Letras Jurídicas | 1 semestre 2016

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ISSN 2358-2685

PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DE DIREITO DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA N.6 | 1O SEMESTRE DE 2016

JURÍDICA

LETRAS



ISSN 2358-2685

publicação da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva Volume 6 | Número 1 | 1O SEMESTRE DE 2016 EDITORA Karen Mryna Castro Mendes Teixeira

JURÍDICA

LETRAS


© 2016, by Centro Universitário Newton Paiva © 2016, by Autores Volume 6 | Numero 1 | 1O semestre de 2016

Centro Universitário Newton PAIVA ESCOLA DE DIREITO Unidade Juscelino Kubitschek: Av. Presidente Carlos Luz, 220 - Caiçara Unidade Buritis: Rua Jose Claudio Rezende, 26 - Buritis Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil


apresentação O Direito, na sociedade pós-moderna, vem clamando por muitas reflexões. Não raras as vezes que vemos a sociedade na expectativa das decisões dos Tribunais Superiores. Questionamentos surgem sobre os mais variados temas. A velocidade das informações e transformações sociais exige medidas e respostas de imediato. É nesse contexto que a Revista Letras Jurídicas coloca à disposição dos estudiosos do ramo as reflexões e questionamentos dos alunos do Curso de Direito. Com um novo formato, a Revista contém, em forma de artigos, as melhores pesquisas desenvolvidas no Trabalho de Conclusão de Curso. Como dito acima, a sociedade suplica por soluções de igual modo velozes. Para tanto, o Curso de Direito buscou colocar à disposição de seus alunos um novo procedimento que otimizasse a pesquisa e seu modo de fazer. Alinhavou uma nova rota entre orientando e orientador por meio de ambiente virtual para o desenvolvimento da pesquisa. Por certo, as inovações trazidas, a partir deste 1º semestre de 2016, trouxeram a importante contribuição dos alunos que inauguraram esse novo modo de produção acadêmica. Sobre os resultados obtidos neste novo processo, não podemos deixá-los de divulgar.

Professora Karen Myrna Castro Mendes Teixeira Coordenadora do Trabalho de Conclusão de Curso Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

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expediente ESTRUTURA FORMAL DA INSTITUIÇÃO Presidente do Grupo Splice: Antônio Roberto Beldi Reitor: João Paulo Beldi diretor acadêmico: Celso de Oliveira Braga Diretor Administrativo e Financeiro: Cláudio Geraldo Amorim Sousa Secretária Geral: Jacqueline Guimarães Ribeiro Coordenador geral da escola de direito: Emerson Luiz de Castro COORDENAÇÃO do curso de direito: Campus Buritis: Sabrina Tôrres Lage Peixoto de Melo Campus CCL: Valéria Edith Carvalho de Oliveira

EDITORA Karen Mryna Castro Mendes Teixeira

apoio técnico Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton pAIVA http://npa.newtonpaiva.br/npa Editora de Arte e Projeto Gráfico: Helô Costa - Registro Profissional: 127/MG diagramação: Pedro de Paula (estagiários do curso de Jornalismo)


sumário OS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS Amanda Aparecida de Souza Moura ................................................................................................................................................................. 10 MONITORAMENTO NO AMBIENTE DE TRABALHO COM O USO DE CÂMERAS Ana Paula Campos Machado ..............................................................................................................................................................................17 O CONTATO DO JUIZ COM A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO PENAL NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO Anilva Mendes da Rocha .....................................................................................................................................................................................24 ESTUPRO CONJUGAL: a possibilidade do marido atuar no polo ativo do crime Anna Pinto Coelho de Carvalho Corrêa ...............................................................................................................................................................30 TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO Camila Gonçalves Melo dos Santos ..................................................................................................................................................................36 A INTERPRETAÇÃO DA ESSÊNCIA REPRESENTATIVA NO CENÁRIO POLÍTICO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS E SEUS REFLEXOS NA ORDEM JURÍDICA Carina Paiva Moura ..............................................................................................................................................................................................44 EXECUÇÃO DA PENA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO Carlos Alexandre Medeiros do Nascimento Barbosa .........................................................................................................................................52 (DEZ)VANTAGENS DA LEI COMPLEMENTAR 150/2015 Caroline Arêdes Zordan .......................................................................................................................................................................................59 A LIMITAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ANTE A MANIFESTAÇÃO POPULAR Clarissa Cotrim da Silva Guedes .........................................................................................................................................................................68 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: argumentos dos entes públicos nos agravos de instrumentos interpostos perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerais Cristiane Estanislau Ciccarini Pesso ...................................................................................................................................................................75 CORRUPÇÃO E SONEGAÇÃO FISCAL NO BRASIL Cristiano Ricardo Villar .........................................................................................................................................................................................84 RENÚNCIA AO ESTADO DE FILIAÇÃO Dalila Aparecida Tomé Cruz ................................................................................................................................................................................90 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A EXECUÇÃO PENAL: EXAME CRÍTICO DA LEGISLAÇÃO EM FACE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS Daniela de Souza Franco Rodrigues de França .................................................................................................................................................97 A RELEVÂNCIA DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Denise Pinto da Silva ...........................................................................................................................................................................................102 PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS PÚBLICOS: UM PROBLEMA OU SOLUÇÃO? Edgard Nunes Corrêa Júnior ...............................................................................................................................................................................108 O LAY-OFF E A PARTICIPAÇÃO DOS SINDICATOS NAS DISPENSAS EM MASSA Élio Vasconcellos Vieira .......................................................................................................................................................................................114 MEDIAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Eloiza Nerys Fonte de Faria Ferreira ...................................................................................................................................................................123

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SEM LIVRE-ARBÍTRIO: A necessidade de repensar a teoria do delito a partir da neurociência Felipe Amore Salles Santiago .......................................................................................................................................................................... 131 OS DIREITOS HUMANOS DO PRESO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: É POSSÍVEL A RESSOCIALIZAÇÃO? Flávia Cardoso Antunes ..................................................................................................................................................................................141 A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO Frank Vinícius Paskauskas ..............................................................................................................................................................................148 Implicações da averbação premonitória de execução no processo de execução Frederico Junio Couto .....................................................................................................................................................................................156 DELAÇÃO PREMIADA: DO MEIO DE DEFESA DO RÉU À INCOMPETÊNCIA INVESTIGATIVA DO ESTADO Gabriela Beaumord ..........................................................................................................................................................................................163 A PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO NOS CRIMES MILITARES: o cerceamento da liberdade do Policial Militar do Estado de Minas Gerais que age sob excludente de ilicitude Giselle Helena Marques ...................................................................................................................................................................................168 LOGISTICA REVERSA: análise do instituto quanto ao direito ambiental, a sua viabilidade parcial aplicabilidade ante a ineficiência do poder público Igor de Paula Lages ........................................................................................................................................................................................177 DIREITOS DAS GESTANTES NO CÁRCERE Iris Aparecida Pedra Souza ..............................................................................................................................................................................185 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: o princípio do consentimento livre e esclarecido como legitimação do ato médico Isabela Arícia Ferreira da Silva ........................................................................................................................................................................189 A LIMITAÇÃO DO PODER FAMILIAR FACE ÀS MEDIDAS CORRETIVAS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES Isabella Zuim de Souza ...................................................................................................................................................................................197 AS PENAS E A RESSOCIALIZAÇÃO DENTRO DE UM SISTEMA PRISIONAL Isabel Cristina de Souza Castro Santos ..........................................................................................................................................................210 A FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA DA PENA DE PRISÃO E AS DIFICULDADES PARA REINSERÇÃO DO EX DETENTO NO MERCADO DE TRABALHO Jéssica Libânio Matos Diniz ............................................................................................................................................................................220 A JUSTA CAUSA COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO PENAL Jéssica Mello Araújo .......................................................................................................................................................................................226 JUSTIÇA RESTAURATIVA, ATRAVÉS DA MEDIAÇÃO, COMO ALTERNATIVA AO ADOLESCENTE INFRATOR João Níkolas Vieira Guimarães .......................................................................................................................................................................133 DELAÇÃO PREMIADA: os contornos da delação premiada no Direito Brasileiro João Paulo Matavelli Perfeito ...........................................................................................................................................................................240 PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA: possibilidade de isenção de impostos como forma de incentivo José Domingues Barbosa ...............................................................................................................................................................................247 PLAUSIBIDADE DA TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE NO ÂMBITO CONSUMERISTA Jucilene Indianara Rodrigues da Silveira ........................................................................................................................................................255 EUTANÁSIA: A FALTA DE REGULAMENTAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Karina Pereira Claudino Schubert ..................................................................................................................................................................262

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HOLDING FAMILIAR: Planejamento Sucessório para Produtores Rurais Keila Saúde Caires ...............................................................................................................................................................................................267 UMA ANÁLISE PROSPECTIVA DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA: FUNDAMENTOS E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS Laís César Jardim.................................................................................................................................................................................................275 PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO: aplicação e eficácia social no sistema jurídico atual Larissa Márcia Ribeiro Pinto .................................................................................................................................................................................281 COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR E A HIPOSSUFICIÊNCIA DO EMPREGADO MIGRANTE Lívia Tavares Passos ............................................................................................................................................................................................286 A VERDADE É FILHA DO TEMPO? A EFETIVIDADE DAS PROVAS EXTEMPORÂNEAS NOS CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES Lorena de Souza Pereira.......................................................................................................................................................................................292 A PLAUSIBILIDADE DOS DANOS PUNITIVOS NO CENÁRIO CONTRATUAL BRASILEIRO Lorena Karen Sampaio da Costa ........................................................................................................................................................................299 NOVOS RUMOS DO DIREITO BRASILEIRO Lucas Souza Werlang ..........................................................................................................................................................................................306 DESAPOSENTAÇÃO: em defesa do direito a uma aposentadoria mais digna Luiz Felipe Costa Vidal .........................................................................................................................................................................................311 EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE CONDENAÇÃO CRIMINAL Manuela Lima Tavares .........................................................................................................................................................................................316 FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS COMO FORMA DE CONSERVAR O EMPREGO EM MEIO À CRISE Mariane de Oliveira Carvalho Garcia ...................................................................................................................................................................324 APLICAÇÃO DA TEORIA FAILING COMPANY DEFENSE NOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO DECORRENTES DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL: a primazia do princípio da recuperação da empresa em detrimento do princípio da livre-concorrência Mariana Pereira Godoy ........................................................................................................................................................................................333 A revogação da Isenção e a observância aos princípios da anterioridade e da noventena Matheus de Souza Ribeiro ...................................................................................................................................................................................342 SCANDAL: O ILIBADO DISCURSO DA IGNORÂNCIA Maximiliam Barroso Mello ....................................................................................................................................................................................348 AS ALTERAÇÕES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 PELA LEI 13.146/15 - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E SEUS REFLEXOS NO CASAMENTO Mayara Mazzoni Rodrigues .................................................................................................................................................................................356 PONDERAÇÕES ACERCA DO PRINCIPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES EM RELAÇÃO AOS CRITÉRIOS CONSTITUCIONAIS DE NOMEAÇÃO E SABATINA DOS MINISTROS DO STF Michelle Cristina Assis de Andrade .....................................................................................................................................................................364 LIMITES AO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR: a revista pessoal no ambiente de trabalho Priscilla Oliveira Camilo dos Santos .................................................................................................................................................................... 371 DINAMIZAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: a (in)aplicabilidade nas relações de consumo Rafael Damacena Lima ........................................................................................................................................................................................378

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ANÁLISE CRÍTICA DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES MILITARES Raphael Araújo Silva ............................................................................................................................................................................................386 O DIREITO SUCESSÓRIO NA UNIÃO ESTÁVEL: A (in) constitucionalidade do artigo 1.790 Do Código Civil Rayane Coelho Rodrigues da Silva .....................................................................................................................................................................394 POSSIBILIDADE DE PENHORA DE VERBAS ALIMENTARES NO PROCESSO DO TRABALHO: choque de direitos fundamentais Rayka Bárbara Moreira ........................................................................................................................................................................................399 INCONGRUÊNCIAS NORMATIVAS DO NOVO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO QUE TANGE A INCAPACIDADE CIVIL Renata Morais Miranda .......................................................................................................................................................................................404 O DIREITO DO HOMEM SOBRE O PRÓPRIO MATERIAL GENÉTICO Talles Caique Damasceno da Silva ....................................................................................................................................................................411 A UTILIZAÇÃO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO Thais Soares Gelmini ...........................................................................................................................................................................................417 AS FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS NO DIREITO BRASILEIRO Thiago de Lima Soares .......................................................................................................................................................................................422 CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE Vivian Hellen Teixeira Santana .............................................................................................................................................................................428 O CRIME AMBIENTAL E SUA IMPUTAÇÃO A PESSOA JURIDICA NO BRASIL APÓS A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Wellington Fernandes da Silva.............................................................................................................................................................................433 PESQUISA SATISFAÇÃO DO CORPO DISCENTE .............................................................................................................................................443

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OS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS Amanda Aparecida de Souza Moura 1

Resumo: O presente trabalho terá como escopo tratar acerca da necessidade e da importância do Código Civil Brasileiro deixar de reconhecer o animal como uma coisa passando a entendê-lo como um sujeito de direitos. O nosso Código é dividido em dois regimes,o das relações jurídicas de bens e o de pessoas, não contendo assim uma categoria para se tratar a respeito do animal, que é um ser não humano capaz de sentir dor, frio, fome,alegria, portanto,digno de ter seu bem-estar protegido, visto que não é um simples objeto a ser manejado de qualquer forma.Será tratado e terá grande relevância para o trabalho o Projeto de Lei nº 351/2015, de autoria do Senador mineiro AntonioAnastasia, que propõe uma mudança nos artigos 82 e 83 do Código Civil, deixando assim os animais de serem reconhecidos como coisas. Cumpre ainda salientar que o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos dos Animais que estabelece aos animais o direito à existência, ao respeito, à cura, à proteção, entre outros. Palavras-chave: Animais. Reconhecimento. Sujeito de direitos.

1 INTRODUÇÃO O presente artigo científico terá como objetivo tratar acerca da necessidade e também da importância do Código Civil Brasileiro deixar de reconhecer o animal como coisa, passando a compreendê-lo como um sujeito dotado de direitos. O Código Civil Brasileiro é dividido em dois regimes para a regulamentação das relações jurídicas: o de bens e o de pessoas, sendo também dividido em uma parte Geral e outra Especial. A parte Geral trata das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos, enquanto a parte Especial trata do direito das obrigações, direitos da empresa, das coisas, do direito de família e das sucessões. O animal está tutelado pela parte direcionada aos bens, ou seja, não há uma proteção específica para ele no Código Civil. Dessa forma, o animal é tratado como um objeto na mão de seu proprietário, tendo este resguardo do ordenamento jurídico,mas não o ser não humano,uma vez que é um simples objeto da relação jurídica,compreendido como semovente e não como um sujeito de direitos. Portanto, no Código Civil não contém uma categoria para se tratar a respeito do animal, que é um ser senciente capaz de sentir dor, frio, fome, alegria, por isso digno de ter seu bem-estar protegido, não sendo um simples objeto a ser manejado de qualquer forma. A princípio, será necessário tratar acerca dos conceitos de sujeito de direito, de pessoa e de personalidade para que haja uma melhor demonstração e compreensão arespeito do que se deseja com a presente escrita, fazendo ressalvas em relação às divergências doutrinárias existentes no que tange a esses conceitos. Faz-se necessáriotambém ressaltar quão ultrapassada encontra-se a ideia de ser o animal considerado uma coisa, um objeto - conforme ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, buscar-se-á demonstrar que, como em outras matérias, o Direito transforma-se conforme a evolução da própria sociedade, logo, isso também se faz necessário no que diz respeito ao tratamento recebido no Brasil pelo animal. Fato de grande relevância para o presente trabalho é o estudo a respeito da condição jurídica atual do animal no ordenamento jurídico brasileiro, buscando relatar as normas, as leis em vigor no país que tratam da proteção do ser não humano. Cumpre a princípio salientar que o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos dos Animais que estabelece aos animais o direito à existência, ao respeito, à cura, à proteção,entre outros.

Além do mais, o art.225, §1º, VII da Constituição Federal tutela a fauna e a flora,impedindo,nas formas em que a lei estabelecer,qualquer prática que coloque em risco a ecologia,que provoque a extinção das espécies ou submeta os animais à crueldade. Importante aspecto a ser tratado diz respeito ao Projeto de Lei 351/2015 de autoria do Senador Antônio Anastasia, que propõe mudanças nos artigos 82 e 83 do Código Civil, sendo acrescido ao art.82 um parágrafo único definindo que os animais não serão considerados coisa e um inciso no art.83(inciso IV) definindo que, salvo disposto em contrário em lei especial, para efeitos legais, eles serão considerados como bens móveis. A escrita do presente trabalho se faz necessária, além do já exposto, pela necessidade e importância de tornar a causa animal cada vez mais em evidência para que seja reconhecida de maneira geral, fazendo com que todos tenham consciência da sua importância. 2 CONCEITOS JURÍDICOS DE SUJEITO, PESSOA E PERSONALIDADE A priori, é necessária uma análise dos conceitos de sujeito, pessoa e personalidade, uma vez que eles serão os norteadores do presente trabalho, tendo estes função basilar, fazendo-se necessário também para que seja feita uma delimitação acerca do que será trabalhado no presente artigo. De início, é importante salientarmos que a doutrina diverge a respeito desses conceitos. Há doutrinadores que entendem que um seria sinônimo do outro, já outros os entendem como conceitos distintos. Claudio Henrique Ribeiro da Silva, em seu artigo Apontamentos para uma Teoria dos Entes Despersonalizados, denomina o entendimento de que sujeitos de direito e pessoa têm o mesmo significado como Teoria da Equiparação. (SILVA, 2005). Conforme nos ensina Cesar Fiuza e Bruno Gontijo: Pessoa é o ente dotado de certas características conferidas pelo ordenamento jurídico, em virtude das quais passa a participar, ativa e passivamente, da vida política, econômica e social de determinado Estado, na condição de titular de direitos e deveres. (FIUZA e GONTIJO, 2015, pag. 59). Pessoa, para o Direito, pode ser tanto natural (física) ou jurídica. A pessoa física seria o ente humano.

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Como leciona Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves: A pessoa natural é gente,é o ser humano com vida,aquele ente dotado de estrutura biopsicológica,pertencente à natureza humana.Daí a denominação abraçada pelo Texto positivado:pessoa natural,isto é, aquele que pode assumir obrigações e titularizar direitos.(FARIAS e ROSENVALD, 2015, pag.257). A pessoa jurídica, por sua vez, é uma junção de pessoas físicas e/ou de patrimônio buscando um fim comum, atribuindo a lei assim, a esses entes que se unem, personalidade e capacidade jurídica. A personalidade, conforme expresso no art. 2º do Código Civil, inicia-se com o nascimento com vida, colocando-se a salvo desde então os direitos do nascituro. No que diz respeito à personalidade, existem três teorias: A Teoria Concepcionista, em que a personalidade, como o próprio nome diz, tem início na concepção, no momento em que ocorre a gravidez, ou seja, para essa teoria a personalidade é adquirida desde o momento de sua concepção. Para a Teoria Natalista, a personalidade civil é adquirida pelo nascimento com vida. Essa teoria é a prevalecente entre os doutrinadores brasileiros. Por fim, a Teoria da Personalidade Condicional ou Teoria Condicionalista, em que o nascituro adquire a personalidade se sobrevier uma condição, que seria o nascimento com vida. Em outras palavras, para que a personalidade seja adquirida é necessário que sobrevenha uma condição, que é o nascimento com vida. O conceito de personalidade em seus primórdios vem do latim denominado persona. Na linguagem teatral romana significava a máscara utilizada por cada autor, que remetia a seu personagem e posteriormente aopapel desempenhado por cada um na sociedade. Vale ressaltar, entretanto, que nem todosos seres humanos eram possuidores da dita personalidade, tendo em vista que os escravos eram tratados como mera mercadoria. (FIUZA,2013,pag.3 e 4). Nos dias atuais, existem pessoas dotadas de personalidade que, no entanto, não são humanas, como é o caso das pessoas jurídicas. Conforme Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: Personalidade Jurídica, portanto, para a Teoria Geral do Direito Civil é a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações, ou em outras palavras é o atributo necessário para ser sujeito de direito. Adquirida a personalidade,o ente passa a atuar na qualidade de sujeito de direito(pessoa natural ou jurídica) praticando atos e negócios jurídicos dos mais diferentes matizes. (GARGALIANO e FILHO,2014,pag.128). Já conforme Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves: Com esteio na avançada visão civilconstitucional, a personalidade jurídica é atributo reconhecido a uma pessoa (natural ou jurídica) para que possa atuar no plano jurídico (titularizando as mais diversas relações) e reclamar uma proteção jurídica mínima, básica, reconhecida pelos direitos de personalidade. (FARIAS e ROSENVALD, 2015, pag.135). Enquanto sujeito de direitos é o ente para o qual são conferidos direitos e deveres. Conforme nos ensina Cesar Fiuza: Em sua essência, sujeito de direitos são todos os entes jurídicos que gozam de direitos e possuem deveres na ordem jurídica. Não necessariamente serão pessoas, embora ontologicamente as pessoas sejam sujeitos de direitos. (FIUZA, 2013 pag.18).

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Observa-se, portanto, nos dizeres de Fiuza, que os sujeitos de direitos não são necessariamente pessoas, considerando-se assim sujeitos de direitos todo ente para o qual a lei emana direitos e deveres, não importando se é uma pessoa ou um ente desprovido de personalidade. 3 A NATUREZA JURÍDICA DO ANIMAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO No ordenamento jurídico brasileiro, mesmo sendo possuidor de proteção, é o animal considerado um objeto, uma coisa, sendo tratado da forma como melhor entender seu proprietário. Grande divergência gira em torno de ser o animal um objeto de direito ou um sujeito de direito. Existem duas correntes que abordam o tema: a corrente Utilitarista, liderada por Peter Singer, e a corrente Abolicionista, sendo esta liderada por Tom Reagan. Argumenta a corrente Utilitarista que se deve levar em conta o princípio da justiça, uma vez que são os animais seres sencientes, ou seja, são seres capazes de sentir dor, fome, alegria e, por isso, merecedores de consideração, assim como os ditos seres humanos. Já a corrente Abolicionista argumenta sobreos direitos fundamentais que são atribuídos aos seres vivos. (LARA e SALES, 2015, pag.473). A corrente Utilitarista foi iniciada pela doutrina de Jeremy Benthame tem como um de seus seguidores o filósofo Peter Singer. Como mencionado acima, essa corrente baseia-se na capacidade do animal em sofrer, devendo, por isso, ter seus interesses levados em consideração assim como os do homem. Já a corrente Abolicionista, liderada por Tom Reagan, defende a abolição do uso dos animais para qualquer fim pelo homem,uma vez que aqueles são possuidores de direitos a eles inerentes,sendo defendidos pelo homemcomo sujeitos de uma vida. Além do mais, no que tange ao meio ambiente, ainda encontramos duas correntes acerca do tema,a corrente Antropocêntrica e a corrente Biocêntrica.Na corrente Antropocêntrica, o homem é o centro do universo, enquanto na Biocêntrica, também chamada de Ecocêntrica, a atenção se volta para a Terra,sendo o meio ambiente considerado importante para a sobrevivência do ser humano.Na corrente Antropocêntrica encontra-se a presença do chamado especismo, que seria a consideração da superioridade da espécie humana sobre as demais,sendo justificado assim qualquer tipo de ato atroz em desfavor dos ditos seres inferiores.(KURATOMI,2011). O ser não humano para o Código Civil é um bem semovente, ou seja, um bem capaz de se locomover sozinho. Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona nos ensinam: Os semoventes são os bens que se movem de um lugar para o outro, por movimento próprio, como é o caso dos animais. Sua disciplina jurídica é a mesma dos bens móveis por sua natureza, sendo-lhes aplicáveis todas as suas regras correspondentes. (GAGLIANO e FILHO, 2014, pag.316). Em seu art.82 determina o Código Civil que os bens capazes de movimento próprio ou de remoção por força alheia, sem que haja alteração da sua substância ou da sua destinação econômico-social, são considerados bens móveis. Nos dizeres do Código Civil de 2002 “Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.” (BRASIL, 2002). Ou seja, conforme menciona o referido artigo,os seres semoventes,são considerados para o Direito como bens móveis-sendo uma coisa semovente nos casos em que possuem proprietário. Nos casos em que isso não ocorre, ou seja, quando há res nullius (coisa

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de ninguém), o animal torna-se passível de apropriação por qualquer pessoa. (LEITE,2013). Define o artigo 1.263 do Código Civil de 2002: “Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.” (BRASIL, 2002). Então, como podemos observar, para o Código Civil, o animal ainda é tratado como uma coisa, mesmo que alguns doutrinadores, juristas e a própria população já entendam de forma diversa desta, existindo inclusive um projeto de lei que trata acerca da mudança de tal percepção, assunto que será abordado mais adiante. Portanto, nenhuma proteção está assegurada aos animais, uma vez que, conforme consta seria o animal um objeto, uma coisa, constituindo assim uma propriedade humana, que só teria proteção por esse fim. 4 O ANIMAL COMO SUJEITO DE DIREITOS Os seres não humanos desde os primórdios sempre foram usados em favor do homem, em seu benefício e em sua conveniência, sendo sempre tratados como objetos de patrimônio humano,de livre manejo, capazes de satisfazer suas vontades naquilo que atendiam, assim como ocorria com os escravos.Isso acontecia baseado no preceito bíblico de que os animais eram seres desprovidos de alma. Com a evolução da sociedade, tal situação começou a se fazer arcaica, gerando discussões a respeito do assunto. Importante salientar desde já que o Direito evolui conforme a evolução da própria sociedade, não sendo essa uma ciência estática, devendo absorver as mudanças da sociedade conforme mudam e evoluemas atitudes e os pensamentos dos indivíduos que a constituem. O Direito não deve e não pode se manter inerte somente porque um fato não foi previsto,ou foi previsto de forma diferente do que pensa a sociedade,ele deve, nos limites da lei, adequar-se a ela.Portanto, deve o Direito permanecer sempre em alerta para com a evolução da sociedade,para que possa junto com ela adequar a novos tempos e pensamentos, respeitando obviamente o ordenamento jurídico como um todo.

humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo; Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros; Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante; Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais. (UNESCO, 1978). Em seu artigo 2º, estabelece a Declaração que cada animal é possuidor de direito ao respeito, e que o homem, como espécie animal que é, não pode atribuir a si mesmo o direito de exterminar as outras espécies de animais existentes ou então explorá-los,ferindo assim o direito ao respeito que lhes é atribuído.Estabelece também que cada animal tem o direito à consideração,à cura e à proteção do animal chamado homem.Conforme o artigo referido: Art.2º: 1.Todo o animal tem o direito a ser respeitado. 2.O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais. 3.Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem. (UNESCO, 1978). O art.3º prevê que nenhuma espécie animal deva ser submetida a atos cruéis e de maus tratos. Caso sua morte seja necessária, ela deverá ocorrer de maneira instantânea e sem que haja dor ou angústia para o animal. Ademais, prevê o art.6º que todo o ser não humano que o homem escolheu para ser o seu companheirotem que ter seus direitos resguardados, como direito a uma vida digna e ao não abandono. Este é caracterizado como um ato degradante cruel. Colacionam-se, a seguir, os referidos artigos de lei: Artigo3º: 1. Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2. Se for necessário matar um animal, ele deve ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia. (UNESCO, 1978).

Nos dizeres de Fiuza “Nesse sentido, o Direito deve estar sempre se refazendo, de acordo com a mobilidade social, pois só assim será instrumento eficaz na garantia do equilíbrio e da harmonia social.” (FIUZA,2010,pag.2). O Brasil, conforme já mencionado, é membro signatário da Declaração Universal do Direito dos Animais, que fora proclamada pela UNESCO, órgão da ONU, fato que ocorreu em Bruxelas no ano de 1978. Essa é uma forma de proteção internacional concedida aos animais, que em seu texto confere a eles proteção à vida, à existência digna,bem como a não crueldade,entre outros direitos.Além disso, estabelece que todos os animais nascem iguais perante a vida,tendo estes o mesmo direito à existência,devendo esta ser digna. Logo em seu preâmbulo, estabelece a Declaração Universal dos Direitos dos Animais que todos os animais são possuidores de direitos, e que, levando em conta diversos fatos, inclusive o desconhecimento e o desprezo desses direitos que levam o homem a praticar atos de crueldade contra a espécie animal, e a necessidade de educação desde a infância acerca desses direitos. Faz-se necessário proclamar a referida Declaração:

Artigo6º: 1. Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural. 2. O abandono de um animal é um ato cruel e degradante. (UNESCO, 1978). Ao todo são quatorze artigos presentes na Declaração que estabelecem uma proteção internacional ao animal, tratando acerca da espécie, dos maus tratados,do abandono,dentre outros assuntos relacionados à proteção animal. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, estabeleceu uma proteção à fauna, ou seja,ao animal, e também à flora,que são as plantas. Colaciona-se o referido artigo:

Preâmbulo: Considerando que todo o animal possui direitos; Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza; Considerando que o reconhecimento pela espécie

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Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal MatoGrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas. (BRASIL,1998) Portanto, conforme o § 1º, inciso VII do artigo supramencionado, é incumbido ao poder público o dever de proteção dos animais, ocorrendo uma vedação dos atos que coloquem de alguma forma em risco a ecologia e também que venham a provocar a extinção das espécies ou então que submetam os animais a práticas de crueldade, estabelecendo que todos são possuidores de um meio ambiente saudável. A dúvida de muitos paira no fatode essa previsão constitucional ser uma proteção direcionada ao homem, ou ao animal, uma vez que essa proteção estaria ligada à necessidade de ter o homem um meio ambiente equilibrado e não ao direito dos animais de terem uma vida digna, com respeito e livre da crueldade. Alguns ainda discutem se na palavra todos, além do ser humano, também estariam inclusos os animais. Outra importante lei de proteção da causa animal no Brasil é a Lei Federal nº 9.605/98, a Lei de Crimes Ambientais, que estabelece como crime todo ato que cause algum dano aos componentes do meio ambiente, como os animais, a flora, os recursos naturais e também o patrimônio cultural. Estabelece a referida lei que é crime maltratar e se valer de experiências que causem dor ou que sejam cruéis aos animais. Informanos o art.32 da mencionada lei: Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. (BRASIL, 1998). Como podemos observar, a pena estabelecida é de no máximo um ano,sendo considerado, portanto, um crime de menor potencial ofensivo em conformidade com a Lei 9.099/98, estando então passível de suspensão condicional do processo,ou seja,é uma pena que pode ser convertida, por exemplo, em pagamento de cestas básicas,não ocorrendo assim a detenção do agente. Um importante trecho, retirado da Revista Letras Jurídicas, acerca dos maus tratos em desfavor dos animais e suas penas merece ser citado: Os crimes contra animais têm penas brandas e não temse mostrado eficaz para coibir esse tipo de ilícito. Também não há uma investigação eficaz para solucionar os delitos. Na prática percebe-se que muitos animais sofrem com maus tratos e atos de crueldade, e que aplicação da lei ainda é muito precária. Nota-se que os seres humanos, embora estejam evoluindo no que tange à proteção dos animais, ainda criam leis que regulamentam situações em que é possível a exploração de animais. (OLIVEIRA e BRAGA, 2016). Já está comprovado pela ciência que os animais são seres chamados de sencientes,ou seja,são seres dotados de capacidade de sentir,de perceber através dos sentidos.São atribuídos a eles dor,fome,frio,alegria,sendo isso, para muitos, justificativa suficiente para conferir aos animais a condição de sujeito de direitos,para que a eles sejam conferida alguma consideração. Leciona Edna Cardoso que: O animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Um dos argumentos mais comuns para a defesa desta concepção é o de que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e podem comparecer em Juízo para pleitear esses direitos, também os animais tornamse sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. (DIAS, 2005,pag.01). Claudio Henrique Ribeiro da Silva utiliza-se da teoria dos entes despersonalizados para conferir aos animais o título de sujeitos de direitos. De acordo com ele: A doutrina processual tem reconhecido aos entes despersonalizados a qualidade de legitimados ordinários para figurarem na relação processual, até mesmo pela inviabilidade de se aplicar a hipótese de legitimação extraordinária a todas as situações em que se pode deparar com um ente despersonalizado no pólo da relação processual. Assim, sendo, ainda que sem aprofundar as conseqüências do entendimento, a doutrina processual vem reconhecendo, muito mais do que a material, que certos entes despersonalizados são sujeitos de direitos, e, nesta qualidade, aptos a figurar em um dos pólos da relação jurídica processual. (SILVA, 2005, pag.182). Ente despersonalizado seria aquele desprovido de personalidade, que não é uma pessoa, entretanto é um sujeito de direito capaz de contrair direitos, deveres e obrigações com uma limitação feita pela legislação que ocorre também devido a sua própria natureza (SILVA,

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2005, pag.186a188). Portanto, com a Teoria da Despersonalização, cria-se uma contraposição à chamada Teoria da Equiparação, já explicada no tópico acima, em que o sujeito de direito e pessoas possuem necessariamente o mesmo conceito, sendo a pessoa o único ser dotado de direitos. Entretanto, faz-se necessário respeitosamente discordar de um ponto da Teoria dos Entes Despersonalizados, uma vez que não se deve atribuir aos seres irracionais o cumprimento de deveres na seara jurídica, tendo em vista que eles já cumprem um dever sociocultural perante a sociedade. Foi aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) o Projeto de Lei 351/2015, de autoria do senador mineiro Antônio Anastasia, que prevê em seu texto a alteração dos artigos 82 e inciso IV do artigo 83do Código Civil de 2002 deixando assim os animais de serem considerados como coisas. No artigo 82 foi aprovado que será acrescido um parágrafo único que estabelecerá que: “Os animais não serão considerados coisas”. Grande evolução se daria em nosso direito nos termos do Código Civil com tal aprovação, tendo em vista que os animais não mais seriam considerados como coisas, não restando assim mais discussões acerca do tema,passando o ser não humano a ser considerado pelo Código Civil como bem,uma vez que o mesmo não possui cunho patrimonial. Ao artigo 83, que em seu caput dispõe acerca dos bens que serão considerados móveis para os efeitos legais, seria acrescido inciso IV estabelecendo que os animais, salvo o disposto em lei especial, seriam considerados como tal. O Projeto de Leitraz em sua justificação os motivos atinentes à necessidade da referida alteração, demonstrando a mudança que já ocorreu em alguns países europeus que modificaram e já possuem previsões em seus respectivos códigos a respeito de não serem mais os animais considerados como coisas, mesmo que, quando não haja lei específica para tratar a seu respeito,seja esse regulado pelas normas que regem os bens móveis. Ressalta-se trecho do Projeto de Lei 351/2015 que fala justamente da mudança ocorrida na legislação dos países europeus: Alguns países europeus avançaram em sua legislação e já alteraram os seus Códigos, fazendo constar expressamente que os animais não são coisas ou objetos, embora regidos, caso não haja lei específica, pelas regras atinentes aos bens móveis. Isso representa um avanço que pode redundar no reconhecimento de que os animais, ainda que não sejam reconhecidos como pessoas naturais, não são objetos ou coisas. Os países pioneiros na alteração da natureza jurídica dos animais são a Suíça, a Alemanha, a Áustria, e a França. Os três primeiros fazem constar de seus Códigos que os animais não são coisas ou objetos. (BRASIL, PROJETO DE LEI 351/2015). Vale ainda ressaltar três mudanças que ocorreram em países europeus e que se encontram expressas na justificação do Projeto de Lei. No mesmo sentido, o Código Civil Alemão - § 90ª do BGB - desde 1990 reconhece a categoria jurídica “animais” que é intermediária entre “coisas” e “pessoas”. Na Áustria, o artigo 285ª do Código Civil Austríaco ABGB (AllgemeinesBügerlichesGesetzbuch), que data de 1º de Julho de 1988, dispõe expressamente que os animais não são objetos, são protegidos por leis especiais e as leis que dispuserem sobre objetos não se aplicam aos animais exceto se houver disposição em contrário. A França, que alterou o Código Civil mais recentemente, em 28 de janeiro de 2015, foi o país que fez alteração mais incisiva. Isso porque a legislação francesa, diferente das anteriormente mencionadas, introdu-

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ziu uma proteção afirmativa, fazendo constar que os animais são seres vivos dotados de sensibilidade. Não obstante a proposta que ora submetemos não se alinhe com a legislação francesa, consideramos que a medida é um grande passo para uma mudança de paradigma jurídico em relação aos animais, mesmo os tratando como bens. Isso porque partimos da premissa que no Brasil, juridicamente, “bem” está ligado à idéia de direitos sem, necessariamente, caráter econômico, ao passo que “coisa” está diretamente ligada à idéia de utilidade patrimonial. (BRASIL, PROJETO DE LEI 351/2015). Faz-se importante uma diferenciação para melhor entendimento da alteração proposta entre os significados de bem e coisa, tendo em vista que, mesmo que pareçam, as duas não possuem o mesmo significado, entretanto cumpre informar que há divergência doutrinária quanto à questão. Ademais, cumpre mencionar que foi adotado pelo Senador Antônio Anastasia, para elaboração do Projeto de Lei, o entendimento de que bem é gênero e coisa espécie. Bem seria tudo o que é útile que não possui cunho econômico, patrimonial. Já coisa é todo bem passível de conteúdo econômico. Nos dizeres de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald: “Com efeito, coisa apresenta-se como todo objeto matéria susceptível de valor, enquanto bem assume feição mais ampla”. (CHAVES E ROSENVALD 2015, pag422). César Fiuza nos diz que: “Bem é tudo aquilo que é útil às pessoas.Coisa,para o Direito,é todo bem econômico,dotado de existência autônoma, e capaz de ser subordinado ao domínio das pessoas.” (FIUZA,2010, pag.183). O relator do Projeto de Lei nº351/2015, o Senador Álvaro Dias,em seu parecer favorável acerca da aprovação do projeto, argumentou a favor: Conforme aludido, já temos amparo constitucional para a aprovação do projeto, bem como já estão em vigor diversas leis que garantam a proteção do bem-estar, da saúde e da integridade física dos animais, sem deixar de mencionar que foram disciplinadas várias condutas humanas e atividades econômicas em busca dessas garantias, o que realizaria, em última análise, a interface entre o desenvolvimento econômico e social e a proteção, defesa e saúde das espécies animais. (BRASIL, RELATÓRIO PROJETO DE LEI 351/2015). O referido Projeto de Lei, conforme já falado, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, a CCJ, e agora fora encaminhado para Câmara dos Deputados onde se encontra pendente de votação até o presente momento,necessária se fazendo, pelos motivos acima expostos,que haja sua aprovação pelos representantes do povo,para que possamos garantir um melhor tratamento direcionado ao animal pelo nosso Código Civil vigente. 5 CONCLUSÃO Diante do que fora exposto, conclui-se que, apesar de encontrarmos na doutrina divergência quanto a conceitos, não se deve levar em consideração a Teoria da Equiparação, em que sujeito de direito e pessoa significam a mesma coisa. Observa-se que hoje há uma teoria em construção e que a ela se contrapõe a Teoria dos Entes Despersonalizados,que é uma corrente que atribui ao ente que é desprovido de personalidade a capacidade de ser um sujeito de direitos. Entretanto, é importante ressaltar que aos animais não se deve atribuir deveres no âmbito jurídico, uma vez que são seres irracionais e já cumprem seu papel sociocultural perante a sociedade. Ademais, observa-se que o Código Civil Brasileiro é dividido em dois regimes,o de bens e o de pessoas,inexistindo um que trate acer-

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ca da tutela dos animais.O Código Civil não traz uma proteção específica para o animal, este é compreendido como um ser semovente, uma vez que é dotado de capacidade de locomoção própria, e não como um sujeito possuidor de direitos,sendo o animal um simples objeto da relação jurídica mesmo sendo um ser senciente,ou seja,é capaz de sentir dor, frio, fome e alegria. Com o presente estudo entende-se que toda pessoa é um ser sujeito de direitos, entretanto nem todo sujeito de direitos é necessariamente uma pessoa. Há duas correntes que tratam dessa questão, a Utilitarista e a Abolicionista. A corrente Utilitarista leva em consideração a capacidade do animal em sofrer, devendo, por isso, ter seus direitos levados em consideração. A corrente Abolicionista defende que se deva erradicar o uso do animal para qualquer fim, uma vez que ele é possuidorde direitos a ele inerentes. O Direito, como é sabido,evolui conjuntamente com a sociedade,e necessário se faz sua evolução também na questão animal.O Direito não pode quedar-se inerte perante as mudanças sociais,seja porque um fato não foi previsto ou porque foi previsto de forma diferente.Se o pensamento da sociedade muda, o Direito também deve mudar,obviamente respeitando os limites da legalidade. Possui o animal proteção concedida pela Declaração Universal do Direito dos Animais, da Constituição Federal e de algumas leis como a Lei de Crimes Ambientais. Entretanto, o Código Civil trata-o como um mero objeto,uma coisa, denominado de semovente, conforme já mencionado,não merecendo,de acordocom o Código, proteção para seu próprio fim,e sim por causa daqueles que o têm em sua propriedade,por isso surge a necessidade de alteração do referido Código, umavez que não se trata o animal de um objeto e sim de um ser senciente capaz de sentir e expressar os mais diversos sentimentos e sentidos. O animal merece proteção,por ser um ser vivo como qualquer outro existente,e é merecedor dessa proteção por si mesmo e não por ser propriedade de alguém,por isso deve ser deixado de ser tratado como uma coisa,como um objeto de livre manejo, fazendo-se necessária, portanto, a aprovação do Projeto de Lei 351/2015 de autoria do senador mineiro AntonioAnastasia,que, como já dito, prevê alteração no artigo 82 e 83 do Código Civil,passando assim o animal a não ser mais considerado como uma coisa. Alguns países europeus, como a Suíça e a Alemanha, já mudaram suas legislações,constando em seus códigos que os animais não são coisas, constituindo assim um grande avanço e modelo a ser seguido por outros países.Já a França fez constar em seu código que o animal é um ser vivo dotado de sensibilidade. É importante deixar claro que não se busca direitos iguais ou maiores aos dos humanos, e sim criar direitos aos animais, uma vez que eles são seres vivos com capacidade de sentire merecedores de direitos, assim como qualquer ser existente.Alguns direitos já se encontramtitularizados pelos seres não humanos.Como fora exposto, estes possuem proteção perante a Constituição Federal em seu art.225 e na Lei Federal nº 9605/98, a Lei de Crimes Ambientais.Trata a Declaração de conceder aos animais uma proteção a nível internacional estabelecendo que a sua espécie tem direito a uma vida digna,com respeito,não degradante, não devendo os animais serem explorados pelos seres humanos.A Constituição Federal veda atos que coloquem em risco a ecologia e que também possam vir a provocar a extinção de espécies,ou que submeta os animais a alguma prática que envolva crueldade,determinando que todos devem viver em um meio ambiente saudável.Já a Lei de Crimes Ambientais estabelece uma pena a todo aquele que cause algum dano ao meio ambiente,seja esse um ato de abuso,de maus tratos, de mutilação em desfavor

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dos animais de qualquer espécie. Faz-se necessário, portanto, atribuir, e também respeitar, os direitos titularizados aos animais.Respeitar os direitos já existentes e trazer cada vez mais proteçãoa eles,uma vez que são dignos de terem seu bem-estar protegidos,tendo uma existência digna,livre da maldade humana.Por isso,é necessário a aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 351/2015,tendo em vista que os animais não podem ser tratados como coisas,como meros objetos de propriedade humana, já que as leis existentes, inclusive a Constituição Federal, atribuem a eles direitos. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Fábio. São os animais sujeitos de direito? .21 out 2013. Disponível em:<http://www.criticaconstitucional.com/sao-os-animais-sujeitos-de-direito/>. Acesso em : novembro de 2015. ARGOLO, Taina Cima. Os animais não humanos encarados como sujeitos de direitos diante do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Disponível em: http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/animaisn_ohumanosencaradoscomosujeitosdedireitosdiantedoordenamentojurdicobrasileiro.pdf> Acesso em: fevereiro de 2016. BRASIL. Constituição Federal de 1998. Disponível em :<http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: novembro de 2015. BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ L10406.htm>.Acesso em : novembro de 2016. BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Lei de Crimes ambientais. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605. htm>.Acesso em: novembro de 2015. Centro Universitário Newton Paiva – Normas Jurídicas Disponível em<http://npa.newtonpaiva.br/letrasjuridicas/?page_id=20> Acesso em: setembro 2015. COSTA, Beatriz Souza, REIS, Émilien Vilas Boas. Animais: Sem deixar a sombra dos homens para a garantia de seus direitos. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=006c64491cb8acf2>. Acesso em março de 2016. DIAS, Edna Cardozo. Os animais como sujeitos de direito. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 897, 17 dez. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7667>. Leia mais: http://jus.com.br/ artigos/7667/os-animais-como-sujeitos-de-direito#ixzz3rVVDmdGk. Acesso em: novembro 2015. DIAS, Edna Cardoso. A defesa dos animais e as conquistas legislativas do movimento de proteção animal no Brasil.Disponível em: http:// ambientes.ambientebrasil.com.br/fauna/artigos/a_defesa_dos_animais_e_as_conquistas_legislativas_do_movimento_de_protecao_ animal_no_brasil.html. Acesso em: novembro 2015. FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil volume 1 Parte geral e LINDB.13ed.2015.Ed. Atlas. São Paulo. FIUZA, César.Direito Civil Curso Completo.Ed Del Rey.17ª edição.2014. FIUZA, César. Direito Civil Curso Completo.Ed Revista dos Tribu-

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Banca Examinadora Paula Maria Tecles Lara (Orientadora) Núbia Elizabette de Jesus Paula (Examinadora)

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MONITORAMENTO NO AMBIENTE DE TRABALHO COM O USO DE CÂMERAS Ana Paula Campos Machado1

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo primordial analisar o monitoramento no ambiente de trabalho com o uso de câmeras sob a égide de princípios, deveres e garantias fundamentais. Este meio fiscalizatório representa uma novidade trazida com os avanços tecnológicos, objetivando beneficiar tanto o empregado como o empregador, proporcionando segurança e proteção na relação laboral. Porém, cabe salientar que a fiscalização deve respeitar o limite do razoável presente no princípio da dignidade humana, para que o poder diretivo não se torne abusivo e consequentemente ilícito. Na tentativa de acompanhar as mudanças tecnológicas, é possível que ocorra colisão entre os direitos fundamentais, pois, o empregador se vê diante de um mercado mais exigente, e na tentativa de atender as cobranças advindas dele comete abusos violando o direito dos empregados. Nesta hipótese, deve-se analisar caso a caso, mas deverá se pautar no juízo de ponderação e indubitavelmente, conforme dito, na dignidade humana. PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais. Direito à intimidade. Poder diretivo. Limites. Monitoramento com câmeras.

ção a ser alcançada, desempenho dentre outros) e meios (ex.: uso de câmeras, revista pessoal e de armários no interior da empresa). As altas tecnologias nos ambientes de trabalho é uma realidade incontestável, pois tem como intenção melhorar o desempenho das atividades laborativas pelos empregados e o controle dos atos, garantindo um ambiente seguro tanto para os empregados como para os empregadores. Nas palavras de Mário Antônio Lobato de Paiva “essa revolução é avassaladora e transforma completamente a organização do trabalho” (2002, p. 455). Os valores pessoais devem prevalecer sempre sobre os valores materiais. O doutrinador e ministro do STF Marco Aurélio M. F. Mello ressaltou bem: “conscientizem-se os empregadores de que a busca do lucro não se sobrepõe, juridicamente, à dignidade do trabalhador como pessoa humana e partícipe da obra que encerra o empreendimento econômico”. Existem várias formas de monitorar no ambiente, sendo mais comuns as revistas pessoais, a utilização de câmeras, monitoramento de sites e e-mails, escutas telefônica. Todas essas formas são utilizadas para incentivar o empregado a cumprir suas metas e obviamente trazer segurança para ambos os lados da relação empregatícia.

1 Introdução A história demonstra que as relações laborais seguiram períodos de inovações que exigiram ajustes quanto a concepção de trabalho, visto que os avanços na tecnologia, e o implemento de novas técnicas trouxeram mudanças nas relações de emprego. É neste sentido que o presente estudo objetiva demonstrar a utilização de câmeras no ambiente de trabalho como forma de proporcionar segurança, proteção, conforto e consequentemente produtividade aos empregados. É certo que o empregador pode utilizar do seu poder diretivo para realizar as cobranças internas, o que é normal nas empresas, mas o empregador deverá exercê-la de forma limitada, afinal, abusos violam a liberdade e a privacidade dos empregados e das demais pessoas ali compreendidas. O ambiente de trabalho ideal deve contar com concessões de ambas as partes para equilibrar a vulnerabilidade do empregado diante do poder diretivo do empregador. O uso das câmeras é válido na busca de um espaço profissional equilibrado, por isso busca-se a criação de critérios sólidos para a utilização das câmeras, atendendo a finalidade social a que devem estar envolvidos tanto os trabalhadores, quanto os empresários, e com vista a dar cumprimento ao princípio da dignidade da pessoa humana. O presente estudo tem o intuito de perscrutar acerca dos fundamentos que permitem o uso da tecnologia obedecidos os princípios constitucionais, e demonstrar como não ser um meio abusivo (sem desencadear dano moral individual, coletivo e assédio moral), proporcionando um ambiente saudável e que atenda as necessidades empresariais. Diante do exposto, se faz necessário o estudo acerca deste tema diante de uma visão doutrinária, jurisprudencial e legal, porém, sem a pretensão de limitá-lo, uma vez que estamos em constante período de modificações e inovações.

3 Monitoramento com o uso de câmeras O monitoramento com a utilização de câmeras no ambiente de trabalho atua como a principal forma de proteção aos direitos do trabalhador, objetivando assegurar um ambiente saudável / seguro para o empregado, capaz de melhorar o desenvolvimento dos empregados e consequentemente a produção das empresas. É uma maneira de demonstração do poder diretivo do empregador e de fiscalização dos empregados, devendo ser usado com cautela para não violar os direitos fundamentais básicos do empregado, como por exemplo, o direito a privacidade e intimidade. Alice Monteiro de Barros (2006, p. 569) afirma que o legislador brasileiro não impediu a fiscalização e controle por meio de câmeras, pois, é uma “decorrência lógica do avanço da tecnologia e poderá consistir em um instrumento probatório valioso na avaliação da con-

2 a Definição de monitoramento e suas formas Monitorar é o mesmo que acompanhar, vigiar, podendo este ser realizado por diversos fatores (seja quanto á proteção, saúde, produ-

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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ou o vestiário, causando-lhe, inequivocamente, constrangimento e intimidação, ferindo o seu direito constitucionalmente garantido. Não há perquirir acerca de prejuízos ou mesmo de comprovação para configurar dano moral, derivando a lesão, inexoravelmente, do próprio fato ofensivo. Presente, pois, o dano moral, consistente na violação da privacidade do autor, causando-lhe constrangimento e intimidação ao utilizar o banheiro/vestiário sob a supervisão de câmeras de filmagem. Por outro lado, a conduta do empregador revela-se abusiva, pois o seu poder diretivo não autoriza a instalação de câmera de segurança no banheiro dos empregados. Verifica-se, então, que a reclamada, ao instalar câmera de segurança no vestiário dos empregados, agiu com abuso do seu poder diretivo, configurando essa conduta um ato ilícito, nos termos do disposto no artigo 187 do Código Civil. Consoante o escólio de Sérgio Cavaliere Filho, “o fundamento principal do abuso de direito é impedir que o direito sirva como forma de opressão, evitar que o titular do direito utilize seu poder com finalidade distinta daquela a que se destina” (CAVALIERE FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade civil, 9ª edição, editora Atlas, 2010, p. 161). Na hipótese em que o dano advém de abuso de direito, é despicienda a configuração da culpa lato sensu - culpa stricto sensu ou dolo, havendo ato ilícito, suficiente para ensejar o pagamento de indenização por dano moral, independentemente desse elemento subjetivo da conduta. Conforme assentou o Regional, é irrelevante ter ou não havido a divulgação das filmagens para configurar o dano moral, aspecto fático importante, apenas, para o arbitramento do valor da indenização. Nesse contexto, demonstrada a existência da conduta patronal comissiva, o dano sofrido pelo empregado e o nexo de causalidade entre eles, exsurge a responsabilidade civil da reclamada oriunda do abuso do seu poder diretivo. Agravo de instrumento desprovido (Processo: AIRR - 4462-36.2014.5.23.0101 Data de Julgamento: 30/03/2016, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/04/2016).

duta do empregado”. Apesar de não ter sido proibida a fiscalização por meio de câmeras, esta deve obedecer princípios, conforme expõe o artigo 29 da diretiva 95/46 do Conselho da Europa, quais são: necessidade, finalidade, transparência, legitimidade, proporcionalidade, rigor e retenção de dados e, por fim, segurança. Cabe ao empregador avaliar a necessidade do monitoramento de acordo com a finalidade a que se pretende alcançar, finalidade esta que deve se ater aos dados recolhidos para o determinado fim de interesses legítimos, ou seja, tais dados não devem ser usados para outras finalidades que violem direitos fundamentais dos trabalhadores. Os dados pessoais compreendidos pela monitoração devem ser adequados e não-excessivos com relação a finalidade proposta. Em outras palavras, deve estar dentro do uso razoável do poder diretivo. Neste mesmo sentido, o STF em decisão de agosto de 2006, considerou que “a monitoração com a instalação de câmeras para fins de segurança não ofende a intimidade e privacidade dos trabalhadores, estudantes e público em geral, pois visa evitar furtos e roubos”. Ainda com base nesse entendimento do referido Tribunal Superior, expõe o art.5º, inc.X da CF/88 não poderá haver monitoramento nos refeitórios, cantinas, salas de café e banheiros por violarem dispositivos constitucionais fundamentais como a intimidade, vida privada, honra e imagem. Por analogia aplica-se aos ambientes de repouso e aos destinados aos serviços médicos ou de medicina do trabalho. Corrobora a turma do TST, com relação à utilização de câmeras nos banheiros: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MONITORAMENTO POR CÂMERA NO BANHEIRO/ VESTIÁRIO. ABUSO DO PODER DE DIREÇÃO. Trata-se de pedido de indenização por dano moral sob a alegação de violação da privacidade do empregado por monitoramento do vestiário por meio de câmara. O direito à privacidade configura um poder jurídico fundamental do cidadão, possuindo status constitucional, insculpido no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Representa, na verdade, uma grande conquista do indivíduo, frente ao Estado, constituindo um direito subjetivo oponível erga omnes, de forma a exigir uma omissão social, a fim de que a vida privada do ser humano não sofra violações. Esse direito alberga todas as manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade. Segundo Matos Pereira, constitui “o conjunto de informação acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito” (apud, SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 33ª edição, editora Malheiros, 2009, p. 206). O ordenamento jurídico pátrio, visando conferir efetividade a esse direito, estabeleceu diversos dispositivos cujo escopo é garantir-lhe a inviolabilidade e, em caso de violação, a efetiva reparação ao lesado e punição do algoz. No caso dos autos, é incontroverso o fato de que havia câmera para monitorar os empregados no vestiário. Com efeito, consta na decisão recorrida que houve a instalação de câmeras nos vestiários dos empregados, direcionadas para os armários e corredores. Impende destacar que é irrelevante o fato de o foco da filmagem ser direcionada para os armários e corredores, pois a presença de câmera em local tão privativo, por si só, já causa constrangimento a quem adentra o recinto, mormente pelo fato de não se saber, exatamente, quais locais daquele ambiente estão sendo filmados. O dano, nesses casos, é in re ipsa, ou seja, advém do simples fato de violar a privacidade do reclamante no momento em que necessita utilizar o banheiro LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

A ementa trazida reforça o que acontece nas relações hierárquicas, do qual o empregador ultrapassa os limites dos seus direitos, atentando contra a dignidade dos seus empregados. As câmeras, quando utilizadas de forma errônea no ambiente de trabalho – melhor dizendo, quando ferir a intimidade -, poderá caracterizar assédio moral, a depender da análise do caso concreto. No caso in tela, não resta dúvida sobre as lesões que este monitoramento trouxe, afinal, não obedeceu os limites do razoável, violando a privacidade dos empregados, o que é suficiente para ensejar pagamento de indenização por dano moral, ainda que não tenha ocorrido a divulgação das imagens, e que o foco da filmagem estava direcionada para os armários e corredores, “pois a presença de câmera em local tão privativo, por si só, já causa constrangimento a quem adentra o recinto” conforme dito. O rigor e retenção de dados que se refere o artigo 29 da diretiva 95/46 do Conselho da Europa é no sentido de que os dados guardados não devem ser conservados além do tempo que for necessário, ou seja, os empregadores devem especificar o período de retenção, não sendo considerado justificado prazo superior a três meses. Com relação às chamadas “câmeras psicológicas”, ou seja, as desligadas ou falsas, usadas para proporcionar os mesmos efeitos causados pela verdadeira ou ligada devem ser repelidas em qualquer hipótese. Este artifício é “temeroso” e deve agravar o quantum indenizatório. Ademais, é dever do empregador informar ao empregado sobre a monitoração, onde está localizada e qual sua finalidade antes que a mesma seja instalada, ou seja, o trabalhador deve ter ciência da monitoração, para esta não ser utilizada com o intuito de perseguir o empregado.

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Em consonância, o entendimento da 4ª Turma do TST: Se eventualmente eram ‘falsas’ tais câmeras (o que não foi provado), o caso se agravaria, a meu ver, porque constituiria um procedimento ardiloso e covarde (veja o depoimento do preposto da reclamada, no processo 01262/2003, fl. 334: ‘as câmeras nos banheiros não eram acionadas, sendo apenas câmeras ‘psicológicas’; que câmeras psicológicas representam apenas o efeito de que as pessoas estariam sendo observadas’ fl. 334). Não se pode ignorar que a empresa visava a intimidação ilegal de seus empregados, quando seu preposto declarou, textualmente, à f. 342 (depoimento colhido no processo 01727-2003): ‘que houve contratação para instalação de câmeras reais e psicológicas [...] (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR nº 78/2004-103-03-40.1. 4ª T. Relator: Juiz convocado Luiz Antônio Lazarim. 11 nov. 2005, grifo nosso). EMENTA: DANO MORAL - VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE DO FUNCIONÁRIO. A instalação de câmera no local de trabalho, com prévia ciência dos empregados, cientes inclusive onde estão, por medida de segurança patrimonial de todos, não ofende o direito à inviolabilidade da intimidade assegurado no inciso X do art. 5o., da Constituição da República (MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. RO nº 01288-2002-106-0300. 2ª T. Relator: Juiz José Maria Caldeira. Pub. 07 maio 2003, grifo nosso). O Poder empregatício nas palavras de Tatiana Roxo (2009. p. 131) é considerado “genuíno não apenas porque encontra legitimação no ordenamento jurídico, mas também porque obedece a limitações decorrentes deste ordenamento que o legitima. Para que o poder empregatício seja realmente legítimo, ele também deve obedecer a tais limitações impostas”. Conforme bem salientado, é lícito ao empregador utilizar do seu poder empregatício para exercer sua direção. Apesar de aparecer de forma sucinta na CLT, esta é uma garantia que está prevista em seu art. 2º, e também encontra fundamento na Carta Magna de 1988 em seu art. 1º, IV, porém, este não pode ser utilizado sem critérios e com objetivo de intimidar seus empregados conforme demonstrado no acórdão, sob pena de recair na ilicitude por ofender direitos dos empregados. Ainda que a doutrina e a jurisprudência brasileiras fazem ressalvas apenas aos banheiros, refeitórios e salas de café, o monitoramento comportamental pode existir na avaliação da conduta do empregado (BARROS, 2006, p. 569). São necessárias simples medidas para conciliar um ambiente harmônico com o uso dessa tecnologia. O uso das câmeras no ambiente de trabalho é capaz de trazer muito mais segurança para o ambiente de trabalho, do que comparado, por exemplo, com a revista pessoal, o que era para ser um aspecto indubitavelmente positivo. E é, mas, ocorre que, quando não bem utilizado pelos empregadores, esta ferramenta pode se tornar um meio violador da dignidade humana. Muitos empregadores utilizam as câmeras para punir os trabalhadores, e para isso, ultrapassa direitos fundamentais, como por exemplo, ofendendo a honra dos seus empregados, por isso o poder diretivo deve ser exercido de forma limitada de forma a andar “de mãos dadas” com o direito a intimidade e privacidade (Convenção n. 111 da OIT). Em suma, o direito do trabalho e o direito constitucional agem em conjunto através de suas disposições para nortear as relações trabalhistas e estabelecer um equilíbrio entre esses direitos fundamentais (privacidade do empregado versus poder diretivo do empregador) para que ambos exerçam sua atividade com dignidade.

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3.1 Legislação brasileira A Constituição Federal assegurou em seu art. 5º, inc. X, que: “são invioláveis, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Os direitos à intimidade e à privacidade são direitos da personalidade, assim como o direito à vida, à liberdade, honra, imagem e à dignidade da pessoa humana. Os direitos da personalidade são “atributos inatos ao indivíduo, verdadeiras projeções biopsíquicas integrativas da Pessoa Humana que se constituem em bens jurídicos assegurados e disciplinados pela ordem jurídica imperante” (SERPA LOPES, 1989). A CLT demonstra que o empregador tem o poder de dirigir, organizar as relações disciplinando e controlando as atividades dos empregados. Objetivando disciplinar, pode se valer de procedimentos, desde que não desobedeça às disposições de proteção ao trabalho (art. 2º do DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho). O monitoramento do empregado no ambiente de trabalho com o uso de câmeras não tem previsão legal, mas tem normas que permitem ou não sua utilização, ainda que o legislador tenha deixado uma lacuna no art. 8º da CLT desafiando o conhecimento de diversas áreas do direito. Art. 8º CLT: as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. O parágrafo único demonstra que o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. 3.2 Legislações comparadas Visando facilitar o entendimento das decisões é válido usar do método comparativo. É importante para exemplificar assim como para preencher possíveis lacunas do ordenamento jurídico. Á partir desse momento será analisado brevemente sem a pretensão de aprofundar nas demais legislações, o monitoramento com câmeras nos seguintes países europeus: Itália, Portugal, Bélgica. O ordenamento Italiano proíbe o monitoramento desconhecido/ camuflado. Caracteriza uma forma inteligente aproveitar as habilidades de seus empregados sem invadir a liberdade de expressão e privacidade pessoal (VIANA, 1996, p. 231). Art. 4º do Estatuto dos Trabalhadores: [...] impede o controle à distancia e desconhecido dos empregados. Só se permitem aparelhos audiovisuais quando exigidos pela natureza da organização e com prévio acordo com a representação sindical ou, na falta desta, com a comissão interna; na falta de ambos, a decisão cabe à ‘Inspetoria do Trabalho’ (VIANA, 1996, p. 231). Na Bélgica, não pode ocorrer a vigilância geral e de todos os dados de telecomunicações dos trabalhadores de forma permanente, o que é justo, pois, ofende o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e autonomia no desenvolvimento das atividades (BYRUCHKO JUNIOR, 2006, p. 231, 232). O ordenamento português traz em seu art. 20 do Código de Tra-

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balho de Portugal disposições quanto ao monitoramento no ambiente de trabalho, não adotando o controle do desempenho do trabalhador, por entender imoderado/desproporcional, admitindo prova em contrário. Admite-se no processo de produção uma forma de controle “à distância com o objetivo exclusivo de permitir a interrupção do processo de produção quando se verificar anomalia ou haja perigo para a segurança do trabalhador”, embora não seja a regra (BYRUCHKO JUNIOR, 2006, p. 237). Dito isso conclui-se que o ordenamento mais próximo ao nosso é o da Itália. É vedado na Bélgica a monitoração fixa, inalterável e Portugal quanto á inspeção do desenvolvimento dos empregados, salvo nos casos de proteção e segurança, situação está que poderia ocorrer no Brasil para que a instalação de câmeras não continue sendo usada indistintamente, como ocorre nos dias de hoje (BYRUCHKO JUNIOR, 2006, p. 231, 232). 3.3 Revista pessoal versus Monitoramento mediante instalação de câmeras O doutrinador Maurício Godinho afirma que: “A revista diária em bolsas e sacolas, por se tratar de exposição contínua da empregada a situação constrangedora no ambiente de trabalho, que limita sua liberdade e agride sua imagem, caracterizaria, por si só, a extrapolação daqueles limites impostos ao poder fiscalizatório empresarial, mormente quando o empregador possui outras formas de, no caso concreto, proteger seu patrimônio contra possíveis violações”. É necessária a existência de indícios reais que comprovem a necessidade da revista. Mister dizer que independentemente da forma de monitorar, esta deverá se dar de modo menos ofensivo/intrusiva possível à personalidade do empregado, por isso, em determinadas situações é mais adequado o uso do monitoramento com câmeras à revista pessoal (Barros 2006, p. 560). Se possível for outro meio de monitoramento, não é indicado se valer da revista pessoal, por caracterizar em grande parte dos casos mais ofensivo do que os demais meios de controle. A jurisprudência do TST é no sentido de: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISTA PESSOAL. EXIGÊNCIA DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIO. TRATAMENTO DESRESPEITOSO. Quanto à indenização por dano moral advindo de revista pessoal, registre-se que o poder fiscalizatório empresarial não é dotado de caráter absoluto. É que a Carta Magna de 1988 rejeitou condutas que agridam a liberdade e dignidade básicas da pessoa física do trabalhador, por se chocarem, frontalmente, com os princípios constitucionais tendentes a assegurar um Estado Democrático de Direito e outras regras impositivas inseridas na Constituição, tais como a da “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º, caput), a de que “ninguém será submetido (...) a tratamento desumano e degradante” (art. 5º, III), e a regra geral que declara “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5º, X). Assim, o recurso de revista não preenche os requisitos previstos no art. 896 da CLT, pelo que inviável o seu conhecimento. Recurso de revista não conhecido, no aspecto (Processo: RR - 1943-49.2010.5.12.0032 Data de Julgamento: 20/04/2016, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/04/2016).

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A jurisprudência trazida demonstra mais uma vez que apesar de ser admitida a fiscalização dos empregados, esta deve estar dentro da razoabilidade abarcada na Constituição de 1988 com fundamento no Estado Democrático de Direito. Por fim, a revista íntima deve ser suprimida, salvo nas situações em que as atividades realmente comprove sua necessidade como último auxílio efetivo. Portanto se a utilização de câmeras for menos intrusiva, o empregador deverá se valer desta para garantir a honra dos empregados. 4 Limites trazidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas e pela Constituição Federativa do Brasil Conforme informado diversas vezes neste trabalho o monitoramento no ambiente é restringido a em determinados locais, objetivando assegurar os princípios constitucionais e a proteção à intimidade e privacidade do empregado. Apontar os limites do poder diretivo é algo muito difícil pelo fato de não encontrar definição na Lei, pois, não é delimitado expressamente pelo ordenamento qual a fixação permitida para atividades de fiscalização ou inspeção/comando. A CLT apenas diz que poder diretivo do empregador é aquele que “dirige a prestação pessoal de serviço”, sem especificar em que consiste tal direção e até que onde é legítima sua atuação (parte final do art. 2º CLT). “Proporcionar trabalho, fornecer meios para a sua execução, controlar e fiscalizar a prestação dos serviços e receber o trabalho prestado pelo empregado são obrigações do empregador”. (NASCIMENTO, 2009, p. 40). No mesmo sentido, a Constituição de 1988, não tratou do poder diretivo. Em contrapartida, no tratado dos direitos e garantias fundamentais, com extensa proteção à personalidade da pessoa humana inclusive na relação de trabalho, e, sem esta previsão constitucional, não seria possível alcançar conclusão alguma acerca dos limites do poder diretivo do empregador (o artigo 5º e incisos CR/1988 possui um rol de direitos fundamentais exemplificativo). Veremos logo a frente que pouco interessa onde o poder diretivo encontra fundamento, pois, se não houver conformidade com a Constituição, não terá uma gestão legítima. “São invioláveis, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (CR/88, ART.5º, X). 4.1 Conflito: Intimidade e privacidade do empregado versus Poder diretivo do empregador Quando os princípios colidirem, deverá ser realizada uma prudente hierarquização com fulcro em todo ordenamento. Neste estudo, como já percebido, chocam-se o direito diretivo do empregador e o direito fundamental à intimidade e à vida privada do empregado que, como pontuado, relacionam-se com a dignidade da pessoa humana (Simón 2004, p. 407). Para Canotilho e Vital Moreira “a solução passa por um juízo de ponderação, no qual a principal regra é a da máxima observância e o da mínima restrição”. O princípio da dignidade humana age como “alicerce” de todo ordenamento vinculando-se ao direito à intimidade e à vida privada do empregado em razão da “autonomia e dignidade serem indiscutivelmente os dois pilares de um Estado Democrático de Direito”, atuando na base e no ápice do sistema, como elucida Juarez Freitas. Diante do exposto é possível constatar que princípios e normas constitucionais torna ilegal ingerências arbitrárias que venham ofender

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a intimidade, vida privada, ou ofender a dignidade do empregado, como regra. O princípio da dignidade da pessoa humana sempre deterá maior peso quando conflitar com qualquer outro princípio, ou direito fundamental, tendo em vista a ponderação hermeneuta (BARROS, 2006, p. 613). Hodiernamente o que mais ouvimos é apenas sobre direitos dos empregados e empregadores, o que não deixa de ser positivo, porém, também devemos nos atentar não apenas á exigência destes direitos, mas concomitantemente aos deveres decorrentes do contrato de trabalho. Daí a razão de encontramos na boa-fé um limite ao poder diretivo e à vontade do trabalhador. O princípio da boa-fé é importante para auxiliar em diversos litígios por imputar deveres de conduta, não definidos previamente, relacionando-se com condutas compatíveis com as exigências básicas de justiça e moral, formadas em função da consciência jurídica. Logo, se o empregador se valer do monitoramento por meio das câmeras no ambiente de trabalho de forma indevida, com sua instalação dentro de banheiros, por exemplo, haverá desrespeito ao princípio da boa-fé, violando consequentemente demais princípios constitucionais e direitos fundamentais de seus empregados, como o da dignidade humana (Garcia 2007, p. 170). O poder diretivo deve atender os limites trazidos na Constituição, leis, contrato, normas coletivas e na boa -fé. Apesar de estarmos diante de um conflito de direitos fundamentais, deve-se deixar claro que os direitos à intimidade e privacidade do empregado vão se sobrepor ao poder diretivo do empregador, quando este extrapolar os limites da boa-fé. Portanto, resta claro que a valorização do trabalho humano culmina na proteção da intimidade e privacidade do empregado, frente aos avanços tecnológicos (art. 170 CF). “Para resolver um eventual conflito, é imprescindível que seja utilizado um juízo de ponderação, de forma a não anular nem a intimidade dos trabalhadores e nem mesmo o Poder fiscalizatório empresarial”. “Nos casos de colisão de direitos fundamentais, é de extrema importância que exista uma ponderação de interesses e princípios, estabelecendo até que ponto poderá o Poder fiscalizatório limitar o direito de personalidade do empregado e vice-versa. Tal análise deverá ser realizada a partir da análise de cada caso concreto”. (TATIANA ROXO, 2009, P. 140 e 144). É nessa seara que concluo este tópico afirmando que diante desse conflito (direito a intimidade versus poder diretivo), a análise de cada caso concreto deve se pautar na Dignidade da Pessoa Humana, pois, este princípio é garantidor da ordem jurídico brasileira, e claro, da proporcionalidade, boa-fé, adequação, dentre outros. A regra é a observar dos direitos fundamentais e não restringi-los (Marmelstein 2008, 369). 5 Reparação ou Compensação de Prejuízos O dano moral é “aquele que se opõe ao dano material, não afetando os bens patrimoniais propriamente ditos, mas atingindo os bens de ordem moral, de foro íntimo da pessoa, como a honra, a liberdade, a intimidade e a imagem”, conforme conceitua Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (2004, p. 747). O ambiente de trabalho é predisposto a gerar dano moral em um número maios de ocorrências, tendo em vista a subordinação do empregado. Pode configurar como agressor do dano moral tanto o empregado, ao difamar o empregador ou a imagem da empresa, quanto o empregador quando denigre a dignidade do empregado (NASCIMENTO, 2005, p. 476). LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

A CF em seu art. 5º, caput, inc. V prevê a possibilidade de indenização e inciso X que trata da inviolabilidade dos direitos fundamentais da personalidade. O tema também encontra menção no Código Civil em seu art. 186 e pela CLT nos art. 482, alíneas j, k e art. 483, alínea e. O monitoramento com o uso de câmeras nos banheiros ou em outros lugares que atentem contra a dignidade do trabalhador, ensejam dano moral, assim como qualquer outra prática abusiva por parte do empregador, visando fiscalizar o empregado. Enseja o dano moral individual, mas também, o coletivo, por envolver todos os empregados. Neste sentido é o entendimento do TST: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CÂMERAS DE VIGILÂNCIA NOS VESTIÁRIOS. O Tribunal Regional adotou a tese de que “O monitoramento por câmera em vestiário/banheiro configura abuso do poder diretivo por violar a intimidade do trabalhador”, nos termos do que dispõe a Súmula nº 20 daquela Corte. Com efeito, a instalação de câmeras em área destinada à privacidade dos empregados não se justifica, pois não se trata de local de trabalho, mas, sim, de ambiente em que os funcionários trocam seu vestuário e guardam seus pertences particulares, de modo que o monitoramento invade a privacidade e intimidade, constrangendo os trabalhadores, os quais ficam constantemente sob o manto da desconfiança, o que, por certo, fere a dignidade da pessoa. Logo, não há falar em violação do art. 5º, X, da CF. Quanto ao valor indenizatório, verifica-se, pela transcrição acima, que o Regional, ao fixar o valor de R$3.000,00, observou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, registrando, inclusive, que tal valor visava não só à reparação, mas também ao caráter punitivo e pedagógico da medida. Assim, não se vislumbra violação literal do artigo 5º, V, da CF. Divergência jurisprudencial inespecífica (Processo: AIRR - 300-77.2014.5.23.0107 Data de Julgamento: 27/04/2016, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/04/2016). Diante do exposto na jurisprudência, resta evidente o assédio moral, em razão da excessividade presente no monitoramento. Sônia A. C. Mascaro Nascimento (2005, p. 7) afirma que “o assédio moral configura-se por meio de um abuso psicológico, reiterado, capaz de causar ofensa e com o intuito de deteriorar o ambiente de trabalho, forçando de modo indireto a saída do empregado”. A jurisprudência é majoritária no sentido que o dano moral pode afetar não só um indivíduo, mas, toda uma coletividade, por abranger todos os empregados da empresa, conforme já dito anteriormente. Os efeitos podem ser diversos, mas na maioria dos casos afetam à saúde da vítima, podendo representar doença do trabalho (art. 20 da Lei nº 8.213/1991) (BARROS, 2004, p. 361). Portanto, diante do exposto, a monitoração descontrolada é passível de gerar assédio moral. Alguns têm se utilizado desse monitoramento, mas de maneira tão próxima, que acaba por levar o funcionário a um estado de paranoia, levando-o a crer que os diretores da empresa estão vigiando-os por cima dos ombros, prontos para demiti-los diante de um mínimo deslize (SOUZA, 2007). Por fim, o monitoramento deve observar os limites da boa- fé para não ser um meio invasivo capaz de um dano psicológico, findando com um ambiente de trabalho saudável, ou seja, desvirtuando completamente o seu objetivo e desaparecendo com os aspectos positivos da fiscalização.

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6 Prova adquirida por meio de câmeras e sua validade Não existe vedação legal para o empregador controlar as atividades do empregado durante a jornada de trabalho, porém essa forma de controle deverá se ater á formas menos intrusivas, conforme já disso ao longo do trabalho para não restringir à liberdade do empregado, e afetar direitos á intimidade e privacidade. É fato que o uso das câmeras tornou o empregado mais eficiente, aumentando consequentemente a produtividade das empresas, por trazer mais segurança. Segundo o autor Manoel da Costa Andrade (apud LEÃO; LEÃO, 2002, p. 218) a prova alcançada por meio da violação da intimidade do empregado não deve ser autorizada, em razão de previsão constitucional (art. 5º, inc. X, CF). A convicção do juiz deve dar através de provas idôneas, ou seja, “provas juridicamente admissíveis” (art. 332 do CPC) (THEODORO JÚNIOR, 2005, p. 389). Em contrapartida, Alexandre Agra Belmonte (2004, p. 98), acredita que “negar a utilização de prova em certos casos significaria negar o direito de comprovar fato tão repudiado pelo direito quanto a transgressão do respeito à intimidade”. Como já dito no tópico 3.2 uma saída é utilizar um juízo de valoração/ponderação, “de forma a alcançar o mínimo sacrifício dos direitos envolvidos e obter-se a máxima observância”. A jurisprudência admite o uso das imagens desde que o empregado saiba da gravação e para que fim é utilizada. Não pode ocorrer a captação clandestina de imagens para a formação de provas. Alexandre Agra Belmonte (2004, p. 99) afirma que em situações como essa, o empregador poderá invocar a excludente do estado de necessidade (art. 24, caput do Código Penal), somente se diante das circunstâncias, não se pode obter provas por outros meios e não sendo possível exigir do onerado outro tipo de conduta. Portanto, se for da ciência dos empregados a existência das filmagens e sua finalidade, as provas obtidas serão lícitas. Em contrapartida, se ilícita e não obtiver outo meio capaz de comprovar os fatos, a gravação das imagens deve ser admitida com moderação e proporcionalidade diante de cada situação. O Princípio da Proteção do Empregado, ainda não mencionado aqui, mas que também deverá ser levado em consideração na busca de sanar esse conflito de interesses, pode ser considerado como o princípio “mais importante ou até mesmo mais eficaz do direito trabalho, pois possui natureza de direito tutelar e de ordem constitucional, é dele que emanam os demais princípios específicos do direito trabalhista” (BONACCORSI, 2014). A conceituação e finalidade do Princípio da Proteção do Empregado segundo o ponto de vista do autor Feliciano (2013, p.245): […] O princípio da proteção atende, portanto, a uma função geral de cariz constitucional (derivada, no Brasil, do art. 7º da CRFB), que é de reequilibrar materialmente as posições jurídicas das partes geralmente antagônicas nos conflitos laborais (empregado e empregador). Pelo especial amparo jurídico, minimiza-se a vulnerabilidade dos trabalhadores, decorrente da chamada “hipossuficiência econômica”, que no continente jurídico manifesta-se como subordinação […]. 7 Conclusão O monitoramento no ambiente de trabalho com o uso de câmeras é um direito do empregador, referente ao seu poder fiscalizatório. É autorizado em situações relacionadas ao bem estar físico e psicológico do empregado, pois, traz consigo maior segurança, proteção e

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confiabilidade ao ambiente laboral. Vale ressaltar que os empregados devem estar cientes do uso das câmeras, do local onde estão instaladas e suas finalidades. Deve-se levar em conta os princípios dispostos no artigo 29 da diretiva 95/46 do Conselho da Europa, quais são: necessidade, finalidade, transparência, legitimidade, proporcionalidade, rigor e retenção dos dados e segurança. Não será permitido a utilização das já referidas câmeras falsas, “psicológicas”, por ser um meio covarde que visa inibir e intimidar os empregados, atentando contra direitos humanos, podendo-se destacar como por exemplo, os atos que atentam contra a moral e os bons costumes da sociedade. Esse meio fiscalizatório não pode violar os princípios da confiança mútua, boa-fé, limites sociais, devendo portanto, ser útil e idôneo. Podem ser utilizadas para fins comportamentais, desde que devidamente justificado e expresso, ademais, o objetivo com o qual se instalam as câmeras vincula as partes. Isto é, deve considerar a natureza da organização e a atividade desenvolvida, pois, se utilizadas com finalidade de observar a produtividade, não podem punir condutas, ainda que desabonadoras, que não estejam conectadas ao fim proposto. Ainda que protegida pelos empregadores como um meio de gestão, sem vinculação dos dados pessoais colhidos, o monitoramento pode camuflar a dispensa sem justa causa pela visibilidade excessiva da vida privada e intimidade do empregado. Apenas quando houver bens suscetíveis de subtração, ou que tenham relevância para o funcionamento da atividade e segurança das pessoas, por exemplo, que é possível o monitoramento por meio das câmeras de forma geral, ou seja, destinado a todos da empresa. A monitoração com câmeras sempre deve ser como uma alternativa menos gravosas. Em caso de conflito entre o poder diretivo, e o direito a inviolabilidade da intimidade e privacidade do empregado, prevalecerá este último, vez que é colocado em primeiro lugar a valorização do trabalho humano na ordem econômica e a dignidade da pessoa humana inerente aos direitos invioláveis referidos, não fazendo sentido a monitoração em determinados espaços, como refeitórios, cantinas, salas de café, banheiros, em decisão do Tribunal Superior do Trabalho, em agosto de 2006. Na divergência desses direitos fundamentais, deve ser observado o princípio da máxima observância e da mínima restrição, princípio da unidade da Constituição, juízo de ponderação e a proporcionalidade. Embora o empregador seja detentor do poder de direção, resta claro que este poder não pode ser exercido abusivamente, pois, pode ensejar tanto danos morais, quanto assédio moral. O dano moral pode ser coletivo quando atingir normas de ordem pública que regem a saúde, segurança, higiene e o meio ambiente do trabalho. Ressalto mais uma vez que é válido as provas adquiridas pela fiscalização por meio de câmeras, desde que os empregados estejam cientes de dos locais de exposição e finalidade. Se não observadas essas prerrogativas, devem ser consideradas provas ilícitas. A aquisição das provas sempre deverão ser com ponderação e proporcionalidade de acordo com o caso concerto. Portanto, vislumbrando um meio ambiente de trabalho sadio, esta forma de fiscalização proporciona maior segurança, proteção e consequentemente, produtividade aos empregados, porém, deverá o empregador exercer esse direito de forma limitada/menos intrusivo, afinal, excessos violam a liberdade e privacidade dos empregados que ali circulam. Neste sentido, como o direito acompanha a mentalidade da sociedade, será necessária a criação de normas regulamentadoras para estabelecer critérios na instalação de câmeras, pois, sua utilização vem

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crescendo cada vez mais e não existem dispositivos legais para organização da atividade, senão os princípios constitucionais. Caso contrário, o uso dessa técnica, conforme utilizada atualmente, poderá violar a honra, a intimidade, a privacidade do ser humanos, dentre outros. REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro de. Assédio moral. COAD Doutrina e Jurisprudência, n. 40, 10 out. 2004. BELMONTE, Alexandre Agra. O monitoramento da correspondência eletrônica nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2004. BONACCORSI, Amanda Helena Azeredo. A prática do Dumping social no âmbito trabalhista e seus efeitos a partir de uma análise histórica e principiológica do direito do na sociedade. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Disponível em: < http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=1680>. Acesso em: 20 de junho de 2016. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas do Brasil de 01 de maio de 1943. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. BRASIL. Código Civil de 10 de Janeiro de 2002. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. BYRUCHKO JUNIOR, Viktor. Ação civil pública. Revista do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul/ Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região, n.1 Porto Alegre: PRT4, p. 221-248. dez. 2006.

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Banca Examinadora Daniela Lage Meija Zapata (Orientadora) Amanda Azeredo Bonaccorsi (Examinadora)

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O CONTATO DO JUIZ COM A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO PENAL NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO Anilva Mendes da Rocha 1

RESUMO: O objetivo do presente trabalho é avaliar quais são as alternativas que o judiciário tem em face da prova ilícita que ainda que não seja aceita pelo direito brasileiro, esta chega até o juiz que pode por ventura se contaminar com as informações referentes a tal prova, sendo assim, podemos observar que diante do projeto de lei vetado, ainda existem dúvidas em relação a este contato, pois o juiz que obteve informações relacionadas à prova ilícita devia ser afastado para que este conhecimento não venha prejudicar o resultado do Processo. A prova no Processo Penal é um dos temas mais importantes para o resultado do processo, a Constituição Brasileira de 1988 assegura o direito à intimidade, esta restrição está ligada a uma ponderação de valores, nos quais estão o direito a prova e a proteção de certas atividades reconhecidas como úteis e necessárias, sendo assim, deve-se observar a maneira mais adequada para um tratamento específico da prova ilícita, para que não traga prejuízo a nenhuma das partes no resultado do processo. PALAVRAS-CHAVE: Descontaminação do Julgado. Prova Ilícita.

1 INTRODUÇÃO No Direito Brasileiro, a prova ilícita ainda é motivo de grandes discussões. Ada Pellegrini Grinover (2013), em sua obra esclarece o direito à intimidade como algo que não pode ultrapassar abusos ou acobertar violações. E se, de um lado, o direito à intimidade é parte integrante dos direitos da personalidade, envolvendo a liberdade do homem, é igualmente certo que todas as liberdades têm feitio e finalidade éticos, não podendo ser utilizadas para proteger abusos ou acobertar violações. (GRINOVER, 2013, p.383). A prova tem como principal finalidade buscar o convencimento do juiz, pois este deve fundamentar a sua decisão, não podendo se utilizar de provas ilícitas, porém, resta claro que esta prova chegará ao conhecimento do juiz, devendo ser desentranhada do processo.“ São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”, (Artigo 157, CPP, 2016). Ainda que seja considerado o Princípio da Imparcialidade do juiz, o seu contato direto com a prova ilícita, poderia a princípio interferir em sua decisão, tendo em vista o Princípio do Livre Convencimento do Juiz. A Constituição Brasileira em seu artigo 5º inciso LVI é clara no que diz respeito à inadmissibilidade da prova ilícita no Brasil. “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;” (BRASIL. Constituição Federal, 1988). Diante do exposto esse trabalho tem como intuito tentar esclarecer de maneira mais sucinta o contato do juiz com provas ilícitas e a possibilidade de afastamento do magistrado para evitar uma possível contaminação do processo, tendo em vista alguns Princípios do Direito Processual Penal que asseguram ao Estado Democrático de Direito os direitos individuais de cada ser humano, bem como visa garantir a ordem social como um todo, considerando o Princípio do Livre Convencimento Motivado e o Princípio da Imparcialidade.

porém com diferenças no âmbito processual, segundo o artigo 157 do Código de Processo Penal é aquela que viola as regras de direito material, no momento de sua obtenção, seja constitucional ou legal, enquanto a prova ilegítima é aquela que viola uma regra de direito no âmbito processual, porém, diferente da prova ilícita, esta se torna ilegítima em razão do momento de sua produção e não ao momento de sua obtenção, como é o caso da prova ilícita (GOMES, 2010). Para Luís Flávio Gomes outro ponto marcante é que a prova ilícita é uma prova considerada extraprocessual, enquanto a ilegítima é intraprocessual, ou seja, a prova ilícita é aquela obtida fora do processo, enquanto a ilegítima já se encontra no decorrer do processo. Eugenio Pacelli faz uma importância pontuação no que tange a prova ilícita e os direitos individuais, in verbis; Em relação aos direitos individuais, a vedação das provas ilícitas tem por destinatário imediato à proteção do direito à intimidade, à privacidade, à imagem (art.5º, X), à inviolabilidade do domicílio (art.5º, Xl), normalmente os mais atingidos durante as diligencias investigatórias (Pacelli, 2014). Todavia, devemos pontuar que esta análise é feita pelo próprio juiz que dará a sentença, e depois de declarada ilícita, esta será desentranhada do processo, ficando reservada para que as partes possam arguir em momento oportuno, e finalmente, quando não for mais objeto de interesse ao processo será destruída sendo facultado as partes estarem presentes no momento. 3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO 3.1 O Princípio do Contraditório Tratando-se de contraditório, podemos observar um direito que é dado às partes durante o processo, que visa assegurar o direito de cada um, segundo Aury Lopes Jr. 2014, p.568;

2 PROVA ILÍCITA E PROVA ILEGÍTIMA A diferença entre a prova ilícita e a prova ilegítima se torna de grande importância tratando-se de ato ilegal em ambos os casos,

“O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se não mais sobre um juízo potestativo, mas sobre o conflito, disciplinado e ritualizado entre as partes contrapostas: a acusação (expressão do interesse punitivo do Estado) e a

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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defesa (expressão do interesse do acusado[e da sociedade] em ficar livre de acusações infundadas e imunes a penas arbitrárias e desproporcionais). É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo”. Como ora já exposto acima, o principio do contraditório, se faz de grande importância, para que ambas as partes possam apresentar sua defesa ou acusação, assegurando a cada um o prejuízo de acusações infundadas, visando desta forma um resultado justo ao processo, no qual as partes recebem o conhecimento de todos os atos apresentados e desenvolvidos no processo. Tratando-se de matéria probatória, para Aury Lopes Jr., existem momentos importantes da prova em que o contraditório deve ser bem observado, tais como; postulação, que é o momento da denuncia ou resposta escrita; admissão pelo juiz. Produção, ou seja, momento da instrução e a valoração que é momento da sentença. “O mesmo ainda acrescenta que o contraditório é uma abertura necessária para evitar a manipulação da prova por parte do juiz (ainda que inconscientemente)”, (Lopes, 2014, p. 571). Aqui se faz mais uma vez a voz de um doutrinador renomado em relação a uma possível manipulação por parte do juiz, destarte podemos considerar que seria possível uma condenação com influência, ainda que subjetiva baseada em provas ilícitas conhecidas pelo mesmo. 3.2 O Princípio da Ampla Defesa A Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso LV, traz o seguinte texto;“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”, desta forma, podemos concluir que trata-se de um direito constitucional, que deve ser garantido a todos. Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci, (2014, p.35); Ao réu é concedido o direito de se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pela acusação. Encontra fundamento constitucional no art.5.º, LV. Considerado, no processo, parte hipossuficiente por natureza, uma vez que o Estado é sempre mais forte, agindo por órgãos constituídos e preparados, valendo-se de informações e dados de todas as fontes as quais tem acesso, merece o réu um tratamento diferenciado e justo, razão pela qual a ampla possibilidade de defesa se lhe afigura a compensação devida pela força estatal. Ainda seguindo o estudo doutrinário de Guilherme de Souza Nucci (2014, p.36), ele faz uma importância observação acerca deste principio que, “gera inúmeros direitos exclusivos do réu, como o de ajuizamento de revisão criminal-o que é vedado à acusação- bem como a oportunidade de ser verificada a eficiência da defesa pelo magistrado, que pode desconstituir o advogado escolhido pelo réu, fazendo-se eleger outro ou nomeando-lhe um dativo, entre outros”.

como podemos citar o principio da ampla defesa, sendo que a prova ilícita é inadmissível no Processo Penal. Faremos aqui uma pontuação no que diz respeito aos sistemas de apreciação das provas para entendermos melhor a posição da decisão do juiz em conflito com outros princípios como já citados, mais adiante estudaremos o principio do livre convencimento que está inteiramente ligado ao da identidade física do juiz, sendo assim, trabalharemos de maneira superficial para que possa ser mais bem explicitado logo em seguida. No que diz respeito ao livre convencimento, é importante colocar que este está adstrito a fundamentar sua decisão, não estando este limitado apenas as provas apresentadas, não cabendo neste caso as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Não podemos confundir o livre convencimento motivado com o sistema da íntima convicção, pois este último permite ao julgador uma liberalidade na formação de seu convencimento, não necessitando de motivação para dar sua decisão, sendo este aplicável apenas ao Tribunal do Júri. 3.4 O Princípio do Livre Convencimento Motivado Para Aury Lopes Jr.(2011, p.540). “O juiz consciente não se deixa levar pelos juízos imediatos e tampouco pelos julgamentos apriorísticos”. A priori observamos que fica subjetivo o “juiz consciente”, tratando desta forma de decisão de cada um, tendo em vista que estamos falando de um ser humano que está sujeito a erros, o fato de o juiz ter em suas mãos a capacidade de julgar, ainda que tenha que haver uma fundamentação, não nos é garantido que o seu contato com a prova ilícita não o leve a um veredicto que possa prejudicar uma das partes. O autor ainda acrescenta; O juiz não tem por que ser um sujeito representativo, posto que nenhum interesse ou vontade não seja a tutela dos direitos subjetivos lesados deve condicionar seu juízo, nem sequer o interesse da maioria, ou, inclusive, a totalidade dos lesados. Ao contrário do Poder Executivo ou do Legislativo, que são poderes de maioria, o juiz julga em nome do povo - mas não da maioria - para a tutela da liberdade das minorias (Lopes, 2014 p. 159). Não sendo o magistrado apenas o sujeito representativo do processo tem a liberdade de decidir, desta forma é incompreensível que o Projeto de Le i 40205/2001, que tinha como proposta afastar o juiz que conhecesse da prova ilícita para que este não fosse o autor da sentença, não tenha sido aprovada. Garantindo desta forma a imparcialidade do juiz na tomada de decisão. 3.5 O Princípio da Verdade Real Na busca pela verdade real, em face do contato do juiz com prova ilícita, talvez possa tornar esta verdade inatingível, Nestor Távora, (2015, p. 57), esclarece este tema da seguinte maneira: Ao disporem sobre provas ilícitas, a Constituição Federal de 1988(art. 5º, LVl) e o Código de Processo Penal (art. 157) estabeleceram limites ao alcance da verdade real. Ao prescrever que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, o legislador vedou às provas obtidas com violação a norma constitucional ou legal, ainda que elas retratem a “verdade real”.

Podemos visualizar neste exposto, o principio da plenitude de defesa, garantido ao réu, no Tribunal do Júri, pois lhes é garantido uma defesa ampla, com intuito de garantir um resultado seguro, sem violar os direitos sob os quais a Constituição assegura ao mesmo. 3.3 O Princípio da Identidade Física do Juiz A partir do advento da Lei nº 11.719/08, a sentença será proferida pelo mesmo juiz que presidiu a instrução, “Art. 399, §2º do CPP; O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”. Partindo do pressuposto que no caso deste conhecer da prova ilícita, tendo ele a garantia de livre convencimento, fere outros princípios constitucionais, LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Neste caso, é notório que não é possível alcançar a verdade real diante do fato de não ser possível a utilização da prova ilícita, pois a ilicitude é levada ao conhecimento do magistrado, que em decorrência do Princípio do Juiz natural não poderá ser afastado do processo.

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3.6 O Princípio do Ônus da Prova Este princípio trata-se que em regra no processo penal aquele que alega deve provar sua alegação, porém, isto não significa que caberá apenas a vitima a obrigação de provar, pois se tratando de produção de provas por parte do réu, este deverá apresentar a prova do quer for alegado. (NUCCI, Guilherme Souza, 2014, p.340). Devemos ressaltar que o fato de que quem alega tem que provar, não significa que o réu deve produzir provas contra si, pois lhes é assegurado o direito de não se autoincriminar, desta forma, o ônus da prova tem grande importância para garantir o convencimento do magistrado, tratase de interesse de cada parte demonstrar ao juiz uma argumentação que lhes traga o convencimento da verdade sobre os fatos apresentados. 4 TEORIA DO FRUTO DA ÁRVORE ENVENENADA (Fruits Of The Poisonous Tree) Diante desta teria podemos entender que todas as provas que adentrarem o processo através de origem ilícita assim também será considerada. Nas palavras de Nestor Távora, (2015, p. 573). A prova ilícita produzida (árvore), tem o condão de contaminar todas as provas dela decorrentes (frutos). Assim, diante de uma confissão obtida mediante tortura, prova embrionariamente ilícita, cujas informações deram margem a uma busca e apreensão formalmente integra, é imperioso reconhecer que esta busca e apreensão está contaminada, pois decorreu de uma prova ilícita. Existindo prova ilícita, as demais provas dela derivadas, mesmo que formalmente perfeitas, estarão maculadas no seu nascedouro. Este é o entendimento, inclusive, do Supremo Tribunal Federal. Ao passo que até o advento da Lei nº 11.690/2008, existia divergência entre alguns doutrinadores sobre sua aceitação. A teoria norte-americana que trata dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), consagrada há vários anos pela jurisprudência brasileira, segundo esta teoria o defeito existente no tronco da árvore contamina também os frutos advindos da mesma, sendo consideradas ilícitas as provas decorrentes da mesma. A despeito de inexistir qualquer ligação com a prova principal (ilícita), provando-se que a prova derivada poderia ter sido obtida através de outra fonte, esta não será considerada ilícita, ou até mesmo se ficar evidenciado que não existe nexo de causalidade entre elas, também não será considerada ilícita. 5 INTERCEPTAÇÕES TELEFONICAS E ESCUTAS Quando se trata de interceptações telefônicas devemos inicialmente fazer ponderações a respeito do assunto. A Constituição da República, ora “in verbis” no artigo5º, inciso Xll, faz a descrição de inviolabilidade e da autorização para interceptações desde que esteja com ordem judicial; É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; Para que seja concedida a ordem judicial, é preciso estar comprovada a necessidade da produção da prova e que já se esgotaram todas as demais possibilidades, ou seja, trata-se de medida cautelar, portanto, a aparência do bom direito e a urgência devem restar comprovadas, não se trata de mero dissabor, mas sim de uma necessidade, inexistindo outra forma de assim o fazer. Nas palavras de Ada Pellegrini Grinover, 2013, p.390: Só se entende como interceptação telefônica, em sentido estrito, a efetuada por terceiro, ainda que com o consentimento de um dos interlocutores, com LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

a finalidade de tomar conhecimento de noticias que, de outra forma, permaneceriam desconhecidas. Mas é possível que um dos interlocutores grave suas próprias conversas telefônicas, limitando-se, assim, a documentar fatos já conhecidos. Se faz mister a intervenção de um terceiro para que seja considerada a interceptação em sentido estrito, sendo esta utilizada apenas em ultimo caso, devendo observar todos os demais meios para a aquisição da prova. 6 O CONTATO DO JUIZ COM A PROVA ILÍCITA No Processo Penal, como já dito anteriormente, o juiz que presidi a instrução é o mesmo que irá proferir a sentença, neste sentido cabe uma breve explanação sobre o Principio da Identidade Física do Juiz, para Aury Lopes Jr.: O princípio da identidade física do juiz traz vantagens e inconvenientes. O juiz que presidiu a coleta da prova e teve contato direto com as testemunhas, peritos, vítimas e o imputado tem uma visão mais ampla do caso penal submetido a julgamento. Isso porque, esse juiz pode estar contaminado, seduzido pelos seus prejulgamentos e sem alheamento suficiente para ponderar a prova colhida e julgar com serenidade. Este pode ser um grave problema. (LOPES, 2014, p. 577). O autor fala sobre presidir a coleta da prova, o contato direto com a mesma, neste sentido vale lembrar que o juiz estará diante de diversas provas podendo ser até mesmo provas consideradas ilícitas, neste entendimento de que o juiz poderá se contaminar, mas embora, em confronto com o principio do juiz natural, podemos observar outros confrontos aqui, como com os direitos individuais, uma vez que este contato pode trazer risco ao resultado do processo, podendo até mesmo, com base em provas colhidas ilicitamente ser dada a sentença. 7 PROJETO DE LEI (Modelo Adotado no Brasil) O projeto de Lei, 42015/2001, buscava garantir a descontaminação do julgado, porém, este não fora aprovado, se assim fosse, o juiz que conhecesse da prova ilícita deveria ser afastado e substituído, garantindo assim, o principio da imparcialidade do juiz. Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a princípios ou normas constitucionais ou legais. § 1° São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, quando evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, e quando as derivadas não pudessem ser obtidas senão por meio das primeiras. §2º Considera-se fonte independente aquela que de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. § 3° Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada ilícita, serão tomadas as providências para o arquivamento sigiloso em cartório. § 4° O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada ilícita não poderá proferir a sentença (NR). Este talvez pudesse ser o melhor caminho para garantir um melhor resultado ao processo, o afastamento do juiz que teve conhecimento da prova considerada ilícita vai de encontro com a garantia aos direitos individuais, note-se que mesmo diante do dever de imparcialidade, temos um julgador que está sujeito a erros, podendo ser

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era uma interlocutora dos diálogos gravados de forma clandestina – ter consentido posteriormente com a divulgação dos seus conteúdos não tem o condão de legitimar o ato, pois no momento da gravação não tinha ciência do artifício que foi implementado pelo seu marido, não se podendo afirmar, portanto, que, caso soubesse, manteria tais conversas com o seu advogado pelo telefone interceptado. 5. Aplicação da norma contida no artigo 157, caput, do Código de Processo Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.11.690/08.6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar a nulidade das escutas telefônicas realizadas em detrimento do paciente, determinando-se o seu desentranhamento dos autos. (STJ - HC: 161053 SP 2010/0017511-6, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 27/11/2012, T5 - QUINTA TURMA,).

induzido diante do conhecimento dos fatos, embora não tenha sido aprovada, ainda é motivo de discussão entre grandes doutrinadores. 8 DEVER DE IMPARCIALIDADE COMO GARANTIA FUNDAMENTAL Ainda que não aprofundemos no estudo do tema, inicialmente falaremos do sistema adotado no Brasil, ainda que a Constituição não deixe claro que o nosso sistema é o sistema acusatório, mas é certo que não se trata de um sistema inquisitório, alguns doutrinadores falam de um sistema misto, que seria um sistema que se inicia com o inquisitório e tem sua continuidade com o acusatório, para tanto as partes tem o direito de exercer o contraditório. Nas palavras de Aury Lopes Jr.; Não é uma qualidade pessoal do juiz, mas uma qualidade do sistema acusatório. Por isso a importância de mantê-lo longe da iniciativa probatória, pois quando o juiz atua de oficio, funda uma estrutura inquisitória (Lopes, 2014). Seguindo este entendimento, logo o problema da analise probatória feita pelo juiz surge mais uma vez, sendo que este é quem decide sobre a ilicitude da prova e sobre o seu desentranhamento, podemos aqui citar um exemplo de impedimento do juiz para garantir a sua imparcialidade, quando este é parente, amigo ou inimigo de uma das partes deve ser afastado para seja garantido a imparcialidade no processo, podemos estar diante de um paradoxo, no qual em um momento é permitido que o juiz seja afastamento para garantir a imparcialidade, este talvez seria o argumento para que o parquet pudesse ser afastado a partir do momento que lhes fosse apresentado uma prova que viola regras de direito material ou a Constituição no momento de sua coleta.

Neste passo observamos o contato do juiz com a prova ilícita, ficando este adstrito ao resultado do processo, poderíamos aqui justificar de imediato o afastamento do juiz, em detrimento de um melhor resultado, ou até mesmo um resultado mais próximo da verdade real, tendo em vista as garantias fundamentais aqui suscitadas, ainda que a lei seja omissa no que diz respeito a gravações ambientais, mas o entendimento é unânime em não aceitar estas gravações sem autorização judicial, fazendo uma analogia ao que prevê a lei sobre as interceptações telefônicas e o respeito à privacidade. Vejamos outro julgado do STF: Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ESCUTA AMBIENTAL. PROVA ILÍCITA. ILEGITIMIDADE PARA RECORRER. EMBARGOS NÃO CONHECIDOS. APELO EXTREMO INTEMPESTIVO. 1. A tempestividade constitui requisito recursal de admissibilidade indispensável, razão pela qual o recorrente deve obedecer aos prazos previstos na Lei 8.038/1990. 2. O recurso manifestamente incabível ou intempestivo não suspende ou interrompe o prazo para a interposição de outro recurso. Precedente: ARE 738.488-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Plenário, DJe de 24/3/2014. 3. In casu, o acórdão extraordinariamente recorrido assentou: CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO – PROVA ILÍCITA – GRAVAÇÃO AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONTAMINAÇÃO DA PROVA DERIVADA. EFEITOS DA NULIDADE. INICIAL. INDEFERIMENTO. RECURSO PROVIDO.” 4. Agravo regimental DESPROVIDO. (STF - ARE: 789860 DF, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 19/08/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 17-09-2014 PUBLIC 18-09-2014).

9 POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL Mesmo sendo tema de inúmeras discussões a respeito da prova ilícita, a nossa jurisprudência vem com entendimento unificado em não admitir a prova ilícita no Processo Penal, podemos observar no voto abaixo, a fundamentação baseada na Constituição e na Lei Penal, não nos resta dúvidas de que os Tribunais vem a cada dia trazendo entendimento mais amplo no que diz respeito a prova ilícita, vale salientar que a proteção da ordem social e os direitos individuais são de grande valor para este posicionamento. TRÁFICO DE INFLUÊNCIA (ARTIGO 332 DO CÓDIGO PENAL). GRAVAÇÃO DECONVERSA TELEFÔNICA ENTRE O PACIENTE, ADVOGADO, E SUA CLIENTEEFETUADA POR TERCEIRO. AUSÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. SIGILO VIOLADO. ILICITUDE DA PROVA. CONSTRANGIMENTO ILEGALCARACTERIZADO. 1. A interceptação telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores, que depende de ordem judicial, nos termos do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. 2. A escuta é a captação de conversa telefônica feita por um terceiro, com o conhecimento de apenas um dos interlocutores, ao passo que a gravação telefônica é feita por um dos interlocutores do diálogo, sem o consentimento ou a ciência do outro. 3. Na hipótese, embora as gravações tenham sido implementadas pelo esposo da cliente do paciente com a intenção de provar a sua inocência, é certo que não obteve a indispensável prévia autorização judicial, razão pela qual se tem como configurada a interceptação de comunicação telefônica ilegal. 4. O fato da esposa do autor das interceptações - que

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Nesta decisão observamos a presença da prova derivada, também não admitida na Lei brasileira, resta claro que de acordo com a Teoria Norte Americana ( fruits of the poisonous tree), se a árvore estiver envenenada, seus frutos também estarão, tratando-se de derivação, entendemos que esta prova se tornou ilícita não podendo ser utilizada no processo, devendo ser decretada o seu desentranhamento e posterior destruição. Em uma comparação de estudos, se faz necessário uma pontuação sobre um estudo feito, ainda que diferente deste, mas que tem um caminho parecido, pois tratam da ótica constitucional, os autores; Stefani Cristina e Cristian Kiefer, em um estudo sobre os desafios da concretização das políticas públicas também se deparam com a necessidade de efetivação dos direitos humanos, neste mesmo sentido o nosso estudo se faz necessário que seja observado tais preceitos. Segundo Stefani Cristina e Cristian Kiefer;

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O Brasil, como República Federativa, é regido pela Constituição Federal, pilar do ordenamento jurídico brasileiro e que dispõe a cerca da estrutura do Estado, dos Poderes e dos direitos fundamentais. A não observância, por qualquer dos entes federados (União, estados, Distrito Federal e municípios), dos dispositivos constantes no texto constitucional torna possível a insurgência do prejudicado contra o ato, questionando sua constitucionalidade. Todavia nem é necessário um estudo mais aprofundado para percebermos que a Constituição, ainda que indiretamente já nos permite enxergar a viabilidade de um novo magistrado dentro processo, afastando assim aquele que teve contato com a prova que fora considerada ilícita. É mister que o nosso estudo seja pequeno diante da magnitude que é o conceito de prova, sendo esta um dos elementos mais importantes do processo, sendo um motivo a mais para ser observado em relação as provas ilícitas, portanto é de grande relevância que se aprofunde ainda mais ao tema buscando assim permitir ao julgador um melhor conforto na hora de decidir, pois o maior interesse do Estado não é condenar, mas sim oportunizar que a justiça se faça presente para ambas as partes, seja autor ou réu, pois estamos em um País Democrático de Direito. 10 Considerações Finais Como manter o magistrado livre da contaminação da prova ilícita se ele próprio é quem decide sobre o seu desentranhamento do processo, o juiz já teve contato com a prova ilícita sendo de grande relevância considerar que mesmo tendo que fundamentar a sua decisão, tal contato pode levá-lo ao veredicto final baseando-se neste primeiro contato. O Projeto de Lei 4205/2001, trazia a modificação do artigo, no qual o juiz devia ser afastado da decisão do processo, caso tivesse conhecimento da prova ilícita art.157 § 4º texto in verbis; “O juiz que conhecer da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão” (NR). Todavia este projeto fora vetado pelo Presidente da República à época, Luiz Inácio Lula da Silva. (Projeto de Lei 4205/2001). No entanto não se trata de simples subjetividade, considerando que não aprofundaremos no estudo da psicologia que talvez explique as reações do ser humano diante de conhecimento de fatos que tenham que ser afastados de seu pensamento no momento de se decidir, mas é importante pontuar mais uma vez que o livre convencimento do juiz é um dos Princípios sobre os quais ele pode se assegurar no momento de dar a sentença. Sob a ótica da imparcialidade do juiz e o livre convencimento motivado, o juiz deveria ser afastado da decisão para que o interesse do Estado não sobreponha os direitos individuais, pois a própria Constituição assegura a inadmissibilidade da prova, entretanto, não sabemos como é decidido a respeito de ilicitude e ilegitimidade no caso concreto. (CR/88). O Projeto de Lei 4205/2001 já nos serve como embasamento para uma grande discussão, tendo em vista a dúvida em relação à contaminação do processo em decorrência deste contato do juiz com a prova. E se tratando de inconstitucionalidade, a aceitação da prova como se manifesta a doutora e mestre em direito penal Daniela Villani Bonacorsi (2014 p.69); Da posição inicial que admitia a prova relevante e pertinente, preconizando a punição do responsável pelo delito praticado, mesmo com a colheita ilegal da prova, chegou-se à convicção de que a prova obtida por meios ilícitos deve ser banida do processo, por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ao conceito de inconstitucionalidade.

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Tal inconstitucionalidade também deveria ser observada quanto a sua aceitação dentro do processo até que o juiz determine que esta seja desentranhada. Então se considerarmos que o juiz tem que analisar esta prova para somente assim solicitar que esta seja retirada e destruída, esta análise poderia ser feita de forma antecipada, ou seja, na fase pré-processual. REFERÊNCIAS AVENA, Norberto. Processo penal: esquematizado. 7ª edição, revista e atualizada e ampliada. São Paulo: Método, 2014. AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Vade Mecum Universitário de Direito Ridel / Anne Joyce Angher, organização. – 32. Ed. – São Paulo: Rideel, 2016. (Coleção de Leis Rideel). BRASIL. Código de Processo Penal. Art. 157. Decreto-Lei n 3.689, de 3 de out. de 1941. Vade Mecum Universitário de Direito Ridel / Anne Joyce Angher, organização. – 32. ed. – São Paulo: Rideel, 2016. (Coleção de Leis Rideel). BONACCORSI, Daniela Villani. As provas obtidas por meios ilícitos: Uma análise de suas conseqüências no processo penal moderno. Belo Horizonte: Edi­tora D’Plácido, 2014. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 20ª edição de acordo com a Lei n. 12.736/2012. São Paulo: Editora Saraiva 2013. GALLUPO, Marcelo Campos. Da ideia a defesa: monografias e teses jurídicas- atualizado conforme as normas 6023/2002, 10520/2002, 1474/2002, 6024/2003 e 6027/2003. Belo Horizonte: Método, 2003. GOMES, Luiz Flávio. Alterações no código de processo penal: provas ilícitas; sistema da inadmissibilidade; lei nº 11.690/2008. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre: 2008. GOMES, Luiz Flávio. Provas ilícitas e ilegítimas: Distinções Fundamentais. Disponível em http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/22813/qual-a-diferenca-entre-prova-ilicita-e-prova-ilegitima-luiz-flavio-gomes/ Acesso em: 12 de jun. 2016. GRINOVER, Ada Pellegrini. FERNANDES, Antonio Scarance;. FILHOS, Antonio Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. 6º edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. GRINOVER, Ada Pellegrini. Provas ilícitas, interceptações e escutas. 1ª edição. Brasília/DF: Editora Gazeta Jurídica, 2013. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª edição revista, ampliada e atualizada. Bahia: Editora JusPdivim, 2015. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 11ª edição. São Paulo: Editora Saraiva 2014.

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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31ª edição revista e atualizada até a EC nº 84, de 2 de dezembro de 2014. São Paulo: Editora Atlas S.A. – 2015. NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado: estudo integrado com processo e execução penal: apresentação esquematizado da matéria: jurisprudência atualizada. 14ª ed. revisada e atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2014. NÚCLEO DE BIBLIOTECAS. Manual para elaboração e apresentação dos trabalhos acadêmicos: padrão Newton Paiva. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva, 2011. Disponível em: <http://newton. newtonpaiva.br//NP_conteudo/file/Manual_aluno/Manual_Normalizacao_Newton_2011.pdf>. Acesso em: 09 de junho de 2016. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 17ª edição revista ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Editora Atlas, 2013. PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 5ª edição revista ampliada e atualizada. Niterói/RJ: Editora Impetus, 2008. PRADO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a emoção: aspectos da lógica da decisão judicial. 4ª edição. Campinas: Editora Millennium, 2008. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 15ª edição revista ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 19º edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. SOUZA, Stefani Cristina de; SILVA, Cristian Kiefer da;Desafios Para a Concretização das Políticas Públicas no Brasil: A Internação Compulsória de Dependentes Químicos Sob a Ótica da Nova Ordem Constitucional.Disponível em: <http://newton.newtonpaiva.br//NP_conteudo/ file/Manual_aluno/Manual_Normalizacao_Newton_2011.pdf>. Acesso em: 03 de junho de 2016. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, HC 93.050/RJ, relator Ministro Celso de Mello, publicação DJ 01/08/2008, informativo 514. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de. Curso de direito processual penal. 10ª edição revista ampliada e atualizada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.

Banca Examinadora Eduardo Nepomuceno de Sousa (Orientador) Julio César Faria Zini (Examinador).

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ESTUPRO CONJUGAL: a possibilidade do marido atuar no polo ativo do crime Anna Pinto Coelho de Carvalho Corrêa2

RESUMO: O presente artigo científico trata da possibilidade do marido atuar como sujeito ativo do crime de estupro quando a vítima é sua própria esposa. Amparado em doutrinas, jurisprudências e Leis, analisar-se- á o assunto em pauta, observando que, de acordo com as leis à respeito do posicionamento de considerar ou não o marido como sujeito ativo do crime, o assunto encontra-se pacificado e com posicionamento resolvido. Já no campo doutrinário, ainda há divergências, formando duas correntes de pensamento. A primeira corrente é comandada por doutrinadores tradicionalistas e antigos, não aceitando a tipificação do crime de estupro em relações maritais, por acreditarem que o sexo é um dever do casamento. Em contrapartida, a segunda corrente acredita na possibilidade da tipificação do crime em relações maritais. São doutrinadores mais atuais, que entendem a real situação social que vive o mundo moderno. Ao longo deste artigo, verificar-se-á que a corrente que não aceita o crime de estupro nas relações maritais é ultrapassada, mantendo costumes arcaicos. Entretanto, a outra corrente vem se fortificando, visto que observa-se progressivamente a equiparação entre homens e mulheres nos mais diversos cenários, tais como política, economia e ambiente de trabalho. Palavras-chave: Estupro Conjugal. Igualdade Entre Cônjuges. Sexualidade.

1 INTRODUÇÃO

2 BREVE CONTEXTO HISTÓRICO

O presente trabalho que será desenvolvido é apresentado ao Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, com objetivo geral à análise sobre o crime de estupro, quando é praticado em âmbito conjugal, ou seja, quando o marido submete sua esposa a conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. O estupro conjugal, regra geral, é pacificado atualmente em se tratando de jurisprudências e Leis, conforme demonstrará. Já no campo doutrinário ainda há uma corrente de juristas tradicionalistas que defendem a não figuração do marido como autor do delito previsto no artigo 213 do Código Penal. O trabalho irá investigar as peculiaridades de cada uma das correntes de pensamento a respeito do tema, bem como explicitará opiniões de alguns dos doutrinadores de cada uma das linhas de pensamento, objetivando que o leitor forme uma opinião a respeito da problemática. Será feita uma descrição dos aspectos constitucionais e processuais que se relacionam ao conflito, bem como a análise dos dispostos do atual Código Penal brasileiro. O propósito da análise desse tema é formar uma opinião crítica sobre o atual cenário social, no qual homens e mulheres devem ser considerados iguais perante à Lei conforme versa a Constituição, não tendo seus direitos cerceados. Ainda, objetiva-se demonstrar que a corrente de pensadores que não aceita a possibilidade do estupro marital é ultrapassada e deve acabar, uma vez que exclui o princípio constitucional da igualdade entre as pessoas. E, por derradeiro, será necessário analisar o contexto histórico do crime de estupro, bem como as dificuldades e preconceitos sofridos pela mulher que opta por expor a situação de violência que vive em âmbito conjugal. Ao final, o leitor concluirá que esses fatores contribuem para a não publicidade do crime de estupro marital, e a consequente propagação da doutrina da não-aceitação dessa tipificação do crime, apesar de a corrente da aceitação do crime vir crescendo gradativamente.

Em se tratando do tema proposto, tem-se que o delito de estupro é cometido desde o começo da vida humana. Entretanto, antigamente a mulher não era vista socialmente como um indivíduo de direito, tampouco o crime de estupro como algo que denegrisse ou violasse sua liberdade sexual. As mulheres eram tidas como objetos sexuais e seres reprodutores para seus maridos, objetivando somente o prazer do homem e a reprodução. Neste contexto está presente uma extrema desvalorização da figura feminina, que era até mesmo tida como “mulher sem honra” caso não quisesse se submeter aos desejos na hora que o marido quisesse. Havia inclusive uma diferenciação entre mulheres e prostitutas, sendo essas consideradas seres ainda menores que aquelas. No caso do estupro de uma prostituta, a pena aplicada ao estuprador não era a mesma pena que seria aplicada no caso de estupro de outras mulheres da sociedade, tendo como base portanto o “tipo” de mulher e não o criminoso. No entanto, atualmente, o foco do século XXI é a busca pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, logo, a atual Constituição ampara o direito à liberdade sexual para ambos. Hoje o conceito de “mulher sem honra” ou honesta foi retirado do ordenamento jurídico-penal brasileiro, uma vez que o legislador entende que honra e honestidade são características virtuosas dos indivíduos e não dependem de suas atitudes, sendo todos iguais perante a Lei. O crime de estupro é previsto e tipificado no artigo 213, caput, do atual Código Penal Brasileiro, que versa, in verbis: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.” (Grifei). Ao contrário do que ocorria em tempos remotos, a relevância do estupro encontra-se na liberdade sexual e na liberdade de escolha da mulher e não do homem. A liberdade sexual consiste no direito de escolha do indivíduo em relacionar-se sexualmente com outra pessoa,

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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sem que sua vontade seja tolhida pela ação de outro indivíduo. Ainda sobre a liberdade sexual, tem-se que o atual Código Penal Brasileiro objetiva proteger os direitos de cada indivíduo, englobando também o âmbito sexual, inspirado nas previsões da Carta Magna de 1988, que versa sobre os direitos e garantias fundamentais do indivíduo no artigo 5º, incisos I e X. Se o marido não respeita a decisão de sua esposa e viola os direitos que versam sobre seu corpo, é sim polo ativo do crime, realizando conduta repudiável socialmente, e, conseqüentemente, merecendo punição conforme previsto nos moldes da Lei. Insta salientar que, assim como o homem, a mulher também é livre, devendo dispor do direito de consentir com a relação ou negar à prática sexual. Por inúmeras vezes mulheres são violentadas sexualmente por seus maridos, sem nem saber da existência desse crime ou da gravidade dessa ação. Algumas, apesar de terem esse conhecimento, decidem ignorar, por questões religiosas, por constrangimento ou por ainda nutrir sentimentos com relação à seu cônjuge, mantendo essa relação doentia por muito tempo. No entanto, conforme passará a comprovar, esse tipo de prática contra a vontade da esposa ou companheira tipificam crime de estupro, devendo o agressor cumprir com as penalidades a ele previstas por cometer tamanha barbárie. 3 O CRIME DE ESTUPRO MARITAL O crime de estupro marital ocorre quando há violência sexual para com a mulher na constância do casamento, sendo praticado pelo cônjuge, mediante violência ou grave ameaça. É importante destacar que o delito estupro, conforme versa o artigo 213 do Código Penal, pode ser praticado por qualquer pessoa, não importando ao legislador se ela é virgem, solteira ou casada. Para que o crime ocorra basta que a pessoa seja constrangida a ter conjunção carnal com outrem a partir de uma ameaça ou violência (seja ela física ou moral). De acordo com o Código Civil Brasileiro no tocante aos deveres do casamento em seu artigo 1566: Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - Fidelidade recíproca II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos. (Grifei). Conforme apresentado, nada consta nos deveres do casamento a prática do sexo contra a vontade de um dos nubentes. Muito pelo contrário, o Código Civil preza pelo respeito mútuo entre os cônjuges. Logo, recusar-se ao ato sexual não pode ser considerado injusto com o seu cônjuge. Essa é uma visão é totalmente arcaica. Isto posto, pode-se concluir que a relação sexual é sim uma das características que configuram casamento entre duas pessoas, por pressupor uma relação íntima entre o casal. Entretanto, para que haja uma relação íntima, pressupõe-se também o respeito. Logo, quando o marido obriga sua esposa a praticar ato sexual contra sua autorização por mera vontade de satisfazer desejos carnais, comete ato ilícito penal, uma vez que houve desrespeito às garantias de sua companheira, da pessoa que considera “íntima” segundo a Lei.

é que no estupro marital a vítima é a própria esposa. Marido como autor. A questão da violência doméstica e familiar contra a mulher Lei, nº 11340, de 07 de agosto de 2006: Marido que, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, constrange a mulher à prática de relações sexuais comete crime de estupro. (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Brasileiro. Brasília: Editora Inesc, 2008, p. 421). Ainda que, atualmente muitas mulheres sejam abusadas por seu próprio marido, inúmeras se calam defronte aos abusos, não denunciam o crime e mantém o relacionamento por longos períodos ou até mesmo até a morte, causando-lhes danos físicos e psíquicos muitas vezes irreversíveis. (...) O ilícito penal deve não somente ser punido, mas também deve ser conscientizado que, a sua atitude gerou danos, os quais devem, e necessitam serem reparados, conscientizando que quando prática um crime de (...) estupro, por exemplo, destrói famílias, destrói vidas, trazendo traumas que as vezes seja impossível a recuperação dos atingidos. (FREITAS, Priscila Araújo. LJ03 22 – UM NOVO MODELO DE JUSTIÇA PENAL: Justiça Restaurativa e Sua Aplicação no Brasil. REVISTA JURÍDICA NEWTON PAIVA). Conforme demonstrado, apesar de possível por Lei a configuração do crime contra a liberdade sexual da mulher, no âmbito da doutrina surgiram duas correntes de pensamento a respeito da possibilidade da tipificação de estupro marital, que serão analisadas a seguir. 3.2 Da Corrente Doutrinária da Não-Aceitação do Estupro Marital Conforme já demonstrado, a tipificação do crime de estupro pelo código penal (artigo 213) e alterado pela Lei 12.015 de 2009 não retira a possibilidade do marido atuar no polo ativo do crime, uma vez que de acordo com o artigo transcrito configura-se estupro ao constranger “alguém”, englobando também mulheres casadas, não restringindo somente a um determinado grupo social de pessoas. Entretanto, no campo doutrinário alguns juristas negam a aceitar que seja possível a configuração desse crime em relações conjugais, por acreditarem que as relações sexuais são obrigações inerentes ao casamento. Nos dizeres da primeira corrente, não há a possibilidade da configuração do crime. O marido não pode ser acusado de estupro de sua própria esposa, uma vez que o Código Civil traz como consequência do casamento o dever de coabitação, que significa que os cônjuges têm o dever de manter relação sexual, assim na hipótese de recusa injustificada da mulher, o marido pode forçá-la ao ato sexual sem que responda pelo crime. (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal – Volume I – 37º edição. Editora Saraiva, 2003, p. 237). De acordo com Noronha, no caso de a mulher não ter uma justificativa plausível para a não realização do ato sexual, não será crime se o marido a obrigar, uma vez que isso é um “mero capricho” da esposa. Neste caso seria, segundo o autor, permitido o uso da violência. É lícito ao marido exigir o coito “normal”, isto é, a cópula vagínica. Já os coitos anal e oral não estariam incluídos entre as prerrogativas do marido. Desta feita, se a mulher for obrigada a realizar com seu marido relações sexuais “não convencionais”, ele estará praticando o crime de estupro. Se, por outro lado, forçá-la a cópula vagínica, estará praticando o exercício regular de um direito. (GARRAUD apud COSTA, Renata Sobral. Possibilidade de Configuração do Crime de Estupro nas Relações

3.1 Configuração do Crime de Estupro Marital É denominado estupro marital a violência sexual ocorrida em âmbito conjugal, sendo a mulher constrangida a manter conjunção carnal com seu marido sem o seu consentimento ou vontade. Esta conduta é uma modalidade específica do crime de estupro, explicitado no artigo 213, do Código Penal. A única diferença do texto da Lei,

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Conjugais. 2008, p. 34 - Faculdade de Direito de Presidente Prudente – SP). Ambos os doutrinadores seguem a mesma linha de raciocínio, uma vez que não aceitam que a violência sexual do marido para com sua esposa possa constituir estupro. Entretanto, essa corrente abordada vem sendo refutada e perdendo seus adeptos na sociedade, uma vez que atualmente vive-se um período de igualdade entre homens e mulheres previsto constitucionalmente. O posicionamento dos doutrinadores contra o estupro marital de que o sexo é também uma obrigação conjugal é totalmente contraditório à realidade hoje vivida, uma vez que faz com que as pessoas retroajam com os conceitos e costumes seguidos no século XXI. 3.3. Da Corrente Doutrinária da Aceitação do Estupro Marital A segunda corrente doutrinária defende a tese de que o crime de estupro pode sim ser cometido pelo marido, por aceitar a liberdade sexual da mulher como um direito não violável. Modernamente, perdeu o sentido tal discussão, pois, embora alguns possam querer alegar o seu ‘crédito conjugal’, o marido somente poderá relacionar-se sexualmente com sua esposa com o consentimento dela. (GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói: Impetus, 2010, p. 466). Uma vez estabelecido constitucionalmente a igualdade entre os sexos feminino e masculino perante à Lei, fica claro que a mulher não pode ser obrigada por seu cônjuge a manter relações sexuais que não sejam de sua vontade ou consentimento. Caso o marido não esteja satisfeito cabe ao mesmo ingressar com ação para obter o divórcio, sem agredir ou ferir a integridade física e moral de sua esposa. Entendemos que o marido pode ser sujeito ativo do crime de estupro contra a própria esposa. Embora com o casamento surja o direito de manter relacionamento sexual, tal direito não autoriza o marido a forçar a mulher ao ato sexual, empregando contra ela a violência física ou moral que caracteriza o estupro. Não fica a mulher, com o casamento, sujeita aos caprichos do marido em matéria sexual, obrigada a manter relações sexuais quando e onde este quiser. (JESUS, Damásio de. Direito Penal. v. 3, 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.327).

sociedade atual que evoluiu constitucionalmente e estabeleceu a igualdade entre os gêneros determinou isso. Portanto, ao cônjuge insatisfeito é cabível apenas a separação judicial. Por fim, insta salientar que os indivíduos que ainda acreditam e aderem ao posicionamento da primeira corrente vêm sendo severamente refutados por renomados doutrinadores como Capez, Delmanto, dentre outros que defendem e acreditam na possibilidade do marido atuar como polo ativo do crime e na proteção dos direitos de liberdade sexual da mulher. 3.4 Da dificuldade de comprovar materialidade para que se configure o delito Por se tratar de um crime quase sempre cometido longe de outras pessoas e silenciosamente, o estupro (em especial o estupro marital) é um crime de difícil comprovação. Ainda falando sobre dificuldade de comprovação, é importante dizer que por diversas vezes as vítimas se omitem e até negam quando outras pessoas vêem o ocorrido, por medo e outros motivos, dificultando ainda mais a comprovação da materialidade do delito. Nem sempre a violência deixa marcas e/ou vestígios, principalmente quando a violência que coagiu a vítima a se submeter ao ato ilícito foi psicológica, ou seja, quando o agressor apenas ameaça verbalmente sua esposa ou companheira a fazer sua vontade se não quiser sua morte ou morte de pessoas amadas por exemplo. Há ainda a possibilidade de uso da coação moral, sub-rogando injúrias ou difamação. Destaca-se que nos casos que não restarem vestígios de violência na vítima ou nos casos em que eles já desapareceram, faz-se necessária a prova testemunhal. Já no caso de ainda restarem vestígios da agressão, aplicarse-á o caput do artigo 158, do Código de Processo Penal “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Conforme ilustrado no artigo 158, é de máxima importância que haja a realização do exame de corpo de delito para que se apure e aprecie a prova que será analisada pelo juiz, buscando a obtenção da verdade real do magistrado para a aplicação da pena. Assim, quando possível à realização da perícia, sua falta implica a nulidade de qualquer prova produzida em sua substituição (CPP, art. 564, III, b) e, por conseguinte, a absolvição com fundamento no art. 386, VI, do CPP. O art. 167 somente se aplica aos casos em que o exame direto já não era possível ao tempo do descobrimento do delito, em face do desaparecimento dos vestígios. Se havia a possibilidade de realizar o exame. (VASCONCELLOS, Elen Cristiane Guida. Aspectos Médico-Legais do Estupro: Perícia. Publicado em 04 mai. De 2011, p.3).

É importante ressaltar que os Tribunais brasileiros vêm admitindo a possibilidade do crime de estupro no âmbito marital, praticado contra sua esposa. EMENTA: APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA OS COSTUMES. RÉU DENUNCIADO POR ESTUPRO. ATOS QUE SE ENQUADRARIAM NO DELITO DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. Constou da denúncia que o acusado, mediante o uso de violência e graves ameaças, constrangeu a vítima, sua esposa, à conjunção carnal contra a vontade dessa, causandolhe lesões corporais. Número: 70021263470 Tipo de Processo: (Apelação Crime. Relator: Naele Ochoa Piazzeta. Tribunal: Tribunal de Justiça do RS. Órgão Julgador: Sétima Câmara Criminal. Comarca de Origem: Comarca de Santa Maria. Seção: CRIME. Decisão: Acórdão. Data de Julgamento: 03/04/2008. Publicação: Diário da Justiça do dia 26/05/2008). Existe o crime sempre que houver constrangimento do marido para a realização da conjunção carnal, por constituir o fato abuso dos direitos e garantias da vítima. Isto se deve ao fato de, apesar da relação carnal ser lícita ao cônjuge, a prática que fere a dignidade da mulher e seu respeito em sua casa é considerada crime. A própria

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Logo, para a aplicação de justas penas e condenação ao autor do crime, faz-se necessária a produção de provas periciais, uma vez que na maioria dos casos trata-se do único meio de comprovação da materialidade do delito. Apesar de a vítima ter palavra de peso significativo nos crimes sexuais, a morosidade da justiça brasileira acaba fazendo com que ela desista de prosseguir com o processo judicial ou ainda que se anule diante da situação para evitar sua fadiga. Além do quesito credibilidade/confiança que a mulher deve atender, para que seja comprovado efetivamente que ela foi vítima de estupro, a vítima ainda é submetida a rigorosos “testes de resistência”, tais como longas audiências, confrontações com o agressor, longas esperas nos corredores de delegacia e fórum, etc. Todos estes testes ou situações de resistência, são criados inconscientemente no intuito de verificar se a vítima poderá levar seu caso adiante, e caso positivo, isto talvez signifique que ela fala a verdade, porque resistiu.

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(BARROS, Lívya Ramos Sales Mendes de; JORGE-BIROL, Alline Pedra. Crime de Estupro e sua Vítima: A Discriminação da Mulher na Aplicação da Pena, p.08). Com propriedade, o constrangimento pelo qual a vítima do crime de estupro se submete é alto, causa-lhe sofrimento e dificulta sua motivação para dar seguimento ao processo. A vítima é exposta à humilhação e perguntas vexatórias, além do fato de ter que repetir a história por diversas vezes. Não obstante, há ainda outro agravante para a vítima do crime de estupro, uma vez que ainda que essa se submeta a todo o constrangimento do processo e diga a verdade sobre o ocorrido praticado contra ela, basta apenas uma contradição de sua parte para que o juízo entenda pela absolvição do acusado, devido ao elevado gravame que decorre da condenação criminal. No caso de dúvida sobre a inocência do acusado, não poderá o juiz proferir sentença condenatória ao mesmo, uma vez que nesse caso deve-se aplicar o consagrado princípio in dúbio pro reo. 3.5 Da dificuldade de julgar veracidade nas alegações da vítima A atual sociedade é ainda “presa” aos costumes arcaicos existentes no meio sociocultural do país. Logo, existe uma grande barreira da população no sentido de acreditar na veracidade das palavras de uma vítima de estupro, especialmente quando se trata de uma mulher casada. Em diversos casos julga-se primeiro a vítima, imputando-lhe culpa ou contribuição para o mal que lhe foi feito, para que depois se analise de fato o crime presente e seja realizado o julgamento do agressor, aplicando-lhe a pena devida por tamanha barbárie. Tendo em vista essas dificuldades presentes no julgamento de veracidade das alegações da vítima, os casos do crime de estupro devem ser tratados de forma mais cautelosa quando há indícios de que o crime tenha ocorrido entre cônjuges. Dois pontos cruciais devem ser abordados a fim de apurar o ocorrido, sendo eles, o dolo específico do sujeito ativo e o dissenso da vítima. É inegável que na sociedade conjugal, a par do surgimento de uma nova situação jurídica – onde, atualmente, os direitos e deveres são exercidos igualmente por ambos os cônjuges (art. 226, § 5º, da CF) -, a comunhão de interesses e sentimentos, bem como a intimidade advinda da vida em comum e de uma prática sexual frequente, natural e saudável, tornam particularmente difícil a identificação do elemento subjetivo caracterizador do delito de estupro. (SOUZA. Lídia Cibele de. Estupro conjugal: Conjunção carnal forçada do marido contra sua esposa sob o aval da figura do dever de coabitação. CENSI – Centro de ensino superior de Itabira curso de direito - 2009). Isto posto, quando a violência sexual é realizada pelo marido, identificar o fato delituoso é dificultado, já que a prática de atos sexuais é algo corriqueiro e normal do casamento, apesar de que não seja permitido violência ao conceber esse ato. Portanto, para que seja caracterizada a violência sexual em se tratando de âmbito conjugal, faz-se necessária a objeção da palavra da vítima e a não aceitação ao demonstrar que não consentiu a prática do ato. É importante que reste comprovado que houve o emprego de violência ou de grave ameaça por parte do cônjuge para obter a cópula carnal. O outro ponto objeto de observação é o dissenso da vítima, ou seja, sua resistência ante a prática do ato. A resistência não pode ser meramente passiva, ela não pode, simplesmente, dizer um “não” deve ser sincera e positiva. Não é suficiente uma recusa meramente verbal, uma oposição passiva e inerte. É necessária uma vontade decidida e militantemente contrária, uma LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

oposição que somente a violência física ou moral consiga vencer. (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Editora Forense, 1983, p.107). Devido ao fato de ser difícil restar comprovação desse tipo de delito, faz-se necessário que a vítima se oponha de maneira severa contra a ação de violência. O marido deve entender claramente que o ato de violência está sendo severamente repudiado pela mulher. De acordo ainda com Hungria, a oposição da vítima é fundamental e deverá ter resistência ativa da mesma, de forma que o agressor precise empregar força física ou moral, caracterizando assim o delito em tela. 3.6 Do Preconceito Social que a Vítima Sofre ao Falar Sobre o Estupro Apesar do fato de a mulher ser muito discriminada por diversas vezes (até mesmo pelo magistrado), quando resolve denunciar que está sendo vítima do crime de estupro, essa deverá falar. São inúmeros os casos em que se julga o homem por estar “gozando de seus direitos” e se esquecem de que a mulher também é portadora dos mesmos. É cabível dizer que os casos de discriminação, em sua maioria, devem-se ao não cumprimento da mulher de um modelo de “comportamento aceitável” imposto socialmente, no qual ela não pode ter certos tipos de atitudes para que não esteja “pedindo” para ser estuprada, especialmente quando for casada. Nesse rol de taxações inclui-se que a mulher não pode freqüentar determinados locais sozinha, não pode usar determinados tipos de roupa, dentre outros. Deverá ser recatada, um estereótipo de mulher construído pela cultura machista e do sistema patriarcal. Mesmo após as mudanças sociais e legais no sentido de proteger a liberdade sexual da pessoa humana, ainda há um comportamento em prol do crime de estupro marital, no qual cabe à mulher o respeito e a submissão, a aceitação de certas atitudes indesejadas, objetivando se enquadrar num padrão imposto socialmente. Insta salientar que em se tratando de pessoas, independe de homem ou mulher, uma vez que de acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5, caput: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Tendo em vista o tema abordado, cabe frisar que, ainda que seja casada, a mulher tem o direito de dizer “não” ao ato sexual solicitado pelo seu cônjuge ou parceiro, uma vez que o sexo praticado contra a vontade da mulher, ainda que quem o tenha praticado é seu companheiro, caracteriza estupro. O casamento é a união entre duas pessoas que objetivam a comunhão de uma vida em comum. Não se trata da dominação de uma pessoa sobre a outra, que é o que ocorre no caso do sexo sem consentimento dentro de uma relação. O sexo não deve ser um dever da relação, mas sim um momento de prazer entre as partes que o compõem. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Especialmente no âmbito sexual, pode se dizer que a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres estabelecida no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, é uma grande conquista social e jurídica, uma vez que abole qualquer tipo de discriminação no que tange a diferenças sexuais. Logo, ao igualar homens e mulheres, é aceita uma segurança muito aclamada pela sociedade, e, com isso, os direitos e deveres de ambos os sexos ficam assegurados sem qualquer diferenciação ou exclusão. Exposto o texto constitucional, pelo fato de homens e mulheres estarem em igual situação comparativa perante a Lei, não podem ser

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cerceados de seus direitos, independente de quem o pretender. Sendo assim, pode-se dizer que o direito à igualdade é também uma importante conquista social feminina, cujo amparo Constitucional era desprotegido. Por esse motivo, o Legislador rapidamente elencou em seu rol taxativo de direitos fundamentais da pessoa humana que, independente de sexo, não poderá sofrer qualquer forma de discriminação, ou seja, mulheres estão incluídas. Insta salientar que, diversos foram os projetos de Leis que impunham revogações ou estabeleciam alterações no intuito de se igualar e adequar à Constituição Federal de 1988, fato que mudou significativamente o atual meio social. No que tange às mudanças, um tema que trás a baila muita polêmica é a Lei 12015/09, que, ao alterar sua redação, trouxe a possibilidade do marido figurar no polo ativo do crime de estupro contra sua esposa na constância do casamento. Cabe salientar que, de acordo com o Código Civil o ato sexual não está no rol de deveres do casamento; logo, não é dado autorização ao cônjuge de constranger ou forçar sua esposa a praticar relação sexual contra sua vontade. No tocante ao crime de estupro, protegem o livre consentimento ou negação tanto o Código Penal, no artigo 213, quanto a Lei 12.015/09. Ambos defendem a ideia de que a mulher é livre para dispor de seu corpo, quando e com quem quiser, resguardando-se e garantindo que esta possua os mesmos direitos atribuídos aos homens. No entanto, mesmo com a equiparação da igualdade entre homens e mulheres em âmbito constitucional, ainda existem divergências doutrinárias sobre este posicionamento. Isso se deve ao fato de uma corrente doutrinária defendida por tradicionais juristas ainda acreditarem que a mulher deva ser submissa diante de seu marido, da mesma forma que ocorria em tempos remotos, quando a mulher era vista como um objeto de posse de seu cônjuge, exclusivamente para reprodução e afazeres do lar. Por mais que hoje a sociedade viva em uma era contemporânea, tal visão ainda é bem aceita por uma parcela da população, haja vista a existência de uma corrente que não aceita que o marido figure no polo ativo de um crime de estupro contra sua esposa. De acordo com os dizeres dessa corrente, a mulher deve manter relações sexuais com seu cônjuge por um dever conjugal, não tendo o direito de se abster dessa obrigação. Alguns tradicionalistas um pouco mais liberais já defendem que a mulher pode negar o sexo, desde que possua um motivo de extrema relevância para o fazer. Trata-se de uma visão completamente arcaica, uma vez que qualquer ato de violência contra qualquer indivíduo que o obrigue a manter relações sexuais contra a sua vontade é crime de estupro. Insta salientar que, não satisfeito com o matrimônio, o marido tem total direito de ingressar com o divórcio judicial, e não constranger sua esposa de maneira que a violente ou force-a à prática de atos indesejados. Vivendo em uma sociedade moderna na qual ambos os sexos possuem os mesmos direitos e deveres sendo iguais perante a Lei nos termos da Constituição Federal, não se pode aceitar que hajam disseminações de teorias que dizem que normal o coito forçado pelo marido. Felizmente, através do acesso aos meios de comunicação, a mulher tem se conscientizado gradativamente sobre seu valor e seu poder de voz, embora ainda hajam muitos casos em que predomine o silêncio das mesmas por diversos fatores, como a morosidade do poder judiciário, o constrangimento, questões religiosas, os filhos do casal, dentre outros. Muitas mulheres na condição de mães, esposas que dependem financeiramente de seu marido, temem o repúdio social e sentem vergonha da exposição de sua vida íntima, se calando diante de situações de violência. Observa-se, entretanto, uma diminuição do machismo no âmbito dos crimes contra a dignidade sexual, como se pode constatar pela unificação dos crimes de atentado ao pudor e estupro somente sob

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a figura de estupro. Neste mesmo entendimento, pode-se observar que a alteração do Título VI do texto Penal foi positiva e atual, passando a ser “Dos crimes contra a dignidade sexual”. A palavra “Dignidade” dá a ideia de decência, compostura, respeitabilidade, enfim, algo vinculado à honra. Sua ligação ao termo sexual contextualiza ao leitor a uma segurança a honra legalmente assegurada. Em outras palavras, trata-se da busca à proteção da respeitabilidade dos seres humanos no tocante a vida sexual, garantindo a todos a liberdade de escolher positiva ou negativamente em relação ao consentimento do ato sexual, sem qualquer forma de exploração. O crime de estupro é um delito extremamente grave, sendo considerado inclusive como crime hediondo e insuscetível de anistia, graça, indulto, fiança, ou liberdade provisória, de acordo com a Lei nº 8.072/1990. Além disso, atinge a integridade física e psíquica da vítima, que na maioria das vezes nunca mais terá a mesma saúde mental anterior ao crime, tais são os danos causados. Por diversas vezes a vítima adquire doenças sexualmente transmissíveis ou uma gravidez indesejada, fruto de uma violência ao seu corpo. Como é sabido, o bem jurídico amparado por esta norma tem como objetivo a proteção da integridade física e psíquica da vítima, assim como de sua honra. Diante disso, até mesmo o marido de uma mulher pode ser autor dessa barbárie, uma vez que em vários casos as submetem a este constrangimento. Tendo a mulher por qualquer motivo se recusado a prática sexual, não poderá o seu cônjuge obrigá-la a praticar tal ato mediante ameaça ou violência. Se o fizer, deverá ser sujeito às penalidades da Lei, sendo, portanto, acusado do crime de estupro. Cabe ressaltar que não é objetivo deste artigo combater a prática sexual nas relações conjugais. Muito pelo contrário. A manutenção do sexo contribui para a relação e deve ser acordada por ambas as partes. O que se combate é a obrigação por meio de violência e agressão da parte do sexo masculino para com sua parceira, constrangendo-a e ferindo sua integridade e dignidade. Tendo dito isto, por mais constrangedor, expositor e desagradável que seja, a mulher que sofre esse tipo de violência de seu marido deve recorrer ao poder judiciário. Esta é solução da problemática proposta e a única maneira de penalizar indivíduos que não respeitam o princípio da dignidade humana, ou que acreditam que sua parceira seja uma espécie de “objeto”. Ainda através da manifestação da vítima, o poder judiciário adquire cada vez mais um banco maior de casos de aceitação do crime de estupro conjugal por meio de jurisprudências dos tribunais, tornando cada vez mais combatida a tese de que esse delito não possa ser cometido pelo marido, até que ela esteja finda. Necessário se faz disseminar que é possível sofrer violência até mesmo nas relações conjugais. REFERÊNCIAS BARROS, Lívya Ramos Sales Mendes de; JORGE-BIROL, Alline Pedra. CRIME DE ESTUPRO E SUA VÍTIMA: A Discriminação da Mulher na Aplicação da Pena. Disponível em: http://www.academia.edu/7364530/ Crime_de_Estupro_e_Sua_V%C3%ADtima_-_A_Discri%C3%A7%C3%A3o_da_Mulher_na_Aplica%C3%A7%C3%A3o_da_Pena Acesso em: 07 jun. 2016; BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Brasileiro. Brasília: Editora Inesc, 2008;

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COSTA. Renata Sobral. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO NAS RELAÇÕES CONJUGAIS. Faculdades Integradas, Antônio Eufrásio de Toledo. Faculdade de Direito de Presidente Prudente – SP (2008). Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewArticle/696 acesso em 01 jun. 2016; Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de outubro 1941, que institui o Código de Processo Penal; FREITAS, Priscila Araújo. LJ03 22 – UM NOVO MODELO DE JUSTIÇA PENAL: Justiça Restaurativa e Sua Aplicação no Brasil. Disponível em: http:// npa.newtonpaiva.br/letrasjuridicas/?p=934 Acesso em: 24 jun. 2016. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói: Impetus, 2010; HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983; JESUS, Damásio de. Direito Penal. v. 3, 20º ed. São Paulo: Saraiva, 2011; JURISPRUDÊNCIA (2008). Apelação Crime. Relator: Naele Ochoa Piazzeta. Tribunal: Tribunal de Justiça do RS (TJRS). Data de Julgamento: 03/04/2008. Publicação: Diário da Justiça do dia 26/05/2008. Lei Nº 2848/1940, que institui o Código Penal; Lei Nº10406/2002, que institui o novo Código Civil de 2002; NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal – Volume I – 37º edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2003; SOUZA. Lídia Cibele de. ESTUPRO CONJUGAL: Conjunção Carnal Forçada do Marido Contra sua Esposa sob o Aval da Figura do Dever de Coabitação. CENSI – Centro de ensino superior de Itabira curso de direito (2009). Disponível em: http://www.trabalhosfeitos.com/ensaios/ Monografia-Estupro-Conjugal/699812.html Acesso em: 20 jun. 2016; VASCONCELLOS, Elen Cristiane Guida. ASPECTOS MÉDICO-LEGAIS DO ESTUPRO: Perícia. Disponível em: https://pt.scribd.com/ doc/95799851/ASPECTOS-MEDICO-LEGAIS-DO-ESTUPRO-PERICIA Publicado em 04 mai. De 2011. Acesso em 07 jun. 2016.

Banca Examinadora Ronaldo Passos Braga (Orientador) Laura Maria F. Lima (Examinadora)

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TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO Camila Gonçalves Melo dos Santos 1

RESUMO: A finalidade deste artigo foi estudar o Trabalho em Condições Análogas às de Escravo no Brasil. A lei trata deste tema como matéria de ordem pública, tendo em vista a tutela da liberdade individual do trabalhador. Neste contexto deve-se explorar o artigo 149 do Código Penal Brasileiro onde encontra-se as tipificações para caracterizar o empregado que sofre nas mãos de seu (s) empregador (es) em condições adversas de um trabalho seguro e gratificante. Com isso, pretende-se analisar na esfera trabalhista as medidas cabíveis para ressarcir o individuo que é submetido a tais condições degradantes. PALAVRAS-CHAVE: Artigo 149 código penal brasileiro. Dignidade da pessoa humana. Princípios. Trabalho escravo.

1 INTRODUÇÃO O trabalho em condições análogas às de escravo, nos moldes tipificados e criminalizados no art. 149 do Código Penal, gera consequências deletérias para os indivíduos e a sociedade. No Brasil a prática da submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo é um fenômeno que acompanha a evolução histórica. A escravidão teve início na época colonial no século XVI. A partir do século XIX, por meio de campanhas para abolir a escravidão, foram produzidas leis a fim de erradicá-la, tais como: Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, com o fim do tráfico negreiro; lei do Ventre Livre, em 1871, que previa que as crianças não seriam escravas desde a data da lei; lei Sexagenária, em 1885, que decretou a libertação dos escravos com mais de 60 anos de idade. Por fim, em 1888, foi abolida a escravatura pela Lei Áurea. Apesar da abolição da escravatura, ainda persistem diversos mecanismos de restrição da liberdade pessoal dos trabalhadores. Nesse sentido, pode-se mencionar a jornada extenuante e a cobrança de dívidas por parte do preposto e do empregador, impedindo que o empregado possa se desvincular do trabalho, nos termos do art. 149 do Código Penal. Embora não seja novo, o tema merece maior atenção da doutrina e dos Poderes Públicos, para que se concretizem os fundamentos (art. 1º, III e IV) e os objetivos da República Federativa do Brasil (art 3º, I e IV) previsto na Constituição. Importa destacar que a Constituição da República de 1988 (CR/88) tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CR/88). São objetivos fundamentais da República construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CR/88) e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CR/88). Ademais, como membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o país tem o dever de erradicar toda forma de trabalho forçado ou obrigatório (Declaração sobre princípios e direitos fundamentais de 1998). Além das tipificações penais previstas no Código Penal Brasileiro para a redução da pessoa em condições análogas à de escravo, tais condutas geram repercussões na esfera trabalhista. Por exemplo, podemos destacar que o trabalhador resgatado a tais condições poderá ter direito às verbas trabalhistas devidas ao longo de todo o pacto laboral, indenizações por danos morais (art. 5º, X, da CR/88), benefícios do seguro desemprego e o reenquadramento em um ambiente seguro e digno de trabalho.

Tendo em vista os questionamentos abordados, esses serão analisados visando as normas do direito do trabalho no âmbito jurídico nacional. 2 PRINCÍPIOS CONTITUCIONAIS E PRINCÍPIOS PRÓPRIOS DO DIREITO DO TRABALHO O trabalho em condições análogas à de escravo abrange não apenas o Direito do Trabalho e o Direito Penal. Rege-se também pelo Direito Constitucional, mormente no que diz respeito aos direitos humanos. Nessa seara, devemos observar os Princípios Constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, dos Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa (art. 1º, III e IV da CR/88). Além disso, a Constituição prevê objetivos fundamentais, tais como, construir uma sociedade livre, justa, solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I e IV da CR/88). Em outra análise devemos também aplicar os princípios próprios do Direito do Trabalho, como o Princípio da Proteção ao Trabalhador e o da Primazia da Realidade sobre a Forma. 2.1 Dignidade da Pessoa Humana A Dignidade da Pessoa Humana é um dos princípios mais importantes que temos na esfera mundial. Esse princípio promove aos cidadãos direitos e deveres que devem ser respeitados. Conceituar a dignidade da pessoa humana é um trabalho árduo, pois temos varias definições. Com destaque, podemos descrever facilmente o que é a dignidade da pessoa humana nas palavras de Sarlet: Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos. (SARLET, 2008, p. 63). Ainda sobre a dignidade da pessoa humana, devemos incluir a dignidade do trabalhador em seu ambiente de emprego. Neste sentido a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 conceitua os direitos que

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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o cidadão pode gozar, inclusive em seu art. 13 expõe quais os direitos e garantias que o trabalhador tem no exercício da sua função. Vejamos: Art. 13: 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. Gabriela Delgado afirma que “o trabalho, enquanto direito universal fundamental, deve fundamentar-se no referencial axiológico da dignidade da pessoa humana” (2006, p. 203). Além disso, a dignidade da pessoa humana é um dos elementos cruciais para o desenvolvimento das funções do trabalhador, com a dignidade podemos dar ao cidadão a oportunidade de uma vida e trabalho digno e com respeito, desde que para isso haja consentimento entre as partes (empregado e empregador) e que não acarrete ao trabalhador condições lesivas a sua pessoa. 2.2 Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa. A Constituição Federal emprega o trabalho como um direito social essencial. Daí decorre quais valores sociais o trabalhador tem direito. Nesta questão o art. 7º da CR/882 atribui quais os direitos dos empregados rurais e urbanos para uma condição social minimamente digna. Alexandre de Morais conceitua os direitos sociais sendo, direitos fundamentais do homem, caracterizando como verdadeiras liberdades positivas, com observância obrigatória dentro do Estado Social de Direito, que visa a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes e a concretização da igualdade social. (2015, p. 206). Neste sentido Flávia Piovesan discorre sobre o mesmo assunto abordando a natureza jurídica dos direitos sociais. A dignidade da pessoa humana, vê-se assim, está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. (2000, p.54-55). Ao que diz respeito, ao princípio da livre iniciativa, ele está ligado à ordem econômica e financeira. Tem como valor o trabalho exercido pelo cidadão e a iniciativa das atividades econômicas. O art. 170 da CR/88 prevê princípios aos quais são assegurados a livre iniciativa. Podemos assim citar, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego, sendo que são assegurados a todos os trabalhadores. Ribeiro Bastos conceitua: Uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal. Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo. (1990, p.16)

Por fim destaca-se que a livre iniciativa decorre dos atos exercidos pelo cidadão para adquirir uma organização em que esteja de acordo com a ordem econômica nacional, valorizando sempre o emprego. 2.3 Objetivos Fundamentais da Constituição O ordenamento jurídico tem o dever de construir uma sociedade livre, justa, solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, como previsto na Constituição em seu art. 3º, incisos I e IV. É dever do Estado a atribuir todos os cidadãos os objetivos fundamentais previstos na Constituição, inclusive propiciar um trabalho digno que não fere a sua integridade. Mas, infelizmente o trabalho em condições análogas às de escravo persiste de uma maneira enorme não somente no Brasil, mais em vários países. Segundo publicação feita em 29 de abril de 2016 pela OIT3, em 2012 existiram cerca de 21 milhões de pessoas submetidas ao trabalho forçado no mundo. No Brasil os números não ficam para menos, segundo notícia exibida no site da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Universidade Federal de Minas Gerais4, em 2015, mais de mil trabalhadores foram resgatados pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, em condições análogas à escravidão, diante do resultado de 140 ações fiscais realizadas pelo governo. A pergunta mais comum é, onde esta o controle do judiciário para prevenir tais trabalhos forçados? O problema é que existe o controle, existem direitos e deveres, porém de uma forma não eficaz, porque o ser humano é falho e infelizmente há muitas pessoas que acham que podem ter o poder de explorar umas as outras. O que cabe ao ordenamento jurídico é prevenir e punir o cidadão, no que diz respeito aos direitos que vigoram no nosso Sistema Jurídico. 2.4 Proteção ao Trabalhador A Proteção ao Trabalhador é o princípio mais importante na esfera do Direito do Trabalho, ele resguarda aos trabalhadores todos os seus direitos fundamentais. Este princípio tem o dever de proteger a parte mais frágil na relação de emprego, o trabalhador. Para Maurício Godinho: O Direito do Trabalho estrutura-se em seu interior, com suas regra, institutos, princípios e presunções próprias, como uma teia a parte hipossuficiente na relação empregatícia, o obreiro, visando retificar, no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho (2012, p. 193). Em uma visão mais abrangente a Proteção ao Trabalhador está vinculada aos princípios do in dubio pro operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica. Ele protege o empregado de forma mais vantajosa, mas que esta forma não traga enriquecimento indevido. O princípio do in dubio operário possuí a finalidade de proteger a parte mais fraca da relação jurídica. Há neste princípio uma escolha da interpretação da norma mais benéfica ao trabalhador, desde que a vontade do legislador seja preponderante. O princípio da norma mais favorável, diz respeito à existência de duas ou mais normas a serem aplicadas no mesmo caso para solucionar conflitos existentes. Quem aplica a norma deverá optar pela escolha da norma mais favorável ao empregado. Já o princípio da condição mais benéfica colacionada no art. 468 da CLT, relaciona-se diante das alterações no contrato de trabalho, que torne alguma nor-

2 Art. 7º, I CR - “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”; (BRASIL, 1988). 3 Disponível em: http://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_476140/lang--pt/index.htm 4Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/4413646/brasil-resgata-em-2015-mais-de-1-mil-pessoas-em-condicao-de-escravidao

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ma menos benéfica ao empregado. Esta norma não produzirá efeitos, uma vez que, no Direito do Trabalho o empregado tem direito adquirido diante da norma mais favorável, segundo art. 5º XXXVI CR/88. Conforme exposto, o princípio da Proteção ao Trabalhador deriva dos cuidados ao trabalhador, assim sendo, ele será aplicado quando houver trabalho forçado advindo do empregador. Ele produz uma medida para resgatar o empregado submetido à escravidão, dando-lhe a oportunidade de ser ressarcido e enquadrado em um emprego seguro e digno. 2.5 Primazia da Realidade Sobre a Forma O princípio da Primazia da Realidade Sobre a Forma significa que, quando há desacordo entre a realidade dos fatos e documentos, o que vai ser priorizado para a aceitação dos fatos é a verdade real. O art. 9º da CLT dispõe que: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação” (BRASIL, 1943). Em qualquer caso que haja uma dissonância entre a realidade dos atos praticados pelas partes, o ato será nulo. Maurício Godinho explica: O princípio da primazia da realidade sobre a forma constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista. Não deve, contudo, ser brandido unilateralmente pelo operador jurídico. Desde que a forma não seja da essência do ato, o intérprete e aplicador do Direito deve investigar e aferir se a substância da regra protetiva trabalhista não foi atendida na prática concreta efetivada entre as partes, ainda que não seguida estritamente a conduta especificada pela legislação. Tendo em vista essas análises não se deve averiguar unicamente um fato, mas às circunstâncias que o gerou para que não haja erro em julgar o empregado ou o empregador. Para que sejam aplicadas sanções em decorrência do tema central abordado no trabalho, devese verificar realmente, se o que aconteceu caracteriza o trabalho em condições análogas às de escravo para que não ocorra equívocos em condenar o empregador. 3 ANÁLISE DO CONCEITO DO TRABALHO ESCRAVO O trabalho em condições análogas às de escravo é uma realidade no Brasil, como exposto anteriormente. Há muitos anos atrás a dignidade da pessoa humana era dada apenas para algumas classes de pessoas. Hoje é obrigatório a qualquer cidadão, o direito de ter sua dignidade respeitada. Antes de aprofundar nesse tipo de trabalho forçado, devemos expor sobre a escravidão no Brasil. Esta teve início no século XVI com a exploração das mãos de obra dos aborígenes em 1532, e em 1550 com a dos negros trazidos da África para o Brasil (COSTA, p.2896), uma longa e triste história que não vamos aprofundar. Cabe destacar que a escravidão foi abolida formalmente, pela Lei Áurea em 1988. Mas ainda persistem alguns desses trabalhos, porém de forma camuflada. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) conceitua o trabalho em condições análogas às de escravo como:

meio de quatro fatores: apreensão de documentos, presença de guardas armados e “gatos” de comportamento ameaçador, por dívidas ilegalmente impostas ou pelas características geográficas do local, que impedem a fuga.”. Segundo a cartilha do Mistério Público do Trabalho, “A escravidão é a coisificação do homem, tratado dentro da seara produtiva como mera propriedade de outrem, sem respeito à dignidade humana da pessoa trabalhadora” (p.5). O trabalho em condições análogas às de escravo significa diminuir a dignidade da pessoa humana em seu ambiente de trabalho, lesando a sua integridade. Ainda nas palavras de José Cláudio Monteiro (2004, p.14): “podemos definir trabalho em condições análogas à condição de escravo como o exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador. Repetimos, de forma mais clara, ainda: é a dignidade de pessoa humana que é violada, principalmente, quando da redução do trabalhador à condição análoga à de escravo. Tanto no trabalho forçado, como no trabalho em condições degradantes, o que se faz é negar ao homem direitos básicos que o distinguem dos demais seres vivos; o que se faz é coisificá-lo; darlhe, e o menor possível.” De acordo com a Débora Rosa em seu Trabalho de Conclusão de Curso (2013)5 “Tem-se por trabalho escravo contemporâneo, o ato de aliciar pessoas à prestação de serviços de forma degradante, com jornadas exaustivas e salários ínfimos. O trabalho escravo em comento envolve cerceamento da liberdade pela dívida, distância, ameaças físicas e morais.” Assim, verifica-se que o trabalho em tais condições, atingi as garantias mínimas do direito dos trabalhadores, fere sua liberdade e dignidade, sendo submetido a condições degradantes, exaustivas e explorativas. 4 CARACTERIZAÇÃO PARA O TRABALHO ESCRAVO - VISÃO EM RELAÇÃO AO ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO Para se caracterizar o trabalho em condições análogas às de escravo no nosso ordenamento jurídico, deve-se analisar o disposto no Código Penal Brasileiro, artigo 149, com nova redação dada pela Lei nº 10.803, de 11/12/2003.

“toda a forma de trabalho escravo é trabalho degradante, mas o recíproco nem sempre é verdadeiro. O que diferencia um conceito do outro é a liberdade. Quando falamos de trabalho escravo, falamos de um crime que cerceia a liberdade dos trabalhadores. Essa falta de liberdade se dá por

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente;

5 Disponível em: http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=1563

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II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003). Nesta esfera, podemos dividir a caracterização deste tipo de trabalho em: a) trabalhos forçados; b) trabalhos com jornadas exaustivas, c) condições degradantes no serviço; d) restrição de locomoção, em razão de dívida com o empregador ou seu preposto. a) Trabalho Forçado: caracteriza-se como trabalho ou serviço imposto a uma pessoa sob a ameaça de uma penalidade ao qual, está pessoa não ofereceu espontaneamente para exercer tal trabalho (Convenção nº 29 OIT, 1930). A Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho de 1930, descreve o conceito e ainda dispõe dos procedimentos cabíveis para a pessoa que foi submetida. O trabalho forçado ocorre quando o empregador obriga o obreiro a trabalhar sob algum tipo de ameaça, o empregado não tem livre arbítrio nessa situação, ele se vê obrigado a cumprir ordens do seu superior de forma não prevista na lei e que fere os seus direitos e garantias mínimas. b) Jornada exaustiva: ocorre quando é imposta ao trabalhador uma jornada além das previstas em lei ou em normas coletivas. Esta jornada também pode ocorrer de forma intensa, ou seja, quando o trabalhador exerce suas atividades aceleradamente sem o descanso que lhe é devido. A CLT prevê em seus artigos 57 a 75 sobre a jornada de trabalho. Dentre estes artigos, o 58 “caput” 6 e 59 “caput” 7, dispõem que a jornada de trabalho não excederá 8 horas diárias ou 44 horas semanais, e que esta duração pode ser acrescido de 2 horas diárias mediante acordo escrito entre empregado e empregador ou mediante norma coletiva. Além da jornada de trabalho, devem-se analisar também os períodos de descanso que os trabalhadores têm direitos previstos nos artigos 668, 679 e 7110 da CLT, ao qual dispõe que, dentre seis horas de trabalho laboradas é obrigatório um intervalo mínimo de uma hora não superior a duas de descanso para repouso e alimentação (intervalo intrajornada). Também é previsto na lei que, dentre duas jornadas de trabalho devem ter um período mínimo de 11 horas consecutivas de descanso, e por fim, ainda há de destacar que, deve ocorrer o descanso semanal de pelo menos 24 horas consecutiva, preferencialmente aos domingos. O descumprimento das jornadas e dos descansos de trabalho quando não compensados, podem ser consideradas jornadas exaustivas e jornadas intensas de trabalho, causando ao empregado à caracterização do trabalho em condições análogas às de escravo. c) Condições Degradantes: As condições degradantes referidas no art. 149 do Código Penal, ocorrem quando o trabalhador é obrigado a realizar suas atividades laborativas sem as condições

mínimas de higiene, morada e segurança no ambiente de trabalho, prejudicando a sua saúde física e mental. Citamos como exemplos de condições degradantes: alojamentos precários (falta de coleta de lixo e limpeza, não fornecimento de roupa de cama, cômodos superlotados de trabalhadores), péssimas condições de alimentações aos empregados, falta de saneamento básico, não fornecimento de água potável, não adoções de ações a saúde, não fornecimento de medidas de proteção ao trabalhador (EPI’s). d) Restrição de locomoção do empregado: A restrição da locomoção do empregado ocorre quando há dívida contraída pelo empregado com o seu empregador ou preposto. O empregado é obrigado a se manter no local da prestação de serviço, não perceberá o seu salário legal, pois, tem um débito com seu empregador. O empregador ou o seu preposto obriga o empregado a trabalhar para ele até que a dívida seja sanada. Este tipo de ação é ilegal e a sua realização concede ao empregado o direito de ver o seu empregador responder por crime e ainda indeniza-lo por tal ato. Analisados essas questões, ainda podemos expor uma situação que gera ainda mais repercussão, o trabalho em condições análogas às de escravo refletindo em crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõem em seu art. 60 que “É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz.” (BRASIL, 1990). Segundo dados estatísticos feitos pelo IBGE em 2015 “O trabalho infantil aumentou 4,5% de 2013 e 2014. São 3,3 milhões de crianças e adolescentes de cinco a 17 anos trabalhando no Brasil. Dessa turma toda, meio milhão tem menos de 13 anos. E a maioria (62%) trabalha no campo, com agricultura.” (IBGE, 2015) 11. Infelizmente, mesmo com o ECA e outros programas destinados a erradicação ao trabalho escravo infantil, ainda persiste no Brasil o trabalho forçado. Qualquer descumprimento da lei referente a trabalho forçado, com jornada exaustiva, em condição degradante, com restrição de locomoção e/ou trabalho escravo infantil são considerados atos ilegais e ensejam a caracterização do trabalho em condições análogas às de escravo. 5 DIREITOS DO EMPREGADO SUBMETIDO AO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO Todo trabalhador que é submetido ao trabalho em condições análogas às de escravo, além das penas previstas no Código Penal, tem direitos perante o Direito do Trabalho. O trabalhador resgatado a tais condições tem direito, às verbas trabalhistas devidas durante todo o pacto laboral com o empregador, indenização por dano moral, tendo em vista que sua integridade física e mental foi violada, benefício do seguro desemprego, e o reenquadramento em um ambiente seguro e digno de trabalho.

6 Art. 58 “caput” CLT - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite. (BRASIL, 1943) 7 Art. 59 “caput” CLT - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho. (BRASIL, 1943) 8 Art. 66 CLT - Entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso. (BRASIL, 1943) 9 Art. 67 “caput” CLT - Será assegurado a todo empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte. (BRASIL, 1943) 10 Art. 71 “caput” CLT - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas. (BRASIL, 1943) 11 Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2015/11/dados-do-ibge-mostram-que-trabalho-infantil-cresceu-45.html.

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O obreiro como exposto anteriormente poderá receber as verbas trabalhistas durante todo o pacto laboral em que esteve submetido ao trabalho forçado. Terá direito as verbas rescisórias referentes a dispensa do art. 483 da CLT, uma vez que ele não teve culpa e foi submetido a condições adversas do contrato de trabalho. Maurício Godinho explicita que na rescisão indireta de trabalho o empregado terá direito ao recebimento das seguintes verbas rescisórias: aviso prévio indenizado, férias proporcionais mais um terço, 13º salário proporcional, liberação do FGTS, com acréscimo pecuniário de 40%, indenizações rescisórias especiais, se houve, tudo acrescido das parcelas vincendas. (2012, p. 1250 e 1251). Ao que se refere ao seguro desemprego, é assegurado pela Constituição Federal em seu art. 7º, inciso II 12. Segundo o Ministério do Trabalho e da Presidência Social todo trabalhador resgatado tem direito ao recebimento. “O Seguro-Desemprego Trabalhador Resgatado é um auxílio temporário concedido ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo. Tendo direito a no máximo três parcelas no valor de um salário mínimo.” (BRASIL, 2016) 13. Como exposto, o trabalhador resgatado ao trabalho em condições análogas às de escravo terá direito ao respectivo seguro desemprego. No que tange à concessão da indenização por dano moral, Savatier conceitua: “todo sofrimento humano que não resulta de uma perda pecuniária” (2004, p. 95), isto quer dizer que, é uma lesão causada a alguém por outra pessoa que seja de difícil reparação. Todo ser humano que sofre atentado contra sua pessoa, tem direito a uma indenização. Esta indenização é de difícil reparação, o valor a receber não deve trazer enriquecimento indevido ao empregado, deve-se receber um valor que possa reparar o seu sofrimento enquanto estava sujeito às condições desumanas. É direito do trabalhador que sofreu algum tipo de condição desfavorável a sua integridade física e/ou mental o reenquadramento em um ambiente seguro e digno de trabalho. Esse ambiente deverá estar amparado pelas normas de segurança e saúde, normas previstas nas leis brasileiras, principalmente na Consolidação das Leis do Trabalho. Tendo em vista os assuntos abordados neste tópico, podemos concluir que o Direito do Trabalho luta pela liberdade das pessoas, para que possam ter seus direitos resguardados e justamente julgados quando necessários. 6 BREVE ANÁLISE DE CASOS CONFORME JURISPRUDÊNCIAS NA ESFERA TRABALHISTA Os Órgãos Julgadores buscam punir e corrigir qualquer forma de trabalho indevido.Nesta condição, podemos analisar conforme trabalhado no artigo, casos em que os nossos julgadores se impõe para reparar e repreender todos em que se veem nessa situação, seja para indenizar um empregado ou para punir um empregador. Vejamos alguns casos: TRABALHO EM CONDIÇÃO ANÁLOGA Á DE ESCRAVO. Qualquer trabalho que não reúna as mínimas condições necessárias para garantir os direitos do trabalhador há que ser considerado trabalho em condição análoga à de escravo. O contraponto do trabalho escravo moderno está nas garantias constitucionais da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV), na proibição de tratamento desumano ou degradante (art.

5º, III), na função social da propriedade (XXIII), na ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e livre (art. 170), na exploração da propriedade rural que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186, IV). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.(TRT 10ª REGIÃO; RO nº. 00684-2013-012-10-00-8 ; Des. Elke Doris Just , D.E 09/04/2014). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. A violação de direitos fundamentais dos trabalhadores afeta, indiretamente, toda a sociedade, visto ser de interesse geral a observância das garantias legais para a realização do trabalho, sendo certo que o desrespeito a valores tão fundamentais desencadeia um sentimento coletivo de indignação e repulsa, caracterizando-se ofensa à moral social. O dano moral coletivo configura-se, portanto, como a lesão à esfera moral da coletividade, que é passível de indenização quando flagrante o descaso do empregador para com a dignidade da pessoa humana. (TRT 3ªR; RO nº.000190705.2014.5.03.0036; Des. Antonio Carlos R.Filho, D.E 10/03/2016).

Em decisão prolatada em 2015 pelo c. TST14, observamos, por exemplo, a discussão da legitimidade para ajuizar ação. No caso em fomento, ficou decidido que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar a ação que atenta contra os trabalhadores na questão. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. LEGITIMAÇÃO ATIVA . Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenche os requisitos do art. 896 da CLT, ante a constatação de provável violação do art. 83, III, da Lei Complementar nº 75/93. Agravo de instrumento a que se dá provimento. II RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. TRABALHO ANÁLOGO À CONDIÇÃO DE ESCRAVO. LEGITIMAÇÃO ATIVA . O Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para ajuizar ação civil pública com o fim de obter a imediata cessação da conduta atentatória a lei, no caso, para pleitear o pagamento das parcelas devidas pelo empregador ao empregado que prestava serviços em regime análogo à condição de escravo, como também para postular a reparação pelos danos ocasionados ao trabalhador. Nesses casos é inquestionável a relevância social dos direitos homogêneos postulados direitos coletivos no sentido amplo -, bem como evidenciada a importância de sua defesa de forma coletiva, a fim de assegurar a máxima efetividade à prestação jurisdicional e atender os princípios do acesso à justiça e da celeridade e economia processuais, evitando múltiplas demandas individuais e a sobrecarga do Poder Judiciário. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. III - AGRAVO DE INSTRUMENTO DE PAULO SÉRGIO SILVA GUIMARÃES . Prejudicado em face do provimento do recurso de revista do Ministério Público do Trabalho com determinação do retorno dos autos ao TRT da 1ª Região. (TST; ARR 488006720055010281; Des. Kátia Magalhães Arruda; ID. 25/03/2015). DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO TRABALHO. TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE

12 Art. 7º, inc II CR/88 - II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário. (BRASIL, 1988) 13 Disponível em: http://www.mtps.gov.br/seguro-desemprego/modalidades/seguro-desemprego-trabalhador-resgatado 14 Superior Tribunal do Trabalho.

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ESCRAVO. RECURSO ATENTATÓRIO. SITUAÇÃO FÁTICA FARTAMENTE COMPROVADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. A escravidão, o trabalho forçado e a servidão por dívida possuem características próprias, mas todas essas figuras constituem violação dos direitos humanos fundamentais, especialmente o da dignidade humana. Na realidade, a multiplicidade de casos práticos de exploração da mão de obra humana contemporânea não permite firmar posicionamento acerca de uma sociedade tipicamente escravagista, mas se pode falar, como se tem falado, em trabalho escravo contemporâneo ou neoescravidão, no qual o ser humano é levado ao extremo da exploração, tratado como bicho, sem reconhecimento e concessão de direitos mínimos de sobrevivência digna e os que não aceitam são simplesmente descartados, sabendose, inclusive, do descarte por assassinatos de crueldade inigualável. Nossa Constituição Federal, seguindo esse norte, houve por bem fixar como um dos pilares do Estado Democrático o valor social do trabalho, que ombreia o valor da livre iniciativa, mas não é menos importante. Infraconstitucionalmente, o Brasil já adotou algumas medidas contra o trabalho escravo contemporâneo, como se vê do art. 149 do Código Penal, com reação dada pela Lei nº 10.803/2003. Ainda, o Brasil é signatário das convenções internacionais que pretendem erradicar o trabalho forçado, as normas que ensejam a aplicação de sanções aos exploradores encontram respaldo constitucional, já que diretamente ligados aos direitos humanos. Neste caminho, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego têm empenhado-se no combate ao trabalho escravo contemporâneo, sendo que os empresários rurais que o praticam são incluídos numa “lista suja”, periodicamente editada, impedindo-os que se utilizem de auxílios e incentivos fiscais, justamente porque o Estado não pode validar e, mais do que isso, incentivar essa prática, por meio da concessão de incentivos, oriundos dos cofres públicos, com empregadores que, por meio desse exercício, colocam-se diametralmente opostos aos princípios e pilares democráticos insculpidos em nossa Magna Carta, como alhures dito. A realidade dos autos exalta que o empreendimento da Reclamada utilizase de trabalho forçado, em ambiente degradante, com condições ostensivamente inadequadas, mantendo os trabalhadores sem liberdade de locomoção, em verdadeiro exílio, em evidente afronta a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, insculpidos no art. 1º, CF, além do art. 5º e seu parágrafo 2º, nele se incluindo as Convenções Internacionais 29 e 105, ratificadas pelo Brasil, o art. 7º, ambos da CF, além de tipificado o crime do art. 149, CP. Acresço, ainda, que, do painel probatório extrai-se que, de fato, os trabalhadores ficavam dias inteiros sem água, inclusive para o banho, sendo comum faltar papel higiênico, a comida não era suficiente, algumas vezes chegava estragada. Ainda, extrai-se que o número de banheiros e vasos sanitários era insuficiente e, “como eram muitos homens o banheiro não tinha como parar limpo”, além de a comida, por vezes, chegar morna ou fria e não haver local para aquecer as marmitas, nem mesmo para armazenar mantimentos (geladeiras). Por esse esposado, conclui-se que o recurso da Reclamada é um verdadeiro atentado ao bom senso, revelando nitidamente sua má-fé, tentando esquivarse maliciosamente da realidade que a sua própria testemunha, e seu depoimento pessoal, confirmam, colhendo pequenas frases para tirá-las do contexto e dar sustento a seu recurso. Diante disso, nos

termos dos artigos 14 e 17 do CPC, a Reclamada deve responder pelas penas por litigância de má-fé, devendo arcar com multa no valor de 1% do valor da causa e indenização de 20%, também sobre o valor da causa, que deverá ser atualizado para esse fim, ambas reversíveis ao Reclamante. Recurso da Reclamada não provido. (TRT 15ª R; ROPS nº.0061700-74.2008.5.15.0156; Juíza Relatora LUCIANE STOREL DA SILVA, D.E 08/04/2010). Diante das ementas citadas, podemos observar que esse tipo de trabalho está presente em todo território brasileiro, em diversas regiões, sendo elas urbanas ou rurais. Ainda devemos destacar que, a justiça é eficaz e bem sedimentada quanto ao respectivo assunto. 7 FORMAS ATUAIS DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL Existem no Brasil várias formas que atuam na prevenção e repressão para combater o trabalho escravo no país, além das formas que o nosso Sistema Jurídico adere conforme demonstrado nos tópicos anteriores, podemos destacar outras formas que o país criou para erradicar este ato ilícito e cruel. O Ministério do Trabalho e Emprego criou algumas maneiras para erradicação do trabalho em condições análogas às de escravo, podemos citar as ações fiscais coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, o art. 7º da Instrução Normativa nº 91/2001 dispõe: Art. 7º. As ações fiscais para erradicação do trabalho em condição análoga à de escravo serão coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, que poderá realizá-las diretamente, por intermédio das equipes do grupo especial de fiscalização móvel, ou por intermédio de grupos/ equipes de fiscalização organizados no âmbito das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego - SRTE por meio da chefia superior, nos termos do Art. 18, II, da Portaria nº 546, de 11 de Março de 2010. Em seu art. 2º15 informa que é responsabilidade dos Auditores Fiscais a fiscalização para erradicação do trabalho escravo. Existe também “O Grupo Especial de Fiscalização Móvel” (GEFM), que é um instrumento que o governo criou para coibir o trabalho escravo. O GEFM consiste em um apoio logístico às equipes da Fiscalização Móvel para maior eficácia ao combate deste tipo de trabalho. Ainda, foi criada pelo Governo Federal em 2003, a “lista suja”, atualmente chamada de “lista de transparência”, ao qual, nessa lista é inserido o cadastramento dos empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas às de escravo. Segundo o Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, “esta lista tem como escopo, tornar público os nomes dos empregadores que tenham sido flagrados, pela inspeção do trabalho, utilizando de mão de obra escrava” 16. Além disso, permiti ao obreiro submetido a tal trabalho o conforto de que outras pessoas não passem pelas mesmas condições desumanas. O Ministério Público do Trabalho também criou maneiras para a erradicação do trabalho escravo, nesta perspectiva, foi criada em 2002, pela Portaria nº 231/2002 a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), que integra as Procuradorias Regionais do Trabalho em plano nacional, uniforme e coordenado,

15 IN. nº 91/2001 Art. 2 º. “Serão observados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, na fiscalização para a erradicação do trabalho em condição análoga à de escravo, em qualquer atividade econômica urbana, rural ou marítima, e para qualquer trabalhador, nacional ou estrangeiro, os procedimentos previstos na presente Instrução Normativa.” 16 Disponível em: http://www.inpacto.org.br/trabalho-escravo/lista-suja/

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para a erradicação e investigações do trabalho escravo, com a troca de experiências e discussões sobre este tipo de trabalho desumano. Por fim, podemos citar outros programas criados para erradicação do trabalho escravo, sendo eles: a Comissão Pastoral da Terra que surgiu “como resposta à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas ao trabalho escravo e expulsos das terras que ocupavam” (CPT, 1975) e o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo17, criada pela Organização Internacional do Trabalho, que surgiu para apresentar medidas a serem cumpridas pelos diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil brasileira. 8 CONCLUSÃO Como exposto, todo cidadão tem direitos e deveres a serem respeitados. A legislação brasileira veda qualquer prática de trabalho em condições análogas às de escravo. Porém, observa-se que este problema é predominante no nosso ordenamento jurídico. Apesar do país assumir várias formas de combater este ato ilegal, ainda persiste um grande número de casos, como vimos anteriormente. A Organização Internacional do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego, a Comissão Pastoral da Terra, entre outros, trazem programas para erradicação do trabalho escravo. O presente trabalho buscou demonstrar, quais as formas que temos para ressarcir o indivíduo que é submetido ao trabalho escravo, podendo ser pago ao obreiro, às verbas trabalhistas, indenizações por danos morais, ainda, tem direito ao reenquadramento em um ambiente de trabalho favorável a sua integridade, ao seguro desemprego e em seu beneficio o cadastramento da empresa na “lista suja”. Há de destacar que, a prática desse ato é crime previsto no Código Penal Brasileiro em seu artigo 149. A sua conduta gera varias tipificações dependendo de qual a cominação o infrator do ato delituoso cometeu. Com esse artigo conseguimos distinguir quais os atos que geram o trabalho escravo, podendo ser eles, por dívidas entre o empregado e seu empregador, jornadas de trabalho exuberantes, condições de trabalho degradantes, trabalho escravo contra crianças e adolescentes e o trabalho forçado. Portanto, o estudo teve por finalidade analisar o trabalho em condições análogas às de escravo no Brasil, em seus diversos casos e formas. Também averiguo-se que além de crime, o Direito do Trabalho age de forma eficaz para punir o empregador que submete o empregado a essas condições e buscou demonstrar as medidas para que este ato não ocorra de modo exacerbado.

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17 Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/documentos/plano_nacional.pdf

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Banca Examinadora Amanda Helena Azeredo Bonaccorsi (Orientadora) Daniela L. M. Zapata (Examinadora)

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A INTERPRETAÇÃO DA ESSÊNCIA REPRESENTATIVA NO CENÁRIO POLÍTICO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS E SEUS REFLEXOS NA ORDEM JURÍDICA Carina Paiva Moura 1

RESUMO O presente trabalho aborda o processo legislativo na Assembleia Legislativa de Minas Gerais – ALMG, sua importância como forma de representação popular, O papel do cidadão nesse processo, a atuação dos parlamentares e seus partidos políticos no fluxo do processo legislativo e o poder do executivo dentro desse cenário, com as consequências na ordem jurídica de todos esses componentes dentro do processo. O Poder Legislativo é composto por representantes da sociedade, escolhidos de modo legítimo, regulados por leis eleitorais, partidárias e constitucionais. Todas essas regras servem para garantir uma representação variada de todos os segmentos da sociedade, que apresenta inúmeras variações, tais como raciais, culturais, sociais, econômicas, políticas, etc. O fluxo do comando depende essencialmente dos detentores desse Poder, nesse caso os representantes políticos, ou seja, Deputados Estaduais e o Governador de Estado. As técnicas abordadas no artigo foram as coletas de dados em pesquisa bibliográfica, recursos humanos foram usados e a pesquisa de campo também foi usada dentro do próprio espaço da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Este artigo procura abordar todos os aspectos do processo legislativo na Assembleia Legislativa, as relações entre parlamentares, cidadãos, partidos políticos, a atuação do Poder Executivo dentro do processo legislativo e as consequências dessa influência na ordem jurídica. PALAVRAS-CHAVE: Processo Legislativo. Representação parlamentar. Cenário político. Poder estatal. Cidadania.

1 INTRODUÇÃO O presente trabalho consiste na análise da atuação dos parlamentares, dos partidos políticos, dos cidadãos e do executivo, dentro do processo legislativo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O objetivo do artigo é demonstrar que os representantes da sociedade na Assembleia Legislativa são os Deputados Estaduais e no Executivo é o Governador de Estado, que também atua dentro da Assembleia, tendo como consequência a garantia de que as leis são frutos da representação democrática, uma vez que tanto os Deputados e o Governador foram eleitos pelo voto secreto e desempenham seu papel em nome do povo. Questiona-se qual o conteúdo das leis aprovadas pela Assembleia Legislativa, podendo ser avaliada a partir do entendimento dos fatores que influenciam e estruturam o comportamento legislativo dos Parlamentares. Para comprovação da afirmativa, foram realizadas análises das opiniões do cidadão, Deputados Estaduais, artigos científicos, doutrina, a Constituição Federal da República de 1988, o Regimento Interno da Assembleia Legislativa, bem como a legislação que versa sobre o assunto. O marco teórico jurídico-constitucional-democrático adotado no Brasil pela Constituição vigente tem estimulado a participação e fiscalização dos cidadãos (coautores) sobre como as leis devem ser construídas, desconstruídas e entendidas, numa sociedade tão complexa. O conturbado cenário político brasileiro de hoje é de entrave político, influenciando não só a economia, como também a governabilidade do país. Nesse estudo do processo legislativo deve levar em consideração as determinantes tanto na arena eleitoral quanto na arena parlamentar. Estudar o tema é de suma importância, pela sua grande relevância social e consequentemente jurídica, uma vez que o processo legislativo é uma das formas de garantir debates públicos e atingir aos anseios da sociedade, por meio da criação das leis, garantindo,

assim, a democracia. O famoso fazer política pode estar ligado a diversas áreas da sociedade, mas, precisamente nesse artigo, está ligado diretamente às ações dos cidadãos, parlamentares e do Executivo. Norberto Bobbio, em sua obra Teoria Geral da Política, diz que o poder estaria ligado à ideia de posse dos meios, para se obter vantagem ou para fazer valer a vontade de um homem sobre outros. Sendo definido que o poder político diria respeito ao poder que um homem pode exercer sobre outros, como por exemplo, acontece na relação entre governante e governados. Esse poder de governar dá-se através do consenso de uma sociedade que o elegeu. Esse poder político só encontra legitimidade na vontade popular. Se ao direito incumbe a estabilização de expectativas comportamentais, à política cabe a tomada de decisões que contemplem a sociedade. Percebe-se que a atividade política é essencialmente fundamental, uma vez que selecionam valores, tidos como relevantes para a sociedade, os quais passam a expressar opções políticas traduzidas em normas jurídicas. Diante do exposto, o trabalho propõe colocar em discussão a atuação dessas forças através da política, e como essas forças atuam, de maneira a atingir os objetivos de uma sociedade por meio das leis que regem o Estado de Minas Gerais. O artigo abordará o regimento interno da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, todo o seu processo legislativo, a composição dos partidos, as comissões de trabalho, os projetos, o poder de agenda do poder executivo no processo legislativo e a participação da sociedade civil. 2 DO PROCESSO LEGISLATIVO Neste capítulo falaremos sobre o conceito de processo legislativo.

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Tribunal de Contas, das entidades da administração indireta, inclusive das fundações e das sociedades instituídas e mantidas pelo Estado, e das empresas de cujo capital social ele participe; XV – determinar a realização de diligência, perícia ou inspeção de auditoria nas entidades indicadas no inciso anterior, podendo, para isso, solicitar o auxilio do Tribunal de Contas; XVII – propor a sustação dos atos normativos do Poder Executivo que exorbitem da competência regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, elaborando o respectivo projeto de resolução; XVIII – estudar qualquer assunto compreendido no respectivo campo temático ou área de atividade, podendo promover, em seu âmbito, conferência, exposição, seminário, debate público ou evento congênere; (inciso com redação dada pelo artigo 33 da Resolução da ALMG n 5.511, de 01/12/15) XIX – realizar de ofício ou a requerimento, audiência com órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta e da sociedade civil, para elucidação de matéria sujeita a seu parecer ou decisão, ou solicitar colaboração ou informação para a mesma finalidade, não implicando a diligência dilação dos prazos, ressalvados o disposto nos parágrafos terceiro e quinto do artigo 135 e nos artigos 300 e 301; XX – acompanhar e avaliar a execução das políticas no Estado, do Plano Plurianual de Ação Governamental – PPAG; (inciso com redação dada pelo artigo 33 da Resolução da ALMG n 5.511, de 01/12/15) XXI – elaborar o planejamento anual das atividades de acompanhamento e avaliação das políticas no Estado, para a realização das audiências públicas de acompanhamento, previstas no artigo 291; (inciso com redação dada pelo artigo 33 da Resolução da ALMG n 5.511, de 01/12/15) XXII – divulgar anualmente relatório com informações quantitativas e qualitativas de suas atividades; (inciso com redação dada pelo artigo 33 da Resolução da ALMG n 5.511, de 01/12/15) XXIII – elaborar estudos de avaliação de impacto da legislação estadual vigente. (inciso com redação dada pelo artigo 33 da Resolução da ALMG n 5.511, de 01/12/15) Parágrafo primeiro: As atribuições contidas nos incisos III, VI, XVI,XVII e XIX do caput não excluem a iniciativa concorrente de Deputado. (Parágrafo remunerado e com redação dada pelo artigo 33 da Resolução da ALMG n 5.511, de 01/12/15) Parágrafo segundo: A realização de audiência pública ou de audiência de convidados fora da sede da Assembleia Legislativa, bem como a realização de visita, fica condicionada à disponibilidade orçamentária. (Parágrafo acrescentado pelo artigo 33 da Resolução da ALMG n 5.511, de 01/12/15)

A moldura formal em que se processa a elaboração legislativa serve para proteger princípios básicos, que garantam a legitimidade dos produtos legislativos, o resguardo das liberdades, a prevenção das dificuldades e a preservação do sistema democrático. As exigências formais para alterar normas dentro do próprio Regimento Interno e a obrigatoriedade de condicionar o procedimento legislativo a seus moldes, são condições de proteção normativa, não se sujeitando às intempéries do momento político e nem das forças políticas no poder. O processo legislativo não pode conter vícios de inconstitucionalidade. Para tanto, a ALMG dispõe de comissões permanentes (que subsistem nas legislaturas) e temporárias (as que são extintas com o término da legislatura ou, antes dele, se atingido o fim para a qual foram criadas, ou ainda, findo o prazo estipulado para seu funcionamento). Na constituição das comissões, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional das bancadas ou dos blocos parlamentares. E o Deputado que não for membro da comissão poderá participar das discussões sem direito a voto. Art. 100 Às comissões, em razão da matéria de sua competência, da matéria compreendida em sua denominação ou da finalidade de sua constituição, cabe: I – discutir e votar proposições, dispensada a apreciação do Plenário, nos termos do art. 103; II – apreciar os assuntos e as proposições submetidas ao seu exame e sobre eles emitir parecer; III – Iniciar o processo legislativo e apresentar emendas; (Inciso com redação dada pelo art. 33 da Resolução da ALMG n 5.511, de 01/12/2015) IV – realizar inquéritos; V- realizar audiência pública e audiência de convidados, nos termos do artigo 125-A; (Inciso com redação dada pelo artigo 33 da Resolução da ALMG n 5.511, de 01/12/15) VI – Realizar visita, nos termos do artigo 297 – A; (Inciso com redação dada pelo artigo 33 da Resolução da ALMG n 5.511, de 01/12/15) VII – convocar Secretário de Estado, dirigente de entidade da administração indireta ou titular de órgão diretamente subordinado ao Governador do Estado para prestar, pessoalmente, informações sobre o assunto previamente determinado, sob pena de responsabilidade no caso de ausência injustificada; VIII – convocar, além das autoridades a que se refere o inciso anterior, outra autoridade estadual para prestar informação sobre assunto inerente às suas atribuições, constituindo infração administrativa a recusa ou o não atendimento, no prazo de trinta dias; IX – encaminhar, por intermédio da Mesa da Assembleia, pedido escrito de informações a Secretário de Estado, a dirigente de entidade da administração indireta, ao Comandante-Geral da Polícia Militar e a outras autoridades estaduais; X – receber petição, reclamação, representação ou queixa de qualquer pessoa contra ato ou omissão de autoridade ou entidade pública; XI – solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão, na forma do inciso VI do parágrafo segundo do artigo 60 da Constituição do Estado; XII – apreciar plano de desenvolvimento e programa de obras do Estado, de região metropolitana, de aglomeração urbana e de microrregião; XIII – acompanhar a implantação dos planos e programas de que trata o inciso XII e exercer a fiscalização dos recursos estaduais neles alocados (inciso com redação dada pelo artigo 33 da Resolução da ALMG n 5.511, de 01/12/15) XIV – exercer o acompanhamento e a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das unidades administrativas dos Poderes do Estado, do Ministério Público e do

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As comissões permanentes da ALMG são as de Administração Pública, de Assuntos Municipais e Regionalização, de Constituição e Justiça, de Defesa do Consumidor e do Contribuinte, de Direitos Humanos, de Educação, Ciência e Tecnologia, de Fiscalização Financeira e Orçamentária, de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de Agropecuária e Agroindústria, de Redação, de Saúde, de Transporte, Comunicação e Obras Públicas, de Desenvolvimento Econômico, do Trabalho, Previdência e da Assistência Social, da Segurança Pública, da Participação Popular, da Cultura, das Minas e Energia, do Esporte, lazer e juventude, da Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da Prevenção e combate ao Uso de Crack e outras drogas. De 1988 até junho de 2016, 10.645 projetos de lei ordinária fo-

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ram transformados em norma jurídica na ALMG, (considerando projetos apresentados por Deputados, comissões, bancadas e pela mesa da ALMG). Nesse mesmo período, apenas 1615 projetos de autoria de Governadores foram transformados em norma jurídica. Cabe ressaltar, dentre as outras, o papel importante da Comissão de Constituição e Justiça, à qual compete analisar os aspectos jurídicos e legais das proposições. A garantia da decisão colegiada e da votação por quórum definido são princípios básicos do Poder Legislativo e do design da democracia representativa, que dão condições de participação ativa das minorias representadas. O conhecimento prévio da pauta e a contínua publicidade das ações legislativas durante o processo permitem o acesso e a participação plena, não só dos parlamentares, como também da sociedade que se vê representada. A noção que existe um espaço bem rico e vasto, onde se pode jogar o ”jogo parlamentar“, negociar, barganhar, obstruir etc., garantindo a todos a ação e o direito de expansão, desde que dentro dos limites previstos pelas normas, é um pressuposto que viabiliza ao poder legislativo exercer o leque de suas funções, mesmo quando contrapondo com interesses dos demais poderes. Os regimentos atuais direcionam-se no sentindo de assegurar, com equidade, o debate democrático e a liquidez das deliberações. Isso, contudo, em nada minimiza a importância da lei Interna para o exercício da atividade política, no processo parlamentar. Cada ação é correspondida por um recurso regimental próprio, destinado a dar ao parlamentar de qualquer partido político, os meios necessários para o debate das ideias e às oportunidades de intervenção no processo. O debate é também disciplinado regimentalmente, conforme o momento de usar da palavra, limitando o número de oradores e o tempo disponível. As normas estendem-se a todas as fases de tramitação dos projetos, bem como à regulamentação detalhada dos requerimentos (os de urgência, preferência, destaque e tantos outros) e das emendas. A “questão de ordem” é a garantia primeira de que as normas serão cumpridas no decorrer do processo legislativo. Olhando um pouco para trás, vemos que os regimentos das casas nasceram da necessidade de pôr ordem nos trabalhos em grupo, de pôr ordem nas decisões coletivas, típicas do poder legislativo. Eram, portanto, regimentos “pela ordem e para a ordem”. Daí, a utilização da expressão até hoje. As questões de ordem são muito usadas e tranquilizam a Casa e a sociedade, no sentido de que há um controle eficaz e imediato, quando do abuso das regras, pois todos sabem o valor político do processo parlamentar. Obedecidas às regras, pode-se garantir a vitória de uma causa ou de uma ideia ou de um partido. Portanto, a ALMG, de forma democrática, observa a sucessão de atos, de modo a garantir a ordem em seu processo legislativo dentro daquela casa. 2.1. Funções do poder legislativo O legislativo possui uma característica inerente à sua concepção, que é a de ser entendida como instituição que promove a conciliação nas sociedades em geral. Também é vista dentro de um contexto de “modos universais e necessários” para organizar o poder e os governos. Daí, a flexibilidade e a capacidade de sobrevivência do legislativo na História. Mesmo quando abolidos, eles reaparecem. A própria evolução e a consequente modernização predispõem ao pluralismo do poder, que ocorre em qualquer regime, ou em qualquer momento. Com essas colocações em mente, o poder legislativo, ora organizado como instituições conciliatórias, ora como órgãos legislativos eleitos de fato, não deve ser considerado apenas como um acessório do ideal de democracia. No texto A república e o sistema (pluri) partidário de coalizão, do

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Prof. Igor de Matos Monteiro, publicado na Revista Eletrônica de Direto Newton Paiva nº 22, o autor discorre sobre a tentativa de coalizão entre os poderes executivo e legislativo. Monteiro cita o texto “Bases Institucionais do Presidencialismo de Coalizão”, de Limongi e Figueiredo, no qual os autores exploram a comunhão de obrigações que vinculam os órgãos do poder. De acordo com Monteiro, o texto de Limongi e Figueiredo, que trata do sistema pluripartidário, prevê que a Separação entre os Órgãos que funcionalizam o Poder levaria boa parte dos parlamentares a conduzir um mandato irresponsável, diante da ausência de amálgama ideológico-partidária. Nesse ponto, a lógica seria o desfacelamento da base de sustentação do governo, haja vista a previsão do modelo pluripartidário. (MONTEIRO, 2014) Percebe-se, pelo texto, que a prática da tentativa de coalizão entre partidos políticos com bases ideológicas diferentes, apresentase como estratégia para viabilizar a manutenção do plano de governo tracejado pelo executivo. Outra questão complicada é distinguir o legislativo das demais formas de associações políticas. Quando se pensa na organização do poder, não só o Legislativo é representativo e múltiplo, eleito e legítimo, autônomo e responsável pelas reivindicações da sociedade, pois o Executivo também se identifica com todas essas características, não sendo, portanto, monopólio do Legislativo. As semelhanças são muitas, se considerarmos apenas o grau, e não os modos como as instituições políticas se distinguem umas das outras e como se relacionam entre si. A função que distingue o Legislativo de outros organismos de administração do Estado é a função representativa, aquela que defende e articula os interesses sociais, por uma questão de direito e não de simples conveniência. Um argumento que reforça essa característica predominante do Poder Legislativo e sua função representativa está na evidência de como as leis eleitorais e as leis partidárias influenciam e modelam, de fato, toda a estrutura do Poder Legislativo, ao definir a forma e a extensão de privilégios eleitorais e, ao definir quando, como e em quem se vota e o sistema desenhado das relações entre o Legislativo e a sociedade. A instituição legislativa “ouve” com mais atenção aos apelos dos governados, com risco de não ser reeleita, caso não o fizer. O Direito Constitucional estabelece que a Constituição, ao consagrar a tradicional tripartição dos Poderes, atribui diversas funções a cada um deles, sem, contudo, caracterizá-las com exclusividade absoluta. Passemos às funções primordiais do Poder Legislativo: 1ª Função legislativa: a participação na criação das leis que regem uma sociedade é, obviamente, a função mais fundamental do Poder Legislativo. 2ª Função fiscalizadora: o controle dos potenciais excessos do Poder Executivo é também uma função básica do Poder Legislativo, já previsto no sistema de pesos e contrapesos do regime democrático. 3ª Função mobilizadora de consenso popular: a atuação na mobilização do apoio popular para as políticas defendidas e levadas a cabo pelo Executivo impõe ao Legislativo um papel fundamental para a governabilidade, a paz social e a sobrevivência do sistema político. 4ª Função informativa: o Legislativo dá oportunidade de receber e divulgar fatos referentes sobre todas as regiões de Minas Gerais e segmentos sociais. 5ª Função educadora: no mesmo sentido que a anterior, essa função é valorizada no momento em que as atividades do Poder Legislativo alcançam maior visibilidade, pelo desenvolvimento de veículos de comunicação.

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6ª Função representativa: a identidade básica do Legislativo, a capacidade de representar toda a diversidade existente na sociedade e ponderar sobre os múltiplos interesses da variedade dos segmentos representados num governo pluralista, antes da tomada de decisão coletiva. 7ª Função obstrucionista: em parte coincidente com sua função representativa, e por ter características mais conservadoras do que os outros poderes, o Legislativo exerce uma resistência saudável – em parte por ser um colegiado e suas decisões coletivas serem mais lentas 8ª Função judicante: prerrogativa de julgar e sentenciar, por meio de uma decisão final, nos termos constitucionais, por pena de destituição do mandato ou pena de inabilitação política, os casos de crime de responsabilidade, por exemplo, improbidade administrativa, atribuídos ao Governador de Estado. 9ª Função administrativa: o Legislativo tem como competência privativa exercer sua administração interna plenamente, conforme os artigos 51 e 52 da Constituição Federal de 1988. 3. REGIMENTO INTERNO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS A criação do regimento interno da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) deu-se através da Resolução nº 5.176, de 1997, alterada pela Resolução nº 5.183, de 1998, pela Resolução nº 5.197, de 2000, pela Resolução nº 5.204, de 2002, pela Resolução nº 5.207, de 2002, pela Resolução nº 5.212 , de 2003, pela Resolução nº 5.222, de 2004, pela Resolução nº 5.229, de 2005, pela Resolução nº 5.322, de 2008,pela Resolução nº 5.342 , de 2010, pela Resolução nº 5.344 , de 2011, pela Resolução nº 5.349, de 2011, pela Resolução nº 5.387, de 2013 e pela Resolução nº 5.511, de 2015. A resolução nº 5.511/15, em seu artigo terceiro, dispõe sobre a instalação da Legislatura:

Pode ocorrer reunião secreta, na qual a sociedade não participa. Para isso, terá que ser convocada pelo Presidente da Assembleia de ofício, ou a requerimento. 4. A ATUAÇÃO DO PARLAMENTAR NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS A criação da Justiça eleitoral no Brasil foi de suma importância para o processo eleitoral no país. Quanto ao processo eleitoral, há muitas críticas aos partidos políticos e às suas histórias. A extinção do PSD, PTB, UDN, PSB, PR e outros, gerou uma ruptura de evolução partidária brasileira. Existindo apenas dois partidos legalizados, Arena e MDB, tornou-se quase impossível a convivência entre políticos de diferentes correntes e ideologias recriando, após 1988, novos partidos políticos de qualidade duvidosa. Os partidos de massa foram se tornando pequenos partidos sem representação efetiva da sociedade. Após a fase de 1988 e a desvinculação do partido político do Estado, tornou-se um ente privado e não público como antes, o que foi de suma importância, pois a organização partidária é uma expressão legítima da sociedade e não do Estado. Os partidos devem representar a sociedade com suas diferentes correntes e ideologias. Álvaro Souza Cruz e Thaís Machado discutem no artigo O Sistema Partidário Brasileiro e a Democracia: um estudo sobre o número de partidos políticos, o pluripartidarismo, e que o Brasil possui 35 partidos políticos registrados, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral - TSE (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2015). De acordo com os autores, À primeira vista, tal quantidade parece caracterizar uma plenitude democrática brasileira, ao se entender que, quanto mais partidos políticos, maior é a participação do povo nas questões governamentais. Considerando o Brasil, de extensão territorial de 8.515.767,049 km² (IBGE, 2015) e com uma população que chega a 204.933.550 (IBGE, 2015) habitantes, essa afirmação aparenta ser de fato verdadeira, pois cada partido representaria mais de seis milhões de pessoas cada. (SOUZA CRUZ; MACHADO, P. 42)

Art. 3. No início da legislatura, são realizadas, no Palácio da Inconfidência, a partir do dia 1º de fevereiro, reuniões preparatórias destinadas à posse dos Deputados diplomados, à instalação da legislatura e da 1ª sessão legislativa ordinária e à eleição e à posse dos membros da Mesa da Assembleia para o 1º biênio. (vide Emenda à Constituição nº 74, de 11/5/2006). A primeira reunião é presidida pelo Deputado mais idoso presente, que convidará dois outros Deputados para atuarem como Secretários. O Deputado mais idoso exercerá a Presidência até que se eleja a Mesa da Assembleia. A composição da mesa da Assembleia atenderá tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos com assento na Assembleia Legislativa. Sendo eleitos os candidatos a Mesa da Assembleia, tal fato será comunicado às altas autoridades federais e estaduais. 3.1 Das sessões legislativas As sessões legislativas da Assembleia são ordinárias e extraordinárias. Ordinárias são as que independem de convocação, realizam-se nos dois períodos de funcionamento da Assembleia Legislativa de cada ano, de 01 de fevereiro a 18 de julho e de 01 de agosto a 20 de dezembro. As sessões extraordinárias são as que se realizam em período diverso dos fixados. Já as reuniões públicas ordinárias são realizadas uma vez ao dia, em dias úteis, às terças, quartas e quintas-feiras, durante qualquer sessão legislativa, com a duração de quatro horas e, as extraordinárias, realizam-se em horário ou dias diversos dos fixados para as ordinárias.

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Na legislação eleitoral vigente, os candidatos eleitos são os participantes do processo legislativo diversificando, e ao mesmo tempo restringindo, o perfil do legislativo, influenciando a sua atuação dentro do processo de acordo com sua posição partidária. O exercício do mandato do parlamentar inicia-se com sua posse. O parlamentar tem direito de integrar o Plenário e as comissões, tomar parte nas reuniões e nelas votar e ser votado. O Deputado pode apresentar proposições, discutir e deliberar sobre matéria em tramitação; encaminhar, por meio da Mesa da Assebleia, pedido escrito de informação (artigo 46 Resolução 5.511/15- Regimento Interno da ALMG). Um parlamentar tem como objetivo primário sua reeleição. É preciso considerar que os parlamentares, quando envolvidos na prática legislativa, distribuem benefícios concentrados para viabilizar sua reeleição. Possuem privilégios de ações voltadas para satisfazer interesses locais em sua base eleitoral. Mas como Deputado é eleito por um número maior de votos, quanto maior for a satisfação de grupos de maior amplitude, a tendência legislativa desse Deputado tende a ser favorável. Um deputado, ao votar uma pauta em determinada comissão ou em plenário, parte geralmente da premissa de qual o posicionamento do seu partido com relação ao assunto, quais os benefícios que trará ao seu mandato e qual retorno positivo terá com relação ao posicionamento do seu voto ante ao Executivo.

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Art.48 – O Deputado que se desvincular de seu partido perde o direito de ocupar cargo ou exercer função destinados à sua bancada, salvo se membro da Mesa da Assembleia Art 49 – O Deputado sem filiação partidária não poderá candidatar-se a eleição para cargos da Mesa da Assembleia nem ser designado membro de comissão. (Resolução 5.511/15 – Regimento Interno da ALMG).

ordinária, o nome de seu líder, que será escolhido em reunião por ela realizada para esse fim e cujas prerrogativas legais observarão a proporção fixada no § 4 deste artigo. (Resolução 5.511/15 – Regimento Interno da ALMG). 4.2 Dos blocos parlamentares Art 71 – É facultado às representações partidárias, por decisão da maioria de seus membros, constituir bloco parlamentar, sob liderança comum, vedada a participação de cada uma delas em mais de um bloco. (Resolução 5.511/15 – Regimento Interno da ALMG).

4.1 Das lideranças Bancada é o agrupamento organizado de, no mínimo, cinco Deputados de uma mesma representação partidária. Art 67 – Líder é o porta-voz da bancada e o intermediário entre esta e os órgãos da Assembleia Legislativa §1º Cada bancada indicará à Mesa da Assembleia, até cinco dias após o início da sessão legislativa

Os blocos parlamentares da ALMG estão hoje distribuídos, conforme especificado no quadro abaixo:

BLOCO PARLAMENTAR

PARTIDO DEPUTADO

BMM

PMDB

Adalclever Lopes (presidente não vota); Cabo Júlio; Celise

Laviola; Douglas Melo; Iran Barbosa; Isauro Calais; Ivair

Nogueira; João Alberto (3º S Col); João Magalhães; Leonídio

Bouças; Thiago Cota (Licença Médica); Tony Carlos (2º S Col); Vanderlei Miranda

PT

Cristiano Silveira; Cristina Corrêa (4ª S Col); Doutor Jean

Freire; Durval Ângelo; Geisa Teixeira (1ª S Col) (Licença

Médica); Marília Campos; Professor Neivaldo (5º S Col);

Rogério Correia; Ulysses Gomes

PR

Arnaldo Silva; Missionário Márcio Santiago

PCdoB

Celinho do Sinttrocel; Geraldo Pimenta (1º S P)

PTdoB Bosco; Fábio de Avelar

PRB

Gilberto Abramo; Léo Portela

PROS

Rosângela Reis

Sem Partido

Elismar Prado

BCM

PV

Agostinho Patrus Filho (Licença Médica); Arlete Magalhães;

Glaycon Franco; Hely Tarquínio; Inácio Franco; Mário

Henrique Caixa; Tiago Ulisses

PSD

Cássio Soares; Doutor Wilson Batista; Duarte Bechir;

Fábio Cherem; Lafayette de Andrada; Leandro Genaro

PPS

Antônio Jorge; Fabiano Tolentino

PEN

Fred Costa

PHS

Dirceu Ribeiro

PSC

Noraldino Júnior

PTC

Anselmo José Domingos

REDE

Paulo Lamac

BLOCO INDEPENDENTE

PSB

Antônio Lerin; Deiró Marra; Emidinho Madeira; Roberto

Andrade; Wander Borges

BVC

Antônio Carlos Arantes; Bonifácio Mourão; Dalmo Ribeiro

PSDB

Silva; Gustavo Valadares; João Leite; João Vítor Xavier;

Luiz Humberto Carneiro; Tito Torres

PTB

Felipe Attiê; Arlem Santiago; Bráulio Braz; Dilzon Melo

PDT

Alencar da Silveira Jr.; Carlos Pimenta; Nozinho; Sargento

Rodrigues

PP

Gil Pereira; Neilando Pimenta

DEM

Gustavo Corrêa; Ione Pinheiro Figura 1- Blocos Parlamentares ALMG Fonte: Site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais: www.almg.gov.br data: 13/06/16

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Art 288 – Salvo nas hipóteses de iniciativa privativa e de matéria indelegável, a iniciativa popular é exercida pela apresentação, à Assembleia Legislativa, de projeto de lei subscrito por, no mínimo, dez mil eleitores do Estado, em lista organizada por entidade associativa legalmente constituída que se responsabilizará pela idoneidade das assinaturas..(Resolução 5.511/15 – Regimento Interno da ALMG). Os parágrafos seguintes do artigo 288 do regimento interno da ALMG dizem que, dos subscritores do projeto, no máximo 25% (vinte e cinco por cento) poderão ser eleitores alistados na capital do Estado e quando necessário, a proposição será encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça para sua adequação às exigências do artigo 173 e nas comissões e em plenário, poderá usar da palavra para discutir o projeto de lei de iniciativa popular, pelo prazo total de sessenta minutos, o primeiro signatário ou aqueles que este houver indicado. É facultada à entidade associativa da sociedade civil, com exceção de partido político com representação na Casa, a apresentação à Assembleia Legislativa de proposta de ação legislativa. A proposta a que se refere este artigo será encaminhada à apreciação da Comissão de Participação Popular, que poderá realizar audiência pública para discuti-la. Aprovada a proposta esta será transformada em proposição de autoria da Comissão de Participação Popular ou ensejará, quando for o caso, a medida cabível. Será anexada à proposição em tramitação que com ela guarde identidade ou semelhança, desde que a proposta de ação legislativa que originou a proposição da comissão tenha sido protocolada antes da proposição de autoria parlamentar. Aplica-se à proposição de que trata este artigo o disposto no § 3º do artigo 288 é o que dispõe o artigo 289 do regimento interno. 6 O PODER EXECUTIVO NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS O Poder Executivo tem nítida interferência, por meio do Chefe do Executivo, nos trabalhos parlamentares. A atuação do Executivo é de suma importância para a governabilidade do Estado. A partir da Carta Constitucional de 1988, foram outorgados poderes legislativos, antes não existentes que, somados a outros privativos do Chefe do Executivo, lhe permitem conduzir, de forma razoável, a agenda do Legislativo de acordo com suas necessidades. Nesse contexto, há que se destacar que muitas vezes é da conveniência do próprio parlamentar delegar competência legislativa ao Executivo, sobre temas polêmicos, furtando-se assim, de desgastes políticos, que podem ter, muitas vezes, interesses contrários às suas bases eleitorais. O Executivo intervém diretamente no processo legislativo, mediante instrumentos de pressão que lhe possibilitem o controle das votações, conhecido como “poder de agenda”. Um meio utilizado pelo poder Executivo no processo legislativo é o regime de urgência. A tramitação em regime de urgência eleva as chances de que o projeto seja apreciado no plenário favoravelmente. Como efeito, o pedido de urgência impede que minorias possam, por meios das votações, “engavetar” as propostas. Assim, também, o pedido de urgência obriga que as matérias provenientes do Executivo não sejam votadas por interesse dos parlamentares passando a ter prioridade na agenda de votações do Legislativo. Conforme regimento interno da ALMG, em seu artigo 208, que trata de Projetos de Iniciativa do Governador do Estado com solicitação de Urgência, este poderá solicitar urgência para apreciação de projeto de sua iniciativa. O artigo 210 do regimento interno da ALMG dispõe que, sempre que o projeto for distribuído a mais de uma comissão, a Comissão de

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Constituição e Justiça se pronunciará, no prazo de cinco dias, e as demais comissões se reunirão, conjuntamente, para emitirem parecer sobre o mérito da proposição, nos dez dias subsequentes. Já o artigo 211 dispõe que, esgotado o prazo sem pronunciamento das comissões, o Presidente da Assembleia incluirá o projeto em ordem do dia e para ele designará relator que, no prazo de até vinte e quatro horas, emitirá parecer sobre o projeto e emendas, se houver, sendo-lhe facultado apresentar emenda. Dentre os diversos artifícios, o Poder Executivo controla a agenda do Legislativo com acordos políticos, dentre eles, a distribuição de benefícios, sejam eles pastas, privilégios que detêm como nomeações, esperando em contrapartida, os votos de que necessita no Parlamento para que projetos possam ser votados, de acordo com os interesses do Executivo. O Chefe do Executivo forma um pacto com os partidos, desde o momento de sua posse, pois nesse instante ele distribui as Secretarias, logicamente, aos partidos que irão apoiá-lo na Assembleia, o que assegura sucesso nas votações de seus projetos. Essas votações, em sua maioria, asseguram votações favoráveis ao Governo. Se o Parlamentar contraria o Executivo, os benefícios geralmente são revogados. Tem-se o resultado, por parte do Executivo, dos projetos de lei, a alta aprovação e poucas rejeições. As proposições apresentadas pelo Executivo são apresentadas de forma mais célere, conforme citado acima, do que os próprios projetos oriundos do legislativo, até mesmo porque o Executivo, antes de produzir um projeto de lei, já discutiu seu conteúdo com os líderes partidários. Claro que esse apoio ao governo pelo pacto entre partidos políticos nem sempre é total, pois existem casos em que um líder partidário declara posição contrária à do Executivo. Mas a maioria dos partidos pactuados seguem a orientação do governo, em troca de secretarias ou outras vantagens aqui citadas como cargos. Via de regra, o parlamentar vota com a liderança de seu partido, tornando quase que previsíveis as decisões em plenário. Os líderes são porta-vozes de sua bancada, e intermediadores entre esta e os demais órgãos das Casas Legislativa e do Executivo. Não obstante as disposições ideológicas de cada partido, que vão da esquerda à direita, conforme os posicionamentos e opiniões de seus parlamentares, estes, na maioria absoluta das vezes, acompanham o voto dos líderes, votando até contrários aos ideais do partido, mas em favor do Poder Executivo. A função dos líderes é a de representar os interesses do partido perante o Executivo, e vice versa. Os líderes partidários acordam com o Executivo sobre as votações e os parlamentares de seu partido em sua maioria acompanham o voto. O controle advindo dos partidos não pode ser visto como algo que atrapalha os trabalhos do legislativo e os interesses públicos, uma vez que, sem esse controle, a condução do processo legislativo poderia ser imprevisível. Ao pensar que os parlamentares agem e estruturam suas ações num mundo político confuso e caracterizado pelo individualismo, percebe-se que a questão legislativa passa pelos partidos políticos e pela formação dos pactos partidários, dado que os parlamentares têm interesse no sucesso mais amplo das políticas governamentais, visto que estas também influenciam diretamente nas chances de sua reeleição. O controle exercido pelo Executivo sobre a iniciativa legislativa cria incentivos para que os parlamentares se unam ao governo, apoiando suas iniciativas, podendo o Executivo dispor de recursos que induzam os parlamentares a cooperar com o governo e sustentá-lo. Apoiar um Governador traz acesso a vantagens de negociar cargos públicos, além de liberação de emendas parlamentares.

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Agindo assim, o Executivo raramente tem suas proposições legislativas rejeitadas, uma vez que os partidos recebem secretarias que são membros do governo e comportam-se como tal, votando a favor das iniciativas do Executivo. Outra forma de negociação por parte do Executivo que tem sido usado com frequência, é a chamado “conversas de bastidores”, utilizada para obter êxito na aprovação de seus projetos. 7 CONCLUSÃO O papel do legislador é, portanto, o de orientador jurídico da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, mediado e determinado por uma série de fatores. Podemos ressaltar, que dentre todos, alguns são fundamentais para compreendermos o resultado final traduzido no processo de elaboração de normas legais no âmbito estadual. O primeiro é o processo eleitoral. A partir do momento em que o Parlamentar é eleito e diplomado, sua prioridade quase que absoluta é sua própria reeleição, ou seja, a reprodução do próprio mandato. No nosso sistema partidário – eleitoral, onde embora o voto seja nominal, o Deputado é eleito a partir da proporcionalidade partidária, não basta ser bem votado, é preciso estar em um partido ou coligação partidária que garanta coeficiente eleitoral mínimo. Esse coeficiente é dado pela proporção de voto que o partido ou coligação obtenha em relação ao total de votos válidos. Os mais votados do partido ou coligação são eleitos por número de vagas alcançadas nesta proporcionalidade. Assim, embora na vida parlamentar, aqui tratando do parlamento mineiro, os partidos tem pouca elaboração política e doutrinária para a produção legislativa, mas têm importância vital na reprodução dos mandatos. Portanto, além de atender suas bases eleitorais em seus anseios e expectativas, o parlamentar tem que estar bem localizado partidariamente ou em uma forte coligação, o que normalmente leva a formação de blocos (oposição/situação), ampliando a influência do executivo sobre o legislativo. Se a casa legislativa possui maioria assim denominada situação, a aprovação de leis torna-se mais fácil. Diferentemente do Congresso Nacional, onde o processo legislativo só está limitado pelas regras constitucionais, nos estados, as Assembleias Legislativas estão condicionadas pela legislação federal, colocando limites aos legisladores estaduais. Além de observar a constitucionalidade e nela não poder fazer alterações, o poder legislativo estadual tem que observar as limitações da legislação complementar e ordinárias do ente federal. Essas limitações marcam profundamente o processo legislativo estadual. Primeiro, no aspecto formal e funcional do legislativo estadual com suas diferentes comissões e normas de decisões, com o objetivo de garantir a legalidade do processo. Segundo, e como resultado do item anterior, a própria limitação de temas sobre os quais podem legislar, sendo, por exemplo, todos os códigos reguladores de direitos civis, penais e tributários de competência nacional. Assim, o parlamentar para atender os interesses das bases eleitorais, os quais representam, ficam limitados por questões federativas, não podendo assim dar respostas diretas aos anseios de seus representados, tendo que, em algumas vezes, encaminhá-los para outras esferas de poder. Esse movimento, que tem como objetivo principal de respostas às bases eleitorais de cada Parlamentar e, paralelamente a isso, a cobrança geral da sociedade para justificar a própria existência do poder. Tal movimento leva a uma super regulamentação da vida privada, na qual, consequentemente, cria-se regras para todo e qualquer assunto, o que acaba gerando um universo muito conhecido de leis que não são respeitadas, ou leis que não tem sentido prático em sua

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aplicabilidade. No entanto, isso não tira a competência do processo de produção parlamentar, por ser representação direta do povo e esteio fundamental do processo democrático, o que não pode ser substituído por indicação ou qualquer outro tipo de concurso. O processo de representação parlamentar, mesmo com todos os problemas, tanto da fragilidade do sistema partidário, quanto da contradição entre o voto nominal e a eleição proporcional, onde o voto em uma maioria de candidatos eleitos elege o mais votado individualmente, ainda é o formato mais legítimo da produção das leis de nosso ordenamento jurídico. É uma reafirmação de que o poder deve emanar do povo. Só quem tem poder que emana do voto é que pode ser reconduzido ao cargo ou não. Dessa forma, representa a essência do sistema democrático. A produção parlamentar é certamente o principal papel do Deputado no regime democrático, ou seja, criar o arcabouço legal e jurídico sobre o qual devem trilhar o Poder Executivo e decidir o Poder Judiciário, fazendo a harmonia e complementando os três poderes. No entanto, esse não é seu único papel. Além de seu papel de acompanhar programas, fiscalizar o Executivo, dentre outros, recai sobre o Parlamentar, também, de um modo geral, a cobrança dos representados pela satisfação das necessidades de serviços públicos demandadas em suas bases eleitorais. Assim, é normal que, frente às necessidades de todos os serviços públicos ligados ao ente federativo, o primeiro a ser cobrado é o Deputado da região. Como, no entanto, a gestão dos recursos e serviços, via de regra, estão nas mãos do Poder Executivo, fica para o Parlamentar o papel de mediador de reivindicações da demanda. Dada nossa premissa, de que a primeira preocupação de todo e qualquer eleito é a reprodução do próprio mandato, o poder de pressão do Executivo sobre o Parlamentar é muito grande. Seja porque o Executivo acaba exercendo uma grande influência nas coligações partidárias e blocos de partidos, o que gera os coeficientes eleitorais necessários, seja porque os instrumentos para atendimento das demandas estão nos órgãos do Executivo. Desde orçamentos e as famosas emendas dos parlamentares para atendimento as regiões de base, até as secretarias, autarquias, empresas e fundações que executam boa parte do orçamento público. Sob responsabilidade do Executivo, está ainda o poder de iniciativa para legislar sobre uma importante parte, que é o orçamento tributário , folha de pessoal, dentre outros. Dessa forma, o Executivo exerce uma forte pressão sobre o parlamento, tanto na produção parlamentar como na sua capacidade de limitar a ação em assuntos chaves da vida pública onde possui a iniciativa de propor nova legislação. Nesse aspecto, cabe ainda, ao Poder Executivo, o poder de vetar que, para ser derrubado, exige quórum qualificado de 2/3, o que torna muito difícil o veto. O que equilibra o processo democrático é, exatamente, o fato de também o Poder Executivo ser submetido ao sufrágio universal e à vontade popular, o que tornaria tudo uma farsa, se não fosse esse fato, e a briga constante entre direita e esquerda/situação e oposição. Por isso mesmo, ao passo que no parlamento os mandatos podem ser refeitos indefinidamente, nas democracias os mandatos do executivo sempre são limitados, evitando reprodução indefinida e perpetua. Em síntese, sempre o poder legislador demanda do voto universal. Mesmo tendo o Executivo também de prestar contas ao eleitor. Mas palavra final no processo legislativo é sempre do Parlamentar. Mesmo sendo, por um lado, fortemente influenciado pelo Executivo, o Legislativo é também, dos três poderes, o que é mais pressionado de forma direta pelos eleitores. Se o nosso processo democrático está baseado na forma re-

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presentativa, é na casa parlamentar que a população pode exercer de forma direta sua maior pressão e participação direta. Embora os projetos de iniciativa popular previstos no processo parlamentar têm resultados desprezíveis desde a Constituição de 1988, isso não significa que o processo da decisão parlamentar se dê longe da participação direta dos cidadãos. O contra ponto ao Poder Executivo e de todos os grupos econômicos e de pressão, é a participação direta dos eleitores no processo de debate que sempre precede as decisões parlamentares. O Parlamentar, frente a frente com a opinião pública, sofrendo pressões diretas e tendo que decidir, é a produção da legitimidade do processo de ordenação jurídica da sociedade, proporcionando a harmonia e complementação dos três poderes. No entanto, esse não é seu único papel. Além de seu papel fiscalizador do Executivo, recai sobre o Parlamentar, de um modo geral, a cobrança dos representados pela satisfação das necessidades de serviços públicos demandadas nos seus distritos eleitorais. A relação de interesses, por vezes, tumultua e entrava o processo legislativo mas, no final, com a participação da sociedade pressionando e tendo consciência da sua importância dentro do processo legislativo, tende a acelerar e muito os interesses ali pautados, sejam nas comissões ou no plenário. Cabe também, à sociedade, descobrir o quanto o seu papel político dentro da Assembleia contribui para que as diferenças entre os partidos de direita ou de esquerda sejam superados e, dentro desse cenário de correntes ideológicas, prevaleçam os interesses dos grupos dos mais variados, sejam minorias ou maiorias e que, dessas pressões, surjam normas jurídicas cada vez mais efetivas, que vão de encontro aos anseios dessa sociedade. Os fins da política são tantos quantas forem as metas a que um grupo organizado se propõe, segundo os tempos e as circunstâncias. Cabe à Casa Legislativa, que é a representação do cidadão, deliberar como esses participantes no processo jurídico devem viver em sociedade, oferecendo ao direito as premissas materiais para as decisões jurídicas e, nisso, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais tem desempenhado muito bem o seu papel. O artigo avaliou as diferentes pressões que o Parlamentar sofre na produção dessa base legal, tanto advindas dos outros poderes, em especial o Executivo, como as que vêm diretamente da sociedade, reproduzindo as normas que formam a base jurídica sobre a qual o advogado atua.

NEGRI, André Del. Controle de Constitucionalidade no Processo Legislativo: Teoria da legitimidade democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2008. NÚCLEO de bibliotecas. Manual para elaboração e apresentação dos trabalhos acadêmicos: padrão Newton. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva. 2011. Disponível em <http://www.newtonpaiva.br/NP_conteudo/file/Manual_aluno/Manual_ Normalizacao_Newton_Paiva_2011.pdf>. Acesso em 02 de nov 2015. PIRES, Maria Coeli Simões. O Controle Jurisdicional do Processo Legislativo. Belo Horizonte: Fórum, 2009. SOUZA CRUZ, A.; MACHADO, T. O Sistema Partidário Brasileiro e a Democracia: um estudo sobre o número de partidos políticos. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Belo Horizonte, n.28, p.41-47, jan./abr. 2016. ISSN 1678 8729 < http://npa. newtonpaiva.br/direito/ >. Acesso em: 13 jun 2016.

Banca Examinadora Hugo Rios Bretas (Orientador) Amanda Helena Azeredo Bonaccorsi (Examinadora)

REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Ana Cristina. RIBEIRO, Juscelino Luiz. CHAVES, Wallace Oliveira. O poder de agenda do poder executivo no processo legislativo. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte: 2006. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Regimento Interno.10.ed. Belo Horizonte: 2015. AZEVEDO, Márcia Maria Corrêa de. A Prática do Processo Legislativo: jogo parlamentar. São Paulo: Atlas, 2001. BOBBIO, Norberto Bovero. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. MONTEIRO, Igor de Matos. A república e o sistema (pluri) partidário de coalizão. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Belo Horizonte, n.22, mai.2014. ISSN 1678 8729 Disponível em: <http:// npa.newtonpaiva.br/direito/?p=1766 >. Acesso em: 21 jun 2016.

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EXECUÇÃO DA PENA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO Carlos Alexandre Medeiros do Nascimento Barbosa2

RESUMO: Em recente decisão por maioria dos Ministros do STF, foi modificado o entendimento da corte em relação a possibilidade da execução da pena após o acórdão condenatório no segundo grau, ou seja, a possibilidade do inicio da execução da pena antes do transito em julgado. Por haver ainda a possibilidade de reexame por via de recursos especiais e extraordinários para os tribunais superiores, não seria razoável, pois, é ofensivo à Constituição Federal, a execução provisória da pena, em razão do princípio da presunção de inocência antes do transito em julgado. Isso porque, a possibilidade de reforma da decisão poderia gerar grande prejuízo ao réu, caso este fosse condenado no segundo grau, mas, em sede de recursos nos tribunais superiores ocorresse mudança na aplicação da pena ou até mesmo ocorrendo a absolvição. Na visão da Maioria dos Ministros a Constituição estaria respeitada, pois dado o acórdão por um órgão colegiado, e até este ponto sido respeitados o contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, não haveria violação aos princípios constitucionais; ocorrendo ate mesmo a possibilidade de relativização do principio da presunção de inocência em decorrência da efetivação do “jus puniendi” do Estado. O novo entendimento busca dar uma resposta a sociedade e garantir o poder de punir do Estado, em razão de alguns casos onde recursos especiais e extraordinários se tornam meramente protelatórios. PALAVRAS-CHAVE: Prisão. Presunção de Inocência. Trânsito em julgado. Medidas Cautelares. Execução Antecipada da Pena.

preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF — recurso especial e extraordinário — teriam âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, pareceria inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para a situação concreta, do princípio da presunção de inocência até então observado. Faria sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do CPP e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990”. Informativo 814 STF.

1 Introdução O Supremo Tribunal Federal no HC 126 292, entende haver a possibilidade de execução da pena antes do transito em julgado, caso a condenação venha a ser proferida por um órgão colegiado (segundo grau). Portanto a Corte Suprema autorizou a execução provisória da pena, alterando entendimento dos últimos anos, onde a prisão não poderia ocorrer antes do transito em julgado, sendo apenas autorizado pela legislação em casos excepcionais, especificamente no caso de prisão processual (medidas cautelares), a qual possui requisitos específicos para sua adoção. A maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus, numero 126 292 de 17/02/2016, expressou como válida a possibilidade de execução provisória da pena diante de acórdão condenatório proferido em julgamento no segundo grau, mesmo não tendo ocorrido o trânsito em julgado da decisão condenatória e estando sujeito a um reexame em sede recurso especial ou extraordinário, sem que haja comprometimento do Princípio da Não Culpabilidade. O Supremo Tribunal Federal, tentando dar uma resposta à sociedade, modifica o antigo entendimento que negava a execução enquanto não houvesse o trânsito em julgado da pena e incentivava a interposições de recursos com natureza meramente protelatórias, na qual o objetivo era de se alcançar a extinção da punibilidade (artigo 107, IV do CP) por meio da prescrição da pretensão punitiva ou executória, tornando o principio da não culpabilidade um inibidor da efetividade estatal. A maioria dos Ministros do STF, entende que após o julgamento em segundo grau, não há mais discussão sobre fatos e provas, por isso os recursos de natureza extraordinária não são desdobramentos do duplo grau de jurisdição. Portanto após o esgotamento da instancias ordinárias deveria se buscar um equilíbrio entre presunção de inocência e a efetivação da função jurisdicional. “Portanto, os recursos de natureza extraordinária não configurariam desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não seriam recursos de ampla devolutividade, já que não se prestariam ao debate da matéria fática e probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo tribunal de apelação, ocorreria uma espécie de

Apesar do entendimento anterior em tese incentivar “possíveis” recursos meramente protelatórios, este, porém, estava mais em consonância com a Constituição, uma vez que, segundo o texto legal, ninguém será culpado até o trânsito em julgado, pois, esse somente ocorre após esgotados os recursos de natureza ordinária, especial e extraordinária. “A norma constitucional do inciso LVII, agora sob nosso exame, garante a presunção de inocência por meio de um enunciado negativo universal: ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’. Usa-se de uma forma negativa para outorgar uma garantia positiva. Na verdade, o texto brasileiro não significa outra coisa senão que fica assegurada a todos a presunção de inocência até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. O trânsito em julgado se dá quando a decisão não comporta mais recurso ordinário, especial ou extraordinário”. (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição.Malheiros.2006.P.155). Segundo entendimento anterior do Supremo Tribunal Federal, tanto a Constituição (Artigo 5, LVII) quanto a Lei de Execução Penal (Artigo 105), sobrepõem-se ao antigo 637 do Código de Processo Penal. HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DACONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART.1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.1. O art. 637 do CPP

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. (STF, Pleno, HC 84.078, Rel. Min. Eros Grau. J. 05/02/2009). Portanto, em consideração ao princípio da presunção de inocência, não seria possível a execução provisória da pena sem haver sentença penal condenatória transitada em julgado. Deste modo, o acusado somente poderia ter sua prisão decretada antes do transito em julgado, se fosse em caráter cautelar, ou seja, nos casos em que preencham os requisitos das prisões preventiva e temporária ou em de flagrante delito. 2 Breve Histórico Sobre as Prisões Na Antiguidade, a privação da liberdade não tinha caráter de pena, possuindo apenas o objetivo de custódia, ou seja, na guarda do acusado até o momento do julgamento ou da execução da pena. Na Idade Média, segue-se com caráter de custódia, uma vez que a função da pena era inibir, por meio do medo, a sociedade, ou seja: causar temor nas pessoas aplicando-se sanções cruéis e humilhantes, não havendo qualquer preocupação em devolver o infrator em melhores condições nas quais ingressou no cárcere. Assim, explica Luigi Ferrajoli: “A história da detenção cautelar do imputado no transcurso do processo está estritamente conectado com a do princípio da presunção de inocência: na medida e nos limites em que a primeira foi sendo cada vez mais admitida e praticada, seguiram-se de perto os desenvolvimentos teóricos e normativos do segundo. Desse modo, ocorreu que enquanto em Roma, após experiências alternadas, chegou-se a proibir por completo a prisão preventiva, na Idade Média, com o desenvolvimento do procedimento inquisitório, ela se tornou o pressuposto ordinário da instrução, baseada essencialmente na disponibilidade do corpo do acusado como meio de obter a confissão per tormenta. E só voltou a ser estigmatizada com o Iluminismo, concomitantemente à reafirmação do princípio ‘nulla pena, nulla culpa sine judicio’ e à redescoberta do processo acusatório. ” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. 2002. P. 443).

Portanto, no começo a pena era vista como uma forma de vingança e punição contra quem desrespeitasse as regras impostas pelo Estado. Em decorrência de uma evolução de conceitos surge o sistema de composição, que de início, dava aos familiares das vítimas o direito de aplicar sanções e aceitar pagamentos; o Estado após certa evolução na organização de sua estrutura passou a assumir a responsabilidade de aplicar sanções, devendo, para isso, ter uma limitação de seu poder punitivo frente a sociedade ou seja, respeitando regras previamente estabelecidas, e sendo imparcial em seu julgamento, superando o caráter privado de punição em prol de um senso coletivo de busca pela justiça. A pena se reflete na atuação (resposta) do Estado em relação a uma vontade individual divergente das regras estabelecidas para todo, com isso, a pena atinge o seu caráter público, deixando de lado o viés familiar de vingança. O Estado se fortalece trazendo para si tanto o direito de punir, mas também a responsabilidade (dever) de proteger a sociedade assumindo assim o monopólio da justiça e proibindo que indivíduos venham a fazer justiça pelas próprias mãos. A Constituição de 1988 estabeleceu regras e princípios norteadores do Processo Penal, entre eles o princípio da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, entre outros. Antes da Lei nº 12.403/2011, o sistema cautelar brasileiro resumia-se, basicamente, à prisão cautelar ou à liberdade provisória, o que causava prejuízo por falta de outras opções além de a prisão durante todo o processo ou a liberdade plena, ou seja, faltava opções na qual em devidas situações, poderia ocorrer uma medida cautelar, mas que não demandaria uma prisão como instrumento mais correto para garantir o andamento das investigações ou da eficácia do processo. Com seu advento, no entanto, reiterou-se o caráter cautelar de toda prisão antes do trânsito em julgado e foram criadas várias alternativas de medidas cautelares diversas da prisão, previstas, no artigo 319 do Código de Processo Penal e também a previsão do artigo 320 do mesmo diploma legal sobre a possibilidade de retenção do passaporte, podendo ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa, efetivando mais a ideia de que a prisão não deveria ser a regra e sim a exceção antes do transito em julgado da sentença; portando a lei visou retirar a cultura da prisão que possui resquícios da ditadura, para exaltar o ideal proposto pela Constituição Federal, firmando o entendimento de que a liberdade é a regra. Nesse aspecto Renato Brasileiro dispõe em sua obra: Com a entrada em vigor da Lei n° 12.403/11, para além da demonstração do fumus comissi delicti, consubstanciado pela prova da materialidade e indícios suficientes de autoria ou de participação, e do periculum libertatis (garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou garantia de aplicação da lei penal), também passa a ser necessária a demonstração da ineficácia ou da impossibilidade de aplicação de qualquer das medidas cautelares diversas da prisão. Nesse sentido, o art. 282, § 6°, do CPP, estabelece que a prisão preventiva será́ determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar. Na mesma linha, o art. 310, inciso 11, do CPP, autoriza a conversão da prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão. Pode-se dizer, então, que o novo sistema de medidas cautelares pessoas trazido pela Lei n° 12.40311 evidencia que as medidas cautelares diversas da prisão são preferíveis em relação à prisão preventiva, dentro da ótica de que sempre se deve privilegiar os meios menos gravosos e restritivos de direitos fundamentais. Tem-se aí, na dicção de Badaró́, a característica da pre-feribilidade das medidas cautelares diversas da prisão, da qual decorre a consequência de

A partir dos séculos XVI e XVII, constatou-se que a pena de morte e demais penas cruéis não estavam sendo eficazes na contenção da criminalidade. Em decorrência disso, começou a surgir a ideia da prisão como pena, e não apenas como custódia. A privação de liberdade como pena surgiu efetivamente no século XVIII, e, ao final do século XIX, esta se tornou a principal delas. Conforme ensinamento de Aury Lopes Junior: “Convém destacar que o Direito Penal nasce não como evolução, senão como negação da vingança, daí por que não há que se falar em ‘evolução histórica’ da pena de prisão. Não se trata de continuidade, senão de descontinuidade. A pena não está justificada pelo fim de vingança, senão pelo de impedir por completo a vingança. No sentido cronológico, a pena substituiu a vingança privada, não como evolução, mas como negação, pois a história do Direito Penal e da pena é uma longa luta contra a vingança”. (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 2014. P. 25).

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que, diante da necessidade da tutela cautelar, a primeira opção deverá ser sempre uma das medidas previstas nos arts. 319 e 320. Por outro lado, como reverso da moeda, a prisão preventiva passa a funcionar como a extrema ratio, somente podendo ser determinada quando todas as outras medidas alternativas se mostrarem inadequadas. Portanto, o magistrado só́ poderá́ decretar a prisão preventiva quando não existirem outras medidas menos invasivas ao direito de liberdade do acusado por meio das quais também seja possível alcançar os mesmos resultados desejados pela prisão cautelar. (BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal.2015.P.935/936.). Os pressupostos para a decretação de qualquer cautelar pessoal são: “fumus commissi delicti” e o “periculum libertatis”, consoante entendimento de Aury Lopes Junior: “No processo penal, o requisito para a decretação de uma medida coercitiva não é a probabilidade de existência do direito de acusação alegado, mas sim de um fato aparentemente punível. Logo, o correto é afirmar que o requisito para decretação de uma prisão cautelar é a existência do ‘fumus commissi delicti’, enquanto probabilidade da ocorrência de um delito (e não de um direito), ou, mais especificamente, na sistemática do CPP, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. (...). Aqui o fator determinante não é o tempo, mas a situação de perigo criada pela conduta do imputado. Fala-se, nesses casos, em risco de frustração da função punitiva (fuga) ou graves prejuízos ao processo, em virtude da ausência do acusado, ou no risco ao normal desenvolvimento do processo criado por sua conduta (em relação à coleta da prova). O perigo não brota do lapso temporal entre o provimento cautelar e o definitivo. Não é o tempo que leva ao perecimento do objeto. O risco no processo penal decorre da situação de liberdade do sujeito passivo. Basta afastar a conceituação puramente civilista para ver que o ‘periculum in mora’ no processo penal assume o caráter de perigo ao normal desenvolvimento do processo (perigo de fuga, destruição da prova) em virtude do estado de liberdade do sujeito passivo. Logo, o fundamento é um ‘periculum libertatis’, enquanto perigo que decorre do estado de liberdade do imputado” (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 2012. P. 573/574). Sendo assim, a restrição da liberdade (prisão) só seria autorizada a ocorrer após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, tendo como exceção a prisão cautelar que deve respeitar aos requisitos previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. Ademais, há as hipóteses de prisão em flagrante, prevista nos artigos 301 e 302 do Código de Processo Penal e da prisão temporária prevista na lei 7.960/89, sendo estas as outras exceções da prisão antes da sentença transitada em julgado. 3 Dos Princípios, Fundamentos e Pressupostos das Medidas Cautelares Pessoais 3.1 Dos Princípios Os Princípios norteadores das medidas cautelares têm por objetivo regular a atuação do Estado e evitar constrangimentos ilegais e abusos na aplicação de tais institutos, uma vez que, como visto, com o advento da Lei nº 12.403/2011, a prisão processual tem caráter excepcional, devendo atender aos critérios estabelecidos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. Nesse diapasão, explica Miguel Tedesco Wedy:

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“As medidas cautelares têm o fim de proteger a integridade e o deslinde do processo definitivo, protegendo todos os mecanismos capazes de levarem ao êxito do procedimento final. Não se trata de medida antecipatória da providência final, mas de medida capaz de proteger os elementos pelos quais o juiz chegará ao seu decisum e à eficaz aplicação do jus puniendi.“ (WEDY, Tedesco. Eficiência e Prisões Cautelares. 2013. P. 67). Partindo de tal pressuposto, veremos agora alguns dos princípios básicos das medidas cautelares. 3.1.1 Contraditório

Para que o contraditório seja pleno, não basta assegurar à parte a formalidade de que possa apenas se pronunciar sobre os atos da outra parte, devendo ser assegurado a parte contraria os meios para que se tenha condições reais e efetivas de contrariá-los. Há de se assegurar, o equilíbrio entre a acusação e defesa, que devem estar munidas de forças similares. O contraditório pressupõe, assim, a paridade de armas: somente pode ser eficaz se os contendentes possuem a mesma força, ou, ao menos, os mesmos poderes. (BRASILEIRO, Renato, Manual de Processo Penal.2015.P.49.). Apesar do contraditório não possuir sua capacidade plena, conforme deve ocorrer na instrução processual, é possível visualizar a sua figura em algumas situações durante a aplicação de medidas cautelares. O parágrafo 3º do artigo 282, assim estabelece: “Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo”. (BRASIL. Presidência da República. Código de Processo Penal). Contudo, o contraditório poderá não ter a plenitude do seu exercício, pois, dependendo das circunstâncias do caso concreto, deve-se observar a urgência da situação e a eficácia da medida; uma vez que, diante de um risco iminente de fuga do Réu, comprometeria um contraditório pleno. Nesse aspecto a audiência de custódia vem garantir ao suposto autor do delito, desde sua prisão, o direito ao tratamento digno, a garantia da preservação do estado democrático do direito, a prevenção da prática de tortura e prisões arbitrarias e ilegais. O contato rápido com o Magistrado permitirá a este constatar a necessidade, dependendo do caso, de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão ou de eventual liberdade provisória. 3.1.2 Jurisdicionalidade e Motivação

Conforme previsto na Constituição, o principio da jurisdicionalidade, informa que, para a decretação de toda e qualquer espécie de medida cautelar de natureza pessoal, somente deve ocorrer, mediante manifestação fundamentada do Poder Judiciário, nos casos de prisão preventiva, temporária ou ainda quando na imposição das medidas cautelares diversas da prisão. Ocorre também da necessidade de imediata apreciação da prisão em flagrante, pelo o magistrado, o qual deverá demonstrar de maneira fundamentada, com base em elementos colhidos nos autos, para convertê-la ou relaxá-la, promovendo, assim, o controle jurisdicional posterior à referida prisão. Pelo princípio da jurisdicional idade, a decretação de toda e qualquer espécie de medida cautelar de natureza pessoal está condicionada à

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manifestação fundamentada do Poder Judiciário, seja previamente, nos casos da prisão preventiva, temporária e imposição autônoma das medidas cautelares diversas da prisão, seja pela necessidade de imediata apreciação da prisão em flagrante, devendo o magistrado indicar de maneira fundamentada, com base em elementos concretos existentes nos autos, a necessidade da segregação cautelar, inclusive com apreciação.(BRASILEIRO, Renato, Manual de Processo Penal.2015.P.810.) Se a Constituição Federal enfatiza que ‘ninguém será́ privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ (art. 5°, LIV), que ‘ninguém será́ preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciaria competente ‘ (art. 5°, LXI), que ‘a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juízo competente’(art. 5°, LXII), que ‘a prisão ilegal será́ imediatamente relaxada pela autoridade judiciaria’ (art. 5°, LXV) e que ‘ninguém será́ levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’ (art. 5°, LXVI), fica evidente que a Carta Magna impõe a sujeição de toda e qualquer medida cautelar de natureza pessoal à apreciação do Poder Judiciário.(BRASILEIRO ,Renato, Manual de Processo Penal.2015.P.810.).

Canotilho, se o principio for visto de uma forma radical, nenhuma medida cautelar poderá́ ser aplicada ao acusado, o que, sem duvida, acabará por inviabilizar o processo penal. São manifestações claras desta regra de tratamento a vedação de prisões processuais automáticas ou obrigatórias e a impossibilidade de execução provisória ou antecipada da sanção penal. (BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal.2015.P.810). 3.1.4 Provisionalidade

As medidas cautelares possuem natureza excepcionais, logo, caráter provisório. Sendo assim, deverá ser respeitado um prazo razoável, tanto na prisão temporária, quanto na prisão preventiva. Em ambos os casos, quando cessarem os motivos ensejadores da decretação da prisão, o réu deverá ser posto em liberdade. Da mesma forma, caso o réu esteja em liberdade plena, mas venha a ser constatada a necessidade de aplicação de alguma medida cautelar, esta poderá ser decretada pelo Magistrado. Nas prisões cautelares, a provisionalidade é um princípio básico, pois são elas, acima de tudo, situciacionais, na medida em que tutelam uma situação fática. Uma vez desaparecido o suporte fático legitimador da medida e corporificado no fumus commissi delicti e/ou no periculum libertatis, deve cessar a prisão. O desaparecimento de qualquer uma das “fumaça” impõe a imediata soltura do imputado, na medida em que é exigida a presença concomitante de ambas (requisito e fundamento) para a manutenção da prisão (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal.2014.P.578.).

O artigo 283 do Código de Processo Penal, no entanto, amplia as hipóteses, senão vejamos: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. (BRASIL. Presidência da República. Código de Processo Penal). Constata-se que, a redação do artigo 283 do CPP tem por objetivo não deixar que ocorra a banalização das medidas cautelares, objetivando, por meio dos princípios da jurisdicionalidade e motivação, propiciar maior segurança jurídica.

Importante ressaltar que, a qualquer momento, a prisão poderá ser substituída por uma medida cautelar diversa, quando no caso concreto esta se encaixar e se tornar suficiente; igualmente, caso ocorra o descumprimento de alguma medida cautelar diversa, esta poderá ser substituída por outra medida cautelar diversa ou por uma prisão cautelar. O Princípio da Provisionalidade está expresso nos parágrafos 4º e 5º do artigo 282, consoante se verá: § 4o No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único). § 5o O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

3.1.3 Da Presunção de inocência (ou da não culpabilidade)

Somente seria admitida a restrição a liberdade do acusado antes da sentença penal transitada em julgado a título cautelar, vedando, portanto, a execução provisória da pena. Ressalte-se, por oportuno, que a prisão cautelar somente não viola o principio da presunção de inocência, quando preenchidos os seus requisitos. Portanto, diferente da execução antecipada da pena que desrespeita preceitos constitucionais, a prisão cautelar possui o caráter excepcional e é admitida pelo nosso ordenamento jurídico, desde que se adeque ao caso concreto e respeitados seus requisitos. Regra de tratamento: antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, a restrição à liberdade do acusado, seja através da decretação de uma prisão cautelar, seja por meio da imposição de uma medida cautelar de natureza pessoal, só́ deve ser admitida a título cautelar, e desde que presentes seus pressupostos legais. O principio da presunção de inocência previsto no art. 5°, LVII, da Carta Magna, não é incompatível com a imposição de medidas cautelares de natureza pessoal antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, cujo permissivo decorre inclusive da própria Constituição (art. 5°, LXI), sendo possível se conciliar os dois dispositivos constitucionais desde que a medida cautelar não perca seu caráter excepcional, sua qualidade instrumental, e se mostre necessária à luz do caso concreto. Como assevera J. J. Gomes LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

3.1.5 Proporcionalide

O Princípio da Proporcionalidade está positivado no inciso II do artigo 282 do Código de Processo Penal: “As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: Adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado”. (BRASIL. Presidência da República. Código de Processo Penal). O Magistrado, ao decretar uma medida cautelar, deverá observar a necessidade e adequação desta, considerando a gravidade, com a finalidade pretendida. As medidas cautelares pessoais estão localizadas no ponto mais critico do difícil equilíbrio entre

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dois interesses opostos, sobre os quais gira o processo penal: o respeito ao direito de liberdade e a eficácia na repressão dos delitos. O Principio da Proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao caso concreto, pois deverá pondera a gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida, sem perder de vista a densidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis. Deverá valorar se esses elementos justificam a gravidade das consequências do ato e a estigmatização jurídica e social que irá sofrer o acusado. Jamais uma medida cautelar poderá se converter em uma pena antecipada, sob pena de flagrante violação à presunção de inocência. (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal.2014.P.583.). Portanto, é necessário visualizar o caso concreto e avaliar se seria razoável ou não a aplicação de uma medida cautelar de prisão pela pratica de um crime, podendo se encaixar perfeitamente, caso fosse um crime grave. Por outro lado, se ocorresse crime menos grave, a medida se tornaria mais gravosa ao réu do que ocorreria em eventual condenação, onde a este poderiam ser oferecidos benefícios como penas restritivas de direito, transação penal ou suspensão condicional do processo. Ademais, em caso de condenação com prisão, o regime inicial de cumprimento de pena poderia ser menos gravoso do que o de natureza cautelar.

acusado estar em liberdade enquanto aguarda o processo, devendo preencher as situações previstas no Código de Processo Penal (garantia da ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal). Das alternativas basta que se preencha uma das quatros previstas no artigo 312 do CPP, para que se justifique a prisão preventiva, não sendo, portanto, cumulativa. Assim, pode-se considerar que o periculum libertatis é o perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo previsto no CPP como risco para a ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal.2014.P.608.). O fumus commissi delicti é outro pressuposto para decretação da prisão preventiva, sendo exigido a existência de provas de que o crime ocorreu e também de indícios suficientes da autoria do agente. Portanto não é necessário a certeza da autoria mas sim uma possibilidade razoável. O fumus comissi delicti é o requisito da prisão preventiva, exigindo-se para sua decretação que existam “prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. (...). A fumaça da existência de um crime não significa juízo de certeza, mas de probabilidade razoável. (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal.2014.P.605.).

3.1.6 Excepcionalidade

A partir da Lei nº 12.403/2011, foi exteriorizada a ideia de que a regra é a do acusado responder o processo em liberdade, fazendo com que as medidas cautelares sejam a exceção. (...) excepcionalidade, necessidade e proporcionalidade devem caminhar juntas. Ademais, a excepcionalidade deve ser lida em conjunto com a presunção de inocência, constituindo um princípio fundamental de civilidade, fazendo com que as prisões cautelares sejam (efetivamente) a ultima ratio do sistema, reservadas para os casos mais graves, tendo em vista o elevadíssimo custo que representam. O grande problema é a massificação de cautelares, levando ao que FERRAJOLI denomina “crise e degeneração da prisão cautelar pelo mau uso”. (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal.2014.P.582.). Portanto, somente quando presentes os requisitos para a aplicação de prisão temporária ou preventiva, ocorrendo a necessidade de aplicação destas, após comprovadas materialidade e indícios suficientes de autoria e que se poderá decretar a prisão. Deverá no caso concreto observar ainda, se a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, serão suficientes para sanar a situação apresentada. As prisões cautelares devem ser realizadas apenas em último caso, não só para evitar gastos desnecessários com encarceramentos, mas com o objetivo de se evitar, que inocentes venham ser presos, ainda que preventivamente; este entendimento vai de encontro ao princípio da presunção de inocência/não culpabilidade na qual, a prisão cautelar somente ocorrerá nos casos em que, preenchidos os requisitos autorizados na lei.

Havendo o crime, conduta típica, ilícita e culpável, torna-se razoável analisar se não ocorreu causas de exclusão da ilicitude ou de exclusão da culpabilidade. No tocante a ilicitude, o artigo 314 do CPP determina que em nenhum caso poderá ser decretada a prisão preventiva, havendo provas nos autos de que o agente agiu em uma das excludentes de ilicitude. Portanto, são requisitos para prisão preventiva a analise do “fumus commissi delicti”, para depois se analise no caso, se preenchido um dos requisitos ”periculum libertatis”; só assim poderá ser decretada a prisão preventiva. 3.3 Fundamentos das Medidas Cautelares Para a decretação da prisão preventiva, não basta preencher os requisitos do “fumus commissi delicti” e do ”periculum libertatis”, sendo necessário também à analise do artigo 313 do Código de Processo Penal em conformidade com princípio da proporcionalidade, pois o artigo referido estabelece limitações à possibilidade de prisão preventiva. A prisão preventiva só será possível em crimes dolosos, se a pena for superior a 4 anos. O Inciso I do Artigo 313 do Código de Processo Penal procurou se harmonizar com artigo 44 do Código Penal, que estabelece a pena restritiva de direitos a crimes dolosos, quando não haja violência ou grave ameaça, e não sendo esta superior a 4 anos, ou em qualquer pena, se o crime for culposo; isso porque, não seria razoável alguém ficar preso em caráter cautelar, e ao final do processo, não fosse condenado a uma pena restritiva de liberdade.

3.2 Pressupostos das Medidas Cautelares (periculum libertatis e fumus commissi delicti) No Processo Penal, as medidas cautelares não podem ocorrer de forma mecânica e rápida após o acontecimento do crime; em razão disso, torna-se imprescindível que haja o “periculum libertatis” e “fumus commissi delicti, ambos em conformidade com as regras descritas no artigo 282 do Código de Processo Penal. O Periculum libertatis, trata-se de situação onde há risco do LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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admissão somente para crimes dolosos – descarta a preventiva para crimes culposos ou contravenções penais. A previsão é correta, pois não tem cabimento recolher, cautelarmente, o agente de delito não intencional, cuja periculosidade é mínima para a sociedade e cujas sanções penais são também de menor proporção, a grande maioria comportando a aplicação de penas alternativas à privativa de liberdade. Além disso, estabelece-se outro patamar: os crimes dolosos, que comportam preventiva, devem ter pena máxima abstrata superior a quatro anos. Portanto, ilustrando, crimes como o furto simples já não comportam CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


prisão cautelar, diretamente decretada, como regra. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal.2014.P.440.)

qual o Brasil e signatário; por se tratar de tratado relacionado a direitos humanos, este tem força de norma supralegal, ou seja, está acima de legislações infraconstitucionais.

O Inciso II do artigo 313 do Código de Processo Penal, estabelece a reincidência em crime doloso, devendo se observar o período de 5 anos entre a condenação atual e a anterior, pois caso tenha transcorrido esse tempo, conforme artigo 64, I do Código Penal, não há mais que se falar em reincidência.

Consiste, assim, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao termino do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório). Comparando-se a forma como referido principio foi previsto nos Tratados Internacionais e na Constituição Federal, percebe-se que, naqueles, costuma-se referir à presunção de inocência, na verdade, que ninguém será́ considerado culpado. Por conta dessa diversidade terminológica, o preceito inserido na Carta magna passou a ser denominado de presunção de não culpabilidade. Na jurisprudência brasileira, ora se faz referencia ao princípio da presunção de inocência, ora ao princípio da presunção de não culpabilidade. Segundo Badaró́, não há diferença entre presunção de inocência e presunção de não culpabilidade, sendo inútil e contraproducente a tentativa de apartar ambas as ideias - se é que isto é possível -, devendo ser reconhecida a equivalência de tais formulas. (BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal.2015.P.45).

A segunda especifica caber a prisão preventiva aos réus reincidentes em crimes dolosos, com sentença transitada em julgado. Noutros termos, é preciso que o crime anterior seja doloso e já exista condenação definitiva; sob outro aspecto, o novo crime também precisa ser doloso. Dentre a anterior condenação e a atual não pode ter decorrido o período de cinco anos, conforme previsto no art. 64, I, do Código Penal. Se assim ocorrer, a possibilidade de gerar reincidência esvai-se. Deixa-se de lado o reincidente em crime culposo ou aquele que já foi condenado por delito doloso, mas torna a praticar crime culposo – ou viceversa –, pois, apesar de reincidente, não se leva em consideração para fins de custódia cautelar. Essa menção à reincidência em crime doloso, em nosso entendimento, é inócua. Não se deve decretar a prisão preventiva somente por conta da reincidência, mas, sim, porque os fatores do art. 312 do CPP estão presentes. E, caso estejam, ainda que primário o agente, decreta-se a preventiva. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal.2014.P.440.) O Inciso III do artigo 313 do CPP por sua vez, autoriza a prisão em casos de violência doméstica, visando garantir a efetividade da medida protetiva. A terceira hipótese autoriza a prisão preventiva em casos de violência doméstica e familiar contra vítimas consideradas frágeis (mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo e deficiente). O objetivo da preventiva é assegurar a execução das medidas protetivas de urgência (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal.2014.P.440.)

A Constituição exige para que o acusado deixe o estado de inocência e torne-se culpado, o trânsito em julgado, este só ocorre quando não há mais nenhum recurso ordinário, especial ou extraordinário. Com efeito, não seria admitido a execução antecipada da pena, pois evidenciaria um juízo antecipado de culpa, o que não é possível diante da presunção de inocência. “A Constituição Federal, todavia, é claríssima ao estabelecer que somente o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória poderá́ afastar o estado inicial de inocência de que todos gozam. ”. (BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal.2015.P.44). Conforme Glenda Rose Gonçalves Chaves e de Nicole Bianchi Barbosa (2013):

Este inciso também merece considerações, na qual não seria razoável a decretação da preventiva em qualquer crime, tendo em vista a proporcionalidade entre o fato e a restrição da liberdade, mesmo que esta fosse em caráter cautelar.

Assim, no devido cumprimento do processo penal, há que se observar, entre outros princípios, o da presunção de inocência, sendo que, se não há culpabilidade, ou indícios suficientes para comprovar a mesma, não há que se falar em sanções ao imputado, devendo o mesmo ser absolvido. Por isso, não se pode ignorar a possibilidade de inocência do indivíduo, afastando o tratamento que lhe é devido como aquele que ainda não foi condenado, uma vez que, há inocência enquanto não houver culpabilidade (...). Por isso, a garantia de manutenção da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença deve permanecer independentemente do fato pelo qual o indivíduo está sendo acusado. Desta forma, há o desenvolvimento de um processo no qual cabe a acusação buscar fatos que comprovem a culpabilidade, caso contrário, esta não existirá. (CHAVES, Glenda Rose Gonçalves; BARBOSA, Nicole Bianchi. LIBERDADE DE IMPRENSA, DIREITOS DE PERSONALIDADE E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. Revista Eletrônica de Direito.)

Uma leitura apressada levaria à (errada) conclusão de que “qualquer conduta que configure ameaça, calunia, difamação ou injuria” autorizaria a prisão preventiva prela incidência do art.313, III, quando o juiz determinasse, por exemplo, a proibição de contato com a ofendida (art.22, III “b”, da lei n.11.340). Um absurdo. (...). Pesamos que, quando muito, estando presentes o fumus comissi delicti e alguma das situações de periculum libertatis do art.312, e sendo crime doloso, o inciso em questão somente serviria para reforçar o pedido e a decisão. Mas para tanto, deve-se analisar ainda qual foi a medida protetiva decretada, para verifica-se a adequação da prisão em relação a esse fim, bem como a proporcionalidade. (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal.2014.P.613.). 4 Da presunção de inocência

5 Da constitucionalidade do artigo 283 do CPP

O estado de inocência é uma garantia dada tanto pela Constituição, quanto pelo Convenção Americana de direitos humanos, da

O artigo 283 do Código de Processo Penal nada mais é que a reafirmação do princípio da presunção de inocência previsto no Artigo

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5o, LVII da Constituição Federal. A recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal provoca dúvida sobre o artigo 283 do Código de Processo Penal, pois este prevê, exceto em razão de flagrante ou no caso de prisões cautelares (temporária ou preventiva), a necessidade de decisão transitada em julgado para que possa ocorrer a prisão. Portanto o artigo neste momento encontra-se incompatível com a decisão do STF. Pergunta-se: o que seria inconstitucional? O artigo ou a decisão do Supremo Tribunal Federal? Os argumentos traçados pelo acórdão não fazem menção a inconstitucionalidade do referido artigo, em razão disso, não pode-se dizer que este é inconstitucional, logo, o acórdão viola o artigo 283 do Código de Processo Penal; para tanto é minimamente necessário que se análise a constitucionalidade desse artigo, para que não ocorra afronta do acórdão com o dispositivo legal.

REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 20 de março de 2016. BRASIL. Presidência da República. Código de Processo Penal de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto -lei/Del3689.htm>. Acesso em: 22 de março de 2016. BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Juspodivim, 2015. BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3. ed. Saraiva: São Paulo, 2004.

6 Conclusão Diante de toda a discussão, percebe-se que, a execução provisória da pena após a condenação em segundo grau de jurisdição e antes do trânsito em julgado, viola a presunção de inocência ou de não culpabilidade, ou seja, não é compatível com o nosso ordenamento jurídico. Lado outro, excepcionalmente, admite-se o encarceramento cautelar, não como forma de execução provisória, mas como instrumento de garantia da investigação ou do processo criminal e desde que devidamente fundamentada. Confronta-se também, frontalmente com o disposto no artigo 283 do Código de Processo Penal que veda a prisão antes do trânsito em julgado, salvo as prisões cautelares. Mesmo não havendo o reexame de matérias de fato, os recursos especiais e extraordinários podem modificar as sentenças ou até mesmo chegar ao resultado de absolvição, além do fato de ambos os recursos serem o último marco do processo, dando inicio ou não ao tratamento de culpado ao acusado. A restrição da liberdade do indivíduo não pode ser retirada simplesmente pela falta de efeito suspensivo nos recursos para tribunais superiores, dada a grande amplitude e importância desse direito diante da Lei Maior, que somente autoriza o direito penal a restringi-la com a comprovação da culpa, e, em consequência disso o fim do estado de inocência que ocorre após o transito em julgado da sentença condenatória. Ademais vale ressaltar que diferente do processo civil, a execução antecipada da pena no processo penal possui um caráter irremediável, pois não há como devolver a pessoa os efeitos causados. O Estado não pode diminuir direitos e garantias do acusado por conta da sua ineficiência para julgar os processos, e em consequência disso, a possibilidade de ocorrência da extinção da punibilidade (prescrição), pois é responsabilidade deste a organização judiciária; se o Estado não consegue punir, não será usurpando direitos que o fará de maneira correta. O Supremo Tribunal Federal é guardião da Constituição ou como Ministro Marco Aurélio disse “é a ultima trincheira da cidadania”, portanto deve este interpretá-la e protegê-la, não sendo seu papel reescreve-la. O clamor social e um possível sentimento de impunidade, não pode gerar na corte suprema o dever de modificar ou diminuir direitos e garantias constitucionais e infraconstitucionais, o Supremo jamais deve interpretar e em consequência disso “legislar“ contrário aos ditames da Constituição e os demais ordenamentos jurídicos, este papel caso haja a necessidade, cabe a outro poder por meio de seus representantes eleitos democratamente; se a lei não esta em consonância com a realidade da sociedade, que as modifique, mas de maneira correta.

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CHAVES, Glenda Rose Gonçalves. BARBOSA, Nicole Bianchi. Liberdade de Imprensa, Direitos de Personalidade e presunção de Inocência. Disponível em: <http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=787> Acesso em: 07 de junho de 2016. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 3ª ed. Revista. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002. Informativo 814 do STF. <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo814.htm> Acesso Em: 01 de abril de 2016. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2011. LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 11ª ed. São Paulo: Editora Saraiva: 2014. LOPES JUNIOR, Aury. BADARÓ, Gustavo. Presunção de Inocência: Do conceito de trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Disponível em: < https://www.academia.edu/25564572/Parecer_Presun%C3%A7%C3%A3o_de_Inoc%C3%AAncia_Do_conceito_de_tr%C3%A2nsito_em_julgado_da_senten%C3%A7a_penal_condenat%C3%B3ria?auto=download> Acesso em: 4 de junho de 2016. Manual para elaboração e apresentação dos trabalhos acadêmicos: padrão Newton Paiva. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva. 2011. Disponível em: <http://newton.newtonpaiva.br//NP_conteudo/file/Manual_aluno/Manual_Normalizacao_Newton_2011.pdf>. Acesso em: 19 de fevereiro de 2016 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11ª ed. Editora Forense: 2014. SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2006. WEDY, Miguel Tedesco. Eficiência e prisões cautelares. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.

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Banca Examinadora Ronaldo Passos Braga (Orientador) Laura Maria F. Lima (Examinadora)

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(DEZ)VANTAGENS DA LEI COMPLEMENTAR 150/2015 Caroline Arêdes Zordan 1

RESUMO: O presente trabalho busca fazer uma análise histórica e contemporânea tendo como principais aspectos a Lei 150/2015, o processo de evolução dos direitos concedidos à classe dos empregados domésticos, realizando uma comparação entre os benefícios que estes possuíam antes do sancionamento da efetiva lei dos domésticos, chegando à conclusão sobre a real efetividade da legislação. Deve-se observar os efeitos por ela produzidos em curto prazo, porém, deve-se, também, considerar a conquista alcançada pela categoria, cujos benefícios asseguram melhor qualidade na prestação de serviço e igualdade para com as demais classes de trabalhadores, direito este alcançado após anos de luta por similitude. Palavras-chave: Empregado doméstico; Diarista; Elementos Fático-jurídicos; Pressupostos caracterizadores.

nas não padeciam no trabalho intenso dos engenhos e o número de óbitos por doenças era consideravelmente abundante. Devido a esse ensejo, o trabalho doméstico surgiu no Brasil durante a Idade Média em virtude do trabalho escravo, no qual somente negros eram obrigados a ocuparem-se, também, com as atividades domésticas pelo tempo necessário, não havendo controle da jornada ou respeito à dignidade da pessoa humana, sob pena de maus tratos pelos senhores (cognome dado aos nobres ditos donos destas pessoas). Após anos de desrespeito a essa dignidade e sofrimento em busca de direitos, em 1888 criou-se a Lei Áurea abolindo a escravidão, o que para todos seria equivalente à consolidação de leis trabalhistas para a classe. No entanto, a servidão sucedeu o regime escravista, cuja liberdade era limitada para desempenhar as atividades, marco importante para o surgimento das corporações de oficio, e futuro formato da organização do trabalho atual, segundo REIS (2012). Somente em 1923, quando promulgado o Decreto nº 16.107, que se teve a primeira regulamentação específica dos serviços domésticos, determinando quais seriam os trabalhadores que poderiam ser contratados mediante remuneração, generalizados antes no artigo 1.216 do Código de Civil. Posteriormente adveio o Decreto Lei nº 3.078/41, tratando do empregado que laborasse em residências particulares mediante remuneração, resguardando-o do direito ao aviso prévio de oito dias, após período de prova de seis meses; rescisão contratual em caso de atentado à honra ou integridade física do trabalhador, mora salarial ou falta de ambiente higiênico de alimentação e habitação, garantindo, portanto, melhores condições no ambiente de trabalho. (2012).

1 INTRODUÇÃO Em meio a uma grande pressão nacional e como consequência aos movimentos sociais e sindicais, no dia 1º de junho de 2015 foi publicada a Lei Complementar nº 150, cujo objetivo foi regulamentar a Emenda Constitucional nº 72, promulgada em abril de 2013, e trazer regras para o exercício do restante dos direitos ao empregado doméstico, descritos no artigo 7º, parágrafo único da Constituição Federal de 1988, dos quais a concessão iniciou-se com o Projeto de Emenda à Constituição 72, “PEC das Domésticas” e efetivou-se, protagonizando um marco histórico para a legislação brasileira. Ao longo dos anos, desde a criação da primeira lei a tratar do assunto em 1972, houveram inúmeras legislações que pretenderam normatizar os direitos trabalhistas dos empregados domésticos em prol do Estado Social de Direito, porém nenhuma delas discorreu sobre o assunto com tanta efetividade e esclarecimentos como a atual lei publicada no ano de 2015. Essa outorga de direitos e garantias, antes não disponibilizada para essa classe de trabalhadores, foi considerada um importante avanço que pôs fim a um período de desigualdades e desvalorização da categoria, portanto ocasionou melhor qualidade na prestação de serviços destes. Isso posto, considerando os esclarecimentos abordados na atual lei 150/2015, conclui-se que o esta adveio para sanar eventuais obscuridades não abordadas em outras legislações anteriores a esta. Portanto, será evidenciado, através de estudos doutrinários, jurisprudenciais e pesquisas acerca do conteúdo, os novos direitos adquiridos pelo trabalhador doméstico, bem como as relevantes diferenças entre as leis anteriores à referida, e como tais modificações impactaram na rotina dos principais interessados.

3 A LEI 5859/72 E A EC 72/2013 Após decretos genéricos tratando do assunto, criou-se a Lei nº 5.859/1972, publicada para regulamentar alguns dos direitos dos empregados domésticos, trazendo em conteúdo o conceito da profissão e as previsões expressas acerca das relações trabalhistas. Porém, sua criação apenas auxiliou para que em 1988 a Constituição Federal aplicasse através do artigo 7º parágrafo único, apenas os direitos básicos expressamente ditos neste:

2 HISTÓRIA NORMATIVA DO TRABALHO DOMÉSTICO E SUA INSERÇÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Conforme pesquisas elaboradas e publicadas, as relações de trabalho iniciaram-se com o descobrimento do Brasil no século XVI, época em que os portugueses exploravam a mão de obra indígena e em troca ofereciam-lhes objetos, concretizando o escambo. Com o passar do tempo diminuiu-se a escravidão indígena e ensejou a negra africana, considerada pelos comerciantes juntamente com a coroa portuguesa mais lucrativa, pois segundo estes os indíge-

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; XV repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXIV - aposentadoria; Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social. Com isso, a Constituição Federal/88 concedeu direitos aos trabalhadores, contudo a classe dos (as) domésticos (as) não foi agraciada com todas garantias trabalhistas concedidas as outras classes, sendo imperiosa a necessidade da efetivação do princípio da igualdade para com os outros setores, instaurando assim a luta das domésticas em busca destes direitos que lhes eram devidos. Tendo como principais conquistas a proibição do trabalho infantojuvenil doméstico até os 18 anos em 2008 e a participação nas conferências da OIT, em Genebra, nos anos de 2010 e 2011. Em resposta a esta discrepância constitucional para com os direitos dos trabalhadores domésticos, surgiu a Emenda Constitucional nº 66/2012 (nº 478/2010 na Câmara dos Deputados), popularmente conhecida como “PEC das domésticas” cujo objetivo central era ampliar o rol de direitos atribuídos no parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal/1988 e garantir a equidade dos direitos trabalhistas desta classe perante o restante dos empregados. Todavia, as alterações no parágrafo único do aludido artigo não tiveram o efeito desejado, ficando a classe dos domésticos ainda carente de algumas garantias fundamentais. Deste modo, no dia 03 de abril de 2013 a legislação brasileira foi alterada perante concessão da emenda constitucional 72, efetivamente protecionista, oportunizando-os a gozar de iguais direitos dos assalariados, tais como: salário não inferior ao mínimo e a proteção deste, jornada de trabalho de no máximo 44 horas por semana e 8 horas por dia, redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de medidas de saúde e segurança e higiene, reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, proibição de discriminação quanto a salários, funções e critérios de admissão de domésticos. Ademais, estendeu aos domésticos outros direitos, também previstos nos incisos do artigo 7º, da Constituição Federal. Novamente, tais regulamentações da EC 72/2013, apenas, não foram suficientes para administrar as proporções que as conquistas adquiridas criaram na classe trabalhista. Ocorreram determinadas modificações legislativas que necessitavam de esclarecimentos acerca do tratamento jurídico, pois a meritória ampliação dos direitos trouxe consequências consideráveis tanto para o empregador quanto para o empregado doméstico, visto que se problematizou principalmente a questão da oneração no custo de manutenção do contrato de trabalho. Importante ressaltar, conforme Almir Pazzianotto Pinto em seu

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artigo ‘Emenda 72 e Trabalho doméstico’ o trecho evidenciando que ”Situações específicas cobram tratamento específico” (2013), argumenta que por ser um trabalho exercido no âmbito familiar, não produz consequências ou resultados lucrativos, já que se limita a atender aos interesses do tomador e/ou de sua família, tendo em vista a diferente natureza deste em vista dos demais, justificando assim o tratamento desigual. Destaca-se, ainda, a opinião do jurista Alonso Caldas Brandão descrevendo que “[...] a vida familiar apresenta aspectos de nenhuma similaridade com as atividades econômicas em geral [...]. Estender o plano de uma legislação feita e adequada a outras condições pessoais e ambientes seria forçar a realidade das coisas. ”. Com isso, vem à tona a objeção, pois apesar de todos esses avanços legislativos da categoria, e do Brasil ser o país com maior índice de contratação de empregados domésticos, segundo a publicação da International Labour Office (OIT Internacional), ainda é grande a preferência pela informalidade. 4 A CONVENÇÃO 189 DA OIT E A RECOMENDAÇÃO 201 A OIT, como é conhecida a Organização Internacional do Trabalho, é a agência das Nações Unidas que tem por missão promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade. No ano de 2011, na cidade de Genebra, Suíça, ocorreu a 110ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT), onde foi ratificada, pelos Delegados dos Estados-Membros, a Convenção nº 189, sobre direito para os trabalhadores (as) domésticos (as). Esta Convenção foi sancionada juntamente à Recomendação nº 201, como instrumento de proteção internacional ao trabalho doméstico, cujo conteúdo principal dispõe da definição de trabalho doméstico, delineando os pressupostos para integrar tal categoria, bem como implementando medidas para garantir os direitos fundamentais como por exemplo atitudes contra abuso, assédio e violência. Além de decretar deliberações para assegurar jornada de trabalho, compensação de horas extras e períodos de descanso diários, semanais e férias, estabelece remuneração mínima. Aborda em seus artigos assuntos como medidas efetivas para garantirem os direitos humanos e direitos fundamentais; prevenção contra o trabalho infantil; proteção contra abusos, assédio e violência no trabalho; jornada de trabalho assegurada com período de descanso; medidas de saúde e segurança, dentre outros. Importante ressaltar que o artigo 19 da Constituição da OIT impõe aos Estados-Membros da OIT que se submetem às convenções adotadas pelas CITs, tendo o prazo de 12 meses, a partir do encerramento da sessão da Conferência, para promulgar a legislação ou adotar medidas de outra natureza, incluída a possibilidade de ratificação. Porém, até o presente momento, a Convenção a que se refere não foi aprovada pelo Congresso Nacional Brasileiro. Ainda sim, parte de seu conteúdo adentrou o ordenamento jurídico com a aprovação da EC 72/2013, entrando em vigor desde a data de publicação. 5 A LEI COMPLEMENTAR 150/2015 No dia 01 de junho de 2015, foi sancionada a Lei Complementar 150/2015, também conhecida como a Lei das Domésticas, devido ao nome dado a Emenda Constitucional 72/2013, PEC das Domésticas, cujo conteúdo foi normatizado pela referida lei complementar, complementando-a. Conforme Ministério do Trabalho e Emprego, a lei foi editada intentando a regulamentação dos direitos previstos na EC 72/2013, e

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ainda, objetivando complementar o conteúdo não sancionado, como Seguro Desemprego, FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, Adicional Noturno, Salário-Família, Seguro Contra Acidentes de Trabalho, Auxílio-creche e pré-escolar, Proteção Contra Despedida Arbitrária ou Sem Justa Causa, Controle de Ponto Obrigatório, Bando de Horas e Adicional de Viagem. Além das mudanças relativas ao Direito do Trabalho, a nova lei complementar também trouxe mudanças em relação ao Direito Civil e Processual Civil, ao revogar o inciso I artigo 3º da Lei 8.009/90, que versava sobre a penhorabilidade do bem de família para pagamento de dívidas, salvo nas hipóteses excepcionais previstas no art. 3º da Lei. Assim sendo, a lei complementar pode ser considerada uma conquista para essa classe trabalhadora que sempre sofreu com a descriminação e desvalorização de seu trabalho, recebendo tratamento desigual, se comparada aos trabalhadores celetistas, urbanos e rurais, sem a regência de legislação competente garantidora de direitos dignos, a eles devidos. Com o advento desta, os empregados domésticos passaram a dispor de direitos que os demais trabalhadores já possuíam desde o ano de 1943, perfazendo o objetivo de aplicar, na atual realidade, o princípio da isonomia desta classe para com os demais trabalhadores e formalizando assim as relações entre empregados e empregadores. Portanto, por meio de estudos doutrinários, jurisprudenciais e pesquisas acerca do conteúdo, serão demonstradas algumas diferenças relevantes entre as Leis que abrangiam o tema, até a entrada em vigor desta, bem como os novos direitos adquiridos pelo trabalhador doméstico e como esse assunto impactou no cotidiano dos respectivos envolvidos. Visto que, a profissão empregada doméstica é realidade, hoje em dia, dentro de diversas famílias, independente da classe social. 6 O EMPREGADO DOMÉSTICO: CARACTERÍSTICAS E PRESSUPOSTOS A palavra “doméstico” tem origem no latim, domesticus – casa, família, lar. Anteriormente a Lei 150/2015, diversos autores conceituavam diferentes conceitos de empregado doméstico, visto que as distintas leis que o definiram ao longo da história do Brasil, não foram esclarecedoras o suficiente, como pode-se analisar nos trechos a seguir: Isto posto, DELGADO (2012) conceitua o doméstico como trabalhador que presta seu serviço na casa de seu empregador. Neste sentido, o art.1º do Decreto-lei nº 3.078, de 27 de fevereiro de 1941, define os domésticos como “todos aqueles que, de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residência particulares ou benefício destas” (2009). Conforme alínea “a” do art. 7º da CLT os domésticos são, “os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. ”E, ainda, o autor BARROS (2011) cita o art. 1º da Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que define o doméstico como “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas” Por fim, discorrendo sobre as concepções anteriores à promulgação da lei, Martins (2009), cita o Estatuto do Trabalhador Rural em seu artigo 1º, que considera como empregado doméstico “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. ” Com isso, a lei inicia em seu artigo 1º sanando eventuais dúvidas e encerrando discussões, trazendo a expressa definição de trabalhador doméstico, in verbis: “Empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada,

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onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana.” Como elucidado pela Dra. Vólia Cassar Bonfim (2013), Juíza do Trabalho no Estado do Rio de Janeiro, tendo em vista que o emprego doméstico possui algumas especificidades que o diferem dos demais. “Doméstico é a pessoa física que trabalha de forma pessoal, subordinada, continuada e mediante salário, para outra pessoa física ou família que não explore atividade lucrativa, no âmbito residencial desta. ” Confirmando a linha raciocínio do legislador, trazendo de forma clara no artigo supracitado acima. Neste mesmo sentido, Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena conceitua o empregado doméstico da seguinte forma: “[...]prestar serviços à família, entendida está no mais amplo sentido como comunidade residencial e cuja atividade se limite à economia de consumo. ” (1975). Importante frisar, também, que, embora estejam preenchidos os requisitos acima, o empregado doméstico deve ser maior de idade. Isso porque a lei veda, expressamente, a possibilidade de contratar empregados domésticos menores de 18 anos. Desse modo, empregado doméstico não é apenas o empregado que exerce funções internamente, na residência do empregador, como de limpeza, de faxina, de cozinhar, cuidando de crianças ou idosos, mas também o jardineiro, o vigia da casa, o motorista, entre outros. Dessa maneira, conclui-se que empregado doméstico é uma modalidade especial da figura jurídica de empregado, cuja composição provém dos cinco elementos fático-jurídicos atribuídos às demais modalidades de empregados (pessoa física; pessoalidade; onerosidade; subordinação; não eventualidade). Porém, no tocante à relação empregatícia em questão, surgi, também, elementos especiais próprios desta correlação específica, sendo eles: finalidade não lucrativa dos serviços; apropriação dos serviços apenas por pessoa física ou por família; efetuação dos serviços em função do âmbito residencial dos tomadores; e continuidade (elemento este que recebe conformação jurídica relativamente distinta concernente à relação doméstica). E, ainda, findando uma espécie de conceito, Thays Almeida Monticelli e Marlene Tamanini (2013), retratam o atual trabalho doméstico, afirmando: As questões que seguem apontando os processos de estigmatização referem-se a diversas características de ordem social e política, pois essa categoria profissional é constituída e marcada pelas desigualdades étnicas, econômicas, de gênero e de estruturas educacionais. [...] Essas características formam e reproduzem uma cultura patronal que as inferioriza, fazendo com que os direitos concebidos sejam deixados de lado, assumindo-se uma postura de servilidade e invisibilidade, por parte do Estado, dos empregadores, da própria trabalhadora, ou seja, pela desvalorização desse trabalho em nossa sociedade em geral. Diante todo o exposto, após analisado conceito de empregado doméstico, objetiva-se, posteriormente, explorar as formalidades caracterizadoras da classe trabalhadora pleiteada. O vínculo empregatício do empregado doméstico no que tange a relação com empregador é próprio, “sui generis”, conforme explicitado no artigo 1º da Lei Complementar 150/2015. Desta forma, empregado doméstico é qualificado pelos seguintes elementos fáticosjurídicos: 6. 1 Prestação de serviço contínua A natureza da continuidade do trabalho doméstico surgiu, segundo Luciano Martinez (MARTINEZ, 2010), anteriormente a Constituição Federal de 1988, visto que esta classe de trabalhadores não

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desfrutava do direito ao repouso semanal remunerado, justificando a ideia de continuidade devido a prestação de serviço ininterrupta em favor das famílias. Dessa forma, após promulgação da Constituição Federal de 1988, garantindo o direito ao repouso semanal remunerado, e ainda, após publicação da Lei 11.324/2006 concedendo folgas em feriados, a prestação de serviço do doméstico passou a ser considerada não eventual, mesmo havendo interrupções dos direitos adquiridos, conforme reportado na referida lei. Desempenha, ainda, o papel de diferenciador do empregado doméstico, para o eventual doméstico, a diarista, pois o tratamento jurídico conferido a este não se estende ao eventual.

devendo esta ser executada pessoalmente pela pessoa natural. Vale ressaltar que existem algumas situações onde as substituições são normativamente autorizadas, como por exemplo, no caso de férias, licença-gestante, afastamento para cumprimento de mandato sindical, entre outros, que não ocasionam supressão do elemento fático-jurídico da pessoalidade inerente à relação de emprego. Referente à produção de efeitos, o supracitado elemento produz consequência tanto na configuração do vínculo empregatício quanto no momento da extinção. Explica Delgado “... sendo personalíssima a obrigação de prestar os serviços, ela não se transmite a herdeiros e sucessores.” Logo, com a morte do empregado encerra-se automaticamente o vínculo empregatício.

6. 2 Subordinação jurídica É o elemento mais importante de diferenciação entre a relação de emprego e as diversas modalidades de trabalho autônomo. Neste âmbito do Direto, segundo Delgado (2012)“...a subordinação atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador.” Segundo Leonardo Cardoso Brito do Amorim (2013), a subordinação não se confunde com sujeição pessoal do empregado ao empregador, assim não possui caráter humilhante do trabalho servil, por exemplo. Esta trata de subordinação jurídica derivada do contrato de trabalho, referindo-se à maneira de laborar conforme o pactuado. Ou seja, existe um a dependência hierárquica, voluntariamente aceita pelo empregado, como resultado de sua posição e do seu destino dentro do contemporâneo sistema de produção capitalista. Cabe, ainda, registrar as principais espécies da subordinação, segundo Marcel Lopes Machado, sendo elas: Subjetiva ou ordinária e objetiva ou estrutural. A subordinação denominada subjetiva ou ordinária trata da circunstância clássica de sujeição em que o empregado recepciona, dentro do estabelecimento do empregador, direta e imediatamente o efeito do poder empregatício, ou intra-empresarial, este emanado do empregador. Subordinação objetiva ou estrutural ou integrativa: evidencia-se quando o empregado, embora não receba diretamente as ordens do tomador dos serviços e ainda que esteja fora do ambiente físico empresarial, labora em atividade vinculada à dinâmica de organização e funcionamento do tomador de serviço.

6. 5 Sem fins lucrativos Elemento evidenciado em lei estipula que o trabalho exercido pelo empregado não objetive resultados comerciais ou industriais, restringindo-o, exclusivamente, ao interesse pessoal do empregador e/ou família, sem que repercuta, diretamente, benefícios para terceiros. Ou seja, os serviços prestados não podem constituir fatos de produção para pessoa e/ou família que deles utiliza, sendo critério elaborado sobre o prisma do empregador, visto que para o empregado todo trabalho efetuado tem evidente conteúdo econômico.

6. 3 Onerosidade Segundo a nova lei, o trabalho doméstico exige o recebimento de contraprestação pecuniária, ou seja, valor econômico em benefício do serviço fornecido ao empregador, isto é, o salário. Segundo Delgado (2009), a pesquisa do elemento onerosidade no contexto de uma relação sócio jurídica concreta deve envolver duas dimensões combinadas, sendo elas o plano objetivo de análise, e o plano subjetivo. No plano objetivo, a onerosidade evidencia-se no pagamento, pelo empregador, de parcelas objetivadas a remunerar o empregado em função do contrato firmado. Já no plano subjetivo, a onerosidade manifesta-se pela intenção econômica, ou seja, o elemento existirá caso a prestação de serviço tenha sido pactuada visando à formação de um vínculo empregatício entre as partes, observado o animus contrahendi. 6. 4 Pessoalidade Para configuração desse pressuposto é essencial que a prestação do trabalho tenha caráter intuitu personae, no que tange ao trabalhador, ou seja, não poderá fazer-se substituir por outro trabalhador na execução das atividades ao longo da concretização pactuada,

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Portanto, segundo Maurício Godinho Delgado(2012), o empregado doméstico produz, exclusivamente, valor de uso, jamais valor de troca, tratando-se de uma atividade de mero consumo, não produtiva. 6.6 Prestação Laboral à Pessoa ou Família É condição específica da relação empregatícia doméstica a existência do elemento fático-jurídico circunstancial prestar serviço à pessoa ou família, pois não há possibilidade de pessoa jurídica ser tomadora de serviço doméstico. Dessa forma, a prestação de serviço do empregado doméstico deverá ser no âmbito residencial de pessoa natural ou entidade familiar, conforme elucidado no artigo 1º da aludida lei 150/2015. 7 DIFERENCIAÇÃO DO EMPREGADO DOMÉSTICO E DIARISTA Denomina-se diarista pessoa que efetua tarefas domésticas equiparadas às de empregada doméstica, durante um dia, recebendo o percebido valor de direito por tal dia trabalhado, no qual nomeia-se diária, condizendo assim à categoria de trabalhador autônomo, e por isso não faz jus a regulamentação concedida ao emprego doméstico. Com isso, afirma Octaviano Bueno Magano sobre a questão: Do empregado o trabalhador autônomo se distingue porque não trabalha mediante subordinação; do eventual se diferencia porque sua atividade é habitual, enquanto a do último é fortuita. A independência e a habitualidade são, pois as notas com base nas quais se caracteriza o trabalhador autônomo. [...] Conclui-se, então, que o trabalhador autônomo é a pessoa física que exerce habitualmente e por conta própria uma determinada atividade econômica. Essa Definição, como se vê, está em harmonia com o conceito legal de trabalhador autônomo, a saber, “o que exerce habitualmente e por conta própria atividade profissional remunerada”, conceito que parece a Russomano de razoável precisão. Para nós, tornar-se-ia preciso se dele de expungisse a palavra profissional. O trabalho de diarista é um trabalho eventual, portanto não pode ser auferido como habitual, pois não está inserido nas atividades finalísticas do empregador doméstico. Com isso, restam a estes trabalha-

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dores as atividades acessórias e de meio desde que sem habitualidade, não podendo assim comportar a subordinação ao contratante. Para ilustração, tem-se a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho: RECURSO DE REVISTA – DIARISTA – VÍNCULO DE EMPREGO – Do exame do art. 1º da Lei nº 5.859/72, percebe-se que o reconhecimento do vínculo empregatício do doméstico está condicionado à continuidade na prestação dos serviços, não se prestando ao reconhecimento do liame a realização de trabalho durante alguns dias da semana. (in casu um ou dois) O doméstico, com vínculo de emprego permanente, tem jornada de trabalho, geral e normalmente, de segunda a sábado, ou seja, seis dias na semana, até porque foi assegurado a ele o descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (CF, art. 7º, XV, parágrafo único). Assim, sendo incontroverso que a Reclamante somente trabalhava de uma a duas vezes por semana para a Reclamada, não há como reconhecer-lhe o vínculo empregatício com a ora Recorrente, pois, nessa hipótese, estamos diante de serviço prestado na modalidade de empregado diarista. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST – RR 619494 – 3ª T. – Relª Juíza Conv. Dora Maria da Costa – DJU 06.08.2004). Com isso, esclarecido o conceito de diarista conclui-se que a diferença entre este e o empregado doméstico está principalmente na questão da ausência dos requisitos da continuidade na prestação de serviços e da subordinação. 8 INOVAÇÕES NORMATIVAS Com o advento da Lei Complementar 150/2015, inúmeros foram os efeitos trazidos para a classe dos empregados domésticos, com intuito de formalizar a relação empregatícia, e igualar para com os trabalhadores urbanos e rurais, acarretando segurança jurídica para ambas as partes envolvidas no contrato, sendo empregador ou empregados domésticos. Importante ressaltar, que mesmo anterior à publicação da lei, ora em discussão, tutelava-se a utilidade da CLT, quando compatível, em relação ao restante dos dispositivos constitucionais que não necessitavam de lei complementar. Isto por que as definições previstas na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 7º são direitos fundamentais, logo, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, conforme artigo 5º, §1º da Carta Magna. 8.1 FGSTS + Seguro Desemprego Com a promulgação da nova lei complementar, discorrido em seu artigo 26, o FGTS, que já havia sido pautado pela EC nº 72/2013, regularizou-se como obrigatório tal regime, cujo empregador doméstico deverá atentar-se às seguintes porcentagens para o devido pagamento dos impostos: Recolhimento da alíquota de 8% sobre a remuneração mensal do trabalhador para o depósito do FGTS; também, recolhimento de 0,8% de contribuição social, com objetivo de financiar o seguro contra acidente de trabalho; e, ainda, depósito na importância de 3,2% sobre a remuneração devida, no mês anterior, destinada ao pagamento da indenização compensatória de demissão sem justa causa ou por culpa do empregador. Ou seja, caso demissão não tenha sido motivada, empregado terá direito à indenização de 40% sobre FGTS, antecipando o depósito referente a esta. Todo o percentual devido totaliza 20% do valor que incide sobre a remuneração paga ao empregado doméstico. Nas hipóteses de dispensa por justa causa ou a pedido, de término do contrato de

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trabalho por prazo determinado, de aposentadoria e de falecimento do empregado doméstico, os valores de depositados serão movimentados/levantados pelo empregador. Se em caso de culpa recíproca, em que ambos cometem faltas graves, não importando a parte que a cometa, cada um levantará metade do depositado. 8.2 Jornada de Trabalho, Horas extras e Regime Compensatório Em relação à jornada de trabalho, a EC 72/2013 já havia assegurado o regime de 8 horas diárias e 44 horas semanais, no entanto lei complementar reafirmou o já estabelecido, inclusive em relação a remuneração nos casos de hora extraordinária, cujo valor será de no mínimo 50% superior ao valor da hora normal, igualando aos trabalhadores urbanos e rurais. Porém, diferente destes, lei instituiu o regime de compensação de horas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado doméstico, se o excesso de horas de um dia for compensado em outro dia, sendo que para o restante dos trabalhadores necessita-se de norma coletiva. No entanto, não se pode compensar integralmente as horas extras, acertado em lei que as primeiras 40 destas devem ser pagas como horas extras, e somente a partir da 41ª hora que poderá ocorrer a compensação, devendo esta ocorrer no período máximo de um ano. A aludida lei traz, ainda, a possibilidade da contratação em regime de tempo parcial, trabalhando no máximo 25 horas semanais, com salário proporcional à jornada trabalhada. Porém, contrário do que é disposto no artigo 59, §4º da CLT para os demais trabalhadores, a Lei dos domésticos permite o acréscimo de horas suplementares, em número não excedente a 1 hora diária, observado o limite máximo de 6 horas diárias, mediante acordo escrito entre empregador e empregado. Ademais dessas duas condutas, sucede-se a possibilidade de estabelecer horário de trabalho de 12 horas seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso, respeitados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação. Deve-se ter acordo escrito autorizando escala de revezamento, não necessitando acordo coletivo. Segue exemplo de aplicabilidade da Lei Complementar nº 150/2015 com a consolidada jurisprudência da Justiça do Trabalho: EMPREGADO DOMÉSTICO – JORNADA REDUZIDA – SALÁRIO PROPORCIONAL – POSSIBILIDADE – Se a jornada mensal exercida pelo empregado doméstico é extremamente inferior à jornada legal mensal (220 horas), não pode ele, neste momento, pretender a percepção do salário mínimo integral. Destarte, é óbvio que o salário do doméstico deve guardar equivalência às horas trabalhadas, não havendo infringência do art. 7º, IV, da Constituição Federal, que prevê o pagamento do salário mínimo mensal para a jornada de 220 (duzentos e vinte) horas. Aliás, sempre foi admitido o salário fixado por unidade de tempo. Recurso provido. (TRT 06ª R. Proc. 001042962.2014.5.06.0351 – 2ª T. – Rel. Juiz Conv. Milton Gouveia – DJe 07.04.2015 – p. 218) EMPREGADA DOMÉSTICA – REGIME DE TEMPO PARCIAL – APLICAÇÃO DE SALÁRIO PROPORCIONAL – POSSIBILIDADE – É perfeitamente possível a contratação de empregada doméstica para a prestação de labor em regime de tempo parcial e com salário mensal inferior ao valor do salário mínimo, desde que respeitado o valor do salário mínimo/hora, à luz de interpretação da Constituição Federal. (TRT 13ª R. – RO 013053232.2014.5.13.0019 – Rel.Leonardo Jose Videres Trajano – DJe 12.03.2015 – p. 43)

Por fim, instituiu-se no artigo 11 da referida lei complementar os adicionais de viagem, relatando o funcionamento da jornada do empregado responsável por acompanhar o empregador prestando

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serviços em viagem, cuja consideração é apenas referente as horas efetivamente trabalhadas no período, podendo ser compensadas as horas extraordinárias em outro dia. Este deve estar condicionado em acordo escrito, e a remuneração-hora do serviço será, no mínimo, 25% superior ao valor do salário hora normal. Além de determinar a jornada de trabalho do empregado doméstico, o empregador teve instituída, como obrigação, estipular o controle de frequência para o empregado por qualquer mecanismo idôneo capaz de demonstrar a real jornada exercida por este. É facultado ao empregador efetuar descontos no salário do empregado em caso de adiantamento salarial e, mediante acordo escrito entre as partes, para a inclusão do empregado em planos de assistência médico-hospitalar e odontológica, de seguro e de previdência privada, não podendo a dedução ultrapassar 20% do salário. 8.3 Intervalos e Repouso Semanal Remunerado Conforme artigo 13 da aludida lei, é obrigatória a concessão de intervalo intrajornada para repouso ou alimentação pelo período de, no mínimo 1 hora e, no máximo, 2 horas, admitindo-se, mediante prévio acordo escrito entre empregador e empregado, sua redução a 30 minutos. Diferente do concedido pela CLT para empregados urbanos e rurais, que não podem ter reduzido o intervalo. E, ainda, para aqueles empregados domésticos que residirem no local de trabalho, este intervalo poderá ser fracionado em dois períodos, desde que cada um deles tenha, no mínimo, 1 hora, até o limite de 4 horas ao dia. Aborda-se, também, a supracitada lei em seu artigo 15, que entre duas jornadas de trabalho deverá haver intervalo no período mínimo de 11 horas consecutivas para descanso. E, ainda, estipulou repouso semanal remunerado preferencialmente aos domingos de no mínimo 24 horas consecutivas, e nos feriados empregado doméstico não terá que trabalhar, e se trabalhado a remuneração deverá ser paga em dobro ou compensada com uma folga durante a semana. 8.4 Adicional Noturno O trabalho noturno é devido ao empregado doméstico quando há jornada de trabalho entre o período de 22 horas da noite de um dia e 05 horas da manhã do outro, no qual se considera, para fins de cálculos, que uma hora noturna possui 52 minutos e 30 segundos. Este labor deverá ser remunerado com, no mínimo, 20% de acréscimo sobre a hora trabalhada, como estipulado pela CLT aos trabalhadores rurais e urbanos. 8.5 Salário Família Salário-família é o benefício previdenciário mensal, uma cota, devido ao segurado empregado doméstico, para auxiliar no sustento dos filhos ou equiparados menores de 14 anos ou inválidos. As cotas deste benefício serão pagas pela empresa ou empregador doméstico, mensalmente, junto com o salário, efetivando-se a compensação quando do recolhimento das contribuições previdenciárias, conforme dispuser o regulamento. 8.6 Indenização Demissão Sem Justa Causa A presente lei concede ao empregado doméstico, que for dispensado sem justa causa, o direito de auferir o benefício do segurodesemprego, na forma da Lei 7.998/90, no valor de um salário mínimo, por período máximo de 3 meses, de forma contínua ou alternada. Porém, se empregado cometer falta grave, hipóteses previstas no artigo 482 da CLT e, também, com a nova lei as hipóteses de submissão a maus tratos de idoso, de enfermo, de pessoas com deficiência ou de criança sob cuidado direto ou indireto do empregado; prática de ato de improbidade; incontinência de conduta ou mau procedimen-

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to poderá ser dispensado por justa causa. Consequentemente, se empregador cometer falta grave, poderá ensejar rescisão indireta do contrato de trabalho, conforme artigo 483 da CLT, assim como se este praticar qualquer das formas de violência doméstica ou familiar conta mulheres de que trata o artigo 5º da Lei 11.340/2006. 8.7 Simples Doméstico O sistema simples doméstico é o regime de tributação e contribuições sociais que incidirão sobre o trabalho do empregado doméstico. Este foi instituído em forma de regime unificado, assegurando que o recolhimento mensal de todos os impostos, decorrentes da relação empregatícia, ocorra mediante documento único de arrecadação. E, ainda, estipula o prazo até o dia 7 do mês seguinte ao da competência para empregador doméstico satisfazer as obrigações a ele incumbidas. Dessa forma, a instituição obrigatória desses benefícios permitiu com que a classe dos trabalhadores domésticos possuísse a garantia do usufruto de iguais obrigações que os trabalhadores celetistas possuem, abarcados no artigo 34 da aludida Lei Complementar 150/2015, sendo estes: o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Seguro Contra Acidentes de Trabalho, Imposto de Renda Retido na Fonte e Fundo para Demissão Sem Justa Causa, seguidos de suas devidas porcentagens: => 8% de recolhimento para o Fundo de Garantira por Tempo de Serviço (FGTS); => 8% a 11% de contribuição previdenciária, a cargo do segurado empregado doméstico, nos termos do artigo 20 da Lei 8.212/1991. Variação ocorre de acordo com o salário recebido, se valor da remuneração não transcender um salário mínimo, empregador deverá recolher a importância de 8%, porém se remuneração para o empregado ultrapassar o valor correspondido a um salário mínimo, empregador deverá efetuar o pagamento de alíquota máxima; => 0,8% de contribuição social para financiamento do seguro contra acidentes do trabalho; => 8% de contribuição patronal previdenciária (CPP) para a seguridade social, a cargo do empregador doméstico, nos termos do artigo 24 da Lei 8.212/1991; => Imposto de Renda Retido na fonte possui alíquota (percentual) variada de acordo com a renda, conforme artigo 7º, inciso I, da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988; => 3,2% de indenização compensatória nos casos de demissão sem justa causa ou por culpa do empregador, ou seja, a multa de 40% do FGTS, na forma do artigo 22 desta Lei. Com isso, a criação deste sistema concedeu à classe dos empregados domésticos a mesma cobertura e garantias que os demais trabalhadores da indústria ou comércio, assegurando os direitos de recolhimento, a partir desta data, do fundo de garantia por tempo de serviço, da aposentadoria por tempo de serviço ou por idade, do seguro desemprego e licença saúde ou maternidade. Porém, com esta inovação, além de benefícios acarretou-se, também, prejuízo, se observada esta inovação como principal fator para o aumento do trabalho informal, devido ao fato do aumento de custo em 20%. Por conseguinte, convêm ressaltar todas as perspectivas existentes nesta novidade, decorrente da transição entre a Emenda Constitucional 72/2013 e a Lei Complementar 150/2015, observando a nova realidade para ambas as partes. 8.8 Contratação por prazo determinado É a contratação cujo tempo para findar o contrato de trabalho é pré-determinado ao iniciar o instrumento. O benefício em questão

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é direcionado, principalmente, ao empregador, pois nestes contratos o mesmo se exime a pagar determinadas rescisórias como a multa de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), e, ainda, como o aviso prévio, proporcional aos dias laborados. Entretanto, essa inovação trazida pela Lei Complementar 150/2015 somente poderá ser utilizada em duas hipóteses: - Mediante contrato de experiência, ocasião em que as partes terão a oportunidade de adquirir a aprovação mútua, sem exceder o prazo máximo de 90 dias, conforme especificado na aludida lei em seus artigos 4º e 5º, podendo ser prorrogado uma única vez, sob pena de prorrogação tácita acarretar a alteração da natureza do contrato, passando este a ser por tempo indeterminado, segundo Francisco Gérson Marques (LIMA, Francisco Gérson Marques de. Lei dos Empregados Domésticos: lei complementar 150/15. Fortaleza: Premium, 2015.) ou, ainda, - Mediante contrato temporário, para atender necessidades familiares de natureza transitória e para substituição temporária de empregado doméstico com contrato de trabalho interrompido ou suspenso, não podendo este ultrapassar o período de 2 anos, consoante ao artigo 4º da referida lei, tampouco ser prorrogado por mais de uma vez, devendo o empregado substituto receber, no mínimo, o salário de igual valor ao percebido pelo empregado substituído, conforme disposto na súmula 159, inciso I do TST. Todavia, nos contratos de prazo determinado, o empregador que despedir o empregado, sem justa causa, fica obrigado a pagar metade da remuneração a que o empregado teria direito até o termo do contrato, havendo assim o levantamento do FGTS com acréscimo de multa de 40%, em concordância com o artigo 6º desta lei. Consequentemente, se no curso do contrato de trabalho o empregador cometer falta grave, o mesmo deve indenizar o empregado, podendo esta ser de duas formas, pagando multa da metade do salário devida até o final do contrato, e/ou multa de 40% do FGTS. 8.9 Férias Referente as férias, a Lei Complementar 150/2015 inspirou-se na CLT, regulamentando em seu artigo 17 a quantidade de dias a serem gozados, no caso 30 dias, com acréscimo do terço constitucional na proporção de seu efetivo trabalho mensal, após cada 12 meses trabalhados continuamente ao mesmo empregador. Sucede-se, também, a faculdade do empregado em converter um terço do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes. Prazo de até 30 dias antes do término do período aquisitivo para requerer o convertimento em pecúnia. Trazendo como novidade para esta classe, empregado que exercer trabalho em regime de tempo parcial terá direito de gozar de férias, calculadas com base na quantidade de horas laboradas por semana, tendo o recebimento destas o acréscimo do terço constitucional, sendo esta a distribuição: - 18 dias de férias – trabalho semanal superior a 22 horas até o limite de 25 horas; - 16 dias de férias – trabalho semanal superior a 20 horas até o limite de 22 horas; - 14 dias de férias – trabalho semanal superior a 15 horas até o limite de 20 horas; - 12 dias de férias – trabalho semanal superior a 10 horas até o limite de 15 horas; - 10 dias de férias – trabalho semanal superior a 5 horas até o limite de 10 horas; - 8 dias de férias – trabalho semanal com duração igual ou inferior a 5 horas.

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E, ainda, viabiliza, a critério do empregador, o desmembramento das férias em até dois períodos, sendo um deles de, no mínimo, 14 dias corridos no mês. 8.10 Estabilidade da empregada doméstica gestante A empregada doméstica gestante teve sua estabilidade confirmada com a vigência da nova lei complementar, visto que ao ser confirmado o estado de gravidez no decurso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, esta terá estabilidade provisória prevista no artigo 10, alínea “b”, inciso II do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Anteriormente a Lei Complementar 150/2015, a garantia provisória do emprego da doméstica gestante já havia sido assegurada pelo artigo 4-A da Lei 5.859/1972. Porém, o dispositivo na nova lei positivou para todas as empregadas o direito à estabilidade, mesmo se engravidar durante o aviso prévio, antes somente reconhecido por jurisprudência. 8.11 Vale Transporte e Direito a moradia Com a promulgação da nova Lei Complementar, oficializou-se o que já ocorria na prática sobre vale transporte, sucedendo o previsto no artigo 4º da Lei 7.418/85 que não possibilitava a concessão deste benefício em dinheiro. Com a criação do artigo 19, parágrafo único, da Lei Complementar 150/2015, vale transporte poderá ser substituído, a critério do empregador, pela concessão, mediante recibo, dos valores (em dinheiro) para a aquisição das passagens necessárias ao custeio das despesas decorrentes do deslocamento residência-trabalho e vice-versa. Pagamento deste possui natureza salarial, logo seu valor deve ser incluído no salário de contribuição para efeito de cálculos de INSS, FGTS e IRF, bem como servir de base para cálculo de férias e 13º salário. Medida foi por fim normatizada, haja vista que diversos lugares já haviam providenciado tal alteração na forma de fornecer o benefício. Porém, esta trouxe, também, regulamentações especificando para quem este deve ser pago. No caso de empregados que não utilizam meio de transporte para se deslocar de casa para o trabalho e do trabalho para casa, ou ainda, empregados que dormem no local de trabalho, não fazem jus à concessão do vale-transporte. Devendo o empregador atentar-se inclusive para a recusa do empregado doméstico em receber tal benefício, devendo esta manifestação ser escrita. Outro esclarecimento que necessitava de normatização, tendo em vista a numerosa quantidade de dúvidas sobre tal assunto, é com relação ao empregador que fornece moradia ao empregado doméstico na própria residência ou em morada anexa de qualquer natureza. Este simples fato não gera ao empregado qualquer direito de posse ou de propriedade sobre a referida moradia. Ou seja, se empregador cedeu à moradia ao empregado doméstico, este não tem direito a posse do imóvel, e ao fim do contrato deve deixar o mesmo. 8.12 Impenhorabilidade dos bens de família – benefício concedido ao empregador E, ainda, versando sobre as inovações desta lei, tem-se a revogação do inciso I, do artigo 3º, da Lei 8.009/90, cuja redação anterior à decretação da Lei complementar em questão era: “Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;” (...). Com a supressão desse inciso, não será mais possível penhorar o bem de família do empregador para quitação de dívidas trabalhistas

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referentes à empregada doméstica ou por débitos relacionados com a contribuição previdenciária desta. Porém, se o empregador possuir mais de um bem imóvel, apenas um deles será considerado bem de família e o outro poderá ser penhorado. 9 POSSÍVEIS EFEITOS DA LC 150/2015 Importante ressaltar, com a promulgação da Lei Complementar, percebe-se que tais alterações trazidas em relação aos direitos e garantias dos empregados domésticos, acarretarão efeitos perante a sociedade, tanto positivos quanto negativos. Inicialmente, se analisado o objetivo geral desta criação, tornase evidente que o principal ponto é a superação da desigualdade existente no decurso de anos entre trabalhadores domésticos, urbanos e rurais, como resquício histórico do surgimento da classe. Considerando os aspectos positivos, a Lei é amplamente favorável à classe dos empregados doméstico o sancionamento desta Lei Complementar, devido à superação da desigualdade, a criação de direitos e garantias, a segurança jurídica, propiciando estabilidade, a igualdade para com os demais trabalhadores, isonomia salarial, intangibilidade salarial, propiciando condições dignas de trabalho, vez que se tem regulamentada as relações deste vínculo Porém, ao proporcionar a igualdade de direitos conferidos ao restante dos trabalhadores, contribuiu, como resultado, para demissão massiva no âmbito doméstico, em virtude da substituição por pessoas autônomas que prestam serviços diários, promovendo a informalidade na profissão e consequentemente suscitando a insegurança jurídica. Com isso, conclui-se que a figura do empregado doméstico é considerada de extrema importância pela maioria das famílias brasileiras, porém, sua instauração ocorreu em momento desfavorável para a relação de emprego, visto que o cenário político-econômico do país é crítico, sendo capaz de influenciar a preferência desses empregadores por um serviço menos oneroso, no caso as diaristas.

tar a informalidade ou inibir novas contratações, até que sejam feitas as adaptações das famílias brasileiras. Visto isso, há a real possibilidade da lei não produzir os efeitos desejados. Portanto, conclui-se que em que pese as desvantagens óbvias geradas a curto prazo e a sombra da não efetividade imediata da lei, em termos de médio e longo prazo, a categoria se beneficiará mais do que perderá. Isso porque, a queda no índice de contratação formal de emprego tende a elitizar o serviço doméstico, fato que já ocorre em outros países, conferindo melhor remuneração, melhor qualificação para prestação do serviço, permanecendo ao final uma categoria efetivamente contemplada por direitos e garantias consideráveis para assegurar a permanência da profissão. REFERÊNCIAS “A Desigualdade dos Direitos dos Empregados Domésticos em Relação aos Demais Trabalhadores Regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho”, Disponível em: <http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=1310> Acessado em Março de 2016. “A EC 72/2013 e o Trabalho Doméstico No Brasil”, Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/monografias/monografia.asp?id_ dh=13764> Acessado em Fevereiro de 2016. “A Evolução Histórica Dos Direitos Dos Empregados Domésticos e a EC 72/2013”, Disponível em: <http://tcconline.utp.br/wp-content/ uploads//2014/02/A-EVOLUCAO-HISTORICA-DOS-DIREITOS-DOS -EMPREGADOS-DOMESTICOS-E-A-EC-72-2013.pdf> Acessado em Fevereiro de 2016. “A Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015, e os Encargos Decorrentes Do Vínculo Empregatício Dos Trabalhadores Domésticos”, Disponível em: <http://rodrigomrcoutinho.jusbrasil.com. br/artigos/195452043/a-lei-complementar-n-150-de-1-de-junhode-2015-e-os-encargos-decorrentes-do-vinculo-empregaticio-dostrabalhadores-domesticos> Acessado em Março de 2016.

10 CONCLUSÃO Conforme relatado, pode-se observar que a edição da Lei Complementar 150/2015 é uma conquista para toda a classe dos empregados domésticos, tendo em vista a expansão dos direitos concedidos anteriormente, apenas, aos empregados rurais e urbanos, tais como: limitação da jornada de trabalho, regulamentação da hora extra e da compensação da jornada de trabalho, concessão do adicional noturno, e da quantidade legal de dias a serem gozados pelo empregado a título de férias, regulamentação do salário família e do seguro desemprego. Desta forma, observa-se o aumento qualitativo das condições de trabalho dos empregados domésticos, bem como a ampliação das garantias, principalmente, previdenciárias, além de maior controle sobre os abusos cometidos pelo empregador, o que proporcionou maior segurança jurídica nas relações trabalhistas. Por fim, cabe ressaltar que houve maior rigor na delimitação da categoria, por meio da regulamentação formal da atividade o que, consequentemente, propiciou mais reconhecimento à categoria. Todavia, é notória a criação de um novo microssistema legal para disciplinar a relação de emprego doméstico, devido à concessão e regulamentação de novos direitos. Entretanto, face o terrível cenário político-econômico em que se encontra nosso pais, inevitavelmente, os efeitos negativos da lei serão percebidos em primeiro plano, pois conforme observado, mesmo que tenha havido a implementação de benefícios sociais, o aumento nos encargos encareceu o a mantença de um empregado doméstico, o que, inquestionavelmente, irá aumen-

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Banca Examinadora Amanda Azeredo Bonaccorsi (Orientadora) Daniela L. M. Zapata (Examinadora)

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A LIMITAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ANTE A MANIFESTAÇÃO POPULAR Clarissa Cotrim da Silva Guedes 1

RESUMO: Diante do recrudescimento dos levantes populares, justificado o imperativo de análise, sob a ótica legal, da relação mantida pelos seus protagonistas, a saber: Estado e indivíduos. Deve-se questionar a legitimidade de atuação do agente repressivo, perquirindo a que título age, e mais importante, ter ciência das limitações que lhe recaem, portanto, diligenciar o levantamento das possibilidades que escudam a liberdade de reunião. A abordagem orbitará o Direito Administrativo, posto ser o ramo responsável pela lida imediata da questão em comento. Sem perder de vista o seu fundamento, revestido no interesse público. Este ultimo de conteúdo notadamente abstrato, possibilitando a ampla interpretação dos seus contornos. PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública. Liberdade de reunião. Limitação do Poder de Polícia.

1 INTRODUÇÃO Essencial dedicar as primeiras linhas ao esboço do que reveste as manifestações populares. Pressupõe-se configurar espécie do gênero participação política, eis que traduz a ingerência do homem no assunto público. Nesse sentido, reporta-se a democracia, pilar dos Estados modernos, resultante da luta de indivíduos pelo direito de participação na vida política, período que compreende desde as reuniões na Ágora grega até as urnas modernas. Deflui do status de cidadão, o homem civil de Rosseau. O filósofo contribuiu com generosidade para o estudo do fenômeno. Com o ponto de partida de todos os homens nascerem livres, distinguia a liberdade civil da natural, a primeira decorre da ausência de leis e a última, da opção voluntária a submissão à lei. Culminando na teoria do contrato social, a qual trata da proposição de que os homens, outrora livres no estado de natureza, almejando reaver tal condição, perdida pelo advento da propriedade privada, e todas as mazelas consequentes, consentem no acordo de cessão de parcela da sua autonomia em favor da nascente sociedade, ao fazê-lo, forma-se a vontade geral, convergência dos interesses de todos, capaz de neutralizar a primazia de interesses eminentemente particulares e proporcionar a pacificação necessária ao gozo da liberdade verdadeira. Ao abrir mão da liberdade natural, procura o homem aprimorar sua experiência em conjunto. Submeter-se a regramentos deve redundar na versão mais ampla do trocado. Para garantir a proteção da união resultante dos direitos alienados, o Estado dispõe do monopólio da força legítima, acionada quando transgredida a lei. Por sua vez seria a fonte da vontade geral devido à abstração e impessoalidade características. O sistema pensado é utópico, reproduz-se parcialmente em nosso modelo, afinal não dispomos de todo o nosso arcabouço de direitos. Porém serve de modelo de otimização, torna-se objeto de críticas, catalisando o advento de novas teorias. Para ser minimamente viável, tal sistema depende de mecanismo de ajuste e reajuste, onde deve haver a permeabilidade da vontade popular a garantir a material, somada a formal, representatividade. Eis que se justifica na expectativa do zelo, pela entidade que enfeixa os poderes, dos direitos naturais a ela confiados, sob a promessa de potencializá-los.

Nesse sentido John Locke, idealiza a separação dos poderes, numa lógica de mútua regulação a prevenir abusos, defendia a premissa de que para a investidura da autoridade superior, se transfere parcela dos direitos naturais do contratante, ao fazê-lo assinalava ao mesmo tempo uma limitação. A atividade do Estado se circunscreveria à proteção do cedido. Mantem o indivíduo a faculdade de resistir ao mal servir, afinal não abdica de toda a sua autonomia, lição colhida na obra Direito de Resistência Constitucional, de José Carlos Buzanello, ano 2003, página 58: Em Locke, existe o contrato de associação (contractus societatis) e não de submissão (contractus subiectionis); sendo assim, torna-se possível a dissolução do governo, mas não da sociedade civil. A renúncia de direitos no estado de natureza e a obediência na sociedade política é limitada. Como os indivíduos renunciaram apenas uma parte dos seus direitos em favor do governante, conservam, assim, o direito de resistência para a defesa de seus bens e de sua vida. Preconiza a prevalência da verdadeira atuação dos indivíduos ante a usurpação do seu querer sob o pretexto da celebração de um contrato de mandato. Só possível mediante a comunicação desimpedida pelos meios adequados, numa lógica de auto-regulamentação. Destarte, prevalece a dialética comparada a uma isolada e imutável vontade assinalada, os canais devem manter-se abertos para o contínuo diálogo entre os sujeitos, prevenindo o descompasso e ofensa aos direitos sob tutela. No dizer de Jürgen Habermas, Direito e Democracia entre facticidade e validade, página 78: Não é a forma do direito, enquanto tal, que legitima o exercício do poder político, e sim, a ligação com o direito legitimamente estatuído. E, no nível póstradicional de justificação, só vale como legítimo o direito que conseguiu aceitação racional por parte de todos os membros do direito, numa formação discursiva da opinião e da vontade. Em outras palavras, a sustentação do ordenamento jurídico está no consenso dos jurisdicionados, expresso pelo exercício da cidadania, esta deve ser franqueada pelo poder que se pretende democráti-

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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co, submetendo-se ao convencionado. Nas palavras de José Carlos Buzanello, Direito Constitucional de Resistência, página 149: “A desobediência civil só é possível quando o contrato civil não for cumprido pelo Estado, não efetivando as próprias promessas.”. Portanto, agindo o poder em atitude reprovável, ou ante à elaboração de leis que privilegiam interesses exclusivamente particulares, em detrimento do geral, há que se falar do dever de não pactuar com o perpetrado, de resistir. Conforme lição de Henry Thoreau, na sua obra Desobediência Civil, página 15: Leis injustas existem: devemos nos contentar em obedecê-las? Ou nos empenhar em aperfeiçoá-las, obedecendo-as até obtermos êxito? Ou devemos transgredi-las imediatamente? Em geral, sob um governo como o nosso, os homens julgam que devem esperar até que tenham convencido a maioria a alterar as leis. Pensam que, se resistissem, o remédio seria pior que os males. Mas é culpa do próprio governo que o remédio seja de fato pior que os males. É ele, o governo, que o torna pior. Por que ele não se mostra mais inclinado a se antecipar e a providenciar as reformas? Por que não valoriza suas minorias sensatas? Por que ele chora e resiste antes mesmo de ser ferido? Por que não encoraja seus cidadãos a estar alertas para apontar suas falhas, e assim melhorar sua atuação para com eles? Por que ele sempre crucifica Cristo, excomunga Copérnico e Lutero e declara Washington e Franklin rebeldes? A insurgência direciona-se ao elemento contraposto ao consenso do que é adequado, não contra o sistema em si. Consubstancia-se em dever, ultrapassando o direito, pois imperativa a defesa do vínculo social, ameaçado por comandos injustos. Fala-se de reforma, longe de rupturas, pois se acredita na operabilidade do sistema, mas rechaça-se incoerências pontuais. O autor complementa defendendo a limitação extrema da atuação do Governo. Já que é meio para alcançar o desiderato público e não fim. Considerando a corrente liberal, a qual atribui à maioria a tarefa de defesa da unidade social, posto redundar na vontade geral, apontou a sua maior falha: o fato de não implicar necessariamente a realização da justiça, a simples observância do critério de maior número de indivíduos para partilhar da tomada de decisões. Assim, atribuía maior valor a um voto singular do que o da massa, desde que motivado pelos ditames da consciência, o que se mais coadunaria ao interesse público. Em acréscimo, acreditava não limitar o papel do cidadão a este ato, mister garantir a concreção do que é certo, querer e esperar sendo insuficiente. O ceticismo que demonstrava frente ao majoritário, se deve ao doutrinamento que este último é alvo, engendrado pela impressa, substituta da igreja, no controle social. Lidou ainda com a questão do aparelhamento policial do Estado. Julgava consequência da incorporação do agente nas suas fileiras, a sua transformação em peça da engrenagem. Algo perigoso porque se perderia de vista o valor inerente ao ser humano, razão da titularidade irrestrita, ao direito de desobediência, frente a patente injustiça. A natureza dessa oposição, função das minorias já que a maioria está no comando, a princípio, é pacífica, dada a abstenção em aderir a projetos iníquos. No entanto, haverá casos em que a ação se justificaria. O risco da prisão torna-se aceitável, enaltece o transgressor, por representar o cumprimento de um dever cívico, ademais, o encarceramento apartaria os que cometem injustiças, livres, daqueles que cuidam do resgate da moral, aprisionados. Da totalidade dos ensinamentos de Henry Thoreau, giza-se viLETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

são positiva, sobremodo, impressa no vaticínio da evolução do sistema, sob a condição da realização dos reparos. Factível, desde que as minorias possam ser ouvidas. Em suma, urge pela conciliação da vontade popular e a governamental. O atrito é etapa para a conquista da plena efetividade da democracia. O líder político Martin Luther King era notório praticante da desobediência civil, contribuiu com a teoria, ao sistematizar a escalada da luta, até o protesto não-violento. Na carta redigida quando aprisionado, Letter from Birmingham Jail, traçou os desdobramentos da campanha política: coleção dos fatos para determinar se as injustiças estão vivas, negociação, autopurificação e ação direta. O derradeiro esforço em prol da causa seria o ato de demonstração do inconformismo, seja através da reunião pública ou da recusa de figurar como vítima, vide o boicote ao ônibus de Montgomery, Alabama. No episódio, Rosa Parks recusou-se a ceder seu lugar a um branco, conforme determinação legal, posteriormente o movimento se organizou e mais pessoas evitaram o meio de transporte, situação que chegou a apreciação da Suprema Corte dos Estados Unidos, declarando inconstitucional lei que estabelecesse segregação nos ônibus do Estado do Alabama. King, na mencionada carta, resolveu o aparente paradoxo de seguir certas regras e quebrar outras. Recorreu a distinção de leis injustas e justas, as primeiras seriam, colhendo ensinamento de São Tomás de Aquino, as leis que não se enraízam na lei eterna ou na lei natural, as segundas, quaisquer leis que elevem a personalidade humana. Concluiu que todos os estatutos segregacionistas são injustos porque a segregação distorce a alma e danifica a personalidade. 2 DAS MANIFESTAÇÕES Encontra tal direito, agasalho na Constituição Federal, gravado no título dos direitos e garantias constitucionais, em seu Art. 5º, inciso XVI: Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente. Os requisitos exigidos pela lex mater são prévio aviso e não frustrar outra reunião, além de assinalar prescindir de autorização para que a reunião seja legítima. Disposição contrária é inconstitucional, assim como ato do poder público que crie obstáculos ao exercício do direito. Os levantes populares, datados em junho de 2013 e no ano de 2014, marcam indelevelmente a relação público-privada, a ponto de sua reformulação ser imperativa. É, pois, o meio empregado com crescente frequência para dar vazão à vontade popular, não raro, contraposta aos feitos dos representantes eleitos pela mesma. Tal ruptura explica-se pelo distanciamento dos programas de governo propostos, dificuldades operacionais, negligencia às minorias, enfim, por sem-número de variáveis não facilmente delimitadas. Independente da causa se evidencia o errôneo gerenciamento pelos agentes públicos, visualizado na abordagem policial pautada pela violência irrestrita. O episódio crítico foi dos atos contrários ao aumento da tarifa, do ônibus, metrô e trem urbano na cidade de São Paulo, apesar da desoneração dos tributos COFINS e PIS, prevista em medida provisória do governo federal para o transporte público. Liderada pelo Movimento Passe Livre que objetiva a tarifa zero do serviço de transporte público, protestos foram organizados na data de 13 de junho do ano de 2013. Maior adesão se seguiu após a cobertura dada pelos meios de comunicação da violência estampada. Entretanto, a grande mídia retratava os manifestantes como transgressores, até quando os seus

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emissários passaram a ser alvo da força policial, momento em que procurou adotar discurso mais neutro. Certamente houve depredação perpetrada por minoria. A legítima mobilização foi oportunidade para ação de grupos que hasteiam a bandeira do anarquismo via desordem, embora configure motivo insuficiente para respaldar a repressão conferida. Tiros de bala de borracha, gás de efeito moral e detenções arbitrárias são exemplos da estratégia encetada que foi executada com evidente despreparo ou deliberada agressividade. No tardar dos protestos, a pauta se densificou. Englobava a má qualidade dos serviços públicos, corrupção política, a proposta da “cura gay”, PEC 37 e a Copa do Mundo de 2014. A última causa impulsionou no ano do evento, as sublevações, onde se questionava as prioridades do Governo e o desperdício nos gastos com obras. As operações da polícia militar desencadeadas, caracterizaram-se pelo excesso de força e detenções a pretexto de averiguação, estas, de cunho arbitrário por não configurarem hipótese de flagrante delito, ou ordem judicial, sem perder de vista ter sido prática comum no período ditatorial. Poderia se cogitar terem os feitos se dado, ante a dimensão do evento e o risco eminente de tumulto. É, todavia, renitente a escolha pela solução extrema. Vide o caso dos professores da rede de ensino público de Curitiba, Paraná, que protestavam contra projeto de lei para alterar a previdência estadual, e a reprimenda desproporcional da polícia militar que se seguiu. Pessoas se feriram e as autoridades culpabilizaram elementos infiltrados pela perda do controle dos militares. Outro exemplo é o levante protagonizado por pais, professores e estudantes na cidade de São Paulo, descontentamento gerado pela reorganização, imposta a toque de caixa, pela Secretaria de Educação. O projeto teria o escopo de segmentar o ensino, um mascarado corte de gastos, através do fechamento de 94 escolas, transferência de aproximadamente 311 mil discentes, redução da oferta de cursos noturnos, alocação de maior número de discentes por sala, dispensa de terceirizados e encerramento de contratos temporários de professores. O programa foi revogado como anunciou o governador Geraldo Alckmin, resultado da peleja daqueles que suportaram a constante da força policial, marcadamente desproporcional, cujo alvo central foi os alunos. Motivo da representação enviada por grupo à Corte Interamericana de Direitos Humanos denunciando as agressões, detenções e a falta de identificação dos agentes durante. O apelo a corte se deve à omissão do Estado Brasileiro na sua apuração. Considerando partir do Poder Executivo o comando das ações, caberia ao Ministério Público controlar a atividade policial e ao judiciário revisá-las ou sustá-las. De tudo, se fala do despertar da consciência política atrelada ao consequente empoderamento do povo, e principalmente, a exposição da face despótica do estado. Inegável a retomada do espaço público a quem de direito, conferindo nova dimensão a participação política. As ruas servem de ouvidoria, onde as ações do governo são escrutinadas. Mais que admissível a reação daquele cujo desempenho é avaliado, o Governo, mas inconcebível que o seja por violência e não diálogo. Corroboram com o exposto, os dizeres do artigo científico As Manifestações Sociais Ocorridas em Belo Horizonte em 2013: o direito de manifestação e a segurança pública, escrito por Carla Franca Gusmão de Freitas orientada por Ludmila Stigert, publicado na Revista Eletrônica Letras Jurídicas de número 3, ano de 2014:

3 O PODER DE POLÍCIA E ABUSIVIDADE Nessa altura, o tema se fecha no poder de polícia. É o centro do tema proposto, uma vez consistir na atividade a qual a administração intervêm no direito de propriedade e liberdade individual, regulando o seu exercício para que não conflite com o interesse social, via imposição de uma obrigação de não fazer. Neste sentido, destaca Juarez Freitas em seu livro O Controle dos Atos Administrativos, ano 2009, página 190: As limitações dos direitos individuais, sob pena de se converter em condenável abuso ou omissão de poder, não pode transgredir os prudenciais limites da intervenção justificável, isto é, aquela que não elimina ou inviabiliza o exercício dos direitos fundamentais. Não é livre a fixação da obrigação de não fazer, esbarra na condição de que não se tolha inteiramente o direito limitado, algo inobservado durante a dissolução dos protestos, pois a liberdade de reunião é fulminada por completo, tanto para o indivíduo titular, quanto para a coletividade. Dista da harmonização almejada, ao inexistir o balanceamento entre as esferas social e individual. Maria Sylvia Di Pietro no Curso de Direito Administrativo, ano 2013, página 126, aponta como um dos atributos do poder de polícia a discricionariedade. Assim, em grande parte dos casos concretos, a Administração terá que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção cabível diante das previstas na norma legal. Em tais circunstâncias, o poder de polícia será discricionário. Persiste o condicionamento da busca do interesse público. É a lei que estabelece a discricionariedade, consistente na previsão de opções, que serão medidas pela conveniência e oportunidade no caso concreto. Entretanto, a escolha deverá recair naquela mais adequada ao objetivo proposto, portanto, ainda nessa hipótese, a Administração estará adstrita a mandamento de otimização. Em raciocínio contrário haverá discricionariedade somente quando não for possível identificar a melhor alternativa, todas se mostrando igualmente aceitáveis. Consonante lição do Celso Antônio Bandeiras de Mello, Discricionariedade e Controle Judicial, ano 2006, página 33: (...) Se uma norma é uma imposição, o administrador está, então, nos casos de discricionariedade, perante o dever jurídico de praticar, não qualquer ato dentre os comportados pela regra, mas única e exclusivamente aquele que atenda com absoluta perfeição à finalidade da lei. A problemática repousa no resultante da decisão discricionária do administrador, quando a fim de se dissolver reunião, ato que já desponta questionável, opta pela agressão policial, justificada no interesse público perseguido, lado outro, recorrentemente, funda-se no interesse secundário, este alicerçado exclusivamente na manutenção do poder em exercício nos termos ditados. Conforme aduz Juarez Freitas em O controle dos Atos Administrativos, ano 2009, página 58:

O direito de reunião e o direito de manifestação possuem um papel fundamental para a democracia, na medida em que possibilita a participação de todos nas decisões políticas do país, visando uma melhor efetividade nas manifestações e uma maior imposição sobre o poder público.

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A só alegação de interesse público, em outras palavras, não é suficiente para lastrear atos administrativos. Força evidenciar os pressupostos de fato e de direito que indiquem verdadeiro primado do interesse geral, no caso concreto (...). Tampouco se mostra minimamente aceitável tomar a vontade do aparato governamental – quase por definição, particularista – como sinônima de interesse geral propriamente dito.

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É questionável se age a Administração movida pelo interesse público, afinal a opção eleita é apropriada à demonstração do poderio estatal, o desequilíbrio da balança de forças se insinua. Portanto, é manifestamente desproporcional ao mesmo tempo propositadamente, já que a intenção é passar uma mensagem, cimentar posições, pois inadmissível ceder espaço, inda a quem de direito, nessa hipótese a cúria pelo geral mascara o viés sub-reptício. Ao encontro do afirmado, Maria Sylvia Di Pietro no Direito Administrativo, ano 2013, página 129, ressalta os requisitos de validade do exercício do poder de polícia: Necessidade, a medida só deve ser adotada para evitar ameaças reais ou prováveis de perturbação do interesse público, proporcionalidade, relação entre a limitação ao direito individual e o prejuízo a ser evitado, e eficácia, a medida deve ser adequada para impedir dano ao interesse público. Ainda neste sentido, destaca Celso Antônio Bandeira de Mello, aspectos da abusividade, na obra Curso de Direito Administrativo, ano 2010, página 843: Eventual excesso pode se apresentar de dois modos: (a) A intensidade da medida é maior que a necessária para a compulsão do obrigado; (b) A extensão da medida é maior que a necessária para obtenção dos resultados licitamente perseguíveis. A seguir exemplifica, com o emprego de violência para dissolver reunião não autorizada porém pacífica. O abuso é nítido na adoção da repressão policial, haja vista a desproporcionalidade ínsita, o dano provocado é maior do que o evitado. O bem jurídico incolumidade física é frequentemente periclitado a pretexto de manutenção da ordem. Não há causa que baste para sustentar a medida, tratando-se de congregação pacífica. Peca o administrador, pois agride direitos de naturezas diversas. O ato de protesto envolve a expressão de pensamento, bem como direito de ir e vir. Ademais, importa redimensionar a liberdade de reunião, compreender seu valor como coletivo, não se tratando de simples limitação de um direito individual, urge assim classificá-lo, tem como objetivo precípuo a soma de elementos, logo a coletividade lhe é inerente, de forma a ocupar posição mais elevada na escala de valores. Disto, ressai a necessidade quando da comparação com os interesses sociais, relevar o viés coletivo das reuniões. Insista-se, representa força distinta do individuo singularmente considerado, eis que ali se observa o exercício conjunto de liberdades, que se avolumam a ponto de transcender a unidade, fato que lhe maximiza a importância. Inobstante, procura-se legitimar às ações arbitrárias. É usual o argumento da predominância do direito de ir e vir para cercear a liberdade de reunião, quando ambos merecem proteção. Em colisão, devem ser objeto de sopesamento e preferivelmente aplicação conjunta, a ser atendido o mandamento de preservação mútua. O desacerto começa na interpretação do conceito de interesse público, vago por si, não raro provocando distorções. A dificuldade maior radica na delimitação do individual versus público, em como apurá-lo diante dos grupos de pressão, e ainda, conciliá-lo com a agenda partidária. Leciona Celso Antônio Bandeira de Mello em Curso de Direito Administrativo, ano 2006, página 99: “Por exercerem função, os sujeitos de Administração Pública têm que buscar o atendimento do interesse alheio, qual seja, o da coletividade, e não o interesse de

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seu próprio organismo, qua tale considerado, e muito menos o dos agentes estatais.”. Releva em razão da preterição do interesse da coletividade pelo interesse do organismo, em quem o personifica, nos episódios que orquestra repressões às ameaças a sua continuação no poder ou política em curso, hipótese que escaparia do interesse público primário, coincidente com as necessidades da coletividade, se tratando de interesse público secundário, que atende ao aparelho estatal, registra-se, só legitimo quando enlaça o primeiro. Assim preceitua Celso Antônio Bandeiras de Mello, Curso de Direito Administrativo, ano 2006, página 65: (...) Independentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. A Administração imbuída de verdadeiro poder-dever desvia-se quando age perseguindo objetivos estranhos, ou exacerba em sua reação inicialmente válida, impelida por móvel, intenção, eminentemente da ordem psicológica do administrador, descrito pelo referido autor, Celso Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, ano 2006, agora em página 87: “O móvel corresponde ao intento, ao propósito, do agente, à sua finalidade subjetiva, pessoal – e por isso sua perquisição ganha relevo na teoria do desvio de poder com intenção viciada (...)”. Adiante segue fornecendo o conceito de causa como a adequação lógica entre o pressuposto de fato (motivo) e o conteúdo do ato. De molde a se tratar do liame mantido entre motivo e objeto do ato, redundando na pertinência do arranjo. Importa porque se houver dissonância, produto da ausência de causalidade do fato e medida, torna-se visível a desproporcionalidade ou inaptidão, sendo caso de invalidade. 4 DO CONTROLE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO Com efeito, permeia predominantemente o fenômeno tratado à atuação do Poder Administrativo, eis ser da sua alçada a definição de como será o tratamento dispensado as manifestações populares. Será o ponto de partida de análise, precedida do apontamento das contrapartidas, advindas dos outros poderes, para neutralizar arbitrariedades. O princípio da legalidade informa a Administração Pública, configura limite elementar ao prescrever modus operandi excludente dos demais comportamentos, que serão apenas viáveis faticamente, já que eleito de antemão, aquele possível juridicamente. Aprofunda-se mais no tema, Carlos Ari Sundfeld na obra Direito Administrativo Ordenador, ano 2003, página 28: Ao Estado de Direito não basta a submissão das autoridades públicas a lei – senão, é evidente, a superioridade da lei seria um fim em si. Fundamental que o sistema sirva à preservação da liberdade. Por isso, a lei não pode tudo. A própria Constituição lhe prescreve limites: os direitos individuas e coletivos que protege, de modo implícito ou explícito, os quais hão de ser preservados, ainda quando o legislador preferisse suprimi-los, em nome de um entendimento pessoal do sentido do interesse público. Fornece mais um exemplo de limitação. A lei maior funciona como barreira natural a prevenir atentados aos direitos impressos em seu corpo, lá presentes devido à importância inerente, razão de servirem de baliza à conduta dos poderes.

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O princípio da motivação é também digno de nota. Promove a fiscalização da cúria dispensada aos bens jurídicos envolvidos. A transparência é viabilizada mediante a externalização do fato e do direito fundantes do ato, calha exigi-la sempre, favorecendo o controle, especialmente a detecção de desvio de poder e desproporcionalidade. Juarez Freitas discorre em O Controle dos Atos Administrativos, ano 2009, página 106: “Somente se admite a juridicidade das escolhas motivadamente vinculadas a princípios, objetivos e direitos fundamentais. Tal vinculação será de grau mais intenso se a vetusta distinção entre atos discricionários e vinculados resultar, como se impõe, abrandada.”. No mais, eventual invalidade de ato produzido, a título de exercício do poder de polícia, estará alocada nos seus elementos: sujeito, forma, objeto, motivo e finalidade. A luz do caso concreto, diante do motivo manifestação popular, obedecendo aos ditames da lei, com fim de velar pelo bem jurídico ordem pública, se produzirá efeito jurídico, variável de acordo com o objeto ou conteúdo programado, casuisticamente é frequente a dissolução mediante expediente de força, a qual deveria estar reservada a ameaças de contornos mais nítidos, longe de conjecturas acerca de potencial comprometimento da ordem. Trata-se de ferir a proporcionalidade, princípio que determina a eliminação de excessos na interpretação equívoca das normas e seguinte aplicação, propugnando por conduta branda e eficiente, aferível se impor restrição menos penosa e mais eficiente. Não raro, surge no horizonte da lei, hipóteses que aparentemente seriam aceitáveis, mas que deverão ser analisadas, sem perder de vista o ordenamento como um todo, a fim de genuinamente se desvendar a vontade do legislador. Sem ser permitido à Administração, invocar o atributo da discricionariedade para tornar insondável as suas deliberações, até nessa hipótese, onde a lei lhe permite margem de manobra, haverá fronteiras intransponíveis, visualizada nos fins da própria lei, nos direitos fundamentais e no princípio da proporcionalidade. Há pelo menos três subprincípios, segundo Juarez Freitas, de cuja confluência depende a aprovação no teste da proporcionalidade, subprincípio da adequação entre meios e fins, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, este se voltaria ao custo/benefício tendo em conta meio idôneo a consecução dos fins. Conforme M. Seabra Fagundes, O Controle dos Atos Administrativos, ano 2010, página 115, podem os três poderes controlar os atos da administração. Incluso, pois, o autocontrole exercido pela própria estrutura de onde emana o ato, se dará ex officio se pautada na lógica de hierarquia, onde o agente de escalão mais elevado, tem o poder de reforma, ou por provocação de interessado, via interposição de recursos, a começar pela esfera inferior. Odete Medauar, no livro Controle da Administração Pública, ano 2014, página 59 cita os autores Braibant, Questiaux e Wiener da obra Le controle de l’administration et la protection des citoyens: Controle é aqui sinônimo de poder: pelo só fato de que ocupa posição mais elevada na organização administrativa, o superior hierárquico tem qualificação para questionar os atos editados por seus subordinados, que ele pode apreciar tanto do ponto de vista jurídico como sob o ângulo da conformidade à política geral imposta ao setor. Trata-se da prerrogativa de ingerência da unidade superior ou da mesma que expediu ato, podendo invalidá-lo, se eivado de ilegalidade ou revogá-lo, desde que válido, e sem ter exaurido seu efeito, que supervenientemente não se mostra oportuno e conveniente, espeque na relação de coordenação e subordinação. A súmula 473 STF assim versa: LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Administração Pública – Anulação ou Revogação dos seus próprios atos. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogalos, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada em todos os casos, a apreciação judicial. Há espaço para aplicação da tutela na matéria estudada, instase o órgão a rever a providência, sustar o ato ou desistir do início de sua execução. Factível cogitar a proibição de métodos similares. Aliás nada estaria afastado do crivo do superior hierárquico. Lado outro, figura elementar o poder judicial na fiscalização, posto se prestar a solução de conflitos com os atributos da imparcialidade e apego a lei. Cabe a sua provocação frente a ilegalidade ou abuso cometido pela Administração. Obstáculo se encontra na apreciação do mérito dos atos administrativos, diz respeito a aspectos como justiça, equidade, razoabilidade e moralidade. A oportunidade e conveniência impediria o escrutínio do juiz, máxime em atenção ao princípio da separação dos poderes. Por exclusão, não lhe escaparia o exame da competência, manifestação da vontade do agente, motivo, objeto, finalidade e forma. Uma vez verificada a invalidade, o poder judiciário a declarará e deverá sustar seus efeitos. Odete Medauar, Controle da Administração Pública, ano 2014, página 221, destaca coexistirem dois posicionamentos quanto ao referido controle. Uma corrente propugna a restrição à checagem da legalidade, enquanto a outra é ampliativa, estendendo-a ao que é discricionário, a possibilidade de escolha, e mérito, a oportunidade e conveniência, calcada na Constituição de 1988, que prioriza a concreção de direitos e garantias, legando ao judiciário o seu zelo, sem ignorar a máxima que o poder detêm o poder. Aliás, cai por terra a absolutismo do poder, se extrapolados os marcos fincados pelo princípio da razoabilidade, bem como se os meios forem manifestadamente inapropriados, a dar vazão a intervenção, esta reforçaria a legitimidade, reafirmando atos legais e retirando os ilegais. Na eventualidade de cerceamento ilegal de liberdade, é cediço ser inafastável da apreciação judicial, ameaça ou lesão a direito. Com mais razão se o atentado partir da administração, uma vez, marcadamente, se submeter ao império da lei. Indica Celso Bandeira de Mello, Curso De Direito Administrativo, ano 2010, página 946, o habeas corpus e mandado de segurança como instrumentos processuais capazes de resistir aos excessos. O primeiro é o habeas corpus, manejado para salvaguardar a liberdade física do indivíduo, ameaçado por atos administrativos ilegais ou abusivos, vide Art. 5, inciso LXVIII da Constituição Federal de 1988. Encontrará aplicação nas prisões para averiguação ordenadas assim como se deparado o movimento com obstáculos injustificados à trajetória escolhida. Por sua vez, o mandado de segurança, disciplinado pela lei 12.016/09 e previsto no Art. 5, inciso LXIX da Constituição Federal de 1988, escuda direito líquido e certo não amparado pelo habeas corpus ou habeas data, frente à ilegalidade ou abuso de poder, oriundo de autoridade pública ou pessoa jurídica, no exercício de atribuições do Poder Público. O remédio constitucional vem a socorro de forma residual, podendo ser utilizado pela coletividade diante da ciência de cerco montado ou de planos policialescos previamente concebidos. Quadra dedicar algumas linhas ao controle dos atos da Administração pelo Ministério Público, justificado na sua missão institu-

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cional de guardião da Constituição Federal. Aponta Odete Medauar, Controle do Ato Administrativo, ano 2014, página 179, retirar fundamentação para atuação extrajudicial, em face dos poderes estaduais ou municipais da administração pública, na lei orgânica do Ministério Público, Lei 8.625/93, cujo art. 27, prevê incumbências: I - receber notícias de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer natureza, promover as apurações cabíveis que lhes sejam próprias e darlhes as soluções adequadas; II - zelar pela celeridade e racionalização dos procedimentos administrativos; III - dar andamento, no prazo de trinta dias, às notícias de irregularidades, petições ou reclamações referidas no inciso I; IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito. Exemplo didático é a recomendação expedida pelo Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul e o Ministério Público Federal às autoridades circunscritas à área de sua atribuição e responsáveis pela atividade policial nos protestos populares, pois abarca pontos centrais para neutralizar arbitrariedades, a ponto de se afirmar seguramente, que com o atendimento do disposto, será não só legítima a atuação policial, como propiciadora da proteção a liberdade de reunião. Em seu teor¹, recomenda nos casos de prisão, a imediata condução à autoridade policial ou judiciária, vedada a condução a outros órgãos estranhos, assegurado a presença de advogado indicado pelo preso ou defensor público, a vedação da prática de prisões para averiguação e oitivas informais, proibição das autoridades de segurança pública de impedirem o livre exercício de manifestação e plena liberdade de expressão, o uso de gás lacrimogêneo, bombas de efeito mora, spray de pimenta e equipamentos correlatos em ambientes com pessoas confinadas, crianças, adolescentes, idosos e demais público vulnerável fisicamente, bem como a identificação fixada na farda dos policiais, a permitir a atuação da imprensa ou qualquer cidadão de captar imagens em vias públicas ou locais acessíveis ao público, especialmente se destinadas a registrar a atuação policial, quanto a esta, a ser acompanhada pelos órgãos de controle interno, preferencialmente registrado em vídeo. Não se olvide da legitimidade da instituição para ajuizar Ação Civil Pública para proteger interesses difusos e coletivos, fulcro na Lei 7.347/85. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A busca incessante da conciliação de interesses é a força motriz de um governo legítimo, que não pode servir a poucos, pois o fazendo transforma-se em criatura destes. Atento a totalidade constituinte do povo, a qual não se olvide, é súdito, se ocupará em proporcionar a máxima eficácia dos direitos, independente de quem o possua. Sugere-se que não mais o critério numérico sirva de norte, necessário endossar a busca qualitativa. Medir os bens jurídicos reclamados, e assim, conferir proteção aquele de maior peso, sem é claro descuidar-se da quantidade de titulares. A ideia é reunir o quantitativo e qualitativo, a fim de aparar as iniquidades da tomada do primeiro como critério único. De forma que se impõe privilegiar o interesse de maior relevância para o direito, qual seja, aquele mais hábil a proporcionar a efetividade da dignidade humana. A avaliação proposta deve ser fruto de diálogo, concretamente LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

obstaculizado pela insistência do controle com fim em si mesmo. Neste diapasão, escreve José Carlos Buzanello, em Direito de Resistência Constitucional, ano 2003, página 70: A sociedade teima pela ordem pública, principalmente pela classe dominante que quer leis e aparelho de Estado (polícia, judiciário, cadeira e hospício) com vínculos perenes entre si, que imobilizassem, por meio do medo, e regulassem o “consenso forçado” da população. Assim, a cadeia e o hospício representam algum tipo de solução para os problemas de organização do espaço público, a segregação, atendendo às necessidades políticas de ordem e disciplina. A eficácia desses mecanismos de controle é discutível, mas de grande apelo social e de legitimação. Ao contrário, os efeitos de contrapoder nascem da discussão das técnicas disciplinares de dominação, com apelo a consciência de direito, a autoestima e a dignidade humana. Conclusão idêntica se chega ao considerarmos a proposição de contrato de Locke que apregoa a vinculação das partes ao conteúdo da avença, cujo descumprimento ensejaria a sua quebra. Evita-se a hipótese, atentando-se aos valores atuais, trazidos pelos administrados na sua participação efetiva dos processos decisórios, faculdade ao mesmo tempo paliativa aos protestos, os quais despontam como estopim, gerado pela impenetrabilidade da redoma de vidro pousada sob a administração. Fabiana de Menezes Soares na obra O Direito Administrativo de Participação, ano 1997, página 117, já disse: Assim, no desenvolvimento do próprio Estado, nos deparamos com duas opções, segundo Klicksberg (1994), o Estado oposto à sociedade civil ou o Estado associado à sociedade civil, ou seja, em parceria, em concerto. O “estado inteligente”, conforme expressão do referido autor, é aquele que escolhe a segunda opção, buscando o desenvolvimento humano como objetivo final, reforçando e aumentando a democracia, trabalhando em conjunto om a sociedade civil, para realizar um projeto nacional de produtividade e crescimento. A abertura é uma necessidade. A participação política não se exaure nas votações, os fatos mudam com velocidade e para assegurar o cumprimento das expectativas depositadas, mister acompanha-los com proximidade, ou seja, do ponto em que se encontra o administrador, assim se obtêm a amálgama sociedade e Estado, vital para o regular exercício do poder deste último. Até a coexistência reinar, haverá mérito na insubordinação, a pretexto de preservar princípios mais preciosos que o império da lei, redunda na manutenção da sociedade e não ruptura, já que objetiva nivelar os interesses, antes negligenciados, viabilizando a pacificação social. E se para tanto o coletivo decidir se manifestar, caberá a Administração, através da atividade de poder de polícia, conformar o direito de ir e vir com a liberdade de reunião. Caso disponha de agentes policiais, a tarefa será pautada pela obediência a código de conduta, voltado para proporcionar condições salutares à liberdade de expressão e respeito à incolumidade física dos participantes. REFERÊNCIAS Buzanello, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. Rio de Janeiro. América Jurídica, 2002. De Freitas, Carla Franca Gusmão. As Manifestações Sociais Ocor-

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ridas em Belo Horizonte em 2013: o direito de manifestação e a segurança pública. Revista Eletrônica. Letras Jurídicas. Número 3. Belo Horizonte. 2014. Centro Universitário Newton Paiva. Disponível na Internet: < http://npa.newtonpaiva.br/letrasjuridicas/?p=864 > ISSN 2358-2154. Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26. Ed. São Paulo. Atlas, 2013. Fagundes, M. Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro. Forense, 2010. Freitas, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos. 4. Ed. São Paulo. Malheiros Editores, 2009. Habermas, Jürgen. Direito e Democracia Entre Facticidade e Validade. 1 Ed. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, 1997. Júnior, Martin Luther King. Letter from Birmingham Jail. Locke, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil e Outros Escritos. 1 Ed. Rio de Janeiro. Editora Vorazes, 1994. Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo. Malheiros Editores, 2012. Mello, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. São Paulo. Malheiros Editores, 2006. Medauar, Odete. Controle da Administração Pública. 3. Ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014. Soares, Fabiana de Menezes. Direito Administrativo de Participação. 1. Ed. Minas Gerais. Del Rey, 1997. Thoreau, Henry. Desobediência Civil. 1 Ed. São Paulo. L&PM, 2007.

Banca Examinadora Gustavo Henrique Carvalho da Mata (Orientador) Júlio Grossi (Examinador)

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A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: argumentos dos entes públicos nos agravos de instrumentos interpostos perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerais Cristiane Estanislau Ciccarini Pesso1

RESUMO: As ações ajuizadas pelos cidadãos perante o Poder Judiciário no âmbito do Estado de Minas Gerais com pedido de fornecimento de medicamentos têm aumentado significativamente, devido à deficitária política pública implementada pelos entes federados na área da saúde. Recentemente, o Tribunal de Contas de Minas Gerais informou que o Governo, somente no ano de 2014, gastou em torno de R$ 222 (duzentos e vinte e dois) milhões de reais nessas demandas. Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo analisar a legitimidade constitucional do Poder Judiciário para intervir no campo das demandas não atendidas pelo Poder Executivo na área da saúde e, também, se o interesse individual deve-se sobrepor ao interesse coletivo no que tange ao fornecimento de medicamentos. Para tanto, serão analisadas jurisprudências do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para verificar quais são os principais argumentos utilizados pelos entes federados nos agravos de instrumentos interpostos por eles no âmbito do Tribunal. Sendo assim, por meio da pesquisa, constatou-se, que o Poder Judiciário tem legitimidade constitucional para intervir nas demandas de fornecimento de medicamentos, uma vez que verificada a omissão do Poder Executivo no caso concreto, bem como para garantir a efetividade do direito fundamental à saúde. PALAVRAS-CHAVE: Constituição da República; Judicialização; Medicamentos; Poder Judiciário; Saúde.

INTRODUÇÃO A judicialização da saúde é um fenômeno que vem ganhando destaque nas discussões sociais e jurídicas há bastante tempo. Com a deficitária efetivação das políticas públicas na área da saúde, percebe-se que há certa desproporcionalidade entre a demanda da população para o fornecimento de medicamentos e a efetiva entrega destes pelos entes públicos, de modo que o Poder Judiciário chega a interferir no âmbito do Poder Executivo. O tema em questão possui relevância social uma vez que só no ano de 2014 as demandas na área da saúde representaram em torno de 80% (oitenta por cento) dos processos no âmbito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais2, sendo que o Governo gastou em torno de R$ 222 (duzentos e vinte e dois) milhões de reais com o fornecimento de medicamentos nessas demandas, dados do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais3. A saúde é um direito fundamental social previsto nos artigos 6º e 190 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Nas palavras de Cury (2005, p. 17), o direito a saúde está “diretamente

ligado ao princípio maior que rege todo o ordenamento jurídico pátrio: o princípio da dignidade da pessoa humana – razão pela qual tal direito merece tratamento especial”. Nesse sentido, a pesquisa sobre a judicialização da saúde4 justifica-se a partir do momento em que direitos constitucionais que deveriam ser garantidos pelo Poder Executivo passam pelo crivo do Poder Judiciário, obrigando aquele ente público, que em um primeiro momento, negou o fornecimento de medicamento para um cidadão, por diversos motivos, demonstrando-se, portanto, a importância do tema para o estudante de graduação em Direito, como é a situação desta pesquisadora. O escopo deste trabalho é avaliar o fenômeno da judicialização da saúde na área do Direito, a fim de investigar como essa atuação do Judiciário deve se pautar. Além disso, buscará analisar também a relação conflituosa existente entre o interesse individual e o interesse coletivo no que tange ao fornecimento de medicamentos. Nesse sentido, esse trabalho problematizará as causas e conseqüências da judicialização da saúde no Brasil, a partir de uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial acerca do tema.

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Diversos debates vêm ocorrendo no âmbito do Estado de Minas Gerais para discutir as conseqüências desse fenômeno, como por exemplo, a II Jornada de Direito à Saúde realizada em maio de 2015 pelo Conselho Nacional de Justiça na cidade de São Paulo e o Ciclo de Debates sobre a Judicialização da Saúde ocorrido na Assembléia Legislativa de Minas Gerais em setembro de 2015. Sobre o fenômeno da judicialização, percebe-se que o tema é de extrema relevância jurídica, uma vez que somente no segundo semestre de 2015 foram proferidas mais de 300 (trezentas) jurisprudências pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais relativas ao direito à saúde. No campo acadêmico, a judicialização da saúde tem ganhado bastante destaque também; em uma pesquisa sobre o tema no sítio eletrônico do Google foram encontrados cerca de 357.000.00 (trezentos e cinqüenta e sete mil) resultados, dentre eles vários artigos, de modo que a doutrina discute bastante acerca desse tema. 3 Disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br/Presidente-do-TCE-defende-investimento-na-atencao-basica-a-saude-para-evitar-judicializacao-. html/Noticia/1111621380>. Acesso em 15 mar. 2016. 4 A judicialização da saúde, segundo Carvalho (2007, p. 54), teve seu início na década de 90 com as demandas judiciais para o fornecimento de medicamentos e de tratamento perante os portadores de HIV/AIDS. Esse tema é amplamente discutido pelos doutrinadores, dentre eles o jurista Luís Roberto Barroso (2012, p. 31), que vê a origem da judicialização no Brasil advinda da vontade do constituinte e não de uma vontade do próprio órgão judiciário. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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Em relação à metodologia usada, o presente trabalho será desenvolvido por meio de levantamentos de fontes bibliográficas e documentais como livros, artigos, teses, trabalhos de conclusão de curso, com o objetivo da construção do referencial teórico. Esses levantamentos serão realizados durante todo o desenvolvimento da pesquisa, auxiliando nas etapas complementares. Para tanto, serão investigadas também jurisprudências do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Para tal análise, foram escolhidos acórdãos proferidos em sede de agravo de instrumento no mês de fevereiro de 2016 por todas as Câmaras Cíveis do Tribunal, totalizando um total de 26 (vinte e seis)5 jurisprudências (termos de pesquisa: agravo de instrumento, direito à saúde e medicamentos)6. O recurso escolhido para análise dos argumentos utilizados pelos entes federados foi o agravo de instrumento, tendo em vista que esse recurso visa a revisar decisões interlocutórias proferidas no curso do processo que geralmente defere/indefere antecipações de tutela ou medidas liminares, o que traria um possível ganho antecipado sobre o pedido de fornecimento de medicamentos para o autor de uma ação. Os resultados fornecidos e analisados durante a pesquisa poderão subsidiar a discussão e futura conclusão perante os objetivos estabelecidos. 2 O CONTEXTO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL O conceito de saúde foi definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1946 como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”, enquanto que o Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde (1986, p. 04), ao abordar o tema Saúde como Direito, definiu a saúde como “resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde”. Em que pese as diversas conceituações doutrinárias sobre o tema abordado, verifica-se que as políticas públicas voltadas para a área da saúde no Brasil perpassou por diversos momentos históricos que culminaram na criação de organizações administrativas, bem como na criação de normas jurídicas voltadas para esse tema. O início dessa história nos remonta ao período do Brasil Colônia (1500 – 1808). Nessa época, a figura do médico era exercida por duas pessoas: físico-mor, encarregado do controle da medicina e do cirurgião-mor, encarregado da cirurgia em si; eles se preocupavam não em prevenção, mas apenas na cura da doença existente. Nessa época havia um Tribunal voltado para a área da saúde chamado de Fisicatura que tinha como função básica, de acordo com Galvão (2007, p. 08), “punir os infratores com o objetivo de reservar para a medicina o espaço da doença”. Entretanto, ele afirma que “a existência da Fisicatura não revela, também, nenhuma preocupação com a formação de uma esfera autônoma e específica de conhecimento a que o poder político central deva recorrer”, o que ocasionou o redirecionamento das preocupações da saúde para a população em si, uma vez que a medicina nessa época era uma medicina de exclusão.

Nesse sentido, elucida Foucault (1984, p. 88): O mecanismo da exclusão era o mecanismo do exílio, da purificação do espaço urbano. Medicalizar alguém era mandá−lo para fora e, por conseguinte, purificar os outros. [...] A medicina era uma medicina de exclusão. O próprio internamento dos loucos, malfeitores, etc., em meados do século XVII, obedece ainda a esse esquema. Com a chegada da família real portuguesa ao Brasil no ano de 1808 foi necessário a implementação de estruturas sanitárias básicas para atender aos indivíduos do centro econômico do Rio de Janeiro, uma vez que uma sociedade com saúde poderia garantir à Coroa mão-de-obra contínua. Entretanto, a preocupação com a saúde nessa época se restringia basicamente à fiscalização dos portos (Criação da Inspetoria Sanitária de Portos) para que se evitasse a propagação de doenças, sendo a sociedade em si deixada de lado novamente. Na primeira década do século XX, diversas epidemias, como a febre amarela e a malária, aumentaram o índice de mortalidade nas cidades, sendo necessária uma reorganização da higiene pública do País. Foi então que surge o Movimento Sanitarista Campanhista. Esse modelo, segundo Andrade, Pontes e Martins Júnior (2000, s.p.) configurou-se em um processo de “elaboração de normas e organizações sanitárias e de mudança nas práticas dominantes até então [...] visou principalmente sanear os espaços de circulação das mercadorias exportáveis e predominou até meados dos anos 60”, ou seja, a preocupação com a saúde ainda tinha um caráter eminentemente econômico, sendo deixado de lado as crianças e os idosos, uma vez que eles não faziam parte do mercado de trabalho. Nessa época também, houve o início da reforma sanitária pelo cientista Oswaldo Cruz, que trouxe grandes avanços no combate à febre amarela, através do Serviço de Profilaxia e da Inspetoria de Isolamento e Desinfecção. Entretanto, como esses serviços eram feitos de forma obrigatória (agentes da polícia invadiam as casas e obrigavam as pessoas a tomarem as vacinas), isso culminou na Revolta da Vacina no ano de 1904 na cidade do Rio de Janeiro; Crescêncio (2010, p. 57) comenta sobre esse movimento: mais do que um movimento de indignação popular contra as decisões governamentais, a Revolta da Vacina no Rio de Janeiro determinou uma comoção sediciosa que emergiu em meio a um contexto de confrontos políticos entre as autoridades brasileiras, conflitos que foram relatados diariamente pela imprensa, pretensamente preocupada em zelar pela saúde pública e também em definir suas posições políticas. Outra reforma ocorrida no ano de 1909 foi através do cientista Carlos Chagas que descobre a doença de Chagas; esse cientista era também um dos diretores do Instituto Oswaldo Cruz e no ano de 1920, virou diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública criado pelo Decreto Legislativo nº 3.987 de 02 de janeiro de 1920 que visava, basicamente, extender os serviços de saneamento urbano e rural para a população em geral.

5 Dentre os 26 acórdãos encontrados de acordo com os temas pesquisados, 07 (sete) deles serão inutilizados no trabalho, uma vez que a matéria em si trata de realização de procedimento cirúrgico (1.0024.13.346963-5/001; 1.0325.15.001985-0/001; 1.0439.15.004652-2/001; 1.0647.13.008285-0/003 e 1.0439.15.004627-4/001), transferência hospitalar (1.0697.15.000528-1/001) e hipótese de julgamento de agravo interno em agravo de instrumento (1.0702.15.039173-9/002), não sendo esses os objetos de estudo deste presente artigo. 6 Acórdãos que serão utilizados no artigo: 1.0261.15.006455-6/001; 1.0313.14.011656-4/001; 1.0012.15.001113-3/001; 1.0301.15.0067033/001; 1.0184.14.002709-7/001; 1.0625.15.005192-2/001; 1.0433.14.022227-7/001; 1.0620.14.003691-9/001; 1.0718.15.0000716/001; 1.0378.15.001799-4/001; 1.0701.15.022502-0/002; 1.0071.15.004760-4/001; 1.0704.13.010564-3/001; 1.0145.15.004745-7/001; 1.0040.15.002352-7/001; 1.0223.15.014700-5/001; 1.0073.15.003477-2/001; 1.0148.15.004167-8/001 e 1.0702.15.049432-7/001. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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No ano de 1923, na República Velha (1889-1930), foi criada a primeira norma jurídica voltada para a área da saúde pública: Lei Eloi Chaves. Através dela foram criadas as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPS) que eram basicamente fundos de contribuição tanto por parte do empregador quanto do empregado. Os benefícios dessa Caixa eram o direito à pensão, aposentadoria e assistência médica; os empregados vinculados às empresas ferroviários foram os primeiros a receberem esse benefício, sendo posteriormente estendido aos marítimos e aos portuários. Já no ano de 1933, na Era Vargas, agora com um modelo de assistência pública, foi criado o Instituto de Aposentadoria e Pensão (IAPS), que diferentemente das CAPS, era organizado por categorias profissionais, o que acabou propiciando um maior atendimento na área da saúde para a população. Ademais, a contribuição virou tripartite, ou seja, além da contribuição dada pelos empregadores e pelos empregados, o Estado contribuía também com esse fundo. Nessa época foi promulgada a Constituição de 1937, que apesar de “ser de inspiração fascista, de caráter marcadamente autoritário e com forte concentração de poderes nas mãos do Presidente da República”, como elucida Paulo e Alexandrino (2012, p. 28), possibilitou a consolidação dos IAPS, uma vez que Getúlio Vargas se preocupava bastante com as leis trabalhistas. Posteriormente em 1939 foi regulamentada a Justiça do Trabalho e em 1943 foi promulgada a Consolidação das Leis Trabalhistas Na época do golpe militar em 1964 iniciou-se o modelo médico assistencial privatista que, de acordo com Merhy, Malta e Santos (2004, p. 06), o Estado se apresenta como “financiador direto e indireto, setor privado como o prestador e setor privado internacional como fornecedor de equipamentos biomédicos. O Estado oferta políticas compensatórias, através de ações simplificadas, para se legitimar”. Dentro desse modelo, no ano de 1966 houve a unificação dos IAPS no Instituto Nacional da Previdência Social (INPS). A priori, essa unificação foi benéfica, pois permitiu a centralização administrativa e financeira dos benefícios, mas ela ainda possuía um caráter excludente, pois atendia somente os seus segurados. Também dentro do regime militar, através da lei nº 6.439 de 01 de setembro de 1977, foi instituído o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS). Nesse sistema houve a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) responsável pela assistência médica dos seus segurados. Por fim, houve a VIII Conferência Nacional de Saúde realizada no ano de 1986 que é considerada um marco histórico importante no contexto explanado, uma vez que o Sistema Único de Saúde (SUS), que trataremos mais adiante, foi idealizado nessa época. 2.1 O fornecimento de medicamentos O fornecimento de medicamentos pelos entes federativos ocorre através do Sistema Único de Saúde (SUS). Tal instituto está previsto no art. 198 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que informa que esse sistema possui certas diretrizes: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. (REPÚBLICA, 1988) O SUS está regulamentado pela Lei federal nº 8.080/1990 que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços cor-

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respondentes e dá outras providências. No art. 2º desta lei, a saúde é colocada como direito fundamental do ser humano, bem como de que o Estado deve prover as condições ao seu pleno exercício. Os princípios e as diretrizes específicos do SUS estão preconizados no art. 7º da lei, como por exemplo, o princípio da universalidade e a diretriz de descentralização, sendo que esse primeiro, na visão de Teixeira (2011, p. 03) é um processo de extensão de “cobertura dos serviços, de modo que venham, paulatinamente, a se tornar acessíveis a toda a população. [...] é preciso eliminar barreiras jurídicas, econômicas, culturais e sociais que se interpõem entre a população e os serviços”. O art. 6º desta lei determina que a assistência farmacêutica integral está dentro do campo de atuação do SUS. Entretanto, a dispensação de medicamentos se refere somente aqueles que estão incluídos nas listas elaborados pelos órgãos do SUS, conforme disposição do art. 19-M da referida lei; veremos a posição do Egrégio Tribunal de Justiça em relação a este tópico. Essa lista de medicamentos está enunciada na Portaria nº 204/2007 do Ministério da Saúde que regulamenta o financiamento e a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde, na forma de blocos de financiamento, com o respectivo monitoramento e controle. Especificamente, esse bloco de financiamento é constituído por três componentes (art. 24): Componente Básico da Assistência Farmacêutica, Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica e Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Nesse sentido, cada Componente possui uma relação de medicamentos que podem ser dispensados. Essa relação é conhecida como Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), sendo que tal lista é atualizada pela Comissão Técnica e Multidisciplinar de Atualização da Rename (Comare). O conceito de medicamento essencial foi preconizado pela World Health Organization (Organização Mundidal da Saúde), 2002 (apud RENAME, 2010, p. 15): [...] aqueles que servem para satisfazer às necessidades de atenção à saúde da maioria da população. São selecionados de acordo com a sua relevância na saúde pública, evidência sobre a eficácia e a segurança e os estudos comparativos de custo efetividade. Devem estar disponíveis em todo momento, nas quantidades adequadas, nas formas farmacêuticas requeridas e a preços que os indivíduos e a comunidade possam pagar. Vale ressaltar que a RENAME é uma das diretrizes da Política Nacional de Medicamentos (PNM), instituída pela Portaria nº 3.916/98 que tem como objetivo principal “garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais”. Nos acórdãos pesquisados, um dos argumentos utilizado pelos entes federativos para o não fornecimento de um medicamento é de que o medicamento requerido pelo autor não se encontra padronizado, ou seja, não pertence à lista de medicamentos do SUS, o que não foi aceito pelos desembargadores (acórdão nº 1.0625.15.005192-2/001), pois demonstrado através de relatório médico de que o paciente precisa de um medicamento X, não é admitido que ele tenha que se utilizar de outro medicamento por somente estar naquela lista, pois o médico que o acompanha conhece o seu caso e seu quadro clínico. Caso seja reconhecido esse argumento, o direito à saúde estaria sendo restringido, o que não é admitido em se tratando de um direito fundamental. Portanto, em que pese a existência dessa lista no âmbito do Sistema Único de Saúde, o fornecimento de medicamento pelo Poder Judiciário deve ser pautado na imprescindibilidade de tal dispensação, caso este não seja fornecido pelo SUS; vejamos outros argumentos utilizados pelos entes federados.

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3 A ATUAÇÃO DOS ENTES FEDERADOS NO CONTEXTO DOS DIREITOS SOCIAIS Antes de adentrarmos em outros argumentos dos entes federados, é necessário enfatizar que as normas da Constituição da República Federativa de 1988 tem como principal destinatário o povo. O povo, de acordo com Martins e Stigert (2014, p. 08) deve ser concebido “como instância de legitimidade dos atos estatais, pois possui legitimidade e soberania para escolher seus representantes que, de forma direta passará a agir em nome deles, bem como para atuar direta- mente e participativamente na construção das decisões políticas da sociedade”. Esse, na visão doutrinária de Müller (2013) se divide em vários: povo como povo ativo, povo como instância global de atribuição de legitimidade, povo como ícone, povo como destinatário das prestações civilizatórias do Estado. Esse último se refere ao nosso objeto de estudo, pois a relação entre indivíduo-Estado garante ao cidadão certas garantias legais, enquanto que o Estado só pode agir naquilo que a lei assim o permitir. Portanto, Müller (2013, p.75) afirma que o mero fato “de que as pessoas se encontram no território de um Estado é tudo, menos irrelevante. [...] Elas são protegidas pelo direito constitucional e pelo direito infraconstitucional vigente, gozam da proteção jurídica, têm direito à oitiva perante os tribunais”. Ademais, Barroso (2009, p. 16) afirma que o direito como um todo sofreu um processo de constitucionalização, ou seja, todas as normas infraconstitucionais tiveram que se adequar ao previsto na Carta Magna. Sobre o tema, ele doutrina que: A idéia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. [...] Quanto ao Poder Judiciário, (i) serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele desempenhado (incidental e por ação direta), bem como (ii) condiciona a interpretação de todas as normas do sistema. Assim, a saúde é um direito constitucional social, previsto no art. 6º da Carta Magna. Os direitos sociais na visão de Silva (2001, p. 285) é de que estes “[...] são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”. Os direitos sociais tiveram seu início normativo no ano de 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos; essa declaração foi uma resposta da sociedade frente às atrocidades cometidas no contexto da Segunda Guerra Mundial. No art. 25 da referida declaração, o direito à saúde aparece: Artigo 25°: 1.Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. (ONU, 1948)

pública Federativa do Brasil de 1988: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Nesse sentido, outro argumento utilizado pelos entes federados – União, Estados, Municípios e Distrito Federal, mais precisamente Estado e Município, se refere a legitimidade passiva desses entes nas ações que visam o fornecimento de medicamentos. Em dois acórdãos proferidos (1.0701.15.022502-0/002 e 1.0073.15.003477-2/001), esse argumento foi utilizado pelos Municípios, sendo que no primeiro, o desembargador relator entendeu que a preliminar de ilegitimidade passiva se confunde com o mérito e deveria, portanto, ser analisada juntamente com ele. No segundo, o relator analisou de forma separada, rejeitando-a, sob fundamento de que no caso de promoção do direito à saúde, os entes são solidariamente responsáveis por tal efetivação; o art. 23, inciso II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 vai ao encontro deste argumento: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; [...] (REPÚBLICA, 1988) No ano de 2015, o colendo Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a repercussão geral sobre esse tema, se pronunciou nesse mesmo sentido: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (STF- Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 855178/PE, Relator: Ministro LUIZ FUX, julgamento em 05/03/2015, publicação da súmula em 16/03/2015). Ainda em relação à ilegitimidade, desta vez em relação à ativa, observa-se que dos 20 (vinte) acórdãos pesquisados, 12 (doze) deles tiveram como autor da ação o Ministério Público, seja nas Ações Civis Públicas ou nas Ações de Obrigação de Fazer. No segundo acórdão citado, o Município alega que o Ministério Público (MP) não teria legitimidade para a defesa de direito individual de um cidadão. Entretanto, conforme ressaltado pelo desembargador relator, nos termos do art. 127 da Carta Magna, o parquet tem a incumbência de defender os interesses individuais indisponíveis, ou seja, a saúde adentra nesse campo. Cabe-me ressaltar também que há legislação infraconstitucional que confere legitimidade ativa ao MP nas ações propostas em benefício das crianças, adolescentes e idosos, conforme art. 201, inciso V do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como o art. 74, inciso I do Estatuto do Idoso; portanto, não há que se falar em ilegitimidade do MP nas ações de direito à saúde; vejamos jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça a respeito desse tema:

A saúde, portanto, deve ser prestada pelo Poder Público; é o que determina da forma expressa o art. 196 da Constituição da Re-

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AGRAVO DE INSTRUMENTO - FORNECIMENTO MEDICAMENTOS- PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - REJEIÇÃO ANTECIPAÇÃO DE TUTELA -COMPROVAÇÃO

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DOS REQUISITOS - FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE. - Sendo a matéria debatida nos autos o direito constitucional à saúde de paciente menor de idade, resta patente a legitimidade ativa do Ministério Público, eis que há interesse individual indisponível, cuja defesa é atribuída ao parquet. A tutela poderá ser antecipada, total ou parcialmente, com o intuito de garantir a efetividade e a celeridade processual, desde que estejam presentes a prova inequívoca capaz de convencer a verossimilhança das alegações e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. - Verificada a existência de provas suficientes que demonstram a verossimilhança das alegações da parte, bem como o perigo da demora do provimento final, além de demonstrado que o paciente não dispõe de recursos financeiros para arcar com o tratamento requerido, deve ser deferida a antecipação de tutela pleiteada. - Pacificado no Colendo Superior Tribunal de Justiça, a possibilidade de fixação de multa diária em face da Fazenda Pública. (TJMG – Agravo de Instrumento nº 1.0693.15.007536-6/001, Relator: Desembargadora YEDA ATHIAS, Órgão Julgador: 6ª Câmara Cível, julgamento em 16/02/2016, publicação da súmula em 26/02/2016). Procurando conferir uma maior eficácia ao direito à saúde, observou-se que a Constituição contém diversas normas em relação à ele, inclusive normas de cunho tributário e de intervenção estatal, como as dos arts. 34, inciso VII, alínea “a” c/c art. 35, inciso III, bem como art. 167, inciso IV que enuncia sobre a vinculação de receitas de impostos. Entretanto, mesmo em uma democracia, não há direitos absolutos. Um dos limites desse direito é o princípio da reserva do possível. (REPÚBLICA, 1988) Esse princípio, de acordo com Silva (2011, p. 26), “regula a possibilidade e a extensão da atuação estatal no que se refere à efetivação de alguns direitos sociais e fundamentais, tais como o direito à saúde, condicionando a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis”. Nos acórdãos pesquisados (1.0313.14.0116564/001, 1.0378.15.001799-4/001, 1.0701.15.022502-0/002 e 1.0073.15.003477-2/001) esse argumento foi utilizado, mas foi rejeitado. A limitação financeira destes entes não pode ser invocada para o não cumprimento de uma ordem judicial, uma vez que essa conduta pode resultar na ineficácia do direito constitucional da saúde, direito esse essencial e fundamental. Sendo assim, o juiz tem papel relevante na eficácia desse direito, uma vez que não havendo hierarquia entre princípios constitucionais, este não pode fazer uma simples ponderação de valores; sobre a atuação do juiz veremos outras questões relevantes a seguir.

manda para o juiz, mas uma vez provocado, este tem o dever legal de apreciar tal questão. Para Silva (2001, p. 63), o princípio da demanda, ou seja, a iniciativa obrigatória das partes em cunho processual, “constitui restrição quanto à postura do juiz no tocante ao direito subjetivo das partes”. Em se tratando do recurso de agravo de instrumento (art. 1.015, inciso I do CPC/15), objeto desse estudo, a cognição feita pelos desembargadores é uma cognição sumária. Nessa cognição, o que se busca é o não perecimento do direito do autor pelo decurso do tempo, pois o agravo de instrumento é um recurso interposto em face das tutelas antecipadas que são concedidas pelos magistrados de primeiro grau. Sobre o tema, vejamos a lição de Pimenta (2004, s.p.): Como se vê, embora a regra geral seja a prestação da tutela jurisdicional através do procedimento de cognição plena e exauriente (capaz de produzir a certeza jurídica e os efeitos da coisa julgada material, que são o resultado da tutela jurisdicional padrão a todos prometida pelo estado), essa espera nem sempre é compatível com a natureza do direito afirmado, especialmente quando ele deve ser usufruído imediatamente, sob pena de perecimento ou de dano grave a seu titular. Em tais casos, a demora do processo é causa do denominado “dano marginal do processo”, causado pelo tempo estritamente necessário para o seu desenvolvimento normal. Para os ordenamentos processuais contemporâneos, o fator tempo tornou-se um elemento determinante para garantir e realizar o acesso à justiça. Portanto, no que tange ao fornecimento de medicamentos, os desembargadores devem-se pautar em sua fundamentação, de elementos de prova que informam, em sede de cognição sumária, de que o indivíduo necessita urgentemente de algum medicamento; tal cognição é pautada nos requisitos das tutelas provisórias de urgência. As tutelas provisórias de urgência estão previstas no art. 300 do CPC/15 e visam garantir a efetividade da jurisdição, de forma que o titular de um direito possa antecipadamente usufruir deste; seus requisitos são probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, desde que não haja risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Didier (2015, p. 587) elucida sobre a finalidade desta tutela antecipada: antecipar provisoriamente os efeitos da tutela significa adiantar no tempo [...] se não tiver o condão de dar efetividade à tutela dos direitos, não deve ser concedida a tutela provisória. [...] adiantar no tempo efeitos que provoquem ou impeçam mudanças no plano fático.

4 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO CONTEXTO DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS7 Conforme explanado anteriormente, o juiz é elemento-chave das decisões envolvendo o fornecimento de medicamentos, pois frente a uma demanda, este deve agir sempre que provocado; tal situação está prevista nos artigos 2º e 3º do Código de Processo Civil de 2015: Art. 2o O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. (REPÚBLICA, 2015) Desta forma, o particular decide se provoca ou não uma de-

O relatório médico é um elemento que pode demonstrar a probabilidade da existência do direito. Dentre os 20 acórdãos estudados, 03 (três) deles (1.0261.15.006455-6/001, 1.0313.14.0116564/001 e 1.0702.15.049432-7/001), há a alegação por parte do Estado e dos Municípios de que o relatório médico particular não pode ser considerado como prova cabal para fins de decisão na demanda. Entretanto, os desembargadores alegaram que as informações prestadas pelo médico que acompanha o paciente deve ser presumido como verdadeiro, relativamente. Nesse sentido, em se tratando de cognição sumária, o desembargador deve-se ater aos argumentos elencados pelo médico a

7 Cabe-me ressaltar que, apesar dos acórdãos terem sido proferidos na vigência do Código de Processo Civil de 1973, neste trabalho, serão utilizadas normas do Código de Processo Civil de 2015, naquilo que couber, pois este é o Código em vigência no momento de defesa do trabalho de conclusão de curso. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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respeito da necessidade e urgência de um medicamento, pois é o médico quem possui capacidade técnica para avaliar tal questão; o relatório médico deve ser um aliado do desembargador na hora da sua decisão. Este é o entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. HEPATITE C. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LAUDO EMITIDO POR MÉDICO NÃO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL ESTADUAL. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. 1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não “qualquer tratamento”, mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.(...) 7. Ademais, o fato de o relatório e a receita médica terem emanado de médico não credenciado pelo SUS não os invalida para fins de obtenção do medicamento prescrito na rede pública, máxime porque a enfermidade do impetrante foi identificada em outros laudos e exames médicos acostados aos autos (fls.26/33), dentre eles, o exame “pesquisa qualitativa para vírus da Hepatite C (HCV)” realizado pelo Laboratório Central do Estado, vinculado à Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Paraná, o qual obteve o resultado “positivo para detecção do RNA do Vírus do HCV” (fl. 26). 8. Recurso Ordinário provido, para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito recursal respectivo provimento. (STJ- Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 24197/PR, Órgão Julgador: Primeira Turma - Relator: Ministro LUIZ FUX, julgamento em 04/05/2010, publicação da súmula em 24/08/2010 - grifei). Entretanto, apesar do relatório médico indicar ao desembargador que um paciente necessita de um medicamento específico, é necessário que o membro do Poder Judiciário tenha alguns cuidados para que esse fornecimento não dure para sempre, ou seja, deve haver um período para obrigar o ente estatal a fornecer um medicamento, pois o paciente pode depois de alguns meses, por exemplo, não necessitar mais de tal prestação. Nesse sentido, os desembargadores têm adotado a posição, quando garantem o fornecimento do medicamento, que tal prestação do ente deve ser condicionada à apresentação pelo indivíduo de receita médica atualizada. Vejamos a argumentação do relator no acórdão de nº 1.0071.15.004760-4/001 referente à retenção da receita médica atualizada: “[...] a retenção da receita médica atualizada [...] prestigia o cumprimento racional da obrigação judicialmente imposta, e impede o fornecimento indiscriminado de tratamento médico em favor da coletividade”. Para garantir a efetividade das decisões judiciais, os juízes têm imposto multa diária para os entes federados em caso de descumprimento da obrigação imposta. Nas razões recursais, o Estado e o Município alegam acerca da impossibilidade de fixação de multa diária em face da Fazenda Pública (1.0301.15.006703-3/001, 1.0184.14.002709-7/001 e outros). Entretanto, nos termos do art. 537 do CPC/15 (antigo §4º do art. 461 do CPC/73), o juiz pode impor multa diária ao réu, independente de pedido do autor, desde que haja razoabilidade e compatibilidade com a obrigação; é o que tem entendido

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o colendo Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CABIMENTO DE IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA, CONTRA A FAZENDA PÚBLICA, POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO VALOR ARBITRADO. AGRAVO REGIMENTAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O entendimento adotado pela Corte de origem não destoa da jurisprudência do STJ, segundo a qual é cabível a cominação de multa contra a Fazenda Pública por descumprimento de obrigação de fazer. No caso em tela, a apreciação dos critérios previstos no art. 461 do CPC para a fixação de seu valor demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice na Súmula 7 desta Corte. Excepcionam-se apenas as hipóteses de valor irrisório ou exorbitante. 2. Na hipótese, o valor de R$ 1.000,00 não se mostra excessivo, a ensejar a sua revisão por esta Corte Superior, especialmente por se tratar de hipótese de fornecimento de medicamentos e tratamento de saúde. 3. Agravo Regimental do ESTADO DE PERNAMBUCO a que se nega provimento. (STJ – Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 575203/PE, Órgão Julgador: Primeira Turma Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julgamento em 18/02/2016, publicação da súmula em 02/03/2016 - grifei). Dentre todos os argumentos explanados, observa-se que o Poder Judiciário adentra de forma efetiva no campo da saúde, de forma a garantir este direito fundamental; a esse fenômeno dá-se o nome de judicialização da saúde. Conforme explanado na introdução deste trabalho, este processo ocorre quando questões sociais são decididas pelo Poder Judiciário, sendo que inicialmente, esta resolução caberia ao Poder Executivo. Segundo Barroso (2009, p. 03) três são as causas desse processo: A primeira grande causa da judicialização foi a Redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico - especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes. [...] A segunda causa foi a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária. [...] A terceira e última causa da judicialização, a ser examinada aqui, é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo. Observa-se, portanto, que a judicialização da saúde tem ganhado bastante destaque nas discussões sociais e jurídicas, uma vez que, de acordo com o relatório sobre Judicialização da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2015, p. 23), nos anos de 2011 e 2012, no âmbito do TJMG, foram encontrados cerca de mais de 3.500 (três mil e quinhentos) acórdãos com o tema saúde pública. Esse relatório traz conclusões importantes sobre o tema, pois ele analisou diversos Tribunais de Justiça, dentre eles o do TJMG. Uma das conclusões da pesquisa sobre o tema debatido é de que as demandas possuem um foco curativo (CNJ, 2015, p. 43), ou seja, as ações buscam mais medicamentos do que vacinas, por exemplo, demonstrando que o Poder Público é deficitário nessa área. A audiência pública nº 04 realizada em 2009 pelo Supremo Tri-

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bunal Federal convocada pelo Ministro Gilmar Mendes teve um papel fundamental no cenário da judicialização da saúde. Nesta, foram ouvidos mais de 50 (cinqüenta) especialistas que buscaram apresentar suas visões sobre o tema, demonstrando pontos positivos e negativos. Foi através da mesma que o CNJ criou um grupo de trabalho para desenvolver medidas concretas na área da saúde, o que culminou na aprovação em 31 de março de 2010 da Recomendação nº 31. Essa recomendação possui diversas diretrizes, dentre elas, a recomendação de que os magistrados evitem autorizar o fornecimento de medicamentos em fase experimental, instrução das ações com relatórios médicos e também que as Escolas de Magistrados promovam a realização de seminários sobre a área da saúde. Ainda na audiência pública nº 04 constatou-se que de 51 (cinqüenta e um) palestrantes, 16 (dezesseis) desses são a favor da judicialização, enquanto que outros 16 (dezesseis) não tomaram uma posição específica, segundo dados do artigo de Gomes e outros (2014, p. 144). Segundo os autores (2014, p. 145), a crítica mais recorrente “refere-se ao fato de o juiz conceder qualquer tipo de tecnologia em saúde que, supostamente, traria benefícios clínicos ao estado de saúde da parte requerente sem levar em consideração a evidência científica disponível ou o registro da Anvisa”. Por todo o explanado, observa-se que a judicialização da saúde é um processo inevitável, mas que pode ter seus efeitos diminuídos, caso o Poder Público interfira com políticas de saúde eficazes; a efetividade do direito à saúde depende da judicialização. 5 CONCLUSÃO A saúde pública no Brasil perpassou por diversos momentos históricos, com seu início no período do Brasil Colônia, onde a medicina era uma medicina de exclusão, pois buscava acabar com os doentes das cidades. Tal paradigma foi modificado quando da chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, onde esta procurou melhorar as questões sanitárias das cidades, mas ainda com uma visão puramente econômica, pois uma população saudável era mão-de-obra disponível. Nosso objeto de estudo foi ganhando relevância nas políticas públicas dos Estados quando estes perceberam que era necessário garantir pequenos direitos aos trabalhadores para proporcionar à estes um ambiente melhor de trabalho e de vida, o que teve origem com a primeira norma jurídica voltada para a saúde pública: a Lei Eloi Chaves. Diversos institutos foram criados (CAPS, IAPS, INPS E SINPAS), culminando posteriormente na criação de um Sistema Único de Saúde, o SUS (1988). O fornecimento de medicamentos ocorre através desse sistema que tem como base normativa a Lei federal nº 8.080/1990, possuindo princípios e diretrizes na formulação de suas políticas de distribuição. Tal distribuição está regulada pela Portaria nº 204/2007 do Ministério da Saúde que enuncia blocos de financiamento para cada ente da federação, garantindo assim, um mínimo de medicamentos gratuitos para a população. Entretanto, tal fornecimento através dessa lista nem sempre garante a efetividade do direito a saúde. Neste momento, aparece no cenário a figura da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que tem como destinatário o povo, que coloca o direito à saúde como um direito fundamental social, previsto no art. 6º e 190 da Carta Magna. Ademais, conforme norma do art. 196, o Poder Público tem o dever de garantir à população a efetividade desse direito, através de políticas sociais e econômicas. Portanto, a responsabilidade entre os entes é solidária, mas não é esse entendimento que os entes possuem. Observa-se que nos recursos de agravo de instrumento interpostos perante o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, tanto o

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Estado, quanto o Município, utilizam-se de argumentos para frear as demandas dos indivíduos no que tange a obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos, como por exemplo o argumento da ilegitimidade passiva e a cláusula da reserva do possível. Esses argumentos não tendem a prevalecer no Judiciário, uma vez que o juiz, sempre que provocado, tem o dever legal de resolver a demanda e o art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 coloca o direito à saúde como um direito de todos. Em relação aos desembargadores, estes fazem uma cognição sumária a respeito da demanda de medicamentos, mas na maioria das vezes, deferem tal pedido com base nos argumentos de necessidade, urgência, pois o relatório médico indica esses requisitos. Essa postura ativa do juiz frente ao fornecimento de medicamentos culmina no processo da judicialização da saúde. Esse fenômeno teve início na década de 90 com as demandas judiciais para o fornecimento de medicamentos e de tratamento perante os portadores de HIV/ AIDS e só no ano de 2014, as demanda na área da saúde representaram 80% (oitenta por cento) da matéria dos processos no TJMG. Desta forma, resta configurada a hipótese de que as demandas individuais devem prevalecer frente aos recursos despendidos para a coletividade, pois o juiz não pode impedir a eficácia do direito à saúde com argumentos de cunho orçamentário. A judicialização da saúde, portanto, é um processo favorável na medida em que há uma defasagem de atendimento à população por Parte do Poder Público. Entretanto, tal prestação positiva jurisdicional no que tange ao fornecimento de medicamentos deve-se pautar por critérios objetivos, como por exemplo, observância do relatório médico, bem como de exames atuais feitos pelos pacientes que de fato demonstrem a necessidade da prestação, além de buscar enxergar o humano que existe em cada solicitação. REFERÊNCIAS ANDRADE, Luiz Odorico Monteiro de; PONTES, Ricardo José Soares; MARTINS JUNIOR, Tomaz. A descentralização no marco da Reforma Sanitária no Brasil. Rev Panam Salud Publica, Washington , v. 8, n. 1-2, p. 85-91, Aug. 2000. Disponível em: < http://www.scielosp.org/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1020-49892000000700026>. Acesso em 23 mar. 2016.

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Banca Examinadora Ludmila Castro Veado Stigert (Orientadora) Hugo Rios Bretas (Examinador)

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CORRUPÇÃO E SONEGAÇÃO FISCAL NO BRASIL Cristiano Ricardo Villar1

RESUMO: Este trabalho de conclusão de curso, apresentado ao fim do curso de graduação em Direito do Centro Universitário Newton Paiva, visa analisar os danos causados pela sonegação fiscal, comparando-a com a corrupção propriamente dita. Parte-se da ideia de que há uma aceitação tácita por parte da sociedade no que se refere ao delito de sonegação fiscal, o que faz com que esta prática seja a cada dia mais recorrente. Dentro deste contexto, o estudo compara os danos causados pela sonegação fiscal e pela corrupção propriamente dita, concluindo que a primeira gera maiores prejuízos que a segunda. Palavras-chave: Corrupção. Sonegação Fiscal. Sociedade.

1 INTRODUÇÃO

2 DA RELAÇÃO ENTRE DIREITO ECONÔMICO E DIREITO PENAL

Esta pesquisa tem o condão de analisar duas condutas ilícitas específicas, quais sejam a corrupção atrelada aos desvios de verba, pagamento de propinas, e a sonegação fiscal, citando sucintamente, a lavagem de dinheiro. O texto trata dos tipos penais e traz exemplos concretos de cada uma das condutas. No primeiro capítulo, o foco é a relação entre o Direito Penal e o Direito Econômico, destacando as diferenças entre estes dois ramos do Direito, bem como demonstrando quais são as semelhanças entre os dois institutos. Dessa relação nasce o Direito Penal Econômico, nascimento este justificado por aspectos históricos também demonstrados no texto. O segundo capítulo tratará dos crimes econômicos, propriamente ditos, demonstrando o objetivo principal do delinquente e os meios utilizados por este. Além deste destaque, o capítulo cita também de maneira sutil, os reflexos sociais decorrentes das práticas delituosas vinculadas à crimes econômicos. Na sequência há o terceiro capítulo, no qual trataremos do crime de corrupção, propriamente dita, conceituando o termo corrupção e destacando suas duas modalidades, no caso, corrupção ativa e corrupção passiva. Ainda, neste mesmo capítulo, a pesquisa traz dois exemplos de escândalos de corrupção, sendo estes, os denominados “mensalão” e “trensalão”, oportunidade em que se explica como se desenvolveu cada um deles, quais são os protagonistas destes esquemas de corrupção, bem como demonstram quais são os objetivos de cada um deles. Posteriormente, o capítulo seguinte passa a ter como principal enfoque o estudo da sonegação fiscal, de modo que conceitua o termo e explica como se dá tal prática. Como exemplo, foi citado o caso HSBC, tendo em vista que este é o mais recente caso com repercussão nacional. Por derradeiro, o trabalho apresentará a conclusão, a qual citaremos de maneira clara e objetiva os reflexos causados por cada uma das condutas delituosas citadas na pesquisa, bem como os prejuízos causados financeiramente aos cofres públicos. Preliminarmente, e que poderemos demonstrar ao longo desse estudo, é que nossa tese evidencia que os prejuízos causados aos cofres públicos, pelo crime de sonegação fiscal traz prejuízos bem maiores do que a corrupção propriamente dita, bem como, apresenta uma clara relação entre o pagamento de impostos e os ajustes fiscais.

Existem diferentes conceitos do Direito Econômico, contudo, todos os teóricos, ao definirem essa seara do Direito, se dirigem num mesmo sentido, o de “atender à realidade de uma sociedade na qual, Estados, indivíduos e diferentes entidades atuam juridicamente, em sede de política econômica, na realização da justiça” (SOUZA, 2005, p.23). Podemos conceituar o Direito Econômico como: “O ramo do Direito que tem por objetivo a jurisdicização, ou seja, o tratamento jurídico da política econômica e, por sujeito, o agente que dela participe. Como tal, é o conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e a harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica” (SOUZA, 2005, p. 23). Visando o desenvolvimento econômico do país, o Direto Econômico, regula, através de normas jurídicas, a produção e circulação de produtos e serviços, especialmente voltada para o controle do mercado interno e para a exploração econômica deste mercado, de maneira tal que esta não se torne inescrupulosa e, consequentemente, socialmente nociva. Por outro lado, o Estado, apesar de regulamentar diversos setores econômicos, não pode intervir de maneira muito agressiva na atividade econômica, ou seja, há um limite até onde o Estado pode ir e até onde o Estado não deve interferir. Há uma limitação da intervenção estatal na economia é garantida constitucionalmente através do instituto que prevê à livre concorrência e à iniciativa privada, ou seja, o ambiente econômico pertence ao particular, de modo que o Estado intervirá apenas para corrigir distorções, para criar o mínimo de normatização e estabilização para que a atividade econômica possa ser desenvolvida, e é esse peso do Estado que será o enfoque principal do Direito Econômico, ou seja, até onde o Estado deve intervir na atividade econômica, até onde a intervenção do Estado é benéfica ou prejudicial. Já quando se trata do Direito Penal, o conceito se traduz no conjunto de normas jurídicas, as quais delimitam o poder punitivo do Estado através da hipótese de incidência de infrações penais e as sanções decorrentes da prática destas, bem como institui regras relativas à sua aplicação. Neste mesmo entendimento, pode se referir ao Código Penal como “o conjunto de normas jurídicas voltados ao combate à criminalidade” (PRADO, 2012, p.69).

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Assim, o Direito Penal é um dos instrumentos que possibilitam ao Estado o exercício soberano do controle social, de modo a assegurar as condições de existência e continuidade da organização social, cumprindo assim sua função originária. O enfoque do Direito Penal é o rol dos bens jurídicos mais relevantes e preciosos, já que este ramo do Direito é considerado a “ultimaratio” sob a ótica da intervenção mínima. Dessa forma, quando certos bens jurídicos são vistos com tamanha preciosidade, a norma penal, através de tipos penais incriminadores, os protege, discriminando as condutas proibidas e impondo as sanções correspondentes à violação de tais proibições. Há, entre os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal, uma graduação das sanções, conforme o potencial ofensivo das condutas proibidas, apenando de maneira mais severa aquelas condutas que são capazes de gerar maior lesão ao bem jurídico amparado. Essa graduação de penas permite à norma penal aplicar penas mais severas em caso de crimes mais graves, como já afirmado, bem como a aplicar o princípio da insignificância quando, em face do bem jurídico patrimônio, no que tange a subtração de coisa alheia móvel, a lesão é ignóbil. A relação entre o Direito Econômico e o Direito Penal surge a partir do momento em que as relações econômicas assumiram um caráter mais complexo. Fazendo um levantamento dos fatos históricos, constata-se que a simplicidade das necessidades humanas dos grupamentos primitivos, permitiam que o escambo atendesse a todos os anseios daquela situação. Com o dinamismo das relações comerciais e através de um processo evolutivo desenvolvido paulatinamente, o escambo foi sendo substituído por processos indiretos de pagamento, dando origem assim à moeda. Em razão da falta de confiança em mercadorias não homogêneas, os metais foram escolhidos como parâmetro de valores e, através disto, foram confeccionadas as moedas as quais, apresentavam um lastro de riqueza mais confiável, evoluindo até o atual uso do papel-moeda. Desse modo, considerando os aspectos históricos iniciais, sendo indispensável citar o Mercantilismo, a Revolução Industrial e as novas e atuais tecnologias, o capitalismo cresceu e se desenvolveu geometricamente, o que trouxe novas implicações econômicas na vida social e política dos povos. Na mesma medida, a criminalidade econômica se desenvolvia e se tornava cada vez mais sofisticada. Ao perceber que a criminalidade econômica trazia diversos danos ao Estado, surge a figura do Direito Penal Econômico, o qual comina penas aos desvios de comportamento nas relações econômicas. O Direito Penal Econômico, denominado como o: “[...] conjunto de normas que objetiva à proteção, no âmbito das relações econômicas, dos bens ou interesses juridicamente relevantes, sancionado, com as penas que lhe são próprias, as condutas que os ofendam ou ponham em perigo. ” (OLIVEIRA, 1996, p.18). Ele busca suprimir o desprezo a qualquer valor ético ou moral preconizado pela atividade econômica pautada pela “mão invisível” de Adam Smith. Trata-se da clara relação entre Direito Econômico e Direito Penal, uma vez que, aquele possibilita ao Estado tutelar as relações econômi-

cas. Porém, sem a previsão de sanções. Ao imprimir um caráter penal ao Direito Econômico, o Estado passa a possuir um instrumento eficaz para alcançar os resultados preconizados pelo Direito Econômico. 3 DOS CRIMES ECONÔMICOS Os crimes econômicos são, normalmente, cometidos sob a proteção, ou melhor, sob a blindagem de pessoas jurídicas, através das quais se desenvolvem atividades diversas, tais como nas áreas trabalhistas, fiscais, empresariais, cíveis, dentre outras. O fato é que cada ação, cada ato praticado pelo autor do gênero penal em debate está diretamente voltado para o enriquecimento ilícito e, consequentemente, para a lesão ao sistema econômico. Quando se trata especificamente de crimes econômicos, percebe-se claramente que, a atuação ilícita do autor buscar alcançar o enriquecimento ilícito e para tanto desenvolve suas ações através de um sistema organizacional que o protege. Eles são cometidos através de fraudes e dissimulações, o que levando em consideração a sensibilidade do ambiente econômico, provocam um forte e negativo reflexo social. É importante salientar que o sistema organizacional que protege aqueles que lesam a economia é construído através de uma robusta reunião de agentes, os quais visam os fins ora mencionados. Por este motivo, difícil seria dissociar o crime econômico de uma organização criminosa que difunde e incentiva a criminalidade. Existem traços comuns entre o crime econômico e o crime organizado, de modo tal que os diferencia dos demais crimes, mas os aproxima entre si em muitos aspectos. Os traços mais visíveis são, por exemplo, a infiltração no governo, como meio de corrupção, a adoção de estrutura societário-empresarial, o poder de interferir especulando na economia, o objetivo de rentabilidade da atividade em detrimento da economia, dentre outros. Ocorre que, nestas espécies de tipos penais os agentes principais são pessoas de alta influência, que estiveram presentes em cada fase de desenvolvimento econômico da sociedade, e crer na eficácia estatal no combate destes crimes chega a ser associado a utopia, e por esta razão o potencial ofensivo dos crimes econômicos alcança proporções gigantescas incalculáveis, de maneira desproporcional ao desenvolvimento econômico e, extremamente destrutivo do próprio sistema. O fato é que essa espécie de criminalidade tem como agentes principais, pessoas que normalmente são influentes e sempre estiveram presentes em cada fase do desenvolvimento econômico da sociedade. Nesta certeza é que, crer na eficácia do Estado em combater este tipo de delito, acaba sendo um tanto utópico e, por este motivo, o potencial ofensivo dos crimes econômicos alcança proporções gigantescas incalculáveis, de maneira desproporcional ao desenvolvimento econômico e, extremamente destrutivo do próprio sistema. 3.1 Dos crimes contra a Ordem Econômica Ao tratar de Crimes Econômicos propriamente ditos, deve-se ressaltar a preocupação do legislador em definir quais bens jurídicos deveriam ser tutelados. Para tanto, a Constituição de 1988 preconiza prote-

2 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. […] § 4º - lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. (BRASIL, 1988)

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ger a “livre concorrência”, Princípio implícito no art. 173, § 4º da própria Constituição, bem como busca proteger a “livre iniciativa”, como está descriminado no art.1º, inciso IV, também do texto constitucional2. O texto constitucional deixa claro, conforme o art. citado acima, que deverá ser reprimido qualquer abuso econômico, dominação de mercado, eliminação de livre concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. O sujeito ativo do delito contra a ordem econômica é, basicamente, o empresário, ou seja, conforme dispõe o artigo 966 do Código Civil, é “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços”. Segundo o entendimento de Luiz Regis Prado, trata-se de um delito especial próprio, uma vez que está ligado à condição de empresário do sujeito ativo. Ressalta-se que poderá ser tanto pessoa jurídica, quando pessoa física, que organizar-se-á de individualmente como empresa, empregando seu capital. Já os sujeitos passivos, são os empresários que, na prática da concorrência, são prejudicados no seu direito de livre competição econômica, em virtude do abuso do poder econômico de alguns empresários, sejam individuais ou empresas que devido a distorções de mercado, acabam por controlar o mercado, propriamente dito. Podem também figurarem como sujeito passivo os consumidores, tendo em vista que estes acabam sofrendo prejuízos devido às distorções de mercado que inviabilizam a livre concorrência e a livre iniciativa. Com base nesta Previsão Constitucional, no ano de 1990, o Executivo federal decretou a lei 8.137/90, a qual define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. A referida lei expressa, de maneira categórica, o rol de crimes contra a Ordem Econômica em seu art. 4º3, conforme bem assevera a melhor doutrina trata-se de rol exemplificativo. Conforme previsão deste dispositivo em comento, a pena aplicada a este tipo de delito é de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão, cumulados com multa. Trata-se de ação penal pública incondicionada, bem como estabelece o artigo 15, da mesma Lei. “Art. 15. Os crimes previstos nesta lei são de ação penal pública, aplicando-se lhes o disposto no art. 100 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (BRASIL, 1990). É através deste abuso de poder econômico que surgem as distorções de mercado, tais como os monopólios, oligopólios, etc. Em conformidade com o objetivo do legislador em garantir um ambiente econômico saudável e equilibrado, deve-se mencionar a Lei 8.176/91, a qual aumenta o rol de crimes contra a Ordem Econômica, definindo-os e criando um sistema de estoque de combustíveis. A referida Lei se funda no dispositivo constitucional descrito no artigo 177 da CR/884, o qual garante que certas atividades serão exclusivamente

desenvolvidas pela União. Desse modo, foi criado um monopólio legal, o qual preconiza a intervenção do Estado na economia, tendo como base o interesse público e, por limite, os direitos fundamentais assegurados na própria Constituição. É importante salientar que o mesmo artigo 177 do texto constitucional, através da Emenda Constitucional nº 09 de 1995, prevê a contratação de empresas estatais ou privadas para a realização de tais atividades, antes executadas exclusivamente pela União, relativizando o monopólio estatal, antes tido como absoluto. 3.2 Dos crimes contra a Ordem Tributária Considerando que, para que haja um respaldo econômico suficiente para a realização de atividades destinadas a atender às necessidades sociais, é necessário que sejam arrecadados fundos, inclusive através de tributos, a tutela penal da ordem tributária se faz indispensável. O fato é que quando os gastos do Estado superam o que se arrecada com a exploração de seu patrimônio, a obtenção de receita é feita através da instituição de tributos, tendo como objetivo satisfazer as necessidades sociais e atender aos encargos públicos do orçamento. A atividade tributária do Estado, possui um caráter muito mais extrafiscal do que fiscal, ao passo que busca a diminuição das desigualdades sociais, instituindo, inclusive, impostos progressivos. O Estado, através da criação de tributos, incentiva também o desenvolvimento da indústria, bem como, o desenvolvimento de regiões. Destarte, trata-se de um instrumento, através do qual o Estado tenta garantir um “estado de bem-estar social”, de maneira tal que o Estado acaba sendo um meio, e não um fim em si mesmo. Devido à tamanha importância da Ordem Tributária, a tutela desta, pelo Estado, se torna legítima e indispensável para que seja garantido o equilíbrio e a harmonia do sistema tributário. Como define Luiz Regis Prado, “o sistema tributário é o conjunto de regras constitucionais e infraconstitucionais de natureza jurídico-tributárias, harmonicamente coordenadas e subordinadas, fundadas em cânones ou proposições que garantem e legitimam a estrutura elaborada”. Como instrumento da tutela do erário, tem-se institutos presentes na Lei 8.137/90, já citada anteriormente, a qual prevê quais são as condutas que atentam contra a organização tributária brasileira. O Capítulo I da referida Lei apresenta o rol de condutas valoradas pela Lei, as quais são puníveis quando praticadas. 3.3 Dos crimes contra o sistema financeiro Com vistas a servir aos interesses da coletividade e a promover o desenvolvimento equilibrado do país, a Constituição de 1988 estrutu-

3 Art. 4º. Constitui crime contra a ordem econômica: I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas; II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas; b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas; c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa”. (BRASIL, 1990) 4 Art. 177. Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal. § 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei […] (BRASIL, 1988).

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rou o Sistema Financeiro Nacional. Devido a tamanha importância do referido sistema, o Estado não poderia deixar de tutelá-lo, de modo tal que, em junho de 1986, foi sancionada a lei 7.492/86, a qual definia os crimes contra o sistema financeiro nacional e dava outras providências. Neste mesmo sentido, a Constituição, ao ser promulgada em 1988, exprimiu, ou melhor, ratificou a importância da proteção ao Sistema Financeiro, dedicando com exclusividade, um de seus artigos a este tema. Artigo 192 da CR/88: “O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)”, Desse modo a Lei 7.492/86 fora recepcionada pela Constituição. O bem, jurídico tutelado pela proteção ao sistema financeiro é a credibilidade pública dos valores mobiliários e das empresas que atuam nesse mercado, a veracidade e completude das informações acerca das instituições financeiras, a higidez da gestão das instituições financeiras, de ter outros ao longo dos 35 artigos da Lei 7.492/86. Deve ser salientado que, a referida lei define, em seu artigo 1º, o que são instituições financeiras, observe: Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários. Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira: I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual. (BRASIL, 1986) O crime contra o sistema financeiro é denominado também como “crime do colarinho branco”, uma vez que se trata de um delito praticado, em determinado âmbito profissional, por pessoa de elevado status social. Contudo, deve-se ressaltar que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, tratando-se de um delito comum. 4 SONEGAÇÃO FISCAL Sonegação Fiscal pode ser traduzida como a utilização de procedimentos que violem diretamente a lei fiscal ou o regulamento fiscal. Trata-se do meio pelo qual o contribuinte, voluntariamente, se omite, a fim de “driblar” o fisco com o objetivo de não pagar o imposto devido. Em julho de 1965 foi decretada a lei nº 4.729 que define o crime de sonegação fiscal e dá outras providências. O texto da referida lei, no que se refere aos crimes, apresenta um rol taxativo de tipos delituosos e comina penas a serem aplicadas contra aqueles que praticarem a conduta ilícita. Ainda, em 1990, foi decretada a lei nº 8.137, a qual também define crimes contra a ordem tributária. A referida lei é mais abrangente, elencando situações relativas à Ordem Econômica e às Relações de Consumo, contudo, dedica um de seus capítulos inteiramente a

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matéria tributária. Os dois institutos legais acima relacionados demonstram quais são as condutas delituosas, as quais se concretizadas, configuram crime de sonegação fiscal. O fato é que, ao infringir a lei que protege o fisco, o delinquente ainda acaba por violar a legislação cometendo mais duas condutas ilícitas quais sejam, a apropriação indébita e o enriquecimento ilícito. Talvez possa ser considerada uma das mais graves violações à legislação brasileira, tendo em vista que ao sonegar, ao lesar o erário, o sonegador se apropria de recurso financeiro que não o pertence, mas sim, pertence à coletividade. O que agrava a situação é que, no Brasil, há uma aceitação cultural com relação a este tipo de conduta delitiva, a qual pode ser traduzida pela prática do famigerado “jeitinho”, a fim de não pagar ou de pagar em menor quantidade os tributos instituídos. O fato é que aquele que “dribla” o fisco se considera um esperto, vitorioso em uma batalha contra um “opressor”, que seria no caso o Estado, e assim acaba sendo visto pelos demais membros da sociedade que se simpatizam por esta prática. As justificativas para delinquentes deste tipo de crime são várias, entretanto, a mais recorrente é a velha história de que a sonegação se funda na alta carga tributária, de modo que, teoricamente, o sujeito sonega por não conseguir pagar os altos impostos. Ocorre que há uma clara e estreita relação entre a instituição de tributos e a sonegação destes de maneira inversamente proporcional, ou seja, quanto mais se sonega, mais impostos são criados para suprir a falta daqueles que deveriam ter sido pagos. Segundo o Sonegômetro, ferramenta utilizada pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), para mostrar os prejuízos causados ao país pela prática de sonegação, até outubro do ano de 2015, o país apresentou um rombo de aproximadamente 388 bilhões de reais. Observe que os bons pagadores pagam pelos maus pagadores e o pior, é que boa parte dessas pessoas são as mesmas que cobram serviços de qualidade, ao invés de denunciarem a falta de compromisso do Estado, preferem sonegar impostos a cobrar qualidade nos gastos públicos. Infelizmente, trata-se de uma questão cultural, difundida e aceita na sociedade, a qual somente será suprimida através de um processo educativo voltado para a ética e cidadania e respeito às leis. 4.1 Caso HSBC Um dos casos de sonegação fiscal noticiados, de maneira medíocre, pela mídia brasileira foi o caso do Banco HSBC. Através do vazamento de dados de 106 mil clientes de 203 países que mantinha contas na Suíça, o Banco HSBC se tornou o foco de um escândalo bancário. O escândalo está diretamente ligado à supostas evidências de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, ocorridas entre os anos de 2005 e 2007. Levando em conta que a Suíça é considerada um “paraíso fiscal”, a maior parte dos clientes aproveitava o sigilo proporcionado pela legislação do país, para manterem vultuosas quantias em dinheiro sem a necessidade de pagamento de impostos. O fato é que Hervé Falciani, ex-funcionário da área de tecnologia da informação da filial do banco na Suíça, ao obter informações sobre as 106 mil contas de clientes expressivos do banco, em cujas contas transitavam bilhões de euros, fugiu com todo o material a fim de evitar ser processado pelas leis locais e, em meados de 2007, entregou todo o material às autoridades francesas. A partir daí a França passou a investigar cidadãos franceses que mantinham contas secretas na Suíça, o que deu origem também à chamada “Lista Lagarde” que desencadeou prisões e tentativa de repatriação de recursos financeiros na Bélgica, Argentina, Grécia, Espanha e nos Estado Unidos.

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No Brasil, de acordo com o material entregue por Falciani às autoridades francesas, há cerca de 5,5 mil contas secretas de brasileiros, entre pessoas físicas e jurídicas, constando um saldo total de cerca de 19,5 bilhões de reais. O Brasil possui, entre as 106 mil contas, o vergonhoso 203º lugar em volume de dinheiro, isso somente nas 5,5 mil contas secretas de brasileiros. Segundo às denúncias, o banco, além de “fazer vista grossa”, ajudava, ativamente, a delinquentes da lei tributária, a retirarem dinheiro de seus países, sem o devido pagamento de impostos. Dentre os sonegadores brasileiros estão políticos, empresários, esportistas, artistas e traficantes de drogas. Dentre os famosos que mantinham contas secretas na Suíça estão o apresentador Jô Soares, as atrizes Cláudia Raia, Marília Pêra e Maitê Proença, bem como os atores Edson Celulari e Francisco Cuoco. Além destes, vários políticos de vários Partidos foram citados, dentre eles, o que está na mira das autoridades brasileiras, o Deputado Federal Eduardo Cunha (PMDB/RJ), Presidente da Câmara dos Deputados, fato que têm gerado o descrédito da casa legislativa. 4.2 Caso Lava Jato O nome do caso, “Lava Jato”, decorre do uso de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente investigadas. Embora a investigação tenha avançado para outras organizações criminosas, o nome inicial se consagrou. Conforme divulgado no site oficial do Ministério Público Federal: A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de reais. Somase a isso a expressão econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de corrupção que envolve a companhia (MPF, 2016). Cuidou ainda o MPF de elucidar: No primeiro momento da investigação, desenvolvido a partir de março de 2014, perante a Justiça Federal em Curitiba, foram investigadas e processadas quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, que são operadores do mercado paralelo de câmbio. Depois, o Ministério Público Federal recolheu provas de um imenso esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras. Nesse esquema, que dura pelo menos dez anos, grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários superfaturados. Esse suborno era distribuído por meio de operadores financeiros do esquema, incluindo doleiros investigados na primeira etapa (MPF, 2016) Conforme o prefácio feito por Santos na obra de Paulo Moreira Leite (2015) sobre a operação da Lava-Jato, identificou-se que o modelo teórico desta investigação segue as linhas da operação Mãos Limpas, que nasceu numa realidade bem diferente da nossa. Ao definir para o leitor no que consistiu esta operação mãos limpas, Leite (2015, p. 119) destacou: O primeiro passo da operação ocorreram naquele período histórico marcado pela queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética, quando Washington procurava definir um novo eixo

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da política mundial depois da Guerra Fria, tentando consolidar-se como a única potência mundial. Esta operação em muito se assemelha à Lava-Jato, apesar dos momentos históricos diferenciados das mesmas, contudo, o próprio juiz Sergio Moro já mencionou esta operação, fazendo ainda alusão que seu trabalho muito se assemelha com o trabalho feito no passado (LEITE, 2015). Com base em conhecimentos de inúmeros institutos jurídicos a investigação da Lava-Jato tomou rumos anteriormente não muito usuais em se tratando investigações criminais que buscam apurara crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. 5 CONCLUSÃO Tanto os crimes de corrupção, atrelados especialmente à desvios de verba, formação de cartéis e recebimento de propinas, quanto o crime de sonegação fiscal são condutas que, observando a legislação pertinente, são puníveis, apresentando sanções, inclusive cominação de penas. O fato é que uma delas, no caso, a corrupção propriamente dita, está diretamente ligada ao serviço público, logo, à coletividade, enquanto a outra, sonegação fiscal, teoricamente, estaria diretamente ligada ao indivíduo que sonega, o que, ao realizar-se uma análise menos voltada para o senso comum, não se sustenta. Ambas condutas lesam, em proporções diferentes, os cofres públicos. Uma delas por destinar o recurso a finalidades ilícitas, muitas vezes, fazendo com que o particular aproprie-se de tal recurso, outra, por sua vez, por impedir que o recurso seja integrado ao patrimônio do Ente respectivo. Entretanto, uma das condutas, no caso a sonegação fiscal, possui certa aceitabilidade por parte da sociedade, devido à uma questão cultural, o que faz com que este tipo penal, mesmo que de maneira sorrateira, seja mais recorrente. No que se refere à corrupção, esta é altamente reprovável pelos membros da sociedade, de maneira tal que, quando descoberta, é colocada em destaque pela mídia, o que acaba por inibir a ação de corruptos. É importante também observar, ou melhor, destacar, o dano causado por cada uma das condutas, especialmente no que se refere às quantias envolvidas em cada uma das operações. Tais danos são estendidos profundamente às áreas de serviços essenciais, os quais são prestados à população, porém, no que se refere à qualidade, em sua maioria, a situação é caótica. Os dois escândalos de corrupção citados como exemplo neste trabalho, se somados, apontam valores de operações financeiras ilícitas estimadas em 1,5 bilhões de reais. Deve ser salientado que precisar a quantia envolvida em tais escândalos é praticamente impossível, entretanto, há indícios fortes que apontam para estes valores. Já, quando se trata de sonegação fiscal, a cada ano, os cofres públicos apresentam déficits estratosféricos, chegando ao valor estimado de 400 bilhões de reais somente no ano de 2015. A situação relativa a sonegação fiscal é tão grave que, se forem somados todos os escândalos de corrupção descobertos no ano de 2015, dificilmente o valor envolvido em cada operação chegaria em 1/5 do prejuízo causado pela sonegação fiscal. Daí, é impossível não pensar nas deficiências na prestação de serviço de educação, saúde e segurança públicas, caracterizadas como serviços essenciais, sem vinculá-las aos prejuízos causados pelas práticas ora citadas, serviços estes que, como já foi dito anteriormente, em sua maioria apresentam péssima qualidade de prestação. Como se vê a necessidade de ajustes fiscais empregados pelo governo federal e pelos governos estaduais e municipais, a fim de “tapar o buraco” aberto por corruptos e sonegadores que, na maioria

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das vezes, sequer são punidos. Outra questão importante a ser levantada é que, com os ajustes fiscais, quem arca com os prejuízos causados por uma parcela da sociedade, acaba sendo a própria sociedade, porém, como um todo. Para se constatar a veracidade disto, basta fazer uma análise na atual situação do país, situação em que há um déficit de aproximadamente 50 bilhões de reais, e há a sonegação de, até outubro deste ano, aproximada de 388 bilhões de reais. Logo, fica fácil concluir que, se todos aqueles que devessem, pagassem de maneira correta e honesta os impostos estipulados, não haveria necessidade de praticar quaisquer ajustes fiscais e, provavelmente, a qualidade dos serviços públicos seria melhor. Audaciosamente, apesar de imoral, pode se concluir também que, mesmo se continuassem a existir os desvios de verba, o pagamento de propinas e a formação de cartéis, contanto que os impostos fossem pagos devidamente, não haveria crise econômica neste país. Desnecessário é, porém, será citado que, o ideal seria que as práticas ilícitas citadas nesta pesquisa não se concretizassem, o que, certamente garantiria o tão perseguido “estado de bem-estar social”. Infelizmente, este ideal ainda parecer ser utópico. REFERÊNCIAS As celebridades brasileiras na lista do HSBC-Swissleaks. Pragmatismo político. Disponível em: <http://www.pragmatismopolitico.com. br/2015/03/as-celebridades-bra sileiras-na-lista-do-hsbc-swissleaks. html> Acesso em: 18de nov. de 2015 BERTA, Ruben; OTAVIO, Chico; TARDÁGUILA, Cristina;Lista de correntistas do HSBC na Suíça tem atores, cineastas, músicos e celebridades brasileiras: Entre donos de contas numeradas na Suíça, constam personalidades da cultura, que negam ilegalidades. Disponível em:< http://oglobo.globo.com/brasil/lista-de-correntis tas-do-hsbc-na-suica-tem-atores-cineastas-musicos-celebridades-brasileiras-156677 48>. Acesso em 10 de nov. de 2015.

LEMOS, Christina. Mensalão distribuiu R$ 141 milhões em propina, diz Gurgel. Disponível em: <http://noticias.r7.com/blogs/christina-lemos/2012/07/31/mensalaodistribuiu-r-141-milhoes-em-propina-dizgurgel/>.Acesso em 21 de out. de 2015. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral : parte especial. 8. ed. rev., atual. eampl. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2012. OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Direito penal econômico brasileiro. Porto Alegre. Sagra: D C Luzzatto, 1996 O que é corrupção. Disponível em: <http://www.significados.com.br/ corrupcao/> Acesso em 19 de out. de 2015 PRADO, LUIZ REGIS. Direito penal econômico: ordem econômica, relação de consumo, sistema financeiro, ordem tributária, sistema previdenciário, lavagem de capitais, crime organizado. 4. ed. rev., atual. eampl. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2011. REVISTA Eletrônica de Direito. Normas de Publicação. Revista eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva – ISSN 1678-8729. Disponível em: <http://npa.newtonpaiva.br/direito/?page_id=17>. Acesso em 21 de jun. 2016. SONEGAÇÃO, FRAUDE E CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PORTAL TRIBUTÁRIO. <http://www.portaltributario.com.br/noticias/ conceitode_sonegacao.ht m>. Acesso em 23 de out. de 2015 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico. 6. ed. São Paulo. LTr, 2005.

Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Laura Maria Fernandes Lima (Examinadora)

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RENÚNCIA AO ESTADO DE FILIAÇÃO Dalila Aparecida Tomé Cruz 1

RESUMO: O presente trabalho analisará a evolução da família e das normas que versará sobre esse instituto. Abordaremos o conceito de família no direito comparado e no que tange ao nosso ordenamento jurídico, sobre as leis especificas e projetos de leis que estão em tramitação. Do mesmo modo, trabalharemos com a relação familiar, mais precisamente entre filho, pai ou simplesmente genitor, eventuais destituição de poder familiar e abandonos afetivos. Dos danos causados a este filho, e a substituição do vínculo biológico pelo afetivo, que seja preservado o princípio da dignidade da pessoa humana e direito de personalidade. PALAVRAS-CHAVE: Abandono. Afeto. Danos causados. Dignidade da pessoa humana. Direito de personalidade.

1 INTRODUÇÃO

2 CONCEITO DE FAMíLIA EM OUTROS ESTADOS

O presente trabalho consiste em uma análise das relações familiares, mais precisamente entre pais e filhos. Os pais exercem sobre seus filhos o poder familiar, caracterizado de forma mais preponderante como um dever e obrigações para com estes filhos do que direitos em relação a esses. O poder familiar é irrenunciável, intransferível, inalienável, im-

Família é o núcleo fundamental de todo ser humano, o início da vida. Não existe ninguém que não descenda de outra geração, que não possua laços consanguíneos com outras pessoas. É a base da sociedade, primeiro contato de socialização da espécie humana. Para Dias (2015, p. 31): “A família é tanto uma estrutura pública como uma relação privada, pois identifica o indivíduo como integrante do vínculo familiar e também como partícipe do contexto social.”. As famílias sofreram diversas alterações em sua forma de constituição. A realidade das famílias canônicas, modelo tão presente no começo da nossa civilização foram deixadas no passado, ocorrendo mudanças em diversos aspectos dentre eles religioso, econômico e sociocultural. Na Constituição de 1988, que instituiu o Estado Democrático de Direito, há uma transformação no âmbito da família criando uma entidade familiar de forma mais ampla e protegida pelo Estado. Altera-se o padrão tradicional, concedendo iguais direitos e deveres a homens e mulheres no tocante a vida conjugal e educação dos filhos. No art. 226 CR/88, temos a seguinte redação: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” (BRASIL, 1988). Dessa forma, a família torna-se o centro das relações com efetivo interesse do Estado em sua proteção. A Constituição traz uma igualdade entre filhos e pais, cônjuges e parceiros, e passa pautar as relações familiares pelo afeto. A adversidade de modelos familiares torna-se insignificante quando o afeto entre os entes é o que predomina em tal relação. O processo evolutivo das famílias não é somente no Brasil. Observamos essa evolução em outros Estados, seja por desenvolvimento cultural, religioso, cientifico dentre outras hipóteses. Desta feita, passemo-nos a tratar o conceito de família no direito comparado. Para o Direito Italiano a definição de família encontra-se no art.29 §1º da Constituição, sendo “sociedade natural fundada no casamento” a Lei mencionada é de 1948. O ordenamento jurídico Italiano é bem conservador e o texto Constitucional é aplicado de forma ampla dentre as relações familiares até os dias de hoje. Existem formas diversas de relações afetivas, mas essas relações não serão reconhecidas como família. No Direito Espanhol não há definição do conceito de família no texto constitucional de 1978. Havendo previsão legal da proteção social, jurídica e econômica da família. O matrimônio torna-se a única forma familiar regulada pela Lei Maior, mas sem a definição do que seria

prescritível e personalíssimo. Contudo, o poder familiar exercido não é irrestrito, existem limites para atuação dos pais que excedam o seu poder, deste modo, os pais que abusam do seu poder, poderá incorrer na perda do poder familiar. A extinção do poder familiar não rompe com o vínculo de parentesco. Podendo este vínculo ser um tipo de trauma carregado pelos filhos. Sendo as consequências emocionais e psicológicas catastróficas nesse sentido, uma vez que não há a efetiva interrupção do vínculo de parentesco. Em nosso ordenamento jurídico nas legislações vigentes não existe dispositivo expresso que estabeleça o rompimento do vínculo de parentesco entre os entes. As regras jurídicas demonstraram-se insuficientes e limitadas, não atingindo amplitude das relações jurídicas entre pais e filhos. Aos pais cabem cuidar, proteger e amar os seus filhos. O que muitas vezes não ocorre de fato em nossa sociedade, pois uma realidade cada vez mais presente e vivenciada nos lares é de abandonos afetivos, maus tratos, torturas, dentre inúmeras formas de barbaridades praticadas pelos pais. A partir desta premissa, utilizaremos um princípio Constitucional consagrado como um direito fundamental do Estado Democrático de Direito, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Com previsão Legal na Carta Maior em seu art. 1º III. (BRASIL, 1988). Observa-se a necessidade de interpretar sempre a partir da Lei Maior, assim viabilizamos o alcance da dignidade da pessoa humana em todas as relações Jurídicas. Para comprovação da afirmativa, serão realizadas análises das opiniões expostas em artigos científicos, doutrinas, na Constituição Federal da República, no Estatuto da Criança e do Adolescente, nas jurisprudências bem como nas legislações. Diante do exposto, o trabalho propõe colocar em discussão a omissão da legislação uma vez que não há previsão legal para o efetivo rompimento da relação parental.

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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família propriamente dita, deste modo, há divergência entre os juristas sobre a possibilidade de reconhecer diversos tipos de entidades familiares. O Tribunal Constitucional manifestou-se sobre o assunto, declarando que família é algo mais amplo do que a família legitimamente prevista na Constituição, mas não definiu o conceito preciso de tal instituto. Na Alemanha, o conceito de família é separado no tocante a esfera civil e religiosa. O art. 6º da Constituição Alemã dispõe que, a sociedade conjugal e a família encontram-se sob a proteção do Estado. Este artigo é o principal dispositivo que regula o âmbito familiar. O conceito adotado no século XX, meados dos anos 1970, ao qual a família era baseada no matrimônio, foi superado. Passa a ser aceito o conceito de família aos grupos de pais divorciados com filhos, pais que adotaram, pais que não estabeleceram o casamento com o nascimento do filho, dentre outras modalidades. Por fim, no conceito de família no direito Francês. O Código de Napoleão juntamente com a doutrina, definem este conceito como um conjunto de pessoas unidas pelo casamento, adoção, filiação ou parentesco de descendência comum. Na Lei 25.7.1994, a família é caracterizada como um valor essencial ao qual se funda a sociedade. Cumpre salientar que o Código Civil Francês no at. 326, prevê o parto incógnito, ou seja, se a mãe desejar não constará sua ascendência no registro civil do filho, preservando a identidade da genitora. Salvo o direito do filho de conhecimento de sua ascendência, caracterizando como um direito de personalidade. Fato é que, independente do Estado, a instituição família vem sofrendo diversas transformações, exigindo-se, desse modo, uma contínua transformação e adequação das Leis que a regem. As características e peculiaridades de cada caso concreto, vai auxiliando os aplicadores do Direito para que percebam a necessidade de adequações às normas que versam sobre o assunto. 3 DO PARTO INCÓGNITO OU ANÔNIMO Uma modalidade de parto adotada por diversos países como França, Itália, Luxemburgo, Bélgica, Áustria e Estados Unidos (em 28 dos 50 Estados que possuem), é o parto incógnito ou anônimo. Nesses partos é assegurado o direito da mãe ao sigilo da filiação. Essa medida é adotada para que diminua o número de abandono, ou até mesmo abortos, o intuito é unicamente salvar a vida dessas crianças. Sendo assim, os Estados disponibilizam a opção para as genitoras que não querer assumir seu filho, desta maneira tenta minimizar as estáticas de crianças que são assassinadas ou abandonadas em condições sub-humanas por pais que não querem assumir a filiação. Na França, além da mãe ter como opção do parto incógnito, é permitido o sigilo dos dados da genitora, conservando deste modo o anonimato total da mãe, “desta forma, nenhum elo de parentesco, pois mantém preservada a identidade da mãe, salvo o direito de personalidade do filho em conhecer sua ascendência biológica.” (MALUF, 2010). Fica a critério da genitora o fornecimento ou não de seus dados, para uma futura busca por seu filho biológico e conhecimento de sua ascendência. Decorrido o lapso temporal de dois meses do nascimento do filho, a genitora pode optar pelo direito de arrependimento e reaver sua guarda da criança para si. Transcorrido esse prazo sem que a mãe se manifeste, a criança será devidamente encaminhada para adoção. A alternativa utilizada em vários países para evitar elevado número de abanos de crianças por seus progenitores ainda não é uma realidade vivenciada por nosso ordenamento jurídico. Está em tramitação, para aprovação, três Projetos de Lei no Brasil: PL nº 2.747/2008, 2.834/2008 e 3.220/2008. Tais projetos visam acabar com esse catastrófico cenário de abandonos e instituir o parto anônimo. A

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genitora poderá realizar todo pré-natal e o parto assistido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) sob total sigilo e, após o nascimento, deixar a criança nos locais determinados para entrega. Eximindo-se assim, do fruto de uma gravidez indesejada, sem qualquer responsabilidade civil ou criminal. E a divulgação dos dados dessa genitora só poderá ocorrer mediante autorização judicial. Existem diversas críticas sobre a previsão de parto anônimo no Brasil, Lucilda Dadalto Penalva (2009, p. 87) defende que, em se tratando de parto anônimo, o cerne da questão a ser enfrentado referese ao “choque entre a liberdade da mulher e o direito à identidade do filho”, colidindo frontalmente o direito à liberdade da mãe e o direito à personalidade do filho. O parto incógnito ou anônimo é a possibilidade do nascimento de uma criança e encaminhamento para uma família que lhe dispensará amor, afeto, vida digna e um ambiente familiar que será fundamental ao seu crescimento. Mais uma vez, resta claro que os traços biológicos não é nada além de uma carga genética, que definitivamente não terá relevância diante do afeto, pois este sim pode auxiliar na evolução e formação do preceito de dignidade da pessoa humana. 4 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) Vivenciamos uma constante transformação da sociedade em todos os aspectos. No tocante às famílias, as normas buscam atender as novas características introduzidas ao longo dos anos. E diante de tantas formas de núcleos familiares distintos, acabam tornando-se rapidamente insuficientes e obsoletas. Em uma visão histórica sobre este instituto denominado família, o pai já obteve o poder exclusivo sobre o núcleo familiar conforme fixava o Código Civil de 1916. Todos os membros familiares eram subordinados e deviam respeito ao pai, denominamdo esse poder como pátrio poder, segundo Fernanda Paula Diniz: “[...] poder do pai que cuidava de seus membros dando-lhes o necessário à subsistência sem preocupar com os métodos usados para atingir os objetivos.” (DAMASCENA; DINIZ, 2009). O Pátrio Poder era voltado para questões meramente materiais. Não havia preocupação com os laços afetivos entre pais e filhos. Neste momento da história a mãe é uma figura totalmente submissa e secundária nas relações sendo concernente a ela apenas alguns direitos sobre a obediência dos filhos. Para Tomizawa e Moreira (2011, p. 4): “Assim, em decorrência da característica da sociedade na época, a mulher somente poderia exercer o poder familiar subsidiariamente, pois prevalecia à ideia de subordinação ao homem, ressaltado desse modo, o poder que o pai exercia como chefe da família.”. Diante das mudanças na sociedade, as normas passam a não se adequar. Eis que então, temos um grande marco neste sentido. O advento da promulgação da Constituição Federal de 1988. Criados novos parâmetros dentro das famílias, o homem deixa de ser o centralizador do poder e passa existir uma igualdade entre homens e mulheres, voltando à relação familiar para o afeto, base essa que deve pautar todo relacionamento entre pais e filhos. O Código Civil de 2002 exclui a nomenclatura Pátria Poder, alterando para Poder Familiar, mudança essa que condiz ao Estado Democrático de Direito ao qual estamos inseridos. Os direitos e obrigações são iguais aos genitores, não existe qualquer distinção de responsabilidades, segundo Tomizawa e Moreira (2011, p. 6-7): O poder familiar deve ser entendido como um instituto que estabelece aos pais um conjunto de direitos e deveres quanto a criação e formação de

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seus filhos. [...] o que temos, é um instituto focado na proteção e no desenvolvimento da criança e do adolescente, atribuindo aos pais tal múnus, para que seja exercido sempre no interesse da criança e do adolescente. Dado esse enorme avanço nas normas que versam sobre os direitos das famílias, criou-se uma lei especifica. Lei essa que visa à proteção e garantia das crianças e dos adolescentes, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90. O poder familiar é regulamentado no art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.” (BRASIL, 1990). O ECA torna-se um divisor de águas na busca de proteção aos direitos das crianças e adolescentes com previsão de sanções em casos de atos infracionais, com escopo na garantia dos direitos fundamentais e individuais das crianças e dos adolescentes. Se os pais não exercem os poderes familiares a eles inerentes, conforme previsão das leis, poderá ocorrer à destituição do poder familiar. Essa sanção pode ser aplicada a um ou ambos os genitores. O melhor interesse da criança e do adolescente sempre prevalecerá, sendo um objetivo da família ou de quem detenha a guarda da criança assegurar isso. No caso de descumprimento a intervenção estatal se faz necessária. Contudo, essa intervenção acarreta efeitos graves na vida de ambos, tanto dos filhos quanto dos pais, deste modo, deve ser a última medida adotada pelo judiciário. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 24, versa sobre o procedimento judicial da perda do poder familiar, vejamos: “Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.” (BRASIL, 1990). Nesse sentido vejamos o entendimento jurisprudencial do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em julgados sobre destituição do poder familiar: EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR - I. SITUAÇÃO DE RISCO - ABANDONO - DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES DE GUARDA QUE EXTRAPOLA A CARÊNCIA MATERIAL - AUSÊNCIA DE INDICATIVOS DE POSSIBILIDADE DE REESTABELECIMENTO DO CONVÍVIO FAMILIAR - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR - II. PEDIDO DE CONDENAÇÃO DOS GENITORES AO PAGAMENTO DE ALIMENTOS - POSSIBILIDADE NOS CASOS EM QUE AS CRIANÇAS AINDA ESTÃO INSTITUCIONALIZADAS - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA POSSIBILIDADE DOS GENITORES - SITUAÇÃO FINANCEIRA EXTREMAMENTE PRECÁRIA FIXAÇÃO DE ALIMENTOS SE TORNARÁ GRAVAME INSUPORTÁVEL - PEDIDO IMPROCEDENTE RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - A Lei nº 12.010/09, que trouxe importantes alterações ao Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe que, antes de se falar em destituição do poder familiar, devem ser buscadas todas as formas de reinserção da criança na família natural e, apenas se frustradas as tentativas, poderá o poder familiar ser destituído. Se no caso concreto, mesmo após todas as tentativas de apoio para reestruturação da família de origem não existirem indicativos de possibilidade do reestabelecimento do poder familiar e nem de melhora e mudança das

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condições que ensejaram a propositura da ação é imperativa a procedência do pedido de destituição do poder familiar. - Admite-se a condenação dos genitores que tiveram seu poder familiar destituído ao pagamento de alimentos aos filhos em casos em que o poder familiar foi destituído, mas as crianças ainda não foram adotadas e encontram-se institucionalizadas. Isso porque após a adoção cessa qualquer vínculo com os pais biológicos ou afetivos que tiveram seu poder familiar destituído, sendo que além de a adoção exigir a prévia destituição do poder familiar, ela acarreta na extinção desse poder, nos termos do art. 1.635 do Código Civil. Ainda que seja possível tal fixação de alimentos ela não ocorrerá quando a família de origem não tiver mínimas condições financeiras de pensionar os filhos. (MINAS GERAIS, 2015, grifos nossos). EMENTA: DIREITO DE FAMÍLIA - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILAR - PROVAS CONCRETAS QUE APONTAM A INCAPACIDADE DOS GENITORES EM CUMPRIR AS FUNÇÕES DE PAI E DE MÃE - DESTITUIÇÃO CONFIRMADA. - A perda ou a destituição do poder familiar é a sanção mais grave imposta aos pais, quando estes faltam com os deveres em relação aos filhos. Nesta linha de raciocínio, o Código Civil de 2002, prescreve em seu artigo 1.638 as hipóteses em que perderá o poder familiar o pai ou a mãe, ou, ambos, se comprovados a falta, omissão ou abuso em relação aos filhos. No caso dos autos, restou amplamente demonstrada a omissão dos genitores da menor com relação à criação de sua filha, existindo provas suficientes que evidenciam, de forma suficiente, o abandono da menor. (MINAS GERAIS, 2016, grifos nossos). Desta feita, como amplamente exposto, o objetivo é assegurar o melhor interesse da criança e do adolescente. A destituição será a medida mais extrema adotada em relação à proteção dos filhos, não podendo haver qualquer tipo de dúvida do julgador nos elementos comprobatórios para o seu convencimento em aplicar tal sanção punitiva aos pais. 5 ABANDONO AFETIVO Os vínculos sanguíneos no contexto familiar, tem se tornado cada vez menos relevante, o afeto torna-se o principal vínculo, um elo das famílias. A afetividade tem valoração jurídica em nosso ordenamento. Não estamos tratando de amor, pois esse não poderá ser obrigado, mensurado ou se quer tutelado juridicamente, estamos tratando de afeto. A falta de afeto familiar pode causar problemas no desenvolvimento psíquico, social e moral do indivíduo. No abandono afetivo o filho sente-se rejeitado, excluído da presença materna ou paterna. Cabe aos pais prestar assistência aos filhos. Quando existe omissão afetiva de quem deveria prestar amor, carinho, respeito e cuidado adentramos aos danos psicológicos causados por esse genitor. A dignidade daquele que sofre com esse dano é extremamente abalada, havendo violação ao seu direito de personalidade. Para Wilson Donizete Liberati (2010, p. 25) “A família é o primeiro agente socializador do ser humano. A falta de afeto e amor da família gravará para sempre seu futuro”. A criança ou adolescente que é abandonado pelos pais, podem desenvolver baixa autoestima, frustações, criar imagem depreciativa de si mesma e acha-se culpado pelo abandono. Muitos filhos que foram abandonados por seus genitores recorrem à esfera civil, por meio de ação de indenização por danos morais,

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como forma de amenizar todo mal vivenciado e diminuir os danos que decorrem do abandono. O posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema tem caminhado nesse sentido. Eis que surge algumas indagações. O valor pecuniário obtido nessas indenizações é suficiente para esses filhos? Seria a indenização a solução dos problemas para todos os filhos que foram abandonados por seus genitores? O reconhecimento da paternidade ou maternidade afetiva, substituindo no registro civil o vínculo biológico, não pode ser uma alternativa no intuito de esquecer os genitores que causaram tais sofrimentos? A desvinculação completa biológica trazida no registro civil, não pode ser uma opção como forma de sanar os danos? Muitos são os questionamentos no tocante a matéria tratada. Em recente julgado que analisaremos a seguir, houve a supressão do nome materno no registro civil da criança, pela inclusão do nome da madrasta. Posicionamento como esse, deveria ser cada vez mais comum em nossos tribunais, deixando de lado o conservadorismo e voltando os olhares a realidade tão presente em vários lares. 5.1 Projeto de Lei do Senado Federal 700/2007, tipificação como crime do abano afetivo Temos em tramitação o Projeto de Lei 700/2007, que modificará em parte o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O referido projeto vem tratar um problema de cunho social, o abandono afetivo. A alteração consiste em tipificação como crime o abandono afetivo e prever o direito de reparação civil pelo pai que incorrer no abandono. A jurisprudência atual tem pacificado o entendimento do tema no tocante a reparação civil, fixando indenizações pelo abandono afetivo. Na mesma toada o Superior Tribunal de Justiça tem acolhido a pretensão de reparação, conforme decisão do Recurso Especial nº. 1.159.242/SP. Ao qual acolheu a compensação do abandono por indenização em danos morais: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (BRASIL, 2012). LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Na esfera penal a conduta se tornaria crime com previsão de pena de um a seis meses de detenção, vejamos a redação do artigo do PL 700/07: “Art. 232-A. Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social. Pena – detenção, de um a seis meses. (BRASIL, 2007).” As alterações propostas para a modificação do ECA são significativas. Outra medida relevante dar-se-á ao descuido dos filhos por parte dos pais, podendo acarretar, por medida cautelar, o afastamento do acusado da moradia, atualmente hipótese prevista somente em casos de abusos sexuais e maus tratos. A participação da escola torna-se mais direta nestes casos, criase o dever aos diretores de escolas de ensino fundamental em comunicar ao Conselho Tutelar os casos de abuso, abandono afetivo e negligencia que tomem conhecimento. Acrescendo deste modo, tais modalidades além das que estão previstas atualmente. O aludido projeto busca embasamento na Constituição Federal em seu art. 227, que assegura os deveres da família, bem como assegura o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, art. 1º, III CR/88. Tal projeto de lei coaduna com o presente trabalho, ao qual visa o melhor bem estar do menor. O afeto é fundamental para a existência e desenvolvimento humano, sua valoração jurídica tem tomado proporções cada vez maiores, sendo a falta deste afeto imensuravelmente danosa no desenvolvimento psíquico, social e moral para aquele que sofre com o abandono. As sanções previstas para o agente agressor, seria um modo de tentar minimizar a rotineira incidência dessas ações. 5.2 Análise Jurisprudencial Dentre as hipóteses que estão elencadas no rol da perda familiar do art. 1.638 CC/02, será realizado uma análise em posicionamento jurisprudencial que começam a divergir o entendimento majoritário dos tribunais. Segue a ementa do Colendo Tribunal de Justiça de São Paulo, in verbis: EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. REGISTRO CIVIL. NOME. ALTERAÇÃO. SUPRESSÃO DO PATRONÍMICO PATERNO. ABANDONO PELO PAI NA INFÂNCIA. JUSTO MOTIVO. RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 56 E 57 DA LEI N.º 6.015/73. PRECEDENTES. (SÃO PAULO, 2011). O filho que busca através do judiciário a supressão do nome do genitor de seu registro de nascimento, tem seu convencimento formado quanto a figura paterna ou materna por conseguinte a relevância de carregar essa ascendência. O Estado não pode intervir no direito de personalidade, os danos causados são irreparáveis, sendo essa exclusão da vida do filho um modo de amenizar todos os problemas aos quais vivencia por ter vínculo meramente biológico e cível com seu genitor. A relação entre pais e filhos, muito além deste quesito, deve existir uma relação de sentimento, confiança e carinho suportando os pais, juntamente aos seus filhos, todas as necessidades inerentes à relação humana. Quando ocorre vício de consentimento e um pai é induzido a erro quanto a filiação de seu filho é permitido alterar o registro civil do suposto filho retirando seu nome e sobrenome do mesmo, porque, então, não seria permitido aquele que não teve a presença de um pai renunciar estes vínculos? O estado biológico pode ser superado em relação ao amor re-

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danos psicológicos em razão dessa conduta. 2. O fato de existir pouco convívio com seu genitor não é suficiente, por si só, a caracterizar o desamparo emocional a legitimar a pretensão indenizatória. 3. Embargos desprovidos. (DISTRITO FEDERAL, 2015, p. 98).

cebido por outra pessoa diversa ao genitor. Em recente julgado tivemos uma brilhante decisão nesse sentido. Assim vejamos: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR CUMULADA COM ADOÇÃO. ABANDONO. INÉRCIA DA GENITORA EM BUSCAR CONTATO COM O FILHO. CRIANÇA QUE POSSUI ESTREITOS VÍNCULOS AFETIVOS COM A ESPOSA DE SEU PAI, PRETENDENTE À ADOÇÃO. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. SUPERIOR INTERESSE DO MENOR. 1. A inércia da genitora em buscar contato com o filho, somada ao contexto probatório carreado aos autos, comprovam sobejamente o abandono afetivo e material perpetrado em relação ao infante, circunstância que autoriza o decreto de perda do poder familiar, com fundamento no art. 1.638, inc. II, do Código Civil. 2. Muito embora o decreto de perda do poder familiar seja medida extrema, no caso vai ela ao encontro dos superiores interesses do menor, princípio insculpido no art. 100, inciso IV, do ECA, ao viabilizar a adoção pretendida pela esposa do pai da criança, sendo evidente o benefício que a adoção representará em razão dos fortes laços afetivos mantidos pelo menor com a autora, a quem tem como mãe, dando contornos jurídicos a esta realidade já estabelecida. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (RIO GRANDE DO SUL, 2013).

Analisaremos outra possibilidade de dano causado ao filho em detrimento de ação praticada por sua mãe. Em diversas situações, quando um pai é induzido ao erro pela cônjuge ou companheira em relação à paternidade do filho, referindo-nos ao vício de consentimento, é garantido o direito de alterar o registro de nascimento, retirandose sua filiação. Em análise ao ponto exposto, vejamos um julgado: Terceira Turma autoriza desconstituição de paternidade mesmo após cinco anos de convívio A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um homem para permitir a alteração do registro de nascimento de uma criança em que ele constava como pai. A desconstituição da paternidade registral foi autorizada diante da constatação de vício de consentimento: o homem, que vivia com a mãe da criança, só descobriu que não era o pai biológico após fazer exame de DNA. Embora a relação paterno-filial tenha durado cinco anos, os ministros levaram em conta o fato de que o pai registral rompeu os laços de afetividade tão logo tomou conhecimento da inexistência de vínculo biológico com a criança. O recorrente viveu em união estável com a mãe e acreditava ser mesmo o pai da criança, que nasceu nesse período. Assim, registrou o menor e conviveu durante cinco anos com ele. Ao saber de possível traição da companheira, fez o exame de DNA. Em ação negatória de paternidade, ele pediu o reconhecimento judicial da inexistência de vínculo biológico e a retificação do registro de nascimento. (O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.)

Acertada decisão rompe paradigmas que insiste em perdurar em nossa sociedade, ignorando por completo a realidade cada vez mais presente nos lares. 6 DOS DANOS PSICOLÓGICOS CAUSADOS Uma pessoa que passou por algum problema, a ponto de ter seu genitor destituído do poder familiar, jamais estará liberta de suas lembranças. Qualquer forma de amenizar a recordação de todo sofrimento vivenciado será de grande valia. A supressão do genitor em seu registro de nascimento seria uma medida opcional, cumulativamente com a capacidade de fato do filho constituindo, deste modo, a legitimidade para propositura da ação. Os operadores do Direito, ao decidir as lides não podem se ater a preceitos morais, religiosos, filosóficos ou aqueles que lhe convierem para formação de seu convencimento, é necessário a imparcialidade para que seja preservado e garantido os direitos fundamentais. Sobre a questão psicológica dos danos causados pelos genitores ao filhos, segue decisões: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DANOS MORAIS ABANDONO AFETIVO DE MENOR - GENITOR QUE SE RECUSA A CONHECER E ESTABELECER CONVÍVIO COM FILHO - REPERCUSSÃO PSICOLÓGICA VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONVÍVIO FAMILIAR - INTELIGÊNCIA DO ART. 227, DA CR/88 - DANO MORAL - CARACTERIZAÇÃO - REPARAÇÃO DEVIDA - PRECEDENTES - ‘QUANTUM’ INDENIZATÓRIO - RATIFICAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO - SENTENÇA CONFIRMADA. - A responsabilidade pela concepção de uma criança e o próprio exercício da parentalidade responsável não devem ser imputados exclusivamente à mulher, pois decorrem do exercício da liberdade sexual assumido por ambos os genitores. (MINAS GERAIS, 2014). CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. 1. A indenização por danos morais decorrente de abandono afetivo somente é viável quando há um descaso, uma rejeição, um desprezo pela pessoa por parte do ascendente, aliado ao fato de acarretar

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O estado emocional do indivíduo está muito ligado aos vínculos afetivos, essa criança que teve o pai destituído de sua função, passou por um processo doloroso de desligamento, sendo punida com a perda de um “pai”, ao qual inexiste sua reponsabilidade pelo desfecho desta situação. Ao pai que incorreu no vício de consentimento foi deferido o seu pedido para alterar a realidade paterna do filho, ou seja, o estado de filiação não é algo imutável. A falha do desenvolvimento afetivo dessa criança poderá acarretar diversos problemas, tornando-a uma pessoa insegura, comportamentos agressivos, distúrbios de personalidade, dentre dificuldades em se relacionar com outras pessoas. Essas são simplesmente algumas características que podem ser desenvolvidas, existindo inúmeras que não abordaremos. Que seja deferido o pedido do filho que foi vítima de seu genitor, atingindo a capacidade de fato entender-se devido à renúncia ao estado de filiação como forma de reparação pelo abandono. Assegurando o direito fundamental da personalidade, rompendo os vínculos biológicos, uma vez que o afetivo nunca existiu nessa relação. 7 CONCLUSÃO O desenvolvimento das pesquisas realizadas ao logo do presente trabalho demonstram que a intuição denominada família encontra-se em uma constante transformação e consequentemente evolução das normas que o regem. As normas especiais, criadas após o advento da Constituição Cidadã, visa assegurar os preceitos Constitucionais e garantir o cumprimento do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

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A família passa ter como base o afeto, deixando de ser o vínculo biológico o ponto principal para este elo. Através do afeto recebido pelo filho, que teve o genitor destituído do poder familiar ou que foi abandonado, inicia-se um processo de reconstrução de um princípio fundamental que foi vastamente dilacerado na vida deste filho, sendo o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesta família aonde se encontra o afeto, amor, carinho, respeito e atenção –funções essas de responsabilidade dos pais – o filho poderá desenvolver-se e quiçá superar todos os seus traumas. É dever do Estado proteger e assegurar o melhor desenvolvimento da criança e do adolescente, mas nem sempre esse dever será efetivo, e as traços deixados por essa falha perdurará aos filhos que foram vítimas de seus pais. Embasado na dignidade da pessoa humana, e no direito de personalidade, defendemos a autonomia do filho em optar por permanecer ou retirar de seu registro civil o nome do genitor, como forma de reparação por todos os danos morais e psicológicos sofridos. Há precedentes para a reparação de abandonos afetivos em pecúnia, projeto de lei para tipificar como crime, e ainda três projetos de Lei que possibilitará a genitora de conceber o filho anonimamente, sem estabelecer qualquer vínculo com esse, sendo somente mais uma modalidade de reparação, voltada à vítima. O psicológico não é algo tangível, mas que pode assombrar e destruir uma vida. As sequelas deixadas são como cicatrizes e ocorre que não podemos vê-las ou toca-las, não obstante dificilmente suas marcas serão apagadas, não resumindo a tragédia estabelecida na vida de quem a sofreu. REFERÊNCIAS

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Banca Examinadora Tatiana Maria Oliveira Prates Mota (Orientadora) Joaquim Lorentz (Examinador)

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A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A EXECUÇÃO PENAL: EXAME CRÍTICO DA LEGISLAÇÃO EM FACE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS Daniela de Souza Franco Rodrigues de França1

RESUMO: o presente estudo examina a flagrante lacuna da legislação penitenciária no tocante ao tratamento das pessoas portadoras de deficiências, mesmo após o advento da Lei Federal nº 13.146/2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Tal omissão, que se percebe não apenas na ordem jurídica interna, mas também nas diretrizes da Organização das Nações Unidas para o tratamento dos presos, indica não a inexistência de presos com necessidades especiais, mas a falta de cuidado estatal com tais apenados. Ao final, pugna o artigo pela concessão de remédios especiais, pelo Poder Judiciário, para a execução da pena dos deficientes físicos, especialmente quando os estabelecimentos prisionais não se encontram propriamente adaptados para recebê-los em condições condignas e adequadas. PALAVRAS-CHAVE: execução; pena privativa de liberdade; pessoa com deficiência; direitos fundamentais; dignidade da pessoa humana; sistema penitenciário brasileiro.

Lamentavelmente, a Lei de Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/1984) não trata, especificamente, dos direitos conferidos ao preso com deficiência. A despeito desta lacuna, por mera aplicação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, as pessoas com deficiência mantidas no sistema penitenciário devem usufruir dos mesmos direitos reconhecidos aos demais detentos, além dos direitos previstos especificamente às pessoas com deficiência, como atendimento de saúde especializado, proteção e medidas de integração social. Destina-se o presente estudo a fornecer uma visão panorâmica sobre os direitos dos apenados com deficiência, conciliando os preceitos da Lei de Execução Penal com as novidades legislativas referentes às pessoas com deficiência. Cumpre salientar, por evidente, que não se pretende estender privilégios a qualquer categoria de apenado, tampouco que tais pessoas restem impunes por eventuais fatos criminosos que cometeram antes ou depois do advento da deficiência física. Os direitos da pessoa com deficiência não são privilégios, mas sim decorrências de sua própria situação; nem pode o Estado pretender manter, sob custódia, uma pessoa sem o atendimento das condições mínimas para a preservação de seu bem-estar e de sua saúde. Impõe-se defender que, como qualquer outra pessoa, possa o preso com deficiência cumprir a pena privativa de liberdade de forma digna, e de modo a atingir, ao final da reprimenda, as melhores condições para o seu regresso à vida social em liberdade.

1 INTRODUÇÃO A pessoa com deficiência merece, de acordo com a ordem jurídica brasileira, tratamento igualitário, tanto em direitos quanto em deveres. Para que a pessoa com deficiência alcance a igualdade de fato, e não apenas formal, cumpre ao Estado adotar medidas especiais que lhe assegure os direitos à acessibilidade, à saúde e à segurança. Recentemente, modificações legislativas, nos planos interno e externo, têm trazido à lume o problema da pessoa portadora de deficiência no âmbito da execução da pena privativa de liberdade. A recente Lei Federal nº 13.146, de 06 de julho de 2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem como a Resolução nº 20/2015 do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas, que estabeleceu as chamadas “Regras de Mandela”, mencionaram expressamente a necessidade de um tratamento específico para o preso portador de deficiência física. Entretanto, tais novidades ainda não foram incorporadas à Lei de Execução Penal, tampouco aos estabelecimentos prisionais. As pessoas com deficiência padecem não só por suas limitações físicas, como também pela escassez de recursos e pela violência. O Estado, inerte em tantas atividades, é especialmente incapaz de adotar políticas públicas eficazes e específicas para esta população. Se a execução penal, no Brasil, já choca as consciências por suas condições subumanas e flagrantemente ilegais, o retrato é ainda pior quando se consideram as necessidades particulares dos presos com alguma deficiência física. A superlotação e a concentração excessiva de detentos em grandes unidades prisionais, sem o mínimo de espaço entre paredes de ferro e concreto, geram condições degradantes, nas quais, infelizmente, resta esquecida a finalidade última do cumprimento da pena, que é a reintegração social. Ao contrário, tal caldo de cultura é o que mais favorece a formação e fortalecimento de facções criminosas. Tal contexto permanece sendo um dos maiores problemas enfrentados atualmente pelo Estado, o qual desrespeita a dignidade da pessoa humana, pilar da ordem constitucional.

2 O TRATAMENTO LEGISLATIVO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E OS DIREITOS À INCLUSÃO, À SAÚDE E À ACESSIBILIDADE O termo genérico pessoa portadora de deficiência foi inserido pela Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (Resolução da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas nº 3.447, de 09 de dezembro de 1975). A partir disso, a Constituição da República de 1988 adotou a expressão, o que representou um avanço, segundo o entendimento de Luiz Alberto David Araújo: “realmente, criou-se o

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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núcleo ‘pessoa’, que deixou de ser ‘deficiente’. A ‘deficiência’ aparece ao lado da pessoa, núcleo central da terminologia. Trata-se de uma pessoa e não mais de um ‘deficiente’. (…) Talvez o melhor termo atualmente fosse ‘pessoa com deficiência’, como é reconhecido internacionalmente” (ARAÚJO, 2008, p. 913). A Constituição da República garante direitos que visam à integração social das pessoas com deficiência, como o acesso à locomoção, com eliminação das barreiras arquitetônicas (art. 227, §1º, II e §2º; art. 244, CR); atendimento educacional e de saúde especializados (art. 208, III e art. 23, II, CR); integração social (art. 24, XIV e art. 203, IV, CR); benefício mensal àqueles que não possuírem, por si ou por sua família, meios de prover a própria manutenção (art. 203, V, CR); e proibição de discriminação quanto a salário e critérios para admissão do trabalhador com deficiência (art. 7º, XXXI, CR). A partir do rol acima elencado, nota-se que os direitos das pessoas com deficiência equivalem aos direitos de um cidadão comum. Contudo, estas pessoas possuem necessidades específicas, devido às suas condições e limitações, que devem ser respeitadas, a fim de se evitar a exclusão dessas pessoas do meio social. Posteriormente, em 2008, entrou em vigor a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, subscrita pela República Federativa do Brasil e inserida na ordem jurídica interna por intermédio do Decreto Legislativo nº 186, de 2008. Tal Convenção prevê os direitos das pessoas com deficiência à igualdade, à vida, ao acesso à justiça, à liberdade e à segurança, à integridade física e mental, à vida com independência, à mobilidade, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e à integração social, dentre outros. Em seu Artigo 13, item 2, prevê a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: “A fim de assegurar às pessoas com deficiência o efetivo acesso à justiça, os Estados Partes promoverão a capacitação apropriada daqueles que trabalham na área de administração da justiça, inclusive a polícia e os funcionários do sistema penitenciário”. A menção aos “funcionários do sistema penitenciário” torna patente o intuito da Convenção em assegurar os direitos do apenado com deficiência, especialmente no que concerne a suas necessidades especiais de higiene, de saúde e de acessibilidade. Recentemente, a Lei Federal nº 13.146/2015, que estabeleceu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, expressou diversos dos direitos específicos conferidos a tais pessoas, como os direitos à igualdade, à vida, à saúde, à educação, à moradia, ao trabalho, à assistência social, ao transporte e à mobilidade, e ao acesso à justiça. O artigo 81 do Estatuto prevê, expressamente, que “os direitos da pessoa com deficiência serão garantidos por ocasião da aplicação de sanções penais”. Não resta dúvida de que, após o advento da Lei Federal nº 13.146/2015, os presos com deficiência possuem o direito a receber tratamento condigno com sua situação mesmo quando mantidos em estabelecimento carcerário. Por sua vez, as chamadas “Regras de Mandela”, nome dado às novas Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para o Tratamento dos Presos (Resolução nº 20/2015 do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas), dispõem, em sua Regra 5, item 2, que “As Administrações Prisionais devem realizar todos os ajustes e as acomodações razoáveis para garantir que presos com deficiências físicas, mentais ou outros tipos de deficiências tenha acesso completo e efetivo à vida prisional, em bases equitativas”. Vale observar que, pelo fato de estarem em cumprimento de pena privativa de liberdade, as pessoas deficientes podem ser privadas, momentaneamente, de sua liberdade e de seus direitos políticos, porém, de maneira alguma, podem ser vulneradas em sua dignidade. Ocorre que, na prática, as pessoas com deficiência que estão em cumprimento de pena sofrem efeitos prejudiciais à saúde física e mental, ocasiona-

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dos pelas condições de alojamento, de alimentação, de higiene, e das lamentáveis condições de acessibilidade das prisões. 3 OS PRESOS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL E O NÃO ATENDIMENTO DOS DIREITOS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO A Lei de Execução Penal consagra, como direitos do apenado, a assistência à saúde (art. 14, LEP), o trabalho (arts. 28 e 31, LEP), a integridade física e moral (art. 40, LEP) e a recreação (art. 83, LEP). Tais direitos, evidentemente, aplicam-se indistintamente aos presos que não possuem deficiência e também aos apenados com deficiência. Para tanto, torna-se imperativo que os estabelecimentos prisionais sejam dotados de acessibilidade. As práticas carcerárias, ao se concentrarem primariamente na segurança dos estabelecimentos carcerários e não em sua utilidade para a ressocialização dos apenados, deixam de lado as especificidades dos usuários destes equipamentos. A penitenciária espelha a sociedade desigual na qual se insere, sendo carente de políticas sociais para o enfrentamento das dificuldades sociais e psicológicas dos apenados, que foram marginalizados antes do encarceramento e que, não raro, continuam marginalizados durante e após a pena. Percebe-se uma imperdoável omissão no plano da Lei de Execução Penal em relação às minorias, mais precisamente quanto ao cumprimento de pena por pessoas com deficiência física, que merecem atenção especial e não veem seus direitos de cidadão serem garantidos ou, ao menos, mencionados na legislação penitenciária nacional. Ainda que não exista previsão legal expressa neste sentido, é indiscutível que a estruturação dos presídios deve também atender, especificamente, aos apenados portadores de necessidades especiais, conforme aduz a Constituição da República em seu art. 5º, incisos III, XLVIII e XLIX, além do já mencionado artigo 81 do Estatuto da Pessoa com Deficiência: Art. 5º. (...) III- ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante; XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. A calamitosa condição de vida nas penitenciárias brasileiras é o cenário habitua dos profissionais do direito que frequentam tais espaços, e é frequentemente exposto pelos meios de comunicação em geral, que mostram o tratamento desumano ao qual os apenados são submetidos. Devido à sobrelotação, muitas vezes os presos dormem amarrados às grades ou pendurados em redes. A respeito disso, cumpre destacar o artigo 84 da Lei de Execução Penal, que determina que “o estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade”. Verifica-se, portanto, que a superpopulação carcerária é uma prática que atenta contra a Constituição da República, contra a Lei de Execução Penal e contra tratados internacionais subscritos pelo Estado brasileiro. Existe um eloquente silêncio, na Lei de Execução Penal, a respeito da situação dos presos com deficiência. Nenhuma disposição da Lei Federal nº 7.210/1984 versa sobre as condições de acessibilidade dos estabelecimentos penitenciários, nem sobre o tratamento especial de saúde destinado à manutenção e à reabilitação dos presos com deficiência. Lado outro, se nem mesmo os indivíduos em condições físicas e psicológicas ditas “normais” recebem o tratamento condigno e legal durante a execução penal, como demandar o

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cuidado apropriado às pessoas presas com deficiência? O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), de junho de 2014, solicitou às unidades prisionais que fornecessem o número de pessoas custodiadas com deficiência, bem como a natureza da deficiência dessas pessoas. Porém, 46% das unidades informou não ter condições de obter essa informação. Das informações levantadas, existem 1.575 pessoas privadas de liberdade com deficiência, valor que corresponde a 0,8% do total da população das unidades que tiveram condições de informar esse dado. Em mais da metade dos casos (54%), a natureza da deficiência é intelectual. No que se refere à acessibilidade, em somente 6% das unidades analisadas registrou-se a existência de módulos, alas ou células acessíveis, em consonância com a legislação em vigor. Uma vez analisada a população prisional e as vagas disponibilizadas no sistema prisional, faz-se necessária a avaliação dos padrões de ocupação dos estabelecimentos. Para maior compreensão, vale definir acessibilidade como direito que, se efetivado, progrediria, significativamente, a qualidade de vida da pessoa portadora de deficiência. O conceito de acessibilidade originou-se em 1940, para qualificar a condição de acesso das pessoas com incapacidades funcional atrelada ao surgimento dos serviços de reabilitação física e profissional. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, em seu artigo 3º, inciso I, define acessibilidade como a “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privado de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa comdeficiência ou com mobilidade reduzida.” No que se refere às condições de acessibilidade da pessoa portadora de deficiência dentro do sistema penitenciário nacional, englobando o direito à locomoção, ao transporte, à retirada das barreiras arquitetônicas, à informação, e de acesso ao meio urbano, cumpre destacar, nas palavras de Savazzoni, que “o indivíduo privado de sua liberdade não se encontra, porém, privado de seus direitos garantidos constitucionalmente, norteados pelo princípio da dignidade da pessoa humana” (SAVAZZONI, 2009). Em nossa legislação, existem algumas normas específicas acerca da acessibilidade. Entretanto, nenhuma delas é voltada especificamente para a construção ou reforma de presídios e penitenciárias a fim de torná-los aptos a recepcionar presos que possuam alguma necessidade especial seja ela física, visual ou auditiva. A realidade arquitetônica e urbanística em muitos municípios demonstra a falta de preocupação ainda existente em projetar objetos funcionais, edifícios, espaços e transporte cujo desenho seja acessível às pessoas com deficiência. Tal omissão torna as vidas das pessoas com deficiência muito mais complicadas, visto que é desvantajoso e inseguro para as mesmas saírem de suas casas, o que acaba por configurar uma exclusão desse grupo de pessoas do convívio social, bem como dos atos inerentes à cidadania, pois, de forma concreta, lhes é negado o direito de frequentar os espaços públicos, em direta afronta ao teor do artigo 46 do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Com o intuito de diminuir as barreiras foram criadas as Leis Federais nº 10.098/2000, 10.048/2000 e 7.853/1989. A Lei Federal nº 10.098/2000 estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Por sua vez, a Lei Federal nº 10.048/2000 trouxe prioridade ao atendimento de pessoas portadoras de deficiên-

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cia física, dentre outras classes de pessoas com limitação, mesmo que provisória. O artigo 4º deste diploma merece destaque: “Os logradouros e sanitários públicos, bem como os edifícios de uso público, terão normas de construção, para efeito de licenciamento da respectiva edificação, baixadas pela autoridade competente, destinadas a facilitar o acesso e uso desses locais pelas pessoas portadoras de deficiência”. Por fim, a Lei Federal nº 7.853/89 possui vinte artigos, e trata do apoio às pessoas portadoras de deficiência, bem como de sua integração social. Portanto, mesmo antes do advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, as três Leis Federais supracitadas já traziam previsões claras acerca da acessibilidade das pessoas com deficiência, tornando proscritas as calçadas sem rampas, as escadas gigantes e as portas estreitas. A legislação exige a adequação dos logradouros públicos e privados, mas a Administração Pública, convenientemente, finge não perceber seu dever de adequação. A administração dos centros penitenciários é função do Poder Executivo de cada Estado, por intermédio das Secretarias de Justiça, de Segurança Pública ou de Administração Penitenciária. Logo, a estes entes cabe o dever de adequar os espaços de cumprimento das penas às condições efetivas dos apenados, em especial os presos com deficiência. Fazendo um paralelo da concepção de acessibilidade com o quadro atual do sistema penitenciário brasileiro, conclui-se que tais instituições não proporcionam condições adequadas nem mesmo para a locomoção de tais pessoas, violando um direito fundamental de primeira dimensão, ao impossibilitar o exercício do direito de ir e vir. Muitas vezes, a estrutura física das penitenciárias não é dotada de rampas para acesso por cadeirantes; o acesso às celas é feito por escadas, ou por corredores estreitos, que impedem o acesso por cadeiras de rodas. Tampouco se percebe o uso de pisos com sinalização tátil, de modo a permitir o acesso por pessoas portadoras de deficiência visual. As celas possuem portas estreitas, que não permitem a entrada de cadeiras de rodas, nem tampouco são dotadas de equipamento sanitário com barras, que permitem seu uso por cadeirantes. Deste modo, os direitos do preso à recreção e à prática esportiva são seriamente cerceados pela incapacidade de se locomover do espaço onde o apenado é confinado às áreas comuns do estabelecimento penitenciário, como o pátio, para o banho de sol diário, ou a biblioteca da penitenciária. No que tange às celas, primeiramente destaca-se a necessidade de uma análise quantitativa para descobrir o número de celas que precisariam ser adaptadas, de modo economicamente viável. Posto isso, propõe-se a reforma das principais unidades de cada Estado, adequando ao menos uma cela por unidade prisional, bem como a área comum. A quantidade de celas adaptadas dependerá do resultado da pesquisa. Dentre as modificações estruturais viáveis, propõese: o alargamento das portas, a utilização de rampas adequadas, sinalização no chão com pisos táteis tanto da cela especial quanto da área comum, a substituição dos “bois” por vasos sanitários acima do nível do chão e com barras laterais de apoio, como grande parte dos edifícios comerciais apresentam para facilitar o acesso dos deficientes físicos e visuais, por exemplo. Outra alternativa que merece destaque, visto que seria um beneficio tanto ao apenado portador de deficiência, quanto para o apenado comum, é a promoção da política de auxílio ao deficiente dentro do cárcere por outro encarcerado instruído. Um indivíduo paraplégico ou tetraplégico necessita de cuidados diários para se locomover, para se higienizar, e para realizar as demais atividades básicas diárias. Contudo, é desproporcional que o Estado forneça cuidadores diários – apesar do disposto no art. 22, § 2º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que determina que, em

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casos de inviabilidade da presença do acompanhante no ambiente, faz-se necessário suprir tal ausência. Sendo assim, torna-se válido que o trabalho de cuidador seja realizado por apenados comuns, que terão, como consequência, a redução de suas penas, a título de remição penal (art. 126, LEP). Referidas soluções são difíceis de serem implementadas a curto prazo devido ao elevado custo, mas é possível que sejam feitas mudanças gradativas, a fim de respeitar a devida aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana a todos os apenados, sejam ou não portadores de alguma deficiência. No tocante ao direito à saúde, a vasta maioria dos estabelecimentos prisionais não possuem equipes multidisciplinares de reabilitação, conforme o disposto nos artigos 14 a 16 do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Também não são asseguradas condições para atender de forma adaptada demandas básicas, como a cadeira específica para tomar banho e o colchão próprio para que não surjam escaras na pele, que provocam dor e incômodos aos sujeitos. Sem tais equipamentos, a própria integridade física dos presos com deficiência é colocada em risco. Os cuidados na assepsia destinada aos paraplégicos e tetraplégicos, e o acompanhamento médico periódico aos deficientes auditivos e visuais, a fim de se evitar uma progressão na deficiência ou agravamento da condição, representam medidas mínimas e indispensáveis de atenção à saúde dos presos com deficiência. Além disso, como qualquer pessoa, os presos com deficiência estão suscetíveis a contrair doenças, sejam elas provenientes do cárcere, ou não. O estabelecimento penal deve estar preparado para atender as demandas rotineiras e excepcionais, inclusive contemplando a possibilidade de tratamento médico fora da unidade prisional, nos termos do art. 14, § 2º, LEP. Por fim, o preso com deficiência também sofre limites em seu direito à atividade laboral, seja ela no interior do estabelecimento prisional, seja ela fora do cárcere. À falta de oportunidades de trabalho interno soma-se a inadequação das oficinas internas, que, não raro, descumprem o teor do artigo 32, § 3º, da LEP, assim redigido: “os doentes e deficientes físicos somente exercerão atividades apropriadas ao seu estado”. O deslocamento do preso portador de deficiências para o trabalho externo nem sempre será possível, vez que o transporte público que atende os estabelecimentos carcerários não está adaptado às condições especiais de locomoção dos cadeirantes ou dos portadores de deficiência visual. Os direitos do preso com deficiência, embora claramente indicados no Estatuto da Pessoa com Deficiência, são letra morta diante da realidade dos estabelecimentos prisionais. Não custa relembrar que a perda da liberdade de ir e vir não retira do preso com deficiência qualquer outro direito que não seja efetivamente atingido pela sentença condenatória. A falta de estrutura nas assistências física, material, psíquica, odontológica, médica e social, no interior do cárcere, é um fator que não apenas limita severamente a possibilidade de ressociação do preso com deficiência, mas expõe a risco grave sua integridade física e moral e sua saúde. A adaptação dos espaços comuns e das condições das celas nas penitenciárias e presídios é medida necessária para ressalvar a dignidade da pessoa humana dos encarcerados com deficiência, mesmo diante da grave omissão na Lei de Execução Penal. 4 REMÉDIOS JUDICIAIS PARA O TRATAMENTO DO PRESO COM DEFICIÊNCIA

Quando da fixação e imposição das sanções penais, deve o Juiz lançar mão de medidas que privilegiem a permanência da pessoa com deficiência em liberdade. Dito de outro modo, deve-se priorizar a concessão das medidas alternativas à ação penal, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo penal (arts. 76 e 89 da Lei Federal nº 9.099/1995). Quando tais medidas forem inaplicáveis, e se a ação penal culminar numa sentença condenatória, deve o Magistrado privilegiar as medidas alternativas à imposição da pena privativa de liberdade, como a concessão do sursis (art. 77, CPB) ou a conversão das penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos (art. 44, CPB). Cumpre destacar que, a depender da extensão da deficiência apresentada pelo apenado, é claramente viável a concessão do sursis humanitário, descrito no art. 77, § 2º, do Código Penal brasileiro, para sanções penais não superiores a quatro anos. O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser determinado consoante os critérios do artigo 33, § 2º, do Código Penal brasileiro, mas também há de atentar para a capacidade de acolhimento do preso com deficiência nas vagas prisionais especialmente adaptadas. Caso o Estado não possa oferecer vagas especialmente adaptadas ao preso com deficiência, não pode o cidadão ser submetido a condições desumanas e incompatíveis com suas necessidades especiais. Aplica-se ao preso com deficiência, mutatis mutandis, o mesmo entendimento, já consagrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, acerca da inexistência de vaga no sistema carcerário adequada ao cumprimento da pena imposta pela sentença condenatória. Percebase, neste sentido, o entendimento do Ministro Celso de Mello em sede da Ordem de Habeas Corpus nº 93.596/SP: “Na realidade, o ora paciente – beneficiado por regime penal menos gravoso (regime semi-aberto) – tem o direito de cumprir a pena nesse regime que lhe foi assegurado na sentença condenatória, não podendo ser submetido, por absolutamente ilegal, a um regime (o regime fechado) que o magistrado sentenciante, evidentemente, não quis impor-lhe. A situação a que se acha submetido o ora paciente mostra-se incompatível com o que prescreve – e determina – a Lei de Execução Penal, pois a incapacidade do Poder Público de adotar as providências necessárias ao cumprimento da legislação (de que é, no ponto, o exclusivo destinatário) impõe, ao sentenciado em questão, injusto constrangimento ao seu ‘status libertatis’, por efeito de um inaceitável desvio de finalidade no processo de execução da pena. Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria Geral da República, defiro o pedido de ‘habeas corpus’, em ordem a assegurar, ao ora paciente (a quem se concedeu o regime inicial semi-aberto), o seu recolhimento a estabelecimento penitenciário adequado à execução desse mesmo regime.” (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma – Habeas Corpus nº 93.596/SP – Rel. Min. Celso de Mello – Julg. 08/04/2008) Especificamente quanto ao preso com deficiência, o Superior Tribunal de Justiça, em precedente relativo ao cumprimento da prisão civil por inadimplemento da pensão alimentícia, já entendeu ser possível converter a medida em prisão domiciliar, quando o preso, por motivo de deficiência, não é capaz de permanecer detido. Assim a ementa do acórdão:

Uma vez demonstrado que o sistema penitenciário não dispõe da infraestrutura adequada para o acolhimento condigno dos presos com deficiência, cumpre destacar como os agentes do Poder Judiciário podem viabilizar o cumprimento das reprimendas com o efetivo respeito aos direitos fundamentais dos sancionados que detêm tais condições.

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PROCESSUAL CIVIL. PRISÃO. ALIMENTOS. PACIENTE PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. CUMPRIMENTO DO DECRETO PRISIONAL EM SEU DOMICÍLIO. POSSIBILIDADE. - Sendo o paciente portador de necessidades especiais, e constatando-se a impossibilidade

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do estabelecimento prisional suprir essas necessidades, faculta-se, em caráter excepcional, o cumprimento do decreto prisional no próprio domicílio do devedor de pensão alimentícia. - Ordem concedida para possibilitar ao paciente o cumprimento do decreto prisional em seu domicílio. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma – Habeas Corpus nº 86.716/SP – Rel. Min. Nancy Andrighi – Julg. 21/08/2007) Incumbe à defesa técnica do preso com deficiência empregar o remédio do Habeas Corpus para impedir o cumprimento da pena em condições impróprias às particularidades do apenado. Entretanto, melhor agiria o Estado se implementasse, sem demora, as adaptações de acessibilidade nos ambientes prisionais, devendo Juízes de Direito e Promotores de Justiça, por meio de suas atribuições na fiscalização do cumprimento das penas (art. 66, incisos VI, VII e VIII, e art. 68, parágrafo único, LEP), instar a Administração a investir nestas obras.

REFERÊNCIAS ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência: algumas dificuldades para efetivação dos direitos. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (Coord.). Igualdade, diferenças e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Habeas Corpus nº 86.716/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Paciente M.J.Z. Impetrado Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Julg. 21/08/2007. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. SAVAZZONI, Simone de Alcântara. Os direitos das pessoas portadoras de deficiência em cumprimento de pena. Publicado em 19 de fevereiro de 2009. Disponível em <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article. php?story=20090216150257672>. Acesso em: 26 jun. 2016.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante todo o exposto, devido à inexistência de políticas eficientes e à falta de investimentos no sistema penitenciário brasileiro, pode-se afirmar que definitivamente não é atingida a principal finalidade da pena, qual seja, a de ressocializar o indivíduo que se encontra em cumprimento da sanção penal. Se o sistema carcerário se mostra falho no que concerne o tratamento do preso sem deficiências, tais dificuldades são mais acentuadas no tocante aos apenados com deficiência. Deste modo, impõe-se estender, aos sancionados com deficiência, as medidas diversificadoras já previstas na legislação (transação penal, suspensão condicional do processo penal, suspensão condicional da pena, penas substitutivas), bem como estender aos apenados a possibilidade da prisão domiciliar, mesmo que numa interpretação extensiva do preceito do art. 117, inciso II, da LEP. A despeito da aparente lacuna legislativa a respeito do cumprimento da pena pelas pessoas com deficiência, estas, observando-se os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, devem usufruir dos mesmos direitos garantidos aos demais detidos. Portanto, é evidente que carecem de tratamento especializado dentro das prisões, para que também tenham assegurados os direitos essenciais, tais como: alimentação suficiente, exercício e atividades artísticas e profissionais, assistência à saúde e demais direitos elencados na lei; bem como tenham assegurados durante o cumprimento da pena os direitos constitucionalmente previstos especificamente às pessoas com deficiência, como atendimento de saúde especializado, conforme art. 82, §1° da LEP, proteção e integração social (art. 5°, incisos III, XLVIII e XLIX, da Constituição da República). Ademais, constata-se a necessidade de políticas públicas que atendam às novas demandas, e a importância de programas de assistência ao portador de deficiência dentro do cárcere, a fim de conscientizar as autoridades sobre os direitos do preso deficiente e de acompanhar tais recuperandos nas atividades internas, tais como a participação em cursos profissionalizantes e oficinas de trabalho. Percebe-se a imperativa necessidade de se adaptar os espaços dos estabelecimentos prisionais para as condições especiais das pessoas com deficiência, de modo a realizar os comandos legislativos constantes do artigo 13, item 2, da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e do artigo 81 do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Entendimento diverso acabaria por violar normas constitucionais inegociáveis e a reduzir, ainda mais, as escassas oportunidades de ressocialização que o sistema penitenciário deveria conferir aos apenados com deficiência.

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Banca Examinadora Marcelo Sarsur Lucas da Silva (Orientador) Gabriela Maciel Lamounier (Examinadora)

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A RELEVÂNCIA DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Denise Pinto da Silva 1

RESUMO: O presente artigo tem por escopo discorrer sobre o direito a audiência de custódia, importante instrumento de proteção dos direitos humanos, essencialmente a liberdade. A audiência de apresentação está prevista na Convenção Interamericana de direitos humanos, pacto que foi firmado pelo Brasil. Neste sentido, é relevante alinhar o ordenamento jurídico brasileiro com o referido pacto internacional que trata cuidadosamente do instituto ora explorado. PALAVRAS-CHAVE: Audiência de Custódia. Direito Fundamental. Pactos Internacionais. Medidas Cautelares.

1 INTRODUÇÃO

autuado, sem, contudo, analisar o mérito da prisão.

O sistema penal do Brasil possui diversas falhas, como a demasiada quantidade de prisões provisórias, superlotação e precariedade das carceragens e, em algumas situações, excesso por parte das autoridades policiais. É certo que, diante dos problemas expostos, as garantias da pessoa humana são muitas vezes desrespeitadas. No tocante a prisão o objeto central é a liberdade ou a privação desta. Neste sentido, o presente trabalho visa demonstrar a importância de resguardar a Liberdade, pois trata-se de um direito fundamental. Assim escreve Cândice Lisbôa Alves e Christiane Costa Assis no artigo Direitos Fundamentais e Mínimo Existencial: uma crítica à vinculação econômica do direito, publicado na Revista Eletrônica Letras Jurídicas da Newton Paiva, edição de junho 7, 2013:

Em alguns estados brasileiros (como o estado de São Paulo via provimento nº 03/2015 e o estado de Minas Gerais por intermédio da Resolução nº 796/2015, ambos do Tribunal de Justiça dos respectivos estados) as audiências de apresentação vêm sendo realizadas com eficácia via resoluções, provimentos, etc. Dessa forma, se atestará as vantagens deste instituto, bem como sua relevância na esfera jurídica (por gerar segurança jurídica para as partes), tal quanto social, pela resposta ágil do judiciário a sociedade e ao autuado. Frise-se, neste passo, que a liberdade é direito inviolável, tutelado pela Carta Maior e por tratados internacionais firmados pelo país. E, em reverência a tais ordenamentos e ao direito fundamental supracitado, a audiência de custódia deve ter previsão no ordenamento jurídico brasileiro.

Os direitos fundamentais são considerados seu cerne, sendo a busca pela sua efetividade o grande desafio do Estado Democrático de Direito, bem como seu desiderato. Pode-se afirmar que, hodiernamente, a legitimidade do Estado encontrase na confluência entre as regulamentações acerca dos direitos fundamentais e sua concretização. Neste compasso, como lição, de acordo com Constituição Federal de 1988, a prisão caracteriza medida extrema a qual se argumenta, obrigatoriamente, nas situações previstas em lei quando não for possível a aplicação de outra medida cautelar divergente do cárcere. A audiência de custódia, como já prevista na Convenção Interamericana de direitos humanos, cumpre papel fundamental na legitimidade da privação da Liberdade, na humanização das prisões, tal como na redução das mesmas e na prevenção da violência policial. Para tanto, faz-se necessário alinhar o ordenamento jurídico brasileiro com o referido pacto internacional firmado pelo Brasil que trata cuidadosamente do instituto ora explorado. Ademais, o ordenamento jurídico brasileiro se sujeita à jurisdição da Corte Internacional de Direitos Humanos que prevê a apresentação do preso à autoridade judicial sem prolação para que se evitem as prisões ilegais. A audiência de custódia (ou de apresentação) é um ato procedimental em que o autuado em flagrante é apresentado sem delonga ao magistrado competente que analisará de pronto, de maneira imparcial e motivada, as circunstâncias da prisão. Dessa maneira, a autoridade judicial acima reportada adotará a decisão cabível no caso concreto na presença de um promotor de justiça, do defensor do

2 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO), TRATADOS INTERNACIONAIS E A LIBERDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL Para que as garantias constitucionais sejam resguardadas, devem estar presentes na audiência de custódia, obrigatoriamente, o magistrado competente, que presidirá a audiência, assim como o promotor de justiça que manifestará sobre as medidas cautelares a serem aplicadas segundo seu entendimento, sendo que este atuará como parte legítima no pólo ativo da ação penal a ser instaurada. E por fim, e não menos importante, também estará presente o advogado do preso, defensor público, nomeado ou dativo que antes desta sessão de apresentação tem direito a ter contato com o autuado por um período razoável. Se, durante a sessão, o preso alegar que sofreu algum tipo de tortura policial, imediatamente será investigada a conduta da autoridade policial, pois, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana deve ser garantida. Salienta-se que, o crime de tortura é repugnado constitucionalmente, pelo Código Penal, pelos tratados de direitos humanos e pela lei 9.455/1997. As jurisdições onde a demanda for maior, ou se o autuado for de extrema periculosidade, ou até mesmo quando o custo operacional for grande, existe a possibilidade da audiência de apresentação ser realizada por vídeo conferência em tempo real quando respeitados os direitos constitucionais do autuado. Neste sentido, atualmente, em regra, o art. 185, §2º ao §6, do

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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CPP disciplina esta viabilidade tecnológica nos interrogatórios de acusados presos, conforme transcrito abaixo: § 2o Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; IV - responder à gravíssima questão de ordem pública. § 3o Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência. § 4o Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e531 deste Código. § 5o Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso. § 6o A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil. A tecnologia proporciona uma rápida comunicação entre as autoridades judiciais e os autuados. Assim sendo, é notável os benefícios advindos das audiências realizadas, quando preciso, por vídeo conferência, pois do cidadão preso será rapidamente ouvido pelo juiz. Em consequência, a sensação de justiça torna-se mais evidente. O dilema em questão já foi rebatido (GALVÃO, 2015, p. 164), “entender que o uso da videoconferência está autorizado somente porque o deslocamento gera risco à segurança pública é admitir a tecnologia para todos os casos em que haja acusado preso, afinal, trata-se de questão sempre atrelada à existência de prisão.”. Ademais, consoante ao tema discutido, faz-se necessário, a citação de alguns princípios basilares. Pois, os princípios constitucionais e penais se inteiram, tais como: o princípio da legalidade que, em verdade, protege a liberdade individual; o princípio da reserva legal e execução da pena; princípio do devido processo legal, conforme positivado no artigo 5º, inc. LIV, assegurando que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido Processo legal” e, por fim, o princípio da obrigatoriedade da fundamentação da prisão cautelar pela autoridade judicial competente (Art. 5º, inc. LXVI, CR/88), tal como o princípio da ampla defesa. No que diz respeito a este último princípio apontado, dentre os pressupostos de direito defesa do acusado no processo criminal, há a possibilidade da autodefesa, onde o mesmo pode atuar pessoalmente, mediante interposição de recursos, impetração de habeas corpus

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(FERNANDES, 1999-A, p. 264, apud CRUZ, 2002, p. 132/133), e até mesmo falando por si em juízo. Diante disto, a cláusula constitucional da ampla defesa abrange o direito a ser acompanhado por defesa técnica durante o tramite do processo penal, bem como pelo exercício da autodefesa (FERNANDES, 2005-B, apud LIMA, 2008). Para mais, a autodefesa consiste assim em o próprio réu interferir, direta e pessoalmente, na concretização dos atos processuais, não se limitando apenas à participação no interrogatório, mas em todos os atos, posto que a autodefesa consiste no direito de audiência e direito de presença. Contudo, o Estado deve propiciar o exercício da autodefesa (CRUZ, 2002, pp. 132/133). É cediço que as garantias fundamentais da pessoa humana são protegidas, sem distinção, pelo ordenamento jurídico brasileiro e por tratados internacionais ratificados. Nesta perspectiva, o Brasil se vinculou a tratados internacionais os quais protegem, entre outros direitos, a liberdade e tais garantias não podem, em regra, ser suspensas ou anuladas. Nesta vertente, há necessidade do alinhamento entre o ordenamento jurídico brasileiro e os tratados firmados pelo país, pois a constituição federal dispõe que os direitos e garantias expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, inc. LXXVIII, § 2º). O Brasil se vinculou a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), no ano de 1992. Assim, de acordo com esta Convenção, no artigo 1º, item 1, o qual se intitula Obrigação de Respeitar os Direitos, denota que: os Estados Partes nesta Convenção comprometemse a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. Ademais, a Convenção Americana de Direitos Humanos também dispõe em seu artigo 7º, item 5, que “toda pessoa autuada deve ser apresentada imediatamente a autoridade judicial competente. Este mesmo tratado repudia torturas, atos cruéis”. E preceitua-se que o preso deve ser tratado com dignidade e com o devido respeito. Neste diapasão, para satisfação dos dispositivos ora aludidos e em anuência com artigo 5º, inc. XLIX, da CR/88, através da audiência de custódia a integridade física, moral e a vida dos aprisionados serão preservadas. Outrossim, o magistrado ao decidir na audiência de apresentação sobre a liberdade do autuado evitar-se-á que o Estado julgue com base apenas em provas unilaterais. Contudo, o detido poderá apresentar sua versão fática da prisão pessoalmente. Dessa forma, o julgador terá mais segurança ao decidir sobre a medida cautelar a ser aplicada. Para melhor compreensão, na audiência de custódia, a garantia prevista no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o preso em flagrante deve ser apresentado à autoridade judicial, no prazo de 24 horas, desse modo a legalidade da prisão será averiguada de pronto, o que se evitará prisões banais e arbitrárias, desaparecimentos forçados e a prática de tortura policial contra os presos em flagrante. Ou seja, a audiência de custódia, como bem definem os professores doutores Aury Lopes Junior e Alexandre Morais da Rosa é: “o espaço democrático em que a oralidade é garantida”. Ad Cautelam, acentua-se que, os policiais em sua pluralidade, não

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se encaixam no perfil torturador de uma minoria e nem todas as prisões realizadas são triviais. Destarte, tem-se o cuidado de não generalizar. De volta ao tema, sobreleva-se que este procedimento permitirá que o juiz competente analise, diante do aprisionado, de modo cuidadoso, as circunstâncias da prisão que, quando necessária, será decretará com a devida motivação fundamentada. Sem, contudo, adentrar nas questões de mérito. Ainda em observância a Constituição Federal, no art. 5º, inc. LXVI, está disposto que “ninguém será levado a prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Na audiência de custódia o magistrado presidente poderá avaliar se o suspeito deverá ser levado à prisão ou não, no mesmo instante, bem como aplicar medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP). Verificada a legitimidade da prisão na presença do juiz competente, na referida audiência, além se evitar a problemática supradita, o número de encarcerados decrescerá. Tendo em vista que, o sistema penitenciário brasileiro é precário, pois o país é o terceiro do mundo com a maior população carcerária, conforme ABRAMOVAY, Pedro Vieira Abramovay e Vera Malaguti Batista em Depois do Grande Encarceramento, ano de 2010. E ainda, de acordo com os dados divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, o Brasil tem atualmente cerca de 607.731 encarcerados. O que o torna, conforme já dito, um dos países que mais prende pessoas no mundo. Os dados mencionados acima são assombrosos, uma vez que grande parte das pessoas mantidas aprisionadas estão presas provisoriamente, no aguardo de uma decisão da justiça. E, justamente sobre esta superlotação, é importante dizer que este cenário se agravaria ainda mais se todos os mandados existentes fossem cumpridos. Em suma, o magistrado que presidir a audiência de custódia verificará, de imediato ou sem delonga, se a prisão do indivíduo será relaxada, convertida ou se haverá pagamento de fiança etc., na presença do preso, da defesa do mesmo e do Ministério Público. Com isso, como expressam os juristas Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa se dará efetividade ao disposto no art. 282, § 3º, do CPP, no sentido de que o contraditório traz legitimidade ao ato decisório, visto que pode acolher e rejeitar os argumentos, conta com a efetiva participação dos agentes processuais. Quando o magistrado decidir pela manutenção da prisão do suspeito, este último deverá ser conduzido para prisão apropriada, com fulcro no que diz o Comitê de Direitos Humanos da ONU: “não deve implicar uma volta à detenção policial, mas sim a detenção numa instalação separada, sob uma autoridade diferente, porque a continuação da detenção policial cria um risco demasiado de maus tratos”. Nesta perspectiva, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proclama que: O controle judicial imediato é uma medida tendente a evitar a arbitrariedade ou ilegalidade das detenções, tomando em conta que num Estado de Direito corresponde ao julgador garantir os direitos do detido, autorizar a adoção de medidas cautelares ou de coerção, quando seja estritamente necessário, e procurar, em geral, que se trate o investigado de maneira coerente com a presunção de inocência.

a pessoa contra as penas arbitrárias do Estado, ou seja, além de uma garantia de liberdade, é também uma segurança jurídico-social. (LOPES JUNIOR, 2008, p.177). Aliado a isso, escreve Glenda Rose Gonçalves Chaves e Nicole Bianchi Barbosa no artigo Liberdade de Imprensa, Direitos de Personalidade e Presunção de Inocência, publicado na Revista Eletrônica Letras Jurídicas da Newton Paiva, edição março 21, 2013: “Por isso, não se pode ignorar a possibilidade de inocência do indivíduo, afastando o tratamento que lhe é devido como aquele que ainda não foi condenado, uma vez que, há inocência enquanto não houver culpabilidade”. Contudo, este tema não é estranho para legislação brasileira, porquanto, como posto no art. 236, §2º, do Código Eleitoral Brasil: Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvoconduto; §2º Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juiz competente que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator. A liberdade é um direito inviolável previsto na Carta Magna. Neste seguimento, a Constituição Federal de 1988 disciplina em seu art. 5º, inc. LXI, que, “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. Sendo assim, é dado ao juiz competente o poder de decisão quanto à prisão do indivíduo nos moldes constitucionais. No entanto, quando a prisão for ilegal, esta deverá ser relaxada pela mesma autoridade, com fulcro no art. 5º, LXV, CR/88, que adverte: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. Observa-se que, parte das prisões ilegais ocorridas t a m b é se dá pelo desrespeito ao art. 302 do Código de Processo Penal Brasileiro, o qual ordena: Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. 3 PROJETO DE LEI 554/2011 DO SENADO FEDERAL (TIPIFICAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA) A nova solenidade processual foi matéria do Projeto de Lei do Senado Federal, cujo número é 554/2011, e propõe a mudança do texto do art. 306 do CPP, o qual passaria a dispor:

Nesta seara, a presunção de inocência citada no parágrafo anterior é um princípio constitucional com previsão no art. 5º, inc. LVII, CR/88, o qual assegura que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Assim, tem-se que a presunção de inocência é uma proteção

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(...) § 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preserválos e para apurar eventual violação. § 2º Na audiência de custódia de que trata o § 1º, o Juiz ouvirá o Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva

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ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente, nos termos do art. 310. § 3º A oitiva a que se refere o parágrafo anterior será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maustratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado. § 4º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas. § 5º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no parágrafo 3º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código”. 4 IMPLANTAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA EM ALGUNS ESTADOS FEDERADOS BRASILEIROS, ESPECIALMENTE EM MINAS GERAIS Alguns estados federados brasileiros já inauguraram a audiência de apresentação, pois esta nova solenidade é um “instrumento de controle judicial imediato da prisão”, como explica Caio Paiva, defensor público federal, especialista em Ciências Criminais. Estes estados acreditam que tal mecanismo aduz diversos benefícios como a efetivação do contraditório, a limpidez, controle dos atos judiciais e propiciação de segurança jurídica. Para o Supremo Tribunal Federal a implantação da audiência de custódia por regulamentações ou provimentos dos tribunais de justiça, não fere os princípios da legalidade e da reserva legal (artigos 5º, inc. II e 22, inc. I, ambos da Constituição Federal de 1988). O Supremo entende que não há violação quando tais instrumentos trazem em sua redação o que já esta disposto na Convenção Interamericana de Direitos Humanos e no Código de Processo Penal Brasileiro (conforme julgado do STF na Ação direta ajuizada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil em desfavor do Provimento Conjunto nº 03/2015 do TJ/SP). Em São Paulo, na busca do equacionamento dos problemas penitenciários do estado, em 27 de janeiro de 2015, foi publicado em seu Diário Oficial, o provimento nº 3/2015, em que os desembargadores José Renato Nalini e Hamilton Elliot Akel, no uso de suas atribuições legais, incorporaram na legislação ordinária de São Paulo, o parágrafo 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos. Este projeto tem a parceria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e do Ministério da Justiça. Na esfera da justiça comum de 1ª Instância do estado Minas Gerais a Resolução 796/2015 regulamenta o Projeto de Audiência de Custódia. Esta resolução foi disponibilizada na edição do DJe de 24/06/2015. Tal Resolução regimenta em seu artigo 2º que, a autoridade policial providenciará a apresentação do preso em flagrante no prazo de 24 horas ao juiz competente. As Audiências de Custódia (ou de apresentação) em Belo Horizonte ocorrem no Fórum Lafaiete, na Central de Flagrantes (CEFLAG). Segundo dados fornecidos pela Assessoria de Comunicação Institucional (Ascom) do Fórum Lafaytte, disponível no site do tribunal de Justiça de Minas Gerais (www.tjmg.gov.br) em 21/08/2015, em média, até a presente data, são realizadas com dinamismo 30 audiências de custodia por dia.

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Consoante às informações prestadas no site do TJ/MG a estrutura física disponibilizada para promoção das audiências de custódia é composta por duas salas de audiência, uma secretaria, quatro salas de custódia, com sanitários, sendo uma masculina, uma feminina, uma individual e uma para custodiados transgêneros. Foi instalados equipamentos de informática compatíveis com a gravação do som das audiências, modalidade que será estendida às demais varas criminais da capital. As audiências são realizadas nos dias de expediente forense, das 8h às 18h. Nos dias em que não houver expediente, elas serão realizadas entre 8h e 13h. As audiências são registradas por meio eletrônico, com gravação de som e imagem. Em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, como devem ocorrer nos demais estados que implantaram a sessão célere, antes da audiência de apresentação, o autuado tem contato com seu advogado ou defensor público, nomeado ou dativo, por tempo razoável (art. 4º da Resolução 796/2015 TJ/MG). Participam desta audiência um magistrado competente, que preside a sessão, um membro do ministério público, um advogado de defesa ou defensor público e o autuado em flagrante delito, o qual teve entrevista reservada com sua defesa, conforme explicado no parágrafo anterior. Todos supracitados presentes, inicia-se a audiência de apresentação sob o auto de prisão em flagrante, o qual foi devidamente lavrado de acordo com o artigo 304 do CPP. Para a adequada segurança dos que participam da referida audiência o flagranteado permanece algemado durante a presente sentada, tendo em vista que o espaço físico onde acontece a sessão é pequeno e culmina em extrema proximidade do preso com as autoridades presentes. Tal procedimento está em conformidade com a Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal, o qual devota que, “só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. Dessa maneira, não há violação ao princípio da não-culpabilidade. Aberta a audiência de custódia com os autos do APF, no fórum Lafayette, o magistrado informa ao autuado o crime que a ele está sendo imputado, verifica de imediato se há reincidência do flagranteado. Em seguida, o juiz informa ao autuado, de maneira cognoscível, as seguintes questões: A audiência de custódia não discute mérito, ainda não há processo e, no momento oportuno, o acusado terá a oportunidade de apresentar sua defesa e ser ouvido por um juiz natural competente em uma audiência especifica, bem como arrolar testemunhas, ter a companhia de advogado ou defensor público de acordo com a legislação. De pronto, é anunciada a vara criminal em que o processo será tramitado. A audiência aludida é tão somente para apurar, por ora, se o autuado responderá o processo (a ser instaurado) em liberdade ou não. O magistrado presidente fará algumas perguntas ao flagranteado (as quais ele não é obrigado a responder de acordo com o art. 5º da Resolução 796/2015) como: nome completo, endereço, idade, se tem filhos (quantos e a idade deles), se trabalha (onde e a quanto tempo), se não trabalha como sobrevive, se é usuário de drogas, se estudou (se sim, até qual ano/série, bem como as circunstâncias objetivas da prisão. Feitas as ressalvas o magistrado passa a palavra para o ilustre membro do ministério público que passa a ler os autos do APF. Lido o presente auto, o promotor de justiça pedi a prisão do flagranteado ou outras medidas cautelares cabíveis de acordo com o caso concreto. Logo após, o advogado de defesa expõe suas razões no que tange

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a medida cautelar aplicável, na certeza que a defesa do preso em flagrante se dará em momento próprio. Por fim, o juiz presidente aplica a medida cautelar de forma fundamentada, sendo que desta decisão cabe recurso em sentido estrito, recurso que poderá ser interposto concomitantemente durante a audiência de custódia. Quando ao flagranteado não é aplicada a prisão como medida cautelar, antes de finalizar a audiência, a autoridade judiciária explica as possíveis consequências quanto ao descumprimento injustificado das cautelares aplicadas. Toda a audiência de apresentação é gravada em mídia e esta gravação será anexada ao auto de prisão em flagrante. 5 MEDIDAS CAUTELARES QUE PODEM SER APLICADAS NO MOMENTO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a legalidade e a necessidade da manutenção da prisão ou relaxar a mesma com ou sem imposição de medidas cautelares diversas da prisão. Tais medidas cautelares podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente (art. 282, § 1º, CPP) Em conformidade com o art. 310 do Código de Processo Penal, o magistrado poderá relaxar a prisão ilegal, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva (art. 312, CPP) ou conceder liberdade provisória (com ou sem fiança). Vale esclarecer que a prisão em flagrante não tem natureza cautelar, como bem explica Aury Lopes Jr: “não é uma medida cautelar pessoal, mas sim pré cautelar, no sentido de que não se dirige a garantir o resultado final do processo, mas apenas destina-se a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar”. Pode-se dizer que esta modalidade de prisão é pré cautelar, pois deixa o autuado à disposição do magistrado que decidirá a medida cautelar apropriada para o caso concreto. As prisões cautelares são medidas de natureza de urgência, por isso para decretação das medidas de segregação cautelar é imprescindível que a decisão seja devidamente justificada (em conformidade com os art. 5, LXI e 93, IX, ambos da carta maior). Neste ínterim, é preciso exaltar o art. 283 do CPP: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Nas circunstâncias em que for concedida a liberdade provisória, de acordo com o art. 319 / CPP, as obrigações aplicáveis são: comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do proces-

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so, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial e monitoração eletrônica. Destaca-se que, as hipóteses descritas nos art. 323 e 324 do Código de Processo Penal não são passíveis de fiança. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como exaurido, o ordenamento jurídico do país tem o múnus de se alinhar aos pactos internacionais firmados, pois os tratados acordados tem por finalidade a proteção da pessoa humana (Convenção Interamericana de Direitos Humanos, art. 1º, item 2). Ademais, a prática de encarceramento será, com a implementação da audiência de custódia, aplicada em casos excepcionais e extremos, como deve ser. Além disso, a audiência de apresentação exerce ato humanitário ao possibilitar o contato imediato e direto do autuado com a autoridade judiciária na presença de seu defensor técnico e do Ministério Público. Frisa-se que esta sessão não tem por finalidade a instrução processual, dessa forma não há necessidade da ingerência do mérito. O intuito é apenas apurar se o flagranteado poderá responder em liberdade o processo a ser instaurado ou se, por ora, aguardará preso. Ou seja, o objetivo da audiência de custódia não é conjecturar. É imperioso ter-se o cuidado de não entrar nos fatos da prisão ocorrida e sim a condição da mesma, a fim de se evitar pré-julgamentos. E, por fim, o magistrado, decidirá prontamente e com coerência, nos moldes do art. 310 do CPP, logo depois da oitiva do ilustre membro do ministério público, do defensor técnico e do próprio autuado. Desse modo, o Estado propicia para a sociedade e para o autuado uma resposta rápida. Cabe ainda pontuar que em um futuro próximo não apenas os presos em flagrante delito serão apresentados na sessão célere, mas quaisquer outros apreendidos. A referida audiência tem objeto restrito, ou seja, a medida aqui narrada não visa antecipação de etapas processuais e sim, uma complementação que se propõe a contribuir para o bom andamento do processo. O que, em verdade, não há como evitar a morosidade processual in totum do judiciário. De fato, tal procedimento aqui defendido, também não eliminará a prática repugnante da tortura, porém acredita-se no êxito do adote da audiência de custódia (ou de apresentação) que, como nos países que já validaram esse tipo de sessão obtiveram (como alguns países da América Latina, da Europa e os Estados Unidos). É certo que, em alguns estados da federação brasileira enfrentarão dificuldades quanto à disponibilização de magistrados, policiais e espaço físico para a realização das audiências de custódia. Esta última problemática, diante do bem jurídico tutelado, se torna por menor, conquanto não irrelevante. É necessário a união de todos os órgãos para minimizar a problemática acima relatada. Por fim, outra questão a ser sanada é, após a possível introdução do instituto no ordenamento jurídico brasileiro, caso a audiência de custódia não for realizada logo depois (prazo a ser definido com exatidão na lei) do agente preso em flagrante, quais as consequências cabíveis para tanto? Dado que, a nova audiência célere não pode ser tratada como mais um prazo impróprio inserido no Código de Processo Penal Brasileiro. Ainda neste segmento, qual é o prazo ideal para que o preso seja apresentado na audiência de custódia? Não se pode olvidar do nosso defectivo sistema penal, mas diante de tudo aqui exposto, não há como negar os vantagens advindas do instituto.

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No entanto, todos devem ser alcançados por tal direito, conforme está descrito na Constituição Federal Brasileira, no art. 5º, caput, o qual consagra que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”.

http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=1161 - Último acesso em: 19/06/2016.

REFERÊNCIAS

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http://www.advogadoscriminais.com.br/?cd=4432&od=&titulo=saiba-como-funcionam-as-audiencias-de-custodia-(tjrs) - Último acesso em: 22/06/2016.

http://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/295190919/evalido-realizar-a-audiencia-de-custodia-por-videoconferencia - Último acesso em: 22/06/2016.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: < http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Último acesso em: 04 de nov. 2015.

Banca Examinadora Ronaldo Passos Braga (Orientador) Laura Maria Fernandes Lima (Examinadora)

Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.> Último acesso em: 04/11/2015. CHAVES, Glenda Rose Gonçalves; Barbosa, Nicole Bianchi. Liberdade de Imprensa, Direitos de Personalidade e Presunção de Inocência. Revista Eletrônica Letras Jurídicas. Edição Março 21. Belo Horizonte. 2013. Centro Universitário Newton Paiva. Disponível na Internet: < http://npa.newtonpaiva.br/letrasjuridicas > ISSN 2358-2154 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal / Aury Lopes Jr. 9. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012. LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 4 ed. ver., ampl. E atual. – Salvador: Ed. JusPodivim, 2016. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público / Valério de Oliveira Mazzuoli. 5 ed. rev. e atual. – São Paulo. Revista dos Tribunais, 2011. http://justificando.com/2015/03/03/na-serie-audiencia-de-custodiaconceito-previsao-normativa-e-finalidades/I - Último acesso em: 04/11/2015. http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2015/02/27/audiencia-de-custodia-um-direito-a-ser-respeitado/ - Último acesso em: 04/11/2015. http://emporiododireito.com.br/tag/audiencia-de-custodia/ - Último acesso em: 17/06/2016. http://www.tjmg.jus.br/portal/imprensa/noticias/audiencias-de-custodia-ja-estao- ocorrendo-ha-uma-semana-em-bh-2.htm#.V2aXTfkrLIU - Último acesso em: 19/06/2016. http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=787 19/06/2016.

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PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS PÚBLICOS: UM PROBLEMA OU SOLUÇÃO? Edgard Nunes Corrêa Júnior 1

RESUMO Este trabalho tem a finalidade de analisar um breve estudo sobre a criação das unidades prisionais Parcerias Público-Privada (PPP) no mundo, tratar um pouco do assunto das PPP no Brasil de modo geral, as condições dos presídios públicos espalhados em todo o país bem como o funcionamento e se está respeitando a sua finalidade no tocante a ressocialização dos presos, tratar dos presídios PPP no Brasil, seu fundamento legal e comparar as características de um presidio público com o de PPP e também os resultados. Tratar também das condições atuais do Estado, se ele tem condições de manter uma boa qualidade no tocando ao serviço que e prestado pelo sistema prisional e no final, realizar uma comparação com o os prós e os contras da terceirização dos presídios PPP, além deavaliar sobre a viabilidade de tal implementação, quem tem uma capacidade melhor e mais capacitada de desempenhar um trabalhomais digno e de excelência na reabilitação e na ressocialização do preso. PALAVRAS-CHAVE: Direito penal; Presidio PPP; Detento; Ressocialização do preso.

1 INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é comprovar a eficácia (ou ineficácia) da administração dos presídios, tanto público e privado, concluindo no final, qual delas se enquadra melhor para a nossa realidade, visando o bem de todas as partes envolvidas, o Estado, os detentos e a sociedade. Este tema é muito sério, pois ele atinge a todos e não somente aqueles que estão diretamente ligados ao tema. Por exemplo, se o Estado tem condições de ressocializar um detento de forma correta, sendo que ao final da sua pena este detento consegue seguir a sua vida de forma correta e não as margens da lei, toda a sociedade sai ganhando, pois as chances dele voltar a cometer novos crimes diminuem consideravelmente e assim toda a sociedade viver em um Estado com menos violência, uma característica que hoje é utópica. Também será tratado a questão de como este serviço e prestado e o resultado que tem tido na atualidade e quanto a sua eficácia, se está sendo atingido seus objetivos ou não. O artigo 24 da Constituição da Federalesclarece sobre a competência da União, dos Estados e do Distrito Federalsobre diversos temas, entre eles sobre o sistema penitenciário. Ela não veta a possibilidade de uma empresa privada administrar um presídio, desde que o próprio órgão competente regulamente isso. Em alguns lugares do Brasil, a privatização é uma realidade, como será mostrado nos próximos capítulos, sendo vista com bons olhos,haja vista que os resultados demonstrados são positivos em todos os aspectos, como por exemplo, o modo de como os detentos são tratados conforme determina a lei, com respeito e como pessoas que são e não como marginais que normalmente ficam gravados por toda a sua passada nos presídios, não existe superlotação, com trabalhos direcionados a sua ressocialização.Todas essasações são realizadas respeitando um dos princípios mais importantes da legislação brasileira vigente, a dignidade da pessoa humana. Priscila Almeida Carvalho, autora do artigo “Privatização dos presídios: Problema ou solução?”, aborda uma definição interessante sobre a privatização dos presídios públicos bem como uma finalidade bem simplificada do tema em questão: “Privatização das prisões é

subsidiar certos serviços públicos ao setor privado desafogando assim parte do trabalho estatal na condução dos presídios”, em outras palavras, poder dar a devida atenção para o assunto que e tão serio da forma que ele merece, se o Estado não tem capacidade de conceder um bom trabalho, e se pode terceirizar o referido trabalho sabendo que terá um resultado satisfatório, por que não investir? No decorrer do artigo, serão discutidos vários fatores tangentes ao tema, com aprofundando em informações e dados importantes, finalizando com uma resposta plausível sobre o tema em questão. 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA SOBRE O SISTEMA PRISIONAL Os presídios com parceria público-privada teve sua criação nos Estados Unidos da década de 80 durante o governo Ronald Reagan. O motivo de tal criação foi a uma forma de tentar conter gastos que o Estado estava tendo com o sistema prisional. A primeira etapa foi implantada por uma pequena parte de detentos, em fase final do cumprimento da pena privativa de liberdade. Foto1: Grupo de presos em Sacramento (Califórnia)

Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/23/internacional/1390438939_340631.html

Existiam três tipos de modelos de privatização: o de arrendamento, onde o ente particular financiavam e construíam o estabelecimento prisional, sendo que depois de um determinado tempo esta propriedade era repassada para o Estado; a administração privada

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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das penitenciarias, sendo que essa construía e administrava a penitenciaria; e a contratação de serviços específicos com particulares, onde neste modelo o que era terceirizado alguns tipos de serviço. Independente do modelo, o terceiro beneficiário era sempre o preso, onde as outras duas partes do contrato eram o Estado e o ente particular. Hoje, devido à grande autonomia que os Estados membros tem perante a federação, alguns destes Estados adotam os presídios PPP, outros não. Com este sistema, teoricamente, o preso era o maior beneficiário com a implantação deste sistema com uma qualidade bem melhor que o ente privado prestava, contudo havia o lado negativo que os críticos temiam, uma possível exploração de trabalho dos presos bem como possíveis penas além do necessário, visando o lucro que aquele detendo pode dar para a empresa que geri o presidio. Logo após o primeiro presidio PPP criado nos Estados Unidos, foram criados outros por todo mundo, sendo que deve ter uma atenção especial para o modelo francês, onde nele a ideia não e de colocar toda a responsabilidade no ente particular, colocando em pratica a ideia de que o Estado também tem a sua responsabilidade na ressocialização dos detentos e trabalha na forma de “dubla responsabilidade” cabendo a ambos, ao Estado e a empresa privada, administrar de forma conjunta o estabelecimento prisional. Neste modelo é indicado um diretos geral que fica a cargo das obrigações do Estado como a execução penal e a segurança interna e externa da prisão e ao ente privado as demais obrigações dentro do estabelecimento prisional, tais como o trabalho, a educação, saúde, enfim, todas as demais obrigações. Por fim, neste modelo o Estado repassa uma certa quantia para o ente privado para a execução deste serviço. Esta quantia e calculada por preso/dia. O Brasil adotou o modelo francês, pois é o modelo que tem mais aceitabilidade diante do ordenamento jurídico brasileiro. Este sistemaésimples e funciona como uma parceria entre o Estado e a empresa. O Estado fica a cargo de administrar a pena, cuidando do homem sob o aspecto jurídico, punindo ou premiando o detento em cada caso concreto, determinando acerca do seu regime, entre outras funções que são de responsabilidade do Estado e estes não podem ser repassados para o ente particular, restando para a empresa privada gerir o presídio com os serviços ligados diretamente à unidade, como por exemplo alimentação, vestimenta, lazer, higiene, saúde, dentre outros serviços. 3 PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADA Antes de entrar propriamente no assunto, é importante saber o que é Parceria Público-Privado (PPP). Este assunto é estudado com mais riqueza de detalhes na disciplina de direito administrativo e ela tem como objetivo suprir as insuficiências de recursos e serviços que são de obrigação do Estado. Cabe ao Estado garantir a todos os cidadãos os direitos fundamentais assegurados na Carta Magna. Porém, há algum tempo o Estado não consegue garantir de forma eficiente todos estes direitos, pelo fato de alguns ramos que o poder público estar sucateado ou ultrapassado, surgindo assim, a partir desta deficiência, a Parceria Público Privada, PPP. Desta forma, o Estado repassa esta obrigação para um ente privado que possui uma logística melhor e está mais capacitado para a demanda, e consequentemente, mais eficiência para proporcionar certos serviços para a sociedade. Esta foi a solução encontrada pelo Estado para resolver este problema que estava crescendo exorbitantemente. O marco inicial foi com o PL 2.546/03 (Projeto de Lei que foi criada pelo Poder Executivo apresentada no dia 19/11/2003) que tem

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como ementa: institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público privado no âmbito da administração pública, onde autoriza a União a integralizar em Fundo Fiduciário de Incentivo a contratos de Parcerias Público-Privada.Dando a devida importância que o tema exige, a efetiva aplicação veio posteriormente, no dia 30 de dezembro de 2004 com a Lei n° 11.079, que tem como ementa: Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. A referida leiaborda os assuntos diretamente ligados as PPP’s, como por exemplo, normas para a licitações e contratos no âmbito da Administração Pública. A definição legal da PPP está no art. 2 da lei Federal 11.079/04 que tem a seguinte redação: “é o contrato administrativo de concessão na modalidade patrocinada ou administrativa». Para maior entendimento, para o doutrinador Marçal Justen filho, PPP é: Parceria público-privada é um contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem direito à remuneração, por meio da exploração da infra-estrutura, mas mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para a obtenção de recursos no mercado financeiro. (MARÇAL, 2005,p. 549).

Logo, a PPP é um contrato onde o ente privado assina com o poder público e o ente privado assume uma obrigação que era originalmente do Estado, que pode ser o dever de executar uma obra ou até mesmo prestar um determinado serviço que teria que ser prestado pelo Estado. Este contrato tem que ter um prazo longo de duração com o intuito do ente privado pode sanar as dívidas contraídas pelo contrato, como por exemplo a compra de ônibus para o transporte coletivo, pagamento de funcionário, como também lucrar com esses contratos. 4 A LEGALIDADE DAS PPP’s NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO A Constituição Federal dita todas as regras que o Brasil tem que seguir, sendo que para tudo que há de ser feito tem que ser observado se não fere a constituição, se ferir este ato se torna inconstitucional e não poderá seguir adiante, se for de acordo ele poderá seguir os seus demais ritos. O artigo 24 da Constituição Federal traz a seguinte redação: “Art.24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanistico;”. Logo, pode-se constatar que os Estados da Federação tem competência para legislar sobreo sistema penitenciário. Se tratando de direitos fundamentais, a Constituição Federal também explanasobre os direitos exclusivos dos presos, em seu artigo 5 incisos XLVIII e XLIX, que demonstra: “XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimento distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;”. Deste modo, restou comprovadoque, embora os detentos tenham seu direito à liberdade cassado, seusdireitos de serem tratados de forma digna e respeitosa estão amparados pela lei máxima de nosso ordenamento jurídico, respeitando sempre a dignidade da pessoa humana. Por ser competênciados estados de legislar sobre o tema, alguns já editaram leis referentes às PPP, com a finalidade de dar embasamento para eventuais implantações com a parceria público-privada, como por exemplo, a Lei nº 12.234/2005 do Rio Grande do Sul, a Lei nº 9.290/2004 da Bahia, a Lei nº 14.868/2003 de Minas Gerais. Estes

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estados já visualizaram que este caminho pode ser uma boa saída do estado no tocante ao cumprimento de penas dos presos. Mesmo com todo esse respaudo, alguns doutrinadores não conseguem perceber a legalidade das PPP’s e temem a sua implantação. Em resposta, tanto para o grupo que é contrário quanto a favor e também para a finalidade de esclarecer, a SEDS – Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais – emitiu a seguinte nota: O modelo respeita os princípios constitucionais da legalidade e a lei 14.868/2003, que regula o programa de PPPs de Minas Gerais, autorizando a realização de parcerias em atividades relacionadas ao sistema penitenciário. Ainda alega que o Estado não abriu mão da gestão do sistema. É responsabilidade do Estado fazer cumprir as penas estabelecidas pela Justiça, cuidar do transporte dos sentenciados, garantir a segurança externa e das muralhas do complexo, fiscalizar e auditar os serviços. (ASSESSORIA DA SEDS, 2016). Nota se que na nota emitida pela secretaria de defesa social, os presídios com PPP em nada agride as leis vigentes no Brasil, pelo contrário, como ele adota o modelo criado na França, a responsabilidade que e transferida para o ente privado e de atividades relacionadas as sistema prisional e não de cumprimento das penas estabelecidas, cabendo ao ente privado a construção do estabelecimento prisional, a manutenção deste estabelecimento, assim como alimento, transporte, saúde, segurança e as atividades realizadas pelos detentos. 5 AS PPP’s NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO A população carcerária brasileira atingiu o número absurdo no primeiro semestre de 2014. O ministério da justiça divulgou no dia 23 de junho de 2015 que existiam 607.731 pessoas presos no Brasil. Comparando com o resto do mundo, o brasil ficou em 4º lugar, sendo superado pela Rússia, 673.800 de presos; China, 1,6 milhão de presos e Estados Unidos com 2,2 milhões de presos (dados cedidos pelo ICPS – Centro Internacional para Estudos Prisionais). Segundo o relatório divulgado pelo Infopen (levantamento nacional de informações penitenciarias), entre 2004 e 2014 a população carcerária brasileira aumentou 80%, passando de 336.400 presos para 607.731. Havia em 2015, 371.459 de vagas no sistema prisional, resultando uma média de superlotação no país e de 66%, segundo dados do ministério da justiça.Com esta realidade, é impossivel respeitar os direitos constitucionais dos presos, sendo que é mais provávela formação de uma pessoa com índole perigosa do que um cidadão pois ele acaba sobrevivendo a condições sobre-humana. Figura1: Os 10 países com maiores populaçõescarcerárias

Diante de tanta dificuldade e um sistema carcerário precário, o Estado encontrou uma solução que pode minimizar este problema tão grave, privatizar os serviços prestados por presídios públicos, com a finalidade de poder reduzir este déficit, podendo prestar um serviço melhor para os detentos, sendo que, o detento cumprindo uma punição de forma correta, sendo assegurados todos os seus direitosconstitucionais, é certo de que sua ressocialização irá lograr êxito, gerando desta forma, retornos positivo para ele e também toda a sociedade. Apesar de pouco divulgado, no Brasil as PPP’s já existem há um bom tempo, de forma indireta. Elas existem há mais ou menos 10 anos e se concretiza através de terceirização de alguns serviços, como por exemplo a alimentação e a saúde dos presos. As PPP’s possuem um funcionamento muito simples, existe uma parceria entre o Estado e a empresa, um contrato de um longo prazo, onde a empresa fica a cargo de tudo, desde a construção do estabelecimento prisional até o final da sentença do preso. Lá os detentos terão o lazer, educação e a saúde a cargo da empresa. A segurança do estabelecimento também é sua função. Em contra prestação, o Estado tem que repassar um valor referente a cada preso para a administradora, valor que gira em média R$2.700,00, dados informados no site Reportagem Pública, escrito por Paula no dia 27 de maio de 2014. Segundo Carlos Eduardo Cherem da UOL de Belo Horizonte, cada preso tem um custo médio mensal de R$1.420,00, cálculo feito pelo Ministério da Justiça, onde fez a média de todos os presídios públicos do Brasil. Em presídios que abrigam criminosos de grande periculosidade esta média e ainda mais alta, como por exemplo o presidio federal de Campo Grande, Catanduva, Porto Velho e Mossoró, chega ao valor de R$3.312,00. O Estado de Minas Gerais tem um gasto mensal com cada preso de R$2.800,00, gasto este mantando ele em um presidio público. Ainda, segundo a coluna, o mesmo preso estando no presidio PPP de Ribeirão das Neves, o gasto dele para o Estado de Minas seria de R$2.700,00. Além de poder proporcionar um estabelecimento melhor para o detento, respeitando seu cumprimento da pena de forma adequada, o Estado estaria gastando menos com o detento e ele estaria tendo um cuidado melhor e, sem dúvida, sairia da penitenciaria uma pessoa melhor do que entrou. (Dados extraídos no site UOL, Com custo mensal de R$ 2.700 por detento, primeiro presídio privado do país é inaugurado em Minas Gerais). Importante ressaltar, que essas parceria já existem em pelo menos 22 penitenciárias em todo o Brasil, localizadas nos estados de Santa Catarina, Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais, Tocantins, Alagoas e Amazonas. Em breve, Rio de Janeiro e São Paulo também devem obter esses estabelecimentos privados. Este assunto é bem polêmico, e como todos os assuntos que divide opiniões, eles nunca são unanimes, desta maneira este tema se divide em duas correntes, uma que é a favor e outra que é contra os presídios PPP. A corrente que defende tem vários doutrinadores, entre eles tem o Dr. Bruno Pereira, coordenador do portal PPP Brasil, ressalta que:

Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/06/23/prisoes-aumentam-e -brasil-tem-4-maior-populacao-carceraria-do-mundo.htm (2015)

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Não é possível afirmar que as parcerias entre governos e empresas seriam a solução para a crise no sistema prisional, mas seriam bons instrumento para canalizar recursos. Seria uma boa alternativa para equacionar o atual problema de déficit de vagas. De acordo com ele, é possível evitar possíveis abusos de direitos humanos nos presídios geridos pelas PPPs estabelecendo indicadores de desempenho. O contrato prevê valores mensais que podem ser abatidos nos casos de rebelião, superlotação, maus-tratos e fugas, basta que o governo estabeleça seus critérios e fiscalize. (PEREIRA, 2014).

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De modo geral, as PPP’s representam boa ideia e podem ser uma solução válida para o problema contemporâneo brasileiro. A curto prazo é uma forma rápida de solução para os principais problemas que hoje são realidades no sistema prisional, tais como superlotação e uma ressocialização inadequada. Corrigindo esses problemas, a longo prazo, quando findar as penas dos detentos, sua reinserção na sociedade se dará de forma equilibrada. Não irá ocorrer o choque de cultura tão comum nos dias de hoje. A corrente que é contra a PPP dos presídios também seus argumentos, e alguns doutrinadores, como o juiz Douglas Martins, coordenador do Departamento e Fiscalização do sistema Carcerário,que defende seu posicionamento, conforme demonstrado a seguir: Nos locais onde localizamos mutirões e há presídios privados não encontramos condições vantajosas como as que são anunciadas normalmente. A situação não é melhor nem pior [do que nos presídios públicos]. Não há nenhum estudo provando que a reincidência ou a reinserção social sejam mais altas ou mais baixas. O número de pessoas trabalhando [nos privados] é até menor do que no sistema público. As empresas têm até certa resistência em contratar presos para os serviços internos, como o de cozinha, lavanderia. O CNJ tem até recomendado que se aumente a quantidade de presos nessas funções. (MARTINS, 2014).

Conforme demonstrado, o ilustre magistrado é contra, pelo fato de constatar que esse “sonho” de um presídio perfeito é uma grande farça, sendo que muitas vezes os presídois públicos são melhores que os privados. O magistrado se baseia na falta de estudos que comprovam que esta saída é uma boa solução para o problema atual, ele também alega que os presídios PPP não são nem melhores e nem piores dos presídios públicos. Não há nada de concreto nas palavras dele que desabonam os presídios PPP, somente falta de estudos que podem muito bem serem realizados futuramente. Outro ponto que está sendo muito discutido é sobre uma cláusula que existe no contrato da concessão das PPP’s. Os contratos exigem que o governo deixe pelo menos 90% da sua capacidade total ocupadas. Especialistas temem que esse encarceiramento se torne um negócio muito lucrativo (embora seja de conhecimento geral que toda empresa visa o lucro), sendo que o poder judiciário se banalize e, futuramente, torne a condenar suspeitos, não pelo fato dele realmente ter cometido algum crime, mas sim por “força de contrato”, onde o Estado tem que manter um número determinado de presos dentro do estabelecimento prisional privado. Se analisar bem, nos últimos anos nunca houve uma redução da população carcerária, pelo contrário, este número tem crescido de forma absurda a cada ano, conforme já demonstrado. Existe muitos presídios públicos espalhados no Brasil, se por ventura um dia este número seja inferior aos 90%, basta que tenha uma transferência dos detentos que estão no presídios públicos para o privado.

nal. Este presidio está capacitado para atender 3.040 presos, sendo que 1.824 em regime fechado e 1.216 no regime semi-aberto, sendo que esta obra foi financiada 100% pelas empresas privadas. A GPA fechou um contrato de 27 anos, sendo que este contrato pode ser prorrogado por mais 35 anos. Abaixo podemos observar uma imagem de Ribeirão das Neves. Foto2: Complexo de Ribeirão Neves foi o primeiro a ser construído na modalidade de PPP

Fonte:http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/68491/presidios+privados+nao+sao+melhores+do+que+os+publicos+dizem+especialistas.shtml.(2014)

O complexo de Neves conta com todos os aparelhos de primeira qualidade e uma segurança extraordinária. Os corredores são limpos, e todo o sistema muito bem organizado. Existem inúmeras câmeras de vigilância, foi projetada uma torre de comando, de onde funcionários possuem visão de toda a prisão e comandam os portões eletrônicos. Tudo foi projetado para que o presídio tenha mais cara de um presidio como a lei determina e menos com cara de presídios públicos, onde só se ve desorganização, superlotação e descaso com o detento. A imagem abaixo demonstra a torre de vigilância, onde o funcionário tem acesso através de câmeras de todo complexo: Foto3: Sala de controle do presídio privado: aqui não entra quem for do PCC

Fonte: http://apublica.org/2014/05/quanto-mais-presos-maior-o-lucro/(2014)

5.1Complexo de Ribeirão das Neves Em janeiro de 2013, foi inaugurada a “primeira” penitenciária público-privada do Brasil, localizada em Ribeirão das Neves-MG, o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves, que é gerenciado pelo GPA (consórcio de Gestores Prisionais associados) um consorcio de cinco empresas privadas. Este presidio foi construído e é operado pelo consorcio formado pela CCI Construções S.A., Construtora Augusto Velloso, Empresa Tejofran de Saneamento e Serviços, NF Motta Construções e Comércio e Instituto Nacional de Administração Prisio-

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As empresas privadas tem investido cada vez mais no complexo com equipamentos de ponta. Esse sistema tem qualidade e funcionalidade pelo fato de que as empresas privadas possuem o dever de operar com o mais alto padrão para evitar que ocorram problemas, como rebeliões e fugas. As empresas fazem isso porque, além da grande responsabilidade com o detento, se ocorrer algo quer não agrade o Estado, como por exemplo uma rebelião, a empresa não recebe a quantia que lhe é devida pelo Estado. Esta é uma das formas

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que o governo encontrou para tentar manter um bom nível dos serviços prestados, obrigando as empresas sempre manter um nível alto de segurança e de prestação de serviço para com os presos. Segue abaixo informações sobre o Complexo de Ribeirão das Neves, dados retirados no site da agencia de reportagem e jornalismo investigativo: O consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), que ganhou a licitação do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves é formado por cinco empresas, são elas: CCI Construções S/A Construtora Augusto Velloso S/A Empresa Tejofran de Saneamento e Serviços LTDA N. F. Motta Construções e Comércio Instituto Nacional de Administração Penitenciária (INAP) – Em 18 de janeiro de 2013 começaram a ser transferidos os primeiros presos para o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves. – A inauguração aconteceu no dia 28 de janeiro de 2013, com uma ala já ocupada por 75 presos. – Hoje (maio de 2014) estão funcionando duas das cinco unidades do complexo, cada uma com 672 presos. – A capacidade do complexo é de 3336 vagas. – O consórcio de empresas tem 27 anos da concessão do complexo, sendo dois para construção e 25 para operação. – Já foram gastos 280 milhões de reais na construção do complexo até agora. O GPA estima que no total serão gastos 380 milhões. – O Estado repassa R$2.700 por preso mensalmente; nas penitenciárias públicas o custo é de R$ 1.300,00 a R$ 1.700,00 por mês. – As celas têm capacidade máxima para quatro presos. No dia 06 de Junho de 2016, foi realizado uma entrevista com a sra Regiane Barbosa Santos Rosa, responsável pelo setor de comunicações da unidade setorial de parceriaspúblico-privadas da secretaria de estado de defesa social, que respondeu as seguintes perguntas: 1 – Quando foi criado esta unidade? A primeira unidade foi inaugurada em 18/01/2013. 2 – Quantos presos existem nela hoje? O Complexo será composto de 05 unidades penais com 672 vagas cada uma, totalizando 3.360 vagas masculinas, divididas em: 03 unidades Regime Fechado: 2016 vagas (celas individuais e para no máximo 04 vagas); 02 unidades Regime Semiaberto: 1344 vagas (celas individuais e com, no máximo, 06 vagas). A atual população carcerária no Complexo Penal é de 1344 detentos em regime fechado e 672 em regime semiaberto 3 – Quais as atividades que os detentos exercem durante todo o cumprimento da pena? Sim, a Concessionária é responsável pelo incentivo ao trabalho remunerado dos internos bem como a seleção dos sentenciados, observadas as orientações do Diretor Público de Segurança do Complexo Penal. Os sentenciados trabalham com a confecção de embalagens, calçados, formas de papel para bolos e pães, canos de pvc, e ainda desempenham trabalhos de jardinagem e limpeza. Além disso, a concessionária presta aos sentenciados ensino profissional e de capacitação para o trabalho. 4 – Qual e o custo mensal de cada preso? O Valor da vaga/dia é R$115,92 (cento e quinze reais e noventa e dois centavos). Neste valor está incluso, os gastos com o detento, com funcionários, despesas materiais e os gastos com a construção do complexo. 5 – Tem algum histórico de rebelião dos presos? Não há histórico de rebelião.

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6 – Já teve algum preso que cumpriu a sua pena e saiu do complexo ressocializado? Depois que eles saem voltam a cometer crimes? A Concessionária desenvolve o projeto “Voltando para Casa” que visa a efetiva reinserção social, tanto pela reconstrução da identidade, como pelo fortalecimento dos vínculos familiares. No que tange à reincidência dos detentos, as informações são de responsabilidade da Diretoria de Informações Penitenciárias da Superintendência de Articulação e Gestão de Vagas – SAIGV. 7 – Quantas pessoas trabalham na penitenciaria? As informações relacionadas à quantidade de colaboradores que trabalham no Complexo Penal de Ribeirão das Neves, são de responsabilidade da Concessionária, não sendo possível indicar. Diante das perguntas respondidas pela profissional responsável pelo setor de comunicação, foi constatado que o complexo de Ribeirão das Neves é um lugar que está preparado para receber os presos, tem instalações que são adequadas para os detentos, não tem histórico de rebelião, não está lotada, existe trabalho e curso profissionalizante para os detentos, o para o Estado o valor da vaga/dia é R$115,92 e que a concessionária desenvolve um projeto denominado “voltando para a casa” que visa a reinserção do detento após o cumprimento da sua pena. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente, devido à grande deficiência dos órgãos públicos no tocante ao serviço penitenciário, os presídios públicos não ressocializam os presos, as penitenciárias não tem condições mínimas de dignidade com o ser humano. Estas penitenciarias públicas estão cada dia mais contribuindo negativamente na formação de cidadania dos detentos. Lugar este, que utopicamente, deveria ser o espaço para o detento pensar no que fez, trabalhar, estudar e sair do presídio como cidadão apto para viver em sociedade. Diante do que foi demonstrado, é cristalino que o Estado não tem como proporcionar um lugar adequado para que os condenados cumpram suas penas de forma digna e em conformidade com a lei.Contudo, se for implementado todas as promessas das empresas PPP’s, sendo realizada uma rigorosa fiscalização do Estado, afim de sempre melhorar o cumprimento das penas pelos detentos, as PPP’s podem ser uma boa solução. Sendo assim, com as empresas cumprindo na íntegra todas as obrigações estipuladas pelo Estado e existindo uma fiscalização rigorosa, toda a sociedade será beneficiada desta parceria, desde o apenado que irá cumprir sua pena em um lugar onde ele realmente tem condições de melhorar, até a sociedade na reintegração dodetento.Essas chances de ressocialização são maiores em um presídio privado do que em um presídio público. Logo, para uma ressocialização adequada para o detento e o pensamento de uma sociedade utópica, onde o número de reincidentes criminosos vai diminuir com o passar do tempo, uma solução rápida e de certa forma fácil, seria os presidios PPP, pois eles tem toda a logística adequada para moldar um preso até o final de sua pena, presta um serviço muito bom no tocante a saúde, educação, incentivo do preso trabalhar e realizar cursos profissionalizantes, e, no caso de uma eventual falha das empresas que administram o complexo, existem sanções que elas sofrerão. O Estado mantem o poder que para ele foi investido, não de se falar em ilegalidade e todos saem ganhando no que se refere a ressocialização do preso e assim, existirá uma sociedade melhor.

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MINAS GERAIS. LEI Nº 14.868, de 16 de dezembro de 2003. Dispõe sobre o Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas. Disponivel em:http://www.ipsm.mg.gov.br/arquivos/legislacoes/legislacao/leis/ lei_14868.pdf. Acesso em: 11 out. 2015.

Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Laura Maria dos Fernandes Lima (Examinadora)

MURARO, Celia Cristina. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.

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O LAY-OFF E A PARTICIPAÇÃO DOS SINDICATOS NAS DISPENSAS EM MASSA Élio Vasconcellos Vieira 1

RESUMO: Em suma, ante a crise vivenciada, o Estado tem o poder-dever de agir em prol do interesse público, normatizando e fiscalizando de modo a coibir excessos. Contudo, é necessário que este mesmo Estado se adapte e proporcione políticas públicas e formas de investimentos e incentivos empresariais para trazer novamente o interesse no aquecimento e crescimento do país. O estudo foi criterioso ao demonstrar o desrespeito não só à Constituição, mas a todos os princípios jurídicos pelo ente Estatal, que deveriam tutelar os direitos públicos e até privados, porém na contramão destes critérios, faz com que tal regime suprima até mesmo as relações de trabalho, que desemboca medidas improvisadas para se evitar um colapso social. O Lay-Off pode auxiliar empresas, em que pese a manutenção dos quadros de trabalho, mas desde que não tenham sido atingidas diretamente pela crise ou estejam beirando a falência, não se trata de simples medida afim de conter dispensas em massa. Para isso é imprescindível que os sindicatos passem a assumir a força tão consagrada nas décadas de 80 e 90 neste país. Assim, salutar a intenção direta em forçar o estabelecimento de programas públicos que inclinem os olhares para novas formas de crescimento. PALAVRAS-CHAVE: Inércia Estatal. Crise. Sociedade. Lay-Off. Sindicatos.

1 INTRODUÇÃO De modo introdutório, tendo como plano de fundo a crise suportada pelo Brasil, ante as gravidades que assolam os campos da economia, política e sociedade, trazendo infortúnios que acabam por obstaculizar a manutenção de um país estável e apto aos diversos tipos de investimentos para uma ascensão a nível global é um critério que merece destaque, eis que é a atual conjuntura vivenciada atualmente. Certo que o crescimento de um país está diretamente ligado à potencialização quanto ao giro de suas economias, a sua capacidade de gerar riquezas, que consequentemente gera empregos, desde que associado a uma boa persecução de políticas públicas, para que os frutos sejam colhidos através do avanço social e aquecimento dos preceitos hegemônicos financeiros e tecnológicos do país, faz-se necessária uma reformulação das metodologias e relações fixadas pelos Estados. Infelizmente, este mesmo país encontra-se em circunstância oposta, o que em outras palavras remete à obstrução dos avanços, que culmina no aumento da dívida Estatal, prejuízo ao incentivo empresarial, caracterizando a real e elevada necessidade de se arrecadar tributos por parte do Estado, ao passo que intensificar tais medidas traz gravames e dificuldades às empresas, principais geradoras de empregos. Sob este enfoque circundarão as análises e fundamentações deste artigo, trazendo figuras relevantes na garantia dos direitos coletivos, sendo indispensável a participação dos sindicatos, visto que a crise atinge fortemente e de forma liminar os setores do trabalho e emprego, tudo considerado pelo amparo dos princípios constitucionais do trabalho. A medida jurídica que tem sido constantemente debatida cinge acerca do Lay-Off, visto por muitos como solução do cenário das crises globais, que consiste na reorganização do quadro de trabalhadores da empresa, podendo suspender o contrato de trabalho ou reduzir a jornada semanal de trabalho, coletivamente, de modo a possibilitar um fôlego para as empresas se recuperarem de dificuldades financeiras. O referido regime visa trazer um benefício às empresas, sem contudo prejudicar os empregados subordinados, qualificando-os, ou então mantendo o pacto laboral para evitar as dispensas em massa.

Porém, restará demonstrado que apesar de remediar alguns pontos, tal medida não traz a possibilidade de sanar os eventuais embates, e que muitas das vezes podem ser utilizadas como subterfúgios das empresas para burlarem a legislação e obrigação vigente. Partindo deste princípio, a medida do Lay-Off será analisada atrelada à participação efetiva dos sindicatos, respeitadas as bases Constitucionais Fundamentais e Sociais sob o prisma das relações de trabalho e emprego, traçando uma linha tênue sobre o capitalismo e globalização, principais paradigmas promocionais da sociedade e do Estado Democrático de Direito. 2 A GLOBALIZAÇÃO E A ATUAL SITUAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL Inicialmente, para melhor compreender o contexto do trabalho e economia atual, é imprescindível analisar sua ligação com a dimensão da globalização em que pesem os aspectos laborais-sociais, culturais, políticos e econômicos. A globalização, também conhecida e tratada nesta obra como mundialização, consiste numa generalidade e abstração da evolução dos subsistemas do mundo inteiro, em outras palavras, o povo, a economia, a política, a cultura e neste caso em apreço, o trabalho, tornam-se únicos em todo o mundo. Não se tem mais uma concentração regional destes subsistemas. Fato é que o capitalismo, expandido pela hegemonia econômica da globalização, proporcionou inúmeros avanços cujos impactos proporcionaram a criação de vários empregos, ampliação do giro financeiro no mercado internacional, exploração e utilização significativa da tecnologia de ponta, maior mescla cultural e influências mútuas diversas, o que possibilitou vasto crescimento das estruturas sociais. (DELGADO, Mauricio Godinho. 2015. p. 16 - 17). Ocorre assim a abertura, integração e internacionalização incisiva que culmina na unificação da economia nos âmbitos supramencionados, de modo a ser, por óbvio, fase e processo inerentes ao capitalismo, o que traz consigo as interconexões comerciais, culturais, financeiras e tecnológicas em grandezas mundiais. Por assim dizer, a globalização marca o capitalismo e vice-versa, assinalando por si só a desigualdade.

1 Granduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Ainda, de modo a aprofundar mais ao tema, há de se considerar que tal fenômeno atribuiu maior imprescindibilidade ao valor do trabalho, concedendo a este maior centralidade e tornando-o protótipo da organização da vida social e econômica, mormente ao que hoje a sociedade denomina popularmente como “status”. E mais, com isto eleva-se um novo alicerce do Estado Democrático de Direito. Com tais assertivas, é cristalina a ligação entre a economia interna e externa do país em face a necessidade da proteção às relações de trabalho, aqui visto em todas suas facetas. Trazendo tais fatores da globalização para o Brasil, contudo, com a realidade vivenciada hodiernamente afeiçoa-se apenas em seus aspectos nocivos, eis que a desigualdade se expressa de forma abrupta, desaguando diretamente nas garantias e valores do Trabalho, o que de pronto imobiliza os órgãos vitais da estrutura do Estado, que fulmina este último a arruinar-se de modo desmedido. Despiciendo destacar a situação suportada por este país, seja ela no aspecto político, social e principalmente econômico. A desestabilização conjunta de todos estes ramos, sem qualquer sombra de dúvida, atrai o aumento do desemprego, a desestruturação dos entes políticos (União, Estados Membros, Distrito Federal e Municípios), bem como a queda de políticas de investimentos. É nítida a interligação de tais institutos, sendo assim, se um deles se abala, certamente os outros também serão afetados. Sob este enfoque, a carência de investimentos no aspecto da infraestrutura do Brasil traz consigo a perda da competitividade no mercado externo – fator essencial do capitalismo, como visto acima – pois o sucateamento destas estruturas fazem estagnar fatores que promovem o bom e regular crescimento de um país, tais como economia, interesse no consumo e comércio, bem como sabido que a baixa produtividade nas indústrias também representam entraves ao crescimento. Um segundo motivo que compõe a forçosa desestabilização da máquina pública cinge à falta de planejamento estratégico político-econômico por morosos períodos, eis que as medidas tão somente corretivas e emergenciais para socorrerem determinados déficits atrofiam as possibilidades de destinação do capital para os setores efetivamente carentes, ou então, de maior intensificação do investimento em áreas que poderão gerar riquezas ao país. (DINIZ, Janguiê. Os motivos da crise. 14/09/2015. UNINASSAU). Outro impulso dado para que a crise assolasse o país, reside no crescente e categórico aumento da inflação cumulada com a quebra da fidúcia da política econômica internacional, estes dois últimos trouxeram em cascata os prejuízos, haja vista que a inflação traz consigo o decréscimo da força aquisitiva do capital da população ante a frágil e alta política fiscal que incide nos produtos consumidos, e da mesma forma atrai também dificuldade por parte das empresas, pois a retração da economia e o engrandecimento do risco decorrente da falta de crédito gerando temor no ramo empresarial, gera queda nas vendas, prejuízos nas produções e por fim, recairá no ramo trabalhista, ao inclinar um elevado quadro de dispensas dos trabalhadores. A exiguidade de recursos financeiros e falta de estabilidade do mercado, juntamente com as repercussões políticas de corrupção levaram à quebra do elemento volitivo de investimento, a confiança internacional, que afastou o Brasil do aquecimento dos grandes blocos econômicos. Contextualizar a situação hodierna é fundamental para o entender as medidas para aplicabilidade do Lay-Off, em aparato com a legislação normativa e principiológica do país, sendo de amplo saber que o primeiro ramo a sofrer os impactos de uma crise situa-se na esfera trabalhista, principalmente porque os trabalhadores são os instrumentos fundamentais da produção, e nos casos da redução abrupta destas últimas, não se tem riquezas, o que impossibilita o pagamento

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dos salários e obrigam as empresas a dispensarem os trabalhadores. Trazer a análise do tema para a esfera laboral é de suma importância, eis que toda estruturação social funda-se no trabalho, que merece cautela e apreço. O Lay-Off muito embora exista para tentar remediar e sanar tais dispensas volumosas no interesse de tutelar os princípios trabalhistas, primordiais nas garantias dos direitos “pro operários”, conforme será visto no transcurso desta obra, apesar de trazer certos benefícios, não é totalmente eficaz. Para desmistificar essa prática, faz-se necessário trazer à baila os princípios trabalhistas basilares que melhor norteiam, de fato, a alocação da proteção em face das relações de trabalho. Já no tocante as proteções laborais propriamente ditas, em virtude das históricas e inúmeras explorações do trabalho, sendo os obreiros hipossuficientes, é também de grande relevância a participação de entes que tutelem tais proteções e reduzam a disparidade em tais ligações, neste caso, os sindicatos, tanto dos trabalhadores, quanto dos empresariados, cuja força tutelar possui previsão Constitucional (artigo 7º, XXVI da Constituição da República de 1988 - CR/88); proteção visando o benefício de diversos direitos em contrapartida da abstenção de alguns outros. Por corolário, no capítulo a seguir, os princípios trabalhistas demonstrarão por si só sua valia e relevância para todo ordenamento jurídico e social. 3 DOS PRINCÍPIOS TRABALHISTAS Seguindo a linearidade de raciocínio despendida no tópico anterior, em sendo inegável que a crise econômica interfere no regular crescimento das empresas e desta mesma forma os reflexos são impactados diretamente nos trabalhadores, é importante trazer alguns princípios previstos constitucionalmente e na consolidação das leis do trabalho (CLT) que visam reduzir danos e prejuízos aos direitos trabalhistas, e certo, devem ser obedecidos pela Lay-Off. 3.1 Princípio da Proteção ao Trabalhador O princípio da proteção ao trabalhador, torna-se central e influencia em toda órbita trabalhista, fazendo com que toda norma trabalhista seja interpretada em favor do trabalhador, visando reduzir arbitrariedades das empresas em face daqueles que ali laboram. Acaba por ter um cunho amplo e abstrato, para possibilitar maior respaldo. Este princípio tem como foco reduzir a desigualdade na relação entre os trabalhadores e as categorias patronais. Por sua amplitude, ainda se subdivide em outros três princípios, quais sejam, da norma mais favorável (previsto no artigo 620 da CLT), in dubio pro operário, e condição mais benéfica. De toda sorte, pela própria proteção ao trabalhador, o Lay-Off visa evitar as dispensas em massa, na tentativa de reduzir dispensas exponenciais, e ainda assim proporcionar um ambiente digno para o trabalho, assegurando, por óbvio, a contraprestação financeira e remuneratória em troca do labor prestado. Ao invés de dispensar trabalhadores, tem-se a manutenção destes, porém com o salário e a jornada reduzida, ou então, suspende-se o contrato de trabalho e qualifica o empregado para que, caso ocorra a dispensa, este mesmo trabalhador não esteja desqualificado face a mão-de-obra do mercado. Não pairam dúvidas, dentre os vários princípios norteadores do Direito do Trabalho, de que este é o mais importante, mormente em tendo a hostil situação econômica que atinge abruptamente as relações trabalhistas, a proteção é o objetivo primordial para pormenorizar os danos ao aspecto patrimonial dos obreiros – redução do salário e negociação da jornada de trabalho – e mais ainda em que pesem os direitos para trazer maior equilíbrio.

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3.2 Princípio da Continuidade da Relação de Emprego Especificamente neste princípio reside um dos fundamentos básicos do Lay-Off, tendo em vista que, neste caso, o vínculo de trabalho deve ser mantido sempre que possível, aderindo assim à interpretação e finalidade teleológica da Carta Magna. A teor exemplificativo que corrobora com o princípio da proteção, a efetiva continuidade gera certas presunções em favor do trabalhador, com base na súmula 212 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que prevê que o ônus de provar o despedimento é do empregador, ou melhor dizendo, das categorias patronais. (DELGADO. Mauricio, Godinho. 2011. p. 205). Vale transcrever a referida súmula para ilustrar o princípio em tela, in verbis: Súmula nº 212 do TST - DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado. Isto porque a classe patronal ao sofrer os impactos das situações financeiras possam articular maneiras de manter o vínculo do contrato, considerando até mesmo o instituto da sucessão patronal, ou seja, uma vez que existir a substituição do ente empregador, os trabalhadores ao antigo subordinado, via de regra, deverão ser subordinados ao novo sucessor, conforme reza a inteligência do artigo 10 cumulado com artigo 448, ambos da CLT. 3.3 Princípio da Inalterabilidade Contratual Lesiva Embora não seja absoluta, toda alteração contratual que seja lesiva ao trabalhador é vedada por lei, com fulcro no artigo 468 da CLT. Trata-se de regramento próprio e especial trabalhista. É justamente nesta senda de relatividade deste princípio, somada a situação excepcional que será vista a seguir, que se enquadra o Lay-Off, trazendo maior flexibilidade ao contrato, no interesse de atender o princípio da continuidade da relação de emprego. Em regra, toda alteração que não seja benéfica ao obreiro não pode ser realizada, eis que o poder diretivo e os riscos são inerentes tão somente ao empregador/ente patronal, não imputando aos trabalhadores eventuais prejuízos dos negócios jurídicos ou contratuais celebrados pelo empregador. A fundamentação que galga valor a este princípio está no aspecto de obstaculizar supostas e eventuais alterações veladas das categorias patronais no intuito de ludibriar a norma trabalhista para assim obter subterfúgios as custas de oneração excessiva de carga de trabalho aos operários. É cristalino vislumbrar como a inter-relação entre os princípios torna-se forte e homogênea num todo. Essa mesma relação, ao se amplificar, obriga trazer maior eficácia e eficiência, através do equilíbrio e redução da disparidade, na relação de trabalho. 3.4 Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas Este princípio denota o caráter imperativo e compulsório das normas trabalhistas, principalmente pelo trabalho ser assegurado constitucionalmente. A luta das empresas e seus empregados contra a crise, fortemente evidenciada, é analisada em perspectivas distintas, mas obviamente transpassa pelo desenvolvimento econômico e social das populações hipossuficientes e da fiscalização governamental. A conscientização das relações de trabalho e condições precá-

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rias das famílias brasileiras em face de opressão capitalista submetem os hipossuficientes à condições degradantes. Mister salientar que vários doutrinadores defendem este mesmo ponto, que a teor exemplificativo vale citar o Ministro do TST Maurício Godinho Delgado ao mencionar que nem sempre poderá ser realizada a flexibilização da lei, pois segundo seu posicionamento, tem direitos de que são absolutamente indisponíveis, enquanto outros são dotados de disponibilidade relativa, admitindo a adequação da legislação, (DELGADO. Maurício Godinho, 2014). Ademais, urge salientar que por serem direitos coletivos e indisponíveis são de suma importância para demonstrar a natureza assecuratória das partes hipossuficientes nas relações laborais. Ressalta-se que estes são direitos indisponíveis conferidos pela Constituição em seu artigo 6º (sexto), extraído da recente Emenda Constitucional, conforme abaixo: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015 – Constituição da República de 1988). Assim, resta patente a contenção exigida aos envolvidos, no claro objetivo de conceder a proteção aos obreiros, como mencionado no tópico 3.1, uma vez que o grupo de prerrogativas mínimas encontra-se assegurado pela lei, seja na Constituição de 1988, bem como na Consolidação das Leis do Trabalho. Tal indisponibilidade tem também o objetivo de impedir que o próprio trabalhador seja enganado ou se submeta a circunstâncias degradantes de trabalho em face de uma eventual necessidade de labor. Tem-se aqui um escopo também humanitário. O referido princípio está elencado nos artigos 9º, 444 e 468 da CLT, sendo basicamente definida como a proteção inerente ao trabalhador, seja por uma conduta volitiva individual e unilateral (renúncia), ou seja por outra conduta bilateral acordada com o ente patronal (transação), está impedido de abdicar destes seus direitos trabalhistas, reputando-se nula e inválida a medida resultada de tais condutas, direcionadas a tal vedada disponibilização. (DELGADO. Maurício Godinho, p. 211, 2011). De modo a estampar melhor as figuras das condutas, vale traçar uma sucinta diferença entre a renúncia e a transação. A primeira, a renúncia, caracteriza-se por ser uma conduta volitiva e unilateral do trabalhador que é detentor de algum benefício ou direito, sendo que este abdica de um referido direito, sem que em prol desta abstenção da garantia haja uma respectiva contraprestação pela outra parte beneficiada. Já a segunda, a transação, configura-se por ato complexo (que envolve duas vontades – bilateral), sendo que tem-se a flexibilização de direitos e outras obrigações acessórias entabuladas pelas duas partes, mediante contraprestações recíprocas, tendo como preceitos as questões fáticas e/ou jurídicas, ou seja, tem-se a supressão de certos direitos em virtude da concessão de outros mais benéficos. Cumpre enfatizar que para tutelar os direitos absolutamente indisponíveis e flexibilizar corretamente aqueles relativamente indisponíveis, faz-se imprescindível para o deslinde das negociações a participação dos sindicatos. De modo a realizar um adendo, lastreia-se também uma proteção quando a própria lei impede o trabalhador de reformar e dispor de direitos fundamentais para sua dignidade, em seu prejuízo, mesmo porque o atendimento das prerrogativas trabalhistas mínimas representam a função social e teleológica da Constituição, trata-se do patamar civilizatório mínimo, como defende o doutrinador Mauricio Godinho Delgado em inúmeras obras mencionadas neste texto. Para esclarecer, aquelas normas destinadas à saúde ocupa-

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cional, higiene e segurança do trabalho classificam-se como absolutamente indisponíveis, eis que são intrínsecas à subjetividade dos trabalhadores e por isso não são passíveis de serem transacionadas ou sequer modificadas, como exemplo, o intervalo intrajornada (tempo para repouso e alimentação), previsto no artigo 71 da CLT constitui uma norma de saúde. E que fique cristalino, uma norma de segurança cinge quanto a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), que visam assegurar a integridade física do trabalhador, dentre vários outros. Assim, como visto, as normas que possuam interesse público, tratando do efetivo exercício da função teleológica da constituição, são absolutamente indisponíveis. Lado outro, têm-se os direitos relativamente disponíveis, que embora assumem valores imensuráveis para evitar o abuso da exigência da força de trabalho, são passíveis de transação, que in casu, são negociados nas normas coletivas junto aos sindicatos e entes patronais. Consideram-se relativos aqueles direitos que não repercutem na esfera de dignidade mínima do trabalhador, em outras palavras, que não interfira no patamar civilizatório mínimo. Neste caso também merece exemplificação, eis que as verbas pagas a título de horas in itinere (trajeto de percurso), previsto no artigo 58, §2º da CLT, podem ser viabilizadas e reduzidas em prol da concessão de benefícios que compensem tal abdicação, como a concessão de folgas extras no transcurso da semana. Mas, para que se evite a tão temerosa banalização da legislação trabalhista, certas limitações e impedimentos obviamente devem circundar a transação destes direitos, caso contrário, a depender da intensidade do desemprego, os trabalhadores por serem hipossuficientes e oprimidos ante a necessidade de trabalho acabariam por aceitar toda e qualquer transação acerca de todo e qualquer direito, seja ele relativa ou absolutamente indisponível. De toda sorte, não há que se falar na imprudência da transação de todos os direitos. Consagra-se o entendimento de que o patamar civilizatório mínimo, acoplado com a interpretação teleológica constitucional, é o limite para a realização das referidas transações, o que em outros dizeres implica alegar que apenas aqueles direitos relativamente indisponíveis podem ser colocados em questão, desde que respeitadas as garantias mínimas e não tragam o retrocesso econômico para uma absurda retrocessão legal. Para tanto, aqueles direitos absolutos devem se ativar como uma espécie de cláusulas pétreas, sendo intangíveis para sua redução, admitindo apenas a majoração do rol quantitativo e qualitativo. Para a defesa de tais prerrogativas, devem emergir fortemente os sindicatos, para garantir aquilo essencial de um ser individual, como expressamente contido na Carta Magna em seu artigo 6º, mencionado anteriormente nesta obra. Os sindicatos têm sua força garantida pelas diversas disposições legais contidas na Constituição e na CLT, são os entes responsáveis pela defesa e garantia dos direitos e discussão e ampliação das áreas quais estão ligados e, no presente caso, também são encarregados por organizar e promover as greves e demais manifestações que visam melhorias nas condições de trabalho e produção de uma referida categoria, seja este um sindicato dos empregadores ou dos empregados. É a noção de negociação mediante a participação sindical que legitima a transação no direito do trabalho e o Lay-off é claro tipo de transação. 4 O LAY-OFF Diante de retrações no mercado e crises econômicas, é comum que empresas reduzam o número de empregados para viabilizar a

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continuação da atividade produtiva. Nesse sentido, para se evitar a ocorrência de demissões em massa de empregados e permitir maior qualificação profissional dos empregados, é necessário adotar medidas que garantam a manutenção dos contratos de trabalho mesmo em momentos de crise. Uma das saídas, legalmente previstas é o Lay-Off. O Lay-Off, é instituto originário do direito americano que se caracteriza por ser uma medida temporária consubstanciada na redução dos períodos convencionais da jornada de trabalho, ou na suspensão dos contratos de trabalho, mediante espécie de transação. Está devidamente consignado no ordenamento pátrio brasileiro e recepcionado pela Carta Magna atual, elencado no artigo 476-A, §1º ao §7º, da CLT. Vale colacionar abaixo para ilustrar, na lei, efetivamente o que é o regime mencionado, in verbis: Art. 476-A, CLT. O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação. (Consolidação das Leis do Trabalho) Vem à luz legal para instaurar uma tentativa mais eficaz de atender os princípios basilares do Direito do Trabalho conforme constam dos tópicos alhures. A referida medida pode ser requerida pelas empresas que estejam com retrações econômicas, em outras palavras, em crise. Empresas cujas atividades, durante certo período temporal, estiverem desestabilizadas e os custos com produção e mão-de-obra onerarem gastos excessivos que necessitem de certas adequações para alavancar e soerguer o giro de capital e recuperar a condição financeira dentro do mercado podem se valer do presente regime. Urge salientar ainda, além da causa da instabilidade do mercado, incluem-se também no rol dos principais fatores ensejadores da crise que guarda saída no Lay-Off, as causas estruturais e tecnológicas próprias das empresas, bem como casos fortuitos que lesem a boa e regular atividade das empresas. Frisa-se que todos os trabalhadores de determinada empresa estão sujeitos a readequação da jornada ou suspensão do pacto laboral, com exceção dos administradores e dos gerentes que exerçam efetivos cargos de gestão, afinal este dois últimos possuem a função de dirigir e coordenar as atividades da empresa. Se estes também estivessem sujeitos ao regime, não teria lógica alguma o regime do Lay-Off, eis que a empresa não tomaria seu curso regular aleatoriamente, faz-se imprescindível a participação destes para proporcionar maior guinada à empresa. Outro aspecto que também merece relevância, reside no prazo de duração da suspensão do contrato ou redução da jornada laboral, eis que para que se evite a configuração de uma fraude trabalhista, a legislação entabulou que tais atos não devem ser superior ao prazo de 6 (seis) meses, tempo este considerado hábil a possibilitar um melhor planejamento e readequação da empresa. O ente patronal que optou por instalar o regime do Lay-Off, tão logo após a adesão deste, nos 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias seguintes, estendidos até o prazo limite de 6 meses, é defeso a realização de dispensa dos trabalhadores selecionados para a submissão do instituto, salvo nos casos de extinção de comissão de serviço, término do contrato de trabalho por prazo determinado ou dispensa por justa causa. Some ao caráter precautelo da fraude, um requisito indispensá-

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vel para adesão ao regime ora tratado, é que a empresa esteja com todas suas obrigações contributivas devidamente regularizadas junto a administração fiscal e segurança social. Por ser uma medida extrema e excepcional, para sua efetivação é necessário que exista a celebração por negociação coletiva, podendo ser Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) ou Convenção Coletiva de Trabalho (CCT). Aí sim a empresa poderá se vale da referida medida, posto que a partir daí subsistirá a vontade formal do trabalhador. Verifica-se aqui a importância dos princípios continuidade da relação de emprego e proteção ao trabalhador. Tem-se, portanto, que a figura do Lay-Off assume duas funções importantes no equilíbrio das relações de trabalho. Em primeiro lugar, é utilizada como medida alternativa para se evitar a dispensa em massa de trabalhadores diante de eventuais crises financeiras nas empresas e também pode viabilizar em algumas hipóteses a qualificação profissional dos trabalhadores. A figura do sindicato profissional assume papel fundamental nesse assunto, uma vez que caberá a este órgão viabilizar ou não a aplicação do Lay-Off, atuando na defesa dos interesses mútuos, mormente por ser tratar de uma transação. Tanto é verdade, que para que ocorra a dispensa em massa, faz-se necessário a negociação coletiva, de modo a viabilizar a regular garantia dos direitos. Neste mesmo sentido firmou o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que pode ser extraído do Informativo de nº 34 de modo a demonstrar a relevância que assumem os direitos coletivos, diga-se de passagem são indisponíveis e mais, a obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas dispensas em massa, que segue abaixo colacionado para melhor exemplificar as razões aqui trazidas: Informativo nº 34 do TST: DC. Natureza jurídica. Cabimento. Encerramento da unidade industrial. Dispensa em massa. Prévia negociação coletiva. Necessidade. A SDC, por maioria, entendendo cabível o ajuizamento de dissídio coletivo de natureza jurídica para se discutir a necessidade de negociação coletiva, com vistas à efetivação de despedida em massa, negou provimento ao recurso ordinário no tocante à preliminar de inadequação da via eleita, vencidos os Ministros Antônio José de Barros Levenhagen, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e Maria de Assis Calsing. No mérito, também por maioria, vencidos os Ministros Maria Cristina Irigoyen Peduzzie Fernando Eizo Ono, a Seção negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida que declarou a ineficácia da dispensa coletiva e das suas consequências jurídicas no âmbito das relações trabalhistas dos empregados envolvidos. No caso, reafirmouse o entendimento de que a exigência de prévia negociação coletiva para a dispensa em massa é requisito essencial à eficácia do ato empresarial, pois as repercussões econômicas e sociais dela advindas extrapolam o vínculo empregatício, alcançando a coletividade dos trabalhadores, bem com a comunidade e a economia locais. Ressaltouse, ademais, que o fato de a despedida coletiva resultar do fechamento da unidade industrial, por questões de estratégia empresarial e redução dos custos de produção, não distingue a hipótese dos outros casos julgados pela Seção, pois a obrigatoriedade de o empregador previamente negociar com o sindicato da categoria profissional visa ao encontro de soluções que minimizem os impactos sociais e os prejuízos econômicos resultantes da despedida coletiva, os quais se mostram ainda mais graves quando se trata de dispensa da totalidade dos empregados do estabelecimento, e não apenas de mera redução do quadro de pessoal. (TST-RO-6-61.2011.5.05.0000, SDC, rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, 11.12.2012)

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Noutro lado, com escopo no acima fundamentado, no mesmo objeto de análise, é possível se extrair entendimento oposto, eis que torna-se cristalino vislumbrar a rigorosidade dos requisitos exigidos a uma empresa para aderir ao regime, o que acaba dificultando a instalação do mesmo, haja vista que se a empresa estiver submersa numa crise de dificuldade financeira mais intensa não será possível estar com as contribuições adimplidas, posto que as obrigações de natureza fiscais e sociais são as primeiras a deixarem de ser quitadas. 4.1 Das modalidades do lay-off Pois bem, conforme visto no caput do artigo 476-A da CLT, uma vez pactuado na negociação coletiva, o instituto pode se subdividir em duas modalidades, sendo a redução ou a suspensão, que será melhor detalhadas a seguir. No ato da celebração e facultatividade de qual modalidade irá ser aderida, devem ser verificados todos os requisitos fundamentais para que a empresa se adeque e os trabalhadores não sejam prejudicados. Acresça-se antes de adentrar nas espécies, que toda empresa que ingressa no regime deverá ser fiscalizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. 4.1.1 Da Redução da Jornada de Trabalho

A redução da jornada de trabalho, configura-se pela redução do número de horas trabalhadas pelo empregado e, consequentemente, pela redução do salário recebido, respeitadas as garantias contratuais trabalhistas. A diretrizes para tais reduções devem obedecer o texto da Lei 4.923/65, em que o salário poderá ter uma redução de até 25% (vinte e cinco por cento), por óbvio respeitado o mínimo nacional, durante 3 (três) meses prorrogáveis por igual período, totalizando 6 meses. Neste caso o salário é pago pelo próprio empregador. Já com relação à jornada, existe uma maior flexibilização podendo ser colocada à negociação pelo sindicato dos empregados e aquele patronal. Via de regra, de 44 horas semanais para 36 horas semanais. 4.1.2 Da Suspensão do Contrato de Trabalho

Na outra modalidade do Lay-Off, esta por sua vez mais gravosa e que traz maior temor a classe operária, tange à suspensão do contrato de trabalho, que pode ser compreendido num período de 2 a 5 meses para que o empregado participe de curso de qualificação profissional, na qual não será devido o pagamento de salários pelo empregador, sendo tão somente quitado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), respeitado o limite do valor do Seguro-Desemprego vigente à época de adesão ao regime. Eventuais obreiros que perceberam remuneração superior deverá ser paga a diferença pelo empregador. É possível, ainda, que seja estabelecida na negociação coletiva (ACT ou CCT) o pagamento de ajuda compensatória mensal que não apresenta natureza salarial. Em que pese a suspensão poder ser prorrogada por instrumento coletivo, somente é possível conceder nova suspensão após o prazo de 16 meses da primeira, o que também se aplica ao caso da redução da jornada. Contudo, recentemente, mais especificamente em julho de 2015, foi publicada a Medida Provisória nº 680/2015, que foi convertida em decreto, qual seja Decreto nº 8.479/2015, prevendo nova hipótese de Lay-Off como resposta ao aumento no número de desempregados diante de crise econômica, atualmente existente no Brasil. De acordo com o decreto, foi criado o Programa de Proteção ao

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Emprego (PPE). Os objetivos desse programa estão expressos no art. 1º do referido decreto: Art. 1º Fica instituído o Programa de Proteção ao Emprego - PPE, com os seguintes objetivos: I - possibilitar a preservação dos empregos em momentos de retração da atividade econômica; II - favorecer a recuperação econômico-financeira das empresas; III - sustentar a demanda agregada durante momentos de adversidade, para facilitar a recuperação da economia; IV - estimular a produtividade do trabalho por meio do aumento da duração do vínculo empregatício; e V - fomentar a negociação coletiva e aperfeiçoar as relações de emprego. Urge destacar aqui que, na legislação a medida aparenta ser unicamente benéfica, mas na efetiva realidade não é colocado em prática o que de fato está entabulado, eis que por vezes Impende dizer ainda que de acordo com a previsão normativo-jurídica, o obreiro que estiver abarcado pela suspensão do pacto laboral deverá estar submetido por cursos e programas de qualificação profissional, haja vista que, sabendo da real circunstância da dificuldade financeira, em caso de dispensa (individual ou em massa), deverá estar devidamente atualizado com a mão-de-obra fornecida durante tais cursos, no intuito de proteger o trabalhador. Resta aqui traçado a segunda espécie, que por si só, ratifica o rigor que a referida medida exige. Contudo, conforme será visto no tópico seguinte, embora aclamado vastamente nas mídias – redes sociais, televisão, rádio, dentre outros – o Lay-Off não possui tanta eficácia na vida das empresas, bem como naquela dos trabalhadores. Acaba por incorrer numa ilusão legislativa, e algumas das vezes em condutas malfadadas de empresas para deturpar a legislação trabalhista e ao invés de buscar a manutenção do emprego e soerguimento da dificuldade econômica, utilizarem-se disso para flexibilizar – ou banalizar – as diretrizes legais. 5 DA INEFICÁCIA DO LAY-OFF Embora o Lay-Off tem sido visto como alternativa de contingência para redução do desemprego em diversas mídias, na prática a teoria contida na legislação não é comumente eficaz e tampouco se efetiva corretamente de modo a reduzir os impactos das dificuldades econômicas. Vale destacar, antes de adentrar as consequências resultantes do Lay-Off, as peculiaridades que trazem grandes óbices à adesão do referido regime. Num primeiro momento, conforme fundamentado expressamente no tópico de nº 4, para aderir ao regime as empresas deverão estar adimplidas com todas suas obrigações fiscais e contributivas, para que se evite uma fraude para se esquivarem do pagamento dos referidos encargos. Já aqui, não são necessários olvidar grandes esforços para se perceber que se uma empresa encontra-se com pequenas dificuldades financeiras, possivelmente, conseguirá aderir ao Lay-Off da maneira declarada por lei. Porém, noutro giro, caso a empresa encontre-se submersa em vastas dificuldades financeiras, mercado com extrema volatilidade e dívidas fiscais, o capital, por si só será insuficiente para adimplir com tais obrigações e assim pactuar um regime de Lay-Off com os sindicatos das classes empregadas. Chega a ser risível tal requisito, eis que notadamente antagônico com a situação financeira das empresas, estas necessitam estar sem quaisquer dívidas fiscais, previdenciárias e até mesmo fundiárias. Partindo do pressuposto que a medida é emergencial e as em-

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presas que aderirem devem esboçar real possibilidade de retomar as atividades no mercado e reaquecer a economia, é possível presumir que nem todas as empresas que estiverem devastadas por uma grave crise possam optar por utilizar do referido regime. No caso, para estas empresas a convolação direta em falência, bem como aumento significativo do passivo trabalhista e fiscal seria uma consequência praticamente compulsória. De toda sorte, mesmo sabendo se tratar de uma exceção à regra, que deve ser utilizado em caráter emergencial, frise-se novamente, a limitação imposta pela lei acaba por não abarcar as empresas de um modo geral e abstrato. Para complementar a limitação das empresas que de fato conseguiriam aderir ao programa do Lay-Off, trata-se de uma ciência organizacional e estrutural limitada e focada para as empresas de maiores portes e envergaduras financeiras, principalmente nos setores de produção que possuem sindicato da categoria com força expressiva. Para corroborar com a baixa eficácia da medida em debate, vale transcrever arestos do que leciona o Ministro e doutrinador Mauricio Godinho Delgado, em sua obra Capitalismo Trabalho e Emprego acerca da importância da expansão do Direito do Trabalho, conforme abaixo: A generalização do Direito do Trabalho é o veículo para a afirmação do caminho do desenvolvimento econômico com a justiça social. A principal das ações afirmativas de combate à exclusão social no Brasil, desse modo, é a própria efetividade do Direito do Trabalho. Afinal, segundo esses dados oficiais especificados, existiriam dezenas de milhões de brasileiros laborando com aquilo que tecnicamente seria considerado como elementos da relação de emprego, porém posicionados em uma situação de rebaixamento de direitos, quer pela pura e simples informalidade, quer pela submissão a outras fórmulas engenhosas (ou grosseiras) de não reconhecimento de cidadania profissional, social e econômica a esses indivíduos. (DELGADO, Mauricio Godinho. p.135. 2ª Edição, 2015). É cristalino o entendimento de que o Lay-Off se enquadra nos mais exatos termos das ideias do doutrinador elencado, eis que caminha na contramão da efetividade e expansão dos direitos trabalhistas, fazendo com que o trabalhador permaneça submisso a abster-se de seus direitos por temor a uma dispensa arbitrária, trazendo a classe empregada para assumir, ainda que indiretamente os riscos da atividade empresarial, o que é vedado pelo conceito dado no artigo 2º da CLT cumulado com artigo 927 do Código Civil de 2002. Nesta senda, vale salientar também que o número de trabalhadores que podem estar abarcados pelo referido regime é de 50.000 (cinquenta mil) operários segurados. Considerando o elevado número de empresas e a crise que vem se intensificando, o referido limite legal de segurados obstaculiza também que mais empresas possam fazer uso e gozo do “benefício” de proteção ao emprego. Pelo simples confronto de institutos é de fácil percepção as inúmeras desigualdades instaladas, aumentando o desequilíbrio econômico, bem como judicial. Tal realidade acaba por destoar do objetivo principal do Lay-Off e do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), notadamente para os obreiros vinculados aos pequenos negócios que certamente não serão inseridos na proteção ao emprego, diga-se de passagem, ilusória. (ROSSO, Sadi Dal. 2015) Ademais, ainda tratando de um aspecto econômico, é forçoso dizer que o lapso temporal de duração permitido por lei (6 meses, em regra para o Lay-Off e 12 meses, prorrogados, do Programa de Proteção ao Emprego) para transcurso do regime é ínfimo se colocado em cotejo com o tempo que se gasta para a recuperação das empresas

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inseridas num mercado totalmente instável. Ora, a mera suspensão dos pactos laborais ou redução da jornada e salário apenas não são aptas a trazerem para as empresas um conforto de modo a proporcionar a recuperação das atividades e dos lucros. Nem mesmo o mercado se estabiliza num período de 6 (seis) meses a 12 (doze) meses, o que leva a crer, fidedignamente, que as alternativas dadas pela Lay-Off apenas procrastinam no tempo a dispensa dos trabalhadores, mesmo porque as dívidas ficais, contributivas e contratuais não acompanharão a suspensão dos contratos trabalhistas, tampouco se adequarão proporcionalmente às jornadas e salários reduzidos. Aprofundando mais ao mérito propriamente dito, a medida em si não possui o condão prático de sanar o problema da crise financeira, tampouco sufoco econômico vivenciado pelas empresas nas questões atinentes aos direitos trabalhistas. Registre-se que em caso de intensa crise financeira unido com a desestabilização do mercado econômico, caso várias empresas se quedassem insolventes ante a paralização da circulação dos lucros, o Lay-Off perderia sua natureza emergencial e tornar-se-ia a regra, como nos últimos anos tem ocorrido. A teor de amostragem, a empresa General Motors, em negociação com o Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano do Sul, está aderindo à medida pela 2ª (segunda) vez, em notícia publicada pela Agência Brasil em 10/06/2015. Os mesmos exemplos também ocorrem com as empresas Mercedes-Benz, Volkswagen e Ford que já vêm utilizando da mesma medida, conforme notícia publicada em 01/06/2015 pela revista Veja/Economia. Neste prisma, imperioso frisar que se a medida fosse tão eficaz e emergencial, uma única vez seria necessário para a reorganização da empresa. Mas de fato não é, pois como dito, trata-se de medida protelatória para a dispensa em massa, configurando mera escusa. Sob este enfoque, mister trazer à baila que mesmo com a adesão ao Lay-Off a insegurança jurídica insurge fortemente na seara trabalhista, eis que pela medida, faz com que os entes sindicais das classes dominantes não possuam quaisquer legitimidades para tutelar interesses de trabalhadores de classe diversa, o que fortifica a insegurança jurídica do Programa e de outro lado induz as empresas a ficarem numa linha tênue da fraude e respectivas penalidades. Por mais benéfica que pareçam as medidas, quando colocadas em prática, acabam por se tornarem fontes de manobras das empresas para com seus empregados para evitar um colapso social, num lado por onerar as empresas que não auferem lucros mediante exigências da lei que não traz nenhuma contraprestação para aliviar o impacto econômico, e de outro lado, a massa de trabalhadores que barganham seus empregos sem garantias que efetivamente possam ser suportadas pelas empresas. Ademais, os encargos e obrigações serão assumidos pelas empresas fazendo com que os trabalhadores possuam a garantia dos empregos no período de vigência do regime, contudo, estas não possuirão a mesma garantia de que neste interregno temporal far-se-á hábil para o avanço e reaquecimento da economia. Outra questão de suma importância, tange ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), eis que o referido órgão, quando do ingresso do período de Lay-Off , assume parte a diferença dos valores salariais ou indenizatórios pagos pelas empresas aos obreiros. Mas, também neste caso, infelizmente a medida se demonstra ineficaz. Como explanado o regime tem sido adotado por várias empresas que visam os ramos de montagens e construções, abarcando grande número de empregados, e, seguindo o rumo que os fatos vem tomando, quanto mais empresas aderirem ou então renovarem por prazos maiores o regime, é cediço que o FAT não conseguirá suportar

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a carga financeira que terá que arcar para pagar os trabalhadores. Repisa-se que pelo FAT ser pertencente à Administração Pública, e esta última também estar economicamente precária, fato este público e notório na atual conjuntura, culminar-se-á no total abandono do trabalhador e um crescimento exponencial do passivo trabalhista das empresas, abarrotando inclusive o judiciário, cuja causa fora a falsa ilusão e expectativa de que a suspensão do contrato ou redução da jornada pudesse abrandar as intensas dificuldades financeiras. A propósito, decorrente da crise financeira não se tratar de uma ciência exata e por isso não possuir prazo para terminar, nessa toada se o FAT, ao sustentar por longos períodos e ficar encarregado de quitar as diferenças de verbas de vários empregados de múltiplas empresas, determinará a exiguidade de medidas e saídas das empresas com seus trabalhadores. Admitir tais circunstâncias, é aceitar, ainda que implicitamente, o incentivo fiscal e trabalhista para que as empresas passem a burlar a lei trabalhista, alegação essa que também comunga do mesmo entendimento o Sociólogo do Trabalho da Unicamp, Ricardo Antunes, em entrevista para a Folha de São Paulo em 2008, época em que a crise começou a pairar sobre o país, cujas palavras merecem ser transcritas, ipsis litteris: A flexibilização das leis trabalhistas tem sido colocada como um imperativo dos capitais em escala global. No Brasil, isso vem acontecendo também há um bom tempo, como se percebe na proposta em que se quer fazer com que o negociado se sobreponha ao legislado. Por exemplo, existe uma lei, uma jornada de trabalho definida, mas, se as empresas negociarem com os sindicatos um aumento ou uma redução dessa jornada de trabalho, o negociado passará a se sobrepor ao legislado. E as empresas querem isso porque sabem que, em um momento difícil, os trabalhadores temem flagelo maior, o desemprego. Em situação adversa, os trabalhadores podem abrir mão de direitos para garantir o mais elementar, que é o trabalho. Mas isto é muito negativo para os trabalhadores e, por isso, deve ser rejeitado. Na mesma modalidade de suspensão do pacto laboral em que o FAT assume (ou pelo menos deveria) a diferença de valores aos trabalhadores, é também previsto legalmente que o empregado, enquanto suspenso, pode participar de cursos de capacitação e profissionalização para não estar desatualizado no mercado quando cessar o período de escassez financeira. Entretanto, reside aqui outra contradição com a realidade fática. Afinal, se o trabalhador já mal possui verba para seu próprio sustento, este não possui quaisquer possibilidades de investir nos referidos cursos. E mesmo que os cursos estejam a cargo do FAT ou das próprias empresas, o valor que se gastará para promove-los não compensará a suspensão do pacto laboral, e mais uma vez, o trabalhador estará desamparado e as empresas permanecer-se-ão endividadas. Nota-se aqui flagrante violação e ofensa ao artigo 468 da CLT, que ao invés de proteger o trabalhador, de forma velada, acaba por prejudica-lo, e em decorrência de trazer malefícios aos obreiros temse a debilidade de toda função social da lei trabalhista. O poder público não pode simplesmente quedar-se inerte, por um comodismo absurdo e deixar com que os hipossuficientes sejam suprimidos pela opressão empresarial. Para que se mantivesse estático, necessário seria reduzir a desigualdade e desequilíbrio entre empregados e empregador, sendo a solução o investimento em educação e conhecimento, cursos de aperfeiçoamento realmente eficazes, que possibilitem que o trabalhador tenha clareza e discernimento de suas garantias e visão econômica para que se planeje no trabalho

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e financeiramente e assim evite, de fato, o vilipendio e a exploração indigna do trabalho. Noutro passo, despiciendo dizer que tais medidas apenas excluem direitos que são indisponíveis, isto é, não são passíveis de abdicação, sob pena de gerar uma barganha entre condição degradante de trabalho e o vínculo de emprego. Pois bem, tomando arrimo na conclusão exarada pelo sociólogo supracitado, a negociação dos direitos e deveres laborais legais não se sobrepõe à legislação e deve religiosamente ser respeitada. É contundente demonstrar que o entendimento vertente corrobora com a assertiva trazida neste trabalho, que também é defendida pela ilustre Ana Paula Caram Luiz, orientada pela Professora Adélia Procópio, na obra Redução a Condição Análoga à de Escravo: uma análise sob a conjuntura atual dos trabalhadores urbanos, publicada na Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, set. a dez. 2015, na página 58 a 67, cuja proteção à dignidade da pessoa humana é imperiosa, com base no aresto abaixo transcrito: A dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho são fundamentais em uma relação trabalhista e por isso devem ser observados não apenas pelas partes desse contrato, mas fiscalizada pelo Estado que tem o dever de punir o desrespeito e as violações que porventura forem praticados. (LUIZ, Ana Paula Caram. (2015, p. 58 a 67). É óbvio, que ante a celebração da negociação coletiva, certos direitos podem ser viabilizados na contrapartida de outros, porém, o que se nota perante tantas empresas aderindo ao regime em apreço de forma constante e desmoderada, é a tentativa de burlar a legislação, fazendo uso da mão-de-obra e prejudicando as garantias trabalhistas. Nesta órbita de ideias, como visto exaustivamente acima, com a intensidade e proporção que a dificuldade financeira recai no país, o trabalhador, temendo ser dispensado acaba incorrendo na malfadada e deturpada visão de manter o vínculo de trabalho, e por assim dizer, abrindo mão das garantias mínimas e dignas para o exercício de suas atividades. Com fulcro no princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, constitucionalmente assegurado, com as consequências aqui expostas, certo é que a atual Carta Magna estaria sendo ofendida diretamente, eis que a banalização dos institutos é desobedecer plenamente o ordenamento pátrio. Para que situações como estas não prosperem é necessário a revitalização do vigor da força dos sindicatos, de modo a tutelar, religiosamente, os direitos e garantias dos trabalhadores, tudo com base no artigo 7º, XXVI, da Constituição de 1988, que confere amplos poderes aos entes sindicais. As empresas nem sempre são as causadoras ou as culpadas pela dificuldade financeira, muitas das vezes, de fato, estão investidas em boa-fé e visam melhorias nas condições de trabalho, buscando ao máximo obedecer a legislação trabalhista, no entanto, pelos preceitos históricos e com base no princípio da proteção ao trabalhador, é recomendável sempre a prevenção de atitudes arbitrárias e de má-fé das empresas, eis que não se pode ignorar uma realidade empresarial que é a utilização da mão-de-obra para obtenção de lucros. Por fim, a correlação da crise com a flexibilização de direitos, cabe salientar que conforme exposto no tópico 3.4, apenas os direitos relativamente disponíveis podem ser flexibilizados e transacionados, não sendo concedida margem para a flexibilização daqueles direitos absolutamente indisponíveis. Assim, não deve ocorrer a confusão entre a transação do Lay-Off com a banalização das leis trabalhistas, sob pena de arruinar todas as prerrogativas conquistadas ao longo de vários anos e retornar à LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

era da super exploração do trabalho, como acontecia na época das revoluções industriais. Este tipo de argumento traria incentivo aos entes patronais acabarem vendendo direitos, ou seja, o trabalhador obrigatoriamente deverá aceitar determinada proposta, mesmo que absurdamente inferior ao mínimo legal para que assim possa traçar o vínculo de trabalho, sem qualquer segurança. Através do cenário atual em que o país se encontra, deve ser evitada a manipulação do instituto da flexibilização das normas trabalhistas com a malfadada justificativa empresarial de que a busca por flexibilizar seja a desídia com os empregados, isto porque a prática comum de manobras para não se arcar com todos os direitos devidos e sugar ao máximo a mão-de-obra em troca do lucro é um contexto histórico do qual visa romper o paradigma. Resta dizer que o Lay-Off não é a medida mais eficaz como solução da crise financeira para as empresas, tampouco para os trabalhadores, eis que no sentido lato sensu, iria trazer a ruptura de toda a prerrogativa do estado democrático de direito, forçando a concentração do poder nas empresas e subtraindo da sociedade, aqui vista como o conjunto de trabalhadores, as prerrogativas mínimas asseguradas constitucionalmente. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante os fundamentos expostos, é possível exarar a conclusão de que apesar da crise financeira se propagar fortemente pelo país, o Lay-Off, transação de direitos trabalhistas para evitar a dispensa em massa de trabalhadores, não logra êxito em ser plenamente eficaz para trazer fôlego às empresas e conforto à situação dos trabalhadores. A uma, porque na prática não se estenderia à todas as modalidades empresariais, bem como a existência do antagonismo da rigorosidade dos requisitos para adesão ao regime em face de empresas que estão com sérias dificuldades financeiras, limitadas ao atendimento de todos estes. Nesta mesma linha de ideias, assentou-se que apesar de ter o objetivo voltado para circunstâncias emergenciais, incorre diretamente no desvio da referida finalidade, eis que as empresas têm se valido do regime abarcado pelo Lay-Off para justificar o descumprimento de inúmeras obrigações laborais, o que não deve se admitir, mesmo porque nem o próprio regime é implantado e obedecido conforme as previsões legais acerca da matéria, sob pena de violar e ofender todo Estado Democrático de Direito, afinal, os direitos seriam colocados à disposição de uma barganha pelo vínculo de trabalho, afrontando diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como além daqueles já citados de suma importância, o da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. Como sabido, na eventualidade de remediar por certo lapso temporal, não condiz como solução dos emblemas trabalhistas em confronto com a crise suportada pelas empresas no país. Para uma longínqua saída da crise, far-se-ia necessário a restruturação do plano político e econômico, excluindo aquelas medidas sucateadas e improvisadas que acabam se exaurindo com o transcurso temporal e geram problemas como estes. Feita essa regeneração das políticas, o próximo passo certamente deve partir do ente Estatal-Governamental, da seguinte maneira: para a sociedade/trabalhador, investir primordialmente na educação e ensino, cumulativamente com programas de aperfeiçoamento em cursos e treinamentos, trazendo maior instrução ao trabalhador e ampliando os espaços para o exercício de atividades. Por outro lado, para o empresariado, atualmente o Estado utiliza quase de uma forma confiscatória no ato das arrecadações ante os altos valores exigidos na cobrança de tributos, reduzi-los para proporcionar um incentivo a

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economia, certamente facilitaria a redução da disparidade entre empregado e empregador, e consequentemente traria maior aquecimento à economia. Por derradeiro, há que se falar na necessidade de atuação conjunta do Estado, Empresariado e Sociedade (repisa-se, aqui vista na pessoa do trabalhador), obviamente em pleno respeito e obediência a legislação, mormente quanto as garantias da dignidade da pessoa humana e proteção ao trabalhador, para que se tornem figuras harmônicas, que diante de conflitos, a solução possa ser simplificada e eficaz.

-numero-pode-subir-para-40-mil>, Acesso em 15/04/2016. ROSSO, Sadi Dal. O Programa de Proteção ao Emprego (PPE) tem dado o que falar. Publicado em 09/09/2015. <http://vocerh.uol.com.br/ noticias/legislacao/o-programa-de-protecao-ao-emprego-ppe-temdado-o-que-falar.phtml#.V2i2gKKYEyU>, Acesso em 17/06/2016.

Banca Examinadora Amanda Helena Azeredo Bonaccorsi (Orientadora) Daniela Lage Meija Zapata (Examinadora)

REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. BRASIL, Agencia. General Motors suspende segundo turno em São Caetano e faz novo layoff. <http://agencia-brasil.jusbrasil.com.br/noticias/240256645/general-motors-suspende-segundo-turno-em-saocaetano-e-faz-novo-layoff >, Acesso em 18/03/2016. DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego. Entre o Paradigma da Destruição e os Caminhos da Reconstrução. LTr, 2007. DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego. Entre o Paradigma da Destruição e os Caminhos da Reconstrução. LTr, 2ª Edição. 2015. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 13.ed. São Paulo: LTr, 2014. DEPARTAMENTO DE PRESTAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES. Guia prático – regime de Layoff. (6006 – v1.16). 19/05/2016 DE SÃO PAULO, Folha; Gisele Coutinho com Sociólogo Ricardo Antunes, realizada em 22/12/2008. <http://www1.spbancarios.com.br/ ImprimirNoticia.asp?c=9803>, Acesso em 19/05/2016 DINIZ, Janguiê. Os motivos da crise. Publicado em 14/09/2015. UNINASSAU GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturação da empresa Aspectos jurídicos do desemprego tecnológico. São Paulo: LTr, 1974. LUIZ, Ana Paula Caram. CAMILO, Adélia Procópio. Redução a Condição Análoga à de Escravo: uma análise sob a conjuntura atual dos trabalhadores urbanos (2015). Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, p. 58 a 67, set. a dez. 2015. MARTINS. Sergio Pinto. A Continuidade do Contrato de Trabalho. São Paulo, Editora Atlas. Normas das Letras Jurídicas. Centro Universitário Newton Paiva jurídica. Disponível em: <http://npa.newtonpaiva.br/letrasjuridicas/wp-content/uploads/2014/05/Normas-da-revista-ETRASJUR%C3%8DDICAS. pdf>, Data de acesso: 28 de março de 2016. VEJA, Revista. Montadoras afastam 16 mil nesta segunda - número pode subir para 40 mil. Publicado em 01/06/2015. <http://veja.abril. com.br/noticia/economia/montadoras-afastam-16-mil-nesta-segunda

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MEDIAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Eloiza Nerys Fonte de Faria Ferreira 1

RESUMO: O objetivo do presente trabalho é demonstrar os benefícios da Mediação nas relações continuadas, que, desde que seja respeitado o equilíbrio entre as partes, pode proporcionar ao empregador e ao empregado a oportunidade de dirimir seus conflitos de forma autônoma e consciente, atendendo às reais necessidades de cada caso em concreto. O trabalho aborda a possibilidade que de seja amparado legalmente pelo Processo do Trabalho o instituto da Mediação em sua integralidade, visando a restaurar a comunicação, a convivência e o empoderamento entre empregados e empregadores, elucidando que o conflito nem sempre é pecuniário. Palavras-chave: Mediação individual. Administração de conflitos. Empoderamento das partes. Acesso à Justiça, Efetividade da Justiça.

1 INTRODUÇÃO O acesso à Justiça é um direito que não deve ser confundido com o acesso ao Judiciário. Sendo assim, o objetivo desse trabalho pautouse na verificação da possível mudança dos atuais trâmites utilizados pela Justiça do Trabalho, visando, exclusivamente, à análise de outra via de comunicação entre empregados e empregadores, priorizando a manutenção da relação do trabalho, aplicando-se a Mediação como meio de administrar os conflitos. Também pretendeu-se elucidar que os conflitos nas relações de trabalho nem sempre são pecuniários, e que podem ser resolvidos por profissionais capacitados, respeitando-se o sigilo e fortalecendo-se os laços entre os envolvidos, contribuindo para a mudança da cultura do litígio, abraçando a celeridade nas resoluções de conflitos, para, assim, respeitar-se a livre manifestação de vontade das partes, garantindo, subsequentemente, o acesso irrestrito ao Poder Judiciário.

imparcial, escolhido em comum acordo pelas partes, com a missão de facilitar o diálogo entre eles, ajudando as partes a identificarem seus reais interesses e as consequências de suas decisões, evitando, assim, que elas se prendam a posições. O procedimento tem como características a ausência de formalidade, o sigilo e a rapidez. Literalmente, significa ato ou efeito de mediar ou ato de servir de intermediário entre pessoas ou grupos; intervenção; intermédio. Nas palavras de Luis Alberto Warat: A Mediação seria uma proposta transformadora do conflito porque não busca a sua decisão por um terceiro, mas, sim, a sua resolução pelas próprias partes, que recebem auxílio do mediador para administrá-lo. A Mediação não se preocupa com o litígio, ou seja, com a verdade formal contida nos autos. Tampouco, tem como única finalidade a obtenção de um acordo. Mas, visa, principalmente, ajudar as partes a redimensionar o conflito, aqui entendido como conjunto de condições psicológicas, culturais e sociais que determinaram um choque de atitudes e interesses no relacionamento das pessoas envolvidas (WARAT, 2004, p. 60 )

2 CONFLITO Há várias teorias tentando explicar o que é conflito e suas origens. O significado da palavra é a falta de entendimento entre duas ou mais partes, choque, enfrentamento, entretanto o conflito também pode ser visto como uma oportunidade de crescimento das partes, como sustenta Sales (2007, p. 24) sendo: “algo comum na vida de qualquer ser humano que vive em sociedade”. Esse autor, adverte, porém, que é a administração do conflito que torna algo bom ou ruim, e é por meio da Mediação que se tem a solução adequada de conflitos envolvendo relações continuadas e explica: Interferir na administração dos conflitos implica em um primeiro momento, admitir que esses, são naturais e inerentes ao ser humano, propulsores do progresso, pois, “sem conflito seria impossível haver progresso e provavelmente as relações sociais estariam estagnadas em algum momento da história” (SALES, 2007, p. 23).

Na autocomposição, as partes entram em consenso criando suas próprias normas de concessões mútuas, conforme explica Carlos Henrique Bezerra Leite: Nas formas autocompositivas, as normas coletivas que irão solucionar o conflito são criadas pelos próprios atores sociais interessados, como nos casos de convenção ou acordo coletivo, ou com o auxílio de um terceiro cuja tarefa é apenas aconselhar as partes para a solução do impasse (LEITE, 2003, p. 713). A definição de Mediação por Marianna Teobaldo Fernandes é a seguinte:

O conflito em si não é o problema e sim a forma de lidar com ele. Em uma perspectiva negativa, o conflito é entendido como um mal, e de uma perspectiva otimista é visto como uma ótima oportunidade de crescimento. 3 MEDIAÇÃO A Mediação é um método autocompositivo de solução de conflitos regido por princípios, que se faz pela atuação de um terceiro

Pode a Mediação ser definida como um método consensual de conflitos, voluntário, no qual duas ou mais pessoas, com o auxílio de um mediador – terceiro imparcial e capacitado – discutem pacificamente, almejando a melhor solução para o conflito e de forma satisfatória para as partes. Além de proporcionar celeridade, a Mediação promove aproximação entre as partes e lhes confere protagonismo. Ou seja, a possibilidade de buscar soluções para suas próprias demandas e com total liberdade para apresentar seu ponto de vista (FERNANDES, 2016, p. 16).

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Tem-se, também, a definição de Mediação adotado pelo CNJ: A Mediação é uma forma de solução de conflitos na qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, facilita o diálogo entre as partes, para que elas construam, com autonomia e solidariedade, a melhor solução para o problema. Em regra, é utilizada em conflitos multidimensionais, ou complexos. A Mediação é um procedimento estruturado, não tem um prazo definido, e pode terminar ou não em acordo, pois as partes têm autonomia para buscar soluções que compatibilizem seus interesses e necessidades (BRASIL, 2010) Acrescenta Augusto Cesar Ramos (2002) os seguintes pontos marcantes da Mediação: rapidez e eficácia de resultados; redução do desgaste emocional e do custo financeiro; garantia de privacidade e sigilo; redução da duração e reincidência de litígios; facilitação da comunicação. 3.1 Mediação e Conciliação A Mediação e a Conciliação diferenciam-se, especialmente, na finalidade, embora se diferenciem também no método e nas técnicas aplicadas. A Conciliação visa ao acordo e a Mediação, ao restabelecimento da comunicação. A Conciliação é descrita no Manual de Mediação de conflitos individuais do Ministério do Trabalho e Emprego da seguinte forma: “A Conciliação, por sua vez, é ato judicial, através do qual as partes litigantes, sob interveniência da autoridade jurisdicional, ajustam solução transacionada sobre matéria objeto de processo judicial” (BRASIL, 1997). Carnelutti (2000) diz que a Mediação visa a por fim à lide sociológica, enquanto a Conciliação tende a ser menos ambiciosa com a finalidade de resolver apenas o litígio. 3.2 Mediação no mundo A Mediação é um instituto utilizado há milhares de anos, como meio de resolução de conflitos, embora venha sendo tratada como uma novidade, já que nos anos 70 elevou-se sua prática, sendo instituída formalmente pelos Estados Unidos para solucionar conflitos trabalhistas, por meio da negociação coletiva, evitando-se, assim, greves e melhor ambiente industrial. Posteriormente, estendendo-se o instituto da Mediação como aquele que tem o foco de dirimir conflitos envolvendo raça, nacionalidades, etc. John Nash contribuiu para o amadurecimento do instituto com os estudos sobre a “Teoria dos Jogos” aprofundando-se em técnicas para jogos cooperativos, práticas de negociação e adotando estratégias visando ao bem para coletividade. 3.3 Evolução legislativa no Brasil Luiz Felipe Salomão (2015), em seu artigo “O marco teórico para a Mediação no Brasil”, trabalha com riqueza de detalhes tal evolução, relatando que, no Brasil, a partir da Constituição de 1988, quando se redemocratizou o país e o Judiciário começou a ser demandado pela maioria da população brasileira, surgiu o fenômeno da judicialização das relações, gerando um reflexo imediato: a crise do Poder Judiciário, consequentemente, decaindo a qualidade dos serviços prestados pelo Poder Judiciário e destaca os estudos de Mauro Cappelletti e Bryant Garth (2002) - “Acesso à Justiça” -, que trouxeram inúmeras contribuições para enfrentar o grave problema, dentre as quais se destacam: a) assistência judiciária gratuita; b) as ações coletivas; c) soluções alternativas à jurisdição. Entre os brasileiros, a Lei da Ação Popular (nº 4.717/65), a Lei da Ação Civil Pública (nº 7.347/85), o Código de Defesa do Consumidor LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

(Lei nº 8.078/90), a Lei dos Juizados Especiais (nº 9.099/95) e a Lei da Arbitragem (nº 9.307/96), dentre outros, são exemplos reais de tal preocupação. Com o advento da Lei de Arbitragem (nº 9.307/96), observou-se um número crescente de câmaras arbitrais também especializadas em Mediação. Surgiram leis esparsas indicam a possibilidade de resolução do conflito instaurado por meio da Mediação, sem, contudo, definir ao certo sua metodologia. Como exemplo, têm-se o art. 4º, I, da Lei nº 10.101/00, e o art. 11 e seus parágrafos, da Lei nº 10.192/01. A primeira tentativa de encaminhar uma lei versando especificamente sobre a Mediação foi apresentada em 1998 (Projeto de Lei nº 4.827/98), e aprovado o projeto na Câmara dos Deputados, a proposição seguiu para o Senado Federal (Projeto de Lei Complementar nº 94/2002). De outra parte, o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), por meio de uma equipe de juristas, elaboraram um Anteprojeto de Lei sobre Mediação, Encaminhada essa versão ao senador Pedro Simon, relator do Projeto de Lei, foi, então, aprovado na Câmara dos Deputados, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal (CCJ/SF), em junho de 2006, não avançando na Câmara dos Deputados, assim como outras propostas que visaram à utilização da Mediação, para a solução de conflitos familiares, como exemplo, os seguintes Projetos de Lei na Câmara dos Deputados: nº 5.696/2001, nº 599/2003, nº 1.415/2003, nº 505/2007, nº 507/2007, nº 1.690/2007, nº 428/2011 e nº 5.664/2013. Ainda no Senado Federal, outro Projeto de Lei apresentado para regular a Mediação – o PLS nº 517, de 2011, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, permaneceu à espera de aprovação por mais de dois anos. Em 29 de novembro de 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 125, indicando a Mediação como meio de resolução de conflitos inserido na Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos. Em 2013, foram apresentados dois Anteprojetos de Lei: um que propunha alterações na atual Lei de Arbitragem (PLS nº 406/2013) e outro sobre Mediação extrajudicial (PLS nº 405/2013). O Ministério da Justiça instituiu uma comissão de juristas com o objetivo de formular proposta adequadas à solução célere de conflitos, e o resultado foi a elaboração de Anteprojeto de Lei de Mediação que também passou a tramitar no Senado Federal (PLS nº 434/2013). Foram analisados, conjuntamente, esses três Projetos de lei (PLS nº 517/2011, nº 405/2013 e nº 434/2013 e encaminhado o Projeto de Lei à Câmara dos Deputados (PL nº 7.169/2014). Remetido novamente ao Senado, o Projeto foi aprovado no dia 02 de junho de 2015, em esforço conjunto envolvendo os três Poderes e todos que participaram de sua elaboração. O projeto aprovado guarda familiaridade com os que o precederam, e busca conciliar o texto com a proposta do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) Abaixo, tem-se a reprodução do texto da Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010:

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Art. 1º Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe, nos termos do art. 334 do Novo Código de Processo Civil combinado com o art. 27 da Lei de Mediação, antes da solução adjudicada

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mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a Mediação e a Conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16) Art. 2º Na implementação da Política Judiciária Nacional, com vista à boa qualidade dos serviços e à disseminação da cultura de pacificação social, serão observados: (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) I – centralização das estruturas judiciárias; II – adequada formação e treinamento de servidores, conciliadores e mediadores; III – acompanhamento estatístico específico (BRASIL, 2010). Aplicando-se, atualmente, a Lei nº 13.140/2015, tem-se a orientação e a condução do procedimento na seguinte forma: Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a Mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Parágrafo único. Considera-se Mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia (BRASIL, 2015) Vale ressaltar que utilizou-se a Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, como marco teórico, para esse trabalho e, posteriormente, a Lei de Mediação nº 13.140/2015. 3.3.1 Mediadores

Os mediadores são capacitados e munidos de técnicas para conduzirem a sessão de Mediação, com o intuito de resolver da melhor forma cada caso específico, visando à pacificação social e à implantação da cultura de paz e serão regidos pelo Código de Ética previsto na Resolução nº 125 em seu anexo III, trazendo os seguintes dispositivos em seu texto: “São Princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediadores judiciais: Confidencialidade, Decisão Informada, Competência, Imparcialidade, Independência e Autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação das partes” (BRASIL, 2010). As regras que regem o procedimento da Mediação são normas de conduta a serem observadas pelos mediadores para desenvolvimento do procedimento, permitindo que haja o engajamento dos envolvidos, com vistas à sua pacificação e ao comprometimento com eventual acordo obtido. O processo deverá ser regido pelos seguintes Princípios e procedimentos: Autonomia da vontade, devendo-se de respeitar os diferentes pontos de vista dos envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a uma decisão voluntária e não coercitiva, com liberdade para tomar as próprias decisões durante ou ao final do processo e de interrompê-lo a qualquer momento; Ausência de obrigação de resultado, devendo-se não forçar um acordo e de não tomar decisões pelos envolvidos, podendo, quando muito, no caso da Conciliação, criar opções, que podem ou não ser acolhidas por eles; Desvinculação da profissão de origem, devendo-se esclarecer aos envolvidos que atuam desvinculados de sua profissão de origem, informando que, caso seja necessária orientação ou aconselhamento afetos a qualquer área do conhecimento, poderá ser convocado para a sessão o profissional respectivo, desde que com o consentimento de todos; Compreensão quanto à Mediação, devendo-se assegurar que os envolvidos, que ao chegarem a um acordo, compreendam perLETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

feitamente suas disposições, que devem ser exequíveis, gerando o comprometimento com seu cumprimento; Apenas poderão exercer suas funções perante o Poder Judiciário conciliadores e mediadores devidamente capacitados e cadastrados pelos Tribunais, aos quais competirá regulamentar o processo de inclusão e exclusão no cadastro. O mediador deve exercer sua função com lisura, respeitar os princípios e as regras estabelecidas no Código supracitado, devendo, assinar, para tanto, no início do exercício, termo de compromisso e submeter-se às orientações do Juiz Coordenador da unidade a que esteja vinculado. Aplicam-se aos mediadores os motivos de impedimento e suspeição dos juízes, devendo, quando constatados, serem informados aos envolvidos, com a interrupção da sessão e a substituição daqueles. No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o mediador deverá informar com antecedência ao responsável para que seja providenciada sua substituição. O mediador fica absolutamente impedido de prestar serviços profissionais, de qualquer natureza, aos envolvidos em processo de Mediação sob sua condução. O descumprimento dos princípios e regras estabelecidos, bem como a condenação definitiva em processo criminal, resultará na exclusão do mediador do respectivo cadastro e no impedimento para atuar nesta função em qualquer outro órgão do Poder Judiciário nacional. Percebe-se que é claro que a postura e a condução das sessões acontecerão com regras, técnicas, com pessoas capacitadas e sob o óbice do Código de Ética supracitado. A Lei nº 13.140/2015 estabelece limites e formaliza os atos do procedimento, não deixando que a Mediação ocorra sem respaldo, já que tem procedimentos a seguir, o que torna a Mediação judicial mais segura para as partes, assegurando que o mediador será designado pelo Tribunal ou escolhido pelas partes e aplicando a eles as mesmas hipóteses de impedimento e suspeição do juiz, ficando impedido, pelo prazo de um ano, contado do término da última audiência em que atuou, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes Os mediadores facilitarão a comunicação entre as partes, buscando o entendimento e o consenso e facilitando a resolução do conflito. A pessoa designada para atuar como mediador tem o dever de revelar às partes, antes da aceitação da função, qualquer fato ou circunstância que possa suscitar dúvida justificada em relação à sua imparcialidade para mediar o conflito, oportunidade em que poderá ser recusado por qualquer delas, não poderá atuar como árbitro nem funcionar como testemunha em processos judiciais ou arbitrais pertinentes a conflito em que tenha atuado como mediador. Para poder atuar como mediador judicial deverá ser pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) ou pelos Tribunais, observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça. Um dos pontos mais importantes da lei é que ninguém será obrigado a aceitar o procedimento da Mediação, mesmo após o início das sessões, podendo ser interrompido a qualquer momento, por qualquer das partes, não gerando nenhum malefício ao processo instaurado. Compete aos Tribunais criarem espaço para o desenvolvimento do procedimento de Mediação, a fim de estimular e incentivar a autocomposição para resolução dos conflitos Todo o procedimento é pautado pelo Princípio da Confidencialidade, e tal princípio foi regulamentado pelos artigos seguintes, dei-

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que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência. Assim, são disponíveis (do latim disponere, dispor, pôr em vários lugares, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto (CARMONA, 1998, p. 48).

xando as partes livres para conversar, de modo que não atrapalhe o possível prosseguimento pela via Judicial Heterocompositiva. Além de todo exposto, o mediador tem o papel de demonstrar às partes os pontos favoráveis da Mediação. Nas palavras de Santos: Ao mediador cabe demonstrar e convencer as partes das vantagens da Mediação, assim como empregar esforços necessários para permitir que os litigantes possam avaliar as suas necessidades e interesses, ajudando-os a construir uma resposta satisfatória para o problema e que esteja de acordo com os seus padrões de justiça.” (SANTOS, 2004, p.18)

Maurício Godinho Delgado diferencia os direitos trabalhistas protegidos por indisponibilidade absoluta dos protegidos pela indisponibilidade relativa:

Portanto, como já dito, trata-se de um procedimento sério, complexo, ministrado por pessoas capacitadas de modo a não prejudicar as partes, tentando buscar a pacificação social e empoderamento das pessoas, desjudicializando as relações continuadas em conflitos que, às vezes, não deveriam ser judicializados por tratarem de assuntos subjetivos.

A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui talvez o veículo principal utilizado pelo Direito do Trabalho para tentar igualizar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação sócio-econômica de emprego”. O autor destaca, ainda, que alguns autores preferem a utilização do epíteto “princípio da irrenunciabilidade”, porém, segundo ele, de forma equivocada. Isto porque a expressão “indisponibilidade” possui abrangência bem superior à da expressão “irrenunciabilidade”. Considerando a renúncia como ato unilateral de despojamento de direitos, podemos concluir que as retrições juslaborais vão além, vedando até mesmo os atos bilaterais (transação) que lesem o empregado, como disposto no art. 468 da CLT. Neste aspecto, importante se torna a diferenciação entre renúncia (ato unilateral em que o titular do direito dele abre mão), transação (ato bilateral em que as partes fazem concessões recíprocas acerca de direitos controvertidos), composição (ato através do qual se reconhece a titularidade de um direito e se assume a respectiva obrigação dele decorrente) e a Conciliação (ato judicial por meio do qual as partes realizam transação intermediada por autoridade jurisdicional, com intuito de colocar fim total ou parcial a um processo). No tocante à Conciliação, importante destacar que ela poderá abranger parcelas trabalhistas que, em princípio, estariam protegidas na esfera privada. Quanto à renúncia, também convém frisar que, em algumas raras situações, é admitida no Direito do Trabalho, como ocorre em caso de opção retroativa pelo FGTS, em caso de pedido de demissão de empregados protegidos por estabilidade ou garantia de emprego e em caso de dirigente sindical que requer ou aceita transferência para fora de sua base territorial (art. 543, CLT). Além disso, convém destacar, como exceções a este princípio a prescrição e a decadência (DELGADO, 2004, p. 89, grifo nosso).

4 JUSTIÇA DO TRABALHO Instaurou-se, no Brasil, em 1941, a Justiça do Trabalho, para os primeiros defensores desse instituto estava-se adquirindo um caráter “civilizatório”, pois as leis esparsas das décadas de 30 e 40 do século XX, já traziam dispositivos de proteção aos trabalhadores, sendo consolidadas no Governo de Getúlio Vargas, pelo Decreto-Lei nº 5.452 de 1943, que se convencionou a chamar de Consolidação das Leis do Trabalho, vigente ainda hoje, com inclusão de outros dispositivos, tanto no momento de sua compilação como nas alterações legislativas posteriores. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) contém dispositivos que tratam de direito material do trabalho, previstos nos artigos 2º ao 510; direito administrativo, dos artigos 626 a 735; e direito processual do trabalho nos artigos 763 a 910, ressalvando que em outros dispositivos legais também há regras processuais A estrutura do direito processual do trabalho, conforme a sequência da própria CLT, segue por várias fases, quais sejam: Organização da Justiça do Trabalho; competência; atos, termos, prazo processuais e nulidades; partes e procuradores, ação trabalhista, composta nas fases postulatória, respostas do réu, provas, audiência e sentença; recursos trabalhistas e execução trabalhista. A Justiça do Trabalho é conhecida por sua agilidade processual e paternalismo perante os empregados, embora esse conceito esteja mudando, pois é uma justiça que preza pela Justiça, celeridade processual e pioneirismo. 4.1 Indisponibilidade dos direitos trabalhistas No Direito do Trabalho, predomina-se a indisponibilidade de direitos, em razão do Princípio da Tutela em que o Estado detém um aparato jurídico para proteção da parte mais frágil do contrato de trabalho, o empregado, frente ao poder econômico do empregador. A partir daí, surgem as peculiaridades do Direito do Trabalho, dentre as quais a maior limitação e a autonomia de vontade, visando à proteção do trabalhador, o que gera a análise em questão da possibilidade de que os direitos trabalhistas possam ser transacionados. No entanto, na Mediação, vale ressaltar, que o consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deverá ser homologado em juízo, exigindo-se a oitiva do Ministério Público conforme § 2º do art. 3º da Lei nº 13.140/2015. Carlos Alberto Carmona conceitua direito indisponível da seguinte forma: Diz-se que um direito é disponível quando ele pode ser ou não exercido livremente pelo seu titular, sem

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Antônio Della Senta (2003) diz que de tanto se ouvir que os direitos trabalhistas são indisponíveis, aceita-se essa premissa como se fosse uma verdade absoluta, de forma e a partir deste dado, não mais questiona-se se é verdade. A indisponibilidade dos direitos trabalhistas é relativa em função do tempo e da abrangência. A indisponibilidade advém da irrenunciabilidade dos direitos podendo ocorrer na celebração do contrato, durante a vigência, na rescisão do contrato ou posterior, a renúncia é um ato que está condicionado ao momento que isso ocorre, concluindo que a renúncia só é viciada quando uma das partes está em desvantagem impedida de se manifestar livremente. Na contratação, é aceitável que a vontade do empregado esteja sujeita à vulnerabilidade pela condição de desempregado. Durante a vigência do contrato, também pode ocorrer esta vulnerabilidade, principalmente se a oferta de mão de obra é maior que a procura, ocasionando o medo da perda do emprego. Na rescisão do contrato de trabalho, não justifica falar de vulne-

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rabilidade, hipossuficiência, irrenunciabilidade ou então indisponibilidade, pois o empregado não mais está dependente do empregador. Para o eminente Professor Amauri Mascaro Nascimento (2001, p. 356), a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas limita-se aos de natureza salarial: “Quando parte da doutrina sustenta que o crédito trabalhista não pode ser cedido, não refere-se a todos os créditos trabalhistas, mas, apenas, aos créditos de natureza salarial e no curso do contrato individual de trabalho.” Nascimento (2001) continua: “O direito do trabalho admite, com restrições, a renuncia dos créditos trabalhistas, que é mais do que a cessão, desde que se verifique no momento ou após a rescisão do contrato individual de trabalho” (p. 356). Por sua vez, o notável doutrinador Arnaldo Lopes Sussekind, juntamente com Arnaldo Maranhão e Segadas Viana (1993, p. 209), afirma: “Tais renúncias – no momento ou depois da cessação do contrato de trabalho – tem sido apreciadas pela jurisprudência brasileira com menos restrição do que as ocorridas nas demais fases da relação de emprego”. Sussekind, Maranhão e Viana (1993, p. 209) dizem mais: “Neste caso, satisfeitas que sejam certas condições de liberdade de vontade, é licito ao empregado renunciar, desde que se tratem de direitos já adquiridos, isto é, já incorporados ao patrimônio em consequência ou por força de lei”. Esses autores ainda citam o entendimento do Saudoso Oliveira Viana: “[...] as nulidades referentes às renuncias por ocasião da celebração do contrato de trabalho e durante a execução dele, nem sempre ocorrem quando a renuncia é feita por ocasião ou depois da dissolução do contrato” (p. 209) Portanto, a chave que permite identificar a validade da renúncia é o momento de sua ocorrência e não de forma genérica como tem sido defendida por parte da doutrina, ainda que minoritária. Os direitos mínimos previstos em lei são aqueles garantidos pela norma que os estabelecem em seu valor mínimo. Todavia, é válido renunciar no final do contrato, como nos diz o Professor Amauri Mascaro Nascimento: Já os direitos livres são todos aqueles acima do seu valor mínimo e são também os elementos que compõem a relação de trabalho, tais como: período de vigência do contrato, quantidade de horas extras, pagamentos efetuados, férias gozadas, etc..., Além de todos os direitos acima do seu valor mínimo, como é o caso do salário do empregado (NASCIMENTO, 2001, p. 357) Portanto, analisando os presentes critérios, conclui-se que é válida a renúncia ocorrida na ocasião ou posterior à rescisão do contrato individual de trabalho, ainda que os direitos do empregado atinjam valor abaixo do mínimo, respeitados apenas os direitos sociais. Por fim, deve-se verificar a forma com que é feita a renúncia, pois deverá estar livre de vícios que possam impedir a livre manifestação da vontade das partes, o que torna a capacitação dos mediadores de suma importância, primando em respeitar os direitos que podem ser transacionados com exceção dos diretos sociais, assim como que as decisões e a homologação de acordos que não poderão ser mais objeto de nova demanda e sempre concluído com a sequente homologação do Juiz do Trabalho.

no Brasil, formalmente, de início, também, em nas Ações Coletivas Trabalhistas, e, atualmente, somente é utilizada nos Dissídios Trabalhistas Coletivos 5.2 Mediação na Justiça do Trabalho Atualmente, a Mediação nos moldes propostos por esse trabalho, considerando as leis citadas, não é praticada na Justiça do Trabalho, que disponibiliza o instituto Mediação somente nos moldes propostos pelo Ministério do Trabalho e Emprego - Decreto nº 1.572, de 28 de julho de 1995, Lei nº 10.192/2001, Portarias nº 186 de 2008 e nº 1 ementas 21 e 22 entre outras - aplicando-se somente aos dissídios coletivos e podendo ser solicitado apenas pelos empregados ou seus representantes. Entretanto, foi publicado o Ato nº 168/TST, que deixa mais próximo da proposta trazida pelo CNJ, em que qualquer das partes pode solicitar a Mediação o que não ocorria, já que somente o sindicato dos empregados poderia sugerir a Mediação. Tal modificação tornou o instituto mais acessível, já que agora o empregador também pode solicitar a Mediação que, embora ainda seja coletiva, já é um avanço. ATO Nº 168/TST.GP, DE 4 DE ABRIL DE 2016. Dispõe sobre os pedidos de Mediação e Conciliação pré- processual de conflitos coletivos no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho. Art. 3º A Mediação e Conciliação pré-processual pode ser requerida por iniciativa de qualquer das partes potenciais de dissídios coletivos. Art. 4º O pedido de Mediação e Conciliação préprocessual deverá ser apresentado em petição pela parte interessada (BRASIL, 2016). O CPC/2015 trouxe diversas inovações ao sistema processual brasileiro e uma das mais comentadas é a Audiência de Conciliação ou Mediação obrigatória, do art. 334 do Novo CPC, gerando algumas indagações, pois os existem algumas contradições, conforme apresentado a seguir. A CLT em seu artigo 769 diz que se aplica o CPC quando a CLT for omissa: “Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título” O artigo 334 do novo CPC estabelece: Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de Conciliação ou de Mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência [...] O CNJ tratou do assunto ao editar o artigo 18-B da Resolução nº 125, em 08 de março de 2016: “Art. 18-B. O CNJ editará resolução específica dispondo sobre a Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses da Justiça do Trabalho. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)” No entanto, a Justiça do Trabalho se manifestou dispondo ser contrária às audiências de Mediação e Conciliação propostas pelo Novo Código de Processo Civil Enunciado 6 TRT10. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E DE MEDIAÇÃO.O art. 334 do CPC não se aplica ao processo do trabalho por dispor a CLT de regras próprias para a realização das audiências trabalhistas (arts. 813 e seguintes) e por contrariar os princípios da celeridade, da presença obrigatória das partes, da imediatidade e do jus postulandi.

5 MEDIAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO 5.1 História da Mediação na Justiça do Trabalho Curiosamente, a Mediação ganhou força após ser instituída nos Estados Unidos para solucionar conflitos trabalhistas, e foi aplicada

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Mantendo o posicionamento o TST na Resolução nº 203, CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


de 15 de março de 2016. Art. 2° Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do Código de Processo Civil IV - art. 334 (audiência de Conciliação ou de Mediação);

Direito do Trabalho e Conflitos de Ódio, Amor e Dor”, traz relatos de situações em que entende que se aplicaria a Mediação como melhor forma de resolver o conflito, um desses relatos é: Um empregado teria ingressado com ação trabalhista contra sua empregadora, dona de uma confeitaria, alegando ter trabalhado vários anos em seu estabelecimento comercial, sem nunca ter sido registrado, e dizia ter feito horas extras não compensadas. Na audiência, como de praxe, o Juiz deu início às tratativas para uma Conciliação. Relatou o Magistrado que propôs a composição com pagamento parcelado, sugeriu o pagamento de percentual sobre o valor do pedido, sem que fosse possível qualquer acordo. Em determinado momento, o empregado se dirigiu a ele e disse: “— Na verdade, doutor, o que eu quero é que ela aceite se casar comigo!” O Juiz, embora percebendo a impossibilidade de resolver a lide processual, permitiu que o empregado continuasse sua narrativa: “— Nós vivemos muitos anos juntos, tocamos juntos a confeitaria e há alguns meses eu acabei por beber um pouco demais. Ela me expulsou de casa e agora não quer mais se casar comigo.” O professor Mascaro, constatando a absoluta incongruência entre a lide processual e os verdadeiros interesses que motivaram o pedido, passou a conduzir uma verdadeira Mediação: indagou da mulher empregadora fictícia - se ela aceitava o pedido de casamento, naquele ato formulado. Depois do desabafo da mulher, confidenciando ser viúva e que seu falecido marido a teria incomodado bastante, exatamente por causa da bebida alcóolica, respondeu que só aceitaria a proposta se ele se comprometesse a não mais ingerir bebidas alcóolicas. Mediante a afirmativa do empregado de que teria percebido o seu erro e que, após a separação, já havia “largado de beber”, ela então, finalmente, aceitou o pedido de casamento (MENEZES, 2000, p. 208, grifo nosso).

Entretanto, não é o objetivo do presente trabalho exaurir o tema sobre a discussão de que não cabe ao Judiciário e de que o TST legislou com a resolução supracitada, motivo pelo qual passa à análise de possibilidade da Mediação na Justiça do Trabalho, inclusive como uma necessidade trazida pelo Novo Código de Processo Civil e pelo fenômeno da judicialização das relações, ocasionando a presente crise do Poder Judiciário, portanto, devendo sim ser aplicada na Justiça do Trabalho. 6 POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A Mediação é pautada pelos Princípios da Imparcialidade, da Isonomia entre as partes, Informalidade, Oralidade, busca do Consenso, Confidencialidade, Boa fé e, principalmente, pela Autonomia da vontade entre as partes, sendo uma forma autocompositiva da resolução de conflitos lúcida e científica. Nesse sentido, preleciona Jean-François Six (2001, p. 6), “Mediação não é utopia”. A Mediação não será bem sucedida se houver desequilíbrio entre as partes. Deverá ser observado a Hipossuficiência do trabalhador, por profissionais capacitados, respeitando-se os direitos indisponíveis, proporcionando as partes igualdade nas negociações. A realidade da relação de emprego está mudando, o trabalhador nem sempre é subjugado e pode valer-se de sua qualificação e, em alguns casos, há o investimento da própria empresa em sua carreira, para, assim, negociar com igualdade, entendendo que as relações humanas e continuadas na qual a relação de trabalho está incluída, merece atenção especial e não terminal e taxativa. Isso, porque, às vezes, os interesses dos empregados e empregadores podem ser reafirmados com técnicas de negociações que facilitam o diálogo colaborativo, e melhoram as relações, já que todas estão sujeitas a conflitos. Martha Halfed Furtado de Mendonça Schmidt (2016) entende que a Mediação funcionaria na Justiça do Trabalho em casos específicos e analisados pelo Magistrado. E sua palestra no II Seminário Internacional de Mediação e em seu artigo, a autora relata uma situação por ela presenciada em que entende que o instituto da Mediação seria o mais adequado para o caso por ela narrado e conclui dizendo que o direito não tem resposta para tudo sendo necessário abrirmos o diálogo para outras ciências sociais, psicologia, filosofia, antropologia que podem auxiliar na resolução dos conflitos, tratando de abandonar a técnica da linguagem puramente legalista, para praticar uma linguagem mais popular, permeada por conceitos não somente jurídicos, mas, também, sociológicos, psicológicos, econômicos e sociais, tornando concretos os objetivos e acessibilidade da justiça. Isso leva as partes a assumirem um papel ativo e, ao invés de delegar a decisão ao juiz, que elas assumam as rédeas e responsabilidades pelo compromisso selado finalizando: A realização do II Seminário Internacional de Mediação é oportunidade para aprofundar a reflexão sobre a prática de Mediação trabalhista, visando contribuir para tornar nosso sistema de justiça mais humano e eficiente, com preservação de direitos fundamentais e soluções adaptadas a cada caso concreto (SCHMIDT, 2016, p. 11).

Um exemplo de sucesso ocorre no TRT da 15ª Região, onde foram criadas salas de Conciliação em que são aplicadas algumas técnicas de Mediação. As sessões são realizadas por servidores da ativa ou aposentados e ainda Juízes aposentados, comprovando que a prática pode auxiliar para a solução de processos de modo mais adequado, visando não a por fim só a lide, mas a por fim ao conflito. O objetivo deste trabalho não é a flexibilização das normas trabalhistas, mas sim que o empregado tenha condição de negociar o que for melhor ao seu interesse, por isso a proposta é que seja analisado caso a caso pelo magistrado excluindo os Litigantes Habituais. Por fim, com equipes treinadas primando pelos Princípios do Direito do Trabalho, as equipes de Mediação judicial poderiam proporcionar ao Judiciário Trabalhista um dinamismo inédito, ao mesmo tempo em que velariam pela observância dos Princípios norteadores da Mediação Judicial, o que ocasionaria uma avanço nas relações trabalhistas. 6.1 Mediação e a promoção dos Direitos Humanos Essa relação consagra a instituição do “Estado democrático, o qual se destina assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais” (BRASIL, 1988), assim como o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça social, bem como, seguindo tendência do constitucionalismo contemporânea, incorporou, expressamente, ao seu texto, o Princípio da Dignidade Humana, artigo 1° inciso III, como valor supremo definindo-o como fundamento da república.

Marcelo Paes Menezes (2000), em seu artigo “Sobre Mediação,

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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos. Inciso III - a dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 1988). CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


Sob a perspectiva procedimental, o acesso à justiça enquadrase no centro do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois proporciona a defesa dos direitos garantidos aos cidadãos, portanto, um direito essencial. Um dos objetivos fundamentais da República é promover o bem de todos, e o acesso à Justiça. Nesse mesmo sentido, Rodrigues aduz: O primeiro, atribuindo ao significante Justiça o mesmo sentido e conteúdo que o Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à justiça e acesso ao Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão Justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano (RODRIGUES, 1994, p. 28). O procedimento da Mediação visa a incluir socialmente o indivíduo, ampliando seu universo cultural, garantindo o conhecimento de seus direitos e deveres, dirimindo a hostilidade conforme Martinelli e Almeida: As partes, quando descrevem o conflito a uma terceira pessoa, ganham tempo para se acalmar, já que interrompem o conflito para descrevê-lo; a comunicação entre as partes pode melhorar, já que a terceira pessoa auxilia as pessoas envolvidas a terem mais clareza e as ouvirem melhor a outra parte; as partes definem as questões que realmente são importantes, pois o terceiro envolvido sugere a priorização de alguns aspectos conflitantes; os custos crescentes de permanecer no conflito podem ser controlados e até reduzidos (MARTINELLI; ALMEIDA, 1998, p. 71). Portanto, o instituto da Mediação é muito mais do que a possibilidade de proporcionar a alguém que ingresse com uma ação judicial, focando que o acesso à justiça é um dos mais importantes direitos fundamentais e tem por finalidade oferecer às pessoas a possibilidade de resolver sua lide por meio da tutela do Estado, mas, também, o acesso à justiça com a promoção dos outros direitos, devendo o acesso a Justiça abranger mais do que o ingresso de ações, proporcionando também o acesso aos métodos alternativos de solução de conflitos.

BRASIL. Ministério da Justiça. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2o do art. 6o da Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997. Brasília, MJ, 2015. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Ato nº 168, de 04 de abril de 2016. Dispõe sobre os pedidos de mediação e conciliação pré- processual de conflitos coletivos no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília: TST, 2016. CAPPELLETTI, Mauro. BRYANT, Garth. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem e Processo: um comentário à Lei 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 1998. CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. v. 1. Tradução de Adrian Sotero de Witt Batista. São Paulo: Editora Classic Book, 2000. DELGADO, Mauricio Godinho. Ruptura culposa do contrato de emprego: caracterização e regras da dispensa indireta. O Trabalho - doutrina em fascículos mensais, Brasília, n. 88, p. 2159-2172, jun. 2004. DELLA SENTA, Antônio. Disponibilidade dos direitos trabalhistas. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. FERNANDES, Marianna Teobaldo. Mediação como possibilidade de resolução de conflitos familiares decorrentes da prática de alienação parental. Letras Jurídicas, n. 4, jan. 2016. Disponível em: <http://npa. newtonpaiva.br/letrasjuridicas/?p=1278>. Acesso em: 14 maio 2016. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em conclusão, pode-se afirmar que as soluções autocompositivas, em especial a Mediação, representam o avanço do processo civilizatório e de pacificação social da humanidade, que, de maneira consciente, utilizando mecanismos reguladores, com eficientes técnicas e procedimentos e, como demonstrado, perfeitamente aplicável à Justiça do Trabalho. REFERÊNCIAS BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências Disponível em: <http://www.cnj. jus.br//images/atos_normativos/resolucao/ resolucao_125_29112010_11032016162839.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2016. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado 1988. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Mediação de conflitos individuais: manual de orientação. 2. ed. Brasília: MTb, SRT, 1997.

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Banca Examinadora Amanda Helena Azeredo Bonaccorsi (Orientadora) Daniela Lage Meija Zapata (Examinadora)

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SEM LIVRE-ARBÍTRIO: A necessidade de repensar a teoria do delito a partir da neurociência Felipe Amore Salles Santiago1

RESUMO: O presente artigo tem como principal objetivo discorrer sobre o livre-arbítrio, após as descobertas da área da neurociência, que começa a modificar o entendimento de autodeterminação e ação consciente do indivíduo. Com base nesses avanços científicos, caberá, ao presente texto, discutir a teoria do delito, com o foco na culpabilidade, com a possível ausência da vontade nas escolhas humanas. Palavras-chave: Culpabilidade; Neurociência; Teoria do Crime; Consciência.

Isso significa que o experimentador podia dizer antecipadamente a decisão que o sujeito ia adotar, vários segundos antes de o sujeito ter a consciência dessa decisão. Finalmente Matsuhashi y Hallet, em outro experimento, concluíram que a consciência da ação não podia ser sua causa. (RUBIA, 2013, p.185)

1 INTRODUÇÃO Este artigo propõe uma reflexão sobre a aplicação da teoria do crime a partir das descobertas da Neurociência que podem modificar o entendimento corrente sobre o livre-arbítrio. No Brasil, adota-se o conceito analítico de crime. Ou seja, para se ter crime é necessário identificar uma conduta típica, ilícita e culpável. O presente trabalho irá abordar principalmente o conceito de culpabilidade, que, de acordo com Bitencourt, abrange um múltiplo sentido, como explica o autor: Em primeiro lugar, a culpabilidade, como fundamento da pena, refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso exige-se presença de uma série de requisitos – capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da condutaque constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. (BITENCOURT, 2009, p. 35)

Pode-se dizer que a tomada de decisões de uma pessoa é iniciada em um nível inconsciente e só depois percebida pela consciência do agente. Estudos apontam que as ações não são causadas por uma vontade consciente, mas sim por processos neurológicos inconscientes. Como se percebe, nessas pesquisas, não há espaço para o livre arbítrio, da maneira que concebemos hoje, uma vez que cada ato nosso está determinado por estados imediatamente anteriores de nossa mente. Assim, questiona-se: podemos aplicar a Teoria do Delito a partir das descobertas da Neurociência, que mudam o entendimento corrente a propósito do livre arbítrio? 2 A ORIGEM DO LIVRE-ARBÍTRIO

Para o autor, em segundo lugar, a culpabilidade também é elemento de dosimetria penal, ou seja, serve para medição de uma punição a ser aplicada, funcionando como fator limitador, impedindo que a pena seja maior que a própria ideia de culpabilidade, conforme previsto no artigo 59 do Código Penal brasileiro. Percebe-se, com essas explanações, que a definição de crime é construída a partir do preceito da livre vontade do agente. Para se ter a aplicação de uma pena é preciso avaliar o grau de liberdade do sujeito na prática delitiva; avalia-se o entendimento próprio, livre e consciente, para imputar a responsabilidade por uma ação ou omissão sancionada com pena criminal. Nesse ponto entram os novos questionamentos sobre a livre e consciente vontade. Os mais modernos estudos da Neurociência implicam uma quebra no entendimento sobre responsabilidade penal, uma vez que demonstram que, durante um ato “voluntário”, o cérebro se ativa antes que o sujeito tenha a consciência subjetiva da vontade. Através da ressonância magnética funcional, ficou comprovada a ativação cerebral antes mesmo da consciência da ação. Para Libet (1998), tal ativação começa de seis a dez segundos antes que o sujeito tenha consciência subjetiva da vontade (SANT’ANNA, 2015, p.75): Para Francisco Rubia:

Pode-se dizer que a questão do livre-arbítrio é um dos debates mais antigos e calorosos da nossa existência, uma vez que a liberdade está intimamente ligada ao poder de escolha. Em sua essência, o livre arbítrio denota vontade livre, as decisões livres, escolhas pautadas na consciência e na vontade de cada um, permeando sempre a ideia de bem e mal, certo e errado. Apesar da grande influência católica no entendimento atual, o livre arbítrio começou a ser discutido pelos Gregos, em suas tragédias, bem antes de Cristo. A ideia de livre-arbítrio entra em choque com a do destino inescapável, personificada através das Moiras, que para Hesíodo, são as três filhas dos Deuses Themis e Zeus, que recebem a incumbência de traçar o destino de cada homem, dando a eles a felicidade ou infelicidade. De acordo com Brandão, para os Gregos, o significado da palavra Moira, traz a ideia de quinhão ou lote que lhe cabe por sorte, o destino. Pensamento este presente no livro Mitos Gregos, de Paulo Sérgio de Vasconcellos : Com o raio em uma das mãos e o cetro de rei na outra, Zeus velava pela ordem do universo, pela concórdia entre os deuses e o cumprimento das

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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promessas e juramentos. Era o soberano do céu, como Possêidon era o deus do mar e Hades o das regiões infernais. Mas uma força superava a de Zeus: a do Destino. Havia três Moiras que teciam a sorte dos homens, e nem Zeus poderia mudar o que elas estabeleciam. Cloto esticava o fio dos destinos, Láquesis o colocava no fuso da roca e Átropos o cortava, determinando a duração de cada vida humana de acordo com o tamanho do pedaço de fio. (VASCONCELLOS, 1998, p.88 e 89)

e Tebas, salva daquele flagelo, fez de Édipo o rei da cidade e lhe deu em casamento Jocasta, viúva de Laio e, portanto, mãe de Édipo. Estavam assim realizadas as duas predições do oráculo, embora Édipo e Jocasta permanecessem na ignorância da imensidade de seu infortúnio. Por muitos anos Édipo governou Tebas como um grande e valente rei; de seu casamento com Jocasta nasceram duas filhas — Antígona (Antigone) e Ismene — e dois filhos — Polinices (Polineices) e Etéocles —, que cresciam em meio à paz e à prosperidade aparentemente presentes no palácio real. Os deuses, todavia, estavam atentos aos fatos nefandos resultantes da desobediência aos seus oráculos, e no devido tempo fizeram tombar sobre Tebas uma peste que lhe dizimava os habitantes. Compelido pela calamidade, Édipo enviou seu cunhado Creonte a Delfos a fim de consultar o oráculo sobre as causas da peste e os meios de contê-la. Nesse ponto começa o Édipo Rei. (KURY, 2011, p.06)

Tal representação de destino inescapável, fatalidade, e impotência que o Homem tem sob diversos aspectos da sua vida, fica claro com Sófocles(496 a.C), em sua Tragédia de Édipo Rei, como se percebe nesse breve relato de Mário da Gama Kury, em sua tradução da obra citada : Os antecedentes da lenda em que Sófocles se inspirou para compor o Édipo Rei (e as outras duas peças aqui apresentadas) são bem conhecidos, mas convém resumi-los para poupar a atenção dos leitores, que deve ser inteiramente dedicada ao desenrolar da tragédia, um primor de composição tanto do ponto de vista puramente literário como — e principalmente — teatral. Laio (Laios), filho de Lábdaco (Lábdacos) nutrira em sua juventude uma paixão mórbida por Crísipo (Crísipos), filho de Pêlops, inaugurando assim, segundo alguns autores gregos, os amores homossexuais. Laio raptou Crísipo e foi amaldiçoado por Pêlops, que desejou a Laio o castigo de morrer sem deixar descendentes. Posteriormente Laio casou-se com Jocasta (Iocaste), irmã de Creonte (Crêon), e tornou-se rei de Tebas. Apesar de um oráculo haver-lhe anunciado que, como castigo por seus amores antinaturais com Crísipo, se nascesse um filho dele e de Jocasta esse filho o mataria, Laio tornou-se pai de um menino. Para tentar fugir à predição do oráculo, mandou Jocasta dar o recémnascido a um dos pastores de seus rebanhos, após perfurar-lhe os pés e amarrá-los. A ordem foi abandoná-lo no monte Citéron (Citáiron) para morrer naquela região inóspita, na esperança de fugir assim à decisão divina. O pastor, entretanto, movido pela piedade, salvou a vida do filho de Laio e de Jocasta e o entregou a um companheiro de profissão, que costumava levar os rebanhos de Pôlibo (Pôlibos), rei de Corinto, às pastagens situadas no vale do Citéron. Esse pastor levou o menino, chamado Édipo em alusão a seus pés feridos e inchados (Oidípous = Pés Inchados), a seu senhor, o rei Pôlibo, que não tinha filhos e vivia lamentando-se por isso. Pôlibo e sua mulher Mérope criaram Édipo como se fosse filho deles. Quando Édipo chegou à maioridade foi insultado por um habitante de Corinto, embriagado, que o chamou de filho adotivo. Diante dessa revelação Édipo se dirigiu sozinho a Delfos, para consultar o oráculo de Apolo (Apôlon) a respeito de sua ascendência. O deus nada lhe disse quanto à sua pergunta, mas revelou-lhe que ele um dia mataria seu pai e se casaria com sua própria mãe. Édipo, supondo que Pôlibo fosse seu pai e Mérope fosse sua mãe, resolveu não voltar jamais a Corinto. Naquela época os habitantes de Tebas estavam alarmados com a Esfinge, que vinha devorando os tebanos, incapazes de decifrar os enigmas propostos pelo monstro, pondo em perigo a cidade toda. Em sua fuga ele passava pelos arredores de Tebas quando, em uma encruzilhada de três caminhos, avistou um carro em que vinha um homem idoso seguido por criados. O homem gritou-lhe insolentemente que deixasse o caminho livre para seus cavalos passarem e um dos criados da comitiva espancou Édipo. Este reagiu e matou o homem que vinha no carro, sem saber que se tratava de Laio, seu pai, e os criados que o acompanhavam, à exceção de um, que fugiu. Em seguida Édipo chegou a Tebas e, passando pela calamitosa Esfinge, decifrou o enigma que esta lhe propôs. A Esfinge desapareceu LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Presente na obra de Sófocles, passagens demonstram que Homem tem a liberdade para agir, mas independente dessas escolhas há o destino inescapável, como se pode perceber na fala de Corifeu, em Édipo Rei: Ah! Sofrimento horrível para os olhos, o mais horrível de todos que vi! Ah! Que loucura, infortunado Édipo, tombou neste momento sobre ti? Que divindade consumou agora teu trágico destino inelutável, prostrando-te com males que ultrapassam a intensidade máxima da dor? Ah! Como és infeliz! Faltam-me forças para encararte, e eu desejava tanto fazer indagações, ouvir-te, olhar-te; é muito forte a sensação de horror que teu aspecto lastimável causa! (SÓFOCLES 2011, p.84) Para completar o pensamento Grego, mais à frente, Aristóteles (384-322 a.C) traz que a ação moral do homem estava ligada intrinsecamente com a liberdade da vontade, tendo a escolha individual como base do pensamento. Porém liberdade para o autor não se dão totalmente através do racional, mas também sob influência do irracional, como podemos ver nesse trecho de sua obra, Ética a Nicômaco : Sobre esse assunto, já existem considerações adequadas o bastante nos nossos escritos para o público; e a elas devemos recorrer agora. Por exemplo: que a alma é constituída de uma parte racional e a outra privada de razão. Se estas partes são distintas como as partes do corpo ou de qualquer coisa divisível, ou se são distintas por definição, mas inseparáveis por natureza, como os lados côncavos e o convexo na circunferência de um círculo, não tem importância alguma na questão presente. (ARISTÓTELES, 2000, p.37) Aristóteles, em sua obra já citada, traz ainda sobre a origem da vontade, sendo esta voluntária ou não, sugerindo ainda qual tratamento do legislador para tais ato:

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Posto que a virtude se relaciona com paixões e ações, e apenas as paixões e ações voluntárias são louvadas ou censuradas, ao passo que as involuntárias recebem perdão e às vezes inspiram compaixão, parece necessária a quem estuda a natureza da virtude a distinção entre o voluntário e o involuntário. Tal distinção também será útil ao legislador com respeito à atribuição de honras e aplicação de castigos. São consideradas involuntárias aquelas ações que ocorrem sob compulsão ou por ignorância; e é compulsório ou forçado aquele ato cujo princípio motor é externo ao agente, e para o qual a pessoa

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que age não contribui de maneira alguma para o ato, porém, pelo contrário, é influenciado por ele. (ARISTÓTELES, 2000, p.56) O pensamento católico/cristão segue a existência do livre-arbítrio, como podemos perceber na Primeira Carta aos Coríntios, 10;13 – o Apóstolo Paulo escreve o seguinte trecho: “Todas as coisas são lícitas, mas nem todas as coisas me convêm; todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas edificam”. Existe ainda outra passagem do Evangelho, que chama atenção e coloca em debate esse assunto. Em Cartas aos Romanos, o Apóstolo Paulo traz em sua reflexão: Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o que odeio. E, se faço o que não desejo, admito que a lei é boa. Neste caso, não sou mais eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim. Sei que nada de bom habita em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo. Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo. Ora, se faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim. Assim, encontro esta lei que atua em mim: Quando quero fazer o bem, o mal está junto a mim. Pois, no íntimo do meu ser tenho prazer na lei de Deus; mas vejo outra lei atuando nos membros do meu corpo, guerreando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro da lei do pecado que atua em meus membros. Miserável homem eu que sou! Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De modo que, com a mente, eu próprio sou escravo da lei de Deus; mas, com a carne, da lei do pecado. (Romanos 7:15-25) Avançando no tempo, depara-se com os pensadores católicos, e na figura de Santo Agostinho, que escreveu sua obra clássica “De libero arbitrio” (395 D.C), na qual ele aborda o poder dado por Deus aos seres humanos de utilizar suas escolhas tanto para o bem quanto para o mal, colocando acima de tudo o poder da consciência, da razão, sob o lado obscuro do inconsciente, no caso as paixões, conforme trecho de sua obra: Julgas que a paixão seja mais poderosa do que a mente, à qual sabemos que por lei eterna foi-lhe dado o domínio sobre todas as paixões? Quanto a mim, não o creio de modo algum, pois, caso o fosse, seria a negação daquela ordem muito perfeita de que o mais forte mande no menos forte. Por isso, é necessário, a meu entender, que a mente seja mais poderosa do que a paixão e pelo fato mesmo será totalmente justo e correto que a mente a domine. (AGOSTINHO, 1995, p.50)

Adiantando o andar da história, abandona-se a ideia grega do “Penso, logo existo” e surge, com a psicanálise, o pensamento Freudiano do “Desidero, ergo sum” (eu desejo, logo sou), juntamente com a construção dos conceitos de Ego, superego e id. Freud, em “Novas Contribuições à Psicanálise” (1932), traz o id como pura força bruta, que desconhece “qualquer valor, não conhece o Bem nem o Mal, nem moral alguma” (p.81). Completa o autor dizendo que o id é a parte obscura e inacessível de nossa personalidade e que “aspira somente dar satisfação as necessidades instintivas [pulsionais] de acordo com a norma do princípio do prazer.” (p.80). Traz ainda que o id é a noção de inconsciente, sendo uma parte mais primitiva e menos acessível. De acordo com Alcione Aparecida Messa: Freud desenvolveu um modelo de estrutura do aparelho psíquico, composto de três instâncias (DAVIDOFF, 1983) Id: É o núcleo primitivo da personalidade, domínio de instintos e impulsos primitivos. É a parte menos acessível à personalidade, sem lógica de organização ou juízo de valor. Constitui-se de conteúdos inconscientes, inatos ou adquiridos que buscam contínua gratificação, sob predominância do princípio do prazer. Ego: responsável pelo contato do psiquismo com a realidade externa, contendo elementos conscientes e inconscientes. Atua sobre o princípio da realidade, fazendo a conciliação das reinvindicações do id e do superego com o mundo externo, harmonizando tais exigências. É uma instância controlada, realista e lógica. Superego: responsável pela formação dos ideais. É a força moral, formada com a internalização de regras sociais, valos, crenças e mecanismo de contenção. As contribuições mais importantes são feitas pelos pais nos primeiros anos, ao introduzir a criança aos limites da sociedade. (MESSA, 2010, p.07/08) Para Messa (2010, p.08), uma má formação no superego pode gerar problemas de conduta que afetam os valores sociais, pois afetam o senso de realidade. Para outro fundador da psicanálise, Jung (2005, p.83), o homem gosta de acreditar que é o senhor de sua alma, mas no fim das contas não é capaz de controlar os seus humores e emoções. O ser humano não é capaz de “tornar-se consciente das inúmeras maneiras secretas pelas quais os fatores inconscientes se insinuam nos seus projetos e decisões”. Para o autor, assim como para Freud, o homem nunca foi dono de si. Para Jung :

O entendimento sobre o tema não é restrito à Igreja Católica, mas também é o juízo de outras religiões, principalmente as de origem cristã, que possuem a mesma base filosófica, divergindo apenas em alguns pontos. Tal determinismo possui raízes em outras religiões: Este determinismo tem contrapartidas igualmente fortes no hinduísmo (conceito de Karma) e no islamismo [a própria palavra islame vem do árabe “resignação”(à vontade de Deus). Embora de certo modo assustador, pela impossibilidade de escape, este determinismo é por outro lado conveniente, pois o peso da responsabilidade criada pelo livre arbítrio talvez seja mais apavorante ainda. (MARQUES,2005, p.69) LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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Não é matéria de fácil compreensão, mas é preciso entendê-la se quisermos conhecer mais a respeito dos métodos de trabalho da mente humana. O homem, como podemos perceber ao refletirmos um instante, nunca percebe plenamente uma coisa ou a entende por completo. Ele pode ver, ouvir, tocar e provar. Mas a que distância pode ver, quão acuradamente consegue ouvir, o quanto lhe significa aquilo em que toca e o que prova, tudo isto depende do número e da capacidade dos seus sentidos. Os sentidos do homem limitam a percepção que este tem do mundo à sua volta. Utilizando instrumentos científicos pode, em parte, compensar a deficiência dos sentidos. Consegue, por exemplo, alongar o alcance da sua visão através do binóculo ou apurar a audição por meio de amplificadores elétricos. Mas a mais elaborada aparelhagem nada pode fazer além de trazer ao seu âmbito visual objetos ou muito distantes ou muito pequenos e tornar mais audíveis sons fracos. Não importa que instrumentos ele empregue; em um determinado momento há de chegar a um limite de

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evidências e de convicções que o conhecimento consciente não pode transpor. (JUNG, 2005,p.21) Para os psicanalistas, conhecer esse lado obscuro do nosso ser é de extrema importância para entendermos nossas reações e podermos controlá-las, conforme encontramos nessa passagem no livro “Física da Alma”:

Cesare Lombroso, um dos principais expoentes da Escola Positiva, explica em seu livro, O Homem Delinquente, sobre o homem ser entregue à causalidade:

A Alegoria da caverna deixa a situação clara. Platão imaginou que a experiência humana era um espetáculo de sombras: estamos em uma caverna atados a cadeiras, por isso enxergamos sempre uma parede, sobre a qual a luz de fora projeta as sombras de formas arquetípicas ideais. Achamos que as sombras são a realidade, mas suas fontes estão atrás de nós, nos arquétipos. No final das contas, a luz é a única realidade, pois tudo que vemos é luz. (GOSWAMI, 2008, p.23)

Desta pervertida afetividade, deste ódio excessivo e sem causa, desta falta ou insuficiência de freios, desta tendência hereditária múltipla deriva a irresistibilidade dos atos dos dementes morais. Schule escreveu que eles têm um fundo de irritabilidade pronta para explodir como um vulcão. Não podem dirigir à sua vontade os impulsos do ciúme, da sensualidade, sem poder resistir a eles. São ingratos, impacientes, vaidosos, desde seus atos mais maldosos. Pinel fala de um demente moral que, mal educado, se habituou aos últimos excessos; os cavalos que não lhe servem, os mata; quem se opõe na política é por ele espancado; se uma senhora lhe responde joga-a no poço. (LOMBROSO, 2010, p. 217)

Tais estruturas colocam a pergunta: o ser humano possui livre -arbítrio e tem consciência de todas as suas ações?

Sobre os pontos centrais da Escola Positiva, Luiz Regis Prado explica em sua obra: Os postulados basilares dessa escola são: a) o Direito tem uma natureza transcendente, segue a ordem imutável da Lei natural: O direito é congênito ao homem, porque foi dado por Deus à humanidade desde o primeiro momento de sua criação, para que ela pudesse cumprir seus deveres na vida terrena. O direito é a liberdade. Portanto, a ciência criminal é o supremo código da liberdade, que tem por objeto subtrair o homem da tirania de si mesmo e de sua próprias paixões. O Direito Penal tem sua gênese e fundamento na lei eterna da harmonia universal; b) o delito é um ente jurídico, já que constitui a violação de um direito. É dizer: o delito é definido como infração. Nada mais é que a relação de contradição entre o fato humano e a lei; c) a responsabilidade penal é lastreada na imputabilidade moral e no livre arbítrio humano; d) a pena é vista como meio de tutela jurídica e como retribuição da culpa moral comprovada pelo crime. O fim primeiro da pena é o restabelecimento da ordem externa na sociedade, alterada pelo delito. Em consequência, a sanção penal deve ser aflitiva, exemplar, pública, certa, proporcional ao crime, célere e justa; e) o método utilizado é o dedutivo ou lógico-abstrato; f) o delinquente é, em regra, um homem normal que se sente livre para optar entre o bem e o mal, e preferiu o último; g) os objetos do estudo do Direito Penal são o delito, a pena e o processo (PRADO, 2008, p. 79-80).

3 TEORIA DO CRIME E O LIVRE-ARBÍTRIO O livre arbítrio e o estudo do Direito Penal encontram-se entrelaçados desde o surgimento das primeiras escolas penais. Como o pensamento jurídico se molda de acordo com a moral e os costumes da época, o entendimento do que é crime e de como é cometido o ato muda de acordo com o passar do tempo, conforme indica Bitencourt (2009): A primeira escola que surge, intitulada por seus críticos como a Escola Clássica, traz o pensamento da responsabilidade penal, fundamentado pela responsabilidade moral, que é composta por dois elementos: inteligência e livre-arbítrio, sendo que esse segundo pressupõe inteligência, pois sem ela não seria possível fazer uma boa escolha. Para esses pensadores, o crime é obra exclusiva da vontade livre do agente e não um produto natural e social. A pena deveria ser adotada como forma de prevenção de novos crimes, “punitur ne peccetur” (pune-se para que não se peque). Desta escola, destaca-se Cesare Beccaria, que em sua obra Dos Delitos e das Penas, traz: Da simples consideração das verdades, até aqui expostas, fica evidente que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já cometido. É concebível que um corpo político que, bem longe de agir por paixões, é o tranquilo moderador das paixões particulares, poss albergar essa inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam talvez os gritos de um infeliz trazer de volta, do tempo, que não retorna, as ações já consumadas? O fim da pena, pos, é o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e deover os outros de agir desse modo. É, pois, necessário selecionar quais penas e quais os modos de aplica-las, de tal modo que, conservadas as proporções, causem impressão mais eficaz e mais duradoura no espírito dos homens, e a menos tormentosa no corpo do réu. (BECCARIA , 1999, p.52) Dando seguimento às Ciências Penais, surge a chamada Escola Positiva e seu determinismo psicológico, negando os clássicos, colocando o homem entregue à causalidade, considerando sua vontade um ato automático do cérebro, que recebe a sensação exterior e a transforma em vontade. Fazem, portanto, a vontade deixar de ser uma “faculdade da alma”. Para os pensadores positivistas, a pena justifica-se na defesa social e na tentativa de prevenção de crimes.

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Na Itália, por volta de 1891, aparecem os primeiros pensadores da Scuola Italiana, ou Escola Crítica. Junto com ela vêm os conceitos de imputabilidade e inimputabilidade, que acabam por não modificar o entendimento em relação ao livre arbítrio, mantendo a relação da pena como defesa social da escola anterior. Na mesma época, surge na Alemanha a Escola Moderna Alemã, ou Escola de Política Criminal. Apesar de manter os entendimentos anteriores sobre a prevalência do determinismo, os pensadores da Escola Moderna trouxeram avanços em relação à pena. Segundo os adeptos dessa linha, aplica-se pena aos imputáveis e a medida de segurança para os inimputáveis, começando uma abertura também para a substituição da pena privativa de liberdade de curta duração por outras medidas. Já para outra escola, a Técnico-jurídica, o delito é um fenômeno individual e social, sendo quem o pratica dotado de livre-arbítrio e responsabilidade moral. Após essa escola surgem ainda outras que trazem o entendimento do livre arbítrio como fundamento para a prática delituosa. De acordo com Bitencourt (2009, p.10/11), a tipicidade é resul-

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tado do princípio da reserva legal: “nullum crimen, nulla poena sine praevia lege” que é abordado no artigo 1º, 1ª parte, do Código Penal brasileiro: “Não há crime sem lei anterior que o defina, não há pena sem prévia cominação legal”. Em breve explicação, a ilicitude consiste na relação de contrariedade que se estabelece entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. Será lícita a conduta do agente caso este comportamento encontre amparo nas causas excludentes de ilicitude presente no artigo 23 do Código Penal. Já o conceito de culpabilidade, que tem ligação direta com o tema abordado neste trabalho, funda-se no próprio princípio da culpabilidade, que, em sua explicação mais básica, define que “não há crime sem culpa”. Percebe-se, com essas explanações, que a definição de crime, na atualidade, depende da livre vontade do agente. Para se ter a aplicação de uma pena é preciso avaliar o grau de liberdade do sujeito na prática delitiva; avalia-se o entendimento próprio, livre e consciente, para imputar a responsabilidade por uma ação ou omissão sancionada com pena criminal.

de vontade conforme norma. Toda culpabilidade é, pois, culpabilidade de vontade. Apenas aquilo que depende da vontade do homem pode ser-lhe reprovado como culpável. Suas qualidades e suas aptidões- tudo aquilo que o homem simplesmente “é” – pode ser valiosas ou de escasso valor (consequentemente, pode ser também valoradas), mas apenas o que tenha feito delas ou como as tenha empregado- em comparação com o que tivesse podido e devido fazer delas ou como as tivesse podido e devido empregar -, só isso pode ser-lhe computado como “mérito” ou reprovado como “culpabilidade” (WELZEL, 2011, p.109) Para Welzel (2011,p110) a culpabilidade pode ser definida como a essência da reprovabilidade, sendo aquilo que reprova o autor que podia atuar conforme as normas ante a comunidade jurídica, sendo portanto um conceito valorativo negativo e graduável, podendo chegar a um maior ou menor grau dependendo da facilidade ou dificuldade do agente satisfaze-la. Para Francisco de Assis Toledo, o conceito valorativo traz ao debate o juízo de previsibilidade e voluntariedade do resultado danoso, construindo assim a concepção psicológica da culpabilidade:

4 A CULPABILIDADE E O LIVRE-ARBÍTRIO

Sobre esses dois elementos anímicos, um volitivo, outro intelectual (o voluntário e o previsível), construíram-se dois importantes conceitos penalísticos – o dolo e a culpa. Dolo, quando há voluntariedade e previsão do fato; a culpa, em sentido estrito, quando há a previsibilidade, sem a voluntariedade do resultado danoso. O desenvolvido dessas idéias, no decorrer dos séculos, desaguou na elaboração de um conceito dogmático puramente psicológico da culpabilidade, que chegou até nossos dias: culpabilidade é uma ligação de natureza anímica, psíquica, entre o agente e o fato criminoso(TOLEDO , 2008, p.219)

Como visto, não há como se falar de crime sem abordar a culpabilidade do agente, e este tema está diretamente ligado à liberdade de agir e seu poder de decisão. A palavra culpa é utilizada diariamente em nosso vocabulário cotidiano, conforme explica Francisco de Assis Toledo em sua obra, Princípios Básicos de Direito Penal: A palavra “culpa”, em seu sentido lato, de que deriva “culpabilidade”, ambas empregas, por vezes, como sinônimas, para designar um dos elementos estruturais do conceito de crime, é de uso muito corrente. Até mesmo crianças a emprega, em seu vocabulário incipiente, para aponta o responsável por uma falta, por uma travessura. Utilizamola a todo instante, na linguagem comum, para imputação a alguém de um fato condenável. Seria incorreto dizer-se, por exemplo: Pedro tem culpa pelo progresso da empresa que dirige; o mesmo não aconteceria, porém, se disséssemos: Pedro tem culpa pela falência da empresa que dirige. O termo culpa adquire, pois, na linguagem usual, um sentido de atribuição censurável, a alguém, de um fato ou acontecimento. Veremos que o seu significado jurídico não é muito diferente. Todavia, se olharmos de frente a culpabilidade jurídicopenal, será fácil perceber que não estamos diante de algo tão simples como parece. Para transformála em um tema bastante problemático, basta que formulemos três ordens de indagação: 1ª) Que coisa é a culpabilidade? Será um fenômeno psíquico? Será um juízo que se emite a respeito de algo? Será ambas as coisas? 2ª)Onde está a culpabilidade? Em que lugar podemos encontrá-la? Estará ela no psiquismo do criminoso, ou estará na cabeça do juiz que julga o criminoso? Estará ela, nos dois lugares? 3ª)Por fim, qual o objeto do juízo de culpabilidade? Será ele a pessoa do criminoso? Será ele apenas o fato criminoso, isto é, um fato episódico na vida do criminoso? Ou será ele ambas as coisas mencionadas? (TOLEDO , 2008, p.216/217)

Concluindo com Luigi Ferrajoli, em sua obra Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, explica que não há crime sem culpa:

Hans Welzel traz em seu conceito valorativo da culpabilidade: Culpabilidade é a reprovabilidade da resolução de vontade. O autor podia adotar no lugar da resolução de vontade antijurídica - tanto se esta se dirige à realização dolosa do tipo como se não se aplica a direção final mínima exigida - uma resolução LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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A terceira condição material requerida pelo modelo garantista, como justificação do “quando” e do “ que” proibir, é a da culpabilidade. No sistema SG, expressa-se no axioma nulla actio sine culpa e nas teses que dele derivam: nulla poena, nullum crimen, nulla lex poenalis, nulla iniuria sine culpa. Para exigir dita condição, que corresponde ao chamado “elemento subjetivo” ou “psicológico” do delito, nenhum fato ou comportamento humano é valorado como ação se não é fruto de uma decisão; consequentemente, não pode ser castigado, nem sequer proibido, se não é intencional, isto é, realizado com consciência e vontade por uma pessoa capaz de compreender e de querer. (FERRAJOLI , 2006, p.447) Welzel trabalha a ideia da vontade e liberdade da seguinte maneira: A culpabilidade não significa “livre” decisão em favor do mal, mas ficar preso pela coação causal aos impulsos, sendo o sujeito capaz de autodeterminação conforme os fins. O delito é, por isso, efetiva e inteiramente, um produto de fatores causais, e a suposição e mesmo a indicação da porcentagem com que a “vontade livre do autor” tenha participado, junto à disposição e ao mundo circundante, da gênese do delito (Sauer, Krinminologie, P.59 e ss) é um jogo incerto. O direito penal tampouco parte da tese indeterminista de que a decisão de cometer o delito proceda inteiramente, ou em parte de uma vontade livre e não do concurso entre a disposição e o mundo circundante; parte do conhecimento antropológico de que o home, como ser determinado à responsabilidade, está

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existencialmente em condições de conduzir (conforme os fins) a dependência causal dos impulsos. A culpabilidade não é um ato de livre autodeterminação, mas precisamente a falta de uma decisão conforme a finalidade em um sujeito responsável (WELZEL, 2011, p.127/128) Para Sant’anna (2015,p. 56/57), o finalismo de Welzel pode ser criticado por sua abordagem do que seria a liberdade e a suposta “capacidade de agir de outra maneira”, pois, efetivamente, a demonstração empírica desta comprovação é impossível, como traz Claus Roxin: Os defensores da concepção do “poder atuar de outro modo” se fixam não no poder do sujeito individual, mas sim no poder da pessoa média que existe conforme a experiência, na capacidade da maioria das pessoas. A reprovação da culpabilidade contra o indivíduo se formula então assim: “o sujeito havia podido atuar de outro modo na situação em que se encontrava, no sentido de que, conforme as nossas experiências em casos análogos, outro, em seu lugar, atuaria, possivelmente, de outro modo nas circunstâncias concretas”. Mas, desde uma perspectiva indeterminista, é impossível basear uma reprovação moral contra uma pessoa individual com capacidade que outras pessoas tenham, mmas que precisamente faltam ao sujeito! Isso não só carece de lógica, como supõe um abandono do ponto de partida de que ao próprio sujeito era possível uma decisão livre. (ROXIN, 2003,p.800)

posteriormente, a partir do desenvolvimento da epistemologia e das ciências humanas em geral, como a sociologia, a psicologia e a psicanálise. Segundo Padre Vaz, a colocação do ser humano como indivíduo no centro da interpretação e avaliação da realidade (chamada “inflexão antropocêntrica”), que marca a virada da filosofia do objeto para a filosofia do sujeito, tem como uma de suas consequências a pluralidade de significações do termo “consciência” (BROCHADO, 2002, p.47) Para John Searle (1998, p.24/26) a consciência é o ponto central para a compreensão de nossa própria existência como seres humanos, sendo a existência dela a condição que possibilita qualquer coisa ter alguma importância para alguém. O autor ainda afirma que a consciência não aparenta ser “física” como outras propriedades do cérebro, nem parece ser redutível a processos físicos através de análises científicas utilizando o calor e a solidez. Nas palavras de Searle: A consciência é um fenômeno biológico natural que não se enquadra apropriadamente em nenhum das categorias tradicionais do mental e do físico. É causada por microprocessos de nível inferior no cérebro e é uma propriedade do cérebro em níveis macrossuperiores. Para se aceitar esse “naturalismo biológico”, como eu gosto de chamá-lo, temos de abandonar primeiramente as categorias tradicionais. (SEARLE, 1998, p 25/26)

5 A CONSCIÊNCIA O estudo da consciência está cada vez mais interdisciplinar. De acordo com Silva Junior(2013, p. 92), o tema que era restrito as áreas filosóficas e psicológicas, atualmente ampliou seu leque de interesse, passando para a área da neurociência e voltou ao debate no âmbito jurídico. Para o autor, que traz as palavras de Precht, os neurocientistas estão fazendo o mesmo que os filósofos antigamente, pensando sobre o próprio pensamento, só que utilizando outros métodos. Dentre as tentativas de conceituar a consciência, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierageli trazem em sua obra um profundo desconforto na definição: (..,)a consciência é uma função sintetizadora, ou melhor, um conceito clínico com o qual se sintetiza o funcionamento de toda a atividade psíquica. A consciência não deixa de ser um conceito prático, no sentido psiquiátrico da expressão, talvez indefinível em uma fórmula geral, mas para o trabalho de diagnóstico mostra-se eficaz: afirma que não se encontra perturbada quando o sujeito parece revelar ao interrogatório um quadro de comportamento em que os aspectos intelectuais e afetivos de seu psiquismo se acham harmonicamente dispostos, permitindolhe manter um adequado contato e adaptação com o mundo objetivo. Denomina-se sensorium todo o complexo funcional que desemboca na consciência , mas, por mais que pesquisemos os tratados de psiquiatria, veremos que neles não há uma definição satisfatória, expressado um conhecido especialista que, “embora seja um conceito claro, não podemos defini-lo bem”(Bleuler). Cremos que não é um conceito facilmente definível, porque se trata mais de uma impressão clínica do que de um conceito abstrato disponível. (ZAFFARONI, 2011, p.544) A autora Mariá Brochado traz, em sua explicação, um pouco mais sobre a dificuldade de conceituar a palavra consciência: A acepção originária do termo consciência era (...) a do sentido de consciência moral; a acepção intelectual e psicológica do termo sugeriu

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De acordo com Zaffaroni, a consciência no direito penal se limita a definição clínica: “Consciência” pode ser usada com significados diversos, segundo se empregue a palavra em metafísica, psicologia, clínica e etc. O sentido que aqui nos interessa é o clínico. Prescindindo das diferenças de escolas, em síntese podemos dizer que a “consciência” é o resultado da atividade das funções mentais. Não se trata de uma faculdade do psiquismo humano, e sim o resultado do funcionamento de todas elas. Não é uma faculdade (como a memória, a atenção, a percepção sensorial, o juízo crítico e etc.), mas o resultado do funcionamento destas faculdades. (ZAFFARONI, 2011, p.382) Para Silva Junior (2013,p.107) Damásio traz a ideia de que ter ciência sobre o próprio saber é algo que a consciência possibilita. Nas palavras de Damásio: A consciência permite saber que as imagens existem dentro do indivíduo que as forma, situa as imagens na perspectiva do organismo, relacionando-as a uma representação integrada do organismo, e, com isso, permite a manipulação das imagens e favor dele. No processo de evolução, quando a consciência surge, ela anuncia o despontar da antevisão do indivíduo. (DAMÁSIO, 2000, p.44) Em seu artigo, Silva Junior (2013,p.115/116) traz a consciência dividida entre a psicológica, moral e a jurídica, sendo que a primeira possui um papel importante em relação ao comportamento humano, tendo como objeto qualquer tipo de ato, não importando se cognoscitivos ou afetivos-volitivos. Ficando a cargo da consciência moral a interpretação exclusiva dos atos volitivos. Por sua vez o autor aborda a passagem da consciência moral para o domínio da lei. 6 A CONSCIÊNCIA SEGUNDO A NEUROCIÊNCIA ATUAL

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Para Sant’Anna (2015, p.74), a neurociência ganhou destaque CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


durante os anos 90, que ficaram conhecidos como a década do cérebro. Tal crescimento se deu após ao largo uso da neuroimagem, que possibilitou assim pesquisar as atividades psicológicas dos seres humanos. Anteriormente, as pesquisas cerebrais aconteciam apenas através de autópsias, realizadas em cadáveres de pacientes que possuíam alguma disfunção cerebral. Tais avanços nas pesquisas trouxeram três aspectos importantes: Diante dessa nova tecnologia, podem-se destacar três aspectos principais abordados pelos neurocientistas a fim de extrair conclusões sobre os seus experimentos, quais sejam: o problema mente-cérebro; a questão da ação intencional e o tradicional confronto sobre a liberdade e o determinismo (SANT’ANNA, 2015,p.75)

do mencionado autor brasileiro, a partir dos estudos sobre tais pesquisas, o cérebro seria um órgão como qualquer outro e, assim, seria tão determinista em seu funcionamento, quando o coração ou o fígado. (SANT’ANNA, 2015,p.77) Para Sant’anna (2015,p79), de acordo com o neurocientista David Eagleman, todos os atos estão associados a uma espécie de piloto automático. Uma atividade cerebral é ocasionada por outra atividade no cérebro, formando-se uma rede conectada, não restando espaço para falar em livre-arbítrio. Nas palavras do autor: O princípio declara que a resposta à questão do livrearbítrio simplesmente não importa. Mesmo que o livre-arbítrio tenha sua existência conclusivamente provada. Mesmo daqui a cem anos, não alterará o fato de que o comportamento humano opera em grande parte quase sem ligar para a mão invisível da volição. (EAGLEMAN, 2012, p.12)

Damásio aponta outros aspectos da importância da neurociência na busca de entendimento sobre o comportamento humano: (...) tornou-se especialmente frutífero, pois o desenvolvimento de novas técnicas para observar o cérebro, visando conhecer sua estrutura e função, permite-nos agora associar determinado comportamento que observamos, clinicamente ou em um experimento, não só a um correlato mental presumido desse comportamento, mas também a marcadores específicos de estrutura ou atividade cerebral. (DAMÁSIO, 2000, p.30) Já para Precht (2009,p.46) a tarefa não é tão simples, uma vez que a pesquisa neurocientífica são cérebros humanos tentando entender algo sobre cérebros humanos, em suas palavras: “o sistema quer entender a si próprio”. Como exemplo dos primeiros estudos, ainda nos anos 90, pode-se citar os experimentos de Benjamin Libet, que percebeu que antes do agente tomar consciência de uma ação, uma área cerebral é acionada antes: Nos temos liberdade? Eu realizei uma experiência para essa questão. Atos de liberdade voluntários são processados por uma específica mudança elétrica no cérebro (the ‘radinesspotential’, RP) que começa 550 milissegundos antes da ação. A subjetividade humana que produz a intenção do ato vem 350-400 milissegundos depois que o RP começa, mas 200 milissegundos antes da atividade motora. O processo voluntário é, por tanto, iniciado inconscientemente.(LIBET, 1998,p.48)

Com isso, por intermédio da neurociência, descobriu-se também outras ligações dessa rede cerebral. Uma delas é importância da região frontal do cérebro na tomada de decisões. Esta região é responsável pelos impulsos emocionais e morais, ficando responsável por valorar e arquitetar os atos. Estes estudos apontam a importância da emoção e cognição na mente humana, principalmente no que diz respeito à capacidade moral. Em seu estudo, Moll(2003), traz que o lado emocional e moral do cérebro são decisivos na tomada da decisão, colocando o agente, que não tem seu lado emocional ainda completo ou sofre de alguma enfermidade, como incapaz de compreender o caráter ilícito do ato, ou tomar outra atitude com base na sua compreensão limitada. As lesões na região frontal impactam diretamente na capacidade moral, que confere ao sujeito a capacidade de distinguir um ato licito do ilícito, mas tornando-o incapaz de utilizar esse conhecimento para controlar o seu comportamento. Para Pinker (2013, p.672), encontra-se no lobo frontal todo o circuito da raiva, que está ligado ao sistema dos circuitos emocionais. Nas palavras do autor: Situado no topo de todo o circuito da raiva está o córtex cerebral – a fina camada de substancia cinzenta na superfície externa dos hemisférios cerebrais em que se efetuam os processamentos por trás da percepção, pensamento, planejamento e deliberação. Cada Hemisfério cerebral é dividido em lobos, e o que fica na fronte, o lobo frontal, processa as decisões relevantes sobre como se comportar. Uma das principais áreas dos lobos frontais situa-se acima das cavidades do crânio onde ficam os olhos, também conhecidas como órbitas, sendo por isso chamada de córtex orbitofrontal, ou simplesmente córtex orbital. Este está densamente conectado com amígdala e outros circuitos emocionais, e ajuda a integrar emoções e memórias em decisões sobre o que fazer a seguir. Quando um animal modula sua disposição de atacar em resposta às circunstâncias, inclusive seu estado emocional e todas as lições que aprendeu no passado, essa parte do cérebro, por trás das órbitas, é a responsável. (PINKER, 2013, p.673/674)

Partindo desse ponto outros pesquisadores, como Wolfgang Prinz, desenvolveram experimentos importantes contrapondo o comportamento cerebral com o livre-arbítrio: Na realidade, disse Prinz, em primeiro lugar geramos uma ação, para só depois sugerir em nós a consciência de que a estamos realizando. A percepção que temos de nossas ações seria, assim, um fenômeno que acompanha, com certo delay, processos neurológicos inconscientes responsáveis por elas. Prinz expressou suas conclusões com a frase emblemática “ Não sabemos o que queremos, mas queremos o que fazemos” (PORCIÚNCULA, 2012, p.275) Em contra ponto aos apontamentos feito por Porciúncula: Paulo Queiroz, a partir dos estudos de Wolf Singer, afirma que a neurociência pretende provar que aquilo que se apresenta como ações refletidas e conscientes seria, em vede, uma ilusão criada pela consciência, inclusive porque, na leitura

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Silva (2012) traz que os pacientes com lesão frontal conseguem atingir o conhecimento puramente intelectual, racional, quando se relacionam com imagens de conteúdo emocional, podendo evocar o conhecimento relacionado com as imagens, mas sem conseguir conectar esses conhecimentos com respostas emotivas medidas a nível corporal.

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Responsavel é todo homem mentalmente desenvolvido e mentalmente são. D’ahi seguese que a tjeoria da culpabilidade criminal deve encontrar o seu centro de gravidade na exposição daquellas situações ou estados excepcionaes que excluem a imputabilidade. (LISZT, 2006, p.257)

Nas palavras de Pinker: Na maioria dos casos, a tentação de tomar seres humanos como presa é inibida por constrangimentos emocionais e cognitivos, porém em uma minoria de indivíduos esses constrangimentos estão ausentes. Os psicopatas soam de 1% a 3% da população masculina, dependendo de usarmos a definição mais ampla de transtorno de personalidade antissocial, que inclui muitos tipos de encrenqueiros impiedosos, ou a definição mais restrita, que seleciona os manipuladores mais astutos. Psicopatas são mentirosos e atormentadores desde crianças, não mostram capacidade de compaixão ou remorso, compõem de 20% a 30% dos criminosos violentos e cometem metade dos crimes graves. Também cometem crimes não violentes, como privais casais idosos das economias de toda uma vida e gerir negócios com um desprezo cruel pela mão de obra ou pelos acionistas. Como vimos, as regiões do cérebro que manejam as emoções sociais, sobretudo a amígdala e o córtex orbital, são relativamente atrofiadas ou inativas nos psicopatas, embola eles possam não apresentar outros sinais de patologia. Em alguns indivíduos, os sinais de psicopatia se desenvolvem após uma lesão dessas regiões por doença ou acidente, mas a condição também é parcialmente hereditária.(PINKER, 2013, p.687)

O doutrinador Francisco de Assis Toledo (2008, p.312/314) traz que a imputabilidade é sinônimo de atributividade, é o atribuir algo a outrem. Para o autor, é o fato de um agente ter toda a capacidade para ser penalmente responsável, em suas palavras: Quais os elementos da imputabilidade, isto é, da capacidade de culpabilidade? Dos art.26 a 28 do Código penal podem-se inferir, essencialmente dois, a saber: 1º) que o agente possua, ao tempo da ação ou da omissão, a higidez biopsíquica necessária para a compreensão do injusto e para orientar-se de acordo com essa compreensão; 2º) que o agente tenha completado 18 anos. (TOLEDO, 2008, P14) Para Welzel (2011,p.130) a definição legal de imputabilidade possui dois elementos inseparáveis, sendo eles: A capacidade de culpabilidade tem, por tanto, um elemento de conhecimento (intelectual) e um elemento de vontade (volitivo): a capacidade de compreensão do injusto e de determinação da vontade (conforme uma finalidade). Apenas a soma dos dois elementos constitui a capacidade de culpabilidade, Se falta só um deles - em razão da juventude ou dos estados mentais anormais -, o autor não é capaz de culpabilidade (WELZEL, 2011, p.130)

O cérebro pode influenciar na tomada das decisões, podendo condicionar o comportamento, inibindo o controle dos impulsos e dificultando o reconhecimento de emoções, como as dores, por exemplo. Portanto, a incapacidade de valoração interfere na tomada de decisões, parte indispensável para avaliar a liberdade do agente e definir sua imputabilidade. 7 A IMPUTABILIDADE PENAL A imputabilidade, no sistema adotado no Brasil, reflete a capacidade de culpabilidade, é a aptidão do sujeito para ser culpável. Porém, não se pode confundir a imputabilidade com a responsabilidade, que, de acordo com Bitencourt(2009, p.378), é o princípio segundo o qual a pessoa dotada de capacidade de culpabilidade (imputável) deve responder por suas ações. O Código Penal brasileiro não define o conceito de imputabilidade penal; aborda apenas as causas que a afastam, criando assim o conceito de inimputabilidade nos casos de doença mental e de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, avaliando sempre o momento em que é cometido o injusto penal. De acordo com Franz Von Liszt, autor do sistema clássico da teoria do delito, em sua obra Tratado de Direito Penal allemão, tal omissão deixou a cargo da psicologia e da ciência jurídica trazer uma definição para a imputabilidade: Com razão a legislação penal do Imperio abstevese de fixar a idéa da imputabilidade. Deixou a solução do problema aos esforços da psychologia e da sciencia do direito, limitando-se a indicar á administração da justiça alguns pontos de vista directores. Não exgotou nem pretendeu exgotar a idéa da imputabilidade, quando exigio aqui «o livre exercício da vontade» (C. p., art. 51), e alli «o discernimento necessário para a comprehensão do caracter delictuoso do facto» (C. p., §§ 56 a 58) (LISZT, 2006, p.259) Explica Liszt: Já na introdução notámos que a imputabilidade criminal nada tem que ver co o livre arbitrio.

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Sobre tais elementos, de entendimento e de autodeterminação, Bitencourt traz que o primeiro é determinante para o controle do segundo, pois a capacidade de autodeterminação está ligada a capacidade de autocontrole, e essa pressupõe a capacidade do entendimento do agente. Portanto, sendo a liberdade de agir a base da teoria do delito, e o aval para a culpabilidade penal, só com a liberdade de agir a pessoa pode ser criminalmente responsabilizado por sua conduta. A imputabilidade é oriunda de um juízo acerca da capacidade do autor de atuar conforme seu próprio entendimento, sempre consciente e livre. Para Welzel (2011, p.129), a liberdade humana pauta-se na liberdade da vontade, na possibilidade de atuar de outro modo. 8 CONCLUSÃO O debate sobre livre-arbítrio versus determinismo ficou alguns anos frio e sem grandes novidades. Porém com a neuroimagem e as pesquisas na área comportamental, a discussão voltou a ter o destaque que merecia. O ser humano tem a liberdade da escolha livre e consciente? Ou está sujeito ao determinismo de seu inconsciente ou largado a própria sorte definida pelo tão temido destino inescapável? A tragédia grega traz que mesmo dentro de um possível destino inescapável, definido pelas moiras, o ser humano tem seu livre-arbítrio mantido. Na história de Édipo Rei, Édipo ao saber que mataria seu pai, se afastou , escolheu mudar de cidade, não sabendo que sua liberdade de escolha te levou concretizar as previsões, indo de encontro com o seu determinismo. Ora, o caso de Édipo Rei mostra que o filho não sabia que era adotivo, e que a previsão era para matar o seu pai biológico, tal informação torna a escolha de Édipo, que parecia ser consciente, em

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algo inconsciente. Caso ele tivesse ciência de toda a situação que o cercava, talvez tivesse escolhido diferente e teria escolhido ficar onde estava. Tal conflito de determinismo (destino inescapável) e livre-arbítrio mostra a enorme impotência da vida humana diante dos fatos. Por sua vez a psicologia e a psiquiatria contribuíram para o debate com a existência do consciente e o inconsciente, demonstrando que todos são leigos sobre sua própria existência, uma vez que não conhecem o seu lado sombra. Esse não conhecer a motivação de ações e reações humanas pode ser discutido à luz do que traz Zaffaroni (2011, p.529), a respeito da chamada “coculpabilidade”:

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Todo sujeito age numa circunstância determinada e com um âmbito de autodeterminação também determinado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em consequência, há sujeitos que tem um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarrega-lo com elas no momento da reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma “coculpabilidae”, com a qual a própria sociedade deve arcar.(ZAFFARONI, 2011,p.529)

BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchesi di, 1738-1793, Dos delitos e das penas/ Cesare Beccaria. Tradução J. Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2ª ed. Ver. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999.

Tais ideias são fruto da influência do direito penal socialista, trazida por Jean Paul Marat, e explicada pelo Zaffaroni (2011,p.238), com a seguinte pergunta: “ os indivíduos que não obtinham da sociedade mais do que desvantagens estavam obrigados a respeitar as leis?”. A resposta é negativa, pois para o autor, uma vez que a sociedade os abandona, toda autoridade que se lhes oponha será tirânica. A neurociência, mesmo com todos os avanços e dedicação a pesquisa comportamental, ainda não trouxe certezas capazes de colocar em xeque a estrutura da responsabilidade criminal. Porém, tais estudos demonstram a necessidade constante em continuar debatendo a culpabilidade, orientada sempre no viés da liberdade. Apesar de apontamentos neurocientíficos, como as pesquisa de Libet e Pinker, o próprio Libet explica:

DAMÁSIO, Antônio. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

A liberdade, por tanto, não é excluída. Essas descobertas colocam restrições em visões de como a Liberdade pode se processar; não se iniciará um ato voluntário, mas é possível controlar a performance do ato. As descobertas também afetam a forma de ver a culpa e a responsabilidade. Mas a questão mais profunda ainda permance: são os atos livremente voluntários sujeitos às leis deterministas ou eles podem aparecer sem tais restrições, sem determinação pelas leis naturais e verdadeiramente livres? (LIBET, 1998,p.48) Mesmo que algumas pesquisas apontem a existência de uma reação cerebral antes da ação, mesmo que demonstre as cadeias existentes no cérebro humano, a ideia da liberdade do agente escolher, em momento algum pareceu afirmada, distante ou inexistente. Sendo assim, não afastada a autonomia da vontade das ações humana e a vontade do agir, não há que se questionar, no momento, a teoria do delito adotada hoje.

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Banca Examinadora Marcelo Sarsur Lucas Resende (Orientador) Renato Martins Machado (Examinador)

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OS DIREITOS HUMANOS DO PRESO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: É POSSÍVEL A RESSOCIALIZAÇÃO? Flávia Cardoso Antunes1

RESUMO: O presente artigo objetiva a importância dos direitos fundamentais do preso no sistema prisional brasileiro e sua ressocialização. Como são tratados, sobre a violação de seus direitos como cidadão. São apresentados conceitos quanto à definição de presídio, penitenciária e preso. Traçamos uma evolução histórica do sistema prisional brasileiro. Trataremos das barbáries decorrentes no sistema prisional e suas consequências. A intervenção dos Direitos Humanos para que não ocorra a violação dos direitos basilares do preso onde estão alocados. A importância da criminalização quando o direito for violado. Princípios e fundamentos constantes em nosso atual ordenamento jurídicos. Direitos fundamentais elencados na Constituição Federal e Lei de Execução Penal. Após a interface dos pontos acima, concluiremos o presente artigo com soluções para que o direito do preso não seja violado e o objetivo do sistema prisional seja alcançado, que é a ressocialização do indivíduo. Partiremos então para as considerações finais. PALAVRAS-CHAVE: Preso. Sistema Prisional. Direitos Humanos. Ressocialização. Garantias Constitucionais.

1 INTRODUÇÃO O número de presidiários cresce a cada dia nas penitenciárias e presídios brasileiros. A infraestrutura das penitenciárias e presídios muitas das vezes precária e superlotada abriga mais detentos do que poderia. A capacidade de detentos em cada penitenciária e presídio são limitados a um número de pessoas, ultrapassar esse número implica uma série de consequências negativas que refletirá diretamente ao detento, presidiário que ali está instalado. As correntes mais fortes da doutrina brasileira quando trata do sistema prisional, praticamente em conformidade, afirmam que há uma falha no propósito de ressocialização preso. Os presídios e penitenciárias contendo o número máximo de detentos e mesmo assim abrigando novos “moradores” sofrem com efeitos negativos, que refletem não só nas pessoas que ali se instalam, mas também nas pessoas que executam suas atividades laborativas no local. O resultado negativo reflete nos “moradores” como a falta de espaço, má higiene e são propícios a produzirem mais violência, fortalecendo a criminalidade no país e desviando a função social do sistema prisional, que é a ressocialização do indivíduo para voltar à sociedade. Infringe os direitos basilares dos presos e impedem que tenham uma vida digna em relação à situação que se encontram. O Brasil é signatário de uma grande parte dos tratados internacionais sobre direitos humanos, além da proteção que a Constituição Federal e o Código de Processo Penal asseguram ao indivíduo. Na prática, muito desses direitos são violados nos sistemas prisionais. Essa violação dificulta a ressocialização do indivíduo, pois é quase impossível alcançar os objetivos das penitenciárias tendo um ambiente que não propicia qualquer possibilidade ao apenado de retornar à sociedade ressocializado. Os tratados internacionais, bem como as leis brasileiras devem ter mais efetividade para acabar com a violação que interfere diretamente na recuperação do indivíduo. 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA NO BRASIL 2.1 Idade Moderna A população europeia em meados do século XVI era formada

basicamente por pessoas pobres, humildes. Nessa época, não havia que se falar em política criminal que pudesse amenizar a pobreza entre as pessoas ou que pudesse penalizá-las por seus erros. Não havia uma segurança para a população, a pena de morte que era praticada com requintes de crueldade como tortura (queimaduras com óleo, águas ferventes, mutilações de membros, etc.) não era mais eficaz para punir os infratores. Apenas na segunda metade do século XVI surgiram movimentos sociais para desenvolver as “penas privativas de liberdade”. Foram criadas prisões para correção dos condenados. Tinham como objetivo a reeducação do indivíduo, através do trabalho e disciplina. Havia uma necessidade do delinquente se submeter ao capitalismo. Surgiram então, estabelecimentos como as casas de detenção e as penitenciárias. A população carcerária deu origem a nomenclatura sistema penitenciário. O sistema penitenciário passou por várias mudanças, houve alterações fundamentais que se tem até hoje. 2.2 Brasil Império Meados de 1830 criou-se um novo Código Penal, havendo a materialização e individualização das penas. Com a Carta Constitucional de 1924, criou-se o primeiro Código Penal Criminal autônomo da América Latina. Em 1824 a Constituição em seu artigo 179 já trazia de forma completa, inúmeros direitos e garantias individuais dos indivíduos. Art. 179 incisos 3.º firmava o relevante princípio da irretroatividade da lei, cuja incidência no terreno repressivo consubstancia uma das essenciais garantias à liberdade dos cidadãos; Inciso 7.º: Nenhuma pena passará da pessoa do seu delinquente. Portanto, não haverá em caso alguma confiscação de bens, nem a infâmia do réu se transmitirá aos parentes, em qualquer grau que seja; Inciso 8.º: As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes. (CARTA CONSTITUCIONAL, 1824). Após o Código Penal Criminal de 1930, veio o Código de Processo em 1932 que também teve seus reflexos no estado liberal, que constituiu até o fim de 1941, a lei processual em matéria repressiva.

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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3. PRESO, PRESÍDIO E PENITENCIÁRIA O sentido da palavra preso refere-se a algo que está amarrado, ligado, unido, encarcerado, mantido na prisão. O preso é uma pessoa que está privada de sua liberdade, é obrigado e ficar em um lugar confinado a um determinado tempo. O Estado é quem determinam quais são os indivíduos que ficaram privados de sua liberdade, caso cometam atos ilícitos e haja uma sentença condenatória transitada e julgada. Com a evolução dos tempos, o nosso ordenamento jurídico brasileiro trouxe uma diferenciação dos institutos penitenciária e presídios. Os presídios são locais cuja finalidade é abrigar indivíduos que supostamente cometeram atos ilícitos e ainda não foram jugados em definitivo, ou seja, ainda não há sentença transitada em julgado. As penitenciárias abrigam presos que cometeram atos ilícitos e já houve a sentença condenatória. Houve o transito em julgado, não há a possibilidade de recurso no processo. Na prática, por ineficiência do Estado, encontram-se presos provisórios e definitivos juntos, devido na maioria das vezes, a falta de estabelecimentos adequados para ambos. 3.1 Sistemas prisionais brasileiros A desestruturação do sistema prisional brasileiro abriga a quarta maior população carcerária do mundo. A população carcerária cresce aceleradamente nos últimos anos. Não há uma estrutura adequada para abrigar o número acelerado de “moradores”, devido a uma falta de investimento e o descaso do poder público. A prisão brasileira nos tempos atuais encontra-se em situações precárias, ineficientes, inaceitáveis e em estado de abandono por incompetência e falta de interesse do Estado. Vários fatores levaram a chegar a este sistema precário e degradante que temos hoje. A falta de construção de novos presídios para abrigar condenados, a violação constante da dignidade humana do detento, bem como a falta de respeito à ética, afronta diária aos direitos e garantias constitucionais do preso. A superlotação afronta diretamente o artigo 5º, XLIX da Carta Magna, que em seu texto diz, “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Fere a dignidade humana, pois este é um princípio basilar da Constituição Federal da República em favor do indivíduo. A problematização em questão desrespeita a própria Lei de Execução Penal, no que tange o seu artigo 88, estabelece que o cumprimento da pena se dê em cela individual, com área mínima de seis metros quadrados. Deve haver uma estruturação entre a integridade física do preso e a capacidade de lotação do presídio. Contraria também aos acordos internacionais firmados pelo Brasil, como a Convenção contra Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984, Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto São José da Costa Rica e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. O Brasil está deixando de cumprir as leis internas e os tratados internacionais. Na maioria das penitenciárias brasileiras, os presos também sofrem com a falta de ocupação ou de um trabalho digno. Infelizmente a ociosidade faz com que os presidiários deixem de aprenderem ofícios novos e a ressocialização do apenado para a volta à sociedade fica cada vez mais difícil. A sociedade ficará sem segurança para receber o apenado, pois estes em maior parte dos casos, não possuem habilidades específicas para entrarem no mercado de trabalho. Em consequência disso, a taxa de reincidência cresce disparadamente, pois o indivíduo ao sair do sistema prisional, não consegue entrar para o mercado de trabalho e por isso, volta a cometer crimes. No Brasil, a situação carcerária é frágil e precária, o que o torna impossível o cumprimento das principais funções das penitenciarias,

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que é a ressocialização do indivíduo, que o apenado ao retornar à sociedade não volte a praticar atos ilícitos, que haja uma reeducação para o preso voltar à sociedade. 3.2 Finalidades da pena Art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; CF/88”, Art. 1º LEP: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Art. 126 LEP “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. ” (LEI DE EXECUÇÃO PENAL nº 7.210 11/07/1984). A pena tem como intenção reeducar, recuperar, ressocializar, a reinserção do preso para que retorne à sociedade, reprimir as condutas ilícitas, que o indivíduo seja reabilitado na vida social e que seja ingressado no mercado de trabalho. É recuperar o indivíduo apenado, bem como a efetivação para o cumprimento da sentença. A Lei de Execução Penal - LEP tenta proporcionar condições para que o apenado seja ressocializado, consta em lei, que o apenado conforme o regime da pena terá direito ao trabalho e estudo. Infelizmente na prática nem sempre é possível cumprir o que está escrito na lei, O próprio Estado não oferece condições para que a lei seja aplicada. Existem duas funções distintas em relação à pena, a função de prevenir e a função de retribuir. 3.2.1 Retribuição ou Teoria Absoluta

Essa teoria dá-se a noção de retribuição ao mal causado pelo preso. O Estado deve retribuir ao preso o mal causado por ele, como forma de solucionar o problema da criminalidade. A exigência da pena seria uma ideia de justiça ao preso pelo que ele causou. Essa teoria afasta qualquer possibilidade de ressocialização, pois se trata de uma ideia vingativa por parte do Estado. A Teoria Absoluta ou de Retribuição, nasceu durante um movimento iluminista, após os abusos autorizados cometidos pelas autoridades da época, os monarcas. Essa teoria não é aplicada nos dias de hoje em nosso ordenamento jurídico. 3.2.2 Teoria Prevenção Positiva

A concepção da teoria de prevenção positiva tem como objetivo a prevenção para que não haja futuros crimes. Evitar a reincidência dos presos, que o sistema prisional cumpra com pelo menos uma de suas funções sociais, que é a ressocialização do indivíduo para egresso à sociedade. A teoria da prevenção positiva visa a ressocialização do delinquente, através da correção da conduta praticada por ele. 4. CONCEITO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

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Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos. (SARLET, 2007, pag. 62). A dignidade da pessoa humana possui uma definição extensa, um conceito bastante abrangente. A dignidade é um atributo que existe desde o início da humanidade. O princípio da dignidade da pessoa humana refere-se e ideia de democracia, respeito, honra honestidade, entre outros. Tem como base elemento essencial para a interpretação e aplicação das normas jurídicas Para o doutrinador Alexandre de Moraes, dignidade da pessoa humana significa: A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, 2004, pag. 54). A dignidade da pessoa humana é um valor supremo, o qual não pode ser violado em hipótese alguma. É um direito constitucional, elencado em seu art.1º, III da Constituição Federal da República de 1988. Violar esse direito é violar a Constituição Federal da República, é desrespeitar a máxima lei do Estado. O preso tem esse direito resguardado pela CF/88. Infelizmente o descaso por parte dos órgãos públicos para com os presos é constante. Os direitos dos presos são violados e não há respeito em relação a sua dignidade. 4.1 A proteção dos direitos humanos O Brasil é signatário de uma grande parte dos tratados internacionais sobre direitos humanos em relação proteção ao preso. A Convenção Americana - Organização dos Estudos Americanos (OEA) em relação aos Direitos Humanos consta em seu art. 5º, 6º: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.” e “As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade a reforma e a readaptação social dos condenados.”. A partir do momento em que o indivíduo é preso, é cessado apenas o seu direito de ir e vir. Não há que se falar no cessamento do direito de personalidade, nos direitos basilares do ser humano, como à dignidade, à igualdade, à segurança, à honra, à educação, à saúde. Os Direitos Humanos do preso devem ser resguardados. Os Direitos Fundamentais nascem com o indivíduo, por isso, a Declaração dos Direitos Humanos afirma que os direitos são pré-existentes a todas as instituições políticas e sociais, não podendo ser retirado ou restringido por autoridades governamentais, os direitos devem ser protegidos e não violados. Em 26 de junho de 1945, data em que se criaram as Organizações das Nações Unidas (ONU) houve um grande avanço para internacionalização dos Direitos Humanos. Consta em seu art. 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS).

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Em 1948 surge a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que consistia em assegurar a igualdade entre o ser humano em dignidade, direitos e deveres. Ainda em 1948, houve a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o que inovou a linguagem dos direitos do ser humano, A declaração passou a elencar direitos civis e políticos, direitos econômicos, sociais e culturais. Prezou pelos direitos humanos e as liberdades fundamentais elencadas a Carta da ONU. Em novembro de 1969 houve aprovação da Convenção Americana sobre os Direitos Humana mais conhecido como Pacto de São José da Costa Rica, esta convenção foi de grande importância para o país, pois foi nela que se instalaram os direitos humanos no continente norte americano. Houve a criação de uma Corte Interamericana de Direitos Humanos, que possui competência para apreciar assuntos relacionados ao cumprimento dos compromissos firmados pelos Estados Partes na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Inúmeros direitos são assegurados ao indivíduo através da Convenção, como o direito à vida, reconhecimento da personalidade jurídica, direito à liberdade pessoal, liberdade de pensamento e expressão, direito a indenização, proteção da dignidade e da honra, proteção da família, igualdade perante a lei, proteção judicial. Infelizmente o Brasil não cumpre com todos os direitos que são assegurados ao indivíduo, basta observarmos os presídios e penitenciárias brasileiras, há uma barbárie de violação desses direitos. O Brasil é um dos países onde mais há o desrespeito em relação a esses direitos, onde mais cometem violações aos direitos basilares do ser humano. 4.2 Dos direitos e garantias do preso Com o advento da Constituição Federal de 1988, o país passou a gozar de uma ampla proteção legal e constitucional, trouxe um rol de direitos e deveres ao preso. A Constituição Federal assegura ao preso inúmeros direitos, como o respeito a integridade física e moral, exclui penas cujo caráter é perpétuo, não permite penas com requintes de crueldade entre outros. Com a nova Constituição, nasce um Estado Democrático de Direito, assegurando garantias constitucionais e novas normas no ordenamento jurídico penal, cuja uma das finalidades é a proteção da dignidade da pessoa humana. As cláusulas pétreas são Princípios Constitucionais, não podem ser abolidas da Constituição e devem estar em conformidade com o nosso ordenamento jurídico. A Constituição assegura proteção ao cidadão perante o Estado, através dos direitos e deveres individuais e coletivos, elencados no art. 5º da CF/88. Protege a liberdade através da ampla defesa, sistema acusatório, devido processo legal entre outros. Art.5º, LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988). O Direito Processual Penal assegura ao preso, direitos básicos para sua sobrevivência. Deve sempre estar de acordo com os princípios Constitucionais. O artigo 1º da Constituição Federal de 1988 assegura o princípio da dignidade da pessoa humana. Consta no art. 5º, III CF/1988 que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, infelizmente o que temos hoje em nosso país é um cenário totalmente oposto do que a nossa

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Constituição assegura. Não há que se falar nos dias de hoje, respeito ao preso. Os encarcerados possuem tratamentos desumanos por parte das autoridades. São tratados como lixo, são excluídos pela sociedade, havendo uma violação constante a sua dignidade, integridade física e moral. A Constituição Federal de 1988 e o Código Penal, trás inúmeros direitos e garantias ao preso, o que seria ótimo se saíssem dos papeis para serem aplicados no dia-a-dia dos presos. Conforme insculpido no artigo 5º, XLIX da Constituição cominado com artigo 38 do Código Penal, é assegurado ao encarcerado conservar todos os direitos não afetados pela sentença condenatória. Tratando-se de pena privativa de liberdade, restringe-se o direito de ir e vir, não restringe os direitos individuais em relação à honra, liberdade de expressão, de crença, integridade física, moral, entre outros. Há outros tipos de penas, como a restritiva de direitos, contém uma possível limitação plena dos direitos de liberdade de ir e vir. Tratando-se de pena de multa, certamente o patrimônio do indivíduo será atingido, mas não a liberdade ou qualquer outro tipo fundamental basilar da pessoa. A Lei de Execução Penal nº 7.210 de julho de 1984, disciplinada em seu artigo 40 aos 43, nos trás um rol de direitos ao preso, por exemplo: Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios. Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003). Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento. Art. 42 - Aplica-se ao preso provisório e ao submetido à medida de segurança, no que couber, o disposto nesta Seção.

Parágrafo único. As divergências entre o médico oficial e o particular serão resolvido pelo Juiz da execução. (LEI DE EXECUÇÃO PENAL nº 7.210 11/07/1984). Podemos observar vários exemplos de violação dos direitos do preso, infelizmente essas atrocidades acontecem diariamente e com a permissão das autoridades competentes. Podemos destacar: Superlotação dos presídios: a superlotação viola os direitos fundamentais do preso, pois havendo uma superlotação está sendo violada a integridade física do preso, infelizmente é um problema grave, e exige uma resposta das autoridades competentes. Com as celas superlotadas, os presos sofrem com a má higiene, falta de espaço. É impossível haver uma ressocialização em um ambiente desse tipo. - Violação da integridade física e psicológica: em determinadas penitenciárias, o preso sofre fisicamente e psicologicamente. São torturados por autoridades, seja a tortura física ou psicológica através de humilhações. O que mais uma vez viola os direitos do preso, prejudicando cada vez mais a possível ressocialização do indivíduo. - Habitação imprópria: os presos na maioria das vezes ficam alojados em condições análogas, em ambientes propícios a serem contaminados por doenças e em péssimas condições de higiene. - Violação institucional: muitos agentes penitenciários praticam atos de violência contra os pesos, esses colaboradores deveriam prezar pela segurança, promover a justiça e a cidadania dos presos e não violar os seus direitos garantidos constitucionalmente. - Integridade moral da família: consta no artigo 5º XLV, CF/88 nenhuma pena passará da pessoa do condenado. A família não pode ser penalizada devido as atitudes do preso. Infelizmente na prática isso não acontece. A família na maioria das vezes é atingida pela pena ao preso, sofrem preconceitos perante a sociedade por ter membros da família presos em penitenciárias. 5 POSICIONAMENTO ACERCA DOS DIREITOS DOS PRESOS 5.1 Posicionamentos em conformidade ao atual sistema penitenciário Há um dilema muito grande entre os doutrinadores do direito a respeito do sistema penitenciário. Muitos são a favor do sistema penitenciário em sua forma que está sendo conduzido. Alegam que o presídio é o local onde o preso pago pelos erros que causou à sociedade. As mídias sensacionalistas alegam que os presos possuem o que merecem. Merecem pagar pelo que fizeram, deve ser tratado apenas com o básico que tem direito, até mesmo porque não estão à passeio e sim pagando por erros que cometeram. Doutrinadores alegam que o Estado possui um gasto enorme com esses indivíduos, os mesmos devem reembolsar o Estado pelo dinheiro gasto, pois eles são os culpados e o Estado não pode arcar com o prejuízo sozinho. Por isso, muitos doutrinadores são a favor do trabalho durante a estadia na prisão. Defendem ainda que na maioria das vezes não há a possibilidade de reabilitação, por isso seria mais um prejuízo para o Estado, uma vez que não pode ser ressocializado, não teriam condições de serem reinseridos novamente à sociedade. Infelizmente são opiniões de doutrinadores e até mesmo de políticos influentes que atuam em nosso Estado, por exemplo, o Deputado Federal Jair Bolsonaro que em uma entrevista coletiva em 2014 alegou.

Art. 43 - É garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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Os presídios do Brasil estão uma maravilha! Lá é lugar de o cara pagar seus pecados, lá não é SPA. Quem estupra, mata tem que ir pra lá mesmo sofrer, e não para colônia de férias. (SITE VARELA, 13/02/2014 ACESSO EM 19 JUN. 2016). [...] quando se fala em menor vagabundo, você tem

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que ter uma política para aprisionar esses caras, e não defender esses marginais como se fossem excluídos da sociedade, e não são. São vagabundos, que devem ter o tratamento adequado.(SITE VARELA, 13/02/2014 ACESSO EM 19 JUN. 2016). O repórter Marcelo Resende não deixa de estornar sua opinião a respeito dos indivíduos que cometem erros. Em uma entrevista ao site Brasil Post, indagou: As comissões de direitos humanos são fundamentais para o país, especialmente em momentos de exceção, mas me perdoe, hoje em dia existem comissões de direitos humanos que só servem para amparar vagabundos [...] (SITE BRASILPOST, 29/01/2015ACESSO EM 19 JUN. 2016).

cias negativas que já foram citadas ao longo do trabalho. É dever dos órgãos competentes darem a possibilidade da reintegração do preso à sociedade, só assim o número de reincidentes diminuirá e as penitenciárias cumpriram com um dos objetivos do sistema prisional. 7 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL O poder judiciário nos trás casos concretos em que há descaso com o preso. A violação constante aos direitos do ser humano. A jurisprudência abaixo relata o descaso e a falência do sistema penitenciário brasileiro. O Poder Judiciário não pode ficar inerte ao descaso do Estado, passando assim, a exercer uma função jurisdicional para tentar sanar problemas como este nos dias atuais.

Embora haja doutrinadores e pessoas comuns a favor do atual sistema penitenciário, não podemos negar que este é uma verdadeira escola de horror, onde os presos são tratados como lixo, menosprezados pelo Estado e que dificilmente cumpre com a função social, que é a ressocialização do indivíduo para inseri-lo novamente à sociedade. As penitenciárias não são locais para divertimento e sim para que os indivíduos refletirem nos erros que cometeram, e assim não vir a cometer novamente. Mas não é por isso que estes devem ser tratados do jeito que são. O Estado não pode de maneira alguma cessar direitos inerentes ao preso devido a pena privativa de liberdade. 5.2 Posicionamentos contrários ao atual sistema penitenciário Existem posições contrárias para este assunto. Há doutrinadores e pessoas comuns que são em parte contra o atual sistema penitenciário. Alegam que a função do sistema penitenciário é de ressocializar o indivíduo, mas não concorda como o sistema penitenciário faz para tentar obter essa ressocialização. Há outras formas de ressocializar o indivíduo, como dando a oportunidade de um trabalho, através da educação, respeitando os seus direitos enquanto preso. Há posicionamento que defendem que o Estado ao reprimir esses direitos dos presos, contribui diretamente cada vez mais para a não ressocialização do preso. As penitenciárias são lugares onde o preso deve refletir sobre seus erros e não aprender mais coisas erradas. O Estado deve dar esse amparo aos indivíduos para que haja a efetividade do que é proposto. Deve haver respeito por parte do Estado, órgãos competentes, agente penitenciários para com os presos, não pode em hipótese alguma violar a sua dignidade física, moral.

Data da Publicação: 17/04/2012 Ementa: PENA – EXECUÇÃO – REGIME. Ante a falência do sistema penitenciário a inviabilizar o cumprimento da pena no regime menos gravoso a que tem jus o reeducando, o réu, impõe-se o implemento da denominada prisão domiciliar. Precedentes: Habeas Corpus nº 110.892/MG, julgado na Segunda Turma em 20 de março de 2012, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, 95.334-4/ RS, Primeira Turma, no qual fui designado para redigir o acórdão, 96.169-0/SP, Primeira Turma, de minha relatoria, e 109.244/SP, Segunda Turma, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, com acórdãos publicados no Diário da Justiça de 21 de agosto de 2009, 9 de outubro de 2009 e 7 de dezembro de 2011, respectivamente. (HABEAS CORPUSNº 107.810 PRIMEIRA TURMA – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RELATOR: GILMAR MENDES, JULGADO EM 17/04/2012). O acórdão proferido pela primeira turma do Supremo Tribunal Federal, conclui-se que o sistema prisional do Brasil está com graves problemas, principalmente de acomodação. O próprio poder judiciário refere-se ao sistema prisional como um sistema falido. Assim, diante da deficiência do Estado, o pode judiciário determina que o réu cumpra sua pena em prisão domiciliar, pois um dos objetivos do cumprimento da pena é a ressocialização do indivíduo, mas o mesmo ficando em um sistema prisional, pouco provável será a sua ressocialização, diante das dificuldades que este sistema apresenta.

6 A REINTEGRAÇÃO DO PRESO À SOCIEDADE É praticamente impossível a ressocialização do indivíduo com um sistema falido que temos nos dias de hoje. Para haver a ressocialização do preso, é preciso um projeto de política penitenciário eficiente em relação ao preso, que tenha como finalidade recuperar de forma digna e respeitosa os indivíduos para reinserção à sociedade. O sistema prisional no Brasil é preocupante aos olhos dos Direitos Humanos. A reintegração do indivíduo à sociedade está cada vez mais difícil de ser efetivada, pois o número de presos tem crescido aceleradamente e o Estado não tem conseguido administrar esse problema. É inegável que o crime trata-se de um fator grave social, contribui para o agravamento do sistema político penitenciário e reflete diretamente no quadro social do país. O número crescente de presos acarreta consequências que influenciam diretamente nos outros presos que já se encontram instalados no sistema prisional, consequên-

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Data da Publicação: 23/02/2016 EMENTA – APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA – REJEITADA – MÉRITO – CADEIA PÚBLICA – SUPERLOTAÇÃO – OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DOS PRESOS – CONFIGURADA – OMISSÃO DO PODER PÚBLICA – INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO – POSSIBILIDADE – CONSTATADA A VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – RE N. 592.581 E ADPF N. 347 – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – ENTENDIMENTO DA SUPREMA CORTE – MULTA COMINATÓRIA – OBSERVÂNCIA A PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE – VALOR E PRAZO MANTIDO – PREQUESTIONAMENTO – RECURSOS IMPROVIDOS, COM O PARECER. Em relação à legitimidade passiva do Estado, sua competência para administração da segurança pública encontra-se insculpida na Constituição Federal, em seu artigo 144. Enquanto que AGEPEN também é responsável pela administração das penitenciárias, cabendo-lhe zelar pelo bom estado dessas e proporcionar condições adequadas de uso dos estabelecimentos prisionais, sendo sua obrigação tomar as medidas necessárias para a satisfatória custódia dos presos, segundo o Decreto-Lei n. 26/79. Destarte, evidente a CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


pertinência subjetiva da demanda. Assegura a Constituição Federal, em seu artigo 5º, o respeito à integridade física e moral do preso (inciso XLIV). O direito à integridade física protege o recluso contra tratamento degradante, desumano ou tortura. Enquanto que o direito à integridade moral importa na vedação do tratamento contrário a honra do preso ou que cause sofrimento psíquico a este. Diante da a falta de segurança na cadeia pública do Município de Maracaju, superlotação, recolhimento de presos condenados, ausência de atendimento a direitos básicos previsto na Lei de Execução Penal, violação a preceitos previstos na Constituição Federal, revela-se imperiosa a intervenção do Poder Judiciário de modo a obrigar o Poder Público a realizar obras em presídios para garantir a integridade física dos presos, independentemente de dotação orçamentária, constatada violação da dignidade da pessoa humana e inobservância do mínimo existencial dos presos, em conformidade com o entendimento exarado no Recurso Extraordinário nº 592.581/RS.Verificada a finalidade coercitiva da multa, qual seja de compelir o obrigado inadimplente ao cumprimento da obrigação, enfatizando o mandamento constitucional de prestação jurisdicional efetiva e célere, afiro razoável e proporcional o valor da multa nesta fase processual, considerando os bens jurídicos tutelados(integridade física e moral dos presos) bem como o prazo de 90 dias. Apelação Cível nº 0800296-49.2014.8.12.0014 PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO DO SUL, RELATOR: DIVONCIR SCHREINER MARAN, JULGADO EM 23/02/2016. A ilegitimidade passiva do Estado é gravosa à sociedade, o poder judiciário, através dos meios que detém, obriga o Poder Público a cumprir os deveres que lhe é inerente. O poder judiciário ordena ao Poder Público que tome atitudes emergenciais em relação ao problema das penitenciárias brasileiras, em especial à penitenciária de Maracaju - Mato Grosso do Sul. O judiciário ordenou que fosse realizado obrar nas penitenciárias para garantir a integridade física dos presos, tento em vista da calamidade em que a penitenciária se encontrava. Decisões como esta, relata a realidade das penitenciárias brasileiras. Realidade esta, que viola os direitos básicos previstos na Lei de Execução Penal. Deve haver a intervenção judicial ante a incapacidade demonstrada pelos órgãos responsáveis para gerir os sistemas prisionais. Se há o mau funcionamento dos serviços prestado, para que haja um equilíbrio e poder judiciário deve intervir e garantir que os direitos essenciais do preso sejam resguardados. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Vivemos em um estado democrático de direito, onde é garantido aos cidadãos direitos fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988. Infelizmente, direitos esses que não estou sendo garantidos aos presos. O Estado está cada vez mais reprimindo esses direitos devido a situação em que o preso se encontra. O objetivo do presente trabalho foi relatar as barbáries que os presos sofrem nas penitenciárias brasileiras. Barbáries que o Estado permite que aconteça e não faz nada para evitar. Tratando o preso como animal, um ser desprezível. É triste, mas é preciso relatar problemas como estes para que os órgãos competentes tomem atitudes que levem a acabar com essa violação sofrida pelos presos. É necessário que seja criado sistema de política penitenciário para combater os abusos de poderes por parte dos órgãos competentes e para assegurar que haja meios de ressocialização do preso, respeitando sempre os seus direitos basilares, que são inerentes aos indivíduos.

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O ambiente em que o condenado foi submetido é deplorável, vivem em condições análogas, são tratados como indiferentes pelo Estado e pela sociedade. É preciso que haja uma mudança de paradigma sobre os presos. O preso não é um monstro, é um ser humano que tem seus direitos resguardados pelo ordenamento jurídico brasileiro. Deve ser respeitado por todos. Errou e já está pagando pelos erros e não cabe à sociedade e o Estado tratá-lo como indigente indigno. O sistema prisional tem como um dos objetivos a ressocialização do preso para o egresso à sociedade, de maneira digna e honesta, este objetivo deve ser alcançado. Há uma violação constante dos direitos e garantias fundamentais do preso, basta observar como vivem os presos nos presídios brasileiros. Não há uma estrutura adequada, há superlotação nas penitenciárias, má higiene, não são todos os presos que conseguem um trabalho digno e uma educação eficaz para obter uma melhor ressocialização. Os Direitos dos presos devem sair dos papéis e serem aplicados aos casos concretos. O Estado tem o dever de assegurar que estes direitos sejam efetivados ao indivíduo, pois a parte dele está fazendo, viver em reclusão para “pagar” pelos erros cometidos. Cabe aos órgãos competentes oferecer a estrutura adequada para que o preso consiga cumprir a sentença imposta à ele. O egresso à sociedade tem amplo amparo jurídico, pelo menos nos papeis, na prática, infelizmente não há o egresso com sucesso. Ficou restado com o presente trabalho, que o Estado viola cada vez mais os direitos basilares do preso, não cumpre com os papéis fundamentais que é a ressocialização do indivíduo, desrespeita a dignidade da pessoa humana enquanto detento. REFERÊNCIAS ALVES, Cândice Lisboa. D19 16- Revista Eletrônica Newton Paiva. Restrições e Confrontos Aos Direitos Fundamentais: uma proposta de análise discursiva. Disponível em: http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=824 Acesso em 25 jun. 2016. APELAÇÃO CÍVEL: http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/ TJ-MS/attachments/TJ MS_APL_08002964920148120014_ e9fd0.pdf?Signature=ifVrbsuWFSt0DR%2FL3RBu9Atsm7 g % 3 D & E x p i r e s = 1 4 6 6 8 9 5 8 2 0 & AW S A c c e s s Ke y I d = A K I A I PM2XEMZACAXCMBA&response-content-type=application/ pdf&x-amz-meta-md5-hash=463342543a7732b98467f9976e9c172d. Acesso em 20 jun. 2016 ARRUDA, Sande Nascimento de. Sistema carcerário brasileiro: A ineficiência, as mazelas e o descaso presentes nos presídios superlotados e esquecidos pelo poder público. Disponível em: http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/59/sistema-carcerario-brasileiro-a-ineficiencia-as-mazelas-e-o 213019-1.asp≥. Acesso em: Acesso em 20 jun. 2016 ALVES, Cleber Francisco. O princípio da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2005. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Código Processual Penal. http://www.planalto.gov.br/cci-

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Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Laura Maria dos Fernandes Lima (Examinadora)

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A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO Frank Vinícius Paskauskas 1

RESUMO: o presente trabalho pretende demonstrar que na atualidade os honorários de sucumbência que são previstos no artigo 85 do código de Processo Civil, são perfeitamente cabíveis no âmbito trabalhista assim como o “jus postulandi” obsta que tais honorários sejam percebidos na Justiça do Trabalho. A aplicabilidade dos honorários de sucumbência, dar-se-á principalmente pelo fato de grandes mudanças jurídicas e nos costumes ocorridas desde 1943, momento em que foram consolidadas as Leis do Trabalho. Os magistrados vêm ignorando princípios jurídicos que não devem ser afastados ao indeferir a aplicabilidade de tais honorários, bem como a Súmula nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho se mostra desatualizada e vem contrariando preceitos constitucionais. PALAVRAS-CHAVE: Honorários Sucumbenciais. Instrução Normativa nº 27/2005 do Tribunal Superior do Trabalho. “jus postulandi”. Súmula nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho.

1 INTRODUÇÃO Tendo os honorários advocatícios sucumbenciais na Justiça do Trabalho como escopo, o artigo abarcará a polêmica do cabimento dos honorários sucumbenciais, atualmente a concessão de tais honorários advocatícios, é regulamentada pela Súmula nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho, em seu conteúdo entende-se que só serão devidos os honorários advocatícios se preenchidos alguns requisitos. Tal tema possui várias correntes que se divergem entre si, divergências que não se findam apenas em discussões acadêmicas e acabam por se manifestarem também nas próprias jurisprudências. Contudo, necessária, é a análise pormenorizada do princípio jurídico “jus postulandi” que se contrapõe à função indispensável do advogado para a manutenção da justiça, ditada pelo artigo 133 da Constituição Federal de 1988, e ao artigo 1º do Estatuto da Advocacia e da OAB que narra ser atividade privativa do advogado, postular a qualquer órgão do poder judiciário. Tal princípio vem se mostrando incompleto e obsoleto, bem como vem ferindo princípios essenciais da Justiça do Trabalho. Destarte o trabalhador possui a metade de um direito de ingressar em Juízo através de um princípio que fora criado para proteger seus direitos, e acaba não percebendo a integralidade, do que tem direito caso seja vencedor na lide. Atualmente existe grande divergência jurisprudencial quanto o cabimento ou não dos honorários sucumbenciais no âmbito trabalhista, esta sistemática vem sendo alvo de questionamento, tema que acabará por provocar o Estado Democrático de Direito a solucionar tal conflito, afinal afronta a ordem constitucional, conforme será exposto no decorrer do artigo. 2 A REGRA DO “JUS POSTULANDI” Primeiramente, antes de dissertar sobre o cabimento dos honorários sucumbenciais no âmbito da Justiça do Trabalho, faz-se importante abstrairmos o significado do “jus postulandi”. O direito ao jus postulandi é uma faculdade atinente à parte, que

se encontra consubstanciado nos artigos 791 e 839 da Consolidação das Leis do Trabalho, os quais estabelecem que os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final. Carlos Henrique Bezerra Leite expõe: O jus postulandi nada mais é do que a capacidade de postular em juízo. Daí chamar-se também de capacidade postulatória, que é a capacidade reconhecida pelo ordenamento jurídico para a pessoa praticar pessoalmente, diretamente, atos processuais. (2006, p. 28). Lecionando sobre o mesmo assunto, Antônio Álvares da Silva salienta: A evolução, entretanto, deu-se em sentido contrário ao previsto, como acontece frequentemente nas ciências sociais, em que a previsibilidade é relativa e muitas vezes totalmente falha. Como disse Popper, A cada passo adiante, a cada problema que resolvemos, não só descobrimos problemas novos e não solucionados, porém, também descobrimos que aonde acreditávamos pisar em solo firme e seguro, todas as coisas são, na verdade, inseguras e em estado de alteração contínua. Na prática, a faculdade da parte se fazer representar por advogado nos dissídios individuais – art. 791, §1º - preponderou e o jus postulandi foi relegado a uma opção residual. Na Terceira Região, os números comprovam a afirmativa: de janeiro a 20/11/2009 foram apresentadas 7.121 reclamações verbais contra 57.689 escritas, o que representa uma proporção de apenas 7% de atermações. Logo, a afirmativa de que não deve haver condenação em honorários porque a contratação de advogados é facultativa não pode prosperar. (2011, p. 102). Importante ressaltar que a criação do jus postulandi se deu em 1941 e foi a provado em 1943, momento histórico2 em que a Consolidação

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1988. p. 11. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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das Leis do Trabalho foi aprovada, época esta que a Justiça Trabalhista ainda era um órgão administrativo e não Judiciário. Quem defendia o direito dos trabalhadores eram os juízes classistas, ou seja, a existência do jus postulandi era plenamente compatível com o momento histórico o qual vivia o país, conforme explicita Ângela de Castro, 1988. P. 102. De sua aprovação até a presente data, foram promulgas duas constituições. Em 1946 a Constituição elevou a Justiça do trabalho para o Poder Judiciário, retirando-a do rol Administrativo, e na Constituição atual, a de 1988, os Estados acabaram por perder o controle político administrativo sobre a estrutura sindical, inovando e tornando inaplicáveis as referências do antigo modelo adotado. A fim de exemplificar tais inovações, insta destacar o atual incentivo e reconhecimento às negociações coletivas, bem como a extinção dos juízes classistas em decorrência da Emenda Constitucional número 24. Em outro ponto o artigo nº 133 da Constituição Federal de 1988 estabelece ser a função do advogado indispensável para a manutenção da justiça, bem como, o artigo 1º, inciso I, do Estatuto da Advocacia e da OAB, Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, narra ser privativa a atividade do advogado, postular a qualquer órgão do poder judiciário. Constituição da República Federativa do Brasil: “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994: “Art. 1º São atividades privativas de advocacia: I - a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais” O “jus postulandi”, conforme artigo nº 791 da Consolidação das Leis Trabalhistas, permite que empregados e empregadores possam reclamar pessoalmente perante a justiça do trabalho as suas reclamações trabalhistas e acompanha-las até o final. O artigo também orienta que nos dissídios individuais, os empregados e empregadores poderão fazer-se representar por intermédio do sindicato, advogado, solicitador, ou provisionado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil e por fim, facultada aos interessados a assistência por advogado nos dissídios que envolvam uma categoria específica de funcionários e uma categoria específica de. Entretanto, limitando a interpretação literal do referido artigo, a Súmula nº 425 do Tribunal Superior do Trabalho, regulamenta que o “jus postulandi” das partes, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho, sendo para estes, necessário o poder postulatório que é conferido apenas à figura do advogado. Entende-se que o “jus postulandi” não funciona mais na prática, como se observa na Sumula nº 425 o direito ao “jus postulandi” ainda é limitado, não alcançando toda a competência da Justiça do Trabalho. O “jus postulandi” proporciona ao Requerente um meio direito de ingressar na Justiça, ou seja, o “jus postulandi” não é pleno e o exaurimento a um direito deve ser efetivo. Ao ser comprovada a imperfeição do princípio “jus postulandi” fica imperiosa a afirmativa, a sociedade caminha mais rápido que o Direito, ostentando a disjunção estrutural entre as mudanças sociais e a capacidade do Poder Legislativo de acompanhar tais mudanças, mostrando-se cada vez mais necessárias as atualizações das Leis, LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

revisão de princípios e especificamente a ampliação de competências da Justiça do Trabalho. 3 AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO E A INSTRUÇÃO NORMATIVA 27/2005 DO TST O Direito deve proporcionar segurança, mas não deve se portar com uma postura engessada, estática, distanciada da sociedade que vive em constante mudança. Em respeito a tal raciocínio, de forma empírica, chega-se à conclusão que a norma escrita não pode se limitar, perpetuar no texto legal, ela deve sofrer ao longo do tempo alterações para se adequar à realidade social contemporânea. Para Savigny : Não será a lei, norma racionalmente formula da e positivada pelo legislador, que será primariamente o objeto de ocupação do jurista, mas a convicção comum do povo (o «espírito do povo»), este sim a fonte originária do direito, que dá o sentido histórico ao direito em constante transformação.(1840, v. 1:19). Seguindo tal pensamento, no ano de 2004, o artigo 114 da Constituição Federal foi alterado pela Emenda Constitucional 45/2004, ampliando a competência material da Justiça do Trabalho para além de solucionar apenas relações de emprego. A Justiça do Trabalho, passou a receber em seu arcabouço quaisquer ações decorrentes das relações de trabalho, ou seja, a Justiça do trabalho não mais trata apenas conflitos decorrentes da relação de emprego (empregado e empregador), agora, possui também competência para resolver lides aonde figurarem relações de trabalho (tomadores de serviços e trabalhadores). Após a edição desta referida Emenda, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio da resolução nº126/2005, editou a Instrução Normativa nº27/2005 dispondo sobre inúmeras normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho, estabelecendo no artigo 5º que, “exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência”, importante destacar tal artigo, posto que atualmente o “jus postulandi” é um dos fundamentos impeditivos para a concessão dos honorários advocatícios na Justiça do Trabalho quando a lide se refere a relação de emprego. Destarte, posterior à edição da Instrução Normativa nº27/2005, ajuizada uma nova ação na Justiça do Trabalho, que envolva relação de trabalho diversa da relação de emprego, o Tribunal Superior do Trabalho passou a admitir, condenação do vencido em honorários advocatícios sucumbenciais. Todavia, se a lide decorrer da relação de emprego, a condenação de honorários, para o Tribunal Superior do Trabalho, somente será possível nos exatos termos das súmulas 219 e 329, em razão do jus postulandi das partes previsto no artigo 791 da Consolidação das Leis Trabalhistas. Carlos Henrique Bezerra Leite leciona o seguinte: Nos domínios do processo do trabalho, como já vimos, a capacidade postulatória é facultada diretamente aos empregados e aos empregadores, nos termos do artigo 791, da CLT. Portanto, para a condenação em honorários de sucumbência, deve o magistrado respeitar a Súmula 219 do TST. (2009. p.354-355). Em contrário a tal entendimento sobre o tema, Mauro Schiavi contrapõe:

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Os honorários que decorrem da sucumbência restam aplicáveis para todas as ações propostas na Justiça do Trabalho, que não sejam as referentes

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às controvérsias diretas entre empregados e empregadores. Nas reclamações trabalhistas regidas pela CLT (relação de emprego), somente são cabíveis os honorários advocatícios nas hipóteses do art. 14 da Lei 5.584/70. Acreditamos que há necessidade de reformulação da jurisprudência após a EC n. 45/04 e do atual momento em que vive o Processo do Trabalho, a fim de que seja alterada a visão do Tribunal Superior do Trabalho para que sejam devidos os honorários advocatícios em razão da sucumbência, pois esta existe em todas as esferas do direito processual e também no Processo do Trabalho (ex.: pagamentos de custas e honorários periciais). (2011. p.319). Denota-se claramente um tratamento desigual ao diferenciar as relações de trabalho das de emprego, indo assim contra o princípio da igualdade que tanto presa a Justiça do Trabalho, bem como mais uma vez o “jus postulandi” não pleno em seu exaurimento ao ser negado aos que se enquadram na relação trabalho ao fazer uso de tal instituto a possibilidade de não perceberem honorários de advogado não recebendo assim a verba alimentar proferida por sentença em sua integralidade. 4 HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL O honorário contratual, de maneira geral, é uma contraprestação a um profissional liberal em decorrência do seu labor. Entretanto, para o Direito, os honorários sucumbenciais, são os devidos à parte vencedora de uma demanda judicial, conforme conceitua Sérgio Pinto Martins: O fundamento do honorário é o fato objetivo de alguém ter sido derrotado. Assim, aquele que ganhou a demanda não pode ter diminuição patrimonial em razão de ter ingressado em juízo. Os honorários de advogado decorrem, portanto, da sucumbência. A parte vencedora tem direito à reparação integral dos danos causados pela parte vencida, sem qualquer diminuição patrimonial. (2009. p. 375). Atualmente o Direito Processual Civil diferencia os honorários sucumbenciais dos honorários contratuais. O honorário sucumbencial em suma, é o valor repassado pela parte perdedora de uma lide à parte vencedora, não só em decorrência do seu trabalho esmero, mas com o intuito de reembolsar o vencedor com os gastos que este obteve com as custas processuais e com a contratação do advogado para defender seus interesses. A ideia é voltar ao “status quo” econômico da pessoa que teve o seu direito violado. Tal valor não é fixo, pode ser definido pelo juiz ao final do processo, bem como pode variar em decorrência do valor da causa. Tais honorários são reconhecidos pelo STJ como verba alimentar do advogado. Os honorários contratuais resumem-se em um valor pago já previamente acordado entre o causídico e seu cliente, onde pode ser majorado ou reduzido, se previamente acordado, em decorrência da complexidade da causa, condição financeira do cliente, tempo da causa, dentre outras possibilidades. Há de se destacar se tais honorários não forem avençados por contrato, são fixados na forma da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)), bem como o Código de Processo civil em seus artigos 85 a 90. Em suma, ao se analisar o Artigo 85 do Código do Processo Civil, Lei 13.105/15, tem-se o entendimento que a parte sucumbente, como regra, deve pagar honorários ao advogado da parte vencedora, com intuito de reembolsar as custas e as despesas que esta suportou durante todo o processo. Há de se falar também na regra da causalidade que pode se entender que foi abarcada neste artigo, que se

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aplica quando ocorre a perda de objeto no processo por ato praticado pelo réu, onde também serão devidos os honorários. Os honorários devem ser fixados entre o mínimo de dez e no máximo vinte por cento sobre o valor da condenação, conforme elucida o §2º do artigo 85 do Código do Processo Civil: (...) § 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Tais honorários serão devidos tanto para o cumprimento provisório quanto para o cumprimento definitivo da sentença. Na hipótese do cumprimento provisório, se tornar definitivo, entende-se pelo texto do artigo, que não poderá haver nova fixação de honorários advocatícios. Em caráter de exceção o artigo 85 do Código do Processo Civil, em seus §§ 7º e 8º, orienta que não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada, bem como os honorários não incidirão onde for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo. Por fim é pertinente esclarecer que tais regras ou cabimentos não serão exauridas no presente artigo posto que este tem como principal tema a possibilidade de aplicação dos honorários advocatícios sucumbenciais na justiça do trabalho. 5 HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO O honorário de sucumbência no liame da Justiça do trabalho tem seu cabimento regulamentado pela Súmula 219 do Tribunal Superior do Trabalho. A Súmula 219 orienta que a condenação ao pagamento de honorários não decorre meramente da sucumbência, para que tais honorários sejam percebidos, a parte deve estar assistida por sindicato da categoria profissional, comprovar que recebe salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. Também será cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação rescisória no processo trabalhista. No caso das lides que derivem de relação de trabalho, bem como no caso das ações rescisórias, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários sucumbenciais, submetem-se à disciplina dos artigos 85, 86, 87 e 90 do Código De Processo Civil. Serão devidos também os honorários advocatícios, nas causas em que o ente sindical figure como substituto processual e nas lides que não derivem da relação de emprego. Em regra, os honorários de sucumbência não estão presentes na justiça do trabalho devido à existência do instituto do “jus postulandi”, que consiste na possibilidade de o particular ingressar na justiça do trabalho e acompanhar o seu processo até o final, sem a necessidade da assistência de um advogado, salvo se tratando de ação rescisória, a ação cautelar, mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho. O percebimento de tais honorários somente na ação rescisória, em lides aonde a associação sindical figure como substituta processual, ou em demanda que não derive da relação de emprego, demonstram um conceito engessado.

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Atualmente a justiça do trabalho trata de causas complexas, aonde não há que se pensar na possibilidade da aplicação do “jus postulandi” para ajuizar e acompanhar tais dissídios. São ações que necessitam de técnica e especialização, não bastando apenas o comparecimento do interessado a um balcão da justiça do trabalho para reclamar seus direitos. Tal prática certamente não atendera por completo a satisfação do leigo que escolheu fazer uso de tal instituto. Conforme leciona Carlos Henrique Bezerra Leite: O “jus postulandi” nada mais é do que a capacidade de postular em juízo. Daí chamar-se também de capacidade postulatória, que é a capacidade reconhecida pelo ordenamento jurídico para a pessoa praticar pessoalmente, diretamente, atos processuais. (LEITE, C. H. B, 2015, p. 28).

cedora for beneficiária da assistência gratuita, a fim de garantir ao hipossuficiente a integral percepção do seu direito em juízo, sem onerar seus ganhos com a contratação de um advogado Voltando exclusivamente ao Direito do Trabalho, e a impossibilidade do cabimento dos honorários sucumbências como regra, percebe-se que tal impedimento, fere a aplicabilidade do Princípio da Proteção, posto que a parte vencedora, não estando sob o palio da assistência sindical, ao não utilizar do “jus postulandi”, terá sua verba alimentar concedida por sentença, parcial e incompleta, devido ao ônus de arcar com os honorários do advogado particular. Como explica Juliana Maria Carvalho da Silva na Revista Eletrônica da Escola de Direito do centro Universitário Newton Paiva: Percebe-se que a Justiça do Trabalho procura a todo tempo resguardar o salário do empregado, que muitas vezes acaba por desvalorizar a atividade do advogado, que depende na maioria dos casos, dos honorários contratuais contratados por seu cliente. Um bom exemplo a respeito: A empresa X, não paga corretamente o adicional de insalubridade, não deposita regularmente o FGTS e não paga horas extras ao seu empregado Fulano. Fulano, tendo o seu direito violado, procura um advogado, e este cobra de seu cliente a quantia correspondente a 20% do valor ganho em Juízo. Fulano, portanto, irá pagar pelos serviços contratados através da verba alimentar paga pela empresa. Importante frisar que o valor a ser despendido pelo empregado na contratação de um advogado, provém do seu salário ou do valor pago pelo empregador, através da ação ajuizada, possui natureza alimentar. Importante frisar que o valor a ser despendido pelo empregado na contratação de um advogado, provém do seu salário ou do valor pago pelo empregador, através da ação ajuizada, possui natureza alimentar.

Sobre o “jus postulandi”, Antônio Álvares da Silva ressalta que: A evolução, entretanto, deu-se em sentido contrário ao previsto, como acontece frequentemente nas ciências sociais, em que a previsibilidade é relativa e muitas vezes totalmente falha. Como disse Popper, A cada passo adiante, a cada problema que resolvemos, não só descobrimos problemas novos e não solucionados, porém, também descobrimos que aonde acreditávamos pisar em solo firme e seguro, todas as coisas são, na verdade, inseguras e em estado de alteração contínua. Na prática, a faculdade da parte se fazer representar por advogado nos dissídios individuais – art. 791, §1º - preponderou e o “jus postulandi” foi relegado a uma opção residual. Na Terceira Região, os números comprovam a afirmativa: de janeiro a 20/11/2009 foram apresentadas 7.121 reclamações verbais contra 57.689 escritas, o que representa uma proporção de apenas 7% de atermações. Logo, a afirmativa de que não deve haver condenação em honorários porque a contratação de advogados é facultativa não pode prosperar. (SILVA, A. Á., Honorários advocatícios obrigacionais. 3. ed. Belo Horizonte: RTM, 2012. p. 35). Ao contrapor a norma ditada pela Súmula nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho com a aplicabilidade dos artigos nºs 85 a 90 do Código de Processo Civil, percebe-se no parágrafo 14 do artigo 85 que os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, bem como é inadmissível a compensação na hipótese de sucumbência recíproca. Observa-se em tal diploma há prevalência do princípio da causalidade, quem perdeu tem a obrigação de arcar com os honorários do vencedor. Nada mais justo que compensar o trabalho e empenho que o advogado dispende para defender e fazer valer a justiça para o seu cliente. O artigo 85 estabelece que os honorários serão devidos na reconvenção, nos recursos, na execução e no cumprimento de sentença, sendo fixados entre 10% e 20% da condenação, do proveito econômico ou, na impossibilidade de estimar-se o quanto é devido será sobre o valor atualizado da causa. O artigo nº 22 do Estatuto da Advocacia e da OAB também assegura ao advogado direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. Tanto o Código de Processo Civil, quanto o Estatuto da Advocacia e da OAB, prestigiam o causídico e consagram o Princípio da Sucumbência, que orienta a condenar o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios, permitindo assim que o vencedor recomponha por completo o seu patrimônio lesado. A Súmula nº 450 da Suprema Corte Federal, assegura o adimplemento dos honorários de sucumbência sempre que a parte ven-

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Vale lembrar que o Princípio da Proteção é inafastável na Justiça do Trabalho, por esta ótica deve o magistrado passar a aplicar o Princípio da Sucumbência. Os honorários sucumbenciais pautam-se nos princípios constitucionais da isonomia e da duração razoável do processo, bem como, se encontram em conflito com “jus postulandi”, no tocante que há necessidade do advogado para administração da justiça, afirmação elencada no artigo 133 da Constituição Federal de 1988. Tal afirmação é comentada por José Afonso da Silva: “(...) o princípio da essencialidade do advogado na administração da Justiça é agora mais rígido, parecendo, pois, não mais se admitir postulação judicial por leigos, mesmo em causa própria, salvo falta de advogado que o faça (...)” Assim, ao restringir os honorários sucumbenciais aos casos em que o Reclamante não estiver sob o palio da assistência sindical e perceber o dobro do salário mínimo, o Tribunal Superior do Trabalho cria um óbice de acesso à justiça por meio de profissional essencial e qualificado. Este desvio aos direitos do Requerente contraria também preceitos do Código Civil onde a Justiça do Trabalho busca aplicação subsidiária, os artigos nºs 389, 404 e 489, dispõem que não sendo cumprida a obrigação, o devedor responderá: por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Os danos nas obrigações de pagamento em dinheiro compreendem em juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. Destarte se para recompor um prejuízo sofrido, o Reclamante

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tem de contratar advogado, é incontestável o direito de ser ressarcido por quem o levou à necessidade da contratação. Atualmente algumas decisões vêm sendo favoráveis ao consentimento de honorários sucumbenciais, sendo assim insta trazer alguns entendimentos dos Tribunais Regionais ao reconhecer este direito: O reclamado, segundo o princípio revitalizado pelo novo Código Civil, deve ressarcir todas as despesas que a autora teve para o ingresso da presente ação, e essas despesas não podem representar redução das verbas trabalhistas a que o trabalhador faz jus. Entendo, por isso, que a recorrente deve pagar à recorrida os honorários advocatícios. Ac. TRT 12ª Reg. 2ª T. (RO 00393-2003-011-1200-00), Rel. Juiz Roberto Bsilone Leite, in “Justiça do Trabalho”, 283/HS, pág. 44. Notória a presença dos Princípios da Sucumbência e da Proteção na decisão deste Recurso Ordinário, onde o Juiz condenou o recorrente a ressarcir os gastos que a recorrida teve, recompondo por completo o seu patrimônio lesado. Se o reclamado tivesse cumprido com suas obrigações laborais na época da vigência do contrato, a reclamante não teria que despender recursos para contratar advogado para ressarcir-se daquilo que foi falta do empregador. Bom lembrar que o jus postulandi é faculdade, e como tal, não pode ser imposta ao trabalhador. Além disso, também é bom lembrar que a maioria absoluta dos Magistrados deste Foro entendem que o jus postulandi deveria terminar, em virtude das dificuldades que cria para a realização de audiência e demais atividades do processo. Como foi o empregador quem injustamente causou um dano ao empregado, diminuindo seu patrimônio para pagar advogado, tenho por medida de justiça, na acepção da palavra, que ele deve indenizar o empregado pela perda injusta, razão pela qual, com base nos arts. 186 e 927, do CCB, arbitro a indenização da reclamante em 20% do valor da causa. Uma vez deferidos os honorários, A SECRETARIA DA VARA DEVERA PROVIDENCIAR DOIS ALVARAS: UM PARA O ADVOGADO COM O VALOR DE SEUS HONORÁRIOS. E OUTRO PARA A RECLAMANTE EXCLUSIVAMENTE COM A INTEGRALIDADE DA CONDENAÇÃO. 25 VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE. Sentença do Processo nº 00076074.2014.5.03.0025. Em tal julgado percebe-se mais uma vez os Princípios da Proteção e da Sucumbência, recompondo a sentença que possui natureza alimentar. O empregado foi obrigado a pagar um advogado para defende-lo de diminuindo o seu patrimônio por uma razão que não deu causa, nada mais justo ser ressarcido, afinal quem causa dano a outrem deve repara-lo. Ainda em consonância ao consentimento de honorários sucumbenciais: TRT da 7º região, processo 006950050.2002.5.07.0007: Recurso Ordinário; Data de publicação 25.08.2003; Órgão Julgador: Primeira Turma. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DEFERIMENTO Os honorários de advogado são devidos nos termos da Constituição Federal em vigor (art. 133) e legislação infraconstitucional, como art. 20 do CPC e Estatuto da OAB (art. 22), não havendo com isso qualquer incompatibilidade com o princípio do “jus postulandi” desta Justiça Especializada. Não há vedação legal à condenação na verba honorária na Justiça Obreira, nem na Lei nº 1.060/50, tampouco na Lei nº 5.584/70. Recurso conhecido e parcialmente provido. http:// trt-7.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16971336/ recurso-ordinario-ro-695005020025070007ce-0069500-5020025070007. Acesso em dez 2015.

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Referida jurisprudência, elucida que é uma faculdade da parte a utilização do “jus postulandi”, não uma imposição legal, sendo impossível se valer de tal instituto em ações rescisórias, ações cautelares, mandado de segurança e nos recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho, por consequência demonstrando a necessidade da atividade que é privativa do advogado, postular a qualquer órgão do poder judiciário, dando causa ao merecimento aos honorários de sucumbência. Esta incompatibilidade entre os institutos da Justiça Comum e da Justiça do Trabalho motiva insegurança jurídica e por tal se mostra necessária uma nova percepção do tema pelo Tribunal Superior do Trabalho, necessitando por consequência de um novo entendimento da Súmula nº 219. Após feita esta síntese, nota-se claramente a necessidade de sopesar o trabalho do advogado trabalhista em relação ao cível, bem como a reparação ao dano sofrido pelo vencedor na ceara trabalhista deve ser integral, conforme demonstrado nos julgados anteriores. A fim de sanar tais divergências, tanto doutrinárias quanto jurisprudenciais, os honorários obrigacionais podem ser uma alternativa providencial. 6 OS HONORÁRIOS OBRIGACIONAIS UMA ALTERNATIVA VIÁVEL? Desde 1943, quando foram consolidadas as Leis Trabalhistas até a presente data, surgiram correntes e jurisprudências contrárias ao que foi consolidado pela Súmula nº. 219 do Tribunal Superior do Trabalho, posto que o trabalhador, parte considerada hipossuficiente, não pode auferir prejuízo, ser obrigado a retirar do montante conquanto considerado de natureza alimentar que fora reconhecido em sentença, ter de pagar os honorários do advogado por fato que não deu causa. Ficando a parte contrária, neste caso o empregador, que descumpriu a norma trabalhista, sem sofrer nenhuma sanção, deixando ainda de pagar na integralidade a verba alimentar que deve. Renato Saraiva ilustra: Não podemos concordar com o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, visto que a limitação da condenação em honorários de sucumbência nas lides decorrentes da relação de emprego apenas beneficia o empregador mau pagador, onerando ainda mais o trabalhador, o qual, além de não ter recebido seus créditos trabalhistas no momento devido, ainda é obrigado a arcar com o pagamento de honorários advocatícios ao seu patrono, diminuindo, ainda mais, o montante das verbas a receber. Os honorários advocatícios na Justiça do Trabalho, em regra não são devidos nas ações de relação de emprego pela mera sucumbência, tendo em vista a possibilidade de utilização do jus postulandi, tema este já exaurido no presente artigo, bem como que esta sistemática vem sendo questionada em diversas jurisprudências, posto que afronta a ordem constitucional conforme demonstra Jorge Luiz Souto Maior em seu julgado:

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EMENTA: HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – JUSTIÇA DO TRABALHO – RELAÇÃO DE EMPREGO – CABIMENTO. O entendimento de que no processo do trabalho não há condenação em honorários advocatícios trata-se de posicionamento que fere preceitos constitucionais e não se sustenta diante dos preceitos jurídicos que lhe dizem respeito, ainda mais diante das alterações legislativas impostas pelas Leis 10.288/01, 10.537/02 e pelo novo Código Civil, além de contrariar os mais rudimentares princípios da lógica e os ideais do movimento de acesso à justiça. (TRT 15ª R. – CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


ROPS 0537-1999-049-15-00-8 (Ac. 28945/05 – PATR) – 6ª C. – Rel. Juiz Jorge Luiz Souto Maior – DOESP 24.06.2005).

Neste sentido o STJ no julgamento do Resp. 1027797/MG destacou o entendimento de que os honorários advocatícios obrigacionais integram os valores devidos como reparação por perdas e danos:

No dia 04 de setembro de 2013, o Projeto de Lei nº 33/2013 foi aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, tal projeto estabelece a obrigatoriedade da presença de advogado para acompanhamento de ações trabalhistas, extinguido assim o instituto do “jus postulandi”, bem como estabelece que são devidos os honorários de sucumbência no âmbito trabalhista. Desta forma se aprovado, o Projeto de Lei acabará por igualar o recebimento dos honorários sucumbenciais na Justiça do Trabalho à Justiça Comum. A questão de serem devidos ou não os honorários de sucumbência no âmbito trabalhista, vem sendo trazida a julgamento com frequência, questão que deve ser tratada com ponderação, posto envolve a pretensão de ressarcimento de honorários contratuais em face do causador da demanda, os chamados honorários obrigacionais. Os artigos 389, 395 e 404 do código civil, fundamentam o honorário obrigacional, tal honorário deve ser objeto de pedido na inicial, bem como passou a ser também um elemento integrante do descumprimento das obrigações. Comprovada a culpa, a mora e as perdas e danos presentes nos artigos 389 e 395 do Código Civil, além das custas e dos juros são devidos também os honorários advocatícios. Veja-se, a propósito, a lição de Luiz Antônio Scavone Júnior: Como não há palavras inúteis, o significado da inclusão dos honorários de advogado como consequência do descumprimento das obrigações representa, sem qualquer sombra de dúvida, importante alteração do direito anterior. [...]. Resta evidente que o Código Civil, na ideia dos prejuízos causados ao credor, destacando do conceito das perdas e danos, os honorários de advogado que este está obrigado a depender em razão da mora ou do inadimplemento absoluto do devedor. Entendimento contrário, mantendo a interpretação que decorria do Código Civil de 1916, negaria vigência aos expressos termos dos dispositivos mencionados do Código Civil de 2002, fazendo com que não tenha eficácia o princípio geral da restituição integral que regula o inadimplemento das obrigações e indica a mais completa e ampla reparação dos danos. [...]. Portanto, os honorários despendidos do credor, na busca da satisfação do objeto da obrigação, devem ser ressarcidos pelo devedor, que, bem pensado, a esse dispêndio deu causa”. Seguindo a mesma corrente, Fábio Ulhôa Coelho Sempre que o credor tiver contratado advogado para ver satisfeito o seu direito, a indenização devida pelo inadimplente não é completa se não abranger também o ressarcimento dos honorários daquele profissional. Note-se que este consectário é imposto ao devedor ainda que não tenha ocorrido o trabalho judicial do advogado do credor, isto é, mesmo que as providências adotadas pelo profissional tenham sido todas de caráter extrajudicial (...). A natureza jurídica dos honorários obrigacionais é indenizatória, sendo impossível se confundir com os honorários de sucumbência que visam a compensação do valor despendido pelo vencedor para pagar advogado por fato que não deu causa. O artigo 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas em seu parágrafo único define que os dispositivos contidos no Código Civil, podem ser aplicados subsidiariamente no âmbito da Justiça do Trabalho. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. HONORÁRIOS CONVENCIONAIS. PERDAS E DANOS. PRINCÍPIO DA RESTITUIÇÃO INTEGRAL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO CIVIL. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 2. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 3. A quitação em instrumentos de transação tem de ser interpretada restritivamente. 4. Os honorários convencionais integram o valor devido a título de perdas e danos, nos termos dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02. 5. O pagamento dos honorários extrajudiciais como parcela integrante das perdas e danos também é devido pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas, diante da incidência dos princípios do acesso à justiça e da restituição integral dos danos e dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02, que podem ser aplicados subsidiariamente no âmbito dos contratos trabalhistas, nos termos do art. 8º, parágrafo único, da CLT. 6. Recurso especial ao qual se nega provido. Tal decisão certifica a diferença entre os honorários obrigacionais e os sucumbenciais, enquanto os obrigacionais integram os valores relativos à reparação por perdas e danos, em respeito ao princípio da reparação integral, os de sucumbência são verbas autônomas, devidas pelo vencido ao vencedor a fim de reparar o dano que este não deu razão. Infelizmente Tribunais Regionais do Trabalho ainda divergem quanto à possibilidade da condenação em honorários obrigacionais, bem como o Tribunal Superior do Trabalho tem entendido ser incompatível a disposição dos honorários obrigacionais previstos no Código Civil com o Processo do Trabalho. Denota-se urgentemente a necessidade de uniformização de jurisprudências, posto tais decisões vêm trazendo grande insegurança jurídica. A necessidade de se prestigiar os princípios da equidade, da restituição integral e da justiça tornam-se cada vez mais visíveis, principalmente quando o foco se trata da justiça trabalhista, onde a sentença proferida não faz somente coisa julga, tem também o dever de restituição integral de um dano como caráter alimentar. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em 04 de setembro de 2013, foi aprovado o Projeto de Lei nº 33/2013, na Comissão de Assuntos Sociais, ele estabelece na Justiça do Trabalho os honorários de sucumbência e torna obrigatória a presença de advogados no âmbito da Justiça Trabalhista, ocasionando, por conseguinte, a extinção do “jus postulandi”. Este projeto ainda deve ser analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e sendo aprovado, irá igualar o recebimento de honorários sucumbenciais na Justiça do Trabalho à Justiça Comum. Diante de todos os fatos trazidos, é notória a necessidade de desengessar alguns preceitos da Justiça do Trabalho, posto que esta evoluiu em demasia desde 1943 e muita coisa que fora inovadora naquela época, hoje se torna inaplicável.

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Entende-se que o “jus postulandi” não funciona mais na pratica em decorrência de todos os avanços e modernidades que obtidas na justiça e mesmo em 1943 como se observa na Sumula nº 425 o direito ao “jus postulandi” foi criado e ainda é limitado às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho. O “jus postulandi” proporciona ao Requerente um meio direito de ingressar na Justiça, podendo se ater à reclamação trabalhista, não a algumas ações incidentais, e somente até as instancias ordinárias, ou seja, o “jus postulandi” nunca foi pleno e o exaurimento a um direito deve ser efetivo. Verifica-se que este princípio atualmente incompatibiliza a aplicação dos honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho, além de impossibilitar de o Reclamante obter um real acesso à justiça gratuita e ao Princípio da proteção que tanto prima a Justiça do Trabalho. Analisando a questão sob a ótica do acesso à justiça, deve-se concluir que o empregado tem o direito de optar por ser representado por advogado, afinal a Constituição da República é taxativa em dizer que o advogado é indispensável para a justiça. Por fim, com base na linha de raciocínio demonstrada por este artigo, deve-se entender que aquele que deu causa ao ajuizamento da reclamação trabalhista deverá arcar com os honorários, de modo que o vencedor não suporte o dano sofrido pelo inadimplemento da obrigação trabalhista, afinal para receber o que lhe é devido está fazendo uso de um direito constitucionalmente assegurado, o acesso à justiça. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, L. C. V. C. Honorários de sucumbência e o seu cabimento na Justiça do Trabalho. Jus Navigandi, Goiás, v.2015, n.8, p.1, 2015. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/41718/honorariosde-sucumbencia-e-o-seu-cabimento-na-justica-do-trabalho> Acesso em: 1 nov. 2015 BRASIL. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 27 de 2005, de 22 de fevereiro de 2005. Dispõe sobre normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional nº45/2004.. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 27 de 2005, Diário da Justiça, n. 126, p. 1, dezembro de 2005. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/DGCJ/instrnorm/27. htm> Acesso em: 1 nov. 2015 BRASIL. Súmula nº 425 do TST, de 4 de maio de 2010. JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE. Res. 165/2010, DEJT divulgado em 30.04.2010 e 03 e 04.05.2010. Súmula nº 425 do TST, Brasil, n. Res. 165/2010, DEJT, p. 1, junho de 2010. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-425> Acesso em: 1 nov. 2015 BRASIL. LEI No 5.584, DE 26 DE JUNHO DE 1970., de 26 de junho de 1970. Dispõe sobre normas de Direito Processual do Trabalho, altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, disciplina a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho, e dá outras providências. LEI. No 5.584, DE 26 DE JUNHO DE 1970., Brasil, n. 1, p. 1, julho de 1970. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/LEIS/L5584.htm> Acesso em: 1 nov. 2015 BRASIL. Estatuto da Advocacia e da OAB, de 5 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil OAB. Da Advocacia, Diário Oficial da União, n. 1, p. 1, agosto de 1994. BRASIL. Súmula nº 219 do TST, de 18 de maio de 2015. HONORÁ-

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RIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 305 da SBDI-1 ao item I) - Res. 197/2015, DEJT divulgado em 14, 15 e 18.05.2015. Súmula nº 219 do TST, Brasil, n. 1, p. 1, junho de 2015. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/ Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_201_250.html#SUM-219> Acesso em: 1 nov. 2015 BRASIL. Súmula nº 329 do TST, de 21 de novembro de 2003. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 133 DA CF/1988 (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Súmula nº 329 do TST, Brasil, n. Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003, p. 121, dezembro de 2003. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_ Ind_301_350.html#SUM-329> Acesso em: 1 nov. 2015 BRASIL. DECRETO-LEI N. º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, Rio de janeiro, n. 1, p. 0, junho de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em: 1 nov. 2015 CRUZ, M. L.; ZAPATA, D. L. M. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO. Letras Jurídicas, Belo Horizonte, v. LJ 01 40, n.1, p.01, 2014. Disponível em: <http://npa. newtonpaiva.br/letrasjuridicas/?p=172> Acesso em: 1 nov. 2015 JURÍDICO, R. C. Cabem honorários sucumbenciais em processo trabalhista. Revista Consultor Jurídico, não, v.5, n.5, p.1, 2013. Não consta nome do autor. Disponível em: <http://www.conjur. com.br/2013-mai-05/processo-trabalho-honorarios-sucumbenciaistambem-pagos> Acesso em: 1 nov. 2015 LEITE, C. H. B. Curso de Direito Processual do Trabalho. 13ª Ed. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 1593p. MARQUES, J. R. G. Honorários advocatícios na Justiça do Trabalho. Visão Jurídica, São Paulo, v.1, n.113, p.189059, 2015. Disponível em: <http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/53/artigo189059-1.asp> Acesso em: 1 nov. 2015 RUFFINI, V. K. Os honorários na Justiça do Trabalho: uma análise dos enunciados 219 e 329 do TST em face do ordenamento jurídico. Âmbito Jurídico.com.br, Rio Grande, v.X, n.38, p.1, 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3380> Acesso em: 1 nov. 2015 RUFFINI, V. K. Os honorários na Justiça do Trabalho: uma análise dos enunciados 219 e 329 do TST em face do ordenamento jurídico. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v.X, n.38, p.1, 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3380> Acesso em: 1 nov. 2015 SILVA, Antônio Álvares da. Honorários advocatícios obrigacionais. 3. ed. Belo Horizonte: RTM, 2012. p. 35 http://www.webartigos.com/artigos/honorarios-de-sucumbencia-e-oseu-cabimento-na-justica-do-trabalho/134583/ http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-condenacao-de-empresas-que-derem-causa-a-demandas-trabalhistas-movidas-em-seusdesfavores-ao-adimplemento-do,54566.html A condenação de empresas que derem causa a demandas trabalhistas movidas em seus desfavores, ao adimplemento dos honorários

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de advogados contratados pela parte adversa, perante a Justiça laboral. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,acondenacao-de-empresas-que-derem-causa-a-demandas-trabalhistas-movidas-em-seus-desfavores-ao-adimplemento-do,54566.html> Acesso em: 16 fev. 2016 Da indenização das despesas com advogado (perdas e danos). Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?http://www.advocaciaborges.com.br/da-indenizacao-das-despesas-com-advogado -perdas-e-danos/> Acesso em: 16 fev. 2016 Honorários de Sucumbência e o Seu Cabimento Na Justiça Do Trabalho. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/honorarios-de-sucumbencia-e-o-seu-cabimento-na-justica-do-trabalho/134583/> Acesso em: 16 fev. 2016 Honorários de sucumbência e o seu cabimento na Justiça do Trabalho. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/41718/honorarios-desucumbencia-e-o-seu-cabimento-na-justica-do-trabalho> Acesso em: 16 fev. 2016 Honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho. Disponível em: <http://www.editorajc.com.br/2008/11/honorarios-de-sucumbenciana-justica-do-trabalho/> Acesso em: 16 fev. 2016 Honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho em face da: CF/88, Emenda 45, Estatuto da Advocacia, Cód. Civil e Instrução. Normativa 27/TST. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2725&revista_caderno=25> Acesso em: 16 fev. 2016 Honorários Obrigacionais na Justiça do Trabalho. Disponível em: <http://www.lexmagister.com.br/doutrina_26250422_HONORARIOS_ OBRIGACIONAIS_NA_JUSTICA_DO_TRABALHO> Acesso em: 16 fev. 2016 O jus postulandi como meio de assegurar a garantia fundamental de acesso à justiça. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/12096/ojus-postulandi-como-meio-de-assegurar-a-garantia-fundamental-de -acesso-a-justica> Acesso em: 16 fev. 2016 SARAIVA Vade Mecum. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 2074p.

Banca Examinadora Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo (Orientadora) Adélia Procópio Camilo (Examindadora)

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Implicações da averbação premonitória de execução no processo de execução Frederico Junio Couto1

Resumo: O presente trabalho tem o objetivo de buscar meios para o sucesso da tutela jurisdicional no processo executivo, e no instituto das averbações premonitórias se concentra todo estudo, abordando a introdução dessa ferramenta processual no direito brasileiro, e discutindo o texto da lei que dispõe todo o tema, observando e analisando desde o inicio da pretensão executiva que da o direito a expedição da certidão; bem como a comunicação da averbação ao juízo, e o seu cancelamento; a fraude a execução dos bens averbados, os excessos por parte do credor em face o patrimônio do devedor, e por fim, as divergências dentro do tema trabalhado. A pratica forense foi a inspiração para a realização do trabalho, visto que esse instituto é pouco utilizado pelos operadores do direito seja pela burocracia de cartórios e dos órgãos acaba deixando de lado essa ferramenta processual que é muito útil nas demandas executivas. Palavras-Chaves: Processo de execução, Averbações premonitórias, fraude a execução, patrimônio.

1 INTRODUÇÃO A Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2006, trouxe significativas mudanças, no Código de Processo Civil, alterando o regime jurídico da execução lastreada em título executivo extrajudicial. Dentre as normas inseridas pela referida lei, uma em especial chama a atenção e é sobre ela o presente trabalho, trata - se do artigo 615-A do Código de Processo Civil de 1973, atual artigo 828 e seguintes do Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105 de 16 de março de 2015. No primeiro capitulo será analisado o respectivo dispositivo legal passou a conferir ao credor, no processo de execução, a oportunidade de se obter uma certidão comprobatória do ajuizamento da execução, e assim dispondo dela como ferramenta para provocar a averbação nos registros públicos de bens. O segundo capitulo será dedicado ao estudo do artigo 828 do CPC/2015, e suas mudanças em relação ao CPC/1973, pois, continua grande divergência quanto a sua aplicação, sendo cada parágrafo do artigo trabalhado. O objetivo desse trabalho consiste, exatamente, em abordar a relevância que envolvem esse novo instituto, e ressaltar sua utilidade para uma melhor efetivação da tutela jurisdicional. Estabelecido a base do trabalho, no capitulo terceiro será exposto pontos controversos do instituto, como a mudança do momento da expedição que teve com o advento do CPC/2015, os prejuízos que isso pode causar ao credor, e por ultimo a questão do ressarcimento aos danos causados ao devedor. Por fim, o presente trabalho tem o escopo de valorizar essa ferramenta cautelar, para o sucesso da tutela jurisdicional executiva. 2 Breve Histórico da AVERBAÇÃO PREMONITÓRIA 2.1 Averbação premonitória no direito brasileiro e suas consequências Tem o presente trabalho expor de forma ampla o novel instituto das averbações premonitórias para constar nos registros dos bens do devedor a existência da ação de execução proposta pelo credor, criada com o advento da lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2006, cujo intuito é dar publicidade ao processo proposto para informar a

terceiros a dívida existente. A mencionada previsão trouxe para o ordenamento jurídico pátrio, mais uma ferramenta ao credor para que nos títulos executivos extrajudiciais tenham mais uma possibilidade de garantir o seu crédito face ao devedor, com entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, o novel instituto passou a dispor no artigo 828, a seguinte redação: Art. 828 O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade. § 1º No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas. § 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados. § 3º O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo. § 4º Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação. § 5º O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados. ( BRASIL, Ano 2015). O instituto das averbações continuou com alguns pontos divergentes quanto a sua aplicação, o que demanda mais estudos e maior reflexão da jurisprudência e doutrina sobre o tema. O objetivo desse trabalho consiste, exatamente, em abordar os contornos e as controvérsias que envolvem esse dispositivo, analisando a sua importância para uma melhor efetivação da pretensão do exequente. Se há caminhos que atenuem os entraves à satisfação judicial do exequente, não tem dúvidas de que um deles é a averbação da execução no registro de bens. Porém, antes de introduzir sobre o instituto, cabe observa-se o instituto da fraude à execução, instituto que não apenas justifica a averbação, mas que também contribui para o

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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êxito do processo executivo. A fraude contra credores não se confunde com a fraude a execução, é o que observa no que dispõe o § 1º do referido artigo 792. Sobre essa diferenciação, destaca-se o entendimento de Humberto Theodoro Júnior: É, porém, muito mais grave a fraude quando cometida no curso do processo de condenação ou de execução. Além de ser mais evidente o intuito de lesar o credor, em tal situação “a alienação dos bens do devedor vem constituir verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento da função jurisdicional já em curso, porque lhe subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair”. A fraude frustra, então, a atuação da Justiça, e, por isso, é repelida mais energicamente. Não há necessidade de nenhuma ação para anular ou desconstituir o ato de disposição fraudulenta. A lei o considera simplesmente ineficaz perante o exequente. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença. 26º ed, São Paulo: Ed. Universalista, 2009, p, 169) O legislador trabalhou diversas situações em que a alienação de bens é tida como fraude e, portanto, ineficaz em relação ao credor. Diante disso, a Lei nº 11.382/2006 introduziu o artigo 615-A ao CPC/1973, para autorizar o exequente “a averbar o ajuizamento da demanda executória em vários registros públicos”. Conforme prevê o dispositivo, já no ato de distribuição o exequente poderá obter “certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa”, para fins de registro de quaisquer bens sujeitos à penhora ou arresto, e, assim, afastar a alegação de boafé do terceiro adquirente daquele bem. Humberto Theodoro Júnior explica que: Não é mais necessário aguardar-se o aperfeiçoamento da penhora. Desde a propositura da ação de execução, fato que se dá com a simples distribuição da petição inicial (CPC, art. 263), já fica autorizado o exequente a obter certidão do ajuizamento do feito, para averbação no registro público. Não é, pois, apenas a penhora que se registra, é também a própria execução que pode ser averbada no registro de qualquer bem penhorável do executado (imóvel, veiculo, ações, cotas sociais etc.). Cabe ao exequente escolher onde averbar a execução, podendo ocorrer várias averbações de uma só execução, mas sempre à margem do registro de algum bem que possa sofrer eventual penhora ou arresto. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença. 26º ed, São Paulo: Ed. Universalista, 2009, p, 169) Pode-se dizer, portanto, que a averbação premonitória tem a função de delimitar a parcela do patrimônio sobre a qual poderá recair a penhora, conservar direitos através da constrição preliminar de bens, frustrando a dilapidação patrimonial pelo devedor e alerta terceiros quanto existência da demanda. Daí se extrai sua natureza, eminentemente acautelatória: A averbação é medida cautelar inominada fundada no poder “acautelatório” autorizado para a execução (CPC, art. 615, III), com a finalidade de tornar útil e eficiente o seu resultado, ao preservar bens com assento em órgão de registro para a posterior lavratura do ato de constrição. (ARMELIN, Donaldo; BONICIO, Marcelo J. M.; CIANCI, Mirna; QUARTIERI, Rita. Comentários à execução civil: título judicial e extrajudicial (artigo por artigo). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009p. 176-177). A averbação se destina a todos os bens passíveis de “penhora, arresto ou indisponibilidade”. Além disso, os atos constritivos de uma

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execução não estão vinculados necessariamente aos bens em cujo registro se realizou a averbação, de onde se extrai fator ainda mais interessante. Sendo possível a averbação da existência de uma execução na matrícula de um imóvel e a posterior penhora de outro bem, a medida não se destinaria apenas à garantia de lastro patrimonial para o sucesso da execução, mas demonstraria função absolutamente estratégica no curso da ação. (ARMELIN, ano 2009). Afinal, a depender do momento em que se realize, e do bem escolhido para tanto, a averbação poderia ser mais nociva ao devedor do que a própria quitação da obrigação inadimplida. O principal efeito da averbação premonitória, conforme indica o § 4º do artigo 828 do CPC/2015 (§3º do artigo 615-A, do CPC/1973), “consiste em caracterizar como fraudulentos todos os negócios jurídicos de disposição patrimonial realizados posteriormente ao ato”. Ressaltados os principais pontos que circundam a averbação premonitória, registra se que, apesar das modificações introduzidas ao instituto no CPC/2015, não há mudanças no tocante à sua finalidade. (DIDIER JÚNIOR, ano 2014). Embora a mudança implicar no momento em que a certidão será expedida, a averbação mantém seu caráter cautelar e, a despeito de eventual implicação na eficácia da medida seguirá se destinando a auxiliar na satisfação judicial do crédito. 2.2 O procedimento da execução civil e as dificuldades à pretensão judicial do credor Tem como definição, o processo executivo, sendo um conjunto de atos que tem como objeto fazer cumprir, a prestação a que a lei concede pronta e imediata exigibilidade. O sujeito que não cumpriu com sua obrigação de adimplir, o processo comina a denominada sanção executiva, que consiste na “determinação de medidas que, com ou sem o concurso da vontade do obrigado, produzam o mesmo resultado que ele não quis produzir”. (ASSIS ARAKEN , 2006) Deve se, portanto, observar os requisitos legalmente determinados à “realização de uma execução”, são eles:1) a existência de um título executivo (artigo 784, CPC/2015), sobre o qual se fundará obrigação “certa, líquida e exigível” (artigo 783, CPC/2015); 2) verificação do inadimplemento desta obrigação (artigos 786 a 788, CPC/2015). O credor (exequente) de um lado almeja a entrega de um bem da vida, e, de outro, o devedor (executado), que se nega ao cumprimento de obrigação por ele contraída. (DINAMARCO, CANDIDO, ano 2005). Porém, algumas questões podem tirar o êxito do exequente na busca do cumprimento da obrigação inadimplida. Sobre o tema, merecem destaque os ensinamentos de Araken de Assis acerca da “profunda e universal crise” em que se encontra a função jurisdicional executiva, os quais são descritos com adequada objetividade por Marcus Vinícius Motter Borges e Eduardo de Avelar Lamy: A execução civil possui verdadeiros “gargalos” que obstaculizam a satisfação judicial do credor, os quais estão ligados sim a questões processuais, mas jamais se desprenderam de questões sociais e culturais dos jurisdicionados. Em apertada síntese estes problemas podem ser resumidos em três pontos, a saber, a existência de bens do devedor, a localização de tais bens, e a sua conversão em dinheiro para satisfazer o credor”. (estudos em homenagem ao professor Araken de Assis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 236.) Mesmo não passando pela fase do processo de conhecimento; o processo de execução de título extrajudicial encontra barreiras que implicam, em alguns casos, na não satisfação do êxito almejado. O primeira barreira a ser enfrentada diz respeito à solvência do devedor, não adianta o art. 391 do CC/02 dispor que o devedor responde por

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sua obrigação com seus bens. É necessário, se atentar a determinação, que o devedor tenha algum bem. Pois, o sucesso da execução fica a cargo da existência de bens, sem eles, fica impossível de proceder a execução. (DINAMARCO, Cândido, ano 2005). Diante disso, o credor, se depara com algumas questões, iniciando pela ocultação de bens. Que Decorre da evidente má-fé, que acobertada pelo que se denominou “blindagem patrimonial”, tal ocultação advém da reprovável atual cultura. Sobre o tema, Araken de Assis dispõe, que, em meio à arredia conjuntura econômica atual, “a esfera patrimonial das pessoas se desvaneceu, adquirindo escassa transparência”, e acrescenta que “os bens de raiz deram lugar a depósitos anônimos em paraísos fiscais”, não havendo “meios técnicos disponíveis [...] para se adaptar a esta nova realidade”. (ASSIS ARAKEN , 2006). Na prática para se levantar bens do executado, depara-se com algumas dificuldades burocráticas, no Estado de Minas Gerais, para fazer uma pesquisa onde se possa localizar um imóvel do devedor, é necessário recorrer aos cartórios de Registro de imóveis da comarca a que se pretende realizar a pesquisa, em algumas cidades de grande porte que possui um numero maior de habitantes, existe mais de um cartório, por exemplo em Belo Horizonte existe 10 ( dez ), para se realizar a pesquisa de bens, o exequente terá que desembolsar as custas cartorárias, o que onera ainda mais a sua pretensão. (disponível em http://www.1ribh.com.br/revistas/revista6.htm ) O Detran MG disponibiliza em seu site uma ferramenta, onde é possivel a pesquisa negativa de bens, basta ter o nome completo do exequente e o seu CPF se a pesquisa for negativa, o site já fornece uma certidão negativa, se a busca for positiva o exequente já sabe que existe bens do executado para satisfação do credito inadimplido. Em paralelo a essas questões, observar se que o devedor é beneficiado por direitos fundamentais que, retira de sua esfera de responsabilidade patrimonial importante pedaço dos bens sob sua propriedade. Considerando os benefícios legais aplicáveis, que lhe garante considerável aumento do rol de bens protegidos , ao credor resta contar com a boa vontade do executado, ou apontar ao polo passivo da ação executória um réu com o patrimônio menos desprotegido. (ASSIS ARAKEN , 2006) Por fim, mais um obstáculos no êxito da execução forçada estaria em converter o patrimônio encontrado em pecúnia. Entretanto, com tantos meios executórios à disposição do exequente, eventuais problemas na dita conversão não necessariamente estariam ligados ao processo de execução em si. Conclui-se observado os meios executórios de maneira minuciosa, dividindo-os entre meios de coerção (pessoal ou patrimonial) e de sub-rogação (por desapossamento, transformação ou expropriação, adjudicação, alienação ou usufruto), observa-se que o Código de Processo Civil tem meios de expropriação suficientes para a da obrigação inadimplida, desde que superados os citados obstáculos da insolvência e do levantamento patrimonial. Não há razão para atribuir à execução civil este problema. Pois existe no sistema jurídico em que despontam meios expropriatórios como a penhora online de ativos financeiros, o Bacenjud; a possibilidade de restrições judiciais em tempo real à base de dados do Registro Nacional de Veículos Automotores, através do Renajud. (Disponível em: <http://www. cnj.jus.br/images/programas/renajud/acordo-de-cooperacao- tecnica.pdf>. Acesso em: 01/06/2016). Entretanto, independente da categorização das objeções à satisfação do crédito exequendo, cabe aos operadores do direito valorizar e utilizar, de forma ampla, os institutos que contribuem para o sucesso da tutela executiva, e neste ponto se concentra o estudo desse trabalho.

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2.3 As implicações da averbação premonitória Como já exposto no presente trabalho, abordamos num primeiro momento sobre a natureza jurídica da averbação, seu objeto e principais efeitos práticos, os fundamentos do instituto, bem como registrar os benefícios que proporciona à tutela jurisdicional. Cabe, portanto, compreender a operacionalização da medida, para que se verifiquem os aspectos controvertidos sobre o instituto. Para tanto, será trabalhado o procedimento que dispõe no artigo 828 do CPC/2015 – à luz da realidade do instituto no CPC/1973 –, desde o caput ate seus 5 (cinco) parágrafos para assim abordar a ordem dos aspectos a serem vistos, são eles: a mudança procedimental introduzida pelo CPC/2015 e a maneira de requerer a certidão; a efetivação da averbação e a comunicação ao juízo; formas de cancelamento da averbação e as suas razões de ocorrer; os efeitos da prenotação; e as sanções que decorre de sua inadequada utilização. (ASSIS, ARAKEN ano 2012, revista dos tribunais). 2.4 Requerimento e introdução da Certidão do artigo 828 do NCPC Tem natureza cautelatória a averbação premonitória da execução com o fim de proteger os interesses dos terceiros de boa-fé para garantir a ineficácia das praticas de disposição que possam prejudicar o êxito dos processos de execução. Dispõe o artigo 828 NCPC que deverão conter na certidão, os polos passivos e ativos do processo e o valor da causa. (MACHADO JUNIOR, ano 2015) É mister observar a utilização correta da averbação, para que não ocorra a incidência do que dispõe nos parágrafos 4º e 5º do artigo 828 NCPC, que serão tratados no decorrer do trabalho. Contudo ressaltamos que o valor da causa não é uma limitação ao poder de averbar, pois, é possível proceder com o ato em diferentes registros. Com a mudança do novo CPC/2015, o dispositivo teve uma alteração no texto da lei, o novo CPC/2015 trás a admissão da execução pelo juiz, como fator que condiciona o requerimento da certidão, diferente do que previa o CPC/1973, que tinha como referência para requerimento da certidão a mera distribuição da execução. (ASSIS, ARAKEN ano 2012, revista dos tribunais) Portanto, o requerimento da expedição da certidão não se dará mais no ato do protocolo, mas após o despacho inicial do juízo. No sistema processual do CPC/1973 havia algumas possibilidades de requer a certidão: na execução de título extrajudicial, ou ação condenatória, o requerimento era feito junto ao cartório de distribuição do foro bem como no cumprimento de sentença Com a transição do processo físico para o digital do sistema processual, pelo menos no Estado de Minas Gerais as comarcas acabam por não terem uma regra como padrão, em Belo Horizonte o requerimento é feito nos cartórios das varas com o mero siscom do processo, e não há necessidade de peticionar antes, válido também falar que quando requerido mais de duas vias, alguns cartórios cobram o recolhimento das custas da mesma. Além do que já exposto no parágrafo anterior, vale ainda trazer ao presente a trabalho a informação de que a disponibilidade das certidões, pode mudar de comarca para outra, alguns cartórios acabam por impor procedimento especifico para o requerimento da certidão, diante a esse exposto das exigências feitas pelos cartórios judiciais, há ainda as formalidades exigidas pelos órgãos ou registros em que será procedida a averbação. O artigo 828 caput, dispõe um rol exemplificativo de bens que poderá proceder averbações, contudo, como já dito, além das exigências das comarcas e seus cartórios judiciais, cada órgão onde for requerida a averbação tem os seus procedimentos definidos, Por exemplo: No Detran MG, para se proceder uma averbação, é necessário um requerimento ao Delegado do Detran junto da certidão do Artigo 828 CPC/2015 e o siscon do processo; Nos cartórios de

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registro de imóveis, exige-se para averbação, o requerimento indicando a matricula a ser averbada, procurações e o siscon do processo, bem como o recolhimento dos emolumentos. 2.5 Averbação concluída e o aviso ao juízo competente (artigo 828, § 1º) Com a entrada do novo CPC, no tocante a comunicação da averbação ao juízo o texto quase não teve alteração, dispõe o artigo 828 em seu §1: No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, isso posto, merece nossa atenção a questão da comunicação ao juízo. No que diz respeito ao descumprimento da comunicação da averbação, não há no § 1º do artigo 828 qualquer previsão acerca das consequências para tanto. A essa parte do estudo, verificou-se controvérsias doutrinárias, como poderia ser tornar ineficaz uma averbação que deixasse de ter a comunicação ao juízo, a este posicionamento, Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini escrevem com precisão: A lei não prevê qual a consequência da falta ou atraso nessa comunicação – e é difícil identificar uma decorrência automática e peremptória para tal falha do credor. Certamente, o processo executivo não será afetado. Então, não é possível afirmar que a ausência da comunicação tempestiva implique uma consequência sobre a própria execução. Tampouco é razoável pretender que a averbação perde seu valor porque não foi comunicada em dez dias. A existência da averbação é de interesse público. Interessa à jurisdição que ela exista e se mantenha, nos casos cabíveis, para assegurar mais eficácia para o processo executivo. Interesse igualmente a todo potencial interessado em adquirir um bem saber dos riscos envolvidos. Portanto, não é razoável extinguir a averbação em caso de descumprimento do prazo do art. 615- A, §1. (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, volume 2: execução.11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 197. Não é uma faculdade da parte, mas um dever, a ausência da comunicação desde que comprovada os prejuízos que dela decorre, pode ensejar no que dispõe o parágrafo 5º do artigo 828 CPC. O que não significa perder sua eficácia. A eficácia produz efeitos fora do processo perante terceiros, visando a comunicação ao juízo para oportuno cancelamento. Tendo o executado respeitado o procedimento correto para averbação dos bens, foi prenotada em registro de bem com valores condizentes com o inadimplemento do executado, portanto, não haveria cabimento arguir a ineficácia da anotação, ou o seu cancelamento, somente pela falta de comunicação ao juízo. Deve se, contudo, analisar cada caso em específico. ( ASSIS ARAKEN, ano 2006). 2.6 Aviso de cancelamento das averbações após satisfação da penhora (artigo 828, §§ 2º e 3º) Sobre o aviso de cancelamento dispõe os parágrafos 2º e 3º do artigo 828,§2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados. §3º O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo. Diante ao exposto vê-se necessário o cancelamento das averbações que subsistam após o registro de penhora na matrícula de bens suficientes para cobrir o valor da dívida. Tem-se com isso se utilizar do instituto com o fim a que se destina, sem excessos á responsabilidade patrimonial do devedor. O legislador se preocupou evitar ônus desnecessários ao executado, e que não seja prejudicado quanto aos bens foram objeto da averbação, mas que não foram penhorados.

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Importante destacar a averbação como instrumento importante ligado ao êxito de uma futura penhora. ( ARRUDA ALVIM, ano 2007 ). Destaca-se a alteração do parágrafo 2º, em relação ao CPC/1973, para o CPC/2015 esse atribui ao credor a responsabilidade pelo cancelamento da averbação sobre os bens que não tenham sido penhorado, no CPC/1973, cabia ao juízo, que determinaria o cancelamento do excesso, de ofício ou a requerimento do interessado. Com a nova redação pode o exequente incorrer em caso de sua inércia no que dispõe o parágrafo 5º do artigo 828 CPC/2015, tendo que responsabilizar o executado caso sofra algum dano em decorrência de ficar inerte. Ressalte-se que, o devedor deverá comprovar os danos sofridos, e a má-fé do responsável pela anotação, caso alegue que houve excessos por parte do exequente em seu direito de averbar, o fato de averbar em bens com valores superiores á satisfação da demanda, sem abuso do direito, também não configura hipótese passível de responsabilização O parágrafo 2º, prevê, que o cancelamento da averbação deverá ser feito em 10 ( dez ) dias, contados da formalização da penhora, ocorre que, o CPC/2015 não traz previsão determinando que o exequente seja intimado acerca da determinação judicial para realização da penhora, mesmo que tivesse previsão de intimação do credor, não seria prudente iniciar a contagem do prazo para cancelamento das averbações, pois considerando a realidade do sistema judiciário, certamente o cancelamento ocorreria antes da efetiva penhora dos bens sugeridos pelo juízo. Uma plausível solução seria iniciar a contagem a partir da intimação do credor da lavratura do termo de penhora. Na prática, seria o advogado do credor intimado acerca da juntada do termo de penhora nos autos e, a partir de então, fluiria o prazo para cancelamento das averbações excedentes. (BORGES MARCUS VINICIUS, ano 2015.) Observado o exposto ate aqui nesse tópico, salienta-se que o cancelamento da averbação, dependerá de determinação do órgão ou registro público onde se efetivou a averbação, promovido pelo credor. O parágrafo 3º do artigo 828 traz que se o exequente não cancelar a averbação o próprio juiz, de oficio, ou a requerimento, poderá fazer, e quantos aos danos causados responderiam o exequente, o parágrafo foi inserido com o objetivo de afastar possíveis abusos decorrentes da nova incumbência conferida ao credor. (BORGES MARCUS VINICIUS, ano 2015.) 2.7 Fraude e sua presunção nos atos após confirmação da averbação (artigo 828, § 4º) O disposto no § 4º do artigo 828, procurou o legislador estabelecer uma presunção absoluta de fraude à execução se houver alienação ou oneração de bens após a averbação, esse é o entendimento de Fredie Didier Junior. (DIDIER JUNIOR, ano 2014). A averbação serviria para tornar público o conhecimento da demanda judicial em desfavor do proprietário de determinado bem, mostrando-se útil para afastar alegação de boa-fé do terceiro adquirente, é o entendimento de Luiz Rodrigues Wambier:

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Havendo a averbação da litispendência executiva no registro do bem, o terceiro que o adquirir depois disso não poderá alegar ignorância da existência da execução contra o alienante. Há uma presunção absoluta de ciência da demanda, propiciada pelo registro público. Portanto, esse requisito para a configuração da fraude à execução está caracterizado, cabendo apenas verificar a presença dos demais. É nesse sentido que se deve interpretar o art. 615-A, § 3º .(WAMBIER, Luiz Rodrigues; ano, 2012 )

Para José Miguel Garcia Medina em defesa da presunção reCENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


for manifestamente indevida, o que poderá vir a ser demonstrado, p.ex., nos embargos à execução; (b) realizada em vários bens, excedendo injustificadamente o valor da causa; (c) tendo o exequente informações acerca da existência de vários bens, opte por aquele que, evidentemente, tem valor excessivo, em detrimento de bem de valor inferior, mas mais adequado ao valor da causa; (d) feita a penhora, o exequente não realize o cancelamento da averbação sobre os demais bens (cf. § 2º, do art. 615-A). Incide o disposto no § 4º também nos casos em que o exequente exercite abusivamente o direito a que se refere o caput do mesmo artigo. Isso ocorrerá quando, embora admissível a averbação, o exequente exceder manifestamente os limites próprios do exercício de tal direito, como, p.ex., no caso em que o exequente realize a averbação em relação a uma quantidade excessiva de bens, quando suficiente a averbação em apenas um deles [...]. ( MEDINA JOSE ano 2011 )

lativa de fraude, haveria caracterização de fraude à execução se o bem sobre o qual se procedeu à averbação e alienação fosse posteriormente objeto de atos constritivos, não haveria configuração de fraude a execução, em relação a um bem averbado, se o devedor possui patrimônio passível de expropriação. Argumenta ainda o autor, que a alienação posterior á anotação sequer poderia ser considerada fraude: Rigorosamente, não é fraude à execução o que ocorre com a alienação do bem penhorado, feita após o registro. Nesse sentido, decidiu o STJ que “convém evitar a confusão entre (a) a fraude à execução prevista no inciso II do art. 593, cuja configuração supõe litispendência e insolvência, e (b) a alienação de bem penhorado (ou arrestado, ou sequestrado), que é ineficaz perante a execução independentemente de ser o devedor insolvente ou não. Realmente, se o bem onerado ou alienado tiver sido objeto de anterior constrição judicial, a ineficácia perante à execução se configurará, não propriamente por ser fraude à execução (CPC, art. 593, II), mas por representar atentado à função jurisdicional” (STJ, REsp 494.545/RS, 1ª T., j. 14.09.2004, rel. Min.Teori Albino Zavascki) ( MEDINA JOSE ano 2011) O entendimento acima exposto vai contra aos outros autores pesquisados, para Fredie Didier “A regra deve ser interpretada de forma a que se lhe dê a maior eficácia e o maior proveito possível, em termos de proteção do credor e do terceiro de boa-fé, esse é entendimento de presunção absoluta de fraude a execução. (DIDIER JUNIOR ano 2014) Conclui-se, portanto, que o CPC/2015, deixou claro que o posicionamento de presunção absoluta, minimizando qualquer divergência sobre o tema. 2.8 Averbações manifestamente indevidas e consequências do não cancelamento das averbações excedentes à penhora (artigo 828, § 5º) O § 4º do artigo 615-A (CPC/1973), guarda semelhanças com o com § 5º, dois pontos merecem nossa atenção, obre as mudanças realizadas no dispositivo. A primeira delas sobre à inclusão da inobservância do § 2º e os excessos a serem cometidos pelo credor, pois, a ele foi atribuída a responsabilidade pelo cancelamento das averbações dos bens que não foram penhorados, e o registro dessa hipótese se destina a garantir adequada utilização do instituto. O segundo ponto é que enquanto o CPC/1973 faz referência direta ao seu artigo 18, § 2º, que trata da multa por litigância de má-fé e a indenização à parte prejudicada em valor “desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa”; o CPC/2015 afirma apenas que o credor “indenizará a parte contrária”, não impondo qualquer restrição ao valor da indenização, muito menos limitando-a ao montante máximo imputável por litigância de má-fé. ( ASSIS, CARLOS ano 2015.) Cumpre-nos abordar sobre o que seria uma averbação manifestamente indevida. Humberto Theodoro Júnior entende que “É o ato que de maneira alguma encontraria justificativa no caso concreto e que fora praticado por puro intuito de prejudicar o devedor, ou por mero capricho”. ( THEODORO JUNIOR ano 2011 ) É necessário que ocorra averbação em evidente excesso onde o credor já exerça direito de retenção ou garantia real sobre bem do devedor; que a ação em si se demonstre manifestamente infundada; que se prolonguem as averbações excessivas. Em relação ao excesso do credor, José Miguel Garcia Medina dispõe: Pode reputar-se manifestamente indevida a averbação, p.ex., quando: (a) a própria execução LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Portanto, observadas as situações descritas, a responsabilidade do credor será apurada incidentalmente, em autos apartados, pelo devedor, que passaria por meio de uma ação condenatória a autor, onde apuraria a responsabilidade do credor, conforme dispõe o próprio § 5º. 3 Pontos divergentes introduzido pelo novo CPC/2015 ao novel instituto das averbações premonitórias Tendo trabalhado sobre as características e aspectos principais da averbação premonitória, e sobre os meios para efetivação da averbação, cumpre nos também trabalhar as alterações trazidas com o advento do CPC/2015, em relação ao instituto, ora sobre um viés critico, ora em vista aos benefícios da aplicação do instituto, de forma a demonstrar a efetividade do novel instituto, por fim trazer os efeitos negativos da inadequada utilização da averbação. 3.1 Pronunciamento judicial expedição da certidão - Razão para a mudança A insegurança do ato é a razão pela qual parte da doutrina tem se posicionado contra a expedição da certidão prescindir de autorização judicial, esse entendimento se mostra plausível. Permitir, a realização de atos os quais os efeitos são absolutamente prejudiciais ao devedor sem antes houver tido um pronunciamento judicial não é um posicionamento razoável. A averbação mesmo que ela não resulte em indisponibilidade do bem sobre o qual foi efetivada, em termos práticos, ela é suficiente para se tornar objeção na concretização de negócios como a compra e venda de um imóvel residencial à edificação de grandes empreendimentos imobiliários. Ficaria, portanto, o devedor privado de seus bens sem o devido processo legal, que iria contra a Carta a Magna de 1988. (artigo 5º, inciso LIV, CF/88). Lado outro, o parágrafo 5º, da a possibilidade de a parte prejudicada pleitear o ressarcimento por danos sofridos o que minimiza a insegurança. Conclui-se portanto, pontual a nova redação trazida pelo CPC/2015, de que tal expedição da certidão se dará somente após despacho inicial do Juiz. (BUENO, Cassio Scarpinella. A “revisão” do texto do novo CPC. Disponível em: <http://portalprocessual.com/a-revisao-do-texto-do-novo-cpc-2/>. Acesso em: 01/06/2016). 3.2 Prejuízos impostos ao credor pela mudança do dispositivo Com a mudança do dispositivo o credor foi o maior prejudicado, pois, tendo que aguardar o despacho inicial do juiz, nos deparamos com a morosidade na tramitação processual, pode chegar a meses o lapso entre a propositura da demanda e o recebimento pelo juízo. O novel instituto das averbações introduzido pelo CPC/1973, como meio eficaz afim de garantir ao credor de maneira preventiva, patrimônio do devedor inadimplente, afim de antecipar

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os efeitos da fraude a execução, neutralizando os atos do devedor posteriores a averbação, o objetivo é garantir ao credor diligente se antecipar aos atos do devedor que são fraudulentos, de maneira célere, podendo então garantir o sucesso de sua demanda executiva. (disponível em: jusbrasil.com.br/artigos/251373232/principais -mudancas-relacionadas-a-execucao-no-novo-codigo-de-processo-civil - acessado em 08/06/2016) Por fim, bastaria analisar o lapso de tempo entre a propositura da ação ate seu recebimento para ver o equivoco que tal mudança gerou, imprimiu ao procedimento para expedir a certidão, igualmente a morosidade que o exequente suporta no andamento processual. 3.3 O ressarcimento das averbações indevidas e a responsabilização pela não retirada da averbação A responsabilidade do exequente tem previsão no § 5º, do artigo 828, e dispõe situações em ocorra “averbação manifestamente indevida”, ou não tenha cancelado as averbações excedentes no patrimônio do devedor. Importante registrar que o reconhecimento da averbação indevida não implica o dever de reparação do devedor. Pois, é necessária clara evidência dos danos sofridos, mesmo discutindo a liquidação da indenização ocorrido o excesso será necessária a expressa insurgência da parte prejudicada, que deverá ser alegada na defesa. Inclusive, a necessidade de manifestação acerca da anotação indevida surgirá, muito provavelmente, já na ocasião da defesa, considerando a natureza e o momento mais oportuno para utilização da averbação. Por outro lado, na eventualidade de a anotação ocorrer no curso do processo, caberia também a manifestação do devedor por meio de simples petição. (RODRIGUES RUY ano 2015 ) O credor deverá ser responsabilizado pelos danos que de fato causou, não cabendo indenização nos casos em que sofra mera sucumbência, ou que a tempo tenha cancelamento os excessos, e quando os excessos não impliquem em danos efetivos aos bens do executado. Resta ainda, discutir sobre em quem recairá a responsabilização em caso do não cancelamento das averbações em que tenha o devedor experimentado prejuízos advindo de tal anotação, o CPC/2015, trás no parágrafo 3º que «o juíz determinará o cancelamento das averbações, de oficio ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo”, no parágrafo 5º dispõe que o não cancelamento das averbações indevidas, o exequente terá que indenizar o executado. Diante ao exposto, e observado que no CPC/1973 não tinha tal redação, merece criticas o legislador do CPC/2015 que deixou aberta tal questão, e como entrou em vigor recentemente o CPC/2015 nada tem na jurisprudência sobre essa lacuna, pois, não pode o exequente ser responsabilizado em falha do judiciário que poderia ter decidido de officio o cancelamento da averbação, ou que o exequente tenha requerido e por morosidade o devedor teve grave prejuízo, por exemplo, deixar vender um imóvel por causa de objeção do comprador por conta da averbação. (RODRIGUES RUY, ano 2015 ). 4 Conclusão Por todo o exposto no presente trabalho, percebe-se que o instituto das averbações merece ser mais valorizado pelos operadores do direito, percebe-se na pratica pouca utilização do instituto, como dito no resumo a prática foi o principal motivo para a realização deste trabalho, pois, é visto a importância das averbações, preventivamente essa ferramenta torna-se útil ao operador do direito no objetivo final de toda demanda que é a satisfação do crédito. Foi inicialmente trabalhado a introdução do instituto no pro-

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cesso civil brasileiro, sendo mais uma ferramenta processual, com o objetivo de minimizar o que acontecesse em grande parte das demandas judiciais o devedor não tem bens para satisfazer o credito do credor, ou o aliena de má-fé, e o êxito da demanda acaba por não acontecer, e com a entrada do instituto das averbações preventivamente se tornou de suma importância, seja para cientificar os terceiros de boa-fé, seja para evitar a alienação do patrimônio por parte do devedor. O presente trabalho abordou o artigo 828 CPC/2015 desde o caput, destrinchando cada parágrafo, verificando as mudanças que ocorreu em comparação ao CPC/1973, por ultimo, alguns pontos controvertidos que merecem atenção dos doutrinadores e dos juízes, para que o credor não fique prejudicado, o trâmite processual brasileiro por si já e moroso e por vezes as execuções ineficientes. Ao final, que o presente trabalho contribua de forma a despertar os doutrinadores do direito a se utilizar do instituto das averbações que tem se mostrado eficaz no processo de execução, de forma preventiva evitando que o devedor desfaça do seus bens sobe pena de incorrer em fraude a execução, tem o instituto também grande importância para com os terceiros alertando e cientificando para que não realize um negocio jurídico que no futuro possa lhe trazer problemas. Referencias ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2012. ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006. . Manual da execução. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. BORGES, Marcus Vinícius Motter; LAMY, Eduardo de Avelar. A averbação do ajuizamento da ação (art. 615-A do CPC): análise do procedimento, aplicação para além da execução por quantia certa e a previsão no projeto do novo código de processo civil. BUENO, Cassio Scarpinella. A revisão do texto do novo CPC. Disponível em: <http://portalprocessual.com/a-revisao-do-texto-do-novocpc-2/>. Acesso em: 01/06/2016).. MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao projeto do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. RODRIGUES, Ruy Zoch. Anotações aos artigos 827 a 830.Novo código de processo civil ano 2015. THEODORO JUNIOR, Humberto. Alguns problemas pendentes de solução após a reforma da execução dos títulos extrajudiciais (Lei 11.382/2006). Revista de Processo, vol. 156/2008, fev/2008, p. 13. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/api/>. Acesso em 01/06/2016. . Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência, v. II. 46. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. . Processo de execução e cumprimento da sentença. 26. ed. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2009.

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WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, v. 3, p. 76. apud ASSIS, Araken de. Manual da execução. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 1º REGISTRO DE IMÒVEIS DE BELO HORIZONTE-MG - REVISTA (disponível em http://www.1ribh.com.br/revistas/revista6.htm)

Banca Examinadora Júlio César Grossi Silva (Orientador) Jerfferson da Mata Almeida (Examinador).

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DELAÇÃO PREMIADA: DO MEIO DE DEFESA DO RÉU À INCOMPETÊNCIA INVESTIGATIVA DO ESTADO Gabriela Beaumord1

RESUMO: O presente artigo aborda a delação premiada, um tema muito controverso que tem causado amplo clamor na mídia nos últimos tempos. Das ciências penais, certamente rotula-se como um dos mais polêmicos. A delação ganhou fama abrupta nos últimos meses entre os brasileiros pelo fato de ser muito contemplada em atuais escândalos políticos, tais como o da Petrobrás. O grande empasse é que a mídia lança as notícias diariamente envolvendo delação sem, na maioria das vezes, explicar do que efetivamente se trata o instituto. Como estudante do mundo jurídico, a área das ciências penais me atrai muito. Pretendo me especializar neste ramo do Direito e o projeto tem me levado a incríveis descobertas nas pesquisas. Assim sendo, o objetivo central deste escopo é investigar, esclarecer, explicitar a essência da delação premiada bem como suas principais polêmicas – levando conhecimento básico a um público mais abrangente, não sendo proveitoso somente para juristas e contempladores do Direito. PALAVRAS-CHAVE: Delação premiada. Meio de defesa. Incompetência investigativa.

mínimo três mil casos jurídicos no Brasil. Com tanta repercussão nos

1 INTRODUÇÃO

últimos anos, diversas dúvidas surgem a respeito do instituto, como Fica evidente a importância e magnitude da presente pesquisa –

também muitas polêmicas. O presente trabalho tem como objetivo es-

vez que o tema tem tido constante aplicabilidade nos casos concretos

clarecer e ponderar eventuais dúvidas e polêmicas a respeito do tema.

e encontra-se na crista da onda dos atuais debates jurídicos. Historicamente, pode-se observar que a delação está presente em terras brasi-

2 CRONOLOGIA E PREVISÃO LEGAL DO INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA

leiras desde as Ordenações Filipinas – não sendo criada recentemente. O presente escopo trata-se de um esclarecimento sobre a es-

Existe uma cronologia sobre o surgimento deste instituto no nos-

sência da delação premiada bem como suas principais polêmicas – le-

so ordenamento jurídico. Nossa primeira lei a prever o instituto foi a

vando conhecimento básico a um público mais abrangente, não sendo

Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) – que previa a redução de

proveitoso somente para juristas e contempladores do Direito. Além de

um a dois terços da pena do participante ou associado de quadrilha

esclarecer a essência do instituto, o presente também discute de ma-

voltada à prática de crimes hediondos (tráfico, tortura, terrorismo) que

neira exaustiva as diferentes interpretações que a delação permite.

denunciasse o grupo à autoridade competente, permitindo o seu des-

No bojo do trabalho serão desenvolvidas as duas principais

mantelamento. As principais previsões legais são:

interpretações, quais sejam: delação como meio de defesa – ótima A) Lei 12850/13 (Crime Organizado); B) Lei 9613/98 (Lavagem de dinheiro); C) Lei 8072/90 (Crimes Hediondos); D) Lei 7492/86 (Contra o Sistema Financeiro); E) Art. 159, §4º, CP (Extorsão mediante sequestro); F) Art. 65, III, “D”, CP (Confissão espontânea).

ferramenta ao réu e ao Estado quando exaure suas investigações; delação vista tão somente como uma incapacidade do Estado em colher elementos de provas concisos – ponto de vista críticos de juristas que discordam em dar benefícios ao réu, vez que, caso o Estado se esforçasse e aperfeiçoasse suas técnicas investigativas bem como contratasse mais agentes, não precisaria utilizar o instituto no caso. A primeira vez que se teve delação registrada historicamente no

No art. 159, §4º do CP, no crime de extorsão mediante seques-

Brasil foi no caso da Inconfidência Mineira. Joaquim Silvério dos Reis

tro o benefício associava-se à possibilidade de liberação da vítima. A

foi o delator do movimento: em troca do perdão de suas dívidas e

delação também surge nos Crimes contra o Sistema Financeiro Na-

dos delitos que havia cometido contra a Coroa Portuguesa, “dedurou”

cional e contra a Ordem Tributária – lei 8137/90, artigo 16, parágrafo

todo o movimento, tendo sido Tiradentes enforcado e esquartejado –

único, incluído pela Lei 9080/95 e crimes praticados por organização

cessando todo o movimento.

criminosa – Lei 9034/95.

Ainda mais antigo e saindo de esferas brasileiras, temos que a

Mesmo com todo este aparato legal, o instituto da colaboração

Delação Premiada por vezes pode-se fazer lembrar de Judas Iscario-

premiada ganha força e aplicabilidade prática com o advento da Lei

tes, que entregou Jesus Cristo em troca de alguns benefícios, ou seja,

9613/98 – combate à lavagem de dinheiro. Essa maior aplicabilidade

moedas de prata.Pelo contexto histórico de eficiência nas delações e

deve-se ao fato de a Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro prever

pela dificuldade encontrada em todo o processo de investigação dos

melhores benefícios a serem oferecidos ao réu delator como a tão

crimes, não há outro meio de se buscar os verdadeiros fatos, se não

almejada possibilidade de condenação em regime menos gravoso

“aliar-se” aos criminosos, almejando o fim do grupo e a devida puni-

(semiaberto ou aberto), a substituição da pena privativa de liberdade

ção ao cometimento dos crimes investigados.

pela pena restritiva de direito e, dependendo da contribuição da cola-

Atualmente a delação é prevista em leis esparsas, não estando

boração, poderia ocorrer até mesmo o perdão judicial.

concentrada num único códex. Nas duas últimas décadas, estima-se

A Lei 11.343/2006 prevê possibilidade da colaboração pre-

que o instituto da colaboração premiada tenha sido aplicado em no

miada para os crimes de tráfico de entorpecentes. E ainda há a Lei

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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12.529/2011 que coloca o instituto com um novo nome: acordo de leniência – que, grosso modo, é uma espécie de delação premiada realizada por pessoa jurídica. Por fim, a Lei 12.850/2013 que prevê medidas de combate às organizações criminosas traz de forma mais completa tudo sobre o instituto: aceitação quando a colaboração contribuir efetivamente para alcançar resultados (ex: identificação de cúmplices; revelação de hierarquia da organização e de quais crimes foram praticados por esta; prevenção de novos crimes e etc.), a colaboração deve ser voluntária e os benefícios que podem ser auferidos. 3 CONCEITO DOUTRINÁRIO DO INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA A delação premiada pode ser definida como uma “técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal”. Definição de Renato Brasileiro de Lima. Ao mesmo tempo em que confessa a prática delituosa, o acusado/investigado assume o compromisso de fornecer provas acerca do delito – provas essas que devem ser efetivas, ou seja, devem auxiliar de fato o Ministério Público – a fim de obter certas vantagens em sua possível condenação. Sendo assim, notório constatar que a delação jamais será utilizada como única e exclusiva prova na persecução penal – seja na fase de inquérito, seja na fase judicial – não podendo servir de meio de condenação quando isolada. Segundo o doutrinador Adalberto José Aranha2, a delação trata-se da “afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa”. Pacheco Filho e Thums3 entendem que a delação premiada “ocorre quando o indiciado, espontaneamente, revelar a existência da organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais de um dos seus integrantes”. Pode-se conceituar o instituto da delação como um estímulo à verdade processual que se assemelha à confissão espontânea, sendo excelente aparato/instrumento de investigação e repressão de crimes. Sobre o tema, o ilustre e conceituado jurista Guilherme Nucci4 nos traz: (...) significa a possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). É o ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade. (NUCCI, 2011, p. 35) Logo, a ideia de delação premiada está cada vez mais enrai-

zada na sociedade brasileira, tendo em vista que apenas será aceita a delação de investigado que confesse a autoria e/ou participação no crime, ora investigado. Sendo assim, o acusado que admite sua participação no crime, fornece elementos capazes de facilitar a resolução deste, consequentemente, requer benefícios pelo auxilio as autoridades investigativas. 4 DO DELATOR FRENTE À DELAÇÃO PREMIADA O delator pode oferecer ao Ministério Público diversas “fontes”, tais como: A) Entregar outros membros da organização; B) Entregar novos crimes praticados pela organização – ainda não descobertos; C) Entregar a estruturação da organização criminosa (o papel desempenhado por cada membro); D) Indicar meios para reparar dano; E) Realizar a delação preventiva – evitando, dessa forma, crimes que seriam, muito em breve, praticados. Em contrapartida, o delator pode auferir alguns benefícios, como por exemplo: A) A diminuição de pena (de 1/3 a 2/3); B) Um regime prisional mais benéfico (por exemplo, regime semi-aberto); C) Substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direito, ainda que a pena seja superior a 4 anos; D) E até mesmo um perdão judicial (sendo este causa de extinção da punibilidade, constitui instrumento de despenalização, descabendo, por consequência, a inclusão do nome do réu no rol dos culpados e sua condenação em custas – entendimento pacificado em jurisprudência). Obviamente, os benefícios auferidos serão dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Quanto mais colabora, mais é premiado. A delação premiada pode ser proposta a qualquer tempo: durante as investigações, durante o processo, depois da condenação e inclusive durante a execução da pena. Em sendo assim, a eficiência e eficácia trazida pela delação premiada aproxima, cada vez mais, o Estado da verdade material, facilitando ao judiciário fazer cumprir toda a punição aos que se desviaram do caminho retilíneo da lei. Com o intuito de tentar exercer o verdadeiro conceito de justiça, é sabido que os julgadores devem se valer de todos os meios possíveis a fim de aproximar cada vez mais as investigações dos fatos realmente ocorridos. Neste entendimento, Daniel Guimarães Medrado de Castro5, em seu artigo – “Uma breve análise e algumas teorias da racionalidade da decisão judicial”, publicado na 24ª edição da Revista Letras Jurídicas, traz-nos que: As decisões prolatadas, sejam no âmbito do Judiciário ou da Administração Pública, possuem

2 ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 3 PACHECO FILHO, Vilmar Velho; THUMS, Gilberto. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo: análise comparativa das leis 6.368/1976 e 10.409/2002. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 4 Bacharel em Direito pela USP (1985), onde se especializou em Processo (1989). Também é Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996) e Doutor em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998). É Livre-Docente em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004) e professor concursado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na cadeira de Direito Penal, atuando nos cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado). 5 Advogado devidamente inscrito na OAB/MG e militante nas áreas de Improbidade Administrativa, Controle de Contas e Direito Administrativo Sancionatório. Mestrando em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós Graduado em Direito Público: Controle de Contas, Transparência e Responsabilidade, curso promovido pelo TCE/MG – PUC Minas.

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necessariamente um pano de fundo hermenêutico, sendo a atuação do intérprete determinante para a consecução do direito. Nesse sentido, ainda que presente na Teoria Geral do Direito – ou até mesmo fora do Direito, como querem alguns – a hermenêutica é ponto inexorável até o caminho da aplicação da norma [...] (GUIMARÃES M. DE CASTRO. DANIEL, 2014). Extrai-se do exposto que, para buscar a verdade antes de prolatar sentença, os juízes, vale-se de todas as ferramentas possíveis para que a justiça seja feita, Desta forma, ao analisar a persecução penal, quando nota ser necessário valer-se do instituto da delação – obviamente respeitando todos os ditames legais – deve de fato, autorizar a realização da mesma. Tal atitude nada mais é do que a busca por mais provas com intuito de ser convencido da realidade dos fatos. Assim sendo, toda a hermenêutica faz parte do bom andamento e desfecho processual – devendo o julgador ser plenamente convencido para prolatar de sentenças – até porque, caso o juiz não se convença por completo, deve o mesmo respeitar o princípio do indubio pro reu. A delação premiada trouxe a paz social, mas deve-se ter cautela sobre a sua aplicação, pois como mencionado, deve-se regular alguns pontos a cerca da aplicabilidade do instituto, dando a este uma credibilidade ainda maior que já o tem. O delator, através de seu advogado, procura o Ministério Público. Réu oferece sua colaboração (que deve vir com provas efetivas). Se Ministério Público achar plausível, fará negociação. Caso contrário, se MP não agradar das provas, poderá este desistir da delação; no entanto, não poderá utilizar essas provas que foram apresentadas pelo até então delator. A ideia de apresentar uma delação premiada se torna complexa quanto ao seu momento, visto que não se tem na legislação o momento correto para tal apresentação. Tem-se que, como o instituto se trata de meio de obtenção de provas, este só deve, preferencialmente, ser apresentado até a data da sentença, já que está ligado diretamente à descoberta de fontes de provas, mais comum que se apresente na fase investigatória. No entanto, não podemos deixar de possibilitar a apresentação após o trânsito em julgado. Sendo este apresentado após o trânsito em julgado esbarramos em um problema. Seria isto uma revisão criminal? Há divergências doutrinárias a respeito, mas lembrando da rescisão de coisa julgada, atentamos ao fato de que um dos meios para aplicabilidade de rescisão de coisa julgada é o descobrimento de novas provas de inocência do condenado ou de circunstâncias que determine ou autorize a diminuição especial da pena, conforme preleciona o artigo 621, III do CPP. Com a utilização de embasamentos legais e de fácil convencimento, cai por terra a possibilidade de não poder ser utilizado o instituto de delação premiada ao já condenado, visto que o argumento de que é até a sentença que se possibilita a concessão dos benefícios, tais como redução de pena, regime penitenciário brando, substituição de prisão por pena alternativa ou extinção da punibilidade é pouco convincente e carece de mais embasamentos e argumentos. Por se tratar de sentença já transitada em julgado, não se pode dizer que o fato seria levado ao juiz primevo, devendo tal fato ser direcionado ao juízo de execuções, o que nos leva a crer que, o motivo para a rescisão de coisa julgada, só se dá a respeito de erro do juiz que julgou o fato, o que se pode divergir neste momento, pois o julgamento não está de fato eivado de erros. Temos então um problema lançado ao vento, pois o juízo de exe-

cuções seria competente para homologar uma delação premiada? Assim sendo, alcançado tal fato, tem-se que o juízo de execuções é competente quanto ao surgimento de fatos novos que deve ser levado à suas considerações, como por exemplo, o surgimento de lei nova mais benigna, sendo este competente para apreciar a delação premiada. No caso de aceitação por parte do MP, após a negociação, o juiz competente homologará a delação – depois de observados os requisitos formais. Válido salientar que, antes de ser homologada, a delação é sigilosa e após ser homologada, ela passa a ser pública. Quando o delator negocia com o MP e com a homologação desta negociação, este perde alguns direitos, como, por exemplo, ele abre mão do direito de silêncio pois passa a ter compromisso com a verdade. Abre mão também do direito ao contraditório – pois a partir do momento que delata, não é possível mais se defender – por uma questão óbvia: parte da delação é uma confissão. Sendo assim, com o intuito de prevenir falsas delações, deve o magistrado assegurar-se de todas as maneiras de que a Delação não está servindo apenas para deturpar a realidade fática, precisando por vezes ouvir o delator a respeito dos fatos e verificar a verossimilhança das informações prestadas, fazendo com isso, que o instituto não sirva apenas como elemento informativo e sim como efetiva prova condenatória. 5 DA APLICABILIDADE OU NÃO DA DELAÇÃO PREMIADA Das diversas polêmicas que abarcam o tema, abordaremos as mais debatidas que são a delação como um meio de defesa do acusado e ferramenta auxiliar de investigação e, por outro lado, a delação como uma forma de maquiar a incompetência de investigação do Estado. Ou seja, por um lado, tem-se a delação como uma ótima ferramenta e extraordinário benefício ao réu delator – que, já tendo esgotado seus meios de defesa, vale-se do instituto para minimizar os efeitos de sua condenação. Ainda de acordo com este entendimento, tem-se a delação como importantíssima ferramenta auxiliar de investigação do Estado. Em contramão, sob um novo olhar, que por sinal é mais crítico, tem-se a delação como uma “substituição” do trabalho investigativo do Estado, que, mediante tal ponto de vista, deveria se bastar para alcançar todos os elementos de prova alcançados com a delação. Tais perspectivas serão abordadas de forma clara adiante. Para Ricardo Andreucci6, Procurador do Estado de São Paulo, a delação é uma excelente forma de se combater a criminalidade organizada. Explicita o procurador: Para combater a criminalidade organizada e determinados delitos (como os cibernéticos, por exemplo) não há outra alternativa senão semear a discórdia e a desconfiança no seio da organização criminosa. A delação serve para acabar com a organização criminosa ou no mínimo enfraquecê-la. (ANDREUCCI, 2009, p. 574). Não há como rumar a outros nortes se não aliar-se a criminosos, com o intuito de descobrir novos crimes e aprisionar outras pessoas que participaram dos crimes, ora investigados. Neste ponto a doutrina se diverge a respeito do instituto, sobre o argumento de que implantaria um comportamento antiético e imoral dentro das organizações criminosas. Ora, temos então que lançar mão da pergunta mais contundente para o fato em questão: Há ética e moral no crime? Sob esta ótica, vê-se a delação como uma “ferramenta extra” do Estado – um complemento para combater a criminalidade nos casos

6 Procurador de Justiça Criminal do estado de São Paulo. Doutor e mestre em Direito. Professor da Escola Superior do Ministério Público. Professor da Escola Superior de Advocacia. Professor universitário e de cursos preparatórios.

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em que as investigações não são suficientes para chegarem aos responsáveis delituosos. Deste ponto de vista, devido à dificuldade estatal em colher provas e “rastrear” criminosos, o Estado se vale dessa “ferramenta plus” que é a delação. Ainda coadunando com este entendimento, vê-se a delação como um excelente meio de defesa para o acusado. Quando a defesa se torna dificílima, as provas já tornaram o delito evidente, o advogado orienta seu cliente a fazer delação para auferir benefícios que, se aguardassem o desenrolar do processo, jamais seriam auferidos. Em sendo assim, a delação deve ser vista como contempladora do ilustre princípio da ampla defesa – tendo o réu o direito de se defender por todos os meios que lhe são de direito. Refutando todo este entendimento, sob uma ótica mais conservadora que exalta os deveres do Estado, tem-se a delação também como uma extensão das atividades estatais, entretanto, criticando a ferramenta por se tratar de uma “substituta” do dever do Estado em investigar. Nesta perspectiva, a delação seria uma espécie de “atestado de incompetência” do Estado: por não conseguir investigar, concede benefícios aos delatores em troca de elementos de prova. Essa corrente zela pelo perfeito exercício do estado em seus direitos e deveres e defende que, para efetivamente “fazer justiça”, o estado deve aprimorar-se em técnicas investigativas bem como contratar mais agentes para que consiga de fato obter elementos de prova concisos, sem precisar se “aliar” aos infratores concedendo-lhes benefícios. Partindo do ponto de que a delação premiada seria uma “incompetência” estatal, estaríamos julgando o legislativo, que ao criar a Lei 8.072/90, (lei de crimes hediondos) cria a primeira normatização do instituto da Delação Premiada, deixando bem claro que o objetivo é possibilitar a desarticulação de quadrilhas, bandos e organizações criminosas, facilitando a investigação criminal e evitando a prática de novos crimes por tais grupos, em sendo assim, o Estado não atesta sua incompetência investigativa e sim coloca como foco a desarticulação de novos crimes, que surgem de novas maneiras a cada dia. Temos hoje no Brasil, aproximadamente, sete leis tratando do instituto da Delação Premiada, sendo essas: art. 159 do Código Penal, sobre crimes de extorsão mediante sequestro (redação dada pela Lei nº 9.269, de 02 abr. 1996, ao parágrafo 4º do art. 159 do CP); Lei nº 8.072, de 25 jul. 1990, sobre crimes hediondos (art. 8º, parágrafo único); Lei nº 8.137, de 27 dez. 1990, sobre crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (art. 16, parágrafo único); Lei nº 9.034, de 03 maio 1995, sobre crime organizado (artigo 6º); Lei nº 9.613, de 03 mar. 1998, sobre lavagem de dinheiro (artigo 1º, parágrafo 5º); Lei nº 9.807, de 13 jul. 1999, sobre programa de proteção a vítimas e testemunhas (artigo 14); Lei nº 10.409, de 11 jan. 2002, sobre repressão a tóxicos (artigo 32, parágrafo 2º). Em sendo um instituto tão bem amparado, não há que se falar em sua não utilização, mas sim em sua utilização consciente. A delação premiada deve ser utilizada em casos incomuns, em casos em que há um maleficio maior ao conjunto social, isto depois de já terem exaurido todas as formas de investigações para o determinado crime, sem que traga para a sociedade o anseio de que a delação premiada é um conforto ao estado, quando não mais precisa investigar. Mais adiante, a doutrina contrária à aplicação do instituto questiona a respeito da proteção ao Réu, no caso delator, que deveria ser tutelada pelo Estado e não é feito de maneira eficaz, já que se preocupa em ir atrás dos delatados, deixando o delator a ver navios. Apesar de ser verídicas e condizer parcialmente com a realidade, não se pode esquecer essa importante arma de combate ao crime organizado, pois o interesse público tem que prevalecer sobre o interesse particular, mas sem deixar o particular desamparado. Há entendimentos de que a delação premiada estaria ferindo

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direitos básicos do delator, vez que nem mesmo a confissão é dotada de valor absoluto, nem mesmo esta pode por si só servir como prova condenatória, conforme artigo 197 do CPP. No entanto, conforme o mesmo artigo, se a Delação Premiada estiver em consonância com as demais provas produzida ao longo da instrução processual, concede-se a esta força probatória, capaz então de produzir fundamentos suficientes para uma condenação. O instituto é bem sucedido em outros países, que têm organizações criminosas muito mais complexas que as já existentes no Brasil. Um exemplo disso é a Itália, que desmantelou máfias criminosas utilizando o instituto da Delação Premiada. Não se pode negar a importância do instituto para o ordenamento e para o Estado, visto que traz resultados concretos e eficientes no combate a criminalidade. 6 DA DELAÇÃO PREMIADA NA OPERAÇÃO “LAVA-JATO” Partindo para um ponto prático, há hoje um cenário bem típico e emoldurado na política brasileira a respeito da Delação Premiada, visto que a investigação da Policia Federal, denominada “Lava Jato”, só teve avanços frente a tal instituto. Conforme mencionado, a citada operação “Lava Jato”, tem o interesse de desmantelar e punir os culpados pelos desvios de dinheiro advindos da empresa Multinacional Petrobras. Ocorre que, com o primeiro indiciado preso, qual seja Paulo Roberto Costa, deu-se então início ao calvário na política brasileira, já que em seu acordo este delatou cerca de trinta e cinco políticos que estavam envolvidos no esquema de corrupção da empresa multinacional petrolífera. Após o ocorrido, e após a delação de Paulo Roberto Costa, tivemos então o envolvimento dos políticos do atual cenário brasileiro e do partido da, na época, presidente da República. Frente à corrupção brasileira temos os piores cenários investigativos existentes, já que não se consegue facilmente obter informações a respeito de nenhum “criminoso político”, tendo assim o já mencionado engessamento estatal, que começou a cessar com a aplicabilidade do instituto da Delação Premiada, que se torna novo na legislação brasileira, mas não tão novo para a sociedade. Após a delação acima mencionada e a comprovação do comprometimento de parte do partido presidencialista, este, por intermédio do deputado Wadih Damous, tratou por fazer ponderações acerca do instituto da Delação Premiada, intencionando a modificação na aplicação do mesmo, levando para votação um projeto de lei (PL 4372/20126), que aos olhos de alguns especialistas trata-se de obstáculo e retrocesso na justiça brasileira. O projeto de lei quer restringir acordos de colaborações premiadas, o que deveras não pode acontecer aos olhos de alguns juristas. A ideia principal do deputado é estabelecer restrições às regras de colaboração, onde apenas as pessoas em liberdade podem fazer a delação. Essa ideia principal teve surgimento sob a alegação de que as pessoas presas fazem a delação por coação, diferente das pessoas que se encontram em liberdade. Além da ideia principal, o deputado trouxe para discussão ponto importante que seria o vazamento de informações, sem a devida comprovação, a cerca da delação, ponto este que merece ser apreciado com mais cautela, visto que quando vazada a informação a respeito de algum outro investigado, diga-se investigado e não réu e nem ainda condenado, este passa a ser condenado aos olhos da sociedade, trazendo consigo uma reputação que por vezes será inabalada diante da justiça, mas não diante da sociedade. O vazamento de informações é algo reprimido na justiça, mas sem a devida punição para quem deixou vazar, ou seja, sem aplicabilidade real. Segue abaixo trecho do projeto de lei que trata a respeito do vazamento de informações:

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Art. 2º A Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 21-A: “21-A. Constitui crime divulgar o conteúdo dos depoimentos colhidos no âmbito do acordo de colaboração premiada, pendente ou não de homologação judicial. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Ora, ponto este merecedor de respaldo frente à condenação antecipada que a sociedade vem ofertando para os investigados, que não podem iniciar o “cumprimento de pena” sem que sejam antes condenados. O vazamento de informações retira do instituto a credibilidade que lhe é conferida, deixando dúvidas sobre sua aplicação prática, o que não pode ocorrer, visto que, na teoria, o instituto traz uma “paz” para a justiça, quando pode obter informações que jamais conseguiria de maneiras convencionais e traz uma “paz” para a sociedade, quando esta observa a punição para os verdadeiros culpados. Referente ao tema, tem-se umas das mais bem sucedidas operações realizadas em âmbitos políticos na sociedade brasileira, quando consegue-se desmantelar operações criminosas tão grandiosas como a citada no tema. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme análise empírica e através de pesquisas, pode-se observar que para encontrar de fato a essência da delação, necessário é que se utilizem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Não cabem extremismos nesta análise. Deverá sempre haver uma ponderação para julgar ser a colaboração premiada cabível ou não a determinado caso concreto, visto que é atualmente, o melhor meio de complementação investigativa do engessado e moroso sistema investigativo estatal. De acordo com Ricardo Andreucci7, denota-se que o poder estatal encontra-se completamente absorto, carregado; devido à imensa demanda e ao surgimento incessante de novos fatos delitivos a serem apurados/investigados pelo Estado, somados ao parco contingente que já encontra-se atabalhoados de serviços, tem-se o dito engessamento do sistema investigativo estatal; tendo por consequência a morosidade. Sendo assim, uma das alternativas mais eficazes de suprir essa deficiência estatal, seria a realização de novos acordos de delação premiada – visando sempre o desmantelamento das organizações criminosas e a celeridade nestes processos. A justiça por vezes procura se atualizar de fatos do cotidiano, no entanto nem sempre logra êxitos e quando os logra, nunca em fase dos 100 %, restando a delação premiada como forma garantidora do cumprimento do papel estatal de forma eficaz e célere. Elencando o abordado em todo escopo, tem-se que o estado deve, de fato, “aliar-se” a infratores delatores para complementar suas investigações de forma mais célere e eficaz, corroborando com o bom andamento da justiça e respeitando o princípio da celeridade processual. O processo penal é traz consigo uma busca incessante que em outros ramos do direito não temos com tanto vigor, que seria a busca da verdade real. Verdade essa que se distancia cada vez mais ao passar do tempo, visto que as práticas de crimes têm ficado cada vez mais eficientes, tendo em contrapartida o judiciário cada vez mais moroso e engessado, havendo assim a impunidade de alguns delitos. Por consequência, o instituto da delação premiada é inegavelmente eficaz e traz para o judiciário um suspiro de ter conseguido aproximarse da tão sonhada verdade real, com a punição correta de todos os

envolvidos no fato, mesmo que o delator tenha a sua pena abrandada ou até em vezes perdoada. Neste enfoque, pode-se concluir ser delação tanto um ótimo aparato estatal investigativo como pode ser também, concomitantemente, um excelente meio de defesa do acusado - nos casos em que a defesa se torne árdua, fatigante e quase impossível. Pensando sobre as diferentes vertentes, as críticas certamente seriam reduzidas ou, no mínimo, mais fundamentadas a este respeito. REFERÊNCIAS ANDREUCCI, Ricardo Antonio, Legislação Penal Especial, 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. D´URSO Luiz Flávio Borges. Programa de Proteção aos Colaboradores da Justiça Criminal no Brasil - Vítimas e Testemunhas, in Consulex. Doutrina e pareceres, (Jan/Dez 1996, p. 258/60). GUIMARÃES M. DE CASTRO. DANIEL. d24 03 – Uma breve análise a algumas teorias da racionalidade da decisão judicial. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, 24ª ed., dez.2014. Disponível em: <http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=1914>. Acesso em: 03 jun.2016. JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: . Acesso em: 07 abr. 2006. NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 151. 8 BITTAR, Walter Barbosa. Delação Premiada: direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. PACHECO FILHO, Vilmar Velho; THUMS, Gilberto. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo: análise comparativa das leis 6.368/1976 e 10.409/2002. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. REVISTA Eletrônica de Direito. Normas de Publicação. Revista eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva - ISSN 1678-8729, disponível em http://npa.newtonpaiva.br/direito/?page_id=17, acesso em 21 jun. 2016. SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Crimes Praticados por Organizações Criminosas – Inovações da Lei n.9.034/95 – in RJ nº 217 – nov/95, p. 43). TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, 1928 – Manual de Processo Penal – 5. ed. ver. atual e aum. – São Paulo : Saraiva, 2003.

Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Maurício Lopes (Examinador)

7 Coordenador Pedagógico do Complexo de Ensino Andreucci; Doutor e Mestre em Direito; Autor de diversas obras jurídicas pela Editora Saraiva.

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A PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO NOS CRIMES MILITARES: o cerceamento da liberdade do Policial Militar do Estado de Minas Gerais que age sob excludente de ilicitude Giselle Helena Marques2

RESUMO: O objetivo desta pesquisa foi analisar o limite da atribuição da Autoridade de Polícia Judiciária Militar de Minas Gerais para deliberar em face da prisão em flagrante delito de policial militar que vem a praticar um fato tipicamente descrito na norma penal militar incriminadora, contudo, amparado por uma manifesta causa legal que exclui a ilicitude. O estudo da questão ganha relevância uma vez que para o Processo Penal Brasileiro a liberdade é a regra e a sua restrição, a exceção, somente se justificando quando não houver outra medida menos gravosa e legalmente viável. Trata-se de uma pesquisa do tipo bibliográfica e documental, promovendo-se a revisão teórica do tema, na busca de uma base conceitual dos principais termos e institutos que se relaciona e para a qual foram selecionados autores contemporâneos, bem como estudadas as normas internas expedidas pela Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) que buscam estabelecer o limite da atribuição da Autoridade de Polícia Judiciária Militar. Sobressai desta pesquisa que, com fundamento nos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, e da Legalidade, verifica -se como proporcional a não autuação em flagrante do militar que agir amparado por causas que excluem a ilicitude do fato, nesse sentido, as atuais regras internas da PMMG permitem a adoção da medida. Conclui-se que os objetivos geral e específicos foram alcançados, restando demonstrado que deve a Autoridade de Polícia Judiciária Militar, ao verificar com fulcro no conjunto probatório à sua disposição, a manifesta existência de alguma causa que exclua a ilicitude ou culpabilidade do militar que recebeu a voz de prisão em flagrante delito, determinar a sua soltura após a audição de todas as pessoas e optar pela continuidade da investigação por meio do Inquérito Policial Militar (IPM), que é a medida processual menos gravosa e legalmente adequada à situação. PALAVRAS-CHAVE: Crime. Crime militar. Prisão em flagrantes delito. Polícia judiciária militar.

1 INTRODUÇÃO O tema deste Artigo Científico constitui-se do estudo acerca do limite da atribuição da atividade de Polícia Judiciária Militar, mormente da Polícia Militar de Minas Gerais, em face da prisão em flagrante delito do Policial Militar, especialmente em relação à deliberação da Autoridade de Polícia Judiciária Militar pela lavratura ou não do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD), nos casos em que, não obstante a caracterização de fato típico, inserto no Código Penal Militar, restarem caracterizadas excludentes de ilicitudes nas ações dos Militares. O Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD), nos termos insertos no Código de Processo Penal Militar (CPPM), é Procedimento Administrativo necessário à formalização dos fatos que podem dar origem ao encarceramento do policial militar, suspeito da autoria de crime militar, conduzido em estado de flagrante delito. É lavrado por delegação da Autoridade de Polícia Judiciária Militar que é, via de regra em primeiro momento, o Comandante da Unidade de Polícia Militar que tem responsabilidade territorial onde se deu o cometimento do ilícito. Justifica-se o presente Artigo, a importância acerca da análise se a ação do Policial Militar que, no exercício de sua profissão, direcionada para a proteção dos direitos individuais e coletivos, diante de ação policial militar legítima, com destacada clareza de existência de excludentes de ilicitudes, estas analisadas pela Autoridade de Polícia Judiciária Militar, comete ato típico na legislação penal militar deva ou não vir a ser submetido ao Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD). Este estudo tem por finalidade abordar os aspectos que norteiam a confecção do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD), com vistas a verificar se a Autoridade de Polícia Judiciária Militar deve deli-

berar, verificando a existência de excludentes de ilicitude, ou somente se limitar à análise da tipicidade penal militar e determinar a lavratura do APFD e o consequente encarceramento do policial militar. Assim, delimitou-se o tema do presente Artigo em estudar se cabe à Autoridade de Polícia Judiciaria Militar deliberar pela não lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) em face do militar estadual cuja conduta, embora típica no ordenamento penal militar, encontrar-se manifestamente amparada em excludentes de ilicitude. O objetivo geral desta pesquisa é analisar o limite da atribuição da Autoridade de Polícia Judiciária Militar para deliberar em face da prisão em flagrante delito de policial militar que atua amparado por causa que exclui a ilicitude do fato, sob o enfoque dos princípios constitucionais que incidem sobre a matéria. Já os objetivos específicos são: verificar o alcance do âmbito de interpretação da norma legal que rege a matéria pela Autoridade de Polícia Judiciária Militar, no sentido de verificar se cabe a ela além do juízo de tipicidade, analisar também a ilicitude da conduta do militar conduzido preso à sua presença; analisar como tem sido tratado o tema por meio das normas internas expedidas pela Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). Justifica-se este estudo uma vez que é um tema atual e de grande relevância, já que visará a analisar uma questão que tem gerado conflitos na sua interpretação pelo Ministério Público Estadual, Poder Judiciário (Justiça Militar Estadual) e PMMG e os seus reflexos são justamente num dos bens mais caros da pessoa, que é a sua liberdade. Este estudo norteia-se pela seguinte pergunta de pesquisa: compete à Autoridade de Polícia Judiciária Militar decidir pelo rela-

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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xamento (ou não ratificação) da prisão em flagrante delito do militar estadual cuja conduta típica no ordenamento penal militar encontra -se aparentemente amparada em excludente de ilicitude ou culpabilidade? Não obstante a pesquisa se caracterizar como bibliográfica que, por sua natureza, dispensa a elaboração de hipóteses a serem testadas, com o fim exclusivo de orientar o trabalho de pesquisa, optou-se por construir a seguinte hipótese básica: se houver a prática de uma conduta tipicamente descrita como crime no ordenamento penal militar e, ao mesmo tempo, manifestamente amparada por excludente de ilicitude ou culpabilidade, então dispensa (pela Autoridade de Polícia Judiciária Militar) a lavratura do APFD com o consequente encarceramento do militar. Considerando-se os objetivos apresentados, esta pesquisa caracteriza-se como do tipo bibliográfica, na qual se realiza uma revisão da base conceitual e teórica sobre a prisão em flagrante, tendo como fonte de estudos o debate recente de autores que, à luz do conceito de crime e da natureza jurídica da prisão em flagrante, conduz aos procedimentos de persecução criminal que melhor se alinham aos princípios constitucionais que regem o Direito Processual Penal. Para tanto, são utilizadas teorias particulares, tendo-se como critério a busca de uma abordagem recente sobre o tema na visão de autores contemporâneos, em especial: Direito Constitucional - Canotilho, 2003, Fernandes, 2010, Mendes e Branco, 2011; Direito Penal (Comum e Militar) - Assis, 2008, Loureiro Neto, 2010, Greco, 2010, Roth, 2011, Bitencourt, 2012; Direito Processual Penal (Comum e Militar) - Ferrajoli, 2010, Feitoza, 2010, Lopes Jr., 2010, Távora, 2010, Mirabete, 2010, Capez, 2012. Utiliza-se da documentação indireta como técnica de pesquisa. Na pesquisa bibliográfica, as fontes secundárias se baseiam em posicionamentos de autores contemporâneos sobre os aspectos constitucionais, penais e processuais penais que se relacionam com o problema . Na pesquisa documental, as fontes primárias se baseiam na legislação e jurisprudência relacionadas com o objeto de pesquisa. Para a compreensão deste tema, este trabalho foi dividido em cinco seções: a seção 1, esta introdução, é indicativa do conteúdo deste estudo; a seção 2 apresenta o conceito do crime que norteia todas as seções subsequentes; a seção 3 delimita a matéria penal militar que incide a atribuição de Polícia Judiciária Militar e como se dará o seu exercício por meio da prisão em flagrante; a seção 4 estabelece o limite da atribuição da Autoridade de Polícia Judiciária Militar ao o sistema jurídico-penal vigente com os princípios constitucionais que o influenciam bem como demonstrar a regulamentação dos procedimentos para lavratura do APFD por meio de documentos normativos expedidos pela PMMG; a seção 5 traça as considerações finais obtidas e sugestões, que é seguida pela indicativa de referências.

lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente. Ressalta-se que, muito embora Capez (2005) afirme, com sustentação na visão de outros penalistas de renome, que os elementos do crime seriam apenas o fato típico e a ilicitude, sendo a culpabilidade pressuposto de aplicação da pena, Welzel “[...] deixou claro que, para ele, o crime só estará completo com a presença da culpabilidade [...]”, numa demonstração de que, para o finalismo penal, crime é todo fato típico, antijurídico e culpável (WELZEL, 1970 apud BITENCOURT, 2012, p. 269). O finalismo penal ou teoria final da ação, elaborado por Welzel, redimensionou os conceitos adotados nas fases anteriores, ao adotar a finalidade, ou seja, a vontade do agente, como elemento central do crime, procedendo uma distinção entre dolo e culpa, que passaram a integrar a “ação e o injusto pessoal”, tendo sido retirados de sua tradicional localização que era a culpabilidade (WELZEL, 1970 apud BITENCOURT, 2012, p. 268-269). O fato típico se mostra como o primeiro elemento do crime e se compõe dos seguintes requisitos: conduta, resultado, nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e tipicidade. a) conduta Não basta o mero amoldamento de determinada conduta e o resultado por ela provocado ao tipo penal incriminador protetor do bem jurídico lesionado, o que se deve considerar é, sobretudo, a vontade do agente empregada em sua ação. Conduta penalmente relevante “[...] é toda ação ou omissão humana [...]”, posto que animal não comete crime, mas sim o ser humano que o utilizou como arma ou que não teve o devido cuidado de cautela, “[...] consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma finalidade, típica ou não, mas que produz ou tenta produzir um resultado previsto na lei penal como crime [...]” (CAPEZ, 2005, p. 116). b) relação de causalidade É uma relação de causa e efeito. A necessidade de se identificar o nexo causal entre a conduta e o resultado residirá naqueles tipos penais que descrevem a conduta humana e a consequência por ela produzida, ou seja, o resultado necessário à consumação do delito (BITENCOURT, 2012, p.273). O CPM, em seu art. 29, seguindo a mesma linha do CP Comum, adotou a teoria da Equivalência dos antecedentes (“conditio sine qua non”) para definição da relação de causalidade:

2.1 Crime Não há no Código Penal Comum (CP Comum) ou no Código Penal Militar (CPM) expresso conceito de crime, tampouco em qualquer outra norma existente na legislação pátria, o que se tem é somente um critério de diferenciação entre crime e contravenção penal que utiliza a espécie de pena cominada pelo tipo penal incriminador, trazido pelo art. 1º do Decreto-lei n. 3 914, de 9 de dezembro de 1941 (Lei de Introdução ao Código Penal):

Art. 29. O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. § 1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado. Os fatos anteriores, imputamse, entretanto, a quem os praticou. § 2º A omissão é relevante como causa quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; a quem, de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; e a quem, com seu comportamento anterior, criou o risco de sua superveniência.

Art 1º Considera-se crime a infração penal que a

Para a aludida teoria, tudo aquilo que concorre para o resul-

2 CONCEITO DE CRIME

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tado é causa (antecedente) e todos os antecedentes se equivalem, ou seja, recebem o mesmo tratamento, desde que indispensáveis à ocorrência do resultado. Para verificar se o fato antecedente é causa do resultado, parte-se de uma eliminação hipotética, por meio do chamado processo hipotético de eliminação de Thyrén - se suprimido mentalmente, o fato vier a modificar o resultado, significa que aquele é causa deste último (GRECO, 2010, p. 210). c) tipicidade É a descrição na lei da conduta humana proibida para a qual se estabelece uma sanção, ou seja, é uma decorrência do princípio da reserva legal estatuído no art. 1º do CPM. Assim, o juízo de tipicidade a ser exercido pela Autoridade de Polícia Judiciária Militar em face da conduta do agente estará adstrito à verificação da tipicidade formal. Princípio de legalidade Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

um disparo de arma de fogo em outro militar, vindo a matá-lo, sua conduta encontra tipicidade no art. 205 do CPM (homicídio) tipicidade imediata. Agora, se em decorrência do disparo, o outro militar não vier a morrer, ou se ja, a intenção do agente não se cumpriu, haverá o crime do art. 205 c/c art. 30, II, do CPM (homicídio tentado) - tipicidade mediata. 2.2 Excludente de Ilicitude Ilicitude ou antijuridicidade é a relação de contrariedade de uma conduta típica com o ordenamento jurídico. A verificação de ilicitude de uma conduta típica dar-se-á por exclusão, ou seja, será ilícita quando não estiver amparada por uma das causas de justificação elencadas no art. 42 do CPM: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito. Ao contrário, será lícita, portanto não haverá crime, quando uma das referidas causas de exclusão de ilicitude incidir sobre a conduta típica. Exclusão de crime

Art. 42. Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa;

Ainda, acerca do princípio da legalidade, importante ressaltar coluna constante na revista eletrônica de direito do Centro Universitário Newton Paiva, oportunidade em que se direciona ao termo vários conceitos, todos insertos no estado democrático de direito ao qual estamos inseridos. Quando se estuda o princípio da legalidade, é importante ficar atento para as várias acepções que a expressão pode adotar. Nessa senda, como bem nos diz Guilherme Nucci (2011), podemos falar que a palavra legalidade comporta uma significação política e duas significações jurídicas. Assim sendo, politicamente, a legalidade pode ser entendida como uma garantia constitucional que busca limitar o poder do Estado (que se subsume, no direito penal, na já vista função limitadora). Em sentido jurídico amplo, entende-se a legalidade como a expressão máxima da liberdade dos modernos, ou seja, é o não ser o obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Já no sentido jurídico estrito, tratamos da legalidade no âmbito penal, manifestada no seguinte enunciado posto no art. 5°, XXXIX, de nossa Constituição: “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 2012, p. 24). Em qualquer de suas definições, seja na política ou nas jurídicas, a legalidade sempre invoca a ideia de lei como garantia e centro que organiza da sociedade. É garantia porque se um cidadão não é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, o princípio acaba por entregar grande estabilidade social e segurança jurídica. No que se volta ao crime, como a sua existência, bem como a de sua sanção respectiva também estão atreladas única e exclusivamente à lei em sentido estrito (reitera-se, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal), o cidadão se sente seguro em praticar determinadas condutas, pois, pela legalidade, sabe o que é e o que não é crime, o que o permite coordenar o seu agir apenas e, ao menos, para a prática de condutas penalmente irrelevantes (por mais que às vezes possam ser ilícitas civilmente, administrativamente etc.). SILVA, Cristian Kiefer da; ARAÚJO, Matheus Vieira. Artigo científico: A BANALIZAÇÃO DO DOLO EVENTUAL: reflexões a respeito do caso da “boate kiss”.: revista eletrônica de direito do Centro Universitário Newton Paiva. Belo Horizonte. n.27. p.44-57. Dez. 2015. Disponível em: http://npa.newtonpaiva.br/ direito>. Acesso em: 13 jun. 2016.

III - em estrito cumprimento do dever legal; IV - em exercício regular de direito. Parágrafo único. Não há igualmente crime quando o comandante de navio, aeronave ou praça de guerra, na iminência de perigo ou grave calamidade, compele os subalternos, por meios violentos, a executar serviços e manobras urgentes, para salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque. a) estado de necessidade A existência do estado de necessidade prescinde da ocorrência de um fato contrário ao ordenamento jurídico, diferentemente do que ocorre com a legítima defesa que se dirige a uma injusta agressão. Encontra-se conceituado, especialmente, no CPM da seguinte forma: Art. 43. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para preservar direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado, e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo. São requisitos que devem estar presentes no estado de necessidade, conforme apresentados por Greco (2010, p. 309-316): - Prática de fato para salvar de perigo certo e atual (Perigo certo e atual é aquele concreto, presente e que já esteja ocorrendo, embora o dano ainda seja iminente e não tenha ocorrido.); a situação de perigo iminente também permite o estado de necessidade, ao se traçar uma analogia com a legítima defesa, que prevê a agressão iminente; perigo provocado pelo agente; evitabilidade do dano (não deve haver nenhuma alternativa, senão a lesão a um determinado bem jurídico para que outro seja preservado.); existência de colisão de interesses ou bens juridicamente protegidos, um estado de perigo, em que um deles, o de menor valor, será sacrificado para a proteção de outro, desde que imprescindível para sua salvaguarda (BITENCOURT, 2012, p. 412); - Estado de necessidade próprio e de terceiros (A norma possibilita ao agente agir em estado de necessidade para a proteção de bem jurídico próprio ou de terceiros.); razoabilidade do sacrifício do bem (decorrente do princípio da razoabilidade); dever legal de enfrentar o perigo.

Como exemplo, a tipicidade formal consiste na exata correspondência entre uma conduta da vida real a um tipo penal incriminador (TOLEDO, 1994, p. 125). Desta forma, um policial militar que efetua LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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b) legítima defesa O art.. 44 do CPM traz que: “[...] entende-se em legítima defesa

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quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.” Terá incidência sempre que houver situação de agressão. Requer observar: injusta agressão (destina à proteção contra uma injusta agressão humana; a defesa contra ataque de animal poderá dar ensejo ao estado de necessidade (GRECO, 2010, p. 328); agressão atual ou iminente (agressão presente, último momento antes da atualidade (GRECO, 2010, p. 334); defesa de direito próprio ou de terceiro; moderação dos meios disponíveis e necessários. Legítima defesa Art. 44. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. c) estrito cumprimento do dever legal Se destina aos profissionais de segurança pública, pois decorre de uma ação imposta pelo dever jurídico de agir e dentro dos limites impostos pela lei (CAPEZ, 2005, p. 290). No âmbito do direito penal militar, é destinada somente aos militares, que, por exemplo, têm o dever legal prender quem quer que esteja em flagrante delito (Art. 141 e 243, do CPPM). Se em determinada ação policial de abordagem a um indivíduo em atitude suspeita este vier a reagir mediante o emprego de violência atual ou iminente, não haverá somente a incidência da presente excludente de ilicitude, uma vez que a lei não autoriza os agentes do Estado a ferir ou matar pessoas. No que tange à abordagem ao indivíduo em atitude

ticada pelo agente. Para que haja reprovação é preciso que diante da situação concreta seja exigível do agente um comportamento diferente daquele por ele praticado (CAPEZ, 2005, p. 326). 3 C RI M E M I L ITAR , PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO POR CRIME MILITAR E A ATRIBUIÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR 3.1 Crime militar É a adequação típica de uma conduta a um tipo penal militar que estabelecerá a atribuição da Autoridade de Polícia Judiciária Militar para a lavratura do APFD. Para que seja considerado militar o crime, é necessário que o sujeito ativo, militar estadual, esteja em serviço (ou agindo em razão da função) ou em lugar sujeito à respectiva administração militar. Ainda, não basta a ação ser praticada por um militar, mas, também, estar tipificada no Código Penal Militar e estar elencada nas condições previstas para caracterizarem referida infração penal militar. Para que se possa imputar ao militar estadual a prática de um crime militar descrito na Parte Especial do CPM, primeiramente, deve-se observar se sua conduta se amolda a uma das situações relacionadas no art. 9º do CPM:

d) exercício regular do direito Entende-se que atua legalmente aquele que exerce um direito próprio que lhe tenha sido outorgado pela lei em sentido amplo e desde que o faça de forma regular, respeitando os limites estabelecidos (BITENCOURT, 2012, p. 424). 2.3 Culpabilidade É um juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre um fato típico e ilícito (GRECO, 2010, p. 363). No Direito Penal Militar, a culpabilidade se compõe dos seguintes elementos necessários para que haja reprovação da conduta e, consequentemente, crime militar: imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa. a) imputabilidade Plena capacidade do autor entender a natureza dos fatos e de se autodeterminar de acordo com esse entendimento. As hipóteses de inimputabilidade são delimitadas por meio da adoção do critério biopsicológico, através do qual se leva em consideração tanto aspectos psíquicos e mentais quanto aspectos físicos e biológicos do agente (GRECO, 2010, p. 377). O Código Penal Militar, através de seu Art. 48, aponta as situações pessoais que impedem que o agente seja imputável face ao cometimento da infração. Inimputáveis Art. 48. Não é imputável quem, no momento da ação ou da omissão, não possui a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acôrdo com êsse entendimento, em virtude de doença mental, de desenvolvimento mental incompleto ou retardado. b) exigibilidade de conduta diversa Ausência de exigibilidade conduta diversa face à conduta pra-

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Crimes militares em tempo de paz Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996) d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) revogada. (vide Lei nº 9.299, de 8.8.1996) III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para

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aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior. Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica. Mais atualizada, em âmbito de instituição militar estadual, a Instrução conjunta de corregedoria nº 02 (ICCPM/BM n. 02/2014) padroniza as atividades de polícia judiciária militar e, em seus apontamentos, Art. 2º da ICCPM n. 02/2014, conceitua Crime Militar na esfera estadual como sendo toda ação transgressional do militar, típica no Código Penal Militar e em situações enquadradas pelo Art. 9º do dispositivo penal militar. Art. 2º Crime militar, na esfera estadual, é todo o fato típico, antijurídico e culpável, de natureza militar, praticado por militares em situações descritas no art. 9º do Código Penal Militar (CPM), combinado com o tipo de ilícito especificado na Parte Especial do mesmo diploma legal, que atenta contra o dever militar e os valores das Instituições Militares. 3.1.1 Crime propriamente militar

O inciso I do art. 9º do CPM refere-se aos crimes propriamente militares, aqueles previstos unicamente no CPM e cujo cometimento, na esfera estadual, atenderá exclusivamente à condição de militar do sujeito ativo (ROTH, 2011, p. 506). Para a identificação se determinado fato pode ser considerando crime propriamente militar, a análise parte da condição do sujeito ativo, ou seja, se militar da ativa ou da reserva/reformado. CPM - Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial. 3.1.2 Crime impropriamente militar

Aqueles crimes cuja descrição típica é idêntica tanto no CPM quanto na legislação penal comum, como, por exemplo, lesão corporal (art. 129 do CP e art. 209 do CPM), roubo (art. 155 do CP e art. 242 do CPM), furto (art. 157 do CP e art. 240). Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

o afastamento da competência do juízo militar estadual do julgamento de todo crime doloso contra a vida de civil praticado por militar estadual em serviço, nos termos do art. 82, §2º, do CPPM, a investigação, ainda, deve-se pela Polícia Judiciária Militar estadual, seja por meio Inquérito Policial Militar (IPM) ou do APFD, cujos autos serão remetidos à Justiça Militar Estadual que, constatado tratar-se de fato tipificado como crime doloso contra a vida de civil, os encaminhara à Justiça Comum para fins de julgamento perante o Tribunal do Júri (ROTH, 2011, p.951). CPPM - Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz: (…) § 2° Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum.

Em relação ao tópico estudado, observa-se na Instrução conjunta de corregedoria n. 02 (ICCPM/BM n. 02/2014) o reconhecimento da competência da instituição militar estadual, mormente em seu Art. 32, em investigar notícia de crime militar, doloso contra a vida, praticado contra civil: Art. 32. A notícia de fato previsto como crime doloso contra a vida (crimes contra a pessoa tipificados no CPM: art. 205 - homicídio consumado e tentado; art. 207 – provocação direta, indireta e auxílio a suicídio), praticado por militar em serviço ou agindo em razão da função, contra civil, nos termos do § 2º do art. 82 do CPPM, será investigada pela Polícia Judiciária Militar, por intermédio de Inquérito Policial Militar ou Auto de Prisão em Flagrante. 3.2 Polícia Judiciária Militar À Polícia incumbe, como órgão da Administração Pública direta e responsável pela “manutenção da paz pública e da segurança individual”, duas funções distintas: a administrativa ou de segurança e a judiciária (MIRABETE, 2007, p. 57). Em sua função judiciária, a sua atuação é repressiva e investigatória, na medida em que atuará na persecução criminal, ou seja, após a ocorrência de um fato tipicamente definido como infração penal e visando à colheita dos elementos necessários à propositura da ação penal pelo Ministério Público (MARQUES, 2000, p. 160; MIRABETE, 2007, p. 57). A atividade de Polícia Judiciária está constitucionalmente prevista no art. 144 do CRFB /88 e atribuída às Autoridades Policiais, cuja responsabilidade investigatória, em linhas gerais, se vincula à natureza da infração penal noticiada e ao juízo a que se de stinará a investigação criminal. Compete à Polícia Judiciária Militar a investigação dos fatos tipicamente definidos no CPM como crimes militares. Nos termos do CPPM, o exercício da Policia Judiciária Militar incumbe às seguintes autoridades:

Da mesma forma que nos crimes propriamente militares, a adequação típica da conduta do militar da reserva ou reformado em qualquer um dos crimes impropriamente militares constantes da Parte Especial do CPM requer, previamente, o amoldamento em uma das situações descritas no art. 9º, III, alíneas “a” a “d”, do CPM (ROSA, 2009, p. 37-42; LOUREIRO NETO, 2010, p 24-28; ASSIS, 2011, p. 55). 3.1.3 Crime doloso contra a vida de civil praticado por militar estadual em serviço

Não obstante o previsto no parágrafo único do art. 9º do CPM,

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Art. 7º A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º, pelas seguintes autoridades, conforme as respectivas jurisdições: a) pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em todo o território nacional e fora dele, em relação às forças e órgãos que constituem seus Ministérios, bem como a militares que, neste caráter, desempenhem missão oficial, permanente ou transitória, em país estrangeiro; b) pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a entidades que, por disposição legal, estejam sob sua jurisdição; c) pelos chefes de Estado-Maior e pelo secretáriogeral da Marinha, nos órgãos, forças e unidades que

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lhes são subordinados; d) pelos comandantes de Exército e pelo comandante-chefe da Esquadra, nos órgãos, forças e unidades compreendidos no âmbito da respectiva ação de comando; e) pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona Aérea, nos órgãos e unidades dos respectivos territórios; f) pelo secretário do Ministério do Exército e pelo chefe de Gabinete do Ministério da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são subordinados; g) pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos ou serviços previstos nas leis de organização básica da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; h) pelos comandantes de forças, unidades ou navios. [...] No âmbito estadual, as Autoridades Policiais são os “comandantes de forças” e “unidades”, entendidos por Assis (2008, p. 33) como sendo “o Comandante-Geral, o Chefe do Estado-Maior, os Comandantes Regionais, e os Comandantes de Unidades”. 3.3 Prisão em flagrante delito de crime militar Prisão, em sentido jurídico, refere-se à privação da liberdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e vir de qualquer pessoa em decorrência de ordem fundamentada de Autoridade Judiciária competente (juiz de direito) ou de Autoridade Militar no caso de crimes propriamente militares e em caso de prisão em flagrante (FEITOZA, 2010, p. 866; MIRABETE, 2007, p. 361). Prisão em flagrante delito é a privação da liberdade de locomoção daquele autor de um delito na ardência dos fatos (CASTELO BRANCO, 1984, p. 18). Nos termos do CPPM, a prisão em flagrante integra o rol das prisões processuais penais, também denominadas prisões provisórias, prisões cautelares ou medidas cautelares. A prisão em flagrante possui duas fases distintas, nasce administrativa quando decretada pela Autoridade de Polícia Judiciária e passa a ter natureza processual no momento em que é comunicada ao juiz competente, que decide pela manutenção da prisão (CASTELO BRANCO, 1984, p. 13; MIRABETE, 2007, p. 374; FEITOZA, 2010, p. 866-867; LOPES JR., 2010a, p. 67-68; TÁVORA, 2010, p. 513). 3.4 Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) É o procedimento administrativo criminal a cargo da Autoridade de Polícia Judiciária Militar, podendo ser lavrado por Oficial cujas atribuições legais de Polícia Judiciária Militar lhe tenham sido delegadas, destinado ao registro formal da prisão em flagrante e dos motivos que a ensejaram, bem como necessário ao encarceramento do preso, cuja forma encontra-se regulada nos artigos 245 a 247 do CPPM e sua lavratura requer a observância das garantias constitucionais do preso previstas no art. 5º da CRFB/88. O recebimento da voz de prisão em flagrante delito pelo militar nem sempre terá como consequência o seu recolhimento ao cárcere, posto que essa decisão caberá à Autoridade de Polícia Judiciária (CASTELO BRANCO, 1984, p. 125). O APFD, enquanto procedimento de persecução criminal militar, rege-se pelo Princípio Processual da Obrigatoriedade, que é uma decorrência do art. 243 do CPPM. Assim, estando presentes os requisitos legais estabelecidos na lei processual, estará a Autoridade de Polícia Judiciária Militar obrigada a autuar o militar preso em flagrante delito e recolhê-lo ao cárcere (TÁVORA, 2010, p. 55; LIMA, 2012, p. 288). Contudo, cabe observar que a lei processual penal militar, em seu art. 246, asseverou que o recolhimento do militar à prisão somente ocorrerá quando, após a Autoridade ouvir todas as pessoas, “[...] resultarem fundadas suspeitas contra a pessoa conduzida [...]”. As-

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sim, para lavratura do APFD e recolhimento do conduzido ao cárcere, a Autoridade se prende à existência do estado de flagrância de um delito e, nessa linha de raciocínio, o ato administrativo será vinculado, ou seja, se essa situação fática existir, não há outra medida que não seja o recolhimento do militar ao cárcere. Ocorre que a Autoridade de Policia Judiciária deve se vincular, como garantia do próprio milita, à legalidade dos seus atos, sobretudo quando analisar que a conduta do militar pode estar amparada à norma penal não incriminadora permissiva, como nos casos de excludente de ilicitude: Manter preso o cidadão que se comportou tal como a lei natural e a legislação penal autorizam, ao defender a própria vida ou a de outrem, pode definir-se como procedimento que desaponta a expectativa comum e constitui motivo de justa apreensão para quantos, habitando na grande cidade de vida tornada agressiva, possam eventualmente vir a ser alvo de violência, como a de início descrita (MARREY, 1991). Nessa mesma linha, Cerqueira (2008) e Capez (2012, p. 327328) afirmam que a Autoridade Policial poderá, em juízo sumário de cunho administrativo, deixar de lavrar o APFD, quando evidente na conduta do conduzido, a ausência de infração penal, o que poderá se dar, por exemplo, quando patente uma causa de exclusão de ilicitude. 3.4.1 Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) – Histórico de orientações da PMMG

a) Instrução n. 01/96-EMPM A Instrução n. 01/96-EMPM, de 08 de junho de 1996, contém recomendações sobre a obrigatoriedade da lavratura do APFD, quando presentes todos os elementos previstos no CPPM na ocasião da prisão, e trouxe uma visão bastante restritiva da PMMG ao estabelecer que: [...] consumado o fato típico, não cabe aos Comandantes ou àqueles que têm o dever funcional de instaurar a fase investigatória questionar quanto à conveniência da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, se presentes os requisitos do flagrante delito, descritos nas alíneas e parágrafo único, do artigo 244, do Código Processo Penal Militar (CPPM). Aludida norma, reforça o entendimento de que à Autoridade de Polícia Judiciária Militar cabe apenas o juízo de tipicidade da conduta do militar e que o fator determinante para lavratura do APFD seria apenas a aparência de uma das situações de flagrância. Afastou de vez a norma qualquer possibilidade da Autoridade de Polícia Judiciária Militar deixar de autuar em flagrante o militar que viesse a praticar um fato típico amparado por alguma excludente de ilicitude ou culpabilidade e ainda alertou aos Comandantes acerca da possibilidade de eventual responsabilização penal e administrativa daquele que adotasse postura contrária:

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À vista do exposto e por ser a autoridade judiciária competente, conforme se verifica nos artigos 247, § 2º, 253, 263 e 270, do CPPM, para relaxar a prisão em flagrante ou mesmo conceder a liberdade provisória, não cabe aos Comandantes ou autoridades policiais-militares apreciar, subjetivamente, a necessidade ou não da lavratura do APF, quando todos os requisitos exigidos pela Lei encontrarem-se presentes no momento da prisão (MINAS GERAIS, 1996a). b) Instrução de Recursos Humanos n. 226/01-DRH A Instrução de Recursos Humanos (IRH) n. 226/01-DRH, de 12 CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


(providências imediatas em local de crime), a lavratura de APF, via de regra, será atribuição do Comandante da Unidade (Autoridade de Polícia Judiciária Militar), em cujo âmbito de atuação territorial tenha ocorrido a infração penal, conforme ressai da alínea “a” do art. 10 do CPPM, ainda que, eventualmente, vislumbre-se a participação de militares de outras Unidades de Comandos Intermediários distintos, não podendo ocorrer o fracionamento na lavratura do APF, cabendo, desde que possível, ao Comandante do infrator, se de maior grau hierárquico, determinar o procedimento em desfavor de todos.

de dezembro de 2001, estabeleceu, de forma didática, passo a passo, os procedimentos para lavratura do APFD, contudo, nada mencionou acerca da questão das excludentes de ilicitude e culpabilidade. c) Instrução de Corregedoria n. 02/09-CPM Muito embora a referida Instrução de Corregedoria não tenha abordado a questão da verificação pela Autoridade de Polícia Judiciária de excludentes de ilicitude ou culpabilidade no APFD, a norma o fez em sede de IPM, constituindo-se em uma mudança de paradigmas na PMMG no tratamento da questão, já que a orientação normativa que vigorava era que a Polícia Judiciária Militar poderia exercer somente o juízo de tipicidade em face do fato investigado, estabelecendo o seguinte: Das excludentes de ilicitude, tipicidade e culpabilidade Art. 66. Os encarregados e as autoridades delegantes deverão, no relatório e no ato de homologação ou avocação de IPM, se manifestar quanto à presença de indícios ou não de excludente de ilicitude. Restando evidenciado que o militar praticou a conduta amparada, em regra, por uma das excludentes previstas no art. 42 do CPM, especialmente, no inciso II (legítima defesa) e III (estrito cumprimento do dever legal), ele não deverá ser indiciado, pois praticou o fato típico, contudo, excluída a antijuridicidade. [...] Art. 67. Outras causas de excludentes, como coação irresistível e obediência hierárquica à ordem não manifestamente ilegal (excludentes de culpabilidade), ausência de dolo ou culpa (excludentes de tipicidade), poderão também subsidiar o não indiciamento do militar investigado. Art. 68. Reconhecida a causa de excludente de ilicitude, de culpabilidade ou de tipicidade, torna-se necessária a manifestação no ato de homologação/avocação da solução do IPM, nas investigações acerca de crimes dolosos contra a pessoa, a declaração da Ação Policial Legítima, de acordo com as restrições introduzidas pela Lei Complementar nº. 95, de 17Jan07, que modificaram os artigos 203 e 209 do Estatuto dos Militares do Estado de MG, conforme o investigado seja Oficial ou Praça. (destaque no original).

Art. 27. Se, ao final da audição do militar conduzido, a Autoridade de Polícia Judiciária Militar verificar a manifesta inexistência da infração penal militar, a não participação do conduzido em sua prática ou a inexistência das situações que autorizam a prisão em flagrante, nos termos do art. 246 e art. 247, § 2º, ambos do CPPM, não haverá o recolhimento do militar à prisão. Das situações de flagrante delito Art. 12. As situações de flagrante delito estão previstas no art. 244 do CPPM e no art. 302 do Código de Processo Penal (CPP). Art. 13. O militar que praticar fato tipificado como infração penal, comum ou militar, estando em situação de flagrância, deverá ser preso e apresentado à autoridade competente. § 1º A prisão em flagrante poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as garantias constitucionais do preso. § 2º O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. § 3º Do mesmo modo, o emprego de algemas, nos termos da Súmula Vinculante n. 11/STF, constitui medida excepcional, justificando-se apenas em situações de resistência à prisão, fundado receio de fuga ou para preservar a integridade física do executor, do preso ou de terceiros, devendo tal circunstância ser consignada em boletim de ocorrência. Art. 14. Efetuada a prisão em flagrante, o militar preso deverá ser imediatamente apresentado pelo condutor ao Comandante, ou ao Oficial de Dia, ou à autoridade correspondente. § 1º O militar condutor será, em regra, aquele que deu voz de prisão em flagrante e apresentou o autor do crime militar à autoridade competente. § 2º Quando o subordinado der voz de prisão em flagrante delito a um superior, aquele deverá reter o preso no local até que este possa ser conduzido por um militar mais antigo ou seu superior hierárquico. § 3º Em situações definidas como crime militar, caso haja a lavratura do boletim de ocorrência, este será, em regra, endereçado à Autoridade de Polícia Judiciária Militar competente para lavratura do APF. Art. 15. As testemunhas do fato delituoso deverão estar presentes no ato da apresentação do militar conduzido. Caso não existam testemunhas da infração, serão exigidas, no mínimo, duas testemunhas que tenham presenciado a apresentação do preso à autoridade (testemunhas de apresentação).

d) Instrução de Corregedoria n. 03/11-CPM Estabeleceu novas providências a serem adotadas em face do flagrante delito de crime militar: Art. 6º- Durante a realização do APF, o Comandante da Unidade, como autoridade de polícia judiciária militar, verificando a hipótese de inexistência de infração penal militar ou da não participação do policial militar no crime militar, não ratificará a prisão, nos termos do art. 247, §2º, do CPPM, remetendo os autos para a autoridade judiciária, com fulcro no art. 248 do CPPM. Ocorre que a referida Instrução não definiu qual o significado e alcance da expressão “inexistência de infração penal militar”, o que veio a ocorrer somente com o advento da Instrução de Corregedoria n. 04/12-CPM, de 12 de janeiro de 2012. e) Instrução Conjunta de Corregedorias 02/14 – ICCPM/BM N. 02/2014 A Instrução de Corregedoria 02/14, vigente em âmbito castrense, atualizou e padronizou os procedimentos atinentes à polícia judiciária militar e trouxe a possibilidade de não haver recolhimento do militar à prisão, se constatadas excludentes de ilicitude nas ações policiais. Art. 9º Ressalvadas as eventuais medidas preliminares constantes do art. 12 do CPPM

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objeto de estudo visou, sobretudo, problematizar aspectos atinentes à atribuição de Polícia Judiciária Militar, em âmbito da Polícia Militar de Minas Gerais, mormente acerca da análise do fato típico descrito como crime militar, no Código Penal Militar, que tenha sido precedido de ação legítima dos autores, policiais militares, escudada inequivocamente por excludentes de ilicitudes, assim analisada pela autoridade de po-

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lícia judiciária militar, via de regra, o Oficial da Polícia Militar comandante da Unidade Policial do local em que se originou a ocorrência do fato. Passada a fase de definição da Autoridade de Polícia Judiciária Militar, no âmbito de Polícia Militar de Minas Gerais, e da análise do fato típico constante no Código Penal Militar, que dá início ao poder/ dever daquela autoridade, atribuição legal, de posicionar-se diante dos acontecimentos, observa-se a necessidade de deliberação acerca da prisão em flagrante dos militares envolvidos, ou seja, de medida precautelar fundada na certeza visual de um delito, bem como apresentadas as espécies de flagrante delito e seus requisitos legais, sobre os quais incidirão a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD), ou do reconhecimento de excludente de ilicitude, se for o caso, deixando-se de recolher presos os militares, acusados, e optar por deixá-los em liberdade. Verificou-se, depreendendo das pesquisas realizadas, que o Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) é ato complexo, perpassando por fases: inicia-se com a voz de prisão em flagrante delito e encerra-se com o recolhimento do militar preso ao cárcere, sendo que este último ato somente se dará quando a Autoridade de Polícia Judiciária Militar concluir pela existência de fundadas suspeitas do cometimento do crime militar pelo qual o militar conduzido recebeu a voz de prisão. A fim de a estabelecer qual o limite da atribuição da Autoridade de Polícia Judiciária Militar, e sua discricionariedade frente a análise do fato concreto, no transcorrer dos trabalhos, foram confrontados os conceitos apresentados com o sistema jurídico-penal vigente e os princípios constitucionais que influenciam a interpretação das normas que regem o objeto de pesquisa, bem como com as normas internas expedidas pela Polícia Militar de Minas Gerais. Por sua vez, a análise da prisão em flagrante delito por crime militar seguiu aspectos insertos nos princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Legalidade e da Reserva de Jurisdição, norteados pelo Princípio da Proporcionalidade. Ao final, constata-se que o conjunto documental existente no presente Artigo direciona para o sentido de que é poder/dever da Autoridade de Polícia Judiciária Militar, antecedendo medida de ratificação da prisão em flagrante delito de crime militar praticado por policial militar, além da verificação das situações de flagrância estabelecidas na norma processual, ultrapassar o mero juízo de tipicidade e analisar, também, as questões atinentes às excludentes de ilicitude que porventura permearem o fato concreto. Verificou-se ainda que o posicionamento normativo interno em vigor da Polícia Militar de Minas Gerais é no sentido de que, para fins de lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) com o recolhimento do militar conduzido ao cárcere, flagrante delito deve ser entendido como flagrante de um fato típico, ilícito e culpável Conclui-se, finalmente, que a Autoridade de Polícia Judiciária Militar, ao verificar com fulcro no conjunto probatório à sua disposição, a manifesta existência de alguma causa que exclua a ilicitude ou culpabilidade da conduta típica do militar conduzido preso, deverá decidir pela não ratificação da voz de prisão em flagrante delito e determinar o relaxamento dessa prisão.

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Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Laura Maria dos Fernandes Lima (Examinadora)

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LOGISTICA REVERSA: análise do instituto quanto ao direito ambiental, a sua viabilidade e parcial aplicabilidade ante a ineficiência do poder público Igor de Paula Lages1

RESUMO: O artigo tem como objetivo a análise do instrumento do direito ambiental denominado logística reversa, demonstrando que, apesar de sua instituição na legislação ambiental brasileira em âmbito nacional e regional, há pouca aplicação prática em razão da pouca informação sobre o assunto. Para tanto, serão demonstradas as legislações federal, estadual e municipal, que tratam do tema, os institutos criados para fiscalização e regulação das normas ambientais, iniciando-se o tema a partir da demonstração de necessidade de se preservar o meio ambiente como meio de sobrevivência do próprio ser humano, tentando, finalmente, constatar ou demonstrar a inaplicabilidade do instituto, em que pese a necessidade de realização do instrumento como mais um meio de proteção deste bem da vida. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento sustentável. Direito ambiental. Logística reversa. Meio ambiente. Política nacional de resíduos sólidos.

que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, já que todas as demais seguem esta definição:

1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo a análise do instituto do direito ambiental denominado logística reversa, vertentes doutrinárias, a visão empresarial, para explicação do instituto e, sua aplicação jurídica, tendo em vista o seu objetivo e a regulamentação. Necessário se faz analisar o meio ambiente e sua influência na vida do seu humano, para que seja demonstrado o impacto na vida dos seres vivos na busca por um desenvolvimento a todo custo. Inicia-se o trabalho analisando o que seria meio ambiente, na tentativa doutrinária de conceituação do tema, passando à influência do ser humano neste ambiente e a busca pelo desenvolvimento, demonstrando o consequente impacto ambiental causado. Após, demonstrando-se a consciência das ações prejudiciais, demonstra-se o nascimento da teoria do desenvolvimento sustentável, através de criação de legislação e princípios específicos para a proteção do meio -ambiente no direito nacional e internacional, passando-se a analisar este instituto inserido pela Lei Nacional de Resíduos Sólidos, denominado logística reversa, demonstrando a sua aplicação legal, compatibilidade com o Estado Democrático de Direito, o desenvolvimento doutrinário sobre o tema e as práticas governamentais praticamente vazias para aplicação do referido instituto.

Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entendese por: (...) I - Meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. (BRASIL, 1981)

2 O MEIO AMBIENTE E O SER HUMANO

Apesar de anterior à Constituição (1988), a definição apresentada pelo dispositivo legal acima apresentado encontra-se em total consonância com a Carta Magna, considerado pela doutrina, portanto, conceito recepcionado e ainda, indeterminado, atendendo justamente a necessidade de aplicação da norma da forma ampla (MILARÉ, 2009). Destaca-se que apesar de ser tratado como conceito jurídico indeterminado (MILARÉ, 2009), a doutrina classifica o meio ambiente levando em consideração os aspectos que o compõe, com o objetivo de identificar o bem jurídico a ser tutelado, tendo em vista a agressão direta a ser realizada pelo ser humano. Assim, o meio ambiente pode ser classificado em meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho. Em todos os casos, na legislação brasileira, a proteção ao meio ambiente inicia-se na Constituição, respectivamente, através dos artigos 225; 182; 21, XX; 5º, XXIII; 226; 200, VIII; 7º. XXIII (BRASIL, 1988); dentre outros dispositivos legais, conforme restará demonstrado.

2.1 O Conceito de Meio Ambiente Inicialmente, cumpre conceituar o objeto global do estudo apresentado, sendo certo que este será o bem da vida a ser tutelado pela ciência jurídica que busca proteger as mais diversas formas de vida existentes do planeta. Conceitualmente, doutrinadores entendem que meio ambiente é aquilo que nos rodeia, sendo considerado, inclusive, um termo redundante em razão da terminologia utilizada (FIORILLO, 2010, p. 69). Legalmente, ressalta-se que há alguns dispositivos legais, principalmente regionais, que tentam definir o que seria meio ambiente, contudo, destaca-se a definição apresentada pela Lei nº 6.938/81,

2.2 O Meio Ambiente e o Ser Humano O ser humano utiliza tudo o que está a seu redor, desde os primórdios, como se fonte renovável fosse (FREITAS, 2012). A busca desenfreada pelo desenvolvimento, esquecendo-se das consequências, principalmente para o que o rodeia, acaba por prejudicar o próprio ser humano e todas as espécies de vida, colocando em risco a própria existência da terra. Demonstrando a ação desenfreada do ser humano Edis Milaré (2009) destaca que não só o desenvolvimento traz duras consequências para ausência e escassez de recursos naturais, mas apresenta ainda que justamente a finitude de recursos ocasiona, diversas vezes, conflitos entre comunidades globais:

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Tudo ocorre em um fenômeno correntio, segundo o qual os homens, para satisfação de suas novas e múltiplas necessidades, que são ilimitadas, disputam os bens da natureza, por definição limitados. E é esse fenômeno, tão simples quanto importante e pouco avaliado, que está na raiz de grande parte dos conflitos que se estabelecem no seio das comunidades locais e da sociedade global. (MILARÉ, 2009, pag. 58) Assim, diante da necessidade da preservação, aliada a busca continua do crescimento e desenvolvimento, o ser humano passou a buscar meios de proteção do patrimônio que o circunda, seja através de instrumentos práticos que evitem ou reduzam a agressão, seja através de meios jurídicos em que buscará dar efetividade a esta proteção através de mecanismos de coerção do Estado, que igualmente atuará na busca de instituir e aplicar meios de proteção do meio ambiente, além de atuar na fiscalização dos mecanismos criados, papel que cabe ao direito ambiental resguardar.

(MILARÉ, 2009), sendo deles as regras e direitos que formam o alicerce de qualquer estudo ou disciplina. Neste sentido, os doutrinadores da ciência ambiental buscam legitimar o direito ambiental através da identificação de princípios próprios do Direito Ambiental e, também, os comum com os demais ramos do direito. Na Constituição de 1988, alguns princípios de direito ambiental restaram positivados, sejam de forma expressa, seja de forma implícita, além de estarem previstos nas Declarações Sobre o Meio Ambiente instituídas a partir de 1972, iniciando-se pela Declaração de Direitos de Estocolmo sobre o Ambiente Humano. Pode ser notado que os princípios relacionam-se entre si, formando uma cadeia específica de proteção do direito ambiental. Apesar da importância do tema, cabe esclarecer que não serão esgotados todos os princípios do direito ambiental. Serão apresentados a seguir alguns princípios que se relacionam com o tema para que seja elucidada a importância do desenvolvimento do direito ambiental para proteção da própria espécie humana.

3 O DIREITO AMBIENTAL

3.1.1 Princípio do Ambiente Ecologicamente Equilibrado como direito fundamental da pessoa humana

3.1 Pequeno Escorço Histórico e Natureza Jurídica O direito ambiental é tema considerado recente pelos doutrinadores (MACHADO, 2014), já que seu início efetivo, ocorreu em 1972, com a conferência de Estocolmo, desencadeando, dali o movimento jurídico para a tutela do meio ambiente. Contudo, a sua conceituação e nomenclatura ainda encontra grande dificuldade de uniformização da nomenclatura da disciplina jurídica, seja no Brasil, seja em outros países. Dentre as várias conceituações apresentadas, demonstra-se a que foi apresentada pelos doutrinadores brasileiros, os professores Sérgio Ferraz (1972) e Diogo Figueiredo Moreira (1975, citados por Paulo Affonso Machado (2014), que denominaram a disciplina como Direito Ecológico, tendo em vista, respectivamente, que seriam regras e instrumentos jurídicos que assegurariam um comportamento que não atenderiam a sanidade mínima do meio ambiente (MACHADO, 2014, p.56). Tal conceituação encontra várias críticas, dentre elas citase o doutrinador Edis Milaré (2009), por entender que o citado conceito limita a atuação da disciplina jurídica aos recursos naturais. Contudo, ampliando o conceito de Direito Ecológico, foi apresentada a denominação de Direito Ambiental, conceituado, segundo Tycho Brahe Fernandes Neto (s/d., apud: MACHADO, 2014, p. 56) como: “conjunto de normas e princípios editados objetivando a manutenção de um perfeito equilíbrio nas relação do homem com o meio ambiente”. Destaca-se que o citado conceito não só amplia o conceito de proteção quanto ao comportamento agressivo contra o meio ambiente, anteriormente definida no direito ecológico, mas demonstra que o bem da vida a ser tutelado pelo direito ambiental, suas normas e instrumentos terão como objeto a integração de todo o local de atuação do ser humano e aquilo que o rodeia, tendo em vista, conforme demonstrado, que o meio ambiente é tudo aquilo que circunda e interage com o ser humano. Pode-se dizer, ainda, que o direito ambiental integra os direitos considerados difusos, por serem considerados transindividuais, já que ultrapassam a esfera individual, tais como o direito das águas, das terras, da biodiversidade, da genética, entre outros (MILARÉ, 2009), aplicando a jurisprudência, doutrina e leis para, principalmente, reduzir a agressão ao meio ambiente, através da prevenção, precaução, reparação e outros meios de regulação que, foram incorporados para o direito ambiental através de princípios, informadores de criação das normas, que serão abaixo apresentados.

Apesar de não estar previsto no artigo 5º da Constituição (BRASIL, 1988), em que estão previstos os direitos e garantias fundamentais, a interpretação sistemática do citado artigo com o artigo 225 da Constituição (BRASIL, 1988) apresenta o ambiente ecologicamente equilibrado como princípio fundamental da pessoa humana. O referido princípio, instituído na Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente, de 1972, no princípio nº 1, decorre do direito à vida, sendo considerado, assim, um dos preceitos fundamentais da existência do ser humano, diante da necessidade de preservação da qualidade de vida como consequência da dignidade mínima e preservação dos meios essenciais de sobrevivência: O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas. (ONU, 1972) Por isso, diante da amplitude deste princípio, Edis Milaré (2009) o defende como princípio cláusula pétrea, devendo, portanto, ser mantido inalterado na legislação brasileira. 3.1.2 Princípio da solidariedade intergeracional

Diante da necessidade de preservação do meio ambiente, bem como do seu caráter transindividual e finito, criou-se o princípio em que se prevê a responsabilidade de todas as gerações pela preservação do meio ambiente. Cabe destacar que o referido princípio foi instituído exclusivamente em razão dos recursos naturais, conforme previsão na Declaração de Direitos de Estocolmo sobre o Ambiente Humano:

3.2 Princípios do Direito Ambiental Os princípios são considerados o início do estudo da ciência

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“Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento”. (ONU, 1972) O referido princípio consagra a preocupação de que os bens

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disponibilizados pela natureza são finitos, devendo a humanidade preservar para convivência harmônica e duradoura desta com a natureza. Cabe destacar que a além da Declaração de Estocolmo, a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1991) confirmou o citado princípio, que foi inserido na Constituição (BRASIL, 1992), no artigo 225, e confirmada no Acordo de Paris sobre o Clima, assinado em abril de 2016, que reconhece a importância intergeracional do clima. 3.1.3 Princípio da natureza pública da proteção ambiental

Diante da natureza difusa do meio ambiente, que possui utilização por toda a humanidade, este é considerado como de uso comum, sendo considerado pela doutrina como bem público de uso comum do povo, conforme destaca Cristiane Derani: “o caráter jurídico do meio ambiente ecologicamente equilibrado é de um bem de uso comum do povo. Assim, a realização individual deste direito fundamental está intrinsecamente ligada à sua realização social.” (DERANI, apud, MILARÉ, 2008, p. 245) Assim, diante do caráter público do Direito Ambiental, cabe ao Estado a sua proteção que, através de criação de meios de controle, fiscalização e penalização pela má utilização do bem, buscará a sua preservação ou reparação. No mesmo sentido, extrai-se que a proteção do meio ambiente, por ser de interesse público, prevalecerá sobre o interesse privado, apropriando-se assim, do caráter indisponível próprio do direito administrativo, razão pela qual, o meio ambiente possui natureza pública. 3.1.4 Princípio do controle do poluidor pelo poder publico

Relacionado ao princípio acima e ainda, demonstrando o caráter público do meio ambiente, o princípio do controle do poluidor pelo poder público impõe à administração pública a fiscalização de usufruto do meio ambiente pelo particular, impondo limites de uso, além de criação de mecanismos de educação ambiental e conscientização para preservação do meio ambiente, bem como seu caráter coletivo (MILARÉ, 2009). 3.1.5 Princípios da prevenção e da precaução

Ao estudar os princípios constitucionais do direito ambiental, necessariamente haverá a passagem pelo estudo dos princípios da prevenção e da proteção. Embora umbilicalmente relacionados, já que buscam a prevenção do dano ambiental, e com semântica parecida, os referidos princípios possuem previsões de incidência distintas. O princípio da prevenção deverá ser aplicado quando os riscos da atividade a ser executada causarão dano ambiental conhecido e determinado, portanto, previsível (CARVALHO, 2014). Assim, através da aplicação do princípio o poder Público exigirá do responsável a adoção de medidas para eliminar ou reduzir os riscos ao meio ambiente, antes do início efetivo da atividade. Já o princípio da precaução, apesar de possuir o mesmo objetivo, será aplicado quando não se puder ter conhecimento do prejuízo que a atividade a ser exercida poderá causar (CARVALHO, 2014), desta forma, pode-se dizer que a fiscalização ambiental será ainda mais incisiva quanto a liberação do exercício da atividade, na medida em que deverá resguardar um potencial prejuízo, ainda não conhecido ao patrimônio ambiental. Destaca-se que o princípio da precaução só foi inserido no regramento ambiental internacional na Declaração do Rio de Janeiro, de 1992, enquanto o princípio da prevenção é consagrado como princípio desde a Conferencia do Clima em Estocolmo, que gerou a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, de 1972.

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3.1.6 Princípio da Consideração da variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento

Também conhecido como princípio da ubiquidade (MACHADO, 2014), o princípio da consideração da variável ambiental, está inserido no ordenamento jurídico brasileiro no artigo 225, §1º, inciso IV da Constituição (BRASIL 1988), e determina que em qualquer decisão, seja ela proferida por ente público ou privado, deve considerar as consequências que podem causar ao meio ambiente. Cabe destacar o paralelismo importante que o doutrinador Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2010, p. 123), faz entre o direito à vida e o princípio aqui abordado: Isso porque, na medida em que possui como ponto cardeal de tutela constitucional a vida e a qualidade de vida, tudo o que se pretende fazer, criar ou desenvolver deve antes passar por uma consulta ambiental, enfim, para saber se há ou não a possibilidade de que o meio ambiente seja degradado. Nos termos destacados acima, os princípios se correlacionam, o que resta evidenciado pelo posicionamento acima destacado, em conjunto com os demais princípios até aqui apresentados, mas principalmente, o princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, diante da sua relação com a proteção ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana. 3.1.7 Princípio do poluidor-pagador E assim, interligado aos demais princípios, tem-se o princípio do poluidor-pagador que determina que aquele que causa ou poderá causar algum dano ambiental, através da sua atividade, deverá ser responsabilizado pelo mesmo, devendo, portanto, repará-lo. (MILARARÉ, 2009). Conforme restará demonstrado, o sistema aqui em estudo, tem ligação direta com o citado princípio, já que prevê a responsabilização pela destinação final ou reinserção dos produtos consumidos ao fabricante, gerando uma destinação ecologicamente correta. 3.1.8 Princípio do Desenvolvimento sustentável Marco teórico e histórico do meio ambiente, a busca pelo desenvolvimento de forma sustentável busca conscientizar o ser humano quanto a possibilidade de crescimento e desenvolvimento, sem prejuízos ou impactos ambientais (MACHADO, 2014). Conforme restará demonstrado em tópico próprio, a constatação de que o meio ambiente possui recursos limitados, ascendeu na espécie humana a preocupação quanto a necessidade de preservação do meio ambiente, sem que isto pudesse prejudicar o seu desenvolvimento, reprodução e manutenção das atividades na terra. Norteador das atividades humanas, o desenvolvimento sustentável, como princípio, possuiu ampla aplicação e está constantemente em evidência nas legislações federais e regionais, possibilitando a criação de mecanismos que buscam o desenvolvimento sem prejudicar a sustentabilidade do meio ambiente. 4 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Apresentadas as noções introdutórias do direito ambiental, iniciase a análise do tema de forma aprofundada, partindo do ponto principal em que fez nascer na espécie humana a consciência da necessidade de mudança na forma em que ocorre a sua vivência na terra. Pode-se dizer que a preocupação jurídico-social com o meio ambiente começou em razão do nascimento da noção de que os bens naturais são escassos e, a cada vez mais, a terra vem cobrando do ser

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do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma.

humano a modificação do modo em que são utilizados os bens naturais. Edis Milaré (2009) descreve um cenário catastrófico em que resta demonstrado não só a razão de inúmeros conflitos, mas expressa a verdadeira ausência de expectativa de vida futura na terra: Os conflitos – sob os mais diversos pretextos – não passam, como regra, de dissenções entre países ou nações na busca do controle sobre os bens essenciais e estratégicos da natureza. Durante muito tempo, e ainda nos dias que correm, a questão ideológica nada mais tem sido do que um biombo a esconder essa verdade. De outro lado, o processo de desenvolvimento dos países se realiza, basicamente, à custa dos recursos naturais vitais, provocando a deterioração das condições ambientais em ritmo e escala até ontem ainda desconhecidos. A paisagem natural da Terra está cada vez mais ameaçada pelas usinas nucleares, pelo lixo atômico, pelos dejetos orgânicos, pela ‘chuva ácida’, pelas indústrias e pelo lixo químico. Por conta disso, em todo o mundo - e o Brasil não é nenhuma exceção -, o lençol freático se contamina, a água escasseia, a área florestal diminui, o clima sofre profundas alterações, o ar se torna irrespirável, o patrimônio genético se degrada, abreviando os anos que o homem tem para viver sobre o Planeta. Isto é, do ponto de vista ambiental o planeta chegou quase ao ponto de não retorno. Se fosse um empresa estaria à beira da falência, pois dilapida seu capital, que são recursos naturais, como se eles fossem eternos. O poder da autopurificação do meio ambiente está chegando ao limite. (MILARÉ, 2009, p. 58-59) Destaca-se que os problemas ambientais começaram a interferir no próprio crescimento do ser humano, seja no desenvolvimento de novas tecnologias, seja em sua saúde. As constantes catástrofes ambientais, provocadas a curto e longo prazo pela ação direta e indireta do ser humano, acabava por causar um trabalho para reconstruir o que a natureza destruía. Por outro lado, cidades vinham tornando-se inabitáveis, com ar irrespirável, diante da poluição (FREITAS, 2012). Diante dos sucessivos problemas ambientais que começaram a interferir no desenvolvimento do ser humano, a partir da década de 70 iniciou-se uma grande discussão sobre a preservação do meio ambiente. Foi divulgado nesta época um estudo denominado “desenvolvimento zero”, realizado pelo Instiute of Technology (MIT), em que foi proposta uma total estagnação do crescimento econômico mundial com a finalidade de impedir o prosseguimento das tragédias ambientais (COSTA; DAMASCENO; SANTOS, 2012). Em 1972, na Suécia, as Nações Unidas realizou a conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente, marcada pela disputa dos países desenvolvidos, que defendiam a política do desenvolvimento zero, contra os países subdesenvolvidos, que defendiam a necessidade de continuidade do crescimento, ambas com fundamento no estudo divulgado pelo MIT. Desta conferência foi criando um primeiro tratado internacional, Declaração de Estocolmo (ONU, 1972), materializando-se, assim, o início efetivo da política ambiental, com mecanismos internacionais de fiscalização de utilização dos recursos naturais, com o objetivo de se utilizar os recursos naturais de forma consciente (COSTA; DAMASCENO; SANTOS, 2012). Demonstrando que o desenvolvimento econômico e o meio ambiente devem andar em conjunto, os itens um a sete da declaração evidenciam o objetivo e as metas da declaração é buscar a harmonização entre o ser humano e o ambiente, em seus vários conceitos. Cita-se, por exemplo, as proclamações de número um e seis, em que resta ressaltada a importância do desenvolvimento conscientizado: 1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor

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(...)

6. Chegamos a um momento da história em que devemos orientar nossos atos em todo o mundo com particular atenção às consequências que podem ter para o meio ambiente. Por ignorância ou indiferença, podemos causar danos imensos e irreparáveis ao meio ambiente da terra do qual dependem nossa vida e nosso bem-estar. Ao contrário, com um conhecimento mais profundo e uma ação mais prudente, podemos conseguir para nós mesmos e para nossa posteridade, condições melhores de vida, em um meio ambiente mais de acordo com as necessidades e aspirações do homem. As perspectivas de elevar a qualidade do meio ambiente e de criar uma vida satisfatória são grandes. É preciso entusiasmo, mas, por outro lado, serenidade de ânimo, trabalho duro e sistemático. Para chegar à plenitude de sua liberdade dentro da natureza, e, em harmonia com ela, o homem deve aplicar seus conhecimentos para criar um meio ambiente melhor. A defesa e o melhoramento do meio ambiente humano para as gerações presentes e futuras se converteu na meta imperiosa da humanidade, que se deve perseguir, ao mesmo tempo em que se mantém as metas fundamentais já estabelecidas, da paz e do desenvolvimento econômico e social em todo o mundo, e em conformidade com elas. (ONU, 1972)

Pode-se dizer que desde a elaboração do citado documento, há uma compatibilização quanto a observação da criação de tecnologias, desenvolvimento, crescimento e a natureza. A partir das proclamações acima apresentadas a doutrina (MILARÉ, 2009) passou a conceituar e a estudar de forma aprofundada a harmonização entre a problemática ambiental dentro dos estudos para o desenvolvimento, vida diária dentre outros: Compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações particulares a cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isto implica dizer que política ambiental não se deve erigir em obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os quais constituem a sua base material. (MILARÉ, 2009, p. 65). Contudo, destaca-se que a nomenclatura conhecida atualmente como desenvolvimento sustentável, apesar de implícita na Declaração de Estocolmo, ganhou formalmente a referida terminologia a partir do desenvolvimento do Relatório de Brutland, de 1987, realizado por solicitação da Organização das Nações Unidas, que culminou na elaboração e concretização da Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, que apresentou, em grande parte dos princípios do referido tratado, os objetivos e as responsabilidades do ser humano, ressaltando a importância de se alcançar o desenvolvimento sustentável em seus diversos aspectos (COSTA; DAMASCENO; SANTOS, 2012).

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A partir do citado tratado, o desenvolvimento sustável passou a ser considerado como princípio geral do direito ambiental, conforme exposto no tópico acima, já que se relaciona intrinsecamente com a dignidade da pessoa humana, a solidariedade intergeracional, tendo em vista o direito ao futuro de toda a humanidade. Destaca-se que a necessidade de se considerar a variável ambiental em quaisquer decisões na vida diária dos cidadãos, seja pelo Estado, seja pelos próprios cidadãos, ficou expressa, diante da imprescindibilidade de se conscientizar, de forma solidária, pelo desenvolvimento em todas as suas variáveis, tendo em vista sempre, a importância do meio ambiente. Juarez Freitas (2012), em seu livro “Sustentabilidade, Direito ao Futuro”, analisa de forma clara que a preocupação deve ser ampliada observando-se não só o comportamento, mas os aspectos jurídicos e políticos que tem o condão de delimitar e fiscalizar a ação do homem em relação ao meio ambiente, tornando eficaz a proteção deste, objetivada nos tratados:

inexiste instrumentos que evidenciem a atuação conjunta do Estado e do cidadão. Contudo, a alteração mais importante na legislação interna, que deu origem às demais legislações que efetivamente buscaram o meio ambiente como patrimônio a ser protegido, deu-se com a promulgação da Constituição de 1988, que dedicou, em seu capitulo VI, no artigo 225, uma redação que efetivamente mostrou-se preocupada com o meio ambiente como direito fundamental do ser humano. As demais constituições que precederam a atual, apesar de tratar do meio ambiente, sempre o fizeram de forma objetiva, com vistas a apresentar a competência para regulamentação da matéria. Ao realizar uma análise do Direito Constitucional comparado, Adib Antônio Neto (2009) explica: De uma certa maneira nas cartas supratranscritas, vê-se uma superficial preocupação com o meio ambiente, sendo completamente alheias ao assunto as Constituições de 1824 e 1891. Podese perceber a frieza das letras ao serem transcritas nestas Constituições, através, por exemplo, da não conjugação da preservação ambiental com a poluição e seus reflexos na saúde humana. Somente de forma objetiva as preocupações com água, caça, pesca, floresta e paisagens naturais são elencadas. O bem-estar necessário à saúde humana, bem como a preocupação com os direitos e anseios das futuras gerações foram cabalmente ignorados, sendo estes tão somente verificados na Carta de 1988.

É que, para enfrentar os desafios de tornar o mundo habitável, convém não esquecer, ao lado das causas físicas externas, o peso dos males comportamentais e jurídico-políticos, tais como o antropocentrismo excessivo e despótico, a bizarra dificuldade de implementar políticas alinhadas ou a carência de poupança para manter taxas de investimentos estratégicos em processos qualitativos, sem os quais o desenvolvimento duradouro não passa de miragem. (FREITAS, 2012, pag. 24) O Brasil, grande atuante na política internacional, além de ser signatário dos tratados acima demonstrados, participou e assinou muitos outros tratados internacionais e já em 1916, no Código Civil (NETO, apud, SANTOS, 2009) iniciava a sua legislação sobre o direito ambiental. O Código Civil daquele ano previa, ainda que como forma de proteção ao direito de vizinhança, típico do direito privado, a proteção indireta ao meio ambiente: “o proprietário, ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego, e a saúde dos que o habitam” (BRASIL, 1916). Há ainda precisão do artigo 584: “São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar para uso ordinário, a água de poço ou fonte alheia, a elas preexistente”(BRASIL, 1916). Remanescem ainda, legislações que foram instituídas para regulação do direito de patrimônio ambiental, entretanto, sem que fosse observada a responsabilidade compartilhada, o uso consciente em atenção à escassez dos recursos naturais. Nota-se nas referidas legislações a proteção ao meio ambiente, entretanto, tendo em vista a propriedade, ou seja, o homem ainda no centro, sem observar a natureza em suas políticas. Cita-se, por exemplo, observando a sua redação original, o Código das Águas, Decreto nº 24.643/1934; o Código Florestal, Lei nº 4.771/1965; o Código da Fauna, Lei nº 5.197/1967; o Código da Pesca, Lei nº 221/1997. Com a mudança na consciência ambiental, a legislação brasileira passou a sofrer importantes alterações, passando a regular a atividade humana de forma a não prejudicar ou esgotar os bens naturais, cita-se por exemplo, a Lei de Parcelamento do Solo, Lei nº 6.766/1967 e a Política Nacional do Meio Ambiente, Lei nº 6.938/1981. Ressalta-se desta última, o artigo 13 em que há, entre as atividades a serem desenvolvidas pelo Poder Público incentivo ao desenvolvimento com observância ao meio ambiente. Destaca-se que a redação original da Política do Meio Ambiente, não evidencia a responsabilidade compartilhada ou solidária pela preservação do meio ambiente e, apesar de dispor de forma mais clara quanto a necessidade de proteção do patrimônio ambiental,

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A partir desta importante alteração Constitucional, bem como tendo em vista o parâmetro internacional, a legislação interna que trata da matéria iniciou a sua profunda e ainda constante alteração. No do Decreto nº 4.297/2002, com a criação do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), nota-se que o princípio da variável ambiental passou a ser evidente nas políticas públicas. Do texto da lei, pode ser citada a criação de instrumentos efetivos para que as atividades econômicas e de desenvolvimento do ser humano passem a observar o meio ambiente. Cita-se por exemplo, os artigos 2º e 3º, da referida Lei: Art. 2o. O ZEE, instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população. Art. 3o. O ZEE tem por objetivo geral organizar, de forma vinculada, as decisões dos agentes públicos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades que, direta ou indiretamente, utilizem recursos naturais, assegurando a plena manutenção do capital e dos serviços ambientais dos ecossistemas. Parágrafo único. O ZEE, na distribuição espacial das atividades econômicas, levará em conta a importância ecológica, as limitações e as fragilidades dos ecossistemas, estabelecendo vedações, restrições e alternativas de exploração do território e determinando, quando for o caso, inclusive a relocalização de atividades incompatíveis com suas diretrizes gerais. (BRASIL, 2002). Importantes leis que já haviam sito promulgadas foram alteradas ou revogadas por outras que passaram a melhor tratar do tema e a criar instrumentos de ação do Estado para resguardar o meio ambiente. A Política Nacional do Meio Ambiente, por exemplo, vem passando por profundas alterações com o objetivo de criara instrumentos para

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resguardar o meio ambiente. Foi instituído o Ministério do Meio Ambiente, através da Lei nº 9.433/1997, que revogou as disposições do Código das Águas, além de criar novas políticas para recursos hídricos e novos órgãos para instituir recursos de proteção das águas e fiscalizar a atuação do ser humano, assegurando o desenvolvimento. Contudo, para o presente caso, destacam-se as Leis nº 11.445/2007 e 12.305/2010, que estabeleceram diretrizes para o saneamento básico, assim considerado como conjunto de serviços, infra-estrutura e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e drenagem de águas (BRASIL, 2007), considerando a gestão compartilhada de todos os entes da federação; e, a instituição da política de resíduos sólidos, respectivamente. Com ambas as leis, foram regulamentadas as responsabilidades solidárias pelo uso, fabricação e destinação do resto de produtos, considerados prejudiciais ao meio ambiente, além de criação de mecanismos, tais como a logística reversa, para tentar amenizar o impacto da geração de resíduos. Há a evidente abordagem da responsabilidade cíclica, demonstrando de forma clara a responsabilidade do poder público, do produtor, do fabricante, do comerciante, do consumidor, ou seja, de todos os que participam da cadeia que termina na geração do resíduo que é potencialmente prejudicial ao meio ambiente. Desta forma, passa-se a abordar o mecanismos denominado logística reversa, que expressa de forma clara o desenvolvimento sustentável criado e instituído visando possibilitar o crescimento do ser humano, sem prejudicar a natureza. 5 LOGÍSTICA REVERSA Nos termos da Lei nº 12.305 de 2010, a logística reversa constitui um instrumento econômico de destinação consciente do resíduo. A Lei conceitua o referido instrumento, no artigo 3º, inciso XII, como sendo: “Instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada De acordo com Paulo Afonso Leme Machado (2014), complementando o disposto na lei, a logística reversa tem a finalidade de devolver o rejeito e o resíduo à sua fonte de produção para reaproveitamento ou para que ocorra a destinação ambientalmente adequada. Nota-se que o referido instituto é adequado à política de desenvolvimento sustentável, já que se poderá fabricar e utilizar o produto, desde que haja a destinação ambientalmente correta ou, sendo possível, o seu reaproveitamento e recolocação do mercado de consumo. Por outro lado, Fabio Shibao, Roberto Moori e Mario Dos Santos, citando Roggers e Tibben-Lembke (2010), fundamentam que a logística reversa se tornou um recurso interessante para as empresas sob o aspecto gerencial, viabilizando a fabricação de produtos com maior valor de mercado, aliados a menores custos, além de ecologicamente corretos. Por isso analisam que a “a logística tem se posicionado como uma ferramenta para o gerenciamento empresarial pela sua contribuição na obtenção de vantagens econômicas, sem, contudo, desconsiderar os aspectos ambientais (Shibao; Moori; Dos Santos; apud Roggers e Tibben-Lembke, 2010). A partir do referido posicionamento, que logística reversa possui natureza jurídica ampla, podendo ser aplicada em diversos campos no âmbito empresarial: LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

A logística reversa está ligada ao mesmo tempo, a questões legais e ambientais e as econômicas, o que coloca em destaque e faz com que seja imprescindível o seu estudo no contexto organizacional, porque é o processo por meio das quais as empresas podem se tornar ecologicamente mais eficiente por intermédio da reciclagem, reuso e redução da quantidade de materiais usados (Shibao; Moori; Dos Santos, apud CARTER; ELLRAM,2010). No artigo denominado “A Logística Reversa e a Sustentabilidade Empresarial”, os autores Fabio Shibao, Roberto Moori e Marios Dos Santos (2010), apresentam, de forma sucinta as etapas da logística reversa: a) Planejamento, implantação e controle do fluxo de materiais e do fluxo de informações do ponto de consumo ao ponto de origem; b) Movimentação de produtos na cadeia produtiva, na direção do consumidor para o produtor; c) Busca de uma melhor utilização de recursos, seja reduzindo o consumo de energia, seja diminuindo a quantidade de materiais empregada, seja reaproveitando, reutilizando ou reciclando resíduos; d) Recuperação de valor e e) Segurança na destinação após utilização. Argumentam ainda que os benefícios da logística reversa consistiriam na nova forma de raciocínio das empresas, no que tange às embalagens por elas produzidas; eficiência econômica, conforme já citado acima, além do marketing decorrente da utilização de destinação ambientalmente correta dos seus produtos (Shibao; Moori; Dos Santos, apud CARTER; ELLRAM,2010). Compreende-se, portanto, que diferentemente da logística comum em que o produto é apenas disponibilizado para consumo, a logística reversa compreende ainda a retirada do produto do meio ambiente e reciclando-o ou destinando-o a aterros sanitários. No caso específico do instrumento aqui estudado a preocupação é a reinserção do produto ou o resíduo na cadeia de produção, tornando-o portanto, ambientalmente correto. 5.1 A Logística Reversa, o Direito Ambiental e o Papel Estatal A logística reversa, apesar de pouco conhecida, vem sendo amplamente regulamentada pelos Estados e Municípios. Já que apesar de ter a sua previsão na Lei nº 12.305/2010, a mesma determina que cada um dos entes da federação deverão se organizar para regulamentar a aplicação da referida norma, tendo em vista a necessidade de aplicação setorial. Destaca-se que o referido sistema tem ampla aplicabilidade no Estado Democrático de Direito, além de ser com ele compatível, tendo em vista a participação efetiva de toda a população, além do próprio Estado, conforme descreve Paulo Affonso Leme Machado (2014, 653):

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O compartilhamento da responsabilidade previsto na Lei nº 12.305 entrelaça pessoas físicas e jurídicas de direito privado com as pessoas jurídicas de direito público. É de se colocar em relevo o art. 26 da mencionada lei que afirma “O titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos é responsável pela organização e prestação direta ou indireta desses serviços, observados o respectivo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, a Lei nº 11.445, de 2007, e as disposições desta Lei e seu regulamento”. O lixo doméstico e o lixo decorrente da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas continuam de responsabilidade do titular dos serviços públicos e de limpeza urbana e de manejo do solo.

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O referido sistema estampa de forma clara a busca ou a distribuição da responsabilidade pelo dano ambiental, compreendida, no presente estudo, pela reinserção do produto na cadeia de consumo, neste sentido cita-se o artigo 19, inciso XV, da Lei nº 12.305/2010: “descrição das formas e dos limites da participação do poder público local na coleta seletiva e na logística reversa, respeitado o disposto no art. 33, e de outras ações relativas à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos” (BRASIL. 2010). Cabe ressaltar que o instituto da responsabilidade civil busca a reparação de um dano causado pela violação de algum bem jurídico, podendo a referida reparação ocorrer através de uma ação ou mesmo através de prestação pecuniária (TEIXEIRA, 2013). Com isto, ao apresentar a responsabilidade do produtor, do consumidor e revendedor, o sistema representa a aplicação do princípio do poluidor pagador, previsto no art. 6º, inciso II, da própria Lei nº 12.305/2010 (BRASIL, 2010), em razão da destinação final dos produtos ou a reparação pelo dano a ser causado ao meio ambiente pela má destinação do resíduo ou produto já utilizado. Assim, diante da ampliação da cadeia de responsabilidades pela destinação do produto, a problemática que se instaura quanto ao sistema em estudo é a sua pouca aplicabilidade, tendo em vista que ainda que instituídos pelo poder público, há pouca eficiência ante ausência efetiva de informação. Apesar de disposições legais que determinem ao próprio ente público o dever de educar sobre o tema, o mesmo busca nas empresas a sua aplicação forçada. Cita-se, por exemplo, a Lei Municipal nº 10.534 do Município de Belo Horizonte que determina ao consumidor a destinação adequada do produto consumido, bem como a criação do sistema de logística reversa pelos fabricantes ou produtores, mas principalmente, nos termos do artigo 54, a educação ambiental, a ser realizada pelo Poder Público, para criação do sistema de logística reversa: Art. 54 - A educação ambiental na gestão dos resíduos sólidos tem como objetivo o aprimoramento do conhecimento, dos valores, dos comportamentos e do estilo de vida relacionados com a gestão e o gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos e da limpeza urbana. (...) § 2º - O Município adotará as seguintes medidas, dentre outras, visando ao cumprimento do objetivo previsto no caput deste artigo: (...) II - ações educativas voltadas para os agentes envolvidos direta e indiretamente com os sistemas de coleta seletiva e logística reversa. (BELO HORIZONTE, 2012) O Estado do Rio de Janeiro, através da Lei Estadual nº 6.805/2014, instituiu no parágrafo único do art. 22 a possibilidade de incentivo financeiro aos consumidores para participação no sistema de logística reversa, mas pouco se ouve falar em aplicação do sistema no referido Estado. No mesmo sentido, há ainda Leis Municipais, como a de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, Lei Municipal nº 2.663 de 2013; em Ourinhos, no Estado de São Paulo, Lei Municipal nº 5.731/2011, dentre várias outras. Pode-se dizer que no que tange à regulamentação, o Poder Público atendeu de forma completa os objetivos de instituição do sistema, abarcando assim, os objetivos efetivos do desenvolvimento sustentável. Contudo, o Poder Público se omite quanto a sua aplicação de forma eficaz, apresentando, quando cabível as penalidades legalmente previstas pela inobservância do particular, principalmente às empresas, o que se pode afirmar em razão da metodologia utilizada no presente trabalho que adotou, além da técnica bibliográfica, o método LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

observacional e experimental, já que há um trabalho prático desenvolvido sobre o tema. Assim, pode-se dizer que há grande judicialização das demandas que decorrem do referido direito, isto porque, ao ser penalizado pela inaplicabilidade das disposições da Lei, o particular irá buscar a tutela do judiciário para se eximir de cumprir o que o poder público cuidou de criar, mas não instituiu. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O instituto da logística reversa constitui um sistema que demonstra de forma prática o conceito de desenvolvimento sustentável, aplicando-se os principais princípios do Direito Ambiental e buscando o consumo de forma consciente, bem como a reposição do lixo ou resíduo do que foi consumido, em retorno na cadeia de consumo. As empresas têm buscado a inserção do instituto tendo em vista os benefícios ambientais e econômicos que o instituto pode trazer, contudo, a inserção no âmbito empresarial se torna necessária na medida em que o Poder Público, embora adote pouca política educacional e informativa sobre o tema, busca a coerção daqueles que ainda não praticam a logística reversa. Entretanto, tendo em vista que se aborda um sistema de responsabilidade compartilhada, a conscientização e educação do consumidor é necessária na medida em que o que se objetiva com a logística reversa é a destinação ambientalmente adequada do lixo decorrente do consumo e, sem a consciência que existem políticas e meios corretos de destinação do lixo, o correto desenvolvimento de legislação ambiental torna-se ineficaz. Outrossim, apesar de caber às empresas a adequação para instituição do sistema de logística reversa, conforme ensina Paulo Affonso Machado (2014), cabendo ao ente público a fiscalização, cabe a este também a educação quanto a existência do sistema, sua forma de desenvolvimento, objetivos e benefícios, razão pela qual, constata-se pela sua pouca inaplicabilidade diante da imposição apenas a pequena parte da cadeia que é responsável pelo produto. REFERÊNCIAS ASSIS, Maria Cristina. Metodologia do Trabalho Científico. Disponível em: < http://biblioteca.virtual.ufpb.br/files/metodologia_do_trabalho_ cientifico_1360073105.pdf > Acesso em 21/06/2016. BELO HORIZONTE. Lei nº 10.534, de 10 de setembro de 2012. Dispõe sobre a limpeza urbana, seus serviços e o manejo de resíduos sólidos no Município, e da outras providencias. Disponível em: < http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/files.do?evento=downalod&urlArqPlc=Lei_10.534_Limpeza_Urbana_Manejo_Residuos_solidos.pdf > Acesso em 20/06/2016. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28/03/2016. _______. Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934.Decreta o Código das Águas. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/d24643.htm >. Acesso 24/04/2016.

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Banca Examinadora Maraluce Maria Custódio (Orientadora) Karen Myrna Castro Mendes Teixeira (Examinadora)

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DIREITOS DAS GESTANTES NO CÁRCERE Iris Aparecida Pedra Souza1

RESUMO: Este artigo objetiva a importância do direito garantido á gestante no cárcere privado, vivenciado por mulheres e que se encontram privadas de liberdade em presídios, durante o período gestacional, sendo ferido esses direitos e não respeitando os princípios constitucionais, onde muitas dessas mulheres em estado gestacional encarceradas vivem em situações precárias, não sendo cumprido o direto que a Constituição Federal garante e traz elencada em seus artigos, ficando elas sem assistência médica, tanto a mãe quanto o feto não têm os seus direitos respeitado nos cárcere do Brasil. Serão analisados os princípios constitucionais à dignidade e à cidadania e as violações aos direitos das presas gestantes, dentre outros princípios , a Lei de Execução Penal de 7210/1984, sendo assim, posteriormente parte-se para as considerações finais. PALAVRA CHAVE: detentas grávidas, dignidade da pessoa humana, violações do direito à gestante e da parturiente.

1 INTRODUÇÃO

2 O SURGIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

A Constituição Federal do Brasil de 1988, trás elencadas em seus artigos alguns Princípios fundamentais, direitos, deveres individuais, deveres coletivos e direitos sociais. No Art. 5°, da Constituição Federal Do Brasil, garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito á vida, á liberdade, á igualdade, á segurança e á propriedade. Tanto a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Execução Penal (LEP) criada em 1984, todos os detentos sem distinção, teriam os seus direitos garantidos; como á saúde, educação, lazer, segurança, trabalho, previdência social, proteção á maternidade, infância e assistências aos desamparados. Direitos esses que se encontram só nas leis, não funcionando como deveria ser, as gestantes encarceradas sofrem e vivem em situações precárias, não possuindo tratamento medico adequado, muitas dessas gestantes encarceradas são abandonadas por seus familiares e cônjuges (parceiros), algumas não tem só o filho que carrega no ventre, muitas destas mulheres tem mais filhos, tendo elas que separarem de seus próprio filhos, restando á elas somente a angustia e o desespero da separação. Muitas dessas mulheres foram presas por terem cometido o crime de tráfico de drogas ou roubo, levando drogas dentro da penitenciaria para o companheiro ou até mesmo dando continuidade do lado de fora das grades ao serviço de seus companheiros. A Anistia Internacional de 1999 relata que segundo a legislação brasileira, as prisões femininas devem proporcionar um ambiente que permita ás mães que cumprem pena, cuidar de seus bebês e manterem um convívio com os seus outros filhos, podendo ser visitadas, pelos mesmos. Sendo, esse direito mais uma vez violado, muito dessas mulheres cumprem penas em penitenciarias diversas das cidades de origem, por se encontrarem em estado gestacional e não tendo as penitenciarias condições de dar tratamento e recepciona-las adequadamente, tanto a detenta gestante, como a parturiente e seu bebê, ficando assim os familiares e filhos maiores sem condições financeiras de visita-las. As gestantes privadas de liberdade enfrentam um enorme descaso com a assistência á saúde, tanto a gestante quanto o seu feto, tem os seus direitos violados nos cárceres, privado brasileiro.

Segundo estudos antropológicos, Júlio Fabbrini Mirabete, mencionando Manoel Pedro Pimentel, levam a um forte entendimento que as penas privativas de liberdade tenha se originado nas privações de sacerdote para suas mediações. A Idade Moderna tem inicio no século XVI, existindo varias guerras religiosas, ocorrendo a disseminação da pobreza por toda Europa, havendo uma enorme criminalidade, tendo um enorme aumento de roubos, furtos e até mesmo assassinatos. Tendo que punir esses delinquentes, resolveram aderir a eles trabalhos forçados para poderem conter a criminalidade. Na segunda metade do século XVI foram criadas as primeiras prisões dando inicio suas respectivas construções, seriam elas usadas para punir pequenos delitos e os crimes mais graves, eram punidos severamente, açoite e penas de morte. Nascendo neste mesmo século, surgi o desenvolvendo do capitalismo, gerando mais riquezas, para as classes dominante, tendo uma forte tendência á mitigação das penas de exílio e morte, criando uma ideia de ressocialização e produção capitalista em favor das classes dominante. Ao se fazer uma retrospectiva desde os primórdios da existência humana até os dias de hoje, pode-se constatar que houve uma grande mudança, no modo punitivo de se punir um delinquente, antes era aplicado castigo corporais, sendo sacrificado sua própria vida, já nos dias atuais uma da maior função da pena é o ressocialismo com caráter educativo, acreditando que esse delinquente pode ser introduzido novamente a sociedade. 2.1 A evolução das penas e as agressões sofridas pelas mulheres apenadas As primeiras civilizações surgiram e se desenvolveram no período histórico, da Idade Antiga. Tendo como marco o nascimento da escrita, nesse passo quem de alguma forma desrespeitava o interesse de seus membros, eram punidos com a perda da paz, sendo esse infrator expulso da comunidade, não tinha o infrator a proteção do grupo, e ao estranho infrator era aplicado a vingança de sangue (Teles, 2006,p.19). As penas eram executadas sem nenhuma proporção, já que atingia tanto a pessoa considerada culpada quanto aqueles que tinham algum vínculo com ela, o que caracterizava sua desproporcionalidade (caldeira, 2009, p.260).

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Neste período, não existia prisão, os que se sentiam lesados, aplicavam as suas próprias, pena ao infrator. Na Idade Antiga, tinha uma grande influência da religião, onde eles acreditavam que toda a paz vinha dos deuses. Destarte, nos primórdios a concepção da sanção não era racional. As penas eram aplicadas levando em consideração as emoções e sentimentos, sendo também baseadas em acontecimentos naturais. Por esse motivo, os eventos que não podiam ser explicados por falta de conhecimento cientifico, como por exemplo, os trovões, raios e etc., eram considerados sinais dos deuses (Caldeira, 2009, p.261). Deste modo, quem tinha o poder era a igreja. A primeira penitenciária feminina surgiu em Amsterdã, na Holanda.Em 1645 sendo modelo para vários paises, mas acabou se desvirtuando, pois, as mulheres eram mantidas presas juntas com os homens, essas mulheres encarceradas eram obrigadas a se prostituirem. No Brasil as penitenciárias femininas surgiram no período Colonial, as mulheres encarceradas eram prostitutas e escravas, só no século XIX que houve a separação entre homens e mulheres encarcerados. A legislação brasileira garante uma série de direitos às gestantes que, por vezes, não são respeitados, violando o principio da dignidade humana, sendo mal tratadas e humilhadas. O Decreto Estadual N° 57.783 publicado em fevereiro de 2012-que veda o uso de algemas em parturientes, não é usado, ficando só no papel. O Promotor Alexandre Marcos Pereira, através do Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública buscando a condenação do Governador do Estado por danos morais causados ás detentas grávidas encarceradas no momento de dar a luz aos seus filhos, tiveram as mãos e os pés algemados, durante o parto e após. Através de uma denúncia publicada, os advogados da Pastoral Carcerária através do documentário “Mães do cárcere” estiveram em hospitais de São Paulo e ouviram relatos de detentas que passaram por esse trauma. É inconcebível acreditar que a condição de vulnerabilidade em que se encontra a mulher durante o parto e em seu período subsequente permita qualquer reação de fuga que venha justificar a utilização de algemas”, complementa. Para o Promotor, está caracterizada grave ofensa aos direitos humanos, à dignidade da pessoa humana, a direitos fundamentais garantidos pela Constituição e à Lei de Execução Penal. O Ministério Público pede a condenação do Estado a indenizar “os danos morais suportados por todas as vítimas da utilização de algemas durante o parto e período subsequente, resultantes dos excessos praticados por agentes penitenciários, sem prejuízo de eventual responsabilização pessoal do agente público autor da agressão nas esferas penal, cível e administrativa. Informativo Infância n. 22 - Julho 2012 - Ministério Público do Estado de São Paulo. (Palavras do Promotor Alexandre Marcos Pereira). Neste mesmo entendimento se posiciona a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, argumentando-se que o procedimento usado contra essas detentas fere todos os princípios Constitucionais á vedação, pelo modo cruel, desumano, ilícitos e degradante que estas mulheres foram submetidas. A ONU em seu art.24 aponta, “instrumentos de coerção jamais deverão ser usados contra mulheres prestes a dar a luz, durante trabalho de parto, nem no período imediatamente posterior.”. Por outro lado, é chocante a declaração do secretário de Admi-

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nistração Penitenciária do Estado de São Paulo, prestado pelo jornal Folha Lourival Gomes, afirma em suas declarações que desconhece o uso de algemas no parto. “Não acredito nisso. É um absurdo”. Para Lourival não existe regulamentação determinando que a mulher tenha de ficar algemada durante o parto, para o mesmo quando se chega no hospital com uma detenta quem vai decidir o que fazer será o médico”. É como se elas estivessem na rua. Têm o tratamento necessário. Melhor até do que o que muitas recebem lá fora. O documentário “Leite e Ferro” da diretora Claudia Priscila que estreou no cinema na cidade de São Paulo, relata a crueldade como um método permanente, não apenas um caso isolado, trás histórias surpreendentes vividas por detentas gestantes do Centro de Atendimento Hospitalar á Mulher Presa, uma antiga instituição em São Paulo que abrigava lactentes que se encontram privadas de liberdade, o momento do parto, as dificuldades de viver com uma criança atrás das grades, o momento da despedida e a dolorosa chegada da separação entre mães e filhos. O documentário revela o dia a dia de mais de 70 mulheres em cárcere, em todos os momentos estamos diante, do Direito constitucional à dignidade e à cidadania e as violações aos direitos das presas gestantes, são tratadas cruelmente, não tendo nem uma garantia validada. Segundo á autora, as gestantes presas, tem os seus direitos violados no momento da prisão até o momento de sua liberdade. Em algumas penitenciarias as grávidas, se encontram amarrada a uma grade e dormindo no chão frio. 3 A REALIDADE DO CÁRCERE BRASILEIRO Falar do cárcere brasileiro é falar de uma realidade contraditória dos direitos humanos, onde são violados os direitos. Segundo a Anistia Internacional o Brasil traz uma vergonhosa realidade, sendo campeão em violar os direitos dos presos. A construção de presídios não é uma prioridade na segurança pública do Brasil, não tendo nem uma dignidade o preso, os presos adquirem as mais variadas doenças no interior das prisões, vivendo em estado precário, as gestantes encarceradas enfrentam muitos problemas. As gestantes privadas de liberdade enfrentam um enorme descaso com a assistência á saúde, tanto a gestante quanto o seu feto, tem os seus direitos violados no cárcere, privado brasileiro. Muitas se encontram doentes, até mesmo sendo soro positivo e portadoras de varias doenças transmissíveis, por não terem um acompanhamento médico adequado, essas doenças, não são diagnosticadas no prénatal, sendo descoberta na hora ou após o parto. O Governo Federal criou, no dia 9 de setembro 2003, o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, garantindo que o direito á cidadania possa ser cumprido. A Lei de Execuções Penais- LEP, garante as mulheres apenadas em seu art.41,inciso X, receber visita do marido, companheiros, parentes e amigos; tendo elas direitos á visita íntima ao menos uma vez por mês, pois a privação de liberdade não pode ter com consequência a restrição da sexualidade de acordo com o art.41, inciso X, da LEP e resolução n º1/1999 do conselho Nacional de Polícia Criminal e Penitenciária -CNPC Tendo a presa engravidado no cárcere privado, assim descoberta a gestação, deverá a mesma ser transferida para uma unidade prisional que disponha de uma equipe médica onde deverá ser realizado o pré-natal. Não sendo respeitado e violado a dignidade da gestante.

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A dignidade da pessoa humana no nosso sistema prisional é ferida constantemente, contrariando a Constituição Federal e os principais objetivos de sua criação; uma vez que o preso não perde a sua condição de humano, sendo privado apenas de sua liberdade, mas não deixando de ter os demais CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


direitos. Contudo, a lei ainda que precariamente é aplicada.( http://blog.newtonpaiva.br/direito/wpcontent/uploads/2012/08/PDF-D17-12.pdf) 3.1 O modo vivente das gestantes no cárcere privado No muro do pátio do Centro de Referência, em Vespasiano, encontra-se a frase marcante de Cecília Meireles “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta. Não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”. Esse espaço foi criado com o intuito de respeito e carinho, preservando em primeiro momento á garantia de um direito justo e básico, para que as detentas possam cuidar de seus filhos e de suas alimentações. Foi inaugurada, em 2009, pelo Governo do Estado de Minas Gerais, O Centro de Referência que abriga detentas com mais de seis meses de gravidez e onde mães de crianças de até um ano podem ficar com seus filhos. No total são 47 mulheres acompanhadas de seus bebês, no Centro de Referência não tem celas e muito menos grades, são alojamentos contendo até oito camas e oito berços, por quartos, as portas dos respectivos quartos ficam sempre abertas, são eles pintados de cor de rosa e todos enfeitados, algumas colocam fotos de familiares e de outros filhos nas paredes do alojamento. As detentas do Centro de Referência contam com uma equipe multidisciplinar: ginecologista, pediatra, enfermeira, psicóloga, dentista, assistente social e advogadas. Cada mãe que se encontra presa com os seus filhos, são responsáveis pelo o cuidado deles e responsáveis por lavarem a roupa de seus bebês, tendo as mães presas outras atividades como: participação em cursos artesanais, cabelereiros e auxiliares administrativos, além dessas atividades as detentas se reversam para fazerem á faxina. (Fonte: Departamento Penitenciário Nacional - Depen Ministério da Justiça -Dados indicam o crescimento da população carcerária feminina). Os homens ainda são maioria, 470 mil é o total de presos no sistema penitenciário brasileiro. São mais de 30 mil são mulheres presas, sendo esse numero crescente. Apenas 8% das mulheres presas continuam recebendo visitas dos companheiros. 3.2 Lei de Execução Penal (LEP) Foi criada no dia 11 de julho de 1984, a Lei de Execução Penal (LEP), tendo como objetivo, efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, devendo o Estado proporcionar ao indivíduo que cometer algum delito sua reintegração à sociedade livre. Esta Lei é considerada um dos melhores instrumentos legislativos mundiais em relação à garantia dos direitos individuais do apenado. O Estado tem o direito e o dever de punir e castigar o criminoso, evitando que o mesmo volte á cometer novos delitos. Recuperação,readaptação, ressocialização, reeducação social são essas a finalidade primordial da LEP,conseguindo com que o apenado estude e trabalhe, para que depois de cumprida sua pena possa ser novamente inserido na sociedade. Infelizmente a LEP possui algumas falhas, tendo a possibilidade de regressão de pena em casos de cometimento de falta, sendo isso prejudicial ao condenado, uma vez que o tempo de pena cumprido é caracterizado direito adquirido da progressão, não podendo regredir. (Augusto, Couto de Brito, Alexis. Execução Penal, ed. Quartiler Latin do Brasil, 2006,p.38). A aplicação desta lei em muito deixa a desejar, seja por razões de ordem material, ou seja por falta de políticas prisionais sérias e eficientes voltadas para a recuperação do indivíduo entregue a custódia

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estatal, podendo se observa pela reincidência, ficando nítido que o objetivo da Lei de Execução Penal é ineficaz. 4 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamento ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. Para o ilustre Luís Roberto Barroso,existem princípios constitucionais de organização, como os que definem a forma de Estado, a forma, o regime e o sistema de governo. Existem, também, princípios constitucionais cuja finalidade precípua é estabelecer direitos, isto é, resguardar situações jurídicas individuais, como os que asseguram o acesso á justiça, o devido processo legal, a irretroatividade das leis etc. Princípios fundamentais são aqueles que contêm as decisões políticas estruturais do Estado, no sentido que a elas empresta Carl Schmit. Já os princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Cobrem desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática. Alguns deles se revestem de tamanha importância que o legislador lhes confere força de lei, com a estrutura de modelos jurídicos, inclusive no plano constitucional, consoante dispõe a nossa Constituição sobre os princípios de isonomia (igualdade de todos perante a lei), de irretroatividade da lei para a proteção dos direitos adquiridos. REALE. 2003, pag.37. E por fim, os princípios setoriais ou especiais, que são aqueles que presidem um específico conjunto de normas afetadas a determinado tema, capítulo ou título da Constituição. Os Princípios Constitucionais estão previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Segundo o ilustre professor Kildare Gonçalves Carvalho, princípios fundamentais ou estruturantes da Constituição de 1988, são os que expressam as opções políticas fundamentais e as diretrizes a serem adotadas nas relações internacionais. 4.1 Princípio da humanidade José Joaquim Gomes Canotilho define princípios como “normas que exigem a realização de algo, na melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas”. Nesse sentido, o princípio da humanidade das penas poderia ser entendido como uma norma que exige que as penas sejam humanas, o máximo possível. O princípio da humanidade das penas tem, pois, como cerne, o respeito á pessoa humana, á sua dignidade e, olhado a partir de uma perspectiva utilitarista, ainda tem o condão de legitimar a atividade estatal. Luigi Ferrajoli escreveu que “acima de qualquer utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação á quantidade da pena” (2010, p.364).

4.2 Princípio da igualdade O princípio da igualdade também conhecido como o princípio da isonomia, indicando um tratamento justo para as pessoas.

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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

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do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; CF/88. Paulo Jacques, afirma que o princípio da igualdade é o que mais tem desafiado a inteligência humana e dividido os homens, para ele a igualdade formal, entendida como igualdade de oportunidade e igualdade perante a lei, tem sido insuficiente para que se efetive a igualdade material. Devendo ser tratado os iguais com tratamentos iguais e os desiguais como desiguais, cada um na sua devida proporção, não existindo nenhuma e qualquer distinção. 4.3 Princípio da Proporcionalidade da Pena Para Ferrajoli o princípio da proporcionalidade, emana dos princípios de legalidade e de retributividade.Segundo Ferrajoli a exigência de que a pena seja proporcional á gravidade do delito já tinha sido expressada por Platão. Beccaria já no século XVIII sustentava a necessidade de haver uma proporção entre os delitos e as penas. Para Roxin a exigência de que a pena não pode ser em nenhum caso superior a culpabilidade do autor. 5 DOS DIREITOS DAS GESTANTES ENCARCERADAS De acordo com a LEP no seu art.2°,§2°, traz na sua redação que os estabelecimento penais destinados a mulheres serão dotados de berçários, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até seis meses de idade. Além dos requisitos referidos no art.88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de seis meses e menores de sete anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa. O direito á saúde é garantido constitucionalmente nos arts.196 e seguintes da Constituição Federal de 1988 devendo ser abrangido por todas as mulheres, devendo a gestante presa ter direito ao acompanhamento médico pré-natal e pós-natal tendo essas mulheres o direito de cuidar e amamentar seus filhos, garantindo sempre a dignidade da pessoa que estar presa. Não havendo vaga em estabelecimento penal adequado para gestantes ou lactantes, neste caso terá a mulher direito a prisão domiciliar. Sobre a prisão domiciliar para a gestante. ‘HABEAS CORPUS’ - TRÁFICO DE DROGAS GRAVIDEZ DE RISCO - PRISÃO DOMICILIAR POSSIBILIDADE Deve ser determinada a prisão domiciliar da paciente já que há provas que a gravidez é de risco e a manutenção da gestante, em local inadequado, poderá gerar prejuízos tanto à presa quanto ao nascituro. (TJMG - Habeas Corpus Criminal 1.0000.11.049419-2/000, Relator(a): Des.(a) Reinaldo Portanova , 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 27/09/2011, publicação da súmula em 21/10/2011). No que tange, a prisão domiciliar é sabido que não há cumprimento total e efetivo das leis, ao contrario desse HABEAS CORPUS, muitas são as decisões que negão o direito das gestantes. Assim, mesmo com as alterações sofridas pela lei de execução penal no ano de 2009 em seu art. 14, essas futuras mães passam por condições desumanas em seu processo de gravidez.

6 CONCLUSÃO O presente trabalho aborda o modo que as gestantes encarceradas vivem, os seus respectivos direitos e a violação dos mesmos. A grande preocupação de explorar os direitos fundamentas Constitucionais e a Lei de Execução Penal para colocá-los á disposição de uma perspectiva jurídica transformadora da realidade. Existem críticas a respeito da Lei de Execução Penal-LEP, a lei traz direitos a gestantes privativas de liberdade, muitos desses direitos são violados, não alcançando o objetivo proposto. Em cada presídio feminino, segundo a LEP, teria que ter estrutura e acomodações para gestantes e seus filhos. Contudo, podemos afirmar que houve melhorias e muitas conquistas alcançadas, por mais contraditório e triste que possa ser, o direito de estar preso com a mãe é uma conquista dos bebês brasileiros. Claro que viver numa cadeia não é a infância ideal, mas é melhor nascer preso do que não ter o carinho de uma mãe, sabido, que existem muitos desafios a serem enfrentados, como presídios que não tem estrutura para abrigar mulheres e muito menos crianças. Não há berçários, enfermarias, médicos, psicólogas, vasos sanitários ou sequer camas. São celas pequenas, fedidas e úmidas, que comportam o dobro de pessoas do que foram destinadas e por muito mais tempo do que o planejado. Nessas situações, muitas presas preferem devolver seus filhos à família ou até mesmo entrega-los para adoção a vê-los vivendo em tais condições. REFERÊNCIAS

http://dp-sp.jusbrasil.com.br/noticias/100139245/maes-do-carcere -projeto-da-defensoria-publica-de-sp-leva-assistencia-juridica-a-maes-e-gestantes-que-estao-presas-noestadohttp://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/graduacao/article/view/7901 http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/graduacao/article/ view/7901 http://carceraria.org.br/em-minas-numero-de-detentas-e-cada-vez-maior.html http://blog.newtonpaiva.br/direito/wp-content/uploads/2012/08/PDF -D17-12.pdf htthttp://armabranca.blogspot.com.br/2011/12/filhos-do-carcere.htmlp://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/ prt1020_29_05_2013.html http://super.abril.com.br/cotidiano/filhos-do-carcere-0 http://noticias.r7.com/distrito-federal/balanco-geral-df/videos/filhosdo-carcere-veja-a-rotina-de-presidiarias-que-sao-maes-15102015 https://jus.com.br/artigos/33040/direito-constitucional-a-dignidade-e -a-cidadania-e-as-violacoes-aos-direitos-das-presas-gestantes/2

Banca Examinadora Eduardo Nepomuceno de Souza (Orientador) Júlio César de Faria Zini (Examinador)

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VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: o princípio do consentimento livre e esclarecido como legitimação do ato médico Isabela Arícia Ferreira da Silva1

RESUMO: O presente ensaio tem como escopo analisar a questão da violência obstétrica à luz do Direito Penal, perpassando pela Bioética e Medicina. Para tanto objetiva-se aplicar a noção de consentimento informado na obstetrícia, a fim de se estabelecer uma relação entre a Bioética e as Ciências Médicas. A violência obstétrica pode ser considerada como uma violação à saúde sexual e reprodutiva da mulher, associada ao período gestacional. É possível constatar que, a despeito de se tratar de tema recente, a questão acerca da violência obstétrica começa a ganhar repercussão social, principalmente em decorrência do efeito catalisador da mídia. Contudo, conferir visibilidade ao problema da violência obstétrica não basta. De fato, mais que promover o debate, é imperativo tratar acerca das implicações penais desta forma de violação aos direitos humanos das mulheres no parto. Palavras-Chave: Autonomia. Bioética. Consentimento. Obstetrícia.

1 INTRODUÇÃO É possível afirmar que, historicamente, o espaço destinado ao processo de parto e nascimento era ocupado pelas mulheres, de modo que se tratava de um saber exclusivamente feminino. Em meados do século XIX, o hospital passa a ser considerado como o local seguro e adequado para que os partos fossem realizados. Tal fato, aliado ao surgimento da obstetrícia enquanto saber científico e dominado pelos homens, desencadeia uma mudança de paradigma, através do qual os homens passaram não apenas a acompanhar o evento do parto, como também a controlá-lo. Nesse cenário, no qual o médico ocupa posição de autoridade, a parturiente muitas vezes é despida de sua autonomia, ficando em nítida situação de vulnerabilidade, na qual sua única possibilidade é obedecer aos comandos médicos. Ocorre então uma despersonalização das pacientes. Uma vez retirada a possibilidade de escolha da paciente, abre-se o campo para inúmeras outras violências. Como uma reação ao parto hospitalar, permeado de intervenções desnecessárias e violência, surge o movimento em prol da humanização do nascimento, o que coloca em evidência a questão da violência obstétrica. Contudo, é importante destacar que a chamada violência obstétrica pode ser cometida por todos os profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento, de modo que, a abordagem inicial do presente estudo voltar-se-á à questão terminológica, a fim de que se demonstre que a terminologia mais adequada seria violência institucional. Ademais, cabe ressaltar que não há, sobremaneira, a intenção de vilanizar a atuação dos médicos obstetras, tampouco apresentar defesa do parto humanizado em detrimento do parto hospitalar. Em verdade, o presente ensaio tem como escopo analisar a questão da violência obstétrica à luz do Direito Penal, perpassando pela Bioética e Medicina. Para tanto objetiva-se aplicar a noção de consentimento informado no campo da obstetrícia. 2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA TERMINOLOGIA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA Em setembro do ano 2000, durante a Cúpula do Milênio, 189 pa-

íses-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) reuniramse com o intuito de deliberar acerca dos maiores problemas mundiais, oportunidade em que firmaram um pacto que ficou conhecido como Declaração do Milênio. A Declaração do Milênio prevê 8 (oito) Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que abrangem temas gerais e representam, em apertada síntese, uma busca pela solução dos principais problemas da humanidade. Tratavam-se de metas que deveriam ser alcançadas pelas nações até o ano de 2015. Dentre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), situa-se a garantia da saúde materna – quinto objetivo. O Quinto Objetivo do Milênio estabelece como meta a necessidade de redução dos índices de mortalidade materna, em no mínimo três quartos. Inegável que, para se atingir a meta constante no Quinto Objetivo do Milênio, os países-membros da ONU deveriam diligenciar a fim de criar políticas relacionadas não apenas à mortalidade, como também era imperativa a adoção de medidas que possibilitassem a redução das diversas formas de violência que antecedem o óbito das gestantes. Isto ocorre porque a garantia da saúde materna deve ser compreendida de forma holística, sendo inviável combater apenas a mortalidade em si, enquanto se permite que diversas violações que antecediam tal fato permanecessem invisíveis. Com efeito, não haverá garantia da saúde materna de forma efetiva se apenas um dos problemas que atingem as mulheres gestantes for combatido. Para garantir a saúde materna, é necessário conferir visibilidade a todas as formas de violência associadas ao período gestacional, porquanto os relevantes índices de mortalidade materna estão intrinsecamente relacionados a essas inúmeras violações, evidenciando um ponto sensível que dificulta o acesso das gestantes à saúde plena. Ato contínuo, quinze anos após serem estabelecidos os Objetivos do Milênio (ODM), o Centro Regional de Informação das Nações Unidas (UNRIC) aponta que “as taxas de mortalidade materna e indícios de violências relacionadas ao parto mantêm-se altas” (FERREIRA, 2015, p. 444). No Brasil, em agosto de 2010, a Fundação Perseu Abramo – SESC divulgou uma pesquisa de opinião pública, intitulada Mulheres brasileiras e gênero nos espaços públicos e privado, através da qual restou apurado que uma em cada quatro mulheres brasileiras – o equivalente a 25% (vinte e cinco por cento) das entrevistadas, sofre-

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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ram algum tipo de violência, seja antes, durante ou após o parto. Ademais, 23% (vinte e três por cento) das mulheres entrevistadas afirmam que durante o atendimento ouviram dos profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento, as seguintes admoestações: não chora que ano que vem você está aqui de novo; na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe; se gritar eu paro e não vou te atender; se ficar gritando vai fazer mal para o neném, vai nascer surdo. Os relevantes dados obtidos por intermédio da pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo – SESC começaram a ganhar repercussão social, principalmente em decorrência do efeito catalisador da mídia. Tanto o é que, em julho de 2015, a Revista ÉPOCA lançou a campanha #partocomrespeito, colocando em evidencia os abusos sofridos pelas parturientes no momento do parto. Os relatos apresentados pela Revista ÉPOCA vão desde a falta de analgesia, negligência da equipe médica, repreensões, ameaças, violência física e verbal, passando por xingamentos de cunho discriminatório. Nesse cenário, surge o projeto de Lei nº 7.633/2014, de autoria do Deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que dispõe sobre a humanização da assistência à mulher e ao neonato durante o ciclo gravídico -puerperal. O artigo 13, parágrafo único, do projeto de Lei nº 7.633/2014, define a violência obstétrica como todo ato praticado “pelo(a) profissional da equipe de saúde que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes em trabalho de parto, em situação de abortamento e no pós-parto/puerpério”. Analisando o conceito de violência obstétrica constante no artigo 13, parágrafo único, do projeto de Lei nº 7633/2014, observa-se a definição trazida pelo apontado projeto de lei, esclarece que se trata de um ato praticado pelo(a) profissional da equipe de saúde. Nessa conformidade, surge uma questão relativa à própria terminologia violência obstétrica. De fato, da leitura do termo violência obstétrica, invariavelmente é feita uma associação com os profissionais especializados em obstetrícia, de modo que, em uma primeira análise, surge o entendimento de que se trata de uma violência cometida tão somente pelos médicos obstetras. Nesse contexto, além de se vilanizar a atuação dos médicos obstetras, é criada uma polarização do debate. E ainda, surge a noção de que se está defendendo o parto humanizado, em detrimento do parto hospitalar. Ocorre que a violência obstétrica pode ser cometida por todos os profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento, de modo que a terminologia mais adequada seria violência institucional. Todavia, cabe ressaltar que as reflexões acerca da questão terminológica não são consectárias de exacerbado rigor linguístico. Com efeito, ao se esclarecer que a violência obstétrica deve ser compreendida como violência institucional, objetiva-se, em verdade, demonstrar que, o presente ensaio não se trata de polarizar o debate em favor do parto humanizado, até porque, durante o processo de parto e nascimento, existem intervenções médicas que são imprescindíveis para a garantia da saúde da gestante e do neonato. Sendo assim, uma vez esclarecido que o presente trabalho não se destina à polarização do debate em favor do parto humanizado, as expressões violência obstétrica e violência institucional serão utilizadas como sinônimas, com o fito de se evitar repetições desnecessárias. Entretanto, conforme esclarecido anteriormente, não se pode perder de vista que a violência obstétrica ou institucional pode ser (e é) cometida por todos os profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento, independentemente de sua formação profissional ou mesmo de seu gênero.

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3 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA COMO UMA QUESTÃO DE GÊNERO É possível afirmar que a violência obstétrica encontra suas raízes na estrutura da sociedade patriarcal, na qual prevalece uma relação de subordinação entre os gêneros, sendo as mulheres alvo de constante discriminação, pelo simples fato de serem quem são. A violência obstétrica é, portanto, violência de gênero, tendo em vista que a organização hierarquizada da sociedade patriarcal é reproduzida na relação médico-paciente. Isto ocorre porque, nas inúmeras situações nas quais resta evidenciada a ocorrência de violência obstétrica, observa-se “uma tentativa, por parte dos profissionais da área, de sobrepor o conhecimento médico sobre os direitos individuais e reprodutivos das mulheres” (FERREIRA, 2015, p.248). Ademais, o próprio nascimento da medicina moderna evidencia a relação de subordinação entre médico e paciente, uma vez que se trata de um mecanismo utilizado para o controle do corpo. Ao tratar do nascimento da medicina, Foucault assevera que o controle social primeiro é feito no âmbito biológico, somático e corporal, para só então serem controladas as consciências e ideologias (FOUCAULT, 2015). Segundo Foucault, “o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista.” (FOUCAULT, 2015, p. 144). Desse modo, observa-se que a violência obstétrica, enquanto uma forma de apropriação do corpo e dos direitos reprodutivos das mulheres, pelos profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento, reforça essa lógica hierarquizada e patriarcal, tendo como marco a intervenção sobre o corpo feminino. Nesse cenário, surge a denominada direção ativa do parto, na qual o profissional envolvido no processo de parto e nascimento – na maioria das vezes, o obstetra -, assume a função de protagonista, comandando o procedimento, cabendo à mulher a função de colaborar com o profissional. Conforme Zasciurinski, a violência obstétrica pode ser caracterizada por um conjunto de atos que representam violação aos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres, a saber: 1) negação do atendimento à mulher, quando àquela procura atendimentos em unidades de saúde; 2) imposição de obstáculos no estabelecimento no qual está sendo realizado o pré-natal; 3) comentários humilhantes a mulher no que concerne a sua cor, idade, religião, escolaridade, classe social, estado civil, orientação sexual, número de filhos; 4) agendar cesárea sem recomendações baseada em evidencias cientificas, atendendo as necessidades e interesse do próprio médico; 5) frases humilhantes e repetitivas que vão se reproduzindo de uma geração de médicos a outra, em forma de piadas; 6) exposição do corpo da mulher em meio a maternidade e, por fim, 7) impedimento de se alimentar, de andar, entre outras formas de agir. (ZASCIURINSKI, 2015, p.3) Em suma, é possível afirmar que a violência obstétrica constitui um conjunto de intervenções desnecessárias realizadas durante o processo de parto e nascimento, que retiram a autonomia da mulher sobre seu próprio corpo e sexualidade. Em verdade, o aspecto mais relevante e crucial na caracterização da violência obstétrica é o deslocamento do eixo de pensamento, no qual o parto de deixa de ser considerado um acontecimento natural, fisiológico. Assim, concomitantemente a hospitalização do parto e a retirada da autonomia das mulheres, restam legitimados os

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excessos de intervenções, realizados de forma rotineira nos hospitais e maternidades, configurando “um tipo de violência institucionalizada, que é promovida em todos os lugares onde há serviço materno-infantil, salvo exceções”. (ZASCIURINSKI, 2015, p.4). Inegáveis as consequências malsãs consectárias da violência obstétrica, uma vez que em decorrência da retirada do parto como um evento natural, biológico, as mulheres modernas acreditam não serem capazes de passar por todo o processo envolvendo o parto e nascimento. Vivemos um período histórico, no qual as mulheres, em sua maioria, se sentem incapazes de parir. No Brasil, os maiores indícios da existência da violência obstétrica, residem nos elevados números de cesáreas realizadas por ano, tendo em vista que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece uma taxa mínima de 15% (quinze por cento de cesáreas ao ano), ao passo que, em nosso país em torno de 50% (cinquenta por cento) dos partos são realizados por ato cirúrgico. Nesse contexto, surge o debate a favor da humanização do parto, no qual se argumenta que o corpo feminino é capaz de gestar e parir, de modo que é reconhecida a autonomia da mulher sobre seu corpo e sua sexualidade. Segundo Zasciurinski, “o parto humanizado é aquele parto voltado, centrado na mulher com respeito a autonomia e protagonismo feminino” (ZASCIURINSKI, 2015, p.5). Todavia, cabe destacar que o movimento a favor da humanização do parto, reconhece que existem intervenções médicas que são necessárias para a garantia da saúde da gestante e do nascituro. Assim, não se trata de uma polarização do debate a favor do parto humanizado, em detrimento do parto hospitalar, o que se traz à baila é apenas a necessidade do empoderamento feminino, a fim de que sejam respeitados os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres. Nesse sentido, o empoderamento feminino que ora se defende, diz respeito à obtenção de conhecimento e esclarecimento acerca das práticas que poderão ser adotadas durante o processo de parto e nascimento – seja para escolher as técnicas do chamado parto humanizado, seja para optar, de modo consciente e refletido, pela realização da cesárea. Conforme Zasciurinski, “o termo empoderar está ligado à tomada de conhecimento e informações para beneficio próprio das mulheres, no intuito de conseguir de alguma forma reverter e/ou combater um processo violento dentro da maternidade” (ZASCIURINSKI, 2015, p.5). Com efeito, para que a mulher retome a autonomia sobre seu próprio corpo e parto, é imperativa a observância do principio do consentimento livre e esclarecido, restaurando o equilíbrio na relação médico-paciente. 4 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, BIOÉTICA E O PRINCÍPIO DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO É cediço que, nos últimos tempos, as ciências biológicas tiveram grande desenvolvimento, de modo que surgem problemas éticos, em razão das descobertas realizadas nesse campo do conhecimento. Assim, tendo em vista a preocupação tanto da comunidade científica, quanto da população em geral, sobre as experimentações com o corpo humano, surge a Bioética. Adélia Procópio Camilo ao citar Maria de Fátima Freire de Sá, assevera que:

busca de maior aprofundamento sobre o tema, que referida ciência tem como uma de suas preocupações principais a questão da autonomia do paciente. (SÁ, 2004, p. 1, apud CAMILO, 2014). Se a Bioética nasce como “uma resposta da ética às novas situações oriundas da ciência no âmbito da saúde” (DINIZ, 2001, p. 10-11), o Biodireito surge, então, da união da bioética com o direito. Isto ocorre porque, uma vez evidenciadas as consequências decorrentes das pesquisas biomédicas e biotécnicas, é imperativa a criação de normas regulamentadoras dessas pesquisas, com o escopo de estabelecer limites jurídicos aos progressos científicos e, assim, garantir a segurança necessária a manutenção do bem estar de toda a coletividade. O Biodireito seria um ramo do Direito, que tem como principal objeto a vida humana, impondo limites jurídicos aos progressos científicos e estabelecendo que nenhuma verdade científica poderá prevalecer sobre a ética e o direito. Nesse contexto, é possível afirmar que Bioética e Biodireito caminham juntos, uma vez que através de ambos é possível tutelar a sociedade face aos avanços científicos. Vale dizer, o Direito, por intermédio da Bioética e do Biodireito, impõe limites jurídicos ao progresso cientifico, de modo a assegurar os direitos essenciais de toda a coletividade. Noutro giro, observa-se que o Biodireito, ao estabelecer limites aos progressos científicos, coloca em relevo os diversos aspectos jurídicos existentes na relação médico-paciente, médico-família do paciente, médico-sociedade e médico-instituições (SÉGUIN, 1999, p. 18-19, apud CAMILO, 2014). Sendo assim, considerando que o Biodireito disciplina as relações médico-paciente, ao se tratar da questão acerca da violência obstétrica, inegável que a reflexão deve ser feita à luz do princípio do consentimento livre e esclarecido. Quando se fala da aplicação do princípio do consentimento livre e esclarecido, é imperativo destacar a importância do diálogo na relação médico-paciente, tendo em vista que se trata de um relacionamento entre desiguais, mormente quando se tem em conta as diferenças de conhecimento científico entre ambas as partes. O médico, enquanto detentor de informação técnica e cientifica, fica em uma situação de poder, de modo que resta patente a situação de vulnerabilidade do paciente. Em tal passo, surge a necessidade de comunicação entre as partes, a fim de se estabelecer a harmonia da relação. Nesse sentido, o diálogo teria como finalidade apenas não diminuir a distância entre médico e paciente, como também reforçar a confiança sobre a qual é pautada a relação médica. Isto ocorre porque, somente através das informações claras e adequadas, apresentadas pelo profissional da saúde, que o paciente será capaz de dar seu consentimento de forma consciente. Com efeito, a ausência de informações adequadas e claras acerca do tratamento médico representa uma anulação da autodeterminação do paciente, bem como um abuso da confiança e autoridade na relação médico-paciente. No que concerne a importância do diálogo na relação médicopaciente, Arthur Magno e Silva Guerra esclarece que:

A Bioética surge como corolário do conhecimento biológico, buscando o também conhecimento do sistema de valores. Embora se refira, frequentemente, aos problemas éticos derivados das descobertas e das aplicações das ciências biológicas que tiveram grande desenvolvimento na segunda metade do século XX, muito importante se faz ressaltar, na LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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[...] O médico deve manter um diálogo com seu paciente, mas não qualquer diálogo, e sim um diálogo qualificado, voltado para o tratamento de saúde do ser humano fragilizado [...] O diálogo deve fazer parte do próprio tratamento e não apenas uma introdução a este. Somente o diálogo nestas condições conduz o paciente ao “consentimento livre e esclarecido”. (GUERRA, 2005, p. 316, 319 e 320). CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


à luz em decúbito dorsal com as pernas levantadas, tendo os meios necessários para a realização do trabalho de parto vertical; 3. Impedir a mãe de ter contato imediato com a criança, sem justificativa médica, negando a possibilidade amamentação logo após o nascimento; 4. Alterar o processo natural do parto de baixo risco, usando técnicas de aceleração, sem obter o consentimento voluntário, expresso e informado da mulher; 5. Realizar cirúrgia cesariana, quando existirem condições para o parto natural, sem a obtenção do consentimento voluntário, expresso e informado da mulher. Em tais casos, o Tribunal deve impor ao responsável multa de duzentas e cinquenta unidades tributárias (250 U.T.) a quinhentas unidades tributárias (500 U.T.), devendo, ainda, enviar uma cópia autenticada da sentença condenatória transitada em julgado, para o respectivo conselho profissional, para fins de processo disciplinar apropriado. (VENEZUELA. Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência de 23 de abril de 2007 – tradução livre)3.

Desse modo, ao transportar a noção do consentimento livre e esclarecido para a obstetrícia, verifica-se que o diálogo entre a parturiente e os profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento é medida que se impõe, a fim de que seja respeitada a autodeterminação da paciente, bem como seus direitos reprodutivos e sexuais. Assim, o que se propõe é que a atuação dos profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento seja legitimada pelo consentimento livre e esclarecido da mulher, e que este consentimento, por sua vez, deve ser precedido de informações detalhadas acerca de todos os procedimentos a serem adotados. Esse posicionamento é reforçado pelo Código de Ética Médica, que, em seu artigo 22, estabelece que é vedado ao médico: “deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte” (BRASIL. Resolução CFM nº 1931/2009). 5 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, DIREITO COMPARADO E O ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO No Direito Comparado, observa-se que, dentre as legislações latino-americanas – Venezuela, Argentina e Chile - que tratam da violência obstétrica, a Venezuela é o único país a tipificar a violência praticada contra as parturientes. Com efeito, a Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência de 19/03/2007, além de definir o conceito de violência obstétrica, prevê uma sanção aos profissionais de saúde que incorrerem em tal conduta ilegal. O artigo 15 da Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência de 23/04/2007, ao tratar das formas de violência contra a mulher, estabelece que: A violência obstétrica caracteriza-se pela apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres. (VENEZUELA. Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência de 23 de abril de 2007 – tradução livre)2. De outra margem, o artigo 51 de apontado diploma legal, ao tipificar a violência obstétrica, dispõe que: Considera-se violência obstétrica os atos praticados pelos profissionais de saúde, consistentes em: 1. Não atender oportuna e eficazmente as emergências obstétricas; 2. Forçar mulheres a dar

No que concerne a tipificação da violência obstétrica realizada pela legislação venezuelana, observa-se que o preceito secundário da norma não estabelece uma pena que importa na restrição da liberdade ambulatorial do profissional da saúde que incorrer na prática de tal conduta ilegal. Com efeito, a sanção prevista no artigo 51 da Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência de 23/04/2007, refere-se à possibilidade de imposição de multa ao agente infrator, bem como que a sentença condenatória seja utilizada em processo disciplinar perante o conselho profissional competente. Nessa linha de raciocínio, é vale destacar o artigo 61 da Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência de 23/04/2007: Todas as ações de violência previstas nesta Lei acarretarão o pagamento de uma indenização a mulheres vítimas de violência ou a seus herdeiros e herdeiras em casos em que a mulher falecer como resultado do delito. O montante desta indenização será fixado pelo órgão jurisdicional especializado competente, sem prejuízo da obrigação de pagar o tratamento médico ou psicológico que a vítima precisar. O artigo 61 de apontado diploma legal prevê a possibilidade do responsável pela prática de violência obstétrica ser compelido a efetuar o pagamento de indenização, que é própria do direito civil. Sendo assim, é possível observar-se que a Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência de 23/04/2007 trata da responsabilização pela prática de violência obstétrica, tanto no âmbito civil quanto penal, ainda que a sanção imposta a tal conduta ilegal seja de ordem pecuniária (multa).

2 Artículo 15. Formas de violencia. Se consideran formas de violencia de género en contra de las mujeres, las siguientes: (...) Violencia obstétrica: Se entiende por violência obstétrica la apropiación del cuerpo y procesos reproductivos de las mujeres por personal de salud, que se expresa en un trato deshumanizador, en un abuso de medicalización y patologización de los procesos naturales, trayendo consigo perdida de autonomía y capacidad de decidir libremente sobre sus cuerpos y sexualidad, impactando negativamente en la calidad de vida de las mujeres. 3 Artículo 51. Violencia obstétrica. Se considerarán actos constitutivos de violência obstétrica los ejecutados por el personal de salud, consistentes en: 1.- No atender oportuna y eficazmente las emergencias obstétricas. 2.- Obligar a la mujer a parir en posición supina y con las piernas levantadas, existiendo los medios necesarios para la realización del parto vertical. 3.- Obstaculizar el apego precoz del niño o niña con su madre, sin causa médica justificada, negándole la posibilidad de cargarlo o cargarla y amamantarlo o amamantarla imediatamente al nacer. 4.- Alterar el proceso natural del parto de bajo riesgo, mediante el uso de técnicas de aceleración, sin obtener el consentimento voluntario, expreso e informado de la mujer. 5.- Practicar el parto por vía de cesárea, existiendo condiciones para el parto natural, sin obtener el consentimento voluntario, expreso e informado de la mujer. En tales supuestos, el tribunal impondrá al responsable o la responsable, una multa de doscientas cincuenta (250 U.T.) a quinientas unidades tributarias (500 U.T.), debiendo remitir copia certificada de la sentencia condenatoria definitivamente firme al respectivo colegio profesional o institución gremial, a los fines del procedimiento disciplinario que corresponda.

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Noutro giro, cabe destacar que o tipo penal constante no artigo 51 da Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência de 23/04/2007, tem um sujeito ativo especifico, a saber, o profissional da saúde, Isto equivale a dizer que para fins da legislação venezuelana não é qualquer pessoa que pode cometer violência obstétrica. Trata-se, portanto, de delito próprio. Todavia, a nosso sentir, apontada disposição evidencia patente falha legislativa, uma vez que conforme anteriormente exposto, a violência obstétrica ou institucional pode ser (e é) cometida por todos os profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento, independentemente de sua formação profissional ou mesmo de seu gênero. De outra margem, vale ressaltar que a Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência de 23/04/2007 decorre da ratificação, pela Venezuela, da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher de 1979. O Brasil, na data de 01/02/1984, também ratificou a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher. De modo que, nesse cenário surgem as seguintes reflexões: quais são os impactos jurídicos da prática da violência obstétrica em nosso país? Em nosso ordenamento jurídico existe proteção aos direitos das mulheres quando em trabalho de parto, parto e pós-parto? Da análise sistêmica do ordenamento jurídico pátrio, constatase que a proteção aos direitos das mulheres quando em trabalho de parto, parto e pós-parto é feita no texto constitucional e em legislações infraconstitucionais. O artigo 5º da CR/88, ao dispor sobre os direitos e garantias fundamentais prevê: 1) a igualdade e inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (caput); 2) a inexistência de obrigação de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei (inciso II); 3) a vedação à tortura, ao tratamento desumano ou degradante (inciso III); 4) indenização por dano (inciso V) e, por fim, 5) a inviolabilidade da intimidade e vida privada (inciso X). Há, ainda, o art. 196 da Lei Fundamental, que dispõe: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). Nesse sentido, verifica-se que existe todo um arcabouço constitucional que, ao tutelar o direito à integridade pessoal, consequentemente protege contra as situações que acarretam danos à saúde da mulher, durante todo o atendimento que envolve o processo de parto e nascimento. De outra margem, no âmbito infraconstitucional, observa-se que tanto a Lei 10.406/2002 (Código Civil), quanto a Lei nº 8078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), podem ser aplicadas nos casos de violência obstétrica. Isto ocorre porque os danos consectários da violência no atendimento em saúde da mulher, sejam de ordem patrimonial ou extrapatrimonial, podem caracterizar a responsabilidade civil e ensejar dever de indenizar. Com relação ao Código de Defesa do Consumidor, destaca-se que o art. 6º do apontado diploma legal prevê, dentre os direitos básicos do consumidor: o direito à informação e à reparação pelos danos patrimoniais e morais decorrentes da falha na prestação do serviço. Dessa forma, considerando a tendência atual de se considerar a relação da usuária com o prestador de serviço de saúde como uma relação consumerista, afere-se que, sobrevindo ofensa ao direito da consumidora - aqui entendida como a parturiente – e uma vez carac-

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terizada a responsabilidade do fornecedor do serviço de saúde, as normas que dispõem sobre a defesa do consumidor serão de observância obrigatória. Ainda no âmbito das relações tuteladas pelo CDC, destaca-se o dever de informação inerente a todos os fornecedores de bens e/ ou serviços, o qual reforça o posicionamento de que a atuação dos profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento deverá ser legitimada pelo consentimento livre e esclarecido da mulher, e que este consentimento, por sua vez, deverá ser precedido de informações detalhadas acerca de todos os procedimentos a serem adotados. No que tange a Lei nº 10.406/2002, extrai-se que o fenômeno de constitucionalização dos ramos do direito afetou também o direito civil, de modo que a tutela da pessoa natural é uma característica marcante do atual estatuto civilista. Tanto o é que o CC/02 traz um capítulo específico ao tratar dos direitos de personalidade. Pode-se afirmar que os direitos de personalidade (arts. 11 a 21, CC/02) são direitos inerentes a qualquer pessoa, estando pautado em alguns pilares, a saber: vida, integridade física, honra, imagem, nome, intimidade. O art. 13, CC/02, veda a disposição de parte do corpo, a não ser em casos de exigência médica e desde que tal disposição não traga inutilidade do órgão ou contrarie os bons costumes. Por seu turno, o art. 15, do mesmo diploma legal, consagra os direitos do paciente, estabelecendo que ninguém pode ser constrangido a tratamento médico ou intervenção cirúrgica que implique em risco de vida. Nesse viés, constata-se que ambos os artigos traduzem a noção do consentimento informado como legitimação do ato médico e, por via reflexa, tutelam os direitos das mulheres quando em trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Isto ocorre porque, a falta ou recusa do consentimento informado, afronta não apenas a autodeterminação do paciente, com também viola as disposições dos artigos 13 e 15 do estatuto civilista. Por fim, cabe destacar que constitui fato inegável que a violência institucionalizada pode caracterizar um ilícito civil, atraindo, portanto, a aplicação do instituto da responsabilidade civil e o dever de indenizar. Todavia, a violência obstétrica pode subsumir-se em alguns tipos existentes no nosso Código Penal, acarretando, dessa forma, responsabilização tanto na esfera cível quanto penal. 6 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E DIREITO PENAL É cediço que a função do Direito Penal, analisada à luz do paradigma do Estado Democrático de Direito, é tutelar os bens jurídicos mais importantes. Isto ocorre porque, num cenário no qual o Estado visa a garantir o exercício dos direitos individuais, a possibilidade de criação de tipos penais incriminadores não deve ser ilimitada. De fato, em razão do paradigma do Estado Democrático de Direito, é necessário estabelecer limitações ao ius puniendi estatal, de modo que a criação de tipos penais incriminadores encontra barreiras no próprio ordenamento jurídico, que impõe a tutela apenas dos valores fundamentais. Nesse sentido, considerando as recorrentes críticas ao fenômeno da inflação legislativa, especialmente no âmbito penal, surge a seguinte questão: a tipificação, tal como fez a Venezuela, seria o único mecanismo para o combate à violência obstétrica? Inicialmente, cabe destacar que a criação de um tipo penal para abarcar as condutas descritas como violência obstétrica, por si só, não constitui medida eficaz para a erradicação dessa forma de violência contra a mulher. Afinal, as próprias regras da experiência denotam que a tipificação de uma conduta não é suficiente para coibir sua prática.

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De fato, quando se fala em combate a violência obstétrica o que se defende é a criação de diretrizes nacionais para uma reestruturação do processo de parto e nascimento, a fim de que se promova um resgate da autonomia das parturientes. Vale dizer, não basta apenas estabelecer princípios e diretrizes que se limitam a garantir o acesso da mulher ao atendimento médico-hospitalar, tendo em vista que no próprio atendimento há uma anulação da autoderminação das mulheres, ante a ausência de informações suficientemente claras acerca do todo o procedimento a gestação, parto e puerpério. Todavia, acreditamos que a reestruturação do processo de parto e nascimento implica, ainda que de forma mediata, a tipificação da violência obstétrica, mormente quando se tem em conta a importância dos bens jurídicos violados quando da prática de tal conduta nefanda. Inegável que a prática da violência obstétrica afronta, na maioria dos casos, a integridade física e psicológica da mulher. Sendo que, dependendo da gravidade da conduta praticada, pode haver até mesmo ofensa à vida. Registre-se, por oportuno, que a defesa de uma tipificação de forma mediata é decorrente da constatação de que, enquanto não sobrevier a legislação especifica, alguns tipos penais incriminadores constantes no Código Penal Brasileiro podem perfeitamente ser aplicados aos casos de violência obstétrica. Do Código Penal Brasileiro podemos destacar as seguintes figuras que podem ser aplicadas nos casos envolvendo violência obstétrica, a saber: 1) lesões corporais, nas modalidades leve ou grave (art. 129, caput, §§ 1º e 2º, CPB); 2) injúria (art. 140, CPB); 3) constrangimento ilegal (art. 146, CPB) e 4) homicídio (art. 121, CPB). É possível afirmar, em apertada síntese, que a lesão corporal é aquilo que provoca dano, ainda que regenerável a um tecido humano. É uma violação da integridade física corporal. No que concerne as lesões corporais, nas modalidades leve ou grave (art. 129, caput, §§ 1º e 2º, CPB), pode-se destacar a prática da episiotomia sem consentimento, bem como a realização da cesárea, sem justificativa médica e sem oportunizar a mulher sua escolha consciente e refletida. A injúria (art. 140, CPB) é um delito previsto no capítulo dos crimes contra a honra. A honra, por sua vez, refere-se a respeitabilidade de alguém, a sua estatura social. Ou seja, a pessoa é conhecida em razão das suas ações. A honra é dividida em honra objetiva e honra subjetiva. A honra objetiva representa o conceito social que se faz de uma pessoa, seja pelo bom nome, reputação, reconhecimento social (renome). Ao passo que a honra subjetiva, representa a forma pela qual o sujeito enxerga a si mesmo (autoestima). A injúria é um delito que afeta a honra subjetiva, afetando o decoro, pudicícia (pudor sexual), dignidade da pessoa. O intuito da injúria é vexar, causar constrangimento na pessoa. Ela pode ocorrer por qualquer meio ou modo, a saber: verbal, gestual, escrita, pictográfica. Noutro giro, o constrangimento ilegal (art. 146, CPB), é caracterizado pela conduta de obrigar a alguém a fazer algo que não quer fazer ou obrigar alguém a deixar de fazer algo que a lei autoriza. Com relação a injúria e ao constrangimento ilegal, vale destacar o relato da obstetriz e ativista pelo parto humanizado Ana Cristina Duarte, referente a algumas formas de violência obstétrica: [...] impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência, tratar uma mulher em trabalho de parto de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira, ou de qualquer forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido, tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, submeter a LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

mulher a procedimentos dolorosos desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas, submeter a mulher a mais de um exame de toque, especialmente por mais de um profissional, dar hormônios para tornar o parto mais rápido, fazer episiotomia sem consentimento. (ASSOCIAÇÃO ARTEMIS. 2014. p. 14). Inegável que o relato acima, apresenta situações que ora subsumem-se a injúria, ora enquadra-se no tipo penal do constrangimento ilegal, ora até mesmo à figura das lesões corporais, como no caso da episiotomia. Por fim, no que tange ao homicídio (art. 121, CPB), verifica-se que “a conduta incriminada consiste em matar alguém por qualquer meio” (PRADO, 2014, p. 84 e 85). Nesse cenário, é possível destacar o caso que ocorreu no Hospital e Maternidade Modelo de Ananindeua, na região metropolitana de Belém, envolvendo a paciente Ana Carolina Carvalho Santiago e a médica ginecologista V.L.M. Conforme informações obtidas no sítio eletrônico Globo.com, na data de 24/12/2012, a paciente, em trabalho de parto, deu entrada no Hospital e Maternidade Modelo de Ananindeua, oportunidade em que foi submetida a inúmeras formas de violência durante o procedimento de parto que acarretaram seu óbito, bem como o da criança. Na data de 12/04/2016, o caso foi submetido à apreciação do Conselho Regional de Medicina (CRM) em Belém, ocasião em que entenderam não haver razão para a cassação do registro profissional da médica V.L.M. Em tal passo, verifica-se que a violência obstétrica, em suas formas mais graves, pode acarretar risco à vida da mulher e do nascituro, enquadrando-se, portanto, no tipo penal incriminador previsto art. 121, CPB. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo, procura-se demonstrar que a violência obstétrica é violência de gênero, que reforça a estrutura da sociedade patriarcal, na qual as mulheres são alvo de constante discriminação. Com o intuito de evitar a polarização do debate em favor do parto humanizado, foram apresentadas considerações terminológicas, oportunidade em que se discute a terminologia mais adequada seria violência institucional, tendo em vista que tal violência pode ser (e é) praticada por todos os profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento, independentemente de sua formação profissional ou mesmo de seu gênero. É possível afirmar que uma das principais características da violência obstétrica é a anulação da autoderminação da mulher, em razão da ausência de informações detalhadas acerca de todos os procedimentos a serem adotados durante o momento do parto. Com efeito, sem as informações pertinentes, a mulher tem tolhido o seu direito de escolha consciente e refletida. Nesse sentido, apresenta-se a possibilidade de aplicação do princípio do consentimento livre e esclarecido como legitimação do ato médico, a fim de que seja mantido um diálogo entre a parturiente e os profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento, possibilitando, dessa forma, o respeito a autodeterminação da paciente, bem como seus direitos reprodutivos e sexuais. Com relação ao Direito Comparado, observa-se que a violência obstétrica é conduta tipificada na Venezuela – Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência de 23/04/2007. De outra margem, afere-se que, no ordenamento jurídico pátrio, a proteção aos direitos das mulheres quando em trabalho de parto, parto e pós-parto é

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feita no texto constitucional e em legislações infraconstitucionais. Em tal passo, no que concerne ao ordenamento jurídico pátrio foi possível constatar que, a despeito da ausência de legislação especifica tratando da violência obstétrica, existem diplomas legais que podem ser utilizados para tentar mitigar este tipo de violência direcionada às mulheres. Uma vez construído o raciocínio do conceito de violência obstétrica, bem como das práticas que caracterizam apontada violência, foi possível abordar as implicações penais dessa forma de violência contra as mulheres. Dessa forma, conclui-se que o cuidado na formação dos profissionais envolvidos no processo de parto e nascimento, a garantia do acesso à informação e, por fim, o debate em torno da tipificação da violência obstétrica, são medidas que, por si só, não são verdadeiramente eficazes no combate a este tipo de violência. Inegável, pois, que a solução de um problema que encontra raízes na própria estrutura patriarcal da sociedade demanda uma mudança de paradigma. Em verdade, uma mudança de mentalidade no que tange o papel social feminino. REFERÊNCIAS AQUINO, Ruth de, Parto normal ou cesárea? Quem decide - o médico, a mãe o bebê? Disponível em: <http://www.epoca.globo.com/ colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2013/09/bparto-normal-oucesareab-quem-decide-o-medico-mae-o-bebe.html>. Acesso em 14 de março de 2016. ASSOCIAÇÃO ARTEMIS. Denúncia encaminhada à Presidência da República acerca da violência obstétrica. Disponível em: <http://www. artemis.org.br/wp-content/Denúnica-Adelir-PRESIDÊNCIA-DA-REPÚBLICA.pdf>. Acesso em: 02 de junho de 2016. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em 14 de março de 2016. _______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 14 de março de 2016. _______. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ L10406.htm>. Acesso em 14 de março de 2016. _______. Projeto de Lei n° 7.633/2014. Disponível em: <http://www. camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=617546>. Acesso em 14 de março de 2016. _______. Resolução CFM nº 1931/2009. Disponível em: <http://www. portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2009/1931_2009.htm>. Acesso em 14 de março de 2016. BRITO, Anne Lacerda de. Violência obstétrica: o que é isso? Disponível em: <http://annelbrito.jusbrasil.com.br/artigos/115355541/violencia -obstetrica-o-que-e-isso>. Acesso em 14 de março de 2016.

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Banca Examinadora Marcelo Sarsur Lucas da Silva (Orientador) Renato Martins Machado (Examinador)

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A LIMITAÇÃO DO PODER FAMILIAR FACE ÀS MEDIDAS CORRETIVAS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES Isabella Zuim de Souza1

RESUMO: O Poder Familiar diz respeito a direitos e deveres, os quais os pais devem proteger, educar alimentar e zelar pelo bem estar dos seus filhos. Com a extrema vulnerabilidade das crianças e adolescentes, torna-se necessário analisar os limites do Poder Familiar no uso das medidas corretivas em face das crianças e adolescentes, demonstrando as consequências das práticas abusivas no uso de tais medidas e analisar até onde o Estado deve interferir nas relações familiares. É dever do Estado e também da sociedade e da família proporcionar a proteção das crianças e dos adolescentes, preservando a integridade física e moral das mesmas. Há de se ressaltar que é necessário estabelecer o limite da intervenção do Estado na forma dos pais educarem seus filhos, pois caso contrário, o mesmo poderia retirar a autonomia dos pais sobre seus filhos. Palavras chave: Criança e Adolescente. Medidas Corretivas. Poder Familiar.

1 INTRODUÇÃO O presente estudo, pretende demonstrar, na delimitação de seu tema, a necessidade do respeito às crianças e aos adolescentes, da sua integridade física e psicológica, seu desenvolvimento sadio no âmbito familiar e social, bem como o limite da intervenção do Estado na forma de correção dos pais na criação de seus filhos. Na construção da pesquisa, é abordado o seguinte problema: Quais os limites do poder familiar no uso de medidas corretivas em face de crianças e adolescentes? O seu objetivo é identificar os limites do poder familiar e seus deveres em relação às crianças e aos adolescentes; a influência da doutrina de proteção integral e verificar a prática da violência doméstica como método de correção e punição, além de demonstrar suas consequências e os instrumentos criados pelo Estado para tentar coibir esta prática abusiva de poder pelos pais. 2 DELIMITAÇÃO DO TERMO FAMÍLIA De acordo com Bárbara Rodrigues Faria, na publicação de seu artigo na revista eletrônica de direito, abordando o tema o fenômeno da dupla paternidade à luz do direito de família contemporâneo, “o conceito de família não pode mais ser visto através do olhar tradicional e restrito que antes lhe era atribuído, porquanto, o conceito contemporâneo abrange as mais diversas formas de relacionamento, sempre à luz dos princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana.” (FARIA, 2013, disponível em http://npa. newtonpaiva.br/direito/?P=1525). Segundo os autores Gagliano e Pamplona (2011), qualquer tentativa de delimitar o significado do termo família, atribuindo um significado único, nos afastaria de nossa realidade, sendo que atualmente o termo família não comporta apenas um tipo de família. Para os mesmo autores, família é gênero, que envolve diversas modalidades em sua constituição, devendo todos os tipos de famílias serem merecedoras da proteção no âmbito jurídico.

A família não se define como uma instituição estática, pois como parte da sociedade, consequentemente é influenciada pela mesma, se transformando gradativamente. Pelo viés psicológico, a família possui personagens. Cada um desses personagens possui um papel fundamental na família. Pelo viés sociológico, a família é uma instituição relevante para a estabilidade social, sendo que com a inexistência da família, encaminha-se para crises sociais. Pelo viés jurídico, a família é instituição basilar da sociedade que goza de especial proteção do direito. 2.1 As Diversas Espécies de Família Podemos destacar diversos conceitos de família. Pelo conceito clássico, também chamado sentido estrito ou restrito, a família é baseada nos seguintes personagens: genitores (ou cônjuges) e sua prole (ou filhos). Pelo conceito amplo de família, além dos cônjuges e filhos, existem também os parentes em linha reta e por afinidade. No conceito amplíssimo, alem dos parentes, são considerados como família, os empregados domésticos. O conceito de família monoparental, define família como o pai OU a mãe e sua prole, contrariando o conceito restrito ou estrito de família. O direito brasileiro procurando não discriminar os diversos tipos de família e pregando a proteção das mais diversas espécies familiares, pela sumula 364 do STJ, preocupou-se em proteger a família monoparental: “Súmula 364: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.” O artigo 226, §4º do código civil, define a família monoparental da seguinte forma: “§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.” No contexto da família Anaparental, a família é definida como aquela em que não apresenta nenhum dos pais (podem ser constituídas entre primos, tios, irmãos). Família Anaparental é a relação que possui vínculo de parentes-

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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co, porém, não possui vínculo de ascendência ou descendência. Tal família vem disciplinada no artigo 69, caput, do Projeto do Estatuto das Famílias em seu Art. 69- As famílias parentais se constituem entre si e decorrem da comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar. A respeito, esclarece Maria Berenice Dias: “A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família anaparental”. (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias.São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª ed., 2007, p. 46). Analisando a definição acima, observa-se que a família anaparental, pode também ser definida, por exemplo, entre amigos, os quais não possuem laço consanguíneo, porém, estabelecem um laço familiar, por afinidade. A Família ou União Homoafetiva, decorre da união de pessoas do mesmo sexo, as quais se unem para a constituição de um vínculo familiar. O Projeto do Estatuto das Famílias a define em seu artigo 68: Art. 68. É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couberem, as regras concernentes à união estável. (PROJETO DE LEI DO SENADO nº 470, de 2013) É mister que ao se delimitar o significado de família, estabelecendo-se conceitos e personagens, acabaríamos caindo em um retrocesso o qual deixar-se-ia de acompanhar as evoluções da sociedade, e acabaria abrindo-se brechas para deixar de proteger as famílias definidas fora do padrão estabelecido. Isto sem dúvidas seria um grande problema para a sociedade, gerando diversos conflitos e desencadeando diversos tipos de preconceito. 3 PODER FAMILIAR 3.1 Conceito de Poder Familiar Em seu artigo 379 do código civil de 1916, era previsto que : os filhos legítimos, ou legitimados, os legalmente reconhecidos e os adotivos estariam sujeitos ao pátrio poder, enquanto menores. Procurando desvincular-se da ideia machista da expressão “pátrio poder”, o código civil de 2002, passou a utilizar a expressão “poder familiar”, substituindo o artigo 379 do código civil de 1916 pelo artigo 1.630 do código civil de 2002, relatando que os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. Entende-se, que ao atingir a maioridade, o pai é destituído desse poder, o que não significa que deva abandonar ou deixar de prover assistência material ou imaterial. Pelo princípio da isonomia, não há superioridade ou prevalência do homem em detrimento da mulher. Não seria, portanto, coerente, utilizar-se da expressão narrada no código de 1916 (pátrio poder). Pablo Stolze Gagliano (2011) assim define o significado da expressão poder familiar como: Podemos conceituar o poder familiar como o plexo de direitos e obrigações reconhecidos aos pais, em razão e nos limites da autoridade parental que exercem em face dos seus filhos, enquanto menores e incapazes. Note-se, desde já, que essa profunda forma de autoridade familiar somente é exercida enquanto os filhos ainda forem menores e

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não atingirem a plena capacidade Civil. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 668) Silvio Rodrigues conceitua o poder de família como “o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes”. (RODRIGUES, apud COMEL, 2003. p. 64.) 3.2 A origem do Poder Familiar Segundo alguns traços históricos, antigamente o grupo familiar não era limitado às relações individuais. As relações sexuais existiam entre todos os membros que integravam a tribo; não era possível o reconhecimento do pai biológico nestas tribos. Os filhos passavam todo o tempo com a mãe que os alimentava e os educava. Mais tarde, na vida primitiva, existiu o excesso de guerra e também a falta de mulheres, e desta forma, os homens buscavam relações com mulheres de outras tribos. O homem então começou a buscar a individualização e a exclusividade nas relações, surgindo à monogamia e consequentemente o exercício do poder paterno. Os deveres das mães e pais eram divididos. A mãe, via de regra, ficava com a guarda e era responsável por fiscalizar o direito de visitas. A mulher tinha como uma das funções dar afeto e amor e o pai possuía a função de autoridade. O Poder de família é um ramo extremamente antigo do direito e era nítido o poder do homem, do chefe da família. O Poder Familiar teve sua origem na Roma Antiga. Naquela época, a lei permitia ao pai vender ou até mesmo tirar a vida de seu filho e dispor de sua mulher quando entendesse conveniente. 3.3 Deveres dos Pais e Direitos dos Filhos inerentes ao Poder Familiar A responsabilidade dos pais funda-se em um dever irrenunciável. Isto se dá, pela fragilidade da criança e adolescente, os quais merecem especial tratamento. Nosso ordenamento jurídico confere aos pais alguns deveres em razão do poder familiar. No artigo 227, a Constituição Federal, atribui à família o dever de educar, conviver e respeitar a dignidade de seus filhos, com o objetivo do bom desenvolvimento da criança e adolescente, proporcionando a estes as devidas condições para seu desenvolvimento saudável, tanto físico quanto psicológico. O artigo 229 da Constituição Federal reveste aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos. A Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do adolescente (ECA), relata a existência de deveres essenciais ao poder familiar, estabelecendo aos pais obrigações não somente materiais em relação aos seus filhos, mas principalmente afetivas, morais e psíquicas. O artigo 3º do ECA estabelece que toda criança e adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, a fim de lhes proporcionar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, como relatado abaixo: A Lei 10.406/2002, do atual Código Civil brasileiro , em seu artigo 1.634, relata o dever do poder familiar e as funções dos pais as quais devem ser desempenhadas em relação aos seus filhos. Os artigos 1.583 a 1.590, do mesmo diploma, ditam sobre a proteção dos filhos em caso de ser rompida sociedade conjugal, relatando sobre a guarda compartilhada e unilateral. Os pais que suprimirem o direito dos filhos, principalmente, a convivência familiar, estarão descumprindo com a sua obrigação legal, causando danos ao desenvolvimento moral, psíquico e socioafetivo dos filhos, caracterizado o desrespeito aos direitos fundamentais da criança ou adolescente. Os pais ou qualquer outra pessoa que possua a guarda dos mesmos estarão sujeitos às penalidades de

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natureza preventiva e punitiva, e até mesmo, segundo entendimento de alguns juristas e doutrinadores, a reparação dos danos causados, mesmo que seja de cunho moral, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana. O direito de educar vem relacionado ao direito de corrigir. Durante o dever educacional os pais podem encontrar resistência com relação à forma disciplinar empreendida, sendo assim, é necessário uma continua correção, estabelecendo ao filho os limites necessários. Entretanto, existe a possibilidade de os pais castigarem o filho na tentativa de corrigi-los, porém, entende-se que tudo que possa ofender a integridade física ou mental do filho é caracterizado como castigo imoderado, não pode ser aplicado, sob pena da destituição do poder familiar. (LÔBO NETO, 2002. p. 153). Os pais possuem diversos deveres e encargos quanto à pessoa do filho. O artigo 1634 do CC/02 elenca uma série de obrigações (rol exemplificativo), tais como: dirigir a educação dos filhos, tê-los em sua companhia e guarda, conceder-lhes ou negar-lhes consentimentos para casarem, nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227 determina à família, à sociedade e ao Estado a proteção à criança e estabelece: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” O conceito atual de família é baseado no afeto como elemento agregador, e exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade. Desta forma, a convivência dos filhos com os pais não é um direito,mas um dever. Não há direito de visitá-lo, há obrigação de conviver com o filho. O distanciamento entre pais e filhos produz impactos emocionais e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. Os direitos dos filhos estão diretamente ligados aos deveres dos pais. Os direitos das crianças devem ser respeitados pela família, e assegurados pela sociedade e pelo Estado. O art. 7° do Estatuto da Criança e do Adolescente regulamenta entre os direitos fundamentais dos menores, o seu desenvolvimento sadio e harmonioso, incluindo o direito de serem criados e educados no seio de sua família. Em relação ao STJ, a Terceira Turma, condenou um pai a indenizar em R$ 200 mil a filha por “abandono afetivo”- trata-se a afetividade de um dos direitos dos filhos. O caso foi julgado em São Paulo. O caso será abordado com mais ênfase no tópico sobre o principio da afetividade. 3.4 Características do Poder Familiar O poder familiar é um múnus publico, ou seja, trata-se de uma obrigação decorrente de lei; é irrenunciável, indelegável e imprescritível. É irrenunciável e indelegável, pois os pais não podem renunciar a

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ele, nem transferi-lo a outras pessoas, porém, existe exceção, a qual encontra-se prevista no art. 166 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no caso da adoção, a qual neste caso, implicará na perda do poder familiar. Quanto à característica imprescritível, significa que o dever do genitor não termina pelo fato de não exercitá-lo naquele momento, podendo perdê-lo na forma e nos casos prescritos em lei. O poder familiar só atinge os filhos menores e não emancipados, sendo que com a maioridade, o poder familiar não existirá mais, pois os filhos se tornarão responsáveis pelos seus próprios atos. 3.5 Suspensão, Perda e Extinção do Poder Familiar Torna-se necessário neste tópico ressaltar a diferença entre a suspensão, perda e extinção do poder familiar, consequentemente abordando os motivos que os resultam, motivos estes expressos no código civil brasileiro. De acordo com o § 1o do artigo 161 do ECA, § 1º: a autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes ou do Ministério Público, determinará a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional ou multidisciplinar, bem como a oitiva de testemunhas que comprovem a presença de uma das causas de suspensão ou perda do poder familiar previstas nos arts. 1.637 e 1.638 do código civil de 2002. Como relatado no artigo 24 do Estatuto da Criança e Adolescente, a perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento com contraditório. O artigo 157 do ECA, ensina que .... havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar a suspensão do poder familiar, liminar ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado à pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade. Importante frisar que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar. A criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio. O artigo 7º do ECA assegura à criança e ao adolescente o direito a um desenvolvimento sadio e harmonioso. Entretanto, quando esses direitos não são observados pelos seus genitores, pode ocorrer a perda ou suspensão do poder familiar, sendo que a extinção ocorre em definitivo, Como se vê adiante. Enquanto o código civil relata os motivos para a suspensão, perda e extinção do poder familiar, o ECA trata de ditar o procedimento para tal. A perda ou suspensão do poder familiar é estabelecida por decisão judicial e dura enquanto for necessária aos interesses do filho. Ou seja, a suspensão pode ser sempre revista, quando superados os fatores que a provocaram (trata-se uma medida temporária). O artigo 1.637 e parágrafo único do código civil relata as hipóteses para a suspensão do poder familiar, a saber: caso haja abuso de autoridade, quando os pais faltam com os deveres a eles inerentes, no caso dos pais arruinarem os bens dos filhos e na hipótese dos pais condenados por sentença irrecorrível em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. A perda do poder familiar, se dará pelos motivos contidos no artigo 1.638 a saber: se houver castigo imoderado, se os pais abandonarem seu(s) filho(s), se os pais praticarem atos que não condizem

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com a moral e bons costumes, e se cometer faltas aos deveres inerentes ao poder familiar. A perda do poder familiar deve ser decidida quando o fato que a resultar, for de grande proporção, a ponto de colocar permanente em risco a segurança e a dignidade da criança ou adolescente. Tratase de medida extrema. Deve-se tentar primeiramente reestabelecer a criança e adolescente em sua família natural. Caso haja decisão pela perda do poder familiar e a criança ou adolescente encontrar-se em situação de risco, pode o juiz conceder medida liminar, a qual a criança será submetida a guarda de pessoa idônea perante termo de responsabilidade. Observa-se que o código civil em seu artigo 1638, prevendo a perda do poder familiar, utilizou-se da expressão “castigo imoderado”, nos dando a entender de modo implícito que os castigos moderados são aceitáveis no contexto da lei e no meio social. Quando não há com quem a criança ficar após a destituição familiar, com a denominada família extensa, o menor ficará em um abrigo. Quanto à perda do poder familiar, no caso em que mãe e/ou pai usuários são usuários de drogas ilícitas, o código civil vigente e o Estatuto da Criança e Adolescente não estabelecem quantas vezes uma eventual suspensão pode se converter na perda do poder familiar. Como dito anteriormente, a perda do poder familiar diz respeito a uma decisão bastante complexa, a qual deverá ser tomada nos casos previstos em lei e quando não há outras medidas a serem tomadas para evitar tal medida. Tomemos como exemplo o caso em que a mãe e/ou o pai do menor sejam usuários de drogas. Os mesmos não possuem condições psicológicas de manter a integridade psicológica e até mesmo física do menor. Os mesmos não perderão imediatamente o poder familiar. Serão realizadas medidas a fim de que os mesmos se recuperarem e enquanto isso, o menor ficará sob a guarda de algum membro familiar o qual possui afinidade ou em um abrigo, caso não haja disponibilidade da família extensa. Suponhamos que os pais do menor sejam reintegrados ao ambiente familiar e retome seu poder familiar, porém novamente venham a se envolver com drogas ilícitas objeto da suspensão anterior do poder familiar. Pergunta-se: esta mãe ou pai terá o poder familiar suspenso novamente ou perderá tal poder? Como nosso ordenamento jurídico não estabelece quantas vezes o poder familiar possa ser suspenso ou se converter em perda, o caso descrito nos leva a conclusão de que os pais descritos no caso narrado, perderão o poder familiar, pois analisando o fato, houve uma tentativa de se reestabelecer a convivência familiar sadia, a qual não se fez eficiente. Com isto, os pais do caso narrado, cairão na hipóteses contidas no artigo 1.638 inciso III, o qual prevê que a perda do poder familiar se dará pela prática de atos contrários à moral e bons costumes, podendo até mesmo praticar atos descritos no inciso I (castigar imoderadamente o filho) e inciso III (deixar o filho em abandono); comportamentos ocorridos normalmente pelos efeitos de drogas ilícitas. Caso a mãe e pai perdesse o poder familiar após tentativa de reabilitação não obtida com sucesso e posteriormente fossem reabilitados, seria possível a restituição do poder familiar? Em suma, é possível o restabelecimento do poder familiar em relação à destituição após o transito em julgado? O ordenamento jurídico define os motivos para que ocorra a perda do poder familiar, entretanto, as leis brasileiras são omissas a respeito dos questionamentos acima. Não define expressamente o caso dos pais que perdem o pátrio poder, em caráter definitivo, se poderão reavê-lo futuramente. A lei não diz que é proibido o restabelecimento após a destituição da perda do poder familiar. Seria, portanto contraditório, o juiz ao analisar o caso concreto, inclusive por profissionais como psicólogos, psiquiatras e através de investigação social, não deferir o retorno do menor à família natural caso esta possua con-

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dições para tanto. Tal contradição seria apoiada pelo fato de que o código civil e o Estatuto da Criança e Adolescente, prima pelo bem estar do menor, pela convivência sadia. Verificando que os pais do menor mudaram seu comportamento, abandonando hábitos que se resultaram na perda do poder familiar, não há porque não restabelecer e restituir o poder familiar e o retorno do menor à sua família natural. Em relação à extinção do poder familiar, caso o menor fosse adotado, não teria como os pais reaverem o poder familiar, sendo a adoção irrevogável, extinguindo- se em definitivo o poder familiar, sendo hipótese do artigo 1.635 inciso IV, como será estudado a seguir. A extinção do poder familiar está prevista no artigo 1.635 do código civil e seus incisos : pela morte dos pais ou do filho; pela emancipação, pela maioridade e pela adoção. Com a morte de um dos pais, o cônjuge sobrevivente herdará o poder familiar. A emancipação dá-se por autorização dos pais, quando o menor tiver com no mínimo, 16 anos de idade, através de instrumento público, o qual fica dispensada a homologação judicial. Em relação à adoção, além de extinguir o poder familiar dos genitores biológicos, é transferido para o adotante, de forma irrevogável e definitiva. A destituição do poder familiar é uma que sanção que não possui caráter meramente punitivo aos pais, e sim primeiramente e principalmente a proteção do menor. 4 PRINCÍPIOS X PODER FAMILIAR No presente tópico, é possível analisar os princípios gerais (aplicáveis ao direito de família), e os princípios especiais (próprios do direito de família) e a influência destes no poder familiar. Como princípios gerais- os quais não são próprios do direito de família, entretanto, aplicáveis a ele, são mencionados: o principio da dignidade humana e principio da igualdade. Quanto aos princípios próprios do direito de família, estão o principio da afetividade, solidariedade familiar, função social da família, plena proteção à criança e adolescente, convivência familiar e intervenção mínima do Estado. 4.1 Princípio da Dignidade Humana A começar pelo princípio da dignidade da pessoa humana, aplicável ao direito de família- pergunta-se: o que se entende pela dignidade humana e como se dá sua aplicação no âmbito familiar? A dignidade da pessoa humana encontra-se prevista na Constituição Federal em seu Art. 1º, sendo um dos princípios fundamentais: O Artigo 227 da CF estabelece: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010). Nas palavras de Bárbara Faria, na publicação de seu artigo na revista eletrônica de direito, abordando o tema o fenômeno da dupla paternidade à luz do direito de família contemporâneo: “A família passa a ser um dos mecanismos de promoção da dignidade da pessoa humana e, como tal, recebe a especial proteção do estado, garantida pela nova Constituição. Trata-se, na verdade, de claro reconhecimento por parte do ordenamento jurídico de que a proteção da família assegura a garantia à dignidade do homem.”

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(FARIA. 2013, disponível em http://npa.newtonpaiva.br/direito/?P=1525) No âmbito familiar, o principio da dignidade humana é imprescindível. É dever dos pais e responsáveis pela criança e adolescente fornecer condições mínimas e dignas para o desenvolvimento saudável dos mesmos. Sem respeitar tal principio, todo o desenvolvimento da criança e adolescente seria comprometido tanto física quanto psicologicamente. 4.2 Princípio da Igualdade Quanto ao principio da igualdade, principio este aplicável ao direito de família, em relação ao poder familiar, é possível abordar a igualdade não só entre os pais em relação ao poder familiar mas também a igualdade entre os filhos. O artigo Art. 5º, inciso I, da CF prescreve que: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; O artigo 225, § 5º da CF, estabelece que “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Como visto nos artigos 5º, e 225, § 5º da CF, não foi mencionada preferência ao homem ou a mulher em relação aos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal. Ou seja, caso o casal possua filhos, tanto o homem quanto a mulher terão direitos e deveres para com seus filhos a título de igualdade. O código civil de 2002, em seus artigos 1.511 e 1565, ao tratar do direito de família, estabeleceu que: Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. § 2o O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. Analisando os artigos mencionados acima, observa-se que o código civil também tratou de assegurar o direito de igualdade entre os cônjuges em relação aos direitos e deveres dos mesmos. Quanto ao § 2º do artigo 1.565 do código civil, o planejamento familiar compete ao casal e veda o Estado a coerção no âmbito familiar, não fazendo qualquer distinção ao homem e à mulher quanto ao planejamento familiar. O artigo Art. 5º, inciso I, da CF prescreve que:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; O artigo 225, § 5º da CF, estabelece que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Além da igualdade entre os cônjuges, o código civil vigente, tratou também da igualdade entre os filhos: “Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” Não há, portanto, oportunidade para a distinção entre a filiação legitima ou ilegítima como era feito nos códigos anteriores. O código civil de 1916, em seu Art. 358 estabelecia que “os filhos incestuosos e os adulterinos não poderiam ser reconhecidos.” Quanto aos filhos ilegítimos, ou seja, aqueles havidos fora do laço conjugal, porém não sendo frutos de uma relação de adultério ou incesto, poderiam ser reconhecidos (Art. 355). No código civil de 1949, § 1o, na vigência do casamento, qualquer dos cônjuges poderia reconhecer o filho havido fora do matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho. O mesmo código citado acima, em seu Art. 4º, para efeito da prestação de alimentos, o filho ilegítimo poderia acionar o pai em segredo de justiça. A Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949, que dispunha sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos, passou a vigorar com a seguinte alteração: - Qualquer que seja a natureza da filiação, o direito à herança seria reconhecido em igualdade de condições. No código civil de1984, foi permitido o reconhecimento de paternidade ainda que casado o genitor e na constância da sociedade conjugal. O filho poderia ser reconhecido pelo cônjuge separado de fato há mais de cinco anos contínuos. O artigo 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece que havidos os filhos da relação de casamento ou não, todos terão os mesmos direitos, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Atualmente, não há qualquer diferença entre filhos havidos na Constância ou fora do casamento. 4.3 Principio da Afetividade A instituição formada pelos membros de uma família é moldada pelo liame socioafetivo. O Código Civil vigente, em seu artigo 1.638, inciso II, de forma implícita, abordou o princípio da afetividade, ao dispor que: “Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que deixar filho em abandono.” O termo “abandono”, atualmente, pode ser entendido além do âmbito material, alcançando o aspecto moral entre os pais e filhos. O abandono afetivo, é a ausência de amor, carinho, ternura e cuidado dado pelos pais aos seus filhos. O abandono afetivo ganhou grande espaço em nosso ordenamento jurídico, sendo caracterizado pela ausência do dever dos pais de educar, cuidar e assistir o filho.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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Utilizando-se da citação de José Sebastião de Oliveira, Aline Biasuz (2012. p. 126), comenta: É dentro da família, que os laços de afetividade tornam-se mais vigorosos e aptos a sustentar as vigas do relacionamento familiar, contra males externos; é nela, que seus membros recebem

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estímulos para pôr em prática suas aptidões pessoais. Daí então ser a característica da afetividade, aliada, por óbvio, à nuclearidade, a responsável pela plena realização pessoal de cada membro familiar. A afetividade faz com que a vida em família seja sentida da maneira mais intensa e sincera possível, e isto, só será possível caso seus integrantes não vivam apenas para si mesmo: cada um é o “contribuinte” da felicidade de todos. (BIASUZ, 2012. p. 126)

AÇÃO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PAI. FILHO. ABANDONO AFETIVO. A Turma, por maioria, conheceu do recurso e deu-lhe provimento para afastar a possibilidade de indenização nos casos de abandono afetivo, como dano passível de indenização. Entendeu que escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar ou a manter um relacionamento afetivo, que nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada. Um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do filho de se ver acolhido, ainda que, tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do pedido não atenderia, ainda, o objetivo de reparação financeira, porquanto o amparo, nesse sentido, já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo e dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na legislação civil. REsp 757.411-MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 29/11/2005.

O STJ já reconheceu o dano moral decorrente de abandono afetivo. DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. DEVER DE CUIDADO O abandono afetivo decorrente da omissão do genitor no dever de cuidar da prole constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável. Isso porque o non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, no caso, o necessário dever de cuidado (dever de criação, educação e companhia), importa em vulneração da imposição legal, gerando a possibilidade de pleitear compensação por danos morais por abandono afetivo. Consignou-se que não há restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e ao consequente dever de indenizar no Direito de Família e que o cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento pátrio não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas concepções, como se vê no art. 227 da CF. O descumprimento comprovado da imposição legal de cuidar da prole acarreta o reconhecimento da ocorrência de ilicitude civil sob a forma de omissão. É que, tanto pela concepção quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole que ultrapassam aquelas chamadas necessarium vitae. É consabido que, além do básico para a sua manutenção (alimento, abrigo e saúde), o ser humano precisa de outros elementos imateriais, igualmente necessários para a formação adequada (educação, lazer, regras de conduta etc.). O cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, é um fator indispensável à criação e à formação de um adulto que tenha integridade física e psicológica, capaz de conviver em sociedade, respeitando seus limites, buscando seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania. A Min. Relatora salientou que, na hipótese, não se discute o amar - que é uma faculdade - mas sim a imposição biológica e constitucional de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerar ou adotar filhos. Ressaltou que os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna e o tratamento como filha de segunda classe, que a recorrida levará ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurgem das omissões do pai (recorrente) no exercício de seu dever de cuidado em relação à filha e também de suas ações que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindose, assim, em causa eficiente à compensação. Com essas e outras considerações, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, deu parcial provimento ao recurso apenas para reduzir o valor da compensação por danos morais de R$ 415 mil para R$ 200 mil, corrigido desde a data do julgamento realizado pelo tribunal de origem. REsp 1.159.242-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2012. Por outro lado, a Quarta Turma, decidiu pela impossibilidade da indenização por danos morais decorrente do abandono moral:

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Torna-se óbvio ressaltar a importância da afetividade no âmbito familiar, entretanto, o deferimento de uma indenização decorrente do abandono familiar não seria capaz de suprir tal ausência. Seria uma forma de “comercializar o amor”. A afetividade, não deve ser algo obrigatório, e sim espontâneo, livre de qualquer obrigação pecuniária para tentar suprir sua ausência. Caso o pai ou mãe se visse no dever de pagar alguma quantia por não exercer a afeição para com seus filhos, isto criaria ainda mais conflitos, e até mesmo um sentimento de raiva. O meio necessário seria um acompanhamento familiar psicológico, além da real vontade dos genitores de nutrir o sentimento de afetividade por seus filhos. 4.4 Solidariedade Familiar Para Gagliano ( 2014. p. 108): A solidariedade, portanto, culmina por determinar o amparo, a assistência material e moral recíproca, entre todos os familiares, em respeito ao princípio maior da dignidade da pessoa humana. É ela, por exemplo, que justifica a obrigação alimentar entre parentes, cônjuges ou companheiros, ou, na mesma linha, que serve de base ao poder familiar exercido em face dos filhos menores. O princípio em análise influencia outros princípios, como, por exemplo, o princípio da proteção. 4.5 Função Social da Família A família possui papel sociocultural. A família não é um fim em si mesmo. A instituição familiar é a base da sociedade, formadora de indivíduos, criando uma estrutura capaz de criar a vida em sociedade. 4.6 Plena Proteção à Criança e Adolescente O artigo 227 da Constituição Federal estabelece que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Por tal principio, os genitores possuem o dever de propiciar meios adequados para manter a moral, e o básico para o desenvolvimento sadio de crianças e adolescentes, tais como alimentação, vestuário e

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educação, para que os mesmos possam viver uma vida digna. Caso isso não seja observado, os pais poderão sofrer a destituição do poder familiar- (lembrando que apenas a falta de condição material não é motivo para a destituição do poder familiar). O Código Civil estabelece como dever conjugal, inclusive na união estável, a guarda, sustento e educação dos filhos menores: “Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: (...) IV — sustento, guarda e educação dos filhos.”

É certo que o Estado deve intervir no âmbito familiar, entretanto, tal intervenção deve ser mínima, para que a família não perca sua liberdade e o direito de ser constituída como bem entenderem seus personagens. 5 MEDIDAS CORRETIVAS

O código civil, tratou ainda do direito dos filhos no caso do casamento putativo. Mesmo havendo anulação do casamento, tomados ou não pela boa-fé ao celebrar o casamento, os efeitos civis se aproveitarão a estes. O Estatuto das Famílias, Projeto de Lei n. 2.285/2007,estabeleceu em seu artigo 96, que: Não havendo acordo entre os pais, deve o juiz decidir, preferencialmente, pela guarda compartilhada, salvo se o melhor interesse do filho recomendar a guarda exclusiva, assegurado o direito à convivência do não guardião. Parágrafo único. Antes de decidir pela guarda compartilhada, sempre que possível, deve ser ouvida equipe multidisciplinar e utilizada mediação familiar. (...) Art. 103. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deve deferir a guarda a quem revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e a relação de afetividade. Parágrafo único. Nesta hipótese deve ser assegurado aos pais o direito à convivência familiar, salvo se não atender ao melhor interesse existencial da criança”. Existe no Estatuto da Criança e Adolescente, um capítulo especialmente direcionado à convivência familiar. Estabelece o direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária. O ambiente deverá garantir o bem estar e desenvolvimento da criança e adolescente. No caso de pai ou mãe privados de liberdade, estabelece o § 4o do artigo 19 do ECA que será garantida a convivência da criança e do adolescente , por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial. Como observado, conclui-se que a convivência familiar é uma das bases mais importantes do direito de família, sendo esta fundamental para manter as relações familiares e conservar a instituição base da sociedade. Sem o convívio familiar, as famílias caminhariam para um estado precário, onde poderiam surgir vários conflitos na sociedade como um todo. 4.7 Intervenção Mínima do Estado Embora muitas leis estabeleçam regras sobre o direito de família, o Estado não pode se desviar de sua função assistencial e passar a regular todos os atos e decisões tomadas no âmbito familiar. Não cabe ao Estado, intervir nas relações familiares da mesma forma como interfere nas relações contratuais. O código civil vigente, quando, prevendo a intervenção do Estado, prescreveu, em seu artigo 1513:

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“Art. 1513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”.

5.1. Conceito As medidas corretivas utilizadas pelos pais, estão no ordenamento jurídico incluídas no verbo ‘educar”, decorrente do poder familiar. Não teria como exercer o poder familiar sem que os pais aplicassem métodos corretivos a fim de educar e impor limites aos seus filhos. As medidas corretivas não são proibidas, desde que utilizadas de forma moderada, não ultrapassando os limites ao ponto de se tornarem uma violência doméstica. Caso estas medidas sejam extrapoladas, os pais responderão criminalmente e serão destituídos do poder familiar, resultando em suspensão ou até mesmo perda do poder familiar. 5.2. Reflexão quanto a Intervenção Estatal no Uso de Medidas Corretivas utilizadas pelos Pais e a Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014- “Lei da Palmada” A atuação do Estado no âmbito do poder familiar, torna-se cada vez mais forte, e isto ocorre para que realmente exista a proteção a um grupo específico e vulnerável de nossa sociedade: crianças e adolescentes, que por diversas vezes sofrem não somente agressões físicas, mais vários tipos de agressões psicológicas. O código civil trata do poder familiar, estabelecendo-se regras as quais devem ser seguidas pelos pais sob pena de sofrerem a destituição de tal poder. Entre os direitos fundamentais do individuo, o artigo 5o da Constituição assegura, em seu inciso X a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Entretanto, os Estado por diversas vezes e cada vez mais frequentemente participa da vida do cidadão, inclusive em sua vida privada. Isto ocorre para proteger a integridade física e psicológica do individuo, o qual sem tal proteção estariam ainda mais vulneráveis. Porém, há uma grande polêmica quando se faz a reflexão em torno da interferência do Estado na vida privada e intimidade das pessoas. Pergunta-se: A criação de novas leis seriam suficientes para amenizar os conflitos de nossa sociedade quando se diz respeito à família? Tal interferência seria capaz de violar a intimidade e a vida privada? Em relação ao tema em análise, torna-se inevitável mencionar a polêmica Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014, popularmente denominada Lei da Palmada. Tal lei, adicionou os arts. 18-A, 18-B e 70-A ao Estatuto da Criança e Adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) existe para assegurar a proteção à criança e adolescente, se tal estatuto existe, os artigos já contidos no mesmo não seriam o suficientes para protegê-los? Analisando o ECA, é possível concluir que não seria necessário criarem outras leis ou artigos quanto à proteção da criança e adolescente no âmbito familiar. Entretanto, analisando os dispositivos descritos na lei em análise, observa-se que a chamada “palmada”, não encontra-se explícita, sendo portanto a denominação “lei da palmada”, utilizada equivocadamente, nos induzindo a uma interpretação errada quanto à intenção de tal lei, passando a impressão de que uma simples palmada seja punida como um crime. Tal lei pune apenas o castigo imoderado. Pelo significado de castigo físico, atribui à ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso de força física que resulte em sofrimento físico, lesão. Pergunta-se: a palmada com a simples intenção de corrigir a criança

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ou adolescente seria capaz de causar sofrimento físico ou lesão? Seria a palmada vista como tratamento cruel ou degradante, humilhando, ridicularizando ou a ameaçando gravemente? Atualmente é pouco provável a conduta de pais ou responsáveis que possuam intenção apenas de corrigir a criança ou adolescente, praticarem tal medida corretiva (palmada) a ponto de causarem tantos danos físicos os quais a intervenção do Estado fosse necessária. Caso isto ocorresse, não seriam mais tais atos, vistos como medida corretiva, e sim violência doméstica, merecendo atenção à lei penal, não necessitando criarem-se mais leis para tentar resolver o que a lei penal já prevê em seu artigo 136 no crime de maus-tratos. O Código Penal prevê em seu artigo 136 o crime de “Maus - Tratos” o qual consiste em expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina, punindo o agressor com pena de detenção de dois meses a um ano ou multa. No caso de lesão corporal de natureza grave, o parágrafo primeiro pune com pena de reclusão de um a quatro anos. Resultando-se a agressão em morte, o agressor sofrerá pena de reclusão de quatro a doze anos, como prevê o parágrafo segundo. Caso a agressão seja praticada contra pessoa menor de 14 anos, a pena será aumentada de um terço, ditando o parágrafo terceiro do mesmo artigo.

e proteção contra agravos evitáveis como situações de perigo, doenças, gravidez, alimentação, higiene, entre outros), ameaças, privação arbitrária da liberdade (impedimento de trabalhar, estudar, cuidar da aparência pessoal, gerenciar o próprio dinheiro, brincar, etc.), confinamento doméstico, críticas pelo desempenho sexual, omissão de carinho, negar atenção e supervisão. (Ministério da Saúde- Violência Intrafamiliar- Orientações para a Prática em Serviço, Capítulo II, Caderno de Atenção Básica, no8 Ministério da saúde, 2002. p. 17-21). A violência física é comumente utilizada no Brasil como forma de correção. É um costume cultural o qual os pais utilizam com o intuito de correção para corrigir os atos incorretos praticados pelos filhos. A própria palavra violência, já indica um desrespeito com o outro, o que indica o contrario de um comportamento de paciência, amor e cuidado os quais os pais devem praticar com seus filhos. A violência psicológica, não é definida como uma agressão capaz de causar lesões físicas, entretanto, causam inúmeros danos, tais como: baixa auto estima, insegurança, postura passiva ou agressiva diante à vida e à sociedade, causam ainda, depressão, timidez, e outros transtornos psicológicos. De acordo com um relatório da Associação Americana de Psicologia publicado na revista Psychological Trauma,

5.3 Reflexos Psicológicos em Crianças e Adolescentes face às Medidas Corretivas que extrapolam o objetivo de educar Existem várias formas de violências praticadas contra crianças e adolescentes, tais como a negligência, violência física, violência psicológica, e violência sexual. Para o estudo do tema em análise, serão abordadas a violência física e a violência psicológica, muitas vezes resultadas com o intuito de aplicação de medidas corretivas. A violência física ocorre quando uma pessoa, que está em relação de poder em relação à outra, causa ou tenta causar dano não acidental, por meio do uso da força física ou de algum tipo de arma que pode provocar ou não lesões externas, internas ou ambas. Segundo concepções mais recentes, o castigo repetido, não severo, também se considera violência física. Esta violência pode ser manifestada de várias formas: Tapas, empurrões, socos, mordidas, chutes, queimaduras, cortes, estrangulamento, lesões por armas ou objetos, obrigar a tomar medicamentos desnecessários ou inadequados, álcool, drogas ou outras substâncias, inclusive alimentos, tirar de casa à força, amarrar, arrastar, arrancar a roupa abandonar em lugares desconhecidos, danos à integridade corporal decorrentes de negligência (omissão de cuidados e proteção contra agravos evitáveis como situações de perigo, doenças, gravidez, alimentação, higiene, entre outros). (Ministério da SaúdeViolência Intrafamiliar- Orientações para a Prática em Serviço, Capítulo II, Caderno de Atenção Básica, no8 Ministério da saúde, 2002. p. 17). Segundo o Ministério da Saúde, a violência psicológica, é toda ação ou omissão que causa ou visa a causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Inclui: insultos constantes, humilhação, desvalorização, chantagem, isolamento de amigos e familiares, ridicularizarão, rechaço, manipulação afetiva, exploração, negligência (atos de omissão a cuidados

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O psicólogo clínico Joseph Spinazzola e sua equipe do Centro de Trauma do Instituto de Recursos da Justiça, em Massachusetts, utilizaram informações da Rede Nacional de Traumas e Estresse Infantil (NCTSN, na sigla em inglês) e foi constatado que crianças que são abusadas emocionalmente sofrem as mesmas consequências de saúde mental que aquelas que sofrem abusos físicos ou sexuais.- Os pesquisadores, pesquisaram a história de 5.616 crianças que haviam sofrido algum tipo de abuso. De acordo com o comunicado da imprensa, foi constatado que as crianças que haviam sido psicologicamente abusadas sofriam de ansiedade, depressão, baixa autoestima, sintomas de estresse pós-traumático e suicídio no mesmo grau e, em certos casos, a uma taxa maior do que as crianças que foram abusadas fisicamente ou sexualmente. Entre os três tipos de abuso, os maus tratos psicológicos foi mais fortemente associado com depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social, problemas de ligação e abuso de substâncias químicas. Em dados quantitativos, aproximadamente 62% possuíam histórico de maus-tratos psicológicos; cerca de um quarto deles, 24%, sofreram exclusivamente esse tipo de violência, que inclui, de acordo com os pesquisadores, assédio moral por parte do cuidador, imposição de medo extremo, controle coercitivo, insultos graves, humilhações, ameaças, exigência extrema, rejeição e isolamento. Os pesquisadores constataram com tal pesquisa, que as crianças que passaram por esse tipo de experiência tendiam a sofrer de ansiedade, depressão, baixa autoestima, sintomas de estresse pós-traumático e a apresentar risco de suicídio em maior nível do que os que sofreram violência física ou sexual. Entre os três tipos de agressão, a psicológica foi a mais fortemente associada com transtorno depressivo, distúrbio de ansiedade social e generalizada, dificuldade de formar vínculos afetivos e abuso de substâncias. http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/ abuso_psicologico_pode_causar_traumas_mais_ profundos_que_agressao_fisica_ou_sexual.html. Acesso em 05/04/2016.

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6 CONCLUSÃO Após o término do estudo do tema em pauta, “A limitação do Poder Familiar face às medidas corretivas em crianças e adolescentes”, foi possível concluir que crianças e adolescentes, sendo grupos vulneráveis em nossa sociedade, merecem extensa proteção dos pais, do Estado e da sociedade, e quando ocorridos abusos, esses merecem a atenção do estado e da sociedade, este último, para denunciar possíveis abusos cometidos por parte dos pais e responsáveis pelo cuidado de crianças e adolescentes. A violência física, apresentada por lesões cutâneas, muitas vezes são resultados do alívio de tensões por parte dos seus cuidadores, passando a resultar violências domésticas, momento em que deve ser observado o direito penal, configurando maus-tratos. A violência psicológica deve ser tratada com extrema atenção, sendo capaz de gerar danos psicológicos eternos na criança e adolescente, refletindo principalmente na forma como irá interagir com a sociedade. Muitas vezes na hora da raiva os pais acabam direcionando palavras que mexem com o psicológico de seus filhos, fazendo acumular várias ideias nos filhos e causando baixa autoestima e outros resultados decorrentes da violência psicológica, como por exemplo, a dificuldade de criar vínculos afetivos. A medida corretiva com métodos físicos, é utilizada à muitos anos em nossa sociedade. O Estado não pode intervir na forma como os pais educam seus filhos tratando uma simples palmada como algo errado que merece punição. Ao impedir tal medida corretiva, abriria- se espaço para que os pais ao invés de educarem seus filhos com uma palmada, passassem a praticar agressões verbais, as quais criariam danos eternos ao psicológico de seus filhos. Ocorrendo o caso em que os pais na intenção de corrigir seu filho acabem causando lhe queimaduras ou grandes fraturas, tal ato merece atenção e punição, pois neste caso, a intenção não é corrigir e sim agredir por motivos alheios à correção. No momento da raiva, uma palmada pode virar violência, é necessário, portanto, que os pais consigam equilibrar e dosar a forma de tal medida corretiva. A medida corretiva utilizando a palmada, não será capaz de causar danos físicos e tampouco psicológicos na criança. Não que os filhos tenham que respeitar os pais por medo, porém, a palmada é uma forma de correção que não merece punição sem que os pais cometam exageros. Quando primeiramente seja experimentada pelos pais uma conversa que mostre onde a criança errou, e esta cometa novamente o erro, a palmada deve ser utilizada como método corretivo. A lei da palmada não é uma limitação exagerada ao poder familiar, pois não proíbe a palmada e castigos moderados. seria sim uma intervenção exagerada, retirando a autonomia dos pais sobre seus filhos, entretanto, apesar de não ser tal lei um exagero do Estado, não seria necessária, pois o próprio Estatuto da Criança e Adolescente já prevê medidas contra atos abusivos. Como foi analisado no presente trabalho, a denominação “Lei da Palmada”, é extremamente equivocada, não punindo castigos moderados nem ao menos a simples palmada. Caso proibisse, seria tal lei capaz de retirar o respeito dos filhos pelos seus pais, os quais iriam chantagear seus pais, dizendo que chamarão a polícia. O Estado deve sim intervir no âmbito da forma de como os pais educam seus filhos, mais apenas quando os mesmos pratiquem atos imoderados capazes de gerar nas crianças danos psicológicos e físicos capazes de gerar hematomas. Tais ocorrências sairiam da intenção de educar e entrariam no caso de violência doméstica, a qual merece ser punida.

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A palmada, entretanto, não deve ser a primeira medida a ser tomada pelos pais quando seus filhos façam algo errado. Primeiramente, é necessária a conversa explicando o erro, evitando o castigo físico e jamais devem os pais dirigirem aos seus filhos palavras as quais diminuam sua baixa autoestima ou ameaças as quais lhe provoquem medo, causando grande dano psicológico às crianças. REFERÊNCIAS BARBOSA, Águida Arruda et al. Direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 29. CARTILHA MINISTÉRIO DA SAÚDE. Violência Intrafamiliar - Orientações para a Prática em Serviço, Capítulo II, Caderno de Atenção Básica, no 8. Ministério da Saúde. 2002. p. 17-21. CICCO, Cláudio. Direito: tradição e modernidade. São Paulo: Ícone, 1993. p. 21. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 46. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 448-449. GAGLIANO, Pablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. 4.ed. revista e atualizada, Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família – As famílias em perspectiva constitucional. volume 6. São Paulo: Saraiva, p. 668. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. 4.ed., revi sta e atualizada, Direito Civil, direito de família: as famílias em perspectiva constitucional, volume 6. São Paulo: Saraiva. p. 48. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. 4.ed., revista e atualizada, Direito da Família, volume 6. São Paulo: Saraiva. p. 48. RODRIGUES, Silvio apud COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 64. TEIXEIRA, ACB, Família, Guarda e Autoridade Parental. Rio de Janeiro0: Renovar. 2005. p. 12. FARIA, Bárbara. O Fenômeno da Dupla Paternidade à Luz do Direito de Família Contemporâneo- Outubro 18, 2013, - disponível em http://npa. newtonpaiva.br/direito/?P=1525. Acesso em 23/06/2016.. MENTE E CÉREBRO. Editora Segmento- Uol- Disponível em > http:// www2.uol.com.br/vivermente/noticias/abuso_psicologico_pode_causar_traumas_mais_profundos_que_agressao_fisica_ou_sexual.html. Acesso 04/05/2016. PSCICO ONLINE BRASIL, disponível em> http://www.psiconlinews.com/2014/10/abuso-emocional-pode-ser-tao.html. Acesso 03/03/2016. REVISTA ELETRÔNICA: Disponível http://npa.newtonpaiva.br/direito/?page_id=17. Acesso em 23/06/2016. CÓDIGO CIVIL- LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. Decreto-Lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.

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ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990.

SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2012. 04/04/2016.

Acesso em

ESTATUTO DAS FAMÍLIAS. Projeto de Lei do Senado nº 470, de 2013 – LEI Nº 13.010 (Lei da Palmada). De 26 de Junho de 2014.

STJ, disponível em< http://www.stj.jus.br/sites/STJ. REsp 757.411MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 29/11/2005. Acesso em 04/04/2016.

STJ, disponível em< http://www.stj.jus.br/sites/STJ. REsp 1.159.242-

APÊNDICE ENTREVISTA 01 P.R.S, Mulher, 37 anos, Psicóloga Clinica, Oficina de Psicologia. 01) O que a criança sente quando está apanhando? Além da dor física, psiquicamente a criança fica confusa; já que normalmente a mesma pessoa que é sua referência de amor lhe causa dor. 02) O uso de medidas corretivas podem ser capazes de definir a personalidade da criança ou adolescente ao se tornar um adulto? Podem influenciar, mas não definir. Além das experiências vividas, o ser humano apresenta traços próprios que interferem na definição da sua personalidade; como: a inteligência e criatividade. 03) A lei da palmada é uma interferência exagerada do Estado na forma dos pais educarem seus filhos? Não percebo desta forma; já que a proposta da lei não é determinar a educação dos pais, mas apenas proibir a correção que tem caráter excessivo e danoso para a criança. 04) Como lidar com a criança após a mesma ter sofrido traumas psicológicos decorrentes da violência domestica ocorrida com a intenção de uma correção? É necessário que a criança receba tratamento psicológico adequado para que possa ressignificar a história vivida e assim ter condições para se recuperar das consequências emocionais adquiridas a partir do trauma. 05) Muitas pessoas apanharam quando crianças e não criaram traumas. Por que a palmada é considerada atualmente como algo prejudicial? A consideração que tem sido feita atualmente é em relação à palmada executada de maneira acentuada como violência física; esta sim sempre foi prejudicial. 06) Há casos em que a conversa não é eficaz. Neste caso, a palmada seria um método eficaz na educação da criança? Quanto menor a criança mais emocional e comportamental é sua comunicação; por isso a reorientação comportamental é mais eficaz do que a conversa.E com as crianças maiores é importante que a relação afetiva esteja bem estabelecida e que os pais consigam compreender o estágio de desenvolvimento para que a conversa seja eficaz. Verifico que a postura adequada dos pais sempre é mais eficaz que a palmada. 07) Qual a melhor forma de educar os filhos? A melhor maneira é estabelecendo uma relação afetiva segura com o filho e compreendendo o seu estágio de desenvolvimento.

ENTREVISTA 02 S.F, Mulher, 42 anos, Psicóloga, Centro Universitário Newton Paiva. 01) O que a criança sente quando está apanhando? A criança se sente humilhada, amedrontada, insegura, com raiva. 02) O uso de medidas corretivas podem ser capazes de definir a personalidade da criança ou adolescente ao se tornar um adulto? Não é questão de definir. As medidas corretivas são necessárias, o estabelecimento de medidas são importantes, o exagero é que pode trazer transtornos, assim como a ausência de limites. 03) A lei da palmada é uma interferência exagerada do Estado na forma dos pais educarem seus filhos? A lei da palmada não trata a palmada como crime. Vem pra coibir ações exageradas, onde a criança passa a ser objeto de humilhações e castigos físicos exagerados. Então neste caso, o Estado tem sim que intervir.

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04) Como lidar com a criança após a mesma ter sofrido traumas psicológicos decorrentes da violência domestica ocorrida com a intenção de uma correção? A pessoa que comete a violência doméstica pode usar como justificativa, o desejo de correção educacional dos filhos, entretanto, nada justifica a agressão física e verbal de um adulto contra uma criança, Isto está longe de ser algo educativo. 05) Muitas pessoas apanharam quando crianças e não criaram traumas. Por que a palmada é considerada atualmente como algo prejudicial? A palmada não é necessariamente prejudicial, apesar de não ser a melhor forma de educação de crianças. A chamada lei da palmada, versa sobre a violência física, verbal, psicológica que traz humilhação e desespero às crianças. 06) Há casos em que a conversa não é eficaz. Neste caso, a palmada seria um método eficaz na educação da criança? Não. A palmada como um ato de raiva não é eficaz, pode trazer uma revolta e ensinar a criança que quando a conversa não basta, deve se passar pela violência física. 07) Qual a melhor forma de educar os filhos? Com paciência, perseverança nos métodos educacionais não violentos e amor.

ENTREVISTA 03 M.S.G, Mulher, 32 anos- Psicóloga Clínica- Atendimento em consultório próprio. 01) O que a criança sente quando está apanhando? Sente-se indefesa, acuada e com medo, além de entender a agressão física como forma de entender a agressão física como forma de conseguir o que quer/solucionar situações. 02) O uso de medidas corretivas podem ser capazes de definir a personalidade da criança ou adolescente ao se tornar um adulto? As medidas corretivas, não definem a personalidade da criança ou adolescente, o que define é uma educação baseada em exemplos, ou seja, modelos corretos para a criança se espelhar, como também a presença constante dos pais ou cuidador. 03) A lei da palmada é uma interferência exagerada do Estado na forma dos pais educarem seus filhos? Acredito que não seja exagerado, visto que muitos pais exageram na palmada e acabam espancando a criança, além de ser prejudicial em outros aspectos. 04) Como lidar com a criança após a mesma ter sofrido traumas psicológicos decorrentes da violência domestica ocorrida com a intenção de uma correção? É necessário acolher a criança, ouvi-la, deixar que ela expresse seus sentimentos e depois explicar para ela a situação ocorrida, oferecendo modelos para ela agir na situação. 05) Muitas pessoas apanharam quando crianças e não criaram traumas. Por que a palmada é considerada atualmente como algo prejudicial? O fato de algumas pessoas não terem apresentado traumas por apanharem na infância não pode ser usado como justificativa para que a palmada seja aceita, pois isso vai depender da resiliência da criança frente a situação e a resiliencia é condição individual. A palmada pode ser prejudicial em outros aspectos como a perpetuação da violência como forma de solucionar situações. 06) Há casos em que a conversa não é eficaz. Neste caso, a palmada seria um método eficaz na educação da criança? Não seria. No caso da conversa não ser eficaz, é necessário buscar outras formas de compreensão e orientação da criança, caso não funcione, procurar ajuda profissional/psicológica. 07) Qual a melhor forma de educar os filhos? Não existe uma única forma para educar os filhos. As situações precisam ser analisadas caso a caso, mas o fato de a criança ter pais presentes e que ofereçam bons exemplos, já facilita muito, seja qual for o perfil comportamental da criança.

ENTREVISTA 04 M.A.R; Sexo: feminino; Idade: 35 anos; Profissão: Psicóloga Clinica - Local: Atende em consultório próprio 01) O que a criança sente quando está apanhando? A violência física, dentre outras coisas, diz de uma relação de poder muito bem delimitada, na qual quem bate é frequentemente mais forte e poderoso que aquele que apanha. Neste sentido, uma das possibilidades é que a criança experiencie um sentimento de raiva em relação à pessoa que está batendo, uma vez que pode concluir que não lhe foi dada a oportunidade de resolver o acontecido de outra maneira e que ela está sendo tratada de forma injusta. Outro sentimento constantemente vivido por crianças que apanham é o medo, pois podem começar a associar a violência física a qualquer tipo de punição ou correção para seus atos, independente da gravidade do erro cometido por elas, desenvolvendo assim uma relação de evitação com o agressor e possivelmente uma sensação constante de insegurança e falta de proteção.

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02) O uso de medidas corretivas podem ser capazes de definir a personalidade da criança ou adolescente ao se tornar um adulto? A forma como a criança ou o adolescente é corrigido em suas atitudes certamente exerce uma significativa influência sobre a formação da personalidade daquele indivíduo. Dependendo da maneira como estas medidas de correção são aplicadas, elas podem ter consequências tanto positivas quanto negativas no desenvolvimento humano. Se exercida sem violência, mas com firmeza, aquele ser em formação terá uma clara noção de limites e do que é certo e errado, sendo assim melhor preparado para fazer escolhas mais maduras e acertadas ao longo de sua vida. Já nos casos em que tais medidas são colocadas com violência, é possível que esta pessoa se desenvolva de maneira tortuosa, passando a ser um indivíduo inseguro, agressivo, medroso, etc. 03) A lei da palmada é uma interferência exagerada do Estado na forma dos pais educarem seus filhos? É dever do Estado garantir proteção e bem estar a todos os seus cidadãos e acredito que, para pensarmos se tal lei é exagerada ou não, seria importante que ela fosse redigida com mais clareza, uma vez que o termo «palmada», por exemplo, não foi mencionado. Acredito que o intuito dessa lei tenha sido de garantir ainda mais proteção às crianças e aos adolescentes, mas é sim importante considerarmos esta delimitação entre o que é privado e o público, uma vez que a falta de clareza pode influenciar uma maior interferência do Estado em questões particulares. 04) Como lidar com a criança após a mesma ter sofrido traumas psicológicos decorrentes da violência domestica ocorrida com a intenção de uma correção? A criança em situação de violência precisa de acolhimento. É de suma importância que ela se sinta segura e amada e que tenha a oportunidade de se expressar sobre o acontecido. O responsável pela agressão terá que reconquistar a confiança da mesma e um dos caminhos para que isto aconteça é através do reconhecimento de que ele errou ao lidar com a situação daquela maneira, ensinando para a criança que os adultos também erram e que têm suas próprias limitações, apesar disso não justificar um ato violento. Dependendo da frequência e da gravidade dos atos violentos direcionados à criança é importante que a família busque ajuda profissional, especialmente de um psicólogo qualificado para lidar com esta faixa etária, para que ele possa ajudá-la a se fortalecer e a elaborar as situações vividas. 05) Muitas pessoas apanharam quando crianças e não criaram traumas. Por que a palmada é considerada atualmente como algo prejudicial? Antes de responder a esta pergunta, é importante lembrarmos que não existe unanimidade quanto aos benefícios ou malefícios do uso da palmada enquanto medida corretiva. Sendo assim, acredito que com o desenvolvimento de novas teorias e técnicas sobre a infância e a educação muitas pessoas passaram a defender que seja possível educar as crianças de uma nova maneira. Em outras palavras, o avanço da ciência da educação trouxe também uma mudança cultural na qual algo que era comumente usado pela maioria das pessoas passou a ser questionado e preterido em função das novas descobertas feitas sobre as possíveis consequências de uma educação baseada em jogos de poder ou agressividade. 06) Há casos em que a conversa não é eficaz. Neste caso, a palmada seria um método eficaz na educação da criança? Em minha opinião, a palmada, se utilizada, deve ser feita como último recurso na educação de crianças e adolescentes, priorizando sempre antes a conversa. Mas não acredito que o uso da palmada seja garantia de eficácia na educação, por isso a importância de considerar outros métodos para auxiliar na formação desses sujeitos. 07) Qual a melhor forma de educar os filhos? Não existe receita, mas para mim, quanto mais claro forem as expectativas em relação a cada papel desempenhado no âmbito familiar, menores serão as chances de desvios graves acontecerem. Dessa maneira, é importante conversar e ensinar a todo tempo o que é certo e errado ou o que é esperado daquele indivíduo, a fim de que as crianças possam começar a fazer suas próprias escolhas sem a constante interferência de um adulto.

ENTREVISTA 05 C.D.B, 36 anos, mulher, Psicóloga Clinica, Atravessando Psicologia 01) O que a criança sente quando está apanhando? A criança que apanha está sendo violentada, pois todo ‘tapa’ é uma forma de violência. Assim, a criança que apanha está vivenciando uma situação na qual muito além da dor física, pode estar vivenciando sentimentos de opressão, desqualificação, impotência, descargas de ansiedade, intimidação, por exemplo. Se a agressão vem dos pais ou de pessoas que ela ama, ainda vivencia uma situação de ‘duplo vínculo’ (termo cunhado por Gregory Bateson em 1956) que se refere aos relacionamentos contraditórios, às comunicações paradoxais, como a mistura de amor e violência. É o famoso ‘bato porque te amo’, ou ‘bato porque me preocupo com você’. 02) O uso de medidas corretivas podem ser capazes de definir a personalidade da criança ou adolescente ao se tornar um adulto? Apesar de na prática verificarmos que geralmente crianças agredidas emitem comportamentos agressivos – como agressão aos coleguinhas e professores, depressivos ou ansiogênicos, não acredito que possamos afirmar de forma tão cartesiana (causa-efeito) assim. Acredito que tudo depende de vários fatores, como tipo de medida corretiva, resiliência, capacidade de elaboração, contexto escolar ou familiar, dentre outros. 03) A lei da palmada é uma interferência exagerada do Estado na forma dos pais educarem seus filhos?

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Eu, particularmente, acredito que não. Bater não é educar. Não existe ‘tapa corretivo’. Tapa é violência, sempre! É uma medida que está sendo tomada diante da averiguação do excesso de violência sofrida pelas crianças dentro do ambiente que hipoteticamente deveria acolhê-la e cuidar dela. Se faz tão útil como, por exemplo, a Lei Maria da Penha. 04) Como lidar com a criança após a mesma ter sofrido traumas psicológicos decorrentes da violência domestica ocorrida com a intenção de uma correção? Esta criança precisa ter um espaço/tempo para elaborar o que foi vivenciado. Deve ser acompanhada por profissionais capacitados, que promoverão um espaço lúdico e de conversação para que esta criança sinta-se segura para falar sobre o trauma e expressar sua dor, seja por meio de palavras ou brincadeiras e desenhos. 05) Muitas pessoas apanharam quando crianças e não criaram traumas. Por que a palmada é considerada atualmente como algo prejudicial? Quem disse que estas pessoas não tiveram traumas? Não podemos afirmar. Até mesmo porque alguns traumas são reproduzidos e sentidos de forma inconsciente. Toda violência é traumática, o que acontece é que a extensão deste trauma depende de vários fatores, como já disse anteriormente: resiliência, capacidade de elaboração e sublimação, contexto escolar ou familiar que de alguma forma contribuiu para que a pessoa superasse a dor, etc. Cada criança vivencia de uma forma. 06) Há casos em que a conversa não é eficaz. Neste caso, a palmada seria um método eficaz na educação da criança? A palmada não é um método educacional, mas um meio de repressão e intimidação. A criança não obedece porque compreendeu, mas porque ficou com medo. Sendo assim, nunca será uma forma de educar, mas de adestrar. Se a conversa e o diálogo não estão sendo eficazes, os pais devem se perguntar Por que não? Onde está a falha no processo de comunicação? De quais outras maneiras posso conversar para me fazer entendido? Como estou me comunicando com meus filhos? Caso não consigam encontrar as respostas sozinhos, é necessário procurar ajuda profissional. 07) Qual a melhor forma de educar os filhos? Respondida na questão anterior.

Banca Examinadora Hugo Rios Bretas (Orientador) Vinícius da Costa Gomes (Examinador)

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AS PENAS E A RESSOCIALIZAÇÃO DENTRO DE UM SISTEMA PRISIONAL Isabel Cristina de Souza Castro Santos1

RESUMO: Este artigo foi elaborado a partir do estudo de doutrinas e análise da jurisprudência, bem como internet, links jurídicos e jornais. Quanto aos fins a pesquisa será descritiva e explicativa. Quanto ao procedimento, este estudo caracteriza-se como pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. A pesquisa bibliográfica é feita por meio da utilização de materiais já elaborados e publicados, como livros, revistas especializadas, artigos e outros documentos. PALAVRAS-CHAVE: Pena. Ressocialização. Sistema Prisional.

1 INTRODUÇÃO Há um crescente interesse na governança e este trabalho tem por objetivo levar o conhecimento e no sentido de explicar como funcionam as unidades de trabalho dentro do sistema prisional, quais as diversas formas para que um detento possa trabalhar enquanto cumpre pena no âmbito carcerário, podendo beneficiar a si próprio e seus familiares e toda a sociedade. Com os problemas de super lotação do sistema prisional, cresce as iniciativas do governo e órgãos não governamentais na busca da ressorcialização destes detentos para que possam voltar a conviver em sociedade. Para que isso possa acontecer, acredita-se que a melhor maneira e o trabalho,para que isso possa acontecer eles também necessitam de aprende um oficio ,passando assim ter mais oportunidade no mercado de trabalho fora do sistema carcerário. A pena privativa de liberdade deveria ressocializar o indivíduo para que possa reingressar à sociedade. Proporcionando a este indivíduo que cometeu um crime um isolamento da sociedade para que, esse isolamento possa ressocializá-lo e retorne aos moldes da sociedade, sendo o principal o objetivo das penitenciárias. O atual Código Penal Brasileiro (CPB) adota três tipos de regimes penitenciários, sendo que neste trabalho trataremos somente de pena a ser cumprida em regime fechado, cumpre a pena, inicialmente, em estabelecimento penal de segurança máxima ou mínima, se a pena imposta for superior a 8 (oito) anos (art.33,§2º, a, CPB). 2 DAS PENAS Segundo Greco (2007), a pena é sanção natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal. O Estado tem o dever e o poder de aplicar a sanção àquele que praticou determinada infração, a pena para ser aplicada deve observar os princípios expressos na nossa Constituição Federal 2. O Estado procura garantir os direitos àqueles que habitam em seu todo o seu território. Antigamente o sistema prisional era extremamente cruel, sendo que as pessoas se deleitavam em assistir às execuções que ocorriam, muitas vezes, em praças públicas. Desde o século XVIII as penas tinham uma característica extremamente aflitiva, uma vez que o corpo do agente é que pagava pelo mal por ele praticado. Durante o período iluminista (século XVIII), hou-

ve uma mudança na mentalidade no que dizia a respeito à cominação das penas. As ideias de Beccaria, em sua obra “Dos Delitos e Das Penas” publicada em 1764, começou a manifestar sua indignação em relação a como os seres humanos eram tratados. Percebe-se, pelo menos nos países ocidentais, uma preocupação maior com a integridade física e mental, bem como com a vida dos seres humanos. A partir disso, foram criados pactos entre as nações, visando à preservação da dignidade da pessoa humana, buscando afastar de todos os tratamentos degradantes e cruéis. Como nos fala Bitecourt (2006): É uma grande qualidade da pena poder servir para a emenda do delinqüente, não só pelo temos de ser castigado novamente, mas também pela mudança em seu caráter e seus hábitos. Conseguir-se-á este fim analisando o motivo que produziu o delito e aplicandolhe uma pena adequada para enfraquecer este motivo. Uma casa de correção para atingir este objetivo deve ser suscetível à separação dos delinqüentes em diferentes seções para que possam ser adotados meios diversos de educação à diversidade de estado moral (BITENCOURT, 2006, p 58). Portanto, hoje, nosso ordenamento jurídico vem tentando eliminar a cominação de penas que atinjam a dignidade da pessoa humana. 3 Espécies de Penas e Regimes de Cumprimento De acordo com o art. 32 do CPB, as penas podem ser: a) privativas de liberdade; b) restritivas de direito; c) multa. As penas privativas de liberdade estão conforme descrito abaixo, previsto no art. 33 do Código Penal Brasileiro para os crimes de reclusão e detenção: Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. § 1º - Considera-se: a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Constituição da República Federativa do Brasil, criada em 5 de outubro de 1988.

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similar; c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado. § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva,segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e nãoexceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. § 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código. § 4º - O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). As penas restritivas de direito, de acordo com o art. 43 do CPB são: a) prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; d) interdição temporária de direitos; e e) limitação de fim de semana. Já a multa, é de natureza pecuniária e o seu cálculo é elaborado considerando-se o sistema de dias-multa, que poderá variar entre um mínimo de 10 (dez) ao máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias -multa, sendo que o valor correspondente a cada dia multa será de 1/30 do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos até 5 (cinco) vezes esse valor.

cução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado. As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva segundo o mérito do condenado, e fixa os critérios para a escolha do regime inicial de cumprimento de pena, conforme exposto no art.33, § 2º do CPB: Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (...) § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). 5. Regime Fechado Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o réu, sendo condenado ao cumprimento de sua pena em regime fechado, será direcionado a penitenciária, conforme exposto no art. 87 da LEP:

E consequentemente:

4. Penas Privativas de Liberdade O CPB prevê duas penas privativas de liberdade – reclusão (regime fechado) e detenção (regimes semi-aberto e aberto) – ambas incidem sobre o de Direito Penal e de Processo Penal. Após o juiz ter concluído, em sua sentença, pela pratica do delito, afirmando que o fato praticado pelo réu era típico, ilícito e culpável, a etapa seguinte consiste na aplicação da pena. O juiz fixará a pena-base atendendo aos critérios do art. 59 do CPB do mesmo diploma legal; e por último, as causas de diminuição e de aumento: Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). No inciso III, o juiz, deverá a aplicar a pena ao sentenciado, determinando o regime inicial de seu cumprimento, fechado, semi-aberta ou aberto. Considera-se regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; regime semi-aberto será executado em colônia agrícola, industrial; e finalmente o aberto, a exe-

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Art.87 – A Penitenciaria destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado (Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984 ).

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Art.105 - Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução. Art.106 - A guia de recolhimento, extraída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a assinará com o Juiz, será remetida à autoridade administrativa incumbida da execução e conterá: I - o nome do condenado; II - a sua qualificação civil e o número do registro geral no órgão oficial de identificação; III - o inteiro teor da denúncia e da sentença condenatória, bem como certidão do trânsito em julgado; IV - a informação sobre os antecedentes e o grau de instrução; V - a data da terminação da pena; VI - outras peças do processo reputadas indispensáveis ao adequado tratamento penitenciário. § 1º - Ao Ministério Público se dará ciência da guia de recolhimento. § 2º - A guia de recolhimento será retificada sempre que sobrevier modificação quanto ao início da execução ou ao tempo de duração da pena. § 3° - Se o condenado, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal, far-se-á, na guia, menção dessa circunstância, para fins do disposto no § 2°, do artigo 84, desta Lei. Art. 107- Ninguém será recolhido, para cumprimento de pena privativa de liberdade, sem a guia expedida pela autoridade judiciária. § 1° - A autoridade administrativa incumbida da execução passará recibo da guia de recolhimento

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para juntá-la aos autos do processo, e dará ciência dos seus termos ao condenado. § 2º - As guias de recolhimento serão registradas em livro especial, segundo a ordem cronológica do recebimento, e anexadas ao prontuário do condenado, aditando-se, no curso da execução, o cálculo das remições e de outras retificações posteriores (Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984). O condenado ao regime fechado fica sujeito ao trabalho no período diurno dentro do estabelecimento penitenciário e ao isolamento durante o repouso noturno. O trabalho é um direito do preso, segundo o inciso II do art. 41 da LEP. Para Greco (2007), “se em virtude da incapacidade administrativa do Estado, não puder fornecer trabalho, não poderá o preso ser prejudicado por isso, uma vez que o trabalho gera o direito à remição da pena, fazendo com que para cada três dias de trabalho o Estado tenha de remir um dia de pena do condenado. Caso o Estado não permita ao condenado que trabalhe, este não poderá ser prejudicado, sendo assim concedida a remição, mesmo que não haja efetivo trabalho”. Para obras e serviços públicos realizados por órgãos da administração direta e indireta, ou entidades privadas, é concedido o trabalho do preso que esta em cumprimento da pena em regime fechado, cumprido um sexto da pena e, que sejam tomadas todas as cautelas contra fuga e em favor da disciplina:

7 Regime Aberto De acordo com Rogério Grego (2007)O regime aberto é uma ponte para a completa reinserção do condenado na sociedade”, O seu cumprimento é realizado em estabelecimento conhecido como casa de albergado. Esse regime, baseado na disciplina e no senso de responsabilidade do condenado, permite que este, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhe, frequente curso ou exerça outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga. Como no regime fechado e no semi-aberto, no regime aberto também é feita a guia de recolhimento. Somente poderá ingressar nesse regime o condenado que estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo. Sem o trabalho não será possível o regime aberto, como descrito nos arts.114 e seguintes da LEP: Art.114 - Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que: I - estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente; II - apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime. Parágrafo único - Poderão ser dispensadas do trabalho as pessoas referidas no artigo 117 desta Lei. Art.115 - O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias: I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga; II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados; III - não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial; IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando for determinado. Art.116 - O Juiz poderá modificar as condições estabelecidas, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da autoridade administrativa ou do condenado, desde que as circunstâncias assim o recomendem. Art.117 - Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante. (Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984).

Art.36 - O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina. § 1º - O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra. § 2º - Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho. § 3º - A prestação de trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso. Art.37 - A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena. Parágrafo único - Revogar-se-á a autorização de trabalho externo ao preso que vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave, ou tiver comportamento contrário aos requisitos estabelecidos neste artigo. (Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984). 6 Regime Semi-Aberto

A LEP fala em trabalho, e não em emprego. Mesmo que o condenado exerça uma atividade sem registro (venda de produtos de forma autônoma, faxina em residências, lavagem de carros, etc.), poderá ser inserido no regime aberto. O que deverá ser fiscalizada tanto pelo Ministério Público, como pelo Conselho da Comunidade, conforme a LEP:

Da mesma forma que ao condenado em regime fechado exigese a expedição da guia de recolhimento, ao condenado em regime semi-aberto também.A pena deverá ser cumprida em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, sendo-lhe permitido o trabalho em comum durante o período diurno. Também é admissível o trabalho externo, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior. O trabalho do condenado em regime semi-aberto possibilita, também, a remição de sua pena, na proporção acima mencionada, ou seja, três por um (três dias de trabalho por um dia de pena).

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Art.67 - O Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes da execução. Art.81 - Incumbe ao Conselho da Comunidade: I - visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na comarca; II - entrevistar presos; III - apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; IV - diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento.( Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984).

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Caso haja alguma irregularidade ou interrupção o art.118 da LEP nos fala: Art.118 - A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave; II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111). § 1° - O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta. § 2º - Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado. (Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984).

fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. Já para a perda de bens e valores esta descrita no art.45, §3º do CPB. Os bens de que trata este parágrafo podem ser de bens móveis e imóveis. Valores são tanto a moeda corrente depositada em conta bancária como todos os papéis que representam importâncias negociáveis na bolsa de valores. Em relação à prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, consistem na atribuição de tarefas atribuídas ao condenado, que serão prestadas a entidades assistenciais, escolas e outros estabelecimentos. Sendo que as tarefas que lhe forem atribuídas devem ser de acordo com as suas aptidões, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. Conforme descrito no art.46 do CPB:

Tanto o juiz do processo de conhecimento quanto o juiz da execução poderão estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto:

Art. 46 - A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a 6 (seis) meses de privação da liberdade. § 1º - A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. § 2º - A prestação de serviço à comunidade darse-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. § 3º - As tarefas a que se refere o §1º serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. § 4º - Se a pena substituída for superior a 1 (um) ano, é facultado ao condenado cumprir apena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada. ( Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940).

Art.115 - O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias: I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga; II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados; III - não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial; IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando for determinado. Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984). 8 Penas Restritivas de Direito Se a pena é um mal necessário, devemos buscar aquela que seja suficientemente forte para a proteção dos bens jurídicos essenciais, mas que, por outro lado, não atinja de forma brutal a dignidade da pessoa humana. (GRECO, 2007.p.112)

A execução terá início a partir da data do primeiro comparecimento, conforme art.149 da LEP: Art. 149 - Caberá ao juiz da execução:

Há casos que podemos substituir a pena de prisão por outras alternativas. Para que evite os males que o sistema carcerário acarreta. As penas substitutivas à prisão são uma solução, parcial, para o problema relativo à resposta do Estado quanto ao cometimento de uma infração penal. Nos termos do art.43 do CPB, nos remetem às seguintes penas restritivas de direito: Art. 43 - As penas restritivas de direitos são: I - prestação pecuniária; II - perda de bens e valores; III - (VETADO) IV - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; V - interdição temporária de direitos; VI - limitação de fim de semana. (Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1.940).

I - designar a entidade ou programa comunitário ou estatal, devidamente credenciado ou convencionado, junto ao qual o condenado deverá trabalhar gratuitamente, de acordo com as suas aptidões; II - determinar a intimação do condenado, cientificando-o da entidade, dias e horário em que deverá cumprir a pena; III - alterar a forma de execução, a fim de ajustá-la às modificações ocorridas na jornada de trabalho. § 1º - O trabalho terá a duração de 8 (oito) horas semanais e será realizado aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, nos horários estabelecidos pelo juiz. § 2º - A execução terá início a partir da data do primeiro comparecimento (Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984). Havendo a ausência ou a falta disciplinar, a entidade deverá prestar informações ao juiz da execução:

Para que a pena privativa de liberdade possa ser substituída pela prestação pecuniária não há necessidade de ter ocorrido um prejuízo material, podendo ser aplicada nas hipóteses em que a vitima sofra um dano moral. A prestação pecuniária, de acordo com art.45,§1º do CPB, consiste no pagamento em dinheiro à vitima, à seus dependentes ou à entidade pública ou privada, com destinação social, de importância LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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Art. 150 - A entidade beneficiada com a prestação de serviços encaminhará mensalmente, ao juiz da execução, relatório circunstanciado das atividades do condenado, bem como, a qualquer tempo, comunicação sobre ausência ou falta disciplinar. (Lei de Execução Penal(Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984).

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Há também quatro formas de interdição temporária de direitos, conforme prevê o art.47 do CPB: Art. 47- As penas de interdição temporária de direitos são: I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II - proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III - suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV - proibição de freqüentar determinados lugares (Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.

A multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. São, também, os requisitos legais para a substituição da pena elencados no art.44 do CPB: Art. 44- As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente; § 1º - (VETADO) § 2º - Na condenação igual ou inferior a 1 (um) ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a 1 (um) ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direito; § 3º - Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime; § 4º - A pena restritiva de direitos convertese em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de 30 (trinta) dias de detenção ou reclusão; § 5º - Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior((Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940).

Já o art.48 do CPB nos fala da limitação de fim de semana: Art. 48 - A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Parágrafo único - Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas (Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940). Também presente na LEP: Art. 151- Caberá ao Juiz da execução determinar a intimação do condenado, cientificando-o do local, dias e horário em que deverá cumprir a pena. Parágrafo único. A execução terá início a partir da data do primeiro comparecimento. Art. 152- Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas. Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação (Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984). A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando há o descumprimento injustificado da restrição imposta, conforme a LEP: Art. 181 - A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do artigo 45 e seus incisos do Código Penal. § 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado: a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital; b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço; c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto; d) praticar falta grave; e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa. § 2º A pena de limitação de fim de semana será convertida quando o condenado não comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, recusar-se a exercer a atividade determinada pelo Juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras «a», «d» e «e» do parágrafo anterior. § 3º A pena de interdição temporária de direitos será convertida quando o condenado exercer, injustificadamente, o direito interditado ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras «a» e «e», do § 1º, deste artigo (Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984).

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9 FINALIDADE DAS PENAS A finalidade da pena é manter a ordem de toda sociedade visando garantir o respeito a determinados valores, quando afrontada por uma ação delituosa. Também tem como finalidade prevenir futuras infrações penais. Beccaria (1764) sustentava que a finalidade da “pena não era atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o crime que já foi cometido. Para ele, “os castigos têm por fim único impedir o culpado de ser nocivo futuramente à sociedade e desviar seus concidadãos da senda do crime”.( Dos Delitos e das Penas / Becária, Cesare Bonesana, Marchesi p.89 ). O sistema prisional não consegue reinserir os criminosos junto à sociedade, pelo contrário, joga estes em penitenciárias em condições subumanas e celas super lotadas. O que não podemos ignorar que é muito difícil que haja a recuperação destes condenados. Podemos então observar que o atual modelo carcerário é deformado.

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Portanto ao invés de melhorar o comportamento do homem delinqüente, corrigir suas falhas, criar outra personalidade para que possa assim viver em sociedade, a pena passa a ser severa e não justa.Faz com que o condenado,ao cumpri-la torna-se mais agressivo, corrompido e revoltado pela forma como foi tratado. Para Beccaria:

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De tudo quanto se viu até agora poderá extrair-se um teorema geral muito útil, mas pouco de acordo com o uso, legislador, por excelência, das nações, ou seja: para que a pena não seja a violência de um ou de muitos contra o cidadão particular, deverá ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas circunstâncias ocorridas, proporcionalmente ao delito e ditada pela lei. ( BECCARIA, 1764, p. 183). A pena é uma das mais importantes conseqüências do delito imposta pelos órgãos jurisdicionais ao agente que comete a infração penal. Adotada pelo nosso CPB, no art.59, caput, faz com que unifique e destaque a teoria absoluta e relativa por aceitarem a retribuição e a prevenção. A LEP está ligada aos princípios constitucionais para que se possam garantir os direitos e garantias individuais e proporcionar a recuperação do condenado para que reintegre ao convívio social. Primordialmente, a finalidade da Execução Penal é fazer valer o comando contido na sentença condenatória e tornar efetiva a pretensão punitiva do Estado, como previsto no art. 1º da Lei nº 7.210/84:

natureza racial, social, religiosa ou política(Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940). O princípio da jurisdicionalidade garante que a jurisdição não se esgota com o transito em julgado da condenação, mas persiste em todos os momentos da execução. O princípio da reeducação diz que a execução penal volta-se para a tentativa de ressocialização do sentenciado, trazendo-o de volta ao convívio social. Por fim, na execução penal, há total incidência dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, garantidos constitucionalmente. 10 Direito e Deveres dos Sentenciados A LEP garante aos condenados todos os princípios e direitos que o acusado, durante o processo de conhecimento possui, conforme o art.3º da Lei nº 7.210/84: Art. 3º - Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único - Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política (Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940).

Art. 1º - A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica e integração social do condenado e do internado(Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940). Mas conforme Baratta (2002): O cárcere é contrario a todo moderno ideal educativo, porque este promove a individualidade, o auto respeito do individuo, alimentado pelo respeito que o educador tem dele. As cerimônias de degradação no inicio da detenção, com as quais o encerado é despojado ate dos símbolos exteriores da própria autonomia (vestuários e objetos pessoais), são o oposto de tudo isso. A educação promove o sentimento de liberdade e de espontaneidade do individuo: a vida no cárcere, como universo disciplinar, tem um caráter repressivo e uniformizante. Exames clínicos realizados com os clássicos testes de personalidade mostraram os efeitos negativos do encarceramento sobre a psique dos condenados e a correlação destes efeitos com a duração daquele. A conclusão a que chegam estudos deste gênero é que “a possibilidade de transportar um delinquente anti-social violento em um indivíduo adaptável, mediante uma longa pena carcerária, não parecer existir” e que “o instituto da pena não pode realizar a sua finalidade como instituto de educação” (Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal / Alessandro Baratta). Assim insurge os princípios básicos da execução penal: legalidade, isonomia, personalização da pena, jurisdicionalidade, reeducação, devido processo legal, contraditório e ampla defesa para que, a reinserção do condenado não seja apenas um plano teórico. O princípio da legalidade consiste em evitar excessos ou desvios na execução. Como nos fala o art.3º da LEP:

A própria Constituição Federal, em seu art. 5º, XLIX, assegura ao sentenciado o respeito à integridade física e moral como também descreve o CPB: Art. 38 - O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-sea todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral((Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940). Como citado anteriormente, a pena restritiva de liberdade restringe ao sentenciado o direito de ir e vir, mas cabendo a estes todos os direitos tanto o que foi exposto pela Constituição quanto pelo Código Penal. Para a sociedade o sentenciado deve ser punido severamente como se isso fizesse com que este se regenerasse. Da mesma forma que para toda a sociedade recai os Direitos Humanos para que não haja desigualdade, aos sentenciados também são previstos direitos e garantias previstos na LEP:

Art. 3º - Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei(Código penal criado pelo decretolei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940). O princípio da isonomia proíbe qualquer espécie de distinção entre os condenados de acordo com a LEP: Art. 3º (...) Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de

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Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios. Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às

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exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. Parágrafo único - Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento (Código penal criado pelo decretolei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940). 11 O PERFIL DO PRESO BRASILEIRO Wesley Botelho Alvim (2006), em seu artigo “A ressocialização do preso brasileiro” Fala que, a maioria dos condenados no sistema prisional brasileiro são jovens oriundos das camadas sociais mais pobres, já marginalizados socialmente, filhos de famílias desestruturadas, que não tiveram e não tem acesso á educação nem à formação profissional. São pessoas que se não encontrarem as devidas condições necessárias nos presídios, não serão capazes de retornar e ter um convívio junto à sociedade como cidadãos de bem. Segundo Alessandro Baratta (2002), a pena reeducativa divide-se em duas fases: a desculturalização do indivíduo, ou seja, a desadaptação às condições necessárias para a vida em liberdade (diminuição da força de vontade, perda do senso de auto-responsabilidade do ponto de vista econômico e social), a redução do senso da realidade do mundo externo e a formação de uma imagem ilusória deste, o distanciamento progressivo dos valores e dos modelos de comportamento próprios da sociedade externa. A segunda fase, oposto mas complementar, é o da “aculturação” ou “prisionalização”, onde o preso é obrigado a aprender as regras de convivência dentro da instituição, seguindo o caminho ditado pelos que dominam o meio carcerário, tornando-se assim um criminoso sempre sem recuperação, ou lutar contra tudo isso e assumir o papel de “bom preso”, tendo um bom comportamento e se conformando com a sua realidade. É lamentável, saber que os presos brasileiros se amontoam em espaços minúsculos, tendo suas chances de recuperação diminuídas, uma vez que não são só eles que sofrem com isso, mas também suas famílias e a sociedade como um todo. Foucault (1999) diz que a prisão se fundamenta na “privação de liberdade” e que: (...) a prisão a pena por excelência numa sociedade em que a liberdade é um bem que pertence a todos da mesma maneira ao qual cada um está ligado por um sentimento “universal e constante”? Sua perda tem, portanto, o mesmo preço para todos; melhor que a multa, ela é o castigo “igualitário”. Clareza de certo modo jurídica da prisão. Além disso, ela permite quantificar exatamente a pena segundo a variável do tempo. Há uma forma-salário da prisão que constitui, nas sociedades industriais, sua “obviedade” econômica. E permite que ela pareça como uma reparação. Retirando tempo do condenado, a prisão parece traduzir concretamente a idéia e que a infração lesou, mais além da vitima, a sociedade inteira (Foucault, 1987, p. 196). Naquela época, de acordo com Foucault (1997), a “prisão se fundamenta também em seu papel, suposto ou exigido, de aparelho para transformar os indivíduos”, servindo desde os primórdios como uma:

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(...) “detenção legal” encarregada de um suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de modificação dos indivíduos que a privação de liberdade permite fazer funcionar no sistema legal. Em suma, o encarceramento penal, desde o inicio do século XIX, recobriu ao mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos (Foucault 1977, p. 207). Hoje todas as penitenciárias brasileiras têm seus condenados, independente de qual crime cometeram, dividindo a mesma cela. Um grande número de presos encarcerados, de diferentes realidades de criminalidades, uma diversidade cultural enorme. O que torna necessário que se separem os presos de acordo com o delito cometido, para que dessa forma, não se corra o risco de criminosos de alta periculosidade influenciem os de menor periculosidade. O que se vê neste processo é que são esquecidos, pelas autoridades penitenciárias, os direitos humanos que os condenados possuem. Este direito sendo respeitado o caminho para recuperação é maior. Há a necessidade de sistema prisional mais humano, ao contrário do que oferecemos. 12 A FÁLACIA DA RESSOCIALIZAÇÃO DO CONDENADO NO BRASIL O sistema penitenciário brasileiro não consegue atingir o seu principal objetivo que é a ressocializar os condenados. É visível a incompetência geral do sistema penitenciário que, além de não recuperar os detentos, agora os “devolve” à sociedade sem capacidade o suficiente para que ele possa enfrentar a nova realidade. O nosso modelo de sistema prisional possui a característica de aperfeiçoar a capacidade delitiva daqueles que a ele são submetidos. É um sistema ultrapassado. Na verdade, não tem apreço pela ressocialização, não consegue educar, ressocializar, assim, na primeira oportunidade, acontecem às evasões, ou mesmo rebeliões dentro da própria prisão. Em função da superlotação dos presídios, que é uma realidade no Brasil, neste cenário surgem as revoltas, o desrespeito aos direito humanos e ações violentas de todo tipo. Para diminuir a violência da prisão, a medida mais eficaz é a reeducação no sistema prisional. O desrespeito aos direitos do preso é uma violência contra a própria lei. Ao retirar da sociedade o indivíduo que cometeu um ato ilícito e isolá-lo em uma prisão, sem nem mesmo avaliar se essa seria a única saída, o Estado acaba contribuindo cada vez mais com o aumento da exclusão social. Porque esse indivíduo, que já sofria os efeitos de fazer parte de uma minoria desprovida social e economicamente, terá chances menores ainda de se inserir na sociedade após cumprir sua pena. O preso egresso após o cumprimento da pena, nas penitenciárias brasileiras, quando volta a conviver em sociedade, não tem condições de reinserção, já que, enquanto esteve preso, não foi ressocializado ficando a maior parte do tempo ocioso. Percebe-se que o Estado fez foi apenas o isolá-lo de toda a sociedade demonstrando que havia resolvido os problemas. Porém, o que ocorrerá é a reincidência, porque o preso egresso não tem alternativa. Ao voltar à sociedade, mesmo que não pretenda, estará sujeito à delinqüência, outra vez.E quando esta situação vem à tona, não é só o preso que sente seus reflexos, mas sim, toda sociedade. A reincidência é a prova de que o sistema prisional brasileiro é ineficaz, e faz sentir cada vez mais a insegurança. O detento, durante o tempo que está cumprindo sua pena, tem alguns de seus direitos fundamentais suspensos, (direito de ir e vir), mas o maior dos direitos fundamentais, não se encontra suspenso,

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que é a vida digna. Não se pode falar em segurança pública negando os direitos fundamentais do indivíduo, pois assim, a segurança estará sendo voltada somente para alguns, e não à sociedade. Espera-se do Estado, além do poder de punir, o dever de ressocializar, porque está é a verdadeira função da pena, trazer o delinqüente de volta ao convívio social preservando a dignidade da pessoa humana. A base para a ressocialização é trabalhar com os condenados, tanto na qualificação profissional quanto psicologicamente, para evitar que ao voltar à sociedade depare novamente com as causas que deram origem ao delito por ele praticado. O importante também para que esse processo dê certo é estendendo aos familiares do condenado, um acompanhamento psicológico, fazendo com que estes sejam amparados socialmente, para que no fim do cumprimento da pena, encontrem as condições mínimas que lhe permitam um recomeço. Portanto, a pena não deve ter caráter repressivo somente, tornase um meio de criar oportunidades aos condenados enquanto ficam recolhidos. O Estado deverá propiciar formas para que sua reinserção ao convívio social se dê de maneira segura.Sendo que o condenado deverá ter participação no desenvolvimento das atividades ressocializadoras e sua participação deve ser voluntária. Faz presente em boa parte dos sistemas prisionais, a superlotação. Onde há espaço para quatro ou cinco detentos encontram-se dez, doze, até vinte, havendo entre eles, até mesmo, revezamento para o descanso noturno. O art. 85 da LEP traz o seguinte texto: Art.85 - O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade. Parágrafo único – O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza de periculosidades (Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940). O que ocorre diferentemente em nosso sistema. A ausência de políticas sociais, falta de construção de novos centros para a correção com a educação por parte das autoridades competentes faz com que esse tempo em que passam aprisionados não funcione. Outro problema apresentado é o convívio com detentos doentes mentais, que teriam de estar em centros de recuperação apropriado para tratamentos psiquiátricos para evitar o maior comprometimento dos demais detentos. Já em relação à sexualidade, percebe-se que o problema tem se agravado em vários centros penitenciários por trazer doenças sexualmente transmissíveis, como por exemplo, a AIDS, tendo como vítimas mais freqüentes os detentos novatos. Tais problemas como físicos e psíquicos, impendem ou dificultam o retorno a uma vida sexual normal. Diante desses e outros problemas vividos no sistema penitenciário, a maioria, dos condenados, apresentam dificuldades transformadas em barreira no processo de reinserção ao meio social. Portanto é necessário rever a forma como o sistema prisional é operado para que evite reincidência desses que já passaram pelo sistema. Além disso, deve-se oferecer a todos uma igualdade social, com empregos e salários justos, dentre outros benefícios necessários para que se possa ter uma vida digna. Pois a falta desses princípios básicos faz com que voltem a delinqüir. 13 REEDUCAÇÃO: ressocializar para não delinquir O sistema penitenciário brasileiro adota a execução da pena

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através do Código Penal, fazendo com que o condenado inicie do mais rigoroso ao mais brando (pelos regimes fechado, semi-aberto e aberto). De acordo com o dicionário Aurélio (2008) reeducar significa transmitir novos conhecimentos ou modificar antigos comportamentos. A ressocialização diz respeito à educação, preparando o indivíduo para sua reinserção, através de trabalho ou estudos. No dizer de Bitencourt (2001), esclarece da seguinte maneira: A ressocialização passa pela consideração de uma sociedade mais igualitária, pela imposição de penas mais humanitárias, prescindindo dentro do possível das privativas de liberdade, pela previsão orçamentária adequada á grandeza do problema penitenciário, pela capacitação de pessoal técnico, etc. Uma conseqüência lógica de teoria preventivoespecial ressocializadora é no âmbito penitenciário, o tratamento do delinqüente. A primeira contrariedade que se apresenta em relação ao tratamento penitenciário é sua eficácia diante das condições de vida que o interior prisional oferece atualmente. Em segundo lugar, mencionam-se os possíveis problemas para o delinqüente e seus direitos fundamentais que a aplicação acarretaria. Finalmente, a terceira posição refere-se à falta de meios adequados e de pessoal capacitado para colocar em prática um tratamento penitenciário eficaz (Bitencourt 2001 p. 156-157). Ao invés de ser uma instituição destinada a reeducar o criminoso e prepará-lo para o retorno social, a prisão passa a ser um local de tormentos físicos e morais, infligindo ao condenado os mais terríveis e perversos castigos. Porém, antes de reeducá-los, é necessário educar o sistema carcerário. Um sistema que visa somente a privação de liberdade, deixando a assistência educacional longe do sistema prisional que se torna alvo de críticas, principalmente pela sociedade, que vê os detentos ociosos. O artigo 17 da LEP contempla que: “A assistência educacional compreenderá a instituição escolar e a formação profissional do preso e do internado” ( LEP - Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984. Assim, além da assistência educacional, vem a aprender uma profissão. O trabalho vem para contribuir com a ressocialização. Várias penitenciárias são exemplos por apresentarem, um regime no qual a educação se destaca. Para ressocializar é preciso traçar metas, para que o preso seja bastante trabalhado, principalmente com o apoio da sociedade. Constata-se que o índice de analfabetismo nas penitenciárias é muito alto, muitos sequer assinam seus nomes, poucos possuem ensino fundamental e um número ainda menor tem o ensino médio. De acordo com a LEP em seu artigo 18, “O ensino do primeiro grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar a unidade federativa.” (Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940). Para tanto é necessário mais empenho das autoridades, até mesmo da sociedade para com os centros prisionais. Faz-se necessário também, a criação dentro dos presídios como bibliotecas, com livros instrutivos, recreativos e didáticos. Basta verificar a Lei de Execução Penal no seu artigo 21dispõe que: “Em atendimento às condições locais dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, educativos e didáticos (Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940). Vários centros prisionais possuem bibliotecas, porém não com a estrutura necessária para uma readaptação ou reciclagem que interesse aos condenados que ali estão. Reeducar não é só tratar da educação, mas também do trabalho e da qualificação, essas ações são indispensáveis para a ressocializa-

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ção e inserção do detento à sociedade. O trabalho de reeducação está amparado pela Constituição Federal no seu art. 208: Art.208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos que a ele não tiverem acesso na idade própria. (...) § 1º O acesso ao ensino é obrigatório e gratuito é direito publico subjetivo. (Constituição de república federativa do Brasil, criada em 5 de outubro de 1988). Esse direito vem para beneficiar e resgatar o condenado, aprimorando sua auto-estima, confiança e aumentando o nível cultural em conhecimentos em favor de seu crescimento em meio à sociedade. Mas na realidade, o sistema penitenciário na maioria das vezes coloca os condenados à inteira disposição dos agentes penitenciários dos presídios, um local “sem regras” fixas, sem defesas. Penas, essas que são aplicadas sem nenhum controle do judiciário, por um conjunto de funcionários geralmente mal remunerados, com baixa formação, em condições precárias de trabalho e submetidos ao medo de ameaças do crime organizado. A forma como o Estado vem mantendo as prisões, provavelmente seja uma situação mais humilhante que a aplicação dos castigos corporais que ocorriam no século XVIII. Misturam-se presos primários com reincidentes, em celas superlotadas, e ainda, há aqueles presos doentes misturados com indivíduos sãos, todos mantidos na ociosidade e, sem as mínimas condições de permanência naquele local. Portanto faz-se necessário a ressocialização, pois esse é objeto de grande valia para que se evite a reincidência. 14 MODELO DE RESSORCIALIZAÇÃO Diante de todos esses problemas enfrentados pelo sistema penitenciário brasileiro tornou-se clara a necessidade de um novo modelo que respondesse aos anseios da sociedade. Falar sobre um novo modelo, hoje, requer um pouco mais de cautela. Talvez não seja pelo caráter social, mas pelo fato de serem as penas alternativas alvo de grande discussão, tanto pelo questionamento acerca da funcionalidade da medida como os problemas gerados pelo funcionamento das prisões. A sociedade deve se interessar pelo êxito social do condenado e ceder para que haja uma reintegração. Em 1972, na cidade de São José dos Campos, nasce algo totalmente inusitado e revolucionário. Um modelo de administração penitenciária capaz de tornar a taxa de reincidência de seus internos inferior a cinco por cento, enquanto a média dos presídios comuns gira em torno de 85 por cento. Um grupo de voluntários cristãos liderados pelo advogado Dr. Mário Ottoboni começou a visitar o presídio da Humaitá para evangelizar e dar apoio moral aos presos. Eles queriam resolver o problema da comarca, cuja população vivia sobressaltada com fugas e rebeliões que eram constantes. Não tinham parâmetros nem modelos a serem seguidos. No ano de 1974, sob a liderança do então Juiz das Execuções Dr. Sílvio Marques Netto, foi instituída a APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, uma entidade jurídica sem fins lucrativos, visando auxiliar a Justiça na execução da pena, recuperando o preso e protegendo a sociedade.Pelo fato de apresentar índices

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de reincidência tão pequenos (inferiores a cinco por cento), e tratar o preso como um ser humano detentor de direitos e deveres, tal modelo tem alcançado repercussão no Brasil e no exterior. Hoje existem cerca de 100 unidades espalhadas pelo país e outras tantas no exterior: no Equador, na Argentina, no Peru, nos EUA, na África do Sul, Nova Zelândia e Escócia. Em 1986, a APAC filiou-se à PFI – Prision Fellowship International, órgão Consultivo da ONU para assuntos penitenciários. A partir disso o método foi divulgado para mais de 100 países por meio de congressos e seminários internacionais. O fundador da PFI, Charles Colson, ao visitar a unidade penitenciária onde a APAC nasceu, afirmou: “Este é o único presídio do mundo do qual eu não tive vontade de sair”. No Brasil, um dos melhores exemplos do método APAC é a unidade de Itaúna – MG,onde há um número de fugas e ausência total de mortes, rebeliões ou violências. Esta unidade há cinco anos os três regimes de cumprimento de pena: fechado, semi-aberto e aberto, sem policias civis, militares ou agentes penitenciários. O trabalho possibilita ao condenado alcançar sua recuperação mais facilmente. No entanto deve fazer parte do contexto, da proposta, não deve ser o elemento principal da proposta, visto que somente o trabalho não é suficiente para recuperar o preso. No método APAC, o regime fechado é o tempo para recuperação, o semi-aberto para a profissionalização, e o aberto para a inserção social. Assim, o trabalho aplicado em cada um desses regimes deve ser de acordo com a finalidade proposta. 15 CONCLUSÃO Como já dito, as prisões são cenário de constantes violações dos direitos humanos. Os principais problemas enfrentados são: a superlotação; a deterioração da infra-estrutura carcerária; a corrupção dos próprios policiais; a abstenção sexual e a homossexualidade; o suicídio; a presença de tóxico; a falta de apoio de autoridades governamentais; as rebeliões; a má administração carcerária; a falta de apoio de uma legislação digna dos direitos do preso-cidadão; a falta de segurança e pessoal capacitado para realizá-la, e a reincidência que é de vital importância para às vistas da sociedade; demonstram que o Brasil está torturando presos em penitenciárias, aniquilando qualquer possibilidade que venham a se recuperar, ao mesmo tempo que gasta dinheiro à toa. É preciso, urgentemente, mudar esse sistema cruel. O direito à educação e ao trabalho, que estão vinculados à formação e desenvolvimento da personalidade do recluso. São os direitos sociais e grande significação, pois o trabalho é considerado reeducativo e humanitário; colabora na formação da personalidade do recluso, ao criar-lhe hábito de autodomínio e disciplina social, e dá ao interno uma profissão a ser posta a serviço da comunidade livre. Na participação das atividades do trabalho o preso se aperfeiçoa e prepara-se para servir à comunidade. Porém, o nosso sistema penitenciário ainda mantém o trabalho como remuneração mínima ou sem remuneração, o que retira do trabalho sua função formativa ou pedagógica e o caracteriza como castigo ou trabalho escravo. No âmbito da noção do castigo, a privação da liberdade é a maneira específica pela qual o Direito Penal objetivo concretiza o princípio da reparação equivalente. A prisão, como instrumento realizador da pena-castigo, só tem contribuído para a reprodução da criminalidade. Neste sentido, há que se buscar mecanismos e instrumentos que possibilitem a efetiva diminuição da delinquência, a salvaguardar o interesse público e social. O sistema prisional, por sua realidade, é denunciado como um fracasso desde 1820, pois até então não conseguiu cumprir a

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primordial função de reeducar ou preparar o condenado para a volta ao convívio na sociedade. Contrapondo-se a este entendimento, em recentes julgados, alguns tribunais vêm decidindo que o simples fato de ser reincidente não obriga a fixação do regime prisional inicial de cumprimento da pena no sistema fechado, pois constitui direito fundamental do condenado a motivação. Tem-se como coerente com a complexidade e a realidade penal brasileira o órgão julgador que faz referência explícita às circunstâncias judiciais que o levaram a decidir por um regime mais gravoso. O juiz não deve considerar apenas a reincidência na definição do regime prisional, outros fatores, além daqueles previstos no artigo 59, também devem ser levados em conta, como, exemplificando, na hipótese de autorização para recorrer em liberdade (art. 594, CPP). Ao proceder à individualização da pena, o juiz, após um leque de circunstâncias de natureza subjetiva — culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente — e de natureza objetiva — motivos, circunstâncias e consequências do crime, fixará aquela cabível dentre as cominadas, em quantidade que for necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do delito, definindo, a seguir, o regime inicial de cumprimento da pena, a qual não deve ser excessiva nem demasiadamente abrandada, mas justa, adequada e idônea em qualidade e quantidade bastantes para reprimir a prática da infração e promover a tutela da sociedade. A relevância da definição do regime prisional decorre do sentido e da função da pena, que não deve ser concebida como instrumento de castigo, mas em consonância com os modernos desígnios que realçam a recuperação moral e social do réu. Faz-se necessário, uma política de valorização do preso como pessoa humana, dignificando-o mesmo dentro da prisão, é o caminho mais curto para que ele se recupere de suas condutas delituosas, isso ficou provado com o modelo APAC. Apenas dessa forma a sociedade poderá ver seus presos recuperados e as taxas de reincidência. REFERÊNCIAS Código penal criado pelo decreto-lei No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1.940. Lei de execução Penal criada pela lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988 Curso de direito penal / Rogério Greco Parte Especial - Vol. II - 13ª Ed. Tratado de direito penal / Cezar Roberto Bitencourt 2001, 2ª ed. Volume I: 10ª edição, 2006 Volume II: 6ª edição, 2007,volume IV: 2ª edição, 2007. Dos Delitos e das Penas / Becária, Cesare Bonesana, Marchesi , (1738-1794),Edição, Ridendo Castigat Mores.

Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Laura Maria dos Fernandes Lima (Examinadora)

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A FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA DA PENA DE PRISÃO E AS DIFICULDADES PARA REINSERÇÃO DO EX DETENTO NO MERCADO DE TRABALHO Jéssica Libânio Matos Diniz1

RESUMO: O presente artigo discorre sobre a pena de prisão, em especial no Brasil, bem como sobre sua eficácia no processo de ressocialização dos ex-detentos. Para tanto, analisa aspectos sobre o surgimento da pena, na visão da criminologia crítica, e sua ineficácia no processo de ressocialização, determinado na Lei de Execução Penal brasileira. Pretende-se apontar, as causas para o aumento da reincidência criminal na sociedade brasileira, que vão das péssimas condições do sistema penitenciário, chegando à falta de oportunidade do ex-detento, para acesso ao mundo do trabalho. Pretende-se ainda, apontar algumas sugestões que possam contribuir para a ressocialização do ex-detento, aumentando suas chances de reinserção no mercado de trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Ex-detento. Mercado de trabalho. Pena de Prisão. Ressocialização.

1 INTRODUÇÃO Pesquisas apontam o Brasil como um país que apresenta um alto índice de reincidência delitiva, o que pode ser verificado pelo grande aumento da população carcerária. Tal fato só demonstra a necessidade que tem a própria sociedade de repensar a questão do sistema prisional, passando por um processo de reeducação, para, posteriormente, buscar a ressocialização do ex-detento. O objetivo deste trabalho é estudar a fase processual de execução da pena, demonstrando que não se cumpre a determinação da Lei de Execução Penal, segundo a qual o cumprimento da pena deve ter função ressocializadora. Em primeiro lugar, serão abordados aspectos referentes ao surgimento da pena, com ênfase na pena privativa de liberdade e o mito da sua função de ressocialização do indivíduo. Explicando melhor, tem-se que, de acordo com o artigo 1º da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Assim, por força de determinação legal, caberia ao Estado a função de proporcionar os recursos necessários para que o preso seja reintegrado à sociedade, após cumprir sua pena. Este artigo objetiva ainda a análise de aspectos jurídicos do trabalho como forma de reintegração social do ex-presidiário, o que inclui a coleta de informações acerca de sua estigmatização e sobre as dificuldades por ele encontradas, na tentativa de reinserção no mercado de trabalho. Importante ressaltar que, ao aplicar a pena privativa de liberdade, o nosso sistema prisional busca a proteção da sociedade, ao mesmo tempo cuidando para que o condenado seja preparado para a reinserção social. Segundo Mirabete, o ordenamento jurídico brasileiro afasta o preso da sociedade com a intenção de ressocializá-lo, mas o que encontramos é uma situação diferente. Em seu entendimento, a prisão é uma instituição que não resocializa, pois é um local em que as contradições existentes no sistema social exterior mais se agravam, contribuindo para a estigmatização do recluso. Ainda de acordo com o autor, o direito, o processo e a execução

penal constituem apenas um meio para a reintegração social, indispensável, mas nem por isso o de maior alcance, porque a melhor defesa da sociedade se obtém pela política social do estado e pela ajuda pessoal. A recuperação do detento não se dá por meio da pena privativa de liberdade, mas apesar dela. A reinserção desse indivíduo passa pela priorização e zelo dos direitos a ele inerente. De acordo com o artigo 3º da Lei de Execução Penal “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. No Brasil, as prisões podem ser consideradas como um dos piores lugares em que o ser humano pode viver. Elas estão abarrotadas, sem condições dignas de vida, e menos ainda de aprendizado para o apenado. Em face dessas condições, os detentos, muitas vezes, se sentem desestimulados a se recuperarem e sem estima para a vida, quando de sua volta à sociedade. Dessa maneira, quando a ela retornam, continuam a praticar os diversos tipos de crimes. Como previsto no ordenamento jurídico brasileiro, a pena de privação da liberdade não é apenas uma punição, mas também uma oportunidade de aprendizado para o detento. Ou, como explicita Costa: “A educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação para com o detento” (COSTA, 1999, p. 64). No entanto, os presos que sobrevivem ao sistema carcerário, quando egressos, carregam consigo estigmas decorrentes da vida prisional dentro de um sistema falido e que não lhe possibilita o mínimo de dignidade. Esse estigma é consequência do descaso na execução da pena, uma vez que o Estado não cumpre com a sua função legal. Dessa forma, os ex - detentos são tratados com desprezo e excluídos da sociedade, pela falta de oportunidades para sua reinserção.

2 A FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA DA PENA NA VISÃO DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA 2.1 Considerações sobre a pena de prisão De acordo com Karam (2010, p. 11), “a pena é a mais dura, violenta e danosa de todas as intervenções estatais sobre o indivíduo”.

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Para a criminologia crítica, a pena de prisão surge com o capitalismo, como uma forma de controle e manutenção desse sistema. Em meados do século XVII, com o surgimento do capitalismo, surge na Holanda e na Inglaterra, as primeiras instituições de reclusão, denominadas casas de trabalho.

Essa personalização e a visibilidade do “criminoso” contribuem de maneira decisiva para a ocultação de desvios estruturais, encobertos através da crença em desvios pessoais, assim contribuindo para o reforço de estruturas de dominação, para o reforço do poder. (KARAM, 2010, p. 15).

È que a criação desta nova e original forma de segregação punitiva, responde mais a uma exigência relacionada ao desenvolvimento geral da sociedade capitalista que à genialidade individual de reformador. Os modelos punitivos não se diversificam por um propósito idealista ou pelo afã de melhorar as condições da prisão, mas com o fim de evitar que se desperdice a mão de obra e ao mesmo tempo para poder controla-la, regulando a sua utilização de acordo com as necessidades de valoração do capital (BITENCOURT, 2008, p. 109).

Assim, percebe-se que o sistema penal se presta a manter desigualdades sociais, “facilita a manutenção da estrutura vertical da sociedade, impedindo a integração das classes baixas, submetendo -as a um processo de marginalização”. (BITENCOURT, 2008, p. 116).

Para o autor, o surgimento dessas casas de correção, marca também, o surgimento da prisão como instrumento capaz de tornar o detento submisso ao regime capitalista. Não havia interesse apenas em que o recluso desenvolvesse a disciplina da produção do regime capitalista, mas que se submetesse à ideologia da classe dominante. Tais propósitos eram conquistados por meio do pagamento de baixos salários àqueles que trabalhavam nas casas de trabalho, aliado ao método opressivo de trabalho presentes nessas instituições. Conforme Bitencourt expressa em sua obra: Não interessa a reabilitação ou emenda; o que importa é que o delinquente se submeta, que o sistema seja eficaz por meio de uma obediência irreflexiva. Por outro lado, a dureza particular das condições no interior da casa de correção tem, ademais, outro efeito sobre o exterior, o que os juristas chamam de prevenção geral, ou seja, uma função de intimidação, através da qual o trabalhador livre, antes de arriscar terminar na casa de trabalho ou prisão, prefere aceitar as condições impostas ao trabalho. O regime interno da casa de correção visa, assim, além da absoluta premência que nela se dá ao trabalho, a acentuar o papel dessa Weltanshaung burguesa que o proletariado livre nunca aceitará completamente (BITENCOURT, 2008, p. 111). Neste contexto, a prisão nada mais é do que uma forma de garantia de mão de obra para o sistema capitalista, um instrumento que servia à dominação política e econômica. A partir do Século XIX, a pena foi considerada como meio de mudança de comportamento do delinquente. Essa concepção vigorou por muito tempo, sendo que a prisão era vista como instrumento eficaz na reabilitação do condenado. Segundo Bitencourt (2008, p.110), “esse otimismo inicial desapareceu, e atualmente predomina uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional”. Ainda segundo o autor “a prisão está em crise”, o que afeta diretamente a função inicial da pena privativa de liberdade, de promover a ressocialização do delinquente. Nesse sentido, vários autores vêm discutindo sobre a necessidade de efetivação de uma reforma da pena de prisão. Bitencourt (2008), afirma que, apesar da prisão ser considerada um mal necessário, não produz qualquer efeito positivo sobre o detento. Karam, ao tratar do tema, argumenta que: A mais relevante função real desempenhada pela pena privativa de liberdade, a permear toda a sua história, vinculando-a a suas antecessoras, está e sempre esteve na exposição do condenado, na construção e na propagação de sua imagem de “criminoso”, que o identifica como o “outro”, o “perigoso”, o “mau” e, especialmente nos tempos atuais, como o “inimigo”.

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2.2 O Mito da função ressocializadora da pena privativa de liberdade De acordo com a criminologia crítica, o sistema capitalista não permite que o detento seja ressocializado, não apenas pelo fato da prisão ter sua origem no capitalismo, como forma de manutenção das desigualdades sociais, mas também considerando que o preso é estigmatizado e marcado para sempre, o que dificulta e torna difícil sua recuperação. Para Bitencourt: Depois de iniciada uma carreira delitiva é muito difícil conseguir a ressocialização. O sistema penal, como a escola, desintegra os socialmente frágeis e os marginalizados. Entre os delinquentes e a sociedade, levanta-se um muro que impede a concreta solidariedade com aqueles ou inclusive entre eles mesmos. A separação entre honestos e desonestos, que ocasiona o processo de criminalização, é uma das funções simbólicas do castigo e é um fator que impossibilita a realização do objetivo ressocializador (BITENCOURT, 2008, p.117). Para o autor, a marginalização do detento ocorre em decorrência do próprio sistema penal, de forma bem mais consistente durante a fase de execução da pena. Nas condições em que se dá a execução da pena, torna-se impossível pensar na reinserção do ex - detento na sociedade por meio da pena privativa de liberdade, pois a partir do momento que se aplica a pena de prisão, se exclui o indivíduo da sociedade. A acumulação de riquezas, objetivo primordial do sistema capitalista, clama pela manutenção de setores marginalizados dentro da sociedade, “assim, pode-se afirmar que a lógica do capitalismo é incompatível com o objetivo ressocializador”. Para Bitencourt (2008), “sem a transformação da sociedade capitalista, não há como encarar o problema da reabilitação do delinquente”. Aduz a criminologia crítica que, mesmo o sistema penitenciário passando por reformas, não haverá mudanças se a estrutura capitalista for mantida, uma vez que a prisão continuará sendo repressiva e estigmatizadora. Segundo Bitencourt (2008, p. 117), a criminologia crítica “não propõe o desaparecimento do aparato de controle, pretende apenas democratizá-lo, fazendo desaparecer a estigmatização quase irreversível que sofre o delinquente na sociedade capitalista”. Na verdade, os aparatos de controle sempre deverão existir, o problema é que não há, no entanto, garantias de que serão menos repressivos e/ ou estigmatizadores do que a pena de prisão. 3 OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS 3.1 Visão mundial dos sistemas penitenciários Não se pode negar, que a invenção das penitenciárias se constituiu em uma forma de progresso mundial. Toda a crueldade da prisão, não se compara à antiga pena de morte ou aos violentos castigos corporais, aos quais eram submetidos os delinquentes. De acordo com Karam (2010), mesmo com a reforma do siste-

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ma penal, com a implantação das chamadas penas alternativas, que propõem punições menos dolorosas do que a privação da liberdade, não há de se pensar em ausência de dano ao indivíduo. Não visando mudanças realmente radicais, deixando intocada a existência do poder punitivo e do sistema penal, as limitadas reformas, representadas pela invenção da penitenciária e, após, pela introdução das chamadas penas alternativas, não poderiam efetivamente evitar as sérias e danosas consequências que as acompanharam e acompanham (KARAM, 2010, p. 16). O aumento da criminalidade não é apenas um problema dos países pobres ou países em desenvolvimento. É sabido que, na Europa, esses problemas ganham cada vez mais relevância. Haja vista que os países europeus apresentam em sua maioria as melhores condições sociais, consequentemente têm o sistema prisional mais avançado do mundo. Nos últimos vintes anos, muitos países tiveram aumentos consideráveis em suas penas de encarceramento, indicando uma tendência mundial: A administração penitenciária representa um dos maiores desafios para o governo brasileiro em todas as esferas do poder (Federal, Estadual e Municipal), pois é um sistema velho e obsoleto. Inexiste um estudo sobre a situação global que permita dimensionar claramente o problema no universo penitenciário brasileiro, pois nunca no país se fez um estudo da estrutura do poder e da realidade penitenciária (COSTA, 1999, p. 33). Estatísticas indicam a necessidade de uma intervenção que possa produzir transformações na estrutura do sistema penitenciário, que a cada ano vai se deteriorando. Segundo Teixeira, citado por Costa (1999), as penitenciárias são locais que se destinam a presos já condenados, por sentença através de julgamento, a cumprir um afastamento da sociedade por determinado tempo. Nas prisões a reeducação deveria ser feita através da implantação de frentes de trabalho, objetivando não apenas retirar os presos da ociosidade, mas também prepará-los para uma futura reinserção social, através da profissionalização e da perspectiva de emprego: Estudos comprovam que mesmo toda a diversidade de meios punitivos diversos do encarceramento, numa tentativa de vigilância e controle do delinquente, não diminuiu a pena privativa de liberdade. O aumento do controle trouxe consigo, a partir do século XX, o aumento da prisão, com incidência e rigores bem maiores. Segundo Karam (2010), o International Centre for Prision Studies publicou, em 2008, um relatório estimando a população carcerária mundial em aproximadamente dez milhões, seiscentos e cinquenta mil pessoas, o que comparado com outro relatório publicado pela mesma instituição três anos antes, apresenta um crescimento da população carcerária em 71% dos países, em especial nos Estados Unidos, que quadruplicou entre os anos de 1980 e 2007. Na Europa, como já dito, também houve um crescimento significativo da população carcerária. Em janeiro de 2009 os presos eram 82.240, o que correspondia a 151 por cem mil habitantes. Em 1992, era de 88 detentos e em 2001 de 127 por cem mil habitantes. Na França houve a duplicação da população carcerária entre os anos de 1975 e 1995. No Brasil, o número de presos, que em 1992 era 74 presos por cem mil habitantes, em 2001 subiu para 133 por cem mil habitantes, 183 em 2004 e, em junho de 2007, subiu para 219 por cem mil habitantes, passando, em 2008, para 227 a cada cem mil.

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3.2 O sistema penitenciário brasileiro O sistema penitenciário brasileiro é caótico, pois, além do ambiente físico inadequado, a situação se agrava com a superlotação dos presídios, onde se amontoam em média dois presos por vaga, fazendo esses estabelecimentos semelhantes a “campos de concentração”. O pouco espaço, aliado à impossibilidade de ir e vir, à falta dos entes queridos, a distância da família são alguns fatores que tornam a pena de privação de liberdade muito dolorosa. Para Karam: As dores inerentes à privação da liberdade somam-se dores físicas provocadas pela falta de ar, de sol, de luz, pela promiscuidade dos alojamentos, pela precariedade das condições sanitárias, pela falta de higiene, pela alimentação muitas vezes deteriorada, o que resulta na propagação de doenças, especialmente de doenças transmissíveis que atingem os presos em proporções muito superiores aos índices registrados nas populações em geral (KARAM, 2010, p. 19). Diante desse quadro, fica fácil perceber que o sistema prisional brasileiro atual não tem condições de cumprir sua função ressocializadora, mas apenas a de fomentar ainda mais a criminalidade. A pena de prisão, longe de cumprir a função de reeducar o indivíduo, de forma que o mesmo possa retornar a conviver no meio social, tornou-se um meio simplista de retirar da sociedade o indivíduo criminoso. A nossa Carta Magna garante em seu texto, a dignidade da pessoa humana, sua integridade física e moral: A situação penitenciária não pode continuar como está. É necessário que o mal das prisões seja amenizado, que o detento seja tratado com a dignidade devida à espécie humana [...] Para transformarmos o infrator em membro honrado da sociedade, não podemos provocar-lhe rebeldia com os métodos utilizados, sendo necessário que o ajudemos a desenvolver seu poder de iniciativa e senso de responsabilidade (MUAKAD, 1998, p. 21). O sistema prisional não deve ter a função de segregação do apenado, pois a finalidade da pena é humanística, deve servir de instrumento capaz de tornar o indivíduo delinquente, apto à vida social. 4 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA 4.1 O objetivo da Lei de Execução Penal A execução penal brasileira é um procedimento que está previsto na Lei 7.210/1984, que dispõe em seu artigo 1º “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Assim, logo de início, fica claro que o Estado tem o direito assegurado de punir o infrator pelo delito cometido, mas, também, tem o dever de utilizar meios capazes de reintegrá-lo à sociedade. No entanto, como já vimos, o texto legal não se adéqua à realidade brasileira, haja vista que o sistema carcerário não oferece condições dignas, capazes de atingir o objetivo do legislador. Muakad dispõe:

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Os estabelecimentos da atualidade não passam de monumentos de estupidez. Para reajustar homens à vida social invertem os processos lógicos de socialização; impõem silêncio ao único animal que fala; obrigam a regras que eliminam qualquer esforço de reconstrução moral para a vida livre do amanhã, induzem a um passivismo hipócrita pelo medo do castigo disciplinar, ao invés de remodelar caracteres ao influxo de nobres e elevados motivos; aviltam e desfibram, ao invés de incutirem o espírito de hombridade, o sentimento de amor

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próprio; pretendem, paradoxalmente, preparar para a liberdade mediante um sistema de cativeiro (MUAKAD, 1998, p. 21).

terrível condenação: o desemprego. Pior que tudo, são atinados a uma obrigatória marginalização. Legalmente, dentro dos padrões convencionais não podem viver ou sobreviver. A sociedade que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinseri-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeitaos (KARAM, 2010, p. 19).

Como se percebe, a LEP não atinge seu objetivo, pois mantém o indivíduo fora do convívio social, mas não lhe oferece condições de retorno a uma vida em sociedade. 4.2 O trabalho sob o aspecto da Lei de Execução Penal Tendo a LEP o objetivo maior de reinserir o ex-detento na sociedade, enfatizou em seu texto, a importância do trabalho para se atingir esse objetivo. O art. 28 da lei dispõe que “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”. Indiscutível que o trabalho seja um forte instrumento para que a LEP alcance seu objetivo. No entanto, apesar de ser um direito do preso, conforme disposto, também no art. 41 da lei, que incumbe ao Estado o dever de dar trabalho ao condenado, sabemos que não passa de mera ilusão, pois são poucos, os estabelecimentos prisionais que oferecem esse direito. O trabalho prisional é uma importante ferramenta na ressocialização do recluso, haja vista que evita a ociosidade, que acaba contribuindo para que o detento se aperfeiçoe ainda mais na “arte do crime”, contribui positivamente para a formação da personalidade e ainda propicia ao preso, adquirir recurso financeiro para o sustento da família. O trabalho no cárcere seria ainda uma oportunidade para o detento, adquirir conhecimento e assim, ter mais oportunidade fora da prisão. Além disso, de acordo com a LEP, o trabalho é forma de redução de pena: Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. § 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de: [...] II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho (BRASIL, 1984).

Nesse sentido, o egresso do sistema penitenciário, estará para sempre marcado pelo rótulo de ex-presidiário, o que, com certeza, contribui para o processo da sua reincidência criminal. 5.2 Oportunidades de trabalho para o ex-detento O Brasil é um país que apresenta alto índice de desemprego. Assim, se já é difícil para pessoas qualificadas se inserirem no mundo do trabalho, para o ex-presidiário, é quase uma tarefa impossível, não apenas pelo rótulo que carrega, mas também pela total falta de qualificação para o mercado de trabalho que se apresenta. Muitos estabelecimentos comerciais ainda fecham as portas ao egresso, numa demonstração de que a sociedade não perdoa o criminoso, o que o prejudica e a sua família. [...] o preso conhece a atitude de rejeição da sociedade, o que o torna inseguro, com medo de retornar à Vida livre, oprimido pelas dúvidas quanto à aceitação pela família, pelos amigos e quanto à possibilidade de conseguir trabalho (MUAKAD, 1998, p 44). Como se percebe, esta situação apenas comprova a violência da prisão, que priva o indivíduo, que nasceu para ser livre, de sua liberdade, mas não o prepara para ser novamente livre. 5.3 A reinserção social do ex-detento Como já foi dito, o “estrago” que o cárcere exerce sobre o encarcerado é tão forte, que o desprepara e impossibilita o seu convívio social. Para Bitencourt: A prisão, em vez de conter a delinquência tem lhe servido de estímulo, convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidades. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao contrário, possibilita toda a sorte de vícios e degradações. A literatura especializada é rica em exemplos dos efeitos criminógenos da prisão. Enfim, a maioria dos fatores que dominam a vida carcerária imprimem a esta um caráter criminógeno, de sorte que, em qualquer prisão clássica, as condições materiais e humanas podem exercer efeitos nefastos na personalidade dos reclusos. Mas apesar dessas condições altamente criminógenas das prisões clássicas, tem-se procurado, ao longo do tempo, atribuir ao condenado, exclusivamente, a culpa pela eventual reincidência, ignorando-se que é impossível alguém ingressar no sistema penitenciário e não sair de lá pior do que entrou (BITENCOURT, 2008, p. 107).

Estamos diante do instituto da remição, onde a cada três dias de trabalho, será descontado um dia da pena. Nesse sentido, o trabalho além de ser um incentivo para o preso, o qualificaria para o mercado de trabalho. Mas, a realidade brasileira passa longe das expectativas trazidas pela Lei de Execução Penal, pois os presídios brasileiros não oferecem trabalho aos detentos, e mesmo quando este, raramente é oferecido, é realizado em condições quase desumanas. 5 REINSERÇÃO SOCIAL 5.1 A estigmatização do ex-detento A estigmatizaçao é um fator presente na vida daquele indivíduo que passou pelo sistema penitenciário. De certa forma torna-se sua segunda sentença, pois se transfere para além dos muros da prisão, limitando suas oportunidades e possibilidades de se inserir novamente no seio da sociedade. Segundo Karam:

A prisão que deveria promover a reeducação do preso e possibilitar o seu retorno ao convívio social, funciona na contramão, a partir do momento em que o preso se adapta ao sistema prisional, automaticamente se afasta cada vez mais da vida em liberdade.

Positivamente, jamais se viu alguém sair de um cárcere melhor do que quando entrou. E o estigma da prisão? Quem dá trabalho ao indivíduo que cumpriu pena por crime considerado grave? Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra

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A ressocialização é trabalho que deve ser realizado em conjunto pelo sistema penitenciário aliado à colaboração da sociedade, que precisa reconhecer que o condenado pertence à coletividade e deve a ela voltar, como seu membro, para levar uma vida útil (MUAKAD, 1998, p. 43). Para que fosse possível a reintegração social do ex-detento, se-

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ria necessária a reeducação e conscientização de toda a sociedade, a mesma que o rotula e exclui, mas que deveria entender que o indivíduo excluído já pagou pelo crime cometido, cumprindo sua pena de prisão. 5.4 A reincidência criminal Segundo Bittencourt, a reincidência se encontra em índices alarmantes, e tal fato vem sendo atribuído ao fracasso da pena privativa de liberdade, devido à presunção do seu caráter ressocializador. Embora os índices estatísticos dos países latino americanos não sejam confiáveis, resta claro que a delinquência na América Latina não diminuiu, comprovando a ineficácia da pena privativa de liberdade. [...] o sistema penitenciário tradicional não consegue reabilitar ninguém, ao contrário, constitui uma realidade violenta e opressiva e serve apenas para reforçar os valores negativos do condenado. A prisão exerce, não se pode negar, forte influência no fracasso do tratamento do recluso. É impossível pretender recuperar alguém para a vida em liberdade em condições de não liberdade. Com efeito, os resultados obtidos com a aplicação da pena privativa de liberdade são, sob todos os aspectos, desalentadores (BITENCOURT, 2008, p. 107). Nesse sentido a prisão tem servido de estímulo á delinquência, na medida em que não produz nada positivo no apenado, mas apenas contribui com a sua degradação, por meio do vício e da violência. No entanto, segundo Bitencourt, não se pode atribuir exclusivamente à pena privativa de liberdade, a culpa pelos altos índices de reincidência delitiva: O índice de reincidência é um indicador insuficiente, visto que a recaída do delinquente produz-se não só pelo fato de a prisão ter fracassado, mas também por contar com a contribuição de outros fatores pessoais e sociais. Na verdade, o condenado encarcerado é o menos culpado pela recaída na prática criminosa. Por derradeiro, a despeito de tudo, os altos índices de reincidência também não podem levar à conclusão radical de que o sistema penal fracassou totalmente, a ponto de tornar-se necessária a extinção da prisão (BITENCOURT, 2008, p. 108). O agravante da situação que se apresenta, é que a reincidência criminal, vem sendo usada como justificativa para determinar regime de cumprimento da pena, negação de benefícios penitenciários, mudança de regime, etc., sem se considerar os efeitos criminógenos da prisão. 5.5 Sugestões para promover a reinserção social do ex-detento De acordo com Bitencourt, não existem fórmulas para se promover a ressocialização do ex-detento. O que se deve priorizar é a prevenção do delito, estudando suas causas, buscando evitar a reincidência. Para o autor a ressocialização não é a única finalidade da pena, não sendo possível a pretensão de que seja a única responsável pela readaptação social do ex-detento: Não se pode atribuir às disciplinas penais a responsabilidade exclusiva de conseguir a completa ressocialização do delinquente, ignorando a existência de outros programas e meios de controle social de que o Estado e a sociedade devem dispor com objetivo ressocializador, como são a família, a escola, a igreja etc. A readaptação social abrange uma problemática que transcende os aspectos puramente penal e penitenciário (BITENCOURT, 2008, p. 124).

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Portanto para que a reinserção do ex-detento seja possível, é necessária a participação efetiva da sociedade. Não existem meios que acabem definitivamente com a criminalidade, mas existe um compromisso de toda a sociedade com o indivíduo delinquente, cabendo à mesma, a responsabilidade de promover o seu destino. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Não se tem dúvidas que o sistema penitenciário brasileiro deva ser transformado, o que não significa que a pena de prisão deva ser abolida, conforme propõe a criminologia crítica. A prisão nem sempre se mostra como a melhor solução na recuperação do criminoso, isto porque os presídios não oferecem as condições adequadas para receber o detento, que quase sempre tem seus direitos humanos violados por meio de discriminações e violência, contrariando a nossa Carta Magna, que em seu texto, assegura ao indivíduo preso “o respeito à integridade física e moral”. Claro está que a pena de prisão não cumpre o papel de recuperar delinquentes, conforme propõe a Lei de Execução Penal brasileira. No entanto é um método de controle social importante, para evitar o aumento da criminalidade. Assim, as formas de execução da pena de prisão podem ser estudadas e até reformadas, mas esta não pode ser suprimida. A total falta de estrutura do sistema penitenciário impede que o condenado tenha pelo menos uma chance de retornar ao convívio social, o que faz da pena privativa de liberdade mera punição, pois submeter o condenado às condições desumanas presentes nos presídios, não nos parece ser a melhor forma de regenerá-lo. Como se verifica a pena de prisão não consegue alcançar o objetivo, para o qual foi criada, qual seja, o de preparar o detento para novamente conviver em sociedade. Isto porque preparar um indivíduo que vive em cativeiro, em condições desumanas para ser livre, é quase uma tarefa impossível. Diante do exposto, faz-se necessário a criação de métodos adequados a serem aplicados nos presídios, possibilitando que o criminoso pague por seus delitos, e que não sejam apenas submetidos ao enclausuramento e aos maus tratos, como acontece atualmente. A própria Lei de Execução Penal brasileira define os métodos de tratamento do preso, traçando medidas necessárias a proporcionar condições adequadas para que o condenado possa retornar recuperado à sociedade. Sendo assim, precisamos apenas, que os presídios sejam estruturados de forma a atender as determinações contidas na legislação. Diante de todas as questões levantadas neste trabalho, concluímos que a pena de prisão, por si só, não transforma o indivíduo, não modifica seu comportamento agressivo. Pois se assim o fosse, não haveria aumento nos índices de reincidência da criminalidade. Concluímos ainda, que sem a participação efetiva do Estado, no sentido de criar mecanismos que possibilitem o retorno do ex-detento ao convívio social, assumindo o seu dever de propiciar um tratamento digno ao apenado, e também, não menos importante, enquanto não houver conscientização da sociedade, de que esse ex-detento é sua responsabilidade e necessita de oportunidade para retomar sua vida e provar o seu valor, não estaremos vivendo um Estado Democrático de Direito.

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REFERÊNCIAS ALVIM, Rui Carlos Machado. O trabalho penitenciário e os direitos sociais. São Paulo: Atlas, 1991. ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL. Começar de novo. Disponível em: http://www.tjmg.jus.br/portal/acoes-e-programas/novos-rumos/comecar-de-novo/. Acesso em: 06 jun. 2016. BITENCOURT, Roberto Cezar. Tratado de direito penal. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1998. BRASIL. Lei n. 7.210 de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasil. Brasília, DF: Senado, 1984. COSTA, Alexandre Marino. O trabalho prisional e a reintegração social do detento. Florianópolis: Insular, 1999. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 37. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. GOMES, Isabela Monteiro. Trabalho do preso: premissas para o reconhecimento dos direitos trabalhistas e da relação de emprego. In: Revista Eletrônica de direito do Centro Universitário Newton Paiva. ed. 18 (2012), disponível em http://npa.newtonpaiva.br/direito/, acesso em 07 jun 2016. KARAM, Maria Lúcia. A violenta, danosa e dolorosa realização do poder punitivo: considerações sobre a pena. In: Mattos, Virgilio de (Org.). Desconstrução das Práticas Punitivas. Belo Horizonte: CRESS-MG, 2010. MIRABETE, Júlio Fabrini. Execução Penal. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2002. MUAKAD, Irene Batista. Prisão Albergue. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1998. REVISTA Eletrônica de Direito. Normas de Publicação. Revista eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva - ISSN 1678-8729, disponível em http://npa.newtonpaiva.br/direito/?page_id=17, acesso em 21 jun. 2016.

Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Laura Maria dos Fernandes Lima (Examinadora)

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A JUSTA CAUSA COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO PENAL Jéssica Mello Araújo1

RESUMO: O presente artigo científico versa sobre a Justa causa como quarta condição da Ação Penal. Para se desenvolver com propriedade o tema da justa causa, foi estudado primeiramente as condições da Ação na Teoria Geral do processo, abordando desde o seu conceito até o entendimento das correntes acerca do tema. Em seguida foi visto a utilização dessas condições apenas no processo penal. Por tratar-se de tema ainda não pacificado pela doutrina, discorreu-se também acerca dos entendimentos doutrinários diversos, sobre o conceito e enquadramento do instituto. Foi realizado um fracionamento da justa causa, sendo tratada como interesse de agir (fumus bonni iuris), prova da existência de hipótese delitiva e prova/indícios de sua autoria, uma questão de mérito, quarta condição da ação, condição de procedibilidade, síntese das condições da ação, possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir ou ambos. Por fim, em tópico próprio foi abordado o posicionamento que é defendido no presente trabalho, A Justa Causa como Quarta Condição da Ação Penal, seu conceito e Classificação assim como a peculiaridade da Justa causa duplicada, encerrando com entendimentos jurisprudências no mesmo sentido. Palavras-chave: Ação Penal. Condições da ação. Justa Causa. Lastro probatório.

1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem como base o Processo Penal e abordará o tema da Justa Causa como condição para o regular exercício da ação Penal, demonstrando tratar-se de uma quarta condição para o regular exercício do direito de ação no Processo Penal. Estabelece o artigo 395 do Código de Processo Penal, em seus incisos II e III, que haverá rejeição da denúncia ou da queixa quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, ou quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. Embora o dispositivo fale das condições para o exercício da ação penal e da Justa Causa, observa-se que o legislador não especifica em que consistem tais condições, nem dá o conceito e enquadramento da justa causa sob o aspecto processual penal, deixando tais definições para a doutrina e jurisprudência. Diante do estudo da Teoria Geral do Processo, com princípios e métodos processuais comuns entre Processo Civil e Processo Penal (conceitos unificados), sendo as condições para o regular exercício da ação estabelecidas através desta teoria geral. Por tratar-se de uma teoria geral, as condições ali descritas podem, desde que com a devida adequação, serem utilizadas por qualquer direito processual. Assim, no Processo Penal, as condições para o regular exercício da ação apresentam denominação e até conceituação idêntica às condições da ação estabelecidas no Processo Civil. É importante lembrar que o Direito Penal e Processual Penal possui peculiaridades, especificidades que não podem ser ignoradas. Desta forma, a utilização dessas condições deve ser interpretada, analisada e aplicada de acordo com suas peculiaridades e especificidades. Além do que, às condições estabelecidas pela teoria geral, acrescenta-se uma quarta, a Justa Causa, para também atender às especificidades que exige o processo penal. Deste mesmo modo dispõe Afrânio Silva Jardim, (JARDIM, 2011) principalmente com relação à justa causa, quando alega que no processo penal, as condições para o regular exercício do direito de ação não exibem definições diversas daquelas estabelecidas no processo civil, somente acrescenta-se a justa causa como uma quarta condição genérica da ação penal.

Há outros autores, como Guilherme de Souza Nucci, que também sustentam serem as condições genéricas da ação penal, aquelas mesmas estabelecidas no processo civil (possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade da parte), observadas as peculiaridades do processo penal e do direito penal e analisadas, as condições, sob a ótica processual penal, divergindo apenas no tocante à justa causa. Além da divergência na doutrina com relação às condições da ação no processo penal, também há diversas correntes doutrinárias relacionadas ao conceito e enquadramento da justa causa no Processo Penal. Assim, este artigo irá conceituar e enquadrar a justa causa no Processo Penal, trazendo, comparando e analisando os principais argumentos das diversas doutrinas referentes a justa causa, para, por fim, expor o posicionamento adotado, da Justa Causa como a quarta condição para o regular exercício da Ação Penal. A justa causa é essencial e analisada diariamente nos processos criminais, apesar de não possuir uma definição e enquadramento preciso e harmônico na doutrina. Quanto ao conceito e a relevância deste instituto, primeiro é preciso ressaltar que, conforme o artigo 93, IX da Constituição da República de 1988, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.”. Desta forma, em regra, todas as decisões judiciais precisam ser fundamentadas pelo magistrado que as proferem. No processo penal, tal fundamentação deve estar relacionada a provas ou indícios presentes no processo, em peças de informação ou no inquérito policial, tendo em vista que não se admite fundamentação genérica. No processo penal, é especialmente relevante a exigência da motivação para as decisões, já que estão em jogo preceitos fundamentais, como a liberdade do investigado ou acusado da prática de uma infração penal. Os atos jurisdicionais, principalmente no panorama processual penal, impõem alta carga de constrangimento ao indivíduo, devendo, portanto, apresentar uma causa em conformidade com o direito, que justifique a medida ou decisão tomada. Pode-se afirmar que a justa causa é o justo motivo para o início da ação penal e não significa a antecipação de condenação. Apesar dos diferentes posicionamentos doutrinários sobre o termo “justa

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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causa”, há sempre elemento comum presente, qual seja, a ideia de um lastro probatório mínimo relacionado a materialidade e autoria, necessário à propositura da denúncia ou da queixa. Desta forma, a justa causa é “um lastro mínimo de prova que deve fornecer arrimo à acusação”, já que a simples instauração do processo penal já atinge a dignidade e constrange o imputado. 2 A TEORIA GERAL DO PROCESSO E AS CONDIÇÕES DA AÇÃO Ação Penal é o direito público subjetivo, autônomo e abstrato, que tem o titular do direito de pedir ao Estado, por meio da atividade jurisdicional, a aplicação do direito material penal ao caso concreto. (TÁVORA, 2013). Nos termos da Constituição Federal no art. 50, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Logo, é pela ação penal que os interessados provocarão a jurisdição com a finalidade de obter o provimento jurisdicional adequado à solução do litígio. Aqui não cabe a discussão acerca da compatibilidade, ou não, entre a Teoria Geral do Processo aplicada ao Processo Penal, acompanha-se aqui o entendimento dos eminentes doutrinadores, Afrânio Silva Jardim, Nestor Távora, dentre outros que aplicam ao processo penal as condições da ação transportadas do Processo Civil com as adequações pertinentes que o tipo processual requer. A doutrina mais expressiva, a exemplo, (JARDIM, 2011), considera que as condições para o exercício do Direito de Ação para o processo penal são as mesmas do processo civil, em razão da Teoria Geral do Processo. Apenas inclui a justa causa como uma quarta condição da Ação Penal. Assim, entende que para o regular exercício do direito de ação penal, devem estar presentes todas as condições da ação, quais sejam: Legitimidades das partes, interesse de agir, possibilidade jurídica do pedido e justa causa. Ausente uma dessas condições a peça acusatória deverá ser rejeitada de plano, caso contrário tem-se abuso de direito. (CPP, art. 395, incs. II e III) Ação Penal é um procedimento judicial deflagrado por seu titular – Ministério Público ou a vítima – quando da existência de indícios de autoria e materialidade, com a finalidade de obter do juiz uma decisão de procedência da pretensão punitiva estatal e, assim, o autor da infração venha a ser condenado ao final. No decorrer do processo penal serão assegurados ao acusado o pleno direito de defesa, assim como, garantias constitucionais relativas à ampla defesa e ao contraditório, julgamento por juiz competente, estrita observância legal dos procedimentos e por fim o direito ao duplo grau de jurisdição. A ação penal, tendo o Estado como detentor do direito de punir (jus puniend) confere a iniciativa da ação de acordo com tipo de crime praticado. Assim a ação poderá ser iniciada pela própria vítima, nas Ações Privadas, ou pelo Ministério Público quando a Ação Penal for pública. Para esta última, com fundamento no artigo 129, I, da Constituição Federal, teremos dois tipos: ação pública incondicionada, não requer nenhuma condição especial para oferecimento da denúncia, sendo a regra no processo penal de que sempre que a lei se omitir a ação será incondicionada, ainda nas ações públicas existe a possibilidade de haver ação condicionada, neste caso depende da prévia existência de uma condição especial, qual seja, representação da vítima ou requisição do Ministro da Justiça). Já a ação penal privada requer a iniciativa da vítima para sua propositura, por meio de uma queixa-crime. A ação penal privada subdivide-se em três tipos exclusiva, personalíssima e subsidiária da pública. O direito de ação tem natureza processual, não se confundindo com o direito material devendo, segundo melhor doutrina ser tratado apenas no código de processo penal. Entretanto, o legislador no código pe-

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nal, artigo 100 também discorreu sobre a ação penal, regulamentando-a. Para (TÁVORA, 2013), as condições da ação para o processo penal são as mesmas do processo civil, em razão da Teoria Geral do Processo. Também aloca a justa causa como uma quarta condição da Ação Penal. Entende, Nestor Távora que faltando umas dessas condições a peça acusatória deverá a peça acusatória ser rejeitada de plano, caso contrário tem-se abuso de direito (CPP, art. 395, incs. II e III). Condições da ação são requisitos mínimos que devem estar presentes para que seja deflagrada a Ação Penal. O conceito de Condições da ação segundo (TÁVORA, 2011): “são requisitos necessários e condicionantes ao exercício regular do direito de ação. Assevera ainda que: “É certo que a deflagração da ação implica em sérias consequências ao réu, exigindo-se do demandante o preenchimento de certas condições, para que o pleito jurisdicional posse ser exercido de fora legítima: são as condições da ação desenvolvidas na obra de Enrico Tullio Liebman, e que são identificáveis à luz da relação jurídica material deduzida em juízo protegendo-se o poder judiciário dos excessos do Estado-acusação, ou da vítima, na condição de querelante, em verdadeiro abuso de direito, evitando-se a possibilidade do manejo de ações inviáveis, pois o simples exercícios da ação já implica em consequências ao demandado, já que o processo é oneroso, não apenas pelo desgaste da sujeição ao procedimento, como pelos custos diretos ou indiretos relacionados, pelo emprego de tempo, honorários, etc.” (TÁVORA, 2013, p. 161) Afrânio Silva jardim também discorrendo sobre as condições da ação penal assim leciona: “Para o regular exercício do direito de ação penal, exige-se a legitimidade das partes, o interesse de agir, a possibilidade jurídica do pedido e a justa causa (suporte probatório mínimo que deve lastrear toda e qualquer acusação penal)”.(JARDIM, 2011, p. Para o professor Afrânio (JARDIM, 2011) as condições da ação não interferem no direito subjetivo de agir, mas dão embasamento a este, sendo condições para seu regular exercício. São três as condições da ação que se apresentam no processo civil às quais se acrescenta no processo penal uma quarta, a justa causa, que será abordado em tópico próprio. 3 AS CONDIÇÕES DA AÇÃO NO PROCESSO CIVIL E NO PROCESSO PENAL Não há consenso na doutrina a respeito das condições da ação. Tanto no Direito Processual Civil, quanto no Processual Penal há divergência acerca das condições necessárias para a viabilidade da instauração do Processo. Há correntes que alocam as condições como sendo o próprio mérito da causa, outras que as colocam entre o mérito e os pressupostos antecedentes. (THEODORO JÚNIOR, 2011). Assim, o CPC adotou a teoria do trinômio, devendo o processo obedecer à sistemática pressupostos, condições da ação e mérito da causa. Entretanto, as condições da ação não se confundem com o mérito, uma vez que o juiz antes de julgar a causa, o mérito, deverá avaliar se a relação processual está regularmente instaurada. (THEODORO JÚNIOR, 2011). Partindo desse paradigma apresentam-se três as condições da ação para o Processo Civil, quais sejam, Possibilidade Jurídica do Pedido, Interesse de agir e legitimidade de parte. São as condições da ação requisitos a serem observados e preenchidos para que a ação se desenvolva validamente, possibilitando ao juiz decidir sobre o mérito, aplicando o direito objetivo a uma situação concreta. Não dissocia-se as condições da ação do que se pretende obter como resultado do processo, faltando qualquer uma das condições, o Juiz impede o seguimento, ocorrendo então carên-

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cia do direito de ação. O direito de ação é um direito fundamental disposto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, pode-se ajuizar a ação, não há impedimento ao direito de ação, o prosseguimento do processo é que depende do preenchimento dos requisitos apontados acima. Cumpre destacar, como bem explica (JARDIM, 2011), que essas condições da ação “não são condições para a existência do direito de agir, mas condições para o seu regular exercício,” ao regular nascimento do processo. Como lembra, o direito de ação é abstrato, por isso existirá sempre. Não estando preenchidas estas condições mínimas e genéricas teríamos o abuso desse direito trazido ao plano processual. Antes de passar à exposição de cada uma das condições da ação, Imperioso destacar que grande parte da Doutrina, adota para o processo penal as mesmas condições da ação do processo civil, fazendo apenas algumas modificações e adaptações para o pertinente uso quando da ação penal, acrescenta-se ainda uma quarta condição, a justa causa, que conforme (JARDIM, 2011) seria um “suporte probatório mínimo que deve lastrear toda e qualquer acusação penal, entendimento esse defendido no presente trabalho. 3.1 Possibilidade Jurídica do Pedido O preenchimento desta condição depende de o pedido encontrar respaldo no ordenamento jurídico, a providência que se busca deve ser admitida em abstrato pelo direito. Não é possível a instauração do processo penal quando se apresenta inviável o atendimento da pretensão, seja porque a ordem jurídica a proíba expressamente, ou porque é proibida a manifestação do judiciário sobre a questão. No processo civil, o exemplo mais utilizado por ser claro e didático é sobre a impossibilidade de dívida de jogo ser cobrada judicialmente, caso em que a petição inicial será declarada inepta de plano. Há previsão no Código Civil, artigo 814, que estabelece que as dívidas de jogo não obrigam ao pagamento. Difere o Código de Processo Penal do Código Civil no tocante a conceituação positiva dada ao instituto pelo CPP que traz previsão expressa do pedido condenatório no ordenamento jurídico. Tem como objetivo, como leciona (JARDIM, 2011), evitar a instauração de Processos Penais levianos e temerários, devendo o magistrado analisar se a imputação formulada na peça acusatória conduz a alguma providencia regulamentada pelo direito objetivo. Essa condição, em tese possibilita ao juiz pronunciar a decisão pleiteada pelo autor, consoante o que dispõe a ordem jurídica de forma abstrata. Nestor Távora assim resume a Possibilidade do Pedido: Exige-se que providencia requerida pelo demandante seja admitida pelo direito objetivo. Assim, pedido possível é aquele, em tese, com respaldo legal. De pronto, se fato narrado na inicial evidentemente não constituir infração penal, incompatibilizando-se com uma aferição da própria tipicidade, não será possível instaurar a ação penal, devendo a inicial acusatória ser rejeitada. Assim, segundo anota a doutrina, existem situações em que o pedido é considerado juridicamente impossível, e que em razão disso leva à rejeição da denúncia ou da queixa, e caso sejam recebidas poderão ser trancadas via Habeas Corpus. A exemplo temos o pedido de sanção não prevista no ordenamento jurídico brasileiro, pedido de condenação baseado em fato atípico, ou seja não descrito na lei como sendo uma infração penal, e por último quando no pedido formulado há fato impeditivo do exercício da ação ou falta-lhe alguma condição especial. A possibilidade jurídica do pedido foi trazida para o Processo Penal como umas das condições para sua condução, entretanto, observa-se que se houver na peça acusatória uma pena vedada pelo or-

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denamento jurídico, como o requerimento de uma pena capital, esse vício não dará ensejo à rejeição da peça acusatória, pois em se tratando de processo penal, vige a regra de que os fatos acusados é que serão valorados, independentemente da classificação que lhe foi atribuída. Basta, então, que na denúncia conste requerimento de condenação por crime contra a vida, por exemplo, para que o juiz esteja autorizado a pronunciar o acusado. Estando, então configurado a possibilidade jurídica do pedido. 3.2 Legitimidade para agir Define-se legitimidade para agir ou legitimatio ad causam como o requisito que permite ao autor propor uma demanda judicial como sujeito ativo enquanto a outro, demandado, o de ocupar o polo passivo. Em resumo é a pertinência subjetiva da ação. No processo penal, no caso de ser a ação penal pública, por força do art. 129, inc. I, da Constituição Federal, o titular da ação penal será o Ministério Público; quando o caso for de ação penal de iniciativa privada, será legitimado a agir o ofendido, ou seu representante legal. Em decorrência disso, faz-se necessário o conhecimento da classificação dos delitos para se definir o tipo de ação, se é o caso de ação penal pública, ou de ação penal de iniciativa privada. A ilegitimidade conduz à rejeição da peça acusatória, ou à nulidade absoluta do processo, em caso de processo já instaurado, ressalvado caso de inércia do Ministério Público, hipótese em que a própria Constituição Federal ressalva o cabimento da ação penal privada subsidiária da pública. Ressalta-se, que há possibilidade de enquadramento da Pessoa Jurídica no polo passivo da ação penal no tocante aos crimes ambientais. Vige a regra da dupla imputação, ou seja a ação deve ser manejada contra a pessoa jurídica e contra a pessoa física responsável pela administração da primeira. A legitimidade para agir não se confunde com a capacidade de exercer direitos e cumprir deveres referentes ao processo, essa capacidade trata-se de pressuposto de validade. Também não se confunde a legitimidade ad causam com a capacidade de ser parte, que deriva da personalidade. 3.3 Interesse de Agir O interesse de agir deve ser interpretado a partir do desdobramento do trinômio necessidade, utilidade e adequação à causa. Segundo Nestor Távora Interesse de agir materializa-se no trinômio necessidade, adequação e utilidade. Deve haver necessidade para bater às portas do judiciário no intuito de solver a demanda, através do meio adequado, e este provimento deve ter o condão de trazer algo de relevo, útil ao autor. Pode-se dizer que o interesse de agir desdobra-se em interesse -adequação, interesse-utilidade, Interesse-necessidade, esse último na esfera penal é presumido, uma vez que não se pode fazer justiça por meios próprios; já o Interesse-utilidade refere-se à possibilidade do exercício do jus puniendi, como exemplo da ausência dessa modalidade de interesse de agir podemos citar o pedido de arquivamento por parte do Ministério Público quando houver possibilidade de aplicação da prescrição virtual, antecipada ou em perspectiva. Por fim, interesse-adequação refere-se ao meio processual escolhido com pertinência ao caso, como exemplo cita-se a utilização de Mandado de Segurança para trancamento de Inquérito Policial em vez de Habeas Corpus, pois a liberdade de locomoção não foi colocada em risco. (TAVORA, 2013, p. 157). A quarta condição para o regular exercício da ação penal é a Justa Causa que será abordada em tópico próprio.

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4 CORRENTES DOUTRINÁRIAS DIVERSAS SOBRE A JUSTA CAUSA Devido ao fato de a doutrina divergir acerca do enquadramento da justa causa, faz-se mister discorrer sobre os posicionamentos divergentes do que foi adotado no presente trabalho. 4.1 Justa Causa como Síntese das Condições da Ação Esse é o posicionamento dos doutrinadores Guilherme de Souza Nucci e Maria Thereza Rocha de Assis Moura que entendem que a justa causa não é uma condição separada das demais, mas sim sintetiza todas elas. De acordo com esse entendimento a justa causa não existe sozinha, não tem um conceito próprio de justa causa que esteja dissociado das demais condições. É, senão, um termo definido a partir da ausência de uma das condições da ação. Nesse mesmo sentido SOUZA explica que a expressão falta de justa causa vem se apresentando como uma terminologia capaz de indicar situações que comprometem a viabilidade da Ação Penal, seja pela falta de condição de procedibilidade seja pela ausência de uma das condições da ação, funcionando como determinante para a rejeição da denúncia ou queixa. “Mero rótulo que não transforma a justa causa numa condição específica da ação ou de procedibilidade.” (SOUZA,1995) 4.2 Justa causa como interesse de agir Outra acepção possível da justa causa aponta essa não como mais uma condição, mas a localiza dentro do interesse de agir como sendo fumus bonni iuris, uma vez que “é preciso que haja a ‘fumaça do bom direito,’ para que a ação penal tenha condições de viabilidade.” (MARQUES, José Frederico. Estudos de direito processual penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 147.) Os defensores dessa corrente chamam de fumaça do bom direito o que JARDIM, 2011 chama de lastro mínimo probatório, entretanto aqui está dentro da condição da ação, interesse de agir e não deslocada como uma quarta condição. Para Frederico Marques justa causa é um “meio termo. [...] é aquele fumus bonni juris a que aludimos, para assim verificar se o Estado tem legítimo interesse na propositura da ação penal. Se não houver, a denúncia será inepta por faltar uma das condições (o interesse de agir) e não por faltar-lhe justa causa. Em sendo assim, a causa de pedir está embasada nesse interesse, se ausente faltará justa causa e a ação não poderá ter seguimento. Esse posicionamento de Frederico Marques é defendido na doutrina moderna por Tourinho Filho. A justa causa estaria ligada ao interesse de agir, pois “o ‘interesse legítimo’ ou ‘interesse de agir’ reside na idoneidade do pedido. Quando da propositura da ação, seu titular deve trazer elementos capazes de formar o convencimento do magistrado, não havendo indícios suficientes da conduta típica e de que o acusado de fato tenha sido o autor, o pedido de tutela jurisdicional será inadequado, incapaz de provocar a jurisdição então, faltará justa causa ou interesse de agir. 4.3 Justa Causa como Prova da Existência de Hipótese Delitiva e Prova de Indícios de Autoria Aqui o conceito de justa causa é formulado a partir de dois pilares distintos: a) na prova da existência de uma hipótese delitiva; e b) na prova ou, pelo menos, em indícios idôneos de sua autoria. Para CORREA,1997 os indícios idôneos ou suficientes estão para a autoria, pois para o fato é necessário prova e não indício. Para o aludido autor, a Justa causa, como condição primeira para o exercí-

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cio da ação penal, consiste na prova induvidosa da existência de uma hipótese delitiva e, pelo menos, em indícios idôneos de sua autoria. A justa causa [...] consiste na obrigatoriedade de que exista, no momento do ajuizamento da ação, prova acerca da materialidade delitiva e, ao menos, indícios de autoria, de modo a existir fundada suspeita acerca da prática de um fato de natureza penal. Em outros termos, é preciso que haja provas acerca da possível existência de uma infração penal e indicações razoáveis do sujeito que tenha sido o autor desse delito. (CORRÊA, 1997. p. 266-280. 4.4 Justa causa como mérito Posicionamento contrário ao apresentado anteriormente no que toca à justa causa como fumus bonni juris, Ada Pellegrini Grinover entende que se trata de uma questão de mérito, referente a procedência ou viabilidade do pedido. Em síntese, entende a autora que a justa causa não pertence ao âmbito das condições da ação por ser inerente a toda acusação, e ao próprio direito de ação. O “fumus boni iuris” diz respeito à improcedência, não à inadmissibilidade do pedido, sendo elemento pertencente ao direito material e não ao direito de ação, é então matéria de mérito, e não condição de ação. (GINOVER, 1977). 4.5 Justa causa como possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir Por fim, passamos a analisar a acepção da justa causa que a enquadra como possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir ao mesmo tempo. Aqui, a justa causa não seria uma nova condição da ação, mas uma união, aglutinação de duas condições para formar um novo tipo jurídico unindo duas condições preexistentes: a possibilidade jurídica do pedido e o interesse de agir. (SILVA, p. 403-405, 1990) 5 A JUSTA CAUSA NO PROCESSO PENAL Em linhas gerais, Justa causa refere-se à presença de um lastro probatório mínimo, isto é, prova do crime e ao menos indícios de autoria. Busca-se com a exigência do preenchimento da condição, justa causa, proteger a viabilidade, seriedade, que deve revestir todos os processos. Caso uma ação penal (pública ou privada) venha a ser intentada sem nenhuma prova a respeito da existência do fato ou sobre a autoria, impõe-se sua rejeição liminar. Assim, deve haver lastro mínimo probatório para instauração do processo. Até porque como já mencionado anteriormente as decisões devem ser fundamentadas e baseadas em provas produzidas também no curso do processo, uma vez que há possibilidade de o juiz requisitar de ofício diligencias e produção de provas de ofício. A reforma do Código de Processo Penal, em 2008, modificou o artigo 156, que agora prevê a possibilidade de o juiz de oficio determinar, no curso da instrução ou, antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante e mais, até mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes. Dessa forma, atuando o juiz de forma inquisitória no processo. (BONTEMPO, Henrique Oliveira, LJ 0116 – A INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ NO PROCESSO PENAL, Letras Jurídicas, Belo Horizonte, Maio de 2014, número 1, Disponível em: http://npa. newtonpaiva.br/letrasjuridicas/?p=104, acessado em: 06 de junho de 2016). 5.1 Origem e Definição de Justa Causa Primeiramente, a justa causa era definida como a necessidade

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de que a denúncia ou queixa, no Processo Penal, descrevesse, em questão, um fato típico, ou seja, que havia necessidade da tipicidade abstrata da conduta imputada ao denunciado. Desta forma e em acordo com o revogado artigo 43, caput, inciso I e III do Código de Processo Penal, no regime originário do Código de Processo Penal, local em que se encontravam as hipóteses de rejeição da denúncia por carência da ação, a falta de justa causa se enquadrava ao artigo quando o fato narrado, de forma clara não constituísse crime, sendo assim, a denúncia ou queixa deveria ser rejeitada. Muito embora o atual Código de Processo Penal tenha silenciado durante muitos anos acerca da justa causa, essa condição já aparecia em outros dispositivos legais, na Lei de Imprensa por exemplo, já revogada, trazia previsão expressa em seu artigo 44, § 1º -, a denúncia ou queixa deveria ser rejeitada quando não houvesse justa causa para a ação penal. Outrossim, a também revogada lei de Drogas determinava que a peça acusatória deveria ser rejeitada caso não houvesse justa causa. Essa é a origem da justa causa no ordenamento jurídico brasileiro, apenas em 2008 com a reforma processual foi que a Justa causa passou a constar expressamente do texto do CPP. Assim De acordo com o art. 395,’inciso.III, do CPP, com redação determinada pela Lei nº 11. 719/2008, a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. 6 JUSTA CAUSA COMO QUARTA CONDIÇÃO DA AÇÃO PENAL Dos variados posicionamentos acerca da justa causa, destaca-se o de maior expoente dessa teoria, Afrânio Silva Jardim, (2011) adotado no presente trabalho, para quem a justa causa seria uma quarta condição da ação penal, uma condição autônoma - independente das demais. No mesmo sentido Mirabete (2006, 18 ed., p.91) “Parece-nos mais aceitável a posição de Afrânio Silva Jardim, que afirma existir na ação penal uma quarta condição da ação.” A previsão expressa da justa causa no inciso III, do artigo 395, não tem o condão de dissociá-la das demais condições da Ação, nem afasta sua natureza jurídica de condição para o exercício do direto de ação penal. Nas palavras do professor Renato Brasileiro Na verdade, mais do que mera repetição, a previsão legal no inc. III do art. 395 do CPP teve como objetivo reforçar a importância da justa causa como condição da ação processual penal, sepultandose, de uma vez por todas, qualquer discussão sobre a necessidade de o juiz analisar, quando do recebimento da acusação, se há (ou não) lastro probatório. Comungamos, pois, do entendimento majoritário segundo o qual a justa causa funciona como verdadeira condição para o regular exercício da ação penal condenatória. Nessa linha, como destaca Afrânio Silva Jardim, torna-se necessário ao regular exercício da ação penal a demonstração, prima facie, de que a acusação não é temerária ou leviana, por isso que lastreada em um mínimo de prova. Este suporte probatório mínimo se relaciona com os indícios da autoria, existência material de uma conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo este conjunto probatório é que, a nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública” (LIMA, 2011, p. 254). Justa causa é a existência de um conjunto probatório mínimo capaz de lastrear a peça acusatória, é a existência de fundamentos de direito e de fato para que alguém sofra uma persecução penal. É preciso que haja provas acerca da possível existência de uma infração

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penal e indicações razoáveis daquele que tenha sido o autor desse delito. Importante ressaltar que a ausência de justa causa para a ação penal constitui ilegalidade e enseja impetração de habeas corpus nos termos do art. 648, I, do CPP. Quando se fala em processo penal, sua simples instauração já é capaz de atingir a dignidade do acusado, tanto socialmente quanto em relação ao seu âmbito privado, ao conceito que o próprio indivíduo tem de si. Segundo o STF, a palavra da vítima não é suficiente para instauração do Processo Penal. Habeas corpus: falta de justa causa: inteligência. 1. A previsão legal de cabimento de habeas corpus quando não houver “justa causa” para a coação alcança tanto a instauração de processo penal, quanto, com maior razão, a condenação, sob pena de contrariar a Constituição. 2. Padece de falta de justa causa a condenação que se funde exclusivamente em elementos informativos do inquérito policial. II. Garantia do contraditório: inteligência. Ofende a garantia constitucional do contraditório fundar-se a condenação exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido obtidos mediante coação. (RE 287658 / MG - MINAS GERAIS) Para Nestor Távora, (2013, p.160) a ação só pode ser validamente exercida se a parte autora lastrear a inicial com um mínimo probatório que indique os indícios de autoria, da materialidade delitiva, e da constatação da ocorrência de infração penal em tese (art. 395, III, CPP). É o fumus commissi delicti (fumaça da prática do delito) para o exercício da ação penal. Como a instauração do processo já atenta contra o status dignitatis do demandado, não se pode permitir que a ação seja uma aventura irresponsável, lançando-se no polo passivo, sem nenhum critério, qualquer pessoa Logo, a exigência da justa causa para a instauração do processo penal visa coibir a instauração de processos temerários e levianos, devendo para tanto, que a instauração seja alicerçada em elementos informativos sólidos. A justa causa aparece como quarta condição da ação, ao lado do Interesse de agir, Legitimidade para agir, Possibilidade jurídica do pedido, oriundas do Processo Civil, muito embora não seja pacífico esse entendimento doutrinário. Afrânio Silva Jardim em sua obra clássica, discorre sobre a justa causa quando está conceituando e alocando o princípio da obrigatoriedade dentro da Ação Penal. Na lição de Afrânio Silva Jardim: Às três condições da ação que classicamente se apresentam no processo civil, acrescentamos uma quarta: a justa causa, ou seja, um lastro mínimo de prova que deve fornecer arrimo à acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado. Tal arrimo de prova nos é fornecido pelo inquérito policial ou pela peças de informação, que devem acompanhar a acusação penal. ( arts. 12. 39, §5º, e 46, § 1º, do Código de Processo Penal. Via de regra, lastro probatório mínimo exigido é produzido no inquérito policial, o que não impede que o titular da ação possa por outros meios produzir provas com o fito de alcançar o conjunto probatório mínimo que autorize a instauração da Ação Penal. Para que a ação penal possa ser deflagrada há necessidade que primeiro o fato seja considerado criminoso, constatado através de elementos informativos, provas da materialidade e de indícios de autoria ou participação em conduta típica, ilícita e culpável. Para Afrânio Silva Jardim não bastam os indícios de autoria e materialidade para a instauração do processo, assim leciona: Não nos parece correta a afirmativa de que para a sua admissi-

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bilidade basta que a denúncia esteja lastreada em prova de autoria e materialidade. Se examinarmos tais elementos ao nível da dogmática penal, vamos constatar que autoria e materialidade não chegam sequer a configurar um juízo de tipicidade, à medida que as normas penais incriminadoras tem outros elementos essenciais, quer subjetivos, descritivos ou normativos. (JARDIM, 2011, P. 40). Além disso, cabe ressaltar que não basta que na denúncia haja imputação de uma conduta criminosa revestida de tipicidade, ilicitude e culpabilidade, trata-se esse aspecto de moldagem formal, apenas. A justa causa como condição da ação não pretende esgotar todos os meios de prova já na instauração do processo, busca apenas resguardar o acusado de um possível processo temerário. Requer, então a justa causa um mínimo de prova para que seja deflagrada a Ação penal. Se essa condição mínima for preenchida, no curso do processo, o réu terá garantido o direito ao contraditório. Com efeito, questionamentos acerca da qualidade da prova, se boa ou ruim não devem ser feitos quando do juízo de admissibilidade da ação penal. As provas produzidas na fase investigativa servem para viabilizar a ação. De outra forma pode-se dizer que essas provas prestam-se a convencer o juiz a respeito da instauração do processo e não sobre a culpabilidade ou inocência do réu. (JARDIM, 2011). Esse é o entendimento de Afrânio Silva Jardim Dentro desse entendimento, não pode o órgão do Ministério Público, deixar de promover a ação penal pública sustentando, por exemplo, a legítima defesa ou uma excludente de culpabilidade. Certo que, se toda prova constante do inquérito for nesse sentido, a ação não poderá ser proposta. (JARDIM, 2011, p.41). De acordo com esse entendimento, o representante do Ministério Público deve em vez de requerer o arquivamento baseado na excludente legal, afirmar não ter condições de imputar ao agente o crime previsto para o tipo. De outro modo, a inteligência da Súmula 524 do STF determina que arquivado o inquérito por falta de provas que justifiquem a ação penal, será reaberto somente se o autor da ação apresentar novas provas. Para Jardim, (2011), não trata-se de uma nova condição da ação, mas apenas um novo prisma da Justa Causa. 6.1 A Justa Causa Duplicada A justa causa, definida em tópico anterior é a quarta condição que deve ser preenchida para a instauração do processo penal. Definida como o lastro probatório mínimo estruturador da Ação Penal, que ao lado da possibilidade jurídica do pedido, legitimidade e interesse de agir autorizam a instauração de Processo Penal. Entretanto, quando se tratar de crime de lavagem de capitais, além das condições genéricas da Ação, exige-se que a justa causa seja duplicada, ou seja, deve haver um lastro probatório mínimo para cada crime, para o de lavagem de dinheiro e para o crime que gerou o capital a ser lavado. Segundo LIMA: Em se tratando de crimes de lavagem de capitais, porém, não basta demonstrar a presença de lastro probatório quanto à ocultação de bens, direitos ou valores, sendo indispensável que a denúncia também seja instruída com suporte probatório demonstrando que tais valores são provenientes, direta ou indiretamente, de um dos crimes antecedentes listados no art. 1º da Lei n” 9.613/1998 (v.g., tráfico de drogas, extorsão mediante sequestro, crimes contra o sistema financeiro nacional etc. (LIMA, 2011. p. 255). Cabe então ao Ministério Público, fornecer, quando da denúncia indícios suficientes da ocorrência de ambos os crimes, sob pena de LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

inépcia da peça acusatória. Pode ser considerado como indícios mínimos capazes de dar suporte à ação penal o fato do acusado apresentar rendimentos e padrão de vida incondizentes com os rendimentos declarados ao fisco, divergindo ainda das movimentações bancárias. (LIMA, 2011). Para essa modalidade criminosa não se faz necessário a indicação de autoria do crime antecedente, basta para a instauração do processo que haja a demonstração de indícios suficientes. Conclui-se que quando a autoria do crime antecedente for desconhecida ou ignorada, ainda assim a ação penal poderá ser ajuizada. Para Renato Brasileiro, (LIMA,2011), “a palavra “indício” usada na Lei de Lavagem representa uma prova dotada de eficácia persuasiva atenuada (prova semiplena), não sendo apta, por si só, a estabelecer a verdade de um fato”. Assim, no momento em que será realizado pelo juiz a admissibilidade da denúncia, esse analisará se as provas indicadas na peça acusatória estão revestidas do mínimo de probabilidade da ocorrência de crimes antecedentes ao de lavagem de capitais. Aqui nesta fase que antecede a instauração do processo não há necessidade de um juízo de certeza acerca dos crimes antecedentes, é suficiente como mencionado apenas a possibilidade de que os bens, direitos ou valores ocultados sejam produto de crimes anteriores. Segundo Rodolfo Tigre Maia, indícios suficientes serão aqueles que, independentemente de sua quantidade, quando sopesados à luz dos princípios gerais de apreciação da prova em sede criminal, da experiência jurídica e das especificidades da modalidade de ilícito a que se vinculam, produzem no julgador o convencimento racional, explicitado fundamentadamente, de que existe um elevado grau de probabilidade de que determinado crime tenha sido praticado. Assim, e.g., se o exame microscópico do numerário apreendido revela a presença de resíduos de cloridrato de cocaína nas notas em poder do acusado, há uma grande probabilidade de que estas tenham se originado do tráfico daquela substância (MAIA, apud LIMA, 2011 p. 256) Para que a peça acusatória não seja inepta ou ainda para que não se corra o risco de trancamento da ação penal via HC deve o crime antecedente ser descrito, ainda que resumidamente, constando indícios deste, o que pode ser incompatibilidade dos ganhos com o patrimônio do acusado, caso contrário deve o magistrado rejeitar a peça acusatória por inexistência de justa causa para a Ação Penal. 6.2 Jurisprudência – Justa causa como condição da Ação Há na jurisprudência, posicionamento favorável, reconhecendo a justa causa como quarta condição da ação penal. “Às três condições que classicamente se apresentam no processo civil, acrescentamos uma quarta: a justa causa, ou seja, um lastro mínimo de prova que deve fornecer arrimo à acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado. Tal arrimo de prova nos é fornecido pelo inquérito policial ou pelas peças de informação, que devem acompanhar a acusação penal (BRASIL, STJ, Apn 395/AM, Ação Penal, 2003/02135420, Rel. Min. Luiz Fux, CE- Corte Especial, Data do Julgamento 05/12/2007, Data da Publicação /Fonte DJe 06/03/2008).” Portanto, o Superior Tribunal de Justiça, já se pronunciou favoravelmente no tocante a justa causa como quarta condição para o exercício da ação penal.

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Também o STF reconhece a justa causa como quarta condição da ação. “I. Habeas corpus: falta de justa causa: inteligência. 1. A previsão legal de cabimento de habeas corpus quando não houver “justa causa” para a coação alcança tanto a instauração de processo penal, quanto, com maior razão, a condenação, sob pena de contrariar a Constituição. 2. Padece de falta de justa causa a condenação que se funde exclusivamente em elementos informativos do inquérito policial. II. Garantia do contraditório: inteligência. Ofende a garantia constitucional do contraditório fundar-se a condenação exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido obtidos mediante coação” (RE 287.658, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 3.10.2003 – grifos nossos) 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelo presente trabalho ficou demonstrado que a justa causa é uma condição da ação penal dissociada das demais oriundas do Processo Civil. A problemática sobre o tema justa causa em sede de processo penal é relevante para o exercício do direito de ação, seu enquadramento, pode no caso concreto favorecer ou prejudicar os envolvidos na demanda. Discorreu-se aqui desde a conceituação, uma vez que a norma processual apenas citou o termo sem destacar o real alcance do seu conceito, até seu enquadramento dentro da construção processual. A Teoria Geral do Processo apresenta três condições genéricas para que uma ação judicial seja exercida validamente, são elas: interesse de agir, legitimidade das partes ou legitimidade para agir, possibilidade jurídica do pedido. Existe divergência doutrinária acerca da utilização dessas condições no processo penal. Conclui-se, pelo estudo aqui realizado que essas são condições válidas para o processo penal, feitas as devidas adaptações, e mais a estas acrescenta-se uma quarta que é justa causa. A justa causa, é o lastro probatório mínimo para que o processo possa ser instaurado, representa uma proteção necessária para os indivíduos de modo geral, é a garantia de que um indivíduo não será processado por leviandade ou por vingança pessoal. É uma condição limitadora do poder de punir. Há na doutrina quem considere a Justa causa, como uma junção das demais condições, ou ainda que seria elemento intrínseco de uma ou outra condição. A conclusão que se chega a partir da pesquisa realizada é de que a Justa causa não só é uma quarta condição da ação, mas é ademais disso, uma condição especial, a que o legislador dispensou um inciso em separado das demais condições com objetivo de dar-lhe destaque. O que nos cumpre destacar, porém, é que sob esse prisma, resta claro que a atual disposição do art. 395 do CPP, de que deve-se rejeitar a denúncia ou queixa se faltar condição para o exercício da ação penal (inciso II) ou faltar justa causa para o exercício da ação penal (inciso III).” tem o objetivo único de se evitar o ajuizamento e seguimento de processos penais lesivos, levianos e desnecessários e não o de colocar a justa causa fora do enquadramento como uma das condições. Assim, faltando justa causa faltará uma das condições da ação penal, de modo que o processo não poderá seguir, devendo a peça acusatória ser rejeitada, Por fim do estudo realizado, é possível extrair-se o entendimen-

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to de que a justa causa é uma quarta condição da ação, e mesmo diante das divergências apresentadas conclui-se que todas as teorias convergem para um mesmo conceito de justa causa, que trata-se de um lastro probatório mínimo necessário para amparar toda e qualquer acusação. REFERÊNCIAS ALECAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPODIVIM, 2013. BRASIL. Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Dispõe sobre o Processo Penal.Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>Acessado em: 06 de maio de 2015. BRASIL. Lei Nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Dispõe sobre o Processo Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l5869compilada.htm>Acessado em: 06 de maio de 2015. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: RT, 2003. BONTEMPO, Henrique Oliveira, LJ 0116 – A INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ NO PROCESSO PENAL, Letras Jurídicas, Belo Horizonte, Maio de 2014, núme-ro 1, Disponível em: http://npa.newtonpaiva.br/ letrasjuridicas/?p=104. Acessado em: 06 de junho de 2016. GALUPPO CAMPOS, Marcelo. Da Idéia à Defesa Monografias e teses jurídicas. Atualizado conforme as normas 6023/2002, 10520/2002, 14724/2002, 6024/2003 e 6027/2003. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. JARDIM, Afrânio Silva. Ação Penal Publica: princípio da obrigatoriedade. 4ª ed. Revista atualizada segundo a Lei 9.099 de 1995.Rio de Janeiro: Editora forense,2001. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense,2002. LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal, Volume I. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal Comentado. 11° ed. São Paulo:Altas, 2007. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa causa para a ação penal – Doutrina e jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

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Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Laura Maria dos Fernandes Lima (Examinadora)

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JUSTIÇA RESTAURATIVA, ATRAVÉS DA MEDIAÇÃO, COMO ALTERNATIVA AO ADOLESCENTE INFRATOR João Níkolas Vieira Guimarães2

RESUMO: O presente trabalho busca demonstrar um método de resolução de conflitos criminais diverso do processo criminal comum usado de maneira ostensiva nos tribunais. Tal método é a Justiça Restaurativa, através da Mediação Penal, o qual busca uma solução mais célere, menos conflituosa, mais econômica e que ao fim chegue a uma resolução que, de alguma maneira, agrade a ambas as partes do conflito. Desta forma o trabalho se desenvolve, com uma rápida explicação do que vem a ser a mediação, uma contextualização histórica da situação do menor infrator no Brasil e demostrando as possíveis vantagens do uso da Mediação de Conflitos nos conflitos do âmbito escolar. PALAVRAS-CHAVE: Conflitos. ECA. Escola. Mediação. Menor-Infrator.

1 INTRODUÇÃO Os conflitos fazem parte da sociedade humana desde os primórdios tempos como fenômeno sociológico, seja nas relações empresariais ou sociais, seja nas relações familiares. Assim pode-se falar na origem da mediação em um momento paralelo, confuso a origem da Humanidade. Mas, hodiernamente, o sentido em que conhecemos a mediação, teve origem nos Estados Unidos, para a tentativa de solução dos conflitos entre a comunidade dos “Quakers” e os colonizadores holandeses, em 1636, garantindo o cumprimento dos princípios morais e as tradições de seus grupos, evoluindo desde então. Sabemos que o procedimento da mediação encontra-se extremamente presente no nosso dia-a-dia, muito mais do que saibamos. As relações familiares, trabalhistas, políticas, religiosas, estudantis e de vizinhança, por exemplo, são panoramas de inúmeras situações conflituosas. Também instâncias coletivas como clubes, associações, sindicatos, escolas, empresas desempenham funções mediadoras. Daí tem-se a denominada mediação natural, que não é mais suficiente diante dos diversos numeroso conflitos e tensões sociais, e perante a falência das organizações coletivas de regulação, para pacificar todas as turbulências. Contudo muito lentamente se desenvolveu uma política de mediações institucionalizadas, estando bastante em voga há alguns anos a ideia de pactos sociais. Nascendo com feição anti-institucional e anti-profissional, tais pactos muitas vezes se apropriaram do ritualismo das organizações convencionais, de cuja ineficácia derivam. Quer dizer, sendo insuficiente o aparelhamento judicial, as soluções passam a ser formadas por entes coletivos não oficiais e de composição diversas, mas que buscam as praxes da Justiça clássica. Tal invasão da “justiça convencional” por operadores informais têm sido comum nas esferas econômicas e civil, mas muito ínfima na seara criminal. É natural que assim seja, haja vista que o capital não pode se subordinar à lentidão e à imprevisibilidade do Judiciário. Entrando especificamente na seara do crime, o qual, a produção doutrinária, ainda o considera fato do pobre, tendo em vista o dito popular brasileiro de que a prisão esta reservada aos três “Ps”, a saber, o preto, o pobre e a prostituta, a mediação penal, busca filtrar os episódios e fazer chegar ao judiciário à mínima quantidade deles. Percebe-se tal fato ao compararmos o número de boletins de ocor-

rências que são registrados, o numero destes que geram inquérito policial e o menor numero ainda que se converte em processo-crime. A mediação é um mecanismo de autocomposição de interesses conflituosos em que as partes envolvidas contam a intervenção de um terceiro alheio ao litígio, denominado mediador - não tendo autoridade ou poder coercitivo para impor a solução do conflito aos envolvidos -, que de forma imparcial desempenha o relevante papel de auxiliá-las na busca por uma solução que lhes seja satisfatória. A mediação como método de solução de conflitos no Brasil encontra-se prevista no art. 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna (EC nº 45, de 2004), que determina “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Tendo em vista a previsão legal da mediação e o entendimento de que é um mecanismo alternativo de resolução de conflitos, é relevante destacar a importância crescente da mesma no sentido de evitar a judicialização de demandas, pois através de tal método a solução poderá ser mais célere e mais facilmente resolvida através de uma resolução amigável, sendo claro o interesse público envolvido na solução das demandas dos particulares por meio dessa metodologia. 2 OS MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE DISPUTAS Os meios alternativos de solução de disputas, conhecidos por sua sigla em inglês como ADR (Alternative Dispute Resolution), ou por sua sigla em castelhano (Resolución Alternativa de Disputas) “são formas de solucionar controvérsias fora da participação da justiça estatal, como ensina Adriana Noemi Pucci, a qual realça a preocupação dos juristas modernos na utilização destes meios alternativos, outros caminhos, outras opções, para “obtenção de conflitos com maior rapidez, econômica e confidencialidade da que se obteria recorrendo à justiça estatal.” (PUCCI, Adriana Noemi, 1997, p. 318-339) Dentre as formas alternativas de solução de disputas, podemos enumerar sete que são mais utilizadas, a saber: - Negociação, que é a forma básica de resolução de disputas, nela, as partes se encontram diretamente e, de acordo com suas próprias estratégias e estilos, procuram resolver uma disputa ou planejar uma transação, mediante discussões que incluem argumentação e arrazoamento.

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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- Conciliação, que é o “processo pelo qual o conciliador tenta fazer com que as partes evitem ou desistam da jurisdição, encontrando denominador comum”. No dizer de Nazareth Serpa, é um processo informal em que existe um terceiro interventor que atua como elo de ligação. A finalidade é levar as partes a um entendimento, através da identificação de problemas e possíveis soluções. - Fact finding, descoberta dos fatos, é meio auxiliar na negociação, mediação ou adjudicação. Trata-se de forma alternativa de solução de conflitos, realizada mediante a utilização de um perito, neutro, selecionado pelas partes, com o objetivo de encontrar e clarear fatos. - Ombudsman, não é um processo propriamente dito. É o nome dado a um oficial, designado por uma instituição, para investigar queixas e requerimentos, como maneira de prevenir litígios ou facilitar sua resolução dentro da instituição. - Arbitragem, enquanto equivalente jurisdicional, constitui espécie autônoma, ocorrendo sempre que duas ou mais pessoas submetem suas disputas ao arbítrio de terceiro, não integrante dos quadros do Poder Judiciário”, define Fiuza. - Mini-trial, este tipo de solução alternativa de disputas caracteriza-se pelo assentamento estruturado da negociação. Trata-se de um processo empregado para resolver disputas de forma mais rápida que, de outra forma, estariam sujeitas à mitigação prolongada. - Summary jury trial, que consiste numa breve exposição do caso, por advogados, a um juri simulado. Mesmo sem autoridade, são arrolados dentro da mesma população de um júri oficial. O veredito do júri simulado não é sujeitante, mas ajuda as partes a melhor entenderem seus casos e as encoraja ao acordo. 3. A MEDIAÇÃO STRICTO SENSU O termo mediação, em sua acepção ampla, lembra Maria de Nazareth Serpa, vem do latim mediare, “que significa mediar, dividir ao meio ou intervir, se colocar no meio. Estas expressões sugerem a acepção moderna do termo mediação que é o processo pacífico e não adversarial de ajuste de conflitos”, no qual uma terceira pessoa age, no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma disputa sem prescrever qual a solução. (SERPA, Maria de Nazareth. op. cit., p.1450) É costume arraigado na sociedade brasileira, conforme afirma Roberto Portugal Bacellar, tratar de controvérsias como uma disputa entre partes em busca de uma decisão (modelo conflitual), mesmo que gere prejuízo aos laços fundamentais e eventualmente existentes entre elas. A mediação procura valorizar esses laços fundamentais de relacionamento, incentivar o respeito à vontade dos interessados, ressaltando os pontos positivos de cada um dos envolvidos na solução da lide para, ao final, extrair como consequência natural do procedimento os verdadeiros interesses em conflito. 3.1 Definição Para Maria de Nazareth Serpa, “mediação é um processo informal, voluntário, onde um terceiro interventor, neutro, assiste aos disputantes na resolução de suas questões” (SERPA, Maria de Nazareth, 1997, p. 20-21).Trata-se de modo autônomo de composição de conflitos, porque fruto da vontade dos interessados. Para João de Lima Teixeira Filho, a mediação é o processo dinâmico de convergência induzido ao entendimento. Visa à progressiva redução do espaço faltante para o atendimento do ponto de equilíbrio em torno do qual o consenso das partes se perfaz, livrando-as do impasse ou retirando-as da posição de conflito. (TEIXEIRA FILHO, João Lima, 1996, p.1150-1160) LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Na definição de Juan Carlos Vezzulla, a mediação é uma técnica de resolução de conflitos não adversaria, que, sem imposições de sentenças ou de laudos e com um profissional devidamente formado, auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo onde as duas partes ganhem. (VEZZULLA, Juan Carlos, p. 15. Apud BACELAR, Roberto Portugal, op. cit., p.205)

3.2 Elementos Pode-se dizer que a mediação é composta de três elementos, a saber: - Intervenção de terceiros (pessoa basicamente neutra ou, quando menos, interessada apenas na composição do conflito, que é o mediador); - Disputa (elemento que preexiste à mediação, sendo necessária a presença de duas ou mais pessoas, que precisam estar disputando direitos) e - Intenção de promover acordo para pôr fim ao litígio (vontade, disposição e esforços, especialmente do mediador, para o intento). 3.3 Princípios A mediação pode ocorrer dentro de um processo judicial ou fora dele, aquela endoprocessual, esta, extraprocessual, e se caracteriza pela observância dos seguintes princípios, assim resumidos: - Voluntariedade: aceitação por livre iniciativa ou aceitação das partes. Significa a disposição de cooperação para o objetivo da mediação. - Não adversariedade: não competição das partes, as quais não objetivam ganhar ou perder, mas solucionar o problema. Intervenção neutra de terceiro: terceira parte, catalisadora das soluções. - Neutralidade: não-interferência no mérito das questões. - Imparcialidade, isto é, ausência de favoritismo ou preconceito com relação a palavra, ações ou aparência, significando, por parte do mediador, um compromisso de ajuda a todas as partes e na manutenção desta imparcialidade no levantamento de questões, ao considerar temas como realidade, justiça, equidade e viabilidade de opções propostas para acordo. - Autoridade das partes: poder de decisão sobre as questões em disputa, já que são elas as responsáveis pelos resultados e pelo próprio andamento do processo. - Flexibilidade do processo: a mediação não é um processo rígido, uma vez que não está restrita à aplicação de normas genéricas e pré-estabelecidas e sua estruturação depende, basicamente, das partes e dos procedimentos por elas próprias escolhidas. - Informalidade, que se caracteriza pela ausência de estrutura e inexistência de conformidade a qualquer norma substantiva ou de procedimento. - Privacidade: a vontade das partes se manifesta de maneira autônoma, baseada em interesses privados, no âmbito privado. - Consensualidade, no sentido de não haver uma decisão imposta às partes. Leva-se em consideração o resultado de deliberação das partes e desta vontade é que se extrairá a sujeição ao acordo daí surgido. - Confidencialidade, que é um dos princípios norteadores da mediação. As informações são restritas ao âmbito das partes e do interventor. 4 A SITUAÇÃO DO MENOR NO BRASIL

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Antes de adentrarmos na mediação penal no âmbito escolar

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propriamente dita, veremos, de maneira breve, a questão do direito da criança e do adolescente no Brasil. A Constituição da República de 1988, promulgada durante uma época em que se debatia fortemente o desenvolvimento de um efetivo Estado Democrático de Direito, traz, entre seus objetivos, a diminuição das desigualdades sociais e o respeito às diferenças individuais, sejam essas de raça, sexo, cor ou idade, assim dispõe o art. 3º, inciso IV, CR/88. Projeta, portanto, um Estado materialmente democrático em relação à efetividade dos direitos fundamentais, procurando superar o antecedente modelo de Estado autoritário, que dominou o país entre os anos de 1964 e 1985. No caso específico dos direitos da criança e do adolescente, a Constituição projeta a fixação do princípio da dignidade da pessoa humana a partir do ajustamento às diretrizes internacionais do direito humanitário. Assim, integra em seu texto preceitos de Diretos Humanos como os da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Não obstante, para a regulamentação dessas diretrizes humanistas no tratamento dispensado às crianças e adolescentes previsto na Constituição, o legislador originário promulgou o ECA. (SARAIVA COSTA, João Batista, 2012, p.128) O ECA visa estabelecer o definitivo rompimento com os critérios de intervenção anteriores baseados na Doutrina da Situação Irregular pela consagração da Doutrina da Proteção Integral (MAYER, Denise Both, 2012, p.18). A mudança de paradigma pode ser sintetizada no fato de que, antes do advento da Constituição de 1988, as crianças e os adolescentes eram intituladas como “menores” e, consequentemente, eram tratados como objetos da intervenção paternalista do Estado. Essa marcante característica da Doutrina da Situação Irregular, é suplantada pela Doutrina da Proteção Integral, que reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos detentores de direitos que se diferenciam dos demais pela sua peculiar condição de desenvolvimento. No entanto, apesar da mudança legislativa, verifica-se ainda hoje a manutenção de práticas, em todos os âmbitos de intervenção na área da criança e do adolescente, típicas do paradigma autoritário. Quando se traceja um breve percurso histórico das peculiaridades que envolvem o status jurídico das crianças e dos adolescentes em incompatibilidade com a lei, percebe-se que, antes da adoção da Doutrina da Situação Irregular, sequer era possível falar em “direitos da criança e do adolescente”. Até as pregressas legislações temáticas do século XX, prevalecia um modelo de Direito Penal que não distinguia substancialmente os adultos das crianças e dos adolescentes. Os menores de idade que, porventura cometessem delitos, eram tratados praticamente com o mesmo rigor jurídico conferido aos adultos. Tanto que ambos poderiam ser recolhidos aos mesmos estabelecimentos e privados de liberdade (MÉNDEZ in ILANUD et al. (Orgs.), 2006, p.9). Diante da “profunda indignação moral decorrente da situação de promiscuidade de alojamentos de maiores e menores na mesma instituições”, avistou-se, em todos os países da América Latina, a partir de ideias provenientes de países europeus, o desenvolvimento de legislações de caráter tutelar fundamentadas em um novo conceito, qual seja, a Doutrina da Situação Irregular. Portanto, durante praticamente todo o século XX, o tratamento a crianças e adolescentes em conflito com a lei no Brasil foi mesurado por legislações de caráter marcadamente tutelar, de inspiração autoritária (paternalismo e moralismo), a partir da ideia da situação irregular. A Doutrina da Situação Irregular baseou-se no pressuposto da incapacidade de crianças e adolescentes em dificuldade social. Conforme LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

referido, ambos eram vistos como objetos de “intervenção protetiva”, e não como sujeitos (portadores) de direitos. Ademais, essa “proteção” prevista em lei era destinada a adolescentes e jovens específicos, identificados como de existência irregular. (SARAIVA, 2006, p.19) Ao concluir que determinada parcela da juventude brasileira (parcela, de regra, pobre e com acesso precário a bens básicos como saúde, moradia e educação) estaria em “situação irregular”, o Estado delegava a si mesmo o poder de atuar coercitivamente sobre essa população vulnerável, impondo diversas medidas de caráter punitivo, dentre as quais o sequestro involuntário em instituições de recolhimento, E, como resposta à pobreza, à miséria e à exclusão social, a única alternativa oferecida pelo Estado é a segregação marginalizados das crianças e dos adolescentes rotulados como “irregulares”. Desse modo, o poder público eximia-se da responsabilidade de desenvolver políticas públicas que garantissem direitos e, ao invés de incluí-los socialmente, produzia o aumento da exclusão por meio do recolhimento coercitivo. Na medida em que predominava o entendimento de que crianças e adolescentes “em situação irregular” seriam incapazes, o tratamento judicial se constituía a partir de uma tomada de decisões pelo “menor”. Ao juiz, cabia o exercício de uma função que extrapolava a atividade tipicamente judicial. Assim, ao magistrado eram conferidos poderes ilimitados de intervenção (inquisitório), com alto grau de discricionariedade sobre a família e a criança. (BELOFF, 2012, p. 130) Importante referir, ainda, que não havia distinção alguma entre crianças e adolescentes que cometiam delitos e entre esses que simplesmente estavam em situação geral (irregular) de pobreza. Em suma, a grande perversidade do sistema proposto pela Doutrina da Situação Irregular consistia na produção de um modelo assistencialista que, em nome da “proteção do menor”, centralizava, ilimitadamente, um poder inquisitório na figura do juiz. Se a promulgação da Constituição de 1988 anunciou uma nova espécie de tratamento jurídico a crianças e adolescentes, a publicação do ECA confirmou a adoção da Doutrina da Proteção Integral e a ruptura com o anterior modelo tutelar. Como síntese dos princípios e diretrizes adotados pela Constituição, pelo ECA e pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças e do Adolescente, a Doutrina da Proteção Integral baseia-se no reconhecimento de que da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento decorrem, para crianças e adolescentes, inúmeros direitos a serem garantidos pelo Estado, pela família e pela sociedade. O ECA estabelece diferenças entre os modos como os adolescentes e os adultos são responsabilizados, mas ambos respondem juridicamente pelos seus atos. No caso dos adolescentes, o ato de transgressão à lei penal não é formalmente considerado crime, recebendo designação de ato infracional. Em consequência, a resposta jurídica ao ato infracional não é a pena criminal, mas a medida socioeducativa. O ECA atribui às medidas caráter eminentemente pedagógico, a partir da lógica da reeducação, cujo sentido material em muito se aproxima do designado à pena pela Lei de Execução Penal. Nos casos de crianças que transgridam a lei penal em que as únicas ações estatais sejam as medidas protetivas, o Estatuto prevê a responsabilização dos adolescentes. (MAYER, Denise Both, 2012, p.25) Contudo, o grande desafio que se impõe para todos os profissionais envolvidos com a área do Direto Penal Juvenil consiste na superação da dupla crise (de implementação e de interpretação) do ECA. Nesse cenário, é importante que os atores que trabalham no campo da justiça juvenil não cedam aos anseios punitivistas que, ao reproduzirem o mito da impunidade, dessubstancializam o ECA.

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5. AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO

6. A JUSTIÇA RESTAURATIVA, ATRAVÉS DA MEDIAÇÃO PENAL

O Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu Livro II Parte Especial, dispõe, entre outros temas, sobre as medidas aplicáveis aos adolescentes autores de atos infracionais:

Muito se fala nos dias de hoje em uma crise do Poder Judiciário, em uma falência da pena de prisão, em um aumento da violência, em um sistema prisional que não consegue mais dar uma resposta satisfatória à sociedade. Vê-se uma tentativa de simplificação da crise através da argumentação da falta de juízes, de promotores, de defensores públicos, funcionários, falta de infraestrutura física, etc. Mas enquanto isso, a sociedade continua a esperar do Estado que este a proteja das constantes ameaças e da violência. Foi diante desta insuficiência do modelo institucionalizado de administração de conflitos oferecido pela justiça penal que surge a prática de justiça restaurativa, através da Mediação Penal, para a construção de um novo paradigma de justiça penal efetivando assim um estado Democrático de Direito através da dignidade da pessoa humana, do acesso à justiça, do exercício da cidadania e da concretização de outros princípios constitucionais. Assim, paulatinamente, foram sendo experimentadas as práticas restaurativas em diversos países a partir da década de 1970. De acordo com o Department of Justice from Canada Justiça Restaurativa é: “Restorative justice is an alternative to standard criminal justice processes, with roots in traditional and indigenous forms of justice. It focuses on repairing the harm caused by crime, within the context of relationships and communities.”, ou seja, é uma alternativa ao processo criminal padrão, com raízes na tradicional forma de justiça, onde se foca na reparação dos danos causados pelo crime, dentro do contexto dos relacionamentos e das comunidades. Em outras palavras, o foco da justiça restaurativa são as consequências do crime e as relações sociais afetadas pela conduta. E dentro do gênero Justiça Restaurativa existem várias espécies, dentre elas a mediação penal, que consiste no procedimento informal e flexível, onde se traz a figura de um terceiro imparcial – mediador – que age com o objetivo de recompor um conflito oriundo de um ato delituoso. Este terceiro imparcial desenvolverá seu trabalho de uma posição neutra, buscando obter o melhor dos mediandos, promovendo a aproximação destes sem impor soluções. Mas, conduzindo o processo na tentativa de ajudar as partes envolvidas a restabelecer o diálogo e lhes sugerindo que encontrem uma solução satisfatória para todos. E as experiências de justiça restaurativa existentes na Nova Zelândia, o país pioneiro na implementação da prática restaurativa, na Austrália, Itália, Espanha, Portugal, Africa do Sul e Canadá, demonstram que é viável, e se tem um resultado satisfatório, quando de restaura no lugar de se aplicar uma punição. No Brasil, as primeiras experiências com justiça restaurativa foram implementadas somente em 2005, através do projeto “Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”, organizado e financiado pelo Ministério da Justiça (Secretaria da Reforma do Judiciário), Secretaria Nacional de Direitos Humanos e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Foram três projetos-piloto, um em Porto Alegre/RS, outro em São Caetano do Sul/SP e outro em Brasília/DF. Os dois primeiros utilizam a prática do círculo restaurativo e se desenvolvem no âmbito da justiça juvenil, enquanto o último utiliza a mediação penal e é aplicado para casos de menor potencial ofensivo envolvendo ofensores adultos.

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. A aplicação da medida tem uma feição dinâmica, e o adolescente, a critério da autoridade judiciária, poderá ser beneficiado com a progressão da medida. Mas, caso deixe de cumprir, injustificadamente, de modo adequado, a medida imposta, poderá sofrer com a regressão. (MOTTA COSTA, Ana Paula, 2012, p.148-149) Vale lembrar que as medidas não têm um caráter exclusivo de sanção, mas, sobretudo, um viés pedagógico. O grau de restrição ou privação de liberdade deverá depender da capacidade de o adolescente de organizar a sua própria vida, sem causar danos a si e/ou aos outros. Acontece que, apesar de as medidas socioeducativas terem um caráter pedagógico, diariamente, deparamo-nos com situações alarmantes sobre a vida escolar dos adolescentes que passam pelo analfabetismo funcional, a defasagem idade/série e a falta de vagas nas escolas. Verifica-se que a grande maioria dos adolescentes que não concluem suas medidas são também aqueles que estão distantes de outras instituições sociais, em especial a escola. E estar fora da escola, nesse sentido, pode implicar no agravamento da situação da vulnerabilidade enfrentada por muitos deles. Entretanto, é sabido que, o voltar para à escola, talvez o lugar que gerou o conflito que o levou a ser submetido a uma medida socioeducativa, não é apenas uma decisão do adolescente, depende da relação que a escola e seus educadores conseguem estabelecer com eles. Mas o que se tem visto visto é que ao chegarem às escolas, os adolescentes têm sido, muitas vezes, responsabilizados pelo fracasso escolar que marca suas histórias (repetências, evasões, expulsões), o que faz da sua permanência na escola um processo solitário e com poucas chances de sucesso. Outra ideia muito comum é que o adolescente que cometeu um ato infracional é estigmatizado com o rótulo de “problema” para a escola, e com isso a sua aceitação naquele ambiente torna-se ainda mais difícil. Diante deste cenário, vê-se que ao chegar à escola, o adolescente tem sido bombardeado com um discurso que o aponta como o único responsável pela história de fracasso escolar que carrega consigo. Seguidamente, é advertido por profissionais de diferentes setores do sistema regular de ensino - e até de outros órgãos e entidades - que, se hoje ele se encontra fora da escola, é porque, em algum momento, não soube valorizar ou respeitar a oportunidade que lhe foi dada de estudar, tendo assim portanto, através de suas atitudes, desperdiçado uma chance.

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6.1 A implementação da mediação penal Há quem diga que a implementação da mediação penal vem como instrumento preventivo, tendo em vista que se busca preservar as relações viabilizando o diálogo entre os envolvidos , conferindo-lhes autoridade para a autoria das soluções. Servindo-se assim como uma

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reação penal alternativa, atingindo-se as finalidades políticos criminais. Dentre as características da Mediação Penal, encontra-se a interdisciplinariedade, que permite solucionar os conflitos na sua integralidade (aspectos legal, psicológico, social e financeiro). Além de ser um instrumento de pacificação social, indo de encontro com o Estado Democrático de Direito. O processo de mediação entre vítima-ofensor objetiva possibilitar que estas partes se encontrem num ambiente seguro, estruturado e capaz de facilitar o diálogo. Antes da primeira sessão conjunta, vítima e ofensor passam por conferências separadas com um mediador treinado que explica e avalia se ambos encontram-se preparados para o processo. Segue-se o encontro entre ambos, no qual o mediador comunica ao ofensor os impactos (físicos, emocionais e/ou financeiros) sofridos pela vítima em razão do delito e o ofensor tem, então, a possibilidade de assumir sua responsabilidade no evento, enquanto a vítima recebe diretamente dele respostas sobre porquê e como o delito ocorreu. Depois desta troca de experiências, ambos acordam uma forma de reparar a vítima (material ou simbolicamente). A mediação, assim como as outras práticas restaurativas, deve ser flexível e poder ser adaptada às necessidades do caso concreto. Com o uso da mediação, pretende-se desfazer os mitos e estereótipos relacionados tanto à vítima (alguém frágil e desempoderada) quanto ao ofensor (criminoso). Portanto, um dos efeitos mais importantes do processo de mediação é a destruição dos mitos com relação à vítima e ao infrator, o que decorre da participação ativa do processo restaurador. Assim, ao contrário do procedimento da justiça penal tradicional, que respalda e reproduz os mitos sobre o autor do crime através da seleção de informações dirigidas à acusação e à sentença, na mediação o enfoque está nas informações que possam aproximar as partes em conflito a fim de chegarem a um acordo. Vale lembrar também que o princípio fundamental da Lei 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais, é a busca da aplicação de medidas alternativas, mediante o consenso entre as partes envolvidas (autor do fato e vítima). E a Justiça Restaurativa, tendo como instrumento a mediação penal, nada mais é do que uma forma alternativa de resolução de conflitos. 7 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NA ESCOLA Sendo a escola, a priori, um lugar privilegiado para a socialização, e portanto, favorável ao desenvolvimento de afetos, sentimentos e emoções que podem em certos momentos gerar conflitos em que o diálogo cotidiano não seja capaz de resolver. Quando estamos diante de tal situação, percebe-se a necessidade de que sejam tomadas providências para que essa situação conflituosa não se agrave vindo a tornar-se um ato de violência. Diante dessas situações conflituosas, faz-se necessário que a escola utilize de ações preventivas e curativas buscando tornar as relações e o ambiente escolar mais harmonioso, valendo-se da prática do diálogo e da mediação dos conflitos. Desse modo a prática restaurativa dentro da escola se apresenta como uma proposta de pacificação, dando aos sujeitos envolvidos nos conflitos a oportunidade de solucioná-lo ou ao menos amenizá-lo por intermédio de ajuda especializada, ao invés de ser mais um conflito que será levado para a saturada via judicial. No Brasil, não existe ainda uma legislação que regule o procedimento da mediação apesar do fato de estar sendo extremamente utilizada nas diversas esferas em que se mostre necessária e viável. A escola por exemplo é um dos ambientes que se têm valido da mediação de conflitos, pretendendo contribuir para a convivência mais saudável, para a construção da cidadania, para o enfrentamento da

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violência e para se evitar que a polícia e o poder judiciário seja “parte” daquele ambiente, já que são os próprios envolvidos no conflito que tentam buscar meios de superá-lo, prática que aos poucos, têm-se construído uma cultura de diálogo e paz nas escolas. Assim, o que se espera deste procedimento restaurativo é a viabilização do diálogo construtivo e à negociação de tomadas de decisões, visando relações interpessoais confortáveis, apresentando à escola uma alternativa democrática para se previnir de situações em torno dos diversos tipos de violência. Pois, tal ferramenta alternativa, objetiva evitar que situações problemáticas do cotidiano se desenvolvam e atinjam um nível maior de violência. Nesse contexto, se apresentando como ferramenta favorável ao diálogo, buscando uma discussão bem planejada e a socialização das ideias e critérios agradáveis às partes envolvidas, nasce o papel do mediador, que será ali apenas um facilitador e organizador do processo de tomada de decisões, que é responsabilidade exclusiva dos mediandos. É importante lembrarmos que a mediação pode ser usada em qualquer contexto de convivência em que haja conflito, impasses em que o diálogo entre as partes não seja capaz de resolver, requerendo-se assim a intervenção de um mediador. 7.1 Criminalização da vida escolar Para se falar em criminalização da vida escolar, precisamos antes fazer alguns questionamentos, a saber, quais os modos de proteção e cuidado são utilizados e quais forças permeiam as relações que emergem em torno da tríade norma-transgressão-castigo no espaço escolar? Nos tempos atuais, muitas escolas têm-se valido das polícias com o objetivo de manter, restaurar e promover a segurança do ambiente através da presença do policial. Assim, buscando a “sensação de segurança” aos usuários das unidades escolares (pais, responsáveis, alunos, diretores, professores e funcionários), através da implementação da Policia Comunitária, inibir e reduzir ações delituosas e proteger bens, serviços, instalações e zelar pela integridade física dos que ali se encontram, as escolas têm requisitado a presença do policiamento tanto nas áreas internas das unidades escolares, quanto nas ruas ao redor. É importante mencionar que há a possibilidade desses policiais que ficam dentro das unidades escolares realizarem revistas pessoais tanto em alunos quanto em professores sempre que a situação exigir e que houver eminente suspeita. Tal situação nos da a possiblidade de percebermos que hoje não mais se exerce um controle sobre um comportamento ou um ato, mas sobretudo produzindo-se um monitoramento sobre as virtualidades, sobre aquilo que se poderá vir a ser ou a fazer, dependendo da “essência” que foi atribuída a um determinado indivíduo, circunscrito à ordem social que o constrói. Nesse sentido, as chamadas “classes perigosas”, aquelas crianças e adolescentes marginalizados, estereotipados, pelas suas raízes, pela sua cor, e por diversos outros fatores que vêm definir quem eles são, enquadrados na esfera do desvio, tornam-se os principais alvos de políticas públicas, a partir de “certas práticas” e de “certos especialistas”, pelo suposto oferecimento de risco aos demais e que, portanto, devem ter suas virtualidades controladas permanentemente. São então estes menores, que já tiveram seu futuro, sua história, seu perfil traçado pela sociedade criadora de grupos marginalizados, que incidem os processos de criminalização, que na escola são materializados, sobretudo, pela judicialização, quando por muitas vezes se era possível solucionar o conflito através de procedimentos restaurativos. Vale dizer que entende-se por processo de criminalização, a instituição de uma norma e de uma vigilância remetida à possibilidade de sua transgressão, instituir uma forma de controle a punição e

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ao castigo. Assim, quando individualiza-se nos sujeitos a causa da criminalidade, reduz-se a subjetividade a uma dimensão psicológica interiorizada, separando o sujeito de processos sócio-históricos que o produzem e o atravessam o tempo todo. Em um cenário onde, a partir de demanda, o policial, mesmo que virtualmente, incorpora a posição de um inspetor, isto é, tentar proteger o ambiente escolar de atos perigosos, de conflitos, as relações que ali existem passam a ser baseadas no ar da insegurança e da desconfiança, já que o representante de segurança pública agora é convocado para “mediar”, mas não no sentido de mediador de uma mediação, mas sim aquele que, de alguma forma controla, dirige, as relações dentro e fora da sala de aula. Deparamo-nos então com a construção do que se pode ser chamado atualmente de judicialização da vida, isto é, uma certa construção subjetiva que implanta a lógica do julgamento, da punição, do uso da lei e da justiça como parâmetro de organização de modo de viver. Acontece que esse movimento de substituição da tentativa de diálogo pelo confronto, através da eleição do âmbito penal, policial e judicial para intervir sobre as relações interpessoais cotidianas, pretendendo-se eliminar a insegurança social, tem gerado mais conflitos e saturado ainda mais o poder judiciário, além de cada vez mais afastar os menores da escola e ser mais uma questões negativa que marcará a história daquela criança ou adolescente. Assim é perceptível que esta judicialização do espaço escolar não tem se mostrado eficiente, Heckert e Rocha acreditam que muito mais eficaz e produtivo é trazer diferentes instrumentos do aparato jurídico para intervir em conflitos que emergem no chão da escola, que ao fazer essa regulação, ao implantar essa dicotomia, o que é lícito e o que é ilícito, estarão resolvidas as questões e as tensões referentes às relações dentro da escola sem que se tenha que criar um confronto e uma marginalização, criminalização do menor ali envolvido. 8. CONSEQUÊNCIAS DA POLÍCIA NAS ESCOLAS Muitas vezes esta intervenção da polícia dentro das relações escolares apresentam-se muito complexas, haja vista que muitas vezes a figura do menor já é acompanhada de pré-conceitos. Muitos alunos são visivelmente discriminados pelo fato de serem “pretos”, isso por si só já pode ser capaz de gerar uma situação conflituosa, pois, há o paradigma que para a polícia, o negro é sempre suspeito e errado. Então, muitos jovens carregam fortemente o discurso do preconceito, do racismo, de que, para a sociedade, “preto e pobre é criminoso”. O problema é que, ao a escola buscar meios de manter a segurança escolar através da polícia, por exemplo, tendo em vista o medo que os menores têm provado naquele ambiente, percebe-se que se cria uma certa ambiguidade. Se, por um lado, denuncia a discriminação sofrida, por outro, demonstra a valorização da capacidade de provocar medo, de certa forma confundindo a experiência de ser temido com a experiência de ser respeitado. Desta forma, ao denunciar o preconceito da sociedade com a criança e o adolescente, é provocada a reflexão do como o lugar do “bandido” vai sendo construído pelo olhar de quem os projeta nesse lugar, pela falta de oportunidade de se explicar. Além de desconhecer os múltiplos modos de existir que o adolescentes experimentam num mesmo tempo e nos diferentes espaços, muitos não conseguem enxergar seu potencial, sua inventividade e sua busca, nem tão pouco, nutrir expectativas em relação ao futuro da juventude em nosso país. E sabe-se que a relação da criança e, sobretudo, do adolescente com a polícia é marcada pelo confronto e pela violência. Assim este

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é mais um motivo para a busca do diálogo dentro da escola e a necessidade do afastamento da figura do policial, sempre que possível. 9. CONCLUSÃO De um modo geral, a sociedade tem creditado, erroneamente, ao meu ver, às medidas socioeducativas, à polícia, ao judiciário a capacidade de corrigir os comportamentos desviantes por meio do sofrimento infringido ao corpo e à alma, ficando a dimensão educativa da medida restrita ao discurso da Lei. A problemática de se creditar a capacidade de corrigir através do confronto, é que as dores provocadas pela precarização da vida juvenil, enunciam a relevância dessa problematização na formação destes menores. Na atualidade brasileira, são muitos os olhares que pousam nas relações juvenis. A maioria desses olhares ainda é orientada pelo foco do lugar juvenil, constituído com um problema social. Assim, nossos olhares encontram a expressão de um modo juvenil configurado na infração e no abandono. Dessa forma, ao considerarmos os caminhos que as instituições de ensino têm-se valido para solucionar conflitos, percebe-se a sua ineficiência, pois a cada conflito que é levado ao judiciário, à polícia, é mais um processo que ficará parado nas secretárias, tomando espaço e tempo de outros processos que precisam de mais urgência para serem resolvidos. Sendo que muitas das demandas que chegam ao judiciário poderiam facilmente e de modo muito mais eficaz terem sido resolvidas através do dialogo haja vista que muitas vezes toda a questão envolvida em que esta gerando o conflito é muito mais de cunho sentimental do que material. Mas muito além da preocupação com a estrutura do Poder Judiciário, é importante também lembrarmos que ao levarmos o menor ao judiciário, para que lhe seja aplicada alguma medida socioeducativa, em nada irá contribuir para a “construção da sua identidade”, pois a “construção” de uma criança, de um adolescente implica em movimentar sentidos e expressões dele para com ele próprio e das relações estabelecidas nesse percurso. É a partir deste lugar de construção, a saber, a escola, é que o menor poderá pensar em seus atos, pensar na elaboração ou na ressignificação da sua história. A superação da violência se dá pela palavra e a educação é o espaço da palavra que, como discurso, enuncia o desafio que ultrapassa o contexto imediato. E como questão central, a vivência de direitos, o estabelecimento de relações pessoais positivas de reconhecimento e de acolhimento e a oportunidade de o adolescente em conflito com a lei sentir-se produtivo, é que se levará a uma solução em que ambas as partes sairão satisfeitas. Pois não há como exigir que se tenha consciência dos próprios direitos sem ter a vivência dos mesmos. E sem a consciência dos direitos, não há por que respeitar os direitos dos outros. Sentir-se acolhido e reconhecido é decisivo para o processo de desenvolvimento de cada um. É o olhar, o conversar, o ouvir do outro que dará a oportunidade de se entender as “angústias” de quem esta envolvido no conflito. Portanto, diante da já complexa situação em que a criança e o adolescente em conflito com a Lei se encontra, muito eficaz se mostra o uso da Mediação de Penal para a busca da solução de conflitos, haja vista uma maior e melhor possibilidade de crescimento e construção dos jovens envolvidos, pois será neste momento que o mesmo terá a oportunidade de ser ouvido, de se expressar e juntamente com a vítima poderá acordar qual será a penalização imposta diante do dano causado. E tal procedimento, evitará uma maior exposição daquele menor e além de evitar a criminalização da história de vida daquele infrator.

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DELAÇÃO PREMIADA: os contornos da delação premiada no Direito Brasileiro João Paulo Matavelli Perfeito1

RESUMO: Este trabalho de conclusão de curso, apresentado ao fim do curso de graduação em Direito do Centro Universitário Newton Paiva, visa discutir os contornos e problemáticas que envolvem a delação premiada. Tem como finalidade precípua analisar a mesma dentro do âmbito do Direito Processual Penal demonstrando sua validade como meio de prova. Na atualidade, momento em que a delação premiada é o instituto do Direito mais utilizado nas recentes investigações que desmantelaram a corrupção, não pode o meio acadêmico deixar de discutir este aludido instituto da delação premiada. Temos como foco analisar os contornos da Lei nº 12.850 de 2013, contudo anterior a esta abordagem destacaremos o contexto histórico das delações. Elucidaremos de modo a demonstra como a mesma é utilizada como meio de prova, abordando, ainda, a delação premiada dentro do anteprojeto do novo Código Penal. Palavras-chave: Delação. Premiada. Contexto histórico. Modificações.

1 INTRODUÇÃO Este trabalho de conclusão de cursos visa debater o instituto da delação premiada frente aos princípios constitucionais e processuais atinentes ao processo penal bem como a dignidade da pessoa do delator. Buscaremos enfatizar o princípio da não autoincriminação, que se encontra consagrado no direito pátrio. Definiremos o conceito de delação premiada a luz da doutrina, buscando demonstrar que desde os primórdios da civilização as benesses da delação encontram-se presentes. Por meio de uma análise das legislações penais esparsas demonstraremos como esta dita delação premiada vem sendo recepcionada pelo nosso ordenamento jurídico a fim de demonstrar os notórios avanços. Buscaremos demonstrar frente à análise de princípios constitucionais que a delação premiada fere demasiadamente estes referidos princípios, ferindo ainda a ética e demonstrando uma incapacidade estatal para a averiguação e consolidação de um conjunto probatório, bem como elucidando que a delação premiada inobserva, por completo, o princípio da não autoincriminação. Ainda de forma a embasar nossa fundamentação elucidaremos principais posições doutrinárias favoráveis e desfavoráveis a respeito da delação premiada a fim de comprovar que esta não se trata de instituto benéfico ao direito processual garantista. Por fim, elucidaremos que com a eventual aprovação do anteprojeto do novo Código Penal sendo aprovado, no que diz respeito à delação premiada, não ocorrerá de fato nenhuma mudança significativa em sua aplicação a fim de sanar tantas problemáticas ligadas a este instituto. 2 A DELAÇÃO PREMIADA 2.1 Contexto histórico e direito comparado A delação premiada não é um assunto novo, pois a nos primórdios da história tem-se relatos de que na humanidade imprimiu-se a ideia de que é moral a utilização de espiões para conhecer o inimigo e ganhar recompensas.

Ainda, na história bíblica temos relatos da retrata delação com paga ao discípulo Judas Iscariotes, que traiu Jesus entregando-o aos poderes dominantes à época. Na Idade Média, ainda no sistema inquisitório, utilizava-se da delação o corréu, mas separavam a delação obtida de forma espontânea e a sob tortura. Sendo esta invertida vez que se acreditava vir mais rapidamente da boca do corréu a mentira do que a verdade. A este respeito, no século XVIII, Cesare Beccaria tratou da delação premiada, vejamos in verbis as linhas de pensamento: […] de uma parte, as leis castigam a traição; de outro autorizam-na. O legislador, com uma das mãos, aperta os laços de sangue e de amizade e, com a outra dá o prêmio àquele que os rompe. Sempre em contradição com ele mesmo, ora tenta disseminar a confiança e encorajar os que duvidam, ora espalha a desconfiança em todos os corações. Para prevenir um crime, faz com que nasçam cem. (BECCARIA apud ESTRÊLA, 2010, p. 14) Momento em que a delação era paga com dinheiro. De uma forma geral, por meio destes exemplos, vemos que a delação premiada, como tantos outros institutos do direito, esteve presente primeiramente no contexto social, sendo depois normatizado pelo legislador. A partir de estudo feito acerca deste tema, acredita-se que a delação premiada, também denominada de colaboração espontânea, normatizada dentro do ordenamento jurídico, bem como a aplicação processual, teve origem italiana e na década de 70 quando no julgamento dos delitos praticados pela famigerada máfia italiana. Surge como forma implementada de controlar a máfia italiana que buscou adotar tratamento diferenciado aos colaboradores em inúmeros aspectos, relacionados à investigação e ao direito material. De fato houve certo controle das referidas máfias. O legislador italiano primeiramente buscou tratar de forma diferenciada os colaboradores em inúmeros aspectos, sendo que em 1974, por meio da Lei 497, denominado direito premial, por meio do art. 6º trouxe a atenuante aplicável àqueles envolvidos que auxiliassem a vítima a recobrar a sua liberdade sem o pagamento de resgate. Já em 1980, a Lei 15, além de criar novos tipos penais, estabele-

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ceu benesses relacionadas à delação, nos casos em que o envolvido se desvinculasse da organização criminosa e se esforçasse para evitar consequências da atividade criminosa, ou ajudasse a autoridade judiciária e policial a localizar provas, bem como capturar os demais participantes. Estas duas leis trataram das figuras do “dissociado”, e do “arrependido” e do “colaborador”, cada um com regramento específico. Todos estes novos termos, foram definidos por Ada Pellegrini apud Yarochewsky, vejamos: […] o arrependimento consiste naquele que antes da sentença condenatória dissolve a organização, se retira desta, ou se entrega espontaneamente, oferecendo informações acerca da organização, ou, ainda, impede a execução dos crimes para os quais esta se institui, aplicando-se a extinção da punibilidade. Ademais, àquele que se entrega à autoridade policial ou judicial antes de ser expedido o mandado de prisão, pode ter esta medida substituída por outra mais branda. Já o dissociado, que antes da sentença condenatória, atua no sentido de evitar ou amenizar as consequências do crime ou impede novos crimes e confessa a participação, é concedida a redução da pena e substituição da prisão perpétua pela reclusão, de quinze a vinte e um anos. O colaborador, além de todas as posturas acima, auxilia na obtenção de provas, individualização das condutas e captura dos demais membros, razão pela qual pode ter a pena reduzida pela metade, bem como ter substituído a prisão perpétua pela reclusão de dez a doze anos. (PELLEGRINI apud Yarochewsky, 2012, p. 130) (grifos dele) Foi no ano de 1982, que se criou o crime de associação mafiosa traçando a sua inserção no Código Penal italiano. Já em 2001 foi realizada grandes reformas e modificações no âmbito do direito processual premial. Noutro giro, nos Estados Unidos, existe a figura do plea bargaining, onde a acusação negocia a pena com o acusado colaborador. Lá o Ministério Público é titular para propositura da ação e do poder a atuação desse órgão é bem amplo, podendo conduzir investigação policial, não propor a ação penal (independente de manifestação do magistrado), realizando acordos com a defesa ou levando o processo para a solução do Poder Judiciário. O plea bargaining pode ser utilizado em todos os processos, mesmo em hipóteses em que o indivíduo tenha cometidos o crime sozinho, sem coparticipação ou coautoria. Com tais atitudes aquele que presta informações que levem à prisão e a condenação dos demais membros participantes da organização criminosa, sendo uma forma mais amena para a situação, contudo neste ordenamento fica excluída a absolvição. No cenário espanhol a colaboração processual é tratada pelas normas penais e processuais penais para combater a associação ou organização dedicadas aos crimes de terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes e contra a saúde pública; sendo chamada no cotidiano como delincuente arrepentido (delinquente arrependido). Nesse sistema é exigido do arrependido que este abandone voluntariamente as atividades ilícitas, é exigido que confesse seus atos, identifique ou leve diretamente até a justiça os demais membros da organização criminosa ou evite o resultado criminoso se consuma. O legislador espanhol consagrou com benesses a colaboração tanto preventiva ou repressiva. Na Alemanha o instituto da colaboração processual também se faz presente, ocorrendo quando o indivíduo voluntariamente impede que a associação criminosa tenha continuidade ou denuncia a associação à autoridade, impedindo o cometimento de um crime. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Já no direito colombiano o direito premial foi criado como forma processual para combater especificamente o narcotráfico. Para se utilizar deste direito, o agente deve voluntariamente delatar os copartícipes da conduta delituosa, com provas eficazes de sua imputação e que essas provas estejam de acordo com os termos da delação. Em contra partida nesse ordenamento jurídico o agente recebe o benefício da delação independentemente da confissão de seus crimes. Contudo se o agente admite sua culpa nos crimes a redução da pena será evidentemente maior. 3 AS MODIFICAÇÕES NA DELAÇÃO PREMIADA A PARTIR DA LEI 12.850/13 A Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, criada em substituição a Lei nº 9.034/1995, passou a ser, no panorama jurídico atual, um diploma de enfretamento ao crime organizado no Brasil. Este novel legislativo aperfeiçoou o sistema nacional, tanto no aspecto processual quanto material. Dentre suas inovações ressaltamos a criação do tipo penal da organização criminosa, definindo-o, bem como suprimiu a lacuna jurídica acerca da delação premiada, que mesmo estando presente, como demonstramos, em diversas leis esparsas, ainda não tinha sido definida, tão pouco havia consolidado as suas regras. Tal novel disciplina os meios e provas, e para tanto dispôs acerca da colaboração premiada, chamada por muitos de delação premiada. Buscou, sobretudo, trazer balizas mais seguras a aplicação do instituto. Assim, foram dispostas regras e legitimidade. Embora, como já dito, a colaboração premiada já estivesse presente em nosso ordenamento, nada tinha sido tratado acerca de seu aspecto material. Ou seja, o benefício era previsto de maneira variada em sem maior uniformidade. Acerca da aplicação deste benefício, tem-se que a Lei em comento trata-se de uma legislação que busca enfrentar o crime organizado. Contudo, a delação premiada já foi prevista em diversos outros diplomas que tratam de tantos outros crimes. Não obstante somente a partir da Lei 12.850/13 ter se definido materialmente a delação premiada, esta não deixou de ser aplicada em tantos outros crimes como anteriormente era previsto, contudo agora se deve observar as regras de mencionada Lei. Em outras palavras, caberá atualmente a aplicação da colaboração premiada aos crimes antes já prevista a possibilidade, ao crime de organização criminosa, nos termos do art. 1º, § 1º, bem como aos crimes chamados de organização criminosa por equiparação, nos moldes do art. 1º, § 2º, ambos da Lei 12.850/13. Neste mesmo sentido já se posicionou o STJ, firmando entendimento de que a delação premiada possa ser aplicada a qualquer crime, contudo deve-se ter a cautela necessária para que não ocorra a banalização deste instituto. Segundo o Ministro Gilson Dipp apud Mendonça (2013) afirmouse que: “acordo de delação premiada é para crimes graves, não só do corréu colaborador como daquele corréu delatado, porque acordo de delação premiada não foi feito para furto de galinha, não pode ser banalizado […]. Quanto ao momento da delação premiada a Lei 12.850/13 indica ser possível a colaboração processual em qualquer fase da persecução penal e até mesmo após o transito em julgado. Havendo, assim, uma colaboração pré-processual e uma pós-processual. O novel legislativo define três requisitos para a colaboração premiada, sendo eles: voluntariedade, eficácia da colaboração e circunstâncias subjetivas e objetivas favoráveis, vejamos o que dispõe o art. 4º, da aventada Lei 12.850/13:

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Art. 4º. O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. (BRASIL, 2013)

vas, desde o contato inicial até a formalização doa acordo. Desde logo, doutrinadores destacam que os atos de uma negociação possuem três regras fundamentais, que estarão presentes na mente do operador: a) sempre ter cautela ao realizar a colaboração; b) a necessidade de corroboração da colaboração (a regra da corroboração); c) necessidade de fazer acordos com baixos integrantes da organização criminosa para incriminar seus líderes. No que diz respeito à legitimidade da propositura, o art. 4º, § 6º, estabelece que as negociações para a realização do acordo de colaboração podem ser feitas pelo Delegado, pelo Membro do Ministério Público, com o investigado e seu defensor. Embora o novel legislativo tenha admitido a possibilidade de o Delegado de Polícia realizar a colaboração, esta somente deve ser admitida se com a participação ativa do membro do Ministério Público, tendo em vista atender ao art. 129, I, da CR: Art. 4º. […] § 6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

Ainda no que diz respeito aos requisitos, especialmente sobe a eficácia, que consiste no pilar da delação premiada vejamos as considerações de Eduardo Araújo Silva apud Mendonça: Não há que se confundir, pois, efetividade das declarações prestadas com a sua eficácia: é possível que o colaborador preste auxílio efetivo às autoridades, esclarecendo os fatos de seu conhecimento, atendendo a todas as notificações e participando das diligências necessárias para apuração do crime, sem que, contudo, tal empenho possibilite os resultados exigidos pelo legislador. (SILVA apud MENDONÇA, 2013, p. 10) Conforme o já transcrito art. 4º, em seu § 1º, estabeleceu circunstâncias subjetivas e objetivas favoráveis à realização de acordo e receber os benefícios.

Uma vez que o MP é o titular da ação penal, não pode ser admitida que seja realizado o acordo sem a participação ativa deste órgão, não sendo possível que seja este homologado sem esta dita participação. Nada impede que o MP ratifique o acordo feito, devendo ter cautela apenas em verificar a concordância. Vejamos as considerações feitas por Mendonça acerca deste tema:

Art. 4º. […] § 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. (BRASIL, 2013)

A nova Lei deixa bastante clara, ainda, a impossibilidade de o juiz participar dos atos de negociação. O art. 4ªº, § 6º, é expresso ao asseverar: “o juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração”. Busca-se, assim, que o magistrado preserve a sua imparcialidade, não se vinculando às tentativas, até mesmo para que possa exercer um melhor controle no momento da homologação do ato. (MENDONÇA, 2013, p. 14)

As circunstâncias pessoais do agente também são importantes. Embora não se exija a primariedade do agente ou que tenha bons antecedentes, sendo necessário que o colaborador demonstre interesse em efetivamente colaborar com as autoridades, e que este não oculte a sua participação ou qualquer outro fato que seja de interesse da investigação. Tal Lei 12.850/13 inovou to tocante a colaboração estabelecendo o procedimento e melhor delimitador das funções das partes no procedimento. Ao estabelecer um referido procedimento claro, o legislador em consonância conseguiu diminuir a insegurança no tocante à colaboração e, assim melhor assegurar os direitos fundamentais, dentro de uma ideia de organização e procedimento. Art. 4º. […] § 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). (BRASIL, 2013) Os atos de uma negociação incluem todos os contatos e tentati-

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A formalização do acordo vem elencada no art. 6º, § 7º: Art. 4º. […] § 7º Realizado o acordo na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.(BRASIL, 2013) Há evidentemente muitas vantagens no que diz respeito a um acordo escrito, dos quais ressaltamos: traz maior segurança para os envolvidos; estabelece com maior clareza os limites do acordo; permite o consentimento informado do imputado, assegurando voluntariedade; dá maior transparência e permitir o controle não apenas pelos acusados atingidos, mas o magistrado, dos órgãos superiores e pela própria população em geral. Traz esta forma de acordo uma maior eficiência para a investigação, ao tempo que melhor assegura os interesses do colaborador e dos imputados.

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O art. 6º da Lei dispõe acerca dos termos do acordo: Art. 6º. O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados; II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário. (BRASIL, 2013) O mesmo diploma legal (Lei 12.850/13) estipula quais os benefícios do aventado acordo de delação premiada. Neste sentido, o STJ leciona: “a aplicação da delação premiada […] deve ser cuidadosa, tanto pelo perigo da denúncia irresponsável quanto pela consequências dela advinda para o delator e sua família, no que concerne, especialmente, à segurança”. No que diz respeito à função do magistrado, embora ele não participe das negociações, possui dupla e relevante atuação. Inicialmente, atuará na homologação do acordo, realizando controle de legalidade e voluntariedade. Atuando, ainda na fase de sentença, oportunidade em que irá aplicar o benefício na fase de aplicação das penas. Na análise da voluntariedade, a lei permite que o juiz ouça o colaborador, sigilosamente, na presença e de seu defensor. Existem três possíveis decisões a serem tomadas pelo magistrado quando do recebimento do pedido, sendo elas: homologar o acordo, não homologá-lo, realizar adequações. Irá homologar caso entenda que foram observados os requisitos, procedimentos e garantias. Por outro lado, poderá não homologar, nos termos do art. 4º, § 8º: “o juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto”. (BRASIL, 2013) Nos moldes do art. 7º, da Lei 12.850/13, a princípio o acordo é sigiloso, sendo importante o sigilo, para impedir que haja pressões indevidas que levem o colaborador a desistir de sua colaboração. Art. 7º. O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto. § 1º As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. § 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento. § 3º O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art. 5º. Uma vez homologado o acordo inicia-se a fase de execução, ou seja, o colaborador irá prestar sua efetiva colaboração com a persecução penal. É o momento em que o colaborador irá por em prática a sua contribuição, executando e dando ao cumprimento do acordo formalizado e homologado.

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A delação não esgota o depoimento do colaborador, caso seja necessário este pode ainda prestar depoimento, caso em que o colaborador renunciará na presença de seu defensor ao direito de silêncio, estando sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade, nos termos do art. 4º, § 14, “nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade. (BRASIL, 2013) Em sede de aplicação do mencionado acordo, em geral, somente na sentença o juiz valorará o acordo formulado entre o MP e a defesa e a efetiva colaboração do colaborador, tendo em vista as provas dos autos. Conforme disposto no art. 4º, § 11: “a sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia”. (BRASIL, 2013) Resta salientar que o acordo de colaboração premiada não se trata de um direito e sim uma expectativa deste. Em outras linhas, afirma-se que haveria mera expectativa de direitos, não gerando direito subjetivo aos pactuantes ou qualquer compromisso de obrigação do julgador. Contudo há doutrinadores que divergem desta opinião uma vez que preceituam que uma vez homologado o acordo e o mesmo tendo sido cumprido não caberia ao magistrado retratar-se em sede de sentença. Tanto STF quanto STJ já firmaram entendimento no sentido de que, se houve efetiva contribuição do réu-colaborador, deve ser assegurada a aplicação do benefício. Ressalta-se que esta posição não elimina os poderes do juiz, que continua a ter diversas e relevantes posições. A Lei 12.850/13 estabelece que pode ocorrer dois tipos de colaboração: a pré-processual – sendo aquele que ocorre na fase processual após o recebimento da denúncia até a fase de sentença, havendo ainda a colaboração pós-processual – sendo aquela que se dá na fase de condenação. Esta ultima, em que o acordo se dá após a existência de uma situação processualmente definida, a colaboração se limita e se restringe em muito. O art. 5º da Lei 12.850/13 estabelece os direitos do colaborador: Art. 5º. São direitos do colaborador: I - usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica; II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; IV - participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; V - não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito; VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados. (BRASIL, 2013) Em suma o novel legislativo em comento disciplinou os aspectos processuais da colaboração premiada, sobretudo ao estabelecer as garantias e funções das partes, bem como o procedimento para colaboração. Em suma esta lei traça novos rumos para a delação premiada, sendo que esta pode ser aplicada a diversos crimes, não havendo rol taxativo a sua aplicação, contudo devendo observar a gravidade do crime e a real necessidade da colaboração em comento. 3.1 Os princípios constitucionais e processuais A delação premiada é um fenômeno que cresce cada vez mais, principalmente no Brasil em virtude dos gigantescos fenômenos de corrupção estes instituto vem ganhando extrema força na persecução criminal. Evidentemente que a delação premiada deve ser analisada frente aos princípios processuais e constitucionais a fim de ver se sua

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validade ou eficácia na hora de decifrar as organizações criminosas e saber o modus operandi vale o risco de eventualmente ferir tais princípios. Em uma perspectiva geral o princípio do devido processo legal funciona como um freio ao poder dado pelo cidadão a um ente maior, qual seja o Estado. Até mesmo porque o contrato social não pode ser voltar contra àqueles que o firmaram. Em sua perspectiva forma e instrumental, o devido processo legal projeta princípios sem que haja o prejuízo da punibilidade, funciona, em outras palavras, como um contrapeso aos excessos do Estado-acusador. No âmbito processual garante ao acusado a plenitude de defesa compreendendo o direito de ser ouvido, de ser informado pessoalmente de todos os atos processuais, de ter acesso à defesa técnica, de ter oportunidade de se manifestar sempre depois da acusação. Em síntese este princípio busca minimizar o conflito entre o jus puniendi e o jus libertatis. O acusado possui consagrado, através deste princípio, o direito de rebater as provas careadas nos autos. É a base do Estado Democrático de Direito, que é deixada de lado pelo colaborador inobservando seu direito ao devido processo legal, uma vez que este ao colaborar assume a sua coautoria no fato delituoso. Em síntese demonstra-se que o devido processo legal foi mitigado a fim de propiciar a colaboração premiada a fim de que agora haja regras para que o devido processo possa seguir seu curso com a dita colaboração. Já o contraditório e a ampla defesa estão intimamente ligados ao contraditar, isto é, afirmar em sentido contrário, o que se funda aqui é a garantia de contraditório, oportunizada ao acusado, e de forma evidente o contraditório deve estar presente para que haja o devido processo legal. Ampla defesa e contraditório indissoluvelmente estão ligados, uma vez que seja do contraditório que se brota a ampla defesa. O art. 5º da CR, em seus incisos LV e LXXIV, garantem a todos os cidadãos brasileiros a ampla defesa e o contraditório, ainda que garantem assistência judicial gratuita aos menos afortunados. A ampla defesa em suma é a garantia ao acusado o conhecimento inequívoco da imputação que lhe é feita, tendo esta que ser vista como uma garantia constitucional, tanto para o acusado, quanto para o Estado Democrático de Direito que prima por um processo justo. Assim como a ampla defesa assegura a possibilidade de o acusado da imputação que lhe é feita, guarda, ainda, meios jurídicos de atacá-la, vez que há processualmente o direito de contraditório. Mutatis mutandis o delator, abre mão destes princípios e se assume como coautor ou partícipe da conduta delituosa. Havendo que salientar, por fim, que uma vez que inobserva o contraditório e a ampla defesa, por consequência há que se falar em inobservância do princípio da presunção da inocência, sendo que o ônus probatório agora é transferido ao delator. Muitos doutrinadores dissertam sobre o fato de que o direito de silêncio dever-se-ia estender-se às objeções a que tem direito o investido/acusado/denunciado de colaborar com a produção de provas de que dependam a sua cooperação. A delação premiada seria a mitigação desta garantia de não autoincriminação, sendo uma afronta ao direito pátrio. Nesse sentido assevera Eugênio Pacelli de Oliveira apud Gava:

mental, de sua capacidade de autodeterminação e do exercício efetivo do direito de não ser obrigado a depor contra si. (OLIVEIRA apud GAVA, 2013) Ante exposto, o alcance da garantia da não autoincriminação deve estar delimitado à finalidade a qual foi instituída. Há ainda que salientar a existência de uma corrente que diga que o princípio da não autoincriminação, bem como a garantia constituição do direito de silêncio esteja intimamente ligado a um suposto direito de mentir. Para muitos, por força destas prerrogativas o acusado, no exercício à ampla defesa, o direito de mentir, sem que, em consequência, sofra qualquer admoestação e/ou punição; para outros, porém, evidencia-se que o denunciado tendo usado de mentiras e meios ardilosos, em dependendo de sua gravidade, deverá este ser punido por tal ação. Contudo, evidencia-se que a omissão, fato de permanecer em silêncio, de modo algum pode ser punido, vez que este se trata de uma garantia constitucional. 3.2 Delação premiada e seu valor probatório O objeto de prova o objeto da prova inegavelmente é o fato, buscando-se assim formar a convicção do juízo sobre os elementos necessários para a decisão da causa. Somente constitui-se objetos de prova os fatos que possam dar lugar a dúvida. Ada Pellegrini Grinove apud Lescano (2013, p. 19) leciona que prova é o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos. A delação premiada, noutro giro, é uma prova anômala, totalmente irregular, pois esta como visto viola princípio do contraditório, um dos pilares do processo criminal. A este respeito o doutrinador Guilherme de Souza Nucci leciona que o princípio do contraditório é constitucionalmente previsto, de modo que assevera que nada que viole um princípio constitucional pode ser aceito e assimilado pelo sistema jurídico. Vejamos: Não é porque as decisões reiteradas dos tribunais vêm aceitando teses de constitucionalidade duvidosa – tais como a aceitação de declaração do co-réu, sem permitir a interferência das partes na produção desse depoimento ou mesmo a assimilação das confissões extrajudiciais, com uma força probatória bastante questionável e em oposição ao princípio do devido processo legal – que devam permanecer como estão. (NUCCI apud LESCANO, 2013, p. 20) Ainda aponta a doutrina que é duvidosa a constitucionalidade da delação premiada, uma vez que, conforme demonstramos, esta fere princípios constitucionais e basilares do direito processual. Havendo os que afirmem que no caso da colaboração premiada não há processo uma vez que não esteja presente o contraditório. A confissão obtida por meio da delação não preserva o contraditório, por consequência não preserva o processo. Neste sentido cabe destacar as linhas de Damásio de Jesus:

É bom de ver que em todas as legislações citadas há também previsão e aplicação do princípio da não autoincriminação, mas nos limites de suas concretas finalidades, que é a proteção da dignidade humana da pessoa, da sua integridade, física,

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A polêmica em torno da delação premiada, em razão de seu absurdo ético, nunca deixará de existir. Se, de um lado, representa importante mecanismo de combate à criminalidade organizada, de outro, parte traduz num incentivo legal à traição. A nós, estudiosos e aplicadores do Direito, incumbe o dever de utilizá-la cum grano salis […] não podem as autoridades encarregadas da persecução penal contentarem-se com a delação, sem buscar outros meios probatórios tendentes a confirmá-la. (JESUS apud FALCÃO JUNIOR, 2012, p. 8) CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


Não se trata aqui de nos colocarmos a favor ou contrários a delação premiada, nem de tratar dos resultados quantitativos e qualitativos de seu uso, mas sim de apontarmos que esta não pode ser tida como constitucional uma vez que inobserva diversos princípios constitucionais. 4 AS PRINCIPAIS CRÍTICAS AO MODELO DE DELAÇÃO PREMIADA Ao longo de nosso estudo demonstramos que a delação premiada vem ganhando notoriedade no campo jurídico, sendo ainda amplamente utilizada, contudo esta não se trata de uma criação ou produto recente, tão pouco fruto de novel legislativo. São inúmeras as críticas que surgem deste modelo de persecução, tendo em vista, como já demonstrado, a amplitude de princípios que esta fere. Ademais, a ampla utilização da delação premiada evidencia uma incapacidade do Estado frente as mais variadas formas de ações criminosas, e demonstre a aceitação de sua ineficiência ao apurar ilícitos penais. Por si só, a delação sendo premiada ou não demonstra uma ausência de freios éticos, e seu uso imoderado reafirma a incapacidade estatal. Destacamos as linhas do pensamento de Renato Marcão, acerca deste assunto: Em relação a delação premiada, o que se vê é o seu surgimento quando há desajuste entre os envolvidos; quando um se sente prejudicado pela persecução penal (em sentido amplo) e desamparado pelo (s) comparsa (s). O desespero, a simples intenção de beneficiar-se, ou ambos, constitui o mote da delação. Não há qualquer interesse primário em colaborar com a Justiça; não á qualquer conversão do espírito e do caráter para o bem; não há preocupação com o que é realmente justo e verdadeiro; não há, enfim, motivo de relevante valor moral para a conduta egoísta. Porém, dela se vale o Estado na busca da verdade real; dela se utiliza a Justiça na busca de sua finalidade mediata: a paz social. Além das questões éticas, outros problemas podem ser identificados, e dentre eles podemos citar, por exemplo, a possibilidade do instituto gerar a “acomodação”, a apatia da autoridade incumbida da apuração, pois, passando a contar com a possibilidade de delação não poderá deixar de dedicar-se com mais afinco na realização de seu ofício; é possível que a delação proporcione de forma proposital o desvio no rumo das investigações, ainda que temporário, porém, com reflexos negativos à apuração da verdade etc. (MARCÃO, 2013, p. 1) Assim, infere-se que muitas são as críticas a esse modelo, e que neste trabalho não temos a pretensão de esgotá-las antes a sua vastidão. Sendo ainda que resta salientarmos que, de fato o modelo de colaboração premiada além de ferir princípio e garantias fundamentais recepcionados pela nossa constituição, inobserva ainda preceitos éticos e reafirma uma incapacidade estatal em prevenção a criminalidade. 5 CONCLUSÃO Com vantagens ou desvantagens a delação premiada vem sendo largamente utilizada, e muitas vezes com pouco ou nenhum critério, o que se trata de uma ineficiência dos aplicadores do direito. Em contra partida muitos possíveis delatores optam por não colaborar com a persecução uma vez porque os termos da delação não vêm sendo cumprido, e tantas outras vezes porque é inegavelmente

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ineficiente o Programa de Proteção às Vítimas e Testemunhas. Observam-se muitas variações neste instituto e muitas vezes a delação premiada e tida como “mal necessário”. Evidentemente, este instituto necessita de aprimoramento em sua estrutura normativa, bem como na sua aplicação ao caso concreto e certo rigor para a escolha de situações concretas que se necessita de fato firmar o aventado acordo de colaboração premiada. Ademias não se pode desconsiderar que este meio de prova mitiga direitos fundamentais e princípios constitucionais, que assim invalidam o processo deixando-o com inúmeras nulidades. De uma forma geral, conclui-se com este estudo que apenas de estar presente em nosso ordenamento jurídico desde a década de 90, foi somente em 2013 que a colaboração premiada teve seu aspecto material legislado. Noutro sentido, este novel legislativo ainda em evidente construção que firmam seu alicerce no direito, propicia amplas a dúbias discussões acerca dos reais benefícios desta dita delação em face dos princípios que esta inobserva. Não tínhamos a pretensão de esgotar o tema, até mesmo porque seus contornos ainda estão sendo traçados. Evidente que em muitos casos e escândalos atuais estes meios de obtenção de provas foi utilizado tendo em vista a necessidade estatal, contudo ao passo que o Estado necessita desta colaboração, este afirma a sua ineficiência, e admite que a luz do Estado Democrático de Direito o próprio Estado fira princípios constitucionais. REFERÊNCIAS BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do Direito Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2011. 254 p. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 159 p. BRASIL. Código penal (1940). Código penal. In: REUTERS, Thomson. Vademecum universitário de direito Revista dos Tribunais. 6. ed. SãoPaulo: RT, 2013. p. 895-979. BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil.Brasília: Senado, 1988. 168 p. BRASIL. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2 ago. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/12850. htm>. Acesso em: 28 abr. 2015. BRASIL. Lei de execução penal (1984). Lei de execução penal. In: REUTERS, Thomson. Vademecum universitário de direito Revista dos Tribunais. 6. ed. SãoPaulo: RT, 2013. p. 1908-1938. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação especial. 8ª. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. 782 p. FALCÃO JÚNIOR, Alfredo Carlos Gonzaga. Delação Premiada: constitucionalidade e valor probatório. Revista Ministério Público Federal Custus Legis, Distrito Federal, p. 1-22, 2014.

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PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA: possibilidade de isenção de impostos como forma de incentivo José Domingues Barbosa1

RESUMO: Este trabalho de conclusão de curso, apresentado ao fim do curso de graduação em Direito do Centro Universitário Newton Paiva, visa discutir as parcerias público-privadas tendo como enfoque principal a possibilidade de isenção de impostos a empresas que estão sob o regime destas ditas parcerias, de forma a conseguir lograr maior incentivo a estas para que as ditas parcerias sejam firmadas. Trataremos da descentralização do Poder Público, que levou a um crescente grande de parcerias sendo firmadas entre o setor público e o setor privado. Ademais, demonstraremos os benefícios destas parcerias. Após evidenciaremos que em muitas atividades e prestação de serviços essenciais há que se falar em incentivo para que as empresas privadas queiram firmar parcerias com o setor público. Em suma, buscaremos demonstrar que este incentivo se faz presente na isenção de imposto e que esta isenção de fato é legalmente possível. Palavras-chave: Parceria. Público-privada. Isenção. Possibilidade jurídica. Incentivo.

1 INTRODUÇÃO Neste trabalho de conclusão de curso iremos abordar as parcerias público-privadas de modo a ressaltar os benefícios da concessão de impostos quando as empresas prestam serviços ou executam obras por meio destas ditas PPPs. Para demonstrarmos e fundamentar esta nossa tese de benefícios destas aludidas isenções, faremos primeiramente uma abordagem sobre o que é serviço público, como estes podem ser executados, trataremos de seu conceito, das suas características, classificações e execuções. A partir da abordagem sobre as formas de execução destes serviços públicos traremos a baila uma breve discussão sobre as formas de descentralização e regimes de parcerias que começaram a ter uma crescente considerável. Trataremos sobre as concessões de serviços públicos e seus aspectos gerais, aprofundando por óbvio nas concessões especiais, especificamente nas parcerias público-privadas, trazendo seu conceito, suas modalidades. Após tratarmos de todos estes conceitos e discutirmos a importância da descentralização nas formas de executar serviços públicos, abordaremos nosso tema de fato que consiste no apontamento dos benefícios e, principalmente, da possibilidade legal de isenção de impostos quando tratar-se de obra executada por meio de PPP. Faremos apontamentos destes benefícios e até mesmo da necessidade em algumas parcerias que os mesmo existam para que fomente interesse de atuação no campo privado em firmar parceria com o Poder Público. Trataremos neste trabalho das teses e das antíteses sobre o tema demonstrando quão importante estas isenções são para o contexto geral das parcerias público-privadas. 2 SERVIÇOS PÚBLICOS Para defender nossa tese de benefícios das parcerias público -privadas e a sua importância no cenário do Direito Administrativo é preciso antes de tudo explanar alguns conceitos, até mesmo para que

nossa defesa seja mais bem fundamentada. Antes de mais nada ao se falar de parcerias público-privadas remete-se aos serviços públicos que, que são compreendidos como serviços de prestação de utilidade ou comodidade material que se destina a satisfazer uma coletividade (MELLO, 2003). Contudo, esta dimensão não pode ser considerada como um conceito doutrinário de serviço público, portanto, passemos aos conceitos de serviço público, para que possamos melhorar no estudo de nosso tema. 2.1 Conceito É uníssono na doutrina que não se trata de uma tarefa fácil conceituar serviços públicos devido a vários fatores que mencionaremos mais à frente. Contudo, podemos a partir de doutrinadores por nós selecionados, demonstrar alguns conceitos doutrinários a fim de conseguir diagnosticar pontos comuns entre os referidos doutrinadores. Primeiramente, Di Pietro (2005) destaca em sua obra que a dificuldade em conceituar serviço público se dá pelas diversas transformações que esta sofreu no decurso do tempo. Além disso, cumpre ressaltar que alguns autores optam por adotar um conceito amplo, ao passo que outros adotam um conceito restrito. Para o mesmo autor, “nas duas hipóteses combinam-se, em geral, três elementos para definição: o material (atividades do interesse coletivo), o subjetivo (presença do Estado) e o formal (procedimento de direito público” (DI PIETRO, 2005, p. 95). Em outras palavras a noção de destacada acima demonstra que ao falarmos de serviço público o que primeiro deve-se vir a mente é que trata-se de um serviço cujo interesse seja público e requer-se a presença do Estado, ainda, que o procedimento de execução seja de direito público. Já para Carvalho Filho (2007) a expressão serviço público denota dois sentidos de fundamentação, um subjetivo e outro objetivo, sendo que no primeiro levam-se em conta os órgãos estatais responsáveis pela execução das atividades voltadas à coletividade, já no segundo, porém, trata-se da atividade em si, prestado pelo Estado e seus agentes. Para nós cabe aprofundar em capítulo próprio o sentido subjetivo ao passo que essa execução não seria prestada pelo Esta-

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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do, mas sim por meio de parcerias com o setor privado. Contudo, devemos entender demasiadamente o sentido objetivo para que embasemos nossa defesa dessas aludidas parcerias. Marcelo Caetano apud Carvalho Filho (2005, p. 280) define da seguinte forma serviço público: Chamamos de serviço público ao modo de atuar da autoridade pública a fim de facultar, pode modo regular e contínuo, a quantos deles careçam, os meios idôneos para satisfação de uma necessidade coletiva individualmente sentida. (grifo nosso) A expressão acima destacada demonstra-se bem relevante tendo em vista que a prestação de serviços públicos advém de uma necessidade da coletividade. Ainda, chamamos atenção para o fato de que os serviços públicos devam ser prestados de forma regular e contínua e as necessidades são coletivas, contudo a satisfação dessa necessidade será individual. A matéria de serviço público ao ser tratada pela doutrina pátria possui ainda três correntes distintas, que conforme apontado, de forma ilustre, pelo doutrinador Carvalho Filho (2007) encontram-se, nos dias de hoje, desatualizadas. A primeira baseia-se no critério orgânico, pelo qual o serviço público é prestado por órgão público, qual seja o Estado. Porém é exatamente este critério que demonstraremos não mais estar em consonância com a nossa realidade, sendo extremamente benéfico que alguns serviços sejam prestados por meio de parcerias. A segunda corrente considera o critério formal, que se pauta no aspecto jurídico de prestação do serviço público, determinando que serviço público deva ser disciplinado por regime de direito público, outro critério superado tendo em vista que alguns serviços públicos devam possuir competitividade no mercado, este critério se demonstra insuficiente tendo em vista que alguns seguimentos devem obedecer regime de direito privado. Por fim, a terceira corrente considera o critério material, que leva em consideração a natureza da atividade exercida, o qual determina que serviço público é aquele que atende direta e essencialmente a comunidade, no entanto a crítica feita nesse sentido ressalta que algumas atividades, embora não atendam diretamente o indivíduo são em prol da coletividade. Mello (2002) destaca que tal serviço possui substrato material, considerado pelo autor como sendo a característica de que o serviço e voltado a uma coletividade, no entanto a satisfação é individual. Di Pietro nos dá a sua definição de serviço público: […] toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público. (DI PIETRO, 2005, p. 99) Di Pietro (2005) ao tratar da definição de serviços público, aponta elementos desta definição que ajudam na sua compreensão, a doutrinadora destaca a existência de elementos subjetivo, formal e material. Elemento subjetivo destaca que o serviço público é sempre de incumbência do Estado, conforme se encontra expresso no art. 175 da CF/88, e sempre depende do Poder Público. 2.2 Características A caracterização dos serviços públicos é o resultado da sua própria formulação conceitual, estas características são apontadas como LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

sendo um complexo de traços, “que conferem a fisionomia jurídica do instituto e guardam pertinência com quem presta o serviço; com o fim a que se destina o serviço; e com o regime jurídico sob a égide do qual ele é executado” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 281). Destacamos, após o estudo da obra de Carvalho Filho (2007), que os serviços públicos possuem três principais características, sendo elas: o sujeito estatal, o interesse coletivo e o regime jurídico. No que se refere ao sujeito estatal há imperativo de que serviços públicos devam ser incluídos objetivos do Estado tendo em vista o caráter de que sua execução seja de interesse público, por isso destaca-se são criados, regulamentados e fiscalizados pelo Poder Público. Cabe destacar nesse momento que as relações sociais e econômicas da modernidade permitem que o Estado delegue a um particular a execução de certos serviços públicos, o que se trata do alvo deste estudo. Ainda nesse sentido, evidencia-se que mesmo sendo delegado não há que se falar em descaracterização de serviço público, uma vez que o Estado sempre reserva ao poder jurídico a regulamentação, alteração e fiscalização desse serviço. O interesse coletivo se liga ao fato de que o Estado deva propiciar comodidades e utilidades a sua população, serviços que serão por eles fruídos. Por outro lado, a grande gama de interesses coletivos requer uma divisão entre interesses primários/essenciais e secundário/não essenciais. No entanto, essa essencialidade não possui conceitos pré-definidos, variando de acordo com o lugar e com o tempo. Por último, temos como característica dos serviços públicos o regime de Direito Público, o que se trata de uma consequência natural tendo em vista se tratar de um serviço de interesse coletivo oferecido pelo Estado. 2.3 Classificação As classificações variam de acordo com o doutrinador adotado, neste estudo adotaremos a classificação dada por Carvalho Filho (2007), que considera serem quatro as classificações dos serviços públicos: 1. Serviços Delegáveis: os serviços delegáveis são aqueles que por sua natureza ou pelo fato de assim o ordenamento jurídico permitir, comportam que a execução seja pelo Estado ou por particular. Já os indelegáveis são aqueles que somente podem ser prestados pelo Estado de forma direta. Serviços delegáveis, mesmo que prestados pelo Estado, de forma direta, algum dia ou em alguma ocasião poderão ser passados para particulares. Noutro giro, serviços indelegáveis são inerentes ao Poder Público centralizado e entidades autárquicas e não podem ser transferidos. Alguns doutrinadores adotam como nomenclatura serviços próprios ou impróprios, mas que representam a mesma definição. 2. Serviços administrativos e de utilidade pública: o Estado ao prestar serviços públicos sempre se volta aos interesses da coletividade. Contudo a fruição destes serviços pode-se dar de forma direta ou indireta. Considerando-se serviços administrativos àqueles que o Estado executa para compor sua melhor organização. Já os serviços de utilidade pública, se destinam diretamente aos indivíduos, possuindo uma fruição direta destes. 3. Serviços coletivos e singulares: serviços coletivos são aqueles que são prestados a um agrupamento indeterminado de indivíduos, já os serviços singulares preordenam-se a destinatários individualizados, sendo mensurável a sua utilização por cada um dos indivíduos. No primeiro não há que se falar em direito subjetivo, ao passo que no segundo criam-se direitos subjetivos quando o indivíduo se mostra e

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condições técnicas de recebê-los, estando nas mesmas condição há que se prestar tais serviços a todos que detenham, em conformidade com o princípio da impessoalidade. 4. Serviços sociais e econômicos: serviços sociais são aqueles que o estado executa para atender a anseios sociais básicos ou uma atividade que propicie comodidade relevante, ou serviços assistências protetivos. De outro lado, os serviços econômicos são aqueles que por sua possibilidade de lucro, representam atividades de caráter mais industrial ou comercial, são serviços que conforme o texto constitucional são atividades econômicas que possuem liberdade de iniciativa, e por mais que sejam de titularidades de particulares, em situações específicas o Estado as executa quando atenderem a relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional (art. 173, CF), havendo ainda hipóteses de ressalvas de prestação dos serviços ou monopólio estatal para a exploração de determinada atividades econômica (arts. 22, XII, b e 177 da CF). 2.4 A execução do serviço Já vimos até o presente momento neste estudo que a titularidade dos serviços públicos pertence ao Estado, e que estes serviços objetivam atender a interesses de uma coletividade, e muitas vezes chegam a ser considerados como a própria essencial estatal (CARVALHO FILHO, 2007). No entanto em algumas situações é de interesse do Estado dividir, algumas vezes, a tarefa de executá-los, estas parcerias são motivadas por duas questões em específico: primeira delas é o aumento crescente da gama de serviços que devam ser prestados tendo em vista o interesse coletivo, por outro lado há interesse dos particulares em obtenção de lucro decorrente destas atividades. Por óbvio que os interesses particulares não podem se sobrepor aos interesses coletivos. Diante destas considerações há duas formas de execução de serviços públicos: a direta e a indireta. A primeira delas a execução direta é aquela através da qual o próprio Estado presta diretamente os serviços público, acumulando a situação de titular e de prestador. Ressalta-se que a doutrina fala em Estado no sentido de pessoa federativa, cabendo a cada serviço a execução pela União, Estados ou Município tendo em vista a modalidade de serviço que será prestada. Noutro giro, há a execução indireta, que se dá quando os serviços públicos são prestados por entidades diversas do ente federativo. Aqui o Estado por conveniência e por situações de mercado transfere os encargos de prestação destes serviços a outras pessoas. Certo que nesta situação o Estado abdica da execução, mas nunca abdicando da do dever de controle destas atividades, porque uma vez que prestado por terceiros, não pode o Estado deixar de ter responsabilidade no processo de prestação destes serviços. Para nosso trabalho cabe destacar que interessa a forma indireta de prestação destes serviços uma vez que defenderemos os benefícios que parcerias público-privadas trazem aos entes federados. 2.5 Breves comentários acerca da descentralização e regimes de parcerias Descentralizar os serviços públicos vem ganhando cada vez mais destaque na prestação dos mais variados serviços pelos entes federados, e “traduz a transferência da execução a atividade estatal a determinada pessoa integrante ou não da Administração” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 296). Esta descentralização pode se dar de duas formas, sendo a primeira uma descentralização territorial na qual se transfere a execução a outro ente federado de forma a centralizar necessidades de uma coletividade local. Já a segunda trata-se de uma descentralização ins-

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titucional que representa a transferência do poder estatal para pessoa jurídica própria, aqui é caráter administrativo e não político. Cada vez mais comum ocorrer à descentralização dos serviços públicos, pois conforme já mencionado neste mesmo estudo nos dias atuais vem crescendo e muito a gama de serviços de interesse coletivo. Agora no que se refere aos regimes de parcerias eles serão tratados de forma mais aprofundada em capítulo próprio, no entanto aqui daremos noções gerais por trata-se de uma das formas mais genuínas de descentralização. As parcerias são quando o Estado, com finalidade de se modernizar, executa serviços público pelo regime de parcerias, o que caracteriza uma aliança entre poder público e entidades privadas, e possui objetivo de chegar aos mais diversos segmentos da sociedade e as mais diversas necessidades coletivas. Vejamos as considerações de Carvalho Filho (2007, p. 303) a esse respeito: O ponto característico nuclear desse regime consiste em que a parceria do Estado é formalizada junto com pessoas do direito privado e da iniciativa privada, ou seja, aquelas que, reguladas pelo direito privado, não sofrem ingerência estatal em as estrutura orgânica. A elas incumbirá a execução de serviços e atividades que beneficiem a coletividade, de modo que tal atuação se revestirá da qualificação de função delegada do Poder Público. Sempre devemos ressaltar que mesmo se tratam de uma execução por particular os interesses deste não pode se sobrepor aos interesses coletivos. 3 DAS CONCESSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS – ASPECTOS GERAIS Há que ressaltar que em vista das breves considerações realizadas sobre a descentralização já se percebe que nos dias atuais, em se tratando de grande parte dos serviços públicos, opta o Estado por deixar que outros executem em seu nome serviços de interesses de uma coletividade. Conforme determinam as lições de Di Pietro (2005) deve-se os serviços públicos e a atuação estatal devem conviver com a iniciativa privada. A classificação básica conforme menciona Carvalho Filho (2007) divide o serviços públicos em duas categorias: concessões comuns e concessões especiais. As concessões comuns são reguladas pela Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e comportam duas modalidades: concessões de serviços públicos simples e concessão de serviços público precedidas da execução de obra pública, “sua característica consiste no fato de que o poder cedente não oferece qualquer contrapartida pecuniária ao concessionário; todos os recursos provêm das tarifas pagas pelo usuário” (CARVALHO FILHO, 2013, p. 421). Para nosso estudo nos interessa a modalidade de concessões especiais, por meio da qual se firmam as parcerias público-privadas. Estas concessões especiais estão reguladas pela Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, e “são caracterizadas pela circunstância de que o concessionário recebe determinada contraprestação pecuniária do concedente” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 316). Mello (2002, p. 643) cuidou de conceituar a concessão de serviço público o como:

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[…] instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que o aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições e garantia contratual de um

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equilíbrio econômico e financeiro, remunerandose pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço. Ainda sobre a definição dada acima é necessário definir o que se entende por equilíbrio econômico e financeiro: […] a relação que foi estabelecida pelas próprias partes contratantes no momento da conclusão do contrato, entre um conjunto de direitos do contratado e um conjunto de encargos deste, que pareceram equivalentes, donde o nome de equação; desde então esta equivalência não mais pode ser alterada. (WALINE apud MELLO, 2002, p. 644) A concessão possui uma relação jurídica complexa, que conforme Mello (2002) é composta de um ato regulamentar do Estado que fixa as condições de organização e modo de prestação dos serviços públicos. Já para o concessionário a prestação deste serviço é um meio através do qual este obtém seu fim: o lucro. Já este lucro é tido para o Estado como meio para alcançar a sua finalidade, qual seja a prestação de um serviço de qualidade. Cabe destacar que conforme os apontamentos feitos por Mello (2002), a outorga do serviço (ou obra) em concessão depende de lei que a autorize, não sendo possível que o Estado a seu bel prazer entenda por bem transferir a terceiros o exercício de atividade havida como peculiar do Estado. Destaca-se que a diferenciação entre concessão e permissão de serviços públicos é, em suma, identificada pela natureza jurídica diversa, uma vez permissão possui natureza de ato administrativo, ao passo que concessão, conforme vimos, tem natureza de contrato administrativo. Contudo ambos os institutos: 1) São formalizados por contratos administrativos; 2) têm o mesmo objeto: a prestação de serviços públicos; 3) representam a mesma forma de descentralização: ambos resultam de delegação negocial; 4) não dispensam licitação prévia; 5) recebem, de forma idêntica, a incidência de várias particularidades desse tipo de delegação, como supremacia do Estado, mutabilidade contratual, remuneração tarifária, etc. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 357). No entanto, apesar destas similitudes há muitos pontos em que a concessão se difere da permissão, das quais apontamos: na permissão há possibilidade de haver pessoa física, ao passo que na concessão esta situação é vedada, havendo portanto diferenciação na natureza do delegatário; a permissão é dotada de precariedade, o que não é visto na concessão; a permissão muitas vezes é caracterizada pelo contrato de adesão. Em virtude de não se tratar de tema central de nosso estudo, passemos neste momento para um estudo mais aprofundado acerca das concessões especais, parcerias público-privada. Sendo que é necessário entenda-las para que depois possamos analisá-las no que se refere as suas benesses para a organização e estruturação do Estado.

de concessão, admitindo-se duas modalidades: a concessão patrocinada e a concessão administrativa: “parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa” (BRASIL, 2004). Ressalta-se que as parcerias público-privadas “tem sido adotadas com sucesso em diversos ordenamentos jurídico como Portugal, Espanha, Inglaterra e Irlanda” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 364). Tendo sido justificada por dois pontos fundamentais: “a falta de disponibilidade de recursos financeiros e a eficiência da gestão do setor privado” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 364). Cabe destacar que estas parcerias são normatizadas por textos legais que as deixam em conformidade com os parâmetros estabelecidos na Constituição. 4.1 Conceito A Lei nº 11.079/2004, não definiu legalmente o que seriam parcerias público-privadas, limitando-se a estabelecer que estas seriam contratos administrativos de concessão, na modalidade, conforme já mencionado patrocinada ou administrativa. Contudo, destacamos que conforme entendimento de Carvalho Filho (2007) o termo parceria está em desconformidade com a sua estrutura semântica, uma vez que não há parceria em seu sentido verdadeiro. No entanto vejamos o conceito dado por Carvalho Filho (2007, p. 365): Dentro dos objetivos da lei, pode o contrato de concessão especialmente sob regime de parceria público-privada ser conceituado como acordo firmado entre a Administração Pública e pessoa do setor privado com o objetivo de implantação ou gestão de serviços públicos, com eventual execução de obras ou fornecimento de bens, mediante financiamento do contrato, contraprestação pecuniária do Poder Público e compartilhamento dos riscos e dos ganhos entre os pactuantes. Os doutrinadores Alexandrino e Paulo (2015, p. 818) em sua obra destacam que as parcerias público-privadas “têm como objetivo atrair o setor privado, nacional e estrangeiro, basicamente para investimentos em projetos de infraestrutura de grande vulto” estabelecendo, ainda, que estes são “necessários ao desenvolvimento do País, cujos recursos envolvidos excedem a capacidade financeira do setor público”. Para o Conselho de Gestão Públicas do Estado do Rio de Janeiro, em Manual publicado, as parcerias público-privadas são definidas da seguinte forma:

4 CONCESSÃO ESPECIAL DE SERVIÇOS PÚBLICOS – PARCERIAS PÚBLICOPRIVADAS A Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, instituiu normas gerais sobre licitação e o que denominou na nomenclatura de “parcerias público-privada” no âmbito na União, Estados e Municípios, embora o projeto inicial deste texto normativo quisesse enquadrar este tipo de contratação no rol do sistema geral de contratos, acabouse por considerar, conforme art. 2º, como um contrato administrativo LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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As PPPs são associações entre os setores público e privado, em que as partes trabalham em conjunto para benefício mútuo, segundo regras previamente estabelecidas. As PPPs são, em realidade, uma nova modalidade de concessão de serviços públicos, em que há obrigatoriedade de aporte de recursos do parceiro público ao parceiro privado, já que o retorno financeiro dos investimentos e gastos operacionais por este último não seria suficiente apenas com receitas próprias (BRANCO; FIEGO; ALVES, 2008, p. 9). Já para Di Pietro: [...] a parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão que tem por objeto: (a) a execução de serviço público precedido ou não de obra pública, remunerada mediante tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro público, ou (b) a prestação de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, com ou sem

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execução de obra e fornecimento e instalação de bens, mediante contraprestação do parceiro público (DI PIETRO, 2006, 161).

Vejamos as considerações de Alexandrino e Paulo (2015, p. 820) sobre as modalidades de concessão especiais: a) concessão patrocinada: é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas descrita na Lei 8.987/1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado; b) concessão administrativa: é o contrato de prestação de serviços de que a administração pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

Outra definição que gostaríamos de destacar é aquela dada por Modesto (2007, p. 480-481): [...] contrato administrativo de longo prazo, celebrado em regime de compartilhamento de riscos, remunerado após a efetiva oferta de obra ou serviço pelo parceiro privado, responsável pelo investimento, construção, operação ou manutenção da obra ou do serviço, em contrapartida a garantias de rentabilidade e exploração econômica assegurada pelo Poder Público.

Sobre os ensinamentos de Ribeiro e Prado (2007, p. 69), destacamos as seguintes linhas de pensamento:

Poderíamos buscar mais tantas outras definições acerca das parcerias público-privadas, no entanto acreditamos as dadas até o momento de fato contribuem para que entendamos melhor esta modalidade de concessão de serviço público. Em síntese, trata-se de um contato administrativo de concessão feito em associação entre os setores públicos e privado, objetivando a implantação de serviço público. 4.2 Modalidades Os contratos de concessão de serviço público na modalidade especial, parceria público-privada comportam duas modalidades: a concessão patrocinada e a concessão administrativa. A concessão patrocinada vem descrita no § 1º, do art. 2º, da Lei 11.079/04: § 1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. (BRASIL, 2004) Esta modalidade se caracteriza pelo fato de o concessionário perceber recursos de duas fontes: uma pela cobrança de tarifas, que são pagas pelos usuários, e a outra, de caráter adicional, que é paga pelo poder concedente ao particular contatado. Já a modalidade de concessão administrativa, vem descrita no §2º, do mesmo texto normativo em comento: “é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens” (BRASIL, 2004). Esta modalidade, não comporta remuneração pelo sistema de tarifa a cargo dos usuários, uma vez que o pagamento da obra ou serviço é pago pelo concedente, sendo que estes recursos que podem ter sua origem em outras fontes. As concessões patrocinadas sujeitam-se de forma subsidiária à Lei nº 8.987/95 (lei geral das concessões), bem como outras leis correlatas ao referido diploma. Já as concessões administrativas encontram-se legalmente previsto a aplicação subsidiária das Leis nº 8.987/95 e 9.074/95, no que couber.

[...] a delegação pelo Estado, á iniciativa privada, da exploração de um serviço cuja prestação tenha sido originalmente atribuída ao Estado, por meio de lei ou pela Constituição, sob a justificativa de se tratar de um serviço essencial à coletividade. Ou seja, “conceder” significa “ceder”, “delegar”, mediante contrato ou outro instrumento normativo, como um decreto, a exploração de uma atividade de titularidade estatal ao setor privado. Essa ideia de concessão tem, assim, como pano de fundo a teoria dos serviços públicos, da Europa Continental. Sintetizando este item de nosso estudo, há duas modalidades de concessões de serviços públicos por meio de parcerias público -privadas: patrocinadas e administrativas, sendo que na primeira há adicional de tarifas que são pagas pelos usuários, já na segunda não há remuneração por meio de tarifas. 5 OS BENEFÍCIOS EM CONCEDER ISENÇÕES DE IMPOSTOS QUANDO TRATAR-SE DE OBRA EXECUTADA POR PPP Isenção tributária, assim como sua incidência é ato que decorrer de Lei, em outras palavras é o próprio Poder Público que possui competência para exigir e ou isentar certo tributo. Seria o Poder Público neste caso competente para isenção tributária em relação às empresas que estivessem executando obra mediante parceria público-privada. Conforme preceito constitucional a União não pode mais instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios (art. 151, inciso III, da Constituição Federal 1988)2. Conforme dispões o Código Tributário Nacional, a isenção é um caso de exclusão, ou melhor, dizendo, um caso de dispensa de crédito tributário, se não vejamos: Art. 175. Excluem o crédito tributário: I - a isenção; II - a anistia. Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela conseqüente (BRASIL, 1966).

2 Art. 151. É vedado à União: I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País; II - tributar a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como a remuneração e os proventos dos respectivos agentes públicos, em níveis superiores aos que fixar para suas obrigações e para seus agentes; III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios (BRASIL, 1988 - grifou-se).

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Ainda nesse sentido, verifica-se pelas normas legais que a isenção são conforme já elucidamos, decorrente de Lei, podendo, ainda, atender a condições específicas atendendo a certos requisitos para sua concessão. Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. É importante que saibamos que conforme o entendimento doutrinário que isenção não impede o nascimento de obrigação tributária, mas tão somente impede aparecimento de crédito. “Na isenção a obrigação tributária surge, mas a lei dispensa o pagamento do tributo” (PRADO, 2007) e ainda acrescente: É assim, a isenção, algo excepcional que se localiza no campo da incidência tributária. Houve o fato gerador do tributo, porém a lei determina que o contribuinte deixe de arcar com a respectiva obrigação tributária (PRADO, 2007). Em resumo, podemos inferir que até o presente momento não vedações legais que impeçam a concessão de isenções a empresas que atendam as condições específicas de execução de obra ou prestação de serviços público mediante PPP. É inegável que há um crescimento exponencial de parcerias público-privadas sendo firmadas a todo o momento. Esta tese de isenção aqui discutida, foi defendida pelo advogado tributarista Sacha Calmon, do escritório Sacha Calmon - Misabel Derzi Consultores Advogados, defende a não-incidência de Imposto de Renda (IR), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS, Cofins e até mesmo Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre a chamada contraprestação pecuniária - definida pela Lei nº 11.079, de 2004, como o valor repassado pelo poder público ao parceiro privado na modalidade de concessão patrocinada, que envolve o desembolso, pelo governo, de valores adicionais às tarifas a serem cobradas pela concessionária. Entretanto, esta questão não é pacífica, e as diferenças de entendimento entre os tributaristas se funda na diferenças entre as PPPs haja vista que em alguns casos ocorre repasse de valores pelos governos às empresas, o que dependerá das regras do edital, assim defendem estes que a isenção não deveria ser a regra, havendo que analisar caso a caso. De fato concordamos de fato com tal posicionamento, que preceitua a analise de cada caso, contudo é imperioso que reconheçamos que as empresas e o poder público muito se beneficiam com a isenção de impostos. Ademais é importante ressaltar que caso ocorra a tributação alguns projetos se tornam um extrema dificuldade para as empresas, destacando-se ainda que “com a tributação alguns dos projetos poderão se tornar totalmente deficitários e isso é um risco muito grande para as empresas”. Nesse sentido já firmou-se entendimento de que a isenção de impostos é de fato tida como benefícios fiscal: PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. INSTALAÇÃO DE INDÚSTRIA. INCENTIVO FISCAL. RESSARCIMENTO DE DESPESAS COM AQUISIÇÃO DO TERRENO. NULIDADES PROCESSUAIS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. REEXAME DA LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF. APLICAÇÃO DO ART. 2º DA LINDB. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. 1. Consignada na instância de origem a assertiva de que efetivamente ocorreu a intimação das partes para a apresentação de alegações finais, sustentar o contrário impõe o revolvimento dos elementos probatórios da demanda, o que é vedado, nos termos da Súmula 7/ STJ. 2. Por outro lado, os normativos impugnados no apelo - art. 7º, V, e 22, da Lei 47.17/65 - não possuem comando normativo suficiente para reformar as conclusões do aresto recorrido de que o prazo para as alegações finais teve início com a publicação do respectivo decisum, o qual determinou a intimação das partes para a prática do ato processual. Incidência da Súmula 284/STF. 3. A falta de intimação para a parte se manifestar sobre documentos juntados por ela mesma e que não influenciaram o decisum não acarreta nulidade processual, ante a ausência de comprovação de efetivo prejuízo. Aplicação do princípio pas de nullité sans grief. 4. No caso, o acórdão recorrido, ao examinar a aplicabilidade da Lei Municipal 747/70 - que apenas permite a doação de terrenos e a isenção de impostos e taxas como formas de incentivo fiscal -, contém fundamentação bastante para solver a controvérsia, independentemente da análise da documentação suscitada pela recorrente. 5. No âmbito do apelo nobre, não é possível interpretar a aplicação do direito local, consoante inteligência da Súmula 280/STF. 6. Por outro lado, a Corte de origem não debateu a aplicabilidade do art. 2º da LINDB, nem foi invocada no recurso especial a violação do art. 535 do CPC, o que impossibilita o conhecimento da matéria, nos termos contidos na Súmula 211/STJ. 7. Agravo regimental a que se nega provimento (STJ - AgRg no REsp: 1148393 SP 2009/0038074-6, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 05/06/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/06/2014 – grifou-se) Ainda nesse sentido, tem-se que: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE QUITAÇÃO DE TRIBUTOS MUNICIPAIS. ENTIDADE DE UTILIDADE PÚBLICA- AVENIDA TÊNIS CLUBE. ARTIGO 2º DA LEI MUNICIPAL Nº 4635/2002 DO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA. ISENÇÃO DE IIMPOSTOS, SOB CONDIÇÃO. NÃO COMPROVADA, NA HIPÓTESE. AUSÊNCIA DA VEROSSIMILHANÇA DO DIREITO ALEGADO, NOS TERMOS DO ARTIGO 273 DO CPC. REVOGAÇÃO DA TUTELA. MANTIDA. Ausentes os requisitos do art. 273 do CPC, impõe-se a manutenção da decisão que revogou a tutela antecipada. O artigo 2º da Lei Municipal nº 4635/2002 do Município de Santa Maria prevê isenção de impostos municipais à entidade declarada de utilidade pública, sob condição, qual seja, de utilização das dependências do clube, no caso, pela municipalidade, sendo afastada a isenção sob alegação de que o clube não apresenta condições mínimas de segurança. Assim, ausente demonstração de cumprimento pelo agravante de condição prevista na norma citada, descabe a expedição de certidão de quitação de tributos municipais, em sede de cognição sumária. Precedentes do TJRS. Agravo de instrumento com seguimento negado. (Agravo de Instrumento Nº 70067182410, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 06/11/2015) (TJ-RS - AI: 70067182410 RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Data de Julgamento: 06/11/2015, Vigésima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 12/11/2015)

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Na passagem acima se discute isenção dada pela Lei municipal em razão da utilidade pública, o que conforme temos abordado é plenamente possível. Este caráter de risco e questões deficitárias fazem com que as empresas não queiram investir tão pouco firmar parcerias com o Poder Público. Tal tese ainda é justificada por André Maneira que pauta-se no ponto de vista econômico. Segundo ele, com a tributação, os valores das obras apresentados pelas empresas ficarão cerca de 30% maiores - excedente que, no fim das contas, voltará para as mãos do Estado, mas não será destinado a investimentos em infra-estrutura. “A discussão serve para as PPPs de todo o país e precisa gerar uma mudança legislativa”, defende André Maneira, do Sacha Calmon. Acreditava-se que com a medida provisória nº 575 iria isentar impostos das empresas com relação às parcerias público-privadas. Seria esta uma medida de desoneração dos contratos de Parceria Público-Privada (PPP). Contudo, a medida foi reeditada e em 15 de junho o Ministro da Fazenda anunciou um incentivo às PPP, muito se cogitou sobre o tamanho da desoneração e o impacto que isso surtiria nos projetos de PPP, tanto os futuros como os já contratados. O que se vê na MP 575, no entanto, não é um efetivo incentivo fiscal. A medida publicada serviu à correção de um descasamento que afetava o fluxo de caixa dos projetos de PPP. Como forma de melhor explicar essa MP 575, vejamos as considerações a seguir: No regime anterior ao trazido pela MP 575, o Parceiro Privado recolhia todos os tributos incidentes sobre a receita, inclusive na parcela destinada ao custeio de investimentos, mas no período de amortização ou depreciação, tomava créditos e se valia de deduções em valores equivalentes ao investido, gerando efeito semelhante ao que a MP 575 causará nas PPP. A diferença está no efetivo desembolso antecipado de valores para o pagamento de tributos, vez que na estrutura criada pela MP 575, este desembolso não existirá (LOHBAUER; OKAWA; BARATA, 2012).

E ainda acrescenta: Mas, considerando que a regra estabelecida na MP não é uma desoneração tributária, o efeito à iniciativa privada não representará tamanho barateamento. Este só seria verificado, caso se permitisse à iniciativa privada tomar os créditos e dedutibilidades sobre o valor investido, o que não ocorrerá (LOHBAUER; OKAWA; BARATA, 2012). Em suma a medida provisória não causou efetiva redução, não havendo tão pouco que se falar em isenção. O efeito significativamente positivo da medida, portanto, é o reparo de uma ineficiência que o modelo de PPP causava no fluxo de caixa dos projetos. Contudo, defende-se a visão anteriormente trabalhada que demonstra que em algumas parcerias a ausência de isenções dificultaria que estas se consolidassem.

Em artigo escrito pelo Procurador da Justiça, Tomás de Aquino Resende (2014), destacamos o seguinte posicionamento: Na verdade, quando o Estado, através do legislador constituinte estabelece as imunidades, ou através do legislador ordinário concede as isenções, não está, como erroneamente alguns entendem, fazendo nenhum favor ao particular. O raciocínio é outro, aliás o contrário. Quem está favorecendo é o particular ao público, vez que realiza funções que suprem e em muitos casos até substituem o que é dever do Estado. Por esta passagem conseguimos inferir que ao conceder estas isenções não há favorecimento ao particular em detrimento do público, há sim incentivo para que este primeiro substitua o segundo, e tudo retorna para o bem comum. E ainda acrescentou o seu posicionamento pessoal: Assim, injusto é tributar aquele que auxilia ao Estado, ou até mesmo o substitui, no atendimento de serviços de interesse coletivo, como o fazem a maioria das pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, pois, o objetivo do tributo é justamente o de viabilizar a prestação de tais serviços (RESENDE, 2014). Na passagem acima o Procurador evidencia como sendo até mesmo injusta a tributação daquele que substitui o Estado na prestação de serviços que sejam do interesse coletivo. Ademais, há respaldo constitucional para que não veda tal isenção3. Em outras palavras, de fato há possibilidades de reconhecimento de possibilidade jurídica de concessão de isenção em razão das parcerias público-privadas. Ademais é inegável que tais isenções são benéficas a partir do momento em que se o próprio Poder Público tem real interesse em firmar tais parcerias. 6 CONCLUSÃO Este trabalho teve como finalidade discutir os benefícios em conceder isenções quando as empresas estão prestando serviços públicos por meio de parcerias público-privadas. Tivemos como principal ponto da nossa discussão abordar primeiro a possibilidade jurídica de entes federados em conceder tal isenção, para após analisarmos se de fato isso traz benefícios ao Poder Público, ou se é uma forma mascarada de beneficiar o setor privado. Conseguimos concluir com este estudo, primeiramente que a necessidade de se atentar para a prestação de serviços públicos sempre advém de interesses da coletividade e que estes serviços se caracterizam pela sua essencialidade. Os interesses coletivos evidenciam-se pelo seu caráter de essencialidade e de necessitar de execução continuada. E que por tais motivos e por não ser o Estados capaz de atender a todos os anseios com maestria, e ainda não poder correr todos os riscos que são inerentes a algumas atividades de prestação de serviços é que surgem como forma de descentralização o regime de parcerias.

3 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] VI - instituir impostos sobre: […] c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei (BRASIL, 1988).

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Estas parcerias de fato vêm ganhando cada vez mais destaque, e se dão por meio das concessões que podem ser comuns ou especiais. Uma forma de concessão especial são as parcerias público -privadas, que são tidas como associações entre setores públicos e privados, por meio de licitação, onde as partes trabalham em busca de atingir objetivos mútuos, em que o primeiro fica com os recursos obtidos da prestação dos serviços bem como com os riscos da atividades, e o segundo fica com a obrigatoriedade de fornecimento de contraprestação e fiscalização da prestação destes ditos serviços. Ao discutirmos os benefícios advindos da concessão de impostos quando tratar-se de obra executada por meio de PPP evidenciamos dois posicionamento principais, sendo por óbvio um a favor e outro contrário. Há de fato possibilidade legal para que os entes federados legislem e concedam esta isenção em razão das circunstâncias e atendimento a certos requisitos do presente caso. Contudo há os que defendam que não seria benéfico tal isenção haja vista que esta prejudicaria os cofres públicos e apenas traria benefícios ao setor privado. No entanto discordamos deste posicionamento acima citado, haja vista que conseguimos evidenciar ao longo deste estudo que é de interesse do Poder Público que estas parcerias (público-privada) sejam firmadas, já noutro giro muitas atividades não teriam atrativo suficiente para despertar o interesse do setor privado a não ser se houvesse de fato tais isenções. Ademais, não se pode deixar de reconhecer que de fato o Poder Público ganha com estas parcerias, e sendo a ele dado o poder/dever de fiscalização não há que se falar em ausência de benefícios ao coletivo que ganhará com o serviço público prestado, tendo o Estado o rigor da fiscalização.

RESENDE, Tomás de Aquino. Imunidade tributária e isenção de impostos. 2014. Disponível em:<http://www.fundata.org.br/Artigos%20 -%20Cefeis/17%20-%20IMUNIDADE%20TRIBUTARIA%20E%20 ISEN%C3%87%C3%95ES%20DE%20IMPOSTOS.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2016. SILVA, Gustavo de Melo. Parcerias Público-Privadas no Brasil. Revista Cadernos FGV Projetos, Rio de Janeiro, n. 23, 2014.

Banca Examinadora Bráulio Lisboa Lopes (Orientador) Júlio César Faria Zini (Examinador)

REFERÊNCIAS CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. 1056 p. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2005. 765 p. GLABER, Eduardo. Tese tributária defende isenção de PPPs. 2014. Disponível em:<http://www.ersadvocacia.com.br/conteudo.php?sid=44&cid=597>. Acesso em: 03 jun. 2016. LOHBAUER, Rosane Menezes.; OKAWA, Juliano Rotoli.; BARATA, Rodrigo Sarmento. O governo desonerou as PPPs?. 2012. Disponível em:< http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/artigo-o-governodesonerou-ppps>. Acesso em: 03 jun. 2016. MATTOS, César; MAFFIA, Débora Veloso. Aspectos jurídicos/econômicos das parcerias público-privadas (PPPs). Revista Consultoria Legislativa, Brasília, 2015. MELLO, Celso Antônio Bandeira de Melo. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. 936 p. MELO, Luísa Paula Ribeiro; LIMA, Eldo de. Vantagens de uma parceria público-privada. Revista Gestão Pública, São Paulo, 2012. PINTO, Marcos Barbosa. A função econômica das PPPs. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, n. 2, 2005.

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PLAUSIBIDADE DA TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE NO ÂMBITO CONSUMERISTA Jucilene Indianara Rodrigues da Silveira1

RESUMO: O objetivo do presente trabalho é estudar a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica em determinadas situações nas relações de consumo e analisar a legalidade da aplicação da teoria menor. A desconsideração da personalidade jurídica é um importante instituto previsto em nosso ordenamento jurídico, sobretudo no Código de Defesa do Consumidor, Código Civil, Legislação ambiental, trabalhista, tributária, empresarial e legislação do CADE, agora também no Novo Código de Processo Civil. Inicialmente é feita uma introdução histórica sobre o importante instituto da desconsideração da personalidade jurídica, em seguida será estudada a principiologia consumerista, especificando os princípios aplicados a este instituto, responsáveis por nortear a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica na esfera do Direito do Consumidor, como os princípios da vulnerabilidade, boa-fé, informação, transparência, que encontram-se elencados no artigo 4º e seus incisos do Código de Defesa do Consumidor e o princípio constitucional dignidade da pessoa humana . Após, será analisado o tema da desconsideração da personalidade jurídica, sendo explicado o modo de aplicação no Código Civil em seu artigo 50 e no CDC no artigo 28 §5º. Ainda trará o conceito de personalidade e os preceitos da teoria maior e demonstrar a aplicabilidade da teoria menor, objeto desse presente trabalho. Também são estudadas jurisprudências que evidenciam a responsabilidade dos sócios diante dos consumidores hipossuficientes devendo, portanto, ter seus direitos resguardados no ordenamento jurídico brasileiro e a necessidade da desconstituição da personalidade jurídica aplicando a teoria menor. PALAVRAS-CHAVE: Direito do Consumidor, teoria menor, teoria maior, desconsideração, personalidade jurídica.

1 INTRODUÇÃO A pessoa jurídica é importante para toda sociedade e alavanca a economia, composta majoritariamente por empresas, associações, fundações. A pessoa jurídica possui respaldo constitucional, tendo em vista sua enorme contribuição para a função social e também para a dignidade humana, vez que gera emprego e renda à população. Ocorre que nem sempre é utilizada para os fins que se destina. Foi criada para facilitar o desenvolvimento da atividade empresária, tendo como escopo sua autonomia e independência, em face dos sócios, principalmente em relação ao seu patrimônio, desvinculando suas responsabilidades da pessoa física. Há absoluta separação de patrimônio do sócio com o da sociedade, limitando em regra, a responsabilidade da empresa a seu capital social. Nessa vertente afirma o doutrinador Fábio Ulhoa Coelho no livro “Curso de Direito Comercial”: Na medida em que a lei estabelece a separação entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem, consagrando o princípio da autonomia patrimonial os sócios não podem ser considerados os titulares dos direitos ou os devedores das prestações relacionadas ao exercício da atividade econômica, explorada em conjunto. Será a própria pessoa jurídica da sociedade a titular de tais direitos e a devedora dessa obrigação. (2013, p. 13-14) Porém, como estudaremos a seguir, em alguns casos, como nos de abusos e mau uso da gestão da sociedade, é preciso desconsiderar a pessoa para alcançar os objetivos sociais pela qual ela é responsável. Também conhecido como Teoria da Penetração, Disregard of Legal Entity ou Disregard Doctrine ou Lifting the Corporate Veil, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica teve início na década de 80 na Inglaterra com o caso que ficou conhecido como Salomon vs. Salomon. Em síntese, o Sr. Aaron Salomon constituiu

uma empresa societária no setor de calçados, na qual detinha a maior parte das ações. Ao longo do tempo, com o crescente aumento das dívidas, a companhia entrou em liquidação e os credores sustentaram a ideia de recorrer ao patrimônio do sócio majoritário afim de satisfazer os créditos. No ordenamento jurídico brasileiro, tem-se como marco de matéria expressa em lei o Código de Defesa do Consumidor. Foi a primeira lei a prever a possibilidade de “levantar o véu” da pessoa jurídica em determinadas situações. Posteriormente, com o avanço do debate doutrinário sobre o tema, o mesmo instituto passou a ser aplicado em outras leis: art. 4º da lei n.º 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções derivadas de danos ao meio ambiente, art. 34 da lei 12.529/11, que dispõe sobre o CADE, artigo 50 do Código Civil, dentre outras. A fim de delimitar o objeto de estudo, trataremos apenas das teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica, previstas respectivamente no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil. No Código Civil de 2002 a desconsideração da personalidade da personalidade jurídica está prevista no art. 50. No CDC o tema é abordado no art. 28, § § 2º e 5º. Como fora dito acima, ambas as leis disciplinam o mesmo instituto - atingem o mesmo fim, mas se valem de meios (requisitos) distintos para tanto. A legislação civil encampa a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, que por sua vez subdivide-se em teoria maior objetiva e teoria maior subjetiva. Por outro lado, o ordenamento consumerista adota a teoria menor, aplicada em casos peculiares. No que se refere à teoria menor, apesar de não ser adotada como regra geral, é aplicada pelo art. 28, §5º, CDC e leva a doutrina a divergir sobre o assunto, tendo em vista a amplitude de sua aplicação. Assim, o artigo científico visará demonstrar a legalidade da aplicação da teoria menor nas relações de consumo, com base em fundamentos doutrinários, bem como em normas legais.

2 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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2 PRINCIPIOLOGIA CONSUMERISTA A Constituição da República de 1988, dispõe no artigo 5º, XXXII, que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Referido dispositivo constitucional foi regulamentado somente dois anos depois, em 1990, com a promulgação Código de Defesa do Consumidor, que passou a tutelar os interesses dos consumidores. No Capítulo II do Código de Defesa do Consumidor, art. 4º e seus incisos, estão subentendidos diversos princípios responsáveis por nortear o estudo e a aplicação do Direito do Consumidor, como os princípios da vulnerabilidade, informação, transparência e boa-fé. O autor Miguel Reale, em seu livro “Lições Preliminares de Direito” explica que os princípios: São enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Cobrem, desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática. (2001, p. 286) Nesse viés, explica o doutrinador Cláudio Bonato, no livro “Código de Defesa do Consumidor: Cláusulas abusivas nas relações contratuais” (2003, p.28), sobre a importância dos princípios aplicáveis ao Código de Defesa do Consumidor, explicita que, “ as regras de conduta e organização do CDC precisam de um “norte” para serem bem entendidas, sendo os princípios, portanto, os pilares do microssistema integrado pelo CDC”. Os princípios dessa forma, tem o condão de auxiliar na resolução do caso concreto, juntamente com as doutrinas e as normas. Vale ressaltar que o capítulo supramencionado é tido pela jurisprudência dos tribunais superiores como norma de utilidade pública, o que possibilita o magistrado conhecer de ofício a relação de consumo presente na relação processual. O artigo 4º, I, do CDC dispõe, que o consumidor é a parte vulnerável nas relações de consumo (princípio da vulnerabilidade). É um conceito de direito material, com presunção absoluta (jure et de juris) – ou seja, sempre se reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. A título de complementação do estudo, abre-se aqui um parêntesis para diferenciar o conceito de direito material da vulnerabilidade do conceito de direito processual da hipossuficiência, ambos institutos previstos no CDC. Enquanto a vulnerabilidade é tida como presunção absoluta, a hipossuficiência é tratada como de presunção relativa, que sempre precisará ser comprovada no caso concreto diante do juiz. A presunção absoluta do consumidor como parte vulnerável da relação de consumo foi a opção escolhida pelo legislador para evitar que os direitos do cidadão sejam vilipendiados nas relações consumeritas, justamente por este ser a “parte fraca” do negócio jurídico, que geralmente é celebrado por meio de contratos de adesão previamente entabulados pelos grandes conglomerados econômicos A autora Cláudia Lima Marques, explana no livro “Manual de Direito do Consumidor” (2010, p. 87), o significado do princípio da Vulnerabilidade: “uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção”. Dessa forma, o CDC, visando o princípio da vulnerabilidade, criou artifícios para evitar que o consumidor fosse desfavorecido na relação jurídica entre fornecedor e consumidor, uma vez que, o fornecedor adquire conhecimento por inteiro das características do produto e cria cláusulas no contrato que o beneficia, criando prejuízo, para a LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

parte mais fraca da relação, o consumidor. Nessa vertente, explana o doutrinador Jorge Quadros de Carvalho Silva, no livro “Código de Defesa do Consumidor Anotado e Legislação Complementar”: (...) o Código de Defesa do Consumidor reconheceu as situações de vulnerabilidade econômica, técnica e jurídica do consumidor, sabendo tratarse de pessoa que, na prática, para obter produto ou serviço, deve aceitar com pouca margem para negociação, as condições impostas pelo fornecedor. (2003, p.67) O princípio da informação, encontra-se elencado no artigo 4º, IV, do CDC. O auto Rizzato Nunes no livro “ Curso de Direito do Consumidor” (2005, p.129), explica em que consiste esse princípio, “Dever de informar: com efeito, na sistemática implantada pelo CDC, o fornecedor está obrigado a prestar todas as informações acerca do produto e do serviço, suas características, qualidades, riscos, preços e etc., de maneira clara e precisa, não se admitindo falhas ou omissões.” O Fornecedor ou o prestador de serviço, tem obrigação de manter a transparência ao declarar as informações dos produtos comercializados e/ou serviços prestados, possibilitando uma escolha consciente por parte do consumidor. O princípio da transparência, por sua vez, estabelece que toda informação sobre o produto deve ser clara e exata, não se admitindo informações imprecisas sobre o produto, devendo conter segundo o artigo 6º, III, do CDC, “ Informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, característica, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” ( art.6º do CDC). Nesse diapasão a autora Cláudia Lima Marques, na obra “Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais” explica o princípio da transparência da seguinte maneira: [...]Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré –contratual, isto é, fase negocial dos contratos de consumo. (2002, p. 594-595) O CDC também trata do princípio da boa-fé ao dispor que toda conduta contratual, deverá ser regido pelo limiar da lealdade (art. 4º, III). Desse modo, caso não observado o princípio da boa-fé, a cláusula contratual (ou até mesmo o contrato em si) poderá ser considerada abusiva em virtude do artigo 51, XV do CDC ”que considera nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor”, e, consequentemente, declarada nula pelo juiz. O autor Gustavo Tepedino, no livro “Temas de Direito Civil”, Tomo II, (2008, p. 350), caracteriza o princípio da boa-fé objetiva como expressão da solidariedade e do valor social da livre iniciativa. O princípio da dignidade da pessoa humana esta elencado no artigo 1º da Constituição da República. Para o autor Rizzato Nunes no livro intitulado “O princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana”, (2002, p. 49), “a dignidade nasce com a pessoa. É lhe inata. Inerente a sua essência”. No CDC esse princípio é de máxima importância e visa promover a igualdade entre todos na relação de consumo, encontra-se elencado no art. 4º do CDC, e reconhece a vulnerabilidade do consumidor. 3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA A pessoa jurídica é considerada um sujeito de Direito, com personalidade jurídica própria, capacidade, vontade e patrimônios próprios,

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em virtude disso, esse patrimônio não se confunde com o patrimônio de seus sócios. Essa incomunicabilidade é essencial para o desenvolvimento da empresa, preservando o patrimônio de cada um dos sócios. De certa maneira, isso torna-se determinante e atraente para outras pessoas que visam constituir empresas e mantêm a economia. A partir do momento que a pessoa jurídica adquire personalidade, responde juridicamente por todos os seus atos, e deverá cumprir obrigações que lhe são inerentes. Uma vez não cumpridas essas obrigações, cometido abuso ou desvio de finalidade, deixando de atender a função social da empresa, não se torna mais interessante a manutenção da autonomia patrimonial, podendo aplicar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, quando observados o descumprimento de sua finalidade. Isso deve ocorrer para inibir os dirigentes da pessoa jurídica a cometer desvios e distorções. Nessa vertente, a doutrinadora Maria Helena Diniz no livro “ Lições de Direito Empresarial”, destaca que: A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica visa impedir a fraude contra credores, levantando o véu corporativo, desconsiderando a personalidade jurídica num dado caso concreto, ou seja, declarando a ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, portanto, para outros fins permanecerá incólume. Com isso alcançar-se-ão pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos, pois a personalidade jurídica não pode ser um tabu que entrave a ação do órgão judicante. (2008, p. 304-305) Ainda o doutrinador, Fábio Ulhôa Coelho, no livro” Direito Comercial”, (2004, p. 35), afirma que o maior objetivo da desconsideração é “possibilitar a coibição de fraude, sem comprometer a própria pessoa jurídica, sem questionar a separação existente entre sua personalidade e patrimônio em relação a seus membros”. Esse instituto prevê que, em determinados casos, poderá desconsiderar a separação existente entre o patrimônio e o capital de uma empresa e o patrimônio de seus sócios, para cumprir com determinadas obrigações de cunho consumerista. Entretanto, o modo de aplicação da desconsideração se dá de modo diverso, apesar de atingir a mesma finalidade tanto no Código Civil quanto no CDC. No Código Civil, aplica-se a teoria objetiva, ao passo que no CDC, a teoria menor predomina, em especial quando se depara com o parágrafo quinto do artigo 28. No entanto, ao aplicar a teoria menor às relações de consumo, é de fácil percepção que existirá divergências quanto a sua legalidade, tendo em vista que a referida teoria é abrangente, entendendo certos autores ocasionar insegurança jurídica. A desconsideração da personalidade jurídica é importante para a efetividade do ressarcimento dos danos ocasionados ao consumidor, haja vista que é a parte hipossuficiente na relação, devendo, portanto, ter seus direitos resguardados pelo ordenamento jurídico pátrio. O instituto da desconsideração da personalidade jurídica é uma prática aplicável, na legislação ambiental nº 9.605/98, lei do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) nº 12.529/11, na execução do processo trabalhista, no Direito Empresarial, Tributário, Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, lei 8.078/90. No presente trabalho estudaremos apenas as modalidades inerentes ao Código Civil e ao Código de Defesa do Consumidor. Importante destacar que o Novo CPC não inovou na conceituação de nenhuma espécie de desconsideração da personalidade jurídica. Porém, traçou os contornos, até então não previstos em lei, de sua aplicação. A desconsideração da personalidade jurídica foi tratada pelo Novo CPC como forma de sanção, aplicada nos casos de mau uso

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do direito de constituir uma pessoa jurídica. Se possui natureza de sanção, consequentemente o instituto não pode ser aplicado sem que seja estabelecido o contraditório na relação processual. Além de poder ser requerido na própria petição inicial, o NCPC também trata a desconsideração da personalidade jurídica como modalidade de intervenção de terceiro (de maneira incidental), vez que um terceiro (sócio da pessoa jurídica) passará a fazer parte do processo. Trata-se da única modalidade de intervenção de terceiros aplicável no âmbito dos juizados especiais, em que milhões de lides de consumo são analisadas anualmente em todo o país. O novo código passa a admitir a desconsideração da personalidade jurídica também na fase recursal. Agora é possível que o relator promova a desconsideração da personalidade jurídica no julgamento de um recurso, inclusive naqueles que versam relações de consumo. Por fim, o Novo CPC também admite a aplicação do instituto em sede de execução e ainda permite a ocorrência da desconsideração em tutela de urgência – possibilidade essa que terá importantíssima repercussão nas lides consumeristas. A vigência da nova lei processualista clareou ainda mais a aplicação do instituto, sobretudo no tocante à teoria menor, objeto de nosso estudo. 4 CONCEITUAÇÃO DE PERSONALIDADE A personalidade jurídica é atributo do sujeito de Direito, funciona como aptidão genérica para se titularizar direitos e contrair obrigações no âmbito jurídico. Neste sentido Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald refere-se à personalidade jurídica na obra “Direito Civil: Teoria Geral” (2007, p. 96), ”trata-se de atributo reconhecido a uma pessoa para que possa atuar no plano jurídico (titularizando relações diversas) e reclamar a relação jurídica dedicada pelos direitos da personalidade”. Todas as pessoas civis possuem personalidade jurídica. Para o homem, ela se inicia em virtude do nascimento com vida (conforme a teoria natalista, salientando que a teoria concepcionista entende de modo diverso e não menos relevante). Para as pessoas jurídicas de direito privado, começa sua existência legal com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo (art. 45, CC/02). O Código Civil, na visão de muitos doutrinadores, explica a pessoa jurídica por intermédio da teoria da realidade técnica, que reconhece que a pessoa jurídica não existe do mesmo modo que uma pessoa natural. Trata-se de uma ficção, e mesmo sendo uma ficção também pratica atos do cotidiano. A personalidade jurídica é utilizada para contração dos direitos e obrigações, mas nem sempre o empresário age de boa-fé e por isso essa autonomia que a pessoa jurídica possui não é absoluta - poderá entrar em campo o instituto da desconsideração da personalidade jurídica . Para o surgimento da pessoa jurídica é indispensável alguns requisitos, como a vontade humana de constituir uma pessoa jurídica, para ensejar o início de uma empresa, elaboração do ato constitutivo e seu respectivo registro, nas juntas comerciais ou nos cartórios de pessoas jurídicas, dependendo de cada caso; sendo este o meio da pessoa jurídica adquirir personalidade, o objeto da sociedade deve ser lícito e possível. 5 TEORIA MAIOR O Código Civil, ao tratar do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, explana:

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Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (Código Civil, 2002) Ao se deparar com o artigo supracitado, fica evidenciado que o Código Civil adotou a teoria maior, por aduzir a necessidade de ocorrer o abuso da personalidade jurídica. No mesmo sentido, o caput do artigo 28 do CDC aplica a teoria maior na medida em que dispõe sobre a necessidade de ocorrer o abuso de direito, senão vejamos: Art. 28 – O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houve abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (CDC, 1990) O simples fato da sociedade empresária estar inadimplente com os credores não configura a desconsideração. A teoria maior é aplicada quando se verifica que os sócios utilizam a pessoa jurídica para a prática de fraudes ou abuso de direitos, ou seja, ação que visa prejudicar terceiros ou ainda decorrente de confusão patrimonial, situação em que os sócios utilizam bens e patrimônio da pessoa jurídica e vice e versa para seus negócios pessoais. Trata-se de uma teoria mais elaborada, tendo em vista a necessidade de se constatar o abuso caracterizado pelo desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração) ou de confusão patrimonial (teoria Objetiva da desconsideração), conforme preceitua o artigo 50 do Código Civil, além do requerimento da parte ou do Ministério Público. 6 TEORIA MENOR Ao contrário da teoria maior, a teoria menor não exige tantos requisitos objetivos para ser aplicada. Basta a dificuldade em satisfazer o crédito e que a personalidade seja de alguma maneira, obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores. Por essa teoria, é necessário apenas o descumprimento da obrigação em face do consumidor, sem ao menos analisar os reais motivos que levaram a sociedade ao descumprimento de suas obrigações mediante terceiros. A teoria menor também é utilizada em caso de falência ou insolvência de pessoa jurídica, não importando se houve fraude ou abuso de direito, ou ainda confusão patrimonial, sendo relevante neste caso a não frustração do crédito, não devendo ser suportado pelo consumidor que contratou a pessoa jurídica. Nesse sentido, o entendimento da Ministra Nancy Andrighi:

Uma vez que a obrigação não foi cumprida pela pessoa jurídica e constatada a possibilidade de um ou mais de seus sócios serem solventes, a desconsideração da personalidade jurídica poderá ocorrer nas relações de consumo, com fulcro no parágrafo 5º do artigo 28 do CDC, configurando-se a teoria menor, observando os princípios basilares do processo, contraditório e ampla defesa Não obstante, parte da doutrina entende que a aplicação da teoria menor é ilegal visto por alguns até mesmo como erro legislativo. Nessa linha, podemos citar Zelmo Denari (2010), Fábio Ulhoa Coelho (2010) e Rachel Sztajm (2007). A referida teoria traria incerteza jurídica, sendo caso de muita discussão, as questões de falência e de insolvência da pessoa jurídica, ou ainda no caso de má administração, pois, nem sempre a sociedade torna-se insolvente por conduta ímproba, mas, sim, por algum motivo que não se aplica a desconsideração, sendo cabível no caso de má administração os ditames da teoria maior. Porém, essa teoria não possui elementos suficientes para a descaracterização da personalidade jurídica no caso de má administração, sendo possível então apenas a aplicação da teoria menor e assim resguardar os interesses dos consumidores, bastando para tanto a prova da incidência da insolvência da sociedade. O Código de Defesa do Consumidor, prescreve normas de ordem pública e interesse social, conforme disposto no artigo 1º, portanto a desconsideração da personalidade jurídica no CDC poderá ser aplicada de ofício pelo magistrado. Essa Teoria aplica-se basicamente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental. 7 JURISPRUDÊNCIAS A jurisprudência a seguir, de relatoria do ministro Ari Pangedler, abarca os preceitos da teoria menor. Trata-se de Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais em face da empresa B Sete Participações S.A, Osasco Plaza Shopping LTDA e seus respectivos administradores, requerendo a condenação do pagamento de reparação aos danos patrimoniais e morais ocasionados às vítimas, bem como aos seus herdeiros, pelo acidente ocorrido no dia 11 de junho de 1996, dentro do perímetro pertencente ao Osasco Plaza Shopping.

A teoria da desconsideração, por sua vez, parte de premissas distintas da teria maior: para a incidência da desconsideração com base na teoria menor, basta a prova de insolvência da pessoa para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. ( Brasil, Superior Tribunal de justiça, Recurso Especial n 279273/SP) O risco empresarial normal às atividades econômicas, deve ser arcado pelos sócios ou administradores da empresa, ainda que não exista prova de conduta culposa ou dolosa por parte de seus dirigentes.

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Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor. Recurso Especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade Ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria Maior e Teoria Menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao Ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º. - Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. - A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade ( teoria subjetiva da desconsideração) , ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração) . - A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental,

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incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. - Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e / ou administradores da pessoa jurídica. - A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º doa art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. - Recursos especiais não conhecidos. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Acórdão no Recurso Especial n.279273/SP. Relatora: ANDRIGHI, Nancy. Publicado no DJ 29-03-2004 p. 230. Disponível,em:http://www.stj.jus.br/SCON/ jurisprudencia/toc.jsp?processo=279273&&tipo_ visualizacao=RESUMO&b=ACOR&thesaurus=JU RIDICO.Acesso em 23-05-2016.) Este acórdão, explica as teorias menor e maior, aplicáveis ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa do Consumidor, além de demonstrar o cabimento da teoria menor e a legitimidade do Ministério Público para atuar como parte ativa no caso. A proteção ao consumidor é considerada um dos pilares na ordem econômica e se observado algum obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores, deverá ser aplicada a teoria menor, artigo ,28, § 5º, do CDC, ao contrário da teoria maior, que depende da demonstração do desvio de finalidade (denominada de teoria subjetiva da desconsideração), ou ainda a demonstração de confusão patrimonial (denominada teoria objetiva da desconsideração). Para a teoria menor, o risco que corre a atividade empresarial não deve ser suportado por terceiro, e sim pelas pessoas que respondem juridicamente pela sociedade empresária, ainda que se reste comprovada conduta administrativa íntegra. A incidência da teoria menor, calcada no artigo 28, § 5º, não necessita da demonstração dos requisitos ensejados no caput do dispositivo indicado, mas apenas ao fato da pessoa jurídica existir e ocasionar dano a “outrem”, tendo a responsabilidade de arcar com os prejuízos acarretado à terceiros, como na jurisprudência adiante: AGRAVO DE INSTRUMENTO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA EXECUTADA - RELAÇÃO DE CONSUMO - APLICAÇÃO DA TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO - ART 28, §5º, DO CDC RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Tratando-se de vínculo proveniente de relação de consumo, aplica-se a teoria menor desconsideração da personalidade (§5º do art. 28 do CDC), para qual é suficiente a prova de insolvência da pessoa jurídica, sem necessidade da demonstração do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial. Verificada a índole consumerista da relação e o esgotamento, sem sucesso, das diligências cabíveis e razoáveis à busca de bens suficientes para satisfação do crédito do consumidor, é cabível a desconsideração da personalidade jurídica da executada. (BRASIL, Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, Acórdão no Agravo de Instrumento

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n. 1414871-21.2015.8.12.0000. Relator: RODRIGUES, Marcos José de Brito. Publicado no DJ 23-02-2016 disponível em: https://www.tjms. jus.br.esaj/portal.do?serviço=789900. Acesso em 23/06/2016). Neste caso, verificaram-se infrutíferas tentativas de encontrar bens em nome da empresa, para quitar os créditos devidos ao consumidor, ora agravante, que requereu a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, para que os sócios respondessem pela dívida. Comportou neste caso a aplicação da teoria menor uma vez a sociedade estava em estado de insolvência e inatividade preenchendo os requisitos do §5º, art. 28 do CDC. Para esse referido artigo, tratando- se prejuízo ao consumidor, basta a prova que a empresa tornou-se insolvente e que havia uma condição de embaraço ao ressarcimento da dívida, para que seja aplicada a título de exceção teoria menor. Foi dado provimento ao recurso, com unanimidade dos votos. Em uma outra jurisprudência, do Estado de Minas Gerais, de relatoria da desembargadora Juliana Campos Horta, foi dado provimento ao agravo de instrumento para reformar a sentença, em que o juiz aplicou ao caso a teoria maior em detrimento da teoria menor. No referido caso, foi observada relação de consumo entre agravante e agravado. O consumidor não recebeu os valores devidos, houve infrutífera tentativa de constrição de valores pelo sistema BACENJUD, restou demonstrada suposta insolvência da empresa, sendo reformada a sentença de primeiro grau. AGRAVO DE INSTRUMENTO - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – TEORIA MENOR – RELAÇÃO DE CONSUMO – RECURSO PROVIDO. - Verificada a relação de consumo e o obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor, aplica-se a toria menor da desconsideração da personalidade jurídica expressa no art. 28, §5º, do Código de Defesa do Consumidor. (BRASIL, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Acórdão no Agravo de Instrumento n.1.0024.13.0505571/001. Relator: HORTA, Juliana Campos. Publicado no DJ 22-06-2016. Disponível,em: http://www5.tjmg.jus.br/jurispr udencia/ pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRe gistro=2&totalLinhas=673&paginaNumero=2&l inhasPorPagina=1&palavras=teoria%20menor& pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&o rderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20 na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20 referências%20cadastradas...&pesquisaPalavras= Pesquisar&. Acesso em 23-05-2016).

8 PLAUSIBILIDADE DA TEORIA MENOR NO ÂMBITO CONSUMERISTA A aplicação da teoria menor nas relações de consumo consiste em importante instrumento para evitar o perecimento de interesse legítimo, bem como para garantir a proteção do consumidor, parte hipossuficiente na relação consumerista, devendo, portanto, ser o consumidor amplamente protegido. Nesse sentido, aplicar a teoria menor é o mesmo que permitir maior eficácia da aplicação das normas jurídicas, garantindo o direito dos consumidores. A teoria menor não será aplicada como regra, mas em casos específicos, como constatada a incapacidade financeira da pessoa jurídica, sendo certo que esta não conseguirá cumprir com suas obrigações e sua personalidade for um embaraço ao ressarcimento do prejuízo ao consumidor. Assim, verificando que o sócio é solvente, nada mais justo que a ele atribuir o dever de cumprir com a obrigação, evitando-se, portanto, o perecimento do interesse coletivo.

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Muito embora a personalidade jurídica seja desconsiderada, não implica na não observância de princípios processuais, pois, mesmo com a aplicação da teoria menor, os princípios do contraditório e da ampla defesa não poderão deixar de serem observados. Nesse sentido, a doutrinadora Genacéia da Silva, em sua obra “A Desconsideração da Pessoa Jurídica no Código de Defesa do Consumidor” explana da seguinte maneira: No que ser refere ao § 5º do art. 28, é necessário interpretá-lo com cautela. A mera existência de prejuízo patrimonial do consumidor não é suficiente para a desconsideração. O texto deixou o significado em aberto na medida em que assevera que a pessoa jurídica poderá também ser desconsiderada quando sua personalidade ‘De alguma forma’ for obstáculo ao ressarcimento, ..., leia-se, quando a personalidade jurídica for óbice ao ressarcimento justo do consumidor. (2007, p. 106) Ainda, o autor Rizzatto Nunes no livro “ Curso de Direito do Consumidor”, defende a aplicação do §5º, entendo ser o objetivo da norma o de garantir o ressarcimento do consumidor pelos danos provocados pelo fornecedor. (...) pela redação do § 5º basta o dado objetivo do fato da personalidade jurídica da pessoa jurídica ser obstáculo ao pleno exercício do direito do consumidor para que seja possível desconsiderar esta personalidade. (2011, p. 771) Em momento algum se pretende banalizar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, aplicando-se a qualquer caso e a qualquer momento. Pelo contrário, a teoria menor deverá ser aplicada nas relações de consumo quando for verificado que a pessoa jurídica não possui condições suficientes para cumprir com suas obrigações. Conforme mencionado artigo 28, § 5º, a aplicação não se dará de imediato, caberá ao magistrado analisar a situação específica para então desconsiderar ou não a personalidade jurídica, respeitando os princípios processuais do contraditório e ampla defesa. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo conteúdo estudado neste artigo científico, conclui-se que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, é amplamente recebido pelo nosso ordenamento jurídico. Tendo como seus principais receptores o artigo 50 do Código Civil e o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, que foram objeto do presente estudo, e ainda, a legislação do CADE, ambiental, empresarial e tributária, sendo que a teoria menor foi adotada excepcionalmente no Direito Ambiental, lei 9.605/98 artigo 4º e no Código de Defesa do Consumidor, artigo 28, § 5º. O autor Gustavo Tepedino, em seu livro, Temas de Direito Civil, tomo II (2008, p.406) elenca que “O código Civil e o Código de Defesa do Consumidor não podem ser considerados diplomas contrastantes senão complementares, no âmbito da complexidade do ordenamento, instrumentos para a promoção da solidariedade e do personalismo constitucionais”. O CDC foi inovador ao tratar da desconsideração da personalidade jurídica e adotar a teoria menor, o Código Civil adquiriu a ideia e adotou a teoria maior. O Código de Defesa do Consumidor, representa um importante papel no sistema de fontes normativas do Direito brasileiro e ganhou grande expressão nas doutrinas e jurisprudências dos tribunais superiores. O instituto da desconsideração da personalidade jurídica adquiriu força com o advento do art. 28 do CDC e trouxe a inovadora teoria menor que trata-se de importante vertente interpretativa desse LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

artigo, e veio para coibir atos de má fé ou ainda que o terceiro contratante com a sociedade empresária arque com prejuízos decorrentes de falhas cometidas pela pessoa jurídica. É importante a criação de uma personalidade para a pessoa jurídica, que necessita de autonomia e independência para o desenvolvimento autônomo, em face de seus membros, inclusive com patrimônio próprio. Apesar do grande valor da pessoa jurídica para a sociedade, quando seus sócios utilizam de sua personalidade para cometer fraudes e abusos de direito, violação do estatuto ou contrato social, deve-se desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, dessa forma o consumidor, considerado parte hipossuficiente nas relações de consumo se apoia nesse instituto para garantir e proteger seus interesses. A teoria menor nas relações de consumo torna-se medida excepcional, se transformando em sanção quando da utilização indevida da sociedade empresária. Conclui-se então, que a utilização da teria menor nas relações de consumo, ocorra quando houver dificuldade em satisfazer o crédito, quando a pessoa jurídica não dispõe de patrimônio ou capital para saldar sua obrigação diante do consumidor, a personalidade jurídica for considerada obstáculo ao recebimento do crédito e ao se verificar utilização fraudulenta ou abusiva da personalidade nos preceitos do art. 28, § 5º do Código de Defesa do Consumidor, e ainda em caso de falência ou insolvência da pessoa jurídica, respeitando sempre os princípios do contraditório e da ampla defesa. REFERÊNCIAS ALBERTON, Genacéia da Silva. A Desconsideração da Pessoa Jurídica no Código do Consumidor – Aspectos Processuais. Revista de Direito do Consumidor, Ajuris - Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. BONATO, Cláudio. Código de Defesa do Consumidor: Cláusulas abusivas nas relações contratuais de consumo. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001. (BRASIL, Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, Acórdão no Agravo de Instrumento n. 1414871-21.2015.8.12.0000. Relator: RODRIGUES, Marcos José de Brito. Publicado no DJ 23-02-2016 disponível em: https://www.tjms.jus.br.esaj/portal.do?serviço=789900. Acesso em 23/06/2016). BRASIL, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Acórdão no Agravo de Instrumento n.1.0024.13.050557-1/001. Relator: HORTA, Juliana Campos. Publicado no DJ 22-06-2016. Disponível,em: http://www5.tjmg. jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=2&totalLinhas=673&paginaNumero=2&linhasPorPagina=1&palavras=teoria%20menor&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20 na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20referências%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&. Acesso em 23-05-2016. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Acórdão no Recurso Especial n.279273/SP. Relatora: ANDRIGHI, Nancy. Publicado no DJ 29-032004 p. 230. Disponível,em:http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=279273&&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO.Acesso em 23-05-2016. CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de direito comercial brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1953.

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EUTANÁSIA: A FALTA DE REGULAMENTAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Karina Pereira Claudino Schubert 1

RESUMO: O presente estudo tem como objetivo central levantar uma análise sobre a eutanásia no Brasil e seus reflexos na ausência de sua tipificação no ordenamento jurídico. A metodologia utilizada foi a jurídico-sociológica, que é uma ciência rica por empregar conceitos, métodos e teorias ao estudo do direito, eis que se propõe a pesquisa sobre o estudo dos conceitos e modalidades de eutanásia com a análise sobre a sua ilegalidade. A eutanásia é um assunto muito polêmico no Brasil, em que a pesquisa demostrou que sua prática certamente iria gerar muita oposição e confrontaria o ordenamento jurídico Brasileiro que tem como base a proteção ao direito à vida. PALAVRAS-CHAVE: Eutanásia. Ausência. Tipificação. Ordenamento Jurídico.

1 INTRODUÇÃO

2 CONTEXTUALIZAÇÃO TIPOLÓGICA DA EUTANASIA E O ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO

O ordenamento jurídico atual na sociedade brasileira trata de forma complexa a maneira de lidar com assuntos relativos ao direito à vida, tal como ocorre sobre a eutanásia no Brasil, assim demostrando a ausência de muitos legados importantes para que o assunto seja exposto de forma que não fira a Constituição Federal de 1988 e os Direitos Humanos, no que tange o direito à vida. Notoriamente, a eutanásia tem sido discutida por muitos líderes políticos, juristas e religiosos, como sendo um assunto que rompe princípios humanísticos, sem muita abertura para um consenso entre a maioria legal. Não se pode mexer muito em seus pilares, pois há uma aversão forte sobre o fato de decidir ajudar um ser humano no seu sofrimento final, em uma doença terminal, podendo ter a sua dor amenizada pela morte precoce. Desde então, com os direitos fundamentais, que priorizam a vida humana, o objeto principal de todo o ordenamento jurídico é tutelar e proteger a vida em todas as suas esferas jurídicas. Sem ela, valores morais, éticos, religiosos e toda compilação de leis não existiriam, pois, o próprio ser humano estaria extinto. Daí surge uma questão conflitante e os reflexos da ausência da tipificação da eutanásia no Brasil em seu ordenamento jurídico, pois, questões religiosas e políticas estão, de certa forma, envolvidas nesse cenário, criando barreiras para a aplicação e tipificação da Eutanásia no ordenamento jurídico brasileiro, impedindo a sua aprovação na legislação. A eutanásia, ainda obstante é um assunto muito complexo e polêmico, que prescreve uma prática que não é permitida no presente ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, há ditames para tentar legalizá-la, por pessoas que estudam o assunto, assim como há o crescimento dessa ideologia, que ajudaria diminuir o grau de sofrimento humano, custos e gastos no plano da saúde. Sobre a égide do Direito Penal o ordenamento jurídico brasileiro ainda assegura em suas bases constitucionais que o fim da vida seja inerente a fatores naturais, e que não haja nenhuma intervenção ou instrumento que antecipe a morte de um ser humano, dado com isso o princípio do direito à vida, sendo que, por outro lado, o princípio da autonomia da vontade e da dignidade da pessoa humana condizem com uma prerrogativa de favorecer a prática de eutanásia.

2.1 Breve histórico da Eutanásia A origem etimológica da eutanásia se deu no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon. Na sua etimologia estão duas palavras gregas “eu”, que significa bem, e “thanasia” equivalente a morte. Em sentido literal, eutanásia significa “boa morte”, “morte apropriada”, “morte tranquila”. O seu antônimo é distanásia, definida como morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento (SANTOS, 2012, p. 45-46). Notoriamente, o termo eutanásia passou a designar a morte deliberadamente causada a uma pessoa que sofre de enfermidade incurável ou muito penosa, para suprimir a agonia demasiado longa e dolorosa, o chamado paciente terminal. O seu sentido ampliou-se passando a abranger o suicídio, a ajuda a bem morrer, o homicídio piedoso etc. (SANTOS, 2016). O primeiro traço importante desta definição é que ela agrega a ideia de causar conscientemente a morte de alguém, por motivo de piedade ou compaixão, introduzindo outra causa, que por si só, seja suficiente para desencadear o óbito. A morte por eutanásia é considerada uma morte “não natural”. (SANTOS, 2012, p. 48). A eutanásia leva à discussão sobre o direito de uma pessoa pôr fim à própria vida, valendo-se de outra pessoa. Podemos indagar se haveria apenas uma faculdade, ou um direito juridicamente tutelado, isto é, que possa ser coercitivamente exigido. No mundo jurídico, se alguém tem um direito, pode socorrer-se do processo, para fazê-lo valer. Para que uma pessoa que não consegue por seus próprios meios extinguir a própria vida possa ter concretizado o seu intento, outra precisa ter o dever de realizá-lo. (SANTOS, 2012) Outro ponto importante é a necessidade da existência de uma enfermidade incurável, que leve alguém a ser considerado paciente terminal. Os constantes avanços da medicina têm descoberto novas técnicas que permitem, se não a cura, o prolongamento indefinido da vida de portadores de determinadas doenças, tidas até pouco tempo, como uma irrefragável condenação à morte, tal como a AIDS em estágio terminal, o câncer terminal. O conceito de enfermidade incurável ou de paciente terminal, além de muito impreciso, não é permanente. (NOGUEIRA, 2005) Ademais, a eutanásia pode ser vista como o último recurso quando os recursos a manutenção da vida sem dor se esgotaram a

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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médico; (b) o sujeito passivo deve ter uma situação de padecimento objetiva; (c) deve haver súplicas reiteradas por parte deste para que lhe seja abreviada a vida e d) a motivação na conduta do sujeito ativo deve ser puramente a de aliviar a vítima da dor e do sofrimento (piedade) (CARDOSO, 2010, p. 130).

fim de acabar fatalmente com a angustia mental e crescente do doente no estágio final, assim como o sofrimento da família que acompanha o doente. 2.2 Tipologia da eutanásia Distinguem-se as diversas formas de eutanásia, considerandose os motivos e os meios empregados na sua execução, bem como a pessoa que a realiza. No entanto, segue-se aqui os diversos tipos de eutanásia, segundo os diferentes critérios usados para classificá-la conforme Bizatto: Eutanásia terapêutica - está relacionada com o emprego ou omissão de meios terapêuticos a fim de obter a morte do paciente, distinguindo-se em: eutanásia ativa - consiste no ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos; eutanásia passiva ou indireta - dá-se quando a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária (p. ex.: não colocar ou retirar o paciente de um respirador); pode também ser chamada eutanásia por omissão, ortotanásia ou paraeutanásia; eutanásia voluntária - ocorre quando a morte é provocada atendendo a uma vontade do paciente; eutanásia involuntária - ocorre quando a morte é provocada contra a vontade do paciente; eutanásia não voluntária - caracterizase pela inexistência de manifestação da posição do paciente em relação a ela; eutanásia de duplo efeito - dá-se quando a morte é acelerada como uma consequência indireta das ações médicas, que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal; eutanásia eugênica - é a eliminação indolor dos doentes indesejáveis, dos inválidos e velhos, no escopo de aliviar a sociedade do peso de pessoas economicamente inúteis; eutanásia criminal - é a eliminação indolor de pessoas socialmente perigosas; eutanásia experimental - é a ocisão indolor de determinados indivíduos, com o fim experimental para o progresso da ciência; eutanásia solidarística - é a ocisão indolor de seres humanos no escopo de salvar a vida de outrem; eutanásia teológica - ou morte em estado de graça; eutanásia legal - é aquela regulamentada ou consentida pelas leis; eutanásia-suicídio assistido - é o auxílio ao suicídio de quem já não consegue realizar sozinho a sua intenção de morrer; eutanásia homicídio - resulta da distinção entre aquela praticada por médico e aquela praticada por parente ao amigo. (BIZZATO, 2010, p. 23-24) De acordo com Cardoso (2008, p.127) para se firmar um conceito atual sobre a eutanásia é preciso encontrar o que faz com que uma conduta seja considerada eutanásia (homicídio privilegiado no ordenamento brasileiro) e não um homicídio simples ou, até mesmo, qualificado. Um dos primeiros requisitos para se pensar em eutanásia seria a intenção do sujeito ativo em abreviar a vida do enfermo ou em acelerar seu processo de morte. Cada cultura elabora sua ideia da morte e do processo de morrer de modo diverso: tanto pode haver uma aceitação de sua ocorrência ou, ao contrário, uma completa negação da condição de frágil, em que a morte é vista mais como castigo do que propriamente como uma ocorrência da vida (principalmente, nas sociedades modernas industrializadas) (CARDOSO, 2010, p. 129). Assim, a eutanásia: Não se trata de uma aceitação incondicional da prática da eutanásia, mas da possibilidade do procedimento não ser penalizado, desde que cumpridos certos requisitos legais. Nesse sentido, (a) o sujeito ativo deve ter antecedentes honoráveis, mas não precisa ser necessariamente LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

De acordo com Cardoso (2010, p. 148-149), na distanásia, a saúde é definida como ausência de doença e, nesse sentido, tendo em vista que o objetivo da medicina é o de curar a doença, todas as terapêuticas são voltadas para a derrota da morte, ainda que ao custo do bem-estar do indivíduo. Distanásia é então, a prática utilizada para prolongar a vida de um enfermo incurável, por meios artificiais e desproporcionais, também conhecida como “obstinação terapêutica”. Apesar de bem equipados no processo de morte, em que apresentam óbito do mesmo modo que os demais, a diferença está na dor e no sofrimento agregados ao processo, mas não no seu desfecho. Assim compreendido, o termo distanásia seria o antônimo de eutanásia. Se no último há uma antecipação da morte, na “obstinação terapêutica” há uma suspensão meramente biológica do processo de morte, por meio de procedimentos inócuos que em nada acrescentam à vida do enfermo (CARDOSO, 2008). Já a ortotanásia, se enquadra entre o procedimento distanásico e o eutanásico, ou seja, não há interferência da ciência, permitindo-se a morte natural, de acordo com a evolução da própria doença. É a busca de uma solução ética, a fim de evitar que princípios fundamentais se choquem. Na eutanásia, o princípio da inviolabilidade do direito à vida estaria sendo desrespeitado; já na distanásia, o princípio da dignidade e, às vezes, o da autonomia, ficariam em segundo plano (CARDOSO, 2010). Tudo considerado, é possível afirmar que a ortotanásia não busca abreviar a vida do enfermo. Sua finalidade seria a de fazer frente ao uso avalorado da tecnologia, em uma sociedade que vê a morte com estranheza. Tem o objetivo precípuo de ponderar o choque dos princípios da dignidade e da autonomia do enfermo frente ao princípio da inviolabilidade do direito à vida, todos direitos fundamentais (CARDOSO, 2010, p. 157). Como se pode observar, a tipologia da eutanásia de acordo com o autor acima é diversa, complexa e há um método para cada caso, que diverge para o campo da saúde, da religião e da legislação criminal. 2.3 Eutanásia e o ordenamento jurídico brasileiro Sob a luz da Constituição Federal de 1988 o ordenamento jurídico possui a premissa que é a vida humana o bem maior do indivíduo e da sociedade e deve ser protegido, o qual rege ao princípio elementar do direito à vida, aquele que tradicionalmente sempre mereceu proteção por parte dos Direitos Humanos. Ademais, o ordenamento jurídico brasileiro defende a hipótese de que se deve preservar o direito à vida. Por outro lado, se o ordenamento jurídico não autoriza lesão à vida dos outros, também não pode impor a um doente que permaneça sobrevivendo e resistindo, dolorosamente, contra a sua vontade. (COSTA JUNIOR, 1991). A discussão a respeito da eutanásia ganha corpo quando trazida à luz do Direito Penal. Registre-se, ainda uma vez, pela análise aqui esboçada, que se parte da premissa de que a vida não é um bem irrenunciável, absoluto, mesmo porque, o Código Penal Militar vigente, ainda contempla a pena de morte (COSTA JUNIOR, 1991). A eutanásia no Brasil continua sendo um tema que ainda encontra muitas discussões, devido envolver uma das bases constitucionais, que é o direito à vida. Contudo, não há ainda leis específicas que caracterizam sua permissão no Brasil, com o devido respaldo na legislação brasileira, tal como

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sua pratica explícita é proibida diante do código penal. (ROXIN, 2000). Assim, no caso em que o médico, mesmo que acordado com o paciente ou sua família, aplicar dosagens mais fortes de medicação, afim de que a pessoa não sofra ou sinta mais dor, assumindo como possível consequência a morte, é comparada com o crime de homicídio privilegiado, tipificado pelo artigo121, §1º, do Código Penal Brasileiro. Privilegiado por ser um ato motivado de valor moral ou social, onde esses valores se justificariam nos interesses pessoais e na mobilidade da sociedade movida de compaixão e piedade.

Art. 121 - Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de Diminuição de Pena § 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. (LIMA NETO, 2016)

Apesar de não existir ainda uma legislação especifica para a eutanásia, muitos foram os projetos criados para uma luta de prós e contras a sua legalização. 2.4 Projetos de Lei da Eutanásia no Brasil Em 1996, tramitou no Congresso Nacional o projeto de Lei 125/96 que teve iniciativa com o senador amapaense Gilvam Borges, mas nunca entrou em votação. Neste projeto a proposta é de que a eutanásia fosse permitida desde que uma junta de cinco médicos atestasse a inutilidade do sofrimento físico ou psíquico do doente, sendo dois especialistas no problema do solicitante. Caso o paciente esteja impossibilitado de expressar a sua vontade, um familiar ou amigo poderia solicitar à Justiça tal autorização. Porém, o próprio Senador já dizia que o projeto não tinha chances de ser aprovado. E segundo o deputado federal Marcos Rolim, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, «ninguém quer discutir a eutanásia porque isso traz prejuízos eleitorais». Rolim, que é do PT gaúcho, diz que, nos dois anos em que presidiu a comissão, jamais viu o assunto ser abordado. O projeto de lei foi definido da seguinte forma:

A eutanásia passiva, que é a interrupção do tratamento deixando que a doença siga seu curso natural, mas a morte não é iminente, é comparada a uma omissão de tratamento ou de socorro e por isso é enquadrada no artigo 135 do Código Penal:

Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco, à criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparado ou em grave e eminente perigo; ou não pedir, nesses casos socorro da autoridade pública: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se da omissão resultar lesão corporal de natureza grave, e triplica, se resulta a morte. De acordo com Santoro (2010,p.57), já na ortotanásia onde a causa do evento morte já se iniciou e o médico não agiu para salvar a pessoa, a punição é por homicídio culposo, vez que se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato este responderá pelo artigo 121, parágrafos 3º e 4º do Código Penal, tal qual tipifica que: Art. 121 [...] § 3º - Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 4º - No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.

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O art. 2º permite a eutanásia nos casos de morte cerebral, desde que haja manifestação de vontade do paciente para tanto; seu § 1º, dispõe que a manifestação de vontade deve ser expressa e feita como se fosse uma manifestação de última vontade; e § 2º dispõe sobre a forma de constatação da morte cerebral. O art. 3º aborda a eutanásia nos casos de morte cerebral quando a autorização é dada expressamente pela família. O § 1º define quem é considerado familiar para efeito da lei. O § 2º levanta a hipótese do paciente não ter familiares e a autorização, neste caso, será pedida ao juiz pelo médico ou pessoa que mantenha alguma relação de afetividade com o paciente. O art. 4º dispõe que nos casos do art. 3º, § 2º, o juiz deverá ouvir o Ministério Público e mandará publicar citação por edital para que dê ciência aos possíveis familiares. O parágrafo único deste artigo determina que a petição inicial venha obrigatoriamente acompanhada das conclusões da Junta Médica. O art. 7º permite a eutanásia por omissão. Seu § 1º dispõe sobre a avaliação do estado do paciente por uma Junta Médica e exige o consentimento expresso do paciente. O § 2º aborda a forma pela qual deverá ser dado o consentimento do paciente, que é a mesma prevista no § 1º do art. 2º. O art. 3º permite que a família ou pessoa que mantém laços de afetividade com o paciente requeira autorização judicial para a prática da eutanásia, mas só nos casos de não haver consentimento prévio do paciente e este estar impossibilitado de se manifestar. O art. 8º dispõe que, nos casos do art. 7º, § 3º, se não houver concordância de todos os familiares, deverá ser instaurado um processo judicial por iniciativa de qualquer familiar. O art. 9º aborda a providência de citação pessoal de todos os familiares do paciente no caso de ocorrer a hipótese do art. 8º. O parágrafo único do art. 8º. O parágrafo único do art. 9 º dispõe que a petição inicial deve ser instruída das conclusões da Junta Médica. O art. 10 e seus parágrafos dispõem sobre a oitiva do Ministério público e a formação da Junta Médica. O art. 11 expõe que após todas as diligências o juiz deve proferir sentença, decidindo sobre a manutenção da vida ou pela consecução da morte sem dor. O art. 12 dispõe que da sentença cabe apelação e da decisão pela consecução da morte sem dor o recurso é ex - oficio para o Tribunal de Justiça. (GUERRA FILHO, 2016, p. 1). O Anteprojeto para alteração da parte especial do código pe-

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nal brasileiro foi elaborado por uma comissão nomeada pelo Ministro Iris Rezende. (GUERRA FILHO,2016) Trata-se, no anteprojeto, da eutanásia e da ortotanásia, com o intuito de aderir tais condutas ao artigo 121, §§ 3º e 4º. O dispositivo ficaria assim: Art. 121 [...] § 3º - Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe o sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados. Pena – reclusão de 2 a 5 anos. § 4º- Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial se previamente atestado por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que, haja o consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente ou irmão. - EXCLUSÃO DA ILICITUDE (ALMADA; TEIXEIRA, 2016, p. 2). João Alberto Borges Teixeira e Diego Bisi Almada escrevem que: Alguns doutrinadores afirmam que a diminuição da pena na eutanásia e a exclusão da ilicitude na ortotanásia pelo Anteprojeto são somente um caminho para a legalização da eutanásia em nosso país. Mas essa questão é muito complexa, pois envolve muitos interesses, posicionamentos, questões religiosas, éticas, morais. (ALMADA; TEIXEIRA, 2016, p. 2). Com a aprovação do Anteprojeto do Código Penal de 1999 surgiriam problemas com a diferenciação de cada tipo de crime e um dos problemas seria a possibilidade da ocorrência de crimes estruturados em motivos torpes e fúteis, onde o agente se aproveitaria da diminuição da pena nos casos de eutanásia, e da exclusão da ilicitude nos casos de ortotanásia. Como é possível se perceber, a pena imposta às práticas eutanásicas, no Anteprojeto, varia de 2 a 5 anos, notadamente inferior à do homicídio simples, que varia de 6 a 20 anos. Ainda de acordo com Teixeira e Almada (2016) com a diminuição da pena para quem pratica a eutanásia e a exclusão da ilicitude no que tange à ortotanásia, poder-se-ia fazer constante a prática de outros crimes, como por exemplo, o tráfico de órgãos. Além disso, poderia a morte do paciente ser estruturada através da eutanásia ou da ortotanásia, para a antecipação do recebimento de uma herança. De acordo com o Anteprojeto do Código Penal de 1.999, a eutanásia é um crime comissivo, ou seja, um crime cometido mediante uma ação ou um ato positivo do agente, sendo este punido de maneira mais branda que o homicídio simples, conforme preceitua o caput do artigo 121 do Código Penal. Para que a eutanásia se concretize, é necessária a presença dos elementos constantes no § 3º do artigo 121 do Anteprojeto, sendo que na ausência de um dos elementos do tipo, esse crime poderá ser tipificado como homicídio simples, qualificado ou privilegiado. “Quando falamos em ortotanásia, disposto no § 4º do artigo 121 do Anteprojeto tem-se preliminarmente, a ideia de tratar-se de crime comissivo por omissão, em que o médico, pelo seu comportamento anterior, ou seja, quando recebem o paciente para tratar-lhe, teria assumido a responsabilidade de impedir um resultado extremo, a morte. (ALMADA; TEIXEIRA, 2016). No entanto, mais precisamente, tem-se a ideia de que proposta anteriormente feita não se consolida, já que na ortotanásia, os médicos, não são necessariamente os sujeitos ativos do delito, vez que

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cabe somente a eles a tarefa de atestar previamente que o mal sofrido pelo enfermo é iminente e inevitável. Diante de tudo, o anteprojeto pode ser visto como inconstitucional tendo como base que a vida é um bem inviolável e o § 4 do artigo 121 iria contra o caput do artigo 5ºda Constituição Federal, pois trata da exclusão de ilicitude do agente que pratica a ortotanásia. Ou seja, nesse ponto de vista excluir a ilicitude da ortotanásia, seria como se o homicídio não fosse punido. Ainda hoje, o anteprojeto está em tramitação, enquanto isso a eutanásia não está legalizada e continua sendo punida pelos outros tipos penais. Em oposição à legalização da Eutanásia ou em punições mais brandas para a prática, o Deputado Osmânio Pereira, em 2005, criou um projeto de lei para definir a Eutanásia como um crime Hediondo em sua justificativa dispôs que: Ao garantir os direitos individuais fundamentais e invioláveis a todas as pessoas, sem qualquer distinção e, portanto, sem distinguir, tampouco, o estágio da vida em que se encontrem, a Constituição Federal cita, em primeiro lugar, o direito à vida. Fá-lo com toda a lógica, posto que, sem esse direito, que é de todos o primeiro, nenhum sentido teriam os demais. (BRASIL, 2005). Ainda justificando a criação do projeto e se referindo ao Professor Ives Gandra da Silva Martins, em seu trabalho “Fundamentos do Direito Natural à Vida”, repetiu-lhe as palavras dizendo que “o aborto e a eutanásia são violações ao direito natural à vida, principalmente porque exercidos contra insuficientes”. É indispensável, portanto, que se explicite a natureza hedionda de tais crimes, bem como se vedem legalmente quaisquer ações nesse sentido. Porém o projeto foi arquivado no mesmo ano em que foi proposto, pois não obteve apoio. O projeto de lei de nº 236/2012, do Senado Federal, tem por objetivo instituir o novo Código Penal Brasileiro, trazendo grandes controvérsias criminalistas existentes na sociedade atual. Dentre esses esclarecimentos está a tipificação da eutanásia, discriminada no artigo 122, que diz: “matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave, é punível cm pena de dois a quatro anos. ” (PROJETO DE LEI, 2012) A única previsão referente à eutanásia, no projeto do novo código penal, que demostra um progresso na maneira de se pensar o direito à vida, encontra-se no art. 122, §1º, possibilitando ao magistrado deixar de aplicar a pena, de acordo com as circunstâncias do caso concreto: §1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima. (PROJETO DE LEI, 2012). Assim sendo, a eutanásia mesmo tipificada em nosso ordenamento jurídico em nada ampliaria a proteção à vida, mas, limitaria a liberdade do indivíduo que em um estado de grande debilidade teria retirado de si o direito de decidir sobre sua própria vida; sua existência, direito este cujo exercício cabe unicamente ao seu titular, não sendo, portanto, justificável a interferência do Estado no tocante ao modo ou ao tempo de vida de cada indivíduo. A prática da ortotanásia passaria ser totalmente válida, uma vez que nada foi proposto no projeto de lei do novo código penal. Desta forma, não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão. Nesse caso, existe a exclusão de ilicitude. (EHEL, 2015) Existem diversas críticas ao projeto do novo código, como por

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exemplo a pena desproporcional, sendo que, algumas bancadas, como a evangélica, reprovam seu possível conteúdo liberal.

CARDOSO, Juraciara Vieira. Eutanásia Distanásia e Ortotanásia - O tempo certo da morte digna. Belo Horizonte: Mandamentos, 2010.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

COSTA JÚNIOR, Paulo José. Dever do médico diante da Morte. In Estado de São Paulo: 1991.

A eutanásia no Brasil ainda é uma prática ilegal, porém existe projeto e anteprojetos que discutem sua inserção no ordenamento jurídico, sendo que, o direito penal ainda vê a prática como homicídio e sua inserção em nosso ordenamento ainda não ocorreu justamente por ser visto como um tabu jurídico. Aqueles que defendem a Eutanásia não defendem a morte propriamente dita, mas o direito que cada indivíduo tem de escolher fugir do sofrimento, sendo que todo ser humano deve ter o direito de morrer de forma digna. Aqueles que são contra, possuem suas argumentações baseadas na religião e no princípio do direito a vida, pois segundo estes, somente Deus pode tirar a vida de uma pessoa, devendo os médicos fornecerem todo e qualquer meio de tratamento necessário. Dentro desses parâmetros, a eutanásia no ordenamento jurídico brasileiro abrange grandes discussões sobre a questão dos direitos à vida e à dignidade humana, sendo que, para os legisladores esta prática fere a constituição brasileira na sua integralidade, mesmo que seja para fins de sofrimento pessoal e familiar devido a gravidade da enfermidade em processo terminal do paciente para que possa trazer alívio e paz a ambas as partes. Alguns projetos que tentaram ser inseridos no ordenamento jurídico fracassaram, destarte, esse ato continua sendo discutido de forma polêmica entre as autoridades legais, religiosas e de direitos humanos, que defendem que a prática no Brasil iria levar a abusos, contravenções e mortes desumanas, pelo quesito de que a eutanásia seria aplicada para outras finalidades. Assim sendo, há um novo projeto tramitando, em desfavor da prática e penalizando quem a fizer, porém com um adendo em seu §1º, em que o juiz poderá deixar de aplicar a pena, verificada as circunstâncias, conforme já descrito acima. Porém, independente da polêmica e das opiniões contrárias, é necessário que o legislador defina de forma clara a respeito da Eutanásia, pois é inadmissível que em pleno século XXI o Brasil não tenha regulamentado algo tão importante para a sociedade. Enfim, a eutanásia no Brasil é questionável e sua possível prática confronta o ordenamento jurídico com base no princípio do direito à vida, aos direitos humanos e a sociedade que ainda leva legados cristãos de que a morte deve ser natural e por permissão divina, outrora, a eutanásia seria uma afronta a esses princípios e quebra da base constitucional brasileira que tange a proteção a vida humana.

EHLE, Géssica Adriana. A distanásia, a dignidade do paciente e a previsão do Anteprojeto do Código Penal brasileiro: adequação ou retrocesso? In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVIII, n. 133, fev 2015. Disponível em: http://ambito- juridico.com.br/site /?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15765>. Acesso em julho de 2016. GUERRA FILHO, Fernando. Eutanásia: direito à boa morte e despenalização da piedade médico-homicída consentida. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2342/Eutanasia-Direitoaboa-morteedespenalizacao-da-piedade-medico-homicida-consentida>. Acesso em maio de 2016. LIMA NETO, Luiz Inácio de. A legalização da eutanásia no Brasil. Artigo Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4217/a-legalizacao-da -eutanasia-no-brasil/2>. Acesso em junho de 2016. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Em Defesa da Vida. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 43 Projeto de Lei da Câmara (2005). Projeto de lei 5058, de 13-04-2005. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=281681. Acesso em julho de 2016. Projeto de Lei do Senado (2012). Projeto de lei 236, de 22-01-2012. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/ materia/106404. Acesso em julho de 2016. ROXIN, Claus. A apreciação jurídico-penal da eutanásia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Revista dos Tribunais ano 8, n. 32. São Paulo, out./dez. De 2000, p. 11. SANTORO, Luciano de Freitas. Morte digna. Jornal Carta Forense. Rio de Janeiro. Agosto de 2010. Entrevista, p. B16 e B17. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite, Transplante de órgãos e eutanásia, Ed. Saraiva, São Paulo, 2012, Ed. Saraiva; c/c GOLDIM, José Roberto, in Problemas De Fim De Vida: Paciente Terminal, Morte E Morrer, IN: http://ufrgs.br/HCPA/gppg/casos.htm. Acesso em: 12 abril 2016.

REFERÊNCIAS ALMADA, Diego Bisi; TEIXEIRA, João Alberto Borges. Eutanásia no anteprojeto do código penal de 1999. Disponível em: <http//www.almadateixeira.com.br/eutanasia.pdf>. Acesso em junho de 2016.

Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Laura Maria dos Fernandes Lima (Examinadora)

BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. Porto Alegre: Sagra, 2010, p. 23. CARDOSO, Juraciara Vieira; HOFFMANN, Florian Fabian; Ortotanásia: o tempo certo da morte digna. Uma análise sobre o fim da vida à luz dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro, 2008. 231 p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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HOLDING FAMILIAR: Planejamento Sucessório para Produtores Rurais Keila Saúde Caires1

RESUMO: Apesar das constantes mudanças do mercado nos últimos anos, as empresas familiares ainda representam uma grande parcela das sociedades, no entanto o domínio e a concentração da gestão na figura do fundador, pode causar grandes dificuldades e onerosidade no momento da sucessão. O presente trabalho pretende fazer uma análise da implementação de uma empresa familiar, constituída sob a forma de uma holding visando proteger o patrimônio dos produtores rurais, com o objetivo de realizar um planejamento sucessório do detentor dos bens ainda em vida, abordando os aspectos legais e administrativos, como os conceitos de governança familiar, empresarial e corporativa e suas melhores práticas, objetivando assegurar a manutenção da propriedade e a renda dos seus descendentes. PALAVRAS-CHAVE: Empresas familiares. Herança. Holding. Planejamento. Sucessão.

1 INTRODUÇÃO

2 DO INSTITUTO DA HOLDING

Nos últimos anos tem havido um aumento do interesse na administração e manutenção das empresas familiares, sendo que o planejamento sucessório tem sido um dos aspectos fundamentais para a manutenção das empresas rurais ao longo das gerações. A expansão das atividades do agronegócio no país, com o aumento dos recursos tecnológicos e melhora dos meios de produção, tem contribuído para o aumento da produção agrícola e melhorado a rentabilidade e os ganhos dos produtores rurais e consequentemente o aumento de seu patrimônio. Como é a própria pessoa física quem explora os meios de produção e o faz em seu próprio nome, o aumento patrimonial ocorre sem nenhum mecanismo de proteção, sendo considerados bens particulares, os quais respondem integralmente por qualquer obrigação assumida. Esse patrimônio fica mais vulnerável estando em nome de pessoa física e não resguardam a continuidade da atividade para as próximas gerações, podendo ser alvo de divisão por parte dos herdeiros, impossibilitando muitas vezes a manutenção da atividade como um todo. Segundo KIGNEL (2014, p. 6) a base fundamental de sucesso dessas empresas em geral, tem sido a união da família e a preparação dos seus membros para assumirem as várias posições em um sistema dos três círculos, sendo eles a família, os acionistas e a empresa. A família deve se unir para promover esse trabalho, demandando que todos os membros estejam envolvidos na preservação e transmissão dos valores e princípios familiares, aliando o espírito empreendedor dos jovens à experiência e cautela dos mais velhos. O objetivo deste trabalho é estudar a viabilidade e eficácia da criação de uma holding como forma de realização de um planejamento sucessório, visando proteger o patrimônio, promover renda aos sucessores e garantir a continuidade do negócio familiar. O tema tem sido estudado com mais ênfase nos últimos anos e tem se mostrado uma tendência mundial, já que grande parte das empresas familiares falem após a morte do detentor do patrimônio, podendo ser de grande ajuda para empresários que desejam realizar um bom planejamento sucessório sob a ótica legal, evitando conflitos entre os herdeiros e dilapidação do seu patrimônio, possibilitando a manutenção de uma renda aos sucessores.

A holding é uma sociedade empresarial que tem por objeto deter bens, como participações em outras sociedades ou ainda o controle de um patrimônio familiar ou individual. Seu significado está ligado à manutenção, controle e segurança e tem como foco principal a detenção de ações ou de capital de uma empresa por outra, de modo a exercer o controle societário. As atividades de holding no Brasil se iniciaram anos 70 com a chegada das multinacionais e se fortaleceu com advento da Lei nº 6.404, Lei das Sociedades Anônimas de 1976 e estão classificadas em holding pura e mista, sendo que a holding pura se caracteriza pelo desenvolvimento de uma atividade de participação no capital de outra sociedade, puramente isso. Já na holding mista a empresa além da participação em outra sociedade, realiza também o desenvolvimento de uma atividade econômica produtiva, é o tipo mais utilizado no Brasil e se apresenta em grande parte na forma de sociedade limitada. Tomazette dispõe sobre o tema: As holdings são sociedades operacionais, constituídas para o exercício do poder de controle ou para a participação relevante em outras sociedades. Dentro desata função, as holdings apresentam-se como meio extremamente útil para centralizar o controle de um grupo, descentralizando a administração, gerindo de forma unificada grupos e sociedades, que se tem difundido pela pratica econômica moderna. (2014, p.628). Nossa legislação não trata especificamente da holding mas traz no art. 2º, § 3º da Lei 6.404/76 que “A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais” e ainda no seu art. 243, § 2°, onde trata das sociedades coligadas, controladas e controladoras. Em que pese esta previsão legal estar postulada na lei de sociedades anônimas, não há qualquer impedimento para que as holdings sejam constituídas como sociedades limitadas ou qualquer outro tipo, isto porque o termo holding não se refere a um tipo societário determinado e sim à forma de administrar e controlar uma empresa ou bens de pessoas físicas ou jurídicas, bastando apenas que sejam

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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observados os requisitos legais próprios de cada tipo societário. As holdings podem ainda ser divididas em três espécies, a Patrimonial, Familiar e a Administrativa. A Patrimonial tem como objetivo a administração dos negócios das empresas com o objetivo de reduzir a carga tributária e melhorar a gestão e facilitação da sucessão patrimonial, sendo que os bens a serem integralizados na holding podem ser móveis, imóveis, direitos, outras participações societárias (holding pura) e ainda ativos financeiros. Já a holding Familiar é formada pela concentração dos bens de uma pessoa física ou grupo familiar, de forma que estes bens integralizem o capital social da pessoa jurídica, havendo assim a criação de uma empresa para administrar o conjunto de bens da pessoa física. O que pauta a personalidade jurídica da holding familiar são os acordos de vontade estipulados na governança familiar, desta forma os familiares necessitam respeitar os atos de vontade firmados, cabendo a cada sucessor sua quota ou ação pré-determinada. É uma forma segura e econômica em que se realiza uma antecipação de herança, o controlador realiza uma doação de quotas-partes da empresa aos seus herdeiros, gravando-as com cláusula de usufruto vitalício em favor do doador, assim como de impenhorabilidade, incomunicabilidade, inalienabilidade e reversão. A holding Administrativa se caracteriza por ser constituída para a administração do patrimônio investido como capital de outra empresa, reduzindo a carga tributária e profissionalizando a gestão do patrimônio. O instituto da holding é uma ferramenta administrativa moderna e bastante eficiente quando se pensa em grupos societários, com gestão compartilhada e controles eficazes, permitindo uma boa proteção patrimonial e solidez empresarial.

3.1 Governança Familiar Ao passar para a propriedade dos filhos, a empresa entra em uma fase que se caracteriza pelo controle partilhado do negócio, podendo os familiares exercerem ou não a gestão da empresa. O desafio dessa fase é a formulação e o desenvolvimento de um processo de divisão de controle, criação de uma política de distribuição de lucros e definição dos papéis dos acionistas, refere-se aos interesses e questões correlatas à empresa familiar que respondem à lógica diferente à do negócio, são os interesses pessoais, os problemas familiares, entre outros dessa natureza. Na holding familiar não existe um controlador absoluto, visto que ninguém é detentor isolado de participações suficientes para comandar as decisões na empresa, fato que pode ser a causa de sérios problemas de gestão, como o choque de gerações, desencontros de ideias e diferentes visões sobre o negócio, fatores que podem ser desastrosos e concorrerem para o aumento das estatísticas de mortalidade da empresa familiar. A melhor maneira para lidar com tais desafios é a implementação de uma governança familiar eficaz, segundo afirmam KIGNEL, PHEBO E LONGO.

3 DOS ASPECTOS DO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO

Uma das formas de se sistematizar a governança familiar é fazendo uso de um documento geralmente chamado de “protocolo familiar”, tal documento contém regras relativas à gestão dos recursos financeiros e norteia alguns comportamentos que devem ser seguidos por todos, como por exemplo pré-estabelecer recursos destinados à manutenção de tratamentos de saúde, socorrer familiares com problemas financeiros, pode ainda recomendar que os acionistas não sejam fiadores de terceiros, que não utilizem o sobrenome familiar em negócios particulares dentre outras normas que devem ser seguidas por todos. O conteúdo do protocolo deve variar de uma família para outra, atendendo às características e particularidades de cada núcleo, sendo ideal que toda a família participe da sua elaboração, concorde com o texto e o assine. A formalidade traz engajamento e comprometimento de todos os membros com as regras contidas no texto, não sendo um documento jurídico e, portanto, não havendo penalidade por seu descumprimento, possuindo características meramente doutrinárias, educativas e vinculatórias. É importante que se crie ainda um Conselho de Família, que será composto por membros eleitos que tenham a tarefa de formar pequenos comitês para que desempenhem atividades importantes à manutenção do negócio, como por exemplo treinar a geração mais jovem como futuros acionistas, ensinar noções de finanças e contabilidade, gestão de pessoas e liderança. Tem o objetivo também de gerenciar a vida dos integrantes da família empresária, sob a ótica da gestão do negócio e administração de questões pessoais como viagens, lazer, despesas próprias, manutenção de veículos, etc. A governança familiar tem o intuito maior de formar futuros acionistas, leais, bem informados, confiáveis e preparados tecnicamente para administrar o negócio, e acima de tudo saber reconhecer que os problemas, os objetivos e os interesses da família não são e não devem ser os mesmos da empresa.

Consiste o planejamento sucessório em um conjunto de atos que visa a operar a transferência e a manutenção organizada e estável do patrimônio do disponente em favor dos seus sucessores. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2014). Realizar um planejamento sucessório se faz muito importante, na medida em que evita que em muitos casos as empresas familiares cheguem à falência, por falta de continuidade do trabalho realizado pelo detentor do patrimônio ou ainda por disputas entre herdeiros e dificuldades de gestão, perdendo assim todo o trabalho de anos e até de gerações. Ainda, devido ao longo tempo dos processos de inventário, por serem complicados e caros, e por haver um vasto patrimônio a ser partilhado, podendo ser considerado como outro fator que recomendaria a realização do planejamento sucessório, bem como por facilitar a liberação rápida dos recursos e ativos, permitindo que a transmissão do patrimônio ocorra de maneira mais racional e eficiente. O planejamento sucessório permite também reduzir custos e pagar menos imposto em certos casos, especialmente no que tange ao imposto sobre a herança (ITCMD), devendo ser feito por qualquer pessoa que pretenda evitar conflitos no momento da sucessão e resguardar o bem estar econômico e financeiro dos seus herdeiros, independente do tamanho e do valor do seu patrimônio. Proporciona ainda enfrentar de maneira mais tranquila o desafio da sucessão com a efetiva transferência de controle do negócio para a nova geração, com a criação de soluções eficazes e adequadas a cada núcleo familiar, tratando os conflitos de forma positiva, adequando as vontades aos limites legais, estabelecendo regras de convivência, organizando o patrimônio e imprimindo eficiência fiscal à empresa.

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A governança familiar visa cuidar da conservação e das tradições familiares, assumindo a gigantesca tarefa de procurar separar o que é patrimônio pessoal do que é patrimônio da empresa, o que é responsabilidade pessoal e empresarial, fixando as fronteiras e proporcionando aos herdeiros e seus familiares um melhor conhecimento do negócio e das suas particularidades como família empresária. Com isso evita, em outros malefícios, o uso indevido de recursos da empresa por membros da família e a transformação da companhia em um erário dos familiares. (2014, p.13).

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3.2 Governança Corporativa A governança corporativa diz respeito à esfera de gestão do agronegócio e consoante a definição do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC (5ª ed. p. 20) pode ser definida como o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. Os princípios mais importantes da governança corporativa são a transparência, a prestação de contas, a equidade e a responsabilidade corporativa. Seu objetivo é o de possibilitar o controle da administração do negócio, que deve estar alinhado com os interesses dos familiares e acionistas, devendo estes, se sentirem representados pelos gestores da empresa. De acordo com LEITE JUNIOR (2013): As praticas de governança corporativa, além de melhorarem a administração da companhia, procuram também o seu robustecimento perante o mercado, dando confiança aos investidores, estando estes mais seguros quanto ao investimento a ser realizado. A governança corporativa tem o papel de estabelecer dentre os acionistas quem deverá desempenhar qual função ou ocupar tal cargo na empresa, ou ainda estabelecer se determinada função deverá ser gerida por um administrador independente, escolhido por suas qualificações técnicas e adequadas ao negócio. Devem ser definidas regras e procedimentos para as tomadas de decisões corporativas, através da criação do conselho de administração e da eleição dos diretores executivos, que irão estabelecer as metas, objetivos, e as ferramentas para alcança-los visando direcionar as atividades e cobrar resultados dos gestores da empresa. Muitos são os conflitos de interesses entre os membros das empresas familiares, cada ente possui ideias, projetos pessoais, estilo de vida e necessidades próprias, podendo haver cobranças e desgastes dentro do próprio núcleo familiar. Nesse contexto, a governança corporativa auxilia na redução de tais desentendimentos, pois irá pré-estabelecer as regras de conduta, a separação das finanças pessoais da administração financeira do negócio, dar tratamento justo e igualitário a todos os acionistas, equilibrar os interesses e fornecer dados e informações claras e objetivas sobre o andamento do negócio, contribuindo assim para a manutenção da empresa por muitas gerações. 3.3 Governança Jurídico-Sucessória A governança jurídico-sucessória tem o objetivo de criar instrumentos eficazes para manter o patrimônio familiar e regular as atividades da empresa permitindo a continuidade do negócio, sob o aspecto dos três círculos que influenciam essas empresas, segundo o modelo desenvolvido em Harvard, sendo elas a gestão, a família e a propriedade. Os três aspectos acima destacados influenciam e envolvem as empresas e devem ser submetidos às regras do Direito Societário, Direito de Família e Direito Tributário e às estruturas de governança para que sejam bem administradas. O Direito de Família e Sucessões trata dos aspectos antenupciais, contratos de convivência, testamentos, das atas notariais para os casos de incapacidade, das doações, com cláusulas de reversão ou gravados com cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, usufruto ou incomunicabilidade, que, sendo feitos de forma correta, evitam ou afastam os efeitos lesivos à gestão da empresa familiar em casos de divórcios, falecimento ou incapacidade. Orienta ainda

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a família em casos de transmissão de bens por razão de inventário, auxiliando no processo de partilha dos bens. A governança societária, no que tange ao Direito Societário, se incumbe da elaboração de instrumentos como contratos, o estatuto social da holding, acordos de acionistas e regulamentos internos, sempre com o objetivo de garantir os direitos e delimitar as responsabilidades dos acionistas, protegendo-os e preparando a base da sucessão. O Direito Tributário concentra seus esforços no objetivo de racionalizar os reflexos fiscais das estruturas propostas, visando conseguir a não incidência ou a redução lícita da carga tributária, realizando um planejamento tributário eficiente, para que os tributos não corroam a organização empresária. A governança corporativa está intimamente dependente da governança jurídico-sucessória já que a falta de regulação das relações dos sócios no ambiente empresarial pode inviabilizar e perder todo o trabalho realizado pela governança familiar, já que podem ocorrer situações como mortes prematuras, divórcios, ou incapacidades que comprometem a estrutura e gestão do negócio, devendo haver portanto um prévio planejamento para salvaguardar e preservar o patrimônio familiar. Neste sentido traz KIGNEL, PHEBO E LONGO: O planejamento sucessório só tem início pela vontade familiar. Sua conclusão depende da superação das atribulações intrínsecas e do construtivismo familiar e social que se permita implantar. Os advogados, na qualidade de guardiões do processo, têm como prerrogativa adequar as vontades ao contexto da lei, de seus permissivos e da instrumentação que ela oferece. (2014, p.18). O planejamento deve ser realizado sob medida para cada empresa familiar, a construção do projeto visa garantir uma transição tranquila e efetiva do comando dos negócios, sendo de fundamental importância a preparação de todos os membros da família, com reuniões periódicas, contratação de profissionais especializados, criação de um plano de ação, sempre levando em conta as particularidades das pessoas e da empresa, agindo assim o processo se tornará mais tranquilo e reduzirão as chances de problemas futuros. 4. APLICABILIDADE DA HOLDING COMO FORMA DE PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO O planejamento sucessório implica necessariamente uma prévia organização patrimonial e inclui tanto a alocação de bens e direitos quanto o estabelecimento de regras de convivência para os detentores atuais e futuros de tais ativos, regulando seus direitos e obrigações. Desta forma o planejamento sucessório tem a função de organizar o patrimônio familiar não apenas para evitar futuras discussões, mas também para protegê-lo de eventuais fortuitos e garantir uma melhor eficiência fiscal, devendo-se adotar estruturas distintas para patrimônios distintos. Nossa legislação permite que pessoas físicas realizem transferência de seu patrimônio para pessoas jurídicas, o valor dos ativos devem ser os mesmos constantes na declaração de imposto de renda, como forma de integralização do capital social desta. Dentre as ferramentas permitidas por nosso ordenamento jurídico para a implementação de um planejamento sucessório está a criação da holding, a sociedade pode ser constituída como sociedade limitada, sociedade por ações ou outros tipos societários, o que não altera a sua característica ou finalidade, nem mesmo diferencia o tratamento fiscal. Dentre os principais fatores que tornam a criação da holding uma das melhores opções para o planejamento sucessório são: a criação de um ambiente de relacionamento intrafamiliar, visando a criação de

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regras de convivência para os sócios; permitir a concentração da capacidade de investimentos, tanto de pessoas físicas como jurídicas; mitigar a possibilidade de ingerência de herdeiros, sucessores e ex-cônjuges; reduzir possíveis reflexos de alteração patrimonial dos sócios; minimizar eventuais riscos da operação em relação aos sócios; realizar a segregação de ativos ou atividades, protegendo os bens e evitando o condomínio destes e suas necessidades de unanimidade. Deve-se adotar o sistema mais adequado a cada tipo de patrimônio ou estrutura familiar, para isso existem alguns tipos de holding, conforme veremos a seguir. 4.1 Holding de Participações A holding de participações é uma sociedade cujo patrimônio é formado por investimentos em outras empresas. Seu capital é formado pela aquisição de quotas ou ações de outras sociedades, se tornando sócia destas. A holding pode ainda se formar pela união de herdeiros que desejam unificar suas ações para se tornarem um grupo mais forte, visando obter o controle societário para manutenção de um negócio. Visa ainda propiciar a criação de um ambiente para o estabelecimento de regras de convivência, até mesmo no que se refere a aglutinação de votos, evitando a diversificação do comando e pulverização dos investimentos após a morte de um sócio, em que podem ocorrer divisão de poderes e funções entre os membros da família. Esta forma de gestão evita que sócios minoritários pratiquem ingerência individual, afetando o negócio de forma negativa, isso se deve ao fato de ser a holding a sócia da empresa operacional, exercendo assim o direito de voto em assembleia, devendo ser determinado com antecedência em reunião prévia, de acordo com seu estatuto ou contrato social. Desta forma se algum sócio tiver opinião divergente da maioria durante a reunião, não terá como interferir nos assuntos da operacional, mantendo os interesses da maioria, estruturada em forma de holding. Sendo assim a holding de participações é um excelente instrumento para blindar as interferências das alterações patrimoniais dos sócios em relação às empresas operacionais, como pode acontecer nos casos de divórcio litigioso, em que o ex-cônjuge pleiteia participação na operacional, nesse caso não haveria qualquer interferência deste, posto que os votos em assembleia se dão através da holding e não individualmente. No que se refere a proteção patrimonial, mesmo a empresa operacional possuindo personalidade jurídica própria para responder por suas obrigações, a separação entre a pessoa física e jurídica não deve prevalecer em casos específicos de dolo ou fraude, devendo o sócio responder pelas obrigações constituídas ou danos causados, havendo neste caso a desconsideração da personalidade jurídica da holding. É necessário observar, no entanto que apesar das inúmeras vantagens na criação da holding de participações, deve-se levar em conta que há alguns aspectos negativos, como o surgimento de problemas tributários que serão abordados mais adiante, ou seja o aumento em alguns casos da carga fiscal, sendo necessário portanto realizar um estudo prévio desses impactos durante o planejamento sucessório. 4.2 Holding Imobiliária A holding imobiliária tem por objeto adquirir e explorar determinado patrimônio imobiliário, seja para uso pessoal ou para obtenção de renda. A operação consiste na transferência do patrimônio da pessoa física para a holding que passa a ser proprietária destes bens, evitando o condomínio entre herdeiros, que recebem quotas ou ações da empresa e não os bens propriamente ditos. A estrutura de holding também pode ser utilizada para organizar

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um patrimônio imobiliário, evitando que seja dilapidado ao longo do tempo ou ainda como forma de proteger a titularidade dos bens, mantendo-os no anonimato, evitando ação de criminosos e preservando a intimidade dos herdeiros. Em termos de tributação, a holding imobiliária pode ainda eventualmente reduzir a carga fiscal da empresa operacional optante pelo lucro real, em virtude de um contrato de locação dos bens por empresa optante pelo lucro presumido, para os quais sejam transferidos. A holding assumiria a função de locadora e a operacional a qualidade de locatária. Outro aspecto relevante se refere ao condomínio, que ocorre quando o mesmo bem pertence a mais de uma pessoa, que tem direitos iguais sobre o todo e suas partes. Desta forma várias pessoas tem o poder de dispor da coisa, limitadas no exercício de seu direito e em concorrência com as demais, mesmo havendo sobre o bem direito de propriedade individual. O Código Civil em seu art. 1.314 dispõe sobre as relações entre condôminos e terceiros, “Se o mandato for outorgado por várias pessoas, e para negócio comum, cada uma ficará solidariamente responsável ao mandatário por todos os compromissos e efeitos do mandato, salvo direito regressivo, pelas quantias que ela pagar, contra os outros mandantes”. O condomínio então exige que todos tenham a mesma intensão em relação ao bem, e ainda a outorga dos cônjuges e companheiros (dependendo do regime de casamento), para que ocorra qualquer movimentação, em relação a terceiros ocorre da mesma forma, a concordância deve ser total, até mesmo para contratos de locação. Tal fato pode ocasionar diversos inconvenientes, perda de bons negócios e desgastes desnecessários, caso não haja o aval de todos os condôminos, ou ainda caso desejem exercer o direito de preferência sobre coisas indivisíveis. Uma excelente solução é a criação da holding que evita que os bens fiquem em condomínio, e exige que as tomadas de decisão se deem através deliberações por maioria, sem a necessidade de unanimidade ou a concordância de terceiros, tornando os processos mais ágeis e lucrativos. É importante ainda que todos os bens sejam classificados de acordo com sua vocação, antes de destinarem-nos para a holding, separando os de uso pessoal, empresarial, imóveis rurais e urbanos, destinados a locação, moradia, venda, incorporação imobiliária e ainda de propriedade de pessoa física ou jurídica, para que não haja aumento da carga fiscal, devido a diversos tratamentos que a legislação atribui tanto para a aquisição de imóveis, quanto para sua alienação, devendo ser analisados com cuidados sob o aspecto do imposto de renda. 4.3 Holding Patrimonial Trata-se de um tipo de holding bastante abrangente, podendo abarcar patrimônio imobiliário, participações societárias, como no caso da holding pura além de todos os bens, direitos e ativos financeiros, enfim todo o patrimônio que se pretenda incluir. Sua forma de gestão e conveniência são os mesmos aplicados na holding imobiliária e se traduz de uma maneira geral, como o melhor tipo de holding a ser usado no planejamento sucessório rural. 4.4 Sociedades De acordo com Tomazette (apud BERTOLDI, Marcelo M. 2014, p.202) “as sociedades empresárias são as organizações econômicas, dotadas de personalidade jurídica e patrimônio próprio, constituídas ordinariamente por mais de uma pessoa, que tem como objetivo a produção ou troca de bens ou serviços com fins lucrativos”. É comum que haja certa confusão com o conceito de sociedade, algumas pessoas a confundem com empresa outras com companhia,

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porém há que se fazer tal distinção. A empresa se refere a uma atividade econômica e a sociedade empresária a um sujeito detentor de direitos e obrigações, devendo a sociedade administrar a empresa. Já a palavra companhia é utilizada na razão social de algumas sociedades anônimas, também não assumindo o sinônimo de sociedade. No Brasil as empresas, inclusive as holdings, tem sido constituídas por basicamente dois tipos societários, a sociedade limitada e a sociedade por ações (S.A), podendo esta última ser de capital aberto ou fechado, dependendo da forma de negociação de suas ações. A companhia de capital fechado não realiza negociação de suas ações no mercado de capitais, ao contrário da de capital aberto, que fará tal negociação após registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Há ainda a empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI, porém como não se configura especificamente um tipo societário, mas sim uma pessoa jurídica de titularidade única e a legislação a ela aplicada é basicamente a mesma conferida às sociedades de responsabilidade limitada, não faremos, portanto, uma análise específica dessa figura, sendo mais utilizada quando o detentor do patrimônio não possui herdeiros. Ao considerarmos que a holding visa proteger o patrimônio, as formas societárias mais apropriadas para a constituição de uma holding familiar são as de responsabilidade limitada e a S.A de capital fechado, cujas ações não se admite negociação no mercado de valores, sendo que ambas possuem como princípio comum os vínculos pessoais entre os sócios, a afecttio societatis, definida como uma fidelidade e confiança entre eles, havendo uma maior proteção contra a entrada de terceiros na sociedade. Durante a constituição da pessoa jurídica deve haver o ingresso do patriarca fundamentalmente, posto que é o possuidor de todo ou da maioria do patrimônio, além deste os herdeiros e demais sucessores, a depender da composição familiar e vontade do detentor dos bens, devendo para tanto integralizar uma cota mínima do capital social. Importante ressaltar que os cônjuges casados sob o regime de comunhão universal de bens e no da separação obrigatória não podem figurar no quadro societário da empresa por força de vedação expressa do art. 977 do Código Civil vigente. A formação do capital social da holding, tanto para a limitada quanto por ações, pode ser feita em dinheiro, bens móveis ou imóveis e direitos, como participações societárias, créditos, softwares e demais ativos financeiros, bastando que possam ser passíveis de avaliação econômica. Os cônjuges devem autorizar a incorporação dos bens através da outorga uxória, para integralização feita pelo patriarca e outorga marital, nos casos em que a matriarca integraliza seus bens, devendo contar expressamente no contrato. Após a integralização do capital cabe ao patrono realizar a doação das quotas entre os herdeiros, de acordo com o que foi definido na governança familiar, valendo-se da reserva de usufruto e das cláusulas de reversão, inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, como mecanismos de proteção e segurança ao detentor do patrimônio e continuidade do negócio familiar. Com a adoção dessas cláusulas os bens com este gravame não comporão o patrimônio conjugal em razão de casamento, não sendo relevante o regime de bens adotado, e também não estarão sujeitos a sequestro, penhora ou busca e apreensão, posto que não poderão ser dados em garantia individual pelos sucessores, estando afastada a dilapidação patrimonial. Sendo assim, devem estar bastante solidificadas as normas e diretrizes para entrada e principalmente saída de quotistas após encerrado o usufruo, já que a formação da holding visa manter o controle dos bens e assim garantir a operacionalização da atividade rural. Com o exercício da atividade dentro das melhores práticas e os bens resguardados, os demais fatores como a compra e alienação

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de imóveis, locação de máquinas e equipamentos, financiamentos e créditos bancários poderão ser feitos pela holding, que se beneficiará de um melhor planejamento tributário, reduzindo em muitos casos os rendimentos que compõem a tabela do imposto de renda. 5. DOS REFLEXOS TRIBUTÁRIOS E TRABALHISTAS O aspecto tributário possui naturalmente um papel relevante no planejamento sucessório na medida em que ocorre uma redução do patrimônio decorrente do desembolso necessário para honrar as obrigações tributárias próprias à sucessão. Os tributos são uma consequência dos atos e negócios praticados diariamente pelas pessoas, e foi definido por HARADA (2015, p.328) como sendo “prestações pecuniárias compulsórias, que o Estado exige de seus súditos em virtude do seu poder de império”. Dentre as vantagens de constituir uma holding como forma de planejamento sucessório, está a redução da carga tributária, no entanto caso durante a transferência de bens da pessoa física para a jurídica não seja observado o valor constante no imposto de renda e seja lançado o valor de mercado, a diferença para mais estará sujeita à tributação por se entender ser caso de ganho de capital. Porém caso haja a pretensão de futura venda do bem ou se for caso de bens adquiridos até dezembro de 1988, o pagamento do tributo na ocasião da integralização pode ser uma vantagem, em virtude de um benefício fiscal concedido pela Lei 7.713/88 que em artigo 18 prevê a aplicação de um percentual de redução sobre o ganho de capital. Para a consecução da nova organização, a alocação de bens e direitos estão sujeitos a sofrer incidência de três tipos de impostos, o imposto de renda – IR, imposto sobre transmissão de bens imóveis – ITBI e o imposto sobre operações financeiras – IOF, faremos a seguir alguns comentários acerca desses reflexos tributários e suas alternativas, quando aplicáveis. Na formação do patrimônio da holding não incide o ITBI, de competência municipal, cujo fato gerador segundo HARADA (2015, p.497) “é a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza de acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição” pois, o art. 156, II da CR/88 exclui a incidência do imposto sobre a integralização de capital social, exceto se a atividade principal da empresa for a compra e venda desses bens ou direitos ou ainda a locação ou arrendamento mercantil, art. 156, § 2º, I. Sendo assim, a integralização de imóveis com a finalidade de constituir uma holding destinada a exercer atividade de locação ou compra e venda de tais bens, implica investimento obrigatório em ITBI com alíquotas variáveis de acordo com cada município. No entanto, mesmo com a incidência do imposto, pode haver vantagem na criação da empresa se levarmos em conta a economia tributária sobre o lucro e a receita bruta, isto porque os rendimentos com os aluguéis ou as transações comerciais dos bens serão gerados e tributados pela pessoa jurídica, havendo considerável redução fiscal, principalmente se realizarem as receitas pelo Lucro Presumido (art. 13 e 14 da Lei 9.718/98), mais vantajoso para as holdings, além da amortização realizada em certo período de tempo. A forma de tributação pelo Lucro Presumido está abarcada nos artigos 516 a 528 do Decreto 3.000/99, que regulamenta o Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza. É importante ressaltar que a holding patrimonial formada com o objetivo único de aluguel de bens, em regra está impedida de optar pelo regime do Simples Nacional, de acordo com a Lei Complementar 123/06, art. 17, XV. Sob a ótica do Imposto de Renda, em termos gerais a base de cálculo para a holding optante pelo lucro presumido é de 32% sobre

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a receita bruta (art. 15, III, ‘c’, da Lei nº 9.249/950), encontrado o valor, serão aplicadas as alíquotas referentes a: - IRPJ – alíquota de 15% sobre o lucro, com adicional de 10% caso os valores sejam maiores que R$ 20.000,00 por mês, incidindo apenas sobre o montante que ultrapassar o limite. - CSLL – possui alíquota de 9% sobre o lucro; - PIS – com alíquota de 0,65% sobre a receita bruta; - COFINS – alíquota de 3% sobre a receita bruta. A soma dos tributos devidos pela holding que adota a sistemática do lucro presumido pode variar entre 11% a 14% da sua receita bruta, já o valor da alíquota devida pela pessoa física pode chegar a 27,5% de acordo com seus rendimentos, evidenciando que a constituição de uma sociedade com vistas ao planejamento sucessório, pode trazer redução do custo tributário em relação à tributação dos

sócios. Já os dividendos destinados aos sócios, pagos como com parcela do lucro da holding não são tributáveis e, portanto, não estão sujeitos à tributação pelo imposto de renda da pessoa física. No que se refere às operações financeiras, não se recomenda a constituição de uma sociedade com a finalidade exclusiva de deter tais ativos, visto que com relação à carga fiscal, a tributação dos rendimentos financeiros para as pessoas físicas pode variar entre 15% a 22,5%, com algumas exceções como a poupança, enquanto que para as pessoas jurídicas, inclusive as optantes pelo lucro presumido, a carga gira em torno de 34%, comprometendo a inteligência tributária, sendo menos onerosa a permanência de tais ativos com as pessoas físicas. Em seguida apresentamos um quadro comparativo entre as tributações da pessoa física e da holding, sendo esta optante pelo lucro real ou presumido.

Tabela 1: Quadro comparativo entre as tributações das pessoas físicas e a holding Holding Renda

Dividendo

Juros sobre Capital Próprio

Pessoa Física Lucro Presumido

Lucro Real

Isento

Isento

Isento

15% exclusivo de fonte

Receita a ser somada à base de cálculo de IRPJ, CSL, PIS (0,65%) e COFINS (3%)

Receita para apuração das bases de cálculo de IRPJ, CSL, PIS (1,65%) e COFINS (7,6%). Despesas e créditos em geral são considerados.

Máximo 37,65%

Carnê-leão. Locação

(tabela progressiva) Máximo 27,5%

Presunção da base de cálculo: 32% para IRPJ e CSL PIS (0,65%) e COFINS (3%). Máximo 14,53%

Presunção da base de cálculo: 8% para IRPJ e 12% para CSL.

Vendas Estoque 15% sobre o ganho de capital (possibilidade de benefícios fiscais). Venda Imobilizado

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PIS (0,65%) e COFINS (3%). Máximo 6,73%

Máximo 43,25%

Receita para apuração das bases de cálculo de IRPJ, CSL, PIS (1,65%) e COFINS (7,6%). Despesas e créditos em geral são considerados (inclusive depreciação do imóvel). Máximo 43,25%

Receita para apuração das bases de cálculo de IRPJ, CSL, PIS (1,65%) e COFINS (7,6%). Despesas, custo e créditos em geral são considerados. Máximo 43,25%

IRPJ e CSL sobre ganho de capital.

Ganho de capital compõe a base de cálculo de IRPJ e CSL.

Máximo 34%

Máximo 34%

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A constituição da holding poderá ser feita com a total integralização das quotas pelo detentor do patrimônio, com posterior doação destas aos herdeiros e estabelecimento de cláusula de usufruto, em que haverá ainda a incidência do ITCMD, imposto estadual que tem como fato gerador a transmissão causa mortis ou doação de bens e direitos e qualquer natureza. Esse imposto é calculado pelo valor patrimonial das quotas e não por seu valor de mercado, o que pode trazer grande economia tributária, principalmente se comparado à base de cálculo do imposto de transmissão causa mortis, que é feito com base no valor de mercado ou valor venal dos bens. Desta forma o planejamento sucessório pode trazer além dos benefícios com a tributação, proteção patrimonial e redução de despesas com inventário, taxa judiciária, a possibilidade de uma considerável redução do ITCMD. No que se refere aos reflexos trabalhistas, a constituição da holding e a consequente migração dos bens particulares para a sociedade formam uma certa blindagem de tais bens, já que a pessoa física responde com o seu patrimônio particular por eventuais débitos trabalhistas, ao passo que tais bens estando integralizados ao patrimônio da holding não poderão ser atingidos em caso de execução. No entanto é importante ressaltar que caso os empregados estejam registrados pela própria sociedade, esta deverá responder por todos os créditos trabalhistas, atingindo inclusive o patrimônio societário e particular dos sócios. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A doutrina, as pesquisas e os estudos de caso comprovam que a empresa familiar no Brasil e no mundo, sofre grandes dificuldades para sobreviver às gerações que seguem sem a presença de um sólido planejamento sucessório. Apesar da possibilidade de surgirem conflitos entre as gerações, a sucessão empresarial através da formação de uma holding tem grandes possibilidades de sucesso, com a redução dos litígios, um melhor conhecimento e destinação do patrimônio, planejamento e eficiência tributaria e sobretudo se realizada pela atual liderança familiar. O principal desafio no entanto, é conduzir dignamente a sucessão, protegendo o patrimônio e garantindo renda aos herdeiros, não permitindo que questões pessoais se sobreponham aos interesses do grupo e da empresa, de forma a proteger seu desempenho. A questão requer habilidade e varia de acordo com o perfil e as características de cada família, seus hábitos, tradições, ramo de negócio, momento econômico do país e principalmente o período em que ocorreu o planejamento, sendo de grande importância que ocorra antes do surgimento de algum conflito. Dentre os maiores benefícios decorrentes da formação da holding estão a redução dos encargos tributários (benefícios no imposto de renda e redução de alíquotas sobre o ganho de capital relativo à transação com imóveis), possibilidade de trabalhar com maior liberdade os imóveis em geral, aluguéis, alienação, compra, incorporação, evitar a instauração de um processo de inventário, que pode demorar anos e principalmente, evitar disputas familiares por herança. A criação da holding é uma ferramenta bastante eficaz para a proteção do patrimônio familiar rural e também urbano, trazendo formas legais e corporativas de evitar que os bens sejam dilapidados. Tal eficácia é atingida através da implementação de um dos três tipos de holding, seja pela administração de empresas já estabelecidas por uma holding patrimonial, objetivando administrar os negócios e reduzir a carga tributária, seja través da implementação de uma holding familiar, com a incorporação dos bens móveis e imóveis do patrimônio da pessoa física ou do grupo familiar, aglomerando esses bens para

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integralizar o capital social da nova corporação ou ainda por meio da criação de uma holding administrativa, que visa a simplesmente gerir o patrimônio investido como capital social de outra empresa, reduzindo a carga tributária e profissionalizando a administração dos bens. As holdings além de blindar o patrimônio dos sócios, protegendo-os contra possíveis execuções ou desfazimento por inexperiência administrativa, se fazem também eficazes para reduzir os custos tributários, especialmente no que se refere ao imposto sobre a herança. Além disso na formação do patrimônio das holdings não incide ITBI, salvo exceção já debatida no capítulo 5 deste artigo e ainda no que se refere ao Imposto de Renda, a soma dos tributos quando optante pelo sistema de lucro presumido varia de 11% a 14% da receita bruta da empresa, enquanto que a alíquota devida para as pessoas físicas pode chegar a 27,5% , o que deixa evidente a redução da despesa tributária aplicada às holdings se comparada à tributação dos seus acionistas. Importante destacar que em qualquer das formas de gestão do patrimônio por meio de holdings, os sócios devem estar conscientes da importância da mudança e admitir que a profissionalização da gestão do negócio não admite interferências pessoais ou familiares, devendo prevalecer o que for mais vantajoso para a empresa, para isso é de extrema importância a aplicabilidade dos conceitos de governança familiar, corporativa e jurídico-sucessória. Por fim, para que se alcance sucesso na implementação do planejamento sucessório e da holding deve-se adotar algumas medidas, tais como: planejar com antecedência, saber separar assuntos familiares dos empresariais, investir em capacitação e treinamento dos gestores da empresa, conhecer todas as áreas do negócio, avaliar as aptidões e competências dos líderes, criar regras rígidas para todos os membros da empresa, não conceder exceções, valorizar a meritocracia e afastar os incompetentes, criar uma política de distribuição de lucros e plano de carreira, preparar as futuras gerações, adotando práticas de capacitação e liderança e acima de tudo mantendo claros e vivos os valores, a moral e os preceitos norteadores da empresa e do núcleo familiar. REFERÊNCIAS BRASIL, Código Civil, 2002. In: EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2015. CATEB, Salomão de Araújo. Direito das Sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. Disponível em:<http://www.ibgc.org.br/userfiles/2014/files/codigoMP_5edicao_ web.pdf>. Acesso em 26/01/2016. FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. São Paulo: Atlas, 2015. FERNANDES, Marcos Antônio Oliveira. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Rideel, 2011. GAGLIANO, Pablo Stolze, FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2014. GUIMARÃES. Deocleciano Torrieri. Dicionário Compacto Jurídico. São Paulo: Rideel, 2011. HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas, 2015.

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LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do Trabalho Científico: Procedimentos Básicos, Pesquisa Bibliográfica, Projeto e Relatório, Publicações e Trabalhos Científicos. 7ª Edição. 5ª Reimpressão. São Paulo: Atlas, 2010. LEITE JUNIOR, Clinton Neyder. Governança Corporativa. In: Revista Eletrônica de Direito. Centro Universitário Newton Paiva. Disponível em: <http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=1489>. Acesso em: 15/04/2016. LONGO, José Henrique. Planejamento Sucessório. São Paulo: Noeses, 2014. MADEIRA, Anderson Soares. Manual de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. NÚCLEO de Bibliotecas. Manual para Elaboração e Apresentação dos Trabalhos Acadêmicos: padrão Newton. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton. 2011. Disponível em: <http://www.newtonpaiva.br/ NP_conteudo/file/Manual_aluno/Manual_Normalizacao_Newton_Paiva_2011.pdf>. Acesso em: 28/12/2015. STEINBERG, Herbert. A Dimensão Humana da Governança Corporativa. São Paulo: Editora Gente, 2003. TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Teoria Geral e Direito Societário. São Paulo: Atlas, 2014. WALD, Arnold. O Novo Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2002.

Banca Examinadora Núblia Elizabette de Jesus Paula (Orientadora) Leonardo Resende Alvim (Examinador)

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UMA ANÁLISE PROSPECTIVA DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA: FUNDAMENTOS E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS Laís César Jardim1

RESUMO: O presente trabalho foi elaborado com o intuito de esclarecer se o princípio da insignificância pode ou não ser aplicado pelo delegado de polícia na fase do inquérito policial, para tanto serão abordados vários aspectos, primeiramente, a origem e o conceito de tal princípio, bem como sua recepção e utilização no Brasil. Para tanto, se faz necessária a exposição de conceitos específicos do direito Penal, tais como a exclusão da ilicitude, com o objetivo afastar a tipicidade material do fato e critérios para o reconhecimento de condutas penalmente insignificantes, apresentados através de decisões judiciais e doutrinas, além da apresentação de um caso concreto. Ademais, para que se possa alcançar uma resposta ao tema proposto no presente trabalho, é importante destacar o conceito e as funções do Delegado de Polícia, quais são suas responsabilidades e providencias ao se deparar com um crime e sua conduta perante o inquérito policial. Por fim, em um tópico específico, será tratado exclusivamente sobre a aplicação princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia, abordando sua competência para tal, bem como as vantagens tanto para a Delegacia de Polícia quanto para o Judiciário e Ministério Público. PALAVRAS-CHAVE: Delegado de polícia; Princípio da insignificância; Aplicação; Bagatela; Exclusão da tipicidade.

1 INTRODUÇÃO

2 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O DIREITO PENAL

A aplicação do Princípio da Insignificância na fase processual é um tema que abrange certa polêmica. Com o advento da Constituição Federal Brasileira de 1988, os princípios tem ganhado grande destaque. No cenário jurídico-penal do Brasil tem se destacado cada vez mais o Princípio da Insignificância, com o objetivo de excluir a tipicidade dos crimes considerados de bagatela. É fácil perceber, nos dias de hoje, a morosidade no poder judiciário e no atendimento nas Delegacias de Polícia, mas por qual motivo? Para os aplicadores assíduos da Lei e os conservadores o Delegado de Polícia deverá, conforme sua obrigação, registrar a ocorrência e posteriormente instaurar o inquérito policial, sob a pena de prevaricação (art. 319 do Código Penal). Já para os pensadores modernos, o Delegado de Polícia poderia sim aplicar tal princípio com o intuito de desafogar o Sistema Judiciário que atualmente conta com inúmeras demandas desnecessárias, além de assegurar ao cidadão o direito de não serem submetidos à investigação e a coerção policial sem causas ou justificativas, tendo em vista o inegável constrangimento. No presente trabalho será abordado primeiramente o significado do Princípio da Insignificância e sua aplicação, posteriormente a função do Delegado de Polícia e por fim a aplicação de tal princípio pela Autoridade Policial. Como veremos ao decorrer do presente trabalho, a aplicação do Princípio da Insignificância, poderá ser um álibi, ou até mesmo uma solução do “congestionamento” de processos e casos policiais, na medida em que se poderá filtrar o que será encaminhado ao Juiz e ao Ministério Publico, se for o caso. Conforme o trabalho de pesquisa será demonstrado que o Delegado poderá sim aplicar o Princípio da Insignificância, em relação aos

2.1 Origem e Conceito A origem do Princípio da Insignificância Penal é um tanto controversa, mas é reconhecida pela doutrina majoritária que iniciou-se no Direito Romano, como afirma o autor Carlos Vicos Manas:

casos que lhe forem apresentados com o intuito de garantir a celeridade processual, o desafogamento do Judiciário e refrear a atuação desnecessária dos agentes policiais e do Ministério Público.

Pode-se afirmar que o princípio já vigorava no direito romano, pois o pretor, em regra geral, não se ocupava de causas ou delitos insignificantes, seguindo a máxima contida no brocardo minimis non curat pretor. (MAÑAS, 1994, p. 56). O princípio da insignificância somente foi abordado pelo Sistema Penal mais tarde, no ano de 1964, através do jurista alemão Claus Roxin, que tal princípio estabelece que determinada conduta que gere uma lesão ou danos aos interesses sociais de forma insignificante não necessita da aplicação de uma pena, pois não se trata de um fato punível e há a exclusão da conduta do tipo. Tal princípio também conhecido como crime de bagatela próprio, é reconhecido quando determinada pessoa comete uma conduta tipificada como crime, porém de forma irrelevante e que não produz lesões sociais, a vítima ou ao ordenamento jurídico. A conduta praticada poderá ser considerada crime, não se discute se não se trata de um delito, mas ocorrerá a exclusão da tipicidade do fato mediante a insignificância e desvalor do resultado obtido. Nesse caso seria injusto e desnecessário a propositura de um processo e a aplicação de uma pena. É importante analisar a aplicação do Princípio da Insignificância pelo operador do direito em relação à proporcionalidade entre pena e gravidade do fato. A cautela também é um fator de notável importância para o cabimento de tal princípio, tendo em vista que seja considerado insignificante aquilo que de fato é, observando-se o caso concreto de maneira que sua aplicação não torne-se uma via para a impunidade.

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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quando expressamente previstas em lei, ou supralegais, quando são implicitamente previstas em lei. Como exemplo de excludente legal, pode-se referir o crime impossível, previsto no artigo 17 do Código Penal. As excludentes supralegais podem ser identificadas nos princípios da adequação social e da insignificância, que afastam a tipicidade do fato. (NUCCI, 2013, p. 235).

Com a presença da insignificância a tipicidade torna-se excluída, como afirma o autor Luiz Flávio Gomes: O fato torna-se irrelevante, em virtude da presença dos requisitos bagatelares (resultado, conduta e culpabilidade bagatelares), tornando-se a pena desnecessária. (GOMES, 2001, p. 10). Não há previsão no ordenamento jurídico em relação ao princípio da insignificância, porém o mesmo vem sido aceito e utilizado de forma ampla pelos Tribunais Superiores nos diversos tipos de delitos, sendo eles os formais/materiais, de dano/de perigo, dolosos/culposos. Nas infrações bagatelares próprias aplica-se o princípio da insignificância, pois a ofensa ao bem jurídico é mínima e insignificante ao Direito Penal. A conduta e o resultado não apresentam relevante valor. Ainda, segundo Luiz Flávio Gomes: A infração bagatelar própria é a que já nasce sem nenhuma relevância penal, porque não há (um relevante) desvalor da ação (ausência de periculosidade na conduta, falta de reprovabilidade da conduta, mínima ofensividade ou idoneidade) ou um relevante o desvalor do resultado jurídico (não se trata de ataque grave ou significativo ao bem jurídico, que mereça a incidência do Direito penal) ou ambos. (GOMES, 2010, p. 21). Já nas infrações bagatelares impróprias não será aplicado o princípio da insignificância, pois há o desvalor do resultado e da conduta, logo será aplicado o princípio da irrelevância penal. Podem ser apresentadas duas razões de fato notáveis para a aplicação do princípio abordado, quais seriam a desproporção entre crime e pena e a busca pelo desafogamento do poder judiciário e carcerário. A aplicação da pena para uma conduta cujo resultado é o prejuízo é praticamente inexistente, não contribui para o caráter preventivo da sanção penal, pelo contrário estabelece um equilíbrio entre a punição imposta para uma conduta mais gravosa e a uma menos gravosa, ou seja, a coação será a mesma para a prática de condutas distintas. Dessa forma, não faria diferença à prática de uma conduta menos ofensiva com o intuito de uma pena mais branda já que seria a mesma que em uma conduta mais ofensiva, logo haveria o aumento de delitos mais gravosos.

O Professor Rogério Greco também aduz sobre a exclusão da tipicidade material e em consequência a ausência de crime: Se não há tipicidade material, não há tipicidade conglobante; por conseguinte, se não há tipicidade penal, não haverá fato típico; e, como consequência lógica, se não há o fato típico, não haverá crime. (GRECO, 2006, p. 70). A exclusão da tipicidade em fatos irrelevantes, se tornaria um incentivo a não prática de crimes arcaicos e a não marginalização. 2.3 Critérios para a Recognição de Condutas Penalmente Insignificantes Para a crítica em relação à aplicação de tal princípio no que diz respeito à possibilidade de se abrir espaço para a arbritariedade do intérprete que irá se valer do mesmo, ou seja, para que houvesse a especificação do grau de insignificância cada operador do direito iria submetê-la a sua subjetividade, sujeitando a instauração de uma insegurança jurídica, autores contestam com base no conceito de nocividade social como no caso do autor Carlos Vicos Mañas, que aduz:

2.2 A Exclusão da Tipicidade Penal do Fato O Princípio da Insignificância não é um fator excludente de punibilidade, mas sim de tipicidade do fato frustrando o acometimento pelo Injusto Penal. Tal princípio tem como objetivo afastar a tipicidade material do fato que quando descaracterizado nesse aspecto torna-se atípico. De acordo com Julio Fabbrini Mirabete: A tipicidade é o fenômeno de amoldar o caso concreto ao tipo penal correspondente. Pode-se dizer que a tipicidade é o silogismo no direito penal: encaixa-se a situação fática em uma hipótese abstrata dada pela legislação penal, através do tipo penal incriminador. Contudo, nem sempre esta adequação ocorre de forma direta, necessitando que se complete o tipo penal com outras normas, contidas na parte geral dos códigos, como ocorre na tentativa e no concurso de agentes. (MIRABETE, 2005, p. 101). Ainda de acordo com o autor Guilherme de Souza Nucci, em relação à exclusão da tipicidade, aduz que: As excludentes da tipicidade são situações que afastam a tipicidade do fato. Podem ser legais,

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A dificuldade de fixação de limites precisos para a caracterização do crime de bagatela é facilmente superada pela adoção do conceito de nocividade social, dotado de caráter normativo, acrescido dos critérios do desvalor da ação, do resultado e do grau de lesividade do bem jurídico. (MAÑAS, 1994, p. 81). A jurisprudência atual dos Tribunais Superiores determina alguns requisitos para que o operador do direito possa reconhecer a insignificância de determinadas condutas, sendo eles: a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva. Sua aplicação irá exigir bom senso do magistrado, que por vezes deverá analisar se o reconhecimento de tal princípio deverá ser feito unicamente pelo desvalor do resultado ou se também devem ser analisados fatores como a culpabilidade do agente, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, consequências, circunstâncias, etc, são favoráveis, evitando que o agente viva do “furto”, por exemplo. Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍP IO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. ORDEM DENEGADA. I - O paciente foi denunciado pela prática do delito de furto, por subtrair para si uma bicicleta avaliada em R$ 30,00 (trinta) reais. Como se sabe, a configuração do delito de bagatela, conforme têm entendido as duas Turmas deste Tribunal, exige a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva. II – Ocorre, contudo, que os autos dão conta da reiteração criminosa. Segundo consta dos autos, o paciente tem em curso ações penais pelo mesmo fato: “possui condenação, com trânsito em julgado, pela anterior prática do delito de furto, perpetrado em 30/06/2009, além de outras três condenações, pelo mesmo delito, transitadas CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


em julgado, por fatos posteriores, conforme se vê da Certidão de Antecedentes Criminais, acostada a fls. 57/60”. É evidente que esses fatos indicam, tecnicamente, a reincidência do paciente e demonstram sua propensão à prática de crimes. III – Revelada a periculosidade do paciente, não há falar na aplicação do princípio da insignificância, em razão do alto grau de reprovabilidade do seu comportamento. IV – Ordem denegada. (STF HABEAS CORPUS HC 121596 MG (STF) Data de publicação: 14/08/2014).

rios danos e resultados de forma até mesmo irreversível, como no caso de Maria Aparecida, uma ex empregada doméstica detida em flagrante após o furto tentado de um xampu e um condicionador, conforme a reportagem a seguir por Tatiana Merlino: Por que a Justiça não pune os ricos? Maria Aparecida evita olhar para sua imagem refletida no espelho. Faz quatro anos que a jovem paulistana saiu da cadeia, mas, nem que quisesse, conseguiria esquecer o que sofreu durante um ano de detenção. Seu reflexo remonta ao ocorrido no Cadeião de Pinheiros, onde esteve presa após tentar furtar um xampu e um condicionador que, juntos, valiam 24 reais. Lá, Maria Aparecida de Matos pagou por seu “crime”: ficou cega do olho direito. Portadora de “retardo mental moderado”, a exempregada doméstica foi detida em flagrante em abril de 2004, quando tinha 23 anos. Na delegacia, não deixaram que telefonasse para a família. Foi mandada diretamente para a prisão, onde passou a dividir uma cela com outras 25 mulheres. Em surto, a jovem não dormia durante a noite, comia o que encontrava pelo chão, urinava na roupa. Passado algum tempo, para tentar encerrar um tumulto, a careeragem lançou uma bomba de gás lacrimogêneo na área das detentas. Uma delas resolveu jogar água no rosto de Maria Aparecida, e a mistura do gás com o líquido fez com que seu olho fosse sendo queimado pouco a pouco. “Parecia que tinha um bicho me comendo lá dentro”, conta. A pedido das colegas de pavilhão, que não agüentavam mais os gritos de dor e os barulhos provocados pela moça, ela foi transferida para o “seguro”, onde ficam as presas ameaçadas de morte. Maria Aparecida passou a apanhar dia e noite. “Eu chorava muito de dor no olho, e elas começaram a me bater com cabo de vassoura”, relembra, emocionada. Somente quando compareceu à audiência do seu caso, sete meses depois de ter sido detida, sua transferência para a Casa de Custódia de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, foi autorizada. Lá, diagnosticaram que havia perdido a visão do olho direito. Foi nessa época que sua irmã Gisleine procurou a Pastoral Carcerária, que a encaminhou para a advogada Sônia Regina Arrojo e Drigo, vicepresidente do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC). Sônia entrou com um pedido de habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo, que foi negado. Apelou, então, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em maio de 2005, concedeu liberdade provisória à jovem, 13 meses depois de ter sido presa por causa de 24 reais. A advogada também entrou com um pedido de extinção da ação, baseando-se no “princípio da insignificância”, aplicado quando o valor do patrimônio furtado é tão baixo que não vale a pena a justiça dar continuidade ao caso. No entanto, até hoje, o processo não foi julgado, e Maria Aparecida continua em liberdade provisória. A situação indigna Gisleine. “É um descaso muito grande. Já era para esse julgamento ter acontecido. Minha irmã pagou muito caro por esse xampu que não chegou a utilizar”, critica. “Tem gente que não precisa estar na cadeia. Existem penas alternativas e o caso dela não seria de prisão, mas sim de internação, já que desde os 14 anos ela toma medicação controlada”, afirma. (MERLINO, Tatiana, 2009).

Ementa: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO. PR INCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REINCIDÊNCIA. INAPLICABILIDADE. Na linha da jurisprudência desta eg. Corte, ressalvado o meu entendimento pessoal, mostra-se incompatível com o princípio da insignificância a conduta ora examinada, haja vista que, a despeito da reduzida expressividade do valor do bem subtraído, o Agravante é reincidente (precedentes). Agravo Regimental desprovido. Encontrado em: /03/2015 PRINCÍPIO DA INSIGNIFI CÂNCIA - REINCIDÊNCIA STF - HC 101998-MG STF - HC 103359 STF - HC 143304, (STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgRg no AREsp 346975 MS 2013/0189150-0 (STJ) Data de publicação: 03/03/2015). Segundo o autor Ivan Luiz da Silva, quanto ao critérios de reconhecimento de condutas insignificantes aduz que: Se deve empregar o modelo clássico de determinação, realizando-se uma avaliação dos índices de desvalor da ação e desvalor do resultado da conduta realizada, para se aferir o grau quantitativo-qualitativo de sua lesividade em relação ao bem jurídico atacado. Com efeito, é a avaliação da concretização dos elementos da conduta realizada que indicará a sua significância – ou insignificância – para o Direito Penal. (SILVA, 2006. p. 151). O autor Luiz Flávio Gomes exemplifica situações decorrentes de fatos irrelevantes para o Direito Penal e consequentemente passíveis da aplicação do Princípio da Insignificância. Duas são as hipóteses de insignificância no Direito penal: (a) insignificância da conduta; (b) insignificância do resultado. No delito de arremesso de projétil (CP, art. 264: “Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao transporte público por terra, por água ou pelo ar: pena detenção de 1 a 6 meses”), quem arremessa contra um ônibus em movimento uma bolinha de papel pratica uma conduta absolutamente insignificante; no delito de inundação (CP, art. 254: “Causar inunda- ção, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: pena - reclusão de 3 a 6 anos, no caso de dolo, ou detenção de 6 meses a 2 anos, no caso de culpa”), quem joga um copo d´água numa represa de 10 milhões de litros de água pratica uma conduta absolutamente insignificante. Nessas hipóteses, o risco criado (absolutamente insignificante) não pode ser imputado à conduta (teoria da imputação objetiva em conjugação com o princípio da insignificância). Estamos diante de fatos atípicos. No delito de furto (CP, art. 155), quem subtrai uma cebola e uma cabeça de alho, que totaliza R$ 4,00, pratica uma conduta relevante (há desvalor da ação) mas o resultado jurídico (a lesão) é absolutamente insignificante (não há desvalor do resultado). Também nessa hipótese o fato é atípico. Não há incidência do Direito penal. (GOMES,2002). Quando a aplicação do princípio é ignorada podem ocorrer sé-

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Casos como o de Maria Aparecida ocorrem constantemente no Sistema Judiciário Brasileiro causando por muitas vezes resultados irreversíveis, além do excesso de processos e demandas comprometendo o funcionamento do mesmo. E ainda, de acordo com o autor José de Assis Santiago Neto, que fundamenta a respeito do sistema carcerário brasileiro, aduz que:

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requer; elaborar relatórios, bem como, representar pela decretação judicial de prisões temporárias; proceder a sindicâncias administrativas, processos administrativos disciplinares; expedir e fiscalizar a emissão de documentos públicos de sua competência; gerenciar o órgão policial em que estiver lotado; realizar atividades afins ou correlatas. (FALCÃO, 2008)

Verifica-se no atual sistema carcerário brasileiro que não há uma efetiva ressocialização, vez que a pena restritiva de liberdade é cumprida em condições sub-humanas e sem qualquer condição de uma vida digna. (NETO, 2016) Destarte, é importante a aplicação do Princípio da Insignificância nestes casos em que a irrelevância penal é clara e torna-se fundamental quando trata-se a respeito de um sistema carcerário precário e muitas vezes ineficiente como o brasileiro.

3 O DELEGADO DE POLÍCIA 3.1 Conceito e Funções Os Delegados são escolhidos por meio de concursos públicos e é preciso ser bacharel em direito. O concurso é classificatório e eliminatório, e os programas tem como contexto: aulas de armamento e tiro, defesa pessoal, direitos humanos, psicologia, técnicas de investigação, direito penal, direito processual penal, etc. O Código de Processo Penal Brasileiro em seu artigo 4º, caput, garante ao Delegado de Polícia o status de Autoridade Policial, em que realizará seu processo de formação na academia de polícia do seu respectivo Estado. Conforme a Constituição Federal é dever do Estado manter a polícia para que seja assegurada a segurança pública, sendo ela divida em ramos de natureza federal, civil e militar. A Polícia Federal se encontra subordinada a União, já a Polícia Civil e a Polícia Militar subordinadas aos Estados. A polícia exerce um papel de grande importância dentro da sociedade, pois sua função é prevenir e coibir a prática de atos infracionais auxiliando a própria justiça durante a investigação e descoberta de fatos e provas. No artigo 6º e seguintes do Código de Processo Penal são encontrados os procedimentos o qual devem ser tomados pela autoridade policial e pelos policiais. O Delegado de Polícia é um dos personagens estabelecidos pelo direito para a garantia de que os direitos sociais sejam respeitados e seus deveres sejam cumpridos. Sua função é de caráter primordial, pois ele quem dirige os policiais que o auxiliam. Ele deverá tomar conhecimento dos fatos (crime), organizar a investigação e posteriormente instaurar o inquérito. Para o autor Ubirajara Rocha: O Delegado de Polícia é uma autoridade policial, cabendo-lhe por lei manter a ordem social e a tranquilidade coletiva. Exerce autoridade e possui poder, possui função e missão que devem ser inteiramente empregados a serviço do povo. (ROCHA, 1965, p. 27). O Delegado representa o Estado e tem como prerrogativa apurar e resolver crimes, além de manter a ordem do perímetro. Segundo o Juiz Federal Newton José Falcão (ex Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo), estão dentre as atribuições previstas para o Delegado de Polícia, previstas em Lei: Presidir inquéritos policiais, elaborando Portarias, despachos interlocutórios e relatórios finais, termos circunstanciados e autos de prisão em flagrante; apreender objetos que tiverem relação com o fato delituoso e requisitar perícias em geral para a formalização da prova criminal; cumprir e fazer cumprir mandados de prisão; dirigir e orientar a investigação criminal e todos os atos de polícia judiciária de uma Delegacia de Polícia ou qualquer outro órgão policial; proceder à verificação e exame dos atos ilícitos chegados a seu conhecimento, tomando as providências jurídicas que o caso LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Além disso, caberá ao Delegado de Polícia a direção geral das polícias civis estaduais. Resta claro o entendimento de que o Delegado de Polícia tem um papel extremamente importante na sociedade, tendo em vista que ele é a primeira autoridade a ter conhecimento dos fatos, tendo como objetivo principal procurar solucionar o caso, encontrando o causador do dano, cumprindo o descrito na Lei. 3.2 Providências do Delegado de Polícia quando ocorrer um crime O Delegado de Polícia exerce papel de suma importância, pois conduz, investiga e colhe provas que serão auxiliares a justiça conforme é desenvolvido o processo e suas implicações. O autor Carlos Alberto dos Rios aduz sobre a presença da autoridade policial no local em que ocorre o fato delituoso: A presença da autoridade policial no local da ocorrência é de suma importância, mesmo quando se trate de delito cujo autor já esteja identificado, encontrando-se foragido ou mesmo preso, eis que o presidente do inquérito manterá na memória tudo o que viu e assim caberá fazer perguntas pertinentes as testemunhas e, no momento oportuno, ao indiciado, podendo ainda esclarecer dúvidas e omissões deliberadas por partes interessadas. Ademais, a presença da autoridade no local, faz com que todas as providências sejam tomadas de imediato, pois ela se faz acompanhar de escrivão, e dos agentes de que dispõe para a investigação de rotina e, se for o caso de morte, requisitará a presença de médico-legista, e em qualquer caso que julgar conveniente, requisitará a polícia técnica, para elaboração de laudos com fotografias e outras perícias para a elucidação dos fatos. (RIOS, 2001, p. 73). A autoridade policial deverá assegurar para que nada no local em que ocorreu o fato seja alterado, com isso tornando o entendimento objetivo e seguro a investigação. Além disso, caberá ao Delegado ouvir o ofendido, testemunhas e solicitar os exames periciais quando julgar necessário. Em se tratando de ação penal privada ou condicionada a vítima deverá requerer a instauração do inquérito, mas no caso de ação penal pública incondicionada o Delegado de Polícia poderá instaurar o inquérito sem um prévio requerimento. 3.3 O Delegado e o Inquérito Policial Segundo o art.4º do Código de Processo Penal, a Autoridade Policial que irá dirigir o Inquérito Policial atuando entre as partes envolvidas. Assim, de um lado estará o Promotor de Justiça, o Procurador da República ou querelante e do outro lado o querelado e seu procurador, quando houver. Dessa forma, o delegado devera atuar na investigação criminal e na instrução do inquérito policial através da prudência, imparcialidade e sigilo. Ele deverá conduzir as investigações e sempre visando à descoberta da verdade dos fatos, desempenhando suas funções com êxito e cooperação com órgãos como o Ministério Público e a Magistratura. Quando concluídas as investigações a autoridade policial deverá fazer o relatório do que houver sido apurado durante a realização do inquérito (art. 10 do Código de Processo Penal) sem exprimir al-

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ensino jurídico (e de Direito penal) já morreu. Mas se já morreu, porque o delegado continua lavrando flagrante no caso do furto de uma cebola? A resposta é simples: morreu mas ainda não foi sepultado! O modelo clássico e provecto de Direito penal é como elefante: dar tiros nele é fácil, difícil será sepultar o cadáver. O delegado, o juiz e o promotor que seguem o velho e ultrapassado modelo de Direito penal (formalista, legalista), no máximo aprenderam o Direito penal do finalismo (que começou a ficar decadente na Europa na década de 60 exatamente por ser puramente formalista). Apesar disso, ainda é o modelo contemplado (em geral) nos manuais brasileiros e é o ensinado nas faculdades de direito. (GOMES,2002)

guma opinião ou juízo de valor que possam interferir na conclusão do mesmo. Assim, encerrado o inquérito e feito o relatório pela autoridade policial (delegado) os autos irão ser remetidos ao juízo competente e após ao órgão do Ministério Público para que sejam tomadas as medidas cabíveis. Somente o Juiz poderá arquivar o Inquérito Policial, a requerimento do Ministério Público, a autoridade policial apenas irá recolher os elementos para a investigação da ação penal. 4 O DELEGADO E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Com a progressão do Direito Penal e em decorrência da premissa da intervenção mínima, deverá haver proporcionalidade entre a conduta praticada durante o ato ilícito e o nível da intervenção penal estatal, ou seja, nesse contexto está presente o Princípio da Insignificância que conta com essas premissas afastando a tipicidade material. O autor Francisco de Assis Toledo aduz sobre o assunto: O Direito Penal só pode ir até o limite estritamente necessário para a proteção do bem jurídico, não devendo se preocupar com bagatelas. Nessa senda, o fato penalmente insignificante deve ser excluído da tipicidade penal, devendo o ilícito ser trabalhado por outros ramos do Direito. (TOLEDO, 1994, p. 134-135). A aplicação do princípio pelos Tribunais Superiores já vem de longa data, caso a conduta praticada se encaixe na descrição de tipo penal, não há que se falar em crime estando ausente a relevância da lesão ao objeto jurídico, além da tipicidade material. Quando ocorre um fato ilícito, a instauração de um inquérito policial já configura um constrangimento para o autor, constrangimento esse que é considerado legal no caso de crime cuja punibilidade não seja extinta. Já no caso da instauração de um inquérito que seja abusivo, tal constrangimento deve ser considerado ilegal. Com isso, não há que se falar na possível instauração de um inquérito policial quando fato for insignificante ou materialmente atípico. Logo, conforme a doutrina moderna se diante da autoridade judiciária a conduta será considerada insignificante poderá também ser assim entendida pela autoridade policial, como também aduz a respeito o autor Alexandre Morais da Rosa: Não só os delegados podem como devem analisar os casos de acordo com o princípio da insignificância. Merecem aplauso e incentivo os delegados que agem dessa forma, pois estão cientes do papel que lhes cabe na investigação preliminar, atuando como filtros de contenção da irracionalidade potencial do sistema penal. (...) Não interessa reafirmar qualquer lugar de autoridade: interessa é obstaculizar a irracionalidade e para isso, os delegados devem ser a primeira barreira. (KHALED JR, Salah H.; ROSA, Alexandre Morais da, 2014). O autor Luiz Flávio Gomes, em seu artigo publicado no site do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais ao criticar uma mulher presa pelo furto de uma cebola, também defende quanto à aplicação do Princípio da Insignificância pelo Delegado de Polícia: A prisão em flagrante de Izabel é fruto de um equívoco. Demonstra de outro lado que o ensino jurídico no nosso país (e particularmente o ensino do Direito penal) precisa avançar. O homem já chegou à lua, o mundo se globalizou, o planeta se integrou inteiramente pela Internet e nosso Direito penal continua o mesmo da Segunda Guerra Mundial. O delegado agiu da forma como agiu porque aprendeu na faculdade ser um legalista positivista e napoleônico convicto. Esse modelo de

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Nossa Lei Penal estabelece que cada prisão efetuada pela Autoridade Policial ou por algum cidadão seja documentada através de um Inquérito Policial que fará o juízo de sua legalidade, conforme o art. 304, parágrafo 1º, do CPP. Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto. (Redação dada pela Lei nº 11.113, de 2005). § 1o Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja. (BRASIL, 2016) A instauração indiscriminada de Inquéritos Policiais gera prejuízos imensos ao Erário, além da superlotação carcerária brasileira. Caso haja a prisão dos responsáveis por condutas penalmente insignificantes este cenário seria agravado. O Delegado de Polícia é um Agente Estatal assim como o magistrado, não existe hierarquia entre os órgãos que aplicam a jurisdição penal, ou seja, seria perfeitamente cabível sua atuação no intuito de contribuir positivamente com o Sistema Judiciário Brasileiro, preservando a economia e celeridade processual, o desafogamento do judiciário e a superlotação carcerária. Se um fato é insignificante para o magistrado ele também poderá ser para a Autoridade Policial que é o que confirma a Doutrina Moderna. Nestes termos, também aduz o autor Fernando Capez: Com efeito, se a insignificância for perceptível primo ictu oculi, o delegado de Garantias não só pode como deve aplicar o princípio da insignificância e se abster de lavrar auto de prisão em flagrante ou mesmo de baixar portaria de instauração de inquérito policial. (CAPEZ, 2014, p.126) Desde que fundamentada a decisão da Autoridade Policial em aplicar o Princípio da Insignificância, estará ela também amparada pelo Art 5º, parágrafo 3º do Código de Processo Penal, que estabelece a instauração de um Inquérito Policial desde que sejam procedentes as informações. A partir daí a Autoridade torna-se competente para verificar a tipicidade dos fatos. No que diz respeito ao controle desse tipo de procedimento, o Ministério Público estará apto no cumprimento de suas funções a ter acesso às informações relacionadas aos fatos, além da Corregedoria da Polícia que também verifica as fundamentações das decisões tomadas pela Autoridade Policial. A aplicação do Princípio da Insignificância pela Autoridade Policial nada mais é que a garantia da preservação de princípios como o

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da dignidade humana, uma proteção quanto aos direitos fundamentais dos cidadãos, sua não esta fundada no “encarceramento indiscriminado”. Além do mais, é de suma importância para a preservação do Sistema Judiciário brasileiro.

KHALED JR, Salah H.; ROSA, Alexandre Morais da. Delegados relevantes e lesões insignificantes: a legitimidade do reconhecimento da falta de tipicidade material pela autoridade policial. Justificando. 25 nov. 2014. MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal, São Paulo: Saraiva, 1994.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalhou visou, através de argumentos, a possibilidade de aplicação ou não do princípio da insignificância pelo delegado de polícia na fase policial. Para tanto, se fez necessária a exposição de conceitos básicos quanto ao principio e conceitos mais aprofundados quanto ao direito penal. Restando claro que a origem do princípio se deu pelo direito Romano, sendo que em 1964, o princípio da insignificância foi reintroduzido no Sistema Penal pelo jurista alemão Claus Roxin. Tal princípio estabelece que determinada conduta que gere uma lesão ou danos aos interesses sociais de forma insignificante não necessita da aplicação de uma pena. Considerando que no sistema brasileiro não há legislação quanto a aplicação do princípio, o STF e o STJ trouxeram um rol taxativo, no qual para o caso concreto, tal princípio poderá ser aplicado, são eles: mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica provocada. De extrema importância foi a apresentação da exclusão da tipicidade, na medida em que para poder ser aplicado o princípio da insignificância é necessário verificar se o caso concreto se adéqua ao tipo penal, constatando ainda, o real insulto ao bem jurídico. Vale ressaltar a competência que o Delegado de Polícia possui para tal aplicação do princípio, tendo em vista os vários critérios para o ingresso nesta carreira, sendo necessário possuir notório saber jurídico, tendo que ser bacharel em Direito, passar por uma banca examinadora, além das provas físicas e psicológicas. Por todos os argumentos apresentados, resta a conclusão de que o delegado de polícia é plenamente capaz para aplicar o princípio da insignificância, primeiramente, por estar completamente ciente das medidas a serem tomadas e por desafogar assim, o judiciário. REFERÊNCIAS CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva. 2014.

MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual do Direito Penal, 22 ed. São Paulo, 2005. MERLILO, Tatiana. Por que a justiça não consegue punir os ricos. Revista Caros Amigos, n. 146, 2009. Disponível em < http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/outras-palavras/por-que-a-justica-nao -pune-os-ricos-por-tatiana-merlino/>. Acesso em 03 de maio de 2016 MEROLLI, Guilherme. Fundamentos Críticos de Direito penal: dos Princípios Penais de Garantia. São Paulo: Atlas, 2014. NETO, José Assis Santiago. Alternativas a Pena Restritiva de Liberdade, Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, 11 ed., 2016. Disponível em:<http://blog.newtonpaiva.br/direito/wpcontent/uploads/2012/08/PDF-D11-10.pdf> Acesso em: 21/06/2016. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal em relação . 9. Ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. RIOS, Carlos Alberto dos. Manual Teórico e prático de Polícia Judiciária. São Paulo: Edipro, 2001. ROCHA, Ubirajara. Problemas de polícia e Direito. São Paulo: Editora,1965. REVISTA Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Disponível em < http://npa.newtonpaiva.br/direito/?page_id=17> Acesso em: 21/06/16 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2006. REVISTA Eletrônica de Direito. Normas de Publicação. Revista eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva - ISSN 1678-8729, disponível em http://npa.newtonpaiva.br/direito/?page_id=17, acesso em 21 jun. 2016.

Código de Processo Penal, Artigo 304, parágrafo 1º. Brasil, 2016. FALCÃO, Newton José. Disponível em: <https://blogdodelegado.wordpress.com/artigos/a-carreira-de-delegado-de-policia-a-inamovibilidade-e-a-irredutibilidade-de-vencimentos/> Acesso em 04/05/2016.).

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994.

GOMES, Luiz Flávio. Delito de bagatela: Princípios Da Insignificância E Da Irrelevância Penal Do Fato. Salvador, revista Diálogo Jurídico. Vol. 1. n. 1. 2001.

Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Maurício Lopes (Examinador)

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2010. GOMES, Luiz Flávio. Prisão por furto de uma cebola. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2002-mai-21/ninguem_preso_flagrante_ furto_cebola> Acesso em: 10/04/2016). GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral – 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2006.

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PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO: aplicação e eficácia social no sistema jurídico atual Larissa Márcia Ribeiro Pinto1

RESUMO: As penas restritivas de direito também chamadas de penas alternativas de Direito, são aquelas que substituem a pena privativa de liberdade. A aplicação dessas penas é dada de forma autônoma e em cinco modalidades diferentes. Sua aplicação e eficácia na sociedade ainda geram muitas dúvidas e controvérsias, principalmente em relação a sua efetividade social. Este trabalho tem como objetivo analisar a efetividade da aplicação dessas penas e como tem se dado a eficácia desta na sociedade atual. PALAVRAS-CHAVE: Aplicação. Eficácia. Penas Alternativas. Social. Sociedade.

1 INTRODUÇÃO O tema escolhido para ser estudado neste trabalho se encontra em destaque na área penal e tem uma relevância social muito forte na sociedade, por se tratar das penas restritivas de direito, que não causam repercussão somente na vida de quem é condenado a cumprir essas sanções, mas, também, refletem no âmbito social como um todo. As penas restritivas têm sido consideradas uma solução para o sistema prisional brasileiro e também um modo de reintegração social do condenado. O fomento dado por parte do ministério da justiça e pelo conselho nacional de justiça para a aplicação dessas penas tem sido muito forte atualmente, tornando as penas restritivas destaque em discussões de magistrados e juristas na sua aplicação para punição de crimes. Contudo, há uma grande discussão sobre a aplicação e a real eficácia dessas penas na nossa sociedade e qual relevância ela tem tido socialmente, então, inicialmente, irá se conhecer sobre o que se tratam essas penas, como surgiram, como se dá a sua aplicação e fiscalização, partindo para os pontos cruciais da pesquisa com relação à efetividade e eficácia que essas penas produzem no sistema jurídico atual, para vermos se suas intenções estão sendo atendidas e ao final propor inovações ou mudanças que possam ocorrer para uma melhor aplicação desse sistema de penas restritivas de direitos, que são tão essenciais ao nosso ordenamento jurídico. 2 DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO Inicialmente se faz necessário voltar no tempo, para contextualizar como se deu o surgimento das penas restritivas de direito. Essa pena foi criada por ineficiência da pena privativa de liberdade na recuperação do detendo. O primeiro registro que se tem do uso da pena restritiva foi em 1926, quando o código penal soviético previu a pena de prestação de serviços à comunidade, nos artigos 20 e 30 do seu código penal. No ano de 1963 a Bélgica adotou a pena de limitação de final de semana, para penas inferiores a um mês. Em 1972 a Inglaterra implantou o “Community Service Order”, em que o condenado no seu período de descanso tinha que se dedicar a uma atividade não remunerada de interesse comum, ou seja, o trabalho comunitário. Bitencourt fala em sua obra: “O êxito obtido pelos ingleses influenciou vários países, que passaram a dotar o instituto, ainda que com algumas peculiaridades distintas”. (BITENCOURT, 2016, p. 589).

Em 1975 o código penal Francês introduziu a retirada da licença para dirigir como pena alternativa. Neste mesmo ano, na Alemanha, as penas inferiores a seis meses passaram a ser substituídas por pena de multa. Com o sucesso da recuperação dos condenados nesses países outros passaram a adotar as penas restritivas de direito, como Luxemburgo em 1976, Canadá em 1977, entre outros. Como Luiz Regis Prado aborda em seu livro, as penas alternativas estão presentes de várias formas nos outros ordenamentos jurídicos, como o código penal alemão que prevê a pena de proibição de conduzir veículos e a perda dos direitos políticos, ou o código penal italiano, que prevê a proibição e exercício de cargos públicos, a proibição de exercício de uma profissão, entre outros. É importante ressaltar as Regras de Tóquio, denominadas Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade. As Regras de Tóquio foram formuladas pelo instituto da Ásia e do Extremo Oriente, aprovadas em 19 de dezembro de 1990 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, com o objetivo de incentivar os estados-membros a adotar meios mais eficazes para prevenir a criminalidade e dar um melhor tratamento aos encarcerados. Assim, essas regras visam encontrar outros meios que não a prisão para o cumprimento da pena, devido à superlotação das prisões e o tratamento muitas vezes desumano aos encarcerados. No Brasil, o movimento para a introdução das penas alternativas veio na transição da ditadura para a democracia e com o advento da reforma penal de 1984, que introduziu no ordenamento jurídico as penas restritivas de direito e teve sua reforma na lei das penas alternativas, Lei 9.714 de novembro de 1998 que ampliou as medidas restritivas. Percebe-se como essa pena foi surgindo e evoluindo ao longo das décadas e dos diversos ordenamentos jurídicos. 3 DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS Com o passar dos anos foi possível perceber que a pena privativa de liberdade não foi suficiente para a prevenção da criminalidade, sendo ineficiente na recuperação do detento. Para tentar reverter essa situação, procurou-se um meio fora da pena privativa de liberdade para a recuperação do detendo e sua reinserção na sociedade, para isso criou-se as penas restritivas de direito. Luiz Regis Prado preleciona: A imposição dessas penas tem por escopo contornar a duvidosa eficácia das penas privativas de liberdade

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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de curta duração aplicadas a condutas delitivas de escassa repercussão, não raro perpetrados por delinquentes ocasionais. (PRADO, 2013, p. 679) Assim, as penas restritivas representam de certa forma um alívio na punição por pena privativa de liberdade, no que tange infrações penais em que a pena de prisão representaria algo desproporcional, ou seja, condutas de potencial ofensivo muitas vezes menor e com penas de curta duração. 3.1 Conceito As penas restritivas buscam a recuperação do condenado sem tirá-lo da sociedade, assim diminuindo a violência e a reincidência. Além disso, elas trazem grandes vantagens como: a redução dos gastos do sistema penitenciário, evitam o encarceramento dos condenados que praticam crimes de menor potencial ofensivo, o condenado não precisa deixar sua família e nem se afastar do seio da sociedade, permite ao magistrado adequar a pena às condições pessoais do condenado e à gravidade do fato, possibilidade de redução da reincidência, evita as violências intrínsecas das prisões, eficiência na reeducação e ressocialização do condenado, entre outros. A pena restritiva de direitos tem como natureza jurídica ser autônoma e substitutiva e será cumprida pelo mesmo prazo da primeira (pena privativa de liberdade). [...] as penas restritivas de direito previstas no estatuto atual são autônomas, e não acessórias, sendo, inadmissível sua cumulação com as penas privativas de liberdade. São, de fato, substitutivas destas últimas, de modo que sua aplicação exige, em uma etapa preliminar, a fixação pelo juiz do quantum correspondente à privação da liberdade, para depois proceder-se sua conversão em pena restritiva de direitos, quando isso for possível. (PRADO, 2013, p. 674) A pena restritiva de direito está prevista nos artigos 43 a 48 do código penal, e tem a intenção de proteger a dignidade da pessoa humana, sendo uma forma de prevenção da criminalidade e de ressocialização do condenado. Nunca será cumulada com a pena privativa de liberdade, será aplicada a delitos cometidos sem violência ou grave ameaça, com pena de até quatro anos, em crime culposo e se o réu não for reincidente em crime doloso. Apesar do caráter substitutivo das penas restritivas de direito, já se podem encontrar penas aplicáveis independentes das penas privativas de liberdade, como no código de trânsito brasileiro (Lei 9.503/97), que dispõe no artigo 292 sobre a suspensão ou a proibição de se obter permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor ou como pode-se ver no artigo 302 da mesma lei, que possibilita aplicar pena privativa de liberdade cumulada com a pena restritiva de direitos.

Porém, atualmente, o conselho nacional de justiça (CNJ), determinou no seu provimento conjunto n°27/2013 que os valores arrecadados da prestação pecuniária serão feitos por meio de depósitos na conta corrente de cada comarca, aberta exclusivamente para essa finalidade e será vinculado ao juízo da execução penal de cada comarca. E os recursos arrecadados serão destinados ao financiamento dos projetos apresentados por entidade pública ou privada com finalidade social, de educação e saúde. Artigo 45. § 1º. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. (VADE MECUM, 2012, p. 346) A perda de bens e valores consiste na transferência, em favor do fundo penitenciário nacional, dos bens e valores adquiridos pelo condenado, tendo como base o montante do prejuízo causado a terceiro ou ao proveito obtido pelo agente pela prática do crime. Artigo 45. § 3º. A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto - o que for maior - o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em consequência da prática do crime. (VADE MECUM, 2012, p. 346) A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é a realização de tarefas gratuitas do condenado junto a entidades assistenciais. Como escolas, hospitais etc. É a sanção penal mais comum e a melhor, por obrigar o autor do crime a reparar o dano causado através do seu trabalho. É aplicável a penas superiores a seis meses de privativa de liberdade, e a intenção desta pena é a reinserção social do condenado. Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a 6 (seis) meses de privação da liberdade. § 1º. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. § 2º. A prestação de serviço à comunidade darse-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. § 3º. As tarefas a que se refere o § 1º serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. § 4º. Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (artigo 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada. (VADE MECUM, 2012, p. 346)

3.2 Espécies de penas alternativas No artigo 43 do código penal brasileiro encontram-se as modalidades de penas restritivas de direito. Entende-se a doutrina que o rol é taxativo. Art. 43. As penas restritivas de direitos são: Prestação pecuniária; Perda de bens e valores; VETADO; Prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; Interdição temporária de direitos; Limitação de fim de semana. (VADE MECUM, 2012, p. 346) A prestação pecuniária é o pagamento à entidade pública ou privada ou à vítima e seus dependentes de uma quantia fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem inferior a 360 salários mínimos.

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A interdição temporária de direitos consiste na proibição do condenado de frequentar certos lugares ou exercer certa função. Como, por exemplo, não frequentar bares ou similares, ou não se inscrever em concurso público. Art. 47 – As penas de interdição temporária de direitos são: I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de

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licença ou autorização do poder público; III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo. IV – proibição de frequentar determinados lugares. V – proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame público. (VADE MECUM, 2012, p. 346) Por fim, tem-se a limitação de final de semana que consiste na permanência do sentenciado em casas de albergado nos finais de semana durante cinco horas diárias, para participar de palestras, atividades educativas, entre outros. Vale ressaltar que essa modalidade está em desuso, devido à falta de casas de albergado, e na falta de vaga nas que existem. Art. 48. A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Parágrafo único. Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas. (VADE MECUM, 2012, p. 346) Essas são as espécies de penas alternativas, sendo que a prestação de serviços à comunidade é a mais utilizada por ser considerada a mais eficiente, se tratando da recuperação do condenado e tem caráter mais objetivo. Porém, para cada caso é preciso analisar qual será a medida a ser aplicada para que se tenha uma correta aplicação da pena restritiva. 3.3 Da aplicação das penas restritivas de direito A Pena Restritiva de Direito será aplicada utilizando três requisitos objetivos e um subjetivo, sendo os objetivos: a aplicação da pena privativa de liberdade não superior a quatro anos, quando se tratar de crime doloso, ou seja, crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa e réu não reincidente em delito doloso. Subjetivos: condições pessoais favoráveis (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias). Essas penas são autônomas, ou seja, não aplicadas conjuntamente com as penas privativas de liberdade, porém não pode ser aplicada diretamente, e sim em substituição a pena corporal imposta anteriormente. A lei abriu um precedente com relação à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos no caso de reincidente por crime doloso, para isto a substituição tem que ser socialmente recomendável, ou seja, essa substituição verifica maior possibilidade de reeducação do condenado, e no caso de não ter havido reincidência específica, ou seja, não pode reiterar o mesmo crime, mesmo tipo penal. No caso de concurso de crimes, é preciso analisar se poderá ter a substituição da privativa de liberdade por restritiva de direitos, verificando se os somatórios das penas não ultrapassam o limite legal previsto, no caso, quatro anos. A conversão da pena em restritiva de direito é mais comum na sentença condenatória em que o juiz tem que definir por qual ou quais restritivas irá substituir a pena privativa de liberdade. Pena privativa de liberdade igual ou inferior a um ano pode ser substituída por uma restritiva de direitos e multa, condenação superior a um ano será substituída por duas restritivas de direitos, ou uma restritiva de direitos e multa. No caso de o condenado não cumprir suas obrigações, suas condições impostas na condenação sem justificativa, ele poderá perder o benefício, ou seja, a reconversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade. André de Abreu Costa discorre o seguinte: Prevê o código penal que há caso em que a LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

conversão é obrigatória, devendo ser promovida pelo juízo da execução sempre que ocorrer a situação prevista legalmente; outros em que ela é facultativa, podendo não existir a supressão do benefício. (COSTA, 2014, p. 338). A conversão será obrigatória quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. E será facultativa quando sobrevier condenação a pena privativa de liberdade por outro crime, o juiz neste caso deve verificar se a possibilidade de continuar cumprindo a obrigação imposta, devido à vinda de nova condenação. Na maioria dos casos, após ser feita a reconversão o juiz determina que seja realizada audiência de justificação, em que o condenado poderá justificar seu descumprimento e se for o caso o juiz poderá mandá-lo retomar ao cumprimento da pena restritiva de direitos. 4 FISCALIZAÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO Após entender o que são as penas restritivas de direitos, quais são e como se aplicam, é necessário analisar como é feita a fiscalização dessas penas. É preciso entender que esse tipo de sanção é cumprido no meio aberto, então exige-se que seu monitoramento seja diverso daquele realizado e exigido no regime prisional. Ele engloba outros ramos como o uso de drogas, meio ambiente e violência contra mulher, todos passíveis de aplicação das penas restritivas de direito. Uma das grandes questões que se tem ao aplicar essa pena é qual o tipo de sanção que se encaixa melhor no perfil do autor do delito e qual instituição vai se adequar melhor a sua realidade. Para isso, teve início o dilema de qual órgão seria responsável por essa monitoração e fiscalização na aplicação das penas restritivas de direito, se seria a varas especializadas ou centrais de aplicação dessas penas e medidas como, por exemplo, as CEAPAs (Centrais de Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas), um órgão composto por profissionais de diversas áreas como psicologia, assistência social e direito, com o intuito de monitorar e fiscalizar a execução da pena ou medida aplicada, que tem sido fortemente utilizada pelos Estados na aplicação dessas penas, ficando responsável pelo encaminhamento e pelos relatórios de cumprimento do condenado. [...] Inicialmente, cabe às Centrais, prestar assessoria ao Juízo de Execução quanto ao processo de adequação das alternativas penais aplicadas ao perfil do beneficiário, no intuito de conferir efetividade no cumprimento da reprimenda imposta, colaborado para evitar o seu insucesso. Cabe à CEAPA acompanhar, durante todo o período do cumprimento da alternativa penal imposta, o comportamento do beneficiário, auxiliando e intervindo nas possíveis situações que potencializem o descumprimento [...]. (GOMES, 2008). Como o Brasil é um país extenso é complicado uniformizar esse padrão de fiscalização em todos os estados, então, aqui em Minas Gerais, por exemplo, para a monitoração e fiscalização da execução das penas e medidas restritivas não foi criada nenhuma vara especializada, porém a vara de execução criminal tem estrutura voltada para aplicação e monitoração das sanções restritivas de direito e o poder executivo instalou centrais de aplicação dessas penas e medidas, como a CEAPA. No Brasil, dessas sanções as mais aplicadas são a prestação de serviço à comunidade e a prestação pecuniária, conforme estudo realizado por Ilanud (2006). Para isso são necessárias instituições da sociedade civil e de órgãos públicos não vinculados às execuções penais para receber de modo voluntário os cumpridores das penas e medidas restritivas, como exemplo as creches, hospitais, escolas etc.

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Entretanto, essas instituições precisam de apoio técnico, político e financeiro, pois a função que elas exercem é de interesse público, além do sistema de justiça que precisa ter mais comprometimento acerca da aplicação e execução dessas medidas alternativas. 4.1 Da eficácia das penas restritivas de direito As penas restritivas de direito trazem dúvidas sobre sua real eficácia no ordenamento jurídico, e se elas realmente realizaram melhorias no sistema de penas brasileiro. Porém, é preciso entender que para se ter sucesso na aplicação dessas medidas é preciso investimento e confiança por parte dos órgãos públicos, o que nem sempre acontece como deveria. Conforme apresentado no relatório de pesquisa a aplicação de penas e medidas alternativas do IPEA, falta estrutura para a execução e fiscalização no cumprimento dessas penas, como, por exemplo, a falta de estrutura para atender aqueles que cumprem a pena de limitação de final de semana, o que fez entrar em desuso no sistema atual por falta de vagas e casas de albergado, ou na própria falta de fiscalização para o cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade. Isso ocorre principalmente pela falta de vontade e investimento por parte das autoridades para melhorar o sistema. Tudo isso causa uma sensação de impunidade por parte da sociedade e até dos magistrados que apresentam, muitas vezes, resistência em aplicar a substituição da pena. Porém, mesmo com os problemas enfrentados na execução e fiscalização dessas sanções, as penas alternativas tem sido uma grande aposta na reforma do sistema prisional no país, necessárias na recuperação do condenado. O intuito maior na aplicação das penas restritivas é tentar reinserir no seio da sociedade aquele que pratica um delito, de forma a tentar diminuir o número de reincidência e de encarcerados, principalmente quando esse condenado apresenta pouca periculosidade e praticou um crime de menor potencial ofensivo, além de ter um custo bem menor que o do cárcere. É também uma busca em impedir que condenados de crimes de baixa periculosidade convivam no sistema privativo de liberdade com aqueles que cometeram delitos mais graves, e acabem por vir a praticar futuramente delitos de alta gravidade também. É uma chance, para haver uma recuperação do sentenciado mantendo-o no convívio da sociedade, de sua família, e profissional, para que possa ter a sua ressocialização. Portanto, fica claro que a pena restritiva de direitos é mais eficaz ao condenado do que a pena privativa de liberdade, pois facilita sua recuperação e reinserção na sociedade, sem que conviva no ambiente do cárcere, que geralmente torna um condenado de baixa periculosidade em um perigo maior para a sociedade. Mas é preciso entender que nem todos os casos caberão às restritivas de direitos, é preciso saber aplicá-las respeitando os requisitos previstos em lei para que elas tenham a eficácia esperada, além de um maior comprometimento dos juízes das execuções penais e do ministério público na fiscalização do cumprimento dessas penas, para que não haja na sociedade a sensação de impunidade na aplicação das penas substitutivas. 5 SOLUÇÕES QUE PODEM PROMOVER A MAIOR EFETIVIDADE E EFICÁCIA DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO As penas restritivas de direitos como apresentadas no trabalho são de grande importância na luta pela reforma do sistema prisional no Brasil. Mostra-se claro que ela exerce uma eficácia maior que a pena de cárcere, tendo forte significância na luta pela reinserção do condenado no seio da sociedade. Vimos também que há problemas a serem superados na exe-

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cução e fiscalização dessas penas, o que muitas vezes prejudica sua real efetividade, gerando um descontentamento e um sentimento de impunidade na sociedade. Porém, há várias propostas para que se promova uma maior efetividade dessas penas, assim gerando uma eficácia maior. É fundamental que o poder público tem que proporcionar uma estrutura adequada para a aplicação dessas penas, os recursos financeiros devem ser destinados corretamente para a manutenção desse sistema, levando-se em conta que ele ainda tem um custo menor do que o sistema de cárcere. As varas de execuções criminais podem buscar parcerias com as instituições que realizam trabalhos sociais para que elas também ajudem na aplicação e fiscalização das penas restritivas. É preciso que se adotem essas penas em casos que realmente haja possibilidade de recuperação do condenado, pois, muitas vezes, há casos em que ele é de alta periculosidade ou mesmo não tem o perfil de que vai cumprir as medidas impostas. Criar mecanismos para a fiscalização dessas medidas como as CEAPAs, é um grande exemplo de iniciativa para a execução e fiscalização das penas, tentando ampliar suas centrais onde ainda não há presença de sua atividade. Nas penas de limitação de final de semana, tentar criar casas de albergado para que se tenha vaga no cumprimento dessa medida, não deixando entrar em desuso e ficar sem utilidade como está acontecendo no momento por falta de vagas e estabelecimentos do gênero. Portanto, o importante e fundamental é que se tenha uma efetiva fiscalização da aplicação dessas penas, realizando mudanças como as citadas anteriormente, entre outras. Para isso, o poder público e as autoridades precisam se atentar as penas substitutivas investindo recursos na sua aplicação, para que se obtenha eficácia e que a sensação de impunidade por parte da sociedade e da vítima não ocorra. 6 CONCLUSÃO A finalidade desse trabalho foi mostrar as penas restritivas de direitos ressaltando principalmente sua aplicação e eficácia social no nosso ordenamento jurídico atual, sem deixar de mostrar sua relevância e importância social, mas pautando os problemas enfrentados na sua aplicação e efetividade. Inicialmente, foi tratada na pesquisa a evolução histórica dessas penas, como surgiram e se desenvolveram até chegar aos dias de hoje. Depois foi dado o conceito de penas restritivas de direito, que são aquelas penas que buscam a recuperação do condenado sem tirá-lo do seio da sociedade e que foi criada devido à ineficiência da pena privativa de liberdade na prevenção da criminalidade. São cinco modalidades de penas alternativas que podemos encontrar expressa no nosso código penal brasileiro, sendo elas: prestação de serviços à comunidade, pena pecuniária, perda de bens e valores, interdição temporária de direitos e limitação de final de semana. Essas penas são autônomas, não sendo aplicado conjuntamente com a pena privativa de liberdade e sim aplicada em substituição a pena corporal aplicada anteriormente. Ao longo do trabalho, tornou-se claro a importância da aplicação dessas penas no nosso ordenamento jurídico, pois tendo em vista a ineficiência da pena privativa de liberdade na prevenção da criminalidade e na recuperação do condenado, basta perceber o número alto de reincidências de condenados que cumprem essa pena, a criação das penas restritivas de direito foi um meio encontrado de superar essa ineficiência e mais do que isso, recuperar e reinserir na sociedade aquele que cometeu um crime, tentando diminuir a reincidência e a violência, além de ser um sistema mais barato e vantajoso para o Estado.

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Porém, é necessário entender que ao se aplicar a pena restritiva de direitos vem a questão de como se procederá a fiscalização do cumprimento dessas penas, pois, se não for bem aplicada e fiscalizada seu resultado final não será alcançado. Como seu cumprimento se dá em meio aberto seu monitoramento será diverso do realizado no regime prisional. O grande problema que se enfrenta também é a falta de preocupação do poder público em criar mecanismos eficientes para a fiscalização das penas alternativas, com isso ainda há uma resistência por parte de operadores de direito em aplicar essas penas e há uma sensação de impunidade por parte da sociedade. Mas, temos no meio dessas deficiências por parte do poder público, um ponto relevante no aprimoramento da fiscalização dessas penas que foi a criação das CEAPAs (Central de Apoio às Penas e Medidas Alternativas), que busca criar condições institucionais para o acompanhamento e aplicação das penas alternativas, e já é usada em muitas comarcas. A criação das CEAPAs foi bem positiva e importante na fiscalização das penas alternativas, mas é necessário também que os estados garantam a destinação de valores para garantir o efetivo funcionamento deste importante órgão da execução penal. Pois, a falta de investimento do poder público, como os estados e municípios, a falta de criação de mecanismos para a fiscalização dessas penas ou de investimentos nos já criados tornam a efetividade e a eficácia dessas penas alternativas baixas. É preciso que os estados busquem soluções para promover uma maior efetividade e eficácia das penas restritivas, como proporcionar uma estrutura adequada para a aplicação delas, garantir a destinação de valores para assegurar o devido funcionamento das CEAPAs, as varas de execuções criminais podem buscar parcerias em instituições que realizem trabalhos sociais para ajudar na aplicação e fiscalização, entre outras medidas que podem ser tomadas para promover uma maior eficácia dessas penas em nossa sociedade. Portanto, ao final deste trabalho, podemos concluir que as penas restritivas de direito são uma forma mais eficaz de tentar garantir a reinserção social do condenado na sociedade, atribuindo ao cumprimento da pena uma finalidade social. Mas para que se obtenha o devido sucesso na aplicação dessa pena é necessária uma efetiva fiscalização no seu cumprimento e para isso o poder público deve investir e proporcionar uma estrutura adequada. Assim, os estados podem buscar maneiras de promover a real efetividade dessas penas, como algumas já exemplificadas neste trabalho e assim garantir a real efetividade e eficácia dessas medidas e tirar da sociedade a sensação de impunidade ainda gerada. REFERÊNCIAS BEZERRA, Adelly Karla Góes; MURARO, Celia Cristina. A aplicação das penas restritivas de direitos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVII, n. 122, mar 2014. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/ site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14607>. Acesso em: março 2016. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2006. Volume 1.10°.

ESTEVES, Maria Fernanda de Lima. A eficácia das penas alternativas da redução da criminalidade. 2008. (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. GOMES, Geder Luiz Rocha. A substituição da prisão. Alternativas penais: legitimidade adequação. Salvador: Juspodivm, 2008. ILANUD, Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente. Levantamento nacional sobre execução de penas alternativas: relatório final de pesquisa. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ87675D02ITEMIDF2A839578ED546609E22E2060BA1D7A0PTBRIE.htm>. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Brasília. 10 anos da política nacional de penas e medidas alternativas. 2010. Redação: Fabiana Costa Oliveira Barreto. MIRABETE, Júlio Fabbrini e FABBRINI, Renato. Código Penal Interpretado. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 11 ed. São Paulo: Editora forense, 2015. OLIVEIRA, Kris Brettas; OLIVEIRA, Gleiber Gomes. Olhares sobre a prevenção à criminalidade. Belo Horizonte: Instituto Elo, 2009. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro- parte geral- arts. 1° a 120. 12 ed. revista dos tribunais. Atualizada e ampliada. 2012. PROVIMENTO CONJUNTO Nº 27/2013 (Alterado pelo Provimento Conjunto nº 38/2014). Publicação: 21/10/13 DJE: 18/10/13 Disponível em: http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/vc00272013.pdf. REVISTA Eletrônica de Direito. Normas de Publicação. Revista eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva - ISSN 1678-8729, disponível em http://npa.newtonpaiva.br/direito/?page_id=17, acesso em 21 jun. 2016. SILVA, Hugo Homero Nunes; SOBREIRO, Caio Cezar Amorim. Efetividade das penas Alternativas. 14 ed. Vade Mecum Rideel, 2012. Código Penal Brasileiro. http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/ article/viewFile/1723/1645. Acesso em: 17 de maio de 2016. SOARES JUNIOR, Antonio Coêlho. As regras de Tóquio e as medidas não privativas de liberdade no Brasil e na Itália: breves considerações. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 111, abr 2013. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13077->. Acesso em: 16 maio 2016. SOARES JUNIOR, Antonio Coêlho. Regras de Tóquio e medidas não privativas de liberdade: Brasil X Itália. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3594, 4 maio 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/24351>. Acesso em: 16 maio 2016.

BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA Rio de Janeiro 2015. COSTA, André de Abreu. Penas e Medidas de Segurança: fundamento e individualização. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2014.

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Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Laura Maria dos Fernandes Lima (Examinadora)

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COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR E A HIPOSSUFICIÊNCIA DO EMPREGADO MIGRANTE Lívia Tavares Passos1

RESUMO: O caput do artigo 651, CLT estabelece que, a competência territorial será a do local da prestação dos serviços, ainda que, o empregado tenha sido contratado em outro local ou no estrangeiro. A cada dia, se torna mais evidente, a dificuldade que o empregado migrante tem em impetrar uma ação trabalhista, em desfavor da empresa que o mesmo presta serviço, limitando assim, princípios basilares estabelecidos na Constituição Federal de 1988, como o livre acesso ao Judiciário e o princípio da proteção, podendo refletir em uma insegurança jurídica. PALAVRAS CHAVES: Competência. Empregado migrante. Hipossuficiência. Princípio do Livre Acesso ao Judiciário. Princípio da Proteção.

1 INTRODUÇÃO O presente trabalho, que será desenvolvido, é apresentado ao Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, com objetivo geral à análise sobre a competência territorial do processo do trabalho, sobretudo, na investigação de eventuais problemas, que tal fixação de competência acarreta ao empregado migrante e hipossuficiente. Especificamente, explicar a fixação de competência territorial, demonstrar sua aplicabilidade e analisá-la, observar os problemas gerados e suas respectivas soluções. A competência territorial, no processo trabalhista, regra geral, dá-se no local da prestação dos serviços, ainda que o empregado tenha sido contratado em outro local ou no estrangeiro, conforme estabelece o caput do artigo 651, CLT. O trabalho irá investigar as peculiaridades da competência territorial, em relação aos empregados migrantes que, em muitas vezes, têm seus direitos constitucionais limitados devido à fixação de tal competência; tendo como escopo a possibilidade de flexibilização da competência territorial para salvaguardar os direitos dos empregados e garantir os princípios basilares da Constituição Federal de 1988. Será feita uma descrição dos aspectos constitucionais e processuais, que se relacionam ao problema, bem como a análise dos dispostos tanto da CLT, quanto dos entendimentos jurisprudências. O propósito da análise desse tema é refletir sobre uma possível prorrogação da competência territorial trabalhista, para que assim, os direitos do empregado sejam salvaguardados e que trabalhador migrante tenha acesso ao Judiciário e não tenha seus direitos cerceados. E, por derradeiro, será necessário analisar as discussões jurisprudenciais sobre a possibilidade da flexibilização da competência territorial, para demonstrar como seria mais eficaz e mais justo alterar a redação do caput do artigo 651, CLT, em vista dos empregados migrantes. 2 PRINCÍPIOS QUE REGEM A COMPETÊNCIA DO PROCESSO DO TRABALHO O Estado Democrático de Direito, visa salvaguardar a execução dos direitos sociais, individuais, a liberdade, a igualdade e a justiça como princípios máximos; a Constituição da República de 1988 traz em seu corpo inúmeros princípios, os mesmos têm uma grande importância no ordenamento jurídico, uma vez que, estes orientam e facilitam a interpretação das normas jurídicas.

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. [...] Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. (MELLO, 1996, pp.545- 546) Para este artigo, nos interessa o princípio do Livre Acesso ao Judiciário; o Art.5º, XXXV, CF/88, preconiza o livre acesso à Justiça, estabelecendo que o Judiciário, não deixará de apreciar lesão ou ameaça de direito, logo, este inciso garante o acesso ao judiciário, proporciona a defesa dos direitos individuais/coletivos e o efetivo exercício da cidadania. Neste ponto de vista, o empregado, ao sentir-se lesado, tem o direito de acionar a Justiça, sem que haja qualquer empecilho. De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (CAPELLETTI; GARTH, 1988, P.11 E 12). O caput do Art.3º do Novo Código de Processo Civil manteve tal princípio, que é aplicável ao processo de trabalho de forma subsidiária, conforme previsto no Art. 15, CPC e no Art. 769, CLT. O princípio do Livre Acesso ao Judiciário é direito de todas as pessoas, e não pode ser negado a ninguém; fazendo uma breve interpretação do caput do artigo 651, CLT, quando o legislador diz que a competência das Juntas de Conciliação, é no local onde o empregado realiza seus serviços, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro, pode-se dizer que, há certa limitação ao empregado postular sua ação na Vara em que o mesmo ache o mais correto ajuizar. Todos têm acesso à justiça para pleitear a tutela

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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jurisdicional, motivo pelo qual se trata de um direito subjetivo, decorrente da assunção estatal de administração da justiça, conferindo ao homem para invocar a prestação jurisdicional, relativamente ao conflito de interesses qualificado por uma pretensão irresistível. (BULOS, 2002, p. 178) Já em relação aos princípios específicos do Direito Processual do Trabalho, é importante destacar, o princípio da Proteção ao Trabalhador; como existem diferenças entre o empregado e o empregador (mais especificamente diferenças econômicas), o empregado, encontra-se em uma situação de desvantagem, em face do empregador. Tal princípio tem o intuito de contrabalancear as desigualdades que existem entre o empregado e empregador. Tem-se como conceito de justiça, o tratamento igual para os iguais, e o tratamento desigual para os desiguais, logo este princípio, tem como apoio o princípio basilar constitucional da igualdade. Doutrinadores explicitam a grande importância do princípio da proteção no nosso ordenamento jurídico. A desigualdade econômica, o desequilíbrio para a produção de provas, a ausência de um sistema de proteção contra a despedida imotivada, o desemprego estrutural e o desnível cultural entre o empregado e empregador certamente são realidades trasladadas para o processo do trabalho. (Carlos Henrique Bezerra LEITE, 2008, p.86) Embora muitas outras fossem necessárias, algumas normas processuais de proteção ao trabalhador já existem, a comprovar o princípio protecionista. Assim, a gratuidade do processo, com isenção de pagamento de custas e despesas, aproveita aos trabalhadores, mas não aos patrões; a assistência judiciária gratuita é fornecida ao empregado, mas não ao empregador; a inversão do ônus da prova por meio de presunções favorece o trabalhador, nunca ou raramente o empregador; o impulso processual ex officio beneficia o empregado, já que o empregado, salvo raras exceções, é o réu, demandado, e não aufere proveito da decisão: na melhor das hipóteses, deixa de perder. (GIGLIO, 2000, p.67) Pode-se, destacar como exemplo da proteção, que o empregado (pólo vulnerável na relação processual) tem: a escusa do pagamento das custas; inversão do ônus da prova; ademais, quando o autor da reclamação trabalhista (em regra, o empregado) não comparece na audiência, terá como consequência o arquivamento do processo, a passo que, se o empregador não comparece acarretará a revelia e a presunção – relativa- de que os fatos narrados pelo empregado, são verídicos, conforme estabelece o Art. 844, CLT. (...) o Estado, antes abstencionista, passa a ser intervencionista, interferindo e regulando as relações de trabalho, dispensando ao trabalhador uma proteção jurídica em função de sua hipossuficiência. (DOS SANTOS, NALDI JOVIANO, 2015, p.3) De certa forma, se torna evidente, que o Estado, se preocupa com o empregado, já que este merece por sua vez uma proteção jurídica, por ser, na maioria das vezes, o pólo mais fraco da relação processual.

mesmo residia. A organização do trabalho migrante tem cinco principais fases. A primeira fase, é aquela em que o empregado é contratado por um terceiro chamado arregimentador – este atua como um mediador entre o empregado e o empregador, geralmente reside no mesmo local que o trabalhador. A segunda fase se dá após a contratação, onde o empregado é levado para a cidade que prestará seus serviços, o qual o transporte deste será financiado pelo empregador. A terceira fase ocorre quando os empregados são transportados aos seus respectivos alojamentos, que se encontram em péssimas condições de habitação. A quarta fase diz respeito a remuneração do empregado, e esta é medida pela produtividade do empregado, ou seja, ganhará mais aquele que mais trabalhar. A quinta e última fase, é o retorno do empregado para sua casa ao término da prestação de seu serviço, e o transporte também é custeado pelo empregador. Valter Santin, explica quais são os mais comuns fenômenos: migração, emigração e imigração: Traduz o fenômeno da movimentação territorial das pessoas. Comporta três divisões: migração, imigração e emigração. A migração é a movimentação dentro do mesmo território; imigração é o processo de chegada de pessoas de outros países; emigração é a saída dos nacionais para outro país. (Valter SANTIN, 2007, p. 132) Um dos exemplos clássicos de empregado migrante é o caso do pedreiro que mora no Norte, e é contratado para realizar uma obra em São Paulo, e quando o profissional é dispensado, o mesmo retorna para seu Estado de origem, e caso o trabalhador tenha interesse em propor a ação, ele deve ingressar em São Paulo. Notadamente, a regra presente no Art.651, CLT, acaba limitando o direito do empregado ao acesso ao Judiciário. Muitas das vezes, o empregado sofre no curso do contrato de trabalho, transgressões aos seus direitos, e pela regra geral da CLT, o mesmo deverá apresentar sua Reclamação Trabalhista, no local onde realizou seus serviços. Fica nítido, que na hipótese descrita acima, o empregado ao retornar para a cidade natal, encontrará dificuldades para apresentar sua reclamação onde exerceu suas funções. O empregado merece certa proteção na relação processual diante do empregador, como dito anteriormente, existem inúmeras diferenças entre os dois pólos da relação processual. O empregado, por ser hipossuficiente, já se depara com adversidades que tornam inviáveis a propositora da ação, considerando que o referido empregado terá que se deslocar do seu Estado para propor a ação em outro, e muitas das vezes, o gasto que terá com o deslocamento, será maior do que aquele pleiteado na sua reclamação. Nota-se, então, que o caput do artigo 651, CLT, ao fixar a competência sendo o local onde o empregado prestou seus serviços, acaba limitando seu direito subjetivo de pleitear uma tutela jurisdicional e também fere o princípio da proteção.

3 PROBLEMÁTICA QUE GERA O ART.651, CLT AO EMPREGADO MIGRANTE O empregado migrante é aquele que deixa temporariamente sua residência para trabalhar em outro local, e um dos principais motivos dessa migração, é a falta de trabalho no domicílio em que o

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4 COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR NO PROCESSO DO TRABALHO: breve análise do Art.651, CLT

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O caput do Art.651, CLT, estabelece como regra geral, que a

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competência em territorial no Processo do Trabalho será o local da prestação de serviços. Art. 651 – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro. § 1º – Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima § 2º – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estendese aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário.

territorial: a primeira exceção se encontra no § 1°, e que dispõe que, a competência será do local onde esteja a sede ou filial da empresa, sendo o agente ou viajante comercial parte da lide; e na falta da sede ou filial da reclamada, o qual o empregado esteja vinculado, o mesmo poderá propor sua reclamação no seu domicílio. TRT-PR-19-11-2010 COMPETÊNCIA TERRITORIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 651, § 1º DA CLT. EMPREGADO VIAJANTE. LOCAL DO DOMICÍLIO. A norma do art. 651 da CLT interpreta-se em favor do empregado, ou seja, no sentido de tornar o mais acessível a esse o ingresso de ação no Judiciário, possibilitando-se com isso, ajuizamento da ação tanto no local da prestação de serviço, como no local da contração. A melhor exegese que se extrai do § 1º do art. 651 da CLT, por ser mais benéfica ao trabalhador, é no sentido de que a competência para processo e julgamento de reclamação trabalhista de empregado viajante de empresa que não tem agência ou filial no local da prestação dos serviços é da vara dessa localidade, coincidente, no caso, com o domicílio do trabalhador. Considerando que o reclamante foi contratado e prestava serviços em Maringá e região e que o reclamado não possui estabelecimento naquela região, o juízo daquela comarca é competente para apreciação da demanda. Recurso ordinário do reclamado ao qual se nega provimento.

§ 3º – Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços. É importante frisar que a competência territorial é relativa – uma vez que o interesse é da parte – logo, o Juiz não poderá decretá-la de ofício. A competência territorial – ratione loci – é caracterizada pelo perímetro geográfico, em que o órgão jurisdicional atua. A competência territorial dos Tribunais Regionais do Trabalho é delimitada a certa região, enquanto a competência do Tribunal Superior do Trabalho é de todo o território nacional. Tal competência se divide: quanto ao local onde o empregado realiza seus serviços, quando houver empregado agente ou viajante comercial, quando o empregado trabalhar no estrangeiro, e em empresas que promovam suas atividades em local diverso da contratação. O legislador, ao fixar a competência como o local da prestação de serviços, teve como objetivo facilitar o acesso do empregado à Justiça; porém, no decorrer deste artigo, tal afirmativa será contestada. A ideia de facilitação do empregado propor a sua reclamação no último local da prestação de serviço, e totalmente refutada, para ilustrar este fato esclarece como exemplo se um empregado foi contratado em um local A para prestar serviço no local B, o mesmo trabalhou no local B por mais de vinte anos,sendo ele mais tarde transferido para um local C, no qual prestou seus serviços por um mês e fora dispensado imotivadamente. No fato previamente mencionado, a competência é do foro do local C – pela interpretação do Art.651, CLT – se torna mais perceptível que a instrução probatória deste processo, será mais lenta do que se fosse proposto no foro da localidade B, visto que, em regra, a maior parte das provas, as citações de eventuais testemunhas, se encontra nesta localidade. Há entendimentos jurisprudenciais, que estabelecem que o autor da demanda possa escolher qualquer dos locais que prestou seus serviços, quando o mesmo executou seus trabalhos em mais de uma localidade:

(TRT-9 10632009661900 PR 1063-2009-6619-0-0, Relator: ARCHIMEDES CASTRO CAMPOS JÚNIOR, 3A. TURMA, Data de Publicação: 19/11/2010) A segunda exceção está prevista no § 3°, e prevê que o empregado poderá escolher ao apresentar sua reclamação, o local da prestação de serviços ou no foro da sua contratação, quando se tratar de empresas cujas atividades são exercidas fora da sua sede. [...] a interpretação teleológica do § 3º do art. 651 da CLT autoriza uma opção legal para o empregado de empresa que realiza atividades em locais diversos da contratação do obreiro, pouco importando se a título permanente ou esporádico, ajuizar a ação no foro do lugar da contratação ou no da prestação de serviço. Ademais, deve-se analisar a questão sob a perspectiva do alargamento do acesso ao Judiciário e, sobretudo, enaltecendo o princípio da economia processual, máxime quando não há prejuízo para a defesa. (LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9ª Edição. São Paulo : LTr, 2011, p. 281). O doutrinador Sérgio Pinto Martins, na sua obra, dá exemplos do que possam ser as atividades presentes no § 3° do artigo 651, CLT:

COMPETÊNCIA TERRITORIAL - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM MAIS DE UMA LOCALIDADE. A prestação de serviços em mais de uma localidade faculta ao autor a opção de demandar em quaisquer delas. (TRT-5 - RecOrd: 00001628820145050341 BA 0000162-88.2014.5.05.0341, Relator: IVANA MÉRCIA NILO DE MAGALDI, 1ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 02/06/2015.)

Deve-se entender por empresas que promovem a prestação de serviços fora do lugar da contratação as seguintes: especializadas em auditorias, instalação de caldeiras, reflorestamento, em atividades circenses, artísticas, feiras, exposições, promoções, desfiles de moda, promotora de rodeios, montadoras industriais etc. Nessas atividades, o empregado é requisitado para prestar serviços em atividades eventuais, transitórias e incertas. É o que ocorre com as pessoas que vão fazer auditoria, exposições em feiras ou desfiles de moda. Acabado o evento, não mais trabalham naquela localidade para a qual foram designada. (MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32ª Edição. São Paulo : Atlas, 2011, p. 133). Abaixo, segue uma jurisprudência do TRT-1, para melhor compreensão do entendimento do tribunal acerca do § 3°.

O Art.651, CLT, prevê duas exceções em relação à competência

DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. EMPRESA QUE

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RECRUTA TRABALHADORES EM LOCALIDADE DIVERSA DA DE SUA SEDE E DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO NO LOCAL DA SELEÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 651, § 3º DA CLT. Se o empregador recruta e seleciona empregados em unidades da federação distintas do local de sua sede e de onde serão prestados os serviços, há que se permitir ao trabalhador eleger entre o foro do local onde foi selecionado e o da prestação de serviços, nos termos do art. 651, § 3º da CLT, pois a ratio legis é permitir ao hipossuficiente exercer o seu direito de ação, constitucionalmente garantido (Constituição, art. 5º, inc. XXXV). (TRT-1 - RO: 00012943820125010059 RJ, Relator: Dalva Amelia de Oliveira, Data de Julgamento: 09/09/2014, Oitava Turma, Data de Publicação: 30/09/2014)

o juiz deve observar os princípios e os valores ao julgar qualquer lide, deixando de ser um mero aplicador da lei como dispunha a Escola Exegética do Positivismo³ . O legislador, ao reformar o Art.651, CLT, incluindo a hipótese do empregado migrante, estabelecendo que o mesmo possa postular sua reclamação em seu domicílio, e não no local da prestação do seu serviço, não ferindo as regras previstas na Consolidação das Leis do Trabalho, pelo contrário, iria agregar mais segurança jurídica e também facilitaria vários processos, uma vez que, não teria a dúvida de qual juízo seria competente para processar e julgar a ação. Subsequentemente serão demonstradas algumas jurisprudências de Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, que entenderam que, o empregado migrante poderá postular em seu domicílio.

Pode-se observar que as jurisprudências acima estão de acordo com o que está previsto nos parágrafos 1º e 3º do Art. 651, CLT, tendo em vista, o correto julgamento nos casos em que é parte da lide viajante comercial, no qual será competente o domicílio do empregado, e no caso em que a atividade exercida fora da sede da empresa, será competente o local da prestação do serviço, ou no local da contratação do empregado. Ademais, o §2° estabelece que, ao empregado brasileiro que presta seus serviços no exterior, terá as mesmas regras previstas no Art.651, CLT, desde que, não haja convenção coletiva em contrária. ...não se conhece convenção ou tratado internacional que proíba a Justiça do Trabalho brasileira de oferecer a prestação jurisdicional a quem dela se socorra. Essa ameaça constante ao final da redação do § 2ª é novamente um capricho histórico, tendo o legislador de 1943 se precavido quanto a eventual oscilação do direito internacional público, mas foi exatamente o oposto o que aconteceu – isto é, os tratados internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica e demais documentos ligados aos direitos fundamentais do ser humano, incentivam a acessibilidade judiciária e não o contrário. (SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 8: Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 186-187). A seguir, segue jurisprudência que demonstra o previsto no § 2° do artigo 651, CLT: […] Contrato de trabalho realizado no Brasil e cumprido no exterior. Competência da Justiça Brasileira para processar e julgar reclamatória trabalhista. Acórdão regional reconhecendo a competência da Justiça Brasileira, em conformidade com o disposto no art. 651, § 2º da CLT. (TST, CNC 27.282/91-2, rel .Ermes Pedrassani, Ac. SDI 1.477/91) Para que haja, uma real proteção ao empregado migrante seria necessária, a modificação do caput do Art.651, CLT, onde também seria competente o foro do domicílio do empregado. 4.1 Possibilidade de flexibilização do Art.651, CLT Como já exposto, a competência territorial trabalhista é relativa, então a parte para contestá-la deverá arguir a exceção, sempre em peça apartada, quando não apresentada, a competência será prorrogada. O Art.651, CLT, não contemplou a hipótese do empregado migrante, deste modo a jurisprudência vem, progressivamente, alterando o entendimento estabelecido no Art.651,CLT, sempre justificando com o princípio do acesso à Justiça, e com o princípio da proteção ao empregado hipossuficiente. Para que o empregado migrante tenha seu direito salvaguardado, LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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1 ) COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RAZÃO DO LUGAR. AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE. PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA SOBRE A INTERPRETAÇÃO MERAMENTE LITERAL DO ARTIGO 651, § 3º, DA CLT. No caso, ficou incontroverso que a reclamante, residente e domiciliado em Porto Alegre/RS, foi contratada e prestou serviços na cidade de São Bernardo do Campo/SP. A trabalhadora, pretendendo o pagamento de parcelas salariais e rescisórias decorrentes dessa contratação, ajuizou esta reclamação trabalhista na Vara do Trabalho de Porto Alegre/RS, que possui jurisdição no local de domicílio e residência da autora. A oferta de emprego é escassa, e o desemprego é realidade social em nosso país, o que obriga vários trabalhadores a se mudarem para regiões diversas, ainda que provisoriamente, deixando para trás seus familiares, em condições precárias, com o intuito de procurar trabalho para suprir necessidades vitais de subsistência, própria e de sua família. É realidade, ainda, que esses trabalhadores se submetem a condições de emprego precárias e a empregos informais. Dessa forma, tem-se cada vez mais firmado o entendimento, neste Tribunal superior (como demonstram os precedentes citados na fundamentação), de que, em casos como este ora em exame, o direito fundamental de acesso à Justiça das partes trabalhistas deve preponderar sobre a interpretação meramente literal do artigo 651, § 3º, da CLT, apontado como violado pelo recorrente. Além disso, é possível aplicar à hipótese, por analogia, a exceção prevista no § 1º do artigo 651 da CLT, que atribui competência à Vara do Trabalho do domicílio do reclamante, quando inviabilizado o ajuizamento da reclamação trabalhista no foro da celebração do contrato ou da prestação dos serviços. Essa interpretação, além de melhor corresponder à letra e ao espírito do artigo 651, §§, da CLT, mostra-se mais consentânea com princípio constitucional de acesso à Justiça, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, e com a constatação prática de que, em muitos casos, a exigência legal de que o trabalhador ajuizasse a sua reclamação no lugar em que prestou serviços, mesmo quando voltou a residir no lugar de seu domicílio, acabaria por onerar excessivamente o exercício do direito de ação pela parte hipossuficiente. Assim, o Regional, ao reconhecer a competência exclusiva do foro de São Bernardo do Campo/SP para apreciar e julgar este feito, desconsiderou a finalidade da lei e obstruiu o livre acesso do reclamante ao Judiciário, conforme já proclamado em numerosos e análogos precedentes desta Corte Superior. Recurso conhecido e provido. (TST - RR: 21971820125040018, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 18/05/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/05/2015) 2) EMENTA: EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. COMPETENTE JUÍZO DO

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LOCAL DA CONTRATAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO 3º. DO ARTIGO 651 DO DIPLOMA CONSOLIDADO. SEGURANÇA CONCEDIDA. O local onde o reclamante foi contratado e no qual reside, é o lugar mais acessível para ingressar em juízo para pleitear seus alegados direitos, embora diverso da prestação de serviços, tendo em vista a preservação de um dos mais relevantes princípios assegurados constitucionalmente, qual seja, o acesso à Justiça (TRT 2º região, Acórdão SDI 4762/2007-2, processo 14006200500002006, MS, Rel. Vânia Paranhos, 26.11.2007) 3) COMPETÊNCIA TERRITORIAL – ACESSO À JUSTIÇA – AJUIZAMENTO DA RECLAMAÇÃO NO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE – PROTEÇÃO AO TRABALHADOR HIPOSUFICIENTE – POSSIBILIDADE – De acordo com a letra fria da lei, a decisão de primeira instância parece adequada. Penso, contudo, que a finalidade teleológica da legislação ao fixar a competência da Justiça do Trabalho no local da prestação dos serviços, foi para facilitar o acesso do trabalhador à Justiça, pois no local da prestação dos serviços, presumivelmente, o ex-empregado tem maiores possibilidades de produção das provas. Além disso, nesse local ele, empregado ou ex-empregado, pode comparecer ao Judiciário Trabalhista sem maiores gastos com locomoção. Alguém já disse que tem momentos em que o direito atrapalha a justiça. Um outro alguém, que não lembro quem foi, também já disse que “há momentos em que para se alcançar a justiça é preciso atropelar o direito”. Já destacamos que nos termos do art. 651 da CLT, a competência territorial da Justiça do Trabalho é definida pelo local da prestação do serviço, podendo o reclamante ajuizar sua reclamação também no foro da celebração do contrato (§ 3º). Em abono ao raciocínio que estamos desenvolvendo, é relevante destacar o entendimento firmado perante a 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada no TST, vazado no Enunciado nº 07, cujo teor é o seguinte: “ACESSO À JUSTIÇA. CLT ART. 651, § 3º – INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO – ART. 5º, INC. XXXV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – Em se tratando de empregador que arregimente empregado domiciliado em outro município ou Estado da federação, poderá o trabalhador optar por ingressar com a reclamatória na Vara do Trabalho de seu domicílio, na do local da contratação ou na do local da prestação dos serviços”. O C. TST, por meio de sua 8ª Turma, apreciando matéria idêntica, no processo TST - RR - 86442.2011.5.20.0011, em acórdão da lavra da Ministra Dora Maria da Costa, decidiu que o empregado pode ajuizar reclamação trabalhista no órgão que tem jurisdição no município de seu domicílio. A seguir a ementa do referido acórdão: RECURSO DE REVISTA ESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR – DOMICÍLIO DO EMPREGADO – Este Tribunal tem posicionamento reiterado no sentido de ser competente para o julgamento da demanda o foro do domicílio do reclamante, em observância aos princípios da proteção ao trabalhador e do acesso à Justiça (grifo nosso). Nesse passo, afasta-se a declaração de incompetência em razão do lugar, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que prossiga no exame do recurso ordinário da reclamada, como entender de direito. Recurso de revista conhecido e provido. (TRT 08ª R. – RO 0001208-28.2012.5.08.0106 – Rel. Des. Fed. Eliziário Bentes – DJe 20.03.2013 – p. 5). Na primeira jurisprudência, ficou indiscutível que a reclamante trabalhava na cidade de São Bernardo do Campo/SP e era residente e domiciliada em Porto Alegre/RS. A empregada ajuizou a ação trabalhista na Vara de Porto Alegre/RS.

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O TST demonstrou neste caso que, há prevalência do direito fundamental do acesso à Justiça sobre a interpretação literal do Art. 651, CLT. A jurisprudência, analisada também, admite a flexibilização da competência territorial trabalhista com fulcro no princípio do livre acesso à Justiça. O TRT da 8ª Região mencionou que a decisão da primeira instância parece estar adequada – de acordo com a interpretação do Art.651 CLT, porém, o empregado migrante poderá optar de ajuizar a ação trabalhista na Vara de Trabalho de seu domicílio, homenageando os princípios do livre acesso ao Judiciário, e da proteção ao empregado. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A solução do problema do empregado migrante, seria a alteração do artigo 651, CLT, que, permitiria ao mesmo a propositura da ação trabalhista, no local onde prestou o serviço ou no seu domicílio; com essa alteração, o empregado migrante estará exercendo efetivamente seu direito ao acesso do Judiciário Alterando este artigo, será possível que, todos aqueles empregados que, se sintam lesados, recorram ao Judiciário para obter (ou não) seus respectivos direitos pleiteados na inicial, não precisando preocupar com o quantum que será despendido, caso fosse ajuizar a ação em local diverso de seus domicílios, logo a proteção - princípio norteador do Processo do Trabalho– estará efetivamente sendo utilizado ao empregado, muitas das vezes, este sendo hipossuficiente, que provavelmente não demandaria uma ação fora de seu domicílio, por receio de gastar seus recursos mais do que supostamente ganharia na ação, ficando evidente que seus direitos serão limitados. É fato que, flexibilizando a competência territorial trabalhista, evitará julgamentos controversos, e o empregado terá maior segurança jurídica, podendo pleitear e receber seus direitos devidos. Como já visto os princípios que regem a fixação de competência no Processo do Trabalho, buscam defender os direitos dos empregados em uma lide trabalhista. Os empregados migrantes merecem também que, seus direitos sejam acautelados quando ingressarem com uma demanda; e a fixação da competência estabelecida pelo caput do Art. 651, CLT, acaba cerceando seu direito de realizar seus pedidos em juízo, logo o mencionado artigo deve ser alterado, flexibilizando a competência territorial trabalhista. Na alteração do artigo analisado, deveria ser extinto a expressão já mencionada outrora que é – ainda que tenha sido contratado noutro local- excluindo tal expressão, o alcance do empregado migrante de propor sua reclamação trabalhista será maior, ou até mesmo sendo competente o domicílio do empregado migrante; efetivando, assim, o princípio do livre acesso à Justiça, e o mesmo poderá postular sua ação, no local mais adequado, onde melhor lhe convier. Referências ALMEIDA, Cléber Lúcio de. Direito processual do trabalho. 5ed, rev., atual. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 2006. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

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Banca Examinadora Adélia Procópio Camila (Orientadora) Tatiana Bhering Serradas Bon Roxo (Examinadora)

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A VERDADE É FILHA DO TEMPO? A EFETIVIDADE DAS PROVAS EXTEMPORÂNEAS NOS CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES Lorena de Souza Pereira1

Resumo: O presente artigo trata do instituto da prova extemporânea no Processo Penal Brasileiro, tendo como objetivo precípuo analisar a efetividade de tais provas nos crimes sexuais contra crianças e adolescentes e suas peculiaridades. Advinda do latim probatio, a palavra prova significa confirmação, verificação, e dela emana o verbo provar, o qual significa verificar, demonstrar que um fato existiu. A prova tem como finalidade a comprovação da verdade real. Contudo, com a Lei no12.650 de 17 de maio de 2012, também conhecida como ‘’Lei Joanna Maranhão’’, que trouxe a alteração na contagem do prazo prescricional dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes, necessária é a análise acerca da efetividade da prova após longo decurso de tempo, uma vez que são mais difíceis de serem obtidas. Serão as provas extemporâneas eficazes para uma condenação e consequente diminuição da impunidade dos infratores dos crimes sexuais? Sendo o tema escolhido extremamente complexo e extenso, o presente artigo não será capaz de esgotá-lo devido às suas limitações, no entanto, procurar-se-á debater os aspectos mais relevantes e instigantes sobre o tema. Palavras-Chave: Estupro. Direito penal. Prova no processo penal. Lei n°12.650/2012. Palavra da vítima.

1 INTRODUÇÃO A pretensão punitiva do Estado nasce com a ocorrência de um crime, que será investigado pela polícia e poderá ser convertido em ação penal pelo Ministério Público. Como é sabido, para condenar o agente de um crime, é imprescindível a comprovação cabal de sua autoria, que é feita através da colheita de provas, sejam elas periciais, documentais ou testemunhais, uma vez que devido ao princípio da presunção de inocência existente no processo penal, o ônus da prova fica a cargo de quem quer acusar. Diante disso, surge a problemática referente às provas extemporâneas, tendo em vista que por ser o estupro um crime cometido na clandestinidade, sem testemunhas e até mesmo sem deixar vestígios, a comprovação acaba sendo dificultada. Devido à falta de vestígios, nem sempre será fácil a busca pela ‘’verdade real’’ nos crimes sexuais Diante disso, se a época do crime as provas nem sempre são fáceis de serem obtidas, mais difícil será a sua obtenção após longo decurso de tempo, momento em que provavelmente já terão perecido e claro, raramente poderão ser repetidas. O objeto de estudo deste trabalho é o instituto da prova extemporânea nos crimes sexuais contra crianças e adolescentes, bem como o uso da palavra da vítima. Buscar-se-á demonstrar a fragilidade dessas provas, bem como os riscos existentes ao condenar alguém se baseando exclusivamente no depoimento da vítima. É cediço que no crime de estupro a presunção de culpabilidade em relação ao acusado é majorada, e o acusado tem várias garantias mitigadas, tendo em vista que por se tratar de um crime que causa grande ojeriza na sociedade, o denunciado já é visto como culpado bem antes de ter sua sentença decretada, ocasionando a violação de um dos princípios basilares do Direito, qual seja, o da presunção de inocência, elencado no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que garante que ninguém será considerado culpado antes que a sua sentença transite em julgado definitivamente. Diante disso, nota-se que a

vítima tem total interesse e envolvimento no suposto crime, restando evidenciado a sua não neutralidade e verdadeira busca pela verdade processual, conforme nos explica Nucci: [...] a vítima tem interesse na condenação do réu, na medida em que pode, com isso, obter mais facilmente a reparação do dano na espera cível (art. 63, CPP). Enfim, vítima não é testemunha. Aliás, já o dizia o direito romano que ninguém é considerado testemunha idônea em causa própria. (NUCCI, 2008, p.439). Neste azo, o que vemos são pessoas sendo consideradas culpadas, até que provem a sua inocência. É preciso ressaltar que o presente artigo não se posiciona a favor de violentadores sexuais, mas acredita-se que, por mais grave que seja o crime, não se pode abandonar as garantias constitucionais e processuais, que são indispensáveis para a obtenção de uma justa e correta persecução penal. 2 BREVE RELATO HISTÓRICO DO ESTUPRO 2.1 Ordenações Filipinas – 1603 Em vigor no Brasil no ano de 1603, o Livro V das Ordenações Filipinas ficou em vigor por mais de 200 anos, e tinha como objetivo conter os homens através do medo, uma vez que as penas eram extremamente desproporcionais aos crimes praticados, como nos mostra José Henrique Pierangeli: O Livro V das Ordenações Filipinas previa quatro espécies básicas de pena de morte: a) “morte cruel”, em que a vida era tirada lentamente, entremeada de suplícios; b) “morte atroz”, nesta acrescentavam-se algumas circunstâncias agravantes à pena capital, como a queima do cadáver, etc.; c) “morte simples”, perda da vida mediante degolação, enforcamento; d) “morte civil”, em que se eliminava a vida civil e os direitos da cidadania. (PIERANGELI, 2004, p.57).

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Como vemos, a intenção era intimidar e aterrorizar os homens, e mesmo quando a pena de morte não era decretada, os acusados eram punidos com mutilações e queimaduras, punições outrora consideradas brandas. Sobre as Ordenações Filipinas, Luis Regis Prado relata que: [...] o estupro voluntário de mulher virgem, que acarretava para o autor a obrigação de se casar com a donzela e, na impossibilidade do casamento, o dever de constituir um dote para a vítima. Caso o autor não dispusesse de bens, era açoitado e degredado, salvo se fosse fidalgo ou pessoa de posição social, quando então recebia tão somente a pena de degredo. O estupro violento foi inserido no Título XVIII e era reprimido com a pena capital. A pena de morte substituía ainda que o autor se casasse com a ofendida após o crime. (PRADO, 2010, p. 597). Nos casos de estupro contra mulher, o abusador era punido com pena de morte, salvo se a vítima fosse escrava, visto que essas não possuíam direitos civis, e não eram reconhecidas como cidadãs. 2.2 Código Criminal do Império - 1830 De acordo com esse código, as punições mais severas ocorriam contra quem cometesse crime sexual contra as mulheres consideradas honestas e de família, conforme exemplificado abaixo:

também levando em consideração a essência do ser humano. Como bem pondera Luciano Santos Lopes, em seu artigo: A sociedade está em constante processo de evolução ético-cultural. Os valores que norteiam a vida em coletividade alteram-se historicamente. É bem verdade que aqueles fundamentais permanecem intactos na sociedade - como a vida -, somente alterando a forma de encarálos, frente aos anseios de cada época. Assim, o reconhecimento dos bens a serem tutelados, e sua hierarquia, não dependem somente das estruturas sociais, mas também das tendências históricas. (LOPES, 2012, p. 9). 3 LEI NO12.015/2009 Para o filósofo alemão Friedrich Nietzsche em sua obra Miscelânea de Opiniões e Sentenças, o costume está relacionado com a ideia de que a comunidade vale mais que o indivíduo. Com o uso da palavra ‘’’costumes’’, o Código Penal demonstrava uma perspectiva retrógada e ultrapassada, já não cabível ao contexto atual em que a sociedade se encontrava, como bem explica Irene Maria Vaquinhas: As modificações do Código Penal testemunham as obsessões de uma sociedade, dos valores que esta impõe e quer fazer respeitar. De forma geral, poder-se-á afirmar que a história do direito penal é, entre outros aspectos, a história dos constantes e sucessivos movimentos de descriminalização e neocriminalização. (VAQUINHAS, 1995, p.43).

Art. 224. Seduzir mulher honesta, menor dezasete annos, e ter com ella copula carnal. Penas - de desterro para fóra da comarca, em que residir a seduzida, por um a tres annos, e de dotar a esta. (BRASIL, 1830). Como exposto, a pena de morte foi excluída do rol punitivo, porém, passou-se a majorar a pena nos casos em que a vítima fosse mulher honesta e virgem, no entanto, se o abusador se casasse com a vítima, ele seria isento da punição, e se a vítima fosse prostituta, a pena seria minorada. 2.3 Código Penal Republicano - 1890 Neste Código, houve a atenuação da pena para um a seis anos, não sendo obrigatório o casamento com a vítima, mas apenas a constituição de dote em favor desta.

Buscando adequar-se à realidade em que vivemos, uma vez que não mais se coadunava com a o presente momento, a legislação penal passou por diversas alterações, dentre elas, a reforma trazida pela Lei no 12.015/2009, que alterou significativamente o Título VI da Parte Especial do Código Penal, ‘’Dos crimes contra os costumes’’ para ‘’Dos crimes contra a dignidade sexual’’, passando-se a tutelar a dignidade sexual de cada indivíduo, bem como o respeito à sua vida sexual. Nucci aponta que: Há muito vínhamos sustentando a inadequação da anterior nomenclatura do Título VI da Parte Especial do Código Penal (“dos crimes contra os costumes”), lastreada em antiquados modelos de observação comportamental da sexualidade na sociedade em geral. Aliás, em pior situação se encontrava o travamento da questão sob o enfoque evolutivo, pois os tais costumes não apresentavam mecanismos propícios para acompanhar o desenvolvimento dos padrões comportamentais da juventude e nem mesmo para encontrar apoio e harmonia no também evoluído conceito, em matéria sexual, dos adultos da a t u a l i d a d e . A disciplina sexual e o mínimo ético exigido por muitos à época de edição do Código Penal, nos idos de 1940, não mais compatibilizam com a liberdade de ser, agir e pensar, garantida pela Constituição Federal de 1988. O legislador brasileiro deve preocupar-se (e ocupar-se) com as condutas efetivamente graves, que possam acarretar resultados igualmente desastrosos para a sociedade, no campo da liberdade sexual, deixando de lado as filigranas penais, obviamente inócuas, ligadas a tempos pretéritos esquecidos. (NUCCI, 2010, p. 23-24).

2.4 O Código Penal Brasileiro - 1940 Em vigor desde 1940, o Código Penal Brasileiro outrora denominava os crimes sexuais em seu título VI como sendo “Crimes contra os costumes”, termo este que demonstrava o apego à moral e aos bons costumes, e a imposição de um padrão a ser seguido pela sociedade. Para Mirabete e Fabbrini, O Código Penal, em sua redação original, previa “os costumes” como objeto central de tutela nos crimes sexuais. A anterior denominação do Título VI – Dos crimes contra os costumes – era reveladora da importância que o legislador de 1940 atribuía à tutela da moralidade sexual e do pudor público nos crimes sexuais em geral, ao lado, e, às vezes, acima da proteção de outros bens jurídicos relevantes como a integralidade física e psíquica e a liberdade sexual. (MIRABETE; FABBRINI, 2012, p. 387). É sabido que a sociedade é um organismo vivo, instável, que está em constante mudança. Os valores, o modo de pensar e os hábitos da sociedade de 1940 já não são os mesmos presentes na sociedade atual, tais valores mudam rapidamente, o que demonstra a necessidade de o ordenamento jurídico acompanhar as mudanças trazidas ao longo dos anos, não apenas em relação à evolução, mas

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Como demonstrado, deixou-se de tutelar o pudor, a moral, passando agora a ser relevante a dignidade sexual e a integridade das vítimas. A Lei no 12.015 trouxe como mudanças a revogação do crime

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de atentado violento ao pudor, que agora integra o crime de estupro, com a mesma pena para ambos, figurando em um único tipo penal, mas passando a ter duas espécies distintas de estupro, quais sejam: a) constranger alguém a conjunção carnal; b) constranger alguém a praticar outro ato libidinoso. E foi através da referida lei que surgiu a inédita figura do estupro de vulnerável, ao se atentar à questão da idade e da vulnerabilidade da vítima, o que põe fim à problemática com relação à presunção de violência. Outrossim, se antes a ação penal nos crimes sexuais era privada, uma vez que visava proteger a intimidade, agora tornou-se pública, sendo condicionada a representação, e incondicionada quando a vítima for menor de 18 anos ou for vulnerável, e todos os processos em que se apuram crimes contra a dignidade sexual correrão em segredo de justiça. 3.1 Estupro Estima-se que no Brasil ocorram 60 estupros por hora, ou seja, 1 estupro a cada 10 minutos, totalizando em média 527 mil estupros ao ano. Estima-se também que a cada 10 denúncias de estupro, 5 sejam falsas. O estupro é tema recorrente nos meios televisivos e midiáticos, sempre causando grande comoção na sociedade. De acordo com um estudo feito em 2011 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mais de 90% dos estupros no país são cometidos por homens, além disso, mais de 70% dos estupros foram contra crianças e adolescentes, sendo que apenas 10% foram reportados à polícia. Se antes só o homem figurava como sujeito ativo no crime de estupro, hoje, com a alteração trazida pela Lei no 12.015 de 2009, passou a ser possível a conjunção carnal tanto entre homem e mulher quanto entre pessoas do mesmo sexo, conforme explica Fernando Capez no livro ‘’Curso de Direito Penal’’ Atualmente, tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeitos passivos do crime em exame. Na antiga redação do art. 213 do CP, somente a mulher poderia ser vítima de estupro, pois apenas essa poderia ser obrigada a realizar cópula vagínica. (CAPEZ, 2012, p. 35). Sendo assim, o crime de estupro que era considerado crime próprio, hoje figura como crime comum, uma vez que ao unificar o atentado violento ao pudor com o crime de estupro, extinguiu-se a delimitação dos tipos possíveis de relações sexuais, englobando todos os tipos de relações, e não apenas aquelas em que ocorre conjunção carnal. Se os códigos anteriores puniam o autor do estupro baseando-se tão somente nos costumes, e na vida pregressa da vítima, o código atual se livrou de tal cunho preconceituoso, e a vítima assumiu finalmente o seu papel, sem ter seus direitos mitigados, independentemente do tipo de vida e profissão que exerça

Ou seja, a inclusão do estupro de vulnerável no Código Penal objetivou uma maior proteção aos menores de 14 anos, colocando fim às discussões acerca da presunção relativa de violência, como bem explica Nucci: “Em suma, a pessoa menor de 14 anos, mantendo relação sexual com maior de 18, teria sido vítima de estupro necessariamente? Fosse a presunção absoluta, a resposta seria positiva. Fosse relativa, dependeria de prova.” (NUCCI, 2014, p. 115). O estupro de vulnerável é caracterizado como crime hediondo, uma vez que é praticado contra menor de 14 anos ou contra vítima que por enfermidade ou deficiência mental não possua o necessário discernimento para tal ato, ou que por outro motivo, não ofereça resistência, conforme elucida Bittencourt: As crianças e adolescentes menores de 14 anos protegidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente devem receber uma atenção especial do Estado e da legislação penal, que reconhece sua vulnerabilidade. Assim, pela nova definição legal do estupro de vulnerável é importante refletir com relação da vitimização de menores vulneráveis, os quais foram violados em seus direitos fundamentais de liberdade e dignidade humana e que também abrangem a liberdade e a dignidade sexual, previstos no Título VI do Código Penal. (BITTENCOURT, 2012, p. 92). Houve uma maior preocupação em relação aos menores de 14 anos, que não possuem capacidade necessária para consentir ou não um ato sexual, e podem ser coagidas psicologicamente. 4 O ECA E O ESTUPRO DE VULNERÁVEL Como é sabido, o Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança o indivíduo de até 12 anos de idade. Nesta seara, a Lei no12.015 estendeu a proteção aos adolescentes menores de 14 anos, considerados ainda inocentes para ingressarem na vida sexual. Se um menor de 14 anos participa de um filme com cunho pornográfico ao lado de uma pessoa maior, mesmo que encenando de forma fictícia, tal conduta, outrora elencada no Estatuto da Criança e do Adolescente como produção de pornografia infantil, não será tipificada como tal, mas sim como estupro de vulnerável, conforme artigo 217-A, tendo em vista que crianças menores de 14 anos podem ficar moralmente abaladas em tais circunstâncias, bem como carregar consequências eternas por tais atos. A Lei no12.015 trouxe uma maior proteção aos menores de 14 anos, entrando em conflito com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe em seu art. 2º que são consideradas crianças, pessoas de até doze anos de idade incompletos, e adolescentes são as pessoas que tenham entre doze e quatorze. Como se constata, a nova Lei ampliou a proteção às crianças e aos adolescentes de até 14 anos, como bem pondera Bitencourt:

3.2 Estupro de Vulnerável O estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) é tipo penal novo, trazido pela Lei nº 12.015/09, que tem como escopo identificar a vulnerabilidade da vítima. Antes da Lei nº12.015, a doutrina acreditava na presunção relativa de violência, como explica Mirabete: Não se caracteriza o crime, quando a menor de 14 anos se mostra experiente em matéria sexual; já havia mantido relações sexuais com outros indivíduos; é despudorada e sem moral; é corrompida; apresenta péssimo comportamento. Por outro lado, persiste o crime ainda quando menor não é mais virgem, é leviana, é fácil e namoradeira ou apresenta liberdade de costumes [...] (MIRABETE, 2006, p.478).

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Qualquer pessoa em determinadas circunstancias pode ser tornar vulnerável. Contudo, há um outro tipo de vulnerabilidade, distinta da eventual. Estas pertencem aos indivíduos que pela faixa etária (menor que 14 anos) ou por suas condições físicas e mentais, não possuem consciência de determinados atos que sofrem, não podendo desta forma opor qualquer espécie de resistência, quando sobre a questão do consentimento. (BITENCOURT, 2012). 5 A LEI NO 12.650/2012 E O NOVO PRAZO PRESCRICIONAL A Lei no 12.650/2012 tem como escopo aumentar a punibilidade dos infratores de crimes sexuais, tendo em vista que, na maior parte dos

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casos, as vítimas por serem crianças ou adolescentes se calam, muitas vezes por vergonha, medo ou coação. A referida Lei inseriu o inciso V ao artigo 111 do Código Penal Brasileiro, dispondo que, nos crimes sexuais contra crianças e adolescentes, a contagem da prescrição começará a partir do dia em que a vítima completar 18 (dezoito) anos de idade, exceto se a ação penal já estiver iniciada, como explica Bitencourt: Logo, enquanto o menor (criança ou adolescente) não completar dezoito anos o curso prescricional não se inicia, isto é, a prescrição não corre, “salvo – destaca o texto legal – se a esse tempo já houver proposta a ação penal”. Em outros termos, a proposta da ação penal impulsiona o curso prescricional, mesmo que o menor não tenha completado dezoito anos. (BITENCOURT, 2012, p. 906). Ao aumentar o prazo prescricional, se estende o período para a propositura da ação penal. Por ser um crime cometido contra crianças e adolescentes, que muitas vezes se calam por medo, vergonha, e até mesmo pela imaturidade, a alteração no prazo prescricional visa aumentar as chances para que a vítima busque a condenação do agressor. O Código Penal dispõe a respeito da prescrição nos crimes sexuais contra crianças e adolescentes em seu Art.111:

Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal. (Redação dada pela Lei nº 12.650, de 2012). (BRASIL, 1940). O legislador teve atitude louvável ao alterar o prazo prescricional para a propositura da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, no entanto, com o longo decurso de tempo, as provas tornam-se frágeis, e o depoimento da vítima, que diferente da testemunha não possui o dever de dizer a verdade, nem sempre corresponderá à realidade dos fatos, o que poderá muitas vezes ocasionar condenações injustas. 6 A PROVA NO PROCESSO PENAL O Direito Processual Penal é responsável por regular os meios de prova, sendo essas necessárias para demonstrar a veracidade das alegações, bem como para o convencimento do juiz. A atividade probatória é responsável pela coleta de elementos que comprovem a autoria de determinada infração penal. Esses elementos servirão para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, ou da queixa, pelo ofendido. A principal finalidade da prova é convencer o juiz acerca da autoria do crime. Uma vez que existam quaisquer dúvidas, o acusado deve ser absolvido, tendo em vista o princípio do in dubio pro réu. Para uma condenação, é necessário que se tenha o mínio lastro probatório, como leciona Eugênio Pacelli de Oliveira: A prova judicial tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorrido no tempo e no espaço. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade (OLIVEIRA, 2012, p. 341). Além disso, é vedado o uso de provas ilícitas e as derivadas das ilícitas, também conhecida como a Teoria dos Frutos da Árvore

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Envenenada, como dispõe Nucci: “Cumpre salientar, que as provas devem ser produzidas por meios lícitos, quais sejam, aqueles que são admitidos pelo ordenamento jurídico, porquanto somente esses serão levados em consideração pelo juiz.” (NUCCI, 2008, p. 356). A prova tem como finalidade a busca pela reconstrução do fato ocorrido. A prova é necessária para convencer o juiz acerca a verdade dos fatos narrados, e para que, posteriormente, possa proferir a sentença. Ou seja, a prova é imprescindível para que o juiz possa analisar e julgar o caso. De acordo com Barros: “é por meio das provas que se reproduz (ou se tenta reproduzir), no processo, a realidade que envolve o fato ilícito. A verdade não vinga sem as provas.” (BARROS, 2010, p. 146) Nos crimes sexuais, os vestígios são as provas mais importantes e essenciais para o reconhecimento do crime. Porém, com o passar do tempo, eles desaparecem, sendo impossível a análise pericial, deixando então como único meio de prova cabível o depoimento da vítima, que assume extrema relevância, e que como veremos a seguir, nem sempre se dará de forma fiel aos fatos, podendo acarretar em acusações injustas e sentenças equivocadas. Conhecida como “a prostitua das provas’’, a prova testemunhal pode conter falhas, uma vez que diz respeito tão somente ao fator comportamental, área essa extremamente ligada à mente humana, dificultando a sua interpretação pelos magistrados, tendo em vista que não possuem domínio sobre o extraordinário universo dos pensamentos. Como não tem o dever de falar a verdade, uma vez que está envolvida e possui interesse na causa, a vítima não está obrigada a prestar declarações verdadeiras. A palavra da vítima carrega em si um valor probatório relativo, sendo necessário o devido cuidado no andamento do inquérito, bem como no processo como um todo. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça se posicionou da seguinte forma: “A configuração do crime de estupro prescinde da realização do exame de corpo de delito, sendo suficiente a manifestação inequívoca e segura da vítima, quando em consonância com os demais elementos probatórios delineados no bojo da ação penal.” (BRASIL. STJ. HC no 8.720-RJ, 6ª T. Rel. Vicente Leal,1999). Como é sabido, é imprescindível a existência de lastro probatório mínimo para uma correta persecução penal, e nem sempre as provas do crime de estupro sobrevivem ao tempo. Fernando Capez leciona sobre o assunto: Nem sempre o estupro deixa vestígios. Na hipótese de tentativa, em que não chega a haver conjunção carnal, dificilmente restam elementos a serem periciados junto à ofendida, e, mesmo havendo consumação, os resquícios podem ter desaparecido com o tempo, ou podem nem sequer ter ocorrido, como na hipótese de mansa submissão após o emprego de grave ameaça, ou ainda quando não há ejaculação do agente. (CAPEZ, 2012, p. 54). Com a entrada da Lei no 12.015 de 2009, o estupro, que antes delimitava-se à conjunção carnal, passou a abranger as condutas elencadas no artigo 214, ora revogado. Como é sabido, nem sempre será possível a realização do exame de corpo de delito em vítimas de estupro, e com o advento da Lei no12.650, a realização de tal exame após longo decurso de tempo tornou-se praticamente impossível, uma vez que todos os vestígios outrora existentes foram apagados. Sendo assim, resta a palavra da vítima como única prova. Existem grandes controvérsias na doutrina quanto à valoração do depoimento da vítima. De um lado, acreditam que a vítima se transforma na principal testemunha do crime, sendo clara a legitimidade do seu depoimento, desde que seja coerente, verossimilhante e plausível. Por outro lado, outros doutrinadores acreditam que o depoimento da vítima é repleto

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de impressões pessoais, uma vez que teve seu psicológico completamente afetado, e se tornam suscetíveis a influências de terceiros, bem como a distúrbios psicológicos, como veremos a seguir, o que não raramente podem ocasionar depoimentos mentirosos e fantasiosos. 6.1 A Palavra da Vítima Por serem os crimes sexuais muitas vezes denunciados anos após terem ocorrido, os vestígios acabam sumindo, bem como se torna impossível o exame de corpo de delito, restando apenas como prova o depoimento da vítima. Sobre tais vestígios, Nucci alerta que: O estupro pode ser cometido pelo emprego de violência física ou grave ameaça. No primeiro caso, como regra, há sequelas visíveis na vítima, devendo-se realizar o exame de corpo de delito, comprobatório das lesões sofridas. Por vezes, pode-se, inclusive, colher sêmen do corpo ou das vestes da pessoa ofendida, tornando mais clara a prática do ato sexual. Entretanto, quando praticado por meio da grave ameaça, mormente se cuidando de crime executado às ocultas, torna-se dificultosa a prova tanto da materialidade quanto da autoria. (NUCCI, 2014, p. 52). Neste contexto, a palavra da vítima assume total importância, sendo valorada como absoluta. Destarte, resta como única prova a palavra da vítima. É sabido que a mente humana, por mais estudada que seja, ainda é enigmática e peculiarmente complexa. Como os crimes sexuais algumas vezes só são revelados anos depois de ocorridos, existe grande preocupação acercada veracidade do que é relatado pela vítima, visto que com o passar dos anos, podem ocorrer confusões mentais e até mesmo falas memórias, principalmente por serem crianças a época do crime, contexto no qual surgiu a problemática estudada neste artigo, conforme leciona Edgar de Moura Bitencourt: [...] é bem de ver que, tanto apontando o autor do crime como afirmando sua materialidade não revelada por outros meios probatórios, a palavra da vítima pode ser fruto de uma ideia preconcebida, ou criada pela imaginação traumatizada. (BITTENCOURT, 1971, p. 104-105). A corrente majoritária acredita na efetividade da palavra da vítima como base para uma condenação, e como seguidor dessa corrente, Nucci afirma que “a palavra isolada da vítima, sem testemunha a confirmá-la, pode dar margem à condenação do réu, desde que resistente e firme, harmônica com as demais circunstâncias colhidas ao longo da instrução.” (NUCCI, 2008, p.53). Conforme Julgado do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a palavra da vítima tem total credibilidade na persecução penal: PROCESSO PENAL APELACAO CRIMINAL ESTUPRO - VITIMA COM MENOS DE 14 ANOS PRESUNCAO LEGAL DE VIOLENCIA - VIRGINDADE - IRRELEVANCIA - LIBERDA DE SEXUAL - PALAVRA DA VITIMA - CREDIBILIDADE - APELO IMPROVIDO. 1 - NOS CRIMES SEXUAIS, A PALAVRA DA VITIMA MERECE CREDIBILIDADE - APELO IMPROVIDO. 1 - NOS CRIMES SEXUAIS, A PALAVRA DA VITIMA MERE- CE CREDIBILIDADE, SE HARMONICA COM O CONJUNTO PRO- BATORIO; 2- TRATANDO-SE DE VITIMA COM MENOS DE 14 ANOS DE IDADE, A VIOLENCIA E PRESUMIDA EM RAZAO DA LEI; 3- NA HIPOTESE DE ESTUPRO E IRRELEVATE SE A VITIMA ERA VIRGEM OU NAO; 4- A TUTELA LEGAL E DA LIBERDADE SEXUAL; 5- RECURSO IMPROVIDO. (ESPÍRITO SANTO. TJ. APR: 19009000043. Relator: Antônio José Miguel Feu Rosa, 2000). LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Na contramão, a corrente minoritária alerta para o risco de uma condenação com base apenas na palavra da vítima, fato este que pode ser injusto ao réu. Conhecida penalmente como a síndrome da Mulher de Potifar, não são raros os casos em que a vítima imputa ao acusado conduta inexistente, com a intenção de prejudicá-lo. Neste diapasão, Adalberto José Aranha afirma em seu livro Da Prova no Processo Penal que: Não se pode encontrar uma vítima despida totalmente de sentimentos, com tal frieza emocional que seja possível falar-se em imparcialidade. Além do mais, não podemos esquecer que não são raros os casos de pseudovítimas, criadas por uma imaginação traumatizada. (ARANHA, 1999, p. 133). Objetivando uma maior compreensão sobre a vítima e tudo o que lhe diz respeito, surgiu a Vitimologia, ciência responsável pelo estudo da vítima sob todos os aspectos, quais sejam, psicológico, social, econômico e jurídico, como afirma Newton Fernandes: “Em síntese, a vitimologia busca indicar o posicionamento biopsicossocial da vítima diante do drama criminal, fazendo-o inclusive sob o ângulo do Direito Penal, da Psicologia e da Psiquiatria.” (FERNANDES, 2002, p. 544). Considerado como o pai da Vitimologia, Benjamin Mendelson inspirou muitos outros autores, principalmente no que diz respeito à classificação das vítimas. A vitimologia em conjunto com a criminologia e a psicologia jurídica auxilia na compreensão dos diversos tipos de vítima existentes. Tendo em vista o tema do presente artigo, a classificação mais relevante diz respeito à que foi feita por Abdel Ezzat Fattam, que classificou como vítima falsa a pessoa que imputa falsa conduta a outrem. Neste sentido, se a própria ciência responsável pelo estudo da vítima demonstra a existência de falsas vítimas, é imprescindível o cuidado acerca da valoração do depoimento das vítimas como sustentação única para uma condenação. Para os doutrinadores Paulo Heber de Moraes e João Batista Lopes “é impossível aceitar a palavra isolada da vítima para escorar um decreto condenatório.” (MORAES; LOPES, 1994, p. 118). Ao buscar a condenação do suposto acusado, o ofendido acaba aceitando meras probabilidades como dúvidas, e certezas como meras probabilidades. Não são raros os casos de falsas vítimas, que simulam e mentem sobre o estupro. É cediço que crianças e os adolescentes podem ser extremamente influenciados por terceiros, como por exemplo, um cônjuge que quer se vingar do outro, e usa a criança como meio para efetivar o seu plano de vingança. No mesmo sentido, Freud, em seu livro Sobre as teorias sexuais das crianças, dispôs sobre o famigerado Complexo de Édipo, evidenciando que apaixonar-se por um dos pais e odiar o outro figuram entre os componentes essenciais do acervo de impulsos psíquicos que se formam na infância. Ou seja, é possível que uma criança fantasie uma falsa relação sexual com seus genitores, e, uma vez que isso seja levado ao conhecimento da polícia, poderá causar estragos irremediáveis na vida de quem está sendo acusado. Trindade e Breier dispõe que:

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[...] existem indicadores (vulnerabilidade, experiência limitada, labilidade, aspectos de imaginação e simbolização, dentro outros) sugestivos de que crianças de tenra idade são mais suscetíveis a influências tanto de ordem exterior quanto de ordem interior – estas advindas de seu próprio mundo interno (fantasias). (TRINDADE; BREIER, 2013, p. 59).

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Talvez o melhor exemplo de conduta parecida com a descrita acima, seja o caso da Escola Base, ocorrido em 1994, em que várias pessoas foram acusadas de abuso sexual infantil a partir da declaração de uma criança de 4 anos. Tanto a polícia quanto a imprensa não mediram esforços para sentenciarem os acusados e os declararem como culpados, antes mesmo de uma sentença judicial, afrontando incisivamente o direito a ampla defesa e ao contraditório dos supostos acusados. Em seu livro Caso Escola Base: os abusos da imprensa, Alex Ribeiro expôs a declaração de Luis Nassif, um dos poucos jornalistas imparciais à época do ocorrido: Bom, hoje eu não vou falar de economia, vou falar de um assunto que me deixa doente. Toda a imprensa está há uma semana denunciando donos de escola que presumivelmente teriam cometido abuso sexual contra crianças de quatro anos. Toda a cobertura se funda em opinião da polícia. Está havendo um massacre. Mais que isso, está havendo um linchamento. Se eles forem culpados, não é mais que merecido. E se não forem? Uma leitura exaustiva de todos os jornais mostra o seguinte: não há até agora nenhuma prova conclusiva de que a criança foi violentada por adultos. Não há nenhuma prova conclusiva contra as pessoas que estão sendo acusadas. Tem-se apenas a opinião de policiais que ganharam notoriedade com denúncias e, se eventualmente se descobrir que as denúncias são falsas, vão ter muita dificuldade de admitir. Por isso, a melhor fonte não é a polícia, neste momento. A imprensa deve as pessoas que estão sendo massacradas, no mínimo, um direito de defesa, de procurar versões fora da polícia. Repito: é possível que as pessoas sejam culpadas. Mas é possível que sejam inocentes. E se forem inocentes? (RIBEIRO, 1995). Neste diapasão, anos antes, Nietzsche já discorria sobre os perigos de uma imprensa parcial: [...] que importância podemos então dar à imprensa como existe hoje, com seu cotidiano gasto de pulmões para gritar, ensurdecer, incitar e assustar? – A imprensa não será outra coisa senão um barulho cego e permanentemente que desvia os ouvidos e os sentidos para uma falsa direção? (NIETZSCHE, 2007, p. 131). Os acusados foram inocentados após serem massacrados, porém, tarde o bastante para se safarem dos estigmas negativos interpostos pela sociedade. 7 CONCLUSÃO Diante de tudo o que foi explanado, é inequívoca a necessidade de uma análise criteriosa dos casos que tenham como única prova a palavra da vítima, deixando de lado sentenças com conclusões pré-concebidas. É preciso que ocorra uma investigação pormenorizada do fato, não apenas no decorrer do processo judicial, mas sim a partir do momento em que a suposta vítima leva o seu depoimento às autoridades, na delegacia, com o auxílio e acompanhamento multidisciplinar, principalmente de Psicólogos e Psiquiatras, tendo em vista que a prova psicológica talvez seja a forma mais eficaz para solucionar o problema ora discutido. Neste sentido, faz-se mister que todos os sujeitos da persecução penal trabalhem juntos, engajados na busca pela verdade. Granjeiro e Costa afirmam que O ideal seria que as vítimas, especialmente crianças, comparecessem à delegacia para que, antes mesmo

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de o delegado tomar o depoimento dela, possa um psicólogo ouvir o relato da criança e já emitir um relatório prévio. (GRANJEIRO; COSTA, 2008, p. 20). O Judiciário comete um grande equívoco ao requerer o laudo psicossocial somente quando o processo está em andamento. Além disso, é imprescindível a oitiva de pessoas próximas a vítima, bem como a colheita de informações acerca da vida do acusado, todas essas medidas feitas com o auxílio não apenas da polícia e do judiciário, mas também com o acompanhamento de profissionais de várias áreas, principalmente aqueles diretamente ligados ao comportamento humano. Além da necessidade da verossimilhança no depoimento da vítima, é imprescindível que o conjunto probatório seja harmônico, ainda mais após longo decurso de tempo, de tal modo que, observando todos os critérios ora mencionados, ocorra a efetiva e justa prestação jurisdicional. REFERÊNCIAS ARANHA, Adalberto José Q. T de Camargo. Da prova no processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. BARROS, Marco Antonio de. A busca da verdade no processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BITTENCOURT, Edgard de Moura. Vítima: vitimologia: a dupla penal delinquente-vítima, participação da vítima no crime: contribuição da jurisprudência brasileira para a nova doutrina. São Paulo: Universitária de Direito, 1971. BRASIL. Código Criminal (1830). Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Codigo Criminal. Coleções de Leis Brasileiras, Rio de Janeiro, 1830. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: jun. 2016. BRASIL. Código Penal (1940). Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto -lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: jun. 2016. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: jun. 2016. BRASIL. Lei nº 12.650, de 17 de maio de 2012. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, com a finalidade de modificar as regras relativas à prescrição dos crimes praticados contra crianças e adolescentes. Diário Oficial da União, Brasília, 18 maio 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20112014/2012/Lei/L12650.htm>. Acesso em: jun. 2016. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus no 8.720-RJ, 6ª T. Relator Ministro Vicente Leal, julgado em 16.11.1999. Diário de Justiça, Brasília, 29 nov. 1999.

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Banca Examinadora Eduardo Nepomuceno de Sousa (Orientador) Júlio César de Faria Silva (Examinador)

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A PLAUSIBILIDADE DOS DANOS PUNITIVOS NO CENÁRIO CONTRATUAL BRASILEIRO Lorena Karen Sampaio da Costa1

RESUMO: A responsabilidade civil é um dos temas mais importantes do Direito Civil, as obrigações podem resultar de danos causados à pessoa ou ao seu patrimônio, ocorrendo assim, o dever de indenizar. Todavia, é fundamental separar a responsabilidade civil subjetiva, da responsabilidade objetiva. O Instituto dos Punitive Damages, conceito amplificado da responsabilidade civil, também surgiu com o objetivo de indenizar aquele que sofreu dano de outrem. Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo realizar uma breve análise do tema, através de pesquisa doutrinária e jurisprudencial. PALAVRAS-CHAVE: Danos morais e materiais. Dignidade da pessoa humana. Responsabilidade civil. Princípios contratuais do Direito Civil. Punitive Damages.

1 INTRODUÇÃO No sistema do direito brasileiro, para configurar a responsabilidade civil é necessário a configuração de todos os elementos essencias, o dano, a ilicitude e o nexo causal. A responsabilidade civil veio prevista em título próprio, sendo regulamentado pelo artigo 927 do Código Civil de 2002, regulamentando que aquele que causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Neste contexto, temos a definição de De Plácido e Silva (2010, p. 642): “(...) dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja a obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção.” Vale ressaltar, o Código de Hamurabi em 1780 a.C no reino de Babilônia, onde a forma de punir era na mesma proporção de quem cometia o dano. O Sistema que ficou mais conhecido como forma de punição foi o “Olho por Olho, Dente por Dente”, sendo uma forma de retribuir aquele que causou dano a outrem. No entanto, nos dias atuais, o Código de Hamurabi é uma ofensa ao Estado Democrático de Direito, sendo visto como ato ilícito por abuso de direito, a própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, inciso III, consagrou que “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante”. Portanto, a responsabilidade civil desde os tempos mais remotos, sempre existiu, com o dever de indenizar, aquele que agiu com falta de zelo e cautela e ocasionou dano a outrem ou a seu patrimônio. A responsabilidade civil, está atrelada a reparação de danos injustos, resultantes de um dever geral de cautela, com a finalidade de reconstituir o direito violado. Preceitua o artigo 5°, X, da Constituição Federal de 1988 que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

Desse modo, a função punitiva ocorrerá quando houver condutas lesivas, aplicando-se sanção pelo descumprimento de um preceito fundamental. Neste viés, o presente artigo científico, tem como objetivo, estudar de forma breve e de modo comparativo, o papel da responsabilidade civil na sociedade contemporânea, sua função punitiva e indenizatória, assim como os danos morais e a aplicabilidade dos princípios contratuais no direito civil. 2 Princípios Contratuais Do Direito Civil Princípio vem do latim pricipium que pode ser entendido como a origem, o começo de tudo. Os princípios se fundamentam no Estado Democrático de Direito, assegurando a dignidade da pessoa humana, os bens jurídicos tutelados, preservando assim todos os direitos assegurados pela a Carta Magna de 1988. Segundo De Plácido e Silva (1991, p. 447): “Principio significa normas elementares ou requisitos primários instituídos como base que mostram o conjunto de regras ou preceitos que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica.” Ademais, os princípios são normas impositivas, haja vista que estes independem de norma infraconstitucional para sua aplicação. A Constituição da República trouxe em seus diversos artigos, vários princípios que regulamentam o nosso ordenamento jurídico, assim como: Princípio da Legalidade, Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, Principio da Isonomia, entre vários outros. Estes princípios servem como base de direcionamento, tendo como objetivo, assegurar direitos e impor limites. Para Mello (2008. p. 943): “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda estrutura nelas esforçada.

público estadual, tal situação está regulada em seu artigo 19, que prevê a incorporação do valor não quitado com a consignação ao saldo devedor da operação, que “serão descontados por ocasião do vencimento da operação de crédito, com a prorrogação do prazo das prestações” (parágrafo único). - Em tal situação, lançar o nome da ora apelada no rol dos devedores é atitude ilícita e censurável, pois rompe o liame contratual e o princípio da boa-fé, diante do notório propósito de coação ao adimplemento das prestações, independentemente do problema surgido com a margem consignável. - De acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista o poderio econômico da instituição bancária ré, a indenização deve ser arbitrada em valor que seja relevante na composição dos seus custos operacionais, de forma a conter efeitos punitivos, repressivos e dissuasórios, ao lado do seu caráter compensatório. (TJMG - Apelação Cível 1.0512.10.011766-6/001, Relator(a): Des. (a) Luiz Carlos Gomes da Mata , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/08/2012, publicação da súmula em 17/08/2012)”

Vale pontuar, ainda, que os Princípios Contratuais do Direito Civil têm a função de estabelecer equilíbrio entre as relações contratuais, de forma que não haja abuso de direito, vantagens indevidas, enriquecimento sem causa, dentre outras ofensas ao ordenamento pátrio. Deste modo, violar um princípio é violar uma norma fundamental, a falta de observância da aplicação do princípio, constitui ilegalidade e viola todo um ordenamento jurídico. 2.1 Boa-Fé A boa-fé se apresenta na estrutura do nosso atual Código Civil, sendo fonte do Direito Das Obrigações. Este princípio impõe que os contratantes devem guardar em todas as fases do contrato, o respeito à lealdade. Entretanto, a boa-fé se aplica desde a fase de tratativas contratuais, assim como as fases de celebração, execução e até mesmo a extinção do contrato. Este princípio pode ser classificado como boa-fé subjetiva ou objetiva. A boa-fé subjetiva baseia-se em conhecimentos e desconhecimento, são as certezas obtidas por fatos ou razões internas do sujeito. Entretanto, a boa-fé objetiva é a que se baseia em fatos de ordem objetiva. As partes ao contratarem devem agir com boa-fé, ou seja, agir com lealdade, honestidade, ética, moral, entre outras maneiras, sempre com boa fé. Preceitua o artigo 422 do Código Civil que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” A título exemplificativo, podemos citar o cantor ZECA PAGODINHO, que firmou um contrato de veiculação de imagem para a empresa “Schincariol”, e na vigência do seu contrato, passou a fazer propaganda para um produto concorrente, sendo assim, violando o principio da boa-fé, lealdade, confiança, entre outros. Desta forma, a boa-fé surgiu como uma forma importante para a fiel e boa execução do contrato, sendo que, as aplicações são as mais diversas, podendo ocasionar até a extinção do contrato, por violação a este princípio. Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, manifestou-se sobre a matéria: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. NEGATIVAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. REDUÇÃO DA MARGEM CONSIGNÁVEL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL SOBRE A DÍVIDA REMANESCENTE DA CONSIGNAÇÃO PARCIAL. NECESSIDADE DE REPACTUAÇÃO. INSCRIÇÃO EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. ILICITUDE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NA EXECUÇÃO DO CONTRATO. DANO MORAL. QUANTUM. PARÂMETROS. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MAJORAÇÃO. Ausente previsão contratual ou legal para cobrança à parte do valor da parcela não adimplida através da consignação, a única interpretação possível da Lei Estadual n.º 15.025/2004, vigente à época dos fatos, resulta na necessidade de repactuação para a incorporação de tal valor ao saldo devedor, para efeito de quitação no momento em que houver disponibilidade da margem consignável. - A partir de 13 de janeiro de 2011, quando entrou em vigor a Lei Estadual n.º 19.490/2011, que dispõe sobre a consignação em folha de pagamento do servidor

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O Princípio da boa-fé é divido em alguns subprincípios, assim como o da transparência, da confiança, da solidariedade e o da vinculação obrigacional pelo exercício de posições jurídicas. O subprincípio da transparência preza que as partes devem informar uma a outra o que for de grande relevância, para a fiel execução do contrato. Este dever de informação estende-se da formação do contrato até a execução. Outro subprincípio é o da confiança, onde as partes agem com respeito e passam confiança uma para a outra, sendo assim, ambas as partes devem agir com uma conduta confiável e cada uma das partes tem o direito de confiar uma na outra. Ainda outro subprincípio é o da solidariedade, que pode ser entendido como o dever de colaboração entre o credor e o devedor, por força deste princípio, temos o exemplo de ação de despejo, onde é possível adiar o vencimento da obrigação, para que o devedor possa se organizar e cumprir com sua eventual dívida. Por fim, temos o subprincípio da vinculação obrigacional pelos exercícios de posições jurídicas, este subprincípio preza que as partes envolvidas na relação tem o dever de comunicação, participação e esclarecimentos, sendo assim, não agir com falta de diálogos, para que não seja surpreendido pelo reconhecimento de vinculação jurídica. Concluindo, pode-se afirmar que o princípio da boa-fé tem como preceito dar segurança as obrigações firmadas. Assim sendo, todas as pessoas ao firmarem uma relação obrigacional, têm o dever de agir com a boa-fé, zelo, respeito, ética, garantindo o fiel cumprimento do vínculo jurídico. 2.2 Autonomia Privada A palavra autonomia deriva do grego e significa competência para determinar-se por si mesmo. No nosso ordenamento jurídico, temos o Princípio da Autonomia da Vontade e o Princípio da Autonomia Privada. O Princípio Autonomia da Vontade regula a livre e espontânea vontade do indivíduo, de forma que o Estado não intervenha nas relações obrigacionais. Sendo assim, esse princípio assegura ao indivíduo a faculdade de contrair obrigações, sem sofrer intervenção ilícita do Estado. Esse princípio ainda se divide em dois outros princípios, os quais são: O Princípio da Obrigatoriedade e o do Consesualismo. A propósito, esses princípios como o da Obrigatoriedade e o do Consesualismo, estão ligados pela vontade livre e liberdade de estabelecer um vínculo ou não. De outro modo, esses princípios são oriundos de uma declaração de vontade unilateral, portanto, dotado de autonomia. Toda relação obrigacional, tem o dever de respeitar a

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entende como a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa serve de base ao próprio respeito em que é tida: compreende-se também como o próprio procedimento da pessoa pelo qual se faz merecedor do conceito público; em sentido jurídico também se estende como a dignidade a distinção ou honraria conferida a uma pessoa consistente em cargo ou título de alta graduação; no Direito Canônico, indica-se o benefício ou prerrogativa de um cargo eclesiástico.”

vontade livre do individuo, sendo assim, caso ocorra violação ou coação por alguma das partes, o vinculo jurídico poderá ser extinto por falta de vontade expressa, tornando-se o ato ilícito. Neste sentindo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, manifestou-se: “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS. CONTRATO. CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA. AUTONOMIA PRIVADA. 1. Deve-se prestigiar a autonomia da vontade dos contratantes, que livre e expressamente pactuaram cláusula resolutiva, pela qual qualquer das partes pode resilir unilateralmente o contrato, mediante denúncia prévia. 2. A ocorrência de eventual hipótese de mitigação de tal princípio deve se encontrar inequivocamente comprovada pela parte que a sustenta, sob pena de indeferimento do pedido de tutela antecipada. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.12.295415-9/001, Relator(a): Des.(a) Wagner Wilson, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/01/2014, publicação da súmula em 03/02/2014)”

Vale ressaltar que nosso Tribunal de Justiça de Minas Gerais manifestou-se sobre a matéria: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE FIRMADO ANTERIORMENTE À LEI 9.596/98 - NÃO AUTORIZAÇÃO DA REALIZAÇÃO DE EXAMES POR INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL APLICAÇÃO DO CDC - ABUSIVIDADE CONSTATADA - MANTER SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. - Ainda que os contratos objeto do litígio tenham sido celebrados antes da edição da Lei 9.656/98, entendo que, por estipularem obrigações de trato sucessivo e de renovação continuada, as disposições da novel legislação abrangem toda relação jurídica discutida nos autos. - A negativa de cobertura de realização dos exames, por ausência de previsão contratual, vai de encontro à boa-fé e à função social do contrato, diante da relevância do bem jurídico em discussão, qual seja, o direito à vida e à dignidade humana. - A negativa de cobertura pela ré dos exames prescritos às autoras, mostrou-se ilegal, e, portanto, deve a apelante arcar com os custos para a realização destes. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.14.191000-0/001, Relator(a): Des. (a) Shirley Fenzi Bertão , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/06/2016, publicação da súmula em 08/06/2016)”

Entretanto, o Princípio da Autonomia da Vontade não se confunde com o Princípio da Autonomia Privada, uma vez que, o segundo é mais amplo que o primeiro. Vale destacar, o Princípio da Autonomia Privada também regula a liberdade de escolha e vontade livre do indivíduo, protegendo o individuo da arbitrariedade do Estado. Ocorre que, a “Autonomia Privada”, baseia-se na imposição da lei, gerando direitos e deveres na relação obrigacional, diferindo-se da “Autonomia da Vontade”, onde o mesmo fundamenta-se pela vontade interna, subjetiva do indivíduo. Assim, resta evidente que ambos os princípios é influenciado pela liberdade de agir e a vontade livre do indivíduo, não ocasionando a ilegítima intervenção estatal, facultando-se a formação do vínculo jurídico por livre e espontânea vontade das partes. 2.3 Dignidade Da Pessoa Humana A Dignidade da Pessoa Humana foi consagrada no artigo 1°, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;” A Dignidade da Pessoa Humana vislumbra um caráter democrático de direito, decorrente da condição humana, constituindo um valor universal. Esse princípio tem um conceito amplo, ele tem como preceito a ética, a moral, a honra, o respeito ao próximo, possuindo um valor constitucional e sempre protegendo o individuo contra as arbitrariedades do Estado. Na célebre frase de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são das coisas que não são, enquanto não são.”, o autor quis demonstrar o valor universal do homem em suas diversas dimensões. Sendo assim, a dignidade é composta por um conjunto de direitos, respeitando as diversas formas da pessoa enquanto ser humano, sendo elas físicas, étnicas, psíquica, entre outros. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, já em seu art. 1º preceitua que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.” Neste sentido, De Plácido e Silva (1967, p. 526) menciona que: “Dignidade é a palavra derivada do latim dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Portanto, a Dignidade da Pessoa Humana apresenta-se como um princípio fundamental, consagrado pela Constituição Federal, assegurando maior proteção ao indivíduo. Caso ocorra alguma violação aos direitos fundamentais do indivíduo, como o direito à honra, à vida privada, à intimidade, à imagem, à dignidade, dentre outros, haverá a responsabilidade civil, podendo gerar indenização como forma de sanção a quem causou o dano. 2.4 Função Social Dos Contratos O Contrato tem origem no latim contractus que quer dizer “tratar com”. Dessa maneira, pode-se afirmar que contrato é o acordo de vontades entre as partes, com objetivo de adquirir, resguardar, alterar ou até mesmo extinguir um direito. Para Gagliano e Pamplona Filho ( 2006, p. 11) : “A origem etimológica do vocábulo contrato conduz ao vínculo jurídico das vontades com vistas a um objeto específico. O verbo contrahere conduz a contractus, que traz o sentido de ajuste, convenção ou pacto, sendo um acordo de vontades criador de direitos e obrigações. É o acordo entre duas ou mais pessoas para um fim qualquer. É o trato em que duas ou mais pessoas assumem certos compromissos ou obrigações, ou asseguram entre si algum direito. Contrato é o acordo de vontade entre duas ou mais pessoas com a finalidade de adquirir, resguardar, modificar, transferir ou extinguir direitos”. Dessa maneira, o ato de contratar corresponde a vontade livre das partes em adquirir, resguardar, alterar ou até mesmo extinguir um

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direito, ocorre que para sustentar o contrato, deve-se observar alguns requisitos, para que o mesmo não seja considerado inválido, a título de exemplo temos que a Função Social Dos Contratos. Dispõe o artigo 421, do Código Civil que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” A Função Social dos Contratos, pode ser entendido como o instrumento que regula as relações contratuais, promovendo o equilíbrio social, garantindo o bem-estar e a dignidade de cada indivíduo no vínculo jurídico. 3 Perdas e Danos Dispõe o artigo 402 do código civil que “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar.” O ato ilícito configura reparação, mas o ilícito sem dano não gera a reparação. Para ocorrer reparação civil, é necessário alguns elementos, os quais são: a conduta do sujeito (seja positiva ou negativa), dano e o nexo de causalidade. Todavia, quando ocorrer conduta diversa da relação obrigacional, ofendendo-se um dever jurídico, ocorrerá a responsabilidade negocial. Tal responsabilidade, é conhecida pelo descumprimento da obrigação, gerando-se um inadimplemento obrigacional. As obrigações oriundas da responsabilidade civil, tem como objetivo o pagamento gerado por perdas e danos sofridos pelo credor. De acordo com Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 179) “Pagar indenização por perdas e danos pode ser a própria prestação a que se obriga o sujeito passivo ou um dos efeitos do inadimplemento (consectário). As obrigações derivadas de responsabilidade civil têm por objeto o pagamento das perdas e danos sofridos pelo credor. Nas demais obrigações, a indenização é devida pelo sujeito inadimplente como um dos acréscimos à prestação ou em substituição desta.” O dano representa uma ofensa ao bem jurídico, a conduta do indivíduo pode gerar uma ofensa patrimonial ou extrapatrimonial. O dever de indenizar por perdas e danos, ocorre pelo inadimplemento das relações obrigacionais. Esta indenização, é para ressarcir quem sofreu o descumprimento da obrigação firmada, como plano da eficácia da responsabilidade civil. De acordo com os artigos do Código Civil, 403 e 944, a indenização será feita pela extensão do dano, ou seja, quanto maior o dano maior será sua indenização, o juiz poderá diminuir o montante da indenização caso seja pequena a culpa do ofensor. Nesse sentido manifestou-se o Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO INDENIZATÓRIA - CONSTRIÇÃO DA LIBERDADE - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS AUSÊNCIA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - VALOR INDENIZATÓRIO ALTERADO. Configura dano moral indenizável a constrição da liberdade quando não preenchidos os requisitos legais, pois a dívida alimentar que amparava o mandado de prisão já havia sido quitada. O valor indenizatório deve ser arbitrado com proporcionalidade e razoabilidade, tendo como parâmetro a extensão do dano, em atenção à regra do art. 944 do Código Civil (TJMG - Apelação Cível 1.0035.13.015295-8/001, Relator(a): Des.(a) Wilson Benevides , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/10/2015, publicação da súmula em 11/11/2015)”

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Portanto, o dano será ressarcido na medida de sua extensão, verificando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, assim, nenhuma indenização será devida, caso não ocorra prejuízo. Vale ressaltar, que é possível a cumulação de danos morais e materiais em nosso ordenamento jurídico, assunto que será abordado no próximo tópico. 3.1 A Cumulação de Danos Morais e Danos Materiais A Cumulação de Danos Morais e Materiais, não era permitido antes da nossa Constituição atual, a doutrina majoritária e a jurisprudência entendiam que, se o individuo foi ressarcido de alguma maneira, ele já estaria devidamente indenizado. Entretanto, nos dias atuais, a doutrina e jurisprudência aplicam a cumulação dos danos morais e materiais, conforme o caso concreto. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se sobre a matéria: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS, MATERIAIS E LUCROS CESSANTES. VALOR DA CAUSA. CONTEÚDO ECONÔMICO DA DEMANDA. ARTS. 258 E 259 DO CPC. 1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento de que o valor da causa deve ser fixado de acordo com o conteúdo econômico a ser obtido no feito, conforme disposto nos arts. 258 e 259 do Código de Processo Civil. 2. Em face da cumulação dos pedidos de indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes, é de aplicar-se o art. 259, II, CPC, quanto ao valor da causa. 3. Recurso especial provido. (REsp 692.580/MT, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2008, DJe 14/04/2008 REVJUR vol. 366, p. 141)” Entretanto, vale diferenciar danos morais e danos matérias. O dano material nos termos do artigo 402 do Código Civil, pode ser subclassificado em danos emergentes ou lucros cessantes. Os danos emergentes são os valores perdidos em razão da lesão e os lucros cessantes são os que eventualmente deixaram de lucrar em razão do descumprimento da relação obrigacional, tópico que será abordado posteriormente. O conceito de dano moral é mais amplo, de acordo com o Código Civil artigo 927, sempre que houver um comportamento contrário, causando lesão a parte, haverá um dever legal de indenizar. O dano moral é aquele que causa uma lesão psicológica na vítima, essa lesão decorre de uma conduta lesiva de outro indivíduo. Dispõe o artigo 927 do Código Civil: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Ocorre que para tal cumulação da indenização de dano moral e material, é necessária a comprovação na ação indenizatória, mostrando todos os seus elementos essenciais, os quais são: a ilicitude, o dano e o nexo causal. Portanto, só surgirá o dever de indenizar, caso seja comprovado os elementos essenciais, para, no entanto, chegarse ao dever de indenizar.

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3.2 Lucros Cessantes Os lucros cessantes são regulamentados pelo Código Civil, o mencionado artigo 402 determina que salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. A reparação de lucros cessantes refere-se ao que o credor deixou de lucrar por imperícia, imprudência, negligência, dolo e culpa de outrem. Dispõe o art. 402 do Código Civil que “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar”. Por isso, seguindo esse critério do código civil, o lucro cessante significa a perda do esperável, a frustração do lucro e a sua diminuição patrimonial. Nas palavras dos especialistas Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald “Os lucros cessantes ou frustrados, correspondem ao acréscimo patrimonial concedido ao ofendido, se a obrigação contratual ou legal não fosse objeto de descumprimento.” Avulta perceber, que os lucros cessantes decorrem da perda de um lucro esperável, ocasionado por violação de um negócio jurídico. Portanto, verifica-se que é um dano indenizável.

Assim, se o prejuízo decorre de responsabilidade civil objetiva ou subjetiva, tem se, portanto, o dever de indenizar. O Objetivo da reparação é ressarcir os danos sofridos pelo autor do dano que causou ou ameaçou direitos de outrem. 4.1 Responsabilidade Extracontratual A responsabilidade extracontratual ou aquiliana é aquela que deriva de um ato licito ou ilícito, decorrendo de uma ação praticada fora da esfera contratual. Ato ilícito é toda ação humana contrária ao Direito, isto é, ação que descumpre o mandamento de uma norma jurídica. Tal responsabilidade decorre dos artigos 186 a 188 e 927 e seguintes, ambos do Código Civil. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. INSCRIÇÃO INDEVIDA NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. DANO MORAL. JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. TERMO A QUO. 1. Admitem-se como agravo regimental embargos de declaração opostos a decisão monocrática. Princípios da economia processual e da fungibilidade. 2. O dano extrapatrimonial decorrente da inscrição indevida em cadastro de inadimplentes é extracontratual, ainda que a dívida objeto da inscrição seja contratual. 3. O termo a quo para a incidência dos juros moratórios, em caso de responsabilidade extracontratual, é a data do evento danoso (Súmula n. 54 do STJ). 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (EDcl no REsp 1375530/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 09/10/2015)”

4 Responsabilidade Civil Responsabilidade é o dever de responder pelos atos praticados próprios ou de terceiros. A Responsabilidade Civil associa-se ao termo de arcar com a obrigação de dar, fazer ou não fazer, é o dever de suportar as sanções legais impostas. O termo “responsabilidade” vem do latim respondere, que significa a obrigação de suportar as consequências jurídicas de sua conduta. Conforme ensina De Plácido e Silva (2010, p. 642), o termo responsabilidade civil é: “Dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção”

De acordo com Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 16): “Haverá por seu turno, responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei ou na ordem jurídica.” Outros autores abordam que a sanção é uma medida reparatória do dano sofrido por terceiros, sendo assim, quando houver violação de um dever de responsabilidade seja contratual ou extracontratual, haverá sanção. Neste sentido, GAGLIANO; PAMPLONA FILHO (1951, p. 7.) abordam que a sanção é

Entretanto, no nosso ordenamento jurídico temos a hipótese de responsabilidade civil subjetiva ou responsabilidade civil objetiva. A responsabilidade civil subjetiva é a que decorre de conduta culposa ou dolosa. Esta se caracteriza quando há imprudência ou negligência, conforme artigo 186 do Código Civil “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” A obrigação de indenizar decorre do ato ilícito cometido pelo agente seja por sua ação ou omissão na relação obrigacional. Já a responsabilidade civil objetiva é a que decorre, da culpa do agente. Tal regra foi adotada no Código Civil, no parágrafo único do seu artigo 927, ao estabelecer que:

“A sanção é, nas palavras de Goffredo Telles Jr., uma medida legal que poderá vir a ser imposta por quem foi lesado pela violação da norma jurídica, a fim de fazer cumprir a norma violada, de fazer reparar o dano causado ou infundir respeito à ordem jurídica. A sanção é a conseqüência jurídica que o não-cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado. A responsabilidade civil constitui uma sanção civil, por decorrer de infração de norma de direito privado, cujo objetivo é o interesse particular, e, em sua natureza, é compensatória, por abranger indenização ou reparação de dano causado por ato ilícito, contratual ou extracontratual e por ato lícito”.

“ Art. 927 - Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

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Portanto, a responsabilidade civil extracontratual, ela decorre de uma violação direta de uma norma legal, devendo a vítima da relação obrigacional sempre comprovar a lesão sofrida. 4.2 Responsabilidade Contratual A responsabilidade civil contratual é aquela que deriva do inadimplemento do contrato, ou seja, violação de norma contratual esta-

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belecida pelas partes. Tal responsabilidade decorre dos artigos 389 e seguintes e 395 e seguintes, ambos do Código Civil. A violação da norma contratual fixada pelas partes, recairá sobre responsabilidade civil, gerando uma sanção para a parte que descumpriu a norma contratual. A título exemplificativo, nosso Código Civil estabelece em seu artigo 475 que “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.” Neste sentido, temos decisão recente do nosso Tribunal de Justiça de Minas Gerais em relação à matéria: “EMENTA: RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL UNIDADES HABITACIONAIS ADQUIRIDAS QUE NÃO SERIAM ENTREGUES - EMPREENDIMENTO QUE SEQUER TEVE INÍCIO DE CONSTRUÇÃO - CULPA EXCLUSIVA DA CONSTRUTORA - RESTITUIÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS - NECESSIDADE DANOS MORAIS CONFIGURADOS - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL - QUEBRA DE CONFIANÇA - BOAFÉ OBJETIVA VIOLADA - VALOR ARBITRADO MODERAÇÃO - VALOR MANTIDO - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Em rescisão de contrato de compra e venda de unidade imobiliária, os danos morais restam comprovados quando se demonstra o descaso com que a construtora e sua preposta - imobiliária-, agiram na comarca, oportunidade em que a boa-fé objetiva do contrato foi violada, sequer tendo sido dado início as obras e mesmo assim, não terem tido a intenção de resolver a pendenga que criaram na esfera extrajudicial, a demonstrar intenção de apropriação indevida do que havia sido pago, em ato similar ao crime de estelionato, art. 171 do CP. (TJMG - Apelação Cível 1.0105.11.023174-0/001, Relator(a): Des.(a) Delmival de Almeida Campos , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/04/2013, publicação da súmula em 09/04/2013)” Portanto, caso ocorra violação à responsabilidade civil contratual, as indenizações serão devidas por força normativa do contrato. Vale destacar, a diferença entre a responsabilidade civil contratual e a extracontrual. A responsabilidade civil contratual a culpa está vinculada ao contrato, ou seja, a culpa decorre do que foi estabelecido entre as partes; entretanto, sendo a responsabilidade extracontratual, a mesma decorrerá fora do contrato, ou seja, é a violação normativa, devendo a parte comprovar esse descumprimento. 5 A Plausibilidade Dos Danos Punitivos no Cenário Contratual Brasileiro

A Aplicação de tal instituto, é de grande relevância para o Estado Democrático de Direito, uma vez que, a indenização punitiva tem por objetivo reparar o dano causado pelo agente ofensor, que lesionou os direitos e garantias fundamentais do ofendido, evitando assim eventual reincidência. Sendo assim, observa CLAYTON REIS: “O ofensor receberá a sanção correspondente consistente na repreensão social, tantas vezes quantas forem suas ações ilícitas, até conscientizarse da obrigação em respeitar os direitos das pessoas. Os espíritos responsáveis possuem uma absoluta consciência de dever social, posto que, somente fazem aos outros o que querem que seja feito a eles próprios. Estas pessoas possuem exata noção do dever social, consistente em uma cultura emoldurada na ética e no respeito aos direitos alheios. Por seu turno, a repreensão contida na norma legal tem como pressuposto conduzir as pessoas a uma compreensão dos fundamentos que regem o equilíbrio social. Por isso, a lei possui um sentido tríplice: reparar, punir e educar.” Assim temos que o instituto punitive damages é a compensação do dano sofrido pela vítima, punindo-se o ofensor de modo preventivo e desmotivando-o de ocasionar outra conduta lesiva. Neste sentido, temos a definição Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 432) sobre o conceito dos punitives damages: “O objetivo originário do instituto é impor ao sujeito passivo a majoração do valor da indenização, com o sentido de sancionar condutas específicas reprováveis. Como o próprio nos indica, é uma pena civil, que reverte em favor da vítima dos danos.” Isso se verifica quando o artigo 186 do Código Civil, dispõe que “ Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. O Código Civil ao dispor o artigo citado, demonstra a grande relevância da reparação do dano, eis que, todos os danos causados por um ilícito, devem ser ressarcíveis. Destarte, o artigo 927 parágrafo único do Código Civil dispõe que “haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Em função de tais reparações de danos, ensina ORLANDO GOMES(1994, p. 51):

O Instituto do punitive damages teve início nos países anglosaxônicos, por volta do século XII, na Inglaterra. Assim como a responsabilidade civil, tal instituto, tem por objetivo reparar os danos causados pelo agente ofensor, reparando o ofendido com o quantum indenizatório. Conforme citado na revista eletrônica de direito, pela graduanda MARIANA BAUDSON GODOI DE QUEIROZ, no artigo Aplicação da Teoria do Punitive Damages no Direito Brasileiro: “Tal instituto possui a função preventiva e punitiva, que são em síntese, o montante expressivamente superior ao dano sofrido oferecido à vítima de forma monetária, não tendo somente a função de compensação do dano, mas também o de prevenção de futuros ilícitos e de punir o agente causador do dano.”

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“Há reposição natural quando o bem é restituído ao estado em que se encontrava antes do fato danoso. Constitui a mais adequada forma de reparação, mas nem sempre é possível, e muito pelo contrário. Substitui-se por uma prestação pecuniária, de caráter compensatório. Se o autor do dano não pode restabelecer o estado efetivo da coisa que danificou, paga a quantia correspondente a seu valor. É rara a possibilidade da reposição natural. Ordinariamente, pois, a prestação de indenização se apresenta sob a forma de prestação pecuniária, e, às vezes, como objeto de uma dívida de valor. Se bem que a reposição natural seja o modo próprio de reparação do dano, não pode ser imposta ao titular do direito à indenização. Admite-se que prefira receber dinheiro. Compreende-se. Uma coisa danificada, por mais perfeito que seja o concerto, dificilmente voltará ao estado primitivo. A indenização pecuniária poderá ser exigida concomitantemente com a reposição natural, se esta não satisfizer

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suficientemente o interesse do credor. Se o devedor quer cumprir a obrigação de indenizar mediante reposição, o credor não pode exigir a substituição de coisa velha, por nova, a menos que o reparo não restabeleça efetivamente o estado anterior. Por outro lado, o devedor não pode ser compelido à restituição in natura, se só for possível mediante gasto desproporcional.” Preceitua o Código Civil em seu artigo 944, que o dano será ressarcido na medida de sua extensão. A reparação, é o pagamento arbitrado judicialmente, com objetivo de compensar o ofendido, satisfazendo sua lesão, e atenuando em parte, as consequências do dano sofrido. Observa-se, entretanto, que o objetivo da indenização não é de cunho de lucro, ou seja, não há que se falar em enriquecimento sem causa. O objetivo da reparação, é exclusivamente educativa e reparatória. Nesse diapasão, podemos concluir que o objetivo de tal sanção, é pacificado na ordem constitucional brasileira, ao preceituar no artigo 5°, incisos V e X, da Constituição Federal de 1988, a plausibilidade da indenização pelos danos morais no cenário contratual brasileiro. 6 Considerações Finais A plausibilidade dos danos punitivos no cenário contratual brasileiro, verifica-se pela consagração do artigo 5°, incisos V e X da Constituição Federal, ao trazer a indenização pelos danos morais. Ocorre que, quando se trata de dano, é difícil apreciar a dor e os sentimentos do ofendido com indenização, no entanto, verifica-se que tal instituto tem por objetivo compensar, reparar e punir o ofensor, evitando eventual reincidência. Não olvidando-se, que a função reparatória do dano é exclusivamente compensatória, sendo uma medida educativa, para que o ofensor não pratique novos atos lesivos. A recepção de tal instituto tem por finalidade compensar o dano sofrido pela vítima, já que restaurando a situação ao estado a quo se torna inverossímil. O valor da indenização é arbitrado pelo juiz, como medida educativa, punitiva e reparadora, demonstrando o caráter reparador ao ofensor. Vale destacar que, a indenização vai se fundamentar na extensão do dano, de acordo com o artigo já mencionado 944 do Código Civil. Por tal perspectiva, o instituto punitive damages, gera grande controvérsia, ao examinar a aplicabilidade dos danos punitivos no cenário contratual brasileiro. Entretanto, verifica-se que com a consagração do artigo 5°, incisos V e X da Constituição Federal, tal instituto dos danos punitivos, foi amplamente aceito, sendo que o mesmo é uma medida reparatória e indenizatória. De acordo com alguns autores, esse instituto, será aplicado somente em situações excepcionais, porém, grande parte dos Tribunais de Justiça e alguns Doutrinadores vêm adotando o caráter compensatório da indenização. Vale destacar mais uma vez a responsabilidade civil, na sua modalidade objetiva, onde preza que será possível fixar a indenização punitiva, desde que reste demonstrada a reprovabilidade da conduta praticada. Sendo assim, a plausibilidade dos danos punitivos no cenário contratual brasileiro, respalda-se tanto na Constituição Federal, assim como no Código Civil.

CA DE DIREITO. ARTIGO CIENTÍFICO APLICAÇÃO DA TEORIA DO PUNITIVE DAMAGES NO DIREITO BRASILEIRO. QUEIROZ, MARIANA BAUDSON GODOI DE. Disponível em http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=1429. Acesso em 25 jun. 2016. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v.2. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume III: Responsabilidade Civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume III: Responsabilidade Civil. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. GOMES, Orlando. Obrigações 9. ed., Rio de Janeiro, 1994, p.51. JÚNIOR, Humberto Theodoro. Dano Moral. 4 ed. atual e ampliada, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2001. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. REIS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Das Obrigações 2. Tiragem, 4. ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010. SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. Vol. II; São Paulo: Forense, 1967. SILVA, de Plácido e, Vocabulário jurídico. 11 Ed. Vol. II, Rio de Janeiro, Forense, 1991. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 28 ed. Rio de Janeiro. Forense, 2010.

Banca Examinadora Hugo Rios Bretas (Orientador) Amanda Helena Azeredo Bonaccorsi (Examinadora)

REFERÊNCIAS CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009. CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA. REVISTA ELETRÔNILETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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NOVOS RUMOS DO DIREITO BRASILEIRO Lucas Souza Werlang1

RESUMO: O presente trabalho busca fazer uma análise Histórica tendo como principais aspectos a codificação do Direito, o processo de descodificação dentro do sistema jurídico conhecido como Civil Law, traçando um paralelo com o Common Law, chegando-se a conclusão de que tem havido uma eminente aproximação entre tais sistemas Jurídicos antes antagônicos, mas, agora complementares. Sendo que, com a edição do código de processo civil de 2015 avançou-se no sentido de delegar aos operadores do direito a árdua tarefa de adequar o direito a realidade social. Palavras-chave: Civil Law; Codificação; Commom Law; Descodificação.

1 INTRODUÇÃO O direito é marcado por sua longa evolução histórica, diz-se que o direito se molda ao contexto histórico-cultural da sociedade em que está inserido, cuja evolução não é apenas material mas também como ele se apresenta à sociedade, seja em forma de lei, princípios, jurisprudência e costumes. Nesta seara, diante da evolução, não raramente desordenada, viu-se necessário a criação de uma organização sistemática do direito, de forma que este se apresentasse mais conciso, surgiram então as codificações, sendo as mais famosas o Código Civil de Napoleão e o Código Civil alemão. Contudo, as codificações não conseguiram acompanhar o ritmo da hipercomplexidade das relações pós-modernas, ocasionando o surgimento de microssistemas legais que antes regulavam pontos específicos dos próprios Códigos e agora disciplinam novas questões que muitas vezes sequer foram mencionadas nas antigas codificações. Consoante a descodificação, os operadores do direito ganham mais prestígio para adequar as leis à realidade social, aproximando nosso sistema jurídico à Commom Law, certo é que, a necessidade de efetivação do direito tem mudado as estruturas jurídicas brasileiras. 2 DA CODIFICAÇÃO Historicamente o direito é marcado pela evolução histórico-cultural da sociedade, em outras palavras, este acompanha o momento cultural da época em que está inserido. Nesse sentido, dizia Savigny que a ciência e a história do direito são inseparáveis do estudo da sociedade que lhe for contemporânea. Diante da rápida evolução social viu-se necessário dar estabilidade e segurança jurídica ao ordenamento vigente, desta forma tevese a ideia de reunir num texto único e conexo todo o direito em vigor, isto é, criar um Código. Decerto que Código, na acepção moderna da palavra, é a reunião sistemática das leis de determinado ramo jurídico reunidas em volta de princípios comuns, num aspecto metodológico, o Código deve ser um todo lógico e harmônico que facilite o conhecimento do direito e sua aplicação. A ideia de Código, ou melhor, de codificação do direito, está longe de ser novidade, de Hamurábi a Justiniano, Carlos Magno, Napoleão e vários outros, tentaram, nem sempre com sucesso, criar um todo unitário que reunisse o direito vigente.

Há de se destacar que existe significativa diferença entre as codificações antigas e as modernas. As antigas almejavam a totalidade do direito, mostrando-se como compilações, difusamente redigidas, das leis, doutrinas e princípios jurídicos da época, enquanto as modernas buscam sistematizar, de forma breve e concisa, os preceitos legais e princípios de um determinado ramo do direito. O processo de codificação surge da necessidade de unificar a legislação vigente de determinada matéria, simplificando e facilitando o seu conhecimento, além de conferir certeza e estabilidade ao ordenamento jurídico. Lado outro, a codificação ganhou força após as conquistas liberais da revolução francesa como uma forma de garantia das liberdades civis, assegurando a autonomia do indivíduo contra as ingerências estatais. Por tudo isso, a criação de uma codificação é um processo árduo e trabalhoso, pois deve ser meticuloso e levar em conta todo o momento histórico em que for constituído, isso porque, perderia completamente o seu prestígio se fosse modificado constantemente. Nota-se que entre a edição de uma codificação e outra cabe à jurisprudência dar a tonalidade da época aos dispositivos legais através da interpretação, quanto mais anacrônico o Código, maior o trabalho do intérprete que, ocasionalmente, atribui significado a dispositivo legal que sequer foi imaginado pelo legislador. A codificação, no século XVIII, permitiu unificar o direito da época, acabando com o arcaísmo que o prendia aos costumes da época impedindo o seu desenvolvimento. O Código de Napoleão e posteriormente o Código Civil alemão reduziram o direito a grupos bem definidos e tiveram papel preponderante na difusão do sistema românico pelo mundo. Ademais, a codificação tem como vantagem a facilitação do conhecimento e aplicação do direito simplificando-o, e ainda, elabora os princípios gerais do ordenamento que deverão ser observados para adaptar a letra da lei à realidade cotidiana. O processo de codificação possibilita a conversão do direito desenvolvido doutrinariamente em direito positivado, o que é muito conveniente. Como desvantagens, após a codificação, nas palavras de Venosa (2013) “o Direito passou a ser aplicado de forma mais racionalista, esquecendo-se o sentido de Direito “justo” das universidades”, com isso, fica-se preso a letra da lei restringindo a hermenêutica jurídica, afirma-se que a codificação impede o desenvolvimento do direito, que, como produto da evolução histórico-cultural não pode ficar limitado por estruturas formais e abstratas.

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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3 DA DESCODIFICAÇÃO Durante séculos a codificação foi a forma de sistematização do direito dominante, no entanto, após a segunda guerra mundial, profundas transformações se deram no contexto social da época, primeiramente, houve a revolução tecnológica, gerando novas formas de produção e consequentemente de trabalho, o que demandou a promulgação de novas regras para regulamentação das novas formas de trabalho e mesmo proteção do empregado. Destarte, teve início a universalização da economia mundial aumentando o fluxo de troca de capitais, criando empresas multinacionais, acarretando uma demanda de novas leis sobre títulos de crédito, troca de capitais, e a própria criação do Banco Mundial. Por fim, nota-se o início do processo de globalização, cria-se a ONU, e há a proliferação de tratados internacionais tanto de direito público como de direito privado, posteriormente, cria-se os blocos econômicos como o Mercosul. No direito brasileiro há o surgimento de novos tipos de sociedades e contratos, criação de normas de proteção ao direito do consumidor, novas formas de atividade financeira e de trabalho, reconhecimento da união estável, disciplina-se o instituto do divórcio, entre muitas outras evoluções das relações sociais que demandaram a criação de legislações especiais, o que só enfraqueceu o status do Código Civil. Os Códigos foram criados para ser a principal fonte reguladora das relações privadas, sua elaboração é, acima de tudo, uma decisão política legislativa cujo objetivo é a proteção dos direitos do cidadão e a realização de direitos fundamentais, tais como a liberdade, a segurança individual e a propriedade. No entanto, o crescente número de leis esparsas que regulavam de forma mais específica e adequada as necessidades dos diversos grupos sociais, acabou por esvaziar o sentido dos Códigos. Ademais, diante da hipercomplexidade das relações atuais, a árdua tarefa de tentar prever todas as possibilidades de conflitos torna-se quase impossível, nos dizeres de Francisco Amaral (2008) “Tais modificações deslocam para o âmbito dessa legislação especial o centro da disciplina jurídica das relações privadas, ficando o Código Civil como fonte residual e supletiva”, seja pela complexidade das novas sociedades, pela velocidade crescente nas mudanças das instituições econômicas, políticas e jurídicas ou pelo pluralismo jurídico, no sentido de uma multiplicidade de fontes e soluções jurídicas dentro do mesmo sistema, certo é que o processo de descodificação foi ganhando cada vez mais força. Historicamente a descodificação é o processo oposto ao da codificação, isto é, enquanto a codificação busca criar um sistema jurídico unificado, a descodificação consiste em uma fragmentação do sistema unitário do Código, com a criação de leis especiais que muitas vezes tornam-se verdadeiros microssistemas, com princípios e valores próprios, se afastando ainda mais dos Códigos. A descodificação representa a mudança do monossistema jurídico concentrado no Código Civil para o polissistema, centralizado na constituição. Essa fragmentação do sistema jurídico dá origem a diversos ramos do direito tais como o trabalhista, o previdenciário, o agrário, entre muitos outros, o operador do direito abandona a pretensão de conhecer todo o direito e passa a ser um especialista nos novos ramos do direito. O bem comum e a justiça social tomam o lugar da segurança jurídica como objetivo primário do direito, reflexo disso é que recorrese mais às cláusulas gerais e princípios jurídicos para alcançar o real

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sentido da lei, muitas vezes atualizando as normas por meio de interpretações, sem a necessidade de edição de novas regras. Contudo, é importante observar que apesar de não mais ocupar o centro do sistema jurídico, o direito Civil permanece como sistema com regras e princípios comuns a todos os ramos do direito privado. 4 CIVIL LAW X COMMOM LAW 4.1 Civil Law Antes de aprofundar no tema deste tópico, convém conceituar sistema jurídico, nas palavras de Venosa é “um agrupamento de ordenamentos unidos por um conjunto de elemento comuns, tanto pelo regulamento da vida em sociedade, como pela existência de instituições jurídica e administrativas semelhantes”. Historicamente o Brasil sempre adotou o sistema jurídico Romano-Germânico, sistema de todos os países que tem como base o direito romano, neste tem-se a lei escrita e formalizada como fonte primária do direito, estando a jurisprudência e os costumes relegados a segundo plano. Também conhecido como sistema da Civil Law, teve sua origem na era moderna, quando do surgimento do estado liberal, necessitava-se limitar a atuação estatal, impedindo o absolutismo e garantindo segurança jurídica à burguesia, desta forma visando assegurar que o texto legal não seria desvirtuado pela hermenêutica jurídica, surge o formalismo jurídico que buscava criar leis tão claras e completas quanto fosse possível, cabendo ao magistrado tão somente aplicar a legislação. Outra característica importante deste sistema é o momento de eficácia da norma jurídica. Por ser pautado pela primazia da lei, esta tem eficácia imediata, isto é, desde a sua vigência o mandamento legal já produz efeitos no mundo jurídico, constituindo-se como direito latente, ao contrário do que se percebe na Commom Law, sistema a ser tratado em seguida. Lado outro, percebe-se que, com a floração do Estado Social, o Civil Law sofreu sensíveis modificações, a fim de se adequar à realidade social contemporânea, tais mutações no sistema jurídico não tiraram da lei seu papel como pedra angular deste sistema jurídico. Uma das transformações notadas, é a preponderância da justiça sobre o direito em caso de conflito. Tal evolução aproximou o Civil Law do Commom Law, haja visto que adequar a disposição legal ao caso concreto apresentado ao judiciário é uma característica daquele sistema jurídico. Tal modificação é vista como verdadeira evolução decorrente do aperfeiçoamento das relações políticas, sociais e jurídicas que sentiu a indispensabilidade de conceder ao operador do direito mais poderes sobre a interpretação a ser dada a norma, permitindo que o juiz possa, efetivamente, amparar o direito em questão. Ademais, certo é que tal evolução visa aperfeiçoar e complementar o Civil Law, dando mais mobilidade para a adequação à realidade social que não é alcançada por meio do processo legislativo. O próprio legislador reconhece a impossibilidade da lei abarcar todas as hipóteses apresentadas pelo caso concreto, concedendo poder para que o juiz adéque a lei à realidade, leia-se o art. 4º da LINDB “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. 4.2 Commom Law Entrementes, inicialmente em contraposição à Civil Law, temos a Commom Law, sistema jurídico de todos os países da língua inglesa, cujo direito apresenta-se como um misto de costumes e jurisdição, sendo coordenado pelos precedentes.

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Nas ilhas britânicas, ao contrário dos outros territórios conquistados, o império romano não foi capaz de difundir sua língua, costumes e direito, isso porque os povos bárbaros que habitavam essas ilhas eram divididos em várias tribos, cada qual com sua cultura característica, essas tribos eram instáveis, frequentemente entrando em conflito entre si, o que dificultou sobremaneira a adoção de um sistema jurídico unificado. Esse sistema fragmentado mudou após a conquista normanda das ilhas britânicas, quando surgiu uma lei comum, a “Commom Law”, aplicada pelo tribunal real, também conhecido como “Tribunal de Westminster”, onde após uma séria de formalismos processuais seria proferida uma sentença, criando assim uma jurisprudência que é tida como norma sólida. O tribunal real também era responsável pela produção da doutrina e teorias jurídicas que viriam a compor os princípios básicos da Commom Law. Havia na época um excesso de formalismo, que por vezes, resultava em soluções injustas às lides, inconformadas com o resultado do julgamento, as partes levavam ao monarca suas reclamações afim de que se alcançasse uma resolução justa à demanda. Todavia, o monarca não podia atender a todos, desta forma criou-se o tribunal da chancelaria, que funcionava como instância recursal, exercendo um juízo de equidade ou “equity”, com o passar do tempo, essas decisões, antes pautadas somente na equidade do caso individual passa a ser mais sistemática ante a aplicação de doutrinas equitativas. Deste modo, no século XVII a Câmara de Londres passa a ter o controle das decisões do tribunal de chancelaria, passando a julgar de forma cada vez mais objetiva e técnica, gerando assim novos precedentes que serão utilizados pelos juízes, assim no século XIX temse uma transformação na aplicação do direito, que passa a seguir um meio termo entre o formalismo dos tribunais ordinários e o juízo de equity dos tribunais de chancelaria. Já no século XX, a exemplo do que ocorreu no mundo, desenvolveu-se os chamados direitos de segunda geração, tendo o Estado passado por grandes modificações para se tornar um Estado Social, isto é, um agente regulador dos aspectos econômicos, sociais e políticos do país, fazendo um papel ativo de garantidor de direitos. Entretanto, notadamente o judiciário não pode criar normas para regulamentar a atuação do Estado, em respeito ao princípio da separação de poderes, de modo que, para desempenhar este papel foram produzidos um grande número de leis, regulamentos e decretos, sendo possível perceber um processo de aproximação da Commom Law com a Civil Law. Interessante observar que em razão da ausência de legislação específica e codificada, os precedentes eram geralmente a única forma de pacificar uma posição para resolução de um conflito, por isso, a norma jurídica da Commom Law é muito mais elaborada e específica que a norma jurídica da Civil Law que almeja abarcar o maior número de situações possíveis, tornando-se uma norma subjetiva. Cabe explanar um pouco mais sobre os precedentes no sistema jurídico inglês, precedente nada mais é do que uma decisão judicial tomada frente a um caso concreto que servirá de orientação para posteriores julgamentos. O precedentes, também chamado de jurisprudência, pode ter natureza persuasiva, isto é, deve ser observado pelo juiz de primeiro grau, podendo ser afastado em casos excepcionais, ou natureza vinculativa, quando haverá imperatividade de seguimento, não podendo ser afastado, no sistema jurídico brasileiro, os precedentes assumem caráter vinculativo tão somente quando há a chamada súmula vinculante. A jurisprudência é diferente da ementa, enquanto este é um princípio extraído de uma decisão judicial, sendo aplicado por meio

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de analogias e contra analogias com o caso que se apresenta ao juiz, aquela é apenas um resumo da decisão proferida pelo juízo. O precedente deve ser extraído do arbítrio do tribunal, isto é, do inteiro teor do acórdão, considera-se principalmente o que levou a tomada de tal veredito, qual princípio foi preponderante, através da ementa não é possível extrair-se o precedente pois nela não consta os motivos relevantes para a decisão. 4.3 Civil Law X Commom Law Como visto, a diferença entre os sistemas jurídicos ultrapassa o nível conceitual, tocando a estrutura do direito, a relação entre as fontes do direito e o modo de elaboração doutrinária. A Commom Law é um sistema que se desenvolveu por meio das decisões dos tribunais e dos costumes, e não mediante edição de leis como ocorre na Civil Law. Temos a segurança jurídica como um valor almejando por ambos, o sistema jurídico inglês a busca por meio da força vinculativa dos precedentes de seus tribunais enquanto o sistema romano-germânico confia na previsibilidade das leis e sua estrita aplicação pelos operadores do direito, embora seja inegável que a norma jurídica sofrerá diversas interpretações a depender do caso que se apresentar. Apesar de todas as diferenças entre esses sistemas jurídicos apresentadas em sua gênese, certo é que tais diferenças tem se encurtado nos últimos tempos. No sistema jurídico inglês isso ocorre porque o princípio da separação de poderes, que impera tanto nos países que adotam a Civil Law como nos que adotam a Commom Law, impede uma postura ativa do jurídico afim de regulamentar a atuação do Estado, que em função da demanda social deve adotar aspecto atuante nos campos econômicos, políticos e jurídicos, havendo assim uma demanda crescente de novas leis para regular tal atuação. Ao mesmo tempo, o processo de descodificação tem possibilitado a criação de normas jurídicas cada vez mais específicas e tem-se reconhecido a conveniência de deixar a interpretação da norma jurídica por conta dos magistrados. Prova disso foi a edição da emenda constitucional nº 45, também conhecida como “Reforma do judiciário”, que trouxe o instituto da súmula vinculante, que subordina todo o judiciário e a administração pública a uma decisão passada. Com isso extingue-se uma das maiores diferenças entre a Commom Law e a Civil Law que era a não vinculação, na Civil Law, das decisões dos tribunais superiores. 5 DO DIREITO BRASILEIRO Já dizia Confúcio a milhares de anos “Se queres prever o futuro, estuda o passado”, daí deriva a expressão “é preciso conhecer o passado para entender o presente e prever o futuro”, nesse contexto, precisamos conhecer de onde vem o nosso direito para entendermos o contexto de suas mudanças e tentar prever por qual caminho enveredará. O contexto atual do direito brasileiro tem início com a Constituição da República de 1988, que foi redigida para ser o centro de nosso ordenamento jurídico, ao analisa-la observa-se que o legislador originário tentou abarcar o máximo de questões possíveis para garantir a segurança jurídica e da própria constituição, afinal saíamos de um período de ditadura militar com supressão de direitos fundamentais como a liberdade. Ter a constituição como centro do nosso ordenamento jurídico por si só já constitui uma característica do processo de descodificação, entretanto, logo em 2002 foi promulgado um novo Código Civil, o que pode ser tido como uma reação dos defensores da codificação.

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Não obstante, a questão da codificação do direito material fica cada vez mais ultrapassada, nos dizeres de Orlando Gomes “A substituição global de um Código Civil é atualmente um anacronismo tanto mais gritante quanto se limite[...]” e ainda “[...] uma “reforma global” do Código Civil nessa altura do século seria uma inutilidade prática[...]”, no mesmo sentido Francisco Amaral (2000) “Com nostalgia, mas também com senso de realismo, devemos reconhecer que o declínio do Código Civil está consumado, não subsistindo razões, que não sejam meramente formais, para um novo Código”. Destarte, temos a descodificação como realidade jurídica contemporânea, os microssistemas criaram novos ramos do direito, entretanto esses novos setores jurídicos apresentam-se sem regulamentação completa, necessitando da aplicação subsidiaria do direito Civil, fato esse que delegou ao operador do direito a incumbência de adequar a aplicação do direito a essa nova realidade. O magistrado tem passado, paulatinamente, de mero aplicador passivo do texto legal para sujeito ativo, dando novas interpretações às normas jurídicas e até mesmo, dentro de seus limites constitucionais, criando novos preceitos jurídicos, adaptando as leis à realidade social que se apresenta a ele através do caso concreto. Reconhecendo essa nova função do poder judiciário, editou-se a emenda constitucional nº 45 de 2004, icônicamente chamada de “reforma do judiciário” que criou o instituto da súmula vinculante conferindo ao Supremo Tribunal Federal competência para vincular seu entendimento sobre determinada matéria a todos os órgãos do judiciário e da administração pública, de certa forma, criando uma norma jurídica. Essa nova eminente característica do direito brasileiro aproxima todo o nosso sistema jurídico a Commom Law não só quanto a sistemática da aplicação do direito, mas também do espírito daquele sistema que é a busca pela segurança jurídica e ainda pela justiça na resolução das lides. Consoante à ideia do Estado Social, o magistrado tem buscado interpretar a lei de forma a concretizar a justiça social, agindo como um juízo de equity, não ficando adstrito ao texto legal mas sim buscando nos princípios a real intensão do legislador. Paralelo a isso, entrou em vigor em março de 2016 o Novo Código de Processo Civil, promulgado em 16 de março de 2015, não obstante tratar-se de um Código, aqui se verifica a necessidade de codificar as normas de direito processual, isso porque não é possível que se deixe a cargo dos magistrados a tutela das normas processuais sob pena de insegurança jurídica. Por termos adotado como sistema jurídico a Civil Law, a fonte primária do direito é a lei, dessa forma, tendo em vista que o direito processual tem papel ímpar na realização dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da igualdade, é necessário que normas de tais naturezas estejam expressas na forma solene. O Código de Processo Civil (CPC), busca dar um novo trato sobre a força dos precedentes, reconhecendo o aumento não só no número mas também na complexidade das demandas judiciais o CPC tenta promover um aprimoramento no manejo do direito jurisprudencial, em seu artigo 926 o Código estabelece que os tribunais deverão uniformizar a sua jurisprudência, editando súmula sobre o entendimento dominante, e o artigo 927, inciso IV, prevê que os juízes e tribunais deverão observar o enunciado das sumulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. Nota-se então que deu-se ainda mais força aos precedentes dos tribunais superiores, ao mesmo tempo, demanda-se que esses sejam perpetuados na forma solene de súmulas, formuladas de forma concisa e coerente e que reflitam o entendimento dominante daquele órgão. Verdadeira novidade trazida pelo CPC/15 é o instituto chamado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), no qual

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os tribunais de justiça de cada estado irá firmar entendimento sobre determinada matéria, que muitas vezes é particular daquele estado, esse instituto tem o condão de sintonizar os julgados da primeira instância com o entendimento do tribunal, diminuindo a necessidade de reforma da sentença, que em alguns estados chega a mais de 80%. Percebe-se aqui não somente o prestígio dado aos precedentes dos tribunais estaduais, mas também uma atenção do legislador à realidade do judiciário que se encontra entupido de processos que demoram anos para serem julgados, tornando impossível do cumprimento do princípio da razoável duração do processo. Por fim, ponto interessante a se notar é que tais mudanças não se restringem ao direito Civil, muito pelo contrário, haverá efeitos notáveis em todos os ramos do direito, de forma que o CPC/15 fará verdadeira revolução na forma de aplicação do direito pelos tribunais brasileiros. 6 CONCLUSÃO Como dito, para sabermos por quais caminhos irá enveredar o Direito pátrio temos que, primeiramente, olhar a estrada que seguimos até o momento, assim, diante do cenário que nos é mostrado atualmente podemos concluir, primeiramente, que o debate entre codificação e descodificação está ultrapassado. O monossistema não tem mais lugar em nosso ordenamento jurídico face a alucinante evolução dos microssistemas que o cercam, não se enxerga mais um Código capaz de abarcar toda a matéria tributária, trabalhista, comercial só para citar alguns dos diversos ramos do direito que derivaram, essencialmente, do direito Civil. Contudo, a ideia sobre a qual foi fundamentada a instituição da codificação ainda sobrevive, é desejável uma organização sistemática que ajude no estudo e compreensão do direito, não obstante, os microssistemas surgiram de uma necessidade de tutelar matérias até então não previstas nos Códigos. Nesse sentido, há necessidade de organização e sistematização dos microssistemas, dividindo-os quanto a matéria ou quanto ao sujeito. Paralelo a isso, temos um problema que tem se agravado nas últimas décadas, o gigantesco aumento quantitativo e qualitativo dos processos e a demora para conclusão desses litígios, para lidar com essa situação foi editada a EC 45/2004, introduzindo a súmula vinculante e dando mais força à jurisprudência para lidar com o sem número de demandas repetitivas por meio de uma técnica de padronização de julgamentos. Percebemos então uma aproximação com a Commom Law, contudo, o maior passo nesse sentido foi dado pelo Código de Processo Civil de 2015, onde foi determinado que o magistrado deve observar o entendimento, por meio dos precedentes, dos tribunais para decidir sobre a lide, inclusive com a criação do instituto do IRDR. Desta forma, notamos que o rumo tomado pelo legislador é o de confiar ao judiciário a missão de resolver as demandas que lhe são apresentadas sem depender necessariamente de uma lei, isto é, o magistrado, valendo-se dos princípios gerais do direito elencados na parte geral dos Códigos e na Constituição da República de 1988, deverá decidir sobre matéria que talvez não tenha tutela legal. Por tudo isso, conclui-se que a era das grandes codificações chegou ao fim, a revolução tecnológica da medicina, biologia e dos meio de comunicação ampliou de sobremaneira os campos temáticos do direito, de forma que não é mais possível condensar todo o conhecimento jurídico em um só Código e, ainda que fosse, a velocidade das transformações sociais não seria acompanhada pelo atualização do Código. Percebendo a monstruosidade de tal tarefa, o legislador passa a criar leis mais específicas e pontuais bem como desenvolve ferramentas para que o judiciário consiga se auto tutelar, deixando a cargo dos magistrados a árdua tarefa de moldar o direito à realidade social vivida.

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REFERÊNCIAS AMARAL, Francisco. Direito civil introdução. 7. Ed. Rio de Janeiro. Renovar, 2008.

Banca Examinadora Ronaldo Passos Braga (Orientador) Laura Maria dos Fernandes Lima (Examinadora)

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DESAPOSENTAÇÃO: em defesa do direito a uma aposentadoria mais digna Luiz Felipe Costa Vidal1

RESUMO: Aposentadoria, sensu comum, significa o período de descanso ao qual o indivíduo tem direito, depois de ter trabalhado durante uma vida. Para que seja possível esse descanso é necessária uma prestação financeira que tenha capacidade de propiciar tranquilidade ao aposentado. Contudo, não é raro que está prestação não consiga atingir seu objetivo. Por conseguinte, o aposentado precisa continuar no mercado de trabalho, contribuindo para a Previdência Social. Ocorre que, após a aposentadoria, as contribuições feitas por este trabalhador aposentado não se revertem para ele beneficamente. Diante de tal surgiu um instituto jurisprudencial capaz de propiciar uma melhor aposentadoria a estes indivíduos. Trata-se de um recalculo do beneficio que o trabalhador aposentado percebe, de forma a incorporar, ao mesmo, o novo tempo de contribuição. Entretanto, em que pese o caráter benéfico do procedimento, a Previdência Social, por meio do INSS é contumaz em indeferir o pedido, não restando alternativa senão o pleito judicial. Desde o ano de 2011 tramita no Supremo Tribunal Federal um Recurso Extraordinário que, devido à sua repercussão geral suspendeu o curso de todas as ações que versam sobre a desaposentação. A principal fundamentação acerca do tema repousa no principio da legalidade. O objetivo do presente trabalho é investigar este além de outros fundamentos favoráveis ao direito à desaposentação. PALAVRAS- CHAVE: Aposentadoria. Desaposentação. Previdência Social, Princípio da Dignidade. Principio da Legalidade.

1 Introdução

2 Previdência Social e aposentadoria

Durante os anos em que labora, o trabalhador deve contribuir com a Previdência Social para que, dentre outros riscos cobertos, em momento futuro possa fazer jus ao beneficio de se aposentar. Entretanto, por vezes, o beneficio em questão não é capaz de garantir a subsistência do aposentado, levando o mesmo a continuar ou até mesmo reingressar no mercado de trabalho. Ocorre que, mesmo aposentado, o trabalhador deve custear a previdência social por meio das contribuições2.

Para a correta compreensão da pesquisa é necessário entender a finalidade da previdência social e o conceito de aposentadoria. A finalidade do instituto tem sua previsão na lei nº 8213 de 91:

Entretanto, essas contribuições pagas após a aposentadoria, em regra, não se revertem em beneficio para o seu contribuinte. Em que pese ser uma injustiça, é uma situação obrigatória, consoante ao decreto No 3.048/99 art.9º, § 1º: “‘O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que voltar a exercer atividade abrangida por este regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata este Regulamento”. A alternativa para se mitigar essa injustiça é o instituto conhecido por Desaposentação. Trata-se da criação doutrinária-jurisprudencial que tem por objetivo realizar o desfazimento da aposentadoria, retornando o trabalhador ao status quo ante, para possibilitar nova aposentadoria com o seu respectivo recalculo. Em suma, busca-se, através deste procedimento, o incremento material do beneficio do aposentando, aproveitando-se para tal do tempo que o mesmo contribuiu para a Previdência Social após a aposentadoria ou, ainda, com o advento de sua idade.

Art. 1º A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente. Note-se, desde já, que o artigo enuncia como finalidade do instituto assegurar meios indispensáveis de manutenção. Entende-se, por tal, a garantia de meios de subsistência digna do segurado, respeitado o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana3. Por aposentadoria, valendo-se da literatura, conceitua-se o instituto como sendo as ‘’Prestações pecuniárias, devidas pelo Regime Geral de Previdência Social aos segurados, destinadas a prover-lhes a subsistência, nas eventualidades que os impossibilite de, por seu esforço, auferir recursos para isto, ou a reforçar-lhes aos ganhos para enfrentar os encargos de família, ou amparar, em caso de morte ou prisão, os que dele dependiam economicamente’’ (CRETELLA JÚNIOR, JOSÉ,p. 229).

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Estabelece a Constituição que a Previdência Social, em qualquer de seus regimes, terá caráter contributivo (art. 40, caput; art. 201, caput), ou seja, que será custeada por contribuições sociais (Constituição, art. 149). Cabe à legislação ordinária dos regimes previdenciários definir como se dará a participação dos segurados, fixando hipóteses de incidência, alíquotas de contribuição e bases de cálculo, obedecendo, em todo caso, às regras gerais estabelecidas no sistema tributário nacional – previstas, atualmente, na Constituição e no Código Tributário Nacional(CASTRO;LAZZARI,2014). 3 Conforme nos esclarece Mariana Andrade Lucas e Valéria Edith Carvalho de Oliveira, em texto Publicado na REVISTA ELETRONICA DO DIREITO do Centro Universitário Newton Paiva, A dignidade da pessoa humana prevista na Constituição Federal de 1988, não a chega ser um princípio, mas um fundamento que regerá todas as relações interpessoais entre os indivíduos. É considerada um atributo inerente a todo ser humano, uma qualidade própria, e não um direito conferido exclusivamente pelo ordenamento jurídico. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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2.1 As principais espécies de aposentadoria 2.1.1 Aposentadoria por idade

A aposentadoria por idade está prevista nos artigos 48 a 51 da Lei nº 8.213/91. Será concedida ao segurado que, cumprida a carência exigida4, completar sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta se mulher, reduzidos esses limites em cinco anos de para os trabalhadores rurais bem como para os segurados garimpeiros que trabalhem, comprovadamente, em regime de economia familiar bem como o pescador artesanal. 2.1.2 Aposentadoria por tempo de contribuição

A aposentadoria por tem de contribuição tem sua previsão na EC nº 20/98. As regras de calculo constam do Art. 29-C, Lei 8213, com a redação dada pela lei 13.183 de 2015, permite que o segurado opte pelo afastamento do atual fator previdenciário. A nova regra diz que, esse afastamento poderá se dar na situação em que, a soma da idade do segurado e seu tempo de contribuição, incluídas as frações, na data da aposentadoria for igual ou superior a noventa e cinco pontos, se homem (observando o tempo mínimo de contribuição de trinta e cinco anos). No caso da mulher, se a soma for igual ou superior a oitenta e cinco pontos (observando o tempo mínimo de contribuição de trinta anos). Caso não seja alcançado o numero determinado de pontos o segurado, que preencher os demais requisitos, poderá se aposentar normalmente, entretanto, com a aplicação do fator previdenciário. Mantiveram-se as disposições sobre a redução no tempo para professores. Há redução de 5 anos para professor(a) que comprove, exclusivamente, tempo de efetivo exercício em função de magistério na Educação Infantil, no Ensino Fundamental ou no Ensino Médio. Não se exige limite mínimo de idade, porém, terão que comprovar o tempo de contribuição e o cumprimento da carência exigida pela legislação. Neste caso, a renda mensal corresponde a 100% do salário-de-benefício. Os segurados inscritos no sistema até 15/12/1998, que tenha 30 anos de serviço e 53 anos de idade para o homem e 25 anos de serviço e 48 anos de idade para a mulher, além da comprovação da carência e o cumprimento do “pedágio”, este último que corresponde a 40% do tempo que faltava, em 15/12/1998, para atingir o tempo de serviço previsto. Neste caso, opta-se pela aposentadoria proporcional. Nesta o benefício corresponde a 70% do salário-de benefício mais 5% para cada ano de contribuição que ultrapassar os 30 anos de serviço se homem ou 25 anos se mulher. 2.2 Caráter contributivo e solidário da Previdência Social O Regime Geral da Previdência Social – RGPS, aplicável a todos os trabalhadores da iniciativa privada, é informado por preceitos constitucionais que incluem o equilíbrio financeiro e atuarial, a isonomia entre os segurados e a justiça intergeracional. O sistema é ainda estruturado em torno de dois pilares, quais sejam, o caráter contributivo e o princípio da solidariedade. O caráter contributivo é explicitado pela Constituição Federal em seus artigos 40, caput; art. 201, caput, ou seja, a mesma deverá ser custeada por contribuições sociais (Constituição, art. 149). A solidariedade decorre, entre outros fatores, do modelo de financiamento, que abrange não apenas as contribuições dos em-

pregados, mas também dos empregadores, além de recursos orçamentários e outras fontes de custeio. O caráter contributivo resulta do pagamento de contribuições pelos empregados, em troca de coberturas a serem fornecidas pelo sistema, que incluem a percepção de proventos com base no tempo e no valor das contribuições. Nas palavras do excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal Roberto Barroso [...] Em razão do princípio da solidariedade, não se exige uma correspondência estrita entre contribuição e benefício, até porque o sistema ampara pessoas que nunca contribuíram ou contribuíram de maneira muito limitada. Por outro lado, tendo em vista o caráter contributivo do modelo, exige-se algum grau de comutatividade entre o que se recolhe e o que se recebe. Como consequência, não é legítima a cobrança feita ao segurado sem qualquer contraprestação efetiva ou potencial.[...] (BARROSO, 2014) 3 A desaposentação Segundo respeitável doutrina ‘’A desaposentação é definida como a reversão da aposentadoria obtida no Regime Geral de Previdência Social, ou mesmo em Regimes Próprios de Previdência de Servidores Públicos, com o objetivo exclusivo de possibilitar a aquisição de benefício mais vantajoso no mesmo ou em outro regime previdenciário’’ (IBRAHIM, Fábio Zambitte, p701). Ainda segundo João Batista Lazzari ‘’a desaposentação é o direito do segurado ao retorno à atividade remunerada. É o ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário. Trata-se, em verdade, de uma prerrogativa do jubilado de unificar os seus tempos de serviço/contribuição numa nova aposentadoria’’ (BATISTA LAZZARI, João, p 516-517). Em tempo ‘’A figura da desaposentação consiste na renúncia a uma primeira aposentadoria para obtenção de uma nova, em melhores condições, com utilização de contribuições posteriores, pagas em razão da volta à atividade. A Lei nº 8.213/91 – e seu art. 18, § 2º –, não cuida da desaposentação, por ter sido editada ao tempo em que as contribuições posteriores à aposentadoria eram restituídas ao segurado sob a forma de pecúlio’’. (BARROSO, 2014). Em suma, trata-se do procedimento que visa permitir a reversão da aposentadoria, por vontade do próprio beneficiário. Configura uma renúncia à aposentadoria, contudo, sem prejuízo do tempo de serviço ou contribuição. Significa, assim, o retorno ao status quo ante. O processo visa, conforme já mencionado, o recalculo do beneficio previdenciário, em momento futuro, considerando novos implementos de requisitos e contribuições. 3.1 O Procedimento De Desaposentação como a raiz do problema em questão O interessado em realizar o procedimento da desaposentação pode recorrer primeiramente à esfera administrativa, entretanto, INSS é contumaz em indeferir o seguimento do processo. Diante de tal, o segurado tem a opção de ingressar com ação no Poder Judiciário Federal. A situação tem-se tornado tão comum que, segundo um levantamento da Advocacia Geral da União (AGU), em 2009 foram ajuizadas 1.828 ações de desaposentação. No ano passado, este número saltou para 39.738 processos. De janeiro a agosto do ano 2015,

4 Para a obtenção deste beneficio é necessário, o cumprimento da carência e a implementação da idade mínima. A carência exigida nesta espécie de aposentadoria é de 180 contribuições mensais. A renda mensal da aposentadoria por idade é equivalente a 70% (setenta por cento) do salário-de-contribuição, mais 1% a cada grupo de 12 contribuições mensais, até o máximo de 30%, totalizando assim, em 100%, com a aplicação facultativa do fator previdenciário. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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outras 34.284 ações já haviam sido ajuizadas. Dada à relevância do tema, o Superior Tribunal Federal5 reconheceu a sua repercussão geral e suspendeu o curso de todos os processos. Outro dado importante em relação à relevância do tema foi a posição do legislativo em relação a ele. A lei 13.183/2015 que trata da regra que ficou conhecida por 85/95 trouxe, em seu bojo, dispositivo que permitia a desaposentação. Contudo, a oportunidade de tratar o tema na legislação teve o veto da presidente Dilma Rousseff e o mesmo foi mantido pelo Congresso Nacional. A decisão acerca do tema continuou, então, com o Supremo Tribunal Federal.

que autorize o procedimento. Considerando-se ainda o art. 5°, II da Constituição Federal e o principio da legalidade, o referido argumento se põe, também, a defender o procedimento. Trata-se do principio da legalidade restrita, o qual enuncia que, a Administração Pública só poderá fazer aquilo que em lei estiver previsto. A ausência de lei significa ausência de autorização de ação para o poder público. Logo, conclui-se, por hora, que a ausência de lei só implica em vedação para o próprio Poder Público agir e não para o individuo. Sendo assim, ao cidadão será permitido fazer, e, adicionase aqui, pleitear todo o direito que a lei não lhe proíba. [...] considerando que não há lei que proíba a desaposentação, seja pelo exercício do direito de ação, seja pelo princípio da legalidade trazido pelo texto Constitucional, podemos concluir que a desaposentação é perfeitamente cabível por inexistir qualquer previsão legal constitucional que a proíba. (LANDENTHIN e MASOTI, 2011, p. 94).

4 Tese de defesa do direito Atualmente, dois são os principais argumentos fundamentadores das decisões contrarias ao procedimento. É importante ressaltar, também, que os fundamentos a seguir expostos são usados tanto na fundamentação de decisões administrativas, quanto daquelas oriundas de alguns tribunais federais. Nota-se, em contrapartida, que estes dois fundamentos são desdobramentos de um único princípio constitucional, o da legalidade. Enuncia o Art. 181-B do Decreto nº 3.048/99 que as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela Previdência Social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis. Trata-se de um decreto que tem por escopo regulamentar os dispositivos legais e constitucionais que tratam da aposentadoria. A Constituição Federal, em seu art. 5º, II, preceitua que, Ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Conforme já observado por Renato de Abreu Barcelos, o dispositivo constitucional só diz respeito à legislação em sentido estrito. Outros atos como decreto, regulamento, portaria, resolução, por exemplo, não podem ultrapassar a Magna disposição. Por conseguinte, não pode o decreto em questão criar direitos e vedações que não aquelas constantes da previsão legal. 4.1 Irreversibilidade e irrenunciabilidade Os princípios da irrenunciabilidade e da irreversibilidade estão logicamente interligados aos princípios da indisponibilidade e inalienabilidade de direitos fundamentais, que por sua vez são desdobramentos do fundamento da dignidade humana. Quando o texto normativo prevê a indisponibilidade de direito o faz com vistas a proteger o individuo. Protege-lo frente à situações de desigualdade, nas quais ele pudesse ser coagido a alienar determinado direito. Consoante à doutrina de Gilmar Mendes, [...] Inalienável é um direito ou uma coisa em relação a que estão excluídos quaisquer atos de disposição, quer jurídica — renúncia, compra-e-venda, doação —, quer material — destruição material do bem. Isso significa que um direito inalienável não admite que o seu titular o torne impossível de ser exercitado para si mesmo, física ou juridicamente [...]. Desta forma, vedar a disponibilidade de um direito é o mesmo que resguardar que um indivíduo se alce a uma situação desfavorável. Entretanto, a possibilidade de renuncia da aposentadoria para a realização de recalculo é situação favorável ao individuo que pleiteia tal. Desta forma, não pode prosperar o argumento da irrenunciabilidade para se indeferir ao aposentado o seu pedido de reversão do beneficio.

5 Repercussão Geral do tema. Recurso Extraordinário nº 661.256. STF O recurso extraordinário é uma via excepcional de impugnação de uma decisão judicial. Trata-se do meio através do qual o Supremo Tribunal Federal rejulga decisões proferidas em última ou única instância que tenham violado dispositivo da Constituição Federal. Não obstante, é também o meio pelo qual a suprema corte uniformiza sua jurisprudência, no que tange à interpretação dos dispositivos constitucionais. Devido ao seu caráter excepcional, o recurso extraordinário possui um rol taxativo de requisitos para sua admissibilidade. Estabelece a Constituição Federal, em seu artigo 102,§3º, incluído pela Emenda Constitucional nº45 de 2004 que, No recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. Este requisito de admissibilidade, além da importância jurídica, tem a senda de racionalizar a atividade jurisdicional. Essa racionalização se dá por meio da uniformização de jurisprudência, já mencionada. O recurso extraordinário interposto, admitido e com a repercussão geral reconhecida tem a capacidade de suspender o curso de todas as ações que versarem sobre o mesmo tema. Ou seja, todas elas deverão aguardar o julgamento do Recurso Extraordinário para também poderem ser julgadas. No que tange à desaposentação, o recurso extraordinário responsável por impor ao tema a suspensão foi o Re 661256 RG / DF - Distrito Federal, de relatoria do Ministro Ayres Britto, com julgamento da repercussão geral em 17/11/2011.

4.2 Ausência de legislação autorizativa do procedimento Na seara de contraposição ao direito à desaposentação, encontra-se administrativamente, o argumento da ausência de legislação

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. § 2º do ART. 18 DA LEI 8.213/91. DESAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA. UTILIZAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO QUE FUNDAMENTOU A PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA ORIGINÁRIA. OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. MATÉRIA EM DISCUSSÃO NO RE 381.367, DA RELATORIA DO MINISTRO MARCO AURÉLIO. PRESENÇA DA REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL DISCUTIDA. Possui repercussão geral a questão constitucional alusiva à possibilidade de renúncia a benefício de aposentadoria, com a utilização do tempo se

5 Referência.: Recurso Extraordinário nº 661.256 – STF

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serviço/contribuição que fundamentou a prestação previdenciária originária para a obtenção de benefício mais vantajoso. Com a aposentadoria do Min. Ayres Britto em 2013, a relatoria do processo foi passada para o Min. Roberto Barroso. Em outubro de 2014 o relator do processo proferiu seu voto. Em texto de mais de 30 laudas, com mais de 80 itens, o relator opta por reconhecer o direito à desaposentação. Reproduzida ipsis litteris a conclusão do voto do excelentíssimo relator tem se que: [...] a) o Regime Geral da Previdência Social constitui um sistema baseado em duplo fundamento: contributivo e solidário; b) inexiste comutatividade estrita entre contribuição e benefício, em razão do caráter solidário do sistema. De outra parte, não é legítima a cobrança de contribuição sem oferta de qualquer benefício real, em razão do caráter contributivo do sistema; c) compromete o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema o incentivo a aposentadorias precoces. Sobretudo, viola o princípio da isonomia que aqueles que tenham passado à inatividade precocemente desfrutem de situação mais favorável do que aqueles que permaneceram mais tempo em atividade, sem se beneficiarem do sistema previdenciário; d) o art. 18, § 2º da Lei nº 8.213/91 não contempla a situação de alguém que tenha se aposentado e, havendo voltado à atividade, deseje renunciar à primeira aposentadoria para obter uma nova. Vale dizer: existe uma lacuna na legislação; e) a lacuna é explicável porque, anteriormente, até o advento da Lei nº 9.032/95, vigorava um sistema de pecúlio – com a devolução das contribuições efetuadas após a aposentadoria no momento em que o segurado passasse, em definitivo, à inatividade. Diante disso, a questão da desaposentação não se colocava. 86. Por todo o exposto, dou provimento parcial aos recursos interpostos para assentar o direito à desaposentação – isto é, à renúncia à aposentadoria anterior e aquisição de uma nova –, observados os critérios aqui estabelecidos. Como consequência, a tese a ser firmada, com os efeitos inerentes ao instituto da repercussão geral, é a seguinte: inexistem fundamentos legais válidos que impeçam a renúncia a uma aposentadoria concedida pelo RGPS para o fim de requerer um novo benefício, mais vantajoso, tendo em conta contribuições obrigatórias efetuadas em razão de atividade laboral realizada após o primeiro vínculo. A fim de preservar a uniformidade atuarial, relacionada à isonomia e à justiça entre gerações, essa possibilidade é condicionada à exigência de que sejam levados em conta os proventos já recebidos por parte do interessado. A despeito da falta de disciplina legal específica sobre o tema, é possível interpretar o sistema constitucional e legal vigente, para assentar a seguinte orientação geral: no cálculo dos novos proventos, os fatores idade e expectativa de vida devem ser aferidos com referência ao momento de aquisição da primeira aposentadoria. Com isso se impede que tais fatores tenham deturpada a sua finalidade de graduar os benefícios segundo o tempo estimado de sua fruição por parte do segurado. [...]7 Conforme se extrai da interpretação do exposto voto, o posicionamento do eminente Ministro corrobora com a tese apresentada no presente trabalho, de forma a defender o direito à desaposentação. A possibilidade de renúncia a uma aposentadoria anterior para requerimento de uma nova é uma decorrência do sistema normativo em vigor, notadamente da combinação entre: (i) a imunidade dos proventos do RGPS em relação à contribuição social incidente sobre

os rendimentos do trabalho; (ii) a cobrança da contribuição dos aposentados que retornam ao mercado de trabalho, sob o mesmo regime dos demais trabalhadores; e (iii) a inexistência de benefícios previdenciários específicos que justifiquem a incidência dessa tributação vinculada. Por tudo isso, se a legislação ordinária vedasse a desaposentação de forma expressa, a sua compatibilidade com o atual texto constitucional seria no mínimo duvidosa. . 6 Considerações finais Conforme visto no conceito de Seguridade Social, a aposentadoria é o beneficio do segurado que tem por finalidade garantir sua digna subsistência. Entretanto, com o advento da idade surgem, para o trabalhador, algumas dificuldades. No mercado de trabalho já não é tão fácil encontrar uma posição. Torna-se mais difícil acompanhar a constante necessidade de qualificação, seja frente à modernização dos sistemas, seja por causa do preconceito, velado, contra os idosos. O custo de vida também aumenta. Sobretudo os tratamentos de saúde que, se tornam mais caros. Diante de tal situação a aposentadoria por tempo de contribuição é menos atrativa para o segurado, pois, o valor do beneficio, regra geral, é menor do que o salário que ele possuía. Some-se, a essa situação, a perda do poder de compra da aposentadoria. De acordo com o Mestre em Economia pela UnB, Pedro Fernando Nery, ‘’Percebe-se a perda quando se compara o aumento do beneficio com os aumentos dados ao salário mínimo. No Brasil, o piso previdenciário (e também o piso assistencial) é vinculado ao salário mínimo. Nos últimos dez anos, por conta da deliberada intenção de valorizá-lo, seu crescimento nominal foi de 178,5%, com grande ganho real, já que a inflação foi de 67,3%. Inicialmente, o benefício de R$ 1.000 equivalia a cerca de quatro salários mínimos (precisamente 3,85) e em 2014 ele equivalia a cerca de dois salários mínimos (2,31)’’( NERY, P. F, p03). Logo, com essa perda do poder aquisitivo do benefício, para que o aposentado mantenha uma situação de subsistência digna, torna-se necessário, a ele, buscar formas de complementar sua renda, uma dela é com seu retorno ao mercado de trabalho. Feita as considerações acerca da justificativa material é imperioso, também considerar o aspecto jurídico da questão. Foi devidamente exposto que indeferir a desaposentação é o mesmo que afrontar o principio da legalidade. Sobretudo sobre a ausência normativa acerca do tema. É notável que a Constituição estabelece as diretrizes essenciais do Regime Geral de Previdência Social, fundado no caráter contributivo e no princípio da solidariedade conforme já exposto. A partir dessas diretrizes, os legisladores nacionais dispõem de ampla liberdade de para estruturar o regime de financiamento e as prestações previdenciárias, tendo em vista a necessidade de promover um equilíbrio atuarial do sistema e garantir a sua integridade para as gerações, principalmente futuras. Como visto, o atual mecanismo responsável por desestimular aposentadorias precoces é o chamado fator previdenciário, além dos limites para a revisão de benefícios, qual seja, um prazo decadencial de 10 anos. Ocorre que, até o presente momento, não existe na legislação pátria disposto que vede explicitamente a desaposentação. Entretanto, o INSS sustenta que o art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, tornaria ilícita a renúncia à aposentadoria para fins de obtenção de novo vínculo, mais vantajoso, que leve em conta as contribuições posteriores à concessão do benefício original. Já a cobrança de tais contribuições

7 Trecho extraído do voto do Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal Roberto Barroso proferido no Rext n°661.256.

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seria válida, justificando-se pelo componente de solidariedade inerente ao sistema. Ponto extremamente contraditório de argumentação pelo órgão governamental. Essa contradição se dá porque, quando o individuo retorna ao mercado formal, deve continuar obrigatoriamente contribuindo com a Previdência Social. Entretanto, o mesmo não conta com a devida contraprestação, representando uma ofensa ao caráter contributivo e solidário da Previdência Social. Com o recurso extraordinário nº 661.256 em curso no STF e o posicionamento inicial do relator já é possível vislumbrar uma resolução para problema. Com a possibilidade da desaposentação, o trabalhador poderá realizar o recalculo de seu beneficio para um valor maior do que a sua atual aposentadoria. Este novo benefício pode, enfim, permitir que ele deixe de trabalhar e viva plenamente o direito que adquiriu após vários anos de trabalho e contribuição. Logo, por todo o exposto, nada é mais justo senão garantir o direito à desaposentação. REFERÊNCIAS

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Banca Examinadora Amanda Helena Azeredo Bonaccorsi (Orientadora) Daniela Lage Meija Zapata (Examinadora)

BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em Jun. 2016. BRASIL: Decreto Lei 3.048 DE 6 de maio de 1999. Diário Oficial da República Federativa do Brasil Disponível em: <http://http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm>. Acesso em Jun. 2016. BARCELOS, Renato de Abreu. Desaposentação: reversibilidade da aposentadoria como marco de evolução jurídica para Luhmann. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3026, 14 out. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/20205>. Acesso em: 4 jun. 2016. BARROSO, Luís Roberto, Voto Proferido no Recurso Extraordinário n°661.256 de 2014 . Disponível em < http://www.migalhas.com.br/arquivos/2014/10/art20141010-01.pdf> Acesso em Jun. 2016. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 15.ed, Rio de Janeiro : Forense, 2013. ISBN: 978-85-309-4660-9 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Curso de Direito da Seguridade Social. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 229 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais : volume 3. 12. ed. rev., atual.ve ampl. Salvador: JusPodivm, 2014. 5v MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. 1470 p.

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EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE CONDENAÇÃO CRIMINAL Manuela Lima Tavares1

RESUMO: Este artigo foi elaborado a partir do estudo do Informativo 814 do STF, bem como análise de doutrinas e artigos da internet. Tem como objetivo a analise da decisão do Supremo Tribunal Federal no HC 126 292 que vem causando grande repercussão entre doutrinadores e advogados criminalistas. O Sistema Jurídico Brasileiro, abarcado por seus Princípios Constitucionais, principalmente pelo Princípio da Presunção de Inocência, somente admitia que o cumprimento da pena se iniciasse após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, salvo nas exceções das prisões cautelares. Porém, o Supremo Tribunal Federal, em decisão recente, afirmou que cabe executar provisoriamente a sentença penal condenatória, em sede de segunda instância, antes do trânsito em julgado. Os Ministros do Supremo entenderam que a decisão condenatória proferida em segunda instância já permite a execução provisória da pena, ainda que passível de recursos especial ou extraordinário. Por não se tratarem de recursos que possibilitam discussão sobre provas e fatos, os recursos de natureza extraordinária não mais teriam força de suspender a execução de uma decisão condenatória, visto que o duplo grau de jurisdição foi respeitado. Para o Supremo Tribunal Federal, nada há de se falar em violação de Princípios Constitucionais, pois, por se tratar de decisão colegiada e esgotamento de fase probatória, foram respeitados o Contraditório, Ampla Defesa e a Presunção de Inocência, sendo este último o mais questionado perante tal decisão. Finalmente conclui-se que Supremo Tribunal Federal buscou, assim, dar uma efetiva resposta à sociedade diante da realidade árdua do atual sistema de justiça criminal brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: Prisão; Presunção de Inocência; Sentença Condenatória Irrecorrível; Medidas Cautelares; Execução Provisória da Pena.

(...) A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de ser possível a execução provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos pendentes de julgamento não têm efeito suspensivo. (...) (STF, 1ª Turma, HC 91.675/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 04/09/2007, Dje 157 06/12/2007).

1 INTRODUÇÃO No dia 17 de fevereiro de 2016, numa decisão dada no HC 126.292 (Rel. Min. Teori Zavaski, 17/02/2016), por um placar apertado de 7 a 4, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser possível a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação ainda que sujeito a recurso especial e extraordinário. Execução esta que, pelo atual e tão questionado entendimento do Supremo, não viola o Princípio da Presunção de Inocência. Com esse julgado histórico, o STF altera sua orientação jurisprudencial até então dominante, pois passa a entender que para a execução de uma pena não é mais necessário esperar até o fim do processo penal, no trânsito em julgado, bastando apenas que se tenha um acórdão condenatório proferido por um órgão colegiado. Quando um tribunal de segunda instância condenar alguém, esse acórdão já poderá ser executado independente da presença de qualquer hipótese que autorize a prisão cautelar, pois, neste caso, se trata de prisão penal e não prisão cautelar, ou seja, STF diz ser possível, portanto, uma execução provisória da pena ainda que estejam tramitando RE e RESP perante o STJ e o STF. Durante muitos anos e desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, sempre prevaleceu o entendimento de que, se o sujeito foi condenado por um tribunal de 2º grau, aquela pena poderia ser executada provisoriamente porque o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário não são dotados de efeito suspensivo por conta do artigo 637 do Código de Processo Penal, que afirma que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença. Portanto, o que se tinha era a chamada execução provisória da pena, pela qual a pena seria executada mesmo sem o trânsito em julgado se concretizar, pela falta de efeito suspensivo dos recursos extraordinários, independendo de se haver os motivos que se autorizem a prisão cautelar. Até 2007 a orientação do STF se manteve neste sentido:

Surge então, em 2009 uma decisão do STF alterando tal entendimento. Decisão esta de extrema importância, na qual, no HC de número 84.078, o Supremo afirma ser necessário que se faça uma interpretação literal da Constituição Federal de 1988, não sendo possível, por meio da hermenêutica, a alteração do texto constitucional. O julgador não pode, como intérprete da lei, por mais que discorde de tal texto, alterar seu sentido, visto que a constituição é clara em dizer que o sujeito não será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e não somente até o exercício do duplo grau de jurisdição. Portanto, com esse novo direcionamento, a execução provisória da pena deixou de ser permitida pelo STF, sendo o único meio de prisão permitida durante o curso da persecução penal as prisões cautelares desde que presentes seus pressupostos e requisitos. Senão vejamos: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DACONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART.1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.1. O art. 637 do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.(STF, Pleno, HC 84.078, Rel. Min. Eros Grau. J. 05/02/2009).

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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O conteúdo do julgado de 2009 prevaleceu até o dia 17/02/2016, quando nova decisão foi proferida pelos nobres julgadores da corte suprema, que, ao passar desses anos, teve sua composição alterada. Alguns ministros mudaram seu posicionamento, o placar de 2009 foi literalmente invertido concluindo novamente, o Supremo, pela constitucionalidade da execução provisória de uma pena. Por maioria dos votos, o Plenário do STF entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o Princípio da Presunção de Inocência, isso porque, a manutenção da sentença condenatória pelos Tribunais de Segunda Instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena, até mesmo porque os recursos extraordinários ao STF e STJ comportam, exclusivamente, discussão somente acerca de matéria de direito. Nesse sentido, o Informativo 814 STF dispõe: Portanto, os recursos de natureza extraordinária não configurariam desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não seriam recursos de ampla devolutividade, já que não se prestariam ao debate da matéria fática e probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo tribunal de apelação, ocorreria uma espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF — recurso especial e extraordinário — teriam âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, pareceria inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para a situação concreta, do princípio da presunção de inocência até então observado. Faria sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990. Essa é a movimentação que se tem hoje acerca do tema que tanto vem provocando os meios acadêmicos e a mídia, com tamanha repercussão. 2 DAS PRISÕES 2.1. Breve Histórico das Prisões no Brasil “Os vestígios que nos chegaram dos povos e civilizações mais antigos (Egito, Pérsia, Babilônia, Grécia, etc) coincidem com as finalidades que se atribuíam primitivamente à prisão: lugar de custódia e tortura”. (BITENCOURT, 2004, p.05). A prisão como forma de pena surge tardiamente na história do direito penal e no Brasil não foi diferente. No Período Antigo as prisões não tinham caráter de pena. Por meio de condutas desumanas e cruéis como forma de se obter a confissão e inibir a fuga, as prisões eram utilizadas como custódia, e consistiam na guarda do acusado até seu julgamento e a execução das mutilações, penas de morte, punições ilimitadas e desregradas tidas como as verdadeiras penas da época. Nada se pensava em ressocialização, mas sim numa forma de amedrontar a sociedade, sendo o encarceramento um meio, e não um fim da punição. Este pensamento persistiu durante as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, que se baseavam em um direito penal embebido na brutalidade das sanções corporais e na violação dos direitos do acusado. Tal situação perdurou até a promulgação do Código do Império

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em 1830, que consagrou o princípio da humanização, trazendo à pauta a justiça e a equidade, abolindo diversas penas cruéis. Portanto, a prisão custódia deu lugar à prisão pena no século XVIII, quando este estatuto surge influenciado pelos modelos liberais que inspiraram as leis penais da Europa e dos Estados Unidos, objeto dos pensamentos das novas escolas penais. Importantes mudanças aconteceram ao final do século XIX em razão da Abolição da Escravatura e da Proclamação da República. O Código Penal da República, de 1890, já previa em seu artigo 43 diversas modalidades de prisão, como por exemplo, a prisão com trabalho forçado, a reclusão e a prisão disciplinar, sendo cada modalidade cumprida em estabelecimento específico. Nasce então a prisão como pena-pública, instituindo, assim, o Processo Penal, como explica Aury Lopes Junior (2012; p.67): O Estado, como ente jurídico e político, chama para si o direito e também o dever de proteger a comunidade e inclusive o próprio delinquente. À medida que o Estado se fortalece consciente dos perigos que encerra a autodefesa, assumirá o monopólio da justiça, produzindo-se não só a revisão da natureza contratual do processo, senão também a proibição expressa para os indivíduos de tomar a justiça por suas próprias mãos. A relação entre o processo e a pena corresponde às categorias de meio e de fim. Assim nasce o processo penal. Em 1940, foi publicado o Decreto-lei 2848, atual Código Penal, trazendo várias inovações e objetivando a moderação do poder punitivo do Estado. Princípios e regras norteadoras do Processo Penal, dentre eles o Princípio da Presunção de Não Culpabilidade, Princípio do devido Processo Legal, Ampla Defesa e contraditório, surgem então no Estado Democrático de Direito, advindos da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Porém, foi a “Nova Lei das Prisões”, Lei nº 12.403/2011, que modificou o sistema cautelar brasileiro, visando efetivar os princípios supramencionados e tratando a prisão como a medida extrema da última medida que é o Direito Penal, atendendo ao mandamento do Art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 88 de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, assumindo-se o verdadeiro caráter cautelar de toda e qualquer prisão efetivada antes do trânsito em julgado e criando diversas medidas cautelares alternativas à prisão, para que esta somente seja decretada em reais casos de necessidade que devem ser pormenorizadamente fundamentados nos pressupostos e motivos legais, sendo a regra a liberdade e não a privação da mesma, eis que, para que tal, sejam configurados o “fumus commissi delicti” e o “periculum libertatis”. Portanto, conclui que conceito atual de prisão é um conceito recente e surgiu com a reforma do Direito Penal e a consequente “humanização” das penas, momento em que a restrição da liberdade passa a ser considerada a principal das penas no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Assim sendo, a prisão, como regra, só poderá ocorrer após o trânsito em julgado de sentença penal que efetiva a condenação, alinhando os Princípios do Processo Penal com a Constituição de 1988, tendo como exceção apenas as prisões cautelares que atendem aos requisitos elencados nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal e as hipóteses previstas nos artigos 301 e 302 do Código de Processo Penal, as prisões em flagrante delito. 2.2 Do Conceito de Prisão A nossa Carta Magna textualiza em seu artigo 5º inciso LXI que

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“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. Tem-se por prisão, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, a privação da liberdade do indivíduo em situação de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva, conforme artigo 283 do atual Código de Processo Penal. Resta claro que Sistema Jurídico Brasileiro apenas permite duas modalidades de prisão: a prisão pena, e a prisão cautelar, conhecida também como prisão processual e que se dá pela garantia de que o processo não tenha seu curso interrompido ou cerceado por condutas do suposto agente delitivo. 2.3 Da Prisão-Pena A prisão-pena, ou carcer ad poenam, se refere à penalidade imposta pelo julgador ao sujeito que cometeu o delito e acontece ao término do processo penal, quando proferida a decisão final, após se esgotarem todos os meios recursais permitidos pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro. Só se permite a aplicação da prisão-pena com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória que impõe o cumprimento de uma pena privativa de liberdade, após efetivado todo o Devido Processo Legal e resguardadas todas as garantias e direitos do cidadão. Segundo Alberto Silva Franco (1986), citado por Renato Brasileiro (2015; p. 851): Enquanto a dogmática penal mais criativa não oferecer nenhum substitutivo válido para a pena privativa de liberdade, e enquanto a prisão, embora já considerada um ‘mal necessário ‘, não sofrer total esvaziamento, o regime penitenciário, com toda a sua problemática, não poderá ser descartado.

2.4 Das Prisões Cautelares A prisão cautelar, carcer ad custodiam, de natureza processual, é uma medida acautelatória que visa assegurar que a investigação e o processo se desenvolvam plenamente e sem transtornos, para que a aplicação do poder de apenar do Estado seja garantido ao final do procedimento, surtindo a eficácia esperada. Como bem ressalta Renato Brasileiro (2015; p.852): [...] a prisão cautelar deve estar obrigatoriamente comprometida com a instrumentalização do processo criminal. Trata-se de medida de natureza excepcional, que não pode ser utilizada como cumprimento antecipado de pena, na medida em que o juízo que se faz, para sua decretação, não é de culpabilidade, mas sim de periculosidade. Tendo em conta a função cautelar que lhe é inerente atuar em beneficio da atividade estatal desenvolvida no processo penal - a prisão cautelar também não pode ser decretada para dar satisfação à sociedade, à opinião pública ou à mídia, sob pena de se desvirtuar sua natureza instrumental. Infelizmente, não é isso o que se vê no dia a dia forense, em que há uma massificação das prisões cautelares, a despeito do elevado custo que representam.

Pela doutrina majoritária, são espécies de prisões cautelares: prisão em flagrante; prisão preventiva; prisão temporária. A prisão em flagrante, prevista no artigo 301 do Código de Processo Penal, é aquela que pode ser realizada por qualquer do povo, e deve ser decretada pela autoridade policial, em face daquele sujeito que se encontra em flagrante delito, ou seja, acontece no momento ou imediata-

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mente após a prática de um crime, estando suas possibilidades taxativamente previstas nos incisos do artigo 302 do Código de Processo Penal. Neste caso estamos diante de uma certeza visual do cometimento do delito, devendo assim haver a prisão do sujeito a fim de que se evite a continuação da prática delitiva, submetendo-o logo após, ao crivo do judiciário para ser analisada a necessidade de se adotar uma medida cautelar, sendo o flagrante uma possibilidade para a comprovação de tal conduta mediante a prova direta. Este é o motivo que faz com que sua natureza cautelar seja discutida por muito doutrinadores, afinal, ela não tem característica própria de garantir o resultado final do processo e sim de ser um instrumento para a aplicação de uma prisão preventiva. A prisão preventiva, prevista no artigo 311 do Código de Processo Penal, consiste em uma medida restritiva de liberdade que pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, pois seu objetivo é garantir que através de um bom desempenho processual se alcance um justo resultado final. A preventiva pode ser decretada pelo juiz de ofício, no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, e ainda por representação da autoridade policial, e se encontra fundamentada nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. Já a Prisão Temporária, prevista da Lei 7960/89, é uma prisão cautelar decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, nos casos específicos previstos no artigo 1º da referida lei. Diferente da Prisão Preventiva, a Prisão Temporária tem seu prazo de duração máximo previsto em Lei e só poderá ser fixada por 5 dias prorrogáveis por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade, salvo em se tratando de crime hediondo, quando o prazo será de 30 dias prorrogáveis por mais 30 dias também em caso de extrema e comprovada necessidade. 3 DOS PRINCÍPIOS, FUNDAMENTOS E PRESSUPOSTOS DAS MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS (COM ÊNFASE EM PRISÕES CAUTELARES) 3.1 Dos Princípios É de suma importância que sejam observados os Princípios aplicados as Medidas Cautelares Pessoais, vez que os mesmos guiam o entendimento dos juristas e regulam a atuação do Estado de forma a verificar a legitimidade de tais medidas, coibindo constrangimentos ilegais e abusos na aplicação das mesmas, evitando que milhares de presos provisórios sejam mantidos em cárcere sem que ao menos tenham sido condenados, uma vez que, como já visto anteriormente, com o advento da Lei nº 12.403/2011, a prisão processual tem caráter excepcionalíssimo, somente sendo aplicada quando sua necessidade se justifica na lei. Nesse diapasão, explica Miguel Tedesco Wedy (2013; p.67): As medidas cautelares têm o fim de proteger a integridade e o deslinde do processo definitivo, protegendo todos os mecanismos capazes de levarem ao êxito do procedimento final. Não se trata de medida antecipatória da providência final, mas de medida capaz de proteger os elementos pelos quais o juiz chegará ao seu decisum e à eficaz aplicação do jus puniendi. Partindo desse pressuposto, veremos agora alguns dos princípios básicos das medidas cautelares. 3.1.1 Jurisdicionalidade

Consagrado no artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal, e recepcionado expressamente pelo artigo 283 do Código de Processo Penal, o Princípio da Jurisdicionalidade, ou ainda, Princípio da Reser-

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va Jurisdicional, visa garantir que os direitos consagrados na nossa Carta Maior só possam ser restringidos por meio de ordem judicial. Pelo Princípio da Jurisdicionalidade, a decretação das prisões cautelares são atos de exclusividade dos magistrados, pois seu efeito implica diretamente na restrição de direitos fundamentais, estando, essa competência jurisdicional, fixada na Constituição de 1988. Mesmo se tratando de Prisão em Flagrante, esta passará pelo crivo do judiciário logo após sua decretação, não se eximindo da Jurisdicionalidade para que seja efetivado seu controle de legalidade. 3.1. 2 Motivação

O Princípio da Motivação encontra respaldo na combinação do artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal de 1988 com o artigo 93, inciso IX, do referido diploma, que dispõe: Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...] Por meio do Princípio da Motivação das Decisões, todos os atos advindos do Poder Judiciário deverão ser fundamentados sob pena de nulidade do ato. Para tanto, no Processo Penal Brasileiro, o Princípio da Motivação impõe que, para a decretação de medidas cautelares, é necessário que o magistrado fundamente sua decisão, mesmo quando se trata da prisão em flagrante, que apesar de decorrer da faculdade de qualquer do povo ou do dever da autoridade policial, será analisada pelo controle jurisdicional após sua decretação, momento em que esta poderá ser ratificada, relaxada ou convertida em preventiva pelo juiz, conforme vimos no Princípio da Jurisdicionalidade, princípio este que caminha ao lado da Motivação, O Código de Processo Penal foi claro ao recepcionar expressamente estes princípios em seu artigo 283: Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. Para o Supremo Tribunal Federal, a fundamentação das decisões não pode ser assentada de forma genérica, abstrata e impessoal, devendo ser extraída da realidade do fato concreto. Assim sendo, prevalece o status libertatis do acusado ou réu na falta de fundamentação da decisão que decreta a prisão cautelar: HABEAS CORPUS. DECISÃO INDEFERITÓRIA DE PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. SÚMULA 691/STF. POSSIBILIDADE DE MITIGAÇÃO DO ÓBICE. SUPOSTO DELITO DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. ILEGALIDADE FLAGRANTE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. ... 5. Em tema de prisão cautelar, a garantia da fundamentação importa o dever judicante da real ou efetiva demonstração de que a segregação atende a pelo menos um dos requisitos do art. 312 do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Sem o que se dá a inversão da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não-culpabilidade é de prevalecer até o momento do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 6. No caso, a prisão está assentada em fundamentação genérica, abstrata e impessoal. Sendo certo que essas características da generalidade, impessoalidade LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

e abstratividade são da lei, em sentido material, e não de um decreto prisional. 7. Habeas corpus não conhecido, mas concedida da ordem de ofício para cassar o desfundamentado decreto de prisão; ressalvada a possibilidade de decretação da prisão preventiva diante de fatos novos e válidos para a constrição cautelar. (STF, HC 105.494, Rel. Min. Ayres Britto, julgado em 07.06.2011, Segunda Turma, DJE 207 de 27.10.2011). É possível, assim, observar que, através dos Princípios da Jurisdicionalidade e Motivação, o Código de Processo Penal tem por finalidade não deixar que ocorra a banalização das medidas cautelares, garantindo à população uma maior segurança jurídica. 3.1.3 Contraditório

Apesar de muito questionado, o Princípio do Contraditório não pode ser descartado nos casos de aplicação de medidas cautelares. Porém, o que se encontra é um contraditório que não é pleno, não é amplo, pois sua aplicação dependerá da circunstância analisada no caso concreto, levando em consideração a urgência da situação e a eficácia da medida. Insta salientar que a regra hoje é a implementação da Audiência de Custódia assim que realizada a prisão em flagrante, consistindo na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso. Nesse caso, vislumbra-se um contraditório inicial, restrito aos pressupostos legais a justificar o flagrante. Prevê ainda o parágrafo 3º do artigo 282, do Código de Processo Penal, a possibilidade de intimação da parte sob a qual recai a aplicação da medida cautelar desde que não prejudique a eficácia ou urgência de tal medida. Assim estabelece o parágrafo 3º do artigo 282 do referido diploma legal: Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da par te contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo. Portanto, mesmo que timidamente, vislumbra-se a presença do Contraditório na aplicação das prisões cautelares, apesar de não ser um contraditório amplo na como ocorre na instrução processual. 3.1.4 Provisionalidade

O Princípio da Provisionalidade, previsto nos parágrafos 4º e 5º do artigo 282, é princípio básico das prisões cautelares, visto que se tratam de medidas cautelares excepcionais. As prisões cautelares só se legitimam se vislumbrados seus motivos previstos legalmente, portanto, uma vez desaparecidos tais motivos, deverá também acontecer de imediato a soltura do sujeito imputado. Não obstante, cabe ressaltar que, ao acusado que se manteve solto, caso constate-se posteriormente necessidade da sua prisão acautelatória, esta poderá ser decretada. A mesma também poderá ser substituída por medida cautelar diversa durante todo o curso do processo sempre que a situação de fato exigir. 3.1.5 Provisoriedade

Diferente do princípio supramencionado, que se refere aos motivos das cautelares, o Princípio da Provisoriedade se refere ao tempo de tais medidas, visto serem estas provisórias, devendo, em tese, ter

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prazo de início e fim. Aury Lopes Junior (2012; p.821). explica:

Segundo Renato Brasileiro (2015; p.820): O ‘fumus boni iuris’ enseja a análise judicial da plausibilidade da medida pleiteada ou percebida como necessária a partir de critérios de mera probabilidade e verossimilhança e em cognição sumária dos elementos disponíveis no momento, ou seja, basta que se possa perceber ou prever a existência de indícios suficientes para a denúncia ou eventual condenação de um crime descrito ou em investigação, bem como a inexistência de causas de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade. Em se tratando de medidas cautelares de natureza pessoal, não há falar, porém, em ‘fumus boni iuris’, mas sim em ‘fumus comissi delicti’.

[...] a provisoriedade está relacionada ao fator tempo, de modo que toda prisão cautelar deve(ria) ser temporária, de breve duração. Manifesta-se, assim, na curta duração que deve ter a prisão cautelar, até porque é apenas tutela de uma situação fática (provisionalidade) e não pode assumir contornos de pena antecipada. Tal prazo se concretiza na Prisão Temporária e nas Prisões em Flagrante, porém resta subestimado nas Prisões Temporárias. 3.1.6 Excepcionalidade

O artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal e o artigo 93 inciso IX não deixam dúvidas de que a regra é que o sujeito acusado seja mantido em seu status libertatis até o final do processo, e que as Prisões Cautelares são medidas excepcionalíssimas e só podem ser decretadas após análise de seus requisitos e pressupostos legais somados com a ineficiência da aplicação de cautelar diversa da prisão ao caso concreto. Para tanto, devemos sempre enaltecer o Princípio da Presunção de Inocência no que tange à aplicação das Prisões Cautelares, como forma de impor que sua decretação seja mesmo a ultima ratio, independente de tal princípio não ser enquadrado expressamente no roll da Principiologia de tais medidas, afinal, é pela Não Culpabilidade que se garante o caráter subsidiário desses institutos, evitando ilegalidades como encarceramentos desnecessários e prisão de inocentes. Nas palavras de Aury Lopes Junior (2012; p. 821): Ademais, a excepcionalidade deve ser lida em conjunto com a presunção de inocência, constituindo um princípio fundamental de civilidade, fazendo com que as prisões cautelares sejam (efetivamente) a ultima ratio do sistema, reservadas para os casos mais graves, tendo em vista o elevadíssimo custo que representam.

No entendimento de Aury Lopes Junior (2012; p.810): No processo penal, o requisito para a decretação de uma medida coercitiva não é a probabilidade de existência do direito de acusação alegado, mas sim de um fato aparentemente punível. Logo, o correto é afirmar que o requisito para decretação de uma prisão cautelar é a existência do ‘fumus commissi delicti’, enquanto probabilidade da ocorrência de um delito (e não de um direito), ou, mais especificamente, na sistemática do Código de Processo Penal, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. O periculum libertatis, por sua vez, trata-se do perigo na demora da prestação jurisdicional. Pugna-se aqui o risco da fuga ou um grave prejuízo ao processo em razão da liberdade do sujeito. Portanto, não é fator determinante o tempo, mas a situação de perigo que o imputado venha a causar com sua conduta. [...] o perigo não deriva do lapso temporal entre o provimento cautelar e o definitivo, mas sim do risco emergente da situação de liberdade do agente . Logo, em uma terminologia mais específica à prisão cautelar, utiliza-se a expressão periculum libertatis, a ser compreendida como o perigo concreto que a permanência do suspeito em liberdade acarreta para a investigação criminal, o processo penal, a efetividade do direito penal ou a segurança social. (BRASILEIRO, 2015, p. 821).

3.1.7 Proporcionalidade

O Princípio da Proporcionalidade se encontra positivado no inciso II do artigo 282 do Código de Processo Penal. Portanto, ao decretar a aplicação de uma medida cautelar, o Magistrado deve considerando a gravidade desta, com a finalidade pretendida, observando a necessidade e adequação de tal medida. Assim, como exemplo, temos que não seria razoável aplicar uma medida cautelar de prisão em um crime de injúria. A medida seria mais gravosa ao réu do que ocorreria em caso de condenação, no qual seria possível oferecer benefícios como penas restritivas de direito, transação penal e suspensão condicional do processo ao condenado. Ademais, no caso de condenação com prisão, o regime inicial de cumprimento de pena seria o semi-aberto.

Portanto, como se percebe, as prisões cautelares se destinam a proteção do processo penal e da aplicação da lei penal, e ainda a evitar que novos delitos venham a ser cometidos, não se atendo a dizer neste estudo que, apesar de legais, só deverão ser aplicadas caso as medidas cautelares diversas da prisão, também previstas legalmente, não se fizessem suficientes ao caso concreto.

3.2 Pressupostos das Medidas Cautelares: Fumus Commissi Delicti e Periculum Libertatis Por se tratarem de medidas de natureza cautelar, as Prisões Cautelares jamais poderão ser dotadas de efeito automático e sua decretação está condicionada à percepção do fumus comissi delicti e do periculum libertatis. Ao analisar o cabimento das cautelares, o juíz se abstem do exercício de uma cognição profunda como a exigida para o provimento definitivo, se atendo apenas ao exercício de uma cognição sumária, visto se tratarem de medidas de caráter de urgência. Não se decidi a aplicação da cautelar com base na certeza, mas na fumaça do delito cometido, ou seja, fumaça da prática de um fato punível pelo direito penal, comprovação da existência de um crime e indícios suficientes de autoria.

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Assim, para Hobbes, a prisão preventiva não é uma pena mas um ‘ato de hostilidade’ contra o cidadão, de modo que ‘qualquer dano que faça um homem sofrer, com prisão ou constrição antes que sua causa seja ouvida, além ou acima do necessário para assegurar sua custódia, é contrário à lei da natureza’. Para Beccaria, ‘sendo a privação da liberdade uma pena, não pode preceder a sentença senão quando assim exigir a necessidade’: precisamente, a ‘custódia de um cidadão até que seja julgado culpado, deve durar o menor tempo e deve ser o menos dura possível’ e ‘não pode ser senão o necessário para impedir a fuga ou não ocultar a prova do crime’. Para Voltaire, ‘o modo pelo qual em muitos Estados se prende cautelarmente um homem assemelha-se muito a um assalto de bandidos’. Analogamente, Diderot, Filangieri, Condorcet, Pagano, Bentham, Constant, Lauzé Di Peret e Carrara denunciam com força a ‘atrocidade’, a ‘barbárie’, a ‘injustiça’ e a ‘imoralidade’ da prisão preventiva, exigindo CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


sua limitação, tanto na duração como nos pressupostos, aos casos de ‘estrita necessidade’ do processo.” (FERRAJOLI, 2002, p. 443). 3.3 Fundamentos das Medidas Cautelares Como é visto no artigo 282, incisos I e II, do Código de Processo Penal, as medidas cautelares pessoais de prisão poderão ser decretadas observando-se a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais e ainda, a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Dispositivo este que, segundo Renato Brasileiro, guarda estreita semelhança com o artigo 312 do mencionado Diploma Legal, que estabelece que a prisão preventiva poderá ser decretada para assegurar a aplicação da lei penal, por conveniência da instrução criminal, ou como garantia da ordem pública ou da ordem econômica: Como se percebe, tanto as prisões cautelares quanto as medidas cautelares diversas da prisão destinamse a proteger a aplicação da lei penal, a apuração da verdade, ou, ainda, a própria coletividade, ameaçada pela perspectiva do cometimento de novas infrações penais. O que varia, como se percebe, não é a justificativa para a adoção da cautela, mas sim o grau de lesividade decorrente de cada uma delas. (BRASILEIRO, 2015, p. 820). Aplica-se o fundamento “garantia da ordem pública” quando o réu é voltado à prática reiterada de crimes; “garantia da ordem econômica”, quando o acusado, ao responder ao processo em liberdade, coloca em risco a economia do país; “conveniência da instrução criminal”, caso o réu esteja tumultuando e atrapalhando o bom andamento do processo, ou seja, destruindo provas ou ameaçando testemunhas; e “garantia da aplicação da lei penal”, quando existe risco de fuga do réu com base em circunstâncias concretas. Portanto, ao ser decretada a prisão preventiva, é de suma importância que algum dos fundamentos expostos acima estejam presentes na situação fática em que se encontra o acusado. É destaque de Aury Lopes Junior (2012; p. 860) que: Por fim, sempre, qualquer que seja o fundamento da prisão, é imprescindível a existência de prova razoável do alegado periculum libertatis, ou seja, ao bastam presunções ou ilações para a decretação da prisão preventiva. O perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado deve ser real, com um suporte fático e probatório suficiente para legitimar tão gravosa medida. Trás ainda o parágrafo único do artigo 312 do Código de Processo Penal, como fundamento para a decretação da prisão preventiva, o descumprimento de medida cautelar diversa da prisão imposta. Contudo, nestes casos o juiz deve verificar se realmente é necessária a decretação da prisão preventiva, tendo em vista a possibilidade de cumulação das medidas com outras ou a substituição por medidas mais gravosas. A prisão preventiva só deve ser utilizada como ultima ratio. . 4 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE Para se iniciar uma discussão acerca de tal decisão extremamente polêmica, primeiro é necessário que se conheça de maneira objetiva o Principio da Presunção de Inocência para que se tenha um mínimo de argumentação sobre o acerto ou desacerto de tal julgado. O princípio da Presunção de Inocência é também chamado pela LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

maioria dos doutrinadores como Princípio da Presunção de Não Culpabilidade, e sua ideia consiste no direito de o acusado não ser declarado culpado, senão ao término do devido processo legal, após terem sido utilizados todos os meios de prova para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório). Essa é a principal discussão acerca do HC 126.297. Alguns doutrinadores se referem ao texto constitucional consagrando o Princípio da Presunção de Não Culpabilidade, afirmando haver razão de ser para essa terminologia distinta, que pela maioria deve ser tratada como sinônimo por não haver tamanha diferença entre os termos Presunção de Inocência e Não Culpabilidade. Essa distinção pode ser justificada, sobretudo, por conta da diversidade de termos usados pela CF/88 e pela convenção americana sobre direitos humanos: O Pacto San Jose da Costa Rica utiliza-se da terminologia Presunção de Inocência, daí o termo ser mais comum, embora, ao olhar para nossa constituição, observa-se que em nenhum momento a mesma usa o termo “inocente”, tendo, portanto, uma redação negativa ao dizer que “ninguém será considerado culpado”. Porém, a CF/88 diz que o sujeito não será considerado culpado pelo menos enquanto não houver o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ou seja, o limite temporal da Presunção de Não Culpabilidade vai até o trânsito em julgado. E quando se observa o texto da Convenção Americana de Direitos Humanos, esse limite temporal se distingue, pois a Convenção diz que toda pessoa será considerada inocente até que se comprove legalmente sua culpa, não exigindo o trânsito em julgado, sendo, no entanto, uma expressão aberta, sem previsão do que seria essa comprovação legal da culpa. A conclusão daqueles doutrinadores que diferenciam Presunção de Inocência de Não Culpabilidade por meio de uma interpretação sistemática, é de que a Presunção de Inocência se estende até o exercício do direito ao duplo grau de jurisdição, pois esse princípio se encontra respaldado pela mesma Convenção Americana que garante o direito ao duplo grau de jurisdição. Portanto, para estes doutrinadores, se o sujeito tem o direito de recorrer ao tribunal objetivando o reexame integral da matéria de fato e de direito, é após o exercício desse direito ao duplo grau que se reconhecerá legalmente a comprovação da culpa do sujeito. O limite temporal da Convenção pode então ser compreendido no exato momento em que se exerce o direito ao duplo grau e é proferido acórdão mantendo a condenação, cessando a Presunção de Inocência. Assim, com esse entendimento, observa-se que os defensores de tal diferenciação acordam com a atual decisão do STF de permitir a execução da pena após o reexame de segundo grau. Aqui entramos em discussão. 5 CONCLUSÃO O Brasil recepcionou sim a presunção de inocência e, como presunção, exige uma pré-ocupação nesse sentido durante o processo penal, um verdadeiro dever imposto ao julgador de preocupação com o imputado, uma preocupação de tratá-lo como inocente. (LOPES JUNIOR, BADARÓ, 2016, p. 10). O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos e, portanto, adotou o Princípio da Presunção da Inocência. Ainda neste contexto, a Constituição da República Federativa do Brasil não deixa dúvidas ao afirmar que o sujeito é presumido inocente até o momento do trânsito em julgado.

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seja para reformá-la para um resultado absolutório, seja para reduzir substancialmente a pena imposta, muitas vezes até mesmo alterando a espécie de pena privativa de liberdade, quando não ocorre a extinção da punibilidade pela prescrição. Também é possível que o recurso seja provido por violação de regra legal ou garantia constitucional de natureza processual, implicando a anulação do acórdão condenatório do tribunal local, para que outro seja proferido, observando-se corretamente o dispositivo de lei federal ou a regra constitucional tida por contrariada ou violada. E há muitos temas aptos a serem questionados que podem levar a tais resultados. (LOPES JUNIOR, BADARÓ, 2016, p. 28).

Nestes termos, ao autorizar a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado, sem a existência do caráter cautelar, o STF trata um indivíduo que ainda é inocente, como culpado, igualando a situação fática e jurídica deste à de um condenado. Nas palavras de Glenda Rose Gonçalves Chaves e de Nicole Bianchi Barbosa (2013): Assim, no devido cumprimento do processo penal, há que se observar, entre outros princípios, o da presunção de inocência, sendo que, se não há culpabilidade, ou indícios suficientes para comprovar a mesma, não há que se falar em sanções ao imputado, devendo o mesmo ser absolvido. Por isso, não se pode ignorar a possibilidade de inocência do indivíduo, afastando o tratamento que lhe é devido como aquele que ainda não foi condenado, uma vez que, há inocência enquanto não houver culpabilidade. Há ainda que se discutir o principal argumento utilizado para justificar a restrição da garantia da prisão somente após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, para o da “prisão somente após a condenação em segundo grau”. O caráter extraordinário dos recursos especial e extraordinário que visa assegurar um controle de legalidade não pode interferir no conceito de trânsito em julgado expresso na Constituição da República de 1988 como marco final do processo e marco inicial para o tratamento do acusado como culpado, momento este que está sendo modificado por meio da atual decisão do Supremo, e seria tamanho exagero afirmar que, por não se discutir matéria fática em recursos extraordinários tais recursos não se preocupem com o direito concreto do recorrente. Portanto, justificar tal decisão no fato de que no âmbito das instâncias ordinárias se exaure a possibilidade de reexame de fatos e provas, esgotando-se também a análise de fixação da responsabilidade penal do acusado, é dizer que os recursos de natureza extraordinária não configuram um desdobramento do duplo grau de jurisdição, excluindo totalmente a possibilidade de mudança do julgamento por meio de tal petição recursal, desdenhando assim, tanto da importância desses recursos para o Ordenamento Jurídico Brasileiro como da qualidade extraordinária que tais recursos carregam. O revogado § 2º do art. 27 da Lei nº 8038/1990, assim como o caput do artigo 995 do novo Código de Processo Civil, não são aplicáveis ao processo penal por este constituir-se de características jurídicas próprias. Ademais, a execução provisória da pena é irreversível e seus efeitos são irremediáveis àquele que foi preso injustamente, sem que houvesse uma condenação final ou sem que existissem pressupostos para uma medida cautelar de prisão. O processo penal lida com a liberdade do indivíduo e não existem meios para que o Estado possa ressarcir ao Recorrente o tempo em que este ficou privado de sua liberdade aguardando uma decisão recursal que, no caso, pode vir a ser favorável a ele. Bem diferente do que ocorre no processo civil, que lida em sua maioria com questões patrimoniais passíveis de ressarcimento. Há que se compreender que o problema (de se prender antes do trânsito em julgado e sem caráter cautelar) não se reduz ao mero problema de efeito recursal. É da liberdade de alguém que se está tratando e, portanto, da esfera de compressão dos direitos e liberdades individuais, tutelados – entre outros princípios – pela presunção de inocência... Há diversos temas, envolvendo questões predominantemente de direito, e passíveis de ataque em recurso especial e extraordinário, que podem permitir uma alteração da decisão condenatória, LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

A prisão do sujeito antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória desperta insegurança jurídica, pois desrespeita garantias fundamentais expressamente dispostas, indo em desencontro à Carta Magna e à Convenção Americana de Direitos Humanos. O Supremo Tribunal Federal não pode modificar o texto constitucional por meio de sua interpretação à norma. Se a norma constitucional não se adéqua mais à realidade social, é preciso alterá-la, e não reinterpretá-la de forma contrária à Lei Maior, a fim de responder a um clamor social pela tentativa de se verem resolvidos os problemas de impunidade que ocorrem no Brasil. Se o Estado é ineficiente e não consegue prestar a tutela jurisdicional no tempo devido, por insuficiência física e material que geram incapacidade do Poder Judiciário julgar, em tempo razoável os processos, não se pode pagar o preço da ineficiência com a supressão de garantias processuais dos acusados. (LOPES JUNIOR, BADARÓ, 2016, p. 37).

REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 20 de março de 2016. BRASIL. Presidência da República. Código de Processo Penal de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto -lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 de março de 2016. BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Juspodivim, 2015. BRASILEIRO, Renato. Execução Provisória. Disponível em: <http://direitopenalemdia.blogspot.com.br/2016/02/renato-brasileiro-execucao -provisoria.html> Acesso em: 20/04/2016. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. Tradução: Neury Carvalho Lima. 1ª ed. São Paulo: Hunter Books Editora. 2012. BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3. ed. Saraiva: São Paulo, 2004. CHAVES, Glenda Rose Gonçalves. BARBOSA, Nicole Bianchi. Liberdade de Imprensa, Direitos de Personalidade e presunção de Inocência. Disponível em: <http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=787> Acesso em: 29 de maio de 2016. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 3ª ed. Revista. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002.

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Informativo 814 do STF. <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/ documento/informativo814.htm> Acesso Em: 23 de março de 2016. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2011. LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 9ª ed. São Paulo: Editora Saraiva: 2012. LOPES JUNIOR, Aury. Fim da presunção de inocência pelo STF é nosso 7 a 1 jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-mar-04/ limite-penal-fim-presuncao-inocencia-stf-nosso-juridico> Acesso em: 23 de março de 2016. LOPES JUNIOR, Aury. BADARÓ, Gustavo. Presunção de Inocência: Do conceito de trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Disponível em: < https://www.academia.edu/25564572/Parecer_Presun%C3%A7%C3%A3o_de_Inoc%C3%AAncia_Do_conceito_de_tr%C3%A2nsito_em_julgado_da_senten%C3%A7a_penal_condenat%C3%B3ria?auto=download> Acesso em: 2 de junho de 2016. Manual para elaboração e apresentação dos trabalhos acadêmicos: padrão Newton Paiva. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva. 2011. Disponível em: <http://newton.newtonpaiva.br//NP_conteudo/file/Manual_aluno/Manual_Normalizacao_Newton_2011.pdf>. Acesso em: 20/03/2016. WEDY, Miguel Tedesco. Eficiência e prisões cautelares. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.

Banca Examinadora Ronaldo Passos Braga (Orientador) Laura Maria F. Lima (Examinadora)

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FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS COMO FORMA DE CONSERVAR O EMPREGO EM MEIO À CRISE Mariane de Oliveira Carvalho Garcia1

RESUMO: O objetivo do presente trabalho é avaliar quais são as alternativas à demissão dos trabalhadores em momento de crise, analisando se estas tratam-se de medidas constitucionais garantidoras da dignidade humana e da proteção ao trabalhador. Percebe-se inicialmente que diante da situação econômica do país é necessário tecer críticas à rigidez do Direito do Trabalho, discutindo a possibilidade de diminuir os prejuízos para as empresas que não se encontram financeiramente saudáveis e garantir os empregos dos trabalhadores. O problema em questão mostra-se na expectação de flexibilizar os direitos trabalhistas para inviabilizar as demissões em massa e concomitantemente não ferir as garantias constitucionais dos obreiros. No trabalho será realizada uma análise das alternativas possíveis diante deste cenário, utilizando para tanto o método de abordagem dialético, que visa investigar a realidade de acordo com as mudanças que ocorrem na natureza e na sociedade. Para se ter uma alternativa às demissões de milhares de trabalhadores em meio à crise econômica, torna-se necessário criar possibilidades que não visem a desregulamentação total dos preceitos trabalhistas, mas apenas os adequem à efetiva realidade. PALAVRAS-CHAVE: Direito do Trabalho. Flexibilização. Desemprego. Alternativas .

1 NTRODUÇÃO A crise econômica enfrentada pelo país nos últimos anos revela uma realidade preocupante na seara trabalhista, visto que o nível de desemprego subiu além das expectativas. A flexibilização de direitos trabalhistas surge como uma alternativa ante a real situação do mercado. O desemprego é consequência não só da escassez de dinheiro, mas também pela falta de mão de obra qualificada e eliminação de postos de trabalho. A flexibilização das rígidas leis trabalhistas permite a adaptação das normas às peculiaridades de cada emprego, admitindo derrogações de condições para adapta-las às situações atuais enfrentadas pelas empresas. Muitos trabalhadores, pressionados pela pobreza, fome, escassez de emprego e de ofertas de trabalho, abrem mão de benefícios, se submetem a condições ínfimas de trabalho, muitas de risco, com salários baixíssimos. Por conta da desequilibrada distribuição de renda e da falta de emprego é que o discurso da flexibilização torna-se tão necessário. O direito do trabalho sofre influências direta das mudanças e transformações verificadas no campo econômico, social e político. A flexibilização de direitos trabalhistas pode ser realizada para inviabilizar as demissões de forma a não ferir as garantias constitucionais. Este tema é previsto na Constituição Federal, em seu artigo 7º, VI, XIII e XIV, que possibilita a flexibilização de jornada e de salário como medida excepcional. Ante a falta de informação e sob o argumento de que a legislação é antiga e inadequada ao momento atual, a sociedade brasileira tem aceitado as alterações no texto legal e consequentes revogações de direitos do trabalhador. Sob pena de redução drástica de empregos, a flexibilização deve ser aceita como excelente solução para o momento atual. 2 PRINCÍPIOS ESPECIAIS DO DIREITO DO TRABALHO O Direito do Trabalho possui princípios próprios e específicos que juntamente com as normas fundamentam toda a estrutura de direitos trabalhistas.

[...] Com a criação de diplomas legais para a regulamentação das relações trabalhistas, surgiu também a necessidade de instituir os princípios constitucionais e específicos, objetivando melhorias contínuas e eficazes nas relações trabalhistas. Logo, os princípios que regem o direito do trabalho possuem função essencial nas relações trabalhistas, através dele os direitos trabalhistas ganham mais força no que diz respeito a sua aplicabilidade. (BONACCORSI; VARETO, 2014). 2.1 O princípio da proteção O objetivo do princípio protetor é equilibrar a desigualdade entre o empregado e empregador, nivelando as partes e garantindo uma vantagem jurídica ao obreiro. Nesse sentido, SILVA (1999, p. 22), a inferioridade afeta o consentimento do contratante fraco em seu componente de liberdade. Não pode ele negociar da melhor maneira para os seus interesses porque não é realmente livre para aceitar ou recusar. A subordinação jurídica coloca o empregado sob a autoridade do empregador, caracterizando um desequilíbrio contratual. O poder diretivo do empregador para dar ordens, comandar e disciplinar, coloca o empregado em situação inferior. Daí a necessidade de adotar precauções para que essa subordinação se limite à prestação do trabalho e não alcance a vida do empregado fora do trabalho. Visando atenuar o desequilíbrio da relação contratual de trabalho, o princípio da proteção ao hipossuficiente tenta corrigir desigualdades, dando ao empregado uma superioridade diante da sua condição. A busca pelo lucro e pela competitividade do mercado, faz com que empresários explorem seus empregados ao submetê-los a jornadas exorbitantes, salários baixíssimos e colocando em risco a própria segurança pessoal. Por esse motivo, o princípio da proteção é a razão de ser do Direito do Trabalho, que reconhece a desigualdade entre os sujeitos da relação de trabalho, e promove o equilíbrio contratual. Infere SILVA (1999, p. 37), “[...] o Direito do Trabalho cresceu sobre a base de suprimir liberdade, de restringir possibilidades, de limitar as opções do empregador”. A flexibilização busca exatamente o contrário: recuperar liberdades e facilidades para o empregador.

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Flexibilizar significa criar exceções, dar maleabilidade à rígida lei trabalhista, autorizar a adoção de regras especiais para casos diferenciados”. O artigo 7° da Constituição Federal garante a irredutibilidade salarial, mas ressalva a possibilidade de flexibilização, mediante negociação coletiva. A flexibilização é a possibilidade de o Estado, sem comprometer o mínimo existencial, autorizar em casos específicos, exceções ou regras menos rígidas, de forma que seja também passível a manutenção da empresa e dos empregos.

A Consolidação das Leis Trabalhistas se mostra como um conjunto normativo que concede ao Estado a possibilidade de intervenção nas relações trabalhistas visando a amparar o trabalhador que por necessidade e dependência econômica acaba aceitando o labor em suas condições mais degradantes e exploratórias. 2.2 Princípio da Indisponibilidade dos Direitos Em regra, os direitos trabalhistas são irrenunciáveis, indisponíveis e inderrogáveis, ou seja, não se incluem no âmbito da livre disposição pelo empregado. Não cabe ao trabalhador a opção de despojar-se das proteções que a CLT que propicia. Esse princípio protege o trabalhador que para garantir o emprego e seu sustento, poderia vir a abrir mão de direitos essenciais que garantem sua dignidade na relação contratual. O referido princípio encontra fundamento no artigo 9º da CLT, que declara nulos os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos nela contidos. O artigo 468 considera nula a alteração, mesmo bilateral, das condições do contrato, desde que prejudicial ao empregado. A jurisprudência dos Tribunais vem entendendo que o juiz não deve ocupar uma posição apenas de expectador, mas sim atuar em defesa do trabalhador quando perceber a renúncia de direitos elencados na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho. 2.3 Princípio da Integralidade e da Irredutibilidade Salarial O princípio da irredutibilidade salarial possui como escopo a estabilidade econômica do trabalhador, impedindo que ele sofra redução em seu salário pela simples necessidade de se aumentar o lucro da empresa. Essa proibição abrange tanto a mudança do valor quanto a forma de pagamento do salário. Entretanto, em seu artigo 7°, VI, a Constituição Federal permite a redução salarial mediante acordo ou convenção coletiva. Dessa forma, confere legitimação aos sindicatos para a redução através de convênios coletivos, em defesa da saúde da empresa. Existem duas formas para ocorrência da redução: a forma direta e a indireta. Na redução direta, há uma diminuição do valor nominal do salário do trabalhador. Na indireta, reduz-se a quantidade de serviço do empregado que recebe por produção, ou a jornada habitual do empregado horista, o que afeta irremediavelmente seu salário (ETTRICH, 2011). Cumprir os requisitos da previsão convencional e da comprovação de dificuldades enfrentadas pela empresa é fundamental, pois o que se busca garantir é a continuidade do vínculo empregatício. 3 A FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Todas as transformações que vieram acompanhadas do processo de globalização impuseram ao Direito do Trabalho a adequação à realidade do mercado. O grande problema das propostas para solucionar o desemprego surge no conflito de princípios constitucionais. De um lado se encontra os comandos de proteção ao trabalhador elencados no art. 7º da Constituição Federal, garantindo irredutibilidade de salário, resguardo quanto à despedida arbitrária, etc. e de outro lado o de proteção à preservação da empresa (art. 170, CF/88), assegurando e valorizando a livre iniciativa como condicionadora da atividade econômica que beneficia toda a sociedade. Por esta razão, a flexibilização de direitos só pode surgir em casos excepcionais, em respeito à dignidade do trabalhador e motivado apenas para a manutenção do emprego e saúde do empregador. Para BOMFIM (2010, p. 50):

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A estrutura rígida do Direito do Trabalho reveste as garantias conquistadas pelos trabalhadores com o princípio da indisponibilidade, o qual inviabiliza o empregado de despojar-se das vantagens e proteções asseguradas pela ordem jurídica e pelo contrato. É certo que por se tratar de direitos humanos, alguns direitos trabalhistas devem ser tratados como cláusulas pétreas que impossibilitam sua reforma e constituem núcleo imodificável pela Constituição Federal. Os princípios da dignidade da pessoa humana, da justiça social, da valorização do trabalho e da função social da ordem econômica, não podem meramente serem colocados de lado para que o interesse lucrativo passe à frente. Suprimir esses princípios pode refletir no agravamento da condição dos hipossuficientes, contribuindo para o enfraquecimento do Direito do Trabalho. 4 FLEXIBILIZAÇÃO VERSUS DESREGULAMENTAÇÃO A crise econômica, o assustador avanço tecnológico e o furor do mercado internacional, acarretaram situações em que tornou-se necessária drásticas mudanças na seara trabalhista mundial. Para enfrentar a crise, os países de terceiro mundo necessitaram de diminuir os custos com a mão de obra e consequentemente reduziram as normas de proteção ao trabalhador. Entretanto, essa revisão legislativa trabalhista se aproxima da desregulamentação, buscando alternativas que superem a flexibilização em busca do aumento do lucro e sob o argumento de que é o excesso de encargos trabalhistas que dificulta a gestão empresarial e o crescimento econômico. Sobre a desregulamentação e flexibilização, BOMFIM (2014, p. 50) assevera: [...] A desregulamentação pressupõe a ausência do Estado, revogação de direitos impostos pela lei, retirada total da proteção legislativa, permitindo a livre manifestação de vontade, a autonomia provada para regular a relação de trabalho, seja de forma individual ou coletiva. A flexibilização pressupõe intervenção estatal, mais ou menos intensa, para proteção dos direitos do trabalhador, mesmo que apenas para garantia de direitos básicos. Na flexibilização, um núcleo de normas de ordem pública permanece intangível, pois sem estas não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade, sendo fundamental à manutenção do Estado Social. Enquanto a flexibilização representa um artificio necessário de adaptação aos novos clamores econômicos, a desregulamentação busca simplesmente a substituição da norma positivada pela convenção coletiva ou individual e pelas conveniências costumeiras. A propósito da desregulamentação, ensina SUSSEKIND (2001, p. 357):

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[...] A desregulamentação retira a proteção conferida pelo Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições do trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Não há como, aproximar, portanto, flexibilização de desregulamentação, uma vez que não se CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


confundem, mas confrontam-se na medida em que a maleabilidade na norma atingida pelo primeiro conceito requer uma compensação à parte hipossuficiente da relação empregatícia; enquanto o segundo pretende minorar a atuação do Estado, por intermédio da sobreposição do negociado sobre o legislado, sem atentar para as garantias constitucionalmente asseguradas. A partir disso, infere-se que a desregulamentação visa um Estado mínimo que não regule as questões sociais de âmbito trabalhista, mas permita a regulação autônoma privada, individual ou coletiva. 5 OS LIMITES DA FLEXIBILIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO Embute-se na ideia de normatização do direito do trabalho, um pensar de que as normas imperativas são o fato gerador da crise das empresas, uma vez que lhes retira as possibilidades de adaptação ao mercado. Há a ideia de que a proteção ao trabalhador impede a competição no mercado internacional e espanta as oportunidades de lucratividade e avanço tecnológico. Entretanto, torna-se necessário entender que, embora o direito do trabalho e a economia tenham ligação, o desmantelamento do direito do trabalho não é apto a apresentar sucesso econômico para as empresas. O avanço econômico depende de várias outras determinantes que não só a redução do custo do trabalho (MAIOR, 2000). A Carta Magna delimitou as hipóteses de relativização dos direitos sociais trabalhistas aos instrumentos coletivos, que são capacitados a suscitar a flexibilização, limitados pelas garantias fundamentais. Nas palavras de NASSIF (2001, p. 102): Flexibilizáveis podem ser os direitos individuais ou coletivos desde que por instrumentos coletivos. Não são flexibilizáveis os direitos difusos, pois os direitos que transcendem a esfera do indivíduo, ou da coletividade, indo afetar um conjunto maior de pessoas que as representadas, não podem ser disponíveis, haja vista a falta de legitimação. Mesmo quando se entrega a representação dessa coletividade a um conjunto de representantes, e ainda que estes representantes sejam eleitos diretamente por uma coletividade de trabalhadores, se esta coletividade não é a única a ser afetada pela negociação. A forma como a Constituição Federal trata os direitos trabalhistas autoriza a elaboração de normas protetivas além do tradicional modelo legislativo, admitindo a elaboração de condutas que em concordância com a própria Carta, produza efeitos e melhorias ao trabalhador. Permitir que as empresas e os sindicatos específicos de cada segmento deliberem sobre as condições ideais, poderia ser o ponto de equilíbrio em meio à crise para evitar o desemprego. Entretanto, não se pode confiar totalmente a proteção do trabalhador aos sindicatos que encontram-se com diminuta capacidade negociável e despreparados ante a hipótese de desenvolver acordos e zelar pelos direitos dos obreiros. Nesse sentido, BOMFIM (2010, p. 63):

Em momentos de crise, o próprio empregado reconhece a necessidade de trabalhar em conjunto com o empregador para a recuperação da empresa. A partir de acordos coletivos amparados pela tutela estatal que estabelecem normas necessárias e não firam direitos relativos à saúde e segurança dos trabalhadores, é possível aumentar a produtividade da economia, reduzir os custos dos investimentos e tributos sem detrimento dos direitos sociais. 6 A FLEXIBILIZAÇÃO COMO CONSEQUENCIA DA GLOBALIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO Dentre inúmeras mudanças dentro das empresas trazidas pela globalização, algumas se destacam e justificam a verdadeira precarização das relações de trabalho vistas nos últimos anos. Pode-se dizer que a redução de cargos e funções, fazendo com que alguns poucos obreiros acumulem consideráveis atividades sem que se perca qualidade do serviço é um dos fatores de maior destaque. Para DELGADO (2006, p. 43): [...] Ainda que esta concentração não seja plena, melhor correspondendo a um processo de agregação de atividades, tarefas, funções e poderes em um número menor de pessoas, o fato é que, em seu conjunto, tem grande impacto na elevação da produtividade do trabalho e na diminuição no montante de empregos na vida empresarial. Esta sobrecarga de trabalho, mesmo quando repercutida na remuneração do empregado, acarreta outras consequências, como o aumento do estresse e de doenças advindas do excesso de afazeres impostos ao trabalhador. O rendimento destes trabalhadores que conseguem cumprir com as funções acrescidas além das próprias, se dá por conta do segundo fator da precarização das relações: a automação do labor. A Revolução Industrial trouxe consigo a frequente busca pela facilitação dos processos mecânicos e monótonos, acarretando a substituição de cargos ocupados por homens por maquinas na execução. A grande transformação tecnológica e industrial é responsável inclusive pelas consequências do desemprego. A explicação de Nassif (2001, p. 76) sobre a questão é a seguinte: [...] A primeira consequência é relativa ao fato de o crescimento econômico não permitir a geração de empregos no ritmo necessário para absorção da população que ingressa no mercado de trabalho assalariado regulamentado. A segunda, o fato de os avanços tecnológicos promoverem a destruição de posto de trabalho, que não mais voltarão a ser criados. A terceira consiste na polarização de empregos segundo qualificações exigidas, ou seja, existem empregos destinados a trabalhadores que preenchem as exigências de mercado, chamados “bons empregos”, e de outro lado, os empregos precários. Outro fator que contribuiu com as mudanças na seara trabalhista, é a terceirização, que busca dinamizar e especializar serviços sem a criação do vínculo com a empresa. Segundo DELGADO (2014, p. 452),

Raros são os sindicatos com espirito sindical e reivindicatório, para defesa dos interesses da categoria profissional, e isentos da influência do poder econômico dos empresários. Por isso, prestigiar a máxima do negociado sobre o legislado é crer que todos os sindicatos brasileiros têm condições e capacidade de negociar, que são fortes e independentes dos interesses e pressões econômicas, o que não é verdade.

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[...] Terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização surge como estratégia empresarial para viabilizar

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a permanecia do negocio no mercado. A possibilidade de economizar com infraestrutura, reduzir custos com mão de obra e aumentar a produção antes precária, torna a terceirização um atrativo para os empregadores. Entretanto, os terceirizados ganham salários mais baixos, não possuem representação sindical e na maioria das vezes, seus contratos não respeitam a legislação trabalhista. O mesmo autor apregoa: [...] A fórmula terceirizante pulveriza a classe trabalhadora, criando dificuldades praticas quase intransponíveis para a efetiva aplicação do Direito do Trabalho, em face das inúmeras peculiaridade que passa a criar, em função dos tipos de segmentos econômicos, de empresa e de trabalhadores envolvidos. O artificio dispersa o sistema de fiscalização e a atuação sindical. (DELGADO, 2005, p. 44). O que ocorre na terceirização é que o foco entre empregado e empregador é deslocado para uma relação trilateral com o tomador de serviços. Assim, não se encontram presentes os requisitos do vínculo empregatício como a subordinação, pessoalidade e habitualidade, previstos no artigo 3º da CLT. Portanto, desde que a relação de emprego não fique centrada apenas entre o tomador e o empregado, a terceirização não é coibida. O que se proíbe é a intermediação da mão de obra do trabalhador.

Os sindicatos que anteriormente lutavam por melhorias salariais, passam a ter que oferecer treinamentos para os obreiros como forma de manutenção de empregos. 8 ALTERNATIVAS ANTE A DEMISSÃO DE EMPREGADOS Ainda que pouco utilizadas na prática das empresas, existem na lei, alternativas para a demissão dos trabalhadores em época de crise, que se utilizadas da maneira correta podem evitar prejuízos tanto para os trabalhadores como para os próprios empregadores. Alternativas que flexibilizam as regras como a diminuição da jornada por acordo coletivo, a suspensão dos contratos para qualificação profissional, férias coletivas, o Programa de Demissão Voluntária (PDV) e o mais recente criado Programa de Proteção ao Emprego (PPE). 8.1 Redução de salário e de jornada Em que pese o princípio da irredutibilidade salarial já discutido no presente artigo, existem previsões que ressalvam a hipótese de diminuição da jornada de trabalho e consequentemente do salário através de instrumentos coletivos. Como pode ser visto no art. 503, da CLT: Art. 503 da CLT: É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região. Parágrafo único - Cessados os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos.

7 A FLEXIBILIZAÇÃO COMO MEIO DE ADEQUAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS No Brasil, existe a ideia de que o custo da mão de obra é o que causa o desemprego, acarretando o pensamento de que flexibilizar as relações trabalhistas faria gerar ou manter vagas de trabalho. Para MAIOR (2000, p. 139),

Além disso, no art. 2º da Lei 4.923/65: Art. 2º da Lei 4.923/65: A empresa que, em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do numero de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa de seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores.

[...] O pressuposto de que o direito do trabalho precisa ser alterado para possibilitar o fortalecimento das empresas, no ambiente de concorrência globalizada, não encontra qualquer obstáculo de ordem moral, primeiro porque a globalização não é vista pelo seu lado perverso, segundo porque acredita-se que o custo do trabalho é elemento decisivo nessa concorrência e que se algo não for feito todo o país sentirá o efeito da perda da corrida econômica. A dignidade do trabalhador deve ser prioridade ante a globalização e o anseio por aumento da lucratividade. A adaptação das leis ao mercado deve, primeiramente, proceder de um estudo das reais condições da empresa, pensando-se em uma possibilidade de baixar os custos, reduzir impostos e prezar pela qualificação do trabalhador. Nesse sentido BOMFIM (2010, p.65), [...] A flexibilidade de normas trabalhistas de forma responsável, utilizada como medida excepcional para a manutenção ou recuperação da saúde da sociedade empresaria ou empresário, é a resposta que mais harmoniza com os postulados constitucionais de valoração da dignidade da pessoa humana e como proteção ao princípio fundamental do trabalho. A medida também ajuda a evitar uma crise social mais grave e o aumento do desemprego. O Direito do Trabalho deve conservar seu objetivo inicial tutelando os trabalhadores, entretanto, isso não deve ser empecilho para o avanço da tecnologia e para o desenvolvimento da economia. O objetivo passa a ser a defesa do emprego e não somente do empregado.

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Por fim, no art. 7º, VI, da CFRB/88: Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] VI - Irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; Segundo se depreende do artigo 503 da CLT, o empregador poderia agir imediatamente para salvar o negócio da crise financeira. Com o surgimento da Lei 4.923/65, apareceram diversas condições para que a redução fosse autorizada. A mudança drástica ocorreu com o advento da Constituição Federal de 1988, que retirou a maioria dos requisitos, garantindo apenas que a redução deveria acontecer sob o prisma do acordo ou convenção coletiva. Os Tribunais possuem posições divergentes quanto à aplicação dos referidos dispositivos:

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[...] A referida redução pode durar até 6 meses, podendo ser prorrogada, mas tem como limite o período de 12 meses. Durante o período de vigência do programa e após mais um terço de seu período de vigência, não podem haver demissões sem justa causa na empresa [...] A adesão se realiza por acordo coletivo específico com o sindicato da categoria estando comprovada a situação de dificuldades econômico-financeiras perante o Comitê Interministerial do PPE. Uma vez realizada a adesão, os empregados são obrigados a acatar a redução na jornada de trabalho e nos seus vencimentos. [...] A empresa também deve comprovar a impossibilidade de utilização de banco de horas e férias coletivas em relação aos seus empregados. (ZUZA, 2016).

Conforme o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 1º Região, o artigo 503 da CLT não fora recepcionado pela Carta Magna: PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE SALARIAL. ART. 7º, VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REVOGAÇÃO TÁCITA DO ART. 503, DA CLT. O art. 503, da CLT, encontra-se tacitamente revogado, uma vez que o legislador constitucional consagrou o princípio da irredutibilidade salarial no art. 7º, inciso VI, da Carta Magna, ressalvando apenas a hipótese de disposição em acordo ou convenção coletiva. Logo, nem a lei poderá autorizar a redução salarial, que só será admitida, ainda que visando a manutenção da saúde financeira e a própria existência da empresa, quando feita por norma coletiva. (RIO DE JANEIRO, TRT-1. RO 00962006520085010057, Relator: Rogerio Lucas Martins, 2013). Em entendimento diverso, o TRT da 15º Região, estabeleceu que o acordo coletivo para a redução salarial seja realizado de acordo com os requisitos elencados na Lei nº 4.923/65: REDUÇÃO SALARIAL NOMINAL AUTORIZADA POR ACORDO COLETIVO. NULIDADE. A autorização legislativa para a redução salarial, conferida pelo artigo 7º, VI, da CF, não é irrestrita, devendo ser pautada pelos critérios estabelecidos pela legislação infraconstitucional - Lei 4923/65 e artigo 503 da CLT - que foi recepcionada quanto à motivação e limites da redução. Nesses termos, afigura-se abusiva a redução salarial de 30%, sem prova da conjuntura econômica e desprovida de contrapartida benéfica ao empregado. (SÃO PAULO, TRT-15. RO 14285420125150066, Relator: JOÃO BATISTA DA SILVA, 2013). SAAD (2015, p.741), destaca que o novo texto constitucional não faz a redução salarial depender deste ou daquele fato ou circunstancias. As partes tem ampla liberdade para decidir a respeito da redução de salários dos empregados. Cabe ao sindicato e ao empregador estabelecer quais serão as condições válidas para a redução de jornada e de salário. Ao Poder Judiciário caberá a analise se houve violação de preceitos e garantias fundamentais à dignidade do trabalhador. 8.2 Programa de Proteção ao Emprego Em uma tentativa de diminuir as consequências da crise econômica e das demissões e massa, o Poder Executivo editou em julho de 2015 a Medida Provisória 680/2015 que instituiu o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que foi regulamentado pelo Decreto n° 8.479/15 (ZUZA, 2016). O Programa de Proteção ao Emprego surge com o intuito de auxiliar os empresários que por conta dos efeitos da crise, precisaram diminuir a produção e os gastos; ao mesmo tempo em que estimula a permanência dos trabalhadores em empresas que se encontram em dificuldades financeiras temporárias. Segundo informações retiradas do mencionado portal:

O Programa não apresentou ainda resultados conclusivos, e da mesma forma que a empresa poderia reduzir os gastos com infraestrutura e contribuições previdenciárias, também poderia optar pela suspensão do contrato de trabalho. Para o empregado, apesar de conseguir manter o emprego, sua renda acaba diminuindo, fato que faria compensar o recebimento das verbas rescisórias. 8.3 Suspensão temporária do contrato de trabalho ou lay-off Trata-se da possibilidade de suspensão do contrato de trabalho para qualificação profissional, previsto no artigo 476-A, da CLT. Segundo o referido artigo, pode-se suspender temporariamente o contrato de trabalho do empregado, por um período de 2 a 5 meses, para participação em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração que deve corresponder à suspensão contratual (SOUSA CESCON, 2015). Nesse sistema, o empregado pode receber de seu empregador ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, e uma bolsa paga pelo FAT (Fundo de Ampara ao Trabalhador) equivalente ao valor do benefício do seguro desemprego. A suspensão deve atender aos requisitos do artigo 476-A, da CLT, a qual deverá ser estabelecida por acordo coletivo e ter a concordância expressa do empregado, com prazo determinado. Na hipótese de suspensão dos contratos, a empresa não precisa recolher FGTS e contribuições previdenciárias. Dessa forma, estabelece o artigo 476-A da CLT:

[...] O programa possibilita que a empresa após adesão, possa reduzir a jornada de trabalho em até 30 %, com redução proporcional do salário do trabalhador na mesma porcentagem. [...] O governo paga 50% da redução salarial, por meio de recursos advindos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, estando tal pagamento limitado a R$ 900,84. [...] As contribuições de FGTS e INSS serão reduzidas na proporção do salário, considerando, também o valor pago pelo governo.

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Art. 476-A. O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação. § 1o Após a autorização concedida por intermédio de convenção ou acordo coletivo, o empregador deverá notificar o respectivo sindicato, com antecedência mínima de quinze dias da suspensão contratual. § 2o O contrato de trabalho não poderá ser suspenso em conformidade com o disposto no caput deste artigo mais de uma vez no período de dezesseis meses. § 3o O empregador poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual nos termos do caput deste artigo, com valor a ser definido em convenção ou acordo coletivo. § 4o Durante o período de suspensão contratual para participação em curso ou programa de qualificação profissional, o empregado fará jus aos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador. CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


§ 5o Se ocorrer a dispensa do empregado no transcurso do período de suspensão contratual ou nos três meses subseqüentes ao seu retorno ao trabalho, o empregador pagará ao empregado, além das parcelas indenizatórias previstas na legislação em vigor, multa a ser estabelecida em convenção ou acordo coletivo, sendo de, no mínimo, cem por cento sobre o valor da última remuneração mensal anterior à suspensão do contrato. § 6o Se durante a suspensão do contrato não for ministrado o curso ou programa de qualificação profissional, ou o empregado permanecer trabalhando para o empregador, ficará descaracterizada a suspensão, sujeitando o empregador ao pagamento imediato dos salários e dos encargos sociais referentes ao período, às penalidades cabíveis previstas na legislação em vigor, bem como às sanções previstas em convenção ou acordo coletivo. § 7o O prazo limite fixado no caput poderá ser prorrogado mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, desde que o empregador arque com o ônus correspondente ao valor da bolsa de qualificação profissional, no respectivo período. A suspensão pode resultar em uma economia para a empresa já que reduzirá os custos salariais, previdenciários e fiscais durante o período limitado a 3 meses, podendo ser prorrogável nos limites da lei. 8.4 Férias Coletivas O artigo 139 da CLT autoriza o empregador a conceder férias coletivas aos empregados, diante da necessidade de paralização das atividades de um ou mais setores da empresa, por determinado período. Art. 139 Poderão ser concedidas férias coletivas a todos os empregados de uma empresa ou de determinados estabelecimentos ou setores da empresa. § 1º - As férias poderão ser gozadas em 2 (dois) períodos anuais desde que nenhum deles seja inferior a 10 (dez) dias corridos. § 2º - Para os fins previstos neste artigo, o empregador comunicará ao órgão local do Ministério do Trabalho, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias, as datas de início e fim das férias, precisando quais os estabelecimentos ou setores abrangidos pela medida. § 3º - Em igual prazo, o empregador enviará cópia da aludida comunicação aos sindicatos representativos da respectiva categoria profissional, e providenciará a afixação de aviso nos locais de trabalho.

dade de resolver pendencias e débitos posteriormente, desde que sejam relativas às verbas rescisórias não descritas no recibo de quitação. Segundo CAMPBELL (2010), em artigo publicado no portal Migalhas, [...] o Plano de Demissão Voluntária é transação extrajudicial, decorrente da adesão do empregado ao mesmo e, via de regra, somente libera o empregador das parcelas estritamente lançadas no Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho, não havendo que se falar em transação com os efeitos da coisa julgada. Alguns exemplos do benefício dado a quem adere ao Programa são o pagamento de um bônus correspondente a cada ano de serviço prestado; a mantença do plano de saúde pelo período de 6 meses após o desligamento e auxilio na recolocação do profissional no mercado. Esta é uma das alternativas que trará mais custos à empresa, pois se trata de pagamento além das verbas rescisórias. O Plano é composto pela exposição de fundamentos para o Programa, a envoltura das partes, a imposição de que os direitos envolvidos sejam de natureza patrimonial e a possibilidade de escolha pelos empregados (MUNDO DAS TRIBOS, 2013). 9 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL Em relação à configuração da flexibilização no âmbito trabalhista, há decisões dos nossos Tribunais a favor da matéria em questão, reconhecendo a possibilidade da autocomposição por instrumentos coletivos. O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar Recurso de Revista n. 11569620115040811, estabeleceu que: A redução salarial é possível, mas somente nas seguintes hipóteses: 1) por período determinado, ou seja, transitória; 2) se decorrer de situação excepcional da empresa, mormente na hipótese em que a conjuntura econômica não lhe for favorável; 3) se for respeitado o salário mínimo legal e/ou piso salarial da categoria profissional do trabalhador ; 4) se for estabelecida por meio de negociação coletiva com a entidade representativa da categoria profissional e, por fim, 5) se houver contrapartida que comprove a redução salarial. O entendimento foi de que a redução salarial por meio de norma coletiva deve vir acompanhada de uma contraprestação para o empregado, sob pena de configurar-se mera renúncia a direito. A Constituição Federal, como já mencionado, admite a redução salarial condicionada à prévia negociação coletiva (art. 7º, VI, da Constituição Federal). Regulamentando-a, a legislação infraconstitucional exige contrapartida específica para viabilizar essa redução: conjuntura econômica, devidamente comprovada, que afete a saúde financeira da empresa (Lei 4.923/1965) ou má situação financeira da empresa, independentemente da conjuntura econômica, que recomende a sua recuperação (Lei nº 11.101/2005), nos dois casos limitada a 25%, de forma transitória e mediante redução proporcional da jornada. Verifica-se, portanto, que a manutenção do emprego não é contrapartida exigida pela lei. A manutenção do emprego é a finalidade da lei, obtenível, no entanto, pelo expediente específico nele previsto, que é a redução proporcional da jornada. (BRASIL, TST. RR 11569620115040811, Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 2015).

As férias coletivas constituem prerrogativas do empregador, que pode estabelecer as condições dentro do limite legal e do acordo coletivo. Em comparação com outras alternativas, essa não se mostra tão almejável, pois não haverá redução alguma de encargo trabalhista, visto que os funcionários em férias receberão normalmente os direitos dela inerentes. 8.5 Programa de Demissão Voluntária O Programa de Demissão Voluntária não foi criado necessariamente para o momento de crise. Seu principal objetivo é a contenção de pessoal através de indenização paga pelo empregador. Pode ser realizado por empresas estatais e privadas. É um mecanismo de incentivo financeiro dado pelo empregador a seus empregados, objetivando incentivar pedido de resilição contratual pelos trabalhadores, em troca de vantagens econômicas superiores à ruptura comum do contrato de trabalho. O empregado que aceita participar do programa terá a possibili-

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Em julgado o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que a autocomposição deve ser prestigiada pois permite que as partes livre-

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mente negociem seus direitos de forma legítima e válida. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE 1. CTVA. REAJUSTE SALARIAL DE 5%. NORMA COLETIVA É cediço que o Acordo Coletivo de Trabalho tem força obrigatória no âmbito da empresa que a firmou, regendo os contratos individuais de trabalho dos empregados representados pela entidade sindical, a teor do artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal. A autocomposição, portanto, deve ser prestigiada, pois as partes, de forma livre e legitimamente, negociaram direitos de seu interesse. A Constituição Federal, inclusive, por meio de seu artigo 7º, VI, XIII e XIV, admite a flexibilização das normas trabalhistas mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho para reduzir salários, jornada de trabalho e turnos de revezamento superiores a seis horas, o que só vem reforçar a autonomia coletiva por meio de concessões mútuas. (BRASIL, TST. ARR 1473007920095040012, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2015). Há também decisões dos Tribunais que inadmitem a flexibilização e a aplicação de instrumento coletivo como esse exemplo de acordo que suprimiu parcela salarial de horas in intinere fixada por lei. RECURSO DE REVISTA. 1. HORAS “IN ITINERE”. SUPRESSÃO POR MEIO DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO. PERMISSÃO LEGAL APENAS PARA FIXAÇÃO DE MONTANTE NUMÉRICO PRÉ-ESTIMADO, MAS SEM SUPRESSÃO TOTAL. A negociação coletiva trabalhista pode criar vantagens materiais e jurídicas acima do padrão fixado em lei, modulando a natureza e os efeitos da vantagem inovadora instituída. Contudo, regra geral, não tem o poder de restringir ou modular vantagens estipuladas por lei, salvo se esta efetivamente assim o autorizar. No caso das horas in itinere, estão instituídas e reguladas pela CLT, desde o advento da Lei nº 10.243, de 2001 (art. 58, § 2º, CLT), sendo, portanto, parcela imperativa, nos casos em que estiverem presentes seus elementos constitutivos. (Processo E-EDRR-46800-48.2007.5.04.0861, DEJT 06/09/2013). (BRASIL, TST. RR: 35549020115120003, Relator: Mauricio Godinho Delgado, 2015). Diante das inúmeras demandas trabalhistas pelo acolhimento da flexibilização ou pela nulidade dos acordos coletivos, mister se faz discutir individualmente cada possibilidade apresentada. Fomentar o emprego em meio às dificuldades financeiras enfrentada por toda a população é uma necessidade atual e urgente, devendo-se respaldar os limites para que a dignidade humana esteja sempre acima da busca pelo lucro.

ção e suas consequências agravadas pela crise econômica que o país enfrenta revela a necessidade de atualização dos direitos trabalhistas. A flexibilização surge como a melhor estratégia para reunir os interesses do empregado e empregador a fim de conservar os empregos e as empresas. Existem alternativas que podem ser adotadas em momentos de dificuldades financeiras a fim de se evitar a dispensa dos empregados e o fracasso empresarial. A aplicação dessas medidas devem ser analisadas em cada caso concreto para que haja a busca pela satisfação dos interesses do obreiro e do empregador. Não há como permitir que empregados, empregadores e seus respectivos sindicatos decidam diretamente quais direitos podem ser dispostos pela conveniência. Existe o mínimo existencial previsto na Constituição Federal e ele estabelece limites que se ultrapassados podem retroceder e ferir direitos coletivos fundamentais. Nesse conflito de princípios constitucionais, os direitos sociais devem servir como ponto de equilíbrio e cautela no peso de interesses de uma sociedade completamente desigual. Diante do exposto, a flexibilização deve ser vista como medida excepcional para manutenção do emprego do trabalhador, devendo ser realizada nos limites legais e em obediência aos princípios constitucionais. As propostas para se evitar a demissão do empregado servem como revitalização do Direito do Trabalho, adequando-se a CLT às necessidades do mundo moderno. REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 4º ed. São Paulo: LTr, 2008. BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho. 10ª ed. Ver. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2014. BOMFIM, Vólia. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e flexibilização de normas trabalhistas. Niterói, RJ: Impetus, 2010. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13ª ed. São Paulo: LTr, 2014. DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr. 2005. MAIOR, Jorge Luiz Souto. O direito do trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTr, 2000.

10 CONCLUSÃO Percebe-se que a flexibilização é um fator necessário ante a realidade do mercado. Entretanto, essa adequação das leis trabalhistas aos novos tempos, não pode superar os direitos fundamentais em nome do lucro do sistema capitalista. A melhoria de vida do trabalhador, após anos de luta contra a exploração, desrespeito e exaustão, só foi possível com a efetivação dos direitos sociais previstos no artigo 7º da Constituição Federal. Não se pode esquecer todo o caminho trilhado cada vez que uma grave crise econômica se instalar no país. O sistema legislativo deve ser amparado pela dignidade da pessoa do trabalhador, visando equilibrar a relação entre o que contrata o serviço e aquele que oferece o trabalho, merecedor da proteção estatal. As várias transformações trazidas pelo processo de globaliza-

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MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 29º ed. São Paulo: Atlas, 2013. NASSIF, Elaine Noronha. Fundamentos da flexibilização: uma analise de paradigmas e paradoxos do direito e do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2001. NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho; relações individuais e coletivas do trabalho. 19º ed. São Paulo: Saraiva, 2004. PASTORE, José. Redução de jornada gera emprego? Revista do TST, Rio de Janeiro, v.75, nº 2, p.85-112, abril/junho de 2009.

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Banca Examinadora Adélia Procópio Camilo (Orientadora) Tatiana Bhering Serradas Bon Roxo (Examinadora)

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APLICAÇÃO DA TEORIA FAILING COMPANY DEFENSE NOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO DECORRENTES DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL: a primazia do princípio da recuperação da empresa em detrimento do princípio da livre-concorrência Mariana Pereira Godoy1

RESUMO: A failing company defense foi desenvolvida com o fito de possibilitar a superação da crise econômico-financeira de uma empresa por meio de operação de ato de concentração econômica, de modo a fomentar o mercado. Após a adoção no sistema norte-americano, a teoria ganhou grande difusão em outros países, que como regra geral, elegeram essa via como ultima ratio, isto é, somente quando não houver solução menos anticompetitiva ao soerguimento da empresa. No Brasil, a teoria ganha discussão, por resultar amiúde na primazia do princípio da preservação da empresa em prejuízo do princípio da livre concorrência. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica, responsável por inibir práticas ofensivas à ordem econômica, ainda manifesta-se resistente à aplicação da failing firm. Esta proposição propõe uma discussão quanto à carga valorativa entre princípios e a possibilidade de sopesá-los diante um caso concreto. Averiguar os possíveis entraves à aplicação da failing company defense, e as benesses de se conferir essa prerrogativa ao empresário cuja atividade exercida encontra-se em crise econômico-financeira. PALAVRAS-CHAVE: Função Social da Empresa. Livre Concorrência. Preservação da Empresa. Teoria Failing Company Defense.

1 INTRODUÇÃO O objetivo do presente trabalho é estudar uma face da empresa em crise e estabelecer ligações entre e direito empresarial e o direito da concorrência, mais especificamente sobre os efeitos dos atos de concentração empresarial efetuados nas recuperações judiciais sob a égide da failing company defense. Serão analisadas a lei antitruste – 12.529 de 30 de novembro de 2011 e a lei de falência e recuperação de empresas – 11.101 de 9 de fevereiro de 2005. Os atos de concentração empresarial ocorrem quando dois agentes econômicos, sendo irrelevante se concorrem ou não entre si, se unem e passam a deter considerável vantagem econômica em vista dos demais. Esses atos não incorrem necessariamente em obstrução da veia concorrencial, isso porque não é raro serem a medida mais adequada para se evitar liquidações indesejadas de empresas cujo perfil da atividade exercida encontra relevância no mercado onde se encontra. Por essa razão os ramos do direito da concorrência, isto é, o direito econômico e o direito empresarial se prestam a tutelar as concentrações empresariais. De um lado, para inibir práticas anticompetitivas e de outro para resguardar o pleno exercício da atividade empresarial. A failing company defense nos países em que é aplicada, encontra respaldo na visão de que melhor seria que violar a concorrência em um grau limitado, que retirar todos os ativos de uma empresa

do cenário econômico. Nesse sentido prescreve o Federal Trade Commission (entidade estadunidense responsável pelo controle da concorrência): Uma concentração não é susceptível de reforçar o poder de mercado se a falência iminente de uma das empresas em concentração puder causar a saída dos ativos dessa empresa do mercado relevante. Este é um exemplo extremo de uma circunstância mais geral na qual a importância competitiva de uma das empresas objeto de fusão está em declínio: a quota de mercado projetada e a importância da empresa em crise é zero. Se os ativos importantes saírem do mercado de toda a forma, os consumidores não estarão piores depois da fusão do que eles estariam se a concentração fosse aprovada (2010, p. 28). No Brasil a hesitação em aplicar a failing company defense está na lógica quase intrínseca à teoria de se preponderar um princípio em detrimento de outro. Pretende este trabalho elucidar as controvérsias envolvendo a failing firm, bem como ponderar por meio da dedução3 acerca do conflito entre princípios a luz da doutrina e jurisprudências brasileiras. O estudo dessa teoria envolve uma série de controvérsias, dentre elas a discussão quanto ao ramo do direito que deve cuidar de analisar a matéria, se é direito público4 (econômico) ou privado

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 O método a ser utilizado para o desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso, será o dedutivo, que fundamenta-se no silogismo, ou seja, partindo de uma premissa maior passando para uma menos e chegando a uma conclusão particular. O seu objetivo “[...] está na relação lógica que deve ser estabelecida entre as proposições apresentadas, afim de não comprometer a validade da conclusão” (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2003, p. 65). 4 Posicionou-se a respeito Ana Frazão que “Ao resgatar o propósito de assegurar o igual direito de todos de realizarem os seus respectivos projetos de vida, o princípio da dignidade da pessoa humana rompe, de vez, com a tradicional dicotomia entre o interesse privado e o interesse público, mostrando que os direitos subjetivos são relações sociais, intersubjetivas e comprometidas com uma sociedade formada por cidadãos livres e iguais” (FRAZÃO, 2011, p. 189). LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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(empresarial5). Não se tem a intenção de exaurir o tema, objeto de tamanha discussão, entretanto, para o desenvolvimento desse trabalho, em que pese será trabalhado ambos os ramos, a presente matéria será analisada sob o enfoque do direito privado, sem, contudo, privilegiar de pronto um posicionamento em detrimento de outro. Antecipadamente, porém, sem obstruir a discussão pondera-se ser necessário ao operador do direito diante do caso concreto, sopesar seus conhecimentos jurídicos e privilegiar um princípio em prejuízo de outro, uma vez que as normas jurídicas não determinam em absoluto como ocorrerá a dimensão de peso dos elementos (AVILA, 2003, p. 127). 2 A FAILING COMPANY DEFENSE A teoria Failing Company Defense, também denominada Failing Firm ou Failing Firm Defense, ou Defesa da empresa em crise, adaptada ao português, tem aplicação quando verificada situação em que uma determinada operação econômica realizada por empresas, pode vir a obstruir a livre concorrência, nesse caso, a teoria propõe que, havendo situação de crise econômico-financeira em uma dessas empresas envolvidas e, analisando-se conjuntamente o cenário econômico onde elas se encontram, dentre outros fatores, a operação poderá ser admitida, preponderando assim, o princípio da preservação da empresa. Foi mencionada pela primeira vez nos Estados Unidos na década de 30 no caso International Shoe Co. vs. Federal Trade Comission, onde a Suprema Corte entendeu que o ato de concentração naquele caso concreto, não violaria direito antitruste norte-americano, uma vez que a empresa enfrentava grave probabilidade de insucesso empresarial (International Shoe v FTC, 280 U.S. 291 (1930)). Além dos Estados Unidos, existem históricos de aplicação da teoria na França, Alemanha, Reino Unido, onde os respectivos órgãos de defesa econômica cuidam de analisar os requisitos a serem observados. No Brasil, entretanto, a failing firm é pouco debatida, resta saber se, dentro do ordenamento jurídico brasileiro e todas as suas implicações, é possível aplicá-la. 3 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Apesar de a failing firm ser um tema exaustivamente estudado em outros ordenamentos como falado no capítulo anterior, no Brasil é matéria relativamente recente. Portanto, nesse capítulo pretende-se verificar se a mencionada teoria está expressamente prevista em texto de lei e, se eventual ausência de previsão obstaria sua aplicação neste ordenamento. Para tal análise foram selecionadas as leis de falência e recuperação de empresas e a lei antitruste, que tratam de temas correlatos à aplicação da failing company defense.

3.1 Lei 11.101/2005 (Falência e Recuperação de Empresas) A Lei de falências e recuperação de empresas editada em 2005 destina-se ao empresário, isto é, àquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (Código Civil de 2002, artigo 966). Foi criada para possibilitar meios através dos quais a empresa pudesse se recuperar econômica e financeiramente e, caso fosse verificada essa impossibilidade, viesse a falir, nos moldes de seu procedimento falimentar (MAMEDE, 2007, p. 23). O intuito principal do legislador ao substituir o Decreto-Lei 7.661 de 1945 (Lei de Falências), pela lei 11.101/05 foi alterar a orientação predominante6 para buscarse a recuperação das empresas ao invés de buscar sua liquidação (TOMAZETTE, 2014, p. 9). Como forma de possibilitar a recuperação do empresário em crise econômico-financeira, a lei de falências e recuperação de empresas, desenvolveu dezesseis meios de recuperação, previstos em seu artigo 50, dentre os quais se aterá apenas aos incisos II e VII, que nos dizeres de Ricardo Negrão (2013), enquadram-se como meios com predominância sobre o perfil subjetivo da empresa, já para Tomazette (2014), seriam as medidas societárias. Nos inciso II e VII do artigo 50 estão previsto como meio de recuperação: a cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; (...) e trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados. Tais medidas podem configurar atos de concentração econômica, compreendidos como aqueles em que se formam uma ligação entre duas ou mais empresas, que gera uma unidade econômica entre elas (BULGARELLI, 1996, p. 50). Ressalta-se ainda que, em que pese seja extenso o rol de meios de recuperação, trata-se na verdade, de rol meramente exemplificativo, sendo, portanto, absolutamente possível que o empresário se utilize de outros meios para recuperar sua atividade. Nessa mesma égide, nada impede que o empresário utilize como meio de recuperação holdings, caracterizadas pela reunião de empresas através de um processo de concentração e sob uma direção comum, ou mesmo joint ventures que podem assim ser entendidas como contrato de colaboração empresarial (BERNADETE, 2013, p. 247, 267). A lei de falência e recuperação de empresa não limitou os meios de recuperação justamente para que o empresário não fosse engessado em um número contido de possibilidades e, pudesse buscar novas formas que lhe oferecessem melhor oportunidade de reerguimento. Quanto a aplicação da failing company defense, não há nenhu-

5 Acerca da distinção entre o direito econômico e o direito empresarial, comenta Fábio Konder Comparato que “a noção jurídica de empresário, no qual se transmudou o comerciante dos primeiros tempos, ganha novo realce na atualidade em razão das profundas transformações por que passou o sistema jurídico, superando a ‘grande dicotomia’ entre o direito público e o direito privado. Sem querer repisar fatos universalmente conhecidos, a substituição do Estado liberal pelo Estado social não acarretou, como se imaginava a princípio, uma simples ‘publicização’ do direito privado, mas também uma privatização do direito público. De um lado, o Estado passou a lançar mão de típicos instrumentos privados – como a sociedade mercantil e a empresa capitalista, de modo geral – para desempenhar suas novas funções sociais” (COMPARATO, SALOMÃO FILHO, 2008, p. 137). 6 Como decorrência natural o modelo procedimental de liquidação do ativo para pagamento do passivo, com encerramento das atividades, vigentes com o Decreto-Lei de 1945, ocorriam sérios problemas de ordem social, como: a) desemprego; b) perda de renda e; c) queda na arrecadação de tributos e do produto interno bruto (P.I.B). Frente a este quadro, amplamente desfavorável, esgotou o sistema de insolvências anterior, o que necessitou reformas em sua estrutura jurídica (ARNOLD, 2006, p. 80).

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ma previsão no texto da lei de falência e recuperação de empresas, entretanto, não se pode olvidar a pretensão do legislador de conferir ao empresário, múltiplas possibilidades. Ademais, inexiste nesse título legal qualquer vedação para aplicação da teoria. Cabe verificar se a legislação antitruste cuidou de trabalhar o tema. 3.2 Lei 12.529/2011 (Antitruste) Criada para disciplinar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBSC, a lei 12.529/2011 estabeleceu os critérios repressivo7 e preventivo de combate às infrações contra a ordem econômica. O enfoque dessa lei é controlar e impedir atitudes anticompetitivas por parte dos empresários. Para isso conferiu ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, entidade da Administração Pública indireta, a atribuição de concretizar os meios de controle, analisando se operações realizadas por empresas ofendem ou não a livre concorrência. Ao contrário da lei de falência e recuperação de empresas, cuja aplicação, no que diz respeito à recuperação, restringe-se às pessoas jurídicas que exercem atividade de empresa, a lei antitruste8 se estende às pessoas físicas e jurídicas, e ainda, a quaisquer associações que exerçam atividade sob o regime de monopólio, conforme dispõe em seu artigo 31:

capital social, incorporações, contratos de associação, joint ventures. Ressalta-se que os meios de recuperação trabalhados no tópico anterior deverão ser analisados pelo CADE quando se verificar o risco de abuso de posição ou de práticas anticompetitivas às relações concorrenciais. O intuito do legislador quando da criação da lei antitruste foi manter a ordem econômica preservando com primazia o princípio da livre concorrência. Ao analisar a lei 12.529/2011, verifica-se que também não há referência à aplicação da failing company defense em seu texto. Pelo contrário, a lei antitruste estabeleceu vedação expressa aos atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante (artigo 88, §5º). Entretanto, previu em caráter de exceção no parágrafo sexto do artigo 88, uma possibilidade em que poderão ser autorizados os atos de concentração a que se refere o parágrafo quinto, veja-se: Art. 88 (...) § 6º Os atos a que se refere o § 5o deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos: I - cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade ou a competitividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e II - sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.

às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal. Cuidou de prever como infração à ordem econômica, quaisquer atos que impliquem dominar o mercado relevante de bens ou serviços e exercer de forma abusiva posição dominante9. A partir da lei antitruste, o CADE passou a exercer o controle de todos os atos de concentração, compreendidos dentro da previsão trazida pelo artigo noventa dessa lei. Com fulcro nesse artigo serão objeto de análise do órgão, as fusões, aquisições de participação em

Apesar de não prever a aplicação da failing firm, a lei antitruste autoriza, em situação de exceção, as operações anteriormente previstas no parágrafo quinto, com condições que muito se assemelham à teoria. Mais uma vez, questiona-se se a ausência de previsão legal de determinado instituto obstaria sua aplicação. Reitera-se que a análise da teoria failing company defense foi realizada a partir da sistemática do direito privado, para o qual tudo será lícito ou permitido, desde que não esteja expressamente vedado.

7 “O papel preventivo do CADE corresponde basicamente à análise das alterações estruturais do mercado, apresentadas sob a forma dos atos de concentração ou qualquer outra forma que possa afetar negativamente a concorrência, ou seja, à análise das fusões, incorporações, associações entre empresas, dentre outras. Este papel está previsto nos artigos 54 e GUIA PRÁTICO DO CADE 19 seguintes da Lei 8884/94. O papel repressivo do CADE corresponde à análise e coibição das condutas anticoncorrenciais, de acordo com o previsto no artigo 20 da Lei nº 8.884/94. Um leque de condutas meramente exemplificativo e não exaustivo encontra-se no artigo 21 da Lei nº 8.884/94. No exercício deste papel, o CADE tem o poder de reprimir práticas infrativas à ordem econômica, tais como: cartéis, vendas casadas, preços predatórios, acordos de exclusividade, dentre outras” (Guia CADE, 2007, p. 18-19). 8 Nos dizeres de De Plácido e Silva: “Truste, do inglês trust, significa (confiança, depósito, crédito), de origem americana, truste (trust) é a organização de ordem financeira, instituída por indústrias ou comerciantes, no intuito de dirigir a produção, ou controlar a venda de certos produtos, fixando-lhes as diretrizes relativas à distribuição nos mercados e aos preços respectivos” (SILVA, 2009, p. 1424). Destarte, antitruste é o que combate os trustes, isto é, nos moldes da lei 12.529/2011, aquilo que combate o truste que ofende à concorrência. 9 CAPÍTULO II DAS INFRAÇÕES Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante. § 1o A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo. § 2o Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia. (original sem destaque) (BRASIL, 2011).

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Diante desse cenário, convém verificar se dentro da base de nosso ordenamento jurídico, há respaldo para que se aplique a teoria da empresa crise. É o que se fará a seguir. 4 PRINCÍPIOS E OUTROS MECANISMOS HERMENÊUTICOS

Para elucidação dos princípios a seguir é necessário que se faça um breve percurso pelo princípio da função social da empresa. Antes, porém, importante é trazer a baila o princípio da função social da propriedade, previsto no artigo 5º, inciso XXII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 198811, do qual aquele se origina. Assim preceitua Felipe Alberto Verza Ferreira (2005):

Antes de adentrar nos princípios relevantes à matéria analisada no presente trabalho, há que se falar brevemente acerca da carga semântica dos princípios em nosso ordenamento jurídico e dos métodos hermenêuticos utilizados na hipótese de colisão entre princípios. Sabe-se que os princípios são a concretização dos valores preponderantes na sociedade, enquanto se é dito que as leis não acompanham a evolução social, os princípios se revelam como reflexo dessa evolução. Nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Melo: Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (MELO, 1986, P. 230) A partir dessa premissa, compreende-se que os princípios constituem a base da dialética jurídica, são mandados de otimização que podem ser cumpridos em diferentes graus, de acordo com as possibilidades reais, por conseguinte, fundamental é compreender o fim a que se pretende cada um daqueles que será estudado (ALEXY, 1997, p. 86). Segundo Canotilho (1998, p. 166-167) “os princípios são um fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentalmente”. No presente trabalho, a decisão por aplicar, ou não, a teoria failing company defense na sua essência já trabalhada nos capítulos acima, pressupõe a primazia do princípio da preservação da empresa ou do princípio da livre concorrência. Partir-se-á da ponderação10 para interpretar qual conflito deverá preponderar sobre o outro. Nesse raciocínio, conquanto se pretende avaliar eventual conflito entre princípios, iniciar-se-á do princípio que rege o tema, qual seja a função social da empresa, até chegar aos princípios específicos (BARROSO, 2010, p. 155). 4.1 Princípio da Função Social da Empresa

Juridicamente, podemos entender a função como um conjunto de incumbências, direito e deveres, que gravam a atividade a que estão atrelados, como por exemplo, o exercício da propriedade, de cargo público, o contrato, a empresa, entre outros, e impõem um poder-dever ao exercente da referida atividade, o proprietário ou possuidor, o servidor público, os contratantes e o empresário (...). É nesse contexto que se insere o instituto da Função Social, caracterizando-se como o poder-dever do titular da atividade, de exercê-la de acordo com os interesses e necessidades da sociedade, visando a uma sociedade livre, justa e solidária. Destarte, a empresa, concebida para a produção e circulação de bens ou serviços, possui uma função que transcende seu potencial lucrativo, qual seja a sua função social (GONTIJO, 2004, p.17-36). Todavia, destaca-se que a definição de empresa trazida pelo Código Civil de 2002 é apenas uma das facetas dessa, para Alberto Asquini (1943), jurista italiano cuja teoria foi utilizada como base para a teoria da empresa adotada no referido diploma legal, a empresa não possui um único conceito, mas “um fenômeno jurídico poliédrico, o qual tem sob o aspecto jurídico não um, mas diversos perfis em relação aos diversos elementos que ali concorrem” (ASQUINI, 1996, p. 1). Ressalta-se que, a função social da empresa ganha significado quando analisados os seus diversos perfis definidos por Asquini (1943), subjetivo, corporativo, funcional e patrimonial12, a partir dos quais cada conceito de empresa torna-se relevante para atribuir a essa, uma função essencial à sociedade. Sobre a função social da empresa, ensina Comparato: A empresa atua para atender, não somente o interesse dos sócios, mas também os da coletividade, e que função, em direito, é um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio titular. Algumas vezes interessados no exercício da função são pessoas indeterminadas, e, portanto, não legitimadas a exercer pretensões pessoais e exclusivas contra o titular do poder. É nessas hipóteses, precisamente, que se deve falar em

10 A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica, aplicável aos casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta, da ensejo a aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas. A estrutura interna do raciocínio ponderativo ainda não é bem conhecida, embora sempre esteja associada as noções difusas de balanceamento e sopesamento de interesses, bens, valores, ou norma (BARROSO, BARCELLOS, 2003, p. 39). 11 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (BRASIL, 1988). 12 Alberto Asquini desenvolver a teoria da empresa, onde entende inexistir apenas um conceito de empresa, mas sim o perfil poliédrico: Perfil subjetivo - conceituando o empresário como sendo aquele que exercita profissionalmente atividade econômica organizada com o fim da produção e da troca de bens ou serviços (conceito conferido ao empresário no código civil de 2002, artigo 966). Perfil funcional - identificando a empresa enquanto atividade empresarial, que seria aquela particular força em movimento que é a atividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo. Perfil objetivo ou patrimonial - onde se define a empresa como conjunto de bens, destinado ao exercício de uma atividade empresarial, diferente do capital. Perfil corporativo - definido como aquela especial organização de pessoas que é formada pelo empresário e por seus prestadores de serviços, seus colaboradores, um núcleo organizado em função de um fim econômico comum (ASQUINI, 1996, pp. 114-123). LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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função social ou coletiva. (...) em se tratando de bens em produção, o poder-dever do proprietário de dar a coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do titular do controle de corrigir a empresa para realização dos interesses coletivos (COMPARATO, 1990, p. 60). Observa-se assim, que há um valor na atividade exercida pelo empresário, por meio do qual interage a coletividade, a economia, o próprio empresário e os consumidores. De forma que aquele que exerce a empresa deve se ater a três funções quais sejam, os interesses dos empregados, os interesses dos consumidores e os interesses dos concorrentes (CARVALHOSA, 1977, p. 237). Na esfera desse princípio pairam-se os demais que envolvem de modo direto e indireto a atividade empresarial, por conseguinte, compreendida a função social da empresa, passa-se a tratar dos princípios pertinentes ao presente trabalho. 4.2 Princípio da Preservação da Empresa O princípio da preservação da empresa, apesar de não expresso, encontra-se implícito no texto constitucional, isso porque decorre de outros princípios previstos no artigo 170 da Carta Magna, tais como o princípio do pleno emprego e da função social da propriedade (FRAZÃO, 2011, p. 214). A partir da edição do livro II do Código Civil de 2002 (Do Direito de Empresa), criou-se uma nova concepção de empresa, conceituada no artigo 966 do referido diploma legal, para o qual “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Do Código de 2002 em diante, passa-se a fazer uma distinção entre a pessoa do empresário (proprietário) e a empresa (atividade empresária), e é justamente com fim de preservar essa última que o princípio da preservação da empresa se desenvolveu. Isso porque reconheceu-se que a empresa, isto é, a atividade exercida pelo empresário, tem a capacidade de influenciar todo o mercado a sua volta, os consumidores, as outras empresas, a economia, o valor dos produtos ofertados, e por essa razão não poderia ser banalizada (LOPES, 2008, p. 53). Nas palavras de Marlon Tomazette: A empresa (atividade) é mais importante que o interesse individual do empresário, dos sócios e dos dirigentes da sociedade empresária. Não importa se estes terão ou não prejuízos, o fundamental é manter a atividade funcionando, pois isso permitirá a proteção de mais interesses (fisco, comunidade, fornecedores, empregados...). Não se descarta a manutenção da atividade com o mesmo titular, mas a preferência é a manutenção da atividade em si, independentemente de quem seja o titular (TOMAZETTE, 2014 p. 53). Pelo princípio da preservação da empresa devem-se buscar todos

os esforços possíveis para que a atividade empresária seja mantida. Ressalta-se aqui, a existência de um interesse coletivo na continuidade da empresa enquanto atividade econômica, isso por entender que ela é produtora de riqueza, de bens, de serviços, e dessa riqueza não se beneficiam somente seus sócios, titulares, parceiros de negócios, mas toda a coletividade (PERIN JUNIOR, 2006, p. 56). Por compreender a atividade empresária como propulsora da economia, isto é, como um impulso do qual se extrai uma gama de possibilidades, vários doutrinadores advogam que diversos princípios teriam sido criados com vistas a protegê-la, e justamente desses princípios é que se originou o da preservação da empresa. Nesse sentido, argumenta Luiz Édson Fachim sobre o princípio da busca do pleno emprego: Corresponde ao da preservação ou da manutenção da empresa (de que é corolário o Princípio da Recuperação da empresa), segundo o qual, diante das opções legais que conduzam a dúvida entre aplicar regra que implique a paralisação da atividade empresarial e outra que possa também prestar-se à solução da mesma questão ou situação jurídica sem tal consequência, deve ser aplicada essa última, ainda que implique sacrifício de outros direitos também dignos de tutela jurídica (FACHIM, 2000, p. 126). Destarte, de vários princípios decorrem o princípio da preservação da empresa, cuja essência, como visto, está em preservar a atividade empresária. Destaca-se que, o princípio na forma compreendida acima, assume um papel indispensável à manutenção dos ativos de empresas em crise, no mercado. É que ao contrário da visão macro subjetiva13 desse princípio, a visão estudada privilegia a continuidade da atividade empresária em detrimento de qualquer outra solução que não o permita. A vista disso replica Fábio Konder Comparato: É das empresas que provém a grande maioria dos bens e serviços consumidos pelo povo, e é delas que o Estado retira parcela maior de suas receitas fiscais. É em torno da empresa, ademais, que gravitam vários agentes econômicos não assalariados, como os investidores de capital, os fornecedores, os prestadores de serviço (COMPARATO, 1983, p. 57). Desse modo a preservação da empresa, seja por meio de recuperação judicial, mudança dos quadros de direção, alienação total do capital, ou qualquer outra forma juridicamente possível, tem como objetivo o reconhecimento da relevância da atividade empresária para a sociedade. 4.3 Princípio da Livre Concorrência O princípio da livre concorrência, disposto no inciso IV do artigo 17014 da Constituição da República Federativa do Brasil, deve ser visto como um dos pilares do capitalismo, basilar para o bom funcionamen-

13 Nos dizeres de Rachel Sztajn (2004), somente por meio de uma visão econômica é que poderão ser analisados os reflexos econômicos e sociais de uma atividade empresária, visto que é do mercado que a empresa extrai sua fonte de riqueza e é nele que ela está inserida. 14 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I- soberania nacional; II - propriedade privada; III- função social da propriedade; IV- livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI- defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII- redução das desigualdades regionais e sociais; VIII- busca do pleno emprego IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Parágrafo Único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (original sem destaque) (BRASIL, 1988).

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to da economia, através do qual torna-se possível conciliar a liberdade no fluir da economia, os direitos individuais e o interesse público. Nesse sentido, preceitua Eros Grau: O princípio da livre concorrência encontra fundamento na concepção liberal de economia e da sociedade. Uma sociedade que, então, acreditava que o melhor proveito geral haveria de provir do melhor proveito individual. Sociedade que repudiava o corporativismo das guildas e das corporações de ofício, intermediários responsáveis – segundo se acreditava – pelas distorções que comprometiam o funcionamento, aspirado, de uma ‘concorrência perfeita’. O princípio da livre concorrência é, assim, uma herança da civilização burguesa, na qual prevalece o princípio da competição diante do princípio da colaboração. (GRAU, 1993) A livre concorrência, enquanto princípio, procura sustentar um modelo arquitetado de disputa, em que se é possível duas empresas que realizam a mesma espécie de atividade, por exemplo, coexistirem de forma que consigam competir entre si e ainda, sendo facultado ao consumidor escolher a que melhor lhe agrada. Destaca-se, porém, outros posicionamentos, os quais preceituam a ideia de que um sistema de livre concorrência real seria impossível no atual modelo econômico brasileiro, como é o posicionamento de José Afonso da Silva: O que cumpre reconhecer, na verdade, é que não existe mais economia de mercado nem livre concorrência, desde que o modo de produção capitalista evoluiu para as formas oligopolistas. Falar hoje em economia descentralizada, como economia de mercado, é tentar encobrir uma realidade palpável de natureza diversa. A economia está centralizada nas grandes empresas e em seus agrupamentos. Daí por que se torna praticamente ineficaz a legislação tutelar da concorrência (SILVA, 2000, p. 773-774.). Sob essa égide, a livre concorrência proporciona a existência de grandes e pequenas empresas no mercado, sendo essas últimas, com reais oportunidades de exercerem sua atividade nesse mercado, de forma a fomentar o crescimento econômico, estimular a melhoria na qualidade dos produtos, preços inferiores e coibir práticas abusivas, como cartéis, entre outras. Nos dizeres de Ana Maria de Oliveira Nusdeo: Quanto ao seu conteúdo, o princípio da livre concorrência costuma ser identificado com a liberdade de atuar nos mercados buscando a conquista da clientela, com a expectativa de sua aplicação levar os preços de bens e serviços, fixados pelo jogo dos agentes em disputa pela clientela, a níveis razoavelmente baixos, chegando no caso extremo de concorrência perfeita, a se igualarem ao custo marginal do produto. Apontase, no entanto, que a essa liberdade jurídica de conquista de clientela pelos concorrentes deve somar-se a liberdade dos consumidores de usufruírem de alternativas (NUSDEO, 2002, p. 236).

Infere-se pelo já exposto, que é justamente com base no conceito de livre concorrência que o mercado é regulado e são definidas as práticas consideradas aceitáveis e as consideradas ilícitas. Através da repressão ao abuso de poder, isto é, da repressão às práticas anticoncorrenciais, é que se permite a concretização desse princípio. Assim, o princípio da livre concorrência, por meio do qual controla-se o abuso de poder no direito antitruste, funciona como limitador do princípio da livre iniciativa, também previsto no artigo 170 da Constituição da República Federativa do Brasil. É o que denotam Eduardo Molan Gaban e Juliana Oliveira Domingues: Esse princípio não constitui um desdobramento do princípio da livre iniciativa, mas sim, seu complemento, sua limitação, a tensão valorativa que o calibra no contexto do sistema do discurso jurídico-positivo, visto que, no escopo do diploma antitruste, incorpora e sintetiza o quanto de social deve estar contido no exercício da liberdade expressa pelo ditame da livre-iniciativa (...) Em outras palavras o princípio da livre concorrência limita a expressão absoluta do princípio da livre iniciativa por parte do agente econômico ou um grupo de agentes econômicos em busca da aplicação universal da livre iniciativa a todos os agentes econômicos (GABAN, DOMINGUES, 2012, p. 62). A vista disso, o princípio da livre concorrência pressupõe uma ideia de liberdade para atuar no mercado e para competir. Através dele, os agentes podem se utilizar de medidas variadas para impulsionar seus negócios, aumentar seus lucros, desde que respeitados os limites impostos por lei e os demais princípios que circundam as relações econômicas. Segundo visto acima, assim como o princípio da preservação da empresa, o princípio livre concorrência não pode ser definido como um fim em si mesmo, devendo, contudo, ser analisado sempre dentro de um contexto econômico, e de forma alguma pode ser aplicado isoladamente, sem um estudo conjunto com os demais princípios relacionados à organização econômica. Feito o estudo acerca dos princípios e de um eventual conflito entre esses, é de extrema relevância analisar a posição da jurisprudência do CADE a respeito do tema. Afinal, a failing company defense já foi aplicada no Brasil? Existem critérios para tal aplicação? É o que a seguir será estudado. 5 POSIÇÕES JURISPRUDENCIAIS: ADMINISTRATIVAS (CADE) Passada a análise entre o conflito de princípios, necessário é avaliar o posicionamento da jurisprudência brasileira a respeito do tema. Nesse enfoque, pretende-se comentar a posição do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica sobre a matéria. A failing company defense mencionada pela primeira vez no Brasil em 199515 no caso Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, Belgo-Mineira Participação, Indústria e Comércio Ltda. e Mendes Júnior Siderurgia S.A (MJS), a teoria não foi acolhida pela Autoridade Antitruste. Apesar de recente, a faling firm já foi invocada algumas outras

15 Ato de Concentração 44/1995: Foi submetida à apreciação do CADE transação que seria realizada pela Companhia Siderúrgica BelgoMineira, Belgo-Mineira Participação, Indústria e Comércio Ltda. e Mendes Júnior Siderurgia S.A (MJS), foi trazida aos autos pela primeira vez no Brasil, a Failing Company Defense. O Relator entendeu que poderia ser utilizado ao caso o conceito de empresa insolvente, o que poderia justificar o alto grau de concentração do mercado, entretanto, indeferiu a operação por considerar que o argumento de empresa insolvente não poderia ser utilizado como único argumento para o ato de concentração, e que precisava ficar demonstrado que outros meios de tentar manter seus ativos no mercado não lograram ou não lograriam êxito.

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vezes16 nos processos administrativos julgados pelo CADE. A primeira vez, no entanto, em que a matéria não só foi suscitada, mas julgada procedente aplicando-se a teoria, foi no Ato de Concentração nº 08012.014340/2007-75, da Votorantim Metais Zinco S/A (VMZ), sociedade integrante do Grupo Votorantim, cujas atividades principais são voltadas para o mercado de zinco, e Massa Falida de Mineração Areiense (MASA), empresa integrante do Grupo Ingá, cujas principais atividades também eram voltadas para a produção de zinco. A operação consistia na aquisição dos direitos minerários da MASA pela VMZ, e a Procuradoria Geral do CADE posicionou-se: Desse modo, por meio da alegação da “failing company defense”, faz-se possível, sob uma análise de ponderação, admitir-se uma operação que, à primeira vista, não seria admissível dentro padrões normais que guiam as análises de concentrações17 (Caso VMZ e MASA, 2008, p. 6). No caso acima, a Autoridade Antitruste julgou procedente o ato de concentração, manifestando-se favoravelmente à aplicação da failing firm, por entender que diante do estado de insolvência em que a MASA se encontrava, mesmo considerando provável risco à concorrência, do ponto de vista econômico a operação seria mais eficiente que retirar por completo os seus ativos do mercado, o que aconteceria caso a operação não fosse realizada. Ressalta-se que a crise econômico-financeira que MASA enfrentava à época, é a de outras empresas que em dado momento já representaram grande poder de mercado, e apesar de não mais o representarem, a pura liquidação de seus ativos ocasionaria, assim como a MASA, grande impacto negativo no mercado como um todo. Conquanto o CADE já tenha aplicado a teoria aqui estudada, ainda são muitas as ponderações do Conselho em utilizá-la, justamente por vislumbrar um risco evidente à concorrência Há que se reportar que inobstante ser intrínseco à aplicação da failing firm, a obstrução, ainda que por curto período de tempo, da concorrência; em determinados casos ainda é menor o seu impacto que a liquidação da empresa em crise. A propósito, pondera Calixto Salomão Filho: Enfim, existe um claro ganho líquido de eficiência caso se compare a concentração à sua alternativa pura e simples saída da empresa do mercado. A razão para isso é simples. Comparada à sua alternativa, a concentração é eficiente e benéfica ao consumidor. Se é verdade que a concentração implica aumento do poder no mercado, ela proporciona eficiência, decorrente dos ganhos

de escala produtiva (inciso II). Já a saída da empresa do mercado proporciona às empresas remanescentes o mesmo aumento do poder no mercado (seu poder aumenta, ao menos em um primeiro momento, na mesma proporção em que o volume de produção diminui). A concentração é, portanto, necessária e suficiente para o alcance dos objetivos visados, cumprindo-se os requisitos do art. 54. §10, da lei concorrencial (SALOMÃO FILHO, 1998, p. 189). Tal qual decidiu o CADE no único caso em que considerou a failing company defense, ao afirmar que a ofensa à livre concorrência naquela circunstância era menor que impacto causado, caso os ativos da empresa fossem totalmente excluídos do mercado, não se pode desconsiderar a possibilidade de outras empresas em circunstâncias semelhantes à MASA, suscitarem a aplicação da teoria. Nesse caso importante é que o CADE se posicione quanto a assimilação ou não, da failing firm no direito brasileiro, e quais seriam os requisitos, em caso positivo. 6 CONCLUSÃO A preservação da empresa e da livre concorrência possuem relevante valor no ordenamento jurídico brasileiro. A primeira, fundada na importância da atividade empresária, não só para os sócios, mas para os empregados, fornecedores, consumidores, coletividade como um todo. Enquanto a última busca inibir práticas anticompetitivas e de certa maneira impulsionar os agentes econômicos a produzir com maior qualidade, com custos menores e assim, fomentar a economia. O questionamento desse trabalho residiu na admissão ou não de ato de concentração em que está envolvida empresa em crise econômico-financeira, cujo fim pode ser o encerramento de sua atividade e consequente exclusão dos seus ativos do mercado, nesse caso, a concretização da operação empresarial, isto é, a aplicação da failing company defense, resultaria num imbricamento entre os princípios referenciados acima. É possível no Brasil aplicar a teoria da empresa em crise? Como ponderado no princípio desse trabalho, não se teve o condão de produzir respostas definitivas, apenas trazer à tona questão que tende a despontar no atual cenário econômico brasileiro. À vista disso, reconhece-se a carga valorativa de cada princípio, entretanto, entende-se que nenhum deles pode ser considerado um fim em si mesmo. Para Tomazette, citando Neil MacCormick, “o princípio determina a faixa legítima de considerações justificatórias. Ele não produz, nem pode ser apresentado como se produzisse, uma resposta conclusi-

16 A failing company defense já foi mencionada em outros casos brasileiros, veja-se: Ato de Concentração nº 84/1996 - Mahle e Metal Leve: A empresa Metal Leve, em crise econômico-financeira, próximo à falência. A teoria não foi aceita, entretanto a operação foi aprovada. Ato de Concentração nº 08012.007374/1997-34 –Baesa, Pepsi e Brahma, a failing company defense foi rechaçada, por não terem comprovado a inexistência de outros compradores. Ato de Concentração nº 08012.014340/2007-75 - Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), Amadeu Rossi S.A. Metalúrgica e Munições e Metal Craft Metalúrgica Ltda.: mais uma vez a teoria não foi aceita em razão de não ter ficado comprovado que não haviam alternativas anticompetitivas. 17 “A operação resulta em uma concentração horizontal no mercado de zinco, bem assim uma integração vertical, uma vez que o Grupo Votorantim exerce uma gama de atividades cuja matéria prima é o zinco. Deve-se registrar que a SEAE não delimitou o mercado relevante por entender que, em razão de se tratar de agente econômico inoperante, a operação não seria prejudicial ao ambiente concorrencial brasileiro. À primeira vista, tal entendimento parece irrefutável. Entretanto, é possível, diante de circunstâncias extremas, como, por exemplo, terem sido os direitos adquiridos por um monopolista que, a partir desta operação, fechasse qualquer possibilidade de entrada, considerar que, para a concorrência e para os consumidores, seria preferível que tais, bens fossem adquiridos por outra empresa ou quiçá não fossem aproveitados. O caso sob análise, todavia, merece a aprovação deste Conselho, pois se enquadra na teoria da ‘failing company’” (Caso VMZ e MASA, 2008, p. 6). LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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va” (TOMAZETTE, 2014, p. 50 apud MACCORMICK, 2006, p. 230). Destarte, optou-se por compreender a failing firm, como uma prerrogativa ao empresário em crise que não deseja ver extintos os seus ativos do mercado, e não viu sucesso nos demais métodos anticompetitivos. Quanto às legislações trabalhadas, veja-se que a própria lei antitruste previu (artigo 88, §6º) uma hipótese onde ainda que violada em parte a concorrência possa ser admitido o ato de concentração empresarial. Conclui-se daí que o legislador reconheceu, em via de exceção, atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial do mercado quando esse ato puder proporcionar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico. Já a lei de falência e recuperação de empresas, conferiu ao empresário um vasto rol exemplificativo (artigo 50) de meios de recuperação dos quais pode ser valer. Deixando ainda, margens para que o empresário utilize de outros meios não previstos que entender melhor aplicáveis ao seu caso, mantendo-se a primazia pela preservação da atividade empresária. Salienta-se que justamente na hipótese exposta acima é que a failing firm se opera, visto que decorre de sua própria essência permitir não só a manutenção de atividade empresária, mas possibilitar que isso ocorra de modo eficiente, com o fim de fomentar o mercado. Ademais, filia-se ao entendimento de que num cenário de crise econômico-financeira, a eficiência gerada pelo ato de concentração empresarial no que concerne à economia, supera e muito o dano decorrente da ofensa ao princípio da livre concorrência, isso porque o soerguimento da empresa enquanto fonte produtora proporciona a manutenção da função social que dela provém (HOVEKAMP, 2008 p. 2011). Assim, entende-se ser possível a aplicação da faling company defense nos casos em que se vislumbrarem ineficientes outros métodos que não o ato de concentração empresarial que poderá colocar em risco, por um período de tempo, a concorrência. É preciso ressaltar que a decisão por aplicar a teoria como meio juridicamente viável para impedir a liquidação de empresas em crise, carecerá da criação de requisitos previamente definidos para sua aplicação. Tal qual ocorrem nos países em que a teoria é aplicada, é atribuição do órgão de defesa econômica ponderar em cada caso concreto se uma das empresas envolvidas se enquadra no conceito de empresa em crise econômico-financeira e não logrou êxito em outras tentativas de se recuperar. Caso seja essa a situação, entende-se admissível aplicar a failing firm. Observa-se que, o imbricamento entre o princípio da preservação da empresa e o princípio da livre concorrência não obstrui a aplicação da teoria, pois nenhum deles, assim como os demais princípios que circundam o ordenamento jurídico, possui natureza absoluta, que não possa ser, em dado momento, calcado, em razão da exaltação momentânea de outro, em uma situação jurídica concreta. Por fim, imperioso é que no caso concreto, o operador do direito faça um juízo de ponderação entre a importância de cada princípio, conjuntamente ao critério já disposto no artigo 88, § 6º da Lei Antitruste, analisando sempre o quadro econômico regional em que se encontra a empresa em crise.

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A revogação da Isenção e a observância aos princípios da anterioridade e da noventena Matheus de Souza Ribeiro1

Resumo: a revogação da isenção e a observância aos princípios da anterioridade e da noventena. O presente trabalho visa discutir sobre a natureza jurídica do fenômeno da isenção tributária, de modo a compatibilizá-la com a aplicação dos princípios constitucionais da anterioridade e da noventena e, consequentemente, trazer mais segurança ao contribuinte, evitando que este seja surpreendido com uma nova carga tributária. Palavras-chave: Anterioridade. Isenção. Noventena. Revogação. Tributo.

1 Introdução A revogação da isenção é um tema que carece ser estudado de forma cuidadosa, haja vista que trata da arrecadação e o surgimento de uma nova carga tributária, devendo assim trazer informações precisas ao contribuinte para trazer segurança jurídica. Visando esta proteção, a Constituição Federal traz em seu texto os princípios da anterioridade e da noventena, que disciplinam o início da vigência de leis que criam ou majoram tributos. Desta forma, em regra, os tributos não podem ser cobrados antes de decorridos noventa dias, e, ainda, no mesmo exercício da publicação da lei que os institui ou majorou, valendo ressaltar, todavia, a existência de exceções constitucionalmente previstas. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, em diversos de seus julgados, decidiu de forma que a revogação da isenção não equivale à majoração de tributo, assim sendo não precisaria observar os princípios da anterioridade e da noventena. Portanto, este entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal pode trazer insegurança jurídica, de modo que este trabalho visa apontar a natureza jurídica da isenção e demonstrar a aplicação dos princípios constitucionais aptos a trazer segurança jurídica aos contribuintes nessas hipóteses. 2 Da Isenção O fenômeno da isenção tributária encontra-se disciplinado principalmente nos artigos 176 a 179 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.512, de 1966), mas também é tratada em diversos outros textos. Pode ser entendida inicialmente como causa de exclusão do crédito tributário, onde mediante decorrência legislativa, dispensa a cobrança do tributo devido. Nos dizeres de Ruy Barbosa Nogueira (apud HARADA, 2015, p. 608) “isenção é a dispensa do tributo devido, feita por expressa disposição de lei”. Insere-se como atuação privativa da lei, de modo que mesmo quando haja previsão contratual, é sempre decorrente da legislação. COÊLHO (2002, p. 490) disciplina que “inexiste isenção contratual. Ninguém pode pactuar com o Estado a sua exclusão dos fatos gerados dos tributos”. Normalmente, é concedida observando-se questões políticas, sempre no interesse público, podendo ser restrita a uma determinada região. Para respeitar a competência, somente pode ser concedida pelo poder público competente para instituir o tributo, podendo se dar

por prazo determinado ou não. As chamadas isenções onerosas ou condicionais são aquelas concedidas sob prazo certo e sob determinadas condições. Por outro lado, as isenções não onerosas ou incondicionais são aquelas concedidas por prazo indeterminado e sem haver a necessidade da fixação de condições para que o contribuinte possa usufruir das mesmas. Podem ser também classificadas como objetivas ou reais, e subjetivas ou pessoais, a partir do entendimento da lei que as tenha concedido, levar em consideração as características materiais, como no caso de um produto ao qual não se queira tributar por alguma razão de política fiscal; ou observadas as características pessoais do indivíduo a que a norma irá atingir, podendo ser pessoas físicas ou jurídicas conexas a alguma situação material. Dizem-se isenções regionais quando atingem apenas uma parte do território da entidade; e setoriais quando abarcam apenas um determinado setor da atividade econômica, podendo este ser das mais diversas, como por exemplo questões de pesca, florestamento, turismo, entre outros. Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 2000), para conceder isenção de modo não geral é necessário que se estime o impacto financeiro de sua concessão, que a renúncia foi considerada pela lei orçamentária e que seja acompanhada de medidas de compensação, visando não afetar as metas dos resultados fiscais que foram previstas. 2.1 Natureza jurídica da norma isentiva O instituto da isenção tem sido objeto de muitas discussões doutrinárias, que objetivam disciplinar a figura em todos seus aspectos. No continente europeu, foi fortemente discutida em suas origens, na sua atuação e na importância que seus resultados produzem. No Brasil, por sua vez, o escopo para as definições foi a tentativa de compatibilizá-la com as diversas espécies tributárias existentes. Alguns doutrinadores tentaram aproximar a isenção da chamada Alíquota Zero, porém este entendimento foi perdendo adeptos uma vez que seus argumentos foram refutados. Conforme entendimento de CASSONE (2010, p. 133), “localizadas em sessões diferentes, uma no campo dos incentivos ou benefícios fiscais, e outra no campo da tributação, jamais ensejaram dúvida quanto a sua distinção. ” Deste modo, mostra-se equivocada a aproximação dos referidos institutos. Completando este raciocínio, COÊLHO (2002, p. 81) postula que “a isenção exclui da condição de ‘jurígeno’ fato ou fatos. A alíquota é elemento de determinação quantitativa do dever tributário. Se é

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zero, não há o que pagar”. Diversas outras teorias surgiram na tentativa de conceituar a norma isentiva, como por exemplo os conceitos que a entendem como: delimitação negativa da hipótese de incidência tributária; tutela pelo ordenamento jurídico dos interesses gerais dos contribuintes de determinado imposto; limitação ao poder estatal de tributar; renúncia ao exercício da competência tributária; e diversos outros, cada qual com seus argumentos e sua área de pesquisa. No ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do artigo 175 do Código Tributário Nacional, é uma causa de exclusão do crédito tributário. Rubens Gomes de Souza (apud AMARO, 2014, p. 308) sustentou este posicionamento ao disciplinar que “na isenção, o tributo é devido, porque existe a obrigação, mas a lei dispensa o seu pagamento. ” Porém, esta visão clássica sofreu críticas por parte dos doutrinadores que se contrapõe a este entendimento, analisando esta temática de muitas formas distintas. Conforme disciplinado por COÊLHO (2002, p.72), “a isenção, como também a imunidade, não excluem o crédito, obstam a própria incidência, impedindo que se instaure a obrigação”. Isto posto, a definição clássica mostra-se equivocada. AMARO (2014, p. 309) aponta que: “Dispensa legal de tributo devido é conceito que calharia bem para a remissão (ou perdão) de tributo, nunca para a isenção. Aplicado à isenção, ele suporia que o fato isento fosse tributado, para que, no mesmo instante, o tributo fosse dispensado pela lei. Esse raciocínio ilógico ofende o princípio da não contraditoriedade das normas jurídicas: um fato não pode ser, ao mesmo tempo, tributado e não tributado”.

para certos e determinados casos”. Deste modo, a doutrina moderna inclina-se para o entendimento de que a isenção seria uma supressão da eficácia da norma de tributação, consistente em ser modo impeditivo do nascimento da obrigação tributária. 3 Do posicionamento do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo do ordenamento jurídico brasileiro, com função de suma importância como guardião da Constituição Federal. Na temática sobre a matéria isentiva e sua natureza jurídica, o referido tribunal a entende como causa de exclusão do crédito tributário, conforme os dizeres do excelentíssimo Ministro Maurício Corrêa, na ação direta de inconstitucionalidade nº 286: “A isenção é a dispensa do pagamento de um tributo devido em face da ocorrência de seu fato gerador. Constitui exceção instituída por lei à regra jurídica da tributação” (ADI nº 286, Min. Maurício Corrêa). Observemos o disposto no Informativo nº 514, do Supremo Tribunal Federal, no qual indeferiu por maioria o pedido liminar, formulado em Ação Direta de Inconstitucionalidade, contra alterações legislativas no Estado do Paraná referente ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA: “Redução e Extinção de Imposto: Princípio da Anterioridade Tributária – 1 O Tribunal, por maioria, indeferiu pedido de liminar formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB contra o art. 3º da Lei 15.747/2007, que alterou dispositivos da Lei 14.260/2003, ambas do Estado do Paraná, reduzindo e extinguindo descontos relativos ao pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA (Lei 15.747/2007: “Art. 3º. Esta lei entrará em vigor na data da sua publicação.”). Entendeu-se que a norma impugnada não ofende, em princípio, a regra da anterioridade tributária, prevista no art. 150, III, b e c, da CF, porque não constitui aumento do imposto (CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:... III cobrar tributos:... b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;”). ADI 4016 MC/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.8.2008. (ADI-4016)

Outra corrente doutrinária, defendida por José de Souto Maior Borges, afirma que a norma de isenção exclui a própria obrigação tributária, objetiva suspender a incidência da norma jurídica de tributação, pelo que seria considerada uma norma de não-incidência. Nas palavras do autor (apud COÊLHO, 2002, p. 74): “A incidência da norma isentante tem como necessária contrapartida a não-incidência da norma tributária. Nesse sentido, pode-se dizer que a isenção atua como qualquer outra regra excepcional, em face do princípio da generalidade da tributação. Posto a doutrina nem sempre tenha apreendido, com a necessária clareza, essa característica, não tem outro sentido a proposição da Ciência do Direito Tributário de que a regra jurídica de isenção configura hipótese de nãoincidência legalmente qualificada. A não-incidência, aí, é da regra jurídica de tributação, porque a regra jurídica de isenção incide sobre o fato isento e seria absurdo supor-se a existência da regra jurídica que produzisse efeito sem prévia incidência.”

Redução e Extinção de Imposto: Princípio da Anterioridade Tributária – 2

Contrapondo-se a este entendimento, COÊLHO (2002, p. 79) conclui que a isenção não seria uma hipótese de não incidência pura, mas sim de uma técnica legislativa, onde: “Se, sob o ponto de vista do Direito Positivo, a imunidade e a isenção são declarações expressas do legislador sobre fatos ou aspectos de fatos ou estados de fato, negando-lhes efeitos tributários impositivos, não vemos como, neste plano, compará-las com a chamada ‘não-incidência natural ou pura’. A imunidade e a isenção são, existem, vêm de entes legais positivos. A não-incidência natural ou pura como tal inexiste, é um não-ser. A imunidade e a isenção são técnicas legislativas.”

Considerou-se que, se até mesmo a revogação de isenção não tem sido equiparada pela Corte à instituição ou majoração de tributo, a redução ou extinção de um desconto para pagamento do tributo sob determinadas condições previstas em lei, como o pagamento antecipado em parcela única (à vista), também não o poderia. Afastou-se, também, a assertiva de que qualquer alteração na forma de pagamento do tributo equivaleria a sua majoração, ainda que de forma indireta, e reportou-se ao entendimento do Supremo de que a modificação do prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade ... ADI 4016 MC/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.8.2008. (ADI-4016)

CARVALHO (2013, p.454) contribui para a definição da isenção, ao dizer que seu objetivo é “paralisar a atuação da regra-matriz de incidência tributária,

Deste modo, complementando este raciocínio, o Supremo Tribunal Federal entende que em matéria isentiva, o tributo já existe. Assim,

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uma vez que a isenção seja revogada, chega-se à conclusão de que não há a criação de um novo tributo, mas sim a restauração do direito de cobrar o tributo. O Supremo possui diversos outros julgados neste mesmo sentido, como nos seguintes julgados: RE 204.026, RMS 13.947, RMS 14.473, RMS 14.174, RE 57.567, RMS 15.466, RMS 14.202, RE 99.346, AGs 91.028 e 90.922, RE 97.482. Porém, o Supremo Tribunal Federal mostrou opinião divergente desta acima demonstrada, conforme o RE 564.225/RS: “AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 564.225 RIO GRANDE DO SUL RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO AGTE.(S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL AGDO.(A/S) : DR EMPRESA DE DISTRIBUIÇÃO E RECEPTAÇÃO DE TV LTDA ADV.(A/S) : RENÉ BERGMANN ÁVILA IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – DECRETOS Nº 39.596 E Nº 39.697, DE 1999, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE – DEVER DE OBSERVÂNCIA – PRECEDENTES. Promovido aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas b e c do inciso III do artigo 150, da Carta. Precedente – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.325/DF, de minha relatoria, julgada em 23 de setembro de 2004. MULTA – AGRAVO – ARTIGO 557, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Surgindo do exame do agravo o caráter manifestamente infundado, impõese a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil. ’’

Vale ressaltar que se trata de uma decisão isolada, onde o entendimento majoritário recaiu no sentido de que uma vez promovido o aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, caracterizado pela revogação de benefício fiscal, equivaleu-se a majoração do tributo, devendo assim ser observado o princípio da anterioridade tributária. Em suma, para o Supremo Tribunal Federal não haveria necessidade de observar o princípio da anterioridade na revogação de isenção não onerosa, posição esta que acaba por negar a recepção do inciso III do artigo 104 do CTN pela Constituição Federal de 1988. Vale ressaltar, por fim que, no que se refere à isenção onerosa, tanto o CTN (artigo 178) quanto o STF (súmula 544) concordam que há que se observar o direito adquirido daqueles que na vigência da lei revogada preencheram os requisitos necessários para sua concessão. 4 Da Revogação da Isenção O artigo 178 do Código Tributário Nacional disciplina importante temática acerca da revogação das normas isentivas, trazendo como regra geral, que a isenção pode ser revogada por lei a qualquer tempo. Tal revogação equivale à uma edição de norma de incidência. AMARO (2014, p. 313) diz que “a revogação da isenção implica passa o fato, antes não tributável, a ser compreendido pela norma de incidência”. Se determinado fato estava fora do campo de incidência por estar sendo excepcionado desta por norma de isenção, a revogação da norma que o isentava implica seu ingresso no rol dos fatos tributáveis.

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Na produção da norma revogatória da isenção de determinado tributo, se este estiver sujeito a aplicação do princípio da anterioridade, a publicação desta lei determina que o tributo só possa ser cobrado a partir do exercício financeiro após àquele em que a normal legal seja editada. O Código Tributário Nacional deixou isto expresso, conforme a redação do art. 104, III, para os tributos ali especificados. Nos casos de isenções oferecidas sob condição onerosa, esta não pode ser revogada a qualquer momento, visto que sua concessão gera direito adquirido ao serem atendidos os requisitos legais, não havendo possibilidade também para redução do prazo da isenção. Em outra vertente, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, a isenção não onerosa pode ser revogada a qualquer tempo e mais, o tributo isento por aquela norma revogada poderá ser cobrado imediatamente após a revogação. Algumas isenções são concedidas com o objetivo de assegurar o interesse público ou estimular setor da economia, de modo que, preenchidos alguns requisitos, estas costumam ser concedidas com prazo certo de duração. São as chamadas isenções temporárias. Nestes casos, ainda que a lei defina a isenção temporária e garanta sua aplicação por um determinado período de tempo, a norma legal que a concede pode ser revogada. CARVALHO (2013, p. 457) complementa este entendimento, de modo que “havendo a justa indenização advindo dos prejuízos do inadimplemento contratual, também as (isenções) concedidas por prazo certo e mediante condições podem ser revogadas. ” Porém, isto não quer dizer que tal ato tem o poder de cassar o benefício de quem já cumpriu as condições da lei e, portanto, tem direito a usufruir da isenção pelo prazo que a lei definia. Vale ressaltar que, esgotado o prazo concedido na lei, os efeitos da isenção cessarão. 4.1 Da Aplicabilidade dos Princípios da Anterioridade e da Noventena O texto constitucional exige, para a maioria dos tributos presentes no ordenamento jurídico, que a lei criadora de um tributo ou que o aumente, seja anterior ao exercício financeiro de incidência do tributo. Exercício financeiro pode ser entendido como o período de tempo para o qual a lei orçamentária aprova a receita e a despesa pública. Em regra, os orçamentos são anuais, e em nosso país, o exercício financeiro coincide com o ano civil, indo do dia primeiro de janeiro a 31 de dezembro de cada ano. Esta questão de definição do exercício financeiro é de competência de legislação complementar. Somente por lei complementar é que se poderia modificar o exercício financeiro. A Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso III, alínea “b”, veda cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a legislação que os instituiu ou majorou. É o chamado princípio da anterioridade da legislação tributária. Com o advento Emenda Constitucional nº 42, de 2003, fora inserida a alínea “c” no inciso III do artigo citado anteriormente, para vedar também que o tributo seja cobrado antes de decorridos noventa dias da data de publicação da lei que o instituiu ou majorou. Assim, fica instituído o princípio da anterioridade nonagesimal ou noventena. Vale ressaltar que os aludidos princípios possuem exceções, não sendo necessário que se respeitem ambas as duas em todos os tributos. Alguns não precisam respeitar nenhuma das duas regras, outros precisam respeitar apenas uma delas, sendo tais exceções expressas no texto constitucional. Quando se tratar de tributo sujeito ao princípio da anterioridade, a revogação da isenção importa que o tributo só possa ser aplicado a partir do exercício seguinte àquele em que a normal legal de supressão seja editada. O Código Tributário Nacional deixou isto expresso, conforme a redação do art. 104, III. CARVALHO (2013, p. 458) deixa claro este entendimento,

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onde determina que: “É questão assente que os preceitos de lei que extingam ou reduzam isenções só devam entrar em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que foram publicados. Os dispositivos editados com esse fim equivalem, em tudo e por tudo, aos que instituem o tributo, inaugurando um tipo de incidência. Nesses termos, em homenagem ao princípio da anterioridade, o termo inicial de sua vigência fica diferido para o primeiro dia do próximo exercício”. Porém, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a norma isentiva como causa de exclusão do crédito tributário, entende que ao revogar a lei que disciplinava a isenção, o que acontece é a retomada de incidência do tributo, e não a instituição de um novo, não sendo assim necessário aplicar os princípios da anterioridade ou da noventena. Este posicionamento fica claro ao observar o conteúdo da súmula 615 do referido tribunal, que diz que o princípio constitucional da anualidade não se aplica à revogação de isenção do ICMS. Observemos o disposto no RE nº 97482 RS, do relator Soares Munoz: Processo: RE 97482 RS Relator(a):SOARES MUNOZ Julgamento:26/10/1982 Órgão Julgador:PRIMEIRA TURMA Publicação:DJ 17-02-1982 PP-13211 EMENT VOL01280-07 PP-01792 Ementa ICM.ISENÇÃO NÃO ONEROSA. REVOGAÇÃO. IMEDIATA EFICACIA E EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. INAPLICAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ANUALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO PELO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL DA ALINEA ‘D’, MAS DESPROVIDO. Esta posição demonstra-se equivocada, visto que não se pode ferir, mesmo que indiretamente, um princípio constitucional, ficando esta posição mais comprometida ainda devido à função do Supremo Tribunal Federal de guardião da Constituição Federal. O artigo 104 do Código Tributário Nacional tratou de demonstrar o conteúdo do princípio da anterioridade, abrangendo em seus incisos as hipóteses em que este seria aplicado, quais sejam: a instituição ou o aumento de tributos; a definição de novas hipóteses de incidência para o tributo, o que teria a mesma natureza da instituição; e a redução ou extinção de isenções, equivalendo, respectivamente, à majoração e criação de um novo tributo. Deste modo, o posicionamento adotado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal não encontra respaldo legal no ordenamento jurídico brasileiro e nem razão de ser, pois trata-se de posicionamento ultrapassado, superado pelos novos entendimentos de matéria isentiva. Nestes dizeres, tratar a isenção como mera causa de exclusão do crédito tributário impossibilita a aplicação do princípio da anterioridade, equivalendo a dizer que, uma vez revogada a norma que determinava a isenção de um tributo, este não precisaria respeitar o referido princípio e seria passível de cobrança imediatamente após a edição da norma revogadora, o que, preenchidos os requisitos legais, pode acontecer a qualquer momento. 4.2 Da insegurança jurídica e o Princípio da “Não Surpresa” A segurança jurídica existe para que a justiça, finalidade maior do Direito, se concretize. É um princípio que o Estado tem que garantir ao seu cidadão, tendo em vista a necessidade de demonstrar que, apesar de o Estado possuir um poder maior, atribuído a ele pela

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Constituição, existe um controle da utilização deste poder. Sua concepção vem em conjunto com a organização do Judiciário, e também com o Direito, buscando garantir, assim, boa convivência entre os cidadãos. Vale dizer que a segurança jurídica concede a garantia necessária para o bom desenvolvimento das relações sociais, tendo no Direito a certeza das consequências dos atos praticados. Tal princípio pode ser dividido em dois grupos de sentidos: o estrito e o amplo. No primeiro, vislumbra-se a segurança jurídica como garantia da estabilidade das relações jurídicas, protegendo e impossibilitando que as partes envolvidas sofram alterações e prejuízos em razão das constantes mudanças da legislação. Em seu sentido amplo, pode ser entendida como garantia da efetivação dos direitos previstos constitucionalmente. Está voltada para o homem individualizado, como cidadão, na intenção de preservar os direitos concedidos pela Magna Carta. Assim sendo, tem-se a Segurança Jurídica para garantir aos cidadãos os seus direitos naturais, tais como o direito à liberdade, à vida, à propriedade, entre outros. Portanto, para que uma norma possa ser perfeitamente aplicada em nossa legislação, faz-se necessário que ela traga segurança ao ordenamento jurídico. O princípio da Não Surpresa, por sua vez, é instrumento constitucional que visa a garantir o direito do contribuinte à própria segurança jurídica, independentemente de qual concepção desta foi adotada. Este princípio encontra-se materializado em na Constituição Federal de 1988, ao tratar em seu artigo 150, inciso III, alíneas “b e c”, dos princípios da anterioridade e da noventena ou espera nonagesimal, respectivamente. O principal intuito, ao tratar desta questão é o de evitar que o contribuinte seja surpreendido com a nova cobrança de um tributo sem que se observe um lapso temporal razoável para tanto, como no caso da instituição de novo ou da majoração de algum já existente no ordenamento. Conforme tratada anteriormente, a isenção que é oferecida sob condição onerosa não pode ser revogada a qualquer tempo, pois trata-se de um benefício que gera direito adquirido a partir do momento em que o contribuinte atende aos requisitos estabelecidos pela lei. Por outro lado, a isenção não onerosa pode ser revogada a qualquer tempo, pois não há prazo do benefício fixado pela lei. Inclusive, com a revogação dessa isenção o tributo pode voltar a ser cobrado imediatamente. Em suma, este posicionamento do Supremo Tribunal Federal não merece prosperar, pois trata-se de um posicionamento ultrapassado e ofensivo aos princípios anteriormente citados. Este entendimento, ao permitir que um tributo volte a ser cobrado imediatamente após a revogação de sua isenção, traz para o contribuinte insegurança jurídica, pois este fica à mercê de uma vontade do legislador para pagar seus tributos e ficar em dia com suas obrigações. Não se mostra correto deixar a população refém de interpretações jurídicas equivocadas e ultrapassadas. Para que haja a efetiva segurança jurídica, a interpretação não pode extrapolar o limite de razoabilidade. Segundo TORRES (apud MACHADO, 2013) “significa que o Estado deve respeitar a segurança dos direitos fundamentais do contribuinte, agindo segundo a moralidade e a equidade”. E mais, nova cobrança a qualquer momento poderá surpreender o contribuinte, violando o princípio da não surpresa. Como o Direito deve acompanhar a evolução dos entendimentos da sociedade e não o contrário, o ordenamento mostra-se exigente quanto a necessidade de uma concepção mais ampla do referido princípio. CARVALHO (2013, p. 458) demonstrou a ampliação do art. 104, III do Código Tributário Nacional, de modo que:

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“Esse o conteúdo do art. 104, III, do Código Tributário Nacional, sem bem que restringindo a regra aos impostos sobre o patrimônio e a renda. A restrição, porém, prevaleceu apenas até o início da vigência da

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Carta de 1967, quando o constituinte retomou, com entusiasmo, a linha de primazia da anterioridade. A partir de então, o âmbito de abrangência do citado art. 104, III, passou a ser pleno, estendendo – se a qualquer espécie de tributo. ”

da anterioridade e da noventena e, consequentemente, trazendo segurança jurídica para o contribuinte e respeitando regras constitucionalmente estabelecidas, como a efetivação da Não Surpresa. Referências

Portanto, mostra-se clara a possibilidade de aplicação dos princípios da anterioridade e da noventena a qualquer tributo, exceto nos casos em que há previsão para sua não aplicação. Destarte, conforme disciplinado por PINTO (Revista Eletrônica de Direito, ed. 21), “o tributo deve respeitar o princípio da legalidade, o qual poderá ser exigido conforme estabelecido em lei. ” Ademais, permitir a cobrança de um tributo imediatamente após a sua revogação desrespeita os princípios da Segurança Jurídica e da Não Surpresa constitucionalmente previstos.

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5 Conclusão Em suma, a revogação das isenções tributárias é um tema que se mostra extremamente pertinente e necessita de um amplo estudo sobre suas consequências e os impactos que pode trazer para o contribuinte. No que tange à natureza jurídica das isenções, esta pode ser entendida como uma supressão da eficácia da norma de tributação, onde, observadas as regras legislativas, é passível da aplicação de princípios aptos à proteção do contribuinte. Porém, o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal determina que a isenção é causa de exclusão do crédito tributário, onde o que acontece é a possibilidade de cobrar o tributo, e não a instituição de um novo. Assim, uma vez que a isenção foi revogada, chega-se à conclusão de que há a restauração do direito de cobrar o tributo, podendo este ser feito imediatamente após a revogação. Assim, fica claramente demonstrado que o Supremo, órgão máximo do Judiciário brasileiro, desrespeita princípios constitucionalmente previstos, como no caso deste trabalho, os princípios da Segurança Jurídica e da Não Surpresa, além da Anterioridade e da Noventena. Esta interpretação equivocada do Supremo mostra-se prejudicial, não tão somente pela violação dos referidos princípios, mas ao gerar insegurança jurídica, retira credibilidade do Judiciário, a confiança da população no Estado e no ordenamento jurídico para a solução dos conflitos. Portanto, tal entendimento merece ser atualizado, objetivando a aplicação dos princípios da anterioridade e da noventena nos casos concretos onde aconteça revogação das isenções, para efetivar a segurança jurídica. Contudo, o Supremo mostrou-se tendente a uma mudança do seu entendimento no julgamento do RE 564.225 do Rio Grande do Sul, onde interpretou que a revogação de benefício fiscal relativo ao ICMS equivaleu à majoração do tributo, devendo assim observar o princípio da anterioridade tributária. Vale ressaltar e reforçar a ideia de que, para que uma norma possa ser perfeitamente aplicada em nossa legislação, faz-se necessário que ela traga segurança ao ordenamento jurídico. Assim sendo, a ideia do Estado Democrático de Direito e os valores estabelecidos pela Constituição mostram-se exigentes quanto à atualização do entendimento do Supremo, de modo que a lei isentiva obsta a ocorrência do fato gerador. Desta forma, a revogação da lei que concede a isenção equivaleria a uma lei impositiva, ou seja, a criação ou majoração do tributo. Por fim, este trabalho traz como principal objetivo analisar a natureza jurídica do fenômeno das isenções tributárias, com o intuito de apontar uma posição diferente daquela adotada pelo Supremo Tribunal Federal, tornando-as passíveis da aplicação dos princípios

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Banca Examinadora Leonardo Resende Alvim Machado (Orientador) Núbia Elizabette de Jesus Paula (Examinadora) Fernanda Prata Moreira Ribeiro (Examinadora)

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SCANDAL: O ILIBADO DISCURSO DA IGNORÂNCIA Maximiliam Barroso Mello1

Resumo: Escândalo (no inglês: scandal) pode ser entendido como um estado de perplexa indignação suscitado por ato reprovável. Amparado por esse conceito, a construção narrativa desse artigo tem como intuito discutir o fazer jurídico a partir de uma percepção crítica, que evidencia a carência ética, conferindo aos elementos jurídicos um caráter de constante transformação. Para tal, neste artigo a aplicação do direito será tratada sob uma perspectiva multilinear que estuda os aspectos tanto do direito posto quanto sua adaptação a novos contextos. O intuito é legitimar discursos que ultrapassam os interesses formais da lei e buscar a difusão de novas e abrangentes perspectivas jurídicas, a partir da contraposição do discurso da imparcialidade versus moralidade e seus impactos no mundo concreto, onde o lugar de fala dos “operários” do direito, propagadores de discursos de “ilibada” construção legal, margeiam o pré-conceito e a intolerância. Palavras chave: Dispositivo jurídico. Ética. Filosofia do Direito. Justiça. Moral.

A necessidade de um tratamento sério e amplo de tais delitos é manifesta, especialmente se atentarmos para o fato de que o nosso Direito Penal dispõe de escassas e, lamentavelmente, imperfeitas normas, numa legislação fragmentária, elitista e seletiva, que tem como consequência, a impunidade. (Araújo Júnior, 1995)

1 SCANDAL: CONSTRUINDO UMA VERDADE CONVENIENTE “A lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos”. (Mahatma Gandhi) A célebre frase do fundador e idealizador do moderno estado indiano, Mahatma Gandhi, que abre os pensamentos deste estudo, nos traz uma importante reflexão sobre o que representamos para o Outro3 e o que este espera de nós. Do mesmo modo permite questionamentos sobre: quem é este Outro? Qual o nosso papel social? E se assim o for, reconhecemos os papéis sociais que representamos e sua importância na construção de uma sociedade mais justa e igualitária? Somos vítimas ou fomentadores de uma sociedade marcada por hipocrisia e escândalos? Álvaro Cruz acredita que “os escândalos se repetem, sempre novos em sua forma, sempre iguais na percepção que cega os corruptos e corruptores, pois o Outro se torna cada vez, mas invisível” (2015, p.87). E é nesta invisibilidade marcada por subjetividades – onde todos nós somos responsáveis ou co-responsáveis pelos atos praticados em nosso Estado Democrático de Direito – que buscaremos o fio condutor desta análise do fazer jurídico a partir de uma noção crítica que evidencia a carência ética. A questão em epígrafe pode ser elucidada ao remetermos nosso cotidiano comportamento de indignação, mas que também se mostra cada vez mais passivo, frente às repetidas exibições midiáticas de versões das “verdades” do sistema político e judiciário brasileiro que é assolado por escândalos frequentes e impunidades, como ocorre nos delitos financeiros: Os delitos financeiros talvez sejam aqueles que, em nosso país, causem mais danos à economia.

Do mesmo modo, somos passivos aos “invisivelmente” escandalosos bastidores da ilibada conduta jurídica, que de forma coercitiva disseminam discursos morais arcaicos embebidos em bases canônicas e inquisitivas primitivas que se arrastam até a contemporaneidade – muitas vezes de forma velada ou “(in)direta”. Afinal, seria inspirado por esse modelo pré-estabelecido que alguns operadores do direito ostentam a ilusão do poder que dita padrões de comportamento e, de forma direta ou indiretamente, “sugerem”que pessoas estabeleçam determinada conduta em prol perda ou ganho de benefícios? Talvez não possamos, ou não devamos responder a esta questão de forma precisa, mas podemos suscitar o pensamento de que atos como este, dada a força política e corporativista4 envolvida, permite realizar uma metáfora comparando o universo político e judiciário a uma espécie de irmandade de seletos membros, subordinados a um alto padrão moral previamente estipulado como condição sine qua non para se lograr êxito em uma determinada carreira. E dentro deste contexto, onde nosso arcabouço normativo é construído, seríamos nós vítimas ou algozes de um sistema político e jurídico marcado por escândalos, jogos de interesse e corrupção? Afinal, que atire a primeira pedra aquele que nunca se valeu do “jeitinho brasileiro” para se beneficiar ou esquivar de um crime menor que, para alguns, beira a insignificância. Ou será que essas “irmandades” só estão presentes dentro do sistema político e judiciário brasileiro? Talvez não seja difícil responder a esta questão se no lugar do “outro” for inserido no discurso o “eu”.

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 O outro não somos nós quem concebemos. Essa problemática esteve presente em toda a filosofia ocidental e alimentou a insensatez racional, que de tanto criar métodos de precisão do conhecimento, confundiu forma e conteúdo e ao determinar o caminho, desde já nos desviava da novidade e realidade de um outro que vem. (...) O direito, como instrumento que o estado sempre teve nas mãos, sempre deu conta, das mais variadas formas, deste outro que desvia da rota determinada. E assim, sob uma pretensa, falha, e ideológica ideia de organização, retirávamos todos de seu real lugar, que, em verdade, seria um não lugar. Não lugar, pois, se diferente de querermos nos apropriar deles deixássemos caminhar, poderia ser outro, assim como são outras as possibilidades, assim como são infinitas as novidades aquando de um encontro que não seja manipulador e pretensioso por parte de quem recebe, quem conhece e quem inter-age com a alteridade. (NOGUEIRA, 2013) 4 Os membros do Judiciário, por seus atos, são inatingíveis pelos demais poderes, embora, sem mandato da soberania popular, possam cassar – e como cassam! – mandatos eleitorais. Julgam-se a si mesmos e, quando as evidências impedem a impunidade, ‘condenam’ o colega com o prêmio da aposentadoria integral, independentemente do tempo de ofício. A isto se chama corporativismo. (AMARAL, 2011). LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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Dentro deste recorte, é notório que questões éticas se encontram em voga em ambos os lados da moeda devendo, portanto, se argumentar qual a influência deste princípio norteador na mudança do comportamento humano? O pensamento sobre esta questão se torna mais claro quando encontramos uma relação causa efeito, conforme nos mostra os estudos de Édouard Delruelle, a partir da seguinte definição de ética: “termo que permite delimitar a dimensão do comportamento que escapa à moral (...) é a dimensão subjetiva e ponderada de valores e das normas; a forma como cada um se conduz, como cada um se define enquanto sujeito moral” (2004, p.16). Ou seja, a ética é fator culminante para norteia o comportamento dos indivíduos em sociedade, mas, ao mesmo tempo, nos traz um paradoxo ao colocar a ética e a moral em comunhão. 1.1 É preciso pensar em como parar de pensar... é preciso agir É claro e evidente que não estamos tratando aqui de uma proposta de completa anarquia no intuito de uma reconstrução do Estado – mesmo que por vezes esse pareça ser o caminho mais plausível – mas sim estabelecer a propositura de um pensamento onde os cidadãos – principalmente aqueles que se intitulam operadores do Direito –, visualizem de fato qual é o seu lugar de fala na busca pela justiça5 e, por consequência que, de fato, nosso judiciário desenvolva seu papel de forma limpa, proba e atual, sem se deixar conduzir por uma interpretação fria da lei, pois, é fato que tal ato já não mais se sustenta mediante aos anseios sociais contemporâneos. Nesse contexto, é importante trabalhar o pilar dessa fissura geradora de fragilidades na construção dessa cadeia, qual seja: o universo acadêmico. O grande desafio que põe frente aos cursos jurídicos é o de garantir não somente conhecimento filosófico, ético e político aos estudantes, mas como “transformar” esses estudantes em seres filosóficos, éticos e políticos, responsáveis pela grande transformação social requerida, para a garantia dos direitos de liberdade, igualdade, e justiça, promovendo a dignidade plena do ser humano e a almejada paz social. (CASTRO, 2013, p. 125) Do mesmo modo é função basilar do Direito a organização da vida em sociedade e deve ser premissa deste seguimento trabalhar de forma ampla e eficaz o desenvolvimento intelectual no processo deformação daqueles que serão responsáveis tanto pela aplicação do direito posto, como também e principalmente, por transformá-lo em ferramenta de defesa, justa e igualitária, dos interesses individuais e coletivos que se apresentam e se transformam ao longo do tempo. Para tal, há de se pensar em um novo modo de realizar desde sua base: isso nos leva a refletir o quão frágil são os discursos éticos e de justiça que se propagam com veemência no universo acadêmico. Fragilidade esta percebida em sua base já que toda a conduta ética do “operário” do direito deve ser pautada em um regramento rígido que coloca em um mesmo plano o discurso da “conduta ilibada” e

as normas de conduta classistas. “É claro que este operário anônimo do Direito é necessário, mas por que deve ser inconsciente? [...] Sua atividade passa a ser meramente formal, sem influência no processo de tomada de decisão e no planejamento.” (Apud STRECK, 2014) Há de se pensar em um novo modo de realizar: afinal, que tipo de evolução jurídica e social se espera em um universo onde, aparentemente, se formam marionetes legalmente constituídas?; onde, ainda em “tempos modernos”6, o espaço de discussão se afasta para dar lugar a máquina produtora de “operários”7 do direito preparados para engrossar o quadro estatístico da lista de aprovados da “Ordem dos Advogados do Brasil”? Afinal, “estudar o(s) Código(s) – do modo como fazem – é mera técnica. O que o aluno deve saber é a matriz que sustenta o(s) Código(s) e a necessária matriz de interpretação da legislação” (STRECK, 2014). É emergente, portanto, atuar de forma crítica em todos os campos de nosso sistema judiciário, principalmente em sua base de formação acadêmica, sob pena de estarmos fadados a proliferação de “operários” programados, conforme nos mostra a percepção de Cruz ao relatar: O estudante de direito decora sem corar aquilo que em coro os professores lhe ensinam. Lê o texto como vê uma fotografia: um flash que iluminou por uma luz que se fez presente na ausência do papel. Parado. Paralisado na aceitação de um modelo que é ‘essencialmente’ estático e que exige a repetição nas provas de concurso público. (CRUZ, 2015, p.89) Mediante o exposto, temos motivos para acreditar que somente após investimentos na base é que poderemos sonhar(?) com melhores perspectivas na aplicação principiológica e ampla do poder jurisdicional, pautada em valores éticos e sem submissão e/ou curvaturas as amarras estipuladas por padrões morais e legais rígidos e/ou pré-estabelecidos por normas de conduta que já não se fazem mais aplicáveis na contemporaneidade. Caso contrário, corre-se o risco de condução do sistema judiciário ao retrocesso e a instauração de um Estado opressor que não condiz com o viés que permeia a construção de um Estado Democrático de Direito. Afinal, nossa nação é povoada por seres híbridos formadores de uma sociedade orgânica8 em constante processo de evolução social, que não concebe mais ser regida por padrões legais esculpidos na pedra e/ou correntes morais primitivas. Neste contexto, frisa-se que: O jurista formado por escolas, convém lembrar, não será apenas advogado: será também o juiz que fará parte, afinal de contas, de um dos poderes políticos do Estado. A alienação do jurista, deste modo, colabora também na supressão das garantias de direitos. É que o centro de equilíbrio social (ou de legitimação) é colocado na eficiência, não no bem do homem. (FARIA apud STRECK, 2014) Portanto, é fundamental que se semeie um campo onde pos-

5 Para Aristóteles, a justiça não pode ser neutra, ela é parte da discussão sobre honra, virtude, natureza de uma vida boa. Justiça e vida boa, na compreensão de Aristóteles, estão vinculadas. Isso significa que para ele ser justo é agir de acordo com o mérito de quem vive na cidade, e busca viver melhor. Isso significa que cada atividade possui suas virtudes específicas, e ser justo é ter como critério que os melhores em cada função executem da melhor maneira esta função. (Portal Ética e Filosofia, 2012). 6 Alusão ao filme estadunidense “Modern Times” (Tempos Modernos, 1936). É considerado uma forte crítica ao capitalismo, stalinismo, nazi fascismo, fordismo e ao imperialismo. 7 Em Tempos Modernos, os operários são apenas apêndices do sistema de máquinas, uma mera engrenagem, representada na cena clássica do operário sendo engolido pela máquina. É a dimensão da objetividade estranhada e fetichizada, pois a máquina, ou mais propriamente, o sistema de máquina, é a própria representação do fetiche que se impõe sob o comando do capitalista como persona do capital (ALVES, 2015). 8 A sociedade orgânica é o consenso resultante da diferença, fenômeno que caracteriza a sociedade moderna.

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sam germinar operadores do direito que consigam de fato atender de forma justa e com probidade aos anseios sociais emergentes. 2 SOMOS TODOS IGUAIS “Nossos homens públicos precisam melhorar bastante sua conduta moral. Os cidadãos também. No fundo, no fundo, somos todos iguais.” (Rogério Medeiros Garcia de Lima, 2007) Tema polêmico e controverso, inserido na Constituição da República de 1988 e definido como “a qualidade da pessoa íntegra” pela Comissão de Constituição e Justiça9, a reputação ilibada, por meio de seu significado de ordem subjetiva, coloca muitas vezes o sistema político e judiciário em posição controversa e questionável, ao compartilharmos o seguinte pensamento: Na verdade, tudo é considerado válido quando a ilegalidade atinge somente adversários políticos ou setores marginalizados da sociedade brasileira. E o mais assustador é que parte significativa dos juristas se coloca na primeira fila como principal apoiadora das medidas de exceção. Isso porque, para grande parte dos “doutores”, defender o Estado de Direito não é uma questão de princípio e sim uma questão de conveniência. (STRECK, 2016) Isto só é possível devido a práxis cotidiana dos operadores do direito que se submetem sem questionamentos a esta subordinação, dando ao sistema o elemento que ele necessita para se manter vivo e operante no ordenamento jurídico, e ao “pastor” poder ditatorial sobre suas “ovelhas” que ao balançarem suas cabeças dizendo sim, sustentam verdades individuais que se perpetuam através do tempo e oprimem uma sociedade construída sobre um frágil sistema político e judiciário. Entretanto, seremos sempre todos iguais enquanto não compreendermos qual a real responsabilidade de todos aqueles que se dizem cidadãos de direitos. Seremos todos iguais enquanto o medo for fator preponderante para a subordinação – em provimento daqueles que se julgam mantenedores da lei e da ordem – e permitirmos que o subconsciente seja tomado por formas e conceitos pré-estabelecidos que nos torna marionetes de uma encenação vazia que “aparentemente” chamamos de justiça. E se assim o for, continuaremos cedendo nosso lugar de fala para o outro e perdendo toda nossa identidade, toda nossa construção ética que nos torna cidadão do direito e de direitos, e nos transformando em seres invisíveis. Vivenciar de forma positivada essa representação vai de encontro a moralidade positiva que se apresenta como o objeto da ética, isto é, “o conjunto de regras de comportamento e formas de vida através das quais tende o homem a realizar o valor do bem” (MÁYNEZ, 1970, p.12). Nessa perspectiva, diferente do que é aplicado em um ambiente de realidade moralmente vigiada, acreditamos que em qualquer que seja o regramento a ética deve ser vivida em sua essência como a ciência dos costumes e a moral como objeto da ciência. Ou seja, entender a ética como uma disciplina normativa, não por criar normas, mas por descobri-las e elucidá-las, devendo, portanto, ser interpretada de forma ampla e como norma de conduta basilar para todo ato civil ou público no intuito de aprimoramento e desenvolvimento de padrões morais de comportamento – que se distanciam dos

padrões morais tradicionalistas provenientes dos pilares canônicos –, se aproximando sempre de ações que promovam o bem estar social que por vezes não encontram abrigo nas representações. Posto, cogita-se que essas representações que cotidianamente nos cercam também possuem seu calcanhar de Aquiles, já que também estamos cercados pela subjetividade produzida por uma sociedade híbrida formada por seres sui generes. Sendo assim, já não se consegue mais conceber a aceitação de um cabresto de ilibada conduta sustentado por rédeas de questionada moral dentro e fora do sistema judiciário. Esse cenário nos leva ao pensamento do professor e Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (2007), que em seu artigo Ética para Principiantes descreve de forma objetiva e magistral a hipocrisia em que vive grande parte do Estado Brasileiro. Isto nos inspira a refletir no fato de que nós brasileiro somos muito bons em cobrar, em apontar, mas pouco produtivos quando chega a nossa vez de agir com ética e dentro daquilo que é legal e moral; somos todos iguais. Do mais simples, como parar numa vaga de deficiente, a atos mais complexos – como os que envolvem as constantes tentativas de sonegação fiscal comprovadas pelas enormes listas de contribuintes que são pegos pela malha fina da Receita Federal, devido a “deslizes” na declaração anual do imposto de renda. Esses atos que corriqueiramente são praticados tanto na vida civil, como os frequentemente noticiados na vida pública, nos permite vislumbra a ideia que, em regra e resguardada as devidas proporções, somos programados para tentar sempre como primeira opção o velho “jeitinho brasileiro” do “se colar, colou”. Ou seja, somos todos iguais quando necessário representar aquilo que nos é imposto, direta ou indiretamente; somos todos iguais na busca por aquilo que nos beneficia; mas é necessário também sermos todos iguais no momento de repensar nossas ações éticas perante o mundo, sob pena de nossas indignações frente à corrupção e outras mazelas estatais se tornarem falácia que soam como canção de ninar para o “gigante adormecido10 da ordem e do progresso”. Sobre essa perspectiva, Nalini nos traz uma importante contribuição que ajudará a elucidar uma possível explicação para essa aparente desvalorização moral e ética tão comumente criticada, assim como pelo encantamento à representação vigiada. A educação deficiente produz uma sociedade voltada para o imediatismo. Parcela considerável da população vive nos limites da miséria e depende de escancarado assistencialismo. Se recebe o que comer e se o circo é atraente, é o suficiente para mantê-la resignada. Resiste, passivamente, às vicissitudes. Não se revolta, não protesta. Satisfazse com futebol, Big Brother e carnaval. Anima-se com anúncios ufanistas. Considera vitória pessoal o fato de o Brasil sediar a Copa, as Olimpíadas, ser a sexta economia do mundo, emprestar dinheiro ao FMI, ter acabado com a marginalidade e ter seus jogadores considerados os melhores do mundo. (NALINI, 2014, p. 344). Como podemos perceber, os conceitos de moral e ética são margeados por diversos elementos subjetivos e, portanto, merecem demasiada atenção visto que é notório, na contemporaneidade, “a preocupação com o ambiente, a vulnerabilidade da política, a ascensão das empresas, o poder das comunicações, enfim, tudo se impregnou de preocupação ética”. (NALINI, 2014, P.48)

9 http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/1999/09/29/reputacao-ilibada-e-a-qualidade-da-pessoa-integra-define-ccj 10 O gigante voltou a adormecer. Seis meses depois das manifestações de junho, o Brasil continua o mesmo. Nada mudou. É o Brasil brasileiro de sempre. Mais uma vez, os fatores de permanência foram muito mais sólidos do que os frágeis fatores de mudança. (VILLA, 2013)

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Essa percepção faz com que a ética se eleve a um padrão indiscutível de relevância social haja vista que, como já relatado, ela traz um campo norteador para a moral que deve ser interpretado e aplicado disciplinar e cotidianamente; mesmo estando em risco de ser colocada sobre o julgamento raso e subjetivo social que o denomine como utópico. Afinal, se assim o for e assim julgarmos os conceitos éticos e morais, estaremos colocando em cheque também o próprio conceito de justiça e cedendo mais uma vez nosso lugar de fala para a corrupção e a injustiça social que hoje vivem veladas nos mais de “50 tons de cinza11” do poder público que buscam no discurso utópico da moral religiosamente instituída e na alienação social o campo fértil para sua ascensão e reprodução. Frente a este cenário “pessimista”, mas, sem sombra de dúvidas, noticiosamente realista, buscamos aqui difundir e replicar os ensinamentos de Savater ao defender que conceitos morais e éticos, assim como a vida a que servimos e os elementos que cultivamos para dar a ela sentido, nunca pode ser deixada para mais tarde. Do mesmo modo, Savater explica que a “ética de um homem livre nada tem a ver com os castigos ou os prêmios distribuídos por qualquer autoridade que seja - autoridade humana ou divina”. (1993, p. 18). Ou seja, apesar do caráter disciplinar e normativo, essa conduta deve ser voluntária e racionalmente implementada, uma vez que está associada aos conceitos de verdade e bem-estar da coletividade que de forma cíclica, direta ou indiretamente, será reciprocamente convertida em benefícios para quem o pratica. Nesse aspecto, “o homem precisa converter suas melhores disposições naturais em hábitos, de acordo com a razão: virtudes intelectuais. Mas esta autoeducação supõe um esforço voluntário, de modo que a virtude provém mesmo da liberdade, que delibera e elege inteligentemente” (VALLS, 1994, p. 33). 3 UMA METAMORFOSE AMBULANTE OU A VELHA OPINIÃO FORMADA SOBRE TUDO? “Ninguém tem o direito de constranger alguém a fazer alguma coisa segundo a sua visão da Verdade”. (Gandhi. 1958) Mais uma vez inspirado pelo pensamento de Gandhi, reforçamos aqui o pensamento de que se faz necessário romper as barreiras dogmáticas da instituição jurídica e instaurar de forma sólida a base do pensamento neoconstitucional, de modo que grupos sociais se tornem elementos ativos da construção dos instrumentos jurídicos, uma vez que, conforme defende Luís Roberto Barroso: Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas

uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se coparticipante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis (BARROSO, 2016, p. 11). Esse breve relato, e salvaguardado todo o conteúdo expresso nos capítulos anteriores, nos permite perceber que a base positivista em que o Direito foi construído e ainda hoje é aplicado se encontra destoante, se estabelecermos um confronto da linha de pensamento técnico e filosófico até aqui exposta com a teoria normativa12 de Hans Kelsen, pois, de acordo com o pensamento Kelseniano o direito é produzido pela autoridade jurídica e não pela ciência, colocando assim o Direito dentro de uma estrutura baseada em fontes dogmáticas, conforme nos mostra Noleto ao citar: Para Kelsen, a ciência não produz direito, não possui essa função criadora, pois limitada ao papel de conhecimento do direito produzido pela autoridade jurídica, isto é, por aquele a quem o ordenamento atribui capacidade ou competência para produzir normas jurídicas, na relação entre estática e dinâmica do Direito, que aprendemos como a teoria dogmática das fontes do Direito. Essa distinção entre ciência jurídica e Direito, Kelsen a situa no plano da validade formal, afastando do campo do Direito as questões relativas à veracidade ou falsidade de seus imperativos de conduta. (NOLETO, 2002, p.2)13 Neste aspecto, não podemos negar que, mesmo contrariando as bases da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, pensar uma estrutura do Direito sob a luz da subjetivação seja algo pertinente e válido, visto que, se tomarmos como exemplo o contexto legislativo brasileiro (mesmo sem entrar em questões mais profundas), diagnosticaremos sem muita dificuldade fatos que comprovem o crescimento de leis inconstitucionais no país, demonstrando assim que esse modelo proposto por Kelsen encontra-se em ruína, uma vez que, na contemporaneidade, cabe ao jurista “tentar aproximar o seu saber das problemáticas sociais de outras áreas, menos presas a formas e formalismos”. (SALDANHA apud PINTO, 2012) Não obstante, essa queda do pensamento Kelseano fortalece as linhas de pesquisa que caminham em direção a uma corrente que se propõem a quebrar de forma prática com doutrinas rígidas, mas que ainda atuam de forma recorrente no pensamento e na execução da atividade jurídica. Esse pensamento se fortalece quando buscamos amparo nas palavras de Barroso quando estabelece que “ao lidar com locuções como ordem pública, interesse social e boa-fé, dentre outras, o intérprete precisa fazer a valoração de fatores objetivos e subjetivos presentes na realidade fática, de modo a definir o sentido e o alcance da norma” (2016, p. 12). E é dentro desse contexto de contínua elaboração e superação, onde a moral e a ética se tornam ferramentas primárias no processo

11 Fifty Shades of Grey é um romance erótico best-seller da autora inglesa Erika Leonard James publicado em 2011. 12A noção de norma tem distinção entre as categorias do ser e do dever ser buscado no neokantismo, sendo as normas descrições do dever ser. Cada norma vale não porque seja justa, ou porque seja eficaz a vontade que a institui, mas porque está ligada a normas superiores por laços de validade, numa série que culmina numa norma fundamental. (KELSEN apud GOLVEIA, 2013, p.4). 13

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de valoração dos fatores objetivos e subjetivos, que buscaremos ampliar a discussão sobre a interpretação dos dispositivos jurídicos, contrariando, de certo modo, e com o devido respeito, tanto as bases do pensamento de Kelsen quanto uma interpretação em sentido restrito dos princípios básicos da lógica jurídica que defendem; o ser é, e o não ser não é, e jamais poderá ser outra coisa. Assim, tratar os fenômenos jurídicos sob essa perspectiva fechada significa configurá-los em uma corrente de pensamento que trata “meras deduções de normas individuais a partir de aplicação de normas gerais dos fatos” (FREITAS, 2012, p.4), quando, na verdade, defendemos que se deve compreender que para se trabalhar a aplicação dos dispositivos jurídicos, se faz necessário ter uma visão ampla do caso estudado e da rede que o cerca, para que possamos estabelecer uma análise coesa e crítica que nos possibilite, inclusive, levantar questionamentos tais como: o que é, pode ser ou não, e, futuramente, pode se transformar em outra coisa, visto que, a lógica formal em seu sentindo estrito não consegue responder as questões do complexo modelo social da contemporaneidade, que clama tanto pela derrubada da ideologia de intolerância à diversidade, quanto pela construção de um Estado que visa à pluralidade em seu processo de construção política e jurídica. Sobre essa perspectiva, Bernardo Nogueira nos traz o seguinte ensinamento: O estado plurinacional é uma proposta de edificação de um novo momento no constitucionalismo, na política e na forma de se colocar perante o mundo que o homem latino-americano ora se propõe. As bases político-jurídicas e filosóficas herdadas da modernidade, neste momento são deixadas para trás. É importante perceber, que em verdade, não há uma superação de um modelo por outro. Acaso estabelecêssemos assim essa ideia, estaríamos a incorrer no mesmo problema que assola o pensamento euro-ocidental e moderno. Estamos a nos referir à uma construção que não entende o tempo como a se nos mostrar de maneira linear, o que significaria que teríamos estágios a serem galgados até o alcance de um nível, propositalmente estabelecido por agentes ideológicos de poder, ideal. No entanto, com afirmado, não se trata de estabelecer uma “troca de modelos”. O que nos impulsiona nesta ordem de pensamentos é exatamente o que parece ter sido suplantado nas construções filosóficas da modernidade – falamos da pluralidade. (NOGUEIRA, 2013) Esse pensamento nos leva para uma construção normativa que seja fruto daquilo que Häberle denomina como uma “sociedade aberta”, buscando o entendimento coletivo de que “os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for à sociedade” (HÄBERLE, 1997, p.13). Assim, entendemos que trabalhar o dispositivo jurídico inspirado pela subjetivação, onde o círculo hermenêutico entre o sujeito e o objeto se faz de forma contínua, se torna elemento de suma importância, já que tratamos aqui de uma área do conhecimento que pertence ao campo das Ciências Sociais e pode se apresentar por vezes tanto como uma ciência dinâmica quanto controversa, e, por consequência, se configurar como uma área do conhecimento científico que necessita operar seus mecanismos em um constante processo evolutivo. Trabalhar o dispositivo jurídico sob um viés evolutivo significa conferir a esse elemento um caráter de constante transformação, observando os anseios sociais que se apresentam ao longo do tempo, e incentivar que se crie uma simbiose entre o direito posto e essas

necessidades de modo a produzir discursos diversos capazes de formar uma rede de conhecimento técnico e filosófico que permita gerar argumentos, visões e interpretações pertinentes de um determinado fato jurídico e sua aplicação eficaz no caso concreto. Para melhor entendimento da abrangência do tema, buscamos nas palavras de Foucault o seguinte conceito de dispositivo: Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode tecer entre estes elementos (Foucault, 2000, p. 244). Conduzir esta narrativa por meio do conceito de dispositivo utilizado por Michel Foucault significa tratar a aplicação do direito sob uma perspectiva multilinear que trata tanto o direito posto quanto sua interpretação e adaptação a novos contextos, englobando assim três dimensões distintas: o poder, o saber e a produção de modos de subjetivação, partindo do seguinte entendimento: Para Foucault, os modos de subjetivação envolvem necessariamente a produção de efeitos sobre si mesmo – que, por sua vez, não são meras atuações passivas do sujeito; pelo contrário, os processos de subjetivação indicam também possibilidades, (des)caminhos, fugas e subversão do próprio sujeito. Não se aponta aqui para a ideia de um sujeito livre, autônomo e soberano criador de suas condições de existência, mas para a condição de escapar dos poderes e saberes de um dispositivo para outro. Assim, podemos dizer que as linhas de subjetivação indicam também as linhas de fratura, de descontinuidade, de ruptura do próprio dispositivo, da sua possibilidade, de consecutividade, de contínua elaboração e superação. (DELEUZE apud MARCELLO, 2004 p. 209). Apropriar-se desse conceito de subjetivação14 sob a ótica jurídica nos permite entender que; por mais que o direito se apresente como “um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros” (REALE, 2001), o dispositivo jurídico possui lacunas que possibilita vislumbrá-lo sob um panorama diferente do modo inquisitivo que ele se apresentou no decorrer da história, passando a ser percebido e estudado como uma ciência em contínua elaboração que se adéqua com o passar do tempo a novas realidades e contextos. 4 SOMOS TODOS SELVAGENS

“Nunca perca a fé na humanidade, pois ela é como um oceano. Só porque existem algumas gotas de água suja nele, não quer dizer que ele esteja sujo por completo” (Mahatma Gandhi) Trabalhar o direito sob perspectivas mais amplas pode significar criar uma argumentação mais coesa com a realidade a qual a lei se aplica. Nesse sentido, diversas correntes vêm levantando pertinentes discussões sobre a aplicação de linhas do pensamento jurídico de forma mais crítica, como podemos observar no pós-positivismo e no neoconstitucionalismo, o que, indiscutivelmente, já representa

14 Os processos de subjetivação e de objetivação fazem com que o sujeito possa se tornar, na qualidade de sujeito, objeto de conhecimento. (FOUCAULT, 2006a, p. 236).

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um avanço no desenvolvimento do saber jurídico. Contudo, não é incomum encontrarmos entre os estudiosos do direito o sentimento de que, na contemporaneidade, essas bases teóricas interpretativas do saber jurídico ainda se encontram tímidas quando nos referimos a sua aplicação no exercício da atividade jurídica. Do mesmo modo, também não é raro encontrarmos juristas que adotam os moldes positivistas, seja na academia ou na sociedade, apresentando a imposição normativa como uma característica imperativa do Direito. Isso acontece pois, parte-se do entendimento de que a consequência natural da vigência da lei é a sua obrigatoriedade e, em contribuição a esse pensamento, temos na legislação brasileira leis que reforçam esse pensamento como é o caso do art. 3º da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro15 que reza: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Em reforço, o art. 21 do Código Penal16 esclarece: “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável17, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”. Esses dois artigos fortalecem o acima citado, no sentido de que a lei deixa clara sua obrigatoriedade, uma vez que visa atender os interesses da coletividade e instaurar um equilíbrio social. Dada à clareza do acima exposto, levantamos os seguintes questionamentos: Nos estudos de Häberle sobre Hermenêutica Constitucional, o autor expõe que “quem vive a norma acaba por interpretá-la ou pelo menos por co-interpretá-la” (HÄBERLE, 1997, p. 13). Mas e quando tratamos de grupos que desconhecem por completo estas normas? Seria justo aplicar o caráter imperativo do direito a grupos isolados, como comunidades indígenas18 ou mesmo àqueles que vivem em situações precárias em constante luta pela sobrevivência diária? Ao pensarmos nesta questão voltamos novamente a esbarrar na questão introdutória desta análise. Afinal de contas, nosso quadrante normativo já nos trouxe comprovação de que essa cobrança é totalmente legal. Mas essa aplicação é universalmente moral? Além do mais, se um dos objetivos da lei é proporcionar um equilíbrio social, não haveria aí uma ruptura desse paradigma uma vez que, aplicar as leis vigentes de forma tão rigorosa, em grupos como os citados, pode causar um grande desequilíbrio de ordem psicossocial? Faz-se emergente, portanto, um aprofundamento científico e filosófico que possibilite a inserção de normas abertas inclinadas à inclusão para que a aplicação do direito não se torne algo arbitrário e opressor como nos mostra os estudos Nogueira ao afirmar: Perceber as diferenças seria então a saída para a construção de uma ideia de igualdade. Assumi-las uma maneira de se afirmar. Lutar por elas, uma forma de sair das molduras europeias e modernas. No momento em que as constituições plurinacionais deixam vir povos que outrora foram destituídos pelo logos moderno, ocorre uma revolução parecida com a que Lévinas quis dizer quando torna a ética a filosofia primeira, deixando para trás uma ontologia castrante e redutora. Opressora, excludente e que se funda na apropriação do outro. (NOGUEIRA, 2013)

Resta comprovado, portanto, que o atual sistema legislativo não consegue abraçar toda a complexidade do campo das experiências humanas, uma vez que considera-se impossível o legislador prever todas as especificidades, possíveis complicadores e situações em que uma determinada lei possa se enquadrar futuramente. E assim, no intuito de se instalar o melhor ordenamento jurídico para essas possíveis lacunas, apresenta-se como uma das alternativas o uso dos princípios gerais do direito que se estabelecem como formadores das normas e podem ser definidos sob o seguinte aspecto: Os princípios são “verdades fundantes” de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades de pesquisas e da práxis. (REALE, 2000, p. 305) Neste sentido, ao admitir-se a principiologia como uma “verdade fundante”, ou seja, como uma verdade que constrói um determinado sistema de conhecimento, é passível ao jurista pesquisar e construir novos discursos que ultrapassem os interesses formais da lei, ou daquilo que este acredita ser uma verdade irrefutável a partir do seu conceito privado da moral, em busca de novas perspectivas jurídicas que permitam não somente que casos gerais se apliquem a regra, mas, também, que a lei possa se moldar a grupos isolados que apresentem características distintas daquelas diagnosticadas como comportamento social padrão. Não obstante, ao citarmos grupos sociais de cultura heterogênea, não podemos excluir aí os grupos sociais que convivem “pacificamente” com total ciência de nosso ordenamento jurídico, o que nos leva novamente ao uma necessidade de ampliar nosso entendimento de modo que ele perpasse por conceitos multiculturais onde não é permitido o pré-estabelecimento de padrões morais pétreos. Afinal, somos todos culturalmente diferentes, somos todos selvagens19 e, por consequência, heterogêneos em nossa individualidade e reconhecimento social. É imprescindível, portanto, ampliar conceitos e pré-conceitos estabelecidos, trabalhando a ética e a perspectiva subjetivista da interpretação jurídica como um trampolim para novas descobertas que visem o desenvolvimento do saber jurídico e suas aplicações práticas em prol desenvolvimentos sociais. Nesse sentindo, os argumentos aqui expostos não devem ser entendidos como verdades absolutas ou mera oposição a pensamentos que promovem a aplicação pura do direito ou mesmo a instauração da anarquia. Ao contrário, devem ser absorvidos como um fio condutor para uma interpretação pluralista que vise o bem-estar social e o atendimento ao interesse público, sejam eles voltados para a coletividade em geral ou para grupos específicos que necessitem de uma interpretação mais ampla das leis do Estado em prol, inclusive, da própria sobrevivência desse grupo e de sua identidade. E neste contexto, cabe a nós, cidadãos do direito e de direitos, cortar os fios da realidade projetada

15 Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. 16 Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. 17 “Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência” (Parágrafo único – art. 21 do Código Penal. Lei nº 7.209 - de 11 de julho de 1984 - DOU de 13/7/84). 18 “Comunidade Indígena ou Grupo Tribal - É um conjunto de famílias ou comunidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem, contudo, estarem neles integrados” (art. 3º, II da lei Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973). 19 O homem, adaptado de modo feliz à natureza selvagem, à vida errante, à guerra, à aventura, teve que renunciar aos seus instintos – esta era a exigência da sociedade que nascia, seus instintos ficaram sem valor. O homem viu-se reduzido a pensar, inferir, calcular, combinar causas e efeitos, viu-se reduzido à sua consciência. Seus antigos instintos, porém, não cessaram de fazer exigências. (Rosa, 2016, p.8)

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e vigiada que estipula condutas humanas e cerceia nossa liberdade de pensamento. É hora de revisitar nossa consciência e atitudes perante o ambiente social em que vivemos, já que somos peças fundamentais dessa engrenagem e das mudanças que almejamos. Afinal, não é o mundo que muda, somos nós. E nossa passividade perante o “Eu” e o “Outro” é vergonhosamente escandalosa.

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Banca Examinadora Bernardo Gomes Barbosa Nogueira (Orientador) Karen Myrna Castro Mendes Teixeira (Examinadora)

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AS ALTERAÇÕES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 PELA LEI 13.146/15 - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E SEUS REFLEXOS NO CASAMENTO Mayara Mazzoni Rodrigues1

RESUMO: O trabalho tem por objetivo abordar a Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, que instituiu a Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, nomeada como Estatuto da Pessoa com Deficiência, de modo a analisar as alterações que esta trouxe para o Código Civil de 2002 em relação a capacidade civil das pessoas portadoras de deficiência no âmbito do casamento. A nova legislação, autoriza, sobretudo, uma série de direitos inovadores como o casamento da pessoa com deficiência. PALAVRAS CHAVE: Capacidade Civil; Casamento; Código Civil de 2002; Lei 13.146/15; Pessoa Portadora de Deficiência.

1. INTRODUÇÃO O presente estudo tem como base o Direito Civil, o qual a partir de um complexo de regras disciplina sobre a capacidade civil. Neste viés, aborda-se, em específico, a Lei 13.146 sancionada em 6 de julho de 2015. A Lei 13.146/15, que instituiu a Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, nomeada como Estatuto da Pessoa com Deficiência, introduziu diversas alterações estruturais no nosso ordenamento jurídico, uma vez que esta foi responsável por revogar e alterar alguns dos dispositivos do Código Civil de 2002, impondo novos comportamentos em relação à pessoa com deficiência. Diante disso, a referida legislação assegurou novas garantias às pessoas portadoras de deficiência, buscando promover à igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais, visando à sua inclusão social e cidadania (art. 1º) gerando, assim, repercussão no Direito de Família, especialmente com sensíveis alterações quanto ao casamento. A nova legislação permitiu a pessoa portadora de deficiência adquirir capacidade civil, para, consequentemente, tomar suas decisões e praticar atos da vida civil. Contudo, o estudo tem por finalidade promover o conhecimento sobre a Lei 13.146/15, fazendo uma análise dos dispositivos legais do Código Civil de 2002, apresentando as modificações antes e após vigência da Lei. Importa ressaltar que, o objetivo é possibilitar uma relação entre a teoria e a prática, porém, sem a pretensão de limitar o tema abordado, uma vez que estamos em constante período de modificações e inovações. 2. A CAPACIDADE NO DIREITO CIVIL Inicialmente, abordaremos o instituto da personalidade para consequentemente, entendermos como a capacidade civil é tratada no ordenamento jurídico brasileiro. A personalidade jurídica é a aptidão garantida a toda e qualquer pessoa para ser titular de direitos e obrigações. Em tempo, Maria Helena Diniz (2007, p.113) assevera que “pessoa é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito”. O conceito de personalidade pode ser definido pela psicologia

forense por meio de critérios físicos, sociais e morais. Já no âmbito jurídico, a personalidade é considerada como um direito intransmissível, inalienável e indisponível da pessoa. Nos termos da teoria natalista, adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, a personalidade tem início a partir do nascimento com vida, e o seu término ocorre, consequentemente, com o fenômeno da morte. Importa ressaltar que, os direitos do nascituro são assegurados desde o momento da concepção. O conceito de personalidade está totalmente entrelaçado ao conceito de capacidade. Neste sentido, “afirmar que o homem tem personalidade é o mesmo que dizer que ele tem capacidade para ser titular de direitos”. (RODRIGUES, 2003). A capacidade, inicialmente, se divide em duas espécies, sendo a capacidade de direito ou de gozo e a capacidade de fato ou de agir. A capacidade de direito é aquela adquirida com o nascimento com vida, ou seja, é comum a todas as pessoas, enquanto a capacidade de fato é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil, sendo adquirida somente por algumas pessoas, havendo, sobretudo, certas limitações. Diante disso, é possível identificar que existe uma relação de independência entre as espécies, pois toda pessoa possui capacidade de direito, mas não, necessariamente, a capacidade de fato. Entretanto, quando há a presença dessas duas espécies, podemos afirmar que há, em verdade, a figura da capacidade civil plena, o que enseja uma terceira espécie de capacidade. Por sua vez, a capacidade de fato dá origem as incapacidades relativas e absolutas. Ou seja, a “incapacidade de fato é a restrição legal aos exercícios dos atos da vida civil, sendo que tal incapacidade pode ser relativa ou absoluta” (DINIZ, 2005, p. 91). Neste diapasão, são impostas restrições tanto ao relativamente, quanto ao absolutamente incapaz que deve agir representado ou assistido, respectivamente. Quanto a teoria da incapacidade, Pontes de Miranda (2012, p. 316) se posiciona da seguinte maneira: O critério para considerar se uma pessoa é absolutamente, relativamente incapaz ou plenamente capaz deveria ser o de eficiência da atividade de tais pessoas na vida, e não as causas patológicas e/ou as manifestações exteriores que embora visíveis, são superficiais.

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Todavia, a incapacidade absoluta não se funda na interpretação do doutrinador ora mencionado e engloba questões como idade e discernimento. Deste modo, os absolutamente incapazes ficaram, verdadeiramente, impedidos de praticar atos da vida civil, como na hipótese do casamento que abordaremos adiante. 2.1 O casamento civil na legislação brasileira O advento da República e a separação da Igreja e do Estado, deram origem ao casamento civil, que surgiu no ano de 1891, representando, assim, uma importante evolução, pois passou a ser uma das formas de casamento e, consequentemente, uma forma de constituição de entidade familiar, englobando, sobretudo, um maior contingente de pessoas, uma vez que a religião para tanto era irrelevante. Para o Direito de família, o casamento é um ato originário da família matrimonial, uma vez que a família pressupõe o casamento, independentemente de filhos ou não. Neste contexto, o artigo 226 da Constituição Federal de 1988 afirma que “a família é a base da sociedade” e que a “o planejamento familiar é livre decisão do casal”, o que revela que o casamento é, portanto, um ato de vontade. Seguindo esse raciocínio, é possível afirmar que o casamento é considerado um ato solene e formal, em que ambas pessoas manifestam sua vontade gerando uma relação matrimonial. Por essa razão, o casamento deve observar e preencher os requisitos legais para sua realização, sob pena de não ser considerado válido ou eficaz. As condições para a validade do casamento englobam questões de aptidão física, intelectual e de ordem social e moral. Dentre estas, importar ressaltar que a capacidade civil dos nubentes fora incluída pelo legislador como sendo um dos requisitos de validade para a celebração do casamento. Segundo o conteúdo expresso na lei e diante da impossibilidade de exprimir sua vontade, tanto os absolutamente incapazes, quanto os relativamente incapazes ficaram impedidos de se casar. Isto porquê, para o Código Civil, somente são aptos para celebrarem negócios jurídicos válidos, como o casamento, aqueles que possuem capacidade civil.

psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente”. Já, em 1997, fora apresentado uma nova contextualização pela OMS, a qual definia a deficiência como uma “perda ou anormalidade de uma parte do corpo ou função corporal, incluindo as funções mentais”. A deficiência também fora abordada pela Organização Mundial do Trabalho (OIT) através da Convenção nº 159, que preceituava sobre a reabilitação profissional e emprego das pessoas com deficiência. A referida Resolução foi ratificada pelo Brasil mediante Decreto nº 129, de 18 de maio de 1991. Já a Lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993, nomeada como Lei Orgânica da Assistência Social, conceituou o deficiente como uma pessoa incapacitada para o trabalho e para a vida independente. Posteriormente, esta Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 914, de 6 de setembro de 1993, que nos termos do artigo 3º abordou um novo significado para a pessoa portadora de deficiência, qual seja: Art. 3º A pessoa portadora de deficiência é aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. Em 2008, a Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) foi ratificada no Brasil pelo Congresso Nacional e pelo Decreto Legislativo nº 186 de 2008. Nos termos da referida Convenção, ficou determinado que: Pessoas com deficiências são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. Em contrapartida, o artigo 20, parágrafo 2º da Lei 12.470, de 31 de agosto de 2011, apresentou a seguinte consideração para pessoa portadora de deficiência: Aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

3. DOS CONCEITOS DA DEFICIÊNCIA Com o intuito de utilizar uma nomenclatura correta de tratamento para o deficiente, Nair Lemos Gonçalves (2003, p. 20) identificou em diversas doutrinas, tanto brasileiras, quanto estrangeiras, termos como “deficiente”, “indivíduos de capacidade limitada”, “minorados”, “pessoa portadora de necessidades especiais”, “impedidos”, “descapacitados”, “excepcionais”, “minus válidos”, disable person, andicapped person, unusual person, special person, e “inválido”. Contudo, conclui-se que o termo adequado para tanto é “pessoa portadora de deficiência”, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 aborda esta expressão em diversos dispositivos, como por exemplo, no artigo 7º, inciso XXXI, artigo 23, inciso II, artigo 24, inciso XIV, artigo 37, inciso. VIII, artigo 203, inciso V e artigo 227, parágrafo 2º. A Declaração dos Direitos da Pessoa com Deficiência, apresentou o conceito de deficiente através da Resolução 3.447, de 09 de dezembro de 1975, criada pela Organização das Nações Unidas, a qual conceituou o deficiente como “qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais”. Em 1980, a Organização Mundial da Saúde (OMS) conceituou a deficiência como a “perda ou anormalidade de estrutura ou função

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4. A INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE A FUNDAMENTA Conforme pôde- se verificar, o conceito de deficiência passou por diversas modificações, no decorrer dos anos, em função da inclusão social da pessoa portadora de deficiência e dos princípios constitucionais, como o princípio da igualdade e o princípio da dignidade da pessoa humana. No que tange o princípio da igualdade, Luiz Alberto David Araújo (2003, p.46) se manifestou sob a seguinte ótica: Toda e qualquer interpretação constitucional que se faça, deve passar, obrigatoriamente, pelo princípio da igualdade. Só é possível entendermos o tema de proteção excepcional das pessoas portadoras de deficiência se entendermos corretamente o princípio da igualdade. Ademais, o princípio da igualdade foi consagrado pelo caput artigo 5º da Constituição Federal da República de 1988 que preceitua que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

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Quanto a dignidade da pessoa humana, Otto Marques da Silva (2007, p. 10), aduz que as “pessoas deficientes têm o direito inerente ao respeito por sua dignidade humana”. Nesse sentido são as lições de Valéria Ribeiro (2002), que fez parâmetro entre os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana em função da pessoa portadora de deficiência: A garantia do direito à inclusão, e, em última análise, do direito à igualdade dos portadores de deficiência, é essencial para a proteção do seu direito à democracia, direito este que, sendo de quarta geração, compendia o futuro da cidadania e o porvir da liberdade dessas mesmas pessoas criando e mantendo os pressupostos elementares de uma vida em liberdade e na dignidade humana. Com o intuito de promover a inclusão social da pessoa portadora de deficiência, podemos destacar o instituto da discriminação positiva, o qual tem por finalidade promover a integração dos vulneráveis. A descriminação positiva repercute bem ao garantir a pessoa portadora de deficiência a oportunidade de ser inserida no mercado de trabalho, através da Lei de Cotas, a qual oferece um percentual de vagas destinadas a elas. Conforme artigo sobre A Reserva de Cotas para as Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais3publicado pela Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva/ Escola de Direito: No Brasil ainda persiste uma grande discriminação pelos portadores de necessidades especiais (...) O número de vagas disponibilizadas as pessoas portadoras de necessidades especiais não é totalmente preenchimento, pela falta de qualificação ou divulgação. Portanto, a discriminação positiva visa proporcionar a igualdade entre os desiguais, podendo, dessa forma, ser interpretada de acordo com a Máxima Aristotélica 4de que “devemos tratar igualmente os iguais e os desigualmente desiguais, na medida de suas desigualdades”. Em suma, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana independem de fatores como a capacidade civil ou a capacidade de fato da pessoa, uma vez que os direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988 se destinam a toda as pessoas, sem que sejam impostas condições para tanto. 5. AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL DE 1916

A nomenclatura para se referir a incapacidade civil por deficiência utilizada pelo Código Civil foi herdada pelo artigo 9º do Código Criminal do Império, o qual foi sancionado em 16 de dezembro de 1830, sendo, portanto, o primeiro código penal brasileiro, in verbis: Art. 9º Não se julgarão criminosos: 2º Os loucos de todo o genero, salvo se tiverem lucidos intervallos, e nelles commetterem o crime. Desde a publicação do Código Civil de 1916, a expressão “loucos de todo o gênero” sofreu diversas críticas. Na oportunidade, Clóvis Beviláqua se manifestou afirmando que “a expressão era tradicional em nosso direito; mas não era a melhor. O projeto primitivo preferia a expressão alienados de qualquer espécie, porque haviam casos de incapacidade civil que se não poderiam, com acerto, capitular como de loucura.” A incapacidade absoluta dos “loucos de todo o gênero” os impedia de praticar qualquer ato da vida civil, tendo em vista que estes tornavam-se impedidos pela interdição, ficando, dessa forma, sujeitos a curatela, conforme preceituava o artigo 446 do mesmo Código. Art. 446. Estão sujeitos à curatela: I. Os loucos de todo o gênero; II. Os surdos-mudos, sem educação que os habilite a enunciar precisamente a sua vontade; Ato contínuo, no rol de impedimentos destinados aos absolutamente incapazes incluía-se o casamento, nos termos do artigo 183, inciso IX do Código Civil de 1916. Art. 183. Não podem casar: (...) IX - as pessoas por qualquer motivo coactas e as incapazes de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o seu consentimento. 6. AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 Com o advento da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, conhecida como Código Civil de 2002, a expressão “loucos de todo o gênero” utilizada como tratamento dos absolutamente incapazes foi abandonada, ante a qualificação discriminatória. Na oportunidade, o termo “loucos de todo o gênero” foi substituído pelo termo “pessoa portadora de enfermidade mental ou deficiência mental” e, consequentemente, foi preconizada uma nova redação para tanto.

A Lei 3.071, de 01 janeiro de 1916, conhecida como Código Civil, qualificava as pessoas portadoras de deficiência como “loucos de todo o gênero”, o que, consequentemente, as tornavam absolutamente incapazes para exercerem os atos da vida civil. Art. 5º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de 16 (dezesseis) anos; II - os loucos de todo o gênero; III - os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade; IV - os ausentes, declarados tais por ato do juiz.

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Diante da alteração, os surdos-mudos foram retirados do rol do artigo 3º, uma vez que esta deficiência não impede o discernimento em consentir. Dessa forma, a condição de surdo-mudo passou a não mais limitar a capacidade civil das pessoas, pois, restou comprovado, que

3i Emanuel Agapito; Fabíola Lapinha; Fernanda Coelho dos Santos; Hilda Renata Borlido; Izabel Alves de Oliveira; Patrícia Ferreira Pena; Simone de Freitas. Bacharelandos em Direito pela PUC MG. A Reserva de Cotas para as Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Publicação da Escola de Direito. Belo Horizonte. Ed. 14. Disponível em < http://blog. newtonpaiva.br/direito/?page_id=78> 4 Aristóteles (384 - 322 a.C.), filósofo grego.

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as escolhas poderiam ser realizadas através da linguagem de sinais. Em contrapartida, o inciso III do mesmo artigo, fora inserido para englobar os surdos-mudos que não conseguiam se comunicar com as demais pessoas, impossibilitando, assim, a manifestação da sua vontade. Deste modo, lê-se incapazes por causa transitória, que não puderem exprimir sua vontade por surdos-mudos que não conseguem se comunicar. A redação do artigo foi alterada, mas a incapacidade absoluta das pessoas portadoras de deficiência permaneceu no ordenamento jurídico, de modo que estas continuaram impedidas de praticarem atos da vida civil. Importa ressaltar que, houveram alterações quanto ao casamento, pois o casamento do absolutamente incapaz que se encontrava no Capítulo dos Impedimentos no Código de 1916, migrou para o Capítulo Da Invalidade do Casamento, com o advento do Código Civil de 2002. O casamento do absolutamente incapaz, vulgo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil, abordado pelo artigo 1.548, inciso I, do Código foi, portanto, considerado um ato nulo. Por analogia, a nulidade preceituada no dispositivo, se estendeu a constituição de união estável. Neste viés, a nulidade do casamento e/ou união estável dos absolutamente incapazes tem respaldo na jurisprudência, conforme se denota decisão colacionada a seguir: RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃOOCORRÊNCIA - ALTERAÇÃO DA BASE FÁTICA SOB A QUAL SE FUNDOU O ARESTO A QUO IMPOSSIBILIDADE NESTA INSTÂNCIA ESPECIAL INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N.7/STJ - PRETENSO COMPANHEIRO DESPROVIDO DO NECESSÁRIO DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DOS ATOS DA VIDA CIVIL - IMPOSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO PRETENDIDA (UNIÃO ESTÁVEL) - RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Não existe negativa de prestação jurisdicional no acórdão que, a despeito de adotar fundamento diverso daquele pretendido pela parte, efetivamente decide de forma fundamentada toda a controvérsia, como sucede in casu. 2. O recurso especial prestase a definir a interpretação da lei federal e não a rediscutir a base fática sobre a qual se fundou o acórdão recorrido. 3. Se o “enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil” (artigo 1.548, inciso I, do Código Civil) não pode contrair núpcias, sob pena de nulidade, pela mesma razão não poderá conviver em união estável, a qual, neste caso, jamais será convertida em casamento. A adoção de entendimento diverso, data venia, contrariaria o próprio espírito da Constituição Federal, a qual foi expressa ao determinar a facilitação da transmutação da união estável em casamento. 4. A lei civil exige, como requisito da validade tanto dos negócios jurídicos, quanto dos atos jurídicos - no que couber -, a capacidade civil (artigo 104, 166 e 185, todos do Código Civil). 5. Não só pela impossibilidade de constatar-se o intuito de constituir família, mas também sob a perspectiva das obrigações que naturalmente emergem da convivência em união

estável, tem-se que o incapaz, sem o necessário discernimento para os atos da vida civil, não pode conviver sob tal vínculo.6. Recurso especial desprovido. (REsp 1201462/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/04/2011, DJe 27/04/2011) (grifo nosso) Ademais, ante a incapacidade absoluta, o enfermo mental continuou sujeito a curatela, nos termos do artigo 1.767, inciso I, do Código Civil. 7. A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência é um Tratado Internacional de Direitos Humanos, o qual foi aprovado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 13 de dezembro de 2006. O artigo 1º da Convenção determina seu objetivo, sendo este o de “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade”. A Convenção abordou um conceito de pessoa portadora de deficiência, pautado na inclusão social dos deficientes, para que estes tenham as mesmas condições que as demais pessoas, uma vez que todos são cidadãos que possuem em igualdade os mesmos direitos. Dos princípios que fundamentam a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência estão presentes os princípios da dignidade da pessoa humana, da autonomia individual incluindo a liberdade de fazer suas próprias escolhas e a independência das pessoas, da não discriminação, da afirmação do modelo de sociedade inclusiva, do respeito pela diferença e aceitação da deficiência como parte da diversidade e da condição humana, igualdade de oportunidades e da acessibilidade. Atualmente, as pessoas portadoras de deficiência, infelizmente, enfrentam ainda dificuldades, em função dos obstáculos físicos e sociais que encontram nas mais variadas situações cotidianas, como por exemplo, no que tange a educação, o trabalho, saúde e a sua locomoção nas cidades. De acordo com o entendimento da Professora Glenda Rose Gonçalves Chaves5, extraído do artigo As cidades e a Inclusão das Pessoas com Deficiência6 veiculado, em 18 de setembro de 2012, na Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva/ Escola de Direito: A cidade deve estar preparada para receber estas pessoas (pessoas portadoras de deficiência), de forma que possibilite a livre circulação destas, sem oferecer empecilhos para que as mesmas freqüentem lugares e espaços que lhes permita uma formação para o mercado de trabalho ou até mesmo um livre acesso ao lazer e à cultura, ou seja, as políticas devem permitir a inclusão do deficiente em todos os aparatos sociais. Diante das dificuldades suportadas pelas pessoas portadoras de deficiência, viu- se a necessidade de uma normatização universal, uma convenção especial destinada a estas pessoas para efetividade dos direitos protecionistas. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com De-

5 Professora titular de Direito Constitucional do Centro Universitário Newton Paiva. Coordenadora e professora do Curso de Especialização em Direito Público da PUC Minas Virtual. Mestre em Direito pela PUC Minas e Mestre em Estudos Literários pela UFMG. Advogada e licenciada em Letras pela UFMG. 6 As cidades e a Inclusão das Pessoas com Deficiência. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Publicação da Escola de Direito. Belo Horizonte. Ed.18. Set/2012. Disponível em <http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=524>

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ficiência foi ratificada por, aproximadamente, 157 países. No Brasil, a Convenção foi regulamentada pelo Decreto Nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, o qual promulgou a Convenção Internacional e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Os países que ratificaram a Convenção foram incumbidos de adaptar a sua legislação nacional às normas internacionais, conforme os dispositivos do Tratado. Por sua vez, a Convenção não determinou novos direitos as pessoas portadoras de deficiência, somente especificou alguns, revelando ser um instrumento facilitador para garantir as mesmas oportunidades a todos as pessoas. O artigo 23 da Convenção, que dispõe sobre o respeito pelo lar e pela família, foi o responsável por abordar critérios relacionados ao casamento, garantindo aos portadores de deficiência o direito de casar e constituir uma família. Artigo 23 - Respeito pelo lar e pela família 1. Os Estados Partes deverão tomar medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que: a) Seja reconhecido o direito das pessoas com deficiência, em idade de contrair matrimônio, de casar-se e estabelecer família, com base no livre e pleno consentimento dos pretendentes; b) Sejam reconhecidos os direitos das pessoas com deficiência de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e o espaçamento entre eles e de ter acesso a informações adequadas à idade e as orientações sobre planejamento reprodutivo e familiar, bem como os meios necessários para exercer estes direitos; c) As pessoas com deficiência, inclusive crianças, conservem sua fertilidade, em igualdade de condições com as demais pessoas.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência introduziu significativas alterações estruturais no nosso ordenamento jurídico, uma vez que foi responsável por revogar e alterar alguns dos dispositivos do Código Civil de 2002, impondo novos comportamentos em relação à pessoa com deficiência. A nova legislação assegurou novas garantias às pessoas portadoras de deficiência, buscando promover a igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais, visando à sua inclusão social e cidadania (art. 1º) gerando, assim, repercussão no Direito de Família. Isto porquê, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, versa em seu artigo 76, que “o poder público deve garantir à pessoa com deficiência todos os direitos políticos e a oportunidade de exercê-los em igualdade de condições com as demais pessoas. ” Neste aspecto, foram revogados os seguintes dispositivos do Código Civil do de 2002: os incisos I, II e III do artigo 3º, os incisos II e III do artigo 228, o inciso I do artigo 1.548, o inciso IV do artigo 1.557, os incisos II e IV do artigo 1.767, os artigos 1.776 e 1.780. O artigo 6º do Estatuto determina que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive esta tem capacidade para contrair casamento, constituir união estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Ã principal alteração trazida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência foi quanto ao artigo 3º do Código Civil, que disciplina sobre a capacidade civil, pois todos os seus incisos foram revogados e, posteriormente, o caput foi alterado. O referido artigo possuía a seguinte redação:

Ante a ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n º 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil e promulgado pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, foi instituída a Lei 13.146, de 06 de julho de 2015, denominada como Estatuto da Pessoa com Deficiência. 8. A LEI 13.146/15 - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA A Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, que instituiu a Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, nomeada como Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) é uma Lei de cunho protetivo, que tem por objetivo proporcionar uma melhor qualidade de vida as pessoas portadoras de deficiência e maior participação social. O artigo 2º do referido Estatuto abordou o mesmo conceito do artigo 20, parágrafo 2º da Lei 12.470, de 31 de agosto de 2011, a despeito da pessoa portadora de deficiência, qual seja: Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Entretanto, com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o dispositivo passou a preceituar que somente “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos”. A nova legislação qualificou a pessoa portadora de deficiência como capaz. Dessa forma, o Código Civil de 2002 passou a ter uma única possibilidade de incapacidade absoluta, sendo esta a dos menores de dezesseis anos, os quais deverão ser representados legalmente para realização de qualquer ato da vida civil. Consequentemente, passou a não mais existir no nosso ordenamento, pessoa maior que seja absolutamente incapaz. Neste viés, aqueles que não podem exprimir sua vontade, por causa transitória ou permanente, passaram de absolutamente incapazes para relativamente incapazes e migraram para o rol do artigo 4º do Código Civil7 de 2002. No que tange ao casamento, o Estatuto da Pessoa com Defici-

7 Artigo 4º, Código Civil 2002: São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) IV - os pródigos. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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ência trouxe sensíveis alterações. Atualmente, o artigo 1.518 do Código Civil, disciplina que “até a celebração do casamento, podem os pais ou tutores revogar a autorização para o matrimônio.” O referido dispositivo teve sua redação originária alterada, pois, inicialmente, determinava que o curador também era legitimado para revogar a autorização do casamento, direito este que lhe foi retirado. Acompanhando este entendimento, no capítulo da invalidade do casamento, o Estatuto da Pessoa com Deficiência revogou o inciso I do artigo 1.548 do Código Civil de 2002, uma vez que o casamento do enfermo mental, sem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, não mais pode ser considerado como nulo, pois não há o que se falar em incapacidade absoluta do mesmo. Isto porquê, os incisos do artigo 3º do Código Civil8, atualmente revogados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que disciplinavam sobre a incapacidade absoluta das pessoas portadoras de deficiência, estavam totalmente interligados com a nulidade de casamento e eram estes, os responsáveis por dar sustentação jurídica ao artigo 1.548 do Código Civil. Deste modo, o casamento do enfermo mental, sem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil foi abolido do artigo 1.548 do Código Civil, sendo, consequentemente, considerado como válido. Nesta oportunidade, somente o casamento contraído por infringência de impedimento restou como hipótese de nulidade. As alterações também se estenderam quanto à anulabilidade do casamento, tendo em vista que o parágrafo único do artigo 1.550 do Código Civil foi enumerado, transformando-se em parágrafo primeiro, para, posteriormente, receber o parágrafo segundo, o qual preconizou que “a pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador.” Na oportunidade, adverte-se que a nomenclatura correta é idade núbil, ao invés de idade núbia conforme menciona o artigo 1.550. (MICHAELIS, 2015). Todavia, o caput e os incisos deste dispositivo permaneceram com a redação originária. Neste sentido, importa informar que o inciso IV, que se refere a anulabilidade do casamento contraído por incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o se consentimento é, na verdade, destinado aos relativamente incapazes descritos no artigo 4º do Código Civil, sendo estes os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e as pessoas que, por causa transitória ou definitiva, não puderem exprimir sua vontade. Ocorrendo o casamento da pessoa portadora de deficiência, não mais poderá considerar erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge, a ignorância, anterior ao casamento de defeito físico irremediável que caracterize deficiência. Dado que fora incluída uma ressalva no inciso III do artigo 1.557 do Código Civil e, dessa forma, a deficiência física não pode ser indicada como erro essencial neste contexto. Ato contínuo, o inciso IV do mesmo dispositivo fora revogado. 9. A VIABILIDADE JURÍDICA DO CASAMENTO DOS PORTADORES DA SÍNDROME DOWN A Síndrome de Down9 é síndrome genética comumente identificada na espécie humana, esta também é denominada como “Tris-

somia do Cromossomo 21, cujos indivíduos afetados apresentam, dentre outras más-formações uma face caracteristicamente redonda e achatada. ” (MARCONDES, 2003, p.737). Dito isto, as pessoas portadoras da Síndrome de Down não podem ser consideradas como doentes, uma vez que a referida Síndrome trata-se apenas de uma condição genética. Os portadores de Síndrome de Down foram, genericamente, inseridos no rol do artigo 4º do Código Civil de 2002, sendo considerados relativamente incapazes. Isto porquê, estes eram abrangidos pela a expressão “excepcionais sem desenvolvimento completo” mencionada no inciso III deste dispositivo. Ante a incapacidade relativa, houve a necessidade dos portadores de Síndrome de Down serem assistidos perante os atos da vida civil, estando, em verdade, sujeitos à curatela. Dessa forma, a hipótese de não aquiescência do representante legal ocasionava à nulidade dos negócios jurídicos praticados pelas pessoas portadoras de Síndrome de Down. Neste contexto, a viabilidade jurídica do casamento dos portadores de Síndrome de Down foi condicionada a interdição dessas pessoas, que segundo o Poder Judiciário, não possuíam capacidade para compreender os atos da vida civil, o que as impedia de manifestar sua vontade. Ocorre que, nem todos os portadores de Síndrome de Down tem o seu desenvolvimento cognitivo totalmente afetado. Por essa razão, houve à possibilidade da interdição dos portadores de Síndrome de Down ser concedida através de uma curatela parcial. Sob esta perspectiva, coube ao Poder Judiciário identificar os graus de desenvolvimento das pessoas portadoras da Síndrome de Down. Nos dizeres de Diaz (2009, p. 303): Pensar as possibilidades de desenvolvimento das pessoas com Síndrome de Down é efetivar o exercício pela construção de um mundo mais justo, e, uma sociedade melhor, mais justa só se constrói sem o ranço do preconceito, com a busca contínua de informação e conhecimentos que possam amenizar os processos de exclusão que se instalam em diferentes contextos sociais. Com as alterações provindas do Estatuto da Pessoa com Deficiência, as restrições dos interditados sob a figura da curatela foram abolidas. Diante disso, o portador de Síndrome de Down passou a ser considerado plenamente capaz e apto para a prática os atos da vida civil. Contudo, a autorização legal para celebração do casamento dos portadores de Síndrome de Down tornou-se um ato desnecessário, bastando para tanto, afeto e o alcance da idade núbil pelos nubentes. Todavia, há que se falar que as restrições patrimoniais foram mantidas de acordo com o que preconiza o artigo 1.783 do Código Civil de 2002.10 Os portadores da Síndrome de Down ganharam, portanto, autonomia para a prática dos atos existenciais, como por exemplo, à saúde sexual e capacidade reprodutiva, direitos que lhe eram tolhidos. Anteriormente, estes direitos eram negados aos portadores de Síndrome de Down, uma vez que, suas próprias famílias ingressavam no Poder Judiciário requerendo a realização de procedi-

8 Art. 3o , Código Civil de 2002: São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; (Revogado) (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; (Revogado) (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. (Revogado) (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência). 9 JLH Down (1866). Observations on an ethnic classification of idiots». Clinical Lecture Reports, London Hospital [S.l.: s.n.] 3: 259–262. 10 Art. 1.783 do Código Civil 2002: Quando o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for de comunhão universal, não será obrigado à prestação de contas, salvo determinação judicial. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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mentos cirúrgicos de esterilização. Sob esse enfoque, o entendimento jurisprudencial era divido, conforme pode-se identificar nas decisões abaixo: APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE LAQUEADURA TUBÁRIA E MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ, PORTADORA DE ENFERMIDADE MENTAL SEVERA E IRREVERSÍVEL. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL CONCEDIDA NOS TERMOS DO §6º DO ART. 10 DA LEI 9263/96. LAUDOS MÉDICOS APONTANDO A PROVIDÊNCIA RECLAMADA COMO ÚNICA ALTERNATIVA VIÁVEL DE MÉTODO CONTRACEPTIVO. DEFERIMENTO. Não pode o Judiciário permitir que essa jovem, doente mental, inserida num contexto familiar completamente comprometido e vulnerável, esteja sujeita e repetidas gestações, trazendo ao mundo crianças fadadas ao abandono, sem falar nos risco à própria saúde da gestante, que por todas as suas limitações, sequer adere ao pré-natal. A família desta menina veio ao Judiciário pedir socorro, para que algo seja feito em seu benefício e esse reclamo não pode ser ignorado sob o argumento falacioso (com a devida vênia) de se estar resguardando a dignidade da incapaz! Ora, que dignidade há na procriação involuntária e irracional que despeja crianças indesejadas no mundo (cujo destino é antecipadamente sabido), sem envolvimento por parte dos genitores e sem condições para o exercício da parentalidade responsável? É uma medida extrema,sem dúvida, mas que visa evitar um mal maior, qual seja, o nascimento de bebês fadados ao abandono e à negligência. Nada mais triste. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70047036728, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 22.03.2012) (grifo nosso) AÇÃO ORDINÁRIA. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA CIRURGIA DE ESTERILIZAÇÃO (LAQUEADURA TUBÁRIA). DESCABIMENTO. 1. Considerando-se que a realização da cirurgia de laqueadura tubária constitui procedimento cirúrgico dotado de irreversibilidade, não constitui meio adequado para a proteção da mulher incapaz, não contribuindo em nada para a sua preservação moral ou para a sua saúde. 2. A laqueadura constitui providência contraceptiva agressiva e degradante, ensejando sua esterilização, o que viola não apenas a integridade física, como também a intimidade da pessoa, causando-lhe danos permanentes. Recurso desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70022682439, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 14.05.2008) (grifo nosso) Por fim, os portadores de Síndrome de Down obtiveram através do Estatuto da Pessoa com Deficiência o reconhecimento da capacidade civil plena, assim como lhe foram garantidos a viabilidade jurídica do casamento e do exercício do planejamento familiar, direito que é assegurado a todos os cidadãos através da Lei nº 9.263/1996 - Lei do Planejamento Familiar.

10. A LEI 13.146//15 - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA - DIANTE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Como já sabido, a Lei nº 13.146/15, nomeada como Estatuto da Pessoa com Deficiência, foi sancionada no dia 6 de julho de 2015 e, posteriormente, publicada no dia 7 de julho de 2015, com vacatio legis de 180 dias. O Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou diversos artigos do Código Civil de 2002, conforme já elencado anteriormente, o que repercutiu em alguns institutos do Direito de Família, como o casamento, a interdição e a curatela. Ocorre que o Estatuto da Pessoa com Deficiência, mesmo diante de tantas modificações, teve vigência por um curto intervalo, em função de uma nova Lei que entrou em vigor. A Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, conhecida como o Novo Código de Processo Civil ou como Código de Processo Civil de 2015 foi responsável pelo fim da aplicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Sobre este fato, o professor Flávio Tartuce afirma ter ocorrido “um verdadeiro atropelamento legislativo”, uma vez que a promulgação e publicação do Estatuto “parece não ter sido observado pelas autoridades competentes.” 11 Com o advento do Novo Código de Processo Civil, o Estatuto da Pessoa com Deficiência teve aplicação somente entre o período de dezembro de 2015 a 17 de março de 2016. Todavia, o pouco tempo de vigência foi suficiente para produzir efeitos acerca das alterações trazidas. Conforme notícia veiculada no site do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o Cartório de Registro Civil de Artur Nogueira, localizado no estado de São Paulo, realizou, na data de 17 de fevereiro de 2016, o primeiro casamento de pessoa com deficiência intelectual no país, o que se tornou possível somente após a vigência do Estatuto da Pessoa da Pessoa com Deficiência. 12 Nas palavras da oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, em Belo Horizonte, Letícia Franco Maculan Assumpção, membro do IBDFAM, “a celebração de um casamento de pessoa com deficiência intelectual representa uma mudança de paradigma, com a busca de um modelo social de direitos humanos, uma vez que é preciso buscar a eliminação da exclusão daquele que é diferente». 11. CONSIDERAÇÕES FINAIS As pessoas portadoras de deficiência representam uma parcela significativa da população brasileira, e que atualmente, ainda enfrenta dificuldades, em função dos obstáculos físicos e sociais que encontram nas mais variadas situações cotidianas. Ante a este cenário, houve a necessidade de distintas alterações quanto as legislações que dispõem sobre as normas proteção e garantem as pessoas portadoras de deficiência o direito a inclusão social. Inicialmente, as evoluções giraram em torno dos variados conceitos de deficiência, até que por fim, chegamos a um conceito publicado no ano de 2011 e reforçado no ano de 201513, que garantiu a pessoa portadora de deficiência à igualdade, o exercício

11 Flávio Tartuce. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte I. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI224217,21048-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com> 12 IBDFAM. Cartório paulista sai na frente e realiza casamento inédito de pessoa com deficiência, depois da Lei Brasileira de Inclusão. Mar/2016. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/5919/Cart%C3%B3rio+paulista+sai+na+frente+e+realiza+casamento+in%C3%A9dito+de+pessoa+com+defici%C3%AAncia,+depois+da+Lei+Brasileira+de+Inclus%C3%A3o+> 13 Considera pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

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dos direitos e das liberdades fundamentais, visando à sua inclusão social e cidadania. Em verdade, isto só foi possível após a publicação da Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, denominada como Estatuto da Pessoa com Deficiência, que foi instituída por intermédio do Decreto 6.949/09, que regulamentou a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e, posteriormente, ratificada pelo Brasil. Após inserido no ordenamento jurídico brasileiro, o Estatuto da Pessoa com Deficiência confrontou normas já existentes e responsáveis por criar limitações as pessoas portadoras de deficiência, sob o argumento de que garantiam proteção as mesmas. Em outras palavras, houve um conflito de normas entre a Lei 13.146/15 e o Código Civil de 2002. Diante do conflito e das normas separadas por quase treze anos de distância, viu- se a necessidade de ponderar alguns valores, como o princípio da igualdade e o princípio da dignidade da pessoa humana, ambos consagrados pela Constituição Federal de 1988. Dessa forma, como resultado, obteve-se a alteração, bem como a revogação de certos dispositivos do Código Civil de 2002, uma vez que o Direito deve acompanhar a mentalidade da sociedade. Contudo, o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência inseriu consideráveis modificações no Direito de Família, mais precisamente quanto a teoria da capacidade civil e, consequentemente, quanto ao casamento. Sob esta nova perspectiva, as pessoas portadoras de deficiência adquiriram capacidade civil, o que revelou, sobretudo, uma autonomia para a pratica dos atos da vida civil. Neste viés, a figura da curatela foi desconsiderada. Ao adquirir capacidade civil, foi possibilitado as pessoas portadoras de deficiência, o exercício de direitos que antes lhe eram tolhidos, em função da incapacidade absoluta. A alteração do artigo 3º do Código Civil de 2002 desencadeou a alteração do artigo 1.548 também do mesmo Código, uma vez que o casamento das pessoas portadoras de deficiência tornou-se válido, sob o fundamento da capacidade civil plena. Com as alterações provindas do Estatuto da Pessoa com Deficiência, fora garantida as pessoas portadoras de deficiência a prática de atos existenciais relacionados à saúde sexual, a capacidade reprodutiva como exercício do planejamento familiar e a viabilidade jurídica do casamento civil. Todavia, o Estatuto da Pessoa com Deficiência teve vigência por um curto período, em virtude do advento do Novo Código de Processo Civil, o que não o impediu produzir seus efeitos, pois, na oportunidade, foram celebrados, em cartórios, casamentos entre pessoas portadoras de deficiência. Por todo o exposto durante o estudo, concluiu-se que o Estatuto da Pessoa com Deficiência busca proporcionar uma melhor qualidade de vida as pessoas portadoras de deficiência e maior participação social.

do Brasil. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1984. BRASIL. Decreto legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Artigo 1º. Propósito. Disponível em: <http://www2. senado.gov.br/bdsf/item/id/99423> BRASIL. Decreto nº 129, de 18 de maio de 1991. Convenção 159 da OIT. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/fisca_trab/inclusao/legislacao_2_1.asp> BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2008. 72 p. – (Série E. Legislação em Saúde) ISBN 978-85334-1399-3 DÍAZ, F.,et al., orgs. Educação inclusiva, deficiência e contexto social: questões contemporâneas [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 24.ed. São Paulo : Saraiva, 2007, p.113 GOLDFARB, Cibelle Linero. Pessoas portadoras de deficiência e a relação de emprego: o sistema de cotas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2009 GONÇALVES, Nair Lemos. Excepcionais. In: Enciclopédia jurídica, v. 34, São Paulo: Saraiva. MARCONDES, Eduardo. Anormalidades cromossômicas. In: Pediatria básica. 9. ed. São Paulo: Sarvier, 2003. p. 737-739. MICHAELIS. Dicionário de Português Online. Disponível em: <http:// michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/nubil%20 _1009354.html> MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Geral. Tomo I: Introdução, Pessoas Físicas e Jurídicas. Atualizado por: Judith Martins-Costa, Gustavo Haical e Jorge Cesa Ferreira da Silva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. RIBEIRO, Valéria Cristina Gomes. O direito à inclusão social das pessoas portadoras de deficiência: um caminho para o exercício da democracia. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em:<http://jus.uol.com.br/revista/texto/2546> RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 34. ed. – São Paulo: Saraiva, 2003.

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Banca Examinadora Amanda Helena Azeredo Bonaccorsi (Orientadora) Hugo Rios Bretas (Examinador)

ARAÚJO, Luiz Alberto David. Conceituação de deficiência. In Deficiência no Brasil – uma abordagem integral dos direitos das pessoas com deficiência. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007. BEVILAQUA, Clovis. Comentário ao Código Civil dos Estados Unidos

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PONDERAÇÕES ACERCA DO PRINCIPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES EM RELAÇÃO AOS CRITÉRIOS CONSTITUCIONAIS DE NOMEAÇÃO E SABATINA DOS MINISTROS DO STF Michelle Cristina Assis de Andrade2

RESUMO: O presente artigo visa uma análise crítica do atual modelo constitucional de separação dos poderes, abordando especificamente os impactos dessa relação no que tange a composição da suprema corte nacional. O atual processo de indicação dos ministros do STF fere a imparcialidade do órgão que é o guardião da constituição, causando sérios riscos ao processo democrático que ainda está em desenvolvimento no país. PALAVRAS-CHAVE: Nomeação STF. Sabatina do Senado. Separação dos Poderes. Política.

1. INTRODUÇÃO O tema que ora se debate é a base do estado democrático de direito, vez que adentra a linha tênue que separa os poderes da democracia brasileira. Sob tal ambulação, a ênfase em especial adentra o drama que hoje sofre o Supremo Tribunal Federal (STF), abordando os critérios constitucionais estabelecidos para a composição da suprema corte brasileira e, por conseguinte, avaliando se há motivação política em detrimento da jurídica nas decisões já prolatadas. A análise que se pretende é crítica, destacando as mazelas do sistema atual e sugerindo mudanças positivas para a efetiva autonomia dos poderes. 2. PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS PRECIPUOS PARA A COMPREENSÃO DO PROBLEMA O estado democrático de direito é uma construção ampla, que abrange dentre outras normas constitucionais, também os princípios, que norteiam a aplicação legitima do direito. Neste prisma, é inegável que no atual sistema jurídico vigente, os princípios tenham força normativa vinculante, devendo ser observados quando da aplicação do direito, sob pena de caracterizarem afronta a constituição da república e ao ordenamento jurídico como um todo. 2.1. PUBLICIDADE O princípio da publicidade é uma das bases constitucionais que sustentam os pilares da administração pública como um todo. Não se pode olvidar, que tal princípio é de suma importância para o controle e legalidade do ato administrativo. Não obstante, é sobremodo relevante para o acompanhamento e controle social por parte da população. Desta feita, destaca-se aqui, a demasiada necessidade de que o principio da publicidade se faça cada vez mais presente nas disposições administrativas e, no caso em comento, especificamente no tocante às sabatinas promovidas pelo senado para a aprovação da indicação de um nome pelo executivo para adentrar o quadro de ministros do STF. Cabe neste contexto, expor o brilhante entendimento do nobre doutrinador Hely Lopes Meirelles, acerca da publicidade:“...A publici-

dade, como princípio da administração pública, abrange toda a atuação estatal, não só sob o aspecto da divulgação oficial de seus atos, como também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes...” (MEIRELLES.2006) Em que pese o ato solene em comento ser público, a sua divulgação é limitada, às informações acerca do ato seguem a mesma linha restrita, ocasionando na ausência de acompanhamento por parte da população, que por sua vez segue alheia a este ato público promovido pelo senado, que é a escolha de uma figura de peso para a democracia brasileira. O acesso a informação é essencial em um sistema democrático, sendo assegurado pela carta magna em seu art.5º, incisos XIV e XXXIII . Para que haja transparência e seriedade no trato com os atos promovidos pelo poder público em todas as suas esferas, será sempre necessário o respeito ao principio da publicidade, concedendo vistas a sociedade que, por sua vez, poderá acompanhar e efetivamente cobrar de seus representantes e servidores, um bom desempenho das tarefas públicas. É sobremodo importante destacar, que a democracia brasileira ainda é jovem, havendo em seu contexto diversas mazelas a serem sanadas, o que só poderá ocorrer com um maior ativismo político por parte do cidadão, que carece de mais conhecimento dos atos públicos, por serem estes ainda muito limitados no que se refere a sua real divulgação e esclarecimentos. 2.2. MORALIDADE Os princípios nada mais são do que a expressão dos valores da nação que os adota, orientam o sistema jurídico como um todo, e portanto devem ser harmônicos no tocante a sua aplicação. Nesta vereda, oportuno se toma dizer acerca do principio da moralidade, este que está intimamente ligado ao principio da legalidade, preconizando que qualquer ato administrativo deverá ser essencialmente revestido de seriedade e veracidade. Cumpre obtemperar, que a moralidade, ainda que de maneira implícita, sempre foi dever do poder público, ao menos é o que se esperou e se espera, dos atos do estado. Nem sempre tal preceito esteve expressamente previsto no texto constitucional, tendo sido inserido na constituição de 1988, em seu art.37, “caput”, que dispõe: “A

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”Ao contemplar a moralidade como preceito a ser seguido pelo poder publico na figura de seus agentes, espera-se que estes tenham suas condutas respaldadas pela ética, compromisso com a verdade e acima de tudo, trabalhem em prol da coletividade.” Com peculiar maestria, a nobre ministra do Supremo Tribunal Federal Carmem Lúcia Antunes Rocha, elucida: Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante do seu conteúdo. Assim, o que se exige, no sistema de Estado Democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa (ROCHA.1994) Sob essa ótica, cabe aqui a análise do STF, acerca do princípio da moralidade: Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a moralidade como princípio de administração pública (art 37 da CF). isso não é verdade. Os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de principio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o principio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina JesusGonzales Perez “el hecho de su consagracion em uma norma legal no supone que com anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido tal carácter” (El principio de buena fé em el derecho administrativo. Madri, 1983. p. 15). Os princípios gerais de direito existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de principio. O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César. A observação ao princípio da moralidade é essencial para que prevaleça a harmonia e o respeito a separação dos poderes. A aplicação de fato do princípio que se comenta, evita o desvio de poder que ocorre demasiadas vezes no trato da coisa pública. 2.3. LEGALIDADE O principio da legalidade está intimamente ligado ao império da lei em detrimento da vontade pessoal do agente público. A aplicação do direito sob a ótica da legalidade requer lei anterior que o defina, respeitados todos os requisitos exigidos para tal ambulação. Em linhas gerais, cabe a todo e qualquer ente estatal, observar a aplicação do direito, bem como a realização de qualquer ato público, no intuito de garantir a legalidade do ato, consoante a base principiológica da legalidade. A legalidade é a forma mais eficaz até então existente de garantia da ordem pública e cumprimento dos preceitos fundamentais. Nessa ótica, agrega a tal raciocínio, a descrição que o insigne doutrinador Celso Ribeiro Bastos leciona, ao descrever o principio da legalidade como o que mais se aproxima de uma garantia constitucional em de-

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trimento da individual, vez que sua tutela abrange de forma homogenia o direito do particular, impedindo-o de ser compelido pelo poder público, a fazer algo que não advenha da vontade da lei (BASTOS, Celso Ribeiro. 2002.) Sob essas considerações, é possível evidenciar o valor supremo do principio em tópico, cabe ainda considerar a imensa importância da sua aplicação, principalmente no tocante ao tema proposto, vez que abrange toda a problemática do respeito real a separação dos poderes e as consequências advindas do modelo arcaico e ainda vigente de nomeação ao cargo de ministro da suprema corte. 2.4. IMPESSOALIDADE O termo impessoalidade, nos remete desde logo a algo que não se restringe a um individuo em específico, mas sim de maneira indiscriminada se aplica ao todo, sem especificidade. Cabe aqui, ponderarmos acerca da importância da impessoalidade no tocante aos atos do poder publico como um todo, mas especificamente no que concerne a linha tênue que divide as atribuições dos poderes e sua autonomia no gerenciamento dos que representam diretamente a democracia. A impessoalidade, impede ou ao menos deveria impedir, que a coisa pública seja tratada sob a ótica do interesse particular, visando garantir o processamento do ato público em consonância com os preceitos legais, direcionando os atos estatais a efetiva satisfação coletiva. Importante instrumento normativo que fora editado no claro intuito de promover um real respeito ao principio da moralidade e principalmente a impessoalidade na administração pública, é a Súmula Vinculante 13, editada pelo STF, para combater a figura corriqueira do nepotismo e constante favorecimento de parentes próximos por agentes políticos. Como bem denota o autor Marcelo Alexandrino: “a impessoalidade como prisma determinante da finalidade de toda atuação administrativa é a acepção mais tradicional desse princípio e traduz a ideia de que toda atuação da Administração deve visar o interesse público, deve ter como finalidade a satisfação do interesse público.” ( Alexandrino. 2009) Em outras palavras, a administração deve estar em uma posição de neutralidade em relação aos administradores, não devendo haver discriminação e nem decisões baseadas em interesses pessoais, que desvinculem a finalidade coletiva dos atos administrativos. 3.0. SEPARAÇÃO DOS PODERES A separação dos poderes é principio basilar de qualquer democracia, se faz clausula pétrea da carta magna brasileira e constitui base indisponível do estado democrático de direito, estando previsto no art.2º, da Constituição Federal de 1988, que preceitua: “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” 3.1. CONCEITO E INSPIRAÇÕES HISTÓRICAS A separação dos poderes nada mais é, do que a tripartição das funções precípuas do estado democrático de direito, isto é, a criação de entes com finalidades distintas, mas que de maneira harmônica constituem um estado uno. A concepção acerca da necessidade de separação dos poderes iniciou-se na antiguidade clássica, e o objeto de estudo era a perspectiva de descentralização do poder, no intuito claro de amenizar o impacto político que o poder detém, estando adstrito às mãos de um só. Tal concepção, no período clássico, foi iniciada por Aristóte-

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les e aprimorada por Locke e Montesquieu, sendo que o modelo de Montesquieu foi o de maior sucesso, no tocante a sua aplicação às democracias que surgiram posteriormente. Em que pese autores celebres como Aristoteles, Locke e Montesquieu, terem traçado entendimentos acerca da necessidade de repartição das atribuições do estado como um todo, autores mais antigos como Platão, já traçavam linhas primordiais desse entendimento, a exemplo, na sua obra “ A república”, o autor já concebia a teoria da existência de subdivisão das funções do estado, no intuito de não concentrar nas mãos de um só individuo todo o poder. O tema separação dos poderes é tão importante que, como já mencionado, grandes autores de várias gerações no tempo, traçaram entendimentos acerca do referido, dada a necessidade de se organizar uma nação, de forma a atender todos os indivíduos sem distinção, o que só se torna possível com a desconcentração do poder público. Obras relevantes para a construção da ideia triparte foram elaboradas. Aristóteles em sua obra “ A política”, teceu diversos entendimentos acerca da necessidade de mudanças no poder, investigando formas capazes de gerência estatal voltada ao coletivo. Não obstante, Locke fora também pioneiro na busca por medidas equilibradas advindas do estado, o filósofo inglês discorreu acerca do tema tripartição dos poderes em sua obra “ O segundo Tratado do Governo Civil”. Como bem se denota ao longo da construção principiológica triparte dos poderes, a concepção de Montesquieu fora a melhor adaptada para o mundo moderno, o autor, traçava entendimentos sublimes acerca da divisão dos poderes, a saber, cabe aqui uma de suas citações, traduzida por Pedro Vieira Mota:“Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar as os crimes ou as demandas dos particulares”. (MONTESQUIEU.2000) Dentre todas as belas e extensas concepções históricas traçadas por autores de peso, acerca da necessidade de desconcentração do poder para uma real efetividade da prestação pública, a de Montesquieu é a que melhor se adéqua ao sistema adotado no brasil, que, além dos poderes executivo e legislativo, viu a necessidade de um terceiro poder, por entender que a função de julgar não poderia estar adstrita aqueles que criam e executam a lei, dando vida ao poder judiciário. No tocante a democracia brasileira, o principio da separação dos poderes teve inicio na carta imperial de 1824, que em seu titulo 3º já dispunha: Dos poderes, e Representação Nacional. Art. 9. A Divisão, e harmonia dos Poderes Políticos é o princípio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer effectivas as garantias, que a Constituição oferece. Art. 10. Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial.

democrática de 1946, subsequente, que dispôs em seu art.36º que: “São Podêres da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si. § 1º O cidadão investido na função de um deles não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição. § 2º É vedado a qualquer dos Podêres delegar atribuições”. O texto da Constituição do Brasil de 1967 também é bem semelhante, apenas invertendo a ordem das palavras, à de 1946, quando descreve em seu artigo 6º; “São Podêres da União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Parágrafo único. Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; o cidadão investido na função de um deles não poderá exercer a de outro.” Por fim, fora promulgada a Constituição de 1988, denominada constituição cidadã, tendo sido a mais democrática de todas, estabelecendo a separação dos poderes em seu art.2º, já citado neste tópico. Como se pode visualizar, no decorrer cronológico das constituições brasileiras, ambas resguardaram a seu modo a tripartição dos poderes, tendo a Constituição de 1988 consolidado como cláusula pétrea tal principio e aprimorado a sua aplicação. 3.2. HARMONIZAÇÃO ENTRE OS PODERES Cumpre-nos assinalar, a importância da harmonia entre os poderes, haja vista que para o bom desempenho das distintas funções dos estado, se faz necessária uma relação estável entre ambos. Insta salientar ainda, que, em que pese ambos os poderes serem independentes, isso não significa exclusividade na execução das tarefas que lhe são atribuídas, haja vista a possibilidade que um poder tem de executar funções atípicas, ou seja, que via de regra são de atribuições do poder distinto. No intuito de evitar que um poder usurpe a função precípua de outro, acarretando em ameaça a democracia, a constituição de 1988, além de assegurar a separação dos poderes como cláusula pétrea, descreveu os três poderes como autônomos e harmônicos entre si, que é o que chamamos de “ Sistema de Freios e Contrapesos”, tal teoria foi concebida por Montesquieu, denominada também “Checks and Balances”, dispõe acerca da segurança jurídica advinda da separação dos poderes e por conseguinte, como o poder deve ser controlado pelo próprio poder de forma recíproca. A brilhante teoria trazida por Montesquieu prevalece até os dias atuais, haja vista ser o meio mais eficaz até então, no combate a usurpação de funções entre os poderes. No Brasil essa teoria é balizada pelo STF, daí percebe-se o quão importante é o papel da suprema corte na manutenção da democracia brasileira. No que concerne a existência harmônica dos poderes, ensina José Afonso da Silva:

Lado outro, despedindo-se do regime monárquico, a “Constituição da República dos estados Unidos do Brazil” em 1891, dando vida a tradicional tripartição dos poderes, em seu artigo 15º, dispunha que “São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si...” Ato contínuo, a Constituição de 1934, manteve em seu art.3º, o entendimento já descrito pela constituição de 1891 acerca da soberania dos poderes. Na Constituição de 1937, era Vargas, período ditatorial, não houve menção a separação dos poderes, somente estabeleceu suas respectivas competências, tendo sido retomado tal conceito na constituição

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A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados.(SILVA, 2005, p. 110).

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votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Verifica-se pelo exposto, o quão importante se faz no sistema triparte, a existência harmônica dos poderes, vez que ambos se completam na dinâmica de tarefas, tendo portanto o dever de subsistirem harmonicamente. 4. COMPETÊNCIAS DO SENADO FEDERAL Para melhor compreensão do tema proposto, não podemos deixar de tratar brevemente das competências do Senado Federal, previstas no texto constitucional, senão vejamos: Art. 53. Compete privativamente ao Senado Federal: I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; III - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de: a) magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição; b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República; c) Governador de Território; d) presidente e diretores do Banco Central; e) Procurador-Geral da República; f) titulares de outros cargos que a lei determinar; IV - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente; V - autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; VI - fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo poder público federal; VIII - dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno; IX - estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; XI - aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato; XII - elaborar seu regimento interno; XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; XIV - eleger membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII. XV - avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Como se pode observar, o senado possui diversas funções, sendo órgão de suma importância para a democracia brasileira, tendo como uma de suas competências a avaliação daqueles que irão exercer a função de guardiões da carta maior. 4.1. SABATINA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Conforme mencionado, uma das importantes atribuições do Senado Federal é a aprovação prévia, através de voto secreto e arguição pública, dos ministros do STF, dentre outros casos, conforme art. 52, inciso ll, alínea “a”, da Carta Magna. Desta feita, o Presidente da república indica um nome para compor o STF, que conforme o texto constitucional deve ser brasileiro nato, com mais de 35 e menos de 65 anos de idade e possuir notável saber jurídico ( Constituição Federal de 1988, artigo 101). Neste lanço, passa-se a indicação do presidente da república pelo crivo do Senado federal, que terá a importante missão de aprovar ou rejeitar o candidato indicado, apreciando a trajetória pessoal e profissional do candidato e aprovando-o ou rejeitando-o por maioria absoluta. Acerca dos aspectos que deverão ser observados pelos senadores para avaliação dos candidatos, é possível evidenciá-los no capitulo ll do Regimento Interno (RI) do Senado Federal, especificamente em seu art.383, inciso l, alíneas ‘b’ e ‘c’. Convém registrar, que a arguição pública a que se refere o art.52, inciso ll, da CF/88, nada mais é do que uma sabatina. Tal procedimento, consiste na atribuição dos senadores de avaliar cada candidato indicado pelo presidente da república para o cargo de ministro da suprema corte, dispondo da prerrogativa de questioná-los a avalia-los para concluir se estão aptos a exercer com eficiência o cargo a que se propõe. 5. HISTÓRIA E ORGANIZAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A suprema corte, teve sua instituição prevista através do decreto nº 510 de 1891, posteriormente a proclamação da república, quando instituída a Constituição provisória da república dos Estados Unidos do Brasil, que superou o regime monárquico e desde então, tornouse indispensável a democracia brasileira, percorrendo a construção histórica e contínua da democracia jovem que se iniciara na república. O modelo constitucional adotado na instituição da Suprema Corte fora inspirado nos moldes da democracia americana, e a antiga composição era de 15 ( quinze) ministros, inclusive, cabe aqui destacar, que alguns dos ministros que compunham a suprema corte no período do império se mantiveram na posterior composição. O poder judiciário como um todo está regulado pela Constituição Federal de 1988 em seus artigos 92 a 126, dentre todos os órgãos que compõe o poder judiciário se encontra o STF. Atualmente, o STF é composto por 11 (onze) Ministros, sob o cumprimento dos requisitos constitucionais, tais quais, serem brasileiros natos, que tenham entre trinta e cinco e sessenta e cinco anos de idade, além do requisito de notório saber jurídico e reputação ilibada. Há ainda, que destacar o fato de que, uma vez empossado, o ministro só será destituído do cargo nos casos de renúncia, aposentadoria (aos 75 anos) ou impeachment. Por seu turno, para melhor compreensão do órgão em comento, faz-se mister explanar além de sua composição, também a sua organização, composta pelo plenário, duas turmas e o presidente.

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Conforme já descrito, o plenário é composto por 11 (onze) ministros e presidido pelo presidente do tribunal. Cada turma é necessariamente constituída de 5 (cinco) ministros, sendo que o mais antigo terá a função de presidir a turma. Sendo a cúpula do judiciário, o STF possui autonomia administrativa, se organizando internamente através de regimento interno (RI). 5.1. COMPETÊNCIAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Criado após a proclamação da república, a suprema corte possui funções típicas de um tribunal de última instância, conforme já dito, é um tribunal que se sobrepõe a todos os outros dentro do poder judiciário. A suprema corte possui a função precípua de zelar pela constituição, fazendo com que seus preceitos sejam cumpridos e sanando lacunas no tocante a interpretação da referida Carta Magna. Sendo um órgão especial e de última instância do poder judiciário, o STF está adstrito a julgar matérias especiais, de repercussão geral, matérias estas, que por sua natureza devam ser julgadas pelo STF. Às matérias de competência da Suprema Corte estão elencadas no texto constitucional, dispostas no art.102 da CR/88. Das matérias elencadas no texto constitucional, cabe aqui tecer alguns comentários importantes ao nosso tema, a saber: Conforme se nota no dispositivo constitucional citado, é competência da Suprema Corte processar e julgar, dentre outros casos, os crimes comuns e de responsabilidade, cometidos por figuras importantes do poder executivo e legislativo, tais como membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado, e até mesmo dos crimes cometido pelo presidente da república, que conforme já explanado, é aquele quem indica os candidatos a Ministros do STF. Em síntese, o que aqui se explana é o que descreve o texto constitucional. As atribuições concernentes à Suprema Corte, são de garantia dos preceitos fundamentais formulados por nossa Carta maior, julgando também possíveis conflitos entre os poderes, garantindo a estabilidade do Estado democrático de direito. 5.2. INCONSISTÊNCIAS NO ATUAL MODELO DE NOMEAÇÃO DOS MINISTROS DO STF Em uma democracia, se faz necessário o cumprimento de alguns preceitos pré-estabelecidos, para que se garanta a ordem e o progresso. Todavia, a sociedade está em constante desenvolvimento, cabendo ao estado na figura daqueles que o representam, identificarem a necessidade de mudanças no tocante a organização de seus órgãos, e a legitimidade de seus atos. O maior questionamento que ora se pretende, versa sobre a imparcialidade da Suprema corte no tocante a julgamentos importantes,tais quais aqueles em que figurem no polo passivo, membros do poder executivo e legislativo. É sobremodo importante assinalar que, conforme breve síntese acerca do processo de indicação dos ministros STF, verifica-se o evidente poder de ingerência do executivo no “ coração do judiciário”, vez que a indicação dos Ministros é feita pelo Presidente da república ( chefe do poder executivo), que o faz certamente com base em características ideológicas, favoráveis a sua forma de governo, tendo como potenciais candidatos ao cargo o advogado-Geral da União, o de ministro da Justiça e o de subchefe jurídico da Casa Civil, que são cargos que trabalham próximos ao chefe do executivo. Cai a lanço notar que, em que pese no atual modelo se tente sopesar a indicação do executivo com a baliza promovida pelo Senado em sua Sabatina, os efeitos que se pretende, tais quais imparcialidade no procedimento e maior efetividade na análise de qualificações para o cargo de sublime importância, não são de fato alcançados, haja

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vista a evidente limitação das possibilidades de indicação na mão do executivo, e ainda, o descaso do senado com o procedimento inquisitório (sabatina), que tornou-se mera formalidade. Sob tal ambulação, cabe ressaltar que desde a instituição da Suprema Corte em 1891, só ocorreram cinco rejeições do Senado às indicações promovidas pelo Presidente da República, assinale-se ainda, que tais rejeições ocorreram no governo Marechal Floriano Peixoto. Tenha-se presente, que o modelo brasileiro de composição da corte constitucional, é inspirado no modelo americano, que diversamente daquele, já rejeitou em sede de avaliação dos Senadores 12 nomes, que via de regra são discutidos por meses na Comissão de justiça e criteriosamente encaminhados ao Senado para que este promova sua avaliação e dê seu aval. Sendo o STF a corte competente para o julgamento de todos os casos que atentem contra norma constitucional, tendo suas decisões caráter vinculante, e ainda, sendo a corte responsável pelo julgamento de crimes comuns e de responsabilidade, cometidos por figuras de peso do executivo e legislativo, faz com que seus ministros sejam entes de muito poder, estando atrás apenas do presidente da república, daí a responsabilidade do procedimento de escolha daqueles que ocupam a Suprema Corte. Assinale-se que as sabatinas promovidas pelo Senado via de regra não ultrapassam um dia, duram pouquíssimas horas, constituindo-se em mero cumprimento de requisito constitucional. A possibilidade presidencial de escolha discricionária dos ministros da Suprema Corte, gera uma série de dúvidas quanto a real imparcialidade e independência do judiciário, justamente por ser na prática uma escolha de afinidade em detrimento do currículo profissional e da atuação ética. Conforme elucidado acerca da separação dos poderes, é essencial para um regime democrático, que ambos os poderes possam subsistir em harmonia sem que haja usurpação direta ou indireta de um poder nas atribuições atinentes a outro, haja vista que a ocorrência de tal ato fere princípios basilares da democracia ocasionando em total desrespeito aos preceitos fundamentais do estado democrático de direito e consequentemente nos remetendo ao retrocesso político- social. 5.3 ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA A democracia brasileira ainda é jovem, carecendo de uma série de mudanças no tocante a real independência dos poderes, em especial, o judiciário. Em que pese o poder judiciário ser um poder julgador e portanto ter o dever de imparcialidade, tal descrição não retira da Suprema Corte, o caráter também político, que por vezes tem o dever de se posicionar politicamente. Posta assim a questão, cumpre registrar, que a democracia brasileira vive momentos conturbadores no tocante a eficiência política, e principalmente no que concerne a moralidade e imparcialidade política. Em períodos obscuros como o que se passa, é possível visualizar o quão importante se faz uma corte bem constituída, para lidar com as mazelas da nossa democracia. Ato contínuo, para que se tenha efetivamente a real independência dos poderes, respeitando-se a figura daqueles que nos representam no judiciário, é imprescindível que haja a descentralização do ato de indicação dos Ministros da Suprema Corte, de forma que tal escolha não se limite a discricionaridade do chefe do executivo e ao aval do Senado. Outro aspecto importante a ser mudado, também evidenciado pelo nobre doutrinador Alexandre de Morais nas suas obras aqui citadas, é acerca da vitaliciedade do cargo, que por sua tamanha importância, carece de certa transitoriedade, no intuito de garantir um

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leque maior de posicionamentos em constante acompanhamento das mudanças sociais. Acerca das possíveis mudanças que obstinam a garantia do preceito fundamental da separação dos poderes no tocante a ingerência discricionária do executivo no Judiciário, cabe aqui o entendimento de Luiz Quadros, que propõe: Adotar uma Corte Constitucional, mantendo o controle difuso de constitucionalidade por todos os órgãos do Judiciário, onde os seus membros sejam escolhidos pelo Judiciário; pelo Legislativo; 1/3 por cada um dos Poderes; pelo Ministério Público, OAB e pelo Judiciário; enfim, qualquer método democrático que não passe pelo Executivo, poder tendencialmente autoritário, principalmente no sistema presidencial.” (MAGALHÃES.2002) À guisa de exemplo, temos outra vertente também interessante no intuito da promoção democrática de cargos da Corte Constitucional, defendida por Diniz, a saber: deverá levar um terço de magistrados indicados pelo Poder Executivo, um terço pelo Poder Legislativo e um terço pelo Poder Judiciário, todos com mandato certo e determinado. Assim, teríamos uma verdadeira corte independente, suprapartidária e autônoma e com o objetivo muito claro: defender a Constituição e pugnar pela efetividade da ordem jurídica que a Carta Magna veio inaugurar.” (DINIZ.2003) Pois bem, ao analisar, ainda que de forma breve e sintetizada o atual modelo de nomeação para a composição do STF, é perceptível a necessidade de reforma, de modo que haja uma descentralização da atribuição de escolha dos referido Ministros. Transcreve-se aqui, em outras palavras,por derradeiro, o entendimento de Luiz Quadros, que bem descreve o problema que ora se enfrenta, quando diz que o Poder Judiciário está entregue ao Poder Executivo vez que a ele se subordina, ferindo de certo a tripartição dos poderes, prolatando decisões de cunho meramente político e ideológico. 6.0. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao ensejo da conclusão deste fim, depreende-se de todo o explanado, que a democracia brasileira é fruto da conquista de uma luta árdua contra a centralização do poder, que teve como prêmio a tripartição dos poderes, dando maior efetividade ao estado democrático de direito. Todavia, como toda e qualquer democracia, a brasileira de certo também possui suas mazelas, que devem e podem ser tratadas com uma maior participação popular nas questões políticas atinentes aos interesses públicos. Oportuno se faz aqui, compartilhar as palavras do nobre colega Fábio Fernandes do Nascimento, orientado pela professora Tatiana Maria Oliveira Prates Motta, que dispõe em sua obra Constituinte pela Reforma política, publicada na Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, em 11 de dezembro de 2015, o que segue:

continua, com objetivos claros de proteção ao principio constitucional da separação dos poderes e manutenção da efetiva democracia que se espera de um país democrático. REFERÊNCIAS ALEXANDRINO , Marcelo, Direito Administrativo Descomplicado, 17ª Ed, 2009, pag.200. ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 2001. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 6ª ed. atual. São Paulo: Renovar, 2002. BRASIL. Supremo Tribunal Federal [Home page]. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/institucional/notas/> Acesso em 16 de abril de 2016. BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil, de 1988. Dispõe de normas constitucionais. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituição/constituição. Htm>. Acesso em: 02 abril de 2016. COSTA, Emilia Viotti da. O supremo tribunal federal e a construção da cidadania. São Paulo: Ieje, 2001. DINIZ, Carlos Roberto Faleiros. O papel do quinto constitucional na renovação do Judiciário. Jus Navigandi, Teresina, a. 7. n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3919>. Acesso em 16 de abril de 2016. http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfSobreCorte_pt_br&idConteudo=196222&modo=cms > Acesso em 16 de abril de 2016. https://www25.senado.leg.br/documents/12427/45868/RISFCompilado.pdf/cd5769c8-46c5-4c8a-9af7-99be436b89c4> Acesso em 27 de junho de 2016. Normas das Letras Jurídicas. Centro Universitário Newton Paiva jurídica. Disponível em: <http://npa.newtonpaiva.br/letrasjuridicas/wp-content/uploads/2014/05/Normas-da-revista-ETRASJUR%C3%8DDICAS. pdf> Acesso: 26 de junho de 2016. https://ogusmao.com/2014/03/13/a-nomeacao-de-ministros-do-stf-um-processo-controverso/comment-page-1/ > Acesso em 16 de abril de 2016.

Não há dúvidas quanto à necessidade de se alterar as normas concernentes ao sistema político – Reforma Política. No entanto, a forma de implementação deste projeto deve observância à manifestação de soberania popular alicerçada na Constituição de 1988. Esta prevê mecanismos eficientes de reforma constitucional, os quais incluem a possibilidade de participação popular

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=169462.> Acesso em 16 de abril de 2016.

Os avanços alcançados pela Suprema Corte no decorrer de sua história constitucional são de certo memoráveis, por esta razão a luta

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menusumario.asp?sumula=1227.> Acesso em 30 de maio de 2016.

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http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoInstitucionalCuriosidade/anexo/Notas_sobre_o_Supremo_Tribunal_2014_eletronica.pdf.> Acesso em 16 de abril de 2016.

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http://www.conjur.com.br/2015-mai-11/consultoria-senado-critica-modelo-escolha-stf > Acesso em 16 de abril de 2016. In CUNHA JÚNIOR, op. cit., p. 515. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. Trad. Alex Marins, São Paulo. Martin Claret: 2003. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Democracia e crise: alternativas estruturais para o Brasil. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3157> Acesso em: 16 de abril de 2016. Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 32º edição. São Paulo: Malheiros, 2006. MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. São Paulo: Atlas, 2000, p. 183-184. MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis. Introdução, trad. e notas de Pedro Vieira Mota. 7ª ed. São Paulo. Saraiva: 2000. MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. São Paulo: Atlas, 2000. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. pp. 213-214., ISBN 8575361236. MENDES. Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2 ed. ver. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2008, p. 951. BRASIL. Presidência da República [Home page]. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/> Acesso em 20 de abril de 2016.

Banca Examinadora Hugo Rios Bretas (Orientador) Ludmila Stigert (Examinadora)

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LIMITES AO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR: a revista pessoal no ambiente de trabalho Priscilla Oliveira Camilo dos Santos1

RESUMO: O poder diretivo é a faculdade atribuída ao empregador para estabelecer normas que deverão ser obedecidas pelo empregado no cumprimento de suas obrigações. Somado a isso, tem-se a figura do poder fiscalizatório. Esse poder evidencia a possibilidade do empregador controlar as atividades executadas durante a jornada de trabalho. No entanto, o poder fiscalizatório deve ser exercido visando somente o aspecto profissional e não pessoal do empregado. Outrossim, não pode ser aplicado de forma excessiva, devendo ser exercido com moderação, pois o empregador que age de modo a ferir a dignidade dos seus subordinados está contrariando as disposições do ordenamento jurídico brasileiro. O presente trabalho tem como objetivo demonstrar que o poder diretivo do empregador, ao submeter os empregados à realização da revista pessoal no ambiente laboral, não é absoluto e ilimitado, uma vez que os direitos de personalidade consagrados pela Constituição Federal limitará sua atuação diante dos empregados. PALAVRAS-CHAVE: Poder diretivo. Direitos de Personalidade. Revista Pessoal.

1 INTRODUÇÃO

2 PODER EMPREGATÍCIO

O procedimento da revista pessoal realizada pelo empregador no ambiente de trabalho é um tema que apresenta constante controvérsia. Esse procedimento consiste na inspeção visual em pertences pessoais do empregado, como, por exemplo, em bolsas, sacolas, pacotes e mochilas. Apesar da polêmica, tal procedimento é prática habitual adotada pelas empresas. O empregador, titular do poder diretivo e fiscalizatório, desenvolve essa conduta com o objetivo de proteger o patrimônio empresarial. No entanto, é fundamental que a revista pessoal seja empregada de modo que a atividade empresarial do empregador justifique sua aplicação. Desse modo, deverão existir no estabelecimento bens potenciais de serem furtados. Ocorre que, em muitas situações, o empregador, devido a sua supremacia, extrapola os limites de seu poder ao realizar tal procedimento, violando a intimidade do empregado através de condutas constrangedoras, abusivas e vexatórias. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo demonstrar que o poder diretivo do empregador, ao submeter os empregados à realização da revista pessoal no ambiente laboral, não é absoluto e ilimitado, uma vez que os direitos de personalidade consagrados pela Constituição Federal limitará sua atuação diante dos empregados. Assim, inicialmente, far-se-á uma análise sobre o poder empregatício e suas regras gerais, bem como as formas em que tal poder se exterioriza em uma relação de emprego através do poder diretivo, poder regulamentar, poder disciplinar e poder fiscalizatório. Posteriormente, serão elucidados os direitos de personalidade no âmbito da relação de emprego, demonstrando os direitos assegurados ao empregado enquanto subordinado ao empregador e que, a aplicação dos direitos fundamentais preconizados pela Constituição Federal é uma forma de limitar o poder fiscalizatório do empregador. Por fim, analisar-se-á a revista pessoal no ambiente trabalhista e os limites inerentes ao procedimento, expondo os critérios para sua realização, assim como posicionamentos doutrinários e jurisprudências dos tribunais trabalhistas.

2.1 Regras gerais O poder outorgado ao empregador no âmbito da relação de emprego justifica-se por ser dele a titularidade do poder e direção de controle da empresa. É o empregador quem suporta os riscos da atividade empresarial. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) traz em seu art. 2º, caput, a definição do conceito de empregador: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. Sendo assim, o empregador é o dono do negócio, assume o risco da atividade econômica e tem o poder de dirigir e disciplinar as atividades de seus empregados no ambiente de trabalho. Esse poder é resultado inerente ao contrato de trabalho, sendo definido como poder empregatício. Delgado (2014, p. 683) destaca as diversas dimensões trazidas pelo poder empregatício, quais sejam, diretiva, regulamentar, disciplinar e fiscalizatória. O autor (2014, p. 684) descreve o poder empregatício como: [...] conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do empregador, para exercício no contexto da relação de emprego. Pode ser conceituado, ainda, como o conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente prestação de serviços. A palavra poder, segundo ensinamento da autora Alice Monteiro de Barros (2013, p. 459), “etimologicamente, deriva do latim vulgar potere, da raiz poti, que significa chefe de um grupo. O termo poder gira em torno da ideia de posse, de força, de vontade, de obediência e de influência”. Alvarenga (2016) expressa que “o poder existente nas relações entre capital e trabalho somente pode ser analisado partindo da definição de subordinação jurídica”. Complementa a autora que, “através da relação de emprego, surge para o empregador o poder emprega-

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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tício e, por consequência, o dever de obediência para o empregado, que se exterioriza por intermédio da subordinação jurídica”. A subordinação, elemento mais marcante para a configuração da relação de emprego, é verificada quando o empregador tem poder diretivo sobre o trabalho do empregado, dirigindo, coordenando e fiscalizando a prestação dos serviços executados pelo trabalhador. É através dela que o empregado presta serviços sob a dependência do empregador. Delgado (2014, p. 685) aduz que o poder empregatício se divide em poder diretivo, poder regulamentar, poder fiscalizatório e poder disciplinar. No entanto, os poderes diretivo e disciplinar é que são estabelecidos como “modalidades específicas do poder empregatício”. O poder diretivo, também chamado de poder organizativo ou hierárquico, é a maneira pela qual o empregador determina como as tarefas do empregado serão executadas. Tem como fundamento legal o supracitado art. 2º da CLT. Segundo Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2013, p. 339), tal poder: [...] é de titularidade do empregador. Além disso, o exercício do poder diretivo é, justamente, o fator de subordinação jurídica, presente na relação de emprego. Ou seja, o empregado trabalha de forma subordinada em razão do exercício do poder de direção pelo empregador. Sendo assim, o poder diretivo autoriza o empregador a instituir normas que deverão ser obedecidas pelo empregado no cumprimento de suas obrigações. Essas normas serão responsáveis pela organização e fiscalização concernentes à realização do trabalho ou ao modo de conduta dos empregados no estabelecimento empresarial. Neste contexto, vale destacar o poder regulamentar, que decorre do poder diretivo do empregador. Delgado (2014, p. 686) assinala que, o “poder regulamentar seria o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à fixação de regras gerais a serem observadas no âmbito do estabelecimento e da empresa”. Desta forma, o empregador ao estabelecer as normas no âmbito da empresa, concretizará através do regulamento de empresa. Este regulamento é um exemplo evidente do poder diretivo e que exterioriza o poder regulamentar. Através dele, são previstos uma “série de direitos e deveres dos empregados e do empregador, bem como a forma de seu exercício”. (GARCIA, 2013, p. 345) Para Sérgio Pinto Martins (2013, p. 33), o regulamento de empresa:

da empresa. Com isso, o poder disciplinar é a prerrogativa facultada ao empregador de impor penalidades ao empregado caso este desobedeça às normas que lhe foram impostas através do contrato de trabalho. Sérgio Pinto Martins (2013, p. 231) esclarece: O poder disciplinar é um complemento do poder de direção, do poder de o empregador determinar ordens na empresa, que, se não cumpridas, podem gerar penalidades ao empregado, que deve ater-se à disciplina e respeito a seu patrão, por estar sujeito a ordem de serviço, que devem ser cumpridas, salvo se ilegais ou imorais. Logo o empregador pode estabelecer penalidades a seus empregados. Barros (2013) atesta as principais teorias que justificam o poder diretivo disciplinar. A primeira delas é a teoria da propriedade privada. Segundo essa teoria, o poder atribuído ao empregador justifica-se por ser o estabelecimento empresarial objeto do seu direito de propriedade e, com isso, ele dirige a empresa, pois é o proprietário. A segunda é a teoria institucional a qual aduz que a empresa possui um viés mais político e social do que jurídico. A terceira e mais consolidada teoria é a contratual, pois é a que justifica a presença e aplicação dos poderes atribuídos ao empregador na relação de trabalho, tendo em vista esses poderes, quais sejam, diretivo e disciplinar, serem inerentes ao contrato de trabalho. Portanto, compreende neste poder em análise a possibilidade do empregador fiscalizar as atividades realizadas pelo obreiro, aplicando medidas disciplinares caso não sejam cumpridas as ordens impostas ao trabalho executado. As medidas são: advertência, podendo ser oral ou escrito; suspensão, com limite de 30 dias consecutivos, conforme preceitua o art. 474 da CLT; dispensa por justa causa, caso o ato punível esteja descrito nas hipóteses do art. 482 da CLT, e multa, sendo esta aplicada somente aos jogadores de futebol. Somado aos poderes que integram o poder empregatício, temse a figura do poder fiscalizatório. Esse poder evidencia a possibilidade do empregador controlar as atividades laborais do empregado, conforme será apresentado a seguir. 2.2 Poder fiscalizatório Devido à subordinação inerente ao contrato de emprego, o empregado, mediante o poder diretivo conferido ao empregador, terá sua prestação de serviço fiscalizada e controlada por este. Nessa esteira, Antonio Carlos Paula de Oliveira (2011, p. 74) ensina:

É um conjunto sistemático de regras, escritas ou não, estabelecidas pelo empregador, com ou sem a participação dos trabalhadores, para tratar de questões de ordem técnica ou disciplinar no âmbito da empresa, organizando o trabalho e a produção. O autor informa, ainda, que as cláusulas contidas no regulamento de empresa serão limitadas pela Constituição e a lei, uma vez que o artigo 444 da CLT determina que o empregador poderá convencionar livremente as condições de trabalho, contanto que não transgrida as normas legais de proteção do trabalho. Portanto, “não se poderá instituir regras no regulamento que venham contrariar a moral, os bons costumes e a ordem pública, nem que desrespeitem a dignidade do trabalhador como pessoa humana”. (MARTINS, 2013, p. 238) Conforme preleciona Alice Monteiro de Barros (2013, p. 459), “a autoridade do empregador exterioriza-se pelo poder de direção e torna-se efetiva pelo poder disciplinar”. Em razão da subordinação existente no contexto da relação empregatícia, o empregador administra as atividades do empregado, tendo em vista aquele ser o dono

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O estado de subordinação do empregado faz que o empregador exerça o seu poder, e este, por sua vez, se volta para controlar não só os fins que se quer atingir com a atividade do empregado, mas também os meios a serem utilizados na perseguição desse fim. Duas razões explicam o controle absoluto do empregador: o fato de o empregado não participar dos riscos do negócio empresarial; a outra está na natureza da prestação assumida pelo empregado, que Menezes Cordeiro, citado por Maria do Rosário Palma, diz ser heterodeterminada. O supracitado autor (2011, p. 75) complementa: Essa característica de heterodeterminação é típica dos contratos de trato sucessivo, como é o de emprego, pois a continuidade das atividades justifica uma indeterminação das mesmas no ato da celebração do contrato, de modo a não engessar sua execução e prejudicar o seu cumprimento. A indeterminação do conteúdo das atividades do empregado e a sucessividade das prestações, unidas ao risco exclusivo do negócio assumido

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pelo empregador, justificam a conferência de um poder para este último, que assumirá nítida feição de poder de determinação das atividades. O poder fiscalizatório, também chamado de poder de controle, segundo Delgado (2014, p. 688), “seria o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno”. É de igual modo, a maneira em que o poder empregatício se manifesta. Nessa vereda, o empregador tem a prerrogativa de realizar a fiscalização e o controle das atividades executadas pelo empregado durante a jornada de trabalho, observando se as ordens dispostas no contrato de trabalho estão sendo cumpridas. Ou seja, ao empregador é concedido o poder de acompanhar e monitorar a prestação de serviços realizada no estabelecimento empresarial pelo empregado. Delgado (2014, p. 688) elucida meios em que se realiza o poder de controle no ambiente de trabalho, quais sejam, “controle de portaria, circuito interno de televisão, controle de horário e frequência, prestação de contas, as revistas”, sendo este último objeto de estudo do presente artigo. Com efeito, infere-se que o empregador possui aptidão de analisar se os empregados estão cumprindo com todas as obrigações e procedimentos instituídos para a execução das atividades laborais. O poder fiscalizatório deve ser exercido visando unicamente o aspecto profissional e não pessoal do empregado. Neste contexto, Sérgio Pinto Martins (2013, p. 228) sustenta que “o controle é feito sobre o trabalho e não sobre a pessoa do trabalhador. Os empregados poderão ser revistados no final do expediente. A revista do empregado é uma forma de salvaguarda do patrimônio da empresa”. Gustavo Felipe Barbosa Garcia (2013) aduz que há entendimentos (majoritários) admitindo a realização de revista pessoal nos empregados nas atividades que justifiquem essa medida, visto constituir direito do empregador, pois este tem o objetivo de evitar lesões ao patrimônio empresarial e é o titular do poder de direção e controle. Todavia, a empresa que submeter seus empregados ao procedimento da revista pessoal, é imprescindível que no seu estabelecimento existam bens potenciais de serem furtados ou escondidos, por exemplo, em bolsas, sacolas, mochilas, ou até mesmo, no próprio corpo. A esse respeito, a autora Alice Monteiro de Barros (2013, p. 464) garante: A revista se justifica, não quando traduza um comodismo do empregador para defender o seu patrimônio, mas quando constitua o último recurso para satisfazer o interesse empresarial, à falta de outras medidas preventivas. Essa fiscalização visa à proteção do empregador e à salvaguarda das pessoas [...]. Não basta a tutela genérica da propriedade, deverão existir circunstâncias concretas que justifiquem a revista. Mister que haja, na empresa, no estabelecimento ou no setor bens suscetíveis de subtração e ocultação, com valor material, ou que tenham relevância para o funcionamento da atividade empresarial e para a segurança das pessoas. Corroborando o entendimento da autora, Oliveira (2011, p. 125) afirma: A aceitação da revista pessoal se volta para as empresas que lidem com mercadorias extremamente vulneráveis de serem subtraídas - a exemplo de supermercados e lojas de departamento que comercializam produtos dos mais variados tamanhos, formatos e preços. Esses produtos têm como matéria-prima os mais variados componentes, a exemplo de plásticos, metais, pedras etc. Do mesmo modo, admite-se nos hotéis, em que os empregados acessam as dependências

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e pertences variados dos hóspedes. Enfim, uma série de empresas teria a justificativa aqui defendida para a adoção dessa prática. Em contrapartida, Oliveira (2011, p. 125), sustenta que: Injustificável seria admitir, por exemplo, a prática de revistas pessoais em lojas que comercializassem veículos motorizados (carros, motocicletas, lanchas etc.). Nesses casos, o trânsito de empregados não implicaria qualquer risco de que fossem subtraídas as mercadorias comercializadas, e a revista seria um abuso, agora praticado pelo empregador. Dessa forma, é fundamental que a revista pessoal seja adotada de maneira que a atividade empresarial desenvolvida fundamente sua execução. A título de exemplo, segue um julgado considerando aceitável esse tipo de procedimento. REVISTA PESSOAL. DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO. A revista efetuada nos empregados no final do expediente não enseja violação a intimidade, eis que é dado ao empregador preservar seu patrimônio, mormente quando se tratar de loja do ramo de informática em que existem objetos e produtos de fácil retirada e de valor elevado. A investigação do empregador, sem que seja acompanhada de ato concreto de violação à dignidade humana, não gera à indenização. Dano moral não configurado. (TRT da 5ª Região. Processo 0000051-81.210.5.05.0491 RecOrd, ac. nº 114481/2012, Relatora Desembargadora Léa Nunes, 3ª TURMA, DJ 14/09/2012). Portanto, à vista do exposto, é plenamente cabível o método da revista pessoal do empregador diante de seus subordinados, sendo legítimo seu exercício no ambiente laboral. No entanto, essa revista deve ser feita de forma aleatória, moderada, respeitosa, por pessoa do mesmo sexo, sem exposição desnecessária ou abusiva do empregado revistado. Garcia (2013) assevera que esse procedimento poderá ser executado desde que não seja de forma abusiva e sem caracterizar afronta à intimidade do obreiro, não podendo, ainda, ser uma forma de perseguição ou discriminação contra certos trabalhadores. Nesse sentido, o poder em estudo não pode ser aplicado de forma excessiva, devendo ser exercido com moderação, pois o empregador que age de modo a ferir a dignidade dos seus subordinados está contrariando as disposições do ordenamento jurídico brasileiro. Por isso, limitações são impostas para proteger o empregado dos excessos cometidos pelo empregador, visto ser o empregado a parte hipossuficiente na relação de trabalho e possuidor dos direitos e garantias consagrados pela Constituição Federal. Outrossim, o abuso no exercício de direção do empregador poderá ensejar indenização ao empregado, sem prejuízo de dano material e moral. Embora a legislação brasileira não contenha normas específicas que disciplinem os limites do poder empregatício, é imprescindível a aplicação dos princípios constitucionais para resguardar o empregado. Sendo assim, tais princípios servirão como limitador no caso concreto. 3 DIREITOS DE PERSONALIDADE NO ÂMBITO DA RELAÇÃO DE EMPREGO O art. 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988 normatiza os direitos inerentes à personalidade que deverão ser respeitados no exercício do poder diretivo do empregador:

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[...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 2015, p.6).

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A personalidade, segundo disciplina Carlos Henrique Bezerra Leite (2014, p. 50), “não é um direito, mas um conjunto de atributos e características da pessoa humana”. Gagliano e Pamplona (p. 144 apud LEITE, 2014, p. 50) trazem o conceito de que “os direitos da personalidade são aqueles que têm por objeto atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e suas projeções sociais”. Leite (2014) aponta as correntes dos jusnaturalistas e dos juspositivistas para fundamentar a natureza jurídica dos direitos da personalidade. Os jusnaturalistas defendem que os direitos da personalidade são inerentes aos indivíduos, pois já fazem parte desde o nascimento. Ou seja, é uma característica natural da pessoa, e, por conseguinte, direitos inatos. Em interpretação absolutamente inversa, os juspositivistas entendem que a existência dos direitos da personalidade está atrelada unicamente por estarem dispostos em uma legislação. “Ou seja, é o Estado quem os cria e reconhece, permitindo, assim, a sua justiciabilidade”. (LEITE, 2014, p. 51). Isto posto, é pertinente apresentar a classificação dos direitos da personalidade trazida por Barros (2013, p. 494). A autora os classifica como: Direito à integridade física (direito à vida, à higidez corpórea, às partes do corpo, ao cadáver, etc.), à integridade intelectual (direito à liberdade de pensamento, autoria artística e científica e invenção) e à integridade moral (direito à imagem, ao segredo, à boa fama, direito à honra, direito à intimidade, à privacidade, à liberdade civil, política e religiosa, etc.). Esses direitos são oponíveis contra o empregador. Todavia, é mister salientar que o rol de direitos supramencionados não apresenta taxatividade, tendo em vista ser um rol meramente exemplificativo. Ao tratar da personalidade humana, não é cabível exaurir os direitos. Isso ocorre pois não se pode instituir uma limitação aos direitos da personalidade, uma vez que estão em constante desenvolvimento e representam o mínimo para que o indivíduo possa viver com dignidade. O Código Civil Brasileiro de 2002 disciplinou em um capítulo próprio os direitos da personalidade, elencando-os nos artigos 11 ao 21. A legislação civilista aduz que tais direitos são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Afirma, ainda, que a ameaça ou lesão ao direito da personalidade gera perdas e danos, independentemente de outras sanções previstas em lei. Os direitos de personalidade possuem algumas características próprias. Neste passo, Carlos Henrique Bezerra Leite (2014 apud Gagliano e Pamplona Filho), declara que tais direitos são: absolutos, por serem oponíveis erga omnes, isto é, toda a coletividade tem a obrigação de respeitá-los; gerais, porque são outorgados a todas as pessoas, pelo simples fato de elas existirem; extrapatrimoniais, pela inexistência, em regra, de um conteúdo patrimonial direto, aferível objetivamente, embora a sua lesão possa implicar efeitos econômicos; indisponíveis, já que nem por vontade própria da pessoa, o direito de personalidade, em princípio, pode mudar de titular; imprescritíveis, porque não existe prazo para o seu exercício e não se extingue em razão do não-uso; impenhoráveis, tendo em vista não serem passíveis de penhora; vitalícios, pois acompanham a pessoa desde seu nascimento até a morte. Alice Monteiro de Barros (2013, p. 493) afirma que: A utilização dessas normas civis traduz uma fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Se o dano moral for provocado pelo empregador ou pelo empregado, em decorrência da relação de emprego, a lesão afeta os direitos da personalidade a ser decidida pela Justiça do Trabalho. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

É imperioso observar que os direitos à intimidade e à vida privada integram o rol dos direitos da personalidade e referem-se à integridade moral dos seus titulares. Por isso, a dignidade da pessoa humana sempre deverá ser respeitada, sobretudo por esta ser um princípio fundamental consagrado pela Lei Maior de 1988 (OLIVEIRA, 2011, p. 85). Ocorre que, na maioria dos casos, há um abuso de direito por parte do empregador no exercício de seu poder diante dos empregados, extrapolando os limites do bom senso, da boa-fé, da razoabilidade e proporcionalidade, através de condutas constrangedoras e vexatórias. Deste modo, o princípio da dignidade da pessoa humana servirá como forma de resguardar o empregado no ambiente de trabalho contra quaisquer atos abusivos do empregador que firam sua integridade, uma vez que a convivência diária entre esses sujeitos propicia que os direitos da personalidade do empregado sejam transgredidos pelo seu superior. Indubitavelmente, o elemento subordinação favorece o acometimento de condutas abusivas pelo empregador no ambiente laboral. Sendo assim, os direitos e garantias fundamentais do trabalhador, e, principalmente, a dignidade da pessoa humana, sofrem violação. Vale ressaltar que a ocorrência deste tipo de conduta poderá ensejar o pagamento de indenização contra o empregador. Assim, importa dizer, que os direitos da personalidade são indispensáveis à pessoa humana para que, com isso, se proporcione um tratamento equitativo e justo, sobretudo no contexto de uma relação empregatícia, onde há a figura do empregado subordinado ao empregador. Logo, a aplicação dos direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal é uma forma de limitar o poder fiscalizatório do empregador nas relações laborais. Carlos Henrique Bezerra Leite (2014, p. 54), afirma que a legislação trabalhista disciplina expressamente em alguns artigos os direitos da personalidade, a saber: a) no art. 482, alínea “j”, e art. 483, alínea “e”, que consideram motivo justo para resolução do contrato de trabalho a lesão à honra e à boa fama; b) no art. 373-A, VI, introduzido pela Lei 9.799/1999, que veda a revista íntima nas empregadas. Percebe-se, que a CLT não disciplinou de modo minucioso e exclusivo sobre os direitos de personalidade no âmbito das relações empregatícias. Não obstante, Leite (2014, p. 55) assegura: Sem embargo da autorização do parágrafo único do art. 8º da CLT para a aplicação subsidiária do Código Civil de 2002, o certo é que a própria Constituição Federal de 1988, por ser a fonte primária de todo o ordenamento jurídico brasileiro, já é condição suficiente para sanar a lacuna do texto consolidado. Antonio Carlos Paula de Oliveira (2011, p. 94) complementa: A observância dos direitos da personalidade nas relações de emprego passou a ter um maior rigor na fiscalização. Neste rol estão inseridas a intimidade, a honra, a imagem e a vida privada, que, como se viu, acabaram sendo consagrados em sede constitucional, com a edição da Carta Magna de 1988, pois foram erigidos ao status de Direitos e Garantias Fundamentais. Foi inevitável, ainda, a associação destes direitos a dois dos chamados princípios fundamentais da Carta Magna de 1988, quais sejam, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (art. 1º, III e IV, CF/1988). Diante do exposto, pode-se afirmar que o poder diretivo do empregador não é absoluto, uma vez que os direitos da personalidade do trabalhador limitam sua atuação.

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4 A REVISTA PESSOAL NO AMBIENTE TRABALHISTA: LIMITES O procedimento da revista pessoal realizada pelo empregador no ambiente de trabalho é um tema que apresenta constante controvérsia. A controvérsia consiste no legítimo direito do empregador em realizar as revistas, tendo em vista a proteção do direito de propriedade garantido pelo art. 5º da Constituição Federal de 1988, e a invasão da privacidade e intimidade dos trabalhadores, previstos no mesmo artigo. Tem-se, portanto, um choque de direitos constitucionalmente protegidos, uma vez que o empregador tutela seu patrimônio, ao passo que os trabalhadores, ao ingressarem no local de trabalho, não perdem o direito a intimidade e a privacidade, pois são titulares dos direitos de personalidade inerentes a pessoa humana. Apesar da colisão que se materializa nessa relação, vale destacar que o empregador possui a prerrogativa de fiscalizar e dirigir a prestação de serviço de seus empregados, pois a ele foi concedido o poder diretivo, compreendendo a possibilidade de realizar as chamadas revistas pessoais. A revista pessoal não possui disposição legal expressa regulamentando seu procedimento, pois, conforme foi dito linhas atrás, esta conduta decorre do poder diretivo e fiscalizatório do empregador. Sendo assim, em decorrência de ausência legal, tal revista encontra-se permitida. Porém, no tocante as revistas íntimas, é oportuno consignar que a CLT proíbe expressamente a revista íntima em mulheres, conforme preceitua o art. 373-A, IV, abaixo transcrito:

nova lei ficará sujeito ao pagamento de multa no valor de R$ 20 mil. Esse valor não será destinado à mulher, pois reverterá aos órgãos de proteção dos direitos da mulher. A lei determina que a multa será dobrada em caso de reincidência. O site do Tribunal Superior do Trabalho traz a definição de revista íntima e demonstra os tipos de empresas que geralmente realizam esse procedimento no local de trabalho: Revistas íntimas são aquelas em que os trabalhadores têm o próprio corpo vistoriado, sendo até obrigados a tirar suas roupas ou parte delas para demonstrar que não estão saindo com qualquer bem do empregador. As empresas que mais utilizam esse tipo de revista são as de vestuário, medicamentos, vigilância bancária e transporte de valores, entre outras. Também é comum a revista nas indústrias de eletrodomésticos e de componentes eletrônicos, nas joalherias e no trabalho doméstico. Assim, importa dizer, que a revista íntima ocorre quando há um contato físico do empregador no empregado, ordenando exposição de uma parte sensível do corpo, ou um desnudamento. Este tipo de revista viola excessivamente o direito de intimidade e a vida privada dos empregados, expondo-os ao constrangimento, representando um abuso do direito. As ementas a seguir confirmam o teor proibitivo da revista íntima: DANO MORAL REVISTA ÍNTIMA -CARACTERIZAÇÃO - A revista íntima do empregado, em razão da qual ele é obrigado a ficar nu na frente do porteiro da empresa, ofende a garantia da inviolabilidade da intimidade da pessoa, assegurada no artigo 5º da Constituição da República e, por conseguinte, autoriza o deferimento de indenização por danos morais a ser arbitrada em patamares condizentes com o dano sofrido pelo autor. (TRT-3 - RO: 01062200902203006 0106200-44.2009.5.03.0022, Relator: Marcus Moura Ferreira, Primeira Turma, Data de Publicação: 26/02/2010 25/02/2010. DEJT. Página 119. Boletim: Não.)

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: […] VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias (BRASIL, 2015, p.937). Embora a regra supramencionada faça alusão às mulheres, entende-se que esta proibição é extensível aos homens, visto que o artigo 5º, inciso I, da Lei Magna de 1988, determina que homens e mulheres devem receber tratamento isonômico. Nesse sentido, a ementa abaixo transcrita demonstra a vedação à revista íntima em empregados do sexo masculino: REVISTA ÍNTIMA. ILICITUDE. DANO MORAL CONFIGURADO. APLICAÇÃO À TODOS OS TRABALHADORES. HOMENS E MULHERES. ISONOMIA. O reconhecimento constitucional do direito à intimidade e à privacidade, enquanto esferas atreladas à personalidade do humano, impõe que seja aplicável o artigo 373-A, VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, a todos os trabalhadores, sem qualquer restrição normativa quanto ao gênero ou forma de vinculação ao sistema produtivo. A prática empresarial de fiscalização por meio de revista intima é abusiva, acarretando grave ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e intimidade tanto da trabalhadora (art. 373-A, VI da CLT) quanto do trabalhador, o que gera o dever de compensar o dano moral sofrido. TRT-1 - RO: 01578009820085010021 RJ, Relator: Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, Data de Julgamento: 24/09/2014, Sétima Turma, Data de Publicação: 08/10/2014) Além da previsão na CLT, no dia 18 de abril de 2016, foi publicada no Diário Oficial a Lei 13.271/2016 que proíbe a revista íntima em funcionárias e clientes do sexo feminino por empresas privadas e órgãos da administração pública. O empregador que descumprir a

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DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. A revista íntima, realizada diariamente, é invasiva e abusiva, porque expõe o empregado, de forma habitual, a situação constrangedora, configurando prática passível de reparação civil, nos termos dos artigos. 1.º, III, e 5.º, V e X, da Constituição Federal. (TRT-3 - RO: 00997201407503008 000099755.2014.5.03.0075, Relator: Convocado Flavio Vilson da Silva Barbosa, Primeira Turma, Data de Publicação: 01/03/2016) Por outro lado, a revista pessoal consiste na inspeção visual em bolsas, sacolas, pacotes, mochilas, sem inspeção direta sobre o corpo do empregado. Constitui direito do empregador, porém, o princípio da razoabilidade deverá ser aplicado no caso concreto. Fernanda Rodrigues Tavares (2013, p.1) salienta: As relações de trabalho devem estar embasadas em modelos éticos de conduta e lealdade, de modo a não prejudicar ou causar danos às partes envolvidas. Neste sentido, há que se dizer que o procedimento de revista deve obedecer aos critérios de razoabilidade e ponderação de modo a não violar a boa-fé da relação empregatícia. Busca-se respeitar a dignidade do trabalhador, não configurando ato lesivo à sua intimidade, ou mesmo uma afronta à sua presunção de inocência. As ementas abaixo retratam a possibilidade de realização da revista, pois esta se consolida no poder diretivo do empregador:

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REVISTA PESSOAL. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE PROVA DO CONSTRANGIMENTO. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. Situa-se dentro do poder diretivo do empregador a realização de revista pessoal, adotada como meio de proteção ao seu empreendimento. Realizada sem constrangimento ou invasão à intimidade do empregado, não representa afronta a dignidade deste, portanto, não caracteriza dano moral a ser indenizado. (TRT-5 RecOrd: 00007969020125050006 BA 000079690.2012.5.05.0006, Relator: LOURDES LINHARES, 4ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 17/09/2014.) RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. REVISTA. OBJETOS PESSOAIS DO EMPREGADO. PROVIMENTO. A jurisprudência deste colendo Tribunal Superior do Trabalho inclina-se no sentido de que a revista em objetos pessoais - bolsas e sacolas - dos empregados da empresa, realizada de modo impessoal, geral, sem contato físico ou exposição de sua intimidade, não submete o trabalhador a situação vexatória ou caracteriza humilhação, vez que decorre do poder diretivo e fiscalizador do empregador, revelando-se lícita a prática desse ato. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RR: 19247020125190002, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 25/02/2015, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/03/2015) Em relação ao local exigido para a realização da revista, Alice Monteiro de Barros (2013, p. 465) explica: A revista deverá ser realizada no âmbito da empresa, assim entendido o local de trabalho, a entrada e a saída deste. O exercício do poder diretivo conferido ao empregador, no caso, não se estende para fora do estabelecimento da empresa, ainda que haja fundadas suspeitas contra o obreiro. Nessa circunstância deverá o empregador recorrer às autoridades competentes. Em geral, a revista deverá ser realizada na saída.

dos direitos que a manutenção da empresa traz consigo, bem como pelo fato de que a lei só veda a revista íntima, restando permitida a revista pessoal. Conforme já salientado, a revista não deve ser um método aplicado por todas as empresas, pois dependerá do tipo de atividade por ela desempenhada. E, ao invés do empregador adotar esse procedimento, poderá fazer uso da tecnologia, como por exemplo, instalando câmeras de filmagem no ambiente de trabalho, desde que não estejam colocadas em locais como banheiros, vestuários, pois irá ferir a intimidade e privacidade dos trabalhadores. Desta forma, haverá um monitoramento de todas as atividades, podendo observar os funcionários de diversos ângulos e distâncias. Além do mais, com a utilização das câmeras, atitudes suspeitas poderão ser prevenidas. Nesse sentido, Alice Monteiro de Barros (2013, p. 464) dispõe: A tecnologia também poderá ser utilizada para evitar ou reduzir os efeitos da revista na intimidade dos empregados. A título de exemplo, a colocação de etiquetas magnéticas em livros e roupas torna desnecessária a inspeção em bolsas e sacolas, nos estabelecimentos comerciais. Percebe-se, então, que a tecnologia poderá substituir a revista pessoal. Caso não seja possível sua utilização, é importante constar no contrato de trabalho do empregado que esse procedimento será realizado no decorrer da prestação de serviço. É primordial que a revista seja feita de forma indiscriminada, adotando critérios de escolhas impessoais, por exemplo, aleatoriamente, mediante sorteios, ou seja, um procedimento imposto para todos de modo igualitário, sempre respeitando a intimidade e privacidade. Desta feita, vale destacar os limites inerentes a revista pessoal externados pela lição de Oliveira (2011, p. 139). Os direitos fundamentais acompanham o empregado, e com ele seguem por toda a relação de emprego. Não resta dúvida, contudo, que seu exercício encontra limites próprios da condição de empregado - o empregado não pode exercê-los tal qual o faz em outros setores da vida social. Esses limites restam estabelecidos pelas figuras conexas da subordinação e do poder diretivo do empregador. Defender a inexistência desses limites é atentar contra a própria essência do contrato de emprego, que não pode ser considerado sem que se leve em conta as figuras conexas acima referidas. O contrato de emprego investe o empregador de poderes para comandar as ações dos seus empregados dentro do ambiente empresarial. Esse poder é outorgado pelo empregado no ato da celebração do contrato de emprego, e justifica-se no fato de que o empregador assume integral e exclusivamente os riscos do seu negócio.

Sergio Pinto Martins (2013, p. 228) esclarece que: Não poderá ser a revista feita de maneira abusiva ou vexatória, ou seja, deverá ser moderada. Vedada será a revista que violar a intimidade do empregado (art. 5º, X, da Constituição), além do que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, da Lei Magna). O mesmo autor (2013, p. 228) ainda pondera: O empregador deverá tomar cuidado de não fazer um controle vexatório [...], pois um dos princípios da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição). A intimidade da pessoa é um direito relativo à personalidade. Determina o inciso X do art. 5º da Constituição que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. [...]

O autor supramencionado (2011, p. 142), em síntese, sugere alguns critérios para a realização da revista pessoal, elencando-os da seguinte forma:

A revista pessoal do empregado deverá ser o único recurso disponível para o empregador defender o estabelecimento empresarial. Sobre o tema, Oliveira (2011, p. 142) assevera: A defesa da propriedade através da revista pessoal deve ser legítima, ou seja, deve encontrar uma justificativa para a sua realização, não se configurando um mero capricho do empregador, e deve ser o único meio possível de ser utilizado. A legitimidade pode ser aferida com a análise

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[...] que esta se dê dentro do organismo empresarial em local reservado e próprio para sua realização; deve ser realizada na entrada e na saída da empresa e, em casos excepcionais, também ao longo da jornada de trabalho; deve se dar com um número significativo de empregados, integrantes de todos os cargos, independentemente de hierarquia, e esses devem ser sorteados aleatoriamente, sorteio este que deve ser feito na presença de todos; só deve ocorrer naquelas empresas que lidam com bens passíveis de subtração ou ocultação de todos ou de alguns produtos; deve ser realizada por pessoas do mesmo sexo e sem o desnudamento completo ou parcial do revistado, sendo possível, CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


em alguns casos, que o empregado seja apalpado de modo respeitoso e sem conotação libidinosa; o exame deve ser rápido e superficial, evitando-se uma situação constrangedora para o revistado; deve, por fim, estar prevista em contrato. Diante disso, é imprescindível a observância pelo empregador dos critérios acima especificados ao aplicar o método da revista pessoal no ambiente laboral, uma vez que seu poder diretivo não é absoluto e ilimitado. Embora esteja amparado constitucionalmente, sua atuação será limitada pelo próprio texto constitucional, pois o empregado é titular dos direitos e garantias fundamentais. Sendo assim, a revista pessoal não pode representar afronta a intimidade e privacidade do trabalhador. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelo exposto, percebe-se que o poder diretivo do empregador e a proteção do patrimônio empresarial justificam a realização da revista pessoal no ambiente laboral. Tal poder outorgado é legítimo, uma vez que o empregado é subordinado ao empregador e este suporta os riscos da atividade empresarial. No entanto, o exercício do poder diretivo não é absoluto e ilimitado. Os direitos da personalidade consagrados pela Constituição Federal de 1988, por serem direitos essenciais dos indivíduos, restringirá a atuação do empregador. Por isso, no cotidiano trabalhista, é inaceitável que a revista realizada no empregado, exponha-o a situações constrangedoras e vexatórias, de modo a sofrer abuso e humilhação, violando, assim, a intimidade e à vida privada. Logo, não poderão ser adotadas medidas que afrontem a dignidade do trabalhador como pessoa humana. Vale ressaltar, todavia, que é altamente recomendável a utilização da tecnologia pelo empregador substituindo a revista pessoal, evitando que os pertences pessoais dos empregados sejam inspecionados. Por fim, é imprescindível que o procedimento da revista pessoal realizado pelas empresas em seus empregados seja pautado em princípios constitucionais a fim de impedir violação à dignidade do trabalhador. Sendo assim, a dignidade da pessoa humana sempre deve prevalecer perante os valores materiais do empregador, pois a Carta Magna a consagrou como princípio fundamental. REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro de Barros. Curso de direito do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2013. BRASIL. Lei nº 13.271, de 15 de abril de 2016. Dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambientes prisionais. Disponível em: < http://www. planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13271.htm>. Acesso em: 18 de junho de 2016.

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BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Dano Moral – Revista Íntima – Caracterização. Recurso Ordinário 01062200902203006 010620044.2009.5.03.0022. Relator: Marcus Moura Ferreira. Disponível em: <http://trt-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/124330415/recurso-ordinario-trabalhista-ro-1062200902203006-0106200-4420095030022>. Acesso em: 13 de junho de 2016.

TAVARES, Fernanda Rodrigues. A REVISTA DE PERTENCES COMO FORMA DE CONTROLE: violação à intimidade do empregado no ambiente de trabalho. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Edição 21. Outubro 10, 2013. Disponível em: <http://npa. newtonpaiva.br/direito/?p=1433>. Acesso em: 18 de junho de 2016.

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Banca Examinadora Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo (Orientadora) Adélia Procópio Camilo (Examinadora)

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DINAMIZAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: a (in) aplicabilidade nas relações de consumo Rafael Damacena Lima1

RESUMO: O presente trabalho abordará sobre a Dinamização do Ônus da Prova trazida no Novo Código de Processo Civil e sua Aplicabilidade nas Relações de Consumo. Para tanto, falaremos um pouco sobre a proteção ao consumidor, bem como sobre o instituto da prova no processo civil e nas relações de consumo, passando pelo seu conceito, finalidade, objeto, destinatários, dentre outros aspectos. Falaremos, em linhas gerais, sobre a teoria dinâmica do ônus da prova, em breve síntese sobre o conflito entre norma geral e norma especial. Concluiremos que a dinamização do ônus da prova trazida pelo novo Código de Processo Civil não se aplica nas relações de consumo, pois, caso isso ocorra, estaria estendendo os requisitos, ao menos em tese, para a concessão da inversão do ônus da prova, conforme prevista no Código de Defesa do Consumidor. PALAVRAS-CHAVE: Dinamização do ônus da prova. (In)Aplicabilidade nas Relações de Consumo. Novo Código de Processo Civil. Ônus da prova nas relações de consumo.

1 INTRODUÇÃO O presente trabalho acadêmico visa a expor de forma clara e objetiva sobre a dinamização do ônus da prova. Será feita uma análise criteriosa, utilizando-se de diversas Doutrinas e congêneres, apontando vários doutrinadores, para chegarmos a alguma conclusão lógica sobre a (in) aplicabilidade da dinamização do ônus da prova nas relações de consumo. Para facilitar a compreensão dividimos em tópicos, separados por assuntos, que vão desde um breve histórico sobre o Código de Defesa do Consumidor, passando pelas discussões sobre o instituto da prova e do ônus da prova, até chegarmos na (in) aplicabilidade da dinamização do ônus da prova nas relações de consumo. O primeiro tópico exporá sobre um breve relato da história do CDC. Será necessário voltar à década de 80, no advento da CR/88, bem como à década de 90, com a entrada em vigor da Lei 8.078/90, a fim de entender o cenário brasileiro daquela época, que deu início a proteção do consumidor. A segunda parte da dissertação tratará sobre a prova e o ônus da prova. Far-se-á necessário adentrar no conceito de prova. Apontaremos sua previsão legal, debatendo quais os efeitos são causados na prática, e entraremos na análise a respeito desse instituto. Adentraremos no ponto primordial de nosso tema, que é: existe a possibilidade ou não da aplicabilidade da dinamização do ônus da prova nas relações de consumo. Aqui, colocaremos em choque Lei Geral e Lei Especial. Por fim, demonstraremos se é possível aplicar nas relações de consumo a dinamização do ônus da prova elencada no artigo 373, §1º do NCPC.

crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego” e que tem por objetivo regular de certa forma a relação de consumo, conforme inteligência do artigo 2º do aludido decreto-lei. A saber:

2 BREVE HISTÓRICO SOBRE A PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR Para entendermos o processo de evolução histórica em que se deu nas relações de consumo, devemos invocar alguns institutos criados no Sistema Jurídico Pátrio, visando à proteção do consumidor. Podemos trazer à baila o Decreto-Lei Nº 869/38, que “Define os

Art. 2º São crimes dessa natureza: I - destruir ou inutilizar, intencionalmente e sem autorização legal, com o fim de determinar alta de preços, em proveito próprio ou de terceiro, matérias primas ou produtos necessários ao consumo do povo; II - abandonar ou fazer abandonar lavouras ou plantações, suspender ou fazer suspender a atividade de fábricas, usinas ou quaisquer estabelecimentos de produção, ou meios de transporte, mediante indenização paga pela desistência da competição; III - promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão de capitais, com o fim de impedir ou dificultar, para o efeito de aumento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produção, transporte ou comércio; [...] Pena: prisão celular de 2 a 10 anos e multa de 10:000$000 a 50:000$000. (BRASIL, 1938). Prossegue o artigo 3º deste mesmo decreto-lei: Art. 3º São ainda crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego: I - celebrar ajuste para impor determinado preço de revenda ou exigir do comprador que não compre de outro vendedor; II - transgredir tabelas oficiais de preços de mercadorias; III - obter ou tentar obter ganhos ilícitos, em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas, mediante especulações ou processos fraudulentos (“bola de neve”, “cadeias”, “pichardismo”, etc.); IV - violar contrato de venda a prestações, fraudando sorteios ou deixando de entregar a coisa vendida, sem devolução das prestações pagas, ou descontar destas, nas vendas com reserva de domínio, quando o contrato fôr rescindido por culpa do comprador, quantia maior do que a

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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correspondente à depreciação do objeto; V - fraudar pesos ou medidas padronizados em lei ou regulamento; possuí-los ou detê-los, para efeitos de comércio, sabendo estarem fraudados. Pena: prisão celular de 6 meses a 2 anos e multa de 2:00$000 a 10:000$000. (BRASIL, 1938). Outro instituto relevante para o ordenamento jurídica brasileiro no que tange a proteção das relações de consumo, ao menos em tese, se dá na Lei de Usura, conforme linhas gerais do decreto-lei 22.626/43 que “Dispõe sobre os juros nos contratos e da outras providencias.” Ainda como exemplo, temos a intervenção do Estado no domínio econômico, visando garantir a distribuição de forma livre, dos produtos necessários ao consumo do povo, para tanto, cria-se a Lei delegada nº 4 no ano de 1962. Ainda no ano de 62, passou a vigorar a Lei 4.137, que “Regula e repressão ao abuso do Poder Econômico”. A grande relevância da referida Lei dar-se-á na criação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que possui a incumbência de reprimir e apurar os abusos do poder econômico. Apesar das leis esparsas insculpidas no ordenamento jurídico brasileiro, com intuito de proteger o consumidor, ao menos em tese, padecia este ordenamento de Lei especifica sobre a defesa do consumidor. Com o advento da Carta Maior de 1988, o consumidor passa a receber uma atenção maior, como se extrai do texto arraigado no inciso XXXII, do artigo 5º, deste diploma maior. Logo, pode-se afirmar que a defesa do consumidor é Direito Fundamental. Ainda, invocando a proteção do consumidor nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, temos o artigo 24, inciso VIII, que determina competência universal para legislar sobre matéria relativa a dano ao consumidor. Outra garantia que se extrai do texto constitucional está no artigo 150, parágrafo 5º, que assim reza: “Art. 5º - A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Vale ressaltar que o disposto no art. 170, inciso V da CR/88 assevera ser a defesa do consumidor um dos princípios gerais da atividade econômica. Restando mais uma vez demostrado a preocupação do constituinte em proteger o consumidor. Uma vez determinado na Carta Magna que a lei promoverá a defesa do consumidor, as Disposições Transitórias determinam que “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”, nos moldes do art. 48 ADCT. Desse modo, em meados dos anos 90 nasce o Código de Defesa do Consumidor, com a sanção da Lei 8.078/90. Desde a normatização da matéria, as relações de consumo passaram a ser conduzidas sob novos prismas. O objetivo do CDC foi coligir as normas esparsas e cravar no ordenamento jurídico brasileiro os princípios da relação de consumo. Princípios estes que visam a equilibrar consumidor e fornecedor/prestador de serviços, ao menos no aspecto legal, haja vista a vulnerabilidade e a hipossuficiência do primeiro em frequentes casos. Outrossim, é de grande valia ressaltar a criação de duas instituições voltadas às relações de consumo, as quais são PROCON e o Ministério Público das relações de consumo. Com o ingresso do CDC no ordenamento jurídico brasileiro, em que este almeja proteger o consumidor, bem como equilibrar as relações de consumo, aplica-se nos litígios que versam sobre a relação de consumo a presunção de vulnerabilidade do consumidor, nos ter-

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mos do artigo 4º, I do aludido diploma consumerista. Demais disso, ainda prevê o aludido diploma a possibilidade da inversão do ônus da prova, haja vista a comprovação da verossimilhança das alegações ou a ocorrência de casos em que o consumidor é hipossuficiente. Finalizando, a história de proteção ao consumidor, apesar de galgar em passos lentos, pode-se afirmar que já possui grandes conquistas, haja vista que no senário atual já conseguiu mitigar as condutas abusivas praticadas pelo fornecer de bens e serviços. As relações de consumo estão sempre em evolução, posto a modernização, o consumismo e os anseios da sociedade, razão pela qual as diretrizes e as políticas voltadas a este instituto estão em constante evolução. 3 TEORIA GERAL DA PROVA NO PROCESSO CIVIL 3.1 Conceito Na acepção comum da palavra, prova é o meio pelo qual se busca demonstrar a veracidade de um enunciado ou a realidade de um evento. No âmbito Processual Civil, prova consiste no meio pelo qual cada uma das partes que litiga no processo busca demonstrar ao julgador a certeza dos fatos ali narrados. Este instituto é especificamente processual, desse modo, existe o momento oportuno para que cada parte faça sua produção, conforme previsão legal insculpida no Código de Processo Civil. O processo de execução almeja a satisfação de um determinado credor em prol do devedor, e o litígio gira em torno de determinados bens. Noutro norte, temos o processo de conhecimento, neste, todo o trâmite da lide, ao menos em tese, tem como propósito a prova das narrativas levantadas pelas partes, assim, após a apreciação, o julgador fará seu convencimento prolatando a sentença. Para o renomado doutrinador Humberto Teodoro Junior, podese conceituar prova em dois sentidos: a) um objetivo, isto é, como o instrumento ou o meio hábil, para demonstrar a existência de um fato (os documentos, as testemunhas, a perícia etc.); b) e outro subjetivo, que é a certeza (estado psíquico) originada quanto ao fato, em virtude da produção do instrumento probatório. Aparece a prova, assim, como convicção formada no espírito do julgador em torno do fato demonstrado. (JUNIOR, 2014, p. 1.412-1.413) A prova no processo de conhecimento, nas palavras do ilustre doutrinador João Monteiro, não consiste em apenas um evento processual, “mas ainda uma indução lógica, é um meio com que se estabelece a existência positiva ou negativa do fato probando, e é a própria certeza dessa existência.” (MONTEIRO 1912 apud JUNIOR, 2014, p.1.413). De mais a mais, para o Doutrinador Fredie Didier Júnior o conceito de prova vai mais além: ele assevera que a prova trata-se de um direito fundamental oriundo do princípio do contraditório. Disserta o eminente doutrinador, imediatamente citado linhas atrás:

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De pouco valeria ter o direito à produção de um meio de prova, se o juiz pudesse, solenemente, ignorá-lo. Se a prova foi produzida, é porque o órgão julgador a considerou relevante para a causa; essa decisão gera para a parte a expectativa legítima de que a prova seja valorada. Trata-se de imposição do princípio do contraditório, mais uma vez, e do princípio da cooperação, pois essa conduta revela respeito do juiz pela atuação processual da parte. (DIDIER JR., 2015, p. 43) Ainda sobre a prova dissertam os renomados juristas Vinícius CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


Lott Thibau e André Cordeiro Leal em Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva: Segundo Antonio Dellepiane (2004, p. 21), a diversidade de acepções do vocábulo prova no direito processual é determinativa da primeira dificuldade enfrentada na análise da temática probatória. É que, na dogmática jurídica, embora a prova seja majoritariamente conceituada como meio ou como conjunto de meios tendentes à formação da convicção do julgador quanto à verdade dos fatos, também é habitualmente definida, ora como a atividade que conduziria a este convencimento, ora como o resultado obtido pelo exercício da atividade ou do emprego de meios, que, igualmente, influi na convicção do magistrado. (THIBAU; LEAL, 2016, p. 100). Por essas razões, a prova deve revelar para o sentenciante que os fatos narrados são convalidados com as provas produzidas no tramitar do feito. 3.2 Finalidade da prova Sobre a finalidade da prova devemos divagar por três teorias, conforme se extrai da lição (DIDIER JR., 2015, p. 49), senão, vejamos: A primeira delas aponta que a finalidade da prova é instituir a verdade, extrai-se desta teoria que a prova é tratada com independência e de forma objetiva, o que não assiste razão, pois é sabido que a prova é subjetiva. A segunda das teorias assevera que a finalidade da prova dar-se-á na fixação formal dos fatos elencados na lide. Tira desta teoria que o legislador, certo da não possibilidade de lograr êxito em busca da veracidade dos fatos, instala critérios para que o julgador possa apreciar as provas produzidas, logo, formar-se-á o seu convencimento dos fatos narrados pelas partes. Diante da ineficiência das aludidas teorias nasce a terceira delas, para esta teoria, a finalidade da prova consiste em possibilitar ao julgador arrimo suficiente para o seu livre convencimento dos fatos arraigados na demanda proposta, assim, o julgador, ao prolatar sua decisão, está convicto de ter prestado a jurisdição de forma a alcança a verdade dos fatos insculpidos na lide. Nesse passo, disserta Greco Filho: “no processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral e filosófico; sua finalidade é prática, qual seja: convencer o juiz.” (GRECO FILHO, 2003, p. 182) Para Didier: “Esse pensamento não é incorreto. Mas é preciso ir além.” Além de ter por objeto convencer o juiz acerca das alegações de fato sobre as quais se desenvolve a atividade probatória, a prova também tem por finalidade permitir que as próprias partes se convençam (i) de que efetivamente são titulares das situações jurídicas que, em princípio, pensam ter e (ii) da demonstrabilidade em juízo das alegações de fato subjacentes a tais situações jurídicas. (DIDIER JR., 2015, p. 50). Nessa vertente, pode-se dizer que a prova a ser constituída nos autos antes mesmo de levar o julgador a um convencimento tem que ser robusta o bastante para convencer a própria parte que pretende produzi-la, quer seja antes de ir a juízo, quer seja no curso da lide, ou até mesmo para resistir a uma pretensão. Ao meu sentir, razão assiste o renomado jurista Fredie Didier Junior, quando afirma que a prova tem por finalidade a própria parte. Sendo assim, após a parte formar a sua convicção de que a prova a ser produzida é robusta o bastante ao ponto de convencer o sentenciante que os fatos por ela ali narrados tratam-se da verdade, eliminarse-ão dos autos as provas que nada agregam ao feito, podendo, ao menos em tese, acarretar em uma celeridade no tramitar da demanda. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

3.3 Objeto da prova Conforme inteligência do artigo 369 do Diploma Processual Civil: “Art. 369 As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.” (BRASIL, 2015). Destarte, pode se afirmar que o objeto da prova consiste em positivar um fato declinado na ação ajuizada. Ocorre que o interessado em provar deverá se pautar nos meios adequados e próprios, ou seja, a prova a se produzir está atrelada à especificidade dos fatos narrados na demanda proposta. Salienta-se que a prova juridicamente a se produzir no Processo Civil deve ser idônea, pautada nos ditames processuais, bem como nos princípios que regem o Direito Pátrio. Galgando sobre o tema em debate, determinados fatos, embora tenham sido declinados pelos litigantes, não carecem de instrução probatória para que se tenham como exibidos. Nessa seara, os não clamam a produção de provas: I - notórios; II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III - admitidos no processo como incontroversos; IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. (BRASIL, 2015, Art. 374). A saber, como fato notório se tem aquele que é de conhecimento comum do povo de uma região específica, onde tramita a demanda proposta. Noutro rumo, temos os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária. Nessa vertente, temos que, se não há conflito nos fatos narrados, não há que se falar em produção de prova. Ocorre nesse dispositivo a confissão expressa, ou ficta, quer seja pela revelia, quer seja por não haver impugnação especifica dos fatos narrados pela parte ex-adversa, nos moldes dos artigos 344 e 341, ambos do CPC. Temos ainda como fato dispensável da produção de prova os incontroversos. Neste ínterim, pode-se afirmar que os incontroversos é de comum acordo das parte, logo, não há litígio sobre a matéria posta. Por derradeiro, e na mesma direção dos demais fatos acima narrados, temos os que gozam de presunção legal. Nestes casos, a própria lei cuidou de fazer a presunção, quer seja absoluta, quer seja relativa. 3.4 Destinatário da prova É comezinho extrair da doutrina, bem como da jurisprudência, que a prova tem como destino a formação do convencimento do julgador diante dos fatos narrados pelas partes, logo, a prova tem como destinatário o juiz. Desta feita, produzida a prova, esta passa a integrar o processo, com destino final de formar a convicção do sentenciante. Neste horizonte, resta deflagrado um dos princípios basilares do instituto probatório, classificado como Princípio do Livre convencimento motivado. O referido instituto tinha previsão legal no artigo 131 do CPC/73, que descrevia: “Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e às circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.” (BRASIL, 1973). Com o advento do atual Código de Processo Civil, foi extirpado do seu teor o aludido artigo 131, eis não haver artigo correspondente. Consequentemente, levou alguns intérpretes a concluir que não mais existe no ordenamento jurídico pátrio o referido princípio do livre convencimento motivado.

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Assertiva esta que não merece guarida. O mero fato de não haver mais indicação expressa de que o juiz é livre na formação do seu convencimento, desde que fundamentado, não indica a exclusão no direito brasileiro do princípio ora em debate. Isso porque o próprio Diploma Processual vigente traz em seus artigos 371 e 372 a livre valoração da prova pelo julgador, ao descrever que: “Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.” (BRASIL, 2015). E mais: “Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.” (BRASIL, 2015). Ao meu sentir, os aludidos institutos nada mais são que o princípio do livre convencimento motivado. Sobre o princípio mencionado acima, disserta o renomado doutrinador Nelson Nery Júnior: Livre convencimento motivado. O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto. (JÚNIOR, 2004, p. 519). Conclui-se pelo excerto supracitado que, por meio do princípio do livre convencimento motivado, o juiz julgará cada caso adstrito à sua peculiaridade. Assim, deduz-se que o juiz realmente é o destinatário da prova, eis que a produção desta nada mais visa senão ao convencimento daquele acerca dos fatos alegados no delinear do processo. Outrossim, cabe ao sentenciante indeferir a produção de provas entendidas como não uteis ou meramente protelatórias, desde que de forma fundamentada (parágrafo único do art. 370 do CPC). De mais a mais, arrimando o entendimento de que o juiz é o destinatário da prova, o Instrumento Processual Civil em vigor, expressamente, traz em seu teor que compete ao magistrado requerer de oficio a produção de uma determinada prova que ache indispensável para o julgamento do feito (art. 370, CPC). De mais a mais, vale trazer à baila o posicionamento do professor Fredie Didier sobre o referido instituto do destinatário da prova. Ensina Didier: [...] a prova não tem por finalidade apenas propiciar o convencimento do juiz, senão também as partes, permitindo-lhes decidir acerca das condutas que vão adotar no processo ou mesmo fora dele. Daí a necessidade de concluir que também elas, partes, são destinatárias da prova – e, tal como o juiz, destinatárias diretas, [...]. (DIDIER JR., 2015, p. 51-52). Nessa toada, tem dissertado o renomado doutrinador Alexandre Freitas Câmara, que assim assevera: “Pode-se dizer que o juiz é o destinatário direto da prova, enquanto as partes e demais interessados são destinatários indiretos.” (CÂMARA, 2015, p. 225). Ao meu sentir, a prova tem como destinatário todos os envolvidos no processo, seja ele destinatário direto ou indireto. Assim, comungo com o entendimento de que a prova tem como destino as partes, pois elas também têm de ser convencidas de que a prova constituída nos autos foi suficiente para levar o julgador a prolatar uma

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decisão correta. Desta feita, a prova produzida nos autos e que levou à prolação da decisão será avaliada pela parte no momento de recorrer, que também deve verificar se se compensa ou não a interposição de possível recurso contra a decisão ora proferida. Diante dessas assertivas, conclusão outra não resta senão a de que realmente as provas também se destinam às partes, e estas são destinatárias indiretas, pois, ao menos em tese, a prova que dos autos consta irá trilhar como cada parte se comportará no delinear da demanda. 3.5 Meios de prova Conforme narrado nos tópicos anteriores, a prova convence o juiz e as partes. Assim, temos como meios de prova todos os mecanismos pelos quais a prova é introjetada no processo. Deve-se salientar que estes mecanismos devem ser reconhecidos pelo direito, ou ao menos juridicamente possíveis. Alguns destes mecanismos possuem previsão expressa na lei, como, por exemplo, a prova testemunhal (art. 442, CPC) e a documental (art. 434 e ss. do CPC), que são conhecidamente meios típicos de prova. Contudo, nos moldes do art. 369 do CPC, temos meio atípicos de produção de provas, pois, conforme descreve o referido artigo, todas as partes “têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”. Uma vez legítimas, todos os meios de provas são admissíveis no processo civil, quer sejam provas típicas ou atípicas. Pelas razões acima alinhavadas, conclui-se que os meios de provas são elos pelos quais os fatos se concretizam na mente do magistrado. 3.6 Ônus da prova A palavra ônus, no que concerne ao direito processual, é utilizada para determinar um comportamento imperativo, atribuído a qualquer uma das partes litigantes em um processo, para que elas concretizem o próprio interesse. Extrai da doutrina de Fredie Didier que “ônus é o cargo cuja inobservância pode colocar o sujeito em situação de desvantagem”. (DIDIER JR., 2015, p. 106). Pode se dizer, destarte, que ônus é uma faculdade da parte, logo, podemos afirmar que não há como obrigar que ele seja cumprido. Extrai-se daí o ônus de recorrer, quando a parte vencida queira inverter em seu favor a decisão da demanda. Também temos como exemplo o ônus de contestar, para que a parte demandada tenha como objeto o não êxito do demandante. Pois bem, pode-se dizer que daí se cogita o ônus da prova, obrigação conferida às partes para que demonstre os fatos alegados, levando o julgador à prolação de uma decisão mais convicta. Para o professor Humberto Theodoro Junior, “Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz”. (THEODORO JR., 2014b, p.1.433). Após uma análise mais detida sobre o ônus da prova, é seguro dizer que são três as hipóteses em que o encargo do ônus pode ser atribuído às partes. A primeira delas seria a produção de prova imputada pelo legislador, neste caso, pode-se dizer que o ônus da prova é estabelecido de forma estática, ou seja, independe da peculiaridade do caso concreto. Nesse panorama, as provas são produzidas pelas partes – vale ressaltar que os litigantes são parciais, assim, busca-se trazer aos autos provas que possam lhes guiar no galgar da demanda.

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Daí, falar-se-á em ônus da prova subjetivo, pois autoriza cada parte litigante a conhecer sua obrigação na respectiva proporção, para a composição do material probante dirigido a erigir o convencimento do juízo quanto aos fatos narrados no processo. As hipóteses seguintes serão consideradas como meio dinâmico da produção de prova, ou seja, estão adstritas ao caso concreto, quer seja pela convenção das partes, conforme inteligência do art. 373, §§ 3º e 4º do CPC, quer seja pela distribuição disciplinada pelo magistrado, nos moldes do art. 373, §1º do CPC. Nos termos do art. 373, §3º do CPC, é facultado às partes firmar convenção de distribuição do ônus da prova; já o §4º do referido art. 373 deste mesmo Diploma Processual autoriza aos litigantes a celebração da convenção antes ou durante o tramitar do processo. Daí, diz o doutrinador Alexandre Freitas Câmara “que é possível a celebração de negócio processual destinado a modificar a distribuição do ônus da prova.” (CÂMARA, 2015, p. 233). No que tange à distribuição do ônus da prova dirimida pelo juiz, compreende-se na determinação, exercida pelo magistrado, de quem deverá suportar o ônus da prova, conforme determina o artigo §1º do art. 373 do CPC. Tem-se daí o ônus objetivo da prova, pois não interesse ao magistrado quem produzirá a prova, mas sim o conteúdo que dela extrairá, servindo de pilar para formação do convencimento do distinto julgador. Registra-se, por fim, que a regra jurídica que outorga a distribuição diversa do ônus da prova pelo magistrado não conflita com a regra jurídica que confere o ônus da prova a uma determinada parte litigante. Sendo que a primeira é norma procedimental, ou seja, prevê o ato da demanda em si, enquanto a segunda é regra de julgamento, ou seja, cabe ao julgador examinar se as partes se desobrigaram dos seus respectivos ônus processuais. 4 DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA Antes do advento da Lei 13.105/15 (NCPC/15), a distribuição dinâmica do ônus da prova era discutida na doutrina ou na jurisprudência. Segundo essa teoria, cabe o ônus da prova a quem possuir as condições mais favoráveis a produzi-la, acarretando em um melhor resultado final da demanda. Leciona Humberto Teodoro Junior sobre tema: Fala-se em distribuição dinâmica do ônus probatório, por meio da qual seria, no caso concreto, conforme a evolução do processo, atribuído pelo juiz o encargo de prova à parte que detivesse conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos discutidos na causa, ou, simplesmente, tivesse maior facilidade na sua demonstração. (THEODORO JR., 2014b, p. 1.438). Porém, para que houvesse a distribuição dinâmica do ônus da prova pelo juiz, era necessário extrair dos autos que o fato alegado por uma das partes se tornara verossímil, desse modo, na fase saneadora, o juiz determinaria à parte contrária a produção de determinada prova. A distinta teoria veio sendo aplicada em nosso ordenamento nas ações de responsabilidade civil objetiva. Aqui, temos como exemplo o Agravo de Instrumento nº 70011843224 do TJRS, AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE EM RELAÇÕES JURÍDICAS VINCULADAS A INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS OU INDIVIDUAIS E REFERENTES A DANOSIDADES AMBIENTAIS. O impacto ambiental é ato/fato jurídico - ausente o negócio jurídico propriamente tal em termos de

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conceituação jurídica - que, pela própria afetação do meio ambiente, bem constitucionalmente protegido (art. 225, da Constituição Federal), impõe ao Poder Judiciário um proceder cuidadoso e cautelar vinculado ao bem/interesse público subjacente. A inversão do ônus da prova é mecanismo que não só pode como deve ser utilizado pelo juiz não só em face de disposições infraconstitucionais, mas também as disposições constitucionais em relevo, devendo ser consideradas a natureza do direito protegido e eventualmente violado e as conseqüências disso caso não comprovado este e o respectivo dano – jurídico e social – conseqüente, mormente em se tratando de dano ambiental. Inteligência sempre atual de brocardo latino que bem se adequou à espécie: “actori incumbit et réus in excipiendo fit actor”. Recurso improvido. (RIO GRANDE DO SUL, 2005). Nessa mesma direção, o Superior Tribunal de Justiça, com apoio na acepção da constitucionalização do direito brasileiro, utilizou a Teoria da Distribuição Dinâmica da Prova ao julgar, por exemplo, os recursos especiais 1.286.704/SP; 1.084,371/RJ e 1.189.679/RS (ALVIM, 2015). Com a vigência da Lei 8.078/90 (CDC), pode-se dizer que, tratando-se de relação de consumo, a teoria em debate estaria positivada, pois se tem como direito basilar do consumidor a “facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, (...)” (Art. 6º, VIII). Não é equivocado dizer que, em se tratando de matéria processual, a vigência da Lei 13.105/15 (NCPC) positiva de forma definitiva o aludido instituto da dinamização do ônus da prova. Sendo que o §1º do art. 373 do CPC descreve “nos casos previsto em lei”, como ocorre no Inciso VIII, do art. 6º do CDC, ora mencionado linhas atrás; ou “diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo” da prova, que por via de regra cabe a quem alega; ou “à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário”, em que é facultado ao magistrado flexibilizar o ônus probatório, desde que fundamente a decisão. Em outras palavras, têm-se daí o prenúncio da eventualidade de uma distribuição inversa do ônus da prova por intermédio de deliberação judicial, a ser determinada sempre que o magistrado averiguar que a parte não pode produzir a prova a que ela deveria se incumbir, quer seja pela própria impossibilidade de produzi-la, quer seja por extrema dificuldade de obtê-la. Acontece que, nos moldes do art. 6º do CPC, que traça um modelo processual de cooperação, isso não quer dizer que uma parte tem que cooperar (auxiliar) com outra, e sim com o delinear do processo, auxiliando o magistrado a resolver o mérito do feito de uma forma mais justa e efetiva. Destarte, torna-se possível ao magistrado, após verificado no caso concreto, determinar que uma das partes desincumba da produção de uma determinada prova que a princípio não lhe cabia, haja vista a dificuldade ou a impossibilidade da parte ex adversa fazê-la. O magistrado, ao redistribuir o ônus probatório, deve observar se a parte possui meios de efetivar a nova condição a lhe ser atribuída, conforme inteligência do art. 373, §2º do CPC. Ademais, o magistrado não poderá inverter o ônus da prova no momento da prolação da sentença, porque isso violaria o contraditório, conforme descreve a parte final do art. 373, §1º do já mencionado Diploma Processual. Razão outra não teria de existir o que dispõem o art. 357, III do digesto Processual, que determina ao juiz sanear o processo e distribuir do ônus probatório. Diante dessa nova estrutura probatória, admite-se a celebração

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interno: cujus commodum, ejus periculum! Em outras palavras, este é o seu risco profissional e deve organizar-se para poder comprovar quem realizou a retirada ou o telefonema. Exigir uma prova negativa do consumidor é imputar a este pagar duas vezes pelo lucro do fornecedor com a atividade de risco, no preço pago e no dano sofrido. (BENJAMIM, 2007, p. 94).

de negócio processual, direcionando a fixação do ônus da prova (art. 373, §§ 3º e 4º, CPC), conforme já demonstrado no tópico anterior. 5 O INSTITUTO DA PROVA NO CDC. Antes de adentrar especificamente no instituto do ônus da prova nas relações de consumo, vale ressaltar, em linhas gerais, sobre o instituto da presunção de vulnerabilidade do consumidor. 5.1 Presunção de vulnerabilidade do consumidor Ser vulnerável é ser a parte mais fraca da relação de direito material, isto é, aquele que põe no limite da condição aderir ao pacto ou deixa de participar. Em razão disso, o consumidor é presumidamente vulnerável no mercado de consumo (art. 4º, I, do CDC). Na lição de Claudia Lima Marques, ser vulnerável significa está em: “Uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção.” (MARQUES, 2010, p. 87). Segundo a distinta doutrinadora Claudia Lima Marques, a vulnerabilidade se desdobra em quatro categorias. a) Técnica – Ocorre diante da ausência de conhecimentos exclusivos sobre determinado produto/serviço que se adquire, logo, facilmente pode ser enganado; b) Jurídica – O consumidor é carecedor de conhecimento jurídico, contábil ou econômico, neste caso, pode levar o consumidor a erro na celebração de contratos, vale ressaltar que essa vulnerabilidade, ao menos em um primeiro momento, deve ser presumida pra consumidores não profissionais na respectiva área e pessoas físicas; c) Fática ou socioeconômica – Neste caso, vislumbra-se o poder econômico do fornecedor, modo em que este pode desempenhar uma superioridade em prol do consumidor; d) Vulnerabilidade informacional – O fornecer/fabricante pode lançar no mercado de consumo produtos com dados insuficientes, manipulados ou inverdadeiros, uma vez que o consumidor não tem acesso a toda linha de produção, resta vulnerável no aspecto aqui proposto. 5.2 Inversão do ônus da prova Um dos aspectos mais relevantes do Código de Defesa do Consumidor é a possibilidade de inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII. Orienta a regra da inversão do ônus da prova a verossimilhança do alegado e a hipossuficiência, estes institutos em nada se confundem com o da vulnerabilidade. Verossimilhança do alegado nas palavras de Humberto Theodoro Junior, constitui-se: “[...] juízo de probabilidade extraída de material probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar a opinião de ser provavelmente verdadeira a versão do consumidor.” (THEODORO JR., 2004a, p. 143). Antonio Herman Benjamin, ao dissertar sobre o instituto da verossimilhança, compreende que o referido instituto está ligado ao risco do negócio que assume o fornecedor. Para melhor entendermos, o distinto doutrinador exemplifica: Assim, se o profissional coloca máquina, telefone ou senha à disposição do consumidor para que realize saques e este afirma de forma verossímil que não os realizou, a prova de quem realizou tais saques deve ser imputada ao profissional, que lucrou com esta forma de negociação ou de execução automática ou em seu âmbito de controle LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Conceituando o instituto da Hipossuficiência, ensina Flavio Neves Tartuce: O conceito de hipossuficiência vai além do sentido literal das expressões pobre ou sem recursos, aplicáveis nos casos de concessão dos benefícios da justiça gratuita, no campo processual. O conceito de hipossuficiência consumerista é mais amplo, devendo ser apreciado pelo aplicador do direito caso a caso, no sentido de reconhecer a disparidade técnica ou informacional, diante de uma situação de desconhecimento [...]. (TARTUCE, 2013, p. 34). Ainda sobre o tema ensina Bruno Miragem: A determinação do que seja a hipossuficiência do consumidor se dá in concreto, devendo o juiz identificar neste conceito juridicamente indeterminado, em acordo com as regras de experiência, a ausência de condições de defesa processual, por razões econômicas, técnicas, ou mesmo em face de sua posição jurídica na relação sub judice (é o consumidor que não teve acesso à cópia do contrato, por exemplo). (MIRAGEM, 2013, p. 623). Daí dizer, tem-se por hipossuficiente aquele que, por carência de determinadas circunstancias, via de regra, possui menor oportunidade de carrear aos autos as provas que possam expressar a presença de seu direito narrado na demanda judicial. Em sentido contrário da vulnerabilidade que é presumida, a hipossuficiência é averiguada pelo magistrado caso a caso, assim, pode-se dizer que a hipossuficiência não trata de conceito jurídico, mas sim fático. Posto isto, a hipossuficiência correlaciona com instituto da inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC. Vale dizer que neste caso não se trata de hipossuficiência financeira, mas sim da produção de uma determinada prova, como narrado linhas acima. Sobre o instituto aqui debatido, pronuncia Alírio Maciel Lima de Brito: No processo, a parte que alega a ocorrência de determinado fato é que suporta a carga de prová-lo. Acontece que se tal preceito fosse cruamente aplicado nas relações de consumo, teríamos que consumidores, possuidores de bons direitos, veriam seu pedido julgado improcedente por falta de provas graças a sua vulnerabilidade que o impede de produzi-las tão bem quanto o fornecedor. Razão pela qual o CDC fez duas previsões de inversão do ônus da prova: uma ope legis (ao artigo 38) e outra ope judicis (ao artigo 6º, VIII). Enquanto que esta se opera mediante uma valoração, in casu, da existência de verossimilhança daquilo que é alegado ou de hipossuficiência do autor, aqueloutra se dá independentemente de qualquer análise por parte do magistrado pelo fato de derivar, em última análise, da presunção legal de vulnerabilidade do consumidor. De tal inversão decorre que a prova da veracidade daquilo que é anunciado cabe ao fornecedor. (BRITO; DUARTE, 2006). O legislador, ao prescrever o instituto da inversão do ônus da prova, no que tange às relações de consumo, agiu acertadamente, sendo que foi enorme passo na concretização efetiva do direito consumerista. E é nesse rumo que já vinha dizendo a doutrina e a jurisprudência acerca da dinamização do ônus da prova.

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6 (IN) APLICABILIDADE da dinamização do ônus da prova nas relações de consumo O atual Diploma Processual foi elaborado sob a ótica Constitucional do Estado Democrático de Direito (CRFB/88, art. 1º). Vale ressaltar que uma das primordiais características arraigadas na Carta Magna se dá na proteção dos direitos fundamentais. (PERES, 2015). Nessa direção, temos o art. 6º do CPC (CÂMARA, 2015, p. 232), que determina a cooperação de todos os sujeitos do processo em busca da decisão mais justa. O digesto processual ainda prevê tratamento igual às partes litigantes, conforme descreve o art. 7º do CPC, vejamos: “Art. 7o É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.” (BRASIL, 2015). Pode-se dizer daí que deve ser oportunizada às partes as mesmas “munições” de defesa, no que concerne ao instituto probatório, mesmo que para isso o magistrado tenha que determinar que uma delas faça a produção de determinada prova, que a princípio não lhe caberia. Diante dessa nova perspectiva processual, institui o legislador a dinamização do ônus da prova, conforme texto insculpido no art. 373, §1º do Diploma Processual. Extrai-se do dispositivo imediatamente mencionado linhas atrás, que a referida norma estende o poder do juiz ao deflagrar matéria probatória. Ademais, a dinamização do ônus da prova atribuída ao art. 373, §1º do CPC, muito se assemelha à norma utilizada nas relações de consumo (inversão do ônus da prova – art. 6º, VIII, CDC). Daí surge a indagação: A regra imposta no §1º do art. 373 do CPC é aplicável na relação de consumo, haja vista o que dispõem o inciso VIII, do 6º do CDC? Trata-se de situações diversas, sendo que a distribuição dinâmica do ônus da prova é de interesse processual, lado outro, a inversão do ônus da prova trata-se de direito subjetivo dispensado a uma das partes nas relações de consumo. Apesar de uma similitude nos referidos institutos (CDC, art. 6º, VIII e CPC, art. 373, §1º), a regra imposta no Diploma Processual, se aplicada nas relações de consumo, agregaria a esta, ao menos em tese, mais um ou dois requisitos. Para que haja inversão do ônus da prova nas relações de consumo, como já narrado no tópico 5.2, dependerá da verossimilhança das alegações a que se faz prova com a juntada de um documento (THEODORO JR., 2004a, p. 143), ou da hipossuficiência do consumidor, quer seja por razões técnicas, econômicas ou jurídica (MIRAGEM, 2013, p.623.) Desse modo, ao aplicar nas relações de consumo o dispositivo processual (art. 373, §1º) que dispõem: Art. 373. O ônus da prova incumbe: [...] § 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. (BRASIL, 2015). Estar-se-ia majorando o rol previsto no art. 6º, VIII, do CDC, que além da verossimilhança e a hipossuficiência, passaria a ter impossibilidade ou à excessiva dificuldade de produzir a prova ou maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. (art. 373, §1º, CPC). Outrossim, a norma processual (art. 373, §1º) é dotada de um enorme subjetivismo do magistrado, pois este analisa a

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impossibilidade ou a dificuldade excessiva da parte (consumidor) produzir uma determinada prova ou até mesmo a facilidade da produção da prova pela outra. Lado outro, tratando-se de relação de consumo, aplica-se a norma especifica (CDC) em detrimento da norma geral (CPC), até porque ao consumidor é constitucionalmente garantido um tratamento diferenciado, sendo assim, uma vez que a norma consumerista o é mais favorável, não há que se falar em sua inaplicabilidade. Conclui-se então que, tratando-se de relação de consumo, para que haja a inversão do ônus da prova, caberá ao julgador analisar verossimilhança e hipossuficiência. 7 CONCLUSÃO Após a pesquisa desenvolvida neste trabalho, pode-se perceber que a norma prevista no art. 373, §1º do CPC trata-se de regra geral e desfavorável às relações de consumo. Havendo conflito entre norma geral e norma especial, prevalece a norma especial. A primeira tem por objeto abranger uma universalidade de conflitos (CPC). Noutro giro, a segunda visa à aplicabilidade em caso específicos (CDC). Sobre o conflito de normas, bem ensina Maria Helena Dinis No conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, havendo uma norma superior-geral e outra norma inferior especial, não será possível estabelecer uma meta-regra geral, preferindo o critério hierárquico ao da especialidade ou vice-versa, sem contrariar a adaptabilidade do direito. Poder-se-á, então, preferir qualquer um dos critérios, não existindo, portanto, qualquer prevalência. Todavia, segundo Bobbio, dever-se-á optar, teoricamente, pelo hierárquico; uma lei constitucional geral deverá prevalecer sobre uma lei ordinária especial, pois se se admitisse o princípio de que uma lei ordinária especial pudesse derrogar normas constitucionais, os princípios fundamentais do ordenamento jurídico estariam destinados a esvaziar-se, rapidamente, de seu conteúdo. Mas, na prática, a exigência de se adotarem as normas gerais de uma Constituição a situações novas levaria, às vezes, à aplicação de uma lei especial, ainda que ordinária, sobre a Constituição. A supremacia do critério da especialidade só se justificaria, nessa hipótese, a partir do mais alto princípio da justiça: suum cuique tribuere, baseado na interpretação de que ‘o que é igual deve ser tratado como igual e o que é diferente, de maneira diferente’. Esse princípio serviria numa certa medida para solucionar antinomia, tratando igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual, fazendo as diferenciações exigidas fática e valorativamente. (DINIZ, 2003, p. 50). Ademais, tratando-se de relação de consumo, sempre deve se observar a garantia constitucional conferida ao consumidor, ou seja, o direito fundamental de proteção, como se verifica nos termos do artigo 5º, XXXII da CR/88, vejamos: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. (BRASIL, 1988). Diante de todo o exposto, defendemos pela não aplicabilidade da dinamização do ônus da prova, conforme prevê o art. 373§1º do

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CPC, mantendo-se apenas como analise da inversão do ônus da prova a verossimilhança ou a hipossuficiência, conforme inteligência do art. 6º, VIII do CDC.

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Banca Examinadora Thiago Augusto de Freitas (Orientador) Michael César Silva (Examinador)

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ANÁLISE CRÍTICA DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES MILITARES Raphael Araújo Silva1

RESUMO: A insegurança vivida pela população brasileira e as várias críticas dos meios de comunicação às leis penais têm gerado uma onda de cobrança, muitas vezes sem embasamento científico, por uma Justiça mais rígida, inflexível. Contudo, a doutrina especializada, baseada no movimento de Direito Penal Mínimo, demonstra que é justamente a inflação legislativa um dos motivos da inoperabilidade do sistema penal. Em meio a esse complicado quadro social, estão localizadas as Instituições Militares Estaduais, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar: seus integrantes, ao mesmo tempo em que são responsáveis pela aplicação da lei, são pertencentes à sociedade e, por conseguinte, almejam serem tratados e julgados sob essa nova ótica, postulando, inclusive, a aplicação de princípios e garantias das liberdades fundamentais nas relações da caserna. Assim sendo, far-se-á um estudo (doutrinário e jurisprudencial) sobre a aplicabilidade do Princípio da Insignificância, instituto basilar do Direito Penal Mínimo, aos crimes militares de competência da Justiça Militar Estadual. Para tanto, abordar-se-á os princípios jurídicos, sobretudo o da insignificância, destacando sua origem, conceito e natureza; os princípios da hierarquia e disciplina, basilares das Instituições Militares Estaduais; a organização da Justiça Militar e os crimes militares. A problemática a ser estudada gira em torno da hipótese do princípio da insignificância ser ou não aplicável aos crimes militares de competência da Justiça Militar Estadual. PALAVRAS-CHAVE: Princípio da Insignificância; Crimes Militares; Justiça Militar Estadual.

1 INTRODUÇÃO A busca incansável da sociedade brasileira por um cenário social onde inexista o crime e a repercussão dada através das mídias de comunicação à temática criminalidade culmina na excessiva e extrapolada exposição do Instituo Direito Penal. Em meio a este cenário, as Instituições Militares Estaduais (Polícias e Corpos de Bombeiros Militares) despontam com protagonismo na atuação estatal para garantia da lei, da ordem, e tranquilidade social. Importante destacar que tais instituições representam, quanto externamente, a garantia social de promoção às liberdades fundamentais, quanto internamente, seus componentes são cidadãos titulares de direitos e deveres garantidos pela Constituição Federal de 1988. Desta forma, os integrantes das Instituições Militares Estaduais, avocam tratamento e julgamento sob a nova perspectiva constitucional, requerendo inclusive a recepção e aplicação dos princípios constitucionais e garantias das liberdades fundamentais nas situações intra-caserna. Diante de uma ótica de plenitude constitucional, invocada pelos componentes das IMEs, o Princípio da Insignificância, um dos pilares do Direito Penal Mínimo, ressurge com perceptível força de aplicabilidade, quando os encarregados de Inquéritos Policiais Militares, defensores, acusados, promotores e juízes militares começam a (re) observar a aplicação deste princípio aos crimes militares. Analisando a jurisprudência recente, é possível encontrar decisões judiciais que sinalizaram ora pela aplicação ora pela não aplicação do princípio da insignificância aos crimes militares, o que desencadeou uma série de debates sobre o tema. Desta forma, ante a este conflito, a problemática deste estudo versa sobre a aplicação ou não do princípio da insignificância aos crimes militares julgados pela Justiça Militar Estadual. Traçam-se os limiares deste trabalho em relação aos crimes militares de competência da Justiça Militar estadual, quais sejam os crimes cometidos pelos Militares estaduais, Policiais e Bombeiros Milita-

res, estando tais infrações penais capituladas no Código Penal Militar. Portanto, será abordado de forma minuciosa os Movimentos Ideológicos do Direito Penal, desenvolvendo uma avaliação dos institutos basilares das organizações militares, demonstrando a aplicabilidade do referido princípio aos crimes militares de competência da Justiça Militar Estadual, desde que não traga prejuízos aos pilares da hierarquia e disciplina das instituições militares. Destaca-se como objetivo geral deste trabalho, demonstrar a finalidade, extensão e aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes militares de competência da Justiça Estadual. 2 MOVIMENTOS IDEOLÓGICOS DO DIREITO PENAL 2.1 Direito Penal do Inimigo Ante o discurso de Direito Penal Máximo, temos o Direito Penal do Inimigo como a forma mais agressiva de aplicação da lei penal, desenvolvido por Günter Jakobs na segunda metade da década de 1990. (GRECO, 2009) Segundo Greco (2009), nesse movimento ideológico, há uma clara distinção entre um Direito Penal do Cidadão (em uma visão tradicional, garantista, com observância de todos os princípios fundamentais) e um Direito Penal do Inimigo (diante de inimigos do Estado, não há preocupação em preservar os princípios fundamentais). Portanto, para o julgamento dos inimigos – pessoas que agem contra o Estado de Direito, como, por exemplo, as organizações terroristas – poderão ser diminuídas ou até mesmo suprimidas as garantias penais e processuais penais. Além da ofensa à vários princípios de Direito (dignidade da pessoa humana, isonomia, etc.). Neste movimento, a grande questão é saber como serão identificados ou escolhidos os inimigos. 2.2 Direito Penal Mínimo Tomando por base os ensinamentos de Greco (2009), o movimento mais equilibrado seria o do Direito Penal Mínimo, por ter um discurso

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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mais condizente com a realidade social. Segundo este movimento, a finalidade do Direito Penal é somente a proteção dos bens necessários e vitais ao convívio em sociedade, que, em decorrência de sua importância, não podem ser apenas tutelados pelos demais ramos do ordenamento jurídico, tais como o Direito Civil e o Direito Administrativo. Como assevera o referido autor, o Direito Penal Mínimo se sustenta na adoção de vários princípios, tanto para orientar os trabalhos legislativos, quanto na aplicação da lei penal pelos operadores do Direito. Desta forma, podemos citar os mais princípios importantes: a) dignidade da pessoa humana; b) intervenção mínima; c) lesividade; d) adequação social; e) insignificância2; f) individualização da pena; g)proporcionalidade; h) responsabilidade pessoal; i) limitação das penas; j) culpabilidade; e k) legalidade. Como o Direito Penal Mínimo visa à proteção dos bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade, é no caso concreto que se mostrará mais importante esse raciocínio. 3 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Princípio, para Lopes (2000) é o mandamento nuclear de um sistema, constituindo o seu verdadeiro alicerce; é, ainda, a disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, sobretudo, por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo Greco (2009) salienta que, na ciência jurídica, os princípios podem ser entendidos como as normas gerais mais abstratas, servindo de norte e observação obrigatória para a criação do sistema normativo. Os princípios são orientadores de todo o sistema normativo, sejam eles positivados (previstos expressamente em textos normativos, tal como a previsão constitucional do princípio da legalidade) ou não (mas que, embora não estejam positivados, possuem obediência obrigatória, motivo pelo qual são denominados princípios gerais do Direito). Lopes (2000), sustenta que a violação de um princípio constitui fato mais grave do que a transgressão de uma regra, visto que a primeira implica ofensa a todo o sistema de comandos e, não apenas uma desatenção a um específico mandamento obrigatório. De acordo com Lopes (2000, p. 34), a grande utilidade dos princípios consiste na sua “capacidade conformadora do raciocínio interpretativo da lei como forma de se manter a coerência e unidade das interações normativas fundamentais, quer no âmbito interno, quer no espectro externo à própria legislação”. Quanto ao caráter normativo dos princípios, estejam eles expressos ou implícitos, positivados ou não, são entendidos como normas com alto nível de generalidade e informadoras de todo o ordenamento jurídico, podendo até mesmo verificar a validade das normas que lhe devem observância e obediência. (GRECO, 2009) Dado o caráter de norma superior às demais existentes no ordenamento jurídico, os princípios são o escudo protetor de qualquer cidadão contra as investidas do Estado. Todas as normas devem obediência aos princípios, sob pena de invalidade. (GRECO, 2009) Quanto ao embasamento legal e à aceitação do princípio da insignificância no Brasil, assevera Gomes (2013) que não há um reconhecimento normativo explícito no nosso ordenamento jurídico. Há, contudo, algumas exceções, tais como os art.209, § 6º e 240, § 1º do Código Penal Militar, que autorizam o juiz descaracterizar os crimes de lesão corporal levíssima e furto insignificante, respectivamente, para meras infrações administrativas.

No mesmo sentido, Foureaux (2012) faz um apanhado geral do Código Penal Militar e estabelece o rol de crimes que podem ser convertidos em infrações disciplinares, devido à aplicação do princípio da bagatela. São eles: lesão levíssima (art. 209, § 6º, CPM); furto atenuado (art. 240, §§ 1º e 2º, CPM); apropriação indébita atenuada (art. 250, CPM); estelionato e outras fraudes atenuadas (art. 253, CPM); receptação (art. 254, parágrafo único, CPM); dano atenuado (art. 260, CPM) e cheque sem fundos atenuado (art. 313, § 2º, CPM). O defensor público Célio Lobão, durante o IX Seminário de Direito Militar, afirmou que a aplicação da lei penal representa a atuação do braço pesado do Estado e que cabe ao juiz, como agente político do estado e o sensor das relações entre o Direito e a sociedade, adequar a aplicação do Direito às demandas sociais. Afirmou ainda que o Código Penal Militar prevê vários delitos que permitem a aplicação do princípio da insignificância, excluindo a tipicidade penal e tornando o delito uma infração disciplinar. “Passar do campo penal para o administrativo militar é positivo nesses casos, pois a aplicação do regulamento disciplinar tem uma eficácia imediata para a tropa”. (SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR, 2009) Já a jurisprudência brasileira vem aceitando de forma ampla o referido princípio, apesar de algumas hesitações. O que se mostra na realidade, é a real extensão da insignificância e a diferença para com o princípio da irrelevância penal do fato. (GOMES, 2013) 3.1 Desenvolvimento histórico e conceito Greco (2009) e Gomes (2013) expressam que há divergências doutrinárias quanto às origens do princípio da insignificância. Alguns autores sustentam que a origem do aludido princípio está no Direito romano, outros afirmam serem os humanistas os precursores deste raciocínio. Diomar Ackel Filho, citado por Lopes (2000, p. 41), aduz que “no tocante à origem, não se pode negar que o princípio já vigorava no Direito romano, onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no brocardo minima non curat pretor.” Todavia, é na Europa, pós-Primeira Guerra Mundial, que o princípio da insignificância ganhou importância e foi desenvolvido de modo sistemático e científico. A precária situação econômica dos países europeus arrasados pelas guerras proporcionou um considerável aumento de delitos de caráter patrimonial e econômico, quase sempre marcados pela característica singular de consistirem em subtrações de pequena relevância. (LOPES, 2000) Neste contexto, destacam-se os trabalhos de Claus Roxin, que postulou o reconhecimento da insignificância como cláusula de exclusão da tipicidade penal, e de Klaus Tiedemann, que fez referência à teoria da insignificância, chamando-a de princípio da bagatela. (GOMES, 2013) O princípio da insignificância não é um princípio de direito processual penal, mas sim de Direito Penal. Diante do exposto, interpretando restritivamente o tipo penal, a insignificância evidencia a sua natureza de princípio ao conduzir à atipicidade do fato. Compartilham desse raciocínio Greco (2009) e Gomes (2013), que expõem que a consequência decorrente da aplicação do princípio da insignificância consiste na exclusão da responsabilidade penal dos fatos ofensivos de pouca importância ou de ínfima lesividade. Na lição de Gomes,

2 Por constituir o objeto central de nossa pesquisa, o princípio da insignificância será analisado com mais vagar na seção 3, desta pesquisa.

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São fatos materialmente atípicos (afasta-se a tipicidade material). Na lesão ou na conduta insignificante, o fato é formalmente típico, mas não materialmente. Se tipicidade penal é (de acordo com nossa teoria constitucionalista do delito) tipicidade formal + tipicidade normativa ou material, não há dúvida que, por força do princípio da insignificância, o fato de ínfimo valor é atípico. (GOMES, 2013, p. 55) Essa análise da estrutura jurídica do crime, abordando-se a ausência de tipicidade material e aplicação do princípio da insignificância (estabelecendo os requisitos deste último) foi reconhecida primeiramente pela justiça brasileira no HC 84.412-SP do STF, tendo como relator o Min. Celso de Mello. Há autores que não concordam que o princípio da insignificância possui a natureza de causa que exclui a tipicidade do fato. Abel Cornejo, citado por Greco (2009), entende que o aludido princípio deve ser entendido como causa de justificação. 3.2 Fundamentos Para Greco (2009), dentre todos os princípios conquistados pela humanidade ao longo dos tempos, aquele que, sem dúvida, possui o maior destaque é o princípio da dignidade da pessoa humana, que serve como princípio reitor de muitos outros. De forma correlata e complementar, Gomes assevera que o princípio da insignificância emana do princípio da dignidade da pessoa humana. Lopes (2000) é mais incisivo na identificação dos fundamentos do princípio da insignificância e ressalta os seguintes princípios: igualdade, liberdade, razoabilidade, subsunção e interpretação dinâmica, fragmentariedade, subsidiariedade e proporcionalidade. 3.2.1 O Princípio da Igualdade O princípio da insignificância é moldado pela equidade e pela correta interpretação do Direito. Pela equidade, adota-se um sentimento de justiça, baseado nos valores vigentes em uma sociedade, liberando-se, assim, aquele autor, cuja ação ínfima e inexpressiva não chega violar os valores e bens tutelados pelo sistema penal. Essa conexão entre equidade e insignificância, é uma das bases de sustentação da bagatela como força excludente de crime. Nesse sentido, Lopes (2000) desenvolve o seguinte raciocínio: as condutas ilícitas mais graves dentro do Estado são colhidas, abstratamente, pela lei e, a elas comina, também abstratamente, a mais grave sanção do ordenamento jurídico – a pena criminal, que, por sua vez, é a única que recai sobre os direitos fundamentais (tais como a liberdade e a vida). Diante desse processo abstrato de seleção de condutas e cominação de penas, eis que é cometido um crime. Deve-se, então, haver um julgamento para que a censura estatal seja concretizada. 3.2.2 O Princípio da Liberdade Outro princípio aclamado da democracia é o da liberdade. Especificamente na seara penal, a concepção de liberdade é aquela ligada à idéia de liberdade física (locomoção) do indivíduo. (LOPES, 2000) Desta forma, Lopes (2000) assegura que para a salvaguarda do princípio constitucional de liberdade, matriz do modelo construtivo de sociedade, há que se preservarem os momentos de cometimento de ilícitos. Destarte, o princípio da insignificância funciona como de intervenção da sanção penal aos momentos máximos de gravidade no

instrumento representativo do direito de liberdade, atribuindo um determinado padrão de atuação ética ao Direito Penal e consagrando o princípio da dignidade da pessoa humana em sua expressão libertária. A sociedade brasileira, conforme preconizam os artigos da Constituição Federal e seu preâmbulo3, deve ser fundamentalmente livre. Não se confunde com impunidade, por evidente, mas revela uma tendência a adotar políticas criminais que atenuem a privação de liberdade por métodos alternativos e/ou substitutivos. 3.3.3 O Princípio da Razoabilidade

Para Lopes (2000), interpretação com base em critérios absolutos só é possível no campo das ciências exatas e o Direito é uma ciência social, que lida com valores humanos e exatamente por isso não pode ser interpretado com base em uma lógica pura. O princípio da dignidade da pessoa humana em sua expressão libertária. Ainda, de acordo com os ensinamentos do supracitado autor, a razoabilidade é quem opera um limite para reduzir a normatividade positiva do Direito através de uma fixação criteriosa de métodos reconhecedores e desconhecedores da relevância ética e jurídica dos fatos praticados, por meio de uma interpretação atual e ontológica da própria norma, considerada individualmente, e do Direito, como um sistema. (LOPES, 2000) Portanto conclui-se que, a razoabilidade é quem deverá operar um limite para reduzir a normatividade positiva do Direito através de uma fixação criteriosa de métodos reconhecedores e desconhecedores da relevância ética e jurídica dos fatos praticados, por meio de uma interpretação atual e ontológica da própria norma, considerada individualmente, e do Direito, como um sistema. 3.3.4 O Princípio da Subsunção e Interpretação Dinâmica

Lopes (2000) demonstra que a subsunção de um fato à norma jurídica não pode se resumir apenas a uma simples sobreposição de um conceito a um caso concreto. Primeiramente, a subsunção de um fato a um conceito normativo constitui uma relação que se estabelece a partir da consideração do fato como um conceito também. Somente após a elaboração do fato como conceito, bem como da elaboração da lei também como um conceito, é que se pode considerar a subsunção. Não são todos os fatos abstratamente típicos que interessam à operacionalização concreta do Direito Penal, mas somente aqueles preenchidos pela noção conceitual jurídico e formal do que seja um fato típico. Lopes (2000, p. 64) sintetiza fundamentação do princípio da insignificância na subsunção e interpretação dinâmica afirmando que “apenas quando diante do valor social expresso no tipo se depositar a noção de ‘mais valia jurídico-penal’ do fato em relação à norma é que se poderá definir o fato como crime”. 3.3.5 O Princípio da Intervenção Mínima Destaca o Princípio da Intervenção Mínima que o direito penal só deverá ser aplicado em casos extremos, firmando-se como subsidiário (ultima ratio) e fragmentário. Para Capez (2012), a subsidiariedade como característica do princípio da intervenção mínima, norteia a intervenção em abstrato do Direito Penal. Para intervir, o Direito Penal deve aguardar a «ineficácia» dos demais ramos do direito, isto é, quando os demais ramos mos-

3 Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. (grifo nosso) (BRASIL,1988) LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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trarem-se incapazes de aplicar uma sanção à determinada conduta reprovável. É a sua atuação ultima ratio. Pela fragmentariedade, o Direito Penal, para intervir, exige relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Destarte, percebe-se, que o princípio da insignificância apoiase na característica fragmentária do princípio da intervenção mínima. 3.3.6 O princípio da proporcionalidade

Zaffaroni, citado por Lopes (2000) garante que a proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à gravidade do crime constitui um dos fundamentos do princípio da insignificância. Portanto, nos casos em que os bens jurídicos são afetados minimamente, o conteúdo de injusto é tão pequeno que não subsiste nenhuma razão para o phatosético da pena. 4 JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL E OS CRIMES MILITARES 4.1 A Justiça Militar Estadual e sua competência Conforme nos ensina Romeiro (1994), a Justiça Militar é uma justiça especializada destinada exclusivamente aos militares, que têm deveres especiais para com o Estado, tal como a defesa da pátria. E esse caráter especial lhe advém ainda de, no Brasil, a Constituição Federal atribuir exclusivamente aos órgãos da justiça castrense o processo e o julgamento dos crimes militares definidos em lei. O art. 122 da Constituição Federal estabelece que a Justiça Militar é composta pelos seguintes órgãos: o Superior Tribunal Militar e os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei. Já a organização da Justiça Militar estadual está disposta no art. 125, §§ 3º a 5º. O § 3º, do art. 125, da CF, trata acerca da criação do Tribunal de Justiça Militar estadual. Urge ressaltarmos aqui que Justiça Militar Estadual, nos termos da Emenda Constitucional nº 45/04, deverá ser constituída em primeiro grau, pelos Juízes de Direito e pelos Conselhos de Justiça (órgão colegiado, presidido por Juiz de Direito) e, em segundo, pelo Tribunal de Justiça, ou Tribunal de Justiça Militar, nos Estados em que o efetivo militar seja superior a 20 mil integrantes (art. 125, § 3º). (OLIVEIRA, 2008, p. 227) Conforme excerto reproduzido acima o art. 125, § 3º, da Constituição Federal, permitiu aos Estados-membros organizarem a Justiça Militar Estadual e, naqueles em que o efetivo militar estadual (polícia militar e corpo de bombeiros militar) for superior a 20 mil integrantes, através de lei estadual e mediante proposta do Tribunal de Justiça, poderá ser criado o órgão de segunda instância militar, qual seja, o Tribunal de Justiça Militar. São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul já o possuem. (LOUREIRO NETO, 2010) Em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça Militar foi instituído e tem sede no município de Belo Horizonte. O art. 125, § 4º, da Constituição Federal define a competência da Justiça Militar estadual. § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (BRASIL, 1988) Loureiro Neto (2010) afirma que a simples leitura deste artigo

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nos permite deduzir dois conceitos extremamente importantes, a saber: à Justiça Militar estadual cabe tão somente processar e julgar os crimes militares cometidos por policiais militares e que os crimes militares são aqueles tipificados no Código Penal Militar. 4.2 Crime militar Tomando por base a Justiça Militar Estadual, conforme delimitação do tema deste trabalho, e de forma simplificada, o crime militar é o ato ilícito praticado por policiais e bombeiros militares desde que previsto no Código Penal Militar. Diferentemente da Justiça Militar Federal, que julga tanto os militares quanto os civis (TÁVORA, 2009). Acentua Assis (2008, p. 42) que toda violação incisiva ao dever militar e aos valores das organizações militares constitui crime militar, distinguindo-se “da transgressão disciplinar porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples. A relação entre crime militar e transgressão disciplinar é a mesma que existe entre crime e contravenção penal”. Assevera Lobão que A infração penal prevista na lei penal militar que lesiona bens ou interesses vinculados à destinação constitucional das instituições militares, às suas atribuições legais, ao seu fundamento, à sua própria existência, no aspecto particular da disciplina, da hierarquia da proteção à autoridade militar e ao serviço militar. (LOBÃO, 2006, p. 56) Por outro lado, Mirabete (2004) demonstra sua preocupação quando afirma que geralmente é muito árdua a tarefa de distinguir se o fato é crime comum ou militar, sobretudo nos casos de ilícitos perpetrados por policiais militares. Em que pesem existir divergências neste ponto da matéria, adota-se os ensinamentos de Assis (2008) quanto à classificação do crime militar. 4.2.1 Crime militar próprio

Sílvio Martins Teixeira, citado por Assis (2008, p. 43) leciona que crimes propriamente militares são aqueles “cuja prática não seria possível senão por militar, porque essa qualidade do agente é essencial para que o fato delituoso se verifique”. Constituem, portanto, crimes militares próprios ou propriamente militares aqueles tipificados nos artigos 149 a 153 (motim e revolta); 157 (violência contra superior); 159 (forma preterdolosa); 163 (recusa de obediência); 165 (reunião ilícita); 166 (publicação ou crítica indevida); 187, 188, 190, 191, 192 (formas de deserção) e 194 (omissão de oficial) e 195 a 203 (abandono de posto e outros crimes em serviço). O supracitado autor faz uma ressalva quanto ao crime de insubmissão, previsto no art. 183, do CPM, que, não obstante estar só previsto no Código Penal Militar, só pode ser cometido por civil. (ASSIS, 2008) 4.2.2 Crime militar impróprio

Os chamados crimes militares impróprios são civis na essência, mas devido ao fato de serem praticados por militares em sua função, assumem feição militar. São aqueles que, embora estejam definidos também no Código Penal comum, por força do art. 9º, inc. II, do CPM, são considerados crimes militares (ASSIS, 2008). 5 HARMONIZAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E OS PILARES DA HIERARQUIA E DISCIPLINA A estrutura de qualquer organização militar pressupõe laços especiais de hierarquia e subordinação entre seus integrantes. A subordinação militar, por sua vez, exige uma disciplina especial, totalmente

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diferenciada da que se exige no meio civil. Isto se deve ao fato de que a força e o emprego de uma unidade militar somente serão possíveis se todas as vontades individuais, que integram o seu efetivo, estiverem alinhadas sob a tutela rígida do comandante (COSTA,1978). A definição da hierarquia e da disciplina como pilares das instituições militares estaduais é conferida pela própria Constituição Federal em seu art. 42: Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (BRASIL,1988) Neves e Streifinger (2005) asseguram que a regularidade das instituições militares, calcada na hierarquia e disciplina, constitui o escopo da legislação penal militar. A Lei 5.301 de 1969, que estabelece o Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais, traz uma definição simplificada de hierarquia militar: “Art. 8º Hierarquia militar é a ordem e subordinação dos diversos postos e graduações que constituem a carreira militar” (MINAS GERAIS, 1969). O Código de Ética e Disciplina dos Militares, instituído pela Lei 14.310 de 2002, faz uma explicação minuciosa desses dois princípios, a saber: Art. 6° – A hierarquia e a disciplina constituem a base institucional das IMEs. § 1° – A hierarquia é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das IMEs. § 2° – A disciplina militar é a exteriorização da ética profissional dos militares do Estado e manifesta-se pelo exato cumprimento de deveres, em todos os escalões e em todos os graus da hierarquia, quanto aos seguintes aspectos: I – pronta obediência às ordens legais; II – observância às prescrições regulamentares; III – emprego de toda a capacidade em benefício do serviço; IV – correção de atitudes; V – colaboração espontânea com a disciplina coletiva e com a efetividade dos resultados pretendidos pelas IMEs (MINAS GERAIS, 2012). Foureaux (2012) ressalta que os princípios da hierarquia e disciplina são os grandes responsáveis por manter a ordem interna das Instituições Militares, que por sua vez, têm como missão constitucional a preservação da ordem pública. Contudo, estes princípios não são absolutos, pois o princípio da dignidade humana serve como um limitador dos preceitos da hierarquia e disciplina, de modo que estes últimos não sejam desvirtuados de sua função. De uma forma geral, Foureaux (2012, p. 32) assevera que “a Justiça Militar é uma verdadeira guardiã de valores morais das Instituições Militares, e não tem por finalidade preservar somente a hierarquia e disciplina”. 5.1 O Princípio da Insignificância e o crime de bagatela sob a ótica do tratamento jurisprudencial Para Gomes (2013), infração bagatelar, delito de bagatela ou crime insignificante constituem os fatos de pouca relevância, de ninha-

ria, ou seja, são ações humanas que revelam ataques tão irrelevantes a um determinado bem jurídico que não merecem ou não requerem a intervenção penal. A participação do sistema criminal nestes fatos se mostraria totalmente desproporcional no caso concreto. O fato insignificante, todavia, não ficará sem resposta, ele deve ser tratado pelos demais ramos do Direito (civil, administrativo, trabalhista, etc.). Greco (2009) e Gomes (2013) fazem ressalvas quanto ao uso das palavras infração, delito e crime para se referir aos fatos realmente significantes, visto que não sendo típico do ponto de vista material o fato, não existe a infração, crime ou delito. Até o ano de 2004 não existia nem doutrina nem jurisprudência que revelasse quais os requisitos essenciais para a aplicação do princípio da insignificância. Contudo, naquele ano, o Supremo Tribunal Federal definiu, em linhas gerais, quais seriam esses requisitos: ausência de periculosidade social da ação, mínima ofensividade da conduta do agente (mínima idoneidade ofensiva da conduta), inexpressividade da lesão jurídica causada e falta de reprovabilidade da conduta. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,2004) Para melhor compreensão do assunto, Gomes (2013) fez uma divisão desses requisitos, a saber: os que versam sobre a conduta (ausência de periculosidade social da ação, mínima ofensividade da conduta do agente e falta de reprovabilidade da conduta) e o que versa sobre o resultado (inexpressividade da lesão jurídica causada). Apesar da polêmica que pode residir nesse ponto, Gomes (2013) entende que a insignificância da conduta deve ser distinguida da insignificância do resultado. Se uma conduta é totalmente insignificante, mesmo que o resultado seja relevante, não pode incidir o Direito penal4. Por outro lado, pode ocorrer que o resultado é que é absolutamente insignificante5 e, ainda, podem existir casos insignificantes tanto na conduta, quanto no resultado6. Princípio da insignificância e infração bagatelar própria: para todas as situações de infração bagatelar própria, o princípio a ser aplicado é o da insignificância ou de bagatela (que tem o efeito de excluir a tipicidade penal, mais precisamente a tipicidade material). Assim, se estamos diante de uma infração bagatelar própria não há que se perquirir o animus do agente, seus antecedentes, sua vida pregressa etc. o fato é atípico e não incide o Direito Penal. (GOMES, 2013, p. 21) Portanto, analisando-se sempre o caso concreto, o princípio da insignificância pode ser aplicado quando há puro desvalor da ação ou puro desvalor do resultado ou com a combinação de ambos. É assim, segundo o supracitado autor, que deve ser entendida a atual jurisprudência do STF. (GOMES, 2013) A discussão sobre a aplicação do Princípio da Insignificância nos crimes militares têm sido objeto de diversos recursos e remédios constitucionais impetrados perante os Tribunais de Justiça e os Tribunais Superiores e, assim, existem julgados e entendimentos jurisprudenciais nos dois sentidos. Pela inaplicabilidade do princípio, cita-se o HC 94685/CE, julgado no Supremo Tribunal Federal, sendo Relatora a Ministra Ellen Gracie.

4 Gomes (2013) exemplifica que durante uma inundação dolosa, aquele que ajuda o autor do fato derramando apenas um copo d’água não pode ser punido como coautor. Perante a inundação, o copo d’água nada significa e, assim, não há desvalor na ação, ainda que o resultado (inundação) seja gravíssimo. 5 Em outro exemplo, Gomes (2013) expressa que aquele que subtrai um palito de fósforo pratica uma conduta com desvalor relevante, porém o resultado é absolutamente ínfimo. 6 Mais um exemplo de Gomes (2013): em um acidente de trânsito em que o agente (geralmente o motorista) atua com culpa levíssima e, além disso, gera uma lesão totalmente insignificante, não há como afastar a incidência do princípio da insignificância. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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DIREITO PENAL MILITAR.HABEAS CORPUS. ART. 290, CPM.SUPERVENIÊNCIA DA LEI 11.343/06. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.IRRELEVÂNCIA. ART. 2, § 1º, LICC.NORMA ESPECIAL E NORMA GERAL.PRESCRIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA DEOFÍCIO. Habeas corpus impetrado contra ato do Superior Tribunal Militar que, no julgamento de embargos infringentes, manteve a condenação do paciente pela prática do crime previsto no art. 290 do Código Penal Militar. Tratamento legal acerca da posse e uso de substância entorpecente no âmbito dos crimes militares não se confunde com aquele dado pela Lei nº 11.343/06, como já ocorria no período anterior, ainda na vigência da Lei nº6.368/76. Direito Penal Militar pode albergar determinados bens jurídicos que não se confundem com aqueles do Direito Penal Comum. Bem jurídico penal-militar tutelado no art. 290, do CPM,não se restringe à saúde do próprio militar, flagrado com determinada quantidade de substância entorpecente, mas sim a tutela da regularidade das instituições militares. Art. 40, III,da Lei nº 11.343/06, não altera a previsão contida no art. 290,CPM. Art. 2º, § 1º, LICC: não incide qualquer uma das hipóteses à situação em tela, eis que o art. 290, do CPM, é norma especial e, portanto, não foi alterado pelo advento da Lei nº11.343/06. 7. Inaplicabilidade do princípio da insignificância em relação às hipóteses amoldadas no art. 290, CPM. 8. Habeas corpus denegado. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2010, grifo nosso) O referido habeas corpus foi impetrado contra acórdão do Superior Tribunal Militar que condenou militar pelo crime de posse de substância entorpecente. O egrégio Tribunal acompanhou a decisão dos ministros do STM e afastou a aplicação do Princípio da Insignificância, uma vez que a prática ilícita atentava, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, contra a operacionalidade das Forças armadas e violava a hierarquia e disciplina militares. Por outro lado, há decisões importantes a favor da aplicação da insignificância nos delitos militares. Como exemplo, há que se observar a ementa do HC 107638/PE – Relatora Min. Carmem Lúcia.

disciplinar adequada para o ilícito. Precedentes. 5. A regra contida no art. 240, § 1º, 2ª parte, do Código Penal Militar, é de aplicação restrita e não inibe a aplicação do Princípio da Insignificância, pois este não exige um montante prefixado. 6. A aplicação do princípio da insignificância torna a conduta manifestamente atípica e, por conseguinte, viabiliza a rejeição da denúncia. 7. Ordem concedida. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2011, grifo nosso)

Neste habeas corpus, a Ministra Carmen Lúcia, Relatora, faz uma excepcional construção jurídica sobre a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância desconfigurando-se, assim, os crimes militares, “desde que constatados a mínima ofensividade da conduta do agente, a inexistência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a relativa inexpressividade da lesão jurídica”. (HC 107638/PE - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2011) Não se pode olvidar que estes requisitos foram propostos pelo Min. Celso de Mello no julgamento do HC 84.412-SP. A Min. Carmem Lúcia firmou entendimento no sentido que, presentes os requisitos para a aplicação do princípio da insignificância, não sendo comprometidas a hierarquia e a disciplina e existindo uma solução administrativa-disciplinar mais adequada para o caso, é possível sim a aplicação do princípio da insignificância aos crimes militares. O Min. Celso de Mello, durante julgamento do HC 89104 MC/RS, relatou de maneira extraordinária o porquê de se aplicar o princípio da insignificância.

HABEAS CORPUS.CONSTITUCIONAL E PENAL. CRIME MILITAR.PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECONHECIMENTO NA INSTÂNCIA CASTRENSE. POSSIBILIDADE.DIREITO PENAL.ULTIMA RATIO. CONDUTA MANIFESTAMENTE ATÍPICA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ORDEM CONCEDIDA. A existência de um Estado Democrático de Direito passa, necessariamente, por uma busca constante de um direito penal mínimo, fragmentário, subsidiário, capaz de intervir apenas e tão- somente naquelas situações em que outros ramos do direito não foram aptos a propiciar a pacificação social. O fato típico, primeiro elemento estruturador do crime, não se aperfeiçoa com uma tipicidade meramente formal, consubstanciada na perfeita correspondência entre o fato e a norma, sendo imprescindível a constatação de que ocorrera lesão significativa ao bem jurídico penalmente protegido. É possível a aplicação do Princípio da Insignificância, desfigurando a tipicidade material, desde que constatados a mínima ofensividade da conduta do agente, a inexistência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a relativa inexpressividade da lesão jurídica. Precedentes. O Supremo Tribunal admite a aplicação do Princípio da Insignificância na instância castrense, desde que, reunidos os pressupostos comuns a todos os delitos, não sejam comprometidas a hierarquia e a disciplina exigidas dos integrantes das forças públicas e exista uma solução administrativo-

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PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: POSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO AOS CRIMES MILITARES. IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL. CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.DELITO DE FURTO. INSTAURAÇÃO DE “PERSECUTIO CRIMINIS” CONTRA MILITAR. “RES FURTIVA” NO VALOR DE R$ 59,00 (EQUIVALENTE A 16,85% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR). DOUTRINA. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CUMULATIVA OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE, DOS REQUISITOS PERTINENTES À PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E AO “PERICULUM IN MORA”. MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA. A presente impetração insurge-se contra decisão emanada do E. Superior Tribunal Militar, proferida em julgamento no qual essa Alta Corte judiciária, após afastar o princípio da insignificância, recebeu a denúncia oferecida pelo Ministério Público Militar. (...) Como se sabe, o princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. (...) O princípio da insignificância - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal. Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima

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circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano efetivo ou potencial - impregnado de significativa lesividade. (...) Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil minimis non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.” (grifei) Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI (“Curso de Direito Penal - Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2006, grifo nosso) As construções doutrinárias e jurisprudenciais do Ministro Celso de Melo e da Ministra Carmem conseguem abarcar de forma mais ampla as nuances da aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes militares de competência da Justiça Militar estadual e se constituem como as principais decisões sobre o assunto. E, de uma forma complementar, compartilhamos dos ensinamentos de Gomes e Donati (2013), para quem os princípios regentes do âmbito castrense (hierarquia e disciplina) não são suficientes para afastar a incidência do princípio da dignidade humana (de onde emana o princípio da insignificância). 5.2 Compatibilidades versus Incompatibilidades do Princípio da Insignificância ante ao crime militar Ressalta Rafael Santos Cardoso (2012), que a norma não deve ser analisada isoladamente sob pena de incorrer em aberrações quanto à desproporcionalidade entre a lesão e a pena aplicada. A ordem normativa segue uma orientação lógicosistêmica: aos diversos bens jurídicos penalmente tutelados correspondem diversas normas, que por sua vez são enunciadas por suas respectivas leis. O tipo é inserto no direito, portanto dele jamais destoará. Igualmente, a norma proibitiva não tem sua existência isolada. Ela coexiste, haja vista que é parte de uma harmônica ordem normativa, e como

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tal deve ser considerada, sob pena de que ilógicas aberrações jurídicas pautem a hermenêutica e a persecução penal. O âmbito de proibição da norma passa a ser fundamental, pois seu alcance -que comporta inclusive a investigação relativa à afetação do bem jurídico- agrega à conduta que já figurava na tipicidade legal antinormatividade, que uma vez constatada, torna possível a dedução pela tipicidade penal da conduta. Este ponto consiste em uma fase subseqüente do juízo de tipicidade: configurada a subsunção formal da conduta ao tipo legal, resta averiguar o alcance da proibição da norma (se a conduta está proibida pela norma), mesmo momento em que se investiga a afetação ao bem jurídico, dada a inarredável exigência da tipicidade penal pela contrariedade à norma (antinormatividade). Nesta fase posterior é averiguada a tipicidade conglobante, que, como brilhantemente idealizado, ensinado e disseminado pelo professor Eugenio Raul Zaffaroni2 , opera como corretivo da tipicidade legal, visto que por ela, independente da 2 Sobre o conceito de tipicidade conglobante cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, aparência de adequação ao tipo legal, a conduta pode ou não estar excluída do âmbito típico. Ocorrendo, esta correção incide como causa de atipicidade penal (via atipicidade conglobante), desaparecendo assim o delito. Desta forma, a principal função e o consectário lógico da conglobância normativa é a redução do âmbito de proibição aparente da norma, âmbito que é consideravelmente ampliado se a norma é isoladamente considerada. Portanto, ao se concluir que o princípio da insignificância exclui a tipicidade, há que se admitir a necessidade de amparo e observância conglobante da norma, pois o ordenamento normativo persegue uma finalidade, e tem um sentido, que é a manutenção das garantias jurídicas que possibilitem a repreensão da conduta delitiva e manutenção dos pilares e valores militares. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Para a compreensão do objeto deste estudo, a aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes militares julgados pela Justiça Militar estadual, buscou-se fazer um apanhado geral sobre os diversos institutos que informam o Direito Penal Militar e o Direito Processual Penal Militar. A evolução dos movimentos ideológicos de Direito, do Direito Penal Máximo ao Direito Penal Mínimo (simplificadamente), significou uma evolução no tratamento jurídico dos crimes, sobretudo no âmbito da Justiça Comum. Eis que agora vivencia-se uma saudável discussão no âmbito castrense, mesmo que ainda bastante incipiente. Visualiza-se que o Direito Penal Mínimo apoia-se em princípios, a saber: dignidade da pessoa humana, intervenção mínima, lesividade, adequação social, insignificância, individualização da pena, proporcionalidade, responsabilidade pessoal, limitação das penas, culpabilidade e legalidade. A hipótese estabelecida no início da pesquisa, de que o princípio da insignificância seria aplicável aos crimes militares de competência da Justiça Militar Estadual, desde que não prejudicasse a hierarquia e a disciplina, foi parcialmente confirmada, visto ser possível aplicar o princípio da insignificância, preenchidos seus requisitos, (aqueles propostos pelo Min. Celso de Melo no julgamento do HC 84.412-SP),aos crimes militares, pois aquele se funda no princípio da dignidade humana e, assim, os princípios da caserna, hierarquia e disciplina não tem o condão de afastá-lo. Entende-se, assim, que estender a aplicação do princípio da insignificância aos policiais militares é possível e necessário, pois so-

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mente desta forma estaremos atendendo aos princípios da equidade, da igualdade, da isonomia e, sobretudo, da dignidade da pessoa humana, tão caros à nossa Justiça. Não se pode olvidar também que a aplicação do princípio da insignificância como excludente de tipicidade, por conseguinte, exclui o crime e a incidência do Direito Penal. Todavia, o fato praticado não ficará sem punição, sobre ele incidirão as sanções dos demais ramos do Direito, a saber: Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Trabalhista, etc. Por fim, entende-se que a polêmica sobre o assunto não está encerrada e que, provavelmente, novos posicionamentos e argumentos irão surgir, merecendo o tema uma análise definitiva pelo STF em sede de súmula vinculante. REFERÊNCIAS

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Banca Examinadora Gabriela Maciel Lamounier (Orientadora) Marcelo Sarsur Lucas da Silva (Examinador)

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O DIREITO SUCESSÓRIO NA UNIÃO ESTÁVEL: A (in) constitucionalidade do artigo 1.790 Do Código Civil Rayane Coelho Rodrigues da Silva 2

RESUMO: O presente estudo visa uma análise da (in) constitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil de 2002 e sobre suas disposições acerca do tratamento dado ao companheiro no direito sucessório. Primeiramente será demonstrado o instituto da união estável, bem como os direitos e deveres dos companheiros. Posteriormente realiza-se a demonstração do direito sucessório na união estável, conforme dispõe o Código Civil de 2002. Por fim, se realiza uma análise da (in) constitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil de 2002, alicerçado aos princípios constitucionais, os quais sejam a dignidade da pessoa humana e da igualde. Palavras-Chave: Artigo 1.790 do CC/02. Dignidade da Pessoa Humana. Direito sucessório. (In) constitucionalidade na sucessão. União Estável.

Destarte, Paulo Lôbo aludi ser a união estável:

1 INTRODUÇÃO A união estável vem se tornando cada vez mais presente na sociedade brasileira, sendo protegida pelo Estado e garantida pela Constituição Federal de 1988, a qual reconhece a união estável sendo uma entidade familiar, em virtude da dignidade da pessoa humana, conforme contempla o § 3º do Art. 226, da CF/88, que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”, depreende-se assim, o tratamento igualitário aos cônjuges e companheiros. O direito sucessório na legislação atual prevê tratamento diferenciado de forma discriminatória ao companheiro em relação ao cônjuge, discriminação essa proibida pela Constituição Federal de 1988. Tendo em vista, os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito brasileiro, os quais sejam o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Desta forma, o presente estudo visa demonstrar qual o posicionamento mais favorável para garantir o direito de herança ao companheiro que convive em tal entidade familiar, devido as controvérsias e problemáticas do art. 1790 do CC/02. Por conseguinte, o tema em questão foi dividido em três partes. Na primeira parte, demonstra os conceitos e requisitos acerca do instituto da união estável. Também será abordado os direitos e deveres dos companheiros. A segunda parte, apresenta o direito sucessório do companheiro conforme o Código Cívil de 2002. Enfim, a terceira parte trata da (in) constitucionalidade do artigo 1.790 do código civil de 2002, com base na posição atual do direito sucessório do companheiro, que vem sido muito discutida por várias correntes doutrinárias, bem como pelas jurisprudências. 2 UNIÃO ESTÁVEL 2.1 Conceitos OCódigoCivildefineauniãoestável,bemcomocodificaosrequisitosquea constituem como entidade familiar, os quais serão abordados posteriormente, ainda neste capítulo. A legislação atual utiliza-se dos termos companheiro ou convivente, para identificar os sujeitos envolvidos na união estável. A união estável surge do convívio afetuoso, torna-se um fato jurídico mediante aos efeitos jurídicos gerados nesta relação.

Um ato-fato jurídico, por não necessitar de qualquer manifestação ou declaração de vontade para que produza seus jurídicos efeitos. Basta sua existência fática para que haja incidência das normas constitucionais e legais cogentes e supletivas convertendo-se e a relação fática em relação jurídica. (LÔBO, 2002, pág. 106) Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona definem a união estável como “uma relação afetiva de convivência pública e duradoura entre duas pessoas, do mesmo sexo ou não, com o objetivo imediato de constituição de família”. (GAGLIANO, PAMPLONA, 2014, pág. 424) Depreende-se, assim, os elementos caracterizadores fundamentais do instituto da união estável, os quais, sejam a publicidade, continuidade, estabilidade e o objetivo de constituir família. 2.2 Requisitos para constituir união estável O Código Civil de 2002 estabelece os requisitos para constituir união estável, contempla o seu artigo 1.723 caput, que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. O primeiro requisito da união estável é a convivência pública, visando que a relação seja reconhecida no meio social. Esse requisito permite a dessemelhança das relações menos compromissadas, ou seja, aquelas não assumidas diante a sociedade. Não há lapso temporal mínimo para constituir união estável, mas é necessário o caráter contínuo do vínculo. Tal requisito permite diferenciar a união estável de um namoro, à primeira vista. O terceiro requisito fundamental da união estável é o convívio duradouro e a estabilidade da relação. Há dessemelhança com a moderna “ficada”. Enfim, o principal requisito para o reconhecimento da união estável é o objetivo de constituição de família. A relação do casal que vive em companheirismo deverá ter o affectio maritalis, ou seja, o animus de constituir uma família, o qual se difere do simples namoro e assemelha-se ao casamento, como se casados fossem (mos uxorius). (FIUZA, 2012, pág. 1119)

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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2.3 Direitos e deveres dos companheiros Os companheiros devem atentar os direitos e deveres recíprocos em suas relações pessoais. Conforme contempla o art. 1.724 do CC/02, “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”, enquanto no casamento os deveres de ambos os cônjuges são de fidelidade recíproca, vida em comum, no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, bem como o respeito e consideração mútuos (art. 1.566/CC). Observa-se que há em comum a obrigação de guarda e educação dos filhos, em ambos os institutos. Mas, o rol de deveres dos companheiros, não faz menção ao dever de coabitação conforme disposto para o casamento. Por conseguinte, aos companheiros são impostos os deveres de lealdade, respeito, assistência, guarda, sustento e educação dos filhos. Para cada dever, há um direito equivalente de exigibilidade de conduta coadunável. Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona exemplificam:

O dever de lealdade, compreensivo do compromisso de fidelidade sexual e afetiva, remete-nos à ideia de que sua violação, aliada à insuportabilidade de vida em comum, poderá resultar da dissolução da relação de companheirismo. (...) O dever de respeito fala por si só, e, dada a sua grandeza, é difícil de ser aprendido por meio de standards jurídicos tradicionais. O fato é que, em toda e qualquer relação, inclusive na de união estável, o respeito recíproco é pressuposto da própria afetividade, justificando a existência do próprio vínculo. (...) O dever de assistência, por sua vez, pode ser traduzido não apenas na mutualidade material de apoio alimentar mas também sob prisma mais profundo, no auxilio espiritual e moral necessariamente existente entre os companheiros ao longo de toda a união. Finalmente, o dever de guarda, sustento e educação dos filhos, vale relembrar, assim como se dá no casamento, é decorrência do próprio poder familiar. (GAGLIANO, PAMPLONA, 2014, pág. 444) Neste viés, apontam os ensinamentos de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald: In fine, tem-se o dever de guarda, sustento e educação dos filhos. Não nos parece, porém, cuidar essa hipótese de um efeito tipicamente matrimonial. Efetivamente, a guarda, sustento e educação da prole parece estar mais razoavelmente ligada aos deveres decorrentes da paternidade ou maternidade, que, por lógico, independem ou não de um casamento. (ROSENVALD, CHAVES, 2009, pág. 194) Desse modo, constata que a obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos, resulta do vinculo peculiar paterno ou materno junto à prole.

Todavia, a redação do código civil prevê: Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. Logo, o código preserva a meação do companheiro sobrevivente, desde que os bens adquiridos onerosamente durante a união estável, nas seguintes hipóteses: No que tange à concorrência com filhos comuns, o companheiro terá direito a uma quota equivalente à, que, couber a eles. Na hipótese de concorrência com descendentes (filhos, netos ou bisnetos, por direito de representação), só do de cujus, o companheiro fará jus à metade do que couber a cada um deles. Com relação à concorrência com outros parentes sucessíveis (ascendentes ou colaterais até o 4º grau), o artigo supracitado prevê que estes receberão 2/3 (dois terço), e o companheiro receberá 1/3 (um terço) da herança. Por fim, não havendo parentes sucessíveis, terá direito a totalidade da herança. 4 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CC 4.1 Princípios constitucionais 4.1.1 Dignidade da pessoa humana

A Dignidade da Pessoa Humana trata-se do princípio máximo, imprescindível para o efetivo do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988 dispõe acerca do princípio da dignidade da pessoa humana no artigo 1º, inciso III, vejamos: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana. Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona ensina que a “magnitude constitucional, denota o seu conteúdo essencialmente político transcendente, pois, de qualquer tentativa de contenção pelo Direito Público ou Privado”. (GAGLIANO, PAMPLONA, 2014, pág.50)

3 SUCESSÃO NA UNIÃO ESTÁVEL 3.1 Código Civil de 2002 Não só os cônjuges usufruem dos direitos sucessórios. Segundo o atual Código Civil, os companheiros, também usufruem. Assim, o legislador determinou a presença do companheiro (a) sobrevivente na herança do de cujus, nos bens adquiridos onerosamente no decorrer da união estável. As regras na sucessão do regime parcial de bens serão adotadas, quando não houver contrato que determina a união estável. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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Como aponta Gustavo Tepedino: Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, bem como de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do §2º do artigo 5º, no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, ainda que não expressos, mas decorrentes dos princípios adotados pelo Texto Maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento. (TEPEDINO, 2002, pág. 25)

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ou comuns; II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança. Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.”

Portanto, a Dignidade da Pessoa Humana é basilar para o ordenamento jurídico, seja qual for à norma, ademais, na área do Direito Sucessório. Assim, as entidades familiares são dotadas da mesma dignidade, ao afrontar tal princípio poderá ter sua constitucionalidade questionada. 4.1.2 Igualdade

Do mesmo modo que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da Igualdade no artigo 5º, caput, deliberando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...). Por intermédio desse princípio, promove-se a Democracia. Garantido o tratamento isonômico pela lei constitucional. Sendo assim, não basta somente aninhar-se formalmente, mas, sim, deve-se buscar a igualdade materialmente. Nessa linha de raciocínio é o pensamento de Pedro Lenza: Deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. (LENZA, 2011, pág. 875) Dado isso, considera-se inconstitucional qualquer tratamento discriminatório, aos que se encontram na mesma classe de interesses. São vedadas as diferenciações arbitrárias, ou seja, o juiz não pode interpretar a legislação de forma a gerar tratamento desigual. 4.2 A (in) constitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil A Constituição Federal de 1988, a qual reconhece a união estável sendo uma entidade familiar, em virtude da dignidade da pessoa humana, conforme contempla o § 3º do art. 226, da CF/88, que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Depreende-se assim, o tratamento igualitário aos cônjuges e companheiros. Acerca disso, Gilda Maria Santos Linhares no seu artigo, aponta que:

Adiante, a Lei n. 9.278/96 que regulou o § 3° do art. 226 da Constituição Federal, assegurou ao companheiro o direito real de habitação. Conforme art. 7º, parágrafo único, da referida lei: “Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.” Nessa linha de raciocínio, aludi Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: “(...) o que se esperaria da nova codificação civil era que ela viesse. Finalmente, a igualar o tratamento entre o cônjuge e o companheiro, evitando qualquer alegação de tratamento discriminatório. Ledo engano.” (GAGLIANO, PAMPLONA, 2014, pág.79) Sobre o tema, Silvane da Silva no seu artigo, alega que: A rigor, não podem leis infraconstitucionais dar tratamento desprivilegiado a determinadas pessoas, sem que a Carta Magna o tenha realizado ou delegado sua feitura de forma expressa. Assim, resta implícito na Lei Maior que todo tratamento dispensado ao cônjuge (direitos e obrigações) é também, por analogia, direcionado ao companheiro. (SILVA, 2014, LETRAS JURIDICAS) O artigo 1.790, caput, preserva a meação do companheiro sobrevivente, desde que os bens tenham sido adquiridos onerosamente durante a união estável. Disserta César Fiuza, que: (...) seria um absurdo interpretar a norma no sentido de colocar o companheiro em situação inferior à do Estado. A se interpretar o art. 1.790 apenas de acordo com seu caput, poderá ocorrer o caso em que o companheiro nada herdará, por não haver patrimônio adquirido a título oneroso durante a união estável. Supondo que haja outro patrimônio, este seria incorporado aos cofres públicos. Tal situação iria muito além das raias do absurdo. (FIUZA, 2012, pág. 1119)

(...) a Constituição Federal, no art. 226, tratou de forma assemelhada as entidades do casamento e da união estável, vedando qualquer discriminação. A união estável e o casamento são, portanto, segundo norma constitucional, entidades assemelhadas, merecendo tratamento similar. (LINHARES, EDIÇÃO 10, REVISTA ELETRÔNICA DE DIREITO) À vista disso, a veracidade constitucional passou a influenciar a legislação infraconstitucional, acerca do direito sucessório, quanto ao companheiro. Posteriormente, na década de 1990 o companheiro obteve amparo legal. Com advento da Lei n. 8.971/1994 que instituiu o direito sucessório dos companheiros, que previa a participação do companheiro na sucessão. Vejamos, in verbis: ”Art. 2º (...) participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições: I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos

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Do mesmo modo, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona desabafam: (...) inconstitucional art. 1.790 do vigente Código Civil Brasileiro confere à companheira (o) viúva (o) – em total dissonância com o tratamento dispensado ao cônjuge – um direito sucessório limitado aos bens adquiridos onerosamente no curso da união (o que poderia resultar na aquisição da herança pelo próprio Município). (GAGLIANO, PAMPLONA, 2014, pág.239) O artigo 1.790, inciso III, redige a concorrência entre o companheiro sobrevivente e parente colateral. Acerca disso, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona relatam que (...) “a discussão sobre a sua constitucionalidade, tem-se, de fato, uma confusa disciplina legal, que chega ao cúmulo de permitir que um colateral do falecido (um primo, por exemplo) tenha mais direitos do que a própria viúva.” (GAGLIANO, PAMPLONA, 2014, pág.80) Veloso ataca o dispositivo:

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(...) Por que privilegiar a esse extremo vínculos biológicos, ainda que remotos, em prejuízo dos laços do amor, da afetividade? Por que os membros da família parental, em grau tão longínquo, devem ter preferência sobre a família afetiva (que em tudo é comparável à família conjugal) do hereditando? (ZENO, 2010, pág. 181)

PROCESSUAL CIVIL. INVENTÁRIO. DECISÃO QUE INDEFERIU O PLEITO DE ATRIBUIÇÃO DA QUALIDADE DE ÚNICA HERDEIRA À COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. DESNECESSIDADE DE REPARO. DIREITO QUE SOMENTE PODERÁ SER RECONHECIDO MEDIANTE AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. INTERLOCUTÓRIO QUE DETERMINAVA COM ABSOLUTO DESACERTO A INCIDÊNCIA DO ART. 1790 DO CÓDIGO CIVIL CASO HOUVER DIREITO SUCESSÓRIO DA AGRAVADA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 1829, III, DO REFERIDO DIPLOMA LEGAL QUE VEDA A DISTINÇÃO ENTRE CÔNJUGE E COMPANHEIRA PARA FINS SUCESSÓRIOS. INTELIGÊNCIA, ADEMAIS, DO ART. 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ORDENADO O PROSSEGUIMENTO DO INVENTÁRIO. EQUÍVOCO RECONHECIDO. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO DECLARATÓRIA JÁ EM TRAMITAÇÃO, PROPOSTA PELA ORA AGRAVANTE. EXEGESE DO ART. 265, IV, “A”, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Os tribunais pátrios têm admitido a aplicação do art. 1.829 do Código Civil não somente para a cônjuge, como também para a companheira, colocando ambas em posição de igualdade na sucessão. 2. Mostra-se adequada a suspensão do inventário quando a decisão a ser proferida em ação declaratória de união estável tem a possibilidade de alterar completamente os herdeiros. Caso comprovada a existência de união estável, o direito sucessório da companheira exclui o dos sobrinhos do de cujus.

Por conseguinte, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) publicou no dia 08/06/2016 que o “STF vai decidir (in) constitucionalidade do 1.790”. Estava previsto para o dia 16/06/2016 o julgamento, mas até o momento não há posicionamento efetivo do Supremo Tribunal Federal. Vejamos um trecho da notícia: Está previsto para o próximo dia 16 o julgamento da ação que discute o tratamento diferenciado, conferido pelo Código Civil, aos cônjuges e aos companheiros quanto à sucessão hereditária, no Supremo Tribunal Federal (STF). Na qualidade de amicus curiae na ação, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) defende que é insustentável a atribuição de direitos sucessórios desiguais para os companheiros da união estável, devendo ser aplicáveis, analogicamente, os mesmos dispositivos legais da sucessão entre os cônjuges. Trata-se de Recurso Extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que, pelo artigo 1.790, atribuiu à companheira sobrevivente direitos sucessórios incidentes apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, partilhando a referida herança com os parentes colaterais do falecido, na proporção de 2/3 para estes e 1/3 para a companheira. (http://ibdfam.org.br/noticias/6013/) Neste viés, em nossos tribunais vem gerando diversas discussões acerca da inconstitucionalidade. Vejamos algumas jurisprudências: O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento do AI 70020389284 (Sétima Câmara Cível; Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 12/09/2007): Agravo de Instrumento Nº 70020389284, “AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. SUCESSÃO DA COMPANHEIRA. ABERTURA DA SUCESSÃO OCORRIDA SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO CIVIL. APLICABILIDADE DA NOVA LEI, NOS TERMOS DO ARTIGO 1.787. HABILITAÇÃO EM AUTOS DE IRMÃO DA FALECIDA. CASO CONCRETO, EM QUE MERECE AFASTADA A SUCESSÃO DO IRMÃO, NÃO INCIDINDO A REGRA PREVISTA NO 1.790, III, DO CCB, QUE CONFERE TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE COMPANHEIRO E CÔNJUGE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE. Não se pode negar que tanto à família de direito, ou formalmente constituída, como também àquela que se constituiu por simples fato, há que se outorgar a mesma proteção legal, em observância ao princípio da eqüidade, assegurando-se igualdade de tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório. Ademais, a própria Constituição Federal não confere tratamento iníquo aos cônjuges e companheiros, tampouco o faziam as Leis que regulamentavam a união estável antes do advento do novo Código Civil, não podendo, assim, prevalecer a interpretação literal do artigo em questão, sob pena de se incorrer na odiosa diferenciação, deixando ao desamparo a família constituída pela união estável, e conferindo proteção legal privilegiada à família constituída de acordo com as formalidades da lei. Preliminar não conhecida e recurso provido.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento do AI 70017169335 (Porto Alegre, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, J. 08.03.07, DJERS 27.11.09): Não se aplica a regra contida no artigo 1.790, inciso III, do CC/02, por afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e de igualdade, já que o art. 226, § 3º, da CF, deu tratamento paritário ao instituto da união estável em relação ao casamento. Assim, devem ser excluídos da sucessão os parentes colaterais, tendo o companheiro o direito à totalidade da herança. Incidente de inconstitucionalidade arguido, de ofício, na forma do art. 480 do CPC O Ministro Relator Luiz Felipe Salomão, no AI no Recurso Especial Nº 1.135.354 – PB (2009/0160051-5) – Brasília, Quarta Turma, argumenta acerca da inconstitucionalidade do art. 1.790:

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no julgamento do AI 2007.006153-5 (Terceira Câmara de Direito Civil; Rel. Des. Marcus Túlio Sartorato; DJSC 28/10/2008): 1,5 LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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a) a Constituição Federal não diferenciou as famílias havidas a partir do casamento daquelas cuja matriz é a união estável; a possibilidade de conversão da união estável em casamento não permite ao legislador conferir menos direitos à primeira; ambas as formas de família possuem a mesma dignidade constitucional; b) ainda que pudesse o legislador infraconstitucional tratar de forma diferenciada a sucessão do companheiro comparativamente com a sucessão do cônjuge, o art. 1.790 do CC ofenderia a dignidade da pessoa humana, ao permitir a concorrência de parentes distantes do de cujus com o companheiro sobrevivo, junto de quem construiu o patrimônio a ser partilhado; violaria o direito fundamental à herança e, além do mais, a diferenciação por que optou o legislador ofenderia os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade; c) tendo em vista que a Lei n. 8.971/94 previu a concorrência do companheiro somente com descendentes e ascendentes do de cujus (“na CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


falta de descendentes e de ascendentes, o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança”, art.2ºº, inciso III, da Lei), silenciando quanto ao tema a Lei n.9.2788/96, as disposições do art.1.7900 violariam o princípio da proibição de retrocesso em matéria de direitos fundamentais, princípio amplamente sufragado pela doutrina constitucionalista, doméstica e estrangeira.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15 ed. rev. atual. e ampl. 2011. 875 p.

Por todo exposto, percebe-se as problemáticas e controvérsias quanto à sucessão dos companheiros, perante as divergências doutrinárias e jurisprudenciais. A questão da (in) constitucionalidade do Art.1.790 só terá um ponto final, mediante a uma decisão do STF, a qual está próxima.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: Pereira. O novo CCB e a vacatio legis. – Belo Horizonte: Del Rey, 2002. 106 p.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A nossa Magna Carta buscou-se ampliar a ideia de família, reconhecendo a união estável como entidade familiar. Em virtude do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, para o efetivo do Estado Democrático de Direito. Deste modo, temos que a dignidade da pessoa humana reconhece a igualdade entre os cônjuges e companheiros, razão pela qual não admite tratamento discriminatório nas diversas modalidades familiares. Mas, a legislação atual viola tal princípio ao prevê tratamento diferenciado ao companheiro em relação ao cônjuge, conforme disposto neste artigo. Nesse sentido, corroborando o explanado durante o artigo, o dispositivo demonstrado, viola os princípios constitucionais, os quais sejam a Dignidade da Pessoa Humana, bem como o da Igualdade. Atentando-se ao que fora explicitado acima, a participação do companheiro (a) sobrevivente na sucessão de outrem, desde que os bens tenham sido adquiridos onerosamente durante a união estável; a concorrência entre o companheiro (a) sobrevivente e parente colateral até quarto grau. Depreende-se assim que o legislador de forma discriminatória prevê tratamento diferenciado entre o companheiro ao cônjuge, discriminação essa proibida pela Constituição Federal de 1988, a qual equipara o companheiro ao cônjuge. Acerca da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC, foram elencadas interpretações de renomados autores e as decisões jurisprudenciais, devido as lacunas do dispositivo, deixadas pelo legislador infraconstitucional.

LINHARES, Gilda Maria Santos. Direito sucessório dos companheiros na união estável. Revista Eletrônica de Direito. Edição 10. Disponível em: http://blog.newtonpaiva.br/direito/wp-content/uploads/2012/08/ PDF-D10-04.pdf. Acesso em 24 de junho de 2016.

SILVA, Silvane; GOULART, Leandro Henrique Simões. A sucessão na união estável: a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do código civil. Disponível em: http://npa.newtonpaiva.br/letrasjuridicas/?p=125. Acesso em 06 de junho de 2016. TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 1. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 25 p. Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel – 22ª Edição. São Paulo: 2016. ZENO, Veloso. Direito Hereditário do Cônjuge e do Companheiro. Ed. Saraiva. São Paulo: 2010. 181 p.

Banca Examinadora Júlio César Grossi Filho (Orientador) Jerfferson da Mata Almeida (Examinador)

REFERÊNCIAS CHAVES, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, 194 p. FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 15 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. 1118 - 1119 p. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil : volume 6 : direito de família : as famílias em perspectiva constitucional – São Paulo: Ed. Saraiva, 2014 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil: volume 7 : direito das sucessões – São Paulo: Ed. Saraiva, 2014 IBDFAM: STF vai decidir (in) constitucionalidade do 1.790. Disponível em: http://ibdfam.org.br/noticias/6013/. Acesso em 09 de junho de 2016.

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POSSIBILIDADE DE PENHORA DE VERBAS ALIMENTARES NO PROCESSO DO TRABALHO: choque de direitos fundamentais Rayka Bárbara Moreira 1

RESUMO: Neste artigo busca-se debater sobre a constrição patrimonial do devedor no cumprimento de sentença involuntário, ou seja, que depende de uma execução para solucionar a lide entre as partes. Importante frisar quanto aos aspectos de legalidade da penhora na execução trabalhista e dentro deste contexto interpretar o Direito Processual do Trabalho e seus reflexos quanto ao Direito Constitucional. Adiante, será abordada a execução que tem por obrigação o pagamento de quantia certa e que figuram no polo ativo o empregado e no passivo seu empregador respectivamente. Diante disso, tem-se por enfoque o choque de direitos fundamentais observando o dispositivo constitucional e a aplicabilidade da Orientação Jurisprudencial 153 da Sessão de Dissídio Individual do Tribunal Superior do Trabalho que impede a penhora em conta salário do executado. PALAVRAS-CHAVE: Execução trabalhista. Impenhorabilidade salarial. Razoabilidade.

1 INTRODUÇÃO O trabalho desenvolvido tem como base o Direito Processual do Trabalho com reflexos no Direito Constitucional obtendo por foco a execução trabalhista. Na maioria das demandas trabalhistas, figuram como partes o empregado e o seu empregador. É com base nessas demandas, que configuram a maioria, que será desenvolvido o trabalho. O objetivo do trabalho é abordar sobre a execução de sentença no âmbito da justiça do trabalho, apontando pontos importantes como o que diz respeito à constrição patrimonial do devedor analisando os reflexos positivos e negativos. Tem-se por propósito aclarar como se procede a execução trabalhista na prática forense com principal enfoque no cumprimento da obrigação por meio de execução forçada em que o alvo é a satisfação do crédito exigido pelo reclamante. O maior problema das execuções gira em torno das questões patrimoniais, pois, nem sempre o executado dispõe de patrimônio suficiente para suprir a execução. Dessa forma, mesmo que com o trânsito em julgado da decisão o exequente detenha o direito a receber, ao executado não restam alternativas para quitação do débito e por isso surgem os maiores embates. Tendo em vista a complexidade do assunto por se tratar de um confronto de direitos fundamentais, o presente estudo tem por finalidade explanar o entendimento atual aplicado no âmbito da Justiça do Trabalho ocasionando uma reflexão a respeito da execução trabalhista no que se refere à natureza das verbas salariais. 2 A FASE DE EXECUÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO A princípio, será esclarecido como se procede a fase executória nos processos trabalhistas, mostrando suscintamente como se chega a esta fase, como ela se desenvolve, quando termina e a diferença entre a execução provisória e definitiva. Importante lembrar mais uma vez que neste trabalho será tratado apenas de demandas trabalhistas caracterizadas como relação

de emprego, ou seja, aquelas estabelecidas entre o empregado e seu empregador. Ainda, como o centro da atenção é a fase de execução considerar-se-á sempre no desenvolver do texto que não houve acordo prévio entre as partes. A CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas – disciplina a execução no Capítulo V, artigos 876 a 892, mas, diante da insuficiência e omissão em alguns pontos aplica-se subsidiariamente quanto ao procedimento e formas de execução a Lei de Execução Fiscal e o Código de Processo Civil. O processo do trabalho se inicia por parte daquele que busca o reconhecimento dos seus direitos e entende que estes não foram alcançados. Em contrapartida, encontra-se o demandado que em sede de defesa pretende desconstituir as alegações do demandante fazendo com que fique comprovada sua regular atuação quanto aos direitos do trabalhador e que caso isso não seja possível, que se possa ao menos reduzir a sua condenação. De forma bem resumida, mas, para evidenciar como se chega à execução trabalhista, frisa-se que, é dado início ao processo por meio de petição do requerente aqui identificado como reclamante e se cumprido todos os requisitos legais para seu prosseguimento, passase para fase de instrução dos autos. Quando findada esta etapa, será proferida uma sentença pelo magistrado responsável na demanda. Proferida sentença, caso ainda persistam questionamentos, chega-se a fase recursal que é possível para ambas as partes caso queiram discutir novamente aquilo que diz respeito à matéria de direito da ação. Após o julgamento de todos os questionamentos eis que se chega ao trânsito em julgado da decisão, o que significa que foram exauridas todas as possibilidades de interposição de recursos, portanto, estando diante de coisa julgada. Pois bem, uma vez sanada a fase inicial, respeitada a devida instrução probatória e superada a fase recursal, ficou constituída decisão definitiva após o trânsito em julgado da ação, o que permite desde então o início da execução já que ausente cumprimento voluntário por parte do devedor. A execução depende de um título executivo, é sempre precedida da fase de liquidação de sentença e de acordo com o atual Código de

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Processo Civil, pode ser feita por duas maneiras: por arbitramento ou pelo procedimento comum, conforme preconiza o seu art. 509. Proferida sentença de liquidação e homologado os cálculos será iniciada a execução através de expedição de mandado de citação para o executado em 48 (quarenta e oito) horas: realizar o pagamento, garantir a execução ou nomear bens à pen hora. Se garantir a execução, inicia-se a contagem do prazo para de 05 (cinco) dias para oposição dos embargos do devedor. Destaca-se que o procedimento da execução provisória se difere do comum tendo em vista interpreta-se a execução provisória até o momento da penhora. Ainda porque, no caso de execução provisória depende de iniciativa do credor, que se responsabilizará integralmente por seus atos inclusive pelos danos causados ao devedor se o título executivo for alterado em sede recursal. Segundo o professor Mauro Schiavi: Caso a decisão seja alterada ou anulada fica sem efeito a execução provisória, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento. Bom, até aqui foi visto o procedimento da execução trabalhista nas duas formas no qual pode acontecer: provisória ou definitiva e agora o enfoque passa a ser a impossibilidade de penhora das verbas salariais do executado via de regra. 3 A REGRA DE IMPENHORABILIDADE DO SALÁRIO DO DEVEDOR: FUNDAMENTOS Com advento da atualização constante do estudo do direito, segundo os ditames do ordenamento jurídico brasileiro tem-se claramente estabelecido que o devedor sempre vá ser responsabilizado pelo cumprimento das suas obrigações pelo meio de coerção que afeta o seu patrimônio, assim, satisfazendo a dívida com seu credor. Na execução trabalhista o procedimento não se difere, caso não seja alcançado o cumprimento de sentença de forma espontânea por parte do devedor, necessário se faz a imposição de meios coercitivos que afetam o patrimônio para que se chegue ao adimplemento da obrigação. O executado tem um dever a ser cumprido com o exequente e por isso é penalizado por meio da constrição patrimonial. O meio mais adequado para chegar aos bens do executado é através da penhora. Segundo o professor que Mauro Schiavi:

aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; Dessa forma, é assegurado o direito da impenhorabilidade salarial, confirmando o direito preexistente consagrado no art. 7º, X da Constituição Federal de 1988: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; Ocorre que, mesmo diante das previsões legais supracitadas observa-se que tanto nas lides de cunho civil quanto nas demandas trabalhistas, tem-se admitido exceções à regra da impenhorabilidade salarial. Isso porque as partes chegam ao fim do processo onde se tem o exequente com a sentença definitiva a seu favor portando um título executivo em mãos, mas, por ausência de patrimônio alcançável do executado fica impossível solver a dívida. Procurando respeitar os limites do que se entende por justiça e em atendimento aos princípios da equidade entre as partes e principalmente da razoabilidade, os juízos competentes nas demandas executórias, que tratam da obrigação de pagar quantia certa, têm admitido a penhora parcial do salário do devedor até o limite de 30%. Neste sentindo vem se manifestando o nosso Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO EXECUÇÃO - PENHORA DE ATÉ 30% DO SALÁRIO - POSSIBILIDADE SOB O VALOR LÍQUIDO - COLISÃO ENTRE O DIREITO FUNDAMENTAL À SATISFAÇÃO DO CRÉDITO VERSUS PATRIMÔNIO MÍNIMO - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE E PONDERAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO. Há um direito fundamental do credor à tutela executiva, a fim de satisfazer seu crédito, versus o direito fundamental do devedor a um patrimônio mínimo. Sopesar os direitos em colisão requer verificar, no caso concreto, a incidência e efeitos do princípio da proporcionalidade e seus desdobramentos, quais sejam: adequação (ou pertinência); necessidade (ou da exigibilidade, ou da escolha do meio mais suave); proporcionalidade em sentido estrito (ou regra da determinação do sopesamento ou ponderação). Observada a regra da proporcionalidade, concluise pela possibilidade da penhora no montante de até 30% (trinta por cento) da remuneração líquida, auferida pela devedora, mês a mês, até adimplir o débito existente junto ao credor. Agravo de instrumento não provido. v.v.: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE EXECUÇÃO - PEDIDO DE PENHORA SOBRE RENDIMENTOS DO DEVEDOR IMPENHORABILIDADE. A teor do disposto no art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, são impenhoráveis os salários, vencimentos e remunerações destinadas ao sustento do devedor e de sua família, não sendo permitida a penhora sobre os rendimentos mensais da executada, ainda que de forma parcial. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0223.97.000718-1/001, Relator(a): Des.(a) Veiga de Oliveira , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/12/2015, publicação da súmula em 29/01/2016).

A penhora é um ato de império do Estado, praticado na execução que tem por finalidade vincular determinados bens do devedor ao processo a fim de satisfazer o crédito exequente. Trata-se de um ato de afetação de determinados bens do devedor que provoca o gravame de vinculá-los ao processo em que se processa a execução. A CLT em seu artigo 882 traz previsão expressa das seguintes possibilidades: garantir a execução ou nomear bens à penhora, que deverá observar a ordem preferencial estabelecida no atual art. 835 do Código de Processo Civil. Em se tratando de penhora deve-se atentar para os bens que são tidos como impenhoráveis. O CPC traz um rol dos bens impenhoráveis exposto no artigo 833 e que diante do assunto desenvolvido aqui terá o inciso IV como foco. Art. 833. São impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - BLOQUEIO JUDICIAL BACENJUD - CADERNETA

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DE POUPANÇA COM INTENSA MOVIMENTAÇÃO - IMPENHORABILIDADE AFASTADA - RECURSOS PROVENIENTES DE SALÁRIO - PENHORA DE 30% DO RENDIMENTO MENSAL - POSSIBILIDADE. A caderneta de poupança que apresenta intensa movimentação deve ser afastada da impenhorabilidade prevista no art. 649, X do CPC. Lado outro, considerando que os valores depositados na conta poupança decorrem de verba salarial, a teor do art. 649, IV, do CPC, são impenhoráveis. Entretanto, essa impenhorabilidade deve ser interpretada de modo que confira utilidade à execução, permitindo-se a penhora parcial do salário do devedor, sem que haja comprometimento de sua subsistência e de sua família, não excedendo o limite do montante de 30 % (trinta por cento). (TJMG - Agravo de InstrumentoCv 1.0024.15.164397-0/001, Relator(a): Des.(a) Aparecida Grossi , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/04/2016, publicação da súmula em 26/04/2016). Deste modo, ainda que em afronta à regra estabelecida em nosso ordenamento jurídico, na prática forense entende-se a aplicação da razoabilidade e proporcionalidade na execução como um meio justo e equânime para se chegar à melhor forma de solução dos conflitos. Inclusive, com o advento no Novo Código de Processo Civil vigente nos dias atuais, modificou-se a escrita do “caput” do artigo que traz o rol dos bens impenhoráveis retirando a expressão absolutamente. Isso indica uma mutação significativa do sentido alargar os efeitos da impenhorabilidade. Ademais, foi introduzida uma ressalva à impenhorabilidade das verbas salariais que por sua vez modificou o texto do §2º do artigo que assim dispõe: Art. 833. São impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; (...) § 2º. O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.

devedor é verba impenhorável. Este é o mesmo entendimento quando se fala do processo do trabalho, até mesmo porque à execução trabalhista aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Civil que prevê nitidamente regra acerca desta impenhorabilidade. Em consonância com o que dispõe o Código de Processo Civil o Tribunal Superior do Trabalho criou a Orientação Jurisprudencial 153 da Seção de Dissídio Individual 2 nos seguintes termos: 153. MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO. ORDEM DE PENHORA SOBRE VALORES EXISTENTES EM CONTA SALÁRIO. art. 649, IV, do CPC. ILEGALIDADE. (DEJT divulgado em 03, 04 e 05.12.2008) Ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, sendo a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando o crédito trabalhista. Além disso, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região – Minas Gerais reafirmou mais uma vez ser impenhorável as verbas de natureza salarial, mesmo quando para satisfação de crédito trabalhista, tendo em vista a elaboração da Orientação Jurisprudencial 08 da 1ª Seção de Dissídios Individuais: ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL N. 8 (ALTERADA) MANDADO DE SEGURANÇA. BLOQUEIO DE CONTA BANCÁRIA. VALORES RESULTANTES DE SALÁRIO OU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. Fere direito líquido e certo da pessoa física impetrante a determinação de penhora ou bloqueio de valores existentes em sua conta bancária, quando resultantes de salário ou benefício previdenciário, por lei considerados absolutamente impenhoráveis (inciso IV do art. 649 do CPC). (Disponibilização/divulgação: DEJT/TRT3 27/06/2012, 28/06/2012 e 29/06/2012). Ressalta-se que as orientações jurisprudenciais citadas acima são anteriores a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, portanto, sempre que mencionar o art. 649, IV, §2º, leia-se art. 833, IV, §2º. Deste modo, interpretando a literalidade da lei, ou seja, aplicando fielmente o entendimento da impenhorabilidade absoluta de verba salarial e ainda, respeitando as orientações jurisprudenciais já citadas, segue abaixo algumas decisões:

Portanto, foi legalmente concedida penhora das verbas salariais e de quantia depositada em caderneta de poupança quando para pagamento de prestação alimentícia seja qual for a sua origem. Dessa forma, construiu-se uma exceção à regra de impenhorabilidade do salário do devedor diante da necessidade de satisfação do crédito que tenha por natureza a prestação alimentar. Entretanto, com a permissão deste instituto surge um grande problema na esfera da execução trabalhista, o confronto de direitos fundamentais, que será abordado a seguir. 4 A IMPENHORABILIDADE DE SALÁRIO NA EXECUÇÃO TRABALHISTA: CONFRONTO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS Primordialmente, já foi esclarecido que via de regra o salário do

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MANDADO DE SEGURANÇA - PENHORA DE SALÁRIOS - A penhora de salários é expressamente vedada (inciso IV do art. 833/CP C), haja vista a garantia do inciso X do art. 7º da C onstituição da República. E a OJ nº 153 da SDIII/TST explicitou a proteção dos salários e demais verbas declaradas impenhoráveis pela legislação. No mesmo sentido a OJ nº 08 da 1ª SDI deste Egrégio Regional. (...) Com razão o Impetrante, data máxima vênia dos fundamentos apresentados pela d. autoridade impetrada. Na sistemática do CPC de 1973, penh ora de salários foiexpressamente vedada (inciso I V do art. 649/CPC), haja vista a garantia do inci so X do art. 7.º da Constituição da República. O Código de 2015 manteve essa mesma orientação, estabelecendo, em seu art. 833, inciso IV: (...) Aliás, a ressalva contida no § 2º da nova regra (prestação ali-

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mentícia) já existia no Código anterior. A prestação alimentícia, como a própria expressão indica, é, por força de lei, a provisão e manutenção de alimentos a que certas pessoas são obrigadas para com outras (art. 1694 a 1710 do Código Civil de 2002). A quantia provisional é fixada judicialmente, por intermédio de desconto em folha de pagamento, “quando o devedor for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho” (art. 529 do CPC/2015). Ora, a hipótese dos autos não se refere à execução de prestação alimentícia prevista no Código Civil, mas de execução de débito de natureza trabalhista. Sendo assim, e por aplicação subsidiária do art. 769 da CLT, a previsão contida no art. 833, inciso IV, do CPC/2015 se impõe, sendo expressamente vedada a apreensão judicial sobre os salários percebidos por pessoa física. Então, pelo que dispõe a legislação aplicável ao processo do trabalho e o posicionamento dos próprios tribunais do trabalho através de orientação jurisprudencial, entende-se pela total adequação da impossibilidade de penhora de salário do executado nas demandas trabalhistas. Contudo, na prática não é bem assim. Há grande divergência nas decisões de execuções trabalhistas e em muitos casos o que se vê é a quebra da regra da impenhorabilidade possibilitando a penhora de verba salarial em parte para satisfazer o crédito trabalhista. Vejamos:

29. PENHORA DE SALÁRIO, PENSÃO E APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE EM EXECUÇÃO TRABALHISTA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 1º, § 1º, DA LEI Nº 10.820/2003; ART. 3º, INCISO I, DO DECRETO Nº 4.840/2003; ART. 115, INCISO VI, DA LEI 8.213/91; E ART. 154, INCISO VI, DO DECRETO Nº 3.048/99. SUPREMACIA DO CRÉDITO TRABALHISTA. ART. 100, § 1º-A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 186 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN). É lícita, excepcionalmente, a penhora de até 30% dos rendimentos decorrentes do trabalho, pensão e aposentadoria, discriminados no inciso IV do art. 649 do Código de Processo Civil (CPC), por expressa previsão no § 2º do art. 649 do CPC, desde que comprovado o esgotamento de todos os meios disponíveis de localização dos bens do devedor. Admitir uma relativização da norma quanto à impenhorabilidade de verba salarial é agir conforme melhor atenda os interesses do exequente muito embora cause transtorno para o executado. Também, deve-se levar em conta que o crédito trabalhista é classificado por muitos como uma verba de caráter alimentar. O professor Carlos Henrique Bezerra Leite tem o seguinte entendimento a respeito da OJ 153, SDI 2 do TST:

O próprio CPC/73, em seu art. 20, § 5º, dispunha que nas “ações de indenização por

EMENTA: IMPENHORABILIDADE SALARIAL FLEXIBILIZAÇÃO. ART. 649, § 2º, DO CPC. O principio da impenhorabilidade salarial não tem caráter absoluto, pois, em situações específicas poderá ser excepcionado pela regra do § 2º do artigo 649 do CPC, o qual se compatibiliza com a execução trabalhista consoante autorização expressa prevista no art. 769 da CLT. Neste sentido é o Enunciado nº 29 da Jornada Nacional sobre Execução na Justiça do Trabalho/2010. De certo, considerando a possibilidade de ponderação entre a situação dos executados e dos credores de dívidas trabalhistas, deve-se buscar equilíbrio entre a proteção do trabalhador devedor e do trabalhador credor, uma vez que ambos perseguem créditos de natureza alimentar, amenizando, assim, a aplicação da OJ 153 da SBDI-II do colendo TST, que trata da matéria. Observe que fica claro o quanto é frustrante seguir fielmente a regra de impenhorabilidade absoluta das verbas de natureza salarial nas palavras de Gabrielle Ribeiro em seu artigo científico publicado na revista eletrônica de direito do Centro Universitário Newton Paiva: Depois de cumprido todo o processo de conhecimento respeitado processo legal e a ampla defesa do empregador, o trabalhador, com seu direito regularmente reconhecido, malograse diante de um processo de execução impotente em face da superproteção dedicada ao devedor no Brasil. Faz parte do conjunto de regras de superproteção a impenhorabilidade absoluta ainda que percentual de verbas salariais do devedor prescrita no art. 649, IV do CPC e aplicável na execução trabalhista, o chega a ser um paradoxo na Justiça do Trabalho que julga e executa senão verbas de natureza alimentar, fundamento da intangibilidade dos salários do devedor. Visando a melhor forma de solução de conflitos das demandas de execução trabalhistas tem-se visto na prática a inaplicabilidade em contento da OJ 153 do TST. Inclusive, na Jornada Nacional sobre execução na Justiça do Trabalho ocorrida em novembro de 2010 na cidade de Cuiabá/MT foi aprovado seguinte Enunciado:

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ato ilícito contra pessoa, o valor da condenação será a soma das prestações vencidas com o capital necessário a produzir a renda correspondente às prestações vincendas (art. 602 do CPC/73), podendo estas ser pagas, também mensalmente, na forma do §2º do referido art. 602 do CPC/73, inclusive em consignação na folha de pagamento do devedor.” Ora, se o próprio CPC/73 já permitia, na indenização por ato ilícito (o que é muito comum nas relações trabalhistas), a penhora mediante “consignação em folha de pagamento do devedor”, ou seja, penhora de salário, merece urgente cancelamento da OJ 153, pois olvida a interpretação sistemática do próprio CPC, em evidente prejuízo para a efetividade da execução no processo do trabalho e, em derradeira análise, dos direitos fundamentais sociais dos trabalhadores.

Diante do confronto de direitos fundamentais em que o exequente é credor de valor liquido, certo e exigível e o executado não dispõe de outra condição para pagamento da dívida exequenda a não ser sua única fonte rentável que é oriunda do seu trabalho, as decisões na prática não são unânimes. Deste modo, conclui-se pela aplicação do método que se entende mais justo, a penhora parcial até o limite máximo de 30% variando caso a caso. Mesmo que infelizmente a condenação venha a afetar o patrimônio do executado na contraprestação advinda do seu trabalho, o exequente receberá parte dos seus direitos, assim, respeitando o princípio da preservação da dignidade humana. 5 CONCLUSÃO O trabalho teve como intuito permitir uma reflexão a respeito da execução trabalhista, principalmente quanto ao momento de cumprimento da obrigação, enfatizando o instituto da penhora. Como se trata de relação de emprego em que são as partes o empregado e seu empregador, na ausência de acordo tem-se ao final, com a sentença definitiva o empregado como credor e seu empregador como devedor de saldo trabalhista. Como visto no desenvolvimento do presente trabalho, o pro-

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blema na execução trabalhista é quando o executado não dispõe de meios econômicos viáveis para adimplir a obrigação e assim encerrar a lide de modo satisfatório. Deve-se levar em consideração que em atendimento ao ordenamento jurídico brasileiro, o devedor deve ser penalizado para cumprir com suas obrigações através da afetação do seu patrimônio e não da sua pessoa. Assim, respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana conforme evidencia as diretrizes do estado democrático de direito, a constrição patrimonial do executado é a melhor forma de solver a dívida trabalhista. Porém, em alguns casos fica impossível atingir o patrimônio do executado tendo em vista que ele não possui verbas disponíveis. Tomamos como exemplo neste trabalho, aquele executado que só têm como fonte de renda exclusivamente as suas verbas salariais. Diante disso instaura-se um confronto de direitos fundamentais, pois, de um lado encontra-se o exequente com um título executivo líquido e certo em mãos e do outro lado, o executado que não se omite ao adimplemento da obrigação, mas, que não dispõe de meios para realizar o pagamento. As verbas de natureza salarial são impenhoráveis, o salário é um direito do trabalhador protegido constitucionalmente, e em contrapartida tem-se a sentença como título executivo e precisa ser cumprida para satisfazer direitos do trabalhador que não foi reconhecido anteriormente. Por isso, ao meu sentir, nestes casos não é possível seguir fielmente o que dispõe nossa legislação e a Orientação Jurisprudencial 153 do no Tribunal Superior do Trabalho. Deste modo, conclui-se que a melhor forma de solucionar o conflito da penhora de verba salarial é permitindo a penhora parcial até o limite máximo de 30%. Assim, quebra-se a regra da impenhorabilidade absoluta e aplicam-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para melhor atender o cumprimento da obrigação na execução trabalhista.

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 6ª ed. São Paulo: Ltr, 2013. http://www.tjmg.jus.br http://www.trt3.jus.br/

Banca Examinadora Tatiana Bhering Roxo (Orientadora) Adélia Procópio Camilo (Examinadora)

REFERÊNCIAS BRASIL, Constituição da República Federativa do. 41ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. Organização: Alexandre de Moraes. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Seção de Dissídios Individuais II. Orientação Jurisprudencial nº 153, de 03 de dezembro de 2008. Disponível em: http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/OJ_SDI_2/n_ S6_141.htm#tema153. Acesso em: 03 de maio de 2016. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região – Minas Gerais. 1ª Seção de Dissídios Individuais. Orientação Jurisprudencial nº 08. Acesso em: 03 de maio de 2016. BRASIL. Jornada Nacional Sobre Execução do Trabalho. Enunciado nº 29. Disponível em: http://www.jornadanacional.com.br/enunciados_aprovados_JN_2010.pdf. Acesso em: 20/06/2016. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. RIBEIRO, Gabriela Ramos da Silva. Efetividade da execução trabalhista: ineficácia diante da impenhorabilidade de verbas salariais. Revista eletrônica de direito do Centro Universitário Newton Paiva. Disponível em: http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=1468. Acessado em: 23/06/2016.

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INCONGRUÊNCIAS NORMATIVAS DO NOVO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO QUE TANGE A INCAPACIDADE CIVIL Renata Morais Miranda2

RESUMO: O presente trabalho trata sobre a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, nº 13.146, também nomeada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, que trouxe alterações de grande relevância para diversas áreas do direito brasileiro, mas principalmente no Código Civil de 2002, no que tange a modificação do regime das incapacidades. Retirou-se o portador de transtorno mental da condição automática de incapaz, como forma de acabar com a rotulação de cidadão que não possui condições de realizar os atos da vida civil, pois são pessoas que já sofreram uma série de prejuízos à sua autonomia e à sua dignidade. Trata-se de um passo importante na busca da igualdade, mas é também uma grande mudança em todo o sistema das incapacidades, que merece uma cuidadosa análise para que não haja nenhum tipo de prejuízo ao sistema jurídico, bem como ao próprio beneficiário da nova lei. PALAVRAS-CHAVE: Alteração no regime das incapacidades; Dignidade da Pessoa Humana; Igualdade; Incongruências; Novo Estatuto da Pessoa com Deficiência.

1 INTRODUÇÃO Em 06 de julho de 2015 foi publicada a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, nº 13.146, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Este novo instituto trouxe alterações de grande relevância ao ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no que tange a incapacidade civil. Traduz uma conquista social, pela luta da igualdade de tratamento e inclusão, visto que, com a elaboração desta norma, o deficiente passa a ser retirado do rol automático de incapaz, garantindo-lhe uma série de direitos que antes não possuíam. Com a retirada do portador de transtorno mental da condição de incapaz, houve a revogação de boa parte dos artigos 3º e 4º do Código Civil de 2002, que antes consideravam absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de dezesseis anos, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Tratavam como relativamente incapazes para os atos da vida civil os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido e os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo. Diante das alterações, passaram a ser considerados como absolutamente incapazes apenas os menores de dezesseis anos e relativamente incapazes, os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os ébrios habituais, os viciados em tóxico, aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade e por fim, os pródigos. O artigo 84 do novo Estatuto do Deficiente prevê que a regra passa a ser a garantia do exercício da capacidade legal, em condições iguais com os demais sujeitos e com isso, os incisos I, II, III e IV do art. 1.767 do CC/02 foram alterados, sendo que os incisos II e IV foram plenamente revogados, fazendo com que a curatela seja uma medida de caráter excepcional, que só será aplicada em casos de extrema necessidade. A curatela passa a ser restrita à atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, deixando que o portador de transtorno mental tenha o controle sobre seus aspectos existenciais, como

exemplo: o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. Além das alterações no que tange a incapacidade civil, podem ser observados outros reflexos deste novo instituto no Código Civil, uma vez que, o portador de transtorno mental terá possibilidade de atuar como testemunha, ou de poder se casar sem necessidade de autorização de um curador. O impacto será enorme em toda a teoria dos negócios jurídicos e nas situações negociais gerais, pois as causas de invalidade do negócio serão difíceis de ocorrer. Mas o que se busca com o tema proposto é analisar a forma genérica utilizada pelo legislador referente ao artigo 6º da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, pois, houve a preocupação em ampliar e garantir direitos para que não ocorra nenhum tipo de discriminação, mas ao generalizar o artigo, houve uma falha quanto às especificidades de deficiência. Embora o objetivo seja de proporcionar a igualdade social, deve ser analisado o grau e tipo de vulnerabilidade de cada deficiência, visto que, um portador de deficiência física possui plena consciência de seus atos, em contrapartida, um portador de deficiência mental, na maioria das situações, não possui consciência plena de suas escolhas, e em decorrência de sua vulnerabilidade, poderá sofrer algum tipo de coação por parte de um sujeito que esteja com o intuito de aproveitar de certos direitos que passaram a ser conferidos aos deficientes e obter vantagens através desta característica que não o permite analisar riscos. Portanto, esta não especificação de deficiências garantindo capacidade civil de forma geral, conforme dispõe o artigo 6º e demais artigos do novo Estatuto, apesar de buscar atingir o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana, poderá acarretar danos ao próprio beneficiário da lei, bem como à terceiros que se envolvam ao caso concreto. 2 O DEFICIENTE PARA O ORDENAMENTO JURÍDICO O termo “pessoas deficientes” encontra-se previsto em vários dispositivos legais e doutrinas que tratam sobre o respectivo assunto, mas possui destaque o conceito dado pelo artigo 1º, da Declaração

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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dos Direitos das Pessoas Deficientes, que foi aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, em 09 de dezembro de 1975³, que considera como portador de deficiência “qualquer pessoa que seja incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais.” O Decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004, que estabelece normas gerais e critérios básicos com o objetivo de promover a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, definiu como deficiente, em seu artigo 5º, § 1º, I, “aquele que possui limitação ou incapacidade para o desempenho de atividade.” O artigo 5º, parágrafo 1º, da disposição legal referente à promoção da acessibilidade mencionada acima, determina também categorias de deficiências, quais sejam: deficiência física, que se refere à alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo, comprometendo assim os movimentos físicos. Há vários tipos de deficiência física e que são analisados e comprovados através de laudos médicos, sendo eles, paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, triparesia, tetraparesia, tetraplegia, triplegia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, cada uma com sua especificidade, com exceção das deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções comuns do cotidiano; a deficiência auditiva se trata da perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis ou mais, medida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz; deficiência visual se refere à cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica, os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º, ou nos casos em que ocorre simultaneamente as condições descritas anteriormente. Já a deficiência mental é considerada como o funcionamento intelectual inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização dos recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer, e trabalho, e por fim, a deficiência múltipla, sendo aquela em que há a junção de duas ou mais deficiências já mencionadas. Com a enorme mudança sociológica no que tange à facilidade na busca do conhecimento, os médicos especialistas no estudo e tratamento dos tipos de deficiências existentes, bem como os juristas, vêm tornando o termo “deficiente” cada vez mais inadequado, por ser considerada uma expressão que acaba por “depreciar” o estado da pessoa. Em contrapartida, muitos consideram que essa tendência acaba levando as pessoas portadoras de deficiência a uma negação de sua própria condição e a sociedade a não respeitar as diferenças existentes entre os seres humanos, ensejando um preconceito maior entre as pessoas. 3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A IGUALDADE COMO PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS A Constituição Federal de 1988, que é considerada como a norma suprema de todo o ordenamento jurídico, traz para a sociedade, direitos e garantias fundamentais, por se tratar de um país democrático, que visa à inclusão de uma categoria de direitos sociais,

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econômicos e culturais, considerados como direitos fundamentais de segunda geração, de acordo com os ensinamentos de Alexandre de Moraes (2014, p.29). Kildare Gonçalves de Carvalho deixa claro que inicialmente, estes direitos de segunda geração eram relacionados aos direitos do trabalhador, visto que, foi baseado na igualdade impulsionada pela Revolução Industrial, mas que depois passou a tratar destes direitos econômicos, culturais e sociais, que são ligados às necessidades mais básicas dos cidadãos, independentemente de sua condição de trabalhador, como educação, moradia, saúde, assistência social, alimentação, etc. (2013, p.664) Os direitos de segunda geração vêm com o objetivo de buscar a igualdade, visto que o artigo 5º da CF/1988, afirma que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” O direito à vida é considerado como o mais importante de todos os direitos destacados, já que é um pré-requisito à existência e o exercício dos demais direitos. O Estado tem o dever de assegurar este direito em dois aspectos, sendo eles, o direito de continuar vivo e o direito de proporcionar ao cidadão brasileiro uma vida digna. A Constituição de 1988 trouxe uma série de princípios que baseiam as situações jurídicas, possuindo uma função ordenadora do Estado, pois expressam um conjunto de valores que inspirou o constituinte. Dentre estes princípios, alguns deles são aplicáveis no contexto da proteção da pessoa com deficiência, quais sejam: o princípio da dignidade humana e o princípio da igualdade. O princípio da dignidade da pessoa humana é tratado de um lado como um fundamento, conforme prevê o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, e de outro, como princípio fundamental de garantia de direitos humanos, previsto no artigo 5º, do mesmo dispositivo legal. A dignidade é um atributo humano sentido e criado pelo homem, por ele desenvolvido e estudado, existindo desde o princípio da humanidade, mas, apesar de sempre estar presente na sociedade, o respeito à pessoa humana era ignorado e prevalecia a vontade dos chefes de Estado ou até mesmo daqueles que detinham mais “poderes”, ou seja, que possuíam condições financeiras melhores que a maioria da população, e com isso atrocidades ocorriam de forma impune, a fim de satisfazer a vontade destes indivíduos. Manoel Jorge e Silva Neto coloca em destaque em sua obra, a importância deste princípio para o ordenamento brasileiro: Firmar como fundamento do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana deixa à mostra a obrigatoriedade de pôr no núcleo central das atenções o indivíduo, quer seja para torná-lo efetivamente destinatário dos direitos de cunho prestacional, quer ainda para demarcar, com precisão, a idéia de que o mais elevado e sublime propósito cometido à sociedade política é o enaltecimento da dignidade das pessoas que a compõem. (2011, p.255) Os doutrinadores Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto, definem uma evolução trifásica do princípio da dignidade da pessoa humana: o cristianismo, o kantismo e a Segunda Guerra Mundial. Inicialmente a dignidade se baseia em Deus, era externa ao homem por ser concedida por um ente superior, em seguida, a dignidade passa para o interior do homem, associando-se a racionalidade e a liberdade como atributos exclusivos da pessoa natural e por fim, trata-se de atentados brutais contra a dignidade dos seres humanos. Com a ocorrência de inúmeras atrocidades decorrentes da última fase da evolução, surge a grande necessidade de se instituir a dignidade como um princípio basilar de um Estado Democrático de Di-

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reito. Sendo assim, a Constituição Federal de 1988, juntamente com esta evolução do pensamento humano, faz com que este princípio seja percebido plenamente, recebendo reconhecimento e proteção, passando a ser um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais da pessoa humana, desde o direito à vida, representando o valor absoluto de cada pessoa. (2014, págs. 49, 50, 51) Respeitar a dignidade da pessoa humana deve ser o norte de todas as relações, objetivando a valorização do indivíduo como humano, tendo direito a um tratamento respeitável, não degradante, protegendo a sua integridade psicológica e física, e viabilizando as condições de vida para proporcionar liberdade aos indivíduos. Por se tratar de um princípio que fundamenta o Estado Democrático de Direito, torna-se um elemento primordial para a interpretação e aplicação das normas jurídicas, onde o ser humano deve ser reconhecido e valorizado como a base de todo o direito. Como ensina os doutrinadores já mencionados acima, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto, “o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser considerado como uma cláusula geral de tutela à pessoa” (2014, p.48), sendo a dignidade um valor moral intrínseco ao homem que jamais poderá ser relativizado pelo Estado ou pela sociedade. Para os autores, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Benet Branco, os deficientes merecem um tratamento diferenciado, como forma de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, como se observa abaixo: Alguns indivíduos, por conta de suas peculiaridades, tornam-se merecedores de atenção especial, exigida pelo princípio do respeito à dignidade humana. Daí a consagração de direitos especiais aos enfermos, aos deficientes, às crianças, aos idosos... O homem não é mais visto em abstrato, mas na concretude das suas diversas maneiras de ser e de estar na sociedade. (2014, p.156) Outro princípio de extrema importância, que norteia o tema dos deficientes e que ganha realce também na segunda geração de direitos é o da igualdade. A Constituição o adotou prevendo que todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, vedando as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, mas sem deixar de dar tratamento desigual aos casos que são desiguais, na medida de suas desigualdades, por ser uma exigência do próprio ordenamento para a promoção da justiça no país. O que realmente possuí diferenciação no critério de igualdade é em casos de proteção de certas finalidades, buscando um equilíbrio social, não só através da criação de leis, mas também de políticas públicas que ofereçam serviços básicos para a população. Nesse sentido, Alexandre de Moraes afirma que: A igualdade se configura como uma eficácia transcendente, de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição, como norma suprema, proclama. (2014, p.35) A República Federativa do Brasil deve promover o bem de todos, vedando a criação de normas que determinem tratamentos diferenciados a pessoas que se encontram em uma mesma situação, bem como, não poderá haver diferenciações na hora da aplicação em razão de religião, sexo, cor, idade, classe social, posicionamentos políticos e filosóficos, idade e outras formas de discriminação, dentre elas a posse de deficiência. Para Kildare Gonçalves Carvalho, “a idéia de igualdade se relaciona com a da própria justiça, quando se trata de exigir de cada um aquilo que sua capacidade e possibilidade permitirem, e conceder algo LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

a cada um, de acordo com os seus méritos”. (2013, p. 688) Uma diferenciação criada no âmbito jurídico só é considerada não discriminatória quando existir alguma justificativa plausível e objetiva, dentro de critérios valorativos aceitos. Portanto, deve existir uma relação de proporcionalidade entre os meios empregados para atingir tal finalidade, não deixando de observar os direitos e garantias protegidos pela Constituição. Para Alexandre de Moraes, há uma tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade. A primeira finalidade se refere à limitação do legislador, pois, na sua função de edição normativa, não poderá violar o princípio ora abordado, sob pena de caracterizar uma inconstitucionalidade. A segunda é direcionada ao intérprete da norma, ou seja, a autoridade pública, não poderá aplicá-las criando ou aumentando desigualdades, devendo interpretar a legislação da forma mais unificada e igualitária possível. E a última menciona a limitação do particular, que não poderá ter atitudes de discriminação, de preconceito e de racismo, pois poderá respondê-las civilmente e/ou criminalmente. (2014, p.36) O direito à igualdade emerge como regra de equilíbrio dos direitos das pessoas com deficiência, pois deve ser aplicado o princípio da igualdade formal perante a lei, que é o presente no artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Contudo, essa igualdade formal descrita em lei pode ser quebrada diante de situações justificáveis, pois o deficiente tem, pela sua própria condição, direito à quebra da igualdade, em situações das quais participe com pessoas que não apresentem nenhum tipo de deficiência. Ou seja, os deficientes possuem proteção especial, tendo em vista a sua própria condição de vulnerabilidade. Neste sentido, a publicação da Revista Letras Jurídicas da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, demonstra que: [...] diante do reconhecimento das desigualdades existentes entre os diversos grupos da sociedade, o princípio da igualdade se demonstra imprescindível para assegurar o tratamento adequado e justo às pessoas com deficiência em um Estado Democrático de Direito, dado suas necessidades específicas e diferenciadas, que para serem atendidas dependem de uma disposição normativa analogicamente desigual a aquela assentada aos demais cidadãos. (MACIEL, Sanit-Clair Guilherme Campos, 2014)4 4 TRATAMENTO DADO ANTERIORMENTE PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002 EM RELAÇÃO AOS DEFICIENTES Pessoa natural é o ser considerado como sujeito de direitos e obrigações, que é o que descreve o artigo 1º do Código Civil de 2002, “toda pessoa é capaz de direitos e deveres”, e da análise deste dispositivo surge a noção de capacidade, que como menciona Maria Helena Diniz, “é a maior ou menor extensão dos direitos e dos deveres de uma pessoa” (2009, p.152), ou seja, trata-se da medida jurídica da personalidade. A personalidade no campo jurídico é a própria capacidade jurídica, a possibilidade de atuar nos polos das relações jurídicas. A capacidade envolve a aptidão para adquirir direitos e assumir deveres pessoalmente. Mais especificamente, significa que as mais diversas relações jurídicas podem ser realizadas pessoalmente pelas pessoas plenamente capazes ou por intermédio de terceiros, em caso de incapazes. A aptidão oriunda da personalidade é reconhecida como capacidade, sendo ela de fato ou de direito, conforme entendimento de Maria Helena Diniz (2009, p.152). A capacidade de fato é a aptidão de exercer por si os atos da vida civil e dependendo do grau discernimento que o sujeito possui, que se trata de critério, prudência, juízo e dentro do âmbito jurídico, vem a ser a aptidão que a pessoa tem de poder distinguir um ato lícito de um ilícito. A capacidade de direito,

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também conhecida como capacidade de gozo ou de aquisição, trata da potencialidade de ser titular de relações jurídicas, e esta capacidade não pode ser recusada em momento algum ao indivíduo, pois é ela que traz a qualidade da pessoa humana e que a cobre de atributos de personalidade. Um exemplo pode ser percebido na obra de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, como forma de ilustrar essa diferença mencionada acima: “Uma criança com oito anos de idade possui capacidade de direito, embora não disponha de capacidade de fato, não lhe sendo possível praticar pessoalmente qualquer ato jurídico” (2015, p. 137). Portanto, entende-se que a capacidade de fato presume a capacidade de direito, mas a recíproca não é verdadeira. 5 INCAPACIDADES Partindo de uma idéia inicial defendida por Maria Helena Diniz, de que a capacidade deve ser considerada como a regra e a incapacidade como exceção (2009, p.154), veio o direito positivo trazer as hipóteses de restrição da capacidade plena, criando assim o regime das incapacidades, que se refere ao reconhecimento da inexistência, numa pessoa, daqueles requisitos que a lei considera indispensáveis para o exercício dos seus direitos. Como forma de aplicar e consubstanciar o princípio da igualdade garantido pela Constituição Federal de 1988, o incapaz possui um tratamento diferenciado, já que se encontra em uma posição desigual quando comparado aos demais sujeitos. Dessa forma, é criada uma série de medidas protetivas em favor do incapaz. A incapacidade subdivide em absoluta e relativa. Será incapacidade absoluta quando existir uma proibição total do exercício do direito pelo sujeito incapaz, sendo que em caso de violação de um algum preceito normativo, poderá acarretar a nulidade do ato, que é o que descreve o inciso I do artigo 166 do Código Civil de 2002. Portanto, os absolutamente incapazes possuem direitos, mas não podem exercê-los pessoalmente, havendo a necessidade de representação por um terceiro. Já a incapacidade relativa permite que o indivíduo realize determinados atos, em princípio apenas assistidos pelos seus responsáveis, sendo estes os pais ou seus representantes legais. Sendo assim, a incapacidade relativa vem a ser uma capacidade limitada. Antes da entrada em vigor do Novo Estatuto do Deficiente que alterou o regime das incapacidades previstas no Código Civil de 2002, os deficientes mentais se encaixavam no rol dos absolutamente incapazes de exercer os atos da vida civil, como pode ser observado o artigo 3º do dispositivo ora mencionado antes das alterações: Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

A antiga redação protegia os que sofrem de insanidade mental, por entender que determinadas doenças ou estados patológicos do próprio ser humano reduzem a capacidade de compreensão das situações do cotidiano, fazendo com que seja impossível o pleno discernimento para a realização dos atos civis. O artigo 4º do CC/02 tratava das incapacidades relativas, incluindo também os deficientes, com a seguinte redação: Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. Portanto, o artigo 3º e 4º do Código Civil de 2002, antes da alteração, limitava o deficiente de praticar atos da vida civil pessoalmente, tratando assim de limitações ao livre exercício da plena capacidade jurídica, que tem que ser admitidas em caráter excepcional, como ensina por Maria Helena Diniz. (2009, p.154) No que tange ao relativamente incapaz, o ordenamento jurídico não ignora a sua vontade. O sistema leva em consideração a manifestação do sujeito, desde que seja regularmente assistido por um responsável. Dessa forma, “o relativamente incapaz pratica o ato jurídico juntamente com seu assistente, sob pena de anulabilidade”, conforme Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. (2014, p.151) Dessa forma, os deficientes que não conseguiam exprimir sua vontade recebiam o tratamento como absolutamente incapazes ou relativamente incapazes, dependendo do grau de discernimento que possuíam de acordo com o tipo de deficiência, o que foi alterado com a redação do novo Estatuto da Pessoa com Deficiência. 6 O NOVO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA Após 15 anos de tramitação do projeto de lei, onde ocorreram cerca de 1.500 encontros entre políticos, entidades e movimentos de pessoas com deficiência, para análise e discussão sobre o tema em comento, em 06 de julho de 2015 foi sancionada pela Presidente Dilma Rousseff, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, nº 13.146, com vacatio legis de 180 dias, também conhecida como o Novo Estatuto da Pessoa com Deficiência. A nova Lei visa promover e assegurar, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa portadora de deficiência, com o objetivo de realizar a sua inclusão social e cidadania, conforme prevê o artigo 1º do dispositivo legal ora mencionado. O artigo 2º da Lei nº 13.146 traz o conceito de pessoa portadora de deficiência: Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e afetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Esta nova norma possui 127 artigos, com uma série de medidas protetivas na parte geral, consolida algumas leis existentes e avança nos princípios da cidadania, trazendo grandes inovações para o ordenamento jurídico brasileiro, como no Código Penal, na Consolidação das Leis Trabalhistas e principalmente no Código Civil, no âmbito das incapacidades civis. O que se busca com essa nova norma é promover o direito à igualdade de oportunidades para os deficientes, proibindo assim qualquer tipo de tratamento discriminatório. E para coibir essa discriminação, regulou aspectos para inclusão, deixando ainda mais claro todos os direitos fundamentais, prevendo crimes e infrações administrativas realizadas contra os portadores de deficiência, sendo ela mental e/ou física. A proposta é de beneficiar em média, 45 milhões de brasileiros,

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a partir da entrada da sua entrada em vigor, nas mais diversas áreas sociais: educação, trabalho, saúde, habilitação e reabilitação, turismo, lazer, transporte, criando assim uma maior acessibilidade de acordo com as especificidades das deficiências. Dentre as inúmeras inovações, destacam-se as seguintes que encontram previsão nos artigos da Lei nº 13.146: pena de dois a cinco anos de detenção e multa para quem impedir ou dificultar o ingresso da pessoa com deficiência em planos de saúde privados e a quem recusar assistência médica, negar trabalho ou outros direitos a alguém em decorrência de sua deficiência. Além disso, passa a ser proibida a cobrança de taxas extras nas mensalidades e nas matrículas de escolas privadas e as empresas de táxi deverão garantir 10% das vagas para condutores deficientes. Antes de sua entrada em vigor era previsto que 2% das vagas dos estacionamentos públicos teriam que ser destinados aos deficientes, mas agora tem que haver no mínimo uma vaga em estacionamentos de menor porte, sendo que todos os locais devem estar sinalizados de maneira correta e todos os veículos deverão conter a credencial de beneficiário das vagas. Além disso, passa a ser exigido que pelo menos 10% dos quartos de pousadas e hotéis sejam acessíveis aos deficientes. Com a observância destas garantias expostas acima, bem como as demais que encontram expostas na Lei, fica claro que o Estatuto visa colocar o portador de deficiência no centro do Direito, retirandolhe a rotulação de incapaz criada durante anos pela sociedade e pelo próprio ordenamento, assegurando-lhe o direito fundamental à vida e promovendo assim, a sua acessibilidade.

patrimoniais e negociais, conforme previsão do caput do artigo 85 da nova Lei, não interferindo no âmbito do direito de família, eleitoral, do trabalho e do direito de ser testemunha. Sendo assim, este instituto da curatela possui um papel de medida protetiva, que será utilizada em último caso. E além de ser uma medida extraordinária, todas as sentenças que apliquem a curatela, devem constar as razões para se chegar a tal decisão, sem deixar de preservar os interesses do curatelado, ora deficiente. O Estatuto retira o deficiente da categoria de incapaz, visto que o artigo 6º e o artigo 84º deixam claro que a deficiência não afeta a capacidade civil plena da pessoa, conforme se observa abaixo: Art. 6o A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I - casar-se e constituir união estável; II - exercer direitos sexuais e reprodutivos; III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1o Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. § 2o É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada. § 3o A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível. § 4o Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano.

7 A ALTERAÇÃO REALIZADA PELO NOVO ESTATUTO DO DEFICIENTE NO QUE TANGE AS INCAPACIDADES CIVIS DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 O novo Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe grandes modificações em relação à regra da capacidade civil que era prevista no Código Civil de 2002, provocando assim muitas preocupações no mundo jurídico. Esta mudança foi realizada com o objetivo de reconhecer e afirmar o enorme valor que tem os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Para o jurista e diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM, Zeno Veloso5, a nova lei trouxe muitas e importantes modificações no direito brasileiro, mas, durante o trâmite no Congresso Nacional, o projeto que deu origem à lei não foi devidamente acompanhado pela comunidade jurídica. Além de alterar dispositivos do Código Civil que encontravam em vigor no país, a Lei nº 13.146 introduziu a expressão jurídica “Tomada de Decisão Apoiada”, que vem a ser um modelo jurídico de promoção das pessoas com deficiência. Foi alterado o instituto da capacidade civil, com a mudança nos artigos 3º, 4º, 228, 1518, 1548, 1550 §2º, 1557, 1767, 1768, 1769, 1771, 1772, 1775-A, 1777 do CC/02 e o artigo 1783-A, criou um novo conceito para capacidade civil, deixando claro que a tomada de decisão apoiada é o processo em que o deficiente escolherá pelo menos duas pessoas idôneas, que possuem sua confiança e que tenha vínculo, para apoiá-la na tomada de decisões em relação aos atos da vida civil, dando-lhes as informações e os elementos importantes para que exerça sua capacidade. Dessa forma, há agora, uma alternativa para a situação da curatela, colocando esta como uma solução que só deve ser utilizada em casos extremos. Mesmo que ainda ocorra a curatela, ela passa a ser bem diferente da interdição total que existia, pois, conforme o artigo 84, parágrafo 3º, da Lei nº 13.146, que será mencionado abaixo, esta curatela será proporcional as necessidades do curatelado, devendo durar o menor tempo possível e só será aplicada aos atos que envolvam questões

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Portanto, a pretensão é fazer com que o deficiente deixe de ser tratado como incapaz, retirando esse rótulo criado durante anos na sociedade brasileira, para ser considerado como um sujeito possuidor de capacidade legal plena, mesmo que seja necessária a adoção de alguma assistência específica, como a tomada de decisão apoiada para praticar atos da vida civil, e, em casos excepcionais, a curatela. Os artigos que mencionam os absolutamente incapazes e os relativamente incapazes, passaram por alterações de enorme relevância, pois o artigo 3º do CC/02 que dispõe sobre os absolutamente incapazes, teve todos os seus incisos revogados, permanecendo apenas o sujeito menor de 16 (dezesseis) anos de idade. Já o artigo 4º, que trata da incapacidade relativa, também sofreu modificação, pois o inciso I permanece com a previsão dos sujeitos entre 16 e 18 anos; o inciso II retirou a menção que fazia aos deficientes mentais, deixando apenas os ébrios habituais e os viciados em tóxico; o inciso III, que cuidava do excepcional sem desenvolvimento mental completo, passou a mencionar, apenas, das pessoas que, por causa transitória ou permanente, não consigam exprimir a sua vontade; e o último inciso permaneceu a previsão da incapacidade relativa dos pródigos. 8 AS INCONGRUÊNCIAS DO NOVO ESTATUTO DO DEFICIENTE Assim como qualquer legislação nova no ordenamento jurídico, a Lei nº. 13.146/2015, conhecida como Novo Estatuto do Deficiente, apresenta pontos bem polêmicos. Como dito anteriormente, trata de um instituto que busca a inclusão social da pessoa com deficiência, sem que haja qualquer tipo de discriminação, mas, para alcançar

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esse objetivo, a lei estabelece normas que podem criar falta de segurança e desconfortos ao portador de deficiência. Flávio Tartuce afirma em seu artigo publicado sobre a temática, que se formaram duas vertentes, a primeira condenando as modificações da nova norma, visto que a dignidade de tais pessoas deveria ser preservada por meio de sua proteção como vulneráveis (dignidade-vulnerabilidade), já a segunda corrente glorificando a inovação, pela tutela da dignidade-liberdade dos deficientes. Há uma preocupação no enquadramento do deficiente como um relativamente incapaz, retirando-o do rol dos absolutamente incapazes, onde permaneceram apenas os menores de 16 anos de idade, de modo que os atos praticados pelas pessoas com deficiência sejam anuláveis e não absolutamente nulos. Ao criar a lei, o legislador não distinguiu os tipos de deficiência, visto que há uma grande diferença entre um deficiente físico e um mental, pois, dependendo do grau de afetação deste, seu discernimento passa a ser reduzido, ou até mesmo não possuir, de forma que, em determinadas situações, não conseguirá distinguir um ato lícito de um ilícito, um ato perigoso de um ato sem riscos, entre outras situações. O que já não vem a ser considerado um risco quando tratamos de pessoas com deficiências físicas que possuem plena consciência de seus atos. Nos casos de deficientes com afetação no sistema psicológico, vislumbra-se uma falta de proteção, pois com o novo Estatuto, passam a correr ainda mais riscos de sofrerem golpes por pessoas que estejam agindo de má-fé, que buscam o aproveitamento de situações com sujeitos vulneráveis, causando assim, prejuízos consideráveis aos deficientes. Além da preocupação com a vulnerabilidade do deficiente, houve um atropelamento de normas que se deu com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil e do novo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que fizeram alterações no Código Civil de 2002. Para ilustrar este assunto de forma breve, expõe-se o entendimento de Fredie Didier Jr.7:

ordenamento com o Novo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que vem a ser uma conquista, bem como uma promoção aos portadores de deficiência. E como foi observado ao longo de todo o trabalho, a história se inicia em um pensamento arcaico de exclusão, para um pensamento de integração do deficiente com toda a sociedade, para que as pessoas possam lidar com as diferenças, sem que haja nenhum tratamento discriminatório. Com a criação da Lei nº 13.146, a deficiência passa a não ser um fator capaz de retirar automaticamente a capacidade civil de um sujeito, como uma forma de promover a igualdade de tratamento e a dignidade da pessoa humana, que são princípios basilares no ordenamento jurídico brasileiro. Com isso, os deficientes hoje possuem capacidade civil para decidir e solucionar as questões de sua vida. Ocorre que, essa situação passa a ser desconfortável para o próprio deficiente, colocando-o em uma condição de insegurança, pois podem se tornar alvo de coações e golpes de indivíduos de má-fé, que queiram aproveitar de uma situação de vulnerabilidade. Portanto, apenas a prática de analisar casos concretos e o tempo que irão demonstrar se o melhor caminho é o da busca da dignidade, proporcionando uma maior liberdade aos deficientes ou o da busca de uma maior proteção e restrição, em decorrência da condição vulnerável destas pessoas, sem deixar de prestigiar a dignidade humana. E como mencionado acima, o grande problema é que talvez seja tarde demais para perceber e reconhecer o eventual engano, pois há situações que são irremediáveis e que podem causar prejuízos na vida dos deficientes.

Sucede que a Lei n. 13.146/2015 alterou a redação de artigos do Código Civil relacionados à interdição que o CPC-2015 havia revogado [...]. Nesse ponto, a desatenção legislativa é evidente. É preciso, então, conciliar as leis no plano intertemporal. A tarefa não é simples. Para tanto, são dois os postulados interpretativos que serão utilizados: a) as leis estão em sintonia de propósitos; b) elas devem ser interpretadas de modo a dar coerência ao sistema. Quatro são os dispositivos afetados: arts. 1.768, 1.769, 1.771 e 1.772 do Código Civil; todos eles revogados pelo CPC/2015 e alterados pela Lei n. 13.146/2015.

BRASIL. Decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm> Acesso em: 12 de maio de 2016.

Como já mencionado em momentos anteriores, a nova norma surgiu com o intuito de inclusão, o que vem a ser um motivo bem justo para toda a sociedade, porém, acabou desconsiderando outras situações. Dessa forma, vários desacertos na fase inicial de sua vigência irão ocorrer em decorrência destas incongruências, mas que deverão ser corrigidos por doutrinadores e por entendimentos jurisprudenciais, para que o novo estatuto seja adaptado aos casos concretos. Só a prática e o tempo demonstrarão se o melhor caminho a percorrer é o da dignidade-liberdade ou da dignidade-vulnerabilidade, que era utilizado anteriormente. O grande problema é que talvez seja muito tarde para perceber o eventual engano.

REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 11 de maio de 2016.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 12 de maio de 2016. BRASIL. Lei n º 13.105, de 16 de março de 2016. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 22 de maio de 2016. BRASIL. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20152018/2015/Lei/L13146.htm> Acesso em: 27 de abril de 2016. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Vol. 1. 20ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

DIDIER JR, Fredie. Editorial 187. Estatuto da Pessoa com Deficiência, Código de Processo Civil de 2015 e Código Civil: uma primeira reflexão, 2015. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/editorial/ editorial-187/> Acesso em: 23 de junho de 2016.

A situação enfrentada pelos deficientes passou por um longo processo de evolução, até que se chegou a uma grande mudança no

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 1. Teoria Geral do Direito Civil. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson e NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de Direito Civil. Vol.3. Salvador: Juspodivm, 2014. FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Vol. 1. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. Vol. 1. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. LETRAS JURÍDICAS. Revista da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Estado Democrático de Direito e o Acesso à Educação para Pessoas Portadoras de Deficiência, 2014. Autoria: Saint-Clair Guilherme Campos Maciel. Disponível em: <http://npa.newtonpaiva. br/letrasjuridicas/?p=57> Acesso em: 22 de junho de 2016. MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. NETO, Manoel Jorge e Silva. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. Portal do IBDFAM. Instituto Brasileiro do Direito de Família. Especialistas questionam capacidade civil prevista no Estatuto da Pessoa com Deficiência. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/5998/ Especialistas+questionam+capacidade+civil+prevista+no+Estatuto+da+Pessoa+com+Defici%C3%AAncia> Acesso em: 23 de maio de 2016. Portal do MEC. Declaração dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/dec_ def.pdf> Acesso em: 05 de maio de 2016. TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte II. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI225871,51045-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com> Acesso em: 22 de junho de 2016.

Banca Examinadora Hugo Rios Bretas (Orientador) Vinícius da Costa Gomes (Examinador)

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O DIREITO DO HOMEM SOBRE O PRÓPRIO MATERIAL GENÉTICO Talles Caique Damasceno da Silva1

RESUMO: O presente artigo objetivou analisar, mas com a consciência de não ter esgotado o tema, o conceito biológico e jurídico do esperma, e o seu tratamento como bem fora do comércio. O aparente conflito entre os direitos constitucionais à vida, à intimidade e à privacidade é o pano de fundo para análise de casos concretos, e para discussão sobre as consequências jurídicas da manipulação dos materiais genéticos como as do uso do esperma destacado post-mortem, sem autorização; o uso do esperma descartado, sem autorização do titular; e, por fim, o reconhecimento da paternidade biológica em casos de doação anônima de esperma. PALAVRAS-CHAVE: reprodução humana assistida, uso post-mortem; doação anônima; bem fora do comércio; materiais genéticos.

1 INTRODUÇÃO A evolução da Ciência e as diversas descobertas no campo da genética, em especial a genética humana, trouxeram muitas contribuições para humanidade, tais como a cura de doenças e a busca pela longevidade. Todavia, e infelizmente, esse desenvolvimento não tem trazido somente benefícios. Esse estudo é relevante e visa a analisar, mas com a consciência de não ter esgotado o tema, as consequências jurídicas da manipulação de materiais genéticos, em especial, nas situações de reprodução assistida. Pretende-se analisar, entre todas, as consequências do uso post-mortem esperma humano, sem autorização; o uso do esperma descartado, sem autorização do titular; e, por fim, o reconhecimento da paternidade biológica em casos de doação anônima de esperma. Para tentar responder tais perguntas, será feita uma análise sistemática e bibliográfica, iniciando-se pelo conceito biológico e jurídico do esperma; após, o seu tratamento como bem fora do comércio; em seguida, o exame dos direitos à vida, à intimidade à privacidade e a relação de tais direitos com a reprodução medicamente assistida.

prepará-la para a ejaculação do sêmen (líquido prostático + espermatozoides) cujo pH é muito alcalino (8-9). Ou seja, é considerado como o “lubrificante masculino”.” (URO, S/Data) A Lei 9.434/1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, não compreende o sêmen como tecido humano. Desse modo, o esperma é gameta, ou seja, são as células dos seres vivos que, na reprodução sexuada, se fundem no momento da fecundação ou fertilização e assim se constitui material diverso do tecido, mas que possui a capacidade de produzir um novo ser da mesma espécie, in verbis: Lei 9.434/1997: Art. 1º A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo. 3 O ESPERMA COMO BEM FORA DO COMÉRCIO Assevera Cesar Fiuza:

2 CONCEITO BIOLÓGICO E JURÍDICO DO ESPERMA

Os bens que se acham no comércio podem ser alienados e adquiridos livremente. Já os bens que estão fora do comércio são todos os inapropriáveis, como o sol e as estrelas, e também os inalienáveis, seja por força de lei, como alguns bens públicos, fundacionais etc., seja por convenção, como o bem de família voluntário. (FIUZA, 2015, p.231)

O esperma ou sêmen, numa percepção biológica, pode ser conceituado como: O fluido orgânico produzido pelos machos de muitas espécies de animais para transportar os espermatozoides até o local de fertilização na fêmea. (...) É constituído por espermatozoides e pelo conjunto de dois líquidos, sendo estes o líquido seminal e líquido prostático. (SOBIOLOGIA, S/Data)

Desse modo, por força do disposto na Lei 9.434/1997 e na Resolução 2.121/15 do Conselho Federal de Medicina, a doação do sêmen não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. Vejamos:

Assim, os espermatozoides “são células pequenas, alongadas com formato hidrodinâmico e com uma longa cauda que é utilizada na propulsão.” (SOBIOLOGIA, S/Data) Por sua vez, o líquido seminal é a parte do sêmen sem espermatozoides. Já o líquido prostático “tem origem na própria uretra e na próstata e tem por objetivo, “tamponar” o pH da uretra ácido (5-6) e

Resolução 2.121/15 CFM2, título IV, item I: IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES 1 - A doação não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. (Resolução do CFM, D.O.U.

24/09/2015).

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Conselho federal de medicina. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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4 DO DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA E GENÉTICA O princípio fundamental da ordem jurídica brasileira é a dignidade da pessoa humana, nele se reúnem todos os valores e direitos que podem ser reconhecidos à pessoa humana. Nessa linha de pensamento, sustentam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: (..) o postulado fundamental da ordem jurídica brasileira é a dignidade humana, enfeixando todos os valores e direitos que podem ser reconhecidos à pessoa humana, englobando a afirmação de integralidade física, psíquica e intelectual, além de garantir a sua autonomia e livre desenvolvimento da personalidade. (ROSENVALD; FARIAS, 2015, p. 127) O direito à integridade física está intimamente ligado à dignidade humana, haja vista que dela emana a não coisificação e não instrumentalização do ser humano. Nas palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald; o direito à integridade física compreende “a proteção jurídica do corpo humano, isto é, à sua incolumidade corporal, incluída a tutela do corpo vivo e do corpo morto, além dos tecidos, órgãos e partes suscetíveis de separação e individualização.” (ROSENVALD; FARIAS, 2015, p. 174) O código civil de 2002 dedicou ao tema os arts.13 a 15, tratando da tutela do corpo vivo (art.13) e do corpo morto (art.14) e ao livre consentimento informado do paciente (art.15). (ROSENVALD; FARIAS, 2015, p. 174) O art. 13 do Código Civil de 2002 dispõe:

a instigação ao suicídio, o infanticídio e o aborto, além dos crimes de lesões corporais no art. 129. Se ofender a integridade física é conduta ilícita de acordo com o direito, é igualmente ilícita a conduta de ofender a integridade genética. Assim, a integridade genética não pode ficar de fora da proteção, por falta de especificação, haja vista que cada célula do corpo humano é dotada da mesma proteção conferida ao todo. Feitas essas considerações, percebe-se claramente que a integridade física abrange à integridade genética. Portanto, a vida humana reclama, pois, especial proteção, impondo a objeção contra todo e qualquer risco contra a degradação ou destruição de sua integridade (ROSENVALD; FARIAS, 2015, p. 174). 5 DOS DIREITOS À VIDA, À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE E SUA RELAÇÃO COM A REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA A Constituição Federal de 1988 estabelece direitos e garantias fundamentais, entre eles os direitos à vida, à intimidade e à vida privada. Tais direitos estão intimamente ligados e são aplicáveis à questão em análise, como se passa a expor. Como pressuposto basilar, que sem o qual não existiria nenhum outro direito ou garantia, a Constituição Democrática de 1988 garante a própria existência humana. Nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco e Inocêncio Mártires Coelho: A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades dispostas na constituição. Esses direitos têm nos marcos da vida de cada indivíduo os limites máximos e mínimos de sua extensão concreta. O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte, não faria sentido declarar qualquer outro se, antes não fosse assegurado o próprio direito de estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse. (MENDES; BRANCO, COELHO 2009, p. 394)

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. Sendo visível a proteção ao corpo vivo, dele infere-se, a contrario sensu, a possibilidade de dispor do corpo, desde que não importe em diminuição permanente da integridade física e não ofenda aos bons costumes. Críticas são feitas ao dispositivo, haja vista ser a expressão “bons costumes” um conceito vago e impreciso. A outro giro, não é razoável que o titular somente possa diminuir permanentemente a sua integridade física quando houver autorização médica. (ROSENVALD; FARIAS, 2015, p. 175) Pense por exemplo, um lutador de pugilismo ou muay thai que na prática do esporte irá e, efetivamente diminuir, a sua integridade física. Com efeito, sendo o Direito multável uma norma estática não é razoável. Desse modo, o dispositivo legal em referência demonstra-se impróprio ao “impor a exigência médica como um fator necessário para disposição permanente da integridade física” (ROSENVALD; FARIAS, 2015, p. 174). Percebe-se que não existe interesse público no controle dos atos de disposição da integridade física. “A rega há de ser a autonomia privada, com um controle estatal quando houver uma periclitação da dignidade humana” (ROSENVALD; FARIAS, 2015, p. 176). É necessário chamar atenção que a violação à integridade física pode caracterizar o chamado “dano estético” e consiste nas lesões, permanentes ou transitórias, na integridade física de uma pessoa viva (ROSENVALD; FARIAS, 2015, p. 176). Essa proteção se inicia desde a concepção e se estende até a morte. O Código Penal trata do tema nos arts. 121 e seguintes, nas condutas previstas como crimes contra a vida, tipificadas penalmente, como passiveis de reprovação, o homicídio, o auxílio, o induzimento e

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A Lei fundamental de 1988, disciplina no art. 5º, X, o direito à privacidade e contempla a inviolabilidade da intimidade, da vida, da honra e da imagem, assim redigido: Art. 5º, X. –são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Para Nathalia Masson: A privacidade representa a plena autonomia do indivíduo em reger sua vida do modo que entender mais correto, mantendo em seu exclusivo controle as informações atinentes à vida doméstica (familiar e afetiva), aos seus hábitos, escolhas segredos etc., sem se submeter ao crivo (e à curiosidade) da vida opinião alheia. (MASSON, 2015, p. 218) Com âmago mais restrito, a intimidade, para Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco e Inocêncio Mártires Coelho, tem como objeto as relações mais sigilosas, vejamos:

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O objeto do direito à intimidade seriam as conversações e os episódios ainda mais íntimos, envolvendo relações familiares e amizades mais próximas. (MENDES; BRANCO, 2009, p. 420) A Resolução nº 2.121/15 do Conselho Federal de Medicina, dis-

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ciplina a reprodução assistida, que é gênero, do qual derivam duas espécies: a inseminação artificial e a fertilização na proveta/ in vitro – FIV. A inseminação artificial é realizada in vitro, no próprio corpo da mulher; por outro lado, na fertilização na proveta a fecundação é laboratorial, realizado fora do corpo feminino. Nesse sentido são as lições de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

6 DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS: situações problemáticas No que diz respeito à criopreservação dos materiais genéticos, segundo a nova Resolução (2.121/15, do CFM), no item V, 2 a 4, assim redigido:

2- O número

total de embriões gerados em laboratório será comunicado aos pacientes para que decidam quantos embriões serão transferidos a fresco. Os excedentes, viáveis, devem ser criopreservados. 3- No momento da criopreservação, os pacientes devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado aos embriões criopreservados em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento, de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los. 4- Os embriões criopreservados com mais de cinco anos poderão ser descartados se esta for a vontade dos pacientes. A utilização dos embriões em pesquisas de células-tronco não é obrigatória, conforme previsto na Lei de Biossegurança.

A inseminação artificial é o procedimento em que se realiza a concepção in vivo, no próprio corpo da mulher. O médico, portanto, prepara o material genético para implementar no corpo da mulher, onde ocorrerá a fecundação. De outra banda, na fertilização na profeta a concepção é laboratorial, realizada fora do corpo feminino, apenas ocorrendo a implantação de embriões já fecundados. (ROSENVALD; FARIAS, 2015, p. 194). E continua; “ambas as modalidades técnicas podem se concretizar de forma homóloga ou heteróloga. Naquela (homóloga), utiliza-se de material genético do próprio cônjuge ou companheiro, com sua expressa anuência. Nesta (heteróloga) o sêmen é de terceiro.” (ROSENVALD; FARIAS, 2015, p. 194). Na reprodução assistida heteróloga, que tem como característica a participação de um terceiro, sempre de modo gratuito (Resolução nº 2.121/15, Conselho Federal de Medicina), o médico trabalhará com sêmen e/ou óvulo de terceiro. Para isso, exige-se sempre autorização expressa do marido ou companheiro, haja vista, tal autorização possui natureza de verdadeira adoção prévia, e é suficiente para gerar a presunção de paternidade, conforme art. 1.597, V, do Código Civil/ 2002. Nestes termos: Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. Na Resolução 2.121/15 do Conselho Federal de Medicina persevera o princípio do anonimato (também conhecido como do sigilo). Em seu inciso IV, item 2 e 4, assim redigido: 2- Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. (...) 4- Será mantido, obrigatoriamente, o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do(a) doador(a).

Como pode ser observado a nova Resolução disciplina todo trâmite da reprodução assistida e o descarte autorizado dos materiais genéticos. Mas afinal, quais consequenciais do uso post-mortem, sem autorização? E o uso do esperma descartado, sem autorização do titular? Reconhecimento da paternidade biológica em casos de doação anônima de esperma? Para tentar responder essas perguntas será analisada pormenorizadamente cada uma delas em tópico próprio. 6.1 Do Uso Post-Mortem: Análise de caso concreto A todos que querem ser pais ou mães, a biotecnologia, com seus avanços, vem proporcionando as mais diversas possibilidades, sendo estas diferentes do antigo modus operandi. Tendo em vista a nova realidade social, muitas pessoas não têm se preocupado em ter filhos jovens. Estes casais, que antes queriam ter filhos hoje pensam primeiro em ter uma casa, acabar a faculdade e ter estabilidade financeira. Assim, a reprodução assistida pode ser utilizada não só por aqueles que têm problemas relacionados com a fertilidade, mas também por livre determinação. Desse modo, algumas pessoas por interesse pessoal, escolhem preservar seus materiais genéticos para serem utilizados em momento oportuno. Contudo, fatos diversos podem ocorrer, tais como a morte do cônjuge/companheiro. E, neste caso, se não houver autorização expressa do mesmo, a inseminação não ocorrerá. Em recente decisão publicada em 23/09/2014, a 3º turma cível do Tribunal De Justiça Do Distrito Federal e Dos Territórios, em sede de recurso de Apelação, negou a utilização pela viúva do sêmen criopreservado do seu companheiro para fins de reprodução assistida, sendo que a mesma não tinha a sua autorização expressa. A autora alegou que havia convivido por 14 anos com seu companheiro, e que os dois tinham o desejo de ter filhos, tendo inclusive revertido uma vasectomia, mas antes de concretizarem o projeto, o homem foi diagnosticado neoplasia maligna (câncer), e em virtude da agressividade do tratamento a que foi submetido, veio a falecer. Vejamos:

Portanto, a proteção da privacidade e do anonimato, feita na Resolução, ecoa os direitos constitucionais à privacidade e à intimidade. Desse modo, a criança gerada é, por presunção da lei, de quem autorizou o ato, ou seja, do cônjuge ou companheiro. Sem uma justificativa relevante, a interferência nessa dimensão ofenderia um direito relevante, do ponto de vista constitucional, e isso não é permitido pelo direito.

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AÇÃO DE CONHECIMENTO - UTILIZAÇÃO DE MATERIAL GENÉTICO CRIOPRESERVADO POST MORTEM SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO DOADOR - AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO PRELIMINAR DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO AFASTADA - MÉRITO - AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO LEGAL EXPRESSA SOBRE A MATÉRIA - IMPOSSIBILIDADE DE SE PRESUMIR O CONSENTIMENTO DO DE CUJUS PARA A

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UTILIZAÇÃO DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM. 1. Não se conhece do agravo retido diante da ausência do cumprimento do disposto no art. 523, §1º, do CPC. 2. Afasta-se a preliminar de litisconsórcio necessário entre a companheira e os demais herdeiros do de cujus em ação de inseminação post mortem, porquanto ausente reserva a direito sucessório, vencido o Desembargador Revisor. 3. Diante da falta de disposição legal expressa sobre a utilização de material genético criopreservado post mortem, não se pode presumir o consentimento do de cujus para a inseminação artificial homóloga post mortem, já que o princípio da autonomia da vontade condiciona a utilização do sêmen criopreservado à manifestação expressa de vontade a esse fim. 4. Recurso conhecido e provido.3 Portanto, e, de acordo com essa decisão, para reprodução assistida post-mortem é necessária a autorização expressa do Cônjuge/ Companheiro. 6.2 Da perda da propriedade e o uso do esperma destacado sem autorização do titular A propriedade pode ser entendida como a relação entre o titular de um direito real e a sociedade. Assim, a pessoa é titular de um bem. Todavia, para que esta pessoa seja considerada titular de um bem é necessário que existam outras pessoas que não sejam titulares desse bem. Exemplo clássico dos doutrinadores é o caso daquele que vive sozinho em uma ilha deserta. Indaga-se, existe nessa situação relação de propriedade? Não, porque neste caso não há outras pessoas para contrapor à propriedade. “Se digo que uma coisa é minha é porque não é de outros”. (FIUZA, 2015, p. 929) Nos ensinamentos do ilustre doutrinador César Fiuza:

E continua: A renúncia e o abandono são modos de perda do domínio que muito se aproximam. No entanto, são diferentes. Na renúncia, o titular abre mão de seu direito de forma expressa. Por ato de vontade liberatório. Já o abandono caracteriza-se por ato normalmente tácito de desdenho aos direitos de propriedade. Assim, uma pessoa pode abandonar e não renunciar. (FIUZA, 2015, p.1044) Por perecimento da coisa entende-se a perda do objeto. Tratase de modalidade involuntária de perda de da propriedade. As causas podem ser materiais, funcionais ou jurídicas. No sentido material é quando a coisa deixa de existir, podendo também se deteriorar a ponto de perder a finalidade a que se propunha, sendo neste caso será o perecimento funcional. Juridicamente seria quando o objeto perece por força de lei. (FIUZA, 2015, p. 1045) Desapropriação é a mais gravosa modalidade de intervenção do poder público na propriedade, por ele se entende como a possibilidade de transferência da propriedade de um terceiro a espera pública em razão utilidade pública, de necessidade pública, ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de justa e prévia indenização. Nessa linha de intelecção, lecionam Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo: Desapropriação é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública, de necessidade pública, ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de justa e prévia indenização. (PAULO; ALEXANDRINO, 2015, p. 1067) Mais adiante explanam: Como se vê, trata-se da mais gravosa modalidade de intervenção do Estado na propriedade, com a efetivação da transferência do domínio do particular para o Poder Público. Ao contrário das demais formas de intervenção na propriedade estudadas, em que o Poder Público apenas condicionava o uso da propriedade, na desapropriação o objetivo da atuação estatal é a transferência do bem desapropriado para o acervo do expropriante. (PAULO; ALEXANDRINO, 2015, p. 1067)

No grande universo do Direito das Coisas, propriedade pode ser definida como a situação jurídica consistente em uma relação dinâmica e complexa entre uma pessoa, o dono, e a coletividade, em virtude da qual são assegurados àquele os direitos exclusivos de usar, fluir, dispor e reivindicar um bem, respeitados os direitos da coletividade. (FIUZA, 2015, p. 935) São modos de aquisição da propriedade, o registro, a tradição, acessão e o usucapião. Por outro lado, há a perda da propriedade conforme o Art. 1.275. I - por alienação; II - pela renúncia; III - por abandono; IV - por perecimento da coisa; V - por desapropriação. Explica César Fiuza: Vários são os modos de perda da propriedade, tanto móvel quanto imóvel. O primeiro deles seria tradicionalmente a alienação. Por ela o titular da propriedade transfere sua situação a outro. Haverá um alienante ou transmitente e um adquirente. Tal é o caso da compra e venda, da doação etc. Ocorre que, do mesmo jeito que a simples alienação não é meio hábil para a aquisição da propriedade, tampouco será para perda. Não basta a simples alienação para que o transmitente deixe de ser dono. Isto só ocorrerá após a tradição ou registro, dependendo de ser o bem alienado móvel ou imóvel, respectivamente. Assim, o primeiro meio não seria a alienação, mas a tradição e o registro. (FIUZA, 2015, p.1043)

Do exposto, passamos analisar um caso interessante ocorrido nos Estados Unidos, no qual a corte de apelação de Chicago, entendeu que “uma vez produzido, o esperma se torna propriedade” da mulher. O médico Richard O. Phillips manteve um relacionamento de seis anos com acusada e também médica Sharon Irons e a acusa de “traição calculada, pessoal e profunda”. Ela teria guardado sêmen depois de fazerem sexo oral, e usado o esperma para engravidar. Philips só ficou sabendo da existência da criança quando sua ex-namorada Sharon Irons ingressou com um pedido de pensão alimentícia, e o teste de DNA confirmou a paternidade. Em sua defesa Sharon Irons alegou que “entregou seu esperma, isso foi um presente”. Para o Tribunal, “houve uma transferência absoluta e irrevogável de título de propriedade entre doador e receptora” e “não houve acordo de que o depósito teria de ser devolvido quando solicitado. (CONJUR, 2005) No caso em tela, está caracterizada a perda de propriedade por abandono, haja vista o elemento objetivo, ou seja, a derrelição da coisa e elemento subjetivo (animus dereliquendi), isto é, a vontade de

3 Acórdão n.º 820873, 20080111493002APC, Relatora: NÍDIA CORRÊA LIMA, Relator Designado: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Revisor: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 03/09/2014, Publicado no DJE: 23/09/2014.

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não ter mais a coisa. Todavia, houve desvio da finalidade na conduta de Sharon Irons, devendo a mesma ser responsabiliza, por exemplo, em dados morais. 6.3 Doação anônima de esperma e o reconhecimento da paternidade biológica A Resolução do Conselho Federal de Medicina 2.121/15, como já exposto, ao que se refere em relação aos doadores de gametas e embriões, estipula que será mantido, obrigatoriamente, o sigilo sobre a identidade dos mesmos, bem como dos receptores. E em situações especiais as informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardandose a identidade civil do(a) doador(a). Com a Constituição Federal de 1988, verdadeira carta de princípios, um novo paradigma interpretacional se impôs, chamado “Filtragem Constitucional”. Assim, todas as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas com base nos princípios constitucionais. A Lei maior de 1988 disciplina em seu art. 227, § 6º que: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Desta forma, a Constituição Cidadã de 1988 igualou os filhos em direitos e deveres, estabelecendo que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. O parentesco está intimamente ligado à filiação, e diz respeito às relações entre certas pessoas pertencentes a um mesmo grupo familiar, existindo várias espécies e graus de parentesco. (FIUZA, 2015, p. 1201) Sendo gênero, o parentesco se subdivide em espécies tais como genealogia, o tratamento legal e a linha, em especial trataremos do parentesco em relação a genealogia. (FIUZA, 2015, p. 1201) Assim, nesta categoria, o parentesco pode ser natural ou civil como estipulado no art. 1593 do Código Civil/2002. Vejamos: Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. O parentesco natural é o consanguíneo, aquele que une pessoas por um mesmo tronco familiar. (FIUZA, 2015, p. 1201) Já o parentesco civil é o por adoção e também daqueles quem possuem a posse de estado de filho. Será igualmente civil o parentesco do filho socioafetivo, como é o caso daquele gerado por inseminação heteróloga. O parentesco socioafetivo ocorre principalmente na linha reta, mas pode ocorrer também na colateral, como por exemplo no caso de irmãos. Cesar Fiuza exemplifica que se A e B são casados e se B engravida com o sêmen de outro homem colhido num banco de esperma de forma anônima, deve prevalecer a paternidade socioafetiva. E de direito o filho será de A. (FIUZA, 2015, p. 1201) O anonimato gera discussões, haja vista que o mesmo pode ser quebrado para se esclareça a identidade genética da pessoa gerada.

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Todavia, entende-se que o sigilo é justificado para não gerar um conflito familiar e também permitir a plena integração da criança com sua família jurídica, promovendo o melhor interesse para a mesma e impedido qualquer tratamento discriminatório. (CAMARDA; CABRAL, S/Data) Nesse sentido colaciona-se o informativo nº 0501 da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. INTERESSE DO MENOR. O registro espontâneo e consciente da paternidade - mesmo havendo sérias dúvidas sobre a ascendência genética - gera a paternidade socioafetiva, que não pode ser desconstituída posteriormente, em atenção à primazia do interesse do menor. A Min. Relatora consignou que, no caso, apesar de lamentável a falta de convivência entre o pai e a criança, tal situação não é suficiente para rediscutir o registro realizado de forma consciente e espontânea. Ressaltou, ainda, que o reconhecimento de inexistência de vínculo genético não pode prevalecer sobre o status da criança (gerado pelo próprio pai registral há mais de 10 anos), em atenção à primazia do interesse do menor. Ademais, a prevalência da filiação socioafetiva em detrimento da verdade biológica, no caso, tão somente dá vigência à cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Precedente citado: REsp 1.259.460-SP, DJe 29/6/12. REsp 1.244.957SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/8/2012. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante das crescentes evoluções e do novo cenário trazido pelos avanços da ciência, principalmente no campo da reprodução assistida, cujos avanços foram constantes nos últimos anos, tornou-se possível, hoje, conceber uma criança sem a prévia relação sexual. As pessoas que não podiam ter filhos ou que, por autodeterminação decidiram retardar esse acontecimento, na atualidade podem contar com um número cada vez maior de técnicas de reprodução humana assistida, e ter seus filhos concebidos de forma artificial, com pleno êxito. Embora com a consciência de não ter esgotado o tema, o presente artigo versou sobre o aparente conflito entre os direitos constitucionais à vida, à intimidade e à privacidade e, após, trouxe à baila casos concretos e a discussão sobre as consequências jurídicas da manipulação dos materiais genéticos. A ciência, ao evoluir, deve fazê-lo com a consciência de que todo progresso é em benefício da humanidade. Tais evoluções causam consequências jurídicas e sociais, tais como no uso post-mortem do sêmen, o uso do esperma destacado sem autorização do titular e a doação anônima bem como o reconhecimento da paternidade biológica, tendo em vista o direito à identidade genética. Portanto, nessa linha de intelecção são necessárias reflexões e adaptações legislativas constantes em face das problemáticas existentes ou que possam surgir, sendo indispensável uma legislação capaz de disciplinar o tema e evitar ou resolver os conflitos jurídicos. REFERÊNCIAS FIUZA, Cesar. Direito Civil - Curso Completo. 17º ed, São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2015, p.231 MASSON, Nathalia, Manual De Direito Constitucional. 3º ed. Salvador: Juspodivm, 2015 p. 218.

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MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO; Paulo Gustavo Gonet, COELHO, Inocêncio Mártires. Curso De Direito Constitucional. 4ºed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 394: PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo Descomplicado - 23. ed. rev. atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; Sao Paulo: MÉTODO. 2015. P. 1067. ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso De Direito Civil 1 Parte Geral e LINDB, 13º ed, 2015, atlas, p.194. Acórdão n.º 820873, 20080111493002APC, Relatora: NÍDIA CORRÊA LIMA, Relator Designado: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Revisor: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 03/09/2014, Publicado no DJE: 23/09/2014. Silveira, M. A. (2013). O DIREITO A IDENTIDADE GENÉTICA COMO UM DIREITO. Fonte: http://www.institutobrasileiroapessoa.org.br/wpcontent/uploads/2013/11/o-direito-a-identidade-genetica-como-umdireito-fundamental.pdf Cabral, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat: Camarda, Dayane Ferreira. Intimidade versus origem genética: a ponderação de interesses aplicada à reprodução assistida heteróloga. www-antigo.mpmg.mp.br/ portal/public/interno/arquivo/id/32427. (Em 22/04/2016, hora13:44.) http://www.sobiologia.com.br/conteudos/embriologia/reproducao4. php (10/04/2016, hora 08:25) http://www.uro.com.br/faq_liq.htm (10/04/2016, hora 08:32) http://www.sobiologia.com.br/conteudos/embriologia/reproducao4. php, (Acesso em 10/04/2016, hora 08:25.) http://www.uro.com.br/faq_liq.htm, (10/04/2016, hora 08:32.) http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/Pondera%C3%A7%C3%A3o%20de%20interesses%20aplicada%20%C3%A0%20reprodu%C3%A7%C3%A3o%20assisitida%2010_02_2012.pdf. (Acesso em 22/04/2016, hora13:44.) http://www.conjur.com.br/2005-fev-27/esperma_propriedade_mulher_ decide_justica_eua. (Acesso em 30/04/16 às 19:46)

Banca Examinadora Marcelo Sarsur Lucas da Silva (Orientador) Gabriela Maciel Lamounier (Examindadora)

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A UTILIZAÇÃO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO Thais Soares Gelmini1

RESUMO: As redes sociais, inegavelmente, estão cada vez mais presentes no cotidiano dos brasileiros. Basicamente, são apenas aplicativos, sites que facilitam o relacionamento social, mas, ao mesmo tempo, as pessoas também as utilizam como forma de desabafo ou para expor suas vidas, espontaneamente, através de fotografias e vídeos. Entretanto, algumas destas postagens podem gerar implicações para seus usuários. Sendo assim, este estudo propõe demonstrar as repercussões do uso das redes sociais na vida profissional dos usuários, bem como compreender o possível uso das redes sociais como meio de prova na instrução probatória no processo do trabalho, uma vez que o judiciário está sendo frequentemente afetado pela expansão das redes sociais, o que se verifica considerando o crescimento da utilização destas novas tecnologias pelos advogados como meio de prova. Para isso, a fins de fundamentação e demonstração da utilidade em valer-se desta ferramenta como prova processual, utilizou-se como método de pesquisa, casos reais, jurisprudência e classificação doutrinária, já que a legislação é omissa neste aspecto. Palavras-chave: Rede social. Prova. Processo do trabalho. Validade.

1 INTRODUÇÃO

2 AS PROVAS NO PROCESSO DO TRABALHO

O presente estudo tem como tema as repercussões causadas no Direito Processual do Trabalho pela crescente utilização das redes sociais como meio de prova processual, questão recente e notável para os operadores do Direito, além de polêmico, vez que não há dispositivo legal regulando o assunto. O aprofundamento no tema será desenvolvido através de pesquisa jurisprudencial e nos ensinamentos de renomados doutrinadores. Inicialmente será abordado um pequeno estudo sobre as provas. Em seguida, serão analisados a validade, os reflexos, as posições jurisprudenciais quanto a utilização deste meio de prova no processo. Com o crescimento difusão de informações, comentários, fotos postadas por usuários de redes sociais, acresce, também, a possibilidade a responsabilidade ao uso de tal meio, bem como a utilização de tais dados como prova em processos. Sabe-se que em alguns casos na esfera trabalhista, não é simples conseguir provar certas situações, como, por exemplo, no caso em que o empregado apresentou atestado de doença, mas aproveitase disso para fazer passeios, ou que a testemunha levada em audiência e a parte são amigos íntimos, enfim, a fim de conseguir provar tais fatos, os advogados estão se valendo das redes sociais, e muitos magistrados, com o propósito de se chegar a primazia da realidade, tem aceitado a utilização dessas provas. Desta forma, cabe ao advogado, bem como aos julgadores analisar o melhor caminho a seguir no caso concreto, pois o sucesso de uma ação judicial depende da qualidade da prova produzida no processo. Por fim, demonstrar a divisão entre realidade e norma, foram analisados julgados do Tribunal Regional do Trabalho, bem como decisões monocráticas dos juízes do trabalho pelo Brasil, com intuito de demonstrar a possível utilização das redes sociais como meio de prova.

2.1. Conceito de prova Para analisar o uso das redes sociais como meio de prova, se faz necessário, primeiramente, estudar as provas. O conceito de prova segundo Carlos Henrique Bezerra Leite pode ser dividido em três domínios, o conceito de “produzir provas”: “às vezes, concerne à atuação das partes no processo com objetivo de evidenciar a existência do fato que pretendem demonstrar em juízo. Bezerra leite também define o “meio de prova”: “o modo pelo qual a parte intenta evidenciar os fatos que deseja demonstrar em juízo.” E por fim: “prova também pode ser utilizada como “convencimento do juiz” sobre a sua existência ou inexistência.” (BEZERRA LEITE, 2014). Seu propósito é demonstrar uma situação de fato dentro do processo, bem como convencer o julgador da veracidade ou não dos fatos alegados. Bezerra Leite também discorre sobre as discussões no campo filosófico-jurídico sobre o conceito de prova, no ramo do direito processual: “meio licito para demonstrar a veracidade ou não de determinado fato com a finalidade de convencer o juiz da sua existência ou inexistência.” Deste modo, observa-se que as redes sociais vêm crescentemente se tornando este conceito de prova tripartite de Bezerra Leite, não pelo conceito de forma de produção de provas para as partes, mas principalmente por tratar-se de um meio de auxílio para formação do convencimento dos magistrados. São as provas que oferecem os parâmetros necessários ao juiz para que este resolva os conflitos. Por isso, o estudo das provas, principalmente no Direito Processual do Trabalho, é de grande relevância para análise do caso concreto, uma vez que elas irão confirmar os fatos ou convencer o julgador da fidedignidade ou não dos fatos alegados. Já que, o Direito do Trabalho é regido pelo princípio da primazia da realidade, ou seja, aqui, a realidade dos fatos se destaca sobre a forma. O que está escrito nada vale se não estiver de acordo com a realidade. Humberto Theodoro Júnior leciona que:

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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Ao juiz, para garantia das próprias partes, só é lícito julgar segundo o alegado e provado nos autos. O que não se encontra no processo, para o julgador não existe (...) deve-se reconhecer que o direito processual se contenta com a verdade formal, ou seja, aquela que aparenta ser, segundo os elementos do processo, a realidade. Para Carlos Henrique Bezerra Leite a prova consiste em: “no meio lícito para demonstrar a veracidade ou não de determinado fato com a finalidade de convencer o juiz da sua existência ou inexistência.” (BEZERRA LEITE, 2014). Pode-se dizer, então, que a prova é uma tarefa fundamental e compulsória para a solidificação da verdade formal de um fato, sem esta é impossível a comprovação da veracidade das alegações pela parte. Amauri Mascaro Nascimento (2002, p.437) concorda com este entendimento ao apontar que a expressão “meio de prova” pode significar: “[…] a atividade do juiz ou das partes para a produção das provas, como também instrumentos ministrados ao juiz no processo para formar o seu convencimento.”. Quanto aos meio materiais de provas, o aludido autor leciona que no direito processual trabalhista não há um rol taxativo dos meios de prova admitidos, o que o provoca à seguinte conclusão: “[...] Assim, são meios de prova aqueles previstos em lei, trabalhista ou civil, processual ou material. Enumeremos esses meios de prova, que são o depoimento pessoal, testemunhas, documentos, perícias, inspeções judiciais”. Assim, percebe-se que a lei trabalhista é, consideravelmente, flexível quanto aos meios de prova passíveis de utilização, vez que tal restrição poderia restringir a busca pela primazia da realidade. 2.2 Ônus da Prova O ônus da prova, com base no artigo 818 da CLT, cabe à parte que alegar os fatos. Ou seja, incumbirá àquele que diz ter sido prejudicado. Amauri Mascaro Nascimento (2002, p. 439) leciona que “ônus da prova é a responsabilidade atribuída à parte, para produzir uma prova e que, uma vez não desempenhada satisfatoriamente, traz, como consequência, o não reconhecimento, pelo órgão jurisdicional, da existência do fato que a prova destina-se a demonstrar.” Percebe-se, então, que ônus da prova nada mais é que o dever de comprovar os fatos alegados e deste modo obter o convencimento do julgador. Entretanto, alguns autores discordam que o ônus trata-se de uma obrigação, e sim de um interesse, pois não existe sanção para aquele que não cumprir sua faculdade de provar. Neste mesmo sentido afirma Marcos Canelutti (2003): Basta a reflexão para se entender a distinção entre o conceito de obrigação e o de ônus. Falamos de ônus, quando o exercício de uma faculdade é posto como condição para obter certa vantagem. Por isso, ônus é uma faculdade, cujo exercício é necessário para a consecução de um interesse. Daí o parentesco entre os dois conceitos. Obrigação e ônus têm de comum o elemento formal, consistente no vínculo da vontade, mas diferem entre si quanto ao elemento substancial, porque o vínculo é imposto, quando há obrigação para a tutela de um interesse alheio, enquanto, havendo ônus, a tutela é um interesse próprio. Correlativa à idéia de risco, não à idéia de subordinação, ou sujeição. Não obstante, em alguns casos, a jurisprudência vem entendendo que o juiz poderá inverter o ônus da prova, isto é, transferir a incumbência probatória à outra parte, por presunção favorável ao trabalhador, principalmente nos litígios que se referem à Súmula 338 do Tribunal Superior do Trabalho, ônus da prova quanto a jornada de trabalho.

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Bezerra Leite assume uma posição mais moderna quanto à inversão do ônus ao afirmar que este instituto pode ser adotado no processo do trabalho através da aplicação por analogia do artigo 6º, inciso VIII do CDC, tendo em vista que, assim como o consumidor, o empregado, também, pode estar em situação de hipossuficiência. Conforme dito anteriormente, as normas de distribuição do ônus da prova não são regras compulsórias, mas apenas normas orientadoras para o juiz e para as partes. Mas, há, também, a previsão de fatos que não dependem de prova, como os notórios, incontroversos, os quais estão dispostos no artigo 374 do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho. 2.3 Princípios O tema abordado neste estudo é consideravelmente atual, em razão de que a expansão da tecnologia e do uso de redes sociais se deu há pouquíssimo tempo. Deste modo, há de se destacar quais os tradicionais princípios das provas no processo do trabalho adequariam para a possível utilização das redes sociais como um meio de prova processual. O princípio da necessidade da prova encontra amparo legal nos artigos 818 da Consolidação das Leis do Trabalho e 373 do Novo Código de Processo Civil. Bezerra Leite dispõe o que segue (2015, p. 1138): “É necessário que a parte faça prova de suas alegações, pois os fatos não provados são inexistentes no processo.” Já no Princípio da unidade da prova, a prova deverá ser apreciada com o conjunto das outras provas, não havendo a possibilidade de ser considerada isoladamente. Contudo, o inciso LVI do artigo 5 da Constituição Federal de 1988 veda a utilização de provas obtidas ilicitamente visando garantir a ética e a lealdade na obtenção de provas processuais. A desobediência de tal preceito pode gerar a hipótese de litigância de má-fé, disposta nos incisos II e IV do artigo 79 do Novo Código de Processo Civil, em que o litigante altera a verdade dos fatos, e usa de meios ilegais para alcançar um objetivo judicial. A Constituição em seu artigo 5º, inciso LV, também zela pelo princípio do contraditório, o qual a parte deve ter ciência de todos os documentos/provas juntados pela parte contrária, a fim de realizar a contraprova, bem como realizar sua defesa acerca dos fatos alegados. Assim como no princípio da legalidade, onde a lei é o que irá definir o momento da produção de provas, os meios de provas admitidos, bem como se tal prova é adequada para utilização ou não. O magistrado também tem a prerrogativa do livre convencimento garantido, claro que com razoabilidade, podendo inclusive determinar a realização de outras provas caso não se convença com as provas até ali apresentadas. Este princípio está expresso no artigo 371 do Novo Código de Processo Civil e no artigo 832 da Consolidação das Leis do Trabalho., que determina figurar-se na sentença “a apreciação das provas” e “os fundamentos da decisão”. 3 OS MEIOS DE PROVAS POSSÍVEIS NO PROCESSO DO TRABALHO Com a evolução da Internet, as redes sociais são parte do cotidiano da maioria da população, dificilmente encontram-se pessoas que não fazem parte de sites de relacionamentos. Mas até onde isso influencia no Processo do Trabalho? É válido utilizar esses meios como prova no processo? A graduanda em direito Fernanda Queiroz Canabrava (2016), em seu artigo acadêmico, fez a seguinte observação acerca do mundo virtual: A internet, ao mesmo tempo em que criou novas possibilidades de relacionamento, trouxe ao Judiciário, demandas e conflitos até então não existente. Quando o universo virtual surgiu, não existiam regras especificas no direito sobre o assunto, e as leis tiveram que acompanhar as mudanças.

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Muitos doutrinadores concordam que todos os meios de provas são admissíveis, salvo as ilícitas, mas seriam as provas retiradas a partir do uso de tecnologias, como as redes sociais, certas e confiáveis? Ao longo deste estudo, pode-se verificar que, certamente, o grau de confiabilidade nestas provas é bem considerável, mas ainda há, também, alguma divergência quanto à aceitação dessas provas, a qual será analisada ao longo deste artigo. Ao produzir uma prova há de se atentar aos meios idôneos, bem como os procedimentos cabíveis, conforme disposto no artigo 369 do Novo Código de Processo Civil. Para Carlos Henrique Bezerra Leite, verificou-se que o mesmo tem uma visão tripartide do conceito de provas, já para Ovídio A. Baptista da Silva (2001, p. 256), o conceito de prova pode ser entendido como “[…] os instrumentos de que as partes e o juiz se valem para obter o conhecimento dos fatos a provar, ou tanto a atividade quanto os instrumentos”. O referido autor elenca como provas o depoimento pessoal das partes, a prova testemunhal, a confissão, a prova documental, prova pericial e inspeção judicial. O depoimento pessoal refere-se à oitiva das partes, a fim de que possa esclarecer os fatos alegados, podendo ocorrer em qualquer fase do processo, à pedido das partes ou determinação do juiz. O intuito do depoimento pessoal é provocar a confissão. Tal ato é personalíssimo para o empregado, podendo a empresa, reclamada, fazer-se substituir por um preposto que tenha conhecimento dos fatos. No que diz respeito à confissão, Manoel Antônio Teixeira Filho (2003) afirma: […] Poderá ocorrer, contudo, de o litigante, inadvertidamente ou não, acabar reconhecendo a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao do adversário: tal é a configuração e o próprio conceito genérico de confissão, que a lei procurou estabelecer (CPC, art.348), didaticamente. […] Ao contrário do que tem proclamado boa parte da doutrina, a confissão não é pena, segundo a acepção desse vocábulo na ciência processual. Trata-se de mero reconhecimento – expresso ou presumido – de serem verdadeiros os fatos narrados pela parte adversa. O referido autor acredita que a confissão é constituída pelos elementos subjetivos, objetivo e intencional. O elemento objetivo refere-se ao próprio objeto da confissão, todavia, neste aspecto, existem condições a serem consideradas, quais sejam: confissão pelo próprio autor do fato, que seja favorável à parte contrária, e que a prova do fato trazido não pleiteie forma sui generis. O elemento subjetivo refere-se à pessoa que confessou, levando em conta, capacidade civil e legitimidade. Já o elemento intencional, refere-se à vontade do sujeito em confessar o fato. O autor supracitado melhor entende que tal elemento não é condicional para a admissibilidade deste meio de prova, não ser condição obrigatória para a admissibilidade do meio de prova em questão, prevendo o seguinte: “Vem afirmando a doutrina, de maneira praticamente uniforme, que a confissão pressupõe a vontade do confitente reconhecer como verdadeiros os fatos narrados pelo adversário, de tal modo que nesse ato volitivo se assenta o animus confitendi. Acreditamos, todavia, que essa afirmação não pode ser feita em caráter genérico, porque se é verdade que o elemento intencional preside a confissão espontânea, não menos certo é que ele está ausente na confissão provocada e na fictícia.” A doutrina subdivide a confissão em três tipos: confissão espontânea, provocada e fictícia.

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A confissão espontânea, necessariamente, é judicial, ou seja, deve ser feita em juízo através de petição ou oralmente, em audiência. A confissão provocada, no processo do trabalho, é o juiz que obtém na fase de instrução, através de perguntas formuladas por ele próprio ou pelas partes. Já a confissão fictícia, diferentemente das demais, não é expressa, e sim presumida. Nesta, caso a reclamada se ausente da audiência de instrução, presume-se a confissão de todo o exposto na peça exordial. Até algum tempo houve dúvida quanto a aplicação da confissão ficta ou não para o empregado que se ausentar nesta mesma audiência, mas prevaleceu o entendimento de que a confissão ficta pode ser aplicada para ambas as partes. As confissões espontânea e provocada possuem efeitos praticamente absolutos, por tratar-se de confissões reais. A confissão ficta, por outro lado, tem efeito de presunção relativa podendo ser confrontada por outras provas pré-constituídas, conforme dispõe a Súmula 74, inciso II do TST. A prova testemunhal é o meio de prova mais utilizado na Justiça do Trabalho, tendo em vista o princípio da primazia da realidade, o qual considera o que realmente acontece e não o que está escrito. Para isso, a testemunha é o principal mecanismo para a busca da verdade real na Reclamação Trabalhista. Desta forma, também, entende Bezerra Leite (2014): Há um consenso geral na afirmação de que a prova testemunhal é o meio mais inseguro. Não obstante, tornou-se o meio mais utilizado no processo do trabalho, sendo certo que não raro constitui o único meio de prova nesse setor especial no Poder Judiciário brasileiro. As testemunhas, em regra, são três no procedimento ordinário, duas no procedimento sumário e seis nos inquéritos judiciais, no máximo, e devem ser levadas pelas partes na audiência de instrução, dispensando, inicialmente, a intimação ou notificação das mesmas, conforme dispõe o artigo 825 da Consolidação das Leis Trabalhistas. Salvo aquelas pessoas impedidas, incapazes ou suspeitas, todas as pessoas capazes podem atuar como testemunha no processo do trabalho. A testemunha deve ser qualificada e terá compromisso com a verdade ao prestar seu depoimento, sob pena de praticar o crime de falso testemunho, nos termos do artigo 828 da CLT: Art. 828 - Toda testemunha, antes de prestar o compromisso legal, será qualificada, indicando o nome, nacionalidade, profissão, idade, residência, e, quando empregada, o tempo de serviço prestado ao empregador, ficando sujeita, em caso de falsidade, às leis penais. Já a prova documental é definida como os documentos, os quais abrangem as fotografias, desenhos, mapas, entre outros, não se limitando apenas em documentos escritos, dos quais são capazes de comprovar materialmente os fatos alegados ou desconstituí-los. Até 2009, o artigo 830 da CLT previa que só seriam aceitos aqueles documentos originais ou com certidão autêntica. Entretanto, com o advento da lei 11.925 de 2009, foi dada uma nova redação ao artigo, o qual dispõe que a simples declaração de autenticidade pelo próprio advogado poderá ser aceita, não se abstendo de apresentar os originais em eventual impugnação de autenticidade. Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Orientação Jurisprudencial nº. 36, SDI-I, em que segue essa mesma linha de raciocínio, in verbis:

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“36. INSTRUMENTO NORMATIVO. CÓPIA NÃO AUTENTICADA. DOCUMENTO COMUM ÀS PARTES. VALIDADE (título alterado e inserido dispositivo) DJ 20.04.2005. O instrumento normativo em cópia não autenticada possui valor probante, desde que não haja impugnação ao seu conteúdo, eis que se trata de documento comum às partes.” As postagens retiradas das redes sociais, tema do qual se trata este presente estudo, bem como fotos, “prints” de conversas, entre outros, quando admitidas, se encaixam neste tipo de prova. Não obstante, quando há necessidade de produção de prova técnica especializada, ou seja, vistorias ou avaliações realizadas por profissionais habilitados a fim de que possam comprovar ou desconstituir os fatos alegados em juízo, utiliza-se a prova pericial, onde o expert deve colher todos os dados técnicos hábeis para que possa elaborar o laudo pericial fundamentadamente. Entretanto, ainda que conclusivo, o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar seu convencimento livremente junto à outras provas. Ainda assim, o artigo 472 do novo CPC, aplicável subsidiariamente ao Processo do Trabalho, possibilita a dispensa da prova pericial se o magistrado entender que o processo está devidamente instruído. Basicamente, qualquer indício de prova, pode ser trazido ao processo do trabalho a fim de que seja feito jus ao princípio da primazia da realidade, mas será que é válida um prova retirada de uma rede social, onde, a princípio, publicam-se coisas para que apenas os amigos possam ver e incontrolavelmente todos já tiveram acesso? Verificam-se, a seguir, vários entendimentos acerca deste assunto. 4 A UTILIZAÇÃO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE PROVA: ANÁLISE DO CABIMENTO Hoje as Redes sociais são responsáveis por 62% do tráfego na internet brasileira e é uma das principais formas de representação dos relacionamentos pessoais ou profissionais. (WIKIPEDIA, 2016) O uso das redes sociais como meio de produção de prova no processo do trabalho está cada vez mais frequente, e o judiciário vem evoluindo juntamente a sociedade, se deparando e julgando cada dia mais questões como: utilização de fotos para contraditar uma testemunha a fim de caracterizar amizade íntima; casos do empregado que apresenta atestado onde diz estar com más condições de saúde, mas, de repente, posta informações, fotos de viagens, passeios, demonstrando seu perfeito estado de saúde; ou até mesmo, a demissão por justa causa do empregado que usa das redes sociais para criticar, ofender seu superior. Com a evolução da Internet, as redes sociais (Facebook, Instagram, Whatsapp, etc.) são parte do cotidiano da maioria da população, dificilmente encontram-se pessoas que não fazem parte de sites de relacionamentos. Mas até onde isso influencia no Processo do Trabalho? É válido utilizar esses instrumentos como meio de prova? Ao analisar as jurisprudências atuais, visto que tal matéria ainda não está respaldada pela lei, percebe-se que muitas decisões vêm reconhecendo a validade de fatos retirados das redes sociais como prova no processo do trabalho, como no caso, abaixo, de contradita de testemunha, transcrito ipsis litteris: EMENTA: CONTRADITA DE TESTEMUNHA. PROVA DA INIDONEIDADE. Extraindo-se dos elementos dos autos, notadamente por conversas gravadas em rede social, que a testemunha arrolada mostrouse receptiva a uma “gratificação”, dispondo-se a depor em favor da parte que mais lhe oferecesse, resta patente a sua inidoneidade, não podendo o depoimento por ela prestado ser admitido como meio de prova. Recurso provido no aspecto. (TRT da 3.ª Região; Processo: 02161-2013-129-03-00-4;

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Data de Publicação: 26/05/15, Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Rogério Valle Ferreira; Revisores: Anemar Pereira Amaral e Jorge Berg de Mendonça). No caso acima, a Turma considerou válida a conversa retirada de uma rede social, na qual a testemunha estaria negociando valores para que pudesse funcionar no processo. Em outra situação, o reclamante se ausentou do trabalho e informou ao patrão que a filha estava doente, mais tarde foi encontrada fotos no Facebook deste empregado em uma festa dentro de uma piscina. Não obstante isso, também havia fotos em uma festa de casamento, ingerindo bebida alcoólica, na mesma data em que este havia apresentado atestado médico de doença. A empresa dispensou este empregado por justa causa, porém o mesmo recorreu à Justiça a fim de reverter tal medida. O caso foi analisado pela 6ª Turma do TRT da 3ª Região, Minas Gerais, na qual a ré alegou que a penalidade originou-se de faltas injustificadas e do histórico de más condutas pelo ex-empregado, todas devidamente penalizadas por advertências e suspensões, juntando também as fotos das redes sociais. Estas, dentre outras provas produzidas no processo, contribuíram para convencer o relator, de que o empregador agiu corretamente, e deste modo negaram provimento ao recurso do autor e mantiveram a sentença que julgou improcedente o pedido de reversão da justa causa aplicada. Aliados a outras provas produzidas no processo, esses dados contribuíram para convencer o relator do recurso do empregado, desembargador Jorge Berg de Mendonça, de que a empregadora agiu corretamente. Por essa razão, acompanhando o voto por ele proferido, a Turma de julgadores decidiu manter a sentença que julgou improcedente o pedido de reversão da justa causa formulado pelo trabalhador. (TRT da 3.ª Região; Processo: 00273-2014-176-03-00-9; Data de Publicação: 16/06/2015, Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Jorge Berg de Mendonça). Não obstante, fica o questionamento, estas fotos retiradas das redes sociais, como no caso acima, violam a intimidade? A mesma turma julgadora do caso supramencionado, do TRT de Minas Gerais, julgou um recurso do qual o reclamante requereu a exclusão dos documentos juntados pela reclamada, onde havia fotos e informações do autor retiradas do site Facebook, sustentando que as fotos diziam respeito à sua vida privada e nada contribuiriam para a solução do caso, além de que para obtê-las, o empregador violou sua intimidade. Contudo, a Turma não constatou nenhuma irregularidade, e negou provimento ao recurso do reclamante, afirmando que as informações expostas nas redes sociais estão disponíveis para toda a rede mundial de computadores, assim não há que se falar em violação à privacidade ou à intimidade. O relator, ainda, consentiu com o argumento da ré de que os documentos tratavam-se de uma contraprova, visto que o reclamante alegou que não gozava de férias e as fotos retiradas do site demonstraram o contrário. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0010599-39.2014.5.03.0053; Data de Publicação: 26/05/2015, Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Rogério Valle Ferreira). A Juíza Titular da 2ª Vara de Taguatinga-DF, Dra. Rosarita Caron, através de uma entrevista ao Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, concorda com o entendimento firmado pela 6ª turma do TRT 3ª Região, afirmando que as postagens podem, sim, servir de prova processual. Entretanto, ela acredita que há limites, como por exemplo, ao mencionar que de fato o “Facebook” é público e não viola qualquer intimidade ou vida privada, entretanto se estivermos tratando sobre o aplicativo “Whatsapp”, a situação fica um pouco delicada, conforme justifica a juíza, a seguir:

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Eu acredito muito na liberdade de expressão. Esse tipo de grupo é um pouco diferente do Facebook, uma rede que está aberta para todo mundo. No Whatsapp você escolhe as pessoas, e obviamente não tem grupos extensos como tem no Facebook. São muito comuns os grupos criados dentro das empresas nos quais acabam acontecendo outras conversas que não sejam relacionadas à própria empresa. Eu já tive um caso assim. Uma gerente montou um grupo para conversar sobre as vendas da loja. Só que a partir do momento em que ela cria aquele grupo, as pessoas estam livres para se expressarem. Então elas tanto vão falar de vendas, como vão fazer piadas, brincar um com o outro, vão falar mal de alguém. Isso é próprio do ser humano. Mas é um grupo fechado. Mas a empresa, de alguma forma não autorizada, teve acesso às conversas. A partir do momento em que invade esse grupo está ferindo o direito de expressão de seus empregados. Então, eu não vejo como podemos condenar as pessoas que estão no grupo. Fonte:http://www.tr t10.jus.br/?mod=ponte.ph p&ori=ini&pag=noticia&path=ascom/index. php&ponteiro=45534 Já a juíza, Jéssica Grazielle Martins, em atuação na 34ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, reconheceu que a dispensa de um empregado pelo WhatsApp nada tinha de irregular e julgou improcedente o pedido de danos morais, do autor, em razão do meio adotado para sua dispensa, in verbis: “Na atualidade as redes sociais e meios de comunicação instantânea, como o Whatsapp, configuram importantes meios de formação de contratos. No aspecto, não é possível admitir que contratos de trabalho sejam entabulados e negociados por meio virtual sem admitir que também possam terminar pelo mesmo ambiente”. Não foi interposto recurso da decisão. (34ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte; Processo: 00299-2015-113-03-00-5; Data de Publicação: 40/05/2015). Em um caso distinto, agora na Justiça do Trabalho em Juiz de Fora, um reclamante não conseguiu provar através das conversas de WhatsApp, que ficou de sobreaviso. Após analisar o teor das conversas o magistrado, Léverson Bastos Dutra, entendeu que as mesmas não se deram no contexto alegado. Conforme expôs na sentença: “Diálogos informais entre colegas de trabalho”, incapazes de levar à procedência do pedido. “O reclamante deveria ter se esmerado em demonstrar que efetivamente ficava submetido ao controle patronal, aguardando a qualquer momento a convocação para o trabalho, como alude o item II da Súmula 428 do TST”. O autor não recorreu da decisão. (4ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora; Processo: 0000457-84.2015.5.03.0038; Data de Publicação: 19/05/15). Atualmente não há legislação específica sobre a utilização de publicações, imagens, etc., postadas nas redes sociais, os operadores do direito, portanto, deverão utilizar o direito vigente, jurisprudências, decisões atuais flexibilizando a aplicação, de modo a assegurar as garantias constitucionais, primando pelo bom senso e evitando que tal meio de prova torne-se possível violação ao direito de imagem, privacidade, gerando assim mais um novo litígio judicial desta vez, fora da esfera trabalhista.

REFERÊNCIAS BRASIL, CLT: leis do trabalho; organização Renato Saraiva, Aryanna Manfredini, Rafael Tonassi,. – 10. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. BRASIL. Site do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região – entrevista à magistrada Rosarita Caron: http://www.trt10.jus.br/?mod=ponte.php&ori=ini&pag=noticia&path=ascom/index.php&ponteiro=45534 acesso em 14 de maio de 2016. CANABRAVA, Fernanda Queiroz. Crimes Cibernéticos: Aspectos controversos do artigo 154-A da nova Lei de Crimes Informáticos. – Disponível em: Revista Eletrônica da Escola de Direito Newton Paiva, edição número 4 - 1. semestre 2015. CANELUTTI, Francesco. A Prova Civil - o Conceito Jurídico da Prova Parte Geral. – 6 ed. Leud, 2003 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. – 10. ed. – São Paulo: LTr, 2011. DUTRA, Leverson Bastos. 4ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora/MG. Reclamação Trabalhista nº 00457-2015-038-03-00-5. Sentença, 19 de maio de 2015. GUEDES, Oswaldo Tadeu Barbosa. 1º Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário nº 02137-2014-181-03-00-9. Acórdao, 08 de junho de 2015. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 12 ed. São Paulo: LTr, 2014. MARTINS, Jéssica Grazielle Andrade. 34ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG. Reclamação Trabalhista nº 00299-2015-113-03-00-5. Sentença, 04 de maio de 2015. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho - 29ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. SILVA, Ovídio A. B. da. Curso de processo civil, v.1. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. TEIXEIRA FILHO, Manoel A. A prova no processo do trabalho. 8 ed. São Paulo: LTR, 2003. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, Rio de Janeiro: Forense, 2004. P. 384.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante deste estudo, conclui-se que o avanço das tecnologias ocasionou uma grande transformação em toda a sociedade, e perante tais evoluções, a Justiça Trabalhista não poderia deixar de utilizar essas inovações para ajustar-se a esta nova realidade. Deste modo, considerando esta evolução e aplicando-a ao processo do trabalho, verifica-se, com a análise jurisprudencial exposta no terceiro capítulo, a viabilidade das redes sociais serem utilizadas como meio de prova junto à Justiça, apesar de não estando expressamente prevista LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

na Consolidação das Leis Trabalhistas ou ao Código de Processo Civil. Com a análise jurisprudencial e bibliográfica, foi possível verificar a tentativa de trazer a realidade aos fatos, percebendo o progresso do Judiciário, ao acolher às novas tecnologias, flexibilizando suas normas a fim de semear a “justiça” em seu conceito mais amplo.

WIKIPÉDIA. Rede Social Virtual. Disponível em: <https://pt.wikipedia. org/wiki/Rede_social_virtual>. Acesso em 26 de março de 2016.

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Banca Examinadora Tatiana Bhering Serradas Bom Roxo (Orientadora) Adélia Procópio Camilo (Examinadora)

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AS FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS NO DIREITO BRASILEIRO Thiago de Lima Soares2

RESUMO: A nova concepção de família, como um produto do fenômeno de constitucionalização do direito civil, possibilita arranjos inimagináveis em outro momento, ao romper com o paradigma vigente sob a égide do antigo Código Civil de 1916. Diante da nova organização familiar, nos deparamos com o surgimento de famílias simultâneas que, por sua vez, consistem na configuração de núcleos paralelos que preenchem concomitantemente os requisitos da ostensividade, na estabilidade e na afetividade. Entretanto, tal situação é marginalizada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sob a ótica da monogamia. O presente artigo tem como intuito a análise dos aspectos jurídicos que envolvem o fenômeno da simultaneidade familiar e as implicações do modelo monogâmico, frente à proteção da dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Dignidade humana. Família plural. Monogamia. Simultaneidade familiar.

Se durante séculos, confundiu-se Estado e a Igreja, que passou a estabelecer regras sobre diversos aspectos da organização da sociedade, notadamente no campo das relações familiares, o casamento talvez fosse o melhor exemplo dessa ligação. Assim, no mundo ocidental, de forte influência cristã, o casamento fora reconhecido como o único mecanismo legítimo para criação da família.

1 INTRODUÇÃO O presente artigo abordará as repercussões do fenômeno da simultaneidade familiar, perante o ordenamento jurídico vigente. Com a proteção aos direitos e garantias fundamentais, intensificada pela Constituição da República de 1988, passou-se a privilegiar valores existenciais através da valorização da dignidade da pessoa humana, especialmente no que diz respeito ao direito civil. O Estado, por sua vez, passa a intervir de forma mais ativa na esfera privada, sendo que, no âmbito do Direito das Famílias busca-se a realização do indivíduo dentro da entidade familiar, em observância à função social deste instituto. Instaurou-se, assim, uma nova percepção de família, abrindo espaço para o surgimento de novos modelos e a inauguração do conceito de família plural. Em que pese a pluralidade familiar (art. 226 da CR/88), quando se trata das famílias simultâneas, o Direito brasileiro dispensa tratamento rigoroso aos núcleos paralelos que surgem, marginalizando-os sob a noção da monogamia. Para o presente artigo foi utilizado o método dedutivo, através do raciocínio lógico em que se faz uma dedução obtendo assim a conclusão sobre as premissas do tema abordado. Trata-se, ainda, de uma pesquisa teórica, através da analise de conteúdo de textos doutrinários e normas. 2 EVOLUÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR 2.1 A família no Código Civil de 1916 Sob a ótica do Código Civil de 1916, a entidade familiar encontrava contornos muito diferentes dos delineados na atualidade. O diploma legal de que aqui se trata fora forjado em meados dos anos 1800, sob o paradigma do Estado Liberal, o que traduzia uma preocupação do legislador com questões meramente patrimoniais, afastando-se da esfera do sujeito. O código de 1916 tratava a família como uma instituição estável e matrimonializada que, por sua vez, só poderia ser constituída através do casamento. Tal noção inserida nas raízes do Direito brasileiro decorria precipuamente das influências cristãs no mundo ocidental, conforme ensina Pablo Stolze (2014; p. 114):

Ainda em sua estrutura, era possível observar uma organização patriarcal e hierarquizada, onde o homem encontrava-se no topo, regendo os interesses da família e de seus integrantes. Neste modelo de organização, a manutenção da entidade familiar como um todo era mais importante do que a individualidade de cada sujeito que a compunha. Tal fenômeno é explicado por Carlos Ruzyk (2005; p. 22): A estabilidade da instituição familiar é reputada pela codificação de 1916 como mais relevante do que a felicidade dos membros que a compõem. Esse tratamento transpessoal, centrado no signo da desigualdade entre filhos e, sobretudo, entre cônjuges – haja vista a hierarquização imposta para atender ao sentido de preservação da família – é mitigado ao longo do século XX. Assim, a valoração da entidade familiar extrapolava o individuo em si. Desta forma, havendo conflitos de interesses entre um e outro, adotava-se o caminho a melhor beneficiar os interesses familiares. 2.2 A constitucionalização do Direito Civil A concepção de entidade familiar trazida pelo ordenamento anterior passa por um processo de reestruturação, que culmina na Constituição da República de 1988 reorganizando a base principiológica do Direito brasileiro. Com o fenômeno chamado de constitucionalização do Direito Civil, que tem como marco importante a atual Constituição brasileira, o Estado passa a intervir de maneira mais efetiva na esfera privada. Neste sentido, podemos afirmar que “o direito civil constitucionalizouse, afastando-se da concepção individualista, tradicional e conservadora-elitista da época das codificações do século passado”. (DIAS; 2015; p. 36).

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Univesitário Newton Paiva.

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Segundo Maria Berenice Dias (2015) em face dos novos valores insculpidos na Constituição da República, operou-se a universalização e a humanização do Direito das Famílias, acarretando uma mudança de paradigmas. Assim, temos a valoração de princípios fundamentais tais como a Dignidade da Pessoa Humana, o que livra o Direito das Famílias das amarras trazidas pelo ordenamento anterior. Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2008; p. 92) explicam: Como se pode notar, até o advento constitucional, o casamento sempre havia sido enxergado pela ótica institucionalista, servindo como instituição jurídica e social, através do qual era constituída a família, pelna em regulamentações. Mais interessava o atendimento das formalidades e prescrições legais do que a proteção e a felicidade das pessoas envolvidas. Mudando radicalmente essa visão, o constituinte assegurou a todos uma nova tábua axiomática, privilegiando valores essenciais à pessoa humana, como a dignidade, a solidariedade social, a igualdade substancial e a liberdade. A família passa a encontrar fundamento em princípios constitucionais, possibilitando o surgimento de novos arranjos de modo a atender os anseios sociais. Inicia-se neste momento, uma busca pelo bem estar e a dignidade, visando a realização do indivíduo dentro da entidade familiar. 2.2.1 O princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A Dignidade da Pessoa Humana é princípio que fora positivado pela Constituição da República de 1988, com base no que estabeleceu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão datada de 1948. Senão vejamos:

não atinjam o âmbito da ilicitude. Este elemento “[...] nos garante a liberdade existencial, ou seja, a possibilidade dos mais variados projetos de vida, concepções de vida digna em meio a pluralismo razoável em que vivemos” (FERNANDES, 2014, p. 300). Por fim, o mínimo existencial consiste no “direito (derivado do constitucionalismo social) a que existam condições materiais básicas para a vida” (FERNANDES, 2014, p. 300). Com essas considerações, é possível verificar que o princípio da dignidade da pessoa humana é elemento crucial na reestruturação da entidade familiar, de modo a proporcionar a busca do indivíduo pela realização frente aos novos núcleos estabelecidos com base na noção de família plural. 2.3 A família plural na Constituição da República de 1988 Conforme já exposto, a entidade familiar passou por uma transformação considerável nos últimos anos, através da constitucionalização do Direito Civil, fenômeno que propiciou uma maior intervenção do Estado na esfera privada e a humanização do Direito das Famílias, ao abandonar uma estrutura pragmática e pré-estabelecida pelo ordenamento jurídico, na qual se valorizava a família e seus interesses primordialmente patrimoniais. Neste contexto, a família surge como um ambiente de integração social “[...] afastando uma compreensão egoística e individualista das entidades familiares, para se tornarem um ambiente seguro para a boa convivência e dignificação de seus membros” (CHAVES, ROSENVALD, 2008, p. 73). Assim como qualquer outro instituto, a família deve atender a uma determinada função dentro do Direito, de modo que não se desvirtue das orientações gerais trazidas pelo ordenamento jurídico. Sobre o tema Stolze (2014, p. 100) afirma que: [...] a principal função da família é a sua característica de meio para a realização de nossos anseios e pretensões. Não é mais um fim em si mesmo, conforme já afirmamos, mas, sim, o meio social para busca de nossa felicidade na relação com o outro.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; Segundo os ensinamentos de Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 672) Dignidade Humana “[...] significa não só um reconhecimento do valor do homem em sua dimensão de liberdade, como também de que o próprio Estado se constrói com base nesse princípio”. Em sua análise, ainda sustenta que:

Neste sentido, com o intuito de promover a função social da família, a Constituição da República inseriu em no ordenamento pátrio novas maneiras de constituição familiar, não se resumindo unicamente ao casamento como o era anteriormente. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

A dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana (em todo o homem e em toda a mulher se acham presentes todas as faculdades da humanidade), é irrenunciável e inalienável, e constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado. (KILDARE, 2009, p. 674). Em consonância com o que colaciona o artigo 1º da Carta Magna, o artigo 5º do mesmo diploma legal prevê que “todos são iguais perante a lei [...]”, buscando respaldo na ideia de Dignidade Humana, com base em alguns parâmetros mínimos de aferição definidos pela doutrina. Dentre tais parâmetros, instamos salientar a não instrumentalização, a autonomia existencial e o direito ao mínimo existencial. Conforme leciona Fernandes (2014) a não instrumentalização se traduz na concepção de que o indivíduo não pode ser tratado como um objeto ou um instrumento para a obtenção de determinado fim. A autonomia existencial, por sua vez, é preceito inerente a Dignidade Humana que assegura ao indivíduo o direito de agir livremente, possibilitando a feitura de escolhas essenciais à sua vida, desde que

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Com base na redação do supracitado dispositivo, verificamos que o texto constitucional não estabeleceu um conceito estático de família. Na verdade, a norma acima abre um leque de situações que possibilitam concretizar a entidade familiar, sem depender unicamente do casamento, em atendimento à sua função social. Segundo Silva, Magalhães e Aoki (2015): [...] somente o modelo de família matrimonializada era reconhecida juridicamente no Brasil. Com o advento da CR/88, houve a quebra desse paradigma de família. Passou-se a considerar família aquelas relações movidas pelo afeto e com esse intuito

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Esse novo modelo instituiu, por exemplo, a figura da União Estável (art. 226, §3º da CR/88) ou das famílias monoparentais (art. 226, §3º da CR/88), modelos inimagináveis em outro momento. Nas palavras de Maria Berenice Dias (2015; p. 131) “O pluralismo das relações familiares ocasionou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento”. Assim, conclui-se que (DIAS; 2015. 131): [...] o elemento distintivo da família, que coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo. No mesmo sentido, Chaves e Rosenvald (2008, p. 34) conceituam a família dos dias atuais como “[...] entidade de afeto e solidariedade, fundada em relações de índole pessoal, voltadas para o desenvolvimento da pessoa humana [...]”. Com essas considerações podemos concluir que, encontra-se vigente na atualidade um modelo dinâmico de família, que se materializa com o intuito de promover a realização do individuo dentro da entidade familiar e possui o afeto como principal elemento constitutivo. 3 OS ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA FAMÍLIA Na nova percepção de família, conforme já demonstrado, entende-se pela existência de um elemento formador principal, o afeto enquanto valor jurídico. A noção de afeto traz à tona uma relação de afinidade entre os sujeitos que os une sob a ótica da família. Na realidade, segundo Maria Berenice Dias (2015; p. 52) “o direito ao afeto está muito ligado ao direito fundamental à felicidade”. No entanto, apesar de o afeto ser elemento crucial a formação familiar na atualidade, só por ele a chamada entidade familiar não se sustenta. Portanto, no âmbito da conjugalidade, entender os elementos que constituem o que conhecemos por família na atualidade é primordial para delimitarmos nosso estudo e finalmente compreendermos do que se trata a simultaneidade familiar. Além do afeto como valor jurídico, deve-se ter em mente outros dois elementos essenciais à formação das famílias: a estabilidade e a ostensividade. Por estabilidade, entende-se como o elemento que possibilita, no âmbito da conjugalidade, a durabilidade do relacionamento extrapolando a órbita do eventual. Porém, ainda que se constate a afetividade entre dois sujeitos, manifestando-se de maneira estável e duradoura, a manutenção de tal relação entre a figura dos sujeitos que a compõem não tem o condão de transformá-la em família, resumindo-se a um relacionamento puramente sexual. Por tal motivo que o terceiro elemento merece destaque. A ostensividade consiste na notoriedade que deve ser conferida à relação de conjugalidade, caracterizando a existência de uma entidade familiar. Em outras palavras, a relação ostensiva é aquela que possui reconhecimento social, de modo que o observador possa reconhecê-lo como “família”. Paulo Luiz Netto Lôbo (2002; p. 2) a define como “[...] o que pressupõe uma unidade familiar que se apresente assim publicamente”. Uma vez preenchidos os elementos estruturais acima descritos, deve ser atribuído àquele núcleo a condição de entidade familiar, conforme explica a doutrina (LÔBO; 2002; p. 5): O caput do art. 226 é, consequentemente, cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade.

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Portanto, observados todos os nuances acima descritos, dentro dos limites previstos pela Constituição da República, reputa-se a formada a entidade familiar. 4 SIMULTANEIDADE FAMILIAR Atualmente a noção de família não se encontra atada a um modelo estático, mas sim está delineada pela ideia de família plural, tendo em vista o afeto como elemento jurídico. Neste diapasão, podemos destacar que a concepção de famílias simultâneas surge como fruto dos galopantes avanços sociais e a consequente necessidade do Direito de regular tais situações. A existência de núcleos paralelos, estabelecidos de maneira sincrônica e, segundo Ruzyk (2005, p. 183), “[...] integrados por um elemento comum que mantém conjugalidade em múltiplos núcleos familiares”, é o que caracteriza o fenômeno da simultaneidade familiar. Não se trata de relacionamento extraconjugal, clandestino e esporádico, mas sim de núcleos conjugais que surgem, observando os requisitos da ostensividade, estabilidade e afetividade. A relação conjugal estabelecida paralelamente a um núcleo familiar, por si só, não o confere a condição de família. É necessário que tal relacionamento traga um sentido de comunhão de vida baseado na afetividade entre os integrantes e possua certa regularidade, de modo que não figure como algo casuístico e eventual. Ademais, deve ser conferida publicidade à relação de conjugalidade, guardando-se certo grau de notoriedade no meio social que integram. Portanto, em se tratando de famílias simultâneas, segundo Ruzyk (2005, p. 184) “[...] a relação de conjugalidade, ainda que estável, mas mantida às ocultas, sem ampla recognoscibilidade pública, não se figura como natureza familiar”. Sobre o assunto, Dias explica que (2015, p. 138): [...] no mais das vezes, os filhos se conhecem e as mulheres sabem uma da existência da outra. No fim um arranjo que satisfaz a todos. A esposa tem um marido que a ostenta socialmente. A companheira nada exige e se conforma em não compartilhar com o companheiro todos os momentos, mas o acolhe com afeto sempre que ele tem disponibilidade. Tal situação, apesar de comum, recebe tratamento marginalizado sob a ótica do Direito, tendo em vista uma construção de cunho moral que é a monogamia. 4.1 A monogamia versus Dignidade da Pessoa Humana Entende-se que a monogamia é preceito que rege diretamente as relações conjugais. Pautada na fidelidade, enquanto valor juridicamente tutelado, a monogamia estabelece um código moral entre os indivíduos, excluindo os núcleos paralelos no âmbito do casamento ou da união estável. A fidelidade consiste em um dos deveres recíprocos decorrentes do matrimônio, previsto pelo art. 1566 do Código Civil, que, segundo Stolze (2014) está restrita à exclusividade da relação afetiva e sexual. Analisando os deveres previstos pelo dispositivo acima mencionado, Dias (2015, p. 169-170) explica que “[...] para o estabelecimento de relações familiares, é necessário impor limitações e interdições ao desejo. Daí a imposição de um interdito proibitório à infidelidade”. A legislação brasileira, por sua vez, se nega a conferir efeitos jurídicos à relação mantida por pessoa casada, ainda que restem preenchidos todos os elementos constitutivos da família. Entretanto, conforme leciona Stolze (2014, p. 108), impor a fidelidade como um dever decorrente das relações de conjugalidade, sob a ótica da monogamia, seria dar ao Estado o condão de adentrar

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na esfera individual do sujeito, em clara inobservância do princípio da mínima intervenção no Direito das Famílias. O consagrado doutrinador expõe: A atuação estatal não poderia invadir essa esfera de intimidade, pois, em uma relação de afeto, são os protagonistas que devem estabelecer as regras aceitáveis de convivência, desde que não violem a dignidade, nem interesses de terceiros. Na mesma linha de intelecção, Dias (2015) rechaça a monogamia enquanto princípio do Direito das Famílias, sob o argumento de que o ordenamento jurídico pátrio não a previu como tal. Para ela, a monogamia consiste “[...] em mera convenção decorrente do triunfo da propriedade privada sobre o estado condominial primitivo” (DIAS, 2015, p. 42). Verifica-se que a concepção monogâmica da família vigente na cultura ocidental consiste, acima de tudo, em um conjunto de regras religiosas e morais que extrapolam o campo de estudo do Direito. Portanto, admitir a relativização, por assim dizer, da monogamia nas relações de conjugalidade, culminaria na imposição de um novo código moral entre os cônjuges. Lado outro, abre-se espaço à Dignidade da Pessoa Humana, esta sim como um princípio fundamental, trazido de forma inequívoca pela Constituição da República de 1988, possibilitando a humanização do indivíduo e sua realização dentro da entidade familiar. Sobre tal princípio, Stolze (2014, p. 78) sustenta que: “[...] que o respeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana somente será pleno e efetivo quando observado no seio das relações de família”. Para Fernandes (2014, p. 296): “[...] a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CR/88) é erigida à condição de meta-princípio. Por isso mesmo, esta irradia valores e vetores de interpretação para os demais direitos fundamentais, exigindo que a figura humana receba sempre um tratamento moral condizente e igualitário, sempre tratando cada pessoa como fim em si mesma, nunca como meio (coisas) para satisfação de outros interesses ou de interesses de terceiros”.

Portanto, não se pode admitir a monogamia como princípio de ordem constitucional, exaltando-se o dever de fidelidade como corolário primordial das relações de afeto, em detrimento da real felicidade do indivíduo. 4.2 As consequências jurídicas da simultaneidade familiar Conforme salientado alhures, entende-se que no âmbito da comunhão de vida, a intervenção do Estado deve se dar no sentido de garantir a realização do sujeito dentro da entidade familiar, em observância dos princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da função social da família. Neste diapasão, é crucial que entendamos o tratamento jurídico que é dispensado as famílias simultâneas e as implicações disto no âmbito do Direito brasileiro. Segundo Ruzyk (2005) a simultaneidade familiar poderá ser percebida em dois aspectos diversos. Em primeiro lugar temos uma situação meramente formal, na qual o indivíduo integra dois núcleos sob uma perspectiva jurídica. Trata-se da hipótese em que o sujeito se encontra separado de fato do cônjuge primitivo e estabelece paralelamente uma relação que preenche todos os elementos para que reste configurado o núcleo familiar. Estamos diante de situação que não demanda a presença do vínculo de afetividade em ambos os núcleos, mas tão somente em um deles, configurando-se a pluralidade de núcleos apenas de forma aparente. Especificamente nesta situação, o art. 1.723 §1º do Código Civil possibilitou a atribuição de efeitos jurídicos ao núcleo paralelo, ao excepcionar a aplicabilidade do impedimento previsto no inciso VI do art. 1.521 do mesmo diploma. Sobre o assunto os tribunais já se pronunciaram: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS - PRELIMINARES - REJEIÇÃO MÉRITO - COMPANHEIRO CASADO - SEPARAÇÃO DE FATO COMPROVADA - UNIÃO ESTÁVEL CONFIGURAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO. 1. Deve ser reconhecida a união estável, uma vez que o conjunto probatório demonstra que o “de cujus”, embora formalmente casado, estava separado de fato da esposa, tendo constituído relacionamento público, contínuo, duradouro e com o objetivo de constituir família com a demandante durante o período de 2007 e 2012. 2. Preliminares rejeitadas e recurso não provido. (TJMG - AC: 10261120122450001 MG, Relator: Edgard Penna Amorim, Data de Julgamento: 22/05/2014, Câmaras Cíveis / 8ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/06/2014).

A Constituição da República, ao permitir a família plural, tratou de garantir ao indivíduo a sua realização dentro da entidade familiar, em clara exaltação da Dignidade Humana. Imperioso salientar que, enquanto um macroprincípio previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro, a Dignidade da Pessoa Humana determina uma conduta tanto omissiva quanto comissiva do Estado, na realização do indivíduo. Segundo prescreve Dias (2015, p. 45): O princípio da dignidade humana não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para sua ação positiva. O Estado não tem apenas o dever de abster-se de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, mas também deve promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. Neste diapasão, a atuação do Estado deve se dar no sentido de resguardar o sujeito e proporciona-lhe o mínimo existencial, abstendo-se de “[...] intervir na estrutura familiar da mesma maneira como interfere nas relações contratuais [...]” (STOLZE, 2014, p. 106). Isto inclui reconhecer à família uma função social, assim como nos demais institutos do Direito, valorizando-se o individuo em detrimento da instituição familiar.

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Lado outro, a simultaneidade familiar também poderá ser material ou fática, situação em que o indivíduo, seja pelo casamento ou pela união estável, integra dois núcleos familiares de maneira sincrônica, estando presente em ambos os relacionamentos o vínculo de afetividade. Tratando-se de simultaneidade material, estará presente o impedimento previsto no art. 1.521, inc. IV do Código Civil, acarretando na nulidade do casamento e a não configuração da união estável. Tal sanção decorre do dever de fidelidade e da boa-fé objetiva que “[...] impõe deveres de lealdade e respeito à confiança recíproca entre as partes de uma relação jurídica” (DIAS, 2015, p. 59). 4.2.1 O casamento e a união estável putativa

Não obstante os impedimentos previstos no art. 1.521 CC/02, analisando a legislação civil brasileira, é possível verificar situações em que o casamento e a união estável produzirão certos efeitos.

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ser caracterizado como união estável, ainda que haja filho, quando falta a um dos companheiros o ânimo de constituir uma família, não podendo tal relação ser enquadrada nos moldes do artigo 1723 do Código Civil. Inexiste estabilidade na união, nos termos do artigo 1723 do Código Civil, quando é simultânea com outra advinda de casamento. Descaracteriza a união estável putativa por parte da mulher, concubina, quando tem pleno conhecimento da convivência more uxório do varão com a mulher com quem se casou. (TJMG Apelação Cível 1.0480.08.121828-5/001, Relator(a): Des.(a) Manuel Saramago , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/01/2012, publicação da súmula em 23/01/2012).

O Código Civil prevê o casamento putativo pautado na existência de boa-fé entre os nubentes, possibilitando que o matrimônio, embora eivado de nulidade, produza efeitos. Para Dias (2015, p. 153): Trata-se de casamento nulo ou anulável, mas contraído de boa-fé por um ou por ambos os cônjuges (CC 1.561). Mesmo desconstituído, o casamento produz efeitos com relação ao cônjuge que estava de boa-fé. É o que se observa da exegese contida no art. 1.561 CC/2002: Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória. § 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão. Verifica-se que o casamento produzirá efeitos regulares até a sentença anulatória transitada em julgado, quando contraído de boa-fé por um ou ambos os cônjuges. Temos aqui, em se tratando da simultaneidade familiar, uma situação de ignorância que acomete pelo menos um dos nubentes. Conforme Stolze (2014, p. 466): Caso o partícepe da segunda relação desconheça a situação jurídica do seu parceiro, pensamos que, em respeito ao princípio da boa-fé, aplicado ao Direito e família, a proteção jurídica é medida de inegável justiça. Ressalta-se que em sede de união estável, admite-se situação semelhante a do casamento putativo, quando configurada a boa-fé por uma das partes. Lado outro, se ambos os nubentes contraem núpcias cientes do impedimento que eiva de nulidade o casamento, o ato jurídico será plenamente ineficaz, não operando quaisquer efeitos. É neste caso que reside a grande controvérsia. Seja na união estável ou no casamento, ainda que presente a má-fé de ambas as partes, uma vez preenchidos os elementos caracterizadores da entidade familiar, não se pode obstar a aplicação das regras do Direito das Famílias. Não se trata de uma relação paralela, fugaz e passageira. Tratamos aqui de uma situação em que há de fato a simultaneidade de núcleos familiares, devendo a ela ser atribuída efeitos jurídicos. Sobre a aplicação do Direito das Famílias, Stolze (2014, p. 469) ensina: Para que possamos admitir a incidência das regras familiaristas em favor da (o) amante, deve estar suficientemente comprovada, ao longo do tempo, uma relação socioafetiva constante, duradoura, traduzindo, inegavelmente, uma paralela constituição de núcleo familiar. No entanto, mesmo configurada a existência do núcleo paralelo, a grande maioria da jurisprudência rechaça a atribuição de efeitos a estas relações, em que não subsiste situação de ignorância a respeito do núcleo primitivo. Senão vejamos: Direito Civil. Família. Relacionamento simultâneo do varão com a esposa e filhos comuns e outra mulher. União Estável e União Estável Putativa. Não caracterização. Pedido declaratório. Improcedência. O relacionamento entre homem e mulher não pode

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Todavia, bastante usual que os indivíduos em situação de conjugalidade adquiram patrimônio comum pelo emprego esforços de ambas as partes. Não outorgar efeitos à união estável que surge paralelamente, ainda que configurada a má-fé dos companheiros, favorece o enriquecimento ilícito daquele indivíduo que integra mais de um núcleo familiar. Segundo Dias (2015), é nestes casos em que se torna temeroso elevar a monogamia à condição de princípio constitucional, uma vez que esta acaba por deixar de emprestar efeitos jurídicos a um dos relacionamentos, não se aplicando as normas familiaristas e sucessórias e permitindo, por conseguinte, o enriquecimento sem causa do parceiro infiel. É por isso que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem aplicando o entendimento presente no julgado que colaciono a seguir: UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. DUPLICIDADE DE CÉLULAS FAMILIARES. O Judiciário não pode se esquivar de tutelar as relações baseadas no afeto, inobstante as formalidades muitas vezes impingidas pela sociedade para que uma união seja “digna” de reconhecimento judicial. Dessa forma, havendo duplicidade de uniões estáveis, cabível a partição do patrimônio amealhado na concomitância das duas relações. Negado provimento ao apelo. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70010787398, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 27/04/2005). No entanto, salienta-se que este entendimento não figura como majoritário e está longe de alcançar tal condição, uma vez que a visão arraigada dos tribunais brasileiros insiste em deixar de atribuir efeitos aos núcleos paralelos, especialmente àqueles contraídos de má-fé por ambos os companheiros, sob o estigma da monogamia. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Código Civil de 1916 vinculava existência da família ao casamento. Tratava-se de um modelo hierárquico, no qual o homem regia os interesses de seus membros, privilegiando a instituição familiar. Alterando tal concepção de família, a Constituição da República de 1988, enquanto grande marco do fenômeno de constitucionalização do direito civil, instituiu um rol de direitos e garantias fundamentais buscando a proteção à Dignidade Humana. Inaugurou-se a ideia de família plural abrindo espaço para novas configurações familiares, de modo que o indivíduo possa buscar a sua realização no seio da entidade familiar. Com efeito, destacamos as famílias que surgem na forma de núcleos paralelos estabelecidos de maneira sincrônica ao núcleo primitivo, preenchendo os requisitos de estabilidade, ostensividade e afetividade. Trata-se das famílias simultâneas.

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O direito, por sua vez, ao elevar a monogamia à condição de princípio constitucional, rechaça tais núcleos paralelos negando-lhes a atribuição de efeitos no âmbito do direito das famílias. Contudo, a entidade familiar deve funcionar como instrumento para a realização do indivíduo conferindo a família uma função social. A marginalização dos núcleos paralelos nos remete ao sistema em vigor sob a égide do ordenamento anterior, em situação de total desprezo à Dignidade Humana e a função social atribuída à família. Com essas considerações, não se pode admitir que o direito brasileiro, frente a noção de família plural, privilegie a noção de monogamia em detrimento de metaprincípios positivados pelo texto constitucional.

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Banca Examinadora Omar Narciso Goulart Junior (Orientador) Michael César Silva (Examinador)

-. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n. 10480081218285001. Relacionamento simultâneo do varão com a esposa e filhos comuns e outra mulher. Relator: Manuel Saramago. Minas Gerais, Acórdão de 12 de jan. de 2012. Disponível em:<http:// www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do;jsessionid=A9980D376E4FBC68A2BC0A7125BC2201.juri_ node2?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0480.08.121828-5%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar>. Acesso em: 12/10/2015. -. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70010787398. União estável. Reconhecimento. Duplicidade de células familiares. Relator: Maria Berenice Dias. Rio Grande do Sul, Acórdão de 27 de abr. de 2005. Disponível em:<http://www1.tjrs.jus.br/ site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal+de+Justi%E7a&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=70010787398&num_processo=70010787398&codEmenta=1065966&temIntTeor=true>. Acesso em: 12/10/2015. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição: direito constitucional positivo. 15.ed. rev., atual. e amp. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. 1543 p. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 717 p. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, 727 p.

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CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE Vivian Hellen Teixeira Santana1

RESUMO: A cumulatividade dos adicionais de periculosidade e insalubridade é vedada pelo item 15.3 da Norma Regulamentadora nº15 do Ministério do Trabalho e Emprego, que faz correspondência direta com o §2º do artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho. Ocorre que, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho permitem o pagamento simultâneo dos mesmos, eis que tais institutos conferem garantia de proteção jurídica à saúde do obreiro no meio ambiente de trabalho. Nesse sentido, impende destacar, ainda, possibilidade de concessão de mais de um adicional de insalubridade para aqueles que se encontram expostos por mais de um agente. Diante disso, a presente obra tem como objetivo precípuo analisar a possibilidade de cumulação de ambos adicionais, embasando-se na legislação e no posicionamento doutrinário e jurisprudencial. PALAVRAS-CHAVE: Cumulação dos Adicionais de Insalubridade e Periculosidade. Consolidação das Leis Trabalhistas. Convenção nº 155. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

1 INTRODUÇÃO A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) garante ao trabalhador o recebimento do adicional de periculosidade e de insalubridade quando exposto às atividades insalubres ou perigosas. Porém, o empregado, quando se sujeita a substância diversa, que torna o ambiente de trabalho duplamente nocivo à saúde, não lhe é assegurado o recebimento concomitante de ambos adicionais pela lei trabalhista. A Norma Regulamentadora (NR-15) no item 15.3 veda expressamente a cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade, todavia, pode-se considerar norma infraconstitucional, face aos princípios da dignidade da pessoa humana e do status normativo dos tratados internacionais. Para tanto, se faz necessária previsão na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e na Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho, sendo esta ratificada pelo Brasil e considerada Tratado Internacional de Direitos Humanos. É interessante ressaltar que tais adicionais não visam conferir melhor remuneração aos empregados, mas sim uma garantia de proteção e prevenção de danos e riscos à vida e à saúde do obreiro no meio ambiente de trabalho. Defende-se, no entanto, a cumulação dos adicionais em espécie, tendo em vista os princípios e garantias ao trabalhador, juntamente, com a Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho. Diante disso, será analisado os adicionais de periculosidade e insalubridade propriamente ditos. E superado este mérito, a discussão sobre a segurança e saúde no trabalho e, posteriormente, a possibilidade da cumulação dos adicionais em espécie e o posicionamento doutrinário e jurisprudencial. 2 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE Inicialmente, vale ressaltar que os adicionais são conferidos ao trabalhador que se encontram em circunstâncias tipificadas mais gravosas. E por serem de caráter contraprestativo, paga-se um plus em virtude do desconforto, risco ou desgaste vivenciados, da responsa-

bilidade e encargos superiores recebidos, do exercício cumulativo de funções (DELGADO, 2015, p. 815). No âmbito da Constituição Federal, tem-se a previsão do adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei (art. 7º, XXIII). Neste ínterim, podem ser consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos (art. 189, CLT). Cabe ao Ministério do Trabalho aprovar o quadro das atividades e operações insalubres e adotar normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes (art. 190, caput, CLT). Logo, não basta a conclusão do laudo pericial indicando a presença de agente nocivo à saúde, devendo, portanto, aprovação do Ministério do Trabalho. Insta salientar que a Norma Regulamentadora nº15 aceita como atividades ou operações insalubres as que se desenvolvem em: ruído contínuo ou intermitente, ruídos de impacto, exposição ao calor, radiações ionizantes, condições hiperbáricas, agentes químicos, poeiras e minerais. O adicional citado é devido de acordo com o grau da insalubridade que o trabalhador é exposto, podendo ser máximo, médio ou mínimo, com os respetivos percentuais de 40, 20 ou 10% sobre o salário mínimo. Vale ressaltar, ainda, que mesmo sendo intermitente o trabalho desenvolvido em tais condições, é devido o pagamento do respectivo adicional (Súmula 47 do TST). Ao passo que, quando a exposição for eventual, não caracterizará a insalubridade, portanto, sendo indevido o pagamento deste adicional. À exemplo do referido adicional, tem-se a higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação e a respectiva coleta de lixo, por não se equiparar à limpeza em residências e escritórios, enseja o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo (Súmula 448, II, do TST).

1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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3 ADICIONAL DE PERICULOSIDADE O adicional de periculosidade está previsto no art. 193 da CLT, que assim dispõe: São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. Neste contexto, foi estendido para radiações ionizantes (Portaria do Ministério do Trabalho n. 3.393/87) e para atividades de trabalhador em motocicleta (Lei nº 12.997, de 18 de junho de 2014), que acrescentou o §4º do referido artigo. Ainda, é devido o pagamento do adicional de periculosidade ao empregado que desenvolve suas atividades em edifício (construção vertical), seja em pavimento igual ou distinto daquele onde estão instalados tanques para armazenamento de líquido inflamável, em quantidade acima do limite legal, considerando-se como área de risco toda a área interna da construção vertical (OJ 385, SDI-I). É assegurado o adicional em espécie também para os empregados que trabalham em sistema elétrico de potência em condições de risco, ou que façam com equipamentos ou instalações elétricas similares, que ofereçam risco equivalente, ainda que em unidade consumidora de energia elétrica (OJ 324, SDI-I). Destaca-se que, o contato eventual com o agente perigoso, assim considerando o fortuito, ou o que, sendo habitual, se dá-se por tempo extremamente reduzido, não dá direito ao empregado receber o respectivo adicional (Súmula 364, TST). Sendo assim, a Súmula 447 do TST não concedeu direito ao adicional de periculosidade aos tripulantes e demais empregados em serviços auxiliares de transporte aéreo que permanecem a bordo no momento do abastecimento da aeronave. Para Jorge Neto, este entendimento não trilha o bom-senso, já que o trabalhador deve auferir a periculosidade pelo trabalho em condições de risco, independentemente do tempo de sua exposição (2013, p.555). O trabalho em condições perigosas assegura ao empregado o recebimento de um adicional de 30% sobre o salário, sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa (art.193, §1º, CLT). 4 SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO Dentre os direitos fundamentais do trabalhador está a proteção à vida e integridade física, que se inicia pela preservação do meio ambiente de trabalho. Conforme disposto no artigo 255 da Constituição da República de 1988, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Pode-se dizer que o meio ambiente de trabalho é um complexo máquina-trabalho em que, ao analisar sua estrutura, gerenciamento e medidas de proteção ao trabalhador, formará o conjunto de condições de trabalho, tais como: fornecimento de equipamentos de proteção in-

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dividual, conforto, jornadas de trabalho e horas extras, férias, condições de periculosidade ou não, de salubridade ou insalubridade, meios de prevenção à fadiga, dentre outras (Nascimento, 2014, p.882). De acordo com Sebastião (2002, p. 129): [...] o homem passa a maior parte da sua vida útil no trabalho, exatamente no período da plenitude se suas forças físicas e mentais, daí por que o trabalho, frequentemente, determina o seu estilo de vida, influencia nas condições de saúde, interfere na aparência e apresentação pessoal e até determina, muitas vezes, a forma da morte. Nesse compasso, o art.4º da Convenção n. 155 da OIT, prevê uma política nacional com o intuito de prevenir os acidentes e os danos causados à saúde que forem consequência do trabalho, e reduzir ao mínimo, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho. É de suma importância que as empresas cumpram e façam cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, para que assim, possa diminuir os riscos, além de proteger a vida e à saúde do obreiro. 5 POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS 5.1 Convenção NR 155 da OIT Inicialmente, cumpre registrar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) exerce controle sobre o cumprimento das convenções. A Convenção n. 155 da OIT, ratificada pela República Federativa do Brasil e promulgada no âmbito interno pelo Decreto 1,254, de 29/09/1994), em sua alínea “b” do art. 11, é expressa ao dispor que as autoridades competentes, a fim de tornar efetiva a política de segurança e saúde dos trabalhadores e do meio ambiente de trabalho, deverão garantir: a determinação das operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, assim como a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho, ou bem limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades os riscos para a saúde decorrentes da exploração os riscos para a saúde decorrentes da exploração simultânea a diversas substâncias ou agentes. (art.11, “b”, Convenção n. 155 OIT). Diante disso, “a presença de vários agente agressivos, pelo efeito sinérgico, em vez de apenas somar, multiplica os malefícios” (OLIVEIRA,2002, p. 95). Logo, ainda que seja considerada como recepcionada pela Constituição Federal de 1988 a norma prevista no § 2º do art. 193 da CLT, irrefutável se torna a sua revogação pela norma transcrita acima da Convenção 155 da OIT. Nesse sentido, inclusive, já decidiu o e.TST, conforme notícia veiculada no site do mencionado Tribunal, em 25/09/2014. Na ocasião, assentou a Sétima Turma do Tribunal Superior que devido à Introdução no sistema jurídico brasileiro das Convenções 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), “que têm status de norma materialmente constitucional ou, pelo menos, supralegal”, como foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, “não há mais espaço para a aplicação do artigo 193, parágrafo 2º, da CLT” (Processo: RR-107272.2011.5.02.0384 ). Possível, e até mesmo necessário se faz, portanto, a acumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, quando o empregado se sujeita a substâncias diversas que tornam o ambiente de trabalho duplamente nocivo à saúde.

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5.2 Previsão constitucional da matéria No tocante à tese, há uma corrente que diz respeito à inconstitucionalidade da vedação legal, uma vez que a Constituição de 1988, no seu artigo 7º inciso XXIII, não faz menção expressa a vedação, e segundo essa corrente isto demonstra que a Constituição não recepcionou o § 2º do artigo 193 da CLT. Logo, a Constituição Federal, traz o patamar mínimo civilizatório, não podendo a legislação infraconstitucional dispor contrariamente ao ditado pela Lei Maior, reduzindo direitos constitucionalmente garantidos. Além disso, o objetivo da Constituição Federal ao prevê o direito à percepção de adicionais é de cunho social e não financeiro, pois seu intuito é o de desestimular o empregador a continuar exigindo trabalho em situações gravosas, compelindo-o a tomar providências no sentido de alcançar melhorias consideráveis no ambiente de trabalho, fazendo desse local um lugar ecologicamente equilibrado (ZAPATA MEJIA LAGE, Daniela. A cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade no atual direito brasileiro. 2013 - Revista Eletrônica de Direito). Tem-se, ainda, que o entendimento majoritário é de que a Constituição recepcionou a vedação de forma implícita. Contudo é importante ressaltar que o caput do artigo 7º da Constituição, apregoa que em seus incisos estão listados direitos do trabalhador, sendo no mínimo contraditória uma interpretação restritiva de direitos do obreiro, com base em um de seus incisos, ainda mais de forma implícita, representando uma afronta ao texto constitucional.

samente a cumulação, nem mesmo é previsto na CR/88. Além disso, na legislação brasileira existem vários tipos de adicionais, como adicional de hora-extra, adicional de transferência, adicional noturno, dentre outros. Sendo, inclusive, possível receber cumulativamente tais adicionais. Contudo, ao se referir ao adicional de insalubridade e periculosidade, grande parte da doutrina e jurisprudência não aceitam o recebimento concomitante, devido ao item 15.3 da NR-15. Porém, não há fundamento para que um adicional exclua o outro (sendo que o art.193, § 2º, CLT, não é expresso nesse sentido), sob pena de beneficiarmos o empregador em detrimento da saúde e dignidade do emprego. Conforme dito anteriormente, os adicionais de insalubridade e periculosidade não visam a conferir uma melhor remuneração aos empregados, mas sim em estimulá-los a trabalhar em tais condições. 6 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL Embora o entendimento majoritário ainda seja no sentido da impossibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, já se começa a perceber uma maior reflexão com precedentes favoráveis em alguns tribunais:

5.3 Vedação ao artigo 193, § 2º da CLT Primeiramente, vale dizer que o art. 193, §2º da CLT, não vedou expressamente a cumulação dos adicionais, eis aqui assim disposto: Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; II roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. § 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. § 2º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. O artigo em espécie define em seu caput que as atividades periculosas ou insalubres serão aprovadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e, em seu § 2º, possibilita ao empregador optar pelo adicional que lhe for mais benéfico. Nesse sentido, a Portaria n.3214-1978 do MTE, no item 15.3 da NR-15, estabeleceu que: “no caso de incidência de mais de um fator de insalubridade, será apenas considerado o de grau mais elevado, para efeito de acréscimo salarial, sendo vedada a percepção cumulativa”. Note-se que, o artigo em si da CLT, não vedou expressamente a cumulação dos adicionais, mas sim a Norma Regulamentadora n.15-3 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Entretanto, “não se pode admitir que um regramento infra legal contrarie a essência normativa da Constituição Federal e de Tratados Internacionais, já que se encontra presente a mesma fundamentação que impõe a cumulação entre adicional de insalubridade e adicional de periculosidade” (MIESSA, Élisson, 2014, p.221). Logo, não assiste razão ao argumento de que a lei veda expres-

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CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 7º, XXII. ADICIONAS DE INSALUBRIDADE E DE PERICULOSIDADE. CUMULATIVIDADE. POSSIBILIDADE. De acordo com a melhor interpretação dada à regra contida no art. 7º, XXII, da CF/1988, é possível afirmar que o legislador contituinte não quis impor qualquer tipo de limitação às garantias que buscam a redução dos riscos inerentes ao trabalho, fosse por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Logo, ressalvadas determinadas exceções e considerado ainda o pensamento de que a Lei ordinária não pode prever condições menores do que aquelas fixadas pela constituição, é igualmente possível e plenamente viável conceder ao trabalhador, de forma cumulada e simultânea até, o direito ao recebimento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade. Afinal de contas, cada um deles busca compensar condições totalmente diferentes. Enquanto o adicional de insalubridade visa ressarcir o trabalhador contra a ação de agentes encontrados em seu ambiente de trabalho e que comprometem sua saúde, o de periculosidade busca compensar eventuais fatores (de explosões e choques elétricos) que põem em risco sua própria vida. Cumulaltividade de adicionais que deve ser aqui confirmada.(TRT 15ª R.; RO 000068564.2011.5.15.0006; Ac. 71302/2013; Quinta Turma; Rel. Des. Gerson Lacerda Pistori; DEJTSP 23/08/2013; Pág. 666) ADICIONAIS. INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. Merece ser dada ao art. 193, §2º, da CLT, que dispõe que o empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido, interpretação conforme a constituição e a ordem jurídica atual, nos termos do disposto no art. 5º, inc. V, da Constituição da República e da Convenção nº 155, art.11,”b” da OIT. (TRT 12ª R.; RO 000413383.2012.5.12.0009; Primeira Câmara; Relª Juíza Águeda Maria L. Pereira; DOESC 04/02/2014) ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E DE OERICULOSIDADE. CUMULAÇÃO. A norma do artigo 193, §2º, da CLT nãõ foi recepcionada na ordem de 1988e, de qualquer sorte, derrogada em razão da ratificação, pelo Brasil, da convenção 155 da OIT. Devida a cumulação de ambos os adicionais, portanto. (TRT 4ª R.; RO 001109367.2012.5.04.0271; Segunda Turma; Rel. Des. Raul Zoratto Sanvicente; DEJTRS 14/11/2013; Pág. 60) RECURSO ORDINÁRIO PRINCIPAL DA CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


RECLAMADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATO DISCRIMINATÓRIO. Não é possível admitir a existência de ofensas à integridade psíquica de uma pessoa, ainda mais no ambiente de trabalho, pois é consabido que na maioria dos casos o trabalhador acaba por se submeter às humilhações por depender do emprego. É nesse cenário que o empregador acaba por extrapolar todos os limites do razoável, humilhando justamente aquele que deposita sua força de trabalho nos propósitos da empresa. Apelo negado. Recurso ordinário adesivo do reclamante. Adicional de periculosidade. Adicional de insalubridade .Cumulação. Posição majoritária da turma de que, por não haver sido o art. 193, §2º, da CLT recepcionado pela Constituição Federal e em razão da ratificação pelo estado brasileiro da convenção 155 da OIT, há possibilidade de cumulação dos adicionais de periculosidade e de insalubridade. Recurso provido. (TRT 4ª R.; RO 0000701-67.2011.5.04..0024; Segunda Turma; Rel. Des. Alexandre Corrêa da Cruz; DEJTRS 14/11/2013; Pág. 40).

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - CUMULAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. É certo que não pode haver cumulatividade deadicio nais de insalubridade e periculosidade, considerando a disposição expressa no parágrafo 2º do art. 193 da CLT , que confere ao empregado que labora em condições periculosas e insalubres o direito a optar pelo adicional de insalubridade se lhe for mais favorável, o que importa na conclusão de que o legislador afastou a possibilidade de superposição de adicionais quando verificada a cumulação de riscos, regra legal que se manteve íntegra mesmo depois da promulgação da Constituição da República. (TRT-3 - RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA RO 01762200910303000 017620020.2009.5.03.0103 (TRT-3), Data de publicação: 04/04/2011 RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE E INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. O §2º do artigo 193 da CLT assegura ao empregado a possibilidade de optar, caso a função desempenhada seja concomitantemente insalubre e perigosa, pelo adicional que lhe seja mais vantajoso, a saber: o de periculosidade ou insalubridade. Assim, o egrégio Tribunal Regional, ao decidir pela possibilidade de cumulação dos dois adicionais, violou o artigo 193,§ 2º, da CLT. Recurso de revista conhecido e provido.(TST - RR: 13956020115120041 139560.2011.5.12.0041, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 15/05/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/05/2013) AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. CUMULATIVIDADE DOSADICIONAIS DE PERICUL OSIDADE E INSALUBRIDADE. IMPOSSIBILIDADE. Demonstrada a violação do art. 193 , § 2.º , da CLT , merece provimento o Agravo de Instrumento. Agravo de Instrumento provido. RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. ADICIONAL DE INSALU BRIDADE. BASE DE CÁLCULO. Para a adoção de parâmetros que possam servir como base de cálculo do adicional de insalubridade, deve prevalecer o entendimento da Súmula Vinculante n.º 4, do STF, que declara a impossibilidade de se utilizar o salário mínimo como indexador da base de cálculo do adic ional de insalubridade de empregado, e estabelece que lei federal deverá dispor sobre novo parâmetro. Entretanto, conforme assentado no despacho proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, na Medida Cautelar em Reclamação Constitucional n.º 6.266, até que seja editada nova lei, permanece a utilização do salário mínimo como base de cálculo do adiciona l de insalubridade. ADICIONALDE PERICULOSIDADE . BASE DE CÁLCULO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 191 DO TST. Constatada a contrariedade à Súmula n.º 191 do TST, merece provimento o Recurso de Revista para determinar a observância do salário base no cálculo doadicional de periculosidade. ADI CIONAL DE PERICULOSIDADE E ADICIONALDE INS ALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Observados os termos do art. 193 , § 2.º , da CLT , os adicionais de periculosidade e insalubridade nã o podem ser acumulados, devendo o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico. Precedentes. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. (ST - RECURSO DE REVISTA RR 721120135080122 (TST), Data de publicação: 12/06/2015

Conquanto as teses acima sejam no sentido de aplicar a norma mais favorável ao trabalhador, permitindo-lhe a cumulação dos adicionais ora citados e tendo como fundamento a Convenção 155 da OIT e a CR/88, alguns doutrinadores também defendem, inclusive, a concessão simultânea do mesmo adicional, como Regina Buck nos dizeres: [...] encontramos algumas (raras) jurisprudências, favoráveis à cumulação dos adicionais, quando na realização da perícia, se já apurado mais de um agente insalubre nas atividades do obreiro, impondo, desta forma, o pagamento dos adicionais correspondentes, cumulativamente, visto que, neste caso, os riscos a saúde são também multiplicados. (TRT da 3ª REGIÃO. Recurso Ordinário n.794/91, relator/revisor juiz Paulo Roberto Sifuentes Costa, publicado no DJMG em 6.12.1991, p.3) Esses entendimentos jurisprudenciais afirmam que, quando apurado o laudo pericial a existência de dois agentes insalubres, é devido o pagamento dos adicionais correspondentes, cumulativamente, vez que também são multiplicados os riscos à saúde do obreiro e que a Portaria n. 3.214/78 quando aprovou as normas regulamentadoras do adicional de insalubridade, proibindo a acumulação de mais de um agente insalubre, excedeu sua competência, porque estabeleceu restrição a direito não previsto na Lei. Por outro lado, o pagamento de apenas um adicional, quando são dois ou mais agentes insalubres, incentiva a manutenção de um ambiente de trabalho agressivo à saúde do trabalhador. (TRT da 3ª REGIÃO. Recurso Ordinário n. 6.530/93, Relator/Revisor Juiz Abel Nunes da Cunha, julgado em 11.5.94, publicado no DJMG em 7.6.1994, p.4.) Outra justificativa favorável à cumulação dos adicionais é que, encontrados dois agentes insalubres, os trabalhadores deverão receber dois adicionais , para se proteger a saúde que estará em maior exposição ao risco e evitar o locupletamento ilícito. . (TRT da 3ª REGIÃO. Recurso Ordinário n. 2.128/91, Relator Juiz Dárcio Guimarães de Andrade, publicado no DJMG em 18.10.91, p.6.) Pelo mesmo motivo, admite-se a cumulatividade dentro do mesmo adicional, como exemplo, a exposição do trabalhador a dois ou mais agentes insalubres, obviamente deverá ser permitida também a cumulação de dois adicionais diferentes, ou seja, adicional de insalubridade que visa compensar os danos causados à saúde do trabalhador e o adicional de periculosidade que visa compensar o risco à vida do trabalhador.” (2015. p.126).

De igual forma, destaca-se o informativo nº134 do TST que dispôs sobre o assunto:

Por outro lado, insurge a prevalência pela vedação da concessão de ambos adicionais ante exposto no §2º do art.193 da CLT, vez que regulamentado pela NR-15:

Adicional de insalubridade e de periculosidade. Cumulação. Impossibilidade. Prevalência do art. 193, § 2º, da CLT ante as Convenções nºs 148 e 155 da OIT.

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É vedada a percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e de periculosidade ante a expressa dicção do art. 193, § 2º, da CLT. Ademais, não obstante as Convenções nºs 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tenham sido incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, elas não se sobrepõem à norma interna que consagra entendimento diametralmente oposto, aplicando-se tão somente às situações ainda não reguladas por lei. Sob esse fundamento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e no mérito, por maioria, negou-lhe provimento. Vencidos os Ministros Cláudio Mascarenhas Brandão, relator, Augusto César de Carvalho, Hugo Carlos Scheuermann e Alexandre Agra Belmonte. TSTEARR-1081-60.2012.5.03.0064, SBDI-I, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, red. p/ acórdão Min. João Oreste Dalazen, 28.4.2016. Nessa vertente, o entendimento majoritário é no sentido de não permitir a cumulação dos referidos adicionais, dando, entretanto, ao trabalhador a escolha de optar por um deles, conforme dispõe o artigo 193, § 2º, da Consolidação das Leis Trabalhistas. Porém, essa vertente vai contra aos princípios e garantias de proteção ao trabalhador. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo teve como objetivo demostrar a possibilidade de se cumular os adicionais de insalubridade e periculosidade, sendo que ambos os institutos estão intimamente ligados à exposição de agentes nocivos à vida e à saúde do trabalhador. Nesse cenário, destaca-se a importância do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, tanto por parte da empresa como também do obreiro, de exigir as condições inerentes a um ambiente de trabalho digno. E assim, prevenir e reduzir os danos e os riscos causados à saúde do empregado. Vale dizer que a concessão dos adicionais não se refere à um aumento vantajoso, mas sim uma forma de compensar e estimular o empregado a trabalhar em tais condições. Além disso, defende-se que um adicional não pode excluir o outro, tendo em vista a natureza de agentes diversos e a exposição simultânea a eles. Com efeito, a norma prevista no art.193, §2º da CLT deve ser interpretada à luz da dignidade da pessoa humana (art.1º, III, CR/88), da busca de melhoria da condição social dos empregados (art.7º, “caput”, CR/88) e do dever do empregador de redução dos riscos inerentes ao trabalho (art.7º, XXII, CR/88). Neste contexto, é imperioso destacar a importância das razões principiológicas e legais que corroboram com a tese de possibilitar a cumulação dos referidos adicionais. Defende-se portanto, a aplicação da CR/88 e da Convenção nº 155 da OIT, ante a incidência do item 15.3 da NR-13 ao art. 193,§2º da CLT, aplicando-se, assim, a norma mais favorável ao trabalhador. Isso posto, conclui-se que, com a convenção nº 155 da OIT, o Judiciário tem o dever de aplicar a revogação do § 2º do artigo 193 da CLT. Todavia, em respeito ao Princípio da Legalidade, os efeitos desta revogação só podem ocorrer desde quando a convenção nº 155 da OIT entrou em vigor no Brasil, de forma a primar pela segurança jurídica.

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7 REFERÊNCIAS BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Notícias. Disponível em: <https://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/turma -mantem-acumulacao-de-adicionais-de-insalubridade-e-periculosidade>. Acesso em: 05 abr. 2016. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr , 2015. P 815. JORGE NETO, Francisco Ferreira. Direito do Trabalho. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2013. P 552. LTr E-BOOKS . Publicação On Line LTr. BUCK, Regina. Disponível em: http://ltrdigital.com.br/preview/10389>. Acesso em: 18 mai. 2016. MIESSA, Élisson e CORREIA, Henrique. Estudos aprofundados da mamgistratura do trabalho. V.2. ed. jusPODIVM, 2014. P 217. NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 29.ed. Saraiva. 2014. P 144. OIT. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: <https:// www.oitbrasil.org.br/>. Acesso em: 04 abr. 2016. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à saúde do trabalhador. 4.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: LTr, 2002, P 92. ZAPATA MEJIA LAGE, Daniela. A cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade no atual direito brasileiro. Disponível em: <http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=1107>. Acesso em: 23 de junho de 2016.

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Banca Examinadora Daniela Lage Meija Zapata (Orientadora) Amanda Helena Azeredo Bonaccorsi (Examinadora)

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O CRIME AMBIENTAL E SUA IMPUTAÇÃO A PESSOA JURIDICA NO BRASIL APÓS A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Wellington Fernandes da Silva1

RESUMO: Diante do movimento ambientalista ocorrido no século passado os países tiveram que adequar suas legislações para inibir e ou reprimir o dano ambiental. No Brasil a Constituição Federal estabelece a proteção ao meio ambiente, e em seu artigo 255 § 3º prevê a punição a pessoa jurídica. A legislação infraconstitucional penal ambiental, em especial a Lei nº 9.605/98, busca regulamentar o texto constitucional reforça esta previsão normatizando que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente, civil e penalmente pelos danos que causarem ao meio ambiente. Porem não houve uma adaptação entre o sistema penal vigente e a política de combate ao crime ambiental como ocorreu em outros países. Diante de tais falhas legislativas, surgiram correntes doutrinarias e jurisprudenciais afirmando e contrapondo posicionamentos, na tentativa de melhor estruturar e solidificar o sistema, para que não se perdesse a segurança e a estabilidade das decisões provenientes dos tribunais. O presente artigo ira expor estes posicionamentos juntamente com a nova decisão do STF que já esta norteando as decisões dos tribunais. Procurando demonstrar mudanças ocorridas após o novo entendimento da corte maior. Palavras-Chave: Direito Ambiental. Constituição Federal. Responsabilidade. Pessoas jurídicas. Dupla imputação.

1 INTRODUÇÃO No Brasil a constituição Federal de 1988 trouxe um capitulo próprio para tratamento sobre punibilidade dos entes poluidores, tanto pessoas físicas quanto jurídicas. Com isso houve um avanço em nossa política de proteção ambiental que nos libertou do entendimento tradicional que era impossível a penalização criminal da pessoa jurídica pela pratica de crime ambiental. Com a elaboração da Lei dos crimes ambientais (a lei 9605/98), efetivou a consolidação das várias legislações esparsas que existiam no sistema punitivo do país. E atendendo ao preceito expresso no artigo 225 da Constituição Federal, esta lei, através dos artigos 21 e posteriores, impôs a obrigatoriedade de sancionar criminalmente a pessoa jurídica que cometer danos ambientais. Em contra senso aos modelos adotados em outros países, em especial o francês, no Brasil, não foram feitas as adequações necessárias a dogmática penal. Com isso, a aplicação da lei dos crimes ambientais nos moldes dos dogmas penais vigentes, tornará a referida lei ineficaz em muitos casos. Devido a existência vários conflitos teóricos doutrinários em relação à responsabilidade criminal da pessoa jurídica, que restringem a aplicação da lei, muitas vezes impossibilitando uma aplicação eficiente do direito penal ambiental. Alem dos conflitos entre as teorias que sustentam os dogmas penais sobre a questão da imputação de crimes a pessoa jurídica, atualmente a existência da grande divisão de poder dentro da estrutura organizacional, veio a dificultar comprovação da responsabilidade de cada individuo na cadeia hierárquica organizacional. Por causa desta estruturação de poder, os órgãos encarregados de promover a persecução penal, não conseguem aferir a participação de um ou mais agentes na pratica do delito. Para adequar preceitos da lei aos institutos basilares penais, o STJ aplicava fielmente a teoria da dupla imputação nos processos que lhe eram remetidos. Esta teoria só possibilita à imputação de cri-

me ambiental a pessoa jurídica, somente quando esta estiver no pólo passivo de denuncia em concurso comum a ou mais pessoas físicas. E somente assim, poderia ser atribuída responsabilidade criminal a pessoa jurídica, para imputar-lhe um crime ambiental. Desta forma, os demais casos, em que o órgão acusatório não conseguia aferir minuciosamente a participação de cada membro de poder dentro de uma organização que havia cometido um dano ambiental se deparava com o trancamento da ação penal, pela inépcia da denuncia. Com isso se tornava ineficaz o artigo 3º da lei 9605/05 dos crimes ambientais e também mitigava o preceito constitucional do § 3º do artigo 225 da CF. A responsabilidade criminal da pessoa jurídica sempre foi alvo de controvérsia entre os estudiosos. Existem os que são a favor da responsabilização criminal, desde que seguidos alguns requisitos. Neste entendimento existem os adeptos a teoria da realidade. E também os e os que são contrario a existência de imputação de crimes a pessoa jurídica. Estes são adeptos da teoria da ficção. Este trabalho tem por objetivo maior demonstrar o que foi mudado através da nova interpretação do STF no de entendimento dos tribunais em relação a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Tal interpretação eliminou a necessidade da dupla imputação, que era anteriormente o argumento necessário para o reconhecimento da responsabilidade criminal da pessoa jurídica baseado em sistema subjetivista. Para tanto serão analisados especificamente, as teorias da responsabilidade da pessoa jurídica,o problema do pensamento finalista na imputação de crimes a pessoa jurídica, o tratamento dado pela Inglaterra no sistema” commom law “e o pela França no sistema “civil law”. E posteriormente, o tratamento dado pela CF/88 e a lei 9605/98 no tocante aos crimes ambientais,. Veremos o posicionamento das correntes contrarias e a favor da responsabilização da pessoa jurídica nos crimes ambientais, os requisitos de admissibilidade da dupla imputação, jurisprudências STJ e os novo posicionamentos do STJ em conformidade com o STF.

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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2 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURIDICAS Na doutrina destacam-se duas teorias a respeito da responsabilidade da pessoa jurídica,que dão ou não embasamento doutrinário para responsabilidade criminal das pessoas jurídicas. Sendo elas: a Teoria da Ficção e a Teoria da Realidade, as quais serão expostas a seguir 2.1 Teoria da ficção Os adeptos da Teoria da ficção não aceitam a responsabilidade criminal da pessoa jurídica. Neste pensamento, não se admitem que a pessoa jurídica tenha vontade própria, portanto não podem agir com dolo ou culpa, pois são desprovidas do elemento subjetivo. Neste caso a imputação de crime a pessoa jurídica configura a aplicação da responsabilidade objetiva, que é incompatível com sistema penal adotado pelo nosso código.Além disso a pessoa jurídica não possui culpabilidade, que é requisito necessário para imputação de pena. E, decorrente da não culpabilidade da pessoa jurídica, não se pode também personificar a pena.Neste sentido Luiz Regis Prado alude sobre esta teoria. A primeira criada por Savigny, afirma que as pessoas jurídicas têm existência fictcia, irreal ou de pura abstração – devido a um privilegio licito da autoridade soberana- sem, portanto, incapazes de delinqüir (carecem de vontade de ação). (PRADO, 2013,p532) De acordo com Luiz Regis Prado as pessoas jurídicas são puramente abstrações, são ficções jurídicas, incapazes de cometerem delidos. Por ser um ente abstrato, é diferente do ser humano, que é pessoa natural, passível de ser responsabilizado criminalmente. Os delitos são praticados somente por pessoas físicas que as compõem as organizações. Mesmo que, da ocorrência do delito, tenha surgido um ganho para a organização, esta não poderá ser responsabilizada criminalmente. Segundo SHECAIRA (apud Ana Cláudia de Morais 2003, p. 59) assim se expressou a respeito desta corrente: A teoria da ficção originou-se do direito canônico e prevaleceu até o século passado. Seu principal defensor foi Savigny. Sua idéia central é a de que só o homem é capaz de ser sujeito de direitos. O ordenamento jurídico, no entanto, modificou esse princípio, seja para retirar essa capacidade(como o fez no caso dos escravos), seja para ampliar tal capacidade a entes fictícios incapazes de vontade e que são representados como também são representados os incapazes. Nesse sentido, a pessoa jurídica poderia ser equiparada a um menor impúbere que exerce seu direito sempre através de um tutor. A pessoa jurídica é, assim, uma criação artificial da lei para exercer direitos patrimoniais. É pessoa fictícia. Somente obtém sua personalidade por uma abstração. “Quando, pois, se atribuem direitos pessoas de natureza outra, estas pessoas são mera criação da mente humana, a qual supõe que elas sejam capazes de vontade e de ação e,destarte, constrói uma ficção jurídica. De conceitos tais logicamente se infere que o legislador pode, livremente,conceder, negar ou limitar a capacidade dessas pessoas ficticiamente criadas, como pode conceder-lhes apenas, a capacidade indispensável para o alcance dos fins em razão dos quais forem formadas. Portanto, essa corrente, ao negar a existência de um delito corporativo,afirma que apenas o homem natural é capaz de transgredir alei, pois somente ele é livre e possuidor do livre arbítrio. Estando a pessoa jurídica destituída de tal capacidade, por ser uma mera abstração, ficando assim o direito penal incapaz de atingi-la. Tal pensamento vem expresso na conhecida locução societas delin quere non potest.(SHECAIRA, 2003, P. 100)

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Alem disso a pessoa jurídica não possui culpabilidade, que é requisito necessário para imputação de pena. E, decorrente da não culpabilidade da pessoa jurídica, não se pode também personificar a pena. [...] Outro fator que fortalece essa argumentação está na definição de crime adotada pelo Direito Penal, com a abrangência desse conceito como fato típico, ilícito e culpável, que está diretamente relacionada à ação e as variações da culpabilidade, que não estão no âmbito da pessoa jurídica. Assim, essa teoria contrária prevê a pessoa jurídica como uma parte artificial sem vontade e capacidade para agir de forma ilícita. Sendo os entes coletivos desprovidos de vontade real, não podem promover atividades ilícitas e consequentemente serem penalizados. (GOMES G. C., 2013, p. 1331) Como exposto, os adeptos desta teoria negam completamente a possibilidade da pessoa jurídica ser autora de crime, pois somente a pessoa física é detentora do livre arbítrio de expressar sua vontade. A pessoa jurídica por ser um ente moral, não possui tal atributo. E, portanto, a imputação de crime a pessoa jurídica seria meramente uma imputação objetiva, o que não se admite em um sistema penal subjetivista 2.2 Crítica á teoria da ficção Uma grande critica feita a esta teoria é que com base neste raciocínio o Estado também não poderia ser autor de crimes, pois também é um ente fictício criado por lei.Desta forma como expõem Rodrigues (apud RODRIGUES ,1967, 106). [...] Ela não cuidou de explicar de maneira alguma a existência do estado como pessoa jurídica. Quem foi o criador do Estado? Uma vez que ele não se identifica com as pessoas físicas, deverá ser havido igualmente como ficção? Nesse caso, o próprio direito será também outra ficção, porque emanado do Estado. Ficção será, portanto, tudo quanto se encontre na esfera jurídica, inclusive a própria teoria da pessoa jurídica.[...] (RODRIGUES, 1967, p106) Estas contradições foram com o tempo enfraquecendo a teoria da ficção, e perdendo sua utilidade publica. Hoje percebemos que as pessoas jurídicas são mais que meros entes fictícios, elas possuem vontade própria independente dos seus membros diretores. Portanto, possui capacidade de adquirir direitos e obrigações inerentes aos seres humanos, e desta forma, também pode praticar crimes. . 2.3 Teoria da realidade A teoria da realidade ou personalidade real ou orgânica,teve como defensor Otto Gierk. Esta teoria e diversamente oposta a teoria da ficção. Possui atributos conforme uma pessoa física, sendo assim possuiu capacidade civil e penal. O ente corporativo é visto como uma realidade social, tendo, portanto capacidade de contrair direitos e obrigações. Os argumentos a favor desta teoria defendem que por terem vontade própria diferente de seus membros dirigentes, afasta a aplicação da imputação objetiva. Outro ponto é que possuem culpabilidade social, que esta atrelada á vontade de seus dirigentes. Um terceiro argumento, que não podem sofrer pena privativa de liberdade, porem podem sofrer penalidade compatível com sua condição ( pena de multa, restrição de direitos, execução forçada ...). Um quarto argumento é a previsão constitucional do artigo 225 § 3º 2.4 Críticas à teoria da realidade Esta teoria sofreu várias críticas de grande parte de doutrinadores principalmente por preconizar a responsabilidade da pessoa independente da pessoa física. Desta forma Luis Regis Prado, a respeito bem expressou:

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[...] Alem disso, como bem se sustenta a especificidade própria da norma penal, de cunho imperativo – fundadas em modais deônticos (obrigatório/permitido/proibido) – implica que só a pessoa natural possa ser seu destinatário. Insistir na não rara fusão – organicista – entre pessoa jurídica e pessoa física, sob a alegação de que, por exemplo, tema mesma ou similar vontade,” é navegar a plenas velas do mar da fantasia”. Com efeito, é sempre em relação a pessoa física que tem em vista a pessoa jurídica, que busca desesperadamente encontrar entre elas convergências inexistentes. Só se assemelham enquanto unidade de eficácia normativa, enquanto fator ativo do acontecer social. Nada mais. (PRADO, 2013, P 167)

regras) fornecem o conceito analítico de crime.” Desta forma o conceito analítico de crime possui o foco nos elementos do delito, como eles relacionam, e como se estrutura o comportamento criminoso nos termos do pensamento cientifico penal. Como bem expõe o referido autor:

Como bem expresso pelo autor este nega a possibilidade da pessoa jurídica ser autora de crime pois somente o ser humano é destinatário da lei penal. No mesmo sentido Cesar Roberto Bitencourt cita Munos Conde:

Dentre as varias discussões sistemáticas os principais são: sistema clássico, neoclássico, finalista e o funcionalista. Iremos abordar o sistema finalista, pois este e o sistema adotado pelo CP brasileiro (pelo menos para maioria dos doutrinadores e juristas). Sem adentrarmos em especificações das demais correntes doutrinarias sobre esta estrutura do crime (bipartite, tripartite...) concordamos com maioria que o crime é um fato típico, antijurídico e culpável, deste modo:

[...] Neste sentido é o entendimento também atual de Munos Conde, para quem a capacidade de ação, de culpabilidade e de pena exigem a presença de uma vontade, entendida como uma faculdade psíquica da pessoa individual, que não existe na pessoa jurídica, mero ente ficto ao qual o direito atribui capacidade para outros fins distintos dos penais.[...] (BITENCOURT, 2013 p 167)

[...] A Construção deste pensamento sistemático tem ocupado grande parte dos trabalhos científicos em direito penal. Argumenta-se que qual forma de pensar permite uma atuação segura e previsível das normas criminais, evitando o acaso e a “loteria nas discussões nos tribunais”[...] (STEFAN, 2012 p264)

As principais teorias na estrutura do crime no pensamento finalista são: Teoria finalista da ação e a Teoria normativa pura da Culpabilidade. Na conduta a principal mudança foi na concepção de ação em relação às teorias anteriores. Aqui a conduta deixou de ser um movimento muscular gerador de causalidade para se tornar uma conduta humana consciente e voluntaria movida por uma finalidade. A doutrina finalista não vislumbra a ação como mero processo causal equiparados aos processos da natureza. Ela se diferencia destes últimos por algo que lhe é próprio e único, a saber, a capacidade de atuar conforme fins estabelecidos de modo racional.No atuar humano, o agente concebe um determinado objetivo, e em seguida age para alcançá-lo, Põe em marcha determinados processos causais dirigidos por ele, de modo consciente, em direção ao fim pretendido. Daí ser uma ação humana o exercício de uma atividade final.Na culpabilidade a mudança ocorreu na retirada do dolo da culpabilidade fez com que esta passasse a ser restrita a elementos exclusivamente normativos: a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude (retirada do dolo, que se torna natural, e não mais híbrido) e a exigibilidade de conduta diversa — eis a teoria normativa pura da culpabilidade. (STEFAN, 2012 p264)

Segundo este doutrinador a pessoa jurídica possui capacidade, mas não capacidade penal .Em outro aspecto, Luiz Regis Prado faz referencia ao artigo 3º da lei 9605/98 que no seu entendimento quebrou o clássico axioma “ societas deliquere potest” alegando a inconstitucionalidade do artigo 3º da lei9605/98.Vejamos : [...]Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.” “Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato [...] [...]Não obstante, em rigor diante da configuração do Ordenamento jurídico brasileiro- em especial – do subsistema penal – e dos princípios constitucionais penais ( v.g., princípios da personalidade das penas, da culpabilidade, da intervenção mínima) que origem e que são reafirmados pela vigência daquele, fica extremamente difícil não admitir a inconstitucionalidade deste artigo, exemplo claro de responsabilidade penal objetiva[...] (PRADO L. r., 2013,p532) As críticas feitas a esta teoria são feitas pelos doutrinadores que não admitem a responsabilidade da pessoa jurídica, quanto também por aqueles que admitem sua responsabilidade, mas não admitem responsabilidade penal. Eles negam que a vontade da pessoa jurídica seja autônoma a da vontade da pessoa física. Não vislumbram, desta forma, a possibilidade de a vontade da pessoa jurídica ser uma vontade diferente do que a soma da vontade de seus membros individuais, e tão efetiva como a vontade humana. 3 SISTEMA PENAL BRASILEIRO NOS MOLDES DO FINALISMO No dizer de Andre Stefan (STEFAN, 2012 p264)“o sistema penal representa um conjunto de elementos, cujas interações segundo determinadas teorias e por meio de um conjunto de normas (princípios e

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Em conformidade a este pensamento, a maioria dos doutrinadores penalistas entende, que a conduta, que e elemento do fato típico, só poderá ser realizada pelo ser humano. Desta forma surge o problema de se imputar crime a pessoa jurídica principalmente de forma exclusiva. 4 SISTEMA PENAL AMBIENTAL NO ORDENAMENTO INGLÊS E NO FRANCÊS 4.1 Inglaterra Por ser de base jurisprudencial, que vem se acumulando por séculos, o sistema inglês visualiza-se com maior facilidade à imputação de crimes a pessoa jurídica, pois dentro deste sistema permite-se a imputação objetiva e a subjetiva. Eles utilizam uma teoria originada da jurisprudência civil, teoria da identificação, onde se identificam vontade da pessoa física com a da pessoa jurídica .Assim explicita Luiz Regis Prado.

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O sistema Inglês, é um sistema dà família do “common Law”,posue um sistema de estrutura

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diferente do sistema civil Law romanogermânico.“No sistema “commomlow” é vigente o princípio da”societas delinquerepotest,” onde se reconhece a responsabilidade penal da pessoa jurídica através de construções jurisprudenciais.Os ingleses, na primeira metade do século passado, ampliaram estas jurisprudências para alcançar crimes de qualquer natureza. O ente moral pôde ser responsabilizada por toda infração penal, que dentro dos limites de sua condição,tenha capacidade de realizar, sendo possível a sua imputação de forma objetiva e subjetiva Para a imputação subjetiva da pessoa jurídica faz se necessário a presença da ação ou omissão do ser humano. Isso demanda a utilização de um artifício que transfira a responsabilidade dos atos praticados pela pessoa física para a pessoa jurídica. O fundamento utilizado foi a adoção da teoria da identificação, originaria da jurisprudência civil. Por esta teoria, o juiz ou tribunal deve procurar identificar a pessoa que não seja um empregado ou agente, cuja sociedade seja responsável pelo fato em decorrência de uma relação hierárquica, mas qualquer um que a torne responsável porque o ato incriminado é o próprio ato da sociedade. Assim, a pessoa natural não fala, nem atua para a sociedade, ela atua enquanto sociedade e à-vontade que dirige suas ações é a vontade da própria sociedade. A pessoa física torna-se a personificação do ente coletivo, sua vontade é a vontade dele, numa verdadeira e total identificação. No momento atual a teoria da identificação exige pelo menos um único dirigente, isto é uma só pessoa no centro do organismo na qual todos os elementos da culpa necessários estarão reunidos (PRADO L. R., 2013 p 543 e 544).

Desse caráter subseqüente ou de empréstimo resulta importante conseqüência: a infração penal imputada a uma pessoa jurídica será quase sempre igualmente imputável a uma pessoa física. (PRADO L. R., 2013 p 543) Ao utilizar-se deste instituto, como assevera Prado (2013) os franceses fizeram uma associação intima entre a pessoa jurídica e a pessoa física. A responsabilidade da pessoa jurídica pressupõe a da pessoa física. No entanto em casos de infrações especificas a responsabilidade do ente moral pode ser extraída mesmo que não se tenha estabelecido a responsabilidade da pessoa física. O código Frances estatui as infrações que podem ser aplicadas a pessoa jurídica juntamente com as sanções sendo a dissolução aplicada a sanções mais graves. 5 A PROTEÇÃO CONTRA CRIME AMBIENTAL NO BRASIL A proteção ambiental no Brasil encontra-se previsão na Constituição Federal e também no âmbito infra constitucional .A Constituição federal estabelece que o ambiente é um direito fundamenta, e como tal deve ser protegido, para esta e também para futuras gerações. Estabelece, ainda, que os crimes praticados contra o meio ambiente, e que modernamente se tornaram a cada dia mais freqüentes,devem ser coibidos..Na CF/88 a responsabilização por dano ao meio ambiente esta prevista no artigo 225 § 3º : Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. [..] § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados[...]

Dentro deste sistema os ingleses conseguem imputar qualquer tipo de crime a pessoa jurídica, limitando-se apenas pela sua condição. A praticidade deste sistema, que não esta preso a estruturas dogmáticas permite a imputação de crimes ao ente moral desde que sua conduta seja lesiva a sociedade. 4.2 França No sistema francês a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras ou cúmplices dos mesmos fatos. No entanto, a tendência é que a responsabilidade penal da pessoa jurídica seja exclusiva nos casos de infrações de negligência e de imprudência, principalmente quando o ato resultar de um defeito de concepção da empresa, em que o ato seja imputável a decisões múltiplas ou tomadas a diversos níveis, ou seja, uma conseqüência de decisão coletiva tomada por diversas pessoas em um nível determinado.E em respeito ao princípio da especialidade, o legislador francês criou um tipos próprios aos entes sociais. Visando somente à prevenção e à dissuasão. Fazendo imprescindível a existência de tipos próprios, que desta forma reforça, ao principia da legalidade. Existem duas condicionantes legais para a existência desta responsabilidade são elas : a)a infração criminal deve ser praticada por um órgão ou representante legal da pessoa jurídica; e b) a infração deve ser praticada por conta, ou seja no interesse da pessoa jurídica. Esta responsabilidade é sustentada pela teoria do ricochete, que no direito francês se faz entender pelo instituto denominado “emprunt de criminalite”. Nas palavras de Luiz Regis Prado:

Além desta previsão constitucional, após dez anos, foi elaborada a lei9605/98. Essa lei veio regulamentar o artigo constitucional em seu artigo 3º caput estabelece que”As pessoas jurídicas serão responsabilizadas, administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a conduta delitiva seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade empresarial.” Nos conceitos de Luiz Regis Prado:

Trata-se de responsabilidade penal por ricochete, de empréstimo, subseqüente ou por procuração, que é explicada através do mecanismo denominado “emprunt de criminalite”, feito à pessoa física pela jurídica, e que tem como suporte obrigatório a intervenção humana. Noutro dizer: a responsabilidade penal da pessoa moral está condicionada à prática de um fato punível suscetível de ser reprovado a uma pessoa física. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

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[...] Embora não seja modelo preferível de proteção legal- escolhido pelo legislador de 1998 – o reconhecimento da indispensabilidade de uma proteção penal uniforme clara e ordenada, coerente com a importância do bem jurídico, as dificuldades de inseri-la no Código Penal, e ainda o crescente reclamo social de uma maior proteção do mundo em que vivemos, acabaram dando lugar ao surgimento da lei contra o Meio Ambiente (lei 9605 de 12.02.1998), proposta pelo governo e aprovada em regime de urgência pelo Poder Legislativo. Trata-se de lei de natureza hibrida, em que misturam conteúdos dispares- penal, administrativo, internacional- e em que os avanços não foram propriamente significativos. As lei criminais ambientais brasileiras, pretéritas, em parte vigorante- legislação de tipo mosaico- constituíase em verdadeira catástrofe, “excessivamente prolixas, casuístas tecnicamente imperfeitas, quase sempre inspiradas por especialistas do setor afetado, leigos em Direito, ou quando muito de formação jurídica não especifica, os que as tornam

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de difícil aplicação, tortuosas e complexas, em total descompasso com os vetores -técnicos-cientificos – que regem o direito penal moderno” [...](PRADO L. R., Crimes Contra o meio Ambiente 2ª edição atualizada revisada e ampliada Anotações a lei 9605 de 12 fevereiro de 1998 Doutrina jurisprudência e Legislação, 2001 p 31 e 32). Porém mesmo existindo a previsão constitucional e infraconstitucional o reconhecimento da imputação de crimes a pessoa jurídica, dentro do sistema penal brasileiro, apresenta muitas controvérsias, principalmente em se tratar de imputação exclusiva da pessoa jurídica. Isso porque sempre que se analisa a responsabilidade da pessoa jurídica na seara criminal, vem a tona as varias incongruências sobre a teoria do delito adotada pelo Brasil. Questões estas, que serão expostas a seguir. 6. POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS

jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I - multa; II - restritivas de direitos; III - prestação de serviços à comunidade Outro fundamento, que os adeptos desta teoria utilizaram foi a violação ao princípio da intranscendência e da pessoalidade consolidados no artigo 5º, XLV CF/88“Art. 5º XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.” Adotam essa corrente: Miguel Reale Jr., Cézar Roberto Bitencourt, Luiz Regis Prado. Segundo Luiz Regis Prado:

Para melhor entendimento vamos analisar os posicionamentos existentes na doutrina sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Existem basicamente quatro posicionamentos sobre a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, sendo que as duas primeiras correntes são posicionamentos doutrinários e os outros dois jurisprudenciais O primeiro refuta a imputação a pessoa jurídica por afronta a constituição, e o outro afasta toda a idéia de imputação a pessoa jurídica. Os outros dois são posicionamento do STJ e do STF. 6.1 Refutam a imputação da pessoa jurídica por afronta a constituição A primeira corrente é uma corrente minoritária, e diz que não e possível tal responsabilização criminal. As pessoas jurídicas carecem de personalidade e somente podem atuar por intermédio de seus órgão, razão pela qual não podem ser punidas.Defendendo seu entendimento esta corrente baseia na constituição fazendo uma interpretação fracionada do§ 3º do artigo 225 da CF”§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”Desta forma quando a constituição diz condutas refere-se ao ser humano, pois só ele tem a capacidade de realizar condutas relevantes ao direito penal Quando diz atividade esta sim é decorre da pessoa jurídica. Por fazer uma leitura fracionada entende-se que as pessoas físicas estão sujeitas a sanções penais e as pessoas jurídicas a sanções administrativas. Neste sentido diz Cesar Roberto Bitencourt: No Brasil, a obscura previsão do art. 225, § 3º, da constituição Federal, relativamente ao meio ambiente, tem levado alguns penalistas a sustentarem, equivocadamente, que a carta Magna consagrou a responsabilidade penal da pessoa jurídica. No entanto, a responsabilidade penal ainda se encontra limitada a responsabilidade subjetiva e individual(BITENCOURT C. R., 2012, p295) Por assim entenderem, a existência da responsabilidade penal da pessoa jurídica prevista no art. 3º e 21dalei9605/98, seria um comando inconstitucional, pois não teriam respaldo da constituição para esta modalidade de responsabilidade. Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas

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[...] o principio da pessoalidade ou da personalidade da pena vincula estritamente aos postulados da imputação subjetiva e da culpabilidade, a responsabilidade da pena é sempre pessoal e subjetiva - própria do ser humano – e decorrente de sua ação ou omissão não sendo admitida nenhuma outra forma ou espécie “[...] (PRADO L. R., Crimes Contra o Meio Ambiente Anotações a lei 9605 de 12 fevereiro de 1998 Doutrina jurisprudência e Legislação 2ª edição ver. Atual.e ampl.-, 2001 p 60) Resumidamente, deste modo, os adeptos desta corrente preconizam a inconstitucionalidade do artigo 3º e 21 da lei 9605/98 por entenderem que a constituição prevê punição de pena para pessoa física e sanção administrativa para as pessoas jurídicas, e também, asseveram violação ao princípio da intranscendência e da pessoalidade consolidados no artigo 5º, XLV da Constituição Federal. 6.2 Afastam toda idéia de responsabilização criminal da pessoa jurídica Uma segunda corrente não reconhece a inconstitucionalidade dessa responsabilidade penal como a primeira. Ela não faz uma leitura fracionada do art. 225, §3º, CF. Esta corrente entende que as condutas e atividades sujeitam os infratores, a sanção penal, administrativa ou civil. Seguem a teoria da ficção de Savigny.Visualiza-se a pessoa jurídica como uma ficção, que não tem vida própria, existência própria destacada dos seus componentes/sócios. Assim, por ser uma ficção, é inconcebível no plano infraconstitucional, a sua responsabilidade criminal. Essa corrente não verifica problema no texto constitucional, mas sim no âmbito infraconstitucional. Conforme explica Silvio Maciel, este entendimento baseia-se na Teoria da ficção jurídica, de Savigny, segundo o qual as pessoas jurídicas são puras abstrações, desprovidas de consciência e vontade (societas delinquere non potest). Também é assim, o entendimento de Luiz Flavio Gomes:“os entes morais são desprovidas de consciência, vontade e finalidade e, portanto, não podem praticar condutas tipicamente humanas, como as condutas criminosas” (GOMES & CUNHA, 2009 p 692). As pessoas jurídicas não podem ser responsabilizadas criminalmente porque não têm capacidade de conduta, não têm dolo ou culpa e nem agem com culpabilidade, não têm imputabilidade nem potencial consciência da ilicitude. E sendo assim, por não terem consciência e vontade próprias não podem executar condutas humanas, desta forma é incompatível com a teoria adotada pelo ordenamento jurídico penal. Além disso,também não podem sofrer pena deste entendimento também compartilham Luiz Flavio Gomes e Rogério

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pela Carta Magna. 4. Tendo em vista que os co-réus ADELINO RAYMUNDO COLOMBO, ANTONIO BRITTO FILHO, ADIMAR SCHIEVELBEIN, ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA e PAULA CAMILA DE PAULA se encontram na mesma situação processual do paciente, os efeitos desta decisão devem lhe ser estendidos, nos termos do artigo580 do Código de Processo Penal. 5. Ordem concedida para declarar a inépcia da denúncia ofertada contra o paciente, estendendose os efeitos desta decisão aos co-réus ADELINO RAYMUNDO COLOMBO, ANTONIO BRITTO FILHO, ADIMAR SCHIEVELBEIN, ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA e PAULA CAMILA DE PAULA.

Sanches Cunha ao descreverem:: [...] E inútil a aplicação de pena às pessoas jurídicas. As penas têm por finalidades prevenir crimes e reeducar o infrator (prevenção geral e especial, positiva e negativa), impossíveis de serem alcançadas em relação às pessoas jurídicas, que são entes fictícios, incapazes de assimilar tais efeitos da sanção penal.[...](GOMES & CUNHA, 2009 p 692) Adotam essa corrente: Pierangelli, Zafaroni, René Ariel Dotti, Luiz Regis Prado, Alberto Silva Franco, Fernando da Costa Tourinho Filho, Roberto Delmanto, LFG, entre outros.Para eles a responsabilidade da pessoa jurídica não compatibiliza com a teoria do crime adotada pelo Código Penal. 6.3 Corrente jurisprudencial adotada pelo STJ A terceira Corrente faz a leitura constitucional da CF/88, sob o aspecto de permitir e reconhecer a responsabilização criminal de pessoa jurídica. No entanto em sede infraconstitucional, essa corrente segue a teoria da realidade de Gierke, segundo a qual a pessoa jurídica é uma realidade à parte dos seus sócios ou membros responsáveis, e, portanto, tem autonomia para ter responsabilidade penal. A responsabilidade penal da pessoa jurídica para essa corrente se traduz numa responsabilidade social, ela abandona o critério tradicional de culpabilidade e adota a idéia de responsabilidade social. Para eles, a responsabilidade penal da pessoa jurídica fica condicionada a teoria ou princípio da dupla imputação. A teoria da dupla imputação preconiza a admissão da responsabilidade penal da pessoa jurídica em sede de crimes ambientais, desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício. Foi o entendimento majoritário do STJ que só seria possível a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, desde que houvesse a imputação simultânea da(s)pessoa(s) física(s) com o ente moral.Pois é a pessoa física que atua em nome ou em benefício da pessoa jurídica.Nesse sentido vejamos o seguinte julgado do STJ: HABEAS CORPUS . CRIME AMBIENTAL (ARTIGO 54, 3º, DA LEI 9.605/1998). INÉPCIA DA DENÚNCIA. MERA CONDIÇAO DE INTEGRANTE DO CONSELHO DEADMINISTRAÇAO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇAO DO NEXO CAUSAL. AMPLA DEFESA PREJUDICADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A hipótese em apreço cuida de denúncia que narra supostos delitos praticados por intermédio de pessoa jurídica, a qual, por se tratar de sujeito de direitos e obrigações, e por não deter vontade própria, atua sempre por representação de uma ou mais pessoas naturais. 2. A tal peculiaridade deve estar atento o órgão acusatório, pois embora existam precedentes desta própria Corte Superior de Justiça admitindo a chamada denúncia genérica nos delitos de autoria coletiva e nos crimes societários, não lhe é dado eximir-se da responsabilidade de descrever, com um mínimo de concretude, como os imputados teriam agido, ou de que forma teriam contribuído para a prática da conduta narrada na peça acusatória. 3. No caso, olvidou-se o órgão acusatório de narrar qual conduta voluntária praticada pelo paciente teria dado ensejo à poluição noticiada, limitando-se a apontar que seria um dos autores do delito simplesmente por se tratar de conselheiro da sociedade empresária em questão, circunstância que, de fato, impede o exercício de sua defesa em juízo na amplitude que lhe é garantida LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Neste entender, o Ministério Público não poderia formular a denúncia apenas contra a pessoa jurídica, devendo, obrigatoriamente, identificar e apontar as pessoas físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participou do evento delituoso, sob penado não recebimento da denuncia. Nestes termos dispõe o seguinte Recurso Especial nº865864/PR: RECURSO ESPECIAL Nº 865.864 - PR (2006⁄0230607-6) PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO EXCLUSIVA DA PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE FIGURAÇÃO DA PESSOA FÍSICA NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. “Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (REsp 889.528⁄SC, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 18⁄6⁄07). 2. Recurso especial conhecido e provido para anular o acórdão que determinou o recebimento da denúncia. Este raciocínio tem base legal na redação do art. 3º da Lei nº 9.605/98 ao estabelecer que a responsabilidade das pessoas jurídica não pode excluir as da pessoa física. Não se pode imputar crime a pessoa jurídica se excluir a pessoa física Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato (JOYCE, 2015, 2º semestre, p. 1800) Assim também é o posicionamento de Luiz Flavio Gomes e Rogério Sanches Cunha, evidenciando

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Pelo referido dispositivo é possível punir apenas a pessoa física, ou a pessoa física e a pessoa jurídica concomitantemente. Não é possível, entretanto, punir apenas a pessoa jurídica, já que o caput do art. 3º somente permite a responsabilização do ente moral se identificado o ato do representante legal ou contratual ou do órgão colegiado que ensejou a decisão da prática infracional. Assim, conforme já expusemos acima, não é possível denunciar, isoladamente, a pessoa jurídica já que sempre haverá uma pessoa física (ou diversas) co-responsável pela infração. “Em relação aos entes morais, os crimes ambientais são, portanto, delitos plurissubjetivos ou de concurso necessário

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(crimes de encontro).”[...](GOMES & CUNHA, Meio Ambiente. Lei 9.605, 12.02.1998. In: GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches (Coord.). Legislação Criminal Especial., 2009 p 702-703.) Na doutrina, esta também é a posição, de Édis Milaré, que defende a imputação de crime a pessoa jurídica desde que atendidas as condições do artigo 3º [...] A teor do citado artigo 3º da lei 9605/1988, a responsabilidade penal da pessoa jurídica fica condicionada: (i) a que a infração tenha sido cometida em seu interesse e beneficio, (ii) por decisão de seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado [...](Milaré, 2014 p 476.) No que concerne a aplicação da teoria da dupla imputação, é mister fazermos duas observações. Na primeira: A dupla imputação não é decorrência do princípio da indivisibilidade da ação penal. O STF e STJ afastam esse entendimento, tendo em vista que os crimes ambientais são crimes de ação penal pública incondicionada, os quais não se regem pelo princípio da indivisibilidade.Esse principio, aplica -se somente à ação penal privada, sob a condição de que assim não for, tornar a ação penal em um instrumento de vingança particular, pelo que se o “ius persequendi” atingir a um, atingirá aos demais autores que se liguem ao fato criminoso. Assim o é, em conformidade ao art. 48 CPP que alude: “A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade.” Em uma segunda observação, a dupla imputação não significa dupla condenação. Admite-se a condenação da pessoa jurídica, não obstante a absolvição da pessoa física, no mesmo processo pelo mesmo fato,porque o art. 225, §3º, CF/88 reconhece responsabilidades autônomas com relação a cada um dos envolvidos.Vejamos isto em consonância ao Informativo 639 STF. Absolvição de pessoa física e condenação penal de pessoa jurídica É possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma manteve decisão de turma recursal criminal que absolvera gerente administrativo financeiro, diante de sua falta de ingerência, da imputação da prática do crime de licenciamento de instalação de antena por pessoa jurídica sem autorização dos órgãos ambientais. Salientou-se que a conduta atribuída estaria contida no tipo penal previsto no art. 60 da Lei 9.605/98 (“Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”). Reputou-se que a Constituição respaldaria a cisão da responsabilidade das pessoas física e jurídica para efeito penal (“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. ... § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”). Isto porque o art. 225, §3º, CF/88 reconhece responsabilidades autônomas com relação a cada um dos envolvidos. LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

6.4 A responsabilidade penal da pessoa jurídica segundo o STF Como demonstrado no STJ era maciço o entendimento da Dupla imputação ser requisito obrigatório e necessário par o recebimento da denuncia contra pessoa jurídica praticante de crime ambiental. Porém com o julgamento do Recurso Extraordinário 548181/PR pelo STF, este entendimento foi quebrado. Foi aceita a denuncia contra um ente moral sem a necessidade de co-autoria com uma pessoa física. Até pouco tempo atrás, o Supremo Tribunal Federal ainda não havia enfrentado diretamente o tema, prevalecendo, portanto, até então, a posição do STJ. Acontece que, recentemente, a 1ª Turma do STF, adotou corrente diversa daquela até então dominante. O STF entendeu que é admissível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão responsável pela prática criminosa. Vejamos o Recurso Extraordinário 548181/PR: EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida e, provido. (RE 548181, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-102014 PUBLIC 30-10-2014) Segundo o voto da ministra Rosa Weber, a decisão do STJ violou diretamente a Constituição Federal, ao deixar de aplicar um comando expresso, previsto no artigo 225, parágrafo 3º, segundo o qual as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitam as pessoas físicas e jurídicas a sanções penais e administrativas. Para a relatora do RE, a Constituição não estabelece nenhum condicionamento para a previsão, como

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fez o STJ ao prever o processamento simultâneo da empresa e da pessoa física.A ministra afastou o entendimento do STJ segundo o qual a persecução penal de pessoas jurídicas só é possível se estiver caracterizada ação humana individual. Segundo seu voto, nem sempre é o caso de se imputar determinado ato a uma única pessoa física, pois muitas vezes os atos de uma pessoa jurídica podem ser atribuídos a um conjunto de indivíduos. “A dificuldade de identificar o responsável leva à impossibilidade de imposição de sanção por delitos ambientais. Não é necessária a demonstração de co-autoria da pessoa física”, afirmou a ministra, para quem a exigência da presença concomitante da pessoa física e da pessoa jurídica na ação penal esvazia o comando constitucional. A relatora também abordou a alegação de que o legislador ordinário não teria estabelecido por completo os critérios de imputação da pessoa jurídica por crimes ambientais, e que não haveria como simplesmente querer transpor os paradigmas de imputação das pessoas físicas aos entes coletivos. “O mais adequado do ponto de vista da norma constitucional será que doutrina e jurisprudência desenvolvam esses critérios”, sustentou. Ao votar pelo provimento do RE, a relatora foi acompanhada pelos ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux. Este julgamento abriu uma nova corrente a cerca da responsabilização criminal da pessoa jurídica pela pratica de crime ambiental. Foi realizada uma interpretação literal como justificativa deste posicionamento. A responsabilidade penal da pessoa jurídica pode acontecer porque a CF/88 assim determinou. Destaca-se que o § 3º do art. 225 da CF/88 não exige, para que haja responsabilidade penal da pessoa jurídica, que pessoas físicas sejam também, obrigatoriamente, denunciadas. Segundo esta interpretação não e mais necessária a dupla imputação, com isso a não necessidade de imputação de crime a pessoa física para imputação de crime a pessoa jurídica. Dentro deste entendimento do STF ficou estabelecido que a responsabilidade criminal da pessoa jurídica é autônoma a da pessoa física.Ela pode, portanto,ser responsabilizada exclusivamente pela pratica de crime ambiental, pois sua responsabilidade é subjetiva, ela tem capacidade penal.Portanto,neste sentido foi afirmada a adoção da teoria da realidade. Sendo assim a pessoa jurídica possui responsabilidade penal e, pode ser responsabilizada por crime doloso ou culposo, e peculiarmente dentro de sua condição pode sofrer os efeitos penais. Desta forma foi rechaçada a possibilidade de imputação objetiva do resultado, conforme preconizava os adeptos a teoria da ficção.

da Primeira Turma do STF, “O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação” (RE 548.181, Primeira Turma, DJe 29/10/2014). Diante dessa interpretação, o STJ modificou sua anterior orientação, de modo a entender que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Precedentes citados: RHC 53.208-SP, Sexta Turma, DJe 1º/6/2015; HC 248.073-MT, Quinta Turma, DJe 10/4/2014; e RHC 40.317-SP, Quinta Turma, DJe 29/10/2013. RMS 39.173-BA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 6/8/2015, DJe 13/8/2015. 8.1 RHC 53.208-SP, Sexta Turma, DJe 1º/6/2015; Desta forma o STJ pacificou o entendimento de que o trancamento de ação penal pela é cabível apenas quando manifesta a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de provas da existência do crime e de indícios de autoria. Se devidamente descrito o fato delituoso, com indicação dos indícios de materialidade e autoria, não há como trancar a ação penal, em sede de habeas corpus por falta de justa causa ou inépcia da denúncia, neste sentido vejamos o RHC: 53208 SP: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. EXORDIAL ACUSATÓRIA QUE ATENDE AO DISPOSTO NO ART. 41 DO CPP. AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DA DUPLA IMPUTAÇÃO EM CRIMES AMBIENTAIS, QUANDO HÁ DENÚNCIA EM DESFAVOR SOMENTE DA PESSOA FÍSICA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Esta Corte pacificou o entendimento de que o trancamento de ação penal pela via eleita é cabível apenas quando manifesta a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de provas da existência do crime e de indícios de autoria. 2. Devidamente descrito o fato delituoso, com indicação dos indícios de materialidade e autoria, não há como trancar a ação penal, em sede de habeas corpus, por falta de justa causa ou inépcia da denúncia, pois plenamente assegurado o amplo exercício do direito de defesa, em face do cumprimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal. 3. De acordo com o entendimento jurisprudencial sedimentado nesta Corte de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, o ato judicial que recebe a denúncia, ou seja, aquele a que se faz referência no art. 396 do Código de Processo Penal, por não possuir conteúdo decisório, prescinde da motivação elencada no art. 93, IX, da Constituição da República (AgRg no HC n. 256.620/ SP, Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 1º/7/2013). 4. A responsabilidade da pessoa física que pratica crime ambiental não está condicionada à concomitante responsabilização penal da pessoa jurídica, sendo possível o oferecimento da denúncia em desfavor daquela, ainda que não haja imputação do delito ambiental a esta. 5. Recurso em habeas corpus improvido.

7 PRECEDENTES DO STJ APÓS DECISÃO DO STF O STJ em conformidade com a decisão anterior do STF, em alinhamento com o Recurso Extraordinário 548181/PR, passou a aceitar o entendimento que é possível a ação penal contra pessoa jurídica, sem aplicação da Teoria da Dupla Imputação Vejamos o informativo Nº 0566 abaixo: Informativo n. 0566 Período: 8 a 20 de agosto de 2015. Este periódico, elaborado pela Secretaria de Jurisprudência do STJ, destaca teses jurisprudenciais firmadas pelos órgãos julgadores do Tribunal nos acórdãos incluídos na Base de Jurisprudência do STJ no período acima indicado, não consistindo em repositório oficial de jurisprudência. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESNECESSIDADE DE DUPLA IMPUTAÇÃO EM CRIMES AMBIENTAIS. É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Conforme orientação LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685

Diante destes posicionamentos e demonstrando aceitação ao entendimento da não necessidade de imputar crimes a pessoa física para processar penalmente uma pessoa jurídica, e que, tanto a pessoa física como pessoa jurídica pode ser responsabilizada isoladamente pela sua conduta típica, o STJ procurou dar mais efetividade ao a norma constitucional estabelecida no artigo 225 § 3º da Constituição Federal.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante deste estudo, ao ser demonstradas as posições doutrinarias e jurisprudenciais, no contexto de responsabilização da pessoa jurídica, pela pratica de crime ambiental percebemos um grande avanço no posicionamento do STF, ao admitir a imputação de crime contra o meio ambiente a uma ente moral. Por muitas vezes se viu sociedades criminosas ficando impunes diante da necessidade de aplicação da teoria da dupla imputação. Outro ponto é que através desta decisão podemos verificar que foi confirmada a adoção da teoria da realidade, onde a pessoa jurídica possui culpabilidade social, pois sua vontade esta atrelada á vontade de seus dirigentes. E que também podem sofrer pena, porem compatível com sua condição. Descartando de vez a adoção da teoria da ficção . È importante também, destacar que para que a imputação de crime ao ente moral, a conduta delituosa deverá ter sido praticada no interesse ou beneficio da pessoa jurídica. Na situação fática, de um diretor praticar um crime, mesmo utilizando da empresa, sendo este de interesse próprio, o ente moral não poderá ser responsabilizado. A imputação deverá cair sobre a pessoa física, no caso, o diretor. No entanto, mesmo com este posicionamento tomado pelo do STF, e sua recepção no âmbito do STJ, a problemática esta longe de acabar. Não há duvida que existem uma grande quantidade de juristas, e ou autoridades que não aceitam a responsabilidade penal da pessoa jurídica, tanto em concurso, quanto isoladamente. A jurisprudência do STF é proveniente de um posicionamento de uma das turmas do tribunal. Por mais adequada que ela seja do ponto de vista social, não é uma decisão formalizada dentro dos princípios da segurança jurídica, que no nosso modelo, é a lei, clara e precisa. Ela não foi votada nem aprovada pelo plenário do STF, com pelo menos 2/3 de seus membros. Portanto não é um entendimento obrigatório que todos os demais juízos devam seguir. Gera-se, desta forma, um grau de insegurança no ordenamento jurídico penal. Ainda existe no Brasil a necessidade de formalizar um pensamento jurídico penal adequadamente estruturado no âmbito legislativo e jurisprudencial, para que possamos ter segurança nas decisões proferidas pelos nossos tribunais em relação a imputação de crimes contra a pessoa jurídica. Como vimos, à França estruturou seu ordenamento de modo a permitir à imputação de crimes ao ente moral, com maior eficiência e garantias jurídicas. Estas garantias são os pilares de um verdadeiro estado democrático de direito.

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REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral v 1. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL Superior Tribunal de Justiça - RHC: 53208 SP 2014/02833830, Relator: Ministro Sebastião Reis Junior, Data de Julgamento: 21/05/2015,T6 – 6ª Turma, Data de Publicação: DJe 01/06/2015, Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia /194522255/ recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-53208-sp-2014-0283383-0, Acesso em: 24/06/2016. BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 12 fev. 1998.

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JOYCE, Anne Angher.). Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel 21oª Edição 2015 2º semestre. Constituição da Republica Federativa do Brasil. São Paulo: Editora Rideel JOYCE, Anne, Angher Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel 21oª Edição 2015 2º semestre. Lei 9605 de 12 de Fevereiro de 1998 – Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providencias. São Paulo, Editora Rideel. Meio Ambiente. Lei 9.605, 12.02.1998. In: GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches (Coord.). Legislação Criminal Especial. São Paulo: RT, 2009 Meio Ambiente. Lei 9.605, 12.02.1998. In: GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches (Coord.). Legislação Criminal Especial. São Paulo: RT, 2009.

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Milaré, Edis Direito do Ambiente/ Edis Milaré – 9ª edição ver. atual. e ampliada.São Paulo: Editora dos Tribunais, 2014,476. Morais, Ana Claudia. Responsabilização Penal das Pessoas Jurídicas por Crime Ambiental. Monografia (Especialização em Direito Penal Direito Processual Penal) - Centro de Estudos Sociais Aplicados, Universidade Estadual do Ceará em convênio com Escola Superior do Ministério Público-UECE Fortaleza, 2007 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

Banca Examinadora Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Laura Maria dos Fernandes Lima (Examinadora)

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