Brasil como já falado é um dos poucos países no mundo que
fico de drogas e a posse ilegal de armas de fogo, respectivamente
mantém um sistema policial dividido, na maioria do mundo o
previstos nas leis 11.343/06 e a 10826/03.
sistema policial é exercido por um único órgão, onde se reúne a
É bom ressaltar, que não existe uma estatística de quantas
prevenção e investigação, conseguindo gerar desburocratização
condutas são tipificadas pelo ordenamento jurídico brasileiro,
e economia de dinheiro público, neste último caso, em razão da
mas sabemos que são milhares de condutas, portanto, por obvio
economia de manter um único órgão e não uma duplicidade de
não estaria a Polícia Militar atuando de maneira a usurpar função
estruturas policiais como no atual modelo brasileiro.
da Polícia Civil, visto que, do universo de condutas presentes no
Apesar do grande anseio social por um eficaz sistema policial,
ordenamento jurídico a sua massacrante maioria é de atribuição
continuaremos refém da política brasileira e do positivismo ma-
exclusiva da Polícia Civil, pois necessita de uma pura investigação.
çante, que não resolvem problemas sérios sobre: a desmilitariza-
Todavia, não seria passível e prudente a Polícia Militar atuar em
ção e unificação das policias estaduais, teremos que discutir por
qualquer conduta criminosa, visto que, necessita de uma investiga-
longo tempo se seria esta ou esta polícia competente para tantos
ção minuciosa e fugiria das atribuições da instituição militar. Desta
problemas que a investigação e prevenção provocam.
forma, não tem essa pesquisa a pretensão de encerrar qualquer dis-
Desta forma, como não temos a solução imediata para os problemas, à sociedade brasileira espera deste sistema policial
cussão, mas sim, tentar demonstrar um ponto de vista que tem sido bem aceito nos Tribunais e por alguns operadores do direito.
brasileiro adotado, uma fórmula para a solução de combate a cri-
Essa solicitação deve ser feita pelo comandante do batalhão
minalidade, em especial, os órgãos policiais almejam essa mágica
ou equivalente daquela localidade, pois o comandante de bata-
fórmula de combate à criminalidade, mas infelizmente isso não
lhão é autoridade policial militar e pode ser comparar analoga-
existe, existe sim, somente uma luta incansável das instituições
mente com a autoridade policial (delegado de polícia), desta for-
policiais por ferramentas que possibilitem o controle criminal, en-
ma, qualquer policial sob seu comando poder cumprir o respectivo
tre essas ferramentas o mandado de busca e apreensão por anos
mandado, mas com a supervisão direta ou indireta desse primeiro.
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Por último, o atual sistema de segurança pública, lamentavelmente não satisfaz a sociedade ordeira, que procura qualidade, economia e eficiência, neste sentido, existe a necessidade do legislador cumprir o que o art. 144, §7º, CR/88 fala: “A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.” (grifo nosso).
Referências BRASIL, Código Civil, 2002. In: EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL, Código Penal, 1988. In: EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL, Código Processo Penal, 1988. In: EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. In: EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL, Lei 4898 (Lei de abuso de autoridade), 1965. In: EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL, Lei 9455 (Lei de Tortura), 1997. In: EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL, Lei 10826 (Estatuto do Desarmamento), 2003. In: EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL, Lei 11343 (Lei de Drogas), 2006. In: EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus. 5º turma. RHC nº 1236/91-RJ. Recorrentes José Cláudio Marques de Brito e outro. Recorrido: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Relator. Min. José Dantas. Brasília, DF, 01 de julho de 1991. Disponível em: <HTTPS://ww2.stj.jus.br/ processo/ita/listarAcordaos? classe =&num_processo -=&num_registro= 199100105562&dt_publicacao=05/08/1991>. Acesso em 24 de mai. 2013. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. 1ª turma. HC n° 91.481. Impetrante: Lindoval Marques de Brito. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator: 73 Min. Marco Aurélio. Brasília, DF, 24 de outubro de 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ listarJurisprudencia.asp?s1= (91481NUME.+OU+91481. ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 03 de nov. de 2012 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. 2ª turma. RE n° 404.593-ES. Recorrente: Ronaldo Belo de Carvalho. Recorrido: Ministério Público do Espírito Santo. Relator: Min. Cézar Peluzo. Brasília, DF, 23 de outubro de 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(404593.NUME.+OU+404593.
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Juízo da vara Criminal de Teresópolis. Relator: Des. Geraldo Prado. Rio de Janeiro, RJ, 11 de setembro de 2008. Disponível em <http://srv85.tjrj.jus. br/consultadoxg edweb/faces/resource loader.jsp?iddoc umento>. Acesso em: 03 de nov. 2012. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2012.
NOTA DE FIM 1 Acadêmico em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Policial Militar. E-mail: gustavodinizmatoso@hotmail.com
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 453
NECESSIDADE DO COMUM ACORDO PARA INSTAURAÇÃO DO DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA Rosane Ferreira Pinto Alves
RESUMO: Dentre as alterações trazidas pela Emenda à Constituição nº 45 de 2004, está a necessidade do comum acordo para ajuizar o dissídio coletivo de natureza econômica, expressão esta, introduzida no art. 114, §2º, CF/88. Sobre esta mudança feita no texto constitucional, contrários são os posicionamentos sobre sua constitucionalidade, ressaltando que, até hoje o entendimento sobre o tema não é pacífico. PALAVRAS-CHAVE: negociação coletiva; comum acordo; dissídio coletivo; natureza econômica. ÁREA DE INTERESSE: Direito Constitucional
1 INTRODUÇÃO A negociação coletiva é uma forma de mediação de conflitos, sendo notória a sua relevância para a solução de conflitos trabalhistas de natureza econômica. Os métodos para a solução dos conflitos podem ser divididos em três grupos: autotutela, heterocomposição e autocom-
2 NEGOCIAÇÃO COLETIVA COMO FORMA DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS A negociação coletiva é sem dúvida na sociedade contemporânea um dos mais relevantes métodos para a solução de conflitos trabalhistas de natureza econômica.
posição. Destacando que a negociação coletiva encontra-se
Os métodos para solução de conflitos podem ser divididos em
no grupo da autocomposição, e dela pode resultar um Acordo
três grupos: autotutela, heterocomposição e autocomposição. Sen-
Coletivo do Trabalho ou uma Convenção Coletiva do Trabalho,
do que a negociação coletiva encontra-se na autocomposição.
ambos com caráter normativo e reconhecidos constitucionalmente (art. 7º, XXVI, CF/88). Antes da Emenda á Constituição n°45, as partes para
A autotutela acontece quando uma das partes conflitantes afirma o seu interesse unilateralmente, impondo a sua vontade a outra parte contestante, como aborda Maurício Godinho Delgado:
resolverem o conflito deveriam seguir o disposto no art. 114, §2º da Constituição Federal de 1988- CF/88, de modo que,
A autotutela ocorre quando o próprio sujeito
primeiro deveriam recorrer à negociação coletiva, onde as
busca afirmar, unilateralmente, seu interesse,
partes ajustam de forma autônoma as condições de traba-
impondo-o (e impondo-se) à parte contestante
lho, sendo frustrada a negociação, era facultado às mesmas
e à própria comunidade que o cerca. Como se
elegerem árbitros, ou seja, um terceiro resolveria o conflito,
vê, a autotutela permite, de certo modo, o exer-
e em último caso, permanecendo o dissídio as partes pode-
cício de coerção por um particular, em defesa
riam recorrer ao Poder Judiciário.
de seus interesses. (DELGADO, 2012, p.1454)
A Emenda Constitucional supracitada trouxe algumas inovações ao texto constitucional, destacando-se dentre elas a
A autocomposição acontece quando o conflito é solucionado
alteração do art. 114, §2° da CF/88 exigindo também o co-
pelas próprias partes, sem intervenção de terceiros. Este é, sem
mum acordo entre as partes para que, as mesmas pudessem
dúvida, o melhor meio de solução das controvérsias, pois nin-
ter acesso ao Poder Judiciário, a fim de, solucionar o conflito
guém melhor do que as partes para resolverem suas pendências,
coletivo de natureza econômica.
porque elas mais do que ninguém conhecem os problemas da
Desde tal alteração, o assunto vem sendo muito discutido,
categoria. Do mesmo modo dispõe Sergio Pinto Martins:
tanto pelos doutrinadores, quanto pelos tribunais, entretanto, ate hoje não se chegou a um consenso, sobre a constituciona-
A autocomposição é a forma de solução dos
lidade ou não do disposto, com relevantes teses defendendo
conflitos trabalhistas realizadas pelas próprias
cada posicionamento.
partes. Elas mesmas chegam à solução de suas
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controvérsias sem a intervenção de um terceiro.
representativos das categorias econômicas e profissionais estipulam
Este é, realmente, o melhor meio de solução dos
condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas repre-
conflitos [...]. (MARTINS, 2007, p.48)
sentações, às relações individuais do trabalho, conforme redação do artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
A autocomposição pode ser classificada como bilateral e uni-
A Constituição Federal de 1988 cuidou de forma expressa
lateral. A unilateral ocorre quando uma das partes renuncia a sua
de aspectos relacionados ao Direito Sindical, no seu art.7º, inciso
pretensão. A bilateral ocorre quando ambas as partes fazem con-
XXVI trouxe a previsão do reconhecimento das convenções e acor-
cessões recíprocas, o que também é chamado de transação.
dos coletivos de trabalho.
Na heterocomposição o conflito é resolvido por um terceiro,
Outros incisos do referido artigo 7º colocam em evidência a rele-
um agente externo à relação conflituosa original. São exemplos de
vância da negociação coletiva, tais como: inciso VI que prevê a irredu-
heterocomposição a mediação, a arbitragem e a tutela ou jurisdi-
tibilidade salarial, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
ção. Na mediação um terceiro, chamado pelas partes, propõe uma
o inciso XIII dispõe que a duração do trabalho normal não poderá ser
solução às mesmas. Normalmente a mediação é extrajudicial, o
superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais,
terceiro pode ser qualquer pessoa, não sendo requisito o conhe-
facultada a compensação de horários e a redução de jornada, me-
cimento jurídico,sendo vantajosa porque a solução do processo é
diante acordo ou convenção coletiva de trabalho; e o inciso XIV que
mais rápida. O mediador não resolve o conflito, pois não tem poder
estipula jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos
de decisão, ele aconselha, por isso há quem diga que a mediação
ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.
não integra essa forma de solução dos conflitos, conforme explica o ilustre doutrinador Maurício Godinho Delgado:
Sendo misterressaltaro artigo 8º da Lei Maior, incisos III e IV que dispõem que a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, cabe ao sindicato, inclusive em questões
O mediador, à diferença do árbitro, não assume po-
judiciais ou administrativas, sendo que, a assembleia geral fixará
deres decisórios perante as partes, as quais preser-
a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será
vam toda a autonomia quanto à fixação da solução
descontada em folha, para custeio da representação sindical, in-
final para o litígio. Também não se arroga, a partir
dependente da contribuição prevista em lei.
do instante em que ingressa no litígio, a prerrogativa
Conrado Di Mambro Oliveira no seu artigo:Ainda sobre a ne-
de formular, isoladamente, a solução para o conflito.
cessidade do comum acordo no ajuizamento de dissídio coletivo
Apenas contribui para o diálogo entre as partes, for-
de natureza econômica, traz o seguinte comentário sobre os dis-
necendo-lhes subsídios e argumentos convergentes,
positivos analisados:
aparando divergências, instigando à resolução pacífica da controvérsia. (DELGADO, 2012, p.1466)
[...] o sindicato possui importante papel como representante da categoria, cabendo-lhe a defesa
Na arbitragem, facultativa no processo do trabalho, o conflito
dos interesses e direitos dos seus representa-
é solucionado por um terceiro, estranho a relação, este terceiro vai
dos, sendo obrigatória sua participação nos pro-
impor a solução do caso. A vantagem é a rapidez e o sigilo.
cessos de negociação coletiva. Por sua vez, a via
Na tutela ou jurisdição a controvérsia será resolvida pela in-
negocial ganhou fundamental destaque como
tervenção do Estado, por meio de um processo judicial. O Estado
forma para composição dos interesses obreiros
diz o direito, impondo às partes a solução do conflito. No dissídio
e empresários, sendo permitida, por exemplo,
coletivo o Poder Judiciário exerce poder normativo, proferindo uma
desde que com a participação da entidade sin-
sentença normativa, criando normas.
dical respectiva, até mesmo a redução salarial
Como já dito, a negociação coletiva enquadra-se no grupo dos
através de acordo ou convenção coletiva.
instrumentos de autocomposição. Porém, é fórmula essencialmente democrática. Desta forma, Segundo Maurício Godinho Delgado
Portanto, os sindicatos desempenham um papel fundamental
(2012, p. 1388) “não se confunde com a renúncia e muito menos
na defesa dos direitos e interesses de seus representados, ressal-
com a submissão, devendo cingir-se, essencialmente, à transação”.
tando que a sua participação nos processos de negociação cole-
A negociação coletiva pode resultar em um Acordo Coletivo do
tiva é obrigatória.
Trabalho ou em uma Convenção Coletiva do Trabalho, sendo que, am-
Outro ponto importante que deve ser ressaltado são as possi-
bos possuem caráter normativo. Nestes instrumentos os Sindicatos
bilidades e os limites da negociação coletiva, onde deve ser feita
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a seguinte pergunta segundo Maurício Godinho Delgado (2012,
indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade
p. 1415) “em que medida as normas juscoletivas podem se con-
relativa), os quais não podem ser transacionados
trapor às normas jusindividuais imperativas estatais existentes?”.
nem mesmo por negociação sindical coletiva. Tais
Com base no princípio da adequação setorial as normas jus-
parcelas são aquelas imantadas por uma tutela
coletivas criadas para incidirem sobre determinada comunidade
de interesse público, por constituírem um patamar
profissional podem sobrepor-se sobre o padrão geral heterônomo
civilizatório mínimo que a sociedade democrática
justrabalhistas, mas devem ser observados alguns critérios objeti-
não concebe ver reduzido em qualquer segmento
vos. O doutrinador Maurício Godinho Delgado traz esses critérios:
econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a
[...] são dois esses critérios autorizativos: a) quando
valorização mínima deferível ao trabalho (arts, 1º,
as normas autônomas juscoletivas implementam
III e 170, caput, CF/88). Expressam, ilustrativa-
um padrão setorial de direitos superior ao padrão
mente, essas parcelas de indisponibilidade abso-
geral oriundos da legislação heterônoma aplicável;
luta a anotação de CTPS, o pagamento do salário
b) quando as normas autônomas juscoletivas tran-
mínimo, as normas de medicina e segurança do
sacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de
trabalho. (DELGADO, 2012, p. 1417)
indisponibilidade apenas relativa ( e não de indisponibilidade absoluta). (DELGADO, 2012, p.1416)
Segundo Maurício Godinho Delgado (2012, p.1417), no sistema brasileiro este patamar civilizatório mínimo está dado, por
Contudo, a amplitude atribuída à validade e eficácia jurídica
três grupos de normas trabalhistas heterônomas: as normas cons-
das normas coletivas sobre as normas heterônomas imperativas
titucionais em geral; as normas de tratados e convenções inter-
encontram limites objetivos.
nacionais aplicáveis no plano interno brasileiro; as normas legais
A adequação setorial negociada não prevalece se consolida-
infraconstitucionais que garantem a cidadania ao indivíduo que
da por um ato adstrito de renúncia. Neste sentido, comenta Mau-
labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, nor-
rício Godinho Delgado:
mas relativas a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.).
[...] ela não prevalece se concretizada mediante ato
Neste sentido, a negociação coletiva não pode ter como
estrito de renúncia (e não transação). É que ao pro-
objeto, direitos cobertos de indisponibilidade absoluta, pois tais
cesso negocial coletivo falece poderes de renúncia
direitos constituem um patamar civilizatório mínimo, o qual não
sobre direitos de terceiros (isto é, despojamento
pode ser reduzido em nenhuma hipótese. No Brasil este patamar
unilateral sem contrapartida de agente adverso).
civilizatório mínimo é garantido por todo o ordenamento jurídico,
Cabe-lhe, essencialmente, promover transação (ou
inclusive pelas normas de âmbito internacional, aplicáveis no sis-
seja, despojamento bilateral ou multilateral, com
tema interno brasileiro.
reciprocidade entre os agentes envolvidos), hábil a gerar normas jurídicas. (DELGADO, 2012,p.1416)
3 NOVA REDAÇÃO DADA AO ARTIGO 114, §2º DA CF/88 PELA EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 45 DE 2004.
Também não prevalecerá se for referente a direitos cobertos de indisponibilidade absoluta, pois estes não podem ser transacionados
EXIGÊNCIA DO COMUM ACORDO PARA AJUIZAR O DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA.
por negociação coletiva. Tais parcelas formam um patamar mínimo
Em 08 de dezembro de 2004, foi editada a Emenda à Cons-
civilizatório que não pode ser reduzido, seja qual for o segmento
tituição nº 45, que dentre outras alterações, modificou a redação
econômico-profissional, sob pena de configurar afronta a dignidade
originária do artigo 114, §2º da Constituição Federal de 1988.
da pessoa humana (arts.1º, III e 170, caput, CF/88). Podendo ser citados como exemplo de parcelas de indisponibilidade absoluta a
Antes da Emenda à Constituição nº45 a redação do art.114, § 2º da CF/88 era a seguinte:
anotação na CTPS, as normas de medicina e segurança do trabalho, conforme explanação de Maurício Godinho Delgado:
Art.114. [...] §2°. Recusando-se qualquer das partes à negocia-
Também não prevalece a adequação setorial ne-
ção ou à arbitragem, é facultado aos respectivos
gociada se concernente a direitos revestidos de
sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Jus-
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tiça do Trabalho estabelecer normas e condições
São conflitos coletivos trabalhistas que atingem co-
respeitadas as disposições convencionais e legais
munidades específicas de trabalhadores e empre-
mínimas de proteção ao trabalho.
gadores ou tomadores de serviços, quer no âmbito restrito do estabelecimento ou empresa, quer em
A Emenda à Constituição nº45 de 2004 modifi-
âmbito mais largo, envolvendo a categoria ou, até
cou o art.114, § 2° da CF/88 dando-lhe a se-
mesmo, comunidade obreira mais ampla. (DELGA-
guinte redação:
DO,2012, p. 1316)
Art.114. [...]
Maurício Godinho Delgado (2012) trouxe o conceito de
§2°. Recusando-se qualquer das partes à negocia-
dissídio coletivo, estes podem envolver partes específicas ou
ção coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas,
determinada categoria. Nesta pesquisa o que se questiona é
de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de nature-
a exigência do comum acordo no caso dos dissídios coletivos,
za econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir
sendo que o entendimento mais plausível seria dizer que a ex-
o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais
pressão comum acordo introduzida no texto constitucional de-
de proteção ao trabalho, bem como as convenciona-
veria ser interpretada como uma faculdade entre as partes, e
das anteriormente.(SARAIVA, 2011, p.51)
não como uma necessidade. É de suma importância para o esclarecimento do tema em
A Emenda à Constituição nº45, também chamada de Refor-
análise, diferenciar dissídio coletivo de natureza jurídica, do dis-
ma do Poder Judiciário, alterou o § 2° do art.114, exigindo o co-
sídio coletivo de natureza econômica, sendo que o primeiro cuida
mum acordo entre as partes para terem o direito de ajuizarem o
das divergências das regras e dos princípios jurídicos, e o segundo
dissídio coletivo de natureza econômica, conforme explanação de
trata das divergências existentes no ambiente laborativo, onde os
Cleber Lúcio de Almeida:
trabalhadores reivindicam melhores condições de trabalho. Dispõe a Constituição Federal de 1988 que as partes para
A instauração do dissídio coletivo da natureza eco-
solucionarem o conflito trabalhista, primeiro devem buscar a nego-
nômica pressupõe. Por força do art. 114, §2º, da
ciação coletiva, ou seja, é indispensável a tentativa precedente de
Constituição Federal, comum acordoentre as par-
negociação coletiva, como dispõe o art. 114, §2º, da Constituição
tes em conflito. Sob essa ótica, o Judiciário somen-
Federal e o art. 616, §4, da CLT: “Nenhum processo de dissídio co-
te irá solucionar o conflito a pedido de ambas as
letivo de natureza econômica será admitido sem antes se esgota-
partes. (ALMEIDA, 2009, p.767).
rem as medidas relativas à formalização da Convenção ou Acordo correspondente.”(SARAIVA, 2011, p.993)
Desde tal alteração, muitos questionamentos foram feitos.
Nota-se que a negociação coletiva é o meio prioritário para so-
Parte da doutrina e da jurisprudência defendem a sua cons-
lução dos conflitos coletivos trabalhistas, sendo considerada por
titucionalidade, argumentando que se trata de uma alteração
muitos doutrinadores a forma de solução mais adequada.
extremamente benéfica, ressaltando que a intervenção estatal
Antes da negociação coletiva, as partes não podem acionar
no caso do dissídio coletivo deve ser mínima. Em contrapartida,
o Poder Judiciário, ou seja, não se pode buscar a substituição de
outros defendem a sua inconstitucionalidade, pois tal disposi-
um Acordo ou Convenção Coletiva do Trabalho não celebrado, por
tivo viola dentre outras coisas o direito de ação conferido no
uma sentença normativa. Diante disso, se for ajuizado a ação judi-
art.5º, XXXV da Lei Maior.
cial e não houver a comprovação prévia de que houve a tentativa de negociação coletiva, este processo será extinto sem resolução
4 ÊNFASE A NEGOCIAÇÃO COLETIVA OU RESTRIÇÃO JUDICIAL Ressalta-se que no âmbito trabalhista existem conflitos in-
do mérito, pela ausência do interesse de agir. Sobre este assunto comenta o douto doutrinador Cleber Lucio de Almeida:
dividuais, ou seja, são aqueles conflitos entre o empregado e o empregador, trata-se de pessoas determinadas e interesses
Antes da negociação coletiva, as partes do conflito
concretos, englobando apenas as partes contratuais e as con-
não têm interesse para acionar o Poder judiciário,
dições específicas do contrato de trabalho ou da prestação de
isto é, para recorrer à sentença normativa como
serviço, e há também os dissídios coletivos, que segundo Mau-
substitutivo da convenção ou acordo coletivo do
rício Godinho Delgado:
trabalho não celebrado. Com isso, não sendo comRevista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 457
provada a prévia tentativa de negociação coletiva,
apenas impôs condição para o exercício do direito
o processo coletivo deverá ser extinto, sem julga-
de ação, o que pode ser instituído até mesmo pelo
mento do mérito, por carecer o suscitante de inte-
legislador ordinário.” (BARROS, 2006, p.1230).
resse de agir [...]. (ALMEIDA, 2009, p.766) Em alguns julgados do Tribunal Superior do Trabalho ele se maSendo frustrada a negociação coletiva, ás partes poderão eleger
nifestou dizendo que a exigência do comum acordo é um pressuposto
árbitros, recusando-se qualquer das partes à arbitragem é facultado
processual, e a sua ausência leva a extinção do processo sem reso-
às mesmas de comum acordo recorrer ao Poder Judiciário.
lução do mérito, nos termos do art.267, VI do Código de Processo
Até hoje o entendimento sobre o tema não é pacífico, ainda
Civil- CPC, conforme demonstra a seguinte jurisprudência:
é muito discutida a questão da constitucionalidade ou não da exigência do comum acordo para instauração do dissídio coletivo de
Ementa:RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO
natureza econômica. Antônio Álvares da Silva citado por Cleber
COLETIVO. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO,
Lúcio de Almeida na obra Direito Processual do Trabalho (2009, p.
PRESSUPOSTO ESPECÍFICO PARA AJUIZAMENTO
768 e 769) entende pela constitucionalidade da exigência do co-
DO DISSÍDIO COLETIVO.
mum acordo, esclarecendo que esta alteração se trata de um lado
A regra, ante o que dispõe o art. 114, § 2º, da Cons-
extremamente positivo da reforma, dizendo também, que se o le-
tituição Federal, é a exigência de comum acordo
gislador não teve a vontade de extinguir o dissídio coletivo, pelo
para instauração do dissídio coletivo. Havendo,
menos teve o bom senso de limitá-lo, ressaltando ainda, que no
como no caso, clara evidência de que a parte con-
caso do conflito coletivo, a intervenção estatal deve ser mínima,
trária se opôs à instauração da instância em defe-
porque o que se deseja, é a autocomposição, ou seja, as partes
sa, força é prover o recurso para declarar-se em re-
por meio da negociação coletiva devem resolver o conflito.
lação aos Recorrentes a extinção do processo, sem
Entretanto, a visão do doutrinador Antônio Álvares da Silva
julgamento do mérito, nos termos do art. 267, IV,
não é relevante para defender a constitucionalidade da necessi-
do CPC, por ausência do requisito do comum
dade do comum acordo para ajuizar o conflito coletivo, primeiro
acordo. (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho.
porque ele questiona a própria existência da justiça trabalhista, o
Recurso Ordinário nº 1482003520085040000.
que se tem por inadmissível, pois a justiça do trabalho é um proce-
Recorrente: Sindicato do Comércio Atacadis-
dimento célere e efetivo; segundo porque a sociedade vive em um
ta do Estado do Rio Grande do Sul e outros.
Estado Democrático de Direito, sendo que, o direito de ação é uma
Recorrido: Sindicato dos Empregados no Co-
garantia fundamental, portanto não pode ser limitado.
mércio de Cachoeira do Sul e Sindicato e Or-
Sobre o assunto, também comenta Alice Monteiro de Barros:
ganização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul- OCERGS. Brasília 13 de agosto
À primeira vista, pareceu-nos violar a autonomia do
de 2012. Disponível em <http://www.jusbrasil.
sindicato condicionar o exercício do direito de ação
com.br/jurisprudencia/22094569/recursoordi-
à aquiescência da outra parte e, consequentemen-
náriotrabalhista-ro-1482003520085040000-
te, um desrespeito a esse direito. Analisando melhor
-148200-3520085040000-tst. Acesso em: 14
o assunto, concluímos que a intenção da lei foi, de
de maio de 2013).
fato, imprimir nova dimensão ao poder normativo atribuído á Justiça do Trabalho, mantendo-o de forma
Em contrapartida, outros doutrinadores argumentam pela
mitigada, com o objetivo de estimular a negociação
inconstitucionalidade da exigência do comum acordo, com a pro-
coletiva. (BARROS, 2006, p.1228 e 1229)
positura de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que tramitam perante o Supremo Tribunal Federal (ADI: n°3.392,3.
Ainda segundo Alice Monteiro de Barros:
423, 3.431, 3.432 e 3.520). Os juristas que entendem pela inconstitucionalidade do
E nem mesmo caberia dizer que a norma em es-
disposto defendem que a exigência do comum acordo viola o
tudo traduziria ofensa ao art.5º, XXXV, da Consti-
art.5°, XXXV da CF/88 que prevê o Princípio da Indeclinabilida-
tuição, que assegura o exame de lesão ou amea-
de, onde a “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
ça a direito pelo Poder Judiciário. O art. 114, §2º
lesão ou ameaça à direito” (SARAIVA, 2011, p.11), portanto é
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garantido a toda pessoa que se sentir lesado o acesso aos ór-
cativamente o papel do dissídio coletivo na ordem
gãos judiciais, não podendo este ser restringido.
jurídica, social e econômica do país. Desse modo,
É plausível, para aqueles que sustentam a constitucionalida-
a Constituição da República, dezesseis anos após
de da necessidade do comum acordo para ajuizamento do dissí-
5 de outubro de 1988, pela EC n.45/2004, reme-
dio coletivo de natureza econômica, dizer que o art. 5º, XXXV, da
teu, decididamente, à negociação coletiva o papel
Constituição Federal garante o acesso ao Poder Judiciário, apenas
de geração da normas jurídicas coletivas trabalhis-
no caso de lesão ou ameaça a direito preexistente (o cumprimento
tas no Brasil. (GODINHO, 2012, p.1319 e 1320).
da norma está sendo solicitado) e no dissídio coletivo o que se almeja é o estabelecimento de normas e condições de trabalho
Cleber Lúcio de Almeida (2009, p.769) também discorda da
(o dissídio tem por finalidade a criação de normas, e não a aplica-
necessidade do comum acordo para ajuizar o dissídio coletivo de
ção de norma já existente). Contudo, é importante relembrar que,
natureza econômica, no seu livro de Direito Processual do Traba-
a tutela jurisdicional tem como foco tanto um direito quanto um
lho ele elenca vários motivos, dentre eles, dizendo que a necessi-
interesse, como esclarece sabiamente Cleber Lúcio de Almeida:
dade do comum acordo para instauração do dissídio fere o art.8°, III da CR/88, porque impede o sindicato de realizar em juízo a
[...] que a tutela jurisdicional pode ter por objeto
defesa dos interesses da categoria profissional, uma vez que o
tanto um interesse quanto um direito. Basta ver,
acesso ao Poder Judiciário na esfera trabalhista já é limitado pela
por exemplo, que às organizações sindicais foi
exigência de prévia negociação coletiva, não se justificando, por-
atribuída legitimidade para exercer a defesa dos
tanto, mais essa restrição; o art.114,§2º da Constituição Federal
direitos e interesses coletivos ou individuais da ca-
deve ser interpretado de forma harmônica com o art.5º, XXXV, da
tegoria, inclusive em questões judiciais (art. 8º, III,
Lei Maior, não podendo ser excluída da apreciação do Judiciário
da Constituição Federal). O direito de ação não é
lesão ou ameaça de lesão a direito, destacando o direito de ação,
assegurado apenas na hipótese de lesão ou amea-
como um direito fundamental; ademais, não seria razoável, nem
ça a um direito, como o comprova, inclusive, a pos-
tão pouco justificável, atribuir a um dos interessados o poder de
sibilidade de ajuizamento de ação meramente de-
decidir sobre o acesso do outro ao Judiciário.
claratória, uma vez que esta não pressupõe lesão
É inegável, o poder normativo da Justiça do Trabalho, pois
ou ameaça a direito (art. 4º do Código de Processo
cabe a ela, quando acionada estabelecer normas e condições de
Civil). (ALMEIDA, 2009, p.770)
trabalho, como prevê o art.114, §2º, da Constituição Federal. A intenção do legislador derivado ao modificar a redação do
Portanto, o argumento da não violação ao art. 5º, XXXV, da Cons-
art.114, §2º da CF/88 era favorecer a negociação coletiva, mas
tituição Federal no caso da exigência do comum acordo é frágil, tendo
esta já estava em destaque porque necessariamente as partes
em vista que, cabe ao Poder Judiciário apreciar demandas que afron-
deveriam em primeiro lugar buscar a autocomposição, neste senti-
tem direitos ou interesses daquelas partes envolvidas.
do, não se justifica mais esta restrição quecertamente traz prejuí-
É inegável que a Emenda à Constituição aqui analisada, li-
zos para os trabalhadores, porque os sindicatos patronais não têm
mitou significativamente o papel do dissídio coletivo na ordem ju-
interesse em concordar com o dissídio, pois sabem que podem
rídica, social e econômica do país, conforme esclarece o ilustre
ser criados instrumentos normativos que irão garantir mais direi-
doutrinador Maurício Godinho Delgado:
tos aos trabalhadores, e esta resistência acaba incentivando as greves. Segundo Cleber Lúcio de Almeida (2009, p.769): “o aces-
A EC n.45/2004 aprofundou a incorporação de
so ao Judiciáriojá é limitado pela exigência de prévia negociação
tais críticas ao singular instituto, criando restrição
coletiva, não se justificando mais uma restrição a ele, sob pena de
nova ao ajuizamento do dissídio coletivo de natu-
limitação desproporcional ao acesso à justiça”.
reza econômica: havendo recusa de qualquer das
Portanto, a ênfase dada a negociação coletiva, não pode re-
partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é-
presentar restrição judicial, afrontando o direito fundamental de
-lhes facultado, de comum acordo, ajuizar a refe-
acionar o Poder Judiciário, quando necessário.
rida ação coletiva (art.114,§ 2°, ab initio, CF/88, conforme EC n.45/2004). Com essa nova exigên-
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
cia à instauração da instância pelas partes- de di-
Não restam dúvidas de que, a negociação coletiva é um dos
ficílimo cumprimento, na prática-, diminuiu signifi-
mais importantes métodos para a solução dos conflitos trabalhis-
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 459
tas de natureza econômica. Contudo, em algumas situações a sua aplicabilidade se torna inviável, tendo em vista, que as partes não conseguem entrar em um acordo, para alcançar o objetivo almejado. O desejo das partes ora conflitantes é ver o seu conflito solucionado, portanto sendo impossível a negociação coletiva, e frustrada a arbitragem (lembrando que esta é facultativa), as mesmas devem recorrer ao Poder Judiciário, e não devem encontrar limitações, como a necessidade do comum acordo. Neste ínterim, a Emenda à Constituição nº 45 criou uma nova restrição para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, diminuindo assim significativamente oseu papel, uma vez que, é necessário o comum acordo entre as partes para ajuizar a referida ação. Alguns doutrinadores defendem que no caso do dissídio coletivo, a intervenção estatal deve ser mínima, mas é importante ressaltar que o estado deve atuar sempre que for provocado, para proteger e garantir os direitos e interesses do seu povo. Esta pesquisa não discute o fato da autocomposição ser a forma mais saudável de resolver o conflito, porque ninguém melhor do que as partes para conhecerem os seus problemas e resolverem da melhor forma possível, mas às vezes o acordo é inviável, deste modo, as partes têm o direito de recorrer ao poder judiciário
ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Direito Processual do Trabalho. 3° ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. BARROSO, Fábio Túlio; NILO, Taciana Carolina Alípio. A exigência do “comum acordo” para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. Disponível em <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_ link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9213&revista_caderno=25>. Acesso em: 15 de abril de 2013. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário nº 1482003520085040000. Recorrente: Sindicato do Comércio Atacadista do Estado do Rio Grande do Sul e outros. Recorrido: Sindicato dos Empregados no Comércio de Cachoeira do Sul e Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul- OCERGS. Brasília 13 de agosto de 2012. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22094569/recursoordináriotrabalhista-ro-1482003520085040000-148200-3520085040000-tst. Acesso em: 14 de maio de 2013). DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed.São Paulo: LTr, 2012. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2007. SARAIVA. Vade Mecum. 11° ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
sem que haja limitação. Não é plausível argumentar no sentido de que tal mudança ocorrida no texto constitucional foi para enfatizar ou estimular a negociação coletiva, pois esta já está em evidência, uma vez que, as partes precisam obrigatoriamente em primeiro lugar buscar a negociação coletiva. Ressaltando que o acesso ao Poder Judiciário na esfera trabalhista já é limitado, tendo em vista que a negociação coletiva é o meio prioritário para a solução do dissídio. Neste contexto, a valorização da negociação coletiva não pode afrontar o direito fundamental de ação. A exigência do comum acordo também impede o sindicato de realizar em juízo a defesa dos interesses e direitos dos seus representados. Por isso, o prévio acordo contido no art.114, §2° da CF/88 deve ser entendido como uma faculdade entre as partes, de modo que, frustrada a negociação coletiva, as partes poderão de comum acordo recorrer ao Poder Judiciário, mas se não houver esse consenso qualquer das partes diante do direito de ação conferido pela Constituição Federal poderá instaurar o dissídio.
REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2º ed. São Paulo: LTr, 2006.
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O CONTROLE DO CORREIO ELETRÔNICO: O poder diretivo do empregador em oposição ao direito a intimidade do empregado Guttenberg Quinoca da Silva1
RESUMO: Os avanços tecnológicos transformaram a sociedade, especialmente, no âmbito empresarial. Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo verificar se o empregador, com base em seu poder diretivo, pode monitorar o correio eletrônico de seu empregado. PALAVRAS-CHAVE: Correio eletrônico; e-mail; fiscalização; poder de direção; direito a intimidade. Área de Interesse: Direito Empresarial e Direito do Trabalho
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS
1 INTRODUÇÃO O mundo em que vivemos está em constante transformação, sobretudo, em razão dos avanços tecnológicos na área da informática. Tais avanços facilitaram a vida do homem em suas relações sociais, comerciais e, especialmente, profissionais.
2.1 Conceituação Os direitos fundamentais passaram por um grande processo de transformação, o que é denominado pela doutrina de gerações de
Acompanhando essa mudança de paradigma, as empresas
direitos. Com isso, justificou-se a criação dos direitos fundamentais
têm buscado cada vez mais profissionais amplamente qualifica-
com a finalidade de limitar o poder estatal, já que o Estado também
dos, com formação específica e alto grau de conhecimento. Alia-
deve se submeter ao direito positivado e respeitar um núcleo funda-
do a isso, tornou-se necessária a introdução de instrumentos que
mental de direitos conferidos a pessoa humana.
possibilitassem a otimização do trabalho no âmbito empresarial, principalmente em relação aos meios de comunicação.
Não há consenso doutrinário no que diz respeito à definição dos direitos fundamentais, pois, de fato, não se trata de tarefa
Nesse aspecto, o correio eletrônico (e-mail) é um dos
simples. No entanto, entende-se que os direitos fundamentais
meios de comunicação mais utilizados nas empresas, em ra-
constituem o núcleo básico de direitos reconhecidos pelo orde-
zão de sua objetividade, haja vista que as mensagens podem
namento jurídico a todo cidadão.
ser enviadas para qualquer parte do mundo de maneira instantânea, facilitando o contato com clientes, fornecedores e
Para Uadi Lammêgos Bulos (2010, p. 512), os direitos fundamentais correspondem:
com os demais funcionários. Todavia, por diversas razões, a ciência jurídica não consegue
[...] ao conjunto de normas, princípios, prerrogativas,
acompanhar adequadamente a evolução social e, em relação às no-
deveres e institutos inerentes a soberania popular,
vas tecnologias não é diferente, já que diversas situações oriundas
que garantem a convivência pacífica, digna, livre e
da área tecnológica carecem de regulamentação, como é o caso do
igualitária, independentemente de credo, raça, ori-
monitoramento do correio eletrônico pelo empregador.
gem, cor, condição econômica ou status social.
Assim, embora as novas tecnologias tenham melhorado o desempenho empresarial, também facilitaram a invasão de privacidade, na medida em que as empresas tendem a fiscalizar o uso do correio eletrônico de seus empregados e muitas vezes incorrem em excesso, o que torna necessária a intervenção jurídica para inibi-los. Em razão disso, a discussão adiante tem por objeto verificar a possibilidade de o empregador, fundado no seu poder diretivo, monitorar o correio eletrônico de seus empregados.
Não obstante as diversas orientações a respeito do assunto, todos os direitos fundamentais são legitimados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1º, III da Constituição Federal de 1988. Em razão disso, a pessoa não pode ser instrumentalizada e utilizada como meio, mas deve ser tratada como um fim em si mesma, pois segundo José Joaquim Gomes Canotilho “o Estado
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 461
existe para o homem e não o homem para o Estado” (2009, p.
premo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário
387-388, apud HAINZENREDER JUNIOR, 2009, p. 13).
nº. 201.819-RJ. Recorrente: União Brasileira de
Assim, a dignidade da pessoa humana deve informar a cria-
Compositores – UBC. Recorrido: Arthur Rodri-
ção, a interpretação e a aplicação de toda ordem jurídica, situando
gues Villarinho. Relatora Ministra Ellen Gracie.
o homem no centro da sociedade e não fora dela.
Brasília, 10 de outubro de 2005. Disponível
Na seara trabalhista não é diferente, tendo em vista que o “intér-
em:<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/
prete deve direcionar seu pensamento de forma a garantir o máximo
obterInteiroTeor.asp?id=388784.Acesso em 10
de dignidade, valorização do trabalhador e sua proteção” (BARBOSA
de abril de 2013).
JUNIOR, p. 30), de modo que o núcleo de direitos assegurados pelo ordenamento jurídico seja efetivamente concretizado.
Dessa maneira, considerando que o Direito do Trabalho
Portanto, atualmente, tem-se o objetivo de conferir máxima
tutela essencialmente uma relação composta por particulares,
efetividade às normas constitucionais, especialmente àquelas re-
revela-se necessária a aplicação dos direitos fundamentais
lacionadas com os direitos fundamentais, de modo que na exis-
a essa seara jurídica, embora atualmente seja defendida por
tência de um conflito, o intérprete e aplicador do direito atuem
muitos doutrinadores a unidade do direito, sendo a dicotomia
positivamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto,
entre Direito Público e Direito Privado utilizada para fins mera-
com a finalidade de concretizar os direitos fundamentais.
mente didáticos (GAGLIANO, 2009, p. 28). Como bem assevera Maurício Godinho Delgado (2009, p. 70):
2.2 Eficácia horizontal Dentro da perspectiva clássica dos direitos fundamentais, es-
[...] a categoria nuclear do Direito do Trabalho é
tes representavam verdadeiros limites a atuação do Poder Público
essencialmente uma relação entre particulares (a
nas relações privadas, o que é denominado pela doutrina de eficá-
relação empregatícia), esse ramo jurídico, por sua
cia vertical dos direitos fundamentais.
essência, situa-se no grupo dos ramos do Direito
No entanto, criou-se a necessidade de tutelar as relações travadas entre os particulares sob a perspectiva dos direitos fun-
Privado – em que preponderam relações próprias a sociedade civil, pactuadas entre particulares.
damentais, pois “não seria crível imaginar que, nas relações privadas, as partes possam atentar contra os direitos fundamentais” (ROSENVALD, 2012, p. 73).
Dessa forma, levando-se em consideração que no âmbito trabalhista ocorrem infindáveis situações nas quais se reclama a
Essa mudança de paradigma também se deve ao fato da
aplicação dos direitos fundamentais, como nas revistas íntimas e
constitucionalização do Direito Civil, no qual institutos, antes con-
no controle do correio eletrônico, aqueles devem ser efetivamente
siderados estritamente privados, foram alçados a condição de
assegurados a todo trabalhador, especialmente como forma de
normas constitucionais, a exemplo da família, conforme dispõe o
tutelar a sua dignidade.
artigo 226 da Constituição da República. Além disso, os institutos e normas privadas presentes em todo ordenamento devem ser analisadas sob a ótica do texto constitucional. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre o tema: As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados (BRASIL. Su-
2.3 Direito a intimidade e a vida privada Com os avanços tecnológicos, a violação a intimidade e a vida privada tornaram-se corriqueiras, sobretudo, no que diz respeito ao ato de monitoramento de e-mail no âmbito de trabalho. Por essa razão, faz-se necessária a análise dos referidos institutos antes de se adentrar no estudo do poder de direção do empregador e no ato de fiscalização do e-mail propriamente dito. A intimidade e a vida privada recebem proteção constitucional, conforme dispõe o artigo 5º, inciso X, da Constituição da República de 1988. Ademais, ambas constituem direito de personalidade, considerado como o “elemento estável e permanente do comportamento das pessoas” (BARBOSA JUNIOR, 2008, p. 59), ou seja, trata-se do conjunto de características pessoais inerentes a condição humana.
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Segundo Uadi Lammêgos Bulos (op. cit. p. 549), o direito a in-
Grasseli (2011, p. 27) afirma que:
timidade “diz respeito às relações íntimas e pessoais do indivíduo, seus amigos, familiares, companheiros que participam de sua vida
A utilização do correio eletrônico na atualidade tem
pessoal”. Do mesmo modo, leciona Alexandre de Moraes (2010, p.
se mostrado requisito essencial ao desenvolvimento
53) que a “intimidade relaciona-se as relações subjetivas e de trato
profissional dos indivíduos, bem como ao avanço do
íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade [...]”.
comércio e das organizações empresariais, uma vez
Trata-se do que é denominado pela doutrina de o “direito de
que a comunicação tradicional, via papel, vem sendo
estar só” (GAGLIANO, 2009, p. 171), já que o direito a intimidade
paulatinamente substituída por este meio.
possui um núcleo de alcance menor que o direito a vida privada, de modo que aquela “perpassa e protege até essas relações mais íntimas ou pessoais” (FERNANDES, 2012, p. 411). Embora se relacionem, o direito a vida privada é mais amplo,
De fato, o correio eletrônico constitui evolução do correio postal, devendo receber a mesma proteção que é conferida a este:
tendo em vista que o mesmo “teria por objeto os comportamentos e
[...] até porque o uso da Internet no Brasil somente
acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral,
começou a ganhar espaço em 1995, ou seja, prati-
as relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que
camente sete anos após a Carta Magna atual, razão
se espalhem ao conhecimento público” (MENDES, 2010, p. 469).
pela qual salutar e inegável admitir que o correio
Todavia, ambos os direitos representam um “espaço jurídico-
eletrônico também goza da proteção constitucional
-pessoal reservado a todo o ser humano como forma de promoção
da inviolabilidade das correspondências e comunica-
e realização de sua dignidade” (CHAVES, 2011, p. 51).
ções (HAINZENREDER JUNIOR, 2009, p. 100).
É, portanto, direito fundamental do trabalhador ter sua
intimidade e vida privada preservadas no exercício de suas atividades laborativas, de modo que o empregador não pode ignorar
Há de se mencionar que tais sigilos não são absolutos, assim
a presença dos referidos institutos ao exercer o seu poder de co-
como nenhum dos direitos fundamentais, podendo ser ponderados
mando, devendo proporcionar aos seus empregados um ambiente
no caso concreto, aliado ao fato de que em hipótese alguma um direi-
de trabalho sadio, especialmente como forma de enaltecer a dig-
to pode ser utilizado como justificativa para a prática de atos ilícitos.
nidade da pessoa humana.
É, portanto, de extrema importância o respeito à proteção das correspondências eletrônicas no âmbito da relação de emprego.
2.4 Proteção da correspondência A Constituição da República não assegura somente a proteção a
3 PODER DE DIREÇÃO
intimidade e a vida privada, mas também ao sigilo de correspondência, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XII, do texto constitucional:
3.1 Caracterização e prerrogativas Nos termos do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho
É inviolável o sigilo de correspondência e das co-
cabe ao empregador assumir os riscos da atividade econômica e
municações telegráficas, de dados e das comuni-
dirigir pessoalmente os serviços prestados por seus empregados.
cações telefônicas, salvo, no último caso, por or-
Trata-se do princípio da alteridade, o qual prescreve que todos
dem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
os riscos da atividade empresarial devem ser assumidos pelo em-
estabelecer para fins de investigação criminal ou
pregador, na medida em que cabe a este dirigir o desenvolvimento
instrução processual penal (BRASIL, 2013, p. 8).
de seu negócio e assumir o ônus e o bônus proveniente da exploração da atividade econômica.
Embora o referido dispositivo legal não faça menção expressa ao correio eletrônico, a proteção deste se revela necessária, sobretudo, porque a finalidade da norma é a proteção do sigilo, pois “em que pese existam diferenças entre o correio postal e o correio eletrônico no que se refere ao seu modo de execução, não há, em tese, distinção em relação a aplicação da norma legal na proteção da intimidade” (HAINZENREDER JUNIOR, 2009, p. 97).
Segundo Maurício Godinho Delgado (2009, p. 592) o poder diretivo: [...] seria o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas a organização da estrutura e espaço empresariais internos, inclusive o processo do trabalho adotado
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no estabelecimento da empresa, com a especifica-
fraconstitucionais que têm, por finalidade, proteger a pessoa do
ção e orientação cotidianas no que tange a presta-
trabalhador de eventuais danos que possa sofrer no exercício de
ção de serviços.
suas funções” (MANTOVANI JUNIOR, 2010, p. 80). Na prática, porém, muitas vezes esses limites não são respei-
O professor Hainzereder Júnior (2009, p. 65) leciona que o poder de direção:
tados, de modo que o ato de fiscalização revela-se arbitrário e viola os direitos assegurados pelo ordenamento jurídico ao trabalhador, especialmente, no que se relaciona com as novas tecnologias.
Compreende não só o poder de organizar as ati-
Com os avanços tecnológicos, o empregador possui um
vidades, mas também o de controlar e disciplinar
grande aparato de instrumentos que possibilitam o exercício
o trabalho, de acordo com os fins do empreendi-
das prerrogativas inerentes ao poder diretivo, de modo que
mento, o que demonstra que o empregador possui
“as medidas adotadas devem se caracterizar por imprescin-
diversas prerrogativas na condução do seu negó-
díveis e necessárias ao fim perseguido, e que ocasionem a
cio, ou seja, que o poder diretivo se desmembra
menor repercussão possível sobre o direito do empregado”
por diversas facetas.
(GRASSELLI, 2011, p. 75). Por isso, o poder diretivo deve ser exercido com cuidado, es-
Leciona Amauri Mascaro Nascimento (2004, p. 621-622, apud HAINZENREDER JUNIOR, 2009, p. 66) que o poder diretivo
pecialmente, no que diz respeito ao ato de fiscalização do correio eletrônico, cujos aspectos serão analisados adiante.
manifesta-se através do poder de organização, poder de controle e do poder disciplinar. Esses poderes se fundamentam no contrato de trabalho, pois:
4 CONTROLE DO CORREIO ELETRÔNICO 4.1 Conflito entre o direito a intimidade e o poder diretivo Diante dos avanços da tecnologia e da internet, as empresas
[...] são consequência imediata da celebração
passaram a se valer de tais ferramentas para otimizar o desempe-
do ajuste entre empregado e empregador, a qual
nho de suas atividades. Em razão disso, é crescente o número de
coloca sob a responsabilidade deste último a or-
demandas judiciais com fundamento no poder diretivo do empre-
ganização e a disciplina do trabalho realizado na
gador e no direito a intimidade do empregado.
empresa, quer vista sob a forma de empresa capi-
Segundo João Oreste Dalazen (2005):
talista, quer sob o prisma da empresa capitalista (BARROS, 2011, p. 460).
A tecnologia da internet, sobretudo da correspondência eletrônica, tem suscitado um elenco
Com a formação do contrato de trabalho, cabe ao emprega-
infindável de instigantes questões jurídicas. Uma
dor dirigir o seu negócio, orientando seus empregados quanto à
delas consiste em saber se o empregador tem o
suas respectivas tarefas e responsabilidades, de modo que even-
direito de rastrear ou monitorar o e-mail do em-
tuais prejuízos decorrentes do insucesso da atividade desenvolvi-
pregado e, em última análise, se é lícita a prova
da serão de responsabilidade do empregador.
assim obtida para apuração de justa causa em
Dessa maneira, é dever de o empregador organizar a sua em-
processo judicial.
presa, definindo quais atividades serão desenvolvidas, o número de empregados a serem contratados, assim como a sua estrutu-
Não se pode olvidar que nenhum dos direitos são abso-
ra e capital social. Além disso, o empregador possui o dever, e
lutos. O empregador deve estabelecer as regras que irão dis-
não apenas a prerrogativa, de orientar e fiscalizar a prestação dos
ciplinar o uso do e-mail no ambiente da empresa e cientificar
serviços, sendo-lhe lícito aplicar sanções disciplinares aos seus
previamente o empregado de que aquele estará sendo monito-
empregados que cometerem faltas.
rado. Da mesma maneira, o empregado deve seguir as orien-
3.2 Limites
tações de seu empregador quanto à utilização do correio ele-
Embora o empregador possua o poder de direção de sua em-
trônico, a fim de não cometer eventuais abusos no exercício de
presa, esta prerrogativa não deve ser exercida de modo absoluto
seu direito, a exemplo do envio de piadas e imagens obscenas.
“devendo estar de acordo com os preceitos constitucionais e in-
Neste último caso, leciona Mantovani Junior (2010, p. 86) que:
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Ao constatar então que o empregado utilizava-se
=RR%20-%2061300-23.2000.5.10.0013&bas
da Internet e e-mails para fins particulares, acesso
e=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAgNcAAS&da
a sites pornográficos, envio de mensagens ofen-
taPublicacao=10/06/2005&query=HSBC%20
sivas, humorísticas ou pornográficas a outro fun-
CORREIO%20ELETRONICO>. Acesso em 15 de
cionários e até mesmo a terceiros, levou muitos
abril de 2013).
empregadores a demitirem seus funcionários por justa causa, com fundamento no art. 482, alíneas b e e da CLT.
Portanto, somente o e-mail pessoal goza de proteção absoluta contra o ato de monitoramento no ambiente de trabalho, sendo lícito ao empregador fiscalizar o correio eletrônico corporativo de
A dignidade da pessoa humana e a razoabilidade devem ser levadas em consideração para solução do conflito, na medida em que o empregador não deve agir com excessivo rigor, a ponto tornar o ato de fiscalização em verdadeiro instrumento coercitivo, ofendendo a vida privada e intimidade de seu empregado. Por outro lado, há de se mencionar que existem dois tipos de correio eletrônico: o e-mail pessoal e o e-mail profissional. O correio eletrônico pessoal é de propriedade do empregado e se destina a assuntos particulares, enquanto que o correio eletrônico profissional constitui ferramenta de trabalho disponibilizada pela empresa para tratar de assuntos relacionados a atividade laboral desenvolvida pelo empregado. Esse foi um dos argumentos utilizados pelo Ministro João Oreste Dalazen do Tribunal Superior do Trabalho para considerar lícito o monitoramento do e-mail de um empregado do HSBC - Seguros, já que o correio eletrônico objeto de discussão era corporativo e o empregado foi cientificado de que aquele seria monitorado: [...] apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal da inviolabilidade. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado “e-mail” corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante
seus empregados, desde que estes sejam previamente informados sobre o monitoramento. 4.2 Condições fiscalizatórias O empregador deve estabelecer regras, bem como ministrar palestras e cursos quanto ao uso adequado do correio eletrônico no âmbito da empresa, a fim de que todos os empregados estejam cientes de que o uso do e-mail estará sendo fiscalizado. Além disso, é de grande importância que o ato de fiscalização seja realizado de maneira moderada e se limite, conforme exposto, ao e-mail corporativo, ou seja, àquele fornecido pelo empregador para os fins da atividade empresarial. Segundo entendimento de Hainzenreder Júnior (2009, p. 166): [...] a partir da utilização da proporcionalidade, será possível criar mecanismos que possibilitem concluir em quais circunstâncias dispostas no caso concreto o direito à privacidade do empregado possuíra peso menor ou maior que o poder diretivo do empregador. Para possibilitar e legitimar a prática da fiscalização patronal no uso dos meios informáticos tornar-se-á fundamental a adoção de algumas diretrizes práticas por parte da empresa.
o qual louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio
No mesmo sentido conclui Grasseli (2011, p. 85) que:
endereço eletrônico que lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº. 613/2000013-10-00.7. Recorrente: HSBC Seguros Brasil S.A. Recorrido: Elielson Lourenço do Nascimento. Relator Ministro João Orestes Dalazen. Brasília, 18 de maio de 2005. Disponível em: <
http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunifica-
da2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&fo rmat=html&highlight=true&numeroFormatado
Os meios informáticos são parte do patrimônio do empregador e, como tal, suscetíveis de tutela e monitoramento pelo empresário, desde que observados os requisitos pré-pactuados para tanto, assim como o inequívoco esclarecimento do empregado acerca da utilização das novas tecnologias, e os limites impostos pelos princípios protetivos constitucionalmente assegurados a todo ser humano. Em julgado paradigmático sobre o tema, o Ministro João Oreste Dalazen assim se manifestou:
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A aplicação do princípio da proporcionalidade
fins para que se destinam. Mesmo porque, como
tem o objetivo de impedir que através do dogma
assinante do provedor de acesso à – Internet -, a
ao respeito de determinadas garantias, sejam
empresa é responsável pela sua utilização com ob-
violados outros direitos, senão maiores, de igual
servância da lei. Assim, se o empregado eventual-
importância, ou que, precisam ser preservados.
mente se utiliza da caixa de e-mail corporativo para
[...] A proteção a individualidade, a liberdade, a
assuntos particulares, deve fazê-lo consciente de
personalidade ou a privacidade, apesar de ser
que o seu acesso pelo empregador não representa
essencial no respeito ao Estado de Direito, não
violação de suas correspondências pessoais, tam-
pode ser absoluta, de forma a resultar no des-
pouco violação de sua privacidade ou intimidade,
respeito a outras garantias de igual relevância
porque se trata de equipamento e tecnologia forne-
(BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso
cidos pelo empregador para utilização no trabalho
de Revista nº. 613/2000-013-10-00.7. Recorren-
e para alcance das finalidades da empresa. (BRA-
te: HSBC Seguros Brasil S.A. Recorrido: Elielson
SIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Ins-
Lourenço do Nascimento. Relator Ministro João
trumento em Recurso de Revista nº. 1542/2005-
Orestes Dalazen. Brasília, 18 de maio de 2005.
055-02-40.4.
Disponível em: < http://aplicacao5.tst.jus.br/con-
Bastos. Agravada: MBM Recuperações de Ativos Fi-
sultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiro
nanceiros S/C LTDA. Relator Ministro Ives Gandra
Teor&format=html&highlight=true&numeroForma
Martins Filho. Brasília, 04 de junho de 2008. Dis-
tado=RR%20-%2061300-23.2000.5.10.0013&ba
ponível em: < http://aplicacao5.tst.jus.br/consul-
se=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAgNcAAS&d
taunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeo
ataPublicacao=10/06/2005&query=HSBC%20
r&format=html&highlight=true&numeroFormatad
CORREIO%20ELETRONICO>. Acesso em 15 de
o=AIRR%20-%2015424024.2005.5.02.0055&ba
abril de 2013).
se=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAbnrAAP&data
Agravante:
Gustavo
Francisco
Publicacao=06/06/2008&query=MBM%20RECUEm decisão recente, datada de 04 de junho de 2008, o Ministro Relator Ives Gandra Martins Filho, do Tribunal Superior do
PERACOES%20IVES%20GANDRA>. Acesso em 17 de abril de 2013).
Trabalho, se manifestou no sentido de que o monitoramento do correio eletrônico deve ser considerado como lícito, desde que se limite ao e-mail corporativo:
A concessão, por parte do empregador, de caixa de e-mail a seus empregados em suas dependências tem por finalidade potencializar a agilização e eficiência de suas funções para o alcance do objeto social da empresa, o qual justifica a sua própria existência e deve estar no centro do interesse de todos aqueles que dela fazem parte, inclusive por meio do contrato de trabalho. Dessa forma, como instrumento de alcance desses objetivos, a caixa do e-mail corporativo não se equipara às hipóteses previstas nos incisos X e XII do art. 5º da CF, tratando-se, pois, de ferramenta de trabalho que deve ser utilizada com a mesma diligência emprestada a qualquer outra de natureza diversa. Deve o empregado zelar pela sua manutenção, utilizando-a de forma segura e adequada e respeitando os
Importa ressaltar que, pode-se considerar como aceitável a proibição da utilização do e-mail pessoal no horário de trabalho, sendo, contudo, vedada a fiscalização de seu conteúdo em qualquer hipótese, sob pena de violar a intimidade do empregado. Partindo-se da premissa de que “os direitos fundamentais não podem ser tomados como elementos absolutos na ordem jurídica, mas sempre compreendidos e analisados caso a caso e de modo relativo (ou limitado)” (FERNANDES, 2012, p. 336), deve-se recorrer a aplicação da razoabilidade e a dignidade da pessoa humana para solução do caso concreto. Portanto, a interpretação mais razoável para o problema em questão é no sentido de que pode ser considerada lícita a fiscalização do correio eletrônico, desde que observadas as citadas condições, a fim de que nem empregador nem empregado incorram em excesso no exercício de seus direitos. 5 CONCLUSÃO Os avanços tecnológicos transformaram e continuarão modificando a sociedade constantemente. Em razão disso, é inegável que
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a norma jurídica não consegue acompanhar adequadamente essas mudanças, especialmente, no que diz respeito a área da informática. A fiscalização do correio eletrônico é uma das matérias que carecem de regulamentação jurídica, o que enseja uma série de discussões sobre o tema. Buscando-se evitar conflitos entre o direito a intimidade e o poder de direção, a fiscalização do correio eletrônico pode ser considerada legítima desde que observadas algumas condições, sob pena do ato de monitoramento tornar-se arbitrário e ensejar a
______. Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943: Consolidação das Leis do Trabalho. CLT Saraiva e Constituição Federal. 40 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. ______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 201.819RJ. Recorrente: União Brasileira de Compositores – UBC. Recorrido: Arthur Rodrigues Villarinho. Relatora Ministra Ellen Gracie. Brasília, 10 de outubro de 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=388784>. Acesso em 10 de abril de 2013.
reparação dos danos advindos de tal conduta. O empregador, quando da celebração do contrato de trabalho, deve orientar o seu empregado quanto às normas internas relacionadas com a utilização do e-mail, ressaltando que o mesmo será monitorado. Ademais, o monitoramento deve se limitar ao e-mail corporativo, considerado como aquele destinado a tratar de assuntos relacionados à atividade desenvolvida pelo empregado, de modo que o conteúdo do e-mail pessoal não poderá ser fiscalizado, sendo, no entanto, razoável proibir o uso deste último no horário de trabalho ou autorizar a sua utilização no horário para descanso e refeição. Assim, em decorrência do direito a livre iniciativa, é assegurado ao empregador o poder de direção de seu negócio, sem, porém, ser lícito ao mesmo exercê-lo de qualquer maneira. Somente será lícito ao empregador fiscalizar o e-mail de seu empregado nas citadas condições, especialmente, porque o poder de direção não pode ser exercido de maneira arbitrária, devendo se pautar nos limites do ordenamento jurídico, assim como na razoabilidade, para que o ato de monitoramento não se transforme em uma verdadeira perseguição. Deve-se respeitar as normas garantidoras dos direitos fundamentais na procura de uma solução adequada para o caso concreto. Logo, harmonizando os direitos conflitantes, não se deve eliminar totalmente um em detrimento do outro, resguardando, assim, ambos os direitos, a fim de que nenhum deles incorra em excesso, sobretudo, como forma de conceder máxima efetividade aos direitos fundamentais.
______. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº. 1542/2005-055-02-40.4. Agravante: Gustavo Francisco Bastos. Agravada: MBM Recuperações de Ativos Financeiros S/C LTDA. Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho. Brasília, 04 de junho de 2008. Disponível em: < http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?ac tion=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=AI RR%20-%20154240-24.2005.5.02.0055&base=acordao&rowid=AAANGhA AFAAAbnrAAP&dataPublicacao=06/06/2008&query=MBM%20RECUPERACOES%20IVES%20GANDRA>. Acesso em 17 de abril de 2013. ______. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 613/2000013-10-00.7. Recorrente: HSBC Seguros Brasil S.A. Recorrido: Elielson Lourenço do Nascimento. Relator Ministro João Orestes Dalazen. Brasília, 18 de maio de 2005. Disponível em: < http://aplicacao5. tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTe or&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%20 61300-23.2000.5.10.0013&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAgNc AAS&dataPublicacao=10/06/2005&query=HSBC%20CORREIO%20ELETRONICO>. Acesso em 15 de abril de 2013. BULOS, Uadi Lameêgo. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4ª ed. Coimbra: Almedina, 2000, apud HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. DALAZEN, João Oreste. E-mail: O empregador pode monitorar? Folha de São Paulo, São Paulo, 17 de junho de 2005. Opinião. Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1706200510.htm/>. Acesso em 15 de abril de 2013.
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NOTAS DE FIM 1 Graduando em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.
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o CONTROLE DOS E-MAILS DENTRO DAS EMPRESAS Cristiane Ribeiro Seabra Antunes1
RESUMO: O presente artigo tende abordar os limites do poder fiscalizatório do empregador quanto ao monitoramento dos e-mails, analisando os direitos e garantias fundamentais no ambiente laboral. PALAVRAS-CHAVE: Direitos humanos fundamentais; intimidade; privacidade; propriedade; poder diretivo. ÁREAS DE INTERESSE: Direitos Humanos. Direito do Trabalho
1 INTRODUÇÃO
2 DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS:
O avanço tecnológico e a globalização estão mudando as re-
CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
lações na sociedade, principalmente dentro das empresas. Os
Os direitos humanos fundamentais direcionam-se essencial-
meios tecnológicos postos à disposição do empregado fizeram
mente para a proteção à dignidade humana em seu sentido mais
surgir conflitos no ambiente laboral. Discute-se até onde a priva-
extenso. São direitos e liberdades essenciais a todos os seres hu-
cidade do empregado pode ser violada.
manos. A concepção de direitos humanos está relacionada com
O controle dos e-mails pelo empregador dentro das empresas fez nascer uma discussão quanto ao limite do poder fiscalizatório empresarial. De um lado têm-se os princípios que legiti-
a ideia de liberdade de expressão, de pensamento e a igualdade perante a lei. Como ressaltado por Alexandre de Moraes:
mam a fiscalização feita pelo empregador, em razão da defesa do patrimônio, como o direito de propriedade, de outro, tem-se a
Os direitos humanos fundamentais, portanto, co-
intimidade e a privacidade do empregado.
locam-se como uma das previsões absolutamente
Os Direitos Humanos Fundamentais serão tratados no ca-
necessárias a todas as Constituições, no sentido
pítulo 2, analisando suas características e especificando sua
de consagrar o respeito à dignidade humana, ga-
importância na aplicação no âmbito do Direito Constitucional
rantir a limitação de poder e visar ao pleno desen-
e no Direito do Trabalho.
volvimento da personalidade humana.2
No capítulo 3, serão analisados os direitos e garantias fundamentais no âmbito trabalhista, principalmente os direi-
Os direitos fundamentais podem ser compreendidos como
tos de personalidade – intimidade e privacidade -, bem como
atributos naturais inerentes ao homem, relacionados essencial-
o direito à propriedade.
mente aos valores da dignidade, liberdade e igualdade, conse-
No capítulo seguinte, será estudado o poder diretivo do empregador. Primeiramente serão expostas as características e prerrogativas do poder diretivo do empregador. Em seguida, serão avaliadas as limitações a este poder. Por fim, cuidar-se-á do poder diretivo nos e-mails dos empre-
quentes da sua própria existência, com fundamento na dignidade da pessoa humana.3 A dignidade da pessoa humana tem lugar de realce no ordenamento jurídico constitucional e trabalhista. A respeito do tema, Mauricio Godinho Delgado afirma:
gados na esfera laboral. Ressaltando, é claro, sobre a diferença das correspondências eletrônicas corporativas das particulares.
A conquista e afirmação da dignidade da pessoa
O assunto escolhido ainda não possui uma solução pacífi-
humana não mais podem se restringir à sua liber-
ca nos tribunais, bem como não existem normas na legislação
dade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo,
brasileira que tratem especificamente da violação dos e-mails
naturalmente, também a conquista e afirmação de
na esfera laboral.
sua individualidade no meio econômico e social,
A finalidade do presente estudo é estabelecer de que forma
com repercussões positivas conexas no plano cul-
poderá ser realizada a fiscalização dos e-mails, sem que a intimi-
tural -, o que se faz, de maneira geral, considerado
dade e privacidade dos trabalhadores sejam violadas.
o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 469
mediante o trabalho, e particularmente, o emprego,
autoridades públicas; Universalidade: a abran-
normatizado pelo Direito do Trabalho.4
gência desses direitos engloba todos os indivíduos; Efetividade: a atuação do Poder Público
O direito à dignidade humana consta no artigo 1º da Decla-
deve ser no sentido de garantir a efetivação dos
ração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e estabelece que:
direitos e garantias previstos, com mecanismos
“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
coercitivos para tanto; Interdependência: as vá-
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns
rias previsões constitucionais possuem diversas
aos outros com espírito de fraternidade”.5
intersecções para atingirem suas finalidades, e Complementaridade: os direitos humanos devem
Afirmam, ainda, Montesso, Freitas e Stern:
ser interpretados de forma conjunta com a finaA dignidade humana existe em todos os indivídu-
lidade de alcance dos objetivos previstos pelo
os e impõe o respeito mútuo entre as pessoas, no
legislador constituinte.9
ato da comunicação, e que se opõe a uma interferência indevida na vida privada pelo Estado. Tais
Somente por meio da aplicação direta e imediata dos direitos
direitos são inerentes, porque conhecidos pelas
fundamentais nas relações de trabalho será possível a efetiva pro-
pessoas, não podendo, portanto, o Estado, desco-
teção aos direitos e liberdades dos trabalhadores. O empregador,
nhecê-los. A este cabe, ainda, criar condições favo-
em decorrência da relação jurídica, é possuidor de direitos e fa-
ráveis para uma integral realização dos mesmos.6
culdades que se exercidos de forma imprópria, mostram-se como possíveis fatores de ofensas e violações à liberdade, privacidade e
Neste sentido, merece citação a observação de Menezes, Lo-
dignidade dos trabalhadores.10 Nesta acepção, Rangel declara:
pes, Calvet e Sivolella: As normas constitucionais possuem eficácia jurídica imediata, denotando a força normativa da Constituição, sendo que a apli-
Os direitos sociais têm como fundamento o princí-
cação concreta dos princípios constitucionais se faz pelo método
pio da dignidade da pessoa humana, devendo, por
da ponderação de interesses, ressaltando em importância axioló-
essa razão, ser reconhecida a aplicabilidade ime-
gica no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da dignidade da
diata desses direitos, até porque todos os direitos
pessoa humana e, para a área trabalhista, também o valor social
fundamentais, qualquer que seja a sua natureza,
do trabalho e a ordem econômica fundada na valorização do tra-
são direitos diretamente aplicáveis, vinculam todos
balho humano com o objetivo de assegurar uma existência digna.
os Poderes, especialmente o Legislativo, e essa
7
vinculação se submete ao controle judicial.11 Os direitos humanos são direitos intrínsecos a todos os seres humanos, sem discriminação, incluindo o direito à vida e à liberdade, o direito ao trabalho e à educação, entre outros. A Constituição Federal de 1988 estabelece os gêneros dos
Diante disso, é possível afirmar que os direitos humanos fundamentais consistem na conjuntura de direitos e garantias do ser humano que tem por fim o respeito à dignidade humana.
direitos e garantias fundamentais, dividindo-se em: direitos individuais e coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos políticos
3 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
e partidos políticos.
NO ÂMBITO TRABALHISTA
8
Alexandre de Moraes apresenta diversas características dos direitos humanos fundamentais:
3.1 Direitos de personalidade dos empregados Os direitos da personalidade aparecem como uma reação à
Imprescritibilidade: os direitos não se perdem
atuação estatal sobre o indivíduo e encontram proteção, entre ou-
pelo decurso do prazo; Inalienabilidade: não há
tras normas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de
possibilidade de transferência dos direitos hu-
1948, que dispõe em seu artigo 12:
manos; Irrenunciabilidade: os direitos humanos não podem ser objeto de renúncia; inviolabili-
Ninguém será sujeito à interferência em sua vida
dade: Impossibilidade de desrespeito por deter-
privada, em sua família, em seu lar ou em sua cor-
minações infraconstitucionais ou por atos das
respondência, nem a ataque à sua honra e reputa-
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ção. Todo ser humano tem direito à proteção da lei
A legislação ordinária trabalhista é omissa a
contra tais interferências ou ataques.12
respeito do assunto, e a cada dia as intromissões na vida privada do empregado se agravam,
Em outubro de 1996, a Organização Internacional do Traba-
principalmente em face da evolução tecnológica.
lho aprovou o projeto de Repertório de Recomendações Práticas
Urge fazer-se o reconhecimento expresso desse
sobre Proteção de Dados Pessoais dos Trabalhadores e Recomen-
direito, assegurando ao empregado a tutela pre-
dações para uma ação futura da OIT, introduzida a possibilidade
ventiva, em relação à qual o legislador parece
de empregar normas internacionais do trabalho a respeito.13
menos sensível.17
O objetivo do repertório é nortear os países na elaboração de leis, regulamentos, convenções coletivas e políticas do tra-
O direito à intimidade e à vida privada configura-se como uma
balho, protegendo a dignidade dos pretendentes a emprego e
tutela constitucional assegurada ao indivíduo, sendo um efeito
empregados, tanto no setor público como privado. Foi realizada
imediato da consagração do princípio da dignidade humana na
uma série de estudos sob três dimensões: proteção de dados
Constituição Federal da República.
pessoais, fiscalização no local de trabalho (revistas pessoais e
O artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal de 1988, dispõe sobre a inviolabilidade da intimidade e da privacidade:
eletrônicas) e exames.
14
Os direitos de personalidade podem ser classificados como direito à integridade física, integridade intelectual e integridade
Art. 5º, inciso XII: é inviolável o sigilo de corres-
moral, incluído neste último o direito à imagem, à intimidade, à
pondência e das comunicações telegráficas, de
privacidade e à honra.
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no
O direito à privacidade e o direito à intimidade são direitos de
último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e
personalidade, oponíveis erga omnes e resguardados constitucio-
na forma que a lei estabelecer para fins de inves-
nalmente, estando presentes tanto na vida social como na laboral,
tigação criminal ou instrução processual penal.18
e devem ser respeitados. Sendo estes direitos indisponíveis e irreA privacidade é um direito de titularidade do ser humano
nunciáveis, são soberanos a qualquer cláusula contratual.
que o detém por participarem de algum ato, conhecimento de 3.1.1 Intimidade e privacidade dos empregados
algum fato ou segredo que só a ele interessa. A concepção de
O direito à intimidade classifica-se como direito individual re-
privacidade é muito pessoal, pois compete a cada indivíduo
ferente à liberdade, inerente à própria pessoa humana. Portanto, sofre limitações no ambiente do trabalho, pois a Constituição Fe-
restringir os fatos e dados que deseja manter em sigilo. A intimidade refere-se ao sentimento das pessoas, a respeito das questões que elas não se incomodam de participar aos ou-
deral de 1988 assegura o direito de propriedade.
tros e daquelas outras que preferem manter sob reserva.
Alice Monteiro de Barros afirma que:
Por fim, a privacidade e a intimidade conduzem a uma O direito à intimidade há muito vem sendo concei-
ideia de subjetivismo, o que leva à conclusão como um direito
tuado como aquele que visa a resguardar as pes-
inerente ao ser humano.
soas dos sentidos alheios, principalmente da vista
O direito à privacidade consiste na opção entre publicar ou
e dos ouvidos de outrem; pressupõe ingerência na
não o que é íntimo, e, assim, construir a própria imagem. É um
esfera íntima da pessoa através de espionagem e
direito inerente ao homem.19
divulgação de fatos íntimos obtidos ilicitamente.
15
A Constituição Federal da República possui um papel fundamental na valorização do indivíduo ao ascender os direitos
A Constituição da República Federativa do Brasil protegeu a inti-
do trabalhador e a dignidade da pessoa humana, como pre-
midade em seu art. 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida
servação da intimidade e da privacidade, ao status de direitos
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à in-
fundamentais, constitucionalmente resguardados.
denização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.16 O fato de um empregado encontrar-se subordinado ao empregador ou de deter este último o poder diretivo, não justifica a violação do direito à intimidade no local de trabalho. Sobre o tema, Alice Monteiro de Barros assinala que:
3.1.2 Do direito à Propriedade do empregador O empregador possui autoridade sobre a propriedade de sua empresa e o que nela contém. Entretanto, não é conferido poder absoluto ao direito de propriedade, uma vez que este é
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manifestado pelo poder diretivo e limitado pelos direitos funda-
em normas fundamentais da Constituição Federal
mentais dos trabalhadores.
(arts. 1º, IV, e 5º, XII e XXII, CF). (grifos nossos)21
Ao monitorar a correspondência eletrônica de seus funcionários, o empregador estaria violando o direito à intimidade e a pri-
Ao trabalhador é assegurado o direito de manter-se reserva-
vacidade, além da ofensa ao sigilo de comunicação, direitos estes,
do, de zelar pela sua intimidade e de não deixar que se lhe inda-
resguardados na Constituição Federal da República de 1988. Por
gue sobre sua privacidade.
isso, é de extrema importância que no momento da contratação do empregado seja esclarecida a política da empresa quanto ao
4 PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
monitoramento do e-mail e seus usos permitidos. Assim analisam Gemignani T., Gemignani D:
4.1 Características e prerrogativas do poder diretivo do empregador
O direito de propriedade não foi instituído, nem
Não existe na legislação brasileira nenhum dispositivo le-
pode ser considerado absoluto, porque a própria
gal regulamentando expressamente a fiscalização e inspeção
Constituição estabeleceu expressamente que só
pessoal, embora a Constituição Federal de 1988 assegure o
estaria justificado na medida em que estivesse
direito à intimidade.
atendida sua função social, assim balizando o
A Consolidação das Leis Trabalhistas em seu artigo 3º con-
exercício dos direitos particulares pelos interes-
ceitua empregado como pessoa física que presta serviços sob
ses difusos da sociedade em ver prestigiado o
a dependência do empregador22. Essa dependência acaba por
trabalho como valor fundante da República bra-
aceitar, em parte, a renúncia da liberdade, configurando um
sileira, escopo que não prescinde da preserva-
controle do empregador.
ção do direito ao emprego daqueles que ajudam
Ao empregador é conferido o poder diretivo, ou seja, o con-
a construir a sustentabilidade econômica do em-
trole, a vigilância e a fiscalização do empregado, tendo como
preendimento, a fim de evitar o esvaziamento de
objetivo o bom funcionamento da empresa. Mas este poder
sentido de nossas instituições e a intensificação
não é absoluto, estando sujeito a limitações, como o respeito
das relações de dominação entre as partes de
à dignidade do empregado e à liberdade que lhe é reconheci-
um contrato de trabalho.20
da no âmbito constitucional. Tal liberdade tem fundamento no artigo 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas: “considera-se
A invocação do direito de propriedade não justifica o des-
empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo
respeito à privacidade do trabalhador. Fazendo uma relação
os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
com os banheiros instalados em uma empresa, sendo estes
prestação pessoal de serviço”.23
sua propriedade, não pode o empregador vir a instalar câmeras
Para Gemignani T., Gemignani D, o empregado:
para vigiar o empregado, pois feriria diretamente a esfera íntima. O mesmo acontece com a fiscalização dos e-mails, sejam
(...) ao ingressar numa relação de trabalho, além
eles corporativos ou pessoais, sem uma comunicação prévia,
de trazer consigo todos os direitos fundamentais
como será debatido a seguir.
inerentes a sua condição de pessoa, agrega os que
Neste sentido, a jurisprudência entende que:
a lei lhe garante como trabalhador, o que vai repercutir não só na execução do próprio contrato, mas
(...) Essencial destacar, para o deslinde da contro-
até mesmo na organização empresarial.24
vérsia, que a rede mundial de computadores (internei) e as correspondências eletrônicas (emails)
Ressalta-se que a subordinação presente no contrato de
incorporaram-se ao cotidiano das pessoas, como
trabalho não retira do empregado a garantia de seus direitos
uma forma rápida de comunicação e acesso à
fundamentais. Assim, havendo relação de emprego, haverá
informação, motivo pelo qual, no âmbito das rela-
sempre o poder diretivo do empregador.
ções empregatícias, deve haver uma ponderação de interesses entre o sigilo das comunicações e
Segundo afirma Rogério Krauspenhar, o poder diretivo manifesta-se em três divisões:
dados do empregado com o direito de propriedade
Pelo poder de organização, o empregador organiza
e livre iniciativa da empresa, ambos com amparo
a estrutura da sua atividade empresarial, especi-
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ficando ou detalhando a função. Os limites deste
tratual pelo empregador, incidindo e integrando o
poder encontram-se nas cláusulas contratuais, ex-
conteúdo do contrato de trabalho.28
pressa através do regulamento da empresa; através do poder de controle, o empregador fiscaliza
Considerando que a privacidade e a intimidade constituem
a atividade profissional dentro do ambiente em-
um dos atributos inerentes à dignidade da pessoa humana, há
presarial. Seu limite é o princípio da razoabilidade,
de se concluir que nas relações de trabalho estes princípios são
que, por ser genérico, deixa uma margem de dis-
basilares. A sua aplicabilidade é indiscutível. Para que se tenha
cricionariedade, não de arbitrariedade; e por meio
o devido respeito à dignidade humana, a fiscalização das corres-
do poder disciplinar, o empregador tem direito de
pondências dentro das empresas deverá ser respaldada no bom
aplicar sanções aos seus empregados que desobe-
senso, de maneira limitada e razoável.
decem às suas ordens.
25
A respeito da matéria, Alice de Monteiro Barros ilustra:
Observa-se a importância do Poder de Organização, pois dele
Assim, embora o Direito do Trabalho não faça men-
resulta o direito de o empregador elaborar um regulamento de em-
ção aos direitos à intimidade e à privacidade, por
presa, no qual, serão determinadas normas gerais internas, como
constituírem espécie dos “direitos da personalida-
regras de comportamento disciplinar. Validamente constituído, o
de” consagrados na Constituição, são oponíveis
regulamento de empresa faz lei entre as partes.
contra o empregador, devendo ser respeitados, in-
Uma das principais finalidades das normas laborais é a de garantir o direito à dignidade das partes envolvidas na relação
dependentemente de encontrar-se o titular desses direitos dentro do estabelecimento empresarial.29
de emprego. A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 170 sobre a importância deste direito: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano na livre inicia-
A própria Declaração dos Direitos Humanos de 1948 em seu artigo 29 afirma que:
tiva, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme Todo ser humano tem deveres para com a comu-
os ditames da justiça social (...)”.26 A discricionariedade do empregador de administrar sua
nidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de
empresa, através dos poderes de organização, controle e dis-
sua personalidade é possível. No exercício de seus
ciplinar, não se confunde com o poder arbitrário. A discriciona-
direitos e liberdades, todo ser humano estará su-
riedade está dentro dos limites permitidos em lei, enquanto o
jeito apenas às limitações determinadas pela lei,
arbítrio excede o que dispõe na lei.
exclusivamente com o fim de assegurar o devido
A dificuldade é estabelecer limites entre o direito à intimidade
reconhecimento e respeito dos direitos e liberda-
e à privacidade do empregado e o poder diretivo do empregador,
des de outrem e de satisfazer as justas exigências
sem que haja ofensa aos princípios constitucionais e trabalhistas.
da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma
Serão estudadas a seguir maneiras pelas quais estes direitos pos-
sociedade democrática. Esses direitos e liberda-
sam conviver de forma harmônica e pacífica.
des não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das
4.2 Limitações do poder diretivo do empregador
Nações Unidas.30 (grifos nossos)
A Consolidação das Leis do Trabalho proíbe em seu artigo 483 que o empregador ofenda a honra e a boa fama do empregado.27
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela
Destarte, não só os crimes contra a honra, mas outras condutas ca-
Assembleia Geral da ONU em 1948, foi um marco da internaciona-
pazes de ofender o empregado na sua dignidade pessoal. O mesmo
lização dos direitos fundamentais, incluindo-se entre eles o direito
artigo proíbe, ainda, o tratamento com rigidez excessiva pelo empre-
à intimidade e à vida privada.
gador, ou seja, a aplicação do poder diretivo de forma abusiva.
Rúbia Zanotelli de Alvarenga afirma que:
Paulo Eduardo V. Oliveira esclarece que: [...] é relevante destacar que o próprio regulamento, A identificação da necessidade de proteção jurídi-
ao estabelecer as normas de conduta do emprega-
ca da dignidade do empregado aparece em múl-
do, de certa forma, limita o poder empregatício do
tiplas restrições ao exercício da autonomia con-
empregador, fazendo com que o mesmo respeite o
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que foi entabulado, pois, através do regulamento
de rastreamento, desde que haja prévia comunica-
empresarial, são traçadas as normas fundamen-
ção ao empregado da fiscalização no regulamento
tais quanto ao modo de exercício do trabalho por
da empresa e desde que não o faça de forma abu-
todos os integrantes do pacto contratual. 31
siva.33 (grifos nossos)
Portanto, o fato de a empresa disponibilizar o correio eletrô-
As correspondências estão protegidas pelo direito à privacida-
nico como ferramenta de trabalho, não deve permitir que a in-
de (art. 5º, inciso XII da CR/88) e pelo direito à intimidade (art. 5º,
terceptação deste seja feita sem nenhuma comunicação prévia,
inciso X da CR/88), cabendo ao empregador estabelecer limites
considerando-se ato lesivo aos direitos fundamentais do emprega-
de forma clara no regulamento interno da empresa ou no próprio
do a ausência desta comunicação. Na fiscalização eletrônica pelo
contrato de trabalho ou convenção coletiva, sobre os e-mails cor-
empregador, respeitar-se-á ao máximo a privacidade e intimidade
porativos, de modo que os empregados estejam cientes no mo-
do empregado, constando no regulamento da empresa, no contra-
mento da contratação.
to de trabalho ou convenção coletiva as normas a serem seguidas.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XII, prescreve que:
4.3 O Poder Diretivo sobre os e-mails dos empregados na esfera laboral
É inviolável o sigilo de correspondência e das co-
Primeiramente, deve-se estabelecer a distinção entre e-mail
municações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por or-
corporativo de e-mail particular. O e-mail corporativo é aquele cedido aos trabalhadores
dem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
pela empresa. É criado pelas empresas em seus servidores,
estabelecer para fins de investigação criminal ou
possuem a identificação da empresa em seu endereço e é uma
instrução processual penal.34
ferramenta de uso exclusivo para o trabalho, além de serem acessadas pelos computadores da empresa. Ao utilizá-lo, o em-
Prevê ainda em seu artigo 5º, inciso X: “São invioláveis a
pregado age como funcionário da empresa. Já o e-mail particu-
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
lar veicula mensagens pessoais, sendo que cada pessoa que o
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral
utiliza possui o seu endereço eletrônico.
decorrente de sua violação.”35
Com maestria, Rúbia Zanotelli de Alvarenga nos ensina que:
Por uma interpretação restrita, deve-se entender que a correspondência eletrônica está incluída nesta proteção, uma vez
Toda conduta empresarial constrangedora ou de-
que se trata de uma forma de comunicação pessoal, privada.
sagradável, capaz de acarretar uma situação vexa-
O princípio da inviolabilidade da correspondência se expressa
tória ao empregado, em virtude do controle indevi-
como um amparo indireto ao direito à intimidade e à privacidade.
do do uso do seu email, caracterizará transgressão
Em 2006 foi publicada uma decisão no Diário de Justiça de
à sua privacidade e à sua intimidade.
32
Minas Gerais, a respeito dos limites de uso dos e-mails corporativo e pessoal. Luiz Otávio Linhares Renault36, relator da decisão,
O e-mail corporativo é um instrumento de trabalho e, em de-
afirmou que o empregador pode instituir limites ao uso do compu-
terminadas ocasiões e com determinadas políticas de monitora-
tador da empresa, proibindo a sua utilização para fins pessoais,
mento, é possível que o empresário possa conhecer o conteúdo
desde que o faça de forma clara, escrita ou verbal.
desses emails. Esta prerrogativa tem limites constitucionais, pois
Destacou, ainda, que a violação da correspondência eletrô-
o trabalhador tem o direito à inviolabilidade das comunicações e
nica somente poderia ocorrer em casos de extrema necessidade,
ao direito ao exercício de trabalho em condições dignas, direitos
para fins de prova em processo em que haja autorização judicial.
estes, elencados na Constituição Federal de 1988.
O Relator salientou que a possibilidade de fiscalização de e-mails
Rúbia Zanotelli de Alvarenga afirma que:
do empregado, ainda que em computador da empresa, é ato que poderia exceder os limites do empregador, uma vez que estaria
Quando o e-mail for corporativo, por se tratar de
violando a intimidade não só de seu empregado, mas de terceiro,
uma ferramenta de trabalho, porque destinado à
aquele que recebeu ou enviou o e-mail e que não se encontra na
realização do serviço, será possível ao empregador
disposição prevista pelo artigo 3º da CLT.
acessar o conteúdo material do mesmo por meio
Enfim, Renault observou a importância da existência de um
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ponto de equilíbrio entre os direitos constitucionais e o poder em-
esfera laboral não dispõe de um meio de tutela eficaz, pois a legis-
presarial, garantindo a proteção efetiva ao direito à intimidade.
lação ordinária trabalhista é omissa a respeito do assunto. Porém,
Desta forma, percebe-se a importância do questionamento
encontram-se princípios e regras gerais que podem e devem ser
referente à violação da privacidade e da intimidade do empregado
empregadas ao caso concreto, enquanto não é elaborada nenhuma
quanto ao controle dos e-mails dentro das empresas.
regulação mais específica. O ideal seria assegurar ao empregado a
Mori conclui que: “A perfeita compatibilidade entre o desen-
tutela preventiva, capaz de impedir a realização do dano.
volvimento da informática e uma segura proteção da vida privada
É necessária a comunicação prévia ao empregado a res-
é possível, basta a promulgação de leis eficazes e a justa sanção
peito da fiscalização do e-mail corporativo, através do contrato
do seu descumprimento”37.
de trabalho, regulamento interno ou convenção coletiva, sendo
Ressalta-se que os fundamentos da República Federativa do Brasil são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
indispensável à presença de um representante sindical para garantir os direitos do empregado. Diante disso, só resta admitir a necessidade da regulamentação da matéria, sobretudo para fins de maior segurança das
O que não pode ser permitido é a intromissão indiscriminada
relações de trabalho, perante a ausência no contrato de traba-
ao conteúdo das comunicações, devendo ser estabelecidas regras
lho ou de regulamento interno da empresa compreende-se a
para o uso profissional do e-mail corporativo seja no contrato de
tolerância do uso da ferramenta de trabalho.
trabalho, no regulamento da empresa ou nas convenções coletivas de trabalho. Assim, ao empregado é posto o direito de reserva de dados pessoais, com interferências externas mínimas. Deste modo, no instante da contratação do empregado, por meio de termo de ciência, o empregador deve esclarecer a política da empresa quanto ao monitoramento do e-mail e seus usos permitidos. De tal modo, não restará qualquer dúvida quanto o seu fim e a ausência de privacidade quando do envio e recebimento do correio eletrônico.
REFERÊNCIAS ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os limites do poder fiscalizatório do empregador quanto ao monitoramento do correio eletrônico no ambiente de trabalho. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index. php ?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8096>. Acesso: 08 de maio de 2013. BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTR, 1997.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A conciliação do interesse do empregador em defesa do seu patrimônio com o respeito à dignidade do trabalhador é fundamental para que se alcance uma solução passível ao conflito apresentado. A fiscalização deve ser feita através de métodos razoáveis, de modo a não submeter o empregado a situações que violam a sua intimidade e privacidade. Deve existir uma comunicação prévia, através de uma política interna de uso dos e-mails, estabelecendo aos trabalhadores que o correio eletrônico pertence à empresa, que não deve ser usado para fins pessoais e que o empregador tem o direito, não o dever, de monitorar o conteúdo das mensagens. A garantia da dignidade humana se sobrepõe ao poder diretivo dos empregadores, limitando esse poder e protegendo os empregados, sendo inadmissível que a propriedade dos meios de trabalho possa violar os direitos fundamentais dos empregados tutelados na Constituição Federal. O simples fato de o empregador colocar à disposição do empregado a correspondência corporativa como ferramenta de trabalho, não valida a fiscalização sem uma justificativa prévia, sob pena de afrontar os direitos fundamentais da intimidade e privacidade. Aquele que teme violação de sua intimidade ou privacidade na
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho, 1943. 18.ed. São Paulo: Rideel, 2012. -. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 15.ed. São Paulo: Rideel, 2009. -. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão. Processo: AIRR - 30584029.2005.5.09.0013 Data de Julgamento: 06/05/2009, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/05/2009. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?a ction=printInteiroTeor&format=html&highlight=tru e&numeroFormatado=AIRR - 305840-29.2005.5.09.0013&base=acorda o&rowid=AAANGhAAFAAAlHVAAL& dataPublicacao=22/05/2009&query= maria cristina irigoyen>. Acesso: 08 de maio de 2013. CALVO, Adriana. O conflito entre o poder do empregador e a privacidade do empregado no ambiente de Trabalho. São Paulo: LTr, 2009. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. – 10 ed. – São Paulo: LTr, 2011. GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta; GEMIGNANI, Daniel. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do
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6 MONTESSO, FREITAS E STERN, 2008, p.350
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7 MENEZES, Cláudio Armando Couce de; LOPES, Glaucia Gomes Vergara; CALVET, Otavio Amaral; SIVOLELLA, Roberta Ferme. As garantias dos direitos sociais e laborais e as dimensões de sua efetividade: Direito ao trabalho e à não discriminação. Medidas Judiciais e Pretensões Cabíveis. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Minas Gerais. ISSN 0076/8855. n.80, jul/dez. 2009., pg.86.
MENEZES, Cláudio Armando Couce de; LOPES, Glaucia Gomes Vergara; CALVET, Otavio Amaral; SIVOLELLA, Roberta Ferme. As garantias dos direitos sociais e laborais e as dimensões de sua efetividade: Direito ao trabalho e à não discriminação. Medidas Judiciais e Pretensões Cabíveis. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Minas Gerais. ISSN 0076/8855. n.80, jul/dez. 2009. MONTESSO, Cláudio José; FREITAS, Marco Antônio de; STERN, Maria de Fátima Coelho Borges. Direitos Sociais na constituição de 1988: uma análise crítica vinte anos depois. São Paulo: LTR, 2008. MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 8 ed. – São Paulo: Atlas, 2007. MORI, Michele Keiko. Direito à intimidade versus informática. – Curitiba: Juruá, 2001. OLIVEIRA, Paulo Eduardo V. O dano pessoal no direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2002. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Disponível em: <http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-direitos-humanos>. Acesso: 23 de maio de 2013. RANGEL, Douglas Eros Pereira. Efetividade dos direitos fundamentais sociais e a reserva do possível: uma análise sob a ótica do neoconstitucionalismo. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Minas Gerais. ISSN 0076/8855. n.82, jul/dez. 2010.
8 MORAES, 2007, p.23 9 MORAES, 2007, p.22 10 MONTESSO; FREITAS; STERN, 2008 11 RANGEL, Douglas Eros Pereira. Efetividade dos direitos fundamentais sociais e a reserva do possível: uma análise sob a ótica do neoconstitucionalismo. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Minas Gerais. ISSN 0076/8855. n.82, jul/dez. 2010, pg.93. 12ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Disponível em: <http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-direitos-humanos>. Acesso: 23 de maio de 2013. 13BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTR, 1997. 14BARROS, 1997. 15 Ibid, p.28 16 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 15.ed. São Paulo: Rideel, 2009. 17 BARROS, 1997, p.172
NOTAS DE FIM 1 Graduanda de Bacharelado em Direito no Centro Universitário Newton Paiva 2 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.2 3 MONTESSO, Cláudio José; FREITAS, Marco Antônio de; STERN, Maria de Fátima Coelho Borges. Direitos Sociais na constituição de 1988: uma análise crítica vinte anos depois. São Paulo: LTR, 2008. 4 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. – 10 ed. – São Paulo: LTr, 2011, p.82 5 ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Disponível em: http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-direitos-humanos. Acesso: 23 de maio de 2013
18 BRASIL, 1988. 19CALVO, Adriana. O conflito entre o poder do empregador e a privacidade do empregado no ambiente de Trabalho. São Paulo: LTr, 2009. 20GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta; GEMIGNANI, Daniel. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Minas Gerais. ISSN 0076/8855. n.80, jul/ dez. 2009, pg.32. 21BRASIL, 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho Proc. NºTST-RR-3.058/2005-013-09-00.5. Ministra Relatora: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 2009. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true& numeroFormatado=AIRR30584029.2005.5.09.0013&base=acordao&ro wid=AAANGhAAFAAAlHVAAL&dataPublicacao=22/05/2009&query=maria cristina irigoyen>. Acesso: 08 de maio de 2013.
476 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
22 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho, 1943. 18.ed. São Paulo: Rideel, 2012. 23 BRASIL, 1943. 24 GEMIGNANI T, GEMIGNANI D., 2009, pg.25 25 KRAUSPENHAR, Rogério. Os limites do poder disciplinar do empregador. São Paulo: LTR, 2001. 26 BRASIL, 1988. 27 BRASIL, 1943. 28 OLIVEIRA, Paulo Eduardo V. O dano pessoal no direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2002, p.87 29 BARROS, 1997, p.32 30 ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Disponível em: http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-direitos-humanos. Acesso: 23 de maio de 2013 31ALVARENGA. Rúbia Zanotelli de. Os limites do poder fiscalizatório do empregador quanto ao monitoramento do correio eletrônico no ambiente de trabalho. Disponível em: <<http://www.ambito-juridico.com.br/site/ index.php?n_link=revis ta_artigos_leitura&artigo_id=8096>> Acesso: 08 de maio de 2013. 32ALVARENGA. Disponível em: <<http://www.ambito-juridico.com.br/site/ index .php?n_link= revista_ artigos_leitura&artigo_id=8096 >> Acesso: 08 de maio de 2013. 33ALVARENGA. Disponível em: <<http://www.ambito-juridico.com.br/site/ index.php?n_link=revista_a rtigos_leitura&artigo_id=8096>>. Acesso: 08 de maio de 2013. 34BRASIL, 1988. 35BRASIL, 1988. 36BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. E-mail – Limite. [...]. Recurso Ordinário 00997-2005-030-03-00-6. Relator Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault. Minas Gerais, 13 de maio de 2006. <<http://www.trt3. jus.br/jurisprudencia>>. Acesso: 27 de maio de 2013. 37 MORI, Michele Keiko. Direito à intimidade versus informática. – Curitiba: Juruá, 2001, p.83
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O FENÔMENO DA DUPLA PATERNIDADE À LUZ DO DIREITO DE FAMÍLIA CONTEMPORÂNEO Bárbara Rodrigues Faria1
RESUMO: O presente estudo se propõe a realizar uma análise da evolução do direito de família, com o intuito de demonstrar que, sob a ótica do atual ordenamento jurídico, o fenômeno da dupla paternidade é perfeitamente possível. Para tanto, a presente pesquisa se concentrará na exploração do conceito histórico de família, abordando o seu modelo quando ainda regida pelo Código Civil de 1916, as influências advindas da constitucionalização do Direito, e a sua concepção contemporânea à Luz da Constituição da República de 1988 e do Código Civil de 2002. Ademais, também serão objeto do nosso estudo o atual conceito de paternidade e a lei de registros públicos. PALAVRAS-CHAVE: Constitucionalização; Família; Dignidade da Pessoa Humana; Paternidade; Afetividade. Área de Interesse: Direito Civil
1 INTRODUÇÃO A família, em seu conceito histórico, traz uma bagagem con-
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE FAMÍLIA
ceitual extremamente conservadora, em um tempo em que a
Quando regida pelo Código Civil de 1916, a família, direta-
figura do casamento era tida como instrumento político e finan-
mente influenciada pelos valores advindos da Revolução Indus-
ceiro com fins de adquirir ou aumentar a riqueza e o poder. Por
trial, era modelada sob um aspecto absolutamente hierarquizado
esta razão, a figura da separação e do concubinato eram abso-
e patriarcal cuja formação estava diretamente ligada aos laços
lutamente marginalizadas da sociedade, de modo que, uma vez
patrimoniais e políticos. Sua formação se dava, não pela existên-
casados, os cônjuges estariam fadados à convivência vitalícia.
cia de afeto recíproco – que nesta época era sequer levado em
Sob a influência da constitucionalização do Direito Civil, veri-
consideração – mas sim pela união de outras famílias visando-
ficou-se uma significativa mudança de comportamento e pensa-
-se a formação, recuperação ou aumento de patrimônio ou força
mento na sociedade, implicando em significativas mudanças em
política. (ROSENVALD E FARIAS, 2013; DIAS, 2005).
todo o ordenamento jurídico, inclusive no direito de família.
Por esta razão, era atribuído ao casamento um caráter vitalí-
O conceito de família e paternidade, agora influenciados pela
cio, tendo-se como regra que somente a morte poderia dissolvê-
Constituição de 1988, sofreram significativas evoluções com fins
-lo. Sua dissolução era completamente abominada, tendo vista
de amparar as novas situações jurídicas existentes.
que representava a quebra do vínculo patrimonial e político entre
Atualmente, tem se tornado cada vez mais comum a exis-
as famílias e, via de consequência, a desestruturação da própria
tência de mais de um individuo exercendo a função de pai de
sociedade. A família somente era constituída através do matri-
uma única pessoa, submetendo o judiciário à análise acerca da
mônio e a este se restringia, de modo que somente faziam parte
possibilidade ou não da dupla paternidade.
dela o casal e os filhos oriundos do casamento – então chamados
Assim, na presente pesquisa realizou-se um estudo acerca
de filhos legítimos. Grande discriminação pesava sobre aqueles
da evolução do direito de família, de modo a identificar o atual
que, por ventura, se unissem sem o matrimônio. E diferente não
conceito de família e de paternidade. Além disso, realizou-se
era com seus filhos, sejam eles legítimos ou ilegítimos - oriundos
uma detida análise da lei de registros públicos, tudo com fins
das relações extraconjugais.
de averiguar a possibilidade ou não da dupla paternidade à luz
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias destacam que:
do atual ordenamento jurídico. Com efeito, a presente pesquisa demonstrará a legalida-
[...] toma-se como ponto de partida o modelo
de da dupla paternidade, comprovando que ela está ampara-
patriarcal, hierarquizado10 e transpessoal da
da pelo atual conceito de família e paternidade, bem como
família, decorrente das influências da Revolução
pela lei de registros públicos.
Francesa sobre o Código Civil brasileiro de 1916. Naquela ambientação familiar, necessariamen-
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te matrimonializada, imperava a regra “até que a
era herdeiro da tradição milenar do direito romano.
morte nos separe”, admitindo-se o sacrifício da fe-
O Código napoleônico realizava adequadamente o
licidade pessoal dos membros da família em nome
ideal burguês de proteção da propriedade e da liber-
da manutenção do vínculo do casamento. (ROSEN-
dade de contratar, dando segurança jurídica aos pro-
VALD E FARIAS, 2013, p.40)
tagonistas do novo regime liberal: o contratante e o proprietário. (BARROSO, 2005, p.13)
E Maria Berenice Dias completa que: Ocorre, todavia, que não só o direito Civil, como todo o direito O Código Civil anterior, que datava de 1916, regu-
brasileiro, sofreu significativas mudanças com o advento da cons-
lava a família do início do século passado, consti-
titucionalização do Direito no Brasil, marcado historicamente pela
tuída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão
promulgação da Constituição da República de 1988. A partir daí, se
original, trazia uma estreita e discriminatória visão
verifica a transformação do Direito – e, consequentemente, da socie-
da família, limitando-a ao grupo originário do ca-
dade – que, antes patrimonialista e negocial por influência do antigo
samento. Impedia sua dissolução, fazia distinções
Código, perde este caráter e muda seus valores com a centralização
entre seus membros e trazia qualificações discrimi-
da Constituição da República no ordenamento jurídico.
natórias às pessoas unidas sem casamento e aos
A promulgação da Constituição da República de 1988 foi a
filhos havidos dessas relações. As referências fei-
grande travessia do Brasil para a democracia, estabilidade política
tas aos vínculos extramatrimoniais e a filhos ilegí-
e valorização da pessoa humana. Através dela, foram consagrados
timos eram punitivas, exclusivamente para excluir
diversos direitos de cunho social, político, democrático e humano,
direitos. (ROSENVALD E FARIAS, 2005, p.27)
tais como a dignidade da pessoa humana, a construção de uma
37
sociedade livre, justa e solidária, a promoção do bem de todos sem Este contexto exteriora quão restritos eram os direitos e o pró-
distinção de origem, raça, sexo, cor e idade e o direito à igualdade. O
prio conceito de família à luz do Código Civil de 1916. Ressalte-se
ordenamento jurídico perde, portanto, o seu anterior caráter negocial
que o caráter extremamente político, patrimonialista e reproduti-
e patrimonialista, e assume uma postura mais social, onde o funda-
vo então atribuído às famílias e praticado pela sociedade nada
mento principal é a dignidade da pessoal humana.
mais é que uma herança do próprio códex que se preocupava,
Tamanhas transformações trazidas pela nova Constituição
prioritariamente, com o direito de propriedade, com a liberdade de
foram suficientes para remodelar, não só o Direito Constitucional,
contratar e demais questões essencialmente patrimoniais. Este
mas também todo o ordenamento jurídico que, a partir de então,
também era o comportamento característico de toda a sociedade,
passa a submeter-se ao filtro constitucional, de modo que nenhu-
enquanto primordialmente regida pelo Código Civil de 1916 que,
ma outra norma permanece em desacordo com a Carta Magna.
àquela época, era posto no centro do ordenamento jurídico, exercendo uma espécie de direito geral.
Verifica-se, a partir daí, uma efetiva mudança da sociedade que, com o advento da Constituição da República de 1988, passa
Luís Roberto Barroso destaca que “[...] o direito civil desem-
a evoluir à luz de novos conceitos e valores, instituídos pelo princí-
penhou no Brasil – como alhures – o papel de um direito geral,
pio da Dignidade da Pessoa Humana, positivado pelo artigo 1º, III
que precedeu muitas áreas de especialização, e que conferia cer-
da nova Constituição da República. Perde-se, portanto, a caracte-
ta unidade dogmática ao ordenamento.” (BARROSO, 2005, p.13)
rística patrimonialista e adota-se um comportamento mais social
E ainda:
e humanitário, fazendo de todo o ordenamento jurídico um meio de promoção e proteção da dignidade do homem. [...] o Código Civil era documento jurídico que regia as
Maria Helena Diniz ensina que “[...] Tal fenômeno provocou a
relações entre particulares, frequentemente mencio-
despatrimonialização e a personalização dos institutos jurídicos
nado como a “Constituição do direito privado”. Nessa
de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do Direito”
etapa histórica, o papel da Constituição era limitado,
(DINIZ, 2005, p. 58)
funcionando como uma convocação à atuação dos Poderes Públicos, e sua concretização dependia,
Diferente não é o entendimento do Professor Luis Roberto Barroso ao lecionar que:
como regra geral, da intermediação do legislador. Destituída de força normativa própria, não desfruta-
O primeiro deles diz respeito ao princípio da dig-
va de aplicabilidade direta e imediata. Já o direito civil
nidade da pessoa humana na nova dogmática
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jurídica. [...] No tema específico aqui versado, o
futuro remoto. É realidade viva, adaptada aos valo-
princípio promove uma despatrimonialização[74] e
res vigentes. (ROSENVALD E FARIAS, 2013, p. 41)
uma repersonalização
[75]
do direito civil com ênfase
em valores existenciais e do espírito, bem como no
Assim, após o advento da Constituição da República de 1988,
reconhecimento e desenvolvimento dos direitos da
que gerou uma efetiva evolução da sociedade, a família deixa de ser
personalidade, tanto em sua dimensão física quan-
uma entidade meramente representativa que visa tão somente o pa-
to psíquica.(BARROSO, 2005, p.17)
trimônio e a força política, e se torna o instrumento através do qual será promovida e garantida a dignidade da pessoa humana. Ocorre
Com efeito, o princípio da dignidade da pessoa humana passa a nortear todo o ordenamento jurídico e diferente não foi com o
a despatrimonialização e a personalização do direito, de modo que a pessoa humana se transforma no principal fim a ser tutelado.
Direito Civil que, diante das normas específicas, inclusive sobre o
Neste aspecto, a família deixa de ser um meio de sacrifício da
Direito das Famílias, trazidas pela Constituição de 1988, também
pessoa humana na incessante busca por patrimônio e poder e se
foi profundamente modificado. Tratam-se de normas absoltamen-
transforma no instrumento que promoverá a sua felicidade, bem
te diferentes das, outrora, estabelecidas no Código de 1916, tais
estar e suporte emocional.
como a igualdade entre os cônjuges, entre os filhos e a própria valorização da pessoa humana.
Citando Luis Edson Fachin e Cristiano Chaves de Faria, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam que:
Luís Roberto Barroso cita que: A família moderna elimina, assim, progressivamen[...] A fase atual é marcada pela passagem da
te, “a hierarquia, emergindo uma restrita liberdade
Constituição para o centro do sistema jurídico,
de escolha; o casamento fica dissociado da legi-
de onde passa a atuar como filtro axiológico pelo
timidade dos filhos. Começam a dominar as rela-
qual deve ler o direito civil. Há regras específicas
ções de afeto, de solidariedade e de cooperação.
na Constituição, impondo o fim da supremacia do
Proclama-se então a concepção eudemonista da
marido no casamento, a plena igualdade entre os
família: não é mais o indivíduo que existe para a
filhos, a função social da propriedade. E princípios
família e o casamento, mas a família e o casamen-
que se difundem por todo o ordenamento, como a
to existem para o seu desenvolvimento pessoal em
igualdade, a solidariedade social, a razoabilidade.
busca de sua aspiração à felicidade” (Luis Edson
[...] (BARROSO, 2005, p.17)
Fachin. Elementos críticos do direito de família, RJ: Renovar, 1999, PP. 289/291). Isto “permitiu
Ressalte-se ainda, a significativa influência da evolução da
entender a família como uma organização subje-
sociedade, gerada pelo novo ordenamento jurídico, no direito de
tiva fundamental para a construção individual da
família. Ocorre que a família, como elemento essencial da socie-
felicidade. E, nesse passo, forçoso é reconhecer
dade, sofre mutações e avanços de acordo com o surgimento de
que além da família tradicional, fundada no ca-
novos pensamentos, descobertas científicas e conquistas do ho-
samento, outros arranjos familiares cumprem a
mem. A família é o retrato dos valores da sociedade e, como tal,
função que a sociedade contemporânea destinou
não se prende a um conceito imutável e vitalício, de modo que
à família: entidade de transmissão da cultura e for-
sempre estará em constante mudança, acompanhando e amol-
mação da pessoa humana digna. Nesse novo am-
dando-se ao momento histórico vivido pela sociedade.
biente, averbe-se que é necessário compreender a
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias discorrem que:
família como sistema democrático, substituindo a feição centralizadora e patriarcal por um espaço
[...] a família tem o seu quadro evolutivo atrelado
aberto ao diálogo entre os seus membros, onde é
ao próprio avanço do homem e da sociedade, mu-
almejada a confiança recíproca” (Cristiano Chaves
tável de acordo com as novas conquistas da huma-
de Farias. Escritos de direito de família, RJ: Lumen
nidade e descobertas científicas, não sendo crível,
Juris, 2007, p. 7) (JÚNIOR E NERY, 2011, p.1.125)
nem admissível, que esteja submetida a ideias estáticas, presas a valores pertencentes a um pas-
A família passa a ser um dos mecanismos de promoção da
sado distante, nem a suposições incertas de um
dignidade da pessoa humana e, como tal, recebe a especial pro-
480 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
teção do estado, garantida pela nova Constituição. Trata-se, na
família como instituição produtiva e reprodutiva, adotando-se uma vi-
verdade, de claro reconhecimento por parte do ordenamento jurí-
são da família como forma de promoção da felicidade e da dignidade
dico de que a proteção da família assegura a garantia à dignidade
da pessoa humana, atribuindo maior valor às relações íntimas, de
do homem.
confiança e afetivas. (BARROSO, 2005; ROSENVALD E FARIAS, 2013).
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias ressaltam que:
A família deixa de ser composta apenas por marido, mulher e seus filhos havidos exclusivamente no casamento. E a diferença
(...) a família deixa de ser encarada sob a ótica
entre os filhos deixa de existir. O casamento deixa de ser vitalício,
patrimonialista e como núcleo de reprodução, pas-
tornando-se cada vez mais comum o divórcio e, posteriormente, a
sando a ser tratada como um instrumento para o
formação de uma nova sociedade conjugal. Cresce o número de
desenvolvimento da pessoa humana, realçados
pessoas que se unem, sob uma mesma residência sem contrair,
seus componentes mais próximos à condição hu-
oficialmente, o casamento, assim como aumentam os casos de
mana, tem-se, sem dúvida, uma redemocratização
abandono familiar e, consequentemente, de adoção.
da estrutura familiar [...] (ROSENVALD E FARIAS, 2013, p. 44)
Diante de tamanhas evoluções, o conceito de família sofre profunda mudança e passa a abranger, não só o homem e a mulher unidos exclusivamente pelo matrimônio e os filhos dele resul-
E ainda que:
tantes, mas também as relações contraídas sob o afeto, a solidariedade e a afinidade, incluindo-se aí, as mais variadas formas de
(...) a proteção ao núcleo familiar tem como ponto
relacionamento, como a união estável, o próprio casamento, as
de partida e de chegada a tutela da própria pes-
relações homoafetivas, a adoção, dentre inúmeras outras.
soa humana, sendo descabida (e inconstitucional!)
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias observam que:
toda e qualquer forma de violação da dignidade do homem, sob o pretexto de garantir proteção à
Com o passar dos tempos, porém, o conceito de
família. Superam-se, em caráter definitivo, os las-
família mudou significativamente até que, nos dias
timáveis argumentos históricos de que a tutela da
de hoje, assume uma concepção múltipla, plural,
lei se justificava pelo interesse da família, como se
podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos, li-
houvesse uma proteção para o núcleo familiar e
gados por traços biológicos ou sócio-psico-afetivos,
si mesmo. O espaço da família, na ordem jurídica,
com intenção de estabelecer, eticamente, o desen-
se justifica como um núcleo privilegiado para o de-
volvimento da personalidade de cada um. (ROSEN-
senvolvimento da pessoa humana. (ROSENVALD E
VALD E FARIAS, 2013, p. 45)
FARIAS 2013, p. 47) Perceba, portanto, que, a partir de então, o conceito de família Conclui-se daí, a clara necessidade de uma compreensão
se estende e adota as relações de afeto, dedicação, reciprocidade
contemporânea da família, de forma a abranger seus atuais con-
de obrigações e interesses, solidariedade e dependência mútua. O
ceitos e evoluções decorrentes da própria sociedade, sempre à luz
afeto se torna um bem jurídico tutelável imprescindível à garantia da
da dignidade da pessoa humana.
dignidade do homem e suscetível à criação de famílias. Surgem assim, as famílias baseadas no afeto que, muitas ve-
3 CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE FAMÍLIA
zes sem o vínculo biológico, são caracterizadas por solidariedade
Em seu atual conceito, a família contemporânea, abandonan-
entre seus membros, como, por exemplo, o custeio de estudos e
do o seu anterior caráter meramente representativo e patrimonial,
alimentação; o respeito, como é o caso de um dos membros que
passa a considerar fenômenos culturais, emocionais e humanitá-
educa um menor transmitindo-lhe valores, experiências de vida e
rios, tornando-se um meio através do qual o homem vivencia suas
ensinamentos de caráter e comportamento; interesses comuns,
experiências de vida e promove sua realização pessoal e a sua
verificado quando os membros se unem para o proveito comum
felicidade. A família não mais se apresenta como um modelo úni-
de todos como, por exemplo, a compra de um imóvel, eletrodo-
co e uniforme, mas em suas diferentes estruturas baseadas, não
mésticos e utensílios domésticos; e o próprio afeto consistente na
só no cunho patrimonial e biológico, mas também sob um aspecto
doação de carinho, amor, cuidado e presença em momentos im-
cultural, espiritual, afetivo e solidário.
portantes da vida humana.
Com a constitucionalização do direito, abandonou-se a ideia de
Citam Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias “[...]
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a entidade familiar deve ser entendida, hoje, como grupo social
e mantendo ou não a mesma residência (família
fundado, essencialmente, em laços de afetividade, pois a outra
nuclear). Pode ser formada por duas pessoas, ca-
conclusão não se pode chegar à luz do texto constitucional“ (RO-
sadas ou em união livre, de sexo diverso ou não,
SENVALD E FARIAS, 2013, p.70).
com ou sem filho ou filhos; um dos pais com um ou
Assim, o conceito de família não pode mais ser visto através
mais filhos (família monoparental); uma só pessoa
do olhar tradicional e restrito que antes lhe era atribuído, porquan-
morando só, solteira, viúva, separada ou divorcia-
to, o conceito contemporâneo abrange as mais diversas formas de
da ou mesmo casada e com residência diversa da-
relacionamento, sempre à luz dos princípios da afetividade e da
quela de seu cônjuge (família unipessoal); pessoas
dignidade da pessoa humana.
ligadas pela relação de parentesco ou afinidade
Citando Clóvis Bevilaqua, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery apresentam o conceito de família, afirmando que:
(ascendentes, descendentes e colaterais, estes até o quarto grau, no Brasil, mas de fato podendo estender-se). Neste último caso, temos a família
Pode-se definir família como sendo o complexo das
acessória (é admitida a herança, sem limite aos as-
normas que regulam a celebração do casamen-
cendentes e descendentes, embora os mais próxi-
to, sua validade e os efeitos que dele resultam,
mos excluam os seguintes, mas na linha colateral,
as relações pessoais e econômicas da sociedade
no direito brasileiro, ficam limitados os parentes
conjugal, e a dissolução desta, as relações entre
sucessíveis aos primos, que são parentes do quar-
pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos
to grau). Num sentido mais restrito desta, temos a
complementares da tutela e da curatela. Altos in-
família alimentar, que no direito brasileiro, abrange
teresses da moral e do bem estar social imprimem
os ascendentes e descendentes (sem limite) e co-
a este complexo de normas um caráter particular,
laterais até o segundo grau, isto é, irmãos” (Semy
e exigem, do direito, especial cuidado no estabe-
Glanz. A família mutante. Sociologia e direito com-
lecê-las (Bevilaqua. CC, v. II, art. 180, p. 6). Pode-
parado, RJ: Renovar, 2005, p. 30) (JÚNIOR E NERY,
-se acrescentar à definição clássica de Clóvis que
2011, p. 1.125)
o direito de família também cuida de estabelecer bases de segurança jurídica para resguardar as
Verifica-se, a partir daí, que, sob a ótica do atual ordenamento
relações de afeto entre pessoas não unidas pelos
jurídico, a família não é somente criada pelos laços biológicos, mas
vínculos do casamento, cuidando das relações de
também pelos laços de afeto e solidariedade. Significa dizer que é
filiação, de parentesco e de solidariedade socio-
perfeitamente possível que aquele que, sem nenhum vínculo bio-
familiar entre elas, cuidando de preservar o patri-
lógico, cria, educa, alimenta, auxilia, concede carinho e participa
mônio dos que se veem envolvidos em situações
ativamente da vida de um individuo, seja reconhecido como seu
jurídicas de interesse de família. Não é de hoje
pai. Assim como, dois indivíduos que partilham da mesma educa-
que a família percebe as curiosas transformações
ção, são criados pela mesma pessoa e estabelecem convivência,
do sistema de direito de família, sempre atenta
podem ser tidos como irmãos, ainda que inexistente qualquer vín-
ao fato de que essas regras cuidam do que há de
culo biológico. Grande exemplo é o instituto da adoção que dá a
mais íntimo dentro do estado moral de uma nação
determinado indivíduo uma família sócio-afetiva completa sem, na
e, também, do que há de mais variável no tempo e
maioria das vezes, nenhum vínculo biológico.
no espaço da regulação civil (Gaudemet. Théorie, p.10).(JÚNIOR E NERY, 2011, p. 1.121)
Conclui-se, portanto, que família é aquela que, havendo vínculo biológico ou não, estabeleça entre seus membros uma relação de solidariedade, convivência, presença, ensinamentos,
E discorrem ainda: A doutrina caminha para um conceito plural de fa-
transmissão de valores, educação, respeito e afeto. 4. CONCEITO DE PATERNIDADE
mília. “A família contemporânea pode ser conceitu-
Com o surgimento de novos modelos de família, também se
ada como um conjunto, formado por um ou mais
consolidaram novas formas de filiação oriundas da nova realidade
indivíduos, ligados por laços biológicos ou sociop-
vivida pela sociedade. Atualmente, o ordenamento jurídico concei-
sicológicos, em geral morando sob o mesmo teto,
tua três distintas formas de paternidade, quais sejam: a paternida-
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de legal, a paternidade biológica e a paternidade presumida, que
te a figura da paternidade socioafetiva que, como o próprio nome
serão atribuídas a cada caso concreto a que melhor se aplicar.
sugere, refere-se ao vínculo de pai e filho criado através do afeto,
A paternidade biológica é aquela identificada através do ma-
respeito, obrigações mútuas e solidariedade.
terial genético de pai e filho mediante a realização do exame de
Referida modalidade permite a que o vínculo de pai e filho
DNA. É através dela que se verifica quem foi o sujeito responsável
seja formado por duas pessoas sem qualquer vínculo biológico,
pela doação do material genético que gerou uma nova vida.
desde que, de fato, o papel do pai seja cumprido. Nelson Rosen-
É de grande importância, porquanto, inerente à concepção da
vald e Cristiano Chaves de Farias explicam:
pessoa humana, isto é, representa a origem de tudo, inclusive do próprio homem, através da reprodução. Somente através do mate-
O pai afetivo é aquele que ocupa, na vida do fi-
rial genético fornecido pelo pai biológico é que se dá existência ao
lho, o lugar do pai (a função). É uma espécie de
filho. Por esta razão, o conhecimento da paternidade biológica é
adoção de fato
muitas vezes almejado e, até mesmo, importante para o filho, por
É aquele que ao dar abrigo, carinho, educação,
permitir o autoconhecimento de cada indivíduo no que se refere à
amor... ao filho, expõe o foro íntimo da filiação,
sua história, à sua origem e à sua genética.
apresentando-se em todos os momentos, inclusive
Ademais, também se verifica como modalidade de paterni-
naqueles e que se toma a lição de casa ou verifica
dade a chamada paternidade legalmente presumida que, confor-
o boletim escolar. Enfim, é o pai das emoções, dos
me destacam Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias, é
sentimentos e é o filho do olhar embevecido que
constituída mediante uma presunção criada pelo ordenamento
reflete aqueles sentimentos que sobre ele se proje-
jurídico, de que o bebê nascido de uma mulher casada é fruto do
tam. (ROSENVALD E FARIAS, 2013, p.691)
matrimônio, haja vista que considerada a fidelidade recíproca do casal, em razão do matrimônio. In verbis:
Com efeito, a figura do pai não está atrelada unicamente a um laço consanguíneo, mas também, e principalmente, a uma função
[...] considerando que as pessoas casadas man-
consistente no preenchimento de necessidades básicas de qual-
têm relações sexuais entre si, bem como admitin-
quer indivíduo, tais como educação, carinho, afeto, solidariedade,
do a exclusividade (decorrente da fidelidade exis-
presença, companheirismo e ensinamentos, sendo, portanto, irre-
tente entre elas) dessas conjunções carnais entre
levante a existência ou não de um vínculo biológico.
o casal, infere-se que o filho nascido de uma mu-
Significa dizer que é perfeitamente possível atribuir a pater-
lher casada, na constância das núpcias, por pre-
nidade a uma pessoa que, mesmo sem qualquer vínculo genético
sunção, é do seu marido.
com o filho, é capaz de exercer a função de pai através da convi-
É a máxima absorvida do Direito Romano pela ex-
vência, do respeito, da subsistência alimentar e emocional. Trata-
pressão pater is est quaem justae nuptiae demons-
-se de um conceito que, assim como a atual concepção de família,
trant (o pai é aquele indicado pelas núpcias, pelo
é firmado com base no afeto, na solidariedade e respeito mútuo.
casamento) (ROSENVALD E FARIAS, 2013, p. 661)
Atualmente, a paternidade socioafetiva é implicitamente reconhecida pela Constituição da República, na medida em que con-
Maria Berenice Dias também cita que “(...) o critério jurídico,
siste em meio claro de garantia à dignidade da pessoa humana,
previsto no Código Civil e que estabelece a paternidade por pre-
não só através do reconhecimento jurídico de uma relação que,
sunção, independente da correspondência ou não com a realida-
muitas vezes, já está consolidada na prática, mas também ao
de (1.597);” (DIAS, 2005, p. 331).
permitir que todo e qualquer indivíduo tenha um pai ou um filho,
A relativização da paternidade legal se justifica no fato de
independentemente do vínculo biológico.
que, embora tenha sido positivada no artigo 1.597 do Código Ci-
O reconhecimento da paternidade socioafetiva também está
vil de 2002, diante dos inúmeros avanços tecnológicos, inclusive
presente no Código Civil de 2002, ao permitir o parentesco resul-
ligados à ciência, a presunção legal poderá ser facilmente des-
tante tanto da consanguinidade, como de qualquer outra origem.
constituída através o exame de DNA, ou seja, da verificação da
Verifica-se, ainda, que o enunciado 256 da III Jornada de Direito
paternidade biológica.
Civil da CEJ também reconhece o afeto como forma de constitui-
Saliente-se, contudo, que não obstante a existência de mé-
ção de paternidade ao dispor “256 – Art. 1.593: A posse do es-
todo eficaz à confirmação da paternidade biológica, em razão do
tado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de
conceito de família contemporâneo, o ordenamento jurídico admi-
parentesco civil”.
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 483
Assim, verifica-se que, atualmente, sob o atual ordenamento
vem a falecer e, posteriormente, a mãe vem a ter novo relaciona-
jurídico, o vínculo de paternidade pode se dar através de uma pre-
mento afetivo, em que o companheiro, movido pelo afeto, assume
sunção legal, de um laço biológico e de um vínculo afetivo.
a condição de pai do indivíduo; pode-se destacar ainda, a frequen-
Destaca-se, que a existência de uma das formas de paterni-
te situação de um indivíduo criado por pai adotivo que, reencon-
dade não exclui a existência de outra, sendo perfeitamente pos-
tra seu pai biológico; ou ainda, a própria paternidade presumida
sível o estabelecimento de dois vínculos paterno-filiais ao mesmo
de um pai que, acreditando ter vínculo biológico com a criança
tempo, com relação a uma mesma pessoa.
gerada por sua esposa, em decorrência da fidelidade esperada
Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues afirmam que:
na constância do matrimônio, descobre que o vínculo biológico advém de outro homem que, portanto, também possui responsabilidades como pai.
Não se trata aqui de relações excludentes ou mutuamente impeditivas, mas complementares. O
Corroborando com este entendimento, Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior discorrem que:
paradigma plural contemporâneo abandonou a perspectiva de exclusão; agora, trata-se da multi-
A mesma lógica da multiplicidade parental pode
plicidade de papéis que são todos cabíveis em uma
ser observada também quando a socioafetivida-
relação parental, mesmo que se trate de paterni-
de se instalou na inexistência de outro elo filial,
dade e/ou maternidade. [...](TEIXEIRA E RODRI-
cujo reconhecimento venha a ser solicitado pos-
GUES, 2009, p.45)
teriormente. Permitida a pluralidade de vínculos, mesmo que a emergência da filiação socioafetiva
Belmiro Pedro Welter também defende:
tenha se dado anteriormente à biológica, o reconhecimento desta última ainda será viável. Dessa
[...] não ser correto afirmar, como faz a atual doutrina
forma, assegura-se ao filho, que assim pretender,
e jurisprudência do mundo ocidental, que “a pater-
o conhecimento de sua linha ascendente genética,
nidade socioafetiva se sobrepõe à paternidade bio-
sem prejuízo do pai ou da mãe socioafetivo con-
lógica” ou que “a paternidade biológica se sobrepõe
quistado.43 Em sentido inverso, também poderá
à paternidade socioafetiva”, isso porque ambas as
providenciar tal reconhecimento o(a) genitor(a),
paternidades são iguais, não havendo prevalência de
preservando-se o seu direito de ser qualificado
nenhuma delas [...](WELTER, 2009, p. 122)
por pai ou mãe, mas também a relação parental do filho precedentemente estruturada. (ALMEIDA E
Diante dos novos comportamentos apresentados pela so-
JÚNIOR, 2010, p.382/383)
ciedade, tornou-se absolutamente comum a existência de dois indivíduos exercendo na vida de outrem a função de pai, haven-
Perceba que a dupla paternidade já se tornou uma realidade
do, muitas vezes, a figura do pai socioafetivo, contribuindo com
vivida pela sociedade que, cada vez mais, se impõe perante o orde-
a educação, carinho, afeto, respeito, solidariedade, presença,
namento jurídico. Destaca-se que o Direito deve sempre evoluir de
etc., e o pai biológico que, contribuindo ou não com tudo isto,
acordo com a mentalidade da sociedade, buscando sempre regula-
foi o responsável por conceder o material genético e, portanto,
mentar, interpretar, acompanhar e tutelar os anseios sociais. Confor-
é parte da origem do filho.
me bem afirma Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Ro-
As possibilidades são inúmeras, tais como a história da mulher grávida que, sem qualquer vínculo com pai biológico de seu
drigues “[...] tal fenômeno já é corriqueiro na prática. Cabe ao Direito, então, jurisdicizá-lo [...]”(TEIXEIRA E RODRIGUES, 2009, p. 45).
filho, vem a ter novo relacionamento afetivo, cujo companheiro
Com efeito, inúmeras são as situações fáticas apresentadas
assume e registra a criança como se seu filho fosse. Tempos de-
pela sociedade passíveis – ou melhor dizendo – carecedoras do
pois este indivíduo, que já adquiriu um vínculo paterno-filial com
reconhecimento da dupla paternidade que, conforme amplamen-
o companheiro de sua mãe, vem a ter contato com seu pai bioló-
te demonstrado, é perfeitamente possível à luz do atual ordena-
gico que, por ter contribuído com o material genético que lhe deu
mento jurídico brasileiro.
origem, assumiu inúmeras responsabilidades decorrentes da sua
Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior
paternidade; ou ainda, uma situação hipotética em que o indiví-
afirmam que “[...]Logo, se a ideia é de acréscimo, não parece ha-
duo mantém vínculo afetivo com seu pai biológico, contudo, este
ver obstáculo à defesa, nestes casos, do reconhecimento de uma
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segunda mãe ou de um segundo pai socioafetivo” (ALMEIDA E JÚ-
em seu artigo 60, que “o registro conterá o nome do pai ou da mãe,
NIOR, 2010, p. 381),.
ainda que ilegítimos, quando qualquer deles for o declarante”.
O mesmo pensamento é compartilhado por Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues:
Perceba que, em sua redação, o artigo dispõe apenas que o pai constará no registro do filho, sem delimitar qualquer quantidade ou o conceito de pai.
Defendemos a multiparentalidade como alternati-
Dessa forma, deverá o intérprete aplicar a lei além da estrita
va de tutela jurídica para um fenômeno já existente
legalidade, utilizando-se das demais normas existentes no ordena-
em nossa sociedade, que é fruto, precipuamente,
mento jurídico. Para tanto, deverá o julgador utilizar-se da herme-
da liberdade de (des) constituição familiar e da
nêutica constitucional, identificando a necessidade social (nesse
consequente formação de famílias reconstituídas.
caso, o reconhecimento da dupla paternidade) e utilizar a norma
(TEIXEIRA E RODRIGUES, 2009, p. 46)
positivada juntamente com as demais existentes, tais como os princípios constitucionais, de modo a promover a decisão mais
Por fim, concluem Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson
adequada ao caso concreto.
Rodrigues Júnior: Conforme leciona Luis Roberto Barroso: [...] parece permissível a duplicidade de vínculos materno e paterno-filiais, principalmente quando
As denominadas cláusulas gerais ou conceitos
um deles for socioafetivo e surgir, ou em comple-
jurídicos indeterminados contém termos ou ex-
mentação ao elo biológico ou jurídico pré-estabe-
pressões de textura aberta, dotados de plasti-
lecido, ou antecipadamente ao reconhecimento de
cidade, que fornecem um início de significação
paternidade ou maternidade biológica. (ALMEIDA E
a ser complementado pelo intérprete, levando
JÚNIOR, 2010, p. 383)
em conta as circunstâncias do caso concreto. A norma em abstrato não contém integralmente os
Com efeito, a duplicidade de paternidade, não só é possível à
elementos de sua aplicação. Ao lidar com locu-
luz do atual ordenamento jurídico, como já se trata de um fato vi-
ções como de ordem pública, interesse social e
vido pela sociedade, merecendo, portanto, a tutela estatal através
boa fé, dentre outras, o intérprete precisa fazer
da inclusão de ambos os pais no registro do filho.
a valoração de fatores objetivos e subjetivos presentes na realidade fática, de modo a definir o
5 LEI DE REGISTROS PÚBLICOS
sentido e alcance da norma. Como a solução não
Devidamente demonstrado que o atual conceito de paternidade
se encontra integralmente no enunciado norma-
permite o seu exercício por mais de um indivíduo com relação a uma
tivo, sua função não poderá limitar-se à revela-
só pessoa, é necessário discorrer também acerca da Lei de Registros
ção do que lá se contém; ele terá de ir além, inte-
Públicos, de modo a demonstrar a legalidade da dupla paternidade.
grando o comando normativo com a sua própria
Necessário destacar, inicialmente, que a lei nº 6.015/73, que
avaliação (BARROSO, 2005, p.7).
dispõe acerca dos registros públicos, por se tratar de legislação antiga, anterior inclusive à atual Constituição da República, carece
Destarte, uma vez sendo a lei de registros públicos abs-
de urgente reforma para se adequar às atuais exigências impostas
trata, dispondo tão somente que o pai constará no registro, sem
pela sociedade e pelo ordenamento jurídico.
especificar o conceito de paternidade para os fins da lei ou deli-
Registre-se, contudo, que foram realizadas algumas modi-
mitar qualquer quantidade, deverá o intérprete aplicá-la à luz da
ficações na referida lei desde a sua entrada em vigor, mas que
nova interpretação constitucional, atribuindo a ela uma valoração
não foram suficientes para abarcar as evoluções sofridas no
de abrangência e sentido. Com efeito, a norma contida no Artigo 60 da lei nº 6.015/73
âmbito do direito de família. Assim, uma vez considerando que a matéria de registros públi-
deverá ser aplicada, de modo a promover a junção da lei abstrata
cos é regida por legislação remota, imprescindível se faz a atuação
com o conceito de paternidade criado pela doutrina e jurisprudên-
do intérprete para fins de alcançar a sua adequação social no tempo
cia, considerando-se ainda o direito de família contemporâneo. Assim, se o conceito de paternidade e o atual direito de fa-
vigente. Especificamente com relação à filiação, a lei 6.015/73 dispõe,
mília permitem que a paternidade seja exercida por mais de um
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individuo com relação a uma mesma pessoa e a lei dispõe somen-
tiano Chaves de Farias discorrem que:
te que o pai constará no registro sem apresentar qualquer outra delimitação, deverá esta ser interpretada de forma extensiva para
a filiação “constitui, segundo a Psicanálise, uma
permitir a dupla paternidade.
função. É essa função paterna exercida por um
Registre-se, por fim, que o ordenamento jurídico já vem evoluin-
pai que é determinante e estruturante dos sujei-
do no sentido reconhecer a inclusão de um segundo pai no registro
tos. Portanto, o pai pode ser uma série de pesso-
do filho. Ocorre que a lei de registros públicos, sofreu recente modifi-
as ou personagens: o genitor, o marido da mãe, o
cação através da lei 11924/09, que incluiu o 8º parágrafo no artigo
amante oficial, o companheiro da mãe, o protetor
57 da lei 6.015 para permitir que o (a) enteado (a) possa incluir em
da mulher durante a gravidez, o tio, o avô, aquele
seu registro de nascimento o nome de família de seu padrasto.
que cria a criança, aquele que dá seu sobrenome,
Trata-se, na verdade, de claro reconhecimento do ordenamento
aquele que reconhece a criança legal ou ritualmen-
jurídico de que, existindo ou não um vínculo com o genitor, poderá o fi-
te, aquele que fez a adoção..., enfim, aquele que
lho estabelecer uma relação socioafetiva para com o padrasto, a pon-
exerce uma função de pai. (ROSENVALD E FARIAS,
to, inclusive, de acrescentar em seu nome, o sobrenome do padrasto.
2013, p.691)
Verifica-se, portanto, que, à luz do direito de família con-
temporâneo e do atual conceito de família atrelados à norma contida na lei 6.015/73, o instituto da dupla paternidade encontra total amparo no atual ordenamento jurídico.
Com efeito, a paternidade será constituída não só através da concessão de material genético, mas também através de uma função a ser cumprida.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, havendo duas pessoas que preencham o conceito de
A dupla paternidade corresponde a uma nova situação fática
paternidade na vida de um único filho, compete ao ordenamento
cada vez mais frequente na sociedade e, como tal, impõe a ade-
jurídico reconhecer e tutelar ambas as relações, através da inclu-
quação do direito diante das necessidades sociais.
são de ambos no registro do filho.
Com efeito, não se mostra plausível impor ao filho que esco-
Com efeito, aplicar-se-á a lei de registros públicos utilizando-
lha apenas um daqueles que exercem a função de pai, excluindo-
-se dos novos métodos hermenêuticos constitucionais de interpre-
-se o outro que, igualmente, exerce papel fundamental em sua
tação, conjuntamente com a atual concepção de família e paterni-
vida ou que, contribuindo com o material genético, lhe deu origem.
dade, permitindo assim, a figura da dupla paternidade.
A medida que se impõe é que seja atribuído a ambos os pais, que exercem esta função, o efetivo reconhecimento através da inclusão de ambos no registro do filho. Ora, se mais de uma pessoa preenche o conceito de paternidade, ambos deverão ser reconhecidos como pai, não sendo razoável admitir que um deles se sobreponha ao outro, quando na verdade possuem o mesmo lugar na vida do filho. A figura da dupla paternidade, já é uma realidade na socieda-
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de civil e, assim, merece a tutela estatal, de modo a promover e assegurar os princípios constitucionalmente previstos tais como o da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Destarte, analisada a evolução da sociedade e a atual concepção de família e de paternidade, se torna inevitável a conclusão de que a dupla paternidade está implicitamente amparada pelo ordenamento jurídico. Conforme demonstrado, pai é aquele que cumpre com a função de educar, ensinar, estar presente, respeitar e ser respeitado, doar afeto, carinho e solidariedade e também aquele que, fornecendo ou não tudo isto, é o responsável pelo material genético que deu origem à vida. Citando Rodrigo da Cunha Pereira, Nelson Rosenvald e Cris-
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro – São Paulo: Francisco Alves. 1955. BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. 292 p. BRASIL. Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários. Jornadas de direito civil I, III, IV e V : enunciados aprovados. Coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton – E-mail: barbarafaria1@gmail.com
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 487
O ICMS TURÍSTICO E A LEI HOBIN HOOD Luciano Guimarães França
RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a distribuição dos valores do ICMS para os municípios do Estado de Minas Gerais, com base na Lei Robin Hood. Tal lei tem como propósito a distribuição de tal recurso de uma maneira mais justa, igualitária e coesa, de acordo com alguns critérios específicos. O foco principal deste trabalho será analisar, especificamente, a distribuição do ICMS turístico, embasado na Lei supracitada. A lei existe e está em vigor desde o ano de 2010, e aqui será analisada sua eficácia e aplicabilidade. PALAVRAS-CHAVE: ICMS. ICMS turístico. Lei Robin Hood. Incentivo fiscal. Distribuição de renda. ÁREA DE INTERESSE: Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO Na organização de um país, pode ser verificada a impor-
nicípios e otimizar a aplicação de recursos em determinadas politicas sócias, dantes nem sempre focadas.
tância dos municípios, tanto no que diz respeito à descentrali-
O presente trabalho tem como objetivo geral a análise
zação do poder estatal, quanto aos investimentos econômicos
da Lei Robin Hood, e como objetivos específicos identificar
do país. Quando se trata do repasse do ICMS, este é definido
e criticar sua aplicabilidade e funcionalidade prática. Este
pela Constituição de 88, mas cabe a cada Estado estipular a
estudo se justifica pela pouca discussão sobre o tema, que
forma como será realizado esse repasse.
é de fundamental relevância para o aumento na receita dos
De acordo com o art. 158 da Constituição de 88:
municípios, bem como a otimização do turismo regionalizado no Estado de Minas Gerais. Foi utilizada a metodologia de
Art. 158. Pertencem aos Municípios: IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecada-
pesquisa bibliográfica. Segundo Marconi e Lakatos (1992),
ção do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
[...] a pesquisa bibliográfica permite compre-
serviços de transporte interestadual e intermunici-
ender que, se de um lado a resolução de um
pal e de comunicação. (BRASIL, 1988).
problema pode ser obtida através dela, por outro, tanto a pesquisa de laboratório quanto à de
Considerando a extensão geográfica e grande diversidade
campo (documentação direta) exigem, como
do Estado de Minas Gerais, pode-se perceber que não poderia
premissa, o levantamento do estudo da questão
haver tal divisão de recursos de maneira igualitária entre os
que se propõe a analisar e solucionar. A pesqui-
municípios, bem como não se poderia considerar pura e sim-
sa bibliográfica pode, portanto, ser considerada
plesmente a população como critério para tal divisão.
também como o primeiro passo de toda pesqui-
Assim, surgiu a Lei Robin Hood, como proposta de solução
sa científica. (p. 44)
para a divisão de recursos de uma maneira mais justa e considerando critérios de suma importância. São, ao todo, dezoito
2 ICMS
critérios, definidos através da Lei Estadual nº 18.030, de 12 de
Ao analisar a cobrança de impostos, pode-se perceber ao
janeiro de 2009, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2010.
longo de toda a história que os impostos sempre existiram, eles
A Lei Hobin Hood e a repartição que é dada pela cota-
apenas tiveram diversas nomenclaturas ao longo dos séculos.
-parte do ICMS aos municípios, tem como objetivo primordial
Ao tratar especificamente do Imposto sobre Operações re-
a descentralização das rendas, no intuito de obter cidades
lativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de
menos dependentes economicamente, proporcionando, dessa
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação
maneira, uma melhora na qualidade de vida de suas popula-
(ICMS), pode-se perceber que vem de longa data sua instituição,
ções. Além de incentivar o aumento da arrecadação dos mu-
tanto dentro quanto fora do Brasil,
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O tributo, como se conhece hoje, foi instituído na Gré-
I - Valor Adicionado Fiscal - VAF -: valor apurado com
cia. Na Roma antiga já se cobravam impostos em vir-
base nos critérios para cálculo da parcela de que trata
tude da importação de mercadorias e pelo consumo
o inciso I do § 1º do art. 150 da Constituição do Estado;
de qualquer bem. Com o passar do tempo, os tributos
II - área geográfica: relação percentual entre a área
passaram a ser exigidos pelo Estado compulsoria-
geográfica do Município e a área total do Estado, infor-
mente como meio de manutenção de sua estrutura e
madas pelo Instituto de Geociências Aplicadas - IGA -;
visando prestar serviços de utilidade pública à popu-
III - população: relação percentual entre a popula-
lação. (MASCARENHAS, 2004, p. 10).
ção residente no Município e a população total do Estado, medida segundo dados do Instituto Brasi-
No Brasil, por exemplo, a história do ICMS segue a seguinte ordem cronológica, mencionada por Flávio Diamante (2013):
leiro de Geografia e Estatística - IBGE -; IV - população dos cinqüenta Municípios mais populosos: relação percentual entre a população
Como impostos incidentes sobre vendas de mer-
residente em cada um dos cinqüenta Municípios
cadorias ao longo do século XX, se sucederam o
mais populosos do Estado e a população total des-
IVM (Imposto sobre Vendas Mercantis de 1922 a
ses Municípios, medida segundo dados do IBGE;
1936), o IVC (Imposto sobre Vendas e Consigna-
V - educação;
ções de 1936 a 1965), e o ICM (Imposto sobre
VI - produção de alimentos;
Circulação de Mercadorias de 1965 a 1989). Na
VII - patrimônio cultural: relação percentual en-
senda da TVA o ICM, lembrando a expansão do
tre o Índice de Patrimônio Cultural do Município
IVM para IVC, com a inclusão das consignações,
e o somatório dos índices de todos os Municí-
encampou alguns serviços não listados para in-
pios, fornecida pelo Instituto Estadual do Patri-
cidência municipal, tomando a forma atual de
mônio Histórico e Artístico - IEPHA -, observado o
ICMS. (DIAMANTE, 2013).
disposto no Anexo II desta Lei; VIII - meio ambiente;
O ICMS conhecido e em prática atualmente no Brasil, sofreu al-
IX - saúde;
terações através da Constituição de 88, dentre as quais, o percentual
X - receita própria: relação percentual entre a re-
de repasse aos municípios passou de 20% para 25%, e aumentou
ceita própria do Município, oriunda de tributos de
sua incidência com a inclusão de cinco novos impostos únicos per-
sua competência, e as transferências de recursos
tencentes à União, a saber: minerais, combustíveis e lubrificantes,
federais e estaduais recebidas pelo Município,
energia elétrica, serviços de transporte e serviços de comunicação.
baseada em dados relativos ao segundo ano civil
A competência de arrecadação e legislação não mudou, ou seja, continuou a cargo do Estado.
imediatamente anterior ao do cálculo, fornecidos pelo Tribunal de Contas do Estado;
Porém, mesmo a cargo do Estado, necessário se fazia uma
XI - cota mínima: parcela a ser distribuída em igual
regulamentação, concedendo maior justiça e critérios mais clari-
valor para todos os Municípios;
videntes na divisão de tais recursos. Daí o surgimento da lei de-
XII - Municípios mineradores: percentagem média
nominada Lei Robin Hood, com nome sugestivo, ela foi implemen-
do Imposto Único sobre Minerais - IUM - recebido
tada através da Lei Estadual nº 18.030, conforme supracitado.
pelos Municípios mineradores em 1988, com base em índice elaborado pela Secretaria de Estado de
3 LEI ROBIN HOOD
Fazenda, demonstrando a efetiva participação de
De acordo com a Constituição de 88, o Estado tem direito
cada um na arrecadação do IUM naquele exercício;
a 25% dos recursos de ICMS, cabendo-lhe a melhor forma de
XIII - recursos hídricos;
divisão dos recursos.
XIV - Municípios sede de estabelecimentos peniten-
A Lei Robin Hood, instituída em Minas Gerais desde o ano de
ciários;
2009, com vigor a partir de 2010, determina a dinâmica de dis-
XV - esportes;
tribuição da cota-parte dos recursos de ICMS entre os municípios
XVI - turismo;
mineiros. Dinâmica esta que, segundo a Lei 18.030/09, se dará
XVII - ICMS solidário;
de acordo com dezoito critérios, quais sejam:
XVIII - mínimo per capita. (MINAS GERAIS, 2009).
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Os critérios supracitados visam dividir ordenadamente os
no número de municípios habilitados para o recebimento da
25% do montante arrecadado de ICMS pelo Estado, de acordo
parcela do ICMS Turístico em 2013, se comparado com o ano
com a necessidade e demanda de cada setor dentro do município.
imediatamente anterior:
O foco de estudo deste artigo é a cota-parte definida no inciso XVI, turismo, denominada ICMS Turístico.
O Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Turismo, divulga, nesta quinta-feira
4 ICMS TURÍSTICO
(08/11), listagem referente aos municípios habili-
A definição de uma cota-parte para o turismo, definida pela
tados a receberem parcela do ICMS Turístico, com
Lei Robin Hood motivou os municípios a desenvolverem mais
base na arrecadação estadual de 2013. Neste
e melhor seu potencial turístico, pois com isso cada município
ano, 119 municípios estão habilitados a receber o
precisa se habilitar para receber tal cota, como define a lei em
repasse em 2013, no ano passado foram 63 cida-
seu art. 9, § 1º:
des, o que demonstra um crescimento de mais de 88%. (MINAS GERAIS, 2012a).
§ 1º Para se habilitar à participação no critério “turismo”, o Município deverá:
Pode-se perceber, assim, o quanto esta parcela é relevante para
I - participar do Programa de Regionalização do Tu-
o enriquecimento do turismo regionalizado dentro do Estado de Mi-
rismo da SETUR;
nas Gerais, e o quanto o Governo está empenhado em fazer com que
II - elaborar uma política municipal de turismo;
a cada ano maior número de municípios receba o benefício,
III - constituir e manter em regular funcionamento o Conselho Municipal de Turismo e o Fundo Munici-
De acordo com o secretário de Estado de Turismo,
pal de Turismo. (MINAS GERAIS, 2009).
Agostinho Patrus Filho, Minas continua dando exemplo de descentralização de recursos e de execução
Desta forma, os municípios sentem-se mais motivados a in-
de política pública na ponta. “Queremos dar oportu-
centivar o turismo e aplicar os recursos de acordo com a política
nidade a todos os nossos municípios de se beneficia-
municipal apresentada.
rem com o ICMS Turístico e fomentarem o desenvol-
Além disso, com a redistribuição da cota-parte do ICMS, mu-
vimento da atividade em suas regiões. Os municípios
nicípios, muitas vezes, ricos em turismo, recebiam pouco por pos-
detêm o conhecimento de suas reais necessidades e
suir uma população menor que outros municípios com população
sabem quais ações o benefício será melhor aplicado
maior, mas sem nenhum atrativo turístico.
para o desenvolvimento do turismo”, afirma o Secre-
Conforme bem colocado por Rodrigo Moreira Magalhães
tário. (MINAS GERAIS, 2012b).
(2008), antes da Lei 18.030, Em números, o Turismo no Brasil representa, hoje, 3,6% (três [...] a maior parte dos repasses era revertida aos
vírgula seis por cento) do PIB Nacional, enquanto em países, em
municípios mais desenvolvidos, que tinham uma
crise, como Portugal, o turismo representa 11% (onze por cento)
atividade econômica mais intensa e, consequente-
do PIB, ou a Espanha, onde o PIB Turístico também representa o
mente, um VAF mais elevado. Com isso, o repasse
mesmo índice, ou seja, 11% (onze por cento). (GIRALDI, 2011).
do ICMS era mal distribuído, sendo, a maior parte, destinado a poucos municípios. (p. 25).
Assim, pode-se perceber que, se o turismo pode ser a solução para resgatar a economia de um país, ele pode ser, também, a solução para um país otimizar suas receitas, atraindo cada vez mais
Com o critério turístico, que passou a destinar parte da verba
turistas, o que seria possível através de mais investimentos no setor.
do ICMS a partir de 2011, os municípios menos favorecidos foram os mais beneficiados, trazendo, assim, mais recursos, e com uma
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
aplicação destes recursos já definida e mais direcionada, ou seja,
A Lei Robin Hood é um grande passo para o incentivo turístico re-
os recursos podem ser aplicados em programas, ações e projetos
gionalizado em Minas Gerais, especialmente por ser o Estado pionei-
direcionados para o desenvolvimento turístico dos municípios.
ro na inclusão do critério Turismo no ICMS (MINAS GERAIS, 2012a).
De acordo com a Secretaria de Estado de Turismo de Minas
Devido ao seu teor mais justo e igualitário ao tratar a divisão
Gerais, houve um aumento de 88% (oitenta e oito por cento)
do recurso objeto deste estudo, a Lei Robin Hood trouxe inovação
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e incentivou os pequenos, e menos favorecidos, municípios a buscarem mais recursos, atendendo aos critérios estabelecidos, ou seja, perceberam que só dependia deles. Todas as vantagens trazidas pela lei são muito validas, no entanto, ainda há muito que percorrer para que o Turismo tenha, de fato, todo o seu potencial explorado não somente em Minas Gerais, mas no Brasil como um todo. O investimento turístico no Brasil ainda é baixo, se comparado a outros países com potencial turístico, às vezes nem tão forte quanto o Brasil, como pode ser observado no capitulo anterior. Fica, então, a percepção de que a Lei Robin Hood foi o primeiro passo, mas não se deve cair no conforto da situação,
tencente aos municípios. Minas Gerais Diário do Executivo. 13 jan. 2009. p. 3, col. 1. Disponível em: <http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/leis/2009/l18030_2009.htm>. Acesso em: 07 jun. 2013. MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais. ICMS Turístico beneficiará mais de cem municípios mineiros. 07 nov. 2012a. Disponível em: <http://www.turismo.mg.gov.br/noticias/1225-noticias>. Acesso em: 03 jun. 2013. MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais. ICMS Turístico beneficiará mais de cem municípios mineiros. 22 mar. 2012b. Disponível em: <http://www.turismo.mg.gov.br/noticias/1107-noticias>. Acesso em: 03 jun. 2013.
pois se ainda há o que trabalhar e buscar, isto deve ser feito,
Teixeira. Alessandra Brandão. A tributação sobre o consumo de bens e
para que a receita do país seja cada vez maior, pois com isso
serviços.Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
haverá geração de emprego e renda, e, consequentemente, uma melhora na qualidade de vida de cada morador, de cada município, independente do quantitativo populacional.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 13.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
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Graduando de bacharelado em Direito pelo 10º período do Centro Universitário Newton Paiva. Área de Interesse: Direito. Endereço para correspondência: Rua Espírito Santo, 2.578, AP 301, Lourdes, Belo Horizonte, Minas Gerais, CEP: 30.160-032. E-mail: mukitod2@hotmail.com
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O poder de investigação criminal conferido ao ministério público pela constituição federal de 1988 Douglas Santiago Diniz1
RESUMO: O presente trabalho tem por escopo analisar a atribuição de poderes investigatórios ao Ministério Público à luz da Constituição Federal. Em sede objetivo geral, buscou-se evidenciar a plausibilidade da corrente doutrinária que acompanhada de considerável parcela da jurisprudência nacional, sustenta a legitimidade do parquet para conduzir investigações preliminares nas quais se apuram a prática de infrações penais, tendo em vista a posição de destaque da Instituição no ordenamento jurídico e a fragilidade dos argumentos daqueles que divergem deste posicionamento. Na elaboração do trabalho utilizou-se da pesquisa bibliográfica, analisando a posição da doutrina e jurisprudência nacional, bem como o tratamento do tema no direito comparado. Em conclusão, atestou-se que o Ministério Público possui plena legitimidade para empreender investigações criminais per si, não havendo exclusividade das polícias judiciárias no desempenho de tal atribuição, dado o caráter axiológico que enfeixa o sistema normativo brasileiro e a necessidade de universalização da segurança pública, especialmente em um momento tão delicado, quando o País experimenta umas das maiores crises na segurança pública. PALAVRAS-CHAVE: Ministério Público; investigação criminal; Polícia Judiciária; segurança pública; PEC n. 37. ÁREA DE INTERESSE: Direito Penal. Direito Processual Penal.
1 INTRODUÇÃO
jurisprudência a quem incumbe tal tarefa.
Com o advento da Constituição da República Federativa do
Alguns afirmam que se trata de função privativa das polícias
Brasil, aos cinco dias do mês de outubro de 1988, sagra-se o pro-
judiciárias. Alegam que o artigo 144 da Constituição Federal atri-
cesso de redemocratização do Estado brasileiro que se arrastava
buiu às polícias judiciárias exclusividade na apuração da ocor-
por um longo período.
rência e autoria de crimes e contravenções penais, relegando ao
Nessa perspectiva, o Ministério Público experimenta o ápice de seu crescimento. O parquet adquire relevo na ordem constitucional,
Ministério Público a titularidade da ação penal a ser intentada com base nos elementos de prova ali coligidos.
consagrando-se como instituição essencial à função jurisdicional,
Outros defendem que a Carta Magna em momento algum con-
gozando de liberdade, autonomia e independência funcional, além
feriu exclusividade às polícias judiciárias na promoção de investi-
de incumbir-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático
gações criminais. Argumentam que a própria Constituição Federal
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
guarnece a instituição de diversos mecanismos relacionados à ativi-
A Carta de 1988 então dispensa especial tratamento ao Ministério Público, erigindo-o como instrumento de defesa social,
dade investigatória, motivo pelo qual acaba por lhe conferir, implicitamente, o poder para promover investigações criminais.
conferindo-lhe funções, garantias e prerrogativas que possibili-
Destarte, o presente trabalho se propõe a analisar o real al-
tam a seus membros atuar de forma desinteressada e desvincu-
cance das atribuições conferidas ao parquet pela Constituição
lada dos Poderes do Estado. Dentre estas funções encontra-se
Federal de 1988, especialmente sua legitimidade para conduzir
a titularidade da ação penal pública, por meio da qual o Estado
inquéritos policiais.
postula em juízo o exercício de seu direito punitivo. Entretanto, a deflagração da ação penal somente se justifica
2 MINISTÉRIO PÚBLICO
quando presentes elementos suficientes acerca da materialidade
Antes de ser abordado o problema-núcleo do presente tra-
e autoria de um ilícito penal. Estas informações serão angariadas
balho, afigura-se inevitável traçar algumas considerações acerca
em procedimento administrativo, denominado inquérito policial
das modificações ocorridas na estrutura e nas funções desempe-
pelo Código de Processo Penal. É nesse momento que são reuni-
nhadas pelos membros do Ministério Público.
dos os elementos de prova nos quais se estribará a ação penal
A origem do Ministério Público é tema controvertido (MA-
pública. Deste modo, discute-se tanto na doutrina pátria como na
ZZILLI, 1989, p. 2), alguns a identificando há mais de quatro mil
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anos no Egito, outros na Antiguidade clássica ou mesmo na Idade
à Constituição n. 1, de 17 de outubro de 19692, o Ministério Público é
Média. Contudo, usualmente a doutrina aponta o direito francês
deslocado para o capítulo destinado ao Poder Executivo.
como berço do Ministério Público, destacando a Ordenança de 25
Com efeito, é com o advento da Constituição democrática de
de março de 1302, do Rei Felipe IV, por meio da qual o monarca
1988 que o Ministério Público experimenta o ápice de seu cresci-
“impôs aos seus procuradores, antes de tudo, prestassem o mes-
mento. É nesse momento que se erige à condição de instituição
mo juramento dos juízes, vedando-lhes patrocinarem outros que
essencial à função jurisdicional do Estado, dispondo de liberdade,
não o rei” (MAZZILLI, 1989, p. 3). Inclusive, a própria expressão
autonomia e independência funcional, além de incumbir-lhe a de-
parquet, há muito difundida no direito pátrio, advém da tradição
fesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
francesa (TOURINHO FILHO, 2012, p. 397).
sociais e individuais indisponíveis (Artigo 127, caput). Logo, é in-
Contudo, irrelevante a discussão à vista do que se propõe o trabalho. Inegável é o fato de que a instituição passou por notáveis
serido em capítulo diverso dos demais Poderes estatais, denominado “Das funções essenciais à Justiça”.
alterações, tanto em sua estrutura como no seu ofício (MENDES;
Não obstante a técnica legislativa empregada, a doutrina
COELHO; BRANCO, 2009, p. 1037). A própria expressão Ministério
ainda digladia sobre a natureza jurídica do Ministério Público, de
Público não mais exprime a acepção que lhe era conferida séculos
órgão vinculado ao Poder Legislativo - pois atua como fiscal da
atrás. Como observa Hugo Nigro Mazzilli (1989, p. 4), se, remo-
lei; ao Poder Judiciário - pois atua perante este; ao Executivo - por
tamente, referia-se àqueles que, de algum modo, exerciam uma
desempenhar função administrativa; ou se na condição de quarto
função pública, hodiernamente identifica uma instituição indepen-
Poder do Estado (MAZZILLI, 1989, p. 43).
dente, com posição constitucional de destaque, dotada de instru-
Desde logo, registre-se que nenhuma das teses apontadas se
mentos e garantias contra eventuais ingerências dos Poderes do
sustentam. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, antes mesmo da promul-
Estado, o que assegura aos seus membros a necessária liberdade
gação da atual Carta já lecionava que o Ministério Público cons-
e independência para o desempenho dos respectivos ofícios.
titui órgão constitucional autônomo, cujo conceito vem expresso
No Brasil, os primeiros traços do Ministério Público provêm do
no próprio texto constitucional, que lhe determina a natureza ju-
direito lusitano (MAZZILLI, 1989, p. 5), embora àquela época não
rídica de instituição permanente e essencial à Justiça do Estado
fosse possível idealizar uma instituição consolidada. O processo
(AGUIAR JÚNIOR, 1971).
de estruturação do parquet somente teve início com o advento do
Não se trata também de um quarto Poder, como defendi-
Império, notadamente com a promulgação do Código de Processo
do por alguns (CARVALHO, 2009, p. 1359). Embora o Ministério
Penal, de 1932 (MORAES, 2009, p. 597-601), que, de forma in-
Público esteja inserto no Título concernente à “Organização dos
cipiente, previu a forma de nomeação e as principais atribuições
Poderes”, inclusive em capítulo distinto do Poder Legislativo, do
dos promotores públicos, que basicamente consistiam no exercí-
Poder Executivo e do Poder Judiciário, sem se mencionar a amplia-
cio da acusação perante os juízos criminais.
ção do rol de suas funções, o objetivo da técnica legislativa não
Quanto à sua inserção no texto constitucional, foi a Carta
foi outro senão o de resguardar o parquet das ingerências destes
de 1934 a primeira a institucionalizá-lo, inserindo-o em capítulo
Poderes, para que seus membros pudessem desempenhar suas
dissociado dos demais órgãos estatais; as que a antecederam
atribuições com ampla independência. De outro modo, haveria
(Constituição do Império, de 1824, e Constituição da República,
“que se admitir, por via de conseqüência, um Quinto e Sexto Pode-
de 1981) sequer continha semelhante disposição, fazendo refe-
res, constituídos pela Defensoria e Advocacia Públicas, a que se
rências esparsas à figura do procurador-geral da República.
atribuem prerrogativas semelhantes, previstas no mesmo espaço
Com o advento da ditadura do Estado Novo, em 1973, e a ou-
sistematizado na Lex Mater” (LOPES, 2013).
torga da nova Carta por Getúlio Vargas, de cunho eminentemente
Em decorrência do posicionamento constitucional destacado da
autoritário, o Ministério Público é inserido no título concernente ao
instituição, o constituinte, atento às possíveis investidas dos demais
Poder Judiciário e são suprimidas diversas prerrogativas até então
órgãos estatais, previu princípios institucionais que são inerentes ao
obtidas. Apenas com restabelecimento da democracia, em 1946, é
próprio ofício do Ministério Público. São eles, pois, a unidade, a indivi-
que a Instituição torna a adquirir relevo no cenário nacional, com con-
sibilidade e a independência funcional (CF. Artigo 127, §1º).
sideráveis avanços no que se refere à sua estruturação. Em 1964,
O primeiro consiste na existência de um só Ministério Públi-
rompe-se novamente a estabilidade do sistema, vindo a ser implanto
co, à submissão de seus membros a uma só direção de um só
o regime militar, e, em 1967, é promulgada nova Carta Política. Outra
procurador-geral. Contudo, só se verifica esta unidade dentro de
vez o Ministério Público é inserido no capítulo que se refere ao Poder
cada Ministério Público. Por exemplo, inexiste unidade entre o Mi-
Judiciário. Em seguida, com novo golpe e a promulgação da Emenda
nistério Público Federal e os dos Estados. O segundo decorre da
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própria unidade do parquet. Por ele, seus membros podem subs-
Ocorre que, não raras vezes, as normas jurídicas são descum-
tituir-se uns pelos outros em um mesmo processo, observadas as
pridas. Desta forma, faz-se necessária a intervenção do Estado a
normas legais, sem que haja qualquer irregularidade no feito, pois
fim de restabelecer a paz social até então predominante, infligindo
estes agem em nome da instituição, e não em nome daquele que
ao transgressor as sanções previstas na legislação, sob pena de
ocupa o cargo público. Finalmente, a independência funcional, ou
se tornarem inócuos os preceitos expressos nos enunciados nor-
autonomia funcional, corresponde à liberdade dos seus membros
mativos (MIRABETE, 2002, p. 23).
ao exercerem seus misteres, não estando sujeitos “às ordens de
Em um primeiro momento, as sanções a serem impostas con-
quem quer que seja somente devendo prestar contas de seus atos
sistem no ressarcimento dos danos e dos prejuízos sofridos por
à Constituição, às leis e à sua consciência” (MORAES, 2009). Por-
uma parte em razão da conduta proibida realizada pela outra. Não
tanto, não há hierarquia funcional entre os membros do parquet,
obstante, em determinadas situações, estas sanções se mostram
como ocorre no direito francês, mas apenas em hierarquia admi-
insuficientes para que seja restabelecida a ordem, exigindo-se re-
nistrativa (BULOS, 2010, p. 1369).
primendas mais severas (MIRABETE, 2002, p. 23). Fala-se, então,
Demais, releva notar que esta independência não culmina no
em tutela penal, cuja finalidade consiste na preservação dos bens
reconhecimento de poderes ilimitados aos membros do Ministério
e interesses mais relevantes da sociedade (GRECO, 2011, p. 2).
Público (MAZZILLI, 1995). Embora gozem de independência no exer-
Para mais, reporta-se ao que se denominou direito de punir (jus
cício de suas atribuições funcionais, isto não significa que não este-
puniendi), conceituado como o poder-dever que toca ao Estado
jam sujeitos a poderes de disciplina, direção e fiscalização nas suas
para fazer valer a legislação penal, aplicando uma pena àquele
condutas administrativas (TOURINHO FILHO, 2012, p. 404).
que pratica uma ação ou omissão descrita na norma penal, e que,
Ao lado dos princípios institucionais, foram previstas garantias e vedações aos membros do Ministério Público (Artigo 128, §5º, I e II). Por caracterizarem, na verdade, espécies de garan-
conforme Fernando da Costa Tourinho Filho, se manifesta sob duas formas: in abstracto e in concreto.
tias funcionais de liberdade e de imparcialidade (BULOS, 2010,
[...] o jus puniendi existe in abstracto e in concrecto.
p. 1832), estas disposições – garantias e vedações - inserem-se
Com efeito, quando o Estado, por meio do Poder Le-
dentre as cláusula pétreas (MORAES, 2009, p. 629).
gislativo, elabora as leis penais, cominando sanções
A Constituição Federal de 1988 enumerou ainda as funções
àqueles que vierem a transgredir o mandamen-
institucionais do Ministério Público, cujo rol foi consideravelmente
to proibitivo que se contém na norma penal, surge
ampliado (Artigo 129). Não obstante, impende assinalar que as
para ele o jus puniendi num plano abstrato e, para
atividades expressas na Carta Magna não esgotam as funções a
o particular, surge o dever de abster-se de realizar a
serem exercidas pelos membros do parquet. Trata-se de rol exem-
conduta punível. Todavia, no instante em que alguém
plificativo. Tanto que o próprio artigo 129, XI, da Constituição Fe-
realiza a conduta proibida pela norma penal, aquele
deral prescreve que compete ao Ministério Público “exercer outras
jus puniendi desce do plano abstrato para o concreto,
funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com
pois, já agora, o Estado tem o dever de inflingir a pena
sua finalidade”. Corrobora a afirmação, inclusive, a ampliação des-
ao autor da conduta proibida. Surge, assim, com a
te rol através da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei
prática da infração penal, a “pretensão punitiva”.
n. 8.625/93) e da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei
(TOURINHO FILHO, 2012, p. 46-47)
Complementar n. 75/93). Dito isso, passa-se à questão da investigação criminal.
A aplicação da pena deverá ocorrer por intermédio de um processo judicial, ou seja, no âmbito do processo penal. Sem embar-
3 INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
go, não parece razoável que o Estado postule em juízo a aplicação
O direito surge como instrumento de controle social (MONTO-
da pena sem a presença de elementos mínimos que comprovem
RO, 2005, p.105). É, pois, fenômeno da vida, e, tal como, resulta
a autoria da conduta criminosa por aquele que se vê processado.
das atividades desempenhadas em sociedade, e não da exclusiva
Em consequência, cumpre ao ente estatal diligenciar a fim de reu-
vontade do homem (VIEIRA, 1988). Por meio dele condiciona-se o
nir estas informações.
comportamento daqueles que vivem em sociedade, impondo-lhes
A esta atividade se atribui a denominação de persecução
um dever de ação ou de abstenção (REALE, 2002, p. 59). Visa,
penal (persecutio criminis), que comporta duas fases distintas e
portanto, concretizar o ideal de bem comum, por meio da formu-
bem delineadas: a fase de investigações preliminares e a fase pro-
lação de regras gerais e abstratas denominadas normas jurídicas.
cessual (TÁVORA; ALENCAR, 2009, p. 71).
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O presente trabalho restringir-se-á à primeira fase, denomi-
cesso, mas procedimento administrativo informativo (MIRABETE,
nada também de fase pré-processual, na qual são reunidos os
2002, p. 77). Rege-se, inclusive, pelas normas aplicáveis aos atos
elementos de convicção que irão embasar eventual ação penal.
administrativos em geral. A doutrina enumera ainda uma série de características que
3.1 A inconveniência da nomenclatura
diferenciam a investigação preliminar criminal do processo pe-
O Código de Processo Penal brasileiro designou inquérito poli-
nal, embora ambos estejam insertos no conceito de persecu-
cial à fase de investigações preliminares, não o definindo de forma
ção penal, senão vejamos.
expressa, limitando-se a fazer referências esparsas ao instituto.
Trata-se de procedimento escrito, cujos elementos de prova
Desta forma, incumbiu à doutrina tal tarefa, conceituando-o por
devem ser reduzidos a termo, assinado pela autoridade policial,
intermédio de uma análise sistêmica dos dispositivos correlatos,
não se concebendo investigação verbal (CAPEZ, 2012, p. 117).
nos seguintes termos (LOPES JR., 2001, p. 29).
Demais, é inquisitivo, não comportando ampla dilação probatória
Guilherme de Souza Nucci o conceitua nos seguintes termos:
por parte do indiciado. Essa noção decorre do próprio sistema inquisitivo, de origem
O inquérito policial é um procedimento preparató-
romana, na qual não há a presença do contraditório (MIRABETE,
rio da ação penal, de caráter administrativo, con-
2002, p. 40). Esta tendência foi acolhida de forma moderada no
duzido pela polícia judiciária e voltado à colheita
direito pátrio (TOURINHO FILHO, 2012, p. 79), posto que os atos
preliminar de provas para apurar a prática de uma
praticados ao longo da investigação se concentram, em tese, nas
infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo
mãos de uma única autoridade – autoridade policial (TÁVORA;
é a formação da convicção do representante do Mi-
ALENCAR, 2009, p. 34).
nistério Público, mas também a colheita de provas
É, ainda, sigiloso na medida em que não se submete à publi-
urgentes, que podem desaparecer, após o cometi-
cidade dos atos oficiais, em oposição ao que determina o artigo 5º,
mento do crime. Não podemos olvidar, ainda, que
XXXIII, da Constituição Federal. E não poderia ser diferente, em razão
o inquérito serve à composição das indispensáveis
da necessidade de que não sejam opostos empecilhos à investiga-
provas pré-constituídas que servem de base à ví-
ção em curso, dificultando ou inviabilizando a produção de provas
tima, em determinados casos, para a propositura
(MIRABETE, 2002, p. 78). Contrariamente, o indiciando, tendo conhe-
da ação penal privada [...]. (NUCCI, 2012, p. 151).
cimento de que a autoridade policial pretende, por exemplo, inquirir determinada testemunha, poderia passar a ameaçá-la, forçando-a a
Não se desconhece a clareza do conceito, que abarca os ele-
faltar com a verdade quando do seu depoimento.
mentos necessários à compreensão da atividade desempenhada
É oficioso porquanto sua instauração, em determinados ca-
nesta fase. Todavia, não parece adequada sua designação por
sos, independe de provocação e oficial vez que outorgado a órgão
meio do epíteto inquérito policial. Tal nomenclatura ignora a pró-
oficial do Estado.
pria natureza e finalidade da atividade de investigação, resumin-
Por fim, constitui procedimento indisponível: é dizer, sendo a
do-se a indicar um dos vários órgãos competentes para a apura-
persecução penal de ordem pública, iniciada a investigação, não
ção de infrações penais (LOPES JR., 2001, p. 29). À vista disso,
pode o delegado de polícia dela dispor, devendo concluí-la (TÁVO-
mais prudente designar-se investigação preliminar criminal.
RA; ALENCAR, 2009, p. 77).
O primeiro termo – investigação – provém do latim investigatio, que significa entrar, penetrar, alcançar. Faz referência ao
3.2 Competência
ato de alcançar algo, conhecê-lo em sua essência. A ele deve-se
É nesse momento que surge a controvérsia objeto do pre-
acrescentar outro vocábulo – preliminar – para deixar indene de
sente trabalho. A quem compete dirigir as investigações iniciadas
dúvidas a distinção entre a investigação levada a cabo na fase
para a elucidação de ilícitos penais?
pré-processual da instrução que também é realizada na fase processual, além, é claro, do seu caráter prévio.
Na doutrina prevalece o entendimento segundo o qual a tarefa, em regra, compete às polícias judiciárias. Argumentam os
Portanto, ao longo deste trabalho será empregado o vocábu-
defensores desta tendência que a própria nomenclatura empre-
lo investigação preliminar criminal em oposição à nomenclatura
gada pelo Código de Processo Penal, no caput artigo 4º, já indica
adotada pelo Código de Processo Penal.
o órgão competente para tanto.
No que se refere à natureza jurídica da atividade, seu caráter
Entretanto, esquecem-se os autores da exceção à regra conti-
é eminentemente administrativo. Não se trata, portanto, de pro-
da no caput do artigo 4º do Código de Processo Penal. No seu pa-
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rágrafo único, o próprio artigo 4º determinar que a regra geral não
pública, sendo correntes as notícias de insuficiência dos órgãos
afasta a competência de outras autoridades administrativas rea-
responsáveis pela defesa social.
lizarem investigações, desde que tal função seja cometida por lei.
Entretanto, alguns reforçam a tese de que é vedado ao Mi-
Além disso, desprezam os vários outros argumentos que de-
nistério Público presidir investigações criminais, e fazem-no com
monstram o equívoco daquela afirmação, a seguir analisados. 4 A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
fundamento no artigo 144 da Carta Magna, que assim dispõe: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado,
A controvérsia sobre a qual se debruça a pesquisa recente-
direito e responsabilidade de todos, é exercida
mente adquiriu destaque no cenário nacional, notadamente em
para a preservação da ordem pública e da inco-
decorrência da apresentação da Proposta de Emenda à Constitui-
lumidade das pessoas e do patrimônio, através
ção n. 37, de 08 de junho de 2011, de autoria do deputado federal
dos seguintes órgãos:
Lourival Mendes, vulgarmente denominada “PEC da impunidade”,
I - polícia federal;
através da qual se pretende conferir privatividade às polícias fe-
II - polícia rodoviária federal;
deral e civis dos Estados e do Distrito Federal na condução de
III - polícia ferroviária federal;
investigações criminais.
IV - polícias civis;
A referida Proposta de Emenda à Constituição acrescenta o §10 ao artigo 144 da Constituição Federal . 3
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (BRASIL, 1988)
Acentuou a polêmica o fato de a proposta obter a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e em uma
Deveras uma análise apriorística da norma em exame poderia
Comissão Especial da Câmara dos Deputados, somado às diver-
conduzir o intérprete à conclusão de que a segurança pública é
sas manifestações de outros setores, como o Conselho Federal da
atividade monopolizada pelo Estado a ser exercida tão somente
Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Nacional dos Dele-
pelos órgãos ali enumerados. E é justamente este o argumento de
gados de Polícia Federal, a Associação dos Delegados de Polícia
que se valem aqueles que refutam a existência de poderes inves-
do Brasil e a Associação Nacional dos Procuradores da República.
tigatórios por parte do órgão do Ministério Público:
A despeito do recente engajamento destes setores, a controvérsia há muito bate à porta do Poder Judiciário. Inclusive o Su-
Porém, afigura-se frágil este argumento, notadamente diante das especificidades das normas constitucionais.
premo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema em diversas
A Constituição Federal de 1988 constitui o marco histórico
oportunidades, ora pela legitimidade do parquet em conduzir in-
de rompimento das concepções autoritárias até então vigentes no
vestigações criminais (HC n. 91.661/PE), ora por sua ilegitimidade
Brasil. Nesse momento a Carta Magna assume o centro do or-
(HC n. 81.326-7/DF).
denamento jurídico, impondo-se, por conseguinte, a releitura dos
Diante desse panorama passa-se à análise dos argumentos
institutos, por meio de uma nova interpretação constitucional. Ir-
daqueles que defendem a legitimidade do Ministério Público para
refutável a colocação de que os métodos tradicionais de interpre-
promover, por si só, investigações preliminares criminais, sem se
tação das normas jurídicas (BARROSO, 2005), por si só, não são
afastar das razões daqueles que negam qualquer forma de poder
capazes de revelar o conteúdo da norma inscrita sob a forma do
investigatório ao parquet.
artigo 144 da Constituição Federal. Como pondera Luís Roberto Barroso, a interpretação das nor-
4.1 O poder de investigação conferido pela
mas constitucionais demanda a observância de um elenco próprio
Constituição Federal de 1988
de princípios (BARROSO, 2005).
Como exposto nos capítulos anteriores, incumbe ao parquet
Não se pretende afirmar aqui que esteja superada a inter-
zelar pelos bens jurídicos mais relevantes para a sociedade, moti-
pretação jurídica clássica, até porque considerável parcela das
vo pelo qual o constituinte originário conferiu a seus membros ga-
controvérsias continuará a ser solucionada por meio destes ele-
rantias funcionais de liberdade e de imparcialidade, além de des-
mentos (BARROSO, 2005). Contudo, as normas constitucionais re-
tacar os princípios intrínsecos à instituição, donde se conclui que
clamam uma análise em consonância com a pauta axiológica que
o Ministério Público ostenta posição de destaque na atualidade.
enfeixa o sistema normativo, especialmente o texto constitucional.
Nessa senda, negar poderes investigatórios a uma instituição
Carlos Maximiliano já advertia da inconveniência de se ana-
dessa natureza constituiria demasiado contrassenso, sobretudo
lisarem os textos jurídicos unicamente sob o aspecto gramatical,
quando o País experimenta uma das maiores crises na segurança
por meio de uma interpretação desprovida de qualquer senso crí-
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tico (MAXIMILIANO, 2011, p. 96).
Uma primeira concepção entende que a matéria prescinde
Essa foi inclusive a orientação acolhida pelo Supremo Tribunal
maiores aprofundamentos ou mesmo modificação do texto constitu-
Federal, no julgamento do Habeas Corpus n. 89.837. Em sua mani-
cional. Justifica que o Título IV da Carta Magna expressamente dife-
festação, o relator do processo, Ministro Celso de Mello, consignou
rencia as atividades de polícia judiciária da função de acusação e de
que não encontra respaldo a tese segundo a qual a Constituição
defesa, além de acometer a primeira de forma exclusiva às polícias.
Federal atribuiu com exclusividade as atividades de investigação à
Uma segunda tendência sustenta a inexistência de qualquer elemen-
Polícia Judiciária, citando ainda a competência das Comissões Parla-
to que autorize ao Ministério Público empreender investigações na
mentares de Inquérito para apurar infrações penais.
seara criminal, aduzindo que este entendimento advém da própria
Prosseguindo no seu voto, anota que é imprescindível observar-se a mudança de paradigma ocasionada pela promulgação da Constituição de 1988.
Assembleia Constituinte Nacional, sendo que o texto promulgado em momento algum mencionou tal possibilidade. O primeiro argumento é da lavra de Ives Gandra da Silva Mar-
Daí a conclusão do próprio Celso de Mello de que “a função
tins e foi manifestado em parecer exarado a pedido do Sindicato
atribuída ao Ministério Público pela Constituição Federal [...] não
dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo – SINDPESP. A
pode ser aferida a partir de uma analise literal, acrítica e autômata
segunda tese foi defendida por José Afonso da Silva em parecer
de meros textos normativos” (BRASIL, 2009).
formulado após consulta do Instituto Brasileiro de Ciências Crimi-
Os enunciados contidos na lei fundamental do Estado não
nais – IBCcrim.
devem ser interpretados isoladamente, mas em conformidade
A primeira premissa não se sustenta porquanto pretenda ver
com a unidade do texto constitucional. É preciso que o aplicador
no texto constitucional, especificamente naqueles dispositivos
busque a máxima eficácia de cada norma constitucional, sem que
mencionados alhures, uma cláusula de exclusividade que inibe a
este processo importe em sacrifício de um bem jurídico constitu-
atividade de investigação pelo parquet.
cionalmente tutelado em favor de outro provido de idêntica tutela (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 132-144).
Deveras consta do texto constitucional a expressão exclusividade. Contudo, como esclarece Eugênio Pacelli de Oliveira, tal
A segurança pública é, antes de tudo, direito e responsabi-
vocábulo cinge-se a esclarecer que o desempenho das atividades
lidade de todos, tanto dos órgãos do Estado, como dos próprios
de polícia judiciária no âmbito da União ficará a cargo da polícia
cidadãos. Trata-se de garantia fundamental, de elemento intrín-
federal (OLIVEIRA, 20143, p. 85).
seco do Estado Democrático de Direito. Não fosse assim, seria
Lado outro, o argumento é desprovido de tecnicidade. Chega
diversa a opção do constituinte, relegando a matéria à legislação
a confundir a fase de investigações preliminares com o processo
infraconstitucional, e não a guindando “ao status de política pú-
penal propriamente dito, identificando naquela fase (pré-proces-
blica prioritária, merecendo do Estado brasileiro o mesmo nível
sual) a presença da figura das partes. Como já registrado, a in-
de importância reservado a outras áreas essenciais, tais como a
vestigação preliminar criminal é de natureza administrativa. Há,
saúde e a educação” (FELIPETO; DIAS, [2005?]) É uma questão
de fato, uma autoridade responsável por colher os elementos de
que afeta a todos e não se circunscreve ao âmbito policial. (SILVA,
prova que irão embasar posterior ação penal e o indiciado, não
2005, p. 779).
partes como alegado. A presença das partes – acusação, defesa e
Daí se afirmar que o poder de investigação do Ministério
juiz – está restrita ao processo.
Público decorre do próprio texto constitucional (BULOS, 2010, p.
Também não prevalece o argumento de que a competência
1385), ou seja, da análise do próprio artigo 144 em cotejo com os
exclusiva das polícias na condução de investigação criminais está
incisos I, II, VI, VII, VIII e IX do artigo 129 da Constituição Federal.
implícita no texto constitucional. Fosse assim, qual a necessidade de se aprovar uma Emenda Constitucional com este fim? Qual a
4.1.1 Inexistência de cláusula de exclusividade em matéria de investigação preliminar criminal
necessidade de acrescentar um §10 ao artigo 144 da Lei Maior? Com efeito, o que se pretende é suprimir o poder investigató-
Sem prejuízo destas premissas, existem aqueles mais enér-
rio que foi conferido pela Constituição Federal de 1988 ao Minis-
gicos que sustentam a inviabilidade dos membros do Ministério
tério Público, e não deixar o óbvio mais óbvio como sustenta Ives
Público levarem a cabo investigações criminais com fundamento
Gandra da Silva Martins.
nesta tendência hermenêutica. Sustentam que tal ilegitimidade decorre da leitura do próprio texto constitucional, especificamente do §1º, IV, e do §4º, ambos do artigo 144 da Lei maior, conjugado com o artigo 129 do mesmo diploma.
Estes argumentos somente legitimam a afirmação de que o parquet possui poderes próprios de investigação criminal. No que concerne à segunda concepção, de lavra de José Afonso da Silva, necessário traçar algumas considerações.
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Em seu pronunciamento, José Afonso da Silva discorre sobre
pliam a discussão, o que é censurável.
diversos aspectos que, segundo ele, demonstram a ausência de
Peter Härbele opunha-se a tal prática, até porque a “interpre-
poder investigatório por parte do Ministério Público. Prefacialmen-
tação constitucional não é um ‘evento exclusivamente estatal’,
te assegura que sua manifestação não levará em conta questões
seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista prático” (HÄ-
de conveniência ou de oportunidade, analisando a questão unica-
BERLE, 1997, p. 23).
mente à luz do texto constitucional, por se tratar de uma discussão de lege lata, e não de lege ferenda. Inicia sua argumentação afirmando que não há na Constituição
É preciso que a matéria seja devidamente tratada, expondo-se os argumentos jurídicos por meio dos quais se pretende afirmar o refutar a atuação do parquet nas investigações.
uma palavra que atribua ao Ministério Público poderes para promover diretamente investigações criminais. Contextualizando a expla-
4.1.2 A teoria dos poderes implícitos
nação, revela que no Anteprojeto da Comissão da Organização dos
Retomando a análise em termos técnicos, volta-se afirmar
Poderes e Sistemas de Governo havia a proposta do artigo 137, V,
que a legitimidade do Ministério Público para presidir investiga-
que incluía entre as funções do parquet, além da competência para
ções criminais decorre do próprio texto constitucional.
“requisitar atos investigatórios” a faculdade de “promover ou requisi-
Aqui, merece destaque a teoria dos poderes implícitos, de ple-
tar a autoridade competente a instauração de inquéritos necessários
na aplicação ao direito pátrio (MORAES, 2009, p. 610), segundo a
às ações públicas que lhe incumbem, podendo avocá-los para suprir
qual “a Constituição ao conceder uma atividade-fim a determina-
omissões”, proposta que foi rejeita. Demais, adverte que não há no
do órgão ou instituição, culmina por, implícita e simultaneamente,
texto vigente semelhante disposição.
a ele também conceder todos os meios necessários para a conse-
Lênio Luiz Streck contesta a posição acima. Assevera que o
cução daquele objetivo” (FELIPETO, 2003).
argumento ora assume uma feição subjetivista – extraindo o sen-
A questão pode ser sintetizada sob a ótica da relevância dos
tido da norma de uma pretensa vontade do legislador constitucio-
interesses e bens jurídicos amparados no campo penal. Decerto,
nal, enraizada no processo de formação da norma -, ora contornos
constituiria demasiado desatino ver-se com bons olhos a investi-
objetivistas, discorrendo sobre a intencionalidade das normas
gação direta pelo Ministério Público na esfera cível e não na crimi-
constitucionais. (STRECK, 2013)
nal (FELIPETO; DIAS, [2005?]).
Não se concebe em uma sociedade que se denomina democrá-
José Afonso da Silva contrapõe tal afirmação. Aduz que não
tica a existência de conceitos como mens legis ou mens legislatoris
há relação de meio e fim entre as investigações preliminares e a
(vontade da lei ou vontade do legislador) como instrumentos aptos a
ação penal, pois a finalidade do inquérito é a apuração da autoria
revelar o real sentido dos textos jurídicos. O processo de interpreta-
e materialidade do delito, e não a ação penal.
ção é atividade criativa, e não reprodutiva. Não se limita simplesmen-
Equivocada a colocação. Como exposto alhures a investiga-
te a declarar uma vontade (do legislador ou da norma) que antecede
ção criminal constitui procedimento administrativo preparatório
ao próprio enunciado normativo (STRECK, 1999, p. 185-189).
da ação penal. Embora peça meramente informativa e dispen-
Outra crítica prudente é a de que, aparentemente, os con-
sável em algumas situações, tal somente se justifica quando o
tendores não estão analisando o problema com a devida cautela.
parquet, destinatário último da investigação, entender que dispõe
José Afonso da Silva, por exemplo, defendeu a constitucionalidade
de elementos suficientes para o ajuizamento da ação penal (TOU-
de questão que, à semelhança da controvérsia posta, foi objeto
RINHO FILHO, 2012, p. 114-115). Daí a relação de meio-fim entre
de rejeição durante o processo constituinte (impossibilidade de
a investigação preliminar e a ação penal. Sua finalidade precípua
discriminação dos casais homoafetivos).
é, pois, formar a opinio delicti do titular da ação penal, que é o
Realmente a polêmica ganhou contornos que transcendem
próprio Ministério Público.
o próprio discurso jurídico. A disputa assume feição corpora-
Não satisfeito, José Afonso da Silva sugere que a teoria dos
tivista, ora pelos próprios membros do Ministério Público, ora
poderes implícitos não se aplica ao direito interno. Anota que a
pelas polícias judiciárias.
Constituição Federal expressamente conferiu exclusividade à polí-
Os opositores já não se preocupam em empreender uma aná-
cia judiciária na apuração de infrações penais.
lise da questão à luz do texto constitucional, mas levando em con-
Ainda que a carta seja silente quanto aos poderes investiga-
ta argumentos que provocam grande impacto na sociedade, que
tórios, é nítida a compatibilidade entre estes e as funções insti-
influem na concepção dos demais cidadãos. Não se valem mais
tucionais do Ministério Público. O próprio texto constitucional
exclusivamente da argumentação jurídica, mas do apelo social,
possibilitou ao parquet expedir notificações nos procedimentos
com o que o presente trabalho não pode coadunar. Tão pouco am-
administrativos de sua competência, requisitando informações e
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documentos para instruí-los (Artigo 129, VI). Não fez diferenciação
Trata-se de um projeto que não foi antecedido de estudo
entre procedimento cível ou criminal. Demais, atribuiu ao Ministé-
meticuloso acerca de suas causas e efeitos. O Congresso Na-
rio Público o controle externo da atividade policial (Artigo 129, VII).
cional não voltou a devida atenção a pontos mais relevantes do
Previu ainda a possibilidade de requisitar à autoridade policial,
atual sistema penal vigente.
quando entender necessária, diligência investigatória ou instauração de inquérito policial (Artigo 129, VIII).
Como é de conhecimento, o Código de Processo Penal brasileiro optou pelo sistema de investigação preliminar policial, no
Oportuno resgate do significado do vocábulo requisitar, que é
qual incumbe à polícia judiciária, em princípio, chefia todos os
o ato de exigir legalmente (TOURINHO FILHO, 2012, p. 121-122).
atos a serem realizados para a apuração de eventual infração pe-
Logo, estaria a autoridade policial obrigada a empreender as dili-
nal (LOPES JR., 2001, p. 57).
gências requisitadas pelos membros do Ministério Público.
São severas as críticas a esse sistema, mormente por se tra-
Este era o argumento mais vigoroso entre aqueles que refu-
tar de um sistema arcaico, que não mais atende à realidade brasi-
tam o poder de investigação do Ministério Público. Entretanto, com
leira. Chega-se inclusive a afirmar que se trata de um sistema em
a aprovação do Projeto de Lei da Câmara n. 132/2012, retira-se,
crise (LOPES JR., 2001, p. 57-58).
em princípio, tal imposição, pois, segundo a redação do artigo 2º,
Embora em 1941, data da promulgação do Código de Proces-
§3º, os delegados de polícia passariam a conduzir “a investigação
so Penal, tenha prevalecido a tese de que o sistema de investi-
criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico,
gação policial era o que melhor se adequava ao contexto, hodier-
com isenção e imparcialidade” (Artigo 2º, §3º).
namente não se justifica a manutenção do mesmo, tampouco o
Sem embargo, parece que o dispositivo legal padece de vício de inconstitucionalidade. À evidência, a disposição infraconstitucional em apreço não possui força para revogar o artigo 129, VIII, da Lei Maior.
absurdo de se conferir exclusividade à polícia judiciária na condução das investigações criminais (LOPES JR., 2001, p. 58-59). Os agentes policiais, em razão do seu baixo nível cultural e econômico, estão mais suscetíveis a influências externas, por par-
Deste modo, indubitável a legitimação do Ministério Público para
te dos meios de comunicação social, do poder político e da própria
empreender investigações preliminares criminais. Não se trata da
sociedade, que exige uma resposta ágil aos dos delitos pratica-
aplicação indiscriminada do adágio quem pode o mais, pode o me-
dos, principalmente aqueles veiculados na mídia. Em decorrên-
nos, como sustentado por alguns setores. O que legitima sua atuação
cia, a corporação está mais vulnerável à prática de atos abusivos
é a razoabilidade de que o titular da ação penal disponha também
(violação a direitos fundamentais dos suspeitos e indiciados) e
dos meios necessários para formar seu convencimento acerca de
corrupção (não são raras as notícias de tais atos por partes de
eventual ajuizamento da ação penal pública, especialmente quando
agentes das polícias judiciárias). Estas circunstâncias inclusive co-
entender contrariamente ao relatório final da autoridade policial.
locam em cheque a atuação da polícia e, consequentemente, o va-
A apuração de ilícitos penais não se exaure no âmbito policial
lor probatório dos elementos colhidos ao longo das investigações
ou ministerial. No Brasil, são vários os órgãos estaduais que inves-
preliminares criminais, o que exige sua repetição em juízo. Por fim,
tigam. Citem-se como exemplo as Comissões Parlamentares de
neste sistema há evidente prejuízo à defesa do investigado, dada
Inquérito, a Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central do
a ampla discricionariedade conferida à autoridade policial que
Brasil, o Instituto Nacional do Seguro Social.
nega qualquer possibilidade daquela participar das investigações,
Não se pretende também a substituição da polícia judiciária pelo parquet. Em momento algum é esta a bandeira hasteada
seja indeferindo diligências solicitadas ou mesmo acesso aos autos do inquérito (LOPES JR., 2001, 62-63).
pela própria instituição. Contrariamente, requer-se, sim, a concor-
Daí a tendência naquelas nações denominadas avançadas e
rência na atividade de investigação, mormente à vista dos interes-
democráticas – Estados Unidos, França, Alemanha, Espanha - em
ses em disputa. É o que alguns denominam de democratização
não se adotar tal modelo.
da investigação.
Pelo que demonstra a história, apenas três países, excluído o Brasil, ainda hoje apresentam sistema no qual a policia detém
4.2 A (in)conveniência da Proposta de Emenda à
exclusividade nas atividades de investigação. São eles, Uganda,
Constituição n. 37/2011
Indonésia e Quênia (MENDRONI, 2006).
“[...] o Brasil parece querer dar um passo atrás na questão da investigação criminal e da gestão da prova [...]” (STRECK, 2013). Parece ser esta a frase que melhor se adequa à apresentação da Proposta de Emenda à Constituição n. 37/2011.
Deveríamos então abandonar a adoração brasileira pelos sistemas europeu e norte-americano e alinharmo-nos ao sistema como os dos países citados? Deveríamos permanecer, ou pior, retroceder com os nossos métodos de apuração das infrações pe-
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nais tão (in)eficientes, como pretendem nossos representantes?
Embora tenha consignado em sua manifestação que a inves-
Embora seja considerável a parcela daqueles que entendem
tigação criminal pelo Ministério Público não encontra, segundo
impraticável entre nós o sistema de investigação preliminar a cargo
ele, respaldo na ordem legal vigente, expôs algumas situações
do Ministério Público (promotor investigador), parece mais coerente
excepcionais e taxativas em que poderia o parquet conduzir dire-
a posição de Aury Lopes Júnior, que, ao defender este sistema, anota
tamente as investigações4.
que suas vantagens sobrepõem os inconvenientes, sendo plenamente possível sua admissão no direito interno (LOPES JR., p. 80-81). Ainda que se perfilhe a tese de que neste sistema é visível a disparidade de armas entre as partes ou que haja parcialidade do órgão de acusação, as mesmas não se sustentam.
Sobressai também o Substitutivo à Proposta de Emenda à Constituição n. 37-A, de 2011, de relatoria do deputado federal Fábio Trad, que acrescenta o §10 ao artigo 144 da Constituição Federal e o artigo 98 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Conforme o substitutivo, a modificação do texto constitucional
O Ministério Público, seja na condição de órgão interveniente
não incluirá a investigação criminal como atividade exclusiva das
(custos legis), seja como órgão de acusação (parte), sempre atua
polícias judiciárias, ressalvando a competência para apuração de
com imparcialidade. Tanto que, “verificando ser o réu inocente,
infrações a cargo do Senado Federal, da Câmara dos Deputados,
ou não havendo provas seguras de que a condenação deva ser
das Assembleias Legislativas ou da Câmara Legislativa do Distri-
prolatada, deve [...] postular pela sua absolvição” (RANGEL, 2012,
to Federal, das Comissões Parlamentares de Inquérito, do Próprio
p. 165). O interesse que defende em juízo não é privado, mas o
Ministério Público e dos Tribunais:
interesse público (MAZZILLI, 2011).
Desta forma, consagra-se a primazia da polícia na apuração
E ainda que assim não fosse, é de se indagar: há hoje, na fase
das infrações penais comuns, mas não a exclusividade da ativi-
processual, paridade de armas entre o Ministério Público e a defesa?
dade, atendendo, ao menos em juízo perfunctório, exigências dos
Ou, na fase pré-processual, entre o delegado de polícia e a defesa?
delegados de polícia e dos membros do Ministério Público.
Ilustra bem o fato a existência de prazos processuais impróprios destinados aos delegados de polícia (CPP. Artigo 10, caput) e aos promotores de Justiça (CPP. Artigo 586). Demais, a autoridade policial,
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, em conclusão, tem-se o seguinte:
não raras vezes, indefere arbitrariamente diligências reputadas essenciais para a defesa (TOURINHO FILHO, 2012, p. 121-123). Assiste razão a Lenio Luiz Streck quando afirma que realmente necessitamos de uma Proposta de Emenda à Consti-
1. O Ministério Público passou por profundas mudanças em sua estrutura, possuindo, atualmente, posição de destaque no cenário nacional.
tuição em matéria de investigação preliminar (STRECK, 2013).
2. Essa onipresença do parquet tem despertado repulsa por
Não uma que iniba a atuação do parquet, mas que explicite a
parte de alguns setores da sociedade, especialmente dos delegados
opção por um sistema mais eficaz.
de polícias e parlamentares, sendo que a apresentação da Proposta
Não se estará, ao contrário do que apregoam algumas vozes, atestando a presença de poderes irrestritos aos membros do Ministério Público.
de Emenda à Constituição n. 37/2011 e sua recente aprovação em duas Comissões da Câmara dos Deputados acirrou o debate. 3. Os argumentos utilizados na disputa travada desbordam
Toda a atividade estatal submete-se, primordialmente, ao princí-
dos limites jurídicos, assumindo feição meramente política, seja
pio da legalidade - não mais compreendido em uma acepção restrita,
pela utilização de expressão como “PEC da Impunidade” ou “PEC
de submissão apenas à lei formal, mas de vinculação dos agentes
da Legalidade”, por meio das quais se pretende alcançar uma
aos ideais de justiça (DI PIETRO, 2012, p. 29-30) –. E, especificamen-
maioria desprovida do devido conhecimento acerca dos reais in-
te em matéria criminal aos princípios do promotor natural, do ônus
teresses postos em conflito, o que preocupa dada a proximidade
da prova na ação penal condenatória e da inadmissibilidade provas
da votação da mencionada Proposta de Emenda à Constituição.
obtidas por meios ilícitos (RANGEL, 2012, p. 41-92).
4. Sem prejuízo da propositura da mencionada PEC, a atual
Não bastasse a presença destes mecanismos, o Ministério
Constituição Federal plenamente legitima a investigação criminal
Público submete-se a controle perante outros órgãos e setores da
a cargo do Ministério Público, e isto decorre da análise conjugada
sociedade, como o Conselho Nacional do Ministério Público (CF.
das disposições do artigo 144 c/c os artigos 127 e 129,todos da
Artigo 130-A, §2º), o Poder Judiciário e a própria sociedade.
Constituição Federal.
Merece destaque o voto-vista proferido pelo Ministro Cezar
5. A segurança pública não é questão restrita às corporações
Peluso no Recurso Extraordinário n. 593.727/MG, pendente de
policiais, mas matéria de interesse geral e responsabilidade de todos,
julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.
inexistindo no texto constitucional cláusula de exclusividade em ma-
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téria de investigação criminal. Destaca-se nesse ponto a teoria dos poderes implícitos, plenamente aplicável ao direito brasileiro. 6. A PEC n. 37/2011 indica um retrocesso na discussão acerca do modelo de investigação preliminar brasileiro, rebaixando o Brasil ao patamar de Países como Congo, Indonésia e Uganda, que ainda hoje adotam sistema no qual a investigação é exclusiva
direito: o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito>. Acesso em: 31 mai. 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
da polícia, afastando-se, de vez, das nações ditas desenvolvidas (Estados Unidos, Alemanha, Itália, Argentina, Colômbia etc.). 7. Não se justifica a manutenção deste sistema, especialmente no direito pátrio, por se tratar de um sistema em crise. A polícia judiciária, em razão de seu reduzido nível cultural e econômico, encontra-se mais suscetível a influências externas, principalmente dos próprios órgãos do Estado, o que indica descrédito do material colhido nas investigações empreendidas por estas corporações não só perante o Poder Judiciário, mas perante a própria sociedade, sendo constantes as notícias de abusos e corrupção perpetrados por seus agentes. 8. Uma solução em substituição ao defasado inquérito policial seria a adoção do sistema de investigação preliminar a cargo do Ministério Público (promotor investigador), ainda que se trate de uma questão de lege ferenda. Essa colocação não afasta o poder investigatório do Ministério Público, conferido pela Constituição da República; apenas propõe uma reflexão com relação ao atual sistema. 9. Ao realizar atividades de investigação, o Ministério Público se submete a controle, ao revés do afirmado por algumas vozes. Durante a investigação seus membros devem observar os princípios constitucionais e demais normas jurídicas. Eventuais abusos estão sujeitos a controle pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Submete-se, ainda, a controle externo por parte dos diversos agentes sociais (movimentos sociais, mídia e população). À vista de uma possível mudança do sistema de investigação preliminar, seria prudente a instituição de um modelo de controle a cargo do Poder Judiciário. 10. Não se está a defender uma forma de exclusividade do Ministério Público na condução de investigações preliminares criminais ou a submissão das polícias judiciárias a este órgão estatal. Não! O que se postula é a concorrência na investigação
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Notas de fim
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2 José Afonso da Silva (2005) anota que, teórica e tecnicamente, a Emenda Constitucional n. 1/69 outorgou nova Constituição, vez que o texto da Carta anterior foi completamente reformulado, a começar pela denominação que se deu ao documento, “Constituição da República Federativa do Brasil”, enquanto a Carta de 1967 se chamava apenas “Constituição do Brasil”.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2002. MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2009. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 9. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 17. Ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2013.
1 Acadêmico do 10º período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
3 Caso aprovada a PEC n. 37, será incluído o §10 ao artigo 144 da Constituição Federal, com a seguinte redação: “A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente”. 4 Segundo Cezar Peluso, o Ministério Público poderia realizar, diretamente, atividades de investigação “desde que observadas certas condições e cautelas tendentes a preservar os direitos e garantias assegurados na cláusula do devido processo legal”. Dentre estas peculiaridades, destaca que a investigação deveria ocorrer (a) mediante procedimento regulado, por analogia, pelas normas concernentes ao inquérito policial e, por consequência, (b) supervisionado pelo Poder Judiciário.
RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. 4. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2012. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2002.
502 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
O TRABALHO DA CRIANÇA NA MÍDIA TELEVISIVA Marina Silva Torquetti Drosghic1
RESUMO: O intuito deste estudo é demonstrar que o trabalho infantil na mídia televisiva, assim como qualquer outro, esta em desacordo com a nossa Constituição Federal, além de afetar desenvolvimento da infância e da escolaridade da criança. PALAVRAS-CHAVE: criança; trabalho artístico infantil; Constituição federal; ordenamentos ordinários; desenvolvimento. ÁREA DE INTERESSE: Direito do Trabalho
1 INTRODUÇÃO
o Juiz da 21ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte Dr. Cléber Lúcio
Há um ditado popular que cita, “o trabalho enobrece o homem”.
(anexo 1).
Ocorre que o sujeito da frase acima se refere somente ao homem, maior de idade e totalmente capaz, ou foi utilizado de forma metafó-
2 IDADE MÍNIMA PARA INGRESSAR
rica, englobando homens, mulheres e crianças?
NO MERCADO DE TRABALHO
Anedotas a parte, fato é que em nossa sociedade o trabalho
A Constituição da República, em seu artigo 7º, inciso XXXIII2,
infantil é uma realidade. Contudo, realidade esta que, dependendo
proíbe qualquer trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condi-
da área de atuação, é criticada ou vangloriada por toda a sociedade.
ção de aprendiz, a partir dos 14 anos, e de trabalho em condi-
Assim o trabalho artístico infantil, principalmente, nos gran-
ções insalubres, perigoso ou noturno ao menor entre 16 a 18
des meios de comunicação, é visto como algo puro, inocente,
anos. No mesmo sentido é o artigo 4033 da Consolidação das
quase poético.
Leis Trabalhistas e o artigo 60 do Estatuto da Criança e do Ado-
Afinal, o que diferencia o trabalho infantil artístico do trabalho
lescente (ECA).
em canaviais? Ao certo, muitos irão responder de plano, aludindo
Uma observação é que o artigo 60 do ECA tem a seguinte re-
que sequer estas situações podem ser comparadas. Contudo, há
dação “É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos
que se ressaltar que a criança, independentemente do ambiente la-
de idade, salvo na condição de aprendiz.”. Contudo, mencionado
boral, não apresenta maturidade intelectual, moral e jurídica para se
artigo deve ser lido como “(...) qualquer trabalho a menores de
encontrar em uma relação de emprego.
dezesseis anos de idades, salvo na condição de aprendiz.”. Isto
Para tanto, a pergunta norteadora que travará este artigo
é por que a Emenda Constitucional número 20/98 alterou o arti-
será: O trabalho infantil artístico esta em acordo com a legislação
go 7º, XXXIII da Constituição Federal, proibindo qualquer trabalho
brasileira?
a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, à partir
Como uma possível solução para o problema, será analisada a
dos 14 anos, pela razão de que a norma constitucional prevalece
legislação constitucional, bem como as legislações infra constitucio-
sobre as leis infra-constitucionais. O artigo 60 da Lei 8.069/90
nais. Também será analisado se este tipo de trabalho infantil, assim
não foi recepcionado pela Emenda Constitucional nº 20 (LOPES,
com todos os outros, afeta ou não o desenvolvimento da criança,
Marcelo, 2011, s/p).
analisando a influência dos pais sobre estes e se seu direito de ser
A Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu artigo 406, aduz que o Juiz de Menores poderá autorizar ao menor o tra-
criança é respeitado. O método adotado para a elaboração deste artigo foi o indutivo,
balho em atividades artísticas. Tal ordenamento em seu artigo
método este que observa os fenômenos fazendo a sua análise. Tal
402, entende como “menor” aquele trabalhador na idade entre
método será utilizado tendo em vista que não se objetiva a criação
14 e 18 anos, conforme norma constitucional. Sendo assim, esta
de novas teorias. O que se pretende é obter uma generalização atra-
autorização do artigo 406 da CLT, deve ser levada em considera-
vés da análise dos fenômenos e teorias já existentes, ou seja, conhe-
ção apenas para aqueles que estão na idade permitida, ou seja,
cer a realidade existente.
entre 14 e 18 anos. Corroborando assim com o pensamento do
Para a realização deste artigo utilizou-se a técnica de pesquisa
magistrado Dr. José Roberto Dantas Oliva (2010), que escreve:
de revisão bibliográfica e pesquisa de campo, tendo entrevistado Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 503
[...] a leitura sistemática interna do artigo 406 da
licenças concedidas em casos individuais, permitir
CLT [...] conduz à convicção de que a possibilida-
exceções à proibição de emprego ou trabalho dis-
de de concessão da autorização judicial ali men-
posto no artigo 2º desta Convenção, para fins tais
cionada, para trabalho de “menores” em teatros,
como participação em representações artísticas.
cinemas, boates e estabelecimentos similares ou
2. Permissões dessa natureza limitarão o número de
empresas circenses, não é genérica. Contempla,
horas de duração do emprego ou trabalho e estabe-
na verdade, apenas adolescentes com idade igual
lecerão as condições em que é permitido. (OIT, 1973)
ou superior a 14 anos. (OLIVA, José Roberto Dantas, 2010, pág. 122-123).
Veja- se que os dois ordenamentos estão em desacordo com a Constituição Federal, pois estão autorizando o trabalho da crian-
Observa-se que a CLT, assim como deve ser, segue a mesma li-
ça, menor de 14 anos, o que é expressamente vedado pela Carta
nha Constitucional, abrindo apenas uma exceção à regra, que é o tra-
Magna em qualquer situação, visto que a mesma não abre nenhu-
balho ao menor de 16 anos na condição de aprendiz, a partir dos 14.
ma exceção à regra aos menores de 14 anos.
Assim, neste estudo, a proibição para o trabalho da criança,
O trabalho infantil artístico não deve ser tratado de forma di-
seja qual for à prestação de serviços, incluindo os trabalhos artís-
ferenciada dos diversos outros tipos de trabalho. Em entrevista
ticos, se da para aquelas menores de 14 anos, que estão Constitu-
para este artigo (anexo 1) o Juiz da 21ª Vara do Trabalho de Belo
cionalmente proibidas de exercer qualquer tipo de trabalho.
Horizonte Dr. Cléber Lúcio aduziu que :
3 CONVENÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
O trabalho na mídia televisiva não deve ser tratado
E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
de forma diferente do trabalho do menor em outras
Diariamente nos deparamos com crianças, menores de 14
atividades. A maior exposição da criança justifica cui-
anos, trabalhando em novelas, comerciais, mini séries e afins. A
dados ainda mais acentuados quanto a este tipo de
brecha para nos depararmos com a desobediência da nossa Car-
trabalho. A criança deve ser protegida sempre, não
ta Maior é a Convenção nº 138 da OIT e o artigo 149, II do ECA,
sendo justificativa para uma solução contrária a su-
em que abrem a possibilidade de crianças e adolescentes partici-
posta “fama” que a criança pode adquirir por meio
parem de atividades artísticas, devendo estas serem autorizadas
da mídia televisiva. (LÚCIO, Cléber, 2013, anexo 1).
pela autoridade competente. O artigo 149, II do ECA aduz que:
Assim é que a Constituição Federal esta no topo das normas, sendo hierarquicamente superior, nenhum ordenamento deve
Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar,
dispor diferentemente do que ela dispõe, entendendo-se que os
através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:
citados ordenamentos não podem ser utilizados para autorizar o
(...)
trabalho do menor de 14 anos em nenhuma hipótese, nem ao
II - a participação de criança e adolescente em:
mesmo em trabalhos artísticos, pois não há nenhuma autorização
a) espetáculos públicos e seus ensaios;
neste sentido na nossa Carta Maior.
b) certames de beleza. (...) (BRASIL, 1990)
Neste sentido, Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro (2003, p. 64 apud DIAS, 2007, p. 67) menciona que muito embora a Convenção 138 tenha sido ratificada pelo Brasil, esta ingressa no
O mesmo ordenamento em seu artigo 2º4 considera-se como criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescen-
ordenamento jurídico com status de lei ordinária, não podendo sobrepor ao estabelecido na Constituição Brasileira.
tes aquele entre doze e dezoito anos de idade. No mesmo sentido
Renato Mendes (2012, s/p), coordenador do Programa Inter-
autorizando o trabalho dos menores de 14 anos em apresentações
nacional para a Eliminação do Trabalho Infantil no Brasil da OIT,
artísticas é a Convenção nº 138 da OIT que estabelece o seguinte:
também alega que, para que a exceção dessa norma seja válida, no momento de ratificar a convenção, o país teria que determinar
Artigo 8º
explicitamente seus casos excepcionais, o que não ocorreu em re-
1. A autoridade competente, após consulta com as
lação à atividade artística para o Brasil. Ressaltando também que
organizações de empregadores e de trabalhado-
o que seria permitido, é a participação de crianças em apresenta-
res interessadas, se as houver, podem, mediante
ções artísticas, o que é diferente de trabalho artístico.
504 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
3.1 Diferença entre Apresentação e Trabalho É clara a diferença entre apresentações artísticas e trabalho ar-
O artigo 405, § 3º da CLT considera prejudicial à moralidade do menor o trabalho:
tístico. A apresentação, não contém todos os requisitos da chamada “relação de emprego”, que estão previstos no artigo 3º da CLT, quais
a) prestado de qualquer modo, em teatros de revis-
sejam, pessoa física, o trabalho não pode ser exercido por uma pes-
ta, cinemas, buates, cassinos, cabarés, dancings e
soa jurídica; pessoalidade, aquele que exerce uma atividade direta
estabelecimentos análogos;
não podendo delegar para outrem; não eventualidade, que é a aque-
b) em empresas circenses, em funções de acróba-
le trabalho prestado de caráter contínuo, duradouro e permanente;
ta, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes;
subordinação, implicância em obedecer às normas impostas pelo
c) de produção, composição, entrega ou venda de
empregador, e por fim a onerosidade, que é o que o trabalhador rece-
escritos, impressos, cartazes, desenhos, gravuras,
be em contra prestação dos seus serviços.
pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros
A apresentação é uma relação sem fim profissional, enquanto
objetos que possam, a juízo da autoridade compe-
o trabalho artístico é extremamente desgastante para a criança,
tente, prejudicar sua formação moral
que como já dito, não tem maturidade suficiente para se encontrar
d) consistente na venda, a varejo, de bebidas al-
em uma relação de emprego. Sobre a diferenciação entre trabalho
coólicas
e apresentação, este também é o posicionamento da Ministra do
(BRASIL, 1943, grifo nosso).
Tribunal Superior do Trabalho, Kátia Arruma Guimarães (2010): Contudo, o artigo 406 do mesmo ordenamento dispõe que: O trabalho dito “artístico” que esteja inserido em qualquer das hipóteses acima é ilegal e deve ser
Art. 406 - O Juiz de Menores poderá autorizar ao
abolido. Algumas atividades que visam a preser-
menor o trabalho a que se referem as letras “a” e
vação da cultura local, por exemplo, brincadeiras
“b” do § 3º do art. 405:
artísticas como o “bumba meu boi” no Norte e Nor-
I - desde que a representação tenha fim edu-
deste, sem relação profissional ou fins lucrativos,
cativo ou a peça de que participe não possa ser
não são, em geral, consideradas como trabalho.
prejudicial à sua formação moral;
(GUIMARÃES, Kátia, 2010, s/p, grifo nosso).
II - desde que se certifique ser a ocupação do menor indispensável à própria subsistência ou à
É claro que a criança, menor de 14 anos, deve ter contato com a arte, devendo desenvolver seus talentos artísticos, contu-
de seus pais, avós ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral. (BRASIL, 1943).
do, este contato deve ser feito da maneira e no ambiente adequado, na forma de participação artística e não na forma de trabalho.
Veja-se que o artigo 406 da CLT, estabelece requisitos para
O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho
que o Juiz de Menores autorize a participação do menor em ativi-
Infantil (2012, s/p) defende que ”deve-se desenvolver o talento
dades artísticas. Como já exposto em outra oportunidade, a CLT
aprendendo, para depois entrar no mercado de trabalho na idade
entende como menor, que pode ter alguma relação de trabalho
certa. A participação artística deve ter caráter lúdico, de forma-
específico e expressamente previsto, aquele entre 14 e 18 anos,
ção”, afirma Maria de Oliveira, secretária-executiva deste Fórum.
devendo o citado artigo ser aplicado apenas para estes.
Sendo assim, resta claro que uma apresentação de teatro na es-
Contudo, há quem defende que o trabalho do menor pode ser
cola, igreja, não é prejudicial à criança, e nem vai contra aos orde-
exercido antes da faixa etária estabelecida, quais sejam 14 anos,
namentos jurídicos brasileiros.
como de fato ocorre, desde que os requisitos do art. 406 da CLT sejam preenchidos. Entretanto o que se vê na prática é a violação
4 REQUISITOS DO ARTIGO 406 DA CLT
completa deste dispositivo. Primeiramente por que como já elu-
O problema com o trabalho infantil na mídia televisiva não é
cidado os menores de 14 anos não podem exercer em hipótese
apenas a do ordenamento jurídico Brasileiro, como se uma emen-
alguma nenhuma atividade laborativa e segundo que os mencio-
da constitucional solucionasse a questão, o problema é que, mes-
nados requisitos, em regra, não são cumpridos.
mo o trabalho da criança na mídia sendo totalmente autorizado
O primeiro requisito que estabelece que a apresentação
e fiscalizado, ele ainda assim seria prejudicial ao seu desenvol-
deva ter fim educativo ou a peça de que participe não possa ser
vimento.
prejudicial à sua formação moral está muito longe da realidade. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 505
Muitas crianças participam de novelas e seriados que não têm
conhecidos. Em outros casos, é preciso muito investimento na carreira
nenhum conteúdo educativo, muito pelo contrário, a maioria,
artística, como viagens para testes, cursos de teatros, dentre outros.
principalmente no horário nobre, são extremamente violentas,
Contudo, diante da realidade brasileira, fica óbvio que uma família de
visam à sexualidade e a maldade.
baixa renda, em regra, não faz este investimento, ela investe o pouco
Para a Juíza Andréa Saint Pastous Nocci (2012, s/p), membro da Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil, a criança
dinheiro que tem na alimentação e nos estudos dos filhos, e não com a ilusão de que um dia eles poderão ficar ricos e famosos.
não pode ser usada, ainda que artisticamente para representar
Por todo exposto, fica claro que a participação de menores em
o que ela não é, devendo os papéis delegados a elas serem
atividades artísticas na mídia televisiva esta em desacordo com a
compatíveis com a idade que tem, representando de forma o
legislação, tanto pela falta de regulamentação, quando pela deso-
mais fiel possível, a idade e maturidade do ator.
bediência da legislação presente.
Salvo melhor juízo, o posicionamento da Exa. Juíza ainda se
Temos que buscar a proteção integral das nossas crianças, e
encontra fora da realidade, visto que na maioria das vezes, as
não fazermos delas frutos do capitalismo, pois, o que as emisso-
crianças fazem papéis de filhos rebeldes, mimados, e muitas ve-
ras esperam é que aquela criança faça muito sucesso, para aufe-
zes chantagistas.
rir lucros através da mesma.
Quem não se lembra da menina Rafaela, personagem da atriz mirim Klara Castanho, na novela transmitida pela Rede Globo no
5 INFLUÊNCIA DOS PAIS
ano de 2009-2010 chamada “Viver a Vida”? Rafaela era uma me-
Para a advogada da Rede Record Flávia Marina de Barros
nina extremamente esperta e chantagista. Foi preciso uma inter-
Monteiro (2011, s/p) cabe exclusivamente aos pais a decisão so-
venção do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro para
bre o que é melhor para os seus filhos, conforme os hábitos que
que fizessem modificações na conduta da personagem, retirando
adotam em família, sua cultura e costumes, não cabendo ao pode
o seu aspecto de vilã. As Procuradoras do Trabalho que estavam
público decidir se a criança pode ou não trabalhar com as artes
atuando no caso, Maria Vitória Sussekind Rocha e Danielle Cra-
dramáticas antes da idade permitida.
mer (2010, s/p), alegaram corretamente que, a atriz que na época
Data vênia, este posicionamento não deve ser levado em
tinha apenas 8 anos, não tem discernimento e formação biopsi-
consideração, pois o que deve ser observado é a proteção da
cossocial para separar o que é realidade do que é ficção. Isso sem
criança, e não o desejo dos pais em vê-las trabalhando na mí-
contar as eventuais manifestações de hostilidade que ela pode vir
dia televisiva, pois esta pode trazer fama e dinheiro. Muitas
a sofrer por parte do público e não compreendê-las.
vezes a criança não quer nem esta ali, sendo obrigada há todos
No entanto, por mais que a criança represente papéis de verda-
os dias ir ao local de gravações, talvez ela preferisse brincar
deira criança, ela ainda assim presencia situações e cenas inadequa-
com os seus amigos do prédio ou da rua, contudo, com a im-
das para a sua idade, podendo distorcer a ficção da realidade.
posição dos pais para fazerem o que não querem, as crianças
Um exemplo desta situação é a atriz mirim Kiria Malheiros de
se sentem obrigadas a fazer, não sabendo dizer não, e muitas
apenas 9 anos, que interpretou a menina Raissa na novela tam-
vezes mesmo dizendo não, os pais utilizam da sua “soberania”
bém transmitida pela Rede Globo em 2012-13 chamada “Salve
diante do pequenino e o obriga a continuar na carreira artística.
Jorge”. A personagem sofreu da chamada “alienação parental”,
Isto ocorre por que o mundo da televisão é muito visado, de
assunto este muito sério para ser demonstrado com uma criança
uma forma muito glamurosa, quem não quer ver seu filho apare-
em fase de desenvolvimento, podendo a mesma ter uma distorção
cendo na televisão, ganhando prêmios e ficando famoso? É um
da realidade, além de que para fazer as cenas, a atriz precisa sen-
orgulho para os pais quando o filho vai aparecer na televisão. Por-
tir a dor de uma alienação parental, ou seja, a responsabilidade
tanto, nestes casos, não está sendo observado a proteção e o in-
dada a ela é semelhante à de um adulto, sem ter, no entanto,
teresse integral da criança, e sim o interesse dos próprios pais, da
a maturidade e a experiência necessária, podendo causar vários
sociedade extremamente capitalista.
transtornos, além de percepções destorcidas da realidade.
Sandra Regina Cavalcante (2011), autora do livro “Trabalho
O outro requisito do artigo 406 que estabelece que a ocupação do
infantil artístico: do deslumbramento à ilegalidade” após ter ouvi-
menor na atividade artística deva ser indispensável para sua própria
do frases como “essas crianças têm pai e mãe pra cuidar delas, a
subsistência ou da sua família, mais uma vez se encontra longe da
justiça deve se preocupar com quem é órfão ou com as crianças
realidade brasileira. Primeiramente por que, para ingressar na mídia te-
abandonadas na rua”, questiona: “Será que não há várias coisas
levisiva, principalmente nas grandes emissoras, é muito difícil. Muitas
em comum entre a criança que está vendendo bala no farol e
vezes, senão a maioria, quem ingressa são filhos de outros artistas ou
aquela que está ali num estúdio querendo fazer outra coisa?”.
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Sendo assim, não cabe aos pais estabelecer se o seu filho,
Veja- se que intenção do Senador é que fique a cargo do
menor de 14 anos, pode ou não trabalhar na mídia televisiva.
poder familiar a decisão quanto ao trabalho artístico infantil,
Deve- se obedecer ao que é regulado pelo ordenamento jurídico
justificando que:
brasileiro, mais especificamente na Constituição Federal, visto que os pais, em regra, têm interesse na fama e no dinheiro que
A presente iniciativa visa assegurar a crianças e
esta pode trazer, e não na proteção integral da criança.
adolescentes o direito de exercerem as atividades de atores, condicionado, porém, em razão da ida-
5.1 Projeto de Lei nº 83/2006 e o Poder Familiar
de, a expressa autorização do detentor do poder
Sobre o cabimento de ficar a cargo dos pais a decisão se o me-
familiar, para os maiores de catorze anos, e de
nor pode ou não trabalhar em atividades artísticas, vale mencionar o
autorização judicial, para os situados abaixo dessa
Projeto de Lei nº 83/2006 proposto pelo Senador Valdir Raupp.
idade. (RAUPP, Valdir, 2006, s/p)
O projeto de lei visa acrescentar dois parágrafos ao já mencionado artigo 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Contudo, resta claro que assim como o artigo 60 do ECA, este
Lembrando que como já dito no item 2 deste trabalho, este
projeto de lei é totalmente inconstitucional, pois viola a faixa etária
artigo não foi recepcionado pela Constituição Federal. O Projeto
aludida na Carta Maior, quais seja, a proibição de que os menores de
de Lei tem a seguinte redação:
14 nos não podem exercer, em hipótese alguma, nenhuma atividade laborativa. Assim como as normas infraconstitucionais, o poder fami-
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº. 83 (SUBSTITUTIVO), DE 2006
liar não pode permitir aquilo que é vedado pela Constituição Federal. O projeto de lei ainda está em trâmite pelo Senado Federal.
Altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, para dispor sobre a participação artística, desportivo e afim.
6 O TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO PODE CAUSAR DANOS Aduziu o Magistrado Dr. Cleber Lúcio que “todo trabalho in-
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
fantil implica menor tempo para ser criança e estudar e, portanto,
Art. 1º. O art. 60 da Lei nº. 8.069, de 13 de julho
deve ser evitado.” (LÚCIO, Cleber, 2013, anexo 1).
de 1990, passa a vigorar acrescido dos seguin-
Certo é que toda criança deve ter tempo para brincar, estu-
tes parágrafos:
dar e se divertir. A sociedade rejeita todos os tipos de trabalho
“Art. 60. ......................................................................
infantil, com exceção ao trabalho na mídia televisiva, contudo,
§ 1º. A proibição expressa no caput não alcança a
este trabalho deve ser tratado de igual forma, pois ele é tão
participação artística, desportiva e afim, desde que
prejudicial como todos os outros.
haja autorização expressa:
A criança que trabalha na mídia televisiva tem uma rotina extre-
I – dos detentores do poder familiar, para adoles-
mamente exaustiva, se assemelhando a de um adulto, são muitas
cente com mais de quatorze e menos de dezoito
horas de gravações, entrevistas, tendo muitas vezes que viajar para
anos de idade;
gravar cenas em outros locais, cidades ou até mesmos países. Essa
II – dos detentores do poder familiar, para criança
rotina prejudica e muito o desenvolvimento daquela criança, dimi-
ou adolescente com menos de quatorze anos de
nuindo o seu tempo para brincar e estudar, sendo muito difícil conci-
idade, desde que acompanhados por um dos pais
liar todas estas coisas, deixando sempre alguma de lado.
ou responsável no local a ser exercida a atividade
Um quadro chamado “Diário de Gravação” exibido pela
artística, desportiva ou afim. Na ausência do acom-
Rede Globo no programa Vídeo Show em 12.04.2012 apresen-
panhante, será exigida autorização judicial.
tou a rotina de gravações da atriz mirim Klara Castanho. Neste
§ 2º. A autorização de que trata o § 1º. deixará de
quadro, a atriz conta que acorda todos os dias às 6 horas da
ser válida se for descumprida a freqüência escolar
manhã para ir à escola, e logo depois vai para os estúdios da
mínima prevista no art. 24 da Lei nº. 9.394, de 20
Globo gravar a novela, que na época do quadro era “Amor eter-
de dezembro de 1996. (NR)”
no Amor”, novela do ano de 2012. Klara conta também que
Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua pu-
grava muitas cenas e que estuda no intervalo destas.
blicação. (BRASIL, 2006)
Primeiramente, pode-se observar a rotina pesada desta criança, acordando às 6 horas da manhã e logo após a escola indo gravar suas cenas, rotina esta que se assemelha a de um adulto.
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O segundo ponto é que a atriz aduz que estuda no inter-
des de uma fase adulta saudável. (...). O trabalho
valo das gravações, ora, é claro que esta maneira de estudo é
infantil gera um nível elevado de cansaço, pois a
totalmente inadequada, pois no estúdio tem muitas pessoas,
capacidade de resistência da criança e do adoles-
muito movimento, o que acaba tirando a atenção da criança,
cente ainda é limitada, se comparada às exigên-
assim como ocorria com o ator americano Noah Gray-Cabey,
cias laborais adultas. (...)
à época tinha apenas 12 anos, em entrevista a Folha de São
Outro aspecto importante a ser considerado como
Paulo (2007, s/p), o ator relatou que: “Minhas aulas são no set,
conseqüência do trabalho infantil são os efeitos
o que é difícil, pois sou interrompido o tempo todo.”
psicológicos, pois a inserção no mercado de traba-
Como é sabido, é difícil até para um adulto conciliar todas
lho estimula o abandono da infância, fazendo pre-
as suas obrigações cumprindo- as de forma efetiva, imagina para
cocemente ingressarem no mundo adulto. Os pre-
uma criança, que ainda esta em desenvolvimento. A criança não
juízos ao desenvolvimento psicológico e intelectual
deve ter toda essa responsabilidade, o seu tempo deve ser dedi-
afetam as crianças e adolescentes trabalhadores,
cado para brincar e estudar, e não para trabalhar.
refletindo e todo o seu conjunto de
Outro ponto importante é que a criança não tem maturida-
relações pessoais e sociais. As necessidades nor-
de o suficiente para entender os acontecimentos corriqueiros da
mais da infância e da adolescência não sendo sa-
vida, como por exemplo, não ser chamada mais para participar
tisfeitas provocarão um amadurecimento precoce,
de novelas, mini séries e seriados. Como já exposto, muitas vezes
determinando alterações no equilíbrio psicológico
as crianças não querem trabalhar na mídia televisiva, mas estão
na fase adulta. As responsabilidades inerentes ao
lá por imposição dos seus pais. Contudo, há aquelas que foram
trabalho provocam, em suas raízes, a perda dos
trabalhar por vontade de seus pais e acabaram gostando, desen-
aspectos lúdicos, primordiais para o desenvolvi-
volvendo muito bem o seu talento artístico.
mento de uma infância saudável e equilibrada; o
Acontece que, como um adulto pode ser dispensado do seu em-
trabalho, com todas as regras que comporta, ao
prego, uma criança artista pode cair no esquecimento, não sendo
provocar a submissão, acaba por resultar na inibi-
mais cotada para o trabalho em novelas e afins. Por óbvio que uma
ção das características específicas do ser criança
criança não é psicologicamente preparada, ou madura para este tipo
que é BRINCAR, expressar fantasias. A criança e,
de acontecimento, se para um adulto tal situação é ruim, imagina
na maioria das vezes, o adolescente, não dispõe
uma criança ter que viver este tipo de circunstância, a criança pode
de condições próprias para avaliarem os efeitos e
vir a ficar deprimida. Sendo assim, resta claro que devemos proteger
impactos de seu ingresso precoce no mercado de
os pequenos deste tipo de situação tão corriqueira no nosso país, e
trabalho, sobretudo por desconhecerem as reais
o modo de proteger é evitando completamente este tipo de trabalho.
necessidades e condições relevantes para o seu
Além do exposto até aqui, o ingresso da criança no merca-
desenvolvimento integral.
do de trabalho, seja na mídia, seja em qualquer outro, traz um
(grifos nossos) ( VERONESE, Josiane, 2007, p. 105
amadurecimento precoce, o que não pode e nem deve ocorrer, tal
apud DIAS, Amanda, 2007, p. 71, grifo nosso).
amadurecimento deve ocorrer aos poucos, a criança deve viver o seu dia a dia como criança, tendo tempo para brincar, interagir
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
com outras crianças e estudar, devendo na idade certa, já estipu-
Ao final deste estudo concluiu-se que o trabalho da criança,
lada no nosso ordenamento jurídico decidir se quer ou não ingres-
sendo estas menores de quatorze anos, não pode ser permitido
sar no mercado de trabalho. Sobre o tema estas são as palavras
de nenhuma forma, nem ao mesmo na mídia televisiva, sendo ele
de Josiane Rose Petry Veronese (2007):
totalmente prejudicial, devendo ser respeitada sempre a idade mínima compreendida no ordenamento jurídico brasileiro.
Crianças e adolescentes estão em processo espe-
Qualquer ordenamento que contrarie a Constituição Fede-
cial de desenvolvimento. O trabalho precoce afeta
ral em relação à idade mínima para o ingresso no mercado de
diretamente o desenvolvimento físico e psicológi-
trabalho não deve ser observado, devendo este ser conside-
co, ao sujeitá-los a esforços perigosos ou que vão
rado inconstitucional pelo fato da nossa Constituição Federal
além de suas possibilidades estruturais, resultan-
ser hierarquicamente superior a todas as outras normas. Sen-
do num pseudo-amadurecimento, pois anula a in-
do assim, nenhuma norma infraconstitucional pode prevê fato
fância, a juventude e compromete as possibilida-
contrária ao que determina a Carta Magna.
508 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
Conclui-se também que o fato da criança não poder exercer nenhuma atividade laborativa não diz respeito apenas ao fator da idade proibida pela Constituição Federal, deve-se observar que todo o tipo de trabalho exercido por estas, é totalmente prejudicial a sua formação, retirando o seu tempo de brincar e estudar, levando estes pequenos a uma responsabilidade e a um amadu-
tico: As crianças que trabalham bem diante do seu nariz. 2011. Disponível em: < http://www.ecodebate.com.br/2011/09/14/trabalho-infantil-artistico-as-criancas-que-trabalham-bem-diante-do-seu-nariz/> Acesso em: 12 de maio 2013. Cf. SANTOS, Izequias Estevam dos. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica. 7 ed. rev. atual. e ampl. Niterói: Impetus, 2010.
recimento precoce, fato este que não deve ocorrer em nenhuma hipótese. Criança tem o direito de ser criança! (...) Criança não trabalha, criança dá trabalho Criança não trabalha...
DIAS, Amanda Bedin. O Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil: Análise dos aspectos jurídicos de sua permissão na mídia televisiva. Presidente Prudente/SP, 2007. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo. br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/650/665> Acesso em: 25 de abril de 2013.
Lápis, caderno, chiclete, pião
ENCANTADA, Palavra. Criança não trabalha. 2010. Disponível em: <http://
Sol, bicicleta, skate, calção
letras.mus.br/palavra-cantada/447926/> Acesso em: 25 de maio de 2013.
Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão (...) (ENCANTADA, Palavra, 2010, s/p)
REFERÊNCIAS ARAÚJO, Paulo Henrique Figueredo de. O trabalho do menor em atividades artísticas e desportivas à luz do ordenamento jurídico nacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2506, 12 maio 2010 . Disponível em: <http:// jus.com.br/revista/texto/14840>. Acesso em: 17 de maio 2013. ARRUDA, Kátia. TST- Tribunal Superior do Trabalho. Kátia Arruda diz que trabalho artístico infantil pode ter consequências irreparáveis. 2010. Disponível em< http://www.tst.jus.br/noticias//asset_ publisher/89Dk/content/katiaarrudadizquetrabalhoartisticoinfantilpodegerardanosirreparaveis?_101_INSTANCE_89Dk_redirect=http:// www.tst.jus.br/noticias?p_p_id%3D101_INSTANCE_89Dk%26p_p_ lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_ col_id%3Dcolumn3%26p_p_col_pos%3D2%26p_p_col_count%3D5> Acesso em: 13 de maio 2013. BRASIL. CLT (1943). Consolidação das Leis Trabalhistas, 1943. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm> Acesso em: 21 de abril 2013. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 21 de abril de 2013. BRASIL. ECA (1990). Estatuto da Criança de do Adolescente. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 21 de abril de 2013 CAVALCANTE, Regina. REVISTA ONLINE ECODEBATE- Trabalho infantil artís-
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ainda está em aberto. 2012. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/ trabalhoinfantil/os-limites-do-trabalho-artistico-infantil/> Acesso em: 15 de maio de 2013. Portal do Senado. PLS - Projeto de lei do senado, nº 83 de 2006. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_ cod_mate=77337> Acesso em: 17 de maio de 2013. SHOW, Vídeo. Diário de Gravação: O dia a dia da atriz mirim Klara Castanho. Disponível em: <http://globotv.globo.com/rede-globo/video-show/v/ diario-de-gravacao-o-dia-a-dia-da-atriz-mirim-klaracastanho/1900722/> Acesso: 21 de abril de 2013. SUSSEKIND Vitória Maria e CRAMER Danielle. PLOX. Aconteceu. Personagem de atriz mirim é questionado pelo MPT. 2010. Disponível em: <http://www.plox.com.br/caderno/aconteceu/personagem-de-atriz-mirim-%C3%A9-questionado-pelo-mpt> Acesso: 17 de maio de 2013. TST- Tribunal Superior do Trabalho. A difícil tarefa na regulamentação do trabalho infantil artístico. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/home/-/ asset_publisher/nD3Q/content/a-dificil-tarefa-na-regulamentacao-do-trabalhoinfantil-artistico > Acesso em: 12 de maio 2013.
NOTAS DE FIM 1 Acadêmica do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton 2 Art. 7ª, XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (BRASIL,CF, 1988) 3 Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. (BRASIL, CLT, 1943) 4 Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade (BRASIL, ECA, 1990) 5 Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. (BRASIL, CLT, 1943)
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ANEXO 1 Entrevista ao Magistrado da 21ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Dr. Cléber Lúcio. Qual a sua opinião a respeito do trabalho de crianças na mídia televisiva? O trabalho na mídia televisiva não deve ser tratado de forma diferente do trabalho do menor em outras atividades. A maior exposição da criança justifica cuidados ainda mais acentuados quanto a este tipo de trabalho. A criança deve ser protegida sempre, não sendo justificativa para uma solução contrária a suposta “fama” que a criança pode adquirir por meio da mídia televisiva. O trabalho da criança na mídia televisiva, pode ser considerado um trabalho, no sentido literal? Trabalho, do ponto de vista jurídico, é atividade humana desenvolvida em favor de outrem. O fato de o trabalho ser prestado na mídia televisiva não altera este fato. Há fiscalização para este tipo de trabalho? Quem realiza essa fiscalização? O trabalho na mídia depende de prévia autorização judicial e deve ser fiscalizado pelos conselhos tutelares. Qual a idade correta que os menores deveriam começar a trabalhar, tanto na carreira artística quanto em outras? A idade para o trabalho do menor deve observar os limites impostos pela Constituição. Há algum tipo de trabalho que não seria prejudicial ao menor? Todo trabalho infantil implica menor tempo para ser criança e estudar e, portanto, deve ser evitado. O Senhor acha correto que a expedição do alvará para que os menores exerçam atividade na mídia televisiva seja do Juiz da Vara da Infância e da Juventude? Sim, o Juiz da Vara da Infância e da Juventude é que deve ser ouvido quando se trata do trabalho do menor. Há quem diga que a autorização deveria ser concedida pela Justiça do Trabalho, mas o foco deve ser a criança e não o trabalho. Com isto, a competência deve ser mantida nos moldes atuais.
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 511
O TRIBUNAL DO JURI: Juiz Leigo Desiree Tavares da Silva1
RESUMO: O objetivo específico deste trabalho é apresentar um notório conhecimento jurídico como novo requisito a ser analisado pelo judiciário a cerca da composição do júri. PALAVRAS-CHAVE: Influência da mídia. Tribunal do Júri. Princípios Constitucionais. Juiz leigo. Quesitos de seleção. Área de Interesse: Direito penal
1 INTRODUÇÃO Desde o início da vida do indivíduo, este sofre influências das mais diversas possíveis. Seja em sua relação com pai e
nião midiática? Este é o objetivo especifico deste Trabalho que apresenta um novo e principal requisito para que um cidadão integre o Conselho de Sentença.
mãe, com irmãos, com amigos e ate na sua relação interpessoal. Sobre essas influências é que nascem os valores de cada
2 O TRIBUNAL DO JURI –
pessoal; nasce o conceito de certo e errado, de ética, de mo-
ORIGEM E COMPOSIÇÃO
ral, de costumes, entre outros.
O modo pelo qual se julga a morte dolosa (Crime definido
Contudo, não podemos deixar de mencionar que os meios de
pelo Código Penal - Decreto-lei 2848/40) é o TRIBUNAL DO
comunicação também influenciam no estabelecimento de pré-con-
JURI, versado em minúcias, no que tange seu procedimento,
ceitos, como por exemplo, a televisão e as redes sociais. No auge do
no Código de Processo Penal.
século XXI, no qual estamos, é a mídia quem dita moda, comportamentos, ideologias, entre outros.
A palavra “júri” advém do latim que significa “fazer juramento”, que nada mais é do que invocar Deus por testemunha, pois júri
No mesmo contexto, também estamos sujeitos a normas es-
era o antigo juramento de Deus que se restabelecia ou se mantinha
tabelecidas pelo Estado que propicia (ao menos tenta) uma convi-
transformado. Insta salientar que o primeiro homicídio da historia, é
vência harmônica e pacífica. Não há comunidade ou sociedade que
relatada pela bíblia onde Caim se empenha no objetivo de ceifar a
sobreviva sem o estabelecimento de normas comuns a todos e o
vida de seu irmão Abel:
Estado faz isso por meio de “Códigos”. O Código Penal é caracterizado como a ultima ratio, ou
GENEIS 4, versículo 8:
seja, este é o código que funciona por ultimo, quando já houve
... Entretanto, Caim disse ao seu irmão Abel: Vamos
violação a um bem ou direito alheio. Este é a ultima instancia
sair. E quando estavam no campo, Caim se lançou
na tentativa de controle social.
contra seu irmão e o matou... (BIBLIA SAGRADA,
Vivemos em Estado Democrático de Direito onde este e qual-
1990, p.17)
quer outro código devem garantir a defesa do acusado. E é exatamente aqui que esbarramos no objetivo deste trabalho. Este visa apresentar a influencia que a mídia exerce sobre os jurados leigos.
Foi na Carta Magna Inglesa que este instituto apareceu especificado e serviu de modelo para o mundo todo. Na Ingla-
A mídia, por meio do sensacionalismo exacerbado, penetra na
terra, existiu, até 1993, o Grand Jury onde este, era composto
íntima convicção do jurado levando-o a classificar como verdade ab-
por 12 a 24 pessoas comuns, do povo. Atualmente, só existe
soluta a informação passada pela mídia. Este jurado irá compor o
na Inglaterra, o Petit Jury, que apenas apresenta veredito de
Tribunal do Júri com seus conceitos e opiniões pré-definidos sendo,
“culpado ou inocente” (guilty or not guilty).
no mínimo inviável, a plenitude de defesa, por intermédio do advo-
Diferentemente da Inglaterra, o júri Norte-Americano pos-
gado do réu, a alteração desta convicção formada pela mídia e ab-
sui refúgio constitucional como apresenta o artigo 3°, seção
sorvida pelo jurado.
II, item 3 (três) que diz:
Então, como tornar o Conselho de Sentença (protegido
O julgamento de todos realizar-se-á no Estado em
pela soberania dos vereditos) menos influenciáveis pela opi-
que os crimes tiverem sido cometidos; mas,quando
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não sejam cometidos em nenhum dos Estados,o jul-
04 (quatro) jurados suplentes. O presidente do Tribunal Coletivo é o
gamento ocorrerá na localidade ou localidades que o
mesmo para presidir o Tribunal do Júri (um dos três juízes togados).
Congresso designar por lei.
Atualmente, o júri espanhol é regulamentado pela Lei orgânica n. 5/95, além de ter sua previsão constitucional no artigo
Contudo, foi à jurisprudência quem estabeleceu a formula proce-
125 da Constituição do Reino da França. Essa lei orgânica pre-
dimental do júri que deverá funcionar com 12 (doze) jurados presidi-
vê como competência do Tribunal de Júri Espanhol, os crimes
dos por um juiz togado.
contra as pessoas, os crimes cometidos por funcionários públi-
O júri Norte americano e composto de Grand Jury e o Petit Jury.
cos no exercício do cargo; crimes contra a honra, contra a liber-
Há uma diferença entre estes dois juris. O judicium accusationis é
dade e a segurança e os crimes de incêndio. Este júri é compos-
feito pelo Grand Jury e este é obrigatório na jurisdição federal para
to por 09 (nove) jurados, e 01 (um) magistrado, pertencente à
todos os crimes considerados graves. A composição deste Grand Jury
Audiência Provincial3, e este, presidirá o júri. Vale elucidar que
sofre alterações de Estado para Estado, e seu numero de jurados vai
na Espanha, a função do jurado, na Espanha, é remunerada.
de 16 a 23 membros. Já o Petit Jury possui competência de julgar se
Merece destaque duas características o Júri espanhol: o júri
o réu é inocente ou culpado (guilty or not guilty), sendo ainda passível
pode ser dissolvido por concordância das partes. Noutra possibilida-
aos jurados, fazer uma recomendação da pena a ser aplicada ao réu.
de, se o Ministério Público, a qualquer momento, desistir do pedido
Vale acrescentar que nas Cortes Federais é permitido ao réu abrir
de condenação do acusado, o júri deverá ser dissolvido pelo juiz-pre-
mão do seu direito ao julgamento pelo júri, desde que faça de forma
sidente e este, proferirá a sentença absolutória.
consciente e, orientado por um advogado, faz-se necessário à concordância do Promotor e do Juiz. Em alguns Estados não há essa possi-
3 O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL
bilidade nos casos de crimes graves ou punidos com pena de morte.
Bem como a raiz da Constituição Brasileira encontra-se ba-
O júri surgiu na França por intermédio da Revolução Francesa
seada no direito francês, o estabelecimento do Tribunal de Júri
onde tinha como objetivo, retirar o poder de julgar das mãos dos ma-
não fugiu a regra.
gistrados e devolvê-lo ao povo. Esse motivo baseava-se na “falta de
O júri foi instituído no Brasil, no intuito de julgar crimes de impren-
fé³” no trabalho realizado pelos juízes que atuavam em favor do mo-
sa, por meio da lei de 18 de junho de 1822. Esse júri era composto
narca absoluto. Essa desconfiança gerou a exclusão dos Tribunais na
por 24 (vinte e quatro) membros que saiam de uma lista de homens
tarefa de garantir e defender a Constituição Francesa. Desde então,
considerados “homens bons, honrados, inteligentes e patriotas”.
incitou-se uma tradição na França que se estende aos dias de hoje.
Essa representatividade começou a ver-se desmantelada à medida
Depois de inúmeras normatizações, o júri consolidou-se como
que só poderiam ser jurados os denominados “homens bons” e a so-
escabinato e, na verdade, o júri é uma parte da Cour d’ Assises. A
ciedade daquela época, era uma sociedade desigual e escravocrata.
escolha dos jurados passa por uma seleção com a presença de depu-
O ano de 1841 trouxe a reforma processual que reestabeleceu
tados locais e membros da Ordem dos Advogados. As listas anuais e
a competência do júri sobre os crimes da lei 562 de 2 de julho de
especiais são enviadas ao Prefeito, que por sua vez, conduz as listas
1850 (que retirou da competência do júri os crimes de moeda falsa;
aos Presidentes de cada Câmara. É realizado o sorteio em audiência
roubo; homicídio nos municípios de fronteira do Império; resistência
publica de 35 (trinta e cinco) jurados, trinta dias antes da abertura
e retirada de presos alem da bancarrota) e extinguiu a função de for-
das sessões da Cour d’ Assises, bem como o sorteio da lista dos 10
mação de culpa e pronuncia da competência da autoridade policial e
(dez) jurados suplentes e ambos, retirados da lista anual. Desta lista
a passou para os juízes de direito.
2
de 35 (trinta e cinco), na presença do acusado, ocorre o sorteio de 9
Mesmo com a Proclamação da Republica, o júri foi manti-
(nove) nomes que comporão o corpo de jurados leigos que participa-
do. O que alterou foi o decreto 848, de 11 de outubro de 1890
rão da sessão de julgamento. E na França, é permitido que o jurado
onde foi criado o júri federal que deveria ser composto por doze
interrogue as testemunhas.
jurados (sorteados de uma lista de 30 (trinta) nomes) que in-
Diferente de alguns países, o Tribunal do Júri é facultativo em
tegrassem o corpo de jurados estadual da respectiva comarca.
Portugal, ou seja, só ocorre se as partes assim requererem, por regra
Em 1937 houve o surgimento da Constituição do Estado
geral, recai sobre as partes a responsabilidade de o julgamento ser
Novo que não previu a existência do júri sendo este, regulamen-
efetuado pelo tribunal coletivo, ficando sua intervenção completa-
tado pelo o Decreto 167 no mesmo ano. A título de curiosidade,
mente limitada à manifestação de julgamentos de matéria de proces-
aqui o Tribunal do Júri não estava mais elencado no Capítulo
so penal. O Júri português é composto por 03 (três) juízes, que com-
denominado “Dos Direitos e Garantias Individuais”, mas sim no
põem o tribunal coletivo, por 04 (quatro) jurados efetivos e por mais
Capítulo “Do Poder Judiciário”, saindo da esfera da cidadania
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 513
rumo à esfera Estatal. Em 1946, o júri recuperou a soberania perdida em 1937.
3.1 A Primeira Fase do Tribunal do Júri: Instrução preliminar
Ele foi recolocado no Capítulo “Dos Direitos e Garantias Indivi-
Essa fase também é denominada Instrução Preliminar ou do ju-
duais” e ganhou, também, a competência para julgar os crimes
dicium accusationis e é nela onde se define se o crime é ou não de
dolosos contra a vida.
competência do Júri. Nos dizeres de PACELLI 4: “A fase da instrução
Com a instauração da Constituição de 1988, o júri recupe-
preliminar é, então, reservada para a definição da competência do
rou seu status de soberano e continuou pertencente ao Capítu-
Tribunal do Júri, com o que se examinara a existência, provável ou
lo “Dos Direitos e Garantias individuais”.
possível, de um crime doloso contra a vida.”
Nos dias de hoje, sua composição é inteiramente diferente e
É neste momento que o juiz decidirá se a denúncia ofere-
o mesmo se deu com a sua competência. Hoje, o Tribunal de júri é
cida pelo Ministério Público deve ou não ser levada a júri. Deci-
composto pelo Juiz-Presidente juntamente com o Conselho de Sen-
são esta pautada no juízo de probabilidade, pois é o Tribunal do
tença. Este Conselho de Sentença é composto por sete jurados leigos
júri (sessão em plenário) que decidirá se o réu é ou não culpado
(pessoas do povo) escolhidos através de sorteio em procedimento
do crime a ele imputado. Em comparação com a Área Cível, faz-
regulado por lei. O Juiz-Presidente é o denominado Juiz Togado, ou
-se, aqui, um juízo de admissibilidade analisando a existência,
seja, ele é o órgão do Poder Publico.
autoria e natureza do crime.
O juiz togado é o responsável pela condução do procedimento,
Nessa fase a sentença, que marca seu fim, devera: ofere-
lavratura da sentença final após a apresentação das conclusões do
cer a desclassificação; absolver sumariamente; optar pela im-
corpo de jurados, por meio de resposta de quesitos.
pronuncia ou pronunciar o réu.
O Tribunal do júri é regido pelos seguintes preceitos constitucionais:
3.2 A Segunda Fase do Tribunal do Júri: 1 – a plenitude de defesa: são assegurados ao réu
Julgamento em Plenário
todos os meios legais de defesa;
Inicia-se a Fase em Plenário com a abertura da sessão
2 – o sigilo das votações: é o dever de silencio entre
onde será feita a conferência de presença dos jurados selecio-
os jurados onde não pode ser comentado o voto do
nados e que compõem estes, uma lista de vinte e cinco.
jurado com os demais do Conselho de Sentença;
Dentre estes vinte e cinco jurados, que são obrigados a compa-
3 – a soberania dos vereditos: versa sobre a con-
recerem, sorteiam-se 07 (sete) que irão compor o Conselho de Sen-
servação do desejo do Conselho de Sentença que
tença. Isto feito estará montado o Conselho de Sentença.
representa a vontade da população; 4 – a competência dos crimes dolosos contra a
3.3 Jurados
vida: julga crimes dolosos contra a vida, mas por
O Tribunal do júri, consoante o CPC, compõe-se de um juiz
conexão, pode julgar demais tipos penais.
de Direito (que é o Presidente), e vinte e cinco jurados que se-
O procedimento no Tribunal do Júri é bifásico, ou
rão sorteados dentre os alistados, dos quais sete constituirão o
seja, existem duas fases bem definidas quais se-
Conselho de Sentença.
jam: Sumário de Culpa e Julgamento em plenário.
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Conforme preceitua o CPC nos arts. 425 e 426 deverão ser feitas de forma anual, listas de jurados pelo presidente do Tribunal do Júri que seguira a seguinte regra:
A lista geral dos jurados deverá apresentar nome e respectivas funções e será publicada até o dia 10 de Outubro de cada
comunicar-se entre si ou com qualquer outra pessoa tão pouco manifestarem sua opinião sobre o processo.
ano. Essa publicação poderá ser feita pela imprensa ou em forma
O juiz verificará se estão presentes na urna as cédulas cor-
de edital fixado a porta do Tribunal do Júri. Poderá essa lista, ser
respondentes aos jurados presente e então, fará o sorteio de 07
modificada pelo juiz presidente mediante reclamação de qualquer
(sete) jurados que irão compor o Conselho de sentença. O Juiz
pessoa do povo ou, até mesmo, de oficio, até 10 de Novembro que
presidente lerá os nomes à medida que forem sendo sorteados
é a data definitiva da publicação.
e é concedida a defesa e acusação, respectivamente, recusar 03
Após a organização da pauta , o juiz presidente intimará o 5
(três) jurados sem motivar.
RMP, Representante da OAB e da Defensoria Pública para que
Formado o Conselho de Sentença, o Juiz presidente fará a lei-
acompanhem o sorteio dos jurados que atuarão,sendo que este
tura, em conjunto com os jurados, da prestação de compromisso
deverá ser realizado ente o 10° e 15° dia útil antecedente a reu-
pelos jurados, conforme art.472 do CPP8.
nião. Este sorteio deverá ser feito a portas abertas, sendo que
Consoante art. 436 do CPP, que inicia a seção VII, versa sobre
este deverá sortear dentre os listados, o numero de 25 (vinte e
a condição primordial para que qualquer do povo se aliste para
cinco jurados) para reunião periódica ou extraordinária. Lembran-
ser jurado, qual seja MAIOR DE 18 ANOS e NOTORIA IDONEIDADE.
do que, caso as partes não compareçam, não há adiamento da
Esta IDONEIDADE MORAL é a linha norteadora da formação da lista de jurados. Nada mais apresenta o Código de Processo
audiência de sorteio. Em ato contínuo, serão fixados no edifico do Tribunal do Júri a
Penal como requisito para ingresso no júri
relação dos jurados convocados bem como nome dos acusados e respectivos defensores alem de dia e local da AIJ.
4 MIDIA, OPINIÃO PUBLICA E JÚRI.
No dia da AIJ, o juiz presidente decidirá dispensa de jurados . 6
Dos 25 (vinte e cinco) jurados sorteados, o juiz presidente declara-
Opinião, mídia e júri são palavras interligadas, mas com significados bem diferentes.
rá instalados os trabalhos se estiverem presentes, pelo menos, 15
MÍDIA é uma palavra derivada do latim médium, que significa
jurados. Deverá constar em ata os casos de impedimento e caso
“meio”. Em consonância com o Dicionário Aurélio, mídia significa:
não haja o numero mínimo exigido por lei, será feito o sorteio dos
“Designação genérica dos meios, veículos e canais de comunica-
suplentes e remarcada a sessão do júri7.
ção, como, p.ex. jornal, revista, rádio, televisão, outdoor, etc.” 9.
Caso estejam presentes os 15 jurados, o juiz presidente in-
Já de acordo com o Dicionário Silveira Bueno, MIDIA seria
formará aos jurados que uma vez sorteados, eles não poderão
um meio de alcance de massas, in verbis: “Propaganda; conjunto
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dos meios de comunicação (jornais, revistas, rádio, televisão, etc.)
comunicação em massa denominado TV, em pesquisa realizada
para alcançar as massas, com fins de propaganda”10.
pela Fundação Roberto Marinho. Na função de divulgar informa-
Em análise aos conceitos acima expostos, entende-se por MIDIA,
ções, a TV (principalmente hoje em dia) realiza coberturas de ca-
um instrumento que visa apresentar uma ideia para outras pessoas.
sos famosos que acabam indo a julgamento pelo Tribunal do Júri.
Ideia essa, dirigida a um público extremamente diversificado.
A mídia se mobiliza em prol de “informações exclusivas” para
A mídia, em âmbito geral, pode se apresentar de forma escri-
repassá-las aos telespectadores. Contudo, essa mesma mídia uti-
ta (revistas, jornais, outdoors, entre outros) e de forma falada (rá-
liza de jogos de palavras para influenciar ou motivar a população a
dio, televisão e cinema). Há, também, no auge do séc.XX, a mídia
“odiar” o réu sem, nem mesmo, ouvir sua versão dos fatos.
realizada por meio de forma eletrônica (e-mails, sites, blogs, rede sociais, entre outras).
O maior problema em todo esse contexto é que o telespectador hoje é o jurado de amanhã. Jurado esse que também assistiu
Talvez por possuir um tipo de mídia falada, plausível de apli-
as manchetes, seja no rádio, na TV. Este jurado, que possui repre-
cação de sensacionalismo exacerbado, a mídia televisiva possui o
sentatividade social, foi bombardeado ou até mesmo convencido
maior faturamento em comparação com os outros meios midiáti-
pela opinião midiática.
cos. Cerca de 90% da população brasileira possui um aparelho de
O poder da mídia é um dos principais fatores que impedem
TV mesmo com o crescimento acentuado da internet. Destarte, é
os jurados de exercer de forma correta sua representação social
de se concluir que a televisão é, ainda, o melhor modo de divulga-
resguardado no texto Constitucional.
ção de informações, de formação de opinião.
O corpo de jurados composto de leigos, sem formação jurídica
Devido a esse aceso fácil à informação (ou manipulação),
estaria mais propenso a erro do que um conhecedor jurídico, pois
fica cada vez mais difícil formular um conceito, ter uma opinião,
um juiz leigo é mais influenciável pela opinião midiática do que um
sem que a mídia intervenha nesta formulação. O próprio Ministro
cidadão com certo conhecimento jurídico embora este também
Carlos Ayres Brito, declara, em seu voto na ADPF 130-7 , que a
esteja sujeito a motivações externas.
11
imprensa é “instância de comunicação em massa” e que por uma
É preciso admitir que a decisão pautada na íntima convicção
sorte, ela poderia influenciar cada pessoa e até mesmo, formar o
dos juízes leigos sofre influências externas, ao processo, advindas
que se denomina “opinião pública” 12.
da opinião midiática, pois o sensacionalismo, a alta repercussão,
Já os jurados são escolhidos dentre os comuns da sociedade
as diversas versões apresentadas a um só caso pela mídia in-
para que se estabeleça um “padrão de normalidade” no Tribunal
fluencia sim o Conselho de Sentença uma vez que estes compõem
do júri. Daí a notória idoneidade moral, pois os jurados devem re-
a sociedade como um todo.
presentar a opinião da sociedade e não a opinião da mídia.
Os jurados, muitas vezes, são inquiridos a respeito de ma-
O problema nessa formação de “opinião pública” é até que
térias, presentes nos quesitos, que estes desconhecem ou não
ponto é protegido as garantias constitucionais do júri, sobre a opi-
compreendem. Essa é a oportunidade que a mídia tem de formu-
nião formada? Até que ponto essa informação desenfreada pela
lar uma condenação e inserir nas mentes dos jurados, a opinião
mídia (que busca pontos no IBOPE), altera a condenação ou absol-
que concede mais IBOPE.
vição de um réu? Até que ponto essa opinião da mídia se confunde com a opinião individual do Conselho de Sentença? É o que visa esse trabalho: analisar a influência da mídia no tribunal do júri devido à publicação de varias informações ao pu-
Marcio Thomaz Bastos criticou severamente um mito antigo que alega que a imprensa é o espelho da sociedade e se as informações divulgadas eram cruéis à culpa seria da realidade e não da mídia, in verbis:
blico, em geral. Um mito, antigo e defasado, serve de exculpação 4.1 Mídia e jurados
a esses desmandos: a de que a imprensa é mera-
Como já elucidado em capítulo oportuno, o jurado é selecionado
mente um espelho da realidade, de que ela ape-
mediante uma lista onde qualquer do povo esta facultado a se ins-
nas reflete os fatos que se passam no mundo, sem
crever. Estes jurados são pertencentes as mais diversas camadas da
nenhuma interferência sobre eles. Portanto, se a
sociedade sob os quais não possuem nenhum conhecimento prévio
realidade mostrada é cruel, a culpa não é da im-
de matéria penal tão pouco processual penal. Os jurados possuem
prensa, mas da realidade.
o dever de representar a sociedade, devem votar pautados em sua
Nada mais falso do que essa visão mecanicista,
íntima convicção condenando ou absolvendo o réu.
simplista e deformadora. Ao contrario, o que se
Quase 90% das famílias brasileiras possuem um meio de
verifica hoje, (...) é que a mídia não é apenas uma
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cronista da realidade; ela se torna cada dia mais, a protagonista da realidade, influindo, modificando e construindo os fatos, interagindo com os atoras da vida real a ponto de construir outra realidade... 13.
Seria o devido processo legal uma dupla proteção ao indivíduo. O devido processo legal é consagrado pela observância de dois princípios: ampla defesa e contraditório. A ampla defesa não se limita à participação no processo, por parte do réu, mas sim a garantia de que meios incompatíveis não
Nélson Hungria, na conferencia de 1962, já havia alertado
serão aplicados ao processo. Como, por exemplo, processo secre-
sobre a influência da mídia sobre casos famosos, cita-se: “Trata-se
to, queixa de inimigo capital, interrogatório pautado na coação, en-
de um problema cuja relevância esta mundialmente reconhecida
tre outros. Essa garantia visa acesso a todas as provas admitidas
– a necessidade de conciliação entre o interesse da liberdade de
no processo. Entende-se, então, por ampla defesa, a segurança
imprensa e o da liberdade e serenidade da justiça penal.”
concedida ao réu no que versa condições de apresentar ao pro-
Nota-se que desde aqueles tempos, já havia a preocupação em relação à repercussão midiática. Titta Mazzuca denominou
cesso todos os elementos que elucidem a verdade dos fatos ou, até mesmo, o direito de omitir, calar se for necessário.
esse fenômeno de “époque médiatissé”, ou seja, época da mídia.
O contraditório está interligado ao devido processo legal e a
Ressaltou, ainda, que o juiz togado deveria evitar o contato com a
presunção de inocência, pois ambos visam segurança jurídica so-
mídia porque ele deve dizer a verdade sobre o processo e essa ver-
bre as acusações imputadas ao réu bem como a condenação só
dade, poderia vir a incomodar a própria mídia como a população.
após o transito em julgado.
A pressão e a forte influência da mídia tendem a envolver os
A presunção de inocência é uma garantia criminal que encon-
jurados pela opinião publica ali construída (na verdade, o que a
tra respaldo no art.5°, LVII do texto constitucional. Prevê que a
mídia disse que a sociedade pensa). Pensamento este orquestra-
inocência é presumida até que se prove o contrário.
do por uma publicidade desmedida e por isso, torna-se tão difícil
Uma melhor nomenclatura seria PRINCIPIO DA NÃO CULPABI-
exigir deles conduta diversa. Essa forte influência da mídia faz
LIDADE, pois a Constituição não presume a inocência, mas aponta
com que desapareça a independência do julgador popular que
a não culpabilidade antes da sentença condenatória.
decidirá consoante coação irresistível da mídia. O Brasil é um país onde a população vive sob a égide da vio-
Ou seja, não se condena nenhum acusado sem a devida e legal produção de provas.
lência e da impunidade. E, às vezes, em prol da satisfação social, a mídia escolhe um acusado (não importa se culpado ou inocente)
4.2.2 Opinião e júri
que seja famoso para render Ibope, para que este seja crucifica-
Segundo Eugenia Mariano Barrichello, para que se chegue
do. Márcio Thomaz Bastos, advogado e Presidente da OAB/SP nos
a uma opinião popular é preciso realizar um estudo do local e
anos de 1985/1987, a respeito de sua opinião quanto à divulga-
os meios pelos quais se discutem ou debatem qualquer assun-
ção exacerbada da mídia em casos de homicídios famosos disse:
to de interesse comum.
“isso não faz bem a justiça, nem a liberdade.”.
Para Gabriel Tarde, a opinião seria um conceito pautado não só em juízo de valor, mas também, por um conjunto de atos e
4.2 Princípios Constitucionais, Opinião e júri.
conversações com os demais. Seria a fusão da identidade do indi-
No contexto da evolução da mídia, os juristas preocupam-se,
viduo com a sociedade nos pontos em que se equiparam.
a cada dia mais, com a preservação de alguns princípios constitucionais basilares do direito.
Não é uma tarefa fácil definir o que é opinião pública, tão pouco, em casos de grande repercussão midiática, mas, algo pode ser afirmado: a opinião de um jurado é caracterizada por um juízo
4.2.1 Princípios Constitucionais
de valor advindo de sua carga cultural, emocional e psicológica.
Em decorrência da história da democratização do Estado Bra-
Todos os seus preconceitos e preferências influem, mesmo que
sileiro, a Constituição de 1988, consagrou alguns princípios basilares do processo em si.
sem perceber, na opinião de um jurado. Os jurados, como já dito em momento anterior, são pessoas co-
Em qualquer esfera, seja a cível ou criminal, estes princípios
muns, advindas da sociedade, influenciáveis pela mídia. O júri perde,
são consagrados a fim de se obter o que a doutrina denomina
de forma significativa, sua legitimidade no que tange formação de
“julgamento justo e imparcial”.
opinião ou juízo de valor, se posto em consideração que os sujeitos do
O devido processo legal é a proteção concedida ao indivíduo em âmbito material (efetiva proteção ao direito de liberdade) e formal (as-
corpo de jurados estão influenciados pela mídia. Sobre isso, Oliveira, citado por Paulo Henrique na sua tese de bacharelado, Comenta:
segurar a este defesa técnica, imparcialidade estatal, entre outros). Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 517
Se os jurados são prestigiados em nosso ordena-
Hoje, a opinião pública, influenciada pela mídia,
mento pelo fato de julgarem com um sentimento de
absolve ou condena com facilidade e desprezo à
justiça, torna-se importante que somente os fatos
regra do devido processo lega, em gravíssima vio-
atinentes à causa sejam trazidos à sua apreciação,
lação do principio do direito de defesa. (Entrevista
nunca as versões de determinados seguimentos da
concedida em 2000)
imprensa, revestidos de aparente legitimidade... 14. Nos dias de hoje, o conceito de opinião pública defendida Este mesmo autor sustenta a tese de que a opinião do mem-
pelos jurados, é pautado sobre os basilares dos interesses midi-
bro do júri só teria legitimidade se ela se formasse dentro do ple-
áticos, pois o jurado é membro da sociedade, é um juiz leigo e
nário, após apresentação do processo. Este, ainda cita: “A impren-
por consequência, menos esclarecido que um juiz togado. O juiz
sa, açodada pela busca da audiência que lastreia o lucro para sua
togado conhece a lei bem como jurisprudências e doutrina o que
própria sobrevivência, não parece interessar o devido processo
não acontece com o juiz leigo (jurado), o mesmo decidirá base-
legal, de onde fluem a garantia do contraditório e ampla defesa.”
ado na sua íntima convicção no Tribunal do Júri, daí, sua maior
O próprio Marcio Thomaz Bastos faz uma citação de Evaristo de Moraes que concerne com mesma ideologia, in verbis:
sensibilidade ao clamor midiático. Como disse Darcy Azambuja, “raros são os homens de opiniões puramente racionais, derivadas da observação, da inteligência e da cultura. E esses homens só
Repórteres e redatores de jornais, iludidos pelas
têm essas opiniões sobre raríssimos assuntos”.
primeiras aparências, no atabalhoamento da vida jornalística, cometem gravíssimas injustiças, la-
4.3 Homicídios Famosos cobertos pela mídia
vram a priori sentenças de condenação ou de ab-
A partir de alguns exemplos, a questão pode começar a ficar
solvição, pesam na opinião pública e tem grande
mais clara. Veremos, com a análise de casos concretos que a mí-
responsabilidade pelos vereditos. (1987, apud,
dia pode ser a tirada dos princípios constitucionais devido a sua
BASTOS, 1999, p.113)
“corrida maluca” a fim de garantir público. Essa “corrida”, denominada de Escola-Base, exemplo dessa
A mídia, alegando reproduzir a “opinião pública”, realiza um verdadeiro tribunal de exceção que nos remete a época da santa
antropofagia por Marcio Thomaz Bastos, é o resultado dessa associação funesta entre autoridades e imprensa.
inquisição. Neste estreito liame que divide liberdade de imprensa e garantias constitucionais, o que tem acontecido em casos de
4.3.1 Caso Daniella Perez
grade repercussão midiática, é o perecimento do contraditório,
Daniella Perez, filha de Glória Perez (Famosa escritora de roteiro
ampla defesa e, o mais evidente, a presunção de inocência. Chega
de novelas da Rede Globo de Televisão), contracenava com o ator
a ser contraposto: a mídia cobrando ética e respeito da sociedade
Guilherme de Pádua onde, ambos, faziam cenas de romances, pois,
e do judiciário e do outro lado, em busca do “furo de noticia”, rea-
na trama escrita por sua mãe, formavam um casal.
liza uma campanha que guarda pouca ou nenhuma ética em sua conduta, tão pouco aos princípios constitucionais. É dentro desse contexto que se torna difícil e trabalhoso o desempenho do advogado de defesa. Como este irá apresentar todas as causas plausíveis se a opinião da mídia, em desrespeito aos princípios constitucionais, já sentenciou o réu?
A esposa de Guilherme e o próprio Guilherme de Pádua, seriam foram os indiciados pelo homicídio da jovem atriz. O crime foi motivado pela baixa representatividade que a autora da novela, mãe da vitima, concedeu ao personagem do ator. O fato, em si, aconteceu em 1992 e foi julgado em 1996. Durante todo esse lapso temporal, houve um bombardeio de
Levar a julgamento, o réu de um processo criminal, inteira-
informações da mídia para os telespectadores. Pode-se dizer
mente coberto pela mídia, é levá-lo a linchamento e não a um
que houve um “linchamento”, elaborado pela mãe da vítima e
julgamento justo pautado em princípios constitucionais.
que contou com o apoio da Rede Globo.
Disse Antônio de Pádua Ribeiro, Ministro do STJ:
O fato ganhou a atenção de todos os meios de mídia. Tornou-se, de fato, de conhecimento público e notório de qualquer
Despertar emoções e gerar mitos constitui o meio
cidadão. Devido a isso, o julgamento teve o mesmo clima de
mais fácil de direcionar a mente do povo, vítima de
tragédia encontrado nos romances de Shakespeare e o suspen-
terríveis desequilíbrios sociais, para atingir objeti-
se de Dostoievski.
vos aparentemente justos, mas inalcançáveis. (...)
E, como o esperado, o réu foi acusado e condenado pelo cor-
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po de jurados. Os atos que preenchem o Tribunal do júri obedeciam,
dos réus já citados deram-se em prol do divulgado pela mídia,
apenas, o cumprimento de ritos, pois a condenação já havia sido feita
pois até o sangue encontrado no carro do goleiro que foi noticia-
pela imprensa.
do como “sendo sangue de Eliza”, não foi constatado no primeiro
O caso repercutiu tanto que a Glória Perez, conseguiu reunir as-
exame pericial. Após a grande repercussão, foi feito uma ata, pelo
sinaturas suficientes para que se alterasse a lei. De fato, houve sim a
próprio setor de criminalística, alegando que este laudo estava
instituição da Lei de Crimes Hediondos após as insistentes investidas
com erro de digitação e que o sangue era sim de Eliza.
da mídia ao pressionar os políticos da época, contudo o recolhimento de assinaturas em si, não ensejou a lei.
A mídia exerceu tanta influência sobre esse caso que um laudo foi alterado; réus foram condenados sem provas concretas e definitivas de suas participações; um atestado de óbito foi ex-
4.3.2 Caso Bruno
pedido pela Juíza antes do transito em julgado de todos os con-
A trajetória do goleiro do Flamengo Bruno Fernandes, ídolo
denados e o que mais se destacou, foi à forma em que o RMP
dos torcedores do rubro-negro ficou mundialmente conhecido.
dirigiu-se a juíza, reportando ao conhecimento público anunciado
Tanto a trajetória de lutas e vitorias como a trajetória criminal di-
na imprensa.
vulgada pela imprensa. Bruno foi acusado de matar a ex-amante Eliza Samúdio, com o auxílio de várias outras pessoas.
4.4 Tribunal do júri: modificação versus extinção
Todo o desenrolar da historia iniciou-se quando Eliza comuni-
O Tribunal do Júri é regido por uma máxima muito conhecida
cou a Bruno que estaria grávida do mesmo e queria que ele assu-
pela doutrina que é “matem-se entre vós que nós os julgaremos
misse a paternidade. Eliza, após o nascimento da criança, procu-
entre nós” (Frase inspirada em Correa). Ou seja, o criminoso é um
rou Bruno por diversas vezes requerendo auxilio financeiro. Logo
cidadão do povo e o júri é o representante do povo logo, os jurados
após seu último contato com o goleiro, a mesma veio a desapare-
julgam o réu devido à representação do interesse social. Contudo,
cer. Pronto! Isso bastou para que a mídia publicasse inúmeras ma-
conforme anteriormente apresentado, a opinião dos jurados pode ser
térias já apontando Bruno como principal suspeito e responsável
fortemente corrompida quando o caso ganha repercussão midiática.
pelo sumiço da vitima.
O tribunal do júri encontra respaldo Constitucional, mas, em
O que mais agradou a mídia foi o envolvimento de um goleiro
análise do contexto histórico deste instituto, percebemos que ele
famoso com uma garota de programa (a própria defesa de Bruno,
já foi suprimido e, até mesmo, extinto. Devido ao contexto social do
tanto no homicídio quando em ação de alimentos, quis por diver-
ano da criação da Constituição vigente (05 de outubro de 1998),
sas vezes exibir vários filmes pornôs feitos pela vitima).
ficou caracterizada a existência deste Tribunal para que ficasse
Com o desaparecimento de Eliza, as manchetes só apontavam e noticiavam BRUNO como suspeito. Logo após, um primo do acusado
assegurada a participação popular perante a justiça. Encontra-se, então, no art.5°, XXXVIII, da Carta Magna:
(á época dos fatos menor de idade) decidiu revelar toda a trama, ainda envolta de mistérios, contando que o goleiro não possuía nenhu-
Art. 5° (...)
ma responsabilidade, mas o amigo de infância do Goleiro sim.
XXXVII – é reconhecida a instituição do júri, com a
Novamente, a imprensa se voltou para a divulgação de espe-
organização que lhe der a lei, assegurados:
culações que rendessem público. Entre 2 e 3 anos após o sumiço
A plenitude de defesa;
da vitima, foram a julgamento no Tribunal do Júri, Bruno, e todos
O sigilo das votações;
os auxiliares da empreitada criminosa.
A soberania dos vereditos;
No mesmo júri, foi julgada Fernanda Gomes de Castro (namorada do goleiro) que foi condenada a cinco anos de prisão.
A competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Sergio Rosa Sales, primo de Bruno, foi morto antes de seu julgamento o que gerou a tese midiática de que Marcos Apareci-
Diante de sua previsão na Carta Magna, em especial no ca-
do, vulgo “Bola”, provável executor de Elisa, teria sido o respon-
pitulo que versa sobre direitos e garantias fundamentais sendo,
sável pela morte do primo do goleiro, pois era policial e perito
portanto, uma clausula pétrea, sua extinção esta, absolutamente,
na “arte de matar”. Já prevendo um desfecho para o mistério,
fora de cogitação. Devendo, analisar, a modificação deste Tribunal
o judiciário marcou o júri de Marcos Aparecido, o “bola”, que
ritualista e, muitas vezes, injusto, dos quais filiamos.
ocorreu em 2013 e o réu também foi condenado a cumprir 22 anos de prisão pelo homicídio de Eliza Samudio. A mídia já condenou todos estes réus, pois as condenações
Mesmo com previsão na Constituição, a polêmica que envolve o Tribunal do júri arroja-se há anos. E, por vezes, ganha destaque quando um julgamento importante está sendo ou será realizado
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pelo tribunal do júri, principalmente se a sentença proferida cau-
violaria o principio da à participação de todos no Tribunal do Júri.
sar perplexidade em permeio político e jornalístico.
Então, se modificarmos tal solução, passado a exigir do jurado um
É neste contexto, de agrado ou de desagrado, que insurgem os pontos a favor e contra os métodos empregados no Tribunal do Júri.
notório conhecimento jurídico, evitaríamos a influência da mídia sobre o jurado (que agora com certo conhecimento jurídico seria
O juiz Walter Mayerovitch, em um debate realizado pela Folha
menos influenciado) e até mesmo de inúmeras falácias jurídicas
de São Paulo (31/05/97; p. 13) definiu o júri como um sistema
apresentadas pelos advogados e promotores, nos debates orais,
arcaico e superado, in verbis:
do plenário do júri. Com o jurado, detentor de um conhecimento jurídico elevaria
Trata-se, evidentemente, da consagração do arbí-
os debates orais de defesa e acusação onde estes, obrigatoria-
trio, colocando o Tribunal do Júri em oposição ao
mente, deverão discutir e apresentar provas e não mais usar por
regime democrático. Mais do que isso, relata-se
meio de retóricas a fim de induzir o jurado leigo.
casos de influencia direta da imprensa nos resul-
Tornaria mais viável, a formulação de quesitos submetidos
tados dos julgamentos. Efetivamente, não é ideal
ao Conselho de Sentença. Quesitos estes que o júri, de senso co-
o nosso sistema. Consagra por influencia da força
mum, tem dificuldade de entender.
reacionária e talvez do fetichismo, o júri popular
Garo, citado por Rogério Fernal, apresenta a ignorância do
soberano. E o sistema acaba ficando contrastado
direito e a falta de outros conhecimentos, como um dos maiores
quando o juiz entrega aos juízes especializados
ensejadores da injustiça cometida pelos jurados, in verbis:
competência para julgamentos de crimes, inclusive os de imprensa, obrigando-os, em total respeito
... A parte principal das injustiças cometidas pe-
à pessoa e a sociedade, a expor, miniciosa e publi-
los jurados depende da ignorância e, às vezes,
camente, as razoes do seu convencimento.
é evidente pelas respostas contraditórias que tinham a intenção de condenar, não obstante
O juiz terminou sua fala destacando que é o regime democrático e não o júri que tutela a liberdade dos cidadãos. Relembrando
involuntariamente absolvam por não terem compreendido um quesito... ”15.
um dito muito conhecido, que foi proferido na abolição do júri no México, que era: “Era un espetáculo, pero no hacia justicia.”.
O mesmo autor, ainda defende o posicionamento de que é
A favor da modificação do tribunal do júri, pesa inúmeros pon-
necessário um conhecimento mínimo de Direito Penal e Proces-
tos. Dentre eles, a íntima convicção no voto dos jurados, pois es-
sual Penal para que se efetivem os princípios constitucionais a
tes, não precisam fundamentar sua decisão. Basta, somente, que
fim de garantir um julgamento justo e eficiente. Dentro da mesma
vote “sim” ou “não” baseado no que viu e ouviu.
corrente, Toron, citado por Lênio Streck, apresenta a facilidade de
O jurado está sujeito à influência de toda a ordem, pois não existe exigência nenhuma para participar do Conselho de Senten-
se convencer um jurado leigo mediante boa oratória, tanto do advogado quanto do promotor no Plenário do Júri.
ça basta, apenas, que seja maior e tenha idoneidade moral. Ora,
Já Marcio Thomaz Bastos, apresenta, como possíveis modifi-
quero salientar a influencia que a imprensa escrita, falada e tele-
cações, no tribunal do júri para que se garanta a existência da jus-
visionada exerce nos “crimes midiáticos” onde o noticiário cons-
tiça, nos casos cobertos pela mídia, inúmeras hipóteses. Ele cita:
tante (e nem sempre verídico) molda a opinião publica, contra ou a favor do réu e, nessa leva, entram os jurados que formam seus
Não são muitos os alvitres: suspensão do pro-
conceitos prévios na base de tais noticias.
cesso enquanto durar a campanha da imprensa;
Então, diante de uma opinião formada pela mídia e ingerida
proibição de a mídia mencionar o julgamento,
pelo jurado (jurados este que vota pautado na íntima convicção,
em determinadas fases; transferir o julgamen-
resguardado pela soberania dos vereditos) como seria facultada a
to de lugar anulá-lo quando se constatar que a
defesa do réu um devido processo legal garantido ampla defesa e
pressão publicitária possa ter deformado a cons-
contraditório se o corpo de jurados já foi influenciado pela mídia?
trução do juízo condenatório... 16.
Como penetrar na íntima convicção do corpo de jurados? No intuito de apresentar uma solução plausível, Rogério Fer-
Com algumas ressalvas, as modificações parecem pertinen-
nal apresenta várias sugestões. Dentre elas, esta a exigência de
tes sob uma primeira análise. Contudo, não defendemos o contro-
nível de escolaridade mínima dos jurados. Contudo, tal exigência
le da imprensa, mas sim uma nova exigência para que qualquer do
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povo participe do corpo de jurados.
responderam a um questionário de 4 perguntas. Nota-se, na conclu-
O júri deve proporcionar a segurança jurídica não só ao réu,
são que um bom percentual concorda com a exigência de notório
mas como a todos que vivem e compõem a sociedade. Para isso,
conhecimento jurídico sem restringir a mídia a fim de assegurar as
faz-se necessário a modificação do júri no que tange influência
premissas constitucionais básicas (conforme apêndice).
da mídia versus capacidade dos jurados em definir sobre a vida e
Quando são levados a júri os crimes que causam grande co-
liberdade de um cidadão.
moção nacional, será que as pessoas são induzidas pela mídia?
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
pronunciou dizeres mais coerentes ao judiciário do que a própria
O jornalista Alberto Dines, do site Observatório da Imprensa, Os jurados, ao votarem os quesitos na sala secreta não pre-
mídia. Ele disse que é impossível encontrar um jurado que não te-
cisam fundamentar sua decisão, sendo estes guiados pela íntima
nha sido alcançado pela mídia e que essa repercussão exacerba-
convicção. Contudo, a “íntima convicção” dos jurados esta, coti-
da seria benéfica a quem não deseja alcançar a justiça. Para ele,
dianamente, exposta aos apelos midiáticos no que tange os homi-
o profissional do meio jurídico que deseja a efetivação da justiça,
cídios cobertos pela imprensa.
seria extremamente cauteloso ao se dirigir a mídia o que, infeliz-
Se ampla defesa e contraditório estão vinculados a fim de
mente, é raro nos dias de hoje.
assegurarem o devido processo legal (sendo todos os princípios
A luta pela liberdade de imprensa, que tem respaldo consti-
constitucionais), como seria facultado ao réu defesa em prol dos
tucional, não concede a um jornalista o poder de denominar de
conceitos já formulados pelos jurados em prol do divulgado pela
“bandido” o suspeito de um crime, de qualquer crime. Esta prerro-
mídia? Ou seja, como o réu poderá questionar argumentar sobre o
gativa é concedida a um juiz ou corpo de jurados só, e tão somen-
que foi fixado, na mente dos jurados, pela mídia?
te, após a exaustiva análise do conjunto probatório, em respeito
Julgo ser uma tarefa difícil, pois hoje o jurado é fortemente influenciado pela mídia. Para que cesse essa influência, faz-se necessário a modificação de integração no conselho de sentença. Vale elucidar que não é defendida a tese de extinção do júri, mas sim modificação do mesmo. Tão pouco, o controle da impren-
aos princípios constitucionais de ampla defesa e contraditório. Roger Pinto, citado por Thomas Bastos diz: “A liberdade criou a imprensa. E a imprensa não deve se transformar na madrasta da liberdade”. Não deve a imprensa, restringir quem a criou, ou seja, a liberdade.
sa, pois, a liberdade de imprensa é um preceito constitucional in-
Vale elucidar o alerta dado por Nassif, citado por Lenio Luiz
violável oriunda de uma série de opressão até sua efetiva garantia
Streck (p. 173) “sim, nós temos um júri brasileiro que serve de
na Constituição vigente. A Carta Magna possui princípios interpre-
lição para o mundo. Espera-se que os reformadores não se esque-
tativos de supremacia e máxima efetividade da mesma e, devido
çam de que é preciso respeitá-lo por isto e não mutila-lo”.
a tal, não se pode abolir ou repremir a liberdade da imprensa, mas, pode-se apresentar um novo quesito para que se integre o Conselho de Sentença.
REFERÊNCIAS
É preciso que haja a concordância prática ou harmonização na interpretação constitucional. Ou seja, foi apresentado um conflito entre garantias constitucionais que são: ampla defesa e contraditório versus liberdade de imprensa. Neste caso, deve-se construir uma interpretação que possibilite uma leitura compatível das normas conflitantes. Deve-se, então, fazer uma interpretação que promova integração social, conforme o principio da eficácia integradora cumulado com a integração social e unidade política. Enfim, não devemos controlar a imprensa, mas sim reformar o Tribunal do Júri. Versando o alcance dessa harmonização, faz-se necessário a reformulação dos quesitos exigidos para ser jurado. O notório conhecimento jurídico nos parece à solução plausível para a solução deste conflito principiológico aparente. No intuito de provar essa harmonização, foi realizada uma pesquisa de campo17, apresentada na lista de gráficos, onde 60 (sessenta) estudantes de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, que
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GRECO, Rogério. Código penal comentado. 4. Ed.rev. ampl. e atualiz. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2012. LAKATOS, Eva Maria. Ciência e conhecimento científico. In: Metodologia cientifica. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 16-135. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed.rev. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva 2009.
8 Cf.art.472 do CPP: Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça. 9 Cf. AURELIO, 2000: p.462. 10 Cf. SILVEIRA BUENO, 2001: p.512,513. 11 Chegou sob a analise do judiciário sob forma de ADIN, para promover a não recepção da lei de imprensa – lei 5.260/67.
MECUM, Vade, 7. Ed.rev. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. 12 Cf.p.19 do inteiro teor da ADPF 130-7 MORTIMER, Paulo Henrique. Monografia Jurídica: Liberdade de manifestação de pensamento na mídia e seus limites. 2004. 122f. Dissertação (Bacharelado em Direito) – Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, 2004.
13 Cf. BASTOS, 1999, p.113. 14 MORTIMER, 2004, p.65 Apud Paulo Henrique.
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15 Cf. FERNAL, 1983, Pp14 16 Cf. BASTOS, 1999, p.116. 17 Pesquisa realizada pela própria autora no mês de Abril no ano de 2013, no campus JK do Centro Universitário Newton Paiva. Foram feitas 4 perguntas para os entrevistados que deveriam responder SIM ou NÃO. O conjunto de perguntas, com seus respectivos resultados, eram: Primeira pergunta – Você acredita que a mídia pode influenciar a opinião de um jurado? (38,34% NÃO – 61,66%SIM); Segunda pergunta – Você acredita que um jurado com certo conhecimento jurídico seria influenciado pela mídia? (35% NÃO – 65% SIM); Terceira pergunta – Você acha que deveria haver um controle do judiciário sobre o que e divulgado na mídia em casos de homicídios famosos? (68,34% NÃO – 31,66% SIM); Quarta e ultima pergunta – Você acha que é efetivado o principio da presunção de inocência nos casos de homicídios famosos cobertos pela mídia? (68,34% NAO – 31,66% SIM).
NOTAS DE FIM 1 Aluna de Graduação do Centro Universitário Newton Paiva. 2 O escabinato é um júri formado por juizes, leigos, pretores e conciliadores que perfazem o total de 3 Magistrados e 9 Jurados. 3 São audiências realizadas nos Tribunais Provinciais que são os Tribunais baseados na Capital da província e exercem jurisdição sobre esta área. Estes Tribunais possuem seções formadas por três ou quatro juizes. 4 Apud PACELLI 2012, p. 712. 5 Cf. arts. 429 a 431 do CPP. 6 Cf. arts. 453 e 454 do CPP. 7 Cf. arts. 463,464 e 465 do CPP.
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PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS E A COMPATIBILIDADE ENTRE O INSTITUTO E AS EMPRESAS SEM FINS LUCRATIVOS Lúcio Márcio de Assis*
RESUMO: Lei 10.101/00 – Programa de Participação nos Lucros e Resultados, com alternativas para que a norma seja difusa, e estenda a todos os empregados regidos pela CLT, independentemente de serem exclusivamente das sociedades com fins lucrativos. Com este estudo pretende-se contribuir na sua subsução aos princípios constitucionais da garantia da igualdade. PALAVRAS-CHAVE: Lucros. Resultados. Compatibilidade. Lei. Empregados. Avaliação. Desempenho. ÁREA DE INTERESSE: Direito do Trabalho
1 INTRODUÇÃO
apenas enuncia os elementos que o integram, pois utiliza a ex-
O Programa de Participação nos Lucros e Resultados – conhecido também como PLR está previsto na Constituição Federal
pressão “compreendem-se na remuneração do empregado”, conforme se vê o texto do artigo:
de 1988, artigo 7º, inciso XI, que depois de várias reedições de medidas provisórias sobre o tema, o PLR foi regulamentado pela
Art. 457. Compreendem-se na remuneração do
legislação, estabelecendo o direito aos empregados.
empregado, para todos os efeitos legais, além do
A Lei n° 10.101, de 19 de dezembro de 2000, dispõe so-
salário devido e pago diretamente pelo emprega-
bre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da
dor, como contraprestação do serviço, as gorjetas
empresa, e regulamentou definitivamente o PLR, vindo então a
que receber. (BRASIL, 2011, p. 969).
estabelecer o direito aos empregados de terem esse acréscimo ao seu rendimento, conforme será visto no decorrer deste artigo.
Assim a remuneração é o conjunto de prestações recebidas
A Participação dos Lucros e Resultados - PLR é o pagamento
habitualmente pelo empregado pela prestação de serviços, seja
que a empresa faz aos empregados em virtude da distribuição de
em dinheiro ou em utilidades, provenientes do empregador ou de
lucros ou resultados.
terceiros, mas decorrentes do contrato de trabalho, de modo a
A PLR é implantada na empresa também junto com outros
satisfazer suas necessidades básicas e de sua família.
benefícios ao empregado, em programas de incentivo ao trabalhador para melhorar sua qualidade de vida.
Para Sérgio Pinto Martins, o termo remuneração: [...] vem
A Legislação regula a participação dos trabalhadores nos lu-
de remuneratio, do verbo remuneror. A palavra é composta de
cros ou resultados da empresa como instrumento de integração
re, que tem o sentido de reciprocidade, e muneror, que indica
entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade, nos
recompensar. (MARTINS, 2013, p. 241).
termos do artigo 7º, inciso XI, da Constituição e artigo 1º da Lei
Enquanto que, para o autor, o termo salário:
nº 10.101/2000. Como se vê a Lei 10.101/00 é direcionada exclusivamente
[...] deriva do latim salarium. Esta palavra vem de
para as empresas com fins lucrativos. Este trabalho visa propor
sal, do latim salis; do grego, hals. Sal era a forma
alternativas para que os benefícios da lei se estendam a todos
de pagamento das legiões romanas; posterior-
os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho
mente, foram sendo empregados outros meios
- CLT, independentemente de serem exclusivamente das socie-
de pagamento de salário, como óleo, animais, ali-
dades com fins lucrativos. Contribui-se, desta forma, com a sub-
mentos etc. (MARTINS, 2013, p. 241).
sução aos princípios constitucionais da garantia da igualdade. Em suma, pelo exposto, compreendem-se na remuneração, 2 O SALÁRIO E A REMUNERAÇÃO
tanto a parte fixa contratual correspondente ao salário, como
O artigo 457 da CLT não define remuneração ou salários,
outras formas de pagamento em decorrência da prestação de
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serviços como: salário utilidade; comissões; gorjetas; horas ex-
Art. 7º, XI – participação nos lucros, ou resultados,
tras; prêmios; gratificações; ajuda de custo; diárias; participação
desvinculada da remuneração, e, excepcionalmen-
nos lucros, adicionais tais como transferência, insalubridade, pe-
te, participação na gestão da empresa, conforme
riculosidade, noturno; etc. Algumas destas verbas possuem na-
definido em lei. (BRASIL, 2011, p. 14).
tureza salarial e outras natureza indenizatória, por força de lei ou em decorrência das condições de pagamento.
A partir de então o governo pretendeu regular a participação
O tema deste trabalho, por sua vez, é a participação dos
nos lucros, editando várias medidas provisórias. A Medida Provi-
empregados nos lucros e resultados das empresas, que com-
sória nº 794, em seu artigo 1º, de 29 de dezembro de 1994, foi a
põe a sua remuneração, a qual passa-se à análise.
primeira a tratar do tema:
3 PROGRAMA PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS –
Art. 1º Esta medida provisória regula a participa-
LEI 10.101/00, normatização
ção dos trabalhadores nos lucros ou resultados
Em uma pesquisa feita pela Organização Internacional do Tra-
da empresa como
instrumento de integração
balho (OIT, 1986:281 ss), constatou-se que na maioria dos países,
entre o capital e o trabalho e como
não há obrigatoriedade da participação nos lucros, sendo que nor-
produtividade, nos termos do art. 7º, inciso XI da
malmente é concedida mediante negociação coletiva ou por meio
Constituição Federal. (BRASIL, 1994).
incentivo à
de decisão do Conselho de Administração da empresa. Atualmente a Lei 10.101/00 versa sobre o assunto: A primeira notícia de pagamento da parcela surgiu em 1794, quando Albert Gallatin distribuiu parte
Art. 1º Esta Lei regula a participação dos trabalhado-
dos lucros de uma indústria de vidros; em 1812,
res nos lucros ou resultados da empresa como ins-
Napoleão Bonaparte por meio de um decreto con-
trumento de integração entre o capital e o trabalho
cedeu a participação nos lucros para os artistas da
e como incentivo à produtividade, nos termos do art.
Comédie Française. (Martins, 2013, p. 302).
7º, inciso XI, da Constituição. (BRASIL, 2000).
Sergio Pinto continua, dizendo que:
O Programa de Participação nos Lucros e Resultados é um tipo de remuneração variável, uma ferramenta bastante utilizada pelas em-
[...] em 1842 foi a vez de Monsieur Léclaire, sem
presas, mundialmente, que auxilia no cumprimento das estratégias
nenhuma explicação distribuir o lucro de um pe-
das organizações. Esse programa visa o alinhamento das estratégias
queno atéliê [sic] aos seus empregados; em 1917,
organizacionais com as atitudes das pessoas dentro do ambiente de
a participação nos lucros foi prevista na Constitui-
trabalho, pois só será feita a distribuição dos lucros aos empregados
ção do México. (Martins, 2013, p. 303).
caso algumas metas pré-estabelecidas sejam cumpridas. A Participação dos Lucros e Resultados - PLR é uma contribuição
No Brasil, a primeira tentativa de se instituir a participação nos lucros foi em 1919, que, porém, não teve sucesso (Martins, 2013).
sem caráter salarial, que o empregador fará ao empregado com base nos resultados ou lucros obtidos pela empresa em um determinado
Quase trinta anos depois, a verba foi regulamentada da se-
período e que poderá ser estipulado através da convenção ou acordo
guinte maneira: na Constituição de 1946, no inciso IV do artigo
coletivo da categoria ou mesmo por uma comissão formada pela pró-
157 “participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros
pria empresa. Veja artigo 2º incisos I e II da Lei 10.101/00:
da empresa, nos termos e pela forma que a lei determinar” (BRASIL, 1946). Como se verifica, não era facultativa. Em seguida, a verba foi objeto de disciplinamento nas consti-
Art. 2º A participação nos lucros ou resultados
tuições de 1967, no inciso V do artigo 158; 1969, no inciso V do
entre
artigo 165 da Emenda Constitucional nº 1.
dos,
Por fim, o inciso XI do artigo 7º da Constituição de 1988, esta-
será a
objeto
empresa
mediante
um
e dos
de seus
negociação emprega-
procedimentos
a
seguir descritos, escolhidos pelas partes de co-
belece: “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da
mum acordo:
remuneração, e, excepcionalmente, na gestão da empresa, con-
I - comissão escolhida pelas partes, integrada,
forme definido em lei”.
também, por um representante indicado pelo sin-
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dicato da respectiva categoria;
da a qualquer empregado, nem constitui base
II - convenção ou acordo coletivo. (BRASIL, 2000).
de incidência de qualquer encargo trabalhista, não se aplicando o princípio da habitualidade.
Pela leitura da primeira parte do inciso XI do artigo 7º da
(BRASIL, 2000).
Constituição de 1988, citado acima, a referida participação é uma verba recebida pelo empregado, porém desvinculada do
Desta forma, caso as empresas queiram, assim mesmo, dis-
salário, sendo assim tem uma particularidade de estar condi-
tribuir algum resultado aos seus empregados, este pagamento
cionada a um efeito, um resultado positivo da empresa, pois
terá o seu caráter de natureza salarial, ficando as verbas sujeitas
do contrário não haverá pagamento. Outrossim, o contrato de
aos recolhimentos de FGTS e INSS. Tal fato irá onerar sobrema-
trabalho permanece, ou seja, o empregado não se torna sócio
neira os reflexos da folha de pagamentos de salários destas em-
por auferir parte dos lucros, seria portanto uma mistura entre
presas que na sua maioria possuem menor poder econômico, em
o contrato de trabalho e o contrato de sociedade, um trata-
contrapartida com as empresas que visam fins econômicos.
mento de natureza sui generis, mas de natureza indenizatória conforme definido na lei.
No entanto, a Constituição da República Federativa do Brasil em seu Título II, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e
Diante disso, são beneficiados do programa somente os em-
Coletivos, incluiu no Caput do art. 5º a seguinte redação:
pregados das empresas com fins lucrativos, sendo defeso às empresas sem fins lucrativos a sua aderência ao programa, assunto
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem dis-
do tópico seguinte.
tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
4 A IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PLR
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
NAS EMPRESAS SEM FINS LUCRATIVOS
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
As sociedades sem fins lucrativos e as pessoas físicas, perdem
termos seguintes: (BRASIL, 1988).
a oportunidade de aplicação da Lei 10.101/00 em benefício de seus empregados, pelos preceitos do artigo 2º § 3º que determina:
Portanto, a norma remete aos conceitos de igualdade perante a lei, de todos, brasileiros e estrangeiros residentes no
Art. 2º A participação nos lucros ou resultados será
País, sem qualquer distinção. Em seguida ainda na Carta Mag-
objeto de negociação entre a empresa e seus em-
na o Capítulo II – Dos Direitos Sociais os artigos 6º e 7º no seu
pregados, mediante um dos procedimentos a seguir
inciso XI possuem as seguintes redações:
descritos pelas partes de comum acordo: § 3º Não se equipara a empresa para fins desta Lei:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde,
I – a pessoa física
a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer,
II – a entidade sem fins lucrativos que cumulativa-
a segurança, a previdência social, a proteção à
mente: (BRASIL, 2000, grifo nosso).
maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição
Como se lê, estão fora as pessoas físicas, empregadores com
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e
ou sem fins lucrativos, e as entidades sem fins lucrativos, que nas
rurais, além de outros que visem a melhoria de
suas obrigações acessórias, cumulativamente: a) não distribua
sua condição social:
resultados a qualquer título; b) aplique integralmente os seus re-
XI - participação nos lucros, ou resultados, des-
cursos em sua atividade; c) em caso de encerramento destine o
vinculada da remuneração, e, excepcionalmen-
seu patrimônio a entidade congênere; e d) mantenha escrituração
te, participação na gestão da empresa, confor-
contábil capaz de comprovar a observância dos requisitos que as
me definido em lei. (BRASIL, 1988, grifo nosso).
torne legalmente socedades sem fins lucrativos. Pode-se até implantar, já que o recebimento é mais favorável
Neste sentido, merece citação a observação de Menezes et al:
ao empregado, porém sem o amparo do artigo 3º da lei 10.101/00: As normas constitucionais possuem eficácia juArt. 3º A participação de que trata o art. 2º não
rídica imediata, denotando a força normativa da
substitui ou complementa a remuneração devi-
Constituição, sendo que a aplicação concreta
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dos princípios constitucionais se faz pelo méto-
dor individual que aufere lucros, cuja norma não justifica em seu
do da ponderação de interesses, ressaltando em
texto o motivo da exclusão de seus milhares de empregados, veja-
importância axiológica no ordenamento jurídico
-se o que diz Daniel José de Josilco:
brasileiro o princípio da dignidade da pessoa humana e, para a área trabalhista, também o valor
[...] tal exclusão não deve ser interpretada de
social do trabalho e a ordem econômica fundada
modo gramatical, ou seja, em sentido literal, pois
na valorização do trabalho humano com o obje-
toda lei trabalhista deve ser interpretada de forma
tivo de assegurar uma existência digna. (MENE-
harmônica com o restante dos diplomas da área
ZES et al, 2009, p. 86).
trabalhista, desta forma, a interpretação deve beneficiar sempre o empregado, que é parte mais
Em suma, a norma sempre precisará ser interpretada,
fraca da relação empregatícia, e acima de tudo
mesmo sendo clara, deve-se interpretar e analisar a necessi-
deve ser analisados os princípios gerais do direi-
dade de ampliar ou reduzir as suas disposições, pelas razões
to. A lei só excluiu o empregado pessoa física por
de vacuidade, ambiguidade do texto, antinomias, má redação,
um motivo, pois não teria como o fisco fiscalizar
etc, de acordo com o que o legislador queria ao elaborar, não
se este iria reter na fonte os lucros que o empre-
prevalece a máxima “in claris cessat interpretatio”. Portanto, o
gado tem por direito, ficando assim impossibilitado
objetivo desta hermenêutica jurídica é a adequação e compre-
de cobrar tal imposto. O art. 5º da CR/88 traz um
ensão da norma.
princípio fundamental, indispensável para vida em
Assim, menciona-se a lacuna na lei como sendo a de bene-
coletividade em um Estado democrático de Direito,
ficiar somente os empregados e empregadores das sociedades
como bem observa o constitucionalista: O princípio
com fins lucrativos, excluindo a pessoa natural e o terceiro se-
significa, para o legislador – consoante observa
tor da economia que não possui fins lucrativos.
Seabra Fagundes – que, ao elaborar a lei, deve
Aproveita-se para citar Fernanda Della Rosa, com relação à
reger, com iguais disposições – os mesmos ônus
Medida Provisória 794 de 1994, que dispõe sobre a participa-
e as mesmas vantagens ... de sorte a quinhoá-las
ção dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas,
ou gravá-las em proporções às suas diversidades
convertida na lei atual:
(Silva,2000, p.218). Desta forma, seria impossível admitir tal posicionamento do legislador ao excluir
Além disso, dentro do grupo das exceções figuram
todo aquele empregado que tiver como emprega-
também a pessoa física e a entidade sem fins lu-
dor uma pessoa física? Onde ficaria o princípio da
crativos, conforme o art. 2º, § 3º:
igualdade? (JOSILCO, 2001, p.1-2).
Art. 2º, § 3º “Não se equipara a empresa, para os fins desta Medida Provisória:
Este debate tem como meta demonstrar que “resultado/
I – a pessoa física
lucro” não se restringe somente a um lucro financeiro, conforme
II – a entidade sem fins lucrativos que, cumulati-
ensina Sérgio Pinto Martins (2000, p. 78), na citação abaixo, “re-
vamente:
sultado não é sinônimo de lucro”:
Não distribua resultados, a qualquer título.....vincu-
ladas;
A Norma Ápice declara que não se trata de partici-
Aplique integralmente.....no País;
pação apenas nos lucros, mas nos resultados. Isso
Destine o seu patrimônio...... suas atividades;
quer dizer que resultado não é sinônimo de lucro,
Mantenha escrituração.... aplicáveis.
pois se o legislador constituinte empregou duas
Portanto, o texto isentou as empresas estatais,
expressões distintas, quer dizer que têm significa-
entidades sem fins lucrativos e pessoas físicas,
dos diferentes, visto que a lei não contém palavras
para os fins dessa Medida Provisória, deixando de
inúteis, além de ter colocado a palavra “resultado”
equipará-las ao conceito de empresa expresso na
entre vírgulas na oração do inciso XI da Constitui-
medida. (ROSA, 2000, p. 79, grifo nosso).
ção. (MARTINS, 2000, p. 78).
Quanto a exclusão da “pessoa física”, ou melhor o emprega-
Transcreve-se ainda: “A PLR é, simultaneamente, uma parcela
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variável da remuneração do trabalhador e um prêmio pelos resul-
que servisse para todas as empresas, ou para
tados econômico-financeiros ou físico-operacionais alcançados”
determinado setor. Cada empresa possui suas
(TUMA, 1999, p. 73, grifo nosso).
características próprias com diferenciado nú-
Pela explanação, os doutrinadores sinalizam a necessida-
mero de funcionários e aspectos próprios. Daí a
de de igualdade entre todos os empregados e empresas para
abrangência que foi dada à medida, que regula a
os fins de aplicação da lei.
matéria e que possibilita inúmeras combinações
Destacam, ainda, os termos como “resultados econômicos alcan-
e acordos. (ROSA, 2000, p, 27).
çados” e resultados físico-operacionais alcançados”. Chamam também a atenção pela palavra “resultado” colocada propositalmente en-
Por tudo isto, sugere-se a manutenção do artigo 2º da referida
tre vírgulas na redação do inciso XI do artigo 7º da Constituição de 88:
Lei, que diz respeito à comissão paritária dentro das organizações, composta por empregados indicados pelos empregadores e
Art. 7º, XI – participação nos lucros, ou resultados,
empregados indicados pelos sindicatos da categoria.
desvinculada da remuneração, e, excepcionalmen-
Propõe se a inclusão de um artigo na lei sobre “indicadores de
te, participação na gestão da empresa, conforme
desempenho” que são dados ou informações, preferencialmente
definido em lei. (BRASIL, 2011, p. 14).
numéricos, que são utilizados para medir, a nível de comparação gerencial, um processo ou um trabalho.
Além dos conceitos e princípios constitucionais de igualda-
Estes indicadores devem ser apurados com base em um his-
de, sem qualquer distinção perante a lei, de todos, brasileiros e
tórico dos últimos 6 ou 12 meses de dados dos processos geren-
estrangeiros residentes no País, adequando ao questionamento
ciais, administrativos e operacionais.
supra de Daniel Jose de Josilco (JOSILCO, 2001, P. 1-2), no final da citação: “Onde ficaria o princípio da igualdade?”
As informações contendo os dados para confrontação com os indicadores devem ser simples, facilmente identificáveis por qual-
Passa-se a seguir, às propostas de compatibilização do PLR com as empresas sem fins lucrativos.
quer trabalhador, não necessitando de conhecimentos contábeis ou financeiros, para possibilitar o monitoramento por parte dos empregadores e da referida comissão, quanto à efetiva participa-
5 A COMPATIBILIDADE DA PLR COM AS
ção do empregado no programa.
EMPRESAS SEM FINS LUCRATIVOS
E ainda por meio deste artigo, através de seus incisos ou pará-
Propõe-se a exclusão do parágrafo 3º do artigo 2º da referida
grafos, esclarecimentos de que estes “indicadores de desempenho”
lei, que refere-se a não participação ao programa das pessoas físi-
devem avaliar os ganhos gerenciais, administrativos e operacionais,
cas e das empresas que não auferem lucros.
uma vez que são vinculados às sociedades sem fins lucrativos.
Com a proposta do parágrafo anterior, sugere-se a inclusão
Destaca-se que os índices de desempenho devem estar
de outros dispositivos, favoráveis às pessoas físicas e entidades
voltados para a redução de custos, racionalização dos serviços,
sem fins lucrativos, para que se possa retirar este caráter implícito
produtividade, diminuição das reclamações, serviço de atendi-
do legislador, intencionalmente ou por erro de interpretação da
mento ao consumidor, diminuição dos desperdícios, cumpri-
Carta Magna, do alcance dos benefícios somente às empresas e
mento de prazos, melhores condições de segurança e de higie-
os empregados das sociedades com fins lucrativos.
ne, retrabalho, preservação do meio ambiente, etc.
Assim, propõe-se a alteração da norma, sem gerar nenhum
Assim, tais índices, devem estar relacionados aos resulta-
conflito ou prejuízo para os atuais beneficiários. Amplas são as
dos dos processos e não tão somente aos lucros, podendo ha-
possibilidades, que dão suporte a tal argumentação, conforme
ver uma avaliação individual, setorial, ou global, ficando à cargo
manifesta Fernanda Della Rosa:
da comissão esta definição. Por fim, será de obrigação da comissão a divulgação dos
Da forma como se apresenta, a medida provi-
resultados, através de dados estatísticos com o histórico do
sória oferece condições bastante amplas para
“ganho operacional” do período, em relação ao mesmo período
a negociação. Não define percentuais ou o que
do exercício anterior e qual o ganho financeiro a ser lançado na
se entenderia por lucro ou resultado, ou seja,
folha de pagamento de salários (semestral ou anual), conforme
permite que cada empresa apresente um mode-
estipulado no art. 3º da lei.
lo de acordo com sua realidade. Seria inoportuno imaginar a existência de um acordo
único
As propostas acima, não são taxativas, e nem esgotam o assunto, pois conforme diz Fernanda Della Rosa: “[...] permite que
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cada empresa apresente um modelo de acordo com sua realidade. Seria inoportuno imaginar a existência de um acordo único que servisse para todas as empresas, ou para determinado setor [...]” (ROSA, 2000, P.27). Portanto, é nítido o ganho que as empresas e os trabalhadores podem obter com a ampliação do instituto. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta proposta de ampliação da abrangência da lei vem em interesse da sociedade e em respeito à igualdade entre os trabalhadores. A lei infraconstitucional não esta de acordo com o que esta acima, estas normas devem obedecer o que chama-se na doutrina de uma relação de compatibilidade vertical com a Constituição. O inciso XI do art. 5º da Constituição, clama pelos lucros ou “resultados”, sendo os dois termos equivalentes quando se relaciona o lucro com as sociedades econômicas, e os resultados com as sociedades sem fins lucrativos, é isto que o legislador constituinte quis atingir, para fazer valer a igualdade e dignidade entre os trabalhadores. É importante eliminar esta lacuna na lei para que se possa alcançar todos os trabalhadores. É de suma importância a participação dos sindicatos, dos representantes das empresas e dos representantes dos empregados na formação da comissão
JOSILCO, Daniel Jose de. Os reflexos da Lei 10.101/2000 na seara trabalhista e fiscal. Revista do Direito Trabalhista, n. 6, p. 1-2, jun. 2001 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 29 ed. São Paulo: Atlas, 2013. MARTINS, Sergio Pinto. Participação dos empregados nos lucros das empresas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000. TUMA, Fábia. Participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas: incentivo à eficiência ou substituição dos salários? São Paulo: LTr, 1999. MENEZES, Cláudio Armando Couce de et al. As garantias dos direitos sociais e laborais e as dimensões de sua efetividade: direito ao trabalho e à não discriminação. Medidas judiciais e pretensões cabíveis. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 50, n. 80, p. 73-94, jul./dez. 2009. Disponível em: < http://www.trt3.jus.br/escola/ download/revista/rev_80/ claudio_menezes_e_claudia_lopes_e_otavio_ calvet_e_roberta_sivolella.pdf >. Acesso em: 17 mai. 2013. ROSA, Fernanda Della. Participação nos lucros ou resultados: a grande vantagem competitiva: como pessoas motivadas podem potencializar resultados e reduzir os custos das empresas. São Paulo: Atlas, 2000. TUMA, Fábia. Participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas: incentivo à eficiência ou substituição dos salários? São Paulo: LTr, 1999.
paritária que irá formular as propostas do programa de participação, sejam estas propostas econômicas visando somente o lucro financeiro, ou sejam elas,
propostas operacionais que
visam resultados físico-operacionais. Por fim, fica-se na expectativa de uma melhor regulamentação da matéria.
NOTAS DE FIM Administrador de Empresas pelo Instituto Champagnat de Estudos Superiores, graduando de bacharelado em Direito pelo 9º período do Centro Universitário Newton Paiva. Área de Interesse: Direito do Trabalho. Endereço para correspondência: Rua Professor Francisco Henriques, 391, Caiçaras, Belo Horizonte, Minas Gerais, CEP: 30.750-490 E-mail: assis.lucio@gmail.com
REFERÊNCIAS BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Lei nº 10.101, de 2000. Dispõe sobre a Participação nos Lucros ou Resultados. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Brasília, DF, 20 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l10101.htm>. Acesso em: 15 abr. 2013. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009. JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
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Por que consultar os Povos Indígenas? Caromi Oseas1
RESUMO: A Consulta Prévia é um direito específico dos Povos Indígenas e Tribais e prevê a efetivação do direito à autodeterminação dos Povos Indígenas através de sua participação direta nas decisões do Estado. Embora tenha sido inserido no ordenamento jurídico brasileiro com a ratificação da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2004, por falta de regulamentação da matéria, até o momento a Consulta Prévia ainda não foi realiza em nenhum dos casos previstos. Por se tratar de tema pouco conhecido, o presente artigo pretende apresentar um panorama geral da situação dos Povos Indígenas no Brasil em relação às circunstâncias em que esse direito deveria ser aplicado e quais as conseqüências da sua não aplicação, visando contribuir para a reflexão do processo democrático brasileiro, bem como acerca da preservação da diversidade cultural e dos recursos naturais do país. PALAVRAS-CHAVE: Povos indígenas. Autodeterminação. Convenção 169 da OIT. Consulta prévia. Democracia participativa. ÁREA DE INTERESSE: Direitos Humanos
1 introdução
A autodeterminação dos Povos Indígenas está também pre-
O Brasil nas últimas décadas tem vivido um importante pro-
vista expressamente no artigo 1º de três importantes documen-
cesso de adequação ao novo paradigma legal de reconhecimento
tos internacionais adotados pelo Brasil: na Carta das Nações
dos direitos dos Povos Indígenas. Houve significativos avanços,
Unidas de 1945, como princípio, e como direito nos Pactos de
ao menos nos termos da legislação, em especial no que se refe-
Direitos Civis e Políticos, e de Direitos Econômicos, Sociais e Cul-
re à participação dos Povos Indígenas nas decisões do Estado.
turais, ambos promulgados em 1992.
Como consequência, a progressiva superação da discriminação racial e o respeito à dignidade e autonomia desses povos.
Além disso, Penna (2005, p. 76) ensina que autodeterminação significa ainda “direito de inclusão e participação no pro-
Com a Constituição de 1988, o país passou a adotar um
cesso democrático de governo, de forma a escolher ´outro sta-
novo programa de inclusão social, no qual o combate a todas
tus político livremente determinado pelo povo` em diálogo como
as formas de preconceito foi elevado ao status de Objetivo
Estado”, ou seja, essa participação política dos Povos Indígenas,
Fundamental da República, (artigo 3º, inciso IV), e a igualdade
no exercício da democracia direta, possibilita o resgate da auto-
tornou-se direito e garantia fundamental de todos os indivídu-
nomia e valorização das suas instituições, o que expressa uma
os, conduzindo a uma nova forma do Estado e da sociedade
nova concepção de política indigenista, na qual a ideia de supe-
brasileira de se relacionarem com os índios.
rioridade da cultura hegemônica (“não índia”), base das políticas
Ainda no âmbito da Constituição da República, em seu Capítulo VIII – “Dos Índios”, no artigo 231, caput, encontra-se o di-
integracionistas (vigentes até 1988), é superada pela ideia do multiculturalismo, da proteção e valorização das diferenças.
reito à autodeterminação dos Povos Indígenas, previsto quando o
Sob esta ótica, a UNESCO em 2002 na Declaração Universal
Constituinte reconhece a estes o direito a uma organização social
sobre a Diversidade Cultural orienta e vem reforçar a necessida-
própria, ou seja, que não se submete ao modelo de organização
de dos Estados em valorizar a diversidade cultural, entendendo
da sociedade “não índia”, possibilitando dessa forma, a manu-
ser fator fundamental ao desenvolvimento de um país, “como
tenção de seus costumes e tradições, e permitindo a gestão das
meio de acesso a uma existência intelectual, afetiva, moral e es-
terras que tradicionalmente ocupam. In verbis:
piritual satisfatória” (art. 3º). E ainda em seu artigo 4º encontramos que a “defesa da diversidade cultural é um imperativo ético,
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organiza-
inseparável do respeito à dignidade da pessoa humana”.
ção social, costumes, línguas, crenças e tradições,
Inseridas neste contexto de proteção dos direitos humanos
e os direitos originários sobre as terras que tradicio-
e defesa da diversidade cultural, as garantias dos artigos 231
nalmente ocupam, competindo à União demarcá-
e 232 da Constituição da República podem ser consideradas o
-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
mais importante marco do direito indigenista no Brasil, pois per-
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mitiram iniciar um dialogo entre as diversas etnias brasileiras; na
Seguindo a análise do Censo, o número de etnias declaradas
perspectiva da construção de um Estado efetivamente plural e,
aumentou de 220 para 305, ou seja, temos 305 concepções filosófi-
portanto, mais democrático e menos desigual.
cas e modos de viver e produzir diferenciados. Foi registrado, ainda,
Ao contrário das Constituições passadas, que considera-
o resgate de 94 línguas, somando um total de 274 línguas faladas no
vam o índio como um ser atrasado ou em fase transitória da
Brasil, fora o português, que mesmo sendo o idioma oficial, lembra-
sua identidade sociopolítica, e impunham-lhe um padrão cultu-
mos, nem sempre é conhecido por parte dos indígenas.
ral que o descaracterizava enquanto índio, a nova Constituição
A pesquisa, ainda, apontou haver uma relação diretamente
reconhece as instituições indígenas na sua alteridade, subme-
proporcionalmente entre o aumento das línguas indígenas fala-
tendo-as apenas ao marco jurídico do Estado Soberano, na me-
das com as garantias de regularização fundiária. Dado impor-
dida das especificidades culturais de cada povo.
tante que reforça o entendimento de que a identidade coletiva
Essa nova relação entre o Estado e os Povos Indígenas, determinada pelos marcos constitucionais, visa a superação
dos Povos Indígenas se fundamenta na sua autoconsciência cultural e na sua relação com o território.
da dominação de um pelo outro, no sentido de garantir uma
Todavia, o êxodo rural cresceu; 315 mil indígenas passaram
relação paritária entre ambos. Outros instrumentos jurídi-
a viver nas cidades, o que se especula ser resultado da insatis-
cos, como veremos a frente, contribuem para esse processo
fação e insegurança geradas pela demora nas demarcações de
de emancipação dos povos, através de previsões expressas
terra (o que representam apenas 1/3 do total da área reconhecida
quanto à participação dos mesmos nas decisões do Estado,
como indígena), e a desassistência do poder público nas comuni-
inclusive atribuindo ao próprio a responsabilidade pela facili-
dades rurais. Já quanto à distribuição geográfica, sabe-se agora
tação desse exercício político.
que mais da metade das comunidades indígenas vivem fora dos limites da Amazônia Legal, e que essa significativa parcela da so-
2 Mais Povos Indígenas, menos terras e águas
ciedade conta com menos de 2% das terras regularizadas.
Para entender o direito, precisamos conhecer os seus sujeitos
Além das dificuldades e incertezas encontradas por conta da de-
e analisar as circunstâncias as quais estão inseridos. “No Brasil,
mora na regularização de suas terras, os Povos Indígenas enfrentam
todo mundo é índio, exceto quem não é” (CASTRO, 2011, p. 1),
alterações drásticas na configuração do meio ambiente do campo,
essa provocativa afirmação de Eduardo Viveiro de Castro nos leva
seja nas áreas que tradicionalmente ocupam ou naquelas ao entor-
a refletir sobre os processos de formação do povo brasileiro, e
no, o que dificulta a manutenção dos seus meios tradicionais de pro-
como as diversas realidades culturais se relacionam neste país
dução, sua sobrevivência e reprodução de sua cultura.
de dimensões continentais. É preciso saber “o que é ser”, “como
Mesmo o artigo 67 do ADCT (Ato das Disposições Constitucio-
é ser”, e “como é visto” o índio nos dias de hoje, e as estatísticas
nais Transitórias) ter previsto cinco anos para a demarcação de
podem ajudar nesse entendimento.
todas as Terras Indígenas, a partir da promulgação da Constitui-
O último Censo Demográfico do IBGE, publicado em 2012,
ção (1988), grande parte das demarcações no Brasil estão pen-
trás dados relevantes para a análise da nova sociedade brasileira.
dentes. Além do procedimento administrativo previsto no Decreto
Além do aumento populacional e étnico dos indígenas, que so-
nº 1.775/96, muitas demarcações são objeto também de ações
mam um total de 896,9 mil pessoas, o que nos chama atenção
judiciais, sendo concluídas somente após 15 ou até 20 anos do
é que 817,9 mil se autodeclararam em termos de cor ou raça,
início do processo administrativo. Durante esse longo período sob
enquanto as demais 78,9 mil, mesmo se reconhecendo enquan-
judice, essas terras na maior parte dos casos, sofrem sérios pro-
to pardas, brancas ou negras, residem em terras indígenas e se
cessos de degradação (desmatamento, mineração, alagamento),
consideraram indígenas por aspectos como “tradição, costumes,
resultado também das incentivadas e financiamentos do governo
cultura e antepassados”.
federal em políticas de fomento a expansão do agronegócio.
Na literatura, encontramos referências nesse sentido
Com o dito modelo desenvolvimentista, adotado pelos últimos
quando o antropólogo alemão Curt Nimuendajú-Unkel, entre
governos, o campo se moderniza com métodos e tecnologias que
os anos de 1905 e 1945, em seu diário de campo, durante
visam à produção intensificada para exportação. Assim, o gran-
as expedições que realizou pelo Brasil, relatou em detalhes,
de vilão do meio ambiente não é mais (apenas) o desmatamento
encontrar na mesma comunidade, indígenas brancos, negros e
para produção de commodities e criação de gado, mas também os
avermelhados. O que nos ajuda entender parte desse processo
novos métodos agrícolas de uso excessivo de agrotóxicos, manipu-
histórico de miscigenação, e ao mesmo tempo, nos traduz estar
lação de alimentos transgênicos e as monoculturas de eucalipto
a identidade indígena muito além das características físicas.
e cana-de-açúcar. A extração mineral intensiva; a interferência
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humana no ciclo dos rios através da construção de hidrelétricas,
Para tanto, de acordo com a Convenção 169 da OIT, em vigor
além do descarte irregular de resíduos industriais são outras ati-
no Brasil desde 2004, e com a Declaração dos Direitos dos Povos
vidades que vem degradando o meio ambiente e prejudicando as
Indígenas da ONU de 2006, o Estado deve incluir seus indígenas
comunidades indígenas. Consequentemente quando conquistam
nos assuntos de interesse comum, através de um instrumento
enfim o direito ao usufruto exclusivo das terras que tradicional-
chamado “Consulta Prévia”2, que não se confunde, todavia, com a
mente ocupam (art. 231, § 2º da Constituição), a terra e as águas
“oitiva” prevista no § 3º do art. 231 da Constituição, vez que não
já estão contaminadas, a diversidade de fauna e flora já não estão
se trata de apenas ouvir as comunidades, mas permitir que as
mais presentes, e diante dessas circunstâncias, o desafio desses
mesmas participem de todo processo de elaboração e implemen-
povos mais uma vez é de manter sua forma tradicional de produ-
tação das medidas administravas ou legislativas que possam afe-
ção, pois do contrário são taxados pelos desinformados de “índios
tar seus direitos, vida, crenças, instituições, bem-estar espiritual,
aculturados”. Mas como fazer roçado, caçar, pescar, construir
e as terras que ocupam ou usam para outros fins. Essa obrigato-
suas cabanas em hectares de terra sem mata, sem animais, e
riedade da Consulta Prévia segundo defende Marés (2011, pales-
com rios poluídos e picotados por barragens?
tra) é, inclusive, anterior a Convenção da OIT, pois passa a existir
Fora estes desafios encontrados em decorrência da interfe-
com o reconhecimento constitucional da autodeterminação, atra-
rência de setores privados nas terras indígenas não regularizadas,
vés dela se materializa e sem ela não há eficácia na sua aplicação.
há ainda, a interferência de medidas governamentais de interesse
Nos termos dos instrumentos supracitados3, a aplicação
público em terras já demarcadas. Mesmo com o direito constitu-
do direito à Consulta Prévia se dá quando houver medidas
cionalmente assegurado ao usufruto exclusivo de suas terras, o
administravas ou legislativas que interfiram diretamente nos
Supremo Tribunal Federal, na Ação Popular referente à Terra Indí-
interesses de determinado Povo Indígena, devendo o Estado
gena Raposa Serra do Sol, proferiu decisão declarando que como
criar meios pelos quais esses povos possam participar livre-
não há qualquer previsão legal que impeça a União de se valer
mente não apenas da fase de execução de um projeto, mas
das Terras Indígenas, quando houver interesse público, poderá
necessariamente deve participar dos estudos e planejamento,
intervir na mesma, observada apenas a oitiva das comunidades
e depois da execução, se for o caso, da avaliação final. Essa
nos casos de exploração mineral. Diante desse contrassenso, a
participação em todas as fases do processo se faz necessária
FUNAI alerta que até 2008, dos 346 processos administrativos
para tornar possível avaliar os impactos: social, espiritual, cul-
sobre medidas que afetam diretamente o meio ambiente e as co-
tural e ambiental da implementação das atividades planejadas,
munidades indígenas, 33% se referiam à construção de peque-
sendo que o resultado dessa análise seja considerado critério
nas e grandes hidrelétricas; 19% sobre a construção de rodovias;
fundamental para a aprovação ou não da medida.
“18% linhas de transmissão e distribuição de energia, e o restan-
O entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos
te: exploração mineral, dutos, usina termonuclear (como a Usina
(2012, p. 74) clarifica que essa participação dos Povos Indígenas nas
de Andra-3); hidrovias; ferrovias e outros” (MEIRA, 2008, p. 324).
decisões estatais não se revela como manifestação espontânea das
E mesmo estas obras sendo notoriamente de grande impacto am-
comunidades, mas sim pressupõe a iniciativa do Estado, através de
biental e principalmente sociocultural, consta destes processos
seus órgãos, entes ou governo, para informar os interessados e ga-
que a vontade das comunidades afetadas sequer foi considerada.
rantir que a Consulta Prévia seja realiza adequadamente:
3 O dever do Estado de garantir a
a obrigação de assegurar os direitos dos Povos
realização da Consulta Prévia
Indígenas à participação nas decisões dos as-
Recordando, os Povos Indígenas conquistaram o direito
suntos que concernem seus interesses implica o
constitucional à autodeterminação; o reconhecimento de suas
dever de organizar adequadamente todo o apa-
instituições políticas; os direitos originários sobre as terras que
rato governamental e, em geral, todas as estru-
tradicionalmente ocupam e, consequentemente, o direito de
turas através das quais se manifesta o exercício
definir suas prioridades de desenvolvimento econômico e inte-
do poder público, em particular suas normas e
lectual. Deste modo, conquistado o direito de ser, enfim, sujeito
instituições, de tal forma que a consulta a comu-
de sua própria história, fundamental que os Povos Indígenas
nidades indígenas, autóctones, nativas ou tribais
participem das decisões estatais que afetem seus interesses,
possa levar-se a cabo efetivamente, conforme os
com o principal objetivo de impedir que a vontade de terceiros
padrões internacionais na matéria.
prevaleça sob a sua, como ocorre desde a fase colonial. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 531
Ressalta a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Para justificar sua omissão, quando inquirido pela OIT e ou
que mesmo quando as Terras Indígenas estiverem sob domínio
pelos tribunais internos, o governo brasileiro alega não realizar a
(propriedade) do Estado, como é o caso do Brasil, onde as Terras
Consulta Prévia por falta de regulamentação da matéria, contudo
Indígenas são da União (art. 20, inciso XI da Constituição), ainda
Carlos Marés contrapõe tal argumento, defendendo não bastar
sim, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos
a alegação da falta de previsão legal quanto ao procedimento,
pelos quais os Povos Indígenas possam ser consultados antes de
sendo plenamente possível realizá-la observados os demais dis-
planejar, executar ou autorizar qualquer programa de exploração
positivos da Convenção 169. No mais recente caso julgado pela
de minérios ou recursos do subsolo, e de outros recursos naturais
Corte Interamericana de Direito Humanos, no qual o Povo Indígena
existentes em suas terras (CIDH, 2007).
Kichwa de Sarayaku alega não ter sido consultado pelo Estado
As orientações da OIT quanto à aplicação desse direito são
do Equador, a Corte determinou que Estado incorpore os padrões
no sentido de que o direito à Consulta Prévia deve ser entendido
internacionais (definidos na Convenção 169 da OIT e na Declara-
como um processo, no qual seja possível que o Estado e os indíge-
ção da ONU) aos processos de Consulta Prévia, a fim de propiciar
nas diretamente afetados, busquem consensos que respeitem as
de fato o diálogo com os Povos Indígenas nos procedimentos de
especificidades culturais de cada povo, permitindo o entendimen-
participação dos mesmos nas decisões estatais.
to real de todos os efeitos sociais, econômicos, culturais que a
No Brasil, ainda não há consenso entre juristas e estudio-
comunidade poderá sofrer. Isto posto, as medidas não devem ser
sos indigenistas quanto à necessidade de regulamentar um
apresentadas como algo imutável, devem conter alternativas para
procedimento único para a realização da Consulta Prévia. Mas,
favorecer o diálogo e entendimento das partes.
no entendimento da Procuradoria Geral da República, por se
Além disso, a consulta prévia deve ser conduzida de boa-fé,
tratar a convenção de norma infraconstitucional, deve ser apli-
instruída com todas as informações necessárias à análise de sua
cada de imediato, não dependendo esta de regulamentação.
viabilidade, e de uma maneira adequada às circunstâncias, prefe-
Por outro lado, há necessidade de criar mecanismos para ga-
rencialmente na língua dos povos interessados, no sentido de que
rantir que durante a consulta se respeite, sistematicamente,
um acordo ou consentimento seja alcançado, com base nas defi-
as orientações da convenção e da declaração. De toda forma,
nições das próprias prioridades de desenvolvimento econômico,
como orienta o Relator Especial da ONU Anaya: o “procedimen-
social e cultural dos Povos Indígenas interessados.
to previsto em lei ou regulamento ou mecanismo especial de
A OIT orienta ainda que o direito à Consulta Prévia não pressupõe poder de veto das comunidades indígenas. Contudo o orde-
consulta deve, por sua vez, ser elaborados em consulta aos Povos Indígenas” (2009, p. 67, tradução livre).
namento jurídico venezuelano admite essa possibilidade, devendo
A cautela buscada, na definição desse entendimento, decor-
a parte contrária apresentar alternativas até que se chegue a um
re do posicionamento intransigente do Estado brasileiro ao impor
consenso. Na mesma linha, o direito boliviano, prevê instâncias
suas prioridades de desenvolvimento econômico, em desatenção
específicas de conciliação para nos caso em que haja negativa
as prioridades de desenvolvimento sociocultural dos Povos Indíge-
do povo indígena frente às propostas do Estado. Em ambos os
nas, como poderá se perceber no próximo capítulo.
casos não se admite qualquer decisão unilateral do Estado. Marés
Neste impasse, o que tem que estar claro é que a natureza ju-
(2002) nos chama atenção quanto à finalidade da consulta prévia
rídica da Consulta Prévia é contratual, pois trata-se se um acordo
que “não pode ser ato meramente formal, não pode ser apenas
(bilateral) que estabelece obrigações entre as partes, e as subme-
manipulação que pretende legitimar decisões arbitrárias adota-
te à legislação pertinente, sem prejuízo dos direitos específicos
das unilateralmente pelo Estado”.
reconhecidos aos indígenas, de acordo com a variedade de povos
A Convenção 169, mesmo contendo claras orientações quan-
e diversidade de culturas. O não cumprimento das obrigações con-
to aos critérios indispensáveis à eficácia da aplicação da consulta
tratuais assumidas, como em qualquer outro caso, estará sujeito
como vimos à cima (ser prévia, livre, bem informada, de boa-fé...),
às medidas judiciais cabíveis previstas no ordenamento jurídico
não estabelece um determinado procedimento para essa realiza-
nacional, para exigir fazer, não fazer, indenizar etc.
ção. Por esse motivo, desde sua vigência em 2004, muitos em-
Do diálogo e possibilidade de acordo entre indígenas e o Estado,
preendimentos, normas e outras medidas foram executadas, sem
igualmente, o direito internacional não determina uma forma ideal
que antes os indígenas fossem consultados adequadamente. A
ou procedimento para a realização de convenções e tratados entre
construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, amplamente no-
os Estados Soberanos, mesmo assim os acordos são firmados. Por-
ticiada por suas irregularidades, é um dos diversos exemplos da
tanto, mesmo com todas as diferenças culturais, acepções jurídicas
não observancia do direito dos Povos Indígenas à Consulta Prévia.
distintas e interesses econômicos por vezes conflitantes dos Estados
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Soberanos, um consenso é possível, sem qualquer previsão anterior
muitos casos afetam negativamente as comunidades indígenas e
de procedimento para tanto. Dessa forma, por que então, um acordo
em nada contribuem para o seu desenvolvimento.
entre o Estado brasileiro e um Povo Indígena depende de procedi-
Manuela Carneiro da Cunha explica que o índio é visto ora
mento regulamentado em lei, ao invés de ser criado pelas partes, a
como “atrasado” ora como entrave à expansão econômica, mas
depender das circunstâncias encontradas?
o que não se considera é que “os Povos Indígenas apontam, com
Ao garantir aos indígenas uma participação (coletiva) nas decisões políticas externas a sua organização interna, permite-se a
seus saberes e seu modo de se relacionar com o meio ambiente, um caminho alternativo para o Brasil” (CUNHA, 2009).
manutenção do regime de autonomia de suas instituições em re-
Apesar da sua importância histórica e cultural, os Povos Indí-
lação ao Estado, e independência ao sistema econômico vigente.
genas nunca figuraram realmente como atores na construção do
Autonomia que permite a preservação de suas tradições e costu-
Estado brasileiro. Pelo contrário, na maioria das vezes foram e,
mes, o que contribui inclusive à proteção do meio ambiente, uma
ainda, são vistos como um empecilho ao “progresso”. Cabe desco-
vez que depende dele a subsistência das comunidades indígenas.
brir “a quem serve este progresso”, quais são os avanços sociais
Esclarecendo que “preservar suas tradições e costumes” signifi-
obtidos com programas que prometem, por exemplo, “aceleração
ca garantir os elementos que constituem a identidade étnica, portan-
do crescimento” econômico. Quem, de fato, está se beneficiando
to, não se trata de engessar a cultura indígena, pois a antropologia
desses programas? Seria o conjunto geral da sociedade brasileira,
nos ensina que a cultura tem caráter dinâmico, se altera ao longo do
ou apenas um setor, ou grupo específico? O que Marés (2002, p.
tempo-espaço coforme as relações estabelecidas entre os diferentes
28) alerta de forma contundente:
grupos. O que nos interessa nesses processos interativos, é que seja garantido um equilíbrio de forças entre o Estado e Povos Indígenas
os direitos econômicos não são mais que o direi-
em suas diversas especificidades, o que pode ser conseguido através
to a gozar o desen volvimento segundo padrões
da realização adequada da Consulta Prévia.
capitalistas, isto é, sob a concepção da cultura dominante, o que é uma forma de colonialismo. Os
4 O Estado Democrático de Direito
direitos universais econômicos acabam por ser o
e as reformas antindígenas
direito de ser consumidor, mesmo para as socieda-
A história do Brasil evidencia a necessidade de compensar os
des que não se estruturam para consumir .
indígenas por todas as violações por eles sofridas, e assegurar o resgate de sua dignidade humana. O genocídio e as expropriações
A superação da visão integracionista possibilitou o reco-
comandados pela Coroa Portuguesa durante a fase colonial, e as
nhecimento da alteridade, da autonomia política e da capa-
torturas e mortes ocorridas no período da Ditadura Militar, recen-
cidade dos indígenas definirem suas próprias prioridades de
temente denunciadas pelo chamado Relatório Figueiredo4 estão
desenvolvimento. Logo, deveria favorecer o processo de eman-
até o momento impunes, sem haver sequer, qualquer proposta de
cipação desses, agora, sujeitos de direito, com a progressiva
política afirmativa, que efetivamente promova a devida reparação.
superação das políticas de dominação.
Ao revés, o próprio Estado Democrático de Direito, que con-
Nesse sentido, Duprat ao comentar sobre os instrumentos ju-
sagrou os direitos dos indígenas, não deixou de incorrer em gra-
rídicos que versam sobre Povos Indígenas, ensina que “o princípio
ves violações, muitas vezes e não somente, de caráter omissivo
da dignidade da pessoa humana inclui a proteção à sua liberdade
ou repressivo. Ocorre que, quando o governo, através de seus
expressiva, em especial a de dizer, autarquicamente, quem é e
representantes eleitos, opta pelo modelo neoliberal e desen-
quais são as suas convicções de vida” (2010, p. 54).
volvimentista, mesmo proclamando a garantia de uma série de
Entretanto, setores importantes da economia, como os da
direitos e garantias, na prática mantém uma relação ofensiva
mineração, da construção civil e do agronegócio, por meio do
perante os Povos Indígenas.
alto investimento em campanhas eleitorais, têm vinculado os
O cerne da controvérsia atual é de ordem econômica, mais
interesses dos parlamentares eleitos, aos interesses privados
especificamente sobre questões fundiárias, cuja disputa pelo o
desses empreendimentos em potencial. Assim, o que a Presi-
uso da terra vem desrespeitando assustadoramente as determi-
dência da República e a bancada antindígena do Congresso
nações legais quanto ao usufruto exclusivo, à autodeterminação
Nacional argumentam ser de “relevante interesse público”
e ao direito à Consulta Prévia dos Povos Indígenas. Ao que tudo in-
nada mais é do que o interesse de poucos e grandes grupos
dica, a abrangência das políticas indigenistas no Brasil se limitam
econômicos privados, o que representa uma grande ameaça
aos interesses governamentais e de políticas econômicas que em
aos direitos dos indígenas, e ao próprio processo democrático.
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Ocorre que essa “aliança” tem gerando sérios retrocessos às
O Ministério Público Federal, por sua vez, visando garantir
políticas de proteção ao meio ambiente e distribuição de terras,
a preservação do meio ambiente, defende que “o uso da terra
duas questões que por si, já afetam diretamente os Povos Indí-
pelas comunidades tradicionais ocorra dentro dos princípios
genas. Todavia, muitas medidas administrativas e principalmente
de desenvolvimento sustentável, baseado na geração de ren-
legislativas estão em processo de aprovação em total descumpri-
da a partir da manutenção dos recursos naturais” (COUTO, p.
mento às determinações da Convenção 169 e da Declaração da
57), e se assim entende o uso da terra por parte dos indígenas
ONU, vez que não foi realizada qualquer comunicação ou consulta
e demais comunidades tradicionais, não deve entender dife-
aos Povos Indígenas. Vamos aos exemplos: medidas legislativas,
rente quanto ao uso da terra pelo próprio Estado e por parte
atualmente em trâmite, sem que os indígenas fossem sequer co-
das empresas privadas. Afinal, a preservação da natureza não
municados: projetos de emenda constitucional- PEC’s: 38/1999
esta adstrita às comunidades indígenas e tradicionais, sendo
e 215/2000, ambas tornam inviáveis as demarcações de Terras
inclusive responsabilidade direta do Estado. Apontando haver
Indígenas, e PEC 237/2013 revoga o direito de usufruto exclusivo
necessidade de cooperação entre todos os setores para as de-
dos índios em suas terras. Projeto de lei- PL 1610/1996, sobre
finições de desenvolvimento nacional.
atividades de mineração, viola diversos dispositivos, em especial
Essas medidas e atividades que geram grandes impac-
os da Convenção 169 sobre salvaguardas, participação dos indí-
tos ora realizadas pelo Estado, ora fomentadas por ele, fazem
genas na administração e resultados da lavra (artigo 15).
parte da política econômica neoliberal brasileira, e afetam di-
Em instância administrativa, e também sem qualquer con-
retamente tanto o meio ambiente quanto a vida das comuni-
sulta aos índios, elencamos as medidas arbitrárias: Portaria
dades indígenas. Porém mesmo as comunidades diretamente
2498/2011 do Ministério da Justiça, altera a competência
afetadas se pronunciando publicamente contra tais políticas e
exclusiva da FUNAI na identificação e delimitação das terras
exigindo o direito de serem consultadas, não há inda no Brasil
indígenas; a Portaria Interministerial 419/2011 torna menos
qualquer experiência de realização da Consulta Prévia, ao me-
rígido o processo de concessão de licenças ambientais, flexibi-
nos que não tenha sido impugnada pelas comunidades.
lizando à proteção ambiental, e a Portaria 303/2012, da Advocacia geral da União, determina revisão de todos os processos de demarcação inclusive os já encerrados, limitando ainda, o usufruto e o direito à consulta prévia.
5 Considerações finais Ao longo desses mais de 512 anos, percebemos a dimensão imensurável das violações sofridas pelos Povos Indígenas,
E ainda, quanto à questão ambiental, no relatório de auto-
e nesse sentido, podemos afirmar que a conjuntura política na-
ria da Associação Juízes para a Democracia, em conjunto como
cional continua voltada aos interesses econômicos de alguns
Conselho Indigenista Missionário enviado à ONU, encontramos
setores, como a época do colonialismo, em detrimento dos di-
mais algumas medidas prejudiciais às comunidades indígenas:
reitos dos indígenas, o que se apresenta destoante às expecta-
Projetos de Lei Complementar: o PLC 30/2008 altera o Código
tivas de avanço democrático pós Constituição de 1988, e como
Florestal, prevê anistia, reduz porcentagem de proteção mínima
claro descumprimento a legislação nacional e internacional.
às margens dos rios, favorecendo o desmatamento e comprome-
Ademais, mesmo as iniciativas solidárias em prol dos indí-
tendo a qualidade dos recursos hídricos; e o PLCC 01/2010 altera
genas, ou as políticas públicas mitigatórias quase sempre pos-
as competência de licenciamento e fiscalização ambiental, flexi-
suem em um caráter paternalista e assistencialista, mantendo
bilizando os critérios de aprovação de obras de grande impacto,
as relações do poder hegemônico do Estado sobre os Povos
como as de hidrelétricas e de exploração de minérios.
Indígenas. Já as alternativas apresentadas pela Convenção
Outra questão de interferência direta na condição de vida
169 da OIT e da Declaração da ONU sobre os Povos Indígenas,
dos Povos Indígenas se refere aos fomentos do governo à agri-
prevendo o direito à participação efetiva das comunidades afe-
cultura e à pecuária intensivas para exportação. Sem regula-
tadas, vislumbram a garantia de direitos na perspectiva de uma
mentação e fiscalização adequadas quanto à produção de ali-
nova ordem social, que não admite posições políticas verticali-
mentos transgênicos, uso excessivo de agrotóxicos, latifúndios
zadas por meio de medidas governamentais em face daqueles
de monocultura de eucalipto (celulose) e cana-de-açúcar (bio-
cuja autodeterminação foi reconhecida.
diesel), esses investimentos seduzem os grandes produtores,
Como visto, os Povos Indígenas tem direito de serem con-
mas não levam em conta o alto risco ambiental e os impactos
sultados previamente, de forma livre e bem informada, não
sociais gerados, comprometendo não só a segurança alimentar
somente nos casos em que haja interferência em suas terras,
dos indígenas como também de toda a sociedade.
mas amplamente em todas as fases de qualquer medida ad-
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ministrativa ou legislativa que interfira na condição material, cultural, intelectual e espiritual dessas 305 diferentes etnias brasileiras, seja na floresta, no sertão, ou na cidade. Quanto a opção do governo brasileiro em implementar a política desenvolvimentista a qualquer custo, sem consultar previamente os Povos Indígenas, concluímos ser esta a principal causa dos impactos ambientais e socioculturais das comunidades indígenas. Estas medidas impositivas têm afetado diretamente a capacidade dos indígenas de satisfazer suas necessidades materiais, inclusive de produção econômica, e ainda, têm colaborado para a perda da identidade étnica cultural, vez que submete os Povos Indígenas a um modelo predefini-
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do de “viver” em sociedade, em num meio ambiente estranho
CIDH. Acesso a la Justiça e Inclusão Social: el camino hacia el fortalecimento de la Democracia em Bolívia. Doc. OEA/Ser.l/V/II,Doc. 34, de 28 de
àquele do qual se originou. Razões pelas quais, mesmo com a
junio de 2007, párr. 249.
positivação de tantas garantias de direitos os conflitos entre os Povos Indígenas e o Estado se intensificaram nos últimos anos. Essa participação direta nas decisões do Estado, como parte do exercício da autodeterminação indígena, deve ser realizada conforme as determinações da Convenção 169 da OIT e da Declaração da ONU sobre os Povos Indígenas, independentemente de regulamentação do procedimento da Consulta Prévia, por tratar-se de norma de aplicação imediata. Por fim, a cooperação entre indígenas e os representantes do Estado através da busca de consensos quanto às prioridades de desenvolvimento socioeconômico do país, demonstra-se fundamental tanto para o avanço da democracia quanto para a preservação da diversidade cultural e dos recursos naturais para além das Terras Indígenas.
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Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 535
NIMUENDAJÚ, Curt, 1883-1945. Textos Indigenistas: relatórios, monografias, cartas/ Curt Nimuendajú; introdução Carlos de Araújo Moreira Neto; prefácio e coordenação Paulo Suess. __ São Paulo: Ed. Loyola, 1982. OLIVEIRA, Antônio Eduardo Cerqueira de. A Judicialização das Terras Indígenas. Palestra ministrada na Universidade Federal de Minas GeraisUFMG: Seminário Direito dos Povos Indígenas na atualidade, 15 abr. 2013. Palestra. ONU. Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: <http://unicrio.org. br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2013. PENNA, Maria Helena Pinheiro. Autodeterminação dos Povos Indígenas: um conceito em evolução à luz dos direitos humanos. Monografia. Brasília: Instituto Rio Branco, 2005, p. 76 / In: CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Direitos Humanos das Populações Indígenas. Revista direitos humanos. UNESCO. Declaração das Nações Unidas sobre os Povos Indígenas: perguntas e respostas. 2.ed. – Rio de Janeiro : UNIC; Brasília : UNESCO, 2009. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/ images/0018/001850/185079por.pdf>. Acesso em 18 jan. 2013. UNESCO. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. 2002. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por. pdf>. Acesso em: 6 maio. 2013. VELOZ, Christian Ramos. In:_____. Convenção 169 da OIT, sobre Povos Indígenas e tribais: oportunidades e desafios para sua implementação no Brasil / [organizadora Biviany Rojas Garzón]. – São Paulo: Instituto Socioambiental, 2009 (Série documentos Isa, 12).
NOTAS DE FIM 1 Aluna do 9º período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 2 A Convenção 169 se aplica ainda aos Povos Tribais, no Brasil conhecidos como Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto n. 6.040/07), quais sejam: quilombolas; ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu, seringueiros, faxinalenses, comunidades de fundos de pasto, pomeranos, ciganos, geraizeiros, vazanteiros, piaçabeiros, pescadores artesanais, pantaneiros, afro-religioso. 3 Ver artigos 6, 7 e 15 da Convenção 169 da OIT, e artigos 11, 13, 18 e19 da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU. 4 Este relatório, produzido por Jáder Figueiredo entre 1967 e 1968 a pedido do extinto Ministério do Interior do Governo Militar, foi encontrado em 2013, depois de 45 anos desaparecido e possui mais de 7 mil páginas, que hoje estão sob a guarda e análise da Comissão Nacional da Verdade.
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DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LICENÇA-MATERNIDADE AOS PAIS SOLTEIROS E CASAIS HOMOAFETIVOS MASCULINOS Raissa Izabella Antunes1 Prof. Fernando Gonçalves Coelho Júnior2
RESUMO: O trabalho ora apresentado tem como objetivo dissertar acerca da licença maternidade, o salário-maternidade e a patente desigualdade de tratamento que vem sendo gerada pelos citados institutos no sistema jurídico brasileiro. Face ao Princípio da Igualdade, cuja previsão constitucional visa tratamento igual a todos cidadãos que se encontrem na mesma situação, tem-se que a concessão de afastamento do labor por período diferente para homens e mulheres, e a ausência de previsão legal para a concessão de um período concernente com a necessidade da criança quando os trabalhadores homens não possuem a figura materna desta criança no âmbito familiar, sendo que a licença maternidade, de acordo com o que hoje é estabelecido pela lei, tem causado efeitos na esfera trabalhista que ofendem o Princípio da Igualdade, o que vem causando danos aos pais trabalhadores e seus filhos. Destarte, o presente estudo visa defender a possibilidade de extensão de tais benefícios ao trabalhador do sexo masculino, precipuamente na condição de indisponibilidade da figura materna no âmbito familiar, haja vista a imprescindibilidade destes aos deveres de proteção, cuidado e adaptação da criança sob sua tutela PALAVRAS-CHAVE: Licença Maternidade; Princípio da Igualdade; Isonomia; Dignidade da Pessoa Humana; Direito do Trabalho. Área de Interesse: Direito Civil
1 INTRODUÇÃO
2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE DENTRO DO
Face aos novos modelos de constituição das famílias hodiernas, faz-se imperioso adequar os direitos trabalhistas referentes à licença maternidade a esta atual realidade do âmbito familiar brasileiro.
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM FACE DOS INSTITUTOS DA LICENÇA-MATERNIDADE E PATERNIDADE Primeiramente, com o fito de diferenciar a concepção do
A legislação trabalhista brasileira, no que tange à licença
Princípio da Igualdade no atual Estado Democrático de Direito,
maternidade, vem contrariando o dever de amparo constitucio-
cabe aqui uma breve narrativa acerca do conceito de igualdade
nal, previsão esta que é dever do Estado, da sociedade, dos pais
nos três modelos do capitalismo contemporâneo.
às crianças e adolescentes que necessitam receber toda estru-
O modelo de Estado Liberal tinha como uma de suas carac-
tura necessária ao seu desenvolvimento e crescimento, de forma
terísticas mais marcantes a noção de igualdade perante a lei,
que a atual legislação pátria vem ignorando os novos modelos de
a chamada igualdade formal. A ideia central era afirmar a abs-
família atualmente presentes na nossa sociedade, negligencian-
tenção do estado, a abstração da lei e o condão de generalida-
do trabalhadores e seus filhos que não possuem a figura mater-
de, visto que a lei deveria ser interpretada uniformemente para
na, como se tais famílias não fossem merecedoras do manto da
todos. Não havia intervenção estatal e a ideia era que o estado
tutela constitucional.
era inimigo, e entendia-se que as leis de mercado apenas eram
Com o objetivo de erradicar tal discriminação, a proposta aqui é empregar uma analogia à situação narrada, para aplicação
o necessário para que fosse garantido o mínimo existencial de forma uniforme a todos.
da legislação que se refere o citado instituto, de modo a efetivar
Por ser interpretada de forma generalizada e não se adaptar
a proteção que a lei oferece às crianças e às famílias brasileiras.
conforme as necessidades de todos os cidadãos, a igualdade for-
Assim, o trabalho propõe-se a apresentar formas de efetivar
mal era privilegio de poucas classes, ignorando as demais clas-
a igualdade constitucionalmente prevista, em prol das crianças e
ses sociais, vedando-as de seus direitos básicos e fundamentais.
das suas famílias, garantindo a todos os pais o direito de passar
Posteriormente, em outro paradigma estatal, o Estado de Bem
um tempo razoável com seus filhos, almejando o condão proteti-
Estar Social que se instala por volta dos anos 40 a 60, trás a noção
vo que tem o Direito do Trabalho.
de igualdade na lei, a chamada igualdade material, o que primeiraRevista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 537
mente implicou em realização da liberdade positiva e a vedação de
O intérprete/autoridade pública não poderá apli-
tratamentos desiguais a pessoas que encontravam-se em patamares
car as leis e atos normativos aos casos concre-
de igualdade, afastando assim a nefasta discriminação.
tos de forma a criar ou aumentar desigualdades
Entretanto, no Brasil, insta frisar que não houve a completa e
arbitrárias. Ressalte-se que, em especial o Poder
satisfatória concretização de um Estado de Bem Estar Social, pois a
Judiciário, no exercício de sua função jurisdicio-
igualdade material não se assentou por completo na realidade pátria.
nal de dizer o direito ao caso concreto, deverá
Hodiernamente, no atual paradigma de Estado Democrático de
utilizar os mecanismos constitucionais no senti-
Direito, a igualdade deve ser interpretada como igualdade por meio
do de dar uma interpretação única e igualitária
da lei, devendo esta última ser o instrumento viabilizador para tanto.
as normas jurídicas. Nesse sentido a intenção do
Ensina Cármem Lúcia Antunes Rocha, (1990, p.39):
legislador constituinte ao prever o recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (uniformi-
O princípio jurídico da igualdade refaz-se na socie-
zação na interpretação da Constituição Federal)
dade e rebaliza conceitos, reelabora-se ativamen-
e o recurso especial ao Superior Tribunal de Jus-
te, para igualar iguais desigualados por ato ou com
tiça (uniformização na interpretação da legisla-
permissão da lei. O que se pretende, então, é que a
ção federal). Além disso, sempre em respeito ao
‘’igualdade perante a lei’’ signifique ‘’igualdade por
princípio da igualdade, a legislação processual
meio da lei’’, vale dizer, que seja a lei o instrumen-
deverá estabelecer mecanismos de uniformiza-
to criador das igualdades possíveis e necessárias
ção de jurisprudência a todos os Tribunais. Fi-
ao florescimento das relações justas e equilibradas
nalmente, o particular não poderá pautar-se por
na sociedade por desvirtuamento socioeconômico,
condutas discriminatórias, preconceituosas ou
o que impõe, por vezes, a desigualação de iguais
racistas, sob pena de responsabilidade civil ou
sob o enfoque tradicional.
penal, nos termos da legislação em vigor.
Descabe ser lida de forma restritiva e limitada como a ideia
Conforme já asseverado, o Princípio da Igualdade deve ser
de igualdade perante a lei, a chamada isonomia formal, todavia
pautado na lei, pois só a lei pode estabelecer o quanto desigual
também não pode ser lida no simples sentido de igualdade na
um tratamento deve ser a determinados grupos sociais, haja vista
lei, o que corrompe seu verdadeiro ideal. Deve ser compreendida
a necessidade ou peculiaridade daqueles em relação aos demais.
como igualdade através da lei, o que vai além das interpretações
Não obstante, tal tratamento deve possuir critérios razoáveis, sob
citadas, assim como deve ser construída através dos destinatários
pena de se configurar discriminação.
desta norma, os cidadãos, bem como por meio de seus representantes eleitos, face ao atual Estado Democrático de Direito.
Assim ensina o doutrinador José Gomes Canotilho, (1998, p. 429):
Cabe-nos frisar que, a desigualdade na lei acontece quando a norma diferencia de forma desarrazoada ou até mesmo arbitrária
O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei
um tratamento especifico a pessoas diferentes. Para que o trata-
estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou
mento normativo diferenciado não seja considerado discriminató-
seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem
rio, torna-se indispensável à existência de razão objetiva e razoá-
fundamento material bastante, que o mesmo é dizer
vel, conforme critérios e juízos de valor previamente aceitos, cuja
sem qualquer justificação razoável, segundo critérios
exigência destes deve ser aplicada em relação ao fim e efeitos
de valor objectivo constitucionalmente relevantes.
da medida utilizada, devendo então estar presente uma razoável
Proíbe também que se tratem por igual situações
relação de proporção entre as ferramentas utilizadas para chegar
essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discri-
a igualdade através da lei e ao fim atingido, sempre de acordo com
minação: ou seja, as diferenciações de tratamento
os direitos constitucionais tutelados.
fundadas em categorias meramente subjectivas (...).
Assim, cabem tratamentos normativos digressionados, sendo estes compatíveis Constituição Federal, haja vista finalidade razoavelmente proporcional ao objetivo visado. Disserta Alexandre de Moraes, (2009, p.36):
A não discriminação é instrumento essencial precipuamente à esfera do Direito do Trabalho, pois veda a prática de condutas agressoras tanto na seara moral quanto patrimonial e de fato é o princípio que melhor se encaixa com a vida real e com as de-
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mandas do Direito do Trabalho, que visa estabelecer um mínimo civilizatório a todos.
Enquanto há a lacuna legislativa prevista no ADCT, desde a promulgação da Constituição da República, o judiciário vem apli-
Assim, conclui-se que, não obstante o artigo 5º da CR/88
cando a regra geral, preconizada no artigo 10°, § 1°, do ADCT,
dissertar uma igualdade que aparente ser meramente formal, a
concedendo apenas os cinco dias de licença-paternidade ao pai
interpretação do dispositivo citado deve ser feita levando-se em
solteiro, seja ele adotante ou não, assim como ao pai componente
consideração, com a peculiaridade de cada pessoa e valendo-se
de casal homoafetivo masculino.
de critérios proporcionais e razoáveis para distinguir grupos que
Nessa conjuntura, podemos afirmar que há tratamento di-
necessitem de tal distinção de forma cautelosa, para que não seja
verso para pessoas que se encontram na mesma situação, cujo
perpetrada a discriminação.
objetivo é idêntico, que é a busca sempre do melhor interesse da
Neste tocante, ao analisarmos a licença-maternidade e pa-
criança, visando melhor adaptação ao convívio familiar.
ternidade, notamos uma patente desigualdade entre homens e
Na seara do direito trabalhista, é fato que em algumas situações
mulheres sem que esta consiga estabelecer uma efetiva igual-
peculiares a desigualdade de tratamento entre homens e mulheres
dade no plano concreto.
é necessária para que efetive-se a igualdade de condições no plano
Tanto a CR/883 quando a Consolidação das Leis do Trabalho,
fático. Entretanto, não ha nenhum fundamento com embasamento
com o objetivo de proteger as crianças e suas famílias, preveem
constitucional capaz de justificar a absurda diferença entre o período
a licença-maternidade4 e a não interrupção de salário ás empre-
de tempo concedido na licença-maternidade e na licença-paternida-
gadas gestantes ou também na hipótese de adoção ou concessão
de, quando há a ausência da figura materna naquela família.
de guarda legal para fins de adoção5, sendo aplicáveis aos homens apenas a licença paternidade de 05 dias.
Destarte, é necessário que a aplicação da atual licença-paternidade seja ultrapassada, em se tratando de casos onde a família
Tais disposições legais denotam fragilidade e incompatibilidade
encontra-se desprovida da figura materna no lar, ainda que atra-
com os atuais e novos modelos familiares existentes hodiernamente,
vés de jurisprudências e leis que venham a assegurar a proteção
por não comportarem outros modelos de estrutura familiar, vinculan-
dos trabalhadores e suas famílias, de forma que seja garantida a
do-se sempre ao texto frio e retrogrado da lei que impõe a união entre
igualdade no caso concreto.
homens e mulheres. Desprezam as famílias formadas apenas por homens, solteiros ou não, acompanhados por outro homem ou não,
3 O NOVO CONCEITO DE FAMÍLIA E O MELHOR
que possuem a mesma necessidade de estarem com sua prole, seja
INTERESSE DA CRIANÇA
biológica ou por adoção, que uma mulher teria.
Hodiernamente, o conceito de família vem evoluindo e ainda
Os direitos e garantias fundamentais, preconizados no artigo
assim o estigma arraigado em grande parte da sociedade enxerga
5°� da CR/88 preceitua que ‘’todos são iguais perante a lei, sem
a família apenas como relação interpessoal entre homem e mu-
distinção de qualquer natureza’’. Assim, ao haver garantia dos já
lher, oficializada pelo matrimonio.
citados benefícios apenas para empregadas do sexo feminino,
Ainda que atualmente as famílias contemporâneas sejam
face aos atuais modelos de famílias que tem homens vivenciando
constituídas não apenas por laços biológicos, cabendo também a
situações como as das mulheres, seja através de filhos adotados
afinidade ou afetividade, é notório através da própria legislação a
ou biológicos, está a legislação pátria colocando em ‘’xeque’’ os
tentativa falha de atribuir invisibilidade a estes novos modelos fa-
princípios mais básicos do Estado Democrático de Direito, vis-
miliares, pois em se tratando do casamento, sequer há referência
to que coloca o sexo do trabalhador como fator determinante à
a diversidade de sexo do par.
extensão do manto da proteção às crianças e suas famílias. Há
Os novos modelos de família trouxeram consigo diversas
neste caso tratamento diferenciado em razão de sexo, sem fun-
inovações no tocante à sua organização e constituição, con-
damento para tanto, uma vez que tal discriminação não consegue
trariando o já citado arraigado estigma que considera como fa-
efetivar a igualdade entre os obreiros.
mília as entidades possuidoras de uma figura paterna e outra
Ademais, perpetrar tratamento discriminatório e preconcei-
materna, do sexo feminino.
tuoso aos trabalhadores que sejam pais, desprovidos da figura
Hoje é comum a existência de famílias diferentes do padrão
materna no lar, é aplicar por consequência o mesmo tratamen-
consignado pela união de um homem e mulher. Há famílias mono-
to para as crianças que se encontrem sob a tutela unicamente
parentais, compostas somente por uma figura materna ou paterna
masculina, contrariando a intenção da lei, que visa resguardar o
e sua respectiva prole e também as famílias homoafetivas, onde
melhor interesse da criança de alcançar pleno desenvolvimento
há a união de pessoas homossexuais, composta por homens ou
físico e psicológico.
mulheres e que exercem sim a função de pais e mães. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 539
Neste tocante, doutrinadora Maria Berenice Dias, (2005, p. 191), leciona:
No tocante ao caráter familiar dos casais homoafetivos, a tutela jurídica retro citada foi objeto da ADPF n° 132-RJ e ADI 4277, que reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, con-
Quase intituivamente se conceitua a família como relação interpessoal entre homem e mulher, cons-
soante voto do, à época, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto. Vejamos:
tituída pelos sagrados laços do matrimonio. É tão arraigada essa ideia que o legislador, quando tra-
II.3. que a terminologia “entidade familiar” não
ta do casamento, sequer refere a diversidade de
significa algo diferente de “família”, pois não há
sexo do par. Assim, apesar do repúdio social e da
hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre
rejeição de origem religiosa, por falta de vedação
as duas formas de constituição de um novo núcleo
constitucional ou legal, não há impedimento ao
doméstico. Estou a dizer: a expressão “entidade
casamento homossexual. As uniões de pessoas
familiar” não foi usada para designar um tipo infe-
do mesmo sexo receberam, ao longo da história,
rior de unidade doméstica, porque apenas a meio
um sem-número de rotulações pejorativas e discri-
caminho da família que se forma pelo casamento
minatórias. No entanto, é uma realidade que não
civil. Não foi e não é isso, pois inexiste essa figura
mais se pode fazer de conta que não existe.
da sub-família, família de segunda classe ou família “mais ou menos” (relembrando o poema de
Acerca dos novos modelos familiares, há também os que se
Chico Xavier). (...) Logo, diferentemente do casa-
encontram ausentes da figura materna e ainda assim são conside-
mento ou da própria união estável, a família não se
rados pela doutrina e jurisprudência como entidades que detém
define como simples instituto ou figura de direito
status de família, haja vista existência do poder paternal, sendo
em sentido meramente objetivo. Essas duas obje-
devida então a tutela jurídica dispensada as famílias, consoante
tivas figuras de direito que são o casamento civil
previsão constitucional consignada no artigo 226 que prevê que
e a união estável é que se distinguem mutuamen-
‘’a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.’’
te, mas o resultado a que chegam é idêntico: uma
Sobre o tema, Maria Berenice Dias, (2005, p. 192), pre-
nova família, ou, se se prefere, uma nova “entidade
ceitua que:
familiar”, seja a constituída por pares homoafetivos, seja a formada por casais heteroafetivos. (...) A norma (CF 226) é uma cláusula geral de inclusão,
Por que entidade familiar não é família? E família
não sendo admissível excluir qualquer entidade
por inteiro (não pela metade)? II.4. que as diferen-
que preencha os requisitos de afetividade, estabili-
ças nodulares entre “união estável” e “casamento
dade e ostensividade. Não se pode deixar de reco-
civil” já são antecipadas pela própria Constituição,
nhecer que há relacionamentos que, mesmo sem
como, por ilustração, a submissão da união estável
a diversidade de sexos, atendem a tais requisitos.
à prova dessa estabilidade (que só pode ser um
Tem origem em um vínculo afetivo, devendo ser
requisito de natureza temporal), exigência que não
identificados como entidade familiar a merecer a
é feita para o casamento. Ou quando a Constitui-
tutela legal. A regra maior da Constituição, que ser-
ção cuida da forma de dissolução do casamento
ve de norte ao sistema jurídico, é o respeito digni-
civil (divórcio), deixando de fazê-lo quanto à união
dade humana. O compromisso do Estado para com
estável (§6º do art. 226). Mas tanto numa quanto
o cidadão se sustenta no primado da igualdade e
noutra modalidade de legítima constituição da fa-
da liberdade, consagrados já no seu preâmbulo.
mília, nenhuma referência é feita à interdição, ou
Ao conceder proteção a todos, veda discriminação
à possibilidade, de protagonização por pessoas do
e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou
mesmo sexo. Desde que preenchidas, também por
idade e assegura: o exercício dos direitos sociais e
evidente, as condições legalmente impostas aos
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
casais heteroafetivos. Inteligência que se robuste-
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
ce com a proposição de que não se proíbe nada a
valores supremos de uma sociedade fraterna, plu-
ninguém senão em face de um direito ou de pro-
ralista e sem preconceitos.
teção de um interesse de outrem. E já vimos que
540 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
a contraparte específica ou o focado contraponto
afirmar que as famílias formadas por pares homoa-
jurídico dos sujeitos homoafetivos só podem ser os
fetivos sejam menos dignas de proteção do Estado,
indivíduos heteroafetivos, e o fato é que a tais indi-
se comparadas com aquelas apoiadas na tradição
víduos não assiste o direito à não equiparação jurí-
e formadas por casais heteroafetivos.(...) Nessa to-
dica com os primeiros. Visto que sua heteroafetivi-
ada, enquanto o Congresso Nacional, no caso bra-
dade em si não os torna superiores em nada. Não
sileiro, não assume, explicitamente, sua copartici-
os beneficia com a titularidade exclusiva do direito
pação nesse processo constitucional de defesa e
à constituição de uma família. Aqui, o reino é da
proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o
igualdade pura e simples, pois não se pode alegar
Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena
que os heteroafetivos perdem se os homoafetivos
de aceitação tácita de um Estado que somente
ganham. E quanto à sociedade como um todo, sua
é “democrático” formalmente, sem que tal predi-
estruturação é de se dar, já o dissemos, com fin-
cativo resista a uma mínima investigação acerca
cas na fraternidade, no pluralismo e na proibição
da universalização dos direitos civis. 9. Diante do
do preconceito, conforme os expressos dizeres do
exposto, dou provimento ao recurso especial para
preâmbulo da nossa Constituição. (grifo original)
afastar o óbice relativo à diversidade de sexos e
7
para determinar o prosseguimento do processo de Ainda neste diapasão, o voto preferido pelo Superior Tribunal
habilitação de casamento, salvo se por outro moti-
de Justiça, de relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão julgou pro-
vo as recorrentes estiverem impedidas de contrair
cedente o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, situação
matrimônio. 8(grifo nosso)
que fora levada ao Poder Judiciário por ter sido criado óbice no momento da habilitação das pretensas cônjuges.
Para coadunar com os posicionamentos acima registrados, a doutrinadora Maria Berenice Dias discorreu no mesmo sentido
Agora, a concepção constitucional do casamento -
das decisões retro transcritas em seu artigo ‘’As uniões homoafeti-
diferentemente do que ocorria com os diplomas su-
vas frente a Constituição Federal’’ , Revista Jurídica Consulex, Ano
perados -, deve ser necessariamente plural, porque
XII - n° 281 – 30 set. (2008, p. 52).
plurais também são as famílias e, ademais, não é
Vejamos:
ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um pro-
Pluralizou-se o conceito de família, que, não mais se
pósito maior, que é a proteção da pessoa humana
identifica pela celebração do matrimonio. Não há
em sua inalienável dignidade. A fundamentação
como afirmar que o art. 226, § 3°, da Constituição
do casamento hoje não pode simplesmente emer-
Federal, ao mencionar a união estável formada entre
gir de seu traço histórico, mas deve ser extraída de
um homem e uma mulher, reconheceu somente esta
sua função constitucional instrumentalizadora da
convivência como digna da proteção do Estado. O
dignidade da pessoa humana. Por isso não se pode
que existe é uma simples recomendação para trans-
examinar o casamento de hoje como exatamente
formá-la em casamento. Em nenhum momento foi
o mesmo de dois séculos passados, cuja união
dito não existirem entidades familiares formadas por
entre Estado e Igreja engendrou um casamento
pessoas do mesmo sexo. Exigir a diferenciação de se-
civil sacramental, de núcleo essencial fincado na
xos no casal para haver a proteção do Estado é fazer
procriação, na indissolubilidade e na heterossexu-
distinção odiosa, postura nitidamente discriminatória
alidade.(...) Não pode o Direito - sob pena de ser
que contraria o princípio da igualdade, ignorando a
inútil - pretender limitar conceitualmente essa re-
existência da vedação de diferenciar pessoas em ra-
alidade fenomênica chamada “família”, muito pelo
zão de seu sexo.
contrário, é essa realidade fática que reclama e conduz a regulação jurídica. Atentando-se a isso, o
Para focar no presente trabalho, cabe nos aqui o estudo pre-
pluralismo familiar engendrado pela Constituição -
ciso das famílias homoafetivas masculinas e famílias monoparen-
explicitamente reconhecido em precedentes, tanto
tais compostas somente por pais solteiros, onde estes assumem
desta Corte, quanto do STF -, impede se pretenda
o dever de educar seus filhos sozinhos.
Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729 l 541
A falta da figura materna nas famílias monoparentais pode
disporem de mãe, são tratados de forma desigual e preconceituosa,
ter vários motivos, como o divórcio, o abandono do lar, a geração
haja vista a privação da convivência com os seus pais no momento
de filhos de forma independente e até mesmo o óbito do cônjuge.
em que esta é tão necessária, principalmente pelo fato de não existir
Entretanto, a família monoparental encontra-se constitucio-
a figura materna no seio desta entidade familiar.
nalmente protegida, consoante disposição do artigo 226, §4°, da
A ideia protecionista que a legislação retro colacionada trás é
Constituição Federal de 1988, que assim dispõe: ‘’entende-se,
oriunda do princípio do melhor interesse da criança, sendo este úl-
também, como entidade familiar a comunidade formada por qual-
timo plenamente incorporado e aceito pelo ordenamento jurídico
quer dos pais e seus descendentes”.
pátrio, tendo sido originado na Declaração Universal dos Direitos da
Insta frisar que às famílias incumbe o dever de proteção da
Criança, de 1959. A ideia central do princípio preceitua que quando
criança e do adolescente e a promoção do seu bem-estar, bem
existir possíveis conflitos envolvendo uma criança, a solução deste
como a plena convivência familiar, sejam aquelas formadas pelo
deverá visar o melhor resultado para a criança, haja vista que devem
casamento, pais solteiros, união estável ou entidades em que haja
seus interesses serem sobrepostos aos demais, em homenagem a
laços de afinidade, consoante inteligência do artigo 227 da Consti-
ideia central que é o resguardo de seu melhor interesse.
tuição Federal, assim como prevê o Estatuto da Criança e Adolescente em seus dispositivos 4° e 19. Vejamos, respectivamente:
Acerca dos objetivos de tal princípio, Dias, (2005, p. 64), apud, Teixeira, Ana Carolina B. e Sá, Maria de Fátima F.:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do
O Estatuto rege-se pelos princípios do melhor in-
Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
teresse, paternidade responsável e proteção inte-
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
gral, visando a conduzir o menor ao alcance da
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à pro-
maioridade de forma responsável, constituindo
fissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
como sujeito da própria vida, para que possa gozar
à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
de forma plena dos seus direitos fundamentais.
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, cruel-
Conclui-se, portanto, que um dos objetivos e responsabili-
dade e opressão.
dades maiores do instituto familiar, desde já incluídas as famí-
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da so-
lias monoparentais e as compostas por casais homoafetivos,
ciedade em geral e do poder público assegurar,
conforme já explanado, também do Estado e de toda socieda-
com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
de, a proteção integral da criança e do adolescente e o resguar-
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à edu-
do de seu melhor interesse, visando à construção de um sujeito
cação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
de direitos responsável e pleno.
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Assim, conforme demonstrado é necessário a adaptação dos direitos trabalhistas de licença maternidade e salário maternidade aos atuais modelos de família brasileira, ultrapassando a ideia
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito
arcaica de que família constitui-se apenas pelo casamento entre
a ser criado e educado no seio da sua família e,
homem e mulher, estendendo-se os direitos ao obreiro do sexo
excepcionalmente, em família substituta, assegu-
masculino, quando estes forem indispensáveis para cuidado, pro-
rada a convivência familiar e comunitária, em am-
teção, adaptação e educação da criança e adolescente sob tutela.
biente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.” (grifo nosso)
4 DA LICENÇA-MATERNIDADE E LICENÇA-PATERNIDADE A licença-maternidade constitui garantia constitucional, con-
Destarte, em face de tais dispositivos, é evidente o dever da família de promover o melhor ambiente possível ao crescimento e
soante artigo 7°, XVIII da Constituição da República, que ampliou a antiga licença de 90 dias para os atuais 120 dias.
cuidado das crianças. O que nos interessa aqui é demonstrar que,
A referida garantia é extensível às empregadas, contribuinte
ao não se conceder aos pais obreiros ausentes da figura materna da
individual, trabalhadora avulsa, domésticas, segura especial e se-
mãe em sua entidade familiar um período de licença digno como o
gurada facultativa.
concedido às obreiras do sexo feminino, estão sendo cabalmente cei-
A Consolidação das Leis do Trabalho também destina um de
fados os direitos destes trabalhadores e de seus filhos que, por não
seus capítulos exclusivamente à Proteção do Trabalho da Mulher,
542 | Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2/2013 - nO 21 - ISSN 1678 8729
do seu artigo 372 ao 401, fixando a licença-maternidade em 120
gamento de tal prestação, a intenção foi desonerá-lo para que não
dias, conforme inteligência constitucional, situação em que o afas-
houvesse limitação à contratação de mulheres em idade fértil. Para
tamento da empregada gestante poderá ocorrer até 28 dias antes
coadunar com tal proteção, o legislador previu, conforme artigo 10, II,
do parto e a efetiva ocorrência deste, mediante atestado médico a
‘’b’’ do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a vedação da
ser apresentado ao seu empregador.
dispensa imotivada da empregada gestante, garantia esta desde a
A licença maternidade possui condão social e fundamenta-
confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
-se no amparo e proteção família, como o caput do artigo 226 da
Entende-se que tais garantias concedidas à trabalhadora foram
Constituição Federal prevê, a família é base da sociedade e tem
previstas como meio de resguardar a empregada e manter sua in-
especial proteção do Estado.
serção no mercado de trabalho, evitando que haja discriminação
Assim entendem também Elisabeth Mônica Hasse Becker Neiverth e Silvana Souza Netto Mandalozzo, (2009, p. 175):
por parte do empregador, quando da seleção de seu pessoal face ao sexo, estado gravídico ou mesmo fase fértil da candidata. Assim, tenta-se ao menos nivelar o oferecimento de oportunidades percebi-
Proteger a gravidez e a maternidade é preocupa-
das pelos homens dentro do mercado de trabalho.
ção de caráter social com vistas a uma popula-
Não obstante, a licença-paternidade não desfruta de grande
ção mais saudável e preservação da dignidade
amparo no direito brasileiro, cuja previsão encontra-se no artigo
da trabalhadora. Contar com a proteção à ma-
7°, XIX e § único da Constituição da República de 1988, possuin-
ternidade é um privilégio recente na história do
do, conforme previsão do artigo 10, §1°, do ADCT, até que seja
trabalho da mulher no Brasil.
promulgada lei que trate acerca do beneficio, que por enquanto possui duração de cinco dias.
Importante frisar que a licença-maternidade independe do es-
A mesma é devida ao empregado urbano, rural, doméstico e ao
tado civil da trabalhadora, tendo seu fundamento precípuo na bus-
trabalhador avulso, aos militares e aos servidores públicos. Em con-
ca do bem-estar da criança, seu bom e saudável desenvolvimento
trapartida, a licença-paternidade não possui natureza previdenciária
e seu melhor interesse, eis que a criança, em seus primeiros me-
e é ônus do empregador, salvo no caso dos servidores públicos, con-
ses de vida, necessita da assistência da mãe em período integral.
forme artigo 208 da Lei 8.112/90 que trata acerca do regime jurídico
A licença-maternidade é vinculada ao salário-maternidade,
dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públi-
possuindo este natureza previdenciária, sendo devido pelo perí-
cas federais. Não há também garantia de emprego.
odo de licença que perdura 120 dias, seja pela ocasião do parto,
Nota-se então flagrante discrepância com a atual realidade
adoção ou de guarda judicial para fins de adoção. Frise-se que
dos novos modelos de famílias brasileiras, eis que tais normas
tal benefício é custeado diretamente pela Previdência Social em
levam em consideração uma sociedade patriarcal, onde apenas
casos de trabalhadoras avulsas, autônomas, domésticas e pelo
as mulheres cuidam dos filhos e deixando ao pai trabalhador um
empregador às empregadas (salvo adoção, situação em que a Pre-
mero papel secundário e financeiro nos cuidados de sua família.
vidência Social custeará), devendo ser compensado o pagamento
Assim, tem-se que o tratamento dado aos trabalhadores do
no momento de recolhimento das contribuições relativas sobre a
sexo masculino não se compatibiliza com as atuais mudanças do
folha de salários e rendimentos pagos ou creditados, a qualquer
conceito de família sofridas pela sociedade brasileira, fato este
título, à pessoa física que lhe preste serviço, consoante inteligên-
que precisa ser urgentemente superado.
cia da Lei 8.213/919 Cabe ressaltar que a concessão do salário-maternidade inde-
5 DA POSSIBILIDADE DO EMPREGO ANALÓGICO DO
pende do número de contribuições pagas pela segurada empre-
INSTITUTITO DA LICENÇA-MATERNIDADE AOS PAIS
gada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica, conforme o
SOLTEIROS E CASAIS HOMOAFETIVOS MASCULINOS
entendimento dos doutrinadores de Direito Previdenciário, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari.
Conforme exposto, os sujeitos para os quais ora se defende a aplicação do instituto da licença-maternidade, quais sejam, a família
Entretanto, para as seguradas contribuintes individuais, segu-
monoparental e a família homoafetiva masculina são reconhecidos
rada especial e segurada facultativa, há prazo de carência de dez
e protegidos por nosso ordenamento jurídico. Àquela tem proteção
contribuições mensais10
constitucional, conforme o já citado artigo 226 da Constituição Fede-
Nota-se que ao conceder à licença-maternidade o caráter pre-
ral de 1988. Já a família homoafetiva masculina não encontra veda-
videnciário, a intenção do legislador foi vedar a discriminação do
ção no ordenamento jurídico e teve a possibilidade de união estável
trabalho da mulher, pois ao retirar do empregador o encargo do pa-
reconhecida nas já citadas ADPF n°: 132-RJ e ADI 4277.
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Assim, depreende-se que não há porque o direito desses pais e
menor seria o tempo de licença-maternidade. Atualmente, não
suas respectivas famílias continuarem sem a devida proteção efetiva,
há mais tal escalonamento, sendo a licença-maternidade de 120
não havendo justificativa que a licença-paternidade continue sendo
dias invariavelmente, o que visa promover a igualdade entre mães
de 5 dias, nos casos onde não há figura materna, frise-se.
e filhos adotivos e biológicos.
Conforme a legislação brasileira, o direito à licença-paternida-
Entretanto, o pai faz em certos casos o papel de mãe, res-
de decorre da condição de o trabalhador se tornar pai, biológico
ponsabilizando-se integralmente pela vida dos filhos, o que foi es-
ou adotivo, conforme previsão da Lei 12.010 de Agosto de 2009,
quecido pela legislação, que manteve a licença-paternidade de 5
que assim dispõe em seu artigo 42:
dias, o que só é compreensível quando há a presença da figura materna. Nos casos aqui tratados, não há a figura materna, res-
Art. 42: Podem adotar os maiores de 18 (dezoito)
tando então patente o tratamento desigual entre pessoas que se
anos, independentemente do estado civil
encontram claramente na mesma situação.
§2° - Para adoção conjunta, é indispensável que os
O objetivo da licença-maternidade é promover a criação de la-
adotantes sejam casados civilmente ou mantenham
ços afetivos entre a criança e sua mãe, pelo que tal raciocínio tam-
união estável, comprovada a estabilidade da família.
bém se aplica ao pai que necessita criar tal laço e cuidar de seu filho. Frise-se que quanto às famílias monoparentais constituídas
Nota-se então que não há qualquer vedação na legislação
por mãe solteira, em caso de adoção ou filho biológico, esta terá
brasileira que constitua óbice à adoção masculina, não havendo
licença-maternidade de 120 dias, assim como no caso de adoção
exigência de que a pessoa adotante tenha que ser do sexo femi-
ou filhos também biológicos de casais homoafetivos femininos.
nino, ou ainda expressa exigência de que o adotante masculino tenha uma mulher como companheira.
Nota-se então a inequívoca omissão acerca das adoções por pais solteiros, também no que tange aos pais biológicos desprovidos
Atualmente, existem várias formas de se tornar pai de uma
da figura materna e também face à adoção por casais homoafetivos,
criança, sem obrigatoriamente existir a presença da figura ma-
vez que a Lei da Adoção, 12.010 de 2009 não disciplina a situação
terna na família, como por exemplo, o método de inseminações
do pai que se encontra ausente de figura materna em nenhuma das
artificiais e o uso das ‘’barrigas de aluguel’’ ou mesmo pelo meio
hipóteses retro explicitadas, causando tratamento diferenciado a
natural, casos onde os pais perdem a companheira por diversos
pessoas que claramente encontram-se na mesma situação.
motivos, como falecimento no parto, abandono de lar após o par-
Atualmente, apesar das poucas decisões concedendo a li-
to, o que pode se dar por diversas circunstancias, até mesmo em
cença-maternidade ao homem, não se pode deixar de reconhecer
decorrência de depressão pós-parto, dentre outras tamanhas pos-
as que o fizeram, nos moldes defendidos no presente trabalho,
sibilidades que podem ocorrer em virtude de particularidades da
conforme nos apresenta Carlos Alberto Pereira de Castro e João
família brasileira.
Batista Lazzari, (2013, p.826):
O problema é que a legislação ainda é omissa no tocante a alguns direitos necessários à efetiva proteção de tais famílias, pre-
Justiça dá ‘’licença-maternidade’’ a servidor que
cipuamente em relação à previsão de afastamento do emprego
perdeu a mulher no parto. Funcionário da PF re-
por período razoável, sem prejuízo do salário, no que tange aos
correu à Justiça após ter pedido negado pelo ór-
homens solteiros e casais homoafetivos que se tornam pais, seja
gão. Juíza considerou que pai deveria dar assis-
pela adoção ou método biológico.
tência à criança; cabe recurso. Notícia disponível
A Lei 12.010 de 2009, que aborda a adoção, bem como a
em:
<http://g1.globo.com/distrito-federal/noti-
Consolidação das Leis do Trabalho foram omissas a respeito des-
cia/2012/02/justiça-da-licenca-maternidade-ser-
ta situação e ao preverem a licença-maternidade, respectivamen-
vidor-que-perdeu-mulher-no-parto.html>
te em caso de adoção ou meios biológicos, não consideraram a existência de famílias monoparentais e homoafetivas masculinas, onde o pai é o único responsável pela adaptação da criança ao
Segue um dos principais trechos da decisão acima referida pelos doutrinadores:
meio familiar, fazendo vezes de mãe, uma vez que naquela família não há figura materna.
Embora não exista previsão legal e constitucional
Ressalte-se que a citada Lei 12.010 de 2009 revogou os pa-
de licença-paternidade nos moldes da licença-ma-
rágrafos 1° e 3° do antigo artigo 392-A da Consolidação das Leis
ternidade, essa não deve ser negada ao genitor,
do Trabalho, que previam que quanto maior a idade da criança,
ora impetrante. Isso porque o fundamento desse
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direito é proporcionar à mãe período de tempo in-
ção à criança e ao adolescente, é digna de louvor,
tegral com a criança, possibilitando que sejam dis-
principalmente se levarmos em consideração que
pensados a ela todos os cuidados essenciais à sua
vivemos num país que, embora em desenvolvimen-
sobrevivência e ao seu desenvolvimento.
to, convive ainda com elevado número de crianças
Na ausência da genitora, tais cuidados devem ser
em total abandono e às margens da criminalida-
prestados pelo pai e isso deve ser assegurado pelo
de. Não é menos verdade que o lapso temporal de
Estado, principalmente nos casos como o presen-
90 dias previsto no artigo 210 da Lei nº 8.112/90,
te, em que, além de todas as necessidades que um
para gozo de licença da servidora, deve-se ao fato
recém-nascido demanda, ainda há a dor decorren-
de, em se tratando de criança com idade inferior a
te da perda daquela.
1 (um) ano, serem imprescindíveis, tanto cuidados
Nestas circunstâncias, os princípios da dignidade
especiais e essenciais à adaptação ao novo am-
da pessoa humana e da proteção à infância devem
biente familiar, como a aquisição de materiais a se-
preponderar sobre o da legalidade estrita, que con-
rem utilizados pela criança e, quiçá, a contratação
cede tão somente às mulheres o direito de gozo da
de uma babá de confiança para zelar pelo menor.
licença-maternidade.
Esses cuidados, como se sabe, não deixam de ser
Diante do exposto, defiro o pedido liminar para
primordiais à boa adaptação da criança, apenas
conferir ao Impetrado o direito de gozar da licença-
por ser o adotante um servidor do sexo masculino
-paternidade nos moldes da licença-maternidade
que não tenha firmado sociedade conjugal. Aliás,
prevista no art. 207 da Lei nº 8.112/90 c/c art. 2º,
eventual conclusão no sentido de se obstaculizar o
§1º, do Decreto nº 6.690/08” (Justiça Federal do
direito do servidor implicaria, a meu ver, manifes-
Distrito Federal – 06ª Vara – Decisão em Manda-
ta ofensa ao princípio constitucional da isonomia,
do de Segurança com Pedido de Liminar nº 6965-
além da consagração de tese que, certamente,
91.2012.4.01.3400 – Juíza Federal Ivani Silva da
não conseguiu acompanhar a evolução da nossa
Luz – Data da decisão: 08.02.2012)11 (grifo nosso)
sociedade. Resulta, pois, intacta a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da Décima
Ainda no tocante às decisões proferidas neste mesmo sen-
Quinta Região, que reconheceu o direito à licença
tido, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, ao julgar deci-
de 90 (noventa) dias ao servidor que obteve a guar-
são do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região estendeu a
da, para fins de adoção, de uma criança com idade
licença-maternidade ao pai solteiro adotante, conforme trecho da
inferior a 1 (um) ano. Assim, dada a relevância da
referida decisão transcrita abaixo, referente ao processo de núme-
matéria ora examinada, entendo conveniente seja
ro 150/2008-895-15-00-0.
conferido efeito normativo ao presente acórdão, com a consequente edição de Resolução por este
Ultrapassado isso, tem-se como essencial uma
Conselho 12(grifo nosso)
interpretação sistemática do artigo 210 da Lei nº 8.112/90 com o artigo 5º, caput, da Constituição
Infelizmente, tais decisões são extremamente raras em nosso
da República, que consagra o princípio da isono-
ordenamento jurídico, o que deve ser mudado o mais rápido pos-
mia. Com efeito, se o Estatuto da Criança e do Ado-
sível, para que o principio da isonomia ultrapasse os contornos
lescente (artigo 42 da Lei nº 8.069/90) confere a
constitucionais e efetive-se na realidade das pessoas que se en-
qualquer pessoa com idade superior a 21 (vinte e
contram na mesma situação e não obstante recebem tratamento
um) anos, independente do sexo, o direito à ado-
diferenciado, frustrando a proteção constitucional à família, crian-
ção, afigura-se-me normal que um servidor, ainda
ças e adolescentes e aos trabalhadores.
que não casado, opte por adotar ou obter a guarda
Assim, resta patente a necessidade de concessão aos pais tra-
judicial de uma criança. Aliás, conduta desta natu-
balhadores, em caso de ausência das mães, um período de tempo
reza, além de se encontrar em perfeita harmonia
mais apropriado para que possam prover assistência aos seus filhos,
com o artigo 227 da Constituição da República,
com continuação de recebimento de salário por este período, para
que prevê ser dever do Estado, da família e da so-
que possam viabilizar a inserção e adaptação do infante ao seio fami-
ciedade assegurar, com absoluta prioridade, prote-
liar, através do método ofertado pelo instituto da analogia, uma vez
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que não ha lei dispondo a pretensão aqui ora defendida.
assim, totalmente merecedoras da proteção constitucional.
O artigo 4° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
Assim, nota-se a necessidade de previsão legal para que seja
estabelece que ‘’quando a lei for omissa, o juiz decidira o caso de
concedida uma licença com duração razoável e digna, tal qual a
acordo com a analogia, os costumes e princípios gerais de direito’’.
concedida às obreiras do sexo feminino, também aos trabalhado-
Já na Consolidação das Leis do Trabalho, é o artigo 8° que abor-
res do sexo masculino que se encontrem em determinadas situa-
da a analogia como método aceito e positivado no nosso ordenamen-
ções, permitindo assim um tratamento mais justo e digno entre os
to jurídico, sempre que houver lacuna legislativa, vejamos:
trabalhadores e sua prole ausente de figura materna. Ainda que seja possível a concessão da tal licença por meio da
Art. 8° - As autoridades administrativas e a Justiça
analogia, cumpre ressaltar que a pacificação da questão por meio
do Trabalho, na falta de disposições legais ou con-
de lei seria excelente, eis que acabaria definitivamente com toda e
tratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurispru-
qualquer discussão sobre o tema, afastando por completo a discrimi-
dência, por analogia, equidade e outros princípios
nação ainda existente, sem contar que não haveria mais a necessi-
e normas gerais de direito, principalmente o direito
dade de acesso ao poder judiciário, para que a parte visse seu direito
do trabalho, e, sempre de maneira que nenhum in-
materializado, bem como teria condão cogente, por se tratar de lei,
teresse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Nesse sentido, conclui-se que cabe aos legisladores a feitura de leis mais adequadas à nossa realidade social e que vedem quaisquer formas de discriminação, trazendo assim jus-
Assim, ainda que não haja lacuna completa no tocante ao
tiça ao plano da realidade fática.
instituto da licença-paternidade, esta não supre as necessidades das atuais demandas sociais, como no caso da união homoafetiva masculina e no caso da ausência da figura materna em relação
REFERÊNCIAS
ao pai solteiro, seja em relação ao filho biológico ou adotivo. A
AIDAR, Letícia; ANTUNES, Leandro; BELFORT, Simone e GRAVATÁ, Isabelli. CLR Organizada. 3ª ed. São Paulo. LTr, 2013.
previsão de licença-paternidade de cinco dias não supre as necessidades das pessoas que se encontram na situação ora abordada, sendo então perfeitamente cabível o uso da analogia. Portanto, defende-se aqui a aplicação da licença com duração de 120 dias, sem prejuízo do salário, também aos trabalhadores do sexo masculino, dentro das hipóteses já abordadas. Nota-se que não é de todo indispensável a mudança da legislação neste tocante, eis que é permitido no nosso ordenamento jurídico fazer uso do método analógico, de tal sorte que cabe a aplicação da licença-maternidade nos casos aqui relatados, o que permitiria maior facilidade ao acesso de tal beneficio, não sendo necessário acessar o Poder Judiciário para obter o mesmo, movimentando assim toda a máquina do judiciário em uma questão que poderia ser resolvida pelo empregador. Entretanto, enquanto não ha efetiva alteração do entendimento majoritário, cabe ao judiciário, por meio da analogia, promover
ANGHER, Anne Joyce. Vade Mecum Acadêmico de Direito 16ª ed. São Paulo: Rideel. 2013. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Portugal: Ed. Almedina. 1998. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de e LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 15ª edição. Rio de Janeiro: Gen, 2013. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009. DIAS, Maria Berenice. As uniões homoafetivas frente a Constituição Federal. Revista Jurídica Consulex. Brasília. p. 52-53, 30 de set. de 2008 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
a efetivação dos direitos trabalhistas referentes à paternidade, resguardando o interesse social de que a criança desenvolva-se plenamente, em todos os aspectos. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve por objetivo demonstrar a necessidade de uma mudança, no tocante à problemática da licença-maternidade face à paternidade, que coadune com a atual realidade social do Brasil, em se tratando de famílias de diferentes formações e ainda
DIAS, Maria Berenice. O modelo de família para a nova sociedade do Século XXI. Revista Jurídica Consulex. Brasília, p. 8-10, 29 de fev. de 2004. MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira e REIS, Renata Olandim. Da possibilidade de concessão de licença-maternidade aos pais solteiros e casais homossexuais masculinos. Copendi. Uberlândia, 2012. Disponível em: < http:// www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c215b446bcdf956d> MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.
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11 Disponível em: http://www.conjur.com.br/dl/jose-joaquim-santos-sentenca.pdf> Acesso em 28 mai. 2013 12 Disponível em:, http://www.csjt.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=e938572d-7979-4f8a-a9e9415116ac0979&groupId=955023> . Acesso em 28 mai. 2013.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda do Curso Superior de Direito no Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor orientador do presente artigo e professor titular do Centro Universitário Newton Paiva. 3 CRFB/88, artigo 7, XIX: ‘’São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social: XIX licença-paternidade nos termos fixados em lei e ADCT - Ato das disposições constitucionais transitórias, artigo 10: ‘’Até que seja promulgada lei complementar a que se refere o artigo 7, I, da Constituição: §1°: Até que lei venha disciplinar o disposto no artigo 7°, XIX da Constituição, o prazo de licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.’’ 4 Artigo 392 da CLT: ``A empregada gestante tem direito a licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário’’. 5 Artigo 392-A da CLT: ‘’À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do artigo 392(...) e artigo 393 da CLT: ‘’Durante o período a que se refere o artigo 392, a mulher terá direito ao salário integral e, quando variável, calculado de acordo com o que anteriormente ocupava.’’ 6 Artigo 5°, CR/88: ‘’Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I-homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.’’ 7 Disponível em: <http://stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoRTJ/anexo/219_1.pdf >. Acesso em: 11 abr. 2013. 8 Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/download. wsp?tmp.arquivo=2249>. Acesso em: 10 abr. 2013. 9 Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. 10 Prazo de carência criado pela Lei n. 9.876/99 que deu nova redação ao artigo 25 da Lei n. 8.213/91.
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