ISSN 2358-2685
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DE DIREITO DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA N.2 | 1O SEMESTRE DE 2014
JURÍDICA
LETRAS
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PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DE DIREITO DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA N.2 | 1O SEMESTRE DE 2014
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Copyright©2014 by Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton Paiva 1/2014
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Centro Universitário Newton PAIVA ESCOLA DE DIREITO Unidade Juscelino Kubitschek: Av. Presidente Carlos Luz, 220 - Caiçara Unidade Buritis: Rua Jose Claudio Rezende, 26 - Buritis Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
apresentação Copos meio cheios, meio vazios Apresentar um segundo número tem duas vertentes interessantes. De um lado, não estamos mais com o frescor da primeira vez. Deixamos para trás aquele medo que nos acomete a todos no momento inaugural. Desde os atos mais complexos até as questões mais corriqueiras. De outro lado, se perdemos esse momento inaugural, do frescor da novidade, nasce junto do segundo uma nova face. Uma face que agora veste a máscara da responsabilidade por aqueles que inauguraram esse caminho. Não há agora como negarmos essa responsabilidade, e de duas maneiras: com o leitor que vem e ao mesmo tempo com aqueles que corajosamente inauguraram esse trilho. Sim, também se abre trilhos com palavras. Assim, a primeira edição da Revista Letras Jurídicas abriu um novo trilho para os alunos da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Na verdade. Eles abriram. A clareira que apareceu tornou-se convidativa, mas estar ao claro também requer cuidados. Dessa maneira, os trabalhos de conclusão de curso que aqui vão publicados, carregam a responsabilidade pela continuidade desse trilho. Aliás, continuidade é jeito de relembrar. Ora, sempre quando falamos hoje, estamos a nos conectar com o ontem, que nos forma sempre. Os discentes do curso vão assim escrevendo e reescrevendo a história da Escola de Direito com suas próprias faces. O número dois portanto, não apenas sucede o número inaugural. É responsável, e nele está já a ideia do número três, e assim sucessivamente. Quando os discentes, junto dos orientadores explicitam ao mundo suas palavras, de alguma maneira, como dito, constroem em si e para si uma responsabilidade maior. Essa responsabilidade é mesmo a pauta que gostaria de tratar esse número. Ora, por mais que o número um seja inaugural em si, pois antes dele não houve nada, de outro lado, qualquer número é inaugural de si e de seu tempo. A ideia de responsabilidade necessariamente tem que estar presente. Pois aquele outro que nos lê, se relaciona conosco, e esse encontro há de ser um encontro ético, logo, responsável. Falamos aqui apenas desse desafio, mas o que traz dentro de si essa segunda edição da Revista Letras Jurídicas? Temos que cuidar para não sermos repetitivos. Ora, há uma obviedade: traz tempo e sonho. Mas essa prosa já ocorreu no editorial passado. Mas, uma questão nos acomete de pronto. Seria mais justo com o leitor apresentar essa Revista fingindo não pensar o que pensamos apenas para não repetir o argumento? Seria isso uma confissão de ausência de criatividade? Os temas dos TCC’s estariam repetitivos? Para esta última pergunta respondo NÃO!!! Há muita variedade e pluralidade dentro destas páginas. Mudamos de parágrafo para tentar nos desvencilharmos do problemas de repetição do sentimento, ops!, argumento, sentimentos não são científicos, diria a “boa” razão científica – mas quem faz a pesquisa não sente então? Quando o aluno se debruça sobre um tema, com verdade, esperança, medo, desafio, amor e ódio, ele não deixa ali seus rastros, suas pegadas, mais fortes ou mais leves? O dedo que encontra o teclado esta ausente de suor na hora da digitação? Mas o suor não é contido racionalmente, tampouco nossas inclinações, menos ainda nossos pensamentos. Não posso fazer outro parágrafo, pois esse derradeiro serve para dizer aos leitores que aqui estão os sentimentos dos alunos da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, cheios de ciência, cheios de desejo, erros e acertos, mas sobretudo, cheios de sonhos!!! Bernardo Gomes Barbosa Nogueira Editor
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expediente ESTRUTURA FORMAL DA INSTITUIÇÃO Presidente do Grupo Splice: Antônio Roberto Beldi Reitor: João Paulo Beldi Vice-Reitora: Juliana Salvador Ferreira Diretor Administrativo e Financeiro: Marcelo Vinicius Santos Chaves Secretária Geral: Jacqueline Guimarães Ribeiro Coordenador do Curso de Direito: Emerson Luiz de Castro COORDENAÇÃO ADJUNTA: Douglerson Santos e Valéria Edith Carvalho de Oliveira
ORGANIZADOR Bernardo Gomes Barbosa Nogueira
apoio técnico Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton pAIVA http://npa.newtonpaiva.br/npa Editora de Arte e Projeto Gráfico: Helô Costa - Registro Profissional: 127/MG diagramação: Kênia Cristina e Márcio Júnio (estagiários do curso de Jornalismo)
sumário ESTABILIDADE DA GESTANTE NO DIREITO DO TRABALHO E POSSÍVEIS PROBLEMAS ADVINDOS DA ALTERAÇÃO DA SÚMULA 244 TST Camila dos Santos Silva ....................................................................................................................................................................................9 A ALIENAÇÃO PARENTAL E AS PUNIÇÕES Fernanda Silva von Zastrow Mour....................................................................................................................................................................14 O INTERVALO INTRAJORNADA ESPECIAL PARA O TRABALHO DA MULHER: Retrocesso ou Evolução? Camila Estanislau Xavier...................................................................................................................................................................................22 O PROJETO DE LEI Nº 4.330/04 COMO SISTEMA DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO TERCEIRIZADO Camila Pinheiro da Silva...................................................................................................................................................................................26 A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO MENOR Cecília Moreira Franco Sales............................................................................................................................................................................32 A CONTROVÉRSIA SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE Caroline Zandonadi Guimarães.......................................................................................................................................................................38 A TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL Christiane Silva Rabelo.....................................................................................................................................................................................45 O FRACIONAMENTO DO INTERVALO DE MOTORISTA DE TRANSPORTE COLETIVO: em face aos direitos à saúde e segurança dos trabalhadores Débora Campos Teixeira Scalion......................................................................................................................................................................51 DIREITO E LITERATURA: A importância da Literatura no Direito Elana Gomes Santos Moreira...........................................................................................................................................................................56 A REGULAMENTAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO PELO PROJETO DE LEI 4330/04: Avanço ou retrocesso? Flávia Gusmão Ferreira.....................................................................................................................................................................................61 A LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA NAS EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇão Kamila Duque Honorato da Silva.....................................................................................................................................................................66 CAPACITAÇÃO TÉCNICA DE POLICIAIS SEM CURSO SUPERIOR PARA PERÍCIA DE POTENCIALIDADE DE ARMA DE FOGO:flexibilização do artigo 159 § 1º do Código e Processo Penal Karoline Cardoso Villaça..................................................................................................................................................................................72 OS CONFLITOS EXISTENTES QUANTO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ASSEGURADOS AOS ADEPTOS DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL: Reflexões sobre a resolução dos conflitos constitucionais Laiane A. Dantas de Oliveira............................................................................................................................................................................77 UMA ABORDAGEM CRÍTICO-DISCURSIVA DOS CONFLITOS CONSTITUCIONAIS PRINCIPIOLÓGICOS: Liberdade de Crença x Direito à Vida Ludmila Castro Veado Stiger............................................................................................................................................................................82 A INSERÇÃO DO NOME EM CADASTROS NEGATIVOS DE PROTEÇÃO AO DIREITO DE CRÉDITO COMO ELEMENTO CONFIGURADOR DA INIDONEIDADE VEDADA PELA LEI 8.112/90 Leandro de Oliveira Martins.............................................................................................................................................................................90 A LEI MARIA DA PENHA EM FACE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Lis Maria Bretas de Carvalho...........................................................................................................................................................................97 A POSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA EX OFFICIO PELO JUIZ Leandro Henrique Simões Goular..................................................................................................................................................................103 A IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO ANTE A PRODUÇÃO DE OFÍCIO NO PROCESSO PENAL Dalvo Martins Bemfeito..................................................................................................................................................................................108
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JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DAS DENÚNCIAS JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS RELATIVO ÀS IRREGULARIDADES ENCONTRADAS EM EDITAIS DE LICITAÇÃO: da inclusão da impugnação ao órgão licitante. Lucas Rocha Nassif.......................................................................................................................................................................................112 O TRATAMENTO DISPENSADO AOS POVOS INDÍGENAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: uma análise dos direitos territoriais sob a perspectiva do Sistema Interamericano de Direitos Humanos Déborah Carolina Celeste da Silva Soares....................................................................................................................................................118 RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS AVÓS NA OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA Maria Cecília Nelson da Silva.........................................................................................................................................................................126 O USO DA TECNOLOGIA DOS SMATPHONES NO AMBIENTE DE TRABALHO E O PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR Maíra Primo Diniz............................................................................................................................................................................................131 INDULTO E AS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Mariana Iannarelli do Couto Colodette...........................................................................................................................................................136 AUTORIZAÇÃO PRÉVIA PARA PUBLICAÇÃO DE BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS: Cesura ou Direito do Biografado. Ludmila Stigert................................................................................................................................................................................................142 EMENDA CONSITUCIONAL Nº 72/2013 – OS NOVOS DIREITOS DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS E A SUA APLICABILIDADE IMEDIATA Pedro Henrique Curi de Oliveira.....................................................................................................................................................................149 REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: SOLUÇÃO OU PROBLEMA Mariana Abreu da Silva..................................................................................................................................................................................155 A iniciativa privada e o sistema penitenciário brasileiro: Uma análise das parcerias público-privadas no sistema prisional Rafaela das Graças da Silva Maximiano........................................................................................................................................................160 MULTIPARENTALIDADE Matheus Lorentz Faria....................................................................................................................................................................................165 INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1641, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO Stephanie Santos Menezes............................................................................................................................................................................171 A FISCALIZAÇÃO DOS E-MAILS DENTRO DAS EMPRESAS: Limitações Nathália Jéssica França Ferreira....................................................................................................................................................................176 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE Thatiana Olyntho Rangel................................................................................................................................................................................182 A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS:a prática sob a ótica da Nova Ordem Constitucional. Stéfani Cristina de Souza...............................................................................................................................................................................189 A INCONSTITUCIOLALIDADE DAS INTIMAÇÕES JUDICIAIS PARA A CONVERSÃO DA SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO: lesão ao princípio da inafastabilidade de jurisdição Adriano César de Oliveira Costa....................................................................................................................................................................197 TRABALHO INFANTIL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ERRADICAÇÃO: Proposição de discussão Thaís Gonçalves da Silva...............................................................................................................................................................................203 A BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE Amanda Lucio Silva........................................................................................................................................................................................210 LICENÇA MATERNIDADE PARA CASAIS HOMOAFETIVOS: A concessão do direito a licença maternidade para casais homo afetivos Aline Duarte Andrade......................................................................................................................................................................................217 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO TRIBUNAL DO JÚRI: uma análise a respeito do caso Isabella Nardoni Ana Luisa Freitas Pazzini................................................................................................................................................................................222
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DA POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DAS VERBAS PREVIDENCIÁRIAS RECEBIDAS A TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA Ana Carolina de Oliveira Souza......................................................................................................................................................................226 DA IMPOSSIBILIDADE DE PLEITEAR INDENIZAÇÃO POR FALTA DE AFETO Arthur Henrique Magalhães Medeiros...........................................................................................................................................................232 DIREITOS HUMANOS E A PROBLEMÁTICA DO TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL Ana Luíza Ribeiro Diniz...................................................................................................................................................................................238 APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE E NOVENTENA NA REVOGAÇÃO DE ISENÇÂO Gabriel Carvalho Nascimento........................................................................................................................................................................246 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EXTRATERRITORIALIDADE NOS CRIMES DE PEDOFILIA Geraldo Assunção Alves de Brito...................................................................................................................................................................253 A OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA PELOS CREDORES NA ANÁLISE DE VIABILIDADE DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL Gleycon Jonathan Queiróz.............................................................................................................................................................................258 O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA: A sua efetividade face à Lei 10.098/2000 Gisele Boy Bicalho Ross................................................................................................................................................................................264 REPRODUÇÃO ASSISTIDA NO DIREITO SUCESSÓRIO POST MORTEM Graziella Barros Alves Pereira........................................................................................................................................................................268 A FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA Graziele Píramo Cardoso................................................................................................................................................................................271 PERÍCIA NO INFANTICÍDO: A OBRIGATORIEDADE DA PERÍCIA MÉDICA LEGAL NO ESTADO PUERPERAL Helenice Pereira Alves Rezende.....................................................................................................................................................................277 INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DIANTE DA INFIDELIDADE CONJUGAL Gustavo Machado De Saldanha....................................................................................................................................................................282 UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA: Posicionamentos acerca do reconhecimento de direitos ao concubino de boa-fé isabele Cristine Sottani Tavares......................................................................................................................................................................288 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS DA PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS Henrique Pereira Ribeiro.................................................................................................................................................................................297 A Impossibilidade Jurídica da Aplicabilidade do Direito Penal do Inimigo no Ordenamento Jurídico Brasileiro José Luiz Gomes Barbosa.............................................................................................................................................................................303 OS ASPECTOS POLÊMICOS DA APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE À LUZ DO PRINCÍCIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Júlia Machado Caldeira..................................................................................................................................................................................308 APLICABILIDADE DA NORMA REGULAMENTADORA 36 - SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO EM EMPRESAS DE ABATE E PROCESSAMENTO DE CARNES E DERIVADOS Giovanni Luiz Damiao de Magalhaes Plá......................................................................................................................................................314 DIRIGISMO PROCESSUAL: uma análise do fenômeno e de suas consequências jurídicas e sociais João Lucas Vieira Saldanha...........................................................................................................................................................................317 EVOLUÇÕES E CRÌTICAS EM TORNO DA RESPONSABILIDADE LIMITADA DEFERIDA AO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL – EIRELI Raissa Caroline de Lima Oliveira....................................................................................................................................................................324 SEPARAÇÃO DE IRMÃOS NO PROCESSO DE ADOÇÃO Rafaela Dias Pinheiro.....................................................................................................................................................................................332
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A REVISTA ÍNTIMA E A REVISTA PESSOAL DO EMPREGADO: uma análise da relação conflituosa existente entre o direito patrimonial do empregador e o direito à privacidade e à intimidade do obreiro Renata Faria Francisco..................................................................................................................................................................................337 HOMICÍDIO PASSIONAL: a influência social em sua evolução legislativa e jurisprudencial no Brasil Raquel Araújo de Freitas................................................................................................................................................................................343 A NÃO RESPONSABILIZAÇÃO DOS PAIS POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DO ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS Rodrigo Pinheiro Rocha.................................................................................................................................................................................350 A PROTEÇÃO BRASILEIRA AOS REFUGIADOS: A assistência legal dada aos refugiados no país na garantia de seus Direitos Humanos Renata Meniconi Rezende.............................................................................................................................................................................353 CRIMES VIRTUAIS NO BRASIL Vitor Alvarenga do Carmo..............................................................................................................................................................................360 O momento consumativo dos crimes contra a Ordem Tributária, previstos no artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990, e o Termo inicial da Prescrição Penal Rodrigo Tadeu Reis.........................................................................................................................................................................................364 HOMICÍDIO QUALIFICADO MEDIANTE PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA Vivian Ferreira Cardoso..................................................................................................................................................................................370 VIABILIDADE DO PROGRAMA FAMÍLIAS ACOLHEDORAS EM BELO HORIZONTE Anne Marielle Moreira Ribeiro.........................................................................................................................................................................374 O TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL A LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Fernando Delfino da Silva Neto......................................................................................................................................................................380 ARTIGO 15 DO PROJETO DE LEI N. 4.330/2004: análise da possibilidade de enquadramento sindical do obreiro ao sindicato da empresa tomadora dos serviços Larissa Barbosa Brag.....................................................................................................................................................................................385 LEI 12.654 DE 28 DE MAIO DE 2012: UMA NOVA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL Alexandre Madureira de Oliveira....................................................................................................................................................................390 LEI SECA: EFICÁCIA AMPARADA NA LEGÍSTICA Fernanda Prata Moreira Ribeiro.....................................................................................................................................................................395 A EXECUÇÃO DE ALIMENTOS POR MEIO DE FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Hugo Henrique Soares de Assis....................................................................................................................................................................400 O PRAZO DE DURAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA) Junio Alves Correia.........................................................................................................................................................................................407 O SAMBA COMO EFETIVADOR DOS DIREITOS SOCIAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: O Trabalho Social Realizado pela Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira é Eficaz no Cumprimento Dos Direitos Sociais da Criança e do adolescente? Priscila Fernandes de Castro Henriques.......................................................................................................................................................415
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ESTABILIDADE DA GESTANTE NO DIREITO DO TRABALHO E POSSÍVEIS PROBLEMAS ADVINDOS DA ALTERAÇÃO DA SÚMULA 244 TST Camila dos Santos Silva1 Mirella Karen de Carvalho Bifano Muniz2 Banca Examinadora³ RESUMO: A constituição de 1988 retrata de uma forma muito clara, a igualdade entre homens e mulheres, e com isso, a igualdade de condições de trabalho foi firmada. Entretanto, em alguns casos deve haver a aplicação da isonomia, ou principio da igualdade material, pois a mulher precisa de algumas necessidades especiais, como por exemplo, quando está no período de gestação. Neste caso a alteração da súmula 244 do TST do ano de 2012, trás uma proteção maior para a mulher neste período, nos contratos por prazo determinado. Sendo assim, identificar-se-á os conflitos existentes, as dificuldades e as decisões sobre o assunto. PALAVRAS-CHAVE: Garantia de emprego provisório; gestante; alteração súmula 244 TST. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2.Histórico; 3. Contrato de trabalho; 3.1 Contrato de trabalho por prazo indeterminado; 3.2. Contrato de trabalho por prazo determinado; 3.2.1 Contrato de experiência; 4. Garantia de emprego x estabilidade; 5. A garantia de emprego da gestante; 6. Problemas advindos da alteração da súmula 244 TST; 7. Considerações Finais; Referências
1 INTRODUÇÃO O artigo 7º da Constituição Federal de 1988 estabelece um patamar mínimo de direitos destinados à melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e rurais. Dentre tais direitos, encontra-se o direito à relação de emprego protegida contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. Por se tratar de norma dependente de posterior regulamentação, o Constituinte Originário fez incluir no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias- ADCT, previsão no sentido de que, até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição Federal, é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Manifestando-se quanto à compatibilidade entre a garantia conferida à empregada gestante e os contratos a prazo determinado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a Súmula 244, que dispunha que não havia direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constituía dispensa arbitrária ou sem justa causa. O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, ao interpretar a norma constitucional transitória firmou posicionamento no sentido de que o artigo 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT, assegurava à empregada gestante a garantia provisória de até cinco meses após o parto, independentemente do regime jurídico a elas aplicável.
2 HISTÓRICO A estabilidade no direito do trabalho já criada para dar ao empregado uma maior garantia de emprego, independentemente da vontade do empregador, por motivos relevantes expressos em lei. (MASCARO, 2007). Com a estabilidade, o empregador só poderá dispensar seu empregado diante de duas situações expressas em lei, sendo elas: justa causa e por motivo de força maior. LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
Desde a década de setenta, que a mulher vem lutando pelos seus direitos, em busca de igualdade, melhoria em sua condição de vida e de trabalho, ser reconhecida como cidadã, e contra as discriminações e opressões que assim fora vivenciada por todas no passado, pois naquela época, sua vida era contida em uma condição legal muito limitada e sem direito algum. Esta referida súmula, trouxe certas dificuldades tanto para a empregada gestante quanto para o empregador, devido ao fato de ser necessário confiar na boa fé de ambas as partes. Assim, questiona-se se a súmula é considerada adequada, haja vista os problemas que está acarretando tanto para a empregador, quanto para o empregado.
3 CONTRATO DE TRABALHO O contrato de trabalho é aquele firmado entre o empregado e o empregador, podendo ele ser tácito ou expresso. Tácito é aquele que não está anunciado de modo formal, é aquele que é qualificado com a existência dos elementos caracterizadores da relação de emprego. Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. Parágrafo único - Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela Já o contrato expresso, é aquele cuja a manifestação de vontades foram celebradas por escrito, e verbalmente, pelo empregador e empregado Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.
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Vale ressaltar, que, conforme Ricardo Rezende, independentemente do contrato ter sido celebrado de forma tácita ou expressa, será constituído obrigação administrativa para o empregador e a devida anotação do contrato na carteira de trabalho do empregado. (art. 29 caput, CLT) e o registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente (art. 41 caput, CLT) 3.1 CONTRATO DE TRABALHO POR PRAZO INDETERMINADO Contrato por prazo indeterminado é aquele que não tem a previsão do término, ou seja, este vigora indefinidamente no tempo. Um dos princípios que regem a contratação por prazo indeterminado, é o princípio da continuidade da relação de emprego. “O princípio da continuidade da relação de emprego nasce da necessidade que tem o trabalhador do emprego para sua subsistência, através do salário. Assim como as necessidades vitais são permanentes, o ânimo do trabalhador ao firmar um contrato de trabalho é também de continuidade, de permanência, sem esperar pela cessação do contrato”. REZENDE, 2011 3.2 CONTRATO DE TRABALHO POR PRAZO DETERMINADO Contrato por prazo determinado é aquele cujas partes já sabem desde a sua celebração, a data de término do contrato. Art. 443 CLT “Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada” CLT-LTR-2012 A prefixação do prazo dos contratos por prazo determinado, podem ocorrer de três formas, conforme o doutrinador Ricardo Rezende: Por termo certo, por termo incerto, pela execução de serviços especificados e por termo incerto, pela realização de determinado acontecimento suscetível de previsão aproximada. Por termo certo, é aquele que tem o dia marcado para o término, temos como exemplo, o contrato de experiência. Por termo incerto, pela execução de serviços especificados, é aquele cujo o final do contrato coincidirá com a época de desaquecimento de vendas, tendo como exemplo os vendedores para a época de Natal. Já o termo incerto, pela realização de determinado acontecimento suscetível de previsão aproximada, é aquele cujo evento tem apenas previsão aproximada de terminar, e o objeto não é especificado, que é o caso do contrato de safra. As principais hipóteses legais de contratação por prazo determinado segundo Ricardo Rezende são: Os contratos de experiência, tendo este o prazo Maximo de 90 dias, sendo admitida uma única prorrogação, desde que a soma dos dois períodos não exceda o prazo máximo. Os contratos de safra, sendo este um contrato rural que depende das fases da atividade agrária, não somente a colheita, mas também o plantio e o preparo do solo. Os contratos de obra certa, onde os empresários da construção civil contrata trabalhadores para a execução de determinado serviço, sendo assim, possível determinar o prazo do contrato. Contratos rurais por pequeno prazo, que, conforme a lei 5.889/73, o contrato pode ser firmado por até dois meses, somente por empregador rural ou pessoa física. São características que devem ser respeitadas para a contratação por prazo determinado: Serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; atividades empresariais de caráter transitório; contra-
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to de experiência; contratos cuja determinação de prazo é imperativa, conforme legislação não consolidada e contratos provisórios. ACIDENTE DO TRABALHO. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. O entendimento atual desta Corte superior (conforme decisão da SBDI-1, em sua composição plena, na sessão realizada no dia 27 de junho de 2011, no julgamento do Processo nº E-ED - RR-700-37.2002.5.05.0132, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, publicado no DEJT de 05/08/2011), é de que o empregado que sofre acidente do trabalho na vigência de contrato por prazo determinado também tem direito à estabilidade provisória prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91, uma vez que esse dispositivo não faz nenhuma distinção entre contrato de trabalho por prazo determinado e contrato de trabalho por prazo indeterminado. Se é certo que o afastamento do trabalhador acidentado ou vítima de doença profissional, com a consequente suspensão de seu contrato de trabalho (mesmo que celebrado por prazo determinado ou a título de experiência), decorreu de fato alheio à sua vontade, mas em consequência direta da dinâmica empresarial e de fatores de risco de ônus e de responsabilidade de seu empregador, deve esse respeitar a garantia de emprego prevista no citado preceito legal, pelo prazo de um ano, a contar da data do término do auxílio-doença acidentário. Esse entendimento decorre da direta aplicação dos princípios da razoabilidade, da boa fé objetiva e, principalmente, da teoria do risco da atividade econômica (artigo 927 do CC) e do artigo 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, que assegura aos trabalhadores, urbanos e rurais, o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, sem distinção de nenhuma modalidade de contrato. Ademais, o desrespeito à integridade física do trabalhador contratado por prazo determinado fere o princípio constitucional da isonomia, existindo fundamento jurídico suficiente para a extensão da estabilidade prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91 também ao trabalhador temporário. A Orientação Jurisprudencial nº 41 de sua SBDI-1 desta Corte prevê que, -preenchidos todos os pressupostos para a aquisição de estabilidade decorrente de acidente ou doença profissional, ainda durante a vigência do instrumento normativo, goza o empregado de estabilidade mesmo após o término da vigência deste- . Neste contexto, sendo conferida a estabilidade ao empregado durante a vigência temporária do instrumento normativo, não se pode negar ao trabalhador submetido a um contrato temporário previsto em lei a estabilidade decorrente de acidente de trabalho, incontroversamente ocorrido no curso desse contrato. A Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa ressalta que, -tendo o empregador o dever de proteção, de segurança, de zelo pela incolumidade física l de seus empregados, não se harmoniza com a boa-fé objetiva, tampouco com a função social da empresa, o rompimento do contrato de trabalho, logo após o retorno do afastamento ocasionado pelo acidente de trabalho sofrido na entrega do labor ao empreendimento patronal, ainda que o liame tenha sido firmado a termo, presumindo-se - presunção juris tantum - discriminatória a extinção do vínculo em tais circunstâncias, considerada a situação de debilidade física comumente verificada no período que sucede a alta previdenciária, a acarretar a ilicitude da dispensa, pelo abuso que traduz, e viciar o ato, eivando-o de nulidade- (E-RR-9700-45.2004.5.02.0465). O Ministro Maurício Godinho Delgado ressalta que - o Texto Magno determina tutela especial sobre as situações envolventes à saúde e segurança laborais (art. 7º, inciso XXII, CF/88)- a Carta de 1988, afinal, fala
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em redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança . Em tal quadro, a garantia de emprego de um ano que protege trabalhadores acidentados ou com doença profissional, após seu retorno da respectiva licença acidentária (art. 118, Lei nº 8.213/91), incidiria em favor do empregado, ainda que admitido, na origem, por pacto empregatício a termo, em qualquer de suas modalidades, inclusive contrato de experiência . Afinal, a Constituição determina a incidência de regras jurídicas que restrinjam os riscos do ambiente laborativo, fazendo prevalecer o art. 118 da lei previdenciária em detrimento da limitação tradicionalmente feita pelo art. 472, § 2º, da CLT- (RR - 119400-38.2007.5.04.0030). Na hipótese dos autos, é incontroverso que o reclamante foi admitido por meio do contrato por prazo determinado, sofreu acidente do trabalho, ficou afastado de suas atividades e recebeu auxílio- acidente, razão pela qual faz jus à estabilidade prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91. Recurso de revista não conhecido. ACORDO COLETIVO QUE FIXA O NÚMERO DE HORAS IN ITINERE A SEREM PAGAS, INDEPENDENTEMENTE DO TEMPO REAL GASTO NO TRAJETO . Na hipótese dos autos, consta, expressamente, do acórdão regional que o percurso de ida e volta ao trabalho durava cerca de três horas por dia, e a convenção coletiva pactuada entre as partes estabeleceu o pagamento de uma hora diária a título de hora in itinere . A jurisprudência prevalecente nesta Corte superior tem se posicionado no entendimento de que somente se considera inválida a cláusula coletiva que prefixou o número de horas in itinere a serem pagas se a diferença entre o tempo efetivamente gasto no trajeto de ida e volta para o trabalho e o quantitativo fixado na norma coletiva for teratológico, o que não se configurou no caso dos autos. Dessa forma, o Tribunal a quo , ao desprezar o acordo coletivo de trabalho em que se estabeleceu o pagamento de uma hora in itinere diária, conforme destacado no acórdão, afrontou o art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 694320105220002 69-43.2010.5.22.0002, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 22/05/2013, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/05/2013, undefined) A garantia de emprego nos contratos por prazo determinado, em regra, eram incompatíveis neste tipo de modalidade de contrato. Antes da alteração da súmula que trata este artigo, só era admitido, e mesmo assim de forma controvertida, a estabilidade do empregado que sofresse acidente de trabalho no curso do contrato de experiência.
3.2.1 CONTRATO DE EXPERIÊNCIA Uma das modalidades de contrato de trabalho escolhidas para abordar nesse trabalho, foi o contrato de experiência, o qual não se pode perdurar no tempo por mais de 90 dias. O contrato de experiência passou a existir com o intuito do empregado poder conhecer e se adaptar ao seu local de trabalho, e o empregador, poder apreciar de perto a forma de trabalhar do empregado que se encontra de forma provisória na empresa. São regras a serem observadas e respeitadas para que se possa ser configurado o contrato de experiência: O prazo do contrato de experiência é de no máximo, 90 dias; Admite-se uma única prorrogação, desde que a soma dos dois períodos não exceda o prazo máximo; Se o empregado continuar trabalhando, um dia que seja, após o termino do contrato de experiência, o contrato se tornará por prazo indeterminado.
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Vejamos aqui uma jurisprudência que relata o assunto acima abordado: TST - RECURSO DE REVISTA RR 371000420065040014 37100-04.2006.5.04.0014 (TST) Data de publicação: 29/02/2008 Ementa: RECURSO DE REVISTA - RITO SUMARÍSSIMO -ESTABILIDADE GESTANTE - CONTRATO DE EXPERIÊNCIA TRANSFORMADO EM CONTRATOPOR PRAZO INDETERMINADO INESPECIFICIDADE DA SÚMULA Nº 244, ITEM III, DO TST. A inexistência de contrariedade da tese defendida na decisão regional com Súmula nº 244, item III, do TST se justifica pelo fato de a jurisprudência consagrada na indicada súmula restringir-se a hipótese de não-concessão da estabilidade provisória a gestante quando o contrato de trabalho celebrado entre as partes é de experiência. O Tribunal Regional, através da decisão proferida, entendeu por descaracterizar o contrato de experiência e enquadrá-lo como contrato por prazo indeterminado, nos termos do art. 452 da CLT , uma vez que a prorrogação do contrato de experiência se deu um dia após o término deste (2/3/2006 e 3/3/2006). Tal particularidade constante na decisão regional afasta a possibilidade de confronto com a Súmula nº 244 desta Corte. Recurso de revista não conhecido. 4 GARANTIA DE EMPREGO X ESTABILIDADE Para compreender melhor, é necessário saber a diferenciação entre garantia de emprego e estabilidade no emprego. A garantia de emprego é aquela que inclui todos os atos e normas criadas pelos instrumentos jurídicos vigentes, que impeçam ou dificultem a dispensa imotivada ou arbitrária do empregado. É possível encontrar na lei, várias garantias de emprego, entre elas: a do dirigente sindical, cipeiro e empregada gestante, a qual dar-se-á maior ênfase nesse artigo. Conforme Amauri Mascaro Nascimento, a estabilidade é aquele instituto em que o empregado permanece no emprego, mesmo contra a vontade do empregador, enquanto existir uma causa relevante e expressa em lei que permita sua dispensa. Vale ressaltar que atualmente existe apenas um caso de estabilidade no direito brasileiro, a estabilidade dos servidores públicos. Sendo assim, conclui-se que a estabilidade é permanente, e a garantia de emprego é provisória. Art. 41 da CRFB São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) No entanto, Ricardo Rezende explica que o uso e costume consagrou a expressão, portanto, é normal ouvir os seguintes termos como sinônimos no cotidiano trabalhista: estabilidade, estabilidade provisória e garantia de emprego.
5 A GARANTIA DE EMPREGO DA GESTANTE Conforme a própria Constituição Federal mantém garantido desde sua promulgação em 1988, a gestante terá seu emprego garantido, desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto, ficando assim, vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa. (art. 10,II, “b”, ADCT) “A garantia em referência, vai além da proteção pessoal da mulher empregada, visa principalmente assegurar as condições de vida do nascituro, tanto durante a gestação quanto ao longo dos primeiros meses de vida”. (RICARDO REZENDE 2011. PAG) Levando-se em consideração o trecho tirado do livro de Ricardo Rezende 2011, fica mais que claro não ser admitido a renúncia à ga-
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rantia de emprego pela gestante, já que fazendo isso, estaria renunciando ao direito de terceiros. Acontecimento este, que não é admitido em nosso ordenamento jurídico. OJ-SDC 30. Estabilidade da gestante. Renúncia ou transação de direitos constitucionais. Impossibilidade (inserida em 19/08/1998). Nos termos do art. 10,II, “a”, ADCT, a proteção à maternidade foi erigida à hierarquia constitucional, pois retirou do âmbito do direito potestativo do empregador a possibilidade de despedir arbitrariamente a empregada em estado gravídico. Portanto, a teor do art. 9 da CLT, torna-se nula de pleno direito a clausula que estabelece a possibilidade de renúncia ou transação, pela gestante, das garantias referentes à manutenção do emprego e salário. 6 PROBLEMAS ADVINDOS DA ALTERAÇÃO DA SÚMULA 244 TST Com a alteração da súmula 244 do TST, ocasionou uma abertura para ocorrer certa lesividade quanto ao empregador que passa a correr risco de ser enganado pelos empregados, e também quanto a mulher, pois, pelo motivo de dado risco, a empresa passará a não contratar mulheres, gerando uma situação social complexa de empregabilidade da mulher. Com a alteração da súmula 244 do TST, as empresas passam por certos transtornos em contratar mulheres pelo contrato por prazo determinado e as mulheres, por conseqüência, passam a ter dificuldades em conseguir emprego, pois, com o novo dispositivo, que veio para tentar melhorar as condições de trabalho, trouxe maiores conflitos. Antes da vigência da supracitada súmula, a empregada gestante era regrada pelo art. 10, II, b do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nos seguintes termos; [...] “fica vedada a dispensa pensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”. (SARAIVA 2013, P.1839). Vejamos a redação antiga da referida súmula: Súmula 244 TST - Gestante. Estabilidade provisória. I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT). II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. III – Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa. (VADE MECUM COMPACTO – SARAIVA 2010) Após a leitura do dispositivo, é visto de forma clara que a intenção do legislador era dar uma significativa garantia de emprego, para a empregada, cujo gozo dependesse apenas da confirmação da gravidez, independentemente do conhecimento do empregador. Com isso pode-se afirmar, que o único requisito obrigatório para se conseguir a garantia provisória, seria a simples confirmação da gravidez. Todavia, diferentemente da ideia supra, foi editada a súmula 244 do TST, que, regulamentando a matéria, dispôs o seguinte: Vejamos a redação nova da súmula 244 TST: SUM-244 GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012 – DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente
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da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT). II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado. (JURISWAY-2014) De acordo com a análise feita pelo autor Ricardo Resende (2013) a alteração da súmula, percebe-se que ela confere à empregada gestante o direito à estabilidade provisória, sendo irrelevante o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador. Todavia, a mesma súmula, em seu inciso III, cria situação excepcional não geradora de estabilidade à gestante, ou seja, quando a situação versar sobre um contrato de experiência, posto que, nessa modalidade as partes saberiam, antecipadamente, quando o contrato se extinguiria, afastando, portanto, a arbitrariedade da dispensa. (RESENDE, 2013). Um fato importante a ser observado é que os julgados se referem à garantia de emprego da gestante desde o momento da concepção e não do momento em que se atestou o estado de gravidez, ao que parece um tanto injusta tal situação, pois, caso a empregada dispensada, conhecedora de seu estado gravídico, omite dada informação, vindo divulgá-la para sua ex-empregadora somente após gerar o filho, vindo surpreender o Empregador com uma Ação Trabalhista, postulando, não a reintegração para o trabalho, mas sim, indenização de todo o período de estabilidade, fato que merece maior atenção por parte dos profissionais de Recursos Humanos. Vejamos aqui uma jurisprudência após a alteração da Súmula: TST - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA AIRR 17479120105020021 1747-91.2010.5.02.0021 (TST) Data de publicação: 22/11/2013 Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO. GESTANTE . INCIDÊNCIA DASÚMULA 244 DO TST. DESPACHO MANTIDO POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS . A despeito das razões expostas pela parte agravante, merece ser mantido o despacho que negou seguimento ao Recurso de Revista, pois subsistentes os seus fundamentos. Agravo de Instrumento conhecido e desprovido . Sensíveis aos fins sociais a que se destina a garantia destinada à empregada gestante, algumas turmas do TST passaram a afastar a aplicação do disposto no inciso III da Súmula 244 do TST que antes previa que “Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa”. Portanto hoje, o direito da empregada gestante de se manter no emprego sem prejuízo dos salários vai desde a concepção até 5 meses após o parto. Este é o novo entendimento dado ao inciso III da Súmula 244, do Tribunal Superior do Trabalho, que, até o início de setembro de 2012, não garantia tal estabilidade à empregada gestante admitida através de contrato a termo, tão somente aos contratos por prazo indeterminado (“a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, a alínea b, do ADCT, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”). Vejamos duas jurisprudências entre as várias pesquisadas para a elaboração deste artigo:
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TST - RECURSO DE REVISTA RR 24624720125030018 246247.2012.5.03.0018 (TST) Data de publicação: 22/11/2013 Ementa: RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO . ESTABILIDADE PROVISÓRIA DA EMPREGADA GESTANTE. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. EXAURIMENTO DO PERÍODO DA ESTABILIDADE. SÚMULA 244,III, DO TST. Em caso de gestação ocorrida na vigência de contrato por prazo determinado, existe garantia de estabilidade no emprego, por força do disposto no artigo 10, II, b, do ADCT e diante da nova redação da Súmula 244, III, do c. TST. Constatado o exaurimento do período correspondente à garantia de emprego que era assegurado à reclamante, impõe-se a conversão da obrigação de reintegrar em indenizar. Recurso de revista conhecido e provido. TST - RECURSO DE REVISTA RR 6167320125120008 61673.2012.5.12.0008 (TST) Data de publicação: 17/05/2013 Ementa: RECURSO DE REVISTA. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA.CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. SÚMULA 244, III, DO TST. A jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que, -a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediantecontrato por tempo determinado-. Inteligência da nova redação do item III da Súmula 244 do TST. Recurso de revista conhecido e provido. Nesse contexto presume-se que a nova diretriz jurisprudencial pretende resguardar a subsistência da mãe e da criança que está por vir. Além disso, ostenta manifestos fins assistenciais e de saúde não somente em relação à mãe trabalhadora como também em face de sua gestação e da criança recém-nascida. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A idéia central abordada neste artigo era criticar a alteração da súmula, onde, ao ponto de vista de alguns doutrinadores, dificultou ainda mais a situação da mulher ao conseguir emprego, quando altera o inciso III da súmula 244 do TST, dando assim garantia de emprego para a gestante nos contratos por prazo determinado. Enfim, com a referida alteração, será necessário que haja boa fé, por parte da empregada, para que seja possível, a boa utilização da lei, pois, se ao passar do tempo, existindo a falta de boa fé por parte da empregada, as empresas irão passar a não contratar mulheres para nenhum tipo de serviço que seja por contrato por prazo determinado, pelo motivo de resguardar a empresa de possíveis transtornos, já que para a realização desde artigo, foi feito pesquisa de várias jurisprudências, e dentre todas essas realizadas, as empresas recorreram da sentença prolatada pelo juiz, não havendo nenhum sucesso nas instancias superiores.
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REFERÊNCIAS ALMEIDA, Edvaldo Nilo de. Repensando os princípios: princípios constitucionais sociais trabalhistas e a mudança dos paradigmas dos princípios específicos do direito do trabalho. Revista LTr 67, n 4, p. 450/466, abr. 2004 ARTIGAS, Marta. A estabilidade da gestante com contrato temporário. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-dez-15/marta-artigas-estabilidade-gestante-contratada-prazo-determinado>. Acesso em: 10 de março de 2013. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006 CARDOSO, Jair Aparecido. A estabilidade no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2008 CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das Leis de Trabalho. – 37° Ed. Atual. Por Eduardo Carrion – SP: Saraiva, 2012 COIMBRA, Rodrigo. Estabilidade e garantia de emprego. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/1197>. Acesso em: 7 abr. 2014 Leia mais: http://jus.com.br/artigos/1197/estabilidade-e-garantia-de-emprego#ixzz2yCypUHa2 CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO / Armando Casimiro Costa, Irany Ferrari, Melchíades Rodrigues Martins. – 39° Ed. SP: LTr, 2012 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do Trabalho. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2007 NÚCLEO de bibliotecas. Manual para elaboração e apresentação dos trabalhos acadêmicos: padrão Newton Paiva. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva. 2011. Disponível em http://newton.newtonpaiva.br//NP_conteudo/ file/ Manual_aluno/Manual_Normalizacao_Newton_2011.pdf. Acesso em: 01 de novembro, 2013 RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. Rio de janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2011 VADE MECUM SARAIVA / obra coletiva de autoria da editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti, - 17° Ed. Atual. E ampl. – SP: Saraiva, 2014 http://cltonline.blogspot.com/2010/02/art-442_17.html#ixzz32PFwsMLE dia 19/05/2014 http://cltonline.blogspot.com/2010/02/art-443.html#ixzz32PGS7aYA dia 19/05/2014
NOTAS DE FIM 1 Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2 Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MINAS; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Professora da PUC-Minas; Professora do Centro Universitário NEWTON; Analista Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região ³ Mirella Karen de Carvalho Bifano Muniz; Thiago Freitas.
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A ALIENAÇÃO PARENTAL E AS PUNIÇÕES PREVISTAS NA LEI 12.318/2010 Fernanda Silva von Zastrow Moura1 Valeria Edith2 Banca Examinadora3 RESUMO: O presente trabalho de conclusão de curso aborda um tema bastante relevante para o direito de família na atualidade, a alienação parental. Para um efetivo acompanhamento da vida da criança e do adolescente pelos seus pais, é preciso estar o relacionamento pautado no melhor interesse do menor, no respeito à dignidade da pessoa humana. Para isso, é preciso que ambos os pais acompanhem de perto a vida do filho, não privando este do convívio com o outro genitor. Entretanto, quando esta conduta zelosa não é verificada, valendo-se um dos genitores dos filhos para atingir o outro genitor em virtude de desentendimentos pessoais, sobretudo ligados ao fim do relacionamento outrora existente, necessária se faz a intervenção estatal, para remediar a prática denominada alienação parenta. Esta intervenção pode chegar até mesmo à suspensão do poder familiar ou à inversão da guarda, tudo em nome do melhor interesse dos menores. PALAVRAS-CHAVE: Síndrome da alienação parental; poder familiar; tipos de guarda; punições previstas na lei nº 12.318. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A Família e o Poder Familiar; 2.1 Conceitos; 3 Guarda dos Filhos; 3.1 Considerações Iniciais; 3.2 Guarda Unilateral; 3.3 Guarda Compartilhada; 4 A Alienação Parental e as Punições Previstas na Lei 12.318; 4.1 O Processo de Alienação; 4.2 A Lei da Alienação Parental e as Formas de Punição ao Genitor Alienante; 5 Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO A alienação parental é um tema relativamente recente, já que os seus primeiros estudos surgiram na década de oitenta, nos Estados Unidos. No Brasil, o tema ganhou principal enfoque com a lei nº 12.318, publicada em 2010. Trata-se de uma prática reiterada, cometida pelos pais ou responsáveis em face do filho, que visa a denegrir a imagem do outro genitor, através de comentários negativos ou atitudes que dificultam a relação paterno-filial. Com a evolução da família ao longo da história, bem como do poder familiar, em que a mulher passou a assumir posição igualitária a do homem nas últimas décadas, a mãe passou a exercer autoridade sobre o filho em igual patamar ao pai, inclusive após o fim do relacionamento. A determinação da guarda dos filhos, nesse sentido, que poderá ser unilateral ou compartilhada, cabe à escolha dos próprios pais ou, em caso de falta de consenso, à determinação do juiz, que avaliará qual tipo de guarda atenderá ao melhor interesse do menor. Ocorre que, após o término do casamento ou da união estável, muitas vezes os pais desentravam diversos conflitos que inevitavelmente refletem no seu relacionamento com o filho. Muitas vezes se busca vingança pessoal, em outras, o genitor alienante realmente acredita que está fazendo bem à criança alertando-a sobre os erros cometidos pelo outro genitor. Fato é que tais medidas acabam por restringir ou dificultar a autoridade parental de um dos pais, que deve ser exercida, na verdade, por ambos, independentemente da guarda a que se sujeitam. As consequências negativas desta prática, portanto, são inúmeras e trazem severos danos psicológicos ao menor, além de privar o genitor vítima da alienação de conviver mais tempo com o filho e com melhor qualidade, já que a relação entre os dois torna-se abalada. É por esse motivo que o Estado resolveu intervir ainda mais nas relações paterno-filiais, estabelecendo punições, previstas na lei da alienação parental, àqueles que persistem em realizar tais atos. Algumas delas já existiam, inclusive no Código Civil vigente, mas a lei cria um rol de atividades e punições cabíveis, que almejam intimidar o genitor alienante ainda mais, com o intuito de pôr fim à prática da alienação parental.
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2 A FAMÍLIA E O PODER FAMILIAR O surgimento de uma família, com o nascimento do filho, cria obrigações aos pais, que se tornam os grandes responsáveis pela sua criação, educação, proteção, além de responsáveis pelos seus atos jurídicos. Tais obrigações é o que constitui o poder familiar, como será visto neste capítulo. Atualmente, ambos os pais devem exercer igualmente o poder familiar, independente de ainda existir a relação conjugal ou não, exceto quanto à possibilidade de suspensão ou extinção do mesmo. O fim do casamento ou da união estável, no entanto, não desobriga qualquer dos genitores à prestação de suas obrigações perante o filho. Ocorre que a separação nem sempre acontece de forma amigável, podendo acarretar diversas disputas que prejudicam o efetivo exercício do poder familiar. Tais disputas acabam ensejando em tentativas de denegrir a imagem do outro para o filho, que acaba sendo o maior alvo dessas disputas, já que é a principal vítima da alienação parental. Para se contextualizar a alienação parental, entender a sua origem, o processo de implantação e seus efeitos, é preciso entender, primeiramente, os conceitos de família e poder familiar. 2.1 Conceitos Definir objetivamente o significado de família é uma tarefa complexa, já que varia conforme a época, local, cultura, etc. Porém, a uma primeira análise, dizemos que a família é o fruto do matrimônio ou da união estável e todos aqueles que giram em torno desse eixo. Maria Helena Diniz (2008, p. 09-11), a fim de englobar todas as possíveis interpretações, adota três acepções de Família, sendo elas o sentido amplíssimo, o sentido lato e a acepção restrita. O amplíssimo é o que une as pessoas pelo vínculo de consanguinidade e afinidade; o lato sensu “além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro)”; e, por último, a acepção restrita seria tão somente os pais (ligados pelo matrimônio ou união estável) e os seus filhos.
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De acordo com o autor Rodrigo da Cunha Pereira (2003, p. 08), a nossa atual Constituição ampliou o conceito de família, com relação ao anteriormente adotado: A ideia de família para o Direito brasileiro sempre foi a de que ela é constituída de pais e filhos unidos a partir de um casamento regulado e regulamentado pelo Estado. Com a Constituição de 1988 esse conceito ampliou-se, uma vez que o Estado passou a reconhecer ‘como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes’, bem como a união estável entre homem e mulher (art. 226) O poder familiar, por sua vez, é visto pela autora Gabriela Soares Linhares Machado, em seu artigo “Análise doutrinária e jurisprudencial acerca do abandono afetivo na filiação e sua reparação” (2012), como sendo “os deveres de prestar assistência moral, educação, atenção, carinho, afeto e orientação à prole”, exercidos pelos pais. Esse conceito parte da ideia de que a criança e o adolescente, por se encontrarem em fase de grande transformação e aprendizado, necessitam de um dedicado acompanhamento para desenvolverem as suas personalidades, aptidões, que são bastante favorecidas por um ambiente familiar bem estruturado. Maria Helena Diniz (2008, p. 538) corrobora com essa ideia, acrescentando, ainda, que devem ser sempre observados o interesse e a proteção do filho menor, uma vez que a criança deve ter por perto pais que, em tempo integral, o eduquem, o amparem e o defendam. É por esse motivo que a legislação atual e entendimentos jurisprudenciais vêm buscando cada vez mais formas de se fazer cumprir o poder familiar, que existe desde o império Romano, mas que nem sempre foi abordado de forma clara pelo Direito Brasileiro. Cumpre salientar a sua natureza personalíssima, uma vez que compete tão somente aos pais praticá-lo. O atual Código Civil prevê em seu art. 1631 que “durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade”. Assim, cumpre aos pais, de acordo com o art. 1634 do Código Civil: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL, 2002) Dessa forma, o Estado vem participando e intervindo cada vez mais nas relações familiares, com o fim de proporcionar ao menor um ambiente adequado para o seu crescimento. 3 GUARDA DOS FILHOS Com o fim da relação conjugal, o poder familiar não deve ser prejudicado, devendo os pais continuar fornecendo o mesmo amparo à criança que seria fornecido caso a família ainda estivesse vivendo “sob o mesmo teto”. Dessa forma, deve ser estabelecida a guarda dos filhos que melhor atenda ao perfil dos pais e que propicie o melhor interesse do
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menor. Essa medida visa também a evitar que um genitor invada o espaço do outro, desrespeitando o período de convivência deste com o filho, o que configuraria uma prática da alienação parental. 3.1 Considerações iniciais O Código Civil vigente estabelece, em seu artigo 1.583, que a guarda dos filhos será unilateral ou compartilhada. A implementação da guarda compartilhada, inserida pela Lei nº 11.698 de 2008, visa a uma maior proteção aos filhos após o rompimento do vínculo conjugal. Antes de adentrar nas características de cada tipo de guarda, cumpre analisar qual o critério utilizado para estabelecer qual é a guarda mais adequada para cada situação. Vale ressaltar que o motivo da separação conjugal, verificando-se de quem foi a culpa pelo término, não mais interfere na escolha do tipo de guarda, como ocorria no antigo Código Civil de 1916. Nesse pensamento ultrapassado, o genitor considerado “inocente”, vítima das ações do outro que ocasionaram a separação conjugal, recebia como forma de prêmio a guarda dos filhos. Caso ambos fossem considerados culpados, estabelecia-se que a mãe ficasse com as filhas menores e com os filhos até os seis anos de idade, devendo a sua guarda ser repassada ao pai a partir de então. Esse entendimento não prosperou, uma vez que nem sempre o cônjuge que deu causa ao fim da relação exercerá também um papel ruim no relacionamento com o filho. Muitas vezes o mesmo está ainda mais apto a educar e conviver de forma harmônica com o filho do que o outro. Além disso, analisar a culpa no relacionamento pode ser algo extremamente subjetivo e pessoal, o que dificultaria na decisão de quem tem condições de conviver mais ou menos tempo com os filhos. A Lei de Divórcio, Lei nº 6.515/77, não alterou a ideia da existência da culpa pelo término do casamento como determinante na guarda do menor, por estabelecer que o mesmo ficasse com o cônjuge que não houvesse dado causa à separação judicial, mas previu, em seu artigo 13, o melhor interesse do menor: “se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais”. Já na atual Constituição Federal, no Código Civil de 2002, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente, não mais se fala em culpa de um dos cônjuges para se determinar a guarda dos filhos menores. Dessa forma, atualmente, deve-se levar em conta o maior interesse do menor e não mais quem é ou não culpado na relação, estabelecendo, o Código Civil vigente, em seu artigo 1.584, que: Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. (BRASIL, 2002) A guarda poderá ser determinada, portanto, de forma consensual ou judicial, sempre analisando as circunstâncias mais favoráveis ao menor. 3.2 Guarda unilateral A guarda unilateral é aquela exercida por apenas um dos genitores, seja ela determinada por convenção entre os pais, seja por determinação judicial, nos casos em que se faz impossível a guarda compartilhada. Importante ressaltar que ao outro genitor, que não possui a guarda do filho, é concedido o direito de visita, que nada mais é que
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a prerrogativa de permanecer algum tempo com o filho em alguns momentos periódicos, bem como de avaliar se o acompanhamento e proteção pelo genitor possuidor da guarda estão sendo efetivos. Conforme aduzem os autores Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior (2010, p. 493), a guarda unilateral “promove, praticamente, a concentração do exercício da autoridade parental em um dos titulares, deixando o outro, com quem fica o direito de visitas, em ampla isenção”. Dessa forma, este figura como “mero visitante e fiscal das ações do primeiro em relação ao filho”. Assim, ainda que seja reduzido o tempo de convivência do genitor que não possui a guarda do filho, o seu poder familiar deve permanecer ativo, contribuindo, em igualdade com o outro genitor, com o desenvolvimento e crescimento pessoal do menor. Em se tratando do melhor interesse do menor, o Código Civil, determina, ainda, em seu artigo 1583, §2º, que a guarda será concedida àquele que apresente melhores condições de proporcionar ao menor os direitos fundamentais, essenciais à criança e ao adolescente: Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. [...] § 2º A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I - afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II - saúde e segurança; III - educação. (BRASIL, 2002) É possível constatar, portanto, que a guarda unilateral, apesar de muitas vezes ser o meio mais apropriado para o melhor interesse da criança e do adolescente, muitas vezes resulta em um afastamento entre pai/mãe e filho, já que a convivência passa a ser bastante restrita, muitas vezes dificultando a necessária aproximação do filho. 3.3 Guarda compartilhada A guarda compartilhada é aquela exercida em conjunto pelos pais separados, de forma simultânea, ainda que um dos genitores não more com o filho. A diferença para a guarda unilateral é que esta é mais limitada, cujas visitas ocorrem em momentos periódicos e pré-determinados. Na guarda compartilhada, o fato de pai e filho não morarem sob o mesmo teto não impede o amplo convívio, proteção e acompanhamento, já que a guarda é exercida por ambos os genitores. Nas palavras de Paulo Lôbo, a guarda compartilhada busca “assegurar aos filhos a convivência e o acesso livre a ambos”. A implementação desse instituto, que somente ocorreu em 2008, fazia-se extremamente necessária, já que até então apenas existia a guarda unilateral no nosso ordenamento, que para determinados casos pode ser uma medida drástica na convivência com os pais. Nosso legislador percebeu a importância de se criar uma nova modalidade de guarda, que buscasse aproximar mais as relações familiares, fazendo com que ambos os pais pudessem estar em contato com o filho, acompanhando de perto o seu desenvolvimento. O conceito de guarda compartilhada, no entanto, pode gerar o equivocado entendimento de que o filho deve possuir residência na casa do pai e na da mãe, permanecendo por igual período em um local e outro. Esta exigência pertence à guarda alternada, em que dias e horários são pré-fixados para que o filho possa permanecer o mesmo tempo com cada um dos pais. É certo que não há necessidade dessa condição para que seja configurada a guarda compartilhada, bastando, tão somente, que os pais acompanhem de perto o dia a dia do menor, seja levando e buscando na escola, seja visitando e fazendo companhia sempre que possível, participando ativamente da vida do filho.
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O objetivo aqui não é permitir igual tempo de convívio dos pais, mas sim igual direito de participar e exercer o pátrio poder sobre o menor, propiciando o mesmo afeto e atenção que ele receberia caso os pais ainda estivessem casados. É verdade que, na realidade, tanta convivência acaba, muitas vezes, por trazer desafetos entre os pais, que não entram em um consenso quanto ao tempo de convívio de cada um, ou implicam com a forma como um e outro interpretam os seus direitos sobre a guarda compartilhada. É por esse motivo que se criaram algumas medidas para casos de conflitos entre os genitores, como a busca e apreensão (no caso de atraso na volta com o filho de um passeio, por exemplo), ou ação executória de obrigação de fazer ou não fazer (caso haja resistência na realização, ou omissão, de alguma atividade inerente aos pais). Não é à toa que se diz que, para que a guarda compartilhada tenha eficácia, deve haver um bom convívio entre os pais. Esse importante requisito existe para evitar que os pais acabem atraindo conflitos, rancor e disputa para a vida do filho, quando deveria é estar se buscando o convívio harmônico entre os mesmos. De qualquer forma, na maioria dos casos, a guarda compartilhada continua sendo a melhor opção, por assegurar o amplo convívio de ambos os genitores com o filho, significando que o fim do relacionamento do casal não importa na separação também do filho, que continuará recebendo o mesmo amor, afeto e companheirismo, caso os pais consigam estabelecer um bom convívio entre si. Cumpre salientar, ainda, que a alienação parental ocorre em menor proporção quando o regime é o da guarda compartilhada. Isso porque o filho continua convivendo bastante com ambos os pais, o que dificulta que um deles tenha muito mais tempo para convencer o filho sobre aspectos negativos acerca do outro. Deve-se levar em consideração também o fato de que a guarda compartilhada só é possível, em sua maioria, quando os pais possuem um bom relacionamento entre si, havendo eles, portanto, menos motivos para denegrir a imagem do outro. Dessa forma, a alienação parental está diretamente ligada ao tipo de guarda dos filhos pelo qual os pais ou o poder judiciário optou, uma vez que a sua escolha poderá ensejar um ambiente familiar mais ou menos propício à prática dos atos caracterizadores da alienação. 4 A ALIENAÇÃO PARENTAL E AS PUNIÇÕES PREVISTAS NA LEI 12.328/2010 Com o fim de solucionar ou ao menos minimizar os efeitos da alienação parental, em 2010 foi publicada a lei da alienação parental, que prevê sanções para os pais ou responsáveis que cometem a sua prática. Cumpre analisar, neste capítulo, o processo de alienação, quais são os atos considerados alienantes, como o Estado reagiu ao problema e, consequentemente, quais as punições cabíveis ao genitor alienante e como elas acontecem. 4.1 O processo de alienação A alienação parental é um tema relativamente recente, não só no Brasil, como no mundo. Os primeiros estudos sobre o tema datam de 1985, nos Estados Unidos, através do Doutor e Professor de Psiquiatria Richard Gardner. A alienação Parental é, em poucas palavras, a “implantação de falsas memórias” propiciada por um dos genitores com a ruptura da vida Conjugal. O que ocorre é que o mal estar, os ressentimentos e mágoas eventualmente causados com o término do relacionamento levam os pais, muitas vezes, a deixarem que tais fatores influenciem no relacionamento paterno-filial, passando a denegrir a imagem do outro genitor, ou dificultando o encontro com o filho, ou a boa convivência.
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Não muito comum, pode acontecer até mesmo de o alienante convencer o filho a relatar práticas mais extremas que, ao conhecimento da sociedade, trariam graves consequências à vida do outro genitor. Como exemplo disso, tem-se o relato da prática de violência, ou ações que colocariam em dúvida o caráter ou discernimento do genitor perante o Poder Judiciário, podendo levar à perda da guarda ou o direito de visita. É a forma que o genitor encontra de banir o outro da vida do filho, sendo através de medidas mais drásticas, como as citadas assim, seja através de um procedimento longo e reiterado de pequenas atitudes que sutilmente levam ao convencimento do filho e do Poder Judiciário acerca do caráter do pai/mãe. A Lei 12.318/10, que dispõe sobre a Alienação Parental, define no caput do seu artigo 2º o seguinte conceito: Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (BRASIL, 2010) Percebe-se que o artigo atrelou a prática da Alienação Parental não só aos genitores, mas a todos aqueles que possuem a guarda da criança ou adolescente, como avós, tios e tutores. Já os efeitos da Alienação Parental podem ser percebidos em seu artigo 3º, que expõe que: A prática do ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. (BRASIL, 2010) A alienação Parental é, portanto, uma forma de abuso, no momento em que coloca a saúde emocional da criança e do adolescente em risco, além de comprometer o seu desenvolvimento saudável. A autora Denise Maria Perissini da Silva, em seu artigo “A Nova Lei da Alienação Parental” (2011), aduz que, devido aos constantes acontecimentos característicos da alienação parental em sua vida, a criança pode aprender a manipular pessoas, situações e informações conforme a sua conveniência, alem de exprimir emoções falsas, tornar-se uma pessoa intolerante e encontrar, até mesmo, dificuldades em se relacionar com pessoas do mesmo sexo do pai/mãe-alvo, dentre outras consequências. Nesse sentido, explica a autora Aniêgela Sampaio Clarindo, em seu artigo “Guarda Unilateral e Síndrome da Alienação Parental” (2013): Sendo a alienação parental vista como um “processo”, composto pela reiteração de diversos tipos de práticas alienantes, percebe-se que a ausência, na maior parte do tempo, do genitor alvo propicia ao genitor alienante tempo para atuar em prol de seus nefastos desígnios. O filho acaba por tornar-se objeto de disputa entre os ex-cônjuges, que almejam de todas as formas provarem quem está mais apto a educá-lo, ainda que isso venha a trazer consequências ruins ao menor, e ainda que tais consequências não sejam percebidas pelos pais. Dessa forma, o parágrafo único do artigo 2º da Lei 12.318/10 expõe um rol de ações realizadas diretamente pelos pais, ou com auxílio de terceiros, que serão considerados atos de alienação parental, sendo eles:
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I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (BRASIL, 2010) O legislador esclarece, de forma expressa, o caráter meramente exemplificativo do referido rol, justamente para não restringir a atuação do Estado apenas àquelas determinadas situações, buscando participar de forma efetiva no combate à alienação parental. Os próprios incisos demonstram o caráter subjetivo dos atos exemplificados, que podem ser analisados e interpretados de diversas formas. Percebe-se, portanto, a natureza de Cláusula Geral aferida a esta Lei, já que o juiz é livre para densificar a norma de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Para isso, o magistrado se vale de valores presentes na própria Constituição Federal de 1988 e até mesmo no Código Civil para amadurecer as suas ideias e identificar as situações que se enquadram aos incisos. Nesse sentido, cumpre transcrever explicação dada pelo advogado Sérgio Luiz da Silva de Abreu (2009), sobre essa natureza subjetiva, presente no texto da lei de Alienação Parental, em seu artigo “A Cláusula Geral Como Fundamento De Socialidade e Eticidade Nas Relações Jurídico Privadas”: Daí deduz-se as cláusulas gerais como técnica legislativa de abertura do sistema. A boa-fé segundo a civilística contemporânea surge como conceito indeterminado. Verdadeira cláusula geral que carregada de valor e significado que permite ao intérprete, diante da porosidade da cláusula – textura aberta – possibilitar o manejo da regra, ajustando o direito à realidade concreta e atendendo a valores éticos consagrados pela sociedade, que na sua dinâmica tem uma volatilidade que somente diante do caso concreto podem ser dimensionados. As soluções ficam atreladas, dessa forma, a estudos psicossociais e à perícia, já que a percepção da prática de alienação foge, muitas vezes, ao entendimento do jurista, envolvendo outras demandas, além da jurídica. São profissionais de diversas profissões trabalhando juntos com o objetivo de definir, caracterizar e amenizar o problema. A Lei supracitada contém, em seu artigo 5º, a determinação da prática de perícias, que podem envolver entrevistas pessoais, avaliação de personalidade, histórico dos fatos, dentre outros estudos, presentes no parágrafo 1º, do referido artigo. A partir daí, cabe ao magistrado determinar quais medidas serão cabíveis, apoiando-se, principalmente, na jurisprudência, fonte primária do direito, que muito vem contribuindo para o controle da Alienação Parental. Abaixo, segue julgado de agravo de instrumento do Desembargador Belizário de Lacerda, em que o caso concreto foi interpretado como sendo perfeitamente aplicado ao parágrafo único do artigo 2º da Lei:
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Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO DE FILHA MENOR. ALIENAÇÃO PARENTALCOMPROVADA. RECURSO IMPROVIDO. Se a convivência do pai e a da tia paterna com a filha menor é mais prejudicial do que benéfica, e, comprovada a alienação parental (manejo da criança por um parente com propósito de criar animosidade da criança em relação ao outro) prejudicando as relações da menor com a mãe, as visitas daquele à filha devem ser acompanhadas de uma Conselheira Tutelar, a fim de preservar a convivência da criança com seu núcleo familiar. (Publicado em 11/11/2011. TJMG. 7ª Câmara Cível. Des.(a) Belizário de Lacerda. AI nº 0346316-78.2011.8.13.0000 (1)) É possível perceber que a alienação parental está surtindo efeitos quando a criança começa a apresentar aversão ao outro genitor, como, por exemplo, ter vontade de passar cada vez menos tempo em sua companhia, ou apresentar comportamentos agressivos, que podem trazer sérios comprometimentos não só à sua infância, mas também serem carregados por toda a vida da vítima. É imprescindível o equilíbrio emocional e constante acompanhamento psicológico para vencer a alienação parental propiciada por um dos pais. Porém, muitas vezes isso não é suficiente, ou pode acabar por não ser eficaz, se iniciado após o início da prática da alienação, trazendo repercussões em toda a vida do filho, com traumas e comportamentos agressivos que dificilmente são deixados para trás. Diante disso, o Estado não poderia permanecer de mãos atadas assistindo a esse desfecho, dando plena liberdade aos pais para educarem como bem quiserem o seu filho. É por esse motivo que temos, hoje, um Estado muito mais participativo das relações familiares. Maria Helena Diniz (2008, p. 538) ressalta que “o Estado vem intervindo, submetendo o exercício do poder familiar à sua fiscalização e controle, ao limitar, no tempo, esse poder”. Importante destacar que tamanha liberdade era protegida pelo princípio da autonomia das vontades, que amparava de maneira absoluta as relações previstas no Código Civil de 1916, influência do Código Napoleônico. Desde o século passado, no entanto, a conscientização de que era necessária uma maior intervenção do Estado nas relações pessoais, para que os princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, fossem assegurados, ampliou-se, no nosso país, a chamada autonomia privada, e o nosso novo Código Civil, de 2002, não ficou para trás, sendo possível vislumbrar o intervencionismo do Estado em várias passagens do seu texto. Temos, portanto, um Estado muito mais participativo e fiscalizador nas relações privadas. Nas palavras de Luís Roberto Barroso, em seu artigo “Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito”: Ao longo do século XX, com o advento do Estado social e a percepção crítica da desigualdade material entre os indivíduos, o direito civil começa a superar o individualismo exacerbado, deixando de ser o reino soberano da autonomia da vontade. Em nome da solidariedade social e da função social de instituições como a propriedade e o contrato, o Estado começa a interferir nas relações entre particulares, mediante a introdução de normas de ordem pública. (BARROSO, 2005) A Lei 12.318/10 surge para confirmar essa evolução, no que concerne às relações paterno-filiais e à consequente prática da alienação parental, já que traz em seu texto diversas medidas que rotulam, restringem e até mesmo punem as práticas dos pais que não se adéquam aos comportamentos aceitáveis.
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Dessa forma, os pais possuem a liberdade de escolha da maneira como educarão os seus filhos sim, mas não mais de maneira absoluta, devendo obedecer a uma série de imposições criadas para preservar os direitos fundamentais da criança e do adolescente, na busca de um convívio familiar saudável, como a própria lei preconiza em seu artigo 3º. 4.2 A lei da alienação parental e as formas de punição ao genitor alienante Foi possível perceber, portanto, o quão nocivo pode ser à criança e ao adolescente a prática da alienação parental pelos seus pais e familiares. Os traumas e transtornos causados são imensos, trazendo severas consequências ao longo de sua vida, além de afetar a sociedade, de modo geral. Constatou-se, ainda, a importância do Estado na intervenção das relações particulares, visando a garantir a dignidade da pessoa humana, bem como um ambiente familiar saudável, essencial ao desenvolvimento do menor. O art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990, define bem quais direitos ao menos devem ser assegurados, inclusive pelo Poder Público: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990) Pois bem, para que haja um maior controle do Estado sobre a efetivação de tais medidas, bem como para forçar o cumprimento das mesmas pelos pais e familiares, o Legislador não pensou apenas nas regras, mas também nas punições cabíveis àqueles que descumprirem tais regras. A Lei da Alienação Parental, Lei nº 12.318, sancionada em 26 de agosto de 2010, apresenta não só definições e regras a serem seguidas, mas também punições para o seu descumprimento. Há muito se vinha estudando a possibilidade dessas punições e, apesar das diversas dúvidas que surgem com relação à efetividade da aplicação das penas pelo Poder Judiciário, fazia-se extremamente necessário o seu surgimento, já que havia uma grande necessidade de estabelecer sanções para a prática. As punições cabíveis são várias, podendo ser uma indenização por dano moral, ou até mesmo a perda da guarda, com a consequência inversão ao outro genitor, como será visto posteriormente. Por ora, deve ser compreendido como ocorrerá o procedimento no Poder Judiciário, a partir do momento em que se constata a prática da Alienação. Logo no art. 4º da Lei, temos a medida cabível quando se constata o ato de Alienação. Caso sejam verificados indícios da prática, independentemente do momento processual, e que poderão ser declarados de ofício, o processo terá tramitação prioritária, devido à urgência e fragilidade do assunto. A Lei prevê, ainda, e nos termos do art. 82 do Código de Processo Civil, a participação do Ministério Público como fiscal da Lei. Com urgência, o juiz ordenará as medidas cabíveis para preservar a integridade psicológica da criança, e até mesmo para resgatar ou preservar os laços familiares. Segue, portanto, o art. 4º, da Lei 12.318/2010: Art. 4o Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive
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para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso. (BRASIL, 2010) Justifica-se, dessa forma, a cautela e atenção especial dada ao caso, mostrando que o Poder Público finalmente percebeu o quão nocivo pode ser à vítima, protegendo-a até mesmo durante a fase processual. O art. 5º da Lei prevê que, para melhor averiguação, se há mesmo ou não a prática da alienação, quais formas de alienação estão sendo usadas, etc., o juiz poderá autorizar a realização de perícia psicológica ou biopsicossocial, conforme visto anteriormente, por profissionais ou equipes multidisciplinares, com “aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico”. E, finalmente, o art. 6º prevê as punições cabíveis aos praticantes do ato da alienação parental. Senão, vejamos: Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; VII - declarar a suspensão da autoridade parental. Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar. (BRASIL, 2010) Logo no caput, o legislador já esclareceu que as punições cabíveis podem ser cumulativas, dependendo da gravidade ou da necessidade para conter a alienação, devendo ser analisadas caso a caso, com ajuda dos laudos periciais. Não há prejuízo, ainda, das sanções cabíveis nas esferas cível e criminal. As punições previstas nos incisos “V”, “VI” e “VII” são mais severas, por afetarem diretamente a guarda do genitor. As dos demais incisos visam a “assustar” o responsável pela alienação, através de advertências e multas. Até mesmo o inciso “II”, que amplia a convivência em favor do outro genitor, não altera a guarda, sendo tal medida apenas uma tentativa de reaproximar o filho daquele genitor vítima da alienação, já que a sua relação com o filho pode estar abalada devido à pratica alienante. Nesse sentido, explica a Autora Eveline de Castro Correia, em seu artigo “Análise dos Meios Punitivos da Nova Lei de Alienação Parental” (2011): No inciso II, do referido artigo, deve o magistrado ampliar a convivência, restaurando de imediato o convivo parental, antes que aconteça o pior, qual seja o estado de higidez mental da criança, que poderá ser irreversível. A ampliação da convivência deverá ser a primeira medida a ser tomada, quando houver indícios de disputa pela presença do filho, até mesmo quando as visitações estão sendo dificultadas.
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A imediaticidade dessa punição pôde ser visualidade na decisão proferida pela 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que deu parcial provimento ao agravo de instrumento interposto, determinando a obrigação da Agravada no cumprimento dos períodos de visita, ainda que as provas trazidas até então não tenham sido suficientes para definir a alienação parental: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE ALIENAÇÃO PARENTAL. PEDIDO DE CUMPRIMENTO DA VISITAÇÃO DA FILHA AO PAI E MULTA EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. As provas trazidas aos autos são insuficientes para a declaração prematura da ocorrência de alienação parental. Entretanto, merece ser provido o pleito em parte para declarar a obrigação da agravada no cumprimento das visitas. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70047309372, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 17/05/2012) A multa, prevista no inciso III, é outra forma de intimidação do alienante, por ter este o seu patrimônio afetado. Como o valor não foi estipulado no corpo da lei, o juiz poderá determinar, conforme o caso, valor suficiente para, de fato, “assustar” aquele que descumprir a lei. Ressalta-se que o objetivo aqui não é a arrecadação monetária em si, mas sim a efetivação da obrigação que se quer cumprir. Já o acompanhamento psicológico e biopsicossocial é estabelecido quando o magistrado percebe a necessidade da realização de perícia que, de acordo com a própria lei, deverá ser concluída no prazo máximo de 90 dias, que poderá ser prorrogado caso haja extrema necessidade. As punições mais severas, que envolvem a perda ou alteração da guarda, são aplicadas quando o magistrado não vislumbra outro meio de conter a prática da alienação parental. Deixar permanecer a guarda com o genitor alienante seria uma forma de o Estado negligenciar todos os danos que ainda poderiam ser causados ao menor. O inciso “VII” vai ainda mais longe ao suspender a autoridade parental. Essa punição impede, por determinado tempo, o exercício do poder familiar. É uma medida extremamente drástica e deve ser aplicada apenas quando outros meios não forem suficientes. Conforme visto anteriormente, não possuir a guarda do filho, não significa abrir mão do poder familiar sobre o mesmo. Ainda que a guarda seja unilateral, o outro genitor não só pode, como deve continuar dando suporte, apoio e atenção ao filho, por meio de visitas periódicas. A suspensão do poder familiar, no entanto, proíbe até mesmo o direito de visita, suspendendo qualquer tipo de contato com o filho. Entende-se que qualquer envolvimento trará riscos e danos ao menor, motivo pelo qual é drasticamente afastado do seu dever como pai/ mãe. São casos extremos, como, por exemplo, abuso sexual. Nesse sentido, segue julgado da 8ª Câmara Cível do Tribunal do Rio Grande do Sul, que suspendeu o poder familiar de um dos genitores: EMENTA: ACAO DE PROIBICAO DE VISITAS. SUSPENSAO DO PATRIO PODER. POSSIBILIDADE. Comprovado nos autos que o pai praticou abuso sexual contra a filha menor, procede a acao de proibicao de visitas, podendo ser suspenso o patrio poder, incidentalmente, mesmo que nao haja pedido expresso da autora nesse sentido, ante o permissivo legal contido no art. 157 do eca. Apelacao desprovida.(8fls.) (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70003116126, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. JOSÉ ATAÍDES SIQUEIRA TRINDADE, JULGADO EM 07/02/02) Importante salientar que a suspensão poderá ser sempre revisada, até o momento em que o genitor tornar-se apto novamente a exercer o poder familiar.
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O que se deve buscar em todas as hipóteses de punições é a preservação da integridade do menor, ou a recuperação de sua integridade físico-psíquica que, infelizmente, ocorrerá de forma gradual e lenta, já que são impactos muito grandes causados por aquele genitor que era visto como o seu “herói/heroína”. A criação da Lei de Alienação Parental surgiu, portanto, com o intuito de estabelecer novas regras e punições, ou reiterar àquelas que já existiam no nosso ordenamento, buscando direcionar e mobilizar o Poder Judiciário no que concerne às práticas a serem adotadas nesses casos. Sem dúvida, o caminho a ser percorrido para minimizar ao máximo a prática do ato é longo, mas a partida inicial já foi dada, e ganhou um grande impulso com a publicação da lei da alienação parental. O poder judiciário vem recebendo cada vez mais demandas sobre o tema, o que foi propiciado pelo maior amparo dado pelo legislador nessas situações, e pela maior conscientização da população em geral. Mas muito ainda precisa ser feito. As punições devem ser de fato efetivas, o poder judiciário necessita contar com uma estrutura mais moderna e menos morosa, ainda que o processo tramite de forma prioritária, conforme previsão na própria lei. O importante é que a lei, juntamente com a uniformidade de decisões do poder judiciário, consiga, de fato, a reestruturação do vínculo familiar da criança e do genitor alienado, buscando, dessa forma, a solução para um grande problema que vem fazendo parte do cotidiano de muitas famílias. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a grande evolução sofrida pelas famílias ao longo da história, temos, atualmente, uma mulher muito mais participativa no poder familiar, já que passou a exercê-lo de forma equiparada ao homem. Com o passar do tempo, percebe-se, também, que o matrimônio foi perdendo o seu caráter perpétuo, ficando mais comuns os divórcios. Como consequência, a sociedade contemporânea lida com diversos conflitos familiares enfrentados pelos pais após a separação, sendo a alienação parental um dos mais graves. Muitas vezes inconscientemente, os pais acabam disputando os seus filhos como se estes fossem “cabo de guerra”, utilizando, cada um, de diversos meios como fim de provar quem está mais ou menos capacitado para permanecer mais tempo com o filho. A guarda dos filhos é estabelecida com o intuito de dar chance aos dois pais de estarem junto aos seus filhos, de acordo com a disponibilidade de cada um e com as condições favoráveis ao crescimento e qualidade de vida do menor. Percebe-se, nesse sentido, que a prática da alienação parental torna-se muito mais comum na guarda unilateral, por ter o possuidor da guarda, neste caso, mais tempo e oportunidade de realizar o ato. Ao praticar atos que configuram a alienação parental, como tentativa de denegrir a imagem do outro ou afastá-lo, o genitor traz diversos danos à criança ou adolescente, que cresce à sombra de brigas, desentendimentos, além do rancor e mágoa que pode vir a guardar dos pais, afetando assim, o próprio princípio da dignidade da pessoa humana, prevista na Constituição Federal. O Estado, portanto, ao promulgar a lei nº 12.318 de 2010, procura não só estabelecer algumas práticas como sendo favoráveis à alienação, mas também definir o procedimento a ser adotado nesses casos. Estabelece, por fim, as punições cabíveis ao alienante, que podem variar de simples intimidações, como a imposição de multa, até mesmo à suspensão do poder familiar, quando não há punições mais brandas que possam resolver o problema. Percebe-se, portanto, a evolução da intervenção estatal no direito de família, que passou a acompanhar de perto as relações paternofiliais, fiscalizando e punindo aqueles que descumprem a lei.
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Ainda há muito que ser feito para evitar a prática da alienação parental, mas não há dúvidas de que temos, hoje, um Estado muito mais participativo, que procura acompanhar de perto as relações familiares e busca sanar o problema da forma mais adequada a cada tipo de situação. O que deve ser observado, acima de tudo, tanto na escolha da guarda dos filhos, quanto nas punições cabíveis à prática da alienação parental, é, sem dúvida, o melhor interesse do menor. Este é, inclusive, o objetivo primordial da lei, que surgiu para amparar, de todas as formas possíveis, a principal vítima do ato, a partir do momento em que busca preservar a sua integridade e garantir o seu crescimento e desenvolvimento pessoal.
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NOTAS DE FIM
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. V. 6: Direito de Família. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2012.
1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Marco Flávio Sá; Joaquim Lorentz.
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O INTERVALO INTRAJORNADA ESPECIAL PARA O TRABALHO DA MULHER: Retrocesso ou Evolução? Camila Estanislau Xavier11 Tatiana Bhering Roxo22 Banca Examinadora33 RESUMO: O presente trabalho visa o estudo da constitucionalidade do artigo 384 da CLT, que prevê intervalo somente para a mulher antes de iniciar a hora extraordinária. O tema traz discussões, da igualdade entre homens e mulheres prevista na Constituição da República, observando que o artigo estudado não respeita o princípio da isonomia. Além disso, o tema em tela possui interpretações diferentes para sua aplicação, sendo analisada sua recepção ou não pela Constituição e ainda, se o direito previsto deve ser ampliado ao homem. Sendo proposta uma análise de vários princípios para solucionar as questões estabelecidas, como o princípio da igualdade, o da proteção do trabalhador, o da aplicação da norma mais favorável e o princípio da proibição do retrocesso social. PALAVRAS-CHAVES: intervalo intrajornada; igualdade; constitucionalidade; norma mais favoravél; proibição do retrocesso social. SUMÁRO: 1 Introdução; 2 A Regra do Intervalo Intrajornada Prevista no Artigo 384 da CLT; 2.1 Intervalo Intrajornada; 2.2 O artigo 384 da CLT; 3 A Igualdade de Direitos Entre Homens e Mulheres; 4 Aplicação do Artigo 384 da CLT: análise principiológica; 5 Conclusão; Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO O presente trabalho irá discutir a constitucionalidade do art. 384 da CLT que esta previsto no Capítulo III Da Proteção do Trabalho da Mulher. O artigo da CLT prevê um intervalo especial somente para a mulher, no caso de prorrogação de sua hora normal. Diante disso, o trabalho irá analisar as regras dos intervalos previstos na legislação trabalhista, bem como os tipos de intervalos existentes, que se dividem em interjornada ou intrajornada, e ainda classificados como comum ou especial e remunerado ou não remunerado. Nesse sentido, o trabalho estabelece em qual característica de intervalo se configura o art. 384 da CLT, e ainda, interpreta seu objetivo de aplicação. Em outro ponto, o trabalho abordará a igualdade entre homens e mulheres, estabelecida na Constituição da República, que configura uma discussão bastante complexa. Desse modo, o presente trabalho discute a constitucionalidade do art. 384 da CLT, que dispõe de interpretações distintas para sua correta aplicação, bem como propõe uma análise principiológica em especial, sobre os princípios da igualdade, da norma mais favorável e da proibição do retrocesso social para solucionar o conflito existente no artigo 384 da CLT. 2 A REGRA DO INTERVALO INTRAJORNADA PREVISTA NO ARTIGO 384 DA CLT 2.1 Intervalo Intrajornada Os intervalos intrajornadas, segundo Mauricio Godinho Delgado (2012), são lapsos temporais regulares, que podem ser remunerados ou não, que ocorrem durante a jornada de trabalho, nos quais o empregado pode suspender sua prestação laboral e sua disposição diante do seu empregador. Os intervalos intrajornadas são considerados limitados em comparação aos interjornadas, considerando que ocorrem dentro da jornada de trabalho, enquanto os interjornadas ocorrem entre duas jornadas de trabalho. Os intervalos visam lapsos curtos de descanso dentro da jornada de trabalho, com fundamento na saúde e segurança do trabalhador e objetivando a recuperação de energias do empregado. Tem-se, assim, acerca dos intervalos intrajornadas:
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Seus objetivos, portanto, concentram-se essencialmente em torno de considerações de saúde e segurança do trabalho, como instrumento relevante de preservação da higidez física e mental do trabalhador ao longo da prestação diária de serviços. (DELGADO, 2012 p. 953) Por mais que os intervalos intrajornadas sejam curtos e limitados, eles também proporcionam ao obreiro um pouco de disponibilidade pessoal favorecendo sua relação familiar e social no horário de trabalho. Além desses conceitos e objetivos, os intervalos intrajornadas possuem duas classificações que são os intervalos remunerados e não remunerados e os intervalos comuns e especiais. A primeira tipologia, os intervalos remunerados e não remunerados são conceituados como integração ou não do intervalo intrajornada na jornada de trabalho do empregado, ou seja, se o intervalo for remunerado integra a jornada de trabalho, exemplo o descanso do serviço permanente de datilografia do artigo 72 da CLT e se for não remunerado não integra a jornada do empregado, como o artigo 71 da CLT do intervalo para refeição e descanso. A segunda tipologia estabelece a seguinte classificação [...] tipologia (intervalos comuns e especiais) constrói-se em função da participação maior ou menor dos intervalos no conjunto das jornadas laborais que caracterizam as diversas categorias profissionais. Em face desse criterio comparativo, os intervalos podem ser considerados comuns, quando abrangentes das diversas categorias integrantes do mercado de trabalho, ou intervalos especiais, que sao os caracteristicos apenas de certa categoria pofissional ou do exerciocio do trabalho em certas cincurstancias diferenciadas.(DELGADO, 2012, 954 p.) Ou seja, os intervalos comuns são os que abrangem as categorias comuns existentes no mercado de trabalho, como exemplo artigo 71 da CLT exposto acima, e os intervalos especiais, como o próprio nome diz, abrangem categorias especiais de determinados profissionais, exemplo é o próprio artigo 384 da CLT que proporciona a mulher um descanso antes da hora extraordinária.
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Contudo, o presente trabalho ater-se-á ao intervalo intrajornada especial, especialmente o artigo 384 da CLT que se passa a analisar. 2.2 O artigo 384 da CLT O artigo 384 da CLT (BRASIL, 1943) está inserido no capitulo III, que é Da Proteção do Trabalho da Mulher, na seção III Dos Períodos de Descanso, e seu texto dispõe o seguinte: “Art. 384. Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do inicio do período extraordinário do trabalho.” Tal intervalo é considerado especial não remunerado. Na opinião de Delgado (2012 960 p.), essa norma é eficaz e esta em consonância com a Constituição Federal, já que no art. 7°, XXII da mesma Constituição há previsão “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.”. Além disso, esse artigo deve ser aplicado sem distinção, com observância ao bem estar físico e psíquico do empregado, pois a exigência de trabalho além das horas permitidas pode acarretar ao empregado maiores chances de acidentes de trabalhos e menor produtividade. Logo, o artigo 384 possui a finalidade de conscientizar o empregador que, para estabelecer horas extraordinárias, o empregado deve recuperar suas forças para ter um melhor desempenho e com menos riscos de sofrer acidentes. Com isso, o objetivo da norma é estabelecer o bem-estar da mulher no local do trabalho, sendo que o essencial seria obter normas que proporcionam o bem-estar de todos os trabalhadores. Desta forma, pode pensar que a Constituição dispõe em suas normas, igualdade entre homens e mulheres. 3 A IGUALDADE DE DIREITOS ENTRE HOMENS E MULHERES A Constituição Federal coloca todos iguais perante a Lei, como dispõe o principal artigo da Constituição, o artigo 5°. Em seu caput e inciso I descreve o seguinte texto: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (BRASIL,1988) (grifou-se) Outro artigo que prevê igualdade entre homens e mulheres na Constituição Federal é o art. 7°, só que em relação aos direito dos trabalhadores, trata, portanto, da igualdade na esfera trabalhista. Como fundamento o art. 7°, inciso XXX, “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;” (BRASIL, 1988) (grifou-se). Nesse sentido, estabelece Moraes (2010) a seguinte interprtação, a correta interpretação desse dispositivo torna inaceitável a utilização do discrímen sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem da mulher; aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis. (39 p.) Ou seja, os dispositivos acima citados têm como objetivo não estabelecer uma distinção entres os sexos, e sim tentar diminuir ou atenuar os desníveis materiais entre o homem e a mulher. E ainda a legislação infraconstitucional pode prever soluções para os tratamentos diferenciados ocorridos em razão do sexo. O ordenamento jurídico brasileiro não proíbe discriminações que aparentam ser necessárias a sociedade, sendo vedadas disposições de discriminações absurdas entre os indivíduos.
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Como se pode perceber, a igualdade entre homens e mulheres é uma discussão complexa, para a qual ainda não se vê uma solução, mas sabe-se que são diferentes e em alguns momentos deverão possuir direitos adequados a tais diferenças. A igualdade consagrada na Constituição vem descrita como um princípio constitucional fundamental, em conjunto com outros princípios que determinam, além de outros direitos, o direito à igualdade de todos os indivíduos. 4 APLICAÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT: análise principiológica A Constituição da República dispõe sobre vários princípios que auxiliam no momento da interpretação de normas, bem como possuem garantias constitucionais para toda a sociedade. Nesse sentido, os institutos jurídicos, como a CLT, devem se submeter as suas disposições fundamentais. O artigo 384 da CLT, que está previsto em um instituto jurídico diverso da Constituição, possui interpretações distintas acerca da sua correta aplicação. A primeira interpretação defende a não recepção do artigo pela Constituição da República, com argumento de que essa norma entra em conflito com o artigo 5°, inciso I e o artigo 7°, inciso XXX, ambos da Constituição, que dispõem sobre a igualdade entre homens e mulheres tanto na sociedade quanto nas relações de trabalho. Nesse sentido, Francisco Jose Monteiro Junior (2008) dispõe: O preceito em comentário conflita com o inciso I do artigo 5° da Constituição em que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Não há tal descanso para o homem. Quanto à mulher, tal preceito mostra-se discriminatório, pois o empregador pode preferir a contratação de homens, em vez de mulheres, para o caso de prorrogação do horário normal, pois não precisará conceder o intervalo de 15 minutos para prorrogar a jornada de trabalho da mulher. (3 p.) Com isso, julga o art. 384 da CLT como inconstitucional, por não respeitar a igualdade prevista na Constituição, tendo em vista que o direito previsto nesse artigo não alcança o homem e discrimina a mulher, fazendo o empregador no momento da contratação preferir empregados homens. A segunda interpretação é a favor da recepção do artigo 384 da CLT pela Constituição, pelo fato de não considerar o princípio da igualdade como absoluto. Afirma, ainda, que o mesmo princípio não deva ser utilizado sem antes concorrer com o princípio da razoabilidade e o da proporcionalidade. Sendo assim, Alexandre de Moraes (2010) afirma que o princípio da isonomia não deve ser intepretado de forma asoluta, pois Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades. (36 p.) Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho em recente julgado, concordou com a interpretação que recepciona o artigo 384 da CLT, tendo em vista que há possibilidade de se ter tratamentos diferenciados no ordenamento jurídico, desde que esses tratamentos estejam em conformidade com os direitos e garantias constitucionais protegidos. Tem-se, ainda, a terceira interpretação ao artigo 384 da CLT, que é defendida pela maioria dos entendedores do direito do trabalho. Essa interpretação determina a ampliação da aplicabilidade do artigo 384 da CLT para os homens, já que a previsão é apenas para a mulher. Logo, há fundamentos jurídicos para que haja a extensão desse direito, conforme abaixo:
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Quanto ao art. 384 da CLT, não há razão para deixar de aplicá-lo, primeiro, porque está, expressamente, previsto em lei. Segundo, porque, em obediência ao princípio da norma mais benéfica, não há como excluir a sua aplicação. Terceiro, por que ele está de acordo, também, com o objetivo do Direito do Trabalho de oferecer condições melhores para os trabalhadores. E, quarto, porque atende ao postulado constitucional da redução dos riscos inerentes ao trabalho (inciso XXII, do art. 7°). Assim, por aplicação do princípio isonômico, não se deve pensar na inaplicabilidade dessa norma e sim na sua aplicação também para os homens. (MONTEIRO JUNIOR, 2008 6-7 p.) Assim, a norma respeita o principal princípio do Direito do Trabalho da proteção do trabalhador, que visa o mais benéfico para o trabalhador, sendo que com a norma, há uma redução de riscos á saúde, a segurança e sua aplicação traz um favorecimento ao empregado que diante da isonomia ente mulheres e homens, a norma deve alcançar a todos. A prorrogação da hora normal de trabalho, independente do sexo, é prejudicial à saúde do trabalhador, e, além disso, qualquer norma que reduz risco à saúde do trabalhador deve ser aplicada em proteção a sua pessoa. Logo, dispõe Monteiro Junior (2008 7p.) “se a norma traz em seu bojo um caráter protetivo ao trabalhador (hipossuficiente), deve seu intérprete, ao aplicá-la, ampliar seu sentido”, ou seja, o caráter protetivo do art. 384 da CLT, deve ser interpretado com extensão ao trabalhador homem, ampliando seu alcance. No que tange ao princípio da proteção, que protege a parte hipossuficiente da relação empregatícia, este estabelece normas, princípios, institutos e abrangendo outros princípios como o princípio da norma mais favorável. Este princípio consiste, segundo Mauricio Godinho Delgado (2012), Esse princípio, no processo de aplicação e interpretação do Direito, o operador jurídico, situado perante um quadro de conflito de regras ou de interpretações consistentes a seu respeito, deverá escolher aquela mais favorável ao trabalhador, a que melhor realize o sentido teleológico essencial do Direito do Trabalho. (195 p.) Ou seja, para aplicação da norma mais favorável, o operador do direito deverá aplicar a interpretação que melhor beneficia o trabalhador, quando estiver diante de um conflito de interpretações da mesma norma. Em análise à aplicação do art. 384 da CLT, quando o trabalhador propuser a demanda, mesmo mulher ou homem, a interpretação favorável da norma é de manter sua aplicabilidade para ambos os trabalhadores, ocorrendo, assim, o alcance do direito ao homem. Na época em que a Consolidação das Leis do Trabalho foi publicada no ano de 1943, havia uma enorme discriminação em relação à mulher, a mesma era submissa ao homem e a sociedade, tendo assim, disposições visando proteção da mulher, pois nessa época a mulher encontrava dificuldades para ter uma vivência social. Com a evolução da sociedade, entrou em vigor a Constituição de 1988, estabelecendo igualdade a todos. Diante disso, pode-se entender que o artigo 384 da CLT não esta em consonância ao principio da isonomia, que prevê igualdade entre homens e mulheres, estabelecidos nos artigos da Constituição de 1988 causando uma diferenciação de direitos. Na realidade social de hoje, não há tantas diferenças entre homens e mulheres, ambos trabalham 8 (oito) horas por dia e 44 (quarenta e quatro) horas semanais, sendo que ambos podem laborar além da jornada legal, mas apenas a mulher possui o direito de ter
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um intervalo antes de iniciar esse labor extraordinário. Sendo assim, afirma Monteiro Junior (2008) “Reduzir o alcance do teor do art. 384 da CLT restringindo direito sob o fundamento de afronta ao princípio da igualdade, não parece ser a melhor solução.”. Ademais, o art. 384 da CLT deve ser interpretado à luz dos princípios já analisados, dentre eles, o que estabelece a proteção do trabalhador e o da aplicação da norma mais favorável. Desta forma, esses princípios argumentam que esse artigo tenha seu direito previsto estendido ao homem, ou seja, tenha alcance a todos os trabalhadores. Tendo em vista a análise principiológica que favorece a aplicação extensiva do direito do artigo 384 para ambos os sexos, há ainda o princípio não positivado na Constituição de 1988, o princípio da proibição do retrocesso social, conceituado como um princípio garantidor do progresso da sociedade, no que tange à aplicação de normas, sendo proibidas medidas retrocessivas. Logo, entende-se que a não recepção do artigo 384 da CLT geraria retrocesso social, que é proibido pelo ordenamento jurídico. Contudo, o progresso esta em ampliar a aplicação da norma a todos. Cleber Lucio de Almeida (2013) concorda que não se pode retirar o direito das mulheres devido ao princípio da proibição do retrocesso social, afirmando que o direito deve ser estendido aos homens. Assim dispõe: Diante do princípio da proibição do retrocesso social vigente no ordenamento jurídico brasileiro, não se pode utilizar o princípio da igualdade em razão de gênero para retirar direitos, tem-se que, em verdade, após a Constituição de 1988, a correta interpretação do art. 384 da CLT deve ser no sentido da ampliação de sua aplicação aos homens e não a exclusão do direito anteriormente conferido às mulheres.(ALMEIDA, 2013) Diante de todo o exposto, pode-se entender que o melhor ao ordenamento jurídico brasileiro é a ampliação da aplicabilidade do artigo 384 da CLT aos homens. 5 CONCLUSÃO Diante do estudo feito no trabalho, pode-se concluir que o artigo 384 da CLT atinge o princípio da igualdade por dispor de uma diferenciação entre homens e mulheres, sendo que tal diferenciação de sexo é proibida pela Constituição da República. Sendo assim, aplicando o princípio da norma mais favorável e o da proibição do retrocesso social, percebe-se que a melhor forma para interpretar a aplicação do artigo da CLT é amplia-lo aos homens. Nesse sentido, o intervalo previsto no artigo 384 da CLT é um intervalo intrajornada especial não remunerado, mas deve ser garantida sua aplicação, vez que o objetivo do intervalo é fazer com que o empregado recupere suas forças para continuar em seu desempenho normal. Assim, o direito estabelecido na CLT deve ser aplicado sem qualquer distinção, por reduzir os riscos que o trabalho pode trazer para o individuo e proporcionar o bem-estar no ambiente laboral. No entanto, este bem-estar é proporcionado apenas para as mulheres. Diante da igualdade estabelecida pela Constituição, entre homens e mulheres, o art. 384 da CLT resultou em interpretações distintas em relação à sua correta aplicação, vez que se optar pela recepção do artigo pela Constituição, o mesmo continuará a ferir o princípio da igualdade, se ocorrer a não recepção do artigo 384 da CLT haverá no ordenamento jurídico um retrocesso por retirar um direito, o que é proibido. Ademais, a interpretação no sentido de ampliação do direito previsto no artigo 384 da CLT para os homens, tem como argumento o respeito ao princípio da norma mais favorável e o princípio da proibição do retrocesso social, vez que essa ampliação de direitos seria um avanço e um benefício a todos os trabalhadores.
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Por fim, é nítida a discriminação que o artigo da CLT gera ao ordenamento jurídico brasileiro, ferindo a igualdade entre homens e mulheres. Portanto, o artigo 384 da CLT deve ter seu direito estendido ao homem, em consonância aos princípios da aplicação da norma mais favorável e da proibição do retrocesso social, trazendo segurança jurídica ao ordenamento e garantia de proteção à saúde e segurança de todos os trabalhadores.
LEITE, Carlos Henrique Bizerra. Curso de direito processual do trabalho. 8ª Ed. São Paulo: LTr, 2010; MIOZZO, Pablo Castro. O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL E SUA PREVISÃO CONSTITUCIONAL: uma mudança de paradigma no tocante ao dever estatal de concretização dos direitos fundamentais no Brasil. 2005. Disponível em: <http://www.calvo.pro.br/media/file/colaboradores/pablo_miozzo/pablo_miozzo_principio_vedacao.pdf> Acesso em: Maio/2014; MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010;
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1 Acadêmico do 9° período do curso de Direito do Centro Universitário Newton 2 Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Professora de Processo do Trabalho e Prática do Centro Universitário Newton 3 Banca examinadora: Tatiana Bhering Roxo; Daniela Lage Mejia Zapata.
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O PROJETO DE LEI Nº 4.330/04 COMO SISTEMA DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO TERCEIRIZADO Camila Pinheiro da Silva1 Tatiana Bhering Roxo2 Banca Examinadora 5
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar determinados aspectos do Projeto de Lei nº 4.330/04, o qual visa regulamentar a prestação de serviço terceirizado no Brasil. O enfoque da análise volta-se para a aplicabilidade desse marco regulatório da terceirização no âmbito, especificamente, da iniciativa privada. Pretende-se verificar se as mudanças propostas pelo projeto de lei acarretam a precarização da relação de emprego constituída pela terceirização. Os principais aspectos apontados dizem respeito à flexibilização das atividades cuja terceirização é possível e a limitação da responsabilidade do contratante. PALAVRAS-CHAVE: Terceirização; regulamentação; precarização do trabalho. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Terceirização; 2.1 Terceirização Lícita; 2.2 Terceirização Ilícita; 3 As mudanças propostas pelo projeto de lei nº 4.330/04; 3.1 Flexibilização da terceirização; 3.2 A limitação da responsabilidade do tomador de serviço; 4 Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO A terceirização é um dos temas do direito do trabalho que enseja grande debate na atualidade. No tocante a compreensão deste instituto, se parte da ideia de que uma empresa transfere uma atividade meio, a qual não agrega valor ao negócio, para outras empresas especializadas na atividade terceirizante. Sob o aspecto da visão empresarial, tem-se que a terceirização beneficia o empresário na medida em que a contratação de outra empresa para execução de atividades secundárias ao seu negócio implica, dentre outros fatores, na redução de custos trabalhistas. Por outro lado, sob a ótica jurídica, verifica-se que a contratação de serviço terceirizado se constitui como um mecanismo utilizado pelos tomadores de serviço para se esquivarem da responsabilidade que lhes é devida relativamente aos trabalhadores contratados. Neste sentido, impõe-se que um dos principais fatores que contribuem com o aumento da prática da terceirização precária diz respeito à ausência de um marco legislativo regulamentador desse tipo de contratação de mão de obra. Essa ausência legislativa completa e específica sobre o tema levou a elaboração do Projeto de Lei nº. 4.330/2004, o qual dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros. No entanto, o referido projeto de lei é alvo de muitas críticas em razão da fragilidade de determinados dispositivos, os quais serão analisados oportunamente. Diante deste novo marco regulatório e levando-se em consideração às garantias dos direitos trabalhistas já alcançados até então, este trabalho tem como objetivo analisar o projeto de lei e verificar se o mesmo precariza ou não a relação de trabalho terceirizado. No que tange ao método de análise, será abordado o instituto da terceirização, suas espécies e em seguida serão analisadas as principais mudanças propostas pelo Projeto de Lei 4.330/04, tais como, a flexibilização do rol de atividades passíveis de terceirização e a redução da responsabilidade do tomador, bem como suas consequências. 2 TERCEIRIZAÇÃO No Direito do Trabalho, a terceirização constitui uma espécie de contratação de mão de obra que, segundo Alice Monteiro de Barros (2013, p. 357):
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[...] consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou seja, de suporte, atendo-se a empresa à sua atividade principal. Assim, a empresa se concentra na sua atividade-fim, transferindo as atividades-meio. Nos últimos anos foram criadas muitas empresas de terceirização de serviços, tornando-se um instituto de ampla utilização tanto no setor privado como no público. No entanto, como já salientado, ainda não há no Brasil lei que traga soluções específicas para todo o contexto da terceirização. As leis outrora criadas não compreendem todas as situações relativas a tal instituto, pelo contrário, regulamentam particularidades aplicáveis a um determinado segmento. Assim assera Maurício Godinho Delgado (2013, p. 437 e 438): A partir da década de 1970 a legislação heterônoma incorporou um diploma normativo que tratava especificamente da terceirização, estendendo-a ao campo privado da economia: A Lei do Trabalho Temporário (Lei n. 6019/74). Tempos depois, pela Lei n. 7.102/83, autorizava-se também a terceirização do trabalho de vigilância bancária, a ser efetuada em caráter permanente (ao contrário da terceirização pela Lei n. 6.019/74, que era temporária). A falta de uma regulamentação específica para o instituto e sua crescente prática, levou o Tribunal Superior do Trabalho (TST) a firmar jurisprudência sobre o tema a fim de resolver a diversidade de interpretações consubstanciadas nas decisões justrabalhistas. Neste sentido, em 1993, de acordo com a orientação do órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, editou-se a súmula de nº. 3313, a qual se constitui até hoje como a principal norma sobre a terceirização. Ressalta-se, porém, que a súmula 331(TST) não especifica todas as nuances relativas à prestação de serviços terceirizados, especialmente, no que tange à responsabilidade dos envolvidos. Quando um empresário terceiriza uma determinada atividade ele tem por objetivo a execução de seu empreendimento, delegando à outra empresa as atividades periféricas a seu objeto social. De acordo com a súmula 331 (TST), na medida em que essa contratação acontece, o empresário que firmou contrato com a pres-
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tadora de serviços passa a ter responsabilidade relativamente aos créditos que um empregado terceirizado vier a cobrar. Entretanto, essa responsabilidade fixada pela súmula é subsidiária no contexto das empresas vinculadas à terceirização. Isso significa dizer que, primeiro será cobrada a empresa efetivamente empregadora, ou seja, a prestadora do serviço, e, ocorrendo o inadimplemento da obrigação, será cobrada a empresa tomadora dos serviços, responsável secundária, fazendo-se valer o benefício de ordem. A este respeito, Sérgio Pinto Martins (2005, p. 140) explica que: Se a tomadora é beneficiada da prestação de serviços do autor, deve responder subsidiariamente, conforme a orientação do inciso IV do Enunciado 331 dp TST. Não é possível determinar o retorno do empregado ao status quo ante, porque não pode ser devolvida a energia de trabalho. Assim, ele tem de receber de quem foi beneficiado da prestação de serviços. Além disso, diversos são os problemas que surgem no âmbito da prestação de serviço terceirizado, o que torna a temática um tanto quanto polêmica. Dentre os problemas existentes destacamse dois, quais sejam, o alto índice de acidente de trabalho com os funcionários terceirizados e os salários abaixo da média daqueles que são contratados diretos das empresas. Em muitos casos, as diferenças que existem entre os trabalhadores da contratante e os trabalhadores da terceirizada são tão discrepantes que chegam ao nível de serem suprimidas as garantias de segurança no trabalho. Isso porque, inexiste um padrão seguro e equânime para a execução da atividade laborativa do trabalhador inserido em um campo de trabalho que pertence a um empregador diferente daquele que o contratou. Sabe-se que o empresário tomador do serviço é quem efetivamente aufere o lucro produtivo do trabalho do empregado que executa ativamente uma atividade relacionada ao empreendimento, seja ela de fim ou de meio. Todavia, na prática, observa-se que há uma brutal distinção entre um trabalhador direto e o indireto, vez que, o empregado direto está à vista do empresário que é o principal responsável pelo cumprimento da legislação trabalhista. Já no caso do empregado indireto, a preocupação do empresário é lançada a níveis secundários, já que a responsabilidade por aquele é principalmente do prestador com quem firmou o contrato. Essas distinções impostas aos empregados terceirizados é fruto da situação legal que a terceirização vive atualmente no Brasil. Por este motivo, tem-se intensificado e reforçado a busca por uma legislação que discipline o instituto. Cumpre ressaltar que, o fenômeno da terceirização é trabalhado pelos operadores do direito sob duas vertentes, quais sejam a da terceirização lícita e da terceirização ilícita. Essas vertentes serão analisadas nos tópicos seguintes, para que se compreenda melhor o instituto comentado. 2.1 Terceirização Lícita Por terceirização lícita entende-se como aquela em que haverá a contratação de mão de obra entabulada para a execução de atividades meio, ou distantes do objeto social. Ao definir terceirização lícita, Lívia Miráglia (2008, p. 154) afirma que: [...] a terceirização trabalhista não pode ser utilizada para fins fraudulentos ou com o intuito exclusivo de mascarar a existência de relação empregatícia. Muito menos, permitese que a terceirização seja instrumento de mitigação dos direitos trabalhistas e de aviltamento das condições de trabalho do obreiro terceirizado.
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Calcando-se pelo texto da súmula 331(TST) e de acordo com Maurício Godinho (2013, p. 450), a licitude da terceirização está assentada, restritivamente, em quatro situações “sociojurídicas”, as quais serão a seguir definidas. A primeira situação de terceirização lícita está prevista no inciso I da referida súmula e diz respeito à contratação de trabalho temporário, cujas hipóteses e requisitos encontram-se especificados pela Lei n. 6.019/74 (BRASIL, 1974). A segunda situação é a “contratação de serviços de vigilância” (súmula 331, III) que se encontra disciplinada pela Lei n. 7.102/83 (BRASIL, 1983). Importa esclarecer que o empregado que a súmula se refere é aquele que exerce função especializada e “submete-se a regras próprias não somente quanto à formação e treinamento da força de trabalho como também à estrutura da própria entidade empresarial.” (DELGADO, 2013, p. 451). Por fim, o inciso III da Súmula 331 trás tanto a terceira hipótese, relacionada à contratação de “serviço e limpeza”, como também a quarta hipótese que abrange a contratação de “serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador”. Observa-se que essa última hipótese não estabelece um rol taxativo de atividades, apenas define um requisito caracterizador da atividade, qual seja, deve ela estar vinculada a atividade meio do empresário. Importa dizer que a licitude das últimas três hipóteses só será verificada na medida em que não houver a subordinação jurídica direta entre o empregado terceirizado e o tomador de servido. A mesma coisa serve para a pessoalidade, pois caso também esteja presente, a terceirização passará a ser ilícita (Súmula, 331, III, TST). Frisa-se que o Direito do Trabalho é pautado na aplicação do princípio da primazia da realidade que se baseia na consideração da realidade fática e não a formalmente configurada. É o que se depreende da decisão do Tribunal Superior do Trabalho, a qual expõe: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - VÍNCULO DE EMPREGO - SÚMULA Nº 331, I, DO TST. Prevalece, no Direito do Trabalho, o princípio da primazia da realidade, de sorte que a identificação da figura do empregado exsurge dos elementos fáticos que, efetivamente, permearam a relação havida. Assim, verificada a intermediação fraudulenta de mão de obra, correta a decisão ao declarar a formação do vínculo de emprego diretamente com a tomadora de serviços, ao que não resiste a terceirização ilícita, como no caso em exame, a teor do item I da Súmula nº 331 do TST. Agravo de instrumento desprovido. (TST. AIRR - 696409720055170008 6964097.2005.5.17.0008. 1ª Turma. Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Publicação: DEJT 11-02-2011.) (Grifo nosso) Então, no caso de descumprimento da legislação trabalhista, repita-se, o empregado terceirizado licitamente poderá reclamar seus direitos em face de ambas as empresas, porém, respeitando-se a ordem da responsabilidade subsidiária, consoante disposição do inciso IV da Súmula 331(TST), in verbis: Súmula 331. Contrato de prestação de serviços. Legalidade [...] IV- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. Como se percebe, a comentada súmula é o instrumento legal que trata de determinadas nuances da terceirização, mas deixa
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margens para a ocorrência de irregularidades e abusos quando, por exemplo, deixa de limitar a caracterização de atividade-meio do tomador (inciso III, súmula 331, TST). Tal fato leva a outra discussão bastante presente na ordem justrabalhista acerca da delimitação das atividades consideradas como meio e fim, ficando a cargo da doutrina definição de cada uma. Sobre a diferenciação entre atividade meio e atividade fim, Godinho (2013, p. 452), de forma fulgente, estabelece que: [...] atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços. São, ilustrativamente, as atividades referidas, originariamente, pelo antigo texto da Lei n. 5.645, de 1970: “transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas”. São também outras atividades meramente instrumentais, de estrito apoio logístico ao empreendimento (serviço de alimentação aos empregados do estabelecimento, etc.). Então, considera-se que a atividade meio é estranha ao objeto social do empresário e que a atividade fim, contrariamente, guarda uma relação de íntima pertinência com aquele. Impende destacar que a terceirização no âmbito da Administração Pública deve respeitar os mesmos limites impostos à terceirização na ceara privada, especialmente no que tange à contratação de atividades que não constituem o fluxo de operação nuclear do órgão. Verifica-se, portanto, que muitas são as polêmicas que gravitam em torno da temática da terceirização e as “brechas” existentes deram margem para a elaboração do Projeto de Lei nº. 4.330/2004, o qual será examinado oportunamente. 2.2 Terceirização Ilícita A terceirização ilícita, mais comum a cada dia, é toda a contratação de prestação de serviços que está fora das situações previstas na súmula 331(TST) e é caracterizada como uma forma de fraudar a aplicação das normas trabalhistas. Uma das formas de ser caracterizada a ilicitude é nas situações em que há a terceirização de atividade fim do empresário, ou seja, atividade que está diretamente ligada ao núcleo da dinâmica empresarial. A respeito dos requisitos que afastam a ilicitude da terceirização, assevera Sérgio Pinto Martins (2005, p. 159): Para que a terceirização seja plenamente válida no âmbito empresarial, não podem existir elementos pertinentes a relação de emprego no trabalho do terceirizado, principalmente o elemento de subordinação. O terceirizante não poderá ser considerado como superior hierárquico do terceirizado, não poderá haver controle de horário e o trabalho não poderá ser pessoal, do próprio terceirizado, mas realizado por intermédio de outras pessoas. Deve haver total autonomia do terceirizado, ou seja, independência, inclusive quanto a seus empregados. Na verdade, a terceirização implica a parceria entre empresas, com divisão de serviços e assunção de responsabilidades próprias de cada parte. Da mesma forma, os empregados da empresa terceirizada não deverão ter nenhuma subordinação com a terceirização, nem poderão estar sujeitos a seu poder de direção, caso contrário existirá vínculo de emprego. Aqui há que se
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distinguir entre a subordinação jurídica e a técnica, pois a subordinação jurídica se dá ordens e a técnica pode ficar evidenciada com o tomador, que dá as ordens técnicas de como pretende que o serviço seja realizado, principalmente quando nas dependências do tomador. Os prestadores de serviços da empresa terceirizada não estarão, porém, sujeitos a prova, pois, são especialistas no que irão fazer. Se o serviço do trabalhador é essencial à atividade da empresa, pode a terceirização ser ilícita se provadas a subordinação e pessoalidade como o tomador dos serviços. (Grifo nosso) Desta forma, o tomador que pretende contratar o serviço terceirizado deve atentar-se para que não haja qualquer relação de subordinação e pessoalidade com o empregado da prestadora de serviços, seja em qualquer nível for. Importa salientar que na constatação desse tipo de terceirização aplica-se o teor da norma que se subtrai do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943), o qual prevê a nulidade dos contratos celebrados com o objetivo “de desvirtuar, impedir ou fraudar à aplicação as normas trabalhistas”. Nesse caso, haverá a incidência da responsabilidade solidária das empresas que pactuaram o contrato de prestação de serviço, reconhecendo-se o vínculo empregatício com o tomador. Esse é um importante marco garantidor da efetivação e proteção dos direitos trabalhistas do empregado terceirizado, tendo em vista que o tomador também será responsabilizado já que entabulou a contratação de um serviço que está dentro da sua atividade fim. Há, porém, um importante ponto de distinção entre a responsabilidade na terceirização ilícita no âmbito da Administração Pública, o qual merece destaque. Enquanto na iniciativa privada há a formação de vínculo empregatício, na esfera pública, em razão da norma contida no art. 37, II, da Constituição Federal4 (BRASIL, 1988) e em atenção ao princípio constitucional do concurso público (forma de investidura), não é possível a formação de vínculo com o Poder Público. Diante dos subsídios apresentados, verifica-se que o instituto da terceirização comporta aspectos importantes que merecem regulamentação sólida e eficaz quanto à defesa dos direitos do trabalhador. Assim, passa-se a análise das principais mudanças propostas pelo projeto de lei 4.330/04, o qual compreende aspectos diretamente ligados aos conceitos até aqui abordados, especialmente, no tocante a responsabilidade do tomador e as hipóteses de cabimento da terceirização. 3 AS MUDANÇAS PROPOSTAS PELO PROJETO DE LEI Nº 4.330/04 Como já citado em tópico anterior, está tramitando na Câmara dos Deputados em Brasília o Projeto de Lei nº. 4.330/2004 de iniciativa do Deputado Sandro Mabel (PMDB/GO), que trata da regulamentação da prestação de serviços terceirizados e as relações de trabalho dela decorrentes. O projeto é alvo de críticas das entidades ligadas à proteção do direito do trabalho, a exemplo, os Sindicatos e a Associação de Magistrados do Trabalho, os quais entendem que a aprovação do mesmo representará uma precarização das relações do trabalho. Esse é o entendimento da maioria dos ministros que compõem a corte trabalhista, assim como dos representantes das entidades de defesa ao direto do trabalho, conforme Central Sindical e Popular (CONLUTAS, 2013): [...] Durante a Comissão, em sua fala, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Mauricio Godinho Delgado manifestou-se contrário ao PL 4330, que poderia reduzir a renda do trabalhador
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em até 30%. “As categorias profissionais tenderão a desaparecer no país, porque todas as empresas, naturalmente, vão terceirizar suas atividades. E o desaparecimento das categorias profissionais terá um efeito avassalador sobre as conquistas históricas”, disse. Juízes e procuradores também se mostraram contrários ao PL 4330. O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Paulo Luiz Schimidt disse que o PL “é uma tragédia, em termos de futuro político da Nação”. O presidente da Associação Nacionais dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Carlos Eduardo de Azevedo Lima, também se manifestou contrariamente ao texto. “Esta proposta traz mais precarização e é um retrocesso social”, afirmou. Recentemente o Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho (CSMPT) aprovou uma moção contrária ao PL das terceirizações encaminhada presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves. Na moção a manifestação de contrariedade por entender que o PL 4330 “permite a terceirização de serviços em todas as atividades de empresas e órgãos públicos, sem quaisquer limite”. (Grifo nosso) Nota-se, portanto, que o advento do projeto de lei em comento levou ao debate questões controvertidas e sérias a respeito da terceirização, uma vez que, pela notoriedade dos críticos que atacam o referido marco legislativo, resta inequívoco que o mesmo compreende normas que retrocedem, e até mesmo restringem, os direitos dos trabalhadores terceirizados. É cediço que a terceirização trabalhista é um fenômeno muito presente e que vem crescendo com o desenvolvimento econômico do país. Todavia, a regulamentação vigente se coloca bastante precária, e é mal vista pelos operadores do direito do trabalho. As mudanças trazidas pelo projeto de lei causaram polêmicas, especialmente no que tange à ampliação das possibilidades de serviços terceirizados, a redução da responsabilidade do tomador e o enfraquecimento da atuação dos sindicatos, conforme se analisará a seguir. 3.1 Flexibilização da terceirização Uma das principais alterações que o Projeto de Lei de nº 4.330/04L trás para o âmbito da terceirização está contida em seu art. 4º, § 2º, que trata da flexibilização da contratação de trabalhador terceirizado, na medida em que ilimitou as áreas e o tipo de atividade que poderá ser objeto da terceirização, senão vejamos, in verbis: Art.4º Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato de prestação de serviços determinados e específicos com empresa prestadora de serviços a terceiros. [...] § 2º O contrato de prestação de serviços pode versar sobre o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica da contratante. Como se pode verificar, o referido dispositivo prescreve que a prestação de serviços que antes só poderia versar sobre o desenvolvimento de atividades secundárias à atividade econômica, agora poderá ser realizada para a execução de atividades tanto complementares, acessórias e inerentes. Isto implica dizer que, a vedação de que a atividade terceirizante não poderia guardar relação direta com o núcleo do objeto social não será mais aplicável. Como consequência disso o debate que existe hoje sobre atividade fim e atividade meio se perde, já que a proposta do projeto de lei permite a terceirização de qualquer atividade de qualquer área e nível, bastando que se crie uma empresa especializada em terceirização.
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Logo, por exemplo, um empresário pode terceirizar 100% de suas atividades, sendo-lhe, ainda, possível subcontratar. Sobre o assunto, se manifestou Maurício Godinho Delgado, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecção e de Vestuário de Guarulhos (2013): Em pronunciamento durante a Comissão Geral na Câmara dos Deputados em Brasília dia 18 de setembro o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Mauricio Godinho Delgado declarou que 19 dos 26 ministros, ou seja, 73% da corte trabalhista, divulgaram manifesto contrário à aprovação do PL 4330, pois o projeto de lei generaliza a terceirização ao invés de regular e estreitar o foco da terceirização. O ministro acrescentou que o PL deveria restringir o alcance da terceirização, mas ele vai na linha de universalizar, provocando malefícios sociais. Mauricio Godinho declarou na tribuna da Câmara que o projeto, caso seja aprovado pelo Congresso Nacional, vai provocar o rebaixamento da renda dos trabalhadores, que as categorias profissionais vão desaparecer, causando piora nas condições de saúde dos trabalhadores, provocando redução do PIB, pois 60% consumo provem das famílias. O ministro Godinho anunciou que 24 presidentes de Tribunais Regionais do Trabalho do Brasil divulgaram manifesto contrário ao PL 4330.Também a Anamatra, que representa os juízes do trabalho e a associação dos procuradores do trabalho, além de advogados sindicais e pesquisadores do trabalho, divulgaram documentos contrários à aprovação do projeto. Nesse contexto, com as inúmeras críticas colacionadas não resta dúvida que a norma prevista no projeto de lei em análise, que prevê a ampliação de forma irrestrita das hipóteses que compreendem a terceirização, representa uma afronta aos direitos trabalhistas conquistados ao longo dos tempos. Com a aprovação do projeto o empresariado interessado em obter vantagem econômica poderá terceirizar a sua mão de obra de forma plena mesmo que em detrimento das garantias trabalhistas. Outra consequência negativa da aplicação desse dispositivo seria a ocorrência de uma descaracterização completa do patrimônio humano que compõe um empresário, já que seu ativo de quadro de pessoal se tornaria indireto. Portanto, conforme opinião exposta acima, a análise do projeto de lei deve ser feita de forma criteriosa e detida, em razão da sua fragilidade. Neste mesmo raciocínio, outra importante questão polêmica trazida pelo projeto de lei se sobressai, qual seja a redução da responsabilidade da empresa contratante do serviço terceirizado (tomador), que será a seguir analisada. 3.2 A limitação da responsabilidade do tomador de serviço Outra significativa mudança proposta pelo projeto de lei é a retirada da responsabilidade solidária do contrato em consequência da liberação da terceirização para todas as atividades, o que torna a relação de trabalho ainda mais fragilizada. De acordo com o exposto em tópico anterior, a responsabilidade solidária do tomador de serviço é invocada quando verificada a ilicitude da terceirização, na qual estão presentes os elementos de pessoalidade e subordinação direta do trabalhador com o tomador e/ ou a execução de uma atividade fim. Essa responsabilização do tomador constitui-se como garantia conferida a todos os trabalhadores, cuja realidade fática da relação de trabalho evidenciar a execução de uma atividade fim e/ ou a presença dos elementos da ilicitude.
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Com o advento do projeto haverá dispositivo legal de inaplicabilidade da responsabilidade solidária aos envolvidos na relação de terceirização, contrariando o entendimento atual da ordem justrabalhista. Inquestionável, portanto, o retrocesso que o referido marco legislativo acarretaria para os trabalhadores terceirizados no que tange à garantia de terem assegurados os créditos decorrentes dessa relação de forma ampla e certa. Notadamente, o tomador de serviços é o grande detentor da visibilidade produtiva, é quem aufere o proveito econômico decorrente da exploração de mão de obra, enquanto as prestadoras são frequentemente insolventes. Portanto, colocar o tomador no plano exclusivo da responsabilização subsidiária é um dano à relação de emprego. De acordo com a ANAMATRA (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho), em nota técnica elaborada pelo Presidente Renato Henry Sant’Anna (2012), o projeto de lei contraria dois grandes princípios que dão validade e segurança a terceirização, quais sejam: [...] A máxima responsabilidade do tomador dos serviços, ainda quando haja terceirização lícita; e, A mínima autorização para a interposição de mão-de-obra, que deve ser limitada à atividade meio da empresa tomadora e às situações realmente necessárias, como por exemplo, os serviços de vigilância armada, que exigem um sistema de controle e treinamento próprios, que força compulsoriamente à intermediação legal da mão-de-obra.
REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTR, 2013. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 03 jun. 2014. BRASIL. Decreto Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm> .Acessado em 22 mai. 2014. BRASIL. Projeto de Lei nº 4.330, de 2004. Disponível em: http://www.camara. gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841. Acesso em: 03 fev. 2014. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR - 696409720055170008 6964097.2005.5.17.0008. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista. Vinculo empregatício. Súmula nº 331, I, do, TST. Agravante: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial –SENAI. Agravado: Marildes Gomes da Silva. Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Brasilia, DF, 11 de fevereiro de 2011. Disponível em: < https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica. do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=69640&digitoTst=97&anoTst=2005&orgaoTst=5&tribunalTst=17&varaTst=0008 >. Acesso em : 18/10/2013. CONLUTAS. Central Sindical e Popular. Trabalhadores são impedidos de acompanhar debate sobre PL 4330 na Câmara dos Deputados. Disponível em: < http://cspconlutas.org.br/2013/09/o-proximo-dia-18-e-a-nova-data-de-lutacontra-a-aprovacao-do-pl-4330-das-terceirizacoes/#sthash.HFrWpyTK.GFiv1IbK.dpuf> Acesso em 19 abr. 2014.
Assim, com a provação do referido projeto a máxima responsabilidade seria legalmente substituída pela mínima responsabilidade, deixando de privilegiar um dos fundamentos da República Federativa do Brasil previsto no art. 1º, inciso IV da CF/88, que é o princípio dos valores sociais do trabalho.
CSISZER, Juliana Vieira. O valor social do trabalho: uma leitura neoconstitucional. Disponível em: < http://uenp.edu.br/index.php/prograd-tcc/doc_view/1942juliana-vieira-csiszer>. Acesso em: 30 mai. 2014.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A vista do que foi levantado, verifica-se que o Projeto de Lei n. 4.333/04 não se harmoniza com a proteção dos direitos do empregado terceirizado. Ao contrário, ele preconiza a defesa do empresariado, tendo em vista que amplia a viabilidade da atividade terceirizante e reduz a responsabilidade do tomador. As mudanças propostas representam um retrocesso às garantias já conquistadas e precariza a relação de emprego, haja vista que o empresário poderá ter 100% (cem por cento) de suas atividades terceirizadas, independentemente se for atividade fim ou meio. A propósito, essa distinção se torna obsoleta diante no possível marco regulatório da terceirização. Os aspectos aqui analisados devem ser apreciados com a máxima cautela pelos legisladores, pois a aprovação do projeto com tais normas trará consequências negativas para os trabalhadores, que serão submetidos aos contratos de terceirização. Por todos os subsídios apresentados, é inegável que se faz necessária a criação de lei que regulamente a prestação de serviço terceirizado compreendendo todos os aspectos e definições próprias dessa espécie de contratação de mão de obra. Todavia, essa necessidade não implica na criação apressada e desatenta de uma lei que ao invés de restringir a terceirização e ampliar a proteção da valorização do trabalho, faz exatamente o contrário. Portanto, resta clara a fragilidade do projeto, o qual possui dispositivos controvertidos, sendo objeto de ampla discussão entre os operadores do direito. O referido deve ser apreciado com atenção e deve ter seu foco voltado para a máxima proteção do empregado e não do empresariado, que efetivamente obtém a vantagem ou o benefício sobre o trabalho daquele.
MARTINS, Sérgio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. 7ª. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 12 ed. São Paulo: LTR, 2013.
MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. A Terceirização Trabalhista no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2008. SANT’ANNA, Renato Henry. Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Nota Técnica: Relatório com substitutivo aprovado na Comissão Especial sobre a regulamentação do trabalho terceirizado no Brasil para o PROJETO DE LEI N.º 4330, de 2004, que dispõe sobre a terceirização e as relações de trabalho dela decorrentes. Disponível em: <Relatório com substitutivo aprovado na Comissão Especial sobre a regulamentação do trabalho terceirizado no Brasil para o PROJETO DE LEI N.º 4330, DE 2004, que dispõe sobre a terceirização e as relações de trabalho dela decorrentes.>. Acesso em 20 abr. 2014. SINDVESTUARIO. Sindicato dos trabalhadores nas indústrias de confecção e de vestuário de Guarulhos. PL 4330 generaliza a terceirização, segundo o ministro do TST Maurício Godinho Delgado. Disponível em: http://sindvestuario.org.br/ novo/?p=2391 Acesso em 19 abr. 2014. VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Manual prático das relações trabalhistas. 10ª ed. São Paulo: LTR: 2009.
NOTAS DE FIM 1 Acadêmica do Centro Universitário Newton Paiva – Curso de Bacharelado em Direito. 2 Orientadora: Graduada em Direito pela PUC/MG. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Professora do Curso de Direito do Trabalho do Centro Universitário Newton. 3 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
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I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral. 4 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; 5 Tatiana Bhering Roxo; Daniela Zapata.
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A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO MENOR Cecília Moreira Franco Sales1 Valéria Edith Carvalho de Oliveira2 Banca Examinadora7 RESUMO: Após a Constituição de 1988 tornou-se patente a proteção e preocupação com o ser humano. Tal distinção ganhou corpo com o destaque legislativo nas codificações anteriores com o patrimônio. Neste giro, a criança teve seus direitos pensados e tratados pelo ordenamento jurídico de forma mais intensa e zelosa do que outrora. Neste universo o direito do menor a convivência familiar e comunitária ganhou destaque como elemento potencial de assegurar a criança e ao adolescente melhor formação. PALAVRA-CHAVE: Convivência Familiar. Convivência Comunitária. Menores. Família. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Evolução Histórico-Legislativa do Direito de Convivência do Menor em Família; 3 Princípios Regulamentadores do Menor em Família; 3.1 Princípio do Melhor Interesse do Menor; 3.2 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; 3.3 Princípio do Direito à Convivência Familiar; 3.4 Princípio da Afetividade; 4 A Convivência Familiar como Direito Fundamental do Menor; 5 Considerações Finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO A convivência familiar e comunitária do menor é um tema muito discutido hodiernamente, uma vez que com as modificações advindas da sociedade, o Direito de Família foi aos poucos se adequando à realidade da família contemporânea, e tal convivência por ter sofrido modificações passou a ser bastante presente no Direito. Insta mencionar que houve uma evolução histórico-legislativa no Direito de Família no que tange a convivência do menor, como será demonstrado. As mudanças que ocorreram ganharam força a partir da Constituição Federal de 1998, que causou grande revolução no Direito de Família com a introdução de princípios basilares os quais direcionaram a organização do núcleo familiar. Além disso, a Carta Magna garante aos menores de idade diversos direitos que são vitais a sua sobrevivência e dentre eles está prevista a convivência familiar e comunitária. Além da Constituição inovações ocorreram com o advento do Código Civil de 2002 que em relação ao Código Civil de 1916 passou a assegurar a convivência familiar com maior intensidade. Ademais, foram promulgadas duas novas legislações que garantem a convivência familiar e comunitária dos menores de maneira específica, são elas a “Convenção sobre os direitos da criança” e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Tais legislações possuem o escopo de direcionar a atenção apenas às crianças, como merecedoras de especial e específica proteção. Cumpre salientar que os princípios supracitados como basilares do Direito de Família são extremamente relevantes para defender a mantença da convivência familiar. Tais princípios direcionam o melhor caminho nas relações familiares e devem ser utilizados nas lides que envolvam os menores, a fim de garantir resultado mais efetivo em relação a proteção proposta pela Lei. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGISLATIVA DO DIREITO DE CONVIVÊNCIA DO MENOR EM FAMÍLIA O Direito de Família é um ramo do Direito o qual regulamenta normas jurídicas que dizem respeito à organização, proteção e estrutura da família. Ele requisita um estudo evolutivo do instituto da família, uma vez que a sociedade vive em constante mudança e suas vontades,
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seus anseios, suas necessidades se modificam a todo instante. Desse modo, o legislador deve se atentar às modificações que surgem no instituto familiar para adequar a Lei à realidade contemporânea. Nessa mesma vertente, Maria Berenice Dias, doutrina assim: O legislador não consegue acompanhar a realidade social nem contemplar as inquietações da família contemporânea. A sociedade evolui, transforma-se, rompe com tradições e amarras, o que gera a necessidade de constante oxigenação das leis. (DIAS, 2007, p.29) Em analise às leis brasileiras, é importante mencionar como o Código Civil de 1916 tratava do instituto da família, sendo àquela época o casamento o único meio para a formação da mesma. Quanto aos menores, apenas definia a situação dos mesmos em seu artigo 326, §2º, caso ocorresse o chamado desquite judicial, garantindo o Direito à Convivência com os pais ainda que separados. Oportuno frisar, que em 1990 foi ratificada pelo Brasil a “Convenção sobre os Direitos da Criança” por meio do Decreto nº 99.710/19903. Tal convenção foi resultado de uma discussão realizada durante dez anos por diversos países, com o escopo de definir quais são os direitos humanos comuns a todas as crianças. Além do mais, a convenção foi de suma importância para o menor, pois, consagrou os direitos inerentes a eles de maneira bem específica, uma vez que são pessoas que se encontram em desenvolvimento. A convenção, afirma que a família é o ambiente natural da criança para garantir-lhe o bem-estar e crescimento. Ainda se tratando da Convenção supramencionada, Caio Mario da Silva Pereira menciona desta forma: Recomenda que a infância deverá ser considerada prioridade imediata e absoluta, devendo sua proteção sobrepor-se às medidas de ajustes econômicos, sendo universalmente salvaguardados os seus direitos fundamentais. (PEREIRA, 2013, p. 48) Com o advento da Constituição Federal de 1998, foram trazidas mudanças significativas no Direito de Família, apresentando uma nova visão à formação desta, dando maior importância ao afeto nas relações familiares e ao interesse do menor. A convivência familiar para os menores, após a Constituição passou a ser prioridade, con-
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forme aduz o artigo 227, o qual assegura às crianças, diversos direitos fundamentais e dentre eles garante ainda a convivência familiar e comunitária, sempre com o escopo de manter o vínculo e a estrutura familiar para, desse modo, garantir da melhor forma o desenvolvimento e a formação do caráter da criança. É mister salientar que a Constituição Federal, no que tange o Direito de Família, foi uma revolução, uma vez que estabeleceu princípios fundamentais para a boa formação de um ambiente familiar. Esclarece Rodrigo da Cunha Pereira tal evolução: Em outubro de 1998, com a Constituição da República Federativa do Brasil, ficaram consagrados os princípios fundamentais para o ordenamento jurídico brasileiro. Para o Direito de Família foi uma verdadeira revolução. Foi a partir dessa revolução constitucional que se consolidou toda a evolução do Direito de Família, e que nos autorizamos a estabelecer princípios fundamentais para a organização jurídica da família. (PEREIRA, 2012, p.27) Outro marco importante na evolução-legislativa da convivência familiar da criança é o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, pois o mesmo em seu Capítulo III “Do Direito a Convivência Familiar e Comunitária” garante que o menor tenha o direito de participar da vida familiar e comunitária, além de garantir que os mesmos sejam criados no seio da família. Ainda sobre esta legislação, o mesmo demonstra maior preocupação também no que tange a vida, a saúde, a dignidade, a proteção e a liberdade da criança e do adolescente. Dessa feita, tem-se que com o ECA a visão da sociedade para com os menores passou por diversas modificações. Por sua vez, o Código Civil de 2002, no que tange o menor, garante que o Poder Familiar deve ser exercido pelos pais sob os filhos, enquanto menores, conforme dispõe artigo 1.630 do C.C4. O poder familiar garante uma boa convivência entre pais e filhos, pois é um conjunto de direitos e deveres, sendo que o dever dos pais é garantir aos filhos menores a assistência e o auxílio no que estes precisarem já que se encontram em fase de desenvolvimento. Ademais, ainda com o escopo de garantir a maior e melhor convivência familiar para a criança, o artigo 1.5895 do Código em comento, garante o direito de visitas aos pais, desde que não possua a guarda do filho. Tal direito foi estendido aos avós com a promulgação da Lei nº 12.398/2011, com o acréscimo do parágrafo único, do artigo ora citado, visando ainda mais a abrangência da convivência familiar na vida da criança. O tratamento legislativo dado à matéria reflete com clareza que o menor com o passar do tempo ganhou maior importância dentro da família. Inicialmente, a criança não possuía proteções e muitas vezes dentro da convivência familiar era colocada em último plano,o que hoje não ocorre. A convivência familiar e comunitária é direito fundamental do menor, pois é no dia-a-dia da vida em família e nas relações mais amplas que a criança irá adquirir seus valores, hábitos, formação do caráter, desenvolvimento. O impedimento dessa convivência pode trazer diversos transtornos para a criança, no que tange seu desenvolvimento e formação, principalmente. 3 PRINCÍPIOS REGULAMENTARES DO DIREITO DO MENOR EM FAMILIA Os princípios fundamentais do Direito, de maneira geral, constituem a base, o suporte da formação do Estado, definindo a ele a melhor forma de ser. Especificamente o Direito de Família, hodiernamente é compreendido por meio dos princípios jurídicos, os quais estabelecem os direitos fundamentais dos cidadãos e ainda as relações familiares existentes. Tais princípios estão previstos na Constituição Federal de 1998 e na legislação ordinária.
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Segundo Rodrigo da Cunha Pereira “os princípios são normas muito mais que qualquer outra norma, pois eles traduzem não somente o sentido de um ato de vontade, mas principalmente o “conteúdo de sentido”, e o espírito da norma.”(PEREIRA, 2012, p. 48) Ressalta-se que a proteção da família é dever do Estado, conforme assegura o artigo 226, caput, da Constituição Federal, uma vez que o mesmo deve proteger os direitos humanos buscando sempre oferecer às famílias os recursos e condições que elas necessitam para realizar as suas atividades do dia-a-dia. Desta feita, fica certificado o importante papel que os princípios fundamentais do direito possuem no que tange a boa formação do Estado, de modo a garantir conseqüentemente, a proteção familiar. Em outras palavras a doutrinadora Caio Mario da Silva Pereira afirma: Como instrumento de realização de seus membros, a proteção da família mantém-se como obrigação do Estado, não como papel subsidiário, mas ao contrário, inserido num sistema misto, vinculando os poderes públicos a um dever de proteção dos direitos humanos, impondo-lhes o dever de garantir às famílias as condições e recursos necessários para o desempenho de suas funções. (PEREIRA, 2012, p. 55) O Direito de Família é constituído por princípios basilares que irão orientar as relações familiares. É importante que seja utilizado e exauridos tais princípios, os quais regulamentam o Direito de Família, para que se atinja o resultado mais próximo do ideal na Justiça Brasileira. Os princípios do melhor interesse do menor, da dignidade da pessoa humana, do direito à convivência familiar, e da afetividade serão explorados a seguir para melhor entendimento do tema central do trabalho em tela. 3.1 Princípio do Melhor Interesse do Menor O Princípio do melhor interesse do menor é tido como base imprescindível do Direito de Família contemporâneo e possui previsão constitucional no artigo 227, caput, da Carta Magna, o qual aduz: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Tal princípio tem o escopo de guardar as pessoas que não têm condição de se proteger sozinhas. Evidencia a preocupação com os menores de idade, uma vez que por estarem em uma fase da vida de amadurecimento, desenvolvimento, formação de caráter e escolhas, o Direito é atento aos seus interesses e vontades. Considerável aludir à “Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança”, convenção esta da ONU/1989 (Decreto nº 99.710/1990), a qual confirma o princípio em comento e preserva o entendimento de que a proteção e os cuidados especiais é dever dos pais e responsáveis das crianças, e, na falta destes, o Estado ficará obrigado em certificar que instituições e serviços de atendimento o façam. O princípio do melhor interesse do menor deve ser visto como importante critério nas decisões dos casos concretos, pelo fato de que as crianças e adolescentes devem ser vistas como pessoas que estão em real desenvolvimento e formação e carecem de maior atenção nas lides que às envolvam. Nas relações familiares, o melhor interesse do menor deve ser sempre observado, e de acordo com o caso concreto poderá até sair em detrimento dos interesses dos pais.
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Ainda no sentido de preservação da dignidade da pessoa humana no que tange a fragilidade e imaturidade do menor, Rodrigo da Cunha Pereira assim doutrina: Em face da valorização da pessoa humana em seus mais diversos ambientes, inclusive no núcleo familiar, o objetivo era promover sua realização enquanto tal. Por isso, deve-se preservar, ao máximo aqueles que se encontram em situação de fragilidade. A criança e o adolescente encontram-se nesta posição por estarem em processo de amadurecimento e formação da personalidade. Assim, têm posição privilegiada na família, de modo que o Direito viu-se compelido a criar formas viabilizadoras deste intento. (PEREIRA, 2012, pag. 149) E para concluir Caio Mario Pereira da Silva ensina que os menores “considerando-os em sua individualidade, também por seus pais ou responsável, crianças e adolescentes devem ser assumidos como pessoas em peculiar condição de desenvolvimento” (PEREIRA, 2013, p. 61). É mister salientar que no Estatuto da Criança e do Adolescente, pode-se constatar e qualificar que o melhor interesse do menor se faz presente, não apenas de modo geral, mas também sob a configuração de norma específica para determinados assuntos que envolva a criança. Os menores, além de fazerem jus a direitos e garantias de um modo geral, fazem jus também a direitos fundamentais específicos, ou seja, direcionados apenas a eles. A título de exemplo tem-se o artigo 23 do ECA, caput, o qual dá maior importância aos interesses existenciais do que aos patrimoniais nas seguintes palavras: “A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar”. Observa-se que o artigo supra, prevê que a falta de recursos materiais não acarreta a perda do poder familiar exercido pelos pais. Além disso, o princípio ora estudado, em muitas das vezes, principalmente no que tange, por exemplo, a guarda compartilhada dos menores, deve sempre levar em consideração o melhor interesse do menor, para garantir que ele conviva o máximo possível com ambos os genitores – desde que a convivência entre eles seja saudável, isto é, não exista nada que os desabone. (PEREIRA, 2012) Destarte, o princípio do melhor interesse do menor deve ser sempre contemplado nas lides que envolva crianças e adolescentes, e ainda, deve ser adequado ao caso concreto de acordo com a cultura, educação entre outros aspectos que fazem parte da vida do menor, para chegar à uma decisão que realmente traga o bem-estar da criança. 3.2 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é elencado na Constituição Federal de 1998 em seu artigo 1°, inciso III, considerado como um dos fundamentos básicos que legitimam o Estado-Democrático de Direito. Considera-se o princípio ora mencionado como principio constitucional, desse modo não se admite que qualquer direito viole a dignidade da pessoa humana. Além do mais, não pode sofrer nenhuma relativização por ser considerado por muitos doutrinadores, como menciona Rodrigo da Cunha Pereira ser ”um macro princípio sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valores essenciais como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e alteridade”. (PEREIRA, 2012, p.114) Tal princípio consiste em disponibilizar e assegurar a todos os seres humanos, seja ele criança, adolescente, adulto ou idoso, a ter uma vida digna e realizada em todos os aspectos. Nesse mesmo sentido, todo ser humano, pelo simples fato de ser uma pessoa deve ter assegurado pelo Estado e até mesmo pela própria sociedade em que ele vive seu valor e seus direitos essenciais, como a vida, a saúde, a educação, a convivência familiar, entre outros.
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Nesse sentido, Rodrigo da Cunha Pereira conceitua a dignidade da pessoa humana com a seguinte redação: E a dignidade da pessoa humana é, e sempre será, um valor idêntico que todo ser humano tem porque é racional. Não há relatividade da capacidade que permita eliminar a razão de um ser humano; é por isso que, do ponto de vista ético, no Direito todo ser humano tem o mesmo valor. Se a dignidade é hoje um princípio constitucional, isso é resultado de uma conquista histórico. É o reconhecimento de que não importa quais sejam as circunstâncias ou qual o regime político, todo ser humano deve ter reconhecido pelo Estado o seu valor como pessoa, e a garantia, na prática, de uma personalidade que não deve ser menosprezada ou desdenhada por nenhum poder. Exigir, por meio de preceito constitucional, que o Estado reconheça a dignidade da pessoa humana, é exigir que ele garanta a todos direitos que podem ser considerados válidos para um ser humano capaz de compreender o que é o bem. (PEREIRA, 2012, p. 118) Conclui o mesmo doutrinador: Ela é acima de tudo um princípio ético, que a história mostrou ser necessário incluir entre os princípios do Estado. Na verdade, a dignidade da pessoa humana é mais que um direito, pois ela é a prova de que deve haver certos direitos de atribuição universal, por isso também um princípio geral do direito. Uma Carta de Direitos que não reconheça essa ideia ou que seja incompatível com ela é incompleta ou ilegítima, pois se tornou um valor e uma necessidade da própria democracia. (PEREIRA, 2012, p.119) Importante ressaltar, que no âmbito familiar, quando se diz “vida digna” implica-se discutir a importância da inclusão do ser humano no ambiente familiar. No Direito de Família, nas palavras de Caio Mario da Silva Pereira, “só faz sentido para o direito a partir do momento em que ela é veículo funcionalizador da promoção da dignidade de seus membros”. (PEREIRA, 2013, p. 57) O princípio da dignidade da pessoa humana, possui força centrípeta, pois sua constatação é importante para analisar qualquer outra norma constitucional. Em outras palavras conforme menciona o doutrinador Uadi Lammêgo Bulos “a dignidade da pessoa humana é o carro-chefe dos direitos fundamentais da Constituição Federal de 1998.” (BULOS, 2011, p. 502) No que tange, de maneira específica, aos menores de idade, a dignidade é de suma importância, pois a mesma é adquirida no momento em que a criança está em fase de desenvolvimento físico, de caráter e formação de valores. A Família é o maior responsável e é o primeiro grupo em que os menores adquirem a noção do que é possuir a dignidade, em razão de o mesmo crescer e se desenvolver no seio da família, por isso a importância da afetividade e da convivência neste núcleo para o menor. Destarte, é evidente que dignidade da pessoa humana assegura a cada indivíduo a sua integridade física e psíquica, de maneira a evitar que suas condições mínimas de sobrevivência sejam violadas, principalmente no âmbito familiar, o qual, conforme Rodrigo da Cunha Pereira afirma “tem a intimidade, a afetividade e a felicidade como seus principais valores”. (PEREIRA, 2012, p. 127) 3.3 Princípio do Direito à Convivência Familiar O Princípio do Direito à Convivência Familiar é mencionado no artigo 227, caput, da Constituição Federal, o qual assegura a convivência familiar e comunitária como um dever da família.
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A convivência familiar certifica a importância dos demais princípios basilares do Direito de Família, pois é na instituição familiar que se adquiri os demais princípios e valores fundamentais para a vida do ser humano. Tal convivência é imprescindível no que tange o decurso da construção da personalidade, principalmente das crianças e adolescente, pois é neste momento e no seu dia-a-dia que irá definir os valores morais, sociais, culturais, entre outros. Nessa mesma vertente, Pablo Stolze assim doutrina “pais e filhos, por princípio, devem permanecer juntos”. (STOLZE, 2013, p. 104) Este princípio, no que tange ao Direito de Família nos trás diversos pontos importantes no que diz respeito os menores de idade, uma vez que é no seio da família e da sua comunidade que eles irão crescer e desenvolver, além de compreender como é a vida em sociedade. Importante mencionar, que o Estatuto da Criança e do Adolescente garante a convivência familiar como direito de toda criança e adolescente. De maneira mais específica, o artigo 19 da Lei 8.069/90, garante aos menores o direito de ser criado e no seio da sua família em condições saudáveis. Além do mais, admite a chamada família substituta, ou seja, aquela adquirida por meio da guarda, tutela ou adoção, mencionada no artigo 28 da mesma Lei, ficando esta família responsável, ainda que temporariamente, em garantir a convivência familiar e a dignidade do menor. Dessa feita, ainda em análise do ECA, o artigo 23, caput de forma implícita assegura, além do melhor interesse do menor como já dito, assegura também a convivência familiar. O doutrinador Pablo Stolze assim compreende o artigo: Ao prever que a falta de recursos materiais não autoriza a perda ou a suspensão do poder familiar, a norma estatutária está assegurando, especialmente a famílias de baixa renda, a convivência familiar com a sua prole, impedindo que o poder econômico seja utilizado como vetor de determinação da guarda ou de qualquer outra medida em face de suas crianças e adolescentes. (STOLZE, 2013, p. 104) O princípio da convivência familiar, segundo o mesmo doutrinador ora supracitado “necessita, para se consolidar, não apenas do amparo jurídico normativo, mas principalmente, de uma estrutura multidisciplinar associada que permita a sua plena realização social”. (STOLZE, 2013, p. 105) Em outras palavras, na maioria das vezes as lides que são apresentadas ao judiciário que envolva a questão da convivência familiar, são desenvolvidas na maioria das vezes por falta de informação e falta de orientação seja ela social ou psicológica dos próprios litigantes, os quais vivem em um ambiente familiar cheio de problemas, dores e sofrimentos. Desse modo, muitas das vezes, o problema apresentado necessita igualmente de amparo psicológico além da proteção legal propriamente dita. Ressalta-se que a convivência familiar e comunitária, como já dito, é de suma importância para a formação e desenvolvimento do menor. Ocorre que tal convivência para que atinja o seu objetivo na principal fase da vida de uma criança, a mesma não pode ser restrita aos pais, ou seja, o menor deve ter contato com outros integrantes da família que possuam afeto e carinho por ele, como seus avós, tios, primos, irmãos; e até mesmo por pessoas que fazem parte da sua comunidade ou do seu dia-a-dia, como seus vizinhos, amigos de escola, professores, entre outros. Conclui-se, que a convivência familiar, é de extrema relevância para o ser humano, em especial as crianças e adolescentes, uma vez que tal convivência interfere na formação e desenvolvimento das mesmas, que estão em fase de aprendizagem e absorção dos princípios e valores a elas apresentados que serão reportados para a vida adulta.
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3.4 Princípio da Afetividade O princípio da afetividade não se encontra positivado na legislação constitucional, que surgiu com a nova estrutura familiar, a qual passou a se basear em elos afetivos em detrimento do aspecto econômico da família, ou seja, o afeto passou a ter maior importância do que os laços sanguíneos e patrimoniais. Tal princípio direciona uma leitura da família baseada cada vez mais no afeto, com o intuito de preservar a convivência entre os familiares perpetuamente, até mesmo depois de os filhos estarem maiores de idade. Caio Mario da Silva Pereira, nessa mesma diretriz assim doutrina: Ao enfatizar o afeto, a família passou a ser uma entidade plural, calcada na dignidade da pessoa humana, embora seja, ab initio, decorrente de um laço natural marcado pela necessidade dos filhos ficarem ligados aos pais até adquirirem sua independência e não por coerção de vontade, como no passado. Com o decorrer do tempo, cônjuges e companheiros se mantêm unidos pelos vínculos da solidariedade e do afeto, mesmo após os filhos assumirem suas independências. Essa é a verdadeira diretriz prelecionada pelo princípio da afetividade. (PEREIRA, 2013, pag. 60) A afetividade é um elemento considerável para uma boa estrutura da família contemporânea, além de ter se tornado, como supramencionado, elemento ainda mais importante que a questão financeira da família. Desde a infância, todas as pessoas devem tanto dar quanto receber afeto, para que tenha um bom caráter e se torne um ser humano completo. O afeto faz parte da vida de todos e deve estar presente na fase de amadurecimento do menor, seja no seio da família, da escola, enfim, em todos os âmbitos que a criança vive, para que ela se torne um adulto carinhoso, cuidadoso e amoroso. Ainda que não positivado, o principio ora discutido ganhou tamanha relevância no âmbito familiar e também em decorrência das modificações que surgiram na família contemporânea, vem sendo considerado como um valor jurídico imprescindível para o Direito de Família. O doutrinador Rodrigo da Cunha Pereira faz a seguinte observação acerca do princípio da afetividade: Em face, portanto, da mudança epistemológica ocorrida no bojo da família, a ordem jurídica assimilou tal transformação, passando a considerar o afeto como um valor jurídico de suma relevância para o Direito de Família.Seus reflexos crescentes vêm permeando todo o Direito, como é exemplo a valorização dos laços de afetividade e de convivência familiar oriundas da filiação, em detrimento, por vezes, dos vínculos de consangüinidade. (PEREIRA, 2012, p. 214 e 215) A posição central destacada ao ser humano a partir da Constituição de 1998, que fez emanar o princípio da afetividade frisa a ideia de que o afeto deve estar sempre presente nas relações de uma família para garantir que o este núcleo seja adequado ambiente de desenvolvimento para seus membros. O afeto na infância fará toda diferença no que tange ao caráter, a formação e ao discernimento da mesma quando atingir a fase adulta, e é na fase que, de maneira mais intensa, o que foi repassado ao indivíduo na infância será refletido. 4 A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL DO MENOR A família é um modo de organização da sociedade, o qual, como previsto na Constituição Federal, merece total proteção do Estado. Tal Instituto é visto no meio social como o responsável pela formação, educação, comportamento, personalidade dentre outros aspectos dos seus integrantes.
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Ocorre que, como já mencionado, o Direito de Família sofreu diversas modificações e o significado da família, inclusive o papel desempenhado por cada um de seus integrantes, se modificaram ao longo do tempo. O ilustre doutrinador Rodrigo da Cunha Pereira, menciona a revolução da família assim: O Direito de Família é um dos ramos do Direito que mais sofreu e vem sofrendo alterações no último século, em todo o mundo ocidental. Essas mudanças estão associadas ao declínio do patriarcalismo que, por sua vez, tem suas raízes históricas na Revolução Industrial e na Revolução Francesa, que marcaram um novo ciclo histórico: a Idade Contemporânea. (PEREIRA, 2012, p. 23) Visto isso, antigamente, a família deveria ser formada apenas através do matrimônio e em sua estrutura cada membro deveria ocupar uma função, ou seja, tinha o lugar do pai, da mãe e dos filhos, visando sempre uma função econômica a ela. Por conseguinte, Maria Berenice Dias esclarece a antiga formação da família desta forma: A família tinha formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo entidade patrimonializada, seus membros eram força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal. (DIAS, 2007, p.27 e 28) Desse modo, a família deveria ser extensa, numerosa, com o intuito de garantir a sobrevivência dos seus componentes, pois quanto maior a família maior seria a sua produtividade. Oportuno salientar, que até então não se dava ênfase ao afeto, ao carinho e ao amor como se dá nas famílias de hoje em dia, antigamente visava-se a produtividade e a reprodutividade da família, apenas. Com o advento da Revolução Industrial6, a mulher foi inserida no mercado de trabalho “deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal e sua prole” (DIAS, 2012, p.28). Com isso, hodiernamente, a família não mais visa apenas o caráter produtivo e reprodutivo, pois tiveram que se unir para garantir o sustento, e por conseqüência é dada maior importância ao vínculo afetivo que existe entre seus componentes. A família antes era a fonte econômica e agora é a fonte do afeto e do amor. Cumpre dizer que com a Constituição Federal de 1998, surgiram princípios fundamentais no Direito de Família, como já detalhados anteriormente, que são de extrema relevância para a família contemporânea. A partir disso, surgiram novas legislações que deram tratamento diferenciado às relações familiares e de maneira mais específica aos menores. A título de exemplo tem-se o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 e também a “Convenção sobre os Direitos da Criança” - Decreto nº 99.710/1990, os quais trouxeram diversas inovações, com o escopo de preservar e garantir aos menores de idade o melhor tratamento possível, afinal eles são considerados o ser humano mais frágil da nossa sociedade que, na maioria das vezes, não conseguem se defender sozinhos. A convivência familiar na vida de uma criança é um direito fundamental previsto na Carta Magna. Com a ascensão da família contemporânea, aumentou a necessidade de demonstrar que para a criança o contato com os seus familiares, de modo geral, avós, tios, primos, fazem diferença no seu desenvolvimento e formação da sua personalidade. Além da convivência familiar, deve ser assegurada à criança a convivência comunitária, também prevista na Constituição Federal de 1998, a qual se dá com as pessoas de fora da família, ou seja, que não possuam vínculos biológicos com o menor, mas que fazem parte
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do seu dia-a-dia. Tal convivência ocorre nas escolas, com os professores e colegas de classe, até mesmo com os vizinhos da sua comunidade, ou ainda nas famílias substitutas. Oportuno frisar que, com o escopo de ampliar a convivência do menor em família, além de o artigo 1.589 do Código Civil assegurar o direito de visita aos pais divorciados, em especifico o que não esteja com a guarda do filho, em 2011 foi promulgada a Lei nº. 12.398, a qual positivou, com o acréscimo do parágrafo único,o direito de visita dos avós. A Lei apenas garantiu tal direito que já vem sendo usado mesmo antes de ser positivado, ampliando ainda mais a convivência da criança no seio familiar. Já existem decisões de Tribunais que garantem o direito de visitas dos avós aos seus netos, sempre com o escopo de preservar e ampliar a convivência familiar da criança, conforme demonstra transcrição de trecho de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: INQUESTIONÁVEL O DIREITO DOS PROGENITORES DE VISITAREM E TEREM O NETO EM SUA COMPANHIA, ESPECIALMENTE COMO FORMA DE AMPLIAR OS LAÇOS AFETIVOS E PROPORCIONAR A CONTINUIDADE DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR QUE JÁ VINHA SENDO MANTIDA ANTES DAS DESAVENÇAS FAMILIARES” e “INEXISTINDO QUALQUER INDICATIVO DE QUE A CRIANÇA SERÁ PREJUDICADA CASO INTENSIFIQUE O CONVÍVIO MENSAL COM SEUS AVÓS, INCLUSIVE COM PERNOITES, É DE SE MANTER A DECISÃO QUE GARANTE A ELES O DIREITO DE VISITAS”. (TJ-DF, 2013) Na jurisprudência supracitada, é de suma relevância enfatizar que se levou em consideração um dos princípios mais importantes para a criança que é o melhor interesse do menor, ou seja, se a convivência com os avós é importante para a vida do mesmo ela deverá ser mantida, a fim de ampliar os laços afetivos. As palavras do doutrinador Rodrigo da Cunha Pereira relatam a importância da convivência familiar para o menor, ainda que seus pais estejam se divorciando: O que se garante é a continuidade da convivência familiar, que é um direito fundamental da criança e, por seu turno, um dever fundamental dos pais. A convivência, neste ínterim, não assume apenas a faceta do conviver e da coexistência, mas vai muito mais além, ou seja, participar, interferir, limitar, enfim, educar. (PEREIRA, 2012, p. 157) Na vivência com a família e com a sua comunidade é que a criança adquire conhecimentos para ter o primeiro contato com a vida em sociedade. A formação dos valores, princípios e até mesmo da personalidade da criança é apenas um espelho daquilo que ela vê, escuta e sente nesta fase da vida, por isso a importância e a necessidade de uma boa convivência familiar e comunitária, para garantir que se tornem adultos de bem com uma boa formação, que é o que preceitua a Constituição de nosso país. Oportuno frisar, que a convivência familiar e também a comunitária na fase da infância tem destacada importância, pois é na infância que o ser humano constrói sua personalidade e começa a ter o discernimento do que é certo ou do que é errado, por isso a relevância da sua preservação. Uma infância bem vivida e bem direcionada pela família e pela comunidade faz diferença na vida do menor, uma vez que isto tende a refletir-se de maneira positiva em sua vida adulta, em seu caráter, ética e personalidade. Destarte, em razão da evolução do Direito de Família, da família contemporânea e da relevância que tem a convivência familiar para o menor nos dias de hoje, os Tribunais buscam, sempre que o litígio en-
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volva as crianças, enfatizar a contingência desta convivência julgando sempre o que for melhor para o menor. Nesse mesmo entendimento, o julgado (ementa) do egrégio Tribunal de Minas Gerais, proferiu decisão visando ampliar a convivência familiar do menor com o pai que se encontra encarcerado: O art. 226 da Constituição da República garante a proteção à instituição familiar e o art. 4º do ECA o direito do menor à convivência familiar. O convívio do adolescente com o pai encarcerado permite manter os laços de afeto que verdadeiramente sustentam a família. Se o contato é capaz de surtir efeitos benéficos a ambas as partes envolvidas e são determinadas condições para se garantir a visita em segurança, deve ser mantida a sentença que possibilita a convivência familiar mediante visitação do filho ao genitor aprisionado. (TJMG, 2013) Conclui-se, que o julgado supra, garante a visitação do filho ao pai que se encontra aprisionado, desde que garanta ao menor e ao pai, efeitos benéficos e seguros desta visitação. Além do mais, o que é mais visado no caso em tela é a mantença da convivência familiar do menor, que é fundamental e fará toda diferença na sua formação de caráter, personalidade e para o seu desenvolvimento como vem sendo abordado no presente trabalho. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Todos os seres humanos têm o direito de viver no seio de uma família que possa proporcionar aos seus membros o afeto e o carinho para se ter uma vida digna. No que tange as crianças, a mantença desta convivência é vital e deve ser vista com mais ênfase, uma vez que as mesmas se encontram em fase de desenvolvimento e de orientação para se posicionar na sociedade em que vive. A família é o instituto responsável pelo comportamento, educação, formação e outros aspectos dos seus membros, e por este motivo ela merece total proteção do Estado e deve ser preservada, a fim de garantir que os menores que nela se encontram tenham uma boa estrutura familiar a qual irá ser refletida na vida adulta. Oportuno frisar que uma boa convivência familiar e comunitária na vida do menor, conjugada com a preservação prática do direito à convivência familiar, terá papel fundamental na vida adulta das pessoas. A convivência familiar assegurada possibilita formação baseada em afeto, preceitos morais e éticos, identidade com valores sociais e de maneira mais particular em consonância com valores familiares, o que, indiscutivelmente, tem potencial para moldar o ser humano em sua formação. Evidentemente o resultado não pode ser assegurado de forma absoluta, mas o direito do ser humano a esta convivência é que não pode ser negado, ou pelo menos tem que ser protegido pelas leis.
REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 28 de Abril de 2014.
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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 10 de Maio de 2014. BRASIL. Decreto 99.710, 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/1990-1994/D99710.htm. Acesso em: 20 de Abril de 2014. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10 de Maio de 2014. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. GAGLIANO, Pablo Stolze, FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013 JURÍDICO. Âmbito. O Direito à Convivência Familiar e Comunitária e suas implicações no Poder Familiar. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/ site/index.php?artigo_id=2530&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em: 10 de Maio de 2014. JUSBRASIL, TJ-DF – AGRAVO DE INSTRUMENTO: AGI 20110020259063 DF 0025910-77.2011.8.07.0000. Disponível em: < http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/117322217/agravo-de-instrumento-agi20110020259063-df-0025910-7720118070000 >. Acesso em: 08 de Maio de 2014. JUSBRASIL, TJ-MG - Apelação Cível: AC 10439130091689001 MG. Disponível em: <http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/119469291/apelacao-civel-ac10439130091689001-mg >. Acesso em: 10 de Maio de 2014. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 21ª ed. Rio de Janeiro: Editora: Forense, 2013. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
NOTAS DE FIM: 1 Graduanda do 9º período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton. 2 Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. 3 Trata-se da Convenção que foi criada com o escopo de garantir proteção e cuidados especiais à criança, considerando que em todos os países do mundo existem crianças, as quais vivem em condições diferenciadas e necessitam de real proteção. 4Código Civil – Lei 10.406/02.Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. 5 Código Civil – Lei 10.406/02. Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente. 6 Revolução Industrial foi a transição para novos processos de manufatura no período entre 1760 a algum momento entre 1820 e 1840. 7 Valéria Edith Carvalho de Oliveira; Leandro Henrique Simões Goulart.
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A CONTROVÉRSIA SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 235 DO CÓDIGO PENAL MILITAR Caroline Zandonadi Guimarães1 Marcelo Sarsur Lucas da Silva2 Banca Examinadora¹³ RESUMO: A temática deste trabalho consiste no estudo da Justiça Militar sob o enfoque do crime de pederastia, previsto no artigo 235 do Código Penal Militar, e que hoje em dia ganha atenção por ser alvo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF - n° 291, proposta em 9 de Setembro de 2013, ainda em pauta para futuro julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Considerando os fundamentos apresentados pela mencionada ADPF, que defende a inconstitucionalidade do aduzido dispositivo, serão trabalhados a seguir elementos contrapostos, com o escopo de demonstrar a improcedência da questionada ação. Nessa acepção, torna-se oportuno expor as características peculiares e marcantes da Justiça Militar, que a individualiza face aos demais Poderes Judiciários alçados na Constituição Federal. Assim, imprescindível é registrar a relevância dos princípios militares da hierarquia e da disciplina, os quais são vitais na estrutura militar. Com efeito, impõe também traçar a distinção entre crimes militares próprios e impróprios, e as transgressões disciplinares, o que reforça ainda mais o caráter sui generis da Justiça castrense e do direito penal por ela aplicado. PALAVRAS-CHAVES: Justiça Militar; Hierarquia e Disciplina Militares; Crime Militar Próprio; Crime de Pederastia; Constitucionalidade. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Princípios Militares da Hierarquia e da Disciplina; 3 Dos Crimes Militares (Próprios e Impróprios) e das Transgressões Disciplinares; 4 A Controvérsia sobre a Constitucionalidade do artigo 235 do Código Penal Militar; 5 Considerações Finais; Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO A Constituição Federal do Brasil, no momento em que dispôs sobre a estrutura do Poder Judiciário nacional, fixou os órgãos que o integram, tão como suas competências. Segundo o Texto Constitucional, temos que o Poder Judiciário é bipartido sobre o prisma do domínio federal e estadual, sendo comum a ambos a Justiça comum, e, no âmbito da União, presentes três Justiças Especializadas: a Militar, a do Trabalho e a Eleitoral. Dentre essas, para fins deste artigo científico, interessa a Justiça Militar, tanto federal quanto estadual. A Justiça Militar, também conhecida como Justiça Castrense, classifica-se como jurisdição especializada, pois contém normas de natureza própria, que se destinam exclusivamente a uma categoria especial de agentes, e por esta razão incidem sobre uma esfera mais restrita de pessoas. Cumpre destacar que a Justiça Militar subdivide-se em duas espécies: Justiça Militar da União e Justiça Militar Estadual. A primeira delas exerce jurisdição sobre os militares das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), e estão previstas nos artigos 122 a 124 da Constituição Federal. Já a segunda exerce jurisdição sobre os integrantes das Forças Auxiliares, quais sejam, os Policiais Militares e o Corpo de Bombeiro Militar, conforme disposto no artigo 125 da Constituição Federal. Salienta-se que, em decorrência da especialidade que recai sobre a Justiça Militar, sua competência atualmente limita-se em processar e julgar os crimes consagrados militares pela Legislação Militar - Código Penal Militar Brasileiro e Código de Processo Penal Militar Brasileiro – e, os estatutos e regulamentos específicos de cada categoria militar. Assim, o Direito Penal Comum somente é aplicável à seara militar de forma subsidiária, tendo-se em vista o Princípio da Especialidade. Contudo, a maioria dos profissionais de Direito ignoram as normas – princípios e regras – conferidas ao Direito Militar, bem como as atribuições e finalidades da Justiça Castrense. A grande razão disso é a ausência de previsão, nos diplomas normativos relacionados à formação curricular do curso de Graduação em Direito, das disciplinas de Direito Militar, que acabam ficando restritas aos Cursos de Forma-
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ção de Oficiais (CFO). Diferente tratamento é dado às disciplinas de Direito do Trabalho e de Direito Eleitoral, que já integram obrigatoriamente a grade curricular dos contemporâneos cursos de Graduação em Direito, atraindo a atenção dos futuros bacharéis. Inegável é que o desconhecimento sobre os preceitos peculiares da Justiça Militar pode levar, na prática, à distorção de seus conteúdos. Lamentavelmente, por vezes o Direito Militar, e em especial a Justiça castrense, são alvos de críticas infundadas, injustas até, proferidas por aqueles que jamais se ocuparam de conhecer sua estrutura e seus diplomas ordenadores. Destarte, o presente estudo científico tem por finalidade compreender um pouco mais sobre essa Justiça Especializada, concentrando-se na abordagem da vigente discussão acerca da constitucionalidade do artigo 235 do Código Penal Militar, objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 291, de 9 de Setembro de 2013, sob a luz dos princípios da hierarquia e da disciplina Militar, que nada mais são que a razão de ser dessa notável Justiça. 2 PRINCÍPIOS MILITARES DA HIERARQUIA E DA DISCIPLINA A Justiça Militar Brasileira toma em consideração os princípios que inspiram as Corporações Militares Federais e Estaduais. Em simetria com a tarefa imposta às instituições militares, que é a de sustentar e promover a ordem democrática brasileira, à Justiça Militar recai, igualmente, o dever de conservar os mandamentos íntimos das instituições3 a ela submetidas. Nesse sentido, infere-se que na Justiça Militar aplica-se um conjunto de normas próprias, constituídas sob o amparo de dois Princípios basilares a suas entidades, quais sejam: o Princípio da Hierarquia e o Princípio da Disciplina. Em consonância a isto, tem-se a inteligência dos artigos 42 e 142, ambos da Constituição Federal. Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
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Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (Grifo nosso) A hierarquia e a disciplina militar são os alicerces das organizações militares, e, por isto, concebem valores restritos a essas organizações. Estes valores possuem estatuto constitucional, por serem imprescindíveis às instituições militares. O Estatuto dos Militares - Lei Federal nº 6.880 de 1980 – delineia, em seu artigo 14 e respectivos parágrafos, o que representa a hierarquia e a disciplina na esfera das Forças Armadas Federais. Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico. § 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antiguidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à sequência de autoridade. § 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo. (Grifo nosso) A concepção de hierarquia e disciplina, no entanto, pode ser extraída de diversas fontes normativas, não ficando tão somente a cargo do Estatuto dos Militares de âmbito Federal a definição desses dois princípios. Nesses termos, a legislação específica dos Militares de Minas Gerais – Lei Estadual de nº 5.301, de 16 de outubro de 1969 –, conceitua hierarquia militar em seu artigo 8°, como sendo “a ordem e subordinação dos diversos postos e graduações que constituem a carreira militar”. Em outras palavras, hierarquia corresponde aos comandos de um oficial superior, que vinculam e se estendem a todos os demais oficiais de escalão inferior. Depreende-se, deste modo, que a hierarquia evidencia o Poder Hierárquico, da mesma forma que notavelmente fixa as funções e responsabilidades de cada agente militar. No que tange a disciplina, temos que esta reflete a fiel e integral vinculação dos membros das corporações militares às normas – regras e princípios - que vigoram na seara militar. A Lei Estadual n° 14.310, de 20 de Junho de 2002, que dispõe sobre o Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais, traz a definição de disciplina militar em seu artigo 6°, §2°, que confirma esse entendimento: Art. 6°, §2°: A disciplina militar é a exteriorização da ética profissional dos militares do Estado e manifesta-se pelo exato cumprimento de deveres, em todos os escalões e em todos os graus da hierarquia, quanto aos seguintes aspectos: I – pronta obediência às ordens legais; II – observância às prescrições regulamentares; III – emprego de toda a capacidade em benefício do serviço; IV – correção de atitudes; V – colaboração espontânea com a disciplina coletiva e com a efetividade dos resultados pretendidos pelas IMEs.
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Destarte, a disciplina é um preceito que traduz o impecável cumprimento do munus público dos agentes militares, visto que almeja manter na estrutura castrense o desempenho legítimo e coerente dos encargos militares, com base em seus dogmas. Nesse contexto, percebe-se que o Princípio da Disciplina introduz nas instituições militares certo rigor, o que não se confunde com autoritarismo. Segundo os entendimentos de Eliezer Pereira Martins (1996, p.24) o rigorismo “não significa que a disciplina deva ser utilizada como método de incutir temeridade na tropa.” Desta maneira, o rigorismo ostenta a rigidez no comando militar, buscando, assim, manter o sincronismo entre a atuação do oficial castrense e o objetivo da corporação, qual seja, o de atribuir maior êxito nas políticas de defesa nacional e de segurança pública, no caso das Polícias Militares. Por fim, depreende-se que, dentre as peculiaridade das Forças Militares, a hierarquia e a disciplina são mandamentos imprescindíveis ao exercício da profissão, sendo que o desrespeito a essas normas poderá levar à exclusão do militar, ou até mesmo, à imposição de pena privativa de liberdade. 3 DOS CRIMES MILITARES (PRÓPRIOS E IMPRÓPRIOS) E DAS TRANGRESSÕES DISCIPLINARES Dispõe o ordenamento militar de cânones que devem ser honrados pelos oficiais, não somente durante o exercício de suas funções e nos limites dos recintos da Administração Pública, como também, no cotidiano de sua vida privada. Desta forma, o militar deve conservar os padrões de dignidade e disciplina, mesmo nos atos que não dizem respeito ao “munus público”, dado que o exercente de um cargo ligado a Segurança Pública é visto pela sociedade como uma referência ética e moral. Afinal, as forças militares diferem das demais instituições policiais por contemplar os princípios da hierarquia e da disciplina, sem os quais se torna impossível imaginar a existência da corporação castrense. Assim, a ruptura desses princípios gera reflexos negativos internos e externos à Instituição Militar, vez que cria óbices para se alcançar plenamente a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, como também ocasiona descrédito da própria Corporação Militar e do Estado, perante os seus cidadãos. Neste contexto, não agindo o policial militar de modo pautado nos parâmetros da hierarquia e da disciplina, poderá este incorrer em crimes militares próprios ou em transgressões disciplinares. Como alude o caput do art. 42 do Estatuto dos Militares (Lei n° 6.880/80): Art. 42. A violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas. Os crimes militares possuem o objetivo primordial de zelar pela proteção da administração militar e de seus princípios basilares (hierarquia e disciplina), bem como os direitos e garantias fundamentais do cidadão (vida, liberdade, honra, incolumidade pessoal, propriedade e organização política), e são encontrados, taxativamente, no Código Penal Militar – Decreto-Lei n° 1.001 de 21 de 1969. Desta forma, os crimes militares são assim denominados por estarem positivados em um diploma legislativo único e particular. Posto isso, torna-se claro que o Brasil optou por utilizar o aspecto formal para defini-los, e assim, destacá-los dos crimes comuns. Ensina Jorge Cesar de Assis (2008), que “crime propriamente militar é aquele que só está previsto no Código Penal Militar, e que só poderá ser cometido por militar, como aqueles contra a autoridade ou disciplina militar ou contra o serviço militar e o dever militar”.
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Destarte, os crimes militares próprios estão vinculados aos integrantes das corporações militares, de forma que somente estes poderão concorrer para a prática desses crimes, já que constituem infrações de caráter funcional e peculiar do oficial castrense. Ainda, importa ressalvar que tais crimes, perante sua relevância constitucional, são de elevada reprovabilidade e, portanto, incidirão sobre a liberdade daqueles que o pratiquem. Aliás, nos crimes militares – próprios e impróprios -, a pena privativa de liberdade é a regra única, sendo que existem polêmicas a propósito do cabimento ou não das penas restritiva de direito. Porém, tal discussão, por fugir ao escopo da presente discussão, não será abordada nesta sede. Já quanto aos crimes militares impróprios, embora estejam também previstos na lei penal militar, possuem equivalência aos crimes consubstanciados no Código Penal e nas legislações esparsas, de modo que versam sobre condutas que podem vir a ser praticadas tanto pelos militares, quando serão classificados como crimes militares impróprios, como também pelos civis. Conclui-se que, não obstante os crimes militares impróprios somente serem assim qualificados quando praticados por integrantes das corporações militares, estes fazem referência aos crimes comuns - que independem de qualquer condição de caráter pessoal do agente -, pois não pretendem resguardar os interesses particulares da estrutura militar, como é o caso dos crimes militares próprios. Diferentemente, as transgressões disciplinares estão previstas em regulamentos, e são restritas ao exercício da função pública e aos seus propósitos. Em outras palavras, transgressão é a violação das obrigações e dos deveres militares. Logo são consideradas infrações de natureza menos danosa, razão pela qual ficam sujeitos apenas à perda do cargo (exoneração) ou da posição elevada. O art. 14, caput, do Regulamento Disciplinar do Exército – Decreto n° 4.346/02 - traz o conceito de transgressão disciplinar: Art 14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe. Ainda no art. 14 do Decreto n° 4.346/02, estabelece o §1° que se “a conduta praticada estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se caracterizará transgressão disciplinar.” Assim, é de fundamental importância acentuar que os crimes propriamente militares não se confundem, em hipótese alguma, com as transgressões disciplinares, em que pese ambos poderem recair sobre o desrespeito dos mesmos mandamentos - hierarquia e disciplina -, como já mencionado. Cumpre enfatizar que há vários outros aspectos que diferenciam transgressão disciplinar de crimes militares próprios. Contudo, para os fins desse estudo, basta a distinção ora assentada. 4 A CONTROVÉRSIA SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 235 DO CÓDIGO PENAL MILITAR Inquestionável é que, em razão do Princípio da Disciplina Militar, exige-se das Forças Militares uma postura adequada quanto as suas responsabilidades, afinal, não existe organização militar na qual seus integrantes não possuem clareza sobre seus deveres, ou desconhecem os parâmetros para cumprimento das suas obrigações. Imprescindível torna-se que os atos praticados por oficiais castrenses estejam sempre moldados na concepção de defesa da pátria. Inerente a isto, o Código Penal Militar possui inúmeras infrações que se empenham em resguardar os pilares imprescindíveis para promover a ordem pública, e fazer imperar o respeito e o brio
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de suas Instituições Militares. Neste plano é que se encontra a melhor interpretação do art. 235 do Código Penal Militar (CPM). Ocorre que, nos dias de hoje, é ampla a discussão acerca da constitucionalidade desse dispositivo. Em 9 de Setembro de 2013, a Procuradora-Geral da República ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF n° 291 -, na qual questiona a constitucionalidade do art. 235 do CPM, com argumento de este criminalizar a prática de ato libidinoso homossexual no Brasil, o que resultaria na ofensa aos princípios da isonomia, da liberdade, da dignidade da pessoa humana, da pluralidade e do direito à privacidade, o que, portanto, o tornaria incompatível com a Lei Fundamental. Entretanto, em equívoca interpretação, a mencionada ADPF argumenta que o presente tipo penal militar estaria estático no tempo por conter resquícios de uma época em que a homossexualidade era vislumbrada como “prática imoral, socialmente indesejável e atentatória contra os bons costumes”4, haja vista que imperava no Brasil a Ditadura Militar, onde foram concebidas normas de política autoritária, que podem ser, portanto extraídas dos termos “pederastia e homossexuais ou não”5 contidos no texto do artigo em questão. Sustenta, ainda, a Procuradora Geral da República em exercício, Dra. Helenita Caiado, que sendo a maioria dos integrantes das Forças Militares do sexo masculino, resta por evidente à discriminação, de modo que a simples retirada das expressões “pederastia” e “homossexual” não basta para suprimir o caráter inconstitucional da norma, pois em tese, inócua seria essa por não alcançar os heterossexuais. Por fim, pontifica também a Procuradoria-Geral da República, que o aludido preceito normativo teria o escopo de limitar a liberdade sexual de alguns indivíduos, ao defender que este restringe a admissão de homossexuais nas Forças Militares. Ademais, a Procuradoria sustenta a tese de não ser legítima a criminalização da prática sexual consciente e consentida de duas pessoas. Consoante a isto, consta na exordial da ADPF que somente “se poderia punir é o assédio sexual, visto que é o ato que tenta impor a sexualidade de um sobre o outro, sem seu consentimento”6. Razões essas que resultaram na propositura da ADPF n° 291, cujo pedido é o não recebimento do dispositivo pela Constituição Federal de 1988. Ainda, cabe acentuar que compõe a ADPF o requerimento de medida cautelar para obstar os efeitos da norma até que o STF realize o julgamento de mérito da arguição. Diante do exposto, concentra-se o principal questionamento da ADPF n° 291, que o caráter discriminatório do texto legal apresentase no emprego da locução “homossexual”, e no termo “pederastia” como nomen iuris. O art. 235 do CPM, que se acha no Capítulo VII – Dos Crimes Sexuais, estabelece como crime a seguinte conduta: Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar: Pena - detenção, de seis meses a um ano. Sobre a redação da norma, sublinha-se que esta busca punir os militares que, estando em localidades subordinadas à administração militar, pratiquem atos tidos como libidinosos. Nas palavras de Archimedes Marques (2010), ato libidinoso é: Todos os atos que implicam contato da boca com o pênis, com a vagina, com os seios ou com o ânus, os que implicam manipulação erótica através das mãos ou dedos nestes mesmos órgãos pelo respectivo parceiro, os que implicam introdução do pênis no ânus ou no contato do pênis com os seios, e os que implicam masturbação mútua.
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Em síntese, ato libidinoso é toda atividade que tenham o intuito de produzir satisfação sexual ou incentivos aos prazeres do sexo. Assim, notório é que a prática de ato libidinoso cometido na esfera administrativa militar viola os pilares dessa administração, onde deve prosperar a ética e a rigidez do regulamento. O presente artigo, quando introduz em seu texto a expressão “lugar sujeito à Administração Militar”, evidência o critério ratione loci, que está associado ao conceito de crime militar. Tal critério leva em conta o local onde a conduta típica foi realizada, que será fator determinante para a configuração de um crime militar, seja ele próprio ou impróprio, como testifica o artigo 9°, inciso II, alínea “b” do Código Penal Militar: Art.9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (...) II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: (...) b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; (Grifo nosso) Entretanto, nos termos do artigo 235 do Código Penal Militar, o critério ratione loci constitui uma condicionante do tipo penal militar, de forma que somente poderá ser invocado o referido artigo quando a prática de ato libidinoso se der em estabelecimentos militares ou extensões deste. Na concepção de Jorge Alberto Romeiro (2008, p.135), lugar sujeito à Administração Militar é todo o espaço físico destinado, imprescindivelmente, para o desenvolvimento das atividades das Forças Militares. A título de exemplo podem-se listar, como os mais corriqueiros e, portanto de maior notoriedade: os quartéis; aeronaves; navios militares, tão como os navios mercantes em serviço dessas instituições; as viaturas, ônibus, camburões militares; as penitenciarias; fortalezas; os campos de prova ou de treinamento, incluindo os estabelecimentos de ensino militar etc. Exclui-se desse juízo, em consideração ao Princípio da Inviolabilidade do Domicilio, os bens imóveis de domínio da administração militar cedidos aos militares com o propósito de servir como moradia a estes, como designa a jurisprudência do Superior Tribunal Militar: EMENTA: CRIME PRATICADO POR MILITAR EM RESIDENCIA LOCALIZADA EM PREDIO SOB ADMINISTRAÇÃO MILITAR. INCOMPETENCIA DA JUSTIÇA MILITAR. LOCAL SUJEITO A ADMINISTRAÇÃO MILITAR NÃO INCLUI O INTERIOR DO APARTAMENTO ONDE RESIDE O MILITAR COM SUA FAMILIA, EM FACE DO PRECEITO CONSTITUCIONAL QUE ASSEGURA A INVIOLABILIDADE DO LAR - ART. QUINTO XI DA CONSTITUIÇÃO Desavenças conjugais terminando em agressões físicas do marido (oficial) a esposa não descaracterizam o lar como bem particularmente tutelado pela constituição federal. Conflito negativo de competência entre tribunal superior e juiz federal. Remessa dos autos ao excelso pretório em razão do art. 27 parágrafo primeiro das disposições transitórias da constituição federal em vigor, combinado com o art. 119, inciso i letra ‘e’, da carta de 1967. iv- decisão unânime.7 (Grifo nosso) Lugar sujeito à administração militar é, portanto os locais onde imperam, de forma notória, as normas e regulamentos militares e predomina a estrutura hierárquica militar. Nesse sentido, a finalidade do dispositivo não é criminalizar a homossexualidade em si, e sim regulamentar a decência e o pudor dentro de espaço subordinado à administração militar, independen-
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temente das preferências sexuais daqueles que se subordinam aos seus dogmas. Assim sendo, absolutamente ninguém, nem mesmo o mais elevado superior hierárquico das Forças Militares – Federal e Estadual -, possui liberdade sexual para praticar atos impudicos nas dependências subordinadas à administração militar. Nota-se, desta forma, que embora o tipo penal tenha como título a expressão “pederastia”, esse repudia na verdade a prática de ato libidinoso, este que, por se tratar de um conceito genérico, alcança também a pederastia, uma vez considerando que esta expressão é utilizada com conotação de prática sexual entre homens. Afirma Guilherme de Souza Nucci (2013; p.319), que a conduta típica do art. 325 do CPM, é “a prática de qualquer ato libidinoso (ato capaz de gerar prazer sexual) nas mais variadas formas (conjunção carnal, coito anal, felação, beijo lascivo etc.)”. Em consonância, temos que atualmente a 1° Turma do STF, no dia 23.09.2013, negou pedido de habeas corpus (HC 82.760) em favor de militar condenado pela prática de atos libidinosos nos recintos da administração castrense, com seu superior, onde o relator, Carlos Ayres Brito, afirmou que o art. 235 do CPM “visa coibir a prática de qualquer ato libidinoso, homossexual, ou não, nas dependências militares. Com isso, a lei busca resguardar, sobretudo, a ordem disciplina castrense, e não a inclinar determinada opção sexual[...]” Concatenado a isso, esclarece-se que o crime de pederastia alcança toda e qualquer pessoa que, dentro das Instituições Militares, pratique ato impudico, seja ela homossexual ou heterossexual, homem ou mulher. Infere-se que, como já supracitado, a palavra “pederastia” vem sendo empregada como a realização de atos sexuais que envolvam pessoas do mesmo sexo, o que não se concebe na presente norma e, portanto, justifica a intensa discussão quanto a sua constitucionalidade. Insta salientar que a própria composição do dispositivo abarca os heterossexuais, vez que ao empregar o termo “ou não”, após referir-se aos homossexuais, implica, automaticamente, que a prática de atos lascivos por oficiais castrenses em lugares sujeitos a administração pública deverão ser punidos, independentemente do sexo ou da orientação sexual dos envolvidos. Além disso, deve-se ressaltar, como apontada pela própria ADPF n° 291, que a norma em apreciação foi elaborada no contexto histórico do regime de exceção instaurado em 1964, e que, portanto, não se vislumbrava a possibilidade de mulheres ingressarem nos Órgãos Militares - situação essa que somente veio a ser alterada a partir de 1996, ou seja, 32 anos após a criação do art. 235 do CPM. Isto demonstra, por óbvio, que, na época de sua concepção, a incidência desta infração penal abarcaria, na maioria dos casos, atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo (masculino). O argumento segundo o qual o objetivo do dispositivo seria restringir a liberdade sexual configura evidente equívoco por parte da Procuradoria, pois, conforme dados levantados pelo Ministério da Defesa Nacional, em Setembro de 2013, as Forças Armadas Brasileiras possuem pelo menos 30 militares homossexuais – gays e lésbicas – com cônjuges reconhecidos como dependentes por estas corporações, o que assegura a estes o acesso ao sistema de saúde, de moradia e previdência própria dos militares8. Cabe reportar que o Exército encontra-se atualmente em processo de adequação de seu conjunto normativo interno, de modo a equiparar todos os direitos outorgados aos casais heterossexuais, sobre matéria de inserção de dependentes, aos casais homossexuais. Tais mudanças já foram realizadas na Marinha, desde Outubro de 20119, após o STF reconhecer a união estável de homossexuais, e, por conseguinte, estendendo a estes os mesmo benefícios de uma união estável de casais de sexo oposto. Em que pese não estar con-
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cluída a ampliação dos direitos de inclusão dos dependentes aos casais homossexuais, o Exercito garante desde já os pedidos realizados administrativamente, para a concessão do reconhecimento. Em relação à criminalização de atos contra a vontade, deve-se acentuar que o Código Penal já capitula em seu art. 216-A10 - crime de assédio sexual -, a punição desta conduta, que, no entanto, não promove a penalização por utilização de recintos da administração militar para satisfazer os prazeres carnais, qual seja, a destinação reservada para o art. 235 do Código Pena Militar. Portanto, tratam-se de condutas ilícitas distintas, com o fim de coibir práticas diversas entre elas. Cumpre destacar que, antes mesmo da interposição da ADPF n° 291, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal já debateu sobre a questão da inviolabilidade ao direito à intimidade, quando do julgamento de um Habeas Corpus (HC 79.285-RJ), que originou no seguinte informativo: O art. 235 do CPM (“Praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar.”) não ofende a inviolabilidade do direito à intimidade prevista no art. 5º, X, da CF, uma vez que esta garantia não tem caráter absoluto. Com esse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus - impetrado em favor de militar condenado pela prática de atos libidinosos, em serviço, com um menor de 18 anos nas dependências de quartel -, na parte em que se pretendia a declaração de inconstitucionalidade da referida norma em face do art. 5º, X, da CF. A Turma considerou que este crime tem por finalidade resguardar a disciplina das Forças Armadas (CF, art. 142) […]11 (Grifo nosso) Importa acrescentar, ainda, que o Senado Federal12, julgou pelo não cabimento da medida cautelar que consta em seu bojo, para fins de suspensão da eficácia do artigo 235 do Código Penal Militar enquanto não julgado em definitivo pelo STF o mérito da arguição. Outrossim, temos que, na época em que foi proposta a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de n° 291, quem ocupava o cargo de Procuradora-Geral da República era Helenita Caiado de Acioli. No entanto, atualmente quem exerce a função de Procurador-Geral da República é Rodrigo Janot Monteiro de Barros, que também já se manifestou acerca do assunto em parecer encaminhado ao STF, no dia o dia 02 de Abril de 2014, no qual se posicionou pela improcedência da ADPF n° 291. Nos termos do parecer, o Procurador se opõe a tese de conter elementos de discrímen na dicção do artigo impugnado, aduzindo que as premissas da ADPF n° 291 configuram evidente deslize, pois inexiste correlação entre a prática do ato e a orientação sexual. Afirma o Procurador-Geral da República que, na verdade, esse nexo pode ser constatado entre a ilicitude do ato e o local em que ele se consuma. Além disso, reconhece que, por se tratar a presente norma de um crime propriamente militar, que almeja resguardar preceitos fundamentais à estrutura militar, é possível enxergar sua harmonia face ao peculiar sistema jurídico a que se submetem os servidores castrenses. Razões estas pelas quais entende o atual Procurador-Geral não ser inconstitucional a norma em questão. Arremata-se, portanto, que a presente norma, trata-se tão somente de um preceito mínimo de dignidade, ética e civilidade. Pois a execução das atividades interligadas às Forças Militares estão pautadas em um complexo de normas – leis e regulamentos – atinentes à natureza do serviço, e em razão disto, anseiam conservar a reverência das Corporações Castrenses, como também, a reputação da classe profissional. Nesse viés, entende-se que o disposto no art. 235 do CPM, que procura proibir que, nas instalações militares, sejam praticados atos de incentivo ao prazer sexual, pretendeu apenas assegu-
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rar os cânones da hierarquia e disciplina inerentes às instituições militares, onde devem reinar a dignidade militar, a impetuosa dedicação ao pudor da classe e os bons costumes. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Não se pode olvidar que as forças militares, com o designo de impulsionar o Estado Democrático de Direito, possui o relevante compromisso de tutelar a Ordem Nacional e os princípios e garantias fundamentais. Deste modo, em virtude da essencial natureza protetiva e índole patriota das instituições militares, a Constituição Federal as reveste de um caráter especial, visto que suas atuações deverão estar sempre moldadas sob os preceitos da hierarquia e da disciplina militar. Em decorrência disso, a fim de se resguardas tais princípios, as forças militares sujeitam-se a normas e regulamentos próprios. No entanto, muitas dessas legislações militares são desconhecidas pelos aplicadores do direito, pois, lamentavelmente, encontra-se a disciplina do Direito Militar afastada das grades curriculares de instituições de ensino do Brasil, o que consequentemente o torna objeto de inúmeras críticas e equívocos. Nesse contexto, encontra-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF - n° 291, cuja pretensão é a declaração da não recepção do artigo 235 do Código Penal Militar, comumente denominado de crime de Pederastia, pela Constituição Federal de 1988. Tendo-se em vista os argumentos apresentados no decorrer deste trabalho, conclui-se que a infração prevista no artigo 235 do Código Penal Militar é classificada como crime propriamente militar, cuja finalidade esta diretamente coligada à preservação da disciplina e da dedicação respeitosa à pátria, que são inerentes aos deveres das tropas castrenses. Todavia, para que possível seja enxergar a natureza e o intuito desse dispositivo, faz-se imprescindível conhecer mais a fundo os mandamentos e valores militares, tão como, compreender o renomado papel exercido por pelas Forças Militares perante a sociedade brasileira. Infelizmente, o direito penal militar é pouco estudado, e não raras são as vezes que seus preceitos sofrem errôneas interpretações e acabam sendo alvos de extensa repercussão na esfera jurídica. O crime de pederastia é claro exemplo disso, afinal constitui regra de cunho constitucional e relevante ao zelo da disciplina castrense, mas, entretanto foi reputado como inconstitucional, por ter sido objeto de apreciação parcial e equivocada, já que a Procuradora-Geral da República não se ateve à real finalidade da norma. Concebe-se que a Justiça Militar, por contemplar particularidades quanto ao direito penal comum, requer que o operador do direito seja mais cuidadoso ao analisar e trabalhar com a legislação castrense. Pois, por se tratar de uma jurisdição especializada, todo ordenamento militar é calcado sobre os cânones da hierarquia e da disciplina, que compreendem valores de extrema relevância para se alcançar a correta acepção de suas normas. Deste modo, faz-se mister o estudo pormenorizado da Justiça Militar quanto a sua legislação penal, como também processual, afinal, a razão de ser dessa Justiça, funda-se na preservação dos princípios intrínseco presentes nas suas funções militares. Ainda, depreende-se que as Faculdades de Direito devem se ater a importância substancial que recai sobre este ramo da ciência jurídica, no que diz respeito à formação acadêmica do bacharel em Direito, devendo, portanto incluí-lo como disciplina obrigatória na graduação do curso, como já acontece com os ramos jurídicos referentes às demais Justiças Especializadas. Além disso, torna-se imprescindível o estudo do Direito Militar, para que este possa estar sempre em consonância com os anseios sociais, pois a modernização da sociedade impõe constantes mudanças nas leis, em sentido amplo. Nesses termos, por ser tão mal estudado o Direito Militar, este acaba ficando defasado em relação à sociedade. Atualmente, há penas previstas no direito penal
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militar que são inferiores aos crimes previstos no direito penal comum, o que é um contrassenso, afinal de contas, os crimes militares – próprios e impróprios – velam pelos reputados princípios da hierarquia e disciplina, e por esta razão deveriam prever penas mais elevadas que as abarcadas pelo Código Penal. Destarte, evidencia-se que a legislação castrense não recebe a devida atenção que faz jus. Por fim, considerando-se as peculiaridades inerentes a legislação castrense, cumpre enaltecer o importante papel que recai sobre a Justiça Militar, haja vista a necessidade de se existir uma Justiça Especializada para apreciar e julgar as demandas militares. Somente uma Justiça composta por magistrados que possuam amplo conhecimento e domínio dos princípios e das normas particulares que se impõem às Forças Militares pode reduzir as chances de aplicações desvirtuadas de seus dogmas, bem como consolidar, no transcorrer do cumprimento do munus público castrense, os preceitos constitucionais da hierarquia e da disciplina militares.
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NOTAS DE FIM 1 Acadêmica do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton. 2 Doutor (2014), Mestre (2009) e Graduado (2005) em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do Centro Universitário Newton Paiva e do Centro Universitário UNA. Advogado criminalista. 3 Forças Armadas no âmbito Federal – Marinha, Aeronáutica e Exército – e Forças Auxiliares no âmbito Estadual – Policia Militar e Corpo de Bombeiro Militar, nos termos do art. 144 da Constituição Federal.
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4 Ministério Público Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de n° 291 - Procuradora-Geral da República. 9 de Setembro de 2013. Pág: 6. 5 Art. 235 do CPM - Praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar: Pena detenção, de seis meses a um ano. 6 Ministério Público Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de n° 291 - Procuradora-Geral da República. 9 de Setembro de 2013. Pág: 17. 7 Superior Tribunal Militar. Julgamento de Recurso em Sentido Estrito 1989.01.005859-7 Relator Ministro Raphael de Azevedo Branco. 02 de Março de 1989. 8 Forças Armadas têm 30 militares homossexuais reconhecidos. Globo – G. 28 de Setembro de 2013. Disponível em <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/09/forcas-armadas-ja-contam-com-30-militares-homossexuais-reconhecidos.html> Acesso em: 29 de Março de 2014. 9 Forças Armadas têm 30 militares homossexuais reconhecidos. Globo – G. 28 de Setembro de 2013. Disponível em <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/09/forcas-armadas-ja-contam-com-30-militares-homossexuais-reconhecidos.html> Acesso em: 29 de Março de 2014. 10 Art. 216-A, CP: Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função: Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. 11 Supremo Tribunal Federal. Julgamento de Habeas Corpus - 79.285-RJ, Relator Ministro Moreira Alves, em 31 de Agosto de 1999. 12 Ministério Público Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de n° 291. Brasília: 02 de Abril de 2014. Pág: 4. 13 Marcelo Sarsur Lucas da Silva; Renato Machado.
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A TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL Christiane Silva Rabelo1 Daniela Lage Mejia Zapata2 Banca Examinadora 3
Resumo: o objetivo do presente estudo é discorrer sobre a terceirização trabalhista no Brasil. Para isso, irá analisar a evolução histórica normativa e jurisprudencial da terceirização. Além disso, o trabalho se propõe a examinar a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho juntamente com o Projeto de Lei 4.330/04, em trâmite no Congresso Nacional, que tem como finalidade normatizar a terceirização. O proposito maior deste trabalho é demonstrar a falta de uma norma regulamentadora em relação à terceirização trabalhista. Palavras-chave: terceirização; flexibilização; projeto de lei 4330. Sumário: 1. Introdução; 2. O direito do trabalho no Brasil; 2.1 Evolução e aspectos históricos; 3. A terceirização como forma de flexibilização; 3.1 Aspectos gerais; 3.2 Terceirização no Brasil; 3.3 Falta de regulamentação heterônoma; 4. Análise do Projeto de Lei 4.330/04; 4.1 Aspectos controvertidos; 5. Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem como escopo examinar a terceirização trabalhista no Brasil, fazendo uma retrospectiva do direito do trabalho bem como as normas destinadas a regulamentação da mesma. A evolução do Direito do Trabalho no Brasil teve como início a Lei Áurea, que estimulou o aumento da relação de emprego. Devido às várias necessidades das empresas em busca de uma eficácia na produção, permitiu que os direitos dos trabalhadores acabassem sendo flexibilizados, e foi assim, que surgiu a terceirização. A terceirização é a delegação de serviços não essências a outra empresa, cuja finalidade é reduzir gastos e concentrar na atividade-fim. No Brasil, desde seu advento na década de 1950, tem sido utilizada pelas empresas como forma de fraude para o pagamento dos encargos trabalhistas. Essa situação agravou-se ainda mais pela falta de uma lei regulamentadora que pudesse controlar o crescimento da terceirização. O Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 331 que hoje serve de parâmetro para reger a terceirização, devido ser bastante utilizada pelas empresas e não se ter uma norma. Todavia, não deve se delegar a uma súmula a regulamentação de um direito uma vez que, é uma criação jurisprudencial. Posteriormente buscou-se analisar o Projeto de Lei 4.330/04 que tramita no Congresso Nacional e preceitua sobre a contratação de serviços terceirizados. Destarte, foi realizado uma comparação entre o Projeto de Lei 4330/04 e a Súmula 331 Tribunal Superior do Trabalho, com a finalidade de demonstrar como a terceirização no Brasil está precária devido a falta de uma norma regulamentadora. 2 O DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 2.1 Evolução e aspectos históricos O Direito do Trabalho no Brasil teve como advento a Lei Áurea que estimulou a incorporação da relação de emprego. O Direito do Trabalho teve em seu processo três fases: a primeira chamada de manifestação incipiente ou esparsa, a segunda de institucionalização do direito do trabalho e por fim a crise e transição do direito do trabalho (DELGADO, 2012, p. 106; MIRAGLIA, 2008, p. 73). A primeira fase “manifestações incipientes ou esparsas” teve seu início com a promulgação da Lei Áurea e intercorreu de 1888 a 1930. Nesse período várias mudanças em relação ao direito do trabalho estavam acontecendo na Europa, entretanto, o Brasil por ainda possuir um vínculo forte com o sistema colonial não conseguia acompanhar. LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
Bem se nota que a primeira Constituição, em 1824, organizava o poder em quatro: Moderador, Legislativo, Executivo e Judiciário, mas era omissa quanto aos direitos sociais e a limitação em relação aos direitos individuais. Todavia, em 1830, houve uma grande colheita de café que o tornou o mais importante da exportação, elevando assim, a chance de um crescimento na industrialização. Porém, esse crescimento veio a ocorrer apenas no século XIX devido os resquícios de escravidão (MIRAGLIA, 2008, p. 75). Em 1888, quando a Princesa Isabel editou a Lei Áurea libertando todos os escravos, tinha-se esperança de que as leis trabalhistas fossem melhorar. Essa mudança era esperada com a promulgação da Constituição de 1891 que instituiu o Estado Federativo possibilitando a descentralização dos entes em relação à competência legislativa, mas mesmo com todas as mudanças a relação de emprego ainda era precária, pois a maior concentração encontrava-se nos campos devido à oligarquia cafeeira (MIRAGLIA, 2008, p. 75). A mão de obra nesta época era composta em sua maioria por imigrantes europeus, sendo que nos campos firmavam parcerias com os cafeicultores, enquanto na cidade as indústrias buscavam modernização (MIRAGLIA, 2008, p.77). A presença dos imigrantes possibilitou firmar o trabalho subordinado, o direito de greve e trazer para o Brasil as alterações ocorridas na Europa, e foi em meio a essa crescente mudança que se criou as associações (ligas operárias), para defender o aumento de salário e melhores condições de trabalho como a diminuição da jornada. Mas, esse movimento ainda não era organizado e não continha pressão (MIRAGLIA, 2008, p.78). O Primeiro Congresso Operário aconteceu em 1906, no qual surgiu o pensamento anarquista de resistência ao patrono, e é nessa linha que, em 1917, houve uma mobilização no Mooca, em São Paulo, para melhores condições de trabalho para acabar com as meias-forças (mulheres e crianças) as quais laboravam exaustivamente e em condições precárias usando o modelo dos operários na Europa (DELGADO, G., 2003, apud MIRAGLIA, 2008, p. 65) A exemplo destas leis esparsas tem-se: o Decreto de 1891 de número 1.313 que proibia o trabalho noturno do menor de 15 anos e jornada de sete horas; o Decreto 17.934-A, de 1927, que vedou o labor do menor de 12 anos; o Decreto 1.162, de 1890, que retirou do ilícito penal a greve. O Conselho Nacional do Trabalho adveio do Decreto 19.027, em 1923, sendo que neste mesmo ano surgiu
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a Lei Elói Chaves que garantiu a estabilidade dos ferroviários e por fim, o Código Civil de 1916 que permitia a locação de mão de obra (MIRAGLIA, 2008, p. 79). A segunda fase, intitulada institucionalização ou oficialização do Direito do Trabalho, ocorreu na Revolução de 1930 até a promulgação da Constituição da República em 1988 (MIRAGLIA, 2008). Essa fase se deu início na Era Vargas, com o intuito de apenas organizar o mercado de trabalho em função da expansão da indústria e conter os movimentos sociais que surgiram no país. É imperioso ressaltar que, com o fim da Primeira Guerra, aconteceram mudanças nos governos internacionais e no Brasil não foi diferente. A Constituição de 1934 implantou o pluralismo sindical, a liberdade de associação proporcionou várias melhorias como a proibição do trabalho do menor de 14 anos criando o repouso semanal remunerado. A Era Vargas foi marcada por uma intervenção e fiscalização dos operários para suprimir qualquer movimento que pudesse ir contra os interesses do Estado (MIRAGLIA, 2008). Consoante a Constituição de 1937 que adotou o corporativismo, legitimou o Estado Novo, pôs fim à pluralidade sindical e criou o sindicato representativo único por ente federativo, proibiu a greve, previa um sistema de solução de conflitos trabalhistas com a criação da Justiça do Trabalho, regulada em 1939, entretanto, apesar dessas restrições era uma Constituição que visava a proteção à família, à velhice, os direitos fundamentais de segunda geração (MIRAGLIA, 2008). O marco para a legislação trabalhista foi a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, trazendo benéficos aos trabalhadores, mas trazendo para o Estado um controle com o fim de combater o movimento operário. Após o fim da Era Vargas, foi promulgada a Constituição de 1946 que proporcionou uma reestruturação da democracia, ampliou os direitos sociais, legitimou a atuação dos sindicatos e possibilitou a participação dos lucros e rendimentos (MIRAGLIA, 2008, p. 88). Entretanto, a Constituição de 1946 ainda possuía pensamentos da ditadura vivida pelo regime anterior, e foi abalada pelo golpe de 1964 que perdurou por 24 anos. Getúlio Vargas voltou a governar em 1951 e seu governo ajudou na acessão da industrialização com a criação da Petrobrás, Eletrobrás e o Banco Nacional e Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No entanto, a inflação era exorbitante, o que ocasionou greves devido ao aumento do custo de vida (MIRAGLIA, 2008, p. 89). Em 1956, o Presidente Juscelino Kubitschek, com a promessa de fazer 50 anos em cinco, ampliou a produção industrial brasileira e abriu o capital para os estrangeiros. Esse progresso foi considerado como o “Milagre Brasileiro”. Vale ressaltar que esse processo vivido pelo Brasil de redemocratização manteve o modelo justrabalhista. Em 1964 toda a construção de democracia deu lugar à ditadura militar. A Constituição passou a ser modificada com vários atos institucionais e, em 1967, houve a promulgação de uma nova Constituição que passou a vigorara partir de 1969, por meio do Ato Institucional n° 5 (AI-5). Entre várias mudanças destaca-se a retrocessão das leis trabalhistas, uma vez que foi mantida a legislação trabalhista de 1930. Durante o Regime Militar o Brasil viveu uma crescente mudança dos direitos trabalhistas. Nesse período houve a primeira flexibilização das leis trabalhistas com a perda da estabilidade do empregado, que facultava a adoção do sistema de Fundo de Garantia (FGTS). E a última, veio a se restabelecer em 1985, quando se elaborou uma nova Constituição promulgada em 1988 com foco para os Direitos Sociais e para o Direito do Trabalho. Essa fase foi denominada de crise e transição. Apesar das variações da Constituição de 1988, em alguns pontos demonstra-se autoritária.
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Vale ressaltar que esta fase perdura até hoje, pois busca a realização da justiça social, a valorização da mão de obra culminada com a dignidade da pessoa humana. 3 A TERCEIRIZAÇÃO COMO FORMA DE FLEXIBILIZAÇÃO 3.1 Aspectos gerais O direito brasileiro está constantemente sendo adaptado para o contexto histórico da época, por consequência vivenciando assim, grandes mudanças em suas normas. No entendimento de Álvares (2002, p.53) “a adaptação foi uma constante das relações de trabalho, que sempre se ajustou às novas necessidades econômicas e sociais”. No Brasil, principalmente com o advento da Constituição Federal de 1988 as normas sofreram flexibilizações, uma vez que, houve o rompimento da imperatividade das normas trabalhistas com a redução dos direitos sociais. A primeira regra flexibilizatória veio com a Lei 5.107 de 1966, que instituiu o FGTS com o propósito de sub-rogar a estabilidade que os empregados tinham nas empresas privadas. Com o FGTS o empregador tem a faculdade de dispensar o empregado sem justificar a sua saída, e por outro lado, criou uma rotatividade da mão e obra, possibilitando que outras pessoas pudessem trabalhar (BRASIL, 1966). A negociação coletiva é um exemplo de flexibilização dos direitos indisponíveis, com a finalidade de promover a proteção ao empregado por meio dos sindicatos. O artigo 7°, CR/88 prevê alguns casos que pode haver a flexibilização do princípio da irredutibilidade salarial, da forma de pagamento das horas extras (BRASIL, 1988). Em análise de algumas normas que foram flexibilizadas podemos concluir que em muitos casos o único fim é a valorização dos interesses do capital, pois restringe princípios e normas asseguradoras do empregado. A terceirização por ter surgido em face de aumentar a competitividade e diminuir os preços dos produtos torna-se uma norma flexibilizatória, pois restringe alguns princípios e direitos já conquistados dos obreiros. 3.2 Terceirização no Brasil A contratação de mão de obra barata, a corrida pelo lucro e a competitividade entre as indústrias acabaram por incentivar a flexibilização das normas trabalhistas. E foi em meio a essa incessante corrida pelo lucro que surgiu a terceirização trabalhista como forma de aliviar os encargos trabalhistas com a formação da relação de emprego. A terceirização trabalhista baseia-se no modelo Toyotista, pois visa encurtar a sua estrutura com os serviços não essenciais e concentrar naquele que é sua atividade fim. Nesse sistema as empresas buscam uma mão de obra mais barata sem precisar se preocupar com os encargos trabalhistas que lhe eram impostos. Como exemplo tem-se a Nike e a Martel que terceirizaram a sua mão de obra em países subdesenvolvidos em busca de maior lucro (MIRAGLIA, 2008, p. 65 e 115). Este modelo foi criado com o único intuito de aumentar a competitividade e baratear os preços dos produtos. Ocorre que, as empresas não tiveram os resultados esperados e os trabalhadores tiveram seus direitos massacrados. E foi em meio a essas mudanças que o Brasil adotou a terceirização, mesmo em 1990 quando era o terceiro país com o maior índice de desemprego do mundo (MIRAGLIA, 2008, p. 116). A terceirização por mitigar os direitos dos trabalhadores, sofreu forte resistência do movimento trabalhista, nos os países europeus, com o fim de proteger a educação, a valorização da mão de obra. Sendo autorizada apenas em casos extremos como o desenvolvimento do país (MIRAGLIA, 2008, p. 116).
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A terceirização no Brasil, por não dispor de uma norma regulamentadora, acabou por ter um crescimento desorganizado, gerando assim varias fraudes, como exemplo, o de eximir o empregador dos encargos trabalhistas. A Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 não tratava sobre o instituto da terceirização, sendo somente matéria de uma lei em 1960. Entretanto, segundo Delgado (data) os artigos 455 e 652 III, ambos da CLT, que tratam da contratação de subempreitada e pequena empreitada entrariam dentro do tema da terceirização (MIRAGLIA, 2008, p. 143). Apesar dessa discussão doutrinária as primeiras legislações a respeito da terceirização se deram por meio dos Decretos-Lei 1.212 e 1.216 de 1966 que regulamentavam os serviços bancários. Depois foi editado o Decreto-Lei 756 que dispunha sobre as empresas de intermediação de mão de obra. Em 1969 emergiu o Decreto-Lei 1.034 que estabeleceu as medidas de seguranças para funcionamento de empresa de segurança bancária. Porém esses Decretos regulavam apenas casos específicos dos bancários (MIRAGLIA, 2008, p. 143). Em 1967, foi publicado o Decreto-Lei n° 200 que dispunha sobre a terceirização na Administração Pública e em 1970 foi criada a Lei 5.645 que regula a execução neste âmbito. No direito privado, em 1974,foi regulamentado o contrato de trabalho temporário com a Lei n° 6.019 e apenas em 1983 por meio da Lei n° 7.102 foi normatizada a vigilância bancária e o transporte de valores (MIRAGLIA, 2008, p.143). No Brasil a terceirização só era autorizada nos casos do setor financeiro, todavia devido a um crescimento da economia privada em 1994 e 1995 as Leis 8.863/94 e 9.017/95 permitiram a prestação de serviços em vigilância patrimonial de pessoas físicas ou jurídicas e transporte de qualquer natureza. Em 1994 também foi publicada a Lei n° 8.949 que inseriu no artigo 442 da CLT o seu parágrafo único (BRASIL, 1994a, b; 1995). Paralelamente as estas leis esparsas o Tribunal Superior do Trabalho editou algumas súmulas a fim de dirimir as divergências jurisprudenciais acerca do tema. A primeira, Súmula 239 de 1985, tinha como objetivo prevenir a fraude bancária. Em 1986 editou-se a Súmula 256 a qual tinha um rol taxativo sobre quais áreas poderiam ser terceirizadas. Entretanto, sua edição causou um choque para o setor privado e foi em meio a esse impacto que o Tribunal Superior do Trabalho reexaminou a Súmula 256 e em 1993 editou a Súmula 331 a qual preenche a lacuna existente a respeito deste tema (MIRAGLIA, 2008, p.143). No entendimento de Delgado (2012, p.435) o neologismo da terceirização visa à descentralização da atividade da empresa para outra; “é um fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente”, ou seja, deve ser aplicado para a atividade-meio e não a atividade-fim a que se destina a empresa. Segundo Leite (2013, p. 272): Terceirização, para nós, é um procedimento adotado por uma empresa que, no intuito de reduzir custos, aumentar a sua lucratividade e, em consequência, sua competitividade no mercado, contrata uma outra empresa que, possuindo pessoal próprio, passará a prestar aqueles serviços que seriam realizados normalmente pelos seus empregados. Entretanto, esse método Toyotista veio sendo usado de forma desgovernada para burlar as leis trabalhistas, e foi em meio a esse cenário que surgiu a Súmula 331 TST para tentar suprir a lacuna criada durante os anos pela falta de uma norma que realmente fosse eficaz para a terceirização em nosso país. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta
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é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.(http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html) A supra súmula veda a mediação de mão-de-obra em determinado empreendimento, evitando assim a marchandage, fenômeno definido por Castro (2013) como “existência de mero intermediário que, sem assumir os riscos da atividade econômica, interpõe-se entre o trabalhador e a empresa contratante”. Ao analisar a Súmula, observamos a terceirização lícita que se caracteriza por quatro situações: a primeira que permite o trabalho temporário, a segunda a possibilidade de terceirização em atividade de vigilância, terceiro as atividades de conservação e limpeza e por fim, serviços especializados ligados à atividade-meio da empresa. Afere-se desses grupos que a terceirização fora blindada para evitar a fraude, deixando bem claro que o obreiro e a tomadora possuem apenas três vínculos: onerosidade, pessoa física e não-eventualidade. Em relação aos outros elementos da relação de emprego, pessoalidade e subordinação, não é permitido uma vez que estaria configurando a ilicitude da terceirização. Ocorre que, muitas vezes esses elementos acima são desrespeitados, configurando a ilicitude que se constrói pela subordinação, pois o empregado terceirizado muitas vezes é subordinado ao empregador, ou seja, “ao tomador de serviços, não é permitido o exercício do poder de direção ou do poder disciplinar sobre os trabalhadores terceirizados” (MIRAGLIA, 2008). Além disso, mesmo a terceirização lícita causa prejuízos, pois o trabalhador terceirizado labora para que o tomador de serviços explore sua mão- de-obra para obter lucros, ferindo assim o disposto no artigo 9° da Consolidação das Leis do Trabalho “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”, uma vez que, prejudica a aplicação dos princípios do direito do trabalho. Assim, podemos concluir que a terceirização mesmo na modalidade lícita pode prejudicar o trabalhador.
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Segundo Amorim (2013): Além desse patamar mínimo, a terceirização constitui excesso que somente atende aos interesses expansionistas da livre iniciativa, violando de forma desproporcional aqueles outros valores constitucionais de idêntica magnitude. A terceirização lícita de acordo com a súmula pode ser dividida em “para dentro da empresa” e “para fora da empresa”. O primeiro trata-se da prestação de serviços não essenciais à atividade-fim da tomadora e a última ocorre quando tem-se a prestação de serviços por uma terceira em bens ou atividades necessárias para a realização da atividade-fim da tomadora (DELGADO, 2003 apud MIRAGLIA, 2008). Assim, podemos concluir que a terceirização mesmo na modalidade lícita por ser prejudicial ao empregado terceirizado, pois reduzir direitos, e também que a atual regulamentação da terceirização é a Súmula 331 TST. 3.3 Falta de regulamentação heterônoma A terceirização é uma realidade no Brasil que vem de longos anos e até hoje não tem uma norma que venha fixar seus parâmetros, e foi em meio a esse cenário que o Tribunal Superior do Trabalho, por meio de jurisprudências, sumulou as regras acerca da mão de obra terceirizada. O Tribunal Superior do Trabalho ao editar a Súmula 331, que atualmente rege a terceirização no Brasil, acabou por “legislar”, ferindo assim, preceito constitucional, pois não é órgão competente para legislar. Afere-se que o Poder Judiciário- Justiça do Trabalho, esta ferindo o princípio da separação de poderes que estabelece que a sua função típica é julgar aplicando as leis no caso concreto, já a função típica do Poder Legislativo é elaborar leis e fiscalizar. Nesse entendimento de ÁLVARES (2002, p. 44): Também não cabe à jurisprudência fixar conceitos de atividades-meio e atividades-fim, pois não é o Judiciário, mas sim as empresas, gerentes de empresas, mas órgão judicante, a quem cabe tão-só resolver conflitos e não estabelecer conceitos gerenciais de fim e meio para um atividade, da qual não é participante. Ao analisarmos a Súmula 331 TST, percebemos que além de invadir o campo do legislador regula uma matéria que deveria ter passado pelo processo legislativo e fixa parâmetros acerca do que seria uma atividade-fim. Assim, conclui-se que a Justiça do Trabalho não é competente para legislar e sim o Poder Legislativo, uma vez que, utilizou de uma Súmula para poder regular a questão da terceirização no Brasil. 4 Análise do Projeto de Lei 4.330/04 Com a crescente evolução da terceirização na década de noventa, foi apresentado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 4.302 que propunha a legalização da terceirização de mão de obra no trabalho temporário e na prestação de serviços, e também, a alteração de prazo nos contratos determinados de 90 para 180 dias. Entretanto, tal projeto foi retirado de pauta em 2003. Em 2004, Sandro Mabel apresentou o Projeto de Lei 4.330/04 na tentativa de regulamentar a terceirização. Em seu teor, a título de exemplo, há previsão de extensão da terceirização para a atividade fim da empresa, veda a utilização do terceirizado em atividade distinta da assinada no contrato, permite também, que o empregado seja contratado por outras empresas da área da terceirização. O Projeto tem como benefício para o trabalhador as garantias de segurança, durante o labor, e também, atendimento médico, ambulatorial e local apropriado para a refeição.
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Com relação à responsabilidade da tomadora (empresa contratante) é subsidiaria podendo haver ação de regresso. No caso da empresa prestadora de serviços a terceiros subcontratar outra, possibilidade esta que é a quarteirização, a responsabilidade é solidaria aos processos da subcontratada. O Projeto de Lei, também, aborda a terceirização no âmbito da Administração Pública, porém não é nosso foco. Ao estudar o Projeto percebemos que o mesmo afronta a Súmula n° 331 TST, pois tem dispositivos contrários a esta. Como exemplo, hoje é vedado à terceirização na atividade-fim, a qual será permitida caso o Projeto seja aprovado. Averiguando o histórico de precedentes no Brasil em relação a vínculos trabalhistas, percebemos que o Projeto de Lei 4.330/04 tem como finalidade regular a terceirização no Brasil que atualmente tem se baseado em uma construção jurisprudencial, porém em alguns pontos ao invés de trazer progresso, acaba por retrocedendo nos direitos trabalhistas. 4.1 Aspectos controvertidos A terceirização por ser um instrumento criado para ajudar as indústrias no aumento da produção e, consequentemente o lucro, não trouxe para o empregado desde a sua criação benefícios. Inúmeras tentativas de se regular a terceirização da melhor maneira, para não se ter direitos restringidos, foram irrelevantes. A Súmula 331 TST traz uma restrição à terceirização para evitar exploração dos empregados, permitida apenas na atividade-meio, e, como exceção, na atividade-fim somente na hipótese do trabalhador temporário regulamentado pela Lei 6019/74. Entretanto, o PL 4.330 pretende ampliar a terceirização para atividade-fim. O PL ao permitir que seja estendida para a atividade-fim estará dando ênfase aos princípios da livre iniciativa, da despedida arbitrária e do risco da atividade econômica em detrimento dos direitos fundamentais. Segundo Amorim (2013): O PL 4.330/2004-A propõe o abandono de toda essa construção jurisprudencial de pensamento, forjada e amadurecida no trato cotidiano dos conflitos decorrentes do trabalho terceirizado, trocando a cláusula conciliatória de interesses constitucionais por um modelo de livre mercado de serviços que reduz a função social da propriedade e somente satisfaz aos interesses expansionistas do capital. Caso seja aprovado, o mesmo afrontará também o princípio da isonomia em relação aos salários, uma vez que teremos dois empregados exercendo a mesma função, porém com salários diferentes, o que tem atualmente tem gerado várias ações trabalhistas, pois o trabalhador terceirizado que exerce a mesma função que um empregado contratado pela tomadora de serviços não possuem o mesmo salário. E o PL pretende estender a terceirização para a atividade-fim estaria gerando um conflito em relação a isonomia salarial. Segundo entendimento da Miraglia (2008, p. 185): Ao não se permitir a extensão do direito de isonomia salarial aos trabalhadores terceirizados, fere-se não apenas o mais importante pilar do Direito do Trabalho, qual seja, o princípio tuitivo, mas também o preceito constitucional que preceitua a não-discriminação, nos termos do art. 5, I e XLI da Constituição da República e 1988. O trabalhador terceirizado deverá receber o mesmo que o empregado contrato pela empresa, porém ambos são contratados por “empregadores” diferentes. Nesse aspecto temos um choque à equiparação salarial, pois como um trabalhador que exerce a mesma função não recebe o mesmo salário.
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Em relação à contratação o empregado terceirizado terá seus direitos reduzidos em relação ao empregado contratado diretamente com a tomadora, pois segundo o artigo 2 do projeto não existe vínculos entre eles. Delgado (2013), em uma sessão de julgamento da Anamatra, em 2013, delibera que a terceirização tem que ser restrita, pois restringe alguns direitos dos empregados. A terceirização, ao reverso do que o projeto faz, tem de ser restrita. O projeto teria de restringir a terceirização, pois ela já se tornou uma epidemia; epidemia restringe-se e se controla; ou seja, coloca-se o fenômeno dentro de margens de segurança, ao invés de se instigar a sua generalização. O PL não regulamenta, restringindo, a terceirização; ele, na verdade, desregulamenta, liberaliza, generaliza o fenômeno da terceirização. Nesse caso, teremos uma divergência, pois como o terceirizado exerce uma atividade-fim terá que se submeter ao tomador, estando assim presente os requisitos da relação de emprego. Ora, caso seja dispensado, o que poderá ocorrer sem qualquer motivo, estará esse empregado sem garantia nenhuma se o compararmos com o empregado contratado direto com a tomadora de serviços; observamos aqui uma tentativa de deixar nas mãos dos empresários os direitos dos trabalhadores. Outro ponto seria a aplicação de norma coletiva que, de acordo com Elaine D’Avila Coelho e Marilane Oliveira Teixeira (2013), há um com mais direitos e outro com menos direitos, pois o terceirizado iria pertencer a um sindicato distinto daquele do empregado contratado diretamente pelo tomador de serviços, gerando um conflito entre sindicatos, ferindo assim o princípio da dignidade da pessoa humana, pois estaria trazendo desigualdades. O projeto aponta que a responsabilidade é subsidiaria da tomadora, entretanto, por estar se admitindo a terceirização na atividade-fim a responsabilidade deveria ser solidária. Segundo Álvares (2002, p. 44) acredita que o tomador também deveria ser responsabilizado pelo empregado, pois foi por meio dele que a empresa auferiu renda aumentando assim seu patrimônio. Na sessão de julgamento da Anamatra, Delgado (2013) posicionou contra o Projeto de Lei, pois acredita que é uma retrocessão às leis trabalhista. Amorim (2013) tem o mesmo posicionamento, uma vez que a terceirização promove empregos precários e transitórios, uma rotatividade da mão-de-obra, além do tratamento desigual: O Projeto de Lei, ao permitir uma contratação atípica, atividadefim, com responsabilidade subsidiária, enseja à exploração do empregado terceirizado. Ou seja, como o empregado não tem um vínculo com a tomadora de serviços, conforme expresso texto do PL, mas exerce uma atividade-fim, o trabalhador estaria vulnerável a qualquer atitude abusiva de seu “empregado”, tomador de serviços. Nesse caso deveria ser aplicada a responsabilidade solidária, evitando assim, quaisquer meios de fraude a legislação trabalhista. Diante do exposto, conclui-se que o tratado projeto ao invés de trazer benefícios ao empregado está lhe trazendo prejuízos, pois reduz direitos em favor do lucro. 5 CONCLUSÃO O presente estudo teve como finalidade mostrar a evolução histórica da terceirização trabalhista no Brasil, com análise da Súmula 331 Tribunal Superior do Trabalho e do Projeto de Lei 4330/04. Pode-se concluir que, a falta de uma norma regulamentadora gera prejuízos aos empregados terceirizados, pois não possuem uma lei que os ampare. A terceirização durante muitos anos foi utilizada para fraudar a legislação trabalhista em prol do aumento da produção e lucro. Entretanto, seu propósito inicial, por mais que, reduzisse os direi-
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tos trabalhistas, era o de proporcionar mais rotatividade do mercado de trabalho, e também, das indústrias poderem concentrar em sua atividade-fim. Diante de um crescimento desenfreado e a ausência de uma norma que aborde sobre a terceirização, o Superior Tribunal do Trabalho editou a Súmula 331, que conforme já exposto é alvo de críticas, pois é uma criação jurisprudencial e pode ser alterada. O Projeto de Lei 4.330/04, apresentado pelo deputado Sandro Mabel, que encontra-se em trâmite no Congresso Nacional, tem como objetivo regular a terceirização. Entretanto, caso seja sancionado estará proporcionando aos terceirizados condições de salários inferiores, empregos precários devido à rotatividade, uma desvalorização do trabalho, permite a terceirização na atividade-fim, a responsabilidade é subsidiária, além de dificultar a ação de um sindicato. A terceirização proposta pelo projeto reduz direitos fundamentais dos trabalhadores, valoriza o capital, trazendo assim, uma limitação entre a proporção entre trabalho e capital. Conclui-se, que não se pode deixar a cargo de uma súmula a função de estabelecer quais os limites de uma contratação e quais seriam os parâmetros de uma atividade-fim e meio. Assim, o Brasil precisa de uma norma regulamentadora que venha de fato atender não apenas os desejos da empresa, como é o caso do Projeto de Lei, mas também, uma lei que observe os direitos fundamentais dos terceirizados.
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NOTAS DE FIM 1 Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 11.ed. São Paulo: LTr, 2012.
2 Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MINAS. Professora do Centro Universitário Newton Paiva. Advogada. Sócia do Bhering e Zapata Advocacia e Consultoria Trabalhista.
MIRAGLIA. Lívia Mendes Moreira. A terceirização trabalhista no Brasil. São Paulo:
³ Banca examinadora: Daniela Lage Mejia Zapata; Tatiana Roxo.
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O FRACIONAMENTO DO INTERVALO DE MOTORISTA DE TRANSPORTE COLETIVO: em face aos direitos à saúde e segurança dos trabalhadores Débora Campos Teixeira Scalioni1 Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo2 Banca Examinadora4 RESUMO: Embora positivado, a possibilidade de fracionamento do intervalo intrajornada gera discussão sobre os efeitos que sua aplicação pode causar, em se tratando de motoristas de transporte coletivos urbanos, tais efeitos podem ser mais extensos, atingindo inclusive a coletividade. Com o presente trabalho, pretende-se demonstrar que a concessão dos intervalos para estes profissionais consistem além de norma de saúde e higiene, configuram normas de segurança pública. PALAVRAS-CHAVE: Intervalo do artigo 71, §5º da CLT; normas de saúde e higiene; fracionamento do intervalo intrajornada; relativização de garantias. SUMÁRIO:1 Introdução; 2 Intervalo intrajornada no ordenamento jurídico brasileiro; 2.1 Regra Geral; 2.2 Objetivos da Concessão do Intervalo; 3 O intervalo dos motoristas de transporte coletivo; 4 A relativização do intervalo intrajornada com a aplicação do art. 71 da CLT; 5 Considerações finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO Criado pelo Decreto Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, regula normas coletivas e individuais do trabalho, a fim de padronizar e resguardar direitos concernentes aos empregados. Dentre vários direitos previstos na CLT, compreende-se o intervalo intrajornada, período mínimo de descanso, realizado durante a jornada de trabalho, período este determinado segundo a duração da jornada (art. 71, CLT). A existência de tal intervalo, não se justifica somente em parâmetros econômicos, mas justifica-se principalmente na saúde e segurança do trabalhador. A Constituição da República dispõe que os riscos concernentes ao trabalho podem ser reduzidos por norma de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII, CR/88). Dada a importância de tais normas, atualmente, é notório que a concessão de intervalo intrajornada além de ser um período para o indivíduo repor suas energias para dar continuidade ao labor, tem papel importante na prevenção de doenças ocupacionais. Neste contexto, questiona-se a flexibilização de intervalo intrajornada dos motoristas de transporte público urbano, prevista no art. 71, §5º (inciso incluído pela lei n. 12.619 de 30 de abril de 2012) da CLT e na Súmula 437 do TST. Onde possibilita a concessão do intervalo intrajornada de forma fracionada. Tal debate causa polêmica, tendo em vista que apesar de ser uma norma recente, porém já positivada, em que pese a concessão de intervalo fracionado como sendo uma prática considerada lícita, ainda sim é controvertida, merecendo portanto, que sejam feitos questionamentos acerca do cumprimento das normas de segurança e saúde garantidas aos empregados.
tícia é datada de 1593, denominada de Lei das Índias, vigorou na Espanha e previa jornada de trabalho máxima de oito horas. No Brasil, se tem conhecimento de um Decreto de 1891, que somente vigorou no Distrito Federal e diferenciava a jornada de meninos (nove horas) e meninas (oito horas). Foram editados Decretos em 1932, que dispunham sobre a jornada máxima de oito horas para os comerciários e industriais, direito que se estendeu para outros trabalhadores, tal limite foi mantido pelas Constituições de 1933 e 1940. A Constituição de 1988 também manteve a jornada de oito horas, e estabeleceu jornada máxima semanal de 44 horas (BARROS, 2013). A jornada de trabalho compreende também o período de descanso, vez que, a duração da prestação de serviço guarda relação com o período em que o empregado destina à sua alimentação e reposição de suas energias. Neste intervalo, o empregador não pode exigir trabalho do empregado, ademais, em via de regra, tal período não integra a jornada de trabalho. É denominado intervalo intrajornada o lapso temporal existente dentro da jornada de trabalho, no qual o empregado interrompe seu trabalho e sua disponibilidade ao empregador, com a finalidade de recuperar suas energias e/ou desenvolver relações interpessoais (DELGADO, 2013). Tal intervalo tem previsão no artigo 71 e parágrafos da CLT e determina: Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (hora) e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.(BRASIL, 1943)
2 INTERVALO INTRAJORNADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 2.1 Regra Geral Sem o objetivo de esgotar o tema, se faz necessário um breve histórico sobre as primeiras previsões em instrumento formal acerca da jornada de trabalho, que passou a ter regulamentação somente após a era industrial. A primeira norma sobre jornada que se tem no-
Prevê o § 2º do mesmo dispositivo legal que o intervalo de no mínimo 1 hora poderá sofrer redução por ato do Ministério do Trabalho, ouvida a Secretaria de Segurança e Higiene do Trabalho, desde que cumpridas as exigências referentes à organização dos refeitórios, bem como, os empregados não estejam trabalhando sobre o regime de horas extraordinárias. A redução autorizada pelo Ministério do Trabalho, desde que
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cumpridas as exigências legais, deve respeitar o limite de intervalo mínimo de 30 minutos, que seria o período mínimo razoável para a alimentação. Em se tratando de intervalo em período noturno, o intervalo mínimo deve ser compreendido em 40 minutos (MARTINS, 2013). Ademais, é assegurado o intervalo de 15 minutos para os empregados cuja jornada for superior a 4 horas e não exceder 6 horas, § 1º, art. 71, CLT. O intervalo intrajornada é o período de descanso, portanto, não pode ser integrado à jornada do empregado. A não concessão ou concessão parcial do intervalo, conforme inteligência da Súmula 437 do TST, pacificada, gera a obrigação ao empregador de pagar o período total correspondente ao intervalo, acrescido de no mínimo 50%, e não o período em que não houve o gozo do intervalo, conforme dispõe o art., 71, §4º da CLT. Sobre a aplicação do intervalo intrajornada, é lição de Sergio Pinto Martins: O intervalo não pode ser concedido no início da jornada, pois não representa pausa para repouso, pois nem sequer se iniciou o trabalho. O trabalhador não está cansado ainda para repousa. Não pode o intervalo ser fracionado em várias vezes durante o dia. Deve corresponder a um período mínimo de 15 minutos ou de uma hora, de forma contínua (2013, p. 600) Importante salientar a diferença prática existente entre fracionamento e pulverização do intervalo intrajornada. Para Paulo Renato Fernandes da Silva (2014) a pulverização consiste na concessão de período reduzido a tal forma, que impossibilite o descanso e alimentação de forma adequada, sendo este tipo de intervalo terminantemente proibido em nosso ordenamento jurídico, vez que vai de encontro à finalidade de preservação da saúde do trabalhador. Já o intervalo fracionado, compreende-se pela concessão de períodos menores, desde que estes possibilitem a adequada conservação do empregado, e que quando somados resulte em uma hora de intervalo por dia de labor. A possibilidade do fracionamento do intervalo intrajornada está previsto no §5º do art. 71 da CLT, e será discutido mais adiante. As normas coletivas que estipulam períodos de intervalo menores do que os legais são nulos, haja vista a preponderância de tal período para a higiene no ambiente de trabalho e higidez física e mental do empregado. Trata-se de um principio Constitucional, revestido pelo caráter de norma de ordem pública. 2.2 Objetivos da Concessão do Intervalo São objetivos da concessão do intervalo intrajornada proporcionar um período suficiente para que o empregado tenha uma alimentação adequada, bem como para a recuperação de suas energias, a fim de continuar a jornada (MARTINS, 2013). Conforme já exposto sobre a intima relação entre duração da jornada de trabalho e duração do intervalo intrajornada, explica Alice Monteiro de Barros: “[...] objetivo primordial tutelar a integridade física do obreiro, evitando-lhe a fadiga. Daí as sucessivas reivindicações de redução da carga horária de trabalho e alongamento dos descansos.” (2013, p. 522). Para Vólia Bomfim Cassar (2007) existem três parâmetros basilares que justificam a relevância do intervalo intrajornada, o primeiro é aspecto biológico, já que o labor sem descanso pode gerar stress, fadiga, sendo este medida de segurança e norma de saúde; o segundo seria o aspecto social, uma vez que o convívio social do trabalhador deve ser preservado; por fim, o terceiro aspecto é o econômico, pois de nada adiantaria o trabalho remunerado, se não fosse concedido período de descanso ao empregado para que ele também exerça sua capacidade econômica. A evolução dos direitos justrabalhistas, assim como, os estudos
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referentes ao ambiente de trabalho revelam que, além da importância do intervalo intrajornada na vida econômica e social do empregado, tal período de descanso é fundamental para a diminuição e prevenção de acidentes de trabalho. Para Maurício Godinho Delgado: [...] as normas jurídicas concernentes à jornada e intervalos não são, hoje, tendencialmente, dispositivos estritamente econômicos, já que podem alcançar, em certos casos, o caráter determinante de regras de medicina e segurança do trabalho, portanto, normas de saúde pública. (2013, p. 963) A Constituição da República de 1988, em seu artigo 7º, XXII, assegura aos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Ainda trata em outros dispositivos sobre o dever do Estado em garantir a saúde dos trabalhadores, bem como a diminuição de doenças inerentes à exposição excessiva a certos tipos de ambientes ou atividades. Para DELGADO (2013), o tratamento constitucional dado ao intervalo intrajornada tem caráter de normas de saúde pública, não podendo, portanto, ser superado pela ação privada. Em se tratando as normas de saúde, higiene e segurança, de normas Constitucionais, sua aplicação tem caráter obrigatório. Normas que prolongam a jornada e diminuam os intervalos, impossibilitando assim, a recomposição física e mental do trabalhador, não podem ser válidas. O reconhecimento da relevância do intervalo intrajornada, impulsiona debates acerca da imperatividade ou não de tal norma. Para DELGADO (2013), as normas que determinam a dinâmica dos intervalos, são de maneira geral imperativas, a renúncia de benefício pelo trabalhador, bem como acordo bilateral ou negociação coletiva que relativize a concessão do intervalo, deve ser considerada inválida. Existe, portanto, um pequeno espaço para transação bilateral, quando esta não for lesiva ou prejudicial ao empregado. Neste sentido se manifesta Maurício Godinho Delgado: Os objetivos dos intervalos intrajornadas, em virtude de seus próprios curtos limites temporais, tendem a ser significativamente menos diversificados, como já exposto. Visam tais lapsos de descanso situados dentro da jornada de trabalho, fundamentalmente, a recuperar as energias do empregado, no contexto da concentração temporal de trabalho que caracteriza a jornada cumprida a cada dia pelo obreiro. Seus objetivos, portanto, concentram-se essencialmente em torno de considerações de saúde e segurança do trabalho, como instrumento relevante de preservação da higidez física e mental do trabalhador ao longo da prestação diária de serviços. (2013, p. 969) O intervalo intrajornada é o período concedido ao obreiro para alimentação, higiene, recomposição de energia física e mental, com o intuito de oferecer condições de trabalho mais saudáveis, a fim de diminuir os riscos inerentes ao labor. Com isso, passa-se à análise do intervalo intrajornada dos motoristas de transporte coletivo urbano, sob a égide do parágrafo §5º inserido ao artigo 71, das Consolidações das Leis do Trabalho. 3 O INTERVALO DOS MOTORISTAS DE TRANSPORTE COLETIVO A categoria dos motoristas profissionais recebeu nova legislação que prevê garantias e regulamentações diversas das existentes, as alterações mais polêmicas versam sobre a duração da jornada de trabalho destes profissionais, e principalmente na forma de concessão do intervalo intrajornada. Em 30 de abril de 2012 foi instituída a Lei n. 12.619, que passou
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a viger em 11 de setembro do mesmo ano, sob a denominada de “Lei dos Motoristas Profissionais”. São destinatários os motoristas de veículo automotor, com formação profissional, que exercem a profissão mediante vínculo de emprego. Tal lei prevê a participação dos profissionais em cursos de aperfeiçoamento e garante que não sejam punidos pessoalmente em caso de dano ao patrimônio, quando este não der causa, assim como, a proteção do Estado em caso de ações criminosas, dentre outros. Houve ainda alteração inusitada acerca da concessão do intervalo intrajornada, objeto de discussão do presente trabalho, Que inseriu o §5º ao artigo 71 da CLT, nos seguintes termos: § 5º - Os intervalos expressos no caput e no § 1o poderão ser fracionados quando compreendidos entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última hora trabalhada, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho, ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais do trabalho a que são submetidos estritamente os motoristas, cobradores, fiscalização de campo e afins nos serviços de operação de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de passageiros, mantida a mesma remuneração e concedidos intervalos para descanso menores e fracionados ao final de cada viagem, não descontados da jornada. (Incluído pela Lei nº 12.619, de 30.4.2012) O novo dispositivo legal prevê, portanto, a possibilidade da concessão do intervalo de forma fracionada, qual seja, períodos de intervalo depois da primeira hora de trabalho e antes da última, de forma que quando somados totalizem uma hora. Entretanto, deixou a cargo dos acordos e convenções coletivas disporem sobre a duração de cada intervalo. Diferentemente da norma geral, tal período de descanso integra a contagem da jornada diária, fato que ocasiona a redução da jornada de 8 horas para 7 horas, e a jornada semanal de 44 horas semanais para 42 horas semanais. A possibilidade de fracionamento do intervalo intrajornada teve previsão na OJ nº 342, II da SDI-1 do TST, que foi cancelada pela Resolução 186 do TST, orientação jurisprudencial que gerou polêmica à época de sua vigência. Tal entendimento jurisprudencial permitia o fracionamento do intervalo intrajornada, desde que previsto em instrumento normativo negociado (acordo ou convenção coletiva), desde que a jornada não ultrapassasse 7 horas diárias ou 42 horas semanais. Neste contexto, percebe-se que em aspectos práticos não houve nenhuma alteração. Fica a cargo das normas coletivas dispor sobre o limite mínimo de cada intervalo, que deve ser razoável para a preservação dos objetivos de sua concessão, objetivos estes tratados no tópico anterior. É importante destacar o intervalo mínimo de 20 minutos previsto na NR 17 do Ministério do Trabalho e Emprego, Anexo II da Portaria SIT-MTE nº 09 de 2007, item 5.4.2, para os operadores de telemarketing/teleatendimente, que têm jornada de 6 horas. Conforme definição de Paulo Renato Fernandes da Silva (2014), este trabalho se mostra menos desgastante em relação aos rodoviários, já que estes têm que enfrentar o trânsito cada vez mais pesado e violento. Sergio Pinto Martins (2013) prevê que, para que a concessão do intervalo intrajornada de forma fracionada seja considerada válida, deve-se formar jurisprudência que faça objeção à prestação de horas suplementares, que impeça, portanto, a realização de horas
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extras por empregados que trabalham sob tal regime. Destarte a inovação na forma de concessão do intervalo intrajornada dos motoristas de transporte coletivo urbano, passa-se à análise dos impactos que tais mudanças podem gerar. 4 A relativização do intervalo intrajornada com a aplicação do art. 71 da CLT Apesar da concessão de intervalo intrajornada de forma fracionada ser norma já positivada, existem discussões sobre os efeitos e consequências que sua aplicação pode gerar. Paulo Renato Fernandes da Silva (2014) explica que, para a criação de um dispositivo legal, o legislador tem o dever de analisar o texto pretendido, garantindo que sua interpretação esteja em conformidade com o dispositivo constitucional. Completa que o dispositivo legal deve estar emanado com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CR/88), princípio basilar, vez que prevê a proteção à vida e a preservação do ser humano. Completa Paulo Renato, valendo-se da lição de Ingo Wolfgang Sarlet, sobre o princípio da dignidade da pessoa humana. [...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de casa ser humano que o faz merecer do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentindo, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegura a pessoa tanto contra tudo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como velha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (2014, p. 92, apud, SARLET, 2007, p. 62) A instituição do § 5º ao art. 71 da CLT provocou preocupação na seara trabalhista, vez que a possibilidade de fracionamento do intervalo intrajornada poderia também relativizar as normas de saúde e higiene do trabalhador, já que tal dispositivo deixou a cargo dos acordos e convenções coletivas dispor sobre a duração de cada intervalo. Não se pode dizer que a simples possibilidade legal de fracionar o período de descanso intrajornada incorre em norma inconstitucional. Entretanto, devem ser observados os efeitos que tal norma pode causar sobre o grupo de trabalhadores a que se referem. Dispõe Paulo Renato Fernandes da Silva, sobre peculiaridades do trabalho dos rodoviários: As condições de trabalho dos rodoviários (que são, aliás, mais gravosas do que para muitos outros obreiros, pois importam no trato direto com a população e com o trânsito normalmente estressante e violento) deveriam, ao revés, ser mais aprimorados e não flexibilizados in pejus, permitindo a supressão, na prática, do intervalo humanitário para repouso e alimentação, matéria de ordem pública em grau de interesse público primário. (2014, p.91). Apesar de a Lei n. 12.619/12 prever a possibilidade de fracionamento do intervalo intrajornada dos motoristas rodoviários, tal lei prevê também que, os profissionais que realizam viagens, permanecendo nas estradas por pelo menos uma semana, trabalhem sob a jornada de 8 horas e usufruam de intervalo de uma hora, conforme norma geral. Existe um projeto de lei que tramita na Câmara das Deputados, e pretende a aplicação do fracionamento intervalar para estes profissionais, entretanto, existem opiniões que versam sobre o retrocesso que tal medida pode causar, vez que os acidentes envolvendo caminhoneiros tiveram redução de 25%, graças à aplicação da norma geral.3 Noutro aspecto, em relação aos motoristas de transporte coletivo urbano, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região possui
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inúmeros acórdãos que mantêm a decisão do Juízo de 1º grau sobre a fixação de adicional de insalubridade devido a estes profissionais, onde, através de laudo pericial resta comprovado que a trepidação do motor do ônibus constitui agente insalubre. A trepidação produzida pelo funcionamento do motor dos ônibus enseja a condição insalubre. Neste sentido se manifestam vários julgados: “Amparado na conclusão pericial, o juiz sentenciante condenou a reclamada no adicional de insalubridade, grau médio, e reflexos, pela exposição do reclamante à vibração, imputando àquela os honorários periciais (...)” (BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário n. 00158-2013-011-03-00-0. Recorrentes: Empreendimentos e Participações Rio Negro Ltda. E Vicente Viriato do Carmo Neto. Recorridos: os mesmos. Relator: Ricardo Antonio Mohallem. Revisor: Joao Bosco Pinto Lara. Belo Horizonte, 30 de abril de 2014. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/consulta/detalheProcesso2.htm> Acesso em 02 de junho de 2014.) Neste sentido, o fracionamento do intervalo intrajornada de empregados que trabalham sob a exposição de agente insalubre pode constituir uma relativização ao preceito de preservação da saúde física e mental, estudados anteriormente. Percebe-se a necessidade de analisar caso a caso, vez que o novo dispositivo não explicita as necessidades de cada profissional, nem transparece preocupação com os princípios constitucionais. Apesar de a redução da jornada de trabalho prevista, não existe preocupação com a saúde dos trabalhadores, já que a abertura legislativa pode implicar na concessão dos intervalos de forma pulverizada, tema já tratado, proibido no ordenamento jurídico. Ademais, os motoristas de transporte coletivo urbano são profissionais que lidam diariamente com stress. Ao se desconsiderar ou relativizar normas que preservam sua saúde - o que já seria motivo suficiente para não tolerar tal relativização, também se expõe a coletividade. O § 5º do art. 71, da CLT expõe um nicho de empregados, cuja hipossuficiência se mostra mais acentuada do que de outros profissionais, vez que enfrentam o stress e violência no trânsito, lidam diretamente com os usuários do transporte coletivo, além da exposição a agente insalubre. Ao contrário do que se esperaria neste caso, ou seja, a eficácia plena das normas de higiene e alimentação dos trabalhadores, estas tem sido relativizadas para dar lugar à primazia dos interesses do mercado (SILVA, 2014). Paulo Renato Fernandes da Silva (2014, p. 94) trata dos impactos negativos do intervalo intrajornada concedido de forma pulverizada: A concessão de pequenos intervalos para alimentação e descanso do trabalhador tem um grande efeito deletério e prejudicial à higidez psicológica deste, tanto a curto, como o médio ou longo prazo. Dessa forma, mesmo motivado instituído por lei e conferido por meio de negociação coletiva, a pulverização dos intervalos é inegociável. Conforme já dito, o dispositivo tratado não é inconstitucional, entretanto, a falta de delimitação sobre os poderes de instituição da duração dos intervalos entregues à disposição de acordos e convenções coletivas gera grave insegurança jurídica. A possibilidade de pulverização do intervalo intrajornada implica retrocesso na aplicação das normas de segurança pública. O desenvolvimento dos estudos sobre a proteção dos trabalhadores tornamse obsoletos ao permitir a retirada de garantias básicas sobre a manutenção da saúde dos empregados. Além dos riscos iminentes a que se expõe os trabalhadores e das consequências prejudiciais à saúde dos mesmos, toda a socie-
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dade fica exposta aos efeitos negativos que os motoristas de transporte coletivo urbano sofrerão. Constata-se ofensa ao ordenamento jurídico, juntamente com a relativização dos direitos de cada trabalhador, com isso relativiza-se também o interesse público. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A nova possibilidade de concessão do intervalo intrajornada de forma fracionada em si, não configura norma inconstitucional, contudo, enseja a disposição de normas coletivas cuja aplicação não encontra consonância com nosso ordenamento jurídico e, principalmente, vão de encontro às garantias celetistas conquistadas ao longo da evolução histórica e dos estudos do direito do trabalho. Os motoristas de transporte coletivo urbano assumem papel de maior hipossuficiência, pois antes da instituição da Lei n. 12.619/12 conviviam com o desrespeito aos seus direitos, hoje, porém, sofrem por não usufruírem das garantias basilares constitucionais no mais estrito cumprimento legal. Com o presente estudo, conclui-se que o fracionamento do intervalo em discussão acarreta nítida a ofensa ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, vez que as normas de higidez física e mental, alimentação e higiene dos motoristas de transporte coletivo urbano foram relativizadas. A aceitação da aplicação do §5º do artigo 71 da CLT tem como consequência o aumento de doenças ocupacionais entre os motoristas de transporte coletivo urbano, assim como o intuito de prevenção de acidentes do trabalho perde efetividade. Por fim, toda a sociedade sofre com tais efeitos. A possibilidade de fracionamento do intervalo intrajornada dos motoristas de transporte coletivo urbano implica, portanto, na ofensa aos direitos e normas individuais do empregado, que garantem sua saúde, além de ofender normas de segurança pública, já que atingem a coletividade.
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SILVA, Paulo Renato Fernandes da. O problema da pulverização do intervalo intrajornada dos rodoviários, autorizada pela Lei 12.619/12 . Justiça do Trabalho: Caderno de direito previdenciário. Porto Alegre, v. 31, n. 361, p. 85-95, jan. 2014. ______. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário n. 00158-2013-011-0300-0. Recorrentes: Empreendimentos e Participações Rio Negro Ltda. E Vicente Viriato do Carmo Neto. Recorridos: os mesmos. Relator: Ricardo Antonio Mohallem. Revisor: Joao Bosco Pinto Lara. Belo Horizonte, 30 de abril de. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/consulta/detalheProcesso2.htm> Acesso em 02 de junho de 2014
NOTAS DE FIM 1 Acadêmica do 9º período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton. 2 Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2009). Advogada Trabalhista. Professora do Centro Universitário Newton. 3 ______SENADO FEDERAL, Portal de Notícias Disponível em <http://www12. senado.gov.br/noticias/materias/2014/03/10/para-debatedores-projeto-de-lei-ameaca-conquistas-de-motoristas-do-transporte-rodoviario> Acessado em 02 de junho de 2014. 4 Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo; Daniela Lage Mejia Zapata.
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DIREITO E LITERATURA: A importância da Literatura no Direito Elana Gomes Santos Moreira1 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira2 Banca Examinadora3
RESUMO: O presente artigo objetiva promover uma análise embasada no método dedutivo, e a partir desse, verificar se a Literatura possui um papel importante no Direito. Logo após o fim do positivismo jurídico, surgiu o pós-positivismo, permitindo que pudesse existir uma interdisciplinaridade entre as duas ciências. Assim, analisando a relação que há entre elas e depois expondo os pontos importantes nessa junção, iremos concluir se a Literatura promove ao Direito a compreensão do mundo, se ajuda na luta pelos Direitos humanos e até se consegue humanizá-lo. PALAVRAS-CHAVE: Direito; Literatura; Positivismo; Pós-positivismo; Direitos Humanos. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Direito da Literatura, Direito como Literatura e Direito da Literatura; 3. Relação Direito e Literatura; 4. Importância da Literatura para a formação de um novo imaginária jurídico; 3.1. Compreensão; 3.2. Direitos humanos e Literatura; 3.3. Pedagogia jurídico literária; 4. Diálogo com Antônio Cândido - Direito Humano à Literatura; 5. Considerações Finais.
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INTRODUÇÃO O positivismo jurídico era adjetivado por ser um “sistema fechado”. Isso quer dizer que o juiz deveria se ater à lei, ao que estava escrito no ordenamento, sem se envolver e interpretar a norma. A justificativa disso seria a chamada “segurança jurídica”. Essa questão foi um grande entrave para os juristas e magistrados. (PENEDO, 2012). Sendo assim, todas as questões seriam resolvidas de apenas uma forma, sem ter a opinião do magistrado. Existindo essa rigidez, é óbvio afirmar então que no positivismo, o direito não se relacionava com mais nenhuma ciência. Apenas a lei bastava e tudo deveria ser decidido com base na sua forma e não na sua substância. Porém, o Direito, a partir da segunda metade do século XX, já não cabia mais no positivismo jurídico (BARROSO, 2006). O Direito estava muito próximo da norma e separado da ética e isso já não era compreendido no estágio que o mundo se encontrava. O formalismo do positivismo seria insustentável diante dos princípios e regras presentes nas constituições. Entretanto, o retorno ao jusnaturalismo, com seus fundamentos vagos, não era desejado. Sendo assim, surgiu o pós-positivismo jurídico, como uma terceira via aos paradigmas positivista e jusnaturalista. É relativamente novo, não tendo nem 70 anos (PENEDO, 2012). O pós-positivismo é caracterizado como um “sistema aberto”, ou seja, ele não se restringe à lei e sua aplicação, e se relacionava com outras ciências, outros ramos, como a filosofia, sociologia, psicologia, história e, o nosso objeto de estudo, a literatura. Acredita na ideia de que o direito não é apenas um conjunto de regras. Poderia haver uma interpretação mais aberta de suas normas, com base em outros ramos, como já foi dito, assim como com base nos princípios. Assim sendo, surge com possibilidade ante esse novo paradigma, a relação entre Direito e Literatura. Marques e Ribeiro (2012) afirmam que essa junção vem sendo estudada desde o princípio do século XX pelo professor americano John Henry Wignore (1863-1943). Ele criou uma forma de estudo com os livros de Shakespeare e a Bíblia. James Boyd White (1973), com sua obra The legal imagination, conferiu uma real e importante amplitude ao movimento Law and Literature. O autor parte do pressuposto que trabalhos literários oferecem aos operadores do direito outra maneira de interpretar e compreender a ordem jurídica. Nos Estados Unidos, houve até criação de cursos nas universidades para que esse tema fosse mais bem explorado. Porém, no Brasil
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não se ouve falar muito nisso pois o movimento é recente. O pioneiro do estudo é o Professor Arnaldo de Sampaio Moraes Godoy (Marques e Ribeiro, 2012). Mas Eliane Botelho Junqueira deu sua contribuição com seu livro Literatura e direito: uma outra leitura do mundo das leis (1998). Assim como também o livro Direito & literatura: discurso, imaginário e normatividade (2010), obra organizado por André Karam Trindade, Roberta Magalhães Gubert e Alfredo Copetti Neto. Outro a ser citado é a obra Direito e Literatura: por que devemos escrever narrativas? (2013), organizado por Bernardo G.B. Nogueira e Ramon Mapa da Silva. Assim, o presente trabalho procura fazer uma análise com o fim de descobrir se essa interdisciplinaridade entre Direito e Literatura, essa junção das duas ciências é vantajosa para o estudo do Direito e se vai ajudar a conhecê-lo dessa forma. Se a literatura pode ser utilizada na compreensão de valores jurídicos. É importante saber se o Direito pode ser avaliado fora do seu campo metalinguístico. Essa avaliação é essencial para que se possa debater sobre o que se passa em torno do Direito, da Justiça e do Poder judiciário hoje em dia. 2 DIREITO DA LITERATURA, DIREITO COMO LITERATURA E DIREITO NA LITERATURA Para entendermos melhor o tema do trabalho é importante compreender a diferença entre Direito da Literatura, Direito como Literatura e Direito na literatura. O primeiro, sendo um campo mais restrito, diz respeito aos direitos de um autor ou de uma obra quanto a sua utilização. Está relacionado com a liberdade de expressão e direitos autorais do autor sobre sua obra (GURGEL, 2013). De acordo com Bambirra (2012), “[...] há a proteção jurídica da atividade literária, que envolve todos os aspectos das relações jurídicas do exercício literário - da garantia à liberdade de expressão aos direitos autorais.” O segundo, conforme esclarece Godoy (2002), é o uso de estratégias literárias nos próprios textos jurídicos. Ocupa-se do estudo dos recursos de linguística, retórica e estilo, utilizados tanto na norma quanto no discurso jurídico, para transmitir seus conteúdos valorativos, tornando-se, mesmo, mais uma potencial forma de leitura (GURGEL, 2013). Seria outra forma de leitura do Direito. Godoy (2002) também explica o terceiro, afirmando que tende à representação da atuação de juristas e instituições jurídicas em textos literários. Identifica o jurídico dentro
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pelha e ordena esse mesmo mundo pelos olhos de um Autor. Mais especificamente, o Direito e a Literatura são tentativas de descobrir e retratar o homem. Nessas disciplinas, a linguagem constrói uma visão da realidade. (Becattini, Miranda, 2011, p. 261)
do literário, por meio das narrativas, metáforas e situações hipotéticas trazidas pelo universo da literatura e discutem-se os conteúdos, institutos e preceitos jurídicos, de forma ampla e interdisciplinar (GURGEL, 2013). Isso quer dizer que diz respeito às formas sob as quais o direito é representado na literatura. Ou seja, livros que tenham como tema ou pano de fundo, algo relacionado com o direito. 3 RELAÇÃO DIREITO E LITERATURA Como realmente acontece essa relação interdisciplinar entre Direito e Literatura? O primeiro ponto a ser citado é que o Direito se utiliza da Literatura para interpretar a sociedade. As obras servem de base para que os operadores possam fazer uma reflexão acerca do mundo jurídico. De acordo com Lênio Streck (2013): “Não há livro que não seja útil nessa relação direito-literatura”. O Direito usa a literatura como uma metáfora e esta antecipa os temas relacionados ao universo jurídico, facilitando assim a compreensão. É por meio de obras como essas que a literatura ganha sua primeira importância para o conhecimento e desenvolvimento do direito. As obras ficcionais são capazes de inserir o leitor em uma realidade alheia à sua, enfrentá-lo com problemáticas que não se mostrariam visíveis ao indivíduo em seu espectro original, tal qual a opressão das crenças de Mersault ou a obscuridade da justiça condenatória de Josef K. A literatura tem o poder de sensibilizar o leitor a causas que não o comoveriam por meio de um relato jurídico e formalista. Ela atua com a função de recuperar os sentidos perdidos durante o processo de racionalização do direito. (Siqueira. 2011, p. 42). A literatura consegue explicar o que a sociedade pensa sobre o direito e a justiça. A utilização das obras literárias permite um entendimento mais fácil e prático do que apenas os estudos científicos. A literatura, através dos seus personagens fala às pessoas sobre todas as possibilidades que existem no direito. Sá da Silva (2012) aborda essa ideia em um dos seus textos, quando faz uma reflexão sobre a importância da literatura e como ela pode ser considerada um direito constitucional. O autor afirma que “A Literatura é imprescindível para o progresso da cultura, para nossa formação política e para o conforto da nossa alma” (Sá da Silva, 2012, p.94). Assim, sem essa ciência o cidadão não possui uma formação cultural adequada, sendo impossível ter uma opinião própria das coisas do mundo, dos problemas que o rodeiam, pois as histórias conseguem além de tudo o que já foi citado, formar a nossa consciência moral. Entretanto, para que isso ocorra, o autor também defende o fato de que se tem que acabar com a separação entre cultura popular e cultura erudita, pois todos devem ter o direito de ler as obras que quiser, seja elas mais simples ou mais complexas, pois todas as obras de literatura são importantes para essa formação humanística. Por isso alega a relevância de se estudar o fato de a literatura ser considerada um direito constitucional ou como Antônio Cândido (1988) defende até mesmo um direito humano, pois nenhum homem consegue viver sem entrar em contato com o universo fantástico, além da literatura está relacionada com a nossa humanização e com a nossa organização mental. Ademais, o direito está ilustrado nas obras literárias, construído e perpetuado. É necessário que haja recursos para discutir e pensar as práticas jurídicas e sua real efetividade na resolução de conflitos sociais. ...não podemos desprezar as contribuições que a literatura pode oferecer para a melhor aplicação e interpretação do direito. Tanto o Direito, quanto a Literatura são propostas de organização do mundo. O Direito existe para impor uma ordem ao mundo da vida. É a tentativa de transformar o mundo do “ser”, no mundo do “dever ser”. A Literatura es-
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A literatura cria um novo olhar sobre o homem. Nela, ele é representado, assim como os problemas que o rodeia. Ela mostra seus anseios, pensamentos, sentimentos, opiniões, expectativas. Assim como a literatura é um espelho da sociedade. Ela retrata uma época, um povo, as adversidades, uma realidade. Além disso, a literatura (principalmente a contemporânea) explora a sua “utilidade social”, denunciando os problemas do mundo. Ou seja, ela é a transfiguração da realidade. É através dela que o homem desvenda uma nova possibilidade de fazer um mundo melhor, mais humano e sem os erros cometidos no passado. 3 IMPORTÂNCIA DA LITERATURA PARA A FORMAÇÃO DE UM NOVO IMAGINÁRIO JURÍDICO 3.1 Compreensão Uma parte importante da relação Direito-Literatura pode ser resumida em uma palavra: Compreensão. É isso que a Literatura faz pelo direito. Ela ajuda a compreendê-lo. É por meio dela e por meio dessa compreensão que ela proporciona que podemos questionar o direito. Há também a compreensão do próprio homem, seja o que viveu em épocas passadas, seja o contemporâneo. Os tipos literários também facilitam a assimilação dos valores jurídicos. Mais uma vez, tanto de antigamente, quanto os valores de hoje em dia. Em suma, a literatura se torna fonte de compreensão, pois retrata algum aspecto do meio jurídico de determinada sociedade. [...] o processo de leitura apresenta-se como uma atividade que possibilita a participação do homem na vida em sociedade, em termos d compreensão do presente e do passado e em termos de possibilidades de transformação cultural futura. E, por ser um instrumento de aquisição e transformação do conhecimento, a leitura, se levada a efeito crítica e reflexivamente, levando-se como um trabalho de combate à alienação (não racionalidade) capaz de facilitar ao gênero humano a realização de sua plenitude (liberdade). (Silva, 1988, p. 22). Toda essa compreensão é essencial, pois assim abre-se um espaço para uma reflexão mais aprofundada sobre todos os assuntos do universo jurídico. É despertado o que podemos chamar de senso crítico, pois a literatura amplia os horizontes. 3.2 Direitos Humanos e Literatura Com a compreensão já explorada, um bom exemplo a ser citado é sobre os direitos humanos. ...tais direitos correspondem a necessidades essenciais da pessoa humana. Trata-se daquelas necessidades que são iguais para todos os seres humanos e que devem ser atendidas paras que a pessoa possa viver com dignidade que deve ser assegurada a todas as pessoas. (Dallari, 1998, p. 07). Cândido (1988), no seu livro Vários Escritos afirma que: “...a entrada do pobre no temário do romance, no tempo do Romantismo, e o fato de ser tratado nele com a devida dignidade, é um momento relevante no capítulo dos direitos humanos através da literatura”. Os textos literários criticam, satirizam e denunciam. Sendo assim, a partir do momento que alguns autores começaram a
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introduzir nos seus livros a miséria, exploração econômica, marginalização, violência, entre outros, todos esses quesitos se tornaram passíveis de discussão. Os problemas ficam mais reais e mais urgentes, pois são finalmente expostos. Podemos dizer então que a literatura promove e auxilia o direito para um conhecimento do mundo e da sociedade, expondo as dificuldades e a realidade, fazendo com que as pessoas comecem a utilizar aquele senso crítico que já foi citado. 3.3 Pedagogia jurídico literária Há também uma função essencial no estudo do Direito e Literatura que é a formadora e pedagógica. Segundo Aguiar e Silva (2001), essa prática auxilia e atua na formação cultural do jurista, possibilitando um melhor reconhecimento de sua realidade social. É corrente o entendimento de que a literatura é capaz de aguçar o senso de alteridade e a sensibilidade do jurista, tornando-o um melhor profissional alinhado com sua realidade social. Isso leva a uma relação de humanização. Segundo Streck (2013): “A literatura pode humanizar o direito”. Talvez seja isso que o direito esteja precisando. Os operadores precisam começar a olhar além do direito, a interpretar além da norma positivada. Essa ideia é a nossa proposta no encontro com a literatura. E como não dizer que a literatura é essencial para essa percepção? Pois é ela que nos mostra novas formas, novos lugares, lugares antigos, épocas passadas, um novo direito, um antigo direito, uma forma diferente de enxergar as coisas. Godoy (2002) concorda quando afirma que a Literatura permite foco em outras épocas e instituições. A literatura ajuda a construir a realidade, já que o direito pode utilizá-la para interpretar a sociedade. A literatura pode ajudar a perceber o direito através de uma nova perspectiva, pois ela conta histórias e por meio dessas histórias pode-se ter outras visões do mundo, principalmente quando se trata do passado, onde a narrativa mostra uma época na qual não vivemos. Assim, utilizando da literatura para entendermos melhor o mundo a nossa volta, conseguiremos entender também melhor o próprio direito e com isso, uma maior fundamentação na tomada das decisões aconteça, fazendo com que a humanização dita no começo do texto seja possível de acontecer. 4 DIÁLOGO COM ANTÔNIO CÂNDIDO - DIREITO HUMANO À LITERATURA Hoje em dia as pessoas chegaram a uma racionalidade diferente face a outros tempos. Acredita-se que com isso, podem-se resolver vários problemas que o mundo vive, como a alimentação por exemplo. Entretanto, ainda existe muita irracionalidade também. Ou seja, da mesma forma que algo pode contribuir, pode igualmente destruir. “Os meios que permitem o progresso podem provocar a degradação da maioria”. (Cândido, 1988, p. 169). Ocorre que antigamente era quase impossível se pensar em equidade. Nos dias atuais, é totalmente possível que isso seja uma realidade. Porém, não se pensa e nem se faz nada para atingir esse objetivo. Durante algum tempo, acreditou-se que, se alguns quesitos fossem melhorados (como a ignorância e os governos despóticos), alguns problemas seriam resolvidos. Mas isso não aconteceu. Mesmo com a remoção dos obstáculos, as adversidades continuaram. Ainda vivemos num mundo cheio de barbaridades. A diferença é que hoje elas não são tão explicitas. As pessoas não as aceitam e acham normais como antes. E algumas outras pessoas, além de não achar normal, lutam para mudar essa realidade. Lutam pela justiça e igualdade. Ou seja, todos nós somos capazes de lutar e até de efetivamente conseguirmos as mudanças necessárias. Pois, o que antes
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era apenas imaginação, hoje pode vir a se tornar realidade. Há meios para que isso ocorra. Se há meios, há vontade de lutar, pois assim há também esperança. Para isso existem os Direitos Humanos. Ressalta-se então que as coisas erradas e ruins continuam ocorrendo, mas hoje não são mais elogiadas e aplaudidas, vistas como boas e naturais. Por exemplo, pessoas fazendo atrocidades com outras eram proclamadas. Negros e pobres eram motivo de piadas. Hoje ainda acontece, mas não são mais aceitáveis, não são consideradas certas pela maioria. Consequentemente, essas coisas, sem apoio, tendem a diminuir. Entretanto, apesar dessa mudança positiva, nada vai ser feito para mudar. Apenas não se acha mais normal. O que mudou realmente foram os sentimentos das pessoas. Mesmo que ninguém faça nada para alterar as coisas, elas se incomodam com as coisas erradas. Na realidade não adianta muita coisa, mas ainda é melhor do que todo mundo achar natural e aplaudir. Mas há pessoas que querem partir da teoria para a prática: as que acreditam e lutam pelos direitos humanos. Se pensarmos assim, agiremos para que o próximo tenha as mesmas coisas que nós temos. Porém, o normal é pensar que o que eu preciso é mais importante do que o que o outro precisa. Ou seja, esse pressuposto do direito humano não é tão fácil de pensar, de acreditar verdadeiramente e agir para que isso aconteça. Mas é até mais fácil pensar nos direitos básicos como indispensáveis para todos: saúde, educação, segurança, lazer. O problema é na hora de pensar que o pobre também tem outros direitos como frequentar os mesmos lugares, ler os mesmos livros, ouvir as mesmas músicas. Com isso nem todo mundo concorda. É a divisão da cultura popular com a cultura erudita. Em Cândido (1988), encontramos os dizeres de que Lebret distingue os “bens incompressíveis” e os “bens compressíveis”. O primeiro são os mais supérfluos, como cosméticos, roupas supérfluas, entre outros. O segundo são os mais básicos, como alimento, casa, roupas. Essa distinção é difícil de ser feita na prática, porque o valor de algo depende da necessidade que a pessoa tem dela. Como saber o que é realmente necessário e o que é supérfluo para cada pessoa, cada camada social, cada época e lugar? Por exemplo, cada época acredita em algo, acha normal um modo de viver. O que era natural antigamente hoje não é mais. O que é natural no Brasil em outro país pode não ser. Cândido (1988) garante que bens incompressíveis são mais do que apenas moradia, vestuário básico e saúde. Pois isso garante a sobrevivência física, mas ninguém sobrevive sem a mente boa, sem a espiritualidade saudável. Para tanto, é necessário que nesses bens incompressíveis, seja incluído também o lazer, a educação, a liberdade, o amparo da justiça, a arte e até mesmo a literatura. Mas a pergunta é: A literatura é um bem incompressível? Ela é necessária para a saúde mental do ser humano? A literatura é uma manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não existe ninguém que consiga viver sem ela, pois todos precisam entrar em contato com outro mundo. Um mundo mais fantástico, diferente. Ninguém consegue passar o dia inteiro dentro do mundo real. É necessário que se passe pelo menos algum tempo no universo da ficção (Cândido, 1988). Sendo assim, fica claro que é um direito básico do homem ter contato com a literatura, pois é ela que vai proporcionar a ele esses momentos essenciais. Ademais, a literatura é o sonho acordado das civilizações. É possível que sem a literatura, não haja equilíbrio social. Sendo assim, percebe-se que para uma humanização do homem a literatura é totalmente indispensável. Cada sociedade tem a sua forma de criar o seu universo ficcional, pois tudo depende de suas crenças e sua cultura. Mas, independente da forma, é fundamental que se tenha esse universo. Dentro da sociedade a literatura é fator essencial para o crescimento dos cidadãos. Os valores de cada sociedade estão
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presentes na literatura, nas suas mais diversas formas. Ela ensina, denuncia, mostra os problemas, mostra o passado, nos demonstra lições importantes. A literatura educa e faz com que as pessoas abram os olhos para o mundo real, que enxerguem além do que costumam enxergar, que se tornem críticos. Ela faz as pessoas viverem mais e assim, questionarem o que estão vivendo. E por fim, mas não menos importante, ela humaniza o homem. A literatura descreve e toma uma posição diante dos problemas sociais. Essa particularidade é muito importante para o combate pelos direitos humanos, pois mostra para as pessoas, para o leitor, a realidade das adversidades que afligem o mundo. Cândido (1988) nos dá o exemplo de dois autores que criaram obras e essas cumpriram esse papel: Castro Alves e Bernardo Guimarães. Nas suas obras, os dois autores escreveram sobre a escravidão, o que fazia com que ela se tornasse mais conhecida. Como até sendo uma denúncia. Mas Cândido afirma que a obra do segundo autor, A Escrava Isaura, é de má qualidade. Guimarães não conseguiu criar um livro organizado adequadamente. De qualquer forma, é válido, pois a literatura não é formada apenas de obras perfeitas ou de qualidade alta. Até as mais modestas nos atinge de alguma forma, nos fornecendo conhecimentos. No século XIX foram escritos vários livros sobre o impacto da industrialização. É de conhecimento geral de como essa época é marcada por muita miséria, pois a industrialização promoveu uma enorme concentração urbana. Os camponeses saíram das regiões afastadas e foram para a civilização para trabalharem nas indústrias. Foi nessa época que as pessoas não puderam mais ignorar a miséria, pois ela estava ali para todos verem. Logo, as pessoas começaram a ter consciência daquela realidade e isso gerou vários romances descrevendo aquela situação do pobre. É assim que o pobre entra de vez para a literatura. Não mais tratado com desprezo ou alguém para ser motivo de piada, mas sim com dignidade, com respeito, com integridade. Os autores, inserindo os pobres nas suas obras e mostrando suas vidas, seus problemas, suas realidades, fizeram com que as outras pessoas começassem a enxergar isso e não apenas ignorar. O que percebemos é que através da literatura as pessoas começaram a enxergar a realidade e essa realidade continha vários problemas, principalmente em relação aos pobres que antes, se não ignorados, eram motivo de piada. A literatura consegue fazer com que as pessoas enxerguem as coisas com mais urgência e isso é um grande passo para o êxito dos direitos humanos. Essa narrativa, com personagens discriminados, como o operário, camponês, prostituta, entre outros vai ficando cada vez mais em evidencia. Émile Zola, em vários livros da série Rougon -Macquart, retratou todos os infortúnios desse povo, como a miséria e a promiscuidade (Cândido, 1988). No Brasil, esse tipo de narrativa ganhou força em 1930, quando os autores passaram também a mostrar o homem e seus problemas, e o pobre estava em evidência. Jorge Amado e Graciliano Ramos são exemplos desses escritores. O que se pode dizer é que os problemas sociais foram desmascarados e isso com a ajuda da literatura. Houve vários escritores dispostos a denunciar a miséria, a exploração econômica, a marginalização, entre outros. Isso faz com que eles sejam parte de uma luta pelos direitos humanos, pois a partir do momento que eles expõem esses problemas, estão ajudando para que se possa colocar um fim neles. Como nos ensina Cândido (1988), sociedade trata alguns bens incompressíveis como compressíveis. As pessoas acreditam que, obras importantes, ou seja, a cultura erudita não cabe aos pobres. Para eles, apenas o folclore, o carnaval, a novela, o futebol, a literatura do povo, entre outros. Esse tipo de cultura é importante também, mas não é suficiente. É claro que na nossa sociedade é
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dificil que a literatura erudita seja igualitária para todos, pois para isso, a sociedade em geral teria que ser igualitária. Em um país como o Brasil, por exemplo, isso é uma situação complicada, já que grande parte da população é analfabeta e, mesmo quando não é o lazer não está disponível para todos. Fato é que, se uma sociedade conseguir se tornar igualitária, ela poderá proporcionar mais lazer e nisso está incluído as obras literárias. A partir do momento que isso aconteça, as pessoas vão tendo mais conhecimento e mais visão do mundo em que vivem. Ademais, se formos à história, pegaremos exemplos de que isso não é impossível de acontecer. É claro que não chegou a transformar a sociedade que temos em uma totalmente igualitária, mas algo para difundir a cultura já foi feito. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como podemos perceber, a interdisciplinaridade entre Direito e Literatura é de extrema importância. Por meio de várias obras, a Literatura influencia no estudo e na prática do Direito, pois como foi dito, ele se utiliza da Literatura para interpretar a sociedade e saber o que ela pensa sobre a justiça. Assim tanto as pessoas em geral quanto os próprios operadores do direito podem fazer melhores reflexões sobre o mundo que os cerca e inserir esse conhecimento no universo jurídico. Para isso, é necessário que a Literatura se torne mais abrangente e não fique nas mãos de apenas uma parcela da sociedade. Já que ela facilita o olhar sobre o mundo, faz compreender o passado, o presente e até o futuro e faz com que as desperte um senso crítico nas pessoas, é essencial que todos possam ter acesso a esse tipo de cultura. Por meio da Literatura, as pessoas começam a enxergar coisas que às vezes passavam despercebidas, ou então até se percebia, mas não dava a devida importância. A inserção das minorias nos textos literários abriu os olhos de muita gente e até do próprio Direito. Agora essas minorias são enxergadas, senão o suficiente, pelos menos mais do que era antigamente. Com isso, os Direitos Humanos ficam cada vez em maior evidência e é através deles é que os problemas sociais poderão começar a serem resolvidos. Em suma, é com essa compreensão trazida pelo Direito que o homem conseguirá exigir mais e ir atrás de um mundo melhor, sem cometer os mesmos erros já cometidos no passado. Conjuntamente, abre espaço para uma maior fundamentação nas decisões, melhorando o Direito, a Justiça e o Poder judiciário do mundo atual.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira; Ludmila Stigert.
PINTO, Isac Penedo. Aspectos do Pós-Positivismo e a Crise da Legalidade. Dis-
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A REGULAMENTAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO PELO PROJETO DE LEI 4330/04: Avanço ou retrocesso? Flávia Gusmão Ferreira¹ Tatiana Bhering Roxo² Banca Examinadora3 RESUMO: O Estudo sobre a terceirização vem crescendo ao longo dos anos e essa forma de contratação está sendo muito utilizada no Brasil. Dessa forma, a necessidade por uma regularização é grande e o projeto de lei que tentará trazer tal normatização passará a ser estudado. PALAVRAS-CHAVE: Terceirização; Forma de Contratação; Projeto de Lei 4330/04; Regulamentação; Delineamentos. SÚMARIO: 1- Intrudução; 2- Os delineamentos da terceirização atualmente pela súmula 331 TST; 2.1- Evolução histórica; 2.2- Regramento atual; 3- O projeto de lei 4330/2004: Análise; 4- Possíveis considerações do projeto de lei: avanço ou retrocesso?; 5- Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO Nos últimos anos a terceirização de mão de obra vem se tornando crescente no Brasil, trazendo discussões acerca de sua finalidade e contratação. Esse tipo de contratação está sendo enxergada como uma forma de valorizar os serviços prestados, mas visando, por sua vez, a diminuição dos encargos trabalhistas, e consequentemente aumento da lucratividade. No Brasil, o sistema de terceirização passou a ser implantado, por volta de 1950, quando as grandes empresas passaram a produzir apenas o objeto fim de seu negócio e repassavam para terceiros todo o restante. O objeto do estudo envolve o projeto de lei 4330/04 e sua análise sobre a normatização trazida em seu texto. Essa legislação traz uma generalidade na aplicabilidade dessa forma de contratação que é a terceirização. Com isso, passa-se ao esclarecimento se o projeto de lei seria a melhor forma de lei apresentada e se traria a solução que há tempos vem sendo buscada, já que a terceirização faz parte das mais utilizadas formas de contratação. Passa-se a estudar o surgimento da terceirização no Brasil, mostrando sua evolução histórica aos longos dos anos e chegando a única forma de regulamentação que se faz através da súmula 331 do TST. Após a evolução da terceirização, é feita uma minuciosa análise, no que tange, aos artigos do projeto de lei 4330/04, que está em trâmite no Congresso Nacional esperando por aprovação. Por fim, diante do demonstrado, conclui-se o estudo com posições, se tal aprovação geraria impacto ou não no âmbito das relações trabalhistas e se traria prejuízos aos trabalhadores terceirizados. 2 OS DELINEAMENTOS DA TERCEIRIZAÇÃO ATUALMENTE 2.1 Evolução Histórica A terceirização, segundo lição de Alice Monteiro de Barros (2006, p. 427) pode ser entendida como: (...) terceirização consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou seja, de suporte, atendose a empresa à sua atividade principal. Assim, a empresa se concentra na sua atividade-fim, transferindo as atividades-meio. No Brasil, o sistema da terceirização passou a ser implantado por volta de 1950, quando as grandes empresas passaram a produzir
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apenas o objeto fim de seu negócio e repassavam para terceiros todo o restante. Dispõe sobre o assunto Maurício Godinho Delgado (2012, p. 436), da seguinte forma: Mesmo no redirecionamento internacionalizante desapontado na economia nos anos 1950, o modelo básico de organização das relações de produção manteve-se fundado no vínculo bilateral empregado- empregador, sem notícia de surgimento significativo no mercado privado da tendência à formação do modelo trilateral terceirizante. No que tange à legislação em que regulamenta a terceirização em âmbito privado, na década de 1960, teve seus primeiros efeitos na contratação para prestação de serviços em relação à segurança bancária. Não obstante essa pequena normatização, por volta de 1970, o processo de terceirização acentuou-se e generalizou-se nas décadas seguintes a 1970. Diante do crescimento dessas relações e da necessidade de regulamentação, acerca dos direitos e deveres dos trabalhadores, surgiram as primeiras leis que iriam versar sobre o trabalho temporário (Lei n. 6019, de 1974) e o trabalho de vigilância bancária (Lei n. 7.102, de 1983). O que se percebeu, foi que o processo de terceirização expandiu-se para além das duas hipóteses até então regulamentadas, passando a se caracterizar como uma forma permanente de contratação, sem, contudo, encontrar respaldo em textos legais trabalhistas. Em face da contínua expansão da terceirização no Brasil, inclusive no setor público, apresenta-se na Constituição de 1988 limites claros ao processo de terceirização laborativa na economia e na sociedade, embora não se tenha regulamentação especifica acerca do assunto. O Doutrinador Maurício Godinho Delgado, traz em seu texto tais limitações (2012, p. 445): Os limites da Constituição ao processo terceirizante situam-se no sentido de seu conjunto normativo, quer nos princípios, quer nas regras assecuratórias da dignidade da pessoa humana ( art.1º, III), da valorização do trabalho e especialmente do emprego (art.1º, III, combinado com art. 170, caput), da busca de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), do objetivo de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais ( art. 3º, III), da busca da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação ( art. 3º, IV).
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I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral
Posteriormente, a Lei n. 8949/94 introduziu o parágrafo único ao artigo 442 da CLT, considerado uma hipótese de terceirização na forma cooperada, como dispõe o texto que “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela” (BRASIL, 1994). Diante da evolução das normas, em 1986, foi aprovada a edição do Enunciado 256 do Tribunal Superior do Trabalho, que regulamentava: (...) Salvo os casos previstos nas Leis ns. 6.019, de 3.1.1974 e 7.012, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhador por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços. O que se limitou no enunciado foram as práticas terceirizantes, com escopo a fazer com que as empresas evitassem o vínculo empregatício. Contudo, o Enunciado 256 do TST, devido às novas interpretações pela doutrina e jurisprudência, teve sua aplicação restringida. Em sua obra sobre terceirização e o direito do trabalho, Sérgio Pinto Martins explica que (2005, p. 120): “No acórdão que deu origem ao Enunciado 256 (RR 3.442/84), no qual foi relator o Min. Marco Aurélio, ficou evidenciado que a contratação de empresa interposta só poderia ser admitida em casos excepcionais, pois a locação da força de trabalho é ilícita, visto que os homens não podem ser objeto desse tipo de contrato, apenas as coisas. Verifica-se que o TST proíbe a intermediação de mão-de-obra tanto na atividade-fim como na atividade-meio, salvo nas hipóteses do trabalho temporário e da Lei nº 7.102.” Diante de tal lacuna na legislação, foi aprovado pela Resolução Administrativa nº 23/93, de 17 de dezembro de 1993, a Súmula 331 do TST que versaria em seus incisos sobre alguns aspectos do contrato de prestação de serviços e que definiria alguns grupos de terceirização tidos como lícitos, como é descrito em seus incisos I e III: trabalho temporário, serviços de vigilância, serviços de conservação e limpeza e serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador. E o que caracteriza a terceirização é justamente o que envolve a atividade dita como fim e a como meio, conceituado nas palavras de Sérgio Martins como atividade-fim “aquela cujos objetivos da empresa, incluindo a produção de bens ou serviços formam a atividade central da empresa”. Para entender o que se caracteriza como atividades-meio, convém citar Maurício Godinho Delgado (2006, p. 427): (...) funções e tarefas empresarias e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, nem compõe a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas á essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços. A evolução da normatização da terceirização veio se adaptando e tomando forma, e com tal adaptação surgiu a elaboração da Súmula 331 do TST, que traria em seu texto alguns pontos importantes a cerca do assunto em questão, o qual passa-se a estudar em seguida. 2.2 Regramento Atual No ano de 1993, especificamente no dia 17 de dezembro de 2013, foi aprovado pela Resolução Administrativa nº 23/93, a Súmula 331 do TST que versaria sobra a contratação de prestação de serviços, nos seguintes termos: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
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Sendo assim, seriam consideradas, de acordo com a Súmula 331 do TST, terceirização ilícita aquela que não se enquadra nos limites previstos na jurisprudência através da referida Súmula. Atualmente, a terceirização trabalhista é uma forma de utilização de prestação de serviços que visa diminuir os custos e aumentar a produção. As empresas repassam algumas atividades que não representam atividade-fim para que empresas prestadoras executem tais atividades. Lívia Miraglia (2008, p.117) afirma que “como técnica administrativa a terceirização já estava consolidada na maioria das empresas, tanto no setor privado quanto no segmento público, e, portanto, tal fenômeno já estava incrustado no cotidiano empresarial brasileiro.” Contudo, diante do histórico da normatização da terceirização, o que se verifica é que a única regulamentação que fala explicitamente sobre o assunto é a Súmula 331 do TST, tornando-se a regulamentação deficiente em meio a tantas discussões sobre o tema. Sendo assim, nos últimos anos foi elaborado o Projeto de Lei 4330/04 que traria em seu texto a regulamentação que faltava, o qual passa-se a estudar em seguida. 3 O PROJETO DE LEI 4330/2004: ANÁLISE A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho que trata sobre contratações e que proíbe aquelas com caráter de atividadesfim das empresas, mas que não delimitam quais sejam essas, era até então a única norma que dava algum tipo de regulamentação a essa forma de contratação. Há em trâmite por mais de 7 anos o Projeto de Lei 4330/2004, que prevê a contratação de serviços terceirizantes para qualquer atividade de determinada empresa, sem estabelecer limites ao tipo de serviço que pode ser alvo da prática de terceirização.
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O Debutado Sandro Mabel, que é o responsável pelo referido Projeto, dispõe em sua justificativa sobre a elaboração da PL que “na prestação de serviços a terceiros reclamam urgente intervenção legislativa, no sentido de definir as. responsabilidades do tomador e do prestador de serviços. E ainda ressalta que (http://www.tirio.org. br/media/PL4330): O Projeto de Lei que ora apresentamos exclui os dispositivos que tratavam do trabalho temporário, limitando-se à prestação de serviços a terceiros, e incorpora as contribuições oferecidas por todos os que participaram dos debates do Projeto de Lei nº 4.302, de 1998. A nossa proposição regula o contrato de prestação de serviço e as relações de trabalho dele decorrentes. O prestador de serviços que se submete à norma é, portanto, a sociedade empresária, conforme a nomenclatura do novo Código Civil, que contrata empregados ou subcontrata outra empresa para a prestação de serviços. O projeto de lei regulamenta, inicialmente, a quem são aplicados as suas normas, sendo que nessa forma de contratação não existe vínculo empregatício, conforme a seguir: Art. 1º Esta Lei regula o contrato de prestação de serviço e as relações de trabalho dele decorrentes, quando o prestador for sociedade empresária que contrate empregados ou subcontrate outra empresa para a execução de serviços. Parágrafo único. Aplica-se subsidiariamente ao contrato de que trata esta Lei o disposto no Código Civil, em especial os arts. 421 a 480 e 593 a 609. Art. 2º Empresa prestadora de serviços a terceiros é a sociedade empresária destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos. § 1º A empresa prestadora de serviços contrata e remunera o trabalho realizado por seus empregados, ou subcontrata outra empresa para realização desses serviços. §2º Não se configura vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo. O Deputado, ainda na justificativa sobre a elaboração da lei, afirma que se preocupou com o trabalhador no que tange às contratações sucessivas por várias empresas prestadoras de serviço. Como regulamenta o seu artigo 5º: Art. 5º São permitidas sucessivas contratações do trabalhador por diferentes empresas prestadoras de serviços a terceiros, que prestem serviços à mesma contratante de forma consecutiva. Nos artigos 7º, 8º e 9º4 que se seguem, há uma preocupação com os direitos do trabalhador terceirizado quando se fala nas condições de segurança e saúde e do fornecimento do treinamento específico para o trabalho, além dos benefícios que podem ser estendidos a terceiros. Por outro lado, o Projeto de Lei 4330/04 traz uma inovação em seu artigo 10, parágrafo único, assegurando ação regressiva da empresa contratante em face da prestadora de serviços. Além de ressarcimento e indenização de valores pagos pela empresa contratante sobre obrigações e débitos trabalhistas. Assegura-se também a responsabilidade subsidiária de uma possível subcontratação de outra empresa pela prestadora de serviços. Como se depreende dos artigos 10 e 11: Art. 10. A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, ficando-lhe ressalvada ação regressiva contra a devedora.
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Parágrafo único. Na ação regressiva de que trata o caput, além do ressarcimento do valor pago ao trabalhador e das despesas processuais, acrescidos de juros e correção monetária, é devida indenização em valor equivalente à importância paga ao trabalhador. Art. 11. A empresa prestadora de serviços a terceiros, que subcontratar outra empresa para a execução do serviço, é solidariamente responsável pelas obrigações trabalhistas assumidas pela empresa subcontratada. Outro ponto que é mencionado no projeto é referente à contratação com a Administração Pública e suas responsabilidades. Sendo que, para que ocorra essa forma de contratação é preciso observar o disposto na Lei nº 8666/93 que dispõe especificamente sobre o assunto. Ainda, é abordado no referido projeto sobre o recolhimento da contribuição sindical compulsória, que caso venha a ser aprovado, será recolhido pela entidade representante da categoria profissional que corresponderá a atividade terceirizada. Vale ressaltar que foram excluídos da aplicabilidade dessa legislação o empregado doméstico e as atividades de vigilância e transporte de valores que já possuem sua regulamentação. Por fim, e talvez mais importante, é o que o artigo 17, § 2º traz em seu texto legislativo no que se refere à anistia do empregador a penalidades, baseado em leis anteriores, incompatíveis com o que está disposto no presente projeto. Como se observa em seu texto: Art. 17. O descumprimento do disposto nesta Lei sujeita a empresa infratora ao pagamento de multa administrativa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por trabalhador prejudicado, salvo se já houver previsão legal de multa específica para a infração verificada. § 2º As partes ficam anistiadas das penalidades não compatíveis com esta Lei, impostas com base na legislação anterior. Diante de toda análise feita sobre o Projeto de Lei 4330/04, já se pode tirar algumas conclusões e posicionar se essa é realmente a melhor forma de tratar sobre um tema que a muito já vem crescendo e tomando seu espaço no meio das relações contratuais laborais. 4 POSSÍVEIS CONSIDERAÇÕES DO PROJETO DE LEI: AVANÇO OU RETROCESO? Conforme previamente demonstrado, o projeto de lei estudado tenta resgatar em seu texto o avanço de uma terceirização a muito praticada com intuito de reduzir os custos e facilitar a produtividade. Lívia Miraglia pontua que (2008, p. 124): O lema é produzir mais, em menor tempo, dispondo de estrutura empresarial enxuta e com menor gasto possível. Entre os próprios obreiros, a competência é acentuada, e por vezes, até mesmo incentivada, sob o discurso do “terror do desemprego”, de modo que passam a enxergar no colega uma ameaça ao seu posto de trabalho. O que mais assusta no referido projeto é a generalidade que tem sido tratado o tema, sendo proposta uma aplicação ilimitada das hipóteses de terceirização. O projeto pretende a licitude da contratação de empresas terceirizadas para o exercício de toda e quaisquer atividades desenvolvida pelas empresas tomadoras de serviço, principalmente a atividade-fim. Nessa linha de raciocínio, o já citado doutrinador e Ministro do TST Maurício Godinho (2013), faz algumas considerações: “Eu nunca vi um projeto de precarização do trabalho tão impactante como esse, de tamanha amplitude e efeitos danosos, que des-
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respeita dezenas de milhões de pessoas que vivem do trabalho. A terceirização, ao reverso do que o projeto faz, tem de ser restrita. O projeto teria de restringir a terceirização, pois ela já se tornou uma epidemia; epidemia restringe-se e se controla; ou seja, coloca-se o fenômeno dentro de margens de segurança, ao invés de se instigar a sua generalização. O PL não regulamenta, restringindo, a terceirização; ele, na verdade, desregulamenta, liberaliza, generaliza o fenômeno da terceirização. Convém analisar, se o projeto de lei não estaria em choque com o que é assegurado pela Constituição Federal, que posicionou o Direito do Trabalho como essencial ao Estado Democrático de Direito. Dessa forma, é percebida uma afrontando aos princípios, entre eles o da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, há posicionamento do Maurício Godinho (2003): Estamos falando do esvaziamento do papel de instituições fundamentais, como a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, além do próprio Direito do Trabalho, tudo isso contra o ideário da Constituição. É a nossa sobrevivência que está em jogo, como partícipes de instituições fundamentais do Estado Democrático de Direito. Todos os juízes e todos os procuradores do Trabalho estão atingidos por esse projeto. Outro princípio que é constitucionalmente assegurado, mas que não é observado, é o princípio da isonomia. Tal fato acaba gerando um desequilíbrio no referido projeto, já que, o trabalhador terceirizado e o trabalhador contratado diretamente pela empresa tomadora dos serviços não terão seus contratos regidos com igualdade. Contudo, o projeto de lei trás expressamente em seu texto legislativo que não haverá vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores da empresa prestadora de serviços. Ora, deixa expresso que o terceirizado será contratado para realização de uma mão-de-obra mais barata e viável para as empresas. Lívia Miraglia discorre nesse sentido (2008, p. 128): Mas, na contramão de seu raciocínio, encontra-se a realidade. Teoricamente, numa empresa de pequeno porte, o empregado teria um tratamento mais humano. Todavia, num processo de terceirização, isso não ocorre, uma vez que os obreiros são inseridos na estrutura empresarial como meros instrumentos no encalço de um fim. Ao tomador não interessa quem seja o obreiro, mas tão-somente que o produto final seja elaborado (...) Nessa esteira, os empregados terceirizados não estabelecem vínculos jurídicos com a tomadora ou com o produto final de seu labor. Daí surge o segundo problema: “a perda da identidade de classe do trabalhador”. Lívia Miraglia, ressalta que “há problema da discriminação gerada no próprio ambiente interno da empresa tomadora entre os trabalhadores terceirizados e os empregados efetivos” (2008, p. 129) Ainda sobre o mesmo aspecto, outros direitos poderiam ser violados com a regulamentação da terceirização, como a jornada de trabalho, pisos salariais, equiparação salarial e outros. Sendo que, essa violação ocorreria com a terceirização dos trabalhadores que exerceriam as mesmas atividades que os empregados diretamente contratados. Sérgio Martins Pinto ressalta que (2001, p. 225): Afetam-se também as condições de saúde e segurança do obreiro, eliminam-se benefícios sociais diretos e indiretos, promovendo-se insegurança laborativa, vez que a remuneração torna-se incerta e o recebimento das vantagens e benefícios decorrentes de um contrato de trabalho clássico ou de normas coletivas não é auferido pelo trabalhador.
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Outro ponto que deve ser abordado é no que tange a remuneração, que muitas vezes não é compatível com o desgaste laboral e com a função desempenhada pelo terceirizado. Nesse sentido, dispõe Lívia Miraglia (2008, p.133): Cumpre salientar que o trabalhador terceirizado percebe, em regra, remuneração mais baixa que o efetivo, labora em jornadas ainda mais extenuantes e sofre com a rotatividade que lhe é imposta. Tudo isso é asseverado pela ausência da lei especifica, que regule os aspectos e os pressupostos da terceirização trabalhista. Ademais, cumpre salientar se existiria a oportunidade desses trabalhadores terceirizados constituírem uma categoria profissional e assim formarem um sindicato assegurado pela lei brasileira. Por isso, segue-se o entendimento de Maurício Godinho, que se posiciona na linha de que a representação sindical dos trabalhadores terceirizados possui a mesma preocupação que o problema remuneratório e da responsabilidade trabalhista. Destaca que (2011, p. 443): [...] a terceirização desorganiza perversamente a atuação sindical e praticamente suprime qualquer possibilidade eficaz de ação, atuação e representação coletivas dos trabalhadores terceirizados. A noção de ser coletivo obreiro, basilar o Direito do Trabalho e a seu segmento juscoletivo, é inviável no contexto de pulverização da força de trabalho provocada pelo processo terceirizante. A responsabilidade é outro assunto questionado no âmbito da terceirização, considerando que ela define quem será o responsável por indenizar, caso haja ações trabalhistas. Ocorre que no projeto de lei a responsabilidade tratada é a subsidiária. Tendo sua previsão tratada na súmula 331, IV do TST, salienta-se que, não arcando a empresa prestadora com suas responsabilidades junto ao trabalhador, subsidiarimante, a obrigação transmite-se à empresa tomadora. Nas palavras de Elaine D’Avila Coelho e Marilane Oliveira Teixeira (2013) que “optando por essa responsabilidade perderá uma oportunidade de punir aqueles que têm adotado a terceirização como um instrumento de fraude e eliminação de direitos trabalhistas”. Diante de todas as manifestações acerca do projeto de lei 4330/04, o que se percebe é que não existe avanço no referido projeto. Os direitos estão sendo violados, os princípios não observados O retrocesso está declarado na regulamentação que deveria ser trazida em seu texto, mas que acabou por generalizar e ampliar o problema. No mesmo sentido, o deputado federal Vicentinho (2013) aduz que, “o PL amplia a precarização e ameaça os direitos de todos os trabalhadores com carteira assinada. É um projeto que não está em sintonia com as vozes das ruas, que clamam por uma sociedade mais justa e igualitária”. E para finalizar Maurício Godinho (2013) clama pela rejeição do referido projeto dizendo que “O desafio é muito grande, mas tenho convicção de que podemos sim convencer a sociedade política, as instituições estatais, de que se trata de um equívoco grave, que flui na antítese do bom trabalho que o Parlamento brasileiro vem fazendo no tocante a várias leis importantes e progressistas” O projeto permite que os trabalhadores terceirizados sejam contratados para a realização de atividades-fim, que até então são realizadas pelas próprias empresas. Ou seja, além das atividadesmeio, como limpeza e vigilância, serão terceirizados a realização da principal atividade da empresa. Contudo, o que se percebe é um ganho por parte das empresas e não dos trabalhadores, já que essas empresas terão uma prestação do mesmo serviço com um custo menor e os trabalhadores não serão valorizados pelo serviço prestado, por justamente não ter uma regulamentação especifica acerca dessa relação de trabalho.
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Como abordado, no que tange a responsabilidade, o projeto tratou logo de definir como subsidiária, limitando-se o ingresso de ações trabalhistas contra a prestadora de serviço. Descartando-se a responsabilidade mais benéfica que seria a solidária, conceituada pela CLT, art. 455: Art. 455 - Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.
REFERÊNCIAS AMORIM, Helder Santos. O PL 4330/2004-A e a inconstitucionalidade da terceirização sem limite. Disponível em: <http://www.prt3.mpt.gov.br/imprensa/ wp-content/uploads/Artigo-Terceiriza%C3%A7%C3%A3o_Helder-Amorim.pdf>. Acesso em: 10 maio 2014. ANAMATRA NOTICIAS. Maurício Godinho afirma que regulamentação da terceirização vai esvaziar o papel da Justiça do Trabalho. (2013) Disponível em <http:// www.anamatra.org.br/index.php/noticias/mauricio-godinho-afirma-que-regulamentacao-da-terceirizacao-vai-esvaziar-o-papel-da-justica-do-trabalho>. Acesso em: 20 maio 2014. BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 4ª Ed. Ltr. 2011
Quando o Deputado Sandro Mabel criou o projeto de lei 4330/04 o que se esperava era o preenchimento da lacuna que era percebido na normatização sobre a terceirização, mas, em vez disso, foi apresentada uma legislação fora do contexto com a realidade. Permitindo em seu texto expandir o que na verdade era preciso restringir. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesse contexto, o projeto de lei 4330/04 representa um importante marco na discussão legislativa do tema, motivo pelo qual é necessário ter cautela com as possíveis consequências de tal normatização. Pretendeu-se criticar a forma como foi abordado o tema terceirização e os poucos benefícios encontrados com relação aos terceirizados no texto legislativo do projeto. O que se percebe é a empresa tomando destaque, quando na verdade o destaque que espera-se é às garantias dos empregados terceirizados. A generalização que está prevista nos primeiros artigos do referido projeto já demonstra a insegurança que gerará, no primeiro momento, a utilização de mão de obra terceirizada, com redução salarial e diminuição dos encargos trabalhistas. Veja-se que, com a aprovação do projeto de lei e estendida a terceirização às atividades- fim haverá afronta ao princípio da isonomia salarial e aos direitos de tais trabalhadores. Salienta-se a questão da subsidiariedade na responsabilidade da tomadora de serviços, pois adotando essa forma de responsabilidade, a via judicial só afetará a tomadora depois de esgotada as possibilidades em face da empresa contratante. Ademais, as normas coletivas são tratadas com descaso, já que, regulamenta no referido projeto que os terceirizados teriam um sindicato e os contratados outro. O que se espera não é uma negativa total do projeto de lei 4330/04, mas uma aprovação com a observância do que se faz necessário para a licitude de uma terceirização a tanto praticada nos dias atuais. Sua aprovação requer reparos em seu texto, sem estes, será declarado o retrocesso histórico da terceirização.
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COELHO, Elaine D’Avila; TEIXEIRA, Marilane Oliveira. Que tempos são estes, em que é necessário defender o óbvio? Disponível em: <http://www.cut.org.br / sistema/ck/files/Artigo%20terceirizacao.pdf>. Acesso em: 21 maio 2014. DELGADO, Gabriela Neves. Terceirização. Paradoxo do direito do trabalho contemporâneo, 2003 apud MIRAGLIA. Lívia Mendes Moreira. A terceirização trabalhista no Brasil. São Paulo: QuartierLatin, 2008. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 11.ed. São Paulo: LTr, 2012. LAKATOS, Eva Maria. MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 4ªed. rev.ampl.. São Paulo: Atlas. 2001. MIRAGLIA. Lívia Mendes Moreira. A terceirização trabalhista no Brasil. São Paulo: QuartierLatin, 2008.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MINAS. Professora do Centro Universitário Newton Paiva. Advogada. Sócia do Bhering e Zapata Advocacia e Consultoria Trabalhista. 3 Tatiana Bhering Roxo; Daniela Lage Mejia Zapata. 4 Art. 7º É responsabilidade da contratante garantir as de segurança e saúde dos trabalhadores, enquanto estes estiverem seu serviço e em suas dependências, ou em local por ela designado. Art. 8º Quando o empregado for encarregado de serviço para o qual seja necessário treinamento específico, a contratante deverá: I – exigir da empresa prestadora de serviços a terceiros certificado de capacitação do trabalhador para a execução do serviço; ou II – fornecer o treinamento adequado, somente após o qual poderá ser o trabalhador colocado em serviço. Art. 9º A contratante pode estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços a terceiros benefícios oferecidos aos seus empregados, tais como atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existentes nas dependências da contratante ou local por ela designado.
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A LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA NAS EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇão Kamila Duque Honorato da Silva1 Tatiana Bering Roxo² Banca Examinadora 3 RESUMO: A terceirização é hoje um tema muito discutido e o presente trabalho presta-se a estudar esse tema. Ocorre que não existe uma norma específicaque engloba num todo o fenômeno da terceirização o que da margem a muitos entendimentos. Concentra-se a discussão na Súmula 331 do TST que de maneira genérica dispõe sobre o assunto e a Lei Geral de Telecomunicações que permite a terceirização de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço. Palavras-chaves: Terceirização; Empresa; Telecomunicação; Callcenter. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A terceirização no Brasil; 3 A terceirização em empresas de telecomunicação; 4 Análise jurisprudencial; 5 Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO A terceirização é visível em todos os setores hoje em dia, na atividade pública e privada, é um instituto recente no Direito Brasileiro um fenômeno advindo do desenvolvimento empresarial e da modernização das relações trabalhistas. Qual a solução para a questão controvertida que plana sobre o tema, qual seria a correta interpretaçãoda legislação concernente à subcontratação de atividades pelos concessionários deserviços públicos em geral e em serviços de telecomunicações? Tal fenômeno se encontra em crescimento acelerado. E,assim, assim tem ganhado um grande espaço no mercado de trabalho e com essa perplexidade das transformações causadas pelo mesmo, é importante analisar este instituto jurídico a fim de entender sua relação na sociedade. No presente trabalho será abordada a fase histórica da terceirização, questões sobre seu surgimento e crescimento, quais as regras que vigora na terceirização de serviços atualmente, com ênfase na atividade de telecomunicação, como é a atividade realizada nesse setor, o que a define e como a Lei Geral de Telecomunicação delimita esse serviço e o regulamenta. Por fim, revelar a ideologia que dá sustentação à terceirização, resultando a uma análise do instituto a partir do sistema capitalista que lhe deu origem. 2.A TERCERIZAÇÃO NO BRASIL 2.1 Evolução Histórica A terceirização é uma estratégia de administração empresarial, por intermédio da qual uma empresa contrata e delega serviços a terceiros a fim de propiciar uma maior racionalidade na produção. O fenômeno é analisado desde então como terceirização de serviços, na qual a empresa tomadora de serviços insere em seu quadro o trabalho prestado por terceiros, que seriam os empregados contratados por uma empresa terceirizante. Nestes moldes, a empresa tomadora continua sendo responsável pelas atividades prestadas pelos seus colaboradores, e a mão-de-obra se torna responsabilidade da empresa na qual terceiriza. Por meio dessa estratégia, a empresa se concentra em suas atividades primordiais aquelas que formam o seu core business, na linguagem dos administradores, para qual se propôs perante o mercado consumidor relegando outras atividades, a qual pode chamar de tangenciais, a terceiro observado a especialidade de cada um.
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Como salienta Antonio Álvares da Silva, Viu-se que a terceirização, sendo um fator integrado na economia moderna já faz e sempre fará parte do pós-moderno, pois é um elemento básico de funcionamento das empresas e uma indispensável alavanca do desenvolvimento na economia (Silva, 2011, p.106). Com efeito, não se pode dizer que a terceirização seria uma novidade, uma exigência da globalização criada às pressas no final do século XX. Interessante de se observar o cenário industrial estabelecido desde o século XIX, onde as empresas realizavam todas as atividades necessárias ao seu funcionamento e não apenas as específicas do objeto social, intimamente ligadas à sua atuação fundamental. Para comprar determinados produtos, em meados de 1915 era necessária a encomenda específica, já que tudo era fabricado a mão. Como resultado as mercadorias tinham um valor mais elevado e transformavam-se símbolos de status sociais (DELGADO, 2009). Ao longo dos anos a situação veio mudando, a crescente complexidade dos bens de consumo atrelada a exigência do mercado consumidor, as novas tecnologias, bem como as mudanças nos costumes sociais imprimiram certas necessidades de rapidez, eficiência, economia e qualidade. Alice Monteiro de Barros explica: Essas mudanças deram origem ao conhecido debate sobre a flexibilidade do emprego em contraposição a relação de emprego típica, gerada por um contrato de trabalho indeterminado, com um empregador único e protegida contra a dispensa injusta. Sustenta-se que essa relação de trabalho típica é incompatível com a necessidade da empresa moderna de adaptar-se a um processo econômico competitivo. Passou-se, então, a sugerir um modelo contraposto, cujo traço distintivo era o recurso a diversas modalidade de emprego chamadas flexíveis, entra as quais inclui-se a terceirização. O fenômeno da terceirização consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou seja, de suporte, atendo-se a empresa a sua atividade principal. Assim, a empresa se concentra na sua atividade-fim, transferindo as atividades-meio. Por atividade-fim, entenda-se aquela cujo objetivo a registra na classificação socioeconômica, destinado ao atendimento das necessidades socialmente sentidas (Barros, 2008, p.446).
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Na década de 1960 a ordem jurídica instituiu referencia normativa mais destacadas ao fenômeno da terceirização, ainda sim, tal referência dizia respeito apenas ao segmento público do mercado de trabalho é o que se foi passado com o decreto-lei n. 200/67 e lei n. 5.645/70 (DELGADO, 2009). Um fato, entretanto, tem merecido a atenção dos estudiosos e aplicadores do direito. Na relação de emprego clássica o empregado aliena os frutos de seu trabalho ao seu empregador, que sobre eles mantém a propriedade e a fruição do proveito que tiverem. Na terceirização, contudo, os frutos do trabalho do empregado não são apropriados pelo seu empregador e sim pelo tomador dos serviços, o qual deles mantém a propriedade e a fruição. É certo que em razão das características do contrato de emprego, que é comutativo, oneroso e sinalagmático, apenas o empregador pode aproveitar diretamente da força de trabalho que lhe é colocada à disposição pelos seus empregados. Mas há que se indagar o que consiste este aproveitamento direto. E a resposta é revelada com clareza, sendo inclusive intuitiva. Como a empresa prestadora de serviços tem como fito principal a prestação de serviços a terceiros, como a própria denominação social deixa transparecer, é evidente que deverá contar com meios habeis a consecução de suas finalidades. Um destes, e notadamente o principal, é o contingente de empregados, o qual viabiliza diretamente a obtenção deste escopo. Sem estes empregados, restaria prejudicada a existência da própria empresa, que não conseguiria executar seu objetivo social. As situações permitidas de terceirização são aquelas especificadas na súmula 331, mas antes de analisar a referida súmula, é interessante destacar o conceito de terceirização para Mauricio Godinho: Para o direito do trabalho, terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno inserese o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços trabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral (Delgado, 2006, p.428). Glaucia Barreto afirma que: A terceirização consiste na possibilidade de contratar terceiro para realização de atividades que não constituem, em regra, o objeto principal da empresa. Em princípio, a vantagem da terceirização está na possibilidade da empresa contratante centralizar seus esforços na atividade-fim ou principal, deixando as atividades secundárias ou meio para um terceiro realizar (BARRETO, 2008, p.94). De modo geral, a terceirização foi inevitável com o passar dos anos e essencial para as grandes empresas, consequentemente nasce a necessidade de regulamentação e regras que delimitam até onde se devem terceirizar os serviços, a fim de proteger a classe trabalhadora, e no Brasil não foi diferente. 2.2Regras Gerais A terceirização lícita é aquela permitida pela súmula 331 do TST, que tem suas situações elencadas nos seus incisos. Constituem quatro grandes grupos de situações delimitadas. No inciso I configuram-se as situações empresariais que autorizam contratação de trabalho temporário. Situações especificadas pela lei nº6.019/74, que trata da substituição de pessoal regular ou a necessidade de acréscimo por motivo extraordinário de serviços. O item II determina que a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com
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os órgãos da administração publica direta, indireta ou fundacional. Esse tema merece uma consideração detalhada pelo fato de que se há entre o Estado e o trabalhador uma empresa interposta que o contratou para exercer função terceirizada, esta “contratação irregular” de fato não gera, nem poderia gerar vínculo de emprego com a Administração Pública, porque não houve concurso público nem emprego público criado por lei, cuja investidura esteja sendo usurpada. Trata-se de uma situação nova, criada pelas necessidades e exigências da vida social. Se a Administração Pública contratou um trabalhador que lhe foi intermediado por empresa para este fim contratada, quem deve ser responsabilizado por esse tipo de intermediação é a empresa fornecedora e,na falta desta, o administrador. Nunca o trabalhador que prestou o serviço lícito. Como afirma Antonio Álvares: Se, em vez de uma norma protecionista, a Súmula e a doutrina trabalhista houvessem admitido uma relação de emprego de fato, baseada no contrato realidade admitida uma relação de emprego de fato, baseada no contrato-realidade de que tanto se fala, toda essa dificuldade de contratação irregular já estaria resolvida de modo justo, razoável e sem prejuízo ao empregado (Silva, 2011. p.73). Por conseguinte, destacam-se as “atividades de vigilância”, regidas pela lei nº 7.102/83. A súmula neste incisocuida das exceções. A contratação de trabalhadores por empresa intermediaria é nula, formando-se o vínculo diretamente com o tomador. Mas há exceções segundo a súmula, ou seja, mesmo contratado por empresas de intermediação, não se forma vínculo com o tomador. A nova súmula optou por mencionar genericamente atividades de vigilância, portanto, não apenas o segmento bancário, mas qualquer segmento do mercado de trabalho que contratem serviços de vigilância mediante empresas especializadas poderão valer se do instrumento da terceirização. Mauricio Godinho destaca que vigilante não é a mesma coisa que vigia. Este é empregado não especializado, ou semi-especializado, que se vincula ao próprio ente tomador se seus serviços. Vigilante é membro de categoria especial, diferenciada, submetendo-se às regras próprias não somente quanto à formação e treinamento da forca de trabalho como também a estrutura e dinâmica da própria entidade empresarial O terceiro grupo de situações passíveis de contratação de empregador por meio da terceirização lícita é o que envolve atividades de conservação e limpeza. É uma espécie de terceirização que se destaca há bastante tempo, um dos primeiros tipos de terceirização que foram praticados no setor privado brasileiro. E por fim, o quarto grupo de situações passíveis de terceirização,são os serviços especializados a atividade-meio do tomador. A súmula não apenas interpretou, criou condições novas e avançou sobre a competência do legislador. É um tipo de terceirização que gera algumas polêmicas pelo fato de algumas empresas realizarem atividades-fim afirmando que realizam a atividade-meio. Esse grupo envolve atividades não expressamente discriminadas, mas que se caracterizam pela circunstancia unívoca de serem atividades que não se ajustam ao núcleo das atividades empresariais do tomador de serviços, e como afirmado acima, não se ajustam as atividades-fim do tomador. A súmula 331se limita a esses casos mencionados, limitou-se o legislador a apontar quatro grupos, para depois generalizar a enunciação ampla: Serviços especializados, ligados as atividade-meio do tomador. Mas desde que não exista a pessoalidade e subordinação direta. Antonio Álvares afirma ainda que: “A busca de maior eficiência é objetivo de toda e qualquer empresa. Caso contrário, ela não sobrevive. O mercado é implacável com a incompetência” (Silva, 2011, p.76).
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essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços (DELGADO, 2011, p.440).
Enfim, as distinções de atividades-meio e fim já vinham sendo elaboradas pela jurisprudência ao longo das décadas de 90 por influência dos dois diplomas legais dirigidos à Administração Pública, para melhor compreender a dinâmica jurídica da terceirização 2.3Análise de atividade As atividades que podem ser executadas de maneira indireta são aquelas que servem de mero suporte à atividade considerada principal na empresa. Nesse sentido, é importante e necessário estudar as atividades que são consideradas como atividades finalísticas do empregador a fim de compreender quais atividades não possuem essas mesmas características. No entanto, o item III da súmula 331 trouxe em sua redação o termo atividade-meio, referindo-se às atividades acessórias destinadas a colaborar com atividade finalística pretendida pela empresa. Contudo, essa diferença teórica mostra-se difícil de ser aplicada aos casos concretos. A dificuldade hoje enfrentada para distinguir os limites entre atividade-fim e atividade-meio não passou despercebida pelos membros da comissão de jurisprudência do TST quando da elaboração da súmula sendo, portanto, uma grande questão a distinção de atividade-fim e atividade-meio, quando o conceito é posto em função da atividade econômica. Antonio Álvares diz que: O fim de toda empresa é o lucro, e para isto, organiza os fatores da produção de tal maneira que, entre o custo e o preço da venda, haja uma margem que se denomina “lucro”. Para atingir este fim, tudo o mais seria meio (Silva, 2011, p.77). Em relação à atividade-meio: Note-se que tanto a especialização como o meio se prestam a obtenção de um fim. São parte de um outro serviço que se executa em sentido amplo, maior naturalmente do que a especialização. Especialização e meio,na atividade econômica, são conceitos instrumentais que podem variar de empresa para empresa, ou de atividade para atividade. O que é hoje especializado pode ser tornar genérico e o que é fim, pode se transformar em meio para a obtenção de um novo fim (Silva, 2011, p.77). Outros doutrinadores reconhecem que a expressão precisa de interpretação, mas com razão, esperava que tal dificuldade fosse superada por alguma legislação proveniente do poder competente. A relação de emprego é caracterizada pela prestação de serviços não-eventuais (essenciais para empresa) sujeitando o prestador a estado de subordinação correlata ao poder comando do empregador, cuja origem é o próprio contrato. Além disso, a prestação do empregado é infungível, porque é somente ele quem pode disponibilizar a sua força de trabalho para que o empregador dela faça uso, traço marcante caracterizador da pessoalidade na relação de emprego. A terceirização dos serviços na empresa deve ser examinada à luz dos traços típicos da relação de emprego (não-eventualidade dos serviços, subordinação hierárquica do empregado e pessoalidade, sob ótica mais flexível de sorte a permitir em determinadas circunstancias a delegação de algumas atividades da empresa para terceiros. Verifica-se a tendência no sentido de flexibilização do conceito não-eventualidade a partir da dicotomia serviços essenciais e serviços de apoio. Os primeiros situando-se na atividade fim da empresa, e o segundo na atividade-meio( atividades acessórias). Nas Palavras de Mauricio Godinho Delgado: Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleoda dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a
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Em contrapartida, sua definição para Atividades-meio: São aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas a essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços (DELGADO, 2009, p129). Para que exista a terceirização, sob o ponto de vista jurídico é indispensável a concorrência de três partes: a empresa tomadora, a empresa prestadora e o trabalhador. Sem a participação do trabalhador tem-se meramente um contrato de natureza civil ou administrativo entre a empresa tomadora e a prestadora. Caso não esteja presente a tomadora, tem se contrato de trabalho típico. Não havendo a figura prestadora, igualmente haverá relação de trabalho diretamente entre tomadora e trabalhadores. Nas Palavras de Mauricio Godinho. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: “O obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto a empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido (DELGADO, 2008, p.430). É com essa relação de trabalho trilateral que se forma grande parte das empresas de telecomunicação, a empresa prestadora, a empresa tomadora e o trabalhador. E é pela Lei Geral de Telecomunicação (lei 9.472/97) que se verifica os serviços de telecomunicações, por definição, são terceirizados, havendo a atividade-fim que é a transmissão, emissão e a recepção do transmitido, serviços esses que se realizam mediante redes e outros de valor adicionado, não constituindo serviços de telecomunicações, que passa a se avaliar. 3. A TERCEIRIZAÇÃO EM EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇÃO Nas décadas de 1980 e 1990 surgiram várias experiências onde as empresas de fachada eram criadas pra terceirizar atividades absolutamente indissociáveis daquele objeto da empresa contratante. Em outras situações as empresas contratadas não tinham capacidade financeira de arcar com suas obrigações e assim que rescindiam um contrato de prestação de serviços, desapareciam no meio da noite, deixando seus empregados a míngua com seus direitos trabalhistas. Após isso tudo, o TST em meados de 1986 veio consolidar pela primeira vez a jurisprudência sobre o tema, editando-se a sumula 256 que fora assim redigida: Sumula n.256 CONTRATO DEPRESTACAO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE.Salvo os casos de trabalho temporário e de serviços de vigilância, previstos nas leis n.s. 6.019, de 03.01.1974 e 7.102 de 20.06.1983,é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.
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Passado o tempo e em vista de algumas questões legais específicas, o posicionamento inicial foi revisto em 1993, levando a edição da Súmula nº 331TST, quefoi criada com intuito de classificar o que é Lícito e Ilícito no que se refere à terceirização. Contudo, após alguns anos, a súmula 331 anda perdendo sua eficiência em detrimento da desatualização. Antigamente, a terceirização tinha tratamento restritivo com as limitações da referida súmula, entretanto, hoje a questão têm que ser vista sob nova ótica embora deverá permanecer o mesmo fundo. É importante que a Terceirização, nos dias de hoje parta da premissa de que a terceirização pode ser livre, sem as restrições, desde que não prejudique o trabalhador. Esta é a única limitação possível e sobre ela deve-se voltar a atenção. Portanto, em vez de pensar em limitações, deve-se permitir a expansão da livre iniciativa, como vontade constitucional e garantir ao empregado a tutela do Direito do Trabalho, neste contexto, pois é exatamente para isso que ele existe. Antonio Álvares afirma com razão que: Esta atividade não constitui terceirização em sentido técnico, mas sim contratos ou relações de atividade para realização de interesses recíprocos. A medida que tais interesses se estabilizam e se tornam constantes por meio de negocio jurídicos expressos e permanentes, entra-se no terreno da terceirização, com suas diferentes formas de realiacao. Estamos diante de um mundo dispersivamente organizado, e para essa situação o Direito do Trabalho só pode ter uma medida: impedir o prejuízo ao empregado sem limitar a livre iniciativa, bem constitucionalmente protegido (Silva, 2011, p.107). A vida econômica tem estrita ligação aos fatos, aatividade é intensa, num mundo com grandes evoluções tecnológicas e inovador, não admite mais soluções teóricas baseadas em grandes sistemas mentais. A pratica tornou-se extremamente experimental e inovadora assim, revertendo a pirâmide do conhecimento. Dois exemplos são dados por Antonio Álvares, quando uma empresa terceiriza serviços que antes ela mesma realizava, por exemplo, transporte para entrega, delegando esta atividade para empregados, geralmente antigos de casa, ajudando-os a criar uma nova empresa, duas alternativas provavelmente acontecerão. Se esta empresa abre falência ou passa por crise, sua criação pode ser tida como fraudulenta, pois seria manobra para a empresa terceirizante se livrar de antigos empregados, sendo assim, cria-se o vínculo com a empresa tomadora de serviços. Mas, se as empresas criadas progridem e tem sucesso, os ex-empregados agradecerão ao ex-empregador, e a jurisprudência examinando o caso concreto, vai indicar a solução certa para o caso. Havendo fraude, a empresa originaria será responsável pela reintegração dos antigos empregados e pela responsabilidade dos empregados deles. O ponto principal de abordagem é que se a empresa terceirizada delega serviços a outra, dela totalmente independente, que lhe presta com exclusividade ou não, algum tipo de atividade, essa terceirização é perfeitamente lícita não pode ser impedida por nenhuma razão jurídica. Mas, é importante ressalvar que a empresa originaria torna-se responsável em caso de descumprimento de obrigação trabalhista. A Justiça do Trabalho vem decidindo que Call Center é á atividade principal. Assim, esbarramos no artificialismo da diferenciação de atividades-meio e atividades-fim que possuem a natureza didática e operacional. O core business de uma atividade empresarial pode variar, ele esta sempre variando, e sofrer frequentes adaptações. Se uma empresa que não tem Call Center resolve contratar com outra empresa o fornecimento deste serviço, soa impertinente que a Justiça impeça desta decisão. Ainda afirma Antonio Álvares:
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Seria uma agressão ao art. 1 , IV da Constituição. Com o ato, ela não prejudica ninguém. Não fere os direitos. Não precariza contratos de trabalho, não rebaixa salário, mesmo porque não possui tal serviço. Apenas exerce a liberdade de contrair ou expandir suas atividades. E isto é natural e esta plenamente de acordo com os arts. 1, IV e 170 da Constituição Federal. Nenhuma empresa de telecomunicação ou de qualquer outra natureza esta obrigada a empregar diretamente todos os trabalhadores que atuam dentro dos objetivos comerciais e econômicos de sua atividade , a não ser que esta seja sua livre opção. Pode concentrar, expandir, terceirizar, consorciar-se, formar grupos e tudo mais que a moderna economia oferece como liberdade de ação. O que não pode é por meio destas atividades, prejudicar o empregado e violar seus direitos (Silva, 2011, p.106). Após essa citação, fica claro que a terceirização lícita, não objetiva prejudicar os empregados muito menos restringi-los de seus direitos, mas faz com que as empresas obtenham um maior lucro em uma sociedade de grande concorrência, melhorando não apenas a condição financeira daquele território, mas um maior crescimento econômico-social gerando empregos. As empresas ganham porque cumprem além do lucro, sua função social e política para gerar riqueza para o bem comum. Se isso não acontecesse, caso o judiciário não a permita, ele estará ferindo o art. 1, IV da Constituição. A terceirização Lícita, não precariza a relação de emprego. Pelo contrário, consolida-a porque tornam responsáveis todas as empresas que se beneficiaram do trabalho prestado. Com essa garantia as empresas só praticarão a terceirização certa, pois saberão que se for fraudulenta, haverá responsabilidade subsidiária. O artigo 60, da Lei Geral de Telecomunicação, define serviço de telecomunicações como o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação, e em seu inciso primeiro define as atividades que a englobam. § 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. O serviço de telecomunicação tem como objetivo no desenvolvimento de suas atividades, a garantia do acesso a uma rede de telecomunicação. As empresas de Call Center, por exemplo, prestadoras de serviços de telecomunicação, visam o atendimento ao cliente, o tráfego de informações, ou seja, desenvolvem a capacidade do sistema de possuir, comandar e gerenciar informações de várias fontes. Cumpre ainda ressaltar que da própria Lei Geral de Telecomunicação (lei 9.472/97) verifica-se que os serviços de telecomunicações, por definição, são terceirizados, havendo a atividade-fim que é a transmissão, emissão e a recepção do transmitido, serviços esses que se realizam mediante redes e outros de valor adicionado, (não constituindo serviços de telecomunicações). Neste contexto é importante registrar que não é atividade fim das empresas de telefonia operar fibra ótica ou redes metálicas; ou mesmo operar centrais telefônicas, estrutura física pertinente; satélites; manter sistemas físicos que os faça funcionar, pois estas atividades não implicam prestar o serviço de telecomunicação. O serviço de telecomunicação está diretamente relacionado com a atividade econômica de fornecer acesso à rede de telecomunicação. O acesso à rede compreende tanto a necessidade imediata de comunicação como a de estabelecer outra rede.
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Observa-se, ainda sobre as empresas de telefonia, a existência de outro artigo que especifica a norma para terceirização dos serviços na área de telecomunicações, ao teor do art. 94 da Lei Geral de Telecomunicações: Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência: II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados. Contudo, os Tribunais muitas vezes têm confundido atividadefim com atividade-meio, mas que são, como os demais serviços e a própria rede, inerentes, acessórios, ou serviços complementares usados necessariamente pelas empresas de telecomunicações. Deste modo, não pode ser considerada como atividade fim das empresas de telecomunicação a operação de redes metálica, fibras óticas ou até mesmo as centrais de telefonias, pois tais atividades não são tidas como prestação de serviços de telefonia. O Supremo Superior do Trabalho tem dado várias decisões a favor da terceirização, entendendo que a lei 9.472/97 deve ser aplicada ao invés da súmula 331 do próprio TST, conforme exponho no item a seguir. 3.1Análise jurisprudencial O Tribunal Regional do Trabalho em especial o da 3ª Região possui diversos entendimentos no que se refere à tericeização, existem magistrados que embasam o entendimento de forma restrita a súmula 331 e outros que tomam como base a Lei Geral de telecomunição(Lei 9472/94) considerando lícita a terceirização da atividade estudada no presente trabalho. A decisão exposta abaixo, diz respeito à terceirização de serviços de Call Center, considerada lícita por uma autorização da lei geral de telecomunicações em seu art. 94, II. EMENTA: CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO. CALL CENTER. ATIVIDADE-MEIO. TERCEIRIZAÇÃOLÍCITA. A execução de tarefas inerentes à atividade-meio da tomadora de serviços não configura terceirização ilícita, mormente quando ausente a subordinação direta (inteligência do item III da Súmula n. 331 do TST). Assim, demonstrado nos autos que a reclamante prestou serviços através de empresa terceirizada, em atendimento telefônico no callcenter, nos termos contratados pelas reclamadas, não há falar em ilicitude, considerando que a Lei Geral de Telecomunicações, em seu artigo 94, II, autoriza expressamente este tipo de contratação. A certidão do acórdão abaixo, publicada recentemente, nos mostra o entendimento da Desembargadora Relatora Mônica Sette Lopes explana, que se adéqua ao estudo realizado nesse trabalho. “Certifico que o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região, em Sessão Ordinária da 9a Turma, hoje realizada, julgou o presente processo e, à unanimidade, conheceu do recurso da 2ª reclamada (f. 224/252) e da 1ª reclamada no mérito, sem divergência, deu provimento aos recursos das reclamadas para declarar a licitude da terceirização, afastar o vínculo empregatício diretamente com a Telemar e excluir da condenação o pagamento das diferenças salariais em razão do piso previsto nos instrumentos coletivos da tomadora dos serviços... À categoria dos trabalhadores de callcenter corresponde não apenas um volume significativo de pessoas vinculadas a uma atividade que decorre de modificações tecnológicas e de novos meios de
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comunicação, mas como um conjunto de interesses e necessidades que é inteiramente diverso, por sua especialização, daquele que se concentra nas múltiplas tomadoras para as quais podem prestar serviços, as quais se dirigem a finalidade social. Podemos ainda, verificar várias outra jurisprudência de alta repercussão que defende a terceirização pelas empresas de telecomunicação. “EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM - IMPOSSIBILIDADE. O § 1º do art. 25 da Lei nº 8.987/95, bem como o inciso II do art. 94 da Lei nº 9.472/97 autorizam as empresas de telecomunicações a terceirizar as atividades-meio, não se enquadrando em tal categoria os atendentes do sistema call center, eis que aproveitados em atividade essencial para o funcionamento das empresas. Recurso de revista conhecido e desprovido”. Diante das decisões colocadas, podemos concluir finalmente que a terceirização realizada pelas empresas de telecomunicação não pode ser banida, estando, portanto esta autorizada diante da constitucionalidade da lei 9.472/97. 4 considerações finais A terceirização nas empresas de telecomunicação ainda está associada à insegurança jurídica, tendo em vista os vários entendimentos que norteiam a referida matéria. O direito tem um ideal de justiça, pautado na defesa dos mais fracos diante dos mais fortes, promovendo igualdade, além de garantir a harmonia social e também a segurança jurídica. Contudo, deve-se compreender que o direito possui as duas faces, a do empregado e empregador, o mais fraco e o mais forte, e é nesse ponto que lei deve assegurar ao empregado o ideal de justiça e garantir a segurança jurídica para que ele consiga atingir seu ideal de harmonização e integral social. As empresas de telecomunicação fazem parte da evolução histórica do trabalho, que é uma das maiores e mais nobre conquistas sociais, e é por essa razão que o Direito do Trabalho se tornou um ramo jurídico especializado de suma importância para ciência do Direito. No entanto, para que o Direito do Trabalho consiga atingir sua finalidade maior, de regular as relações laborativas de modo a acompanhar as mudanças contemporâneas. Para tanto, deve levar em consideração a visão, os conceitos, características e princípios próprios do ramo justrabalhista, desde que atendam as demandas do mercado laborativo, e atendam, sobretudo, os anseios sociais, econômicos e políticos de toda sociedade. No decorrer do estudo, conclui-se que o fenômeno da terceirização trabalhista, verdadeiramente, considerado recente no Direito do Trabalho, necessita de mais atenção por parte dos juristas a fim de aplicar a lei geral de telecomunicações para que o trabalhador e empregador tenham segurança quanto a atividade desempenhada. A terceirização passa-se como indispensável na solução de problemas organizacionais, tanto no âmbito industrial, administrativo e principalmente na prestação e fornecimento de serviços e mão-de-obra especializada, visando à qualidade e eficácia no desenvolvimento das atividades. Com base na Lei Geral de Telecomunicações – 9.472/97 é considerada lícita a terceirização que se atenham a atividade-meio, existe a permissão expressa para contratação de prestadores de serviços. Sendo assim é lícita a terceirização que envolve as empresas de Call Center, uma vez que os serviços prestados são enquadrados como atividade-meio, e requerem assim a aplicabilidade da referida lei por se tratarem de serviços complementares, utilizados tão somente em favor das empresas de telecomunicações, e além
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do mais, por se tratar à Súmula 331 do TST de norma geral, não poderia revogar os efeitos de uma norma especial, que é o caso da Lei Geral de Telecomunicações – 9.472/97 que regula sobre os serviços de telecomunicações. Contudo, a terceirização é uma realidade, para tanto é importante o estabelecimento de requisitos para a criação e funcionamento de empresas de serviços a terceiros, a definição quanto à extensão e o grau de responsabilidade do tomador de serviços, a delimitação do objeto de contrato e a fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas a fim de se evitar afronta aos preceitos fundamentais descritos na Constituição. Conclui-se que atualmente, existe a necessidade do direito caminhar junto à realidade social, a terceirização de serviços a cada dia aumenta, e as normas não são adequadas conforme a realidade empresarial. As normas jurídicas devem solucionar os conflitos ocorridos no dia-a-dia de uma sociedade, para que o Direito atenda sua finalidade, com justiça acima de tudo.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Editora LTr. 5ª Ed. São Paulo, 2008.
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NOTAS DE FIM 1 Acadêmica em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. E-mail: kamila. duque@hotmail.com 2 Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2009). Advogada Trabalhista. Professora do Centro Universitário Newton. 3 Tatiana Bering Roxo; Daniela Lage Mejia Zapata.
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CAPACITAÇÃO TÉCNICA DE POLICIAIS SEM CURSO SUPERIOR PARA PERÍCIA DE POTENCIALIDADE DE ARMA DE FOGO:flexibilização do artigo 159 § 1º do Código e Processo Penal Karoline Cardoso Villaça 1 Cristian Kiefer da Silva2 Banca Examinadora3 RESUMO: Após decisões judiciais como o Habeas Corpus n° 101028 do Superior Tribunal Federal, o presente tema vem se tornando discutível em razão de ofender determinação expressa do artigo 159, § 1º do Código de Processo Penal, o referido dispositivo prevê a possibilidade de realização de perícias por pessoas idôneas, preferencialmente na área, portadores de diploma com curso superior. Ocorre que existe uma flexibilização diante do citado dispositivo, deste modo, as decisões jurisprudenciais apresentam-se como o ponto principal para a análise do tema proposto, pois diante das decisões dos órgãos superiores de justiça acerca da perícia de potencialidade de arma de fogo efetuada por policiais sem curso superior, surge um novo contexto, com força argumentativa jurisprudencial e conclusões adquiridas pela reflexão do tema. Palavras-Chave: Capacitação técnica de policiais; Perícia de Potencialidade de Arma de Fogo; Flexibilização. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A Perícia no Processo Penal; 3 A Importância do Exame de Corpo de Delito; 3.1Exames de Corpo de Delito Direto, Indireto e a Prova Testemunhal; 4 Dos Peritos; 4.1Das Espécies de Perito; 5 A simples Verificação de Potencialidade de Arma de Fogo.
1 INTRODUÇÃO O presente trabalho versa sobre o laudo pericial realizado por agentes policiais sem curso superior para atestar a potencialidade de arma de fogo, as decisões jurisprudenciais tem se embasado na simplicidade do exame para saber se uma arma atira ou não, bem com a natureza da atividade policial, ou seja, imprescindível a técnica do uso de arma de fogo. Portanto, o laudo pericial realizado, conforme posicionamento jurisprudencial, Habeas Corpus (HC 101028), tem técnica de validade para atestar a potencialidade da arma de fogo. O objetivo diante do tema proposto é beneficiar a análise da instrução penal, quando se tratar de capacidade lesiva de arma de fogo atestada em exame de corpo de delito por agente policial sem formação superior. O tema está em consonância com a determinação do artigo 159 do Código de Processo Penal. Portanto, o que se pretende é acabar com a alegação de nulidade de exame de corpo de delito de potencialidade de arma de fogo realizada por agente policial sem formação superior, que mesmo sem formação superior tem capacidade técnica de demonstrar a potencialidade lesiva de arma de fogo. Diante dessas reflexões expostas no presente trabalho, para que seja possível melhor entendimento sobre o tema, serão abordados alguns institutos relevantes, como é o caso da perícia no processo penal, sendo esta um dos vários tipos de provas que existe e que por sua complexidade, exige conhecimentos técnicos específicos para que sua produção possa ocorrer. Como será demonstrado, a perícia deverá ser sempre realizada por um perito, pois este é um especialista que possui qualificação para a realização do exame pericial. Neste ponto, será analisado a importância do exame de corpo de delito, bem como sua natureza, pois este pode ser direto ou indireto como previsto no Código de Processo Penal. O questionamento desse trabalho está impulsionado exatamente naqueles casos excepcionais em que há a falta do perito oficial, pois na falta deste, no que toca a realização da perícia de potencialidade de arma de fogo, é existente uma flexibilização por parte dos tribunais superiores para a realização desse exame, ficando evidente LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
que a disposição do artigo 159, § 1º do Código de Processo Penal deve ser flexibilizada para melhor andamento da instrução penal. 2 A PERÍCIA NO PROCESSO PENAL A perícia trata-se de uma atividade que concerne na realização de um exame pericial realizado por um especialista, o qual denominamos como perito, ou seja, um profissional legalmente habilitado e que possui competência para verificar, esclarecer e apurar a ocorrência de determinados acontecimentos que necessitam de exame pericial, para que seja possível o esclarecimento técnico de fatos relevantes. No âmbito do processo penal, a perícia é um dos vários tipos de provas existentes, sendo esta de caráter especial, pois necessita de conhecimentos especializados para que a sua realização seja efetuada. Notório observar que a lei 12.030, de 17 de setembro de 2009 estabelece sobre as normas gerais para as perícias oficiais de natureza criminal, prevê também que a execução das perícias criminais é de competência exclusiva dos peritos criminais, e em seu artigo 5º a referida lei descreve quem são os peritos de natureza criminal, sendo estes, perito criminal (policial civil estadual ou federal); peritos médico -legista e peritos odontolegistas. Art. 5º Observado o disposto na legislação específica de cada ente a que o perito se encontra vinculado, são peritos de natureza criminal os peritos criminais, peritos médico-legistas e peritos odontolegistas com formação superior específica detalhada em regulamento, de acordo com a necessidade de cada órgão e por área de atuação profissional (Brasil, 2009, Lei 12.030). A perícia compreende basicamente na interpretação, apreciação e descrição na forma escrita, qual seja, laudo pericial dos fatos ou das circunstâncias de visível interesse do poder público judiciário. Eugênio Pacelli de Oliveira, ao abordar o instituto da prova pericial em sua obra nos ensina que: A prova pericial, antes de qualquer outra consideração, é uma prova técnica, na medida em que pretende certificar a existência de fatos cuja certeza, segundo a lei, somente seria possível
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a partir de conhecimentos específicos. Por isso, deverá ser produzida por pessoa devidamente habilitada, sendo o reconhecimento desta habilitação feito normalmente na própria lei, que cuida das profissões e atividades regulamentadas, fiscalizadas por órgãos regionais e nacionais (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, 2008, p.357/358). 3 A IMPORTÂNCIA DO EXAME DE CORPO DE DELITO Preliminarmente é de grande importância partir de um ponto conceitual sobre o exame de corpo de delito, o qual sobre a análise do instituto no âmbito do direito penal, consiste em o conjunto de vestígios materiais que comprova a existência de um fato ou atuação criminosa, ou seja, o exame de corpo de delito é a perícia que tem como objetivo primordial averiguar os vestígios que foram deixados pela infração penal realizada. O conceito de corpo de delito sob a análise técnico-pericial tem por objeto a construção do delito em sua corporação física, o qual a sua essência se apresenta por ser exatamente o próprio fato criminal. Desta forma, diante de varias analises é realizada a perícia para que seja possível determinar elementos que concorrem para um resultado satisfatório, como por exemplo, a verificação da autoria de determinado crime, como também a extensão de danos causados pela conduta delituosa. Notório observar que o corpo de delito é usado quase de forma exclusiva naqueles casos em que há no local da infração penal, a existência de vestígios do delito, como é o caso do crime de incêndio previsto no artigo 250 do Código Penal Brasileiro. O citado artigo prevê que causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem é crime. Por exemplo, podemos citar o caso de um incêndio em uma determinada residência, habitada por uma família que possuía vários desafetos e, por conta do incêndio, todos os integrantes vieram a falecer. Neste caso, nota-se que o exame de corpo de delito será efetuado na residência para que seja possível concluir se tal incêndio foi criminoso ou não. Assim, resta claro o entendimento de que o exame de corpo de delito não se refere a apenas ao corpo humano, como é o caso de um indivíduo que sofreu lesão corporal seguida de morte, e seu corpo será submetido a uma autópsia (exame médico das partes internas e externas de um cadáver). Deste modo, a expressão corpo de delito é utilizada para os exames cadavéricos, como também para os exames de constatação de materialidade e verificação da autoria de fatos delituosos. No Direito Penal o que se almeja alcançar é o reconhecimento de uma verdade jurídica e, para que esse reconhecimento seja possível é necessário que provas sejam produzidas para que as mesmas possam formar a convicção do juiz, para que este possa analisar os elementos necessários e deste modo poder decidir sobre determinada causa. Neste sentido, resta claro que o exame de corpo de delito tem por finalidade a comprovação, por meio da perícia, dos elementos objetivos do tipo. Sendo que sua ênfase se dá no evento produzido pela conduta delituosa, ou seja, a consumação ou resultado, de que depende a existência do crime. O artigo 158 do Código de Processo Penal prescreve: “Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. O artigo 525 do mesmo diploma legal prevê: “No caso de haver o crime deixado vestígio, a queixa ou a denúncia não será recebida se não for instruída com o exame pericial dos objetos que constituam o corpo de delito”.
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É perceptível a finalidade do legislador em ser prudente nos dispositivos supracitados, pois mesmo com a obrigatoriedade do exame de corpo de delito, ainda assim verifica-se a existência de erros perante o instituto, como: falta de perito lotado na comarca ou perito ad hoc para realização do exame e alegações de nulidade de exames que atingem sua finalidade. Diante destes dispositivos se nota a importância do exame de corpo de delito para o processo penal, pois é por meio deste que a materialidade do crime será comprovada. 3.1 Exame de corpo de delito direto, indireto e a prova testemunhal O exame de corpo de delito pode ser de duas naturezas, primeiramente pode ser direto, que se caracteriza por ser aquele exame efetuado diretamente no local do vestígio da conduta delituosa. Pode ser indireto, sendo aquele em que o perito se vale apenas de elementos acessórios para elaborar o laudo pericial, pois neste caso, os vestígios da conduta delituosa não estão a sua disposição. No que toca ao exame de corpo de delito indireto, existem vários tipos de criticas a respeito de tal exame, pois inexiste o contato do perito com a coisa ou pessoa examinada como ocorre no exame de corpo de delito direto. O laudo pericial elaborado pelo perito se limita como base de elaboração, apenas em informações narradas ou documentadas por terceiros acerca dos vestígios que foram deixados pela conduta delituosa ou também por outros meios como fotografias e vídeos. O artigo 167 do código de processo penal prevê que se não for possível efetuar o exame de corpo de delito em razão do desaparecimento dos vestígios da conduta delituosa, a prova testemunhal poderá suprir a falta desse exame. Portanto, o exame de corpo de delito indireto e a prova testemunhal não se confundem. O exame de corpo de delito indireto somente ocorrerá quando o perito utilizar os conhecimentos técnicos na avaliação da conduta delituosa por meio de outros tipos de provas, como por exemplo, a fotografia que é um tipo de prova documental. Já a prova testemunhal, com a narrativa dos fatos perante o juízo acarretará, na falta da realização, o suprimento do exame de corpo de delito direto e indireto. Assim, não existindo deste modo, nenhum tipo de formalidade para tal procedimento de substituição. Neste sentido, a lição de Hélio Tornaghi: Há casos em que os peritos, exatamente por seus conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, podem “opinar à vista dos elementos de que disponham”: depoimentos, filmes, fotografias, objetos encontrados etc. Nessa hipótese a lei permite o exame indireto. Exame indireto não se confunde com o mero depoimento de testemunhas, o qual pode suprir o exame de corpo de delito (art. 167). Nele, no exame indireto, há sempre um juízo de valor feito pelos peritos. Uma coisa é afirmarem as testemunhas que viram tais ou quais sintomas, e outra os peritos concluírem daí que a causa mortis foi essa ou aquela (TORNAGHI,Hélio, 1990, p. 319). 4 DOS PERITOS Os peritos são especialistas os quais possuem qualificação técnica especifica que, diante da sua área de atuação, são chamados para prestarem atividades judiciais ou extrajudiciais com esclarecimentos técnicos para o qual detêm conhecimentos aprofundados. São indivíduos que, por exercerem atividade de natureza científica, suprem a incapacidade do juiz e das partes no que toca à apreciação de fatos referentes à causa quando esta apreciação necessita de qualificação técnica.
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Estes especialistas não possuem a função de acusar, defender ou julgar, pois a finalidade de sua atividade consiste em relatar a realidade dos fatos, a análise da matéria que lhe são pertinentes. Deste modo, o perito exerce sua atividade para verificar os fatos que são relativos à perícia, devendo sempre apreciar e interpretar os fatos e seus elementos para que seja possível a efetuação de um parecer técnico ao juiz ou partes. Neste sentido, a lição de Aury Lopes: O perito é uma pessoa com conhecimentos científicos ou artísticos dos quais o juiz, por sua formação jurídica específica, pode carecer. É chamado para apreciar, através das máximas da experiência próprias de sua especializada formação, algum fato, ou circunstância obtida anteriormente por outro meio de averiguação, e que seja de interesse ou necessidade para a investigação ou processo (LOPES, Aury, 2011, p. 592/593). 4.1 Das espécies de perito Perito oficial é o servidor público devidamente concursado que possui conhecimentos técnicos em determinada área. É investido na função por meio de lei e não pela nomeação feita pelo juiz para verificação de assuntos ao processo. Perito Médico é o individuo formado em medicina com registro no CRM (Conselho Regional de Medicina) que realiza exames periciais para esclarecimentos de questões relacionadas à medicina, como análise de doenças preexistentes. Este indivíduo é requisitado pelo juiz e tem o dever de exercer a atividade técnica para verificação de determinadas informações sobre os fatos do ponto de vista qualificado, pois o perito médico está a serviço da justiça e notadamente é isento do sigilo profissional. Perito Judicial é o indivíduo com capacidade técnica especializada em suas respectivas áreas de atuação. Atuam conforme sua especialidade, matéria do processo, sua função é exercida com nomeação pelo juiz. Sua nomeação pode ser dar em qualquer processo do Judiciário quando necessário. Perito Ad Hoc é o indivíduo que atua em uma ocasião excepcional, ou seja, é o perito designado para substituir o perito oficial na falta deste. Neste caso, a autoridade competente irá indicar um individuo nos termos da lei para exercer a função. 5 A SIMPLES VERIFICAÇÃO DE POTENCIALIDADE DE ARMA DE FOGO Para que o exame de corpo de delito direto seja efetuado, é necessário que o indivíduo responsável pela realização do exame tenha formação acadêmica específica, e que seja aprovado em concurso público para o cargo de perito oficial, conforme prevê o artigo 2º da lei 12.030, de 17 de setembro de 2009, vejamos: Art. 2º No exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal, é assegurado autonomia técnica, científica e funcional, exigido concurso público, com formação acadêmica específica, para o provimento do cargo de perito oficial (Brasil, 2009, lei 12.030). O artigo 159 do código de processo penal no que toca a realização do exame de corpo de delito, também prevê a necessidade de o mesmo ser realizado por perito oficial e que este possua formação em nível superior, vejamos o dispositivo: Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior (Brasil, 1941, Decreto-lei 3.689). É notório que atualmente, apenas em casos excepcionais, a nossa atual legislação admite que o exame de corpo de delito seja efetuado por dois profissionais que não são peritos oficiais, poden-
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do ser qualquer indivíduo que detenha conhecimentos específicos do exame a ser realizado, vejamos o dispositivo previsto no artigo 159, § 1º do CPP: § 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame (Brasil, 1941, Decreto-lei 3.689). A aplicação do § 1º do artigo 159 do Código de Processo Penal é possível quando na localidade a qual precisa da perícia não possui o perito oficial, situação comum em determinadas comarcas em razão da falta de lotação de peritos oficiais, assim, a autoridade responsável determinará que 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame, dê prosseguimento na realização da perícia. Daí nos deparamos com o problema, pois, quando se tratar da simples verificação de potencialidade de arma de fogo, teremos decisões de flexibilização da determinação do artigo 159, § 1º do Código de Processo Penal, em razão de comarca com falta de perito oficial. Assim, a perícia de potencialidade de arma de fogo tem sido realizada por agentes policiais que não são portadores de diploma em curso superior, razão pela qual surge a alegação de nulidade do exame de corpo de delito direto, em razão de não preencher os requisitos do artigo 159, §1º do Código de Processo Penal. Todavia, tal alegação de nulidade de exame de corpo de delito direto, especificamente o que comprova a potencialidade de arma de fogo, feita por policiais que atestam a capacidade lesiva da arma, vai a confronto com todo o instituto do exame de corpo de delito, que a grosso modo possui como sua principal finalidade, perpetuar o corpo de delito, ou seja, levar a realidade do fato existente ao processo penal. Desta forma, fica evidente que a flexibilização do dispositivo legal em relação a simples verificação de potencialidade de arma de fogo por policiais não portadores de diploma de curso superior, visa apenas beneficiar o processo penal. A alegação de nulidade do exame de corpo de delito na hipótese deste ser realizado por agente policial sem formação superior resta prejudicado, pois os tribunais superiores têm julgado os processos com uma flexibilização do artigo 159 do Código de Processo Penal, bem como sob o fundamento de capacidade técnica de agentes policiais quando se tratar de verificação de potencialidade de arma de fogo, vejamos: A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu Habeas Corpus (HC 101028) no qual a Defensoria Pública da União pretendia obter a absolvição de Valdemar Ferreira da Silva, condenado a dois anos de reclusão por porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei nº 10.826/03), sob a alegação de que a nulidade na perícia da arma apreendida acarreta a inexistência de prova da materialidade do crime. O julgamento foi concluído na sessão de ontem (28), com o voto-vista do ministro Joaquim Barbosa, que divergiu do relator, ministro Eros Grau (aposentado). Grau havia acolhido o argumento da Defensoria Pública, mas Barbosa divergiu de seu voto, sendo acompanhado pelos demais ministros da Segunda Turma do STF. De acordo com o artigo 159 do Código de Processo Penal (CPP), os exames de corpo de delito e outras perícias devem ser feitos por dois peritos oficiais. Na falta deles, o juiz poderá nomear duas pessoas idôneas, portadoras de curso superior e com habilitação técnica para fazer o exame. A juíza da comarca de Taquiri (RS) designou dois policiais para fazer a perícia na arma apreendida, mas só um deles
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tinha diploma de Direito. O outro ainda não havia concluído o curso. Foi atestado que a arma estava com munição e apta a realizar disparos. Foi com base na informação de que um dos peritos ainda não possuía diploma universitário que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) acolheu recurso de apelação contra a sentença condenatória, reconhecendo a nulidade absoluta da perícia na arma apreendida, circunstância que levaria à absolvição de Valdemar. O ministro Joaquim Barbosa citou em seu voto declarações da juíza de Taquari de que ninguém melhor que um policial para aferir o funcionamento de uma arma, pois se trata de seu instrumento de trabalho diário. Além disso, a perícia não é nada complexa: basta acionar o gatilho para verificar se há deflagração do cartucho, com a consequente realização do tiro . Não posso concordar com a conclusão do Tribunal de Justiça gaúcho, tendo em vista que a prova, no Direito moderno, não é tarifada, especialmente em se tratando de crime que não deixa vestígio, como é o caso do porte ilegal de arma. Portanto, ainda que se considere ausente ato válido de exame de corpo de delito, ele pode ser suprido pela prova testemunhal, como ocorre no caso em análise. As nuances do caso concreto devem ser consideradas para afastar a aplicação dos precedentes invocados pelo ministro Eros Grau, tendo em vista que a arma estava municiada e houve exame de comprovação de sua eficácia, subscrito por um perito com diploma de curso superior e outro perito, ainda não detentor do diploma, mas com idoneidade e conhecimento técnico para aferir a eficácia da arma utilizada, por ser policial , concluiu o ministro Joaquim Barbosa (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2011, Habeas Corpus 101028). De acordo com a decisão, ninguém melhor que um agente policial para atestar a capacidade lesiva de uma arma de fogo, razão pela qual a interpretação do artigo 159, § 1º do Código de Processo Penal deve ser flexibilizada se tratando de potencialidade de arma de fogo, veja a interpretação acerca da capacidade do agente policial: Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ART. 14 , CAPUT, DA LEI 10.826 /2003. ARGUIÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL. REJEIÇÃO. EXAME TÉCNICO EM CONSONÂNCIA COM O ART. 159 , § 1º , DO CPP . DISPENSABILIDADE DE COMPROVAÇÃO DO NÍVEL DE ESCOLARIDADE DOS PERITOS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. CABIMENTO. PEDIDO DE ISENÇÃO DE CUSTAS. JUÍZO DA EXECUÇÃO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não deve ser acolhida a argüição de nulidade processual, sob o argumento de ausência de demonstração da qualificação dos peritos, se o exame técnico preenche as exigências previstas no artigo 159 , § 1º , do CPP . 2. A comprovação da existência de diploma superior por parte dos peritos que assinaram o laudo é dispensável, se demonstrados conhecimentos técnicos específicos que os credenciem a fornecer as informações necessárias ao esclarecimento do julgador. 3. Inquéritos policiais e ações penais em curso não podem ser considerados como maus antecedentes para impedir a substituição da pena corporal por restritiva de direitos. Precedentes do STJ. 4. Sendo a condenação nas custas processuais conseqüência da sentença condenatória, eventual pedido de isenção somente poderá ser examinado na fase de execução do julgado, e não em sede de recurso de apelação. 5. Apelo conhecido e parcialmente provido (Tribunal de Justiça do Maranhão, 2010, Apelação Criminal 243672010).
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se diante de todo o exposto, que a análise da capacidade técnica do policial, bem como eficiência do exame realizado pelo agente policial ao verificar a potencialidade da arma de fogo é suficiente para gerar celeridade e satisfação na instrução processual penal. O policial sem formação superior ao utilizar sua capacidade técnica para verificar a potencialidade de arma de fogo atinge de forma satisfatória o objeto e finalidade daquele exame de corpo de delito, o qual tem como resultado atestar a potencialidade lesiva da arma de fogo ferramenta do delito. Nesse contexto, em razão dos benefícios para a análise e eficácia de provas para o processo penal no porte de arma de fogo, bem como para o instituto do exame de corpo de delito direto, podemos evitar o efeito protelatório, utilizado por muitos operadores do direito. Assim, evitando a alegação de nulidade do exame de corpo de delito direto de verificação lesiva de arma de fogo, o qual foi realizado e atestado por quem tem capacidade técnica, ou seja, um policial. Portanto, evitando que fique prejudicada a instrução penal que averigua a potencialidade de arma de fogo que foi atestada por agente policial sem curso superior, entretanto, com capacidade técnica para atestar se a arma de fogo tem potencialidade para atirar ou não. Desta forma, há que se verificar a flexibilização do artigo 159, §1º do Código de Processo Penal, nota-se um efeito benéfico para a instrução processual penal.
REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto Lei nº 3.689 de 1941. Dispõe sobre o Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm; Acesso em 24/11/2013. BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO. Consulta jurisprudencial. Disponível em: http://www.tjma.jus.br/. Acesso em 24/11/2013. BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE SO SUL. Consulta jurisprudencial. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site/. Acesso em 24/11/2013. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INFORMATIVO 587; Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo587.htm. Acesso em 24/11/2013. BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Consulta jurisprudencial. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/. Acesso em 24/11/2013. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INFORMATIVO 587; Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo587.htm. Acesso em 24/11/2013. BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Consulta jurisprudencial. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/. Acesso em 24/11/2013. GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Porte ilegal de arma de fogo. Perícia. Perito oficial. Perito não oficial. Disponível em: http://ww3.lfg.com. br/public_html/article.php?story=2010102512480416&mode=print. Acesso em 24/11/2013. GRECO, Filho Vicente. Manual de Processo Penal, 10ª ed. São Paulo: Saraiva,2013. LAKATOS, Eva Maria. Metodologia Científica, 2ª edição. São Paulo:Atlas, 1992. LOPES, Júnior, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Processo Civil Aplicado pelo CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor Assistente e Pesquisador da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Auxiliar da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor Adjunto e Pesquisador do Centro Universitário UMA. Professor Adjunto e Pesquisador da Faminas-BH. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI). Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”. 3 Banca examinadora: Cristian Kiefer da Silva; Antônio Eustáquio.
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OS CONFLITOS EXISTENTES QUANTO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ASSEGURADOS AOS ADEPTOS DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL: Reflexões sobre a resolução dos conflitos constitucionais Laiane A. Dantas de Oliveira1 Bernardo Nogueira2 Banca Examinadora 5 RESUMO: O presente trabalho visa discutir acerca da inseminação artificial heteróloga, apontando que em tal prática há conflitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal. De um lado temos o doador do semem que terá direito á privacidade, em contrapartida, a criança advinda de tal procedimento que terá direito á vida e a sucessão biológica. Cumpre salientar a melhor resolução para questões desse tipo, no caso ponderando-se qual direito deva preponderar. PALAVRAS CHAVE: Inseminação artificial heteróloga; conflitos de princípios; direitos fundamentais, neoconstitucionalismo; dignidade da pessoa humana. SUMÁRIO: Introdução. 1. Breve situação do direito constitucional. 2. Sobre o Neoconstitucionalismo. 3. Sobre direito á vida direito á sucessão biológica e direito á privacidade. 4. Sobre a dignidade da pessoa humana. 4.1. Direito à intimidade versus Direito ao conhecimento da origem genética/ Direito a vida. 5. Técnica jurídica para resolução do conflito constitucional. 6. Questões Doutrinárias. 6.1. Questões Legais. 6.2. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO As técnicas de reprodução assistida são consideradas formas de terapia da infertilidade, funcionando como tratamentos capazes de dar filhos a quem a natureza os negou. Sendo assim, inseminação artificial heteróloga3 surge como uma das técnicas de reprodução artificial que é utilizada quando outras técnicas terapêuticas forem ineficazes. Há registro que este procedimento se dá desde a idade média, como afirma Lopes (2000, p. 585). Segundo este autor, a primeira inseminação artificial ocorreu na idade média, onde um médico chamado Arnauld da família real, teria realizado a inseminação com o esperma de Henrique IV em sua esposa. Entretanto, os históricos a respeito desse tema, atribui a primeira inseminação artificial ao inglês John Hunter. Entretanto, para Lagrasta Neto (GASPAROTTO e RIBEIRO, 2008): a primeira inseminação heteróloga aconteceu na Filadélfia em 1884 conduzida por Pancoast, ginecologista americano, que utilizou a técnica da azoosopermia. Com a inclusão dos direitos reprodutivos no rol dos direitos fundamentais, o tratamento para os casos de infertilidade passou a ser função também do Estado, posto isso, essa técnica é um direito resguardado através de princípios constitucionais, previsto no Artigo 226, § 7º da constituição federal, que prevê que desde que fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privada. Assim: A exploração dos temas referentes à reprodução medicamente assistida, em especial à reprodução heteróloga, é relevante pela sua atualidade, uma vez que atinge diretamente a vida da
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sociedade, onde se busca substituir as dificuldades dos legisladores e aplicadores da lei, diante da inexistência de previsão legal ou inadequação desta, pela busca de um sistema de normas que assegure a realização total das potencialidades humanas e da manutenção de sua dignidade. (Balan 2006, p 67): Entretanto esse avanço na tecnologia trouxe questões até então inimagináveis pelo ser humano. Sobre essas questões diz-se que a inseminação artificial põe direitos fundamentais em situação de conflitos sendo eles: o Direito à Vida e o direito á conhecimento de ascendência biológica em contraponto ao Direito à Privacidade. De um lado está o doador do semêmque é protegido já que possui direito ao anonimato, conforme prevê CF e a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.358/1992; e de outro lado à criança advinda da inseminação que terá o direito á vida e de conhecer sua sucessão biológica, sendo estes os direitos representantes da quarta dimensão dos direitos fundamentais. Diante disso discute-se se um princípio deve se sobrepor ao outro, apresentando o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como meio de solucionar o conflito de direitos fundamentais existentes no caso em tela. 2 Breve situação do direito constitucional Sabe-se que ao doador é resguardado o seu direito á privacidade, conforme prevê a Constituição Federal de 1988 no seu inciso X, artigo 5º: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Afirma ainda René Ariel Dotti ( 2002, p.24) “ que a vida privada é o direito do indivíduo a uma vida retirada e anônima”, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que prevê que “A vida privada da pessoa é invio-
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lável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma” (BRASIL, 2012). Entretanto, há de se dizer que em algumas situações a proteção á privacidade pode ser ameaçada em detrimento do interesse do ser humano concebido pela inseminação artificial. Esse interesse pode surgir por dois motivos: Ora da necessidade a proteção á vida, ora do interesse de se conhecer sua ascendência biológica. Em relação á proteção á vida, sabe-se que esse direito está resguardado no art. 5º da Constituição Federal e Art. 227 do ECA: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida. ( BRASIL, 2012). O interesse de se conhecer sua ascendência biológica também é um direito fundamental, que deve ser cumprido em virtude do princípio da dignidade da pessoa humana, e está resguardado no Art. 27 do ECA que poderá ser feito á qualquer momento e sem restrições. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. ( Brasil, 2012) Diante de tais observações cabe lembrar que os laços paternais surgem com o nascimento da criança e nunca se desfazem. Assim sendo, efetivamente há um conflito de princípios, vendose necessário resguardar o direito mais relevante no caso em questão, sendo aquele que gerar menos prejuízo á pessoa concebida, concluindo-se que um principio deve se sobrepor a outro. 3. Sobre o Neocontitucionalismo O neoconstitucionalismo prevê a primazia do principio da dignidade da pessoa humana, valorando a força normativa da constituição, onde se compreende esta como norma que irradia efeitos por todo o ordenamento jurídico condicionando toda a atividade jurídica e política dos poderes do estado e até mesmo de pessoas particulares em suas relações privadas. Temos como marco do neocontitucionalismo no Brasil a democracia vivida em 1980 e a constituição de 1988. Para Luis Roberto Barroso, o neoconstitucionalismo, é marcado pela redescoberta dos princípios jurídicos, a expansão da jurisdição constitucional com ênfase no surgimento de tribunais constitucionais e o desenvolvimento de novos métodos e princípios na hermenêutica constitucional. Ainda segundo este autor, se vê de forma necessária o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional, devido a insuficiência de métodos tradicionais para a solução de conflitos No neoconstitucionalismo deve-se haver a aplicação direta das normas constitucionais e eficácia direta dos direitos fundamentais na relação entre particulares. Assim, para esta teoria, havendo choque entre direitos fundamentais deve-se ter ponderação, proporcionalidade e argumentação para aplicação do principio que deva prevalecer. 4. Sobre direito á vida, direito á sucessão biológica, direito á privacidade O direito á vida é inerente a todo ser Humano e é resguardado pela constituição Federal. Hobbes afirma que os pactos que se estabeleça renuncia do direito á vida, ou de não defender seu próprio corpo serão nulos. Segundo John Locke, o poder legislativo não deve tratar de matéria cujo valor seja a vida. E ainda temos a pensamento de Adriano de Cupis, que a vida é um direito essencial e inato. Essencial porque é um direito sem o qual todos os direitos subjetivos perderiam o interesse para o individuo. Inato, pois respeita o individuo pelo simples fato de este ter personalidade. Já o direito á sucessão biológica, também resguardado pela Constituição Federal, é um direito indisponível, a todos é reguardado este direito tão importante que delimita a dignidade de uma pessoa.
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E por fim, o direito á privacidade que deve respeitar a proteção a outros direitos fundamentais, na medida em que novos valores surgem. A privacidade não deve ser vista de forma absoluta. É clara a importância ao sigilo do doador de sêmen, entretanto, a valor a vida e a ascendência biológica no caso de IAH, deve prevalecer sobre este último principio. 4.1 Sobre a dignidade da pessoa humana Segundo Miguel Reale: a pessoa humana que tale, como valor-fonte dos direitos fundamentais. Ou seja, “a criatura humana é pessoa porque vale de per si, como centro de reconhecimento e convergência dos valores sociais” A dignidade da pessoa humana está consagrada no artigo 1º, II da Constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, sendo considerado um atributo inerente a todo ser humano. O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, princípio jurídico que visa proteger a pessoa humana na sua própria essência, confirmando-a como fundamento e fim da sociedade e do Estado brasileiro. E ainda conforme Alexandre de Moraes “A dignidade é um valor espiritual e moral inerente á pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável” O princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento para a maioria dos direitos elencados no catálogo de direitos fundamentais, conferindo unidade de sentido ao sistema desses direitos. Nesse sentido: A identidade genética, por sua relevância e conteúdo, foi elevada a posição de direito fundamental. Com o fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito fundamental à vida [...] guindou-se o direito à identidade genética à posição de direito fundamental implícito na ordem constitucional pátria. Isto, evidentemente, no âmbito de um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais, como cláusula geral de implícita de tutela de todas as manifestações essenciais da personalidade humana.( Rodrigues, p. 89) 5. Direito à intimidade X Direito ao conhecimento da origem genética/ Direito á vida A IAH é respaldada pela Contituição Federal e resguarda direito á todas as partes que são envolvidas nesse processo, assim sendo, os interesses tanto do doador quanto do indivíduo advindo da técnica de reprodução assistida heteróloga, estão garantidos,verificando-se um conflito de direitos fundamentais. Posto isso: “Considera-se existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não estamos perante um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um ‘choque’, um autêntico conflito de direitos”. (Canotilho 2001, p. 1.229): Nesse caso deverá preponderar o direito mais importante, ou seja, devera se analisar o que gerará menor prejuízo ao ser humano, pautando-se na equidade, observando o melhor interesse deste. Nesse sentido, entende-se que o direito á vida e o direito á sucessão biológica deve ser priorizado em detrimento do direito á privacidade, haja vista que toda pessoa, tem direito á vida e no que tange a espécie do direito da personalidade, todos tem o direito de reivindicar sua origem biológica, e alcançar as suas raízes genéticas, pois integra o seu patrimônio jurídico chegar à sua origem fenotípica.
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Pode-se constatar que são assegurados os direitos fundamentais em casos de inseminação artificial, seja ela o de direito á vida, direito á sucessão biológica ou ao direito á privacidade, ambos previstos no Art. 1 da CF, inciso I: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana. ( BRASIL, 2012) . E ainda: O ordenamento jurídico brasileiro acolhe diversos direitos humanos constitucionalmente garantidos como direitos fundamentais como forma de proteção ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, inclusive direitos de quarta geração, que protegem as pessoas envolvidas em procedimentos biotecnológicos como o de aplicação de técnicas de reprodução medicamente assistida heteróloga.(Candido ; 2013, p.32): O doador do semêm tem direito ao anonimato, ou seja, é assegurado a ele o Direito á privacidade. Em contraposição, é dever do Estado assegurar a quaisquer pessoa o direito á vida e o direito á conhecimento de sucessão biológica. O direito ao reconhecimento da origem genética é direito personalíssimo da criança, não sendo passível de obstaculização, renúncia ou disponibilidade por parte da mãe ou do pai. (Filho 2003, p.45) E ainda afirma O sigilo não deve ser absoluto, pois como já dito anteriormente, o anonimato da identidade do doador pode gerar uniões incestuosas, sem que os parentes saibam deste vínculo entre si.( Ribas 2003,p.56) Nesse mesmo entendimento Tycho Brahe Fernandes entende que a lei deve prever a quebra do sigilo do doador do material genético por via judicial, e as informações deveriam ser repassadas ao concebido por meio da inseminação quando este completasse 18 anos. A identidade genética é a referência biológica de cada ser humano. E o conhecimento desse referencial biológico pode gerar conflito, na medida em que o anonimato do doador do material genético é assegurado, conforme entende a doutrinadora Maria Christina de Almeida: toda pessoa necessita saber sua origem e trata-se de uma necessidade humana e desenvolver sua personalidade a partir da paridade biológica, não se podendo identificar no sistema jurídico brasileiro da atualidade, quando prevê a possibilidade de revelação 18 da origem genética, seja em nível constitucional ou em nível infraconstitucional, um abrigo seguro do anseio de permitir à pessoa a construção de sua própria identidade. Paulo Luiz Netto Lôbo afirma que “o direito ao conhecimento da origem genética não significa necessariamente direito à filiação. Sua natureza é de direito da personalidade, de que é titular cada ser humano”, e que Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar sua origem biológica, identificando seus ascendentes genéticos, adotando medidas preventivas para a preservação da da vida, sendo este um direito personalíssimo. Ainda nesse sentido: Há bens jurídicos fundamentais a proteger, bens extremamente relevantes em termos de conteúdo, isto porque estreitamente vinculados à vida e a dignidade das pessoas humanas. Este parece ser, com o rigor que merece, o critério aferidor para identificar a identidade genética como um direito fundamental implícito na ordem jurídico-constitucional pátria.(Petterle:, 2008, pg 67)
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6. Técnica jurídica para resolução do conflito constitucional 6.1 Questões Doutrinárias Segundo Carolina Prado da Hora ( 2013, p32), os princípios são normas que possuem alto grau de abstração e se caracterizam por permitirem uma otimização, uma aplicação na medida do possível quando ele ocorre. Posto isso, os direitos fundamentais são normas genéricas como os princípios, e sua colisão não é caso de contrariedade, mas de oposição. Ainda temos a ideia do pensador Habermas, que centra seu raciocínio sobre a natureza dos princípios, firmando sua posição deontológica, onde princípios são normas jurídicas. Entretanto, segundo Lenio Streck, os princípios do direito são teontológicos, ou relacionados a valores morais que evoluem conforme a sociedade, ou seja, “os princípios são fatores de abertura da legalidade formal para possibilitarem a busca por uma justiça material”, embora segundo ele esta tese fragiliza a autonomia do direito, já que ninguém é capaz de definir valores morais. Então segundo este aludido autor, os princípios são deontológicos, “ um padrão decisório que se constrói historicamente e que gera um dever de obediência nos momentos posteriores”. Assim, os princípios passam a ser determinações fixas, decorrente do momento em que foram estabelecidas, e nunca flexíveis conforme as transformações de valores morais que ocorre em uma dada sociedade. Nesse sentido, para se resolver tal conflito se vê necessárias a análise e aplicação do direito que for o mais importante, isso porque todos os princípios, positivados podem ser limitados por outros princípios com os quais entrem em colisão, exigindo-se, que sejam submetidos a regras de ponderação, cabendo ao intérprete recorrer também ao um “princípio da proporcionalidade, decidindo no caso concreto qual terá prioridade. Ou seja, quanto à colisão de princípios, deve-se simplesmente afastar um deles para a aplicação de outro, tampouco a regra da antinomia pode ser aplicada conforme diz George Lima ( 2000, p.65). Segundo Lobo: O princípio é um reflexo do caráter integral da doutrina dos direitos da criança e da estreita relação com a doutrina dos direitos humanos em geral. Assim, segundo a natureza dos princípios, não há supremacia de um sobre outro ou outros, devendo a eventual colisão resolver-se pelo balanceamento dos interesses, no caso concreto. (Lôbo 2004): Por isso, o direito á privacidade não vigora em relação ao direito á vida e a sucessão biológica. Entende-se que o princípio da dignidade da pessoa humana deve sempre se sobrepor como forma de solucionar os conflitos quando a lei for omissa ou não for capaz de resolvê-los por si só, assim explica Cândido: Por ser o valor da pessoa humana o motivo da existência de um ordenamento é que se deduz que as normas existam em benefício da pessoa, ou seja, a serviço de sua dignidade. É o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana a tradução jurídica do valor da pessoa humana. (Cândido 2007): No caso in tela, o direito da criança de conhecer suas origens torna-se superior ao direito à intimidade do doador, como por exemplo, em caso de necessidade de se conhecer o ascendente para a preservação da vida, a intimidade de uma pessoa não pode ser superior à vida de outra, pois a vida é o bem maior da pessoa, sem a qual os demais direitos fundamentais não poderão ser exercidos. 6.2 Questões Legais Atualmente, apesar da técnica de reprodução assistida heteróloga ser um recurso frequentemente utilizado pelos casais, a legislação brasileira não tem acompanhado a evolução no campo da enge-
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nharia genética, prova disso que não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma lei que trate do assunto, tem-se apenas alguns projetos de lei que ainda tramitam no Congresso Nacional. No que tange esses projetos, temos um elaborado pelo Senador Lúcio Alcântara, PL nº 90/99, que tramitou por oito anos até que arquivado na Câmara dos Deputados em 28 de fevereiro de 2007. Entretanto, desde 2003 o senador propôs um novo projeto de lei, sendo ele o Projeto de Lei nº 1.184/20034, o qual encontra-se atualmente na Câmara dos Deputados. Trata esse projeto em seu capítulo VI: “Art. 16 Será atribuída aos beneficiários a condição de paternidade plena da criança nascida mediante o emprego de técnica de Reprodução Assistida. § 1º A morte dos beneficiários não restabelece o poder parental dos pais biológicos. § 2º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida e o doador terão acesso aos registros do serviço de saúde, a qualquer tempo, para obter informações para transplante de órgãos ou tecidos, garantido o segredo profissional e, sempre que possível, o anonimato. (grifo nosso) § 3º O acesso mencionado no § 2º estender-se-á até os parentes de 2º grau do doador e da pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida. Art. 17 O doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida, salvo os impedimentos matrimoniais elencados na legislação civil . ( BRASIL, 2013) O projeto reconhece o direito ao conhecimento da origem genética e trata o anonimato não como regra absoluta, que pode ser excepcionado para atender interesses maiores como o da necessidade de salvaguardar a vida do indivíduo. Entretanto pouco se sabe quanto ao remédio processual apropriado para o direito dessas crianças á sucessão biológica. Para alguns, a ação cabível seria a de investigação de paternidade ou Mandado de Segurança. Para a maior parte da doutrina a ação adequada é a ação de investigação de paternidade prevista na Lei nº. 8.560/92, pois segundo Venosa (2006), é a ação que cabe aos filhos contra os pais ou seus herdeiros, para demandar-lhes o reconhecimento da filiação. Em contraposição a este pensamento temos a visão de Lôbo (2008), que entende que para garantir a efetivação do direito fundamental do conhecimento da origem genética, não é necessário investigar, pois para o referido autor toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de reivindicar sua origem biológica. Conclui-se então que não há medida judicial ordenamento jurídico brasileiro de ação adequada para o conhecimento da ascendência genética. Posto isso, segundo Patrícia Diógenes de Melo: Desta forma, ao se propor o princípio da dignidade da pessoa humana como justificativa do direito ao conhecimento da origem genética pelo ser gerado e não havendo clareza quanto ao remédio processual para a demanda, o magistrado necessitará recorrer ao ativismo judicial para dar solução ao caso concreto. ( Melo, 2008, p. 37) A doutrinadora Selam, entende que é dever do Estado legislar sobre a matéria, estabelecendo os mecanismos garantidores da identidade genética do ser humano, via legislação infraconstitucional. Deverão ser concebidos os mecanismos legais para o aperfeiçoamento da proteção jurídica da identidade genética.
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Considerações finais A sociedade está em constante processo de evolução, com avanços tecnológicos e científicos que a cada dia mais se aperfeiçoam. Em detrimento disso, o Direito como ciência humana e reguladora da sociedade deve estar constantemente em mudança, acompanhando estes avanços mencionados. Assim sendo, surge as técnicas de reprodução assistidas, que geram conflitos jurídicos em relação ao direito á vida e á sucessão biológica em contraposição ao direito á privacidade do doador, conflitos estes que necessitam de uma análise à luz dos direitos fundamentais da pessoa humana. Estes conflitos surgem uma vez que ambos estão resguardados pela constituição Federal como um direito fundamental que é inerente a todo e qualquer individuo. Para Moreira Filho (2008), garantir ao filho o direito de conhecer a sua verdadeira identidade genética, é conceder-lhe o exercício pleno de um direito da personalidade e a possibilidade de buscar nos pais biológicos as explicações para as mais variadas dúvidas e questionamentos que surgem em sua vida, como, por exemplo, as explicações acerca da característica fenotípica, da índole e do comportamento social. Por isso, entende-se que o direito á vida e a sucessão biológica deve se sobrepor ao direito de privacidade. Para isso, se vê de forma necessária uma análise axiológica a fim de possibilitar a proteção aos direitos, obsevando a razoabilidade, ponderação e proporcionalidade. O ordenamento jurídico brasileiro não dispõe de normas infraconstitucionais para resolução de tais conflitos, vendo-se então a clara necessidade de uma lei específica que regularize essa situação, ou então a criança advinda de tal técnica ficará isenta de passado.
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NOTAS DE FIM 1 Acadêmica do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva; 2 Orientador do trabalho de conclusão de curso, professor do Centro Universitário Newton Paiva; 3 A inseminação artificial heteróloga é uma técnica de reprodução assistida, usada pela medicina moderna com fim de originar vida ante impossibilidade natural; 4 Esté e um projeto de lei que visa regular as técnicas de reprodução assistida, que encontra-se em tramite na Câmara dos deputados. 5 Bernardo Nogueira; Cristian Kiefer da Silva.
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UMA ABORDAGEM CRÍTICO-DISCURSIVA DOS CONFLITOS CONSTITUCIONAIS PRINCIPIOLÓGICOS: Liberdade de Crença x Direito à Vida Ludmila Castro Veado Stigert1 Laís Giovanna de Melo Guimarães2 Banca Examinadora8 RESUMO: O presente artigo discorre a respeito da hermenêutica jurídica, abordando uma síntese acerca da temática. Nesse contexto, trataremos especificamente dos conflitos entre princípios constitucionais, além a maneira para solucionarmos tais problemas. Fixando-se que a questão conflitante permeia a Constituição Federal, o Código Civil e o Código Penal, a saber a omissão de socorro do médico, o direito à liberdade de crença e a opção do paciente em receber ou não determinado tratamento médico. Assim buscar-se-á a norma mais adequada a reger tal situação conflituosa, tendo por premissa básica o Estado Democrático de Direto, o Neoconstitucionalismo e a Dignidade da Pessoa Humana. PALAVRAS-CHAVE: Hermenêutica Jurídica. Direitos Fundamentais. Conflitos Principiológicos. Princípio da Proporcionalidade. Princípio da Liberdade de Crença. Omissão de Socorro. Segurança Jurídica. SUMÁRIO: 1.Introdução; 2. Hermenêutica Jurídica; 3. Direitos fundamentais; 4. Evolução Histórica dos Direitos Fundamentais: As Dimensões; 4.1 Características dos Direitos Fundamentais; 5.1 Relatividade dos Direitos Fundamentais; 5.2 Colisão de Direitos Fundamentais; 6. Tratamentos Médicos e a Autonomia do Paciente. 7. Conclusão.
1 Introdução Os conflitos constitucionais principiológicos são comumentes no ordenamento jurídico atualmente. No Estado Democrático de Direito esses conflitos advêm das diversas interpretações que são aplicadas aos princípios constitucionais no momento em que o legislador se depara com os casos concretos considerados como “hard cases”. Nesse diapasão, faz-se de suma importância a hermenêutica filosófica constitucional, uma vez que trata de métodos de interpretação constitucionais, os quais, sem dúvida, auxiliam nas análises dos princípios constitucionais em consonância com as situações práticas apresentadas diariamente de modo a solucionar os conflitos emergentes. O trabalho abordará especificamente o conflito entre o princípio da liberdade de crença e o direito à vida, que são direitos fundamentais expostos na Constituição Federal. Mais detidamente, o conflito em questão envolve o indivíduo que se recusa a receber um tratamento médico influenciado pela sua crença e o responsável por socorrer de certa forma este paciente, caso não proceda com o tratamento médico, será responsabilizado por “impedir” o prolongamento da vida. A tentativa em solucionar este conflito deve se enquadrar nos paradigmas do Estado Democrático de Direito bem como do pós–positivismo jurídico, sendo que este Estado tem por premissas a separação dos poderes, a normatividade do texto constitucional, bem como as suas diversas possibilidades interpretativas, e principalmente, na efetividade dos direitos fundamentais. A proteção aos direitos fundamentais está assentada na Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que está ligado aos seres humanos, independente de suas características, alcançando os variados valores apresentados na sociedade, corroborando com as expectativas e necessidades de cada indivíduo. Sabe-se que uma das características basilares do Estado Democrático de Direito ampara-se na importância que a Constituição tem e exerce sobre o ordenamento jurídico. A Constituição tornou-se o “locus” hermenêutico do Direito Brasileiro. Com isso, para a interpretação da legislação infraconstitucional, arrimando-se no Neoconstitucionalismo, que realça o Princípio da
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Dignidade da Pessoa Humana e reafirma a força normativa constitucional. Nesse diapasão, o Neoconstitucionalismo objetiva a aplicação das normas jurídicas de maneira mais lógica e coerente entre o que realmente está previsto conjuntamente com a realidade social. 2 Hermenêutica Jurídica Para o entendimento de qualquer discussão jurídica inserida no contexto do Estado Democrático de Direito, faz-se de suma importância o estudo acerca da hermenêutica jurídica, a qual interfere diretamente na interpretação dos enunciados jurídicos que ao longo dos anos modificou-se intensamente, podendo-se falar inclusive, em uma evolução histórica nos métodos de interpretação da legislação e da definição da linguagem. O objetivo da hermenêutica, em consonância com Baracho (1979): [...] a determinação dos sentidos e alcance das expressões do Direito, processo que visa extrair da norma todo o seu conteúdo, realiza-se por meio da interpretação, que possui técnica e meios peculiares a serem atingidos. Nesse diapasão, a hermenêutica jurídica é um intento que perfaz a interpretação dos enunciados normativos, incorrendo sobre a linguística, a fim de poder aplicá-los, eficazmente, para a solução dos conflitos. Streck (2009) aborda minuciosamente sobre o instituto da hermenêutica jurídica expressando de maneira clara a relação da exploração da hermenêutica para a construção do direito que regerá uma sociedade. Nessa oportunidade, o referido doutrinador (2009) considera ainda a existência de um campo jurídico no qual um aglomerado de “personagens” irá produzir, interpretar e aplicar a legislação de modo a concretizar as diligências dentro dos conflitos existentes nesta sociedade, expondo a necessidade de criticar o direito e claramente demonstrar que é possível a não aplicação de determinada lei em decorrência de um congraçamento realizado pelo jurista, rompendo com o paradigma antigarantista da dogmática jurídica. Porém, Streck (2009) salienta que esse rompimento não poderá se esbarrar no que tange o conteúdo apresentado pela Cons-
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tituição, que será o que o mesmo denomina de “topos hermenêutico” para todo o ordenamento jurídico, uma vez que a Constituição é a representação viva do contrato social firmado entre a sociedade e o Estado, configurando assim o Estado Democrático de Direto. Os princípios introduzidos na Constituição serão valorosos no auxílio à interpretação, os quais não poderão ser transgredidos, já que auxiliam no governo desta Carta, no regime e na ordem jurídica. Sua transgressão representaria a ruptura do próprio sistema jurídico. Historicamente, a hermenêutica, antes da Supremacia Constitucional, baseada nos moldes positivistas apresentou-se distintamente, denotando dicotomias, mens legis e mens legislatoris, que indicavam os diversos modos de interpretação da legislação da época.3 Com o advento do iluminismo, seguiram-se vários métodos interpretativos, os quais foram auxiliados pela Filosofia da Consciência, especialmente no que tange a denominada compreensão humana. A partir de uma discussão crítica acerca da compreensão humana apresentada pelo Iluminismo surgiu a Hermenêutica Filosófica com Gadamer, a qual vinculava ao que o doutrinador Pereira (2001) denominou de fenomenologia da existência, estudando e investigando a compreensão que o ser humano tinha do seu próprio eu. O principal defensor dessa teoria foi Hans George Gadamer (1998) certificando que a verdade dependeria sempre da situação hermenêutica no qual o sujeito encontra-se inserido, levando-o a compreensão a partir do diálogo e de pré-compreensões, não se preocupando com a criação de métodos interpretativos. Em face das críticas surgidas acerca do excesso de subjetivismo do intérprete na hermenêutica filosófica, necessário se fez uma metódica interpretativa que filtrasse os valores do intérprete no processo interpretativo. Assim surge a hermenêutica filosófica e constitucional baseada em uma interpretação principiológica, em que o intérprete se deparando com um “hard care”, deveria pautar-se sobre duas premissas: o caso concreto e os princípios constitucionais. A supremacia, seja ela formal e material, trazida pela hermenêutica constitucional, especialmente pelo pós positivismo jurídico4, alçou a Constituição ao cerne da ordem jurídica e, a interpretação de constitucional se baseava na contradição existente entre a legislação e a Constituição, no que tange a matéria de direito. Nessa perspectiva, percebe-se que o processo interpretativo precisa ser aberto, procedimental, discursivo e dialógico, como bem observa Härbele , (1997): [...] a interpretação do Direito não cabe apenas a juristas, e, na Constituição se verifica vividamente o influxo da interpretação dos sujeitos processuais, de pareceres e estudos de especialistas. A hermenêutica constitucional provém da tentativa de compreender o que de fato acontecia nas questões política, o que levou ao estudo dos Estados e das regras impostas por estes, principalmente, a respeito da estruturação do poder. O Constitucionalismo trouxe consigo um novo paradigma, com diversas rupturas tanto na estruturação do Estado e relação entre governantes e governados, bem como na própria visão de mundo construída pela sociedade. Juntamente com essas rupturas, inclusive as ocasionadas dentro do próprio Constitucionalismo, com a modernidade, o racionalismo se evidenciou em conjunto com as bases legais, como a Constituição, a qual propõe a garantia de diversos direitos inerentes ao ser humano, além de apresentar o pacto firmado entre a população e o Estado. A Constituição ganha, portanto, um papel ímpar, tornando-a Suprema e sendo protegida, pois não havia a possibilidade da existência
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de um Constitucionalismo sem a existência de uma Constituição. Nessa sorte leciona Pereira (2001, pag. 49) explana que: [...] a Hermenêutica Constitucional, cujo principal objetivo é traçar novos critérios de interpretação que advenham da especificidade da natureza da Constituição. Portanto, é exequível denotar que a hermenêutica jurídica é um instituto auxiliador aos operadores do direito na construção e compreensão do direito e das respectivas normas jurídicas concernentes a este, a fim de que vislumbre uma adequação a democracia e aos demais dogmas insurgidos pelo Estado Democrático de Direito. 3 Direitos Fundamentais Os direitos fundamentais são normas inseridas na Constituição e estão regidos por princípios jurídicos que motivam de maneira racional a existência dos mesmos. Estes direitos estão estruturados na Constituição Federal de 1988 e são vistos como cláusulas pétreas (art. 60, §4º, CF), estando elencados no artigo 5 ao 17, no Título II, como por exemplo, tem-se direitos e deveres individuais e coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos. Além disso, existem outros direitos fundamentais esparsos no texto constitucional. Sendo caracterizados como “cláusulas pétreas” não poderão ser excluídas da Carta Magna e torna-se válido citar a dignidade humana como basilar e justificador para a existência dos direitos fundamentais, facilitando a percepção do efetivo significado desta forma de regulamentação. O princípio da Dignidade da Pessoa Humana reconhece a existência dos seres humanos, assegurando-lhes direitos que são ditos imprescindíveis, ou seja, direitos fundamentais, na medida em que todos devem ser tratados com igual consideração a respeito. Os direitos fundamentais podem ser conceituados como conjunto de proposições que ditam os direitos básicos inerentes aos seres humanos, os quais são comuns a todos sem entrever-se com a individualidade de cada cidadão, atentando-se a proteção dos direitos humanos, especialmente sobre os direitos individuais e coletivos visando à defesa da autonomia pessoal. Apesar de expressos claramente na Constituição Federal os direitos e deveres, a Carta Magna consagrou além dos direitos fundamentais, as garantias fundamentais e ainda os remédios constitucionais. 5 4 Evolução Histórica dos Direitos Fundamentais: As Dimensões Assim como todos os ramos dos direitos houve evolução dos conceitos e preceitos, os direitos fundamentais acompanharam a mentalidade da sociedade, desenvolvendo-se, consequentemente, em direção ao exigido pelo momento. Para o exame dos direitos fundamentais, a doutrina trabalhou com as gerações de direitos, também denominada de dimensões, identificando cada dimensão como uma nova fase, de modo que essas fases se coadunaram entre si, cumulando os conhecimentos e agregando os valores. Com o surgimento de cada dimensão, havia as novas aquisições de direitos, de acordo, com a evolução de cada período, e ainda, a contribuição das aquisições anteriores, sendo feita a releitura de cada uma, de forma a adequá-las a fase em que se encontrava a sociedade. Essas dimensões foram apresentadas pela primeira vez por Karel Vasak (1979) e depois se destaca Norberto Bobbio (1992) seguindo-se por doutrinadores renomeados. Os direitos fundamentais são classificados de diversas formas, cada qual se ocupará de tratar algum aspecto inserido na
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sociedade, como por exemplo, o ocorrido durante a evolução dos direitos fundamentais, impondo-lhes classificações quanto as suas dimensões que possuem liames no que diz respeito à própria evolução e conquistas históricas da humanidade e o posicionamento político vivido em determinada época. No período anterior aos surgimentos dos direitos fundamentais, a sociedade se revelava como centralizada e absolutista, em que havia uma concentração de poder nas mãos do Monarca, o qual ditavam as regras relativas a qualquer âmbito da sociedade. Ainda no período denominado Modernidade, o Estado Absolutista se transformou em um Estado Liberal, com vista na mudança do foco social, a partir do antropocentrismo, valorização da moral e separação do direito, política e religião. Ademais, os surgimentos das ideologias emanadas da Revolução Francesa com fulcro na liberdade, igualdade e fraternidade, proporcionou o desenvolvimento de paradigmas distintos que configuraram na contabilização das quatro dimensões, sendo que há doutrinadores que já se arriscam em falar sobre a existência de uma quinta dimensão. Os direitos de 1ª dimensão foram os primeiros direitos que emergiram pela conquista da própria sociedade, durante o Estado de Direito, por volta dos séculos XVIII e XIX, época na qual prevalecia o Constitucionalismo Liberal. Estão intimamente ligadas as pessoas, no que se refere à individualidade destas e a ideia de liberdade. São os direitos civis e políticos, oponíveis ao Estado. Sendo assim, o Estado obteve limites na sua interferência direta na vida delas e principalmente, com relação ao intervencionismo econômico existente em período anterior. Há a predominância do Poder Legislativo e o direito era um conjunto fechado de regras. A interpretação destas regras era a chamada interpretação literal, a qual se utiliza constantemente de silogismos. O juiz, nesta dimensão, era tido como a boca da lei, sendo a atividade mecanizada. Neste momento, pode ser observada a garantia de uma maior liberdade adquirida pela sociedade em face de um Estado Absolutista que para esta época apresentava-se como totalmente controlador, obtendo em contrapartida a ascensão do capitalismo. O Estado é dotado de obrigações e limites regrados pelo texto constitucional, a regerem as leis gerais que eram aplicadas a todos, corroborando com uma isonomia dita formal. Qualificava-se o Estado como Polícia, devido à limitação determinada pela busca constante de segurança e ordem. Porém, diante deste liberalismo exacerbado, da concentração econômica nas mais de uma minoria, ocorreu a promoção de uma imensa desigualdade e mais uma vez a sociedade se mostrou desamparada, ansiando por mudanças, principalmente, relativas à dignidade da pessoa humana. Os direitos de 2ª dimensão são relativos aos direitos sociais e econômicos, ou seja, direitos baseados em uma isonomia material, suprindo as necessidades básicas daqueles com baixo poder aquisitivo. Pode-se aduzir que houve a materialização do direito formal burguês. As Constituições de México e Weimar, que surgiram em 1917 e 1919 respectivamente. Ambas, formadas durante o período da eclosão dos direitos de 2ª geração, receberam total influência dos paradigmas surgidos, auferindo todas as características apresentadas naquele momento do constitucionalismo social. O Estado, neste momento, denominado de Estado de Bem Estar Social, terá a obrigação de atuar no âmbito da educação, saúde, segurança, trabalho, entre outras necessidades fundamentais para a dignidade do cidadão. As Constituições deste momento possuíram cunho social e buscavam ser materializadas, relendo as conquistas obtidas du-
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rante a primeira dimensão com relação aos direitos fundamentais individuais e políticos. No âmbito político havia a preponderância do Poder Executivo, face os demais poderes existentes. O direito passa a ser concebido com seu conjunto de regras orientadas por princípios. Tem-se o surgimento da hermenêutica jurídica clássica, aperfeiçoando, os métodos clássicos de interpretação. Contudo, acontecimentos históricos, provocaram mudanças torrenciais, como o término desastroso da 2ª Guerra Mundial. Este fato demonstrou o grave retrocesso social, concernente à dignidade humana e aos direitos fundamentais até então conquistados. Seguiram-se ainda a crise do petróleo, criação da ONU, movimentos populares que corroboraram para a transição do Estado de Bem Estar Social para o Estado Democrático de Direito. Os direitos de 3ª dimensão, difusos e coletivos, conhecidos como direitos transindividuais homogêneos 6. Estão além do indivíduo e este mesmo indivíduo não é considerado individualmente. Enfim, trata-se dos direitos de todos. Esses direitos são aqueles conectados ao desenvolvimento, como por exemplo, evolução dos meios de comunicação e dos transportes, à paz, ao meio ambiente e a propriedade. Por fim, os direitos de 4ª dimensão tratarão do direito à democracia, à informação e ao pluralismo, paz, etc. Neste período, por volta do século XX, emana o Constitucionalismo Democrático, sendo fruto de todas as conquistas, inclusive, as relativas às dimensões aos direitos fundamentais. Com o Constitucionalismo Democrático procurou-se um paradigma de um Estado de direito em que houvesse a limitação do poder e aplicação dos direitos fundamentais, e por ser, democrático, insere a ideia de participação popular no que tange a forma de governo. Tal paradigma é o que estrutura o Estado Democrático de Direito na atualidade. 4.1 Características dos Direitos Fundamentais Os direitos fundamentais possuem também algumas características as quais servem para melhor compreensão no que tange o emprego desses. As características são definidas pelos doutrinadores de acordo com as suas especificidades, podendo haver diversas denominações distintas. Em conformidade com as denominações introduzidas por Carvalho (2013) e Silva (2013) as características dos direitos fundamentais são: inerência, historicidade, universalidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, relatividade e interdependência. Essas características estão coligadas umas as outras, como será possível perceber ao estudá-las e analisar os seus respectivos aspectos. A inerência se deve ao fato de que os direitos fundamentais serem atinentes aos indivíduos devido à existência deles, e como consequência deste atributo, esses direitos lhe acompanharão, interferindo diretamente na sua evolução, seja esse desenvolvimento no âmbito econômico, social ou histórico, o que já se referência diretamente à historicidade, outra característica também citada. A universalidade demonstra que os direitos fundamentais abrangem todos os seres humanos, de maneira indiscriminada. Os direitos fundamentais são também indisponíveis, ou seja, não poderão ser alienados nem renunciados, podendo no máximo não exercidos, abrangendo desta forma, a irrenunciabilidade e inalienabilidade. Porém, mesmo deixando de serem praticados, estes direitos são imprescritíveis. Os direitos fundamentais, independente se são de cunho político, econômico, civil e social, necessariamente, deverão ser gozados respeitando-os mutuamente, daí dizê-los indivisíveis. Isto
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não exime na obrigatoriedade em utilizá-los cumulativamente, pois são interdependentes entre si. Outros doutrinadores, como por exemplo, Hugo Wolgang Sarlet, ainda caracterizam os direitos fundamentais de acordo com a cumulatividade e proibição de retrocesso. A cumulatividade significa que os direitos fundamentais são acumuláveis. Desta forma, um determinado direito fundamental poderá ser exercido juntamente com outro. Para a proibição de retrocesso o entendimento é uma vez conquistado o direito fundamental, não há a possibilidade de retroceder a conquista e perdê-lo. Quanto à relatividade dos direitos fundamentais, ela será tratada em tópico apartado, visto que dentro da perspectiva da “colisão principiológica” trará uma valiosa contribuição, já que menciona a inexistência de um direito absoluto, produzindo discussão, pois há quem defenda a necessidade sim de um feitio absolutório. 4.2 A Relatividade dos Direitos Fundamentais A relatividade, como já exposto anteriormente, é uma das características dos direitos fundamentais que consagra a utilização destes. Essencialmente, a relatividade está adstrita à assertiva do professor Cavalcante Filho (2014) de que “nenhum direito fundamental é absoluto”, visto que eles podem estar conflitando em determinados casos concretos e neste momento torna-se impossível hierarquizá-los. (pag. 7) Ademais, os direitos fundamentais jamais poderão ser utilizados para praticar atos que desafiem a conformidade com a tipicidade prevista em lei. Dizer que não existe absolutismo para os direitos fundamentais é o mesmo que salientar uma forma de limitação para estes. Tal limitação, impreterivelmente, deve corroborar com os preceitos constitucionais, sendo aplicáveis nestes casos o princípio da proporcionalidade7. Inclusive, é neste diapasão que segue o entendimento jurisprudencial do STF, Pleno, RMS 23.452/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 12.05.2000, p. 20: OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. Apesar de ser matéria já jurisprudencialmente pacificada, há uma banalização de alguns doutrinadores que defendem a existência de direitos que são absolutos. Exemplificando essa discussão é ao pensar na questão da tortura. Em nenhum momento nenhum sujeito pode ser submetido à tortura. Daí falar que esse direito é absoluto. Ao analisar essa diferenciação quanto o direito fundamental ser absoluto ou não, basta identificar que os valores e os direitos tratados
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neste artigo não são absolutos e que esses direitos ditos como absolutos são retratados desta maneira em qualquer circunstancia. Isto posto, veja o que o autor Mendes, Coelho e Branco (2013) aborda no Livro Curso de Direito Constitucional Positivado: Não há portanto, em princípio, que falar, entre nós, em direitos absolutos. Tanto outros direitos fundamentais como outros valores com sede constitucional podem limitá-los. 5 A Colisão de Direitos Fundamentais A Constituição Federal ostenta um rol de direitos fundamentais, os quais são protegidos pelas próprias normas jurídicas inseridas nesta Carta e que deverão estar sempre em harmonia. Os direitos fundamentais não se impõe hierarquicamente um perante o outro e, portanto, não se excluem no momento de sua aplicação. Porém, apesar da inexistência de hierarquia e a previsão de uma harmonia entre estes direitos, as relações sociais distorce essa visão harmônica plena. É indiscutível a existência entre conflitos de normas, que também são designados como antinomias, e consequentemente, das colisões existentes entre os direitos fundamentais e seus princípios, já que ao longo de todo ordenamento jurídico resta claro situações que demonstram tal assertiva, perpassando para um debate constitucional sobre os limites desses direitos fundamentais. Conforme expõe Diniz (2005, pag.13) o sistema jurídico não pode concentrar-se com bases em colisões normativas e principiológicas. O sistema jurídico deverá, teoricamente, formar um todo coerente, devendo, por isso, excluir qualquer contradição lógica nas asserções, feitas pelo jurista, elaborador do sistema, sobre as normas, para assegurar sua homogeneidade e garantir a segurança na aplicação do direito. Essa confusão não pressupõe que essas normas sejam vistas como inválidas, porém, o que se segue é uma desarmonização normativa aparente. Comumente essa desarmonização aparente advém, como expõe Barroso (2001, pag. 27) alguns exemplos que acontecem dentro do próprio ordenamento jurídico: Princípios e direitos previstos na Constituição entram muitas vezes em linha de colisão, por abrigarem valores contrapostos e igualmente relevantes, como por exemplo: livre iniciativa e proteção do consumidor, direito de propriedade e função social da propriedade, segurança pública e liberdades individuais, direitos da personalidade e liberdade de expressão. A problemática se agrava quando há a necessidade de referencia a essas mesmas normas para a resolução de alguns casos concretos. Com isso, entra em discussão não somente os conflitos das normas vigentes, mas também a hermenêutica que será aplicada de acordo com Aurélio A. V. Vieito (2013): [...] o intérprete deve preliminarmente recorrer aos ensinamentos da hermenêutica para descobrir o sentido e o alcance de um determinado dispositivo legal; do contrário estará preso ao senso comum e não terá uma visão abrangente. Verifica-se que a maioria dos equívocos na aplicação das leis é recorrente da própria regra demonstrada pela hermenêutica. Na tomada de decisões a hermenêutica é o instrumento auxiliador para evitar dificuldades em fatos contraditórios, como estudado previamente. Tal situação é muito bem ilustrada na questão de transfusão sanguínea em pessoas que adotam a crença testemunha Jeová, pois o médico que possui o dever “prima face” de salvar a vida do paciente
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é dominado pela ideia de autonomia do paciente que deve ser respeitada, caso que será tratado profundamente em tópico à frente. Em contrapartida, se for baseado pelo princípio da Beneficência, o médico poderá executar o procedimento mesmo não seguindo a vontade expressa pelo paciente, como defendido por França (2013): [...] há situações em que, mesmo existindo a permissão consciente, tácita ou expressa, não se justifica o ato permitido, pois a norma ética ou jurídica pode impor-se a essa vontade e a autorização não outorgariam esse consentimento. Diz o bom senso que, em situações dessa ordem, quando o tratamento é indispensável e o paciente se obstina em não aceita-lo, estando seu próprio interesse em risco, deve o médico realizar, por meios moderados, aquilo que aconselha sua consciência e o que é melhor para o paciente (princípio da beneficência).
6 Tratamento Médico e Autonomia do Paciente Neste ponto do estudo, será retratado um exemplo concreto relativo aos institutos analisados ao longo do artigo. Atualmente, há um conflito permanente na sociedade no âmbito do direito fundamental, especificamente, quanto à autonomia do paciente e os tratamentos médicos que os indivíduos podem ser submetidos. Pode ser exemplificado o conflito existente entre a autonomia do paciente e os tratamentos médicos, frequentemente, quando um indivíduo da religião Testemunha de Jeová precisa de tratamento médico que necessita de transfusão sanguínea. Os componentes da religião Testemunha de Jeová não admitem que seja feito qualquer tipo de transfusão sanguínea ao longo dos tratamentos médicos. Trata-se de uma questão de crença que será explicado no tópico que se segue.
Desta forma, o médico evita ser acusado por omissão de socorro, porém, transgride o direito fundamental inserido na Constituição Brasileira que é o de liberdade de crença e o próprio Estatuto de Ética do médico. Além da conflitante situação que as normas e regras da legislação apresentam, passa a coadunar uma colisão também entre princípios, que no caso é da autonomia e o da beneficência. Os legisladores diante disso recorrem ao princípio da proporcionalidade. Entretanto, nem sempre este é o método mais eficaz para desembaraçar algumas questões, pois ao mesmo tempo em que o princípio da proporcionalidade funciona como uma ferramenta apaziguadora torna-se ilícita. Sua ilicitude configura-se não por inconstitucionalidade do ato em si, mas por interpor uma ação contraria ao que se objetiva. O principio disposto tem por finalidade proteger os direitos fundamentais. Entrementes, ele é inclinado a restringir, através de uma imposição do próprio Estado denominado de Direito, esses mesmos direitos cedidos aos seus titulares. Este recurso também é invocado constantemente pelo STF (Supremo Tribunal Federal), indevidamente, deixando a impressão de apelarem por uma causa política medida apenas pelas classes dominantes, e não, por valer-se no sentido de justiça, atingindo uma ceara subjetivista. As matérias julgadas, mediante esse principio, destoam da inerente a este, generaliza a qualquer conteúdo levado a discussão e nem por isso, o processo é invalidado. Não há duvidas da necessidade de regras firmes que atinjam realmente o objetivo proposto ao serem criadas, ou seja, regras que regulamente a sociedade conforme as prioridades destas e que atuem prontamente proporcionando segurança e ordem social. Sendo que estas não se confrontem. A hermenêutica constitucional, relatada acima, é auxiliadora para a solução dessas controvérsias. Esta forma interpretativa não utiliza de critérios de hierarquia, pois entende que ao aplicar princípios para a mencionada solução não há ocupação de níveis diferenciados por estes. Para Dworkin (1989) o ideal para findar com os conflitos seria descartar um dos princípios ou regras em detrimento do mais adequado para a situação, a partir da concordância pratica e da variação da importância, ou seja, do grau de sua aplicabilidade. Essa temática concebida pelo autor na maioria das vezes tornou-se banalizada, já que o Supremo passou a adotar intensamente o princípio da proporcionalidade caracterizando-o como o princípio “ideal” que traz a conclusão de um questionamento que anteriormente era confuso por causa da oposição inserido na própria legislação.
6.1 Testemunhas de Jeová A religião Testemunha de Jeová surgiu na década de 1870, século XIX, nos Estados Unidos, quando Charles Taze Russell juntamente com um grupo de amigos iniciaram um estudo bíblico que confrontava divergências doutrinárias entre as diversas religiões existentes na época. Deste estudo, publicam um livro denominado A Sentinela que continha exatamente todos estes contrastes religiosos, bem como a fundação da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados da Pensilvânia, formando o que atualmente conhece-se como Testemunha Jeová. Atualmente, os Testemunhas de Jeová correspondem mundialmente a grupos concentrados em Congregações que possuem interpretações específicas sobre os textos bíblicos, o que os levam a divergirem das demais religiões cristãs no seu modo de vida que se perpetuam na adoração a Jeová. Um dos pontos divergentes acerca da interpretação e mais polêmicos do pensamento das Testemunhas de Jeová é exatamente a questão de como pode o sangue salvar a vida de um indivíduo e por isso, a proibição da utilização da transfusão de sangue. Conforme os ideais das Testemunhas de Jeová, o sangue é sagrado, sem sangue não existe vida e este corresponde a alma se encontra também no sangue. Nessa sorte, as Testemunhas de Jeová postulam a existência de outras formas de tratamentos que obtiveram êxito e que substituem a transfusão de sanguínea, como por exemplo, a utilização do amido hidroxietil, o sulfato ferroso, o Dextran e a solução lacto de Ringer, os quais cientificamente comprovam a equiparação dos efeitos destes com a transfusão sanguínea para o organismo de um indivíduo e eficácia, são menos dispendiosos, não exigem compatibilidade e estão isentos do risco de doenças transmitidas pelo sangue. E ainda que: [...] Pacientes recebem componentes sanguíneos que não tem nenhum a probabilidade de beneficiar-se duma transfusão (o sangue não é necessário) e, ademais, correm significativo risco de sofrer riscos indesejáveis. Transfusion – Transmited Viral Diseases, 1987.
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Atualmente, existem alguns entendimentos jurisprudenciais que defendem dois pensamentos. Uma “corrente” defenderá a liberdade de crença, outra já defenderá que o médico jamais poderá deixar de assistir um paciente, utilizando todos os métodos possíveis para salvar a vida do mesmo. Mas ainda sim, majoritariamente, não se reconhece os procedimentos disponibilizados pela crença dos Testemunhas de Jeová. PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA. CASO DAS TESTEMUNHS DE JEOVÁ.
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PACIENTE EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITO À VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LIBERDADE DE CONSCIENCIA E CRENÇA. – No contexto do confronto entre o postulado da dignidade humana, o direito a vida, a liberdade de consciência e de crença, é possível que aquele que professa a religião denominada Testemunha de Jeová não seja judicialmente compelido pelo Estado a realizar transfusão de sangue em tratamento quimioterápico, especialmente quando existem outras técnicas alternativas a serem exauridas para a preservação do sistema imunológico. – Hipótese na qual o paciente é pessoa lúcida, capaz e tem condições de autodeterminar-se, estando em alta hospitalar. REJEITARAM PRELIMINARMENTE E DERAM PROVIMENTO. (Relator: Alberto Vilas Boas, número do processo 1.0701.07.19159-6/001) Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO - TRANSFUSÃO DE SANGUE EM MENOR - PAIS SEGUIDORES DA RELIGIÃO ‘TESTEMUNHAS DE JEOVÁ’ - AUTORIZAÇÃO DADA AO HOSPITAL PELO JUÍZO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE - APELAÇÃO - FUNGIBILIDADE RECURSAL - INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO. 1. A autorização para transfusão de sangue em menor, dada pelo juízo da infância e juventude, desafia a apelação. não constitui, porém, erro grosseiro a interposição de agravo de instrumento, cujo prazo recursal é o mesmo da apelação prevista no eca, sendo aplicável a fungibilidade recursal. 2. A ciência inequívoca dos pais acerca da transfusão sanguínea antes da intimação formal do advogado constituído elide a exigência de fazer constar expressamente na procuração ‘et extra’ os poderes especiais para citação. na hipótese, o prazo do recurso deve ter início a partir da intimação do advogado nos autos. 3. Recurso não conhecido. Unânime. (AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 45003620068070000 DF 000450036.2006.807.0000 TJ-DF) 6.2 As codificações atuais e a liberdade de crença Em vertente contrária a proferida religião, tem-se uma série de codificações que surgem no século seguinte ao aparecimento da Testemunha de Jeová, que regulamentam a sociedade de maneira a contradizer preceitos desta religião. Em dezembro de 1941, o Código Penal é criado abordando em seus artigos a omissão de socorro e a penalidade cabível a quem praticar este ato que passa a ser visto como crime. Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida u ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir nesses casos, o socorro da autoridade pública. Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Em contrapartida, em 1988, é codificada a Constituição Federal do Brasil, onde os princípios ficam definidos e dentre eles a liberdade de crença. Art. 5º, VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias. E por fim, em 2002, tem-se a atualização do Código Civil vigente atualmente que é o único Código que vai de encontro com os ideais das Testemunhas de Jeová. O Código Civil aborda nos
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direitos a personalidade os procedimentos permitidos a serem feitos quando exigência médica e o não constrangimento de ninguém ao submeter-se a um tratamento médico. Art. 15 – Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica. Conflagra-se com uma colisão entre as normas da Constituição, Código Civil e Código Penal, codificações estas propostas à sociedade em distintos períodos, como é o caso da liberdade de crença sendo um dos direitos fundamentais direcionados a todos, a possibilidade de escolha de um paciente se submeter ou não a um determinado procedimento médico, sem falar que ao coadunar com a escolha do paciente o médico poderá ser acusado por omissão de socorro que se tornarão o foco do estudo do seguinte trabalho. A extinção dos conflitos entre as normas e ao se evitar a remissão aos princípios para a resolução dos problemas gerados devido essa colisão é de suma importância. Pode ser discutido, então, acerca da existência de hierarquia entre as legislações. Tem-se que a corrente majoritária defende a não ocorrência de hierarquia normativa. E com isso, o estranhamento entre os códigos vigentes. Assim diante do conflito aparente entre as legislações vigentes e a não existência de hierarquia entre as mesmas, o princípio da liberdade de crença na testemunha Jeová limita a responsabilidade civil e penal do médico no que tange a omissão de socorro? O que subsiste é a inexistência de uma regra fixada para resolver estes conflitos. Como já disposto não há a opção de hierarquização normativa como maneira de solução aos conflitos. Nesse mesmo sentido, é impossibilitado dizer em aplicação da norma que surgiu primeiro, já que todos estes dispositivos vão de encontro com a própria Constituição. O instituto que atualmente melhor auxilia na resolução destes conflitos é o princípio da proporcionalidade, também denominado de razoabilidade. Este princípio no âmbito constitucional tem sido utilizado como instrumento assegurador dos direitos fundamentais e na manutenção da ordem estabelecida no ordenamento jurídico. Esse caráter protetor evita o ferimento dos direitos fundamentais, dando prioridade à apreciação da necessidade apresentada imediatamente e a sua respectiva necessidade, a fim de resolver um conflito. Destarte, para garantir a efetivação dos direitos fundamentais postulados em beneficio da sociedade como um todo, a utilização do principio da proporcionalidade se faz de suma importância, para o controle justo e eficiente das decisões explanadas pelo Judiciário e pela própria Administração Pública. 7 Conclusão O cenário atual apresenta-se complexo, plural e permeado por questões controversas. Nesse contexto, a análise dos conflitos principiológicos constitucionais existem e repercutem corriqueiramente no mundo jurídico. Para solucionar os conflitos ora expostos e que se exsurgem no momento atual, mister se faz destacar a proposta delineada nos ensinamentos teóricos propostos Ronald Dworkin (2007), onde a resposta correta para os “hard cases” situa-se no âmbito dos procedimentos formais de construção da mesma calcado nos pressupostos reais do caso concreto bem como nos princípios constitucionais atinentes. Como explanado, os princípios podem se defrontar com outros princípios ou até mesmo com outras regras. Tais colisões faz com que
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o operador do direito siga analisando os princípios que são preeminentes e trabalhe a partir da ponderação entre eles, daí a importância de se empregar o princípio da proporcionalidade. Desta forma, os valores apresentados por estes princípios serão sopesados com referencia ao caso que está em discussão, concluindo em prol de uma racionalidade cada vez mais atrelada com um senso de justiça mais aguçado. Relacionando-se o caso concreto ora exemplificado no presente trabalho, no momento do julgamento, caberá ao julgador utilizar-se do senso de ponderação, lembrando-se que o Estado deve decidir e optar pela resposta correta atrelada aos liames do caso concreto bem como à luz da comunidade de princípios, respeitando-se sempre a Dignidade da Pessoa Humana. Faz-se importante então destacar que o Testemunha de Jeová, através do princípio da liberdade de crença e pela não laicização do Estado, não aceita a transfusão sanguínea. Porém, o médico diante das situações de emergências tem o dever ético de prestar o socorro devido, a fim de salvar a vida. Sendo assim, o operador do Direito deverá sopesar o que é mais adequado, ou seja, a vida ou a crença daquela pessoa. Nesse contexto, a corrente majoritária defende a preponderância do direito à vida do indivíduo. Portanto, é indispensável a promoção da segurança jurídica e a defesa da justiça nos tratamentos dados às situações cotidianas complexas apresentadas pela sociedade e, para a concretização deste entendimento, ressalta-se a necessidade de se construir a resposta correta dentro da comunidade principiológica da sociedade brasileira.
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1 Professora do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Advogada. Mestra em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias (PUC-MG). Especialista em Processo Constitucional pelo Centro Universitário Izabela Hendrix. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Acadêmica do 9º Período de Direito do Centro Universitário Newton 3 Positivismo Jurídico e métodos clássicos da interpretação: O positivismo jurídico é uma corrente do estudo do direito que tem como objeto a utilização das normas positivas para sua análise dentro do contexto social e a aplicabilidade das mesmas, de forma a salientar seu posicionamento no ordenamento jurídico. Para a interpretação o positivismo entende que não se busca o conteúdo normativo, mas sim manter o que o legislador criador da norma quis expressar através dela. Como método de interpretação clássico tem-se o que denominase de mens legis e mens legislatoris, ambos retrataram a vontade do legislador do qual se emanou uma norma sendo esta legal. Pode-se afirmar que neste momento não havia interpretação pela literalidade da lei. 4 Pós positivismo jurídico: o pós positivismo jurídico é uma corrente do estudo do direito que vem aprimorar o positivismo jurídico. Esta corrente defende que a lei pode sim ser contestada, pois sua interpretação não se dará apenas
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envolta da vontade do legislador que a criou. O pós positivismo traz como consequência lógica uma reinterpretação do Direito Constitucional conhecida como Neoconstitucionalismo, que utilizará como auxiliador interpretativo os princípios constitucionais no que tange o propósito apresentado na norma. 5 Direitos fundamentais x garantias fundamentais: os direitos são benefícios assegurados e prescritos pelas normas constitucionais conhecidas como disposições declaratórias, enquanto as garantias têm o dever de assegurar o exercício desses mesmos direitos provenientes da Constituição. Já os remédios constitucionais são espécies do gênero garantias constitucionais. Têm-se ainda em torno das garantias fundamentais que estas são regulamentações que inibem determinadas atitudes do Poder Público, atitudes capazes de violar os direitos dos cidadãos, trata-se da eficácia vertical dos direitos fundamentais. 6 Art. 81, Código de Defesa do Consumidor - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único - A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (República Federativa do Brasil, 1990) 7 Principio da proporcionalidade: este princípio constitucional, também denominado de razoabilidade, é utilizado como ferramenta para a proteção dos direitos inerentes aos seres. Este princípio é um equilibrador das interpretações trazidas ao ordenamento jurídico, evitando, desta forma, o cometimento de injustiças pelo legislador. (Koncikoski, 2008) 8 Banca examinadora: Ludmila Castro Veado Stigert; Braulio Lopes.
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A INSERÇÃO DO NOME EM CADASTROS NEGATIVOS DE PROTEÇÃO AO DIREITO DE CRÉDITO COMO ELEMENTO CONFIGURADOR DA INIDONEIDADE VEDADA PELA LEI 8.112/90 Leandro de Oliveira Martins1 Núbia Elizabette de Jesus Paula2 Banca Examinadora13 RESUMO: Procura-se com o presente trabalho aferir se a inserção do nome nos órgãos restritivos de crédito pode ser considerado requisito idôneo a fim de cercear direito líquido e certo de candidato aprovado em concurso público. PALAVRAS CHAVE: Concurso público; órgãos restritivos de crédito; idoneidade moral; proporcionalidade. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Breve histórico legislativo acerca do processo seletivo público; 3. Princípios mínimos da Administração Pública no Estado Democrático de Direito; 3.1. Da idoneidade moral; 3.2. Noção sociológica; 3.3. Noção Jurídica; 3.4. Idoneidade moral x Interesse Público primário – da idoneidade moral como elemento não viabilizador do interesse público; 4. Dos requisitos objetivos e subjetivos de edital de concurso público; 4.1. Subjetividade relacionada ao objeto e não aos sujeitos (candidatos); 5. Impossibilidade de cerceamento de direito de acesso ao serviço público tendo como paradigma a idoneidade moral como requisito editalício legal; 6. Considerações finais; Referências
1 INTRODUÇÃO Este trabalho pretende aferir se a inserção do nome nos órgãos restritivos de crédito é requisito idôneo para cercear direito líquido e certo de candidato aprovado em um dos certames de concurso público. Para tanto, faz-se mister imergirmos nos dizeres de dois dispositivos legislativos, que servirão de base para nortearmos este embate, sendo a Constituição Federal de 1988 e a Lei que rege o regime jurídico dos servidores públicos – Lei 8.112 de 11 de dezembro de 1990. A fim de rechaçar a possibilidade de utilizar tal requisito como caráter restritivo e possibilitar melhor reflexão acerca deste fato, primeiramente serão abordados aspectos históricos que demonstrarão a instauração da necessidade de realização de concurso público para ingresso na função pública. Após tal explanação, serão apresentados princípios norteadores da Administração Pública, princípios estes necessários para se ter um Estado Democrático de Direito. Com o intuito de tecer considerações elucidativas e até mesmo morfológicas a respeito do cerne deste trabalho, será realizada a divagação do que podemos aferir sobre idoneidade moral, abordando desde aspectos conceituais, até questões que tangem à possibilidade de compreensão deste instituto no âmbito sociológico e jurídico. Ademais, com o propósito de demonstrar o que permeia o conteúdo dos editais de concurso público, serão realizadas ponderações acerca da possibilidade de incidência de requisitos objetivos e subjetivos neste instrumento, além de oportunamente analisar se o requisito da idoneidade moral pode ser compreendido como elemento que viabilizará o interesse público. Neste mesmo sentido, será discorrido a respeito da possibilidade de aplicação de requisitos subjetivos aos sujeitos e não ao cargo que será ocupado, procurando esclarecer se tal atitude deve ser deve ser levada em consideração e sob qual fundamento. Por fim, após a divagação sobre os temas alhures dispostos, serão demonstrados os argumentos que impossibilitam que a idoneidade moral possa ser utilizada como requisito cerceador do direito de ingresso do candidato ao serviço público.
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2 BREVE HISTÓRICO LEGISLATIVO ACERCA DO PROCESSO SELETIVO PÚBLICO Realizando uma reflexão histórica, verifica-se que a exigência de concurso público para provimento de cargos efetivos sempre esteve presente nas constituições anteriores, mesmo não estando expressamente previstos. O primeiro dispositivo legislativo que apresentou de forma discreta a questão dos concursos públicos foi a Constituição do Império, de 25 de Março de 18243, ao discorrer em seu artigo 179, inciso XIV, senão vejamos: Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: [...] XIV. Todo o cidadão pode ser admitido aos Cargos Públicos Civis, Políticos, ou Militares, sem outra diferença, que não seja dos seus talentos, e virtudes. Através do dispositivo legislativo supramencionado, verifica-se que desde essa época o legislador preocupa-se com a incidência do princípio da isonomia e da proporcionalidade, visto que limitava o cerceamento do direito sob o argumento de que o candidato só poderia ser eliminado em virtude de limitação talentosa e virtuosa. Sob o mesmo diapasão, a Constituição Republicana de 1891, em seu artigo 73, previa o seguinte: Art. 73. Os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as acumulações remuneradas. Mais uma vez verifica-se a preocupação do legislador com o princípio da isonomia e da proporcionalidade, ressalvando, dessa vez, a possibilidade de haver as acumulações remuneradas. Insta destacar que o primeiro dispositivo legislativo que discorreu de forma clara sobre o tema foi a Constituição de 1934, tendo
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inclusive instituído a obrigatoriedade da realização do exame de sanidade para admissão em repartições administrativas. Tal declaração encontrava-se disposta no artigo 170, §2º, da Constituição supramencionada, que dispunha da seguinte forma: Art 170 - O Poder Legislativo votará o Estatuto dos Funcionários Públicos, obedecendo às seguintes normas, desde já em vigor: [...] § 2º a primeira investidura nos postos de carreira das repartições administrativas, e nos demais que a lei determinar, efetuar-se-á depois de exame de sanidade e concurso de provas ou títulos; Outrossim, o artigo 158, da Constituição de 1934 previu a vedação da dispensa do concurso de títulos e provas no provimento dos cargos do magistério oficial, bem como, em qualquer curso, a de provas escolares de habilitação, determinadas em lei ou regulamento. Com o advento da Constituição de 1937, seu artigo 156, alínea “b”, ficou instituído que a primeira investidura nos cargos de carreira far-se-á mediante concurso de provas ou de títulos. Nota-se que tal preceito trouxe certa inovação quanto a Constituição anterior, ao deixar de prever a necessidade da realização de exame de sanidade. Porém, a Constituição de 1946 trouxe novamente à tona a necessidade do exame de sanidade, senão vejamos: Art. 186 A primeira investidura em cargo de carreira e em outros que a lei determinar efetuar-se-á mediante concurso, precedendo inspeção de saúde. A justificativa que permeia o retorno dessa exigência calca-se na necessidade da verificação da acuidade psicológica, além da aferição da capacidade física. Já com a criação da Constituição de 1967 – que mais assemelha-se com a Constituição atual – importa transcrever o que encontrase previsto em seu artigo 95, §1º: Art 95 - Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, preenchidos os requisitos que a lei estabelecer. § 1º - A nomeação para cargo público exige aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos. Ademais, convém apresentar a inovação que esta Constituição trouxe, que encontra-se disposta no § 2º do artigo supracitado: § 2º - Prescinde de concurso a nomeação para cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração. Desta feita, vê-se que tal instituto estipulou uma ressalva a disposição exposta no § 1º do artigo 95, ressalva esta que não esteve presente nas constituições anteriores. Atualmente, encontra-se previsto no artigo 37, inciso I, da Constituição Federal de 1988, que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros e estrangeiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.”. Ao discorrer dessa forma, o legislador procurou equiparar as condições de estrangeiros e brasileiros, visando corretamente fazer incidir o princípio da isonomia em um Estado Democrático de Direito. Tal preceito procura selecionar candidatos de forma impessoal, com o propósito de estabelecer igualdade de condições para se alcançar a função almejada, propiciando àqueles que desejarem concorrer ao cargo, iniciarem teoricamente em igualdade de condições. Apesar deste permissivo, o dispositivo apresenta como ressalva o cumprimento de requisitos que estejam estabelecidos em lei. Ou seja, mesmo que esteja disponível ao candidato a possibilidade de ingresso na função, este deve preencher os requisitos que serão estipulados.
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Neste mesmo diapasão, cumpre explanar o que discorre o inciso II do artigo 37, da CR/88, ao estipular que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. Analisando a disposição acima mencionada, temos que além do candidato ter que preencher os requisitos estabelecidos em lei, deve se submeter a uma aprovação prévia em concurso público ou de provas e títulos. Estes atos procuram selecionar os cidadãos que demonstrem mais aptidão e preencham da melhor maneira os requisitos legislativos. É justamente procurar aplicar o princípio da eficiência, princípio este que pode ser compreendido nesta seara como a possibilidade de seleção de candidatos mais aptos ao exercício de atividades públicas. Vislumbra-se então que realizar o concurso e ser aprovado em determinadas etapas não significa a aquisição da função, se o candidato não preenche os requisitos dispostos na lei, não ocupará a função. Estes requisitos podem apresentar duas naturezas, a subjetiva ou a objetiva. Ao se tratar de requisito objetivo, tem-se como entendimento a observância de fatores que encontram-se dispostos na lei. Assim, ao se cumprir a determinação legislativa, preencheu-se os requisitos estabelecidos. Porém, nada impede que sejam estipulados requisitos subjetivos para consubstanciar o ingresso do candidato. Estes requisitos podem ser calcados de acordo com as necessidades da função destinada à ocupação. Frise-se, por oportuno, que tal subjetivismo é lícito, devendo estar atrelado às necessidades da Administração Pública. Estando realizado breve esforço histórico, insta divagar concisamente sobre os princípios mínimos da Administração Pública. 3 PRINCÍPIOS MÍNIMOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Antes de adentrarmos na questão dos princípios mínimos da Administração Pública, calha explanar, de forma sucinta, o que compreende-se como princípios. Sabemos que os órgãos e entes da Administração Pública direta e indireta regem-se por normas. Além destas disposições, existem preceitos que devem ser observados para se estruturar, estabelecer critérios e parâmetros de aplicabilidade de normas em uma sociedade. Estes preceitos são denominados como princípios. Segundo Miguel Reale, “princípios são enunciações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico para sua aplicação e integração e para a elaboração de novas normas”4. Nosso ordenamento jurídico confere extrema relevância a esses princípios, tanto que estabeleceu no § 2º, do artigo 5º, da CR/88, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Ainda neste sentido, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu artigo 4º, resguarda aos princípios gerais de direito a condição de autêntica forma de expressão do direito normativo, ao possibilitar que o Magistrado, frente à omissão legislativa, utilizese de analogia, costumes e princípios gerais de direito. Assim, ressalta-se que estes princípios são instrumentos de suma importância para a nossa sociedade, bem como para o Direito Administrativo, visto que auxiliam na compreensão e consolidação de institutos incompletos, que necessitam de uma interpretação, tendo como base aspectos que ultrapassam questões positivadas.
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Os princípios são normas de natureza estruturante, tendo em vista que buscam fincar frente às disposições legislativas valores sociais, culturais e morais que devem ser levados em consideração no momento da aplicação de determinada norma[3]. Dentre a vasta gama de princípios inerentes à sociedade, a Constituição da República menciona, no caput do seu artigo 37, 05 (cinco) princípios que permeiam de forma mais abrangente à Administração Pública, senão vejamos: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:(...) [grifos nossos] Desta feita, pode-se vislumbrar que estes são os princípios mínimos que a Administração Pública utilizará para reger um Estado Democrático de Direito, ou seja, toda e qualquer ação realizada por esta deverá observar estes princípios. Assim sendo, faz-se necessária a explanação destes, de forma bem objetiva, a começar pelo princípio da legalidade. Compreende-se como princípio da legalidade a sujeição da Administração Pública às normas legais. Ou seja, para que a Administração Pública realize qualquer ato, deve-se haver previsão legislativa. Segundo discorre Odete Medauar, o princípio da legalidade traduz-se, de modo simples, na seguinte fórmula: “A Administração deve sujeitar-se às normas legais.” Ainda pontuou que tornaram-se clássicos os quatro significados arrolados pelo francês Eisenmann, quais sejam: a) a Administração pode realizar todos os atos e medidas que não sejam contrários à lei; b) a Administração só pode editar atos ou medidas que uma norma autoriza; c) somente são permitidos atos cujo conteúdo seja conforme a um esquema abstrato fixado por norma legislativa; d) a Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena fazer.5 Observa-se, desta forma, que a atividade pública se desenvolve vinculada à lei, nos limites dela e para a consecução dos fins nela previstos. Por fim, não se pode designar à Administração Pública qualquer tipo de atividade que não esteja vinculada à lei, visto que deve-se haver no nosso ordenamento uma segurança jurídica que permeie a relação entre administrados e Administração. Quanto ao princípio da impessoalidade, depreende-se a máxima de que a Administração Pública deve tratar todos os administrados de forma igualitária, sem despender privilégios ou discriminações prejudiciais, buscando atender a seu próprio interesse ou de terceiros. Busca-se, primeiramente, a satisfatividade do interesse coletivo6. Quando houver situações em que vislumbra-se certo prejuízo de um administrado frente a outro, a Administração deve agir a fim de que se estabeleça um patamar de igualdade entre estes, propiciando, deste modo, a isonomia. Este fato possui como premissa maior o impedimento de incidência de fatores pessoais e subjetivos que possam desvirtuar o que a Administração Pública deve observar. Tratando-se de moralidade administrativa, podemos afirmar que enquadra-se como a necessidade da Administração Pública agir de forma ética quando realizar qualquer tipo de atividade. Acerca de tal definição, Hely Lopes Meirelles afirma que “ao legal deve se juntar o honesto e o conveniente aos interesses gerais”, e vincula a moralidade administrativa ao conceito de “bom administrador”7. Desta feita, a moralidade administrativa pode ser definida como o ato pelo qual a Administração Pública exercerá seus atos dentro de preceitos éticos e morais, observando aspectos gerais que serão aplicados aos administrados.
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Portanto, cumpre ressaltar que qualquer ato praticado pela Administração Pública deve obedecer os princípios constantes no artigo 37, da CR/88. 3.1 Idoneidade Moral Esmiuçando a compreensão de tal instituto, idoneidade é definida como característica de alguém que é apto, capaz, que possui habilitação e competência para desempenhar determinadas funções e ocupar determinados cargos. Já idoneidade moral classifica-se como o conjunto de qualidades que recomendam o indivíduo à consideração pública, consubstanciase com uma gama de atributos, requisitos capazes de atribuir ao cidadão à boa avaliação de seu caráter. Tais atributos podem ser definidos como a honra, respeitabilidade, seriedade, dignidade e bons costumes. Em outras palavras, a idoneidade significa a qualidade de boa reputação, é o bom conceito que se tem de uma pessoa, considerada como uma imagem ilibada da pessoa na sociedade, que lhe concede crédito e respeito. 3.2Noção Sociológica Tendo como base a conceituação supramencionada, a idoneidade moral carrega consigo um subjetivismo relevante, posto que pode-se existir valorações distintas, ponderações dissonantes para se aferir o que realmente é idoneidade moral. Às vezes determinada conduta realizada por um indivíduo pode ser capaz de tirar-lhe a idoneidade em certo ponto de vista, mas a mesma atitude pode ser vista de forma diferente por outro cidadão, conferindo-lhe, por fim, o “status” de pessoa idônea. Conforme mencionado alhures, em genérica conceituação, confere-se idoneidade moral àquela pessoa que, dentre outros aspectos, forem qualificados como honrosas, respeitosas, sérias, dignas e possuidoras de bons costumes. Absorvendo tais qualificações e procurando classificar as pessoas dentro destes atributos, certamente cairemos na esfera do subjetivismo, pois apesar de se haver certa unanimidade quanto à classificação do significado dos atributos, calha ressaltar que sempre haverá dissonância de aplicabilidade à determinada pessoa, o que inviabiliza a utilização de tal meio para se impor qualquer tipo de restrição, excetuando-se as hipóteses previamente dispostas em lei8. 3.3 Noção Jurídica Acerca da compreensão jurídica do tema, podemos vislumbrar a incidência de tal instituto explicitamente disposto no artigo 8º, inciso VI e § 4º, da Lei 8.906/94. Apesar de previsto na legislação supramencionada, não há classificação concreta em leis e doutrinas acerca de tal instituto, justamente por tratar-se de instituto que se permeia através de requisitos subjetivos. Convém ressaltar que a permissibilidade deste fator dentro do ordenamento jurídico encontra respaldo na previsão constante no parágrafo 1º do artigo 5º da Lei 8.112/90. É através desta disposição que os editais predispõem como requisito para investidura em cargo público a idoneidade moral. Por fim, resta ponderar que inclusive a noção jurídica deste requisito contamina-se por questões fundadas em aspectos sociológicos, buscando estipular certa razoabilidade, proporcionalidade ao se impor restrições a candidatos que procurem ingressar em concurso público. 3.4 Idoneidade Moral x Interesse Público Primário - Da Idoneidade Moral como elemento não viabilizador do interesse público Antes de entrarmos na discussão que consubstancia a eficiência da aferição da idoneidade moral como elemento contributivo à
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viabilização do interesse público, cumpre obtemperar o que compreende-se como Interesse Público, bem como aqueles que são compreendidos como Primários. O interesse público é o interesse de cada um dos membros da sociedade enquanto partícipe desta. É a aglomeração de interesses individuais que compõem o interesse coletivo. A fim de consubstanciar a ponderação realizada, convém destacar a conceituação realizada por Odete Medauar, em seu livro Direito Administrativo Moderno, acerca do tema: A expressão interesse público pode ser associada a bem de toda a coletividade, à percepção geral das exigências da vida na sociedade. Esse princípio vem apresentado tradicionalmente como o fundamento de vários institutos e normas do direito administrativo e, também, de prerrogativas e decisões, por vezes arbitrárias, da Administração Pública. Mas vem sendo matizado pela idéia de que à Administração cabe realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada circunstância, para que não ocorra sacrifício “a priori” de nenhum interesse; o objetivo desta função está na busca de compatibilidade ou conciliação de interesses, com a minimização de sacrifícios. 9 Ainda neste sentido, faz-se mister transcorrer sobre as chamadas “pedras de toque” – expressão esta utilizada pelo ilustre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello10 - da Administração Pública, que podem ser compreendidas como princípios basilares do Direito Administrativo. Segundo este preceito, deve-se sempre observar a supremacia de interesse público sobre o particular e a indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos. É vedado à Administração Pública, em qualquer hipótese, deixar de tomar ou retardar providências que são de interesse público, procurando resguardar qualquer outro interesse. Portanto, temos que o interesse público primário sempre será compreendido como a proteção do interesse social, ou seja, sempre buscará resguardar os interesses coletivos frente aos individuais. Após compreendermos tais ensinamentos, insurge-nos a indagação da validade de se levar em consideração a idoneidade moral como elemento contributivo a viabilização do interesse público. Ora, sabemos que a Administração Pública possui como prerrogativas fazer-se valer do poder discricionário. Este poder consiste na possibilidade da Administração Pública, dentro de disposições previamente estabelecidas, utilizar-se de interpretações e estipular ou restringir determinada matéria dentro do que a legislação permita. Apesar de tal possibilidade, a Administração Pública, ao utilizar a máxima da idoneidade moral como requisito cerceador de direito líquido e certo de candidato aprovado em concurso público, deixa de observar princípios intrínsecos à sociedade, princípios estes garantidos a qualquer cidadão, além de estar agindo de forma completamente desproporcional, infringindo disposições constantes na nossa Carta Magna. Neste sentido, necessário mencionar que a Lei 8.112/90 possibilita aos editais estabelecerem requisitos além dos dispostos em seu artigo 5º, mas por outro lado temos que tal estipulação deve obedecer preceitos constitutivos de um Estado Democrático de Direito, observar princípios inerentes a qualquer cidadão, dispostos, inclusive, no artigo 37, da nossa Carta Magna. Utilizando-se o requisito da idoneidade moral para resguardar o interesse público, temos que a Administração Pública está deixando de observar o princípio da proporcionalidade. Ao afirmar que a Administração Pública está inobservando o princípio da proporcionalidade, convém traçar algumas ponderações acerca de tal instituto.
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O princípio da proporcionalidade pode ser compreendido, segundo bem explicita o Ministro Gilmar Mendes em seu voto no Habeas Corpus nº 82424/RS, como uma norma constitucional não escrita, derivada do Estado de Direito, cuidando-se, fundamentalmente, de mecanismo para aferir a compatibilidade entre meios e fins, de modo a evitar restrições abusivas contra os direitos fundamentais. Ainda neste sentido, Raquel Denize Stumm discorre sobre o tema de forma completamente elucidativa, senão vejamos: “No caso brasileiro, apesar de não expresso, ele (o princípio da proporcionalidade) tem condições de ser exigido em decorrência de sua natureza. Possui uma função negativa, que limita a atuação dos órgãos estatais, e uma obediência aos seus respectivos conteúdos. Assim, o princípio da proibição do excesso proíbe o arbítrio e impõe a obediência ao conteúdo da proporcionalidade, ou seja, ‘a exigibilidade, a adequação e proporcionalidade dos atos dos Poderes Públicos em relação aos fins que eles perseguem’. Trata-se, pois, de um princípio jurídico-material de ‘justa medida’ 11 Ou seja, este princípio possui como objetivo intrínseco a limitação de atitudes praticadas pela Administração Pública, procurando estabelecer certa razoabilidade em suas ações, a fim de que não sejam praticados atos abusivos e que infrinjam direitos constitucionais ou até mesmo supralegais. A necessidade da observância de tal princípio encontra maior respaldo com o disposto no Artigo 5º, § 2º, da CF/88, que dispõe da seguinte forma: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Observando-se o disposto no supracitado artigo, Suzana de Toledo Barros, em seu livro “O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais”12 defende que o princípio da proporcionalidade deve ser examinado como norma da Constituição Brasileira, pois este teria o poder de vincular os Poderes Públicos. Através desta ponderação, passou a fundamentar tal princípio sob diversas maneiras: ora decorrente do Estado de Direito, ora através de outros preceitos constitucionais, citando como exemplo o artigo 5º, incisos II, XXXV e LIV, da CF/88, que são dispositivos que intrinsecamente restringem o exercício do poder de polícia por parte da Administração Pública. Neste mesmo diapasão, mister ressaltar que a solução de qualquer imbróglio deve partir de uma compreensão procedimental de democracia, constatando que todos os cidadãos encontram-se inseridos sob o império do Direito, sendo participantes de sua construção e reconstrução, império este constituído através de fluxos comunicativos entre os integrantes, tomadas de posições e opiniões que devem ser sustentadas e efetivadas pela Constituição, compreendida como uma comunidade que compartilha princípios intersubjetivamente construídos e reconstruídos. Por fim, resta pontuar que todas as atitudes realizadas pela Administração Pública devem estar pautadas de certa razoabilidade, proporcionalidade, a fim de que não sejam infringidos direitos intrínsecos aos cidadãos. Assim, quando se procura constatar a idoneidade
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dos candidatos através da certidão negativa de débitos, verifica-se que este não é requisito capaz de cercear direito líquido e certo, pois aplicando-se este instituto como fator restritivo, a Administração Pública deixa de observar os preceitos alhures dispostos. 4 DOS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DE EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO A Lei 8.112/90 dispõe, em seu artigo 5º, os requisitos básicos para investidura em cargo público, enquadrando-se como requisitos objetivos para a investidura de qualquer cidadão em cargo público. Os requisitos objetivos podem ser compreendidos como aqueles taxativamente dispostos pela lei, não sendo permeados por qualquer juízo de valor. Ou preenche-se a disposição da lei, ou não é apto a enquadrar-se no cargo oferecido. Dentro do dispositivo supramencionado, convém ressaltar que seu § 1º discorre sobre a possibilidade de se exigir requisitos que não estejam estabelecidos em lei mas que sejam compatíveis com as atribuições do cargo. Tem-se, portanto, a possibilidade de incidência de caráter subjetivista nos editais. Verifica-se, neste caso, uma possibilidade dos editais estabelecerem preceitos que não encontram-se dispostos nas legislações, ou seja, tal subjetividade permite a aplicação de fatos que não atrelados à normal legal, mas que ao mesmo tempo não infringem estas disposições, visto que procura-se vislumbrar requisitos que possam ser fatores necessários para o exercício do cargo público. Desta feita, vislumbra-se que o candidato, além de preencher os requisitos dispostos no artigo 5º da Lei 8.112/90, deve, conforme disposição editalícia e de acordo com as atribuições do cargo, estar em conformidade com os requisitos subjetivos que poderão estar dispostos. Conforme outrora mencionado, através de um permissivo legislativo é lícito estarem previstos nos editais requisitos subjetivos, desde que compatíveis com as atribuições inerentes ao cargo. Apesar desta permissão subjetiva, os editais devem fundarse em questões razoáveis, de relevância considerável para que se imponha uma limitação ao candidato; e limitar o ingresso deste a cargo público por estar com o nome inscrito em órgãos de proteção ao crédito é medida completamente desarrazoada, desproporcional, que não pode ter caráter eliminatório. Neste sentido, convém expor jurisprudência do nosso Tribunal: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO - AGENTE DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIO - APROVAÇÃO NO CERTAME - DESCLASSIFICAÇÃO MEDIANTE ATO ADMINISTRATIVO - EXISTÊNCIA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA - AÇÃO PENAL CONDICIONADA Â REPRESENTAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO- EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - AUTOS ARQUIVADOS - LIMINAR DEFERIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA - OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. RECURSO NÃO PROVIDO. - “”Não havendo sentença condenatória transitada em julgado, o princípio da presunção de inocência resta maculado, ante a eliminação de candidato a cargo público, ainda na fase de investigação social do certame, por ter sido verificada a existência de inquérito ou ação penal. - 2. É desprovido de razoabilidade e proporcionalidade o ato que, na etapa de investigação social, exclui candidato de concurso público baseado no registro deste em cadastro de serviço de proteção ao crédito. - 3. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e provido. (RMS 30.734/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 04/10/2011)
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Assim sendo, pode-se afirmar que a Lei 8.112/90 prevê os requisitos objetivos e possibilita aos editais estipularem requisitos subjetivos para ingresso a cargo público. Porém, há de se ressaltar que a subjetividade destes requisitos encontram-se vinculadas a certa razoabilidade e proporcionalidade frente ao cargo que será ocupado. 4.1 Subjetividade relacionada ao objeto e não aos sujeitos (candidatos) Há de se ressaltar que os servidores públicos que exercem cargos ou empregos públicos são representantes da Administração Pública, respondendo esta por atos praticados por àqueles, ressalvados os casos previstos na legislação. Sendo assim, em determinados casos é conveniente aos editais estipularem requisitos subjetivos aos cargos colocados à disposição, mas convém ressaltar que estes requisitos devem estar estritamente vinculados ao cargo em si, não aos candidatos que poderão vir a preenchê-los. Melhor elucidando, alguns editais estipulam como requisito eliminatório a observância do aspecto social do candidato através da certidão negativa de débito, mas pode-se concluir que tal meio não está atrelado ao cargo em específico, mas sim em relação ao candidato, sendo que este fator não pode ser determinante para cercear o ingresso deste ao cargo colocado à disposição. Imaginemos, pois, que determinado candidato fora aprovado brilhantemente em todos os certames do concurso público, mas quando da aferição do seu aspecto social, constataram que seu nome estava inserido nos cadastros restritivos de crédito, fator este que foi determinante para sua eliminação. A fim de impugnar tal eliminação, o candidato interpôs recurso administrativo, alegando que seu nome estava inserido neste cadastro por possuir um filho com complicações de saúde e que necessitava de um aparelho extremamente caro para manutenção de sua saúde, sendo, portanto, compelido a arcar com tal ônus, mas que assim que tivesse condições arcaria com o adimplemento da obrigação. Ilustrando-se com outra situação, imaginemos que o candidato é eliminado de determinado concurso público por estar com seu nome inscrito nos órgãos restritivos de crédito através de uma inscrição indevida, por ter sido fraudada uma compra em seu nome. Portanto, estaria a Administração Pública agindo de maneira razoável e proporcional ao excluir os candidatos supramencionados, com base na aferição do nome inserido nos órgãos restritivos de crédito? Levando-se em consideração que é dever da Administração Pública agir com certa cautela, sempre observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e apesar de ser lícita a previsão de requisitos subjetivos, mas desde que estes estejam atrelados ao cargo que será ocupado, não podendo vincular-se ao candidato ocupante do cargo, aplicar-se tal restrição não é medida que deve prevalecer, pois agindo de tal forma estariam sendo infringidos direitos básicos e fundamentais a qualquer cidadão, impondo restrição ilegal, que fere os pilares de um Estado Democrático de Direito. Deixaria de se observar o princípio da isonomia, da proporcionalidade, bem como o da razoabilidade, além de trazer à tona tremenda insegurança jurídica. Por fim, tal atitude não será conveniente, sequer oportuna, visto que as vedações dispostas nos editais devem estar jungidas às finalidades inerentes ao cargo em concorrência, verificando se tal vedação é capaz de comprometer a atividade que será exercida pelo candidato aprovado.
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5 IMPOSSIBILIDADE DE CERCEAMENTO DE DIREITO DE ACESSO AO SERVIÇO PÚBLICO TENDO COMO PARADIGMA A IDONEIDADE MORAL COMO REQUISITO EDITALÍCIO LEGAL. Há tempos o concurso público pode ser compreendido como o subterfúgio encontrado pela grande parte dos cidadãos para melhorar sua qualidade de vida, apesar de que a aquisição do cargo limitase a pequena parcela da sociedade brasileira. Enquanto alguns – a minoria dos cidadãos - possuem o privilégio de despenderem o tempo necessário para estudar, sem preocupação com outras questões, e consequentemente serem aprovados, a grande maioria dos cidadãos brasileiros tem que se desdobrar entre atividades laborais, tarefas domésticas e outros fatores para conseguir tempo e se dedicar ao estudo, a fim de se alcançar o tão almejado objetivo. Infelizmente este é o resultado de uma sociedade dispare, que facilmente podemos vislumbrar dois panoramas sociais. E por estarmos inseridos neste imbróglio, vemos cidadãos que buscam melhores condições de vida contraírem dívidas, e por contrair estas dívidas, buscarem no mercado de trabalho oportunidades de emprego, ou até mesmo almejarem ingresso a cargo público. Agora, imaginemos que este mesmo cidadão que contraiu dívidas acaba agraciado com a aprovação em determinado concurso público. Estaria a Administração Pública agindo de forma razoável e proporcional ao limitar seu ingresso por possuir o nome inserido nos órgãos restritivos de crédito? Temos que tal restrição não pode ser imposta. Não é cabível relativizarmos a idoneidade moral simplesmente através de uma certidão negativa de débito, bem como não se pode concluir que todas as pessoas que possuem dívidas não possuem idoneidade moral. A imposição do requisito de idoneidade moral nos editais que permeiam os concursos públicos é mecanismo completamente descabido, que, possuindo caráter eliminatório, deixaria de se observar aspectos que devem ser levados em consideração para termos um Estado Democrático de Direito. Sob essa égide, convém demonstrar julgado do E. TJMG neste sentido: EMENTA: CONCURSO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. FALTA DE PREVISÃO EM LEI E OFENSA AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. - Não havendo previsão na lei da exigência de certidão negativa de serviço de proteção ao crédito, não pode a mesma ser exigida, mesmo porque fere diretamente o princípio da razoabilidade, já que a dívida em si não demonstra falta de conduta ilibada. AGRAVO DE INSTRUMENTO CÍVEL N° 1.0024.09.5895280/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - AGRAVANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS - AGRAVADO(A)(S): FLAVIO DOS REIS BRANQUINHO E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. ERNANE FIDÉLIS Portanto, não se pode ter o requisito da idoneidade moral como paradigma, a fim de cercear direito líquido e certo de candidato aprovado em concurso público. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através deste trabalho foi possível chegar a algumas conclusões quanto à possibilidade de utilização da idoneidade moral como requisito cerceador de direito líquido e certo de candidato aprovado em concurso público.
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Apesar da disposição contida no § 1º do artigo 5º da Lei 8.112/90, mister ressaltar que os requisitos subjetivos devem observar, sobretudo, princípios existentes em um Estado Democrático de Direito, a fim de se resguardar direitos inerentes a qualquer cidadão. Tem-se que o requisito de idoneidade moral caracteriza-se como o conjunto de qualidades que reputam o cidadão à boa imagem social. O fato de qualquer cidadão possuir o nome nos órgãos restritivos de crédito não pode ser definido como fator determinante para aferir sua honra, respeitabilidade e seriedade. Não pode-se generalizar uma situação, tomar como premissa maior o fato do nome estar inserido em órgão restritivo e utilizar este fato para cercear direito de ingresso a cargo público. Da mesma forma, sabemos que a Administração Pública não deve contratar pessoas ímprobas, que não possuam o mínimo de respaldo para exercer a função pública, mas também não podemos generalizar uma situação a ponto de definir que qualquer cidadão que possua o nome inserido nos órgãos restritivos de crédito é inidôneo. O fato que permite o ato praticado pela Administração encontra-se jungido no princípio da moralidade administrativa, mas também existem princípios basilares e intrínsecos a qualquer cidadão, e permitir que a Administração aja de tal forma é permitir que seja destroçado princípios básicos e inerentes a qualquer cidadão. A mera apresentação de certidão negativa de débito não pode ser requisito definidor da situação do candidato. Agindo desta forma, a Administração inobserva os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ademais, as disposições expressas nos editais devem guardar consonância com o cargo que será ocupado. Nestes casos, verifica-se que este requisito não possui relação com o cargo, mas sim com o candidato. Desta feita, estipular tal requisito e ainda considerá-lo como eliminatório é medida completamente descabida, eivada de vícios prejudiciais à manutenção de um Estado Democrático de Direito.
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3 MOTTA, Fabrício. Direitos Fundamentais e concurso público. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Edição Especial, ano – XXVIII: biênio 2009-2010 4 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito.27ª ed. São Paulo. Saraiva. 2009 5 HEUSELER, Elbert da Cruz. A força normativa dos princípios aplicáveis à administração pública. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 53, maio 2008. Disponível em: 23/05/2014 6 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno – 17ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2013 – pg. 140 7 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 31ª Ed. São Paulo – Malheiros: 2006 8 BESSIL, Frederico Haupt. O requisito da idoneidade moral analisado na investigação da vida pregressa de candidatos que concorrem a cargos públicos. Disponível em: http://static.congressoemfoco.uol.com.br/2012/06/O-REQUISITO-DA-IDONEIDADE-MORAL-ANALISADO-NA-INVESTIGA%C3%87%C3%83ODA-VIDA-PREGRESSA-DE-CANDIDATOS-QUE-CONCORREM-A-CARGOS-P%C3%9ABLICOS.pdf Acesso em 26/02/2014
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1 Acadêmico do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton
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10 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 61 11 STUMM, Raquel Denise. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 1995. Pg. 181
NOTAS DE FIM
2 Professora de Direito Administrativo do Centro Universitário Newton
9 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno – 16ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2012
12 BARROS, Suzana de Toledo.Op. cit., 2000, p. 73 13 Núbia Elizabette de Jesus Paula; Marco Flávio Sá.
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A LEI MARIA DA PENHA EM FACE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Lis Maria Bretas de Carvalho1 Cristian Kiefer da Silva2 Banca Examinadora³ RESUMO:Surgiu em 2006 a Lei 11.340, que criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal, além de estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. No entanto, sabe-se que a violência doméstica não ocorre apenas contra as mulheres, muitos homens também são vítimas em seu seio familiar. No presente artigo será apresentado o histórico correspondente a Lei Maria da Penha, a sua influência nos fatores sociais, políticos, econômicos e culturais, bem como um apanhado geral sobre a violência doméstica que ocorre no Brasil e no mundo. Em seguida, serão analisados aspectos materiais da referida Lei, além de demonstrar sua inconstitucionalidade. PALAVRAS-CHAVE:Lei 11.340/06, Estado Democrático de Direito, Princípio da Igualdade, Violência doméstica. SUMÁRIO:1 Aspéctos Históricos da Lei Maria da Penha; 1.1 Violência Contra a Mulher no Brasil e no Mundo; 2 Aspéctos Gerais da Lei Maria da Penha; 2.1 Origem; 2.2 Disposições Legais; 2.3 Abrangência e Conteúdo; 2.4 Aspecto Principiológico; 2.5 Normas Constitucionais e Normas Inconstitucionais; 2.6 Inconstitucionalidade da Lei Maria Da Penha; 3 União Homoafetiva; 4 Conclusão; Referencias.
1 INTRODUÇÃO Preliminarmente, faz-se necessário um estudo referente ao contexto histórico no qual a Lei 11.340/06, ora tratada como Lei Maria da Penha, foi inserida, e seus reflexos na sociedade atual, para em seguida, tratar da sua inconstitucionalidade. A referida Lei é denominada como Lei Maria da Penha em homenagem a uma brasileira, que se tornou símbolo da batalha contra a violência à mulher, Maria da Penha Maia Fernandes, que lutou na década de 1980, durante 12 anos de sua vida, contra agressões sofridas pelo seu marido. Maria da Penha, após ser agredida pela primeira vez por seu cônjuge, fato este que a tornou paraplégica, procurou as autoridades judiciárias para protegê-la. No entanto, não havendo legislação específica naquela época, e devido a morosidade processual que há muitos anos se alastra, durante árduos anos não se viu amparada legalmente. Foi mediante interferência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que, por meio de denúncia, determinou ao Brasil o cumprimento dos tratados internacionais pactuados, especialmente no que tange à violência doméstica. A partir de então, nosso legislador viu a necessidade de criar uma lei específica que tratasse da violência no âmbito familiar, promulgando, no ano de 2006, a Lei 11.340, também conhecida com a Lei Maria da Penha. 1.1 Violência Contra a Mulher no Brasil e no Mundo Muito embora o grande marco da criação da Lei 11.340/06 tenha sido o caso em destaque da Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, tal fato não é isolado. Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti (p. 37, 2008), ao explanar sobre a violência conta a mulher, aduz: A violência contra a mulher geralmente se identifica com a violência doméstica. Porém, o conceito de violência contra a mulher é mais amplo, pois inclui, segundo consta no art. 1 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, “qualquer ato de violência baseado em sexo, que ocasione algum prejuízo ou sofrimento físico, sexual ou psicológico às mulheres, incluídas as ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrárias da liberdade que ocorram na vida pública ou privada.
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A violência doméstica sempre existiu, tanto no Brasil quanto nos demais países. A violência, seja do âmbito familiar ou fora deste, cresce assustadoramente, resultado que se reflete em uma série de fatores, como sociais, econômicos e culturais. Importante pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas, demonstrou claramente o grau de violência no Brasil e outros países, possibilitando a comparação dos resultados. De modo geral, a pesquisa publicada no ano de 2010, revelou que o Brasil é o terceiro país com mais homicídios na América do Sul, e, considerando o ranking mundial, está na vigésima sexta posição. No que tange ao crime de homicídio, o Brasil alcançou o primeiro lugar. De acordo com o estudo (UNODC, 2011): O Estudo mostra que jovens do sexo masculino, principalmente nas Américas Central e do Sul, Caribe, e África central e do sul, estão mais expostos aos riscos de serem vítimas de homicídio intencional. Já as mulheres correm mais riscos de serem assassinadas por violência doméstica. Existem evidências de aumento dos índices de homicídios na América Central e Caribe, que estão “próximos a um ponto de crise”. Apesar de apontar para um número maior de vítimas do sexo feminino no âmbito familiar, percebe-se, de acordo com os dados divulgados, que tanto as pessoas do sexo masculino, quanto do feminino, estão propícias a violência, especialmente no Brasil. Especificamente com relação à violência contra a mulher, uma das pesquisas mais completas sobre a violência doméstica foi citada na obra de Stela Valéria Cavalcanti (p. 65, 2008), ora exposta: Uma das investigações mais completas sobre a violência doméstica é a realizada por Cecília P. Grosman e sua equipe de sociólogos em Buenos Aires. Com base no depoimento de 146 mulheres vítimas de maus- tratos físicos por seus companheiros e esposos, este absurdo revelou que: Mais de 68% das mulheres que procuraram atendimento tinham entre 20 e 45; As instituições mais procuradas pelas mulheres para denunciar as agressões são: 36% as delegacias; 35% os tribunais; 20% os hospitais; 8% o consultórios médicos e 1% não soube responder. Esta
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informação é fundamental porque revela que a maioria das mulheres acorrem às Delegacias para denunciar a violência sofrida; Existe uma relação direta entre a denúncia e o trabalho da mulher. 62% das mulheres que denunciaram trabalhavam, 36% eram donas de casa e 2% não souberam responder. O contato com o meio externo através do trabalho é um componente desnaturalizante da violência; O tempo de matrimonio das mulheres antes de denunciar as agressões é um dado de grande importância. As mulhere que convivem com o agressor menos de um ano, 2% de 1 a 5 de convivência, 27%, de 6 a 10 anos, 34% e mais de 10 anos, 37%; A frequência das agressões aumenta com o tempo de convivência do casal. A frequência é semanal em 36% dos casos; mensal em 16%; raramente em 22% e 4% não soube responder. Observou a pesquisadora que não souberam responder as mulheres com relacionamentos de mais de 6 anos em 32% dos casos, o que demonstra que ocorrem com tanta frequência que fica difícil estabelecer a quantidade. Fato que nos permite afirmar que a violência se institucionaliza com o tempo; Em 88% dos casos em que essas agressões foram presenciadas pelos filhos, em 6% não presenciaram e 6% não souberam responder. Ainda, de acordo com pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, citada no artigo científico “Os cinco anos da Lei Maria da Penha” do Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Ronaldo Batista Pinto (p.2, 2011): A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se que entre as que admitiram ter sido espancadas, 31% declararam que a última vez em que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores, projeta-se cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam aumentando ou diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/ hora ou 4/minuto – uma a cada 15 segundos. (disponível em: <www.fpabramo.org.br). Diante do exposto, ressalta-se a necessidade da criação de novas políticas públicas, bem como mudanças na legislação, com objetivo de diminuir tamanha violência vivenciada em nosso país. 2 ASPÉCTOS GERAIS DA LEI MARIA DA PENHA 2.1 Origem O Projeto de Lei que deu ensejo à Lei 11.340 tramitou no Congresso Nacional por longos dezenove anos, sendo aprovada por unanimidade e, no dia sete de agosto de 2006, sancionada pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Sua vigência, respeitando a vacatio legis, iniciou-se no dia vinte e dois de setembro de 2006, passando a punir com mais rigor os atos cometidos face a mulher no âmbito familiar. Trouxe, assim, maior celeridade e eficácia processual, já que modificou alguns dispositivos do Código Penal e da Lei dos Juizados Especiais, mudanças estas que serão abordadas posteriormente. O objetivo da Lei veio expressamente no Título I “Disposições Gerais”, em seu artigo 1º, que aduz: Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção
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sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Inegável que a Lei Maria da Penha trouxe em sua redação mecanismos para dar maior celeridade processual, haja vista que ao acionar o Poder Judiciário, sabe-se da morosidade em serem solucionadas as lides. Entretanto, percebe-se, logo no primeiro artigo da Lei, que será tratado de mecanismos para coibir a violência contra a mulher, omitindo a palavra “homem” da redação. 2.2 Disposições Legais A Lei Maria da Penha trouxe consideráveis mudanças no Código Penal e na Lei 9.099/95, quais sejam: aumento da pena prevista no parágrafo nono do artigo 129 do Código Penal, que trata das Lesões Corporais; proibição de penas alternativas; criação de Juizados de Violência Domestica e Familiar contra a mulher; impossibilidade da renúncia da representação da vítima, havendo apenas uma exceção (em audiência específica perante o juiz); hipótese de prisão preventiva; possibilidade de o juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. O parágrafo nono do art. 129, que trata especificamente da Violência Doméstica, no que se refere às Lesões Corporais, teve sua pena aumentada, já que anteriormente a punição era de detenção com pena mínima de seis meses a um ano (pena máxima), passando a redação a ser da seguinte forma: Violência Doméstica § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. Em consonância com a alteração do dispositivo supracitado, tem-se a impossibilidade da aplicação das penas alternativas. Estas, são tidas como penas que substituem a pena restritiva de liberdade, ou seja, as elencadas no artigo 43 do Código Penal: Art. 43, CP - As penas restritivas de direitos são: I - prestação pecuniária; II - perda de bens e valores; III - (VETADO) IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V - interdição temporária de direitos; VI - limitação de fim de semana. Assim, tem-se que as penas alternativas não serão aplicadas em caso de lesões corporais no âmbito doméstico, já que só poderão ser delineadas aos crimes cuja pena máxima não ultrapasse dois anos, ou seja, para os delitos que sejam abrangidos pela Lei 9.099 (Lei dos Juizados Especiais), conforme preceitua o artigo 61 da referida Lei: Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
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Corroborando com este entendimento, tem-se o dispositivo 17 da Lei Maria da Penha, que aduz: Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. Ademais, a Lei trouxe a possibilidade de se criar Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, conforme estabelece o artigo 14 da Lei 111.340: Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária. Percebe- se que a Lei permite ampla atuação dos Juizados, que terá competência para julgar e executar as causas decorrentes de violência familiar ou doméstica face a mulher. Além disso, terá esse Juizado atendimento multidisciplinar, garantindo atuação do Juiz de Direito, Ministério Público, bem como a Defensoria Pública: Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes. Sobre este atendimento multidisciplinar, Stela Cavalcanti4 define-a como sendo: Pode ser definida como um grupo de profissionais com formação diversificadas que atuam de maneira independente, inter-relacionando-se num mesmo ambiente de trabalho. Sua atuação é de uma importância grandiosa por possibilitar aos operadores do direito, subsídios necessários a uma melhor compreensão do fenômeno violência doméstica e todas as suas implicações, bem como possibilitar atendimento às vítimas da violência doméstica por profissionais capacitados nas áreas de psicologia, assistência social e de saúde. No que se refere a outros crimes cometidos face à mulher em que a pena máxima seja inferior a dois anos, aplicar-se-á a Lei 9.099/1995, embora não se aplique todos os seus efeitos. Prova disto, é outra inovação que a Lei Maria da Penha trouxe, no que diz respeito a renúncia da representação da vítima. Com o advento da Lei 11.340, a renúncia da vítima passa a ser admitida somente perante o juiz, em audiência específica designada para esta finalidade, conforme depreende-se o art. 16: Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
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Ainda, preenchido os requisitos de risco à integridade da mulher, poderá o juiz determinar a prisão preventiva do agressor, a fim de garantir maior segurança à vítima, demonstrado no artigo 20 da Lei: Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. Por fim, foi acrescentado pela Lei 11.340/06, o parágrafo único do artigo 15 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), na qual permite ao juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. 2.3 Abrangência e Conteúdo A Lei 11.340/06, logo em seu artigo primeiro, deixa claro que a Lei irá dispor sobre mecanismos para coibir e prevenir a violência domestica contra a mulher. Em momento algum, expressa o termo “homem”, mostrando que o legislador deu ênfase à proteção apenas ao sexo feminino. Importante destacar a abrangência da palavra âmbito familiar, que a própria lei dispõe da seguinte forma: Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. É possível extrair importantes definições do artigo supracitado. A primeira delas é no que diz respeito das diversas formas que a violência contra a mulher se concretizará, que poderá ser por meio de uma ação, ou de uma omissão (deixar de fazer), e ainda os modos pela qual poderá ocorrer: morte, lesão – esta já explanada anteriormente -, sofrimento físico, que poderá ser sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial. Ainda, a lei trata em incisos distintos o que vem a ser unidade doméstica e familiar, abstraindo, dessa forma, que a violência ocorrerá não só contra parentes e afins (como cônjuge, ascendentes e descendentes), mas também aqueles que mesmo sem vínculo familiar possuem convívio permanente ou em qualquer relação intima de afeto. Superado a abrangência, a Lei preocupou-se em proporcionar a vítima mais de um juízo competente para ajuizar a ação, conforme relata o artigo 15: Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado: I - do seu domicílio ou de sua residência; II - do lugar do fato em que se baseou a demanda; III - do domicílio do agressor.
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Assim, tem-se a preocupação do legislador em garantir da melhor maneira possível a violência contra a mulher, ao passo que, conforme explanado, alterou e inovou diversos dispositivo legais, afim de propiciar maior celeridade processual. 2.4 Aspecto Principiológico A República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, em que se deve frisar direitos e garantias fundamentais. Tais direitos e garantias estão expressos na Constituição Federal de 1988, sendo esta, a Lei suprema. Sendo assim, todas as leis infraconstitucionais devem seguir os ditames da Constituição. Dentre os direitos e garantias fundamentais, destaca-se o artigo 5º e seu inciso I, da CR/88, que diz: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. (PINTO, 2013, p. 20). Percebe-se que o artigo acima trata do Princípio da Isonomia, onde homens e mulheres, sem distinção, devem ser tratados da mesma forma, garantindo-lhes uma série de direitos, como: direito à vida, à liberdade e à igualdade. Corroborando com o artigo 5º da CR/88, destaca-se também o artigo 226, §8º, da Carta Magna, que expõe: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada umdos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (PINTO, 2013, p. 32). A Constituição Federal, ao tratar das relações familiares, não determina tratamentos diferenciados para homens e mulheres, pelo contrário, afirma que ambos devem ser tratados da mesma forma, principalmente no âmbito familiar. José Afonso da Silva (p. 2011, 2005), ao tratar da Igualdade entre homens e mulheres, explana que: O direito de igualdade não tem merecido tantos discursos como a liberdade. Não admite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. (...) Aqui a igualdade não é apenas no confronto marido e mulher. Não se trata apenas da igualdade no lar e família. Abrange também essa situação, que, no entanto, recebeu formulação específica no art. 226, §5º: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Vale dizer: nenhum pode mais ser considerado cabeça do casal, ficando revogados todos os dispositivos da legislação ordinária que outorgava primazia ao homem. A mesma lei penal e seus sistemas de sanções hão de se aplicar a todos quanto pratiquem o fato típico nela definido como crime. Assim, depreende-se que não só a Lei Maria da Penha, como todas as que são criadas no ordenamento jurídico brasileiro, devem respeitar os Princípios insculpidos na Constituição Federal, sob pena de serem tidas como inconstitucionais, conforme melhor será abordado no tópico a seguir.
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2.5 Normas Constitucionais e Normas Inconstitucionais Importante ter-se em mente a distinção entre uma norma constitucional e uma norma inconstitucional. Em síntese, para que o Presidente da Republica sancione uma Lei que vigorará por todo território brasileiro, faz-se necessário, primeiramente, que o Projeto de Lei tramite pelo Congresso Nacional, momento pelo qual tanto a Câmara dos Vereadores quanto o Senado Federal irão averiguar a constitucionalidade daquele Projeto. No que se refere à norma constitucional, José Afonso da Silva (p. 211, 2005) conceitua como sendo aquela que está em “conformidade com os ditames constitucionais”. Por outro lado, Canotilho (p. 215, 2003) determina como sendo inconstitucional “toda lei que viola os preceitos constitucionais”. Assim, normas que não seguem os ditames da Constituição Federal, não devem ser acolhidas por nosso ordenamento, ou seja, não devem ser recepcionadas, conforme entendimento do doutrinador Alexandre de Moraes (p. 900, 2008): “toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição, como uma norma suprema, proclama”. Por isso, tendo em vista que a Lei 11.340 trata apenas da proteção da violência doméstica contra a mulher, percebe-se que esta não seguiu os ditames do Princípio da Isonomia e, consequentemente, torna-se inconstitucional. 2.6 Inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha A Constituição Federal, em seus artigos 5º e 226, demonstram a primazia do Princípio da Isonomia, em que todos devem ser tratados da mesma forma. Ao tratar das relações familiares, não determina tratamentos diferenciados para homens e mulheres, pelo contrário, afirma que ambos devem ser tratados de maneira igual, principalmente no âmbito familiar. A inconstitucionalidade da Lei 11.340 fica nítida uma vez que trata apenas da proteção contra a violência cometida em face da mulher. Ensina José Afonso da Silva (p. 46, 2005): Todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal. O princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição. Essa conformidade com os ditames constitucionais, agora, não se satifaz apenas com a atuação positiva de acordo com a constituição. Exige mais, pois omitir a aplicação de normas constitucionais, quando a Constituição assim a determina, também constitui conduta inconstitucional. Rômulo de Andrade Moreira (p. 69, 2007), em sua obra Lei Maria da Penha e suas Inconstitucionalidades, corrobora com o entendimento de que os ditames da Lei 11.340 viola o Princípio da Isonomia previsto na Constituição Federal: Surpreende que a Lei Maria da Penha, positivamente aceita pela maioria da população, busca combater essa violência intrafamiliar, acentuando ou desnivelando os beneficiários, quando favorece a mulher e discrimina o homem, que também é vítima dessa violência, mesmo que em menor escala proporcional. Sancionada a Lei 11.340/06, faz-se mister salientar que a mesma criou sanções penais diferentes para um mesmo delito cometido, levando em consideração quem o praticou, se homem ou mulher.
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A inobservância dos dispositivos constitucionais fere o Princípio da Igualdade, já que está havendo punição diferenciada por um mesmo crime praticado: se a violência doméstica é praticada pelo homem, este será punido pela Lei 11.340, se a mesma violência for praticada por uma mulher, esta será punida pelo Código Penal. Tal distinção é muito relevante, pois o modo que se dará o andamento processual, bem como a aplicação da pena, é diferente. O rito processual da Lei 11.340 é muito mais célere que o procedimento sumário comum, além das penas serem mais severas. Tem-se, portanto, para um mesmo crime cometido, normas processuais distintas, o que causa, sem dúvida alguma, insegurança jurídica, ferindo, precipuamente, o Estado Democrático de Direito. A Lei deve ser um meio regulador e limitador da vida em sociedade, que tem como fundamento tratar todos de maneira igual. Ao se criar a Lei 11.340, o legislador pensou apenas nos desentendimentos conjugais, esquecendo que a violência pode ocorrer em face de qualquer membro familiar. Ainda, tem-se a Lei 11.340 como inconstitucional por ferir o disposto no artigo 98, inciso I da CR/88, que dispõe sobre a criação dos Juizados Especiais Criminais: Art. 98, CR/88 - A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. A instituição da Lei Maria da Penha veda a aplicação dos Juizados Especiais Criminais nos crimes tidos como violência doméstica. Não há amparo legal constitucional para tanto, haja visto que, se o crime for cometido face a mulher não poderá seguir o disposto na Lei 9.099/95, ao passo que, o mesmo crime praticado contra um homem, poderá seguir pelo referido rito – desde que seja uma infração de menor potencial ofensivo -, pelo fato da Lei 11.340 tratar apenas da proteção á mulher. 3 - UNIÃO HOMOAFETIVA Em conformidade com os próprios dispositivos da Lei 11.340/06, pode-se dizer que a referida Lei, implicitamente, reconheceu a união homoafetiva, senão vejamos. O artigo 5ª da Lei Maria da Penha, explana que: Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
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Ao analisar o dispositivo acima, percebe-se que a lei afirma que as relações familiares por ela tratada independem de orientação sexual. Assim, a lei reconhece que existem famílias homoafetivas e que nestas, também ocorrem violência doméstica, que devem ser abarcadas pela lei. Consequentemente, ao reconhecer que existe violência doméstica no âmbito homoafetivo, amplia o entendimento por âmbito familiar, reconhecendo a existência de uniões homoafetivas. Corroborando com este entendimento, sabendo-se que um casal homoafetivo é a união de duas pessoas que se consideram aparentadas por vontade expressa, destaca-se o inciso II do artigo supracitado, ao aduzir que a família compreende a comunidade formada por indivíduos que se consideram aparentados por vontade expressa, e o parágrafo único, ao dizer que as relações enunciadas independem de orientação sexual. Assim, conforme explanado por Paulo Roberto IottiVexxhiatti (p. 93, 2010): Logo, não há mais lacuna legal no que tane à configuração da família homoafetiva: esta foi reconhecida implicitamente pelo art. 5º, inciso II e parágrafo único, da Lei Maria da Penha, pois a lei conceituou a família; criou um conceito legal de família, conceito este aplicável a toda e qualquer hipótese. A lacuna persiste no que tange ao tratamento jurídico da família homoafteiva, pois enquanto a legislação expressamente regulamenta a proteção da família heteroafetiva através do casamento civil e da união estável, ela nada trata acerca da família homoafetiva: não a proíbe, mas também não enuncia nenhuma palavra sobre ela. É a atípica hipótese de lacuna normativa, que deve ser solvida pelas técnicas hermenêuticas de integração das lacunas, adiante explicitadas. (p.96, 2010). Diante do exposto, é possível afirmar que a Lei 11.340, compreende além da violência contra a mulher, também a violência nas relações homoafetivas, conforme explanado no artigo 5º, inciso II e parágrafo único. 4 - CONCLUSÃO Considerando o exposto, ressalta-se a importância da criação de leis que visem à punição mais severa perante a violência doméstica, já que, de maneira exaurida, foi demonstrada tamanha violência no âmbito familiar que ocorre tanto no Brasil quanto no mundo. De fato, a Lei 11.340/06 foi criada no intuito de dirimir a violência doméstica crescente no Brasil, amparada, sem dúvidas, ao fato da brasileira Maria da Penha Maia Fernandes, que foi violentada durante anos por seu marido, caso este que tomou proporções internacionais. Ocorre que com a criação da Lei, logo em seu primeiro artigo deixou claro tratar-se apenas de uma proteção à mulher, deixando de lado a proteção ao homem, que também pode ser vítima de violência doméstica. Outrossim, conforme salientado no artigo 5º da Lei Maria da Penha, em especial no inciso II e no parágrafo único, tem-se o entendimento de que a Lei reconheceu a união homoafetiva, bem como amparou legalmente a violência doméstica que ocorrer nesse âmbito familiar. Entretanto, a Lei 11.340/06 tem-se como inconstitucional, pois, não previu, em momento algum, proteção ao homem que sofre violência doméstica. Pelo contrário, conforme explanado, um mesmo delito se praticado por um homem ou por uma mulher, terão punições diferentes, ferindo assim, o princípio da igualdade ressaltado na Constituição Federal. Ademais, a Lei Maria da Penha não se aplica aos Juizados Especiais Criminais, cerceando o disposto no artigo 98, da CR/88.
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1 Acadêmica do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
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2 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Processo Civil Aplicado pelo CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor Assistente e Pesquisador da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Auxiliar da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor Adjunto e Pesquisador do Centro Universitário UNA. Professor Adjunto e Pesquisador da Faminas-BH. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI). Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”.
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3 Cristian Kiefer da Silva; Antônio Eustáquio 4 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência Doméstica – Análise artigo por artigo da Lei “Maria da Penha”, nº 11.340/06. 2ª Ed. Bahia: Editora JusPodvm, 2008, p. 225.
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A POSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA EX OFFICIO PELO JUIZ Leandro Henrique Simões Goulart1 Lorena Mariano Pinto2 Banca Examinadora³ RESUMO: A tutela antecipada é o ato pelo qual o juiz, presentes os requisitos específicos, poderá, ainda na fase postulatória do processo, conceder algum dos pedidos pleiteados por uma das partes que compõe a ação. O tema se mostra de extrema importância, posto que a ocorrência de práticas que não concedem o direito iminente à parte no processo, pode vir a gerar um descrédito em nosso judiciário, afinal, o objetivo principal da antecipação da tutela é oferecer a efetiva justiça, não só em nosso ordenamento jurídico em geral, como também nas relações jurídicas individualizadas. Sendo a segurança jurídica e eficiência os objetivos primordiais, a possibilidade da tutela antecipada de ofício deve ocorrer quando o juiz verificar que estão presentes os requisitos para sua concessão, não ferindo o Princípio da Imparcialidade, conforme será exposto no presente artigo. PALAVRAS-CHAVE: Tutela antecipada, Princípios, Atos do magistrado ex officio. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Da Concessão da Tutela Antecipada; 3 Princípios que Regem a Tutela Antecipada; 4 Atos do Magistrado Ex officio; 5 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada de Ofício pelo Juiz; 6 Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO A República Federativa do Brasil estabelece a todos os brasileiros a vivencia em um Estado Democrático de Direito, na qual se baseia em uma série de premissas, citadas pelo doutrinador Alexandre Câmara (p. 5, 2002), dentre as quais se destacam: a primazia da lei; um sistema hierárquico de normas que persevera a segurança jurídica e que se concretiza na diferente natureza das distintas normas e em seu correspondente âmbito de validade; bem como a separação de poderes como garantia da liberdade ou controle de possíveis abusos. Assim, uma vez que o Poder Estatal se subdivide nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, este, com o escopo de garantir a ordem social, possibilitará que o sujeito exerça a jurisdição. Entende-se por jurisdição a possibilidade de o sujeito, seja ele pessoa física ou jurídica, provocar o Poder Judiciário com o escopo de obter uma resposta/solução para o seu litígio. Nas palavras de Luiz Fux (P.4, 1996): Através da jurisdição, provocado pelo interessado que exerce a ação, o Estado institui um método de composição do litígio com a participação dos reais destinatários do comando que regulará a situação litigiosa, dispondo sobre os momentos em que cada um poderá fazer valer as suas alegações, cujo escopo final é alcançar um resultado corporificado em tudo quanto o Judiciário “sentiu” das provas e do direito aplicável retratado na “sentença jurisdicional”. Jurisdição, ação e processo são assim os monômios básicos da estrutura do fenômeno judicial. A fim de garantir maior celeridade na solução dos litígios, o legislador percebeu a necessidade de criar mecanismos que visem agilizar o andamento processual, com objetivo de assegurar a utilidade pública, prevendo assim, a tutela preventiva, na qual poderá incidir em três modalidades: (i) tutela jurisdicional de cognição ou conhecimento; (ii) tutela jurisdicional de execução; e (iii) tutela jurisdicional de assecuração ou cautelar. No procedimento comum, sob a exegese do artigo 273 do Código de Processo Civil, tem-se a tutela antecipada, figura que ganhou universalidade em nosso ordenamento jurídico com a Lei nº 8.952/1994. Sob a nova redação do referido artigo, foi possível a am-
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pliação da atuação da tutela antecipada, que passou a ser aplicada não só para determinados procedimentos especiais, e sim a todos os processos e procedimentos. Teori Albino Zavascki (P.72, 1999) demonstra tamanha importância da alteração, ao explanar que: Mas o que se deve ter sobretudo, presente quando se faz a exegese do art. 273 (CPC), é que ele representa uma nova concepção de processo civil, uma alteração nos seus rumos ideológicos, marcada pelo acentuado privilégio do princípio da efetividade da função jurisdicional. Ora, a especial salvaguarda desse princípio, feita pelo legislador, tem reflexos não apenas tópicos, ou seja, não apenas num ou noutro dispositivo codificado, mas passa a permear todo o sistema, que, assim, deve ser “reinterpretado” à luz dos valores jurídicos agora privilegiados. A tutela antecipada pode ser definida como o ato pelo qual o juiz, presentes os requisitos da prova inequívoca e da evidência do direito, poderá, ainda na fase postulatória do processo, conceder algum dos pedidos pleiteados por uma das partes que compõe a ação. Depreende-se, portanto que será possível, através de decisão interlocutória, que o juiz julgue uma questão de mérito processual antes mesmo de sentenciar. Válido ressaltar que o pedido julgado antecipadamente poderá ser deferido total ou parcialmente pelo juiz, e contra essa decisão, não há que se falar em recurso de apelação, e sim em agravo, já que a decisão dada pelo juízo a quo ainda não se trata de sentença. O instituto da tutela antecipada sofreu ainda, novas alterações com a edição da Lei 10.444 de 07 de maio de 2002, na qual incluíram os parágrafos 6º e 7º, alem de modificar o parágrafo 3º, que serão abordados a seguir. 2 DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA A tutela antecipada não deve ser aplicada pelo juiz sem que estejam presentes os requisitos expressos no artigo 273, CPC: Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da
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verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. § 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. Para todos os efeitos, é imprescindível a existência da prova inequívoca, bem como da verossimilhança das alegações, hipóteses concorrentes, previstas logo no caput do artigo supracitado. Conforme Luiz Fux (p. 347, 1996): (...) nessa hipótese de tutela antecipada do direito evidente, o juízo necessitará conhecer a defesa do réu para concluir pela inconsistência desta em frente ao direito do autor. (...) A prova, via de regra, demonstra o “provável”, a “verossimilhança”, nunca a verdade plena que compõe o mundo da realidade fenomênica. Os fatos em si não mudam, porque a prova realiza-se num sentido diverso daquele que a realidade indica. Ora, se assim o é e se o legislador não se utiliza inutilmente de expressões, a exegese imposta é a de que “prova inequívoca” para a concessão da tutela antecipada é alma gêmea da prova do direito líquido e certo para a concessão do mandamus. É a prova extreme de dúvidas, aquela cuja produção não deixa ao juízo outra alternativa senão a concessão da tutela antecipada. Nas palavras de Teori Albino Zavascki (p.76, 1999): Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta -, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução – mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade. Além dos dois requisitos aduzidos, far-se-á necessário a existência de outro pressuposto, que poderá ser o exposto no inciso I – periculum in mora -; ou o inciso II – atos protelatórios do réu -,norteados pelo princípio da necessidade. É necessário que exista fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação para a parte que pleiteia. O dano deve ser, cumulativamente, concreto, atual (iminente no decorrer do processo) e grave. Alternativamente, poderá incidir o caso especificado no inciso II do art. 273, CPC, no qual recai sobre os atos protelatórios do réu. Entende-se por atos protelatórios do réu aqueles que visam meramente
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trazer morosidade ao processo, sem intuito específico, caracterizando-se como hipótese de abusos do direito de defesa. Estes, estão em discordância com um dos preceitos processuais, e a celeridade. Os atos protelatórios do réu poderão ocorrer no processo ou fora do processo. Referente aos atos protelatórios no processo temse, a título exemplificativo, o artigo 14 do CPC, incisos III e IV: “não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento”; “não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito”. No que diz respeito aos atos praticados fora do processo, podemos citar o não atendimento de diligencias processuais ou até mesmo, ocultação de provas, o que vem a dificultar o andamento processual. A tutela antecipada deverá ser concedida apenas nos casos em que for possível reverter o provimento pleiteado, já que poderá ser modificada, e até mesmo revogada, a qualquer tempo no curso do processo. Ainda, a decisão interlocutória que conceder, modificar ou extinguir a tutela, deverá o juiz, justificar sua decisão. O instituto da tutela antecipada tem ampla atuação. Conforme explanado anteriormente, poderá ser arguida em qualquer procedimento, e conforme o disposto nos artigos 461, §§ 4º e 5º, e 461 –A, do CPC, poderá ser aplicada também nas obrigações de fazer e não fazer, bem como na de entrega de coisa certa. Artigo 461, CPC - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. §4º - O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. §5º - Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. Artigo 461- A, CPC – Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. Poderá ainda, a tutela antecipada decorrer de pedidos cumulados, ou parte deles, mesmo quando incontroversos. A cumulação de pedidos poderá ser própria (pedidos simples e sucessivos) ou impróprio (pedidos subsidiários ou alternativos). Nas palavras de Fredie Didier Jr. “há cumulação própria de pedidos quando se formulam vários pedidos, pretendendo-se o acolhimento simultâneo de todos eles” (p. 312, 2004) e quanto aos impróprios “cuida-se da formulação de vários pedidos ao mesmo tempo, de modo que apenas um deles seja atendido” (p. 313, 2004). Sendo concedido ou não a tutela antecipada, o processo deverá tramitar até a sentença a ser proferida pelo juiz com o julgamento do mérito. Por fim, tratando-se de concessão de tutela de natureza cautelar, o juiz poderá, deferir a medida acautelatória incidentalmente, desde que presentes os requisitos desta. 3 PRINCÍPIOS QUE REGEM A TUTELA ANTECIPADA Para o efetivo exercício dos direitos dos cidadãos, seja na elaboração e cumprimento de leis, seja no exercício da jurisdição, é impres-
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cindível os alicerces principiológicos, estes que, por vezes, derivam das normas constitucionais. Assim, em se tratando da utilização de um atributo previsto em lei que poderá ser utilizado processualmente, a fim de dirimir um litígio, faz-se necessário o respaldo em alguns princípios, em destaque: efetividade, necessidade, contraditório, economicidade e menor restrição possível. Referente ao Princípio da Efetividade, Cândido Dinamarco, citado na obra de Fredie Didier Júnior (p. 19, 2004), explica da seguinte maneira: A efetividade do processo, entendida como se propõe, significa a sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade. O processo judicial deve ser pautado na celeridade, com o propósito de garantir as partes, da forma mais efetiva e justa, a solução do litígio. Por isso, o magistrado deve pautar-se no princípio da efetividade, em especial quando tratar-se de tutela antecipatória, desde que comprovado pela parte os requisitos para receber o que lhe é de direito. Nas palavras de Luiz Fux (p. 138, 1996): A necessidade imposta pela efetividade do processo permite ao juízo, em prol da tutela de segurança, tomar iniciativa probatória sem que com isso se entreveja qualquer lesão ao princípio da inércia do juízo. A verificação da segurança não pode ficar à mercê das partes, pelo notável interesse público que encerra. Corroborando com o Princípio da Efetividade, há que se destacar o Princípio da Necessidade. O caput do artigo 273, CPC, ao permite que a parte requeira, antecipadamente, o julgamento de um de seus pedidos, de certa forma, restringe o direito à segurança jurídica, prevista constitucionalmente. Por isso, tal requerimento só será analisado se presentes os requisitos taxativos decorrentes do referido artigo. Assim, verifica-se a presença da necessidade para que o pedido seja antecipado. Atendido os princípios acima aduzidos, há que se falar também no Princípio do Contraditório. Por este princípio, é garantida a democracia no processo, já que estabelece a participação tanto do autor quanto do réu. Ambas as partes devem ter o poder de influência na decisão, que ocorrerá durante todo o curso do processo, seja, por exemplo, na especificação de uma prova, ou na possibilidade de requerer algum provimento. Insta salientar que, as decisões proferidas pelo juiz antes de ouvir a parte contrária (inaudita altera parte), não fere o Princípio do Contraditório, pois não suprime a oitiva do réu, apenas a posterga. Nesse sentido, em se tratando da tutela antecipatória, Luiz Fux aduz (p. 150, 1996): Entretanto, esse rompimento tênue do contraditório não permite que se afirme a sua abolição nas ações de segurança, tanto mais que o processo não transcorre de forma unilateral, manifestando-se o requerido após a atuação do juízo. A convocação do interessado via citação formal e o deferimento de sua defesa completam o ciclo do contraditório no processo de segurança.
uma resposta do judiciário, sem a necessidade de ajuizar uma nova ação dependente da principal. Por fim, cabe destacar o Princípio da menor restrição possível. A tutela antecipada surge para garantir mais eficácia processual. No entanto, não pode ser instrumento para propiciar injustiças contra a parte contrária, muito menos cerceamento de defesa. Por isso, conforme dispositivo legal, nem sempre a tutela antecipada terá seus efeitos totais. Nas palavras de Teori Albino Zavascki (p. 75, 1996): Na verdade, para determinar a extensão a antecipação deve o juiz observância fiel ao princípio da menor restrição possível: porque importa limitação ao direito fundamental à segurança jurídica, a antecipação de efeitos da tutela somente será legítima no limite estritamente necessário à salvaguarda do outro direito fundamental, considerado, no caso, prevalente. Nada mais. Assim, v.g, havendo cumulação de pedidos e estando apenas um deles sob risco de dano, não será legítima a antecipação de alguns efeitos da tutela é, por si só, apta a afastar o perigo, não será cabível –e, sim, será vedada – a antecipação dos demais. Portanto, depreende-se que a tutela antecipada deve ser utilizada simplesmente para garantir direito iminente da parte, sem se tornar instrumento para litigância de má- fé. 4 ATOS DO MAGISTRADO EX OFFICIO Conforme dispõe Humberto Theodoro Júnior (p. 264, 2008), “no comando do processo, o juiz está dotado de duas espécies de poderes: o de dar solução à lide, e o de conduzir o feito segundo o procedimento legal, resolvendo todos os incidentes que surgirem até o momento adequado à prestação jurisdicional”. Assim, o magistrado deverá pautar-se em três atos decisórios: sentença; decisão interlocutória; e despachos. A sentença é definida pelo artigo 162, parágrafo primeiro do CPC, sendo ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. Ainda, o artigo 162 do CPC, no parágrafo segundo, especifica também a decisão interlocutória, como sendo o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente. Por fim, tem-se os despachos, que são todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma – artigo 162, §3, CPC. Diante das decisões que poderão ser tomadas pelo magistrado, o próprio Código de Processo Civil dispõe algumas hipóteses em que o juiz poderá, de ofício, decidir questões processuais. Há título exemplificativo, têm-se os seguintes dispositivos que tratam do assunto: Art. 130, CPC - Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Em consonância com o exposto, importante destacar o Princípio da Economicidade, segundo o qual deve frisar a simplificação e agilização do processo, visando obter o maior número possível de resultados, com o mínimo de atividades. Assim, a tutela antecipada reflete claramente este princípio, pois, proporciona à parte requerer
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Art. 219, CPC - A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. § 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição. Art. 301, CPC - Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar: § 4o Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo.
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Na sua essência, a tutela antecipada é regra in procedendo que se concilia com o poder-dever que tem o magistrado de velar pela rápida e adequada solução dos litígios. Dentre os imperativos jurídico- processuais, caracteriza-se como um “poder”, razão pela qual a lei utiliza-se da expressão “poderá”.
Assim, é possível que o magistrado, seja através da sentença, de uma decisão interlocutória, ou de um despacho, intervenha no processo, de ofício, sem ferir o Princípio da Imparcialidade, já que este estará em conformidade com a Lei processual. 5 POSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA DE OFÍCIO PELO JUIZ A tutela antecipada é tida como instrumento capaz de proporcionar ao juiz, antes da sentença, o julgamento de matéria relativa ao processo, desde que estejam presentes os requisitos específicos, dispostos no artigo 273, CPC. Antes de apresentar os fundamentos que justificam a possibilidade da concessão da tutela antecipada de ofício, importante diferenciar os tipos de atuações que o magistrado poderá ter. Nas palavras de Fredie Didier Junior (p. 30, 1996), “uma coisa é o juiz poder conhecer de ofício, poder agir de ofício, sem provocação da parte. Essa é uma questão. Outra questão é poder agir sem ouvir as partes.” A atuação do juiz poderá ser de ofício, desde que, em seguida, ocorra o chamamento das partes para opinarem, se necessário. É o que ocorre na aplicação da tutela antecipada, pois, por tratar-se de decisão interlocutória, poderá a parte contrária, manifestar-se sobre o julgamento. Nesse sentido, têm-se como preceito fundamental os ditames da Carta Magna, que dispõe em seu artigo 5º, inciso XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Ao conceder a tutela antecipada de ofício, por óbvio, o magistrado terá, primeiramente, identificado os requisitos específicos que autorizam tal concessão (art. 273, caput, e incisos I e II, CPC). A antecipação da tutela não se dará a livre arbítrio do juiz, e sim, mediante prévia e inequívoca análise dos fatos. Tendo permanecido inerte a parte, e o magistrado reconhecendo hipótese de perigo iminente no processo, deve aplicar, sem dúvida alguma, o disposto na Constituição Federal – art. 5º, XXXV -, por tratarse de princípio supralegal. Decorrente desse entendimento, passa-se a análise do caput do artigo 273, CPC, que aduz: “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação”. Analisando o texto legal, percebese que antecipação da tutela poderá ocorrer a requerimento da parte, ou pelo juiz; basta que exista os requisitos citados no próprio artigo. É dever do Estado garantir a ordem social. Assim, este deve acompanhar a mentalidade da sociedade. Atualmente, tendo em vista o número exorbitante de processos existentes no Judiciário, nada mais propício, permitir maior efetividade a este Poder para agilizar a solução dos litígios. Faz-se necessário um avanço do Poder Judiciário, se comparado ao Poder Legislativo e Administrativo que exercem suas funções ex officio. Nesse sentido, Luiz Fux explana (p. 74, 1996): É que hodiernamente, não se supera a perplexidade da constatação de que as demais funções do Estado são engendradas ex officio e a jurisdição demanda a provocação. O Estado moderno não mais se concilia com essa postura, tanto mais que isenção e imparcialidade não representam irresponsabilidade. Resta, portanto comprovado, que a concessão da tutela de ofício pelo juiz deve ser considerada um poder- dever. Trata-se de um poder, pois o próprio caput do dispositivo legal permite essa interpretação; também é um dever, porque o magistrado deve exercer a finalidade de garantir celeridade e eficácia processual, a fim de manter a ordem da sociedade. Corroborando com esse entendimento, Luiz Fux aduz (p.75, 1996):
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Ainda, Imagine-se, por exemplo, que num determinado ofício remetido por uma autoridade, o juiz verifique a possibilidade de lesão ao direito de determinado interessado que não se inclua na órbita de julgamento da causa donde originou-se o referido ofício. Diante da situação de periculum não se poderia negar ao juiz a possibilidade imediata da adoção de medida de segurança, instrumentalizando-a em procedimento à parte. É, em resumo, uma publicização da jurisdição, através da qual se concedem ao magistrado poderes instrumentais e necessários ao exercício de seus deveres. Insta salientar que o juiz não julgará a seu livre arbítrio, deverá respeitar os limites do que for produzido no processo. Em decorrência disso, a tutela antecipada só será decretada de ofício se já estiverem na ação, os requisitos para tanto, e uma das partes ainda não ter arguido. Outrossim, importante destacar dispositivo que prevê alguns atos que poderão ser realizados de ofício pelo juiz ou a requerimento da parte. Artigo 888, CPC – O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da ação principal ou antes de sua propositura: I- obras de conservação em coisa litigiosa ou judicialmente apreendida; II- a entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos; III - a posse provisória dos filhos, nos casos de separação judicial ou anulação de casamento; IV - o afastamento do menor autorizado a contrair casamento contra a vontade dos pais; V - o depósito de menores ou incapazes castigados imoderadamente por seus pais, tutores ou curadores, ou por eles induzidos à prática de atos contrários à lei ou à moral; Vl - o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal; VII - a guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visita que, no interesse da criança ou do adolescente, pode, a critério do juiz, ser extensivo a cada um dos avós; Vlll - a interdição ou a demolição de prédio para resguardar a saúde, a segurança ou outro interesse público. Diante do artigo supracitado, corrobora o posicionamento da possibilidade da concessão da tutela antecipada de ofício pelo juiz, já que, as hipóteses acima reafirmam que na atuação do magistrado na decisão de um conflito, pode ser tomada mesmo sem o requerimento das partes. Ainda, não há fundamento em afirmar que a concessão da tutela antecipada de ofício fere o Princípio Dispositivo. Entende-se por esse princípio, segundo Fredie Didier Junior (p.42, 2004), “deixar para as partes os ônus de iniciação, determinação do objeto, impulso do processo e produção de provas”. Em outras palavras, o princípio refere a não atuação ex officio do juiz em instaurar o processo e realizar determinados atos que podem ser feitos pelas partes. Entretanto, assim como ocorre nos demais princípios, o Princípio Dispositivo é relativizado. Inclusive, há a possibilidade de o juiz iniciar um processo – inventário -, conforme dispõe o artigo 989, CPC. Luiz Fux (p. 150/151, 1996) corrobora:
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Em primeiro lugar a atuação ex officio é mais do que concebível: é dever inerente ao poder jurisdicional e à responsabilidade judicial pelas pessoas e coisas subsumidas ao juízo após a instauração do processo. (...) O juízo tem seus auxiliares e as instituições a serviço da justiça, mas isso não equivale à sua inércia. No âmbito da segurança nada justifica a inércia sob o argumento de necessária equidistância, cabendo ao Judiciário, e só a ele, conjurar essas situações de perigo de dano com grave violação da ordem jurídica; cabe-lhe também atuá-la ex pronto, tão logo conheça do litígio. Assim, nada mais justo que conceder a tutela antecipada de ofício, se entendida necessária pelo magistrado, em detrimento do Princípio Dispositivo, ressaltando que outros princípios estarão sendo utilizados como o Princípio da Eficiência, da Necessidade, entre outros, já explanados. Por fim, o juiz não se valerá de seus conhecimentos próprios para conceder a tutela antecipada, e sim, analisar no caso concreto, a existência dos requisitos para tal concessão. Dessa forma, estará utilizando o poder- dever, isto é, a possibilidade de agir, de exercitar uma função em benefício da justiça e eficácia processual. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Haja vista que a tutela antecipada tem caráter satisfativo ou definitivo – este, hipótese do §6º do artigo 273 do Código de Processo Civil - trata-se de um mecanismo de extrema relevância nas ações de conhecimento, uma vez o Magistrado, por meio de decisão interlocutória, decide sobre determinado mérito do processo, antes mesmo de prolatar a sentença. O tema se mostra de extrema importância, posto que a ocorrência de práticas que não concedem o direito iminente à parte no processo, pode vir a gerar um descrédito em nosso judiciário, afinal, o objetivo principal da antecipação da tutela é oferecer a efetiva justiça, não só em nosso ordenamento jurídico em geral, como também nas relações jurídicas individualizadas. Sendo a segurança jurídica e eficiência os objetivos primordiais, a possibilidade da tutela antecipada de ofício deve ocorrer quando o juiz verificar que estão presentes os requisitos para sua concessão, respeitando assim, a segurança jurídica, e não ferindo o Princípio da Imparcialidade. Ademais, conforme exposto no presente artigo, em vários momentos o juiz poderá, e até mesmo deverá, atuar de ofício, como, por exemplo, na hipótese do artigo 130, CPC, em que o legislador permite ao magistrado determinar as provas necessárias à instrução do processo; artigo 888 do CPC, em que cabe ao juiz de ofício ordenar uma série de medidas provisionais; e no artigo 20 da Lei 11.340/06 - Violência Doméstica -, que permite ao juiz de ofício determinar a prisão preventiva do agressor. Vários são os princípios que norteiam o instituto da tutela antecipada, em destaque, o Princípio da Celeridade e Efetividade, onde a primazia é por uma maior agilidade processual; Princípio do Contraditório, já que a tutela antecipada não impede que a parte contrária manifeste-se no processo, pelo contrário, ambas as partes tem o poder interferir na decisão por meio de provas juntadas aos autos; Princípio da Economicidade, que garante simplificação e agilidade processual;
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e o Princípio da menor restrição possível, uma vez que a tutela antecipada não deve ser utilizada como mecanismo de litigância de má- fé, e sim quando presentes os requisitos do direito iminente da parte. Em decorrência, não há que se falar na inconstitucionalidade da tutela antecipada ser deferida de ofício. O magistrado deverá analisar cada caso, valendo-se dos requisitos do artigo 273, CPC, para averiguar se estão presentes naquele determinado litígio. Trata-se de um poder- dever do juiz, vez que trata-se de uma obrigação do Estado garantir a ordem social. Assim, tendo em vista que o magistrado é um dos componentes que integram a relação processual, credita-se a este a possibilidade de interferir, sem ferir o Princípio da Imparcialidade, quando necessário, destacando-se, por exemplo, a hipótese em que se verificar a necessidade da concessão de um pedido antecipadamente, se presente a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações.
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NOTAS DE FIM 1Mestre em Direito pela FUMEC, Especialista em Processo Civil Pela UNI-BH, Professor do Centro Universitário Newton Paiva das Disciplinas Processo Civil, Ética e Teoria Geral do Direito Privado, Coordenador do CEJU – Centro de Exercícios Jurídico e Advogado. Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton.
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³ Leandro Henrique Simoes Goulart; Ronado Passos Braga.
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A IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO ANTE A PRODUÇÃO DE OFÍCIO NO PROCESSO PENAL Dalvo Martins Bemfeito* Eduardo Nepomuceno de Sousa** Banca Examinadora*** RESUMO: Muito se questiona acerca da imparcialidade do magistrado ante a produção de provas de ofício no processo penal, haja vista que o sistema processual penal adotado pelo Brasil, estabelece que o juiz deve permanecer distante das partes, de modo a não influir na produção de provas, e consequentemente, no deslinde da causa, pois, caso contrário, estaria violando princípios constitucionais penais, em especial o da imparcialidade e o do in dúbio pro reo. Desse modo, é necessário que se faça uma análise do sistema processual penal, harmonizando-o com os princípios constitucionais, demonstrando, sobretudo, a constitucionalidade do disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal. PALAVRA CHAVE: Direito Processual Penal. Provas no Processo Penal. Produção de Provas de Ofício. Magistrado Imparcial. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Sistemas processuais penais; 2.1. Sistema inquisitivo; 2.2. Sistema acusatória; 2.3. Sistema misto; 3. Produção de provas pelo juiz; 4. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO O presente trabalho defende acerca da imparcialidade do magistrado ao produzir provas de ofício no processo penal, conforme dispõe o artigo 156, incisos I, II, do Código de Processo Penal. Para tanto, necessária se faz uma análise acerca dos sistemas processuais penais existentes, em especial ao sistema acusatório. Ato contínuo, far-se-á uma análise dos dispositivos legais que rondam o tema, realizando um paralelo com o que estabelece a doutrina pátria, de modo a harmonizar os argumentos com os princípios processuais penais, em especial o in dubio pro reo e o princípio da verdade real. Por fim, demonstrar-se-á que o juiz criminal, ao produzir provas de ofício na persecução penal, age de forma imparcial, e, sobretudo, correta. 2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS Inicialmente, deve-se realizar breves comentários acerca dos sistemas processuais penais, haja vista que estão diretamente ligados ao tema proposto, conforme será demonstrado. Sistema processual penal, nas palavras do Prof. Paulo Rangel: “(...) é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto.” 1
ao contraditório e a ampla defesa, além de ser um processo regido pelo sigilo. Portanto, ao nosso entender, deve ser banida das legislações brasileiras. Este é o entendimento do já citado Paulo Rangel: “O sistema inquisitivo, assim, demonstra total incompatibilidade com as garantias constitucionais que devem existir dentro de um Estado Democrático de Direito e, portanto, deve ser banido das legislações modernas que visem assegurar ao cidadão as mínimas garantias de respeito à dignidade da pessoa humana”2 2.2 Sistema Acusatório O sistema acusatório, ao contrário do inquisitivo, é pautado pela imparcialidade, publicidade, contraditório e ampla defensa, demonstrando, sobretudo, que há separação entre as funções de acusar, defender e julgar. Neste sentido, merece destaque as palavras do Ilustre Mestre Eugênio Pacelli de Oliveira: “Inquisitorial seria o sistema em que as funções de acusação e de julgamento estariam reunidas em uma só pessoa (ou órgão), enquanto o acusatório seria aquele em que tais papéis estariam reservados a pessoas (ou órgãos) distintos.”3
A grande problemática doutrinária consiste na questão de qual o sistema processual adotado pelo Brasil, haja vista que, como se verá adiante, alguns estudiosos, ao traçar um paralelo entre teoria e prática, percebem uma série de contradições, o que, consequentemente, gera uma série de críticas. Neste diapasão, pode-se afirmar que existem três sistemas processuais penais, quais sejam: Sistema Inquisitivo, Sistema Acusatório e o Sistema Misto.
Ademais, não se pode perder de vista que o sistema acusatório visa assegurar uma série de garantias constitucionalmente previstas na Magna Carta de 1988. Assim sendo, Fernando Capez, em seu livro “Curso de Processo Penal”, assim dispõe: “O sistema acusatório pressupõe as seguintes garantias constitucionais: da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV), do devido processo legal (art. 5, LIV), da garantia do acesso à justiça (art. 5º, LXXIV), da garantia do juiz natural (art. 5, XXXVII e LIII), do tratamento paritário das partes (art. 5º caput e I), da ampla defesa (art. 5º, LV, LVI e LXII), da publicidade dos atos processuais e motivação dos atos decisórios (art. 93, IX) e da presunção da inocência (art. 5º, LVII)”4
2.1 Sistema Inquisitivo Pelo sistema inquisitivo há um concentração de poderes na mão de um único sujeito, o juiz, isto é, cabe a este a função de acusar, defender e julgar. Consequentemente, este sistema traz, em seu bojo, uma série de violações aos preceitos constitucionais, tais como a imparcialidade,
Desse modo, pode-se constatar que o sistema acusatório é, inquestionadamente, o adotado pelo Brasil Contudo, deve-se mencionar que acanhada doutrina defende a idéia de que o sistema processual penal adotado pelo Brasil é misto (Nucci, 2008).
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2.3 Sistema Misto Neste sistema, há a junção entre os dois sistemas analisados acima, pois aqui, divide-se o processo em duas etapas, sendo que na primeira, instrução preliminar, prevalece a idéia do sistema inquisitivo, isto é, sigiloso, sem contraditório, enquanto que na segunda etapa surge a publicidade e o contraditório. Ademais, sem adentrar na questão, o código de processo penal, em várias passagens reconhece a aplicação deste sistema, motivo pelo qual o já mencionado Guilherme de Souza Nucci entende que estamos diante de um sistema processual misto. 3 PRODUÇÃO DE PROVAS PELO JUIZ Superada esta fase introdutória, que, conforme já dito, é essencial para a conclusão deste trabalho, passemos às questões que geram grandes discussões doutrinárias, começando pelo que dispõe o texto legal. O artigo 156 do Código de Processo Penal, assim dispõe: Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Verifica-se que este dipositivo, com redação dada pela Lei 11.690/2011, autoriza que o juíz, de ofício, ordene e determine a produção de provas. A partir daí, começam a surger inúmeras críticas a respeito do que dispõe o condex legal, especialmente pela doutrina que defende que o sistema processual penal, adotado pelo Brasil, é o acusatório. Para esses doutrinadores há nítida violação à Constituição Federal, de modo que a lei processual penal deveria ser afastada, pois, caso contrário, estariamos diante de um sistema inquisitivo. Neste sentido, dispõe o Prof. Aury Lopes Jr.: “(...) dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutórios, como o famigerado art. 156, incisos I e II do CPP, externam a adoção do princípio inquisitivo, que funda um sistema inquisitivo, pois representam uma quebra da igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo. Como decorrência, fumilnam a principal garantia da jurisdição, que é a imparcialidade do julgador. Está desenhado um processo inquisitório”.5 Em posição contrária, conforme já mencionado, Guilherme de Souza Nucci estabelece que o Brasil adotou o sistema processual misto, ainda que não oficialmente, haja vista que, no entender do nobre doutrinador, a junção entre Constituição Federal e Código de Processo Penal resulta no hibridismo que se apresenta hoje, haja vista que o Código possui forte alma inquisitiva, enquanto que a Constituição assegura os princípios democráticos do sistema acusatório, e, por tal razão, seria fugir à realidade pretender aplicar somente esta na prática forense (Nucci, 2008). Data venia, ousamos a discordar dos ilústres doutrinadores, haja vista que não se pode deixar de estabelecer que entre a norma constitucional e uma infraconstitucional, aquela deve prevalecer, de modo que, indubitavelmente, o sistema processual adotado pelo Brasil é o acusatório, devendo ser garantido todos os princípios assegurados pela Magna Carta de 1988, e, conforme já mencionado alhures, assim o é.
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Contudo, isto não quer dizer que o juiz, de ofício, não possa ordenar e determinar a produção da prova, ao contrário, pode e deve fazê-lo, pois o sistema acusatório não retirada do magistrado os poderes inquisitivos acerca das provas, bem como da busca pela verdade. Posiciona-se neste sentido, Vicente Greco Filho, que, ao dispor sobre a matéria, faz a seguinte menção: “O sistema acusatório, porém, não retira do juiz os poderes inquisitivos referentes à prova e perquerição da verdade. Neste caso, porém, a atuação inquisitiva não se faz predeterminadamente nem a favor da acusação, nem da defesa, nem compromete a imparcialidade. O que se repele é a inquisitividade na formulação da acusação, a qual deve ser privativa do Ministério Público e do ofendido”6 De mais a mais, outro ponto que gera grande discussão no processo penal é questão da busca pela verdade real, isto é, sob o manto deste princípio, deve o magistrado determinar a produção das provas que entender pertinentes e razoáveis para apurar o fato delituoso, razão outra não poderia ser, principalmente se levarmos em conta que a função do direito penal é assegurar e garantir a proteção dos bens jurídicos mais relevantes ao indivíduo e à sociedade, devendo, sobretudo, o magistrado buscar a verdade acerca dos fatos, solucionando o caso da melhor forma possível, a fim que não se realize injustiças, condenando ou absolvendo o acusado. Neste sentido, leciona Fernando Capez: “No processo penal, o juiz tem o dever de investigar como os fatos se passaram na realidade, não se conformando com a verdade formal constante dos autos”7 Acrescenta-se que o direito penal, por tutelar bens jurídicos de extrema importância ao ser humano, não pode ser tratado tão somente de acordo com o que é levado pelas partes ao judiciário, pois, senão, estaríamos fadados à competência ou incompetência da acusação ou defesa. Imagine-se em um processo criminal a presença da acusação, feita pelo Ministério Público, e à defesa, patrocinada por um advogado. Agora, pensa-se que um deles, por mais conhecedor que seja, não realize suas funções de acordo com o que a lei determina, ficando inerte na produção de provas. Ora, certamente estaríamos diante de grandes injustiças, seja no caso de condenação ou absolvição do acusado. No caso mencionado acima, certamente, restará dúvida ao magistrado acerca dos fatos. Deste modo, deveria ele absolver o acusado, em respeito ao princípio do in dubio pro reo? Por mais que existem entendimentos no sentido de que sim, para nós a resposta é negativa. Neste caso, deve o magistrado invocar o que determina o artigo 156, inciso II do Código de Processo Penal, pois, se a função do direito penal é garantir a proteção dos bens jurídicos mais relevantes, não pode o Estado ficar inerte quando uma questão dessas de puser em evidência, principalmente, se levarmos em conta que um cidadão teve seu bem jurídico essencial violado. Para o Defensor Público do Estado do Piauí, Sílvio César Queiroz Costa, a dúvida deve militar sempre em favor do réu, sob pena de violação ao princípio do in dubio pro reo. Nas palavras do Nobre doutor: “Ora, se dúvida existe na cabeça do julgador, esta já favorece o acusado e, por conseguinte, o direito de liberdade, sob o pálio do princípio do in dubio pro reo. Neste cotejo, quando o juiz quer esclarecer alguma dúvida, a produção de prova neste sentido só pode servir para condenar, já que para absolver a dúvida é suficiente”.8 Contudo, ousamos a discordar de tal assertiva, pois, além dos argumentos já mencionados acima, é cediço que a ação penal é autônoma à ação cível, de modo que o oferecimento da denún-
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cia, pelo Ministério Público, não impede que o particular, que teve seu bem jurídico violado, ingresse com ação cível contra o seu ofensor, pleiteando futura indenização. Neste sentido, é sabido, ainda, que a sentença penal gera efeitos no juízo cível, principalmente no que diz respeito às hipóteses de absolvição do réu. O artigo 386 do Código de Processo Penal assim dispõe: Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I - estar provada a inexistência do fato; II - não haver prova da existência do fato; III - não constituir o fato infração penal; IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; VII – não existir prova suficiente para a condenação. Portanto, após uma análise detida no texto da lei, pode-se concluir que os incisos I e IV esboçam um juízo de certeza, enquanto que os incisos II, III, V, VI e VII estabelecem um juízo de dúvida. Deste modo, não raras às vezes, a defesa, diante de uma absolvição do réu, tem interesse em recorrer, com a finalidade de se alterar a parte dispositiva de sua absolvição, isto é, de um juízo de dúvida para um juízo de certeza, pois, neste caso, estará comprovado que o réu não concorreu para a infração penal ou estará provado que inexistiu o fato, de modo que repercutirá diretamente na esfera cível, absolvendo-o, também, neste processo. Sobre o tema, Marcellus Polastri Lima, ao discorrer acerca do artigo 386, inciso I, do Código de Processo Penal, assim menciona: “Reconhecida a absolvição com base neste inciso do art. 386, haverá coisa julgada com pleno efeito civil, na forma do art. 66 do CPP, não podendo ali ser pleiteada qualquer indenização em face do acusado.”9 Assim sendo, evidencia-se que a produção de provas, estabelecida pelo artigo 156 do Código de Processo Penal, não está voltada, exclusivamente, à condenação do réu, de modo que, o magistrado, na falta de provas, poderia absolver de acordo com o inciso V do artigo 386 do CPP, ficando, ainda, a discussão no processo cível, enquanto que, ao determinar provas e verificando que o acusado não concorreu para o crime, absolverá nos termos do inciso IV do mesmo diploma legal, o que, consequentemente, acarretará na extinção do processo cível. Neste contexto, merece destaque mais uma vez para os ensinamentos do Professor Eugênio Pacelli, senão vejamos: “Isso não impedirá, por certo – daí não se aceitar também o aprisionamento ou limitação indevida da função jurisdicional -, que o Juiz Criminal, na fase de processo (é claro!), e quando for necessário e possível, diligencie em direção, não só do esclarecimento de dúvidas sobre as provas produzidas, mas também na busca de eventuais provas da inocência do acusado”.10 Salienta-se, ainda, que a dúvida sempre vai existir antes do trânsito em julgado, pois, de acordo com o artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Portanto, a dúvida, durante toda investigação e instrução, sempre vai estar presente na persecução penal. Isso não significa que deve o magistrado absolver o réu.
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Por fim, cumpre esclarecer que o magistrado, ao produzir provas de ofício, deve estar pautado de acordo com os mandamentos legais, isto é, não pode determinar a produção de provas por meios ilícitos, deve ser imparcial, respeitando, sobretudo, os limites que são impostos às partes do processo, sob pena de violação ao sistema processual penal acusatório. Neste sentido, o Prof. Vicente Greco Filho dispõe: “Não é possível predeterminar a linha divisória entre a utilização adequada do poder inquisitivo na busca da verdade e o abuso desse poder com invasão das funções de acusação ou de defesa. Todavia, os casos concretos saberão mostrara distinção, uma vez compreendido que os poderes não são ilimitados, e que o limite é a exigência da imparcialidade.”11 4 CONCLUSÃO Ante o que foi mencionado alhures, conclui-se que, no Brasil, adota-se o sistema acusatório, tendo em vista que a Constituição Federal, aos estabelecer os princípios norteadores do processo penal, preferiu por este sistema. Contudo, não se pode perder de vista que, por mais que dispositivos, infraconstitucionais, aparentemente, apresentem o sistema inquisitivo, aquele não estará violado, pois, o que se pode verificar é que o juiz não toma a função de acusação do Ministério Público ou do ofendido, e sim, busca à solução do caso de acordo com o que, de fato, ocorreu na realidade, dando uma resposta estatal nos casos em que houver violação aos bens jurídicos mais relevantes ao indivíduo e à sociedade. Deste modo, o magistrado, ao produzir provas de ofício no processo penal, age de acordo com os princípios constitucionais e processuais, de modo que, sua atuação é imparcial e, consequentemente, lícita.
REFERÊNCIAS BRASIL. Código de Processo Penal (Decreto Lei 3.689/1941). CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. COSTA, Sílvio César Queiroz. A inconstitucionalidade da produção de provas de ofício pelo magistrado. Jus Navingandi, Teresina, ano 18, n. 3626, 5 jun. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24635>. Acesso em: 04/12/2013. GRECO FILHO, Vicente – Manual de processo penal– 10. Ed. rev. e atual. – São Paula : Saraiva 2013. LIMA, Marcellus Polastri – Manual de Processo Penal - 2. Ed – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. NUCCI, Guilherme de Souza – Manual de processo penal e execução penal – 4. Ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. JUNIOR, Aury Lopes – Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional - 8. ed. vol. 1 –Rio de Janeiro – Lumen Iures, 2011. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de – Curso de processo penal – 17. Ed. rev. e ampl. atual. – São Paulo: Atlas, 2013. RANGEL, Paulo – Direito processual penal - 19. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
NOTAS DE FIM * Acadêmico do 9º período em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. ** Professor do Centro Universitário Newton Paiva e orientador do presente artigo. *** Eduardo Nepomuceno de Sousa; Antônio Eustáquio 1 Rangel, Paulo – Direito processual penal / Paulo Rangel. 19. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p.47. 2 Rangel, Paulo – Direito processual penal / Paulo Rangel. 19. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P.48.
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3 Oliveira, Eugênio Paceli de – Curso de processo penal – 17. Ed. rev. e ampl. Atual. – São Paulo: Atlas, 2013. p. 10 4 Capez, Fernando – Curso de processo penal / Fernando Capez. – 20. Ed. de acordo com a Lei nº 12.736/2012 – São Paulo: Saraiva, 2013. P.85 5 Jr., Aury Lopes – Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional / Aury Lopes Jr. 8. ed. vol. 1 –Rio de Janeiro – Lumen Iures, 2011. P. 70 6 Greco Filho, Vicente – Manual de processo penal / Vicente Greco Filho. – 10. Ed. rev. e atual. – São Paula : Saraiva, 2013 (com a colaboração de João Daniel Rossi), p. 78 7 Capez, Fernando – Curso de processo penal / Fernando Capez. – 20. Ed. de acordo com a Lei nº 12.736/2012 – São Paulo: Saraiva, 2013. P.75 8 COSTA, Sílvio César Queiroz. A inconstitucionalidade da produção de provas de ofício pelo magistrado. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3626, 5 jun. 2013. Disponível em: <http:// jus.com.br/artigos/24635>. Acesso em: 22 fev. 2014. 9 Lima, Marcellus Polastri – Manual de Processo Penal - 2. Ed – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009 p.846 10 Oliveira, Eugênio Paceli de – Curso de processo penal – 17. Ed. rev. e ampl. Atual. – São Paulo: Atlas, 2013. p. 12 11 Greco Filho, Vicente – Manual de processo penal / Vicente Greco Filho. – 10. Ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2013 (com a colaboração de João Daniel Rossi), p. 232
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JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DAS DENÚNCIAS JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS RELATIVO ÀS IRREGULARIDADES ENCONTRADAS EM EDITAIS DE LICITAÇÃO: da inclusão da impugnação ao órgão licitante Lucas Rocha Nassif1 Gustavo Nassif2 Banca Examinadora 3 RESUMO: O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG) é responsável pela fiscalização das contas do Estado e de 853 municípios. Atualmente, o TCE/MG tem recebido inúmeras denúncias relacionadas a presença de irregularidades em editais de licitação, sendo a demanda extremamente elevada tendo em vista o elevado número de municípios sob a sua fiscalização. Os denunciantes, por sua vez, não se preocupam em recorrer ao próprio órgão licitante em busca de uma solução mais rápida e efetiva para sanarem as eventuais irregularidades nos edital e, por isso, buscam, já de início, as vias do Tribunal como a única forma de solucionarem este entrave. Portanto, há que se criar um mecanismo de controle das denúncias, fomentando os denunciantes para que busquem a Administração Pública Licitante antes de recorrerem ao Tribunal de Contas para solucionarem eventuais irregularidades e, somente diante da persistência das eventuais irregularidades, recorrem ao Tribunal de Contas para uma solução efetiva. PALAVRAS-CHAVE: Tribunal de Contas; Denúncia; Edital de Licitação; Juízo de Admissibilidade; Inclusão de Requisito. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Do Juízo de Admissibilidade das Denúncias Realizado pelo Presidente do Tribunal de Contas; 3 Das Denúncias ao Tribunal de Contas Relativas às Irregularidades Encontradas em Editais de Licitação; 3.1 Da Tramitação das Denúncias no Tribunal de Contas de Minas Gerais em Cotejo com a Tramitação da Impugnação ao Órgão Licitante; 4 - Do Princípio da Eficiência na Administração Pública; 5 DaaInclusão da Impugnação ao Órgão Licitante como Requisito de Admissibilidade das Denúncias; 6 Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO Os Tribunais de Contas são instituições que exercem a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública, direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade e aplicação dos recursos financeiros, dentre outras importantes funções, legitimados pela Constituição Federal e pelas Constituições dos seus Estados Federados. São considerados órgãos públicos cujas decisões possuem natureza administrativa. Isto com base nas jurisprudências dos Tribunais Superiores que fundamentam seus argumentos com o que está disposto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Um dos doutrinadores mais conhecido sobre o assunto, Ilustre Professor Marçal Justin Filho, sobre este ponto, entende que: O controle externo, desempenhado pelo Congresso Nacional e pelo Tribunal de Contas, possui natureza administrativa. A decisão adotada pelo Tribunal de Contas não possui natureza jurisdicional. 4 Embora o Tribunal de Contas esteja disciplinado na Constituição Federal, dentro do Capítulo I, referente ao “Do Poder Legislativo”, não faz com que ele esteja subordinado a este, constituindo-se como um órgão autônomo, pois, conforme entendimento do STF, “O Tribunal não é preposto do Legislativo. A função que exerce, recebe-a diretamente da Constituição, que lhe define as atribuições”. 5 LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
No âmbito do controle externo, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais recebe, diariamente, inúmeras denúncias de irregularidades em editais de licitação oriundos da atividade da Administração Pública concernentes às diversas modalidades previstas no artigo 22, da Lei Federal n.º 8.666 de 21 de junho de 1993, e na Lei n.º 10.520, de 17 de julho de 2002. A demanda tem sido tão grande nestes últimos anos que o próprio Órgão Público incumbido nesta difícil, mas importante missão de auxiliar na fiscalização exercida pelo Poder Legislativo, não tem conseguido se manifestar, de forma eficiente, em relação a algumas delas, dentro de um prazo razoável. O resultado disso é que sobrecarrega o Tribunal de Contas com demandas excessivas e que facilmente poderiam ser resolvidas no âmbito da própria Administração Pública licitante. Desta feita, é necessário que o próprio Tribunal tome providências para regulamentar esta situação de forma a dar um tratamento mais eficiente às suas atividades, evitando, ao mesmo tempo, que o seu exercício de controle seja utilizado de forma arbitrária e para fins pessoais. Portanto, poderá o Tribunal de Contas estabelecer dentro do seu Regimento Interno mais um requisito para a admissão das denúncias relativas a editais de licitação, condicionando o seu exercício de controle à impugnação do edital, primeiramente, no próprio órgão licitante de forma a permitir o exercício da autotutela da Administração Pública (Súmula 473 – STF6) e, ao mesmo tempo, reduzir o número de denúncias que poderiam ser facilmente resolvidos no âmbito da própria Administração Pública? É o que será abordado adiante.
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2 DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DAS DENÚNCIAS REALIZADO PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS O Presidente do Tribunal de Contas é quem guarda a competência para admitir as denúncias no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, nos termos do artigo 41, XLII, do Regimento Interno do TCE/MG, Ipsis litteris. Art. 41. Compete ao Presidente, sem prejuízo de outras atribuições legais e regulamentares: XLII - exercer o juízo de admissibilidade das representações e das denúncias; Não obstante, trás o artigo 302 que a denúncia deverá ser dirigida ao Presidente do Tribunal de Contas, respeitando os requisitos para sua admissão, nos seguintes termos: Art. 302. O direito de denúncia será exercido mediante requerimento dirigido ao Presidente do Tribunal que decidirá a respeito do seu cabimento, tendo em vista o preenchimento dos requisitos constantes dos §§1º e 2º do artigo anterior. Tal controle é realizado com base no Regimento Interno do TCE/ MG, que trás alguns requisitos a serem observados por ele, quando da análise de sua admissão. Estes requisitos estão elencados no artigo 301, do referido diploma legal, mencionando que: Art. 301. Qualquer cidadão, partido político, associação legalmente constituída ou sindicato poderá denunciar ao Tribunal irregularidades ou ilegalidades de atos praticados na gestão de recursos públicos sujeitos à sua fiscalização. §1º São requisitos de admissibilidade da denúncia: I- referir-se à matéria de competência do Tribunal; II- ser redigida com clareza; III- conter o nome completo, a qualificação, cópia do documento de identidade e do Cadastro de Pessoa Física e o endereço completo do denunciante; IV- conter informações sobre o fato, a autoria, as circunstâncias e os elementos de convicção; V- indicar as provas que deseja produzir ou indício veemente da existência do fato denunciado. §2º A denúncia apresentada por pessoa jurídica será instruída com prova de sua existência e comprovação de que os signatários têm habilitação para representá-la. A função deste juízo de admissibilidade é verificar a presença dos requisitos necessários para possibilitar que a tramitação do Processo Administrativo consiga chegar até o julgamento do mérito, respeitando todos os corolários constitucionais, como o Devido Processo Legal e, via de consequência, a possibilidade de uma decisão justa e eficiente. A criação desses requisitos, portanto, visa viabilizar aos Tribunais que sejam cumpridas todas as obrigações atinentes a sua atividade fiscalizadora com a maior eficiência, possibilitando um julgamento mais uniforme e satisfatório à sociedade, que é a beneficiária final de toda sua atividade. Além disso, retrata a vedação legal ao exercício meramente arbitrário da faculdade de denunciar os atos administrativos. Ainda neste sentido, ao possibilitar o amplo acesso ao controle externo exercido pelas Cortes de Contas, abre-se a possibilidade de que este controle seja usado como “arma” contra o próprio órgão licitante, pois ao denunciar algum edital ao Tribunal de Contas, o órgão licitante estaria sujeito a alguma sanção administrativa caso procedente a denúncia, podendo chegar a aplicação de multa pessoal aos gestores, ao passo que a impugnação do edital ao próprio órgão licitante não seria passível de qualquer sanção administrativa.
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Auxilia, também, na prevenção contra os casos em que a atuação dos Tribunais de Contas é provocada para fins exclusivamente pessoais, seja ele de qualquer natureza, contrárias à própria finalidade das Corte e Contas, que é essencialmente fiscalizadora e não judicante. Verifica-se, portanto, que a adição de um requisito para o ingresso aos Tribunais de Contas não restringe o acesso às Cortes, mas somente as condiciona ao recuso por parte dos órgãos licitantes em reconhecer seus eventuais erro frente as normas legais pertinentes. 3 DAS DENÚNCIAS AO TRIBUNAL DE CONTAS RELATIVAS ÀS IRREGULARIDADES ENCONTRADAS EM EDITAIS DE LICITAÇÃO Cada cidadão é parte legítima para impugnar os editais de licitação, tanto no próprio órgão licitante, como também nos Tribunais de Contas pertinentes a cada jurisdição, como forma de controle da Administração Pública. É o que menciona o artigo 41, §1º, da Lei Federal n.º 8.666/93, in verbis: Art. 41 – (...) § 1o Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, devendo a Administração julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no § 1o do art. 113. Ademais, a própria Constituição garante “o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder” (art. 5.º, XXXIV, “a”). Nesta esteira, as denúncias, como importante ferramenta de controle dos gastos públicos e da atuação da Administração Pública, possuem formalidades que devem ser observadas pelos interessados, pois a atuação dentro dos órgãos púbicos prescinde da observância dos requisitos indispensáveis para ter o seu mérito analisado. O número de denúncias vem crescendo a cada dia, que o Tribunal de Contas, em uma das medidas adotada para reduzir o número de denúncias que tramitam na Casa, sem abrir mão do controle exercido por ele, lançou, recentemente, uma cartilha cuja finalidade principal era orientar os jurisdicionados na confecção dos editais de licitação, apontando, assim, as principais irregularidades encontradas em editais de licitação, cujo objeto é a contratação de empresas para o fornecimento de pneus. Isto porque, em consulta às atas de julgamentos disponíveis no site oficial do Tribunal, facilmente percebemos as inúmeras denuncias com relação a este objeto. Na apresentação desta cartilha, intitulada “Principais Irregularidades Encontradas em Editais de Licitação – Pneus”, facilmente encontrada no site do próprio TCE/MG, é fácil perceber a real preocupação do TCE/MG no aumento das denúncias, não por evasão ao controle ou por falta de interesse, mas por entender que podem ser tomadas medidas que visam a diminuição da demanda, sem comprometer com suas atividades fiscalizadoras, considerando que muitos dos problemas levados ao crivo do TCE/MG podem ser facilmente resolvidos fora dele. Vejamos o que trás a cartilha: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - TCEMG, ciente de sua elevada missão constitucional de zelar pela aplicação dos recursos públicos, busca, constantemente, avaliar seus objetivos e metas, com o intuito de aperfeiçoarse como órgão de controle externo no âmbito da Administração Pública. E, de forma a otimizar o controle externo, o Tribunal tem a convicção de que a prevenção das irregulari-
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dades e, consequentemente, das contratações desastrosas para os cofres públicos, é sempre mais eficaz do que qualquer medida corretiva ou punitiva. Nesse sentido, ganha relevo a ação pedagógica do TCEMG de forma a orientar os gestores públicos no processo licitatório, considerando que aportaram neste Tribunal inúmeras Denúncias indicando irregularidades nos editais de licitação que têm por objeto a aquisição de pneus destinados a veículos da frota municipal. Diante da dificuldade dos gestores públicos em confeccionar um edital que garanta a qualidade do produto, mas que não seja restritivo e nem direcionado, o TCEMG percebeu a necessidade de elaborar esta cartilha, objetivando trazer as irregularidades mais usuais na elaboração de um instrumento convocatório para a aquisição de pneus destinados aos veículos da frota municipal. A cartilha, com uma linguagem simples e direta, deverá contribuir significativamente para a redução dos inúmeros processos que são instaurados no TCEMG em decorrência de impropriedades formais. Cumpre ressaltar que esta cartilha é uma das iniciativas do TCEMG para o aprimoramento da comunicação com os jurisdicionados, bem como do planejamento administrativo. Com isto, o TCEMG estará, certamente, contribuindo para o aperfeiçoamento da gestão pública, além do aprimoramento da Instituição no controle externo.7
Art. 151. Determinada a abertura do contraditório ou a realização de diligência, o processo será remetido à unidade competente para que formalize a citação ou intimação e o controle de prazo. § 1º O prazo para apresentação de defesa será de 30 (trinta) dias improrrogáveis. § 2º As diligências determinadas pelo Tribunal deverão ser cumpridas no prazo de 15 (quinze) dias, se outro não for fixado pelo Relator. Art. 152. Quando houver manifestação do responsável ou interessado, os autos serão remetidos à unidade técnica competente para análise, após o que, observar-se-á o disposto no art. 153 deste Regimento, salvo determinação contrária do Relator. Parágrafo único. Não havendo manifestação, no prazo fixado, o responsável será considerado revel, seguindo o processo a tramitação prevista no art. 153 deste Regimento. Art. 153. Após a instrução, os autos serão remetidos ao Ministério Público junto ao Tribunal, para emissão de parecer escrito, nos casos especificados no inciso IX do art. 61 deste Regimento, e, em seguida, conclusos ao Relator, que elaborará relatório, enviando o processo à unidade competente para inclusão em pauta. Parágrafo único. O Auditor Relator elaborará relatório e proposta de voto, enviando o processo à unidade competente para inclusão em pauta. Art. 154. Transcorridos os prazos para interposição de recursos pelos recorrentes elencados no art. 325 deste Regimento, a Secretaria do Colegiado competente lavrará a certidão de trânsito em julgado da decisão do Tribunal. Parágrafo único. Certificado o trânsito em julgado, o processo será encaminhado, quando for o caso, à unidade responsável pela certidão de débito e multa e ao gerenciamento do cadastro de inadimplentes do Tribunal, para as providências necessárias. Art. 155. Os processos referentes à admissão de pessoal e concessão de aposentadoria, reforma e pensão, após a respectiva apreciação, serão encaminhados à unidade técnica competente, para registro e devolução da documentação original à unidade jurisdicionada.
Verifica-se, portanto, que, com relação às denúncias a editais de licitação, há uma preocupação por parte do TCE/MG na extensa demanda, fazendo com que medidas devam ser tomadas para orientar os jurisdicionados na produção dos atos convocatórios, observando-se os ditames legais que regem a matéria. 3.1 Da Tramitação das Denúncias no Tribunal de Contas de Minas Gerais em Cotejo com a Tramitação da Impugnação ao Órgão Licitante O que este presente trabalho aborda, neste sentido, é que muitas das demandas poderiam ser facilmente resolvidas na própria Administração Pública, o que reduziria, substancialmente, a carga de atividades do Tribunal, melhorando, por consequência, na qualidade do serviço prestado. Ora, a tramitação de uma denúncia no Tribunal de Contas pode demorar meses (até anos) para ter um julgamento de mérito, o que não quer dizer que, ao fim, o processo licitatório esteja apto ao prosseguimento. Ao passo que a impugnação ao órgão licitante, em regra, não demanda nem um mês de apreciação. Isto porque o rito processual do TCE/MG engloba sua passagem por órgãos técnicos, pelo Ministério Público instalado dentro do Tribunal, o que torna morosa as apreciações. Observe o rito processual disposto no Regimento Interno do TCE/MG: Seção III DO RITO ORDINÁRIO Art. 148. Os processos autuados no Tribunal observarão o rito ordinário estabelecido nesta Seção, ressalvados aqueles para os quais exista previsão, neste Regimento, de rito especial. Art. 149. Protocolizado, autuado e distribuído, o processo será encaminhado diretamente à unidade técnica competente, ressalvadas as hipóteses que comportem o juízo de admissibilidade, quando serão remetidos, preliminarmente, ao Presidente ou ao Relator, conforme o caso. Art. 150. Recebido o processo, a unidade técnica competente prestará informação circunstanciada e o encaminhará ao Relator.
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Por outro lado, se impugnado ao órgão licitante, poderá ser retificado até mesmo no próprio dia. Além disso, a morosidade na apreciação das denúncias pode trazer sérios transtornos às atividades do Município, se considerar que alguns serviços não demandam muito tempo de espera e os processos nos tribunais, normalmente, demoram muito mais tempo que os procedimentos administrativos nos órgão licitantes. Sem contar a possibilidade de suspensão do certame, por parte do TCE/MG, o que pode implicar no comprometimento das atividades essências da municipalidade. 4 DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Para Alexandre de Moraes, o princípio da eficiência pode ser entendido como: Assim, princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social.8
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A Administração Pública, como a máquina que move o Estado, dispõe de diversos mecanismos de execução das suas atividades que irão conduzir a sociedade em busca das suas idealizações, visando um bem comum. Estas atividades, por se tratar de Poder Público num estado de direito, são regidas pela estrita legalidade e regidas por diversos princípios que devem ser observados por todos aqueles envolvidos na Administração Pública, bem como da própria máquina administrativa, representada pelos seus órgãos. O artigo 37, da Constituição Federal de 1988, atualmente, consagra alguns dos princípios básicos que irão orientar toda a Administração Pública no exercício de suas atividades, além de outros espalhados pelo nosso ordenamento jurídico que irão servir em determinados caos concretos, in verbis: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: O princípio da eficiência, último a integrar o ordenamento jurídico, expressamente, com o advento da Emenda Constitucional 19/1998, conforme salientado, impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, de forma transparente e sem burocracia, sempre em busca da qualidade, adotando critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social. É importante destacar que o Princípio da eficiência não se confunde com eficácia, tão pouco com efetividade. José dos Santos Carvalho Filho no ensina que: A eficiência transmite sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa; a idéia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes. Por outro lado, eficácia tem relação com os meios e instrumentos empregados pelos agentes no exercício de seus misteres na administração; o sentido aqui é tipicamente instrumental. Finalmente, a efetividade é voltada para os resultados obtidos com as ações administrativas; sobreleva nesse aspecto a positividade dos objetivos.9 Ressalta, ainda, que: O núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional.10 O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, como órgão pertencente à Administração Pública, conforme já salientado, também está sob o império deste Princípio, devendo adotar critérios de conduta que vise fomentar a utilização dos meios adequados para, de fato, aplicá-lo aos casos concretos. Nota-se que este princípio está diretamente ligado à conduta do agente público que, no exercício de suas atividades, deve se pautar pela aplicação dos melhores meios, visando, sempre, atingir o objetivo da melhor maneira possível considerando aspectos de natureza temporal, econômica, burocrática, dentre outras. Desta forma, a própria Administração Pública deve buscar a implementação de ferramentas que irão permitir a persecução deste objetivo, como no caso da proposta do presente estudo. Isto porque são estas ferramentas que darão suporte para que o agente público possua condições de prestar o serviço público com a qualidade e eficiência com que o cidadão espera/precisa.
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Claro que estamos pressupondo a observância de todos os outros princípios que regem a Administração Pública, o que se pretende fazer ao presente trabalho é mostrar o fato de que determinadas atitudes tomadas pela administração é que irá tornar possível a observância deste princípio pelos agentes públicos. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, nesta seara, traduz exatamente o que está sendo dito, quando menciona que: O Princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público. Assim, não resta dúvida que se o TCE/MG fomentar os interessados a buscarem as vias menos morosas e danosas o resultado é a conduta dos agentes com mais eficiência, tanto com relação a atuação do próprio Tribunal, como dos gestores responsáveis pela licitação, trazendo benefícios para toda sociedade, considerando um controle mais consistente, sem interferir no andamento das atividades dos municípios. 5 DA INCLUSÃO DA IMPUGNAÇÃO AO ÓRGÃO LICITANTE COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DAS DENÚNCIAS A organização interna do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais é disciplinada através de Resolução, com base no disposto no inciso I, do § 3º, do art. 77, da Constituição do Estado de 1989 e no inciso II, do art. 4º, da Lei Complementar nº 102 de 17 de janeiro de 2008; e possui natureza de norma destinada a disciplinar assuntos de interesse interno, dentre outras coisas, versa sobre seu funcionamento, sobre matérias ligadas ao processo administrativo que tramitam naquela Corte, bem como sobre os requisitos para o Juízo de Admissibilidade das denúncias; como o faz com a Resolução n.º 12, de 19 de dezembro de 2008, que institui o Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. As alterações realizadas nas Resoluções que instituem os Regimentos Internos dos Tribunais de Contas não passam por aquele rito ordinário de legitimação democrática que permite a criação de leis (estrito senso), atribuído ao Poder Legislativo, de quem detém a representatividade popular. Neste ponto, o Professor Alexandre de Morais no ensina que: A Constituição Federal não estabelece o processo legislativo para a elaboração da espécie normativa resolução, cabendo ao regimento interno de cada uma das Casas, bem como do Congresso Nacional, discipliná-lo11 A possibilidade em criar requisitos para a admissão das denúncias relativas a editais de licitação, nos Tribunais de Contas, desde que não contrarie nenhuma norma de garantia, não cria obstáculos para os potenciais denunciantes que queiram se manifestar perante o Tribunal de Contas. As alterações nestas Resoluções estão dentro do poder discricionário da própria Administração Pública. Este, como se sabe, concede à Administração Pública a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo, desde que legitimado por Lei. Portanto, caberia à própria Corte de Contas estipular quanto à criação dos requisitos objetivos para a admissão das denúncias referentes a editais de licitação. Ademais, em se tratando de um ato administrativo, que visa a contratação do Poder Público para com as pessoas jurídicas de direito privado, algum tipo de produto e/ou serviço e, se este se mostra de cer-
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ta forma restritivo, irregular ou até mesmo ilegal, caberá ao próprio órgão licitante sanar todas estas irregularidades, usufruindo-se do poder de autotutela, inerente à atividade pública. Isto porque, conforme nos ensina o Professor José dos Santos Carvalho Filho: “a Administração Pública comete equívocos no exercício de sua atividade, o que não é nem um pouco estranhável em vista da múltipla tarefa a seu cargo.”12 A intervenção do Tribunal de Contas como órgão fiscalizador da atividade exercida pelos gestores públicos poderia ser, num primeiro momento, condicionada ao controle exercido pelo próprio órgão, devendo, antes de ser apresentada a denúncia, nas Cortes de Contas, impugnado o edital no órgão responsável pela licitação. Até mesmo porque, como menciona doutrinador Marçal Justin Filho, “(...) a função própria destes órgãos não consiste em atuação desvinculada e dissociada do interesse da Administração”.13 Assim, a denúncia ficaria condicionada à negativa, por parte do órgão licitante, da impugnação realizada pelo interessado, legitimando, assim, o interesse em ver agir o Tribunal de Contas de forma a segurar o direito que está, supostamente, sendo lesado por atos da própria Administração Pública. Sabe-se que a impugnação ao edital de licitação, prevista na Lei Federal n. 8.666/93, artigo 41, parágrafo 1º, não retira do licitante a faculdade em denunciá-lo perante o Tribunal de Contas, pois, ao mencionar “sem prejuízo da faculdade prevista no § 1o do art. 113”, este assegura ao interessado o acesso às Cortes de Contas, mesmo após a impugnação aos órgãos licitantes, pois o que está previsto no § 1o do art. 113 é que: Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste artigo. O fato de ser necessária a impugnação do edital ao órgão licitante antes do acesso à atuação das Cortes de Contas permite aos responsáveis a oportunidade de reconhecerem seus eventuais erros sem que tenham que se sujeitar ao controle externo exercido por estas Cortes. Desta forma, os procedimentos licitatórios teriam um grande avanço, considerando que não estariam sujeitos ao tramite das Cortes de Contas, que são naturalmente mais morosas, dada a maior complexidade e a extensa demanda que este traz consigo, evitando, assim, maiores transtornos às atividades essências de cada Poder Público Licitante. Isto visando cada vez mais eficiência nas ações do Tribunal de Contas e, consequentemente, nas decisões proferidas pelas Turmas e pelo Pleno, pois certamente reduziria a demanda nestas Cortes, tendo em vista que muitos casos poderiam ser facilmente resolvidos sem a intervenção do Tribunal de Contas. Além do mais, como menciona o parágrafo segundo do artigo 302 da Resolução n.º 12/08, que instituiu o Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais: Ainda que não estejam presentes todos os requisitos de admissibilidade, o Presidente, motivadamente, diante de indício suficiente da existência da irregularidade e, levando em consideração a sua gravidade, poderá admitir a denúncia, Isto como prova de que os requisitos de admissibilidade não são criados para obstar o acesso ao Tribunal de Contas, mas possui uma importante finalidade. Outro ponto que merece importância em destacar é o fato de que as decisões proferidas pelos Tribunais de Contas não obstam o acesso aos Órgãos do Judiciário. Ou seja, mesmo que o Tribunal de Contas tenha proferido alguma decisão de mérito nos proces-
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sos que tramitam em sua Casa, estas discussões poderão sempre ser levadas à análise do Poder Judiciário, desde que reconhecida a lesão ou ameaça a direito. Isto porque o Estado não pode possibilitar somente as vias administrativas para a apreciação dos litígios da sociedade, garantindo a todos, sem distinção de qualquer natureza, o acesso aos Órgãos Judicantes. Marçal Justin Filho nos mostra que: “é juridicamente possível que o Poder Judiciário revise a decisão do Tribunal de Contas e julgue legal a despesa ou inexistente o vício localizado”.14 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos chegar à conclusão de que os Tribunais de Contas dos Estados possuem legitimação para “legislar” sobre matéria de natureza interna, podendo trazer para dentro do seu Regimento Interno modificações que visem melhorar o desenvolvimento de suas atividades de controle, sobre o prisma constitucional da legalidade, imparcialidade, moralidade publicidade e eficiência. A exigência da impugnação do edital no Órgão Licitante, face às denúncias que são de competência das Cortes de Contas possibilita ao próprio órgão a revisão dos seus atos e reconsiderá-los em relação a alguns institutos, evitando maiores problemas às atividades da Administração Pública, tornando mais céleres os processos licitatórios e, consequentemente, diminuindo a demanda frente ao próprio Tribunal de Contas, isto porque o que se tem visto nestas Cortes são denúncias que poderiam ser facilmente resolvidas pelo próprio órgão licitante, mas que são levadas ao exame dos Tribunais que, de certa forma, constitui-se a via mais morosa para resolver estes entraves. A diminuição das demandas aos Tribunais de Contas, por sua vez, faz com que os processos que lá tramitam possam ser levados ao seu julgamento de mérito de forma eficiente, com maior rapidez e qualidade, pois possibilitaria uma análise técnica mais consistente e precisa de cada caso concreto, dentro de um prazo razoavelmente considerável. Portanto, uma saída que o Tribunal de Contas tem quanto ao elevado número de denúncias que recebe diariamente e para maior eficiência no exercício de suas atividades de controle é estabelecer, dentro do seu Regimento Interno, mais um requisito para a admissão delas, que é a própria impugnação ao edital no pertinente órgão licitante, permitindo que ele tenha conhecimento, em tese, das irregularidades e que possam usufruir da autotela antes de ser objeto de controle das Cortes de Contas.
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NOTAS DE FIM 1 Aluno da Universidade Newton, curso de Direito, 9º período. Secretário na Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman – Seção Minas Gerais. Estagiário do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – Coordenadoria de Análise de Editais de Licitação - CAEL. 2 Orientador: Gustavo Nassif.
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3 Gustavo Nassif; Daniel Medrado; 4 FILHO, Marçal Justin. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Dialética -14ª Edição, 2010, Pg. 943. 5 STF - Pleno - j. 29.6.84, in RDA158/196 6 A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. 7 Cartilha lançada pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, intitulada “Principais Irregularidades Encontradas em Editais de Licitação – Pneus”, disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br/IMG/Comissao%20de%20Publicacoes/Cartilha%20Licita%C3%A7%C3%A3o%20de%20Pneus%20para%20intranet_v2.pdf> Acessado em: 03/06/2014. 8 MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3. ed., São Paulo : Atlas, 1999, p. 30. 9 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo, Editora Lumen Juris – 23ª Edição – 2ª Tiragem, 2010. Pg. 34. 10 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo, Editora Lumen Juris – 23ª Edição – 2ª Tiragem, 2010, Pg. 32. 11 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Editora Atlas - 27ª Edição, 2010, pg. 705. 12 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo, Editora Lumen Juris – 23ª Edição – 2ª Tiragem, 2010. 13 FILHO, Marçal Justin. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Dialética -14ª Edição, 2010, Pg. 940. 14 FILHO, Marçal Justin. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Dialética -14ª Edição, 2010, Pg. 943.
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O TRATAMENTO DISPENSADO AOS POVOS INDÍGENAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: uma análise dos direitos territoriais sob a perspectiva do Sistema Interamericano de Direitos Humanos Déborah Carolina Celeste da Silva Soares* Maraluce Maria Custódio** Banca Examinadora12 RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a existência de discrepância entre o tratamento dispensado aos povos indígenas no Brasil, sob a perspectiva do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, de forma a verificar qual o tratamento mais adequado aos povos tradicionais na garantia de seus direitos humanos, no que tange aos direitos territoriais das terras ocupadas por povos indígenas, uma vez que o Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica, assim como de outros importantes instrumentos de proteção internacional. Palavras-Chave: Povos Tradicionais; Propriedade Comunal; Direitos territoriais; Direitos Humanos. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Modo de vida diferenciado e proteção especial; 2.1 A Corte Interamericana de Direitos Humanos e os direitos territoriais dos povos indígenas; 2.1.1 Casos emblemáticos e direitos assegurados; 2.2 O ordenamento jurídico brasileiro e os direitos territoriais dos povos indígenas; 2.2.1 Casos emblemáticos em relação aos povos indígenas no Brasil; a) Caso Raposa Serra do Sol; 3 Povos indígenas e a necessidade de efetivação de direitos no brasil; 3.1 Reforma legislativa; 3.2 Demarcação das terras indígenas; 3.3 Consulta prévia e ampla participação; 4 Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO Em tempos de busca pelo desenvolvimento sustentável - um dos temas de maior relevância na atualidade - torna-se cada vez mais evidente a importância dos povos tradicionais e a necessidade de proteção do seu modo de vida diferenciado e de seus conhecimentos. Entre os povos tradicionais estão os povos indígenas, definidos pelo art. 1º, “b” da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como aqueles: povos em países independentes considerados indígenas pelo fato de descenderem de populações que viviam no país ou região geográfica na qual o país estava inserido no momento da sua conquista ou colonização ou do estabelecimento de suas fronteiras atuais e que, independente de sua condição jurídica, mantêm algumas de suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas ou todas elas. (OIT, 2011, p. 17) Tal dispositivo é apontado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Comissão” ou “CIDH”) como o instrumento internacional de Direitos Humanos específico mais relevante aos direitos dos povos indígenas1. Faz-se mister salientar a relevância da CIDH, uma vez que é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), encarregado da promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano. Preenchidos os três requisitos previstos para configuração de uma comunidade tradicional (descendência de povos ancestrais, modo de vida diferenciado e o último e mais importante requisito, a autoidentificação), uma série de direitos especiais são conferidos a tais povos segundo entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos e importantes instrumentos internacionais, tais como a necessidade de consulta prévia e o reconhecimento das terras ocupadas pelos indígenas como sendo de propriedade comunal (pertencente àquela comunidade).
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Tal entendimento coaduna com a nova tendência constitucionalista que começa a se desenvolver em alguns estados americanos, como Bolívia e Equador, no reconhecimento de diversos direitos de comunidades tradicionais, em observância a autodeterminação destes povos. Neste viés, salienta José Luiz Quadro de Magalhães que (MAGALHÃES, 2008, p. 202): [o] estado plurinacional rompe com a uniformização do estado nacional que possibilitou o desenvolvimento do capitalismo moderno. Esta ruptura, que pode ser revolucionária, se apresenta na aceitação constitucional de diversos direitos de propriedade e de diversos direitos de família, assim como a admissibilidade de tribunais para resolver estas questões no âmbito de cada comunidade étnica. Sob esta nova perspectiva democrática é que se busca uma análise dos direitos territoriais dos povos indígenas, superando a concepção uniformizadora do Estado Moderno, assim como o viés individualista da propriedade moderna, uma vez que o sistema interamericano de direitos humanos, do qual o Brasil faz parte, se mostra muito mais progressista e garantidor de direitos. Neste sentido, resta demostrar que o entendimento da Corte IDH encontra-se em consonância com a autodeterminação dos povos indígenas, que perpassa pela ideia de sua organização não somente política e cultural, mas também territorial, uma vez que a noção de território compartilhado é elemento integrante do modo de vida destes povos, conforme salienta Alcida Rita Ramos (1988). Autodeterminação esta que não deve se confundir com uma tendência separatista ou mesmo insubordinação dos povos indígenas ao ordenamento pátrio, mas: às noções desrespeito e integridade, ou seja, de viver bem, conforme seus valores e crenças, obtendo o devido respeito da sociedade majoritária. Os termos direito e justiça, de
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sua vez, em certas línguas indígenas podem ser traduzidos como bem viver juntos. Assim, para a maior parte dos povos indígenas o verdadeiro sentido da autodeterminação não é a aquisição de poder institucional, mas sim a liberdade de viver bem como seres humanos e determinar o que isso significa, ou seja, trata-se do sentimento de que eles podem decidir seu próprio modo de vida (ANJOS FILHO, 2009, p. 606). Com base no caráter multiétnico e pluricultural do Brasil, reconhecida pela Constituição de 1988, o trabalho pretende fazer análise da propriedade no que tange aos direitos territoriais dos povos indígenas, considerando novas interpretações acerca do pertencimento e da definição de posse e propriedade, buscando a superação do conceito de propriedade presente no Estado Moderno. Segundo Sérgio Said Staut Júnior (2004, p. 160): A referência ao termo propriedade (especialmente privada) carrega, e não é de hoje, um significado muito específico na história, limitado a uma concepção individualista e potestativa da relação entre homens e bens. A palavra propriedade remete habitualmente a uma forma de apropriação dos bens que parte sempre de um sujeito proprietário e de seu poder exclusivo e soberano sobre as coisas, ou seja, uma perspectiva de propriedade que adquiriu uma posição hegemônica quase que absoluta na Modernidade. A Corte Interamericana por sua vez, já sinalizou entendimento mais extensivo no que tange aos direitos territoriais, a exemplo do Caso da Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai (Corte IDH, 2006, pár. 120), onde estabeleceu que: igualmente que os conceitos de propriedade e posse em comunidades indígenas podem ter um sentido coletivo, no sentido de que a propriedade não é focada em um indivíduo, mas no grupo e sua comunidade. Esta noção de propriedade e posse da terra não corresponde necessariamente ao conceito clássico de propriedade, mas que merecem a proteção igual sob o artigo 21 da Convenção Americana. Desconhecer as versões específicas dos direitos uso e gozo da propriedade, a partir da cultura, costumes e crenças de cada povo, equivaleria a sustentar que só existe uma forma de usar e dispor de bens, que, por sua vez significaria fazer ilusória proteção do artigo 21 da Convenção para milhões de pessoas. Neste sentido, Boaventura de Sousa Santos já ressaltou o importante papel do SIDH na proteção e garantia dos direitos dos povos indígenas, em observância a autodeterminação destes povos (SANTOS, 2012, p. 43): Este é o caso do Sistema de Direitos Humanos e de suas duas principais instituições Interamericano: a Comissão de Direitos Humanos e Corte Interamericana de Direitos Humanos. Apesar das críticas sobre eles, da Comissão e do Tribunal tomaram decisões importantes, especialmente na última década, a favor do reconhecimento de posições indígenas sobre o princípio da autodeterminação, com um impacto direto sobre a justiça indígena, considerado um componente essencial da autonomia interna dos povos indígenas e controle sobre seus territórios. Com base na análise extensiva feita pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em relação aos direitos territoriais dos povos indígenas, trazendo a possibilidade da propriedade comunal e a previsão constitucional do regime de usufruto permanente no Brasil, busca-se a melhor interpretação para os direitos territoriais dos povos
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indígenas de maneira a garantir e preservar todos os direitos especiais inerentes aos povos tradicionais, em respeito à sua autodeterminação, com base no pós-modernismo que vem modificando a noção de coletividade, propriedade e mesmo de democracia. 2 MODO DE VIDA DIFERENCIADO E PROTEÇÃO ESPECIAL O Brasil possui mais de 800 mil índios, um contingente populacional que representa cerca de 0,4% da população brasileira, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). Estima-se que, no que hoje é delimitado como território brasileiro, viviam cerca de 5 milhões de índios, população esta que foi dizimada e perseguida e, até hoje, sofre com os resquícios deste passado de preconceito e incompreensão. Os povos indígenas possuem modo de vida diferenciado, incluindo especial ligação com sua terra, tanto pelos costumes que ali praticam, como também pela preservação da história de seu povo, de seu patrimônio material e imaterial. A terra, que em sua concepção moderna tem significado patrimonial e está diretamente vinculada ao poder, para os povos indígenas parece significar parte inerente de sua história, símbolo da resistência a opressão e repressão sofridas desde à Colonização do Brasil, bem como da construção e preservação de sua cultura. Neste contexto, é editado o Princípio nº 22 da Declaração do Rio, de 1992, que ressalta a importância dos povos indígenas, estabelecendo que: as populações indígenas e sua comunidades e outras comunidades locais desempenham um papel vital na gestão e desenvolvimento do ambiente devido aos seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados deverão reconhecer e apoiar devidamente a sua identidade, cultural e interesses e tornar possível a sua participação efetiva na concretização de um desenvolvimento sustentável (ONU, 1992, p. 04). Para que se possa compreender este modo de vida, é importante que se atente para a história destes povos, desprendendo-se dos conceitos construídos pela hegemonia europeia e da concepção do “homem branco”, buscando entender a cultura indígena por meio de sua ótica, na medida em que for possível fazê-lo. Neste sentido: Como sugere João Asiwefo Tiriyó, para apreciarmos a riqueza dos patrimônios culturais indígenas, é necessário considerar essa “mistura” entre aspectos materiais e imateriais e, sobretudo, procurar as variadas “fontes” do conhecimento, para além dos saberes tecnológicos. (IEPÉ, 2006, p. 08) A Convenção Para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial considera como patrimônio cultural imaterial: as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana (UNESCO, 2003, p. 04) Mister se faz ressaltar, portanto, a importância do reconhecimento e manutenção das terras ocupadas pelos povos indígenas, considerando que sua cultura, costumes e tradições encontram-se
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diretamente ligados a estes locais, considerando ainda, a mutabilidade deste patrimônio intangível que modifica-se e aperfeiçoa-se de geração em geração, preservando, contudo, a essência do saber, da história destes povos. 2.1 A Corte Interamericana de Direitos Humanos e os direitos territoriais dos povos indígenas A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) – ratificada pelo Brasil em 06/09/1992, por meio do decreto nº 678 – não possui nenhum artigo específico sobre a proteção dos povos indígenas das américas, porém, é possível destacar em sua jurisprudência um rol especial de direitos consagrados a estes povos, fruto de interpretação extensiva que leva em consideração o modo de vida diferenciado e a vulnerabilidade destes povos tradicionais. No que tange ao direito à propriedade, o art. 21 da Convenção Americana de Direitos Humanos (OEA, 1969) estabelece que: 1.Toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social. 2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, exceto mediante o pagamento de indenização justa, por razões de utilidade pública ou de interesse social, e nos casos e segundo as formas estabelecidas pela lei.3. Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser proibidas pela lei Neste sentido, resta configurado e assegurado o direito à propriedade privada, nos mesmo parâmetros estabelecidos pelo Direito Civil2 em relação aos direitos individuais sobre a propriedade. Contudo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos construiu em sua jurisprudência, entendimento acerca da dimensão coletiva da propriedade, no que tange aos povos tradicionais, conferindo direitos especiais a estes povos, conforme se demonstrará. 2.1.1. Casos emblemáticos e direitos assegurados Em 2001, a Corte julgou um dos caos mais emblemáticos de toda a sua jurisprudência, sendo este precursor no que tange aos direito dos direitos dos povos indígenas, o chamado Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Neste caso, a Corte entendeu que: Dada a natureza do caso, é necessário fazer algum esclarecimentos sobre o conceito de propriedade nas comunidades indígenas. entre povos indígenas existe uma tradição comunitária sobre uma forma comunal de propriedade coletiva da terra, no sentido de que a propriedade não é centrada em um indivíduo, mas no grupo e na comunidade. O indígena em sua própria existência, têm o direito de viver livremente no seu próprio território; o estreitas relações dos povos indígenas com a terra deve ser reconhecida e compreendida como a base fundamental de suas culturas, sua vida espiritual, sua integridade e sua sobrevivência econômica. Para as comunidades indígenas, as relações a terra não é meramente uma questão de posse e produção, mas uma elemento material e espiritual de que devem gozar plenamente, inclusive para preservar seu legado cultural e transmiti-lo às gerações futuras. (Corte IDH, 2001, p. 78) Desde então, a Corte tem reiterado a necessidade de preservação da peculiar conexão entre as comunidades indígenas e suas terras e recursos naturais provenientes destes, sendo essenciais para a sobrevivência física e cultural destas comunidades e dos direitos humanos que devem ser garantidos a estas comunidades.
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No Caso da Comunidade Moiwana Vs. Suriname (Corte IDH, 2005) – que tratou da responsabilidade internacional do Estado do Suriname pela falta de investigação e sanção dos responsáveis pela morte, desaparecimento forçado e maus tratos de membros da comunidade Moiwana por parte de agentes das forças armadas do Estado do Suriname em 1986 – a Corte destacou a ligação material espiritual daquele povo com sua terra. Os membros da Comunidade Moiwana que escaparam do massacre foram expulsos de sua terra e não puderam realizar o ritual de sua etnia para descanso dos mortos de sua comunidade, alterando o processo de luto e causando grande sofrimento àquela comunidade. Neste sentido, o direito à propriedade estava intimamente ligado também ao direito à integridade física e até mesmo ao direito à vida dos membros da Comunidade Moiwana. Tanto que na sentença dos referido caso, foi ordenado pela Corte à busca dos restos mortais dos membros da comunidade, para que pudesse ser promovido enterro digno aos mesmo, de acordo com as tradições de Moiwana, bem como o direito à propriedade onde viveram tradicionalmente os membros da comunidade, até o ano de 1986. Com as sentenças dos Casos de Sánchez Massacre Vs Guatemala (2004)3, Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguai (2005)4 e outros5, a Corte pode não somente estabelecer parâmetros e corroborar com a efetivação dos direitos dos povos indígenas, incluindo os direitos territoriais sobre as propriedades que secularmente ocupavam. Em 2007 outro caso emblemático foi julgado pela Corte, o Caso Saramaka vs. Suriname, que tratou da violação de direitos territoriais de povos quilombolas, enquanto povos tribais, no Estado do Suriname. O referido caso trouxe significativos avanços acerca dos direitos territoriais dos povos tradicionais – sejam eles indígenas ou tribais – no que tange à necessidade de consulta prévia. Assim, destaca-se a importância do direito das comunidades indígenas de participar de todas as decisões sobre assuntos e políticas públicas tratem de seus direitos, de acordo com seus valores, usos, costumes e formas de organização. 2.2 O ordenamento jurídico brasileiro e os direitos territoriais dos povos indígenas Em 1973 é editada a Lei 6.001, o chamado “Estatuto do Índio”, ainda em vigor no ordenamento jurídico brasileiro. A referida lei surge ante às duras críticas direcionadas ao governo federal da época em relação a política indigenista que vinha promovendo, inclusive de exercer o pleno domínio sobre as terras indígenas. O “Estatuto do Índio” foi editado no período ditatorial militar no Brasil, trazendo consigo a concepção de índios aculturados que deveriam ser integrados à sociedade brasileira. Em tal legislação, nota-se o total desconhecimento ou falta de interesse pela cultura indígena, buscando promover a transição entre seu modo de vida diferenciado e a imersão na cultura comum do povo brasileiro. Embora o art. 1º da referida lei trate sobre a preservação da cultura indígena, uma leitura mais criteriosa do Estatuto demonstra o posicionamento do legislador em não considerar tais povos como parte integrante da chamada comunhão nacional, neste sentido: Art. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional. (BRASIL, 1973) Especificamente sobre os direitos territoriais, o art. 2º, IX do “Estatuto do Índio” estabelece que: Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limi-
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tes de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos: IX - garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente das terras que habitam, reconhecendolhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes. (BRASIL, 1973) O Estatuto possui ainda seção que trata exclusivamente “Das Terras dos Índios (Título III), abordando a inalienabilidade das terras indígenas, da necessidade do processo de demarcação, bem como da intervenção da União nestas terras. Em 1983 surge o Decreto nº 88.118 que tratava do processo de demarcação das terras indígenas no qual a FUNAI – Fundação Nacional do Índio – é responsável, nos termos do suscitado Estatuto. Com o decreto 88.118 o estudo prévios das terras passa a ser submetido a um Grupo de Trabalho de Ministérios vinculados ao poder Executivo. Tal medida foi tomada à época de modo a garantir o maior controle dos militares – que muitas vezes chegaram a presidir a FUNAI – sobre as questões indígenas e o controle das terras, tendo em vista que muitos antropólogos e indigenistas faziam parte deste órgão e buscavam a efetiva proteção de direitos dos povos indígenas (ARAÚJO, 2006). Em seguida, o Decreto nº 94.945, de 23/09/1987 trouxe algumas alterações no que tange à demarcação das terras indígenas, porém mantendo o Grupo de Trabalho Interministerial e outras influências do período ditatorial. Com o advento da Constituição da República de 1988, a questão indígena começou a ser trabalhada sob um novo paradigma, de uma relação mais justa e igualitária entre o Estado e os povos indígenas, bem com de sua participação e interação na sociedade brasileira. A Constituição de 88, ao contrário do “Estatuto do Índio” que parecia objetivar a inserção do índio na “sociedade branca”, com a consequente perda de suas características e cultura, destaca o direito à diferença que estes povos possuem. Afinal, são cerca de 225 povos distintos, com aproximadamente 180 línguas. Sendo estes povos diferentes entre si, indiscutível é o contraste entre estes e as demais camadas da população brasileira, as quais todas devem ser amparadas e protegidas pelo Estado. Neste sentido, o art. 231 da CR/88 preconiza que: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (BRASIL, 1988) Além deste feito, a Constituição reconheceu a capacidade processual dos índios, bem como das comunidades e organismos de proteção das questões indígenas e elegeu a Justiça Federal para dirimir conflitos referentes a direitos indígenas, com a devida intervenção do Ministério Público nesta senda. Com o advento do Código Civil de 2002 outro importante avanço se deu em relação aos povos indígenas, estabelecendo que temas referentes à capacidade para a prática dos atos da vida civil deveriam ser tratados em lei específica, afastando a capacidade relativa dos índios fixada no Código de 1916, além de não abordar sobre a “tutela” destes povos. Mister se faz ressaltar ainda acerca da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que trata dos povos indígenas e tribais nos países independentes, aprovada pelo Congresso Nacional em 20 de junho de 2002, por meio do Decreto Lei nº 143 e promulgada em 19 de abril de 2004, por meio do Decreto nº 5.051.
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A Convenção, além de trazer a conceituação do que seriam os povos tradicionais – indígenas e tribais – trata de direitos como consulta e participação, direitos territoriais e recurso naturais, identidade étnica, entre outros. O Programa Nacional de Direitos Humanos 3 – programa desenvolvido com apoio popular a fim de traçar as ações programáticas, diretrizes do que se espera construir no e para o futuro do país – elenca em sua Diretriz nº 9, em seu Objetivo Estratégico III o apoio aos projetos de lei com o objetivo de revisar o “Estatuto do Índio”, com base no texto constitucional de 1988 e na Convenção 169 da OIT. Nesta senda, embora o Brasil sofra de inflação legislativa e flagrante falta de efetivação das leis vigentes, nota-se a necessidade de modificação e adequação das leis vigentes relacionadas aos direitos dos povos indígenas, bem como reformulação dos órgãos e setores que atendem tais povos, de forma a cumprir o disposto em nossa Lei Maior, bem como nos tratados internacionais firmados pelo Brasil. 2.2.1. Casos emblemáticos em relação aos povos indígenas no Brasil Recentemente instalou-se grande discussão no Brasil acerca da Hidrelétrica de Belo Monte que inundará uma área de 400 km² – empreendimento que faz parte do complexo hidrelétrico do Rio Xingu – atingindo cerca de 10 (dez) povos indígenas, como os Juruna de Paguiçamba, Assurini do Xingú, os Araweté, os Parakanã, os Kuruia, os Kayapó, entre outros. Além do desequilíbrio ambiental que Belo Monte gerará, discute-se muito à aprovação do estudo referente à hidroelétrica – aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) – sem a devida consulta prévia as comunidades atingidas. Situação semelhante ocorre em relação a Transposição do Rio São Francisco que poderá atingir cerca de 30 (trinta) povos indígenas e também vem sendo tratada sem a devida participação dos povos indígenas atingidos. Além destes, inúmeros casos de violação aos direitos dos povos indígenas ocorrem diariamente no Brasil, como a situação desumana e degradante da comunidade indígena Guaraní-Kaiwoá, do povo indígena Cinta Larga – com a extração ilegal de diamantes, riquezas florestais e recursos minerais localizados em suas terras – e tantos outros casos demonstram o flagrante e reiterado desrespeito aos povos indígenas, à sua terra e ao seu conhecimento tradicional. a) Caso Raposa Serra do Sol
O caso mais emblemático acerca da demarcação de terras indígenas no Brasil ocorreu em relação a área conhecida como Raposa Serra do Sol, a qual havia sido reconhecida e demarcada as terras indígenas no Estado de Roraima e, tendo em vista a necessidade de retirada dos não-índios das terras, foi cenário de intensos conflitos entre fazendeiros e índios. No próprio Congresso Nacional, por meio de alguns de seus representantes, tramitou projetos que almejavam a anulação do referido reconhecimento formal, inclusive para construção de uma hidrelétrica no local (PL 2540/2006), sem que nenhuma das comissões da Câmara dos Deputados ou Senado Federal tivesse escutado os povos indígenas interessados. O reconhecimento formal dos direitos originários e imprescritíveis de posse permanente e usufruto exclusivo dos povos indígenas que a ocupam (cerca de 19.000 – dezenove – mil índios) – por meio do Decreto Presidencial de 15 de abril de 2005 – só foi obtido devido a luta dos povos indígenas, bem como dos diversos organismos internacionais e ONG’s envolvidas nas questões indígenas, uma vez que eram alvo constante de invasão por parte de garimpeiros e fazendeiros da região.
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Em 2009, após tentativa para suspender a ordem de desocupação das referidas terras pelos não índios, o STF decidiu pela demarcação contínua da terra Indígena Raposa Serra do Sol, a qual deveria ser deixada pelos produtores rurais que a ocupavam, por meio da Petição 3388/RR. Estabelecendo condições acerca da demarcação das terras e homologando o ato administrativo realizado em 2005. Na referida decisão, o Supremo destacou que: Áreas indígenas são demarcadas para servir concretamente de habitação permanente dos índios de uma determinada etnia, de par com as terras utilizadas para suas atividades produtivas, mais as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e ainda aquelas que se revelarem necessárias à reprodução física e cultural de cada qual das comunidades étnico-indígenas, segundo seus usos, costumes e tradições (usos, costumes e tradições deles, indígenas, e não usos, costumes e tradições dos não-índios). Terra indígena, no imaginário coletivo aborígine, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade, toda coetaneidade e toda posteridade de uma etnia. Nota-se, com isto, significativo avanço na interpretação dos direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil, uma vez que embora não tenha força vinculante, tal decisão torna-se importante precedente na efetiva proteção de direitos territoriais indígenas que pode e deve inspirar novos julgados no país, embora o Brasil tenha um longo caminho a percorrer neste sentido. A importância do referido julgado foi ressaltada nos Embargos de Declaração na aludida Ação Popular acerca da demarcação das terras indígenas Raposa do Sol, ressaltando que: A decisão proferida em ação popular é desprovida de força vinculante, em sentido técnico. Nesses termos, os fundamentos adotados pela Corte não se estendem, de forma automática, a outros processos em que se discuta matéria similar. Sem prejuízo disso, o acórdão embargado ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite da superação de suas razões (STF, 2013, p. 02). Ainda na Petição 3388-RO o Supremo Tribunal Federal tratou da diferenciação entre terra e território indígena, asseverando que: Todas as “terras indígenas” são um bem público federal (inciso XI do art. 20 da CF), o que não significa dizer que o ato em si da demarcação extinga ou amesquinhe qualquer unidade federada. Primeiro, porque as unidades federadas pós-Constituição de 1988 já nascem com seu território jungido ao regime constitucional de preexistência dos direitos originários dos índios sobre as terras por eles “tradicionalmente ocupadas”. Segundo, porque a titularidade de bens não se confunde com o senhorio de um território político. Nenhuma terra indígena se eleva ao patamar de território político, assim como nenhuma etnia ou comunidade indígena se constitui em unidade federada. Cuida-se, cada etnia indígena, de realidade sócio-cultural, e não de natureza político-territorial. A Corte Interamericana de Direitos Humanos por sua vez, ao tratar sobre a definição de Território no Caso Saramaka Vs. Suriname, considera que: O termo território se refere a totalidade da terra e dos recursos naturais que os povos indígenas e tribais tem utilizado tradicionalmente. (Corte IDH, 2007, par. 63)
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Neste sentido, em conformidade com a Convenção 169 da OIT – em seu artigo 13.2 – o conceito de terras deve incluir o conceito de território, tratando da totalidade do habitat das regiões ocupadas pelos povos indígenas, no que inclui a utilização de seus recursos ou de outra maneira, não devendo o conceito interno – político-territorial – ser confundido com o conceito sócio-cultural, mas não podendo aquele deixar de observar este. 3 POVOS INDÍGENAS E A NECESSIDADE DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS NO BRASIL É recorrente no Brasil a violação dos direitos territoriais dos povos indígenas. Seja na desocupação das terras indígenas por particulares – como garimpeiros e fazendeiros – ou na expropriação de conhecimentos tradicionais destes povos para lançamento de cosméticos, medicamentos e produtos alimentícios, patenteados sem a autorização e devida repartição dos lucros com as comunidades indígenas – a chamada biopirataria6 – a cada dia surgem novos casos acerca da não observância dos direitos especiais concedidos a estes povos. Terras indígenas são frequentemente alvo de organizações paraestatais para o transporte de drogas, armamento e fuga de criminosos procurados pela polícia, considerando a falta de fiscalização e a localização destas comunidades, muitas vezes afastadas e em zonas de fronteira no Estado Brasileiro. Estas e muitas outras ameaças tem assolado as comunidades indígenas no Brasil, colocando em risco não somente os direitos territoriais que originariamente possuem, mas também a própria manutenção das culturas destes povos. Neste sentido, a Comissão Interamericana e a Corte Interamericana de Direitos Humanos já destacaram que a preservação da conexão particular entre as comunidades indígenas e suas terras e recursos se vincula com a própria existência desses povos (CIDH, 2002, pár. 128). 3.1 Reforma legislativa Conforme destacado, alguns avanços se deram em relação a consolidação legislativa dos direitos dos povos indígenas, porém, longo caminho ainda deve ser percorrido para que tais direitos sejam garantidos em sua amplitude e para que questões ainda muito polêmicas sejam tratadas legislativamente. Desde a Constituição de 1988, destaca-se a necessidade de revisão e reforma do “Estatuto do Índio”, tendo em visto o período e a forma como foi editado – uma vez que data da época da ditadura e foi formulado sem a devida participação dos povos indígenas. Destaca-se ainda, a tramitação no Congresso nacional, desde o início da década de 90, do projeto de lei que trata da revisão/ edição de um novo estatuto direcionado aos direitos dos povos indígenas - Projeto nº 2.057/91 – porém, tendo em vista o lapso temporal entre a propositura e atual condição dos povos indígenas no Brasil, muito se fala acerca da necessidade de substituição do referido projeto que trata de normas penais e punições para delitos cometidos contra índios, uso de recursos florestais, proteção ambiental e demarcação de terras. Também datando da mesma década o Projeto de Lei Nº 1.610/96 que dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, sendo um dos assuntos de maior interesse da comunidade indígena no Brasil. Se aprovado, o referido projeto criaria condições para que as terras indígenas fossem exploradas economicamente, principalmente por mineradoras, sendo de suma importância a participação dos povos indígenas nesta discussão, estando até a presente data pendente a marcação de audiência pública para discussão com os povos indígenas e demais interessados sobre o tema.
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Ambos os projetos, além da devida adequação aos direitos elencados na Convenção 169 da OIT, prescindem da ampla participação e consulta dos representantes das comunidades indígenas, uma vez que são os maiores interessados na demanda. Talvez por estes motivos e considerando interesses escusos de não efetivação dos direitos dos povos indígenas, principalmente no que tange aos seus direitos territoriais tem culminado na demasiada demora na discussão, modificação e aprovação dos projetos de leis que contemplam direitos que são reivindicados pelos índios. Conforme assevera Ana Valério de Araújo (2006, p. 77): o Legislativo tem repetidamente se omitido de regulamentar alguns dos direitos criados e demonstra hoje uma tendência a limitá-los e a minimizar a sua aplicação por meio de emendas constitucionais e projetos de lei ora em trâmite no Congresso Nacional. Por outro lado, o Executivo insiste em revisitar paradigmas revogados de integração, incitando polêmicas desnecessárias que pouco permitem avançar na direção da concretização da concepção contemporânea de igualdade. Por fim, tão pouco o Judiciário tem sido unânime na interpretação inovadora e justa dos preceitos constitucionais Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu no Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguai (Corte IDH, 2005, pár. 100): a obrigação adaptar a legislação interna à Convenção Americana nos termos do artigo 2 é, por sua própria natureza, uma obrigação de resultado. Os estados devem, portanto, rever as suas leis, procedimentos e práticas para garantir que os direitos territoriais dos povos e pessoas indígenas e tribais sejam definidos e determinados de acordo com os direitos estabelecidos nos instrumentos interamericanos de direitos humanos. Neste sentido, nota-se que muito ainda deve ser feito para que os direitos contemplados na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, na Convenção 169 da OIT e na Constituição de 1988 sejam plenamente contemplados no ordenamento jurídico brasileiro, atendendo aos direitos que os povos indígenas possuem, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro oscila entre leis extremamente modernas, porém não aplicadas em sua plenitude e entre leis arcaicas e fundamentados em uma visão preconceituosa e superada das comunidades indígenas que ainda estão em vigor. 3.2 Demarcação das terras indígenas O direito originário de demarcação das terras indígenas é um dos mais importantes direitos reconhecidos na Constituição de 1988. O dever iniciativa, orientação e demarcação de terras cabe à FUNAI – Fundação Nacional do Índio, conforme previsto no “Estatuto do Índio” e no Decreto nº 1.775/96. Mesmo a criação do Parque Nacional do Xingu – hoje chamado de Parque Indígena do Xingu – em 1961, um marco na mudança de demarcação de terras indígenas no Brasil, uma vez que trazia consigo a visão de preservação não somente das terras mas do modo de vida, da reprodução sociocultural das comunidades indígenas que viviam às margens do Rio Xingu, sofreu para que fosse implantado. O projeto sofreu diversas represálias, assim como foi aprovado em dimensão extremamente menor do que a inicialmente proposta e só vingou devido a insistência e a luta de várias personalidades, como os irmãos Villas-Boas. Tal projeto, embora pioneiro, tratou-se de uma exceção à política indigenista nacional vigente à época e, somente com a Constituição de 1988 que se tratou do correto processo de demarcação das terras indígenas no Brasil.
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Segundo a FUNAI Atualmente existem 462 terras indígenas regularizadas, representando 12,2% do território nacional, sendo que cerca de 8% das 426 terras indígenas tradicionalmente ocupadas não se encontram na posse plena das comunidades indígenas7. Até o ano de 2013, 115 localidades ainda estariam em estudo para serem consideradas como terras indígenas8. Nesta senda, embora a maioria das terras indígenas já tenham sido demarcadas, vários problemas ainda são enfrentados pelas comunidades. Além da demora na demarcação das terras indígenas no Brasil9, muitas vezes as terras não são demarcadas em sua dimensão total, além de os índios não conseguirem gozar da posse mansa e pacífica dos territórios demarcados. A Corte Interamericana de Direitos Humanos – em diversos oportunidades, como no caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua (2001, pár. 153) – destacou a importância da demarcação das terras indígenas, uma vez que embora a falta de reconhecimento formal não obste o reconhecimento do direito de propriedade dos povos indígenas, a falta de título gera clima de incerteza entre os índios, uma vez que estes: não sabem precisamente onde se estende geograficamente seu direito de propriedade comunal e, consequentemente, onde podem usar e gozar livremente dos respectivos bens Muito criticada é a PEC 215/2000 em trâmite no Congresso Nacional que trata de possíveis mudanças no processo de demarcação das terras dos povos indígenas, onde a competência para demarcação das terras passaria pelo Congresso Nacional, além da possibilidade de revisão das terras até o momento demarcadas. Tal projeto é amplamente rejeitado pelos organismos de proteção dos povos indígenas uma vez que poderia acarretar grande retrocesso no processo de demarcação das terras, tendo em vista interesses escusos de muitos parlamentares em atender interesses de particulares e de grandes indústrias. Neste sentido resta clarividente a necessidade de finalização da demarcação das terras dos povos indígenas, bem como de políticas de fiscalização e preservação da posse destas terras por parte dos povos indígenas, uma vez que a cada dia surgem novas artimanhas a fim de atingir e esbulhar a posse destas terras. 3.3 Consulta prévia e ampla participação Conforme demonstrado nos Casos emblemáticos em relação aos povos indígenas no Brasil10, muitos dos casos atuais de violação dos direitos territoriais dos povos indígenas dizem respeito à falta de consulta prévia e ampla participação das comunidades indígenas nos processos que atinjam seus territórios, de acordo com seus modos e costumes. Nos termos do que foi estabelecido no caso Saramaka vs. Suriname, estando intimamente o direito de propriedade dos povos tribais e indígenas com o direito político de participação, a consulta prévia que deve ser dar para: a) o processo de demarcação, delimitação e titulação do território ancestral; b) o processo de concessão do reconhecimento legal da capacidade jurídica coletiva, para a comunidade; c) o processo de adoção de medidas legislativas, administrativas ou outras que possam ser necessárias para reconhecer, proteger, garantir e dar efeito legal aos direitos dos povos indígenas e tribais sobre o território que tradicionalmente têm ocupado e utilizado; d) o processo de adoção de medidas legislativas, administrativas ou de outra forma obrigados a reconhecer e garantir o direito do povos indígenas a serem efetivamente consultados, de acordo com as suas tradições e costumes;
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e) em relação aos estudos anteriores de impacto ambiental e social, e em relação a qualquer proposta de restrição sobre os direitos de propriedade dos povos indígenas e tribais , especialmente em relação aos planos de desenvolvimento ou investimento propostos dentro, ou que afetem o território (CORTE IDH, 2008, pár. 16) Belo Monte, a Transposição do Rio São Francisco e tantos outros casos demonstram o total e completo desrespeito à referida previsão do direito a consulta prévia das comunidades indígenas, demonstrando a desconsideração da personalidade jurídica dos povos indígenas como sujeitos de direitos aptos a defender seus direitos e opiniões. O mesmo se dá no âmbito dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas que, constantemente, tem suas terras invadidas por cientistas e multinacionais que buscam lucrar com os conhecimentos e recursos naturais destas comunidades, sem a devida consulta, autorização e repartição dos lucros11, corroborando mais uma vez com o entendimento de que no Brasil, infelizmente, muitas vezes ainda vigora a incapacidade civil dos povos indígenas do Código de 16, bem como a visão indigenista herdada dos tempos da Colonização. 4 CONCLUSÃO As terras indígenas foram inseridas no âmbito da União, como parte de seu patrimônio pela EC nº 1/69, como forma de conter e evitar o constante esbulho que as terras originariamente ocupadas pelos índios vinham sofrendo pelos estados, perdurando tal previsão até os diais atuais. Mesmo no âmbito da União, a cada dia surgem novos casos de disputas territoriais entre povos indígenas, fazendeiros e garimpeiros, bem como de projetos de construção de estradas, rodovias, hidrelétricas e exploração de recursos naturais que atingirão os direitos territoriais dos povos indígenas sem o devida respeito e observância das regras vigentes ou pendentes no ordenamento jurídico brasileiro. Tais conflitos demonstram o longo caminho que deve ser percorrido pelo Brasil na efetivação dos direitos territoriais dos povos indígenas e adequação aos preceitos estabelecidos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos – do qual o Brasil faz parte – e dos mais modernos instrumentos de Direitos Humanos do Direito Internacional. Na efetivação do direito à diferença e da pluralidade do Estado Brasileiro é necessário que ocorra rápida e urgente mudança legislativa em nosso ordenamento, pressupondo para tal a derradeira superação da visão arcaica e tacanha do índio brasileiro como parte não integrante da cultura nacional e como ser aculturado e incapaz. Por fim e certamente o mais importante, necessário que os direitos inerentes ao modo de vida diferenciado dos povos indígenas – estando eles previstos formalmente ou não – em respeito ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos em que o Brasil está inserido e aos Direitos Fundamentais que estes povos possuem, necessário que se implementem urgentemente medidas de proteção e efetivação de direitos das comunidades indígenas, uma vez que somente a mudança formal das normas não garante a manutenção e preservação do patrimônio material e imaterial destas comunidades, a fim de que a propriedade comunal dos povos indígenas seja implementada e respeitada em sua plenitude. O Direito, como instrumento de controle social que é, busca acompanhar a mentalidade da sociedade em que está inserido e, no que tange aos povos indígenas, sua atuação não é diferente. Aos poucos a sociedade brasileira vem alterando seu modo de visualizar e atender às necessidades dos povos mais vulneráveis, no que inclui índios, quilombolas e populações ribeirinhas; avanço desejado e necessário para o desenvolvimento igualitário no país.
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O Direito é, portanto, importante instrumento para que a descrição dos primeiros colonizadores no Brasil, ao taxar os índios brasileiros como um povo “sem lei, sem fé, sem rei”, não mais permaneça incrustida em nossa sociedade e, certamente, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos encontra-se um passo à frente na proteção dos direitos territoriais dos povos indígenas, devendo o Brasil se adequar e efetivar tais direitos.
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3 O referido caso trata do conflito armado interno ocorrido na Guatemala entre os anos de 1962 e 1996. Com a chamada “Política Nacional de Segurança e Desenvolvimento” militares do Estado da Guatemala praticaram uma série de ações destinadas à destruição de grupos e comunidades, promovendo o desaparecimento geográfico forçado de comunidades indígenas, quando as consideravam envolvidas com guerrilhas. 4 O caso trata da não garantia do direito de propriedade ancestral da Comunidade Indígena Yakye Axa que teve parte de suas terras vendidas na bolsa de valores, sofrendo todo tipo de esbulho, condicionando a comunidade a viver em área incompatível com suas necessidades para manutenção de sua sobrevivência e prática de seus rituais e costumes. 5 Outros casos envolvendo direitos indígenas podem ser encontrados nos julgados da Corte, tais como Yatama Vs. Nicarágua (2005); Caso Chitay Nech e outros vs. Guatemala (2010); Caso Comunidade Indígena Xáxmok Kasek Vs. Paraguai (2010); Caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs Equador (2012).
SANTOS, Boaventura de Sousa. EXENI, José Luis (ORG). Justicia Indígena, Plurinacionalidad e Interculturalidad en Bolivia. Quito: Ediciones Abya Yala y Fundación Rosa Luxemburg, 2012.
6 Segundo o Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, da Tecnologia da Informação e Desenvolvimento – CIITED, Biopirataria consiste no: “ato de aceder a ou transferir recurso genético (animal ou vegetal) e/ ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem a expressa autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática esta que infringe as disposições vinculantes da Convenção das Organizações das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica). A biopirataria envolve ainda a não-repartição justa e equitativa - entre Estados, corporações e comunidades tradicionais - dos recursos advindos da exploração comercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos.” Definição fornecida pela ONG Amazon Link Disponível em: Definição fornecida pela ONG Amazon Link. Disponível < em: http://www.amazonlink.org/ biopirataria/biopirataria_faq.htm > Acesso em: 27 fev de 2014.
STAUT JR., Sérgio Said. Cuidados metodológicos no estudo da história do direito de propriedade. In: STF. Emb.decl. na petição 3.388 Roraima. Min. Rel. Roberto Barroso. 23/10/2013, p. 2
7 Dados fornecidos pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Disponível em: < http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/demarcacao-de-terras-indigenas?limitstart=0 > Acesso em: 23 mai 2014.
____. Pet 3.388, Rel. Min. Ayres Britto, 19-3-2009, Plenário, DJE de 01/07/10
8 Danos fornecidos pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/brasiltem-672-terras-indigenas-entenda-como-funciona-demarcacao.html > Acesso em: 28 jan 2014.
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UNESCO. Convenção para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, 2003. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 2003.
NOTAS DE FIM * Aluna do 9º Período do Centro Universitário Newton Paiva. Membro do Grupo de Estudos em Direito Internacional do Centro Universitário Newton Paiva (GEDINP). Email: deborah_gtc@hotmail.com ** Mestre em Direito Constitucional pela UFMG, mestre em Direito Ambiental pela UNIA (Espanha) e Doutora e Geografia em Convenção de Doutorado Sanduíche financiado pela CAPES entre a UFMG e a UAPV (França). É professora do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Email: maralucem@hotmail.com 1 Conforme explicitado no Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguai, pár. 117 e nos Relatórios “Terceiro Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Paraguai. e “Segundo Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Peru. 2 O artigo 1.228 do Código Civil de 2002 assegura o direito à propriedade privada, estabelecendo que: “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Tal artigo encontra-se em consonância com disposto no art. 5º, XXII da Constituição 1988 que trata da garantia ao direito de propriedade.
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9 O art. 67 da Constituição da República de 1988 estabeleceu o prazo de 5 (cinco) anos para demarcação das terras indígenas, a contar da data da promulgação da Constituição. Passados mais de 25 (vinte e cinco) anos, o processo ainda não foi concluído. 10 Item 2.2.1 11 Em relação aos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas e sua proteção – que se dá no âmbito do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) – tem-se a Medida Provisória nº 2.186-16 de 2001, bem como o Decreto 4.339/2002. Porém, ainda não foi editada Lei Ordinária em substituição à referida Medida Provisória e muito se discute acerca da pouca efetividade na proteção dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, bem como a falta de autorização das comunidades e da obrigatória repartição dos lucros na utilização de seus conhecimentos, nos termos da Convenção sobre Diversidade Biológica assinada no Rio de Janeiro em 5 de Junho de 1992 e que passou a vigorar no Brasil em 29 de Maio de 1994, promulgada através do Decreto nº 2.519 de 16 de Março de 1998. 12 Maraluce Maria Custódio; Ludmila Stigert.
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RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS AVÓS NA OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA Maria Cecília Nelson da Silva1 Valéria Edith Carvalho de Oliveira2 Banca Examinadora3
RESUMO: A sobrevivência humana está intimamente ligada ao provimento de necessidades vitais. Assim os alimentos aparecem como bem de valor no mundo jurídico, merecedor de tratamento legislativo específico. A obrigação estabelece-se em relação ao Estado e também em decorrência do vínculo familiar, sendo esta último foco de estudo no presente artigo. Prover os alimentos a um parente que necessite é obrigação que ultrapassa o parentesco primeiro, isto é, os pais, estendendo-se aos ascendentes, tornando relevante o estudo dos contornos desta obrigação, também denominada obrigação avoenga. PALAVRAS CHAVE: Alimentos. Avós. Solidariedade. Família. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Os alimentos como elemento essencial à vida; 3 Parâmetros da fixação da obrigação alimentar avoenga; 4 Tratamento legislativo da obrigação em relação aos avós; 5 Hipóteses de aplicação subsidiária da obrigação alimentar; 6 Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO A ciência do Direito de Família está em constante mutação e as normas que limitam esses direitos devem refletir anseios sociais, construídos cotidianamente a partir de transformações econômicas, políticas e filosóficas. Tema de relevante importância no Direito Brasileiro diz respeito aos alimentos, uma vez que relaciona-se intimamente com a manutenção da vida. Em cada período da história nacional identificam-se contornos próprios para o tema, conforme a realidade social da época. A vida que se busca proteger, com a proteção legal do direito a alimentos é tão importante que esta obrigação é distribuída entre o Estado e os familiares. Na seara familiar ela se estende a gerações além dos pais, em momento inicial, fomentando a discussão dos limites desta obrigação em relação aos avós. Assim, inicialmente, a fim de melhor compreender a respeito tema, é relevante destacar a importância dos alimentos, uma vez que é direito fundamental do ser humano a sua sobrevivência digna. Os parâmetros para fixar a obrigação alimentícia avoenga estão expostos no Código Civil de 2002 edevem obedecer a critérios como a existência do vínculo de parentesco, a necessidade do alimentado, a possibilidade do alimentante e a proporcionalidade da prestação alimentícia, sendo estudo indispensável para compreensão do tema. Cabe salientar que o tema abordado tem tratamento nacional com base na Legislação Brasileira, e o fundamento legal para estabelecer a responsabilidade subsidiária dos avós para os seus netos estão elencados na Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, além do Código Civil de 2012. Por fim, para o desenvolvimento da presente análise,que tem fulcro nas hipóteses de aplicação da responsabilidade subsidiaria que recai sobre os avós estes serão pontos centrais de debate. 2 OS ALIMENTOS COMO ELEMENTO ESSENCIAL À VIDA Quando se fala em prover ou manter a vida humana não há como se afastar da discussão dos alimentos. Este é item substancial da vida humana, daí ser tratado como um direito básico e fundamental dos indivíduos, tendo como pano de fundo a integridade da vida,
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o que lhe assegura grande importância e consequentemente o faz merecedor de lugar de destaque na Constituição nacional. Frente à inobservância de direitos e garantias fundamentais do indivíduo, bem se coloca a visão do Doutrinador Yussef Said Cahali: Desde o momento da concepção, o ser humano – por sua estrutura e natureza – é um ser carente por excelência; ainda no colo materno, ou já fora dele, a sua incapacidade ingênita de produzir os meios necessários à sua manutenção faz com que se lhe reconheça, por um princípio natural jamais questionado, o superior direito de ser nutrido pelos responsáveis pela sua geração. (CAHALI. 2013. p. 29) A importância dos alimentos se reflete nos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e da Solidariedade Familiar. Ressalta-se que os alimentos devem ser prestados e devidos, em razão de todo indivíduo possuir necessidade fundamental em relação a manutenção da sua vida, decorrendo daí seu direito à subsistência. Neste sentido Silvio de Salvo Venosa conceitua os alimentos em termos biologicamente primários para a subsistência humana, bem como amplia seus elementos componentes a partir da visão jurídica do Instituto. O ser humano, desde o nascimento até sua morte, necessita de amparo de seus semelhantes e de bens essências ou necessários para a sobrevivência. Nesse aspecto, realça-se a necessidade de alimentos. Desse modo, o termo alimentos pode ser entendido, em sua conotação vulgar, como tudo aquilo necessário à subsistência. A essa noção o conceito de obrigação que tem uma pessoa de fornecer esses alimentos a outra e se chegará facilmente a sua noção jurídica. No entanto, no Direito, a compreensão do termo é mais ampla, pois a palavra, além de abranger os alimentos propriamente ditos, deve referir-se também à satisfação de outras necessidades essenciais da vida em sociedade. (VENOSA, 2004, p.385). A partir desta definição identifica-se a divisão doutrinária dos alimentos em naturais ou necessáriose civis ou côngruos.
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Os alimentos naturais (necessarium vitae) são aqueles essenciais para a manutenção da vida do indivíduo, ou seja, se equivalem às necessidades básicas do ser humano para sobreviver. Por outro lado, os alimentos civis (necessarium personae), são caracterizados por dar continuidade à qualidade de vida do alimentadode acordoas possibilidades do obrigado. Nessa mesma vertente, Yussef Said Cahali preceitua: Quando se pretende identificar como alimentos aquilo que é estritamente necessário para a mantença de vida de uma pessoa, compreendendo tão somente a alimentação, a cura, o vestuário, a habitação, nos limites assim do necessarium vitae, diz – se que são alimentos naturais; todavia; se abrangentes de outras necessidades,intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário,compreendendo assim o necessarium personae e fixados segundo aqualidade do alimentando e os deveres da pessoa obrigada, diz – se que são alimentos civis. (CAHALI. 2013. p. 18) A ideia dos alimentos necessários reflete-se no Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.694, que estabelece que os parentes, cônjuges ou companheiros, tem o direito de requerer uns aos outros os alimentos que são indispensáveis para manterem uma boa qualidade de vida de acordo com o padrão social em que o necessitado está acostumado. Esta composição ampla encontra-se refletida também na orientação legal dos alimentos estabelecidos pelo direito sucessório. Segundo o artigo 1.920 do Código Civil: Art. 1.920. O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e acasa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor. Isto torna imperioso destacar que as formas como os alimentos são instituídos obrigacionalmente são através da lei, chamados alimentos legítimos, ou seja, aqueles devidos por direito de sangue, decorrentes do vínculo de parentesco, ou do matrimônio. Desse pressuposto observa-se outra modalidade de obrigação alimentícia, são os atos voluntários, que ocorrem a partir de uma declaração de vontade, inter vivos ou mortis causa. Esse direito é adquirido quando os sujeitos da relação jurídica almejam a realização da obrigação, bem como para aproveitamento próprio ou para terceiro. Nessas palavras, ressalta o entendimento do doutrinador Yussef Said Cahali: A aquisição do direito resulta de ato voluntário sempre que os sujeitos pretendem a criação de uma pretensão alimentícia; a obrigação assim estatuída pode sê-lo a benefício do próprio sujeito da relação jurídica ou a benefício de terceiros; se se pretendeu a constituição de um direito de alimentos em favor de terceiro, o negócio toma a forma de ato a título gratuito quanto àquele que instituiu o benefício, com a outra parte assumindo o encargo de prestar alimentos ao terceiro necessitado, a qual se obrigou a socorrer; se, ao contrário, mediante ato jurídico, o necessitado visou constituir para si um direito alimentar, o ato jurídico, criador da obrigação de prestar, assume o caráter de ato jurídico oneroso. (CAHALI. 2013. p. 21) Nesse sentido, é de suma importância mencionar que a obrigação alimentícia poderá também ser estabelecida através do legado de alimentos disposto no artigo 1920 do Código Civil já mencionado. Neste caso, a figura do testador deixará um encargo alimentar para o herdeiro em benefício de uma pessoa, além de fixar o montante devido. Se o testador não o fizer, o juiz competente para analisar a lide determinará a quantia do alimento, observando as necessidades do
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responsável e a sua condição social para cumprir com a pretensão alimentícia. O legado será vitalício somente se o testador não der uma limitação temporal. Além disso, se o testador não determinar de quais bens será retirada a renda suficiente para a realização do legado, ficará a cargo do juiz poder escolher o bem. 3 PARÂMETROS DA FIXAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AVOENGA A discussão sobre a forma utilizada para a fixação da obrigação alimentícia avoenga é de grande relevância por envolver indivíduos que necessitam dessa proteção que é garantidapelo ordenamento jurídico brasileiro. Primeiramente, é fundamental destacar que a fixação da obrigação imposta aos avós acontece com o objetivo de amparar descendentes necessitados. A questão da necessidade do alimentado surge quando o titular do direito não pode se manter sozinho em razão de não possuir recursos suficientes para realizar as suas necessidades e nem condições de prover tais recursos. A respeito do critério em comento, Yussef Said Cahali leciona: Para além da existência do vínculo de família, a exigibilidade da prestação alimentar pressupõe que o titular do direito não possa manter-se por si mesmo ou com o seu próprio patrimônio; assim, só são devidos alimentos quando quem os pretende não tem bens, suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença eaquele de quem se reclamam pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. (CAHALI, 2009, p. 512) Dessa feita, é necessário verificar a condição social da família, a formação do alimentado, e a profissão que este segue. Em observância das necessidade ora discutida, fica evidente que os netos devem ter amparo judicial para garantir sua mantença e sobrevivência, assim, nada mais coerente com base no vínculo parental que os avós se responsabilizem de forma subsidiária pelo sustento dos netos, quando os genitores comprovarem a insuficiência de recursos para prestar os alimentos indispensáveis aos descendentes. Dessa concepção, é de suma importância observar as palavras de Silvio de Salvo Venosa: O ser humano, desde o nascimento até sua morte, necessita de amparo de seus semelhantes e de bens essenciais ou necessários para a sobrevivência.Nesse aspecto, realça-se a necessidade dos alimentos.(VENOSA, 2013, p.371) Por outro lado, temos outro critério essencial com relação à fixação da pretensão alimentícia avoenga, a qual se refere o pressuposto da possibilidade do alimentante. Este caracteriza quando os avós ao cumprir com o encargo alimentar só poderão fornecer os alimentos sem que prejudique o necessário ao seu sustento; ou seja, os progenitores não podem sofrer a imposição de uma obrigação ao qual não conseguem suportar. De acordo com o argumento supracitado, tem-se fundamento legal com base no artigo 1.695 do Código Civil de 2002: Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. Insta ressaltar, da mesma forma que o alimentante não é obrigado a vender e dilapidar seus bens, uma vez que, a fixação da obrigação deverá ser com base na sua renda líquida e não pelo patrimônio imobiliário do devedor.
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Ainda se tratando da fixação dos alimentos, estes devem ser prestados na proporção das necessidades do alimentante e dos recursos dos avós conforme disposto no artigo 1.694, §1 do Código Civil: Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. O artigo ora citado pode ter também como fundamento a base do quantum, que está relacionado à quantidade ou valor da prestação de alimentos. O quantum será calculado observando a renda média, em valor fixo, sobre os proventos obtidos através da atividade profissional da pessoa obrigada; sobre as condições sociais do alimentado, a capacidade financeira do alimentante, e qualquer outro sinal exterior de riqueza que o alimentante adquirir.Oportuno frisar, que as verbas rescisórias, como 13º salário, gratificação natalina, decorrentes da atividade laboral do alimentante também deverá estar incluída no percentual estabelecido na obrigação alimentícia. Outro ponto relevante a se destacar relacionado à pretensão alimentícia é a obrigação compartilhada entre avós paternos e avós maternos. Primeiramente deve-se frisar o artigo 1.698 do Código Civil: Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. Assim, em primeira análise, o credor da ação de alimentos poderá trazer para o polo passivo os avós paternos ou avós maternos de acordo com a sua vontade. Mas, como se trata de uma obrigação subsidiária dos avós no caso em razão dos genitores não suportarem o encargo da obrigação, a responsabilidade deverá ser distribuída na medida de seus recursos, diante de que possam oferecer com referência a sua possibilidade de prestar os alimentos. Nesse diapasão, Caio Mário da Silva Pereira preceitua: Os alimentos constituem um dever para o alimentante. Uma vez apurados os seus requisitos, o parente da classe e no grau indigitados legalmente tem de os cumprir. Mas se, pela força das circunstâncias, mas de um parente os tiver de fornecer, cada um responde pela sua parte (obrigação cumulativa por numerovirorum), de vez que não impera no caso o principio da solidariedade, nem se encontra na lei fundamental para hierarquizar o débito alimentar, estabelecendo-se uma ordem preferencial que o credor de alimentos deve necessariamente seguir.(PEREIRA.2013. p. 574) Desse modo, entende-se que a fixação da obrigação alimentar avoenga é fundamental para atender as necessidades dos descendentes, mas deve ser fixada conforme a condição econômica do alimentante, ou seja, é indispensável observar a proporcionalidade da pretensão alimentícia. 4 TRATAMENTO LEGISLATIVO DA OBRIGAÇÃO EM RELAÇÃO AOS AVÓS No ordenamento jurídico, há diversas discussões sobre a imposição da pretensão alimentícia dos avós para os seus netos. Entretanto, é imprescindível observar o tratamento legislativo que
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garante a tutela do necessitado através da obrigação alimentar submetida aos progenitores. Inicialmente, a respeito dessa matéria, deve-se ser esclarecida a trajetória que leva aos avós a assumirem essa responsabilidade perante o alimentante. Assim, é notório observar o amparo que a Constituição Federal assegura em seu artigo 227: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Do mesmo teor, o Estatuto da Criança e Adolescente assevera: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Nesse sentido, através das considerações elencadas nos artigos supracitados, é de suma relevância destacar que o alimentado, seja a criança, o adolescente ou jovem, que necessita dos direitos fundamentais a sua sobrevivência terão o direito de recorrer à família para que possa exercer todos os direitos adquiridos. Em vista da necessidade que os netos têm de depender dos familiares para prover a sua mantença, é oportuno frisar que as pessoas relacionadas pelo vínculo familiar não vedam a preferência pela vida em família, independente do paradigma ou o tipo que se constitua o núcleo familiar. Nesse mesmo entendimento, é possível observar que na pretensão alimentícia, primeiramente são chamados para prestar os alimentos os parentes de linha reta, ou seja, pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes (pai, avô e bisavô) e descendentes (filho, neto e bisneto), e ainda descendem de um tronco em comum. A respeito desse argumento, tem-se o artigo 1.696 do Código Civil que dispõe: Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Neste caso, nota-se que primeiramente existe a obrigação dos pais em relação aos filhos, e dos filhos com os pais. Mas, na relação dos sujeitos do encargo alimentar, não se faz menção somente na condição de pai e filho; pode-se também estender a pretensão de alimentos entre filhos, genitores, avós e ascendentes em graus próximos. Desse modo, os avós somente serão obrigados a cumprir com a prestação quando se der a falta dos genitores. Nesta linha, o doutrinador Yussef Said Cahali ensina: Para que os filhos possam reclamar dos avós, necessário é que faltem os pais. Ou pela falta absoluta, que resulta da morte ou da ausência. Ou pela impossibilidade de cumprir a obrigação, que se equipara à falta. (CAHALI, 2013. p. 452) Diante desse panorama, é relevante mencionar o artigo 1.695 do Código Civil, este também serve como instrumento para aplicar a obrigação alimentícia dos progenitores:
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Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. O dispositivo legal elencado acima prevê que os netos no caso de não terem patrimônio suficiente como forma de garantir o seu próprio sustento, poderão acionar o Poder Judiciário para requerer alimentos aos avós.Ressalta-se que nesta lide é fundamental verificar a capacidade financeira dos progenitores, pois, se não tiverem condições se suportar o encargo, não seria correto o mesmo sacrificar a sua própria mantença. Sob esse aspecto, como já exposto anteriormente, os pais tem o dever de sustentar os filhos com o escopo de realizar todas as necessidades essenciais à manutenção da vida da prole. Todavia, na hipótese dos pais não terem recursos suficientes para suprir totalmente a obrigação, e ainda não conseguirem atingir o mínimo existencial aos seus filhos, serão chamados os avós paternos e maternos, conjuntamente para participar da lide como forma de cumprir o encargo devido, com fulcro no artigo 1.698 do Código Civil: Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. Portanto, além de existir essa obrigação subsidiária e complementar destinada aos avós como forma de garantir uma vida digna aos netos, os avós também não poderão suportar o encargo por inteiro, devendo, se necessário,transferir a obrigação aos outros responsáveis na proporção de suas possibilidades. 5 HIPÓTESES DE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR Existe no ordenamento jurídico vigente um estudo aprofundado de hipóteses de aplicação da responsabilidade subsidiária da obrigação alimentar imposta aos avós. Primeiramente, é de suma importância destacar como será realizada essa obrigação subsidiária, além de verificar qual é a legislação cabível e o porquê ela deve ser merecer tanta atenção com relação ao alimentado. Diante de tais considerações, é preciso afirmar que a obrigação ora discutida parte do pressuposto que o estado de necessidade do alimentado que não pode ser suprido inicialmente pelos pais, em razão de estarem ausentes, ou não estiverem emcondições financeiras suficientes para prover a mantença do alimentado, os progenitores maternos e paternos neste caso, serão chamados para integrar a lide e atender a obrigação conjuntamente já que possuem um vínculo de parentesco. Insta mencionar, que não há idade determinada para cessar a prestação de alimentos, pois, esta, sempre será paga quando houver a necessidade do alimentado. Desse modo, tem-se o argumento acima exposto nos artigos 1696 e 1.698 do Código Civil: Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo,
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serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. Assim, fica evidente que os netos devem ter amparo dos avós estabelecidos pelo Código Civil em comento como forma de garantir o sustento e atender as necessidades fundamentais do credor de alimentos para a sua sobrevivência, devendo sempre observar em que condições será cabível essa responsabilidade e verificar também a obrigação imposta aos avós. Destarte, conforme a própria legislação prescreve e em relação à questão relativa à legitimidade passiva dos avós, é relevante mencionaro entendimento doutrinário de Yussef Said Cahali: Assim, duas circunstâncias abrem oportunidade para a convocação do ascendente mais remoto à prestação alimentícia: a falta de ascendente em grau mais próximo ou a falta econômica de fazê-lo; o grau mais próximo exclui aquele mais remoto, sendo o primeiro lugar na escala dos obrigados ocupado pelos genitores; apenas se faltam os genitores, ou se estes se encontram impossibilitados financeiramente de fazê-lo, estende-se a obrigação de alimentos aos ulteriores ascendentes, respeitada a ordem de proximidade. (CAHALI. 2013. p. 452 e 453) Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça já profere decisões embasadas na responsabilidade subsidiária dos avós referente à prestação de alimentos, como demonstra o julgamento do Recurso Especial nº831497, de Minas Gerais (STJ, 2010): DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE DOS AVÓS.OBRIGAÇÃO SUCESSIVA E COMPLEMENTAR. 1. A responsabilidade dos avós de prestar alimentos é subsidiária e complementar à responsabilidade dospais, só sendo exigível em caso de impossibilidade de cumprimento da prestação - ou de cumprimento insuficiente - pelos genitores. 2. Recurso especial provido. Nesse sentido, conforme a jurisprudência citada, a responsabilidade complementar e subsidiária dos avós somente é adquirida quando os pais estiverem impossibilitados de arcar com o encargo, mas, a lide só poderá seguir adiante contra os avós paternos e maternos quando comprovada a falta de recursos do genitor para prestar os alimentos aos filhos, observando o binômio necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante. A respeito disso, Yussef Said Cahali ensina: Quando ocorre de virem os avós a complementar o necessário à subsistência dos netos, o encargo que assumem é de ser entendido como excepcional e transitório, a título de mera suplementação, de sorte a que não fique estimulada a inércia ou acomodação dos pais, primeiros responsáveis. (CAHALI, 2013. p. 459) Dessa feita, conclui-se que a obrigação alimentar dos avós é subsidiária e complementar quando ficar comprovada que os pais não conseguem manter a subsistência dos filhos.Caso não haja comprovação dessa insuficiência, os avós serão exonerados do encargo. Assim, é imprescindível destacar que os dispositivos legais que asseguram essa obrigação devem ser cumpridos, de forma a não prejudicar a conservação de vida do progenitor e assegurar a manutenção da vida dos netos.
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Contudo, o tema abordado causa bastante discussão, pois essa responsabilidade foi recentemente positivada no Código Civil e ao longo do tempo sofre modificações para enquadrá-la à sociedade atual.
NOTA DE FIM
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Responsabilidade Subsidiária dos avós na obrigação alimentícia não pode ser analisada de forma apartada do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Deixar de ter assegurados os alimentos, com todos os elementos que o compõe, como a saúde, educação, lazer, alimentação adequada, atinge frontalmente o direito a uma vida digna preceituada a todos. O vínculo familiar existente, estabelece solidariedade entre os parentes capaz de obriga-los, senão moralmente, juridicamente, a auxiliar na manutenção da vida digna daqueles que não podem prover por si só sua própria manutenção. Neste cenário aparecem os avós como obrigados em relação aos netos, diante da omissão dos pais. Assim no caso em que os genitores não estiverem presentes, ou quando ficar comprovado que os pais não possuem recursos suficientes para garantir o sustento da prole serão chamados os avós paternos e maternos conjuntamente para cumprir com a obrigação. Nessas hipóteses os alimentos devidos pelos avós serão fixados com base no binômio da necessidade do alimentado e na possibilidade do alimentante, de modo que o progenitor não prejudique o seu próprio sustento. A impossibilidade de contribuição do genitor é indispensável para o ajuizamento da ação de alimentos contra os avós. Assim, possível concluir que a obrigação avoenga decorre do vínculo de parentesco, obrigando solidariamente os avós, mas deve ser sopesada sem afastar-se dos parâmetros legais da possibilidade e necessidade das partes envolvidas.
³ Valéria Edith Carvalho de Oliveira; Leandro Henrique Simões Goulart.
1Graduanda do 9º período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton. 2.Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 15 de maio de 2014. BRASIL. Leinº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Instituiu o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 26 de abril de 2014. CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. DIAS, Maria Berenice, PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o novo Código Civil. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Delrey, 2002. JURÍDICO. Boletim. Relação avoenga e obrigação alimentar. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=266>Acesso em:1 de maio de 2014. JÚRIDICO. Âmbito. Direito alimentar uma obrigação subsidiária dos avós. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/index.php?n_ link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12780&revista_caderno=14> Acesso em: 5 de maio de 2014. JUSBRASIL, STJ - RECURSO ESPECIAL :REsp 831497 MG 2006/0053462-0. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8589273/recurso-especial-resp-831497-mg-2006-0053462-0>Acesso em: 28 de abril de 2014. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 21ª ed.Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: Direito de Família. 8ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004
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O USO DA TECNOLOGIA DOS SMATPHONES NO AMBIENTE DE TRABALHO E O PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR Maíra Primo Diniz1 Mirella Karen de Carvalho Bifano Muniz2 Banca Examinadora3 RESUMO: O estudo pretende abordar aspectos que envolvem a utilização dos smatphones durante o período laboral. O fato de não haver lei específica nem jurisprudências sobre o tema em debate, faz com que esta pesquisa seja de extrema importância, a fim de se analisar a relação ideal a ser pautada entre empregado e empregador no que tange ao uso de aparelhos de telefonia móvel e sua tecnologia no ambiente de trabalho. PALAVRAS-CHAVE: poder fiscalizatório; jus resistantie; tecnologia. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 O DIREITO CONSITUCIONAL À VIDA PRIVADA E À INTIMIDADE; 3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; 4 OS PODERES DO EMPREGADOR; 4.1 Poder Diretivo; 4.2 Poder Regulamentar; 4.3 Poder Fiscalizatório; 4.4 Poder Disciplinar; 5 O JUS RESISTANTIE DO EMPREGADO; 6 O CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO: TEMPO À DISPOSIÇÂO DO EMPREGADOR; 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO A tecnologia, de uma forma geral, vem se inovando ao longo da história. Suas mudanças acontecem de forma tão acelerada no tempo que muitas vezes o instituto social não consegue acompanhá-las. A praticidade é um dos fatores que vem agregado à tecnologia, e isto faz com que os indivíduos fiquem cada vez mais vinculados a ela. O avanço dos aparelhos de telefones celulares e principalmente os avanços tecnológicos alcançados pelas empresas de telefonia móvel, tem feito com que as pessoas utilizem cada vez mais este sistema. Os celulares tem facilitado bastante a comunicação entre as pessoas, tendo em vista que é possível falar com familiares, amigos e clientes a qualquer hora e lugar. Atualmente, os aparelhos celulares não contam somente com a ideia inicial de efetuar e receber chamadas de voz, mas servem também como rádio, câmera fotográfica, calculadora, calendário, dentre várias outras funções, sendo uma das mais atrativas a disponibilidade de uso da internet, o que acaba facilitando ainda mais a vida de muita gente, haja vista que não é mais necessário que se tenha um computador para que os e-mails sejam verificados, que se possa entrar em um site de rede social ou até mesmo não é mais preciso ir ao banco para que uma conta seja paga, pois tudo isso é facilmente realizado através dos smartphones. Com tal tecnologia sendo tão utilizada a todo o tempo, é comum que não seja diferente no ambiente de trabalho, e tal conduta tem gerado inúmeras discussões cotidianas. Há quem alegue que o uso dos smartphones pode prejudicar o ambiente de trabalho e reduzir a produtividade do empregado e há quem questione, pois a proibição do uso do celular pode acarretar em prejuízo aos funcionários mediante a uma possível urgência e este estiver incomunicável. Sendo assim, pode o empregado utilizar-se de tal meio e o empregador tem poder de fiscalização sob o empregado? Com tais questionamentos, entramos em outras discussões, sejam elas o direito de privacidade e intimidade do empregado enquanto cidadão e o direito de subordinação hierárquica do empregador. Cumpre destacar que a C.L.T. é antiga, não tendo nenhuma
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premissa em relação a tais tecnologias e a jurisprudência ainda é muito escassa, fazendo com que este trabalho sirva de contribuição para o debate de tal tema. A questão abordada neste trabalho busca a análise da utilização dos meios tecnológicos dos smartphones no ambiente de trabalho e suas questões mais relevantes em se tratando do conflito que este pode gerar na relação EMPREGADOR X EMPREGADO. Tal conflito se dá pela falta de ordenamento jurídico que posicione a respeito do assunto, sejam eles a lei propriamente dita e até mesmo jurisprudência por se tratar de um tema extremamente atual. A dúvida constante no tema se dá pela não existência de um limite específico que aponte um parâmetro para a fiscalização ideal a ser realizada pelo empregador em relação a seus empregados, no que tange a cordialidade que deve existir na relação de emprego e a real diretriz do trabalho, de forma que não seja infringido o principio da liberdade do empregado enquanto cidadão e a autonomia da empresa no seu âmbito administrativo. 2 O DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA PRIVADA E À INTIMIDADE A Carta Magna previu em seu texto, além de várias outras garantias fundamentais, à proteção à vida privada e à intimidade, sendo estas, defesas a todos brasileiros e estrangeiros residentes no país. Tais garantias estão previstas no art. 5º, X da CR/88: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Tais preceitos têm como objetivo basilar resguardar a própria dignidade da pessoa humana, princípio este também previsto na Constituição da República de 1988, artigo 1º parágrafo 3º, em que
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garante a proteção a todo e qualquer indivíduo, estando diretamente ligado a idéia de valores morais de cada cidadão, visando assegurar o respeito no convívio em sociedade. O direito à privacidade consiste na liberdade de cada indivíduo dispor ou não de suas intimidades, sendo este um direito natural, não cabendo a disseminação de qualquer informação, seja por parte de terceiros e, sobretudo de seu empregador, salvo se o alvo estiver de acordo com tal. Toda e qualquer intromissão que viole este princípio pode ensejar em reparação por danos materiais, de imagem e até mesmo morais. O ordenamento jurídico brasileiro é claro quanto à proteção desses direitos, fazendo se verificar pelo julgado o Tribunal Superior do Trabalho: “EMENTA: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. DANO MORAL. É pacífica a jurisprudência desta Corte, consubstanciada na OJ 327 da SBDI-1, sobre a competência do Judiciário Trabalhista para conhecer e julgar ações em que se discute a reparação de dano moral, praticado pelo empregador em razão do contrato de trabalho. Recurso não conhecido. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LIMITAÇÃO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. O cerne da questão reside na aferição do prejuízo à honra e à dignidade da empregada nos procedimentos adotados pelo superior hierárquico. Nesse contexto, sabe-se que o dano moral constitui uma lesão a direitos da personalidade, que no caso dos autos são a honra e a intimidade da autora da reclamação. A sua configuração se efetiva com o abalo à dignidade da pessoa em sua consideração pessoal ou social. O fato denuncia excessivo abuso do poder diretivo do empregador, expondo o empregado à vexatória perante funcionários da empresa, em comprometimento da dignidade e intimidade do indivíduo, motivo pelo qual reputo o procedimento adotado como lesivo à honra, exigindo a reparação pretendida, em condições de afastar qualquer indício de afronta ao artigo 159 do Código Civil. Recurso não conhecido.HORAS EXTRAS. ART. 62, I, DA CLT.Inviável indagar do exercício de atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, pois implicaria revolvimento do conjunto probatório dos autos, a impedir a atividade cognitiva desta Corte, na esteira do Enunciado nº 126 do TST. Recurso não conhecido.” (TST - RR 253004420035030003 25300-44.2003.5.03.0003 Relator(a): Antônio José de Barros Levenhagen - Julgamento: 06/04/2005 - Órgão Julgador: 4ª Turma, Publicação: DJ 22/04/2005).
limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. Importante salientar que este é um valor adotado não somente na Constituição Feral do Brasil de 1988, artigo 1º parágrafo 3º, tratase de um princípio universal, expresso na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, pregoada pela ONU (Organização das Nações Unidas), no ano de 1948, que visa estabelecer uma igualdade universal entre os indivíduos, estabelecendo em seu artigo 1º que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, sendo dotados de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Não há portanto uma conotação clara e lógica que conceitue dignidade da pessoa humana, haja vista que este princípio está em constante mutação. A autora, Mirella Muniz faz uma importante conclusão acerca do tema, afirmando: (...) normalmente, a dignidade estabelece com a imprecisão e com a generalidade do conceito, o qual, mesmo significando muito, pouco assegura em se tratando de direitos...O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana Pode-se observar que o entendimento jurisprudêncial defende o indivíduo quanto à proteção ao princípio da dignidade da pessoa humana: EMENTA: JORNADA DE TRABALHO EXTENUANTE. DANO MORAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. VALOR DO TRABALHO. FIXAÇÃO DE COMPENSAÇÃO. A submissão de empregado à carga de trabalho desumana, que supera, inclusive, parâmetros que configuram excessos, demonstra profundo menoscabo com sua saúde, valor de seu trabalho e imagem e dignidade de cidadão, o que torna devida a compensação pelo dano moral decorrente. O montante respectivo tem em mira compensar a aludida lesão e persuadir a parte contrária a rever a conduta gerencial inadequada, mas deve considerar o importe econômico do empregador e os ganhos salariais normais do lesado. O resultado encontrado, para que não se caracterize como irrisório e para que contemple valores atuais, recebe a incidência de juros e correção monetária. (TRTSC/ DOE – Processo: Nº 0004068-25.2012.5.12.0030 - Juíza: Águeda Maria L. Pereira – Publicação: 30/01/2014)
É importante que sejam respeitados os princípios fundamentais previstos na Carta Magna, a fim de se evitar possíveis conflitos entre empregado e empregador, haja vista que o empregado, antes de ocupar tal cargo, é um ser humano, dotado de direitos e garantias constitucionais. 3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA O princípio da dignidade da pessoa humana é de suma importância para o desenvolvimento deste estudo, uma vez que os indivíduos estão integrados em uma sociedade devendo ser tratados com condições mínimas de dignidade. Para Alexandre Moraes (2004, p.52): Dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas
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Diante do exposto, pode-se concluir que todos os indivíduos devem ser tratados com respeito e solidariedade, com o intuito de se ter uma sociedade mais harmônica, cabendo aos operadores de direito, fazer valer os princípios e normas com a finalidade de se ter uma coletividade mais justa e pacífica. 4 OS PODERES DO EMPREGADOR O empregador é dotado de poderes hierárquicos, que visam uma melhor organização da empresa, seja ela de grande ou pequeno porte, tendo como escopo a adequação no meio de trabalho por parte do empregador e seus subordinados, ora empregados, visando uma melhor ordenação das funções, afim de que o labor saia como o pretendido.
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A subordinação consiste no dever de sujeição, no que se refere ao comportamento dos empregados, devendo à estes seguir as orientações de seus empregadores, afim de que se possa cumprir com eficácia o contrato de trabalho. Em se tratando do uso de telefone celular durante o período laboral, a jurisprudência é clara quanto à discricionariedade do empregador em limitar esta prática: RESTRIÇÃO AO USO DE TELEFONES CELULARES NO HORÁRIO DE LABOR. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. A proibição do uso de aparelho celular pelo empregado, no período em que está laborando, está inserida no poder diretivo do empregador, porquanto tais equipamentos permitem que a qualquer momento o trabalhador interrompa suas atividades profissionais para dedicar-se a questões particulares, nem sempre de caráter urgente, desviando sua atenção. A interferência na concentração gera não apenas uma interrupção dos serviços, mas também pode provocar acidente de trabalho, pondo em risco a integridade física dos trabalhadores envolvidos na tarefa. (Ac. 3ª T. Proc. RO 0000852-84.2011.5.12.0032. Maioria, 20.03.12. Rel.: Juíza Maria de Lourdes Leiria. Disp. TRT-SC/ DOE 30.03.12. Data de Publ. 02.04.12.) Insta salientar que tais poderes devem respeitar os princípios fundamentais previstos na Constituição da República. Os Poderes do Empregador se subdividem em: poder diretivo; poder regulamentar; poder fiscalizatório e poder disciplinar. 4.1 Poder Diretivo O poder diretivo é uma prerrogativa cabível ao empregador no que tange a organização técnico-funcional da empresa, em que sua estrutura é regulada, especificando e orientando devidamente à prestação de serviços, restando claro o poder de direção e subordinação no contrato de trabalho. Decorre do risco econômico assumido pela atividade na pessoa do empregador. É possível afirmar, que este poder advém da própria lei, uma vez que a CLT previu, em seu artigo 2º, que o empregador tem a prerrogativa de dirigir a prestação pessoal de serviço. 4.2 Poder Regulamentar É o poder conferido ao empregador de fixar regras gerais na esfera do estabelecimento, tem como objetivo primordial manter a ordem interna na empresa. Tais regras se materializam através de regulamento interno, avisos e instruções, não há uma forma legal prevista de se estabelecer tais determinações. É considerada, para muitos doutrinadores a exteriorização do poder diretivo. 4.3 Poder Fiscalizatório É o conjunto de prerrogativas defesas ao empregador, em que propiciam que este faça a vigilância e acompanhamento contínuo da prestação de serviço no âmbito empresarial interno. Esta medida pode ser observada de forma clara, na faculdade que o empregador possui de verificar o cumprimento da jornada de trabalho, através de controle de horário, dentre várias outras formas de supervisionar a efetiva prestação de serviço pelos seus empregados. Insta ressaltar que há limitações quanto ao poder ficalizatório, que deverão respeitar sempre a dignidade da pessoa humana prevista na Carta Magna.
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4.4 Poder disciplinar É o poder cabível ao Empregador em impor sanções aos empregados, que venham a descumprir suas obrigações contratuais. Tem caráter punitivo, devendo ser observado que tal punição tem que ser compatível com a falta cometida pelo empregado, que poderá ser feita através de advertência, sendo esta a forma mais branda de punição, podendo ser verbal ou escrita; suspensão, que poderá ser de até trinta dias; ou até mesmo dispensa por justa causa, nos termos do artigo 482 da C.L.T. 5 O JUS RESISTANTIE DO EMPREGADO Ao empregado, assim como ao empregador, é assegurada sua resistência quanto ao cumprimento de ordens ilícitas. O direito de resistência ou jus resistentiae para Maranhão é (1993, p. 90): o direito que tem o empregado de se opor às determinações ilegais do empregador, às que fujam à natureza do serviço ajustado, que o humilhem ou diminuam moralmente ou que o coloquem em grave risco. É importante frisar que o empregado é um prestador de serviço e que a todo momento devem ser respeitadas as garantias fundamentais previstas na Constituição da República, não devendo este, ser tratado como um objeto de livre subordinação de seu empregador. O jus resistantie é uma garantia fundamental pró empregado, podendo ser argüida por este sempre que houver abuso por parte do empregador, seja por meio de atos ilícitos, ou até mesmo atos que configurem excesso de poder, podendo o empregado se recusar a cumprir as ordens dadas pelo seu superior hierárquico. Com propriedade Márcio Túlio Viana assinala bem (1996, p. 70): seja qual for o direito que socorra, o ius resistentiae é uma garantia fundamental do trabalhador. E garantia das mais importantes: basta notar que o seu oposto é a submissão, sinônimo de dignidade perdida. Este instrumento poderá ser efetivado, por vários meios, seja procurando diretamente o empregador afim de uma resolução do conflito, seja através de sindicato e na última hipótese, perante a Justiça do Trabalho. É de grande importância que o empregado se resguarde contra possíveis abusos, e deste tema, Mesquita trata com acerto ao expor: O empregado que recusar o cumprimento de ordens, deverá, com a devida imediatez, justificar a sua abstenção, cortezmente, perante seus superiores e por escrito, a fim de salvaguardar seus próprios interesses. (MESQUITA, 1991, p. 104). Faz ressaltar que devem ser analisados caso a caso, afim de se ter a melhor solução para o embate. Plá Rodrigues assinala bem ao dizer (1982, p. 173): Os problemas do trabalho não são teoremas de geometria, mas fenômenos da vida social e por isso não são suscetíveis de soluções exatas. Devemos contentar-nos com um difícil “equilíbrio de tensão” entre os interesses legítimos da empresa e os do trabalhador” Nesse contexto, busca-se pautar as relações usando como fonte basilar a valorização do trabalho humano assegurando a todos a existência digna, conforme previsto no artigo 170 da Constituição Federal de 1988.
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6 O CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO: TEMPO À DISPOSIÇÂO DO EMPREGADOR Para que o tema seja tratado com clareza é imprescindível esclarecer o real entendimento sobre jornada de trabalho. Jornada de trabalho nada mais é do que a duração do trabalho diário em que o empregado labora para o empregador. O ordenamento jurídico brasileiro é taxativo quanto ao limite máximo de tempo de tal jornada, que em suma não deve ultrapassar 8 horas diárias e 44 horas semanais, podendo haver exceções, como compensação de horários e redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. A limitação da jornada de trabalho visa à proteção do trabalhador no que tange a sua qualidade de vida, em se tratando de sua própria saúde, bem como o convívio familiar e social, não devendo, portanto, o empregador cometer excessos que possam se tornar prejudiciais ao empregado, cabendo inclusive danos morais e rescisão indireta, conforme demonstrado através de decisão judicial. Ementa: A empresa que se utiliza da força do trabalho do empregado de forma inadequada ou excessiva, causando-lhe, por conseqüência, danos à saúde, deve arcar com indenização que repare o sofrimento causado. (015210051.2001.5.01.0001 - DOERJ 02-12-2008 Relator / Redator designado: Giselle Bondim Lopes Ribeiro) A duração do trabalho, na concepção de Mauricio Godinho (2013, p. 536): abrange o lapso temporal de labor ou disponibilidade do empregado perante eu empregador em virtude do contrato, considerados distintos parâmetros de mensuração: dia (duração diária ou jornada), semana (duração semanal), mês (duração mensal), e até mesmo o ano (duração anual). A Consolidação das leis do Trabalho, em seu artigo 4º, tratou de pautar o tema, estabelecendo que: Art. 4º CLT -Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada. De acordo com Sergio Pinto Martins (2013, p. 364) jornada de trabalho é considerada o tempo à disposição do empregador. A partir do momento em que o empregado chega à empresa até o momento em que dela se retira, há o cômputo da jornada de trabalho. O que se colhe da jurisprudência é o entendimento de que todo o tempo à disposição do empregador deverá ser computada à jornada de trabalho do empregado, como se verifica: EMENTA: TRAJETO PERCORRIDO DA PORTARIA DA EMPRESA ATÉ O POSTO DE TRABALHO. TEMPO ÀDISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. O colendo TST se posiciona no sentido de que o tempo gasto no trajeto da portaria da empresa até o posto de trabalho configura tempo à disposição do empregador, consoante se infere do julgado E-ED-RR-1167/2000-002-17-00 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (DJ 20/03/09); invoca-se, por analogia, o conteúdo da OJ transitória 36 da SBDI-1 do TST, segundo a qual “configura-se como hora in itinere o tempo gasto pelo obreiro para alcançar seu local de trabalho a partir da portaria
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da Açominas”. É fato que, a rigor, o percurso não deve ser denominado de horas in itinere para a espécie dos autos, uma vez considerando que ele era vencido diariamente a pé, pelo trabalhador, e não em transporte fornecido pela empresa. Ocorre que da mesma forma o empregado esteve à disposição patronal, por 40 minutos diários, ida e volta, pelo que se faz igualmente devida a condenação. Do contrário, a solução para a empresa seria por demais fácil: basta que obrigue o trabalhador a se deslocar a pé dentro do estabelecimento, independentemente de suas dimensões. O fundamento legal para o pagamento pelo tempo de trajeto é aquele versado no caput do artigo 4o. da CLT, o que não leva em conta a forma como se dá o deslocamento dentro do estabelecimento empresário; encontrando-se o empregado sob a égide do poder diretivo patronal, o que ocorre a partir do momento em que ingressa ao pátio da empresa, faz-se devida a contraprestação. (TRT 3ª Região - 01077-2008-016-03-00-1 RO – Data da Publicação: 23-04-2009 – Relatora: Deoclecia Amorelli Dias) Portando, pode-se concluir que a jornada de trabalho é caracterizada pelo tempo em que o empregado está à disposição do empregador no centro do trabalho, havendo ou não efetiva prestação de serviço e incluindo horas in itinere, ou seja, desde o momento em que o empregado sai de sua residência até quando a ela regressa, considerando apenas os casos em que o local da empresa for de difícil acesso ou não servido por transporte público, e o empregador fornecer condução, sendo neste caso considerado o início da jornada o momento em que o empregado neste transporte ingressa. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante todo exposto, pode-se concluir que trata-se de um tema em extensa análise, onde devem ser levados em conta principalmente o bom senso entre ambas as partes. Resta claro que o funcionário que não de despende do horário de serviço para utilizar-se das tecnologias dos smartphones, em regra, têm um rendimento consideravelmente superior ao que se dispersa facilmente com tal tecnologia. No decorrer de meses e até anos a minoração do labor pelo uso da tecnologia dos smatphones pode trazer um enorme prejuízo ao empregador. Por outro lado, o empregado não deve ter sua intimidade violada pelo empregador, podendo este contar com o acesso ao uso das tecnologias dos smartphones a fim de que possa ficar comunicável, haja vista que fora do trabalho todos possuem uma vida social e familiar, havendo casos em que não cabe a participação do empregador em seus problemas pessoais, devendo deixar a cargo deste o uso do bom senso para a utilização da tecnologia. Pelo poder diretivo do empregador, é possível que, se descumprida alguma das normas previstas no regimento interno da empresa, sejam aplicadas sanções, como advertência, suspensão , em último e extremo caso, a dispensa por justa causa. É importante, para que não haja divergências, que o empregador deixe claro na ocasião do início do contrato de trabalho o entendimento da empresa, portando inclusive, regimento interno de livre acesso a todos para que não tenha transtorno no ambiente de trabalho, bem como ao empregado, é sensato que informe ao empregador qualquer necessidade de justa motivação da majoração do uso do Smartphone.
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REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6 ed. rev. e atual. – São Paulo: LTr, 2010. BONAVIDES, Paulo (Coord.); MIRANDA, Jorge (Coord.); AGRA, Walber de Moura (Coord.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12 ed. São Paulo: Ltr, 2013. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e lindb . Vol.1 - 11. ed. Rio de Janeiro: JusPodivm, 2013. Leis, Decretos. Vademecum Saraiva. 15. ed. atual. eampl. 2013 São Paulo: Saraiva, 2013. MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 4 ed. – São Paulo, Atlas: 1995.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.
MUNIZ, Mirella Karen de Carvalho Bifano. O Direito Fundamental ao Salário Mínimo Digno. 1 ed. – São Paulo: Ltr, 2010. 232 p. ISBN 9788536115801 NÚCLEO de bibliotecas. Manual para elaboração e apresentação dos trabalhos acadêmicos : padrão Newton. Belo Horizonte: Centro Universitário
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2 Orientadora. 3 Mirella Karen de Carvalho Bifano Muniz; Igor de Matos Monteiro
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INDULTO E AS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Mariana Iannarelli do Couto Colodette1 Hassan Magid de Castro Souki2 Banca Examinadora³ Resumo: Com o intuito de demonstrar as características da benesse de indulto e analisar o conflito de interpretações quanto à redação imprecisa do referido decreto, faz-se necessária a busca aprofundada sobre os entendimentos dos Tribunais Superiores e doutrinadores, a fim de singularizar um posicionamento e explanar o princípio da razoabilidade como o balizador da sanção penal. Palavras-chave: indulto; penas; penas privativas de liberdade; penas restritivas de direitos. Sumário: 1. Introdução; 2. Breve Histórico; 2.1. Indulto; 2.2. Conceito; 2.3. Natureza Jurídica; 3. Penas restritivas de direitos; 3.1. Conceito; 3.2. Características; 3.3. Espécies; 3.4. Conversão; 3.5 Da possibilidade de concessão do indulto aos condenados a penas restritivas de direitos; 4. Considerações finais; Referências
1. INTRODUÇÃO Como manifestação da Soberania do Estado, o indulto revela-se verdadeira complacência do Poder Público, consistindo no benefício concedido privativamente pelo Presidente da República, que significa o perdão da pena, concedido de forma individual, ou coletivo, ampla ou restritivamente, a preencher os requisitos, objetivos e subjetivos da lei. Tal benesse objetiva por sua vez fazer desaparecer as consequências penais da sentença, que, quando da aplicação do instituto possibilita a extinção da punibilidade ao condenado beneficiado. Conforme minuciado ao longe deste estudo, a concessão do indulto não está condicionada ao cumprimento da pena em privação de liberdade. A discussão, portanto, gira entorno da possibilidade de concessão do indulto ainda que tenha havido a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito. Desta maneira, surgem políticas criminais pelas quais o aprisionado, mesmo que a sentença que o condenou esteja transitada em julgado (em definitivo), e assim com as penas específicas fixadas para o seu cumprimento, poderá se ver solto e ver suas penas tidas como “cumpridas” em período consideravelmente anterior àquele fixado pelos tribunais. Isto é, verá extinta a sua punibilidade, conforme art. 107, inciso II do Código Penal Brasileiro e não poderá mais ser punido pelo ato que cometeu e foi julgado. Trata-se de um benefício concedido ao autor de um crime por órgãos diversos ao do Poder Judiciário, “inspirados por conveniências políticas ou por espírito de humanidade” (FRAGOSO, 1983, p. 410). A metodologia utilizada será o método dedutivo, no qual consistirá uma abordagem bibliográfica dentre doutrinas e jurisprudências, principalmente abordando o princípio da razoabilidade na aplicação do indulto às penas restritivas de direitos. 2. BREVE HISTÓRICO Nos moldes do Decreto Presidencial n°7.648 do ano de 2011, art. 1°, XII, temos a concessão de indulto às pessoas, nacionais e estrangeiras que forem condenadas à pena privativa de liberdade, desde que substituída por pena restritiva de direito, na forma do art. 44 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, ou ainda beneficiadas com a suspensão condicional da pena, que tenham cumprido, ainda que por conversão, privadas de liberdade, até 25 de dezembro de 2011, um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes. Referida hipótese de indulto foi inaugurada pelo Decreto n° 7.046/09, que prevê a concessão do instituto do indulto às pessoas condenadas à pena privativa de liberdade, desde que substituída
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por pena não privativa de liberdade, na forma do art. 44 do Código Penal, que tenham cumprido, ainda que por conversão, privados de liberdade, até 25 de dezembro de 2009, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes. A partir de então, os Decretos de indulto dos anos seguintes repetiram, com pequenas alterações, a redação do inciso IX, prevendo a possibilidade da concessão do indulto aos sentenciados aos quais foi deferida a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O artigo 1º do Decreto nº 4.904/03, diferentemente da tradição dos demais decretos de indulto, suprimiu a possibilidade de extensão à pena restritiva de direito, no mesmo âmbito em que aborda sua aplicação acerca das penas restritivas de liberdade. Sua redação diferenciar-se-ia daquela do Decreto de nº 4.495 de 2002 que, em seu artigo 1º, inciso VI, previa a extinção de punibilidade ao condenado beneficiado com suspensão condicional da execução da pena até 31 de dezembro de 2001, ou que teve a pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direitos (SZNICK, 1999, p. 98). Embora o breve período de tempo, algumas questões parecem terem sido “dogmatizadas”, no sentido da sacralização de determinados entendimentos jurisprudenciais, e começam a ser irrefletidamente aplicadas. 2.1. Indulto A teor do disposto no art.84, XII, parágrafo único da Constituição Federal, é de competência privativa do Presidente da República a confecção do decreto de indulto, podendo ainda delegar tal atribuição aos Ministros de Estado, Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, sob observância dos limites traçados nas respectivas delegações. Tem-se que, “o indulto decorre de ato de favor, discricionário do Presidente, que não só pode deixar de concedê-lo a seu livre critério de conveniência e oportunidade, como também lhe é lícito impor-lhe restrições e condições” (TJSP, Ag. 215.234/3-1, 2a camara, rel. Des. Canguçu de Almeida, j. em 2-12-1996, RT, 738/627). E ainda, trata-se de competência constitucional insuscetível de limitação por lei ordinária, à luz do art.84, XII da CR/88. Embora a concessão de tal instituto seja de competência privativa, como já mencionado, não é autoexecutável e se traduz em mera expectativa de direito, tanto que sua aplicação depende de decisão judicial, cabendo ao juízo verificar o preenchimento dos requisitos exigidos, identificando os condenados que serão alcançados pela benesse presencial, por sua vez, através de sentença de natureza declaratória.
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O indulto poderá ser individual ou coletivo, sendo em primeira hipótese concedido a apenas um condenado, ou na segunda, alcançando determinado grupo de condenados. O indulto individual por sua vez (graça), pode ser total ou parcial, alcançando todas as sanções impostas ao condenado na primeira hipótese, e na segunda, sendo aplicável de forma restrita, implicando a redução ou substituição da sanção aplicada, nominado para tanto de comutação. A petição do indulto, conjuntamente com os documentos que devidamente deverão instruí-lo, será entregue ao Conselho Penitenciário, para elaboração de parecer, salvo quando ele for o órgão requerente e posteriormente encaminhado ao Ministério Público de Justiça (art.189 da LEP). Em seguida, nos termos do art. 190 da Lei de Execuções Penais: O Conselho Penitenciário, à vista dos autos do processo promoverá as diligências que entender pertinentes e fará, em relatório, a narração do ilícito penal e dos fundamentos da sentença condenatória, a exposição dos antecedentes do condenado e do procedimento desde depois de sua prisão, emitindo seu parecer sobre o mérito pedido e esclarecendo qualquer formalidade ou circunstancias omitidas na petição. Processada no Ministério da Justiça e com relatório do Conselho Penitenciário, nos moldes do art. 191 da LEP, a petição será submetida neste momento a despacho do Presidente da República, a quem serão remetidos os autos. O indulto individual poderá ser admitido ou negado, e uma vez concedido, o juiz da execução (art.66, III, f da LEP) declarará extinta a pena ou ajustará a execução aos termos do decreto, no caso de comutação (mera redução de pena). Já o indulto coletivo é ato não provocado, portanto de manifestação espontânea da autoridade competente a uma classe específica, veiculado por meio também de decreto, e tendo como objetivo alcançar um grupo de sentenciados que se encontram em determinada situação jurídica em comum (MARCÃO, 2009, p. 295). O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de decidir que “é admissível em tese a aplicação do indulto coletivo, quando a condenação, embora pendente de recursos de defesa, já não pode ser exasperada à falta de recurso da acusação” (STF, HC 71.691/1, 1A t., RE. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 9-8-1994, v.u., DJU). De acordo com o que sustenta a doutrina, somente após o trânsito em julgado definitivo da sentença condenatória, é que poderá o condenado ser indultado. Referido entendimento é mais benéfico ao condenado, haja vista que o instituto do indulto extingue apenas as consequências penais, persistindo, portanto, os efeitos extrapenais entre os quais, em exemplo, a obrigação de reparar o dano, e, sendo assim, se incidente o indulto, o condenado teria obstada a possibilidade de discutir na instância recursal eventual tese a ele mais benéfica. São passíveis da concessão de indulto os condenados que se encontrarem em livramento condicional ou no cumprimento de penas restritivas de direitos, por força da ausência de expressa proibição para tal. Concedido o indulto, seja em qual modalidade o for, seus efeitos poderão alcançar inclusive pena decorrente de condenação por crime de ação penal privada, já que nestas o Estado permite ao ofendido apenas o exercício do jus persequendi in judicio, e não o jus puniendi. Admite-se ainda, a soma de penas, nos termos do art. 111 da LEP, a fim de alcançar o tempo da pena indicado no decreto de indulto. No âmbito de concurso de crimes, se o decreto negar a concessão do benefício a um deles, o condenado não receberá a benesse, ainda que em relação aos demais crimes praticados em concurso atendam aos requisitos objetivos e subjetivos.
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Em tese, caberá ainda o indulto quanto às medidas de segurança. Embora a prática não tenha seguido neste sentido, ante o fato de que, sem o exame de cessação da periculosidade não se pode dar por concluída a medida de segurança. Quando da aplicação cumulativa de multa, se a mesma não foi excluída expressamente pelo decreto presidencial, poderá ser afetada pela concessão do benefício. Há que se falar nos crimes que não admitem indulto individual, quais sejam, os hediondos e equiparados (CR/88, art. 5.°, inc. XLIII), e o não cabimento do indulto coletivo nos crimes hediondos haja vista a vedação expressa na lei dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90, art. 2º). Segundo o Professor Luiz Flávio Gomes, o Presidente da República, no entanto, poderia sim conceder indulto coletivo para crimes hediondos, uma vez que a Constituição Federal nada diz sobre o âmbito. De qualquer modo, é certo que se tem excluído os crimes hediondos dos decretos de indulto coletivo (art.2, I, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990; art. 44, caput, da Lei n° 11.343, de 23/08/2006). 2.2. Conceito Têm-se o seguinte entendimento: O indulto propriamente dito, ou indulto coletivo, destina-se a um grupo determinado de sentenciados e inclui os beneficiários tendo em vista a duração das penas que lhe foram aplicadas, além de outros requisitos subjetivos que poderão ser estabelecidos por lei. Pode ser total, com a extinção das penas, ou parcial, quando as penas são diminuídas ou substituídas, aqui se observa que não há uma extinção da punibilidade, mas somente uma diminuição na diminuição da “reprimenda”, ou seja, abranda-se a penalização. Diferentemente da graça, é espontâneo, como citado anteriormente de competência do Presidente da República sendo delegável (PERETE, 2010). Neste sentido, embora o art. 107, II, do Código Penal estabeleça a anistia, a graça, e o indulto como causas de extinção de punibilidade, a Lei de Execuções Penais, nº 7.210/84, refere-se apenas à anistia e o indulto como tais. 2.3. Natureza jurídica O instituto do indulto é de natureza coletiva e concedido de ofício, enquanto a graça por sua vez se dá em caráter individual e condicionada a prévia solicitação. O indulto é igualmente comparado à graça, subsistindo sua diferença à medida que a graça é individual, e o indulto por sua vez, coletivo. A sentença judicial que defere ou indefere o indulto (de forma plena ou parcial) tem natureza declaratória, de modo que, preenchidos os requisitos descritos no decreto indulgente, somente resta ao juiz da execução criminal declarar a existência do direito, cujos efeitos retroagem ao dia 25 de dezembro do ano em que foi editado. Tal natureza, que decorre das normas constitucionais, foi corroborada em alguns dispositivos do Decreto Indulgente de 2012, em que a Presidente da República teve a intenção de mencionar que cabe aos juízes de execuções criminais de todo país apenas “declarar” o direito ao indulto. Sendo assim, pode-se mencionar o artigo 3º, caput, e o artigo 4º, caput, do referido decreto, conforme abaixo se constata: Art. 3º-“Na declaração do indulto ou da comutação de penas deverá, para efeitos da integralização do requisito temporal, ser computada a detração de que trata o art. 42 do Código Penal e, quando for o caso, o art. 67 do Código Penal Militar, sem prejuízo da remição prevista no art. 126 da Lei de Execução Penal. (...)
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Art. 4º-“A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, homologada pelo juízo competente, em audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto” (sem destaques no original). Conforme colacionado, um acórdão fora proferido pelo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos de arguição de inconstitucionalidade nº 0288492.04.2011.8.26.0000 [5], vejamos: Além do mais, destaca a boa doutrina, em comentário à lei 8.072/90, que ‘o poder de conceder indulto haure seu fundamento de validade diretamente do art. 84, inc. XII, da Constituição Federal, de sorte que essa atribuição discricionária do Presidente da República não poderia ser restringida pela legislação comum, senão por outra norma constitucional’ (JUNQUEIRA, 2010, p. 399). À vista disso, temos na sentença que tem por objeto o indulto e a comutação de pena natureza de caráter meramente declaratória, na medida em que o direito já fora constituído pelo Decreto presidencial concessivo destes benefícios. 3. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS A denominação “penas restritivas de direitos” não é entendida como a mais adequada, uma vez que de todas as modalidades de sanções sob a referida chancela, somente um se refere de fato à restrição de direitos, especificadamente, art. 43, V, do CP, interdição temporária de direitos. Segundo concepção de Maurício Antônio Ribeiro Lopes, as penas restritivas de direitos indicam “a ideia de restrição de outros direitos que não o de liberdade de locomoção ou penas alternativas à de prisão” (LOPES, 1999, p. 23). Nos termos do art. 44 do Código Penal, temos que, as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. De acordo com o entendimento do renomado doutrinador Cezar Bitencourt, no caput do art. 44 do CP consta a autorização de que as penas privativas de liberdade não podem coexistir com as penas restritivas de direito, pois estas são autônomas e substituem aquelas. 3.1. Conceito O art. 47 do Código Penal contempla como pena alternativa (restritiva de direitos) a prestação de serviços à comunidade e a limitação de fim de semana, além da interdição temporária de direitos, penas estas, substitutivas por sua vez autônomas. As penas restritivas de direitos estão elencadas no art. 43 do Código Penal, sendo elas, a prestação pecuniária, a perda de bens e valores, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a interdição temporária de direitos e a limitação de fim de sema-
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na; redação de acordo com a Lei nº 9.714, de 25/11/1998 e art. 147 a 155 da LEP. Estas penas são espécies derivadas das intituladas penas alternativas, se dividindo pelo critério de natureza em pecuniária como a própria prestação pecuniária e a perda de bens e valores, as de natureza restritivas de liberdade quais sejam recolhimento domiciliar, limitações de fins de semana e prestação de serviços à comunidade e a restritiva de direitos, compreendendo as efetivas interdições ou proibições, entende o doutrinador Cezar Bitencourt. Ainda, em regra, não são cominadas no preceito secundário das normas incriminadoras, de modo que, a princípio atuam na fase da sentença condenatória, substituindo a pena privativa de liberdade, vide art. 54 do Código Penal (BITENCOURT, 2010, p. 224). 3.2. Características Em casos de crimes dolosos, a pena privativa de liberdade não sendo superior a 4 anos e o delito não tendo sido praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, caberá a substituição, para crimes culposos não há limite de pena. Não poderá haver reincidência em crimes dolosos ou, na hipótese de reincidência, a substituição deve se mostrar socialmente recomendável, desde que não se trate de reincidência específica. Noutros termos, em se tratando de reincidência, apenas a específica impediria, de modo absoluto, a substituição da pena, na reincidência genérica confere-se ao juízo certo grau de discricionariedade. A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, assim como os motivos e as circunstâncias do crime, devem igualmente demonstrar que a substituição é suficiente. É passível de regressão o benefício da pena restritiva de direitos, que será convertida em privativa de liberdade, nas hipóteses de descumprimento injustificado das restrições contidas na pena restritiva de direitos concedida. Outrossim, a conversão só será possível se estabelecendo um saldo mínimo de detenção, ou reclusão, de 30 dias. Na hipótese de superveniência de nova condenação em pena privativa de liberdade, a conversão também se efetuará. Contudo, o juízo pode deixar de revertê-la se for possível dar continuidade no cumprimento da sanção anterior. 3.3. Espécies As penas restritivas de direitos se dividem em duas espécies, genéricas e especiais. A primeira espécie se dá quando da possibilidade de serem aplicadas em quaisquer infrações penais que não exijam uma pena restritiva específica, como multa, prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniária, perda de bens e limitação de fim de semana. A segunda espécie, as especiais, são aquelas penas aplicáveis apenas em determinados crimes. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada em destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário-mínimo nem superior a 360 salários-mínimos. A perda de bens se valores, consiste na entrega de bens do condenado ao Fundo Penitenciário Nacional, considerando-se como teto o prejuízo causado pela infração penal cometida. Já a prestação de serviços à comunidade se dá no dever de prestar determinada quantidade de horas de trabalho não remunerado e útil para a comunidade durante o tempo livre, em benefício das pessoas necessitadas ou de fins comunitários. A limitação de fins de semana, outra espécie desta classificação, consiste na obrigação de o condenado permanecer aos sábados e domingos, por determinado período, em casa de albergado ou em estabelecimento adequado. A multa, pena pecuniária tradicional, con-
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tém aqui um caráter substitutivo. E por derradeiro, a espécie consistente na interdição temporária de direitos, que se subdivide em proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandado eletivo, proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público, suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e proibição de frequentar determinados locais. 3.4. Conversão Extrai-se do art. 45 do Código Penal que, na substituição previsto no artigo anterior, qual seja art. 44, o qual versa sobre as penas restritivas de direitos em substituição às penas restritivas de liberdade, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48 do mesmo diploma legal. O julgador, em análise do caso concreto e dentro dos critérios legais ao fixar a pena definitiva, verificando a quantidade de pena (não superior a 04 anos) ou a natureza do crime (culposo), constatando a presença de requisitos legais, deve fazer a substituição por uma pena restritiva (art. 59, IV, CP). Ademais, no caso de indivíduo que já se encontra em fase de execução da pena, o condenado que não obteve a substituição na condenação poderá ter nova oportunidade de concessão, mediante a conversão. Sob o entendimento de BITENCOURT (2010), temos ainda que “os requisitos à conversão das privativas de liberdade em restritivas de direito são os contidos nos incisos I a III do art. 44 do Código Penal e somente a implementação de todos eles autoriza a concessão do benefício”. 3.5 Da possibilidade de concessão do indulto aos condenados a penas restritivas de direitos Impreterivelmente, insta registrar que a redação imprecisa dos decretos de indulto dão margem a interpretações desvirtuadas à aquelas do seu intuito originário. Diante de diversos julgados em prol da aplicação do indulto para os condenados a penas restritivas de direitos o entendimento, embora aplicado em algumas ocasiões, vêm significativamente sendo considerado trivial e ameaçado pela proposta a ser apresentada ao Ministério de Justiça, pelo CNJ, que pretendeu retrogradar no tempo e instituiu, na redação do indulto de 2013, a impossibilidade de aplicação do indulto aos sentenciados em penas restritivas de direitos. Inicialmente, deve-se observar que o Decreto Presidencial não necessitaria, taxativamente, como fez nos últimos indultos publicados, mencionar sua incidência às penas restritivas de direito, visto nosso sistema de penas a ser estruturado a partir da pena privativa de liberdade. Toda tipologia das normas penais incriminadoras é composta pela adição de preconceito à sanção. Esta, por sua vez, é concentrada na pena privativa de liberdade, ou seja, não há previsão independente, de pena restritiva de direito para crimes específicos, como podemos constatar com simples leitura normativa: “as penas restritivas de direito são autônomas e substituem as privativas de liberdade” - art. 44, caput, CP. Sua aplicação, realizada pelo magistrado, segue o comando do art. 59, inciso IV do CP, meio pelo qual visualiza a possibilidade de substituição da prisão por outras espécies de pena. Do que se percebe da redação legal, a pena restritiva de direito é substitutiva à privativa de liberdade, devendo o juiz, ao verificar os requisitos do art. 44 do CP, operar sua aplicação. É o que entende a doutrina. Senão vejamos: A interpretação contrária à política de encarceramento mínimo encampada pelas penas e medidas alternativas se mostra desproporcional em face dos destinatários do art. 44 do CP,
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quais sejam, os pequenos e médios infratores. Exigir que a pessoa, beneficiada pela substituição da pena, cumpra um período presa para ser contemplada pelo indulto afronta a política criminal do CNPCP, além de ser irrazoável, desproporcional. (grifo meu) (MARIATH, 2010) Amparado neste entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão teve a oportunidade de decidir sobre a matéria, concedendo o indulto em agravo interposto pela Defensoria Pública do mesmo estado. Confira-se a ementa: PENAL - PROCESSO PENAL - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - DECRETO Nº 7.046/2009 - ART. 1º, INCISO IX - INDULTO CUMPRIMENTO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - CONCESSÃO - AGRAVO PROVIDO. 1. O Decreto nº 7.046/2009 estabelece, em seu art. 1º, inc. IX, que será concedido indulto às pessoas “condenadas à pena privativa de liberdade, desde que substituída por pena não privativa de liberdade, na forma do art. 44 do Código Penal, que tenham cumprido, ainda que por conversão, privados de liberdade, até 25 de dezembro de 2009, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes”. 2. A alocução “ainda que por conversão”, deixa explícito que apenados ao cumprimento de penas restritivas de direito, também fazem jus ao benefício do indulto, e não só aqueles que cumprem penas privativas de liberdade. 3. Entender de maneira diferente seria simplesmente beneficiar condenados por crimes mais graves, em detrimento dos médios e pequenos infratores, uma vez que somente aqueles, cuja penas não poderiam ser substituídas, poderiam obter a concessão de indulto. 4. Não sendo o agravante reincidente, não possuindo faltas graves homologadas pelo Juízo, e tendo o mesmo cumprido 1/3 (um terço) da pena, deve ser concedido o indulto. 5. Agravo provido. Unanimemente. (Acordão nº113.293/2012. Data do ementário: 11/04/2012, D. Relator José de Ribamar Froz Sobrinho). Nesse sentido, conforme acima explanado, razões não existem para a não concessão de indulto ao sentenciado que teve sua pena convertida em restritiva de direitos, no entanto ainda existe julgados contrários a esta real e palpável vertente. Passemos a análise de diferentes decretos de indulto em sua linha de “evolução”. Quando da interpretação do o Dec. nº 1.242 de 1994, pode-se concluir que o mesmo dispensou a análise das chamadas “condições subjetivas”, consistente em exame psiquiátrico e testes psicológicos que apontem um “prognóstico de não reincidência”. Esse decreto teria, pois, dado por suficiente à concessão do benefício que o sentenciado, além de não se encontrar dentro das diversas restrições previstas e ter cumprido determinada fração da pena, revelasse adequado comportamento prisional nos últimos doze meses, o que não deixa de ser também uma forma indireta de avaliar as chamadas “condições subjetivas”. No entanto, não foi esse o entendimento que prevaleceu. Invocou-se, também o preâmbulo do decreto, na parte em que este proclamou “conceder perdão aos sentenciados em condições de merecê-lo e proporcionar novas oportunidades aos que se mostram recuperados para o convívio social”. Sustentou-se ainda que apenas os exames técnicos poderiam demonstrar se o sentenciado “merecia” o benefício e “estava recuperado para o convívio social”. Conforme se vê, a interpretação é um tanto forçada. Primeiro porque há uma ponderável diferença entre a avaliação de um comportamento social, de natureza mais objetiva (no caso do sentenciado em livramento condicional ou sursis), e uma avaliação personalíssima, que tem acentuado conteúdo subjetivo. Segundo porque, conforme
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se sabe, preâmbulo não é norma legal, mas simples meio auxiliar de interpretação da norma; serve para facilitar a compreensão daquilo que o texto normativo contém, mas não tem força para se impor, quando o texto normativo nada diz a respeito. Noutro giro, o art. 4.º do Dec. nº 2.365 de 1997, ao contemplar com o benefício os condenados em regime de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional, não contém a expressão “ter revelado condições pessoais favoráveis à permanência na comunidade”. Nesses casos, o simples fato de o sentenciado não ter cometido falta nos últimos doze meses, que consistiria na infringência às condições do LC ou do sursis, ensejaria a revogação desses benefícios, torna-o merecedor do benefício do indulto ou da comutação de pena, à luz desse decreto. É perceptível a diferença para com o próximo decreto em análise, no qual se eliminou a referência “aos que se mostram recuperados para o convívio social”, o que tornou, portanto, impossível justificar a complacência pelo fato de o sentenciado “estar recuperado”. Ademais, a benesse passou a ser um “estímulo ao esforço de ressocialização”. Nessa mesma linha encontra-se o Dec. nº 2.838 de 1998. O preâmbulo desse decreto também não contém a expressão “aos que se mostram recuperados para o convívio social”. Mas refere-se apenas “aos condenados em condições de merecê-lo (o indulto), proporcionando-lhes a oportunidade de retorno útil ao convívio da sociedade, objetivo maior da sanção penal”. Ora, no juízo do autor do decreto, condenados em condições de merecer o indulto são aqueles que preenchem os estritos requisitos elencados na parte normativa do texto, que são: a) não ter sido condenado ou não estar sendo processado por crime considerado hediondo, e outros especificados; b) não ter praticado falta disciplinar nos últimos doze meses; c) ter reparado o dano causado pelo crime, se solvente. O decreto que atualmente se encontra em vigor no Brasil em seu âmbito de abrangência no que diz respeito à quais indivíduos destina-se: Art. 1 Concede-se o indulto coletivo às pessoas, nacionais e estrangeiras: I - condenadas a pena privativa de liberdade não superior a oito anos, não substituída por restritivas de direitos ou multa, e não beneficiadas com a suspensão condicional da pena que, até 25 de dezembro de 2013, tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes (Decreto nº 8.172, de 24 de dezembro de 2013). Conforme demonstrado, o texto não se refere a nada que possa ser entendido como “avaliação do universo subjetivo do sentenciado”. O novo decreto além de coibir a concessão da benesse aos condenados cujas penas foram substituídas por restritivas de direitos, não autoriza a concessão do indulto ao sentenciado cuja execução de pena tenha sido suspensa, que se encontre em livramento condicional do processo e cuja pena não exceda a oito anos. Exigir-se que o condenado se submeta a exame criminológico ou parecer da CTC e apresente “prognóstico de não reincidência” para a concessão de indulto ou comutação de pena, quando o texto específico do decreto nada contém nesse sentido, sob a única alegação de que tal é exigido para o livramento condicional ou outro benefício qualquer na execução penal, é misturar duas coisas diversas. É certo que, ao eliminar, como requisito do indulto, a avaliação do aspecto subjetivo do sentenciado, e, consequentemente, o “prognóstico de não reincidência”, o presente decreto esvazia em muito as funções do Conselho Penitenciário, cuja manifestação continua sendo obrigatória e até mesmo o papel do Judiciário na concessão desses benefícios. Isto posto, têm-se em objetiva análise do texto legal, que numa análise mais cuidadosa do decreto, constata-se que não se tem qual-
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quer razão ao restringir a abrangência da benesse no que tangem as pessoas que se encontram em cumprimento de penas restritivas de direitos, e que na verdade, o presente decreto, é extremamente restritivo, chegando-se ao que se pode prever a um campo de abrangência cada vez menor do que aquele alcançado pelos decretos precedentes. Devemos para tanto supor, assim, que seria adequada uma solução intermediária, na qual fosse sintetizado normativamente que, também constitui requisito para a concessão do indulto e da comutação de pena evidenciar bom aproveitamento das medidas penais a que for submetido, e, quando o benefício implicar em liberdade, que o beneficiado tenha comprovadas condições pessoais favoráveis a sua reinserção social. No entanto, esta hipótese reside apenas no plano da especulação. Ora, na alternativa explanada, portanto, ficaria institucionalizada a avaliação global do sentenciado e essa avaliação seria sempre obrigatória, porém, o chamado “prognóstico de não reincidência” seria dispensável se o benefício não implicasse na liberdade do sentenciado. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme rotineiramente acontece ao final dos anos, os decretos de indulto normalmente apresentam uma base comum um tanto quanto restrita, no que diz respeito a seus beneficiários; as variações, de natureza liberalizante ou restritiva, seguem as tendências políticas e ideológicas recentíssimas do momento. Essas alterações, por vezes, são objeto de acirradas discussões no Conselho Penitenciário e controvérsia nos juízos de execução penal. No entanto, dada a efemeridade do texto legal, normalmente não se chega a um consenso doutrinário nem jurisprudencial a respeito delas: logo é editado um novo decreto, modificando o anterior, com o que a discussão perde seu objeto, ou parte de seu interesse (TEIXEIRA, 1999, p.115). Assim, nada forçoso seria lançarmos mão aos princípios norteadores do direito, se não, os da proporcionalidade e isonomia, a fim de singularizar um posicionamento acerca do assunto explanado e normatiza-lo neste sentido, tendo como balizadores da sanção penal a dignidade da pessoa humana e a razoabilidade.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pela Faculdade Newton Paiva. 2 Mestre em direito Internacional pela PUC-MINAS; Especialista em Direito Público pela Universidade Gama Filho; Graduado pela PUC-MINAS; Professor orientador deste trabalho. 3 Banca examinadora: Hassan Magid de Castro Souki; Cristian Kiefer da Silva.
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AUTORIZAÇÃO PRÉVIA PARA PUBLICAÇÃO DE BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS: Cesura ou Direito do Biografado Márcia Cardoso de Lima1 Ludmila Stigert2 Banca Examinadora3 RESUMO: A constituição da Republica de 1988 consagrou a Liberdade de expressão, como um dos princípios basilares do Direito Brasileiro. O direito de manifestar livremente opiniões foi uma conquista da Democracia, mas que como todo direito, resguarda deveres e impõe limites aos seus titulares. Atualmente discute-se a possibilidade do retrocesso à época da ditadura, mesmo vivendo em um Estado Democrático de Direito. Questiona-se a possibilidade de se considerar censura quando uma biografia não autorizada é avaliada pelo biografado antes de se tornar pública, podendo essa pessoa especifica decidir qual detalhe de sua história não poderá ser divulgada. PALAVRAS-CHAVE: liberdade de expressão; direito a Privacidade; biografias; censura. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A Constituição de 1988 e a conquista pelos direitos fundamentais; 3 Biografias Liberdade de expressão ou invasão de privacidade; 3.1 Biografia; 3.2 Biografias e a Liberdade de expressão; 3.3 Biografias e a Invasão privacidade; 4 Projeto Lei Nº 393/2011; ADI nº 4.815/2012; 6 Colisão entre os direitos fundamentais ;7 Conclusão; 8 Referências
1 INTRODUÇÃO A liberdade de expressão, entendida como o direito de manifestar ideias e expressar opiniões, está resguardada pela Constituição da República de 1988, que consagra, sobretudo, a dignidade da pessoa humana, trazendo em seu texto, no artigo 5ª inciso X, o princípio da intimidade ou privacidade, que agasalha o direito da pessoa de decidir se quer ou não ter a sua vida exposta. Assim, o biografado, ao exigir que seja por ele autorizada previamente a publicação de certa obra, estaria ferindo diretamente a Constituição da República de 1988 no que diz respeito à liberdade de expressão. Por outro lado, o autor estaria ferindo igualmente a Constituição da República de 1988, no que diz respeito ao direito à privacidade e à intimidade, e, dando ao biografado o direito de exigir danos morais, resguardado pelos artigos 20 e 21 do Código Civil de 2002, caso se sinta ofendido por alguma parte da obra. Um dos princípios trazidos pela Constituição da República é a liberdade de expressão. Lemos respectivamente nos incisos XI e IV do art. 5ª; - “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. (REPÚBLICA, 1998) A Constituição de 1988 impede ao Poder Público de controlar a produção de filmes, peças de teatro, livros, músicas, artes plásticas, textos em jornais e dos próximos jornais, livros e revistas, pois o pressuposto da democracia é a da liberdade. Expressar sem necessidade de censura ou licença. O dever de calar já não existe mais, foi substituído pelo direito participar nos discursos públicos. Mas desses direitos decorrem alguns questionamentos tais como: Até que ponto a liberdade de expressão deve ser respeitada? Há um limite; e se há como defini-lo? Indenização “lava a honra” manchada? O direito à privacidade é uma censura velada? Em que sentido uma biografia não autorizada é relevante para o país e para a sua história? O presente artigo não tem o intuito de exaurir todas as questões que envolvam o direito do biografado, o direito à privacidade e a liberdade de expressão, mas debater este tema torna-se válido, ao passo que hoje, todos estão sujeitos a violações do direito à privacidade, tanto por parte de pessoas físicas quanto jurídicas, ou ainda pelos meios de comunicação social. LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
Além disso, destaca-se a complexidade das relações ora travadas, bem como a necessidade da construção de uma adequada argumentação à luz do caso concreto para lastrear as limitações dos referidos direitos individuais no caso em tela. 2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A CONQUISTA DO DIREITOS FUNDAMENTAIS Nos anos 60 e 70, o Brasil viveu a Ditadura Militar, sendo a censura4 a principal arma do regime para calar seus opositores e impedir que qualquer tipo de mensagens contrárias a seus interesses fossem divulgadas. O CONTEL (Conselho Nacional de Telecomunicações) era o responsável pela repreensão dos meios de comunicação, sendo comandado pelo SNI (Serviço Nacional de Informações) e pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e, proibia qualquer notícia de manifestação. Música, programas televisivos, programas de rádio, cinema, livros e jornais eram todos avaliados antes da publicação. A letra da música “Cálice” do poeta Chico Buarque de Holanda5 traduz perfeitamente o sentimento de revolta e ao mesmo tempo de esperança de ver tudo aquilo se desfazer. Por meio de mensagem camuflada o autor pede, [...] Pai afasta de mim esse cálice. Pai afasta de mim esse cálice. De vinho tinto de sangue. Como é difícil acordar calado se na calada da noite eu me dano. Quero lançar um grito desumano que é uma maneira de ser escutado Esse silêncio todo me atordoa atordoado eu permaneço atento. Na arquibancada pra a qualquer momento ver emergir o monstro da lagoa [...]. (Chico Buarque 1978) Para expressar a sua angustia, o poeta, ao pedir a Deus que afaste dele o Cálice, estava na verdade pedindo que fosse afastado do povo brasileiro o “Cale-se”, imposto pela censura. A maioria da população desconhecia as torturas e não se davam conta dos desaparecimentos de pessoas causados pelo regime. A violência do Estado era notada através dos confrontos policiais, mas não era possível, para muitos, ter a noção precisa das verdadeiras proporções das crueldades existentes. Tudo se justificava a luz da segurança do país.
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O final da ditadura ocorreu em 1985 e finalmente no ano de 1988 foi aprovada a nova Constituição da República, um documento que em seu preâmbulo já assegura a população os seus direitos individuais e sociais, tentando apagar os rastros da ditadura e estabelecendo princípios democráticos no país. A Constituição era a resposta aos clamores feitos à época da ditadura6. Era a vitória da democracia, e o reconhecimento dos direitos da pessoa humana, principalmente em seu artigo 5º que trazia os direitos individuais e coletivos como fundamentais para a funcionalização da democracia. Nessa apertada síntese foi possível verificar a importante transição sofrida pelo Brasil em 20 anos. De uma ditadura militar perversa em que direitos eram desrespeitados, em que torturas eram praticadas e punições severas eram impostas, para a construção de um processo democrático, com o poder mudando de mãos, e, pertencendo agora ao povo. Após a promulgação da Constituição da República em 1988, e com o fim da ditadura, a liberdade de expressão e o direito de manifestar livremente opiniões, tornaram-se dois dos mais importantes pilares para a democracia brasileira. 3. BIOGRAFIA: LIBERDADE DE EXPRESSÃO OU INVASÃO DE PRIVACIDADE? Atualmente, discute-se a possibilidade do retrocesso à época da censura, mesmo vivendo em um Estado Democrático de Direito. Questiona-se a possibilidade de se considerar censura quando uma biografia não autorizada é avaliada pelo biografado antes de se tornar pública, podendo essa pessoa especifica decidir qual detalhe de sua história não poderá ser divulgada. De um lado, os próprios biografados que têm sua intimidade divulgada e publicada para quem quiser ver e ouvir, devendo ter o direito de vetar aquelas informações e fatos que preferiam não tornar públicos, resguardando a sua vida privada. Por outro lado, horas de pesquisas, entrevistas, o tempo e o trabalho de quem vive de escrever e deseja tão somente que a sociedade saiba quem são os seus idealizadores, construtores, seus ídolos e exemplos e sem nenhuma intenção de lucrar com a obra. 3.1 Biografia Biografia é a história escrita da vida de uma determinada pessoa. É a descrição dos fatos particulares da vida de uma pessoa, podendo conter fatos que testemunham os acontecimentos. (Dicionário Aurélio, 2014). Um documento que contem a trajetória de vida de uma pessoa, o que a motivou a seguir um determinado caminho, certa opinião, sempre com dados precisos, incluindo nomes, locais e datas dos principais acontecimentos. De grande importância e ajuda para que possamos entender os eventos de uma determinada época e mais ainda, para que consigamos perceber a grande contribuição que o biografado tem para história e cultura do país e no seu desenvolvimento. Por meio das biografias temos informações a respeito de pensadores e personagens de crucial importância para a nossa sociedade. Conhecer a história da vida de pessoas públicas, não serve apenas para matar curiosidade e ter conhecimento a respeito de erros e dar publicidade a defeitos dos biografados, pelo contrário, incentiva a busca pela trajetória de uma personalidade com o intuito de conhecer a história de vida e da época por ela vivida, bem como saber como reagiu aos fatos e o que com sua jornada ajudou a construir a história de um país. 3.2 Biografias e a Liberdade de expressão À medida que se protege o direito individual de livremente exprimir as ideias, mesmo que estas pareçam absurdas ou radicais, defen-
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de-se também a liberdade de qualquer pessoa manifestar a própria opinião, ainda que afrontosa ao pensamento oficial ou majoritário. Hoje em homenagem ao princípio da liberdade de expressão, opiniões são expostas sem nenhum tipo de limitação. Permite-se falar sem muita exigência de forma explicita de variados assuntos, mesmo que seja da vida intima de pessoas públicas ou desconhecidas. Nesse sentido manifesta Barroso: A liberdade de expressão subdivide-se em direito de informar, direito de se informar e direito de ser informado. Por direito fundamental de informar entende-se que é assegurado ao seu titular à prerrogativa de poder divulgar fatos ou notícias que sejam de interesse coletivo. (BARROSO, 1996.) Uma censura prévia, ou a edição da obra omitindo partes do texto que desagrada o biografado, macula a obra e a transforma em uma ficção e cria uma imagem do biografado que não existe, pois a verdade foi ocultada. Nesse sentido é a opinião da Ministra do Supremo Tribunal Federal Carmem Lucia O povo, assim como tem interesse em conhecer a imagem dos homens célebres, também aspira conhecer o curso e os passos de sua vida, as suas ações e as suas conquistas; e, de fato, só através de tal conhecimento pode formar-se um juízo sobre o seu valor. Mesmo nestes casos, por outro lado, as exigências do público detêm-se perante a esfera íntima, e, além disso, as mesmas exigências são satisfeitas pelo modo menos prejudicial para o interesse individual. (STF 2013) Para a Ministra ora citada (2013), a autorização do biografado para a publicação da obra acaba por ser uma cesura previa, concordando com o projeto lei 393/2011, que será abordado no próximo tópico. Será, portanto, lícita a biografia, mas ilícita a narrativa romanceada ou dramatizada, que não é necessária para a exposição dos fatos pessoais. Portanto, a biografia é uma obra de informação e, como tal, deverá ser admitida, ainda que sem consentimento do biografado. (STF 2013) Uma biografia pode não ser publicada por simples discordância do biografado, sendo a este assegurado pelo Código Civil nos artigos 20 e 21 e o artigo 5ª inciso X da Constituição da República, direito à indenização por algum trecho que o desagradou ou que feriu sua honra e dignidade7. Mas, a lei se torna completamente omissa nos casos dos escritores e não leva em conta o tempo gasto em pesquisas, entrevistas, e o dinheiro despendido em uma obra que não lhe será permitido publicar. Em uma biografia, não há como distinguir a pessoa do personagem, uma acaba esbarrando na outra em alguma hora, e, terá de ser citado algum caso que perturbe o biografado, mas que será de extrema importância para o leitor entender a história ou o fato narrado. Nesse raciocínio, Tepedino (2012) 8 manifestou a respeito das biografias: Não há como contar a história do primeiro reinado sem levar em conta as relações extraconjugais do Imperador, relevantes para a compreensão dos costumes da época, das ligações entre a burguesia e a nobreza, do método e da nomeação das autoridades e cargos públicos e assim por diante. Seria razoável condicionar a divulgação de cartas e documentos que retratam fielmente o relacionamento do imperador e a imperatriz à autorização dos descendentes da nobiliarquia brasileira? (Folha de São Paulo, 2012)
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armários de terceiros ou qualquer outra forma de interrupção, perturbação ou obstrução do desfrute em causa. Contudo, se o biógrafo descamba para o campo da invencionice, ou então da coleta de dados tão maliciosamente distorcidos a ponto de ofender a honra do biografado, além de causar a este prejuízos de ordem “material, moral ou à imagem”, o que pode ocorrer em termos jurídicos? Bem, o que pode ocorrer não é senão a aplicabilidade das normas constitucionais que falam do direito de resposta e de indenização. De parelha com aquelas que legitimam o Código Penal a criminalizar condutas caluniosas, difamatórias ou injuriosas. (Jornal o Globo, 2013).
O princípio da liberdade compreende a faculdade que uma pessoa possui de fazer ou não fazer alguma coisa; envolvendo sempre uma escolha entre duas ou mais alternativas, agindo de acordo com sua própria vontade. O direito de liberdade não é absoluto, sofrendo restrições pelo direito do outro, pois para ninguém é dada a prerrogativa de fazer tudo o que bem entender. Para que a liberdade de expressão seja exercida livremente no Brasil hoje, foi necessária uma grande luta no passado, conforme já mencionado. Por isto, é importante que ela seja exercida com muita cautela, ou seja, para honrar a liberdade conquistada deve haver responsabilidade. 3.3 Biografias Invasão e a privacidade O exercício da liberdade de expressão no que se refere às obras biográficas tem um limite expresso em lei, pois no artigo 5º inciso X da Constituição da República é assegurada as pessoas o direito as privacidade. Segundo o mencionado artigo, são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (REPUBLICA, 1988) A imprensa em virtude de sua invasão na vida das pessoas, tem facilidade em erguer ou devastar reputações, pois tem forte influência na vida das pessoas, seja através dos noticiários ou programas televisivos, tornando-se responsável muitas vezes, por informações que não são verídicas em sua totalidade, são caluniosas, difamatórias ou distorcidas. Há que se ter cautela ao escrever uma biografia, pois a pessoa que está tendo a sua vida exposta tem o direito de opinar se quer ou não aquele fato revelado. Caso contrário, estaríamos lançando por terra um direito Constitucional que toda pessoa humana tem de ter; a sua intimidade preservada9. 4 PROJETO DE LEI Nº 393/2011 A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou no fim do ano passado, o projeto de lei (PL 393/2011), de autoria do deputado Newton Lima, que pede o fim da censura às biografias, e, que segundo o deputado, “visa impedir o estabelecimento de uma censura prévia e afastar de vez os resquícios legais da censura, ainda presente no artigo 20 e 21 do Código Civil, e evitar o cerceamento do direito de informação, tão caro aos brasileiros, após anos de ditadura”. (Folha de São Paulo, 2014). Newton Lima pede a modificação dos artigos 20 e 21 do Código Civil; que prevê autorização prévia do biografado ou de sua família em caso de biografados já falecidos, para a divulgação de imagens, escritos e informações biográficas, para a total divulgação de todos os tipos de dados, “devendo a pessoa arcar com o bônus e o ônus de ser uma pessoa pública”. O projeto agora será apreciado a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para posterior votação em plenário. Após esse trâmite, o PL segue para apreciação no Senado. (Folha de São Paulo, 2014). O artigo 20 do Código Civil diz que o uso da imagem de uma pessoa, a divulgação de escritos, ou a transmissão da palavra pode ser proibido ou gerar a indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais. Já o artigo 21, especifica que a vida privada da pessoa natural é inviolável10. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, defende o projeto Lei 393/2011 e diz que biografia não é invasão de privacidade: Biografar não é descrição de vida futura. É relato de vida já acontecida ou de desfrute já exaurido do direito à intimidade, vida privada e vida social genérica. É apenas um retrato falado do modo pelo qual o direito ao desfrute já se consumou. Modo a que o biógrafo teve acesso. Nada tem a ver com interceptação de escuta telefônica, uso de teleobjetiva em recintos privados, enfiar-se por debaixo de camas alheias, esconder-se em
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Partilhando da mesma opinião de Ayres Britto, o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa11, também se manifestou sobre o tema. Para o Ministro o ideal seria liberdade total de publicação, com cada um assumindo os riscos. Quem causar dano deve responder financeiramente, no Caso se publicação ofender o biografado, haverá o pagamento de multas, aplicado pela justiça” (Jornal O Globo, 2013). João Máximo (2013), autor da biografia de Noel Rosa, afirmou: Processe-se o biógrafo que injurie, calunie, difame ou fira a verdade em qualquer medida; mas respeite-se o que, ao biografar seriamente um homem público brasileiro contribua, de alguma forma, para contar um pouco da história do Brasil. (Jornal O Globo, 2013). O escritor Laurentino Gomes (2013) que também defende o Projeto Lei 393/2011, disse: “Deixem que jornalistas, escritores e biógrafos trabalhem. Se eles mentirem ou cometerem injustiças, que sejam punidos de acordo com a lei. Mas sem censura” (Folha de São Paulo, 2013). Um dos princípios trazidos pela Constituição da República é a liberdade de expressão. Lemos respectivamente nos incisos XI e IV do art. 5ª; - “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. (REPUBLICA,1988) Contrário ao que defende os criadores e apoiadores do projeto Lei 393/2011, os opositores do projeto, dizem não se tratar de censura, e sim de cuidado. Um pedido de autorização a pessoa que será biografada não é censura prévia, não se está pedindo autorização do Estado para publicar e sim do próprio biografado que tem o direito de decidir sobre a sua vida. De fato, esse é o pensamento do Compositor Chico Buarque (2013), que assim expressou a sua opinião acerca do tema debatido “Pensei que os biografados tivessem o direito de preservar sua vida pessoal. Parece que não”. De acordo com Lavigne12 (2013): não existe defesa da censura ou a diminuição da liberdade de informação e pensamento, o que se deseja é apresentar uma alternativa que atenda aos escritores, mas não crie uma situação de exploração da obra e da vida alheia sem a remuneração correspondente e sem que a vida privada e a intimidade do biografado sejam violadas. (Jornal O Globo 2014). Os princípios Constitucionais, apesar de albergarem de uma carga axiológica, precisam ser interpretados de forma limitada e não de forma absoluta em respeito à dignidade da pessoa humana. É preciso uma clara distinção entre censura e privacidade13, ou seja, o caso exige uma necessária análise a luz de um senso de adequação.
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O cantor e compositor Djavan14 expressou a sua opinião a respeito do tema: A liberdade de expressão, sob qualquer circunstância, precisa ser preservada. Ponto. No entanto, sobre tais biografias, do modo como é hoje, ela, a liberdade de expressão, corre o risco de acolher uma injustiça, na medida em que privilegia o mercado em detrimento do indivíduo; editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos biografados resta o ônus do sofrimento e da indignação. (Jornal O Globo 2013). Dividindo da mesma opinião a escritora Alice Ruiz15 (2013) alude Meu posicionamento não é claro e eu vou explicar por quê. Por um lado, eu sou radicalmente contra a censura. Por outro lado, eu acho que nós precisávamos viver num país onde os interesses literários estivessem acima dos interesses mercantis. Então, se o Brasil não fosse assim, eu diria liberem tudo, mas o Brasil é assim. Quer dizer não é que o Brasil é assim, existem elementos assim. (Jornal O Globo 2013) Caetano Veloso16 (2013) sustenta que não há ataques a liberdade de expressão e muito menos apoio a censura, acredita que o que existe é uma defesa aos ataques sofridos pela imprensa, como bem destacou: A sede com que os jornais foram ao pote terminou dando ao leitor a impressão de que meus colegas e eu desencadeamos uma ação, quando o que aconteceu foi que nos vimos no meio de uma ação deflagrada por editoras, à qual vimos que precisávamos responder com, no mínimo, um apelo à discussão. Censor, eu? Nem morto! Na verdade a avalanche de pitos, reprimendas e agressões só me estimula a combatividade. O que meu mestre Jorge Mautner sintetizou tão bem nos versos “Liberdade é bonita, mas não é infinita /Me acredite: liberdade é a consciência do limite (Jornal O Globo 2013) Avaliar se seria prudente uma previa autorização da divulgação e publicação das biografias ao invés de passar o biografado por um processo para exercer um direito que é seu, de ter sua vida exposta é válido, principalmente hoje, em que todos estão sujeitos a violações do direito à privacidade, tanto por parte de pessoas físicas quanto jurídicas, ou ainda pelos meios de comunicação social. 5 ADI Nº 4.815/2012 A Associação Nacional dos Editores de Livros ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal com o objetivo acabar com a necessidade de autorização dos biografados para a publicação de biografias. A ação questiona os artigos 20 e 21 do Código Civil em face do artigo 5º, X da CF/88, propondo afastar a necessidade de consentimento do biografado ou demais retratados para a publicação de obras literárias ou audiovisuais. Sustenta a Anel que a amplitude e abrangência dos dispositivos legais acabam por atingir as liberdades de expressão e informação, proibindo as biografias em nome da proteção da vida privada e em função da ausência do consentimento das personalidades retratadas. (STF, 2012) A associação argumenta ainda, que as pessoas “cuja trajetória pessoal, profissional, artística, esportiva ou política, haja tomado dimensão pública, gozam de uma esfera de privacidade e intimidade naturalmente mais estreita”. (STF, 2012) A ação alega que a lei criou uma disputa mercantil em torno dos direitos de publicação da biografia de personagens históricos. Outro resultado é condenar o leitor a “ditadura da biografia única” – aquela autorizada pelo biografado. O ordenamento jurídico deveria assegurar
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a publicação e a veiculação tanto das obras autorizadas pelos biografados como das elaboradas à sua revelia, ou mesmo contra a sua vontade, cabendo aos leitores formar suas opiniões. (STF, 2012) A dispensa do consentimento prévio do biografado, de acordo com a ANEL, não isenta o biógrafo da culpa em casos de abuso de direito, como o uso de informação sabidamente falsa e ofensiva à honra do biografado - nesses casos será eventualmente cabível a responsabilidade penal ou civil do autor, esclarece a associação. (STF, 2012) Liminarmente, a ANEL pede a suspensão da eficácia da interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil segundo a qual é necessário o consentimento do biografado e das pessoas retratadas como coadjuvantes para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais elaboradas a respeito de pessoas públicas ou envolvidas em acontecimentos de interesse coletivo. (STF, 2012) No mérito, pede para que seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21, afastando do ordenamento jurídico a necessidade do consentimento da pessoa biografada ou das retratadas como coadjuvantes para a publicação de obras literárias ou audiovisuais. Alternativamente, a ação pede que a declaração se restrinja às obras relativas a pessoas públicas ou envolvidas em acontecimentos de interesse coletivo. (STF, 2012) 6 COLISÃO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS A colisão de Direitos Fundamentais ocorre quando a Constituição resguarda dois ou mais direitos que se encontram em contradição no caso concreto. Andrade, (p. 220,1987) aponta que “[...] haverá conflito sempre que se deva entender que a Constituição protege simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta”. Uma das principais características dos direitos fundamentais é a sua relatividade, pois, os direitos fundamentais não são absolutos, em caso de colisão entre eles cabe ao operador do direito adequação entre os direitos envolvidos e o caso concreto. Quando determinado biógrafo decide escrever uma biografia que não foi autorizada pelo biografado, estará exercendo a liberdade de expressão, entretanto, estaria entrando em choque com o direito à privacidade do biografado. Nesses casos, a maneira mais adequada de solucionar o conflito situa-se em um juízo de adequação, ou seja, um direito irá prevalecer em detrimento do outro, contudo essa decisão estará limitada pelo princípio da proporcionalidade. No Brasil, a proporcionalidade é um princípio constitucional implícito, que tem aplicação considerável no judiciário para a efetividade dos direitos constitucionais e está diretamente ligada a ponderação, uma vez que exige uma análise das vantagens e desvantagens da decisão. Marmelstein (2008, p. 385) afirma que: o princípio da proporcionalidade não é útil apenas para verificar a validade material de atos do Poder Legislativo ou do Poder Executivo que limitem direitos fundamentais, mas também para, reflexivamente, verificar a própria legitimidade da decisão judicial, servindo, nesse ponto, como verdadeiro limite da atividade jurisdicional. O juiz, ao concretizar um direito fundamental, também deve estar ciente de que sua ordem deve ser adequada, e proporcional em sentido estrito. O conflito ora analisado requer do operador a seguinte questionamento: o benefício alcançado com a adoção da medida sacrificou direitos fundamentais mais importantes do que os que a medida buscou preservar? Se dois ou mais princípios estão concorrendo entre si para a regência de um caso concreto deverá ser utilizado, o mecanismo da ponderação, no qual princípio que tiver maior importância naquela
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circunstância fática, deverá prevalecer. Portanto, a solução se dará por meio de um sopesamento, através do qual o jurista levará em consideração todos os interesses, construindo uma solução constitucionalmente adequada, embasada em uma argumentação racional, legitima e democrática. Para a realização da ponderação de interesses constitucionais, é indispensável à utilização do princípio da proporcionalidade, pois o raciocínio próprio deste, com seus três subprincípios, é exatamente o que deve ser utilizado na ponderação. Nas palavras de Sarmento (2002, p. 96), a ponderação de interesses não representa uma forma de decisionismo judicial disfarçado, já que seu método pauta-se pelo princípio da proporcionalidade, cujos critérios podem ser aferidos com certa objetividade. Ao ocorrer à colisão entre dois princípios reconhecidos pelo ordenamento constitucional, o de menor peso, de acordo com as circunstâncias e condições inerentes ao caso concreto, renuncia o seu lugar ao de maior valor. Busca-se, através da ponderação, sendo é indispensável à utilização do princípio da proporcionalidade e utilizando qual valor princípio possui maior peso, devendo este prevalecer à situação. A ponderação entre princípios constitucionais é tarefa das mais complexas e importantes para a manutenção da ordem constitucional coesa. Por essa razão é enorme a responsabilidade do Poder Judiciário, principalmente das Cortes Supremas dos Estados. Na opinião de Barroso (2009, p. 334), a ponderação é uma “técnica de decisão jurídica, aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente”. Em sua decomposição, o princípio da proporcionalidade é subdividido em três subprincípios. O da adequação preconiza a relação entre o ato praticado e a finalidade almejada por uma determinada norma, ou seja, se a medida adotada pelo Estado é adequada à obtenção do fim que o legislador pretende atingir. Por sua vez, o subprincípio da necessidade impõe a utilização, dentre as possíveis, da medida menos gravosa para atingir determinado objetivo. Em contrapartida, enquanto os subprincípios da adequação e da necessidade tratam da otimização relativamente às possibilidades fáticas, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito ressalta a otimização quanto às possibilidades jurídicas, avaliando a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos do cidadão. (Sarmento, 2003) 7 CONCLUSÃO Conforme destacado no início do trabalho, a censura nada tem a ver com os direitos fundamentais, ao contrário, ela foi o silencio total das vozes dos brasileiros, não havia possibilidade de expressar uma vontade, era uma brutal imposição do governo sobre a vida das pessoas. Vivemos em um Estado Democrático em que os direitos fundamentais são invioláveis, em especial os direitos individuais. Esses direitos não são absolutos e nem ilimitados. A liberdade de expressão resguardada pela Carta Magna não significa dizer tudo que queremos e por isso ela é limitada pelo direito à intimidade, limite este que não deve e não pode ser considerado como uma espécie censura. Permitir biografias não autorizadas é concordar em expor o que pode ir além do querer da pessoa pública, sem a sua autorização. É tirar da pessoa um direito que ela tem de decidir sobre a sua vida, e colocar nas mãos de outros a sua liberdade de manter em particular fatos de sua história que ela acredita que não cabe a ninguém saber.
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Por outro lado, impedir a publicação de obra é estancar o conhecimento. A imprensa tem uma enorme importância em divulgação de notícias e fatos que ajudam os cidadãos em todos os aspectos. Proibir que as notícias e informações sejam divulgadas não é limitar a liberdade de expressão, é extingui –la. Desta forma, quando dois princípios constitucionais se esbarram, cabe ao ordenamento jurídico decidir qual direito haverá de prevalecer, utilizando- se do princípio da proporcionalidade, ponderando em qual tem maior valor e apelo social, para que a decisão seja justa, mesmo que prevalecendo um em detrimento do outro, pois que nenhum princípio é absoluto, e se assim fosse não haveria direitos.
6 REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. BINENBOJM, Gustavo. Petição inicial da Adin 4815/STF. Disponível em http:// redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em 26.05.2013. CALDAS, Pedro Frederico. “Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral. São Paulo: Saraiva, 1997. CARVALHO, LG Grandinetti Castanho de. “Liberdade de informação e o direito difuso à informação verdadeira”. 2ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2003. COSTA ANDRADE, Manuel da. Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. ______________________. “O fantasma da censura volta a assombrar a imprensa brasileira”. Revista Científica Virtual da Escola Superior de Advocacia da OAB -SP, versão 2012, ano IV, nº 9, p. 131. Disponível em http://esaoabsp.edu.br/ revista/edicao09/index.swf. Acesso em 24.04.2013. FÉLIX, Jorge. “Justiça aceita censura da biografia do cantor”. Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br. Acesso em 10.05.2014. GODOY, Claudio Luiz Bueno de. “A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2008. TEPEDINO, Gustavo. Opinião doutrinária acerca da interpretação conforme a Constituição da República dos arts. 20 e 21 do CC. Peça processual da Adin 4815 interposta pela Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros). Disponível em: http:// redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em 19.05.2014. WILLER, Claudio. “Em defesa das biografias”. Artigo disponível em http://www. amigosdolivro.com.br. Acesso em 09.05.2014. SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003. MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Ed. Almedina, 1987. Constituição da Republica de 1988. Código Civil 2002
NOTAS DE FIM 1 Aluna do 9ª período curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora de Direito Constitucional do Centro Universitário Newton Paiva. Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) 3 Ludmila Castro Veado Stigert; Bernardo Gomes Barbosa Nogueira
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4 Censura é uma palavra com origem no latim censura que significa o ato ou efeito de censurar. Censura também pode ser sinônima de repreensão ou reprimenda. Além disso, a censura é uma conhecida forma de restrição da liberdade e do conhecimento, normalmente exercida por um regime ditatorial. 5 Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido por Chico Buarque (Rio de Janeiro, 19 de junho de 1944), é um músico, dramaturgo e escritor brasileiro. É conhecido por ser um dos maiores nomes da música popular brasileira (MPB). Sua discografia conta com aproximadamente oitenta discos, entre eles discossolo, em parceria com outros músicos e compactos. 6 Ditadura é uma forma de governo em que o governante (presidente, rei, primeiro ministro) exerce seu poder sem respeitar a democracia, ou seja, governa de acordo com suas vontades ou com as do grupo político ao qual pertence. 7 Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO DE INFORMAÇÃO. LIBERDADE DE IMPRENSA. PROTEÇÃO À HONRA. INDENIZAÇÃO. 1. O réu divulgou notícia ofensiva à imagem do autor, como vereador. Embora não tenha sido o réu explícito em qualificar o autor como pessoa corrupta, há nítida intenção de contestar o patrimônio supostamente amealhado pelo autor. Além disso, o autor comprovou que, em mensagem anterior, o réu nitidamente considerou o comportamento dele imoral em razão da pessoa supostamente inidônea que o acompanhava. 2. A Constituição Federal garante a liberdade de imprensa (art. 220, da Constituição Federal). Entretanto, a Constituição Federal também garantiu a indenização por dano material, moral ou à imagem (art. 5º, inc. V) e considerou invioláveis a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, inc. X). Houve, portanto, a imposição de limite à plena liberdade de imprensa. O exercício deste direito, previsto na Constituição, não pode violar direitos fundamentais igualmente estabelecidos na Constituição. Aplicação do mecanismo constitucional de calibração de princípios. Precedente do STF (ADPF 130). 3. O réu, na contestação e na apelação, não defendeu a veracidade da informação publicada. Tampouco esclareceu os indicativos que o levaram a publicar aquelas mensagens, o que afasta o interesse público da comunicação. Daí decorre que não se pode aferir a veracidade das informações, que foram expressamente impugnadas pelo autor. Nessas condições, não poderia o réu se valer da prerrogativa de liberdade de informação. Sentença de procedência dos pedidos mantida. Recurso não provido.TJ-SP - Apelação APL 00067094920128260481 SP 0006709-49.2012.8.26.0481 (TJ-SP) Data de publicação: 19/03/2013 8 Tepedino, Gustavo. Opinião doutrinária acerca da interpretação conforme a Constituição da República dos arts. 20 e 21 do CC. Peça processual da Adin 4815 interposta pela Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros). Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em 03.06.2014 9 Processo: APL 1717978920108260100 SP 0171797-89.2010.8.26.0100 Relator(a): Edson Luiz de Queiroz Julgamento: 20/06/2012 Órgão Julgador:5ª Câmara de Direito Privado Publicação: 22/06/2012 Ementa: 1. Ação de indenização por danos morais, sob alegação de veiculação de reportagem por emissora de televisão envolvendo o autor, com imputação ao autor da prática de ilícito criminal. Pedido inicial julgado parcialmente procedente. 2. Os direitos à imagem e à privacidade estão previstos na Constituição Federal , no artigo 5º , inciso X . Também é preceito constitucional, a liberdade de imprensa e o artigo 220 , § 1º , da Constituição Federal é claro ao determinar que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraçado à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º , IV , V , X , XIII e XIV “. 3. Todos devem colaborar para a construção de uma sociedade justa, saudável e produtiva. Também os jornalistas devem participar dessa empreitada. Não se justifica a divulgação de notícias evidentemente tendenciosas, tão somente com a finalidade de produzir audiência. O poder da imprensa é tão grande que pode construir ou destruir reputações. 4. No caso presente, em programas e jornais televisionados pela ré, foram feitas inúmeras e gratuitas imputações ao autor, com invasão de sua privacidade e exposição pública e gratuita de sua intimidade. Embora figura pública, sua intimidade não pode ser exposta de forma desnecessária e sua pessoa não pode ser apresentada de forma tendenciosa. Configurado ato ilícito civil, praticado pela Rário e Televisão Record S.A. 5. Danos morais configurados. Montante da indenização fixada de acordo com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade. 6. Em relação ao pedido de retratação, a pretensão deduzida em Juízo deve ser acolhida. Não se pode deixar
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de anotar que, em razão do decurso do tempo, seria desaconselhável a publicação de retratação, vez que seria relembrar fato já esquecido pela população. No entanto, considera-se que a retratação é direito do autor e o exercício desse direito é de sua livre escolha. 7. Juros moratórios contados do evento danoso, a teor do contido na Súmula 54 do STJ.Recurso do autor parcialmente provido. Improvido o recurso da ré. 10 STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1414004 DF 2013/0274641-5 (STJ) Data de publicação: 06/03/2014 Ementa: DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MATÉRIA JORNALÍSTICA. CONTEÚDO OFENSIVO. LIBERDADE DE IMPRENSA. LIMITES. DISPOSTIVOS LEGAIS ANALISADOS: 5º E 220 DA CF/88 E 186 E 927 DO CC/02 . 1. Ação ajuizada em 23.08.2007. Recurso especial concluso ao gabinete da Relatora em 05.12.2013. 2. Recurso especial em que se discute os limites da liberdade deimprensa. 3. O direito à informação não elimina as garantias individuais, porém encontra nelas os seus limites, devendo atentar ao dever de veracidade, ao qual estão vinculados os órgãos de imprensa, pois a falsidade dos dados divulgados manipula em vez de formar a opinião pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em sociedade. 4. O veículo de comunicação somente se exime de culpa quando buscar fontes fidedignas, exercendo atividade investigativa, ouvindo as diversas partes interessadas e afastando quaisquer dúvidas sérias quanto à verossimilhança do que divulgará. 5. Hipótese em julgamento na qual o comportamento do recorrente extrapolou em muito o animus narrandi, tendo por escopo nodal atingir a honra e a imagem do recorrido, com o agravante de se utilizar como subterfúgio informações inverídicas, evidenciando, no mínimo, displicência do jornalista na confirmação dos fatos trazidos pela sua fonte. 6. Recurso especial a que se nega provimento. Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. MATÉRIAS JORNALÍSTICAS DIVULGADAS NA IMPRENSA ESCRITA E VIRTUAL. LIBERDADE DE INFORMAR. PROTEÇÃO DA INTIMIDADE E DIGNIDADE. IMPUTAÇÃO DE CONDUTA CRIMINOSA. DANO MORAL. JUROS DE MORA. TERMO. EXCLUSÃO DAS REPORTAGENS DA REDE MUNDIAL. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. 1. A liberdade de imprensa, consectário da garantia àliberdade de manifestação livre do pensamento protegida pela Constituição da República nos artigos 5º, IV, e 220, deve ser prestigiada, porém, limitada pelas garantias à proteção da intimidade e dignidade da pessoa humana, também constitucionalmente resguardadas pelos artigos 1º, III, e 5º, X, da Carta Política. Precedentes. 2. As matérias jornalísticas contra a qual se insurgiu o demandante mencionaram seu nome completo e expuseram sua imagem. Os textos das reportagens tacham o demandante como criminoso, envolvido com quadrilha que furtava automóveis utilizando veículo-reboque. 3. Contudo, na verdade, o demandante foi conduzido à Delegacia Policial para averiguação de crime de furto de veículo e, na repartição policial, auxiliou os policiais a descobrir a autoria e materialidade do crime, sendo arrolado como testemunha de acusação do Ministério Público, em processo criminal onde terceiro foi condenado por crime contra o patrimônio. 4. Cristalina a ofensa à honra do autor, tendo a demandada ultrapassado os limites do direito a livre informação, ao colacionar imagem com o nome completo do demandante, além de imputar-lhe conduta inverídica que atentam contra o direito de personalidade. 5. Por outro lado, a empresa jornalística deixou de provar que as informações que embasaram as reportagens teriam sido repassadas por policiais, ônus do qual não se desincumbiu, a teor do que preconiza o artigo 333, inciso II do CPC. 6. Dano in re ipsa, a dispensar a comprovação. Doutrina. 7. Quantum indenizatório majorado ao valor de R$ 50.000,00, em razão das implicações emocionais e sociais decorrentes da matéria jornalística inverídica. Precedente do STJ. 8. Juros de mora calculados a contar do evento danoso, em razão da inexistência de relação contratual entre as partes. Verbete 54 da Súmula do STJ. Precedente do STJ. 9. Noutra toada, as pessoas têm o direito de serem esquecidas pela opinião pública e pela imprensa.Inconcebível prestigiar punições eternas. Sendo assim, diante da publicação de matéria jornalística inverídica que maculou os direitos individuais do demandante, esta deve ser excluída dos sítios eletrônicos da demandada, por ser ilícita e violar odireito ao esquecimento. Precedentes do STJ e do TJRJ. 10. Por fim, de acordo com artigo 21 do CPC, a hipótese é de sucumbência reciproca, uma vez que o autor saiu vitorioso em 2/3 dos pedidos. 11. Apelos providos em parte.... 11 Joaquim Barbosa é o atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), mas deixará a Corte em junho deste ano. O mandato de Joaquim Barbosa como presidente da Corte acabaria em novembro, mas ele poderia continuar como ministro por mais 11 anos. A idade para aposentadoria compulsória no STF é de 70 anos. 12 Paula Mafra Lavigne é atriz e produtora brasileira. Presidente da Associação Procure Saber
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13 EMENTA Ação originária. Fatos incontroversos. Dispensável a instrução probatória. Liberdade de expressão limitada pelos direitos à honra, à intimidade e à imagem, cuja violação gera dano moral. Pessoas públicas. Sujeição a críticas no desempenho das funções. Limites. Fixação do dano moral. Grau de reprovabilidade da conduta. Fixação dos honorários. Art. 20, § 3º, do CPC. 1. É dispensável a audiência de instrução quando os fatos são incontroversos, uma vez que esses independem de prova (art. 334, III, do CPC). 2. Embora seja livre a manifestação do pensamento, tal direito não é absoluto. Ao contrário, encontra limites em outros direitos também essenciais para a concretização da dignidade da pessoa humana: a honra, a intimidade, a privacidade e o direito à imagem. 3. As pessoas públicas estão sujeitas a críticas no desempenho de suas funções. Todavia, essas não podem ser infundadas e devem observar determinados limites. Se as acusações destinadas são graves e não são apresentadas provas de sua veracidade, configurado está o dano moral. 4. A fixação do quantum indenizatório deve observar o grau de reprovabilidade da conduta. 5. A conduta do réu, embora reprovável, destinou-se a pessoa pública, que está sujeita a críticas relacionadas com a sua função, o que atenua o grau de reprovabilidade da conduta. 6. A extensão do dano é média, pois apesar de haver publicações das acusações feitas pelo réu, foi igualmente publicada, e com destaque (capa do jornal), matéria que inocenta o autor, o que minimizou o impacto das ofensas perante a sociedade. 7. O quantum fixado pela sentença (R$ 6.000,00) é razoável e adequado. 8. O valor dos honorários, de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, está em conformidade com os critérios estabelecidos pelo art. 20, § 3º, do CPC. 9. O valor dos honorários fixados na reconvenção também é adequado, representando a totalidade do valor dado à causa. 10. Agravo retido e apelações não providos. (AO 1390, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 12/05/2011, DJe-166 DIVULG 29-08-2011 PUBLIC 30-08-2011 EMENT VOL02576-01 PP-00017 RDDP n. 104, 2011, p. 144-150) Ementa: COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS. LIBERDADE DE IMPRENSA X DIREITO À INTIMIDADE. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. DIVULGAÇÃO NÃO AUTORIZADA DO SOFRIMENTO DOS PAIS NO ENTERRO DE MENOR. REPORTAGEM QUE NARRA, DE FORMA SENSACIONALISTA A AGONIA E O DESESPERO DOS PARENTES, ALÉM DE PRESTAR FALSA INFORMAÇÃO DE QUE A VÍTIMA SOFRERA ABUSOS E VIOLÊNCIA SEXUAIS. OCORRÊNCIA DE DANO MORAL. - Tratando-se a hipótese de colisão de direitos fundamentais e na impossibilidade de se aplicar a clássica regra da subsunção da norma, por não haver hierarquia entre as mesmas (liberdade de expressão x intimidade), o interprete deve aplicar a ponderação de interesses, utilizando-se do recurso da técnica da argumentação. - A conferência Nórdica deixou consignado que o exercício dessas liberdades ¿ direito de informação ¿ é de interesse público, tornando-se inevitável, em vários momentos, o conflito entre o interesse da sociedade no seu exercício e o interesse do indivíduo em viver sua vida privada sem ser molestado. - In casu, extrai-se do laudo pericial do Instituto Carlos Éboli, a ausência da ocorrência de estupro ou possíveis abusos praticados contra a menor assassinada. Portanto, não se comprometeu com a verdade dos fatos, a matéria jornalística impugnada. - Ademais, verifica-
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se através do vasto conjunto fático probatório que os apelantes exacerbaram em suas liberdades inerentes ao direito de informar, revelando nitidamente, o caráter sensacionalista da matéria publicada, fugindo com o dever de prestar informação de interesse da sociedade, dentro dos parâmetros insculpidos na Convenção Nórdica, gerando, portanto, dano moral. Compensação por danos morais fixada dentro dos limites da razoabilidade e proporcionalidade. NEGADO PROVIMENTO AOS APELOS DAS RÉS E AO APELO DA PARTE AUTORA. Além da preocupação com os direitos da pessoa do biografado, de decidir o que pode ou não ser divulgado, há também a preocupação com o lucro obtido com as histórias da vida de uma pessoa real. Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONSTATADOS APENAS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. DIVULGAÇÃO DE IMAGEM DE ACUSADO EM PROCESSO PENAL SEM A SUA AUTORIZAÇÃO. VIOLAÇÃO À DIREITO DA PERSONALIDADE. LIMITAÇÃO DALIBERDADE DE IMPRENSA QUANDO EM CONFRONTO COM O DIREITO ÀINTIMIDADE. DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA INTENÇÃO DE MACULAR A HONRA E DA COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO PARA FINS CONDENAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 403 DO STJ. SENTENÇA MANTIDA. Envolve os autos pedido de reparação por dano material e moral, em razão da publicação de um retrato de pessoa acusada de envolvimento com o tráfico de drogas, associada à transmissão da notícia em um jornal. A sentença apenas reconheceu a procedência da reparação extrapatrimonial, havendo preclusão da discussão acerca dos danos materiais, face a não interposição de recurso pela parte Autora. Análise, portanto, apenas dos danos morais nesta sede recursal. É certo que a Constituição Federal , em seu art. 220 , assegura a liberdade aos meios de comunicação. Contudo, a livre manifestação jornalística encontra óbices nos princípios e regras contidas no próprio texto constitucional . Nestes termos, a preservação daintimidade constitui direito da pessoa humana e limitação à imprensa, devendo ser resguardada a imagem do indivíduo, sob pena de haver responsabilização em caso de violação. Importante diferenciar a conduta de divulgação da notícia, a qual desde que verídica e desprovida de sensacionalismo, deve ser exercida sem embaraços, do ato de publicação da imagem da pessoa, este sim, sujeito a restrições de ordem constitucional, e suscetível de reparações em caso de desrespeito, mormente quando expressamente não autorizada a sua exposição. A indenização devida pela violação a este direito de imagem independe da demonstração do intuito de ofender, bem como da comprovação do efetivo prejuízo, conforme dispõe a Súmula 403 do STJ. RECURSO IMPROVIDO.... 14 Djavan Caetano Viana é um cantor, compositor, produtor musical e violonista brasileiro 15 Alice Ruiz é uma poetisa e tradutora brasileira. Em 2009, recebeu o Prêmio Jabuti pelo livro Dois em Um. 16 Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, mais conhecido como Caetano Veloso, é um músico, produtor, arranjador e escritor brasileiro.
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EMENDA CONSITUCIONAL Nº 72/2013 – OS NOVOS DIREITOS DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS E A SUA APLICABILIDADE IMEDIATA Pedro Henrique Curi de Oliveira1 Mirella Karen de Carvalho Bifano Muniz2 Banca Examinadora3
RESUMO: O presente estudo pretende informar ao leitor quais são os novos direitos dos empregados domésticos, através da publicação da Emenda Constitucional nº. 72/2013, que alterou a redação do parágrafo único do art. 7º, da Constituição Federal, que estabelece os direitos dos empregados urbanos e rurais. Além disso, será traçado um histórico sobre a legislação dos domésticos, relatando as dificuldades enfrentadas por essa categoria para a regulamentação e normatização de seus direitos. PALAVRAS-CHAVE: Empregados domésticos; Novos direitos; Emenda Constitucional nº. 72/2013; Aplicabilidade imediata; Princípios Constitucionais. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 O princípio constitucional da igualdade e os domésticos; 3 Caracterização jurídica do empregado doméstico; 4 A evolução histórica dos direitos dos domésticos até a publicação da EC nº 72/2013; 5 Os novos direitos dos empregados domésticos; 6 Aplicação analógica dos princípios constitucionais aos direitos dos domésticos; 7 Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO O estudo do tema “EMENDA CONSITUCIONAL Nº 72/2013 – OS NOVOS DIREITOS DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS E A SUA APLICABILIDADE IMEDIATA” é extremamente importante e atual, uma vez que em muitas das residências brasileiras são mantidas relações domésticas e, por isso, necessário ressaltar quais foram as mudanças trazidas com a Emenda Constitucional 72/2013. No tópico a seguir, quando será tratado do breve histórico da legislação doméstica, ficará claro que essa categoria especial passou por um longo período de tempo sem o reconhecimento de seus direitos, sempre às margens da legislação trabalhista. Ademais, desde a consolidação de sua legislação, os domésticos deveriam granjear de direitos e garantias fundamentais inerentes a todos os trabalhadores, de forma indistinta, não de forma marginalizada, como a legislação trabalhista os trata. Todavia, não foi o que aconteceu... Por esse motivo, a referida Emenda Constitucional, ao que tudo indica, veio com a finalidade de retirar os trabalhadores domésticos dessa marginalização, o qual o ordenamento jurídico lhes submetia, espelhando-se na realidade do direito comparado, resgatando a dignidade dessa categoria especial de trabalhadores. Por outro lado, no mesmo momento em que a EC 72/13 tenta resgatar a dignidade dos domésticos, as casas legislativas federais ignoraram ou não discutiram as respectivas repercussões dessas novas normas, podendo gerar o efeito oposto, pelo fato de aumentar substancialmente o custo da manutenção do doméstico no orçamento familiar, comprometendo o existir da própria categoria. Portanto, para alcançar o objetivo desse artigo – que é a análise dos novos direitos dos empregados domésticos – será realizado um estudo minucioso do conceito de empregado doméstico e suas características, bem como do art. 7º, parágrafo único, CR/88, que estabeleceu os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais e, por fim, uma análise da Emenda Constitucional 72/2013 que ampliou tais direitos aos empregados domésticos.
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2 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE E OS DOMÉSTICOS Há princípios gerais de toda a ciência do Direito que têm indiscutível aplicação no âmbito especializado do Direito do Trabalho. Exemplo disso é o princípio constitucional da igualdade, previsto no art. 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:.” Pois bem, segundo este princípio, todos os brasileiros e residentes no Brasil deverão ser tratados igualmente, respeitadas as suas desigualdades, não sendo tolerado qualquer tipo de discriminação, seja racial, por cor, social, política, religiosa, sexual ou idade. Todavia, como se sabe, os domésticos não são tratados com a mesma isonomia existente entre os demais trabalhadores. Percebe-se isso, claramente, quanto à regulamentação de seus direitos, que se consolidaram somente em 1988, com a promulgação da Constituição Federal. Importante lembrar, no mesmo sentido, que mesmo com a promulgação da CR/88, os domésticos não foram premiados com os mesmos direitos dos demais trabalhadores urbanos e rurais – previstos no art. 7º, da Carta Magna – em nítida afronta ao princípio constitucional da igualdade. Assim sendo, qualquer trabalhador, uma vez discriminado por questão salarial, por motivo de idade, sexo, cor ou estado civil, tem direito de buscar, utilizando-se do seu direito constitucional de ação, a prestação da tutela jurisdicional do Estado, visando a predominância de seus direitos previstos na Legislação Pátria. Portanto, conclui-se que o princípio da igualdade é imprescindível tanto no Direito do Trabalho, como em qualquer outro ramo (área) da ciência do Direito e, nesse sentido, para que não exista afronta aos direitos fundamentais dos seres humanos, importante haver igualdade e isonomia entre os todos trabalhadores, seja o trabalhador urbano, o trabalhador rural e a categoria especial dos empregados domésticos.
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3 CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA DO EMPREGADO DOMÉSTICO 3.1 Conceito Segundo DELGADO, Maurício Godinho (2013, p. 371): “Empregado doméstico é uma modalidade especial da figura jurídica de empregado. Seu tipo legal compõe-se dos mesmos cinco elementos fático-jurídicos característicos de qualquer empregado – embora um desses elementos receba, no tocante à relação empregatícia doméstica, conformação jurídica algo distintiva em face do padrão celetista imperante.” Em outras palavras, empregado doméstico é a pessoa física que presta, com pessoalidade, onerosidade e subordinadamente, serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, em função do âmbito residencial destas, conceito este baseado no art. 7º, “a”, da CLT. Ainda, a Lei nº. 5.859/72, em seu art. 1º, define empregado doméstico como “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.” Através dos conceitos transcritos acima, percebe-se que na relação doméstica, em conjunto com os elementos fático-jurídicos gerais – o trabalho prestado por pessoa física, a pessoalidade, a não eventualidade, a onerosidade e a subordinação – existem alguns elementos especiais, próprios a esta relação empregatícia, quais sejam, a finalidade não lucrativa dos serviços, apropriação dos serviços apenas por pessoa física ou familiar e efetuação dos serviços em função do âmbito residencial dos tomadores. 3. 2 Elementos fáticos jurídicos gerais Relativamente aos elementos gerais, o primeiro refere-se à prestação dos serviços por pessoa física. O direito do trabalho toma em consideração a relação empregatícia pactuada por uma pessoa física, natural, não podendo ser usufruídos por pessoas jurídicas. Assim, a figura do trabalhador há de ser, sempre, uma pessoa natural. O segundo elemento, a pessoalidade, é vinculado ao anterior, visto que é essencial à configuração da relação de emprego que a prestação do trabalho, pela pessoa física, tenha efetivo caráter de infungibilidade, isto é, deve ser intuitu personae com respeito ao prestador de serviços, que não poderá, assim, fazer-se substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da caracterização dos serviços pactuados. Existem, contudo, situações de substituição. Citem-se as situações de substituição proporcionada pelo consentimento do tomador de serviços, isto é, uma eventual substituição consentida, que, por sua vez, não afasta, necessariamente, a pessoalidade do empregado. Além disso, citem-se as substituições autorizadas em lei ou norma autônoma, como por exemplo, as férias e a licença-gestante. O terceiro elemento geral é a continuidade na prestação de serviços. A ideia de permanência atua no Direito do Trabalho e, nesse aspecto, vinculado está o princípio da continuidade da relação de emprego, incentivado, normativamente, pela concepção da permanência indefinida do vínculo empregatício. Nessa acepção, para que haja a relação empregatícia, é necessário que o trabalho prestado tenha caráter de permanência (ainda que por um curto período determinado), não se qualificando como trabalho esporádico, temporário. Veja que a Lei do Doméstico utiliza-se do termo natureza contínua, ao invés do termo não eventualidade, prevista na Consolidação das Leis do Trabalho. Assim sendo, prevalece, tanto na doutrina, como na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, a exigência de prestação de serviços contínuos (sem interrupções), no mínimo, 3 vezes por semana, para configurar o vínculo empregatício doméstico.
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Por outro lado, se os serviços forem prestados em 1 ou 2 dias por semana, ficará configurada a “faxineira” ou a “diarista”, que representam trabalhadoras autônomas, sem direitos trabalhistas. Veja-se os recentes entendimentos do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região quanto à continuidade na prestação dos serviços domésticos: “ 3. 0000150-56.2013.5.03.0150 RO (00150-2013-150-0300-4 RO) Data de Publicação: 17/02/2014 Órgão Julgador: Quarta Turma Relator: Paulo Chaves Correa Filho Revisor: Julio Bernardo do Carmo EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO CARACTERIZADA. Para a configuração da relação de emprego, o artigo 3º da CLT exige a presença concomitante dos pressupostos fáticos caracterizadores do liame empregatício, quais sejam subordinação, pessoalidade, não-eventualidade e onerosidade. Emergindo do contexto probatório produzido a presença deles, é de se reconhecer e declarar a existência de vínculo de emprego entre as partes. INTEIRO TEOR: com a decisão que reconheceu o vínculo empregatício do autor. Alega que para o reconhecimento da relação de emprego faz-se necessária a produção de prova ... Rocha (já falecido). Aduz que em 30-09-2010 foi procedida a aposição do registro de saída em sua CTPS, todavia, o vínculo empregatício permaneceu ... doméstico, como o suscitado nos autos, o artigo 1º da Lei 5.859/72 exige também a presença do pressuposto continuidade...” (TRT da 3.ª Região; Processo: 00150-2013-150-03-00-4 RO; Data de Publicação: 17/02/2014; Órgão Julgador: Quarta Turma; Relator: Paulo Chaves Correa Filho; Revisor: Julio Bernardo do Carmo; Divulgação: -)” “ 8. 0002296-49.2012.5.03.0039 RO (02296-2012-039-03-00-8 RO)
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Data de Publicação: 19/08/2013 Órgão Julgador: Sexta Turma Relator: Jorge Berg de Mendonca Revisor: Fernando Antonio Viegas Peixoto EMENTA: DIARISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. INEXISTÊNCIA. Na dicção do art. 1º da Lei 5.859/72, empregado doméstico é “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas”. “In casu”, não comprovado que a reclamante prestava serviços por mais de três vezes por semana, de forma contínua, evidencia-se a figura da diarista, não se caracterizando, portanto, o vínculo empregatício. INTEIRO TEOR: a prestação de serviços, negando, todavia, que houve vínculo empregatício entre as partes, mas apenas prestação de serviços autônomos pela reclamante ... com continuidade, tal como alegado na inicial. Ora, tratando-se de empregado doméstico, uma de suas peculiaridades consiste na prestação de serviços ... , intermitente, apenas em alguns dias da semana, o que afasta a caracterização do vínculo empregatício no âmbito doméstico. Aliás, adoto o entendimento ... - NÃO CONHECIMENTO. De acordo com reiterada jurisprudência desta Corte, não há vínculo de emprego doméstico entre o tomador dos serviços e a diarista ... apenas dois dias por semana. Desse modo, de acordo com o art. 1º da Lei 5.859/72, para existir vínculo doméstico é necessário haver continuidade
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no... (TRT da 3.ª Região; Processo: 02296-2012-039-03-00-8 RO; Data de Publicação: 19/08/2013; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Jorge Berg de Mendonca; Revisor: Fernando Antonio Viegas Peixoto; Divulgação: -)” Nesse mesmo sentido, para ressaltar a diferença existente entre o requisito da continuidade e o da não eventualidade, importante analisar os ensinamentos da i. doutrinadora BONFIM, Vólia. Para esta doutrinadora, em outras palavras, a distinção entre os requisitos foi proposital, porque o conceito de trabalho não eventual previsto no art. 3º, da CLT, relaciona-se com a atividade empresarial, com seus fins e necessidades de funcionamento e o empregador doméstico não explora atividade econômica lucrativa. Em contrapartida, o trabalho “contínuo” relaciona-se com a repetição do trabalho doméstico, que deve ser analisada por semana, desprezando o tempo de duração do contrato, de forma que o trabalhador doméstico execute seus serviços três ou mais dias na semana, por mais de quatro horas por dia. O quarto elemento fático-jurídico geral é a onerosidade e, segundo DELGADO, Maurício Godinho (2013, p. 289): “A relação empregatícia é uma relação de essencial fundo econômico. (...) Desse modo, ao valor econômico da força de trabalho colocada à disposição do empregador deve corresponder uma contrapartida econômica em benefício do obreiro, consubstanciada no conjunto salarial, isto é, o complexo de verbas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em virtude da relação empregatícia pactuada.” Em outras palavras, num sentido objetivo, a onerosidade faz-se conhecer pelo pagamento, pelo empregador, de parcelas dirigidas a remunerar o empregado em função do contrato empregatício pactuado, formando um complexo salarial constituído de diversas verbas marcadas pela mesma natureza jurídica. O quinto e último elemento fático-jurídico geral é a subordinação, que significa, em uma noção etimológica, o estado de dependência ou obediência em relação a uma hierarquia de posição ou de valores, isto é, a sujeição ao poder de outros, às ordens de terceiros, uma posição de dependência. Ultrapassados os elementos fático-jurídicos gerais, passa-se à análise dos elementos especiais intrínsecos aos empregados domésticos. 3.2 Elementos fáticos jurídicos especiais O primeiro elemento especial é a finalidade não lucrativa dos serviços. No que toca a esse elemento, quer a lei que o trabalho exercido não tenha objetivos e resultados comerciais ou industriais, restringindo-se ao exclusivo interesse pessoal do tomador ou sua família, não produzindo benefícios e lucros ao empregador. O segundo elemento especial é a prestação laboral à pessoa ou família. Veja, de inicio, que uma pessoa jurídica não pode ser tomadora de serviços domésticos, limitando-se a prestação dos serviços à pessoa física, individualmente ou em grupo unitário. Necessário esclarecer que, juridicamente, é viável a contratação do trabalho doméstico no contexto de ambiente residencial ocupado por pessoas não vinculadas por laços de parentesco, caso típico das tradicionais repúblicas estudantis. Nesse caso, as pessoas envolvidas contratam diretamente a prestação de trabalho doméstico, sem fins econômicos, a ser desenvolvido no âmbito de sua residência atual, que, neste caso, faz às vezes de sua residência “familiar”.
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Assim sendo, uma república de estudantes, mesmo não tendo caráter familiar, está apta à contratação de empregado doméstico, configurando o vínculo com este. O terceiro e último elemento fático-jurídico especial diz respeito à circunstancia de terem se ser os serviços prestados no âmbito residencial do empregador. A expressão trazida na Lei nº. 5.859/72 designa, na verdade, todo ambiente que esteja vinculado à vida pessoal do indivíduo ou da família, onde não se produza valor de troca, mas essencialmente atividade de consumo. Veja a redação do art. 1º, da referida Lei, que conceitua o empregado doméstico: “Art. 1º: Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei.” Desse modo, a expressão deve ser apreendida em função do âmbito residencial da pessoa ou família. Isso significa que a concepção de âmbito residencial abrange não somente a específica moradia do empregador, como, também, unidades estritamente familiares que estejam distantes da residência principal da pessoa ou família que toma o serviço doméstico, como por exemplo, a casa de campo, a casa de praia. Importante ficar claro que o essencial é que o espaço de trabalho se refira ao interesse pessoal ou familiar, apresentando-se aos sujeitos da relação de emprego em função da dinâmica estritamente pessoal ou familiar do empregador. 4 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DOS DOMÉSTICOS ATÉ A PUBLICAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013. Quando se pensa em trabalho doméstico, de prontidão se tem a ideia de um trabalho de pouco valor, prestado por pessoas com pouco preparo para atividades intelectuais e sem colocação na sociedade, que foram obrigadas a se submeterem às condições impostas por pessoas de classes mais elevadas. O referido pensamento, ao que parece, tem origem na cultura brasileira colonial, uma vez que o trabalho doméstico era prestado por escravos e servos. Em meados do século XXVII, os servos, através da intervenção da Igreja, tiveram seus direitos nivelados ao dos homens livres, passando a exercer uma função autônoma, independente, deixando para trás a imagem de doméstico. Pode-se afirmar, com isso, que os escravos foram os primeiros trabalhadores “domésticos” no Brasil. Entretanto, a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, aboliu a escravatura, alcançando a liberdade dos escravos (negros), que enfrentaram muitas dificuldades após a consolidação da liberdade, pois o Estado Brasileiro não se preocupou em oferecer condições para que os ex-escravos (ex-domésticos) pudessem ser integrados no mercado de trabalho, com suas formalidades. Após a abolição, e a lenta, porém, contínua integração dos negros domésticos no mercado de trabalho, o Estado Brasileiro começou a regulamentar essa categoria especial de trabalhadores, através do Decreto n.º 16.106/23, o Decreto-Lei n.º 3.078/41, a Lei 605/49, a Lei 3.807/60. Todavia, o assunto era tratado com muita dificuldade, pois não havia clareza em discernir quem seriam os trabalhadores domésticos. Importante evidenciar que, em Maio de 1943, foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho, que excluiu os domésticos, uma vez que não regulamentou os direitos da referida categoria. Finalmente, no dia 11 de Dezembro de 1972, depois de grandes batalhas dos domésticos com o objetivo de terem uma Legislação específica, foram premiados pela criação da Lei 5859, que tratou es-
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pecificamente da categoria. A referida Lei protegeu a pessoa física que viesse a trabalhar para outras pessoas, no âmbito residencial e de forma não eventual, que trouxe apenas o direito à assinatura da Carteira de Trabalho (CTPS), a inserção na Previdência Social e as férias anuais remuneradas de 20 dias. Mesmo diante da nova legislação, o trabalhador doméstico não foi contemplado com o rol de direitos previstos para os outros trabalhadores/ empregados regidos pela CLT, tendo seus direitos limitados à referida Lei. Assim, a categoria dos domésticos continuou a buscar a ampliação de seus direitos e, com a promulgação da Constituição de 1988, a expectativa cresceu. A Constituição dispõe, no capítulo destinado aos Direitos Sociais, em seu artigo 7º, direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, bem como ampliou os direitos dos trabalhadores domésticos. No entanto, mais uma vez tais direitos não foram os consolidados, já que apenas os direitos previstos no parágrafo único do referido art. 7º se estenderam aos trabalhadores domésticos, ficando ainda, dependente de regulamentação o FGTS, seguro-desemprego, jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 semanais, etc. Posteriormente, a Lei 10.208/2001 acrescentou dispositivo à Lei 5.859/72, conferindo ao trabalhador doméstico o direito ao FGTS, entretanto, este direito devidamente mitigado pela previsão de faculdade do empregador na inclusão do empregado no regime de FGTS. As inovações continuaram e em 2006, a Lei n.º 11.324, além dos direitos já reconhecidos, instituiu alguns novos direitos, como a estabilidade para a gestante (da confirmação da gravidez até 5 meses após o parto); férias de 30 dias (anteriormente, a Lei previa 20 dias úteis de férias); seguro-desemprego; proibição de descontos dos gastos com alimentação, higiene e moradia. E, atualmente, o legislador, através da EC 72/13, ampliou ainda mais os direitos dos domésticos, com a finalidade de estabelecer certa igualdade entre esta categoria e os demais trabalhadores rurais e urbanos (não igualou, apenas estendeu alguns direitos aos domésticos). Dentre outros direitos, destaca-se a limitação da jornada de 8h diárias e 44h semanais e o adicional de horas extras de no mínimo 50%, com aplicabilidade imediata. Pendentes de regulamentação legal, por sua vez, o FGTS de forma obrigatória, seguro-desemprego, adicional noturno, salário família, auxílio-creche e seguro de acidente de trabalho. É interessante, assim sendo, fazer uma análise da adequação e pertinência dos novos direitos com base na visão dos empregadores, já que, diferentemente dos empregados “empresariais”, a categoria dos domésticos submete-se a um âmbito familiar, residencial, sem fins lucrativos e, não a uma empresa, que visa lucro. Por fim, resta claro que a relação doméstica deverá manter um equilíbrio, para que, de um lado, os direitos dos domésticos prevaleçam e de outro, para que os empregadores harmonizem a nova realidade, isto é, os novos gastos provenientes dos novos direitos. 5 OS NOVOS DIREITOS DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS Conforme narrado no item anterior, percebe-se que os empregados domésticos lutaram bastante até a regulamentação de seus direitos e, com o passar dos anos, foram criadas Leis esparsas com o objetivo de regularizar os direitos da categoria. Por isso, o presente tópico apresentará ao leitor quais foram os novos direitos instituídos a essa categoria com a publicação da Emenda Constitucional 72/2013, bem como citar os direitos já garantidos anteriormente. O art. 7º, parágrafo único, da CR/88, já garantia aos trabalhadores urbanos e rurais, bem como aos domésticos, o direito ao salário mínimo, ao 13º salário, às férias anuais remuneradas e com o devido adicional legal de 1/3, a licença gestante, a licença paternidade e o aviso prévio proporcional.
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Com a promulgação da Emenda 72/13, os empregados domésticos passam a ter, de imediato, direito ao limite de trabalho semanal com a carga diária de trabalho de 8 horas e 44 horas por semana, a remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% a do normal, reconhecimento de acordos ou convenções coletivas de trabalho, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (exclusivo dos empregados domésticos), a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor e estado civil. Veja-se abaixo o texto da Lei, que resta claro quais os direitos dos empregados domésticos. “Art. 7º, da CR/88: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIV - aposentadoria; XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX,
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XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. (Redação alterada pela Emenda Constitucional nº 72/2013).” Todavia, outros direitos estendidos ao empregado doméstico só se tornarão efetivos após regulamentação, que deverá ser feita pelo Congresso Nacional. Dentre eles estão a obrigatoriedade de recolhimento do FGTS (8%); o seguro-desemprego, o adicional noturno e o salário-família. Por todo o exposto, torna-se evidente que a EC 72/13, além dos novos benefícios proporcionados aos empregados domésticos, forçará todos os empregadores a serem, cada vez mais diligentes na manutenção desses contratos de trabalho, valendo-se da ajuda especializada dos profissionais do Direito, sempre que houver alguma dúvida que não possa ser solucionada, diretamente, entre as partes envolvidas. 6 A APLICAÇÃO ANALÓGICA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ANTERIORIDADE E NOVENTENA AOS DIREITOS DOS DOMÉSTICOS Antes de se iniciar a análise da aplicação analógica dos princípios constitucionais aos novos direitos dos domésticos, com a publicação da Emenda Constitucional 72/2013, importante conceituar analogia. Analogia significa julgar pelas semelhanças dos fatos, isto é, aplicar uma norma existente no ordenamento jurídico a um caso não previsto em Lei, desde que ressalvadas as respectivas semelhanças. A analogia existe para dar harmonia e coerência ao ordenamento jurídico, pois, utilizando a norma numa situação semelhante ao que ela descreve, o ordenamento jurídico apresentará – dentro dele mesmo – a solução para o caso concreto, não sendo necessário recorrer a soluções alheias à ordem Jurídica. Conclui-se que a analogia fornece igualdade de tratamento, pois as situações semelhantes serão disciplinadas da mesma forma. Ultrapassada a conceituação inicial do que vem a ser analogia, passa-se à análise dos princípios da anterioridade e da noventena, inerentes ao direito tributário, e que, analogicamente, deveriam ser aplicados para o início da vigência dos novos direitos dos empregados domésticos. Segundo o art. 150, III, “b”, da CR/88, é vedado aos entes federados – União, Estados, Distrito Federal e aos Municípios – cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos: b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.” Observa-se que o artigo constitucional acima refere-se ao princípio da anterioridade da lei. Neste caso, a cobrança do tributo está vinculada a cada exercício financeiro, que é anual, isto é, começa no dia 1º de Janeiro e termina no dia 31 de Dezembro de cada ano. Com efeito, o Estado está proibido de cobrar tributos no mesmo ano em que for publicada a Lei que os instituir ou aumentar. Para ilustrar, observe-se que, se a Lei foi publicada em Agosto de 2012, por exemplo, o Estado só pode cobrar os tributos no próximo ano – exercício financeiro – isto é, a partir do dia 1º de Janeiro de 2013.
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No mesmo sentido está o princípio da noventena, também previsto na Constituição Federal, notadamente em seu art. 150, III, “c”. Neste caso, o Estado está vedado a cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos: c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b.” Pelo princípio da noventena, fica claro que o Estado deve esperar um prazo mínimo de noventa dias após a publicação da lei para cobrar os tributos ou aumentá-los, sendo vedado, portanto, a cobrança antes desse prazo. Percebe-se que os referidos princípios são aplicados ao Direito Tributário, contudo, o legislador, quando da publicação da Emenda Constitucional 72/2013, deveria, por analogia, aplicar estes princípios ao Direito do Trabalho, notadamente quanto aos direitos dos empregados domésticos. Isto porque, caro leitor, foram instituídos novos direitos aos empregados domésticos, com imediata aplicação desde a publicação da EC 72/13, não atentando-se à nova realidade dos empregadores, que, agora, são obrigados a arcar com as novas despesas advindas da relação empregatícia. Importante deixar claro que em momento algum está se discutindo a instituição dos novos direitos da categoria doméstica – que devem, sim, ter os mesmos direitos dos empregados urbanos - todavia, adequado seria aplicar os princípios constitucionais da anterioridade e noventena para que os empregadores – pessoa ou família em âmbito residencial – tomassem ciência dos novos direitos de seus empregados, para readequar os contratos de trabalho, bem como para mensurar o impacto financeiro que a nova legislação trouxe. No mesmo sentido, importante atentar-se à natureza jurídica do salário, isto é, caráter alimentar, direito fundamental de todo trabalhador, previsto na Constituição Federal de 1988. Diante de tal caráter alimentício, pode-se chegar à conclusão que este é um direito inerente a todo trabalhador e, sem esta contraprestação do seu serviço, torna-se impossível a manutenção vital do ser humano em sociedade. Ora, por um lado, a necessidade de ampliar os direitos dos domésticos, equiparando-os aos direitos dos demais empregados urbanos. Por outro lado, interessante analisar a visão do empregador doméstico, já que, diferentemente dos empregadores “empresariais”, a categoria dos domésticos submete-se a um âmbito familiar, residencial, sem fins lucrativos e, não a uma empresa, que visa o lucro. O que se almeja é mostrar ao leitor a possibilidade de se aplicar ao Direito do Trabalho, notadamente quanto aos direitos dos domésticos, princípios constitucionais inerentes ao Direito Tributário, através da analogia. Portanto, para um equilíbrio entre a prestação e a contraprestação de serviços entre domésticos e seus empregadores, razoável aplicar os princípios constitucionais tributários para que haja a readequação das partes ante à nova realidade, isto é, ante aos novos direitos e às novas despesas advindas com a promulgação da Emenda Constitucional, evitando-se, principalmente, a dispensa em massa da categoria dos domésticos. Veja-se, tendo em vista que a publicação da EC 72 ocorreu no dia 02.04.2013, aplicando-se analogicamente os referidos princípios,
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a supracitada Emenda teria eficácia a partir do próximo exercício financeiro, ou seja, a partir do dia 1º de Janeiro de 2014. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS É límpido que a EC 72/2013, ao tentar equiparar o empregado doméstico aos demais empregados, pretende fazer um resgate histórico de uma categoria que se encontra, atualmente, execrada da proteção jurídica e marginalizada socialmente. Entretanto, necessário o questionamento: será que a EC 72/13 irá promover uma real dignificação do trabalho doméstico? Percebe-se que os domésticos, antes mesmo da publicação da referida EC, já se encontravam na informalidade, às margens da legislação trabalhista, mesmo não sendo possuidores de todos os direitos inerentes aos demais trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e pela Constituição Federal. Agora, ao tratar como igual realidades fáticas diversas – empregadores “empresariais” e empregadores domésticos – a emenda à constituição em nada contribuiu para o galgar da categoria, já que é grande o risco de dispensa em massa e até mesmo da extinção da categoria, à vista dos novos direitos garantidos pela EC e a possibilidade ou não dos empregadores adequarem esses direito ao orçamento familiar. Ademais, vislumbra-se que no instante em que a família brasileira tiver a consciência do custo da manutenção de seu empregado doméstico, a alteração constitucional – em proveito da efetivação dos direitos fundamentais – pode inverter seus efeitos, determinando, por vias oblíquas, o afastamento dos domésticos das residências brasileiras, objetivo este que jamais fora almejado pelo legislador. Portanto, conclui-se que é a Emenda Constitucional 72/2013 – que, de início surgiu, ampliando os direitos dos empregados domésticos – não favorecerá totalmente a categoria especial, podendo ter o efeito regresso, com a marginalização ou até mesmo a exclusão dos domésticos do mercado de trabalho formal, passando totalmente à informalidade, isto é, sem a efetivação dos direitos advindos de sua publicação (bem como seus reflexos: anotação do vínculo na Carteira de Trabalho – CTPS).
REFERÊNCIAS DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. Editora LTr, 2012. DE BARROS, Alice Monteiro. Curso do direito do Trabalho. 7ª edição. São Paulo: Ed. LTr, 2011.
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DE BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/biblioteca/NovasAquisicoes/2011-07/905600/ sumario.pdf . Acesso em 29 de abril de 2014. NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso. O (quase) fim do empregado doméstico – o paradoxo dos direitos sociais implantados pela EC 72/2013. Revista de direito do Trabalho RDT, 2013. LOPES, Marcus Aurélio. Anotações sobre o trabalho doméstico: convenção n. 189 da OIT, EC n. 72/2013 e projeto de lei complementar PLP n. 302/2013 (Câmara dos Deputados). Revista LTr. 78-01/74, Janeiro de 2014. DE BORBA, Camila Sailer Rafanhim. A efetividade dos direitos sociais dos empregados domésticos na história brasileira – O papel da EC nº 72/2013. Ed. Fórum. Revista Fórum Trabalhista RFT, 2013. GRAVATÁ, Isabelli; ANTUNES, Leandro; AIDAR, Letícia; BELFORT, Simone. CLT Organizada. 5ª edição. Editora LTr, 2014. HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 22ª edição revista e ampliada. São Paulo: Atlas S.A., 2013. ______. Leis, Decretos. Vade mecum Saraiva. 15. ed. atual. e ampl. 2013 São Paulo: Saraiva, 2013. lxviii, 2028 p. ISBN 9788502185128 NÚCLEO de bibliotecas. Manual para elaboração e apresentação dos trabalhos acadêmicos : padrão Newton. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton. 2011. Disponívelem:<http://www.newtonpaiva.br/NP_conteudo/file/Manual_aluno/Manual_Normalizacao_Newton_Paiva_2011.pdf. (Acesso em: 22de Novembro de 2013). SANTOS, Izequias Estevam dos. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica. 7.ed.rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. 384 p. ISBN 9788576264019
NOTAS DE FIM 1 Graduando em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora Orientadora, Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), Pós Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes, Analista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Professora do Centro Universitário Newton Paiva das disciplinas Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Prática Trabalhista. 3 Banca examinadora: Mirella Karen de Carvalho Bifano Muniz; Igor de Matos Monteiro.
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REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: SOLUÇÃO OU PROBLEMA Mariana Abreu da Silva¹ Cristian Kiefer da Silva² Banca Examinadora³ RESUMO: O artigo científico abordará as divergências existentes sobre a questão da redução da maioridade penal, apontando os principais problemas enfrentados acerca deste assunto. O trabalho consiste em demonstrar a ligação existente entre a sociedade e o Estado como primordiais na educação de uma criança e de um adolescente, e que reduzir a maioridade penal não será um melhor caminho a ser seguido se não combater as causas iniciais deste problema. Por fim, será demonstrado as mudanças feitas no nosso ordenamento jurídico referente a idade de uma pessoa a ser considerada imputável, os aspectos constitucionais e penais, a questão da matéria ser considerada clausula pétrea e as medidas socioeducativas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. PALAVRAS-CHAVE: imputabilidade, maioridade penal, ato infracional, cláusula pétrea, ressocialização. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA COM RELAÇÃO À MAIORIDADE PENAL; 3 OS ASPECTOS SOBRE A IMPUTABILIDADE PENAL NO DIREITO BRASILEIRO; 3.1 Da imputabilidade penal 3.2 Dos aspectos constitucionais; 3.3 Dos aspectos penais; 4 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE; 4.1 Da prática de ato infracional; 5 O POPULISMO PENAL E A QUESTÃO DA MAIORIDADE PENAL; 6 OS POSICIONAMENTOS DESFAVORÁVEIS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL; 7 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL; 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO O trabalho tem como objetivo de estudo a discussão da redução da maioridade penal, e caso haja a redução se solucionaria ou não o problema da criminalidade no nosso país. A criminalidade e insegurança que rodeia a sociedade nos dias de hoje vem aumentando cada vez mais. Reduzir a idade penal para alguns seria a solução ideal para amenizar e diminuir o índice de crimes cometidos por menores, para outros já seria uma forma de agravar ainda mais este problema. A redução da maioridade penal afronta os direitos humanos. O adolescente pelo seu estado de pessoa em desenvolvimento não possui maturidade biológica e psíquica para entender o caráter ilícito de uma conduta tipificada como crime. Obrigá-lo a responder penalmente por força de dispositivo legal criando uma imputabilidade jurídica que afronta seu discernimento, chega a caracterizar pena cruel não permitido no nosso ordenamento jurídico vigente pela Constituição Federal de 1988. No entanto, dentre as causas de exclusão da imputabilidade, está a menoridade, ou seja, estes não poderão responder penalmente pelos seus atos, pelo fato de não possuírem ainda um devido discernimento completo. É nesse embasamento, que discutiremos, se o adolescente inimputável, aos 16 anos tem condição de responder pelos seus atos, sofrendo fortes punições, como por exemplo, o convívio carcerário com adultos. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA COM RELAÇÃO À MAIORIDADE PENAL O problema da criminalidade relacionada aos menores surge a partir do momento em que estes não têm uma devida estrutura, seja ela familiar ou educacional. Uma condição financeira precária não justifica, sendo também um dos fatores. Além disso, há alguns fatores importantes que contribuem para o aumento do índice de criminalidade praticado por menores infratores. Por exemplo, violência doméstica, uso de drogas, abandono, falta de oportunidade de emprego, etc.
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Pode se dizer que o avanço da criminalidade surge também, quando os maiores de 18 anos aproveitam destes adolescentes para prática de crimes em face da sua inimputabilidade, sabendose que estes não respondam penalmente por seus atos. Tendo a sociedade uma necessidade imediata de coibir a prática de atos ilícitos envolvendo menores, surge daí a ideia de possível solução de resolver a questão da criminalidade no Brasil, reduzindo a maioridade penal para que estes respondam penalmente. No Código Civil de 1916, a capacidade civil era 21 anos. Mais tarde com o Código Civil de 1940, a capacidade civil permaneceu 21 anos, porém a responsabilidade penal, ou seja, a imputabilidade passou a ser de 18 anos. Com o novo Código Civil de 2002, a capacidade civil e a imputabilidade passaram a ser de 18 anos. Quando o Código Penal foi instituído, o legislador buscou uma faixa etária em que a pessoa teria pleno discernimento de seus atos e concluíram que essa idade seria de 18 anos, possuindo pleno entendimento poderia responder penalmente. Portanto, se apenas ocorrer à redução da maioridade penal, e não houver uma rigorosa participação do Estado em melhoria aos nossos direitos, sempre haverá falha no controle da criminalidade no nosso país. 3 OS ASPECTOS SOBRE A IMPUTABILIDADE PENAL NO DIREITO BRASILEIRO O tema sobre a imputabilidade penal é tratada no nosso ordenamento jurídico pela Constituição Federal em seu artigo 228 onde aduz que “são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Pelo Código Penal, trazendo basicamente a mesma redação no artigo 27 onde “os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. Por fim, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que em seu artigo 104 estabelece que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoitos anos sujeitos às medidas previstas nesta Lei”. As crianças e adolescentes, que cometerem qualquer conduta tipificada como crime, terão seus direitos resguardados pelo ordenamento jurídico, e responsabilizados de acordo com a legislação especial – ECA – não ficando estes totalmente impunes.
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Portanto, de acordo com as normas estabelecidas na Constituição Federal, no Código Penal e no Estatuto da Criança e do adolescente, sua menoridade ira cessar ao completar 18 (dezoito) anos. 3,1 Da imputabilidade penal O termo imputabilidade empregado no Código Penal, na Constituição Federal e na ECA, é dirigido a aqueles que possuem certo discernimento e capacidade completa para distinguir a ilicitude de um fato. Ao entendimento do autor Guilherme de Souza Nucci imputabilidade é o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, com esse conhecimento. O binômio necessário para formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade. (NUCCI, 2009, p. 295). Já o doutrinador Rogério Greco explica que Para que o agente possa ser responsabilizado pelo fato típico e ilícito por ele cometido é preciso que seja imputável. A imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente. A imputabilidade é a regra; a inimputabilidade, a exceção. (GRECO, 2004, p.435). Portanto, a imputabilidade é a capacidade dada a uma pessoa, que a partir de um momento da sua vida, já completou totalmente seu desenvolvimento metal e que já possui discernimento de entender o que é um fato típico e ilícito, o qual esteja praticando, fazendo com que seja possível responsabiliza-lo pela prática de seus atos. E de acordo com nosso ordenamento jurídico, isto ocorre, ao completar os dezoitos anos de idade. 3.2 Dos aspectos constitucionais A Constituição Federal de 1998 traz em seu ornamento jurídico, total proteção à criança e os adolescentes, colocando em evidência seus direitos fundamentais como prioridade. Direito esse que está taxativamente no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988). José Afonso da Silva argumenta seu posicionamento na questão da família ser imprescindível num primeiro momento Essa família, que recebe a proteção estatal, não tem só direitos. Tem o grave dever, juntamente com a sociedade e o Estado, de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais da criança, do adolescente e do jovem. (SILVA, 2010, p.853). O dever familiar vem explicita primeiramente, para que essas condições sejam exercidas num primeiro momento na convivência familiar e no segundo momento o Estado oferecendo oportunidades para que a família aplique de maneira correta os direitos garantidos as crianças e adolescentes. Quanto à inimputabilidade penal, outro direito resguardado pela Constituição Federal, elencada no seu artigo 228 é de que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeito às normas da legislação especial”. Ou seja, mais uma vez a Constituição Federal os
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protege no sentido de que os menores de dezoito anos ainda não têm seu desenvolvimento mental e psicológico formado completamente, resguardando assim o direito de ser responsabilizados, não através de punições severas, mas sim através de medidas educativas. Em relação à proposta de se reduzir a maioridade penal, aos que são contra, tem se argumentado também a possibilidade que não poderia haver alteração por parte do poder judiciário. Para alterar um dispositivo legal somente é possível por meio de uma emenda constitucional. Ao trazer direitos e garantias fundamentais às crianças e adolescentes, entende-se que se trata de cláusula pétrea, ou seja, direito protegido pela Constituição e que não pode ser alterada/modificada nem mesmo por meio de emenda constitucional. Artigo 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: §4º não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e garantias individuais. (BRASIL, 1988). Pedro Lenza se posiciona ao contrario, dizendo que A sociedade evoluiu e, atualmente, uma pessoa com 16 anos de idade tem total consciência de seus atos, tanto é que exerce os direitos de cidadania, podendo propor a ação popular e votar. Portanto, em nosso entender, eventual PEC que reduza a maioridade penal de 18 para 16 anos é totalmente constitucional. (LENZA, 2009, p.872). Ao falar das crianças e dos adolescentes, é um assunto que deve ser tratado com bastante cuidado. Alterar um dispositivo em que os protege fere os direitos que são a eles garantidos. 3.3 Dos aspectos penais O direito resguardado aos menores é amparado pelo Código Penal em seu artigo 27 “os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. Para apurar a inimputabilidade penal foi adotado três sistema norteadores, em que Guilherme Nucci define como a) Biológico: leva-se em conta exclusivamente a saúde mental do agente, isto é, se o agente é ou não doente mental ou possui ou não desenvolvimento mental incompleto ou retardado. A adoção restrita desse critério faz com que o juiz absolutamente dependente do laudo pericial; b) psicológico: leva-se em consideração unicamente a capacidade que o agente possui para apreciar o caráter ilícito do fato ou de comportar-se de acordo com esse entendimento. Acolhido esse critério de maneira exclusiva, torna-se o juiz a figura destaque nesse contexto, podendo apreciar a imputabilidade penal com imenso arbítrio; c) biopsicológico: levam-se em conta os dois critérios anteriormente unidos, ou seja, verificase se o agente é mentalmente são e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.( NUCCI, 2008, p.271). Deste modo, dentre os três sistemas, o adotado pelo Código Penal é o sistema biopsicológico, em que concerne na junção do sistema biológico com o psicológico. Ou seja, para configurar que o agente é inimputável, conforme descrito no nosso ordenamento jurídico, no artigo 27 do Código Penal, precisa ser analisado que o mesmo ainda não possui a capacidade completa de entender que o fato cometido é um fato ilícito e que seu desenvolvimento mental não é completamente formado.
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É nesse entendimento, que se considerou inimputável os menores de dezoito anos, por entender que estes ainda não tem discernimento necessário para compreender tais atos. No tocante a forma de punir os menores por atos ilegais cometidos, serão aplicados medidas adotadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e não as penas referentes no Código Penal. 4 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está previsto pela Lei nº 8069/1990, instituído em 13 de julho de 1990, que tem a finalidade de resguardar e proteger as crianças e adolescentes. Garantindo também os direitos fundamentais básicos, como proteção à vida, a saúde, direito a liberdade, respeito e dignidade, alimentação, educação e à convivência familiar. Rege o Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 2º um conceito de criança e adolescente, sendo consideradas crianças, pessoa até os 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescentes são aqueles entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade. 4.1 Da prática de ato infracional Com embasamento no artigo 103º do Estatuto da Criança e do adolescente, “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Certamente o menor de 18 anos, por ser considerado inimputável, ao praticar um ato infracional será equiparado como crime, ficando sujeito às medidas previstas na Lei 8069/90. Em relação às crianças que praticar qualquer tipo de ato infracional, será adotada pela autoridade competente as medidas previstas no artigo 101º do ECA: I) Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II) Orientação, apoio e acompanhamento temporários; II) Matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV) Inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à familia, à criança e ao adolescente; V) Requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI) Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII) Acolhimento institucional; VIII) Inclusão em programa de acolhimento familiar; IX) Colocação em familia substituta. Quanto à prática de ato infracional por adolescentes, conforme artigo 112º do ECA, a autoridade competente irá aplicar medidas socioeducativas cabíveis, como também as dispostas no artigo 101, I a VI I) Advertência; II) Obrigação de reparar o dano; III) Prestação de serviço à comunidade; IV) Liberdade assistida; V) Inserção em regime de semiliberdade; VI) Internação em estabelecimento educacional. As medidas socioeducativa são aplicadas com intuito meramente educativas e tem como finalidade de reintegrar o adolescente à sociedade, a convivência familiar, desenvolvimento escolar e integração profissional. Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente não apenas preserva os seus direitos, como também o responsabiliza quanto à ocorrência de seus atos infracionais.
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5 O POPULISMO PENAL E A QUESTÃO DA MAIORIDADE PENAL O Código Civil de 2002, como regra, considera cessada a menoridade quando completar os dezoito anos, onde estará apto para a prática dos atos da vida civil, é o que dispõe o art. 5º. Nota-se como estabelece o Código Civil, o ECA, a Constituição Federal e o Código Penal a maioridade será atingida a partir dos 18 (dezoito) anos de idade, pois, é dessa fase que se considera que uma pessoa tem capacidade e discernimento suficiente para se responsabilizar dos atos cometidos e que seu desenvolvimento físico e mental já estaria completo. Antes de atingir a maioridade penal, o menor tem uma proteção diferenciada, com a função de garantir seus direitos fundamentais. O que falta é uma proteção maior, tanto familiar como do Estado, para colocar em prática o que a Constituição estabelece como dever. Oferecer uma educação com qualidade, cultura, profissionalização e lazer. Um bom amparo antes de atingir a maioridade, seria um bom começo para amenizar o índice de crime cometido por menores e o envolvimento com as drogas. Com o ordenamento jurídico atual, a maioridade penal é aos dezoito anos de idade, com a proposta de reduzir a maioridade passariam de dezoito para dezesseis anos. Estão querendo tratar crianças e adolescentes como se fossem adultos. Quanto mais cedo aprisionar e aplicar punições rigorosas, a possibilidade destes menores se tornar um reincidente é muito grande, visto que, o Estado não teria condições de suportar tantas pessoas em um presídio e nem de criar outro estabelecimento para acolher somente os menores. Rogério Wassermann relata que O número de pessoas presas no Brasil cresceu 6% somente nos seis primeiros meses deste ano, intensificando uma tendência que fez do Brasil um dos três países do mundo com maior aumento da população carcerária nas últimas duas décadas. (WASSERMANN, 2012). De acordo com o estudo de Wassermann, está claro que o índice da população carcerária por adultos já é muito elevado, em seis meses cresceu 6%. Há relatos ainda do jornalista Kawaguti (2012) que “País registrou um aumento de 112% no número de detentos, de 233 mil no ano de 2001 para 496 mil em 2010”. Infelizmente, o nosso país não possui estrutura suficiente para acolher o grande número de carcerários, a cada ano que se passa este número só aumenta. É visível esta realidade até mesmo pelo o que é demonstrado nas mídias. São inúmeras as reportagens que relata as penitenciárias com superlotação. Essa estatística tende a aumentar, se não priorizar a vida humana e se não der mais atenção a estes menores, que são o futuro do nosso país. 6 POSICIONAMENTOS DESFAVORÁVEIS À REDUÇAO DA MAIORIDADE PENAL Reduzir ou não a idade penal, é uma questão que está em grande evidência, mas não é somente nos dias de hoje. Existe uma grande divergência de opiniões em relação a este assunto. Diante do posicionamento desfavorável de Maria de Lourdes Trassi Teixeira, afirma que “Reduzir a idade penal não implica a redução da criminalidade, não ameniza o clima de violência que constitui o ambiente cultural onde socializamos as novas gerações, não extirpa ou diminui o medo social, os sentimentos de vulnerabilidade, de insegurança que fazem parte do cotidiano dos cidadãos, habitantes das grandes e –agora, também – das pequenas cidades do nosso imenso país.” (TEIXEIRA, 2013, p.19). A psicóloga e professora Maria de Lourdes (2013, p.19), deixa bem claro ao argumentar seu posicionamento contra a redução da
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maioridade penal. Reduzir a idade penal em relação às crianças e adolescentes, não vai fazer com que diminua a criminalidade no nosso país. A insegurança e o medo diante da criminalidade que tomou conta do nosso país não são somente pelos crimes cometidos por menores, mas sim por crimes praticados por adultos, que possuem uma grande parcela nessa realidade que estamos vivendo nos dias de hoje. Outro argumento desfavorável à redução da maioridade penal é da professora e conselheira Esther Maria de M. Arantes A proposta de redução da maioridade penal, ao permitir que se encaminhe ao sistema carcerário adolescentes de 16 anos tipificados como traficantes e que sairão ainda muito jovens das prisões, poderá agravar ainda mais o problema da violência que se quer combater, uma vez que, longe de exceção, o envio de adolescentes as prisões poderá se tornar a regra. (ARANTES, 2013, p.12). A redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos não resolverá o problema da criminalidade no Brasil, pois, infelizmente no nosso país o sistema penitenciário é precário, não solucionará o problema inserir um adolescente em um ambiente que não tem a mínima capacidade de lhe oferecer uma vida melhor e que não pode proporcionar uma boa educação, saúde e lazer. Já no entendimento de Renata Macedo no que tange a redução da maioridade penal é no sentindo de o problema da criminalidade infanto-juvenil irá perdurar enquanto não forem combatidas as suas causas. A redução da idade não reduziria o índice de criminalidade, apenas transferiria o problema para uma outra esfera, deslocando a violência que se concentrava entre duas idades para a faixa etária situada abaixo dos dezesseis anos. O traficante que convoca a mão- de- obra de um adolescente de dezessete anos, com a redução passará a convocar jovens de quinze, doze, dez [...]. (MACEDO, 2008, p.195). Reduzir a idade penal irá somente transferir a obrigação de se responder por seus crimes cometidos, para aqueles de 16 anos. Se não houver uma mudança na perspectiva de vida desses menores, como melhoria na educação, apoio familiar, projetos sociais e um rigoroso amparo do Estado em nada mudará nosso país. Somente reduzir a idade penal não é a melhor solução, frente à escassez de qualidade de vida desses pequenos infratores. Em votação no Plenário sobre a PEC 33/2012, o senador Randolfe Rodrigues (citado por FRANCO, 2014), votou pela rejeição da redução da maioridade penal alegando que “O nosso sistema prisional não é feito para ressocializar. Não há dados de que o rebaixamento da maioridade penal reduz o índice de delinquência juvenil. Há aumento de chance de reincidência”. O grande ponto relatado para os que são contra a redução da maioridade penal, é a preocupação de se colocar estes menores juntamente com usuários de drogas e bandidos muito mais perigosos, tendo a possibilidade de se tornarem um reincidente. É como conceitua Flavia Cristina Silveira Lemos (2013, p.29) “o cárcere produz mais cárcere e dor, mais vingança e ressentimento. Encarcerar adolescentes e cada vez mais cedo é a reação do fracasso de uma sociedade em proteger e garantir direitos fundamentais”. 7 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL Os argumentos utilizado para quem é a favor da redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos, é no sentido de que com os avanços vivenciados nos dias de hoje um jovem de 14,15 e 16 anos, já tem total conhecimento do que é certo e errado; outros
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já argumentam que se tem capacidade para votar aos 16 anos, mesmo que facultativo este tem capacidade para ser responsabilizado por seus atos. Há doutrinadores que seja a favor da redução da maioridade penal, como por exemplo, podemos citar Guilherme de Souza Nucci, Fernando Capez, há também no Senado Federal algumas propostas de emendas a Constituição Federal como a PEC 33/2012. Guilherme Nucci explica seu posicionamento a favor da redução Apesar de se observar uma tendência mundial na redução da maioridade penal, pois não mais é crível que menores com 16 ou 17 anos, por exemplo, não tenham condições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão integral dos fatos da vida. (NUCCI, 2008, p.277) Não pode se fazer uma generalização e supor que todos os jovens de 16 ou 17 anos vão ter o mesmo crescimento mental e psicológico, e que todos já estão preparados para compreender os acontecimentos da vida. Roubar, matar e se envolver com drogas não são situações normais do dia a dia. É importante preparar e amparar cada jovem de acordo com seu desenvolvimento e oferecer a estes mais oportunidades e qualidade de vida. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho em tela buscou esclarecer, cientificamente a essência da imputabilidade penal, a possibilidade, a pertinência, a adequação jurídica e consequências de sua redução dos 18 anos para 16 anos. A obra em voga pesquisou e registrou correntes jurídicas, a respeito da psicologia sobre a estrutura física e psicológica do ser humano com 16 e 18 anos visando definir o marco cronológico da maturidade psíquica e potencial consciência da ilicitude, requisitos fundamentais para imputabilidade. Nesta metodologia comprovou a existência de correntes doutrinárias que entendem que a imputabilidade só pode ocorrer aos 18 anos e também correntes que defendem que a imputabilidade pode ocorrer aos 16 anos. Além disso, procurou-se também verificar se a redução da idade para a imputabilidade seria fator decisivo ou no mínimo fator relevante para a redução da criminalidade. Deste modo, concluiu-se que, em que pese o respeito as teses contrárias o ser humano ao 16 anos não possui maturidade física e psicológica, bem como discernimento a conferir-lhe potencial consciência da ilicitude, portanto não é adequado juridicamente reduzir a imputabilidade penal dos 18 anos para os 16 anos, como também a suposta redução não é solução para a redução da criminalidade, nem tampouco fator relevante. Por termo, reduzir a imputabilidade penal para os 16 anos afrontaria direitos humanos em especial o principio da dignidade humana.
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NOTAS DE FIM 1 Acadêmica do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Processo Civil Aplicado pelo CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor Assistente e Pesquisador da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Auxiliar da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor Adjunto e Pesquisador do Centro Universitário UNA. Professor Adjunto e Pesquisador da Faminas-BH. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI). Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”. 3 Cristian Kiefer da Silva; Antônio Eustáquio.
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A iniciativa privada e o sistema penitenciário brasileiro: Uma análise das parcerias público-privadas no sistema prisional Rafaela das Graças da Silva Maximiano1 Carlos Magalhães2 Banca Examinadora3
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo demonstrar as possíveis distorções geradas pela participação privada no sistema prisional por meio das privatizações das prisões, além de poder subsidiar decisões de políticas públicas relacionadas ao sistema prisional e proporcionar uma visão mais ampla do que poderá ocorrer com o Sistema Carcerário sendo gerido por empresas particulares. Busca-se analisar os perigos que este tipo de gestão pode representar ao princípio da dignidade humana, uma vez que este garante os direitos inerentes à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, respeito à integridade física e moral do apenado. PALAVRAS-CHAVE: PPP. Parceria Público-Privada. Sistema carcerário. Privatização dos estabelecimentos prisionais. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Considerações acerca da Lei 11.079/2004; 3 Experiências anteriores; 3.1 Experiência em Minas Gerais; 4 A desigualdade e a ineficiência do Estado; 5 A transformação do encarcerado em mercadoria; 5.1 Os riscos de corrupção no sistema carcerário privado; 5.2 Terceirização ilícita; 6 Considerações finais; Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO A Parceria Público-Privada surgiu na Inglaterra em 1992 denominada “Private Finance Initiative”. Mais tarde, em países como Chile, Portugal e África do Sul, o modelo também foi utilizado em setores como infraestrutura e transporte. A Inglaterra, porém, estendeu a participação da iniciativa privada no serviço público, aplicando-a na educação e no sistema penitenciário. O Brasil aderiu à ideia somente em 30 de dezembro de 2004, com a promulgação da Lei Federal Nº 11.079, sob o argumento de aumentar a eficiência da gestão de determinados serviços públicos, bem como incorrer em menores aportes financeiros no curto prazo. A conceituação está prevista no Art. 2o da lei Federal acima citada: “Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa”. (BRASIL, 2004, p.1). A exemplo da Inglaterra e de outras iniciativas internacionais, o Brasil tem diversificado os contratos das Parcerias Público Privadas. Dentre os serviços públicos geridos por iniciativas privadas, destacase o sistema carcerário, setor que historicamente sofre com a falta de investimentos e administração deficiente. Contudo, não se pretende examinar as motivações dos projetos de Parcerias Público-Privadas no setor prisional, que podem ser fundamentadas em termos de eficiência. Busca-se, ao contrário, demonstrar os resultados práticos desses contratos. Alerta-se sobre as possíveis distorções geradas em nosso ordenamento jurídico pela participação privada no sistema prisional, subsidiando decisões de políticas públicas e proporcionando uma visão mais ampla dos diversos custos – sobretudo sociais – que são gerados com a participação privada em um setor tão crítico e inerentemente público como o sistema carcerário. 2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LEI 11.079/2004 O art. 1º da Lei dispõe sobre a aplicabilidade da norma geral para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo que a competência legislativa é privativamente da União, conforme o art. 22, inciso XXVII, da CF/88:
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Compete privativamente à União legislar sobre: XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). Portanto, manteve a competência legislativa da União, sem afastar o poder dos outros entes federativos, de dispor sobre a mesma matéria. De acordo com a citada lei, a contratação da parceria público -privada será precedida de licitação, na modalidade concorrência patrocinada ou administrativa, na qual deve haver a consulta pública, estabelecendo no § 4° do art.2°, a condição para que a parceria seja realizada: só é permitida a parceria quando o valor do contrato for de no mínimo R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) e que o menor período de prestação de serviço seja de cinco anos e que não ultrapasse trinta e cinco anos, sendo que dentro deste prazo estão incluídas as possíveis prorrogações. Será adotada a concessão administrativa na construção e administração de obras públicas, como os presídios públicos, sendo que para esta, não poderá haver contraprestação do usuário, apenas do Estado, uma vez que o é dever do Estado a segurança pública. A Lei é clara quanto à existência de atividades típicas do Estado, na qual não poderá ser delegada a um ente privado. Nesse sentido o artigo 4º, inciso III, afirma que: “Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado”. Sendo assim, a administração prisional não poderia ser delegada, porém a construção do presídio, manutenção e os serviços de alimentação dos presos poderão ser passíveis de delegação, uma vez que não se trata de exercício do poder de polícia.
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3 EXPERIÊNCIAS ANTERIORES Empiricamente, Parcerias Público-Privadas no Sistema Prisional têm demonstrado um risco ao preso, principalmente em relação à aplicação de penas e dificuldade na progressão de regime e a sua liberação. Detentos poderão ter sua liberdade provisória impedida por decurso de prazo, pois quanto mais tempo o preso estiver dentro do Sistema Prisional gerido pela empresa privada, melhor será para seus investidores. Em um artigo publicado em 2001 pela revista Think Tank, Julita Lemgruber relatou alguns dos problemas gerados no Sistema penitenciário dos Estados Unidos que adotam o modelo de Parcerias Público Privada: funcionários de prisões privadas revelaram sofrer pressão para punir os presos com rigor, mesmo pelas faltas mais leves, de tal forma que possam ser adiadas as concessões de livramento condicional. É a privatização de prisões ameaçando o cumprimento da pena dentro da legalidade. (LEMGRUBER, 2001,p.17) A experiência relatada e as considerações da autora evidenciam uma situação de alerta. É preciso atentar para os direitos constitucionais dos detentos, ameaçados pela própria iniciativa do Estado, ou por sua omissão, de modo a preservar toda a estrutura de um Estado Democrático de Direito. O artifício da privatização de presídios nos Estados Unidos teve início na década de 80, na época em que os movimentos Law and Order (Lei e Ordem) e Control and Punishement (Controle e Punição) eram incisivos, além de ter cunho rigoroso quanto à criminalidade e à condenação dos criminosos, o que resultou em endurecimento das leis penais e aumento de aplicação das penas privativas de liberdade. Esses resultados foram propícios para que ocorresse uma superlotação nos presídios e em consequência disso, surgiu a necessidade de privatização, como observa Cordeiro (2006, p. 93): [...] dois foram os fatores decisivos para que os Estados Unidos adotassem o modelo privatizador em alguns presídios, a saber: a superpopulação carcerária e os altos custos decorrentes do excessivo encarceramento, provocados por uma política conhecida como “tolerância zero”. Porém não foi somente pelo endurecimento e rigorosidade das penas que houve a privatização dos presídios nos Estados Unidos. Supõe-se maior interesse de uma classe dominante, em que se privilegiam investimentos de alto retorno financeiro em detrimento a aportes sociais. De acordo com Löic Wacquant (2001, p. 88), “os Estados Unidos fizeram a escolha de construir para seus pobres casas de detenção e estabelecimentos penais em lugar de dispensários, creches e escolas”. Ainda assim, e mesmo sendo um país desenvolvido e um dos mais ricos do mundo, os Estados Unidos não conseguiram resolver o problema da criminalidade. Parte dos problemas que existem no sistema prisional brasileiro também existem nos Estados Unidos, e a privatização das prisões, neste país, não foi tão exitosa quanto o planejado, mantendo em seu poder a administração da maioria dos presídios, uma vez que é complexo e há muitos custos envolvidos, conforme constata Freire (1995, p. 100): A grande maioria das prisões industriais continua nas mãos do Poder Público. E não é difícil de entender. Os empresários concebem que é difícil fazer dinheiro com as prisões industriais. Há a constante tensão entre as rotinas de segurança da prisão e as necessidades da produção industrial. Também os presos são frequentemente transferidos ou soltos e isto significa nova
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mão-de-obra a ser treinada em um breve espaço de tempo. E ainda há os custos de locação e transporte porque as prisões são geralmente situadas longe dos centros urbanos, onde os artigos feitos na prisão têm de ser vendidos. Apesar disso, parece haver uma tendência muito forte de que este sistema de privatização influencie outros países. A França, por exemplo, diante da superlotação de seus presídios e da falta de recursos para melhoramento destes, decidiu privatizá-los. Criou, assim, um programa de nome “15.000”, que anunciava o mesmo número de vagas. Entretanto, não foi efetivado, dando lugar a outro programa de nome “13.000”, admitindo somente a cooperação da iniciativa privada na construção dos estabelecimentos prisionais e execução dos serviços de hotelaria. Refere-se a um sistema de co-gestão na qual o Estado ficaria responsável pela segurança interna e externa dos presídios e indicaria o diretor das unidades prisionais, como forma de garantia do poder de decisão a respeito da execução penal. Sendo assim, a empresa privada receberia valores pagos pelo Estado referentes aos serviços prestados pela mesma a cada preso que administrasse. Explicam ALVES, SANTOS, BORGES (1995, P.81): Este sistema de co-gestão tem alguns pontos primordiais definidos em contrato, a saber: ao Estado cabe a indicação do Diretor Geral do estabelecimento, seu relacionamento com o juízo de execução penal e a responsabilidade pela segurança interna e externa da prisão, à empresa contratada compete a organização do trabalho, da educação, do lazer, da alimentação, do fornecimento de vestimentas e demais serviços relacionados ao preso, incluindo assistência médica, social e jurídica; esta empresa receberá uma quantia por preso/dia pela prestação desses serviços. Constata-se que o modelo utilizado pela França é diferente do modelo utilizado pelos Estados Unidos, razão pela qual a doutrina se refere a ele como modelo de terceirização, uma vez que, as funções de direção e segurança continuam no poder do Estado. No Brasil, o primeiro Estado a aplicar a terceirização de seus presídios foi o Paraná em 1999. O modelo aplicado era similar ao francês, porém, após quatro anos de utilização, constatou-se ser inapropriado, razão pela qual o projeto foi extinto em 2006, tendo reconhecido o Estado de que a prestação direta dos serviços e execução das penas seria de responsabilidade deste, conforme aludido na CF/88. Nesse sentido, destacam-se informações prestadas pelo Chefe do Grupo de Planejamento do Departamento Penitenciário do Paraná, Dr. Edwaldo W. de Carvalho (2009, apud TRULIO, 2009, p.108): Reportando-nos ao seu e-mail postado em 26/02/09, informamos o seguinte: 1. O governo do Paraná adotou o modelo de gestão terceirizada, a partir de 1999, em apenas alguns Estabelecimentos Penais. Todas as atividades penitenciárias (segurança, atendimento psicossocial, jurídico e de saúde, manutenção predial, fornecimento de materiais, alimentação, etc.) eram operacionalizadas pela empresa contratada. Permaneceu sob o jugo do Estado a direção e a chefia de segurança da Unidade Penal. O Paraná não mais adota esse modelo de gestão desde metade de 2006; 2. O regime disciplinar era exercido por um Conselho composto por profissionais da terceirizada (defensor, relator, assistente social, sociólogo e pedagogo) presidido pelo Diretor do Estabelecimento; 3. Na atual gestão governamental, iniciada em 2003, à me-
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dida que os contratos encerravam a sua vigência, o Governo do Paraná instaurava a autogestão nos presídios. A razão principal que sedimentou esta decisão foi a concepção doutrinária que a custódia e o tratamento penal dos presos é papel exclusivo do Estado, exercida através dos seus agentes, sendo indelegáveis, portanto. Constata-se que a medida adotada pelo Estado não foi eficaz para resolução dos problemas nos sistema carcerário. O Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para investigar a realidade do Sistema Carcerário Brasileiro (2008, apud TRULIO, 2009, p. 108) visitou o Paraná e chegou à seguinte conclusão: A diligência no Paraná foi realizada em 25 de Outubro de 2007. O Paraná possui 27.118 e apenas 17.758 vagas, havendo um déficit de 9.360 e uma superlotação de 9.360 presos. Cuidam da população carcerária, 2.307 agentes penitenciários com salário inicial de R$ 2.440,06. Com uma população de 10.387.378 habitantes, o Paraná possui 13.750 policiais militares e 6.704 policiais civis. O Estado tem 394 municípios, com 144 comarcas, 686 juízes (salário inicial de R$ 14.507,00), 09 juízes de execução, 575 promotores (salário de R$ 15.177,00) não há defensores públicos, 08 desembargadores. A CPI foi recebida por Fernando Vicente de Azevedo, da Delegacia da Polícia Federal na cidade, Raimundo Hiroshi Kitanishi, Diretor da Penitenciária Federal de Catanduvas, Luciano Braga Côrtes, Cléber Augusto de Lima Evangelista e Emerson Deuner, Presidente, responsável pelos assuntos penitenciários e integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Cascavel, respectivamente. Nota-se que a privatização adotada pelo Estado em nada adiantou, pois o sistema carcerário continua caótico e, mesmo sim, há outros Estados como Minas Gerais que estão adotando tal projeto. Nas palavras do ex-secretário de administração penitenciária do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Aldney Peixoto, em entrevista no blog do jornalista Sidney Rezende, da CNN, em 25 de maio de 2007, este se manifestou: Quem pune, tem que ser moralmente superior ao punido. A pena tem um lado ético de recuperação e de preparação. Isso não acontece quando têm empresários e negociantes. [...] Para a iniciativa privada, interessam os bons presos, os que trabalham. O ruim, o perigoso vão todos para as unidades públicas. Questão importante levantada pelo ex-secretário, uma vez que a ética é o alicerce para uma implementação de qualquer projeto, pois a moral e o bem comum têm de serem observados, principalmente, em assuntos sociais, a serem implantados, uma vez que está ligado diretamente ao interesse da sociedade. 3.1Experiência em Minas Gerais Dados apontam que, no ano de 2003, Minas Gerais tinha aproximadamente 23 mil presos, com 30 presídios. Porém, em 10 anos, este número aumentou, chegando a 50 mil presos com mais de 100 presídios em todo o estado. No ano de 2011, o estado de Minas Gerais desembolsava cerca de um bilhão de reais por ano com o sistema carcerário. Foi inaugurada em janeiro 28 de janeiro de 2013 a “primeira penitenciária privada do país”, localizada na cidade de Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, com uma ala já ocupada por 75 presos, os quais foram transferidos em 18 de janeiro do mesmo ano, porém o contrato da PPP tinha sido assinado em 2009, época em que a gestão do estado estava nas mãos do governador Aécio Neves.
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A penitenciária de Ribeirão Das Neves foi construída e gerida pelo consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), o qual é formado por cinco empresas, quais sejam: CCI Construções S/A, Construtora Augusto Velloso S/A, Empresa Tejofran de Saneamento e Serviços LTDA, N. F. Motta Construções e Comércio, Instituto Nacional de Administração Penitenciária (INAP). O slogan usado para representar a penitenciária de Ribeirão das Neves diante da mídia é: “menor custo e maior eficiência”, ou seja, tem a tendência, desde logo, em gastar o mínimo com o preso, sem se preocupar com a ressocialização, mas sim, em gastar menos e em consequência, auferir mais lucros. Houve muitos anúncios de vantagens no presidio de Ribeirão das Neves tais como a melhoria da qualidade de atendimento ao preso e da infraestrutura dos presídios, mas para isso, o estado vai pagar à concessionária o valor R$ 2.700,00 por preso, durante 27 anos, prorrogáveis por mais 35 anos, com capacidade para 3.336 presos. Porém as vantagens prometidas como já se vê não estão sendo cumpridas, uma vez que já houve denúncias de que os presos têm pouquíssimo tempo de banho (entre 3 minutos e 3 minutos e meio), além de falta de água dentro das celas, ou seja, o mínimo não sendo oferecido como prometido diante de toda mídia anunciada perante o Brasil. (SACCHETTA, 2014). Analisando o contrato observa-se que em uma de suas cláusulas tem-se estabelecido “obrigações do poder público” a garantia “de demanda mínima de 90% da capacidade do complexo penal, durante o contrato”. Diante desta imposição, observa-se que mesmo que haja diminuição nos ilícitos cometidos, terão de ser preenchidas as vagas “contratadas”. Fato este, que leva a pensar que as pessoas vão ter de ser presas para cumprir a “garantia” prometida pelo Estado à concessionária. Diante desta consideração, afirma Robson Sávio em entrevista concedida a Agencia de Reportagem e Jornalismo Investigativo que: “Dentro de uma lógica da cidadania, você devia pensar sempre na possibilidade de se ter menos presos e o que acontece ali é exatamente o contrário”. O presídio privatizado de Ribeirão das Neves ainda não oferece trabalho e estudo a todos os presos que ali estão cumprindo suas penas, porém era esta uma das metas anunciadas na mídia, de que todos os presos que ali estavam iriam trabalhar e estudar. Foram gastos 280 milhões de reais só na construção do presídio, porém os Gestores Prisionais Associados calculam que no total serão gastos 380 milhões de reais, ou seja, muito dinheiro gasto em uma experiência que já demonstrou sua incapacidade de resolver o problema do sistema carcerário brasileiro. 4 A DESIGUALDADE E A INEFICIÊNCIA DO ESTADO Apesar de recentes melhorias, a sociedade brasileira ainda é caracterizada por grande desigualdade social e, em consequência, por altos níveis de violência criminal. Não é surpresa, portanto, que o Estado, além de uma capacidade limitada de investigação, captura e julgamento, enfrente problemas para manter presídios com estrutura adequada e em número suficiente, além de que o sistema atual é custoso e serve apenas a interesses obscuros e escusos da classe dominante. Do outro lado, estão os detentos, rendidos a condições penosas e violências graves, em intenso contato com o tráfico e a propagação do uso de tóxicos. Nesse sentido, Gomes (2007, p.1) diz: “a prisão sempre foi uma ‘indústria’ porque ela é a grande responsável pela reprodução do delito. É dentro dos presídios que a grande maioria dos delinquentes aprimora sua ‘carreira criminal’”. Assim, com as dificuldades do Estado em construir presídios com a mesma agilidade em que prendia bandidos e manter a ordem, encontram na iniciativa privada uma possível solução, de baixo custo
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no curto prazo para realização das funções que deveriam ser realizadas pelo Estado, como dita o artigo 144, caput da Constituição Federal de 1988: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Portanto, já que o Estado não consegue cumprir seu dever, a iniciativa privada entra para tentar suprimir esta deficiência estatal. Na ausência de garantias mínimas, contudo, as prisões do país poderão se tornar ainda mais um “depósito industrial dos dejetos sociais” (WACQUANT, 2001, p.11) bastante lucrativo para algumas poucas empresas. De acordo com Löic Wacquant (2001, p.99): as exigências orçamentárias e a moda política do “menos Estado” levam a mercantilizarão tanto da assistência como da prisão. Várias jurisdições, como o Texas ou o Tennessee, já colocaram boa parte dos seus detentos em prisões privadas e subcontratam firmas especializadas para o acompanhamento administrativo dos beneficiários de ajudas sociais. Maneira de tornar os pobres e os prisioneiros (que eram pobres fora e que, em sua esmagadora maioria, voltarão a sê-lo ao sair) “rentáveis”, tanto no plano ideológico como no econômico. Assistese assim à gênese não de um simples “complexo carcerário industrial”, como sugeriram alguns criminologistas, seguidos nisto pelos militantes do movimento de defesa dos presos, mas de um complexo comercial carcerário-assistencial ponta de lança do Estado liberal-paternalista nascente. O autor argumenta que as parcerias público-privadas são fruto de um Estado moldado em princípios liberais. Um Estado imbuído da lógica de mercado, continua Löic Wacquant (2001), passa a se tratar as populações mais vulneráveis socialmente como fonte de arrecadação para as iniciativas privadas que o compõem, seja via serviços de fiscalização de políticas assistencialistas, seja por meio dos serviços de administração penitenciária 5 A TRANSFORMAÇÃO DO ENCARCERADO EM MERCADORIA O sistema penitenciário poderá se tornar uma fábrica de presos, uma vez que as empresas particulares buscam auferir obviamente o lucro. Nesse sentido, opina Poloni (2007): Sobre o “mercado bilionário que lucra com o sistema prisional”, escreveu: “Uma das maiores forças do capitalismo americano é a capacidade empreendedora dos executivos, que são permanentemente encorajados a investir e a competir nas mais diferentes áreas da economia. A crença irrefreável dos americanos nas virtudes do setor privado faz com que alguns negócios assumam por lá proporções inéditas. Um exemplo é o mundo bilionário que se formou ao redor do sistema penitenciário - um setor delegado, em quase todos os países do mundo, à gestão pública. Os Estados Unidos têm a maior população carcerária do planeta, 2,2 milhões de pessoas. Como a legislação possibilita a ampla participação das empresas privadas, as companhias estão aproveitando a oportunidade para obter bons lucros. Hoje, elas são contratadas pelo governo para projetar e construir presídios, vigiar e reabilitar detentos e prestar serviços gerais, como limpeza das celas e alimentação dos presos. O resultado é um mercado de 37 bilhões de dólares, que deve continuar em expansão, pois o número de presos cresce à taxa de 3,4% ao ano desde 1995. As leis que regulamentam o sistema carcerário variam de um estado para outro. Mas, em linhas gerais, elas dão autonomia para que empresas assumam o controle de uma casa de detenção (no Brasil,
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elas podem trabalhar em presídios servindo quentinhas e lavando roupas, por exemplo). Uma das gigantes americanas do setor é a Corrections Corporation of America (CCA). Quando foi fundada, em 1983, ganhou do governo do Texas o direito de cuidar de 650 presos. Duas décadas depois, a CCA faz negócios com 65 presídios americanos em 19 estados e vigia 72 500 condenados. Pelo serviço, recebe 1,2 bilhão de dólares por ano”. Aqueles que participam dessa privatização necessitam de cada vez mais detentos, para assim, assegurar o pagamento dos gastos realizados nos investimentos feitos na construção e manutenção dos presídios, e é aí que entram os “inimigos do sistema penal”, que são os pobres, em sua maioria negros, marginalizados, toxicômanos, prostitutas, ou seja, em sua maioria, os menos favorecidos em uma sociedade onde prevalece o medo e a insegurança. A visão discriminatória, que retira os maltrapilhos das ruas e faz uma “limpeza”, promove a visão falsa de que as cidades estão mais seguras. Sendo assim estes indivíduos vão se tornar economicamente úteis e serão utilizados para manter o sistema funcionando. Afinal de contas, se ganha por “cabeça” de preso mantido no sistema carcerário. 5.1 OS RISCOS DE CORRUPÇÃO NO SISTEMA CARCERÁRIO PRIVADO Não se pode omitir o fato de haver riscos que envolvem a privatização de um setor tão questionável como o sistema carcerário brasileiro, um país onde uma simples compra de merenda escolar dá margem a desvios e favorecimentos. A finalidade da coibição penal é impedir que as pessoas ajam contra as leis e cometam ilicitudes. Porém é conhecido que um determinado grupo se beneficia de uma população carcerária cada vez maior, e poderá se beneficiar ainda mais com as privatizações. Nesse sentido, aponta o professor Gomes (2007, p.1): “a presença massiva de miseráveis e marginalizados nas cadeias gera a construção de mais presídios privados, mais renda para seus exploradores, movimenta a economia, dá empregos, estabiliza o índice de desempregado”. Sendo assim, tem-se a nítida preocupação em proteger os menos favorecidos, para que não sejam estes meras mercadorias, que é o que as empresas privadas veem com a implementação das PPP no sistema carcerário. 5.2 TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA Nos últimos anos, o Estado tem adotado um modelo gerencial que se estendeu à administração dos presídios. Porém conforme o artigo 5°, XLIX da CF/88, cabe a responsabilização do Estado pelo zelo da integridade física e moral do condenado, devendo o mesmo garantir a execução da pena, impossibilitando assim sua transferência para o particular. A Lei de Execução Penal, Lei 7.210/1984, empenhou-se em definir a constituição dos quadros de servidores que atuam na execução da pena do condenado: Art. 75. O ocupante do cargo de diretor de estabelecimento deverá satisfazer os seguintes requisitos: I - ser portador de diploma de nível superior de Direito, ou Psicologia, ou Ciências Sociais, ou Pedagogia, ou Serviços Sociais; II - possuir experiência administrativa na área; III - ter idoneidade moral e reconhecida aptidão para o desempenho da função. Parágrafo único. O diretor deverá residir no estabelecimento, ou nas proximidades, e dedicará tempo integral à sua função.
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Art. 76. O Quadro do Pessoal Penitenciário será organizado em diferentes categorias funcionais, segundo as necessidades do serviço, com especificação de atribuições relativas às funções de direção, chefia e assessoramento do estabelecimento e às demais funções. Art. 77. A escolha do pessoal administrativo, especializado, de instrução técnica e de vigilância atenderá a vocação, preparação profissional e antecedentes pessoais do candidato. § 1° O ingresso do pessoal penitenciário, bem como a progressão ou a ascensão funcional dependerão de cursos específicos de formação, procedendo-se à reciclagem periódica dos servidores em exercício. § 2º No estabelecimento para mulheres somente se permitirá o trabalho de pessoal do sexo feminino, salvo quando se tratar de pessoal técnico especializado. Tendo em vista os artigos citados acima, conclui-se que as funções de alto escalão nos presídios deverão ser exercidas por agentes públicos, e em respeito ao artigo 37, II da CF/88 as funções do cargo de agentes penitenciários deverão ser realizadas por pessoas que prestaram concurso publico. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; Art. 4°. Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: III - indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; Por afrontar a lei 11.078/04 o Governo de Minas Gerais foi condenado por terceirização ilícita no Presídio Público Privado de Ribeirão das Neves. Uma vez que esta lei considera como intransmissível o poder de polícia. (SACCHETTA, 2014) 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em toda a sociedade, independente do país, há uma estrutura de poder, na qual existem grupos que dominam e grupos que são dominados. No caso do sistema carcerário privatizado, entende-se como grupo dominante as empresas participantes das privatizações juntamente com o Estado e o grupo de dominados os presidiários, que ficarão à mercê do sistema punitivo. Sabe-se que o Estado era quem deveria ser legítimo para reprimir as condutas ilícitas e efetivar o cumprimento da pena imposta, tendo como objetivo ensinar o condenado a retornar ao convívio social e não mais praticar as ilicitudes. Ou seja, a ressocialização. Entretanto, temos no Brasil prisões que não ajudam em nada na ressocialização dos condenados, uma vez que estão superlotadas, sem condição mínima de higiene. No entanto, transferir a responsabilidade estatal para a iniciativa privada não resolverá o problema da criminalidade, uma vez que há muita complexidade, e a medida de privatização é muito superficial para tratar do tema.
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Existe o risco real de a iniciativa privada articular seus interesses particulares sob a proteção estatal, descumprindo a Lei e tornando a situação dos detentos insustentável e imprevisível, como no caso de endurecimento das penas e esquecimentos dos condenados, como já ocorre dentro do sistema carcerário. Ademais, pode-se assumir, ainda, a existência de um ciclo em que não há interesse em reintegrar o detento a uma vida produtiva, mas mantê-lo dependente de benefícios e propiciando sua volta ao sistema carcerário. Diante de todos os argumentos apresentados, conclui-se que privatizar ou terceirizar os estabelecimentos carcerários não mostrou a eficácia pretendida, sendo assim a melhor forma de chegar ao esperado, que seria diminuição da criminalidade e logo a esvaziamento do sistema carcerário, é ressocializar o condenado e o Estado manter compromisso e eficiência nas prestações dos serviços carcerários, melhorando a infraestrutura.
REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 31 dez. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/ lei/l11079.htm>. Acesso em: 02 nov. 2013. CHRISTIE, NILS. A indústria do controle do crime: a caminho dos GULAGs em estilo ocidental. Tradução: Luis Leiria. Rio de Janeiro: Forense, 1998. GOMES, Luiz Flávio. Indústrias das prisões. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/9478/industria-das-prisões>. Acesso em: 08 mai. 2014. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. 86 p . LEMGRUBER, Julita. Controle da criminalidade: mitos e fatos. São Paulo, 2001 MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e Fábrica: As origens do Sistema Penitenciário – Séculos XVI – XIX, 2. Ed. Rio de Janeiro. Revan, 2006 OLIVEIRA, Nilson Vieira (org.). Insegurança pública: reflexões sobre a criminalidade e a violência urbana. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. PESTANA, Marcio. A concorrência pública na parceria público-privada (PPP). São Paulo: Editora Atlas, 2006. RESENDE, Carla de Jesus. RABELO, Cesar Leandro de Almeida. VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo. A privatização do sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9822&revista_caderno=3>. Acesso em: 02 nov. 2013. SACCHETTA, Paula. Quanto mais presos, maior o lucro. A Pública, 27 de maio de 2014. Disponível em:<http://apublica.org/2014/05/quanto-mais-presos-maior-o-lucro>. Acesso em: 01 jun.2014. TRULIO, Maria Cristina de Souza, Privatização dos estabelecimentos prisionais no Brasil: Uma reavaliação da proposta após experimentação em alguns Estados ante a sua pretensão em contribuir para o desenvolvimento humano. Rio de Janeiro, 2009. WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Carlos Magalhães; Daniel Medrado.
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MULTIPARENTALIDADE Matheus Lorentz Faria 1 Leandro Henrique Simões Goulart2 Banca Examinadora3 RESUMO: O presente estudo pretende enfatizar a formação familiar atual, compreendendo a situação e aceitação social das novas modalidades de família, reconhecendo, ainda, o direito relacionado aos filhos advindos dessas novas relações, principalmente em relação aos filhos socioafetivos, demonstrando a possibilidade da manutenção da múltipla filiação, e, ainda, demonstrando todos os aspectos controversos e entendimentos jurisprudenciais sobre o tema, e, principalmente sobre o direito à prestação alimentícia e o direito hereditário envolvendo essas relações. PALAVRAS-CHAVE: Multiparentalidade; Dupla filiação, Registro de nascimento, pensão alimentícia; Direito sucessório; filiação socioafetiva. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 História do Direito de Família; 3 Evolução legislativa; 4 Família atual; 5 Multiparentalidade; 5.1 Pensão alimentícia; 5.2 Direito de sucessão; 5.3 Atual entendimento jurisprudencial; 6 Conclusão; Referências.
1. INTRODUÇÃO Desde o início da história da humanidade existe a entidade da família, formadas principalmente por influência do instinto de perpetuação da espécie e da aversão à solidão que todos nós possuímos. A humanidade, em sua natureza, possui como principio basilar o conceito de grupo, pautado pela autopreservação do individuo. Em virtude de sua antiguidade, a família é um instituto instável, uma vez que sua definição pode se alterar a qualquer tempo. A família não pode ser definida pelo texto frio da lei, todo o contexto social, econômico e legal deve ser analisado. Portanto, podemos dizer que o instituto da família possui várias definições, variando em relação à época em que foi criado. Apesar de todas as tentativas do legislador de acompanhar o clamor social, a positivação do direito de família tornou-se difícil, uma vez que a formação familiar se alterava em um ritmo muito acelerado, superando os conceitos conservadores impostos e a cada dia criando novas estruturas familiares. O presente trabalho tem como objetivo o estudo do instituto da multiparentalidade, o qual ainda não foi positivado no direito de família, mas é claramente aceito na sociedade atual. Com a finalidade de garantir a proteção da criança e o seu bem estar físico, econômico e emocional, este instituto prevê a possibilidade de reconhecimento da múltipla filiação. 2, HISTÓRIA DO DIREITO DE FAMÍLIA O direito de família surgiu com a necessidade de o legislador regular a situação fática que envolve a sociedade como um todo, por sua complexidade e abrangência, fez-se necessário dedicar uma área exclusiva do direito para regulamentação dessas relações domésticas. Como primeiro vestígio da organização social, surgiu a família, a aproximadamente 4.600 anos, formada por indivíduos que possuíam ancestrais em comum ou ligadas por um vínculo afetivo. Nesta época, a família era centralizada no patriarcado, advindo de um sistema de mulheres, filhos e servos sujeitos ao poder limitador e intimidador do pai, que controlava toda esta entidade, assim como seus bens, alem de somente ele ter o poder de romper o matrimônio, ou até mesmo repudiar sua mulher, caso esta fosse estéril ou cometesse adultério. A falta de afeto era uma característica marcante nas famílias desta época, uma vez que os objetivos primordiais destas entidades era a preservação patrimonial.
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No tangente aos filhos, estes não possuíam a infância verdadeira, uma vez que, assim que adquirissem porte físico para o trabalho, estas se misturavam aos adultos e partilhavam os afazeres domésticos e, muitas vezes, auxiliavam no trabalho de seus pais. Ainda, na mesma época, existia uma notável diferenciação entre os filhos, servindo como grande exemplo o fato de que a filha, quando se casasse, se desvincularia totalmente da sua família, adotando somente a família de seu marido e, por consequência, não possuía mais nenhum direito inerente aquela família, impossibilitando, inclusive, o direito hereditário. Com o advento do cristianismo, o instituto do casamento foi sacramentado, passando a ser considerado uma união entre um homem e uma mulher que selam a sua união sob as bênçãos de Deus, se transformando em um único ser físico e espiritualmente, sendo impossível a sua dissociação. A separação do casal somente era possível com o falecimento de uma das partes envolvidas. A partir desse momento a Igreja passou a repudiar todos os atos que pudessem interferir no modelo perfeito de família criada por eles, atacando, principalmente o aborto, o adultério e o concubinato. Porém, no último caso, este continuou a ser praticado, porém de forma discreta. Após este período, superado o conceito de sacramento do casamento, as famílias passaram a se formar em virtude do elo afetivo que ligava seus integrantes. A partir de então, o objetivo da formação familiar deixou de ser patrimonial e passou a ser o afeto, valorizando-se, principalmente, a convivência entre seus membros para idealizar um lugar onde é possível o cultivo de sentimentos, esperança e valores comuns. A família contemporânea qualifica-se pela diversidade, decorrente da busca pelo afeto e pela felicidade, desvinculando-se daquele conceito tradicionalista e passando a aceitar sua variedade de constituição, aceitando a existência de todos os filhos de forma igual, superando o conservador entendimento que é necessário o laço consanguíneo para ser formada a família. Esta evolução possibilitou o reconhecimento da paternidade socioafetiva, que caracteriza-se pela convivência e pelo amor que envolve esta relação, e não somente uma ligação de sangue. Diante da simplificação do divórcio, assim como a aceitação social que este instituto possui atualmente, a dissolução do matrimônio se tornou comum, permitindo que aquele cônjuge que se encontra infeliz em seu relacionamento possa se desvincular do seu companheiro, para que possa, assim, continuar sua busca
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pela felicidade e pelo afeto recíproco. Porém, muitos desses casamentos que se dissolvem, já haviam gerado, com fruto, um filho, que será levado para as novas relações que seus pais possam ter, caracterizando o conceito de famílias reconstituídas, onde existe uma relação amorosa entre duas pessoas que possuíam um relacionamento anterior e , desse relacionamento, trazem um filho. Recentemente admitiu-se legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, onde os cônjuges são dois homens ou duas mulheres que, querendo, podem participar do regular procedimento de adoção de crianças que possuirão, então, conforme crescente decisão jurisprudencial, ambos os nomes em sua certidão de nascimento. 3 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA É evidente que o instituto do direito de família está em constante mutação, objetivando acompanhar as continuas mudanças sociais, possuindo como seu marco inicial a Constituição Federal de 1916. Em seu início, o Direito de Família, utilizava o modelo patriarcal, no qual o patriarca da família a controlava por completo, possibilitando a este o controle sobre todos os bens de toda a família e sem a possibilidade de intervenção da mulher. Ainda nessa época, todas as entidades que se afastassem ou se diferissem daquela estabelecida eram excluídas da tutela jurisdicional, sem obter nenhum amparo legal e jurídico. Era prevista somente uma forma de constituição familiar, a qual somente poderia ser constituída por meio do matrimônio, sendo considerada ilegítima toda e qualquer formação familiar que diverge desta forma, mesmo que esta seja pautada pelo afeto. O marco histórico legislativo do direito de família foi a lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916 (antigo Código Civil). Esta foi um projeto de Clóvis Beviláqua, uma obra moldada à sua época, fundada a partir dos princípios basilares da sociedade daquele tempo. Este projeto possuía como característica principal a extrema valorização do patrimônio em detrimento do indivíduo, tornando-se uma legislação destinada, principalmente, aos grandes proprietários. Ainda, naquela época eram poucos os que tinham conhecimento sobre a legislação e, ainda inferiores aqueles que sabiam que podiam invocar os seus direitos. O artigo 233 do Código Civil de 1916 designava o marido como o único chefe da sociedade conjugal, atribuindo à mulher somente a função de colaboradora dos encargos familiares, consoante com o artigo 240 do mesmo diploma legal. Esta época também era marcada pela indissolubilidade do casamento, assim como a atribuição da capacidade relativa à mulher. No tocante à filiação, nesta época, existia uma clara distinção entre os filhos legítimos e ilegítimos, naturais e adotivos, todos eram registrados na certidão de nascimento a origem daquela filiação. Nos casos em que o adotante possuir filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a sucessão hereditária, conforme dispunha o artigo 377 deste mesmo ordenamento. Na separação, sempre existia a discussão de quem foi o culpado, o responsável para que aquela união se dissolvesse, sendo utilizada a guarda da criança como forma de punição ao cônjuge culpado, não sendo observado qualquer interesse da criança, desconsiderando todos os princípios que possuímos hoje previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Por volta de 1949 entrou em vigor a Lei nº 883, tratando do reconhecimento do filho ilegítimo, abandonado a mentalidade preconceituosa anteriormente adotada e permitindo que fosse instaurado um processo de investigação de paternidade, em segredo de justiça, que tem por objetivo garantir àquele filho ilegítimo todos os direitos concernentes à filiação, prezando pela igualdade indepen-
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dente da natureza da filiação. Esta obra também proibiu a menção de qualquer forma da natureza da filiação, impedindo que constasse na Certidão de Nascimento da criança que esta era ilegítima. Posteriormente, entrou em vigor a Lei nº 4.121 de 27 de agosto de 1962, a qual tratava sobre os direitos da mulher casada, denominado de Estatuto da Mulher Casada. Este projeto revogou vários dispositivos do Código Civil de 1916, concedendo à mulher, dentre outros direitos, o direito de exercer o poder familiar, ainda que esta se casasse novamente. Porém, esta era uma atividade muito restrita, uma vez que, conforme disposto no artigo 380 em seu parágrafo único, caso houvesse divergência entre os genitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevaleceria a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para a solução deste conflito. Mas, mesmo com todas as ressalvas, este foi um grande passo para o reconhecimento da mulher na sociedade, podendo, a partir de então, interferir na administração do seu lar. Já sob a vigência da Constituição Federal de 1967, em 1977 foi promulgada a Lei nº 6.515 e a Emenda Constitucional nº 09, sendo que a segunda possibilitou o divórcio o Brasil, após obtida a separação judicial. Já a primeira disciplinou sobre a matéria envolvida, possibilitando a ação direta de divórcio, desde que, completados cinco anos de separação de fato com início anterior a 28 de Junho de 1977, consoante com o artigo 40 deste diploma legal. A supracitada lei ainda estipulou o Regime de Comunhão Parcial de Bens como o regime legal Brasileiro, assim como facultou à esposa a utilização do sobrenome do marido, alem da possibilidade dos vínculos familiares se dissolverem com o divórcio. Em 1979 foi editada a Lei nº 6.697, objetivando a assistência, proteção e vigilância dos menores, denominada Código dos Menores. Porém, este projeto foi criado com o objetivo de regularizar a situação das crianças que viviam nas ruas dos grandes centros urbanos e, por isso, esta lei deixou de lado o interesse das crianças para, em seu lugar, preocupar-se com as questões de segurança pública, não atendendo aqueles menores que necessitavam do apoio do Estado. A constituição familiar como conhecemos hoje foi formada com o pilar da Constituição Federal de 1988, que alterou completamente a visão do legislador em relação à instituição familiar, dando ênfase aos princípios conquistados pela sociedade, transformando o modelo de família tradicional para uma forma de constituir um núcleo familiar fundado no afeto e na igualdade, consonante com o disposto no artigo 266 deste ordenamento. O ordenamento supracitado trouxe várias inovações jurídicas, assim como uma nova base para auferir o respeito aos princípios constitucionais, como a igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana, todos adotados pelo Direito de Família, abandonando o pensamento tradicionalista e transformando o conceito de família, considerando-se, a partir de então, uma união formada pelo amor recíproco. Com o advento da Constituição Federal de 1988 o foco do legislador mudou para priorizar a proteção à família e aos filhos de forma igualitária, em detrimento àquela proteção exacerbada ao casamento e aos filhos legítimos. Em 20 de novembro de 1989 foi instaurada a convenção da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre os direitos da criança e do adolescente, confirmada pelo Brasil por meio do Decreto nº 99.710/99. Esta convenção fez surgir uma visão que nosso legislador não possuía anteriormente, fazendo com que este focasse no bem estar da criança e do adolescente, no bom desenvolvimento físico e psicológico. Assim, com o reconhecimento da responsabilidade com àqueles em desenvolvimento, fez-se necessário editar uma lei para resguardar todos os direitos daquele ser marginalizado e discriminado que era a criança. Surgiu então a Lei nº 8.069, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
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Este ordenamento prevê todos os direitos inerentes à criança e ao adolescente, inclusive o direito de reconhecimento do estado de filiação, que passou a ser direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ou herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça. A Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992 trouxe uma inovação extremamente importante para o procedimento de investigação de paternidade dos filhos havidos fora do matrimonio. Este ordenamento concedeu legitimidade para o Ministério Público para ingressar com ação de investigação de paternidade quando não existir o nome da filiação paterna no registro civil da criança. Estas disposições viabilizaram o direito de toda criança ter um pai e uma mãe e de impor-lhes a responsabilidade de criá-la. Por fim, a Lei nº 10.406/02, que instituiu o novo Código Civil Brasileiro, entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2002. Mas, apesar de novo, possuímos um código antigo, uma vez que desde a sua apresentação, até a sua apreciação pelo Senado Federam se passaram por volta de 20 anos, portanto, este ordenamento, apesar de novo, foi escrito para adequar-se a sociedade de 20 anos atrás, motivo pelo qual foram necessárias várias reformas durante o tempo em que estava sendo apreciado. O novo Código Civil, então, poderia ser considerado um ordenamento desgastado, uma vez que não tratava de temas extremamente relevantes para a sociedade atual, como é o caso em que o legislador foi omisso ao deixar de incluir dispositivos que regulamentassem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ou até mesmo a celebração não solene do casamento, considerando-o inexistente. Igualmente omisso foi em relação à família monoparental e as normas que a regulamentam. Sinal óbvio da desatualização da norma com o estado de fato da sociedade. Vale ressaltar que o Direito de Família é um ordenamento que deve estar em constante mutação para acompanhar a situação fática da sociedade atual. Uma das principais alteração promovidas por este ordenamento foi em relação a isonomia entre os cônjuges dentro do casamento, ou seja, o homem e a mulher são iguais e responsáveis solidariamente pelos encargos da família, ou seja, a fidelidade recíproca, a vida em comum no domicílio conjugal, a mútua assistência e o sustento, guarda e educação dos filhos, pautados pelo respeito e consideração mútuos. 4 FAMÍLIA ATUAL Atualmente o conceito de família continua sendo a constituição de uma entidade familiar pautada pelo respeito e consideração mútuos ligados pelo vínculo afetivo. Porém, exatamente por se pautar nesses preceitos, existe um grande número de divórcios, uma vez que o cônjuge que está infeliz com o casamento pode dissolvê-lo a qualquer hora, e, posteriormente, poderá casar-se novamente, gerando um grande ciclo de busca pela felicidade. Alguns desses casamentos que se dissolvem pelo divórcio, ou até mesmo pelo falecimento de um dos cônjuges, deixam como herança uma criança. Obviamente existem exceções mas, na maioria dos casos, esta criança possui um forte vinculo afetivo tanto com a mãe quanto com o pai biológico, sem ser afetada pela separação do casal. A busca pela felicidade é constante e, algum dia, estes pais podem resolver se casar com outras pessoas, que passaram a ter um contato direto com essa criança havida anteriormente a esta nova união. Em alguns casos esse novo vínculo criado é tão forte que caracteriza uma paternidade socioafetiva. A criança então passa a considerar como pai duas pessoas: seu pai biológico e aquele pai socioafetivo. Em relação ao principio da afetividade, basilar para a conceituação do Direito de Família atual, dispõe DIAS, Maria Berenice (2007, p. 68):
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O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse do estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Igualmente tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família, compondo, no dizer de Sérgio Resende de Barros, a família humana universal, cujo o lar é a aldeia global, cuja base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será, como sempre foi, a família. Outro ângulo da questão é a possibilidade de formação de casais homoafetivos. Nos casos de adoção envolvendo estes casais a criança pode ter duas pessoas como figura paterna ou até duas pessoas como figura materna em sua vida. Porém, segundo o ordenamento atual, tanto no primeiro quanto no segundo caso, é impossível manter o nome de dois pais ou duas mães no registro civil de uma criança, motivo pelo qual torna-se tão importante a aplicação do instituto da multiparentalidade. 5 MULTIPARENTALIDADE O instituto da multiparentalidade visa a legitimação de uma situação fática, onde existe o reconhecimento de uma paternidade biológica e outra socioafetiva, que deve ser reconhecida por meio de um processo judicial específico, no qual será analisado a existência ou não da paternidade socioafetiva. Sem a aplicação do instituto em tese, no caso acima citado, o nome do pai biológico seria substituído pelo o do pai socioafetivo, transferindo-lhe todos os direitos e deveres como pai. Porém, conforme defendido nesse estudo, deve-se aplicar o instituto da multiparentalidade, permitindo que a criança possua tanto o registro em nome do pai biológico, quanto o do pai socioafetivo, devendo estes compartilhar os direitos e deveres com relação à criança, inclusive o de prestar uma ocasional pensão alimentícia, assim como todos os deveres de pai. Este instituto visa atender ao principio do melhor interesse do menor que, claramente, estaria melhor resguardado, tanto pelo aspecto matéria como pelo aspecto afetivo, uma vez que não se afasta um pai em detrimento do outro. Ambos devem ser considerados por iguais, permitindo que ambos possuam grande representação na vida da criança. Em razão do princípio da plena proteção das crianças e adolescentes, dispõe os doutrinadores GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona (2013, p. 100): (...) em respeito à própria função social desempenhada pela família, todos os integrantes do núcleo familiar, especialmente os pais e mães, devem propiciar o acesso aos adequados meios de promoção moral, material e espiritual das crianças e adolescentes viventes em seu meio. Em 2012, no estado de São Paulo, foi proferida uma decisão completamente inovadora, a qual permitiu a inclusão da filiação socioafetiva de um jovem de 19 anos, sem prejuízo à mãe biológica, conforme disposto na ementa “in verbis”: “EMENTA: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Preservação da Maternidade Biológica. Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família. Enteado criado como filho desde dois anos de idade. Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútu-
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os, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Recurso provido.” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2012). O instituto da multiparentalidade prevê a aplicação dos mesmos direitos e deveres a ambos os pais, tanto o pai biológico quanto o pai socioafetivo, englobando, inclusive, o direito a prestação alimentícia e o direito hereditário. Insta salientar que o instituto não possui diferenciação quanto ao gênero, podendo ser aplicado tanto no caso em que existam um pai biológico e outro socioafetivo, quanto nos casos em que existam uma mãe biológica e outra socioafetiva envolvidas. A aplicação do instituto da multiparentalidade necessita de um processo de reconhecimento de uma paternidade socioafetiva, seguindo todos os tramites legais, analisando a relação e o vinculo existente entre essa criança e o suposto pai socioafetivo, devendo-se comprovar o vinculo familiar e, ainda, é necessário comprovar a consideração mútua entre eles, assim como o tratamento do pai socioafetivo em relação à criança como se seu filho fosse. O reconhecimento de um vínculo socioafetivo não afasta a possibilidade de a criança ingressar com uma ação de reconhecimento de paternidade em face de seu pai biológico, resguardado o direito de reconhecimento do estado de filiação, previsto no artigo 27 do ECA, “in verbis”: Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. O reconhecimento da paternidade socioafetiva será equivalente em direitos e deveres à adoção, prevista nos artigos 39 a 52 do ECA, com os seguintes efeitos: a declaração do estado de filho afetivo; a feitura ou alteração do registro civil do nascimento; a irrevogabilidade da paternidade ou maternidade sociológicos; a herança entre pais, filhos e parentes socioafetivos; o poder familiar; a guarda e o sustento do filho ou o pagamento de pensão alimentícia; o direito de visitas, entre outros. O artigo 54 da lei 6.015/73, Lei de Registros Públicos, “in verbis”, possibilita ao filho socioafetivo a adoção do nome de qualquer um dos pais registrados, devendo constar, inclusive o nome dos avós paternos e maternos, portanto, com o acréscimo da paternidade socioafetiva, o registro de nascimento dessa criança conterá, além do nome dos pais biológicos, o nome do pai socioafetivo, inclusive o nome de seus ascendentes, sem nenhuma observação em relação à forma de aquisição da paternidade. Art. 54. O assento do nascimento deverá conter: (...) 7º) Os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se casaram, a idade da genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal. 8º) os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos; 5.1. Pensão Alimentícia O direito a prestação alimentícia para o menor, no caso em tela, poderia ser prestado por qualquer um dos pais registrados, tanto o pai biológico quanto o pai socioafetivo, possibilitando, ainda, a prestação concomitante entre os dois pais, a fim de garantir o melhor interesse do menor e a sua boa convivência social.
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Insta salientar que a prestação da pensão alimentícia não tem como objetivo o enriquecimento sem causa, mas sim a manutenção do status social da criança, assim como a sua preservação econômica, física e psicológica. O direito a prestação alimentícia está vinculada aos preceitos estabelecidos no Código Civil, devendo ser pautada pelo binômio da necessidade e possibilidade, aplicada separadamente a cada um dos pais, observando a situação econômica e financeira do alimentante e as necessidades do alimentado, conforme disposto no artigo 1694 do Código Civil: Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. § 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. Aos filhos socioafetivos reconhecidos ainda incube a obrigação de prestação alimentícia caso do pai necessitar, em respeito ao princípio da reciprocidade previsto no artigo 229 da Constituição Federal, que dispõe: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”. 5.2. Direito De Sucessão Uma vez reconhecida a paternidade socioafetiva e a paternidade biológica concomitantemente, ambos os pais são integralmente iguais perante aos direitos e deveres em relação àquela criança, portanto, como um dos principais direitos dos filhos em relação aos pais é o direito hereditário, esta criança faz jus ao recebimento da herança de ambos os pais. O artigo 227 da Constituição Federal, em seu parágrafo 6º, prevê a isonomia entre filhos, reprimindo qualquer diferenciação que possa ser feita em relação a natureza da aquisição do estado de filiação, motivo pelo qual o filho socioafetivo deverá ser equiparado ao filho biológico para todos os efeitos, inclusive no tocante ao direito hereditário, englobando o filho, o pai socioafetivo e, inclusive, os parentes sociológicos. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Ainda, em relação ao princípio da isonomia, dispõe DIAS, Maria Berenice (2007, p. 62): (...) A supremacia do principio da igualdade alcançou também os vínculos de filiação, ao ser proibida qualquer designação discriminatória com relação aos filhos havidos ou não da relação de casamento ou adoção (CF 227 §6.º). Em boa hora o constituinte acabou com a abominável hipocrisia que rotulava a prole pela condição dos pais.(...)
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TRADA PELO MARIDO DA GENITORA, COMO SE FILHA FOSSE. PAI BIOLÓGICO QUE RECLAMA A PATERNIDADE, COM A CONSEQUENTE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL DA MENOR. PRETENSÃO RECURSAL QUE OBJETIVA A MANUTENÇÃO DO PATRONÍMICO DO PAI SOCIOAFETIVO. PRETENSÃO QUE SE ACOLHE DIANTE DOS RELEVANTES INTERESSES DA MENOR EM MANTER O NOME DAQUELE QUE LHE DEU OS PRIMEIROS ENSINAMENTOS, EM COMPANHIA DE QUEM RESIDE, COM QUEM MANTÉM VÍNCULOS DE AFETO E POR MEIO DO QUAL É CONHECIDA SOCIALMENTE. RECURSO PROVIDO. (TJ-RJ - APL: 236273620088190038 RJ 002362736.2008.8.19.0038, Relator: DES. LUISA BOTTREL SOUZA, Data de Julgamento: 11/08/2010, DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 26/08/2010)
Insta salientar que a sucessão hereditárias dos pais não se comunicam, salvo aqueles que são cônjuges ou companheiros. Existe uma intensa discussão sobre o reconhecimento da filiação socioafetiva quando esta tem somente o objetivo de anular a partilha para que seja incluído o filho socioafetivo como herdeiro do falecido. Grande parte da doutrina e jurisprudência entende que não é admissível o reconhecimento da paternidade socioafetiva somente para fins hereditários e, assim, são extintos os pleitos, rejeitando o pedido de reconhecimento da filiação. 5.3. ATUAL ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL O atual entendimento jurisprudência é muito variado, uma vez que o instituto da multiparentalidade é um tema extremamente recente e, por isso, não possuímos muitos julgados que envolvam esse instituto, porém, os tribunais vem, de forma crescente, aplicando este instituto. Em relação às relações homoafetivas em que exista a adoção de uma criança, ou em que, por meio de assistência médica e a realização de procedimento de fertilização, a jurisprudência é fortemente pendente ao reconhecimento da dupla filiação, seja constando o nome de dois pais, ou o nome de duas mães, conforme comprova a ementa a seguir: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE DUPLA MATERNIDADE. PARCEIRAS DO MESMO SEXO QUE OBJETIVAM A DECLARAÇÃO DE SEREM GENITORAS DE FILHO CONCEBIDO POR MEIO DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA, COM UTILIZAÇÃO DE GAMETA DE DOADOR ANÔNIMO. AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO LEGAL EXPRESSA QUE NÃO É OBSTÁCULO AO DIREITO DAS AUTORAS. DIREITO QUE DECORRE DE INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DE DISPOSITIVOS E PRINCÍPIOS QUE INFORMAM A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NOS SEUS ARTIGOS 1º, INCISO III, 3º, INCISO IV, 5º, 226, § 7º, BEM COMO DECISÕES DO STF E STJ. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA QUE IMPÕE O REGISTRO PARA CONFERIR-LHE O STATUS DE FILHO DO CASAL. 1. o elemento social e afetivo da parentalidade sobressai-se em casos como o dos autos, em que o nascimento do menor decorreu de um projeto parental amplo, que teve início com uma motivação emocional do casal postulante e foi concretizado por meio de técnicas de reprodução assistida heteróloga. 2. Nesse contexto, à luz do interesse superior da menor, princípio consagrado no artigo 100, inciso IV, da Lei nº. 8.069/90, impõe-se o registro de nascimento para conferir-lhe o reconhecimento jurídico do status que já desfruta de filho das apelantes, podendo ostentar o nome da família que a concebeu. 2. Sentença a que se reforma. 3. Recurso a que se dá provimento. (TJ-RJ - APL: 00177955220128190209 RJ 001779552.2012.8.19.0209, Relator: DES. LUCIANO SILVA BARRETO, Data de Julgamento: 07/08/2013, VIGÉSIMA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 04/04/2014 16:20) Já em relação a aplicação do instituto no reconhecimento de uma paternidade socioafetiva, apesar de serem poucos os julgados que envolvam este instituto, muitos magistrados entendem pela sua aplicação, reconhecendo o direito de reconhecimento do estado de filiação e o melhor interesse do menor, conforme demonstra a seguinte ementa: DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. AÇÃO DE ESTADO, QUE VERSA SOBRE ESTADO DE FILIAÇÃO, TEM POR OBJETO DIREITO INDISPONÍVEL, O QUE AFASTA OS EFEITOS DA REVELIA. CRIANÇA QUE FOI REGIS-
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6. CONCLUSÃO Por fim, concluímos que o conceito de família está em constante mutação, acompanhando a alteração da mentalidade e aceitação social, motivo pelo qual, mesmo sendo incessantes as tentativas, é impossível a criação de uma legislação que compreende totalmente a situação social daquele momento, uma vez que esta se modifica a cada dia que se passa, tornando incompletas as normas envolvendo o Direito de Família, razão pela qual o entendimento doutrinário e jurisprudencial se fazem tão importantes nesse ramo de atuação. É evidente que o instituto da multiparentalidade tem por objetivo a regularização de uma situação fática já existente e já completamente aceita pela sociedade, motivo pelo qual o afastamento da sua aplicação é completamente infundada e pode ferir os princípios do melhor interesse do menor e o direito de reconhecimento do estado de filiação. O instituto da multiparentalidade traz diversos benefícios à criança e aos adolescente, respeitando, sempre, o principio do melhor interesse do menor e o direito de reconhecimento do estado de filiação, motivo pelo qual, faz-se necessária uma maior aplicação deste instituto nos casos concretos, permitindo que sejam reconhecidos, concomitantemente, a filiação biológica e a filiação socioafetiva, constando, na Certidão de Registro Civil, inclusive, os nomes de todos os avós. Portanto, nos casos em que forem reconhecidas a filiação biológica e a socioafetiva concomitantemente, deverá constar, na Certidão de Nascimento da criança, o nome do pai e mãe biológicos, seus respectivos ascendentes, a nomeação dos pai ou mãe socioafetivo, inclusive, os nomes de seus ascendentes. Em relação aos direitos e deveres envolvendo estas relações, podemos equipara-las às relações de adoção, uma vez que todos os pais, tanto biológicos quanto socioafetivos, possuem os mesmos direitos e deveres com relação à criança. Portanto, é correto dizer que a prestação alimentícia poderá ser exigida de qualquer um dos pais, ou até mesmo de ambos, concomitantemente, observando-se o binômio da necessidade e possibilidade em cada relação. Inclusive, é permitido que os pais exijam a prestação alimentícia desse filho, conforme disposto no artigo 229 da Constituição Federal. Em face ao direito hereditário, o princípio da isonomia deve ser observado, não podendo haver qualquer ação discriminatória com relação à natureza da filiação. Portanto, o filho socioafetivo possuirá os mesmos direitos daqueles filhos considerados legítimos. É obvio que a aplicação do instituto da multiparentalidade somente trará benefícios à criança, uma vez que a situação fática previamente existente estaria sendo reconhecida sem o prejuízo à filiação biológica daquela criança, garantindo, de forma mais eficaz, todos os seus direitos fundamentais e , inclusive garantindo a possibilidade igualitária da prestação afetiva.
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REFERÊNCIAS BARRETO, Luciano Silva. Evolução Histórica e Legislativa da Família. Disponível em:http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/ paginas/series/13/volumeI/10anosdocodigocivil_205.pdf. Acesso em 20 Maio 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 20 Maio 2014. BRASIL. Código Civil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ l10406.htm. Acesso em 20 Maio 2014. BRASIL. Código de Processo Civil: promulgada em 10 de janeiro de 2002. Brasília: Senado Federal, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l5869compilada.htm. Acesso em 20 Maio 2014. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: promulgada em 13 de julho de 1990. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em 20 Maio 2014. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume 6: Direito de Família – As Famílias em perspectiva constitucional / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. 3. Ed. Ver., atual. E amp. São Paulo: Saraiva, 2013. KIRCH, Aline Taiane; COPATTI, Lívia Copelli. O reconhecimento da multiparentalidade e seus efeitos jurídicos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 112, maio 2013. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=12754&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em 20 Maio 2014.
NOTAS DE FIM 1 Graduando em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Mestre em Direito pela FUMEC, Especialista em Processo Civil Pela UNI-BH, Professor do Centro Universitário Newton Paiva das Disciplinas Processo Civil, Ética e Teoria Geral do Direito Privado, Coordenador do CEJU – Centro de Exercícios Jurídico e Advogado. 3 Leandro Henrique Simoes Goulart; Ronado Passos Braga.
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INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1641, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO Stephanie Santos Menezes1 Leandro Henrique Simões Goulart 2 Banca Examinadora3
RESUMO: O Código Civil Brasileiro estabelece a obrigatoriedade do regime de separação de bens para os maiores de setenta anos em seu art. 1.641, inciso II. Entretanto, esta imposição tem sido objeto de discussão doutrinária e jurisprudencial, por ter indícios de inconstitucionalidade neste artigo, uma vez que a idade não pode ser critério atribuidor da incapacidade. Neste prisma, pretende-se analisar o referido tema para demonstrar a violação que vem sendo cometida em face da Constituição Federal. PALAVRAS – CHAVE: Casamento, Regime de Bens, Incapacidade, Idade, Princípio da Igualdade. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Princípio da Igualdade na Constituição da República ; 3 Casamento; 3.1 Capacidade para o casamento; 4 Regime de bens no casamento; 4.1 Regime Parcial de bens; 4.2 Regime de Comunhão Universal de bens; 4.3 Regime de Participação Final nos Aquestos; 4.4 Regime de Separação de bens; 5 Da violação do Princípio da igualdade no regime obrigatório de separação de bens; 5.1 Critério determinante da incapacidade; 5.2 Súmula 377 do STF; 6 Considerações finais; Referências
1 INTRODUÇÃO O art. 1.641, inciso II, do Código Civil, que dispõe a obrigatoriedade do regime de separação de bens para os maiores de setenta anos, tem sido objeto de discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca de sua constitucionalidade. Isso porque, este dispositivo é notoriamente discriminatório, uma vez que desrespeita os princípios constitucionais. Assim, ao impor este regime, o legislador adotou a idade como critério determinante da incapacidade. Desta forma, trata-se de uma norma preconceituosa e incompatível com a Constituição Federal, motivo pelo qual propugna sua inconstitucionalidade. 2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA O conceito de igualdade foi objeto de diversas discussões na doutrina. Para Aristóteles, este princípio consiste na relação com o ideal de justiça, ou seja, tratar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua desigualdade. A Constituição da República de 1988 estabelece em seu art. 5º o princípio da igualdade no sentido formal, o qual dispõe que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Desta forma, vedam-se as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento dos desiguais, na medida de sua desigualdade é exigência tradicional do conceito de Justiça (MORAES, 2010). Para Alexandre de Moraes (2010,p.37): O principio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo. na edição, respectivamente de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social. Assim, o que se busca é a igualdade perante a lei, qual seja em seu sentido formal, bem como a sua concretização materializada na igualdade material.
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A desigualdade ocorre quando a norma diferencia de forma desproporcional ou abusiva um tratamento a sujeitos diversos. Entretanto, há desequiparações permitidas pela Constituição, sendo assim, serão consideradas não discriminatórias quando forem justificadas razoavelmente pela própria Carta Magna, buscando a conformidade com o fim visado e os direitos e garantias nela previstos. Observa-se que na edição das leis, o legislador não pode afastar-se do princípio da isonomia, criando direitos e obrigações distintas a pessoas que estejam frente a uma situação de igualdade; neste caso, deve ser adotado um tratamento igualitário a elas. Justifica Celso Antônio Bandeira de Melo (2006, p.10): A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo assimilado pelos sistemas normativos vigentes. Assim, normas que violam o princípio da igualdade, sendo estas abusivas e discriminatórias, serão incompatíveis com os preceitos constitucionais, sob pena de flagrante de inconstitucionalidade e, até mesmo, responsabilidade civil e penal. (MORAES, 2010). Como afirma Cármen Lúcia Antunes Rocha citada por José Afonso da Silva (2008, p. 214): Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental. 3 CASAMENTO O Código Civil de 1916 tratava o casamento como a única forma de constituir família, a qual veio a ser conhecida como base da sociedade pela Constituição de 1988 em seu art. 226. A família tinha viés patriarcal e, somente, era reconhecida quando ungida pelos sagrados laços do matrimônio. Sendo certo que não havia outra modalidade de convívio aceitável na sociedade. (DIAS, 2007).
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Com o passar dos anos, foi aceita novas formas de constituir família, fato este reconhecido pela Constituição que estendeu seu conceito ao tratar da união estável, bem como da entidade familiar formada por qualquer dos pais e seus descendentes, qual seja a família monoparental disposta no art. 226, § 4º. Fato este que pode ser notado com a mudança da mentalidade da sociedade. Entretanto, o legislador não definiu o casamento no Código Civil, sendo assim muitos doutrinadores estabeleceram alguns conceitos. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p.118 e 119) definiram como: [...] um contrato especial de Direito de Família, por meio do qual os cônjuges formam uma comunidade de afeto e existência, mediante a instituição de direitos e deveres, recíprocos e em face dos filhos, permitindo, assim, a realização dos seus projetos de vida. Muitas discussões há acerca da natureza jurídica deste instituto, o qual três principais correntes o delineiam. A primeira trata da natureza institucionalista do casamento, que defende ser uma instituição social na medida em que destaca um conjunto de normas que aderem os nubentes para regular sua relação. A segunda adota a natureza de convenção, sendo o casamento um contrato especial, sui generis. Por fim, a terceira define como eclética, por ter duas naturezas, uma vez que enquanto celebração, o casamento é um contrato, e como vida comum é uma instituição social. (FIÚZA, 2010). O art. 1511, do Código Civil Brasileiro, dispõe a finalidade do casamento ao determinar que este estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Isto posto, apesar das mudanças ocorridas na percepção de casamento, este continua com sua importância primordial, qual seja ser o alicerce da família, segundo César Fiúza (2010, p. 965). 3.1. Capacidade Para o Casamento O Código Civil Brasileiro em seu artigo 1.517 estabelece a capacidade para casar, a qual é atingida aos 16 anos por homem ou mulher. Porém, para celebrar o casamento é necessária a autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, mas se houver divergência na concessão desta, é possível recorrer via judicial nos termos do parágrafo único do art. 1631. Nota-se, que é possível a revogação da autorização dada pelos pais, tutores ou curadores até a celebração do casamento , segundo o art. 1518, do CC. (GAGLIANO; FILHO, 2013). Entretanto, quando a denegação do consentimento for injusta, poderá acionar o Judiciário e ser suprida pelo juiz (art. 1519, CC). O art. 1.520, do CC estabelece, excepcionalmente, duas hipóteses para a celebração do casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil, não sendo necessária, assim, a autorização dos pais. Neste caso, ocorrerá para evitar a imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez. A primeira hipótese ocorria quando a mulher estuprada casava-se com seu próprio estuprador. Assim, o Código Penal previa a extinção da punibilidade do agente neste caso, mas tal disposição foi revogada. ( site *) Já na segunda hipótese, estando a noiva grávida e sendo menor de 16 anos é necessária prova documental ou pericial desta gravidez para o juiz autorizar o casamento. (GAGLIANO; FILHO, 2013, p.167). Entretanto, com a mudança na mentalidade e no comportamento da sociedade essas hipóteses tornaram-se incomuns. Por fim, os arts. 1548 e 1550, do CC, estabelecem as causas de nulidade e anulabilidade do casamento, como, por exemplo, ocorrer infringência de impedimento e vício da vontade, respectivamente. Ob-
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serva-se, que em caso de decretação de nulidade, esta poderá ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério publico, nos termos do artigo. 4. REGIME DE BENS DO CASAMENTO Entende-se por regime de bens o conjunto de normas que disciplina a relação jurídico – patrimonial entre os cônjuges, ou, simplesmente, o estatuto patrimonial do casamento (GAGLIANO; FILHO, 2013, p.312). Segundo o art. 1.511, do CC, o casamento estabelece plena comunhão de vida, por este motivo, surge, assim, direitos e deveres recíprocos, os quais os cônjuges irão dividir a responsabilidade da criação e mantença da prole, bem como a administração do lar. Como afirma Maria Berenice Dias (2007, p.200): “a convivência familiar enseja o entrelaçamento não só de vidas, mas também de patrimônios, tornando indispensável que fiquem definidas, antes do matrimônio, as questões atinentes aos bens, às rendas e às responsabilidades de cada consorte”. Face a importância ora destacada do regime de bens, sua definição prévia é indispensável para que haja casamento, uma vez que estes dois institutos são interligados. Salvo determinadas exceções presentes no Código Civil (art.1641, CC), os noivos tem plena liberdade de deliberarem o que quiserem e na forma que melhor lhes atender sobre os seus bens (art. 1639, CC), uma vez que não há imposição legal obrigatória no que tange a escolha do regime (DIAS, 2007). Com a dissolução do matrimônio, o regime de bens será fator determinante para proceder a divisão do patrimônio dos consortes, conforme as regras específicas do regime escolhido. 4.1 Regime de Comunhão Parcial de Bens O Código Civil trata do deste regime nos artigos 1.658 ao 1.666, sendo este o regime de preferência legal, bem como o mais importante socialmente. Utilizado tanto na falta de manifestação dos noivos, como na hipótese de ser nulo ou ineficaz o pacto, segundo disposição do art. 1.640, do CC (DIAS, 2007, p.218). Neste regime, comunicam-se os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento e excluem-se os bens particulares e individuais elencados no art. 1.659, do CC. Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p. 343), “é como se houvesse uma “separação do passado” e uma “comunhão do futuro” em face daquilo que o casal, por seu esforço conjunto, ajudou a amealhar”. Conforme o art. 1.660, do CC, entram na comunhão: os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, ainda que só em nome de um dos cônjuges; os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge e os frutos dos bens comuns, ou dos particulares percebidos durante o matrimônio, ou pendentes ao seu fim. (BRASIL, 2002). Entretanto, excluem da comunhão, nos termos do art. 1.659, CC: os bens que cada cônjuge possuía antes de casar e os adquiridos durante o casamento por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; os bens adquiridos em substituição aos bens particulares dos consortes; as obrigações assumidas antes do casamento e as oriundas de ato ilícito, salvo se reverteram em proveito do casal; os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; os proventos da profissão de cada cônjuge e as pensões, meios-soldos, montepios, bem como os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento, como indenizações de fatos anteriores ao casamento (art.1.661, CC).
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A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges (art.1.663, CC), mas o patrimônio particular fica a cargo do cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial (art. 1.665, CC), já que este é admitido neste regime. 4.2 Regime de Comunhão Universal de Bens Para Maria Berenice Dias (2007, p. 222), neste regime: Ocorre uma fusão entre os acervos trazidos para o matrimônio por qualquer dos nubentes, formando uma única universalidade, à qual se agrega tudo o que for adquirido, na constância do enlace conjugal, por qualquer dos cônjuges, a título oneroso, por doação ou herança. [...] Comunicam-se todos os bens presentes e futuros, bem como as dívidas passivas. Entretanto, essa comunhão entre os bens não é absoluta, uma vez que a lei adota exceções previstas no art. 1.668, do CC, quais sejam os bens recebidos por doação ou por herança com cláusula de incomunicabilidade, e os sub-rogados em seu lugar; os bens gravados de fideicomisso, bem como o direito do fideicomissário antes de ocorrida a condição suspensiva; as dívidas anteriores ao casamento, salvo se contraídas em proveito comum; as doações feitas por um dos consortes ao outro com cláusula de incomunicabilidade; os bens de uso pessoal, os livros, os instrumentos de profissão, os rendimentos do trabalho de cada um e as pensões, meio-soldos, montepios (BRASIL,2002). A incomunicabilidade dos bens elencados acima (art. 1.668, CC), não se estendem aos seus frutos (art. 1.669, CC), comunicando-os. O regime em estudo não prescinde do pacto antenupcial para ser adotado (DIAS, 2007). No que tange a administração s bens, aplicam-se as regras do regime de comunhão parcial, nos termos do art. 1.670, do CC.
Este regime poderá ser na forma convencional, quando por livre vontade dos nubentes, ou obrigatória, quando imposta por lei. É o caso das hipóteses do art. 1641, do CC, quais sejam a inobservância de cláusula suspensiva da celebração do casamento; no casamento de pessoas maiores de setenta anos e daqueles que dependerem de suprimento judicial para casar. Nesta modalidade, separação legal de bens, não é preciso da elaboração do pacto antenupcial. 5. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE NO REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS O Código Civil de 1916 previa em seu art. 258, inciso II, a adoção do regime de separação legal de bens no casamento para o homem maior de sessenta anos e para a mulher maior de cinquenta anos. Todavia, o atual Código Civil Brasileiro alterou a disposição anterior, a qual passou a ser exigida para os maiores de sessenta anos, nos termos do art. 1641, inciso II. A Lei 12.344 de 09 de Dezembro de 2010 modificou a redação do art. 1641, inciso II, e majorou a idade para setenta anos. Assim, hodiernamente, os maiores de setenta anos devem aderir obrigatoriamente o regime de separação de bens para casar. O princípio da igualdade busca a igualização dos desiguais pela outorga de direitos sociais essenciais, como afirma Seabra Fagundes citado por José Afonso da Silva (2009, p. 215): O princípio significa, para o legislador que, ao elaborar a lei, deve reger, com iguais disposições – os mesmos ônus e as mesmas vantagens – situações idênticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a quinhoá-las ou gravá -las em proporção às suas diversidades.
4.3 Regime de Participação Final nos Aquestos Por esse regime, cada cônjuge possui patrimônio próprio, e lhe cabe, à época da dissolução conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a titulo oneroso, na constância do casamento, conforme conceito disposto no art. 1.672, do CC. Para Maria Berenice Dias (2007, p.225), “aquestos são os bens próprios de cada um dos cônjuges amealhados durante o casamento mais os bens que foram adquiridos por eles em conjunto”. Completa César Fiúza (2010, p. 982), que durante o casamento, vigorará uma espécie de separação de bens em que cada um dos consortes terá seu patrimônio separado. Neste regime, há dois tipos de bens: os particulares e os comuns. O primeiro é constituído antes do casamento por cada nubente, bem como aqueles recebidos por herança por herança ou liberalidade, ou adquiridos por substituição. Já o segundo é adquirido pelo casal durante o matrimônio (DIAS, 2007). A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, nos termos do art. 1.673, do CC. Entretanto, ocorrendo a dissolução da sociedade conjugal cada cônjuge ficará com a totalidade dos seus bens particulares anteriores ao casamento e com a metade dos bens comuns adquiridos pelo casal. Ainda, os bens próprios de cada serão compensados (DIAS, 2007).
Porém, para buscar a referida igualização, as disposições legais a serem criadas devem estar em consonância com a Constituição, ou seja, compatíveis com seus princípios e garantias. De fato, a exigência elucidada pelo dispositivo 1.641, inciso II, do CC, não encontra amparo legal para diferenciar os maiores de setenta anos das demais parcelas da população, motivo pelo qual torna este dispositivo discriminatório, vez que normas que criam diferenciações abusivas ou injustificadas são incompatíveis com os preceitos constitucionais (MORAES, 2010). Assim, viola nitidamente o princípio da igualdade. O legislador buscou a proteção ao patrimônio dessas pessoas ao impor a obrigatoriedade do regime de separação de bens, uma vez que estes estão em uma situação de vulnerabilidade e podem ser facilmente enganados e vitimas de um “golpe”. Porém, essa imposição gerou uma discriminação contra eles, isso porque atribuiu a idade como critério determinante da incapacidade. Destarte, Maria Berenice Dias (2007, p.417) afirma que “em face do direito à igualdade e à liberdade, ninguém pode ser discriminado em função do seu sexo ou da sua idade, como se fossem causas naturais de incapacidade civil”. Desta feita, assim como o resto da população, os maiores de setenta anos tem o direito de optar pelo regime de bens que melhor lhes aprouver para que seja respeitado e materializado o principio da igualdade previsto na Carta Magna. Caso contrário, permanecerá a violação deste principio por não estar condizente com os dizeres da Constituição e tornando, consequentemente, o artigo supracitado inconstitucional.
4.4 Regime de Separação de Bens O Código Civil trata deste regime apenas nos arts. 1.687 e 1.688 e dispõe que cada cônjuge possui seus bens separadamente e estes estarão sob a administração exclusiva de cada um deles. Face necessária para sua adoção a realização do pacto antenupcial (DIAS, 2007).
5.1. Critério Determinante da Incapacidade O atual Código Civil Brasileiro estabelece a capacidade para casar no art. 1.517, a qual é atingida aos dezesseis anos de idade, sendo necessária a autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.
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Ademais, os arts. 3º e 4º dispõem acerca da incapacidade absoluta e relativa respectivamente: Art. 3º - São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Art. 4º - São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. Diante da análise das disposições supra, destaca-se que o legislador não impôs a idade máxima para casar, apenas a idade mínima, qual seja dezesseis anos. Ainda, não estipulou a idade em que se encerra a capacidade, somente quando esta se inicia. Nota-se que não há previsão no ordenamento jurídico brasileiro que os maiores de setenta anos são considerados incapazes. Desta feita, a obrigatoriedade imposta pelo art. 1.641, inciso II, do CC, em que estabelece o regime de separação de bens para os maiores de setenta anos, não possui justificativa legal plausível, motivo pelo qual enseja, cada vez mais, a discriminação contida neste dispositivo. Nesse sentido, a capacidade só pode ser afastada em situações excepcionais e através do processo judicial de interdição, prevista nos arts. 1.177 ao 1.186, do Código de Processo Civil. Neste caso, é necessária a realização de perícia, bem como o interrogatório realizado pelo magistrado (DIAS, 2007). Entretanto, isso não ocorreu para que fosse justificada a imposição do regime de separação de bens para essa parcela da população; assim, entende-se que estes são plenamente capazes e podem optar pelo regime que melhor lhes aprouver. Destaca-se que o legislador, absurdamente, atribuiu a idade como critério determinante da incapacidade com a edição do art. 1.641, inciso II, do CC. Todavia, não há como não concordar com o doutrinador Pietro Perlingieri (2007, p.169): “Assim como a pouca idade não é sinônimo de ausência de doença, de regra a idade senil não é sinônimo de doença e, portanto, de handicap”. Nesse diapasão, a jurisprudência do TJRS posicionou-se pela inconstitucionalidade do artigo e sumulou o entendimento abaixo: Ementa: ANULAÇÃO DE DOAÇÃO. REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. Descabe a anulação de doação entre cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória de bens, quando o casamento tenha sido precedido de união estável. Outrossim, o art. 312 do Código Civil de 1916 veda tão-somente as doações realizadas por pacto antenupcial. A restrição imposta no inciso II do art. 1641 do Código vigente, correspondente do inciso II do art. 258 do Código Civil de 1916, é inconstitucional, ante o atual sistema jurídico que tutela a dignidade da pessoa humana como cânone maior da Constituição Federal, revelando-se de todo descabida a presunção de incapacidade por implemento de idade. Apelo, à unanimidade, desprovido no mérito, e, por maioria, afastada a preliminar de incompetência, vencido o Em. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos
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Chaves. (Apelação Cível Nº 70004348769, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 27/08/2003). (grifo nosso) Não se pode olvidar a evolução do idoso na sociedade, o qual tem conquistado cada vez mais a reinserção social e lugares de destaque, sendo este mais um motivo para demonstrar a discriminação contida no artigo ora impugnado. O legislador busca a proteção patrimonial dos maiores de setenta anos por considerar que estes são mais suscetíveis a serem vítimas de golpes. Porém, este argumento demonstra uma visão preconceituosa, vez que os idosos tem demonstrado capacidade de realizar atos da vida civil e tomar decisões importantes. Hoje, uma pessoa de setenta anos tem muito vigor para viver e está plenamente apto para determinar seu regime de casamento. Assim, não parece de bom senso a exigência contida no artigo, pois como afirma César Fiúza (2010, p. 981) “a norma os infantiliza, os idiotiza, o que não condiz com a realidade”. A liberdade subtraída de escolher livremente o regime de bens que melhor lhes atender é, para João Baptista Villela citado por Maria Berenice Dias (2007, p. 417), “reflexo da postura patrimonialista do Código e constitui mais um dos ultrajes gratuitos que a nossa cultura inflige à terceira idade”. A proteção assegurada aos idosos pela Constituição, bem como a presença do Estatuto do Idoso, não impediu a criação de uma norma discriminatória contra os maiores de setenta anos e repleta de inconstitucionalidade, como o art. 1.641, inciso II, do CC. Nota-se a inobservância do legislador face a realidade social e os preceitos e garantias constitucionais. 5.2 Súmula 377 do STF Ante as diversas discussões acerca da inconstitucionalidade do art.1.641, inciso II, do CC, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 377 que dispõe a seguinte redação: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Entretanto, não é necessária a demonstração de que os bens são fruto de um esforço comum dos consortes para haver sua comunicabilidade durante o matrimônio. Busca-se evitar o enriquecimento ilícito de um dos cônjuges em detrimento do outro, vez que, anteriormente, no regime de separação de bens, não havia comunicação dos aquestos, facilitando esta prática (DIAS, 2007). Para Maria Berenice Dias (2007, p. 417) “ao ser autorizada a comunhão dos bens adquiridos durante o casamento, acabou a justiça transformando o regime de separação total de bens no regime de comunhão parcial”. Apesar da Súmula 377, do STF, ter causado significativa mudança no ordenamento jurídico brasileiro, ao permitir que aqueles casados pelo regime de separação de bens, inclusive os maiores de setenta anos, possam quinhoar seu patrimônio com o seu cônjuge, esta não resolveu a questão emblemática acerca da inconstitucionalidade do art. 1.641, inciso II, do CC, mantendo, ainda, injustificável discriminação. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A obrigatoriedade do regime de separação de bens para os maiores de setenta anos imposta pelo art. 1.641, inciso II, do Código Civil, não é compatível com os direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal. O Estado está restringindo a autonomia privada desses cidadãos ao subtrair a vontade de eleger o regime de casamento que melhor lhes aprouver.
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O legislador utiliza a idade como fator determinante da incapacidade. Entretanto, verifica-se a evolução dos idosos na sociedade, em que estes exercem sozinhos diversos atos da vida civil, tornando este dispositivo preconceituoso, uma vez que a Carta Magna veda qualquer tipo de discriminação em razão da idade. Para um idoso ser considerado incapaz é necessário passar pelo processo judicial de interdição, fato este que não ocorreu para justificar a imposição do regime de separação de bens. Assim, entende-se que estes são plenamente capazes e podem optar por compartilhar seus bens com seu cônjuge ao casarem. Desta forma, ao buscar a proteção patrimonial, violou-se princípios como liberdade, igualdade e autonomia, deixando, assim, de ser uma norma protetiva. Apesar de o idoso possuir proteção constitucional, bem como ser amparado pelo Estatuto do Idoso, isso não absteve a criação deste dispositivo que traz uma discriminação injustificável ao limitar a capacidade sem nenhum argumento probatório. Nesse diapasão, sustenta-se a declaração de inconstitucionalidade deste artigo, bem como sua inaplicabilidade, por ser expressamente incompatível com os preceitos constitucionais e os valores humanos.
REFERÊNCIAS BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. In: Saraiva Vade Mecum. 11ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011 Brasil, Lei 5.869 de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 1973. In: Saraiva Vade Mecum. 11ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011 BRASIL, Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. In: Saraiva Vade Mecum. 11ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011 BRASIL, Lei 12.344 de 09 de Dezembro de 2010. Altera a redação do inciso II do art. 1.641 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para aumentar para 70 (setenta) anos a idade a partir da qual se torna obrigatório o regime da separação de bens no casamento. Brasília, DF: Presidência da República, 2010. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2010/Lei/L12344.htm > Acesso em: 15/02/2014.
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NOTAS DE FIM 1 Mestre em Direito pela FUMEC, Especialista em Processo Civil Pela UNI-BH, Professor do Centro Universitário Newton Paiva das Disciplinas Processo Civil, Ética e Teoria Geral do Direito Privado, Coordenador do CEJU – Centro de Exercícios Jurídico e Advogado. 2 Graduando em direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 9º período – Manhã. 3 Banca examinadora: Leandro Henrique Simoes Goulart; Ronado Passos Braga.
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A FISCALIZAÇÃO DOS E-MAILS DENTRO DAS EMPRESAS: Limitações Nathália Jéssica França Ferreira1 Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo2 Banca Examinadora³ RESUMO: Os direitos que envolvem as relações de emprego sempre estiveram no núcleo de debate dos assuntos trabalhistas. Os casos mais comuns de desrespeito à privacidade que se analisa hoje nas comunicações eletrônicas é especialmente a fiscalização do correio eletrônico, e este é o enfoque do artigo. Sabe-se que o empregado precisa do trabalho para ter uma vida digna, mas isso não significa que este deva se anular em face de um contrato de trabalho, ao ponto de aceitar que um direito seu seja violado, através da fiscalização de e-mails no ambiente de trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Fiscalização; limitação; direitos; privacidade; empresas. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Os direitos de personalidade e a dignidade da pessoa humana; 3. O poder empregatício fiscalizatório; 3.1 Conceito; 3.2 Forma de exercício – limites; 4.1 A utilização dos emails como forma de comunicação; 4.2 A fiscalização dos e-mails; 5. Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO
O direito objetiva autorizar a pessoa a defender sua persona-
O artigo científico discorrerá sobre a fiscalização de e-mails dos empregados no ambiente de trabalho. Assim, faz-se extremamente necessário o estudo sobre o conflito entre o direito à intimidade e privacidade do empregado versus o poder diretivo do empregador. Como nos dias atuais o direito à privacidade e intimidade, nestas relações, está, em alguns casos, sendo relativizado, o trabalho visa trazer uma reflexão, sob a ótica jurídica, acerca do conflito entre o poder de gestão do empregador e o direito do empregado, objetivando discutir sobre limites que respeitem direitos de ambos os polos desta relação. Assim como o direito à intimidade e privacidade, será abordado também o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, haja vista sua relevância dentro da relação de emprego. Será trazido à baile também a conceituação do que seja o poder diretivo e sua limitação nas relações de emprego, pois ainda que o poder diretivo seja fator base das relações de emprego, sua limitação também deve ser respeitada, em consonância com o ordenamento jurídico. Conforme se depreenderá, ao decorrer do tempo a evolução da sociedade alcançou também as relações de emprego, nas quais temse utilizado dos correios eletrônicos como meio de comunicação, por trazerem vários benefícios à relação de emprego. Desta feita, os limites explanados visam a analisar o equilíbrio entre direitos e deveres dos indivíduos envolvidos nessa relação.
lidade, de forma que, para Goffredo Telles Jr., os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a autoria etc. Por outras palavras, os direitos de personalidade são direitos comuns da existência, porque são simples permissões dadas pela norma jurídica, a cada pessoal, de defender um bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta.
2 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA As qualidades e bens pertencentes ao seres humanos, bem como seu caráter, são elementos caracterizadores da personalidade. Esta pode ser considerada como o que é pessoal, ou seja, inerente à pessoalidade de cada indivíduo. Nas palavras de Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (2013, p.522), “Personalidade é a aptidão reconhecida pela ordem jurídica para que alguém exerça os direitos e as obrigações. Não se trata de um direito e sim de um conceito no qual se apoiam os direitos e deveres que dela irradiam”. Ainda, sobre a personalidade, Maria Helena Diniz (2002, p.67), dispõe que:
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Assim, os direitos da personalidade podem ser definidos como aqueles direitos intrínsecos à pessoa e à sua dignidade. É possível apontar os principais, sendo eles: vida/integridade física, honra, imagem, nome e intimidade. A Constituição da República de 1988, de forma indiscutível, efetivou e ampliou o direito à intimidade e à privacidade, elementos da personalidade, tema que ora se aborda. O artigo 5º, inciso X, (BRASIL. Constituição de 1988, 2013, p. 7) prevê: Art. 5°: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...]. Vale salientar que o legislador ainda incluiu a proteção a estes direitos como cláusula pétrea, assim como dispõe o artigo 60, §4º, da Constituição da República de 1988. (BRASIL. Constituição de 1988, 2013. p.31). Assim, torna-se imodificável o texto que se refere ao direito à intimidade e privacidade, haja vista se tratarem de direitos individuais, e a própria Carta Magna prever sua imutabilidade. Todavia, ainda que ensejadores de proteção constitucional, necessário se faz mostrar que intimidade e privacidade possuem conceitos diferentes, segundo a doutrina.
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No que diz respeito à privacidade, Guilherme Peña de Moraes (2013, p.558), assim leciona: O direito à privacidade é relativo à convivência entre as pessoas humanas, delimitadas por três esferas concêntricas e sobrepostas. [...] Na esfera social, as pessoas humanas procuram satisfazer os seus interesses enquanto membros da sociedade, comportando os fatos que são suscetíveis de conhecimento por todos. Na esfera privada, as pessoas humanas procuram satisfazer os seus interesses enquanto membros de uma comunidade, compreendendo os fatos que podem ser compartilhados com um número restrito de pessoas. Na esfera individual ou íntima, as pessoas humanas procuram satisfazer os seus interesses isoladas do grupo social, resguardadas as suas particularidades contemplando os fatos que estão subtraídos do conhecimento de todas as outras -, de maneira que a intimidade simboliza a parte mais recôndita do direito à privacidade [...]. Assim, é possível verificar que, além da diferença entre a intimidade e a privacidade, ainda é possível fazer uma divisão do próprio conceito de direito à privacidade, conforme exposto acima. Já no tocante à intimidade, sob a ótica de Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues (1997, p. 33), temos que: A doutrina costuma colocar a intimidade como conteúdo, e a vida privada como o continente. Significa isto, que a intimidade possui os seus limites circunscritos ao direito à vida privada. Pensamos no seguinte exemplo que permitirá visualizar e elucidar a questão: uma determinada família tem direito à vida, na sua casa, em relação ao mundo exterior. Só que cada membro da família tem direito à intimidade para com os demais membros desta mesma família. É possível pensar, então, que a intimidade está no centro, enquanto a privacidade está ao redor, de forma que a intimidade seria observada sob um contexto ainda mais restrito que a própria privacidade. Desta feita, conclui-se que a intimidade adentra uma seara mais profunda que a privacidade. Para robustecer ainda mais a ideia de intimidade como algo mais restrito que a privacidade, vale registrar o pensamento de Milton Fernandes (1977, p. 99), que diz que “o direito à intimidade é referente ao modo de ser da pessoa, que consiste na exclusão do conhecimento, de outros, de tudo a que ele se refira”. Superadas as conceituações e seus diferentes enfoques nas relações laborais entre empregado e empregador, ainda que estes estejam situados em posições hierárquicas diferentes, o poder diretivo jamais poderá ultrapassar limites; e estes limites podem ser considerados os próprios direitos supracitados e abordados. Mas, assim como os princípios abordados acima, é imprescindível trazer a baile outro tema que é considerado o pilar, a base dessa relação, qual seja o princípio da dignidade da pessoa humana. O artigo 1º, inciso III, da Constituição da República (BRASIL. Constituição de 1988, 2014. p.20), prevê em seu texto a Dignidade da Pessoa Humana, nos seguintes termos: Art. 1 A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana. Ao elencar a Dignidade da Pessoa Humana em seu artigo1°, o legislador o elevou a um dos fundamentos da República. Assim, a
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partir desse princípio a visão sobre o homem tornou-se mais ampla, pois haverá sempre a necessidade de o homem como ser humano dotado de dignidade, e que esta não se encontra em disponibilidade. É o que se depreende das palavras de Ingo Wolfgang Sarlet (2008b, p. 53), que assim dispõe: [...] a dignidade da pessoa humana, compreendida como vedação da instrumentalização humana, em princípio proíbe a completa e egoística disponibilização do outro, no sentido de que se está a utilizar outra pessoa apenas como meio para alcançar determinada finalidade, de tal sorte que o critério decisivo para a identificação de uma violação da dignidade passa a ser (pelo menos em muitas situações, convém acrescer) o do objetivo da conduta, isto é, a intenção de instrumentalizar (coisificar) o outro. Quanto à conceituação do princípio da dignidade da pessoa humana, Luiz Antônio Rizzato Nunes (2009, p. 51-52), diz que a dignidade encontra-se intrínseca à essência do homem, sendo composta por sua integridade física e psíquica, por sua liberdade, intimidade etc: [...] como diz Chaves de Camargo, toda pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e se diferencia do ser irracional. Essas características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo o ser. Não admite discriminação, quer em razão do nascimento, da raça, inteligência, saúde mental, ou crença religiosa. Outro conceito que podemos expor é o de Alexandre de Moraes (2007, p.46): [...] um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparecem como consequência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. Independente dos vários conceitos que podem ser trazidos pelos autores, o que cada um objetiva falar, ainda que sob outro enfoque, é que a dignidade humana jamais poderá ser violada, seja em qual relação o indivíduo estiver inserido. Nesse sentido, esclarece Maurício Delgado (2006, p. 43-44): [...] a ideia de dignidade não se reduz, hoje, a uma dimensão estritamente particular, atada a valores imanentes à personalidade e que não se projetam socialmente. Ao contrário, o que se concebe inerente à dignidade da pessoa humana é também, ao lado dessa dimensão estritamente privada de valores, a afirmação social do ser humano. A dignidade da pessoa fica, pois, lesada caso ela se encontre em uma situação de completa privação de instrumentos de
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mínima afirmação social. Enquanto ser necessariamente integrante de uma comunidade, o indivíduo tem assegurado por este princípio não apenas a intangibilidade de valores individuais básicos, como também um mínimo de possibilidade de afirmação no plano social circundante. Na medida desta afirmação social é que desponta o trabalho regulado, em sua modalidade mais bem elaborada, o emprego. Entretanto, em esfera privada, ainda há situações de total desrespeito à dignidade humana, nas quais o indivíduo é tratado como coisa. Isso ocorre, por exemplo, quando se depara com a relação de emprego, seara fértil para violação da dignidade. Devida a relação de hierarquia existente entre empregado e empregador, há também a falsa noção de que o empregador detém poder ilimitado sobre seu empregado. Ocorre que, como discutido, não há hierarquia que afaste a dignidade humana, não há poder diretivo que se sobressaia a uma garantia constitucional. Para finalizar, insta salientar a preservação da dignidade através do seguinte Enunciado: “Enunciado 1 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, que foi realizada em novembro de 2007. Assim dispõe: “DIREITOS FUNDAMENTAIS. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO. Os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de maneira a preservar a integridade sistêmica da Constituição, a estabilizar as relações sociais e, acima de tudo, a oferecer a devida tutela ao titular do direito fundamental. No Direito do Trabalho, deve prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana.” (JORGE NETO, Francisco Ferreira, PESSOA CAVALCANTI, Jouberto de Quadros. 2013, p. 332). 3 O PODER EMPREGATÍCIO FICALIZATÓRIO 3.1 Conceito Nas primeiras formulações sistematizadas sobre a sociedade, nasceu a remota noção de poder diretivo. Na antiguidade, a vontade pessoal do trabalhador era menosprezada, quando comparada ao poder que o empregador exercia. O trabalhador não cumpria nenhum papel na relação sócio-jurídica servil ou escravista. Já na atualidade, diferentemente do que vigorava nos tempos passados, o empregado é um ser livre, desprendido dos meios de produção e seus respectivos titulares, dotado de liberdade de se vincular esta ou àquela relação empregatícia. O poder diretivo, igualmente designado como “JUS VARIANDI”, pode ser abarcado como a capacidade que o empregador tem de administrar a atividade do empregado ligado ao contrato de trabalho. Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (2013, p.332), lecionam que: “O poder diretivo é um desdobramento do direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF) e é um dos elementos do conceito de empregador”. Os mesmos autores, Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (2013, p. 332), trazem uma conceituação do que seja o poder empregatício, qual seja, “O poder diretivo representa a faculdade legal que é concedida ao empregador, de comandar a prestação pessoal dos serviços, organizando-a, controlando-a e punindo o trabalhador, se for necessário”. Desta feita, depreende-se que está inserida no conceito de empregador a expressa faculdade que este possui de conduzir a atividade do empregado, pois ele arca com os riscos da atividade econômica. Segundo Paul Durand e Jaussaud, citado por Maurício Godinho Delgado (1996, p.165):
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O direito de direção expressa o estado de subordinação do assalariado, que é o elemento característico das relações de trabalho. Ele constitui uma prerrogativa natural do empregador e não tem de ser formalmente previsto pelo contrato de trabalho [...]. E Evaristo de Moraes Filho (1976, p.397) corrobora este pensamento ao escrever: [...] não há dúvida que dentro do seu estabelecimento é o empregador soberano em suas ordens de serviço. E isso por uma razão muito simples: no regime capitalista, sobre o qual nós vivemos, é o patrão o proprietário no seu negócio, julgando-se por isso o senhor do céu e da terra. Tudo mais que se quiser escrever é simples balela: é no direito de propriedade que reside todo o poder hierárquico e disciplinar [...]. Das palavras supracitadas, se extrai as teorias que buscam explicar a origem do poder diretivo, destacando-se: a do direito de propriedade, a do contrato e a institucionalista. A teoria do direito de propriedade baseia-se no fato de que o estabelecimento é do empregador, e é ele quem tem os elementos de produção, sendo, assim, o possuidor do poder. Na teoria contratualista afirma-se que o contrato é o instrumento do trabalho. Desta feita, detém o poder. No tocante à teoria institucionalista, esta fundamenta-se na ideia do poder ser uma ferramenta de todo grupo que seja colegiado, como acontece nas empresas. De todo modo, as teorias apenas motivam, ainda que de formas diferentes, que o poder diretivo encontra-se presente, intrínseco a todas as relações de emprego, pois traz consigo as características tipificadas em lei, ou seja, os próprios requisitos caracterizadores da relação de emprego trazem em seu bojo a subordinação. 3.2 Forma de exercicio - Limites O poder diretivo não pode ser desempenhado de forma despótica pelo empregador, devendo ser exercido de forma mista entre poder e o bom senso. Em outras palavras, o poder empregatício deve ser exercido com alvedrio, todavia, reverenciando os limites legais. Pode-se tomar nota do artigo 483, da Consolidação das Leis Trabalhistas, que dispõe sobre os direitos do empregador. O direito do empregador impõe condições ao direito de resistência do empregado ou seja, o jus resistentiae, que é nas palavras de Márcio Túlio Viana (1996, p.71), “O direito que tem o empregado de se opor às determinações ilegais do empregador, as que fujam a natureza do serviço ajustado, que o humilhem ou diminuam moralmente ou que o coloquem em grave risco”. Entretanto, não se deve fazer apologia à total liberdade do empregado, pois a relação de emprego é também pautada pelo elemento da subordinação, como já visto. Existem searas de atuação do poder diretivo que, independentemente da forma de manifestação, deverá ser respeitado. Todavia, caso ultrapasse essa esfera de atuação, nascerá a legítima manifestação de resistência por parte do empregado. Ainda sobre o jus resistentiae, o mesmo autor (VIANA, Márcio Túlio, 1996, p. 71) assim aborda: Os confins contratuais autorizam o trabalhador a analisar as ordens que recebe, desde que digam respeito aos direitos que a lei ou os contratos coletivos e individuais lhe asseguram: não só com respeito aos limites da duração do trabalho, ou à periculosidade do mesmo, ou aos limites da qualificação profissional, como também com relação aos limites contratuais, como, por exemplo, a função convencionada. Tal é assunto delicado, justamente porque o poder hierárquico,
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por sua contratualidade iminente, não é absoluto. E, portanto, como no direito público, se são reconhecidos limites ao dever de obediência (...) pode o trabalhador desobeder.
praticada fora do âmbito territorial dos estabelecimentos e do horário de trabalho. Certamente, quanto a certos deveres de moralidade e decoro, assim como certas obrigações de caráter moral que o empregado deve ter para com a empresa e seus superiores, estendem-se eles além dos limites territoriais em que se circunscrevem os estabelecimentos da empresa. O mesmo se diga se a relação jurídica de trabalho está interrompida ou suspensa. Há certas faltas que, mesmo cometidas fora do local do trabalho e sem relação com este, justificam a expulsão, por assumirem o aspecto de uma falta de tal maneira grave, que impossibilitam a permanência do faltoso no seio da comunidade de trabalho [...].
Para complementar, (VIANA, Márcio Túlio, 1996, p. 71), ainda dispõe que: Os limites sofridos pelo poder diretivo segundo suas fontes, podem ser classificados em externos e internos. Os externos são a lei, a moral, a convenção coletiva, o acordo coletivo, a sentença normativa e o laudo arbitral. E os internos são o contrato de trabalho, o regulamento da empresa e a atuação concreta de órgãos de cogestão. Por fim, internos e externos, conforme o caso são os usos e costumes. Outra forma de limitação ao poder diretivo é o princípio da dignidade da pessoa humana do empregado, conforme fora abordado, em decorrência de sua importância na análise do trabalho em tela. Já quanto aos limites em âmbito contratual, tem-se que o contrato não poderá ser alterado de maneira a prejudicar o empregado, conforme dispõe o artigo 468, CLT. Assim, sejam alterações bilaterais ou unilaterais, não poderá o empregador estipular cláusulas prejudiciais ao empregado, que são vedadas pelo ordenamento jurídico. No que se refere às manifestações do poder diretivo, há limitações contratuais e legais. Ou seja, a manifestação de poder que pode vir do poder de organização ou pelo poder regulamentar, não configura direito absoluto, pois os contratos e a própria lei limitam tal manifestação. As ordens internas, podem sim existir, uma vez que organizam o ambiente laborativo; todavia, devem respeitar à dignidade do trabalhador, bem como a limitação que a lei traz ao empregador. Nas palavras de Emílio Gonçalves (1997, p. 36): A limitação mais acentuada e objetiva do poder regulamentar do empregador se encontra na legislação trabalhista. As normas do Direito do Trabalho, emanadas do Estado, têm por finalidade a proteção dos trabalhadores por meio de preceitos legais que objetivam a melhoria da sua condição social (art.7⁰ da Constituição Federal). Tais preceitos, conforme têm ressaltado os tratadistas, constituem uma plataforma mínima de direitos que o empregador deve rigorosamente observar nas relações com os seus empregados. Por essa razão, o poder regulamentar do empregador deve ser exercido sempre tendo em vistas as normas e os preceitos fixados pelo Direito do Trabalho, aplicando-se às normas e disposições do empregador que exorbitem ou se contraponham aos limites legais, o disposto no Capítulo introdutório da Consolidação das Leis do Trabalho, art. 9⁰. ‘São nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. Diante do exposto, as normas internas também deverão respeitar e preservar a dignidade do empregado, traduzindo-se em limitação ao poder diretivo. Quanto aos limites ao poder disciplinar, depreende-se três circunstâncias delimitativas: a primária delas é a falta disciplinar, cuja infração deve ser inerentemente ligada aos deveres sociais do empregado oferecidos à empresa. Já em segundo plano, a limitação refere-se ao momento e o local em que a falta é perpetrada. Nesse sentido, José Luiz de Mesquita (1991, p. 49): [...] O exercício do poder disciplinar se limita às faltas cometidas em serviço; dentro, no tempo e espaço, em que se desenvolve a atividade profissional, mas, excepcionalmente, podese estender a faculdade punitiva até quando a falta tenha sido
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A terceira situação está ligada à intensidade da falta disciplinar, devendo ser uma falta concreta. Como última manifestação do poder diretivo, tem-se o poder de controle, que já foi citado, e que é realizado sobre a pessoa do empregado, e que, ademais, deve ser exercido de maneira limitada. Alice Monteiro de Barros leciona (1997, p. 32): embora o Direito do Trabalho não faça menção aos direitos à intimidade e à privacidade, por constituírem espécie dos “direitos da personalidade” consagrados na Constituição, são oponíveis contra o empregador, devendo ser respeitados, independentemente de encontrar-se o titular desses direitos dentro do estabelecimento empresarial. É que a inserção do obreiro no processo produtivo não lhe retira os direitos da personalidade, cujo exercício pressupõe liberdades civis. Ante o exposto, depreende-se que há diversas formas de limitação ao poder diretivo do empregador, de maneira que não se pode transpor esses limites, sob pena de sanções impostas pela própria lei. O ordenamento jurídico e os próprios costumes têm levado a proteção ao empregado, sem, contudo restringir os direitos do empregador. O que se objetiva demonstrar através deste capítulo é que em vários âmbitos, o direito vislumbra limitar o poder diretivo, para que o mesmo não seja exercido de forma arbitrária e assim haja um retrocesso como quando o senhor era força suprema sobre o seu servo ou escravo. 4. AS NOVAS FORMAS DE INTERAÇÃO ENTRE OS SERES SOCIAIS NA RELAÇÃO DE EMPREGO Com a sociedade cada vez mais evoluída e buscando por maior celeridade em seus trabalhos, inevitável é a necessidade de se buscar uma otimização dentro do ambiente corporativo, fixando-se uma maior interação entre os sujeitos envolvidos na relação de emprego. O direito do trabalho, em especial, não pode se abster de acompanhar o desenvolvimento tecnológico, pois isso representaria um retrocesso ao sistema produtivo das empresas. Como é bem claro, a tecnologia, quando bem utilizada, otimiza o tempo laborativo e isso deságua em maiores resultados para as empresas. Insta trazer a baile as palavras de Amauri Mascaro Nascimento (2014): Há um equilíbrio muito tênue entre as vantagens e as desvantagens que o avanço da tecnologia traz para a sociedade. A principal vantagem é refletida na produção industrial: a tecnologia torna a produção mais rápida e maior e, sendo assim, o resultado final é um produto mais barato e com maior qualidade. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Novas Tecnologias, Internet e Relações de Trabalho. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho - 15ª Região. Disponível em: < http://portal.trt15.jus.br/web/biblioteca/ revista-38 > Acesso em 25 de março de 2014).
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Com a tecnologia, a interatividade entre os empregados e empregadores torna-se mais efetiva e mais célere, ou seja, através da tecnologia, a comunicação dentro do ambiente corporativo alcança um maior resultado, pois a tecnologia proporciona essa celeridade de comunicação, “onde o direito do trabalho não tem como recusar a projeção, em suas relações jurídicas, da tecnologia moderna”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Novas Tecnologias, Internet e Relações de Trabalho. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho - 15ª Região. Disponível em: < http://portal.trt15.jus.br/web/biblioteca/revista-38 > Acesso em 25 de março de 2014).
Os e-mails podem trazer essa celeridade no alcance de informações e também podem exterminar problemas em relação ao espaço, pois, não importa onde se esteja, é possível, ainda assim, manter contato, nesse sentido segue os ensinamentos de Peter G. W Keen (1996, p. 143): o correio eletrônico garante a entrega das mensagens ao usuário independentemente de hora e lugar; elimina a necessidade de uma série de chamadas telefônicas; permite que se mandem recados a um colega de trabalho quando uma interrupção telefônica seria inconveniente; permite que mantenha contato discreto e formal com uma rede de contatos.
A interação entre os integrantes de uma relação de emprego é de extrema importância, haja vista a produtividade e frutos almejados pelo empregador. Nas palavras de Leonardo Mello e Silva citado por Amauri Mascaro Nascimento (2014): [...] A legislação trabalhista, respeitada a sua função precípua que é a defesa do trabalhador, não pode impedir o desenvolvimento da ciência, dos novos sistemas produtivos e do aparecimento de novas profissões. [...] Com isso, a legislação não pode desacompanhar o novo cenário do direito do trabalho contemporâneo.
O uso do correio eletrônico traz uma proximidade entre empregado e empregador, pois, ainda que a comunicação não seja a pessoal, a interação entre estes pode se dar em qualquer lugar e em qualquer momento, bastando para isso o uso da internet. Assim, não há como negar que o uso dos e-mails dentro das empresas traz benefícios que resultam em ganho para ambas as partes da relação de emprego, não somente para o empregador que vislumbrará um maior aumento de produtividade.
Ora, se o direito do trabalho, como já abordado, não pode se esquivar de acompanhar o desenvolvimento da tecnologia, deve então utilizá-lo de maneira a acrescer à atividade empresarial. É claro que o objetivo não é tornar-se escravo da tecnologia e seus efeitos, e sim tê-la como aliada para otimização e crescimento. Como exposto acima, o uso da tecnologia no que se refere a comunicação, viabiliza, otimiza e efetiva a produtividade laboral. Assim, resta comprovada a importância da interatividade através do uso da tecnologia dentro dos ambientes corporativistas. 4.1 A utilização dos e-mails como forma de comunicação Em um mundo cada vez mais globalizado, o utilização de recursos que objetivam efetividade e celeridade é cada vez maior. Como exposto acima, os empresários têm buscado cada vez mais essa soma de tecnologia e produtividade, que, por conseguinte, resulta em otimização do tempo de trabalho e resultados positivos para a empresa. Para se alcançar esse resultado, é necessário que empregados e empregadores tenham facilidades em sua comunicação, e os correios eletrônicos ou e-mails têm se mostrado a ferramenta mais apropriada para isso. O número de elementos necessários para o trabalho nas empresas é cada vez maior. Com os avanços tecnológicos, tornou-se mais fácil recolher dados e armazená-los. Ponderando-se que a quantidade de informações cresce ligeiramente, é necessário descobrir meios de processá-los eficazmente para sua modificação em informações que possam ser empregadas. Conforme Kiesler (1999, p. 193-207): o correio por computador é enviado segundo a conveniência do emissor e lido de acordo com a convêniencia do receptor. As frustrações decorrentes dos horários de telefonemas e das conversas frente a frente desaparecem. Os supervisores podem enviar mensagens a milhares de pessoas com tanta facilidade quanto para uma só e, automaticamente, em segundos, todos os receptores especificados têm suas cópias.
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4.2 A fiscalização dos e-mails Como exposto até o momento, os correios eletrônicos têm sido utilizados cada vez mais, a fim de otimizar o tempo laborativo e tem como consequência maior produtividade e resultados. Ocorre que a fiscalização do correio eletrônico poderá ocorrer, desde que respeitando os direitos intrínsecos dos empregados, que foram abordados ao longo do artigo. Nas palavras de Sandra Lia Simón: entretanto, se a empresa permite que o correio eletrônico seja utilizado para assuntos particulares, numa eventual checagem, deverão ser poupadas as mensagens que tenham tal natureza. Como, no entanto, não é possível, sem conhecer o conteúdo do e-mail, diferenciar as mensagens privadas das profissionais, seria aconselhável que fosse criado um mecanismo que possibilitasse a identificação. Desta feita, a fiscalização deveria recair apenas sobre os e-mails corporativos, pois a fiscalização de e-mails particulares do empregado violaria, de fato, os direitos inerentes a este. Segundo Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcanti (2013, p. 530), os argumentos contrários à fiscalização são no sentido de que: (a) o direito de propriedade não é absoluto e deve ceder à garantia da privacidade das comunicações, que só pode ser elidida por ordem judicial; (b) o poder de direção do empregador é relativo e não pode se sobrepor à intimidade e à privacidade do empregado; (c) apesar da empresa responder pelos atos de seus empregados e prepostos, há meios de elidir essa responsabilidade, tais como: adoção de programas impeditivos de envio de mensagens para endereços não cadastrados com a prévia ciência do empregado; proibição de remessa de imagens não relacionadas com o desempenho das tarefas contratuais, por meio de código de conduta. Conforme se observa, deve sempre haver o respeito ao direito à intimidade e privacidade do empregado, e a fiscalização do correio eletrônico incide justamente no desrespeito à dignidade do empregado. É possível que o empregador fiscalize o e-mail corporativo, pois este é utilizado para fins profissionais. Todavia, a fiscalização do e-mail particular configura violação aos direitos até aqui abordados.
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Analisando a jurisprudência abaixo colacionada, denota-se que o poder diretivo é restringido quando em conflito com o direito à intimidade. Justa causa. “Email” não caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5º,inc.VIII). Um único “email”, enviado para fins particulares,em horário de café, não tipifica justa causa. Recurso provido.(TRT-2 - RO: 20000347340 SP 20000347340, Relator: FERNANDO ANTONIO SAMPAIO DA SILVA, Data de Julgamento: 03/08/2000, 6ª TURMA, Data de Publicação: 08/08/2000). De todo modo, resta configurado que o empregador deverá sempre agir exercendo o poder diretivo sem, contudo, adentrar na esfera privada do empregado, estando este resguardado pelos seus direitos de personalidade. O objetivo não é restringir o alcance do poder diretivo, mas limitar de forma razoável o seu exercício. Assim, este pode ser exercido quando está-se diante de e-mails corporativos, mas, quanto aos e-mails pessoais, estes são inacessíveis aos empregadores, estando na seara privada do empregado. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas relações de emprego, o poder diretivo sempre se manifestou através da coerção que, de forma violenta, violava os direitos do trabalhador na antiguidade. Esse poder diretivo já não é mais despótico. Com o desenvolvimento da sociedade, o ordenamento jurídico solidificou os direitos inerentes à pessoa humana, direitos estes que devem ser respeitados, restringindo-se o campo de atuação do poder do empregador. Diante dessa evolução, é necessário discutir sobre até onde vai o poder fiscalizatório do empregador, ou seja, até onde pode ir o empregador, quando fiscalizar os e-mails de seus empregados? Analisando o direito à intimidade e privacidade, tem-se que estes não podem ser violados, por estarem resguardados pela Constituição. Assim, a inobservância da aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana também traz grave violação, pois é princípio basilar do ordenamento jurídico pátrio. A conceituação do poder diretivo e seus limites dentro da relação de emprego pretende esclarecer que há sim o poder diretivo, todavia, assim como explanado, há limites para o seu exercício, não podendo ser exercido de forma arbitrária. Com o avanço da sociedade, é inegável que o progresso alcance também as relações de emprego. Por isso, é necessário que as tecnologias sejam usadas também dentro das empresas, sendo no trabalho em tela abordada a utilização do correio eletrônico. É fato que a ponderação entre os direitos do empregador e do empregado é o melhor caminho para se estabelecer uma relação saudável. Todavia, quando houver a violação a direito do empregado, devemos sempre buscar amparo nas limitações expostas ao longo do artigo. Desta forma, pode-se fiscalizar o correio eletrônico corporativo, ainda assim, é necessário previsão de que fiscalização acontecerá. Todavia, quanto ao e-mail particular, este não poderá ser fiscalizado pelo empregador, vez que violará os direitos abordados. Como trata-se de tema atual, pode-se concluir que a melhor maneira de solucionar o assunto é delimitar os espaços de empregado e empregador, os direitos que cada um possui na relação, bem como se estabelecer maior fiscalização por parte do Ministério do Trabalho, para que o empregado, parte hipossuficiente na relação, não abra mão de seus direitos até mesmo por medo de perder o emprego.
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NOTAS DE FIM 1 Acadêmica do 9º período em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora do Centro Universitário Newton Paiva das Disciplinas Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Advogada Trabalhista. 3 Banca examinadora: Tatiana Bhering Roxo; Thiago Freitas .
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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE Thatiana Olyntho Rangel 1 Júlio César Faria Zini 2 Banca Examinadora3 RESUMO: A partir de uma abordagem qualitativa e da utilização dos métodos descritivos e bibliográficos, o presente estudo, aborda o tema da responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance, no ordenamento jurídico brasileiro. A teoria da perda de uma chance teve início na França, mas usualmente tem sido tema recorrente nos tribunais brasileiros. Contudo não há regulamentação jurídica para tal teoria, ficando a doutrina e a jurisprudência responsáveis por todo e qualquer ensinamento. Sendo assim, este estudo busca conceituar o tema responsabilidade civil do advogado com foco na perda de uma chance. PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade. Advogado. Contrato. Perda de uma chance SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Responsabilidade Civil conceito; 2.1 Papel do Advogado; 2.2 Espécies de Responsabilidade Civil; 2.3 Responsabilidade Civil do Advogado; 3 A teoria da perda de uma chance conceito e origem histórica, 3.1 Aplicabilidade da teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) na advocacia; 4 Considerações Finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO O intuito deste artigo é versar sobre a responsabilidade civil, especificadamente da responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance no exercício de sua profissão. Ressalta-se que tal tema foi eleito, por aguçar grande curiosidade, visto que ainda não há dispositivos legais para a supracitada teoria da perda de uma chance, ficando a doutrina e jurisprudência responsável por todo e qualquer ensinamento pelo tema. Em regra, nosso ordenamento jurídico, vigora a responsabilidade civil subjetiva, isto é, aquela aludida no artigo 186, do Código Civil, necessitando a caracterização de quatro requisitos: ação ou omissão do agente, culpa do agente, dano provocado a terceiro e nexo causal entre a conduta do agente e o prejuízo arcado pela vítima. A teoria da perda de uma chance ocorre em situações em que se retira da vítima a oportunidade de obter futuramente uma situação melhor. Todos esses temas serão abordados detalhadamente com enfoque na profissão da advocacia. O estudo é composto de três capítulos, no primeiro será abordado a visão geral do instituto da responsabilidade civil, demonstrando seu conceito e seus pressupostos, tratando também dos tipos de responsabilidade, como a responsabilidade contratual, extracontratual, subjetiva e a objetiva. No segundo capítulo o enfoque é a responsabilidade civil do advogado, explicando que o mesmo tem caráter contratual, todavia sua obrigação não é de resultado, mas, sim de meio. No terceiro capítulo, é demonstrado o que é a perda de uma chance no caso do advogado, como a mesma é aplicada nos casos concretos brasileiros. Portanto, diante de todo o exposto, este artigo irá justificar a aplicabilidade da teoria da perda de uma chance frente à atuação do advogado negligente, á luz do ordenamento jurídico, bem como a utilização desta teoria pelos Tribunais brasileiros através de sua vasta jurisprudência. O tema proposto será desenvolvido por meio de pesquisas bibliográficas, legislação pertinente ao tema, juntamente com analises jurisprudenciais referente ao assunto. 2 RESPONSABILIDADE CIVIL Primeiramente é essencial tratar da responsabilidade civil de forma geral, para a posteriori tratar de tal instituto aplicado à advocacia.
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De acordo com Maria Helena Diniz, pode-se definir a responsabilidade civil como: A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. Definição esta que guarda, em sua estrutura, a ideia da culpa quando se cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva), e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva). (DINIZ, 2010, p. 34). Em regra, todo ato que viola uma norma jurídica preexistente, trazendo um prejuízo, gera a responsabilidade ou o dever de indenizar. O estudo da responsabilidade civil estabelece em quais circunstâncias uma pessoa pode ser considerada responsável pelo dano sofrido a outrem, seja por ação ou por omissão. Podemos assim verificar que o conceito de responsabilidade aproxima-se da ideia de obrigação, conforme dispõe o próprio Código Civil Brasileiro, no seu artigo 186: ‘‘aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito’’. Depreende-se da leitura do referido artigo 186 do Código Civil, que para a configuração da responsabilidade civil são necessário três elementos indispensáveis, quais sejam, a conduta, o dano e o nexo de causalidade. Conduta é a ação do agente causador do dano que, através desta, provoca um ato lícito ou ilícito. A conduta poderá ser negativa ou positiva, conforme aduz Maria Helena Diniz: “A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.’’ (DINIZ, 2005, p. 43). Quanto ao dano, é elemento primordial para a configuração da responsabilidade, visto ser impossível alguém ser indenizado por determinada conduta sem que tenha sido o causador de algum dano. Para a melhor observância desse elemento observamos a definição adotada por Maria Helena Diniz:
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‘‘O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem existência de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se houver um dano a reparar, porque a responsabilidade resulta em obrigação de ressarcir, que logicamente, não poderá se concretizar onde nada há que reparar’’. (DINIZ, 2011, p. 61). Por conseguinte, no que tange ao nexo causal, trata-se da relação que deve existir entre a ação ou omissão do agente e o dano ocasionado. Ainda que tenha ocorrido um dano, mas se sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, não há que se falar em responsabilidade. Em outras palavras, o dano tem que ter sido causado pela ação ou omissão do agente. Nesse sentido Sílvio de Salvo Venosa afirma: ‘‘O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida’’ (VENOSA, 2003, p.39) Desse modo, verifica-se que para a caracterização da responsabilidade civil deve haver os três elementos. Assim, na ausência de qualquer um deles não há o que se falar de indenização. 2.1 Especies de responsabilidade civil Conforme Maria Helena Diniz ‘‘a responsabilidade civil pode apresentar-se sob diferentes espécies, conforme a perspectiva em que se a analisa’’. (DINIZ, 2006, p. 129). Para o entendimento do presente trabalho, vamos destacar as seguintes espécies, conforme a doutrina classifica, quais sejam: a responsabilidade civil subjetiva e objetiva; a responsabilidade civil contratual e extracontratual. Na responsabilidade civil subjetiva, todos os pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil deverão estar presentes: uma ação ou omissão, um dano e o nexo causal. Entretanto, a responsabilidade subjetiva exige um elemento a mais, que é a culpa do agente. Nesse contexto, a culpa deve ser compreendida de forma extensiva, abrangendo tanto a culpa quanto o dolo. Para Carlos Roberto Goncalves: ‘‘A responsabilidade subjetiva se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa’’. (GONCALVES, 2009, p.22) A responsabilidade civil subjetiva é a regra geral do código civil brasileiro, ela é pautada na conduta do agente para o desfecho do caso, importante salientar que a prova da culpa é indispensável para configurar o dever de reparação. Já a responsabilidade civil objetiva consiste na reparação de determinadas situações sem a necessidade de análise de culpa. Não necessita da análise da culpa para se configurar, bastando apenas a existência da conduta humana, do dano e do nexo de causalidade. Conforme Sergio Cavalieri: “Na responsabilidade objetiva teremos uma conduta ilícita, o dano e o nexo causal. Só não será necessário o elemento de culpa. Esta pode ou não existir, mas será sempre irrelevante para a configuração do dever de indenizar. Indis-
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pensável será a relação de causalidade porque, mesmo em sede de responsabilidade objetiva, não se pode responsabilizar a quem não tenha dado causa ao evento’’. (CAVALIERI FILHO, 2007, p.126) O festejado Silvio Rodrigues mostra a diferença da responsabilidade subjetiva da objetiva de forma clara e precisa: ‘‘Em rigor não se pode afirmar serem espécies diversas de responsabilidade, mas sim maneiras diferentes de encarar a obrigação de reparar o dano. Realmente se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na idéia de culpa, e objetiva quando esteada na teoria do risco [...] dentro da concepção tradicional a responsabilidade do agente causador do dano só se verifica se agiu culposa ou dolosamente. De modo que a culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito’’. (RODRIGUES, 2002, p.11) A responsabilidade civil pode ainda ser classificada em contratual e extracontratual. A responsabilidade civil contratual surge com a violação de um dever jurídico criado pelas partes de um contrato, conforme aduz Maria Helena Diniz: ‘‘Responsabilidade contratual, se oriunda de inexecução de negocio jurídico bilateral ou unilateral. Resulta, portanto, de ilícito contratual, ou seja, de falta de inadimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. É uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contraentes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente e pressupõe capacidade para contratar’’ (DINIZ, 2006, p. 130). Importante salientar que cabe à vítima provar simplesmente o inadimplemento da obrigação, e ao devedor, a prova de que não agiu com culpa ou se incorreu em causa de excludente do elo de causalidade, o que não ocorre na responsabilidade extracontratual. Vindo ao reverso da responsabilidade contratual, na responsabilidade extracontratual não há um negocio pré-estabelecido entre as partes. O dano decorre do simples descumprimento da lei, não há qualquer vínculo jurídico entre vítima e autor. Esta responsabilidade baseia-se no dever jurídico imposto pela lei e não pelas partes. Para Maria Helena Diniz: ‘‘A responsabilidade extracontratual, delitual ou aquilina decorre da violação legal, ou seja, de lesão a um direito subjetivo ou da pratica de um direito ilícito, sem que haja nenhum vinculo contratual entre o lesado e o lesante. Resulta, portanto, da observância da norma jurídica ou de infração ao dever jurídico geral de abstenção atinente aos direitos reais ou pessoalidade, ou melhor, de violação negativa de não prejudicar ninguém’’. (DINIZ, 2003, p. 459). Conforme será explicitado a seguir, no caso do advogado, a responsabilidade é contratual, na qual ele deve ter uma conduta responsável, por meio da utilização dos meios e técnicas disponíveis para alcançar o resultado almejado. Contudo, sua responsabilidade é de meio, ou seja, não responderá pelo simples fato de não ter obtido êxito na causa. 2.2 O Papel do advogado A prática da advocacia é de grande importância no Brasil. Além de ser a única profissão liberal a constar expressamente na Constituição Federal, é definida como função essencial à justiça, juntamente como Ministério Público e a Defensoria Pública. Essa relevante profissão demonstra
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sua indispensabilidade através do art. 133 da Constituição Federal, que dispõe que ‘‘O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei’’. Assim, a Constituição Federal assegura ao advogado inviolabilidade por seus atos e manifestações, nos limites da lei, proporcionando ao advogado condições necessárias para exercício. Sem o advogado, que é aquele que tem capacidade postulatória, não há como o cidadão provocar o Judiciário. Nesse sentido, a defesa dos direitos fica imensamente restrita, impossibilitando, assim, o alcance do ideal de justiça. Além da Magna Carta, podemos verificar que a responsabilidade dos profissionais de advocacia também está elencada no Código Civil de 2002, no Código de Ética Profissional, no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. A advocacia é regida pela Lei Federal n° 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB), pelo seu Regulamento Geral, pelo Código de Ética e Disciplina e por Provimentos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. 2.3 Responsabilidade civil do advogado O estudo acerca da responsabilidade civil do advogado, primeiramente é necessário citarmos o artigo 32 do estatuto da OAB, que dispõe que ‘‘O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa’’. Assim, esse artigo demonstra que além da responsabilidade disciplinar, o advogado responde civilmente pelos danos que causar ao cliente em virtude de dolo ou culpa. Pode-se afirmar também que o caráter contratual advém do fato do advogado assumir suas obrigações através do mandato judicial, que conforme Carlos Roberto Goncalves pontua: ‘‘O mandato é uma das formas de contrato prevista no Código Civil. O mandato judicial impõe uma responsabilidade de natureza contratual ao advogado perante seus clientes’’ (GONÇALVES, 2009, p. 253). Já que a prestação dos serviços da advocacia é exercida por mandato, também deve ser observado o disposto no art. 667 do Código Civil no que tange à obrigação do profissional de indenizar qualquer prejuízo que causar por culpa, pois recebe poderes de outrem para, em nome deste, praticar atos ou administrar interesses, in verbis: Art. 667. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente. Referente à responsabilidade civil do advogado, não há dúvidas sobre seu caráter contratual, visto que o advogado é considerado um profissional liberal. De acordo com a doutrina de Maria Helena Diniz sobre a responsabilidade dos profissionais liberais, no que tange aos danos causados no exercício de sua profissão: ‘‘será contratual, pois aos profissionais liberais ou manuais se aplicam as noções de obrigação de meio e de resultado, que partem de um contrato’’. (DINIZ,2004, p.284). Importante ressaltar que a obrigação do advogado não é de resultado, mas sim, de meio. Dessa forma, ele não assume a responsabilidade de ganhar a causa, e sim de defender seu cliente da melhor maneira, Maria Helena Diniz sobre obrigação de meio: ‘‘A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga tão-somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo. Infere-se daí que sua prestação não consiste num resultado certo e determinado a ser conseguido pelo obrigado, mas tão-somente numa atividade prudente e diligente deste em benefício do credor. Seu conteúdo é a própria atividade do devedor, ou seja, os meios
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tendentes a produzir o escopo almejado, de maneira que a inexecução da obrigação se caracteriza pela omissão do devedor em tomar certas precauções, sem se cogitar do resultado final’’. (DINIZ, 2002, p. 184). O TJRS tem entendimento idêntico referente a obrigação de meio do advogado: ‘‘APELAÇÃO CÍVEL. MANDATOS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. CASO CONCRETO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOGADO. OBRIGAÇÃO DE MEIO, NÃO DE FIM. DOLO E CULPA NÃO CONFIGURADOS. ALEGAÇÃO DE QUE A NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ACARRETA PERDA DE UMA CHANCE INDENIZÁVEL. PROVAS QUE DEMONSTRAM QUE EM AÇÕES IDÊNTICAS A CONDENAÇÃO DO APELADO NÃO FOI REVERTIDA PELO TJRS. CASO EM QUE NÃO HÁ QUALQUER INDÍCIO DE AUSÊNCIA DE DILIGÊNCIA POR PARTE DO CAUSÍDICO. A OBRIGAÇÃO DO ADVOGADO E DE MEIO, NÃO DE RESULTADO E A SUA RESPONSABILIDADE DEPENDE DA PROVA DE CULPA OU DOLO. NÃO PROVADOS OS DANOS E O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE OS FATOS ATRIBUÍDOS AOS CAUSÍDICOS E A CONDENAÇÃO, NÃO HÁ DEVER DE INDENIZAR. ART. 159 DO CÓDIGO CIVIL E ART. 14, § 4º, DA LEI 8.078/90. REJEITADA A PRELIMINAR, NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME’’.(Apelação Cível Nº 70056141567, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 16/04/2014) Conclui-se assim que a responsabilidade do advogado é de meio, não de resultado, o STJ tem o mesmo entendimento sobre o assunto, conforme demonstra a jurisprudência: ‘‘AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - SENTENÇA OMISSA - INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 515, § 3º, DO CPC - POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL INTEGRAR O JULGAMENTO - ADVOGADO - MANDATO JUDICIAL - OBRIGAÇÃO DE MEIO - PERDA DE PRAZO RECURSAL - ERRO CRASSO - MANIFESTA VONTADE DA PARTE REPRESENTADA DE RECORRER - RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO - JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA - DATA DE INCIDÊNCIA. - A lógica do § 3º do art. 515 do CPC é a prevalência, em alguns casos, do princípio da economia processual sobre o princípio do duplo grau de jurisdição, motivo pelo qual é possível que o tribunal, diante de uma sentença omissa, integre o julgamento, desde que a causa esteja em condições de imediato julgamento, conforme interpretação extensiva do mencionado § 3º.Assim, em se verificando que houve omissão da sentença em relação a uma das condutas danosas imputada ao réu, cabe ao tribunal apreciar tal questão, a fim de suprir a omissão da decisão. - A obrigação do advogado é de meio, pelo que lhe incumbe, no exercício do mandato judicial, cumprir as condutas a que se comprometeu, sem, contudo, vincular-se à concretização do resultado perseguido pelo mandante. - A perda de prazo para recorrer, quando restar demonstrado que a parte representada manifestou inconformismo contra a decisão, constitui erro crasso do advogado, que se omitiu quanto às precauções necessárias ao exercício do seu mandato. Por tal razão, deve-se responsabilizá-lo pelos danos ocasionados à parte representada, em decorrência da perda da chance de recorrer. - Em se tratando de indenização por danos morais, a incidên-
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cia da correção monetária e dos juros moratórios inicia-se da data da prolação da sentença, uma vez que, a partir daí, o valor da condenação torna-se líquido’’ Recurso especial conhecido em parte e provido.” (REsp 1.079.185/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/208). RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL.PERDA DE PRAZO POR ADVOGADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DECISÃO DENEGATÓRIA DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL NA QUESTÃO PRINCIPAL QUE ANALISOU AS PRÓPRIAS RAZÕES RECURSAIS, SUPERANDO A ALEGAÇÃO DE INTEMPESTIVIDADE. DANO MORAL INEXISTENTE. 1. É difícil antever, no âmbito da responsabilidade contratual do advogado, um vínculo claro entre a alegada negligência do profissional e a diminuição patrimonial do cliente, pois o que está em jogo, no processo judicial de conhecimento, são apenas chances e incertezas que devem ser aclaradas em juízo de cognição. 2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da “perda de uma chance” devem ser solucionadas a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Precedentes.3. O fato de o advogado ter perdido o prazo para contestar ou interpor recurso - como no caso em apreço -, não enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance, fazendo-se absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa ou de ter a sua pretensão atendida. 4. No caso em julgamento, contratado o recorrido para a interposição de recurso especial na demanda anterior, verifica-se que, não obstante a perda do prazo, o agravo de instrumento intentado contra a decisão denegatória de admissibilidade do segundo recurso especial propiciou o efetivo reexame das razões que motivaram a inadmissibilidade do primeiro, consoante se dessume da decisão de fls. 130134, corroborada pelo acórdão recorrido (fl. 235), o que tem o condão de descaracterizar a perda da possibilidade de apreciação do recurso pelo Tribunal Superior. 5. Recurso especial não provido. (REsp 993.936/RJ, Rel. Ministra LUIS FELIPE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2012). 3 A teoria da perda de uma chance Conforme o dicionário Aurélio a palavra chance é definida como ‘‘acaso, oportunidade’’. Portanto, a perda de uma chance é a perda de uma oportunidade. A teoria da perda de uma chance foi desenvolvida pela doutrina francesa, lá chamada de perte d´une chance, para situações em que o ato lícito ou ilícito retira da vitima a chance de obter futuramente uma situação melhor, conforme aduz o ilustre Cavalieri Filho: ‘‘entende-se por chance a probabilidade de se obter uma vantagem ou se evitar uma perda. O causador do dano, em sede de perda de chance, responde por ter tirado da vítima a possibilidade de ter colhido algum lucro, ou pelo menos, evitado algum prejuízo, sendo assim, não responde pelo dano final experimentado pela vítima’’. (CAVALIERI, 2010, p. 394)
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No Brasil tal teoria é aplicada de forma discreta, pois se trata de um tema ainda novo que, até mesmo os tribunais, têm dificuldade de formar um entendimento pacificado. Dessa maneira Sérgio Savi: ‘‘O primeiro acórdão brasileiro a mencionar a responsabilidade civil por perda de uma chance é de 1990, relatado pelo então Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Curiosamente, neste caso a analise da teoria foi feita justamente para dizer que não se aplicava ao caso concreto. Tratava-se de ação de indenização dos danos decorrentes de erro médico. A autora da ação havia se submetido a uma cirurgia para correção de miopia em grau quatro da qual resultou uma hipermetropia em grau dois, além de cicatrizes na córnea que lhe acarretaram névoa no olho operado. Ao analisar as provas dos autos, o Tribunal chegou à conclusão de que a hipermetropia em grau dois e as cicatrizes na córnea eram consequências direitas e imediatas do erro cometido pelo médico na cirurgia. Ou seja, neste caso foi possível estabelecer um nexo de causalidade entre a atitude culposa do médico e o dano final, não havendo, portanto, que se falar em indenização da chance perdida’’. (SAVI, 2009, p. 48) O advogado pode vir a cometer erros e causar danos a seu cliente, mas para ser caracterizada a perda de uma chance, segundo dispõe Sérgio Cavalieri Filho é necessário que “se trate de uma chance real e séria, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada” (CAVALIERI, 2008. p.92). Nesse sentido, não há o que se falar em responsabilidade civil na ocorrência de pequena possibilidade ou mera hipótese. Importante ressaltar que tal teoria vem sendo adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, como depreende-se do julgado a seguir, em que a teoria da perda de uma chance foi aplicada pela perda de um prazo pelo advogado: “RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. 1. A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. 2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da “perda de uma chance” devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da per-
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da de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. 3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da “perda de uma chance”, condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais.4. Recurso especial conhecido em parte e provido.” (REsp 1190180/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 22/11/2010). Não é sempre que o advogado perde um prazo que ele será responsabilizado. Deve ser constatada a perda de uma chance real e séria, como por exemplo, jurisprudência consolidada em casos idênticos. Referente ao valor da indenização na perda de uma chance, não existe uma regra própria para sua avaliação ou liquidação. Grande parte da doutrina aponta que a indenização nunca poderá corresponder ao montante a que o cliente faria jus, conforme Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho: ‘‘Como se trata da perda de uma chance, jamais se poderá saber qual seria o resultado do julgamento se o ato houvesse sido validamente realizado’’. (STOLZE.2010 p.268). O valor a ser indenizado não será aquele que o lesionado receberia caso não tivesse perdido a chance, pois o que ele receberia é apenas uma hipótese, uma possibilidade e não uma certeza. Assim, o magistrado deve valer-se de um critério de probabilidade para quantificar a indenização, sendo que esta pode ser mais ou menos que o cliente iria receber. Dessa maneira aduz Ênio Zuliani: ‘‘O cliente não perde uma causa certa; perde um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso. Portanto, na ação de responsabilização ajuizada pelo profissional do direito, o juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance [...] o único parâmetro confiável para o arbitramento da indenização, por perda de uma chance, continua sendo a prudência do juiz.’’ (GONCALVES, 2010, p. 274-275). Portanto, para possibilitar a responsabilidade civil do advogado, deve existir uma conduta humana, um dano, a comprovação da culpa ou dolo e existência de nexo de causalidade. Caracterizando, assim, uma responsabilidade subjetiva. Conforme demonstrado, dependerá da análise de cada caso concreto a ser avaliado pelo julgador se houve dano realmente assim, nem toda chance perdida pelo cliente poderá ser caracterizada como perda de uma chance. Conforme já mencionado na perda de uma chance não há a possibilidade de indenizar a real reparação do dano, mas sim a probabilidade do valor a ser indenizado. 3.1 Aplicabilidade da teoria da perda de uma chance na advocacia Na advocacia a teoria da perda de uma chance mostra-se presente em ações em que o advogado, via de regra, tem condutas omissivas ou negligentes, ou seja, ocorre por desleixo ou falta de cautela no exercício de suas atividades laborais, em que os meios são empregados de modo falho. Um exemplo clássico é quando o advogado perde um prazo, podendo ocorrer também na não formulação de pedido; omissão na produção de provas; extravio dos autos, etc.
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Conforme o doutrinador Sérgio Novais Dias: ‘‘A perda da oportunidade que o cliente sofre, causada por falha daquele profissional, de ver examinada em juízo uma pretensão ou de ver reformada em seu favor uma decisão judicial que lhe foi desfavorável e contra a qual cabia recurso.’’ Para a configuração da perda de uma chance, para efeitos da responsabilidade civil, aduz Fernando Noronha: ‘‘Quando se fala em chance, estamos perante situações em que está em curso um processo que propicia a uma pessoa a oportunidade de vir a obter no futuro algo benéfico. Quando se fala em perda de chances, para efeitos de responsabilidade civil, é porque esse processo foi interrompido por um determinado fato antijurídico e, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Nestes casos, a chance que foi perdida pode ter-se traduzido tanto na frustração da oportunidade de obter uma vantagem, que por isso nunca mais poderá acontecer, como na frustração da oportunidade de evitar um dano, que por isso depois se verificou. No primeiro caso poderemos falar em frustração da chance de obter uma vantagem futura, no segundo em frustração da chance de se evitar um dano efetivamente acontecido’’. É muito importante a aplicação da referida teoria na advocacia, pois o dano causado pela perda de uma chance nesse contexto é um dos mais frequentes atualmente. Como trata-se de uma atividade meio, há ainda uma grande dificuldade em estabelecer o nexo causal entre a conduta culposa do advogado e a real chance que o cliente tinha, pois mesmo que o advogado atue diligentemente, o sucesso no processo judicial depende de outros fatores não sujeitos ao seu controle. Daí a dificuldade de estabelecer, um nexo causal entre a negligência e o dano. 4 POSICIONAMENTO DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA A RESPEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA PERDA DE UMA CHANCE. A respeito do tema, por se tratar de técnica indenizatória não codificada ainda na legislação, cabe á doutrina e jurisprudência à orientação para delimitar as possibilidades da aplicação da teoria da perda de uma chance. A jurisprudência brasileira e a doutrina têm feito o uso com frequência dessa teoria para responsabilizar advogados cuja conduta não é adequada ao bom exercício da advocacia. O STJ tem aplicado essa teoria em casos em que o advogado, por exemplo, perde prazos, conforme a seguinte ementa do acórdão: RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR.INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DOPATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL.APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOSMORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. 1. A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao
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perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. 2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da “perda de uma chance” devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico.Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. 3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da “perda de uma chance”, condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais. 4. Recurso especial conhecido em parte e provido. (Recurso Especial Nº 1190180/RS, Quarta Turma, STJ, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, Julgado em 16/11/2009). Nos mesmo sentido, a jurisprudência do TJRS também aduz que o advogado deverá ser responsabilizado aplicando a teoria da perda de uma chance no caso de negligência. Conforme o acórdão: APELAÇÃO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. OBRIGAÇÃO DE MEIO QUE NÃO ELIDE O DEVER DE PRESTAR SERVIÇOS DE FORMA ADEQUADA E DE ACORDO COM OS INTERESSES DO CLIENTE. HIPÓTESE EM QUE O ADVOGADO DEIXA DE COMPARECER À AUDIÊNCIA E DE COMUNICAR A SUA REALIZAÇÃO AO CLIENTE DEIXANDO QUE OCORRESSE A REVELIA. APELAÇÃO INTERPOSTA QUE NÃO FOI CONHECIDA POR INTEMPESTIVIDADE. DANO CAUSADO TENDO EM VISTA A PERDA DA POSSIBILIDADE DE CONSEGUIR RESULTADO MAIS FAVORÁVEL NO PROCESSO. CONFIGURAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA DO ADVOGADO. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE NÃO SE VINCULA AO VALOR EFETIVAMENTE PERDIDO. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DESPENDIDOS NA CAUSA. DERAM PROVIMENTO, EM PARTE, AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70035639715, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 30/06/2010) No mesmo sentido, o tribunal reconheceu a pretensão da autora à indenização por entender que a perda de uma chance quando séria e real é hoje considerada uma lesão a uma legítima expectativa suscetível de ser indenizada da mesma forma que a lesão a outras espécies de bens ou a qualquer outro direito subjetivo tutelado pelo ordenamento. A seguir a ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. PROBABILIDADE SÉRIA E REAL. SITUAÇÃO DE VANTAGEM. VIOLAÇÃO DA BOA FÉ OBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE. EXTINÇÃO DA OPORTUNIDADE.DEVER DE REPARAÇÃO. PROBABILIDADE DE CONFIGURAÇÃO DA SITUAÇÃO
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VANTAJOSA. Independentemente da certeza em relação à concretização da chance, sua perda, quando configurar em si mesma uma probabilidade séria de ser obtida uma situação de vantagem, implica numa propriedade integrante da esfera jurídica de seu titular, passível, portanto, quando presentes os demais requisitos da responsabilidade civil, de ser indenizada. Havendo nexo de causalidade entre conduta afrontosa ao princípio da boa-fé objetiva e a dissipação da oportunidade de ser obtida uma situação vantajosa pela outra parte contratante resta constituída a responsabilidade civil pela perda de uma chance. O quantum indenizatório na responsabilidade civil pela perda de uma chance deve ser fixado em percentual que incidindo sobre o total da vantagem que poderia ser auferida, represente de forma razoável a probabilidade de ser configurada as expectativas da parte lesada, não podendo, contudo, em qualquer hipótese, ser confundida com a própria vantagem que poderia ser obtida. (Apelação Cível nº1.0024.05.700546-4/001, julgada em 17 de setembro de 2008 pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais) A partir das jurisprudências é possível afirmar que elas estão ainda se solidificando acerca do tema, mas a analise de grande parte dos julgados encontrados já é o bastante para demonstrar suas peculiaridades sobre o tema. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve como foco analisar a responsabilidade civil do advogado frente à teoria da perda de uma chance. Ocorre a aplicabilidade de tal teoria quando há a perda da possibilidade do cliente ver seu pleito provido por erro de seu advogado. Tal erro pode ser ocasionado quando o advogado perde atos e prazos, não promove ação, não elenca testemunhas, não recorre, etc. Conforme já exposto, a natureza da relação cliente, advogado é contratual, visto que advém do mandato outorgado pelo cliente. A obrigação do advogado não é de resultado, mas sim, de meio. Assim o advogado não tem obrigação de ganhar a causa, mas tão somente de agir com cuidado, diligência, da melhor maneira para defender seu cliente, utilizando todos os meios necessários para obter êxito. Assim, o advogado poderá vir a ser responsabilizado pelos danos causados ao cliente desde comprovado que agiu com dolo ou culpa. A responsabilidade civil do advogado é subjetiva, isto é, aquela preconizada no artigo 186, do Código Civil, necessitando da caracterização de quatro requisitos, a saber: 1) ação ou omissão do agente; 2) culpa ou dolo do agente; 3) dano provocado a terceiro e 4) nexo causal entre a conduta do agente e o prejuízo arcado pela vítima. A partir de todo o exposto pode-se concluir que os tribunais pátrios têm aplicado a teoria da perda de uma chance mesmo ela não fazendo parte do ordenamento jurídico. Assim, o magistrado que julgar casos em que há a perda de uma chance deve arbitrar uma indenização correspondente à chance perdida. Deve analisar detalhadamente cada caso concreto, sempre pautado nos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como fundamentar-se na lei, doutrina e jurisprudência para obter a melhor solução no caso concreto. Portanto, diante do exposto, pode-se concluir que o bom advogado deve pautar sua profissão nas normas previstas no Código de Ética e Disciplina da OAB de forma responsável e diligente para que não seja responsabilizado por erros futuros, mas também para que não prejudique seu cliente.
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referências BRASIL. Constituição Federal, 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. BRASIL. Código Civil. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. BRASIL. Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Lei n° 8.906, de 04de julho de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm>. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial N°1.079.185 - MG (2008⁄0168439- 5, Terceira Turma, Relatora: Nancy Andrighi, Julgado em 11/08/2008. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 01 de junho de 2014. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial N°1190180 - RS (Quarta Turma, Relatora: Luis Felipe Salomão, Julgado em 16/11/2010. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 01 de junho de 2014. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso de Apelação 70035639715, Relator(a): Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Décima Quinta Câmara Cível, julgamento: 30/06/2010. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros,2005, 6 ed. Revista, aumentada e atualizada. Código de ética e disciplina da OAB. Disponível em: <http://www.oab.org.br/arquivos/pdf/LegislacaoOab/codigodeetica.pdf>. Dicionário Aurélio Online. Disponível em: <http://www.dicionariodoaurelio.com/ dicionario.php?P=Responsabilidade>. Acesso em 22 de maio de 2014.
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DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva,2008. v. 7. GONÇALVES, C. R. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 4. ed. rev. São Paulo: Saraiva,2009. v. 4. LÔBO, P. L. N. Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB. 2. ed. Brasília, DF:Brasília Jurídica, 1996. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, Vol. IV .Tomos I e II. 8.º ed. São Paulo: Saraiva, 2006. SAVI, S. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
NOTAS DE FIM: 1 Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Newton. 2 Doutor em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais/ UFMG (2014), Mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG (2008), Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG (2004). É professor de “Direito Penal” na Graduação em Direito da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva (desde 2009); professor de “Processo Penal” na Graduação em Direito e “Teoria do Delito”, “Bioética e Direito Penal” e Bioética e Medicina Legal na Pós-graduação em Ciências Penais da Faculdade de Direito Milton Campos/FMC (desde 2007). 3 Banca examinadora: Júlio César Faria Zini; Maurício Lopes.
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A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS:a prática sob a ótica da Nova Ordem Constitucional Stéfani Cristina de Souza1 Cristian Kiefer da Silva2 Banca Examinadora3 RESUMO: A internação compulsória de dependentes químicos tem sido promovida pelos estados brasileiros como uma aposta dos governos locais para a diminuição do índice de dependência química e, automaticamente, da criminalidade. A proposta visa acabar com os grandes centros de tráfico, consumo de drogas e meretrício, popularmente conhecidos como “cracolândias”, utilizando o método que consiste em internar os toxicômanos em centros de recuperação de dependência química sem sua anuência, sequer de seus familiares. A administração pública vem adotando o procedimento de internação compulsória, previsto na Lei da Reforma Psiquiátrica, Lei n. 10.216/01, por analogia, já que na referida lei não há previsão expressa de aplicação para dependentes de tóxicos, mas, tão somente, para portadores de transtorno mental grave. Neste contexto, o presente trabalho irá abordar os aspectos controversos e as possíveis consequências jurídicas acerca do procedimento de internação compulsória, que utiliza a Lei 10.216/01 por analogia in malam partem aos dependentes químicos, sob a ótica constitucional de proteção às liberdades dos indivíduos (Neoconstitucionalismo). PALAVRAS-CHAVE: Internação Compulsória; Dependentes Químicos; Direito Ambulatorial; Analogia. SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Contextualização histórica da internação compulsória no Brasil. 3 Internação compulsória e a Lei n. 10.216/01. 3.1 Dos destinatários da lei. 3.2 Dos tipos de internação previstos e seus requisitos. 3.3 Da finalidade. 4 Da internação compulsória sob a ótica constitucional. 4.1 Da dignidade da pessoa humana. 4.2 Do princípio da legalidade. 4.3 Do direito deambulatorial. 5 Aspectos penais. 5.1 Vedação da analogia in malam partem. 6 Da eficácia da internação compulsória de toxicômanos. 7 Considerações Finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO A partir do século XX, o consumo de drogas aumentou exponencialmente no Brasil, gerando para as entidades estatais um dever de intervenção efetivo. Em decorrência de tal primordialidade, em março de 2012 começou a ser implantada nos estados membros brasileiros a proposta de política pública de internação compulsória temporária de viciados em drogas ilícitas e cujo estado de dependência estivesse demasiado grave. A internação compulsória iniciou-se como uma aposta dos governos locais para a diminuição do índice de dependência química e, automaticamente, da criminalidade em determinadas regiões. Contudo, tal procedimento, como a própria denominação aponta, prescinde de consentimento do dependente químico e de seus familiares, sendo previsto no ordenamento pátrio somente na Lei da Reforma Psiquiátrica, Lei n. 10.216/01, que não prevê, expressamente, sua aplicação para casos que não sejam de pessoas portadoras de transtorno mental grave. Conclui-se que a administração pública, como fundamento legal para a prática da internação dos toxicômanos, vem aplicando a referida lei por analogia, o que é vedado tratando-se de leis restritivas de direitos, o que, pressupostamente, já aponta para a ilegalidade do procedimento. A prática é passível, também, de ser declarada insconstitucional quando analisada sob a ótica do Estado Democrático de Direito em que vivemos. A Nova Ordem Constitucional, ou Neoconstitucionalismo, prega a limitação até da aplicação de leis quando estas afrontam direitos fundamentais e axiomas de justiça (especialmente principológicos). Destarte, considerando que sob a égide da Nova Ordem Constitucional já é possível relativizar até a aplicação de lei, o que se dirá de uma aplicação analógica em prejuízo à pessoa humana e que, ainda por cima, viola os direitos de primeira dimensão/geração (civis e políticos, como os direitos de liberdade)?
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O estudo do tema proposto é, portanto, relevante, já que arbitrariedades podem estar sendo cometidas pelo Estado ao utilizar a Lei 10.216/01 como instrumento de promover política de saúde pública em detrimento dos preceitos e dispositivos constitucionais. 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA NO BRASIL O surgimento da ideia de pacto social e estado civil foi, prima facie, obra do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, em seu livro Du contrat social ou Principes du droit politique (1762). Nesta obra, o filósofo aponta que a necessidade de constituição de uma agregação social é inerente ao homem natural, que perde a capacidade de subsistência individual. Quando os homens passam a viver em forma coletiva torna-se imprescindível a figura de um “soberano”, responsável por defender e proteger os bens, direitos e interesses de todos os indivíduos na agregação. Diversas filosofias e doutrinas, no decorrer dos anos, aprimoraram a ideia inicial de Rousseau, mas não a alteraram em sua essência. A figura do “soberano” se concretizou na ficção do Estado, que se organiza a fim de exercer o seu poder sobre os “súditos”, a sociedade. Com a evolução política e jurídica verificou-se a necessidade de restrição do poder do Estado, sendo-lhe impostos limites que não podem ser ultrapassados, sob pena de responsabilização. O Brasil, como República Federativa, é regido pela Constituição Federal, pilar do ordenamento jurídico brasileiro e que dispõe a cerca da estrutura do Estado, dos Poderes e dos direitos fundamentais. A não observância, por qualquer dos entes federados (União, estados, Distrito Federal e municípios), dos dispositivos constantes no texto constitucional torna possível a insurgência do prejudicado contra o ato, questionando sua constitucionalidade.
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A contextualização histórica supra foi tecida a fim de demonstrar que a ideia de que cabe ao Estado zelar pelo que convém ser o melhor aos seus súditos foi plantada no século XVI, pelo filósofo Rousseau, e enraizou-se desde então. Em decorrência disto, o Estado, muitas vezes, esquece-se de respeitar os limites impostos a sua atuação. São vários os princípios limitadores da atuação estatal, especialmente os denominados direitos de primeira dimensão, ou geração, que consiste no dever do Estado de respeitar os direitos individuais e políticos dos cidadãos. Por serem repressores do poder estatal, os direitos fundamentais de primeira geração são reconhecidos como direitos negativos, liberdades negativas ou direitos de defesa do indivíduo frente ao Estado (ALEXANDRINO, 2012, p. 102). Em outras palavras, o Estado assume uma obrigação de “não fazer”, ou seja, não intervir na esfera individual de seu súdito. O direito da liberdade de ir e vir está abrangido nesta categoria de direitos fundamentais de primeira geração, cabendo ao Estado não restringi-lo, ressalvado os casos expressamente previstos (penas restritivas de liberdade, por exemplo). Verifica-se a correlação direta entre o breve histórico tecido com o objeto do presente trabalho, a saber, a discussão a cerca dos estados brasileiros promoverem a chamada internação compulsória dos dependentes químicos. O estado de São Paulo, pioneiro da prática, desde a publicação da Lei n. 10.216, de 06 de abril de 2001, que trouxe as figuras de internação voluntária, involuntária e compulsória, passou a discutir sobre a possibilidade de aplicação de tais internações também para toxicômanos. Os defensores da proposta argumentavam, segundo Luiz Loccoman, que um em cada dois dependentes químicos apresentava algum tipo de transtorno mental, como a depressão. Tais argumentos são inquestionavelmente de cunho político. A finalidade colimada dos defensores da utilização da Lei n. 10.216/01 por analogia era revestir de uma aparente legalidade o que algumas autoridades já queriam há muito tempo, mas que lhes é vedado pela Constituição: restringir, de uma vez, a liberdade das pessoas que se encontram em estado de extrema dependência química de drogas ilícitas, tirando-as das ruas e privando-as do convívio social. A medida, policialesca e simplista, é “vendida” pelas autoridades como uma forma de acabar com a dependência química. Pura ilusão. A mácula insanável é verificada no fato de que os governantes, agindo de tal forma, estão optando por um “caminho mais fácil”, mas sem efetividade a longo prazo. Ora, “varrer a poeira para debaixo do tapete”, passando para a sociedade uma imagem de “limpeza” do problema com as drogas, só manterá aparências, mas não trará solução. Em 2011 a internação compulsória tomou adeptos. Em São Paulo, a prática surgiu com a parceria do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Ministério Público estadual e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio de uma Comissão Antidrogas. Há alguns estados que estão até apresentando projetos de lei estaduais para regular o procedimento. Em março de 2014, seguiu para sanção do governador de Goiás o projeto de lei estadual nº 549/12, que institui o Sistema Estadual de Internação Compulsória de Dependentes Químicos. No Rio de Janeiro, em 2013, foi aprovado projeto de lei mais tímido, prevendo a internação de dependentes químicos, desde que haja autorização da família. A assembleia legislativa excluiu do projeto o trecho que permitia os agentes de segurança pública também determinarem a internação de forma compulsória. No estado de Minas Gerais também já foi implantada a referida política de internação compulsória para usuários de drogas desde 2012. Conforme o Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, as informações da Secretaria de Saúde do estado apontam uma média mensal de quinze internações compulsórias.
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Verifica-se que, inobstante a Lei 10.216 ter sido publicada há mais que uma década, os estados brasileiros passaram a, efetivamente, implantar a prática da internação compulsória de 2011 em diante. Não é difícil imaginar o porquê da repentina aplicação da lei, por analogia, aos toxicômanos, afinal tais “cracolândias” mancham a imagem dos estados e, em vésperas de grandes eventos mundiais os “holofotes” estão direcionados para o Brasil. Até o presente momento o assunto não tomou alarmantes repercussões nos Tribunais. Possivelmente, por pressões políticas, aguarda-se a “poeira baixar” para que seja dado o primeiro alarde sobre o assunto, que é tão delicado. No mais, a reassunção do poder ilimitado do “Estado-soberano” em restringir a liberdade de ir e vir por meio da internação compulsória não atingiu a classe média e classe alta, mas, tão somente, a parte marginalizada da população. É possível que a arbitrariedade da prática perdure por vários anos. 3 A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA E A LEI N. 10.216/01 3.1 Dos destinatários da lei Em 06 de abril de 2001, após longo processo de discussão e tramitação no Congresso Nacional (que se estendeu por cerca de um ano), foi promulgada a Lei 10.216, a lei da Reforma Psiquiátrica. Pelo texto da lei, é possível verificar que os legisladores objetivavam garantir a cidadania, o respeito e individualidade dos acometidos por transtorno mental, dispondo sobre as peculiaridades de cada caso de acordo com a gravidade do transtorno. O doutrinador e magistrado Antonio Carlos Santoro Filho (2012, p. 13), ao promover uma síntese da evolução histórica do Direito brasileiro em relação aos transtornos mentais e seus portadores, afirma que: O novo diploma legal inverteu o sistema até então vigente, pois estabeleceu a excepcionalidade da internação, somente quando os recursos extra-hospitalares não se mostrassem suficientes; a proteção dos direitos do portador de transtorno mental contra abusos no tratamento; o reconhecimento do paciente como sujeito e titular de direitos; a preocupação com o melhor tratamento , e não apenas com a “segunraça” social; a reinserção gradual do usuário do sistema de saúde mental. O artigo 1º da Lei da Reforma Psiquiátrica não deixa dúvidas sobre quem são os destinatários da lei: Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra. Pela leitura do dispositivo legal conclui-se que a lei se aplica a pessoas acometidas por doença mental, não tendo o legislador aberto margem para interpretação extensiva capaz de abranger dependentes químicos 3.2 Dos tipos de internação previstos e seus requisitos A Lei n. 10.216/01 prevê três espécies de internação: Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
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II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. A internação voluntária, também chamada de consentida, se dá com o consentimento do usuário que, para tanto, deverá assinar uma declaração de que optou por esse regime de tratamento (art. 7º, caput), sob pena se ser considerada involuntária. “O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do próprio paciente ou por determinação do médico assistente, quando constatada a desnecessidade de sua continuidade” (SANTORO FILHO, 2012, p. 41). A internação involuntária se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de familiar ou responsável legal. Suas peculiaridades estão dispostas no artigo 8º da Lei: Art. 8º A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento. § 1º A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta. § 2º O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento. Por fim, a internação compulsória, objeto do presente artigo, é aquela determinada pela Justiça, o que pressupõe a existência de um processo, de natureza civil ou criminal já em andamento, considerando que “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV, da Constituição Federal). A internação compulsória está prevista no artigo 9º da Lei, cujo teor é bem mais sucinto do que o da internação involuntária: Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários. Nota-se que o artigo é omisso quanto aos legitimados para a propositura, apontando, somente, que cabe ao juiz determiná-la. Segundo Santoro Filho (2012, p. 42) “pode ser postulada dos poderes públicos – Estado e Município – em demanda judicial, detendo legitimidade, para tanto, independentemente de decretação de interdição do internado (...) ou mesmo Ministério Público”. O entendimento do citado doutrinador vem sendo aplicado não só nos casos de internação compulsória de deficientes mentais mas também tratando-se dos viciados. Como supramencionado, São Paulo, pioneiro da aplicação da lei para dependentes químicos, já tem jurisprudência sedimentada no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade ativa para solicitar a internação compulsória de toxicômanos: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Internação de paciente dependente de substâncias químicas - Afastadas preliminares de ilegitimidade ativa do Ministério Público e ilegitimidade passiva ad causam do Município de Morro - Agudo Direito à saúde; dever do Estado, direito do povo - Art. 196 da Constituição da República, norma programática que não constitui promessa constitucional inconsequente (STF, 2ª T., AgRE 273834-4-RS, Rel. Min. Celso de Mello) - Ação julgada procedente - Sentença mantida - Recurso voluntário desprovido.
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A necessidade de internação compulsória em clínica especializada para tratamento de drogadição é imprescindível para a recuperação do autor, conforme documento médico e estudo social. A pretensão encontra fundamento em dispositivos constitucionais, já que a internação do dependente de substâncias químicas é medida protetiva, que busca o adequado tratamento médico, para salvaguardar à saúde e à integridade física e mental, tendo como alicerce a dignidade da pessoa humana. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação cível nº 0002324-59.2010.8.26.0374. Apelante: Prefeitura Municipal De Morro Agudo. Apelado: Ministério Público Do Estado De São Paulo. Relator: Ribeiro de Paula. São Paulo, 31 de agosto de 2011). Importante salientar que o caput do artigo 6º da Lei 10.216/01 prevê a indispensabilidade de laudo médico circunstanciado, que caracteriza seus motivos. Santoro Filho aponta, também, como requisito “(...) de qualquer internação a sua absoluta necessidade, ou seja, apenas será admissível quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes” (2012, p. 36). Inobstante a imprescindibilidade de laudo médico para a promoção de internação, no caso de internação compulsória de dependentes químicos o TJSP tem sido tão extremo que sequer anula o ato pela falta do requisito: AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA Insurgência contra o indeferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida a fim de determinar a internação compulsória de pessoa portadora de perturbação mental decorrente de dependência química - Decisão fundamentada - Ausência dos requisitos autorizadores da medida -Ato de livre convicção do Magistrado - Não constatado caso de ilegalidade ou de abuso de poder - Internação compulsória é medida extrema, devendo a necessidade de seu deferimento estar amparado por provas concretas de risco à saúde do dependente químico e da segurança da família - Decisão mantida - Negado provimento ao recurso. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo nº 202129137.2014.8.26.0000. Agravante: José Carlos Oliveira. Agravados: Sheila Cristina Marcelino, Município De Limeira E Fazenda Pública Do Estado De São Paulo. Relator: Rubens Rihl. São Paulo, 03 de abril de 2014). 3.3 Da finalidade A internação deve ser enxergada como medida excepcional, sendo indicada somente em hipóteses de perigo concreto, isto é, quando houver risco à integridade física, à vida, à saúde do próprio paciente ou terceiros (art. 4º, Lei 10.216/01). Explica Santoro Filho (2012, p. 35) que “(...) verificada a necessidade de internação, contudo, esta terá como finalidade permanente a cessação daquele estado de perigo e, em consequência, a reinserção social do paciente em seu meio”. Em suma, a internação prevista na Lei de Reforma da Psiquiatria, como medida excepcional, é necessária somente até cessar as causas de perigo concreto, onde prevaleça a absoluta necessidade e quando as hipóteses dos demais recursos sejam insuficientes. Nota-se que, no caso de internação compulsória de toxicômanos, a internação é feita inclusive em casos de pessoas que não representam perigo algum a sociedade. O Poder Público, nestes casos, utilizam o argumento de que há “iminente risco à vida ou a saúde do próprio dependente”. Observa-se, portanto, uma deturpação do instituto da internação, prevista na lei utilizada analogicamente.
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4 DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL A nova dogmática constitucional, inaugurada no Brasil com a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988, pós-ditadura militar, passou a centralizar a dignidade da pessoa humana como valor jurídico supremo. Em outras palavras, foi inaugurado um novo período de hermenêutica constitucional. A principal característica do novo modelo de Estado de Direito, o Democrático, foi a exacerbada tutela de direitos fundamentais, ideia advinda do constitucionalismo francês. Além disso, a nova constituição trouxe mais efetividade aos instrumentos limitadores da atuação do Estado (habeas corpus, mandado de segurança etc.), dando mais efetividade à proteção dos novos axiomas da justiça. Uadi Lammêgo Bulos (2010, p. 81) define as principais características do neoconstitucionalismo como modelo axiológico de constituição normativa: [...] a constituição é marcada pela presença de princípios e de normas definidoras de direitos fundamentais; as normas e princípios constitucionais têm caráter material, positivando valores arraigados na comunidade, a exemplo da moral, dos costumes e dos hábitos (conteúdo axiológico); e as constituições também possuem denso conteúdo normativo, influenciando toda ordem jurídica e vinculando a atividade dos Poderes Públicos e dos particulares (eficácia horizontal dos direitos humanos). Esta rematerialização da constituição passou a consagrar um extenso rol de direitos fundamentais. Dentre os tópicos constitucionais pertinentes ao tema destacam-se o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, o princípio da legalidade e o da liberdade de ir e vir. 4.1 A dignidade da pessoa humana A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88) não é definida no texto constitucional e, por ser um conceito amplo, a doutrina diverge em defini-la. A exigência enunciada por Immanuel Kant (17241804), em sua obra sobre o imperativo categórico, é utilizada pelos doutrinadores como ponto de partida em conceituá-la. “Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio.” (SANTORO FILHO, 2012, p. 23). Extrai-se, portanto, o conceito de dignidade humana da própria Constituição, observada como um todo. O respeito aos direitos e garantias fundamentas, por si só, sintetizam a condição de ser humano, exigindo do Poder Público e de terceiros uma respeitabilidade mínima. Quando a análise do princípio fundamental em questão se mescla com a discussão acerca da internação compulsória dos dependentes químicos, os favoráveis à prática afirmam que os toxicômanos precisam ser internados justamente porque carecem de qualquer dignidade vivendo como vivem. Dentre os simpatizantes da internação compulsória, encontra-se o criminalista e deputado estadual de São Paulo, Fernando Capez, que manifestou sua opinião em artigo na Folha de São Paulo: [...] Triunfantes em sua batalha na mente do jovem, os entorpecentes têm dragado vidas ainda incipientes ao abismo da dependência sem volta. Antecedidas, em regra, por um histórico de desprezo, maus-tratos, abandono, abuso sexual, comportamento omisso ou inadequado dos pais ou responsáveis, ou mesmo pela falta de perspectiva de projetos positivos, crianças e adolescentes perambulam pelas cracolândias da vida em busca de drogas baratas e mortais. Há uma dupla vitimização: do viciado, impelido pelo incontrolável desejo de consumo, que acaba por se tornar um de-
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linquente, e dos inocentes, que por uma infelicidade cruzam seu caminho durante a ação criminosa. Nessa perspectiva, o uso indevido de drogas deve ser reconhecido como fator de interferência na qualidade de vida do indivíduo e na sua relação com a comunidade (lei nº 11.343/2006, art. 19, inciso I). A internação involuntária do dependente que perdeu sua capacidade de autodeterminação está autorizada pelo art. 6º, inciso II, da lei nº 10.216/2001 como meio de afastá-lo do ambiente nocivo e deletério em que convive. Tal internação é importante instrumento para sua reabilitação. Na rua, jamais se libertará da escravidão do vício. As alterações nos elementos cognitivo e volitivo retiram o livre -arbítrio. O dependente necessita de socorro, não de uma consulta à sua opinião. A internação compulsória por ordem judicial pressupõe uma ação efetiva e decidida do Estado no sentido de aumentar as vagas em clínicas públicas criadas para esse fim, sob pena de o comando legal inserto na lei nº 10.216/2001 tornar-se letra morta. Espera-se que o poder público não se porte como um mero espectador, sob o cômodo argumento do respeito ao direito de ir e vir dos dependentes químicos, mas, antes, faça prevalecer seu direito à vida. (CAPEZ, 2011). Já os doutrinadores e instituições que se posicionam contra a internação compulsória de dependentes químicos alegam que utilizar-se de uma lei inespecífica para toxicômanos, por analogia, para interná-los é que constituiria violação à dignidade da pessoa humana, posto que restaria configurado desrespeito aos direitos individuais e a liberdade daqueles cidadãos. Com propriedade, os internados em tais circunstâncias ainda são “cidadãos”, afinal, mesmo sendo dependentes e vivendo de forma precária, por conta de seu vício, não sofreram qualquer processo prévio apto a restringir-lhes a capacidade civil plena (uma interdição, por exemplo). Dentre as instituições contrárias à prática, está o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo: A internação compulsória é uma política governamental que não se configura como cuidado, mas como uma violência do Estado á população; A internação compulsória apenas contribui para a exclusão e o isolamento social sem trazer benefícios para o (a) usuário (a) de crack, álcool e outras drogas; A internação compulsória como medida única e sensacionalista, é uma clara violação dos direitos e princípios da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial. Posicionamo-nos CONTRÁRIOS à Política de Internação Compulsória de usuários (as) de crack, álcool e outras drogas e reiteramos as razões para defender um tratamento COM LIBERDADE e DIGNIDADE: (...) Todos tem direitos a informações claras sobre as diferentes possibilidades terapêuticas, a escolher outras formas de tratamento e liberdade de aceitar ou recusar a proposta oferecida; (...) As chamadas “crackolândias” são efeitos da negligência pública e hipocrisia social. A população moradora destes locais não tem casa, não tem família, está numa situação dramática nas ruas. Precisamos contribuir para buscar uma solução, que não é a de recolhimento e isolamento por meio das corporações policiais; A Internação Compulsória representa uma falsa ideia de solução mágica, que leva a sociedade a aceitas medidas sem a reflexão necessária (...)”.
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4.2 O princípio da legalidade A Constituição Federal de 1988 prevê o princípio da legalidade no art. 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Outrossim, é previsto no inciso XXXIX, do mesmo artigo, o princípio da legalidade no âmbito penal, mais relevante para a discussão sob comento. Prevê o dispositivo que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Referido dispositivo é responsável pela segurança jurídica em matéria criminal e consagra a regra do nullum crimen nulla poena sine praevia lege. De uma só vez, assegura tanto o princípio da legalidade (ou reserva legal), na medida em que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, como o princípio da anterioridade, visto que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. (LENZA, 2010, p. 784). Como reiteradamente apontado, a Lei 10.216/01, em seu artigo 1º, aponta como destinatário do estatuto os portadores de transtorno mental. O vício em drogas não é transtorno mental. O viciado em crack, cocaína, maconha difere-se de um fumante por serem estas drogas ilícitas e o cigarro não mais. Poder-se-ia restringir a liberdade de um fumante sob o argumento de que põe em risco sua própria saúde e, por isso, deve de ser maluco? A Lei específica sobre drogas ilícitas, usuários, traficantes etc., cujo bem jurídico tutelado também é a saúde pública, é a Lei nº 11.343/06. Nesta lei deixou de ser prevista a possibilidade de aplicação de pena privativa de liberdade para o usuário e portador para consumo próprio (art. 28). Vigora, na doutrina, o posicionamento de que o art. 28 da Lei de Drogas despenalizou a conduta de porte para consumo, mas manteve seu status de crime. Passou a ser previsto, como pena para o porte de drogas para consumo pessoal, a advertência, a prestação de serviços à comunidade e o comparecimento em programa ou curso educativo. Preleciona Renato Brasileiro de Lima: Sem dúvida alguma, uma das principais novidades introduzidas pela Lei, nº 11.343/06 diz respeito à mudança da política criminal em relação ao usuário de drogas. Se, à época da vigência do art. 16 da Lei nº 6.368/76, o usuário de drogas estava sujeito a uma pena de detenção, de 6 meses a 2 anos, e pagamento de 20 a 50 dias-multa, com o advento da Lei nº 11.343/06, o preceito secundário do art. 28 passo a cominas as seguintes penas: advertência sobre os efeitos da droga, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Em substituição à linha repressiva adotada anteriormente, a nova Lei de Drogas afasta a possibilidade de aplicação de pena privativa de liberdade ao crime de porte de drogas para consumo pessoal. Trabalha-se, em síntese, com a premissa de que o melhor caminho é o da educação, e não o da prisão, que, nesse caso, traz poucos senão nenhum benefício à saúde do indivíduo. De mais a mais, é fato que a prisão de usuários não traz nenhum benefício à sociedade. A uma porque impede que a eles seja dispensada a atenção necessária, inclusive com tratamento eficaz para eventual dependência química. A duas porque a imposição de pena de prisão ao usuário faz com que este passe a conviver com agentes de crimes muito mais graves, o que pode funcionar como fator de profissionalização de criminosos. (BRASILEIRO, 2014, p. 686).
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Se a Lei nº 11.343/06, lei específica de drogas, não previu pena de restrição de liberdade aos dependentes químicos que consomem/ portam para consumo, cabe interpretar a Lei da Reforma Psiquiátrica extensivamente para abrangê-los? Inegavelmente tal prática afronta o princípio da legalidade, pois a internação compulsória de toxicômanos representaria uma “nova pena”, atípica e mais severa do que as previstas na própria Lei de Drogas, já que restringe a liberdade de usuários que frequentam as “crackolândias”. Por fim, convém transcrever as lições de Mirabete (2008, p. 103) sobre o princípio nullum crimen, nulla sine praevia lege: (...) [o princípio da legalidade] assegura que não pode ser considerado crime o fato que não estiver previsto na lei e que não pode ser aplicada sanção penal que não aquela cominada abstratamente nessa regra jurídica. Ainda que o fato seja imoral, anti-social ou danoso, não há possibilidade de se imputar ao autor a prática de um crime ou aplicar-lhe uma sanção penal pela conduta praticada. 4.3 Do direito deambulatorial A liberdade é prevista constitucionalmente e não pode ser restringida, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas em lei, além de ser imprescindível a prévia instauração de um devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88), garantindo à pessoa o contraditório e a ampla defesa. O artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, assevera que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Também há previsão do direito à liberdade no artigo 7º da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a qual o Brasil é signatário. “Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.” A aplicação do procedimento estipulado na Lei 10.216/01, sob o fundamento de promover uma política de saúde pública, progride como afronta ao dispositivo constitucional citado, já que a lei só menciona, como destinatários da internação contra a vontade, os doentes mentais. Outrossim, como há restrição de liberdade do cidadão, concluise ser passível de impetração de habeas corpus como instrumento assecuratório da tutela da liberdade ora restringida (HC repressivo) ou em iminência de acontecer (HC preventivo). Prevê o texto constitucional, no seu artigo 5º, inciso LXVIII, que “conceder-se-á ‘habeas-corpus’ sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Pelas razões que apontam para a inconstitucionalidade do procedimento de internação compulsória utilizando-se da Lei 10.216/01 por analogia in malam partem, inegavelmente o mandamus poderá ser impetrado. Sobre o cabimento do writ, Eugênio Pacelli (2012, p. 935) é categórico ao afirmar que “dirige-se contra ato atentatório de liberdade. Para que se configure um ato atentatório ao direito de locomoção não é necessário que haja já uma ordem de prisão determinada (...)”. O Superior Tribunal de Justiça já julgou habeas corpus sobre internações compulsórias de portadores de transtornos mentais, questionando o procedimento de internação da Lei 10.216/01. Na maioria dos resultados, o STJ ou não conhecia o writ, por verificar supressão de instância, ou denegava a ordem, relativizando a imprescindibilidade de prévios recursos extra-hospitalares:
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HABEAS CORPUS - AÇÃO CIVIL DE INTERDIÇÃO CUMULADA COM INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA - COMPETÊNCIA DAS TURMAS DA SEGUNDA SEÇÃO – VERIFICAÇÃO - INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA - POSSIBILIDADE - NECESSIDADE DE PARECER MÉDICO E FUNDAMENTAÇÃO NA LEI 10.216/2001 - EXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE - EXIGÊNCIA DE SUBMETER O PACIENTE A RECURSOS EXTRA-HOSPITALARES ANTES DA MEDIDA DE INTERNAÇÃO - DISPENSA EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS – EXAME DE PERICULOSIDADE E INEXISTÊNCIA DE CRIME IMPLICAM DILAÇÃO PROBATÓRIA - VEDAÇÃO PELA VIA DO PRESENTE REMÉDIO HEROICO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO PARA DENEGAR A ORDEM. I - A questão jurídica relativa à possibilidade de internação compulsória, no âmbito da Ação Civil de Interdição, submete-se a julgamento perante os órgãos fracionários da Segunda Seção desta a Corte; II - A internação compulsória, qualquer que seja o estabelecimento escolhido ou indicado, deve ser, sempre que possível, evitada e somente empregada como último recurso, na defesa do internado e, secundariamente, da própria sociedade. III - São modalidades de internação psiquiátrica: a voluntária, que é aquela que se dá a pedido ou com o consentimento do paciente (mediante declaração assinada no momento da internação); a involuntária, que é a que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e, por fim, a internação compulsória, determinada por ordem judicial. IV - Não há constrangimento ilegal na imposição de internação compulsória, no âmbito da Ação de Interdição, desde que baseada em parecer médico e fundamentada na Lei 10.216/2001. Observância, na espécie. V - O art. 4º da Lei nº 10.216/2001, fruto de uma concepção humanística, traduz modificação na forma de tratamento daqueles que são acometidos de transtornos mentais, evitando-se que se entregue, de plano, aquele, já doente, ao sistema de saúde mental. VI - Todavia, a ressalva da parte final do art. 4º da Lei nº 10.216/2001, dispensa a aplicação dos recursos extra-hospitalares se houver demonstração efetiva da insuficiência de tais medidas. Hipótese dos autos, ocorrência de agressividade excessiva do paciente. VII - A via estreita do habeas corpus não comporta dilação probatória, exame aprofundado de matéria fática ou nova valoração dos elementos de prova. VIII - Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário conhecido para denegar a ordem. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 130155 / SP. Impetrante: Maria Fernanda Dos Santos Elias Maglio - Defensora Pública E Outro. Impetrado: Tribunal De Justiça Do Estado De São Paulo. Relator: Ministro Massami Uyeda. Brasília: 14 de maio de 2010) 5 ASPECTOS PENAIS 5.1 Vedação da analogia in malam partem No Direito Penal vigora a inadmissibilidade de interpretações ampliativas, já que o princípio da reserva legal exige que os textos legais sejam interpretados sem ampliações ou equiparações por analogia, salvo quando in bonam parte, ou seja, quando trazem benefícios ao réu. Ainda, vige o aforismo poenalia sunt restringenda, ou seja, interpretam-se estritamente as disposições cominadoras de pena.
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É vedada, também, em decorrência do princípio da reserva legal, a aplicação da analogia in malam partem no direito penal incriminador, bem como a interpretação integrativa ou ampliativa. Ao contrário, devem ser interpretadas estritamente as disposições incriminadoras e cominadoras de pena. Exige o princípio da legalidade que a lei defina abstratamente um fato, ou seja, uma conduta determinada, de modo que se possa reconhecer qual o comportamento considerado ilícito (...) É vedado o uso dos costumes e analogia para punir alguém por um fato não previsto em lei, embora seja ele semelhante a outro por ela definido. Diga-se, também, que a lei penal somente é revogada por outra lei, não sendo idôneos para tal medida os costumes, as medidas provisórias, ou decretos etc. (MIRABETE, 2008, p. 104). A restrição da liberdade de um cidadão é assunto sério e não se justifica para a promoção de políticas de saúde pública, por mais que o vício em drogas ilícitas estejam fazendo-os viver de forma imoral, anti-social e danosa a sua saúde. É princípio básico do direito penal a vedação da analogia para prejudicar o réu e utilizando a Lei da Reforma Psiquiátrica desta forma estar-se-ia criando um novo tipo penal, não previsto na Lei de Drogas, cuja sanção seria a restrição da liberdade do sujeito. A própria Lei 10.216/01 é clara em afirmar que a internação dos transtornados mentais é medida excepcional, que deve cessar quando o internado deixar de representar perigo a si e a terceiros. No caso de comparar da dependência química a transtornos mentais, em que momento o internado seria liberado? No momento em que seu anseio por tóxicos ilícitos acabassem? Quem determinaria o momento daquele ser solto? A interpretação analógica é processo integrativo, que consiste em fazer aplicável a norma a um caso semelhante, mas não compreendido na letra nem no pensamento da lei (NAVARRETE, 1996, p. 416). Pela literalidade da lei 10.216/01 percebe-se que o legislador não intentava destiná-la, também, aos usuários de drogas. Caso o fosse, seria expresso e as respostas às indagações acima estariam abarcadas. Em suma, a analogia afronta o princípio da reserva legal (BITENCOURT, 2011, p. 176). Partindo da máxima de que a obediência às normas deve ser ampla, não há justificativa para o Estado sopesar as disposições constitucionais quando o achar conveniente. Por mais deplorável que seja o estado de alguns toxicômanos que vagam pelas ruas e por mais que representem perigo, não cabe ao poder público dizer que a internação compulsória, procedimento sério de restrição de liberdade, cabe à pessoas não abarcadas na lei. Todos tem o direito a um procedimento prévio, seja de interdição ou outro específico, contando que previsto em lei e dotado das garantias constitucionais do contraditório, ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88), ampla instrução etc. 6 DA EFICÁCIA DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE TOXICÔMANOS Alguns doutrinadores são veementes em duvidar da eficácia da internação compulsória de dependentes químicos. “O sistema penal é absolutamente incapaz de qualquer intervenção positiva sobre o viciado”4; “O modelo coercitivo não dá certo. O dependente necessariamente tem que estar disposto a se tratar”5; “A tudo, cabe acrescentar a mais que equivocada visão unidimensional, segundo a qual todo usuário de drogas é um doente, escravo da droga ou desviado. (...) para o usuário eventual, que se utiliza do entorpecente de forma módica, nada há de ‘curar’”6.
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A mesma linha de pensamento, como supracitado, foi adotada pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, que é contra a prática, sob o argumento de que: [...] Sem um tratamento que inclua o apoio da família e a atenção psicossocial, o isolamento promovido pela internação compulsória é violento com a pessoa que já está debilitada pelo uso abusivo. Além disso, é uma medida que não tem efeito: dados de pesquisas comprovam que 98% dos (as) que são internados contra a sua vontade voltam ao uso e, consequentemente, são reinternados (as); [...] A pesquisa mencionada pelo Conselho de Psicologia foi realizada pelo professor e psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Dartiu Silveira, convocado para parlar em audiência pública da Comissão de Constituição de Justiça do Senado sobre o tema de drogas, apontou uma série de evidências médicas contrárias ao Projeto de Lei (37/2013), que intenta promover alterações na Lei de Drogas. Segundo as estatísticas colhidas da pesquisa realizada pela UNIFESP, onde 170 usuários de crack foram entrevistados, 62,3% gostariam de parar de usar a droga. Cerca de 47% revelaram que se submeteriam a um tratamento de dependência química, sendo que 18,8% destes gostariam de se submeter a um tratamento que permitisse apenas diminuir o consumo. O dado mais importante é que 34% manifestaram que aceitariam que o tratamento da dependência da droga envolvesse, ocasionalmente, uma internação involuntária. Contra as estatísticas acima, o Dr. Drauzio Varella posiciona-se a favor da prática embasado em sua experiência empírica no tratamento de jovens dependentes em penitenciárias brasileiras: Tenho alguma experiência com internações compulsórias de usuários de crack. Infelizmente, não são internações preventivas em clínicas especializadas, mas em presídios, onde trancamos os que roubam para conseguir acesso à droga que os escravizou. Na Penitenciária Feminina, atendo meninas presas na cracolândia. Por interferência da facção que impõe suas leis na maior parte das cadeias paulistas, é proibido fumar crack. Emagrecidas e exaustas, ao chegar, elas passam dois ou três dias dormindo, as companheiras precisam acordá-las para as refeições. Depois desse período, ficam agitadas por alguns dias, e voltam à normalidade. Desde que o usuário não entre em contato com a droga, com alguém sob o efeito dela ou com os ambientes em que a consumia, é muito mais fácil ficar livre do crack do que do cigarro. A crise de abstinência insuportável que a cocaína provocaria é um mito. Perdi a conta de quantas vezes as vi dar graças a Deus por ter vindo para a cadeia, porque se continuassem na vida que levavam estariam mortas. Jamais ouvi delas os argumentos usados pelos defensores do direito de fumar pedra até morrer, em nome do livre arbítrio. Todas as experiências mundiais com a liberação de espaços públicos para o uso de drogas foram abandonadas, porque houve aumento da mortalidade. A verdade é que ninguém conhece o melhor método para tratar a dependência de crack. Muito menos eu, apesar da convivência com dependentes dessa praga há mais de 20 anos. A internação compulsória acabará com o problema? É evidente que não. Especialmente, se vier sem a criação de serviços ambulatoriais que ofereçam suporte psicológico e social para reintegrar o ex-usuário. Se esperarmos avaliar a eficácia das internações pelo número dos que ficaram livres da droga para sempre, ficaremos frustra-
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dos: é preciso entender que as recaídas fazem parte intrínseca da enfermidade. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A utilização da Lei n. 10.216/01, de forma analógica, para promover a internação compulsória de dependentes químicos afronta o princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX, FC/88) e a liberdade do indivíduo. Trata-se, pois, de uma pena restritiva de liberdade não prevista na Lei de Drogas, n. 11.343/06, afinal, o fato de utilizarem substâncias entorpecentes de forma mais assídua e nas regiões chamadas “crackolândias” não os enquadram na hipótese do artigo 28 da citada lei? Seria uma punição aos que consomem mais. O que o Poder Público visa, utilizando a Lei da Reforma Psiquiátrica analogicamente, é ter uma forma de restringir a liberdade daqueles toxicômanos, com uma falsa “roupagem de licitude”. A regra para se internar uma pessoa com transtorno mental é a prévia instauração de um procedimento de interdição, onde restará demonstrado a perda de sua capacidade civil. Mas a Lei n. 10.216/01 prevê, excepcionalmente, a modalidade de internação compulsória quando houver risco concreto à vida do doente mental ou de terceiros. Como visto, os Tribunais de Justiça, especialmente o TJSP, tem promovido a internação compulsória dos toxicômanos sob o argumento de que pessoas em nível extremo de dependência química, por corolário de seu vício, tem alguma doença mental, como depressão. Abre-se, portanto, o precedente de internação de qualquer pessoa acometida com depressão (que, no século XXI são várias). A simples dedução de que “por serem drogados são doentes mentais” é inaceitável e não é argumento hábil para restringir a liberdade de alguém no atual Estado Democrático de Direito. Inegavelmente as autoridades públicas e os governantes precisam unir esforços para combater o problema do consumo de drogas, que tem crescido exponencialmente no Brasil, especialmente nas grandes metrópoles. Inobstante tal necessidade, o ato deve ter respaldo legal. Não são admissíveis arbitrariedades do “Estado-soberano”. Afinal, hoje o Estado relativiza direitos fundamentais da sociedade marginalizada, amanhã poderá fazê-lo com os direitos de qualquer um. Se as autoridades enxergam a abstinência compulsória como umas das formas possíveis de política de saúde pública (inobstante as pesquisas universitárias mostrarem que não é meio eficaz de “livrar” o indivíduo do vício), é necessário criação de procedimento específico, por lei que EXPRESSAMENTE preveja serem seus destinatários aqueles usuários em nível avançado de dependência química. A forma que, atualmente, vem sendo promovidas as internações compulsórias é inconstitucional e arbitrária. Não há legitimidade na atuação do ente estatal em restringir o direito ambulatorial dos dependentes utilizando a Lei n. 10.216/01. Por fim, para a eficácia da internação compulsória, o Poder Público deve garantir que os toxicômanos sejam internados em casas de reabilitação específicas, que ofereçam todo o suporte psicológico e social para reintegrar o indivíduo, sem fazê-los se sentirem em uma prisão.
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NOTAS DE FIM 1 Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 2 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2014.
2 Mestre em Direito e Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
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3 Banca examinadora: Cristian Kiefer da Silva; Antônio Eustáquio.
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6 TORON, 2005 apud Flávio Augusto Fontes de Lima, 2014.
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4 NILO, 1990 apud Flávio Augusto Fontes de Lima, 2014. 5 SILVEIRA FILHO, 2005 apud Flávio Augusto Fontes de Lima, 2014.
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A INCONSTITUCIOLALIDADE DAS INTIMAÇÕES JUDICIAIS PARA A CONVERSÃO DA SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO: lesão ao princípio da inafastabilidade de jurisdição Adriano César de Oliveira Costa1 Letícia Junger de Castro Ribeiro Soares 2 Banca examinadora3 RESUMO: O presente trabalho analisa a interpretação jurisdicional da Emenda Constitucional 66/2010, que alterou a redação do § 6º do artigo 226 da Constituição. Antes, a Constituição autorizava a dissolução do casamento pelo divórcio, estando os cônjuges separados judicialmente por mais de um ano ou, separados de fato por mais de dois anos. A EC 66/10, excluiu a necessidade de prévia separação, bastando, para dissolução do casamento, a manifestação consensual ou de um dos cônjuges, para o divórcio direto. Esta alteração do texto constitucional ascendeu rica discussão sobre o instituto da separação, com destaque para dois posicionamentos: um, defende que a EC 66/10 extirpou a separação do ordenamento jurídico brasileiro; outro defende que a separação permanece viva no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que, a EC 66/10 apenas simplificou a forma de dissolução do casamento. Todavia, há uma tendência de adoção da primeira corrente pela maioria dos magistrados. Diante de uma inicial de separação litigiosa, alguns magistrados pedem que a inicial seja emendada com pedido direto de divórcio, sob pena de extinção do processo por carência da ação. Ressaltamos que o pedido de separação nunca foi satisfativo, sempre apresentou como efeito a interrupção do vínculo conjugal e nunca o vínculo matrimonial, sendo, portanto, direito das partes a mera interrupção. Verifica-se que a EC 66/10 não tornou o pedido de separação juridicamente impossível, possibilitando pleiteá-lo jurisdicionalmente. Assim, qualquer posicionamento contrário à possibilidade de separação litigiosa é inconstitucional, já que viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF/88. PALAVRAS-CHAVE: Emenda Constitucional 66/2010; separação; possibilidade jurídica; inconstitucionalidade; inafastabilidade da jurisdição. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 O Casamento e o Divórcio; 2.1 A Natureza jurídica do casamento e seus efeitos; 2.2 A Dissolução do casamento; 2.3 A separação; 3 EC 66/10 e os Reflexos na Separação Jurídica; 4 A Inconstitucionalidade das Decisões que Determinam a Conversão da Separação em Divórcio Frente à Inafastabilidade da Jurisdição; 5 Considerações Finais; Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO A Emenda Constitucional 66 de 2010, trouxe nova redação ao § 6º do artigo 226 da CF/88, e ascendeu rica discussão sobre o instituto da separação no ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 226 está presente no texto constitucional no Título VIII – Da Ordem Social, Capítulo VII – Da Família, Da Criança, Do Adolescente, Do Jovem e do Idoso. Até a data de publicação da Emenda Constitucional 66, em 13 de julho de 2010, data em que também entrou em vigor, o § 6º do artigo 226 da CF/88 estabelecia que o casamento civil poderia ser dissolvido pelo divórcio, exigindo como pré-requisito a separação judicial por mais de um ano ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. A partir da vigência da EC 66/10, a redação deste parágrafo foi alterada, excluindo do texto constitucional a necessidade de prévia separação, judicial ou de fato, para a dissolução do casamento pelo divórcio. No mundo prático, esta nova redação iniciou um embate quanto ao instituto da separação e seus efeitos. Na interpretação da nova previsão constitucional, trazida pela EC 66/10, destacamos duas correntes: uma corrente defende que a nova redação do § 6º do artigo 226 da CF/88, ao desprezar a necessidade de separação pretérita dos cônjuges para dissolver o casamento pelo divórcio, extirpou do ordenamento jurídico a separação judicial e extrajudicial. Fundada nesta interpretação, encontramos julgados onde o magistrado, diante do pedido de separação judicial, solicita ao advogado que emende a inicial para conversão em divórcio, sob prejuízo de extinção do processo por carência da ação, fundada na ausência de uma condição da ação, qual seja a possibi-
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lidade jurídica do pedido. Outra corrente, à qual apreciamos sua defesa, entende que a Constituição Federal apenas simplificou a possibilidade de dissolução do casamento pelo divórcio direto, sem que isto levasse à termo o instituto da separação, pelo contrário, a matéria à cerca da separação continua viva e disciplinada, sem nenhuma alteração, pelo Código Civil Brasileiro e o Código de Processo Civil Brasileiro. Há entendimentos jurisprudenciais sustentando a manutenção do instituto da separação e seus efeitos, enriquecendo a discussão sobre o tema. Neste embate, trazido pela nova redação da EC 66/10 à prática jurisdicional, levantamos o questionamento: a determinação judicial de conversão da separação judicial em divórcio fere o acesso à jurisdição para garantir direito legalmente previsto? Este trabalho conduz ao entendimento que sim. A impossibilidade jurídica para o pedido de separação, compreendida por alguns julgadores, é inconstitucional, ferindo direito fundamental de acesso à justiça. 2 O CASAMENTO E O DIVÓRCIO Definitivamente, a conceituação de casamento não pode ser imutável. O casamento, frente às transformações sociais, merece uma sensibilidade interpretativa no tempo e no espaço. Até o Brasil Império, o casamento não existia em nosso ordenamento jurídico. Tratava-se de matéria regulada exclusivamente pela Igreja Católica (CARVALHO, 2011. p.89). O casamento era conhecido como casamento católico e só era permitido para os católicos. A partir de 1861 foi oficialmente permitido o casamento dos não católicos, podendo cada casal seguir as regras de suas religiões.
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A partir da República, com a declaração do Estado laico, surge o instituído do casamento civil. A partir daí, inserido no ordenamento jurídico brasileiro, tornou-se o único ato válido para a celebração do casamento. Entretanto, este afastamento entre Estado e Igreja, ao longo de nossa história, foi aparente, no que tange a regulamentação do vínculo pelo casamento. Em 1890 foi promulgada no Brasil a Lei Sobre Casamento Civil. Pela primeira vez tratou-se do divórcio, consensual e litigioso, entretanto, este divórcio não dissolvia o vínculo matrimonial, mas apenas o regime de bens, autorizando a separação de corpos. O Código Civil de 1916, para garantir a indissolubilidade do casamento, substituiu a expressão divórcio por desquite. O divórcio possuía no exterior a conotação de extinção do vínculo do casamento e, desta forma, a alteração se fazia necessária para sustentar a concepção religiosa de que o casamento é um vínculo conjugal perpétuo. O desquite, por sua vez, tornou-se matéria de interesse constitucional na Constituição Federal de 1934, que manteve a indissolubilidade do casamento. A idéia de indissolubilidade do casamento, preceito de origem religiosa, perdurou nas Constituições seguintes. Somente em 28 de junho de 1977, o divórcio foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através da Emenda Constitucional nº 9. Permitiu-se, a partir de então, o divórcio direto apenas aos casais separados de fato por cinco anos, desde que anteriormente à sua promulgação, ou seja, apenas aos casais já separados de fato até 27 de junho de 1977 e por cinco anos, o que teve pouco alcance. A Constituição Federal de 1988 abrandou os requisitos para o alcance do divórcio, dispondo no art. 226, § 6º, não mais cinco anos, mas somente um ano de separação judicial ou de dois anos de separação de fato dos casais para o alcance do divórcio. Claramente, até pouquíssimo tempo, o nosso ordenamento jurídico não resistia por completo à pressão para impedir ou, ao menos, dificultar a dissolução do casamento. Gradativamente esta pressão foi diminuindo, mas permaneceu até a EC 66/10 que, ao alterar a redação do § 6º do artigo 226 da CF/88, eliminou a dramatização, implícita ou explícita, presente na imposição do requisito da separação, judicial ou de fato, para que os cônjuges pudessem alcançar o divórcio. Inerente à sua mutabilidade, o casamento no Brasil vem sofrendo outras transformações substanciais. Vale destacar a recente decisão do Superior Tribunal Federal - STF (Resolução nº 175 de maio/2013) permitindo o casamento entre casais de mesmo sexo. O casamento se desprende do apelo religioso e caminha para atender, exclusivamente, os anseios da sociedade contemporânea. Sua conceituação pode ser apresentada como uma união formal entre pessoas que tenham o objetivo de estabelecer comunhão plena de vida. 2.1 A natureza jurídica do casamento e seus efeitos A natureza jurídica do casamento é um dos temas mais discutidos e controvertidos. O conceito originário de casamento para o direito brasileiro permanece aberto em divergências doutrinárias. Conforme exposto em linhas anteriores, para o Direito Canônico, o casamento é ato instituído pela religião, um contrato natural que decorre da natureza humana. Como tal, seus efeitos estão fixados pela natureza e, portanto, não podem ser alterados pelo homem, devendo ser perpétuo e indissolúvel (VENOSA, 2013. p.25). Obviamente, esta conceituação há algum tempo foi superada. No campo do direito brasileiro, a definição da natureza jurídica do casamento é matéria de discussão, dividida em três posicionamentos: o primeiro posicionamento define o casamento com um contrato firmado entre os cônjuges; o segundo posicionamento compreende o casamento como uma instituição, com efeitos so-
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ciais que superam o acordo de vontade dos cônjuges; e, por fim, o terceiro posicionamento em que o casamento é compreendido como um contrato sui generes, complexo, somando características de um contrato e de uma instituição. Com o surgimento do casamento civil, nasce o conceito contratualista do casamento. Dentro da teoria geral dos contratos, o casamento amolda-se à idéia de negócio jurídico bilateral. O casamento seria a livre manifestação de vontade dos cônjuges para sua realização, produzindo efeitos patrimoniais regulados pelo regime de bens previsto no Código Civil brasileiro. Conforme Venosa, “por extensão, o conceito de negócio jurídico bilateral de direito de família é uma especificação do conceito contrato” (2013. p.26). Ou seja, o matrimônio está inserido no plano da existência, validade e eficácia. Existem aqueles que rebatem este entendimento defendendo a natureza jurídica do casamento como instituto, com abrangência que excede os efeitos meramente contratuais. Para esta corrente, o casamento é regulado por interesses de ordem pública, que não podem ser mitigadas pela livre vontade dos cônjuges. As cláusulas que regem o casamento não são impostas pelos nubentes e sim pela lei, com princípio imutável pelo decurso do tempo. O casamento visa atender uma finalidade social e não se restringe aos efeitos patrimoniais. Possui regras sociais rígidas e permanentes. Sílvio de Salvo Venosa (2013. p. 26), apresenta a conceituação do casamento como instituto: Se visto o casamento, porém, como um todo extrínseco sob o ponto de vista da vida em comum, direitos e deveres dos cônjuges, assistência recíproca, educação da prole, ressaltamos o aspecto institucional que é muito mais sociológico do que jurídico. O casamento faz com que os cônjuges adiram a uma estrutura jurídica cogente predisposta. Neste sentido apresenta-se a conceituação institucional. Por fim, apresenta-se ao problema uma terceira corrente doutrinária concebendo o casamento como um ato complexo de natureza mista. Sua essência apresenta características de um contrato sui generis, ou seja, possui características de um negócio contratual e de uma instituição. Esta corrente entende que a única liberdade existente para a formalização do casamento está na escolha do parceiro e do regime de bens. Sobre ele recaem efeitos referentes ao vínculo de parentesco (art. 1595, CC), deveres de coabitação (art. 1.567,CC), de criação, cuidado e formação da prole (art. 1.566, IV, CC), entre outros, superando sua essência meramente contratualista, já que estes efeitos não podem ser regulados por contrato. 2.2 A dissolução do casamento Reforçando nosso posicionamento sobre a discussão proposta neste estudo, ratificamos que, através da separação é possível dissolver somente a sociedade conjugal. A separação nunca foi capaz de dissolver o casamento. O casamento só pode ser dissolvido através da morte de um dos cônjuges, através da declaração de nulidade do ato, através da desconstituição do casamento anulável ou através do divórcio direto, garantido pelo § 6º do art. 226 da CF/88, conforme redação da EC 66/10. A morte de um dos cônjuges dissolve a sociedade conjugal e interrompe o vínculo matrimonial. A viuvez é o estado civil em que se apresenta o cônjuge sobrevivente em relação à morte do outro cônjuge. A morte pode ser real ou presumida (com ou sem declaração de ausência). A declaração de morte presumida sem decretação de ausência tem sua previsão no art. 7º do Código Civil (RIDEEL, 2014. p.137): Art. 7º. Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
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II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento. Adiante, o casamento também poderá ser dissolvido quando contraído por enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil e, pela infringência de impedimento, por exemplo, quando um dos cônjuges já estiver casado. Hipóteses previstas para o casamento nulo (art. 1.548, CC). Neste caso, a lei prevê a legitimidade para propor ação direta de nulidade do casamento a qualquer interessado, como também ao Ministério Público, devido o interesse social presente no ato matrimonial. Se o interessado for um terceiro ou o Ministério Público, ou seja, não foi um dos cônjuges, haverá litisconsortes necessários, onde serão colocados no pólo passivo os dois cônjuges, com fundamento jurídico nos artigos. 1.548 e 1.549 do Código Civil. Trata-se de uma ação de natureza declaratória e, como tal, imprescritível. A anulação é outra hipótese de dissolução do casamento, com previsão no art. 1.550 do Código Civil. Ocorrerá nas seguintes situações: I – casamento de quem não completou a idade mínima para casar. A idade núbil somente se dará a partir dos 16 anos completos, exceto quando autorizado pelo juiz no caso de gravidez; II – casamento do menor em idade núbil. Maior de 16 anos e menor de 18 anos de idade, quando não autorizado por seu representante legal; III – por vício da vontade, nos termos dos art 1.556, CC. Não qualquer erro, somente quanto ao erro pessoal em relação ao cônjuge. O art. 1.557, CC, traz o que seria erro essencial, “in persona”, ou seja, do outro cônjuge. Também existe a coação, prevista no art. 1.558, CC. A coação pode ser física ou moral. A coação física corresponde a uma violência no corpo da pessoa (neste caso o casamento não existiu, é inexistente) e a coação moral é aquela violência psicológica (casamento inválido). A vontade dos cônjuges deve ser livre; IV – do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; V – casamento realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges. Exemplo: João confere poderes a José, para que este compareça à cerimônia do seu casamento para manifestar a vontade daquele de contrair casamento com Maria. João é o mandante e José o mandatário. Porém, antes do casamento, João revogou a procuração. Nem José e nem Maria, souberam da revogação e o casamento aconteceu. Este casamento pode ser anulado, desde que João não coabite com Maria. Contudo, na hipótese de João, ao invés de revogar, tivesse morrido antes do casamento, sem que José e Maria soubessem, o casamento realizado será inexistente e sem nenhum efeito. Com a morte do mandante o mandatário não teria mais poderes. VI – por fim, o casamento poderá ser anulado quando celebrado por autoridade incompetente. Cada estado, através da organização judiciária, define quem será a autoridade celebrante. No estado de Minas Gerais, por exemplo, será o Juiz de Paz. Para anulação de um casamento anulável, é necessária uma Ação Anulatória de Casamento. Trata-se de uma ação desconstitutiva, proposta somente por aquele que comprovadamente tiver interesse na anulação. O Ministério Público não tem legitimidade para anular um casamento e o prazo para propor a ação é decadencial, conforme regulamenta os incisos do art. 1.560, CC.
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Ainda que nulo ou anulável, o casamento contraído de boa-fé, por ser um casamento putativo, será um casamento válido. Por fim, o casamento também poderá ser dissolvido pelo divórcio. Antes da EC 66/10, o casal, embora certo da vontade inequívoca de dissolução do casamento, era submetido à situação pretérita da separação, judicial ou de fato. Lei morta, que ainda permanece no art. 1.542 do Código Civil. O caminho para o divórcio, por vez, transformava-se em verdadeira penitência para aqueles que já não manifestam as mesmas vontades que um dia os uniram em laço matrimonial e, além disso, impedia às partes de, legalmente, constituir novos laços e novas famílias sem que antes cumprissem o lapso temporal exigido de separação. Mas esta situação foi superada. A partir da EC 66/10 o casamento poderá ser dissolvido diretamente pelo divórcio, sem que haja qualquer necessidade de separação pretérita, bastando a simples manifestação de vontade de um ou de ambos os cônjuges. Quanto aos efeitos do divórcio, nos ensina Sílvio de Salvo Venosa (2013, p.217): O efeito mais importante do decreto de divórcio é pôr termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso. Dissolvida a sociedade conjugal pelo divórcio, os cônjuges podem contrair novas núpcias, desaparecendo o impedimento legal. Proferida a sentença de divórcio, deverá ser levada ao Registro Público competente (art. 32 da Lei do Divórcio), que é onde se acha lavrado o assento de casamento. Os efeitos em geral do divórcio já foram referidos no capítulo. Lembremos que as questões acertadas a respeito de alimentos, guarda e visita dos filhos menores podem ser revistas a qualquer tempo, em procedimentos próprios. 2.3 A separação No universo diversificado das relações conjugais, quando a união entre os cônjuges já não se apresenta saudável ou possível, diferentemente daqueles que desejam o rompimento definitivo do laço matrimonial, há aqueles que, seja por qualquer motivo, preferem dissolver a sociedade conjugal sem que isto implique necessariamente o rompimento definitivo do casamento. E esta situação é plenamente possível pela separação judicial, devidamente regulado pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil brasileiro. A separação consensual é aquela requerida por ambos os cônjuges, amigável, por mutuo consentimento, conforme previsão do art. 1.574, CC, com a exigência do tempo mínimo de um ano de casado. Neste ponto abre-se discussão quanto a possibilidade de interferência do Estado, o que já apresenta-se resolvida com o enunciado 515 da Conselho de Justiça Federal, na V Jornada de Direito Civil: “não há prazo mínimo de casamento para a separação consensual” (2012, p.72). No caso de casais sem filhos menores ou incapazes, a separação consensual poderá ser requerida na forma administrativa, através do cartório de notas, mediante escritura pública, na presença do advogado, por força do permissivo da Lei 11.441/07. Caso contrário, havendo filhos menores ou incapazes, para se obter a separação é necessário passar pelo crivo do poder judiciário. Já a separação litigiosa é aquela requerida por apenas um dos cônjuges e necessariamente judicial. Um dos cônjuges propõe uma ação de separação litigiosa e a fundamentação poderá ser no direito subjetivo, previsto no art. 1.572, CC. O caput do arquivo fala da separação sanção: “Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum” (RIDEEL, 2014. p.199). O art. 1.573, CC, por sua vez, traz a previsão de culpa (RIDEEL, 2014. p.200): Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:
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I - adultério; II - tentativa de morte; III - sevícia ou injúria grave; IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V - condenação por crime infamante; VI - conduta desonrosa. O § 1º do art. 1.572 prevê a separação “falência”, que será aquela por ruptura da vida em comum por mais de um ano, ou seja, a separação de fato há mais de um ano. O § 2º prevê separação “remédio”, onde um dos cônjuges ficou doente, há mais de dois anos, reconhecendo a “impossibilidade de cura”. Também será suficiente para a separação, a situação com simples ausência de afeto, falta de amor ou vontade dos cônjuges, para permanência da sociedade conjugal, com fulcro no parágrafo único do ar. 1573, CC, onde estabelece que “o juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum” (RIDEEL. 2014. p.200). Ressalva importante se faz em relação à discussão de culpa nos pedidos de separação. Visando proteger a dignidade da pessoa humana e evitar a exposição desnecessária da intimidade dos casais, encontra-se pacificado nos Tribunais que não se deve discutir culpa nas separações. 3 EC 66/10 E OS REFLEXOS NA SEPARAÇÃO JURÍDICA A EC 66/10 foi passo importante para a desdramatização do fim do casamento, possibilitando o divórcio direto para dissolução do casamento, sem a necessidade de separação prévia (RIDEEL, 2014. p.108): EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66, DE 13 DE JULHO DE 2010 Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O § 6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, em 13 de julho de 2010. Havendo o consenso do casal, haverá o divórcio consensual e, não existindo filhos menores ou incapazes, poderá efetivá-lo via administrativa, no cartório, na presença indispensável do advogado. Havendo filhos menores ou incapazes, via judicial obrigatória com a presença do Ministério Público. Se o interesse for apenas de um dos cônjuges, o divórcio será litigioso, bastando o interesse de não permanecer casado. O divórcio é um direito potestativo do cônjuge autor, para dissolver o casamento. Trata-se de espécie de resilição unilateral do contrato matrimonial. A EC 66/10 trouxe reflexos significativos somente em relação ao divórcio. A separação permanece inalterada, deixando de ser apenas um requisito necessário para o alcance do divórcio. Conforme já abordado, o pedido de separação não é satisfativo, seu efeito apenas interrompe o vínculo conjugal. Somente a morte de um dos cônjuges, sentença declaratória de nulidade do casamento, sentença desconstitutiva do casamento pela anulação e o divórcio, po-
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dem romper com o vínculo matrimonial. Sílvio de Salvo Venosa assim se posiciona em relação à nova redação constitucional (2013. p.164): Como percebemos, com a atual ordem constitucional, escancararam-se as portas para o divórcio, ficando a separação judicial relegada efetivamente para segundo plano. A tendência legislativa era efetivamente a eliminação da possibilidade de separação judicial entre nós, como já de há muito deveria ter ocorrido. Não havia mais sentido de sua manutenção juntamente com divórcio. Segundo o Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, Sr. Dimas Messias de Carvalho, após a EC 66/10, a separação foi extirpada do ordenamento jurídico brasileiro (2011, p.95): A expressão pode, que consta na EC nº 66/10 e é muito utilizada para justificar a permanência da legislação ordinária, é de simples explicação. O casamento sadio não se dissolve apenas pelo divórcio, mas também pela morte de um dos cônjuges, enquanto o casamento defeituoso pode ser nulo ou anulado. Assim, o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, pela morte, anulação ou nulidade. Por outro lado, a legislação odrinária comprovadamente não foi recepcionada pela EC nº 66/10, em razão da exclusão de sua referência no texto constitucional. Não se trata de simples omissão da separação judicial do texto ou não ser inserida por não dissolver o casamento, o que autorizaria sua permanência no sistema brasileiro, coexistindo com o divórcio. A referência à legislação ordinária foi excluída do texto da emenda constitucional com o objetivo expresso de abolir a separação judicial. Fundada nesta interpretação, encontramos julgados onde o magistrado, diante do pedido de separação judicial, solicita ao advogado que emende a inicial para conversão em divórcio, sob prejuízo de extinção do processo por carência da ação, conforme podemos observar na jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO - EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66/2010 - APLICABILIDADE IMEDIATA - CONCORDÂNCIA DE SOMENTE UMA DAS PARTES - DECISÃO MANTIDA. Com o advento da emenda constitucional n. 66/2010, o sistema dual (separação e divórcio) de rompimento do vínculo legal da sociedade conjugal foi suplantado em nosso ordenamento, cedendo espaço ao sistema único, mais condizente com o Estado laico aqui adotado. Em atendimento aos princípios da celeridade e da economia processual, deve ser decretado o divórcio, ainda que o pedido inicial da ação seja de separação, posto que as normas constitucionais são autoaplicáveis. Manifestada, por qualquer dos cônjuges, a intenção de dissolver a sociedade conjugal, o divórcio deverá ser decretado de imediato. Somente com a recusa de ambas as partes à conversão da Ação de Separação em Ação de Divórcio, esta não poderia ocorrer, devendo o processo ser extinto sem resolução do mérito por impossibilidade jurídica do pedido. (Processo: Apelação Cível – Nº 0724277-81.2010.8.13.0024. Relator(a): Des.(a) Mauro Soares de Freitas. Data de Julgamento: 12/01/2012). De outro lado, encontramos uma linha de raciocínio diversa, servindo-se de base para a construção do nosso posicionamento. O tema em discussão oferece riqueza de conceitos e posicionamentos que fortalece o embate. Por sua vez, apreciamos a defesa de que,
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através da EC 66/10, a Constituição Federal enfatiza apenas a possibilidade de dissolução do casamento pelo divórcio direto, sem qualquer reflexo sobre o instituto da separação. Ratificamos o entendimento que a matéria pertinente a separação continua viva e disciplinada pelo Código Civil Brasileiro e o Código de Processo Civil Brasileiro. Não há brecha para discussão se a matéria pertinente a separação foi ou não recepcionada pela Constituição Federal através da EC 66/10. O egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais também apresenta julgados que corroboram com este entendimento, a saber: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - SEPARAÇÃO JUDICIAL - EC N.º 66/2010 - SUBSISTÊNCIA DO INSTITUTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO - RECURSO NÃO PROVIDO. A Emenda Constitucional nº66/10 apenas extirpou os requisitos temporais para a efetivação do Divórcio, não eliminando do ordenamento jurídico pátrio o instituto da Separação Judicial, que permanece como meio hábil para os cônjuges que por questões pessoais almejam romper a sociedade conjugal sem, contudo, dissolver o vínculo matrimonial. “Ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit.”(Processo: Apelação Cível. Nº 0062862-22.2010.8.13.0324. Relator(a): Des.(a) Belizário de Lacerda. Data de Julgamento: 06/08/2013). O Conselho de Justiça Federal, na V Jornada de Direito Civil, nos enunciados 514, 515, 516 e 517, ratificou a possibilidade dos pedidos de separação, com previsões no ordenamento jurídico brasileiro (2012, p.72): 514 – Art. 1.571: A Emenda Constitucional n. 66/2010 não extinguiu o instituto da separação judicial e extrajudicial. 515 – Art. 1.574, caput: Pela interpretação teleológica da Emenda Constitucional n. 66/2010, não há prazo mínimo de casamento para a separação consensual. 516 – Art. 1.574, parágrafo único: Na separação judicial por mútuo consentimento, o juiz só poderá intervir no limite da preservação do interesse dos incapazes ou de um dos cônjuges, permitida a cindibilidade dos pedidos com a concordância das partes, aplicando-se esse entendimento também ao divórcio. 517 – Art. 1.580: A Emenda Constitucional n. 66/2010 extinguiu os prazos previstos no art. 1.580 do Código Civil, mantido o divórcio por conversão. 4 A INCOSNTITUCIONALIDADE DAS DECISÕES QUE DETERMINAM A CONVERSÃO DA SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO FRENTE À INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO O desenvolvimento deste trabalho conduz ao entendimento que a interpretação que extingue a separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, fundada na nova redação trazida pela EC 66/10, é equivocada. Esta interpretação viola o direito constitucional de acesso à jurisdição, art. 5º, XXXV, CF/88, por qualquer dos cônjuges interessados, cerceando uma garantia legalmente prevista na legislação infraconstitucional. Não podemos admitir a imposição de alguns julgadores para que os pedidos de separação sejam obrigatoriamente convertidos em divórcio, sob prejuízo da extinção do processo por carência da ação em decorrência da impossibilidade jurídica do pedido. Conforme nos ensina Misael Montenegro Filho (2013, p.349), “a carência da ação representa a ausência de uma ou mais condições da ação (legitimidade das partes, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido)” e, como efeito desta preliminar, teremos a “extinção do processo sem a resolução do mérito, qualificandose como peremptória”. No que tange a impossibilidade jurídica do pedido, complementa o seu ensinamento (2013, p.131): A impossibilidade jurídica ocorre quando o pedido formulado
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não se encontrar previsto no ordenamento jurídico (ausência de previsão legal relativa à sua admissibilidade) ou quando o ordenamento contemplar norma proibitiva do seu deferimento. Portanto, só haveria impossibilidade jurídica para o pedido de separação se não houvesse previsão legal para sua admissibilidade, o que não é verdade, visto que tal matéria permanece inalterada, mesmo após nova redação da EC 66/10, na legislação infraconstitucional, Código Civil, Lei 10.406/2002, artigo 1.572, e, Código de Processo Civil, Lei 5.869/73, artigos 1.120 a 1.124-A. Além disso, não se pode interpretar que a nova redação do § 6º do artigo 226 da CF/88, versa de forma proibitiva para o deferimento do pedido de separação. O texto do § 6º do artigo 226 se limita a tratar da dissolução do vínculo matrimonial pelo divórcio direto. A materialidade dos institutos da separação e do divórcio é outra questão importante à análise do tema em discussão. A separação judicial, nunca foi capaz de romper o vínculo matrimonial, serve-se apenas de questão pessoal e facultativa dos cônjuges para interromper o vínculo conjugal. Diferentemente do efeito do divórcio, capaz de romper os laços matrimoniais. Nesta linha de observação, concluímos a impossibilidade de revogação da separação, considerando as alterações trazidas pela EC 66/10. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, sobre revogação de lei, assim prevê na redação do artigo 2º, §1º (RIDEEL, 2014. p.135): Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. [...] O Estado Democrático de Direito é sustentando pela segurança jurídica e esta deve ser a base para qualquer interpretação legal. Entendemos que o problema abordado, no que tange a conversão automática da separação judicial em divórcio, deve e merece ser analisado pelo seu caráter inconstitucional. Ao interpretarmos que a nova redação trazida pela EC 66/10 ao § 6º do artigo 226 da CF/88, teve como conseqüência levar a termo a separação judicial e extrajudicial do nosso ordenamento jurídico, limitaremos nossa interpretação à vontade não expressa do legislador. A EC 66/10 veio possibilitar aos cônjuges o rompimento do laço matrimonial que já não apresenta as motivações que um dia levaram à sua formação, sem traumas e sem constrangimentos, através do pedido direto de divórcio. É, sem dúvida, um avanço constitucional, trazendo aos envolvidos a oportunidade de formação de novos laços matrimoniais e novas famílias. Entretanto, mantém-se ainda aos cônjuges a faculdade de se optar somente pela interrupção do laço conjugal, sem que de imediato se tome a decisão pelo rompimento matrimonial e, neste aspecto, é garantido o direito com a devida previsão legal, pelo instituto da separação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não há como negar que, após a EC 66/10 os pedidos de separação se tornaram vazios. Ora, em uma ação de separação, o juiz só admitirá os casos de separação consensual. Em se tratando de litigiosa, o juiz só admitirá quando o réu aceitar o pedido. Isto porque, no caso da separação litigiosa, se o réu reconvir ou mesmo, contestar com um pedido de divórcio, o pedido da separação feito na exordial será extinto. O divórcio é mais amplo e é um direito potestativo, de qualquer um dos cônjuges. Quem pode mais, pode menos. Contudo, não podemos interpretar que a separação tornou-se ju-
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ridicamente impossível. Os cônjuges podem optar pela separação com o objetivo de afastamento conjugal, sem que haja o rompimento matrimonial. Se decidirem retomar, basta solicitar o restabelecimento conjugal. Negar o pedido da separação judicial, fundado no pedido juridicamente impossível é o mesmo que determinar aos cônjuges que, “mantenham-se juntos ou divorciem-se de uma vez”, o que, por garantia constitucional, não é admitido por ato do julgador. Assim, sob qualquer ótica que se examine a separação jurídica em face da EC nº 66/10, não existe outra conclusão: a separação jurídica não foi matéria abordada pela EC nº 66/10. É matéria viva e permanece à disposição como possibilidade jurídica dos cônjuges interessados na dissolução da sociedade conjugal. Nos casos concretos, onde o cônjuge autor é intimado para converter o seu pedido de separação em divórcio, sob prejuízo de extinção do processo sem resolução do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido, restará observada decisão inconstitucional, com lesão ao princípio da inafastabilidade de jurisdição.
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NOTAS DE FIM
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LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
vel em: <http://magrs.net/?p=13910> Acesso em: 16 out. 2013.
1 Acadêmico do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2 Advogada. Professora do curso de Graduação do Centro Universitário Newton Paiva. Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Tópicos Filosóficos pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduação em Programação, Gestão e Implementação de Cursos a Distância oferecida pela Universidade Federal Fluminense (em curso). Membro e Diretora Adjunta do Departamento de Direito de Tecnologia da informação do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. 3 Adriano César de Oliveira Costa; Tatiana Maria Oliveira Prates Motta
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TRABALHO INFANTIL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ERRADICAÇÃO: Proposição de discussão Thaís Gonçalves da Silva1 Maraluce Maria Custodio2 Banca Examinadora3 RESUMO: O presente estudo examina a questão do trabalho infantil e a importância da educação na primeira infância para o desenvolvimento da criança e adolescente. Também foi objeto de exame, os programas criados pelo Poder Público e entidades privadas na tentativa de erradicar o trabalho do menor no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: infância; educação; trabalho infantil; Políticas Públicas; Fiscalização; SUMÁRIO: 1.Introdução; 2 Evolução histórica do trabalho infantil e dos mecanismos de defesa do menor trabalhador; 3 Legislação Protetora do Menor do brasil; 3.1 Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT); 3.2 Constituição da República de 1988; 3.3 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); 4. Modalidades de trabalho infantil no Brasil; 4.1 Menor aprendiz; 4.2 Menor artista; 5. Situação atual do Menor do Brasil e as Políticas Públicas adotadas; 6. Efetividade da Proteção do menor em face do trabalho no Brasil; 7. Conclusão. Referencias.
1 Introdução Uma das apreensões que cada vez mais vem garantindo espaço em todo âmbitoB internacional, não somente no Brasil, é a exploração do trabalho infantil. Tal exploração do trabalho infantil vem ocorrendo desde a origem das sociedades que visam o labor como forma essencial de sustento financeiro até a atualidade. Majoritariamente ocorre devido à necessidade de subsistência das famílias, para complementar a renda familiar, auxiliando os pais que não possuem meios de sustentar a família. O principal objetivo deste estudo é demonstrar que o maior obstáculo com que se lida atualmente, é a própria cultura dos cidadãos brasileiros. Desta forma, essa análise acadêmica se faz útil para tentar, a partir da construção de elementos sociais e jurídicos do ordenamento brasileiro que almejam a abordagem temática, debater meios de significativos a fim de evitar a constante exploração de crianças e adolescentes brasileiros. Como justificativa, o intuito é demonstrar que o trabalho infantil pode ser considerado um problema a partir das consequências no desenvolvimento físico, psicológico e educacional. De acordo com o Ministério da Saúde (2005, p.8), a proporção de abandono escolar é quase três vezes maior entre as crianças e adolescentes que trabalham, quando comparados aos que não trabalham. Há também maior frequência de problemas no desempenho escolar entre os do sexo masculino, e de saúde entre as mulheres, ou seja, as que trabalhavam adoeciam mais. Assim sendo, a fundamentação em que se baseia este trabalho está nessa premissa que discorre sobre a proteção do trabalho infanto-juvenil em consonância com a legislação vigente e atual. O projeto será fundamentado na pesquisa bibliográfica e análise da legislação do menor do Brasil, na Carta Magna vigente e nas que a precederam, na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), utilizando para tanto, o método dedutivo. A base teórica na qual se fundamenta este projeto de pesquisa, como é própria dos estudos no campo do Direito, se constitui principalmente de legislação e doutrina. Assim, os institutos legais como a Constituição da República Federativa do Brasil e Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA foram as fontes de base dos direitos fundamentais da criança e do adolescente no Brasil. Há ainda, outros
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autores que tratam de temas derivados ou circundantes ao problema, desta forma, são igualmente essenciais para se apreender às diversas formas como o trabalho afeta crianças e adolescentes que precocemente nele se inserem. São exemplos os trabalhos de Alice Monteiro de Barros e Maurício Godinho Delgado. Inobstante, acredita-se que a solução, possivelmente, contempla-se na junção entre trabalho e educação. Sem formação, o menor não conseguirá adquirir espaço no mercado de trabalho em um futuro não distante, prolongando a condição de pobreza ou miséria em que perdura e, porventura, tendo que acomodar seus futuros filhos para trabalhar em seu amparo. Acontece que as crianças e adolescentes precisam de uma maior proteção e quem tem a função de guardar o menor da exploração é a legislação brasileira e as políticas públicas e institucionais. 2 Evolução Histórica Do Trabalho Infantil E Dos Mecanismos De Defesa Do Menor Trabalhador O trabalho do menor no nosso país se iniciou há bastante tempo e não é um processo exclusivo dos dias atuais. Sendo assim é necessário analisar os fatores que contribuíram para o início da utilização da mão de obra infantil e também os fatores que durante anos mantiveram essa prática no Brasil. Primeiramente, é necessário localizar os pontos que relacionam com o tema cultural e socialmente em face do trabalho do menor e da população brasileira ao decorrer da história. Junto a esse apontamento, vale ressaltar a grande importância de se constatar os passos em que as legislações internacionais e brasileiras deram na intenção de amenizar a exploração do trabalho infantil com o intuito de protegê-los. É evidente que o jovem brasileiro está submetido a uma tutela especial, entretanto, nas palavras de Antônio Álvares da Silva (2010, p. 97): O menor é um trabalhador em formação. O foco do legislador não está no trabalho que possa prestar, mas na formação para prestar adequadamente o trabalho. Por muito tempo, as crianças e adolescentes foram submetidos a condições trabalhistas que apresentavam risco à saúde, exemplificado pelo trabalho exercido em minas subterrâneas, em horários noturnos. É evidente que os constrangimentos físicos de um menor
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são extremamente distintos dos adultos. Entretanto, algumas funções delegadas aos trabalhadores devem ser restritas aos menores, pois estas podem prejudicá-los mentalmente e fisicamente. Ainda, afirma Alice Monteiro de Barros que (2005, p.56): [...] a par do aspecto humanitário, outros fundamentos são arrolados para justificar a tutela especial, entre os quais os de ordem moral, de segurança e de cultura. Assim, pode-se concluir que todos esses danos passíveis de ocorrer ao adolescente que exerce atividade laborativa podem vitimar também a criança que trabalha. Este cuidado para com a criança ou adolescente trabalhador, não iniciou através de um fato específico, sendo fruto de um processo legislativo e social que se prolongou por décadas, como será apresentando a seguir. 3 Legislação Protetora Do Menor No Brasil O Brasil foi um dos primeiros a criar normas protetoras a crianças e adolescentes no âmbito trabalhista na América Latina, sendo que a primeira legislação surgiu ainda em 1891. Isso incentivou outros países da América latina e no ano de 1907, países como Chile e Argentina também resolveram aderir a seu ordenamento jurídico a proteção aos menores trabalhadores. No Chile foi garantida a obrigatoriedade e irrenunciabilidade do repouso semanal para os menores de dezesseis anos, o que provocou em um progresso notável da condição dos menores. (BARROS, 2008) Já na Argentina, a primeira restrição ao trabalho infantil, foi à erradicação do trabalho de menores de doze anos, em qualquer circunstância e fixava em seis horas diárias a jornada dos menores de dezoito anos, sendo, ainda, proibido a estes o trabalho noturno em indústrias em condições insalubres e trabalhos penosos, os quais eram definidos em lei. (BARROS, 2008) Verificou-se que a legislação brasileira é considerada uma das mais avançadas do mundo, no que concerne ao tema estudado, embora não resolva os problemas educacionais e sociais presentes em nosso país. 3.1 Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) Durante o governo de Getúlio Vargas, em 1943, surge no Brasil a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que abrangeu diversos avanços à regulamentação das relações de trabalho. Apesar de poucos, entre seus dispositivos encontram-se alguns que visam à proteção do menor empregado. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em sua redação original (art. 402) conceituou o menor como sendo o trabalhador entre doze e dezoito anos. Contudo, hoje em dia, o dispositivo foi modificado, passando a ser considerado como menor o trabalhador de quatorze até dezoito anos. Assim os menores de doze e treze anos que faziam parte desse dispositivo foram excluídos. A CLT possui um capítulo especial para tratamento da proteção ao menor, dedicando-se em sua maior parte ao trabalho de aprendizagem, o chamado menor aprendiz. Ademais trouxe vários dispositivos que tratam da situação diferenciada do menor na colheita trabalhista, o capítulo IV da CLT foi prometido ao menor, com o título “da proteção do trabalho do menor” e sendo constituído pelos artigos 402 a 441, dispostos em seis seções específicas, o que demonstra a importância da regulamentação do trabalho do menor. Do momento da criação da CLT até os dias atuais a Consolidação das Leis Trabalhistas sofreu várias modificações e hoje em dia vigora com algumas disposições importantes em prol do trabalho do menor.
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Entre elas encontra-se o parágrafo único do aludido artigo 402 que coloca que o trabalho do menor será dirigido pelas normas previstas neste capítulo, com ressalva ao trabalho desenvolvido em oficinas da família e sobre a supervisão de pais ou tutores. De acordo com o artigo 403, em seu parágrafo único, o trabalho realizado por menor não poderá ser em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola. Tal dispositivo está em consonância com os importantes cuidados que norteiam a tutela especial do menor: a saúde, o desenvolvimento mental e psicológico e a educação da criança e do adolescente. O artigo 404, por sua vez, dispõe que é proibido o trabalho noturno ao menor de dezoito anos, considerando trabalho noturno o realizado entre 22 horas de um dia e 5 horas da manhã do outro dia, objetivando preservar a saúde e o sono do menor. Já o artigo 405 proíbe o trabalho do menor em locais e condições perigosas ou insalubres e em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade e em seu parágrafo terceiro define as hipóteses de serviços prejudiciais à moralidade do menor. Assim como as garantias aqui especificadas a CLT apresenta outras normas relativas ao trabalho do menor, sempre visando ao seu bem estar, a sua saúde e educação. A CLT impõe aos empregadores, que contratam mão de obra infantil, e também aos responsáveis legais por esses menores, normas que devem ser obedecidas para atestar a licitude do trabalho exercido por jovens. Essas imposições foram de grande valia dando início a uma fase de maior proteção aos menores. 3.2 Constituição da República de 1988 A Constituição de 1988 regulamentou com mais enfoque a proibição dos serviços realizados em locais insalubres, principalmente no art. 7º, XXXIII. Portanto, foi revogado o parágrafo primeiro do artigo 405 da CLT que dispunha que aos maiores de dezesseis anos estagiários de curso de aprendizagem, era possível o trabalho em serviços perigosos ou insalubres, colocando como condição apenas a vistoria do local pela autoridade competente e que o menor fosse submetido a exame médico semestralmente. Porém, a revogação expressa desse dispositivo só veio com a Lei 10.097/2000. Além das disposições relativas ao trabalho periculoso ou insalubre, a Constituição de 1988 trouxe outras proteções ao menor, entre elas o artigo 227 que dispõe: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL.1988. p. 74). Em seu parágrafo 3º. Inciso II, o artigo 227 garante aos menores os direitos previdenciários e trabalhistas e no inciso III acesso do trabalhador jovem e adolescente à escola. A Emenda Constitucional 20 de dezembro de 1998, fixou como limite mínimo de idade para o trabalhador menor a idade de dezesseis anos, sendo possível a admissão de menores entre catorze e dezesseis anos apenas por meio de contrato de aprendizagem. A Emenda 20 permitiu a ratificação da Convenção 138 da OIT, a qual possui notável força contra o trabalho infantil. Segundo Alice Monteiro de Barros (2008, p 312):
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Após o grande avanço da legislação brasileira intentado pela CLT, a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi o marco do final do século XX no Brasil, dando início ao século XXI com uma proteção mais abrangente e eficaz ao menor. Segundo Maurício Godinho Delgado (2009, p. 727): A Constituição de 1988, porém foi mais explícita ainda em sua intenção anti- discriminatória, ao estipular que entre a proteção especial normativamente deferida aos menores englobava-se a “garantia de direitos previdenciários e trabalhistas”, além da “garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola” (art. 227, parágrafo 3º, II e III, CF/88). A proteção constitucional conferida ao trabalho do menor fortaleceu a tendência protecionista que já havia sido esposada pela CLT. A Constituição de 1988 por meio da abertura das suas normas constitucionais de proteção do menor permitiu o surgimento de outros diplomas infraconstitucionais que, por sua vez, também regularam o trabalho infantil, complementando o tratamento constitucional. 3.3 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Em 1990, foi editada a Lei 8.069 conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), revogando o Código de Menores. Entre outras disposições, o ECA estabeleceu a distinção entre crianças e adolescentes, considerando criança a pessoa que tenha até doze anos incompletos e adolescente a pessoa com idade compreendida no intervalo de doze a dezoito anos. (FURLAN, 2009, p. 34) Dessa maneira, é possível afirmar que a proteção do trabalho infantil abrange tanto as crianças quanto os adolescentes, sendo que aos menores de dezesseis anos é proibido qualquer trabalho, excetuado o de aprendiz. As crianças até doze anos não podem exercer nenhum tipo de trabalho. Aos adolescentes entre doze e catorze anos também se estende essa proibição. Já os adolescentes que tenham entre catorze e dezesseis anos possuem tratamento diferenciado lhes sendo possível o exercício do labor de aprendizagem. De onde se conclui que não basta classificar um menor como criança ou adolescente para distinguir sobre a licitude do trabalho realizado por ele. Segundo Júlia Zerbetto Furlan, o Estatuto ( 2009, p.34): Adota o princípio da doutrina da proteção integral, que tem como fundamento a promoção do pleno desenvolvimento físico e mental dos menores, conferindo-lhes direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Nos artigos seguintes, o ECA apresenta as condições para a realização do contrato de aprendiz dos menores de cartorze anos, estabelecendo, por exemplo, ser assegurado ao menor a percepção de bolsa de aprendizagem. Ainda diz que é considerada aprendizagem a atividade exercida visando à formação técnico- profissional. O artigo 63 estabelece os princípios em que o trabalho de aprendizagem deve ser pautado, entre eles a garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular. O artigo 68 apresentou um novo tipo de trabalho do menor que foi denominado trabalho educativo. A lei dispôs que se entende como trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do menor prevalecem sobre o aspecto produtivo, conforme dispõe o parágrafo 1º. do artigo 68. Maurício Godinho Delgado explica que (2009, p.729): Para a ordem jurídica, desse modo, o trabalho educativo é um instrumento auxiliar ao processo de formação educacional, moral, profissional, social e cultural do jovem, mantendo-se, necessariamente, subordinado a esses fins humanísticos; não
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se trata, pois, de simples atividade laborativa, que se esgote em si mesma, porém de labor integrado a um processo mais amplo de construção da integralidade humana do adolescente, em especial sua dimensão pedagógica. (...) Em síntese, no trabalho educativo mencionado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a atividade laborativa é mero acessório componente de um processo mais amplo e mais relevante de formação integral da pessoa do educando. O ECA ainda deixa claro que o salário ou vantagem percebida pelo adolescente pela prestação do trabalho educativo, não tem o condão de excluir o caráter educativo da atividade (art.68, parágrafo 2º, Lei 8.069/90). Pelo exposto, nota-se que o ECA complementa o sistema protetivo formado principalmente pelas disposições da CLT e da Constituição de 1988. Sua criação contribuiu para a crescente tentativa de cercar o menor de proteção por todos os lados, em todas as esferas do direito. Tendo contribuído muito para o víeis trabalhista do menor, principalmente ao criar uma modalidade nova, como visto o trabalho educativo. 4 Modalidades De Trabalho Infantil No Brasil Atualmente o trabalho infantil vem tomando diversas formas, sendo possível detectar algumas modalidades em que os menores operam com maior freqüência. Entre essas modalidades de trabalho do menor podemos citar o contrato de aprendizagem (previsto na CLT); o contrato de estágio (regulado atualmente pela Lei 11.788/2008); o trabalho educativo (criado pelo ECA); os menores atletas (Lei Pelé – 9615/1998) e os artistas mirins. Maurício Godinho Delgado ensina que (2009, p. 728): De todo modo, o vigor e a amplitude do comando constitucional evidenciam que não mais prevalecem, na ordem jurídica do país, dispositivos que autorizem contratação de trabalhadores menores de 18 anos que seja restritiva de direitos trabalhistas. Excetuam-se três situações jurídicas, todas com conteúdo e objetivos educacionais: o contrato de aprendizagem (este, eminentemente empregatício e, ao mesmo tempo, educacional), o contrato de estágio (não empregatício, mas prevalentemente educacional) e o trabalho educativo (também não empregatício, embora essencial e prevalentemente educacional). É fundamental o estudo minucioso dessas modalidades para corroborar como o trabalho do menor tem se desenvolvido no Brasil atual, como essas modalidades estão reguladas pela legislação, se são realmente desenvolvidas na prática da maneira como foram idealizadas e o tratamento jurisprudencial que tem sido dado a elas. 4.1 Menor aprendiz O contrato de aprendizagem possui cunho de contrato trabalhista especial em que o empregador se implica a certificar ao maior de catorze anos e menor de vinte e quatro anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico e, o aprendiz se compromete a executar com cuidado e diligência as ocupações úteis a essa formação. Antônio Álvares da Silva leciona que (2010, p. 161): A exceção para o trabalho de 14 a 18 anos na condição de aprendiz é favorável ao menor. No aprendizado, quando bem conduzido, pode-se dosar a intensidade do trabalho de modo a conciliá-lo, com a condição da idade. Com isto, ameniza-se a crítica de que, o legislador teria sido contraditório. Se o aprendizado é trabalho, porque se abriu exceção para o aprendiz, cuja constitui-
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ção física e biológica é a mesma? Não teria havido desproteção ao menor? A razão está no fato de que o trabalho do menor hoje é uma realidade. Podendo ou não, ele se emprenha em atividades na cidade e no campo. Portanto a chance de logo aprender uma atividade é uma contingência à qual não se pode fechar os olhos. O contrato de aprendizagem, como regra, é excepcional ao permitir aos menores trabalhadores entre catorze e dezesseis anos, como previsto na Constituição Federal de 1988 e na Consolidação das Leis Trabalhistas exercerem atividades laborais. Pode ser realizado por menores entre catorze e vinte e quatro anos e tem o intuito educativo. Esse contrato especial deverá ser registrado em sua carteira de trabalho (CTPS). Esse dever é obrigatório, pois, ao contrário do contrato de estágio, gera vínculo empregatício entre o aprendiz e seu empregador. A CLT traz em seu art. 431 a idéia que o aprendiz seja contratado por empresa prestadora de serviços, tal contratação não gera vínculo de emprego com a empresa tomadora de serviços, mas sim com a prestadora que lhe contratou. A aprendizagem somente poderá ser efetivamente contratada por meio da assinatura de um contrato de trabalho especial firmado entre a empresa e o aprendiz ou entre a organização social e o aprendiz. Várias pessoas confundem o conceito de aprendiz e o conceito de estagiário. Vale ressaltar algumas distinções como apesar do caráter educativo e de formação profissional de ambos, por ser um contrato de aprendizagem com vínculo empregatício, diversifica do estágio em que não há formação de relação empregatícia de qualquer natureza. Além disso, outro ponto a ser destacado é a desigualdade em face do aprendiz que é obrigatoriamente assalariado, isto é, necessária a contraprestação pelos serviços prestados. Já no contrato de estágio essa contraprestação não é obrigatória, salvo se o estágio for não obrigatório, situação em que é justa a bolsa remuneratória ao estagiário, em caráter auxiliar. Destaca-se que no Brasil que não somente o trabalho urbano possui grande expressividade, mas também a prestação de serviço na esfera rural. A análise da questão relativa ao trabalho rural do menor se faz importante para o entendimento dos estudos do trabalho do menor. Em primeiro plano, cabe exaltar uma vedação ao trabalho do menor de dezesseis anos através da Emenda Constitucional nº 20 de 1988, exceto a eventualidade de trabalho na condição de aprendiz, para menores entre catorze e dezesseis. Então, a Constituição de 1988, assegura o salário mínimo a todos os trabalhadores, restando proibida a diferenciação pela idade (art. 7º, IV e XXX). Logo, a Carta Magna de 1988 revogou o art. 11, § único, da Lei 5.889/73 que dispunha a permissão de pagar ao empregado rural menor de dezesseis anos 50% do salário mínimo estabelecido para o adulto. Entretanto, tal fundamentação além de consentir o trabalho do menor de dezesseis anos, o colocava em situação inferior aos adultos, por assim, autorizar a percepção de metade do salário mínimo a eles. Contudo, percebe-se também ser factível firmar-se contrato de aprendizagem para o trabalhador rural menor de dezesseis anos. Nas palavras de Alice Monteiro de Barros (2008, p.483): O contrato de aprendizagem, definido no art. 428 da CLT, é aplicável ao trabalho rural. A aprendizagem nesse setor deverá ser proporcionada pelo SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, previsto no art. 62 das Disposições Transitórias da Constituição da República de 1988 e na Lei n. 8.315, de 1991.
4.2 Menor artista O ponto concernente ao trabalho infantil em programas televisivos, teatrais e cinematográficos (especialmente) compromete extenso debate tanto doutrinária quanto na própria sociedade. Em 1978 foi regulamentada uma lei denominada nº 6.533 que vincula as profissões artísticas e técnicas em espetáculos de diversões, porém não dispõe de forma específica sobre o trabalho infanto-juvenil, sendo assim uma grande falha legislativa em relação à proteção efetiva desses menores. Evidencia-se que o trabalho dos artistas pode ser mais cansativo físico, mental e moralmente para o jovem do que outras modalidades laborais, apesar do “glamour” determinado pela sociedade da atividade. Flávia Soares Corrêa (2009, p. 54) lembra que: Algumas pessoas entendem que não se deve negar o talento das crianças e adolescentes impondo proibição legal para que não cantem, representem ou dancem para o público. No entanto, nem sempre esse é o real desejo deles, ou talvez, nem saibam bem o que desejam. A complexidade que se depara é de conseguir elaborar leis que protejam as crianças e adolescentes que exerçam essa modalidade de trabalho, sendo que diversas vezes são encorajados pelos seus próprios pais a incorporar no meio artístico. Muitos entendem que é inevitável a participação de crianças em espetáculos para uma maior veracidade à arte e que não teria como a manifestação artística ser completa a trama sem elas. A doutrina se ramifica sobre o formato ou não de “trabalho” pelas manifestações artísticas. Júlia Zerbetto diz (2009, p. 43): Alguns doutrinadores, por entenderem que a atividade artística não compõe, em sua essência, o conceito de trabalho proibido pelo art. 7º, XXXIII, da Constituição, pode ela ser desempenhada por menores de 16 (dezesseis) anos de idade. Persiste a averiguação de como ocorreriam às tramas da telenovela sem a atuação de crianças e adolescentes, sendo que o desígnio é reproduzir a sociedade de modo similar à vida real. Muitos defendem que sociedade sem crianças é utópica, constituída tão somente de adulto e assim a finalidade da dramaturgia não seria atingida se jovens não pudessem colaborar desse tipo de programa. Logo alguns doutrinadores, como Amauri Mascaro (2003, p.846) declaram que a erradicação constitucional do trabalho das crianças não se aplica ao âmbito artístico, expondo: Há situações eventuais em que a permissão para o trabalho do menor em nada o prejudica, como em alguns casos de trabalho artístico, contanto que acompanhado de devidos cuidados. Contudo, há diversa corrente que assevera a proibição do trabalho a menor de catorze anos também quanto ao artístico (FURLAN, 2009, p. 48): Contrário a esse posicionamento encontram-se alguns doutrinadores, segundo os quais a atividade desempenhada pelos atores mirins é tão desgastante como qualquer outra e, por isso, deve ser proibida também.
Infere-se, pelo apresentando que o contrato de aprendizagem regulado pela CLT, emprega-se tanto ao trabalho urbano quanto ao rural, reputando as suas peculiaridades, quando existir.
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Fernanda Maria Alves Gomes (2003, p. 14) ensina que: No caso dos artistas mirins, a desculpa é que devem iniciar a carreira (cantor, modelo ou ator) o mais cedo possível. Contudo, é tão prejudicial quanto os demais casos, pois ficam obcecados com a aparência, com o reconhecimento,
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o estrelato e na maioria dos acasos, quando não mais chamam a atenção, quando não são mais “úteis”, percebem que perderam os melhores anos de suas vidas, deixaram de estudar e acabam depressivos. É possível encontrar no art. 406, I e II da CLT a previsão legal da viabilidade de efetuação de trabalho artístico por menores de catorze anos, em face de autorização judicial. O Estatuto da Criança e do Adolescente também expressa no mesmo sentido no art. 149, II, §§ 1º e 2º, como será apresentado adiante. Destaca-se que o crivo para concessão de tal autorização deve ser exclusivamente restrito e cuidadoso, tracejando-se em diversos requisitos. Segundo o Ministério Público do Trabalho na orientação nº 02: Trabalho Infantil Artístico. Proibição Geral para menores de 16 anos. Excepcionalidades. Condições Especiais. I. O trabalho artístico, nele compreendido toda e qualquer manifestação artística apreendida economicamente por outrem, é proibido para menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, nos termos do art. 7º, XXXIII da Constituição Federal. II. Admite-se, no entanto, a possibilidade de exercício de trabalho artístico, para menores de 16 anos, na hipótese do art. 8º, item I da Convenção n. 138 da OIT, desde que presentes os seguintes requisitos: Excepcionalidade; B) Situações Individuais e Específicas; C) Ato de Autoridade Competente (autoridade judiciária do trabalho); D) Existência de uma licença ou alvará individual; E) O labor deve envolver manifestação artística; F) A licença ou alvará deverá definir em que atividade poderá haver labor, e quais as condições especiais de trabalho. III. Em razão dos princípios da proteção integral e prioridade absoluta, são condições especiais de trabalho a constar em qualquer alvará judicial que autorize o exercício de trabalho artístico para menores de 16 anos, sob pena de invalidade: A) Imprescindibilidade de Contratação, de modo que aquela específica obra artística não possa, objetivamente, ser representada por maior de 16 anos; B) Prévia autorização de seus representantes legais e concessão de alvará judicial, para cada novo trabalho realizado; C) Impossibilidade de trabalho em caso de prejuízos ao desenvolvimento biopsicosocial da criança e do adolescente, devidamente aferido em laudo médico-psicológico; D) Matrícula, freqüência e bom aproveitamento escolares, além de reforço escolar, em caso de mau desempenho; E) Compatibilidade entre o horário escolar e atividade de trabalho, resguardos dos direitos de repouso, lazer e alimentação, dentre outros; F) Assistência médica, odontológica e psicológica; (...). (Grifou-se). (MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Orientação nº 2) O artigo 149 do ECA, dispõe que a participação de menores em espetáculos públicos e seus ensaios, como também em certames de beleza, dependerá de autorização da autoridade judiciária disciplinar, através de portaria ou alvará. Temos que as medidas empregadas deverão ser expressas e fundamentadas, segundo a orientação do Ministério Público do Trabalho acima citada. No Estado do Rio de Janeiro, precisamente em 1999, foi criada a portaria 03 que dispõe a respeito disciplinadamente a inserção e a permanência de jovens em ambientes de diversão e sua atuação em espetáculos públicos, concurso de beleza, atividades artísticas como outras providências.
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Na mesma portaria, em seu artigo 25, apresentam quais são as informações e documentos que devem esclarecer o pedido de participação de crianças e adolescentes em tais manifestações culturais. Entre as quais podemos citar: sinopse, especificando a participação da criança; local, data e horário de início e término do evento; declaração contendo a série, grau e estabelecimento em que o está matriculado e freqüentando aulas. A discussão também se estende na orientação do MPT, sendo que muitas vezes as emissoras de TV, por exemplo, contratam crianças para fazerem novelas e programas televisivos, sem autorização judicial, apenas com a anuência dos pais do menor. O trabalho mirim em espetáculos tais como televisão, desfiles e cinema configuram, sim, um tipo de trabalho e por isso devem respeitar a legislação pertinente ao trabalho infantil. Porém, quando necessária/imprescindível a participação de crianças ela deve ser autorizada seguindo os critérios da lei. O que não se pode permitir é a ampla utilização dessa modalidade de forma que prejudique a criança, sendo que o objetivo principal é proteger sua integridade física, moral e psicológica. Não há como negar a influência que o trabalho precoce, principalmente na mídia, pode afetar a vida das crianças. Para tanto é necessária uma forte fiscalização da atividade e quando da concessão da autorização que seja feita uma pesquisa da necessidade e utilidade dessa função para diminuir os efeitos negativos que tal modalidade pode causar. Ademais, não se pode afastar o fato de que é direito da criança ter talento e expressá-lo, mas também esse direito não pode superar o direito à saúde e educação, principalmente se for pela busca do lucro tanto pela família da criança quanto pelas empresas de entretenimento. Além do trabalho infantil, as demais modalidades tratadas neste capítulo, possuem tanto um lado positivo quanto um risco de prejuízo à criança. Por isso a importância de estudar como essas modalidades refletem na sociedade atual. Faz-se imprescindível, então, a averiguação de como as crianças tem se portado frente ao mercado de trabalho no Brasil. Para tanto, serão expostos dados atuais e as medidas políticas e institucionais que vem sido aplicadas para coibir o trabalho infantil prejudicial. 5 Situação Atual Do Menor No Brasil E Políticas Públicas Adotadas O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Bolsa Família são os principais programas de âmbito nacional direcionados à erradicação do trabalho infantil e à eliminação da pobreza. O Peti, criado no início de 1996, articula um conjunto de ações que buscam retirar crianças e adolescentes de até 16 anos das práticas de trabalho infantil. Segundo informações do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2009), ao ingressar no Peti, a família tem acesso à transferência de renda do Bolsa Família quando atender aos critérios de elegibilidade. Um diferencial do programa é o atendimento assistencial, que pode encaminhar as famílias para serviços de saúde, educação, cultura, esporte, lazer ou trabalho, quando necessário. Assim, a articulação dos dois programas fortalece o apoio às famílias, visto que pobreza e trabalho infantil estão amplamente relacionados nas regiões de maior vulnerabilidade socioeconômica. Já entre os beneficiários do Bolsa Família, está a garantia de que as crianças e adolescentes tenham a frequência mínima na escola e o cumprimento do calendário de vacinação do Ministério da Saúde. O programa completou 10 anos em 2013 e, atualmente, atende quase 14 milhões de famílias. (Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome)
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As ações de erradicação ao trabalho infantil são guiadas ainda pelo Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador. Criado em 2011 pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI), sob coordenação do Ministério Público do Trabalho e Emprego (MTE) e com participação da sociedade, o plano tem como finalidade erradicar o trabalho infantil até 2020. Mesmo não tratando da questão do trabalho infantil diretamente, outras políticas voltadas às crianças e aos adolescentes funcionam como um arcabouço de proteção à vulnerabilidade. Essa proteção ajuda a evitar com que ocorram outros episódios de trabalho infantil. É o caso, por exemplo, do Projeto Sentinela desenvolvido pelo departamento de ciência política do Governo Federal, que atende vítimas da violência e exploração sexual. Outro exemplo é o Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano, que prepara adolescentes de 15 a 17 anos de idade a atuarem em suas comunidades em diversas áreas, com o objetivo de desenvolvimento e amadurecimento do jovem para o mercado de trabalho. A posição do jovem no nosso país, após a evolução categórica das leis analisadas anteriormente, tem conquistado enorme ênfase também entre os órgãos responsáveis pela fiscalização e controle do trabalho. Logo, é notório aumento quantitativo de políticas públicas voltadas a erradicar a exploração do trabalho infantil. Entretanto, como será apresentado a seguir, ainda existem muitas medidas a serem tomadas, não sendo as já adotadas aptas para isoladas alcançar o último escopo: a erradicação do trabalho infantil. Compete evocar ensinamento de Antônio Álvares da Silva (2010, p.172): Temos, do lado jurídico, a proteção devida ao menor. Resta agora a tarefa da aplicação destes dispositivos e a melhora da situação econômica do país. As políticas públicas compreendem previsões legislativas e orçamentárias a fim de atender aos preceitos constitucionais, na tentativa de distribuir justamente o Fundo Público. (JOSVIAK, 2009, p. 48). No Brasil, a realidade é que o Fundo Público muitas vezes não é suficiente para atender todas as necessidades da sociedade. Por tal questão, é necessária a definição de situações prioritárias que necessitam com maior urgência, e em maior quantidade, de recursos governamentais. Entre essas prioridades está a educação e profissionalização do menor. (JOSVIAK, 2009, p. 48). É importante que o menor passe por um processo de profissionalização para, quando adulto, não ter dificuldades de inserção no mercado de trabalho. Lembrando-se que essa profissionalização não pode se confundir com a exploração do trabalho infantil, prejudicando sua formação escolar e moral e a sua saúde. Mariane Josviak (2009, p. 49) conclui que: Desse modo, uma concepção ampla de políticas públicas inclui a necessária integração e interação entre as diversas modalidades de políticas governamentais, bem como entre os diferentes níveis de governo. Verifica-se que o governo brasileiro vem adotando políticas públicas inclinadas a solucionar o problema do trabalho infantil, entretanto é necessário formar uma maior consciência das autoridades públicas quanto à importância dessas políticas diante do cenário de exploração do trabalho infantil. Como explica Óris de Oliveira (2009, p.10): Sem políticas públicas, contando com a colaboração da sociedade em geral, de grupos organizados (ONG´s, Sindicatos), é impossível superar os óbices que dificultam a formação técnico -profissional do jovem e sua inserção no mercado de trabalho.
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Algumas políticas públicas que demonstraram sucesso estão consubstanciadas em auxílios destinados às famílias carentes concedidos mensalmente pelo Governo, como por exemplo, bolsa família, auxílio gás, entre outros. Tais políticas públicas consistem na destinação de valores às famílias que possuem poucos recursos financeiros, para que possam melhorar sua qualidade de vida, tendo acesso a alimentação de melhor qualidade, entre outros benefícios. Para fazer jus a essas bolsas de auxílio é necessário que a família preencha certos requisitos como, por exemplo, renda máxima per capta. As políticas públicas ainda devem se pautar no incentivo de ações por parte das empresas (as quais lucram direta ou indiretamente com o trabalho infantil) para diminuir o trabalho infantil. Como outro exemplo de atuação nesse sentido, temos a Fundação Abrinq e o PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais), fundações de direito privado que buscam unir os empregadores na luta pelo fim do trabalho infantil. A Fundação Abrinq é uma instituição sem fins lucrativos, criada em 1990, que tem como objetivo mobilizar a sociedade para tratar questões relativas às crianças e adolescentes. A Abrinq atua de modo a ser uma ponte entre as pessoas que precisam de ajuda e as que pretendem ajudar. Ou seja, ela arrecada as doações de empresas e pessoas físicas (seus colaboradores vão de porta em porta recolhendo doações) e as aplica em projetos e programas que beneficiam crianças e adolescentes brasileiros. A Abrinq tem sua ação destinada a garantir os direitos das crianças e promover o acesso à saúde, educação, profissionalização, entre outros. É preciso ter a consciência do importante papel do Governo na luta contra o trabalho infantil. Isso, porque como demonstrado o trabalho infantil não é um problema só da criança, mas sim um problema social que muitas vezes se origina na necessidade de complementar o orçamento familiar. O problema está na precariedade de vida de grande parte da população, no desemprego e na situação de pobreza em que ainda se encontram. Assim, o Governo ao melhorar as condições de vida dessa parcela da população estará agindo diretamente para a erradicação do trabalho infantil. Porém, cabe lembrar que se a população e, principalmente, as empresas se unirem ao Governo nessa luta, mais facilmente alcançaremos esse objetivo que, apesar de não ser simples, é possível. 6 Efetividade Da Proteção Do Menor Em Face Do Trabalho Infantil A existência de leis para proteger o menor não adiantariam sem a devida fiscalização. Assim o Ministério Público, através das Delegacias Regionais do Trabalho realizam este trabalho para que sejam cumpridas as normas legais. A lei Complementar nº 75 de 20 de Maio de 1993, atribuiu inúmeras competências ao Ministério Público do Trabalho, dentre elas, a de propor ações necessárias à defesa dos direitos dos menores. Assim uma vez, não possuindo outros meios para solucionaras questões que envolvam essa matéria, o Ministério Público do Trabalho deverá propor uma Ação Civil Pública, como dispõe a lei anteriormente citada, em seu artigo 83, inciso V. Todavia, verifica-se que o trabalho do menor existiu e continua existindo nos dias de hoje. A efetividade da proteção à criança ainda esta distante, tendo em vista que até mesmo os juristas enfrentam dificuldades em consolidar as teorias trabalhistas em face da realidade social e econômica do país. Quanto ao problema futuro, para evitar que mais crianças nasçam e acabem por entrar precocemente no mercado de trabalho em condições precárias, a solução é uma política social mais
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abrangente que busque fortalecer a base educacional do país ofertando mais vagas nas escolas públicas e, principalmente, melhorando a qualidade desse ensino. Não esquecendo, por óbvio, de dar condições para essa criança frequentar a escola, como melhorando o serviço de transporte escolar, fornecendo material didático, uniformes e alimentação. Ainda é necessário que o Governo forneça uma complementação de renda para as famílias que colocam os filhos na escola, isso tudo para que os pais passem a ver a escola como uma melhoria e não como um gasto a mais. Como se vê, o trabalho infantil não é um problema que deve ser tratado isoladamente, mas sim um problema social, que demanda a atenção do governo em várias áreas, principalmente, na educação, para atingir sua erradicação. Conclusão Ao encerramento da pesquisa conclui-se que a erradicação do trabalho infantil não é utópica, porém para ser concretizada é necessário um processo longo, duro e paciente. Inicialmente, é necessário ter a consciência de que o trabalho infantil encontra-se propagado na atualidade brasileira e que a sociedade não tolera violências pontuais, ou seja, determinadas atitudes chocam as pessoas, porém quando a prática é reiterada, estamos diante de uma violência institucional, a qual é tolerada pela sociedade brasileira. É possível afirmar que existe no Brasil uma cultura que muitas vezes admite, justifica e toma como necessário o trabalho infantil para ajudar os pais que se encontram em estado de miséria. As próprias crianças encaram como uma fatalidade, mas que é aceita por elas se tornando uma obrigação. Diante disso é necessário compreender que é preciso fortalecer a legislação e a fiscalização para colocar em prática os mecanismos para extinguir o trabalho de menores no Brasil. Porém, uma legislação robusta não é suficiente. Também é preciso criar uma consciência da população de que não é aceitável o trabalho infantil a não ser com o intuito de aprendizagem ou profissionalização. É preciso dar condições aos pais dessas crianças de sustentarem a família sem precisar contar com o trabalho desses menores. São necessárias políticas públicas de inclusão não só dos jovens e crianças, mas também de seus familiares para que seja possível aos jovens estudarem ao invés de trabalhar. De todo ângulo que se vê o problema do trabalho infantil, nota-se que a educação, a boa formação e a profissionalização estão no cerne da questão. Entretanto, para resolver os problemas que já existem precisamos de projetos como o ProJovem, de auxílios como o Bolsa Família e também da fiscalização do MTE e os TACs firmados pelo MPT. Para que esses programas se tornem efetivos em um país de tamanha dimensão como o Brasil, é preciso maior investimento público. De tudo isso se extrai que o caminho a ser seguido para a extinção do trabalho infantil no Brasil, tem como base a educação.
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1 Bacharelando do Curso de Direito do Centro Universitário Newton. 2 Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Mestre em Direito Ambiental pela Universidad Internacional de Andalucía. Doutora em Geografia pela UFMG em convênio da Université d’Avignon (França). Professora de Direito Ambiental, História do Direito e Metodologia do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Maraluce Maria Custódio; Ludmila Stigert.
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A BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE Amanda Lucio Silva1 Mirella Karen de Carvalho Bifano Muniz2 Banca examinadora3 RESUMO:A pesquisa pretende demonstrar a inconstitucionalidade da fixação do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade e a possibilidade de utilizar o salário base do empregado como base do cálculo, sem que tal vinculação traga qualquer tipo de prejuízo ao empregado. PALAVRAS-CHAVE: adicional de insalubridade; base de cálculo. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE; 2.1 Conceito; 2.2 Histórico; 2.3 Regulamentação; 2.4 Base de cálculo: salário mínimo x salário profissional; 2.4.1 O salário mínimo como base de cálculo constitucionalmente válida; 2.4.2 Declaração de inconstitucionalidade do salário mínimo como base de cálculo sem pronúncia de nulidade; 2.4.3 Utilização do salário profissional como base de cálculo; 3 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO Durante o período da Revolução Industrial no século XVIII, eram comuns as jornadas de trabalhado abusivas, podendo chegar a 16 horas-dia. Com o objetivo de melhorar a resistência física dos empregados e, consequentemente, os tornarem mais produtivos, foi criado o adicional de insalubridade que consistia em melhorar a alimentação do trabalhador. Com o passar dos anos, estudos apontaram que apenas uma boa alimentação não bastava para evitar as doenças ocupacionais, fazendo com que os trabalhadores procurassem outros empregos, que não fossem insalubres. Hoje, no Brasil, não se vincula mais o adicional de insalubridade à alimentação, mas sim a todo local de trabalho que seja hostil à saúde, pela presença de agentes agressivos ao organismo do trabalhador acima dos limites de tolerância permitidos. 2 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE 2.1 Conceito Insalubre é tudo aquilo que não é saudável, ou seja, é nocivo à saúde do empregador. A norma regulamentadora 15 (NR-15) da Portaria nº 3.214 de 08/06/1978 veio para definir quais são os agentes nocivos à saúde do empregador e em qual grau, mínimo, médio ou máximo. Quando o trabalhador se expõe a esses agentes nocivos, se expondo em atividades ou operações insalubres, acima dos limites de tolerância fixados pela NR-15, é devido o adicional de insalubridade. 2.2 Histórico Antes mesmo da Consolidação das Leis Trabalhistas, já se falavam em serviços insalubres. Estes eram fixados em até 50% sobre o valor do salário mínimo, como determinava a Lei nº 185/1936. Esta fixação foi ratificada posteriormente pelo Decreto-Lei nº 399/1938, que foi o regulamentador da referida lei, trazendo, desde então, a previsão de que tais serviços deveriam ser listados pelo Ministério do Trabalho. O Decreto-Lei nº 2.162/1940 revogou o Decreto-Lei nº 399/1938,estipulando os percentuais mínimo (10%), médio (20%) e máximo (40%), que deveriam ser calculados sobre o salário mínimo local ou regional. Frisa-se que antes do advento da Constituiçãode 1988, não havia salário mínimo nacional, e sim salário mínimo regional. Isso significa que o valor do salário mínimo era fixado por região,
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não sendo o mesmo em todo o território brasileiro, o que gerava muita insegurança para o trabalhador. Inclusive, esse era o entendimento do Supremo Tribunal Federal, por sua Súmula 307, editada no ano de 1963, segundo a qual “é devido o adicional de serviço insalubre, calculado à base do salário mínimo da região, ainda que a remuneração contratual seja superior ao salário mínimo acrescido da taxa de insalubridade”. Importante ressaltar que tal súmula não foi cancelada até o presente momento, apenas caiu em desuso. Em 1977, a Lei nº 6.514 reformou todo o capítulo V da CLT, apresentando, em seu art. 192, a previsão do adicional de insalubridade com os mesmos percentuais e com a mesma base de cálculo já prevista na legislação anterior, sendo, em 1978, editada a Portaria nº 3.214, cuja NR-15 veio, ainda mais uma vez, a ratificar o uso do salário mínimo da região como base de cálculo. A NR-15, do Ministério do Trabalho, define os agentes nocivos, bem como seus critérios para caracterização das condições insalubres. 2.3 Regulamentação O direito a esta percepção de adicional por insalubridade também está prevista no art. 7º, XXIII, da CF/88, que determina: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; (BRASIL, 2013, p. 12). Para a efetiva caracterização da insalubridade, além da previsão taxativa na NR-15, é necessária a realização de perícia por conhecedor técnico, em função do art. 195 da CLT, que determina: Art. 195 A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrada no Ministério do Trabalho. (BRASIL, 2013, p. 812). Afirma Jorge Neto e Cavalcante (2009, p. 138) que “a simples constatação de insalubre pela perícia não basta para a respectiva condenação. É necessária a inscrição do agente, como insalubre, na classificação oficial do Ministério do Trabalho”.
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Determinou a Constituição Federal de 1988 que lei posterior definiria os demais requisitos para a aplicação do adicional de insalubridade, contudo, até a presente data, não houve a criação de nenhuma lei reguladora para tal dispositivo. 2.4 Base de Cálculo: salário mínimo x salário profissional Pela redação dada pelo art. 192 da CLT, a insalubridade pode ser fixada pelo perito em grau mínimo, médio ou máximo, logo, é certo que o empregado tem direito à percepção de 10%, 20% ou 40%, respectivamente. A divergência, no que se refere o cálculo, situa-se quanto à base salarial a qual tais percentuais devem incidir para a apuração do valor que deverá ser recebido diante da exposição aos agentes insalubres. Conforme Jorge Neto e Cavalcante (2009, p. 139), tal situação é de extrema relevância, uma vez que o valor percebido a título de adicional de insalubridade irá repercutir em outras verbas: “repercute em outras verbas, como, por exemplo: horas extras (OJ nº 47, SDI-119), 13º salário, férias, aviso prévio etc. (Súm. nº 139, TST)”. O empregado pode perder o direito ao recebimento do presente adicional, segundo Barros (2010, p. 787), “sem ofensa a direito adquirido ou ao princípio da irredutibilidade salarial” conforme preleciona o art. 194, CLT, caso sejam eliminados os riscos à sua saúde ou à sua integridade física. Tal eliminação pode ocorrer de três formas: 1. A atividade deixar de ser caracterizada como insalubre pelo Ministério do Trabalho; 2. Se houver sua eficaz eliminação ou neutralização, através de medidas tomadas pelo empregador; 3. Na hipótese do empregado optar pelo recebimento do adicional de periculosidade, pois, conforme o art. 193, § 2º, CLT, os referidos adicionais não são cumulativos. Diante do exposto, surge a divergência, porém, quanto à base salarial na qual tais percentuais devem incidir para apurar o valor a ser recebido pela exposição aos agentes insalubres. Em meio às decisões exaradas em diversos sentidos, posicionam-se os doutrinadores por uma ou outra corrente, explicando qual a coerência na sua aplicação, como será mostrado nos itens seguintes. Contudo, não é pequena a parcela da doutrina que, dada a incerteza da matéria, prefere abster-se a qualquer juízo. O TST, com a edição da súmula nº 174 em 1969, entendeu ser viável a utilização do salário profissional do empregado como base de cálculo para o respectivo adicional, entretanto, esse entendimento foi alterado, voltando a prevalecer a base de cálculo sobre o salário mínimo, conforme as súmulas nº 1375 e 2286. Com a redação da presente constituição, muitas mudanças ocorreram. Uma delas, presente no art. 7º, IV, CF/88, foi a vedação do salário mínimo para qualquer fim: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (BRASIL, 2013, p. 812). O disposto neste artigo passou a gerar muitas discussões sobre qual seria então, a base de cálculo do adicional de insalubridade. A edição da Súmula Vinculante7 nº 4, publicada pelo Supremo Tribunal Federal em 09/05/2008, com a finalidade de regulamentar o mencionado mandamento constitucional, trouxe ainda mais discussões, pois dispõe que “salvo os casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser
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substituído por decisão judicial”. Após a edição da referida súmula vinculante, vários posicionamentos surgiram. Seguem, portanto, os posicionamentos advindos dos debates ocorridos após a Constituição Federal de 1988, antes e depois da edição da Súmula Vinculante nº 4. 2.4.1 O salário mínimo como base de cálculo constitucionalmente valida Para parte da doutrina, é constitucionalmente válido o salário mínimo como base de cálculo. A edição do art. 7º, IV, CF/88, não implicaria na inconstitucionalidade de cálculo do adicional sobre o salário mínimo, vez que este tem a mesma natureza das vantagens salariais e, segundo LEMOS (2009) a vedação se referia apenas às outras situações de indexação contratuais de natureza não salarial, e, portanto, não afetaria o disposto no artigo 192 da CLT, cabendo, assim, calcular o adicional de insalubridade com base no salário mínimo. Compartilham desse mesmo entendimento os autores Augusto César de Leite Carvalho, Eduardo Gabriel Saad e Paulo Bonavides, Jorge Miranda, Walber de Moura Agra: Em sendo o adicional de insalubridade uma prestação salarial, decerto que a vinculação de seu valor ao salário mínimo não tem efeitos inflacionários, ao menos não figurando como um modo deliberado de indexar a economia. (CARVALHO, 2007, p. 242). (...) é vedada a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, isto é, não mais é admitido que ele se constitua em unidade monetária ou sirva de base à correção de valor ajustado contratualmente. No art. 192, o salário mínimo é apenas a base de cálculo do adicional de insalubridade. (SAAD, 2013, p. 313). (...) o impedimento legal refere-se à não utilização do salário mínimo como medida de valor, vale dizer, como indexador de dívidas contratuais, inserido-se, assim, na dinâmica socioeconômica, como um dos fatores de propulsão do círculo inflacionário. (BONAVIDES; MIRANDA; AGRA, 2009, p. 401). Esse já foi o entendimento do STF, e os argumentos de seus julgados foram aqueles que embasaram a corrente em tela: EMENTA: ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. REGÊNCIA. CARTAPOLÍTICA DA REPÚBLICA X LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA. O adicional de insalubridade tem parâmetros fixados não na Carta Política da República, mas na legislação ordinária, no caso, na própria Consolidação das Leis do Trabalho e em portaria editada pelo Ministério competente - do Trabalho. Daí não se poder empolgar a via excepcional do extraordinário para discutirse a configuração, ou não, de ambiente nocivo à saúde do prestador dos serviços. SALÁRIO-MÍNIMO - VINCULAÇÃO PROIBIDA. A teor do dispostono inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal, tem-se como proibida aadoção do salário-mínimo como unidade monetária, ou seja, visando à adoção de fator de indexação. Longe fica de configurar preceito contrário à Carta o que revela o salário-mínimo como base de incidência da percentagem alusiva ao adicional de insalubridade. Exsurge com relevância maior a interpretação teleológica, buscando-se o real objetivo da Norma Maior. (STF, 2ª Turma, AI 177959 AgR/ MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. 04/03/97, DJ 23/05/97). EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE: SALÁRIO MÍNIMO. C.F., art. 7º, IV. I. - O que a Constituição veda, no art. 7º, IV, é a utilização do saláriomínimo para servir, por exemplo, como fator de indexação. O
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salário-mínimo pode ser utilizado como base de incidência da percentagem do adicional de insalubridade. Precedentes do STF: Ags. 169.269 (AgRg)-MG e 179.844 (AgRg)-MG, Galvão, 1ª Turma; Ags. 177.959 (AgRg)-MG, Marco Aurélio, 2ª Turma e RE 230.528 (AgRg)-MG, Velloso, 2ª Turma. II. - Agravo não provido. (STF, 2ª Turma, RE 230688 AgR/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, julg. 18/06/02, DJ 02/08/02). EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. ART. 7º, IV DA CF/88. 1. O art. 7º, IV da Constituição proíbe tão-somente o emprego do salário mínimo como indexador, sendo legítima a sua utilização como base de cálculo do adicional de insalubridade. 2. Precedentes. 3. Recurso extraordinário conhecido e improvido. (STF, 2ª Turma, RE 458802/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. 06/09/05, DJ 30/09/05). Esta tese também já foi utilizada pelos Tribunais Regionais do Trabalho e pelo Tribunal Superior do Trabalho que, nesse sentido, editou as Orientações Jurisprudenciais nº 28e 479 da SDI-1 do TST, sendo importante ressaltar que isso se deu apenas até o ano de 2003, quando ocorreu a redação da Súmula nº 22810, TST, e da restauração da Súmula nº 1711 do TST, que, por seu entendimento, conduziu os julgados em sentido diverso, não mais adotando, o TST, a presente corrente. EMENTA: ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. Avedação de vinculação do salário mínimo legal, prevista no art. 7º VI da CF/88 não atinge o adicional de insalubridade em vista de sua natureza de contraprestação salarial e indenização de risco. Logo, continua atual o EN. 228/TST que manda calculá-la sobre o salário mínimo previsto no art. 76 da CLT. (TRT 3ª R, 3ª Turma, RO 2724/93 Rel. Juiz Carlos Alves Pinto, DJMG 27/06/94). Foi neste sentido que, antes da alteração da Súmula nº 228 do TST, em 2003, Sérgio Pinto Martins defendia que o adicional de insalubridade deveria ser calculado sobre o valor do salário mínimo, e não sobre o salário profissional. Isso,segundo ele, com base na redação da OJ nº 2 da SDI do TST, e no cancelamento da Súmula nº 17 do TST: O En. 17 do TST previa que “o adicional de insalubridade devido a empregado que percebe, por força de lei, convenção ou sentença normativa, salário profissional, será sobre este calculado”, porém, foi cancelado pela Resolução nº 30 do TST, de 27-4-94, em razão do entendimento do En. 228 do TST, que indica que o cálculo deve ser sobre o salário mínimo. (MARTINS, 2003, p. 238). Segundo esse entendimento, o salário mínimo como base de cálculo é perfeitamente válido. 2.4.2 Declaração de inconstitucionalidade do salário mínimo como base de cálculo sem pronúncia de nulidade Após reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, ocorreu a Declaração de inconstitucionalidade do salário mínimo como base de cálculo sem pronúncia de nulidade. A partir deste ponto, surgiu uma nova corrente. Segunda ela, apesar de ser inconstitucional o uso do salário mínimo como base de cálculo, o mesmo deve continuar sendo aplicado aos casos concretos, de forma provisória, até que seja editada a lei a que se refere o art. 7º, XXIII, CR/88, regulamentando este adicional. Através do RE nº 236.396/MG, em 1998, o STF que, até então defendia o uso do salário mínimo como base de cálculo, apresentou uma mudança em seu entendimento, dizendo que, se a base de cálculo fosse o salário mínimo, estaria desrespeitando o disposto no art.
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7º, IV, da CF/88: EMENTA: Adicional de insalubridade: vinculação ao salário mínimo, estabelecida pelas instâncias ordinárias, que contraria o disposto no art. 7º, IV, da Constituição. (STF, 1ª Turma, RE 236396/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg. 02/10/98, DJ 20/11/98). Diversos julgados do STF apresentaram este entendimento, seguido também por parte dos TRTs: ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. SALÁRIO MÍNIMO. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. O inciso IV do art. 7º da Constituição Federal veda a vinculação ao salário mínimo para qualquer fim. Logo, a definição do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, contida no art. 192 da CLT, não foi recepcionada. (TRT 5ª R, 5ª Turma, RO 7888/07 (00063-2004-221-05-00-8), Rel. Des. Jeferson Juricy, DOE 27/03/07). A insegurança jurídica, diante das várias correntes sobre qual a base de cálculo aplicável, levou o STF a reconhecer a repercussão geral da matéria no RE 565.714/ SP: EMENTA: Reconhecida a repercussão geral do tema constitucional relativo à possibilidade de o adicional de insalubridade ter como base de cálculo o salário mínimo, tendo em vista o disposto no art. 7º, inc. IV, da Constituição da República. Relevância jurídica caracterizada pela divergência jurisprudencial. Transcendência aos interesses das partes configurada, pois a solução a ser definida por este Tribunal balizará não apenas o regime remuneratório dos servidores públicos, como, também, a disciplina adotada pela Consolidação das Leis do Trabalho para o adicional de insalubridade devido nas relações por ela regidas. (STF, Plenário Virtual, RE 565714 RG/SP, Min. Rel. Cármen Lúcia, julg. 02/02/08, DJ 21/02/08). Ao julgar o mencionado Recurso Extraordinário, o STF posicionou-se definitivamente pela inconstitucionalidade na aplicação do salário mínimo como base para o cálculo do adicional de insalubridade, exarando a seguinte decisão: Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da relatora, negou provimento ao recurso extraordinário, declarando a não-recepção, pela Constituição Federal, do § 1º e da expressão “salário mínimo”, contida no caput do artigo 3º da Lei Complementar nº 432/1985, do Estado de São Paulo, fixando a impossibilidade de que haja alteração da base de cálculo em razão dessa inconstitucionalidade. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor Ministro Eros Grau. Falou, pelo recorrido, o Dr. Miguel Nagibe, Procurador do Estado, e, pela interessada, Confederação Nacional da Indústria, o Dr. Cássio Augusto Muniz Borges. (STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, julg. e DJ 30/04/08). A relatora, Ministra Cármen Lúcia, proferiu seu voto nos seguintes termos: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ART. 7º, INC. IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 3º, § 1º, DA LEI COMPLEMENTAR PAULISTA N. 432/1985 PELA CONSTITUIÇÃ DE1988. INCONSTITUCIONALIDADE DE VINCULAÇÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE AO SALÁRIO MÍNIMO: PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DA MODIFICAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO BENEFÍCIO POR DECISÃO JUDICIAL. RE-
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CURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. O sentido da vedação constante da parte final do inc. IV do art. 7º da Constituição impede que o salário-mínimo possa ser aproveitado como fator de indexação; essa utilização tolheria eventual aumento do salário-mínimo pela cadeia de aumentos que ensejaria se admitida essa vinculação (RE 217.700, Ministro Moreira Alves). A norma constitucional tem o objetivo de impedir que aumento do salário mínimo gere, indiretamente, peso maior do que aquele diretamente relacionado com o acréscimo. Essa circunstância pressionaria reajuste menor do salário-mínimo, o que significaria obstaculizar a implementação da política salarial prevista no art. 7º, inciso IV, da Constituição da República. O aproveitamento do salário-mínimo para formação da base de cálculo de qualquer parcela remuneratória ou com qualquer outro objetivo pecuniário (indenizações, pensões, etc.) esbarra na vinculação vedada pela Constituição do Brasil. Histórico e análise comparativa da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Declaração de não-recepção pela Constituição da República de 1988 do Art. 3º, § 1º, da Lei Complementar n. 432/1985 do Estado de São Paulo. 2. Inexistência de regra constitucional autorizativa de concessão de adicional de insalubridade a servidores públicos (art. 39, § 1º, inc. III) ou a policiais militares (art. 42, § 1º, c/c 142, § 3º, inc. X). 3. Inviabilidade de invocação do art. 7º, inc. XXIII, da Constituição da República, pois mesmo se a legislação local determina a sua incidência aos servidores públicos, a expressão adicional de remuneração contida na norma constitucional há de ser interpretada como adicional remuneratório, a saber, aquele que desenvolve atividades penosas, insalubres ou perigosas tem direito a adicional, a compor a sua remuneração. Se a Constituição tivesse estabelecido remuneração do trabalhador como base de cálculo teria afirmado adicional sobre a remuneração, o que não fez. 4. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. Durante esta sessão plenária, os Ministros do STF entenderam ser necessária a edição de súmula vinculante que regulamentasse a matéria de uma vez por todas, editando, assim, a súmula vinculante nº 4, que foi publicada em 09/05/08, com a seguinte redação: “salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado nem ser substituído por decisão judicial.” Sobre essa exegese, em respeito à essa súmula vinculante, o Tribunal Pleno do TST, em sessão realizada no dia 26/06/08, formulou a Resolução nº 148/2008, na qual: 1. Cancelou a OJ nº 2 da SDI-1 do TST: que apontava o salário mínimo como base de cálculo; 2.Cancelou a Súmula nº 17 do TST: que trazia a possibilidade do cálculo sobre salário profissional ou piso salarial; 3. Alterou a OJ nº 47 da SDI-1: omitindo a expressão que, referindo-se ao adicional de insalubridade, dizia “este cálculo sobre o salário mínimo”; 4. Alterou a redação da Súmula nº 228 do TST, que passou a prever que “a partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.” Diante do conflito de normas, entre a Súmula 228 do TST e a Súmula Vinculante nº 4, a Confederação Nacional da Indústria ajuizou Medida Cautelar de Reclamação nº 6266/DF perante o STF. Nessa reclamação, que permanece sem decisão final, foi con-
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cedida liminar para determinação da não aplicação da Súmula nº 228 do TST, utilizando-se o STF, da mesma técnica decisória já usada no RE 565.714, qual seja, a “declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade”, sendo reconhecida a vedação constitucional da aplicação do salário mínimo como base de cálculo, e, no entanto, determinando que este fosse aplicado até que se editasse a lei de que fala o art. 7º, XXIII, CF/88. Proferida pelo Ministro Gilmar Mendes em 15 de julho de 2008, eis a decisão liminar: Com efeito, no julgamento que deu origem à mencionada Súmula Vinculante n° 4 (RE 565.714/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Sessão de 30.4.2008 - Informativo nº 510/STF), esta Corte entendeu que o adicional de insalubridade deve continuar sendo calculado com base no salário mínimo, enquanto não superada a inconstitucionalidade por meio de lei ou convenção coletiva. Dessa forma, com base no que ficou decidido no RE 565.714/ SP e fixado na Súmula Vinculante n° 4, este Tribunal entendeu que não é possível a substituição do salário mínimo, seja como base de cálculo, seja como indexador, antes da edição de lei ou celebração de convenção coletiva que regule o adicional de insalubridade. Logo, à primeira vista, a nova redação estabelecida para a Súmula n° 228/TST revela aplicação indevida da Súmula Vinculante n° 4, porquanto permite a substituição do salário mínimo pelo salário básico no cálculo do adicional de insalubridade sem base normativa. Ante o exposto, defiro a medida liminar para suspender a aplicação da Súmula n° 228/TST na parte em que permite a utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade. O TST acatou o comando emitido pelo STF, uma vez que, em 27 de setembro de 2009, publicou nova alteração à Súmula nº 228, acrescentando-lhe ressalva, registrando a suspensão provisória de sua eficácia pelo Supremo Tribunal Federal, para orientação dos jurisdicionados: EMENTA: RECURSO DE REVISTA. BASE DE CÁLCULO DO ADICIONALDE INSALUBRIDADE. SÚMULA VINCULANTE Nº 04 DO STF. O Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados proferidos no exame de Reclamação Constitucional, em face do entendimento fixado na Súmula Vinculante nº 04 e do comando que emerge do art. 103-A da Constituição Federal de 1988, tem decidido que é defeso ao Poder Judiciário estabelecer novos parâmetros para base de cálculo do adicional de insalubridade. Assim, não pode subsistir a decisão do Tribunal Regional que fixou o piso salarial da categoria como base de cálculo do adicional de insalubridade. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, 1ª Turma, RR 770402320065100009 (77040-23.2006.5.10.0009), Rel. Des. Walmir Oliveira da Costa, julg. 09/05/12, DEJT 11/05/12). EMENTA: VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL - ART. 485, V, DO CPC - INSALUBRIDADE - BASE DE CÁLCULO. Com o advento da Súmula Vinculante nº 4 do Excelso STF, em 09/05/2008 (mediante o julgamento do RE 565.714/SP), restou reconhecida a inconstitucionalidade da utilização do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, sendo, inclusive, vedada a substituição desse parâmetro por meio de decisão judicial. Em face do vácuo legislativo existente e aliado à vedação da satisfação da tutela jurisdicional pelo uso da analogia, equidade, etc. (conforme artigo 8º da CLT), porque há óbice para a substituição do parâmetro utilizado por meio de decisão judicial, impõe-se, como iter a ser seguido, adotar o entendimento no
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sentido da utilização do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade até que venha ser a questão redefinida pela via legal, sob pena de violação do art. 192/CLT. Pedido de corte rescisório julgado parcialmente procedente. (TRT 3ª R, 2ª Seção Especial de Dissídios Individuais, AR 0001861-32.2011.5.03.0000 (01861-2011-000-03-00-0), Rel. Juíza Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim, julg. 09/08/12, DEJT 20/08/12). Portanto, o salário mínimo como base de cálculo teve sua inconstitucionalidade declarada, porém, sem a pronúncia de sua nulidade. Sendo possível sua utilização como base de cálculo para o adicional de insalubridade até que venha lei regulamentadora. 2.4.3 Utilização do salário profissional como base de cálculo A tese de utilização do salário básico (ou salário contratual sem acréscimos) veio da ideia de que, sendo semelhantes os adicionais de periculosidade e insalubridade, a base de cálculo daquele seria aplicável a este, por aplicação analógica do art. 193, § 1º da CLT. “É incipiente, contudo, a tentativa de computar o salário básico do empregado como base de cálculo de adicional sob comento, em analogia ao que sucede com o adicional de periculosidade.” (CARVALHO, 2007, p. 242). ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. A partir da CF/88, a base de cálculo do adicional de insalubridade, de que trata o art. 192 da CLT, é o salário básico, ante a vedação contida em seu art. 7º, inciso IV e o termo “remuneração” utilizado no inciso XXIII do mesmo. Precedente do STF. Ac. 1ª Turma, 02/11/98 – RE 236.396-5 (MG) – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – Incidência do disposto nos arts. 8º e 193 da CLT e na Súmula 191 do C. TST no tocante ao salário básico. Recurso ordinário provido. (TRT 15ª R, 5ª Câmara, RO 40296/07 (0942-2006-010-15-00-7), Rel. Juiz Lorival Ferreira dos Santos, DOE 24/08/07). Os doutrinadores adeptos desta corrente defendem a inconstitucionalidade na utilização do salário mínimo como base de cálculo, e a consequente necessidade do estabelecimento de novo parâmetro salarial. Segundo Oliveira (2011), são dois os motivos para aplicar como base de cálculo o salário contratual (por ele entendido como salário base), em semelhança ao adicional de periculosidade, sendo ambos constitucionais. O primeiro motivo seria a impossibilidade de aplicação do salário mínimo por vedação constitucional, reforçada com a Súmula Vinculante nº 4 do STF. Oliveira (2011, p. 429-430) refuta, indiretamente, a argumentação exposta por Saad de que o salário mínimo é base constitucionalmente válida ao afirmar que “o entendimento de que a intenção do constituinte era somente evitar a utilização do salário mínimo como fator de indexação sem sentido estrito não vem tendo acolhimento no âmbito do STF, que considera a proibição como absoluta”. O segundo motivo seria uma interpretação analógica do adicional de insalubridade diante dos demais adicionais. Oliveira (2011, p. 431) afirma que “todos os outros adicionais são calculados sobre o salário contratual, não havendo razão lógica nem jurídica para dar tratamento diverso para o adicional de insalubridade”. O autor (OLIVEIRA, 2011, p. 431) menciona ainda que “onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de direito; onde é a mesma razão da lei, aí deve a lei ser a mesma.” Em 26/06/08, com a Resolução nº 148/2008, o Tribunal Pleno do TST alterou a redação de sua Súmula nº 228, para adotara pre-
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sente corrente: “a partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.” Mesmo após a suspensão dessa Súmula no ano de 2008, por decisão liminar proferida pelo STF na Rcl nº 6266/DF48, tal teoria continua a ser utilizada por alguns Tribunais Regionais do Trabalho, apesar de não ser o atual entendimento do TST: EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. O cálculo do adicional de insalubridade deve contemplar o salário-base contratual, por analogia com o adicional de periculosidade, tendo em conta a vedação constitucional de utilização do salário mínimo para qualquer fim (art. 7º, inciso IV, da Constituição Federal) e por analogia com valor da hora trabalhada em contato com agentes agressivos e perigosos. Recurso provido. (TRT 2ª R, 4ª Turma,600200825402000 SP (00600-2008-254-02-00-0), Rel. Juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva, julg. 27/04/12, DEJT 07/05/12). EMENTA: BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. Adoção do entendimento desta Turma Julgadora, no sentido de que o adicional de insalubridade deve ser calculado sobre o salário básico do trabalhador. Recurso do reclamante provido. (TRT 4ª R, 2ª Turma, RO 6799220115040352 RS (0000679-92.2011.5.04.0352), Rel. Juíza Tânia Maciel de Souza, julg. 16/08/12, DEJT 22/08/12). Conforme o art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” No mesmo sentido, dispõe o art. 126 do Código de Processo Civil, segundo o qual: Art. 126, CPC - O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. A CLT, art. 8º, traduz o mesmo entendimento: Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo Único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. Diante dos referidos dispositivos legais, tem-se, no âmbito trabalhista, que não apenas é vedado ao Poder Judiciário deixar de proferir julgamento em determinada lide nos casos de lacuna legal, como, não havendo lei que fundamente seu entendimento, deve o julgador utilizar-se de outras fontes de direito, como a analogia. Sendo assim, a primeira parte da súmula vinculante nº 4 encaixa-se perfeitamente nos parâmetros constitucionais e legais, uma vez que extinguiu a controvérsia existente sobre a constitucionalidade ou não do salário mínimo como base para o cálculo de adicional de insalubridade, uma vez que a declarou inconstitucional. Entretanto, em sua segunda parte, não apenas não supriu a la-
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cuna legal existente no art. 7º, XXIII da Constituição – o que tão somente gerou novas discussões sobre qual seria a base a ser então utilizada, uma vez vedada a única base que possuía fundamentação legal que justificasse a sua aplicação (art. 192, CLT) – como, ainda, vedou sua substituição por decisão judicial, o que contraria os dispositivos legais acima mencionados, porquanto deixa os magistrados sem opção: não podem usar o salário mínimo, mas, persistindo a lacuna, não podem estabelecer outro parâmetro por qualquer meio (analogia, jurisprudência, costumes, etc). Importante lembrar que a aplicação da referida corrente, salário base como base de cálculo, permite o uso do salário profissional ou piso da categoria como base de cálculo (Súmula nº 228, TST), uma vez que a aplicação destes em detrimento do salário básico não traz qualquer prejuízo para os empregados que devam receber adicional em razão do contato com agentes insalubres. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o exposto, pode-se concluir que já não é possível o uso do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade pelo argumento apresentado por Saad (2013, p. 313), qual seja, de recepção do art. 192 da CLT pela CR/88, uma vez que não apenas o art. 7º, IV, CR/88 fala da vedação de sua vinculação “para qualquer fim”, mas também a Súmula Vinculante nº 4 do STF proíbe expressamente o seu uso. A Súmula Vinculante nº 4 do STF, visando extinguir a existente insegurança jurídica causada com o advento da CR/88, gerou ainda mais confusão, pois, em que pese proibir o uso do salário mínimo como base de cálculo, não há dispositivo legal que determine qual seria a base incidente (conforme determina o art. 7º, XXIII, CR/88) e, não podendo legislar sobre o assunto, proibiu os tribunais de estabelecer outro parâmetro, seja por analogia, usos e costumes ou princípios gerais do direito. Em outras palavras: o STF proibiu o uso do salário mínimo, por sua inconstitucionalidade, e o uso de qualquer outro parâmetro salarial, que somente deveria ser estabelecido por lei, o que gerou, em tese, impossibilidade de cálculo do adicional de insalubridade. É certo que os empregadores não poderiam deixar de pagar aos seus empregados o referido adicional, e, assim, o STF determinou o uso do salário mínimo como base de forma provisória ainda que isso seja inconstitucional. Apesar da solução proposta pelo STF, torna-se necessária uma análise dos outros critérios possivelmente aplicáveis, pois, além de ser o salário mínimo inconstitucional, não pode o Supremo Tribunal Federal impor-se aos comandos legais constitucionalmente válidos que determinam não apenas que não podem, os magistrados, se eximirem de sentenciar, como, ainda, que, havendo lacuna legal, devem estes utilizar a analogia, os usos e costumes ou os princípios legais do direito. Portanto, o salário básico seria perfeitamente aplicável como base de cálculo, pois, além de representar o uso analógico de dispositivo legal diante de uma lacuna legal (uso esse que somente deve se aplicar até a edição de lei que regulamente a matéria, como previsto no art. 7º, XXIII, CR/88, de forma a não representar, portanto, qualquer usurpação de função do Poder Legislativo, violando a “Separação dos Poderes”), trata-se de solução constitucionalmente válida, juridicamente segura (pois possui embasamento legal) e, ainda, não traz qualquer prejuízo ao empregado. Muito pelo contrário, na maioria dos casos, a base de cálculo sendo o salário básico traria benefícios ao empregado, vez que o cálculo seria feito sobre o salário básico e não o salário mínimo, ou seja, uma base de cálculo superior.
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O Ilustríssimo Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, defendeu, durante sabatina no Senado, a proatividade do Judiciário na definição de regras quando houver omissão do Legislativo e do Executivo: “Quando não tem lei, o Judiciário não pode deixar de resolver problemas da vida, porque as pessoas dependem disso. É aí que o Judiciário se expande. A maior ou menor judicialização está nas mãos do Congresso.” Nesse sentido seria também aplicável, como base, o salário profissional ou piso da categoria, na forma prevista pela Súmula nº 228, TST, segundo a qual estes seriam utilizados, quando existentes, e, na sua ausência, seria o cálculo baseado no salário básico, isso em razão de sua incidência não apresentar qualquer prejuízo para o empregado, se comparada à aplicação do salário básico. Ainda assim, adota o STF o uso do salário mínimo (teoria da “declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade”), no que é acompanhado pelo TST, de forma majoritária, admitindose, algumas vezes, a aplicação do salário profissional ou do piso da categoria, concomitantemente.
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<http://www4.planalto.gov.br /legislacao>. Acesso em: 7janeiro. 2014. PORTAL do SENADO FEDERAL. Apresenta informações diversas relacionadas ao Senado Federal. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/ entenda-o-assunto/sumula-vinculante>. Acesso em 15 de fevereiro de 2014. PORTAL do STF – Supremo Tribunal Federal. Apresenta informações diversas relacionadas ao Supremo Tribunal Federal. Desenvolvido por: TI Controle, 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 7 janeiro. 2014. Site. PORTAL do TST – Tribunal Superior do Trabalho. Apresenta informações diversas relacionadas ao Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: <http://www. tst.gov.br/>. Acesso em: 7 janeiro. 2014. Site. SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do TrabalhoComentada. 46 ed. atual. ver. eampl. por José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco. – São Paulo: LTr, 2013. ZAMPIER. Débora. Barroso defende atuação do Judiciário em casos de omissão do Legislativo e do Executivo. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/ noticia/2013-06-05/barroso-defende-atuacao-do-judiciario-em-casos-de-omissao-do-legislativo-e-do-executivo>. Acesso em: 07 de fevereiro de 2014.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG, Especialista em Processo do Trabalho e Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes, Analista do TRT-3ª Região, Professora do Centro Universitário Newton Paiva, Professora de Pós-graduação PUC/Minas e Pitágoras. 3 Igor de Matos Monteiro Mirella Karen de Carvalho Bifano Muniz 4 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE (cancelada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 26.06.2008) - Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 - Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008 O adicional de insalubridade devido a empregado que, por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa, percebe salário profissional será sobre este calculado.
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5 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE (cancelada) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. É devido o adicional de serviço insalubre, calculado à base do salário mínimo da região, ainda que a remuneração contratual seja superior ao salário mínimo acrescido da taxa de insalubridade. 6 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO(redação alterada na sessão do Tribunal Pleno em 26.06.2008) - Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 - Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008. SÚMULA CUJA EFICÁCIA ESTÁ SUSPENSA POR DECISÃO LIMINAR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo. 7 A súmula vinculante é um mecanismo que obriga juízes de todos os tribunais a seguirem o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre determinado assunto com jurisprudência consolidada. Com a decisão do STF, a súmula vinculante adquire força de lei e cria um vínculo jurídico, não podendo mais, portanto, ser contrariada. 8 OJ 02 da SDI-1 do TST. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. MESMO NA VIGÊNCIA DA CF/1988: SALÁRIO MÍNIMO (cancelada) – Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 - Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008. 9 OJ 47 da SDI-1 do TST. HORA EXTRA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO (alterada) – Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 - Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008. A base de cálculo da hora extra é o resultado da soma do salário contratual mais o adicional de insalubridade. 10 Súmula nº 227, TST. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno em 26.06.2008) - Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 - Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008. SÚMULA CUJA EFICÁCIA ESTÁ SUSPENSA POR DECISÃO LIMINAR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo 11 Súmula nº 17, TST. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE (cancelada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 26.06.2008) - Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 - Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008. O adicional de insalubridade devido a empregado que, por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa, percebe salário profissional será sobre este calculado.
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LICENÇA MATERNIDADE PARA CASAIS HOMOAFETIVOS: A concessão do direito a licença maternidade para casais homo afetivos Aline Duarte Andrade1 Maraluce Maria Custódio2 Banca examinadora3 RESUMO: A licença maternidade para casal homoafetivo é novo no direito brasileiro, o que se quer com o presente trabalho é contribuir para a discussão do tema e a possível isonomia de tratamento. PALAVRAS-CHAVE: Licença maternidade, Família homoafetiva, Adoção. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Princípios norteadores do direito da família; 2.1 Tipos de família/ Família homo afetiva; 3 Da licença maternidade no direito do trabalho; 4 Natureza jurídica da licença maternidade; 5 Da licença maternidade como direito familiar; 5.1 Extensão à mãe adotante; 5.2 Da Possibilidade de Extensão a Família Homoafetiva; 6 Considerações Finais
1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo a discussão acerca do direito a licença maternidade. Quer-se discutir a natureza jurídica deste direito e sua extensão, uma vez que na atual conjectura da família moderna, e em julgado do STF, conforme resolução n. 175, de 14 de maio de 2013, aprovada durante a 169ª Sessão Plenária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), admite-se o casamento de pessoas do mesmo sexo. Seguindo preceito constitucional, especificamente no Art. 5º inciso I da CF/88, quanto ao princípio da isonomia ou igualdade dos casais homoafetivo em relação aos casais heterossexuais terem o direito à licença maternidade quando é feita a adoção. Assim, se este tem direito a receber licença maternidade, para que se possa haver melhor convívio entre a criança adotada e o casal adotante, por que aquele não teria? Acerca da igualdade ou do tratamento isonômico importante se faz trazer a baila o ensinamento do mestre Alexandre de Moraes (2010, p. 36): Todos os cidadãos têm o direito tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, pois o que realmente se protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito. O tema ganha grande repercussão e força para ser discutido após a decisão n. 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em obrigar os cartórios a celebrarem casamento entre pessoas do mesmo sexo, assim, com a possibilidade da celebração de casamento, vários casais, homoafetivo, ajuizaram ação com a intenção de verem valer os seus direitos. Assim, será utilizado o método dedutivo, dedução lógica para asseverar a igualdade material entre estes e aqueles. Neste diapasão, serão apresentados argumentos que sustentam a ideia de que a Licença Maternidade ser de natureza do direito de família e de interesse social com repercussão direta no direito do
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Trabalho, quanto a proteção do trabalhador mulher ter seu emprego garantido e ter seu convívio com o seu filho. Assim, para casais homoafetivo, aqui no presente artigo, especificado aos casais formado por duas pessoas do sexo masculino, se quer estender o direito de licença maternidade a estes casais em casos de adoção. Principalmente, demonstrar que o direito a licença maternidade tem como o maior interessado a criança, sendo ela a principal beneficiária com este direito. E demostrar também, que em segundo plano, a sociedade em geral também sera beneficiada, vez que pelo simples fato de que acreditamos que a base da sociedade é uma boa formação de suas crianças. 2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DA FAMÍLIA Para o presente trabalho é fundamental entender os princípios do direito de família, pois serão eles que irão nortear o nosso trabalho, juntamente é claro com os princípios constitucionais, tanto estes como aqueles, basilares para a nossa compreensão, assim, começamos com os dizeres de grandes mestres do direito, Bevilácqua (1937, p.6) definiu com maestria: Direito de família é o complexo das normas, que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos, que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos complementares da tutela e da curatela. Melhor asseverado por Sílvio de Salvo Venosa, em Direito de Família IV( 2013, p.9), em reformulação ao dito conceito: Faltou ao mestre, na época, referir-se às uniões sem casamento que imitam e representam um vasto campo jurídico e sociológico.[...] é um fenômeno fundado em dados biológicos, psicológicos e sociológicos regulados pelo direito Sabendo da peculiaridade do direito de família, sendo este um direito privado, entretanto regrado pelo direito público, em que o Estado tenta manter, conforme as características da sociedade, esta célula base que o sustenta. Dito isso, entende-se que todas as normas ou princípios que verse sobre a família e possibilidade de sua convivência, será sempre de extremo interesse social.
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tes, o magistrado deve se ater ao interesse do menor, considerando, para tanto, primordialmente, o seu bem estar. III - O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceu a existência de entidade familiar quando duas pessoas do mesmo sexo se unem, para constituição de uma família. IV - A vedação à discriminação impede qualquer interpretação proibitiva de que o casal homoafetivo, que vive em união estável, adote uma criança. V - Demonstrado nos autos que a genitora, com histórico de conduta agressiva e envolvimento com prostituição, abandonou a menor entregando-a aos cuidados das requerentes, e que a convivência com o casal homoafetivo atende, de forma inequívoca, o melhor interesse da criança, a destituição do poder familiar é medida que se impõe, nos termos do artigo 1.638, II e III, do Código Civil. VI - O pedido de adoção deve ser deferido em nome de ambas as autoras, sob pena de prejuízos à menor de ordem material (direito de herança, alimentos, dentre outros). (TJMG, Apelação cívle nº 1.0470.08.047254-6/001, Rel Des. Bitencourt Marcondes, 8ª câmara Cível, pub. 13/02/2012).
O Direito de família vem elencado no Código Civil, entretanto, ele não especifica ou define o que seja. Isto ocorre por ser o conceito de família, social e antropológico, muda conforme o tempo, não existindo assim um tipo predeterminado. Desta forma, por entender o seu aspecto totalmente mutável, é que se deve considerar o seu sentido mais amplo, sendo desta feita célula base da sociedade formada por duas ou mais pessoas que tenham parentesco sanguíneo ou por afetividade e que tenham propósito de cooperação mútua. Neste diapasão, é importante neste ponto trazer a baila o princípio fomentador do direito de família, o Princípio do livre desenvolvimento da personalidade, como breve relato descrito pela autora Renata Barbosa Almeida (2010, p. 46-47): a pessoa não é um ser, mas um torna-se. Não é posta, mas constantemente construída. A existência humana consiste numa busca incessante, diante de sua incompletude. Volta para um horizonte qualquer, a pessoa humana se desenvolve. Apreende fatores sociais identifica necessidades e busca satisfazê-las. A partir desse procedimento forma e conforma sua individualidade. Considerado a pedra angular do direito de família, entende-se que todas as pessoas são experiências únicas, irrepetíveis. Temos que respeitar a peculiaridade de cada um. Reconhecer a sua liberdade. e garantir a sua grande variedade de formação, e o direito de sua concretização. Neste sentido, não existe, e nunca vai existir, uma forma ideal de família ou um único tipo de família, visto que as pessoas diferem-se uma das outras, nunca teremos um único modo de se compreender o que é uma família. Outro princípio de importante relevância para o presente estudo é o Princípio do melhor interesse da Criança disposto no artigo 227 da Constituição federal de 88, nos seus dizeres: é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão Assim, é de vital importância que se preserve o melhor interesse da criança, que aqui é representado pelo convívio desta com os seus pais, que lhe seja agraciada com o direito da licença maternidade a um de seus pais, para que se possam estreitar as relações. Seguindo os princípios do direito da família e os princípios Constitucionais, entende-se perfeitamente a possibilidade de adoção por casal homoafetivo, este que será melhor debatido em tópico específico, entretanto, importante salientar que considerando o princípio do livre desenvolvimento da personalidade e do melhor interesse da criança, vez que é melhor o convívio em um lar com afeto a um orfanato ou casa de abrigo, tem-se a possibilidade de adoção, conforme recente julgado do Tribunal de Justiça de Mina Gerais: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. ABANDONO DA CRIANÇA PELA MÃE BIOLÓGICA. ADOÇÃO PORCASAL DO MESMO SEXO QUE VIVE EM UNIÃO ESTÁVEL. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. REGISTRO DE NASCIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I - A destituição do poder familiar é medida extrema, só devendo ser concretizada se comprovada a impossibilidade de permanência do menor com os pais. II - Sempre que se tratar de interesse relativo às crianças e adolescen-
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Desta feita, é notável que ao priorizar o interesse do menor na adoção, será necessário a formação de vínculo afetivo para que o mesmo tenha em seu escopo familiar a segurança de um lar, bem como, a garantia do seu bem estar. 2.1 Tipos De Família/Família Homoafetiva Como já conceituado, Família é um grande gênero que pode ser preenchido por várias espécies, começamos a chegar ao ponto cerne do presente trabalho, a família constituída por pessoas do mesmo sexo, todavia, antes de adentrarmos a discussão, faz necessária a demonstração doutrinária dos tipos de famílias possíveis aceitas pela doutrina: a) Pelo Casamento: por muito tempo reinou a ideia de que a família só poderia ser iniciada pelo casamento. Assim a família começa pelo casamento. b) Pela União Estável: instituída pelo art. 266, §3º da CF, quando não há a celebração formal do casamento, entretanto, tem-se a convivência e o intuito de prosperar juntos como definição. c) Família Monoparental: instituída pelo artigo. 226, § 4º da constituição federal, é aquela entidade familiar formada por um dos pais e seu descendente. d) Família Recomposta: Aqui tem-se a união de um grupo monoparental com outro indivíduo que venha a completar a falta de um dos genitores. e) Família Homoafetiva: Não é uma novidade social casal homossexual, mas sempre é um assunto que traz grande repercussão quando de sua discussão. Por tudo que foi apresentado até agora, outro sentido não poderia dar, senão o de FAMÍLIA para a união de pessoas do mesmo sexo, uma vez que estas preenchem todos os requisitos que uma família deveria preencher (a união entre duas pessoas e a intenção de prosperarem juntos). Assim, não cabe ao Direito dificultar o livre desenvolvimento humano, restringir os tipos de família, conforme nos dizeres do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito (RE 397.762-8/BA) :
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[...]ao Direito não é dado sentir ciúmes pela parte supostamente traída, sabido que esse órgão chamado coração é ‘terra que ninguém nunca pisou’. Ele, coração humano, a se integrar num contesto empírico da mais estranha privacidade, perante o qual o Ordenamento jurídico somente pode atuar como instância protetiva. Não censora ou por qualquer modo embaraçante. Frente ao principio da isonomia trazido na Constituição federal de 88 em seu Art. 5º, não poderia, de forma alguma, dar tratamento diferenciado a família homoafetiva, senão, para equiparar os “tipos” de família. Colocando em prática o tão repetido “Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades”. Isto posto que o direito de Isonomia, aqui invocado, quer em relação da equiparação entre a família formada por casal de sexo diferente com a família formada por casais de mesmo sexo. Uma vez que, como já salientado, a constituição elenca a igualdade entre homens e mulheres, não só formalmente, mas como materialmente. Por seguinte, apesar da “diferença” uma família, seja ela como for a sua formação, deverá receber toda a proteção do Estado, merecendo o mesmo tratamento como qualquer outra. 3 DA LICENÇA MATERNIDADE NO DIREITO DO TRABALHO A licença maternidade tem a sua primeira referência, conforme já salientado, na constituição federal, entretanto, conforme sua repercussão prática é no direito do trabalho, este direito é repetido em seu artigo 392 da CLT. “Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário”. Em síntese este direito no direito trabalho consiste na proteção da mulher gestante, e para isso ela ganha um período de tempo (120 dias) para poder recuperar-se do parto e conviver com o seu filho, sem prejuízo na percepção do seu salário, e mais do que isso, ganha estabilidade no emprego durante a gravidez e até o final dos 120 dias a ela reservado. (Artigo 10º, II, alínea b da ADCT) e posteriormente conforme decreto Nº 7.052, de 23 de dezembro de 2009 , passando a ser de 180 dias. Como entendimento alargado de que tal direito não pertence somente à mãe gestante em artigo seguinte, da própria CLT, 392-A, vem ampliando para casos de adoção. Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392 Neste caminho, o direito a licença maternidade com a implicações diretas no direito do trabalho caminha no sentido de proteção à integração da família, não somente entendendo como único caso ensejador ao pretenso direito ao fator debilitante biológico da gravidez, e sim a IMPORTÂNCIA do convívio familiar. 4 NATUREZA JURÍDICA DA LICENÇA MATERNIDADE O direito a licença maternidade tem como natureza a proteção do convívio familiar, de tamanha importância que vem elencando no Art. 7º inciso XVIII da Constituição Federal de 1988. XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; (alterado para 180 dias em 2010 no Brasil). Este inciso que deve ser interpretado de forma mais abrangente, não protegendo a mulher e o nascituro durante a gestação, mas também após o nascimento, período em que a mulher deverá
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ter um tempo de convívio com o seu filho, com base no já aludido artigo 227 da CF e principalmente no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069 de 1990), que traz em seu artigo 4º o principio do melhor interesse do menor. A função primordial da licença maternidade é a da convivência da criança com os pais, para que possa receber todo afeto que é importante de uma criança receber nos primeiros dias de vida. Importante também para os pais, que anseiam compartilhar da presença daquele novo ser em suas vidas. Destarte, outra natureza não se poderia dar ao direito a licença maternidade senão o de família, para que esta possa crescer saudável. Uma vez que, conforme a CF/88, é a célula base de toda a sociedade, necessitando de toda proteção, o que não deva ser confundida com o engessamento de forma, conceitos frios do que seja família. Seguindo esta lógica, de que a licença maternidade tem como o principal interessado a CRIANÇA, entende-se que tal direito não é um direito que compõe somente a esfera do direito trabalhista, mas deverá ter implicação direta neste. Sendo como um direito da família, extensível a qualquer membro desta. A licença maternidade não é um direito que pertence só a mãe, mas a família como um todo. É de interesse social que os pais tenham um período mínimo e ininterrupto de convivência. Para que possam, da melhor maneira, criar a sua prole. O interesse social aqui aludido, no caso de adoção, diz respeito à qualidade de educação oferecida para as crianças no início de suas vidas, acreditando que é de vital importância que se estabeleça vinculo afetivo entre a criança e o casal adotante, único modo de que a criança possa crescer de forma saudável. Assim, esta tendo uma formação saudável também se tornará um adulto saudável, que integra rá a sociedade. 5 DA LICENÇA MATERNIDADE COMO DIREITO FAMILIAR Em interpretação lógica e sistemática de tudo que foi apresentado até o momento, outro sentido não poderia dar ao direito à licença maternidade do que um direito que assiste a família, mais especificamente, um direito da criança em poder ter um período de convivência com os seus pais, com a sua mãe. Outrossim, atende aos princípios elencados no ECA em seu artigo 4º quanto ao melhor interesse do menor, vez que sempre será melhor para a criança e o adolescente o convívio com seus pais, biológicos ou adotivos, para a sua criação, formação quanto indivíduo na sociedade. Deve-se levar em consideração o fator da família ser a célula base da sociedade, como já salientado à exaustão, e que a educação da criança é de suma importância para qualquer estado que almeja evoluir, tanto economicamente quanto socialmente. Assim, este é um interesse social que merece extrema cautela quando analisado. Também se torna relevante, o fato de que é de extrema importância os primeiros meses de convivência da mãe com o seu filho, tanto para a mãe quanto para a criança (ou Adotante e Adotado). Este fator interfere diretamente na criação da criança, vez que com o aparecimento de uma criança a rotina da família irá mudar bruscamente, e neste sentido, é preciso de tempo para adaptação. Por fim, como a própria Constituição diz, em seu artigo 227, que o instituto da família deva ser preservado, e que meios devam ser oferecidos para a evolução deste, corrobora para o entendimento da licença maternidade ser um direito da família. Quer-se então, unir os laços afetivos e proporcionar que a família seja uma instituição forte dentro do estado, colocar em prática o que já é estipulada pelo formalismo da Constituição, a igualdade material não somente formal.
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5.1 Extensão À Mãe Adotante Conforme ensina Orlando Gomes (2002, p. 369), a adoção é um ato jurídico que é estabelecido, independentemente do fato natural da procriação sendo, portanto, uma ficção legal que permite a duas pessoas um laço de parentesco do primeiro grau na linha reta criando laços familiares perpétuos. O direito de adoção vem disciplinado no Código Civil nos artigos 1.618 a 1.629, e em lei especial, quando o adotado for criança ou adolescente o ECA em seus artigos 39 a 52-D. Que trazem seus requisitos, quais os mínimos a saber é a idade mínima para o adotante de 18 anos, se solteiro, para casal é necessário a comprovação do casamento ou da união estável e diferença mínima de 16 anos entre o adotante e o adotado, sem se esquecer que será precedido período mínimo de convivência antes da sentença que institua a adoção. Assim, possibilitando a adoção, o casal adotante fará jus à licença maternidade conforme expressa recomendação legal da lei 10.421 de 2002: Art. 2o A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a vigorar acrescida do seguinte dispositivo: Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392, observado o disposto no seu § 5o.§ 1o No caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento e vinte) dias.§ 2o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 1 (um) ano até 4 (quatro) anos de idade, o período de licença será de 60 (sessenta) dias.§ 3o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 4 (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de licença será de 30 (trinta) dias.§ 4o A licença-maternidade só será concedida mediante apresentação do termo judicial de guarda à adotante ou guardiã.
to, de acordo com a lei 12.873 de 2013, sendo uma criança, a família faz jus aos 180 dias de licença. Este tempo se torna extremamente relevante quando se pesa o caráter social da adoção, vez que a criança acaba de chegar ao novo lar, com certo grau de consciência, sem conhecer estas novas pessoas, vez que poderá estar com medo e desconfiada, assim, este tempo se torna vital para que possam se estreitar os laços entre a criança e a família. Novamente, o que se quer, é preservar a relação da criança com a sua família, construir uma sociedade em que os valores familiares do afeto e do amor, sejam preservados, e principalmente o interesse do menor, pois este é o maior interessado na concessão da licença maternidade.
E em 2013 a presente lei foi retificada pela lei 12.873 em seu Artigo 6º: A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392; § 5o A adoção ou guarda judicial conjunta ensejará a concessão de licença-maternidade a apenas um dos adotantes ou guardiães empregado ou empregada.” (NR) “Art. 392-B. Em caso de morte da genitora, é assegurado ao cônjuge ou companheiro empregado o gozo de licença por todo o período da licença-maternidade ou pelo tempo restante a que teria direito a mãe, exceto no caso de falecimento do filho ou de seu abandono.” “Art. 392-C. Aplica-se, no que couber, o disposto no art. 392-A e 392-B ao empregado que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Antes de qualquer análise apressada sobre o presente instituto, é necessário considerar a sua importância social, sua relevância para a formação do Estado e manutenção de sua força. É importante, quando do presente estudo, levar em consideração a criança que é o principal interessado na concessão de tal direito, não podemos levar em consideração considerações pessoais acerca do que seja uma família. Por entender a importância de uma boa relação familiar entre a criança e os pais adotivos, considerando a extrema dificuldade que esta criança irá enfrentar pelo fato de estar adentrando em novo meio familiar, e pelas peculiaridades que o circundam, é o que faz imperiosa a concessão do direito da licença familiar a um dos pais, quando do casal homoafetivo, para o estreitamento de relação entre estes. Apesar de ser facilmente notado os efeitos que estes direitos tem sobre a ceara trabalhista, não se deve esquecer que o principal efeito, que poderá repercutir na sociedade como um todo, tem-se na família. Este pequeno início de convivência de 120 dias, que parecem poucos, podem causar grandes diferença na vida das pessoas envolvidas. Justamente por este fato, fica fácil o entendimento de que o direito a licença maternidade é um direito de família, e, por conseguinte, extensivo aos casais homo afetivos do mesmo jeito que é extensivo à mãe adotante. Por fim, em respeito a todos os tipos de família, na defesa de uma sociedade e de um Estado mais justo, é que se conclui pela extensão de tal direito a casais homo afetivos.
Importante passo para a sociedade em geral foi a promulgação desta lei, pois amplia a extensão da abrangência do direito da licença maternidade. Assim, se antes era um direito a gestante, hoje é um direito da mãe adotante e da criança. No início da extensão de tal direito, quando da promulgação da lei 10.421 de 2002, era escalonado o tempo de licença maternidade de acordo com a idade da criança adotada, hoje isto não é mais acei-
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5.2 Da Possibilidade De Extensão A Família Homoafetiva Após argumentação que o direito a licença maternidade é um direito da família, em que ao receber uma criança, seja ela o meio qual for, tem o direito de terem um tempo de convívio para estreitamento de laços, principalmente no caso da Adoção. E fechando, com o princípio da isonomia, já que a mãe a adotante e o cônjuge, na falta do outro, pode pedir a licença maternidade, seria inconcebível um dos companheiros de um casal homo afetivo não pudesse também receber. O que deve-se analisar aqui é o contexto em que vivemos, a importância do convívio da criança com o casal que o tenha adotado. Aqui não se discute a validade da adoção por casal homo afetivo, vez que esta discussão esta ultrapassada, e vencida, sendo aceita, apesar de certa resistência. Repisa-se no caráter de extrema importância da convivência da criança com o casal adotante, para que seja criado laços familiares entre eles. Por fim, compreendendo o direito a licença maternidade como um direito da família, e principalmente da criança em ter o convívio com a sua família, considerando o fato de tal direito ser extensivo a mãe adotante outra conclusão não se poderia ter de que tal direito deverá ser estendido ao casal homo afetivo.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira
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A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO TRIBUNAL DO JÚRI: uma análise a respeito do caso Isabella Nardoni Ana Luisa Freitas Pazzini 1 Cristian Kiefer da Silva2 Banca examinadora3 RESUMO: O Tribunal do Júri é uma garantia constitucional, que integra o rol dos direitos e garantias fundamentais do artigo 5° da CF de 1988, sendo os crimes contra a vida julgados por esta instituição, constantemente alvos de informações jornalísticas. Muitas vezes, as informações fornecidas pelos meios de comunicação competentes são sensacionalistas e com o único objetivo de audiência á determinado programa, não dando a devida importância à repercussão que poderá se tornar negativa, tanto para o acusado, quanto para instituição do Tribunal do Júri. Um dos casos de maior repercussão nacional será o analisado neste trabalho, o caso Isabella Nardoni. Inicia-se assim um confronto com outro direito fundamental presente no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que assegura a livre expressão da atividade de comunicação. PALAVRAS-CHAVE: Tribunal do júri; influência da mídia; caso Isabella Nardoni. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Contextualização histórica do Tribunal do Júri; 2.1 O Julgamento no Tribunal do Júri ; 3 Dos direitos do réu ; 4 A imprensa no Brasil ; 4.1 Breve histórico 4.2 Liberdade de expressão X Sensacionalismo; 4.3 A Liberdade de Expressão como Direito Constitucional; 5 Caso Isabela Nardonni; 6 Considerações Finais; 7 Referências
1 INTRODUÇÃO O Júri, principal assunto que será abordado no artigo a ser produzido é uma garantia constitucional, que integra o rol dos direitos e garantias fundamentais do artigo 5° da CF de 1988. A sociedade em que vivemos clama todos os dias, em todos os veículos de comunicação possíveis, por justiça, principalmente quando os casos envolvam o Júri, os quais geralmente têm mais vinculação. Seria possível controlar as informações passadas a sociedade pela imprensa, sem que a liberdade de expressão fosse prejudicada? Hoje em dia, podemos claramente perceber que a formação de opinião pública se dá a partir dos pilares construídos midiaticamente, quase sempre confrontando os princípios processuais constitucionais assegurados as partes envolvidas. Levando-se em conta que o júri no processo judicial é o foco principal de tal formação de opinião, há uma visível pressão exercida por quem considera julgador. A influência provocada no júri é decorrente da forma da publicação dos fatos e dos acontecimentos. Está decidido claramente em nosso ordenamento jurídico, presente em nossa Constituição federal a soberania as decisões do júri, em seu artigo 5°, XXXVIII, c. O Júri é um sistema útil e indispensável à organização jurídica nos dias atuais, e deveria por bem, estar imune a tais influências, mas dado os momentos que vivemos, é praticamente impossível a desvinculação da participação popular e a mídia. Não só no caso a ser estudado, mas em todos os outros casos de crimes dolosos contra a vida, julgados pelo Tribunal do Júri, as informações veiculadas pela mídia, muitas das vezes, tomam proporções maiores do que o necessário, podendo sim, prejudicar o acusado e algumas vezes até o julgamento. Impor limites seria o ideal para que a veiculação das informações não resultasse em pré-julgamento, mas, o Estado não teria como limitar a imprensa, já que a liberdade é um Direito Constitucional. 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO TRIBUNAL DO JÚRI Hoje o Tribunal do Júri popular encontra sua validade em norma constitucional, que está prevista no artigo 5º inciso XXXXVIII da Constituição Federal de 1988. Mas nem sempre foi assim, temos que a instituição do Júri no Brasil teve seu início em junho de 1822 e sua previsão
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constitucional ocorreu com o advento da carta de 1824, posteriormente, em 1825, o Tribunal do Júri recebeu a competência para o julgamento dos crimes de imprensa. Neste sentido leciona Fernando Capez: O júri foi disciplinado em nosso ordenamento jurídico pela primeira vez pela lei de 18 de junho de 1822, a qual limitou sua competência ao julgamento dos crimes de imprensa. Com a Constituição imperial de 25 de março de 1824, passou a integrar o Poder Judiciário como um de seus órgãos, tendo sua competência ampliada para julgar causas cíveis e criminais. Alguns anos depois, foi disciplinado pelo Código de Processo Criminal, de 29 de novembro de 1832, o qual conferiu-lhe ampla competência, só restringida em 1842, com a entrada em vigor da lei n. 261.(CAPEZ, 2006, p.636) O Tribunal do Júri, em seu formato atual, origina-se na Magna Carta, da Inglaterra, de 1215. Vale ressaltar que o mundo já havia presenciado a atuação do Júri em outros países, tais como: Palestina, Grécia, Roma, entre outros. O Júri no Brasil foi instituído em várias passagens históricas de nosso país, até atingir o seu formato atual e permanente. Após a Proclamação da República o Júri manteve-se, transferindo-o para o contexto utilizado hoje em dia, dos direitos e garantias individuais. Em 1937 o Júri foi retirado totalmente do contexto constitucional, levando assim a várias discussões acerca da existência ou não desta instituição no Brasil. A Constituição de 1946 elevou novamente o Tribunal do Júri á categoria de direitos e garantias individuais, mantendo-o assim até a constituição de 1967. Na presente e valorosa Constituição, visualizando o retorno da democracia ao país, o Júri continuou presente na categoria dos direitos e garantias fundamentais, trazendo ainda o que não havia sido determinado antes: a soberania dos votos, sigilo das votações e a plenitude de defesa, tornando ainda a competência mínima para os crimes dolosos contra a vida. 2.1 O Julgamento no Tribunal do Júri Elencado no artigo 5° da Constituição Federal de 1988, o Tribunal do júri é uma garantia constitucional, sendo este competente para julgar os crimes cometidos contra a vida.
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De acordo com o doutrinador Guilherme Nucci (2012, p. 66) “ O procedimento do Júri é trifásico e especial.” Sendo tal divisão, ainda discussão entre os doutrinadores, alguns tratando como procedimento bifásico. As partes mais importantes e a qual são entendidas como mais importantes para a instauração do procedimento do Júri é a pronúncia e impronuncia do réu. A pronúncia é na leitura do doutrinador Walfredo Cunha (2013, p 79.) “ A pronúncia é uma decisão interlocutória que encerra o processo sem condenar ou absolver o acusado.” Ou seja, na pronúncia, o juiz emite decisão interlocutória mista não terminativa, onde declara admissível a acusação a ser desenvolvida em plenário de Júri, por estar provado um crime doloso contra a vida e ser provável a sua autoria. Já a impronúncia, na visão de Guilherme Nucci (2012, p. 119) “ É decisão interlocutória mista terminativa, que encerra a primeira fase do processo, sem haver o juízo de mérito.” Sendo assim, na impronúncia o juiz encerra a primeira fase do processo,quando percebe que,não há indícios suficientes de autoria do crime, significando assim julgar improcedente a denúncia ou queixa e não a pretensão punitiva do Estado. Após essas etapas mais importantes, haverá o juízo de apreciação de mérito, sendo esta a terceira e última fase do procedimento do júri. O veredicto final é dado pelos jurados, sendo estes selecionados entre cidadãos que devem possuir notória idoneidade e idade especifica para tal feito, estruturando assim basicamente, a premissa de o réu ser julgado por seus pares, ou seja, por pessoas do povo. O jurado julga pela absolvição ou condenação do réu, trazendo assim, além de tudo, imensa responsabilidade, em julgar um “par” e ser representante do povo. Devemos ressaltar a importância do veredicto alcançado pelo Júri, tal tratado soberanamente, sendo previsto na Constituição Federal em seu artigo 5°, XXXVIII, que dispõe: “é reconhecida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra vida”. ( BRASIL, 1988, p. 12). Ainda de acordo com o doutrinador Nestor Távora (2013, p. 825). “A soberania dos veredictos alcança o julgamento dos fatos.” Sendo assim, tal julgamento não pode ser modificado pelo juiz togado ou pelo tribunal que venha apreciar um recurso, observando-se claramente a importância do mesmo. 3 DAS GARANTIAS DO RÉU NO TRIBUNAL DO JÚRI O Tribunal do júri é a exteriorização da democracia, momento em que o réu engloba todos os seus direitos para complementar sua defesa, que será julgado por sua conduta em algum crime doloso contra a vida, sendo esses crimes tipificados no Código Penal. Além de, o Tribunal do Júri ter suas especificações, não pode este sofrer influências externas, respeitando assim o princípio da imparcialidade, evitando que os jurados formem juízos de valores antes do conhecimento necessário para o julgamento. Conforme já dito acima, o Júri faz-se a representação do povo, através de seus jurados, para o julgamento de um terceiro, sendo assim, de imensa e importante responsabilidade de todos os envolvidos no mesmo. Começando a elencar, podemos destacar o artigo 5º, inciso X, dispõe que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Entendendo assim que, cada pessoa tem direito a sua individualidade resguardada, sendo este um direito singular e intransferível. Como prova disto, o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe que “todos os homens nascem iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação aos outros com espírito de fraternidade” (BRASIL, 1998).
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Sobre o enfoque do princípio da dignidade da pessoa humana, Pena (2005, p. 106), preleciona: “A liberdade não é um princípio absoluto, porque esbarra na subjetividade”. Em outras palavras, está submetida a outro princípio, o da dignidade da pessoa humana,e é isso que deveria impedir abusos. Liberdade é um princípio não absoluto, submetido a outro, muito maior, que é a dignidade humana e seus limites, são os da alteridade, ou seja, o respeito pelo outro. Não se deve usar o direito de informação com base de critérios de preferência o interesse econômico, violando assim outros direitos. “A liberdade plena deixa de ser atributo principal e se transforma em perigosos instrumentos de lesão de direitos alheios. Fere ela a dignidade, valor supremo” (JABUR, 2000, p. 19). A imprensa, na maioria dos casos julgados pelo Tribunal em questão, atua como “um jurado”, que repassa as informações á sociedade de maneira que os indivíduos não envolvidos no processo formem um juízo de valor negativo, na maioria das vezes. Desta forma a sociedade atua como outro poder presente em nosso sistema, tomando às vezes do Poder Judiciário que tem a competência de julgar. Podendo provocar assim o julgamento antecipado e muitas das vezes, ainda que não presente, a pena de morte do acusado, pois após o verdadeiro e efetivo julgamento, os danos causados a ele podem ser irreversíveis, causando inúmeros prejuízos. Dificilmente, aquele que tem a sua honra atingida pela imprensa, consegue retornar ao status quo anterior, ou seja, ter novamente perante a sociedadeo bom conceito que antes desfrutava, pois mesmo sendo posteriormente esclarecida ou desmentida a notícia, sempre ficará à nódoa, perantea sociedade (FERREIRA, 2000, p. 166). A parcialidade de um julgamento, pelo Tribunal do Júri é notoriamente citada pelo julgador nos artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal. São previstas as hipóteses de desaforamento do processo, ou seja, hipóteses em que, embora o crime contra vida tenha ocorrido em determinado local, poderá ser transferido seu julgamento a outro lugar onde a parcialidade não afete o julgamento. O papel da mídia é ser informativa, dar á sociedade sua dose de cultura e informação necessária, o que não se observa, já que em vários momentos há agressão a vida do ser humano e pré-julgamento das pessoas. Nota-se então, total diferença da informação utilizada corretamente com a informação passada pelos meios midiáticos para muitas vezes, conseguir audiência, sem se preocupar com possíveis consequências posteriores 4 A IMPRENSA NO BRASIL 4.1 Breve Histórico A Lei de imprensa no Brasil, datada em 19 de Fevereiro de 1967, sofreu várias alterações e foi bastante conturbada, passando por momentos democráticos críticos em nosso país, como exemplo a Era Vargas e o golpe militar sofrido. Mas, com a Constituição federal de 1988, a liberdade de imprensa ficou reconhecida e hoje é garantida em seu art. 5°, inciso IX. “É livre a expressão de atividade intelectual [...]”. O art. 5°, refere-se então, ao direito de informação, de se comunicar e declarar opinião, desde que o mesmo não ultrapasse os limites que a lei impõe. Recentemente a Lei de Imprensa foi declarada inconstitucional pelo STF (Por 7 votos a 4,em 30/04/2009),e para que os profissionais da imprensa não ultrapassem os seus direitos, devem basear-se no Código de Ética do jornalismo, merecendo ainda maior destaque quando se tratar de informação ou notícia ligada a fatos penais. (ZOCANTE, 2010, p 134).
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4.2 Liberdade de expressão X Sensacionalismo Apesar de entrar em contradição, muitas vezes, com o princípio da presunção de inocência, a liberdade de imprensa não pode ser afetada, por se tratar de um princípio constitucional, assim como os direitos do réu. Sendo assim a mídia não pode ser proibida de veicular as informações dadas a ela, mas ao mesmo tempo não podem simplesmente formar opinião pública com os dados que lhe são passados, podendo sim prejudicar a pessoa que está sob julgamento. A liberdade de expressão pode-se definir como: Esta liberdade supõe que todos os indivíduos têm o direito de se expressar sem serem recriminados por causa das suas opiniões. A expressão nunca deve ser alvo de censura prévia, mas antes de responsabilidade posterior. Ou seja, com a liberdade de expressão, não se pode impedir que uma pessoa se exprima, mas pode-se penalizá-la pelo uso indevido da sua expressão. (ALMEIDA, 2010, p. 5). É importante diferenciar a liberdade de expressão, divulgação de informações, com o sensacionalismo muitas vezes presente. Entende-se como sensacionalismo: [...] manipular a informação de modo incompleto ou parcial e apresentar essa informação num formato exagerado ou enganador. A exploração de notícias sensacionalistas em geral resulta em audiência, mas também pode gerar em mais sensacionalismo. Sensacionalismo envolve também a certeza de verdade absoluta em determinados fatos, quando o que se tem são opiniões, hipóteses, casos isolados. O sensacionalismo é, na verdade, uma questão mundial, mas no Brasil foi transformado em instrumento da competição entre emissoras de televisão e jornais. Esta concorrência é prejudicial à formação de uma opinião pública clara e sensata. (UNGALUB, 2010.) É constitucional também o direito à informação, o direito da sociedade de ser informada, sendo tudo isso, consequência do direito de liberdade de manifestação do pensamento, ou seja, não se pode privar toda essa informação que circula dia-a-dia pelo país. O Tribunal do Júri é um dos mais eficazes meios de justiça existentes em nosso meio jurídico. O clamor e opinião pública são parte essencial para existência do mesmo, sendo raras às vezes em que a opinião pública não se manifeste sobre os julgamentos. O importante a ser ressaltado no presente trabalho é a não utilização de meios de comunicação como uma forma exagerada de veiculação de informações, não cabe aqui dizer o poderia ou não ser veiculado, mas como as informações poderiam chegar até a população. 4.3 A Liberdade de expressão como Direito Constitucional Em nossa Constituição atual, o art. 5° dispõe sobre os direitos e garantias fundamentais, estando entre eles a liberdade de expressão. Tal liberdade refere-se ao direito de informação, incluindo assim o direito de todos a informar, dar opiniões, como também o de ser informado. É importante e interessante ressaltar que, para os jornalistas,assim como qualquer profissional,existe um Código de Ética. Nesse Código, criado em 1985, é imposto alguns deveres aos veiculadores de informação, cabendo ressaltar o presente no artigo 2° “ a divulgação de informação precisa e correta, é dever dos meios de comunicação pública...”. Apesar de amparado constitucionalmente, a liberdade de expressão também é pautada em limites, não devendo os profissionais do meio se deixar contagiar pelos fatores externos que rodeiam o caso em questão. Vêse que nos julgamentos pelo Tribunal do Júri, os fatores externos são sempre presentes, fazendo com que muitas vezes a imprensa extrapole o limite entendido como razoável para a manifestação de opinião.
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O sistema de restrições constitucionais aos direitos fundamentais é baseado na premissa de que nenhum direito fundamental é absoluto. Por este motivo, a Constituição Federal prevê a possibilidade de minorar o conteúdo material de um direito fundamental para salvaguardar outro. Como já se afirmou o direito ao amplo exercício da liberdade de expressão é protegido constitucionalmente, devendo ser defendido da arbitrariedade do Poder Público. Por isto, toda manifestação do pensamento que agrida outrem deve ser contida, pois não faz parte da liberdade de expressão, ao contrário torna-se uma ameaça a este direito constitucional. Quando a imprensa age sem ética, pode causar danos irreparáveis na vida social das “vítimas” de uma má informação, e isso não será recuperado jamais, pois o choque que causou na sociedade, fomentado pelo sensacionalismo em busca de interesse econômico e preferência na imprensa, o tornou inesquecível. E a parte da ressocialização da pessoa dentro da sociedade não cabe mais à imprensa, pois esta é responsável apenas pela informação correta e direta, atendendo aí o direito à informação que está assegurado na Constituição. Logo, deve-se ter cautela ao exercer os direitos que estão assegurados, pois um direito não é maior do que o outro, quando se trata de direitos individuais, e o equívoco é inevitável. (ZOCANTE, 2010, p 140). O art. 5º, IX da Constituição Federal dispõe que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Assim, de acordo com a Carta Magna, a regra é a liberdade ampla para o exercício do direito à expressão, sendo que a restrição é exceção. Devese atentar, porém que, independentemente da fundamentação, a restrição sempre deverá apoiar-se na Constituição para que seja legítima. Seguindo citação do renomado doutrinador Pedro Lenza: “ Se, durante as manifestações acima expostas, houver violação da intimidade, vida privada, honra e imagem, será assegurado o direito á indenização...”. 5 CASO ISABELLA NARDONI A interferência da mídia estudada neste trabalho é claramente presente em um dos casos de maiores repercussão nacional, Esse caso mobilizou o País e a imprensa que tratou de fazer um pré-julgamento não respeitando a dignidade do casal que estava sendo acusado naquele momento. O caso Isabella Nardoni é um dos clássicos casos de forte influência da mídia no Tribunal do Júri. Ocorrido em 29 de Março de 2008, trazia como vítima uma criança de apenas 5 anos de idade que havia sido morta pelo pai e por sua madrasta. Desde o ocorrido, até o julgamento foram criadas e veiculadas várias suposições, além de cada passo processual ser marcado pela presença da imprensa. Notícias foram veiculadas 24 horas por dia sobre, na época, o suposto crime, tais como laudos periciais, depoimentos, fotos, entrevistas longas com delegados, peritos, policiais, desencadeando assim várias opiniões a cerca do caso. A comoção pública foi geral, confirmada com a presença de populares no julgamento dos acusados, e até opiniões pessoais de envolvidos no processo. Algumas das manchetes que foram veiculadas na época são: Isabella: depoimento de mãe motivou pedido de prisão. Terra (2 de Abril); Avô de menina que caiu de prédio isenta pai de culpa. Terra (31 de Março); Folha Online - Cotidiano - Meiga, Isabella faria 6 anos hoje - 18/04/2008. www1.folha.uol.com.br ; Folha Online - Cotidiano - Polícia Civil indicia pai de Isabella; prisão não será pedida hoje - 18/04/2008.
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Como consequência da exposição de tal caso,pode-se lembrar do livro escrito por um um médico com detalhes e afirmações pessoais sobre o caso Nardoni. O médico alagoano George Sanguinetti é autor de “A morte de Isabella Nardoni - Erros e Contradições Periciais” o qual pretendia publicar no ano de 2010. A obra, que não teve a autorização da família Oliveira para ser feita, inocenta o casal Nardoni, condenado em março deste ano pela morte da menina, e diz que o assassino foi um pedófilo não identificado. Cabe ressaltar que o que esta sendo analisado é a necessidade da veiculação das notícias da maneira que é feita,levando em consideração a relevância de tal informação para a sociedade,tais como especialistas traçando o perfil dos acusados,médicos e peritos estrangeiros analisando em rede nacional a reconstituição do crime,entre outros. Não cabe discutir aqui quem foi ou não o responsável pelo crime, e sim a efetividade e reputação da instituição do Tribunal do Júri, além das garantias do acusado. Diante disso, o cidadão deve se conscientizar e aprender e ter senso crítico, e não levar todas as informações veiculadas pela mídia como verdade real, fundamentando seus pensamentos sem a interferência de qualquer tipo. A sociedade não pode deixar de ter direito a livre acesso as informações,mas que estas não prejudiquem e nem influenciem o julgamento justo de qualquer acusado. Por fim,cabe conclui-se que se a informação a cerca dos julgamentos forem usadas de maneira erronea,podem prejudicar o acusado,levando a danos irreversíveis futuramente. Não se afirma aqui que deve ser feita uma limitação á imprensa,pois tal não seria possível,já que se trata de garantia constituicional,mas sim um controle das informações divulgadas,para que se possa ter um julgamento justo e sem a pressão social. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se a partir de todo o exposto que,quando se trata de crimes dolosos contra a vida,a cautela pela parte da imprensa deve ser redobrada, pois os prejuízos podem se tornar irreparáveis. Devendo assim respeitar pautadamente os direitos individuais fundamentais, englobando entre eles, os direitos á informação e os direitos também de quem está sendo acusado, sendo eles, a honra, a imagem a privacidade, entre outros. As Leis instituídas no nosso país servem para que vivamos em uma sociedade civilizada e não para que possamos julgar a vida pessoal de alguém e sim a sua conduta errônea perante as regras da nossa sociedade. Quando a imprensa age sem ética, pode causar um dano que jamais será recuperado, independente do julgamento, o “baque” causado perante á sociedade nunca será esquecido, sendo este pautado pelo sensacionalismo em busca de interesses e opiniões pessoais, tornando-o assim irreparável. A ressocialização de uma pessoa que esteve em julgamento por si só já é complicada, e se a imprensa utiliza-se de má informação para a divulgação do caso, não será mais responsabilizada e nem envolvida neste processo, causando a pessoa afetada inúmeros constrangimentos. Logo então, deve-se ter cautela em exercer os direitos concedidos, pois haveria então um conflito entre eles, e um não é maior e nem mais importante que o outro, podendo o equívoco ser inevitável.
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REFERÊNCIAS CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva. 2006. JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito a vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 384p. MORAES, Alexandre de. Constituição da República Federativa do Brasil. 29. ed. São Paulo. Editora Atlas. 2008. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1116 p TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. 8. ed. São Paulo: JusPODIVM, 2013. TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do júri : estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 347p UNGLAUB, Dalton. O que é sensacionalismo. Disponível em: <http://www. canalda imprensa.com.br/canalant/debate/tercedi%C3%A7%C3%A3o/debate6. htm>. Acesso em: 23 nov. 2013. ZOCANTE, Flávia Cristina. A influência da mídia no tribunal do júri. 2010. PENA,F. Teoria do Jornalismo. 2005. Editora Contexto. São Paulo. LENZA,Pedro. Direito Constituicional Esquematizado. 14. ed. Editora Saraiva. 2010. CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do júri, teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. GODOY, C. B. de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do júri. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. SODRÉ, N. W. História da Imprensa no Brasil. 4. ed. atual. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva 2 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Processo Civil Aplicado pelo CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor Assistente e Pesquisador da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Auxiliar da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor do Centro Universitário Newton Paiva. Professor Adjunto e Pesquisador da Faminas-BH. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI). Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”. 3 Antônio Eustáquio, Cristian Kiefer da Silva
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DA POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DAS VERBAS PREVIDENCIÁRIAS RECEBIDAS A TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA Ana Carolina de Oliveira Souza 1 Rodrigo Pessoa Pereira da Silva2 Banca examinadora3 RESUMO: O presente estudo se propõe a analisar se há ou não possibilidade de devolução de parcelas de benefício previdenciário recebidas a título de antecipação de tutela a ser posteriormente revogada por ocasião de prolação de sentença de improcedência. PALAVRAS-CHAVE: Benefício previdenciário. Tutela antecipada. Caráter alimentar. Sentença improcedente. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Seguridade Social: Previdência Social, Assistência Social e Saúde; 3 Da Previdência Social; 4 Da antecipação de tutela; 5 Irrepetibilidade dos benefícios previdenciários; 6 Considerações finais. Referências.
1INTRODUÇÃO Recentemente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, decidiu, no REsp 1.384.418/2013, pela obrigatoriedade de restituição de verbas previdenciárias recebidas por força de tutela antecipada posteriormente revogada, conforme se vê pela ementa a seguir transcrita: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS. 1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada. 2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada. 3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005. 4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu. 5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a “legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio” (AgRg no REsp 1.263.480/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição
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de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909/ SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011; AgRg no REsp 1.332.763/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp 639.544/PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349/ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS 23.746/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011. 6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: “quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, criase uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.” (REsp 1.244.182/ PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei). 7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária. 8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio. 9. Segundo o art. 3º da LINDB, “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC). 10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras.
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11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991. 12. Recurso Especial provido. (STJ, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 12/06/2013) Curiosamente, o entendimento jurisprudencial do próprio STJ já estava pacificado4 pela não obrigatoriedade de devolução das referidas verbas, o que acabou por gerar grande discussão acerca da matéria. Ocorre que, em virtude desse novo posicionamento do STJ, o INSS tem ingressado em juízo com o intuito de reaver as parcelas pagas com base em decisão concessiva de tutela antecipada posteriormente revogada. Com efeito, o presente estudo se propõe a analisar os fundamentos para a não devolução das parcelas previdenciárias. Para tanto, fazse necessária uma breve explanação acerca da Seguridade Social, bem como sua estrutura e a natureza da decisão que antecipa a tutela. 2 SEGURIDADE SOCIAL: Previdência Social, Assistência Social e Saúde A Seguridade Social foi instituída visando garantir a proteção social, e é abarcada pelo tripé disciplinado pela Constituição da República de 1988, qual seja a Assistência Social, Previdência Social e o direito à Saúde. O artigo 194 da Constituição da República dispõe: Art. 194. A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.5 Na acepção de Wagner Balera (2004, p. 28), a Seguridade Social é tida como o inventário de mecanismos de proteção social com que conta o aparato normativo a fim de, intervindo modeladoramente no mundo fenomênico, superar certas questões sociais.6 Nesse sentido, a Seguridade Social consiste em um sistema protetivo do Estado para com a sociedade, sendo atribuída a ele a responsabilidade de prover meios capazes de atender aos anseios e necessidades de todos na área social, providenciando a manutenção de um padrão mínimo de vida, através dos três programas sociais de maior relevância, quais sejam a Saúde, a Assistência e a Previdência Social. Insta salientar que o pagamento de benefício previdenciário, qualquer que seja, tem por finalidade precípua garantir ao beneficiário o mínimo necessário à sua sobrevivência, sendo a Seguridade Social um instrumento de bem-estar. Corroborando a isso, o Texto Constitucional, em seu artigo 7º, prevê como direito subjetivo dos trabalhadores a percepção de benefícios previdenciários. A Saúde, prevista nos artigos 196 a 200 da Constituição da República, é direito de todos e independe de contribuição para que seja garantida. Desse modo, qualquer pessoa tem direito de obter atendimento na rede pública de saúde. Cumpre ressaltar que a Saúde é segmento autônomo da Seguridade Social e não se confunde com a Previdência Social, uma vez que as ações nesta área são de responsabilidade direta do Ministério
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da Saúde, por meio do Sistema Único de Saúde. Assim, a Saúde será garantida mediante políticas sociais e econômicas, visando à redução do risco de doença e de outros agravos, com o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços necessários para sua promoção, proteção e recuperação. (IBRAHIM, 2008. p. 6)7 Consagrada no artigo 203 da Constituição da República e regida pela Lei 8.742/93, a Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, e, assim como a Saúde, independe de contribuição direta do beneficiário. Nesse diapasão, o artigo 1º da Lei 8.742/93 traz a definição legal para este segmento da Seguridade Social: Art. 1º. A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.8 Ainda, de acordo com o texto normativo supracitado, a Assistência Social tem por finalidade a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Noutro lado, a Previdência Social tem caráter contributivo e filiação obrigatória, trazendo algumas exigências para que o segurado tenha direito à proteção. Conforme passaremos a demonstrar, consiste em um “seguro” compulsório, eminentemente contributivo, mantido com recursos dos trabalhadores e de toda a sociedade, e destina-se àqueles que, em consequência de algum infortúnio, fique sem meios de auferir renda. 3 DA PREVIDÊNCIA SOCIAL A Previdência Social, prevista nos artigos 201 e 202 da Constituição da República, visa a garantia de proteção ao segurado que, por motivo de doença, invalidez, morte, idade, reclusão, maternidade, desemprego involuntário, encargos familiares ou acidente do trabalho, encontra-se sem meios de prover a própria subsistência. Nesse sentido, o artigo 1ª da Lei 8.213/91, que trata especificamente do Regime Geral da Previdência Social, e o artigo 201 da Constituição, preveem: Art. 1º. A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.9 Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. 10
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Assim, para cada situação (risco social) prevista no artigo 201 da Constituição da República, haverá um benefício previdenciário. Nas lições do publicista Fábio Zambitte Ibrahim (2008, p. 22), a Previdência Social é seguro sui generis, pois é de filiação compulsória para os regimes básicos, além de coletivo, contributivo e de organização estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais.11 Todavia, a concepção de risco social é bem abrangente, uma vez que o benefício previdenciário também abarca situações que não consistem em infortúnio, como, por exemplo, a maternidade. Tendo em vista seu caráter contributivo, a Previdência Social abrange um contingente mais restrito de beneficiários, ao revés da Assistência Social e do direito à Saúde, que dispensam contribuição. Considerando que não há qualquer acordo de vontades no regramento da Seguridade Social e que o segurado filia-se ao Regime compulsoriamente, a natureza jurídica dos regimes previdenciários é institucional, uma vez que o Estado, por meio de lei, utiliza-se de seu Poder de Império para vincular o segurado ao regime. Desse modo, em virtude da natureza institucional, e não contratual, não há que se falar em relação de consumo na Seguridade Social, mas sim em proteção coercitiva patrocinada pelo Estado, que utiliza como fonte de custeio do Regime, as contribuições do próprio segurado e da sociedade. Destarte, os benefícios previdenciários têm o condão de substituir os rendimentos do trabalho do segurado, que, em razão de impedimentos supervenientes, encontra-se impossibilitado de prover meios que garantam sua subsistência, sendo, portanto, parcelas de caráter alimentar. Nesse sentido, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen (2005, p. 51) lecionam: As prestações previdenciárias têm caráter alimentar, tanto assim que seus pagamentos, quando deferidos judicialmente, obedecem à ordem privilegiada, conforme previsão do art. 100, § 1º-A, da Constituição Federal de 1988. Na medida em que os benefícios previdenciários visam ofertar cobertura contra a ocorrência de riscos sociais, efetivos ou presumidos, assumem a função, no geral, substitutiva dos rendimentos do segurado, constituindo-se, assim, em fonte financeira para a subsistência individual e familiar. Fica evidente, assim, sua feição alimentar.12 Assim, cumpre dizer que a natureza alimentar dos benefícios previdenciários decorre do seu caráter substitutivo à renda do segurado que, definitiva ou temporariamente, não possui condições suficientes para prover sua manutenção. Como se vê, o caráter substitutivo dos benefícios previdenciários nos leva a crer que tais benefícios se constituem em alimentos, tendo em vista a presunção de que são imprescindíveis à manutenção do segurado e de sua família, o que os caracteriza, portanto, como parcelas irrepetíveis. Ademais, o Texto Constitucional, em seu artigo 7º, prevê o recebimento de benefícios previdenciários, tais como seguro-desemprego, licença à maternidade e aposentadoria, como direito inviolável dos trabalhadores, reforçando sua importância enquanto parcela substitutiva dos rendimentos do trabalho em razão de causas supervenientes. 4 DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA A antecipação dos efeitos da tutela consiste na possibilidade de o magistrado antecipar a produção dos efeitos da sentença para fase anterior à sua prolação, desde que haja prova inequívoca que o convença da verossimilhança das alegações do requerente, em conjunto com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou da caracterização da resistência da parte adversa. Nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil:
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Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. § 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.13 A presença dos referidos requisitos é imprescindível porque a tutela antecipada é a antecipação de um resultado que somente seria alcançado após a decisão de mérito transitada em julgado. Insta salientar que a Constituição da República dispõe, em seu artigo 6º, que a Previdência Social é um direito social.14 Desse modo, certo é que os entes federativos devem zelar pelo dever de garantir ao cidadão o cumprimento desse direito, devendo ser viabilizadas todas as providências possíveis para que ele seja efetivo. A doutrina majoritária entende que a antecipação dos efeitos da tutela, total ou parcial, desde que preenchidos os requisitos legais, não é mera faculdade do magistrado, mas sim seu dever, devendo a tutela ser concedida em decisão fundamentada, com a devida explanação das razões de seu deferimento. Elpídio Donizetti Nunes (2010, p. 341), conceitua a antecipação dos efeitos da tutela como adiantamento dos efeitos da decisão final, a ser proferida em processo de conhecimento, com a finalidade de evitar dano ao direito subjetivo da parte.15 Para Alexandre de Freitas Câmara (2010, p. 91), é uma forma de tutela jurisdicional satisfativa, prestada com base no juízo de probabilidade.16 No que tange à antecipação da tutela em ações previdenciárias, Fábio Zambitte Ibrahim (2008, p. 655) conclui que referido instituto visa privilegiar a efetividade do processo, providenciando a devida garantia de direitos aparentemente violados e carentes de imediata tutela. O §2º do artigo 273 prevê que a tutela antecipada não poderá ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Senão vejamos: Art. 273, § 2º. Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Note-se que o parágrafo supramencionado trata da “irreversibilidade do provimento antecipado” e não em “irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento”. Posto isso, a reversibilidade do provimen-
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À OBTENÇÃO DE UM BENEFÍCIO É IMPRESCRITÍVEL. AGRAVO REGIMENTAL DO INSS DESPROVIDO. 1. As normas previdenciárias primam pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. 2. Os benefícios previdenciários envolvem relações de trato sucessivo e atendem necessidades de caráter alimentar, razão pela qual a pretensão à obtenção de um benefício é imprescritível. 3. É firme o entendimento desta Corte de que, cumpridas as formalidades legais, o direito ao benefício previdenciário incorpora-se ao patrimônio jurídico do beneficiário, não podendo ser objeto, dest’arte, de modificação ou extinção. 4. Agravo Regimental do INSS desprovido. (AgRg no AREsp 311.396/SE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/03/2014, DJe 03/04/2014)
to, no que concerne ao benefício previdenciário, será sempre cabível, basta que a tutela seja revogada quando da prolação da sentença, cessando o pagamento do benefício. Lado outro, a reversibilidade dos efeitos fáticos do provimento nem sempre será possível, pois, considerando a hipossuficiência do segurado e a natureza alimentar do benefício previdenciário, será impossível retornar ao status quo ante. Isso porque, aqueles que postulam a antecipação de tutela em causas de cunho previdenciário, tem como única fonte de mantença as parcelas previdenciárias percebidas liminarmente, não tendo condições de devolvê-las ao Instituto Previdenciário no caso de posterior revogação da tutela, uma vez que se destinavam ao custeio das necessidades básicas de sustento do beneficiário e de sua família. Como se vê, as parcelas do benefício previdenciário concedidas em sede de antecipação tem o condão de custear a manutenção daquele que as pleiteia, configurando, assim, sua natureza alimentar, sendo inviável a devolução na hipótese de posterior revogação da tutela. 5 IRREPETIBILIDADE DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS Considerando a natureza substitutiva do benefício previdenciário aos rendimentos do trabalho do segurado, resta claro seu caráter alimentar, tendo em vista ser a única fonte de renda auferida pelo contribuinte que, por meio desse provento, viabilizará a própria subsistência e a de seus familiares, já que o segurado está a perceber o benefício exatamente por não poder auferir renda. Embora haja carência de disposição legal que equipare os benefícios previdenciários às verbas alimentares, a jurisprudência pátria e a doutrina entendem por sua natureza alimentar: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PERCEBIDO A TÍTULO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, POSTERIORMENTE REVOGADA. NATUREZA ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE. 1. As verbas previdenciárias, de caráter alimentar, percebidas antecipadamente por meio da concessão de tutela judicial, não são objeto de repetição. 2. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (AgRg no Ag 1.352.339/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 28.6.2011, DJe 3/8/2011.) AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS PELA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Os valores percebidos que foram pagos pela Administração Pública em decorrência de interpretação deficiente ou equivocada da lei, ou por força de decisão judicial, ainda que precária, não estão sujeitos à restituição, tendo em vista seu caráter alimentar e a boa-fé do segurado que não contribuiu para a realização do pagamento considerado indevido. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 8.433/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 20/03/2012, DJe 13/04/2012)
Dado o caráter alimentar dos benefícios previdenciários, não há que se falar em repetibilidade, uma vez que os alimentos são prestados para suprir as necessidades básicas do alimentando, motivo pelo qual são contemplados pelo princípio da irrepetibilidade. Em outras palavras, significa dizer que não há que se falar em devolução de alimentos já prestados. Ainda, há de se considerar que a decisão que antecipa os efeitos da tutela ao jurisdicionado, conforme determinação do artigo 93, inciso IX da Constituição da República, deve ser devidamente fundamentada, sob pena de nulidade. Logo, se o magistrado defere a tutela antecipada é porque os requisitos previstos no artigo 273, do Código de Processo Civil, se fazem presentes e está convicto de que o segurado faz jus ao recebimento do benefício pleiteado. Ademais, deve ser considerada a hipossuficiência do segurado e o fato de que as parcelas percebidas a título de antecipação foram recebidas de boa-fé pelo beneficiário, não podendo ser imputada a ele a devolução das mesmas na hipótese de sentença improcedente que revogue os efeitos da tutela concedida. Insta mencionar que não se trata meramente da boa-fé subjetiva, ou seja, aquela que se refere a uma condição psicológica do sujeito, em um estado de crença do próprio indivíduo; mas sim da boa-fé objetiva, considerando que a antecipação de tutela se deu mediante decisão judicial fundamentada e que o jurisdicionado confia no acerto do juízo que lhe deferiu o pleito antecipadamente, sendo essa confiança ensejadora de legítima expectativa do direito e elemento fundamental para a caracterização da boa-fé objetiva. Assim, para que houvesse obrigação de devolução das parcelas previdenciárias recebidas a título de tutela antecipada posteriormente revogada, seria necessária a comprovação de má-fé por parte do segurado. Inclusive, a boa-fé é requisito essencial para que se avalie se há ou não obrigatoriedade de restituição aos cofres previdenciários. Nesse sentido, colacionam-se os julgados do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO DE FUNDO DE DIREITO. INAPLICABILIDADE NAS DEMANDAS PREVIDENCIÁRIAS QUE ENVOLVEM RELAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO E ATENDEM NECESSIDADES DE CARÁTER ALIMENTAR, RAZÃO PELA QUAL A PRETENSÃO
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PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. (I) EQUÍVOCO ADMINISTRATIVO. INEXIGIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ PELA SEGURADA. CARÁTER ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. (II) INAPLICABILIDADE DO ART. 97 DA CF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Diante do caráter social das normas previdenciárias, que
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primam pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente. 2. Em face da natureza alimentar do benefício e a condição de hipossuficiência da parte segurada, torna-se inviável imporlhe o desconto de seu já reduzido benefício, comprometendo, inclusive, a sua própria sobrevivência. 3. Em caso semelhante, a 1a. Seção/STJ, no julgamento do REsp. 1.244.182/PB, representativo de controvérsia, manifestou-se quanto à impossibilidade de restituição de valores indevidamente recebidos por servidor público quando a Administração interpreta erroneamente uma lei. 4. Não houve (e não há necessidade de) declaração, sequer parcial, de inconstitucionalidade dos arts. 115 da Lei 8.213/91, 273, § 2o., e 475-O, do CPC, sendo despropositada a argumentação em torno do art. 97 da CF. 5. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no AREsp 395.882/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe 06/05/2014) PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA QUE DETERMINA O RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. CONFIRMAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO REFORMADA NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. 1. A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância. 2. Essa expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia - e, de fato, deve confiar - no acerto do duplo julgamento. 3. Por meio da edição da súm. 34/AGU, a própria União reconhece a irrepetibilidade da verba recebida de boa-fé, por servidor público, em virtude de interpretação errônea ou inadequada da Lei pela Administração. Desse modo, e com maior razão, assim também deve ser entendido na hipótese em que o restabelecimento do benefício previdenciário dá-se por ordem judicial posteriormente reformada. 4. Na hipótese, impor ao embargado a obrigação de devolver a verba que por anos recebeu de boa-fé, em virtude de ordem judicial com força definitiva, não se mostra razoável, na medida em que, justamente pela natureza alimentar do benefício então restabelecido, pressupõe-se que os valores correspondentes foram por ele utilizados para a manutenção da própria subsistência e de sua família. Assim, a ordem de restituição de tudo o que foi recebido, seguida à perda do respectivo benefício, fere a dignidade da pessoa humana e abala a confiança que se espera haver dos jurisdicionados nas decisões judiciais. 5. Embargos de divergência no recurso especial conhecidos e desprovidos.
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(EREsp 1086154/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2013, DJe 19/03/2014) Desse modo, não se mostra razoável imputar ao segurado a devolução das parcelas de benefício previdenciário recebidas via decisão judicial que antecipou os efeitos da tutela posteriormente revogada, a uma porque referidas parcelas foram recebidas de boa-fé pelo segurado, que confiou na decisão que antecipou os efeitos da tutela pretendida; a duas, porque as parcelas previdenciárias constituem verbas de natureza alimentar, presumindo que as mesmas foram aplicadas para custeio das necessidades vitais do segurado, ou seja, utilizadas para sua própria subsistência e de sua família.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após uma breve análise da estrutura e finalidade da Seguridade Social e do Instituto da antecipação de tutela, podemos concluir pelo equívoco no entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça. Conquanto a decisão objeto da presente crítica tenha se pautado em argumentos legítimos, não é razoável onerar o jurisdicionado na devolução de parcelas recebidas de boa-fé, destinadas ao custeio de sua manutenção e de sua família, tendo em vista serem parcelas substitutivas de seus rendimentos. Assim, em razão do caráter alimentar dos benefícios, da boafé do segurado, bem como da antecipação da tutela ter-se dado via decisão judicial fundamentada, não há possibilidade de devolução das parcelas previdenciárias recebidas por força de tutela antecipada posteriormente revogada em virtude de sentença improcedente. REFERÊNCIAS BRASIL. Código de Processo Civil - Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em 15 abr. 2014. BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Não cabe devolução das parcelas de caráter alimentar recebidas de boa-fé. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias-do-cjf/2013/dezembro-1/nao-cabe-devolucao-de-parcelas-de-carater-alimentar-recebidas-de-boa-fe> Acesso em 27 jan. 2014 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.> Acesso em 19 nov. 2013. BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l8213cons.htm>. Acesso em 1º mar. 2014. BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l8742.htm>. Acesso em 27 fev. 2014. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 20 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social: prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 2 ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 12 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.
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SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
5 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 27 fev. 2014.
Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 1.352.339/PR. Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Julgado em 28 jun. 2011. Disponível em: <https:// ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001788402&dt_publicacao=03/08/2011>. Acesso em 20 mai. 2014. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 8.433/RS. Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze. Julgado em 20 mar. 2012. Disponível em: <https:// ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201100976904&dt_publicacao=13/04/2012>. Acesso em 10 jan. 2014. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 311.396/SE. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 20 mar. 2014. Disponível em: <https:// ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201300964427&dt_publicacao=03/04/2014>. Acesso em 12 mai. 2014. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 395.882/RS. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 22 abr. 2014. Disponível em: <https:// ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201303100791&dt_publicacao=06/05/2014>. Acesso em 12 mai. 2014. Superior Tribunal de Justiça. EREsp 1086154/RS. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 20 nov. 2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201201143931&dt_publicacao=19/03/2014>. Acesso em: 12 mai. 2014. Superior Tribunal de Justiça. REsp n 1.384.418/SC. Relator: Ministro Herman Benjamin. Data do julgamento: 12 jun. 2013. Disponível em: <https:// ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201300320893&dt_publicacao=30/08/2013>. Acesso em 18 dez. 2013. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton. 2 Mestre em Direito Privado, professor do Centro Universitário Newton, Juiz Federal Substituto.
6 BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Lati, 2004. p. 28. 7 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 12 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 6. 8 BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l8742.htm>. Acesso em 27 fev. 2014. 9 BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l8213cons.htm>. Acesso em 1º mar. 2014. 10 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 27 fev. 2014. 11 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 12 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 22. 12 FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social: prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 51. 13 BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l5869compilada.htm>. Acesso em 15 abr. 2014. 14 Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 20 mai. 2014.
3 Gustavo da Matta Rodrigo Pessoa Pereira da Silva
15 NUNES, Elpídio Donizetti. Curso didático de direito processual civil. 13 ed., ampl., atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 341.
4 Precedentes: AgRg no REsp 1.054.163/RS, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 30 jun. 2008. AgRg no REsp 1.026.231/RS, Rel. Min. HAMIL-
16 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 20 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 91.
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DA IMPOSSIBILIDADE DE PLEITEAR INDENIZAÇÃO POR FALTA DE AFETO Arthur Henrique Magalhães Medeiros1 Leandro Henrique Simões Goulart2 Banca Examinadora3
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar e discutir questões relativas à possibilidade de se pleitear indenização por danos morais em razão da falta de afeto dos pais para com os filhos sob a ótica da impossibilidade, mesmo havendo decisões favoráveis nos Tribunais tanto da esfera estadual, quanto dos Superiores, abordando ainda a discrepância de posicionamentos doutrinários. PALAVRAS-CHAVE: Família; Abandono- Afetivo; Indenização; Danos Morais; Pais. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Da Indenização por Danos Morais; 3 O Afeto nas Relações Familiares; 4. A Impossibilidade de Pleitear Indenização por Falta de Afeto; 5. Conclusão.
1 - INTRODUÇÃO O Instituto do afeto já é alvo de discussões pela doutrina há bastante tempo, na medida em que se discutia se era de fato um princípio ou se estava implícito no princípio da solidariedade familiar. Atualmente se discute se é ou não possível o pleito de indenização pela falta do afeto. Neste Artigo será trabalhado o tema da impossibilidade de pleitear indenização por falta de afeto, visando explanar e demonstrar os motivos que nos levam a acreditar que o pleito não merece procedência, com base em doutrina e jurisprudência. 2- DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS A reparação civil ou responsabilidade civil, no que concerne a este tema, se dá de modo extracontratual, por se dar, conforme leciona o doutrinador Flávio Tartuce (p. 393, 2011), como resultado da ação ou omissão daquela determinada pessoa que deveria observar o respectivo preceito normativo que regula a vida. A reparação civil está regulada no artigo 927 do Código Civil e o seu responsável, conforme podemos depreender, é “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Para melhor compreensão devemos adentrar na seara do que seria o ato ilícito, dano e nexo causal. O ato ilícito, de um modo geral, segundo o doutrinador Flávio Tartuce (p. 396,2011) nada mais é do que: o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direitos e causando prejuízos a outrem. Diante de sua ocorrência, a norma jurídica cria o dever de reparar o dano, o que justifica o fato de ser o ato ilícito fonte do direito obrigacional. No Código Civil está definido nos artigos 186 e 187 quem comete e no que consiste o ato ilícito: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
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O dano é a consequência derivada do ato ilícito. Comprovado o dolo ou a culpa, o dano é o motivo da indenização, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial. Segundo Flávio Tartuce, via de regra “não há responsabilidade civil sem dano, cabendo o ônus da prova ao autor da demanda” (P.424, 2011). O Dano pode ser material ou moral. O dano material é concreto, ocorre quando atingir o patrimônio do ofendido. Já o dano moral é abstrato e ocorre quando atingir, de acordo com a doutrina, os direitos de personalidade do ofendido, o que dificulta, e muito, a definição da indenização, não havendo outro modo se não a arbitrariedade, observado o bom senso, para defini-la. O Nexo causal é o elemento de conexão entre o ato ilícito e o dano, formando-se, então, a responsabilidade civil. Este é um elemento abstrato de ligação que concretiza toda esta situação para que se forme a responsabilidade civil. 3 – O AFETO NAS RELAÇÕES FAMILIARES O afeto é algo abstrato e muito subjetivo, especialmente no direito, no qual é aplicado de maneiras distintas, mas com o mesmo fundamento, qual seja o relação entre as pessoas. Pode ser utilizado para fundamentar uma decisão que reconhece a paternidade sócio afetiva ou uma união estável também. Para o doutrinador Flávio Tartuce (P. 22, 2013), “o afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a expressão afeto do Texto Maior como sendo um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana.”. Este ainda diz, “a afetividade é princípio jurídico, gerando consequências concretas para o direito privado, ao contrário do que muitos podem pensar.”(P. 994, 2011). O Direito acompanha a mentalidade da sociedade, e com o instituto do afeto não foi diferente. É inegável que em outros tempos o afeto era nulo, completamente esquecido pela lei, mas atualmente isso tem mudado, uma mudança clara e notória, como se pode perceber com o próprio advento da Constituição da República e seus artigos 226 e 227: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
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§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010) § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
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VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204. § 8º A lei estabelecerá: (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas. (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) Este último em especial uma vez que nele se igualou os direitos dos filhos e inclusive dos adotivos, por exemplo. 4 – IMPOSSIBILIDADE DE PLEITEAR INDENIZAÇÃO POR FALTA DE AFETO Neste capítulo será feita a explanação das razões pelas quais a falta de afeto, por mais sórdido que pareça à primeira vista, não pode ser indenizável. Antes de mais nada, devemos aqui definir o que seria o dever de cuidado. A constituição define, em seu artigo 227, caput, de um modo geral, os deveres que concernem aos cuidados dos menores, e os responsáveis por botar em pratica os referidos deveres: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A Lei 8.069 de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, (vulgo ECA) também define, em seu artigo 4º os deveres e as prioridades entre estes, que os responsáveis devem ter com os menores: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
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relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. É possível perceber que ambas as leis impõem obrigações inerentes à sobrevivência e à formação de caráter da criança. O afeto, por sua vez, não é inerente à sobrevivência. Tal sentimento é importante para a formação do caráter por ser um facilitador, um meio melhor da criança compreender muitas lições de vida que seus genitores passam, contudo não é o único. O afeto se distingue do princípio da solidariedade familiar, na medida em que o princípio da solidariedade familiar seriam os deveres que os familiares têm entre sí, e o afeto seria o meio para cumprir estes deveres. Na doutrina, este é um assunto muito polêmico, que gera correntes e subcorrentes, conforme podemos depreender do artigo da Gabriela Soares Linhares Machado: O tema referente ao abandono afetivo na filiação e o consequente dever de reparação é novo no ordenamento pátrio, não havendo legislação específica tratando da matéria. Assim, no momento em que os magistrados e tribunais vão julgar as demandas interpostas perante o judiciário, a doutrina passa a ser uma importante fonte de auxílio. Vale salientar, porém, que não há consenso acerca da sanção a ser aplicada aos pais que, por omissão, descumpriram alguns dos deveres decorrentes do poder familiar. Diante disso, há duas correntes que merecem destaque. A primeira entende que é possível a reparação civil, utilizando como argumentos o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o princípio implícito da afetividade, bem como o princípio da proteção integral da criança e do adolescente. Por outro lado, a segunda corrente entende não ser possível a reparação pecuniária nos casos de abandono afetivo, sob pena de se quantificar o amor, sem se esquecer do fato de que ninguém pode ser obrigado a amar. Pelo apanhado da doutrina, verifica-se que Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Giselda Hironaka, Bernardo Castelo Branco, Rui Stoco, Rodrigo da Cunha Pereira, Maria Cláudia da Silva e Claudete Carvalho Canezin se posicionam favoravelmente à reparação civil do dano moral decorrente do abandono afetivo na filiação. Para Maria Berenice Dias, “comprovado que a falta de convívio pode gerar danos, a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável do filho, a omissão do pai gera dano afetivo susceptível de ser indenizado”.(DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 416.) No mesmo sentido, tem-se o ensinamento de Rui Stoco: “[...] o que se põe em relevo e exsurge como causa de responsabilização por dano moral é o abandono afetivo, decorrente do distanciamento físico e da omissão sentimental, ou seja a negação de carinho, de atenção, de amor e de consideração, através do afastamento, do desinteresse, do desprezo e falta de apoio e, às vezes, da completa ausência de relacionamento entre pai (ou mãe) e filho.”( STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 946.) Assim, percebe-se que, para os autores acima citados, deve haver indenização do dano moral provocado pela conduta omissiva do pai em cumprir o dever de convivência familiar,
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tendo em vista que o descumprimento deste dever impossibilita o desenvolvimento intelectual, emocional e social da criança. A conduta omissiva do pai, portanto, atenta contra a dignidade da criança e causa-lhe transtornos irreversíveis, sendo caracterizado como ato ilícito gerador do dever de indenizar. Compartilha desse entendimento Bernardo Castelo Branco: “A conduta omissiva dos pais no tocante à formação moral dos filhos, permitindo-lhes o livre acesso a ambientes nocivos ao seu desenvolvimento, ao contato com jogos, álcool e drogas, entre outros fatores deturpadores da personalidade, constitui, portanto, a adoção de comportamento ilícito, uma vez que viola um dever juridicamente imposto aos titulares do poder familiar.” (BRANCO, Bernardo Castelo. Dano moral no Direito de Família. São Paulo: Método, 2006, p. 194.) Convém ressaltar que o que enseja reparação é o descumprimento do dever jurídico de conviver com o filho e não a falta de afeto de per si. É, neste sentido, a lição de Wlademir Paes de Lira, ao dispor que “o dever dos pais em conviver com os filhos não está relacionado, apenas, com as questões afetivas, embora estas sejam extremamente importantes nas definições acerca da convivência. Tal dever está também relacionado com a paternidade/maternidade responsáveis, previstas no art. 226 da CF, assim como, está por que não acrescentar, ao direito fundamental da criança e do adolescente.”( LIRA, Wlademir Paes de. Direito da Criança e do Adolescente à convivência familiar e uma perspectiva de efetividade no Direito Brasileiro. In: Família e responsabilidade: Teoria e Prática do Direito de Família. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010, p. 550.) Para a corrente que segue entendendo pela impossibilidade da reparação civil, ressalta-se o argumento de que a reparação pecuniária do abandono afetivo provocaria uma monetarização do amor. Esse é o pensamento de Lizete Schuh, ao relatar que “[...] a simples indenização poderá representar um caráter meramente punitivo, reafirmando, cada vez mais, o quadro de mercantilização nas relações familiares.”(SCHUH, Lizete Peixoto Xavier. Responsabilidade civil por abandono afetivo: a valoração do elo perdido ou não consentido. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v. 8, n. 35, abril/maio 2006, p. 75.) No entanto, conforme já destacado no capítulo precedente, defende-se que a indenização, nestes casos, tem o intuito pedagógico, e não somente punitivo, à medida que também visa inibir futuras omissões dos pais em relação aos seus filhos. Ainda em sentido contrário à tese da reparação pecuniária, há os que argumentam que a infração dos encargos decorrentes do poder familiar encontra sanção prevista dentro do próprio direito de família, qual seja, a destituição do poder familiar. Adepto deste argumento é Renan Kfuri Lopes: “Filio-me ao entendimento que a violação aos deveres familiares gera apenas as sanções no âmbito do direito de família, refletindo, evidentemente, no íntimo afetivo e psicológico da relação [...]”.(LOPES, Renan Kfuri. Panorama da responsabilidade civil. Adv Advocacia Dinâmica: Seleções Jurídicas. São Paulo: COAD, nov. 2006, p. 54.) Sob essa ótica, também se posiciona Danielle Alheiros Diniz: “O descumprimento desse dever de convivência familiar deve ser analisado somente na seara do direito de família, sendo o caso para
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perda do poder familiar. Esse entendimento defende o melhor interesse da criança, pois um pai ou uma mãe que não convive com o filho não merece ter sobre ele qualquer tipo de direito.”(DINIZ, Danielle Alheiros. A impossibilidade de responsabilização civil dos pais por abandono afetivo. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2184, 24 jun. 2009. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/ texto/12987>. Acesso em: 27 mar. 2011.) Outra tese defendida pelos opositores da reparação do dano moral decorrente do abandono afetivo é a de que ninguém pode obrigar um pai a amar um filho, sendo este o cerne da questão. Nestes termos, para Lizete Schuh: “É dificultoso cogitar-se a possibilidade de determinada pessoa postular amor em juízo, visto que a capacidade de dar e de receber carinho faz parte do íntimo do ser humano, necessitando apenas de oportunidades para que aflore um sentimento que já lhe faz parte, não podendo o amor, em que pese tais conceitos, sofrer alterações histórico-culturais, ser criado ou concedido pelo Poder Judiciário.”( SCHUH, Lizete Peixoto Xavier. Responsabilidade civil por abandono afetivo: a valoração do elo perdido ou não consentido. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v. 8, n. 35, abril/maio 2006, p. 67-68.) Não obstante, em defesa da corrente doutrinária que admite a reparação pecuniária, se põe Giselda Hironaka, rebatendo o argumento acima referido: “[...] é certo que não se pode obrigar ninguém ao cumprimento do direito ao afeto, mas é verdade também que, se esse direito for maculado – desde que sejam respeitados certos pressupostos essenciais – seu titular pode sofrer as consequências do abandono afetivo e, por isso, poderá vir a lamentar-se em juízo, desde que a ausência ou omissão paternas tenham- lhe causado repercussões prejudiciais, ou negativas, em sua esfera pessoal – material e psicológica – repercussões estas que passam a ser consideradas, hoje em dia, como juridicamente relevantes.”( HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=289>. Acesso em 22 mar. 2011.) Nesse sentido, asseverara-se, mais uma vez, que a indenização se afigura possível em razão do descumprimento do dever de convivência familiar, direito fundamental da criança e do adolescente. Corrobora esse entendimento Priscilla Menezes da Silva: “O que se deveria tutelar com a teoria do abandono afetivo é o dever legal de convivência. Não se trata aqui da convivência diária, física, já que muitos pais se separaram ou nem chegam a viver juntos, mas da efetiva participação na vida dos filhos, a fim de realmente exercer o dever legal do poder familiar.”( SILVA, Priscilla Menezes da. A Amplitude Da Responsabilidade Familiar: Da Indenização por Abandono Afetivo por Consequência da Violação do Dever de Convivência. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=617>. Acesso em 02 abr. 2011.) Vale salientar que Catarina Almeida de Oliveira, levando em consideração que o princípio da afetividade envolve a ideia de solidariedade familiar, não se confundindo, portanto, com o sentimento de afeto existente entre pai e filho,
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destacou que a lei pode sim obrigar os indivíduos a amarem seus filhos, mas claro que de forma objetiva. Para ela, portanto, “ao confundir a afetividade que pode ser realizada, independentemente do sentimento que se tenha, com aquelas outras expressões do amor (...), corre-se o risco de afastar da proteção do Judiciário, situações que tenham esse princípio como cerne, como por exemplo, o abandono afetivo, o que justificaria o argumento contrário de que a lei não pode obrigar ninguém a amar. Pode sim. Objetivamente.”( OLIVEIRA, Catarina Almeida de. Refletindo o afeto nas relações de família. Pode o direito impor amor? In: Famílias no Direito Contemporâneo: estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lôbo. Coord. Fabíola Santos Albuquerque, Marcos Ehrhardt Jr. e Catarina Almeida de Oliveira. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 66.) Ainda para os opositores da indenização nos casos de abandono afetivo, a propositura de ação de reparação civil afetaria ainda mais a relação paterno-filial, prejudicando a convivência familiar. Por isso é que os próprios adeptos da responsabilização civil nos casos de abandono afetivo destacam que esta análise deve ser feita de forma prudente e contextualizada, a fim de evitar a quebra do vínculo afetivo, por ventura, ainda existente entre pai e filho. Neste sentido, assevera Bernardo Castelo Branco: “[...] a particularidade que cerca a relação paterno-filial, eis que fundada essencialmente na afetividade entre os sujeitos que dela participam, não permite a aplicação integral dos princípios que regem a responsabilidade civil. Logo, mesmo no campo específico do dano moral, cabe aferir em que medida o comportamento adotado foi capaz de romper os eventuais laços de afeto entre pais e filhos, uma vez que a admissibilidade da reparação não pode servir de estopim a provocar a desagregação da família ou o desfazimento dos vínculos que devem existir entre os sujeitos daquela relação.” (BRANCO, Bernardo Castelo. Dano moral no Direito de Família. São Paulo: Método, 2006, p. 117-118.) Importa destacar, por oportuno, que outras controvérsias surgem, até mesmo dentro dos adeptos da teoria da responsabilização civil nos casos de abandono afetivo, a exemplo do tipo de caráter que seria assumido pela indenização. Para alguns autores, como Giselda Hironaka(Cf. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressuposto, elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=288>. Acesso em 22.03.11), o verdadeiro objetivo da indenização seria impedir futuras negligências no campo afetivo, de maneira que a ela teria caráter educativo e pedagógico. Contudo, para os pais que praticaram a conduta ilícita, a indenização não deixa de ter caráter punitivo e dissuasório, conforme entende Cláudia Maria da Silva(Cf. SILVA, Cláudia Maria da. Descumprimento do dever de convivência familiar e indenização por danos à personalidade do filho. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v. 6, n. 25, p. 122-147, ago. /set. 2005.). Há, ainda, aqueles que defendem o caráter compensatório da indenização, a exemplo de Claudete Carvalho Canezin (Cf. CANEZIN, Claudete Carvalho. Da reparação do dano existencial ao filho decorrente do abandono paterno-filial. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v. 8, n. 36, p. 71-86, jun. /jul.
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2006.) e os de pensamento mais moderado, como Maria Isabel Pereira da Costa (Cf. COSTA, Maria Isabel Pereira da. Família: do autoritarismo ao afeto. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, n. 32, p. 20-39, out./nov. 2005.), que defendem que o valor decorrente da indenização deve ser utilizado para o pagamento de tratamento psicológico do filho, tendo em vista as péssimas condições deste tratamento na rede pública de saúde e o alto custo das redes não conveniadas. De toda sorte, pelo estudo realizado, verifica-se que, para grande parte da doutrina, deve haver uma análise responsável e prudente dos requisitos autorizadores da responsabilização civil nos casos de abandono afetivo, para que, uma vez comprovado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo filho e a atitude omissiva e voluntária do pai no cumprimento do dever de convivência familiar, possa surgir o dever de indenizar. Este é o pensamento de Paulo Lôbo: “[...] Entendemos que o princípio da paternidade responsável estabelecido no art. 226 da Constituição não se resume ao cumprimento do dever de assistência material. Abrange também a assistência moral, que é dever jurídico cujo descumprimento pode levar à pretensão indenizatória.” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 287.) As jurisprudências acerca do tema ainda são poucas em razão, como podemos ver acima, da delicadeza deste. Mas um julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema merece destaque: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
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7. Recurso especial parcialmente provido. (Superior Tribunal de Justiça. REsp. 2009/0193701-9. Relator: ANDRIGHI, Nancy. Publicado no DJE DATA:10/05/2012 RDDP VOL.:00112 PG:00137 RSTJ VOL.:00226 PG:00435 ..DTPB). Neste julgado que teve o voto do Ministro Massami Uyeda como vencido a Ministra Relatora Nancy Andrighi, concedeu a indenização sob o argumento de que o afeto e o dever de cuidado se confundem. Mas o mais interessante é o voto do Ministro Uyeda. Ele resume o caminho do processo até o STJ, (STJ, Resp. 2009/0193701-9): (...)o pai foi, de certa maneira, forçado a reconhecer a paternidade, porque uma pessoa nasceu fora da programação da vida dele. Ele é próspero, abastado, mas, judicialmente, foi condenado a pagar alimentos na faixa de dois salários mínimos até a maioridade dessa moça. E aí, não sei quando entrou esta ação, porque, no meio do voto, S. Exa. diz assim: agora a autora é uma pessoa já com formação, encaminhada na vida, casada, tem filhos e lamenta o abandono material no sentido de um conforto psicológico, de uma assistência, um acompanhamento que todo pai deveria ter. O Juízo de Primeiro Grau, analisando as provas, concluiu que o pedido era improcedente. O Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença e fixou uma indenização no valor de R$ 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil reais). Tribunal de Justiça. REsp. 2009/0193701-9. Relator: ANDRIGHI, Nancy. Publicado no DJE DATA:10/05/2012 RDDP VOL.:00112 PG:00137 RSTJ VOL.:00226 PG:00435 E a partir daí, segue analisando a defesa do pai de que a consequência para o caso deveria ser a perda do pátrio poder, mas que a Min. Rel. diz que não só a perda do pátrio poder, “mas há o complexo dos direitos inerentes à honra, à estima, e que isso caracterizaria o dano moral.” (STJ, Resp. 2009/0193701-9). Contudo, segundo o doutrinador Flávio Tartuce (P. 424, 2011), via de regra“não há responsabilidade civil sem dano, cabendo o ônus da prova ao autor da demanda”. E o dano como já vimos, decorre de um ato ilícito. E, seguindo a linha de raciocínio, a mera falta do afeto, não ensejaria em ato ilícito, uma vez que tal sentimento é espontâneo e não surte o efeito esperado caso seja forçado entre duas partes, muito pelo contrário, pode deteriorar ainda mais a relação, tornando o que seria uma relação fria em uma relação de ódio, aí sim, podendo resultar em um dano muito maior. Deve se lembrar que, para os pais que não cumprem o dever de cuidado, em respeito ao princípio da solidariedade familiar, há o instituto da pensão alimentícia, que tem justamente com o propósito de obrigar ao genitor a cumprir com o dever de cuidado para com o menor. O Min. Uyeda ainda vai além, alertando a Min. Rel. sobre a possibilidade de aumento dos atritos familiares e, em consequência, de ações de má fé, neste caso, entre familiares (STJ, Resp. 2009/0193701-9): Ora, se atentarmos para a realidade dos fatos, qualquer filho, qualquer filha, enfim, qualquer pessoa poderá dizer assim: mas estou sendo preterido em relação aos meus irmãos e qualquer dado subjetivo poderia motivar um pedido de indenização por dano moral. Ora, isso faria com que quantificássemos ou potencializássemos as mágoas íntimas – muitas legítimas, algumas supostamente legítimas – de filhos, de irmãos, de pais, de marido e mulher também, porque o dever dos cônjuges está entre prestar assistência, amar e tal. E os estudos indicam que esse amor é uma coisa da convivência.
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O que pode acontecer nesse nível de família? Quando a situação se torna de tal maneira insustentável, separação de fato, separação judicial, divórcio. E alguém dizer que, além disso, quer o dano moral porque não foi tratado condignamente como esposa, como marido, ou, então, neste caso, como filha. O Min. Uyeda atenta ainda para a argumentação baseada em estudos psicológicos para este caso que, insisto, é muito delicado para se analisar como algo padronizado, (STJ, Resp. 2009/0193701-9): (...) V. Exa. cita, aqui, estudos de psicologia muito bem calcados, os estudos são, eminentemente, programáticos no sentido de que o ideal da convivência das pessoas é que todos tivéssemos uma vida em família harmoniosa, com o pai e a mãe expedindo esse amor, esse carinho, mas manifestação de amor e carinho é meio complexo. Não posso exigir que osmeus padrões psicológicos se coloquem na normalidade.19 5 - CONCLUSÃO Neste artigo foi defendida a impossibilidade da aplicação de um dos mais recentes e polêmicos institutos do nosso ordenamento jurídico, qual seja, a indenização em razão da falta de afeto. Conclui-se como não sendo possível a aplicação de indenização por danos materiais em razão da falta de afeto, visto que como demonstrado anteriormente, para que se aplique o instituto da indenização pelo dano moral, é necessário que haja dano por ato ilícito. Com isso desde que seja provido tudo o que for necessário para o crescimento físico e intelectual do menor, em outras palavras, desde que o genitor cumpra com o dever de cuidado, não há que se falar em indenização por falta de afeto, ainda que haja o dano causado pela tristeza da ausência de um pai que não compartilhe parte de seu tempo com seu filho, por meio de atividades de lazer e entretenimento. Afinal de contas é como o Ministro Massami Uyeda encerra seu voto: “Existe uma lesão à estima. Todos nós... A nossa vida é feita de perdas e ganhos, talvez até mais de perdas do que de ganhos.” (STJ, Resp. 2009/0193701-9). E completo, dizendo que devemos aprender a lidar com essas perdas.
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REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Lex: Vade Mecum Saraiva.11ª Ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Lex: Vade Mecum Saraiva. 11ª Ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Institui o Código Civil. Lex: Vade Mecum Saraiva. 11ª Ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 2009/0193701-9. Relator: ANDRIGHI, Nancy. Publicado no DJE DATA:10/05/2012 RDDP VOL.:00112 PG:00137 RSTJ VOL.:00226 PG:00435 ..DTPB. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200901937019&dt_publicacao =10/05/2012. Acessado em 31-05-2014.) MACHADO, Gabriela Soares Linhares. Análise doutrinária e jurisprudencial acerca do abandono afetivo na filiação e sua reparação. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: <http://www.ambito- juridico. com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12587&revist a_caderno=14>. Acesso em maio 2014. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil, Vol. 5: Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.
NOTAS DE FIM 1 Acadêmico do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton. 2 Mestre em Direito pela FUMEC, Especialista em Processo Civil Pela UNI-BH, Professor do Centro Universitário Newton Paiva das Disciplinas Processo Civil e Ética, Coordenador do CEJU – Centro de Exercícios Jurídicos – Professor de Processo Civil da UNIPAC – Itabirito – Advogado. 3 Ronaldo Passos Braga, Leandro Henrique Simões Goulart
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DIREITOS HUMANOS E A PROBLEMÁTICA DO TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL Ana Luíza Ribeiro Diniz1 Cristian Kiefer da Silva2 Banca examinadora 3 RESUMO: O artigo científico abordará a problemática do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual; de modo a incentivar a discussão pela comunidade jurídica de um assunto que ainda precisa enfrentar tantos desafios de modo a se pensar em mecanismos que tornem as políticas públicas realmente eficazes para combater tal prática, haja vista que ainda observa-se, nos dias de hoje, mesmo com todos os veículos de acesso a informações existentes, a realização dessa prática de forma corriqueira. Desta feita, o trabalho consiste em apontar o surgimento do problema e como ele se desenvolveu até os dias atuais, identificando quais são as formas e os meios pelos quais se dá o tráfico de pessoas e qual a camada social mais atingida, bem como, estabelecer quais as regiões e locais onde o aliciamento de pessoas se faz mais comum e, por fim, enumerar eventuais soluções que possam contribuir para a extinção ou diminuição do problema em voga. PALAVRAS-CHAVE: Tráfico de pessoas; direitos humanos; exploração sexual; aliciamento; políticas públicas. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA; 2.1 Origem do tráfico de pessoas no mundo; 2.2 Origem do tráfico de pessoas no Brasil; 3 NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE O TRÁFICO DE PESSOAS; 3.1 Tráfico de pessoas: conceito; 3.2 Formas de aliciamento das vítimas; 3.3 Redes de favorecimento à traficância; 4 PERFIL DAS PESSOAS TRAFICADAS; 4.1 Crianças, adolescentes, homens e mulheres; 4.2 Perfil dos aliciadores; 4.3 Principais locais e regiões de incidência do tráfico de pessoas; 5 O TRÁFICO DE PESSOAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO; 5.1 O princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal; 5.2 Legislação internacional e nacional consoante ao tráfico de pessoas; 6 MODALIDADES DE EXPLORAÇÃO SEXUAL; 6.1 Exploração sexual: conceito; 6.2 Modalidades; 6.2.1 Prostituição; 6.2.2 Turismo sexual; 6.2.3 Pornografia infantil e pedofilia; 7 AÇÕES AFIRMATIVAS E PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS; 7.1 Proteção e tratamento das vítimas do tráfico; 7.2 Dificuldades de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e possíveis soluções ao problema; 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS e REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO O mundo globalizado, tecnológico e constantemente conectado a todo e qualquer tipo de informação, sem dúvida trouxe desenvolvimento para as sociedades em geral sob diversos aspectos, possibilitando, por exemplo, que possamos realizar várias atividades diárias em um curto espaço de tempo. Ao contrário do que ocorria há alguns anos, hoje somos capazes de enviar e-mails, mensagens instantâneas, acessar as redes sociais, realizar transações bancárias, estabelecer uma rota de um local para outro por meio do GPS, dentre outras coisas, a qualquer momento e em qualquer lugar. Isto é, ao longo do tempo, as relações sociais e a vida cotidiana se tornaram mais dinâmicas, possibilitando que a informação circule mais rapidamente. Todavia, apesar de todos os benefícios trazidos pela globalização, povos de várias partes do mundo, inclusive no Brasil, têm experimentado o lado oposto da moeda, qual seja, quando a tecnologia e a circulação da informação “agem” em desfavor da população. Em primeiro lugar, porque nem todas as pessoas têm acesso a este mundo globalizado, e neste ponto, ressaltamos a camada mais pobre da sociedade que, sequer tem acesso a condições dignas de vida, quanto mais à internet e outros meios de comunicação e, em segundo lugar, porque essa rápida circulação da informação, favorece demasiadamente as organizações criminosas na realização da prática do tráfico de pessoas. Desta maneira, levando-se em consideração aspectos como a discriminação, insuficiência econômica e social e a precariedade de serviços básicos de educação e saúde, observamos aqui um quadro extremamente propício ao tráfico de pessoas nas suas diversas modalidades; haja vista que se trata de pessoas que lutam diariamente pela sobrevivência e, por tal motivo, não hesitam em aceitar as propostas dos aliciadores, como forma de buscar melhores condições de vida. LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA 2.1 Origem do tráfico de pessoas no mundo Em âmbito internacional, sabe-se que a prática do tráfico de pessoas já existia na Antiguidade Clássica, especialmente na Grécia e Roma, na qual era necessária a captura de mão-de-obra para desempenhar trabalhos braçais e esses escravos normalmente eram os prisioneiros de guerra dominados pelos conquistadores. Entretanto, não é possível precisar o período exato do seu surgimento. Pode-se dizer que o tráfico de pessoas se intensificou no contexto das guerras e conflitos mundiais, as quais devastaram os países envolvidos e deixaram a população à mercê da miséria e da pobreza; o que influenciou de forma substancial a transferência de pessoas de um local para outro, haja vista a ausência de condições de sobrevivência no país de origem. Neste sentido, Marco Antônio de Barros, Doutor e Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie expõe que na Europa, onde infindáveis guerras e conflitos armados geraram sucessivas hordas de miseráveis famintos, elevado contingente de mulheres originárias das regiões mais sofríveis como a Polônia, Rússia e Galícia foram traficadas e submetidas à prostituição. E hoje, esse mal persiste, alimentado por ações geralmente camufladas por um modus operandi que é mais sutil (ou mais escondido) em sua operacionalização, sendo dominado pela criminalidade organizada internacional e nacional. (BARROS, 2010, p. 7) Apesar da proibição do tráfico negreiro e da escravidão a partir da edição de leis internas e assinaturas de Tratados e Convenções internacionais por vários Estados que passaram a assegurar direitos humanos fundamentais; em todo o ano, milhões de pessoas ainda são vendidas e compradas em diversas partes do mundo, configurando um crime transnacional organizado de alta complexidade e de difícil solução. De acordo com a Organização das Nações Unidas
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os criminosos lucram ao mesmo tempo em que atendem à demanda dos consumidores. No centro dessa cadeia estão as vítimas, em situação de vulnerabilidade pela pobreza, pela desigualdade de gênero e de raça e por um processo de desenvolvimento assimétrico entre os países e entre diferentes regiões dentro do mesmo território. (UNODC, 2014, p. 2)
o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos. (BRASIL, 2004)
Ainda segundo dados do ano de 2012 da Organização das Nações Unidas, o tráfico de pessoas nas suas várias modalidades, nos dias atuais, é uma das condutas ilícitas que mais gera lucro em todo o mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e o tráfico de armas. 2.2 Origem do tráfico de pessoas no Brasil A origem do tráfico de pessoas em território brasileiro reporta à época do Brasil-colônia estendendo-se por quase todo o período do Império, quando era plenamente possível, isto é, não havia nenhuma intervenção estatal desfavorável à prática em questão, a transferência de homens, mulheres e crianças para o território nacional, cujo objetivo principal era a realização de exploração da mão-de-obra escrava e, consequentemente, como é trazido nos livros de história, a exploração sexual e a servidão doméstica, que ocorriam por intermédio dos castigos físicos. Cumpre assinalar que tal como nos dias atuais, o tráfico de pessoas já era considerada uma atividade lucrativa, haja vista que a mãode-obra indígena encontrada no Brasil, não favorecia a produtividade local e, por conseguinte, não correspondia aos anseios econômicos de Portugal. Por tal motivo, houve a necessidade de trazer para o Brasil uma força de trabalho mais rentável e a oportunidade surgiu com o tráfico negreiro que já era amplamente difundido na Europa. Ao longo de todos os anos de escravidão brasileira, houve algumas tentativas de acordo com relação ao tráfico negreiro, mas, que na prática, não tiveram efetividade. Pelo contrário, durante a Idade Moderna, especialmente após a descoberta das Américas, a obtenção de lucro era o principal objetivo, não importando quais os meios que seriam utilizados para tanto. Somente com a Lei Áurea em 1888 é que o país proibiu o recebimento de navios negreiros, tornando a prática verdadeiramente ilícita. Não obstante o tráfico de pessoas ser considerada uma conduta ilícita, ele ocorre de forma avassaladora nos dias de hoje e é também considerada uma forma de escravidão tão cruel quanto a que ocorria nas senzalas, uma vez que as vítimas são privadas do seu direito à saúde, à vida, à liberdade de ir e vir e à dignidade humana assegurada pelo art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, tendo em vista que são submetidas a todo tipo de violência, seja ela física ou psíquica. 3 NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE O TRÁFICO DE PESSOAS 3.1 Tráfico de pessoas: conceito Segundo o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Estado de Goiás, o tráfico de pessoas “é uma prática criminosa que surgiu com o tráfico negreiro para a exploração laboral por meio da escravidão, sendo posteriormente agregado ao conceito de tráfico de pessoas, a negociação de mulheres para fins de exploração sexual” (BRASIL, 2013). É “violação de direitos humanos e um problema ligado à globalização e à desigualdade social, bem como questões de gênero, raça e etnia” (UNODC, 2014, p. 2). O conceito de tráfico de pessoas reconhecido internacionalmente está previsto no art. 3º, “a” da Convenção de Palermo, regulamentada pelo Decreto nº 5.017 de 12 de março de 2004, que promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças e determina que consiste
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De acordo com a Convenção, inclui-se ainda no conceito de tráfico de pessoas, o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou o recolhimento de criança para fins de exploração, ainda que não for utilizado nenhum dos meios supracitados, entendendo o termo “criança” como qualquer pessoa que tenha idade inferior a dezoito anos (art. 3º, “c” e “d”). Em síntese, trata-se de atuação ilícita que se perfaz em âmbito nacional e internacional através de organizações criminosas, por meio da transferência de pessoas de um local para outro, cujo objetivo é a percepção de lucro e tem como fatores principais a intensificação do turismo sexual, poucas perspectivas de emprego e desenvolvimento pessoal, precariedade dos serviços de saúde e educação, dificuldade de acesso à informação e as desigualdades econômicas e sociais que atingem as camadas mais pobres da população. 3.2 Formas de aliciamento das vítimas No que diz respeito à captação de pessoas para fins de exploração, os aliciadores se utilizam de várias formas para obter o consentimento da vítima. Em geral, eles abordam suas vítimas ressaltando as suas características físicas e a facilidade de ganhar dinheiro no exterior – quando tratar-se de tráfico internacional de pessoas – ou mesmo em outras regiões do Brasil – quando se tratar do tráfico interno – bem como, as promessas de melhores condições de vida advindas de carreiras bem sucedidas. Quanto ao consentimento da vítima, importante remeter ao art. 3º, “b” da Convenção de Palermo que estabelece que o consentimento da vítima do tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea “a” do presente artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea “a” do presente artigo. (BRASIL, 2004) Assim sendo, o consentimento viciado da vítima para configuração do crime de tráfico humano, será considerado irrelevante, visto que foi conseguido através de meios fraudulentos. Além do aproveitamento da vulnerabilidade das vítimas, também são utilizados os meios supramencionados no art. 3º, “a” da Convenção de Palermo, quais sejam: a força, ameaça, coação, rapto, o abuso de autoridade e a promessa ou entrega de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. Por fim, superada a fase da obtenção do consentimento da vítima, os aliciadores passam a proceder de modo a efetivar a transferência da pessoa de um local para outro e, em se tratando do tráfico interno e também do tráfico internacional de pessoas, são os próprios aliciadores quem providenciam o passaporte e os documentos necessários para a saída do território nacional.
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3.3 Redes de favorecimento à traficância São várias as finalidades do tráfico de pessoas na atualidade. Ocorre para fins de retirada e venda de órgãos e tecidos, para exploração laboral em regime de escravidão, para fins de adoção ilegal e para fins de exploração sexual. Sem dúvidas, a principal rede de favorecimento à traficância é para a aquisição de lucro, sendo esta uma atividade que, segundo dados da Organização das Nações Unidas, estima-se que a prática rende em torno de 32 bilhões de dólares por ano, ficando atrás apenas do tráfico de armas e de drogas (UNODC, 2012). As pessoas que são aliciadas são transportadas para outro Estado da federação – no caso do tráfico interno – ou para outros países – no caso do tráfico internacional – e ao chegar ao destino, é retirado o passaporte e todos os outros documentos de posse da vítima, de modo a dificultar a fuga. Essas pessoas ficam mantidas em cativeiro em locais insalubres e expostas a qualquer tipo de doença; são vigiadas a todo o momento e recebem alimentação de péssima qualidade que mal serve para a sobrevivência. No caso da exploração sexual, durante a noite essas pessoas são levadas para bares, casas de shows ou até mesmo prestam seus serviços na rua – em geral, como forma de punir algum mau comportamento – e devem, pois, seguir uma série de regras que lhes são impostas. As quadrilhas são muito bem estruturadas, de forma que cada membro possui a sua função. Existem os responsáveis pela captação das vítimas; para providenciar os documentos necessários; para facilitar a saída de pessoas dos aeroportos e rodoviárias, que em geral são funcionários; os responsáveis por conduzir as vítimas ao confinamento e vigiá-las e, finalmente, os que vão efetivamente negociar a prestação dos serviços sexuais. Após várias noites de serviços prestados, as vítimas recebem valor irrisório e completamente diferente do que foi combinado com o aliciador e, com isso, as quadrilhas chegam a lucrar 30 mil dólares com cada pessoa traficada (UNODC, 2009). O tráfico humano também poderá ocorrer mediante troca de favores; e essa situação é bastante corriqueira nos Estados localizados no Nordeste do país, nos quais é comum, além das mulheres, crianças e adolescentes serem fornecidas pelos próprios pais para prestar favores sexuais em troca de emprego, alimentação e vestuário. Importante observar que se trata de um ciclo: são pessoas que vivem em situação de extrema pobreza, que não têm acesso à educação e outros serviços básicos essenciais e, consequentemente, não vislumbram qualquer perspectiva de vida, restando assim, buscar outros meios de sobrevivência, que ocorre quase que na totalidade das vezes no campo da prostituição. Também é fator preponderante para a prática do tráfico de pessoas, a falta de fiscalização do Estado e a corrupção, haja vista que muitos membros das diversas quadrilhas espalhadas pelo mundo exercem função pública sendo, portanto, responsáveis por fiscalizar e aplicar penalidades e, no entanto, contribuem para a intensificação da prática em questão, porque também terão retorno financeiro. Deste modo, as políticas públicas já existentes se tornam ineficazes pela própria ineficiência e omissão do Estado. 4 PERFIL DAS PESSOAS TRAFICADAS Em linhas gerais, tanto em âmbito interno quanto externo, as vítimas do tráfico humano compõem-se de pessoas de classe baixa, moradoras de periferias e comunidades nas quais os serviços de saúde e saneamento básico são completamente precários, com baixo ou nenhum grau de escolaridade, restrito acesso à informação e, consequentemente, com pouca ou nenhuma perspectiva de vida. Por isso são consideradas pessoas vulneráveis e facilmente influenciáveis pelos aliciadores, pois, vislumbram em suas propostas, oportunidade de melhorar sua condição de vida.
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4.1 Crianças, adolescentes, homens e mulheres A maioria das pessoas que são traficadas hoje, em todo o mundo, são mulheres cuja destinação, em regra, é o mercado da pornografia e da exploração sexual. Segundo Edgar Lopes da Costa Neto em estudo intitulado Tráfico Internacional de Seres Humanos, estima-se que 700 mil mulheres são comercializadas todo o ano, totalizando 83% das vítimas, sendo que 48% delas são menores de 18 anos (NETO, 2014, p. 13). No Brasil, segundo pesquisa realizada pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os Estados que mais fornecem mulheres para o tráfico, são Goiás e Minas Gerais (BRASIL, 2014). A pesquisa revela que 57% dessas mulheres têm ensino médio completo ou incompleto e, antes de sair do Brasil, 41% tinham renda mensal de um a três salários mínimos. De modo geral, exercem trabalhos domésticos, tais como cozinheira, arrumadeira, empregada doméstica e diarista e no comércio, quais sejam: balconista, atendente, auxiliar de serviços gerais e garçonete. Com relação à faixa etária, 47,4% tem entre 25 e 40 anos e 37% tem entre 18 e 24 anos (BRASIL, 2014). As crianças e adolescentes também compõem de forma substancial o número de pessoas traficadas e, em geral, já estão submetidas a algum tipo de violência sexual ou doméstica – abuso sexual, estupro, corrupção de menores, maus-tratos, abandono, negligência, dentre outros – realizada pelos próprios familiares; contexto este que facilita a inserção das mesmas no mercado da prostituição e do tráfico para fins de exploração sexual. No que diz respeito aos homens, estes representam a minoria. Segundo Edgar Lopes da Costa Neto, totalizam 5% das vítimas e, de modo geral, ocorre devido à situação de refugiado e/ou imigrante ilegal (NETO, 2014, p. 13). 4.2 Perfil dos aliciadores Usualmente, os aliciadores são pessoas próximas das vítimas ou de seus familiares e amigos, e com elas possuem algum tipo de vínculo afetivo. Em virtude dos laços de afetividade, o tráfico de pessoas torna-se mais fácil justamente porque se estabelece uma relação de confiança entre o aliciador e a vítima, facilitando, consequentemente, o seu convencimento. São pessoas que, em sua maioria, participam do convívio das vítimas e, por isso mesmo, sabem de seus desejos e dificuldades. Ao contrário das vítimas, de acordo com informação extraída do Portal do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, os aliciadores normalmente apresentam bom nível de escolaridade, são sedutores e têm alto poder de convencimento. Alguns são empresários que trabalham ou se dizem proprietários de casas de show, bares, falsas agências de encontros, matrimônios e modelos. As propostas de emprego que fazem geram na vítima perspectivas de futuro, de melhoria da qualidade de vida. (BRASIL, 2014) Em pesquisa realizada no ano de 2003 pelo Ministério da Justiça e pelo Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime (UNODC), na qual foram analisados 36 processos judiciais e inquéritos policiais nos Estados do Ceará, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo, observou-se que os aliciadores, em sua maioria, são homens com mais de 30 anos de idade e que a presença de mulheres – também nessa faixa etária – já atinge o patamar de 43,7% e atuam principalmente no recrutamento das vítimas (UNODC, 2003, p. 23). Em suma, diante do exposto e do excerto supracitado os aliciadores, em geral, são homens e mulheres que possuem alto nível de escolaridade, são empresários que se utilizam dessa condição para convencerem as vítimas de que suas propostas são vantajosas e promissoras e, principalmente, são pessoas que mantêm com as vítimas e seus familiares vínculos de amizade que aliados às circunstâncias precárias em que vivem as vítimas, favorecem a prática do tráfico humano.
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4.3 Principais locais e regiões de incidência do tráfico de pessoas Com relação à origem das pessoas traficadas e os destinos mais comuns, tem-se, no âmbito interno, a incidência maior da prática criminosa na região Nordeste – Recife, Fortaleza, Salvador e Natal – tanto como receptora quanto fornecedora de pessoas, e está primordialmente relacionado com o turismo sexual e a região Sudeste, mais especificamente os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais como receptores e também como pontos intermediários importantes para o tráfico internacional de pessoas, haja vista possuírem aeroportos nos quais o tráfego diário é muito intenso. Na região Norte – Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima – o crime de tráfico de pessoas está interligado com o crime organizado, principalmente com a falsificação de documentos e o tráfico de drogas. De modo geral, as rotas são estruturadas próximas de aeroportos, portos e rodovias e costumam sair de pequenas cidades em direção aos grandes centros urbanos. Segundo Maria Lúcia Leal e Maria de Fátima Leal por meio dos inquéritos/processos, da mídia e dos casos de tráfico levantados pelas regiões, a PESTRAF apontou 110 rotas de tráfico interno (78 rotas interestaduais e 32 intermunicipais) e 131 rotas de tráfico internacional, perfazendo um total de 241 rotas.(...) Neste tipo de tráfico, o transporte mais utilizado é o terrestre (táxi, caminhões e carros particulares, sendo os táxis, os preferidos, porque sofrem menos fiscalização nas estradas). (LEAL E LEAL, 2002, p. 7) Relativamente ao tráfico internacional de pessoas, o destino mais comum é a Europa especialmente Espanha, que inclusive é o principal destino das brasileiras, Holanda e Suíça. Entretanto, observa-se a realização dessa prática criminosa também em países como Venezuela, Bolívia, Guiana Francesa, Suriname, Peru, Estados Unidos, Bolívia, Paraguai, Itália, Portugal, Argentina e Chile. Por fim, a saída de pessoas do território nacional e posterior entrada em território estrangeiro é, sem dúvidas, facilitado pela falta de fiscalização nas fronteiras que se depreende da ineficiência do Estado em prevenir e aplicar as penalidades cabíveis ao crime de tráfico de pessoas e também, em muitos casos, da falta de cooperação entre os Estados. 5 O TRÁFICO DE PESSOAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 5.1 O princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988 O princípio da dignidade da pessoa humana está inscrito no art. 1º, III da Carta Constitucional de 1988 e é considerado como direito humano fundamental inviolável e essencial de qualquer Estado Democrático de Direito. É característica inerente a todo e qualquer ser humano, pelo simples fato da condição de existir e, de acordo com Kildare Gonçalves Carvalho “designa o respeito que merece qualquer pessoa” (CARVALHO, 2009, p. 672). Neste contexto, Chaves Camargo explica que pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e diferencia do ser irracional. Estas características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo ser. (CAMARGO, 1994, p. 27 e 28)
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A obrigatoriedade de aplicação do princípio em questão significa dizer que os seres humanos não podem ser tratados como coisa ou objeto com a finalidade de obter-se um resultado e sim, devem ser compreendidas como um fim em si mesmo. Isto é, não são as pessoas que devem ser tratadas como meio para a consecução de determinado objetivo e sim, o inverso. É o ser humano que deve ser considerado o objetivo quando da aplicação dos meios. Neste sentido, Kildade Gonçalves Carvalho estabelece que a dignidade da pessoa humana significa ser ela, diferentemente das coisas, um ser que deve ser tratado e considerado como um fim em si mesmo, e não para a obtenção de algum resultado. A dignidade da pessoa humana decorre do fato de que, por ser racional, a pessoa é capaz de viver em condições de autonomia e de guiar-se pelas leis que ela própria edita: todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas, já que é marcado, pela sua própria natureza, como fim em si mesmo, não sendo algo que pode servir de meio, o que limita, consequentemente, o seu livre arbítrio, consoante o pensamento Kantiano. (CARVALHO, 2009, p. 672 e 673) Ao se referir ao crime de tráfico de pessoas seja ele para fins de exploração sexual ou qualquer outra modalidade, tem-se que o objeto desta prática é justamente o ser humano, dotado de autonomia e que deveria ter sua dignidade preservada como determina a Constituição Federal. No entanto, trata-se de pessoas que são colocadas no “mercado de trabalho” não para exercer determinada profissão, mas para ser o objeto de negociações entre as quadrilhas e os consumidores e, neste passo, quando uma pessoa é obrigada a prestar serviços sexuais em troca de alguma contraprestação, não é apenas a dignidade sexual que é atingida, uma vez que com a situação precária a que são submetidas, o direito à saúde, à integridade física e, consequentemente, à vida, também são violados. Disto consiste o fato de ser o tráfico de pessoas um crime transnacional e de alta complexidade, haja vista que envolve a violação não só da dignidade humana como também de vários outros direitos fundamentais assegurados pelo ordenamento jurídico interno e tratados internacionais de direitos humanos, além de envolver um número muito grande de pessoas interligadas que, de modo geral, estão localizadas em locais diferentes – para dar suporte e possibilitar a realização do crime – o que dificulta o seu controle pelos Estados, bem como, a aplicação das políticas públicas. 5.2 Legislação internacional e nacional consoante ao tráfico de pessoas Em âmbito internacional, o principal instrumento legislativo que se tem hoje sobre o tráfico de pessoas é o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial de Mulheres e Crianças, trazendo a definição do crime de tráfico de pessoas em seu art. 3º já estudado no item 3.1 deste trabalho. Em âmbito nacional, compõem a legislação sobre a matéria ora em comento o Decreto nº 5.017 de 12 de março de 2004 que promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas supramencionado; Portaria MJ nº 2.167 de 7 de dezembro de 2006 que institui a aplicação do Plano de Ação para a Luta contra o Tráfico de Pessoas entre os Estados Parte do MERCOSUL e os Estados Associados; Decreto nº 5.948 de 26 de outubro de 2006 que aprova a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e institui Grupo de Trabalho Interministerial com o objetivo de elaborar proposta do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – PNETP; Decreto nº 6.347 de
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8 de janeiro de 2008 que aprova o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - PNETP e institui Grupo Assessor de Avaliação e Disseminação do referido Plano; Portaria SNJ nº 031, de 20 de agosto de 2009 que define as atribuições dos Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e dos Postos Avançados e o Código Penal Brasileiro que trata do tráfico internacional de pessoas e do tráfico interno respectivamente nos artigos 231 e 231-A conforme abaixo: Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. § 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. § 2º A pena é aumentada da metade se: I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. § 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (BRASIL, 1940) Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. § 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. § 2º A pena é aumentada da metade se: I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. § 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (BRASIL, 1940) Depreende-se que o bem jurídico protegido nos dispositivos supracitados é a dignidade sexual das pessoas que são submetidas ao tráfico humano para fins de exploração sexual, bem como sua liberdade sexual e o direito à sexualidade. Também aqui, assim como ocorre no art. 3º da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, o consentimento da vítima será irrelevante para a configuração do crime quando for conseguido através de meios fraudulentos. Assim sendo, a prática do crime ocorrerá quando o aliciador se utilizar da situação de vulnerabilidade da vítima, e, consequentemente, sua escolha estar vinculada à situação precária – social, familiar ou financeira – a que está submetida, uma vez que foi influenciada pela possibilidade de melhorias na sua condição de vida. Em síntese, segundo Daniel de Resende Salgado resta configurado o crime “quando houver lesão ou perigo de lesão à liberdade sexual (plena escolha) da vítima” (SALGADO, 2009, p. 6).
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Em linhas gerais, a legislação referente ao tráfico humano pra fins de exploração sexual, seja ela internacional ou nacional, visa proteger a vítima contra a exploração sexual nas suas várias modalidades, cuja finalidade maior é preservar os direitos humanos fundamentais previstos tanto no ordenamento jurídico interno quanto em tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário. 6 MODALIDADES DE EXPLORAÇÃO SEXUAL 6.1 Exploração sexual: conceito A exploração sexual consiste na utilização de pessoas em atividades sexuais, objetivando o lucro mediante o pagamento em dinheiro ou através de outros benefícios. É a prestação de serviços sexuais em troca de alguma recompensa. Nas palavras de Danilo Cardoso Pereira “a exploração sexual é o meio pelo qual o indivíduo obtém lucro financeiro por conta da prostituição de outra pessoa, seja em troca de favores sexuais, incentivo à prostituição, pornografia, turismo sexual, ou rufianismo” (PEREIRA, 2012, p. 3). É assim, forma de violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana estatuído no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988, que se resume na exploração do corpo e da sexualidade de pessoas, seja por meio da força ou de outra forma de coação, com a finalidade de obter vantagem pecuniária. 6.2 Modalidades 6.2.1 Prostituição A prostituição teve o seu surgimento na Antiguidade Clássica, na qual ocorria, comumente, como ritual de iniciação de meninas que atingiam a adolescência. No Egito Antigo, as prostitutas eram conhecidas como divindades que recebiam presentes em troca da prestação de seus serviços sexuais. Na Grécia e Roma, as prostitutas eram admiradas e frequentavam as reuniões dos grupos de intelectuais por serem consideradas cultas e refinadas. No Brasil, a prostituição deu início no período colonial no qual a pobreza atingia a maior parte da população e a prostituição era um ofício utilizado por mulheres para sua sobrevivência. Eram chamadas de “meretrizes” e, ao contrário da Europa, eram vistas de forma pejorativa; como mulheres de “vida fácil”. É modalidade de exploração sexual que perdura até os dias atuais e trata-se da prestação de favores sexuais, em geral, exercida por mulheres, crianças e adolescentes, em troca de determinada soma em dinheiro ou outra forma de compensação. Segundo Danilo Cardoso Pereira a prostituição pode ser definida como a troca consciente de favores sexuais por interesses não sentimentais, afetivos ou prazer. Apesar de comumente a prostituição consistir numa relação de troca entre sexo e dinheiro, esta não é uma regra, pois existe a troca por bens materiais, a troca por favorecimento profissional e, inclusive, a troca por informações. (PEREIRA, 2012, p. 7) Em síntese apertada, a prostituição não se restringe a um conceito fechado, podendo abranger pessoas e idades diversas, bem como, contraprestações diversas. Insta salientar que a prestação é de favores sexuais, todavia, os sujeitos envolvidos e as contraprestações não podem ser limitadas a um só sentido. 6.2.2 Turismo sexual A Segunda Guerra Mundial trouxe consequências avassaladoras para vários países da Europa que ficaram em situação periclitante. Não havia empregos, condições de saúde e higiene, produção de alimentos, os problemas econômicos eram insustentáveis de modo que incentivou a movimentação de pessoas para outros Estados, em busca de melhores condições de vida.
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Neste contexto, tendo em vista que o mercado de trabalho para as mulheres era bastante restrito, houve assim a intensificação da prostituição que, mais tarde, veio a se juntar ao turismo sexual que se revelou prática bastante lucrativa. Neste sentido, estão as palavras de Antônio Jonas Dias Filho que esclarece que foram os anos 70 que propiciaram os primeiros sinais claros da existência de ligações entre essa movimentação e o Turismo oficial. Nesse período, os pacotes turísticos, que tinham como destinos principais as Filipinas, a Tailândia, a América Central e a África, passaram a ser organizados por agências credenciadas legalmente em países, como Alemanha, Japão, e Estados Unidos, por exemplo. (FILHO, 2004, p. 2) No Brasil, foi na década de 80 que o país se tornou o destino mais procurado para o turismo sexual que se intensificou através das propagandas e peças publicitárias que exaltavam a beleza da mulher brasileira. Igualmente neste período, o Brasil passava por dificuldades no que diz respeito à economia, com os altos índices inflacionários e o endividamento externo, de modo que se tornou necessário incentivar o turismo no país que, consequentemente, permitiu o desenvolvimento do turismo sexual. De acordo com Leila Paiva, o Turismo Sexual “é a exploração sexual de mulheres, crianças e adolescentes por visitantes de países estrangeiros ou turistas do próprio país, geralmente com o envolvimento, cumplicidade ou omissão de estabelecimentos comerciais de diversos tipos”. (PAIVA, 2012, p. 10) 6.2.3 Pornografia infantil e pedofilia Trata-se de modalidade de exploração sexual que se intensificou com o fenômeno da globalização e os grandes avanços da tecnologia, haja vista que com o advento da internet, tornou-se muito mais fácil o acesso dos exploradores às crianças e adolescentes que ficaram mais vulneráveis através da rede, bem como, a circulação de informações. Isto porque, ao publicar fotos, imagens, informações e dados pessoais na internet, elas passam a ser de domínio público, estando disponíveis para que qualquer pessoa veja, inclusive, os criminosos. A pornografia infantil define-se pela utilização de e-mails, comunicadores instantâneos, redes sociais ou qualquer outro meio que envolva crianças e adolescentes, com o objetivo de apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar fotografias, imagens ou cenas que revelem atividades sexuais. Leila Paiva descreve a pornografia infantil como a expressão da exploração sexual que se caracteriza por qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança envolvida em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins primordialmente sexuais. (PAIVA, 2012, p. 10 e 11) É conduta que está prevista no art. 1º da Lei nº 11.829 de 2008 que modifica os arts. 240 e 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo pena de reclusão de 4 a 8 anos e multa e pode ser aumentada de 1/3 se o agente comete o crime no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la, prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade e prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento. Relativamente à pedofilia, é considerada pela comunidade médica, como um distúrbio, transtorno de personalidade ou desvio de comportamento que se caracteriza pela preferência sexual de adultos por crianças e adolescentes, seja ela do mesmo sexo ou de sexo diferente.
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A Associação Psiquiátrica Americana (APA) define a pedofilia como sendo “a atividade sexual com uma criança pré-púbere, em geral menores de 13 anos, e para que o indivíduo seja considerado um pedófilo, deve ter, no mínimo, 16 anos e ter uma diferença de pelo menos cinco anos em relação à vítima” (APA, 1995, p. 467 a 510). O pedófilo aparenta ser uma pessoa normal no meio profissional e na sociedade e, em geral, são homens mais velhos, solitários, com baixa autoestima, possuem dificuldades de estabelecer relações de afeto, gostam de atividades destinadas para crianças e adolescentes e têm facilidade de se comunicar com elas. Embora a pedofilia seja considerada uma doença no campo da medicina, no campo jurídico, trata-se de conduta criminosa e está prevista no art. 217-A do Código Penal que trata do estupro de vulnerável consistente em ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com crianças ou adolescentes de até 14 anos e a pena varia de 8 a 15 anos nos casos comuns, de 10 a 20 anos no caso de lesão corporal grave e até 30 anos, quando houver o resultado morte. 7 AÇÕES AFIRMATIVAS E PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS 7.1 Proteção e tratamento das vítimas do tráfico O crime de tráfico de pessoas trás para suas vítimas, bem como, familiares e pessoas próximas das vítimas, consequências graves não só financeiras como também físicas, emocionais e psicológicas. Muitas das vítimas não sobrevivem ao tráfico e morrem no próprio local para onde foram levadas devido às circunstâncias precárias e insalubres a que estavam submetidas; outras saem do ciclo de exploração, mas não conseguem retornar para a cidade natal e acabam ficando no local de destino de forma ilegal – no caso do tráfico internacional de pessoas – e as que retornam para o local de origem, dificilmente conseguem se recuperar do trauma sofrido. O art. 25 da Convenção contra a Criminalidade Organizada Transnacional determina que os Estados-parte, adotem, segundo as suas possibilidades, medidas apropriadas e eficazes para prestar assistência e assegurar a proteção às vítimas do tráfico de pessoas, especialmente em caso de represálias ou de intimidações. Neste sentido, as formas de proteção e tratamento às vítimas devem acontecer com a finalidade de trazer amparo e apoio a essas pessoas e seus familiares. Deste modo, os Estados, por meio das políticas públicas, devem proporcionar e assegurar que as vítimas não sofram discriminação em razão do crime de tráfico de pessoas; não sejam tratadas como criminosas ao invés de vítimas quando estiverem de forma ilegal no país após terem sido traficadas; auxiliar na recuperação dos documentos das vítimas e posterior deslocamento à cidade natal; promover a reintegração das vítimas na sociedade e no mercado de trabalho; disponibilizar assistência à saúde física e psicológica; cooperação entre os Estados e, principalmente, o acesso à justiça. Em síntese, o papel dos Estados, entidades governamentais e organizações sociais, é primordial para a ressocialização e redirecionamento da vida das vítimas, haja vista que se encontram em estado de fragilidade além da necessidade de se evitar que essas pessoas voltem para o mercado da exploração sexual diante da falta de assistência e inércia do Poder Público. Segundo Joana Azevedo da Costa, “os operadores forenses têm um claro dever humanitário de proteger as vítimas de tráfico” (COSTA, 2011, p. 19). 7.2 Dificuldades de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e possíveis soluções ao problema São vários os obstáculos encontrados atualmente no combate, repressão e prevenção do tráfico de pessoas, sendo o principal deles a dificuldade de conscientização das pessoas de que não existem
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formas “milagrosas” de se conseguir dinheiro e mudar de vida, como ocorre no momento em que os aliciadores fazem suas propostas além do que muitas pessoas não acreditam que o crime de tráfico humano existe ou que ele está próximo de todas as pessoas. É necessário informar à população sobre o crime – principalmente às classes mais baixas – mobilizando a opinião pública para evitá-lo. Também é grande dificuldade encontrada no crime de tráfico humano a desarticulação das redes de tráfico que, além de muito bem estruturadas, em geral, estão espalhadas em locais diferentes, dificultando a captura dos criminosos. Além do mais, as próprias vítimas dificultam a desarticulação das redes de tráfico por não efetuarem denúncias, seja por medo de futuras represálias por parte dos criminosos caso sejam descobertas ou por vergonha de exporem para a polícia a situação constrangedora a que estavam submetidas. Mais uma vez, cumpre ressaltar que, muitas vezes, as políticas instituídas pelo Estado que tem capacidade de transformar esse cenário, não funcionam, tendo em vista a corrupção dos próprios agentes responsáveis pela fiscalização da prática. Não raras vezes observamos a própria polícia facilitando ou fechando os olhos para o problema porque também terão retorno financeiro. Ou seja, observa-se que há a necessidade de trabalhar com a mudança de pensamento e conscientização das pessoas envolvidas, o que sem isso medidas estatais não serão eficazes. Inicialmente, como solução para o problema, pode ser apontada a intensificação das políticas públicas de conscientização da população, que constitua, por exemplo, em criação de núcleos e organizações especializados no assunto em tela e que se situem em comunidades mais carentes onde a população local tem dificuldade de acesso à informação. A proposta que mais se aproxima de uma solução, é que haja uma aproximação maior entre o Estado e a população, de modo que as próprias políticas públicas já existentes se façam mais eficazes. Feitas essas considerações, além da intensificação das políticas públicas já existentes, é possível concluir que é necessário também: tornar a atuação estatal mais célere e eficaz no sentido de identificar e processar casos de tráfico de pessoas, bem como, condenar e punir os traficantes, inclusive agentes públicos que agirem em conjunto facilitando a prática do crime; adequar a legislação criminal brasileira de modo a se tornar mais rigorosa quanto às penalidades aplicáveis; ampliar a colaboração entre entidades governamentais envolvidas, assim como, a proteção e assistência às vítimas do tráfico; estabelecer e/ou expandir parcerias entre o poder público e o setor privado com o objetivo de erradicar a prática e tomar medidas de forma a dificultar a migração legal, todas as vezes que houver indícios da atividade de tráfico nas rodoviárias e aeroportos brasileiros, além de aperfeiçoar as condições de educação, saneamento básico, segurança e saúde da população que vive à margem das desigualdades sociais, de modo que tenham perspectivas de vida e não precisem recorrer à exploração sexual como meio de sobrevivência. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após o estudo e pesquisa profundos acerca da problemática do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, foi possível concluir que se trata de um problema histórico tanto no Brasil, quanto no mundo e que, aliado aos avanços tecnológicos foi se aperfeiçoando e tomando proporções cada vez maiores atingindo números alarmantes como foi exposto ao longo deste trabalho e, por isto mesmo é considerado um crime de caráter transnacional e de alta complexidade que tem desafiado os Estados, organizações governamentais e os grupos de enfrentamento ao tráfico de pessoas na busca por soluções real-
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mente eficazes para a erradicação do problema. Apesar dos grandes esforços – seja em âmbito interno ou externo – para o combate deste tipo de ilícito penal, tal conduta ainda persiste pela grande dificuldade em se identificar os criminosos e até mesmo pela falta de denúncias por parte das vítimas, que muitas vezes pelo constrangimento ou pelo medo de represálias suportam os abusos, ou até mesmo vem a falecer devido às reiteradas práticas de exploração, prejudicando a construção de dados quantitativos e qualitativos quando do recolhimento de informações no âmbito das pesquisas que objetivam fazer o mapeamento da atividade do tráfico de pessoas; pois acabam não sendo precisos. Além disso, a própria sociedade torna-se omissa em relação a este tipo de crime, visto que diversos tipos de estabelecimentos comerciais se utilizam da prática de exploração sexual para obter lucros e, não obstante, quando as denúncias finalmente chegam ao conhecimento da polícia, a maior parte dos casos não são apurados – pelos motivos que já conhecemos, quais sejam: interesses políticos, troca de favores, corrupção, morosidade da justiça, entre outros – e acabam se arrastando por anos sem que se obtenha um resultado acerca do fato, deixando a sociedade sem resposta. Ante ao exposto, é nítida a necessidade de se respeitar e aplicar de forma efetiva o princípio da dignidade da pessoa humana assegurado na Carta Constitucional de 1988, a fim de que este garanta ao ser humano o livre arbítrio, e a possibilidade de ir e vir quando e como desejar, assegurando que os seres humanos não sejam tratados como atividade fim ou meio na obtenção de vantagens. Diante disso, o direito e a sociedade devem andar conjuntamente, tanto no combate, e principalmente na prevenção desta modalidade de ilícito penal, onde Estado e população trabalhariam juntos, proporcionando às vítimas a certeza de punição dos infratores, além da reintegração destas – vítimas – na coletividade, e principalmente no retorno da reconstrução de sua própria identidade.
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NOTAS DE FIM 1 Acadêmica do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Processo Civil Aplicado pelo CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor Assistente e Pesquisador da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Auxiliar da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor Adjunto e Pesquisador do Centro Universitário UNA. Professor Adjunto e Pesquisador da Faminas-BH. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI). Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”. 3 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira, Cristian Kiefer da Silva
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APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE E NOVENTENA NA REVOGAÇÃO DE ISENÇÂO Gabriel Carvalho Nascimento1 Gustavo Henrique Carvalho da Mata2 Banca examinadora3 RESUMO: O presente Artigo tem por objetivo defender a aplicação dos princípios da anterioridade e noventena na revogação de isenção. Para tanto, iremos fazer uma análise conceitual dos referidos princípios, bem como tecer considerações acerca da importância dos mesmos face ao ordenamento jurídico brasileiro. Ato contínuo trataremos do instituto da isenção tributária, abordando as mais relevantes considerações que irá nos permitir defender o objetivo almejado. PALAVRAS-CHAVES: Princípio da Anterioridade; Princípio da Noventena, Segurança Jurídica; Revogação; Isenção; Tributo. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Limitações ao Poder de Tributar; 2.1 Princípio da Anualidade; 2.1.1 Conceito e Aplicação; 2.1.2 Exceções ao Princípio da Anualidade na Época de Sua Vigência; 2.2 Princípio da Anterioridade; 2.2.1 Conceito e Aplicação; 2.2.2 Exceções ao Princípio da Anterioridade; 2.3 Princípio da Noventena ou Espera Nonagesimal; 2.3.1 Conceito e Aplicação; 2.3.2 Exceções ao Princípio da Noventena; 3 Isenção Tributária; 3.1 Conceito; 3.1.1 Divergência Doutrinária; 3.1.2 Distinção entre Isenção e Imunidade; 3.1.3 Classificação das Isenções; 3.1.4 Revogação de Isenção; 3.1.5 Aplicação dos Princípios da Anterioridade e Noventena na Revogação de Isenção; 4 Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO O Direito Tributário é o ramo do direito que se ocupa das relações entre Fisco e particulares. Tal relação, assim como no direito privado, deve ser pautada pela confiança e boa-fé, de modo que as imposições tributárias não impliquem em desvantagens econômicas aos contribuintes. No presente trabalho iremos adentrar em várias questões que nos permitirá evidenciar o que foi dito acima. Para tanto, faremos uma abordagem sucinta nas questões relativas aos limites de tributação inerentes aos entes federados. Em seguida, passaremos a discorrer sobre alguns princípios que consubstanciam tais limites. Com relação aos princípios que serão trazidos, vamos levantar questões atinentes ao conceito, aplicação e importância dos mesmos, face ao ordenamento jurídico brasileiro. Atentando para melhor dinamização do trabalho, faremos uso de citações de grandes nomes do Direito Tributário. Ato contínuo, trataremos do instituto da isenção tributária, abordando questões pertinentes ao seu conceito e aplicação. Ainda no que tange as isenções, vamos adentrar nas classificações que, por conseguinte, nos permitirá fazer uma análise da revogação dessas demonstrando seus efeitos. Para tanto, faremos uso obras literárias e julgados no intuito de demonstrar o entendimento do Supremo Tribunal Federal e doutrinário acerca do assunto. Por fim, adentraremos no objetivo almejado, qual seja demonstrar que os efeitos práticos da revogação de isenções incondicionadas equivalem a instituição de tributo, razão pela qual os princípios da anterioridade e noventena devem ser observados. 2 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR Os tributos são criados consoante aptidão conferida pela Carta Magna aos entes federados, entretanto essa outorga apresenta restrições, ora denominadas de limitações ao poder de tributar. Como é sabido, o direito também se vale como um instrumento de defesa contra a arbitrariedade, sendo permitido ao particular que se utilize desse meio como proteção ao poder estatal. A Constituição Federal é um dos meios pelo qual tal instrumento se corporifica, trazendo consigo uma série de normas e princípios que impõe restrições
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ao poder do Estado. Vejamos o que dispõe acerca do assunto, José Afonso da Silva (1984, p. 294): Em sentido amplo, todas as instituições e princípios constitucionalmente regrados, que limitam o poder, estremando a esfera de atuação dos órgãos públicos podem ser encarados como salvaguardas de um regime de respeito à pessoa humana e toda sua dimensão. No Direito Tributário, os princípios da anualidade, anterioridade e noventena são alguns dos mecanismos que demonstram a limitação do Estado face ao particular, sobretudo, nos permitindo observar que somos regidos por um Estado Democrático de Direito. Para melhor entendermos o que foi explanado, passamos agora a discorrer sobre cada um dos princípios acima mencionados. 2.1 Princípio da Anualidade 2.1.1 Conceito e aplicação O princípio da anualidade, embora afastado do nosso ordenamento jurídico, ainda é tratado pelos doutrinadores do Direito Tributário. Tal princípio vigorava na Constituição de 1946 e mantinha relação direta com a Lei Orçamentária, uma vez que vedava a instituição ou majoração de tributo sem autorização orçamentária prévia. O referido princípio, quando vigorava em nosso sistema constitucional, impunha aos entes federados vedação quanto à instituição de tributos sem que a Lei Orçamentária do respectivo ano conferisse autorização para tanto. Vale ressaltar que a Lei Orçamentária apresenta vigor durante o exercício financeiro, sendo equivalente ao ano civil, período que corresponde o dia 1º de janeiro até o dia 31 de dezembro. Nesse sentido, podemos concluir que uma vez iniciado o ano, o ente federado que entendia por bem instituir ou majorar tributo, deveria se ater à Lei Orçamentária. Se a pretensão estivesse sob amparo dessa, o respectivo ente poderia fazer uso de sua competência tributária outorgada pela Constituição e, por conseguinte, instituir ou majorar o tributo pretendido. Resta claro que o princípio da anualidade foi sem dúvida um mecanismo que visava restringir o poder do Estado na esfera da tri-
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butação, na medida em que vinculava a instituição ou majoração de tributo à Lei Orçamentária do respectivo ano. Conforme restou evidenciado, o princípio aqui estudado não mais vigora no ordenamento jurídico. Cumpre esclarecer que o referido princípio, ainda em sua vigência, muita das vezes foi interpretado de maneira distinta à sua redação, razão pela qual o mesmo foi perdendo espaço no ordenamento jurídico. O Supremo Tribunal Federal em muito contribuiu para extinção de tal princípio, uma vez que ao longo de sua vigência proferiu vários julgados tratando do mesmo com finalidade diversa a que propunha. Diante das interpretações equivocadas acerca de tal princípio somadas a introdução de outros mecanismos ao ordenamento jurídico, cujo objetivo também era limitar o poder do Estado quanto as imposições tributárias, o Constituinte entendeu por bem extinguir o princípio da anualidade, afastando a necessidade de observância da Lei Orçamentária pelos entes federados no ato da instituição de tributos. 2.1.2 Exceções ao Princípio da Anualidade na época de sua vigência A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, instituiu ao ordenamento jurídico daquela época, algumas hipóteses em que não se fazia necessário a observância do princípio da anualidade, em razão das características inerentes aos tributos excepcionados. Logo, as exceções abrangiam o imposto de importação, o imposto sobre produtos industrializados e o imposto lançado por motivo de guerra. Como podemos observar, os dois primeiros impostos abrangidos pela exceção ao princípio da anualidade, apresentam característica extrafiscal, uma vez que são mecanismos de controle da economia do país. Em razão dessa característica, o constituinte, de maneira inteligente, afasta a necessidade de previsão na Lei Orçamentária no que tange a instituição e majoração dos impostos de tal natureza. No que diz respeito ao imposto lançado sobre guerra, é notório que sua instituição só poderia se dar em caráter de urgência, razão pela qual o constituinte se viu na necessidade de afastar a observância do princípio da anualidade. 2.2 Princípio da anterioridade 2.2.1 Conceito e aplicação O princípio da anterioridade foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 150, III, “b”: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III – cobrar tributos: (...) b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; Como é possível observar pela leitura do dispositivo acima, o princípio da anterioridade permite aos contribuintes que a lei tributária seja conhecida com antecedência, de modo que esses tenham ciência a que tipo de gravame estarão sujeitos no exercício financeiro seguinte, de tal maneira a permiti-los planejar e organizar seus negócios e atividades. Vejamos o que dispõe Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 168) acerca da anterioridade prevista no art. 150, III, “b”, da Carta Magna: Segundo o princípio da anterioridade, a vigência da lei que institui ou aumenta tributo deve ficar protraída para o ano seguinte ao de sua publicação, momento em que o ato se insere no contexto comunicacional do direito.
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É notório que o princípio aqui estudado limita o poder de tributar dos entes federados, de modo que esses, ao instituir ou majorar tributos, poderão exercer a capacidade tributária, fazendo a cobrança de tais tributos, somente no exercício financeiro seguinte. Diante dessas considerações, passamos a fazer uma breve análise do Código Tributário Nacional acerca do assunto aqui tratado: Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre patrimônio e a renda: I – que instituem ou majoram tais impostos; II – que definem novas hipóteses de incidência; Podemos observar pela leitura do dispositivo acima que o Código Tributário Nacional já previa a anterioridade consubstanciada pelo Art. 150, III, “b”, da Carta Magna. No entanto, a referida anterioridade era pautada tão somente pelos impostos cujo fato gerador abrangiam a renda e o patrimônio. Logo, concluímos que a Constituição da República aumentou o campo de atuação das disposições do Código Tributário Nacional acerca da anterioridade, assim, acarretando maiores benefícios aos contribuintes. Vejamos que o princípio da anterioridade mantém relação direta com a segurança jurídica dos contribuintes, de modo que esses poderão se programar quanto às suas atividades e rendimentos financeiros, o que, por conseguinte, contribui para adimplência junto ao Fisco. Sacha Calmon Navarro Coêlho (2010, p. 223) discorre com propriedade acerca dos fundamentos do princípio aqui tratado: Os fundamentos históricos e axiológicos do princípio tributário da anterioridade radicam na possibilidade de os contribuintes poderem prever a lei de regência a que estarão, no exercício seguinte, sujeitados aos seus negócios, bens, renda e patrimônio; e na certeza de que, durante o transcurso do exercício, lei alguma terá eficácia para alterar a lex previa em que se basearam para a realização dos fatos jurígenos tributários. Diante da importância do referido princípio, o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADIN 939, declarou tal princípio como sendo Cláusula Pétrea. Logo, podemos afirmar que o benefício trazido por esse princípio não poderá, em hipótese alguma, ser afastado do ordenamento jurídico brasileiro. Como já explanado, o princípio da anterioridade é uma garantia que a Constituição oferece aos contribuintes, limitando o poder de tributar inerente a cada ente federado. Desta feita, tal princípio não se aplica às leis que extinguem ou reduzem tributo, devendo, nesses casos, serem aplicadas de imediato. 2.2.2 Exceções ao Princípio da Anterioridade O §1º do art. 150 da Carta Magna, dispõe sobre as exceções quanto a aplicação do princípio ora estudado: Art. 150. (...) §1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; Nota-se, que o constituinte exclui da observância do princípio da anterioridade, os impostos que decorrem de importação de produtos estrangeiros, exportação de produtos nacionais ou nacionalizados, produtos industrializados, operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários e, por fim, o imposto decorrente de guerra.
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A não aplicação do princípio da anterioridade, nos casos narrados acima, justifica-se pelo caráter emergencial que tais tributos carregam consigo. No que tange aos impostos de importação, exportação, produtos industrializados e operações de crédito, tal emergência se faz presente no âmbito da economia do país, por outro lado, no imposto sobre guerra, a emergência se verifica na possível calamidade que a guerra pode acarretar, justificando a exigência do imposto imediatamente. O art. 195, § 6º da Constituição Federal, traz outra exceção ao princípio aqui tratado: Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes do orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) § 6º As contribuições sociais de que trata esse artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”. Alguns doutrinadores, tais como Hugo de Brito Machado (2012, p. 98) e Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 168), criticam o dispositivo transcrito acima por entenderem que tal exceção não carrega consigo nenhuma justificativa. Como podemos observar, o referido dispositivo afasta a aplicação da anterioridade, contudo, em contrapartida, impõe uma carência de noventa dias para que a contribuição social seja exigida. Vejamos o que dispõe Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 168): Diversa também é a anterioridade das contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social, arroladas pelo art. 195 da Constituição da República, as quais podem ser exigidas depois de decorridos noventa dias da data da publicação que as houver instituído ou aumentado, independentemente de tratar-se de novo exercício financeiro. Tal situação é nomeada de Anterioridade Mitigada, uma vez que apesar de conferir ao contribuinte um prazo mínimo de noventa dias para que o tributo possa ser exigido, afasta a necessidade de observância do exercício financeiro seguinte. 2.3 Princípio da Noventena ou Espera Nonagesimal 2.3.1 Conceito e aplicação Conforme exposto anteriormente, a observância do princípio da anterioridade acarreta na vedação ao Fisco de cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os cria ou aumenta. Não há dúvidas que a instituição deste princípio ao ordenamento jurídico brasileiro se dá no sentido de prevenir os contribuintes, não surpreendendo os mesmos quanto as imposições tributárias dos entes federados. No entanto, com o passar do tempo, o Constituinte passou observar que o princípio da anterioridade nem sempre apresentava a eficácia que pretendia. Tal situação era notável quando um tributo era criado ou majorado restando poucos dias para o término do ano, já podendo ser cobrado no mês seguinte. Sendo assim, resta claro que o princípio da anterioridade não acarretava segurança alguma ao contribuinte quando a lei instituidora ou majoradora era publicada no final do exercício financeiro. Diante dessa situação o Constituinte através da Emenda Constitucional 42, de 19 de dezembro de 2003, introduziu a alínea “c” ao inciso III, do art. 150 da Carta Magna, no intuito de estabelecer vedação a cobrança de tributos antes de decorridos noventa dias da data em
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que haja sido publicada a lei que os instituiu ou majorou: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III – cobrar tributos: (...) c) antes de decorrido noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; A tal dispositivo, a doutrina deu-lhe o nome de princípio da noventena ou espera nonagesimal. Paulo de Barros Carvalho (2013, pág. 168) sustenta com propriedade acerca do assunto aqui tratado: A anterioridade, sobre a qual acabamos de discorrer, objetiva implementar o princípio da segurança jurídica, de modo que o contribuinte não seja surpreendido com exigência tributária inesperada. A experiência brasileira, entretanto, demonstrou a incapacidade de esse princípio, sozinho, resguardar os administrados contra a as providências fiscais tomadas ao final do exercício financeiro. Essa a razão pela qual o constituinte derivado, por meio de Emenda Constitucional n. 42, de 19 de dezembro de 2003, acrescentou a alínea c ao inciso III do art. 150 da Constituição, prescrevendo ser vedado à União, Estados, Distrito federal e Municípios cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b. Nota-se, pela leitura da alínea introduzida, que os princípios da anterioridade e noventena devem ser tratados de maneira conjunta, acarretando aos contribuintes segurança jurídica ainda maior face à instituição e aumento de tributo pelos entes competentes. 2.3.2 Exceções ao Princípio da Noventena Assim como no princípio da anterioridade, o Constituinte houve por bem apontar algumas exceções ao princípio da noventena: Art. 150. (...) §1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. Vejamos que os tributos que são excluídos da aplicação da anterioridade nonagesimal estão na segunda parte do dispositivo. Tais tributos correspondem às Contribuições de Seguridade Social, Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto de Renda, Imposto Extraordinário sobre Guerra, Empréstimos Compulsórios, Impostos de Importação e Exportação. Por fim, tão somente quanto à fixação da base de cálculo, o Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana e Imposto sobre Veículos Automotores. Nota-se, mais uma vez, ressalvando os impostos sobre propriedades territoriais urbanas e veículos automotores, que a excepcionalidade se dá em razão da emergência, que reside na necessidade de controle da economia do país. Por fim, vale ressaltar que a observância dos princípios da anterioridade e noventena, em regra, devem se dar conjuntamente, ressalvando as hipóteses previstas pela própria Constituição Federal, o que se justifica pela característica inerente aos tributos excepcionados.
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3 ISENÇÃO TRIBUTÁRIA 3.1 Conceito A isenção tributária é o meio pelo qual o ente federado, através da competência que lhe foi atribuída pela Carta Magna, afasta do contribuinte a hipótese de incidência sobre determinado tributo, de modo que os dispositivos que isentam, adentram no campo das hipóteses de incidência das normas tributárias, de forma a delimitar o perfil do fato gerador atribuído pelo Poder Legislativo. Cumpre esclarecer que tal assunto será tratado com maior ênfase no item 3.1.1. Pelo que foi exposto acima, podemos concluir que a isenção acarreta um benefício aos particulares, uma vez que tem por objeto a exclusão da hipótese de incidência tributária em determinadas situações, o que afasta, por consequência, a obrigação de pagar tributo. De acordo com o Código Tributário Nacional, a isenção sempre deverá ser estabelecida por lei: Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. É mister ressaltar que a isenção poderá atingir qualquer caráter da hipótese de incidência, seja o aspecto material, temporal, espacial, ou pessoal. Logo, concluímos que a lei que confere determinada isenção, poderá se ater ao fato gerador, ao momento do nascimento da obrigação tributária, ao lugar onde se realiza tal nascimento e, por fim, ao particular que dá ensejo ao nascimento da obrigação. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 456), a “isenção se dá no plano da legislação ordinária, sendo que sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela, regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência os critérios da hipótese ou da consequência da regra-matriz do tributo”. Cumpre esclarecer que a isenção tributária só poderá ser conferida pelo ente federado que tenha competência legislativa acerca do tributo. Consubstanciando tal fala, assim dispõe o art. 151, III, da Constituição da República: Art. 151. É vedado à União: (...) III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Como já explicitado acima, o art. 176 do Código Tributário Nacional dispõe que a isenção só poderá ser conferida através de lei. Complementando tal disposição a Constituição da República dispõe que os entes federados ao concederem isenções, só poderão fazer por lei específica: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) §6º. Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, §2º, XII, g. Ainda no que tange o instituto da isenção, cumpre esclarecer que a Constituição da República impõe aos municípios que as isenções acerca dos impostos sobre serviços de qualquer natureza, excepcionados os serviços previstos no art. 155, II, do referido diploma, deverão ser reguladas por lei complementar:
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Art. 156. Compete aos municípios instituir impostos sobre: (...) III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar; (...) § 3º. Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: (...) III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Por fim, vale destacar que a simples mudança de nome do tributo isento não é suficiente para afastar as isenções que atuam em seu fato gerador. Logo, se houver identidade no fato gerador, a isenção irá perdurar da mesma forma que perduraria com a nomenclatura anterior. 3.1.1 Divergência doutrinária O instituto da isenção apresenta expressiva divergência doutrinária. Tal divergência se verifica na diferença conceitual trazida pelos doutrinadores do Direito Tributário. Grande parte da doutrina, expressada por grandes nomes do Direito, tais como Rubens Gomes de Souza e Amílcar de Araújo Falcão, de maneira equívoca, sustentam entendimento de que a isenção é mera dispensa legal do pagamento de tributo devido. Vejamos trecho da obra de Rubens Gomes de Souza (1960, p. 75 – 76): Na isenção o tributo é devido porque existe obrigação, mas a lei dispensa o seu pagamento. Por conseguinte a isenção pressupõe a incidência porque é claro que só pode dispensar o pagamento de um tributo que seja efetivamente devido. No mesmo sentido dispõe Bernardo Ribeiro de Moraes (1964, p. 98): A isenção consiste num favor concedido por lei no sentido de dispensar o contribuinte do pagamento do imposto. Há a concretização do fato gerador do tributo sendo este devido, mas a lei dispensa seu pagamento. Por outro lado, Sacha Calmon Navarro Coêlho (2012, p. 140) ensina em sua lição que é “erro rotundo considerar a isenção como sendo uma dispensa legal do pagamento de tributo devido”, haja vista que tal conceito corresponde ao instituto da remissão. Sustenta ainda que a isenção não exclui crédito algum, pois é fator impeditivo da obrigação tributária. Nesse sentido, grande parte da doutrina, marcada por juristas de renome, tais como José Souto Maior Borges, Hugo de Brito Machado e Luciano Amaro, sustentam entendimento de que a isenção obsta a incidência, impedindo que seja instaurada a obrigação tributária. No entendimento de José Souto Maior Borges (1969), “a lei que isenta é uma norma limitadora ou modificadora, posto que restringe o alcance das hipóteses jurídicas de tributação, delimitando o âmbito material ou pessoal a ser abrangido”. Complementando tal entendimento, Bilac Pinto (1950, p. 357) discorre com propriedade acerca do assunto: Não pode existir a cobrança de um tributo sem que tenha ocorrido previamente um fato imponível. Se pela lei que concede isenção um fato imponível é excluído do alcance do ônus fiscal, ele perde desde lodo essa feição ou categoria de fato imponível para transformar-se em fato não sujeito à imposição tributária.
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Diante de todo exposto, concluímos que a isenção é um meio que
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impede o nascimento da obrigação tributária nas condições estabelecidas pela lei que a isenta, uma vez que afasta a hipótese de incidência, impossibilitando a ocorrência do fato gerador. Sendo assim, cumpre destacar que não há que se falar em exclusão do crédito tributário nas hipóteses de isenção, uma vez que em razão desta, o crédito sequer chegou a nascer. 3.1.2 Distinção entre isenção e imunidade Antes de adentrarmos nas classificações de isenção, cumpre trazer à baila breves considerações acerca do instituto da imunidade, o que nos permitirá, ato contínuo, dar maior dinamização aos assuntos aqui tratados. Primeiramente, vale ressaltar que a semelhança entre os dois institutos reside no campo da não incidência. A imunidade, por sua vez, é estabelecida pelo Constituinte no momento em que define o campo sobre qual outorga competência, podendo se pautar pelo caráter pessoal ou real do fato que será abrangido pela imunidade. Assim sendo, vale dizer que a Constituição Federal, por expressa determinação, se vale do instituto da imunidade proibindo que os entes federados exerçam sua competência tributária acerca de determinados fatos, pessoas ou situações. Nas palavras do jurista Sacha Calmon Navarro Coêlho (2012, p. 136), “a imunidade é uma limitação ao poder de tributar conferida pelo Constituinte, sendo que habita exclusivamente no campo constitucional”. Isto posto, podemos concluir que se determinada lei instituir incidência sobre fato imune, estaremos diante de um vício de inconstitucionalidade, razão pela qual tal lei deverá ser afastada do ordenamento jurídico. Luciano Amaro (2013, p. 306) discorre com propriedade acerca dos institutos aqui tratados: A imunidade e a isenção distinguem-se em função do plano em que atuam. A primeira opera no plano da definição da competência, e a segunda atua no campo da definição da incidência. Ou seja, a imunidade é técnica utilizada pelo constituinte no momento em que define o campo sobre qual outorga a competência. A imunidade, que reveste a hipótese excepcionada, atua, pois, no plano da definição da competência tributária. Já a isenção se coloca no plano da definição da incidência do tributo, a ser implementada pela lei por meio da qual se exercite a competência tributária. Por fim, cumpre ressaltar que na imunidade não há que se falar em competência tributária, uma vez que essa é afastada dos entes federados que ficam vedados a instituir tributos abrangidos pela imunidade. Por outro lado, na isenção existe a competência tributária, no entanto ela não é exercida pelos entes na medida em que deixam de tributar fatos que poderiam ser tributados. 3.1.3 Classificação das isenções O nosso ordenamento jurídico contempla várias classificações acerca do instituto da isenção. Contudo, ficaremos restritos à somente três dessas, quais sejam: as isenções condicionadas, isenções por prazo certo e as isenções incondicionadas. As isenções condicionadas, também denominadas de onerosas ou contratuais, são aquelas que dependem do cumprimento de certos requisitos pelo particular que tem por objetivo se ver abarcado pela não incidência. Tal forma de isenção se habilita como meio de contraprestação do contribuinte isento para com o Fisco. Para melhor aclarar o instituto das isenções condicionadas, vamos a um exemplo: Suponhamos que a União, através do seu Poder Legislativo, edita uma lei que confere isenção do Imposto de Renda a qualquer empresa que se instalar no Norte do país e gerar um mínimo de dois mil empregos.
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Podemos observar pelo exemplo dado, que a isenção está submetida a uma contraprestação do contribuinte, qual seja a geração de uma quantidade mínima de empregos. Nota-se, portanto, que nas isenções condicionadas, o ente federado exerce competência de maneira extrafiscal, uma vez que por meio de sua lei, enseja alguma situação que tem por fim acarretar algo de tamanho interesse para sociedade. Por outro lado, as isenções por prazo certo são aquelas que estão sujeitas a um termo final. Nessa modalidade, a lei que confere a isenção também determina o prazo de duração do referido benefício. Suponhamos que o estado de Minas Gerais edite uma lei que confere isenção de IPVA por 10 anos aos automóveis fabricados na década de 70. Nota-se que estaremos diante de uma isenção por prazo certo, uma vez que a lei ao conferir a isenção, estipulou seu prazo máximo de duração. Por fim, as isenções incondicionadas, também denominadas gratuitas, são aquelas concedidas sem qualquer ônus por parte do contribuinte, sendo concedidas em caráter geral. Imaginemos que a Câmara Municipal de determinado município, edita uma lei que tem por objeto isentar do IPTU os contribuintes que possuem residência em imóveis cuja área não exceda 25 m². Uma vez publicada esta lei, estaremos diante de uma isenção incondicionada, de forma que os destinatários dessa não deverão se submeter a nenhuma contraprestação para gozar de referida isenção, bastando, tão somente, que apresentem residência em imóveis cuja área seja inferior ou igual a 25m². Vejamos que nessa última classificação de isenção, basta apenas que o particular se enquadre nos moldes do dispositivo para ser abrangido pelo benefício fiscal em questão. 3.1.4 Revogação de isenção Conforme explanado anteriormente, as isenções tributárias podem ser por prazo certo, condicionadas e incondicionadas. Uma vez discorrido sobre a forma de instituição de cada uma, passamos agora a fazer uma abordagem sobre a revogação dessas. Para tanto, vejamos o que dispõe o art. 178 do Código Tributário Nacional: Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104. Podemos concluir pela leitura do artigo transcrito acima que, em regra, as isenções podem ser revogadas a qualquer tempo, com exceção as concedidas por prazo certo ou sob determinada condição. A irrevogabilidade das isenções por prazo certo se dá em razão do termo final pré-fixado pela fazenda pública no momento em que essa editou a lei de isenção. A existência do prazo faz com que o ente federado esteja à mercê do mesmo, não podendo revogar as isenções enquanto perdurar o prazo. Logo, concluímos que a isenção por prazo só irá cessar com o término do prazo ora estipulado. Já a irrevogabilidade das isenções condicionadas se justifica na contrapartida que o então contribuinte tem com relação ao Fisco. Como falado anteriormente, o particular assume um ônus, uma vez que para ser amparado pela isenção, deverá cumprir os requisitos dispostos na lei, ora denominados de contraprestação. Ademais, nessa hipótese, a isenção se torna um direito adquirido, amparado como garantia fundamental pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição da República: Art. 5º. (...) XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
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A propósito do tema, o Supremo Tribunal Federal sumulou o seguinte entendimento: Súm. 544. Isenções tributárias concedidas sob condição onerosa não podem ser livremente suprimidas. O jurista Hugo de Brito Machado (2012, p. 235) assim dispõe sobre o tema: A isenção, quando concedida por prazo certo e em função de determinadas condições não pode ser revogada, pois incorporase ao patrimônio do contribuinte. A regra geral é a revogabilidade das isenções. O Estado, assim como pode tributar, pode também, evidentemente, revogar as isenções concedidas. Entendese, porém, que o contribuinte pode ser atraído pelo incentivo que a isenção representa e, assim, passe a desenvolver atividade em que não se lançaria, se não existisse a isenção, fazendo investimentos vultuosos e ficando mesmo em situação de não poder, sem graves prejuízos, desistir. Nestes casos, a retirada da isenção representaria ludíbrio, sendo, portanto, inadmissível. No que tange as isenções concedidas por prazo certo e as isenções condicionadas, conclui-se, portanto, que o particular tem o direito adquirido de fruir deste benefício pelo período concedido, sem que lei posterior o revogue. Com relação a tais classificações não existe maiores questionamentos, eis que a jurisprudência dos nossos tribunais e a doutrina apresentam entendimento consolidado no mesmo sentido. Contudo, no que tange as isenções incondicionadas, as mesmas podem ser, a qualquer momento, revogadas por lei posterior, conforme dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional. Logo, a consequência imediata é o retorno da exigibilidade do tributo objeto da isenção, que por sua vez, enseja a discussão da aplicação ou não dos princípios constitucionais da anterioridade e noventena. 3.1.5 Aplicação dos princípios da anterioridade e noventena na revogação de isenção A revogação das isenções é um tema que opera bastante polêmica no Direito Tributário, principalmente se tratado junto à aplicação dos princípios da anterioridade e noventena. Como ficará demonstrado, tal polêmica se verifica a partir da análise do conceito de isenção. Em primeiro plano, vale lembrar que as isenções por prazo certo e condicionadas são irrevogáveis, o que afasta por completo a necessidade de debater sobre as mesmas neste capítulo. Sendo assim, ressalta-se que a discussão aqui trazida só abarca as isenções incondicionadas. Como já abordado anteriormente, existe uma divergência doutrinária acerca do conceito de isenção, posto que os doutrinadores trazem distintas considerações a respeito do referido instituto. Neste sentido, vale lembrar que juristas de renome, tais como Rubens Gomes de Souza e Amílcar de Araújo Falcão, sustentam entendimento que a isenção é mera dispensa legal de pagamento de tributo devido. Vejamos o que dispõe Amílcar de Araújo Falcão (1960, p. 56): Na isenção há incidência, ocorre o fato gerador. O legislador, todavia, seja por motivos relacionados com a apreciação da capacidade econômica do contribuinte, seja por considerações extrafiscais, determina a inexigibilidade do débito tributário. Nota-se que para os doutrinadores acima citados o tributo isento existe e é devido, sendo apenas a sua exigibilidade suspensa. Logo, por se tratar de tributo já existente no ordenamento jurídico, o entendimento sustentado consiste na possibilidade de exigência imediata do tributo, posto que a revogação da isenção não irá implicar em surpresa alguma para o contribuinte então isento. O Supremo Tribunal Federal vem adotando o posicionamento ex-
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posto acima e, por conseguinte, afastando a aplicação dos princípios constitucionais nos casos de revogação de isenção incondicionada: EMENTA: Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 3º da Lei nº 15.747, de 24 de dezembro de 2007, do Estado do Paraná, que estabelece como data inicial de vigência da lei a data de sua publicação. 3. Alteração de dispositivos da Lei nº 14.260/2003, do Estado do Paraná, a qual dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA. 4. Alegada violação ao art. 150, III, alínea “c”, da Constituição Federal. 5. A redução ou a extinção de desconto para pagamento de tributo sob determinadas condições previstas em lei, como o pagamento antecipado em parcela única, não pode ser equiparada à majoração do tributo em questão, no caso, o IPVA. Não -incidência do princípio da anterioridade tributária. 6. Vencida a tese de que a redução ou supressão de desconto previsto em lei implica, automática e aritmeticamente, aumento do valor do tributo devido. 7. Medida cautelar indeferida. (ADI 4016 MC/PR, 1ª TURMA, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23-04-2009). EMENTA:ICM.ISENÇÃO(...) A expressão “incidirá” pressupõe que o Estado-membro, como decorre do caput desse artigo 23, tenha instituído, por lei estadual, esse imposto, e nada impede, evidentemente, que ele conceda, também por lei estadual, isenção, que, aliás, pressupõe a incidência, uma vez que ela – no entendimento que é acolhido por este Tribunal – se caracteriza como a dispensa legal do pagamento de tributo devido. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 113.711/SP, 1ª Turma, rel. Min. Moreira Alves, j. 26-06-1987). EMENTA: Revogada a isenção, o tributo volta a ser imediatamente exigível, sendo impertinente a invocação do Princípio da Anterioridade. (RE 204.062/ES, 2ª Turma, rel. Min. Carlos Velloso, j. 2709-1996). O professor Eduardo Sabbag (2010, p. 893) discorre com propriedade acerca do entendimento da Suprema Corte: A explicação está no fato de que o STF dissocia o contexto da revogação de isenção do cenário da instituição ou majoração de tributo, ensejador da regra da anterioridade tributária, situando-a, conforme já se disse, no campo da incidência tributária. Diante das considerações aqui expostas, restou claro que ao tratar de revogação de isenção, o entendimento da Suprema Corte é o da não observância dos princípios da anterioridade e noventena em razão da prévia existência do tributo. Por outro lado, há quem defenda que revogação de isenção equivale a instituição de tributo, o que implica, ato contínuo, na necessidade de aplicação dos referidos princípios, uma vez que ambas situações acarretam o mesmo efeito prático. Nesse sentido, assim discorre Hugo de Brito Machado (2012, p. 234): A revogação de uma lei que concede isenção equivale à criação de tributo. Por isto deve ser observado o princípio da anterioridade da lei, assegurado pelo art. 159, III, “b”, da Constituição Federal. O STF, todavia, tem entendimento de modo diverso, decidindo que a revogação da isenção tem eficácia imediata, vale dizer, ocorrendo a revogação da isenção, o tributo pode ser cobrado no curso do mesmo exercício, sem ofensa ao referido princípio constitucional. Luciano Amaro (2013, p. 311), ao ir de encontro com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, entende que a revogação da norma de isenção equivale à edição de norma de incidência, sendo que a diferença é apenas de técnica legislativa.
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Vejamos o que dispõe o Código Tributário Nacional acerca da questão aqui tratada: Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício financeiro seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda: (...) III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no art. 178. O artigo transcrito acima não nos deixa dúvida quanto a aplicação da anterioridade nos casos de revogação de isenção. Nesse sentido Hugo de Brito Machado (2012, p. 97) mantém o seguinte posicionamento: A norma do art. 104, III, do Código Tributário Nacional é meramente explicitante. A lei que revoga isenção aumenta um tributo, posto que amplia a hipótese de incidência de norma de tributação. Por isto, norma que revoga isenção deve respeitar o princípio da anterioridade. No mesmo sentido dispõe o jurista Luciano Amaro (2013, p. 313): Aquilo que, na época, era aplicável apenas aos tributos sobre renda e patrimônio hoje deve ser entendido como abrangente de todos os tributos protegidos pelo princípio da anterioridade. Assim, mesmo a revogação de uma isenção de tributo não mencionado no art. 104 submete-se ao princípio da anterioridade, desde que esse tributo esteja sujeito a tal princípio. Uma vez tecida tais considerações, restou claro que a revogação de determinada isenção deverá ser abrangida pela anterioridade, posto que a norma que era isenta retoma para o campo de incidência, instituindo assim uma nova obrigação tributária para o contribuinte então isento. Complementando o entendimento dos juristas contemplados acima, é de extrema importância levantar a aplicação do princípio da noventena nas hipóteses de revogação de isenção. Como já frisado anteriormente, o princípio da noventena, também conhecido como espera nonagesimal, foi introduzido ao ordenamento jurídico a fim de acarretar maior segurança aos contribuintes, de forma a ser aplicado, via de regra, em conjunto com a anterioridade descrita no art. 150, III, “b” da Constituição de República. Neste sentido, entendemos que havendo revogação de isenção de tributo amparado pelo princípio da noventena, far-se-á necessário a aplicação do referido princípio pelos mesmos fundamentos ora aduzidos com relação ao princípio da anterioridade. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A incidência tributária ocorre quando um determinado fato, previsto abstratamente em lei como tributável, materializa-se no plano concreto, acarretando efeito jurídico, surgindo assim a obrigação de pagar tributo. Neste sentido, entendemos que a lei que tem por objeto conferir ao particular determinada isenção, afasta por completo a hipótese de incidência da norma tributável. É mister ressaltar que, na medida em que um fato está fora da esfera de tributação, não existe a possibilidade de ocorrência do fato gerador, inexistindo também o nascimento da obrigação tributária, razão pela qual podemos concluir que o crédito tributário sequer chegou a nascer. Lado outro, a lei que revoga isenção abre margens a uma nova hipótese de incidência, pois torna tributável uma condição que até então não era, ou seja, coloca o particular que até então gozava de determinada isenção diante de uma situação que dá ensejo a um fato gerador, acarretando por conseguinte, o dever de pagar tributo. Vejamos que a partir da revogação, o fato que estava fora do campo de incidência teve seu ingresso no rol de fatos tributáveis, sendo-lhe
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atribuído uma obrigação tributária. Nesse sentido, não resta dúvidas que a revogação de isenção equivale a instituição de novo tributo, posto que os efeitos práticos são os mesmos. Partindo dessas considerações, resta clara a necessidade de observância dos princípios da anterioridade e noventena nos casos de revogação de isenção. Ademais, vale ressaltar que a instituição dos referidos princípios ao ordenamento jurídico brasileiro se justifica pela confiança e boa-fé que deve imperar nas relações entre Fisco e contribuinte.
REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 outubro de 1988. Vade Mecum Saraiva. 15 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013 ______. Lei nº. 5.172, de 25 de outubro de 1966.Vade Mecum Saraiva. 15 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. ______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário, nº 204.062 - RE – (27-09-1996) Rel. Min Carlos Veloso. Acesso em Março de 2014. ______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário, nº 113.711 - RE – (26-06-1987) Rel. Min. Moreira Alves. Acesso em Março de 2014. ______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade, nº 4016 - ADI – (23-04-2009) Rel. Min. Gilmar Mendes. Acesso em Maio de 2013. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. BORGES, José Souto Maior. Isenções Tributárias. 3 ed. São Paulo: Revista de Direito Público,1969. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da Jurisprudência no Direito Tributário. 1 Ed. São Paulo: Noeses, 2009. FALCÃO, Amílca de Araújo. Direito Tributário Brasileiro. 8 ed. Rio de Janeiro: Revistas dos Tribunais, 1960. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 33 ed. São Paulo: Mallheiros, 2012. PINTO, Bilac. Isenção Fiscal. 2 ed. São Paulo: Revista do Direito Administrativo, 1950. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. SOUZA, Rubens Gomes de Souza. Revista de Direito Público. 1 ed. São Paulo, 1972.
NOTAS DE FIM 1 Acadêmico do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton. 2 Advogado graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. PósGraduado em Direito Tributário pela PUC-Minas/IEC. Mestre em Direito Público pela PUC-Minas. Contabilista. Atualmente é sócio da Malta e Carvalho da Mata Advogados e da Carvalho da Mata Contabilidade. Também é professor do Centro Universitário Newton Paiva lecionando a disciplina Direito Tributário. Advogado atuante, com ênfase nas áreas do Direito Tributário, Empresarial e Administrativo. 3 Daniel Medrado, Gustavo Henrique Carvalho da Mata
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APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EXTRATERRITORIALIDADE NOS CRIMES DE PEDOFILIA Geraldo Assunção Alves de Brito1 Júlio Zini2 Banca examinadora3 RESUMO: Esse artigo tem por escopo apresentar a aplicação do princípio da extraterritorialidade nos crimes de pedofilia pela Justiça penal brasileira, levando em consideração, a dificuldade de produção de prova externa. O Brasil sendo signatário da Convenção dos Direitos da Criança se obrigou à proteção da criança e do adolescente. Contudo, para a denúncia do agente criminoso faz-se necessário a apresentação de um suporte probatório mínimo de autoria e materialidade, ou seja prova da existência do crime, para posterior produção da prova em contraditório judicial. Apesar do Brasil, por meio da Polícia Federal em parceria com a Interpol, realizar a o combate e a segurança contra os crimes de caráter internacional, isto não é o suficiente para a condenação do eventual acusado, tornando-se assim inócua a atividade de investigação prévia. Desta forma o combate aos crimes de pedofilia cometidos em Estados estrangeiros por brasileiros ou contra brasileiros não são punidos, mesmo com a entrada do agente em território nacional. PALAVRAS-CHAVE: Pedofilia; Extraterritorialidade; Prova Penal; Denúncia. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2; Pedofilia; 3. Aplicação do Direito Penal 3.1. Aplicação da Lei Penal no Espaço; 3.2 Da prova no Direito Penal; 3.3. Requisitos da Denúncia; 4. Ratificação da Convenção dos Direitos da Criança; 5. Aplicação Do Princípio Da Extraterritorialidade Nos Crimes De Pedofilia; 5.1. Competência Para o Combate; 5.2. Produção de prova em juízo; 5.3. Importância da Palavra da Vítima; 5.4. Produção de Prova no Exterior; 6. Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO Crianças e adolescentes são indivíduos fisicamente e emocionalmente dependentes dos adultos, ficam vulneráveis a diversas formas de violência física e psicológica, o que põe em riscos suas perspectivas de um crescimento saudável A pedofilia é uma doença classificada pela organização mundial de Saúde entre os transtornos de preferência sexual. A doença não tem relevância para a ciência Direito, que está preocupada com o dano social causado pelos atos de exploração sexual, o tráfico de crianças e a pornografia infanto-juvenil, chegando a criação de instrumentos de direitos humanos como a Convenção dos Direitos da Criança. Esta preocupação não passa desapercebida no Brasil, como Estado-membro da Convenção dos Direitos da Criança firmou compromisso de fazer cumprir os princípios desta. Após a ratificação da convenção o Brasil criou instrumentos de proteção à criança e ao adolescente em seu ordenamento jurídico, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O governo brasileiro ao criar tais instrumentos visa assegurar a proteção legal dos valores éticos e morais, bem como a proteção integral à criança e ao adolescente, contudo, a criminalidade não respeita as fronteiras entre os países, trazendo a necessidade de uma proteção fora dos limites territoriais do Brasil. A possibilidade de punir infratores por atos cometidos fora do país está disposta no Código Penal brasileiro, aplicação da lei brasileira no exterior, consagrando o principio da Extraterritorialidade. Ao ratificar a Convenção dos Direitos da Criança (Decreto 99.710/90), o Brasil se obrigou à proteção da criança e do adolescente em âmbito mundial, dentro dos limites da lei e da soberania dos Estados. Destarte, fica a pergunta: o Brasil aplica a extraterritorialidade nos crimes de pedofilia? 2 PEDOFILIA Segundo DUNAIGRE (1999, p. 9), pedofilia consiste em manifestações e práticas de desejo sexual que alguns adultos desenvol-
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vem em relação à crianças de ambos os sexos, considerando separadamente: o ato da pedofilia, transgressão singular que confronta as regras sociais que direcionam o relacionamento humano com a sexualidade; as condutas e comportamento pedófilos; e, a personalidade do pedófilo, que não está reduzida à simples dimensão do ato. A pedofilia está entre as doenças classificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) entre os transtornos da preferência sexual. Pedófilos são pessoas adultas (homens ou mulheres) que têm preferências sexuais por crianças – meninas ou meninos - do mesmo sexo ou de sexo diferente, geralmente pré-púberes (que ainda não atingiram a puberdade) ou no início da puberdade, conforme conceitua DUNAIGRE (1999, p.14). O ordenamento jurídico brasileiro não considera a pedofilia em si como crime, no entanto, o Código Penal tipifica como crime a relação sexual ou ato libidinoso (todo ato de satisfação do desejo, ou apetite sexual da pessoa) praticado por adulto com criança ou adolescente menor de 14 anos (Art. 217-A, Código Penal). E também, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) nos artigos 240 a 241-E, tipifica as seguintes condutas como crimes: produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente; vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente; oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente; adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente; simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual; aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso.
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A maioria dos pedófilos são homens, e o que facilita a atuação deles é a dificuldade que temos para reconhecê-los, pois aparentam ser pessoas comuns, com as quais podemos conviver socialmente sem notar nada de anormal nas suas atitudes. Em geral têm atividades sexuais com adultos e um comportamento social que não levanta qualquer suspeita. Eles agem de forma sedutora para conquistar a confiança e amizade das crianças. 3 APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL 3.1 Aplicação da lei penal no espaço Segundo QUEIROZ (2010, p. 142) a aplicação da lei penal no espaço é uma questão diretamente ligada ao princípio da soberania, ocorrendo naturalmente dentro dos limites do território em que o Estado é soberano, pois exerce o “jus imperium”. E segue expondo que o Código Penal Brasileiro em conformidade com a Constituição da República de 1988 (CR/88) nos artigos. 1º, I e 4º, I e 5º consagra o princípio da territorialidade, estabelecendo a competência do Estado brasileiro para apurar, processar e julgar as infrações ocorridas em seu território, independente da nacionalidade dos envolvidos. Contudo, aplica-se a lei brasileira sobre crimes praticados fora do território nacional, “a aplicação da extraterritorialidade encontrase prevista no art. 7º, CP e constitui exceção ao princípio geral da territorialidade” (BITENCOURT, 2010, p.203), podendo ser condicionadas ou incondicionadas, estas conforme QUEIROZ (2010, p. 145), são regidas pelo princípio da proteção e justiça universal, puníveis independente da condenação ou absolvição no exterior, neste artigo trataremos com mais detalhes daquelas. A extraterritorialidade incondicionada é aplicação da lei penal brasileira em crimes cometidos no exterior, ainda que o agente seja absolvido ou condenado no estrangeiro, se: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração Pública, por quem está ao seu serviço; e, d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil, previsão no Código Penal, artigo 7º, I, §1º. A extraterritorialidade condicionada é aplicação da lei penal brasileira em crimes cometidos no exterior: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. Mas, será aplicada a legislação penal brasileira se reunidas as seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. Conforme preconiza o Código Penal, artigo 7º, II, §2º. Para QUEIROZ (2010, p.145) são as três hipóteses de aplicação do princípio da extraterritorialidade condicionada: 1) crimes que por tratado ou convenção o Brasil se obrigou a reprimir; 2) praticados por brasileiro; e, 3) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantis ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e, neste não sejam julgados. BITENCOURT (2010, p 204) inclui uma 4ª hipótese: praticado por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil. Nesses casos, QUEIROZ (2010, p 145), leciona que a aplicação depende de algumas condições, a saber: a) entrada do agente no território brasileiro; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza
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a extradição; d) não ter o agente absolvido ou cumprido pena pelo fato; e) ser o agente ainda punível, isto é, não haver atingido as causas de extinção da punibilidade (prescrição, decadência, perdão, etc). Existe ainda a previsão no Código Penal brasileiro, artigo 7º, §3º, da chamada Extraterritorialidade Supercondicionada, que consiste da necessidade para a aplicação da lei brasileira aos crimes cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas para a Extraterritorialidade Condicionada, acumuladas com: a) não ter sido pedida ou negada a extradição; b) requisição do Ministro da Justiça. Ainda, segundo AURY LOPES Jr (2011, p.368, 371) os crimes cometidos fora do Estado brasileiro, por estrangeiro contra brasileiro, depende de ato político da requisição a ser feita pelo Ministro da Justiça, condição da ação penal prevista no art.7º, §3º, “b” do Código Penal, não havendo prazo decadencial de 6 meses para ser oferecida, diferenciando-a da representação condicionante das demais ações públicas condicionadas. 3.2 Da prova no Direito Penal O conceito de prova na lição de RANGEL (2011, p. 435), é “o meio instrumental de que se valem os sujeitos processuais (autor, juiz e réu) de comprovar os fatos da causa, ou seja, os fatos deduzidos pelas partes como fundamento do exercício dos direitos de ação e de defesa”, portanto, trata-se de todo e qualquer meio de percepção empregado com a finalidade de comprovar o alegado, sendo destinado a convencer o magistrado da existência ou inexistência de um fato, ou; da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Os meios de prova são todos aqueles que o juiz utiliza para conhecer a verdade, estejam eles previstos ou não em lei, é o caminho para a construção da convicção do juiz em relação aos fatos alegados pelas partes, e são classificados quanto ao objeto em: direto e indireto (direto quando se refere ao próprio fato); quanto ao sujeito em: pessoal ou real (declarações ou vestígios); e, quanto a forma em: testemunhal; documental ou material (maneira como é apresentada em juízo), classificação de RANGEL (2011, p. 436). Segundo MALATESTA (2005, p. 87), provas são as fontes subjetivas da certeza, são um modo de apreciação da fonte objetiva, que é a verdade. A prova é portanto, o meio objetivo com que a verdade atinge o espírito; e, o espírito pode, por meio das provas, chega à uma credibilidade ou a probabilidade da certeza, observando que no juízo criminal fala-se do fato como realidade explicada. E, segue ainda afirmando que em juízo criminal é a certeza conquistada do delito que legitima a condenação. Portanto, a prova é o instrumento por meio do qual ser forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência de certo fato pretérito. Afirma AURY LOPES Jr. (2011, p. 525), que o processo tem por objetivo buscar a reconstrução de um fato histórico, de modo que a gestão da prova é o pilar fundamental e espinha dorsal do processo penal, estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios informadores: princípio dispositivo, a gestão da prova está nas mãos das partes, e; princípio inquisitivo, a gestão da prova está nas mãos do julgador. Complementa MALATESTA (2005, p. 88), que o fim supremo do processo penal é a verificação do delito criminoso, em sua individualidade subjetiva e objetiva, e que o processo penal a respeito do conjunto das provas, só tem sentido do ponto de vista da certeza alcançada ou não. Qualquer juízo se resolverá em uma condenação ou absolvição e é a certeza do delito que legitima a condenação e da mesma forma que a dúvida ou incerteza obriga a absolvição. Destarte, MALATESTA (2005, p. 124) afirma que para a defesa a prova em matéria criminal basta estabelecer a simples crença na inocência e que para acusação não basta a simples crença na criminalidade.
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Assim, o direito à prova insere-se nas garantias ao devido processo legal e liga-se ao direito de ação e de defesa e a atividade jurisdicional, pois de nada adiantaria ao autor e réu o direito de trazer a juízo suas alegações se não lhes fossem oportunizado o desenvolvimento da causa de demonstrar suas afirmações. 3.3 Requisitos da Denúncia O artigo 5º, LVII da CR/88 “LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, que estabelece o estado jurídico de inocência, ou seja até que encerre todo o processo, não havendo mais recurso por parte do acusado, este será considerado inocente. Incumbe-se que para o início do processo penal, ação pública, faz-se necessário a existência da denúncia. Denúncia é a peça inicial da ação penal, compondo-se de uma exposição dos fatos que, em tese, constituem ilícito penal, com objetivo expresso da aplicação da lei penal a quem é presumivelmente o autor e a indicação das provas em que se baseia a pretensão punitiva, ou seja, é a peça acusatória inicial da ação penal pública. Conforme artigo 41 do Código de Processo Penal são requisitos da denúncia: a) descrição do fato com todas as suas circunstâncias; b) qualificação do acusado ou fornecimento de dados que possibilitem as sua identificação; c) Classificação jurídica do fato; e, d) rol de testemunha (se houver). Além destes explícitos no artigo 41, são também requisitos: pedido de condenação; endereçamento da petição; nome, cargo do denunciante; e, assinatura. Endereçada ao juízo competente a denúncia poderá ser aceita ou rejeitada, o artigo 395 do Código de Processo Penal enumera as condições em que a denúncia será rejeita, quando: a) for manifestamente inepta; b) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou faltar justa causa para o exercício da ação penal. As condições para o regular exercício do direito de agir são: legitimidade; interesse; possibilidade jurídica e justa causa. Para este estudo é relevante apenas a falta de justa causa, que para AURY LOPES Jr (2011, p. 349), constitui numa garantia contra o abuso do direito de acusar e que esta não está para condicionar apenas a ação penal, mas também deve ser considerada para a decretação de prisão cautelar e mesmo a sentença penal condenatória no caso concreto. Segue ainda AURY LOPES Jr (2011, p. 350): “a justa causa identifica-se com a existência de uma causa jurídica e fática que legitima e justifique a acusação”. Deve ser portadora de elementos probatórios, normalmente extraídos da investigação preliminar, que justifiquem a denúncia, significando que para ser recebida a denúncia deve vir acompanhada de um suporte probatório que demonstre a verossimilhança da acusação. Um vez ausente faz desaparecer a justa causa, condição legalmente exigida para o regular exercício da ação penal, sustenta RANGEL (2011, p. 79). Desta forma, a partir dos elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar quem enfrentou o comando normativo e como este enfrentamento ocorreu, a verdade é construída dentro dos autos e pode não corresponder à verdade real, já que a verdade é relativa. Porém, nos autos do processo o juiz tem que ter o mínimo de meios de prova para julgar admissível ou não a pretensão acusatória, conforme lição de RANGEL (2011, p, 7). 4 RATIFICAÇÂO DA CONVENÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA Segundo DIONNE (1999, p. 89), a Convenção dos Direitos da Criança é o principal estímulo aos esforços para refrear a exploração sexual das crianças no mundo inteiro, e, foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e entrou em vigor em 2 de setembro de 1990, depois de ser aprovada em pelo menos vinte Estados, conforme o seu artigo 49.
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A Convenção foi recepcionada no Brasil em 21 de novembro de 1990, pelo Decreto 99.710, quando o Estado brasileiro se obrigou à proteção das crianças, inclusive colaborando com outros Estados-membros. O Estado brasileiro se comprometeu na proteção da criança quando ratificou a Convenção dos Direitos da Criança. Haja vista que a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal e administrativa. Desta forma, faz-se necessário que o Brasil dê condições para que a criança se desenvolva em um ambiente saudável e livre de violência. A aplicação do princípio da extraterritorialidade nos crimes de pedofilia é de suma importância para prevenção dos abusos sexuais contra crianças, especificamente contra agentes que tentam burlar a aplicação da lei penal se evadindo para outro Estado. Assim, a punição efetiva aos indivíduos que cometem o crime formaria uma exposição da ação do Estado, gerando a prevenção geral contra este tipo de crime. Caso em que o sujeito ativo da ação seja identificado fatalmente será punido. Destarte, o Estado cumpriria o acordo internacional e daria a criança condição de pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, podendo assim crescer e cumprir o seu papel dentro da sociedade. 5 APLICAÇÂO DO PRINCÍPIO DA EXTRATERRITORIALIDADE NOS CRIMES DE PEDOFÍLIA 5.1 Competência Para o Combate A Constituição da República de 1988 em seu artigo 144, §1º, inciso I, determina a competência da Polícia Federal para apurar infrações penais cuja prática tenha repercussão internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei. Em vigor desde 08 de maio de 2002, a lei 10.446 dispõe sobre os crimes de repercussão internacional que deve ser de competência da Polícia Federal, trazendo em seu artigo 1º, inciso III: “relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte”. Destarte, compete a Polícia Federal do Brasil reprimir e apurar os crimes de pedofilia, haja vista que o Brasil se comprometeu ao combate de tal ato quando ratificou Convenção dos Direitos da Criança (tratado internacional). Com vistas à apuração de crimes no exterior o Policia Federal mantém acordo de cooperação com a Interpol. Com sede na França, a “Organização Internacional de Polícia Criminal”, conhecida como Interpol, tem como objetivo facilitar a cooperação policial internacional, mesmo quando não existam relações diplomáticas entre os países em particular. Ação deve ser tomada dentro dos limites das leis existentes em diferentes países e no espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Interpol visa à prevenção e o combate ao crime através da cooperação e inovação reforçada em matéria policial e de segurança, facilitando a maior assistência mútua possível entre todas as autoridades responsáveis pela aplicação da lei penal e assegurando que os serviços policiais possam se comunicar de forma segura com os outros ao redor do mundo. Em 1965, a Assembleia Geral da Interpol cria os Escritórios Centrais Nacionais (ECN) e estabelece suas responsabilidades formais e políticas operacionais. Os ECN são compostos por agentes policiais nacionais, sendo este um o contato designado para a Secretaria Geral da Interpol e escritórios regionais de outros países membros, colaborando nas investigações e localização e apreensão de fugitivos. O principal objetivo dos ECN é facilitar a comunicação entre as forças policiais de diversos países membros.
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No Brasil o ECN está localizado na Polícia Federal em Brasília. Assim, a estrutura de combate aos crimes de pedofilia cometidos em Estado estrangeiro, tanto aos cometidos por brasileiros como aqueles cometidos contra brasileiros estaria sob a responsabilidade do Departamento de Polícia Federal com o apoio da Interpol. Destarte, a administração pública brasileira está preparada para atender ao artigo 19 da Convenção dos Direitos da Criança, que estabelece aos estados partes a obrigação de constituir medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela, devendo incluir, conforme apropriado, procedimentos eficazes de prevenção, investigação, e, conforme o caso, para a intervenção judiciária. Esta fase de investigação se equivale ao Inquérito policial, onde a polícia judiciária fará a apuração das infrações penais e da sua autoria, que servirá de base para a apresentação da denuncia, preconizando RANGEL (2011, p. 76), que “o inquérito, assim, é suporte probatório sobre o qual repousa a imputação penal feita pelo Ministério Público, mas que deve ser comprovada em juízo, sob pena de se incidir em uma das hipóteses do artigo 386 do Código de Processo Penal”. 5.2 Produção de prova em juízo. Contudo as provas levantadas na investigação não poderão ser exclusivas para formação da convicção do Juiz para a condenação, sendo apenas elementos informativos, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Deve o juiz formar sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, assim preconiza o artigo 155 do Código de Processo Penal. A expressão “exclusivamente”, constante no artigo 155 do Código de Processo Penal, não pode autorizar que o intérprete pense ser possível ao juiz fundamentar sua sentença com base em provas da fase de investigação e da judicial. A sentença deve ser fundamentada com base em provas existentes nos autos do processo e também não pode referenciar às informações do Inquérito para balizar sua sentença, salvo as autorizadas no referido artigo. Segundo RANGEL (2011, p.75), o princípio da verdade processual é básico e fundamental para a administração da justiça, contudo deve ser compatível com o contraditório, pois não haverá verdade ouvindo-se uma única parte, assim, a busca da verdade processual deve ser buscada por todos os participantes da relação jurídica processual, não apenas pelo Estado, pois desta forma não haveria igualdade entre as partes. O Juiz tem liberdade para formar a sua convicção, não estando adstrito a qualquer critério legal de prefixação de valores probatórios, contudo tem que fundamentar sua decisão, explicitando os motivos e razões de sua opção, devendo basear-se em provas produzidas em contraditório judicial, firmando assim a legalidade da prova condenatória, onde foi dada a ampla defesa ao acusado. Uma dificuldade para a punição do agente, com base no princípio da extraterritorialidade, é a falta de condições no exterior para criação de provas válidas, produzidas no contraditório e com ampla defesa, para comprovação mínima da existência do fato e autoria. Não havendo a comprovação não há como julgar e punir. 5.3 Importância da Palavra da Vítima A jurisprudência pátria apresenta vários julgados onde a palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual é importante elemento de convicção, haja vista que esses crimes normalmen-
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te são cometidos às escondidas, sem testemunhas e, por muitas vezes, sem deixar quaisquer vestígios, devendo, todavia, guardar consonância com as demais provas coligidas nos autos. Seguem abaixo ementa de alguns julgados neste sentido: Esta Corte Superior tem o entendimento jurisprudencial no sentido de que nos crimes sexuais, a palavra da vítima, desde que coerente com as demais provas dos autos, tem relevância como elemento de convicção, sobretudo porque, em grande parte dos casos, tais delitos são perpetrados às escondidas e podem não deixar vestígios. (STJ, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial: AgRg no AREsp 312577 RN 2013/0098882-8, Relator: Ministro Moura Ribeiro, 2013) O entendimento desta corte é no sentido de que nos crimes sexuais, a palavra da vítima, desde que coerente com as demais provas dos autos, tem grande validade como elemento de convicção, sobretudo porque, em grande parte dos casos, tais delitos são perpetrados às escondidas e podem não deixar vestígios. Assim, entendida como insuficiente pelo aresto recorrido, a valoração da prova realizada pelo Tribunal a quo utilizou-se de argumentos inidôneos, que infringiram o princípio probatório atinente a quaestio, qual seja, a relevância da palavra das vítimas nos crimes sexuais. (STJ, REsp 1336961⁄RN, Rel. Ministro Campos Marques, Quinta turma, 2013) Nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima é importante elemento de convicção, na medida em que esses crimes são cometidos, frequentemente, em lugares ermos, sem testemunhas e, por muitas vezes, não deixam quaisquer vestígios, devendo, todavia, guardar consonância com as demais provas coligidas nos autos. No caso, a condenação baseou-se em outras provas, que não apenas o depoimento da vítima. (STJ, AgRg no REsp 1346774⁄SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta turma, 2012). Cumpre salientar que nos crimes contra a liberdade sexual, geralmente praticados à clandestinidade, a palavra da vítima assume preponderante importância, como na hipótese vertente, que se mostrou coerente, expondo os fatos com riqueza de detalhes. (STJ, HC 267.027⁄DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta turma, julgado em 02⁄05⁄2013, DJe 22⁄05⁄2013 Para MALATESTA (2005, p 400), o testemunho do ofendido é subjetivamente defeituoso, pois pode trazer uma carga de enganos devido à perturbação do espirito do ofendido, diante de qualquer delito, assim o ofendido torna-se se suscetível de erro. Dessa forma, é importante que o depoimento seja tomando “aos olhos” do julgador, conforme afirma MALATESTA (2005, P. 412), “a consciência do juiz saberá, nos casos concretos, avaliá-lo, no seu justo valor”. É de suma importância nos casos de crimes sexuais que o depoimento da vítima seja tomado perante o julgador. 5.4 Produção de Prova no Exterior Para que a condução da investigação realizada pela polícia judiciária possa transforma-se em ação é necessária a criação de uma rede internacional adequada, com procedimento judiciário capaz de manter as informações internacionais sobre crimes de pedofilia, criando provas válidas em todos Estados que ratificaram a convenção, fortalecendo o processo de identificação dos pedófilos, propiciando uma maior proteção à criança. A validade da prova em conformidade aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório deve ser alcançada e “para validade da prova, de forma indiscutível, necessariamente, há de passar pelos instrumentos próprios de cooperação judiciária internacional” (PAULINO, 2008, p. 78). Por outro lado, a soberania não estaria garantida, pois em razão desta, uma sentença estrangeira, mesmo para alcançar provas válidas, para produzir efeitos no Brasil deve passar pelo processo de
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homologação de sentença estrangeira. Pois, se diferente fosse estaria aplicando em território nacional leis estrangeiras, é o que ensina NUCCI (2007, p 141), justificando-se a territorialidade do Direito Penal, e define este processo como a decisão do Presidente do Superior Tribunal de Justiça que permite a nacionalização da sentença estrangeira, a fim de que tenha valor executivo no Brasil. Como não há a construção de provas válidas no exterior, produzidas em contraditório, não há a aplica do princípio da extraterritorialidade nos crimes de pedofilia, cometidos por brasileiros ou contra brasileiros em território estrangeiro, não cumprindo a obrigação de proteção ampla à criança. Corroborando com esta constatação, MALATESTA (2005, p. 148) leciona que: “o juízo penal só se instaura quando existe a fé de poder chegar à verificação da criminalidade”. PAULINO (2008) propõe a criação de acordo que permitisse a troca direta dos documentos e provas, produzidos em ampla defesa e contraditório, sem os rigores da Carta Rogatória e do processo de homologação de sentença pelo STJ, trazendo mais rapidez e agilidade ao combate à criminalidade. Os entraves para a produção de prova válida, que permita que após o inquérito internacional, seja possível a comprovação do fato criminoso e autoria, possibilitando que a denúncia seja aceita e que o processo penal seja produzido, e também, que no andamento do processo seja possível produzir provas externas de forma ágil, devem ser derrubados por meio de acordos internacionais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o exposto, observa-se que a dificuldade da punição do agente criminoso, quanto aos crimes de pedofilia ocorridos em território estrangeiro, não está relacionada à estrutura da administração pública para a prevenção e investigação dos crimes de pedofilia. O Estado brasileiro, quando ratificou a Convenção dos Direitos da Criança e assumiu o dever de proteger a criança de toda e qualquer situação que dificulte o seu desenvolvimento físico, biológico, cultural e emocional, se comprometeu ao dever de coibir, investigar e punir os crimes previstos em lei nacional contra a criança e o adolescente. É grave o problema da criminalidade transnacional. Este é um problema de difícil solução, pois não existem fronteiras para os criminosos, que, inclusive se utilizam das divisões fronteiriças entre os Estados para fraudar a lei, pois o direito de punir está limitado à jurisdição de cada Estado. Visando facilitar a troca de informações sobre a criminalidade internacional, foi criada a Interpol, uma organização internacional entre as polícias dos países-membros que atua no intercâmbio de informações relevantes. Embora seja possível o levantamento de provas preliminares, em fase de investigação, estas não têm valor probatório diante do juízo criminal, pela falta das garantias individuais, ou seja, falta a estas para produzir efeito jurídico a aplicação dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. A proposta de PAULINO de criar uma rede para produção de instrumentos próprios de cooperação judiciária internacional esbarra em algumas barreiras, a saber: a soberania de cada Estado na aplicação do Direito Penal; nas diferenças sociais e legais, pode haver formalidades judiciais em alguns países que não são permiti-
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das em outros, ferindo o direito individual do nacional acusado em seu Estado ou o Estado acusando o nacional de outro. Esta proposta vai de encontro com o Código Penal brasileiro, que no artigo 7º estabelece a aplicação da lei brasileira, mesmo em crimes que o Brasil se obrigou a proteger por tratado ou convenções, artigo 7º, inciso II, alínea “a”. Fica assim demonstrada a difícil tarefa de aplicar o princípio da extraterritorialidade, gerando a impunidade, o que provoca no sujeito a sensação de liberdade para cometer novos crimes. Provocando uma liberalidade para violentar crianças.
REFERÊNCIAS AURY LOPES Jr. DIREITO PROCESSUAL PENAL E SUA CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL. Volume I. 6. ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2011 BITENCOURT, Cezar Roberto. TRATADO DE DIREITO PENAL: Parte Geral I. 15. ed. São Paulo. Saraiva, 2010. p. 754 CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA, Núcleo de Bibliotecas. MANUAL DE ELABORAÇÃO E APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS ACADÊMICOS: Padrão Newton Paiva. Disponível em http://www.newtonpaiva.br/uploads/anexos/4a55dcd74d5a12c17c8ba2c1b72314675691efee.pdf, acessado em 25/10/2013. DIONNE, Pierre. INOCÊNCIA EM PERIGO: artigo – Aspectos Legais e Jurídicos: Lei Extraterritorial e Extradição. 1. ed. Rio de Janeiro. Garamond, 1999. p. 89 DUNAIGRE, Patrice. INOCÊNCIA EM PERIGO: artigo – O Ato Pedófilo a História da Sexualidade Humana. 1. ed. Rio de Janeiro. Garamond, 1999. p. 1 INTERPOL, Visão Geral sobre a ORGANIZAÇÂO INTERNACIONAL DE POLÍCIA CRIMINAL. Disponível em http://www.interpol.int/About-INTERPOL/Overview, acessado em 16/05/2014. MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A LÓGICA DAS PROVAS EM MATÉRIA CRIMINAL. Tradução: Paolo Capitanio 6. ed. Campinas. Bookseller. 2005. NUCCI, Guilherme de Souza. MANUAL DE DIREITO PENAL: Parte Geral Parte Especial. 3. ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2007. PAULINO, José Alves. A PRODUÇÃO DA PROVA EXTERNA E SUA VALIDADE CONTRA A CRIMINALIDADE ORGANIZADA TRANSNACIONAL. 1. ed. Brasília. Projeto Editorial, 2008. p. 47 QUEIROZ, Paulo de Souza. DIREITO PENAL: Parte Geral. 5. ed. Rio de Janeiro. Lumen Jures, 2010. p. 832 RANGEL, Paulo. DIREITO PROCESSUAL PENAL. 19. ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2011 UNICEF, ONU. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA. Disponível em http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm, Acessado em 25/10/2013.
NOTAS DE FIM 1 Graduando em Direito no Centro Universitário Newton Paiva, Bacharel em Administração de Empresa pelo Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB), Especialista em Governança de TI pela Universidade Católica de Brasília (UCB). 2 Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Maurício Lopes e Júlio Zini
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A OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA PELOS CREDORES NA ANÁLISE DE VIABILIDADE DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL Gleycon Jonathan Queiróz1 Marco Flávio de Sá2 Banca examinadora3
RESUMO: O presente artigo tem por escopo o estudo recuperação judicial, mais especificamente, do plano de recuperação, que se apresenta como um contrato e por isso deve observar toda principiologia da ordem contratual, em especial o princípio da Boa-fé Objetiva. A análise da viabilidade do plano de recuperação e a consequente aprovação ou rejeição pelos credores deve ser exercida dentro dos limites impostos pelos deveres anexos da boa-fé, bem como em observância à função de controle, sob pena de incidirem no abuso de direito. PALAVRAS-CHAVE: Princípio da Boa-fé Objetiva; Recuperação Judicial; Plano de Recuperação; Abuso de Direito. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A Recuperação Judicial; 2.1 Da concordata à recuperação de empresas; 2.2 Conceito e Objetivos; 2.3 Natureza Jurídica; 2.4 O Plano de Recuperação Judicial; 3 O Princípio da Boa-Fé Objetiva; 3.1 As Funções da Boa-Fé Objetiva; 3.1.1 Função Interpretativa; 3.1.2 Função Integrativa; 3.1.3 Função de Controle; 4 A Boa-Fé Objetiva e a Análise de Viabilidade do Plano de Recuperação Judicial; 4.1 A Análise de Viabilidade do Plano de Recuperação; 4.2 A Assembleia-Geral e o Direito de Voto dos Credores; 4.3 O Abuso no Exercício do Direito de Voto; A Função Integrativa da Boa-Fé Como Instrumento Limitador ao Abuso de Direito Pelos Credores; 5 Considerações Finais; Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO O empresário, pessoa física ou jurídica, por vezes, no exercício da atividade empresarial e da liberdade de contratar, depara-se com uma situação de crise econômico-financeira que o leva a dificuldades de promover o adimplemento de suas obrigações. A Lei 11.101/05 - LRE inovou ao trazer para ordenamento jurídico pátrio o instituto da recuperação de empresas, com vistas a preservar a atividade empresarial e ao mesmo tempo a figura do empresário e da sociedade empresária. Assim, o empresário, objetivando a superação do estado de crise, poderá se valer do instituto da Recuperação de Empresas para reformular as obrigações contratadas, demonstrando aos seus credores a viabilidade da manutenção de sua atividade econômica. Para isso, o empresário devedor deverá elaborar um plano de recuperação, que apresente meios que instrumentalizarão a superação da crise instaurada. Ocorre, que a análise de viabilidade do plano apresentado é feita exclusivamente pelos credores em assembleiageral, que poderão aprová-lo, sugerir alterações ou rejeitá-lo, sendo que nesta situação será decretada a falência do devedor. Nesse sentido, o presente artigo tem por escopo a abordagem contratual do instituto da Recuperação de Empresas, buscando elucidar a necessidade de observância dos princípios regentes do direito dos contratos pelos credores na análise de viabilidade do plano de recuperação, em especial o princípio da Boa-Fé Objetiva, com o fim de se evitar o abuso de direito. 2 A RECUPERAÇÃO JUDICIAL 2.1 Da Concordata à Recuperação de Empresas Durante décadas, a única ferramenta capaz de auxiliar o empresário em situação de iliquidez e possibilitar a continuidade de sua atividade econômica era a Concordata.
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A antiga lei de falências e concordatas - Decreto 7.661/45 - preceituava a concordata como um favor legal4conferido aos devedores de boa-fé que se encontrassem em situação patrimonial que permitisse vislumbrar chances efetivas de recuperação econômica5,e por ela, somente poderiam ser atingidos os credores sem privilégios, os quirografários. A concordata, em linhas breves, apresentava-se de duas formas, a primeira denominada preventiva, requerida pelo devedor antes da instauração do processo falimentar e a segunda, chamada de suspensiva, requerida incidentalmente no curso do processo de falência, quando verificada a possibilidade de manutenção da atividade de empresa. Segundo Valverde apud Campinho (2009, p. 125) a concordata, sob a égide da antiga lei de falências, possuía caráter eminentemente processual: A Lei vigente deu à concordata estrutura integralmente processual. A demanda de concordata inicia-se, como nos processos contenciosos, com o pedido do devedor, e, queiram ou não os credores citados para dizer sobre o período, o juiz dele toma conhecimento e decide de sua procedência, segundo as regras previstas em lei. Por possuir um campo de atuação restrito, não observar a vontade dos credores, e para alguns juristas, violar princípio da Par Conditio Creditorum, a concordata sofreu inúmeras criticas ao longo dos anos. Corroborando com esse entendimento ensinou FAZZIO JUNIOR (2008, p. 113): A crítica mais frequente e procedente que sempre se formulou em relação à concordata preventiva focalizava o particularismo daquela solução preventiva da falência. A concordata só interessava aos credores quirografários e ao devedor. Realmente, o âmbito da concordata era muito estreito e renegava a um plano secundário o verdadeiro significado da empresa.
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Com o advento da Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, o direito concursalbrasileiro foi substancialmente modificado, tendo em vista a extinção do instituto da concorda e, principalmente, a implementação da Recuperação de Empresas, na forma judicial e extrajudicial, sendo apenas a primeira modalidade objeto de estudo do presente artigo. 2.2 Conceito e Objetivos A nova lei de falências e recuperação de empresas, já sob a ótica da constitucionalização do direito privado, possui uma base principiológica bastante evidente. O art. 47 da LRE, que inicia o capítulo acerca da recuperação judicial, traz consigo a presença de inúmeros princípios, dentre eles a Função Social da Empresa, a Proteção do Empresário, Preservação da Empresa, Proteção dos Trabalhadores e do Interesse dos Credores. Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. (grifo nosso). A Recuperação Judicial é o instituto jurídico, fundado na ética da solidariedade6, que visa a superação de crise econômico financeira do empresário e da sociedade empresária com o objetivo de preservar os negócios firmados, a atividade de empresa, fomentar o trabalho humano e a continuidade do emprego, bem como a satisfação, ainda que em parte, dos direitos e interesses dos credores. Para FAZZIO JUNIOR (2008, p. 115), o referido instituto não se limita à relação firmada entre os credores e o devedor, sendo estendida à toda coletividade: A recuperação judicial não se restringe à satisfação dos credores nem ao mero saneamento da crise econômico financeira em que se encontra a empresa destinatária. Alimenta a pretensão de conservar a fonte produtora e resguardar o emprego, ensejando a realização da função social da empresa, que afinal de contas, é mandamento constitucional. O objetivo imediato da Recuperação Judicial é a reestruturação da atividade econômica do empresário ou da sociedade empresária, para fortalecimento do fator de produção, com a consequente maximização das possibilidades dos credores de terem seus créditos satisfeitos, ou pelo menos, de que sejam superiores àqueles, que eventualmente, receberiam em caso de falência do devedor. Com efeito, o fortalecimento da fonte produtora e do pleno emprego dos trabalhadores evidencia o caráter social do instituto, que foge à relatividade obrigacional, inicialmente entabulada entre o devedor e os credores, e passa a produzir efeitos em toda a coletividade. 2.3 Natureza Jurídica Com a inovação do instituto muito se discute sobre a natureza jurídica da Recuperação Judicial, se de ordem privada, atrelada ao direito contratual; pública, por se materializar através de uma medida processual; ou de direito econômico, por sua eficácia técnica permear uma zona intermediária entre o Direito Privado e o Direito Público. Segundo aqueles que defendem seu enquadramento público, como instituto de Direito Processual, a recuperação judicial somente se efetiva e se implementa por meio de uma ação processual de natureza constitutiva, ao passo que a LRE garante ao devedor que preenche os requisitos por ela impostos, formais e materiais, a propositura de ação de recuperação judicial.7
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Já na concepção daqueles que entendem que esteja compreendida no estudo do Direito Econômico, o fundamento é que as normas da recuperação não visam precipuamente realizar a ideia de justiça, mas sim, conforme leciona ABRÃO (2010, p. 176), “criar condições e impor medidas que propiciem às empresas em estado de crise se reestruturarem, ainda que com parcial sacrifício de seus credores.” Bem como, pelo fato de que as medidas causam efeitos em terceiros não abarcados pela recuperação. Apesar da validade jurídica dos entendimentos supracitados, a natureza jurídica da recuperação judicial mostra-se mais evidente no campo do direito contratual, ao passo que implica na novação das obrigações anteriormente firmadas. Assim, “o instituto da recuperação deve ser visto com a natureza de um contrato judicial, com feição novativa, realizável através de um plano de recuperação.”8 Corroborando esse entendimento, CAMPOS FILHO, afirma que: A recuperação judicial, de iniciativa do devedor e consubstanciada num documento submetido à deliberação dos credores reunidos em assembleia e dependente da chancela judicial, encontra sua natureza mais próxima do acordo de vontades. As partes reconhecem que a adoção de tudo quanto esteja contido no plano servirá como meio propício ao soerguimento pretendido. (grifo nosso) Com efeito, verifica-se a presença de elementos próprios de um contrato, face à pluralidade na manifestação de vontades, à comutatividade das obrigações firmadas, e principalmente por estabelecer novação das obrigações, ou seja, a criação de novas obrigações e condições de adimplemento, substituindo àquelas anteriormente firmadas, havendo, assim, plena subsunção à previsão do art. 360, I do Código Civil Brasileiro.9 2.4 Do Procedimento e do Plano de Recuperação A concessão do pedido de recuperação judicial depende da intervenção do Poder Judiciário, que não pode ocorrer de ofício, devendo, assim, ser provocada pelos interessados com o exercício do direito de ação. O processo de recuperação judicial se inicia por meio de uma petição formulada pelo empresário ou sociedade empresária, que preencha os pressupostos subjetivos do art. 48 da LRE10; e que esteja instruída com toda a documentação exigida pelo art. 5111 do mesmo dispositivo normativo. Tal peça deverá ser direcionada ao juízo onde esteja localizado seu principal estabelecimento.12 O juiz verificando a presença dos pressupostos subjetivos e objetivos, obrigatoriamente deferirá o pedido do devedor e ordenará o processamento da recuperação judicial. O despacho de processamento não significa a concessão efetiva da recuperação judicial, mas sim um marco inicial de análise da possibilidade de superação do estado de crise pelo devedor. Logo, “o despacho de processamento inaugura o procedimento verificatório da viabilidade da proposta para que se conclua sobre sua aprovação, como foi formulada ou modificada, ou sua rejeição e consequente falência do devedor.”13 Deferido o processamento da recuperação, o juízo determina a publicação de um edital na imprensa oficial contendo um resumo do pedido do devedor, relação dos credores apresentados por ele, resumo do despacho de processamento, bem com a abertura do prazo de 15 dias para que os credores apresentem impugnações ou incluam créditos não mencionados pelo devedor. Em prazo não superior a 60 (sessenta) dias, contados a partir da publicação do edital supramencionado, fica o devedor obrigado
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a apresentar em juízo o plano de recuperação judicial, que contenha meios de recuperação que demonstrem a viabilidade da superação do estado de crise. De acordo com CAMPINHO (2009, p. 163): O plano de recuperação judicial deve conter: (a) discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados, bem como um resumo de cada ato que o compõe; (b) demonstração analítica de sua viabilidade econômica; (c) laudo econômico-financeiro e de avaliação dos ativos do devedor, subscrito por profissional habilitado ou por sociedade especializada. Recebido o plano, o juiz ordenará a publicação de novo edital que notificará os credores do recebimento do mesmo, bem como fixará prazo para manifestação de eventuais objeções. Tal faculdade se apresenta como “um mecanismo legal oferecido aos credores para que eles possam fazer alguma oposição ao pedido de recuperação judicial e também participar das decisões doplano, sendo uma forma de defender seus créditos.”14 Cabe aos credores, e somente a eles, a análise do plano da viabilidade econômica do plano de recuperação, sendo as limitações ao exercício deste direito o cerne do presente trabalho. 3 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA O fenômeno da constitucionalização do direito privado fez com que importantes paradigmas do direito civil fossem alterados, dando lugar àqueles que melhor se enquadrariam aos preceitos adotados pela Carta Magna de 1988. Nesse cenário, com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor em 1990 e do Código Civil em 2002, surge o Princípio da Boa-fé Objetiva como um dos norteadores da ordem jurídica privada. Antes deadentrar o estudo do principio supracitado, mister se faz a diferenciação entre as acepções existentes do termo boa-fé: a subjetiva e a objetiva. A boa-fé subjetiva possuía presença marcante no antigo codex civilista de 1916, e pode ser definida como uma condição psicológica ou um estado de ânimo de determinado agente que pratica atos ou exerce determinado direito sem que tenha ciência dos vícios existentes. O indivíduo se encontra em uma situação escusável de ignorância sobre a realidade dos fatos e da lesão a direito alheio.15 Em outro plano, a Boa-fé Objetiva se apresenta como uma norma cogente de observância geral, presente no campo do direito das obrigações e com caráter notadamente princípiológico. Nos ensinamentos de FARIAS (2011, p. 159) pode ser definida como: (...) um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte. Desse modo, por este preceito jurídico, as partes quando da celebração de obrigações, devem agir umas com as outras de forma leal, ancoradas no dever ético e moral de manutenção e satisfação daquilo que fora pactuado, com o objetivo de não causar prejuízo ou lesar a legítima expectativa do outro contratante. Em suma, a Boa-fé Objetiva pressupõe a existência de uma relação jurídica entre duas ou mais pessoas, que lhes imponha deveres mútuos de conduta e que lhes forneça condições suficientes para que desenvolvam um estado de confiança no negócio celebrado.16
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Com efeito, apresenta-se como um princípio regulador das condutas apresentadas pelas partes no âmbito contratual, e também como cláusula geral, devendo atuar na formação, conclusão e execução dos contratos, bem como em sua interpretação, conforme elucidam os artigos 11317e 42218 do Código Civil Brasileiro. 3.1 As Funções da Boa-fé Objetiva Objetivando o pleno cumprimento dos deveres de conduta firmados pelas partes, a boa-fé exerce importantes funções, dentre as quais se destacam a interpretativa, a integrativa ou de proteção, e a de controle. 3.1.1 Função Interpretativa A função interpretativa, de todas a mais evidente, prevista de forma expressa no art. 113 do Código Civil, tem por fim aclarar o sentidodas estipulações contratuais, e confere ao aplicador do direito, segundo GAGLIANO (2010, p. 105), “um referencial hermenêutico para que possa extrair da norma o sentido moralmente recomendável e moralmente mais util.” Assim, de acordo com essa função, tanto as partes, quanto o aplicador do direito, devem interpretar o contrato de forma a atingir os objetivos traçados pela boa-fé, preterindo a escrita em favor do que realmente aspira aquela convenção. 3.1.2 Função Integrativa A função integrativa se apresenta como importante instrumento explicitação dos deveres de comportamento do credor e do devedor, ainda que não constantes na norma ou no contrato. Tal imposição ocorre sem haver qualquer vinculação com a vontade das partes, donde defluem os deveres anexos da boa-fé, que embora se externalizem de diversas formas, estão mais evidentes nos deveres de proteção, de informação e de cooperação. O dever de proteção, em síntese, visa proteger as partes dos riscos de danos à sua pessoa ou ao seu patrimônio, atuando na tutela da higidez de ambas as partes para que as mesmas acarretem a ocorrência de danos mútuos, que por vezes resultam em danos extrapatrimoniais contra uma delas.19 O dever de informação, do qual se origina o subprincípio da transparência, tem por fim a imposição moral e jurídica de uma parte comunicar a outra de todas as características e condições do negócio - antes, durante e depois de sua formação -, face à lealdade que por elas deve ser observada.20 O dever de cooperação está atrelado à noção de que se o contrato é feito para ser cumprido. Cabe aos contratantes adotar atitudes com o fim de atingir o adimplemento da prestação obrigacional. Assim, as partes devem abandonar a posição clássica de antagonistas ou opositoras na relação jurídica, e assumirem uma posturacolaboracionista21, convergindo para o bem comum e o efetivo adimplemento do pactuado. Nos ensinamentos de NALIN apud GAGLIANO (2010, p. 109): O dever de cooperação, de outra forma, se reporta à obrigação de se facilitar o cumprimento obrigacional, com base nos critérios e limites usuais ditados pelos usos, costumes e boa-fé. A cooperação é encarada, no mais, em um duplo sentido, apesar de sua natural tendência ao favorecimento ao devedor, exigindo de ambos os contratantes uma postura de solidariedade. O âmbito dos deveres anexos da boa-fé transcende o próprio contrato, pois independem da manifestação volitiva das partes, o que provoca um elastecimento do conteúdo contratual com o escopo de se efetivar a lealdade entre as partes e o fim social do contrato.
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3.1.3 Função de Controle Por meio dafunção delimitadora do exercício de direitos subjetivos22ou função de controle, objetiva-se impedir o exercício abusivo de direitos subjetivos e potestativos nas relações obrigacionais. A norma ou o contrato, ao conferirem determinado direito às partes, assim o fazem na expectativa de que não o mesmo não seja extrapolado, ou utilizado de tal forma a causar prejuízo a outrem, revelando, assim, o abuso de direito. Dentre as várias formas de se violar a boa-fé objetiva, o abuso de direito se revela como uma das mais afrontosas, ao passo que provoca lesão a todo ordenamento jurídico, pois fora o próprio Direito que conferiu, o direito utilizado como ferramenta de lesão. Pelo princípio da boa-fé, mais especificamente pela função de controle, cada pessoa exercita seus direitos respeitando as limitações estabelecidas pelo conteúdo do próprio direito ou em observância às disposições decorrentes da proteção dispensada à proteção de terceiros. As violações aos preceitos supracitados são rechaçadas de tal forma por nosso ordenamento, que o Código Civil, em seu art. 187, as enquadra como ato ilícito. Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
instância adequada para exame e manifestação dos credores quanto à proposta do plano de recuperação.24 As relações obrigacionais anteriormente entabuladas foram revistas e reformuladas pelo plano de recuperação, e agora passam a ser analisadas pelos credores, que necessariamente deverão se manifestar sobre sua concordância ou repúdio àquilo que fora proposto pelo devedor. Nesse sentido, resta evidente que o ordenamento jurídico conferiu aos credores, exclusivamente, o direito de se manifestarem acerca da viabilidade da superação do estado de crise do devedor e tal manifestação é instrumentalizada pelo voto.
4.1 A Análise de Viabilidade do Plano Dentre as principais modificações trazidas pela Recuperação Judicial no sistema concursal brasileiro, a posição do credor responsável pela aprovação ou rejeição do plano de recuperação é uma das mais impactantes, ao passo que retira do magistrado o poder de decisão. A atuação do juiz na recuperação judicial é estritamente vinculada à análise da legalidade das condições apresentadas pelo devedor, bem como à fiscalização pelos credores e pelo devedor do fiel cumprimento dos ditames estabelecidos pela Lei 11.101/05, além de promover os atos ordinatórios que viabilizaram o desenvolvimento do processo de recuperação. Sobre o tema ensinou FAZZIO JUNIOR (2008, p. 161) que “a aprovação do plano de recuperação passa pelo crivo de sua viabilidade empresarial, e subsequentemente, pelo filtro de legalidade formal e material do Poder Judiciário.” Nesse sentido, não é conferida ao magistrado a possibilidade de análise dos aspectos econômico-financeiros do plano de recuperação, pois esse direito é de titularidade exclusiva dos credores, cabendo ao juiz apenas homologar aquilo que fora decidido por eles.
4.3 O Abuso no Exercício do Direito de Voto O credor, em princípio, zela pelo adimplemento das obrigações firmadas com o devedor e sob tal ótica, enxerga na recuperação um instrumento eficaz de realização desse crédito. Assim, sua manifestação acerca da aprovação do plano de recuperação é vista como medida necessária à satisfação da prestação contratual. O devedor, por outro lado, se enxerga no plano de recuperação um meio concreto de superação da situação de crise a qual está imerso, objetivando a manutenção de sua atividade, e consequentemente o adimplemento das obrigações por ele firmadas. A LRE não obriga o credor a votar no interesse da sociedade em recuperação. Se assim fosse, teria a legislação deixado a concessão da recuperação judicial à decisão do magistrado, que, nos moldes da antiga concordata, limitar-se-ia a apurar a regularidade dos documentos instrutórios do pedido. Ocorre que, por vezes, o credor no exercício do seu direito de voto, deixa de lado o interesse primário de realização de seu crédito, e passa a utilizá-lo em flagrante prejuízo ao devedor de sua atividade empresária. Conforme elucida PIMENTA (2013), não é permitido ao credor “utilizar-se de seu direito de voto em Assembleia-Geral de Credores, como outra finalidade que não aquela estritamente ligada à realização de seus direitos de crédito contra o devedor comum.” A autonomia conferida ao credor no exercício do seu direito de voto não é absoluta, pois deve se pautar nos limites estabelecidos pela princiologia contratual, bem como pelos próprios fundamentos da recuperação de empresas. Assim, o voto além do aspecto individual, que envolve a interesse do credor da percepção do seu crédito, possui um aspecto coletivo, tendo em vista que ao ser exercido transcende a mera relatividade das partes, passando a produzir efeitos em toda coletividade, face o caráter social da recuperação judicial. O credor que utiliza seu direito de voto para satisfação de interesses externos, como por exemplo o aquele que deseja a falência do devedor para que elimine do mercado de consumo um concorrente, viola os deveres anexos da boa-fé objetiva, bem como pratica abuso de direito, nos termos do art. 187 do Código Civil: Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (grifo nosso)
4.2 A Assembleia-Geral e o Direito de Voto dos Credores Conforme anteriormente mencionado, após a apresentação do plano de recuperação pelo devedor, o juiz publicará um edital de convocação dos credores para que no prazo de 30 dias se manifestem acerca do plano[1],23 concordando ou apresentando objeções. Assim, apresentada qualquer objeção ao plano de recuperação, o juiz deverá convocar a assembleia-geral de credores, órgão máximo do procedimento recuperatório, ao passo que se apresenta como a
Desse modo, os princípios fundadores da recuperação judicial, em especial a função social da empresa, são instrumentos limitadores exercicio do direito de voto do credor, que se violados, implicam na prática de ato ilícito. Reforçando esse entendimento, o judiciário tem se posicionado no sentido de permitir ao magistrado decretar a nulidade do voto manifestamente abusivo, proferido por credor. Sob este prisma decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro25:
A função de controle, ao passo que estabelece limitações ao exercício de determinado direito do qual o sujeito é titular, torna-se a base do presente estudo para que seja demonstrada a necessidade de observância do princípio da boa-fé pelos credores, no momento de aprovação do plano de recuperação, sob pena de incidirem no abuso de direito. 4 A BOA-FÉ OBJETIVA E A ANÁLISE DE VIABILIDADE DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
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DIREITO EMPRESARIAL. ART. 58, § 1º LEI DE FALÊNCIAS. EXCLUSÃO DO VOTO DE CREDOR POR ABUSO DE DIREITO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONCESSÃO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. REVALÊNCIA. 1- O artigo 58, § 1º da Lei de Falências autoriza o juiz a homologar o plano de recuperação judicial, ainda que sem a aprovação dos credores na forma do art. 45 da Lei, desde que presentes, cumulativamente, os requisitos nele estabelecidos. 2- Nesse contexto, em homenagem ao princípio da preservação da empresa e ao cumprimento da sua função social, é lícito ao Juiz promover a exclusão do voto de credor que exerce seu direito de maneira abusiva e contrária aos interesses dos demais credores, possibilitando, assim, a recuperação judicial da sociedade devedora. (grifo nosso) Seguindo a mesma corrente, foi aprovado o enunciado de nº 45 da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, que explicita que “ o magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso de direito. Com efeito, a má utilização do direito de voto pelo credor, configura abuso de direito, que confere ao juiz o poder de intervir na apreciação da viabilidade do plano de recuperação de modo a privilegiar os princípios da função social da empresa e da boa-fé. Sobre o tema ensinou CAMPOS FILHO (2007, p. 147): Atento aos limites identificadores da boa-fé e do fim econômico ou social que a lei impõe em relação aos atos praticados no exercício de um direito, ao juiz caberá a tarefa de identificar, em cada situação específica, o comportamento do credor que tenha utilizado de seu voto como instrumento de violação ao direito de outrem Logo, o credor proferir seu voto em assembleia-geral para apreciação do plano, não pode utilizá-lo como instrumento causador da falência do devedor, objetivando com isso a satisfação de interesses alheios à percepção de seu crédito, ou que assim o sendo, não poderá deixar de observar os princípios norteadores do instituto da recuperação de empresas, bem como o princípio da boa-fé. 4.4 A Função Integrativa da Boa-Fé Como Instrumento Limitador ao Abuso de Direito Pelos Credores O princípio da Boa-Fé Objetiva como paradigma de observância geral da ordem jurídica privada, através de sua função integrativa, emprega o dever de cooperação das partes para o efetivo cumprimento adimplemento das obrigações firmadas, pautando-se no princípio constitucional da solidariedade. Desse modo, os credores abarcados pelo regime da recuperação judicial, deve adotar todas medidas necessárias à fiel observância dos deveres anexos de lealdade e confiança, colaborando com o devedor na reestruturação de sua atividade empresarial. Possuem o direito-dever de empregar em seus atos, em especial no exercício do direito de voto, a cooperação de que necessita o devedor, para que, em conjunto, não frustrem a legítima expectativa do negócio jurídico celebrado. Tendo por base a função integrativa da boa-fé, FARIAS (2011, p. 174) explicitou que: A cooperação é o próprio fundamento das relações obrigacionais, pois é ela que indicará o caminho do adimplemento como finalidade (função) para o qual é polarizado o negócio jurídico. Destarte, será lesiva ao dever de lealdade qualquer conduta que comprometa a utilidade procurada no contrato,
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o programa econômico que constitui a prestação. Na fase de execução, a colaboração do credor será necessária para que o próprio devedor tenha condições de levar a cabo a prestação de forma regular, de forma a dotá-la de maior efetividade, satisfazendo em maior medida o interesse cuja satisfação o contrato se dirige. As regras de conduta impostas pelo princípio da Boa-Fé Objetiva, em especial a função integrativa, devem ser aplicadas no instituto da recuperação judicial, para que se limite o exercício do direito de voto do credor, evitando-se, assim, a prática do abuso de direito. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O instituto da recuperação judicial visa a superação do estado de crise em que se encontra o empresário ou a sociedade empresária, com o objetivo de manutenção da fonte produtora e da preservação da função social da empresa. Possui natureza eminentemente contratual, e por isso, o princípio da boa-fé objetiva deve ser o norteador das condutas empregadas pelo devedor e seus credores durante todo o processo recuperatório. Ao apreciar a viabilidade do plano de recuperação apresentado pelo devedor, o credor, parte integrante da assembleia-geral, não pode utilizar o exercício do seu direito de voto como instrumento capaz de agravar a situação do devedor, ocasionando a sua quebra, por objetivar a satisfação de interesses externos à relação contratual outrora firmada, sob risco de incidir na prática de abuso de direito. Nesse sentido, apesar de o magistrado não poder adentrar na apreciação da viabilidade econômica do plano, poderá anular o voto do devedor, que proferido com manifesto abuso de direito, tenha decidido pela rejeição do plano de recuperação, e consequente falência do devedor. Conclui-se, que a boa-fé objetiva surge como ferramenta jurídica capaz de limitar o direito de voto do credor, impondo-lhe a o dever ético de lealdade e cooperação, para que auxilie o devedor na recuperação de sua atividade empresarial.
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NOTAS DE FIM
exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados. 12 Art. 3º - É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.
1 Aluno do 10º período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva
13 FAZZIO JUNIOR, 2008, p. 156.
2 Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos, Professor de Direito Civil do Centro Universitário Newton Paiva e Advogado.
14 GODOI, 2014. 15 FARIAS, 2011, p. 159.
3 Núbia Elizabeth Marco Flávio de Sá
16 SILVA apud FARIAS, 2011, P. 159.
4 CAMPINHO, 2009, p. 124.
17 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
5 CAMPOS FILHO, 2006, p. 80. 6 ABRÃO et al, 2010, p. 171.
18 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
7 ABRÃO et al, 2010, p. 171.
19 FARIAS, 2011, p. 173.
8 CAMPINHO, 2009, p. 12.
20 GAGLIANO, 2010, p. 109.
9 Art. 360. Dá-se a novação: I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;
21 FARIAS, 2011, p. 167.
10 Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
22 GAGLIANO, 2010, p. 112. 23 Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei. 24 CAMPOS FILHO, 2007, p. 134. 25 TRUBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Agravo de Instrumento nº 0037321-84.2011.8.19.0000. Des. Relator Milton Fernandes de Souza. Data do Julgamento: 13 de dezembro de 2011
11 Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com: I – a
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O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA: A sua efetividade face à Lei 10.098/2000 Gisele Boy Bicalho Rossi1 Ludmila Castro Veado Stigert2 Banca examinadora3 RESUMO: O estudo da moradia para portadores de necessidades especiais, ainda não alcançou o destaque necessário, no cenário contemporâneo. O presente trabalho pretende mostrar de forma transparente o que significa uma moradia digna para as pessoas com deficiências, ressalvando a importância da efetividade dos direitos fundamentais na perspectiva do Estado Democrático de Direito. PALAVRAS-CHAVE: Moradia, dignidade humana, respeito e pessoas portadoras de necessidades especiais. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Evolução histórica dos direitos fundamentais sociais; 3 O direito fundamental à moradia na Constituição Federal e os portadores de necessidades especiais; 3.1 A Lei nº 10.098 de 19 de dezembro de 2000 e sua efetividade; 4 Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO A sociedade está cada vez mais preocupada com a inclusão das pessoas portadoras de necessidades especiais, pois está veemente a necessidade de uma efetiva materialização do principio da igualdade e, para tanto mister se faz uma adequação para que todos tenham as mesmas condições e oportunidades no seio social. A própria Constituição Federal de 1988 preza tal isonomia, sendo ela a Lei máxima e fundamental do nosso país que tem como um de seus corolários, o principio da dignidade humana, (art. 1º, inc. IIICF/88) e no seu pressuposto de que todos devem viver de forma condizente, independente das necessidades que possuam (Cruz, 2009). Dentro desse contexto surgiu em 19 de dezembro de 2000 a Lei de Acessibilidade de nº10. 098, regulamentada pelo Decreto nº. 5.296/04, para que as pessoas portadoras de necessidades especiais possam ter acesso a lugares que antes era impossível de se ir, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, dentre outros direitos. Para isso, as ruas e calçadas devem estar aptas e adaptadas para receber todas as pessoas que tenham problema de visão ou que andam de cadeiras de rodas. Elas devem ter a condição garantida para andar livremente, sem empecilhos. Além disso, o mencionado diploma legal prevê algumas reservas de percentual mínimo de habitações para portadores de deficiência, em âmbito nacional, conforme demonstrando no art.15 do Decreto nº 5.296/04 que: Caberá ao órgão federal responsável pela coordenação da política habitacional regulamentar a reserva de um percentual mínimo do total das habitações, conforme a característica da população local, para o atendimento da demanda de pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Atualmente, a perspectiva do Estado Democrático de Direito trouxe a implementação de políticas públicas de cotas para os deficientes físicos e portadores de necessidades especiais nas universidades, bem como quantidade mínima de reservas de habitações para o portador de necessidades e também nos concursos públicos para que possam se profissionalizar, progredir na vida, construir família e ter acesso a outros direitos que são dignos de todo ser humano. As pessoas precisam saber os seus direitos, mas também devem respeitar o dos outros. O Estado precisa adotar políticas públicas sociais buscando a integração dessas pessoas no seio social, fazen-
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do o possível para que as mesmas possam viver normalmente em igualdade de condições com os seus semelhantes, ou seja, igualdade no respeito às diferenças existentes. Esse é um passo muito importante para o nosso país, para que a sociedade seja mais justa e igualitária, e isso tudo despertará o sentimento de patriotismo constitucional nos cidadãos, fazendo com que o país melhore e desenvolva ainda mais no âmbito das suas ações afirmativas. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS Uma digressão histórica acerca dos direitos fundamentais remete-nos à idéia de que o Estado presta atividade positivas que tem por objetivo a minoração das desigualdades sociais. Interessante se torna então salientar a evolução dos direitos sociais, cuja sua origem se torna analisar. O constitucionalismo, em sua fase inicial século XVIII consagrou os direitos fundamentais como a principal garantia dos cidadãos, de que o Estado conduziria no sentido da liberdade e propriedade pelo respeito à pessoa humana (WEIS, 1999, e IURCONVITE, 2010). Os direitos sociais surgiram em função da desumana situação em que vivia a população pobre das cidades industrializadas da Europa Ocidental, bem como: Em decorrência do surgimento das associações, dos partidos políticos de oposição, sindicatos, com o fim da primeira guerra mundial, com a grande desigualdade social e com as grandes explorações do homem sobre o homem. Os direitos sociais decorrem da percepção da fragilidade dos direitos liberais de primeira dimensão (individuais e políticos) em que o homem não satisfez suas necessidades básicas: vestir-se, alimentar-se, morar e segurança dentre outros direitos sociais que surgiram durantes os anos (HERKENHOFF, 2002 e IURCONVITE, 2010). Os direitos sociais estiveram presentes em todas as Constituições que vigoraram em nosso País, em umas com mais ênfase e em outras menos. No dia 25 de março de 1824, foi outorgada na cidade do Rio de Janeiro a Constituição Política do Império do Brasil, Constituição esta que durou 65 anos. Esta sofreu influência da Constituição Espanhola de 1812, da Constituição Portuguesa de 1822, que assegurava a igualdade de todos perante a lei (artigo XIII); liberdade de trabalho e, instrução primária gratuita. (RESENDE, 2006, p. 46 e IURCONVITE, 2010).
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Com a proclamação da República em 1889, foi promulgada em 1891, a 2ª Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Mesmo com importantes transformações em seu contexto, a Constituição de 1891 não disciplinava normas que condiziam com a realidade do Brasil, e não se preocupou com o aspecto social. As questões sociais somente foram despontar no Brasil no ano de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu ao poder político no país. Em 1934 foi promulgada a 3ª Constituição do Brasil, com uma forte conscientização pelos direitos sociais. A quarta Constituição Brasileira foi a de 1937, outorgada pelo Presidente Getúlio Vargas, Constituição esta que buscou no regime autoritário da Polônia (1935), onde toda a autoridade era concentrada nas mãos do Presidente da República. A constituição Brasileira de 1937 estabelecia em seu artigo 16, inciso XXVII a competência privativa de a União legislar sobre normas fundamentais da defesa e proteção da saúde, especialmente da saúde da criança. O artigo 137, alínea l, prescrevia que a legislação do trabalho deveria observar, dentre outros preceitos, a assistência médica e higiênica ao trabalhador e para a gestante, assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de descanso antes e após o parto. O fator negativo, a Constituição de 1937 prescrevia que todo o Poder Executivo e Legislativo era concentrado nas mãos do Presidente da República, acabando com o princípio de harmonia e independência entre os três poderes. Os partidos políticos foram extintos e a pena de morte foi reintroduzida. Foi instituído o estado de emergência, que permitia ao presidente suspender as imunidades parlamentares, invadir domicílios, prender e exilar opositores, além de retirar do trabalhador o direito de greve (IURCONVITE, 2010). A queda de Getúlio Vargas culminou na promulgação da Constituição de 1946, que além de restaurar os direitos e garantias individuais, reduziu as atribuições do Poder Executivo e o federalismo cooperativo, restabelecendo o equilíbrio entre os poderes. No mais, inseriu em seu corpo, que a propriedade privada foi condicionada a sua função social (art. 141, § 16º). A Constituição de 1967 foi promulgada quando o Marechal Arthur da Costa e Silva assumiu a Presidência. Quanto aos direitos sociais, a Constituição de 1967 apresentou dois tipos de inovação, uma positiva e negativa. A negativa diz respeito à instituição da idade de 12 anos para o inicio do trabalho e a positiva foi a inclusão do direito do salário-família ao dependente do empregado dentre outros. A Constituição de 1988 marca o processo de redemocratização do país foi promulgada e reconhecida como uma Constituição Cidadã4 devido à participação popular em sua criação. Assim, pode-se aduzir que foi a Constituição que melhor acolheu os direitos sociais, visto que pela primeira, vez a matéria foi tratada com a merecida relevância e ganhou título próprio. Na busca de promover a igualdade, com valores que minoram as desigualdades sociais, a Constituição disciplina no capitulo II do Titulo II (Dos direitos e garantias fundamentais) os direitos sociais. A Constituição em seu artigo 6º estabelece que todos os cidadãos têm direitos dentre eles, a moradia. Com o passar dos tempos concretizou-se o entendimento que os direitos sociais não buscam somente a proteção dos trabalhadores, mas também das minorias excluídas, destacando-se o cenário dos portadores de necessidades especiais, que tanto necessitam da efetividade de seus direitos sociais, dentre eles, destaca-se o direito de ter uma moradia digna e adequada às suas necessidades. O Estado deve atuar de forma a minorar os problemas sociais, proporcionando uma melhoria nas condições de vida dos necessitados (IURCONVITE, 2010).
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3 O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA E OS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS O direito à moradia enquadra-se tanto na categoria de direito humano quanto na de direito fundamental social. Assim elucida Sarlet: (2003) O termo “direitos fundamentais” aplica-se para aqueles direitos da pessoa reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional de determinado Estado, ao passo que a expressão “ direitos humanos” guarda relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se atribuem ao ser humano como tal (hoje, já se reconhecendo a pessoa como sujeito de direito internacional), independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, revelando um inequívoco caráter supranacional. No Brasil, o direito à moradia ganhou destaque com a Emenda Constitucional nº 26 de fevereiro de 2000, que deu nova redação em seu artigo 6º, caput., a saber: “Art. 6º - São direitos sociais, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (CF/88). Portanto, a constitucionalização do direito à moradia e sua inclusão dentre os direitos sociais, abriu uma nova discussão acerca da validade e da eficácia de tal norma constitucional. Declarando que os direitos sociais estão na esteira dos direitos fundamentais do ser humano, tem-se, como decorrência, que eles subordinam-se à regra da auto-aplicabilidade, ou seja, aplicação imediata conforme preceitua o artigo 5º, § 1º da Constituição Federal. Assim, a inclusão do direito à moradia no texto constitucional foi um grande avanço. Segundo Sarlet (2003) destaca a questão da programaticidade dos direitos fundamentais sociais face à normativa do art. 5º par. 1º, CF/88: Sem um lugar adequado para proteger-se a si próprio e a sua família contra as intempéries, sem um local para gozar de sua intimidade, e privacidade, enfim, de um espaço essencial para viver com um mínimo de saúde e bem-estar; certamente a pessoa não terá assegurada a sua dignidade, aliás, por vezes, não terá sequer assegurado o direito à própria existência física, e, portanto, o seu direito à vida. De toda sorte, compreendendo a moradia como expressão de direito fundamental social (na concepção de mínimo existencial), a sua efetividade progressiva decorre da sempre limitada capacidade prestacional do Poder público ou da necessária adjudicação pelo Poder Judiciário. Ao falarmos do mínimo existencial, pretende-se informar que é visto como o alicerce da vida humana, que sem ele não se pode viver como gente, necessidades sem as quais é impossível viver. O mínimo existencial faz parte de um conjunto de necessidades que se resume no art. 1º inciso III o da dignidade da pessoa humana, de fundamental importância. É preciso vencer essas limitações ou restrições. A ausência ou insuficiência de recursos estatais, ou seja, principio da reserva do possível não pode ser causa da não efetividade do direito à moradia que, pela sua essencialidade e pelo caráter existencial, pode ir muito além de uma concepção de direito fundamental social. (MILAGRES, 2011) Portanto, o principio da reserva do possível, vem informar no sentido que o individuo de maneira racional possa esperar da sociedade, o que justificaria as limitações do Estado, em sua estrutura e economia. Nos últimos 30 anos, várias iniciativas, programas e planos de ação foram desenvolvidos pela ONU5, com objetivo de melhorar a vida de pessoas com algum tipo de deficiência.
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O que vemos hoje, apesar dos grandes avanços, e o problema da acessibilidade, em que se considera esta área como fundamental para pessoas com deficiências na sociedade. Devido à importância do ambiente favorável ao deficiente, à moradia, seu espaço particular, em que se busca sua identidade, em que se possa viver o seu ir e vir de forma plena, se em seu próprio lar, o portador de necessidades especiais, não tem o conforto necessário para sua locomoção, onde então encontrará? A acessibilidade é um dos principais fatores que rege a relação entre a sociedade e os indivíduos portadores de necessidades, em que influência em vários aspectos ligados a seus direito enquanto cidadão. Ainda existe uma falta de respeito em relação à moradia adaptada, pois a proporção adequada em área construída fica aquém do necessário para locomoção de usuário de cadeira de rodas, a moradia não projetada adequadamente poderá ser um transtorno na vida de quem realmente necessita de espaço. O que percebemos é que as moradias reservadas para os portadores de necessidades especiais, principalmente aos que possuem limitações motoras, estão longe da real implementação, com tamanhos desproporcionais a mínima necessidade, o desrespeito com o portador de necessidades especiais é maior do que se possa imaginar. Espera-se uma conscientização quanto a importância da existência da moradia adaptada de forma digna, pessoas comuns, com deficiência motora, que padece diariamente de problema de espaço apropriado para sua necessidade de locomoção. 3.1 A lei nº 10.098/ 2000 e a sua efetividade A lei da acessibilidade nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiências ou com mobilidade reduzida, e se conta também nesta mesma lei, a porcentagem mínima de moradias adaptadas, sendo estas moradias oferecidas pelo poder publico ou privado, precisa-se atender as necessidades mínimas exigidas. O que ocorre na pratica é bem diferente da teoria, as moradias adaptadas quando existem, possuem medidas desproporcionais em relação a realidade das medidas mínimas para a locomoção de um cadeirante. Com é sabido, as moradias para pessoas ditas normais, sem qualquer problema de locomoção , tem suas medidas mínimas de necessidade estabelecidas,como vemos as moradias disponibilizadas. Imaginar uma moradia adaptada que atenda as necessidades de um portador de necessidades especiais fica ainda mais difícil, como então viabilizar um direito fundamental de tamanha importância? O Poder Público precisa providenciar, as moradias adaptadas e que possam atender às reais necessidades daqueles que necessitam. O presente trabalho focou seus pilares na busca pela resposta para tantas indagações, pois não se pode deixar o deficiente às margens da sociedade, tendo seus direitos lesados, direitos estes fundamentais, dentro os quais se destaca a moradia. CONCLUSÃO É de competência do Poder Público promover campanhas informativas e educativas dirigidas à população em geral, com a finalidade de conscientizá-la e sensibilizá-la quanto à acessibilidade e à integração social da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. Com a responsabilidade está o Estado, em buscar alternativas que desenvolvam programas de incentivos, com atenção aos padrões da ABNT, medidas para adaptações adequadas das moradias que se enquadram nas necessidades dos portadores de necessidades especiais, permitindo que se vivam de formar digna e privada, com um conforto mínimo existencial que a Constituição Federal os asseguram. A conscientização da sociedade, para um olhar de forma sensível à necessidade do seu próximo, não se esperando somente do
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Estado e sim com cooperação de toda a sociedade, fazendo somar a solidariedade ao mais necessitado, programas esses que não vinculam somente o poder público, mais também o setor privado, ajudando a construir um mundo melhor para todos que nele habitam. Não obstante vem de longa data o descaso contra o contingente populacional que apresenta alguma forma de deficiência ou condição peculiar que represente obstáculo à sua perfeita integração social na comunidade, recentemente foi possível constatar um significativo avanço no que tange à conscientização pelas Nações mundiais acerca do problema suscitado. A inclusão constata que todos os seres humanos têm idêntico valor e que cada um deles é o autor da sua própria trajetória em busca da felicidade pessoal. Todos são diferentes e a diferença deve ser elemento de coesão social (Cruz, 2009). O mundo está avançando em tecnologia, ciência, modernidades que tem fugido ao controle humano, e esquecendo-se de causas sociais tão importantes para a humanidade, deixando que os portadores de necessidades especiais continuem, a margem da sociedade. Por isso, acreditando que esta parcela de sujeitos constitucionais merecem viver na sociedade de maneira digna, sem preconceitos ou qualquer forma de discriminação, que este assunto foi abordado de maneira clara e objetiva. Contudo, a despeito do significativo avanço da conscientização, a sociedade apresenta, ainda, grandes problemas a serem superados. Em busca de um mundo melhor, sabemos que a sociedade é que deveria mudar sua forma de ver tais pessoas, bem como a maneira com que as trata, no qual pluralismo, a diversidade e a diferença tornam-se elementos essenciais para um conceito renovado de democracia. A pessoa portadora de deficiência passa ser um “cidadão”, um rosto individual, uma pessoa livre e autônoma que exige respeito, e, não, a caridade alheia.
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NÚCLEO de bibliotecas. Manual para elaboração e apresentação dos trabalhos acadêmicos: padrão Newton Paiva. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva. 2011. Disponível em: <http://www.newtonpaiva.br/NP_conteudo/file/Manual_aluno/ Manual_Normalizacao_Newton_Paiva_2011.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011. SARLET, Ingo Wolfgang.O direito fundamental à moradia na Constituição: algumas anotações a respeito de seu contexto e possível eficácia. Revista Brasileira de Direito Público, ano 1,nº2,p.66-67,jul/set. 2003
NOTAS DE FIM 1 Aluna concludente do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva em 2014. 2 Mestre em Direito Constitucional pela PUC/MG – Professora universitária.
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3 Braulio Lopes; Ludmila Castro Veado Stigert 4 Assim, a Constituição brasileira, promulgada em 1988, acabou absorvendo grande parte das reivindicações do movimento de “Participação Popular na Constituinte”, institucionalizando várias formas de participação da sociedade na vida do Estado, sendo que a nova Carta Magna ficou conhecida como a “Constituição Cidadã” pelo fato de, entre outros avanços, ter incluído em seu âmbito mecanismos de participação no processo decisório federal e local. Com referência à participação direta, a Constituição destaca o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular. (http://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/participacao/outras_ pesquisas/a%20constituio%20cidad%20e%20a%20institucionalizao%20dos%20 espaos%20de%20participao%20social.pdf-acesso 06 de maio 2014 5 Reabilitação, igualdade de oportunidade, prevenção, fornecimento de suporte técnico e para mobilidade, serviços educacionais especializados.
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REPRODUÇÃO ASSISTIDA NO DIREITO SUCESSÓRIO POST MORTEM Graziella Barros Alves Pereira 1 Omar Narciso Goulart Junior2 Banca examinadora3
RESUMO: O presente artigo visa analisar a garantia de direitos àqueles filhos, fruto de reprodução assistida após a morte do seu genitor. Questão bastante discutida, tendo em vista a não existência de lei que regulamente o tema. Com o presente estudo pretendemos demonstrar que ainda que exista lacuna na lei devemos garantir direitos de herança às crianças nascidas após o falecimento do seu genitor, ainda que fora do prazo legal de partilha de bens. PALAVRAS-CHAVE: reprodução assistida - inseminação homóloga - inseminação post mortem – filiação – sucessão - direito de herança – cônjuge - partilha de bens. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A reprodução assistida; 2.1 Inseminação Artificial; 2.2 Reprodução assistida Homóloga; 2.3 Reprodução assistida Heteróloga; 3 Presunção de Paternidade; 4 A Inseminação artificial Homóloga Post Mortem; 4.1 Necessidade de Consentimento em vida; 5 Considerações Finais; Referências
1 INTRODUÇÃO As pesquisas sobre fertilização tiveram inicio no século XIX, que como assevera, FERRAZ, 2005, p. 23,” tiveram como objetivo de eliminar o problema da infertilidade, que atinge tanto aos homens quantos as mulheres que desejavam ter filhos, pesquisadores descobriram que a fertilização decorria da união do espermatozoide a um óvulo através de cópula carnal no qual daria origem a um novo ser humano, após uma gestação”. Já em meados de 1978, a pesquisa cientifica em razão da reprodução assistida estava em seu ápice. FERRAZ, 2011,p 42, esclarece que “este método tinha por objetivo ajudar casais que tinham problemas com a infertilidade humana e obteve deste modo uma maneira de resguardar uma gravidez póstuma”. No respectivo ano com a realização de intensas pesquisas nasceu o primeiro bebe, de nome Louise Brown, decorrente da primeira fertilização in vitro utilizando esperma congelado. No entanto, o primeiro bebê concebido após morte do seu pai no Brasil, foi o bebê de nome Luiza Roberta, concebida através de fertilização em laboratório, no ano de 2011, através autorização concedida por medida liminar da 13° Vara Civil de Curitiba. Ocorre que, a presunção de paternidade possui lei que a define, porém o direito de herança possui lacuna na lei, ou seja, as crianças nascidas nesta modalidade de fertilização não possuem direitos e garantias à herança do seu pai. Deste modo, o objetivo do presente trabalho é analisar a disciplina jurídica das técnicas de inseminação artificial, e a possibilidade de herança àquela criança fruto de reprodução assistida homóloga post mortem, bem como as diferenças existentes entre reprodução assistida homóloga e reprodução assistida heteróloga.
tistas, porém no Brasil a expressão mais aceita é o da “reprodução assistida” (RA), tendo em vista ter sido uma denominação dada pelo Conselho Federal de Medicina, por meio de sua Resolução 1.358/92. Para GONCALVES, 2011, p. 15 “O conceito de inseminação artificial refere-se ao processo de deposição do sêmen no sistema genital feminino, por intermédio de manipulação artificial e, no momento adequado, visando à fertilização do óvulo.”
2 A REPRODUÇÃO ASSISTIDA A medicina, por meio das técnicas de reprodução humana artificial possibilita àqueles que encontram dificuldades para procriar a realização do tão esperado sonho. A possibilidade de recorrer a essas técnicas de reprodução assistida é, sem dúvida, um conforto, àqueles que vivem sua esterilidade como defeito físico, ou também, como causa. A palavra inseminação artificial é a mais utilizada pelos cien-
2.3. Reprodução Artificial Heteróloga Já a reprodução assistida heteróloga ou “heteroinseminação”, basicamente é utilizado o sêmen de um homem desconhecido, armazenado em um banco de sêmen onde ocorre com a introdução do sêmen no colo do útero da mulher. Por ser um terceiro que disporá do seu sêmen no banco, este ordinariamente é chamado de “doador”. Quanto a doação do sêmen, como regra, decorre de um gesto
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2.1 Inseminação Artificial (IA) A inseminação artificial é técnica cientifica mais antiga, no qual GONÇALVES, 2011, p. 17, afirma que “consiste basicamente no recolhimento do sêmen do cônjuge, companheiro ou terceiro doador, no qual será injetado o sêmen na cavidade uterina ou no canal cervical, por meio de uma cânula, no período em que o óvulo se encontra suficientemente maduro para ser fecundado”. A inseminação artificial pode ser homóloga e heteróloga no qual será abordado posteriormente. 2.2. Reprodução Assistida Homóloga A reprodução assistida homóloga ou “autoinseminação” pressupõe a existência de vinculo jurídico de natureza familiar (casamento ou união estável) entre homem e mulher em cujo organismo será depositado o sêmen do cônjuge. Sendo considerado o vinculo natural ou biológico, aquele que decorre do vinculo sanguíneo. O sistema biológico é aquele em que o filho contém os mesmos genes do pai, surgindo assim os direitos. Nesta forma de reprodução existe a vontade recíproca dos cônjuges no armazenamento do esperma no banco de sêmen.
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voluntário, espontâneo e gratuito ficando impedido o doador de conhecer a identidade das receptoras e vice –versa, conforme a resolução n° 1.358/92 do Conselho Federal de medicina. IV- Doação de gametas ou pré-embriões 1-A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial 2-Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice versa. (Seção IV, Resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina)
sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Este método é possível quando o esperma do cônjuge não tem espermatozoide ou se a qualidade destes é insuficiente, não permitindo a fecundação natural do óvulo.
Apesar de expressamente prevista no art 1.597 do CC/02, a inseminação artificial homóloga post mortem, ainda não foi regulamentada em todos os aspectos, inclusive no que se refere ao direito à herança, que constitui direito fundamental individual garantido em nossa CR/88. Desta forma, existe o reconhecimento da filiação pela concepção assistida homóloga post mortem. Porém, até o momento, não foi regulamentado, quanto ao direito sucessório. Neste caso, o Juiz deverá analisar o caso concreto, com base nos princípios, por analogia e de acordo com as demais fontes do direito.
3 PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE Não é novidade que a legislação não tem acompanhado a mentalidade da sociedade, tão pouco a existência de conflitos entre normas jurídicas. O atual Código Civil não escapou em nenhum desses casos, pois além de estar distante das necessidades sociais em vários aspectos, possui contradição entre seus institutos e a Constituição Federal de 1988. A Constituição arrola como um dos direitos fundamentais do ser humano Art. 5°[...] XXX – é garantido o direito de herança [...] No entanto, existem situações em que o casal prefira ter filhos biológicos, ou até mesmo tomar medidas de precaução como manter o sêmen in vitro. Por estas razões, existem avanços e novas técnicas de reprodução assistida, substituindo em vários casos em que métodos convencionais, seriam impraticáveis. A CR/88 dispõe que: Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] §7° Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. [...] Nota-se que a CR/88 defende a livre decisão do casal quanto ao planejamento familiar, vedando qualquer possibilidade de prejudicar o casal, sob pena de violar princípios da dignidade da pessoa humana. O planejamento familiar é livre, cuja autonomia é prevista constitucionalmente. Destarte, ocorrem situações em que casais são impedidos de ter a sua prole, podendo estes, optar pela adoção sem que o Estado interfira na escolha do cônjuge, ou até mesmo optarem pelo congelamento de sêmen para utilizar a posteriori. QUEIROZ, 2001, p. 78 assevera que “a inseminação, uma vez realizada em mulher casada, permitirá, a aplicação da presunção legal prevista no Código Civil. O marido da mãe é o pai dos filhos concebidos na constância do casamento (ainda que através de inseminação artificial), pois, nesse caso, coincidem a paternidade biológica e a legal.” A presunção de paternidade está prevista no Código Civil em seu art. 1.597, que prevê ainda a presunção de paternidade dos casos em que haja infertilidade do casal: Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da
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4 A INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM O problema suscitado merece ser estudado uma vez que no Brasil, não existe uma lei que discipline o direito de herança e necessidade de consentimento em vida do marido, para a realização da fertilização. Cabendo ao Poder Judiciário, solucionar estes conflitos, que de fato trazem grandes transtornos para aqueles que desejam ter filhos do “de cujus”, cujo sêmen se manteve armazenado para reprodução assistida póstuma, de modo que o procedimento ao invés de célere, demandará tempo, sem contar com a falta de regulamentação para garantias e direitos sucessórios para aquele que ainda não foi concebido. Na análise dos incisos III e IV do art. 1.597 do CC/02 verificase que o texto trata tão somente da presunção de paternidade, para filhos já concebidos, ou seja, ao nascituro, cujos direitos a lei põe a salvo desde a sua concepção (artigo 2°, CC). Mas, este artigo, no entanto, apesar de regulamentar sobre o embrião ainda não implantado, nada mencionando quanto aos direitos sucessórios ou como se dará a filiação e se existe necessidade de autorização em vida e não considera também os prazos que se devem respeitar para tal feito. Senão vejamos o que prevê o artigo 1.597 do Código Civil: Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.(BRASIL, 2012, p 254) Em respeito ao princípio da igualdade entre os filhos, o art. 227, § 6º, da Constituição da República dispõe que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” Com o intuito de preservar os direitos a reprodução assistida do de cujus, o Conselho Federal de Medicina na resolução de n° 1.957/10 em seu inciso VIII, dispõe sobre a necessidade de autori-
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zação prévia especifica do falecido para uso do material biológico criopreservado (BRASIL, 2013). Há ainda, um projeto de lei n° 1184/2003 em trâmite, que vislumbra em seu art. 4° inciso VII a possibilidade da reprodução assistida mediante autorização escrita, formalizada em instrumento particular contendo as condições em que será autorizada a utilização de seus gametas, inclusive postumamente. Ainda em seu art. 14 §2° inciso III, dispõe que ocorrendo o falecimento do depositante, e não havendo autorização escrita, os gametas poderão ser descartados pelo estabelecimento responsável. O testamento é a modalidade pelo qual toda pessoa capaz pode dispor de seu patrimônio, em todo ou em parte para depois de sua morte.(CESAR, 2009. p.185). Traz o conceito amplo da liberdade de testar, de expor em papel a sua última vontade em vida, para que seja satisfeito após a sua morte, porém, no nosso ordenamento jurídico este conceito encontra algumas limitações, dentre elas o impedimento de garantir herança a um animal ou até mesmo a uma criança fruto de reprodução assistida após a morte do seu genitor, que é o tema estudado neste artigo. O testamento tem como fundamento o princípio da autonomia da vontade previsto na CR/88, que o torna um Direito Fundamental, onde um individuo é capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e de agir da forma que pretender. Respeitar a autonomia da vontade é valorizar a consideração sobre as opiniões e escolhas. O intuito de um casal, ao dispor do sêmen em um estabelecimento próprio, é a procriação de sua prole, de modo que sua autorização já está expressa, porém para dar maior segurança ao ato, o cônjuge assina um termo de autorização para utilização do sêmen em sua esposa, para evitar que o sêmen seja utilizado por pessoas desconhecidas de modo fraudulento, conforme previsto pelo Conselho Federal de Medicina. No entanto, este procedimento após o falecimento do de cujus deve ser regulamentada para que se dê maior celeridade ao procedimento, que muita das vezes recai ao Judiciário para resolver acarretando morosidade.
tange a autorização do marido ou companheiro para utilização do seu sêmen, bem como, ao princípio da autonomia da vontade expressada no testamento, para que, deste modo após a concepção do filho, este terá direito de herança, como forma de solução, até que seja devidamente regulamentada. Entende-se como necessária esta regulamentação, para que se possa delimitar a abrangência e efeitos do direito sucessório post mortem, pois, hoje fica a critério do julgador, a análise e solução de cada caso concreto apresentado no judiciário.
REFERêNCIAS ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcante de. Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório. In: PEREIRA. Rodrigo da Cunha. Família e dignidade humana: Anais V Congresso Brasileiro de Direito de Familia. Belo Horizonte: IOB Thomson, 2006. BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal , 1988. In: SARAIVA, VADE MECUM 2013. BRASIL, Código Civil (2002), Código Civil Brasileiro. Brasília DF. , Lei n°10.406/02, in: SARAIVA, VADE MECUM. 2013 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n° 1957/2010 Reprodução assistida Disponível em: http://portalmedico.org.br/resoluções/ CFM/2010/1957_2010.htm Acesso em 14 de Maio.2013. FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução Humana assistida e suas consequências na Relação de Família. Curitiba: Jurua,2011. GOMES, Orlando. Sucessões. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. GONÇALVES, Fernando David de Melo. Novos métodos de reprodução assistida e consequências jurídicas. Curitiba: Jurua, 2011
4.1 Necessidade do consentimento em vida. O código civil de 2002 não disciplina a necessidade de consentimento em vida do marido ou companheiro para que ocorra a reprodução assistida póstuma. Portanto para solucionar os problemas em torno do assunto, devido a carência legislativa ,o Conselho Federal de Medicina, disciplinou no inciso VIII: VIII – Reprodução assistida Post Mortem Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia especifica do(a) falecido(a) para uso do material biológico criopreservado de acordo com a legislação vigente.
OLIVEIRA, Euclides Benedito de; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Do casamento. In Direito de Família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM,2001.
Sendo assim o Conselho Federal de Medicina elucida na resolução de n° 1.957/10 em seu inciso VIII que, havendo a autorização expressa, poderá ocorrer a inseminação, uma vez deixar o material genético armazenado por si só não pressupõe que seja a sua vontade ter um filho após a sua morte. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante o exposto, conclui-se que o Código Civil de 2002 prevê que reputam-se herdeiros necessários os descendentes e ascendentes e o cônjuge, conforme artigo 1.845. No entanto, com a lacuna acerca do aprofundamento de lei sobre a reprodução assistida no direito sucessório post mortem, deve-se fazer uma analogia com a resolução do Conselho Federal de Medicina de n° 1957/2010, no que
VELOSO, Zeno. Código Civil comentado. Sao Paulo: Atlas,2002. v. XVII
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PENA JUNIOR, Moacir César, Curso completo de direito das sucessões: doutrina e jurisprudência, Rio de Janeiro: Metodo, 2009. QUEIROZ, Juliane Fernandes, Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Doutrina e jurisprudência, Belo Horizonte: Del Rey, 2001. SENADO FEDERAL, Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania,Projeto de Lei n° 1.184/03. Disponível em: ,<http://www.camara.gov.br/ proposiçõesweb/fichadetramitação?idProposicao=118275>.Acesso em 13 de Maio.2013.
WALD, Arnold, Direito Civil: Direito das Sucessões.14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda do Curso de Direito 10º Período do Centro Cultural Newton Paiva 2 Professor e orientador do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado em junho/2014 3 Daniela Zapata e Omar Narciso Goulart Junior
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A FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA Graziele Píramo Cardoso1 Daniela Zapata2 Banca examinadora3 RESUMO: Este artigo científico discorre sobre a flexibilização do Direito do Trabalho e sua influência na economia brasileira atual, abordando suas conseqüências para os trabalhadores. Mostra um estudo ampliado sobre o tema pondo em discussão doutrinas favoráveis e contrárias à flexibilização. Faz-se necessária esta pesquisa diversificada para que se tenha uma visão abrangente sobre o tema. O problema colocado em tela é a real influência do Direito do Trabalho na economia brasileira atual, mostrando se há efetivamente esta influência e se é juridicamente possível relativizar as normas trabalhistas. PALAVRAS-CHAVE: Flexibilização trabalhista; relativização do direito do trabalho; desenvolvimento da economia. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Aspectos históricos e conceituais; 3 A globalização e a competição internacional; 4 Casos de flexibilização no mundo; 5 Os fundamentos para flexibilização do direito do trabalho brasileiro; 6 Fundamentos contrários à flexibilização do direito do trabalho brasileiro; 7 Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO O Direito do Trabalho é tido pelas empresas, de forma íntima e não confessa, como um empecilho ao progresso. A Consolidação das Leis Trabalhistas data do ano de 1943, ou seja, 71 anos já se passaram da principal fonte de direito da relação de emprego. É uma legislação antiga que, no entendimento das empresas, interfere no desenvolvimento econômico no país. Os empresários acreditam que é o Estado fazendo política social através do direito. E na visão deles, a flexibilização não é o abandono dos direitos do trabalhador e suas garantias, mas apenas adequá-los à realidade fática. É uma visão econômica do processo. Conforme Silva, Paulo Pereira (citado por GONÇALVES, 2004, p. 133): Há poucos dias deparamos com a dificuldade criada pela legislação atual. A empresa queria abrir um terceiro turno, mas alegou que não poderia pagar o adicional noturno integral. Eu pergunto: o que é melhor: trabalhar à noite, com carteira assinada e com os direitos que este documento assegura ou ficar sem emprego?” No outro lado, estão os que são contra a flexibilização, dizendo que a Constituição Federal de 1988 já modernizou o que era necessário no ramo do Direito do Trabalho, e as súmulas continuam a fazê-lo. Ademais, o trabalhador detém proteção constitucional, que se refere à dignidade humana e que foi conquistada através de muita luta, e que não pode ser abandonada pelo simples argumento econômico. O autor Umberto Romagnoli (1998. p. 22) acredita que para o empregador a flexibilização dos direitos trabalhistas é “considerada como uma droga: se acostumam com ela rapidamente, nunca têm o suficiente e querem doses cada vez maiores”. Diante deste contexto, este artigo se propõe a avaliar os dois posicionamentos, confrontando seus embasamentos, de forma a analisar sistematicamente as duas versões. Os objetivos gerais constituem na análise de alguns aspectos protecionistas dos direitos trabalhistas e as consequências reais disto para o empregador; e se na hipótese destes direitos serem realmente relativizados ter-se-ia um reflexo na economia brasileira. Como objetivos específicos pretende-se trabalhar as conquistas históricas dos trabalhadores, as formas já existentes de flexibilização do direito trabalhista e suas reais consequências.
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Para atingir os objetivos foi utilizada a metodologia de coleta e análise de informações doutrinárias, de diversos autores com posicionamento favorável e contrário à flexibilização. Para facilitar o entendimento, este trabalho é divido em 3 capítulos, sendo o primeiro histórico e conceitual, onde há um estudo analítico do que se passou com o Direito do Trabalho e suas principais nomenclaturas. O segundo capítulo apresenta a situação econômica mundial atual, com a globalização e a competitividade cada vez mais acirrada. No terceiro capítulo são apresentados alguns casos de flexibilização no mundo. E por fim, o quarto e quinto capítulos mostram o efetivo debate e os fundamentos de cada posicionamento. 2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS 2.1 A evolução do Direito do Trabalho Os Direitos Trabalhistas existentes hoje no ordenamento jurídico mundial foram conquistados através de muita luta, que perdurou por séculos e séculos e, sem dúvidas, merecem proteção jurídica. Entretanto, equilibrar este protecionismo com os interesses do empregador não é uma tarefa fácil. Principalmente se no meio desta relação houver que se pesar o desenvolvimento econômico do país, a taxa de desemprego e a política social do governo. A antagônica diferença de interesses de empregado e empregador tem seus primórdios no início do trabalho assalariado. Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p. 33) diz que “o mundo do trabalho, como se conhece hoje, inicia-se com a 1ª Revolução Industrial, na Inglaterra, no século XVIII.” A lei que regia esta relação era simplesmente oferta e procura, mas isto não era suficiente para manter a ordem econômica. Os trabalhadores, que detinham a mão de obra, saíam dos feudos à procura dos empregadores, que estavam nas cidades e detinham os meios de produção, e em troca recebiam salário. Com o passar dos anos, os meios de produção foram se modernizando e as máquinas foram substituindo a mão de obra humana, como explicado por Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.34): Com o capitalismo industrial, serão as máquinas, ou melhor, seus proprietários que dirão se haverá necessidade de trabalhadores e se esses trabalhadores serão homens, mulheres ou crianças. Os donos das máquinas ou dos meios de produção também dirão quanto tempo aquelas pessoas irão trabalhar; quanto irão ganhar e o que irão fazer.
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Ocorreram as primeiras crises de emprego, uma massa de trabalhadores estava na cidade, sem trabalho. Então, aqueles que estavam empregados se submetiam a condições sub-humanas para manter seu trabalho e sua fonte de renda. De acordo com Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.34) as jornadas eram subumanas, chegando a durar 16 horas por dia. Vivia-se liberalismo econômico, um tempo histórico em que a grande força era o capital, já que o Estado não intervinha na economia e nas relações de emprego. Segundo Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.36), foi neste período “que se pôde notar o maior número de abusos e exploração dos donos em relação aos não donos, ou os sem nada, sem poder, sem propriedade e sem direitos”. Neste contexto surgem os primeiros movimentos sociais contestadores deste sistema, quando se tem o Ludismo como protagonista. De acordo com Sérgio Santos (2010), os ludistas eram um grupo de trabalhadores ingleses seguidores de Nell Ludd que através da quebra de máquinas nas empresas faziam sua contestação ideológica. De acordo com Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.37), pensadores como Karl Marx expunham sua insatisfação através de escritos e manifestos, especialmente em relação ao processo de trabalho, que em busca do lucro e acumulação é transformado em estratégia para racionalizar a produção, aumentando a produtividade. Perdurou este tempo até que o Estado não conseguiu mais ignorar estes movimentos e teve de agir, de forma lenta e gradativa, através dos direitos sociais. Conforme Joseph Bruno dos Santos Silva (2011), no âmbito do Direito esta evolução deu-se através do Peel’s Act, de 1802, na Inglaterra, que restringiu o trabalho de menores nas fábricas. Posteriormente temse o Manifesto Comunista, de 1848, escrito por Marx e Engels, e a OIT, em 1919. De acordo com Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.43), inicia-se o Estado Social, onde os Direitos Trabalhistas passam realmente a compor o ordenamento jurídico e ser reconhecido pelo Estado, na tentativa de equilibrar a relação entre empregado e empregador. Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.85) diz que no final dos anos 60 este modelo começou a declinar e chegou-se à estrutura atual, onde a pressão sobre o empregado é grande, “o espaço para o trabalhador é cada vez menor. Exige-se muita qualificação, como o aprendizado de idiomas, pós-graduações, cursos de atualizações. E ainda se cobra criatividade e produtividade (...)” Por este breve resumo histórico já é possível perceber que os Direitos Trabalhistas foram conquistados a duras penas, e demoraram muitos anos até se consolidarem. Este é um dos principais argumentos dos que são contrários à flexibilização, dizendo que isto seria um retrocesso. Dar aos que detém poder, seja político, econômico ou empresarial, a possibilidade de alterar o Direito Trabalhista, de acordo com sua conveniência, seria voltar no tempo, correndo-se o risco de vivenciar absurdos do passado. 2.2 A Evolução Histórica no Brasil sob a ótica Constitucionalista A história do Direito do Trabalho no Brasil se parece um pouco com o que aconteceu no mundo, mas existem algumas peculiaridades. Para melhor entendimento e de forma resumida, este tema será abordado de forma cronológica, iniciando com a Constituição do Império, em 1824. Naquele período o Brasil vivia a era da escravidão, em que os escravos não eram sujeitos de direitos e obrigações. Conforme Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.143): “A Constituição de 1824, a primeira Lei Magna Social, não tinha em seu corpo qualquer norma trabalhista, bem como não demonstrava preocupação social”. Em 1891 tem-se a primeira Constituição Republicana, que segundo Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.145) “não trouxe qualquer princípio específico de proteção ao trabalho, apenas tornou legais as associações e uniões”.
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A Constituição de 1934 é resultado da situação política do país. De acordo com Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.146): Getúlio Vargas encontrou um país onde havia uma grande massa de imigrantes, com idéias anarquistas e socialistas, que começaram a organizar a luta dos trabalhadores brasileiros, organizando greves e lutas por leis trabalhistas. Neste quadro, o então presidente começa a editar leis em função da organização dos operários, no intuito de acalmar os ânimos e evitar convulsões sociais. Assim, o Direito do Trabalho no Brasil não foi um presente do chamado “pai dos pobres”, mas uma conquista. Nesta época o Direito do Trabalho foi elevado ao status de Direito Constitucional e os trabalhadores já podiam contar com alguns direitos, como: autonomia sindical, condições melhores de trabalho, proibição de diferença salarial em razão de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil, proibia o trabalho infantil, fixava o salário mínimo, etc. Em 1937 foi outorgada a nova Carta Magna, após o golpe de Estado dado por Getúlio Vargas para permanecer no poder. De acordo com Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.148): “Se no campo do Direito Individual do Trabalho a nova Carta ampliou direitos, no campo do Direito Coletivo do Trabalho os reduziu, trazendo a greve como uma manifestação proibida”. Vale ressaltar que em 1942 foi criada a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) que organizou a legislação existente em um só diploma. A Constituição de 1946 segundo Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.150): “traz diretrizes democráticas, ampliando os direitos individuais e coletivos. O Direito do Trabalho no Brasil repete a lógica do Direito do Trabalho no mundo, qual seja o protecionismo ao trabalhador”. Até 1964 as legislações trabalhistas conseguiram manter o caráter protecionista, mas à partir daí a pressão econômica começou a interferir, conforme Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 172): Iniciada em 1964, a reformulação da política econômica, os reflexos da nova ordem fizeram-se sentir imediatamente sobre as leis trabalhistas, que passaram a ter um caráter econômico, subordinadas às metas prioritárias, dentre as quais o combate à inflação. A Constituição de 1967 reduziu mais uma vez as conquistas coletivas dos trabalhadores. Foi neste ano que houve a criação do FGTS, que culminou com a perda da estabilidade no emprego. Nos anos seguintes houveram legislações desfavoráveis ao trabalhador, como a permissão do trabalho temporário e terceirização, o contrato de estágio, a isenção para a microempresa de diversas exigências da CLT. Era um período difícil pela crise econômica e social que o país passava, mas segundo Pinto, Moreira (p.29, citado por GONÇALVES, 2004, p. 153): “foi nesse contexto que surgiu a Central Única dos Trabalhadores (CUT), marcada pelas propostas de um novo sindicalismo, e contando com apoio das organizações populares”. Com o fim do Regime Militar em 1985, começou um novo período democrático. E em 1988 foi promulgada a Carta Magna que rege atualmente e que trouxe muitas conquistas. Na visão do autor Maurício Godinho Delgado (1995, p. 66): Não se conduziu porém a nova Constituição pela matriz individualista preponderante como em outras Cartas Constitucionais não autocráticas (como a de 1946). Nessa linha, superou a equívoca dissociação (propiciada pela Carta de 1946) entre liberdade e igualdade, direito individual e direitos coletivos e sociais. Esta foi uma breve apresentação da evolução do Direito do Trabalho, tendo como marcos as constituições brasileiras. É possível perceber a árdua e lenta transformação deste ramo do direito, que deve
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realmente deve ser protegido, através das diversas cartas magnas já existentes no Brasil. Estas marcações são importantes para se perceber que o topo da hierarquia da legislação brasileira foi se modificando através do tempo e culminou sendo protecionista ao trabalhador e respeitando sua história. 2.3 Aspectos Conceituais A palavra flexibilizar remete ao ato de curvar, dobrar, deixar de ser rígido, esticar e retornar ao tamanho original. Segundo Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 97): A flexibilização do Direito do Trabalho é o instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social. Alguns autores utilizam o termo desregulamentação, que não é apropriado afinal o objetivo não é retirar as regras e a proteção do Estado ao trabalhador, e sim adaptá-las à realidade fática. Este entendimento foi bem explicado por Arnaldo Süssekind et al (2005, p. 206): A nosso entender, portanto, a desregulamentação do Direito do Trabalho, que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. A desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade. Precisamente porque há leis é que determinados preceitos devem ser flexíveis ou estabelecer fórmulas alternativas para sua aplicação. Neste mesmo entendimento está Sérgio Pinto Martins (2009, p.14): Não se confunde flexibilização com desregulamentação. Desregulamentação significa desprover de normas heterônomas as relações de trabalho. Na desregulamentação, o Estado deixa de intervir na área trabalhista, não havendo limites na lei para questões trabalhistas, que ficam a cargo da negociação individual ou coletiva. Na desregulamentação, a lei simplesmente deixa de existir, pois é retirada a proteção do Estado em relação ao trabalhador. Na flexibilização, são alteradas as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteção mínima necessária. Restou claro para os que são à favor da flexibilização, que ela não é o fim, e sim o meio de se modificar e modernizar as relações entre trabalhadores e empresas. É a relativização das normas trabalhistas, sem pretender eliminá-las; é a adaptação da legislação trabalhista à realidade econômica vivida pelo Estado, sendo uma maneira de manutenção do setor produtivo e do emprego. Entretanto, são argumentos estritamente econômicos e políticos, ignorando o caráter legal e social das normas brasileiras. 3 A GLOBALIZAÇÃO E A COMPETIÇÃO INTERNACIONAL A globalização e a abertura das fronteiras nacionais para produtos e serviços aumentaram a competitividade no Brasil. As empresas buscam montar suas sedes em locais onde haja mão de
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obra barata, baixo custo fiscal e logístico. Há uma clara correlação entre o Direito Trabalhista, a oferta de mão de obra e a atratividade do local para captar investimentos. Entretanto, em alguns casos este pensamento é levado ao extremo, conforme Joseph Bruno dos Santos (2011) “normas trabalhistas extremamente rígidas, de outra face, afastariam investimentos externos, e prejudicariam a concorrência com empresas estrangeiras, à medida que aumentariam o custo de produção e oferta de bens de consumo”. Esta globalização econômica também atinge o Direito do Trabalho, de modo que um país sempre observa como este tipo de legislação atua no país vizinho e/ou concorrente, o que está gerando uma aproximação mundial das normas. É também a opinião Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p. 125): Vemos, portanto, que o fenômeno da globalização interfere no Direito do Trabalho, trazendo como uma de suas consequências a tendência de modificações nas relações entre prestadores e tomadores de serviço, como forma de aproximação entre os modelos jurídicos dos vários países. Este é um forte argumento para os que defendem a flexibilização trabalhista porque a economia interna do país precisa se situar nos padrões internacionais para que as empresas sejam capazes de competir e sobreviver nesta disputa mundial. Entretanto, segundo Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.100) é preciso cautela neste aspecto, porque no processo de globalização existem dois polos: ativo e passivo. O primeiro dita as regras e comanda o jogo, o segundo tem sua cultura esmagada e apenas absorve a informação. E diz ainda: “o Brasil, como parte da América Latina, coloca-se diante da modernidade ditada pelos países centrais, na periferia, servindo apenas para atender aos interesses desses países”. Este também é o posicionamento de Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p.129): [...] a flexibilização e a terceirização são prejudiciais aos trabalhadores. Isso porque ambas são modos de tratamento da prestação de serviços que oferecem vantagens ao capital, mesmo porque, se assim não fosse, ao empregador de nada adiantaria e, portanto, delas não se utilizaria. E, se são formas de economizar com mão-de-obra, é evidente que resultam em prejuízo aos trabalhadores. Não obstante isso, tais fenômenos são fruto dos tempos atuais, da grande concentração de capitais e das leis de mercado que vivemos. Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.105) afirma que “em nome da governabilidade e da empregabilidade tudo se permite, até mesmo a usurpação dos direitos dos trabalhadores”. Realmente a globalização afetou o mundo dos negócios e a competitividade ficou mais acirrada, mas o Direito do Trabalho não pode ser sacrificado por isso. O lucro e a sobrevivência das empresas não pode ser a qualquer custo. 4 CASOS DE FLEXIBILIZAÇÃO NO MUNDO Existem diversos casos de flexibilização trabalhista pelo mundo. O autor Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.121) cita a situação da Argentina como um exemplo de fracasso nesta teoria. Narra que durante o governo de Carlos Menem, a Argentina “havia seguido todas as orientações internacionais no que tange ao Direito do Trabalho”, flexibilizando as normas trabalhistas e priorizando o desenvolvimento econômico, esperando realmente um grande avanço em sua economia. Exemplifica com a Lei das Pymes número 24.367 que, dentre outras coisas:
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(...) criou o período de experiência de cento e oitenta dias, prorrogável por acordo ou convenção coletiva; 13º salário, que era pago em duas parcelas, passou a ser pago em doze vezes, ou seja, no percentual de 8,33% ao mês, sem encargos sociais; em caso de dispensa, a indenização, antes fixada em um salário por ano de serviço, passou a ser de ½ salário; a jornada de trabalho, até então fixada em oito horas diárias e quarenta e oito semanais, foi flexibilizada para admitir o trabalho por até doze horas diárias, desde que mantida a média semanal de oito horas diárias; os prêmios relativos à assiduidade e à produtividade dos empregados passaram a ser concedidos conforme os critérios da empresa; e, por fim, entrando a empresa em processo de reestruturação, a lei em comento permite a suspensão ou renegociação dos acordos e convenções coletivas celebrados”. Acontece que o resultado não foi o esperado e a situação dos argentinos piorou, demonstrando que a tão sonhada flexibilização dos direitos trabalhistas não foi a solução para os problemas daquele país. Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.125) diz ainda que “A Espanha, um país central, membro da Comunidade Européia, também passou por um processo de flexibilização de suas leis trabalhistas. Hoje, regressa às bases protetivas.” Em virtude do desemprego, e como fruto das pressões do sistema capitalista, este país cedeu e estipulou novas modalidades de relação de emprego, abandonando a ideia do contrato por prazo indeterminado e a estabilidade no emprego. O resultado também não foi satisfatório, a economia não melhorou e o aumento de vagas de emprego que era esperado, não aconteceu. 5 OS FUNDAMENTOS PARA FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO Existem diversos fundamentos para sustentar a opinião daqueles que apóiam a idéia de flexibilização das leis trabalhistas brasileiras, inclusive há algumas classificações doutrinárias acerca do tema. O autor Joseph Bruno dos Santos diz sobre a legalidade: Será legal ou autorizada quando a própria lei permite a flexibilização trabalhista, como na redução da jornada de trabalho (Art. 7º, XIII, da CF), ou na redução salarial mediante negociação coletiva (Art. 7º, VI, da CF). Será ilegal ou ilícita quando a flexibilização for utilizada para fins escusos, com o intento de burlar a lei e os direitos trabalhistas. Acreditam que a redução de custo através da flexibilização trabalhista deve ser feita da melhor maneira possível, sem ofender os direitos fundamentais dos trabalhadores. E citam alguns exemplos pelo mundo, conforme o autor Amauri Mascaro Nascimento (2009, p.171): O Chile, com o Código do Trabalho de 1973, igualou os direitos mais amplos previstos para determinadas profissões com os fixados para o trabalhador em geral, aumentou o poder do empregador para alterar as funções dos empregados, o local de trabalho e os horários e vetou a duplicidade de indenizações de dispensa, a legal e a convencional, e a reintegração do trabalhador no emprego pela via judicial. O Panamá, com a Lei n. 1/86, Lei de Reforma Laboral, ampliou a duração do contrato de experiência, reduziu o adicional de horas extraordinárias e redefiniu o salário. A Colômbia, com a Lei n. 50/90, também diminuiu o adicional de horas extras e reconceituou o salário. O Equador, com a Lei n. 133/91, promoveu restrições à atividade sindical e à autotutela(...).
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Ao que parece, todos os exemplos citados são de países julgados como de “terceiro mundo” e que continuam com problemas econômicos e sociais. Então, pode-se concluir que a flexibilização trabalhista não é tão influente como se pensava. De acordo com Medrado, Maria Aparecida; Lima, Neuza Barbosa (p.33, citado por GONÇALVES, 2004, p. 131) Precisamos mudar a lógica do sistema atual, de uma legislação rígida e engessada e que não é cumprida – principalmente entre as categorias mais vulneráveis – criando dificuldades inclusive para o Terceiro Setor que desenvolve trabalho importantíssimo na área social e de cidadania, e encarar a realidade nas relações de trabalho: o sistema econômico vem acelerando o processo de redução do número de trabalhadores(as) empregados(as) com carteira assinada. A lógica atual é a da exclusão. Segundo Paiva, Mário Antônio Lobato de (p.3, citado por GONÇALVES, 2004, p. 132): O Direito do Trabalho, portanto, deveria ter um papel secundário no controle dos conflitos sociais. Destarte, o Direito do Trabalho que se vislumbra no horizonte, é o da intervenção mínima, onde o Estado deve reduzir quanto possível sua ação na solução dos conflitos. Neste contexto, propõe-se, em suma, a flexibilização, desregulamentação e a desinstitucionalização dos conflitos trabalhistas, restando ao Estado aquilo que seja efetivamente importante como controle. Em todas as opiniões acima se percebe o fundamento econômico da flexibilização, ignorando o caráter social, histórico e jurídico deste ramo do Direito. 6 FUNDAMENTOS CONTRÁRIOS À FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO O Brasil não ficou imune às pressões do mercado para a flexibilização do Direito do Trabalho. Entretanto, a idéia inicial desta palavra de ceder e depois voltar, não está sendo bem aplicada. Segundo Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.29): “o que se observa é a supressão de direitos sem uma contrapartida, apenas para atender o Deus Mercado e a santíssima trindade: competitividade, produtividade e lucro”. Corrobora desta idéia a autora Elaine Noronha Nassif (2001, p. 96): “Importante ressaltar que muitos dos direitos que o governo pretende flexibilizar são direitos patrimoniais indisponíveis mesmo coletivamente, ou seja, por via de acordo ou convenção coletiva.” Com o pretexto de acompanhar a globalização, gerar e/ou manter empregos, diminuir a exclusão social e etc. o Brasil vem passando, sem sucesso, por um processo de flexibilização. Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.29): O Brasil tem como marcos iniciais da flexibilização a Lei n. 4.923/65, que eprmitia a redução de jornada e salário e a Lei n. 5.107/66, que facultou a troca da estabilidade pelo FGTS, chamada por Felker de “grande burla nacional”, em 1966, antecipando o processo maciço de flexibilização que aportaria nos ordenamentos trabalhistas do mundo, a partir dos anos 80. Outras leis flexibilizaram o contrato de trabalho no Brasil, como a Lei de estágio e a Lei do contrato temporário (6.019/74). Entretanto, a grande ofensiva dá-se a partir de 1998, no governo Fernando Henrique, em que foram editadas diversas leis e Medidas Provisórias que reduziram os direitos dos trabalhadores, culminando com a tentativa de aprovação de um projeto de lei que alteraria o art. 618 da CLT, fazendo com que o negociado passasse a prevalecer sobre o legislado, permitindo negociações abaixo do mínimo legal.
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É uma clara tentativa de desregulamentar o Direito do Trabalho, deixando os trabalhadores sem proteção e a mercê dos empregadores. O ganho de produtividade e lucratividade não pode ser a qualquer custo, nem subtraindo direitos adquiridos pelos trabalhadores depois de muita luta e sofrimento. E é importante ressaltar que os argumentos contrários à flexibilização trabalhista são jurídicos e sociais, embasados em princípios e leis; não apenas em aspectos econômicos, como os que estão do outro lado. E mesmo tendo apenas o argumento econômico, este ainda é muito frágil, porque, conforme Uriarte, Oscar Ermida (p.21, citado por GONÇALVES, 2004, p. 135): A desregulamentação e a flexibilização, onde foram aplicadas, não teriam gerado emprego, mas, pelo contrário, teriam deteriorado a qualidade do emprego existente. E mesmo se assim não tivesse sido – e de fato o fio –, muitos direitos trabalhistas continuariam sendo direitos fundamentais. Neste mesmo sentido defende Bonfim, Benedito Calheiros (p.14, citado por GONÇALVES, 2004, p. 135): A agravar o quadro descrito de precarização das relações de trabalho, sobressai o efeito do impacto do desemprego que fragiliza as associações sindicais, tornando-as impotentes para sustentar reivindicações outras que não a manutenção de postos de emprego, obtida frequentemente à custa de perdas salariais e outros direitos legais e contratuais. Ao lado dos que são contrários à flexibilização trabalhista está a Constituição Federal Brasileira de 1988. Segundo Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.137) é juridicamente impossível retirar do ordenamento jurídico brasileiro o caráter protetivo ao trabalho e ao trabalhador, tendo em vista a filosofia do constituinte e o espírito da Carta Magna, em velar em prol deles. Em diversos artigos o Texto Constitucional deixa clara sua vontade de proteger estes institutos e retratar a função social do trabalho: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (...) Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; (...) Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III - fundo de garantia do tempo de serviço; IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sen-
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do vedada sua vinculação para qualquer fim; V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXIV - aposentadoria; XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei; XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações
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tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VIII - busca do pleno emprego; (...) Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Restou comprovado o ideal constitucional de proteção ao trabalhador e à dignidade humana, portanto, nenhum direito deve ser reprimido ou suprimido, mas sim ampliado pelas ferramentas jurídicas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A história do Direito do Trabalho é marcada por lutas e sofrimento. Por muitos anos os trabalhadores viveram uma barbárie em prol do acúmulo de renda dos que detinham o poder. Com o passar dos anos o proletariado se organizou e não mais se contentou com a miséria que lhe era oferecido. Percebeu que eram eles a força motriz do patrão e do país, e partiram para a conquista de seus direitos. Entretanto, com o desenvolvimento econômico e a globalização, que tornam a competitividade cada vez maior entre as empresas, estes direitos estão sendo ameaçados. É claro que no âmbito conceitual seria possível flexibilizar, por curto período de tempo, algumas normas do Direito Trabalhistas, desde que não ofendessem a dignidade humana. Entretanto, no âmbito real a tratativa não é tão simples. E não se pode mexer em direitos pelo simples fundamento econômico, que restou comprovado não ser consubstanciado. Estas propostas de modernização do Direito Trabalho precisam ser vistas com muita cautela, não podem ser tidas como um passe de mágica que irá extinguir o desemprego e transformar o Brasil em um país de primeiro mundo. Portanto, há que se respeitar a história do Direito do Trabalho e as árduas lutas que foram feitas para se chegar até aqui. Flexibilização não é milagre!
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NOTAS DE FIM 1 Graduando o 10º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2 professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Amanda Bonacorsi, Daniela Zapata
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PERÍCIA NO INFANTICÍDO: A OBRIGATORIEDADE DA PERÍCIA MÉDICA LEGAL NO ESTADO PUERPERAL Helenice Pereira Alves Rezende1 Cristian Kiefer da Silva 2 Banca Examinadora 3 RESUMO: O artigo abordará o tema sobre o Infanticídio que é o ato que comete a mãe de matar o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, durante o parto ou logo após. Em princípio o infanticídio é o crime da genitora puérpera. A caracterização do crime de infanticídio, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento do estado puerperal, explica critérios biopsíquicos. Haja vista que procura discutir as formas de crimes contra a vida, como também diversos tipos de fatores que se dá no Estado puerperal, contendo no início, uma contextualização sobre o histórico do Direito Penal. PALAVRA-CHAVE: Genitora, Biopsíquicos, Direito penal, Estado Puerperal Infanticídio. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA; 3 O INFANTICÍDIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO; 3.1 O Estado Puerperal; 3.2 As Alterações Anatômicas e Fisiológicas decorrentes do puerpério; 3.3 As Divergências acerca do Estado Puerperal; 4 A INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL NA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE INFANTICIDIO; 5 AS PERÍCIAS MÉDICO LEGAIS; 5.1 Conceitualizações; 5.2 Espécies; 6 AS CORRENTES PSICOLÓGICA E FISIOPSICOLÓGICA; 6.1 Corrente Psicológica; 6.2 Corrente Fisiopsicológica; 7 A OBRIGATORIEDADE DA PERÍCIA MÉDICO LEGAL NO ESTADO PUERPERAL; 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO O trabalho abordará o tema sobre o crime de infanticídio cometido sobre a influência do estado puerperal. No que tange esse delito, há tipificação autônoma no Art. 123 do Código Penal, onde nos diz que matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após, será aplicada uma pena, de dois a seis anos. (BRASIL, 2003) O infanticídio se da em período do puerpério imediato. O puerpério é o período de tempo entre a dequitação placentária e o retorno do organismo materno às condições pré-gravídicas, tendo duração média de seis semanas. Pode-se dizer também que seria uma alteração temporária em mulher previamente sã, com colapso moral e diminuição da capacidade de entendimento seguida deliberação de instintos, culminando com a agressão ao próprio filho. (N. Rojas, 1936, pag.351) O direito deve zelar pela justiça. Ao longo da aplicação do direito verifica-se que inúmeras mulheres, logo após o parto eliminaram a vida de seus filhos, dentre esse rol varias foram condenadas por homicídio, em que pese a existência do tipo penal que define o crime de infanticídio e sua respectiva pena, pelo fato dos julgadores não aceitarem e não compreenderem o instituto do infanticídio, sua natureza jurídica, alcance e meios de prova. Portanto, o trabalho em tela é de extrema relevância no sentido de esclarecer a questão permitindo uma solução jurídica adequada e justa. Na sequência, discutiremos se deve haver a obrigatoriedade da perícia médica legal no caso de comprovar o estado puerperal. 2. CONTEXTUALIZAÇAO HISTÓRICA Desde os primórdios da história da humanidade e de seu instrumento de harmonia social, o direito, o ser humano vem elaborando um conjunto de normas e princípios visando disciplinar o convívio em sociedade. Foco especial tem sido dado à definição de crimes e suas respectivas penas. Registrando que o ser humano livre e voluntariamente nunca conseguiu viver em harmonia; dentre as condutas prejudiciais encontramos os crimes, em especial, os que atentam contra a vida. Os crimes que ceifam vidas ao longo do caminhar humano sempre receberam rigorosa reprimenda, por vezes consistindo na imposição de um dano cruel e degradante ao autor de lesão à vida, tendo
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os estudiosos buscando uma proporção entre o dano e a pena, o que fez a sociedade evoluir, passando pela lei de Talião e na sequência abolindo a vingança privada. A doutrina considera infanticídio a morte da criança em seus primeiros minutos, horas, dias de vida, o que tem ocorrido desde os primeiros seres humanos. Contemporaneamente, o direito pátrio considera infanticídio a morte do filho, causado, em regra, pela mãe sob influência do estado puerperal. O estudo em curso empreendera esforços visando a elucidação de sua natureza jurídica, seus contornos e consequências. O direito deve zelar pela justiça. Ao longo da aplicação do direito verifica-se que inúmeras mulheres, logo após o parto eliminaram a vida de seus filhos, dentre esse rol, varias foram condenadas por homicídio, em que pese a existência do tipo penal que define o crime de infanticídio e sua respectiva pena, pelo fato dos julgadores não aceitarem e não compreenderem o instituto do infanticídio, sua natureza jurídica, alcance e meios de prova. Portanto, o trabalho em tela é de expressiva relevância no sentido de esclarecer a questão permitindo uma solução jurídica adequada e justa. 3. O INFANTICÍDIO NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO 3.1 O Estado Puerperal O infanticídio se da em período do puerpério imediato. O puerpério é o período de tempo entre a dequitação placentária e o retorno do organismo materno às condições pré-gravídicas, tendo duração média de seis semanas. Pode-se dizer também que seria uma alteração temporária em mulher previamente sã, com colapso moral e diminuição da capacidade de entendimento seguida de liberação de instintos, culminando com a agressão ao próprio filho. (Rojas, 1936) 3.2 As Alterações Anatômicas e Fisiológicas decorrentes do puerpério Sobre a natureza jurídica do infanticídio vários profissionais do direito reconhecem a existência do estado puerperal e sua influência biológica e psíquica sobre a saúde da mulher após o parto, entendimento referendado também por profissionais da medicina e da psicolo-
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Uns chamam estado puerperal á gravidez, ao parto e ao puerpério que o segue; outros somente a este último; outros consideram que esse estado puerperal dura o tempo da involução clínica do útero; alguns o relacionam á involução histológica desse órgão, que pode durar até dois meses. (ROJAS, 1936, p.331)
gia, tudo confirmado pelos depoimentos de um número expressivo de mulheres que relatam profundas alterações físicas e psicológicas após o parto, sendo relevante salientar que muitas não chegaram a eliminar a vida de seus filhos. Nesta trilha ensina o doutrinador Damásio de Jesus que A mulher, em consequência das circunstancias do parto, referentes á convulsão, emoção causada pelo choque físico e etc., pode sofrer perturbação de sua saúde mental. O Código fala em estado puerperal. Este é o conjunto das perturbações psicológicas e físicas sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto. (DAMÁSIO, 1999, p.107) Demonstrada a plausibilidade deste entendimento, resta indagar qual seria o meio de prova imprescindível para o reconhecimento jurídico do infanticídio. O Código Penal, ao citar a expressão logo após o parto, não tratou de delimitar qual seria este lapso temporal e, tampouco qual meio de prova seria adequado a demonstração do estado puerperal e respectivo lapso temporal. Em função da mencionada omissão, surgem diversas soluções apresentadas pela doutrina. Nelson Hungria traz o seguinte posicionamento sobre o assunto: [...] O que se faz essencial, porém, do ponto de vista jurídico-penal, é que a parturiente ainda não tenha entrado na fase de bonança e quietação, isto é, no período em que já se afirma predominante e exclusivista, o instinto maternal. Trata-se de uma circunstância de fato a ser averiguada pelos peritos médicos e mediante prova indireta. (HUNGRIA, 1942, p. 228) Na esteira do ensinamento supramencionado encontramos outros renomados profissionais da medicina da psicologia e do direito, em específico em criminologia e criminalística, que sustentam ser a perícia indispensável para a caracterização do infanticídio. O estudo ora em desenvolvimento é imprescindível e muito relevante no sentido de encontrar uma doutrina jurídica adequada e solida que venha a dirimir as controvérsias sobre o tema permitindo aos profissionais do direito a justa aplicação da Lei, conferindo segurança jurídica aos mencionados profissionais e aos destinatários da lei, que na concepção fundamentada desta estudiosa do direito, com fulcro na doutrina predominante, o estado puerperal é um fenômeno cientificamente reconhecido, bem como sua relevância no tipo penal definidor do crime de infanticídio e que requer para sua inequívoca demonstração o meio de prova pericial. Concluídos os estudos, sedimentada a tese ora defendida, indubitavelmente realizar-se-á o comando insculpido no artigo 1°, inciso III: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; E o mandamento registrado no artigo 5°: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
E ainda Soler entende que: O estado puerperal é um conjunto de sintomas fisiológicos que se prolongam depois do parto. (SOLER, p.93) O estado puerperal se apresenta não apenas depois, mas também durante o parto, registra conturbação da vontade e do raciocínio, não estando, pois, em estado normal. Conforme inúmeros psiquiatras pensam, como Jorg, Krafft, Ebing, Konig dentre outros citados por NELSON HUNGRIA, ora falando em confusão mental, ora o infanticídio é o crime da mãe sobre a influencia do estado puerperal, e a única diferença entre o crime de infanticídio e o homicídio é a especial situação em que se encontra o agente, portanto, não produzida a deficiência psíquica pelo puerpério, não haverá o delito privilegiado. Outros negam tais efeitos como Bischoff e Von Sury, citados pelo mesmo jurista, e também por Almeida Júnior: A nosso ver, a influência do estado puerperal, agora prevista pela lei, é o efeito normal e corriqueiro de qualquer parto; e dada a sua grande frequência, deverá ser admitida sem maior dificuldade. (Júnior, 1942, p.34) 4. A INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL NA CARACTERIZAÇAO DO CRIME DE INFANTICÍDIO O Estado Puerperal trata-se de condição que suprime da mulher por completo o seu senso de razão, retira-lhe sua inibição, sua conduta moral, em decorrência do trauma trazido pela parturição levando-a ao trágico fim de tirar a vida do próprio filho. Neste aspecto Aníbal Bruno conceitua da seguinte forma: Estado puerperal é o conjunto das perturbações físicas e psíquicas que sofre o organismo da mulher em relação com o fenômeno do parto. A lei admite que o estado puerperal pode gerar uma situação de turvação do espírito capaz de determinar a mulher a praticar o infanticídio. Essa situação, mesmo existente, será transitória e geralmente se apaga sem deixar vestígios. Será difícil demonstrar que ela ocorreu e conduziu ao crime. Em geral, tais fatos se passam fora da presença de testemunhas, sobretudo de testemunhas idôneas, e quando chega o perito já os sinais da sua passagem se desvaneceram. Um sentimento de justiça conduzirá, então, a fazer cobrir com o privilégio do artigo 123 toda morte dada pela própria mãe ao filho durante o parto ou logo após, desde que não se demonstre ter sido praticada friamente, excluindo qualquer comoção que pudesse justificar a ideia de grave perturbação da consciência. (BRUNO, 1940, p.146 - 150)
Ambos da Constituição da República Federativa do Brasil, qual sejam os princípios do direito a vida e a dignidade humana. 3.3 As Divergências acerca do Estado Puerperal Existem várias divergências no que tange o estado puerperal, nota-se que segundo, Nério Rojas:
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Cezar Roberto Bitencourt considera que: O puerpério, elemento fisiopsicológico, é um estado febril comum às parturientes, que pode variar de intensidade de uma para outra mulher, podendo influir na sua capacidade de discernimento. É fundamental a perturbação psíquica que o estado puerperal pode provocar na parturiente. É exatamente essa perturbação decorrente do puerpério que transforma a morte do próprio filho em um delictum excep-
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tum. O estado puerperal existe sempre, durante ou logo após o parto, mas nem sempre produz as perturbações emocionais que podem levar a mãe a matar o próprio filho. Não significa que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique constatado que esta realmente sobreveio em consequência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento da parturiente. Fora daí, não há porque distinguir entre infanticídio e homicídio. É indispensável uma relação de causalidade entre o estado puerperal e a ação delituosa praticada; esta tem de ser consequência da influência daquele, que nem sempre produz perturbações psíquicas na mulher. Os efeitos do estado puerperal podem ser apresentados em quatro hipóteses: a) o puerpério não produz nenhuma alteração na mulher; b) acarreta-lhe perturbações psicossomáticas que são a causa da violência contra o próprio filho; c) provoca-lhe doença mental; d) produz-lhe perturbação da saúde mental diminuindo-lhe a capacidade de entendimento ou de determinação. Na primeira hipótese, haverá homicídio; na segunda, infanticídio; na terceira, a parturiente é isenta de pena em razão de sua inimputabilidade (artigo 26, “caput” do Código Penal); na quarta, terá redução de pena, em razão de sua semi-imputabilidade. (Bitencourt, p. 420 - 421) Pertinente destacar que não se pode confundir o estado puerperal com o puerpério, que é o lapso de tempo compreendido entre a expulsão da placenta e a involução total das alterações da gravidez, pelo retorno do organismo materno às suas condições pré-gravídicas. Ou seja, é o período variável, de evolução diferente de mulher para mulher, onde concomitante ao efetivo exercício da maternidade a mulher experimenta profundas modificações genitais, gerais e psíquicas, com gradativo retorno ao período não gravídico. A maioria dos autores considera o período como as seis primeiras semanas pós-parto, outros o dividem, arbitrariamente, em puerpério imediato. 5. AS PERÍCIAS MÉDICO LEGAIS 5.1 Conceitualizações Os estudos sobre a medicina revelam que as perícias médico legais constituem uma área muito específica. Na doutrina encontramse muitos registros de conceitos, dos quais se destacam: No ensinamento de Genival Veloso de França: É o conjunto de procedimentos médicos e técnicos que tem como finalidade o esclarecimento de um fato de interesse da Justiça. Ou como um ato pelo qual a autoridade procura conhecer, por meios técnicos e científicos, a existência ou não de certos acontecimentos, capazes de interferir na decisão de uma questão judiciária ligada à vida ou à saúde do homem ou que com ele tenha relação. (FRANÇA, 2012, p. 346) Segundo A. Almeida Júnior: A perícia médico legal contribuirá: 1) para a fixação do momento fisiológico do crime, a fim de que se verifique se este se deu, efetivamente, durante o parto ou logo após; 2) para que se determine se o feto, ao ser submetido à violência infanticida, ainda estava vivo – condição sem a qual o crime seria impossível; 3) para que se esclareça a natureza da violência; 4) para que se prove que se tratava, realmente, de filho da acusada; 5) para que se demonstre que esta última agiu sob a influência do estado puerperal. (JÚNIOR, 1942, p.34)
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Por termo, vale salientar o mandamento insculpido no Art. 158 do CPP: “Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. 5.2 Espécies No que concerne à demonstração da materialidade o crime de infanticídio exige para a sua caracterização: a) Prova da condição de recém-nascido; b) Prova de vida extrauterina; c) Diagnóstico da causa morte; d) Exame de puérpera. Perquirindo o contexto probatório, destaca-se por relevância a idade do Feto. O infanticídio, geralmente, se pratica num recém-nascido a termo. Antes de proceder à necropsia de um feto o médico-legista precisa adquirir os sinais do feto a termo. Na dinâmica dos estudos vem na sequencia e destaque o Exame de Puérpera. O exame da mãe é indispensável nos crimes de infanticídio. Este exame dirá, em primeiro lugar, se houve ou não parto e se este é recente ou antigo. Acusada uma mulher de ter cometido infanticídio, a verificação pericial de uma gravidez ou de um parto antigo afastará imediatamente a imputação. 6. AS CORRENTES PSICOLOGICA E FISIOPSICOLOGICA 6.1 Corrente Psicológica A corrente psicológica aponta que a gravidez normalmente é um estágio de crise na vida da mulher. Representa uma transição que faz parte do processo normal do desenvolvimento, envolvendo uma mudança de identidade e uma nova definição de papéis, sendo que, no caso, a grávida, além de filha e mulher, passa a ser mãe. No elenco dos saberes, Langer (1981) esclarece: a gravidez na mulher sã, que tenha um mínimo de angústia e sentimento de culpa e que aceite prazerosamente sua feminilidade, ocorre sem transtornos. Assim também que se refere aos significados psicológicos dos diversos sintomas presentes na gestação. Durante os primeiros meses de gravidez, a mulher vive um conflito de as náuseas e os vômitos, que coincidem com a ansiedade determinada pela incerteza da existência da gravidez, exprimem o conflito de ambivalência. No que tange ao tema, Maldonado (1984), em seu estudo sobre a psicologia da gravidez, faz uma separação dos aspectos psicológicos da gestação em três trimestres, tendo verificado que cada um deles possui características peculiares, observáveis na maioria das mulheres, independentemente do nível sociocultural. Para o estudioso Soifer (1986, pg.63), o período puerperal é uma etapa de “delimitação entre o perdido – a gravidez – e o adquirido – o filho. Também de delimitação entre devaneio, fantasia inconsciente e realidade”. Visualiza-se sobre o assunto a sapiência de Debray (1988), que salienta a importância da distância entre o “bebê real” e o “bebê fantasioso” como um fator originário de decepções para a mãe no período puerperal. Segundo a autora, durante a gravidez, o escasso contato com o bebê real leva ao predomínio da interação da mãe com o ”bebê fantasioso”. Nos primeiros tempos após o parto, as características do bebê recém-nascido vão, em muitos casos, ajudar a desenvolver na mãe o sentimento de competência e confiança em si para desempenhar seu papel. Muito relevante, pelo fato de que é no período puerperal que se inicia o inter-relacionamento entre a mãe e o bebê, este período se reveste de uma significação psicológica fundamentalmente importante para ambos. A genitora desenvolver-se-á a possibilidade de desempenhar plenamente suas capacidades maternais. O vínculo inicial entre o bebê e a mãe fornecerá a base de sua saúde mental posterior, tal como foi enfatizado
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pela Psicanálise. Algumas consequências da depressão puerperal materna sobre o desenvolvimento psíquico da criança foram abordadas por Felice (1997), por meio do delineamento de estudo de caso. O crime de infanticídio, para o Direito Penal brasileiro, é um delito autônomo, com denominação própria. Contudo, sob o ponto de vista doutrinário, esta situação é criticada, pois se trataria de um homicídio privilegiado. Segundo a medicina, é muito comum que as mulheres, durante o parto e logo após o mesmo, sofrerem alterações sensíveis, de natureza física e psíquica, que podem levar a uma redução da capacidade de entendimento dos fatos. Ele, portanto, se adéqua ao homicídio em circunstâncias privilegiadas. Em síntese, utiliza-se o critério biopsicológico, tratar-se-á de infanticídio desde que ela tenha cometido o crime sob o efeito do estado puerperal, durante o parto ou logo após. A pena é a detenção de 2 a 6 anos, para o crime consumado como estabelece o artigo 123, do código penal de 1940. Euclides Custódio da Silveira afirma que: O critério justificador do privilégio concedido à infanticida era, por conseguinte, de natureza psicológica. Decorria a benignidade do estado de angústia em que se encontrava a parturiente, diante das lastimáveis consequências do seu erro e da sua fraqueza, trazendo ao mundo um ser estigmatizado com a ilegitimidade originária. (SILVEIRA, p.91 - 92) 6.2 Corrente Fisiopsicológica Antes da edição do Código penal de 1940 as legislações penais que vigoraram no Brasil consideravam o infanticídio como uma espécie de homicídio privilegiado quando praticado por motivo de honra pela mãe ou por algum parente próximo, para esconder gravidez ilegítima. O Código Penal de 1940 veio substituir a preservação da honra pela influência do estado puerperal. Para Euclides Custódio da Silveira: A razão fundamental da escolha desse novo critério foi evitar a injustiça que o tradicional propiciava, por restringir a honoris causa à gravidez ilegítima. A mulher casada, que concebia legitimamente, mas era abandonada pelo esposo, sem recursos financeiros, às vésperas do parto, não podia invocar a honoris causa, se matasse o recém-nascido impelido pela situação de desespero e dos distúrbios físicos e morais decorrentes do puerpério. O que se pretendeu, portanto, foi ampliar o privilégio de molde a abranger todos os casos em que a parturiente sofresse tais distúrbios fisiológicos e psíquicos ou morais. Vale dizer, pois, que a lei presume uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter ação psíquica especial, não patológica, em decorrência do estado puerperal. Perturbação emotiva que comumente deriva do estado fisiológico determinado pelo parto. (SILVEIRA, p.93) Nestes casos, em decorrência do critério psicológico “honoris causa”, atenuava-se a pena de quem matasse um recém-nascido para ocultar a própria desonra ou a de algum parente próximo. O conceito de honra e gravidez ilegítima passou a adotar um critério fisiopsicológico relacionado à influência exercida pelo puerpério no psiquismo da mulher. Desta forma, o Código Penal Brasileiro de 1940 passou a reconhecer o infanticídio como uma espécie de homicídio privilegiado, com pena mais branda, não mais se baseando no motivo de honra, mas à “influência do estado puerperal”. A influência do estado puerperal é o efeito normal de qualquer parto onde se fará um exame na mãe para saber se houve ou não parto e se este é recente ou antigo.
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7. A OBRIGATORIEDADE DA PERÍCIA MÉDICO LEGAL NO ESTADO PUERPERAL O estudo se baseia na doutrina da tipicidade, ou seja, ninguém pode ser condenado se a sua conduta não se enquadrar perfeitamente no preceito primário do tipo penal, não realizando a conduta tipificada não poderá receber a sanção prevista no preceito secundário do tipo. Referenda o entendimento supracitado os princípios da presunção de inocência e da legalidade, de acordo com o artigo art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que assim dispõe ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. (BRASIL, 2013). E ainda o artigo 5° inciso II aduz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. (BRASIL, 2013). Segundo o ordenamento jurídico vigente a pessoa é inocente até que ocorra prova com trânsito em julgado de sua culpabilidade. A culpabilidade no sentido lato é o juízo de reprovação que recai sobre a pessoa que tendo potencial consciência da ilicitude age realizando conduta típica quando lhe era exigível conduta diversa, abraçando, portanto os instituídos do dolo e da culpa no sentido estrito, caracterizada pela negligencia, imprudência e imperícia. Imprescindível, portanto a precisa definição do crime de infanticídio e pertinentes meios de provas. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho procurou descortinar o delito denominado infanticídio visando apresentar uma solução jurídica adequada para responsabilização das mulheres que, sob a influência do estado puerperal, ceifaram as vidas seus filhos durante o parto ou logo após, bem como a forma correta e eficaz de demonstração da materialidade. O estudo em voga verificou e registrou a essência do tema contida no ordenamento jurídico vigente, na doutrina e jurisprudência, podendo afirmar cientificamente que o infanticídio existe formalmente, tendo em vista a que legislador definiu o tipo penal específico, apesar de parte defender que possui natureza de homicídio privilegiado. Além da existência formal do infanticídio, o trabalho em tela demonstrou sua existência material ou essencial, posto que ocorrência do estado puerperal e sua influência física e psicológica sobre a conduta e discernimento da mulher durante o parto ou logo após é reconhecida e compreendida pela lei, doutrinas das áreas jurídicas, médica, psicologia e social. A pertinência e imprescindibilidade da pericia médica legal na demonstração probatória da ocorrência do estado puerperal e sua repercussão sobre a mulher durante o parto ou logo após foram inequivocamente demonstradas. Concluindo, pode-se afirmar que muitas mulheres sofrem a influência do estado puerperal, que lhes afeta prejudicialmente as estruturas física, psicológica e de discernimento, tornando as propícias a eliminarem as vidas de seus filhos durante o parto ou logo após, o que pode ser demonstrado por meio da pericia médica legal e, ocorrendo concretamente, a solução jurídica é o enquadramento no preceito primário do tipo penal definidor do infanticídio e responsabilização nos termos do seu preceito secundário.
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NOTAS DE FIM 1 Acadêmica do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 2 professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
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INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DIANTE DA INFIDELIDADE CONJUGAL Gustavo Machado De Saldanha1 Valéria Edith Carvalho de Oliveira2 Banca Examinadora10 RESUMO: O presente artigo pretende demonstrar a possibilidade de condenação do cônjuge ao pagamento de indenização por danos morais pela infidelidade durante o casamento. O debate funda-se no dano ocasionado em eventual vítima de um não cumprimento dos deveres conjugais, mais especificamente, o dever de fidelidade, o que tem potencial para acarretar efeitos danosos ao cônjuge vitimado pela inobservância desta norma legal. PALAVRAS-CHAVE: Casamento, Dano Moral, Indenização. SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. O CASAMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO GERADOR DE DEVERES PARA OS CÔNJUGES, 2.1. Breve Histórico do Casamento, 2.2. Conceito e Natureza Jurídica do Casamento, 2.3. Deveres dos Cônjuges, 3. DANO MORAL NO CASAMENTO, 3.1. Posicionamento Jurisprudencial do tema, 4.CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO O casamento é instituto contratual do Direito Civil Brasileiro no qual duas pessoas, por livre e espontânea vontade, celebram sua união para a vida conjugal, procurando constituírem e compartilharem bens, de acordo com um planejamento familiar, podendo ou não ter filhos, convivendo de forma afetuosa, diante da moral e bons costumes, pelo qual uma família, núcleo que recebe especial proteção do Estado. Segundo o jurista e doutrinador Silvio Rodrigues, casamento é “o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência”, (RODRIGUES, 2004, p. 19). Em que pese o conceito do referido jurista necessitar de uma adequação em relação às transformações fáticas e legais que envolvem o Direito de Família do século XXI, a formação e constituição da instituição família não se alterou em relação aos direitos e obrigações, em especial no que se refere ao o dever de prestação de mútua assistência e o dever de fidelidade entre os cônjuges. A Constituição da República do Brasil em seu artigo 226, admite, diante da realidade da sociedade brasileira, formas diferenciadas de constituição de instituto familiar, tais como a União Estável, assim como diversidades de modelos familiares, entretanto, esse estudo não pretende estender a discussão dos deveres dos cônjuges em relação aos companheiros. É incontroverso, diante das diretrizes da Constituição vigente no Brasil que o Estado assume deveres inerentes à chamada proteção especial para a família, tais como a possibilidade de gratuidade para a celebração do casamento, a liberdade de planejamento familiar como descrito no inciso 7º do referido artigo, baseado na dignidade da pessoa humana. Diante de todas as exigências que circundam o casamento, a responsabilidade dos cônjuges se estabelece em relação a todas as prerrogativas de sua união, tornando-os contratantes de um instituto que lhes exige a manifestação de vontade livre de vícios e voluntária e a obrigação de fidelidade e de mútua assistência, entre outras coisas. Embora não possam ser afastadas as mudanças de valores da sociedade contemporânea, no que se refere à liberdade mais ampla das pessoas, à valorização do individualismo, à repercussão na legislação de temas como a extinção do crime de adultério na norma penalista brasileira, não há que se falar em extinção da obrigação e
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dever de mútua assistência e fidelidade dos integrantes da sociedade conjugal, haja vista esses terem celebrado sua união solenemente, declarando estarem cientes das prerrogativas de tal contratação e de suas cláusulas legais expressas pelo Código Civil. O ato que não respeita as prerrogativas e determinações legais inerentes ao casamento é ato que pode não afeta apenas a composição patrimonial dos envolvidos, mas também lhes causa danos à personalidade, que em determinadas situações são de difícil reparação ao infringirem a moral e dignidade do ofendido. Tal concepção deve ser considerada a partir do dano ocasionado em eventual vítima de um não cumprimento dos referidos deveres, o que acarreta sem nenhuma dúvida em efeitos irreparáveis, atingindo Direitos de Personalidade indisponíveis como dignidade da pessoa humana e da honra. Esse estudo pretende, assim, demonstrar a necessidade de indenização por parte do praticante do referente ilícito civil da infidelidade ou do desamparo em relação ao cônjuge, haja vista, se tratar de uma relação contratual diferenciada, amparada pelo Código Civil Brasileiro. 2 O CASAMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO GERADOR DE DEVERES PARA OS CÔNJUGES O casamento é instituto do Direito Civil Brasileiro que formaliza a união de duas pessoas, por suas livres e espontâneas vontades com o intuito de coabitação, compartilhamento de bens e constituição de família, dos quais podem ter como frutos filhos. Tal instituto está previsto e regulamentado pela Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil Brasileiro, o qual entre outras coisas, determina as atribuições a ele inerentes, e o define, no artigo 1511 nos temos in verbs: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges” ficando expressamente claro que o mandamento constitucional de igualdade, entre os indivíduos brasileiros, independentemente de gênero, raça, credo, etc, é premissa da relação entre os cônjuges em sua vida conjugal. O Código Civil determina que a vontade dos nubentes seja exigência não apenas formal, mas preponderante para a realização da solenidade civil, que é indispensável para a sua composição, assim como também da manutenção do referido contrato. O referido diploma civilista em seu artigo 1.535 demonstra que a manifestação de vontade livre dos nubentes é requisito essencial para a sua validade.3
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A importância da livre manifestação é tamanha que o arrependimento, a recusa solene em afirmar esta vontade ou a declaração de que a vontade manifestada não é livre, são elementos suficientes para suspender a celebração do ato.4 E ainda, no mesmo sentido, os artigos 1.550, 1557 e 1558, do mesmo Código, determinam que o casamento celebrado com vício de vontade, seja por erro essencial, seja por coação, é anulável, buscado, com isso, garantir que o casamento seja de fato um ato de vontade mútua dos seus contratantes, de forma consciente das suas atribuições, direitos e deveres e da pessoa com quem estejam contratando o referido matrimônio. O caráter de liberdade de iniciativa dos nubentes não lhes são facultativos, são prerrogativas legais e, portanto impreteríveis, haja vista tratarem de normas cogentes que constituem não apenas cláusulas contratuais, por sua natureza, mas também detêm um aspecto ético e de costume de toda a sociedade. 2.1. Breve Histórico do Casamento A instituição familiar refletiu as mudanças do perfil da sociedade brasileira ao longo dos anos, assimilando os seus valores e anseios, sem, no entanto, deixar de ser núcleo central na composição do quadro global de toda a comunidade brasileira, consequentemente tais mudanças repercutiram no casamento, uma das formas mais comuns de formação de famílias. Partindo da abordagem legal do casamento no Brasil, utilizando como marco a Constituição de 1824, criou-se a possibilidade de celebração por pessoas não católicas, em que pese ser o Catolicismo a religião oficial brasileira nesse período embora o Brasil ainda não houvesse se manifestado legalmente como Estado laico e ter, conforme previsão constitucional, a religião católica, como oficial, como se vê na transcrição do artigo da primeira Constituição Brasileira: Art. 5º. A Religião Católica Apostólica romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo. BRASIL. Constituições do Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas alterações, p. 813. Sendo considerada sacramento cristão a celebração e, portanto, legalização, do casamento no Brasil Império se dava através da Igreja Católica. Entretanto a próxima admissão do texto constitucional jurado em 1824 demonstra que, embora a população brasileira fosse majoritariamente católica, outras religiões coexistiam. Por esse motivo além do casamento celebrado pela Igreja Católica e tido como oficial, o Estado Brasileiro, através da Lei de 11 de setembro de 1861, regulamentada pelo Decreto de 17 de abril de 1863, instituiu o casamento civil, mas ainda sobre a tutela das normas canônicas e, portanto, de acordo com os dogmas cristãos, restringindo, por exemplo, as possibilidades de dissolução do casamento. Com a Proclamação da República Brasileira, ocorrida em 15 de novembro de 1889, e a promulgação de 24 de fevereiro de 1891, o Brasil tornou-se um Estado laico, ocorrendo a separação formal do Estado Brasileiro em relação à Igreja Católica e com isso o casamento civil passou a ser o casamento oficial no Brasil.5 Dessa forma passou a ser instituição civil brasileira, tornando a celebração religiosa uma opção dogmática nas vidas da população, mas as diretrizes que norteavam o casamento ainda concentravam grandes preceitos herdados do cristianismo católico, mantendo o homem como figura principal da relação familiar e a dissolução do casamento ainda sob a sua tutela, não sendo ainda constituídos mecanismos de dissolução eficazes, tais como o divórcio, nesta ocasião.
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Em 1916 a legislação brasileira estabelece novo diploma normativo de grande relevância para os atos civis, o Código Civil, que entre outras matérias consolidou o estabelecimento constitucional firmando o casamento civil como único válido pela legislação nacional, tendo como única ressalva o reconhecimento de efeitos civis ao casamento religioso, assim como preconizava a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934 em seu artigo 146. Toda a abordagem legal sobre o casamento durante esse período, em que a família patriarcal era majoritariamente presente por toda a sociedade, reflete o contexto social brasileiro. Nesse sentido a jurista Eliane Goulart Martins Carossi afirma que: A legislação cível trouxe para a época uma codificação totalmente preocupada com a conservação do casamento, dedicando-lhe uma parte especial. Cuidadosamente, foram disciplinados os impedimentos para a sua realização, suas formalidades, direitos e deveres dos cônjuges, regimes de casamento, entre outros(CAROSSI, 2003, p. 55) Por esta ocasião com os efeitos da industrialização ainda bastante iminentes no Brasil e sendo a maior parte da população ainda presente no meio rural, o casamento atribuía ao homem o papel de centralizador de poder e elemento preponderante em sua constituição, em todas as classes sociais. As constituições seguintes a estes períodos (1937, 1946 e 1967) não apresentaram inovações sensíveis o contexto normativo do casamento, em que se pese serem textos constitucionais carregados de absolutismos ditatoriais, haja vista os gestores estatais desses períodos. Neste cenário de indissolubilidade do casamento a Emenda Constitucional 09/1977 é um marco pontual e de grande importância na legislação civilista brasileira ao autorizar a discussão e instituição de legislação que viesse a disciplinar a dissolução do casamento, o que ocorreu com edição e aprovação da Lei 6.515 de 26 de dezembro de 1977, a chamada Lei do Divórcio. Com a redemocratização do Brasil, que teve como pilar a Constituição da República promulgada no dia 05 de outubro de 1988, criavamse novos parâmetros normativos e norteadores da sociedade brasileira, adequando a legislação nacional aos princípios que compõe o Estado Democrático de Direito entre eles o da Isonomia (Igualdade). Com isso a sociedade patriarcal, sobre o prisma normativo, foi extinta, iniciando-se nova era legislativa na concepção de família e novos atributos, direitos e obrigações de seus componentes, tornando o homem, a mulher e os filhos elementos igualmente merecedores de proteção, não extinguindo, entretanto, com o dever do Estado de proteção da família. 2.2 Conceito e Natureza Jurídica do Casamento As atribuições e peculiaridades do casamento direcionam para uma definição simplista, entretanto, como negócio jurídico não pode assim ser considerado, assim como os dogmas e preceitos religiosos não podem influenciar na definição da referida natureza jurídica desse importante instituto. A renomada jurista civilista Maria Helena Diniz cita em sua doutrina, Instituições de Direito Civil, o conceito de casamento do autor Lafayete: “O casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexos diferentes se unem para sempre, sob promessa de recíproca fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida” (LAFAYETE, apud DINIZ, 2005, p. 30). Partindo do referido conceito dado ao casamento por Lafayete, considerando a influência do Direito Canônico em seu conteúdo, incluindo algumas críticas e adequando-o a esfera jurídico
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social a doutrinadora assim o definiu: “o casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família legítima” (DINIZ, 2005, p. 30). Embora, tal conceito demonstre uma adequação maior aos elementos jurídicos, verifica-se ainda um resquício da legislação anterior à democratização brasileira pela Constituição de 1988, ao criar uma separação da família criada pelo casamento em relação as demais, ao tratar a primeira como única forma legítima dessa instituição, mas não há que se negar uma visão bastante jurídica na conceituação da relação matrimonial pelo casamento feito pela referida jurista. Já o jurista Washington de Barros define o casamento como: “a união permanente entre homem e mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem seus filhos”. (MONTEIRO, 2009, p.12) É possível verificar que há em todas elas o teor de permanência e de obrigações e direitos na relação conjugal, seja pela questão ética e cultural que se insere o casamento, seja pela solenidade em que é atributo de concepção do referido ato jurídico, seja pela legislação que a abrange. Portanto, o casamento deve ser considerado um negócio jurídico bilateral, normatizado pela Constituição da República Federativa do Brasil, pelo Código Civil Brasileira e por leis específicas com caráter contratual mas, com elementos sui generes. 2.3 Deveres dos Cônjuges O casamento gera aos seus integrantes, cônjuges, obrigações determinadas pelo Código Civil, tais como enumerado no processo de habilitação bem como na solenidade que o configura. Marido e mulher ao se habilitarem legalmente para o casamento são submetidos a uma cerimônia civilista em que assinam termo assumindo estarem cientes das prerrogativas e obrigações a que se sujeitam com o referido negócio jurídico e tal constituição só é válida com a externação pública dos nubentes de suas intenções e aceitações por livre e espontânea vontade de se unirem pelo matrimônio. Dessa maneira, configurado o referido ato jurídico, ambos os cônjuges se submetem as obrigações legais inerentes ao referido instituto, sendo-lhes imputada, em caso de desobediência deste ordenamento, a responsabilização civil pelo ato ilícito cometido. Arnaldo Rizzardo em sua doutrina discorre sobre tais preceitos da seguinte forma: E o casamento vem a ser um contrato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para constituir uma família e viver em plena comunhão de vida. Na celebração do ato, prometem elas mútua fidelidade, assistência recíproca, e a criação e educação dos filhos. (RIZZARDO, 2008, p. 11) O Código Civil Brasileiro lista em seu artigo 1566 os deveres conjugais legais: Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos. LEI 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil Brasileiro. Conforme explanado em capítulo anterior, o casamento é um negócio jurídico bilateral sui generes, não podendo ser analisado de maneira exata, haja vista as inúmeras vertentes científicas e sociais que o compõe, tornando assim incabível considerar que o rol de deveres e obrigações dos cônjuges, previsto no Código Civil Brasileiro, seja taxativo.
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Entretanto, cabe considerar, nesse estudo, apenas os deveres listados no diploma legal civilista, em especial no que se refere ao dever de fidelidade recíproca (inciso I art. 1.566 CC/2002). Os deveres de vida em comum no domicílio conjugal, de mútua assistência e de sustento, guarda e educação dos filhos, não demandam uma análise pormenorizada. Importante, porém, analisar de forma mais detalhada os deveres de fidelidade e respeito e consideração mútuos, pois tratam de aspectos de maior subjetividade e intangibilidade. Entre as premissas do casamento está a vinculação carnal entre os cônjuges, os quais se comprometem, legalmente, a serem restritos ao seu esposo ou esposa em suas atividades sexuais. Entretanto, a abordagem a ser dada ao termo fidelidade deve ser mais ampla, não se restringindo a conjunção carnal, mas também a comportamentos que denotem uma intenção de traição. A jurista Regina Beatriz Tavares da Silva define fidelidade da seguinte forma: “dever de lealdade, sob o aspecto físico e moral, quanto à manutenção de relações que visem à satisfação do instinto sexual na sociedade conjugal” (TAVARES, 1999. p. 71). Ao definir a fidelidade, como dever de lealdade, sob o aspecto físico e moral a renomada doutrinadora expande a abrangência do termo fidelidade. Portanto, não apenas à conjunção carnal, em relação ao ato sexual configura a infidelidade na relação matrimonial, mas outros atos, como beijos, carícias, afagos, bem como paqueras, palavras e até contatos virtuais que denotem um vínculo de sexualidade devem ser considerados como adultério e, por romperem com a lealdade em seu aspecto moral. Ainda que se considere que as relações humanas apresentem variantes ao longo do tempo e que algumas práticas outrora não toleradas passem a ser aceitas pela sociedade, não há que se falar em extinção do dever de fidelidade no casamento, não apenas pelo mandamento legal, mas pelo teor ético e moral que permeia o referido instituto e pelo dever do Estado e da sociedade em proteger a família. Embora seja necessária a desconsideração dos aspectos dogmáticos e religiosos na análise jurídica do casamento, não se pode fazer o mesmo quanto aos aspectos éticos e morais, tendo em vista que, pelo menos assim se espera, a sua realização é consequência de uma relação de afeto, respeito mútuo e desejo de vida comum dos cônjuges que se comprometem, mutuamente, respeitarem os limites impostos pelo estabelecimento da referida relação através do matrimônio. O próprio artigo 1.566 do Código Civil Brasileiro em seu inciso V determina o respeito e consideração mútuos dos cônjuges, o que confirma a necessidade de observância dos valores morais entre os cônjuges, em especial ao dever de fidelidade. Ressalte-se que o envolvimento dos integrantes da relação matrimonial atinge bens jurídicos indisponíveis e personalíssimos, tais como a honra e a dignidade, os quais não apenas representam princípios constitucionais, mas apresentam-se também como caracteres pessoais que em caso de infração causam danos ensejadores de reparação. 3 O DANO MORAL NO CASAMENTO A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º. Inciso X, deu caráter de inviolabilidade aos direitos chamados de personalidade, “in verbs”: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (BRASIL, 1988). Da mesma forma a Lei 10.406 de 2002 (Código Civil Brasileiro) através dos artigos 11 a 21, dedicou todo um capítulo à proteção aos direitos da personalidade (BRASIL, 2002). A proteção constitucional e infraconstitucional dos direitos da personalidade busca garantir ao indivíduo a manutenção de suas atribuições especiais de humanidade tais como a sua honra, sua
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dignidade e sua imagem que embora possuam caráter de intangibilidade, devem ser avaliados e protegidos como bens jurídicos de grande relevância e importância, tanto no caráter individual dos cidadãos quanto em âmbito coletivo. A Declaração Universal dos Direitos Humanos ocorridas no ano de 1948, após o fim da Segunda Guerra Mundial, legitimou bens jurídicos inerentes aos seres humanos como invioláveis, consagrados pelo Texto Constitucional Brasileiro como Direitos de Personalidade, entre eles o direito à honra e à dignidade da pessoa Humana, já identificado no artigo 1º, inciso III da referida Constituição da República: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal l, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III- a dignidade da pessoa humana. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL). Já o artigo 5º, inciso V, da Lei Maior do Brasil inaugura na história normativa desse país a positivação do direito à indenização oriunda de danos morais sofridos, ou seja, da infração ao mandamento do próprio que preceitua como invioláveis os referidos bens de personalidade. O dano moral é, portanto, o dano sofrido pela lesão de direitos de personalidade, em especial ao bem jurídico dignidade da pessoa humana e honra, nesse sentido preceitua o doutrinador Caio Mário da Silva Pereira, “in verbs”: O dano moral é qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária e abrange todo o atentado à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, à suas afeições, etc. (PEREIRA, 1998, p. 54) No mesmo sentido conceitua o doutrinado Antonio Jeová Santos: (...) o dano moral também acarreta um prejuízo. Porém, é valorado sob a ótica não pecuniária, porque o dano moral resulta da lesão de um interesse espiritual que está relacionado com a intangibilidade da pessoa humana. O que configura o dano moral é aquela alteração no bem-estar psicofísico do indivíduo. Se do ato de outra pessoa resultar alteração desfavorável, aquela dor profunda que causa modificações no estado anímico, aí está o início da busca do dano moral. (SANTOS, 2003, p. 94/95). Ainda no mesmo sentido os doutrinadores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona conceituam o dano moral como “lesão de direito cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro”. (GAGLIANO; 2003, p. 55). Da mesma forma, Maria Helena Diniz estabelece o dano moral como “a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo ato lesivo”. (DINIZ, 2003, p. 84). Independentemente da corrente doutrinária verifica-se que a ocorrência do dano moral insurge de forma elementar e concreta em uma ofensa a um bem jurídico de caráter substancial aos seres humanos e, portanto, defendido pela legislação brasileira, em especial pela Constituição da República Federativa do Brasil. Embora o Código Civil, no Livro IV, ao tratar do Direito de Família, não preveja indenização (material ou moral), por eventuais danos sofridos, oriundos de lesões cometidas por cônjuge na relação matrimonial, a jurisprudência tem, acertadamente, firmado o entendimento do direito à devida indenização.
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A aplicação do Direito e das diretrizes legais não pode eximirse de atuar diante do descumprimento das atribuições inerentes ao casamento, já citadas de forma detalhada em capítulo anterior. Dessa forma a não observação dos integrantes da relação contratual que permeia e constitui a instituição casamento, deve ser protegida, criando mecanismos que tornem as diretrizes legais matrimoniais, previamente firmadas e positivadas, efetivas, o que exige a penalidade a aquele que as infringir e o direito a indenização para aquele que sofrer lesão originada pela referida infração. Nehemias Domingos de Melo (2004, p. 81) afirma que os tribunais brasileiros deveriam reconhecer às mulheres ou aos homens seviciados o direito à justa indenização, independentemente da correspondente ação de divórcio ou da dissolução da união estável (...). Nesse sentido, cita a lição de Rui Stoco, que defende ser a indenização devida, não em razão da dissolução da vida em comum, cujos incômodos são previsíveis, mas sim, por conta do sofrimento imposto a outrem de forma, no mínimo, culposa. Outra causa que justifica a indenização moral nas relações afetivas é a difamação, que é capaz de afetar a vida social e profissional do agredido, além de ser causa justa para a dissolução da sociedade conjugal, na modalidade de separação-sanção. Importante esclarecer que o simples caso de desamor não enseja a indenização. Contudo, não se pode negar a indenização ao cônjuge que, saindo de uma relação conjugal tenha sido injuriado, traído, agredido ou, tenha sofrido perda do patrimônio comum. Cumpre reafirmar que o casamento é ato de livre e espontânea vontade dos cônjuges, sendo preceito imprescindível para a sua validade a sua voluntariedade, o que torna ainda mais relevante a imposição das regras legais inerentes ao casamento. Ou seja, os cônjuges, que assim o são pela vontade de cada um, se obrigam entre outras coisas ao dever de fidelidade mútua, tornando a traição ato ilícito, gerador de dano a outrem. Outro aspecto indissociável é a questão afetiva a ele inerente e o envolvimento da personalidade dos cônjuges na referida relação. Esposa e marido não são contratantes comuns, de âmbito patrimonial, intelectual, etc., muito mais que isso tais contratantes empenham um ao outro a própria honra, dignidade e afeto. A dissolução do casamento gera, em geral, sofrimento oriundo dos valores inerentes ao referido instituto, ainda maior é tal lesão ao se tratar de traição e descumprimento do dever de fidelidade, não apenas pela repercussão social de tal infração, mas pelo abalo na personalidade do ofendido que em muitos casos interfere em seu comportamento para o resto de sua vida. Dessa maneira, é incontroverso que a infração aos preceitos e deveres dos cônjuges oriundos do casamento, em especial o dever de fidelidade mútua é causa concreta de dano moral ao ofendido, o que gera a esse o direito ao recebimento de indenização por parte do autor do referido ilícito. Mesmo a respeitável doutrina, que se opõe ao entendimento do direito à indenização por dano moral em caso de adultério, pugna pela referida responsabilização do preceito civilista e admitem a referida possibilidade, assim como preceitua a renomada jurista Maria Berenice Dias ao afirmar: Quanto a violação dos demais deveres do casamento, como adultério, abandono do lar, condenação criminal e conduta desonrosa, que servia de motivação para a ação de separação (CC 1.573 I e IV a VI) não gera por si só a obrigação indenizatória. Porém inclina-se a doutrina a sustentar que, se tais posturas ostentadas, de maneira pública, comprometeram a reputação, a imagem, a dignidade do par, cabe a indenização por danos morais. (DIAS, 2013, p. 128).
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3.1. Posicionamento Jurisprudencial sobre a indenização por danos morais causado pela infidelidade conjugal. A condenação ao pagamento de indenização por danos morais, por descumprimento da obrigação de fidelidade de cônjuge ainda é fator recente na justiça brasileira, que, até recentemente, considerava indevida a imposição desta penalidade sob o argumento de impossibilidade de determinar valores pecuniários para o descumprimento deste dever legal. Tal como já salientado a indenização por danos morais no casamento busca não somente recompensar pela via financeira a vítima pela ofensa sofrida, mas dar efetividade aos preceitos legais positivados no Código Civil Brasileiro, além dos fatores morais inerentes ao instituto casamento e consequentemente aos preceitos inerentes aos Direitos Fundamentais de honra, imagem e dignidade, além do dever de proteção da família também descrito no texto da Lei Maior do Brasil. Com intuito de adequar a norma as fatos e impedir a litigância de má fé com objetivo de vingança de ex-cônjuges os tribunais brasileiros têm buscado analisar, em cada caso, o perfil do casamento e o cenário em que se inseriu o ocorrido, diante do relacionamento amoroso, tendo a possibilidade, por exemplo, de relações onde a vertente de fidelidade não fosse observada por ambos os integrantes de tal relação. Como exemplo da não aplicabilidade dos preceitos inerentes ao dano moral tem-se o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo diante da Apelação nº 465.038-4/0 que rejeita a pretensão indenizatória do cônjuge traído em razão de ausência de comportamento imediato, efetivo e condizente com a dor e o sofrimento que seria gerado ao “homem médio” no momento da descoberta da traição.6 Em contrário senso, sendo o casamento vivido dentro da amplitude da determinação legal, e dos preceitos morais inerentes à sociedade brasileira, tais obrigações e atribuições devem ser observados em sua integridade, sendo o entendimento de alguns juristas inadequado para a vigência da norma civilista em aplicabilidade no Brasil atualmente, tal como foi o entendimento da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, proferido no acordão da Apelação Cível 1.0145.09.539414-7/001, relator Gutemberg da Mota e Silva.7 No mesmo sentido decidiu a 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferido no acordão da Apelação Cível 0099514-82.2007.8.26.0000, relator Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho.8 O Superior Tribunal de Justiça brasileiro vêm gradativamente consolidando esse mesmo entendimento, em que pese a aplicabilidade do princípio da razoabilidade quanto a fixação do valor da referida indenização como se vê no julgado do Recurso Especial n.º 922.462 – SP , em que o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva foi relator.9 As manifestações do STJ demonstram a possibilidade de se aferir de forma razoável e devida o valor da indenização, tornando menor a argumentação de entendimentos anteriores. 4 CONCLUSÃO A sociedade brasileira, assim como toda a comunidade mundial, passa por um período de mudanças de paradigmas onde alguns valores e atribuições são questionados frente a novas visões e preceitos, determinando um novo perfil social. Assim, alguns preceitos morais, que outrora nortearam a vida das pessoas, receberam tratamento legislativo diferenciado, após modificação nascida na realidade cotidiana da sociedade. Neste cenário de novos contornos encontra-se a Família a qual de forma inteligente e coerente é relatada pela Lei Maior brasileira como base da sociedade e diante disso recebe proteção especial do Estado. Como um dos principais institutos inerentes a essa instituição, protegida pela Constituição, o casamento é muito mais que um contrato jurídico apto a criar formalizações legais.
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A liberdade de escolha, manifestada de forma livre e consciente aparece como elemento central do casamento, ato a partir do qual vincula os contraentes a deveres e obrigações legais. Dentre estes deveres encontra-se o dever de fidelidade. Parte da Doutrina entende ser esta falta caracterizadora do descumprimento de um dever legal com força suficiente para ensejar reparação civil. Os fundamentos apresentados nas decisões dos Tribunais brasileiros são: a configuração da prática do adultério a qual viola um dos deveres legais dos cônjuges como determina o Código Civil Brasileiro que repercute na violação de Princípios Fundamentais, ante a humilhação e o vexame que se expõe o ofendido, assim como também o abalo psíquico suportado pela vítima. A infração quanto a tais elementos é a subsunção da norma as preceitos que incorrem no chamado dano moral, tendo em vista não se tratar de uma dor facilmente superável e superficial, mas de uma mácula quase que indelével, que pode trazer conseqüências perpétuas e irreparáveis ao psíquico de cada individuo, tendo em vista o seu envolvimento, seja pela exposição, que lhe causa humilhação pública, seja pelo rompimento dos atributos que deram causa ao casal contrair o casamento. Portanto, seja pelo aspecto moral, pelo aspecto a legal ou pelos Princípios Constitucionais, a indenização pelo dano moral decorrente da infidelidade de cônjuge, mediante ao sofrimento, humilhação e abalo social que se submete a vítima desse ato ilícito, o qual muitas vezes causa danos irreparáveis é absolutamente possível e deve ser consagrada pela doutrina e jurisprudência brasileira de forma pacificada.
REFERÊNCIAS BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA, art. 226, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> acesso em 08/01/2014. BRASIL, Lei 10.406 de 2002 – Código Civil Brasileiro; Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>, acesso em 20 de abril de 2014; BRASIL, Lei 6.515 de 26 de dezembro de 1977. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6515.htm> acesso em 05 de fevereiro de 2014; CAROSSI, Eliane Goulart Martins. As relações familiares e o direito de família no século XXI. Revista Faculdade de Direito, Caxias do Sul. v. 12, p. 55, 2003. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2010 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. VII. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3 LAFAYETE, apud DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2011 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense (1998 p.54); RODRIGUES, Silvio Direito Civil, Direito de Família – volume 6, 2004, 28ª edição, Saraiva, São Paulo, página 19; SANTOS, Antonio Jeová Dano Moral Indenizável (2003 P. 94/95) Dano Moral Indenizavel Antonio Jeová Santos, 1999, Direito, e. MÉTODO, SP
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STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed.. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007. TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Reparação Civil na Separação e no Divórcio. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 71. <http://www.tjmg.jus.br/portal/jurisprudencia/consulta-de-jurisprudencia/acordaos.htm>, acesso em 10 de maio de 2014; <http://www.tjsp.jus.br/EGov/Biblioteca/RevistaEletronicaJurisp.aspx,.htm> acesso em 10 de maio de 2014; http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=adulterio&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO.html, acesso em 10 de maio de 2014.
NOTAS DE FIM 1 Graduando em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva 2 professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem ca sar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados.” Art. 1.535. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. 4 A celebração do casamento será imediatamente suspensa se algum dos contraentes: I - recusar a solene afirmação da sua vontade; II - declarar que esta não é livre e espontânea; III - manifestar-se arrependido. Art. 1.538. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. 5 A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á prosperidade nos termos seguintes: [...] § 4º. A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita. BRASIL. Constituições do Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas alterações, p. 768. 6 ACORDÃO - Indenização em caso de adultério do cônjuge - Hipótese em que não cabe aplicar as regras da responsabilidade civil, embora tenha sido confirmada a traição da mulher na constância da vida em comum, por ser esse um fato que se tornou público, ao ser objeto de investigação policial, não tendo, apesar dessa notoriedade, proporcionado pronta e enérgica reação do marido enganado, uma conduta omissiva que compromete a noção de honra digna de ser resgatada pela compensação financeira [artigo 5o, V e X, da CF] - Provimento para julgar improcedente a ação. (Tribunal de Justiça de São Paulo à Apelação nº 465.038-4/0). 7 APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ADULTÉRIO - DEVER LEGAL DE FIDELIDADE CONJUGAL VIOLADO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - INEXISTÊNCIA DE DEVER DE INDENIZAR DA CÚMPLICE DO ADÚLTERO AGRESSÕES DA EX-ESPOSA AO CÚMPLICE APÓS FIM DO RELACIONAMENTO - COMPROVACÃO - DANO MORAL CARACTERIZADO - VALOR DA INDENIZAÇÃO - EXTENSÃO DO DANO - PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. A vida em comum impõe aos companheiros restrições que devem ser seguidas para o bom andamento da vida do casal e do relacionamento, sendo inconteste o dever de fidelidade mútua. São indenizáveis danos morais causados em virtude da traição do marido, que praticou ato ilícito, violando seu dever de fideli-
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dade, o que acarretou danos à esposa traída. Embora seja reprovável, a atitude daquele que se relaciona amorosamente com pessoa casada não constitui ato ilícito, pois o dever legal de fidelidade se limita aos cônjuges. Comprovado que a ex-esposa agrediu a cúmplice do ex-marido, já desfeito o casamento, deve ela arcar com indenização para reparar os danos que provocou. A indenização deve ser suficiente exclusivamente para reparar o dano, pois se mede pela extensão do dano, nos termos do art. 944, caput, do Código Civil, não podendo ensejar enriquecimento indevido do ofendido. Recurso parcialmente provido. 8 Indenização por danos morais. Adultério durante o casamento. Casal que trabalhava na mesma Escola Estadual. Traições do marido que eram comentadas no local do trabalho causando vexame e humilhação à esposa. Conjunto probatório que comprova que a esposa sofreu de depressão, tendo que se afastar do ambiente da Escola. A separação conjugal, em razão de novo relacionamento não configura o dever de indenizar o outro cônjuge, todavia, o ato cometido com desrespeito ao cônjuge, mediante conduta manifestamente ofensiva, gera a obrigação de indenizar o dano moral suportado. Valor indenizatório que foi arbitrado com observação da boa situação profissional do marido. Apelação improvida. Apelação Cível 0099514-82.2007.8.26.0000, relator Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho. 9 EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE. OMISSÃO SOBRE A VERDADEIRA PATERNIDADE BIOLÓGICA DE FILHO NASCIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DOR MORAL CONFIGURADA. REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. 1. Os alimentos pagos a menor para prover as condições de sua subsistência são irrepetíveis. 2. O elo de afetividade determinante para a assunção voluntária da paternidade presumidamente legítima pelo nascimento de criança na constância do casamento não invalida a relação construída com o pai socioafetivo ao longo do período de convivência. 3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal. 4. O cônjuge que deliberadamente omite a verdadeira paternidade biológica do filho gerado na constância do casamento viola o dever de boa-fé, ferindo a dignidade do companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de relevantíssimo aspecto da vida que é o exercício da paternidade, verdadeiro projeto de vida. 5. A família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF/88) devendo-se preservar no seu âmago a intimidade, a reputação e a autoestima dos seus membros. 6. Impõe-se a redução do valor fixado a título de danos morais por representar solução coerente com o sistema. 7. Recurso especial do autor desprovido; recurso especial da primeira corré parcialmente provido e do segundo corréu provido para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios. ACÓRDÃO Documento: 27440969 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 13/05/2013 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial da parte F G B, dar parcial provimento ao recurso especial da parte A L A P e dar provimento ao recurso especial da parte L A S, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 04 de abril de 2013(Data do Julgamento) Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva – Relator 10 Leandro Henrique Simões Goulart, Valéria Edith Carvalho de Oliveira
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UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA: Posicionamentos acerca do reconhecimento de direitos ao concubino de boa-fé isabele Cristine Sottani Tavares1 Omar Goulart Junior 2 Banca examinadora³
RESUMO: O presente artigo visa analisar a questão das famílias simultâneas, e em especial a união estável putativa e a possibilidade de reconhecimento dos direitos do concubino de boa-fé. Levar-se-á em consideração o que a legislação brasileira, a jurisprudência e doutrina, entendem e estabelecem em casos que envolvam uniões simultâneas. Diante da crescente demanda de ações requerendo o reconhecimento dos direitos de meação e até mesmo sucessórios do concubino de boa-fé, estes ainda são controvertidos. Nesse sentido, é possível perceber que essas uniões continuam ocorrendo e, ao serem rompidas, o companheiro que desconhecia o impedimento para esta, tem sofrido injusta negativa dos seus direitos e não há legislação a respeito que o ampare. PALAVRAS-CHAVE: família – união estável putativa– concubino de boa-fé SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Evolução histórica do conceito de família; 3 Da União Estável- Considerações Gerais; 4 União Estável Putativa; 5 Posicionamentos; 6 Considerações Finais, Referências
1 INTRODUÇÃO Falar sobre a família sempre será um desafio, pois conceituar e delimitar uma célula tão ampla e importante para sociedade não é tarefa das mais fáceis. Dada sua importância ela merece todo cuidado no seu trato, principalmente no que tange ao matrimônio e à convivência na forma da união estável. A união estável do homem e da mulher, anteriormente gerava apenas relações de caráter obrigacional, entretanto, com a Constituição Federal de 1988, passou a ser vista como uma entidade familiar. Perdeu o status adulterino e teve o reconhecimento dos seus direitos e a proteção do Estado. Após a promulgação da Constitucional Federal de 1988 a família passou a ter seu sentido de organização ampliado. Dessa forma, a falta do casamento civil não foi mais considerada um desprestígio para as entidades familiares que passaram a ser protegidas pelo Estado. Posteriormente, a Lei 8.971/1994 regulamentou o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. Em seguida, a Lei 9278/1996 regulamentou o §3º do art. 226 da Constituição Federal. Em face da inclusão desta matéria e inserção do título referente à união estável no Livro de Família no Código Civil de 2002, as referidas leis restaram revogadas. A união livre, ao longo da história, foi tratada como concubinato, por lhe faltar a justas nuptiae. Tendo restrições patrimoniais previstas no Código Civil de 1916. Esta união se diferia do casamento pela liberdade de rejeitar o vínculo matrimonial, com intenção de não assumir os compromissos do casamento. Neste sentido não tinha a proteção do Estado e nem direitos reconhecidos. Entretanto, a curtos passos, a jurisprudência começou a conceder direitos previdenciários à concubina, diferenciando o “concubinato puro” do “concubinato impuro”. O primeiro diz respeito à união duradoura, como marido e mulher, sem impedimentos de outra união. Já o “concubinato impuro” faz referência às relações adulterinas, envolvendo pessoa casada ou que já constitua uma união, com uma terceira pessoa.Em seguida, o “concubinato puro” foi tratado como sociedade, sendo reconhecido o esforço comum dos companheiros ao acúmulo de patrimônio. A união estável, desse modo, passou a ser tratada como uma evolução do Direito em relação à compreensão dos laços que unem
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as pessoas. Todavia, ficaram ainda, à margem do direito, as uniões chamadas pela doutrina e jurisprudência de putativas, pois não se equiparam à união estável por haver um impedimento oculto de outra união simultânea. A união estável é putativa quando um dos partícipes desconhece a existência da outra e simultânea união do seu companheiro. Os relacionamentos simultâneos , por muitas vezes, tem cunho adulterino, mas somente se configura putativa a união quando há a ignorância de um companheiro sobre uma união anterior e simultânea do seu companheiro. Ao se romper o relacionamento, o companheiro de boa fé fica desamparado, pois aquela união que ele acreditava ser estável, não o era e também não tem amparo legal, Mesmo com a crescente demanda de ações requerendo o reconhecimento dos direitos de meação e até mesmo sucessórios de companheiros putativos, estes ainda não são pacificados pela jurisprudência, nem pela doutrina. Tribunais vêm julgando procedentes muitas demandas neste sentido, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça tem negado provimento em sua totalidade. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA A família é considerada como a primeira célula de organização social e evoluiu de forma gradual ao longo dos tempos. Inicialmente a família por estar inserida em uma sociedade conservadora era voltada unicamente para o casamento, não admitindo outra forma de constituição familiar. Pereira (2006, p. 26) elucida ainda que a família em Roma era organizada sobre o princípio da autoridade. O pater (pai) era chefe político, sacerdote e juiz, tudo ao mesmo tempo. Exercia poder de vida ou morte sobre os filhos, a mulher vivia totalmente subordinada à autoridade marital, e somente ele podia adquirir bens. Entretanto, com o tempo essa regras severas começaram a mudar. No Brasil Império, era o Código Civil Português que regulava a legislação sobre a família. Permaneceu em vigor até em 1916, contudo esse Código não correspondia à realidade social brasileira, pois se aplicava somente ao casamento dos católicos (BRANDÃO, 2005, p.53). A partir do Código de 1916 a família passou a ser definida como uma união legalmente constituída pela via do casamento civil.
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O casamento era essencial para que uma entidade fosse considerada família. Mas na década de 1960, com a chamada evolução sexual, na década de 1960, a família passou a ser dirigida pelo casal, isto é, descentralizada, sem a figura do provedor, igualitária, e baseada nas relações afetivas e não mais patrimoniais (FIUZA, 2009, p. 946). Com a Constituição Federal de 1988 desvinculou-se a família do casamento, quando passou a considerar a união estável como uma forma de família. Foi o primeiro passo para novos avanços e a partir daí o legislador começou a disciplinar a nova família no Direito Brasileiro. Dentre as maiores inovações introduzidas pela Constituição Federal de 1988, foi o reconhecimento de outras formas de família, além da constituída pelo casamento. Ela reconhece expressamente três modelos de entidades familiares: o casamento (art. 226,§ § 1º e 2º, CF), a união estável entre o homem e a mulher (art. 226, § 3º, CF), e as denominadas famílias monoparentais, constituídas por qualquer dos pais e seus descendentes (art.226, § 4º, CF). Observa-se que a Carta Magna alargou o conceito tradicional de família, constituído pelos pais e filhos unidos pelo casamento, reconhecendo a união estável e a família monoparental (união dos pais e seus descendentes). Assim, todas merecem proteção do Estado. Há de se destacar nas palavras de Gagliano e Pamplona (2012, p. 531) que o rol apresentado pelo art. 226 da CF/88 não é taxativo e sim meramente exemplificativo. A partir das inovações ditadas pela Constituição de 1988, diversos artigos do Código Civil de 1916 perderam sua função. Assim, para preencher tal lacuna, foi criado o Novo Código Civil em 2002 que procurou fornecer uma nova compreensão da família, adaptando-a ao novo século. O Direito passa desde então, a proteger todas as formas de família, não apenas aquelas constituídas pelo casamento, o que expressa uma grande evolução no ordenamento jurídico pátrio. 3 DA UNIÃO ESTÁVEL – CONSIDERAÇÕES GERAIS Após apresentar as diversas categorias de famílias protegidas constitucionalmente, delimita-se a partir deste ponto, a abordagem deste trabalho a tão somente a união estável, em específico àquela chamada de putativa. As uniões fora do matrimônio eram vistas como associações ao concubinato e ao adultério, qualquer tentativa de união fora dos moldes tradicionais, sofria violentas repulsas sociais (GLAGLIANO; PAMPLONA, 2012, p. 533). Antes da Constituição Federal de 1988 a família baseada na união estável não era considerada legítima, somente eram consideradas como tal, aquelas unidas pelo matrimônio. No Código Civil de 1916 não se reconhecia a União Estável como forma de entidade familiar, as uniões que surgiam de outro modo a não ser através do matrimônio eram vistas com o nome de concubinato. Tal objetivo era proteger a família que até então era regulada pelo casamento. Entretanto, paulatinamente, a jurisprudência reconhecia alguns efeitos da união estável nos casos em que a concubina não exercia nenhuma atividade remunerada e não tinha outra fonte de sustento. Eram concedidos alimentos sob a alegação de ser uma forma de indenizar pelos serviços domésticos prestados (FONTANELLA, 2009, p. 334). Nesse contexto, a Súmula 380 de 1964 editada pelo STF afirma: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Observa-se com tal Súmula que a Justiça passou a reconhecer a divisão dos bens adquiridos na existência
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da relação, para tanto era necessário comprovar que tal situação financeira foi adquirida através de esforço comum. Importante ressaltar que a união prolongada entre o homem e a mulher, sem casamento, foi chamada durante muito tempo de concubinato. A terminologia “concubinato” era utilizada anteriormente a Constituição Federal de 1988. Existiam dois tipos de concubinato: puro e o impuro. Nas palavras de Rodriguez (2001, p. 36): O concubinato impuro era a relação concubinária eivada de um vício insanável, qual seja, a relação entre homem e mulher na qual um deles, geralmente o homem, fosse casado e, portanto, tendo violado um princípio de direito público, ou seja, a monogamia. Já o concubinato puro era aquele decorrente de uma relação entre homem e mulher, em que nenhum deles tivesse qualquer impedimento jurídico para a constituição de um laço matrimonial. A terminologia concubinato puro foi substituída pela expressão união estável. Pode-se dizer que o concubinato não adulterino é a união estável e o adulterino continua sendo concubinato propriamente dito. A união livre se difere do casamento principalmente pela liberdade de não se cumprir os deveres a este inerente (GONÇALVES, 2010, p. 580). Assim, não se compara matrimônio com o companheirismo, pois este é a constituição de uma união livre e estável de pessoas livres e que não estão ligadas entre si por um casamento civil. Em decorrência do grande número de uniões deste tipo, foi essencial sua regulamentação para garantir direitos e deveres dos envolvidos. Isto ocorreu com a promulgação da nossa Carta Magna em 1988. A partir desta, a união estável foi reconhecida e passou a ser considerada como entidade familiar, tão importante quanto o casamento e saindo da margem da ilegalidade como o concubinato. Ocorre que apesar da determinação da Constituição Federal de 1988, alguns conservadores entendiam que havia uma hierarquia entre as modalidades de família, colocando o casamento sempre como superior. Segundo aduz Cahali: Tem-se como certo que o casamento continua mantendo a sua dignidade como único expediente legal hábil para a constituição de família, não se lhe equiparando, para os efeitos da lei – especialmente com vistas aos efeitos que dela resultam - a simples união estável entre homem e mulher (CAHALI, 2002, p. 17). Já Veloso (2003, p. 109-110), acertadamente, expressa que não é possível admitir que na atualidade uma família seja considerada de primeira classe e que as outras sejam de segunda ou de terceira, só porque a primeira foi formada através de uma solenidade, presidida por um juiz ou por uma autoridade religiosa. Isto posto, observa-se que, atualmente, o entendimento pacificado é de que a união estável é uma entidade familiar, sujeita às regras do Direito de Família, que nas palavras de Melo (2000, p. 13), “disciplina os aspectos patrimoniais, a dissolução e os direitos e deveres que dele decorrem”. A jurisprudência moderna, nas palavras de Melo (2000, p. 15) tem entendido que a: União concubinária, até bem pouco, só gerava relações de caráter obrigacional e não familiar (Súmula no 380, STF), mas a nova Carta Política elevou-a a categoria de “Entidade Familiar” (art. 226, ,§ § 3o e 4o da CF), cuja dissolução importa na partilha ou no usufruto dos bens”. Após a Constituição Federal de 1988 a primeira regulamentação seguindo os preceitos iniciados com a nossa Carta Magna foi à edição da Lei 8.971, promulgada em 29 de dezembro de 1994.
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Tal lei tinha como objetivo regulamentar os direitos dos companheiros quanto a alimentos e à sucessão, além de reconhecer o direito à partilha igualitária desde que houvesse a colaboração do companheiro para a constituição dos bens da herança. Mesmo assim, não estabeleceu uma definição sobre união estável, indicando tão somente alguns preceitos para sua caracterização, como por exemplo, a fixação do prazo de convivência de cinco anos para o reconhecimento das uniões estáveis, ou a existência de filhos em comum (RODRIGUEZ, 2001, p. 43). Insuficiente para tratar deste complexo instituto, em 1996 a Lei 9.278 trouxe em seu artigo 1o a definição de união estável como a: “convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família”, também estabeleceu o uso da expressão “conviventes”, em substituição a “companheiros”, desta forma tendo omitido os requisitos de ordem pessoal, tendo derrogado o prazo de cinco anos previstos no art. 1o da Lei 8.971/94. Por oportuno, Gonçalves (2012, p. 443) menciona que a Lei 9.278/96, em seu art. 5o, inseriu o direito a meação dos bens adquiridos a título oneroso durante a constância da união estável, presumindo-se o esforço comum. E ainda nesta Lei foi definida a competência das Varas da Família para o julgamento dos litígios referentes à união estável, assegurando-se dessa forma o segredo de justiça para os processos da referida matéria. Com a vigência do Código Civil de 2002 o legislador não revogou expressamente essas leis, isto porque toda a matéria destas foram abrangidas pelo novo Código. Na letra do novo Código, importantes evoluções foram implementadas no ramo do Direito de Família e em especial o que se refere à união estável. Tal instituto foi inserido em um título próprio (Título III). Em seus artigos 1723 a 1727 o Código Civil de 2002 tem por objetivo a síntese dos principais elementos constantes das Leis 8.971/94 e 9.278/96, prevendo regras básicas, particularmente os efeitos pessoais e patrimoniais da união estável. O artigo 1.723 do novo Código, funda que é reconhecida como entidade familiar “a união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Urge ressaltar que este artigo flexibilizou o instituto, retirando o prazo mínimo de cinco anos exigido na Lei 8.971/94. Há a necessidade de se observar no caso concreto, a presença de evidências que demonstram a estabilidade, a convivência e a afetividade da relação. Nesse contexto, Gonçalves (2012, p. 444) elucida que no mesmo sentido adotado anteriormente pelo art. 1o da lei 9.278/96, não foi estabelecido tempo mínimo de convivência, não havia então um lapso temporal previamente determinado para a constituição da união estável como entidade familiar. Já o art. 1.724 reitera os deveres que deverão ser obedecidos como lealdade, respeito, assistência, guarda, sustento e educação dos filhos. Prevê ainda o artigo 1.726 que a “união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”. Soares (2002, p. 44) sobre o novo Direito de Família: Seja como for, o desinteresse pelo casamento acabou provocando uma espécie de clamor público, no sentido de quem fossem constitucionalizadas e reguladas, legislativamente, as uniões livres entre o homem e a mulher, para efeito de recíproca assistência e proteção à prole, daí resultante; originando a noção de entidade familiar, prevista na Carta política de 1988, em razão do que não mais se pode falar em família ilegítima, em oposição à família, pois ambas essas situações estão sob o manto da proteção legal e constitucional.
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Em relação ao concubinato, o novo Código Civil acaba registrando a distinção entre este e a união estável em seu art. 1.727. Tal artigo conceitua concubinato como “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar”. A concubina no entendimento jurisprudencial é “a amante, a mulher dos encontros velados, frequentada pelo homem casado, que convive ao mesmo tempo com sua esposa legítima” (RE 83.930 – SP, Rel. Min. Antonio Néder, RTJ 82/933) (RODRIGUEZ, 2001, p. 37). O concubinato ocorre quando nas relações não eventuais em que um dos amantes ou ambos estão impedidos legalmente de se casar. Há a clandestinidade que tira o caráter de entidade familiar. Ao contrário do que ocorre com a união estável. Por oportuno, observa-se que na união estável há a comunhão de interesses, de vínculos afetivos e ainda deve possuir um caráter público. Para ilustrar a referida assertiva, urge mencionar as palavras de Melo (2000, p. 21): Acreditamos que é um ato de vontade entre as partes, as quais não precisam, necessariamente, assumir, de forma explícita, que estão iniciando uma relação, mas o elemento subjetivo e inconsciente de constituir uma vida familiar em comum, já e o suficiente para indicar uma suposta união estável. Sem vontade, sem ação, de forma inerte e sem adesão, ninguém inicia uma união estável. União estável é expressão evolutiva do concubinato, é autônoma, e merecedora, quanto típica, das normas tutelares da família (MELO, 2000, p. 19). Indispensável destacar que não é qualquer relacionamento amoroso que se configura união estável, conforme de destaca jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. IMPOSSIBILIDADE. RELACIONAMENTO AFETIVO QUE SE CARACTERIZA COMO NAMORO. AUSÊNCIA DE OBJETIVO DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. Não é qualquer relacionamento amoroso que se caracteriza em união estável, sob pena de banalização e desvirtuamento de um importante instituto jurídico. Se a união estável se difere do casamento civil, em razão da informalidade, a união estável vai diferir do namoro, pelo fato de aquele relacionamento afetivo visar a constituição de família. Assim, um relacionamento afetivo, ainda que público, contínuo e duradouro não será união estável, caso não tenha o objetivo de constituir família. Será apenas e tão apenas um namoro. Este traço distintivo é fundamental dado ao fato de que as formas modernas de relacionamento afetivo envolvem convivência pública, contínua, às vezes duradoura, com os parceiros, muitas vezes, dormindo juntos, mas com projetos paralelos de vida, em que cada uma das partes não abre mão de sua individualidade e liberdade pelo outro. O que há é um EU e um OUTRO e não um NÓS. Não há nesse tipo de relacionamento qualquer objetivo de constituir família, pois para haver família o EU cede espaço para o NÓS. Os projetos pessoais caminham em prol do benefício da união. Os vínculos são mais sólidos, não se limitando a uma questão afetiva ou sexual ou financeira. O que há é um projeto de vida em comum, em que cada um dos parceiros age pensando no proveito da relação. Pode até não dar certo, mas não por falta de vontade. Os namoros, a princípio, não têm isso. Podem até evoluir para uma união estável ou casamento civil, mas, muitas vezes, se estagnam, não passando de um mero relacionamento pessoal, fundados em outros interesses, como sexual, afetivo, pessoal e financeiro. Um supre a carência e o desejo do outro. Na linguagem dos jovens, os parceiros se
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curtem. Acórdão: Apelação Cível n. 1.0145.05.280647-1/001, de Juiz De Fora. Relator: Des. Maria Elza. Data da decisão: 18.12.2008. (grifo nosso)
artigo 1723 do CC (TJRS, Apel. 700013377361, relator José Ataídes Siqueira Trindade, data do julgamento 22-12-2005, 8a Câmara Cível).
A configuração da união estável se dá através do preenchimento de alguns requisitos elencados nos artigos 1.723 e 1.724 do Código Civil pátrio. Que são a publicidade, continuidade, durabilidade e objetivo de constituir família. Em seu §1° prevê que não será união estável se ocorrerem os impedimentos do art. 1521, que trata dos impedimentos para o casamento. Uma das características da união estável é a falta de formalismo, presente na solenidade do casamento. Coltro (2003, p. 37) assinala que a união de fato se instaura a partir do “instante em que se resolvem seus integrantes iniciar a convivência, como se fossem casados, renovando dia a dia tal conduta, e recheando-se de afinidade e afeição, com vistas à manutenção da intensidade”. Para se configurar a união estável tem que existir: a sucessão de fatos e de eventos, a permanência do relacionamento, a continuidade do envolvimento, a convivência more uxório, a notoriedade, enfim, a soma de fatores subjetivos e objetivos que, do ponto de vista jurídico, definem a situação (COLTRO, 2003, p. 37).
O affectio maritalis nada mais é do que o objetivo comum entre os cônjuges de constituir família, ou seja, que além de afetividade sentimental, elementar em qualquer relação família, o casal possui o propósito comum de formar uma entidade familiar (GONÇALVES, 2008, p. 551/552). Esse requisito se apresenta como o principal entre todos os outros mencionados, a intenção de constituir família não exige a necessidade de prole comum entre os conviventes, porém ainda que sem filhos comuns, a união do casal poderá ser tutelada pelo intuito familiae, traduzindo de forma essencial na comunhão de interesses e objetivos (VENOSA, 2006, p. 45). Urge ressaltar que a fidelidade é uma característica importante para a caracterização da união estável. Corroborando com tal entendimento Diniz (2006, p. 374) discorre que: Não havendo fidelidade, nem relação monogâmica, o relacionamento passará à condição de “amizade colorida”, sem o status de união estável. Todavia é preciso esclarecer que tal dever de fidelidade visa tão somente valorizar a união estável, podendo os conviventes rompê-la livremente, sem sofrer, em regra, qualquer sanção [...].
Desse modo, vários são os requisitos para configuração da união estável: diversidade de sexos, publicidade, continuidade, duradoura, finalidade. A diversidade dos sexos está expressa no artigo 1723 CC/02, assim só poderia ser reconhecida como legal, a união ocorrida entre homem e mulher. Entretanto, apesar do Código Civil não amparar a união entre homoafetivos, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável de pessoas do mesmo sexo, através da ADPF 132, com o fundamento da vedação de qualquer discriminação, pelo principio da igualdade e da dignidade da pessoa humana. O requisito da publicidade está descrito no “caput” do art. 1.723, isto é, o casal deve se apresentar perante a sociedade como marido e mulher, a relação é pública e notória. Para que se constitua união estável, além da diversidade de sexos e publicidade é preciso que seja também uma relação contínua, isto é, estável, sólida. A união deve ser ainda duradoura. Não delimita tempo, pois, pode ser uma relação recente, porém estável. Dizer que uma relação deve ser duradoura não significa fixar um prazo mínimo de convivência como fazia a Lei 8.971/4 em seu art. 1o, que exigia um prazo mínimo de cinco anos e foi revogado referido artigo com a Lei 9.278/96. Prazo não é um fator absoluto, conforme destaca a ementa a seguir: APELAÇÃO. RECURSO ADESIVO. UNIÃO ESTÁVEL. DISPENSA DE PRAZO DETERMINADO. Não é o prazo que caracteriza, mas a notoriedade, a continuidade, apoio mútuo, convivência sobre o mesmo teto, e o intuito de constituir família. (TJRS, Apel. 70004535258, Relator Antonio Carlos Stangler Pereira, data do julgamento10-10-2012, 8a Câmara Cível). Outro requisito é a finalidade, qual seja, o objetivo da união deve ser constituir uma família. Esse requisito se traduz em uma comunhão de vida e de interesses. Relacionamentos sem objetivo de constituir família geram no máximo sociedade de fato. Vejamos a ementa: Detectado que o relacionamento mantido entre as partes não se caracterizou como união estável, porque embora público e notório, ostentou contornos de um namoro, inexistindo portanto, o objetivo de constituição de família, conforme o
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A Súmula 382 do STF expressa que “a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato”. Autores divergem sobre a necessidade ou não da moradia sobre o mesmo teto. Há entendimento de que é necessário a moradia conjunta, sendo dispensável desde que haja um motivo crível para tanto. Em contrapartida, há entendimento de que a moradia comum não é caracterizador essencial da união estável. Corroborando com tal entendimento, Fiúza (2008, p. 958) menciona que: O entendimento mais moderno é que seja dispensável o more uxorio, ou seja, a convivência idêntica ao casamento. Bastam a publicidade, a continuidade e a constância das relações, para além de simples namoro ou noivado. Pode haver, portanto, união estável sem que haja coabitação e vida idêntica à do casamento, embora deve estar presente a intenção de constituir família. Assim, o que é essencial é que se tenha formado com aquela relação afetiva uma entidade familiar. Desta forma, consumada a união estável, com vistas a todos os seus requisitos, dela resultará todas as consequências jurídicas. Nos requisitos da união estável o legislador emprega a expressão lealdade. Conforme dispõe o art. 1724 CC/ 02 “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência e de guarda e educação dos filhos”. Tal requisito visa revelar o objetivo de vida em comum. Fidelidade nada mais é de que o dever intrínseco da lealdade moral de um cônjuge para com o outro no que tange à satisfação sexual dentro da sociedade matrimonial, diz Silva (2000, p. 128). Veloso (2003, p. 129) menciona que o dever de lealdade, mais ainda que a fidelidade, tem como implicâncias a lisura, sinceridade, a informação, que é o ato de cientificar o convivente de todos os atos, dentro de uma relação entre homem e mulher, por natureza monogâmica, e com intuito superior de constituição familiar, a fidelidade desta forma, mais que um requisito de existência da união estável é um dever jurídico entre os conviventes.
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Para ilustrar a assertiva retro, Azevedo (2002, p. 189) afirma que deve os companheiros ser leais. Finaliza ressaltando que a lealdade é “gênero de que a fidelidade é espécie. Desse modo, a quebra do dever de lealdade, entre concubinos, implica injúria apta a motivar a separação de fato dos conviventes, dada a rescisão do contrato concubinário”. Assim, apesar de se falar em lealdade, entende-se que a fidelidade é essencial tanto para o casamento quanto para a união estável, tendo em vista que a monogamia é um princípio presente no direito de família brasileiro. 4 UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA Em regra, somente se admite o reconhecimento da união estável paralelamente à existência do matrimônio quando os cônjuges já não mais estiverem vivendo maritalmente, ou seja, já estiverem separados de fato. Porém, é crescente o numero de uniões paralelas tanto ao casamento, quanto à outras uniões. O paralelismo de relações é mais comum do que se imagina, por mais amoral que pareça, esse tema está presente na vida de toda população, merecendo da doutrina e jurisprudência atenção. Pereira (2006, p. 108) aduz que: No regime monogâmico brasileiro, a infidelidade constitui o tipo penal de adultério, no regime poligâmico infiel é aquele que mantém relações extraconjugais, com outrem além do número de cônjuges previsto no ordenamento jurídico. Segundo Coelho (2005, p. 174), no direito brasileiro o princípio monogâmico ainda perdura como uma das bases do vínculo conjugal, o que faz com que a pessoa casada, enquanto perdurar o matrimônio, não possa se casar novamente. Será impossível, do mesmo modo, constituir família pela união estável, da mesma forma, aquele que vive em união estável não pode constituir outras uniões concomitantes. Assim, Coelho (2005, p. 140) conceitua união estável putativa como: A união estável é putativa quando um dos conviventes, de boa-fé, está legitimamente autorizado a crer que não existem impedimentos para que o outro a ela se vincule, quando isso não corresponde à verdade. Para o companheiro induzido em erro, a situação de fato produzirá todos os efeitos da união estável, inclusive quanto ao direito a alimentos e participação no patrimônio do convivente. Para Oliveira e Hinoraka (2001, p.138) “pode haver união estável putativa quando o partícipe de segunda união não saiba da anterior e simultânea união de seu companheiro”. Quando uma dessas hipóteses acontecer poderá então configurar-se a união estável putativa, o concubinato puro ou impuro, ou ainda a união livre, isso conforme o entendimento adotado por cada corrente jurisprudencial e doutrinária, conforme será analisado a frente. 5 POSICIONAMENTOS Com intuito de esclarecer os direitos do companheiro na união estável putativa, cumpre expor os posicionamentos adotados pela doutrina conjuntamente com os entendimentos jurisprudenciais correspondentes. Nesta seara destaca-se que existem três principais posicionamentos: um que defende que na constância do casamento ou união estável não poderá o convivente contrair nova união estável, a segunda que acredita haver a possibilidade de reconhecimento da união estável quando um dos conviventes estiver de boa fé, demonstrando desconhecimento dos demais relacionamentos concomitantes com outro convivente, situação na qual estaria configurada a união estável putativa, e o terceiro e último posicionamento, que admite o reconhe-
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cimento de todas as uniões, independentemente de boa-fé, não importando assim o conhecimento do impedimento do outro convivente. O primeiro posicionamento pondera que nenhuma das uniões concomitantes poderia ser classificada como união estável, fundamenta-se na lealdade e fidelidade como requisitos indispensáveis a entidade familiar. Ao se reconhecer uma pluralidade de uniões estaria indo diretamente contra a monogamia (FONTONELLA, 2009, p. 336). Corroborando com tal entendimento, Diniz (2006, p. 374-375) afirma que a fidelidade ou lealdade compõe um dos requisitos de constituição de união estável como entidade familiar: [...] o fato de a mulher receber outro homem, ou outros homens, ou vice-versa, indica que entre os amantes não há união vinculatória nem, portanto, companheirismo, que pressupõe ligação estável e honesta. Impossível será a existência de duas sociedades de fato simultâneas, configurando união estável [...]. Não havendo fidelidade, nem relação monogâmica, o relacionamento passará à condição de ‘amizade colorida”, sem o status de união estável. Nesta hipótese seria configurado o concubinato impuro adulterino, no qual um ou ambos os conviventes teriam impedimentos por já estarem comprometidos em uma união estável ou em um casamento. A decisão abaixo demonstra tal entendimento: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL. CONCUBINATO. CASAMENTO. AUSÊNCIA DE SEPARAÇÃO DE FATO. IMPEDIMENTO MATRIMONIAL. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECER A UNIÃO ESTÁVEL E O CONSEQUENTE DIREITO A ALIMENTOS. 1. Estabelece o artigo 1.723 do Código Civil que: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1o – A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. 2. Não se pode falar em união estável se apesar do relacionamento extraconjugal os litigantes não deixaram suas famílias legítimas. 3. A relação entre as partes não passa de mero concubinato adulterino ou impuro (concomitante ao casamento), que não recebe a tutela do Estado, e, por isso, não garante aos seus partícipes os direitos garantidos em união estável, a exemplo, o direito a alimentos. 4. Recurso conhecido e não-provido (TJ-PR – AC: 3638366 PR 0363836-6, Relator: Fernando Wolff Bodziak, Data de Julgamento: 23/05/2007, 11a Camara Cível, Data da Publicação:DJ 7391). (grifo nosso). Observa-se, na decisão acima, que para se caracterizar a união estável essencial a fidelidade e lealdade, caso contrário não é devido qualquer direito ou garantia. Pelo exposto, tal posicionamento tem como base a monogamia, fidelidade e lealdade. Assim, o concubinato impuro do art. 1727 do Código Civil de 2002, não poderá por força da lei, ter nenhum privilégio, sendo devido tais direitos apenas aos que se enquadram na união estável livre de qualquer impedimento. Entende-se que o problema deste entendimento é privilegiar o princípio da monogamia frente a determinados casos onde estaria presente a boa fé de um dos conviventes. Há que se fazer uma ponderação então para que não haja injustiças por mero preconceito quanto às famílias de estruturas não convencionais, a boa fé pode ser levada em conta como demonstra o posicionamento seguinte.
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O segundo posicionamento tem como alicerce o princípio da boafé. Assim, no caso onde existam dois relacionamentos que preencham os requisitos inerentes à união estável, veremos a possibilidade do reconhecimento concomitante de duas uniões, para que isso aconteça e o princípio da boa fé objetiva se torne aplicável ao caso concreto, uma das companheiras deverá demonstrar desconhecimento do estado de comprometimento do companheiro. A boa-fé pode ser objetiva e subjetiva, conforme aduz Fontonella (2009, p. 338-339): A boa-fé objetiva se desenvolveu na seara do direito obrigacional, tendo seu conceito ligado à conduta fundada na honestidade, lealdade e respeito aos interesses do alter, a fim de conter o abuso da autonomia privada nas relações contratuais. Contudo, acabou expandindo-se a outras espécies de relações jurídicas, inclusive nas relações de família. Já a boa-fé subjetiva – chamada de boafé crença- diz respeito a um estado de ignorância acerca de uma dada situação. Este segundo posicionamento tem como fundamento maior, a aplicação por analogia das regras pertinentes ao casamento putativo, descrito no art. 1.561, § 1o do Código Civil da seguinte forma: “se um dos cônjuges estava de boa fé ao celebrar casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.” Sendo dessa forma, assegurados ao concubino de boa-fé, todos os direitos como se válida fosse a união estável. Os que corroboram com tal posicionamento, entendem que no caso de união estável putativa, o convivente de boa-fé, isto é, ignorando a primeira união, relaciona-se paralelamente em união estável com uma pessoa que não se desvinculou do lar conjugal. Desse modo, terá os mesmos direitos que no caso de não existir impedimento para a formação da união estável. Imprescindível destacar que o primeiro julgado sobre o tema se deu em 1999, no Tribunal do Rio Grande do Sul, onde se reconheceu, em face da boa-fé, da segunda companheira de que o de cujus não havia deixado de conviver também com a ex-companheira, segundo destaca Fontonella (2009, p. 34) UNIÃO ESTÁVEL. SITUAÇÃO PUTATIVA. COMPROVAÇÃO. O fato de o de cujus não ter rompido definitivamente o relacionamento com a companheira com quem viveu longo tempo, mas com quem já não convivia diariamente, mantendo às ocultas essas sua vida afetiva dupla, não afasta a possibilidade de se reconhecer em favor da segunda companheira uma união estável putativa desde que ignore o fato e fique comprovada a affectio maritalis e o ânimo do varão de constituir família com ela, sendo o relacionamento público e notório e havendo prova consistente nesse sentido. Embargos infringentes desacolhidos. Segundo ensinamento do Superior Tribunal de Justiça, “casamento putativo, como sabido, é aquele que, em atenção a boa fé de um ou de ambos os cônjuges, o matrimônio é nulo ou anulável, mas produz efeitos em relação aos cônjuges e aos filhos” (REsp n. 789.293 – RJ (2005/0165379-8), rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. J. 16.02.2006). Ou seja, casamento putativo é aquele inválido, no qual pelo menos um dos cônjuges acreditava ser válido. Deixando claro, que a putatividade valerá apenas para o cônjuge de boa fé, se somente este ignorava o impedimento. Alguns Tribunais vêm reconhecendo tais uniões simultâneas como uniões estáveis, fundamentando-se que o Judiciário não pode deixar de tutelar as relações baseadas no afeto, independente das formalidades impostas pela sociedade para que uma união não seja digna de reconhecimento judicial.
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Como demonstra as Jurisprudências a seguir: 1) O reconhecimento da união estável, segundo a interpretação que se extrai do disposto no art. 1.723, §1º, do Código Civil, exige como requisito a inexistência de impedimento para o casamento, o que, como visto, não se mostra possível na espécie, já que o de cujus era casado com a ora apelante. 2) Entretanto, sendo inegável a duradoura convivência entre a autora-apelada e o de cujus – pelo período de 26 anos permeada de afeto e outros valores familiares não menos relevantes, aliado ao fato de que aquela somente tomou conhecimento da condição de casado do falecido após vinte anos de relacionamento(em 2003), é de se compreender, com lastro na vedação ao retrocesso social, que tal situação merece proteção jurídica, impondo-se, neste caso, a aplicação, por analogia, do disposto no art. 1.561, §1º, do Código Civil, para se reconhecer como caracterizada a situação de união estável putativa, dado que a autora ostentou a condição de convivente de boa-fé por mais de vinte anos, até que, em 2003, tomou conhecimento da existência de impedimento ao seu casamento com o falecido. 3) Direito da autora/apelada, em concorrência com a ré/apelante, à percepção da pensão por morte que ora se reconhece. 4) Recurso ao qual se dá parcial provimento. (RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça, Ap.-90.2009.8.19.0038 Relator: Des HELENO RIBEIRO P NUNES, 2012.) 2) UNIÃO ESTÁVEL. SITUAÇÃO PUTATIVA. AFFECTIO MARITALIS. NOTORIEDADE E PUBLICIDADE DO RELACIONAMENTO. BOA –FÉ DA COMPANHEIRA. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. JUNTADA DE DOCUMENTOS COM A APELAÇÃO. DESCABIMENTO. 1. Descabe juntar com a apelação documentos que não sejam novos ou relativos a fotos novos supervenientes. Inteligência do art. 397 do CPC. 2. Tendo o relacionamento perdurado até o falecimento varão e se assemelhando a um casamento de fato, com coabitação clara, comunhão de vida e interesses, resta induvidosa a affectio maritalis. 3. Comprovada a notoriedade e publicidade do relacionamento amoroso havido entre a autora e o de cujus, é cabível o reconhecimento da união estável putativa, quando fica demonstrado que a autora não sabia do relacionamento paralelo do varão com a mãe da ré. Recurso provido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível n. 70025094707, Sétima Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 22/10/2008) (grifo nosso). Nesta decisão resta configurada a união estável putativa, isso porque as partes demonstram desconhecimento sobre o impedimento pelo matrimônio do homem, que mesmo sem se afastar de sua esposa, manteve relação com uma convivente, que estando de boa fé, não merece o descaso da justiça, tendo sido reconhecida sua relação com o de cujus, e comprovada a intenção deste de constituir família com a companheira. Azevedo (2002, p. 411) aduz que mesmo que deva surtir efeito somente ao convivente de boa-fé, busca-se evitar o enriquecimento sem causa, por mais ilícita que pareça a relação, mesmo afrontando o princípio da monogamia, na maioria das vezes a companheira não sabe da existência do casamento de seu companheiro, havendo a boa-fé, neste caso não restam dúvidas de sua equiparação ao casamento putativo. Caso a convivente conheça que o companheiro mantém relacionamento estável simultaneamente com a esposa ou com a companheira, retira o conceito de boa fé, assim não se estende os direitos na esfera do Direito de Família. É o que se oberva na jurisprudência do Rio Grande do Sul de 2002.
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UNIÃO ESTÁVEL. NÃO-CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO. AUSÊNCIA DE PUTATIVIDADE. Para que se configure uma união estável putativa é essencial que a companheira esteja de boafé, que, nas circunstancias, consiste no desconhecimento da situação de casado de seu parceiro. E “isso jamais foi sequer afirmado pela ora embargada”, que sempre admitiu saber que ele era casado, sustentando, entretanto, que se encontrava separado de fato da esposa, o que não restou comprovado nos autos com necessária clareza. O não reconhecimento de direitos a uma relação paralela ao casamento em sua constância não constitui fruto de mero preconceito do julgador, mas decorre do fato de que nosso ordenamento jurídico adota o princípio da monogamia. Acolheram os embargos.
rídico de um relacionamento afetivo paralelo ao casamento. Neste contexto, por se encontrar ausente elemento essencial para a constituição da união estável, qual seja, ausência de impedimento matrimonial entre os companheiros, e como o pai dos apelados não se encontrava separado de fato ou judicialmente, conforme restou suficientemente demonstrado nos autos, não é possível se caracterizar o concubinato existente como uma união estável. Entender o contrário seria vulgarizar e distorcer o conceito de união estável, instituto jurídico que foi consagrado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de proteger relacionamentos constituídos com fito familiar e, ainda, viabilizar a bigamia, já que é possível a conversão da união estável em casamento. Por fim, ainda que haja no Superior Tribunal de Justiça um precedente extremamente eloqüente e em tudo assemelhado ao caso que se examina, que consiste no REsp nº 742.685 , do STJ, julgado em 04-08-2005, de que foi Relator o Min. José Arnaldo da Fonseca, da 5ª Turma do STJ, admitindo o direito à pensão previdenciária, deixo de apreciar o tema, visto que tal pleito há de ser formulado perante a Justiça Federal, visto que A.B.M., era Policial Rodoviário Federal, o que impede, por absoluta incompetência , à Justiça Estadual reconhecer eventual direito previdenciário por parte da (artigo 109, inciso I, da Constituição da República) apelante. Apelação cível nº 1.0024.06.061798-2/001 - comarca de belo horizonte.
Da mesma forma, Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 411) asseveram que: Tudo depende de minuciosa análise do caso concreto. Caso o partícipe da segunda relação desconheça a situação jurídica do seu parceiro, pensamos que em respeito ao princípio da boa-fé, aplicado ao Direito de Família, a proteção jurídica é medida de inegável justiça. Desse modo, seguindo tal pensamento, o concubino que se mostra de boa-fé, terá os mesmo direitos que possuiria caso os impedimentos não existissem, isto é, poderá reclamar alimentos caso necessite, terá participação nos bens adquiridos na constância da união, conforme no regime de comunhão parcial de bens (COELHO, 2005, p. 138). Sustenta ainda Oliveira e Hironaka (2001, p. 140), a possibilidade de existir uma segunda união de natureza putativa, como se dá no casamento, mesmo em casos de nulidade ou de anulação, quando haja boa fé por parte de um ou de ambos os cônjuges, com reconhecimento de direitos, nos termos do art. 1561 do Código Civil. Corroborando com tal posicionamento, Tartuce e Simão (2007, p. 254 apud FONTONELLA, 2009, p. 343) destacam que de qualquer forma, essa “parece ser a posição mais justa dentro dos limites do princípio da eticidade, com vistas a proteger aquele que, dotado de boa-fé subjetiva, ignorava um vício a acometer a união”. Em contrapartida, o Superior Tribunal de Justiça não aceita a possibilidade de se reconhecer a união estável putativa: UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO DE DUAS UNIÕES CONCOMITANTES. EQUIPARAÇÃO AO CASAMENTO PUTATIVO. LEI N. 9.728/96. 1. Mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o posterior relacionamento com outra, sem que se haja desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher, não há como configurar união estável concomitante, incabível a equiparação ao casamento putativo. 2. Recurso especial conhecido e provido (STJ, 3a T. Recurso Especial n. 789.293, do Rio de Janeiro, Relator: Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Acórdão de 16 fev. 2006. Tal posicionamento dos Tribunais é em decorrência do princípio da monogamia, e, assim, afastam qualquer direito às uniões simultâneas, neste sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais: EMENTA: DIREITO DE FAMÍLIA. RELACIONAMENTO AFETIVO PARALELO AO CASAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. PRINCÍPIO DA MONOGAMIA. RECURSO NÃO-PROVIDO. O relacionamento afetivo da apelante com o seu amado não se enquadra no conceito de união estável, visto que o princípio da monogamia, que rege as relações afetivas familiares, impede o reconhecimento ju-
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Há ainda o terceiro posicionamento que é considerado o mais radical, pois considera todas as formas de uniões concomitantes como entidades familiares. A lealdade e fidelidade não são vistas como requisito essencial para a união estável. De acordo com esta corrente deve ser concedidos direitos e deveres em ambas as situações. Não se cogita a boa-fé subjetiva dos envolvidos, mas, sim, a premissa de responsabilizar quem deliberadamente assume um compromisso e posteriormente vem a rompê-lo, ressalta Fontonella (2009, p. 345). Corroborando com tal entendimento temos a ex-desembargadora do Tribunal Regional do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, conforme se destaca abaixo: [...] a mantença de vínculos paralelos não impede o seu reconhecimento [...]. Logo, se um companheiro não tem o dever de ser fiel ao outro, a mantença de mais uma união não desfigura nenhuma delas. Os concubinatos chamados de adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé, concunbinagem, etc., são alvo do repúdio social. Nem por isso deixam de existir em larga escala. A repulsa aos vínculos afetivos concomitantes não os faz desaparecer, e a invisibilidade a que são condenados pela Justiça só privilegia o “bígamo”. Situações de fato existem que justificam considerar que alguém possua duas famílias constituídas. São relações de afeto, apesar de consideradas adulterinas, e podem gerar consequências jurídicas. Presentes os requisitos legais, é mister reconhecer que configuram união estável, sob pena de se chancelar o enriquecimento injustificado, dando uma resposta que afronta a ética. Nesse sentido, temos entendimento do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: DIREITO DAS FAMÍLIAS. UNIÃO ESTÁVEL CONTEMPORÂNEA A CASAMENTO. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO FACE ÀS PECULIARIDADES DO CASO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ao longo de vinte e cinco anos,
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a apelante e o apelado mantiveram um relacionamento afetivo, que possibilitou o nascimento de três filhos. Nesse período de convivência afetiva - pública, contínua e duradoura - um cuidou do outro, amorosamente, emocionalmente, materialmente, fisicamente e sexualmente. Durante esses anos, amaram, sofreram, brigaram, reconciliaram, choraram, riram, cresceram, evoluíram, criaram os filhos e cuidaram dos netos. Tais fatos comprovam a concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isso é família. O que no caso é polêmico é o fato de o apelado, à época dos fatos, estar casado civilmente. Há, ainda, dificuldade de o Poder Judiciário lidar com a existência de uniões dúplices. Há muito moralismo, conservadorismo e preconceito em matéria de Direito de Família. No caso dos autos, a apelada, além de compartilhar o leito com o apelado, também compartilhou a vida em todos os seus aspectos. Ela não é concubina - palavra preconceituosa - mas companheira. Por tal razão, possui direito a reclamar pelo fim da união estável. Entender o contrário é estabelecer um retrocesso em relação a lentas e sofridas conquistas da mulher para ser tratada como sujeito de igualdade jurídica e de igualdade social. Negar a existência de união estável, quando um dos companheiros é casado, é solução fácil. Mantém-se ao desamparo do Direito, na clandestinidade, o que parte da sociedade prefere esconder. Como se uma suposta invisibilidade fosse capaz de negar a existência de um fato social que sempre aconteceu, acontece e continuará acontecendo. A solução para tais uniões está em reconhecer que ela gera efeitos jurídicos, de forma a evitar irresponsabilidades e o enriquecimento ilícito de um companheiro em desfavor do outro DERAM PROVIMENTO PARCIAL. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0017.05.016882-6/003, Relª. Des. ª Maria Elza, public. 10/12/2008). Observa-se que em tal decisão, acredita existir o affectio maritalis, a vontade de constituir família e ainda possuem prole comum. Desse modo, admitiu-se a união dúplice. Apesar de posicionamentos contrários, corroboramos com a ideia de garantir direitos ao concubino de boa-fé no caso de união estável putativa. O que se entende é que se uma pessoa induziu a companheira a acreditar que a mesma estava diante de uma união estável, esta não poderá ficar desamparada na seara do Direito de Família (MELO, 2000, p. 22). Por todo exposto, entende-se que a partir do momento em que se reconhece a união estável putativa, possível a reclamação de alimentos, participação nos bens adquiridos durante a união e direitos sucessórios. Tal entendimento foi confirmado em recente decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, que em 30 de abril de 2013 reconheceu a união estável de uma mulher e um homem, morto em 2008, que conviveram durante oito anos, entretanto em um relacionamento paralelo, conforme se destaca: Para a juíza que proferiu a sentença Sirlei Martins da Costa, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família, visto que, a mulher viveu de forma ética e agiu com boa-fé, não reconhecer os efeitos da relação seria desconsiderar os princípios da eticidade, da solidariedade e do cuidado, princípios que regem as relações familiares. “Quem não observou isso foi o homem”, disse. A decisão vai conferir os efeitos jurídicos decor aos da união estável. “No presente caso, a autora deverá pleitear benefícios previdenciários junto ao órgão e, se for indeferido, junto ao juízo competente”, esclarece a juíza (IBDFAM, 2013).
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No caso em tela, entendeu-se que preenchia todos os requisitos necessários para se configurar a união estável, mesmo com o homem mantendo dois relacionamentos, pois, sustentava e convivia com ambas, e tinha objetivo de constituir família com elas. Segundo a magistrada, o caso de famílias paralelas deve ser observado com muito cuidado, para se evitar injustiça. No entendimento desta, “deixar de reconhecer a repercussão jurídica e os direitos de tais pessoas não muda essa realidade e normalmente desampara aquele que é mais fraco na relação”. Diante o exposto, apesar de entendimentos contrários, entendemos que no caso de união estável putativa, deve o concubino de boa-fé gozar dos mesmos direitos e efeitos garantidos no casamento. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pela observação dos aspectos abordados sobre a união estável, possível é a verificação que durante muito tempo nosso legislador viu no casamento a única forma de constituição de família. O fato é que a família é um fenômeno social preexistente ao casamento, um fato natural. Sendo necessário, diante de todas as transformações, que o direito brasileiro se adaptasse as novas realidades. Assim, o Estado não pode esquecer as novas formas de família, mas sim deve regulamentá-la e protegê-la. Entendemos que se a família modifica, exige-se novo conceito, nova regulamentação, nova proteção do Estado, através de dispositivos constitucionais, no Código Civil e na criação de leis. Como já ressaltado no presente artigo, ao longo do tempo, a família brasileira sofreu grandes modificações e, ao reconhecer a união estável como família legítima, deu-se a oportunidade de muitas famílias merecerem o mesmo respeito que antes era admitido apenas aos que fossem casados. No caso da união estável putativa, há divergência acerca da possibilidade de reconhecimento de direitos ou não ao concubino de boa-fé. Percebeu-se assim, que longe está a pacificação do posicionamento acerca do reconhecimento de famílias simultâneas e a possibilidade de direitos em caso de união estável putativa. Entretanto, entendemos que o concubino de boa-fé, ao romper a união putativa deve ter todos os seus direitos reconhecidos, tendo em vista que seria injusto com aquele que agiu corretamente sair prejudicado de uma relação, e o companheiro que mantinha as duas uniões não ser responsabilizado por isso, causando a este e sua companheira da primeira união o enriquecimento ilícito. A boa-fé dos conviventes deve ser levada em conta no caso concreto, e ainda a pessoa que possui desconhecimento sobre outra união de seu parceiro não pode ser punida por sua ignorância. Pacificar o entendimento de possibilidade de direitos no caso de união estável putativa, para dirimir eventuais controvérsias, irá priorizar os núcleos familiares, sem penalizar ou privilegiar a amante, mas sim garantir a dignidade da pessoa humana de boa-fé.
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NOTAS DE FIM
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2 Professor e orientador do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado em junho/2014
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1 Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva
3 Marco Túlio Figueiredo, Omar Goulart Junior
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ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS DA PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS Henrique Pereira Ribeiro1 Cristian Kiefer da Silva2 Banca examinadora3 RESÚMO: Com o intuito de entender a legislação aplicável em sede de recursos processuais penais atualmente, em se tratando de recurso exclusivo da defesa, faz-se necessário a busca aprofundada sobre o posicionamento dos Tribunais Superiores, para que seja aplicada a vedação da refomatio in pejus, direta ou indireta, com suporte nos princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: reformatio in pejus; tribunal do Júri; incompetência absoluta. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Breve histórico; 3. Vedação da Reformatio in Pejus; 4. Ne Reformatio in Pejus indireta; 4.1. A Incompetência Absoluta: proibição da reformatio in pejus indireta; 4.2. Tribunal do Júri: princípio da soberania dos veredictos e a proibição da reformatio in pejus; 5. Considerações finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO A vedação da reformatio in pejus vem preconizada no artigo 617 do Código de Processo Penal de 1942. O aludido instituto veda a reforma da decisão em prejuízo ao réu, quando não houver interposição de recurso pelo Ministério Público, na Ação Penal Pública, ou do Querelante, na Ação Penal Privada, quanto à decisão proferida pela instância a quo for remetida à instância ad quem, via recurso exclusivo da defesa. Desta forma, o instituto abordado no estudo é relevante, em virtude da sua aplicabilidade cotidiana, bem como pela controvérsia que paira acerca dos princípios norteadores do devido processo legal em sua essência. O referido dispositivo legal alcançou uma nova interpretação, isto é, um moderno entendimento aplicável no instituto da vedação da reformatio in pejus, no que tange as nulidades da sentença ou acórdão. Em razão desta inovação, a questão controversa ensejou discussão entre diversos doutrinadores acerca da regra a ser aplicada, criando-se, pois, a “reformatio in pejus indireta”. Todavia, quanto à questão discutida no âmbito do Tribunal do Júri, verifica-se que, sem sombra de dúvidas, merece um maior enfoque, discutindo-se os entendimentos doutrinários e posicionamentos jurisprudenciais. Ainda, é de se ressaltar que, o tema em apuração vem sendo discutido em todos os graus do Poder Judiciário, tendo sido, por várias vezes, dado-lhe interpretação divergente perante os Tribunais de Justiça, motivo pelo qual ensejou aos Tribunais Superiores apreciação da matéria a fim de pacificar o entendimento. Cinge-se a dúvida em razão da aplicabilidade da reformatio in pejus indireta quando se tratar de nulidade absoluta do Juízo e nos casos de competência do Egrégio Tribunal do Júri. A discussão apontada será tratada com intenso debate, coligindo o que fora usado para constituir o entendimento a ser pacificado sobre o tema nas instâncias jurisdicionais. 2 BREVE HISTÓRICO O instituto da non reformatio in pejus não era aplicado antigamente. Com a evolução do Direito, o tema foi abordado, a priori, pelo Direito Francês, segundo destaca a doutrina: Observe-se que o sistema inquisitivo – antagônico – imperou na Europa Continental durante vários séculos, e somente no último quartel do século XVIII é que começou a eclipsar-se, ressurgindo, em seu lugar, o processo acusatório e o
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misto. Por essas razões, o princípio que proíbe a reformatio in pejus não tem um passado mais remoto. (TOURINHO FILHO 2013, p. 499). Na Itália, por sua vez, com a elaboração do Código de Processo Penal, “Codice di Procedura Penale”, próximo ao fim da década de 20, houve deveras inconformidades quanto à proibição da reformatio in pejus, no que se refere ao recurso de apelação interposto exclusivamente pela defesa. Delitala, quando da publicação do seu clássico trabalho Il “divieto della “reformatio in pejus”, publicado em 1927 tornou-se famosa, consoante observa Tourinho Filho (2013, p. 501). A norma regente no Direito Processual brasileiro sobreveio das normas italianas aplicáveis. Assim, no código de processo penal, o artigo 617 do CPP impõe vedação, que um recurso interposto pela defesa, acabe num julgamento que prejudique mais o réu, aumentando sua pena. A todo aviso, existe exceções que, segundo a doutrina moderna, subdividem em direta e indireta. Conceitua-se como direta, aquela em que somente há recurso defensivo e, ainda que verificado qualquer elemento no decisum impugnado equivocado, não poderá ser reformada a decisão em desfavor do réu. Lado outro, quanto à indireta, trata-se de recurso exclusivo da defesa que, caso seja anulado, deverá na nova decisão respeitar os limites da pena aplicados na que fora decretada a nulidade do feito. Os principais elementos da proibição da reformatio in pejus serão abordados a seguir, apontando, inclusive, os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema. 3 VEDAÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS A proibição da reformatio in pejus vem devidamente expressa no texto processual repressivo, elencado no artigo 617, que assim dispõe: (O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença). Importante ressaltar, na oportunidade, que o aludido princípio estudado é atinente a todos os recursos, consoante se observa: Apesar de o art. 617 do CPP dizer quando somente o réu houver apelado, esse princípio não é aplicável apenas na apelação. Nesse sentido, basta notar que o art. 626, pa-
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rágrafo único, ao tratar da revisão criminal, também estabelece que não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista. (LIMA, 2013, p.1653). A vedação da reformatio in pejus é decorrente do princípio nemo judex sine actore, ou seja, não há juiz sem que haja um autor. Neste aspecto, a melhor doutrina explica: Há quem entenda, também, e com razão, que a limitação do efeito devolutivo seja decorrência do princípio acusatório (nemo judex sine actore). Assim, se apenas o réu interpuser recurso de apelação, não poderá o Tribunal agravar-lhe a situação, uma vez que não houve pedido nesse sentido. (TOURINHO FILHO, 2013, p. 429). Ainda, há que se ressaltar que, por força do princípio do tantum devolutum quantum appelatum, não pode o Tribunal piorar a situação do réu em recurso exclusivo da defesa, novamente, como demonstrado, pois estaria julgando extra petita, eis que o princípio citado restringe o reexame do juízo ad quem à parte que impugnou a decisão. Nesse sentido, segundo Pacelli (2013) abordou em sua obra, a reforma da decisão em prejuízo ao réu poderia resultar efeitos gravíssimos, no âmbito em que ocorreria o temido cerceamento de defesa quanto à tentativa da prestação jurisdicional. O tema, quando apreciado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal ganhou amplitude em sua aplicação, no sentido dos ensinamentos trazidos por Eugênio Pacelli: HABEAS CORPUS. Processo Penal. Sentença que concede ao paciente o direito de apelar em liberdade e condiciona a expedição do mandado de prisão ao trânsito em julgado da decisão. Decisão impugnada apenas pela defesa. Princípio da vedação da reformatio in pejus. Constrangimento ilegal existente. Não tendo havido interposição de recurso pela acusação contra a sentença, a ordem favorável ao paciente não poderia ter sido alterada pelo Tribunal de Justiça, sob pena de contrariedade ao disposto no art. 617 do Código de Processo Penal, que abriga o princípio da proibição da reformatio in pejus. Habeas corpus deferido. (HC 90627, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 03/06/2008, DJe-043 DIVULG 0503-2009 PUBLIC 06-03-2009 EMENT VOL-02351-03 PP-00436). Deste modo, consoante demonstra o aludido doutrinador, bem como a jurisprudência firmada nesse sentido, estaria sendo colocado em cheque o corolário do devido processo legal, ou seja, admitiria a violação à ampla defesa e o contraditório, eis que diante de uma decisão por erro in procedendo ou erro in judicando, a defesa estaria, com o recurso interposto, sujeita a situação desfavorável. Com efeito, em consonância com o dispositivo legal (artigo 617, CPP), é defeso ao Julgador de segundo grau dar-lhe ao fato apurado definição jurídica distinta, e, por conseguinte, este não poderá majorar a reprimenda, vez que ensejaria ao recorrente um prejuízo evidente. A este propósito, o Sodalício Supremo Tribunal Federal editou o verbete nº 453: Súmula nº 453: Não se aplicam à segunda instância o Art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa. Nessa perspectiva, “não se admite a reforma do julgado impugnado para piorar sua situação, quer do ponto de vista quantitativo, quer sob o ângulo qualitativo, nem mesmo para corrigir erro material”. (LIMA, 2013, p. 1652).
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E, ainda: Concluindo que não é lícito ao Tribunal, na cognição de recurso exclusivo da defesa, agravar a pena do réu, sob fundamento de corrigir ex officio erro material da sentença na somatória dos fatores considerados no processo de individualização, sob pena de ofensa ao princípio da ne reformatio in pejus. (STF, 1ª Turma, HC nº 83.545/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 29/11/2005, DJ 03/03/2006). Ademais, há que se ressaltar que as considerações deduzidas pelo Professor Renato Brasileiro de Lima e firmadas pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, apontam que serão aplicáveis a vedação mesmo para que haja correção ex officio. Sobre o tema, no julgamento do Habeas Corpus nº 90.659, o Ministro Menezes Direito, da Primeira Turma, apontou, em sua decisão, que se a acusação não interpõe recurso de apelação para impugnar o vício da sentença, isto é, um erro material averiguado no decisum, a matéria sofreria preclusão lógica e, com supedâneo no artigo 617 do CPP, não poderia o Juízo ad quem reformá-la em prejuízo ao acusado, o que, consabido que é, ensejaria violação do aludido dispositivo legal. Assim, verifica-se que, não tendo a acusação interposto recurso contra a decisão, ainda mais se tratando de ação penal incondicionada, na qual o Ministério Público figura-se como acusação e, sobretudo, fiscal da correta aplicação da lei. Com efeito, a reforma da decisão ex officio ensejaria a indesejada reformatio in pejus. No mesmo sentido, não se pode olvidar que nos termos do voto do Eminente Ministro, se o Julgador não fixar os dispositivos contidos nos incisos I, II e III do artigo 92 do Código Penal, não seria permitido que se fizesse ex officio ou quando da oportunidade do julgamento do recurso defensivo. Nesse sentido: O juiz não fizer qualquer referência aos efeitos específicos da condenação listados no art. 92, incisos I, II e III, do CP, havendo recurso exclusivo da defesa, não se admite que o juízo ad quem o faça, sob pena de violação ao princípio da non reformatio in pejus. (LIMA, 2013, p. 1652). Em outra vertente, no que se refere à absolvição imprópria, quando reconhecida à insanidade mental do acusado, aplicar-se-á, no mesmo sentido, a proibição da reformatio in pejus. Acerca do tema, foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal ao editar o verbete nº 525, a seguir: ”A medida de segurança não será aplicada em segunda instância, quando só o réu tenha recorrido”. Na mesma perspectiva: Por força do princípio da non reformatio in pejus, também é defeso ao juízo ad quem converter em diligência o julgamento de apelação para fins de determinar a instauração de incidente de insanidade mental (CPP, art. 149), sob pena de violação à Sumula nº 525 do STF: “A medida de segurança não será aplicada em segunda instância, quando só o réu tenha recorrido”. Na visão do supremo, em recurso exclusivo da defesa, que não requerera a realização do mencionado exame, não é lícito sua fixação ex officio pelo juízo ad quem, porque formada a res iudicata material quanto à aplicação da pena. Ademais, fosse permitida a substituição da pena, reabrir-se-iam as execuções criminais sob o pretexto de existirem causas anteriores à sentença a enquadrar muitos condenados na condição de inimputáveis. (LIMA, 2013, p. 1654). De fato, em se tratando de medida de segurança, artigo 96 do Código Penal, oportunidade em que o acusado faz-se merecedor, caso seja reconhecida como válidas os fundamentos na decisão im-
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pugnada, se condenado a uma pena privativa de liberdade não poderá ocorrer a substituição, porquanto agrava-se tal situação, o que é terminante vedado na seara da reformatio in pejus. Rematando o tema, conclui-se: A vingar entendimento diverso, ficariam os réus temerosos de fazer uso da apelação, nada obstante o trânsito em julgado para a Acusação, com receito de a segunda instância agravarlhes a situação processual. (TOURINHO FILHO, 2013, p. 503). Desta feita, consoante abordado, o tema é pacífico nos Tribunais Superiores, dando-se vigência extensiva ao dispositivo 617 do Código de Processo Penal. No âmbito das nulidades, o STF sumulou o verbete nº 160 “É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra ao réu, nulidade não arguida no recurso de acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”. Em consonância: “Assim, a menos que a acusação recorra pedindo o reconhecimento da nulidade, o tribunal não poderá decretá-la ex officio em prejuízo do réu, nem mesmo se a nulidade for absoluta”. (CAPEZ, 2013, p. 795). Neste aspecto, o entendimento adotado no verbete sumular dá suporte ao princípio tantum devolutum quantum appellatum em conformidade com o dispositivo legal previsto no artigo 617 do Código de Processo Penal. 4 NE REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA Consoante já dito, o princípio da proibição da reformatio in pejus direta refere-se à proibição de o Tribunal proferir decisão mais gravosa ao réu, quando se tratar de recurso exclusivamente defensivo. Todavia, por força do princípio da reformatio in pejus indireta, outra é a situação em que se proíbe a reforma da decisão em desfavor do acusado. No caso, o aludido princípio remete-se a uma situação excepcional, no que tange aos efeitos produzidos ainda que o ato seja decretado nulo, a saber, a imposição de limite máximo à reprimenda na nova decisão, conforme leciona Capez (2013, p. 796). Nessa perspectiva: Se a sentença impugnada for anulada em recurso exclusivo da defesa (ou em habeas corpus), o juiz que vier a proferir nova decisão em substituição à anulada também ficará vinculado ao máximo da pena imposta no primeiro decisum, não podendo agravar a situação do acusado.[...] Parte da doutrina extrai a vedação da reformatio in pejus indireta do dispositivo no art. 626, caput, e parágrafo único, do CPP. Inserido no capítulo que trará da revisão criminal, o referido dispositivo estabelece que, ”julgando a procedente revisão, o Tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo. De qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista”. Destarte, anulada uma sentença mediante recurso exclusivo da defesa, da renovação do ato não poderá resultar para o acusado situação mais desfavorável que a que lhe resultaria do trânsito em julgado da decisão de que somente ele recorreu: é o que resulta da vedação da reformatio in pejus indireta. (LIMA, 2013, p. 165). O entendimento é no sentido que a decisão passada em julgado à acusação, não poderia, em hipótese alguma, agravar a pena imposta ao acusado. O Julgador, ao prolatar a nova decisão, porém, estaria limitado ao teto dosado na decisão anterior, na medida em que mesmo reconhecendo outras circunstâncias que pudessem elevá-la, impediria este de aplicar, por violação ao dispositivo em comento. Ao contrário desse posicionamento, a defesa estaria em flagrante cerceamento de defesa, ficando contente, caso fosse, com uma decisão nula produzindo os efeitos da condenação.
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Confira-se, na oportunidade, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal: HABEAS CORPUS. PENAL. PACIENTE CONDENADO POR TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO CONCEDIDO EM HABEAS CORPUS IMPETRADO EM FAVOR DO RÉU NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE ORIGEM. POSTERIOR JULGAMENTO DA APELAÇÃO EXCLUSIVA DA DEFESA. BENEFÍCIO NEGADO. REFORMATIO IN PEJUS CONFIGURADA. WRIT CONCEDIDO. I – A Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, julgando o habeas corpus impetrado em favor do paciente, concedeu a ordem para admitir a substituição da reprimenda corporal em restritiva de direitos. II – Posteriormente, julgando a apelação interposta exclusivamente pela defesa, o mesmo colegiado negou o referido benefício ao paciente, em evidente configuração de reformatio in pejus. III – Não poderia o Tribunal, em recurso interposto tão só pela defesa e ignorando o que já decidido em sede de habeas corpus, subtrair do paciente direito anteriormente concedido. IV – Ainda que o âmbito de conhecimento da apelação seja mais amplo do que a via do habeas corpus, é evidente que os requisitos subjetivos reconhecidos num primeiro julgamento não podem, posteriormente, ser ignorados, sob a alegação de que a pena-base fixada acima do mínimo legal seria suficiente para impedir a substituição. V – Ordem concedida para substituir a pena privativa de liberdade por duas restritiva de direitos, conforme decidido pelo TJDFT, em sede de habeas corpus, na forma e nas condições a serem estabelecidas pelo Juízo da Vara de Execuções Penais, devendo ser expedido o respectivo alvará de soltura em favor do paciente, salvo se estiver preso por outro motivo.(HC 109049, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 27/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-216 DIVULG 11-11-2011 PUBLIC 14-11-2011) Há que se concluir, portanto, que tanto na doutrina quanto na jurisprudência a matéria é uníssona em firmar o entendimento supra. Assim, indubitavelmente, a proibição da reforma da decisão em prejuízo ao acusado abarca a decisão nula, enquanto somente a defesa haja recorrido. Lado outro, tratando-se de nulidade absoluta, em razão do Juízo incompetente, a matéria é controversa na doutrina e na jurisprudência. 4.1. A Incompetência Absoluta: proibição da reformatio in pejus indireta Inicialmente, há que se ressaltar a corrente que se posiciona em consonância com as decisões proferidas pelos Tribunais Superiores. Ao contrário do que vem sendo deduzido por diversos doutrinadores, o posicionamento a seguir colacionado se mostra o mais escorreito. A divergência pautada na doutrina consubstancia-se no confronto entre o princípio do Juiz Natural, nos termos do artigo 5º, incisos XXXVII e LIII, da CR/88 e do contraditório e da ampla defesa, que se veem disciplinados no artigo 5º, inciso LV, CR/88. Da dinâmica do mencionados princípios, compreende-se que entender o contrário ensejaria violação frontal à ampla defesa e, por conseguinte, à proibição da reformatio in pejus. Hipoteticamente, não se mostra crível o entendimento, neste aspecto, que se declarada nula a decisão, via recurso ao Juízo ad quem, continuaria a produzir seus efeitos, fixando-se, assim, o limite máximo em que o julgador competente para o feito estivesse adstrito.
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O entendimento doutrinário é nesse sentido: Partilhamos o entendimento segundo o qual, havendo recurso exclusivo da defesa em face de sentença condenatória, transitada, pois, em julgado para a acusação, é inadmissível que se imponha pena mais grave ao réu, ainda que o decreto condenatório seja anulado por incompetência absoluta do juízo, em observância ao princípio ne reformatio in pejus. Entender-se o contrário consubstancia violação frontal à proibição da reformatio in pejus. Assim, tal sentença, apesar de ter sua nulidade decretada pelo juízo ad quem, continua produzindo um efeito jurídico (efeito prodrômico), qual seja, o de estabelecer o limite máximo de pena a ser eventualmente imposta ao acusado na nova sentença prolatada pelo juízo competente Assim, tal sentença, apesar de ter sua nulidade decretada pelo juízo ad quem, continua produzindo um efeito jurídico (efeito prodrômico), qual seja, o de estabelecer o limite máximo de pena a ser eventualmente imposta ao acusado na nova sentença prolatada pelo juízo competente. (LIMA, 2013, p. 1655). A matéria em apreço, oportunamente fora discutida no Excelso Supremo Tribunal Federal, quando do Julgamento do Habeas Corpus nº 107.731 e, sobre o tema, pronunciou-se o Ministro Ayres Britto em acórdão assim ementado: PEDIDO DE EXTENSÃO EM HABEAS CORPUS. CO-RÉUS. IGUALDADE DE CONDIÇÕES. ACÓRDÃO ASSENTADO NA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM. USO DE DOCUMENTO FALSO. CADERNETA DE INSTRUÇÃO E REGISTRO (CIR). PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PENA CONCRETA FIXADA PELA JUSTIÇA CASTRENSE E ANULADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. BASE DE CÁLCULO PARA O CÔMPUTO DO PRAZO PRESCRICIONAL. PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. PRECEDENTES. DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1. A orientação jurisprudencial desta nossa Casa de Justiça é firme em conferir interpretação extensiva e aplicação analógica à norma contida no art. 580 do CPP. Artigo que, em tema de concurso de agentes, preceitua: “a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros”. Isso para admitir a aplicação do efeito extensivo mesmo às hipóteses de decisão favorável proferida em sede não-recursal (como, por exemplo, em revisão criminal ou em habeas corpus) ou, se resultante de recurso, mesmo à decisão proferida por instância diversa ou de superior hierarquia, ainda que o paciente, ele próprio, haja recorrido. 2. No julgamento do HC 107.731, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu que a conduta supostamente protagonizada pelo paciente configura, em tese, infração comum, em detrimento de bens, serviços ou interesses da União. Sendo indiscutível, portanto, a competência da Justiça Federal comum para processá-los e julgá-los (inciso IV do art. 109 da Constituição Federal). Entendimento a ser estendido aos co-réus no processo-crime. 3. A pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal rejeita a possibilidade de reconhecimento da prescrição retroativa antecipada ou prescrição em perspectiva. Ressalvada a hipótese em que a prescrição em perspectiva decorra da consideração da pena máxima abstratamente cominada (Questão de Ordem na Ação Penal 379, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). 4. O reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça cas-
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trense para o julgamento dos requerentes não pode implicar risco de imposição de pena mais gravosa, sob pena da indisfarçável reformatio in pejus indireta. 5. A pena concreta fixada pela Justiça Militar (em condenação transitada em julgado, posteriormente anulada pelo STF) constitui base de cálculo legítima para a definição do lapso prescricional. Lapso que, no caso, já ultrapassa os quatro anos definidos no inciso V do art. 109 do Código Penal, sem a incidência de qualquer marco interruptivo ou suspensivo válido. 6. Extensão deferida. Declaração de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão estatal punitiva. (HC 107731 Extn, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 13/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-044 DIVULG 01-03-2012 PUBLIC 02-03-2012). Paradoxal ao entendimento citado, segundo Oliveira (2013, p. 893), trata-se de um vício em que figuraria de um lado o princípio da ne reformatio in pejus, princípio legal em face do Princípio do Juiz Natural, estampado pelo texto constitucional. No mesmo sentido: Contudo, se a nulidade ocorrer em decorrência de incompetência absoluta, a decisão funcionará como ato inexistente e, então, o Juiz competente terá inteira liberdade na dosimetria da pena, mesmo porque a primeira decisão foi proferida por um órgão desvestido do poder de julgar. Se assim é na incompetência ratione materiae, com muito mais razão na ratione personae (RTJ, 88/1018 e 100/327; RT, 558/414; REsp 66.081/ SP, DJU, 26-2-1996, p. 4038; RHC 5.857/SP, DJU, 12-8-1997, p. 36282). (TOURINHO FILHO, 2013, p. 505). Todavia, o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal já vem sendo aplicado no Colendo Superior Tribunal de Justiça, consoante se depreende da decisão colacionada: Veja-se que o paciente foi sentenciado à pena de 3 anos de reclusão, em regime aberto. Sobreveio recurso de apelação exclusivo da defesa e, consequentemente, o trânsito em julgado para a acusação. No julgamento do apelo, o Tribunal local declarou, de ofício, a nulidade da ação penal por incompetência absoluta do Juízo Militar, remetendo o processo à Justiça comum, a fim de que fosse oferecida nova denúncia no juízo competente. Tal o contexto, não há dúvida de que, da nulidade declarada em recurso exclusivo da defesa, não poderá advir prejuízo ao réu, sob pena de indevida reformatio in pejus indireta. [...] De feito, mesmo que ofertada nova acusação no Juízo competente, a pena do réu já tem um teto fixado, na hipótese, de 3 anos de reclusão.(HC 151.581/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 22/05/2012, DJe 13/06/2012 – ementa parcial) Observa-se que os tribunais superiores são uníssonos no que tange à proibição da reformatio in pejus indireta, quanto à incompetência absoluta, afastando a tese doutrinária de violação ao princípio do Juiz Natural, nos termos do artigo 5º, incisos XXXVII e LIII da CR/88, sendo certo que a decisão encontra-se pacificada tanto no âmbito do Superior Tribunal de Justiça como no Supremo Tribunal Federal. E, conferindo maior suporte ao entendimento adotado, no que se refere à discussão da aplicação ou não da reformatio in pejus indireta perante o tribunal do Júri, igualmente, a controvérsia que pairava na doutrina, restou pacificada.
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4.2. Tribunal do Júri: princípio da soberania dos veredictos e a proibição da reformatio in pejus Consoante é sabido, o Tribunal do Júri é dotado de princípio constitucional denominado de Soberania dos Veredictos. Tal princípio vem consagrado na Constituição da República no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “c”. Consiste na atribuição ao Conselho de Sentença, conforme determinado pelo Constituinte, nos crimes praticados contra a vida, julgar na segunda fase do processo que, respondendo aos quesitos formulados pelo Juiz presidente do Tribunal do Júri, que ao final, proferirá sentença penal condenatória ou absolutória. Assim, defende parte da doutrina que a aplicação da ne reformatio in pejus, direta ou indireta, violaria de plano o princípio da soberania dos veredictos. Ao contrário, consoante afirmado no confronto entre princípios constitucionais do Juiz Natural x Ampla Defesa, referendada no item 4.1, a garantia individual preconizada no inciso LV, artigo 5º, CR/88, deve prevalecer. A esse respeito, a segunda turma do Excelso Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus nº 89.554/RN, proferiu a seguinte decisão: AÇÃO PENAL. Homicídio doloso. Tribunal do Júri. Três julgamentos da mesma causa. Reconhecimento da legítima defesa, com excesso, no segundo julgamento. Condenação do réu à pena de 6 (seis) anos de reclusão, em regime semi-aberto. Interposição de recurso exclusivo da defesa. Provimento para cassar a decisão anterior. Condenação do réu, por homicídio qualificado, à pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime integralmente fechado, no terceiro julgamento. Aplicação de pena mais grave. Inadmissibilidade. Reformatio in peius indireta. Caracterização. Reconhecimento de outros fatos ou circunstâncias não ventilados no julgamento anterior. Irrelevância. Violação conseqüente do justo processo da lei (due process of law), nas cláusulas do contraditório e da ampla defesa. Proibição compatível com a regra constitucional da soberania relativa dos veredictos. HC concedido para restabelecer a pena menor. Ofensa ao art. 5º, incs. LIV, LV e LVII, da CF. Inteligência dos arts. 617 e 626 do CPP. Anulados o julgamento pelo tribunal do júri e a correspondente sentença condenatória, transitada em julgado para a acusação, não pode o acusado, na renovação do julgamento, vir a ser condenado a pena maior do que a imposta na sentença anulada, ainda que com base em circunstância não ventilada no julgamento anterior. (HC 89544, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 14/04/2009, DJe-089 DIVULG 14-05-2009 PUBLIC 15-05-2009 EMENT VOL-02360-01 PP-00197 RTJ VOL-0020902 PP-00640 RT v. 98, n. 886, 2009, p. 487-498 LEXSTF v. 31, n. 365, 2009, p. 348-366 RSJADV dez., 2009, p. 46-51). Confira-se, ainda, o seguinte aresto: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. BAIXA IMEDIATA À ORIGEM. PRECEDENTES. 1. Inocorrentes as hipóteses de omissão, contradição ou obscuridade, sendo inviável a revisão do julgado em sede de embargos de declaração, em face dos estreitos limites do art. 535 do CPC. 2. A interposição de sucessivos recursos com nítido intuito protelatório é prática repudiada no âmbito desta Corte, dando ensejo à imediata baixa dos autos, independentemente da publicação desta decisão e do seu respectivo trânsito em julgado. Precedentes: ARE
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665.384-AgR-ED, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 04/09/2012; AI 727.244-AgR-ED-ED, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe de 19/10/2012; AI 746.016-AgR -ED-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 11/02/2010; e AI 362.828-AgR-ED-ED-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJ de 06/10/2006. 3. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: “PENAL E PROCESSO PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO. RECURSO DA DEFESA. NULIDADE PROSTERIOR À PRONÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO COMPATÍVEL COM A PROVA DOS AUTOS. DESRESPEITO AO PRINCÍPIO QUE VEDA A REFORMATIO IN PEJUS. PARCIAL PROVIMENTO”. 4. Embargos de declaração NÃO CONHECIDOS, com determinação de baixa imediata. (ARE 752970 AgR -ED-ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 10/12/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-024 DIVULG 0402-2014 PUBLIC 05-02-2014) Consoante se observa dos julgados colacionados, os Ministros, conferindo maior suporte na matéria ao princípio da ampla defesa, entenderam, acertadamente, em aplicar o instituto da reformatio in pejus direta e indireta perante o tribunal do Júri. Assim, não há que se falar em violação do princípio constitucional da Soberania dos Veredictos, eis que, em razão da harmonia prática dos princípios, a matéria fora pacificada, aplicando-se, na espécie, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, na essência do corolário do Devido Processo Legal. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A proibição da reformatio in pejus de um modo geral encontra guarida no contexto dos recursos interpostos exclusivamente pela defesa. Caso assim não fosse, estaríamos de fronte a violação aos princípios nemo judex sine actore, eis que este limita o efeito devolutivo, em consonância com tantum devolutum quantum appellatum. Estes princípios limitam os tribunais, havendo recurso exclusivo da defesa possam agravar-lhe a pena. Na ocorrência de erro material, igualmente, não poderia a Corte ad quem reconhecer uma situação que ensejasse prejuízo ao acusado. Por outro lado, quando tratado das nulidades abarcadas no processo penal pátrio, mesmo que estas reconhecidas, ex officio, não poderão ser prejudiciais ao acusado. Para que a pena imposta ao acusado sobrevenha de um amparo jurisdicional que deixou de apreciar alguma matéria que provocou angustia à acusação, esta deveria, por sua vontade, interpor o recurso e discutir sua irresignação. A contrário senso, além de violação de princípios em que não houve reclamação, o Juiz, que deverá ser inerte ao longo da instrução criminal, bem como da condução dos votos, estaria sendo parcial, o que não se admite. Apontado como divergência, relativo aos entendimentos anteriormente pacificados, o melhor entendimento fora formado. Os Tribunais Superiores entendendo que mesmo havendo erro quanto à jurisdição competente, o que acarreta nulidade absoluta do feito. Afastou-se, assim, o princípio do Juiz Natural para dar amparo a ampla defesa, ambos consagrados na carta magna, promulgada em 1988. Ademais, quando a controvérsia pairava nos Julgamentos realizados pelo Egrégio Conselho de Sentença, entendeu por bem, dar guarida novamente à ampla defesa, conferindo assim a plenitude de defesa do acusado. Posto tais considerações, o entendimento que vem sendo aplicado nos casos mencionados se mostram escorreitos, garantindo ao acusado no que se refere ao processo penal garantia do seu amplo exercício de defesa.
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REFERÊNCIAS: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Lex: Vade Mecum Saraiva. 15ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2013. _______. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Institui o Código Penal. Lex: Vade Mecum Saraiva. 15ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2013. _______. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Institui o Código de Processo Penal. Lex: Vade Mecum Saraiva. 15ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2013. _______. Supremo Tribunal Federal. Agravo em Recurso Extraordinário nº 752.970/RN. Relator: Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 10/12/2013, publicado no DJe em 04/02/2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2889544%2ENUME%2E+OU+89544%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/kslkjmg>. Acesso em: 12 fev. 2014. _______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 107.731/PE. Relator: Min. Ayres Britto, Segunda Turma, julgado em 13/09/2011, publicado no DJe em 02/03/2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ listarJurisprudencia.asp?s1=%28107731%2ENUME%2E+OU+107731%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/p4btdam>. Acesso em: 15 fev. 2014. _______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 109.049/DF. Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 27/09/2011, publicado no DJe em 14/11/2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ listarJurisprudencia.asp?s1=%28109049%2ENUME%2E+OU+109049%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=Error>. Acesso em: 12 fev. 2014. _______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 83.545/SP. Relator: Min. Cezar Peluso, Primeira Turma, julgado em 29/11/2005, publicado no DJe em 03/03/2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ listarJurisprudencia.asp?s1=%2883545%2ENUME%2E+OU+83545%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/lln4ywc>. Acesso em: 12 fev. 2014. _______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 89.544/RN. Relator: Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 14/04/2009, publicado no DJe em 15/05/2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ listarJurisprudencia.asp?s1=%2889544%2ENUME%2E+OU+89544%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/kslkjmg>. Acesso em: 12 fev. 2014. _______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 90627/SC. Relator: Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 03/06/2008, publicado no DJe em 06/03/2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ listarJurisprudencia.asp?s1=%2890627%2ENUME%2E+OU+90627%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/p9u2ovp>. Acesso em: 10 fev. 2014. _______. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 160. É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício. Disponível em: <http://www.stf.
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jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_101_200>. Acesso em: 10 fev. 2014. _______. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 453. Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do código de processo penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_401_500>. Acesso em: 11 fev. 2014. _______. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 525. A medida de segurança não será aplicada em segunda instância, quando só o réu tenha recorrido. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_501_600>. Acesso em: 10 fev. 2014. CAPEZ, Fernando – Curso de Processo Penal, 20ª ed. de acordo com a Lei n. 12736/2012. São Paulo: Ed. Saraiva, 2013. DISTRITO FEDERAL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 151.581/ DF. Relator: Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta turma, julgado em 22/05/2012, publicado no DJe em 13/06/2012. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/ jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=151581&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 17 mar. 2014. LIMA, Renato Brasileiro de – Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2013. NUCCI, Guilherme de Souza – Código de Processo Penal Comentado, 7ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de – Curso de Processo Penal, 17ª ed. rev. e ampl. atual. de acordo com as Leis nº 12.654, 12.863, 12.694, 12.714, 12.735, 12.736, 12.737 e 12.760, todas de 2012. São Paulo: Ed. Atlas, 2013. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa – Processo Penal, 35ª ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Saraiva, 2013.
NOTAS DE FIM 1 Acadêmico do 9º período em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Processo Civil Aplicado pelo CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor Assistente e Pesquisador da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Auxiliar da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor Adjunto e Pesquisador do Centro Universitário UNA. Professor Adjunto e Pesquisador da Faminas-BH. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI). Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”. 3 Antônio Eustáquio, Cristian Kiefer da Silva
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A Impossibilidade Jurídica da Aplicabilidade do Direito Penal do Inimigo no Ordenamento Jurídico Brasileiro José Luiz Gomes Barbosa1 Cristian Kiefer da Silva2 Banca examinadora3
RESUMO: Direito Penal do Inimigo é uma teoria criada por um estudioso alemão chamado Günther Jakobs no ano de 1985. Essa teoria versa sobre a retirada dos direitos fundamentais dos inimigos, sendo considerados inimigos, nesse caso, os criminosos e os praticantes de atos que atentem contra a moral e os bons costumes da sociedade. O presente artigo pretende demonstrar que as garantias e direitos individuais não podem ser abolidas por mera vontade do Estado, estando essas garantias e direitos assegurados de forma pétrea pela Constituição de 1988, o que impede a aplicação do Direito Penal do Inimigo no atual ordenamento jurídico, já que essa tese é bloqueada pela clausula pétrea da CRFB/88 em seu artigo 60°, §4º inciso IV, que garante os princípios liberais do Estado de Direito. PALAVRAS CHAVES: direito penal do inimigo, cláusula pétrea, delinquente, Estado. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Direito à Liberdade, Igualdade e o Principio da Dignidade Humana; 3. Contraditório e Ampla Defesa 4. Clausula Pétrea a proteção máxima dos Direitos e Garantias Individuais; 5. Direito Penal do Inimigo e o Nazismo; 6. Indícios do Direito Penal do Inimigo no Sistema Jurídico Brasileiro; 6.1. RDD - Regime Especial Diferenciado; 6.2. Lei do Abate de Aeronaves Suspeitas; 6.3 Lei de Crimes Hediondos antes da Alteração feita pela Lei 11.464/07; 6.4 Lei Maria da Penha; 7. Conclusão; Referências
1 INTRODUÇÃO No ano de 1985 foi desenvolvida a teoria do Direito Penal do Inimigo por um doutrinador alemão chamado Günter Jakobs. Segundo sua teoria, todo delinquente, e neste caso iremos considerar como “delinquente” toda pessoa que pratique algum crime da alta relevância, ou seja, potencialmente suspeita a vir a cometer algum crime desta natureza, deve ter seus direitos e garantias individuais retirados, uma vez que ao romper o elo de boa convivência com a sociedade esses delinqüentes adquirem o status de criminosos e devem ser tratados como uma ameaça. De acordo com Jakobs, o delinquente que adquiriu o status de criminoso não possui consciência humana, voltando a um estado de natureza animal, perdendo totalmente a capacidade de conviver em uma sociedade pacifica. Sendo assim, esses delinquentes devem ser punidos por conta de sua natureza animal, os direitos e garantias devem ser retirados desses indivíduos incapazes de conviver na coletividade, para que o Estado possa operar com uma punição severa e rígida, atendendo assim a vontade da sociedade. O fato, como fato de uma pessoa racional significa algo, ou seja, uma rejeição da norma, uma agressão à sua validade, e a pena significa igualmente algo, ou seja, a imposição do autor seria incompetente e a norma continuaria valendo inalterada, portanto, a configuração da sociedade continuaria mantida. Tanto o fato como a coação penal são, neste ponto, meios de interação simbólica e o autor é tomado seriamente como pessoa(...). (JACKOBS 2004) Cumpre salientar que, para o referido teórico, o criminoso é diferente do delinqüente, pois o delinqüente tem status de pessoa até que cometa algum crime de alta relevância e perca esse status, tornandose então um criminoso. Nota-se portanto que, nessa teoria, enquanto o individuo mantiver o status de pessoa, este garante todos os seus direitos individuais e deve ter o devido processo legal respeitado, ao passo que,
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ao perder o status de pessoa, passa a ser considerado inimigo do Estado, perde direitos e garantias individuais e não tem direito a um devido processo legal, por estar em guerra com o Estado, ameaçando a sociedade. Jakobs desenvolveu sua teoria tendo como base um triângulo, ou seja, três elementos que servem como pilares e sustentam o Direito Penal do Inimigo como a melhor forma de diminuir ou mesmo extinguir a criminalidade. O Direito Penal do Inimigo se caracteriza por três elementos: em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva [...]. Em segundo lugar, as penas previstas são desproporcionalmente altas [...]. Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas. (JACKOBS 2010) O primeiro elemento diz respeito a antecipação de punição, o que significa que o delinquente pode ser preso antes que cometa algum crime, visando proteger antecipadamente a sociedade de um possivel ato violento que poderia ser praticado por algum individuo suspeito. Assim, podemos ter como exemplo o sujeito que por ser considerado agressivo é preso preventivamente, para evitar que em um surto de furia venha a por em risco algum indivíduo da sociedade. O segundo elemento nos fala sobre a desproporcionalidade das penas e a retirada de certas garantias individuais de maneira que, para os inimigos (os delinquentes) as penas poderiam ser alteradas pela vontade do Estado, permitindo-lhe retirar direitos e garantias que recaiam sobre os considerados inimigos do Estado. Destarte, o indivíduo preso por praticar um crime grave, que cause repúdio, poderia ter sua pena aumentada para além do previsto no Código Penal, poderia perder direito de defesa, e ficar preso isolado, incomunicável seja com familiares ou advogados. O terceiro e último elemento requer que sejam criadas penas mais severas para crimes considerados hediondos, repudiados pela
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sociedade, e que se atenda ao clamor social. Essas leis devem ser criadas para atender uma clientela que cresce cada vez mais e espalha o terror e o medo na sociedade. É o caso, por exemplo, dos terroristas, assassinos, traficantes, estupradores etc. Trata-se da criação de penas severas de caráter perpétuo ou mesmo pena de morte para os criminosos praticantes de crimes hediondos, os quais deveriam ser tratados de forma diferenciada e serem punidos a exemplo, para inibir ou frear a violência que atinge a sociedade Deve-se observar que essa pirâmide tem um calcanhar de aquiles, uma vez que o segundo elemento é anulado pelo terceiro no quesito de crimes de grande repúdio para a sociedade, pois se no Direito Penal do Inimigo podem existir penas severas à bela vontade do Estado, não há de se falar em aumentar as penas para além dos limites legais estabelecidos pelo próprio Estado, seria uma falácia. Também existe o fato de não se poder aumentar a pena de morte, ou mesmo sentenciar um individuo a dez prisões perpétuas, por exemplo. Existe uma corrente favorável e uma majoritária contrária à aplicação do Direito Penal do Inimigo no Estado brasileiro. A segunda corrente sustenta que essa tese fere os princípios liberais do Estado de Direito e os Direitos Humanos, uma vez que a nossa Carta Magna acolhe os princípios da presunção da inocência, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório e várias outras garantias dentro de um processo penal. Jakobs com sua teoria visa à diminuição da criminalidade que atinge toda a sociedade. Segundo ele, a adoção do Direito Penal do Inimigo pelo Estado, não significa um Estado Totalitário, onde não existem o contraditório e a ampla defesa. Pelo contrário, por se tratar de uma espécie de Direito, o Direito Penal do Inimigo deve ser administrado dentro de um Estado Democrático. Ao contrário do que muitos acreditam, o Direito Penal do Inimigo não deve ter sua aplicabilidade discutida dentro de um Estado Totalitário, mas sim em um Estado Democrático de Direito, devido à diferença entre Estado com Direito (Totalitário) e Estado de Direito (Democrático). Conforme nos ensina a doutrinadora Gracia Martin (2007, p.79) A meu ver, um debate e uma indagação acerca desse denominado Direito Penal do Inimigo não poderiam ser feitos, nem teriam sentido, em relação à legislação de um regime totalitário. Nos regimes deste tipo, pode-se dizer que na realidade toda a legislação está inspirada pela ideologia de guerra contra inimigos. Essas legislações, do meu ponto de vista, não podem comungar da idéia do Direito e, do ponto de vista material, não podem ser reconhecidas como meros dispositivos de coação; por outro lado, nos Estados totalitários não pode ser reconhecido nenhum Estado de Direito, dado que, (...), não são a mesma coisa Estado com Direito e Estado de Direito. O debate sobre um Direito Penal do Inimigo, portanto, só pode ocorrer e ter sentido em relação ao Direito de sociedades democráticas que reconhecem e garantem direitos e liberdades fundamentais e que depositam o poder em autênticos e reais Estados de Direito. 2 DIREITO A LIBERDADE, IGUALDADE E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA A Constituição em seu artigo 5º, caput, diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Essa igualdade tratada pela Constituição é o que constitui o fundamento máximo de Democracia, uma vez que os homens não são todos iguais, pois existem várias diferenças entre os indivíduos, seja nas características físicas, no pensamento político ou ideológico de cada um. Segundo Celso Ribeiro Bastos: Essa igualdade, contudo, a despeito da carga humanitária e idealista que traz consigo, até hoje nunca se realizou em qualquer sociedade humana. São muitos os fatores que obstacu-
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lizam a sua implementação: a natureza física do homem, ora débil, ora forte; a diversidade da estrutura psicológica humana, ora voltada para a dominação, ora para a submissão, sem falar nas próprias estruturas políticas e sociais, que na maior parte das vezes tendem a consolidar e até mesmo a exacerbar essas distinções, em vez de atenuá-las.(BASTOS 1992). A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental e, portanto, alcança a toda pessoa humana, sem distinção de origem, sexo, raça, credo e cor. O Principio da Dignidade humana está interligado com os princípios da liberdade e igualdade, ambas previstas na Constituição. Assim, podemos afirmar que “o ser humano é digno de respeito pela eminência de ser livre” (ROSENVALD 2005) A professora Giselda Hironaka, sobre a dignidade como essência da humanidade, diz: Se a liberdade é a essência dos direitos do homem, a dignidade é a essência da humanidade. Ela se apresenta como a reunião simbólica de todos os homens naquilo que eles têm de comum, isto é, sua qualidade de ser humano. (HIRONAKA 2005). Verdadeiro é que todo ser humano nasce livre e tem a dignidade como um pré-requisito fundamental de liberdade e igualdade. Diante disso, não pode existir pessoa sem dignidade. A dignidade é de essência natural, inerente à essência de cada pessoa. Segundo Norberto Bobbio (2000, p.502) O fundamento da forma de governo democrática em oposição às várias formas de governo autocráticas, que dominaram grande parte da história do mundo, é o reconhecimento da “pessoa”. Ora, o homem é ao mesmo tempo “pessoa moral”, em si mesmo considerado, e “pessoal social” (recordemos o celebérrimo “animal político” de Aristóteles), já que vive, desde o nascimento até a morte, em vários círculos, que vão da família à nação, da nação à sociedade universal, através dos quais a sua personalidade se desenvolve, se enriquece e assume aspectos diversos, de acordo com os diferentes círculos nos quais vive. Por isso, nenhum ser humano pode renunciar à sua dignidade, haja vista que a condição para a existência da dignidade é a vida. A Constituição Federal assegura a vida como uma de suas garantias fundamentais em seu artigo 5º caput; Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (BRASIL, 1988) Isso posto, a teoria do Direito Penal do Inimigo tem mais uma falha, pois como aplicar uma teoria que versa sobre a retirada das garantias e direitos individuais, sendo que essas mesmas garantias estão amparadas de forma pétrea pela Constituição de 1988 e são da essência da pessoa humana, não sendo portanto passíveis de serem retiradas. 3 CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA Os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa são assegurados na nossa Constituição no artigo 5º, inciso LV. Esses princípios constitucionais também podem ser definidos pela expressão “audiatur et altera pars”, que é o mesmo de se dizer “ouça-se também a outra parte”. Os princípios do contraditório e da ampla defesa são requisitos do devido processo legal, o que caracteriza a possibilidade de uma defesa ampla, justa, utilizando-se de todos os meios de defesa admitidos no Direito, garantido assim a segurança jurídica.
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Ou seja, se o sujeito que comete um crime tem seu Direito de defesa assegurado pelo princípio do devido processo legal, não há que se falar na aplicabilidade do Direito Penal do Inimigo, pois essa teoria não respeita o contraditório ou a ampla defesa não existindo em seu bojo um devido processo legal, mas sim a mera e simples vontade do Estado sobre o sujeito que pratica qualquer conduta considerada atentatória à moral, à dignidade e aos bons costumes da sociedade. Não existe na teoria do Direito Penal do Inimigo a possibilidade de uma defesa justa, ou seja, a vontade do Estado é a única que pode reinar em absoluto sobre o sujeito “infrator”, as possibilidades de punição se tornam infinitas em face do sujeito ”delinqüente” uma vez que inexiste a possibilidade de uma defesa justa. 4 CLAUSULA PÉTREA, A PROTEÇÃO MÁXIMA DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS A aplicação do Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico brasileiro tem como efeito um fato que causa a eliminação ou diminuição dos direitos e garantias individuais inerentes à cidadania que são assegurados pela cláusula pétrea da CRFB/88, em seu artigo 60°, §4° inciso IV. Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. (BRASIL 1988) Observa-se que o poder constituinte originário fez questão de proteger os direitos e garantias individuais de forma máxima, garantindo assim que nenhum cidadão seja vítima de tratamento cruel e desumano. O artigo 60 §4 inciso IV tem por finalidade inibir quaisquer tentativas de diminuição ou exclusão de direitos e garantias. O Direito Penal do Inimigo não pode ser recepcionado pelo ordenamento atual pátrio, por força expressa desse dispositivo legal, uma vez que, se não existisse esta clausula pétrea, o artigo 5º da CRFB/88 poderia sofre alterações à vontade do Estado ou mesmo ser retirado da Constituição, possibilitando somente desta maneira a entrada do Direito Penal do Inimigo no Estado Brasileiro. 5 DIREITO PENAL DO INIMIGO E O NAZISMO No ano de 1933, o então Chanceler da Alemanha, Adolf Hitler, assume o poder naquele país, com o aval da assembléia nacional. Hitler teve como sua base central de governo a expansão da Alemanha e a eliminação dos Judeus. Com relação aos Judeus, eles tiveram todos os seus direitos e garantias retirados, pois perderam o titulo de cidadãos. O Estado Alemão confinou-os em campos de concentração, com a intenção de exterminar a todos em suas câmaras de gás. Adolf Hitler queria eliminar uma determinada classe, um determinado grupo de indivíduos, por razões de etnia, raça e religião. Fica expresso o ódio pelos judeus em seu livro Main Kampt: A doutrina judaica do marxismo repele o princípio aristocrático na natureza. Contra o privilégio eterno do poder e da força do indivíduo levanta o poder das massas e o peso-morto do número. Nega o valor do indivíduo, combate a importância das nacionalidades e das raças, anulando assim na humanidade a razão de sua existência e de sua cultura. Por essa maneira de encarar o universo, conduziria a humanidade a abandonar qualquer noção de ordem. E como nesse grande organismo, só o caos poderia resultar da aplicação desses princípios, a ruína seria o desfecho final para todos os habitantes da Terra (HITLER 1983; p.31)
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O livro se tornou leitura obrigatória na Alemanha após a ascensão do partido nazista, ele era dado de presente aos noivos, e os empregados poderiam denunciar os patrões caso estes não tivessem o livro em sua prateleira. O livro era muito eficaz em cumprir o seu propósito de disseminar o ódio aos judeus. O nazismo tinha como base a separação, rotulação do povo, ou seja, os que não se enquadrassem no conceito de cidadãos não se enquadravam no conceito de seres humanos, mas sim de subumanos ou raça inferior, o que era considerado pelos nazistas como um câncer, que se mistura com a raça pura e a destrói, segundo Hitler. O Estado nacionalista divide seus habitantes em três classes: cidadãos, súditos e estrangeiros. Só o nascimento dá, em princípio, o direito de cidadania, Não dá, porém, o direito de exercer cargo público ou tomar parte na política, para votar ou ser votado. Quanto aos chamados súditos, a raça e a nacionalidade terão sempre que ser declaradas. A esses é livre passarem dessa situação à de cidadãos do país, dependendo isso da sua nacionalidade. O estrangeiro é diferente do súdito no fato de ser súdito em um país estrangeiro (...). Deve ser uma honra maior ser varredor de rua em sua Pátria do que rei em país estrangeiro. (HITLER 1983; p. 274). A teoria de Jakobs tem uma enorme semelhança com o Nazismo, no sentido de separar determinado grupo de indivíduos do restante da sociedade, fazendo recair sobre esse grupo todo tipo de punição e barbáries que o Estado determinar, sem rancor, atendendo ao clamor social. Nesse sentido, Rossato diz: Existe um grande clamor social pela atuação do direito penal, o qual decorre principalmente da impossibilidade do controle através dos outros meios, podendo ser afirmada aqui a incompetência política de gestão. Pode-se perceber que toda essa dificuldade de controle dos novos riscos apresenta-se nas propostas de expansão do direito penal (ROSSATTO,2014). Os judeus foram marcados pelo nazismo e mais de 40 anos depois a teoria de Jakobs surge como uma nova maneira de rotular as pessoas, consideradas não cidadãs pelo Estado. A semelhança entre as duas ideologias é grande nesse aspecto. Jakobs e sua teoria não devem ser considerados como loucos ou sonhadores, pelo contrário. Sua teoria deve ser estudada e interpretada com cuidado para que os horrores e atrocidades da segunda grande guerra não voltem a acontecer neste novo século. 6 INDÍCIOS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO A melhor doutrina do Direito Penal demonstra alguns exemplos de indícios do Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico brasileiro, dentre os quais o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), a Lei 9.614/98 - Lei do abate de aeronaves suspeitas, e a Lei de crimes hediondos antes da alteração da Lei 11.464 de 28 de março de 2007. 6.1 RDD – REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO Foi introduzido no ano de 2003 o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), que recai sobre presos provisórios ou já condenados, com suspeita de participação ou associação com as organizações criminosas. Desta maneira basta que qualquer preso seja suspeito de participar de organização ou bando criminoso para que ele seja submetido ao RDD, que nada mais é que o isolamento desse preso. Muitos doutrinadores criticam esta lei, entre eles o Professor Rômulo de Andrade Moreira (2006) afirmando que o RDD é inconstitucional num
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todo: “Cotejando-se, portanto, o texto legal e a Constituição Federal, concluímos com absoluta tranqüilidade ser tais dispositivos flagrantemente inconstitucionais”, pois segundo ele o RDD fere princípios fundamentais e expõe o preso a tratamento desumano, o que é expressamente vedado pela Constituição em seu artigo 5º inciso III “garantindo que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante”. Contudo, deve-se ressaltar que no RDD nenhum direito ou garantia individual é retirado do preso, e no entendimento dos autores desta obra o simples fato do preso ser isolado dos demais, não configura tratamento desumano ou degradante, mesmo porque todos seus direitos de ampla defesa, visita de advogado, contraditório estão preservados. 6.2 LEI DO ABATE DE AERONAVES SUSPEITAS A Lei do Abate de aeronaves (Lei 9.614/98) é a autorização dada à FAB (Força Aérea Brasileira) para a destruição de aeronaves suspeitas de transportar drogas ilícitas, armas de fogo, ou qualquer produto ilegal, desde que a aeronave suspeita não obedeça a ordem de pouso da FAB. Esta Lei deve ser considerada inconstitucional pois, salvo em caso de guerra, o Brasil não prevê a pena de morte em sua Carta Magna, e com o abate da aeronave suspeita os passageiros do avião estariam sendo executados, sem direito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. 6.3 LEI DE CRIMES HEDIONDOS (8.072/90) ANTES DA ALTERAÇÃO FEITA PELA LEI 11.464/07 A Lei de Crimes Hediondos (8.072/90) antes da alteração feita pela Lei 11.464/07 é um bom exemplo de vestígio do Direito Penal do Inimigo no Brasil. Ocorreu que, nos anos 90, o Estado atendendo ao clamor social inovou em criar um novo poder punitivo, que era o cumprimento da pena em regime integralmente fechado, como tentativa de inibir a violência. Atualmente o dispositivo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 82.959-7. 6.4 LEI MARIA DA PENHA A Lei Maria da Penha (lei nº 11.340/06) foi criada para proteger a mulher contra agressões de seus companheiros, visando proteger a vida e a integridade física das mulheres. Porém, ao ler a letra da lei, não se pode deixar de notar indícios do Direito Penal do Inimigo em alguns de seus artigos, como por exemplo no Artigo 20 da Lei Maria da Penha. Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. O que mais chama a atenção com relação ao artigo citado é o fato do suspeito poder se preso sem ter cometido uma nova agressão, ou seja, o simples fato de o individuo representar uma ameaça para a mulher já é o bastante para expedir mandado de prisão preventiva em seu desfavor. Neste caso existe uma forte violação ao principio da presunção de inocência, pois ninguém pode ser preso sem ser declarado culpado e o simples fato de o individuo ser considerado uma ameaça não é o suficiente para prendê-lo. O artigo 20 da Lei Maria da Penha é um exemplo prático de indício do Direito Penal do Inimigo no ordenamento Jurídico Pátrio, mas não há de se falar na aplicabilidade desse Direito, uma vez que, declarada a prisão preventiva do individuo, este mantém seus Direitos e garantias individuais, não estando portanto sob o domínio irrestrito do Estado.
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7 CONCLUSÃO Face ao exposto, entende-se que a aplicação do Direito Penal do Inimigo não proporciona a segurança jurídica – essencial no Estado Democrático de Direito – aos cidadãos, uma vez que a característica de cidadão pode ser retirada de qualquer pessoa que seja considerada uma ameaça ao Estado, e esta automaticamente perde seus direitos e garantias individuais, passando a sofrer uma intervenção sem limites pelo Estado, impossibilitando sua ampla defesa e o contraditório assegurados pela Constituição ora em vigor. Conclui-se, ainda, que o Direito Penal do Inimigo não encontra indício explícito no RDD, na Lei de crimes Hediondos e na Lei Maria da Penha, uma vez que no RDD, Lei de crimes Hediondos e na Lei Maria da Penha o contraditório e a ampla defesa são respeitados, deixando apenas leves semelhanças com o Direito Penal do Inimigo. Contudo, a Lei do Abate deve ser considerada como a única dentre as demais mencionadas neste artigo que possui uma forte semelhança com a Teoria do Direito Penal do Inimigo, uma vez que trata-se de uma execução sumária de uma possível e potencial ameaça, desrespeitando o contraditório e a ampla defesa, o que claramente não demonstra segurança jurídica. É importante ressaltar que a semelhança da Lei do Abate com a Teoria de Jakobs não significa que o Direito Penal do Inimigo esteja sendo aplicado ou recepcionado pelo ordenamento jurídico pátrio, mas apenas comparado à Teoria de Jakobs. Conforme demonstrado ao longo do presente artigo, concluimos que no atual ordenamento jurídico em vigor no Estado brasileiro, o Direito Penal do Inimigo não pode ser aplicado por gerar graves violações de princípios constitucionais, ausência de segurança jurídica e por força da máxima vedação constitucional imposta pela clausula pétrea do artigo 60, §4 inciso IV da Constituição da República de 1988. REFERÊNCIAS BARCELLOS, Ana Paula de. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Luís Roberto Barroso (organizador). 3ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 32; 55-57. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 502. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. BRASIL, Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm. ( Acesso em 22 de maio de 2014). BRASIL, Lei nº 9.034, de 03 de maio de 1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Revogada pela Lei nº 12.850 de 2013, Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9034.htm.(Acesso em 01 de maio de 2014). BRASIL, Lei nº 9.614, de 05 de março de 1998. Altera a Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, para incluir hipótese destruição de aeronave. Diário Oficial da República Federativa do Brasil], Brasilia, DF, de 05. mar. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. (Acesso em 15 de maio de 2014). BRASIL, Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003. Altera a Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984 - Lei de Execução Penal e o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941-Código de Processo Penal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.792.htm. (Acesso em 11 de abril de 2014). BRASIL, Lei N.°11.340, de 07 de Agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. (Acesso em 22 de maio de 2014). BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 2010 p. 317.
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NOTAS DE FIM 1 Acadêmico do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Processo Civil Aplicado pelo CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor Assistente e Pesquisador da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Auxiliar da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor Adjunto e Pesquisador do Centro Universitário UNA. Professor Adjunto e Pesquisador da Faminas-BH. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI). Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”. 3 Hassan Magid de Castro Souki, Cristian Kiefer da Silva
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OS ASPECTOS POLÊMICOS DA APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE À LUZ DO PRINCÍCIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Júlia Machado Caldeira1 Cristian Kiefer da Silva2 Banca examinadora3 RESUMO: Neste artigo, são feitas algumas observações acerca da dinâmica e dos aspectos relevantes que envolvem a adoção da pena de morte na prevenção da criminalidade. Para uma melhor compreensão do tema, este trabalho foi dividido em quatro grandes áreas temáticas. Na primeira área, é apresentada a pena de morte como uma prática universalmente usada para punir os crimes terríveis. Sua aplicação vem desde épocas remotas, tendo surgido entre as primeiras civilizações. Na segunda área, discute-se a possibilidade de aplicação da pena de morte no contexto do Estado Democrático de Direito, a qual não proporciona nenhuma proteção, nenhum benefício à sociedade, e traz indagações acerca da falibilidade humana, que torna impossível que a pena de morte seja aplicada de maneira imparcial e coerente. Na terceira área, procura-se estabelecer a efetividade e a importância do direito à vida. Por fim, na quarta área temática, busca-se mostrar que as justificativas para o combate à pena de morte no Direito brasileiro estariam ligadas ao próprio Estado, garantidor do direito à vida. Não se pode pensar em equilíbrio quando se pune o homicídio, quando se rejeita o aborto, quando se criminaliza a eutanásia, ou seja, quando qualquer atentado à vida é repugnado. Nesse mesmo diapasão, admite-se que o Estado, na sua grandeza e soberania, possa atentar contra a vida de alguém a título de punição. PALAVRAS-CHAVE: Pena de morte; direito à vida; violência; redução da criminalidade; ressocialização. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA DE MORTE; 2.1 No mundo; 2.2 No Brasil; 3 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E A PENA DE MORTE; 3.1Restrições da ONU quanto à adoção da Pena de Morte; 3.2 Convenções internacionais; 4 MODALIDADES DE PENAS; 5 FORMAS DE EXECUÇÃO DA PENA CAPITAL; 6 A PENA DE MORTE NO DIREITO COMPARADO; 7 POR QUE ABOLIR A PENA DE MORTE?; 7.1 A pena de morte deve ser abolida em todos os casos sem exceções; 7.2 A pena de morte possibilita erros; 7.3 A pena de morte é imoral; 8 OPINIÃO PÚBLICA E A DECISÃO PELA ABOLIÇÃO; 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 INTRODUÇÃO A pena de morte, polêmico instrumento de punição, é adotada em muitos países. É um fenômeno social potencialmente ofensivo no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, quando aplicada, é irreversível. Atualmente, há uma grande discussão quanto à possibilidade de serem implementadas no Brasil as penas de morte e de caráter perpétuo. Parte da população, indignada com o aumento da criminalidade, entende que tais penas seriam uma forma de tentar inibir a prática de infrações penais graves. No entanto, independentemente da discussão que se possa travar a respeito desse assunto, cabe-nos, nesta oportunidade, mencionar apenas sobre a sua viabilidade ou não, considerando-se os termos do inciso XLVII do art.5º, que as proíbe expressamente, salvo nos casos por ela própria excepcionados. Em análise ao tema, constata-se que o direito fundamental à vida é ofendido se tal método for admitido no ordenamento. Entretanto, a problemática que se instaura é a seguinte: com a possibilidade de aplicação da pena de morte no Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana seria suplantado? A pena de morte é uma solução para o direito? É mais importante o Estado matar do que promover a vida? De acordo com o art.60, § 4º, IV, da Constituição Federal, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Ora, as vedações das penas de morte e de caráter perpétuo se encontram no capítulo I do título II da Constituição da República, que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais. Assim, logo não poderia, em caso de reforma da Constituição Federal, sequer ser objeto de deliberação a proposta de emenda que tivesse a finalidade de trazê-las para o nosso ordenamento jurídico-penal. LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
A crueldade da pena de morte não se limita ao momento de sua execução, mas também ao momento em que se prolata a sentença ao condenado. A deliberação acerca de quem vai viver ou morrer pode estar viciada por fatores não diretamente relacionados, como a culpabilidade, a inocência, as pressões econômicas, a comunidade, as interpretações diferentes das leis, as opiniões parciais de juízes e jurados, entre outros. A questão prática atinente ao trabalho converge na proteção e segurança jurídica a um bem maior que todos os outros: a vida. Através do tema proposto, será demonstrado que a própria humanidade ou sociedade jurídica brasileira se desmoraliza ao aceitar este tipo de pena como elemento desmoralizador dos meios de criminalidade. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA DE MORTE De acordo com Beccaria (2008, p. 29), a pena de morte é encarada sob uma ótica reformadora, sendo a certeza da punição o real caminho para a prevenção dos crimes, e não o terror das próprias penas. Segundo o autor: A finalidade das penas não é atormentar e afligir um ser sensível [...]. O seu fim [...] é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo. A pena de morte vem sendo aplicada desde o início da civilização humana. Em tempos mais remotos, utilizava-se essa espécie de pena para tentar impedir os conflitos de interesses com pequeno grau ofensivo para a sociedade. 2.1 No mundo A pena de morte é uma prática universalmente usada para punir os crimes terríveis. Sua aplicação vem desde épocas remotas, tendo surgido entre as primeiras civilizações.
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O Código de Hamurabi e o Código Draconiano da Grécia Antiga comprovam que tal prática era comum na Idade Antiga. Com o passar dos anos, a pena capital – outro nome dado à pena de morte – foi sendo difundida, passando a ser adotada pela maioria das nações. Os países que seguem o islamismo são adeptos da pena capital como reeducação social, pois esses povos possuem em sua cultura um livro religioso, denominado Alcorão, em que prevalecem as penas cruéis e desumanas (SOUZA, 2007). Já na Roma antiga, eram punidos com a morte os delitos considerados de alta periculosidade. Na Antiguidade, a pena normalmente atingia o corpo da pessoa que cometia o delito, para que, através do sofrimento físico ou até mesmo do sacrifício humano, o indivíduo não cometesse delitos novamente, servindo de exemplo para outros que pretendessem praticar o mesmo tipo de crime. A pena capital era precedida de sofrimentos como castigos individuais, através de flagelos ao corpo, com finalidade corretiva ou intimidatória. A execução era feita, geralmente, através de um processo que corria em sigilo, utilizando-se a tortura para obtenção da confissão do delito do suposto crime cometido. Sendo assistido por todos, possuía o caráter e a intenção de demonstrar o poder do Estado e da Igreja. Durante a Idade Média, o Absolutismo estatal e a Inquisição atingiram seu ápice, difundindo seus valores e suas práticas em toda a sociedade feudal, dentre elas a utilização da pena de morte como forma de punir aqueles que atentavam contra o Estado e a Igreja Católica. A Inquisição tinha como objetivo frear o enfraquecimento da Igreja Católica perante a sociedade. Por outro lado, o Absolutismo justificava a imposição da pena de morte na teoria de que a autoridade e a legitimidade do monarca advinham do mandamento Divino, sendo o rei enviado por Deus para governar os outros homens. Assim, aquele que atentasse contra o Estado e seu monarca – crime de lesa -majestade – estaria atentando contra Deus, devendo ser punido com a perda da própria vida. A influência da Igreja na Idade Média culminou no surgimento das ordálias ou “juízos de Deus”. Os acusados eram submetidos a diversas torturas, como simulação de afogamentos e a utilização do ferro em brasa. A prisão possuía natureza processual, apenas para aguardar a aplicação da pena aflitiva. Com o enfraquecimento do Estado Absolutista e o fim da Inquisição, a legitimidade da pena de morte passou a ser questionada. Com o avanço da civilização e a evolução da doutrina penal, a esfera da aplicação dessa pena tornou-se cada vez mais restringida. Desse modo, até o período iluminista, as penas possuíam um caráter aflitivo, que recaía sobre o corpo do condenado, sem, no entanto, lhe causar a morte. As mais utilizadas eram os castigos corporais, a pena de morte, as penas infamantes e as de natureza pecuniária. O século XVIII foi o marco fundamental para a substituição das penas corporais pelas privativas de liberdade e para modificações no processo penal, principalmente em razão da influência do princípio da dignidade da pessoa humana. Nas palavras de Greco (2011, p. 39): O período iluminista teve fundamental importância no pensamento punitivo, uma vez que, com o apoio na razão, o que outrora era praticado despoticamente, agora necessitava de provas para ser realizado. [...] O ser humano passou a ser encarado como tal, e não mais como mero objeto sobre o qual recaía a fúria do Estado. A partir daí iniciou-se um processo de abolição da pena de morte. O primeiro país a abolir a pena de morte foi Portugal. Antes de 1867, essa pena foi retirada do ordenamento jurídico de forma gradual para vários tipos de crimes; no entanto, apenas a reforma penal ocorrida
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nesse ano que retirou a previsão da pena morte para todos os crimes. A reforma penal portuguesa aboliu de vez o uso da pena de morte no país, previsão também expressa na Constituição portuguesa da época. 2.2 No Brasil No Brasil, a pena de morte existia mesmo antes do nosso descobrimento, pois havia várias tribos indígenas adeptas do canibalismo, que, geralmente, era praticado contra prisioneiros de guerra ou pessoas estranhas que invadiam suas terras. Quando ocorreu a Revolução Francesa na Europa, alguns brasileiros estavam insatisfeitos com a dominação portuguesa no Brasil, pelo fato de se apropriarem de todas as riquezas do país e as levarem para Portugal, sem que os brasileiros pudessem usufruir delas. Com isso, muitos se rebelaram, especialmente em Minas Gerais, deflagrando um movimento denominado Inconfidência Mineira. O Brasil foi oficialmente o primeiro país da América Latina a abolir a pena de morte para crimes comuns. Desde então, nas constituições seguintes, a pena capital deixou de ser aplicada, com exceção da Carta Magna da Constituição de 1937. Na atual Constituição de 1988, mesmo com suas constantes emendas, a pena capital é estritamente proibida, salvo em casos muito específicos e previstos em lei. A reintrodução da pena capital vem sendo cada vez mais discutida pela opinião pública, principalmente quando a sociedade se depara com casos de atrocidades que geram um sentimento de indignação e revolta. Segundo defensores da instituição da pena capital, existem indivíduos irrecuperáveis, que representam um risco contínuo e constante para a sociedade, como pessoas que cometem crimes bárbaros que causam comoção popular, e, muitas vezes, não apresentam arrependimento aparente. No entanto, a discussão acerca desse tema é muito mais complexa do que simplesmente o ato de punir com a morte em si. A pena de morte não é uma questão abstrata, pois a decisão de aplicá-la significa que homens e mulheres serão selecionados para morrer. Assim, a possibilidade de aplicação da pena de morte no contexto do Estado Democrático de Direito não proporciona nenhuma proteção e nenhum benefício à sociedade. A falibilidade humana torna impossível que a pena de morte seja aplicada de maneira imparcial e coerente. Fazer justiça não significa repetir um ato que a própria sociedade condena. Dissertando sobre a pena de prisão perpétua, Hassemer e Conde (2008, p. 85) esclarecem com precisão: A prisão perpétua se constitui, hoje, em muitos ordenamentos jurídicos, como a reação social punitiva mais grave que legalmente se pode impor ao autor de um delito. De fato, constitui uma morte em vida e pode produzir o mesmo ou um maior grau de aflitividade que a pena de morte. [...]. Seu principal inconveniente para o sistema penitenciário é que é incompatível com a ressocialização e, portanto, torna-se desnecessária qualquer intervenção ou tratamento do condenado, pois, em princípio, faça este o que fizer, mostre ou não sinais de arrependimento pelo delito em virtude do qual fora condenado, modifique ou não sua conduta e seu sistema de valores, seguirá encerrado até que morra. Embora seja adotada por muitos países, inclusive por aqueles considerados “mais desenvolvidos”, a exemplo do que ocorre com os Estados Unidos e Japão, a tendência mundial tem sido pela abolição da pena de morte, seja essa abolição total, ou mesmo parcial, como ocorre no Brasil, que a reserva somente para os casos de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX da Constituição Federal, sendo, neste caso, executada por fuzilamento, conforme determina o art. 56 do Código Penal Militar.
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3 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E A PENA DE MORTE Conforme pesquisa histórica e jurídica de âmbito internacional sobre a pena de morte, alguns aspectos que, apesar de serem ideológicos e antagônicos, recebem destaque por serem consequências de mundo pós Segunda Guerra Mundial. Sob uma linha histórica, observa-se que o Tribunal Militar de Nuremberg, que demonstrou um poderoso impulso ao movimento de internacionalização dos direitos humanos, foi atribuído por meio do Acordo de Londres, pelos governos da França, Estados Unidos da América, Grã -Bretanha e da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em situação direta às violências e barbáries do Holocausto, para processar e julgar os “grandes criminosos de guerra”, acusados de colaboração direta para com o regime nazista. O art. 6º desse Acordo verificou os crimes de competência do Tribunal, a saber: Crimes contra a paz, Crimes de guerra, Crimes contra a humanidade. Portanto, como os “grandes criminosos de guerra” seriam incorridos em tais crimes, o Tribunal aplicou dentre outras penas, a pena de morte por enforcamento. Em relação aos Tratados que relatam sobre a pena de morte, merece destaque a Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecido como Pacto de São José da Costa Rica. Tal convenção é instrumento fundamental do sistema interamericano de direitos humanos. Foi assinada em 1969, tendo entrado em vigor internacional em julho de 1978. O Brasil a ratificou somente no ano de 1992, sendo a mesma sido promulgada internamente pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro desse mesmo ano. Em meados de 1990, houve o Protocolo à Convenção Americana sobre Direito Humanos referente à abolição da Pena de Morte. Verificou-se que o Brasil, ao assinar tal Protocolo, fez a ressalva de que, devidos aos imperativos constitucionais, reservasse o direito de realizar a pena de morte em tempo de guerra, de acordo com o Direito Internacional, por delitos graves de caráter militar. 3.1 Restrições da ONU quanto à adoção da Pena de Morte A Assembleia Geral das Nações Unidas deu um passo importante a nível mundial rumo à abolição definitiva da pena de morte, melhorando, assim, a proteção dos direitos humanos e a inviolabilidade da pessoa humana. A Assembleia Geral lançou sérias dúvidas sobre o suposto efeito dissuasor da pena de morte sobre a criminalidade e salientou o perigo de se cometerem erros na aplicação da pena capital e as consequências irreparáveis de tais erros que, como os métodos da medicina forense têm repetidamente demonstrado, ocorrem de fato, mesmo em países que dispõem de sistemas de investigação e jurídicos sofisticados. Segundo a Anistia Internacional, cento e trinta e três países aboliram a pena de morte na sua legislação ou na prática. E essa tendência continua a acentuar-se. Ruanda, um país que sofreu o crime do genocídio e onde as pessoas ainda estão insatisfeitas com a justiça, decidiu-se não aplicar a sanção máxima que é a pena capital. Ao fazê-lo, Ruanda reconheceu vigorosamente a importância de se fazer justiça, repudiando, ao mesmo tempo, o recurso à violência para consegui-lo. Apesar dessa evolução e não obstante o fato de um pequeno grupo de países como a China, o Irã, o Iraque, o Paquistão, o Sudão e os Estados Unidos serem responsáveis por 91% das execuções em 2006, a pena de morte continua a ser aplicada em vários lugares. A pena de morte deve ser considerada como uma exceção extrema ao direito fundamental à vida, protegido pelo direito internacional, e, como tal, deve ser interpretada da maneira mais restritiva. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos enumera restrições específicas à sua imposição. Em particular, afirma que a pena capital apenas pode ser imposta no caso dos crimes mais graves e só após um julgamento, desde que assegurado o direito de recurso, no respei-
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to escrupuloso das garantias processuais, não podendo ser aplicada a menores e mulheres grávidas. Os mecanismos de direitos humanos esclareceram também que a pena capital não pode ser obrigatória, nem executada em segredo. Além disso, os métodos de execução devem respeitar as normas que estabelecem que seja infligido o mínimo sofrimento físico e mental possível. Por sua vez, a ONU defende a abolição da pena de morte ou, no mínimo, restrições no recurso à mesma, nomeadamente moratórias. Assim, os estatutos dos Tribunais Penais Internacionais para a ex-Iugoslávia e para Ruanda, criados pelo Conselho de Segurança, não preveem a pena capital. O Tribunal Penal Internacional e os tribunais mistos apoiados pela ONU adotaram uma posição idêntica. Em última análise, será através do exemplo que se poderá persuadir os Estados que ainda impõem a pena capital a juntar-se ao consenso e abandonar essa prática abominável. 3.2 Convenções internacionais A pena de morte é aplicada com muita frequência, de maneira que violam normas internacionais, como as que vetam a tortura e outras penas e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, ou as normas anti-discriminatórias. É o caso do Irã, em relação às execuções de pessoas que eram menores quando cometeram o suposto delito, ou ao apedrejamento de delinquentes. Os trabalhos realizados mostram que a pena de morte é aplicada de uma forma desproporcionada aos pobres, em todas as sociedades. Os grupos vulneráveis, como os trabalhadores migrantes e as minorias raciais, étnicas ou que não são apreciadas, estão em risco. Em detrimento a isso, os Tribunais Superiores e os Órgãos Legislativos, em alguns Estados onde a pena de morte ainda não foi abolida, estão exterminando os métodos e o âmbito da sua aplicação. Por exemplo, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos proíbe a execução de menores e está reexaminando o uso da injeção letal. 4 MODALIDADES DE PENAS De acordo com Nucci (2010, p. 316): Privativas de liberdade: são as penas de reclusão, detenção e prisão simples. As duas primeiras constituem decorrência da prática de crimes e a terceira é aplicada a contravenções penais...; Restritivas de direitos: são as seguintes: prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana, prestação pecuniária e perda de bens e valores.; De multa: é a única modalidade de pena pecuniária prevista no Brasil. O Código Penal trata as espécies de pena como cominação de penas nas seguintes formas: Isoladamente, Cumulativamente e Alternativamente. l Isoladamente: define como uma pena é prevista a um agente. Ex: privação a liberdade, no crime de homicídio – art. 121, CP. l Cumulativamente: mostra que ao agente pode ser possível aplicar mais de uma modalidade de pena. Exemplo: privação de liberdade cumulada com multa, como crime de furto – art. 155, CP. l Alternativamente: mostra quando há a possibilidade da opção entre duas modalidades diferentes. Ex: privação da liberdade ou multa, no crime de ameaça – art. 147, CP. 5 FORMAS DE EXECUÇÃO DA PENA CAPITAL Os métodos de execução na pena de morte são os mais diversos possíveis. Na Antiguidade, eram utilizados os métodos mais cruéis com o objetivo de penalizar o prisioneiro, de acordo com o crime cometido. Atualmente, por conta da reprovação social na infligência dos direitos
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humanos, busca-se métodos de execução mais eficazes e instantâneos, com o menor sofrimento possível aos condenados. Existem diversos métodos de execução do criminoso, dentre eles destacam-se a cadeira elétrica, em que o condenado é imobilizado numa cadeira, sofrendo depois tensões elétricas de 2.000 volts; a câmara de gás, em que o condenado é colocado numa câmara, dentro da qual se libera um gás mortífero; o fuzilamento, em que um pelotão dispara sobre o condenado; a inanição, em que o condenado é deixado, de alguma forma, ao abandono e sem alimentos; e a injeção letal, com a qual administra-se no condenado uma mistura fatal de produtos químicos, por via intravenosa. A injeção letal surgiu em 1977 como uma tentativa para limitar o sofrimento e não afetar a sensibilidade. Esse método de execução é o mais utilizado atualmente nos Estados Unidos. O condenado é amarrado a uma maca e são introduzidas na sua veia três substâncias: um tranquilizante bem forte, um relaxante muscular, que paralisa o diafragma, interrompendo a respiração, e uma dose de cloreto de potássio, que cessa os batimentos cardíacos. Quase todos os estados americanos utilizam a injeção letal como principal forma de execução. Na China, é praticado a injeção letal e o fuzilamento. Nesse último, o condenado morre com um tiro na nuca. Vale ressaltar que a família paga ao estado o valor da bala utilizada. A cadeira elétrica é um instrumento de aplicação da pena de morte por eletrocução inventado e utilizado essencialmente nos Estados Unidos. O condenado é imobilizado numa cadeira e sofre tensões elétricas de 2.000 volts. Em 2008, o Tribunal Superior de Nebraska (EUA) considerou inconstitucional a cadeira elétrica por ser cruel e desumana. A câmara de gás é ainda uma forma de aplicação da pena de morte legalmente permitida em alguns estados dos Estados Unidos, embora também esteja sendo substituída pela injeção letal. Contudo, observa-se que, apesar de estarem sendo buscadas formas menos cruéis de execução da pena de morte, quaisquer das formas de execução são desumanas, ferindo mortalmente os direitos inerentes à condição humana. 6 A PENA DE MORTE NO DIREITO COMPARADO O Direito Comparado tem, como uma de suas abordagens, muitos estudos de sociologia. Os estudos relacionados a outras áreas do Direito desenvolvem-se em conjunto com a sociedade em que os direitos se formatam. O caso da pena de morte é um exemplo de estudo em que deve se levar em conta a sociedade em que ela é aplicada, como a sociedade norte-americana. O estudo dessa sociedade pode elucidar algumas questões chave para o entendimento dos processos penais e, consequentemente, da aplicação da pena capital. Apesar de proibir penas cruéis, os EUA consagram a pena de morte. Com isso, faz-se necessário um estudo dessa sociedade para se entender a origem de tal contradição nas leis. Isso porque a própria sociedade pode apresentar contradições em sua formação, como é o caso da norte-americana, em que, desde seus primórdios, apresenta disputas raciais, imigratórias e outras características ligadas à guerra civil que ocorreu no país ainda em formação. 7 POR QUE ABOLIR A PENA DE MORTE? Quanto às atribuições dos juristas contrários à institucionalização da pena de morte, que manifestaram sobre o mandamento “não matarás”, discorremos sobre o assunto de acordo com Barretos (1998, p. 55-56): O mandamento “não matarás” é de caráter privado e, por isso, proíbe o homicídio (que é uma relação entre homens), e não a pena de morte (que é a relação entre o poder – justiça – e o homem). Tanto isso é verdade que, após os Dez Mandamentos, vieram as Leis Reguladoras, recheadas de pena de morte (para ser executada pelos sacerdotes – poder público).
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Para defender seus princípios, os defensores da pena máxima utilizam-se de argumentos psicológicos, na tentativa de convencer a população e os legisladores. Existem valores que dão subsídio à tese de que a pena de morte, como prática oficial de alguns Estados, está cada vez mais sendo substituída, com tendência a se extinguir, pois o resultado esperado não está sendo satisfatório, diante do avanço da criminalidade. A ONU, a Anistia Internacional, algumas ONG’s e outras Organizações Internacionais são algumas das instituições que dão força à abolição da pena capital. Algumas ideias vão na contramão dos argumentos de que a pena de morte não é constituída de extremo atentado físico e mental. A dor psicológica, por exemplo, é evidenciada já nos momentos que antecedem o dia fatal. Atualmente, os Direitos Humanos tentam amenizar o sofrimento, encontrando formas de execução menos dolorosas para o detento. Os juristas entendem que as penas de morte por injeção letal e pela cadeira elétrica são discriminatórias, uma vez que estão sendo usadas de modo desproporcional contra as classes mais pobres, especialmente negros, atingindo, assim, pessoas inocentes. 7.1 A pena de morte deve ser abolida em todos os casos sem exceções De tempos em tempos, coloca-se em discussão a hipótese da pena de morte ser de aprovação ou reprovação pela sociedade. A Constituição Federal de 1988, lei maior da República Federativa do Brasil, à qual todas as demais normas infraconstitucionais são submetidas, proíbe a adoção da pena de morte. O referido dispositivo legal também é constantemente combatido pela sociedade em geral, por causa da agonia à qual o tecido social está submetido com a constante escalada da violência. Konder Comparato (2010, p. 291) vai mais além, afirmando que, em relação aos direitos humanos, “não se admitem regressões, por meio de revogação normativa, ainda que efetuada, por exemplo, a pena de morte é abolida por norma constitucional, o advento de nova constituição não pode restabelecê-la”. A aplicação da pena de morte será tratada como um meio meramente reprovável, pois parte da doutrina a vislumbra como um símbolo de terror e como uma confissão da debilidade do Estado. Segundo Dallari (2007, p. 8), temos que: A pena de morte é inconstitucional, onde é um absurdo que o Estado tire a vida de uma pessoa porque ela não respeitou o direito à vida. Se não bastassem todos esses argumentos, é preciso considerar ainda que, de acordo com a atual Constituição Brasileira, a simples apresentação de um projeto de Emenda Constitucional para introduzir a pena de morte no país, já é inconstitucional. De acordo com a Constituição Federal de 1988, o direito à vida é um direito individual expressamente proclamado e garantido. A disposição constitucional é cristalina e direta, não deixando qualquer dúvida a esse respeito. É nítido para todos que o direito à vida é fundamental e intocável, assegurado por disposição constitucional expressa, não podendo sofrer limitações. Como afirma Dallari (2007), o próprio constituinte já o limitou quando admitiu a pena de morte em caso de guerra declarada formalmente (artigo 84, inciso XIX, Constituição Federal de 1988). Silva (2003, p.197), em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, resumiu a razão fundamental de se proteger plenamente a vida humana: Ela constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos.
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O direito à vida é fundamental e intocável. No sistema jurídico brasileiro o direito à vida é reconhecido e assegurado como um dos direitos fundamentais do indivíduo, direito que nenhuma pessoa e nenhum órgão pode restringir nem pode pretender eliminar. Nesse ponto o Brasil se coloca entre os Países mais coerentes, que proclamam a vida como direito, assinaram documentos internacionais nesse mesmo sentido e garantem na sua legislação esse direito.
Assim sendo, deve-se garantir e preservar a vida, banindo-se a pena de morte no ordenamento jurídico, mesmo nos casos de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX, da Constituição Federal de 1988. 7.2 A pena de morte possibilita erros Todos os sistemas de justiça criminal são vulneráveis e passíveis de erro. Nenhum sistema é, nem será capaz de decidir com justiça, com consistência e sem falhas. Porém, na pena de morte, a situação se agrava ainda mais, pois, na ocorrência do erro judicial, o sentenciado perde o seu bem maior, que é a vida, e sem direito à reparação do dano, na hipótese de erro, pois é irreversível. A pena de morte traz ao sentenciado uma profunda dor psicológica, que o leva a um profundo estado de depressão e revolta. Além disso, no momento da execução, ela produz uma dor inimaginável ao condenado, devido à violação da sua integridade física. O pensamento de Zaffaroni e Pierangeli (2002, p. 784) vai ao encontro dessa afirmação, ao se referirem à pena capital: Não se trata de uma pena, mas de um simples impedimento físico, como amputar uma mão do batedor de carteiras ou erguer um muro que impeça o avanço de pedestres e veículos. Seu tratamento já não é atribuição do direito penal, restando examinar se é admissível para o resto da ordem jurídica. A Lei Ápice preserva pela integridade física dos condenados, para que esses possam usufruir o direito à vida em sua plenitude, mesmo estando encarcerados. Com a institucionalização da pena de morte no Brasil, todos esses direitos fundamentais que compõem o direito à vida são excluídos do patrimônio do sentenciado, violando frontalmente a Constituição Federal. Discorrendo sobre o assunto e destacando a impossibilidade de coexistência do direito à vida e a pena de morte, Silva (2004, p. 200-201) preceitua: Ao direito à vida contrapõe-se a pena de morte. Uma constituição que assegure o direito à vida incidirá em irremediável incoerência se admitir a pena de morte, é da tradição do Direito Constitucional brasileiro vedá-la, admitida só no caso de guerra externa declarada, nos termos do art. 84, XIX (art. 5º, XLVII, a), porque, aí, a Constituição tem que a sobrevivência da nacionalidade é um valor mais importante do que a vida individual de quem porventura venha a trair a pátria em momento cruciante. Destarte, a pena de morte inibe o maior valor da humanidade (a vida), sendo, dessa forma, uma medida imoral e repugnante. 7.3 A pena de morte é imoral Constata-se que a possibilidade de aplicação da pena de morte é algo que sempre estará em constante discussão, em face de ser referente ao direito fundamental universal indisponível do ser humano: a vida. Conforme Dallari (2007, p.9): A pena de morte é imoral. A vida é o maior bem da humanidade e ninguém deve ter o direito de eliminá-la. Se não houver respeito pela vida humana, se não houver o reconhecimento de que a vida é sagrada e se coloca acima de qualquer outro bem da humanidade, então não haverá mais respeito por qualquer valor e ninguém terá segurança. A pena de morte é uma pena judicial que afeta o ser humano não só no seu estado físico, mas também no seu estado emocional, pois o homem que está esperando a sua pena ficará em constante angústia. Conforme ensina Silva (2003, p.197), alguns preceitos fundamentais da carta magna devem ser assegurados, sendo que:
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Podemos verificar que, a partir do Iluminismo, a aplicação da pena de morte sofreu os efeitos dos debates filósofos, dentre os quais a suspensão na execução dessa pena. Isso porque, mesmo nos países que permitem a pena capital, verifica-se a preocupação da população com esse tipo de pena, tendo em vista a irreversibilidade de sua aplicação. 8 OPINIÃO PÚBLICA E A DECISÃO PELA ABOLIÇÃO Muitos são os fatores que dão respaldo à tese de que a pena capital, como prática oficial do Estado, é uma instituição cada vez mais decadente, e tendente a extinguir-se, uma vez que não está tendo, nos países que a adotam, o resultado esperado diante do avanço da criminalidade. A ONU, a Anistia Internacional, ONGs e outros organismos internacionais vêm lutando contra a pena letal, para que os direitos humanos sejam respeitados em todo o mundo. As pessoas que defendem a pena capital argumentam, de forma absurda, como se a vida humana pudesse ter um preço, e que o assassinato estatal institucionalizado é mais econômico para os cofres públicos do que manter os sentenciados que são manifestamente irrecuperáveis nos cárceres, tomando as “vagas” dos que podem, através de um trabalho psicológico, ser reintegrados ao convívio social. Esses argumentos são falsos, pois os custos de processos, nesses casos, são bem mais prolongados, no intuito de evitar injustiças. São criadas novas espécies de recursos, cárceres especiais com celas individuais, e a guarda, maquinário e carrascos custam três vezes mais que um aprisionamento perpétuo do delinquente. Os juristas que condenam a pena letal aduzem, ainda, que ela é discriminatória e, muitas vezes, usada de forma desproporcionada contra os pobres, negros e outras minorias, chegando, às vezes, a atingir pessoas inocentes. Para eles, os prisioneiros que são condenados à morte não são, necessariamente, os piores e mais perigosos, mas aqueles que são demasiadamente pobres e sem condições de contratar bons advogados para a produção de boas defesas. Para melhor clarificar essa tese, Carvalho (2004, p. 384), citando o magistério do professor Lydio Machado Bandeira de Mello, destaca: O Direito Penal é um direito essencialmente mutável e relativo. Logo, deve ficar fora do seu alcance a imposição de penas de caráter imutável e absoluto de total irreversibilidade e irremediáveis quando se descobre que foram impostas pela perseguição, pelo capricho ou pelo erro. Deve ficar fora do seu alcance a pena que só um juiz consciente, incorruptível, absolutamente igual seria competente para aplicar: a pena cuja imposição só deveria está na alçada do ser absoluto, se ele estatuísse ou impusesse penas: a pena absoluta, a pena de morte. Aos seres relativos e falíveis só compete aplicar penas relativas e modificáveis. E, ainda assim, enquanto não soubermos substituir as penas por medidas mais humanas e eficazes de defesa social. Não obstante, com a implantação de novas colônias penais agrícolas ou industriais, o apenado poderia, através do seu trabalho, custear a sua própria mantença, desonerando sobremaneira os co-
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fres públicos. Sobretudo, o preso passaria a se sentir útil, acabando com a ociosidade dentro dos presídios, sendo um dos maiores fatores de desvirtuação dos detentos e de ressocialização do apenado. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo veio demonstrar que a pena de morte é uma sanção injusta, inútil e dispendiosa, restando claro que a sua adoção se caracteriza como sendo uma retribuição sem qualquer respaldo de racionalidade e coerência. Podemos lembrar que o debate acerca da pena de morte deve se operar distante das comoções populares, procedendo a um estudo sereno e cuidadoso, para que a emoção não torne obscuras as consequências do problema. Um dos pontos de maior relevância sobre o apoio dos defensores da pena de morte é o temor do indivíduo em relação à sanção que lhe será imputada na hipótese de cometimento de um crime. Tal indagação é maculada de ilusão, posto que nos Estados em que a pena de morte se apresentou como sendo uma modalidade de sanção penal, quando da sua extinção, não houve avanço da criminalidade, nem tampouco ocorreu um retrocesso nos índices daqueles Estados que passaram a adotá-la. A proposta da pena de morte é fastidiosa e interminável. A partir das considerações deste artigo, a adoção da pena capital só se funda na necessidade de esconder da sociedade os reais problemas da criminalidade, quais sejam, a ausência de políticas públicas sociais básicas. Em suma, a pena de morte não é uma questão abstrata, pois a decisão de aplicá-la significa que homens e mulheres serão selecionados para morrer. É a realidade da sua aplicação, e não meras teorias, o que destaca a necessidade de aboli-la. A possibilidade de aplicação da pena de morte no contexto do Estado Democrático de Direito não proporciona nenhuma proteção e nenhum benefício à sociedade. Quando tal castigo excepcional, extremamente cruel e irrevogável é empregado por sistemas falíveis, sujeitos a erros humanos, tem-se como resultado não o aprimoramento da justiça, mas, sim, sua perversão.
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1 Acadêmica do 9º período do curso de Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.
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2 Professor orientador: Cristian Kiefer da Silva. doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Processo Civil Aplicado pelo CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor Assistente e Pesquisador da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Auxiliar da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor Adjunto e Pesquisador do Centro Universitário UNA. Professor Adjunto e Pesquisador da Faminas-BH. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI). Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo
3 Antônio Eustáquio, Cristian Kiefer da Silva
BARRETO, Augusto Dutra. Pena de morte: um remédio social urgente 7ª. ed. São Paulo: Leud, 1998. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Paulo M. Oliveira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Lex: Vade Mecum Saraiva.15ª Ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2013.
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APLICABILIDADE DA NORMA REGULAMENTADORA 36 SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO EM EMPRESAS DE ABATE E PROCESSAMENTO DE CARNES E DERIVADOS Giovanni Luiz Damiao de Magalhaes Plá1 Maraluce Maria Custódio2 Banca Examinadora 3
Resumo: abordar a Norma Regulamentadora 36, que foi publicado no dia 19 de abril de 2013, focando as condições de trabalho dos frigoríficos que está acelerando cada vez mais em função da crescente demanda mundial de alimentos que o Brasil tem produzido em escala também cada vez maior. O Brasil tornou-se o maior exportador global de frango e carne bovina e até 2020, segundo a expectativa do governo federal, mais de 45% desses dois mercados devem ser abastecidos pelos produtos beneficiados nos frigoríficos brasileiros. Palavras-chave: Norma Regulamentadora, Alimento, Abate, Frigorifico, Segurança, trabalho. Sumário: 1 Introdução; 2 Meio Ambiente do trabalho; 3 surgimento da Norma Regulamentadora 36; 4 Urgência na Fiscalização: 5 Considerações Finais; 6 Referências.
1 INTRODUÇÃO Com a falta de fiscalização e de treinamento correto para as pessoas que trabalham no ramo de abate nos frigoríficos no Brasil, cada vez mais veem crescendo o índice de acidentes e doenças pela falta de uma fiscalização mais rígida. Podemos dizer que já existe outras Normas Regulamentadoras que trate dos mesmos assuntos que a Norma Regulamentadora 36/2013, mas agora com esta nova norma, teremos menos acidentes, doenças e também um amplo controle em todos os frigoríficos, excluindo então os clandestinos. Fazemos um estudo sobre a Normas Regulamentadora 36/2013 para analisar sua efetividade, para uma aplicação efetiva das medidas que visam regular os frigoríficos, atingindo assim a finalidade de um melhor desempenho no trabalho, redução de indicies em acidentes por falta de uso de EPI, e uma rigorosa fiscalização nesse ramo, que está crescendo de forma alta em nosso pais. Como estamos tratando de um fato Hipotético-Dedutivo, que significa segundo Gil (1999, p.30): [...] quando os conhecimentos disponíveis sobre determinados assuntos são insuficientes para a explicação de um fenômeno, surge o problema. Para tentar explicar as dificuldades expressas no problema, são formuladas conjecturas ou hipóteses. Das hipóteses formuladas, deduzem-se consequências que deverão ser testadas ou falseadas. Falsear significa tornar falsas as consequências deduzidas das hipóteses [...].
as causas que se deseja conhecer, procurando comprara-los com a finalidade de descobrir as relações existentes entre eles. O método indutivo para Gewandsnajer (1998, p.41) define a indução como: [...] o processo pelo qual – a partir de um certo número de observações, recolhidas de um conjunto de objetos, fatos ou acontecimentos, concluímos algo aplicável a um conjunto mais amplo ou a casos dos quais ainda não tivemos experiência[...].
Com base no conceito do Gil (1999), podemos então utilizar os índices de acidentes por falta de uma fiscalização ou ate de um EPI, para explicar a aplicabilidade tardia da NR36, ou ate mesmo a sua criação neste ano, por que com base as outras NRs em questão de fiscalização, não estavam se focando em um assunto muito importante, que se trata de manuseio de alimento, o foco da nr36 trata de carnes e derivados, mas podemos então ter mais segurança em comprar um alimento deste aspecto. Em questão de coleta de dados, o método utilizado foi o indutivo, parte-se da observação de fatos ou fenômenos para se chegar
Assim para realizar o estudo inicialmente vamos analisar a relação da Norma Regulamentadora 36 em algumas áreas.
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Utilizaremos a técnica de pesquisa de revisão bibliográfica de modo a coletar dados em doutrinas e artigos. O objetivo do trabalho,é estabelecer os requisitos mínimos para a avaliação, controle e monitoramento dos riscos existentes nas atividades desenvolvidas na indústria de abate e processamento de carnes e derivados destinados ao consumo humano, em nosso país. Com o alto índice de acidentes, doenças e clandestinidade, a NR 36 vem para fiscalizar os pontos de abate, manuseio, segurança do trabalhador, segurança ocupacional e qualidade do alimento. Focando então nos seguintes: l l l l l l
Estrutura organizacional com foco em ergonomia; Jornada de trabalho; Pausas psicofisiologicas durante a jornada de trabalho; Mobiliário; Maquinas, equipamentos e as ferramentas; Treinamentos, vestimentas.
2 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: Para tratarmos a fundo da norma regulamentadora 36/2013, temos que entender qual relação dela no meio ambiente, por isso como tratamos de uma norma mais voltada a Saúde e Segurança do trabalhador, o meio ambiente também faz parte desse ramo, sendo assim podemos analisar a posição doutrinária do Paulo de Bessas 2004 (p. 55):
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[...]de fato, o que se cuida é de pensar um direito ao desenvolvimento sustentável que se espalha pelos mais diferentes aspectos da vida em comunidade, destacando-se o mundo do trabalho, no qual deverá existirum direito do trabalhoque se preocupe com a salubridade e as condições de trabalho[...] Sendo assim, o foco principal da norma regulamentadora esta mais claro que se trata da prevenção da saúde e da fiscalização dos locais de trabalho dos empregados. Podemos analisar também quem o doutrinador Celso Antônio 2011 (p.77) caracteriza como: [...]a ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psiquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentam[...] Com a titularidade do meio ambiente do trabalho expressa em nossa CF/88 em, seu artigo 200 e o artigo 7ª XXIII e o artigo 225 da CF/88, basta observar que a proteção do direito do trabalho é distinta ao meio ambiente, assim, o direito do ambiental do trabalho é um conjunto de normas jurídicas que disciplina as relações jurídicas entre empregado e empregador. 3 O SURGIMENTO DA NORMA REGULAMENTADORA 36 A nova norma regulamentadora vem extremamente articulada com as seguintes NR (norma regulamentadora): 5,6,7, 9, 10, 12, 15, 17todas em vigor desde o dia08/06/1978e 35 (23/03/2012). Claro que todas as NR estão articuladas umas as outras, mas no caso da NR36 não existe como operacionalizá-la sem dar maior atenção a essas normas que foram citadas pela estreita relação estabelecida.Por exemplo a NR 5 que trata da a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, temos a Nr 17 trata de ergonomia, é fundamental que seja realizado um estudo ergonômico prévio de todos os postos de trabalho (AET- Análise Ergonômica do Trabalho- Diagnóstico Macro da empresa), principalmente em relação à ergonomia física e organizacional. Já na Nr 7 trata das atividades que executadas possam levar a um risco maior para desenvolvimento de doenças ósteo-articulares- musculares, devem ser interrompidas por pausas que serão calculadas de acordo com a jornada de trabalho de cada empregado. Essas pausas serão computadas como trabalho efetivo e serão gozadas fora do local de trabalho em ambiente que ofereça conforto térmico e acústico, com bancos ou cadeiras, além de água potável. Nesse local deve existir um relógio visível para que cada trabalhador possa controlar seu horário de pausa.Fica facultado o oferecimento de lanche durante o horário de pausas.Qualquer atividade física oferecida pela empresa aos trabalhadores só poderá ser realizada em um intervalo de pausa e não será exigida a adesão obrigatória a ela. A saída dos trabalhadores do posto de trabalho para satisfação de suas necessidades fisiológicas podemse dar a qualquer tempo independente das pausas. 4 URGÊNCIA NA FISCALIZAÇÃO A trigésima sexta norma regulamentadora, cujo o titulo é “Segurançae Saúdeno Trabalhoem Empresasde Abatee Processamentode Carnese Derivados”, estabelece diretrizes de ordem, administrativa, de planejamento e organização, com o objetivo de implementar procedimentos de aspecto correto em relação ao manuseio dos alimentos e as condições de trabalho nos frigoríficos. A NR36, para o professor Paulo Oliveira (OLIVEIRA; MENDES, 1996) refere-se a abordagem o conceito compartilhado de doença entre pessoas nas condições de garantir um bem-estar ao funcionários:
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[...]A referida abordagem pressupõe o trabalhador como sujeito ativo do processo de saúde-doença, aludindo à participação efetiva do mesmo nas ações de saúde, quando deixa de ser objeto para assumir a instância de sujeito dessa ação. O que se constata então é uma modificação no modo de intervenção na saúde dos trabalhadores, antes centrada no conhecimento específico do médico e agora compartilhada por outros profissionais, que contribuem com seu saber para garantir as condições de saúde e bem-estar do funcionário [...] Podemos então ver a necessidade da fiscalização nos frigoríficos com urgência. Com o objetivo de melhorar as condições de trabalho nos frigoríficos, o ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, assinou na quinta-feira 18 de maio de 2013 pela manhã a Norma Regulamentadora nº 36 (NR-36), que trata do ambiente de trabalho em áreas de abate e processamento de carnes e derivados. Assim então o ministro Manoel Dias(MTE 18/04/2013)destacou: [...]Nós entendemos que da conversa, do diálogo e do entendimento sempre se avança. De nada adianta a gente querer baixar normas que na prática não se adequam as realidades. O ato de hoje, realizado de forma tripartite, serve de modelo e certamente será exemplo para outros setores do MTE[...]. Conhecida como NR dos Frigoríficos, a norma busca a prevenção e a redução de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, com adequação e organização de postos de trabalho, adoção de pausas, gerenciamento de riscos, disponibilização de Equipamentos de Proteção Individual adequados, rodízios de atividades, entre outras. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social ocorreram 19.453 acidentes de trabalho em frigoríficos no ano de 2011, 2,73% de todos os acidentes. Foram registrados também, em 2011, 32 óbitos no setor. Como temos a Nr 28, que trata da fiscalização cumprimento das disposições legais e/ou regulamentares sobre segurança e saúde do trabalhador, e entre outras normas regulamentadoras, temos então que analisar o porquê não existia antes esta norma, já que tratamos de um assunto no qual a maioria da população adquiri o produto final, as carnes e também tratando de umj local de trabalho aonde teria que existir mais fiscalização ao se tratar de um produto que requer tratamento especifico e com total higiene e qualidade de manuseio, além de regras já existentes na NR 12, regulando as maquinas e equipamentos já deveriam estar presentes essas fiscalizações. A Nr 36, vem buscar o melhor desempenho na área dos frigoríficos e locais de abates, logo veio acabar com os abatedouros clandestinos e frigoríficos ilegais, assim também regulando o funcionário com os equipamentos necessários e outras formas de tratamento como intervalo de descanso. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Agora basta a rigorosa fiscalização para darmos o fim nos frigoríficos ilegais e garantir a melhor qualidade de vida dos trabalhadores nesse ramo, pois e de suma importância a utilização de equipamentos de segurança corretos, posturas ergonômicas e qualidade de higiene nesses locais de trabalho, com a entrada da norma regulamentadora 36 tende a acabar cm os atos ilegais, por que como demonstrado a norma tem total prevenção a qualidade de vida dos trabalhadores nos frigoríficos.
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NOTAS DE FIM 1 Graduado em direito pelo centro universitário Newton Paiva. 2 Mestre em Direito Constitucional pela UFMG, mestre em Direito Ambiental pela UNIA (Espanha) e Doutora em Geografia em Convenção de Doutorado Sanduíche financiado pela CAPES entre a UFMG e a UAPV ( França) ; é professora do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
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DIRIGISMO PROCESSUAL: uma análise do fenômeno e de suas consequências jurídicas e sociais João Lucas Vieira Saldanha1 Leandro Henrique Simões Goulart2 Banca examinadora3 Resumo: O presente trabalho tem por objetivo estabelecer o conceito de Dirigismo Processual, analisando o fenômeno da flexibilização das normas processuais nos casos concretos, notadamente naqueles em que o juízo identifica algum tipo de hipossuficiência de uma das partes, mesmo quando ela não existe, o que pode resultar em violação do procedimento formal, da garantia constitucional à ampla defesa e da própria segurança jurídica. Palavras-Chave: Direito Processual Civil; Hipossuficiência; Dirigismo; Ampla Defesa; Segurança Jurídica. Sumário: 1 Introdução; 2 O Direito Processual Civil Como Instrumento Constitucional; 3 A Evolução Histórica dos Dirigismos; 4 O Dirigismo Processual; 5 5 Dirigismo Processual em Espécie; 6 A Problemática do Dirigismo Processual; 6.1 Quando a Hipossuficiência Não Existe; 6.2 O Judiciário Como Agência Reguladora; 6.3 Cultura da Jurisdicionalização das Relações; 7 Conclusão. Referências.
1 Introdução O mundo democrático vem construindo através do Direito e ao longo das eras um sistema que, em constante evolução, busca tornar cada vez mais equitativa, justa e acessível a prestação jurisdicional. Sabe-se que desde o início da interpretação das leis sob a ótica constitucional, ou seja, desde que a legislação infraconstitucional começou a ser compreendida a partir das diretrizes maiores, estabelecidas pelas cartas magnas, o corpo legal sofreu imensas transformações no sentido de garantir a aplicação horizontal dos preceitos constitucionais. Fato é que o direito processual se presta justamente a equilibrar as dicotomias existentes entre os princípios constitucionais que, apesar de serem todos fundamentais, mutias vezes encontram limites uns nos outros; a categórico exemplo do eterno dilema: “segurança x liberdade”. Em um viés civil, no tocante específico às relações privadas, observa-se o aumento do dilema existente entre normas que tornem o direito mais acessível, reconhecendo as hipossuficiências e as sanando, em contraste com o temor de que a flexibilização excessiva e descriteriosa do procedimento, pode e irá sacrificar a segurança jurídica. Atualmente, o direito pátrio caminha no sentido de criar mecanismos de acesso facilitado à justiça; noutras palavras, cria a consciência de que cidadania é, dentre outros exercícios, adentrar as portas do direito material, a exemplo, temos os juizados especiais, os balcões de atendimento do Judiciário em rodoviárias, aeroportos e estádios de futebol, até mesmo com o auxilio do poder executivo, nas instalações dos PROCONs, sem embargo da iniciativa do Ministério Público em todas as grandes cidades do país. O objetivo disso é, naturalmente, tornar mais simples e desembaraçada a atuação processual dos hipossuficientes, financeiros ou acadêmicos, de forma a equilibrar os embates jurídicos estabelecidos contra grandes corporações, desencorajando, também, os abusos por parte destas últimas que, agora, diante do temor da condenação judicial, tomariam medidas acautelatórias quando da prestação de seus serviços e disponibilização de seus produtos no mercado. Ocorre que, seguindo o caminho evolutivo que tomou o direi to, imerso ainda em um contexto político que pauta o Brasil nos últimos 12 anos, de populismo, políticas integradoras e ações afirmativas, o que se tem observado é o que talvez seja o primeiro problema real neste “direito equalizador”.
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Em verdade, não existe controvérsia quanto ao fato de que hoje em dia, no Brasil, grandes empresas prestadoras de serviço ou de produtos, as chamadas fornecedoras, imperam de maneira quase desregulada, aferindo lucros estratosféricos, muitas vezes à custa dos direitos individuais de seus consumidores, que, via de regra, se sujeitam a produtos e serviços medíocres ou defeituosos. A la par, o caminho equalizador que já vinha tomando o direito moderno, somado a anos e anos de governo populista, o que se vem percebendo são decisões judiciais que muitas das vezes flexibilizam “um pouco demais” as normas procedimentais, exatamente no anseio de equilibrar as forças, estabelecendo, no entanto, uma verdadeira nova maneira de redistribuição de renda; numa palavra, o locupletamento. Logo, o que se pretende com este trabalho é pontuar o fenômeno do descritério no momento de perceber as hipossuficiências e, principalmente, de flexibilizar as normas procedimentais, com inversões dos ônus e dispensas das provas, informalidades e outras medidas que, se não tomadas de maneira cautelosa e, especialmente, individualizada, podem causar grave prejuízo ao legítimo processo cognitivo, ao contraditório e à ampla defesa. 2 O Direito Processual Civil Como Instrumento Constitucional Em sua obra, o grande mestre, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Professor João Mendes Júnior, faz a seguinte colocação acerca do processo: “As leis do processo são o complemento necessário das leis constitucionais; as formalidades do processo as atualidades das garantias constitucionais. Se o modo e a forma da realização dessas garantias fossem deixados ao critério das partes ou à discrição dos juízes, a justiça, marchando sem guia, mesmo sob o mais prudente dos arbítrios, seria uma ocasião constante de desconfiança e surpresas”4. O que o autor quis transmitir com tal pensamento, é a noção de que o direito processual possui relação muito mais íntima com o direito constitucional do que pode-se pensar a princípio. O procedimento judicial civil visa solucionar lides existentes entre dois entes de direito público ou privado, criando um cenário onde estes podem expor seus fundamentos fáticos e legais, sob o juízo de um árbitro magistrado que exer cerá a jurisdição para encontrar a resposta que esteja em maior conformidade com o direito.
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Isso significa que independentemente de quais direitos materiais estejam sub judice no caso concreto, o direito processual se presta a garantir que as diretrizes constitucionais mínimas, como o contraditório e a ampla defesa serão protegidas, ou seja, se presta a garantir a correição da forma através da qual se pretende atingir a referida resposta. Na mesma seara, e ainda, novamente parafraseando o mestre João Mendes Júnior, não é necessária grande conjectura para imaginar que, caso não houvessem normas processuais, ou fossem estas excessivamente flexíveis, o procedimento judicial seria uma incógnita absoluta, em que todos os litigantes estariam a mercê dos arbítrios do juízo que não estaria subjugado a observar o princípios da segurança jurídica. É o cenário em que um magistrado, infundadamente dispensa uma prova que determinado litigante deseja produzir, de maneira arbitrária, e, na ausência das normas processuais em consonância com as diretrizes maiores da carta magna, não seria possível, por exemplo, a interposição de um recurso contra aquela decisão. Entretanto, no escopo consitucional vigente, as normas processuais acabam por exercer uma função horizontal-positiva dos princípios constitucionais, ou seja, enquanto que a constituição federal preconiza que deverá ser observada a ampla defesa, o codex processual descreve com exatidão as modalidades de prova, seus métodos e até mesmo a incumbência dos ônus de sua demonstração. Nos moldes organizacionais do corpo legislativo nacional, a constituição federal, apesar de trazer diversas normas específicas e consequentemente aplicáveis diretamente ao caso, lista, via de regra, os preceitos principiológicos sobre os quais alicerça-se a prática jurídica. Em razão disso, e tendo em vista o modelo super positivista adotado pelo Brasil, seria necessária a criação de um manual mais pormenorizado da aplicação real dos princípios estabelecidos na carta magna, ou seja, um instrumento direito de incidência in casu, através de normas específicas para a faceta procedimental do direito. Assim, o Código de Processo Civil, ao criar as regras procedimentais que, observadas, garantirão os princípios constitucionais estabelecidos na constituição federal, acabar por exercer a função de instrumento constitucional no caso concreto, prezando por um processo justo, equalitário e desimpedido a todas as entidades e pessoas do direito. 3 A Evolução Histórica dos Dirigismos Desde os primeiros registros históricos, as relações interpessoais na seara legal sofreram grandes alterações, de sorte que conceitos antigamente adotados, por exemplo, em Roma, como Pacto e Contrato, hoje possuem respaldo diverso do que possuíam originalmente. Naquele cenário, os contratos eram tidos essencialmente como vínculos jurídicos encetados pelos contratantes, em razão de um interesse, e de maneira solene. Evidentemente, a solenidade excepcional exigida pelos romanos, ao infirmar tais pactos, refletem as liturgias que faziam parte de sua cultura como um todo, seja no Direito, na política ou na religião. Não podemos olvidar que o próprio conceito de contrato, ao longo do tempo, seguramente, sofreu diversas alterações, mas sempre mantendo a essência de vínculo obrigacional entre os contratantes, ou seja, em princípio, aqueles que contrataram - dada a liberdade de atuação no momento da solenidade - aceitaram e se comprometeram com os termos avençados. Na Idade Média, a noção da obrigação vinculadora dos contratos somente se fortaleceu com a saída das formalidades romanas e a entrada de juramentos canônicos, que passaram a legitimar o pacto e garantir o seu cumprimento.
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Foi no final do século XVIII e ao longo de todo o século XIX que a noção de “acordo de vontades” se fortaleceu. Após as revoluções ideológicas que marcaram o período, o “indivíduo” começou a ganhar espaço, o que acabou por gerar dois dos mais importantes conceitos já estabelecidos na história do Direito, o “Pacta Sunt Servanda” e a “Autonomia Privada”. A partir de então, a maioria absoluta das codificações legais em todo o mundo fundava-se no conceito da força vinculativa dos contratos (pacta sunt servanda) e da liberdade de contratar, desde que observada a legalidade da matéria pactuada (autonomia privada). Já no século XX, em razão dos inúmeros conflitos bélicos existentes entre as nações, economias e sociedades inteiras foram forçadas a rever a forma pétrea com que tratavam as relações negociais. Isso porque, não era possível prever qual resultado teriam determinados contratos de médio e longo prazo, haja vista que a insegurança gerada por um contexto de guerras em nível mundial não favorecia a estabilidade desses contratos. Nesse cenário, surgiram fortes ideologias, majoritariamente decorrentes das visões pós-guerra, buscando uma sociedade mais humana, equalitária e justa, circunstância que originou, inclusive, à noção dos direitos universais do homem. Daí o fenômeno batizado como “constitucionalização do direito”. No Brasil, a Constituição de 1988 adentrou temas que antes eram exclusivos da lei ordinária, notadamente o Código Civil, inserindo princípios fundamentais, tais o da função social do contrato, e introduzindo a garantia intervencionista do estado nas relações privadas, tudo sob a ótica da segurança da igualdade e da preservação da dignidade da pessoal humana, iniciativa que viria a ser chamada de “Dirigismo Contratual”. Esse fenômeno, que inegavelmente foi abraçado de forma resoluta pelos juristas, estabeleceu novo paradigma para os contratos privados, pois o que antes era um instrumento de livre contratação entre particulares, que não mais à legalidade, à forma e à capacidade deveriam se subjugar, agora eram submetidos à chancela do Estado, que sob o manto protecionista daqueles princípios constitucionais, passou a revogar ou reformar as próprias cláusulas vinculantes entre as partes, caso entendesse que, mesmo em conformidade com a lei positiva, elas os violassem – os princípios. Este paradigma mudou completamente a forma como a relação jurídica entre os particulares era tratada pelo direito. Se antes a assinatura de um contrato pressupunha o entendimento e acatamento de seus termos, tal circunstância já não se afigura de forma absoluta, eis que na medida em que haja entre os contratantes a possibilidade da dúvida quanto àqueles sentimentos, abre-se um espaço para a discussão acerca da clareza das referidas cláusulas. Estabelece-se um incidente dentro do contrato, inclusive o findo, para a discussão acerca da legalidade, abusividade ou lesividade da obrigação assumida pela parte dita mais fraca, independentemente da inequívoca manifestação da livre contratação e da expressão de sua vontade no momento da infirmação do referido termo. Ainda do mesmo paradigma, originaram-se outros conceitos voltados ao princípio de que a verdadeira igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais, de modo que o direito somente será justo se demonstrar diferentes aplicações; é o fim da chamada “Justiça Cega” em busca de um objetivo maior: a real igualdade. Daí os conceitos processuais da hipossuficiência, da inversão do ônus da prova e da responsabilidade civil objetiva. Naturalmente que todas as mudanças elencadas acima são de caráter material, ou seja, fazem parte da interpretação da relação jurídica material entre pessoas de direito.
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Ocorre que, evidentemente, o direito processual não poderia ficar alheio a todas essas mudanças. Um cenário que incentiva a flexibilização das relações pactuais dos indivíduos impõe uma reformulação do procedimento judicial, de forma que a mesma flexibilização se dá no âmbito do processo em si. Desta ideologia surgiram novas formas de se observar o processo judicial, afinal, se para fins de contratação devemos partir do pressuposto de que nem todas as pessoas de direito, plenamente capazes, nos termos do código civil, são intelectualmente ou financeiramente capazes de interpretar com clareza um contrato, não podemos presumir que estas o sejam para litigar em paridade de forças com aqueles que não sofrem da dita hipossuficiência. Assim, evitando enumerações delongadas, temos vários exemplos de implementação da mesma ideologia no plano processual, o que será tratado de agora em diante como “Dirigismo Processual”, como a inversão dos ônus probatórios nos processos em que haja relação de consumo, ou mesmo a própria estrutura dos juizados especiais cíveis, pautados na informalidade e instrumentalidade. 4 O Dirigismo Processual Conforme exposto previamente, a filosofia de equalização das forças no direito, introduzida pelo novo paradigma socio-jurídico, ultrapassou as fronteiras do direito material, encontrando espaço na criação de jurisdições mais informais, céleres e com flexibilização procedimental, principalmente instrutória. Assim, o conceito de Dirigismo Processual que se busca definir no presente estudo é similar ao conceito de Dirigismo Contratual previamente explicado, ao menos no que tange à filosofia de integração e acessibilidade que o pauta. A Lei 9.099/95, ou seja, lei dos juizados especiais, traz logo em seu preambular artigo 2º a limitação dos princípios maiores daquele diploma, ao determinar que “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.5” Ora, evidentemente que sendo extratificada, como o é, a sociedade brasileira, parte dos cidadãos nem sempre goza, de fato, das garantias que o direito se lhe apresenta em forma de lei. Noutras palavras, não é porque a Constituição Federal consagra o direito de ação que, na prática, a estrutura lhe favoreça esse exercício. Isso porque, se o pretenso demandante não possuir recursos financeiros para arcar com as custas judiciais e os honorários advocatícios, uma vez que o conceito de pobreza na justiça comum, para fins de concessão da gratuidade judiciária, está totalmente subjugado ao juízo de valor do magistrado, enquanto que a Assistência Judiciária Gratuita, que não se confunde com a justiça gratuita, implica na atuação do Estado, através da Defensoria Pública e, via de consequência, na disponibilização desse serviço em todo território nacional, o demandante acaba por se sentir acuado e inseguro de buscar amparo jurídico, já que o resultado de seu pleito poderá se transformar na sua ruína financeira. “A falta de acesso não permite que o cidadão libere-se da insatisfação trazida pelo conflito”6, e não se pode ignorar este fato. Justamente neste sentido que ferramentas como os juizados especiais foram criadas, para trazer novamente equilíbrio à balança de forças entre os particulares, conforme pontuado por Luiz Cláudio Silva: “Os Juizados Especiais Cíveis, vieram acabar com algumas distorções sociais, facilitando a vida daqueles que tinham dificuldades financeiras para buscar a prestação jurisdicional e que hoje podem ter acesso a essa prestação, sem o ônus das custas
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processuais e sucumbência em honorários advocatícios, permitindo-se-lhes propor e contestar as reclamações sem a necessidade de assistência de advogado quando o valor atribuído à causa não for superior a 20 salários mínimos.”7 Veja-se que o objeto da referida lei é “facilitar a vida” daqueles que querem fazer uso de seu constitucional direito de petição, mas não possuem capacidade financeira para tanto, o que poder-se-ia dizer, tornou “mais democrático” o acesso à justiça. Os próprios princípios destacados no art. 2º da lei dos juizados especiais demonstram imensa flexibilização das regras gerais presentes no procedimento de praxe, notadamente ao determinar que as lides encontrarão seu termo por meio da oralidade, informalidade e simplicidade. Ou seja, o Estado, já interveniente nas relações contratuais privadas, agora delibera ações no âmbito processual, de forma que não apenas a relação material entre as partes litigantes, como também a sua relação processual, seja flexibilizada para atender a uma “função social”. Assim, da mesma forma que o Dirigismo Contratual abomina cláusulas obscuras ou leoninas, reafirmando o equilíbrio de forças dentro de um pacto privado, o Dirigismo Processual vem criar métodos processuais que garantem condições equivalentes às partes litigantes. 5 Dirigismo Processual em Espécie Muito já se falou dos Juizados Especiais e de seus procedimentos, e isso não se deve a nada, porque, em verdade, assim como o próprio Código de Defesa do Consumidor, a meu ver, ambos são os mais notórios exemplos de Dirigismo Processual. Tomando como ponto fulcral da supracitada norma (CDC) seu artigo 6º, quis o jurista estabelecer os direitos básicos do consumidor, e, notadamente nos seus incisos VI, VII, VIII e X, as interessantes prerrogativas que lhes são conferidas: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX - (VETADO) X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.8 Em primeiro lugar, não há como negar a redundância do Código de Defesa do Consumidor ao estabelecer, nos incisos VI, VII e X, direitos que, na verdade, já estão formalizados, afinal, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, o livre acesso ao órgãos judiciários e administrativos na busca por esta reparação e a eficaz prestação dos serviços públicos já são direitos constitucionalmente tutelados. Na verdade, ao reafirmar direitos já existentes, o Código de Defesa do Consumidor cumpre uma função muito mais psicológica que legal, pois acaba servindo como uma espécie de ratificação daqueles direitos, transparecendo a intenção do legislador em atuar novamente no âmbito processual, tornando a atuação litigiosa do consumidor mais simples.
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Noutra senda, o inciso VIII traz as regras que, de fato, denotam o Dirigismo Processual, uma vez que explicitamente determina normas diferenciadas de tratamento entre as partes litigantes. A ideia de que o procedimento cível comum, ordinário ou sumário, é complexo demais, ou ainda, dispendioso demais para o cidadão comum, não é exatamente nova. Tanto é verdade, que o jus postulandi não é admicível nestes ritos, devendo ambas as partes estarem assistidas por advogado ou curador especial. Neste sentido, é claro que se a lei processual determinou que é necessária a assistência representativa de um bacharel em direito, registrado no quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, isto se dá porque de fato a litigância não é um processo leigo, abrangendo inúmeras questões formais que se inobservadas podem resultar na anulação do feito. Naturalmente que tais questões formais não são mera burocracia. Todo o procedimento judicial é estruturado de forma que ambas as partes possam fazer uso de todas as suas prerrogativas constitucionais (novamente, o direito processual como instrumento horizontalizador da norma constitucional), garantindo o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e a segurança jurídica. Cada prazo e recurso cabível atende ao duplo grau de jurisdição, afastando decisões tendenciosas ou maliciosas, visando unicamente que, uma vez proferida a decisão final, com trânsito em julgado, a justiça tenha sido atingida da melhor maneira possível. Ocorre que, como dito outrora, princípios às vezes são dicotômicos, como no caso da formalidade (segurança jurídica) e da acessibilidade (intrumentalidade, oralidade, informalidade). Desta feita, temos o exemplo dos juizados especiais, que como dito, admitem o jus postulandi respeitados os limites legais. Ora, é evidente que se a parte ingressa em juízo sem a devida assistência de um advogado, ele poderá ser surpreendido por questões das quais não possui conhecimento técnico, e em razão disso, o Estado precisa viabilizar este jus postulandi, o que acaba por ocorrer dentro do próprio judiciário através de atermadores, conciliadores e dos próprios magistrados. 6 A Problemática do Dirigismo Processual Nos termos já mencionados, temos que o Dirigismo Processual é um espécie de irmão mais novo do Dirigismo Contratual, e se traduz na intervenção do Estado deliberadamente do processo, criandio mecanismos que reequilibre a balança de poder entre as partes litigantes quando existe hipossufiência. Neste cenário, além é claro do já mencionado risco que a flexibilização excessiva do processo pode representar, uma vez que este é instrumento de garantia horizontal da norma constitucional, existem 3 outros problemas principais, que serão explorados individualmente a seguir. 6.1 Quando a Hipossuficiência Não Existe O primeiro problema imaginável é a aplicação do Dirigismo Processual de maneira descriteriosa, o que acabaria por resultar no fortalecimento de uma parte litigante que a princípio não era hipossuficiente. O código de defesa do consumidor traz em seu art. 6º, inciso VIII, normas diferenciadoras das partes no proceso civil, determinando que haja “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Observe-se que o legislador tentou limitar a aplicação dos mencionados “facilitadores” ao estabelecer que são cabíveis se for veríssimil a alegação do consumidor ou este for hipossuficiente.
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O problema é que toda a definição é vaga por si só. Digamos que uma pessoa física vai ao seu banco realizar um financiamento mas é impedida ao descobrir que sofreu uma negativação nos cadastros de devedores por parte de uma operadora de telefonia móvel da qual nunca for a consumidor. Todos sabemos que este tipo de situação acontece aos milhares diariamente, e por isso existe uma imediata empatia, quase uma identificação pessoal com a vítima. Podemos presumir que a pessoa em questão é hipossuficiente para pleitear judicialmente seu direitos? Fato é, ele é um consumidor, e apesar de a lei determinar que haja um critério (“a critério do juiz”9) no momento de inversão do ônus da prova e das demais concessões especiais, a maioria esmagadora da jurisprudência tem como critério a mera existência de relação de consumo. Será que o simples fato de um sujeito de direito ser consumidor de outro torna improvável ou impossível a comprovação de qualquer alegação que faça? Digamos então que este sujeito em questão seja uma grande loja de roupas, que adquire um condicionador de ar para seu estabelecimento. Evidentemente a loja não pretende revender o condicionador de ar, e nem mesmo vai utiliza-lo como insumo de produção, em razão disso, é consumidora final do produto e goza do diploma da Lei 8.078 de 90. A loja em questão foi negativada pela fabricante do condicionador de ar que alega ter recebido depósitos a menor quando do pagamento de determinadas parcelas do produto. Ora, a loja que agora pleiteia em juízo indenização a título de danos morais em razão da suposta negativação indevida, cuja possibilidade já é pacificada10, possui livros contábeis e registros detalhados de todas as suas operações financeiras, e obviamente possui comprovantes dos pagamentos integrais que alega ter realizado. Entretanto, em razão de sua posição de consumidora, o juízo concede a inversão do ônus da prova, afinal o critério é seu, incumbindo à fabricante do condicionador de ar a prova de que os depósitos foram a menor. Não importa aqui se a fabricante pode ou não fazer esta prova, o que importa é que a inversão neste caso não era necessária, afinal existem livros contábeis que poderiam demonstrar com clareza as alegações da loja de roupas. Será que uma pessoa jurídica que mantém registros contábeis é hipossuficiente para comprovar a integralidade de pagamentos? Noutra senda, o mesmo caso exposto anteriormente, um pessoa física é vítima de uma negativação indevida, mas neste caso não é só qualquer pessoa física, é um advogado especializado em direito do consumidor, com 45 anos de experiência profissional na área, e atuante em 3000 processos idênticos ao que vai agora propor. Esta pessoa é hipossuficiente? Digo, é claro que não pode fazer prova de que “não fora cliente da operadora”, mas não por ser hipossuficiente, e sim por se tratar de prova negativa, o que já é afastado no procedimento comum. O que prentede se destacar aqui é que o critério a que a lei se refere no momento de identificar hipossuficiências e flexibilizar a norma processual aplicando os dirigismos mencionados não está sendo observado quando juízos criam a regra de que o consumidor, por definição, é hipossuficiente. Em nenhum dos casos expostos o consumidor era hipossuficiente, nem financeiro e nem academicamente, e mesmo assim fora beneficiado pelo Dirigismo Processual, e é por isso que é absolutamente necessária a real individualização dos casos no momento da aplicação do critério, para que não ocorram injustiças.
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Está errado quem crê que todo consumidor tem direito à inversão do ônus da prova, afinal, se fosse este o caso a lei não determinaria condicionantes como a hipossuficiência ou a verossimilhança de suas alegações, e a inobservância destes condicionantes pode ser catastrófico para o processo legal. 6.2 O Judiciário Como Agência Reguladora Já se tornou corriqueiro e pacificado na jurisprudência o “caráter punitivo- pedagógico” das condenações morais. Doutrinadores e magistrados sustentam que este caráter se presta a desencorajar a prática de abusos ou negligências por parte das grandes empresas em receio à represália consistente em condenações de valores expressivos. É muito fácil de se observar a íntima relação entre este conceito e aquele de Dirigismo Processual que vem sendo abordado, afinal, atribuir às indenizações função atípica para atingir um fim social é, por excelência, remanejamento do procedimento através de intervencionismo estatal. Sabe-se que a definição11 de indenização é restrita, tanto no seu significado semântico quanto no seu significado jurídico, sendo o meio através do qual torna-se indene uma situação. Nesta senda, presume-se a princípio que a indenização se presta a reparar um dano sofrido, seja de maneira objetiva como nos danos materiais, seja de maneira subjetiva e estimada como nos danos morais. Já o instituto da função punitiva da indenização foge à seara da reparação, adentrando em terreno mais nebuloso do direito civil, adquirindo caráter penal. Ele decorre da ideia de que as empresas fornecedoras de bens em serviços no Brasil devem ser desencorajadas a cometerem abusos ou ilícitos em razão do temor a uma represália indenizatória, entretanto, a indenização conforme determinada pelo Código Civil, notadamente em seu art. 94412, na maioria das vezes não atinge valores que possam de fato representar temor econômico a estas empresas. A indenização a título de danos morais é subjetiva, ou seja, não há como mensurar com exatidão a extensão do dano psíquico sofrido pelo indíviduo, ficando portanto a critério do juízo a fixação de seus valores. Este formato discricionário da indenização por danos morais permitiu a introdução do mencioando caráter punitivo-pedagógico às sentenças, visto que, como cabe ao juízo fixar valores de maneira subjetiva, este agora o faz levando em consideração não apenas o valor que acha suficiente para reparar o dano moral sofrido, como também aquele mínimo para causar um “incômodo econômico” no fornecedor condenado. O Enunciado 379 da 4ª Jornada de Direito Civi já pacificou o entendimento de que a função pedagógica da indenização não é ilegal13, assim como o próprio STJ em jurisprudência unânime. Assim, não se questiona a legalidade do referido instituto, mas sim, o que ele representa no cenário geral, tanto para o direito quanto para a sociedade como um todo. Ora, é claro que os abusos e as ilegalidades devem ser punidas severamente e desencorajadas; mas cabe tal função ao judiciário? É de conhecimento comum que o Poder Judiciário possui como função típica a jurisdição, que é essencialmente o poderdever de solucionar conflitos entre os entes de direito litigantes, ao mesmo tempo que ao se administrar e ter alguma iniciativa legislativa, tem funções secundárias neste sentido. Ao delegar (indevidamente) a responsabilidade de punir as empresas praticantes de atos abusivos e ilegais ao Poder Judiciário, os Poderes Legislativo e Executivo, que de fato deveriam cuidar de criar normas rígidas de fiscalização dos serviços e bens prestados, e exercer o poder de polícia ao fiscalizar e punir administrativamente os infratores, se desincumbem de seu papel privativo.
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Fato é que a obrigação de fiscalização e punição destas empresas é do poder Executivo, que em co-atuação do poder Legislativo, que estabelece normas abrangentes e rígidas de controle de qualidade, pode averiguar de maneira preventiva – e esta é a palavra chave – os vícios que, caso punidos através de indenizações pedagógicas, somente contribuiriam para o locupletamento. Como mencionado, os valores justos de ressarcimento estabelcidos pelas indenizações não são suficientes para prejudicar financeiramente as grandes empresas nacionais, ao mesmo tempo que exigir-se uma indenização milionária para um consumidor com o fim de desestimular uma empresa de telecomunicações que lhe causou um dano de cunho moral, geraria um desequilíbrio lógico do montante, resultando em patente enriquecimento ilícito. De toda forma, as empresas que praticam reiteradamente atos ilícitos e abusivos não podem sair impunes, e a resposta que parte da doutrina oferece para esse dilema é adoção de medidas alternativas, que venham a ferir financeiramente estas empresas sem colaborar para o enriquecimento sem causa. Alguns indicam a criação de um instituto análogo ao disposto no artigo 13 da Lei 7.347 de 1980, Lei da Ação Civil Pública14, em que o causador do dano é condenado a pagar duas quantias financeiras distintas, uma reparatória para a vítima do dano, e outra, de caráter punitivo-pedagógico, de valor elevado, para um fundo de fiscalização e investimento na melhora daquele referido serviço defeituoso. Assim, a vítima do dano se vê reparada de seu sofrimento em montade justo, ao mesmo tempo que a empresa praticante do ilícito se desestimula a cometer outros abusos temendo uma sanção econômica que, à sua vez, não gera enriquecimento ilícito e sim desenvolvimento do serviço defeituoso para a coletividade – ação preventiva – 6.3 Cultura da Jurisdicionalização das Relações Por fim, o terceiro ponto que se pode observar como grande problema decorrente do Dirigismo Processual é a cultura de jurisdicionalização das relações. Como mencionado previamente, o Brasil se encontra hoje em um contexto político delicado, visto que após 12 anos de governo populista, com políticas públicas voltadas para a vitimização da classes mais baixas e estabelecimento de bolsas, o Estado se tornou notoriamente paternalista. Está se consolidando no país uma fortíssima cultura de solução judicial de conflitos, muitas vezes sem que sequer seja tentada a via administrativa. Forma-se a ideia de que não é possível a solução de um impasse entre particulares sem o veredicto magistral, retirando do indivíduo até mesmo o mínimo de responsabilidade extrajudicial na resolução dos dissabores cotidianos Pode-se dizer que a persistente e excessiva facilitação do ingresso judicial, em conjunto com as flexibilizações procedimentais que tornaram o processo praticável a leigos, acabou por não apenas simplificar a jurisdição, mas encoraja-la. Como estagiário de escritórios de advocacia já compareci pessoalmente a inúmeras audiências nos juizados especiais cíveis em que o consumidor demandante assumia sequer ter tentado entrar em contato com a empresa-ré para encontrar uma solução administrativa para seu problema; claro, afinal, se assim fizesse não poderia pleitear uma inchada indenização a título de danos morais. Quanto à própria banalização do dano moral não existe espaço no presente artigo para tal debate, mas caso fosse ser explorado, certamente poderia-se encontrar forte relação com o Dirigismo Processual e sua postura de facilitação/incentivo ao litígio. Em reportagens recentes dois casos causaram particular rebuliço na mídia, e que representam com clareza o fenômeno da juridicializa-
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ção das relações, como for a dito. No primeiro dele, de respaudo internacional, um furto de galinha se tornou matéria de Recurso Extraordinário; sim, tomando o tempo de debates de repercussão geral com um delito que, ab initio, viola até mesmo o princípio da insignificância.15 Já no segundo caso, de repercussão nacional, duas famílias disputam judicialmente, e com discussões acaloradas dignas de apoio policial, a guarda de um cão vira-lata, o qual possui dois nomes, Simba e Bob, visto que não tem dono certo.16 Não é a intenção aqui desmerecer a significância de nenhum dos casos, afinal o furto, mesmo de uma galinha, é tipo penal e não pode ser ignorado; da mesma forma que cães podem ter um significado emocional imenso para uma família, que certamente teme perdê-lo. O questionamento na verdade é se o judiciário precisaria mesmo ser acionado para a solução destas questões. Da mesma forma que os consumidores buscam cada vez menos a solução extrajudicial de seus problemas com fornecedores, a sociedade civil como um todo está perdendo a crença na resolução pacífica de conflitos. Os dissabores fazer parte do dia-a-dia, e devemos aprender a lidar com eles de maneira diplomática, buscando soluções, e não indenizações. 7 Conclusão Diante de todo o exposto, é importante ressaltar que o presente trabalho não se opõe ao fenômeno observado propriamente dito. O Dirigismo Processual é uma construção histórica pátria, que surgiu evidentemente em resposta a um sitema que desfavorecia os mais frágeis, tanto nos âmbitos negociais quanto nos processuais, e possui grande valor democrático. Entretanto, como apontado ao longo deste artigo, existem grandes falhas na forma como ele vêm sendo aplicado, e portanto, pode vir a causar mais males que bens a longo prazo. Não queremos uma sociedade vitimista, incapaz de solucionar questões simplistas sem a atuação do Estado. Não queremos também que o Poder Judiciário supra os descasos dos demais poderes, atuando como agência reguladora, fiscalizando e punindo serviços mal prestados e produtos defeituosos. Certamente não é de interesse da coletividade que injustiças sejam cometidas ao reconhcermos hipossuficiências onde elas não existem, o que poderia jogar por terra toda a isonomia processual. Não se pode olvidar, de toda forma, que as grandes corporações ainda exercem uma verdadeira tirania econômica em nosso país, e, como dito, justamente em razão dos descasos dos poderes Legislativo e Executivo, atuam sem grandes temores, cometendo ilícitos e abusos reiteradamente. Assim, até que medidas sejam tomadas no sentido de contornar a situação, o Poder Judiciário deve continuar mantendo a atenção redobrada, identificando com precisão as hipossuficiências e as sanando, através da aplicação responsável do Dirigismo Processual. Com isso, conclui-se que o Dirigismo Processual em sí não é um instituto prejudicial ao direito. Ele é, na verdade, a inevitável resposta do Poder Judiciário à liberdade que as grandes empresas tem no país para a prática de abusos, e, assim, deve sim ser exercido; mas de maneira inovadora, inteligente e individualizada, em que os juristas criem novas e eficazes formas de se punir o praticante de ilícito sem resultar em locupletamento, ao mesmo tempo que os demais poderes solucionam, em um cenário geral, as irregularidades já mencionadas.
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Referências ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. ASSIS, Araken de. Indenização do dano moral. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 236, jun. 1997. FIUZA, César. Direito civil. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. G1, Portal de Notícias http://g1.globo.com/ (acesso em 26/04/2014) JUNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro, 2a. ed., vol. I, p. 8, apud José Frederico Marques, Ensaio sobre a Jurisdição Voluntária MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. São Paulo: Malheiros,1996 MICHAELLIS, Dicionário Online http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugu es/index.php?lingu a=portugues-portugues&pal avra=indenizar (acesso em 22/04/2014) SILVA, Luiz Cláudio. Os juizados especiais cíveis na doutrina e na prática forense. 2ª ed. Rio de Janeiro Ed. Forense, 1998
NOTAS DE FIM 1 João Lucas Vieira Saldanha, graduando em Direito pelo curso superior da Faculdade Newton Paiva, inscrito no Registro Acadêmico sob o número 11114199 2 Leandro Henrique Simões Goulart, professor de Processo Civil do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, coordenador de estágios e CEJU da mesma instituição, e orientador do presente trabalho acadêmico 3 Ronaldo Passos Braga, Leandro Henrique Simões Goulart 4 João Mendes Júnior, O Processo Criminal Brasileiro, 2a. ed., vol. I, p. 8, apud José Frederico Marques, Ensaio sobre a Jurisdição Voluntária, cit., p. 21-22. 5 Artigo 2º da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. 6 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 100 7 SILVA, Luiz Cláudio. Os juizados speciais cíveis na doutrina e na prática forense. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1998, p.01 8 Artigo 6º, incisos VI, VII, VIII e X da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) 9 Artigo 6º, inciso VII da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) 10 TJMG - Apelação Cível 1.0040.07.058127-3 - Relatoria: Des. Otávio Portes Data de Julgamento: 30/01/2014 EMENTA: CIVIL E PROCESSO CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - PESSOA JURÍDICA - NEGATIVAÇÃO INDEVIDA - DANO MORAL - EXISTÊNCIA - VALOR - CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. 1. Não há mais dúvida na doutrina e na jurisprudência quanto a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral e, conseqüentemente, ser indenizada, conforme entendimento consolidado na súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. 2. Quanto aos danos morais, a inscrição indevida do nome da pessoa jurídica nos órgãos de proteção ao crédito, por si só, em razão da publicidade do ato e da repercussão no meio empresarial, revela-se suficiente para provocar o abalo e recomendar a indenização. 11 Indenizar - in.de.ni.zar(indene+izar) vtd 1.Dar indenização ou reparação a; compensar, ressarcir: O patrão despediu-o mas indenizou-o. Indenizar alguém de (ou por) prejuízos. Indenizaram as perdas e danos ao proprietário. vpr 2.Ser indenizado, ressarcido; receber indenização ou compensação: Indenizo-me do tempo perdido. Após o exaustivo labor, indenizar-se-ia em largo repouso. 3. Tor-
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nar indene. (Dicionário Michaellis Online - http://michaelis.uol.com.br/moderno/ portugues/index.php?lingua=portugues- portugues&palavra=indenizar) 12 Artigo 944 do Código Civil: A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único: Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização. 13 Enunciado 379 da 4ª Jornada de Direito Civil: “Art. 944 - O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil.” 14 Artigo 13 da Lei 7.347 de 1980 - Lei da Ação Civil Pública: Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. 15 http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/04/dois-casos-de-furto-de-galinhas-vao-parar-no-supremo- tribunal-federal.html (acessado em 15/04/2014 às 23:41) 16 http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2014/05/disputa-por-vira -lata-leva-duas-familias-policia-e-decisao-vai-parar-na-justica-araraquara.html (acessado em 31/05/2014 às 09:36)
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EVOLUÇÕES E CRÌTICAS EM TORNO DA RESPONSABILIDADE LIMITADA DEFERIDA AO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL – EIRELI Raissa Caroline de Lima Oliveira1 Núbia Elizabette de Jesus Paula2 Banca examinadora3
RESUMO: A proteção ao empresário individual é um tema que vem sendo discutido no Brasil desde meados do século XX. A partir da Lei 12.441/2011, foi possível proporcionar a limitação de responsabilidade patrimonial ao empresário individual. Mesmo tornando-se realidade no ordenamento jurídico brasileiro apenas agora, esta modalidade de pessoa jurídica já foi alvo de discussões bem passadas, demonstrando o quanto o legislador tardou a implementação desta novidade. Antes disto, o empreendedor individual respondia ilimitadamente, ou seja, com todo seu patrimônio, tanto pelas dívidas comerciais contraídas em razão do empreendimento, bem como pelas dívidas contraídas pessoalmente. A maneira encontrada pelos empreendedores, a fim de desvincular o patrimônio da pessoa física das dívidas contraídas em razão da sua atividade comercial, diminuindo o risco do empreendimento, foi a criação das chamadas sociedades fictícias. Entretanto, esta modalidade implicava um grave risco aos sócios além de propagar a sensação de fraude ao paraíso fiscal. A Lei 12.441/2011 criou a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, EIRELI, com o propósito de solucionar essa situação e promover maior segurança aos empreendedores individuais. Assim, estes passam a usufruir da mesma proteção patrimonial conferida às sociedades empresarias limitadas. Ocorre, contudo, com pouco tempo de vigência, a nova modalidade de pessoa jurídica já é objeto de diversos questionamentos e críticas, questões estas que serão analisadas e discutidas no presente artigo. PALAVRAS-CHAVE: EIRELI; Limitada; Sociedade; Responsabilidade; Patrimônio. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Evolução histórica; 2.1 Evolução histórica do direito comercial brasileiro; 2.2 O Novo Código Civil; 2.2.1 Empresa, empresário, estabelecimento e ponto de negócio; 2.2.2 Empresário individual e sociedade empresarial; 2.2.3 Responsabilidade; 3. Sociedades limitadas; 3.1 Sociedades fictícias; 4 Empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI; 4.1 Contexto; 4.2 A Lei 12.441/201; 4.3 Críticas à Lei 12.441/2011; 4.3.1 Natureza jurídica; 4.3.2 EIRELE por pessoas jurídicas; 4.3.3 Vinculação ao salário mínimo; 5 Aspectos positivos e negativos da Iei 12.441/2011; 5 Consideraçõs finais.
1 INTRODUÇÃO A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, mais conhecida pela sigla EIRELI, foi introduzida ao ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 12.441/2011. A lei altera o Código Civil, Lei nº 10.406/02, no intuito de resolver uma questão que há muito se discutia: a responsabilidade ilimitada das sociedades unipessoais. Embora esta nova figura tenha sido regulamentada tardiamente no Brasil, uma vez que já existe há muitos anos em outros países, pode-se dizer que foi demonstrado uma preocupação com o desenvolvimento econômico, a fim de incentivar a formalização de milhares de empreendedores que atuam em nosso país de forma desorganizada ou informal, e, além disso, de reduzir o grande número das chamadas sociedades fictícias. A Lei 12.441/2011 foi instituída na tentativa de contornar a vulnerabilidade do empresário individual, instituindo a limitação de responsabilidade, a fim de não mais ocorrer a confusão patrimonial, isto é, o empresarial não responderá diretamente com seu patrimônio pessoal pelas dívidas da pessoa jurídica. No entanto, o novo instituto já nasceu cercado por dúvidas e incertezas, com potencial de impossibilitar a concretização do objetivo inicial do legislador. Os aspectos, no mínimo polêmicos, em torno da EIRELI, recaem principalmente sobre a sua natureza jurídica, a possibilidade de constituição por pessoa jurídica e o capital mínimo exigido para a sua constituição. Neste sentido, a fim de questionar se a EIRELI, nos moldes em que restou positivada, corresponde à melhor disciplina jurídico-legislativa para o caso, serão tratadas as questões envolvendo a problemática da proteção do empresário individual. Será discorrida,
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brevemente, a evolução histórica do direito comercial brasileiro, mais especificamente a partir do Código Comercial de 1850 e Código Civil Brasileiro de 2002 em diante. Neste sentido, serão tratadas as figuras do empresário, empresa, estabelecimento e ponto de negócio, para que seja possível a compreensão do empresário individual, sociedades empresarias e responsabilidade. Após as noções preliminares, serão aprofundados os temas referentes às sociedades limitadas e sociedades fictícias, para então chegar ao objetivo do presente estudo, as Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA 2.1 Evolução histórica do direito comercial brasileiro Para entender o atual direito comercial mostra-se necessário ressaltar os principais aspectos de sua evolução histórica. Neste tópico, serão parafraseados os pensamentos do ilustre doutrinador André Luiz Ramos (2009). O surgimento do direito comercial brasileiro está relacionado à chegada da família real portuguesa em 1808 no Brasil e à abertura dos portos às nações amigas. Deste momento até o surgimento do Código Comercial brasileiro, o comércio era disciplinado por leis portuguesas e pelos Códigos Comerciais da Espanha e França. Em 1834, foi apresentado ao Congresso Nacional um projeto a partir do qual, 15 anos depois, se originou o Código Comercial, Lei nº556 de junho de 1850, o primeiro código brasileiro, baseado nos Códigos Comercias de Portugal, França e Espanha. Assim, seguindo a influência francesa, adotou-se o critério objetivo da teoria dos atos do comércio.
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Esta teoria, conhecida também como fase Napoleônica, tinha como traço marcante o objeto da ação do agente, ou seja, o próprio ato do comércio que caracterizava a profissão dos mercadores, expressando em lei quais atos eram de natureza mercantil e, automaticamente, qualificando como comerciante quem os praticasse, estando, assim, sujeito ao Direito Comercial. Assim, a qualificação do comerciante não tinha mais sua importância no sujeito da ação, mas na prática dos atos denominados comerciais. Embora não houvesse uma relação dos atos de comércio nesta codificação, a relação veio no mesmo ano, com a publicação do Regulamento 737, que pelo art. 19 definia quais atos seriam de comércio: “§ 1.o A compra e venda ou troca de bens móveis ou semoventes, para os vender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso. § 2.o As operações de câmbio, banco e corretagem. § 3.o As empresas de fábricas, de comissões, de depósito, de expedição, consignação e transportes de mercadorias, de espetáculos públicos. § 4.o Os seguros, fretamento, riscos; e quaisquer contratos relativos ao comércio marítimo. § 5.o A armação e expedição de navios”. O referido regulamento foi revogado em 1875, entretanto continuou a ser utilizado, gerando, na prática, diversos problemas, pois vários atos, por não estarem elencados na lista, não eram considerados comercias, como o caso da compra e venda de imóveis, atividade rural, prestação de serviços, dentre outros. Desde então, diversas foram as tentativas de reforma do referido Código Comercial Brasileiro a fim de unificar o direito privado. Assim, dessa necessidade, passa a adotar a teoria da empresa, oficializada pelo Código Civil de 2002, momento em que ocorre a unificação, ao menos formal, do Direito Civil com o Direito Empresarial. Observase que esta unificação não foi absoluta, pois parte do Código Comercial continuava em vigor, e o Direito empresarial continua a ser disciplinado por leis especiais. Mesmo ocorrendo apenas a unificação formal, pode-se constatar que desde 1970 o sistema italiano já vinha sendo considerado e estudado pela doutrina pátria, especialmente a teoria da empresa. O fato da unificação do direito privado gerou várias críticas. O grande comercialista Cesare Vivante alegou, no inicio do século XX, que, sendo o Direito Comercial parte do Direito Privado, bem como o Direito Civil, era difícil fazer uma separação nítida entre a matéria regulada pelo Código Civil e regulada pelo Código Comercial, fundamentando a sua alegação no fato de que o conteúdo do direito comercial estava se alargando. Grande crítico da teoria de Vivante, Alfredo Rocco é contrário à teoria da unificação do direito privado, e fundamenta-se principalmente no conteúdo do direito comercial, afirmando que existem duas espécies de norma de direito comercial, normas que derivam da legislação civil e normas totalmente novas, decorrentes de relações sem correlação nas relações civis. Embora a teoria da empresa tenha vindo junto com a tentativa de unificação do direito privado, pode-se verificar que esta unificação foi apenas formal, continuando a existir, como ramos independentes o direito civil e o comercial. Afinal, o que define a autonomia é a existência de institutos jurídicos e informadores próprios. Esse período transitório entre o Código Comercial e a influência do sistema italiano no âmbito jurídico-mercantil se concretiza com a edição do novo Código Civil brasileiro. 2.2 O Novo Código Civil O desenvolvimento da sociedade, com a evolução cultural e científica, exigiu que as normas jurídicas se adaptassem às novas situações existentes nas relações que intermediavam, diante do caráter social do Direito. Dentre estas mudanças a principal ocorreu no Direito Civil, dando origem ao novo Código Civil.
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A Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o novo Código Civil, entrou em vigor em janeiro de 2003, revogando a Lei 3.071 de 1916, Código Civil, e a Parte Primeira do Código do Comércio, Lei 556 de 1850. Segundo Fábio Ulhoa (2003), em relação ao direito comercial, a grande evolução proporcionada foi a introdução da teoria da empresa em suas normas fundamentais e a consequente revogação da primeira parte do Código Comercial, promovendo a substituição da ultrapassada noção jurídica de “atos de comércio”, e a harmonização do tratamento legal da disciplina privada da atividade econômica do pais. O Novo Código Civil (2002) faz desaparecer a figura do comerciante, que se caracterizava pela prática habitual dos atos de comércio, transformando-se no empresário, como também incorporando a teoria da empresa ao nosso ordenamento jurídico, afastando o impreciso conceito de ato de comércio, adotando o conceito de empresarialidade para delimitar o âmbito de incidência do regime jurídico comercial. Portanto, resta-nos perquerir, para a exata compreensão e delimitação do âmbito de incidência do regime jurídico empresarial, a teoria da empresa e suas ramificações, bem como dos aspectos importantes para o entendimento do presente trabalho. 2.2.1 Empresa, Empresário, Estabelecimento e Ponto de Negócio O Código Civil Brasileiro (2002) não define diretamente o que vem a ser empresa, entretanto, ao definir empresário pode-se estabelecer logicamente que empresa é atividade econômica organizada com finalidade de fazer circular ou produzir bens ou serviços. Veja, segundo o artigo 966 do novo Código Civil, o empresário caracteriza-se como a pessoa física (empresário individual) ou jurídica (sociedades empresárias) que promove profissionalmente a produção ou circulação de bens ou serviços, exceto aqueles que exercem atividade de forma esporádica, de natureza intelectual, literária, artística ou cientifica, salvo se constituir elemento de empresa. Portanto, empresa e empresário são noções que se relacionam, mas não se confundem. Já o estabelecimento empresarial, chamado antigamente de fundo de comércio, não se confunde com ponto de negócio. O primeiro, em suma, foi conceituado no Titulo III do referido Código como sendo o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos organizados pelo empresário para a exploração da atividade econômica organizada, e o segundo como sendo apenas um dos elementos que compõem o estabelecimento empresarial, composto de outros bens materiais e até mesmo imateriais. Para Fábio Ulhoa Coelho (2002), o estabelecimento também não se confunde com a empresa, vez que esta, como visto, corresponde a uma atividade. Apesar de estabelecimento, ponto de negócio, empresa e empresário sejam noções que não se confundem, estão relacionadas entre si, podendo dizer que o estabelecimento é o complexo de bens usado pelo empresário no exercício da atividade econômica empresa. 2.2.2 Empresário Individual e Sociedade Empresarial Quando abordado acima o conceito de empresário, foi observado que o empresário pode ser pessoa física ou pessoa jurídica. No primeiro caso se trata da figura do empresário individual, enquanto que, no segundo, caso a empresa seja exercida por pessoa jurídica, tratará de uma sociedade empresarial. O empresário individual é aquele que exerce, em nome próprio, atividade empresarial, possuindo empresa titulada por apenas uma pessoa física, que integraria bens próprios à exploração de seu negócio. Enquanto que a sociedade empresária tem por objeto o exercício de atividade própria sujeito a registro, reunindo dois empresários ou mais, para a exploração, em conjunto, de atividade econômica.
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Segundo Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003), neste período, a atuação das sociedades empresariais no mercado sempre foi mais marcante do que a do empresário individual, uma vez que estes, não raro, se voltaram mais aos pequenos empreendimentos, cabendo às sociedades os empreendimentos de médio e grande porte. Isto se deu pois os empreendedores sempre procuraram minimizar seu risco empresarial, pois, até então, apenas as sociedades poderiam separar o patrimônio dos sócios e da pessoa jurídica, havendo a possibilidade de limitação de responsabilidade, vez que o Código Civil perdeu excelente oportunidade criar a figura do empresário individual de responsabilidade limitada em sua promulgação. Até então, conforme o Código Civil de 2002, haviam seis espécies de sociedades empresariais, quais sejam: sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em conta de participação, sociedade em comandita por ações, sociedade anônima e sociedade limitada. As sociedades podem ser classificadas a partir da responsabilidade dos sócios, podem ser de responsabilidade limitada, de responsabilidade ilimitada ou mista, passemos a estudar. 2.2.3 Responsabilidade Conforme interpretação do Código Civil de 2002, as partes que celebram um contrato de sociedade estão legalmente obrigadas a proceder a sua formalização realizando a inscrição dos atos constitutivos da sociedade no Registro Público de Empresas Mercantis, antes do iniciar suas atividades, assim, adquirindo personalidade, surgindo a pessoa jurídica. Para este tópico, segundo o doutrinador Fábio Ulhoa Coelho (2002), a partir da personificação é possível classificar as sociedades em relação à responsabilidade dos sócios pelas obrigações, os quais respondem de forma limitada, ilimitada ou mista, sendo que a titularidade negocial, processual e o patrimônio investido serão da sociedade. Necessário destacar que a limitação ou ilimitação de responsabilidade dos sócios diz respeito a sua responsabilidade pessoal por dívidas da sociedade, ou seja, quanto à possibilidade da execução do patrimônio pessoal dos sócios por credores para satisfação de obrigações sociais. Enquanto que a responsabilidade da sociedade será sempre ilimitada. Nos casos em que a atribuição de personalidades jurídica gere a limitação de responsabilidade, vigorará o princípio da autonomia dos elementos ativos e passivos que compõem o patrimônio social, assim, o patrimônio pessoal, a princípio, não poderá ser executado. Na sociedade ilimitada, por outro lado, caso seja esgotado o patrimônio da sociedade, os credores podem executar todo o restante do interesse creditício no patrimônio dos sócios, sem limite. Em contraponto, até então, o empresário individual não possuía personalidade jurídica distinta da pessoa natural, assumindo os riscos inerentes ao desempenho da empresa com o próprio patrimônio, assim como ocorre com as sociedades com responsabilidade ilimitada. Verifica-se assim a importância do instituto da personificação, vez que determina a separação do patrimônio do sócio e da sociedade, distinguindo o patrimônio da pessoa física e da jurídica. Fundamental este entendimento para adentrar ao tipo societário mais utilizado de praxe comercial, a sociedade limitada. 3 SOCIEDADES LIMITADAS Para Paulo Cardoso (2012), a sociedade limitada é o tipo societário mais presente na economia brasileira, sucesso devido à duas principais características, quais sejam a limitação da responsabilidade dos sócios e a contratualidade. Isto porque os credores não po-
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derão executar o patrimônio pessoal dos sócios e as relações entre estes se pautarão nas disposições de vontade. Como abordado, esta limitação faz com que muitos empreendedores em potencial se sintam estimulados, pois a limitação de responsabilidade funciona como relevante fato de redução do risco empresarial. Este modelo, regulado por um capítulo próprio no Código Civil entre os artigos 1.052 a 1.087, como o próprio nome já diz, limita a responsabilidade dos sócios, comportando exceções em caráter excepcional, nos casos em que responderão ilimitadamente, como quando adotarem deliberação contrária à lei ou ao contrato social. Conforme prevê o art. 1.052 do Código Civil, a “responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”, ou seja, a responsabilidade do sócio limita-se à sua participação societária quando o capital social for totalmente integralizado, não assistindo qualquer responsabilidade pelas dívidas contraídas pela pessoa jurídica. Assim, a sociedade empresária é a responsável por suas obrigações, e os sócios tem seu patrimônio pessoal protegido pela limitação de responsabilidade, em princípio. Fábio Ulhoa Coelho ensina: A personalização da sociedade limitada implica a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos distintos, com seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um, portanto, não se podem imputar ao outro. Desse modo, a regra é a da irresponsabilidade dos sócios da sociedade limitada pelas dívidas sociais. Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometeram no contrato social (CC, art. 1.052). É esse o limite de sua responsabilidade”. (COELHO, 2013, p. 413) A limitação de responsabilidade é um incentivo à exploração de atividades econômicas, a perda para o sócio no caso do insucesso estará limitada. Para que tenha validade, a sociedade deve atender aos requisitos gerais de qualquer negócio jurídico e aos requisitos especiais que o contrato está submetido. Inicialmente, todos os sócios devem contribuir para a formação do capital social, mesmo que essa contribuição seja de valor ínfemo. Como se trata de uma comunhão de interesses com uma finalidade comum torna-se indispensável que todos forneçam meios necessários para alcançar o fim almejado. Outro requisito de validade é a garantia de que todos os sócios participem dos resultados sociais, vedando, assim, a cláusula que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e perdas. Assim, pelo elencado, o contrato social possui como principais características a pluralidade, ou seja, é aquele que podem tomar parte várias pessoas, e a affectio societatis, a reunião de esforços em torno de um objetivo comum. Ocorre que o que se via ate então, é que o Brasil não admitia a constituição originária de sociedades limitadas unipessoais, no ordenamento a pluralidade de sócios era pressuposto fundamental à existência de uma sociedade. Caso fosse admitida a limitação da responsabilidade do empresário individual desde a promulgação do novo Código Civil não haveriam criações de sociedades empresárias formadas com a finalidade exclusiva da obtenção da limitação da responsabilidade dos sócios no desenvolvimento da empresa. 3.1 Sociedades Fictícias No Brasil, aquele que individualmente explorasse atividade empresarial vincularia seus bens ao cumprimento das obrigações por ela
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contraída, sem quaisquer restrições ou limites, suportando a totalidade dos riscos próprios dos empreendimentos. Conforme se desprende das lições de sociedade empresária, segundo Fábio Ulhoa Coelho (2013), com fundamento na teoria contratualista, a pluralidade de membros à constituição de uma sociedade era indispensável, restando vedada a formação da sociedade unipessoal. Paralelamente a esta realidade jurídica extremamente restritiva quanto à unipessoalidade, os empresários individuais desenvolveram mecanismos que possibilitaram o contorno dessa situação. Assim, o empresário, a fim de simplesmente obter o benefício da limitação de responsabilidade, resguardando seu patrimônio pessoal, mesmo não necessitando, na realidade, somar aos seus esforços e recursos a outro, constituía uma sociedade, formalmente, na qual um dos sócios, mais conhecido como “sócio-laranja”, sócio de favor, o “testa-de-ferro”, teria participação inexpressiva, apenas para atender à obrigatoriedade da sociedade ser formada por, no mínimo, duas pessoas, não participando ativamente da atividade empresarial, formando, assim, as chamadas sociedades de fachada ou fictícias. Desta maneira o requisito instituído pelo artigo 981 do Código Civil Brasileiro, o qual exige o mínimo de duas pessoas para a constituição de uma sociedade limitada, estaria preenchido. Ocorre, que com a criação destas “sociedades fictícias” seria possível limitar a responsabilidade do empresário individual, ora sócio majoritário, ao patrimônio da empresa, sem maiores implicações ao patrimônio pessoal daquele, ou seja, o risco do empreendimento seria limitado ao patrimônio da sociedade e não ao patrimônio pessoal dos sócios, alternativa utilizada por muitos a fim de proteger os bens particulares. Muitos doutrinadores, como Calixto Salomão Filho (1995), entendiam que essa formação societária se tratava apenas de negócio simulado, sendo que para eles existia um conflito entre a vontade declarada e a vontade real, dissimulando a criação de um patrimônio separado. Uma vez que produziam os efeitos jurídicos comuns a uma sociedade, não sendo inválidas, deveriam ser consideradas toleráveis, há não ser quando houver intenção de prejudicar terceiros ou de violar disposição legal, hipóteses que para qualquer forma societária restariam como fim ilícito, acarretando, assim, o mesmo remédio de direito cabível as demais. Ainda neste sentindo, alegam que a constituição de uma sociedade fictícia não contraria a lei, pelo contrário, obedece aos requisitos legais exigidos para sua formação, caracterizando negócio jurídico indireto. Já, em contrapartida, outros entendem, como Antônio Martins Filho (1950), que a sociedade aparente pode ser vista como fraude, não devendo surtir efeitos, considerando os sócios como irregulares, sujeitos a todas as desvantagens que disso advém. Sustentando ainda, que o próprio legislador reconhecia, expressamente, a ilegalidade desta formação social ao prever a desconsideração da personalidade jurídica quando ocorresse o desvio de finalidade e confusão patrimonial, essa confusão, na prática, seriam as sociedades de fachada. Ocorre, contudo, que a primeira corrente é sustentada também pela jurisprudência dos Tribunais brasileiros, já que a discrepância das quotas societárias por si só não basta para que se proceda à superação da personalidade jurídica, sendo necessária a ocorrência concreta das circunstancias constantes no art. 50 do Código Civil. Apesar de uma sociedade limitada fictícia resultar ou não fraudar à lei ou simulação, a sua constituição não se revela proveitosa face à burocratização deste tipo societário, pois, além de tornar complexo os atos constitutivos, exige alterações nos contratos para uma série de atos relativos ao funcionamento da empresa e, ainda, a possibilidade de ações judiciais por parte dos sócios com menor participação social.
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Acontece que este tipo de sociedade de “fachada”, alem de gerar enorme burocracia, para muitos se tornou uma forma de práticas de atos abusivos ou fraudulentos, como elencado por Onofre Alves Batista Junior: (...) o que se verifica, é que no Brasil vem se alastrando como “erva daninha”, é a constituição de sociedades em que um sócio se apresenta, “apenas no papel” como minoritário e sem funções gerenciais, e, no entanto, é o verdadeiro gestor e administrador da sociedade, utilizando-se de terceiro para evadir tributos e proporcionar verdadeiros prejuízos ao Erário Público. Trata-se do sabido e consabido uso dos “famosos laranjas”, que vem levando o país à bancarrota, destruindo instituições como a Previdência Social, e porque não até o Erário dos Estados-Membros.(BATISTA JUNIOR,1999, p. 56) Pode-se dizer que as sociedades fictícias acabam por reforças q necessidade de também se visualizar a sociedade como uma técnica jurídica a favor do exercício de empresa. Não poderia mais se insistir na fidelidade da noção de sociedade como contrato, pois verifica-se total disparidade entre a realidade de fato e a jurídica. Diante disto, houve uma mobilização para que fosse realizada uma alteração legislativa, a fim de reduzir o número de empresas com composição simulada pela possibilidade do empresário poder limitar seu risco, sendo que tal movimento resultou na inserção em nosso ordenamento jurídico da Lei 12.441/2011, com vista a admitir a instituição da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, a qual será a seguir estudada. 4 EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – EIRELI 4.1 Contexto A proteção ao empresário individual é um tema que vem sendo discutido no Brasil desde meados do século XX. A Constituição da República em seu artigo 170, IX, consagra como princípio geral da atividade econômica brasileira o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte. Ocorre, contudo, que até 2012, a proteção patrimonial que era conferida às sociedades empresariais não era conferida aos empresários individuais. Enquanto o manto protegia os sócios limitando sua responsabilidade patrimonial das cobranças de credores, pela qual apenas a sociedade respondia pelas dívidas por esta contraída, o empresário individual, inversamente, respondia com a integridade de seu patrimônio pessoal pelas dívidas contraídas em razão da sua atividade comercial. Desta forma, a sociedade fictícia foi a maneira encontrada pelo empresário individual para proteger seu patrimônio pessoal. Esta forma encontrada, entretanto, implica um grave risco aos sócios, pois se caracterizado ser ato simulado poderia levar à desconsideração da personalidade jurídica e à consequente responsabilização dos sócios. Ainda assim, este tipo de sociedade de fachada se propagava como sensação de fraude decorrente da fama do principado de ser um paraíso fiscal. Segundo Wilges Bruscato (2012), a partir de 2012 o comerciante deixou de precisar recorrer a tais artifícios. Fazendo-se necessária a adequação das leis às transformações sociais, na tentativa de resolver a situação de vulnerabilidade do empresário individual, após diversas tentativas frustradas, finalmente, a Lei 12.441 de 2011 foi publicada no Diário Oficial da União, o qual circulou em 12/07/2011, passando a vigorar a partir de janeiro de 2012. A partir de então foi possível existir a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, conhecida pela sigla EIRELI. Esta nova mo-
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dalidade societária autoriza determinada pessoa natural a constituir pessoa jurídica para a exploração da empresa, sem a necessidade de se unir a um sócio, inaugurando uma nova realidade considerada uma das mais importantes alterações introduzidas na ramificação empresarial do Direito Comercial. Mesmo tornando-se realidade no sistema brasileiro apenas agora, a responsabilidade limitada já foi alvo de discussões bem passadas, demonstrando o quanto o legislador tardou a inauguração do ordenamento da EIRELI ao ordenamento nacional, cita Wilges Bruscato (2005): Em 1943, a questão foi levantada em um artigo publicado na Revista Forense por Trajano de Miranda Valverde, falando sobre a questão da responsabilidade limitada para o empresário individual, que era conveniente que o direito positivo autorizasse, com as devidas cautelas, a criação de estabelecimentos autônomos, por pessoas naturais ou jurídicas, separando para este fim, de seu patrimônio, bens ou valores, com a intenção de limitar a responsabilidade até determinada soma. Em consequência, o deputado Fausto de Freitas e Castro, do PSD do Rio Grande do Sul, apresenta em maio de 1947, na Câmara dos Deputados, projeto de lei sobre o assunto e o retira antes que seja votado; por causa dos pareceres contrários das comissões de Constituição e Justiça e de Economia, Indústria e Comércio. A diretiva da União Europeia aos seus Estados-membros para a constituição da sociedade unipessoal foi marcante para o Direito brasileiro, influenciando também países como Espanha, Portugal e Itália. A referida diretiva elencava que a sociedade poderia ter um sócio único no momento de sua constituição, bem como por força da reunião de todas as partes sócias em uma única pessoa (sociedade unipessoal). Apesar de caracterizar, manifestadamente, um avanço, a Lei 12.441/2011 ainda não convence de que a estrutura adotada pelo legislador nacional é a melhor opção para suprir a demanda dos comerciantes individuais. Assim, fazendo-se necessário o estudo de modo objetivo da Lei para, em seguida, analisar as principais críticas recebidas. 4.2 A Lei 12.441/201 Inicialmente, inseriu-se ao artigo 44 do Código Civil um novo inciso, pelo qual as empresas individuais de responsabilidade limitada passaram a constituir uma nova modalidade de pessoa jurídica. Em seguida, foi adicionado o Título I-A ao Livro II – Do Direito de Empresa do Código Civil Brasileiro, in verbis: Título I-A Da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. § 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão «EIRELI» após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada. § 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. § 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração. § 4º (vetado). § 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsa-
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bilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. § 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas. A então Presidente Dilma Rousseff vetou parcialmente o projeto de Lei que deu origem à EIRELI. Em seu artigo acima destacado, traria o §4º o qual elencaria: “somente o patrimônio social da empresa respondera pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui(...)”. Justificou que a expressão “em qualquer situação” poderia gerar controvérsias com a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Veto este que não trouxe nenhum prejuízo. Adicionalmente, modificando o parágrafo único do artigo 1.033, também do Código Civil, inclui nova exceção à regra de dissolução da sociedade limitada pela falta de pluralidade de sócios, transformando-a em EIRELI. Por fim, o artigo 3˚ da Lei 12.441/2011 elencos uma vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data de sua publicação. 4.3 Críticas à Lei 12.441/2011 4.3.1 Natureza Jurídica O legislador optou pela personalização da empresa ao invés da criação da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada ou de patrimônio de afetação do empresário individual. Entretanto, a lei preferiu se reportar às regras previstas para as sociedades limitadas do que estabelecer regras próprias à EIRELI. Ocorre que em função da modificação sofrida pelo artigo 44 d Código Civil, a EIRELI passou a vigorar o rol das pessoas jurídicas admitidas no direito brasileiro, caracterizando, efetivamente, como nova modalidade de ente jurídico personificado, não se tratando de uma sociedade. O Projeto Lei 4.605/2009, inicialmente, previa a constituição da sociedade unipessoal, pretendendo adicionar um tipo societário às modalidades já existentes. A Lei 12.441/2011 utiliza diversas expressões que tipificam sociedades, como “capital social”, “sócio”, “outra modalidade societária”, “razão social”, “patrimônio social”, podendo levar à crença de que a EIRELI possui natureza de sociedade. Com isso, diversas foram as críticas ao molde concebido, questionando-se a natureza jurídica, se se trata de sociedade empresária ou de nova pessoa jurídica. Segundo Fabio Ulhoa Coelho (2013), todos os fatores acima elencados poderiam levar à crença que a EIRELI possui natureza de sociedade. Entretanto, esta nova modalidade passou a integrar o rol das pessoas jurídicas de natureza autônoma. Além disso, adicionouse um novo Título ao Livro II do Código Civil, separando as regras atinentes ao empresário individual e às sociedades empresárias daquelas que dizem respeito à EIRELI. Diante disto, a EIRELI, manifestadamente, se caracteriza como nova modalidade de pessoa jurídica, não se tratando de sociedade. Neste sentido, o Enunciado 469 da V Jornada de Direito Civil, promovida em 2011 pelo Conselho da Justiça Federal, estendeu que a EIRELI não é sociedade, e sim novo ente jurídico personificado. Outro ponto que gerou diversas críticas quanto à natureza jurídica foi sobre a escolha da nomenclatura, pois o legislador faz uso da expressão “empresa” para se referir ao sujeito de direito.
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Ocorre que empresa propriamente dita, como já elencado, seria a atividade economicamente organizada para a produção e circulação de bens e serviços. Sendo, assim, objeto de direito e não sujeito. Em contrapartida, a sociedade e o empresário são as pessoas que exploram a empresa, sujeitos de direito, tanto ativo como passivo. Com isso, nota-se que a escolha pela nomenclatura “empresa individual” foi infeliz, pois designa a atividade exercida pelo empresário individual e pela sociedade empresária. Ainda nesse sentido, tampouco, a empresa em si, possui responsabilidade limitada, isto porque limitada é a responsabilidade de seu sócio. Mais adequado seria se o legislador houvesse optado pela denominação “empresário individual de responsabilidade limitada”. 4.3.2 EIRELI por Pessoas Jurídicas Grande é a discussão em torno da possibilidade da constituição de EIRELI por pessoa jurídica, havia vista que a redação do artigo 980, alínea A, Código Civil Brasileiro de 2002, apenas expressa que a empresa será constituída por uma única pessoa, não definindo ser ela pessoa física ou jurídica. A redação trouxe o conceito de pessoa de forma ampla, assim, não há qualquer impossibilidade legal para que pessoas jurídicas constituam esta nova modalidade. Há, entretanto, parcela considerável de doutrinadores e juristas reafirmando que a intenção primitiva do instituto era dar proteção no tocante a limitação de responsabilidade apenas a pessoa natural, abarcando que o alvo da lei seriam os pequenos empreendedores, os integrantes do comércio informal, as iniciativas de pequeno porte, o que seria incompatível com a possibilidade de constituição da EIRELI por pessoa jurídica. Nesse sentido, ainda fundamentam pelo fato de que a exposição dos motivos dos projetos de Lei que deram origem a esta modalidade faziam menção apenas à figura do empresário individual, pessoa física. Estes argumentos não parecem serem sustentados quando se denota o capital mínimo exigido para a instituição de uma EIRELI, 100 (cem) salários mínimos, o que hoje se aproxima de R$70.000,00 (setenta mil reais), exigência que será analisada logo em diante. Razoavelmente, como poderia prosperar a alegação de que pessoas jurídicas não podem instituir EIRELI por esta se direcionar às iniciativas de menor vulto sendo que exige um capital mínimo integralizado neste montante. Isto não quer dizer que não se defende no presente estudo que o objetivo principal da lei esta voltado, de fato, ao pequeno empreendedor e aos comerciantes informais. Ocorre, que não há como justificar a suposta vedação à constituição por pessoas jurídicas sem que haja expressa vedação ou esteja implícita no texto legal, pois, segundo o princípio da legalidade, basilar do Estado Democrático de Direito, instituído pelo artigo 5º, II, da Constituição da República, ninguém será obrigado a deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Eis que o veto inicial do projeto à expressão “natural”, e sua consequente retirada da redação original, traduz a clara sinalização de que a restrição a constituição pelas pessoas jurídicas não deveria existir. Por fim, outro apego seria o fato da previsão legal da utilização subsidiária das regras da sociedade limitada, haja vista que nesta figuram pessoas jurídicas irrestritamente como sócias. 4.3.3 Vinculação ao Salário Mínimo A Lei 12.441/11 levantou importante questão ao estabelecer um capital social mínimo de cem vezes o maior salário mínimo vigente no país para que se tenha a limitação de responsabilidade do empresário individual. A análise desta questão se divide em dois pontos criticados, a exigência de capital mínimo integralizado para instituição de EIRELI, e a vinculação do capital mínimo ao salário mínimo nacional.
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Antes desta análise, merece destaque o trecho do parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, nas palavras do relator da Comissão, Deputado Marcelo Itagiba, pelas quais fica clara a intenção da instituição do capital mínimo: Registro, também, que, considerando que se faz conveniente delimitar, em proporção razoável, o porte da organização que se pode constituir como empresa individual, a fim de que não se desvirtue a iniciativa nem esta se preste a meio e ocasião para dissimular ou ocultar vínculo ou relação diversa, propugnamos introduzir parâmetro mínimo apto a caracterizar a pessoa jurídica de que ora se trata, fazendo supor que se reúnem suficientes elementos de empresa, como sede instalada ou escritório, equipamentos etc., tal como se fez para caracterizar microempresas e o empresário individual, nas respectivas leis reguladoras. Com este propósito, estabelecemos que o capital social não deva ser inferior ao equivalente a 100 salários mínimos, montante a partir do qual se tem por aceitável a configuração patrimonial da empresa individual. A tanto, emendamos a redação dada ao caput do art. 985-A proposto (art. 980A), a ser aditado ao Código Civil por força do art. 2º do Projeto. Importante mencionar que nenhum outro tipo societário traz em sua capitulação legal, genericamente, qualquer previsão fazendo exigência de capital mínimo, nem mesmo exige patrimônio mínimo para registro como empresário individual, dispensando, assim, tratamento desigual e desfavorável à EIRELI. Diversos são os doutrinadores, dentre estes a ilustre Wilges Ariana Bruscato, que entende que esse tratamento díspare viola o princípio da isonomia, inserido no caput do artigo 5º da Constituição da República. Além de inconstitucional argumenta ainda que tal exigência seria inoportuna, vez que possui aptidão para retirar do novo insituto a sua eficácia, violando, também, o princípio da livre iniciativa preceituado no artigo 170, caput, do mesmo texto legal. Inclusive, o PPS (Partido Popular Socialista), ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4637) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) a qual ainda tramita contra a parte final do caput do artigo 980-A do Código Civil, em resumo, acredita o PPS que a exigência do capital mínimo impediria a eventual constituição de pessoas jurídicas individuais de responsabilidade limitada por pequenos empreendedores, causando desnecessário embaraço a uma efetiva oportunidade de desenvolvimento econômico do país. O posicionamento do PPS é totalmente coerente para a adequação do referido artigo à realidade e necessidade atual do sistema brasileiro comercial, sendo que a principal finalidade da EIRELI é de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país, retirando o micro e o pequeno empreendedor do submundo da informalidade, porém, acabou impondo uma limitação que não é apenas inadequada, mas também incompreensível. Vinculando ao salário mínimo como se fosse um eventual obstáculo como critério econômico para determinação como meio necessário para abertura da EIRELI. Merece destaque, também, a constitucionalidade da vincularão do capital mínimo ao salário mínimo vigente no país. Expresso no artigo 7º, IV da CRFB/88, que é vedado a vincularão do salário mínimo para qualquer fim. A jurisprudência se mostra fundamental neste processo uma vez que diversos são os registros de pedidos formulados por empresas para que não lhe fosse exigido o capital mínimo para abertura de uma EIRELI. Nesse sentido, o capital mínimo só tem razão se houver mecanismos que evitem a descapitalização superveniente e garantam pelo menos minimamente a congruência entre capital social e as dimensões da atividade desempenhada pela empresa.
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As abordagens demonstraram que a EIRELI se aproximaria mais do propósito inicial dos projetos de lei que lhe deram origem se a Lei 12.441/2011 não exigisse esses infelizes requisitos. 5 ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA LEI 12.441/2011 A partir do exposto, denota-se que a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada trouxe relevantes benefícios. Em destaque, tem-se a seguridade e proteção proporcionada aos bens do emrpesário como pessoa física. Segundo Oscar Valente Cardoso (2012), O empreendedor é estimulado através da limitação da responsabilidade entre as partes, empresário e com que este se relaciona. Outro favorável ponto do novo dispositivo legal, refere-se quanto à possibilidade de conversão de uma sociedade em fragmentação em EIRELI, conforme aduz o Código Civil de 2002. Isto pois, quando ocorria a fragmentação da sociedade anterior a esta lei, o prazo máximo para restabelecê-la era de cento e oitenta dias, ou esta se liquidava. Assim, a partir da Lei 12.441/2011, criou-se a possibilidade da conversão da sociedade fragmentada em uma EIRELI, tornando uma nova possibilidade ao empresário. Segundo Tauã Lima Verdan Rangel (2014), outro visível benefício é a possibilidade tanto das pessoas naturais como das pessoas jurídicas possuírem capacidade para constituir EIRELI. Para Camila Santos e Alcebíades Silva Neto (2013), a partir da edição da Lei 12.441/2011, as antigas sociedades fictícias passam a constituir-se de maneira compatível com a realidade. Uma vez que a sociedade de “fachada” era a alternativa para quem desejasse abrir uma empresa regular individual e paralelamente limitar a responsabilidade. Ocorre, contudo, que apesar de louvável e representar um enorme avanço jurídico, a Lei 12.441/2011 também gerou diversas críticas entre especialistas, argumentam desde os aspectos formais até os atos constitutivos. Primeiramente, quanto à nomenclatura e natureza jurídica, como já abordado acima. Tauã Rangel (2013) aponta que ao utilizar a expressão “empresa”, o legislador deu a entender a fusão dos conceitos “empresa” e “empresário”, os quais não podem se confundir. Desta maneira, segundo Frederico Pinheiro (2011), melhor seria se o legislador tivesse denominado da seguinte maneira: “empresário individual de responsabilidade limitada”, ou ainda, “empreendedor individual de responsabilidade limitada”. Doutrinadores ainda apontam uma dissonância de diversas expressões utilizadas para caracterizar sociedades em relação à EIRELI, vez que trata-se de nova pessoa jurídica e não de nova modalidade societária. Para Camila Santos e Alcebíades Silva Neto (2013), sempre foi evidente a carência de uma pessoa jurídica individual, pois é um tipo empresarial mais acessível e menos burocrático. Entretanto, ao estabelecer um “capital mínimo” a ser integralizado de cem salários mínimos, nota-se que o requisito não confere com a realidade econômica dos empresários individuais nacionais. Esse estabelecimento, de um valo exacerbado, é objeto de crítica por diversos doutrinadores, uma vez que está correlacionado aos elementos que fomentaram a criação da Lei. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O cenário do Direito Comercial Brasileiro foi bruscamente modificado pela Lei 12.441/2011 e pela criação da EIRELI. Assim, passou-se a admitir a proteção patrimonial do empresário individual. Anterior a isto, o comerciante que pretendesse empreender individualmente, caso não optasse por aderir às chamadas sociedades fictícias, sujeitaria seu patrimônio pessoal às dívidas contraídas pela empresa. Mesmo diante da difusão, manifestada, das sociedades fictícias, o legislador tardou ao inaugurar uma solução para a situação que se alastrava.
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A EIRELI, apesar de representar um grande avanço, se caracterizou por ser um modelo teoricamente complexo, regulada por incertezas e críticas. A partir da nova modalidade, permitiu-se que o empresário individual efetivamente participasse da administração sem arriscar seu patrimônio pessoal, respondendo apenas pela integralização do montante subscrito. Assim, o princípio da responsabilidade patrimonial limitada, como nas sociedades limitadas, foi igualmente estendido ao exercício individual da empresa. Conforme consta no Projeto Lei 4605/2009, a Lei 12.441/2011, objetivou reduzir a utilização das sociedades fictícias, retirar os empresários da informalidade e gerar uma evolução na economia. Ocorre, contudo, que apesar dos esforços do legislador, são encontradas críticas quanto à normatização que restou positivada, principalmente quanto a sua natureza jurídica, à sua forma de constituição, à eventual formação por pessoa jurídica, à constitucionalidade do capital mínimo e sua vinculação ao salário mínimo, dentre outros. Pelo estudo, restou que a EIRELI representa uma nova pessoa jurídica, autônoma e desvinculada das sociedades empresariais. Apesar das diversas menções e expressões típicas das sociedades empresariais, a EIRELI foi incluída no rol das pessoas jurídicas admitidas em direito, desvinculando-a das modalidades já existentes. Legalmente, não foi encontrado nenhum aspecto que proíba a constituição desta nova modalidade por pessoa jurídica, isto é, em razão da ausência de vedação legal as pessoas jurídicas são livres para constituir EIRELI. Neste sentido, no debate relativo à constitucionalidade da exigência de integralização de capital mínimo vinculado ao salário mínimo nacional, constatou-se que, ainda que tudo aponte para a declaração de constitucionalidade dessa exigência, aparentemente não atende aos melhores interesses da economia nacional e aos sujeitos principais da lei, quais sejam os pequenos empresários e empreendedores informais. A iniciativa do legislador, nada obstante às questões que ainda estão pendentes de solução, merece ser louvada, uma vez que a limitação de responsabilidade do empresário individual já deveria ter sido incrementada no ordenamento nacional há tempos. As novas características e formas à EIRELI serão dadas pela doutrina e jurisprudência, a fim de dar os contornos necessários para que possa atingir com integralidade a real finalidade.
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de janeiro de 2002 (Código Civil), para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12441.htm>. Acesso em: 10/01/2014. BRUSCATO, Wilges. Manual de Direito Empresaria Brasileiro. 1 edição. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo, 1995, artigos 1 ao 161, v.1. BRUSCATO, Wilges. Empresário individual de responsabilidade limitada. São Paulo: Quartier Latin, 2005. CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Sociedade limitada no novo código civil. São Paulo: Atlas, 2003.
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COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2003.
NOTAS DE FIM
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 25ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013. P.188/189.
2 Professora do Centro Universitário Newton Paiva e orientadora do presente artigo.
PINHEIRO, Frederico Garcia. Empresa individual de responsabilidade limi-
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1 Acadêmica do 9º período em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.
3 Marco Flávio Sá, Núbia Elizabette de Jesus Paula
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SEPARAÇÃO DE IRMÃOS NO PROCESSO DE ADOÇÃO Rafaela Dias Pinheiro1 Maraluce Maria Custódio2 Banca examinadora3 RESUMO: O presente artigo visa analisar a situação dos grupos de irmãos que chegam nos abrigos para serem adotados e acabam, depois de algum tempo, sendo separados de alguma forma. É uma questão muito pouco discutida, mesmo após a criação da Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009, chamada “Nova Lei de Adoção”, que, pela primeira vez, se pronunciou sobre o tema. Com os estudos aqui presentes, pretendemos demonstrar que, ainda que existam dificuldades de manter irmãos juntos no processo de adoção, há alternativas para os casos em que seja inevitável a separação, podendo ser adotadas para evitar ou amenizar os sofrimentos que poderiam ser causados com este tipo de separação. PALAVRAS-CHAVE: Adoção. Grupos de irmãos. Direito de Família. Filiação. SUMÁRIO: 1. Introdução, 2. Breve histórico da adoção no Brasil, 3. A importância da família na proteção da criança e do adolescente, 4. A Constituição Federal da República de 1988 e a família, 5. O Estatuto da Criança e do Adolescente e suas formas de proteção, 5.1. O processo de adoção no Brasil hoje, 5.2. A proteção ao grupo de irmãos no processo de adoção, 6. Considerações Finais, Referências.
1 INTRODUÇÃO Quando os pais perdem o poder familiar de seus filhos, tem que ser por um bom motivo, onde as crianças estariam em variados riscos se continuassem em seu lar de origem. É muito comum existir este tipo de problema em famílias mais humildes, que têm o costume de ter vários filhos. Desta forma, uma criança quase nunca chega sozinha em um abrigo. Ela geralmente vem acompanhada de, no mínimo, um irmão. Muitas vezes, no processo de adoção, ocorre a separação dos irmãos, sendo este o problema em análise no presente artigo. O estudo objetiva comprovar a hipótese de que separar irmãos no processo de adoção pode ser extremamente prejudicial e, desta forma, deve ser evitado ao máximo. Visa demonstrar, ainda, formas de amenizar os efeitos danosos quando for impossível evitar a separação. Os objetivos específicos são estudar a legislação existente sobre o tema da adoção e descobrir o porquê, mesmo com mudanças incluindo a preocupação com os grupos de irmãos, ainda o assunto é um problema muitas vezes ignorado e pouco discutido. Bem como, utilizar princípios básicos da adoção, como o do melhor interesse do menor e o da prevalência da família, para buscar maneiras de solucionar ou amenizar o problema exposto. O problema suscitado merece ser estudado porque, nos casos em que é preciso separar irmãos, podem ocorrer vários problemas, principalmente para o irmão que fica no abrigo enquanto o outro é adotado, pois esta separação como consequência pode gerar saudade, traumas e problemas psicológicos, como dor, angústia e raiva. Estas foram as razões que incentivaram à realização do trabalho. A metodologia a ser utilizada é o método indutivo, para ampliar o entendimento das leis de maneira que possam ser aplicadas da melhor forma possível. Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, utilizaremos técnica bibliográfica. O método indutivo consiste em colher vários dados e reduzir a uma máxima geral. É uma coletânea de informações que serão analisadas, para chegar em uma conclusão geral. De acordo com LAKATOS e MARCONI (1997), é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientes constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. O método indutivo foi o escolhido para a realização do trabalho, por se tratar de um tema muito complexo, que envolve crianças e adolescentes em más situações, pois anseiam por uma família e costumam ficar muito tempo no ambiente de abrigos. É necessário
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estudar muito os casos concretos, a doutrina e a legislação em conjunto. Bem como analisar uma série fatos, para só depois se chegar a uma conclusão sobre a melhor solução, tendo em vista que, apenas a criação da “Nova Lei de Adoção”, ainda não foi suficiente para acabar com o problema, que é extremamente profundo e exige este tipo de processo mental. 2 BREVE HISTÓRICO DA ADOÇÃO NO BRASIL Antigamente, a legislação brasileira buscava proteger os interesses apenas dos adotantes, pois só podia adotar quem tivesse mais de 50 anos e não possuísse filhos biológicos, deixando, dessa forma, os interesses dos adotados de lado. Sendo assim, não havia a menor possibilidade de se preocupar com os grupos de irmãos que são levados para a adoção. Para melhor entendimento, faz-se necessário mencionar, brevemente, o processo de evolução da Lei até os dias de hoje. De acordo com ROSSATO (2010), o Código Civil Brasileiro de 1916 disciplinava a adoção de crianças, adolescentes e até adultos. Nesta época, apenas os interesses dos adotantes eram levados em conta, uma vez que se tratava meramente de um contrato, com o objetivo de dar filhos aos pais que não os podiam ter. Em 1957, foi aprovada a Lei nº. 3.133, que diminuiu a idade mínima do adotante, de 50 para 30 anos de idade e o requisito de não ter filhos biológicos deixou de existir para a adoção. Com a Lei 4.655/65 pretendeu-se dar um passo maior, criando uma forma de adoção mais ampla, chamada “legitimação adotiva”. Segundo SIRVINSKAS (2012), o adotado ficava quase com os mesmos direitos e deveres do filho legítimo, salvo no caso de sucessão, se concorresse com filho legítimo superveniente à adoção, pois este tinha preferência para herdar os bens do pai, o adotado não. Em 1979, foi aprovada a Lei nº. 6.697, que estabeleceu o Código Brasileiro de Menores, onde havia a subdivisão em adoção plena e adoção simples. A adoção plena extinguia todos os vínculos do adotado com a sua família biológica, já a adoção simples não rompia o vínculo. Foi apenas em 1990, com a Lei n.º 8.069/90, que houve a importante aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Com ele, estabeleceram-se vários direitos e garantias, como, por exemplo, o Poder Público ficou obrigado a destinar privilegiadamente recursos públicos nas áreas relacionadas com proteção à infância e à juventude.
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De acordo com GAMA (2010), em 1988, tivemos a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, deixando evidenciado que o interesse a ser protegido na adoção é prioritariamente do adotando, e não o do adotante. A Carta Magna acolheu, no artigo 227, a doutrina da proteção absoluta e integral da criança e do adolescente, reconhecendo -os como sujeitos de direitos, inclusive fundamentais. A medida em que as crianças a serem adotadas foram ganhando mais visibilidade e proteção, as chances de se preocupar com os grupos de irmãos foram crescendo. Com o Código Civil de 2002 empreendeu-se a unificação da adoção, impondo novo e completo vínculo familiar, com efetiva participação do Poder Público. Determinou-se, dentre outras coisas, que só subsiste a adoção plena. Devido às inovações inseridas em 2002, o ECA passou a ser aplicado somente naquilo que não contrarie as disposições civilistas. (ROSSATO, 2010). Finalmente, após 19 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente sofreu a sua primeira grande reforma, por intermédio da Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009, a chamada “Lei Nacional de Adoção”. Ela promoveu alterações em nada menos que 54 artigos da Lei nº 8.069/90 e estabeleceu inúmeras outras inovações legislativas], inclusive em outros Diplomas Legais, algumas de cunho meramente terminológico, outras muito mais profundas e significativas (DIGIÁCOMO, 2011). Em que pese sua denominação, a nova lei dispõe não apenas sobre a adoção, mas sim, como evidenciado já em seu art. 1º, procura aperfeiçoar a sistemática prevista na Lei nº 8.069/90 para garantia do direito à convivência familiar. Em suas mais variadas formas, à todas as crianças e adolescentes, sem perder de vista as normas e princípios por esta consagrados. Com a recente Lei nº 12.010 de 2009, o ECA se aprimorou ainda mais e sofreu reformas positivas. Houve, pela primeira vez, preocupação com os irmãos deixados nos abrigos, como demonstra o artigo abaixo: Art. 197-C: Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta Lei. § 1o É obrigatória a participação dos postulantes em programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, que inclua preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos. (BRASIL, 2013, p.1065) A partir deste breve histórico da legislação brasileira sobre a adoção, nota-se que houve enorme avanço na Lei ao longo do tempo, desde quando as crianças e adolescentes que se destinavam à adoção não possuíam garantias e os direitos se voltavam apenas para os adotantes, até se chegar, finalmente, à preocupação com os grupos de irmãos, no sentido de evitar separá-los no processo da adoção. Infelizmente, todo este avanço ainda não foi o bastante para solucionar o problema do presente artigo. O legislador usa a palavra “preferencialmente” ao invés de “obrigatoriamente”, quando fala de incluir, nos programas oferercidos pela Justiça da Infância e da Juventude, apoio dos técnicos responsáveis pela execução da garantia do direito à convivência familiar com orientação e estímulo à adoção de grupo de irmãos. Assim, mesmo com a previsão do art. 197-C, ECA, muitas vezes esta assistência psicológica e o incentivo à adoção dos irmãos em conjunto ainda não costuma acontecer nos abrigos, quando não incluem apoio destes profissionais em campanhas de incentivo à adoção de grupos de irmãos dentro dos programas oferecidos pela Justiça.
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3 A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A família é o meio onde um indivíduo experimenta os seus primeiros relacionamentos. A partir desta estrutura, ele criará sua noção de viver em sociedade, de como se relacionar e se comportar, ou seja, é a base formadora do ser humano. Por isso é tão importante proteger a família. Acreditamos que se todos tivessem a possibilidade de crescer e se desenvolver em um ambiente familiar amoroso e equilibrado, a vida em sociedade seria muito melhor, mais harmoniosa e menos problemática. Nas palavras de Pietro Perlingieri (2002, p. 243.), “a familia como formação social [...] é garantida [...] não como portadora de um interesse superior e superindividual, mas, sim, em função da realização das exigências humanas, como lugar onde se desenvolve a pessoa.”. Nessa mesma linha, pensa Tepedino (apud BARRETO, 1997, p.50), conforme demonstra a citação abaixo: Assim sendo, a família [...] deixa de ter valor intrínseco, como instituição capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir, passando a ser valorada de maneira instrumental, tutelada na medida em que se constitua em um núcleo intermediário de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da dignidade dos seus integrantes (TEPEDINO apud BARRETTO, 1997, p.50). Já um outro autor, GUIMARÃES (2005), diz que o homem criado no seio de uma família com elevados padrões morais, terá uma formação neste sentido, com fundamental influência na formação da sociedade como um todo, não se podendo dizer o mesmo com relação àquele que é criado em ambiente familiar desestruturado. Apenas dois irmãos bastam perfeitamente para formar uma família. E, como membros desta importantíssima instituição, são merecedores de todas as proteções possíveis e existentes em relação à ela. Logo, seria ilógico separar irmãos, ainda mais em um processo de adoção, que já é complicado por si só. O fato de ter que separá-os é mais um abuso e/ou trauma que estas crianças iriam sofrer. 4 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPÚBLICA DE 1988 E A FAMÍLIA A Constituição Federal de 1988 (CR/88) levou em conta a importância da família e incluiu vários artigos e princípios sobre ela. Segundo ALMEIDA (2010, p. 488), “na concepção codicista de família, advém a CR/88. O artigo 266, § 8º, é taxativo ao afirmar que a assistência à família é assegurada na pessoa de cada um dos seus integrantes. Deprecia-se a proteção da família em si em prol da tutela dos familiares.” Antigamente o Direito abrigava proteções somente aos filhos obtidos no casamento, quaisquer outros, sejam bastardos ou adotados, não tinham proteções legais, ou possuíam menos direitos do que os chamados “filhos legítimos”. De acordo com DIAS (2007), desde o advento da Constituição, ficaram assegurados os mesmos direitos e qualificações aos filhos havidos ou não da relação do casamento ou por adoção. A protelção à família aparece em vários dispositivos constitucionais, por exemplo: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes [...] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
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[...] § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. [...] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...] Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (BRASIL, 2013, p.68). Existem, ainda, vários princípios constitucionais importantes para a proteção da família e, consequentemente, dos grupos de irmãos. O primeiro é o da dignidade da pessoa humana, princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito, sendo afirmado já no primeiro artigo da Constituição Federal. A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. O princípio da dignidade humana significa, em última análise, igual dignidade para todas as entidades familiares (DIAS, 2007). Assim, é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família. O princípio da liberdade é também relevante. Segundo DIAS (2007), a Constituição, no rol dos direitos da criança e do adolescente, assegura o direito à liberdade (CF 227). Igualmente o ECA consagra como direito fundamental a liberdade de opinião e expressão (ECA 16 II) e a liberdade de participar da vida familiar e comunitária sem discriminação (ECA 16 V). Já o princípio da solidariedade familiar, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade (DIAS, 2007). O princípio da proteção integral é tão importante, que o ECA tem seus fundamentos baseados nele. De acordo com LUZ (2011), o princípío designa um sistema em que crianças e adolescentes de até 18 anos, são considerados titulares de interesses subordinados, frente à família, à sociedade e ao Estado. A teoria de proteção integral parte da compreensão de que as normas que cuidam de crianças e de adolescentes devem concebê-los como cidadãos plenos, porém sujeitos à proteção prioritária, tendo em vista que são pessoas em desenvolvimento físico, psicológico e moral. Através do princípio da afetividade, houve a constitucionalização de um modelo de família igualitário, com maior espaço para o afeto e a realização individual. O princípio faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais (DIAS, 2007). Ele traz quatro fundamentos essenciais, dentre os quais, o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente (CF 227). Apenas um grupo de irmãos já é o suficiente para se constituir uma família. Partindo deste pressuposto e baseando nestes princípios, podemos chegar à conclusão de que não seria admissível separá-los. Isto porque, através destes princípios aqui expostos, ficou demonstrado que a própria Constituição tratou a convivência familiar como prioridade absoluta. Assim, não faz sentido tratar os grupos de irmãos sem a mesma prioridade de mantê-los juntos e protegidos.
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5 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E SUAS FORMAS DE PROTEÇÃO Vários projetos de lei surgiram após a promulgação da Constituição Federal de 1988, visando a regulamentação dos dispositivos constitucionais, principalmente os dos artigos 227 a 229. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei nº 8.069, de 13/07/1990, traz a concepção da criança e do adolescente como sujeitos de direito e a afirmação de sua condição de pessoa em desenvolvimento. O ECA adotou a teoria da proteção integral, que é baseada no reconhecimento de direitos especiais e específicos a todas as crianças e adolescentes, decorrentes da condição de pessoas em desenvolvimento, em consonancia com a Convenção sobre Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1989. A Convenção sobre Direitos da Criança é o mais amplo tratado internacional específico de direitos humanos já ratificado na história, tem 54 artigos e é baseada em 4 princípios fundamentais. São eles: não discriminação; ações que levam em conta o melhor interesse da criança; direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento; respeito pelas opiniões da criança, de acordo com a idade e maturidade. Esses princípios orientam as ações de todos os interessados, inclusive das próprias crianças, na realização de seus direitos (CORBELLINI, 2012). A separação dos irmãos no processo de adoção vai contra estes princípios fundamentais do tratado internacional, uma vez que não atende ao melhor interesse da criança, nem respeita a opinião dos adolescentes que já podem se manifestar sobre o assunto. O ECA passou a regular a adoção dos menores de 18 anos, assegurando-lhes todos os direitos, inclusive os sucessórios. Trata-se de legislação específica, havendo a prevalência de regras especiais que atendem, de forma criteriosa, ao melhor interesse de quem necessita de proteção integral (DIAS, 2013). De acordo com DIAS (2013), o primeiro dispositivo do ECA diz que a intervenção do Estado é prioritáriamente voltada à orientação, apoio, promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente devem permanecer. Somente em caso de absoluta impossibilidade, reconhecida por decisão judicial fundamentada, serão colocados em família substituta, adoção, tutela ou guarda. O art. 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente asseguram a implantação de política de proteção especial às crianças e adolescentes considerados em situação de risco pessoal e social. Nos incisos VI e VII deste artigo estão previstas políticas e programas que garantam o direito da criança e do adolescente ao convívio familiar e a estimulação da adoção entre grupos de irmãos. Neste ponto o legislador mostrou claramente a intenção de manter os grupos de irmãos unidos, uma vez que eles possuem direito à convivência familiar. 5.1 O processo de adoção no Brasil hoje De acordo com os artigos 22 e 24 do ECA, a medida extrema de suspensão do poder familiar deve ser aplicada apenas nos casos em que, injustificadamente, os pais ou responsáveis deixarem de cumprir seus deveres de sustento e de proteção aos seus filhos, em que as crianças e adolescentes forem submetidos a abusos ou maus tratos ou devido ao descumprimento de determinações judiciais de interesse dos mesmos. As hipóteses que levam à perda e à respectiva extinção do poder familiar, segundo ALMEIDA (2010), correspondem a graves situações de exposição do menor, vindo previstas no art. 1.683 do Código Civil. São elas: castigar imoderadamente o filho; deixar o filho em abandono; praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; e incidir, reiteradamente, nos motivos que levam à suspensão do poder familiar.
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Para proteger as crianças e adolescentes que se enquadram nestas situações, o ECA prevê os seguintes artigos: Art. 98, ECA : As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: [...] II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis [...] Art. 101, ECA : Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: [...] VIII – colocação em família substituta (BRASIL, 2013, p.1055). O art. 100 do ECA estabelece como prioridade a medida que melhor se ajuste à interação familiar e social daquele que se visa proteger, evitando-se-lhe, tanto quanto possível, afastá-lo desse ambiente de convivência. (TAVARES, 2005). Percebe-se que a Lei busca evitar a qualquer custo afastar as crianças do seu próprio ambiente familiar. Nesta mesma linha de raciocínio, é ilógico separar os irmãos no processo de adoção, tendo em vista que fazem parte de um ambiente familiar entre si que precisa ser respeitado. O abrigamento em instituição é uma das medidas de proteção aos direitos de crianças e adolescentes estabelecidas no artigo 101 do ECA. Sua aplicação – por decisão do Conselho Tutelar e por determinação judicial – implica na suspensão do poder familiar sobre crianças e adolescentes em situação de risco e no seu afastamento, temporário ou não, do convívio com a família. Caso haja a extinção do poder familiar, os filhos biológicos ficam disponíveis para serem adotados. Acreditamos que as crianças que passaram por este mesmo processo, têm a necessidade de permanecerem juntas, para que, apoiando-se uns aos outros, possam superar os traumas mais facilmente e se integrar melhor na nova família, sem que haja ainda mais separações. 5.2 A proteção ao grupo de irmãos no processo de adoção A Lei nº 12.010 de 2009 alterou mais de 54 artigos no Estatuto da Criança e do Adolescente, realizando positivas evoluções, onde o legislador menciona, pela primeira vez, a questão dos grupos de irmãos, no art.197-C, § 1º. O princípio do melhor interesse do menor é a base que norteia nos dias de hoje a legislação sobre o assunto. Por esta preocupação, houve a alteração na legislação, buscando incentivar e apoiar que os grupos de irmãos se mantenham juntos. Infelizmente, a maioria dos casais opta por adotar uma criança, sem ao menos pensar na possibilidade de também adotar um irmão da mesma. A melhor maneira de fazer com que a orientação e o estímulo a este tipo de adoção realmente aconteçam, é havendo fiscalização por parte do Ministério Público em todos os abrigos, que verifique se os futuros pais estão recebendo a assistência psicológica devida e a orientação e estímulos para que ocorra a adoção entre irmãos. Em determinados casos, realmente ficaria inviável manter todos os irmãos em uma mesma família. Por exemplo, um grupos com sete irmãos. Mas não faria sentido separá-los em busca de maiores chances de serem adotados, uma vez que a brusca separação do único laço sanguíneo que tinham na vida marcaria suas vidas para sempre e iria afrontar diretamente com o princípio do melhor interesse do menor. A grande solução proposta por este trabalho é a criação de um artigo no ECA prevendo que, nesses casos, deve-se separar os irmãos em duas ou mais famílias, juntando os que possuem mais afinidade nas mesmas famílias. Deve estar incluso no artigo, ainda, o requisito de que as diferentes famílias que tenham adotado crianças de um mesmo
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grupo, residam o mais próximo possível uma da outra, e que se proponham a manter o contato e permitir o convívio entre os irmãos. Para defender a idéia proposta no presente artigo, podemos nos valer, ainda, do princípio da prevalência da família. Concretiza-se na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente, garantindo-se prevalência às intervenções estatais que os mantenham ou reintegrem na sua família natural e, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta, com preferência para a família extensa. A família extensa ou ampliada é formada pelos parentes mais próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantêm vínculos de afinidade e afetividade. (ROSSATO, LÉPORE, 2009). Podemos ver que, por se tratar de afinidade, a preferência na adoção é para a família extensa. Diante deste raciocínio, é lógico pensar que os irmãos, que, além de afinidade, possuem ainda vínculos sanguíneos, devem ser preferêncialmente mantidos juntos. Além disso, a Nova Lei de Adoção deve ser cumprida, em seu art. 197-C. Um grande motivo para o não cumprimento da legislação pode ser encontrado nas tristes estatísticas dos casais brasileiros. Dados do Cadastro Nacional de Adoção mostram que existem 5.499 crianças disponíveis para adoção no País, e 29.806 futuros pais. Porém, de acordo com informações do Programa Palavra Cruzada (ADOÇÃO, 2013), 81,07% destes futuros pais desejam adotar apenas uma criança. As crianças preferidas para serem adotadas são meninas, brancas, recém-nascidas ou com menos de 3 anos de idade. Mas a realidade nos abrigos é bem diferente. Em Belo Horizonte, por exemplo, 77% das crianças têm mais de 7 anos e 76% são pardas ou negras, ou seja, 92% das crianças abrigadas não têm perspectivas de serem adotadas. O Estado deve realizar trabalhos com profissionais especializados (assistentes sociais, psicólogos) para auxiliar essas novas famílias que vão adotar irmãos, para que não haja uma brusca separação e todos possam ser orientados, facilitando o convívio no novo grupo constituído a partir da adoção. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta do presente trabalho é de que o judiciário e os casais devem tratar os grupos de irmãos com mais cautela e atenção, de forma a não separá-los, na medida do possível. Estes irmãos geralmente são bastante ligados e se identificam um com o outro, pois passaram as mesmas experiências e vieram da mesma família. Já é difícil vivenciar o processo de perda do poder familiar dos pais biológicos, portanto separar o vínculo que lhes resta, impedindo a convivência fraterna pode traumatizá-los. Pode ser indicado tratamento psicológico, principalmente quando um ou mais irmãos estão mais velhos, para orientar o entrosamento com a nova famíla que se estabelecerá com a adoção, cumprindo os princípios presentes na Constituição Brasileira e no ECA. Cabe ressaltar a importância de uma equipe profissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude que coloque os casais interessados na adoção de grupos de irmãos em programas onde haja adequada preparação psicológica, orientação e estímulo para esse tipo de procedimento. Com base nos estudos realizados para este trabalho , concluise que quando um casal decide por não separar os irmãos, há a possibilidade da instituição de uma dinâmica familiar onde todos podem se realizar. Para que a adoção de irmãos seja mais frequente, deve haver um incentivo da parte do Estado para que o disposto no art. 197-C, § 1º da Lei nº 12.010/09 que trata da questão seja cumprido. Em cada caso concreto deve ser utilizado o princípio básico da adoção, o do melhor interesse do menor, bem como o da prevalência da família, para solucionar ou amenizar este problema, incentivando sempre a adoção dos grupos de irmãos. Naqueles casos em que a separação for inevitável, pode-se dar preferência aos casais que re-
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sidam mais próximos uns dos outros, oferecendo o auxílio de profissionais que orientarão as famílias a promover o encontro dos irmãos, bem como a convivência entre eles sempre que possível, para que a idéia do presente trabalho possa desta forma ser concretizada. A relevância dos estudos sobre a questão da adoção de grupos de irmãos ficou evidenciada durante a elaboração desse trabalho, levando à constatação de que realmente deve-se evitar separá-los e de que essa deve ser a preocupação maior da magistratura, sendo guiada por essa diretriz para a tomada da decisão final nesse tipo de processo, pautado a partir de levantamentos como os aqui realizados.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito, cursando o 9º período no Centro Universitário Newton Paiva. 2 Mestre em Direito Constitucional pela UFMG, mestre em Direito Ambiental pela UNIA (Espanha) e Doutora em Geografia em Convenção de Doutorado Sanduíche financiado pela CAPES entre a UFMG e a UAPV ( França) ; é professora do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva e da Escola Superior Dom Elder Câmara. 3 Ludmila Stigert, Maraluce Maria Custódio
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A REVISTA ÍNTIMA E A REVISTA PESSOAL DO EMPREGADO: uma análise da relação conflituosa existente entre o direito patrimonial do empregador e o direito à privacidade e à intimidade do obreiro Renata Faria Francisco1 Mirella Karen de Carvalho Bifano Muniz2 Banca examinadora3
RESUMO: A revista íntima e a revista pessoal suscitam discussões, uma vez que, na maioria dos casos, valendo-se de sua situação jurídica privilegiada, o empregador acaba por extrapolar os limites da razoabilidade, praticando condutas vexatórias e agredindo os direitos à intimidade e à privacidade do obreiro. O procedimento da revista manifesta a colisão entre o direito à intimidade e à privacidade do trabalhador e o poder diretivo do empregador, que busca salvaguardar seu patrimônio, fundado no direito de propriedade. Dessa forma, deverá ser realizada uma ponderação dos valores envolvidos para que não haja afronta aos princípios constitucionais. PALAVRA CHAVE: revista íntima; revista pessoal; direito à intimidade; direito à privacidade; direito à propriedade. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Dos Direitos de Personalidade; 2.1. Conceito; 2.2. A dignidade da pessoa humana; 2.3. Direito à privacidade e o direito à intimidade; 3. Revista Íntima e Revista Pessoal; 3.1. Distinção; 3.2. A revista íntima na CLT; 3.3. Revista íntima x direitos constitucionais à intimidade e à privacidade; 4. Do Poder Diretivo; 4.1. Limites; 4.2. Princípio do Jus Resistentiae; 5. Considerações Finais; Referências.
1. INTRODUÇÃO Um dos fundamentos que explica a existência do Direito do Trabalho é a problemática relação de subordinação dos empregados perante o poder empregatício da classe patronal. Indubitavelmente, essa relação de subordinação, criada em face do contrato de trabalho, possibilita que práticas abusivas sejam perpetradas diariamente no ambiente de trabalho, colocando em risco os direitos fundamentais do trabalhador. A revista íntima e a revista pessoal têm suscitado inúmeras discussões no âmbito das relações trabalhistas. Ocorre que, na maioria dos casos, valendo-se de sua situação jurídica privilegiada e do direito de proteger seus bens e pertences, o empregador acaba por extrapolar os limites do bom senso e da razoabilidade, praticando condutas vexatórias e constrangedoras, agredindo sobremaneira os direitos de seus empregados. O procedimento da revista manifesta a colisão entre o direito à intimidade e à privacidade do empregado e o poder diretivo do empregador, que busca resguardar seu patrimônio, fundado no direito de propriedade, de forma que, para solucionar o conflito de interesses e garantir a legitimidade do procedimento de inspeção, deverá ser realizada uma ponderação dos valores envolvidos no caso concreto, ou seja, será necessário um balanceamento destes bens. O traço divisor entre o poder de comando e o desrespeito à dignidade do empregado é bastante tênue, gerando muitas ações de reparação por desrespeito aos direitos da personalidade do obreiro. É neste contexto que se pretende discutir a possibilidade da realização de revistas íntimas e revistas pessoais por parte do empregador no ambiente de trabalho, uma vez que a abrangência dos direitos fundamentais não alcança somente a uma das partes, devendo ser exercitada de maneira proporcional, sem abusos ou excessos.
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2. DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE 2.1. Conceito A dignidade da pessoa humana é colocada pela Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso I, como um dos princípios fundamentais do Brasil. Dessa forma, toda pessoa tem garantido um sistema de proteção, quer nas relações com outros indivíduos quer com o próprio Estado. A partir dessa perspectiva pode-se dizer que, no Direito Privado, o ser humano é colocado como o bem maior a ser protegido. O “ser” esta acima do “ter”, uma vez que, mesmo a propriedade (art. 5º, XXIII, CF) e os contratos privados, por exemplo, devem atender a sua finalidade social. Daí surgem os direitos de personalidade, os quais emanam da personalidade humana, cabendo ao Estado reconhecê-los e sancioná -los, tanto no plano constitucional quanto no plano infraconstitucional. “Os direitos de personalidade são próprios do ser humano, direitos que são próprios da pessoa. Não se trata de direito à personalidade, mas de direitos que decorrem da personalidade humana, da condição de ser humano. Com os direitos da personalidade, protege-se o que é próprio da pessoa, como o direito à vida, o direito à integridade física e psíquica, o direito à integridade intelectual, o direito ao próprio corpo, o direito à intimidade, o direito à privacidade, o direito à liberdade, o direito à honra, o direito à imagem, o direito ao nome, dentre outros. Todos esses direitos são expressões da pessoa humana considerada em si mesma”(BORGES, 2007, p. 175). Outra característica dos direitos de personalidade é que eles são inatos à pessoa. Assim sendo, por conseqüência, o trabalhador não pode ser tratado como um mero objeto ou mercadoria quando sua for-
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ça de trabalho é colocada à disposição do empregador, uma vez que um sistema de proteção é aplicado aos direitos de personalidade. A relação estabelecida entre empregado e empregador é contratual. Ocorre que, não raras vezes, os limites aceitáveis para o desenvolvimento da atividade laboral é violado, atingindo diretamente os direitos do obreiro, como a sua privacidade e a sua intimidade. Assim, estes mesmos direitos têm plena aplicação no Direito do Trabalho, devendo as partes que compõem a relação de emprego observá-los com o objetivo de que o contrato cumpra sua função social, com o fito de uma vida digna do trabalhador. 2.2. A Dignidade da pessoa humana A dignidade da pessoa humana está consagrada no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Posta como valor supremo é considerada um atributo inerente a todo ser humano e não um direito conferido pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, torna-se imperioso ressaltar que nenhuma pessoa pode renunciar à dignidade, uma vez que é condição de sua existência. Também a dignidade não comporta gradações, de maneira que uma pessoa não tem mais ou menos porções dela, não há hierarquia. Como um dos fundamentos constitucionais pátrios - ao lado da soberania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político -, a dignidade da pessoa humana tem estreita relação com os direitos fundamentais, figurando como o núcleo em torno do qual gravitam esses direitos, conferindo-lhes um caráter sistemático. Os direitos fundamentais possuem a finalidade justamente de proteger a dignidade do ser humano, promovendo condições dignas de sobrevivência. Portanto, como fundamento consagrado na Carta Magna, a dignidade da pessoa humana tem grande importância no cenário do direito brasileiro, aplicando-se tanto nas relações entre particulares quanto nas relações entre Estado e particulares, devendo ser concebida de forma ampla, abrangendo os mais diversos aspectos da vida humana. 2.3. Direito à privacidade e o direito à intimidade O direito à intimidade e à privacidade surge como projeção de um direito especial dentre os direitos de personalidade, uma vez que o indivíduo poderá excluir do conhecimento público ou de certo número de pessoas, fatos, dados ou acontecimentos que considere ser de sua esfera estritamente pessoal ou familiar. O ordenamento jurídico brasileiro trata do direito à intimidade e à privacidade em diversos dispositivos constitucionais, mas é no art. 5º, X, que claramente dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação”. Difere-se a privacidade da intimidade, no seguinte aspecto: a primeira é o direito de vedar que terceiros tomem conhecimentos de aspectos de sua vida, mas familiares e amigos íntimos possuem tal conhecimento. Já a intimidade é mais restrita, pois garante a proteção da não intromissão de situações que a pessoa não quer divulgar, nem mesmo, para seus familiares e amigos, de tão íntima que tal situação é. A intimidade é a porção mais escondida que alguém pode preservar da ingerência de terceiros e até da sua própria família nos aspectos caracteristicamente pessoais de sua existência. É a exigência moral da personalidade para que, em determinadas situações, seja o indivíduo deixado em paz, constituindo um direito de controlar a indiscrição alheia nos assuntos privados que só a ele interessa. Para Edílson Faria a intimidade é o “modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento pelos outros daquilo que se refere a ela só” (2008, p. 163-164).
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Já a privacidade é a esfera reservada para ser perfilhada com quem queira (amigos, familiares). Nessa esfera são abrangidos bens como: confidências, informes de ordem pessoal (dados pessoais), recordações pessoais, memórias, diários, relações familiares, lembranças de família, sepultura, vida amorosa, ou conjugal, saúde (física e mental), afeições, entretenimentos e costumes domésticos, aspectos que são reservados para serem compartilhados com familiares e amigos e, portanto, afastados da curiosidade pública. É o refúgio impenetrável pela coletividade, ou seja, é o direito de viver a sua própria vida, não sendo submetido à publicidade que não provocou, nem desejou. Consiste no direito de “obstar que a atividade de terceiros venha a conhecer, descobrir ou divulgar as particularidades de uma pessoa” (ROSENVALD, p. 493) Os critérios acerca do que seja a vida privada de alguém “são elásticos e dependem da condição de vida de cada pessoa, podendo ser definidos apenas perante cada caso concreto” (BORGES, 2007, 163). A Constituição Federal de 1988 resguarda a vida privada e a intimidade assegurando a sua inviolabilidade. Haverá violação a esse direito, tanto na investigação abusiva da vida alheia, quanto na divulgação indevida de informação sobre a privacidade. É vedada a revelação de dados pessoais de outrem a terceiros ou a troca de informações. Mesmo que o acesso às informações da vida privada tenha sido lícito, sua divulgação não é, pois o acesso se baseou em relações de confiança, com caráter de exclusividade. Como pondera Rúbia Alvarenga, “o direito ao trabalho como direito humano de natureza social, atrai, como corolário, o direito à proteção da intimidade do trabalhador” (2011), portanto, na esfera trabalhista a tutela jurídica da privacidade, implica em reconhecer como abusiva as revistas íntimas em trabalhadores, promovidas por algumas empresas. 3. REVISTA ÍNTIMA E REVISTA PESSOAL 3.1. Distinção Freqüentemente as revistas realizadas nos obreiros e em seus objetos pessoais vêm tomando espaço na rotina da jornada laboral, procedimento este adotado como forma de protecionismo dos bens constantes no complexo empresarial. O termo revista íntima, no contexto da relação trabalhista, caracteriza todo procedimento de exame minucioso realizado, pelo empregador, sobre o corpo do empregado; é a coerção para se despir ou qualquer ato de molestamento físico que exponha o corpo. Já a revista pessoal é a realizada em objetos, bolsas e pertences do empregado. Para a maioria da doutrina e jurisprudência, a revista íntima é considerada ilícita, e a pessoal é lícita, desde que observe alguns requisitos. Na análise do caso concreto é que será possível aferir a licitude desse tipo de procedimento. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) prescreve no artigo 373-A que é vedado ao empregador ou preposto proceder a revistas íntimas das funcionárias. A Constituição Federal de 1988 não distingue homens e mulheres, portanto, a interpretação que vem sendo dada àquele dispositivo da lei específica se estende também aos homens. Se for possível evitar a revista usando tecnologia (como os detectores de metal) ou vestimentas especiais (macacões sem bolso), deve ser priorizado o método alternativo. A revista, sempre, deve ser a última opção. 3.2. A Revista Íntima na CLT A Lei 9.799/99 acrescentou ao texto da CLT o art. 373-A, VI, o qual estabelece ser vedado ao empregador ou ao seu preposto proceder a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.
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O dispositivo dispõe: Art. 373-A – Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: [...] VI – proceder o empregador ou preposto a revista íntima nas empregadas ou funcionárias. Mesmo a lei mencionando proteção apenas à mulher, devese fazer uma interpretação extensiva, tendo em vista o princípio da igualdade assegurado pela Constituição Federal de 1988, e com base no enunciado 15, segunda parte, da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, in verbis: II – REVISTA ÍNTIMA – VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da igualdade entre os sexos inscrita no art. 5º, inc. I, da Constituição da República (VIDAL & ANELLO, 2008). Importante salientar que a revista deve ser a última alternativa, uma vez que não se pode expor o empregado à situação vexatória, ou seja, jamais poderá acontecer o despir de vestimentas ou ainda mostrar partes íntimas do corpo. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende que se houver revista íntima, expondo o trabalhador a situação vexatória, cabe indenização por danos morais. O Tribunal admite a tese da revista íntima, desde que não viole a intimidade e a dignidade do empregado. Em outro sentido, veda a revista íntima utilizada de forma agressiva, sobretudo nas partes íntimas do trabalhador, o que tornaria inaceitável. Neste sentido partidário, o TST posiciona no seguinte sentido: RECURSO DE REVISTA – DANOS MORAIS – REVISTA ÍNTIMA – Constitui fundamento do estado brasileiro o respeito à dignidade da pessoa humana, cuja observância deve ocorrer na relação contratual trabalhista; o estado de subordinação do empregado e o poder diretivo e fiscalizador conferidos ao empregador se encontram em linha de tensão, o que não pode levar à possibilidade de invasão da intimidade e desrespeito ao pudor do trabalhador. A comercialização, pela empresa, de produtos que lhe exigem maior vigilância sobre os estoques, apesar de ensejar a adoção de revista do empregado, ao término da jornada, não afasta o dever de que ela seja feita segundo meios razoáveis, de modo a não causar constrangimentos ou humilhação, cuja ocorrência configura dano moral a ser reparado. Recurso de revista conhecido e provido (TST – RR 533.770/99-3ª R. – 1ª T. – Relª Juíza Conv. Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro – DJU 07.12.2006). EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - REVISTA CONFIGURAÇÃO. O procedimento de revista utilizado pela reclamada não era efetuado dentro de critérios de bom senso e razoabilidade, apesar de não se tratar de revista íntima, ela não precisaria ser realizada na frente de outros colegas, com a apalpação de partes do reclamante. (TRT da 3.ª Região; Processo: 00556-2012-029-03-00-3 RO; Data de Publicação: 26/06/2013; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Jose Eduardo Resende Chaves Jr.; Revisor: Cristiana M.Valadares Fenelon; Divulgação: 25/06/2013. DEJT. Página 98) Efetivamente, a maneira como realizada a revista é que definirá a ocorrência ou não do dano moral. Nesse contexto, somente enseja o pagamento de indenização, a revista em que o empregador extra-
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pola o seu poder diretivo, mostrando-se abusiva, por constranger os empregados, colocando-os em situações de ultrajante, em frontal desrespeito à honra e à intimidade da pessoa humana. 3.3 Revista íntima x direitos constitucionais à intimidade e à privacidade Os direitos à intimidade e à privacidade são constitucionalmente garantidos, e o poder diretivo, no qual se baseia o procedimento da revista, está pautado no direito de propriedade do empregador, pois este pretende resguardar o seu patrimônio, sendo que tal direito também possui assento no Texto Fundamental. Essa ponderação de valores diante da colisão de direitos fundamentais apenas é possível, porque o choque se dá entre princípios, e não entre as regras, pois, neste último caso, a solução ocorrerá em termos de validade, não sendo possível, portanto, aplicar a ponderação no choque entre regras. A técnica da ponderação de valores terá a função de, em conformidade com as peculiaridades do caso concreto, mensurar qual dos direitos deverá prevalecer (MENDES; BRANCO, 2013, p.318.). A defesa da intimidade e da privacidade está alicerçada sob os argumentos de que a prática das revistas constituem afronta ao princípio da presunção de inocência, estabelecido no art. 5º, inciso LVII, da Constituição. Além de violar o princípio da igualdade, aduzido no art. 5º, caput, do Texto Constitucional, à medida que concede prerrogativas ao empregador, permitindo-o utilizar-se de instrumentos para defesa de seu patrimônio não concedidos a nenhum outro indivíduo, prejudicando, assim, o obreiro apenas pelo fato de encontrar-se subordinado a este. Por fim, o empregador, quando exerce o “poder de revistar”, avoca para si a função típica da polícia, retirando, desse modo, a exclusividade estatal da função policial, assumindo a característica de “polícia privada”. (BARROS, 2006, p.82). O meio ambiente do trabalho deve ser regulado por uma relação harmônica e saudável entre empregados e empregadores, e as revistas efetuadas de modo agressivo e discriminatório no obreiro maculam o equilíbrio que deve existir na relação laboral, no sentido em que fere direitos da personalidade do empregado, resultando em danos de natureza psíquica e moral, uma vez que o sujeita, periodicamente, a condições degradantes, não condizentes com sua condição de ser humano. A revista íntima coloca os direitos fundamentais à intimidade e à propriedade em conflito. Com efeito, considerando-se que todos os princípios fundamentais são imediatamente aplicáveis, deve-se adotar, na solução do caso concreto, a técnica da ponderação, recorrendo o aplicador do direito ao princípio da proporcionalidade, de modo a aplicar a norma de forma adequada ao fim necessário, sem excessos e sem desconsiderar o conjunto dos interesses contrapostos. Nesse passo, a evolução tecnológica permite que outras formas de controle sejam adotadas, como a entrada e a saída de estoque, filmagens por meio de circuito interno, colocação de etiquetas magnéticas, vigilância por serviço especializado, e outras medidas sem que se faça necessária a revista pessoal do trabalhador, sobre o seu corpo e sua vestimenta. Os cuidados patronais pela preservação de seu patrimônio não podem malferir tais direitos inerentes ao trabalhador como pessoa humana. A revista do empregado não pode resultar em injustificada invasão desses valores. 4 DO PODER DIRETIVO No momento em que é celebrado o contrato de trabalho, regras são impostas para sua execução. Há características inerentes a este pacto laborativo, como a prestação de trabalho não eventual mediante contraprestação e também a subordinação jurídica do empregado a seu empregador, visando atender as necessidades do ramo de atividade ou estabelecimento.
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Sendo a subordinação inerente às relações de emprego, o empregador tem o direito de estabelecer as normas que devem ser obedecidas durante a realização do trabalho. Além do mais, o empregador detém o controle da prestação dos serviços, haja vista ser ele o responsável em arcar com os encargos da produção e organização da atividade econômica realizada. Dentre os poderes advindos dessa relação, pode-se ressaltar o poder diretivo da classe patronal, uma vez que tal poder e seus desdobramentos revelam-se necessários para o alcance do sucesso da atividade empresarial desenvolvida. Tamanha é a sua importância, que este encontra-se positivado na CLT, em seu artigo 2°, ao estabelecer que “[...] considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.” (VADE MECUM, 2010, p. 875). Abrange tal poder a prerrogativa do empregador de controlar as atividades realizadas pelo obreiro e, caso as normas previamente estabelecidas não estejam sendo cumpridas, poderá o empregador se valer do poder disciplinar. No exercício deste poder, o empregador pode advertir e suspender seus empregados em virtude de transgressão, e até mesmo pode aplicar a dispensa por justa causa, caso o fato punível estiver no rol do artigo 482 da CLT, com a ressalva de sempre se observar o critério da ponderação. O poder diretivo possui também o condão de conferir ao empregador a organização da estrutura e do espaço empresarial interno, inclusive o processo de trabalho adotado na empresa, com as especificações e as orientações cotidianas no que tange à prestação de serviços. Ademais, o poder de comando, em especial o fiscalizatório, propicia um acompanhamento e proteção ao patrimônio do empregador, principalmente no tocante a possíveis tentativas de subtração material pelos obreiros. Contudo, muito se questiona sobre forma como é conduzido esse poder, especificamente o poder de controle por aqueles que o detêm. Isso porque não são raras as situações em que as empresas adotam o procedimento de revista íntima e a revista em objetos dos obreiros como um dos primeiros mecanismos de vigilância dos bens empresariais. Normalmente a prática de tais condutas sucede-se sob a justificativa do exercício dessa prerrogativa. De fato, uma das finalidades do poder fiscalizatório situa-se na permissão de tomar uma atitude de zelo frente ao patrimônio empresarial, mas o que se indaga são as arbitrariedades cometidas, os excessos realizados, sob o manto desse poder. O poder fiscalizatório não é um direito absoluto, ilimitado, muito menos é usado para beneficiar somente os empregadores (apesar de estar a serviço da classe patronal, em razão do direito de propriedade). No entanto, seu exercício deve ocorrer sempre para ambos os pólos da relação empregatícia. Como se observa na reflexão de Valquíria Briancini “o poder de mando não deve e não pode, legitimamente, prestar-se apenas a atender aos interesses do patrão, mas, sim, de todos os que compõem a empresa e também em benefício da sociedade”. (2007). EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - REVISTA DE PERTENCES - CABIMENTO - Provado que, após o expediente, o autor tinha seus pertences revistados diariamente, na presença de clientes, caracterizada agressão à honra, intimidade e dignidade, e devida indenização por danos morais. O poder diretivo do empregador não é absoluto, não obstante lhe seja assegurado o direito de proteger seu patrimônio, deve fazê-lo sem violar a dignidade da pessoa humana, alçada à condição de garantia constitucional. (TRT da 3.ª Região; Processo: 02010-2012-031-03-00-3 RO; Data de Publicação:
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14/03/2014; Órgão Julgador: Sétima Turma; Relator: Convocado Luis Felipe Lopes Boson; Revisor: Paulo Roberto de Castro; Divulgação: 13/03/2014. DEJT. Página 252) É real a preocupação sentida pelos empregadores no que tange ao patrimônio empresarial. O que foge ao critério da razoabilidade e da legitimidade ocorre quando essa prerrogativa começa a ser usada em caráter abusivo, invadindo a intimidade, a privacidade e a dignidade do obreiro, quando efetuadas revistas no ambiente de trabalho. EMENTA: REVISTA ÍNTIMA - DANOS MORAIS. A questão referente às revistas íntimas coloca em conflito dois direitos fundamentais: o direito à intimidade e o direito de propriedade, ambos assegurados pela Constituição Federal (CF/1988), no art. 5º, incisos X e XXII, respectivamente. Com efeito, considerando-se que todos os princípios fundamentais são imediatamente aplicáveis, deve-se adotar, na solução do caso concreto, a técnica da ponderação, recorrendo o aplicador do direito ao princípio da proporcionalidade, de modo a aplicar a norma de forma adequada ao fim colimado, sem excessos e sem desconsiderar o conjunto dos interesses contrapostos. Nesse passo, a evolução tecnológica permite que outras formas de controle sejam adotadas, como a entrada e a saída de estoque, filmagens por meio de circuito interno, colocação de etiquetas magnéticas, vigilância por serviço especializado, e outras medidas sem que se faça necessária a revista pessoal do trabalhador, sobre o seu corpo e vestimenta. (TRT da 3.ª Região; Processo: 00257-2010-075-03-00-8 RO; Data de Publicação: 04/10/2010; Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Denise Alves Horta; Revisor: Marcio Ribeiro do Valle; Divulgação: 01/10/2010. DEJT. Página 167) Quando a CLT instituiu o poder diretivo, não o consentiu de forma totalitária, de tal modo que fosse permissível à classe patronal praticar abusos contra os obreiros. Não é autorizado ao empregador invadir a intimidade de seu empregado evocando como permissivo o cuidado patrimonial. Os bens empresariais certamente são de grande valia, todavia não podem ser considerados acima de direitos fundamentais existentes, a exemplo do direito à intimidade e à privacidade. Isto é, o direito de propriedade não pode sobrepor-se aos direitos fundamentais, muito menos, ao princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se de valores incomparáveis e não equivalentes, uma vez que o peso que os dois últimos apresentam sobressalta ao daquele. A lesividade advinda ao patrimônio empresarial muito se distancia do grau de dano acarretado a uma violação de um direito fundamental ou a sua dignidade. O direito de propriedade deixou de ser correlacionado a uma visão individualista para atender a coletividade, voltando-se o seu exercício à preocupação do bem estar social de todos. Não assim ocorrendo, isto é, caso a propriedade encontre-se a serviço exclusivo de seu detentor, o direito em questão torna-se inócuo, vez que não é possível avistar sua essência: a função social. Tamanha é a importância dessa noção para o sistema jurídico brasileiro, que esta não foi deixada só ao encargo dos doutrinadores, ganhando espaço na Constituição Federal, especificamente no artigo 5°, XXIII da CF/88, é possível observar o principal fim do direito de propriedade: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei [...] nos termos seguintes: I – [...]; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social; [...].” (VADE MECUM, 2010, p. 86). Assim sendo, pode-se dizer que o aspecto social no ambiente de trabalho se concretiza quando são assegurados aos seus empregados os direitos essenciais a eles pertencentes.
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É na observância dos direitos de seus empregados e no respeito aos limites do poder de comando empresarial que está a efetivação da utilização social do direito de propriedade empresarial. Ademais, se observado com acuidade o escopo da função social da propriedade, irá alcançar em sua essência o intento de prestigiar os direitos humanos e fundamentais. Então quando a empresa respeita as normas trabalhistas, manifesta-se a utilização social do bem. Nesse contexto, verifica-se que o empregador que não respeita a intimidade do empregado não está de acordo com a função social da propriedade, pois estará desrespeitando a sua dignidade e, assim, desencadeando uma rede de mal-estar social. No âmbito da propriedade empresarial será sempre ilegítima a atitude do empregador que, sob fundamento do gozo de seu direito de propriedade e, portanto, no manejo da prerrogativa do instrumento do poder empregatício, relegue direitos substanciais de seus subordinados e, com isso, gere conseqüências sociais negativas. Portanto, o poder diretivo e seus segmentos são uma necessidade para o bom funcionamento da engrenagem empresarial, contudo, não foi conferido a seus titulares um exercício ilimitado dessa prerrogativa. 4.1. Limites do poder diretivo O poder diretivo encontra a sua liberdade de ação nos limites estipulados pela lei. Tais limites condicionam o exercício do comando e serão limitados pela moral, os usos e costumes, as convenções e os acordos coletivos, as sentenças normativas e os laudos arbitrais. Devido a grande diversidade de normas, tanto as estabelecidas na Consolidação das Leis do Trabalho, como as leis esparsas e as normas decorrentes de acordos entre as partes, seria difícil delimitar ao certo todos os limites que condicionam o Poder Diretivo do Empregador. O poder diretivo pode sempre ser restringido, tendo em vista o Princípio da Norma mais Favorável ao empregado. E, ainda, no confronto entre normas diversas, aplica-se a que mais limitar o poder do empregador, ainda que hierarquicamente inferior. Também há que se ressaltar, segundo asseveram Elizabeth Roma e Taciana Ramos, “que o poder de controle não pode ferir a intimidade dos empregados, entre outros direitos de ordem fundamental, residindo aqui sua limitação” (2011). São proibidas, por exemplo, a revista íntima (art. 373-A, inciso VI, da CLT) e a violação do sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (neste caso, a exceção à regra é a ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal) dos empregados (art. 5º, inciso XII, da CR/88). EMENTA: REVISTA ÍNTIMA. DANOS MORAIS. O poder diretivo do empregador encontra limites intransponíveis nos direitos personalíssimos do empregado, como a honra, a intimidade e a privacidade. Os cuidados patronais pela preservação de seu patrimônio não podem malferir tais direitos inerentes ao trabalhador como pessoa humana. A par disso, a revista do empregado não pode resultar em injustificada invasão desses valores. (TRT da 3.ª Região; Processo: RO 4498/09; Data de Publicação: 13/05/2009; Órgão Julgador: Turma Recursal de Juiz de Fora; Relator: Convocado Paulo Mauricio R. Pires; Revisor: Jose Miguel de Campos; Divulgação: 12/05/2009. DEJT. Página 175) Portanto, o poder diretivo deve apresentar motivação razoável para cada ato discricionário, não podendo haver arbitrariedade, capricho e perseguição como também não está autorizado a produzir resultados inconstitucionais que não o legitime e não respeite os direitos fundamentais do empregado.
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Apesar de o empregador ser o proprietário dos instrumentos postos à disposição do empregado, seu poder diretivo encontra-se limitado, portanto, à função social, representada na relação de emprego pelo contrato de trabalho. A função social da propriedade é o que permite a atividade da empresa que se faz por meio de exploração econômica, e com a limitação do poder diretivo da atividade patronal frente à prestação de serviço pelo empregado. 4.2. Princípio do Jus Resistentiae O jus resistentiae nasce do exercício irregular do poder disciplinar, e não apenas serve de limite ou barreira natural a este, como também ajuda a legitimá-lo. O poder diretivo do empregador, no exercício da direção e administração da empresa, detém a prerrogativa de aplicar sanções aos empregados que desobedecerem, sem justo motivo, as diretrizes empresariais. Essa relação imputa ao obreiro um estado de subordinação. Subordinação essa estritamente jurídica e originária do contrato de emprego, o que não significa um estado de sujeição do obreiro ao empregador. O ordenamento jurídico não chancela qualquer estado jurídico de sujeição do empregado perante o empregador, no contexto da relação de emprego. Nesse contexto, a resistência obreira a ordens ilícitas perpetradas pelo empregador no contexto empregatício, é plenamente válida e juridicamente protegida. O chamado direito de resistência (jus resistentiae) é, portanto, parte integrante do poder empregatício. Na verdade, sua configuração é apenas mais uma cabal evidência do caráter dialético (e não exclusivamente unilateral) do fenômeno do poder no âmbito da relação de emprego. (DELGADO, 2009, p. 679). Em tese, o empregado não pode se recusar ao cumprimento das ordens emanadas pela direção da empresa, mas se estas configurarem um excesso de poder tem a prerrogativa de não cumpri-las. Não só as normas legais específicas tutelam o direito de resistência do empregado, mas qualquer outra está também amparada por todas as fontes de direito admitidas, a exemplo dos princípios, gerais ou específicos ao Direito do Trabalho, jurisprudência, doutrina, bem como os bons costumes. Daí porque imposições empresarias que ofendam a dignidade, a intimidade, a privacidade ou a capacidade laborativa do obreiro não merecem ser acatadas e, por isso mesmo, cabe ao Direito tutelar a oposição do trabalhador ao seu cumprimento. Segundo Márcio Túlio Viana, “seja qual for o direito que socorra, o ius resistentiae é uma garantia fundamental do trabalhador. E garantia das mais importantes: basta notar que o seu oposto é a submissão, sinônimo de dignidade perdida”. (VIANA, 1996, p. 70). A origem da qual deve partir a interpretação do Direito situase no princípio da dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º da Constituição Federal de 1988. Referido princípio proporciona uma concepção do trabalho como instrumento de efetivação da justiça social, não se olvidando de que o direito de propriedade deve ser exercido segundo sua função social, nos termos do art. 5º, XVIII, da Constituição Federal de 1988. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A relação de emprego é marcada pelo antagonismo entre as partes contratantes. De um lado, o empregador, proprietário dos meios de produção, pautado no poder hierárquico, controla e determina o modo de prestação do trabalho. No outro pólo, o empregado, que aliena sua mão-de-obra em troca de salário. O empregador possui o poder diretivo para a execução do trabalho e, com fundamento nele, exige do trabalhador que o serviço
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seja prestado da maneira como prescreve. No entanto, o poder diretivo não é um direito absoluto. Ao lado do princípio da proteção do trabalhador, os direitos da personalidade do empregado imprimem certas restrições ao exercício do poder diretivo para que o serviço seja prestado respeitando-se os direitos à intimidade e à privacidade. É de suma importância a proteção da intimidade e da vida privada, por serem elas expressão da personalidade e por estarem relacionadas com o direito à dignidade da pessoa humana. Admitida sua ampla extensão, assume contornos especiais na relação empregatícia, fundamentalmente marcada pela desigualdade das partes, por uma condição de vulnerabilidade do empregado e pelo poder de direção do empregador, também de matriz constitucional (direito de propriedade inserto no art. 5º, XXII). A privacidade do trabalhador, o direito à autodeterminação, o direito de não ser discriminado, à objeção de consciência, à liberdade de expressão, dentre outros, colocam-se, muitas vezes, em inevitável confronto com a lógica capitalista e os valores empresariais. Se a ponderação de princípios em conflito determinará a prevalência em cada caso, também é certo que a relevância dos direitos fundamentais no âmbito das relações trabalhistas consubstancia importante manifestação de uma nova acepção da relação de trabalho, especialmente marcada pela qualidade de vida do obreiro. As tensões entre o direito à intimidade e à privacidade e o poder diretivo do empregador demandam, em regra, o exame do caso concreto para se aferir a existência de lesão ou não aos direitos fundamentais, segundo o parâmetro necessário que se estabelece com o primado da dignidade humana. A revista íntima coloca os direitos fundamentais à intimidade e à propriedade em conflito. Com efeito, considerando-se que todos os princípios fundamentais são imediatamente aplicáveis, deve-se adotar, na solução do caso concreto, a técnica da ponderação, recorrendo o aplicador do direito ao princípio da proporcionalidade, de modo a aplicar a norma de forma adequada ao fim necessário, sem excessos e sem desconsiderar o conjunto dos interesses contrapostos. Nesse passo, a evolução tecnológica permite que outras formas de controle sejam adotadas, como a entrada e a saída de estoque, filmagens por meio de circuito interno, colocação de etiquetas magnéticas, vigilância por serviço especializado, e outras medidas sem que se faça necessária a revista pessoal do trabalhador, sobre o seu corpo e sua vestimenta. Os cuidados patronais pela preservação de seu patrimônio não podem malferir tais direitos inerentes ao trabalhador como pessoa humana. A revista do empregado não pode resultar em injustificada invasão desses valores, uma vez que a prática da revista íntima atenta não só contra a intimidade da pessoa humana, pois também caracteriza uma agressão à liberdade individual e à liberdade corporal do trabalhador, direitos fundamentais consagrados na Lei Fundamental de 1988.
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2 Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-Minas. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Professora da PUC-Minas e do Centro Universitário Newton Paiva. Analista Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3º Região.
BARROS. Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2006.
3 Thiago Freitas, Mirella Karen de Carvalho Bifano Muniz
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1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva
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HOMICÍDIO PASSIONAL: a influência social em sua evolução legislativa e jurisprudencial no Brasil Raquel Araújo de Freitas1 Cristian Kiefer da Silva2 Banca examinadora3 RESUMO: A fim de entender a legislação aplicável ao homicídio passional nos dias de hoje, fez-se necessária uma busca mais profunda pelas causas e principais características do homicídio passional reputando em uma análise da evolução da sociedade conjugada com a evolução da legislação e de que forma isto implica no modo de decidir dos jurados. PALAVRAS-CHAVE: homicídio passional; Tribunal do Júri; evolução legislativa. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Crimes Passionais; 3. Tribunal do Júri; 3.1. A influência popular em julgamentos no mundo; 3.2. A influência popular em julgamentos no mundo e no Brasil; 4. Homicídio Passional no Brasil; 4.1. Conceito; 4.2. Evolução social e o homicídio passional; 4.3. Evolução legislativa; 4.4. Homicídio passional nos dias de hoje; 5. Considerações finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO Desde os tempos mais remotos da história humana, há registros de homicídios passionais, onde o agente é dominado por um sentimento incontrolável que o faz sentir como dono do outro. O crime passional abordado é o homicídio, ou seja, a morte de uma pessoa causada por outra, com uma particularidade: a ligação afetiva entre as partes, que pode ser, ou não, sexual, a chamada paixão. A busca pela explicação de um ato irracional cometido por um ser dito racional, tendo como justificativa um sentimento, a priori, presente em todos, é algo instigante e passível de discussões mais profundas. O ponto de partida para a análise do problema é a participação da população nas questões judiciais do Estado. Entretanto, se faz necessário, inicialmente, o estudo da origem desta participação fora do Brasil, haja vista que os movimentos estrangeiros influenciaram o modo de como esta se dá hodiernamente. Tomando por ponto de partida a Antiguidade, tem-se que somente os homens o praticavam, já que as mulheres tinham papel de “coisa”, totalmente dependentes de seus maridos, não sendo admitido, portanto, qualquer traição por parte dela. Já em meados do século XX, houve uma alteração do papel da mulher na sociedade, sendo que esta buscava seu espaço no lar, no trabalho e na vida do país. Não havendo mais esta submissão da mulher ao seu esposo, elas passaram a ser donas de si e também a se permitir possuir uma paixão, que por vezes, acaba de forma desmedida, a originar um homicídio. Tratar da evolução da sociedade a fim de relacioná-la com a evolução legislativa do homicídio passional, bem como com as decisões judiciais acerca do assunto, faz com que se tenha como ponto de partida a análise do instituto do Tribunal do Júri. Isto porque a evolução das leis e o modo de julgar os homicídios passionais tiveram direta ligação com o fato de este ser composto por pessoas da sociedade. Com a instituição deste Tribunal no Brasil pela Constituição de 1824 como competente para julgar este tipo penal tem-se a possibilidade da sociedade se envolver no Judiciário e delimitar quais teses serão aceitas, bem como influenciar na legislação que a ele será aplicada. Analisando o contexto histórico do homicídio passional em nosso país surge a seguinte indagação: a evolução legislativa e decisões judiciais sobre o homicídio passional no Brasil acompanharam a evolução social?
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2 CRIMES PASSIONAIS Em latu sensu, os crimes estão presentes durante toda história da humanidade. Durkheim (2002, p. 87) em seus estudos, constatou que o crime é um fenômeno social “normal” e necessário. De acordo com sua visão positivista, o crime é parte da natureza humana porque existiu em diferentes épocas, em diferentes classes sociais. Assim são os crimes definidos por passionais. Um primeiro exemplo pode ser observado nas Sagradas Escrituras (Gênesis 4:3, 4) onde Caim mata seu irmão Abel por ciúmes, um sentimento originado, in casu, pela inferioridade sentida ao oferecer a Deus frutos do solo que cultivava em relação à oferta de Abel. Este arquétipo demonstra a existência de ciúme existente em outras relações que não a entre homem e mulher, que, contudo, se faz mais comum desde os primórdios até os dias de hoje. A relação afetiva de amor entre duas pessoas que acaba por gerar a obsessividade e, por conseguinte, o sentimento de posse, começou a ser explorada pela literatura, como no caso de Otelo, personagem da literatura clássica, que retirou a vida de sua esposa Desdêmona por acreditar que esta lhe traía sempre, externando seu ciúme concomitante a uma demonstração de psicopatia. Além do ciúme e paixão exacerbada, tem-se ainda, como fatos que originam a prática de crimes passionais a rejeição, que gera vingança por não ser mais amado ou querido e a honra, que está relacionada a valores éticos e morais e, portanto, justificaria a realização de um delito para sua defesa, principalmente, em casos de traição. Nesse sentido, explana Luiza Eluf Essas pessoas são acometidas de estranha e insuperável obsessão. Não existe mais o amor e sim um estado mental quase patológico. A rejeição leva ao ódio, que gera a violência. O sujeito não descansa enquanto não elimina fisicamente quem julga ser a causa de seu sofrimento, embora a dor decorrente do crime, a punição da Justiça e a repercussão social do fato possam ser terríveis. (ELUF, 2013, p. 15) O crime passional, em especial o homicídio, foi ganhando espaço no cenário criminal, principalmente face ao seu aumento e crueldade. Em um primeiro momento, a sociedade defendia sua prática para assegurar a honra dos homens. Ao decorrer do tempo seu posicionamento foi evoluindo até que se compreendesse como inadmissível tal conduta.
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3 TRIBUNAL DO JÚRI 3.1 A influência popular em julgamentos no mundo É a participação da população nas questões judiciais do Estado que dá origem à evolução das decisões acerca do homicídio passional e, consequentemente, à evolução legislativa. Entretanto, se faz necessário, a priori, o estudo da origem desta participação popular fora do Brasil, haja vista que os movimentos estrangeiros influenciaram o modo de como esta se dá hodiernamente. Alguns estudos apontam que o Tribunal Popular teve origem na Palestina, é o que diz Nucci (2008, p. 41) Na Palestina, havia o Tribunal dos vinte e três, nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Os membros escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de Israel. Com isso, vê-se que foi a própria organização social que fez ensejar a estruturação do modo com que as pessoas iriam influenciar no julgamento de alguns delitos. Nesse primeiro momento, em uma sociedade patriarcal, eram os homens mais velhos que administravam o Tribunal, bem como as comunidades. O Tribunal do Júri se desenvolveu e teve seus parâmetros definidos principalmente na Inglaterra, através da Carta Magna de 1215 que instituiu o chamado Conselho de Jurados que tinha por objetivo julgar delitos de bruxaria ou ligados à feitiçaria. Era dividido em pequeno Júri, composto por doze pessoas que julgavam apreciando o caso concreto, e em grande Júri, formado por vinte e quatro pessoas que eram encarregadas de fazer a acusação, vez que era composto por testemunhas oculares do fato. Na Inglaterra, o Tribunal representou uma grande evolução quanto à defesa dos direitos fundamentais face à retirada do julgamento destes delitos das mãos da nobreza, valendo-se do bom senso e de costumes da sociedade inglesa. Partindo da Inglaterra, o referido órgão julgador chegou à França e, posteriormente espalhou-se pelo mundo. Sobre a propagação do Tribunal Popular Nucci (2008, p. 42) enfatiza que: Após a Revolução Francesa, de 1789, tendo por finalidade o combate às ideias e métodos esposados pelos magistrados do regime monárquico, estabeleceu-se o Júri na França. O objetivo era substituir um Judiciário formado, predominantemente por magistrados vinculados à monarquia, por outro, constituído pelo povo, envolto pelos novos ideais republicanos. A Revolução Francesa motivada por ideias iluministas, segundo Luísa Fragoso Pereira Pinto, contribuiu para a organização judiciária daquele país e o Júri criminal foi consagrado como instituição judiciária. A partir de então as decisões do referido órgão passaram a simbolizar a soberania exercida pelos cidadãos franceses como obrigação de todos. 3.2 A influência popular em julgamentos no mundo e no Brasil Os ideais espalhados pelo movimento popular ocorrido na França – Revolução Francesa em 1789 –, especialmente no que se refere à proteção individual e aos ideais políticos-burgueses do século XVIII, chegaram até ao Brasil e fizeram com que Dom Pedro I, em 1822, instituísse o Tribunal do Júri para julgar crimes de imprensa. Após a independência do país, este órgão foi disposto na Constituição de 1824, no capítulo pertencente ao Poder Judiciário, com atribuições para julgar causas cíveis e criminais. Com o Código de Processo Criminal do Império, de 1832, a competência do Tribunal do Júri fora ampliada, passando o juiz a apenas presidir a sessão, orientar os jurados e aplicar a pena, conforme art. 46 deste Código.
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Após a proclamação da República, com a Lei nº 261 de 1841, foi extinto o Júri de acusação e permaneceu o Júri de sentença, tendo a previsão da pena de morte, desde que atingisse o quorum mínimo de dois terços. Com a Constituição de 1891 (art. 72, §31), o Júri foi elevado ao nível de garantia individual e com a Constituição de 1946 (art. 146, §28), a competência foi reduzida aos crimes dolosos contra vida, assim como é nos dias de hoje. A Constituição de 1988, marca da democratização do País, ratificou a figura do Tribunal, dando-lhe, novamente, caráter constitucional, conforme disposto no art. 5º, inc. XXXVIII, alíneas a, b, c, d, sendo assegurados os princípios da plenitude da defesa, do sigilo das votações, da soberania dos veredictos e da competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. É, portanto, o modo com que a sociedade se dispõe ética e culturalmente, que irá influenciar diretamente no resultado do julgamento do delito in casu, haja vista que a soberania de seus votos e o sistema da íntima convicção presente no Tribunal do Júri, fazem com seja dispensada a motivação expressa durante a análise de cada quesito na sessão, dando liberdade para que os sete jurados decidam conforme seu ideal de justiça, a absolvição ou condenação do réu e, no caso de condenação, se houve qualificadora, minorante ou a presença de outra tese pleiteada. 4 HOMICÍDIO PASSIONAL NO BRASIL 4.1 Definição Homicida, vem do latim homo (homem) e coedere (matar), sendo identificado como a pessoa que mata outrem. Já passional é o vocábulo empregado na terminologia jurídica para designar o que se faz por paixão, que por sua vez, segundo o dicionário Silveira Bueno, é um “sentimento excessivo; afeto violento; amor ardente; entusiasmo; objeto de afeição intensa; sofrimento prolongado; o martírio de Cristo”. (BUENO, 2009, p. 131) Segundo Luiza Nagib Eluf, em “A paixão no banco dos réus” (2003), paixão não é sinônimo de amor, pode decorrer do amor, sendo doce, ou do sofrimento, resultante de uma grande mágoa. E a paixão que move a conduta criminosa não deriva do amor, mas sim do ódio, do ciúme, da vingança, da possessividade, da frustração. De acordo com o estudo de Paulo Roberto Cecarelli (2003), Platão entendia que as paixões traziam obstáculos, e por isso, defendia que as pessoas deveriam se defender, usar de força para defender-se de seus malefícios. Já para Aristóteles, a paixão seria um elemento intrínseco ao ser humano, que não deveria ser extirpado e nem condenado. Roque de Brito observa que “no delito passional, a motivação constitui uma mistura ou combinação de egoísmo, de amor próprio, de instinto sexual e de uma compreensão deformada da justiça”. (BRITO, 1984, p. 18) Assim, em termos gerais, o homicídio passional é o ato de matar alguém movido por um sentimento incontrolável, que pode ser tanto o amor quanto o ódio, mágoa ou ira, em decorrência de uma exaltação ou irreflexão desmedida. Surgem em decorrência de uma obsessão que ao ser contraposta por uma rejeição origina ódio que por sua vez, acarreta os atos de violência. 4.2 Evolução social e o homicídio passional Na Antiguidade, somente os homens praticavam o homicídio passional, haja vista a figuração de “coisa” da mulher, totalmente dependentes de seus maridos. Por serem vistas e tratadas como objeto destinado à manutenção do lar, havia um sentimento de posse imbuído na população masculina sobre suas mulheres ou companheiras que lhes fazia sentir detentores de um direito e até mesmo dever, de mantê-las a todo custo.
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Um caso marcante no Brasil, apresentado por Luiza Eluf (2013), foi o homicídio praticado por Pontes Visgueiro em 14 de agosto de 1873. O crime foi perpetrado contra Maria da Conceição, menina incitada pela mãe a prostituir-se desde cedo, que despertou no autor do delito uma paixão avassaladora, ocasionando reiterados escândalos de paixão obsessiva e ciúme provocados por Visgueiro, então desembargador do Maranhão. O ponto crucial para o desenrolar do homicídio foi o fato de Mariquinhas – apelido dado a Maria da Conceição – tornar-se suspeita de um furto ocorrido na casa do desembargador, que por sua vez, nutriu ódio por não ser obedecido e respeitado como sua autoridade exigia, ficando claro, o interesse meramente econômico que ela possuía. Logo após o ocorrido, encomendou um caixão e planejou o crime. Mariquinhas foi atraída para casa do desembargador que com a ajuda de Guilermino, segurou e amordaçou a vítima, derramando clorofórmio em sua boca. Desfalecida, Visgueiro solicitou que seu cúmplice se retirasse, e então desferiu em seu corpo golpes com um punhal. Depois de consumado o homicídio, colocou seu corpo no caixão previamente encomendado e a enterrou no quintal. Após investigado, foi pronunciado pelo homicídio. Em sua defesa foi usada a tese de “desarranjo mental” face ao ciúme provocado pela mulher, contudo, esta tese não fora aceita pelo fato de ter planejado detalhadamente e com antecedência o crime e até mesmo o que faria com o corpo. O Supremo Tribunal de Justiça – órgão competente pelo julgamento na época – por unanimidade, decidiu pelo homicídio agravado para o qual, o Código Criminal de 1830 aplicava a pena de galés perpétuas. Por esta pena, os condenados tinham de cumprir trabalhos forçados, andar com uma argola no tornozelo e corrente de ferro. Todavia, por ter mais de sessenta anos o réu, sua pena foi substituída por prisão perpétua com trabalho. Este caso evidencia o pensamento de posse dos homens, haja vista que mesmo sem ter nenhum relacionamento oficial com Mariquinhas, Ponte Visgueiro sentia-se no direito de tê-la só para si, independentemente da atividade que a sustentava: a prostituição. Ademais, verifica-se ainda, que o fato de não ser julgado pelo Júri, mas sim pelo Supremo Tribunal de Justiça, originou a condenação de um homem, o que não ocorria na época face ao suposto direito dos homens de terem para si as mulheres que queriam. Outro caso que, contudo, diferencia-se deste, no que diz respeito ao resultado final foi o homicídio praticado por José de Almeida Sampaio contra o pintor José Ferraz de Almeida Júnior, que era seu primo. O fato criminoso decorreu da traição de Maria Laura do Amaral Gurgel com o primo de seu marido. Assim, após ver sua mulher chegando com o amante, José de Almeida “tirou do colete uma faca desembainhada e cravou-a na clavícula esquerda de Almeida Júnior. Este levou a mão ao seu colete e dele tirou uma faca, mas não conseguiu atacar Sampaio”. (ELUF, 2013, p. 36) José de Almeida, ao ver a tentativa de José Ferraz em atacá-lo, disse “Não, você já não me pode matar! Você roubou-me a minha honra, mas não me rouba minha vida!” (ELUF, 2013, p. 37) Por este fato, José de Almeida foi levado a Júri e foi absolvido por unanimidade. Isto posto, evidencia que nesta época, ainda prevalecia a honra do homem sobre o direito a vida. Quanto à participação da mulher na sociedade, tem-se em meados do século XX, uma alteração em seu papel devido a sua busca pela independência. Contudo, ainda assim, segundo Luiza Eluf “a história da humanidade registra poucos casos de esposas ou amantes que mataram por se sentirem traídas ou desprezadas”. (ELUF, 2013, p. 13) A participação ínfima das mulheres como sujeito ativo deste delito, se deve, quase sempre, pela influência do poder econômico que os homens exercem sobre elas e por isso, são eles que com o sentimento de ter “comprado” suas esposas ou companheiras que se sentem no direito de matá-las quando traídos.
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Um dos casos de maior repercussão no país que teve uma mulher como autora do homicídio ocorreu em 09 de outubro de 1950 em Botafogo, figurando como partes: Zulmira Galvão Bueno e seu marido, Stélio Galvão Bueno. Eles foram casados por cinco anos após um concubinato – figura ainda existente na época – de quinze anos. O fato criminoso teve como motivo a traição de Stélio. Assim, imbuída pelo sentimento de vingança, pegou a arma de seu marido e lhe desferiu dois tiros. Após entregar-se à Polícia, Zulmira foi pronunciada pela prática de homicídio qualificado pela traição, face à não aceitação do Ministério Público da tese de legítima defesa levantada pela ré. Em seu julgamento foi absolvida pelo Júri que entendeu ter ocorrido legítima defesa putativa - aquela que decorreu de engano, pois pensava estar na iminência de ser agredida pelo marido - e condenada a dois anos de detenção por ter excedido culposamente em sua conduta. Este julgamento, no entanto, foi anulado pelo Tribunal de Justiça por ter sido a decisão manifestamente contrária à prova dos autos. No segundo Júri, houve a mesma decisão, vencendo a tese da defesa de que ela agira por medo. Esta decisão gerou enorme espanto e contrariou o que a sociedade da época acreditava: as mulheres eram subordinadas aos maridos e foram criadas para compreender as traições. Portanto, não caberia a elas atentar contra a vida daquele que a sustenta e possui uma necessidade humana que poderia ocasionar uma traição. Agenor Teixeira de Magalhães, em sua tese apresentada no I Seminário Sergipano do Ministério Público em 1969, menciona que A sociedade sempre teve com a mulher adúltera grande rancor; a punia, em todos os tempos, com penas as mais atrozes. [...] Enquanto as mulheres eram tratadas duramente, os homens o foram com grande complacência. Demóstenes dizia: ‘Nós temos heteras para os nossos prazeres e concubinas para o serviço cotidiano, mas as esposas destinam-se a darnos filhos legítimos e a velar fielmente pelos negócios da casa. Destarte, face á igualdade ensejada pelas mulheres ser estabelecida constitucionalmente, hoje a sociedade julga com critérios isonômicos homens e mulheres no que diz respeito a qualquer prática delituosa, inclusive quando são ensejadas pela paixão. 4.3 Evolução legislativa No Brasil, os primeiros registros legais que se têm sobre o homicídio passional, estão presentes na Lei Portuguesa aplicada no Brasil Colônia, que admitia o homem matar sua mulher e o amante nos casos de traição, o que não era cabível à mulher traída. Em 1830, tem-se o primeiro Código Criminal do Brasil, que dispunha sobre o homicídio em seus arts. 192 a 194, sob a forma qualificada, simples e culposa, respectivamente. A pena para o homicídio qualificado, aquele dentre outros, cometido por incêndio ou uso de veneno podia ter a pena de morte, galés perpétuo ou de prisão com trabalho por vinte anos. Para o homicídio simples, previa a pena de galés perpétua ou de prisão com trabalho de doze a seis anos. Já para o culposo, era previsto a prisão com trabalho de dez a dois anos. Neste período, os crimes passionais enquadravam-se, quase sempre, como qualificado, mas a figura do homem traído ainda era considerada para absolvê-lo sob o motivo de ter sido realizado em defesa própria da pessoa ou de seus direitos ou em defesa de sua família, o que tornava o crime justificável e excluía a punibilidade. Após a Proclamação da República do Brasil, foi elaborado e decretado o Código Penal de 1890 que, em seu art. 27, §4º, não considerava criminoso, os que se achavam em um estado de completa privação de sentidos e de inteligência no ato do crime. E eram assim considerados os agentes passionais, vez que tinham privado o autocontrole emocional.
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O Código Penal de 1940, em vigor até hoje, elimina a excludente de ilicitude conferida aos agentes que estavam sobre “perturbação dos sentidos e da inteligência” (art. 27, §4º, CP de 1890), fazendo sua substituição pelo homicídio privilegiado. A partir de então, embasados pelo art. 28 do atual Código Penal, os delitos cometidos sob emoção ou paixão têm pena, mesmo que inferiores àquelas dos crimes praticados sobre plena consciência. O homicídio em comento passou a ser enquadrado, após a promulgação do Decreto Lei 2848/40, como privilegiado, sob a justificativa do agente estar impelido por uma violenta emoção. Este era o entendimento da época, onde se buscava uma prerrogativa com a redução de um sexto a um terço da pena de seis a vinte anos, principalmente para os homens que cometiam homicídios em virtude de uma traição. Nesta época, até meados de 1970, a sociedade ainda permanecia muito patriarcal, e o então, Conselho de Sentença, era composto exclusivamente ou em sua maioria, por homens, o que facilitou a elaboração da tese de legítima defesa da honra pelos advogados, onde segundo Luiza Nagib Eluf (2013), a infidelidade conjugal da mulher era uma afronta aos direitos do marido. Portanto, o marido, e somente ele, detinha o direito de lavar com sangue a traição que lhe ferira a honra. Assim, a defesa, embasada pela legítima defesa da honra, conseguia que o autor do homicídio passional fosse, no máximo, condenado por seu excesso culposo o que ensejava o direito ao sursis (suspensão condicional do processo), cabível, em regra, nos crimes que possuem pena máxima de dois anos, desde que preenchidos os requisitos de não ser o réu reincidente em crime doloso, não ser admissível ou indicada a substituição da pena e desde que sejam observadas as circunstâncias judiciais em seu proveito. A referida tese esteve presente em julgamentos até no século XXI, sendo, contudo, revogada pelo Superior Tribunal de Justiça, como pode ser observado em decisão do Egrégio Tribunal que cassou a decisão do Júri e o acórdão da Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, que concederam a legítima defesa da honra sob a alegação da vítima possuir comportamento desregrado e em desacordo com a vida de casada, sujeitando, assim, o recorrido a novo julgamento: RESP. JÚRI. LEGITIMA DEFESA DA HONRA. VIOLAÇÃO AO ART. 25 DO CÓDIGO PENAL. SÚMULA 07 DO STJ. 1. Relata a denúncia haver o marido, incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal, efetuado diversos disparos contra sua mulher, de quem se encontrava separado, residindo ela, há algum tempo (mais de 30 dias), em casa de seus pais, onde foi procurada, ao que parece, em tentativa frustrada de reconciliação, e morta. 2. A absolvição pelo Júri teve por fundamento ação em legítima defesa da honra, decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça, ao entendimento não ser aquela causa excludente desnaturada pelo fato de o casal estar separado, há algum tempo, e porque “a vítima não tinha comportamento recatado”. 3. Nestas circunstâncias, representa o acórdão violação à letra do art. 25 do Código Penal, no ponto que empresta referendo à tese da legítima defesa da honra, sem embargo de se encontrar o casal separado há mais de trinta dias, com atropelo do requisito relativo à atualidade da agressão por parte da vítima. Entende-se em legítima defesa, reza a lei, quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. 4. A questão, para seu deslinde e solução, não reclama investigação probatória, com incidência da súmula 7 do STJ, pois de natureza jurídica.
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5. Recurso conhecido e provido. (BRASIL, STJ. Recurso Especial Nº 203.632 - MS (1999/0011536-8); Presidente e Relator Ministro Fernando Gonçalves, 2001). Percebe-se que apesar do Júri admitir a legítima defesa, os tribunais de segunda instância, já vinham, desde a década de 90, reformando estas decisões, sob a alegação dos fatos não constituírem os requisitos da legítima defesa disposta no art. 25 do Código Penal de 1940. É o que pode ser corroborado pelo Acórdão do Exímio Tribunal do Amapá: PENAL E PROCESSUAL PENAL - HOMICÍDIO - LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA - INOCORRÊNCIA - DECISÃO DOS SENHORES JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS - APELO PROVIDO À UNANIMIDADE - 1) Sendo a honra atributo personalíssimo, isto é, próprio e individual, não se deslocando da pessoa de seu titular para a de outrem, inexiste legítima defesa da honra na reação daquele que mata seu consorte por infidelidade conjugal, porquanto impossível considerar que o cônjuge traído, portando-se com dignidade e correção no convívio social, sinta-se desonrado. O cônjuge infiel é que se desonra. 2) O argumento de que o reconhecimento desta excludente de ilicitude não está alheio e despercebido de nossa realidade social em face o conceito popular de que entre nós, latinos, a honra ultrajada é a do cônjuge traído, não pode mais ser fomentada pelos operários do Direito no atual estágio da civilização, pois a ninguém é dado, em circunstâncias tais, decidir sobre a vida e morte de alguém por preconceitos culturais. 3) Se dos autos resulta que réu tinha pleno conhecimento de infidelidades pretéritas da vítima, patente a falta de atualidade e moderação na sua reação de, cruel e violentamente, espancá-la a ponto de consentir levá-la à morte por rotura de fígado e baço. (AMAPÁ, TJ. Apelação Criminal Nº 383/95; Relator: Juíza Convocada Sueli Pini, Data de Julgamento: 11/04/1995 – grifos acrescidos) 4.4 Homicídio passional nos dias de hoje Inicialmente, faz-se necessário ressaltar que a Constituição Federal de 1988 traz a isonomia de homens e mulheres tanto em relação a direitos, quanto a obrigações. Isso faz com que seja inadmissível a aplicação da legítima defesa da honra criada pelos advogados e, por conseguinte, não tem mais sido aceita nos Tribunais de nosso país. Quanto à inaplicabilidade da defesa da honra, hodiernamente, Luiza Eluf (2013,p. 201), traz que “a honra é bem pessoal e intransferível; a mulher não porta a honra do marido ou vice-versa. Eventual comportamento reprovável por parte de um dos cônjuges não afeta o outro”. Parte da doutrina atribui, nos dias de hoje, ao homicida passional o delito disposto no art. 121, §1º, CP, dito homicídio privilegiado. Contudo, esta denominação é fruto de criação doutrinária e jurisprudencial, haja vista que não se trata de privilégio, mas sim causa de diminuição da pena (minorante). O privilégio ao homicídio surgiu após a reforma do Código Penal de 1980, eliminando o perdão que se dava àquele que matava em face de “perturbação dos sentidos e da inteligência”, usualmente aplicado aos homicídios passionais. Nesta modalidade a lei penal diminui, em abstrato, os limites da pena (um sexto a um terço). As hipóteses legais de privilégio apresentam caráter subjetivo. Relacionam-se ao agente, que atua imbuído por relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, e não ao fato. Assim, esta causa de diminuição não se aplica aos demais coautores ou partícipes, conforme art. 30, CP.
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contrária à prova dos autos, no ponto, a decisão do Conselho de Sentença, porquanto o companheiro sequer teria querido conversar com ela a esse respeito no dia do crime, e a situação vinha atingindo, inclusive, o filho menor do casal. 3. Declara-se extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição retroativa, nos termos dos artigos 109, III, 110, § 1o, e 107, IV, do CP, quando, entre a publicação da pronúncia, última causa interruptiva, e a realização do Júri, mais de doze anos são decorridos. (PARANÁ, TJ. Apelação Criminal nº 173.624-5; Relator: Des. Gil Trotta Telles, Data de Julgamento: 09/05/2005).
Em referência ao homicídio passional, insta explanar, por hora, apenas o fato de o agente estar sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Para tanto, cita-se as palavras de Rogério Grecco: Quando a lei penal usa a expressão sob domínio, isso significa que o agente deve estar completamente dominado pela situação. Caso contrário, se somente agiu influenciado, a hipótese não será de redução de pena em virtude da aplicação da minorante, mas tão somente de atenuação. (GRECO, 2012, p. 146) Hungria, explica que emoção “é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento”. (HUNGRIA, 1979, 131) Luiza Eluf (2013) diferencia paixão da emoção, por esta ser uma reação súbita e passageira, enquanto aquela, um estado crônico, duradouro, obsessivo. Entretanto, ambas não chegam a anular a consciência, motivo pelo qual, devem ser punidos os atos cometidos sob suas influências. Por fim, Greco traz que a expressão logo em seguida, refere-se a uma proximidade com a provocação injusta a que fora submetido o agente. E Hungria aclara quanto à locução injusta provocação que “deve ser apreciada objetivamente, isto é, não segundo a opinião de quem reage, mas segundo a opinião geral”. (HUNGRIA, 1979, 131) Na jurisprudência encontra-se posicionamento favorável ao cabimento do homicídio privilegiado para os delitos tidos como passionais, apesar de ser incomum. É o que se observa na decisão do Tribunal do Paraná onde, apesar de ser declarada a extinção da punibilidade face à prescrição, o Júri caracterizou o crime como o disposto no art. 121, §1º do Código Penal, sendo mantida a sentença neste ponto sob a alegação de ser possível entender o relevante valor moral como incidente em alguns casos, como neste em comento, se considerar que em 1987 – quando ocorreu o fato -, “os valores éticos e familiares possuíam uma postura mais conservadora, mas rígida e não se submetiam às deturpações atuais”, conforme afirmação do Exm. Des. Gil Trotta Telles, na decisão infra: JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO. PRIVILÉGIO DO RELEVANTE VALOR MORAL. PERTURBAÇÃO DA SAÚDE MENTAL POR DESENVOLVIMENTO MENTAL INCOMPLETO OU RETARDADO. RECONHECIMENTO, PELOS JURADOS, DA QUALIFICADORA, MAS TAMBÉM DE AMBAS AS CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DE PENA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. VEREDICTO DOS JURADOS CONSIDERADO EM MANIFESTA CONTRADIÇÃO COM A PROVA DOS AUTOS, PORÉM UNICAMENTE NO TOCANTE AO “PRIVILEGIUM”. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. PRONÚNCIA PUBLICADA EM 21-8-1987 E CONDENAÇÃO INFLIGIDA EM 6-7-2004. PENA IMPOSTA INFERIOR A DOZE ANOS. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. 1. Posto a apelação tenha amparo no art. 593, III, d, do CPP, havendo a Acusação, nas razões recursais, manifestado sua insurgência tão-somente quanto à admissão, pelo Conselho de Sentença, do privilégio do relevante valor moral, delimitado está, assim, o âmbito recursal, não podendo o Tribunal conhecer do recurso também quanto à aceitação da outra causa de diminuição de pena. 2. Tendo a ré, quando interrogada na Polícia, afirmado que o ofendido havia trinta dias a vinha agredindo, bem como mantendo relacionamento amoroso com outras mulheres e chegando em casa pela madrugada, com marcas de batom, sendo a última assertiva confirmada por testemunhas ouvidas na instrução criminal, não se deve considerar manifestamente
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Apesar de decisões neste sentido, poucos são os que aplicam o art. 121, § º, CP aos homicidas passionais. Luiza Eluf, traz sua posição quanto à impossibilidade desta aplicação A violenta emoção, como já visto, somente poderá atenuar a pena imposta se a reação do agente ocorrer logo em seguida a injusta provocação da vítima. Tal situação é difícil de se configurar nos casos de crime passional, pois a paixão não provoca reação imediata, momentânea, passageira, abrupta. A paixão que mata é crônica e obsessiva; no momento do crime, a ação é fria e se revela premeditada. O agente teve tempo para pensar e, mesmo assim, decidiu matar. Na grande maioria das vezes, não há nenhuma “provocação” da vítima, mas apenas a vontade de romper o relacionamento, o que não pode ser considerado “provocação”. O desejo de separação ou eventuais críticas ao comportamento do companheiro ou namorado não podem ser considerados suficientes para causar a “violeta emoção” que ameniza a punição de condutas homicidas. (ELUF, 2013, p. 209) Outra parte, contudo, enquadra o homicídio passional como homicídio qualificado, disposto no §2º do art. 121, do CP. Tem-se que o mesmo fora cometido por motivo torpe (inciso I) ou fútil (inciso II), caracterizando o delito como hediondo (Lei n. 8072/90). Salienta-se, em princípio, a impossibilidade de se cumular ambas qualificadoras. Fútil, seria algo insignificante, irrelevante, ou seja, há um abismo entre o motivo e à prática do homicídio. Luiza Eluf, assevera que alguns julgados consideram o ciúme como motivo fútil, mas não é pacífico o entendimento e para sanar possíveis dúvidas quanto a futilidade e torpeza, trouxe um acórdão do Egrégio Tribunal de São Paulo que teve por Relator Des. Onei Raphael A futilidade deve ser apreciada segundo quod prelumque accidit. O motivo é fútil quando notadamente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius em relação ao crime de que se trata. Se o motivo torpe revela um grau de particular perversidade, o motivo fútil traduz o egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho, que vai até a insensibilidade moral. (ELUF, 2013, p. 189) Torpe, segundo Rogério Greco é “o motivo abjeto que causa repugnância, nojo, sensação de repulsa pelo fato praticado pelo agente”, ou seja, decorre de um sentimento de ódio, vingança, vilania. (GRECO, 2012, p. 152) Dentre as principais causas para a prática do homicídio passional, segunda Luiza Eluf (2013), estão o ciúme, o egocentrismo, a possessividade, a prepotência, o que, para alguns, descaracterizaria a futilidade do homicídio, haja vista, que para o autor do delito, a perda da outra pessoa ou sua desonra seriam motivos extremamente relevantes e, sobretudo, justificantes de tal atitude. Luiz Ângelo Dourado (1967), assevera que o homicida passional é narcisista e, por isso, seria torpe a sua atitude. Quanto a isso diz que “o narcisismo é o enamoramento de si mesmo. [...]
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O narcisista exige a admiração ou o amor dos outros. Assim, não acontecendo, julgar-se-á desprezado, morto, destruído, liquidado”. Desta forma, acabar com a vida de outro justificando com a paixão, só podem resultar do narcisismo e da frustração que originou rancor, vingança e ódio pela perda da pessoa amada. Destarte, a qualificadora mais aceita é a torpeza. O criminoso ao matar, quer de fato, impedir que o outro siga sua vida com outrem. O Tribunal de Justiça de São Paulo tem vasta jurisprudência no sentido de que ocorre a qualificadora do motivo torpe se o acusado, se sentindo desprezado pela amásia, resolve vingar-se, matando-a. Sendo qualificado o homicídio, é também caracterizado como hediondo, recebendo assim, tratamento mais severo. Deste modo não é passível de anistia, graça ou indulto, fiança, liberdade provisória e a progressão estipulada é de 2/5 para primário e 3/5 para reincidente. Certo é, portanto, que o modo com que o homicídio passional é praticado nos dias de hoje explicita o modo como o qual a sociedade observa a prática de crimes passionais, em especial, o homicídio, não concedendo benefício os isenções de culpa, mas inadmitindo sua prática. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os crimes, de modo geral, sempre existiram em nossa sociedade desde os tempos mais remotos. Os passionais também se fizeram presente face aos sentimentos que imbuem às pessoas gerando, por diversas vezes, um ato violento decorrente de um amor exacerbado que origina o sentimento de posse ou direito de defender sua honra. Por muito tempo, o teatro e cinema trouxeram casos que tinham a paixão como motivador à prática do homicídio, mas tratando-a como um fato belo, ligado ao amor que sentia pelo outro. Isso desenvolveu na sociedade uma tolerância, fazendo com que surgissem inúmeras sentenças absolutórias. A fim de se averiguar o modo com o qual foi se decidindo sobre o homicídio passional no Brasil, fez-se necessário observar o instituto do Tribunal do Júri, responsável por assegurar que membros da sociedade, sem entendimento jurídico, dessem sua opinião sobre os casos que foram levados à plenário. A figura deste Tribunal como julgador do crime de homicídio teve início com a Constituição de 1824 que o consagrava como parte do Poder Judiciário e com competência para julgar todas as infrações penais e para fatos civis. Inicialmente, o posicionamento da sociedade para com os autores do homicídio passional era de total aceitação, principalmente, se estes fossem homens e, por conseguinte, estivessem sob um “direito” ao defender sua honra em caso de traição ou ao exigir que sua mulher, tida como objeto, permanecesse ao seu lado, independente de qualquer motivo. Neste sentido, por muitos anos, foi utilizada a legítima defesa da honra, criação de advogados que ao se verem sem a excludente de ilicitude dos agentes que estavam sob perturbação dos sentidos e da inteligência ao cometerem um delito, tiveram necessidade de implantar uma nova tese para defesa de seus clientes, ainda em sua maioria, homens. Com a evolução da sociedade, o Júri não mais via com complacência os homicidas passionais e, portanto, não mais decidiam por aplicar o homicídio privilegiado, mas sim o qualificado por motivo torpe, tendo em vista que o sentimento dos sujeitos que praticam este delito é o de levar à extinção àquele que lhe causou dor, gerando assim, repúdio aos atos cometidos. É claro que a paixão pode ser utilizada para perdoar a prática de um delito, mas não para explicá-lo, seja ele cometido por mulher ou homem. Isso é o que acontece nos dias de hoje, onde a sociedade não aceita a justificativa passional para se retirar a vida, direito fundamental presente na Constituição Federal.
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É inadmissível que alguém se valha de um sentimento que origina uma posse sobre outrem para pôr fim à vida de uma pessoa. Este posicionamento, entretanto, só foi tomando força nos tribunais do país a partir do momento em que todos se reconheceram como figura possuidora de direitos e deveres e não devendo, por conseguinte, submeter-se ao outro, se não em virtude de lei. Isto posto, resta claro que a evolução legislativa, bem como as decisões judiciais de homicídios passionais acompanharam a evolução social da população brasileira.
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NOTAS DE FIM 1 Acadêmica no Curso de Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Processo Civil Aplicado pelo CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor Assistente e Pesquisador da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Auxiliar da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor Adjunto e Pesquisador do Centro Universitário UNA. Professor Adjunto e Pesquisador da Faminas-BH. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI). Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”. 3 Antônio Eustáquio; Cristian Kiefer da Silva
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A NÃO RESPONSABILIZAÇÃO DOS PAIS POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DO ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS Rodrigo Pinheiro Rocha1 Valéria Edith Carvalho de Oliveira2 Banca Examinadora3 Resumo: A divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da aplicabilidade ou inaplicabilidade de indenização por danos morais em razão do abandono afetivo dos filhos levou o Superior Tribunal de Justiça a decidir, no ano de 2005, contra tal aplicação. No entanto, em 2014, o STJ decidiu a favor da indenização, o que tornou o referido tema ainda mais polêmico e objeto de críticas. Palavras-Chave: Direito Civil; Direito de Família; Abandono Afetivo; Responsabilidade Civil; Indenização por danos morais. Sumário: 1. Introdução. 2. Pressupostos da Responsabilidade Civil. 3. Uma discussão acerca da possibilidade de haver indenização por danos morais pela ausência de afeto. 4. O recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça na análise da indenização por abandono afetivo. 5. Princípios diretamente ligados ao abandono afetivo dos filhos. 6. Considerações Finais. Referências.
1INTRODUÇÃO Este trabalho tem por intuito demonstrar a inaplicabilidade de reparação por danos morais pelo mero abandono afetivo. Para tanto, deve-se observar as áreas pertinentes do Direito, posições doutrinárias e princípios do Direito de Família. Primeiramente, levam-se em consideração os pressupostos da responsabilidade civil - dano, ato ilícito, nexo causal e culpa, ou seja, deve-se analisar se há dano à suposta vítima do abandono afetivo e se esse dano originou-se de ato ilícito, e se há, consequentemente, nexo causal entre eles e, por fim, se houve culpa do agente. Passa-se a analisar então as áreas do Direito pertinentes à relação entre pais e filho, à Constituição Federal de 1988, ao Código Civil e ao Estatuto da Criança e do Adolescente e o que cada uma delas defende e ao que se referem em razão do tema estudado. Além disso, cumpre estabelecer se o afeto encontra-se previsto como ato ilícito nessas áreas. Busca-se ainda demonstrar as decisões contraditórias do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos anos de 2005 e 2014, reiterando que a decisão a favor da indenização por danos morais pelo abandono afetivo pode ser criticada, tendo em vista a inobservância aos pressupostos de admissibilidade da responsabilidade civil: dano, ato ilícito, nexo causal e culpa e a legislação brasileira, a Constituição Federal de 1988, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Finalmente, chega-se ao ponto em que se deve tratar dos princípios, estes os grandes norteadores do Direito. Há, no Direito de Família, princípios específicos que devem ser observados, principalmente três, que têm relação direta com a relação entre pais e filhos: dignidade da pessoa humana, igualdade jurídica de todos os filhos e paternidade responsável e planejamento familiar. Abordados esses princípios, demonstra-se neste trabalho que, bem como os pressupostos de admissibilidade e a legislação pertinente, os princípios aplicáveis à relação entre pais e filhos também não são violados pelo mero abandono afetivo, tornando claro, mais uma vez, a inaplicabilidade de uma reparação civil nessa situação. 2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade ou dever de reparar ou indenizar outrem surge a partir do momento em que se verificam quatro pressupostos: dano, ato ilícito, nexo causal e culpa. Segundo Sobral (ano 2014), quanto ao dano, este surge a partir do momento em que ocorre lesão a um bem protegido juridicamente, gerando prejuízo patrimonial ou extra patrimonial.
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A responsabilidade civil está ligada à conduta que provoca dano às outras pessoas. Devemos nos conduzir na vida sem causar prejuízos às outras pessoas, pois, se isso acontecer ficamos sujeitos a reparar os danos. Por outro lado, as pessoas têm o direito de não serem injustamente invadidas em suas esferas de interesses, por força de nossa conduta, pois caso isso ocorra, têm elas o direito de serem indenizadas na proporção do dano sofrido. (SOBRAL, Cristiano, 2014) Ocorrendo o dano, cumpre observar ainda a existência ou não de ato ilícito, pois a mera comprovação do prejuízo patrimonial ou extra patrimonial não gera direito de reparação, o qual deve ter sido causado por ação voluntária, em descumprimento a uma obrigação de cuidado já existente no Direito. Portanto, em uma situação em que o dano tenha sido causado por uma ação involuntária que não podia ser evitada ou por uma ação voluntária que não gere descumprimento de qualquer obrigação de cuidado, não há obrigação de a pessoa que praticou o ato arcar com qualquer tipo de reparação. O ato ilícito é fonte das obrigações e, junto com os contratos e os atos unilaterais de vontade, tem seu conceito no art. 186 do Código Civil e sem ele não há de se falar em responsabilidade civil. Quem comete ato ilícito fica obrigado a reparar o dano causado a outrem, (art. 927) indenizando a vítima, seja esse dano material, seja esse dano moral. O dano material são as perdas e danos (944, 402), é o prejuízo concreto e efetivo (403).O dano moral é o abalo psicológico, é o sofrimento que tira o sono da vítima, não é qualquer aborrecimento do cotidiano (186).(MENEZES, Rafael de, 2014) Compreendida a importância de se haver o dano cumulativamente com o ato ilícito, para só assim haver responsabilidade civil, chega-se ao nexo de causalidade, que é a relação entre esses dois pressupostos, ou seja, após comprovado o dano e o ato ilícito, devese observar se existe ligação entre estes. O dano sem o ato ilícito ou o ato ilícito sem o dano não geram responsabilidade civil, conforme aponta Leite: Pode-se ainda afirmar que o nexo de causalidade é elemento indispensável em qualquer espécie de responsabilidade civil. É liame que une a conduta do agente ao dano. Constitui ele-
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mento essencial para a responsabilidade civil. Seja qual for o sistema adotado no caso concreto, subjetivo (da culpa) ou objetivo (do risco), salvo em circunstâncias especialíssimas, não haverá responsabilidade sem nexo causal.(LEITE, Gisele Pereira Lopes, 2014) Para finalizar a explanação acerca da responsabilidade civil, deve-se ainda abordar a culpa. Este pressuposto de admissibilidade refere-se ao fato de que não é necessária a intenção para ser constatada a responsabilidade civil. Cumpridos, portanto, todos os pressupostos da responsabilidade civil, dano, ato ilícito, nexo de causalidade e culpa do agente, haverá obrigação de reparação civil por parte deste. 3 UMA DISCUSSÃO ACERCA DA POSSIBILIDADE DE HAVER INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS PELA AUSÊNCIA DE AFETO A legislação brasileira resguarda as obrigações existentes entre pais e filhos na Constituição Federal de 1988, no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 229, estabelece o dever legal existente entre pais e filhos. Por meio do exame desse artigo, compreende-se que há um dever recíproco de cuidado, havendo aqueles a responsabilidade de amparo. O Código Civil, por sua vez, em seus artigos 1.634 a 1.638, trata do poder familiar, das responsabilidades dos pais para com seus filhos e da hipótese de perda do poder familiar. Finalmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) refere-se diretamente ao melhor interesse do menor, sendo uma lei específica, enquanto o Código Civil é lei geral. Em seu artigo 129, o ECA estabelece penas administrativas que se aplicam aos pais quando estes descumprem com seus deveres intrínsecos ao poder familiar. Ressalta-se que em nenhum dos três, Constituição Federal de 1988, Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente, há qualquer tipo de previsão sobre a falta do afeto; logo, considerando que os pressupostos de admissibilidade da responsabilidade civil são dano, ato ilícito, nexo causal e culpa, não se verifica a ação do agente como ato ilícito ensejado de reparação civil. Deve-se observar que o afeto não é um princípio do Direito de Família e nem mesmo uma obrigação jurídica, cujo descumprimento gera dever de reparar. Afeto é um sentimento e como tal não pode ser valorado monetariamente e não pode ser obrigatório – basta pensar que ninguém pode ser obrigado a sentir algo por outro alguém. 4 O RECENTE POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NA ANÁLISE DA INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO O Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, no processo de nº 2.0000.00.408550-5/000(1), proferiu decisão favorável à indenização por danos morais pelo abandono afetivo, no importe de R$44.000,00; porém, o Superior Tribunal de Justiça reformou essa decisão, dando provimento ao recurso especial que afastou tal hipótese. (Brasil – STJ – Resp.757411/ MG – Rel. Min. Fernando Gonçalves. Data do Julgamento: 29/11/2005). Esse posicionamento do STJ foi um marco em meio a inúmeras opiniões doutrinárias e decisões jurisprudenciais sobre o tema, alguns o defendendo e outros o criticando. A esse entendimento inicial, seguiu-se recurso especial no processo de n°514.350/SP. (Brasil – STJ Resp 514.350/SP - Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 28/04/2009, DJe 25/05/2009) No dia 24/04/2012, o STJ concedeu parcial provimento ao recurso especial de n°1.159.242/SP, dando a entender que é possível aplicar indenização por danos morais pelo abandono afetivo, decisão esta que
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foi reavaliada em 9 de abril de 2014 por meio de embargos de divergência, em que o réu foi condenado a pagar R$200.000,00 por abandono material e moral. (BRASIL – STJ – Resp.1.159.242/SP Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012) Vale observar que, ao tratar do abandono moral, o STJ manifestou-se contrário ao seu próprio posicionamento em 2005. A nova posição, firmada em 2014, além de tornar o assunto ainda mais polêmico, pode ser criticada, uma vez que ignora a ausência dos pressupostos da responsabilidade civil (dano, ato ilícito, nexo causal e culpa). Vale lembrar aqui a tese defendida pelo Desembargador Domingos Coelho, em que este se refere ao amor ou ao sentimento como não obrigatórios, ou seja, que ninguém pode ser obrigado a amar outrem. (apud ALMEIDA; RODRIGUES JUNIOR, 2010, p.581). 5 PRINCÍPIOS DIRETAMENTE LIGADOS AO ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS Foi mencionado de forma breve neste trabalho que o Direito de Família possui seus próprios princípios norteadores e, ao se tratar desse tema, destacam-se aqueles que estão diretamente relacionados: o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos e o princípio da paternidade responsável e do planejamento familiar. Ao se tratar da dignidade da pessoa humana, cabe lembrar que tanto os filhos quanto os pais devem ter sua dignidade resguardada, visto que este é o mais importante princípio no âmbito do Direito de Família e tem por finalidade garantir o desenvolvimento de todos os membros da família. E o principal e mais amplo princípio constitucional, no direito de família, diz respeito à garantia plena de desenvolvimento de todos os seus membros, para que possam ser realizados seus anseios e interesses afetivos, assim como garantia de assistência educacional aos filhos, com o objetivo de manter a família duradoura e feliz, assim preceitua Maria Helena Diniz. (DINIZ, Maria Helena, 2014) A igualdade jurídica de todos os filhos, como o próprio nome já diz, tem por objetivo proibir qualquer distinção entre os filhos, já que todos devem ser igualmente respeitados e ter seus direitos garantidos em seu meio familiar. Consagrado no Art. 226, §7º, por este princípio proíbe-se qualquer distinção entre os filhos havidos dentro ou fora do casamento, não importando se este for adotivo. Hoje se adota apenas a denominação filhos, não existindo mais a distinção filhos legítimos e ilegítimos nem mesmo em relação a direitos, deveres e qualificação. (SILVA, Manoel de Almeida e, 2014) Por fim, a paternidade responsável e o planejamento familiar referem-se ao plano dos pais em relação a quantos filhos vão ter e como irão educá-los e a responsabilidade que eles passam a ter de prover a seus filhos educação, apoio, lazer, entre outros. Pode-se conceituar a paternidade responsável como a obrigação que os pais têm de prover a assistência moral, afetiva, intelectual e material aos filhos. E o planejamento familiar compreende não só decidir sobre o número de filhos, mas também quanto a aumentar o intervalo entre as gestações, e utiliza-se das técnicas de reprodução assistida como último recurso à procriação, não praticando a seleção de embriões com finalidades eugênicas para escolha de atributos físicos, bem como para suprimir a filiação por meio da monoparentalidade, dentre outros. (SILVA, Manoel de Almeida e, 2014)
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Compreendidos esses princípios, deve-se aplicá-los ao tema em questão ao se tratar de mero abandono afetivo. Se não há violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, entende-se que os pais possuem meios de garantir os direitos dos filhos, previstos em lei. Mesmo sem a presença de afeto e se os pais não forem capazes de exercê-lo, é importante retomar o Direito de Família, que prevê meios punitivos e coercitivos para garantir os direitos do menor e obrigar os responsáveis por ele a garantir seus interesses materiais ou até mesmo encontrar um novo lar que o abrigue. A igualdade jurídica entre os filhos é um tema muito complexo para se abordar quando relacionado ao afeto, pois é natural do ser humano se relacionar melhor com algumas pessoas do que com outras. Os filhos não são exceção a essa regra; o simples fato de haver uma diferenciação entre os filhos ao se tratar de sentimento, por qualquer motivo que seja, como interesses em comum, não significa dizer que o dever dos pais está sendo cumprido para um dos filhos e não para o outro ou outros. Esse princípio se refere à situação em que os pais negligenciam suas responsabilidades para com um de seus filhos por qualquer motivo, como, por exemplo, este ser adotado ou ser portador de algum tipo de deficiência. O último princípio citado, que aborda a paternidade responsável e o planejamento familiar, diz respeito a uma situação em que os pais não cumpram com seus deveres para com seus filhos por descuido ou desmazelo, ou seja, acabam tendo mais filhos do que podem cuidar ou não acompanham devidamente, por exemplo, a educação deles. Ressalte-se que a falta de afeto por si só não significa descumprimento deste princípio. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a explanação sobre o abandono afetivo, deve-se retomar a ideia da inaplicabilidade de indenização por danos morais no caso de abandono afetivo dos filhos. Demonstrou-se neste trabalho que, dos quatro pressupostos de admissibilidade da responsabilidade civil – dano, ato ilícito, nexo causal e culpa –, não há evidências de mero abandono afetivo, ato ilícito e, consequentemente, não há nexo causal. Chega-se à supramencionada posição em razão da análise feita da legislação brasileira pertinente ao tema: a Constituição Federal de 1988, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, destacam-se as posições do Superior Tribunal de Justiça nos anos de 2005 e 2014 e os princípios relacionados à relação entre pais e filhos no âmbito do Direito de Família: dignidade da pessoa humana, igualdade jurídica de todos os filhos e paternidade responsável e planejamento familiar. Acerca da legislação, vislumbra-se que, em momento algum, há referência ao abandono afetivo como ato ilícito, não podendo, portanto, a lei, por si só, ser usada como justificativa de uma eventual indenização em razão do abandono afetivo. Verificadas as decisões do Superior Tribunal de Justiça, observa-se que este se contradiz ao tomar uma decisão em sentido contrário a uma anterior, sendo que na primeira a própria suprema corte argumenta sobre a falta de pressupostos de admissibilidade da responsabilidade civil, mais especificamente tratando-se do ato ilícito. Ainda assim não se deve chegar a uma conclusão antes de serem analisados os princípios pertinentes a tal matéria; afinal a lei, a jurisprudência e a doutrina não são os únicos meios de sustentação do Direito. Observa-se que, dado o conceito dos referidos princípios
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– dignidade da pessoa humana, igualdade jurídica de todos os filhos e paternidade responsável e planejamento familiar –, não se encontra presente em qualquer um deles o entendimento de que a mera falta de afeto caracterize uma violação do princípio. Conclui-se, portanto, que o abandono afetivo, por si só, não configura ato ilícito, descaracterizando responsabilidade civil do agente em reparar outrem, já que não há violação da legislação e de princípios do Direito de Família pertinentes ao tema. A doutrina e jurisprudência favoráveis a tal aplicação de indenização não demonstram argumentos pertinentes para desconstituir esse posicionamento. Por fim, deve-se ressaltar que o afeto é relacionado ao sentimento e, ainda que seja aplicável uma indenização, não há como calcular quanto vale um sentimento, tornando totalmente questionável a ideia de uma indenização por danos morais no caso de abandono afetivo dos filhos.
REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rodrigues Junior, 2010, p.581. BRASIL. Código Civil, de 10 de janeiro de 2002. BRASIL. Constituição da República, de 05 de outubro de 1988. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. BRASIL – STJ – Resp.757411/MG – Rel. Min. Fernando Gonçalves. Data do Julgamento: 29/11/2005 BRASIL – STJ - Resp 514.350/SP - Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 28/04/2009, DJe 25/05/2009 BRASIL – STJ – Resp.1.159.242/SP Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012 DINIZ, Maria Helena. Disponível em < http:/www.jurisway.org.br> Acesso em 05 de maio de 2014 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005 LEITE, Gisele Pereira Lopes. Disponível em. <http:/ambito-juridico.com.br> Acesso em 02 de maio de 2014 MENEZES, Rafael de. Disponível em <http:/rafaeldemenezes.adv.br/artigo/Ato -Ilicito-e-Responsabilidade-Civil>. Acesso em 13 de abril de 2014 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 21ª ed. São Paulo: Editora Forence, 2013. SILVA, Manoel de Almeida e. Disponível em. <http:/www.jurisway.org.br> Acesso em 08 de maio de 2014 SOBRAL, Cristiano. Disponível em <http:/www.professorcristianosobral.com. br/apoio/ResponsabilidadeCivil>. Acesso em 13 de abril de 2014 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.
NOTAS DE FIM 1 Graduando em Direito pela Escola de Direito Newton Paiva. Estudante de Direito 2 Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 3 Leandro Henrique Simões Goulart, Valéria Edith Carvalho De Oliveira
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A PROTEÇÃO BRASILEIRA AOS REFUGIADOS: A assistência legal dada aos refugiados no país na garantia de seus Direitos Humanos Renata Meniconi Rezende1 William Ken Aoki2 Banca examinadora3 RESUMO: O Brasil tem sido considerado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas um país referência na América Latina no que diz respeito à legislação e tratamento da questão dos Refugiados. A legislação brasileira é uma das mais avançadas e foi elaborada com base em todos os principais instrumentos internacionais de Direitos Humanos que tratam da questão, garantindo aos refugiados, e, também, aos solicitantes de refúgio que buscam proteção no território brasileiro, uma vida digna e sem ameaças ou discriminação. PALAVRAS - CHAVE: Refugiados, Procedimento de Refúgio, Lei nº 9.474/97, Direitos Humanos. SUMÁRIO: Lista de Siglas; 1 Introdução; 2 Conceitos Fundamentais; 3 Princípios Fundamentais; 4 Breve Histórico da Questão dos Refugiados no Brasil; 5 Panorama Atual; 5.1 Haitianos; 6 Procedimento do Refúgio: do Pedido ao Reconhecimento; 6.1 Do Pedido de Refúgio; 6.2 Do Procedimento Decisório; 6.2.1 Da Decisão de Reconhecimento; 6.2.2 Da Decisão Negativa; 7 Garantias e Instrumentos de Proteção aos Refugiados; 7.1 Direitos e Deveres dos Solicitantes de Refúgio; 7.1.1 Dos Direitos; 7.1.2 Dos Deveres; 7.2 Direitos e Deveres dos Refugiados; 7.2.1 Dos Direitos; 7.2.2 Dos Deveres; 7.3 Soluções Duráveis; 7.3.1 Repatriação; 7.3.2 Integração Local; 7.3.3 Reassentamento; 8 Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO Ao longo da história, foi necessário um longo caminho e diversas declarações e instrumentos internacionais para que fosse garantida uma proteção efetiva aos refugiados. Atualmente, em âmbito internacional, as questões relacionadas aos refugiados são tratadas, principalmente, pela Organização das Nações Unidas. Para que a assistência às estas pessoas vítimas de perseguição e violação dos direitos humanos fosse mais eficaz a ONU criou, em 1950, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR. Antônio Guterres, Alto Comissionado de Nações Unidas para os Refugiados em 2007, afirmou, em 20 de junho deste mesmo ano que É hora de reconhecer que estamos enfrentando nada menos do que um novo paradigma do conceito de deslocamento no século XXI, com uma infinidade de fatores impulsionadores que levam as pessoas a deixar seus lares a uma escala sem precedentes. De acordo com dados do ACNUR, havia no Brasil, em 2012, cerca de 4.600 refugiados reconhecidos pelo governo, de mais de 70 nacionalidades diferentes. A maioria dos refugiados está concentrada nos grandes centros urbanos do país e as mulheres constituem o 30% dessa população4. No Brasil, a assistência dada aos refugiados é de responsabilidade do Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE, órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Esse órgão coordena, juntamente com as Nações Unidas, todas as ações relativas a esse grupo social, desde a análise do pedido de refúgio até a integração do refugiado na sociedade brasileira. O procedimento de concessão de refúgio no país é regulado pela Lei 9.474/97, que trata a questão da forma humanitária e condizente com as determinações internacionais. 2. CONCEITOS FUNDAMENTAIS Consoante José Francisco Rezek (2013, p. 256) Asilo político é o acolhimento pelo Estado, de estrangeiro perseguido alhures – geralmente, mas não necessariamente, em seu próprio país patrial – por causa de dissidência política, de delitos LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
de opinião, ou por crimes que, relacionados com a segurança do Estado não configuram quebra do direito penal comum. Tanto o asilo político quanto o refúgio são territoriais e se configuram como instrumentos de proteção internacional individuais. Entretanto, entre as principais diferenças cita-se que o asilo político se restringe a crimes políticos e é regido, no Brasil, pela Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro). O refúgio, por usa vez, é regido pela Lei 9.474/97 e tem motivos mais amplos para o acolhimento de estrangeiros. O instituto do refúgio tem como objetivo proteger tais indivíduos. Segundo Barroso (2010, p.73): A obrigação pátria com relação ao refúgio advém, essencialmente, do Estatuto dos Refugiados das Nações Unidas de 1951 e de seu Protocolo de 1967. A esses instrumentos internacionais soma-se a Lei 9.474/97. Esta determina outras providências que deverão ser adotadas pelo Estado brasileiro no tocante à temática do refúgio e cria o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare); instituição caracterizada por guiar-se, na tomada de suas decisões e em suas atuações, pela prevalência de um caráter democrático e humanitário. As ações de inserção dos refugiados na sociedade brasileira, juntamente com atuação das Nações Unidas, mais especificamente do ACNUR, seguem o padrão humanitário internacional e permite que esse grupo tenha uma vida segura e digna, com pleno acesso à educação e saúde. A Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados define, em seu artigo 1º o termo refugiado como (Livro do Refúgio, p. 15): como toda pessoa que, como resultado de acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e devido a fundados temores de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, por pertencer a determinado grupo social e por suas opiniões políticas, se encontre fora do país de sua nacionalidade e não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira recorrer à proteção de tal país; ou que, carecendo de
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nacionalidade e estando, em consequência de tais acontecimentos, fora do país onde tivera sua residência habitual, não possa ou por temor fundado não queira regressar a ele.
EXTRADIÇÃO. DOCUMENTO DE REFUGIADO EXPEDIDO PELO ALTO COMISSARIADO DA ONU (ACNUR). CONARE. RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE REFUGIADO PELO MINISTRO DA JUSTIÇA. PRINCÍPIO DO NON REFOULEMENT. INDEFERIMENTO. 1. Pedido de extradição formulado pelo Governo da Argentina em desfavor do nacional argentino GUSTAVO FRANCISCO BUENO pela suposta prática dos crimes de privação ilegítima da liberdade agravada e ameaças. 2. No momento da efetivação da referida prisão cautelar, apreendeuse, em posse do extraditando, documento expedido pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados - ACNUR dando conta de sua possível condição de refugiado. 3. O Presidente do Comitê Nacional para os Refugiados - CONARE atesta que o extraditando é um refugiado reconhecido pelo Governo Brasileiro, conforme o documento n. 326, datado de 12.06.1989. 4. O fundamento jurídico para a concessão ou não do refúgio, anteriormente à Lei 9.474/97, eram as recomendações do ACNUR e, portanto, o cotejo era formulado com base no amoldamento da situação concreta às referidas recomendações, resultando daí o deferimento ou não do pedido de refúgio. 5. O extraditando está acobertado pela sua condição de refugiado, devidamente comprovado pelo órgão competente - CONARE -, e seu caso não se enquadra no rol das exceções autorizadoras da extradição de agente refugiado. 6. Parecer da Procuradoria Geral da República pela extinção do feito sem resolução de mérito e pela imediata concessão de liberdade ao extraditando. 7. Extradição indeferida. 8. Prisão preventiva revogada.
Nota-se que havia uma limitação a refugiados vindos da Europa (cláusula geográfica) antes de 1º de janeiro de 1951, o que caracteriza uma reserva temporal. Em âmbito interno conceitua-se refugiado a partir no artigo 1º da Lei 9.474: Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. (BRASIL, 1997, p.1) O inciso III do citado artigo foi uma inovação trazida pela lei brasileira, uma vez que tal reconhecimento não foi abordado pela Convenção de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados. Tal inovação foi inspirada em dois outros instrumentos (JUBILUT, p.4): a Convenção relativa aos aspectos dos Refugiados Africanos, da Organização da Unidade Africana de 1969 e a Declaração de Cartagena, da Organização dos Estados Americanos de 1984. Nesse sentido, a lei 9.474/97 é considerada pelo ACNUR uma das mais modernas no tratamento do assunto. 3. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS Dentre os Princípios do Direito Internacional Público, mas especificamente dos Direitos Humanos Internacionais, são três os fundamentais para a temática dos refugiados. O princípio da dignidade humana, o qual defende que todos tem direito a uma vida digna, liberdade e igualdade em direitos sem sofrer qualquer tipo de discriminação e violência; sobre esse princípio a ONU declarou, na Assembleia Geral de 1949 que “A dignidade do homem é intangível. Os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la”. O princípio pro homine está ligado ao da dignidade humana e estabelece que este deve representar uma interpretação extensiva dos Direitos Humanos e deve ser aplicada a norma mais favorável aos indivíduos, afim de evitar uma restrição no gozo dos seus direitos e liberdades. A própria Constituição Brasileira de 1988 traz esse princípio no art. 4º, II, ao afirmar que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos. O princípio do non-refoulement, por sua vez, estabelece a não-devolução ou expulsão do refugiado para seu país de origem, ou outro país que representem ameaça à sua vida, segurança e integridade física. Este princípio é o mais tratado nas jurisprudências do STF no caso de pedido de extradição ou expulsão de estrangeiros. A título de exemplo, tem se um julgamento de 2010 (Ext 1170 / REPÚBLICA ARGENTINA), no qual o Governo da Argentina requereu a extradição do nacional argentino Gustavo Francisco Bueno pela suposta prática de crimes em seu país de origem. Entretanto, a decisão levou em conta que o “extraditando está acobertado pela sua condição de refugiado, devidamente comprovado pelo órgão competente - CONARE -, e seu caso não se enquadra no rol das exceções autorizadoras da extradição de agente refugiado”, conforme ementa5:
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O rol de exceções referido pela ementa é definido no art. 33.2 da Convenção de 1951, o qual determina que o benefício da não-devolução não pode ser invocado por um refugiado que represente um perigo para a segurança e a comunidade do país que concedeu o refúgio. Nesse sentido, a Lei 9.474/97 traz tal situação como uma hipótese da perda da condição de refugiado o inciso III do art. 39: “o exercício de atividades contrárias à segurança nacional ou à ordem pública”. 4. BREVE HISTÓRICO DA QUESTÃO DOS REFUGIADOS NO BRASIL Há duas maneiras por meio das quais um Estado pode incorporar o refúgio no seu ordenamento interno. Reconhecendo a validade e recepcionando a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, assim como o Protocolo de 1961 que trata do referido Estatuto, ou adotando uma lei própria e específica sobre o tema, sendo esta segunda prevista e recomendada aos Estados na Convenção de 51 e do Protocolo de 1961. Em 1960, o Brasil tornou-se signatário da Convenção e do Protocolo, ambos recepcionados com uma cláusula de reserva geográfica, motivo pelo qual o país só reconhecia refugiados europeus. Sobre essa cláusula, J.R. Fisher de Andrade (Livro do refúgio, 2010, p.26) afirma: “quando argentinos, etíopes, uruguaios, etc. solicitavam proteção ao Brasil, era-lhes permitida tão somente uma permanência temporária até que os outros países os aceitassem via reassentamento”. O país recebeu 150 vietnamitas 50 famílias vindas do Irã entre 1979 e 1980 e em 1986, respectivamente, mas a estes estrangeiros não era concedido o status de refugiado (Livro do Refúgio, p. 27). Durante o Regime Militar, as Cáritas Arquidiocesanas de São Paulo e do Rio de Janeiro recebiam pessoas perseguidas pelos regimes militares dos países da América Latina que buscavam proteção. “Houve um momento em que a Cáritas do Rio de Janeiro contou com mais de 70 apartamentos alugados e abrigou cerca de 350 pessoas perseguidas” pelas ditaduras do Chile, da Argentina e do Uruguai. (Livro
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do refúgio, p.17) Estes apartamentos abrigavam os refugiados com seus familiares, filhos, crianças pequenas (p.65). Além desse abrigo, a Cáritas, a pedido e juntamente com ACNUR, foi responsável pelo encaminhamento de grande parte desses refugiados latinos a países nos quais poderiam ter uma vida segura e digna. No que diz respeito aos atores da implementação do Estatuto do Refugiado no Brasil, destaca-se o ACNUR, que somente começou a funcionar oficialmente no território nacional no ano e 1982, tendo sede na cidade do Rio de Janeiro. Somente em 1990, por meio do Decreto 99.757, o Brasil assumiu integralmente a Convenção de 1951 – em 1989 revogou-se a cláusula de reserva geográfica, mas foram mantidas restrições quanto aos artigos 15 e 17 da Convenção que tratam, respectivamente, do direito de associação e de profissões assalariadas. Ainda em 1990, o ACNUR passou a ter sede em Brasília. A primeira iniciativa de regulamentação interna sobre o refúgio foi em 1991, ano no qual se promulgou a Portaria Interministerial nº 394 que definiu “normas sobre a situação do refugiado admitido no Brasil sob a proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para refugiados (ACNUR)”. Tal portaria trazia, a título exemplificativo, no seu artigo 3º a previsão de fornecimento de Carteira de Trabalho e Previdência Social. A partir no final do ano de 1992 houve uma intensa entrada de refugiados no Brasil; refugiados estes vindos, principalmente, da Angola, Ex-Ioguslávia e da República Democrática do Congo. Conforme informações do ACNUR (Livro do refúgio, p. 18): Naquele momento, sob a portaria interministerial que proporcionava um marco jurídico interno mínimo, o Acnur entrevistava essas pessoas e apenas solicitava ao governo brasileiro o reconhecimento formal. O papel do governo brasileiro se restringia à liberação dos documentos e a partir daí os refugiados tinham que caminhar com suas próprias pernas no país que os acolhia. Como muitos desses refugiados vinham de regiões de guerra, com traumas psíquicos e com problemas de saúde, o apoio oferecido era insuficiente e havia a necessidade de maior integração dos refugiados no ambiente local. A partir dessa necessidade, o segundo passo para a implementação de uma legislação efetiva da questão do refúgio foi o documento denominado “Pautas recomendadas pelo ACNUR para consideração quando do preparo da legislação implementadora da Convenção sobre o Estatuto do Refugiado, de1951”, que veio de uma solicitação do governo brasileiro ao ACNUR para a preparação de um Decreto-Lei. Este documento já abarcava questões de destaque da posterior Lei 9.474/97 prevendo, por exemplo, garantia da “não devolução”, a criação de um comitê nacional para refugiados, as “soluções duradouras”, entre outras. A rápida tramitação e a provação do projeto de lei nº 1936/96 – iniciou-se em 13 de maio de 1996 e foi sancionada em 22 de setembro de 1997- foi dada graças à pressão social e ao acompanhamento do ACNUR e, em 1997, foi publicada no Diário Oficial da União, a Lei 9.474. A maior inovação desta lei, o conceito ampliado de refugiado, foi um dos pontos mais discutidos no projeto de lei. A definição atual de refúgio foi estabelecida em 1984, por meio da Declaração de Cartagena Essa definição atual abarca o inciso III do artigo 1º da Lei 9.474/97, e ela toda é trazido pelo primeiro artigo da lei. O Brasil optou pelas duas formas de incorporação do refúgio no seu ordenamento interno ao recepcionar os citados diplomas legais de proteção internacional dos refugiados e criar uma lei específica para tratar do tema: a lei 9.474/97, fato este que demonstra o interesse do Estado brasileiro em regular a situação dos refugiados conferindo a eles a proteção devida.
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De acordo com Liliana Lyra Jubilut, a lei 9.474/97, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, decorreu do Programa Nacional de Direitos Humanos de 1996, “o qual demonstrou claramente o desejo do governo brasileiro de se inserir na ordem internacional no que concerne à proteção da pessoas humana”. Segundo informações do ACNUR6 O Brasil sempre teve um papel pioneiro e de liderança na proteção internacional dos refugiados. Foi o primeiro país do Cone Sul a ratificar a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, no ano de 1960. Foi ainda um dos primeiros países integrantes do Comitê Executivo do ACNUR, responsável pela aprovação dos programas e orçamentos anuais da agência. 5. PANORAMA ATUAL Conforme demonstra a análise estatística de 2010 a 20137, o número total de pedidos de refúgio no Brasil aumentou mais de 800% durante o referido período, indo de 566 em 2010 para 5.256 até dezembro de 2013. A maioria dos solicitantes de refúgio vem da Ásia, África e América do Sul. De acordo com o CONARE, no final de 2013 o Brasil possuía 5.208 refugiados reconhecidos de 80 nacionalidades distintas, a maioria dos solicitantes de refúgio em 2013 foi composta por nacionais de Bangladesh, Senegal, Líbano e Síria; e a maioria destes solicitantes são adultos entre 18 e 30 anos e o estado que mais recebeu estes solicitantes foi São Paulo. No que diz respeito à distribuição das solicitações de refúgio em 2013, a maioria das solicitações realizadas foi apresentada na Região Sul (37%). A Região Sudeste apresentou 29,35%, seguida pela Centro -Oeste com 21,5%, Norte com 12% e Nordeste com 0,4%. Comparando o ano de 2010 e o de 2013, a taxa de elegibilidade aumentou de 37% para 45%, o número de casos analisados pelo CONARE aumentou consideravelmente: de 317 em 2010 para 5.769 em 2013. O caráter humanitário da forma como é tratado o refúgio no Brasil se confirma com os dados, e o maior exemplo disso que é no ano passado, 100% das solicitações de refúgio de sírios foram deferidas, isso reflexo da grave crise no país, principalmente no que diz respeito às constantes violações de Direitos Humanos. Além disso, segundo o próprio ACNUR, o Brasil se tornou o principal doador do Alto Comissariado entre os países emergentes. Tal status teve início de 2010 quando foram doados US$ 3,5 milhões, seguidos de doações de US$ 3,7 milhões em 2011, US$ 3,6 milhões em 2012 e US$ 1,0 milhão em 2013. 5.1 Haitianos Uma questão atual é a entrada de um grande número de haitianos no Brasil, que saem do seu país em busca de uma vida com melhores condições. Sobre o tema o ACNUR esclareceu que8 Os haitianos que têm chegado ao Brasil não são elegíveis de status de refugiados, por não terem sido perseguidos, em seu país de origem, em razão de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião pública, como define as convenções internacionais sobre o tema. Por isso o grupo não está contabilizado pelas estatísticas do CONARE. Entretanto, esses estrangeiros não ficam desamparados no país, uma vez que suas solicitações são encaminhadas a um órgão federal, o Conselho Nacional de Imigração, que concede aos haitianos “um visto especial humanitário que dá a eles proteção internacional e os mesmos direitos garantidos aos refugiados”.
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6. PROCEDIMENTO DO REFÚGIO: DO PEDIDO AO RECONHECIMENTO A lei nº 9.474/97 regula o procedimento para a aprovação do pedido de refúgio no Brasil e as competências de cada órgão envolvido com a questão. Alguns aspectos do procedimento para concessão do refúgio mostram, claramente, que o Brasil é um país que segue as determinações dos Direitos Humanos Internacionais em relação aos refugiados. Entre eles cita-se que tal procedimento é gratuito e tem caráter de urgência; o simples pedido de refúgio impede que o solicitante seja deportado para seu país de origem, e observa-se a existência de cônjuge e descendentes do solicitante; há previsão de recurso caso a decisão de reconhecimento tenha sido negativa; sendo positiva a decisão, o solicitante é reconhecido como refugiado desde a data da entrada no país, sendo conferida a ele a proteção cabível. No que tange a uma análise mais completa do procedimento será utilizado o método de Liliana L. Jubilut, a qual divide o processo em três partes. O pedido do refúgio; o procedimento decisório; a decisão do reconhecimento, dentro do qual se trata da decisão negativa e do recurso, sendo, no presente artigo, os dois últimos tratados de forma conjunta. 6.1 Do pedido de refúgio Conforme a lei 9.474, em seu artigo 17, o ato que marca a abertura dos procedimentos do processo de refúgio é a notificação feita ao solicitante para prestar declarações, notificação esta realizada pela autoridade competente. Entretanto, anteriormente a essa notificação dá-se a entrada do estrangeiro no território nacional, ingresso o qual é tratado pela referida lei nos artigos 7 e 8. Tais artigos determinam que “o estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira (...)” (art. 7), tal autoridade informará o estrangeiro sobre o procedimento cabível, o que confere a ele a facilidade de acesso às autoridades. Ainda nesse artigo, determina-se que não será feita a deportação do estrangeiro ao território no qual sua vida esteja ameaçada, a não ser que tal indivíduo seja considerado perigoso para a segurança do país. Ainda, estabelece-se que não constitui impedimento para solicitação de refúgio o ingresso irregular no território nacional (art. 8). O procedimento de solicitação de refúgio é, de acordo com art. 47 da Lei 9.474/97, gratuito e a ele é conferido caráter urgente. Há quatro organismos envolvidos nesse procedimento, sendo eles o ACNUR, o CONARE, a Polícia Federal e as Cáritas Arquidiocesana. Um dos primeiros passos do pedido de refúgio é a lavratura do Termo de Declaração pela Polícia Federal, e traz a Lei 9.474/97, em seu artigo 9º, que esse termo deve conter as circunstâncias da entrada no Brasil, assim como as razões que fizeram com que o solicitante deixasse seu país de origem; traz também seus dados pessoais e, ainda, se há existência de cônjuge e descendentes. Tal Termo é considerado documento fundamental para o solicitante até o momento em que ele possuir o denominado Protocolo Provisório, previsto no artigo 21 da Lei 9.474/97. Após lavrado o Termo de Declaração, o estrangeiro preenche um questionário mais detalhado na Cáritas, questionário o qual é enviado ao CONARE para que seja expedido o citado Protocolo Provisório e o solicitante se submeta a uma entrevista com um representante do CONARE, ou, segundo informações da Cartilha para solicitantes de Refúgio no Brasil (2014, p. 15), com um funcionário da Defensoria Pública da União, do sexo preferido pelo solicitante, o qual será entrevistado em um idioma que compreenda e, caso seja necessário, na presença de um intérprete. Um grupo formado por representante do mencionado Comitê, do ACNUR e da sociedade
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civil elabora um parecer recomendando ou não a aceitação da solicitação do refúgio. Tal parecer, baseado também em relatório feito por advogados que trabalham Nas Cáritas/ ACNUR/ OAB, é, então apreciado pelo plenário do CONARE, que analisa o mérito. 6.2 Do procedimento decisório Para que se entenda melhor sobre o procedimento decisório, traz-se o artigo 14 da Lei 9.474/97 o qual estabelece que o CONARE é constituído por um representante do Ministério da Justiça, que o presidirá; um representante do Ministério das Relações Exteriores; do Ministério do Trabalho; do Ministério da Saúde; do Ministério da Educação e do Desporto, do Departamento de Polícia Federal, assim como um representante de organização não governamental, que se dedique a atividades de assistência e proteção de refugiados no País, o qual é atualmente a Cáritas Arquidiocesana. Além disso, o ACNUR é sempre convidado para as reuniões, embora não tenha direito de voto. Todos os membros do CONARE são indicados pelo Presidente da República e não recebem remuneração de qualquer espécie. É o CONARE o responsável por “analisar o pedido e declarar o reconhecimento em primeira instância da condição de refugiado”, consonante disposto no artigo 12, I, Lei 9.474/97. A decisão do Comitê Nacional para os Refugiados pode acolher o pedido ou negar ao solicitando a condição de refugiado. 6.2.1 Da decisão de reconhecimento No primeiro caso, tem-se uma decisão de reconhecimento. De acordo com o Capítulo IV da Lei 9.474/97, essa decisão é ato declaratório e deve ser fundamentada. Proferida a decisão positiva, cabe ao CONARE notificar o Departamento de Polícia Federal e o solicitante, para que sejam tomadas as medidas necessárias. Realizadas as notificações, o solicitante é considerado refugiado e, consequentemente, goza da proteção do governo brasileiro, devendo ser registrado junto à Polícia Federal, assinar o termo de responsabilidade e solicitar a cédula de identidade pertinente, o Registro Nacional de Estrangeiros (RNE). A comunicação da decisão ao Departamento de Polícia Federal suspende a tramitação de qualquer procedimento administrativo ou criminal pela entrada irregular realizado pelo agora refugiado no território nacional, conforme artigo 10, §2º, da Lei 9.474/97. Ainda, autora Liliana Jubilut (pgs. 12 e 13) afirma que: se entende que o solicitante que tem seu pedido de refúgio reconhecido já era refugiado antes mesmo da decisão (...). O que faz de um indivíduo um refugiado são as condições objetivas de seu país de origem e/ou de residência habitual das quais decorram um fundado temor de perseguição, e não o ato do governo brasileiro que reconhece o pedido de refúgio. 6.2.2 Da decisão negativa No entanto, na hipótese da decisão ter sido negativa, a Lei 9.474/97 prevê a possibilidade de recurso. No artigo 29 é determinado que “no caso de decisão negativa, esta deverá ser fundamentada na notificação ao solicitante, cabendo direito de recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contatos do recebimento da notificação.” Não faz-se necessário a presença de um advogado, motivo pelo qual o recurso não tem formalidade e pode ser feito pelo próprio solicitante. Durante a análise do recurso o solicitante, assim como seus familiares, permanecem no País. Caso o recurso seja provido tem-se o reconhecimento do solicitante como refugiado, sendo garantido a ele todos os direitos e deveres como tal. Por outro lado, sendo a decisão de primeira instância mantida, o artigo 32 da Lei 9.474/97 estabelece que “ficará o solicitante sujeito à legislação de estrangeiros, não devendo ocorrer sua transfe-
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rência para o seu país de nacionalidade ou de residência habitual, enquanto permanecerem as circunstâncias que põem em risco sua vida, integridade e liberdade”, salvo aqueles que não podem se beneficiar da condição de refugiados, quais sejam os que “tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas” (Artigo 3, III, Lei 9.474/97) e os que “seja considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas” (Artigo 3, IV, Lei 9.474/97). 7. GARANTIAS E INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS O refúgio é um instituto que confere à comunidade internacional uma responsabilidade de proteção de um indivíduo que antes cabia a um Estado. Tal afirmação trazida por Liliana (JUBILUT, p.2) deixa claro a importância dos Estados incorporarem a temática dos refugiados em seus ordenamentos internos, o que ainda possibilita que cada Estado adapte as determinações internacionais à sua própria realidade, possibilitando que os refugiados sejam recebidos e protegidos de forma mais efetiva. A lei nº 9.474/97 estabelece em seu artigo 5º que: O refugiado gozará de direitos e estará sujeito aos deveres dos estrangeiros no Brasil, ao disposto nesta Lei, na Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e no Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967, cabendo-lhe a obrigação de acatar as leis, regulamentos e providências destinados à manutenção da ordem pública. (BRASIL, 1997, p.1) Após o reconhecimento como refugiado, é oferecida assistência e acompanhamento por meios de ações das Nações Unidas, as quais se fazem por meio do ANCUR, e de ONGs, tal como as Cáritas Arquidiocesana, que possibilitam que a proteção dada pela lei seja colocada em prática, o que de fato é observado. Por meio dessas atuações, os refugiados tem acesso a, por exemplo, rede de saúde e educação, e tem a possibilidade de viver em um ambiente seguro e digno, justamente o oposto ao que submetiam-se nos seus países de origem. 7.1 Direitos e Deveres dos Solicitantes do Refúgio Antes mesmo de terem a condição de refugiados, os solicitantes deste instituto têm direitos e deveres. O ACNUR, juntamente com o governo brasileiro e instituições parceiras, produz, anualmente, cartilhas em diversos idiomas para possibilitar que os solicitantes do refúgio tenham pleno acesso aos seus direitos e deveres, assim como ao procedimento administrativo e contatos úteis. 7.1.1 Dos direitos Na Cartilha para Solicitantes de Refúgio no Brasil de 2014, são colocados (em português, inglês, francês, espanhol e árabe) como direitos dos estrangeiros que solicitam refúgio: a não devolução dos indivíduos aos países onde suas vidas estejam em risco; a não penalização pela entrada regular; acesso a documentos de identidade, qual seja o Protocolo Provisório, CPF e Carteira de Trabalho e Previdência Social ; o direito de trabalhar formalmente; orientação e/ ou assistência gratuita por um Defensor Público da União ou advogado das organizações parceiras do ACNUR para acompanhar todos os procedimentos do refúgio; livre trânsito pelo território brasileiro; educação; saúde; a não discriminação; a não sofrer violência sexual ou de gênero; praticar livremente sua religião. 7.1.2 Dos deveres Como deveres a Cartilha traz: respeitar todas as leis; respeitas as pessoas, entidades e organismos públicos e privados; renovar seu Protocolo provisório de solicitação de refúgios nas Delegacias de Polícia Federal e mantê-lo sempre atualizado (a Protocolo deve ser renovado a casa
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180 dias para que o pedido de refúgio não seja arquivado); informar seu domicílio e mantê-lo atualizado nas Delegacias de Polícia Federal e junto ao CONARE; comparecer às entrevistas agendadas durante o processo. Visando facilitar o pleno acesso ao processo de solicitação, este é gratuito e pode ser feito diretamente pelo solicitante, sem a obrigatoriedade de um advogado. Para que seja garantida a segurança do estrangeiro, toda informação prestada por ele é confidencial, não podendo ser compartilhada com autoridades do seu país de origem; além disso, ao menor de 18 anos desacompanhado ou separado da família será judicialmente designado um guardião responsável. 7.2 Direitos e Deveres dos Refugiados 7.2.1 Dos Direitos Já no que diz respeito aos refugiados que já passaram por todo o processo, a Cartilha para Refugiados no Brasil de 2014 traz informações fundamentais. Além dos direitos básicos de não devolução e assistência jurídica gratuita de um Defensor Público da União; não ser descriminado; possuírem carteira de trabalho e poderem trabalhar formalmente; livre trânsito pelo território brasileiro; não sofrer violência sexual ou de gênero; acesso á saúde podendo ser atendidos em quaisquer hospital e posto de saúde públicos; acesso às escolas públicas de ensino fundamental e médio assim como programas públicos de capacitação técnica e profissional, acesso às instituições de ensino superior, nos mesmos moldes dos brasileiros ou através de programas de ingresso especiais para refugiados, praticar livremente sua religião; acesso ao CPF, CTPS, RNE e um documento de viagem, os refugiados tem direito à flexibilização nas exigências para apresentação de documentos do país de origem, uma vez que é clara a dificuldade de conseguir tais documentos (ACNUR, 2014, p. 8) conforme artigo 43 da Lei 9.474/97; à solicitação de residência permanente no Brasil após 4 anos do reconhecimento da condição de refugiado; e à reunião familiar, o que significa que, segunda a citada cartilha (ACNUR, 2014, p.9) numa fala direta com os refugiados: os membros do seu grupo familiar também poderão ser reconhecidos como refugiados no Brasil, desde que estejam presentes em território brasileiro. Caso os seus familiares não estejam no Brasil, é possível solicitar ao CONARE que informe o Consulado do Brasil no país onde os seus parentes se encontram, que você é um refugiado reconhecido pelo governo brasileiro. Isso facilitará a emissão de um visto de viagem apropriado para os seus familiares. No entanto, o Governo brasileiro não possui programas para financiar o deslocamento de familiares dos refugiados ao Brasil. 7.2.2 Dos deveres Já no que tange aos deveres, a Convenção de 1951 traz, em seu artigo 2º, que “todo refugiado tem deveres para com o país em que se encontra, os quais compreendem notadamente a obrigação de respeitar as leis e regulamentos, assim como as medidas tomadas que visam a manutenção da ordem pública”. Assim, os refugiados devem: respeitar todas as leis; respeitar as pessoas, entidades e organismos públicos e privados; renovar a carteira de refugiado (RNE); informar o domicílio e mantê-lo atualizado nas Delegacias de Polícia Federal e junto ao CONARE; solicitar autorização do CONARE para viajar para o exterior, uma vez que esta é imprescindível para que o refugiado não perda sua condição como tal. Nesse último, a ACNUR enfatiza que “um refugiado reconhecido pelo CONARE somente ostentará a condição de refugiado em território brasileiro. Os outros países não estão obrigados a reconhecer como refugiado uma pessoa que já foi reconhecida em outro lugar” (ACNUR, 2014, p.10). Sendo assim, em uma viagem para o exterior, devidamente autorizada pelo Comitê, o refugiado será tratado de acordo a lei migratória do país para onde viajar.
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Em relação à solicitação da residência permanente, o refugiado deve seguir pelo menos um dos seguintes requisitos: residir no Brasil há quatro anos no mínimo; “ser profissional qualificado ou contratado por instituição instalada no País; estar estabelecido com negócio resultante de investimento de capital próprio, que satisfaça os objetivos de Resolução Normativa nº 84 do Conselho Nacional de Imigração relativos à concessão de visto a investidor estrangeiro” (ACNUR, 2014, p.17). 7.3 Soluções Duráveis A Lei 9.474/97 dedica o Título VII às denominadas soluções duráveis. Consoante a Cartilha para Refugiados no Brasil de 2014 (ACNUR, p. 21): Uma solução duradoura é aquela que termina o ciclo de deslocamento forçado e permite que as pessoas refugiadas tenham uma vida normal em um lugar seguro. Os países signatários da Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados, dentre eles o Brasil, têm a responsabilidade de encontrar soluções duradouras para os refugiados. 7.3.1 Repatriação A primeira delas prevista na referida Lei é a Repatriação, prevista no artigo 42 o qual define que esta solução se caracteriza, em regra, pelo retorno voluntário do refugiado ao seu país de origem. O caráter voluntário deixa de ser necessário nos casos em que não mais subsistirem as circunstâncias que causaram o refúgio e os refugiados não podem recusar a proteção dos países dos quais são nacionais, visto que podem retornar com segurança e condições dignas de vida. Entretanto, para que esta segurança seja realmente garantida, faz-se necessária uma avaliação do ACNUR no locar originário do refugiado que deseja voltar. “O ACNUR frequentemente fornece transporte e auxílio para que o repatriado possa recomeçar sua vida, por meio de doações financeiras e projetos de geração de renda, entre outros” (Protegendo refugiados no Brasil e no mundo, 2014, p.8). 7.3.2 Integração Local Seguindo a ordem da Lei 9.474/97, os artigos 43 e 44 trazem a previsão da segunda solução durável: a integração local. Este capítulo foca na dificuldade enfrentada pelos refugiados para conseguirem documentos que devem ser emitidos pelos seus países de origem, assim como a situação desfavorável vivida por eles e determina que “a obtenção da condição de residente e o ingresso em instituições acadêmicas de todos os níveis deverão ser facilitados”. Esta solução nada mais é do que um processo gradual que visa garantir aos refugiados plena inserção legal, cultural, social, educacional e econômica no Brasil, e que seus direitos fundamentais sejam garantidos e respeitados. O ACNUR, em ação conjunta com as instituições parceiras, disponibiliza diversos serviços e oportunidades para os refugiados no território brasileiro. Entre elas, com base na Cartilha para refugiados no Brasil de 2014, podem ser citadas: aulas de português – oferecidas de forma gratuita tanto por instituições públicas quanto por organizações da sociedade civil; educação – toda criança e adolescente, solicitante do refúgio ou refugiado, tem direito a matrícula em qualquer escola da rede pública de ensino. Para tanto, devem apresentar o CPF ou o RNE. Além disso, são disponibilizados cursos profissionalizantes e técnicos por meio de instituições governamentais ou ao Sistema S (SESI, SESC, SENAC, SENAI), e parcerias do ACNUR com diversas universidades brasileiras; saúde – “todos os cidadãos, inclusive os solicitantes de refúgio e refugiados, têm direito de ser atendidos em qualquer unidade pública
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de saúde” (ACNUR, 2014, p.23). O cartão do Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser solicitado de forma gratuita com a apresentação do Protocolo Provisório, CPF ou RNE e pode ser utilizado para obter atendimento médico em todas as unidades de saúde pública em todo o país. Além disso, os filhos de refugiados e solicitantes de refúgio tem direito de serem vacinados gratuitamente em qualquer posto de saúde; trabalho - com a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), os solicitantes de refúgio e refugiados tem o direito de trabalhar de forma legal no país, tendo as mesmas garantias de um trabalhador brasileiro; assistência social – uma vez registrados no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) os refugiados podem se candidatar para participar de programas como Minha casa, Minha Vida, Tarifa Social de Energia Elétrica, Bolsa Família, entre outros; assistência jurídica - assim como todos os brasileiros, os refugiados tem acesso à ampla assistência jurídica de forma gratuita. Tal assistência e orientação jurídica é garantida por meio das Defensorias Públicas da União e do Estado. No que tange à competência de cada uma, a cartilha traz diversas situações para uma prévia orientação do estrangeiro, principalmente ligadas à sua condição, que desconhece a lei brasileira. O ACNUR trata, também, sobre a questão da violência à mulher informando ao refugiado sobre a Lei Maria da Penha e como se deve agir em casos de agressão, não só física como psicológica, sexual e moral. 7.3.3 Reassentamento Como terceira hipótese de solução durável a Lei 9.474/97 prevê o Reassentamento, definindo, nos artigos 45 e 46 que este deve ser caracterizado, sempre que possível, pelo caráter voluntário e será efetuado “de forma planificada e com a participação coordenada dos órgãos estatais e, quando possível, de organizações não governamentais, identificando áreas de cooperação e de determinação de responsabilidades”. Sobre o reassentamento, a Cartilha “Protegendo os Refugiados no Brasil e no Mundo” de 2014 na p. 8, dita que: implementado pelo ACNUR para quem não pode voltar ao seu país de origem por temor de perseguição e nem permanecer no país de refúgio onde se encontra, devido a problemas de segurança, integração local ou falta de proteção legal e física. Nestes casos, o ACNUR procura a ajuda de terceiros países que estejam dispostos a receber estes refugiados. Entretanto, o próprio ACNUR (2014, p. 27) defende que para os refugiados reconhecidos no Brasil, o Reassentamento não é a primeira opção, e que: Aqui, a solução duradoura preferível é a integração local e, quando possível, a repatriação voluntária. Isso porque, os refugiados presentes no Brasil não possuem qualquer necessidade específica de proteção que o Estado brasileiro seja absolutamente incapaz de suprir, a ponto de se justificar o reassentamento em um terceiro país. O Estado brasileiro tem o dever de assegurar a proteção dos refugiados que se encontram em seu território e, em caso de necessidade, as autoridades policiais, o Ministério Público e a Defensoria Pública devem ser contatados. Não há hierarquia entre as solução duráveis, podendo o refugiado escolher a que melhor lhe convém. A possibilidade de seguir a escolha do refugiado será analisada pelo ACNUR, para que seja garantido que este indivíduo que antes vivia em uma situação de risco não volte a ter as mesmas condições de vida e que, dessa forma, sejam protegidos seus direitos humanos.
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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS A atual assistência legal dada aos refugiados no país é suficiente e eficiente para garantia dos seus direitos humanos. A Lei 9.474/97 está de acordo e respeita os instrumentos legais internacionais que tratam do assunto, principalmente no que tange à Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, e ao Protocolo de 1961 que trata do referido Estatuto. Este instrumento legal é exclusivo sobre a temática dos Refugiados, característica que não se observa na maioria dos países. Além disso, traz uma inovação no inciso III do artigo 1º da referida lei, ao ampliar a possibilidade de refúgio para indivíduos que fugiram dos seus países de nacionalidade originária ou residência habitual “devido a grave e generalizada violação de direitos humanos”. Tal inovação não só alterou a definição do termo refugiado como possibilitou proteção a um maior numero de pessoas. A lei 9.474/97 prevê, ainda, um processo administrativo no qual as decisões, tanto de primeiro grau, quanto em sede de recurso, tem que ser devidamente fundamentadas, o que permite a ampla defesa e o contraditório. Além disso, tanto os solicitantes de refúgio, quanto os refugiados reconhecidos tem todos os direitos humanos estabelecidos pelas legislações citadas e tem plena capacidade e condição de exercê-los no país, recebendo assistência necessária para reestabelecer em território brasileiro uma vida digna, sem a ameaça do perigo enfrentado nos países de origem e a possibilidade de serem devolvidos ou extraditados.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 9º período Manhã 2 Professor - Orientador. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001), especialização em Direito Tributário pela Fundação Getulio Vargas (2004) e mestrado em Direito Internacional pela Universidade Federal de Minas Gerais (2004). Atualmente é advogado, professor adjunto, Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Internacional do Centro Universitário Newton Paiva e Academic Advisor da International Law Students Association. 3 Bernardo Gomes Barbosa Nogueira, William Ken Aoki 4 Dados retirados do site do ACNUR no subtópico “O ACNUR no Brasil”. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/o-acnur-no -brasil/>. Acesso em: 12/032014 5 Inteiro teor disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador. jsp?docTP=AC&docID=610142>. Acesso em: 23/05/2014. 6 Idem nota iii.
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7 Dados retirados da Análise Estatística (2010-2013) do ACNUR sobre o Refúgio no Brasil. Disponível em: < http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc. php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Estatisticas/Refugio_no_Brasil_2010_2013> Acesso em: 18/05/2014 8 Notícia do site do ACNUR de 14 de maio de 2014. Disponível em: < http:// www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/numero-de-analises-de-casosde-refugio-no-ano-passado-e-seis-vezes-maior-que-em-2012/> Acesso em: 18/05/2014
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CRIMES VIRTUAIS NO BRASIL Vitor Alvarenga do Carmo1 Júlio César Faria Zini2 Banca examinadora3
RESUMO: Trata-se de artigo científico, elaborado como Trabalho de Conclusão de Curso, o qual possui como tema principal os delitos praticados na rede, trazendo uma análise completa a respeito dos elementos desses crimes, tais como autoria, classificação e características principais. Também é traçado um estudo a respeito da atuação do Estado Brasileiro na investigação e combate dos crimes digitais, sob o principal aspecto da tipificação dessas condutas, bem como o panorama internacional a respeito desses crimes, frisando-se, para tanto, a necessidade de se estabelecer uma política de cooperação internacional, para uma maior eficiência no combate a esses ilícitos. PALAVRAS-CHAVE: Crimes Virtuais; Legislação; Combate; Brasil. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Crimes Virtuais; 3 Atuação do Estado; 4 Crimes Virtuais no cenário Internacional; 5 Considerações Finais; Referências,
1- INTRODUÇÃO Com o desenvolvimento da tecnologia, o ser humano passou a utilizar-se do sistema informatizado para diversas tarefas, dentre elas se comunicar, resolver problemas, pagar contas, interagir com outras pessoas, tornando assim os computadores indispensáveis, sendo utilizados nos mais diferentes lugares para desenvolver inúmeras atividades. As tecnologias que surgiram, especialmente a Internet, impulsionaram e continuam impulsionando o processo de globalização econômica e cultural. Porém, esse desenvolvimento acabou passando uma imagem rentável aos criminosos, de que eles poderiam se aproveitar deste meio tecnológico e da falta de preparo, tanto da pessoa física como jurídica, que muitas vezes não providenciam meios seguros para o acesso à internet e nem meios de coibir possíveis ataques, para obter sucesso através de meios ilícitos. Tal situação propiciou o surgimento de uma nova forma de criminalidade, podendo ser chamada de virtual, por se desenvolver no ambiente virtual da Internet, o ciberespaço. Com o avanço da tecnologia e a globalização, as pessoas passaram a ter maior acesso a internet e suas ferramentas. Para navegar na rede, não é mais necessário ter um computador em casa, é possível, nos dias atuais, se conectar através de smartphones, tablets, notebooks, entre outros dispositivos portáteis que trouxeram agilidade e benefícios à sociedade. Essa facilidade no acesso a rede acarretou em uma mudança de hábitos, na qual as atividades cotidianas começaram a ser mais realizadas pela internet, afastando o convívio pessoal e fomentando a relação virtual. Devido a isto, os denominados “crimes virtuais” passaram então a ser objeto de estudo de diversos doutrinadores e também ganharam atenção do Poder Legislativo, uma vez que cresceu a necessidade de se combater tal prática. Na medida que a ocorrência de tais condutas cresce, a preocupação da população brasileira desde os órgãos públicos, passando pelas vítimas e os demais usuários, também aumenta, o que tem propiciado um debate intenso no cenário nacional, no qual se tem buscado soluções imediatas e eficientes para esta situação. Nesse sentido, se torna latente no Brasil a necessidade de se analisar o meio virtual e seus frequentadores, para a adequação da legislação ao cenário atual, e um combate mais eficaz aos crimes cometidos na rede mundial de computadores, haja vista que uma solução para esta situação somente irá surgir, após o enfrentamento de suas causas originárias.
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2- CRIMES VIRTUAIS Diversas nomenclaturas podem ser usadas para estes tipos de crimes: crimes virtuais, digitais, informáticos, telemáticos, de alta tecnologia, crimes por computador, fraude informática, delitos cibernéticos, crimes transacionais, dentre outras. Para Vicente Greco Filho (2000), os crimes virtuais se subdividem em condutas criminosas que utilizam a rede mundial de computadores como um meio, para a prática destes crimes e os atos ilícitos que atentam contra a Internet, como um bem jurídico. Focalizando-se a Internet, há dois pontos de vista a considerar: crimes ou ações que merecem incriminação praticados por meio da internet e crimes ou ações que merecem incriminação praticados contra a Internet, enquanto bem jurídico autônomo. Quanto ao primeiro, cabe observar que os tipos penais, no que concerne à sua estrutura, podem ser crimes de resultado de conduta livre, crimes de resultado de conduta vinculada, crimes de mera conduta ou formais (sem querer discutir se existe distinção entre estes) e crimes de conduta com fim específico, sem prejuízo da inclusão eventual de elementos normativos. Nos crimes de resultado de conduta livre, à lei importa apenas o evento modificador da natureza, com, por exemplo, o homicídio. O crime, no caso, é provocador o resultado morte, qualquer que tenha sido o meio ou a ação que o causou. (GRECO FILHO, Vicente, 2000, p. 95). Buscando outros conceitos, Guilherme Guimarães Feliciano (2001, P.31) traz: “ilícitos penais (delitos, crimes e contravenções) que têm por objeto material ou meio de execução o objeto tecnológico informático (hardware , software , redes etc.)”. Ainda cumpre destacar o conceito de Gustavo Testa Corrêa (2000, p. 43). Para ele, “crimes digitais seriam todos aqueles relacionados às informações arquivadas ou em trânsito por computadores, sendo esses dados, acessados ilicitamente, usados para ameaçar ou fraudar; para tal prática é indispensável a utilização de um meio eletrônico”. A prática dos crimes fica configurada ao se praticar uma ação típica, antijurídica e culpável contra ou pela utilização de processamento automático e/ou eletrônico de dados ou sua transmissão, podendo atingir diversos bens jurídicos, como o patrimônio financeiro e material, tanto das pessoas jurídicas, quanto físicas, a intimidade, a honra, a inviolabili-
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dade de correspondência, a fé pública e também o sistema informático. Ainda é possível classificar esses crimes em próprios, que são crimes que só podem ser praticados através dos meios informáticos, não tendo outros meios possíveis, e impróprios, que são crimes que podem ser praticados de qualquer forma, os computadores são apenas mais um meio para a execução destes crimes. No tocante a essas duas categorias, Marcelo Xavier de Freitas Crespo (2011, p.94) ressalta que: Temos que para se cometer delitos classificados como impróprios não se verificam grandes diferenças quanto ao modus operandi. Em outras palavras, embora mude o modo pelo qual se pratica a ação delitiva, não se vislumbra a necessidade de conhecimentos técnicos. Já quanto ao ilícitos classificados como próprios, estes sim, dependem de conhecimento específicos de computação. (CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas, 2011, p.94). Nesse sentido, conclui-se que os crimes próprios demandam conhecimento específico e avançado do sistema informático, apresentando sujeitos ativos singulares, como por exemplo, os hackers. Diferentemente dos crimes impróprios, os quais podem ser praticados por qualquer pessoa, haja vista não necessitarem de conhecimentos técnicos. 2.1 – CARACTERÍSTICAS E CLASSIFICAÇÃO Ao analisar os crimes virtuais, pode-se verificar que tais delitos possuem características peculiares, as quais influenciam diretamente na dificuldade de identificação dos elementos constitutivos destes crimes, bem como sua classificação. Dentre tais características destaca-se a inexistência do fator distância na prática desses ilícitos e a rapidez com a qual eles são praticados. Os atos executórios podem ser realizados em segundos, o que propicia a prática de um grande número de delitos em pouco tempo, dificultando assim a investigação e punição. Pode-se estabelecer também o caráter transnacional como uma característica marcante desses crimes, visto que na maioria das vezes em que são praticados, através da rede de computadores e de telecomunicação, seus atos rompem as fronteiras físicas Estatais. Há que ressaltar ainda a ausência de tipificação destas condutas no Brasil, o que influencia diretamente na atuação da Polícia que, em que pese aplicar subsidiariamente as normas que já existem a estas condutas, ainda não está acostumada a agir no meio cibernético. Baseando-se nessas tão peculiares características e levando em conta a evolução tecnológica e o crescimento exponencial de tais condutas, classificar os crimes virtuais têm-se tornado uma tarefa bastante árdua, a qual vem dividindo a opinião de vários doutrinadores. Dessa feita, muitos escritores, que tratam acerca deste tema, estabelecem como um norte para sua classificação o fato da rede ser utilizada como um meio para prática do crime, ou de este ser praticado contra o próprio sistema informático. Nesse sentido, como discorre Marcelo Xavier de Freitas Crespo (2011, página 62), a melhor classificação a ser adotada, por ser menos complexa que as demais, é a estabelecida por Ivete Senise Ferreira (FERREIRA, Ivete Senise, op. cit. p. 13-14) e Vicente Greco Filho (GRECO FILHO, Vicente. 2000), que divide os crimes digitais em: a) condutas perpetradas contra um sistema informático; b) condutas perpetradas contra outros bens jurídicos. O que remete à outra classificação já citada, de que as condutas contra o sistema informático representam os crimes próprios, e aquelas contra os bens jurídicos tradicionais, os crimes impróprios. Nos crimes próprios, os bens jurídicos atingidos são primordialmente os sistemas informatizados ou de telecomunicação de dados,
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dentre os quais é possível citar como exemplo alguns dos destacados pelo autor Marcelo Xavier de Freitas Crespo (2011, p.64-69, 70-71): Acesso não autorizado: A conduta de acessar de forma indevida um sistema informático pode se dar por várias razões, como pelo mero gosto por superar desafios técnicos de segurança, pela vontade de invadir a privacidade alheia tendo acesso a informações sigilosas, ou, ainda, por se ter a intenção de manipular, defraudar, sabotar dados. O acesso não autorizado é, portanto, o ilícito básico para a prática de outros tantos possíveis. (...) Obtenção e transferência ilegal de dados: como dito o acesso a sistema informático já é grave, mas quase sempre será um meio para a prática de outros ilícitos. A obtenção não autorizada de dados ou informações está entre eles. O acesso a dados de um sistema informático pode se dar por muitas maneiras. Atualmente, uma forma muito simples de obtê-los é por meio dos spywares, para designar arquivos espiões. Um spyware nada mais é que programa que rastreia informações dos usuários contidas em seu computados, como, por exemplo, os sites que costuma visitar. Já dentre os crimes impróprios pode-se destacar aqueles já tipificados pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas que também passaram a serem praticados com o auxílio da tecnologia. Evidenciam-se, então, os crimes contra a honra, ameaça, falsidade ideológica e o estelionato. Desta forma, entre os crimes contra a honra cometidos no meio cibernético verifica-se a ocorrência de injúria, a qual consiste na atribuição de características negativas a uma pessoa, ofendendo, assim, sua honra subjetiva. Temos, como exemplo, xingamentos como “burro”, “vaca” nas redes sociais. Cumpre salientar também circunstâncias, nas quais se observa a ocorrência do crime de racismo, previsto na lei 7.716/89. No meio virtual, porém, tal ilícito se consuma, com a indução ou incitação de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, mas de uma maneira generalizada. Através das características únicas e, até mesmo, da divergência entre as classificações, fica evidente a dificuldade de se identificar tais condutas e do Estado atuar de maneira efetiva, assunto que será abordado no tópico a seguir. 3 – ATUAÇÃO DO ESTADO Conforme delineado acima, a ocorrência de crimes virtuais cresceu, tendo como principal fator o avanço da tecnologia, o que não foi acompanhado por uma atuação diligente e eficaz do Estado Brasileiro. Tal situação é decorrente da crença tanto Estatal quanto da sociedade de que é necessária a criação de uma legislação específica, que tipifique e crie meios operacionais dos órgãos do Poder Público no ciberespaço. Ocorre, porém, que o Código Penal já tipifica condutas que visam proteger os bens jurídicos, os quais o Poder Legislativo da mesma forma pretende tutelar com a criação de uma legislação especial para os crimes cibernéticos. No tocante aos crimes virtuais impróprios a questão é mais latente, uma vez que eles consistem em crimes contra a honra, crimes contra o patrimônio e etc., já previstos na legislação penal, apresentando apenas um modus operandi diferente, ocorrendo através da rede, podendo, assim, perfeitamente ser aplicado o já disposto no Código Penal. Nota-se, então, que a dificuldade de se punir estes crimes especificamente advém de ineficiência técnica e de insuficiência de re-
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cursos tecnológicos dos órgãos públicos, e não de uma inexistência de normas penais. É necessário, portanto, um esforço por parte das autoridades policiais em aprimorarem seu conhecimento técnico em termos de informática, bem como buscarem meios mais eficientes de investigação/combate aos crimes. Já em relação aos crimes próprios, mister se faz uma atualização na norma penal vigente, trazendo uma tipificação dessas novas condutas, que possuem características específicas, com sujeitos ativos próprios. Nesse sentido, Roberto Chacon de Albuquerque (2006, p. 23): “A adoção de novos tipos penais pode ter um efeito significativo no combate à impunidade, promovendo também um instituto de abstenção entre os hackers com relação à prática de crimes informáticos, em virtude do receio de serem punidos.” Neste panorama, pode-se destacar, até então, a atuação reativa do Estado Brasileiro, uma vez que somente em decorrência de alguns casos de grande repercussão midiática voltou sua atenção para esse assunto e procurou normatizar alguns ilícitos cometidos virtualmente. A lei nº 12.737/2012, popularmente conhecida como “Lei Carolina Dieckmann” que incluiu os artigos 154-A e 154-B, criando o crime de invasão de dispositivo informático e alterou os artigos 266 e 298, do Código Penal, exemplifica esta situação, haja vista ter sido criada após a grande repercussão que o vazamento de fotos íntimas dessa atriz teve no cenário nacional. A lei citada acima surgiu como alternativa à Lei Azeredo, a qual foi alvo de várias críticas em razão do temor de supressão da liberdade virtual, e, ao ser promulgada, somente previu a obrigatoriedade dos órgãos da polícia judiciária se estruturarem, para buscarem o combate de ações delituosas no meio virtual. Não se deve deixar de destacar, contudo, o esforço demonstrado pelo legislador brasileiro de tipificar certas condutas de grande repulsa social, como a pedofilia, através dos seguintes dispositivos legais do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829 , de 2008) Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829 , de 2008) Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829 , de 2008) Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829 , de 2008). Esses são alguns exemplos da tentativa do Poder Estatal de se fazer mais presente no que diz respeito ao combate e prevenção dos ilícitos virtuais ainda não tipificados. Recentemente, a promulgação do Marco Civil da Internet pode ser estabelecida como um grande avanço na postura governamental em busca da regulamentação dos atos da sociedade civil praticados no meio digital. O estabelecimento de direitos e deveres cibernéticos, ainda que tardio, é de extrema importância para o combate dos crimes virtuais, uma vez que através dessas normas poderá ser vislumbrada com mais facilidade o que está sendo violado, estabelecendo assim as condutas ilícitas. Desta forma, há uma imensa relação deste texto normativo com o direito penal, haja vista que ao se buscar a proteção dos dados pes-
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soais e cadastrais no meio digital, está automaticamente dificultando a prática de crimes, como por exemplo a obtenção e transferência ilegal de dados. Uma inovação considerável também trazida pelo Marco Civil é a responsabilização civil, administrativa e criminal dos provedores de Internet, as quais são independentes e cumulativas. Acerca da responsabilidade criminal, Vladimir Aras, diz: A responsabilização criminal rege-se pelas leis penais (especialmente o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e, eventualmente outras leis especiais), tendo como instrumento procedimental o CPP. Obviamente, para este tipo de delinquência, não há responsabilidade criminal de pessoas jurídicas. Hoje, a exceção os crimes ambientais, na forma da Lei 9.605/1998. Logo, neste segmento, só se admite a responsabilidade pessoal e subjetiva de pessoas naturais, isto é, dos administradores de provedores que pratiquem condutas tipificadas nas leis penais, agindo como autores, coautores ou partícipes. (Breves comentários ao Marco Civil da Internet, Blog do Vlad. Disponível em: <http://blogdovladimir.wordpress. com/2014/05/05/breves-comentarios-ao-marco-civil-da -internet/> Acesso em: 24 de maio de 2014). Há também a previsão da obrigatoriedade dos provedores estabelecerem políticas de adequação, objetivando a proteção dos dados pessoais dos usuários, a liberdade de expressão, a neutralidade da rede e ao cumprimento de determinações dos órgãos estatais. Demais disso, há que se ressaltar as inúmeras propostas legislativas existentes no Congresso Nacional que pretendem regulamentar o tema, tipificando algumas condutas. Todavia, em que pese ser louvável a intenção do legislador em regulamentar tal situação, deve-se destacar a má redação dos dispositivos, bem como a falta de técnica do Poder Legislativo ao se tratar do tema e a necessidade de amadurecimento da composição dos tipos penais. 4 – CRIMES VIRTUAIS NO CENÁRIO INTERNACIONAL O caráter transnacional dos crimes virtuais, consoante já caracterizado acima, vem chamando a atenção do cenário internacional e, cada vez mais, mostrando a necessidade de se criar uma política internacional acerca deste tema, visando uma cooperação entre os sujeitos internacionais e, consequentemente, um combate mais efetivo a essas condutas. Desde o surgimento da Internet, alguns países já se preocupavam com a necessidade de uma regulamentação internacional no “ciberespaço”. Ocorre que, a medida em que os ilícitos cometidos na rede crescem exponencialmente, atingindo cada vez mais novos usuários, em países diferentes, tal necessidade se torna mais global e mais Estados demandam elaboração de regras internacionais para o mundo virtual. Neste sentido, em 1994, a ONU publicou um “Manual sobre a prevenção e controle do delito informático”, e apesar de não fixar um conceito de crime informático trouxe algumas modalidades mais comuns de ilícitos e discorreu ainda sobre as principais dificuldades no âmbito de cooperação internacional e de legislação penal. Em que pese se passaram 20 anos da publicação deste Manual, é possível notar a atualidade de seu conteúdo, haja vista que, em decorrência dos pouquíssimos avanços para a criação de uma política internacional, acerca dos crimes virtuais, as dificuldades nele apontadas, ainda não foram superadas. Dentre essas adversidades, cumpre destacar a falta de acordo, entre os países, sobre o que deve ser considerado conduta delitiva, a
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falta de harmonização das referentes leis dos países, a falta de especialização dos órgãos competentes nesse campo e a inexistência de fronteiras físicas, a qual dificulta o estabelecimento da localização do crime e sua competência. Desta forma, torna-se evidente a necessidade de criação de uma política que estabeleça a cooperação internacional, visando o combate direto aos crimes digitais, bem como o compartilhamento de técnicas, informações e tecnologias, haja vista inúmeros países carecem de meios hábeis para coibirem tais práticas ilícitas. Conclui-se que o problema acerca da criminalidade informática não se dá somente no âmbito nacional, tendo um caráter transnacional, fazendo necessário esforços, para definir o delito informático a termos comuns, impulsionando a cooperação internacional e harmonizando procedimentos processuais e penais. 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Existem diversos fatores que podem, de certa forma, justificar o aumento da ocorrência dos crimes cometidos no meio virtual, como o crescimento e fácil acesso da população aos meios eletrônicos e à Internet, aumento de transações financeiras/comerciais que ocorrem na rede, falta de segurança e conhecimento das pessoas e o sentimento de impunidade e anonimato que os meios digitais proporcionam. Uma das principais medidas a serem tomadas pelos órgãos competentes é impor uma maior repressão aos crimes virtuais com a utilização de medidas e normas que façam com que a sociedade possa se sentir mais segura na rede mundial de computadores. Algumas leis brasileiras são aplicadas aos crimes praticados no ambiente virtual, a exemplo da pedofilia, das fraudes, dos crimes contra a honra e etc. Porém, é preciso um grande esforço para que a legislação penal brasileira possa ser atualizada através da criação de uma legislação específica para os novos tipos penais surgidos, assim como fazer com que punições sejam de fato, impostas. Além de uma reforma normativa, é necessária uma reestruturação dos órgãos do poder público, no tange aos conhecimentos informáticos, bem como aparatos eletrônicos e tecnologia avançada, visando um combate eficaz contra os delitos virtuais. Demais disso, cumpre salientar, quanto ao cenário internacional, a necessidade de criação de uma política internacional, que estabeleça a cooperação entre os países, no sentido de propiciar maior facilidade e eficiência na investigação e punição dos delitos digitais, haja vista o caráter supranacional presente em diversos desses crimes.
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REFERÊNCIAS CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos Jurídicos da Internet. São Paulo: Saraiva, 2000. FELICIANO, Guilherme Guimarães. Informática e Criminalidade. Ribeirão Preto: Nacional de Direito, 2001. GRECO FILHO, Vicente. Algumas observações sobre o direito penal e a internet. Boletim IBCCRIM, v. 8, p. 3, 2000. BRASIL. Código Penal. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2011. XAVIER DE FREITAS CRESPO, Marcelo. Crimes Digitais. São Paulo: Saraiva, 2011 ALBUQUERQUE, Roberto Chacon de. A Criminalidade Informática. São Paulo, J. de Oliveira, 2006. CUKIERMAN, H. L. O Cibercrime no Brasil: Relatório Final. SENASP -COPPE/ UFRJ, Rio de Janeiro, 2005. CARLI, D. M. Crimes Virtuais No Brasil - Uma Análise Jurídica. UFSM, Santa Maria, 2006. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual do Direito Penal, volume 1: parte geral – 24 ed São Paulo: Atlas, 2008. BREVES COMENTÁRIOS AO MARCO CIVIL DA INTERNET, Blog do Vlad. Disponível em: <http://blogdovladimir.wordpress.com/2014/05/05/breves-comentarios-ao-marco-civil-da-internet/> Acesso em: 24 de maio de 2014.
NOTAS DE FIM 1 Graduando do 10º período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton. 2 Doutor em Direito Penal pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Professor de Ciências Penais e Bioética em Graduação e Pós-Graduação em Direito; Conselheiro do Instituto de Ciências Penais (ICP); membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG); Advogado criminalista. 3 Maurício Lopes, Júlio César Faria Zini
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O momento consumativo dos crimes contra a Ordem Tributária, previstos no artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990, e o Termo inicial da Prescrição Penal Rodrigo Tadeu Reis1 Renato Martins Machado2 Banca Examinadora3 RESUMO: Este artigo tem por objetivo discutir o sentido de “definitividade” previsto no enunciado da Súmula Vinculante n.º 24, através da análise da consumação dos crimes prescritos no art. 1º da Lei n.º 8.137/90 e o consequente termo inicial para a contagem do prazo da prescrição da pretensão punitiva nestes delitos. PALAVRAS-CHAVE: Ordem Tributária; Crime Consumado; Prescrição Penal; SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Direito Penal Tributário e Direito Tributário Penal; 3. Processo Tributário Administrativo e o Início da Ação Penal; 3.1. Considerações gerais; 3.2. Noções sobre a constituição do crédito tributário; 4. Momento Consumativo dos Crimes Previstos no Artigo 1º da Lei n.º 8.137/90; A Consumação do Delito e a Prescrição nos Crimes Previstos no artigo 1º da Lei n.º 8.137/90; Referências;
1 INTRODUÇÃO Analisando a regra estabelecida pelo precedente obrigatório do Supremo Tribunal Federal, Súmula Vinculante nº 24, o objetivo deste estudo é discutir a correta interpretação e alcance de tal dispositivo, notadamente diante das condutas descritas no art. 1º da Lei n.º 8.137/90. Para tanto, pretendemos adequar a regra estabelecida na citada Súmula Vinculante ao conteúdo tratado no presente artigo. Desta sorte, buscaremos demonstrar que o momento consumativo dos crimes previstos no artigo 1º, I a IV, da Lei n.º 8.137/90 se dá com o auto de infração. Enfatizando, desse modo, o procedimento de constituição do crédito tributário pela autoridade administrativa através da formalização do vínculo obrigacional. Que, como se tentará evidenciar, será o termo inicial para a contagem do lapso prescricional do direito estatal em punir o suposto infrator, nos termos do art. 111, inciso I, do Código Penal. Assim sendo, se faz necessário, inicialmente, anotarmos breves considerações sobre o Direito Penal Tributário. 2 DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO E DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL. Para definirmos a base jurídica dos delitos contra a ordem tributária, impõe-se uma visão de conjunto: ver o direito como um todo, antes de examiná-lo através das partes que o compõe. Com efeito, como preceitua MIGUEL REALE, “o direito é um conjunto de estudos discriminados; abrange um tronco com vários ramos”. Trata-se da complementariedade do direito, que, no presente estudo, traduzirá a aplicação e execução das penas prescritas, em função do não cumprimento de um dever tributário. É evidente, por conseguinte, que a Lei Penal Tributária encontra respaldo nas disciplinas de Direito Penal e Direito Tributário, considerados sob a óptica da Lei Fundamental de um Estado: a Constituição Federal. Assim, faz-se necessário uma breve conceituação destas vertentes jurídicas, formadoras da Ciência do Direito Penal Tributário. Antes, porém, indispensável entendermos o Direito como orientador e condicionador da convivência humana, no sentido de organizar as suas dissociações, as quais podem pôr em risco a harmonia da vida em sociedade. Nestes termos, como bem registra BITENCOURT, “o fato social que contrariar o ordenamento jurídico constitui ilícito jurídico, cuja modalidade mais grave é o ilícito penal, que lesa os bens mais importantes dos membros da sociedade”.
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Nesse contexto, como nos ensina Welzel, o Direito Penal é o “conjunto de normas jurídicas que regulam o exercício do poder punitivo do Estado, associando ao delito, como pressuposto, a pena como consequência” (WELZEL, 1970, p. 11). Sua função, portanto, é proteger os bens jurídicos fundamentais da visa social. Por sua vez, tendo por finalidade limitar o poder de tributar e proteger o cidadão contra os abusos desse poder, podemos conceituar Direito Tributário como o “ramo do Direito que se ocupa das relações entre o Fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie” (MACHADO, 2010, p. 56). Assim, devemos considerar as normas penais tributárias como aquelas que prescrevem as penas a serem impostas, diante da ocorrência de crime consistente no descumprimento de um dever tributário, no sentido de reprimir as condutas desviantes daqueles que buscam eximirse do pagamento de tributos com base em meios fraudulentos e ilícitos. Como bem define Edmar de Oliveira Andrade Filho: O Direito é, por natureza, um todo unitário que não pode ser fracionado, daí ser impossível aceitar a existência de um ramo do Direito que seja absolutamente independente e suficiente em si mesmo. (...) Assim também ocorre com chamado Direito Tributário Penal ou Direito Penal Tributário. (...) Quando o inadimplemento da obrigação tributária decorrer de condutas arroladas como crime na legislação penal, incide a regra geral garantidora do direito que o Estado tem de punir. Assim temos Direito Tributário Penal quando se cuida das sanções tributárias, assim entendidas aquelas que decorrem da legislação tributária e que são aplicadas pelo descumprimento de qualquer dispositivo legal ou regulamentar relativo a obrigação tributária, principal ou acessória (ANDRADE FILHO, 2004, p. 35) A justificação da necessária proteção ao bem jurídico tutelado pela Lei Penal encontra-se no fato de que a conduta delituosa, além de causar um prejuízo imediato à integridade patrimonial do Erário (lesando a função pública de arrecadação), acaba por atingir o valor constitucional da solidariedade de todos os cidadãos na contribuição da manutenção dos gastos públicos.
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3 O PROCESSO TRIBUTÁRIO ADMINISTRATIVO E O INÍCIO DA AÇÃO PENAL 3.1. Considerações gerais A base jurídica para o tratamento da ordem tributária é a denominada Constituição Econômica, reconhecida pela Carta Magna nos arts. 145 a 169. Trata-se das bases constitucionais da tributação. Regras que orientam a atividade tributária do Estado e proporcionam o ingresso dos recursos necessários para a realização das atividades destinadas a atender às necessidades sociais. Buscase uma satisfação ampla, geral e irrestrita do bem-estar individual e coletivo, de modo a proporcionar melhores condições de vida a todos. Nesse contexto, tem-se justificada a tutela penal da ordem tributária, notadamente diante da indispensável proteção à política socioeconômica do Estado para obtenção dos recursos necessários à realização de suas atividades. Surge, então, a preocupação em prevenir e reprimir as condutas que se afastem da relação de tributação mantida entre o Estado e o fomentador das receitas que viabilizem o exercício efetivo dos direitos fundamentais pelo Estado: o contribuinte. Uma relação jurídica da qual emergem direitos e deveres correlatos. Afinal, “a relação de tributação não é simples relação de poder e sim relação jurídica, pois está sujeita a normas às quais devem observância tanto os contribuintes como Estado” (PRADO, 2013, p.265). Cumpre-nos, então, definirmos em qual momento inicia-se a citada relação jurídica de proteção aos supracitados bem jurídicos previstos no artigo 1º da Lei n.º 8.137/90. Para tanto, indispensável conhecermos, embora sucintamente, algumas classificações existentes de crimes que apresentam maior interesse prático, notadamente diante do propósito do presente trabalho, qual seja: crimes materiais, formais e de mera conduta. Assim, segundo as lições de César Roberto Bitencourt: “O crime material (ou de resultado) descreve a conduta cujo resultado integra o próprio tipo penal, isto é, para a sua consumação é indispensável a produção de um dano efetivo. O fato se compõe da conduta humana e da modificação do mundo exterior por ela operada. A não ocorrência do resultado caracteriza a tentativa. Nos crimes materiais a ação e o resultado são cronologicamente distintos O crime formal, por sua vez, também descreve um resultado. Contudo, este resultado não precisa verificar-se para ocorrer a consumação. Ou seja, basta a ação do agente e a vontade de concretizá-lo, configuradoras do dano potencial. No crime formal, o legislador antecipa a consumação com a simples ação do agente. Finalmente, devemos distinguir o crime formal do crime de mera conduta, no qual o legislador descreve somente o comportamento do agente, sem se preocupar com o resultado. Ou seja, os crimes formais distinguem-se dos de mera conduta, porque estes são sem resultado; aqueles possuem resultado, mas o legislador antecipa a consumação à sua produção. A lei penal se satisfaz com a simples atividade do agente” (BITENCOURT, 2011, p. 254). Pois bem. Nesse contexto, registre-se que os delitos previstos no artigo 1º, I a IV, da Lei n.º 8.137/90, consistem em condutas que, quando praticadas, devem resultar em supressão ou redução ilegal de tributo, que se verifica com a notificação, através do auto de infração, ao contribuinte. Afinal, a referida lei não regula suficientemente todos os aspectos penais que gravitam em torno da matéria. Logo, conclui-se que os citados delitos classificam-se como crimes materiais, pois a sua consumação pressupõe a produção de um dano efetivo, que se verifica com a notificação do auto de infração.
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Nessa linha de pensar, convém conhecermos essa relação que constitui objeto essencial do Direito Tributário, que é de natureza obrigacional. 3.2 Noções sobre a constituição do crédito tributário A obrigação constitui o núcleo do Direito Tributário, como Direito Obrigacional que é. Vale dizer: a lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. No dizer de HUGO DE BRITO MACHADO: Ocorrido o fato, que em direito tributário denomina-se fato gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributária, que compreende o dever de alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária). O dever e o direito são efeitos incidência da norma” (MACHADO, 2010, p, 128) Logo, conclui-se que não existe obrigação tributária sem a descrição legal da hipótese de seu surgimento. Mas só a descrição legal não basta. É preciso que ocorra o fato descrito na hipótese. Assim, a previsão legal (ou hipótese de incidência) somada à concretização desta descrição normativa do fato (ou fato gerador) criam a obrigação tributária. Ademais, cumpre esclarecer que a obrigação tributária é de duas espécies: principal e acessória. A obrigação principal, nos termos do que dispõe o CTN, consiste no dever jurídico de pagar tributo ou penalidade pecuniária. Tem sempre conteúdo patrimonial. A obrigação acessória, por sua vez, consiste em prestações, positivas ou negativas no interesse da arrecadação ou fiscalização das receitas. Contudo, não sendo cumprida, a obrigação acessória converte-se em principal quanto à pena pecuniária que a sanciona (art. 113, §3º, CTN). A propósito, como bem argumenta Leandro Paulsen: “a obrigação é um primeiro momento na relação tributária. Seu conteúdo ainda não é determinado e o seu sujeito passivo ainda não está formalmente identificado. Por isto mesmo a prestação respectiva ainda não é exigível” (PAULSEN, 2006, p. 971) Nestes termos, indispensável conhecermos o segundo momento na relação de tributação, a saber, o crédito tributário. Logo, como restou demonstrado, em face da obrigação tributária o Estado não pode ainda exigir o pagamento do tributo. Afinal, a obrigação não corresponde ao crédito, mas tão somente o direito do Fisco de lançar. Ou seja, na mesma linha de pensamento acima observada, “o crédito tributário é um segundo momento na relação de tributação” (PAULSEN, 2006, p. 972). Conforme dispõe o art. 139 do CTN, “o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”. Logo, o crédito tributário nasce da obrigação e é consequência dela – ora, o crédito tributário é a própria obrigação depois de apurada e devidamente representada por uma quantia em dinheiro. Assim sendo, o crédito tributário é o vínculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional). Dessa forma, se constata que a concretização da descrição normativa do fato enseja o direito subjetivo de crédito para o Fisco. Que, somente após formalizado, viabilizará o exercício do direito. Em vista disso, conclui-se, segundo Aliomar Baleeiro: que o Código Tributário Nacional reserva o nome de crédito tributário ao direito de crédito, que surge com a ocorrência do fato jurídico, tornado líquido, certo e exigível por meio do lançamento” (BALEEIRO, 2013, p. 1.174)
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Desde já, visando evitar eventuais equívocos, necessário estabelecer a distinção entre procedimento administrativo e lançamento. Este é um ato jurídico administrativo resultante daquele, que, por sua vez, pode assumir diversas modalidades (a saber: de ofício; com base em declaração; ou por homologação). Assim, lançamento é ato jurídico administrativo vinculado e obrigatório, de individualização e concreção da norma tributária ao caso concreto (ato aplicativo), desencadeando efeitos confirmatórios-extintivos (no caso de homologação do pagamento) ou conferindo exigibilidade ao direito de crédito que lhe é preexistente para fixar-lhe os termos e possibilitar a formação do título executivo (BALEEIRO, 2013, p. 1.182). Portanto, o lançamento é ato administrativo cujo efeito jurídico é dotar o direito de crédito, que lhe é preexistente, de exigibilidade, ou confirmá-lo, extinguindo-o na hipótese de homologação tácita ou expressa do pagamento. Não se confunde, assim, com o procedimento do qual resulta. Em conclusão, trata-se de ato administrativo e não procedimento. Ato este que, como se verá, possui caráter definitivo. O art. 145 do CTN ressalva as possibilidades restritas de revisão no lançamento, consagrando o princípio de sua inalterabilidade. Desse modo, o ato jurídico administrativo estará definitivamente pronto quando regularmente notificado ao sujeito passivo. Afinal, a circunstância de poder ser impugnado não significa que tenha caráter provisório, aguardando a expedição de outros atos que o confirmem, pois a susceptibilidade a impugnações é predicado de todos os atos administrativos. Se assim não fosse, diríamos que quase tudo no direito é provisório – v. g., todas as sentenças seriam provisórias, umas vez que delas a parte vencida poderia recorrer. O direito seria um corpo de manifestações interinas meramente transitórias, com um número reduzido de exceções (CARVALHO, 2013, p. 388). Sobre o tema, registra-se a jurisprudência primitiva: STF: CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DECADENCIA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. LANCAMENTO FISCAL. CTN, ART. 142. - COM A LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO FICA CONSUMADO O LANCAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, NÃO HAVENDO, POIS, QUE SE FALAR EM DECADENCIA. A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO PELO CONTRIBUINTE TEM O EFEITO, TÃO-SOMENTE, DE SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. RAZOAVEL INTERPRETAÇÃO DADA PELO ACÓRDÃO AO DISPOSITIVO LEGAL QUESTIONADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (STF. RE 91812, Relator(a): Min. RAFAEL MAYER, Primeira Turma, julgado em 11/12/1979, DJ 08-02-1980 PP00505 EMENT VOL-01159-01 PP-00396) Tendo permanecido, nesse mesmo sentido, a jurisprudência contemporânea: STJ: TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO (TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. RECURSO ADMINISTRATIVO PENDENTE DE JULGAMENTO). SÚMULA 153, DO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS. ARTIGOS 142, 173 e 174, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07 DO STJ. (...) 5. Nos casos em que o Fisco constitui o crédito tributário, mediante lançamento, inexistindo quaisquer causas de suspensão da exigibilidade ou de interrupção da prescrição, o prazo prescricional conta-se da data em que o contribuinte for regularmente notificado do lançamento tributário (artigos 145 e 174, ambos do CTN). (...) 7. No caso sub judice, o auto de infração foi lavrado em 23.05.1986, referente a fatos geradores ocorridos nos anos de 1983, 1984 e 1985.
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Com a lavratura do auto, concretizou-se o lançamento do crédito tributário, conforme art.142, do Código Tributário Nacional, não se consumando a decadência tributária, porquanto a autuação do contribuinte foi efetivada antes do término do prazo de cinco anos. (...) 12. Recurso especial desprovido. (STJ. REsp 1107339/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 23/06/2010) Assim sendo, o lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo é definitivo, desde que não esteja defeituoso. Vale dizer, o lançamento deve satisfazer inteiramente os elementos estruturais do ato jurídico administrativo – ser motivado pela ocorrência da descrição normativa do fato; ser praticado por autoridade competente, nos termos da lei; e possuir a finalidade de tornar exigível, juridicamente, a prestação do tributo. Logo, a citada notificação é o último ato do procedimento de constituição formal do crédito tributário que o torna oponível ao contribuinte. Finalmente, diante do enfoque do lançamento, como ato, passamos a discorrer sobre o momento a partir do qual se consideram preenchidos os elementos do tipo penal e o instante em que a norma penal será aplicada. 4 MOMENTO CONSUMATIVO DOS CRIMES PREVISTOS NO ARTIGO 1º DA LEI N.º 8.137/90. Os valores coletivos reconhecidos pelo Estado e que ensejam a criação de bens jurídicos penalmente tutelados representam o ponto de partida na elaboração e na interpretação dos tipos penais. Afinal, o legislador, por meio do tipo penal, seleciona condutas que se apresentam aptas a causar lesão a bens jurídicos, transformando-as em tipos de delito. E mais: a confirmação que o tipo foi realizado acha-se totalmente entrelaçada à consumação do delito. E, como se sabe, determinar o momento consumativo do crime é operação que tem extrema relevância, pois se reflete no termo inicial da prescrição da pretensão punitiva Estatal Por isso, a noção de consumação deve ser explícita pelo legislador, que o fez nos termos do art. 14, I, do Código Penal. Assim sendo, consuma-se o crime quando o tipo está inteiramente realizado. Ou seja, quando o agente pratica todos os elementos que compõe a sua descrição legal. Mas não é só. Cumpre esclarecer, ainda, que os crimes definidos no art. 1º da Lei n.º 8.137/1990, nas suas diversas modalidades de condutas, são crimes materiais ou de resultado. Ou seja, a conduta descrita integra o próprio tipo penal. Isto é, para a sua consumação, é indispensável a produção de um dano efetivo resultante da ação descrita na lei. Desse modo, os delitos contra a ordem tributária se consumam quando a ação do verbo nuclear do tipo – redução ou supressão do tributo – ocorrer. Logo, é a partir deste momento que o fato existe para a aplicação da norma penal. Mas, por tratar-se de incidência de uma norma penal tributária, certas formalidades tributárias devem ser constituídas para podermos falar em redução ou supressão de tributo. E, por conseguinte, na consumação de crime contra a ordem tributária. Pois bem. Para que algo possa ser suprimido ou reduzido pressupõe-se primeiramente que exista. No modelo teórico que adotamos, a ocorrência do evento-tributário não enseja qualquer efeito jurídico, de modo que o tributo só nasce com a sua devida formalização. Ou seja, tanto a obrigação tributária quanto o crédito, que é um de seus elementos, torna-se devidamente constituído com a notificação ao contribuinte (conforme já tratamos no “item 3.2.” deste trabalho). Nesse sentido, a corrente doutrinária liderada por Leandro Paulsen, a qual corroborarmos:
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“Ainda que sujeito a revisão, não se pode dizer que haja um lançamento provisório. O lançamento, inclusive para fins de decadência, considera-se realizado com a intimação do contribuinte acerca do ato de lançamento (auto de lançamento, auto de infração, NFLD etc.), ainda que sujeito a alteração em virtude de impugnação e recurso do contribuinte no processo administrativo ou mesmo à alteração de ofício.” (PAULSEN, 2006, p. 1.070) Esta primeira corrente manifesta-se no sentido de que a constituição definitiva do crédito tributário, através do seu lançamento, ocorre com o auto de infração. Logo, o crime se consuma no momento da notificação ao contribuinte do citado auto de infração, independentemente de discussões administrativas, por meio do Processo Tributário Administrativo (ou PTA). Mas cumpre registrar que, com base em uma segunda corrente, a constituição definitiva do crédito tributário dar-se-á somente com o trânsito em julgado da decisão administrativa, oriunda do PTA. Segundo este entendimento, o auto de infração implica, tão somente, em uma constituição precária do crédito tributário, posto que ainda não pode ser exigível. Logo, somente neste momento há se que falar em consumação do ilícito pelo não pagamento (ou sonegação). Vale dizer, a decisão administrativa consistem em um elemento normativo do tipo. No entanto, com a devida licença aos pensamentos divergentes, refutamos o posicionamento da segunda corrente doutrinária, pois pensamos que a definitiva do crédito tributário ocorre com a notificação do auto de infração (ou seja, conforme a interpretação exposta pela primeira corrente, liderada por Leandro Paulsen). A supressão ou redução de tributo, para fins de consumação dos eventos-crimes de que trata o art. 1º da Lei n.º 8.137/1990, deve ocorrer juridicamente, pois é no plano normativo que se constata a existência de tributo. Logo, é com o a notificação do auto de infração ao contribuinte, efetuada com base em operações não formalizadas pelo particular, que o tributo reduzido ou suprimido passa a existir. Momento este em que, diga-se, se realizam todos os elementos do tipo e a consequente consumação do delito. Por todo o exposto, o sentido de “definitividade” estabelecido no texto da Súmula Vinculante n.º 244 deve ser entendido, segundo pensamos, com a constituição do crédito tributário pelo Fisco, que se dá com a notificação do auto de infração ao contribuinte. Momento em que se propagarão os efeitos jurídicos oriundos da consumação do fato típico penal diante de eventual supressão ou redução de tributo. Se, posteriormente, mediante decisão administrativa, a existência do crédito ou o seu montante for desconstituído, a ação perde sua fundamentação jurídica. No entanto, “a possibilidade desta desconstituição futura não afasta a consumação do evento-crime tributário” (CARVALHO, 2009, p. 222). Afinal, qualquer pensamento contrário, pressupõe aceitar que o momento constitutivo de qualquer fato jurídico só se dá quando este não mais puder ser impugnado. Ora, eventual impugnação a um fato é consequência da sua existência e dos efeitos que produz. Caso contrário, a impugnação não teria objeto. Até concordamos que o fato de a obrigação tributária exigível poder ser desconstituída traz certa insegurança àqueles submetidos às normas tributárias. E, mais ainda, quando esta obrigação é tomada como objeto de hipótese penal. Entretanto, não podemos justificar a inexistência jurídica deste fato por conta desta incerteza. Desta sorte, o sentido da palavra “definitivo”, previsto no precedente de observância obrigatória, para nós, deve ser entendido como uma definitividade relativa. Portanto, o momento consumativo dos crimes contra a ordem tributária é a notificação do auto de infração relativo à obrigação tributária não formalizada pelo particular ou contribuinte. Este será (como
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buscaremos demonstrar) o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva Estatal. Afinal, nos termos do art. 111, I, do CP, a prescrição começa a correr “do dia em que o crime se consumou”. Assim, conforme o proposto pelo presente trabalho, nos resta identificar este marco nas situações penais tributárias em questão. 5 A CONSUMAÇÃO DO DELITO E A PRESCRIÇÃO NOS CRIMES PREVISTOS NO ARTIGO 1º DA LEI N.º 8.137/90 Vimos que o momento consumativo dos crimes previstos no art. 1º da Lei n.º 8.137/90 corresponde ao auto de infração devidamente notificado ao contribuinte. Notificação esta, frisa-se, que é realizada pela administração ao verificar irregularidades na formalização do crédito tributário ou a sua não constituição. Contudo, registre-se que este não é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal5. Para a Suprema Corte, a consumação dos crimes penais tributários aperfeiçoa-se quando o crédito não puder mais ser discutido administrativamente. Conforme se extrai do voto do Min. Sepúlveda Pertence, a constituição definitiva do crédito tributário dar-se-á com a sua imutabilidade através do transito em julgado da decisão administrativa. Na linha de raciocínio adotada pelo STF, como o sujeito passivo tem o direito de impugnar o lançamento, este ainda não é definitivo. Logo, a notificação ao contribuinte de irregularidades na formalização do crédito tributário não seria suficiente para a consumação dos delitos penais tributários, notadamente diante da possibilidade de impugnar administrativamente eventuais distorções constatadas pelo Fisco. Assim, para o STF, a constituição definitiva do crédito se daria somente com a preclusão do direito inerente ao sujeito passivo de impugnar o lançamento ou notificação. Sendo, desse modo, este o termo inicial do prazo prescricional dos crimes contra a ordem tributária. Porém, data vênia à premissa adotada pelo Supremo Tribunal Federal, assim não pensamos. Afinal, a consumação pressupõe a completa realização do tipo penal. No dizer da nossa Lei Penal, “dizse o crime (...) consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal” (Artigo 14, I, do CP). Vale dizer: “Como o crime material se consuma com a realização do resultado decorrente da conduta (materialização da hipótese fática indicada no verbo contido na descrição típica), no caso dos crimes contra a ordem tributária cujo resultado consiste na evasão tributária, o crime se consuma na data em que deve ser pago o valor correspondente ao tributo ou à contribuição social”. (MACHADO, 2008, p, 356) Logo, com base nos argumentos já expostos, para nós, todo atonorma de lançamento é definitivo, até que outra norma o desconstitua, assim como tudo no direito. Ora, mesmo com o término do processo administrativo iniciado pelo contribuinte o crédito tributário ainda pode ser alterado pela via judicial. Qualquer posicionamento contrário, pressupõe entendermos que, além do término do processo administrativo, deve-se aguardar o decurso do prazo para impugnação judicial, ou o trânsito em julgado da decisão judicial, ou ainda, o prazo da ação rescisória (no caso de relativização da coisa julgada), pois só então o crédito não mais poderia ser modificado e estaria definitivamente constituído. Ademais, a formalização do crédito pelo particular acarreta inúmeras consequências jurídicas, pois inaugura a relação obrigacional nos tributos lançados por homologação6. A propósito, no ensejo desta colocação, como lembra AUTORA TOMAZINI DE CARVALHO: Todas as hipóteses dos artigos 1º da Lei n.º 8.137/90 e art. 337-A do Código Penal dizem respeito a situações em que o particular é o responsável pela constituição do crédito tributário, ou seja em
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que o tributo é sujeito ao “lançamento por homologação”. Assim, com relação a tais crimes, não há que se cogitar diferenças entre lançamento de ofício e lançamento por homologação para o início da contagem do prazo prescricional (CARVALHO, 2009, p. 287) E, como se sabe, nos tributos lançados por homologação, o sujeito passivo tem o dever de apurar o montante devido, efetuar o pagamento no prazo estabelecido em lei, fazer declarações tempestivas e recolher a importância devida, antes de qualquer manifestação da Fazenda Pública. Assim, o ato de homologação expressa ou tácita da atividade do contribuinte tem duplo efeito: o primeiro é o de confirmar as operações realizadas pelo particular; sendo o que o segundo efeito é o de extinguir o crédito tributário (e a obrigação). Nestes termos, após a formalização do crédito pelo particular surge, para a administração, o direito de fiscalização (ou homologação) dos dados fornecidos. Sendo que o direito de o Fisco rever o lançamento do sujeito passivo e, em consequência, exigir diferença ou suplementação do tributo, caduca em cinco anos. Assim, se a Administração não lança qualquer diferença dentro do citado prazo decadencial de cinco anos para a constituição do crédito, pressupõe-se a sua concordância com a formalização efetuada pelo particular. Logo, não há que se cogitar de supressão ou redução de tributo e, portanto, não há crime contra a ordem tributária. Do mesmo modo, quando o particular não formaliza o crédito tributário, compete à Administração fazê-lo. Mantendo-se inerte o Fisco, evidencia-se a sua concordância com a não existência de operações tributáveis – e também não há que se falar em crime contra a ordem tributária. No entanto, se dentro do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário, a Administração, exercendo seu direito de fiscalização, entende que os atos praticados pelo particular não correspondem a todas as operações tributáveis por ele realizadas, ou, ainda, que este não formalizou aquilo que deveria, verificando que a sua conduta tenha efetivamente suprimido ou reduzido tributo, efetuando o respectivo lançamento ou notificação ao contribuinte, constitui-se o crédito tributário, o que, para nós, acarreta a consumação do crime, ocasião em que se deve iniciar a contagem do prazo prescricional. Ora, com a devida vênia ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, não nos parece lógico que o processo administrativo, que constituirá definitivamente o crédito tributário e ensejará eventual consumação do crime, suspenda o curso da prescrição da ação penal, pois o art. 111, I, do Código Penal nos indica que a prescrição começa a correr do dia em que o crime se consumou. Afinal, as normas penais tributárias, antes de serem tributárias, são normas penais e estão sujeitas às regras estabelecidas pela legislação penal geral. Portanto, entendemos que o marco inicial para a contagem do prazo prescricional para aplicação da norma penal tributária nos crimes previstos no art. 1º da Lei n.º 8.137/90, se dá com a notificação do auto de infração, que constitui como jurídico fato tributário não formalizado pelo contribuinte e faz nascer o crédito tributário complementar, atestando a redução ou supressão do tributo. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A intervenção do Estado na economia é fundamental para a preservação da ordem econômica, notadamente diante da natureza supraindividual dos bens jurídicos tutelados pela legislação penal tributária. Por isso, temos uma norma penal tributária quando a conduta descrita relaciona-se com a atividade de arrecadação fazendária. Por consequência, a aplicação da norma penal tributária depende do tratamento dado pelo direito tributário à conduta de formalização e constituição do crédito tributário. No entanto, submete-se ao regime jurídico de aplicação penal, cuja incidência deve observar as regras deste instituto.
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Nestes termos, para os fins que se dedica o presente trabalho, podemos dizer que o direito tributário descreve uma sequencia para constituição do crédito tributário: iniciada com a formalização da obrigação pelo particular, mediante lançamento por homologação, concluise com a notificação ao contribuinte, por meio de ato administrativo. Ademais, constata-se que a “definitividade” do crédito tributário é relativa, assim como todos os atos jurídicos. Afinal, não está relacionada com a imutabilidade do crédito, mas sim à sua existência jurídica. Por isso, considera-se definitivo o crédito constituído juridicamente, ainda que futuramente possa ser modificado. Entretanto, o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a “definitividade” do crédito tributário só ocorre com a preclusão do direito inerente ao contribuinte de impugnar administrativamente o auto de infração ou lançamento. A base do posicionamento da Suprema Corte funda-se na impossibilidade de se modificar a obrigação tributária. Nesse contexto, havendo impugnação administrativa ao lançamento tributário, a consumação do crime só ocorre após a preclusão administrativa, ocasião em que o crédito se encontraria definitivamente constituído – pois a hipótese penal pressupõe o resultado efetivo de supressão ou redução do tributo. Logo, enquanto houver possibilidade de modificação, o crédito não é definitivo e, portanto, não existe suporte para a incidência da norma penal. A premissa do STF é de que a citada “definitividade” do crédito seria alcançada com o término do procedimento administrativo. Mas, como restou demonstrado, após a decisão administrativa o crédito ainda pode ser alterado pela via judicial. Portanto, não compartilhamos do mesmo posicionamento do STF, expondo, uma vez mais, todas as vênias à Egrégia Suprema Corte. Afinal, se há impugnação é porque o crédito tributário foi formalizado. Logo, existe. Segundo entendemos, a consumação do delito para a incidência da norma penal tributária depende somente da formalização do crédito (lançamento de ofício no auto de infração), que constata o resultado lesivo ao fisco. Vale dizer: praticada a conduta descrita no tipo penal e produzido o resultado, que a supressão ou redução do tributo, verificado através da realização do fato gerador pelo contribuinte e a posterior apuração do valor tributável pela Administração, se constata a formalização indevida do crédito pelo particular ou o não pagamento do tributo, ambos de forma dolosa, está consumada a prática do ilícito penal. Afinal, com o lançamento de ofício todos os elementos do tipo já são verificáveis. Desse modo, a consumação dos crimes contra a ordem tributária ocorre com o lançamento de ofício no auto de infração. Fato este, que enseja ao Estado o direito de punir o suposto infrator. É que o ius puniendi nasce com o fato punível, que ocorre com a consumação do delito. Em outras palavras, valer dizer que a pretensão penal inicia-se com a consumação do crime. Momento que, frisa-se, reflete diretamente sobre o instituto da prescrição. Mais precisamente sobre o termo inicial do prazo prescricional. Por esse motivo, a delimitação do marco consumativo dos crimes contra a ordem tributária é tão importante. Afinal, a prescrição da pretensão punitiva impede o exercício do direito do Estado de ver a norma penal aplicada. Ademais, com relação aos crimes contra a ordem tributária, só podemos falar sobre a prescrição determinada pela pena em abstrato7, pois as demais modalidades de prescrições penais, por serem definidas com base na pena em concreto, dependem da análise da cada caso. Assim, a contagem do prazo relativo ao direito de o Estado constituir o crime e aplicar a pena pelo decurso de determinado lapso de tempo tem início com a consumação dos crimes contra a ordem tributária. No caso das hipóteses do art. 1º da Lei n.º 8.137/90, cujo núcleo é o verbo suprimir ou reduzir tributo, o mo-
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mento consumativo é o da constituição do crédito não formalizado pelo particular, através do lançamento de ofício no auto de infração pelo Fisco. Este é o marco inicial para a contagem do prazo da prescrição punitiva penal.
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1 Acadêmico do 9º Período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton. 2 Professor Orientador: Mestre em Ciências Penais pela UFMG. Especialista em Direito Público. 3º Diretor Societário do Instituto de Ciências Penais – ICP. Professor do Centro Universitário Newton. Advogado Criminalista. 3 Hassan Souki, Renato Martins Machado
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
4 SÚMULA VINCULANTE n.º 24, STF: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
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5 Precedente Representativo HC n.º 81.611-8/DF. Relator Ministro Sepúlveda Pertence.
LOPES, Luciano Santos. Injusto Penal: a relação entre o tipo e a ilicitude. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.
6 O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. MACHADO, Hugo de Brito. Crimes Contra a Ordem Tributária. São Paulo: Atlas, 2008. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009.
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7 Vale lembrar que se denomina prescrição abstrata porque ainda não existe pena concretizada na sentença. Sendo que o prazo da prescrição abstrata regula-se pena cominada ao delito, isto é, pelo máximo da pena privativa de liberdade abstratamente prevista para o crime, segundo a tabela do art. 109 do Código Penal.
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HOMICÍDIO QUALIFICADO MEDIANTE PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA Vivian Ferreira Cardoso1 Maurício Lopes de Paula2 Banca examinadora 3 RESUMO: No caso do homicídio mediante paga ou promessa de recompensa, há posicionamentos divergentes ao se tratar da comunicabilidade entre o mandante e o autor ou co-autores na execução do delito. PALAVRAS-CHAVE: Qualificação. Recompensa. Comunicabilidade. Possibilidade. Impossibilidade. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Qualificadora; 3 Artigo 30 do Código Penal; 4 Da impossibilidade de comunicação; 5 Da possibilidade de comunicação; 6 Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO O homicídio qualificado é definido como crime hediondo, nos termos do artigo 1º, I, da Lei n.8.072/90, com redação determinada pela Lei n.8930, de 6 de Setembro de 1994. Com isso, as circunstâncias que qualificam o homicídio, se dividem, porém nos interessa somente o do artigo 121, § 2º,inc.I, mediante paga ou promessa de recompensa. É um crimedenominado de “crime mercenário”, pois se trata de uma modalidade de torpeza na execução de homicídio. A paga ou promessa de recompensa requerem a existência de dois sujeitos: aquele que oferece o pagamento ou recompensa, e aquele que executa o delito por tais motivos. Indaga-se que a qualificadora seria aplicável aos dois ou apenas ao executor. A ratioda qualificadora é o móvel de lucro, pois aquele que oferece a paga ou recompensa, atua sobre uma motivação diversa. O homicídio cometido mediante recebimento de prêmio ou promessa de prêmio é a conhecida morte encomendada a um mercenário, vulgo matador de aluguel. A hipótese de concurso é necessário envolvendo no mínimo duas pessoas sendo possível o intermediário. 2 QUALIFICADORA PREVISTA NO ARTIGO 121, § 2º, inc. I DO CÓDIGO PENAL A qualificação de homicídio mercenário dar-se pelo motivo torpe que leva a execução do delito e a ausência de razões pessoais por parte do executor, ou seja, indício de insensibilidade. O mandante busca a impunidadeea segurança, servindo-se de um terceiro. Neste caso, não é necessário que o pagamento seja efetivamente realizado para qualificado, mas que tenha sido esse o motivo. Tem se afirmado que a recompensa pode ser qualquer retribuição pela execução do delito mesmo a contraprestação sem valor patrimonial, a que corresponde a prestação da atividade criminosa. Os mandatos gratuitos não configuram a qualificação. O mesmo deve dizer-se dos benefícios a posteriori. Segundo Damásio de Jesus: O inciso encerra forma de interpretação analógica, em que o legislador, após forma exemplificativa, emprega forma genérica. No caso, o enunciado exemplificativo está nas circunstâncias da paga e da promessa de recompensa; a cláusula final ou genérica esta no outro motivo torpe. (JESUS,1995) Desta forma, entende-seque a paga ou promessa de recompensa possui caráter pessoal, sendo assim classificadacomo torpe.
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De acordo com Guilherme de Souza Nucci, “torpe é atributo do que é repugnante, indecente, ignóbil, logo, provocador de excessiva repulsa na sociedade”. (Nucci, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 2005. RT). Na verdade, o homicídio praticado mediante promessa de recompensa constitui um mero exemplo, uma espécie,do gênero torpeza. Não é pacífico o entendimento de que a recompensa visada limita-se a retribuição de ordem econômica, porque para Luiz Regis Prado : Predomina o entendimento segundo o qual a recompensa deve ter, para a configuração da qualificadora, conteúdo econômico. Embora não se negue que os motivos não-econômicos possam perfeitamente figurar como móvel o delito, não foram estes incluídos no âmbito da qualificadora. O fundamento de maior reprovabilidade dos mesmo, o que criaria grande insegurança jurídica. Deveria ser analisado, concretamente, se a promessa de um cargo politico, de matrimonio ou de um favor sexual, por exemplo, configurariam ou não motivos torpe, por isso, particularmente reprovável. Por essa razão, acertada a opinião dominante que considera que a paga ou promessa de recompensa devem ter conteúdo econômico. (PRADO, 2002) Todavia, se as qualificadoras se comunicam ou não aos partícipes, se estas são elementares do delito, como parece ser correto, haverá comunicabilidade, se não constituírem elementares, mas forem meras circunstâncias, a solução da comunicabilidade fica à mercê da interpretação que se dê a esta última palavra na redação do art. 30, ou seja, se a qualificadora da paga ou promessa de recompensa é motivação do sujeito comunicar-se-á ao mandante, por força de ser elementar do tipo. 3 ARTIGO 30 DO CÓDIGO PENAL De acordo com o tema em exposto, o artigo 30 do Código Penal Brasileiro preleciona que as circunstâncias e condições de caráter pessoal não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Este artigo nos diz que em regra, entre os coparticipantes (coautores e partícipes) há incomunicabilidade das circunstâncias sendo excepcionada quando se tratar de elementos do crime. Para tanto, é preciso dizer que constituem circunstâncias do fato criminoso aquelas particularidades que circulam o evento principal, podendo determinar aumento ou diminuição na responsabilidade penal.
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Algumas das circunstâncias ou condições de caráter pessoal são elementares de um crime, ou seja, são elementos que, presentes na norma incriminadora, a caracterizam como tal. Ou seja, são dados que integram a figura típica, dela não podendo ser excluídos, sob pena de descaracterização da figura incriminadora. Temos o exemplo que A, funcionário publico, e B, pessoa estranha a Administração Pública, resolvem subtrair um computador na repartição na qual A exerce suas funções. B tem conhecimento de que A é funcionário público. A, em um domingo, valendo-se da facilidade que seu cargo lhe proporciona, identifica-se na recepção e diz ao porteiro que havia esquecido sua carteira de identidade, e que ali voltara para buscá-la, uma vez que dela necessitava fazer uso, tendo, assim, o seu acesso liberado naquele prédio público. Rapidamente, dirige-se para o local onde o computador se encontrava guardado e, abrindo uma janela que dava acesso para a rua o entrega a B, que o aguardava do lado de fora do mencionado prédio. A despede-se do porteiro e vai ao encontro de B, para que, junto, transportassem o bem subtraído. A conduta de A, subsumese ao § 1º do art. 312 do Código Penal, que, cuidando do delito de peculato-furto aduz que aplica-se a mesma pena, e o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. A condição de funcionário público, que fez com que A respondesse pelo delito de peculato-furto, é considerada uma circunstância ou uma elementar do crime. Porem, se retirarmos a qualidade de funcionário público de A, bem como a facilidade que essa qualidade lhe proporcionou para o sucesso da empreitada criminosa, haveria, aqui, uma desclassificação para o delito de furto, razão pela qual concluiremos que a qualidade de funcionário público é uma elementar do tipo do art. 312 do Código Penal, e não somente uma circunstância. Nesse sentido, decidiu o STJ, tendo como relator o Ministro Cernicchiaro: O peculato é crime próprio, no tocante ao sujeito ativo; indispensável a qualificação – Funcionário Público. Admissível, contudo, o concurso de pessoas, inclusive quanto ao estranho ao serviço público. Não se comunicam as circunstâncias e condições de caráter pessoal, salvo elementares do crime. Pois, segundo o artigo 30 do Código Penal, quando essas condições ou circunstâncias forem elementares do crime, elas deverão aproveitar a todos os sujeitos que tiverem concorrido para o homicídio. Mesmo que sejam pessoais as circunstâncias ou condições, mesmo que se constituam atributo do agente, por fazerem parte integrante do tipo penal elas aproveitarão, se comunicarão a todos os sujeitos. Circunstâncias são dados periféricos, acessórios, que gravitam ao redor da figura típica somente interferindo na graduação da pena. A existência ou não de uma circunstância em nada interfere na definição da figura típica, tendo a sua importância limitada ao aumento ou diminuição da pena de uma determinada infração penal. As circunstâncias Objetivas, Materias ou Reais, se ingressarem na esfera de conhecimento dos coparticipantes se comunicarão, e os meios que propiciam a execução do delito, o lugar, o tempo e qualidade da vítima, também irão se relacionar com o fato delituoso devido a sua materialidade. Já as circunstâncias Subjetivas ou Pessoais, são aquelas que dizem respeito a pessoa do agente, não tendo qualquer relação com a materialidade do delito, como motivos determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e relações com a vítima ou com outras
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concorrentes. Assim, elas não se comunicam aos coparticipantes, a não ser que se transformem em elemento do tipo penal, ou seja, de simples dado periférico passe a ser um dado essencial a figura típica. Deverá, ainda, para que seja estendida, ingressar na esfera de conhecimento dos coparticipantes. Ao contrário, os elementos do tipo são dados essenciais a figura típica, sem os quais ou ocorre a atipicidadeabsolutaou uma atipicidade relativa. Com a atipicidade absoluta, o fato praticado pelo agente torna-se um indiferente penal; já os casos de atipicidade relativa nos conduzem a chamada desclassificação. No que tange às elementares, cumpre ressaltar que estas são configuradoras de tipos penais. As elementares servem como uma característica inerente ao tipo penal sem a qual não restaria conduta incriminada ou haveria uma conduta diversa da em questão. Nas palavras deFernando Capez, as elementares “provêm de elemento, que significa componente básico, essencial, fundamental, configurando assim todos os dados fundamentais para a existência de figura típica”. Com isso, é de grande relevância conclui-se por uma circunstância subjetiva, é incomunicável e, ou por outro lado, elementar do tipo é comunicável. 4 DA IMPOSSIBILIDADE DA COMUNICAÇÃO Acerca do tema, existem duas correntes divergentes, a qual trataremos a seguir. No caso do homicídio mediante paga ou promessa de recompensa surgem graves problemas para com a distribuição de responsabilidade penal entre os concursantes. Para esta primeira corrente, em se falando de responsabilidade penal entre os concursantes, o artigo 30 do Código Penal, prevê que não se comunicam com as circunstâncias de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Assim, se um sujeito A, paga um mercenárioB, para matar seu inimigo, o mercenárioB responde pela qualificadora , e A pelo homicídio simples. Fernando Capez, Flávio Monteiro de Barros, Luiz Regis Prado e Rogério Grecco, concordamcom essa possibilidade. Foi inclusive entendimento do STJ – 5ª. Turma – Relator e Ministro. Féliz Fischer, DJ. 19.12.2003. Fernando Capez afirma: Embora haja decisão no sentido de que tanto o mandante quanto o executor respondem pela forma qualificada do delito,pois a qualificadora, embora subjetiva, é elementar do tipo, entendemos que, por se tratar a qualificadora de mera circunstância, e não de uma elementar, não há que falar em comunicabilidade desde inciso, dado que possui natureza subjetiva (motivo do crime é algo relacionado ao agente, não ao crime), a luz do que dispõe o artigo 30 do CP. (CAPEZ,2004) Assim, para ele o executor responderá pela qualificadora , pois cometeu o crime impelido por motivo de cupidez econômica, mas o mandante não, devendo responder pelo seu próprio motivo. Neste entendimento o mandante não deve responder pelo crime qualificado, mas sim por homicídio simples. pois as qualificadoras devem ser interpretadas como circunstâncias, e não elementares do tipo. Dessa forma, entende-se que é possível que o mandante do homicídio mercenário possa ter praticado o crime por relevante valor social ou moral, sem infringir a regra geral de comunicabilidade das circunstâncias subjetivas tampouco incorrer no problema de coincidência de aspectos subjetivos orientadores de qualificadora e privilégio que, segundo a doutrina majoritária, seriam incompossíveis.
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Greco, ensina que o mandante não responde pela qualificadora, e diz: Imagine a hipótese na qual um pai de família, trabalhador, honesto, cumpridor de seus deveres, que em virtude sua situação econômica ruim tenha que residir em um local no qual impera o tráfico de drogas. Sua filha, de apenas 15 anos de idade, foi estuprada pelo traficante que dominava aquela região.Quando soube da notícia, não tendo coragem de, por si mesmo, causar a morte do traficante,contratou um justiceiro. O pai da menina estuprada, deverá responder pelo delito de homicídio simples, ainda com a diminuição de pena relativa ao motivo de relevante valor moral. Já o justiceiro responderá pela modalidade qualificada. (GRECO, 2011) Esta corrente,acredita que, o agir do executor é a cobiça, coisa que, em realidade, nunca é a inspiração do mandante, que tanto pode agir torpemente, por exemplo, por vingança, quanto por relevante valor social. Existindo essa comunicabilidade, por exemplo, o homicida que contrata outro para que em seu nome mate o estuprador de sua filha, ou para que desligue a máquina que mantém vivo o parente enfermo realiza um delito que pode ser, em determinadas circunstâncias, considerado como motivado por relevante valor social ou moral. No entanto, o privilégio não seria aplicável por força da comunicabilidade das circunstâncias de caráter subjetivo consistentes justamente no motivo do sicário, que não é o motivo do contratante. Com essa linha de pensamento, não constituiilegalidade cada autor, co-autor ou partícipes responde pelas suas circunstâncias de caráter pessoal, dentre as quais situa-se a motivação do delito – o executor será responsabilizado por ter aceitado retirar a vida de outrem mediante o recebimento de uma contra-prestação, já o autor será responsabilizado pela sua intenção ao ter dado a causa a pratica infracional. Ementa Oficial: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - SENTENÇA DE PRONÚNCIA - HOMICÍDIO QUALIFICADO - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - IMPOSSIBILIDADE - NEGATIVA DE AUTORIA - NÃO DEMONSTRADA DE FORMA INCONTROVERSA - “IN DUBIO PRO SOCIETATE” - AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DA PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA EM RELAÇÃO À MANDANTE - NECESSIDADE - INCOMUNICABILIDADE DA CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Inviável é a absolvição sumária prevista no artigo 415inciso II do Código de Processo Penal quando não comprovada de forma incontroversa que a recorrente não é a mandante do fato. 2. Afasta-se a qualificadora da paga ou promessa de recompensa em relação a recorrida por inexistir comunicabilidade desta circunstância entre mandante e executor. 3. Recurso parcialmente provido. 5 DA POSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO A comunicabilidade das circunstâncias é a segunda corrente, e a fórmula preferida nos tribunais e por boa parte da doutrina. Essa linha de pensamento, visa que o executor e o mandante devem responder pelo homicídio qualificado, pois as elementares (mediante paga ou promessa de recompensa) se comunicam. Em se falando de comunicabilidade entre os sujeitos,admite a comunicação das circunstâncias de caráter real (objetivas), mas não se comunicam as circunstâncias de caráter pessoal (subjetivas). Portanto, existem duas situações diferentes: as circunstâncias subjetivas só se comunicam quando forem elementares do tipo, isto é, forem imprescindíveis à adequação típica, ao passo que as circunstâncias objetivas sempre se comunicam.
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Entretanto, para a comunicação, independente da natureza, farse-á necessário a ciência do co-autor ou partícipe, sob pena de reconhecermos responsabilidade objetiva. A admissão da comunicabilidade da paga ou promessa de recompensa, seja por considerá-la uma elementar do tipo ou uma circunstância real, possibilitaria, em tese, que um homicídio fosse praticado por motivo torpe e relevante valor moral ao mesmo tempo. Para Fernando Galvão: Os tipos derivados ou qualificados são autônomos em relação aos tipos principais, pelo que o autor considera que a circunstância de ter sido o crime cometido mediante paga ou promessa de recompensa, como elementar do tipo, comunica-se ao mandante, de modo que ambos responderão por homicídio qualificado. Contudo, com esse pensamento, existindo a comunicabilidade, o homicida que contrata outro para que em seu nome mate o estuprador de sua filha, ou que desligue a máquina que mantém vivo o parente enfermo realiza um delito que pode ser, em determinadas circunstâncias, considerado como motivado relevante valor social ou moral, ou seja, o privilégio não seria aplicável por força da comunicabilidade das circunstâncias de caráter subjetivo consistentes no motivo do contratado, que não é o motivo do contratante. (GALVÃO,2007) A jurisprudência pátria, sem maiores vacilos, aceita este posicionamento: Homicídio: qualificadora de cometimento do crime mediante paga oupromessa de recompensa que, embora relativa ao mandatário, secomunica ao mandante (STF - HC 69940/RJ - 1ª Turma, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, DJU 02.04.93, p. 5621). O informativo 375 do STJ, nos remete dizer que no homicídio, o fato de ter sido o delito praticado mediante paga ou promessa de recompensa, por ser elemento do tipo qualificado, é circunstância que não atinge exclusivamente o executor, mas também o mandante ou qualquer outro co-autor. Ademais, com relação ao pedido de exclusão da qualificadora do recurso que impossibilitou a defesa da vítima, torna-se necessário o revolvimento do conteúdo fático-probatório, o que é vedado na via estreita do habeas corpus. Precedentes citados do STF: HC 71.582-MG, DJ 9/6/1995; do STJ: HC 56.825-RJ, DJ 19/3/1997, e REsp 658.512-GO, DJ 7/4/2008. HC 99.144-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 4/11/2008. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por exemplo, admite a comunicação, punindo o mandante também por crime qualificado. O Tribunal tem o seguinte argumento: Tanto o mandante quanto o executor respondem pela forma qualificado do delito, pois ainda quando de caráter subjetivo, as qualificadores podem comunicar-se aos partícipes, caso sejam conhecidas por eles, posto que não se trata de circunstâncias meramente acidentais ou condições pessoais, mas de elementar do crime. STJ: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO MEDIANTE PAGA. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORAS. INVIABILIDADE. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. COMUNICABILIDADE. RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. No homicídio mercenário, a qualificadora da paga ou promessa de recompensa é elementar do tipo qualificado e se estende ao mandante e ao executor. 2. Para se excluir a qualificadora do recurso que impossibilitou
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a defesa da vítima é indispensável o revolvimento do material fático-probatório, o que é vedado na via do habeas corpus. 3. Ordem denegada. HC 99144 / RJ HABEAS CORPUS 2008/0015031-9 Ministro OG FERNANDES (1139) T6 - SEXTA TURMA 04/11/2008 DJe 09/12/2008 STJ: A Turma entendeu que, no homicídio, o fato de ter sido o delito praticado mediante paga ou promessa de recompensa, por ser elemento do tipo qualificado, é circunstância que não atinge exclusivamente o executor, mas também o mandante ou qualquer outro co -autor. Ademais, com relação ao pedido de exclusão da qualificadora do recurso que impossibilitou a defesa da vítima, torna-se necessário o revolvimento do conteúdo fático-probatório, o que é vedado na via estreita do habeas corpus. Precedentes citados do STF: HC 71.582-MG, DJ 9/6/1995; do STJ: HC 56.825-RJ, DJ 19/3/1997, e REsp 658.512-GO, DJ 7/4/2008. HC 99.144-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 4/11/2008. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O “crime mercenário”, como chamamos para o crime previsto no ,artigo 121, § 2º,inc.I, tem-se essa denominação por ser um homicídio cometido mediante uma contraprestação. O artigo 30 do Código Penal, nos remete dizer que como o delito é praticado perante o concurso de pessoas, as suas circunstâncias e condições de caráter pessoal não se comunicam, salvo quando forem elementares do crime. Porém, o tema abordada é de grande polêmica em nosso ordenamento jurídico, pois divergentes são suas teorias. Por serem circunstâncias de caráter pessoal, ocorre a impossibilidade de comunicação entre os sujeito, ou seja, o mandante responderá pelo crime de homicídio simples, e o executor pela qualificadora . Por outro lado, pode ser elementar do tipo, ambos os sujeitos do delito, responderão pelo crime de homicídio qualificado, e possibilitaria, em tese, que um homicídio fosse praticado por motivo torpe e relevante valor moral. Pelo que foi acima esplanado, concluímos que a paga ou promessa de recompensa é classificada como torpe,e como tal deve ser tratada, pois a motivação do mandante não necessariamente será abjeta, desprezível ou repugnante. De acordo com o estudo do tema, acredito eu, que por ser definido como crime mercenário, e cujo o executor o fez em troca de alguma recompensa, ao praticar o delito por mero “interesse” econômico ou social, somente ele, ou em conjunto com seu co-partícipes deverão responder pela qualificadora, pois além de ceifar a vida de outrem,
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o cometeu em troca de um prêmio, sendo extremamente desumano e contra os princípios da dignidade da pessoa humana. E ao se falar do mandante, responderia por homicídio simples.
REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal : parte geral, 1. 17. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. São Paulo: Saraiva, 2012. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal : parte geral, volume 1 (arts. 1º a 120). 7. ed. rev. e atual. de acordo com as Leis n. 10.741/2003, 10.763/2003 e 10.826/2003. São Paulo: Saraiva, 2004. FLÁVIO, Monteiro de Barros. Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1 - 9ª Ed. 2011, DIREITO PENAL 1 - PARTE GERAL - 9ª edição. GALVAO, Fernando .Direito Penal – Parte Geral – 5ª Ed. 2007 GRECO. Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral – Vol.1 – 13ª ED. 2011. Revista, ampliada e atualizada ate 1º de Janeiro de 2011. JUSBRASIL, TJ-MG - Rec em Sentido Estrito : 10271120084774001 MG. Disponívelem:http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/115356843/rec-em-sentido-estrito-10271120084774001-mg. Acesso 16 de Maio de 2014 JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. v. 1. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. JUSBRASIL, STJ - HABEAS CORPUS : HC 99144 RJ 2008/0015031-9. Disponível em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2034024/habeas-corpus-hc99144-rj-2008-0015031-9 Acesso em 18 de Maio de 2014 JURÍDICO. Âmbito. Concurso de pessoas: comunicabilidade de circunstâncias e elementares. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_ link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14009. Acesso em 16 de Maio de 2014 CRIMINAL .Jurisprudência, 4ª ed. Forense, Rio de Janeiro/RJ, 1982, P.345 a 347 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 2005. RT PRADO. Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro - Vol. 1 - Parte Geral - 12ª Ed. 2002 STJ. Informativo 375. Acesso em 22 de Maio de 2014.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda do 9º período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton 2 Mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais 3 Marcelo Sarsur Lucas da Silva, Maurício Lopes de Paula
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VIABILIDADE DO PROGRAMA FAMÍLIAS ACOLHEDORAS EM BELO HORIZONTE Anne Marielle Moreira Ribeiro1 Júlio Zini2 Banca examinadora3
Resumo: O presente artigo científico visa analisar a viabilidade do Programa Famílias Acolhedoras na cidade de Belo Horizonte como alternativa ao acolhimento institucional. Tal medida ocorre em caráter excepcional e temporário pelo Estado, que tem o intuito de interromper a situação de risco em que a criança e o adolescente se encontram. Considerando que a família de origem tem o seu poder familiar suspenso em virtude da impossibilidade de cumprir com suas funções de cuidado e proteção, a criança e o adolescente são inseridos na família substituta, acolhedora, mediante guarda judicial provisória. Diante disso, verifica-se que esse programa é viável, sendo um meio de proteção aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, de modo que o menor recebe atendimento personalizado e individual, além de participar da comunidade local. Palavra-chave: Entidade Familiar. Função Social. Medida Protetiva. Família substituta. Projeto Famílias Acolhedora em Belo Horizonte.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 ENTIDADE FAMILIAR. 3 FAMÍLIA SUBSTITUTA E OS DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. 3.1 Direito à Convivência Familiar e Comunitária. 3.2 Acolhimento Familiar. 3.3 Passos do Acolhimento. 4 PROGRAMA FAMÍLIAS ACOLHEDORAS EM BELO HORIZONTE. 5 CRITICAS. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO A Constituição Federativa da República Brasileira (CF/88) consagra que é dever do Estado, da sociedade e da família, que a criança e o adolescente tenham acesso a todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Nesse sentido, é obrigação de tais entidades propiciarem o devido desenvolvimento da criança e do adolescente, garantindo-lhes a convivência familiar e comunitária. Concomitantemente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece tal convivência deve ocorrer prioritariamente no âmbito da família de origem e, excepcionalmente, em família substituta. Sendo assim, quando a criança e o adolescente, têm os seus direito violados pela família de origem, é obrigação do Estado adotar políticas públicas para que tais direitos sejam protegidos. Dentre as medidas, em caráter excepcional e temporário, há o acolhimento familiar. Nessa linha, o presente trabalho tem por objetivo analisar a viabilidade do acolhimento de crianças e adolescentes no Programa Famílias Acolhedoras na cidade de Belo Horizonte, como alternativa do não acolhimento institucional em abrigos. O programa prioriza o interesse do menor, para fim de resguardar seu bem-estar, criando um ambiente familiar saudável e adequado. 2 ENTIDADE FAMILIAR Em 1988, a Constituição Federativa da República Brasileira (CF), em seu artigo 226, §§1º a 4º, fez referência a três categorias de famílias, sendo o casamento, a união estável e o núcleo monoparental. Nesse sentido, Paulo Lôbo (2002, p.9) afirma: Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 223 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade.
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Concomitante, o conceito de família natural é trazido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei 8.069/90, em seu art. 25, na qual afirma que é “a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”. A lei 12.010/09 introduziu o parágrafo único neste artigo expondo o conceito de família extensa ou ampliada sendo “aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”. Conforme afirma Maria Berenice Dias (2013, p.57) a família extensa é uma espécie da família substituta, uma vez que, sob uma perspectiva prática, os parentes próximos precisam regularizar a situação por meio da guarda, tutela ou mesmo adoção. Neste mesmo raciocínio, a autora (2013, p.57) evidencia que “somente não havendo possibilidade de reinserção na família biológica nem inclusão na família extensa é que se passa a falar em família substituta.”. Para Pablo Stolze Gagliano (2012, p.63) “família é um núcleo existencial integrado por pessoas unidas por um vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes”. Ao encontro desse conceito a Política Nacional de Assistência Social (2004) afirma que família é o grupo de pessoas que se acham unidas por laços consanguíneos, afetivos e, ou de solidariedade. Diante disso, considerando o atual entendimento sobre o conceito de família, é mister salientar a função social de tal entidade. Segundo Rosenvald (2010, p.10): A família cumpre modernamente um papel funcionalizado, devendo, efetivamente, servir como ambiente propício para a promoção da dignidade e a realização da personalidade de seus membros, integrando sentimentos, esperanças valores, servindo como alicerce fundamental para o alcance da felicidade. O psicanalista Jacques Lacan4 (2012, apud GAGLIANO, p.35) acrescenta: Entre todos os grupos humanos, a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura. Se as tradições espirituais, a manutenção dos ritos e dos costumes, a con-
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servação das técnicas e do patrimônio são com ela disputados por outros grupos sociais, a família prevalece na primeira educação, na repressão dos instintos, na aquisição da língua acertadamente chamada materna. Conforme preceitua Guilherme Calmon (2001) deve-se preservar o que há de mais importante na família, dentre estes, o sentimento afetivo, a solidariedade, a proteção mútua, o respeito e a consideração. O projeto familiar se vincula de forma indissolúvel à noção de função social da família, de maneira que quanto melhor for observado conforme os preceitos dos valores e princípios constitucionais terá o cumprimento mais efetivo da função social da família. Dessa forma, percebe-se a grande importância da entidade familiar, vista que proporcionam as diretrizes bases para seus integrantes, promovendo o desenvolvimento de personalidade e caráter, além de ser alicerce para formação de valores, cultura, política. Importante ressaltar que o descumprimento das funções sociais da família acarretará determinados efeitos jurídico de caráter negativo entre os familiares. Por sua vez, é mister salientar que diante de tais efeitos sempre deverá ser observado o Princípio do Melhor Interesse do Menor, visto que deve-se preservar a situação de fragilidade que o menor se encontra, garantindo seus direitos fundamentais, assegurando-lhe o seu pleno desenvolvimento e formação como cidadão, impedindo, portanto, os abusos de poder pela família. Quando a família, ao invés de proteger a criança e o adolescente, viola seus direitos, uma das medidas previstas no ECA (art. 101, VIII) para impedir a violência e a negligência contra eles é a inserção do menor em uma família substituta. Essa inserção em lar substituto é medida protetiva, excepcional, destinada a crianças e adolescentes em situação de risco, desde que comprovada a impossibilidade de a família natural prover as condições básicas exigíveis. Mesmo assim, sempre que possível, apenas pelo tempo necessário à readequação da família natural. 3 FAMÍLIA SUBSTITUTA E OS DIREITOS DA CRIANÇA A CF em seu artigo 227 expôs claramente o “Princípio da Proteção Integral à Criança e Adolescente”, na qual fixou a questão do menor como prioridade absoluta, dever da família, da sociedade e do Estado, assegurando direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. O ECA veio proteger, integralmente, a criança até 12 anos de idade e o adolescente entre 12 e 18 anos, e, excepcionalmente, o menor entre 18 e 21 anos (art. 1º e 2º) assegurando-lhes todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, afirmando, assim, as garantias asseguradas na CF/88, passou a reconhecer essas crianças e adolescentes como sujeitos de direito (art. 15) tendo como objetivo garantir o “desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidades” (art. 3º). Além disso, o art. 5º do ECA expõe claramente que “nenhuma criança e adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (...)”. Concomitantemente, o art. 17 do mesmo dispositivo legal afirma que a criança e o adolescente têm direito ao respeito que consiste na inviolabilidade da integralidade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Assim, para tentar cessar a infringência dessas garantias, qualquer suspeita ou confirmação de maus-tratos contra menores, deve ser comunicado ao Conselho Tutelar da respectiva localidade (art. 13).
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3.1Direito à Convivência Familiar e Comunitária Como base da sociedade, a família tem especial proteção do Estado (CF, art. 226) e nela, preferencialmente deve ser mantido a criança e adolescente. Como bem expõe o art. 19 do ECA: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Além do mais, o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (CF, art. 226,§ 8º). O acolhimento institucional deve ser uma medida extraordinária e provisória e o ECA obriga que se assegure a “preservação dos vínculos familiares e a integração em família substituta quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem” (arts. 92 e 100). Conforme art. 28 do ECA, “a colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente” e sempre que possível, o menor deverá ser previamente ouvido, por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião, devidamente considerada pelo julgador. Apesar de extrema relevância, a vontade da criança ou do adolescente não deve ser o fator preponderante para convicção do magistrado da infância e da juventude, a quem cabe procurar sempre a situação mais conveniente ao bem-estar do menor. Porém, tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, que será colhido em audiência. Ponto importante é a inovação trazida pela lei 12.010/09 art. 25,§4º, na qual grupos de irmãos serão colocados na mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, de qualquer forma, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. A colocação em família substituta não admitirá transferência da criança ou adolescente a terceiros ou a entidades governamentais ou não governamentais, sem autorização judicial (art. 30). Esse dispositivo veda a transferência dos menores sem autorização judicial, uma vez que é obrigação do Estado, especificadamente, o Poder Judiciário e o Ministério Público oferecer condições mais próximas do modelo familiar, a fim de evitar e minimizar as sequelas deixadas no menor. A inserção da criança e adolescente em família substituta poderá ser de caráter efetivo ou temporário. Segundo Munir Cury (2013, p. 138): “na substituição eventual, o substituto, assumindo a posição do substituído, não perde sua qualidade de substituto, a fim de que continue em condições de assumir ou ocupar o posto do substituído todas as vezes que este falar ou estiver impedido.”. Portanto, ao assumir a posição de substituta, assume a família receptora da criança ou adolescente todos os direitos e deveres inerentes aqueles da família de origem. Sendo assim, a família substituta assume os deveres contidos no art. 227 da CF juntamente com o art. 4º do ECA, obviamente na proporção em que se estende a guarda, a tutela ou a adoção. Além do mais, o autor (CURY, 2013, p.139) expõe que: Se assume temporariamente a posição da família substituta, também restritos estarão os direitos que poderá exercer. Assim, se posta a criança ou adolescente sob a guarda de uma família substituta, poderá esta exercer todos os direitos que não importem maior disposição além da própria assistência material e moral e a educação dos pupilos, só podendo, entretanto, excepcionalmente (art. 33, § 2º, do ECA) conceder-lhes
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autorização para casar ou, mesmo, negar este consentimento desde que devidamente especificado pelo magistrado qual ato poderá ser praticado. Isto porque redundaria numa forma indireta de emancipação, poder do qual não se acha investida aquela família substituta eventual, e até mesmo se opor aos próprios pais biológicos e legalmente reconhecidos (art 33, caput). Por outro lado, à família detentora da guarda é vedado nomear-lhes tutor, quer por testamento ou outro documento autêntico, visto que não lhe foi outorgado o direito ao exercício do poder familiar dos pais originários, o que só ocorre após a prévia destituição destes e a concessão da adoção. A guarda transfere ao guardião, a título precário, os atributos constantes do art. 1634, I, II, VI, VII do Código Civil (CC/02) - lei nº 10.406/2002, não implicando a prévia suspensão ou destituição do poder familiar e apenas exigindo procedimento contraditório quando houver discordância de qualquer dos genitores. De acordo com os art. 22 e 24 do ECA, a medida extrema de suspensão do poder familiar deve ser aplicada apenas nos casos em que, injustificadamente, os pais ou responsáveis deixarem de cumprir os deveres de sustentar, educar, proteger seus filhos, além dos deveres elencados no art. 1634 CC/02. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório. A suspensão ocorrerá quando houver abuso de autoridade, falta aos deveres inerentes, dilapidação dos bens dos filhos ou condenação dos pais por sentença irrecorrível, em virtude cuja pena exceda dois anos de prisão (art. 1637 CC/02). É mister ressaltar que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar. (art. 23 ECA). 3.2 Acolhimento Familiar Conforme preceitua o art. 34, §§ 1º e 2º, do ECA “a inclusão da criança e adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida”. O acolhimento institucional tradicional traz características que “não favorecem o atendimento personalizado e em pequenos grupos, nem a participação na vida da comunidade local” (art. 92), e por esses motivos o acolhimento familiar é a medida protetiva que terá preferência ao acolhimento institucional. O caráter temporário da medida de acolhimento familiar, que embora seja preferível ao acolhimento institucional, não deve se estender por um período prolongado, devendo-se buscar alternativas para colocação familiar, junto à família extensa ou mesmo perante terceiros. O art. 29 do ECA mostra claramente a vedação legal impeditiva de colação em família substituta que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não desfrute de ambiente familiar adequado. Tal medida se mostra acertada tendo em vista a necessidade da criança e adolescente permanecer em um ambiente salutar possibilitando o bom desenvolvimento do menor. Para cumprir esse dispositivo é fundamental um estudo prévio da família acolhedora por uma equipe interprofissional. No programa Famílias Acolhedoras, as famílias são selecionadas, capacitadas e acompanhadas por uma equipe técnica, além da obrigatoriedade de preencherem uma serie de requisitos. A busca por um ambiente que desenvolva no menor valores que o conduzam ao equilíbrio emocional requer mais do que a simples avaliação do aspecto material ou moral de uma família. Especificadamente, o art. 92 do ECA detalhou os princípios fundamentais exigíveis das entidades de acolhimento, inclusive as de acolhimento familiar:
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Art. 92 - As entidades que desenvolvam programas de acolhimento familiar ou institucional deverão adotar os seguintes princípios: I - preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar; II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa; III - atendimento personalizado e em pequenos grupos; IV - desenvolvimento de atividades em regime de co-educação; V - não desmembramento de grupos de irmãos; VI - evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados; VII - participação na vida da comunidade local; VIII - preparação gradativa para o desligamento; IX - participação de pessoas da comunidade no processo educativo. Além de todos esses princípios fundamentais, o ECA em seu art. 92 trouxe várias outras inovações, na qual obriga os dirigentes das entidades de acolhimento a remeterem à autoridade judiciária, no prazo máximo de 6 (seis) meses, relatório sobre a atual situação da criança e adolescente. Ademais, os entes federados deverão promover a qualificação dos profissionais que atuaram conjuntamente com as entidades de acolhimento, sendo familiar ou institucional. Dentro outras medidas, estimula o contado da família de origem com a criança, sendo inclusive uma forma de preparação para retomada do convívio familiar, que em regra, deverá ocorrer de forma mais breve possível. Art. 92 (...) § 1o O dirigente de entidade que desenvolve programa de acolhimento institucional é equiparado ao guardião, para todos os efeitos de direito. § 2o Os dirigentes de entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional remeterão à autoridade judiciária, no máximo a cada 6 (seis) meses, relatório circunstanciado acerca da situação de cada criança ou adolescente acolhido e sua família, para fins da reavaliação prevista no § 1o do art. 19 desta Lei. § 3o Os entes federados, por intermédio dos Poderes Executivo e Judiciário, promoverão conjuntamente a permanente qualificação dos profissionais que atuam direta ou indiretamente em programas de acolhimento institucional e destinados à colocação familiar de crianças e adolescentes, incluindo membros do Poder Judiciário, Ministério Público e Conselho Tutelar. § 4o Salvo determinação em contrário da autoridade judiciária competente, as entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional, se necessário com o auxílio do Conselho Tutelar e dos órgãos de assistência social, estimularão o contato da criança ou adolescente com seus pais e parentes, em cumprimento ao disposto nos incisos I e VIII do caput deste artigo. § 5o As entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional somente poderão receber recursos públicos se comprovado o atendimento dos princípios, exigências e finalidades desta Lei. § 6o O descumprimento das disposições desta Lei pelo dirigente de entidade que desenvolva programas de acolhimento familiar ou institucional é causa de sua destituição, sem prejuízo da apuração de sua responsabilidade administrativa, civil e criminal.
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Percebe-se que a integração em família substituta deve ocorrer quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa. O atendimento personalizado e em pequenos grupos e o não desmembramento de grupos de irmãos devem sempre ser priorizados. Além disso, as entidades de acolhimento deverão se pautar nos princípios fundamentais do ECA, sempre proporcionando a proteção integral da criança e do adolescente. As entidades que desenvolvem os programas de acolhimento familiar só poderão receber os recursos públicos se comprovados o atendimento de todos esses princípios e exigências do ECA. Outrossim, as famílias acolhedoras devem ser qualificadas e para tanto, os entes federados, por intermédio dos Poderes Executivo e Judiciário, irão promover conjuntamente a qualificação dos profissionais que atuam nos programas de acolhimento. Apesar de suspenso o poder familiar, as entidades de acolhimento deverão estimular o contato da criança e adolescente com seus familiares, visando o fortalecimento dos vínculos, podendo este contato ser na família natural ou extensa, tendo em vista e excepcionalidade da medida e a grande probabilidade do menor retornar a sua família e, por isso, os vínculos não podem ser cortados. 3.3 Passos do acolhimento O ECA em seu art. 98 mostra, mais uma vez, que é dever da sociedade ou do Estado, dos pais ou responsável assegurar a criança e adolescente seus direitos básicos. Sendo esses direitos ameaçados ou violados caberão as medidas de proteção, sendo estas aplicadas isoladamente ou cumulativamente, bem como substituídas (art. 99, ECA). A aplicação das medidas de segurança levarão em consideração as necessidades pedagógicas preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (art. 100, ECA). Percebe-se, assim, que antes deverá atender as necessidades pedagógicas e, complementarmente, devem dar primazia às medidas que fortaleçam os vínculos familiares e comunitários, visto que só poderão ser aplicado em casos excepcionais e depois de uma análise do caso. Além de todos os princípios já explicitados, o parágrafo único do referido artigo, expõe que há outros que devem ser preservados, como: a) o reconhecimento da criança e adolescente como sujeito de direito; b) a proteção integral e prioritária, sendo que toda norma contida na lei deverá ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos do menor; c) a responsabilidade primária e solidária do poder público, sendo de responsabilidade das três esferas de governo; d) privacidade, na qual devem ser preservados a intimidade, o direito à imagem e a reserva da sua vida privada; e) a intervenção precoce, sendo essencial a intervenção das autoridades competentes a partir do momento em que a situação de perigo seja conhecida; f) a intervenção mínima deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e adolescente; g) a proporcionalidade e atualidade, afirmando que a intervenção deve ser necessária e adequada a situação de perigo em que o menor se encontra; h) a responsabilidade parental, sendo que a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e adolescente; i) a prevalência da família, na qual as medidas de promoção de direitos e proteção do menor sejam preferencialmente a permanência da criança na família natural ou extensa e se isso não for possível, a integração em família substituta; j) obrigatoriedade da informação, na qual a criança, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, os pais ou responsável devem ser informados dos seus direitos e os motivos da intervenção; k) e por fim a oitiva obrigatória e participação da criança e adolescente nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção.
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Além disso, verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: a) o encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; b) orientação, apoio e acompanhamento temporários; c) matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino fundamental; d) inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; e) requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; f) inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; g) acolhimento institucional; h) inclusão em programa de acolhimento familiar; i) colocação em família substituta. Observa-se que este rol de medidas é meramente exemplificativo, podendo ser aplicadas outras medidas que se mostrem adequadas às necessidades pedagógicas da criança e adolescente, conforme art. 100 do ECA. Ressalta-se que sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual e das providências a que alude o art. 130 do ECA, o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério Publico ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa. Ademais, imediatamente após o acolhimento do menor, o programa de acolhimento deverá elaborar um plano individual de atendimento, visando à reintegração familiar, ressalvada a existência de ordem escrita e fundamentada em contrário de autoridade judiciária competente. Este plano individual deverá ser elaborado sob responsabilidade da equipe técnica do respectivo programa e levará em consideração a opinião da criança e do adolescente e dos pais ou responsável. Art. 101 (...) § 6o Constarão do plano individual, dentre outros: I - os resultados da avaliação interdisciplinar; II - os compromissos assumidos pelos pais ou responsável; e III - a previsão das atividades a serem desenvolvidas com a criança ou com o adolescente acolhido e seus pais ou responsável, com vista na reintegração familiar ou, caso seja esta vedada por expressa e fundamentada determinação judicial, as providências a serem tomadas para sua colocação em família substituta, sob direta supervisão da autoridade judiciária. Verificada a possibilidade de reintegração familiar, o responsável pelo programa de acolhimento familiar fará imediatamente a comunicação à autoridade judiciária, que dará vista ao Ministério Público, pelo prazo de 5 (cinco) dias. Sendo constatada a impossibilidade de reintegração da criança ou do adolescente à família de origem, após seu encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de orientação, apoio e promoção social, será enviado relatório fundamentado ao Ministério Público, no qual conste a descrição pormenorizada das providências tomadas e a expressa recomendação, subscrita pelos técnicos. Art. 101 (...) § 10. Recebido o relatório, o Ministério Público terá o prazo de 30 (trinta) dias para o ingresso com a ação de destituição do poder familiar, salvo se entender necessária a realização de estudos complementares ou outras providências que entender indispensáveis ao ajuizamento da demanda. Por fim, observa-se que a medida de suspensão do poder familiar e a inserção da criança e adolescente em programas de acolhimento familiar são medidas severas e que devem acontecer em último caso.
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A questão do apego e desapego é uma questão muito trabalhada no projeto famílias acolhedora. As famílias acolhedoras criam sim um vínculo muito forte, porém existe toda uma equipe técnica que acompanha a família que esta acolhendo e a família de origem e a família extensa. È um acompanhamento antes, durante e depois do acolhimento.
O conselho tutelar juntamente com a equipe técnica fazem uma análise do caso e tentam reestruturar a família para que os menores possam permanecer no seio familiar, sendo adotadas medidas menos rígidas. 4 PROGRAMA FAMÍLIAS ACOLHEDORAS EM BELO HORIZONTE Em Belo Horizonte, o Programa de Famílias Acolhedoras que está previsto na Política Nacional de Assistência Social (PNAS) passou a ser realizado e desenvolvido a partir de 2008. Em meados de 2011 passou a compor os programas sociais da Arquidiocese de Belo Horizonte com pareceria com a Prefeitura. Segundo o Programa Famílias Acolhedoras, casais, mulheres e homens solteiros, são cadastrados, selecionados, capacitados e acompanhados para acolherem crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, por medida de segurança, em função de abandono ou pelo fato da família se encontrar temporariamente impossibilitada de cumprir suas funções de cuidado e proteção. Nesse período, são realizados esforços visando a restaurar as condições para que a família de origem receba novamente sua criança ou adolescente. Além do mais, neste período de acolhimento, a criança/adolescente tem seus direitos fundamentais garantidos além de atendimento individualizado. Toda família acolhedora deverá acolher uma criança ou adolescente por vez, exceto quando se tratar de grupo de irmãos, quando esse número poderá ser ampliado, cumprindo assim, o disposto no art. 28, §4º do ECA. Essa família recebe um subsidio financeiro de um salário mínimo por criança (art. 34, caput, ECA). Esse recurso é destinado a despesas previstas no cuidado à criança, tais como alimentação, vestuário, remédios, material escolar. Por sua vez, conforme o Serviço de Acolhimento de Famílias Acolhedoras (2014) para o cadastro de famílias ou indivíduos no programa são verificados os seguintes critérios: 1) Disponibilidade afetiva; 2) Ter, no mínimo, 21 anos de idade 3) Estar em boas condições de saúde física e mental; 4) Não possuir antecedentes criminais; 5) Possuir situação financeira estável; 6) Possuir uma convivência familiar estável e livre de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. 7) Aquiescência de todos os membros da família. 8) Morar em Belo Horizonte há mais de dois anos 9) Estar disposto ao acolhimento temporário, não tendo a intenção de adotar 10) Aceitação e comprometimento com as diretrizes do serviço. Além disso, os documentos mínimos necessários para se inscrever no Programa Família Acolhedora são os documentos pessoais (RG, CPF), comprovante de residência, comprovante de rendimentos, certidão negativa de antecedentes criminais e atestado de saúde física e mental. A coordenadora do Programa Famílias Acolhedoras, Maria Margareth, expõe que o objetivo do serviço é acolher temporariamente crianças e adolescentes que receberam uma medida protetiva do juiz, até que se possam retornar a sua família de origem ou extensa ou a colocação da criança em família substituta através de adoção. Como o acolhimento é temporário, o programa tem trabalhado com o tempo de 6 meses a 1 ano, podendo ser prorrogado até 2 anos. Se a criança não se adaptar a família ou vice ou versa, e sendo feito uma análise pela equipe técnica e vendo que não é possível sanar a dificuldade, a criança será transferida para outra família ou será encaminhada para o acolhimento institucional. A coordenadora (Entrevista TV Câmara 2012) afirma também que a questão do apego é bastante trabalhada com as famílias e a criança e adolescente
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Outro ponto a ser ressaltado é que enquanto a criança/adolescente permanece na família acolhedora, a convivência com a família de origem, quando possível, é estimulada, uma vez que existe a grande possibilidade dessa criança retornar a família de origem. Esses contatos com a família de origem é sempre acompanhado pela equipe técnica. O papel do Poder Judiciário no Programa Famílias Acolhedoras é primordial, o Juiz da Vara Cível da Infância e Juventude da comarca de Belo Horizonte, Marcos Flávio Padula (Entrevista TV Câmara 2012), assevera que: O acolhimento é uma das medidas de proteção, dentre várias. Preferencialmente se aplicam medidas onde não há a retirada da criança/adolescente do convívio familiar. Em casos mais graves, são aplicados medidas protetivas ou de acolhimento familiar ou do acolhimento institucional. Essas duas medidas são severas, porque há uma separação da criança/adolescente do convívio da sua família de origem. São aplicadas em último caso. A criança e adolescente são inseridos na família acolhedora mediante guarda judicial provisória. Durante esse período de acolhimento, os pais de origem são encaminhados para tratamentos, através de um acompanhamento interprofissional, e se houver condições, a criança será reintegrada em sua família de origem. Além do mais, o juiz da Vara da Infância e da Juventude afirma (Entrevista TV Câmara 2012) que depois da medida protetiva, algumas famílias se reestruturam para receberem a criança de volta e outras não. Quando a situação chega até a Vara da Infância e da Juventude, geralmente são situações graves, e isso não significa que a família não possa recuperar, se reabilitar. Existem muitos casos em que a família realmente vendo essa medida severa da separação dos filhos, acabam mudando. Porém, há muitos casos em que a família não adere aos serviços, muitas vezes esses pais não fazem nenhum movimento de mudança e passado um prazo razoável e se não vermos perspectivas de melhora, é adotado as medidas de colação das crianças e adolescentes em famílias substitutas, principalmente através de adoção. Por fim, garante que o abandono, a exposição da criança ao trabalho infantil em vias públicas, o abuso sexual, a violência e o abandono intelectual, são as várias formas que as crianças e adolescente são colocados em situação de risco e se veem privados de seus direitos fundamentais, seja o direito a saúde, a vida, a educação, o que acarreta a aplicação da medida protetiva. 5 CRÍTICAS O Programa Famílias Acolhedora ainda recebe alguns julgamentos negativos, na qual se acredita que essa é mais uma medida dolorosa para a criança. Segundo a autora Maria Berenice Dias (2013, p.58) Outra tentativa absolutamente desastrosa é o Programa Famílias acolhedoras – nada mais do que a colocação de crianças e adolescentes em famílias que, mediante remuneração, as acolhem em caráter precário e temporário. Como tais famílias não podem adotá-las, ainda que se estabeleça um vínculo de filiação socioafetiva, tal se mostra como mais uma experiência dolorosa a quem já amargou tantas perdas.
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Apesar da Família Acolhedora ser uma medida em caráter precário e temporário e haver a possibilidade da criança estabelecer um vínculo de filiação socioafetivo com os acolhedores, tal programa se mostra totalmente pertinente na realidade em que vivemos. O programa tem como objetivo interromper a situação de vulnerabilidade em que a criança se encontra, tentando amenizar as dores e sofrimentos do menor. Há o acompanhamento individualizado e a garantia de que todos os direitos fundamentais da criança serão preservados fazendo com que a criança se sinta segura e protegida para se desenvolver. Quanto ao vínculo socioafetivo alegado pela autora, o programa possui um equipe técnica que trabalha este aspecto tanto a família, quanto na criança. Além disso, a convivência com a família de origem, que são sempre acompanhados pela equipe técnica, é frequentemente estimulados, quando possível, fazendo assim, com que o vínculo socioafetivo seja minimizado. 6 CONCLUSÃO A entidade familiar, conforme a CF, é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado, de forma que seu conceito foi se ampliando com o passar do tempo. A família era composta pelos pais ou qualquer um deles e seus descendentes, reconhecendo o casamento, a união estável e o núcleo monoparental. O ECA introduziu o conceito de família extensa, sendo aquela formada por parentes próximos com os quais a criança mantém vínculo de afinidade e afetividade. Sendo assim, atualmente, alguns autores, afirmam que família é constituída por pessoas unidas pelo vínculo por laços consanguíneos, socioafetivo, e ainda de solidariedade. Ademais, tal entidade familiar possui função singular e essencial, na qual proporciona aos seus integrantes a dignidade da pessoa humana, além de ser instrumento de estruturação e desenvolvimento de personalidade e caráter, e ser alicerce fundamental para a formação de valores sociais, culturais e políticos. Assim, o não cumprimento dessas funções sociais da família ensejará o reconhecimento de determinados efeitos jurídicos de índole negativa. O ECA afirma ser dever do Estado, da sociedade, dos pais ou responsável assegurar a criança e o adolescente seus direitos básicos. O menor deve, preferencialmente, ser mantido em sua família, porém quando esta, ao invés de proteger os diretos fundamentais, os desrespeitam, é dever do Estado impedir que essa situação de risco continue. O Estado, representado pelo Conselho Tutelar, como entidade responsável pela tutela do menor, irá aplicar as medidas previstas no art. 98 do ECA, sendo estas meramente exemplificativas. Diante da ineficácia ou da impossibilidade de aplicar tais medidas, as crianças e adolescentes deverão ser encaminhados para o acolhimento institucional ou familiar. Importante ressaltar que as medidas aplicadas deverão atender as necessidades pedagógicas da criança e adolescente, devendo sempre que possível, darem primazia as medidas que fortaleçam os vínculos familiares e comunitário. Diante disso, o acolhimento nessas entidades ocorre em caráter excepcional e temporário, tendo em vista que o afastamento da criança e do adolescente do convívio familiar é uma medida extrema e severa. O acolhimento familiar é preferencial ao institucional, já que este não favorece o atendimento personalizado ou em pequenos grupos, além de não proporcionar a participação na vida da comunidade local. O Programa Famílias Acolhedoras em Belo Horizonte, seleciona, capacita e acompanha famílias para acolherem as crianças e adolescentes que foram afastados do convívio familiar por medida de segurança. Neste período de acolhimento, o menor têm seus direitos fundamentais garantidos, além de atendimento individualizado. Ademais, sempre que possível, a criança e adolescente terá convivência com sua família de origem, sempre acompanhados pela equipe técnica.
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Este contato é primordial, tendo em vista que existe a grande probabilidade do menor retornar a sua família. Sendo assim, considerando os argumentos apresentados e o caráter excepcional da medida, o projeto torna-se viável na cidade de Belo Horizonte, de forma que garante o desenvolvimento do menor e a sua formação como cidadão. Diante de todo o trauma causado pelo afastamento da criança ou adolescente de sua família de origem, o Programa Famílias Acolhedoras se torna um importante meio para solucionar os problemas no seio familiar, uma vez que, por meio de uma equipe técnica, há o desenvolvimento de medidas de reestruturação da entidade familiar, observando sempre o Princípio da Proteção Integral à Criança e Adolescente e o Princípio do Melhor Interesse do Menor.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Maurício Lopes, Júlio Zini 4 LACAN, Jacques. Os Complexos Familiares, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985, p.13.
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O TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL A LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Fernando Delfino da Silva Neto¹ Tatiana Bhering Roxo² Banca Examinadora3 RESUMO:Milhares de pessoas são submetidas a diferentes níveis de exploração no trabalho, sendo tratadas sem a mínima dignidade humana e forçadas a jornadas excessivas de doze ou mais horas de trabalhos, sem férias, feriados e descanso semanal remunerado; desprovidas de registro em carteira de trabalho, tendo suas liberdades de ir e vir cerceadas, sofrendo lesões corporais e ameaças de morte, e sendo sujeitadas a dívidas propositadamente intermináveis em lugar do vínculo trabalhista legal. A prática da escravidão na prestação de serviços tem ocorrido de forma tão ampla que organizações nacionais e internacionais têm se mobilizado para pôr fim a essa barbaridade. Tanto é assim que a Organização Internacional do trabalho, lançou um Projeto Nacional de Combate a esse tipo de exploração para o qual enviou recursos financeiros vultosos para aqueles países que se esforçam por findar a escravidão. Ressalta-se que inúmeras são as formas de exploração por meio da escravidão no mundo contemporâneo, porém dentretantas, uma tem ocorrido com maior freqüência no Brasil, é a escravidão por endividamento, ferindo profundamente a dignidade do trabalhador. PALAVRAS-CHAVE:Direito do Trabalho. Dignidade da Pessoa Humana. Trabalho Escravo. SUMÁRIO: 1Introdução;2 O surgimento da Escravidão; 3. A escravidão no Brasil nos dias atuais; 4 O trabalho escravo frente ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana; 5 A “lista suja” como mecanismo de combate ao trabalho análogo ao de escravo; 5 Consideraçõs finais.
1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa tem como foco a análise do trabalho escravo nos dias atuais; pois, embora a escravidão tenha sido abolida dos ordenamentos jurídicos mundiais, sua erradicação não ocorreu na realidade prática dos países, especialmente naqueles menos desenvolvidos, como é o caso do Brasil. Assim, o que se tem constatado é que o trabalho forçado continua a ser utilizado, e pior, vem se tornando recorrente, aumentando a gravidade do problema. Em primeiro momento será estudado o surgimentoda escravidão,passando,em seguida para a analise da escravidão no Brasil nos dias atuais. O estudo será feito sob a óptica do Princípio da Dignidade Humana que é garantido pela Constituição Federal do Brasil,e e fundamento do Estado Democrático de Direito. Chegando, por fim, na analise das medidas tomadas pelo MTE e MPT, como formas de combate à escravidão moderna. 2 O SURGIMENTO DA ESCRAVIDÃO Aescravidão (denominada também escravismo, escrvagismo e escravatura) é a prática social em que um ser humano tem direitos de propriedade sobre outro designado por escravo, ao qual é imposta tal condição por meio da força. Ou seja, a escravidão ocorre quando um homem é subjugado por outro, não tendo vontade própria e não possuindo liberdade de ação e de locomoção, servindo tão-somente para atender os anseios e as necessidades de outrem. As notícias de escravidão datam de longa data, segundo Faleiros (1988), é uma instituição antiquíssima sendo relatados vários casos na Bíblia, sendo um deles o de José, filho de Jacó que foi vendido a comerciantes Ismaelitas, e posteriormente levado para o Egito, onde foi cedido como escravo. Aristóteles, por sua vez, admitia que no mundo havia homens escravos por natureza, tendo outros nascido para serem senhores. LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
Segundo Rodrigo GarciaShwarz (2008) este instituto ocorreu no Brasil e no mundo por um longo período. Ocorre que, com o fim da era feudal e o desenvolvimento do comércio e da indústria, a sociedade não mais precisava do trabalho escravo e sim do trabalho livre, vez que homens, além de trabalhadores, seriam também consumidores. Neste contexto, há uma mobilização dos países, especialmente da Inglaterra, para se pôr fim ao trabalho escravo. Exatamente, sob essa pressão ocorre no Brasil a assinatura da Lei Áurea. Shwarz (2008) ainda afirma que dado a esses acontecimentos e também ao surgimento do Direito do Trabalho e seus princípios; bem como com a redação da Declaração dos Direitos Universais do Homem e a adoção de Constituições inspiradas nos preceitos da garantia e da liberdade individual do cidadão e da relevância da dignidade humana (como é o caso da Constituição Brasileira de 1988) à escravidão pareceu ter-se extirpado de vez do mundo. Porém, deixando a toda comunidade internacional pasma, as entidades de proteção ao trabalho perceberam que a escravidão continuava sim existindo e vinha se tornando recorrente nas relações de trabalho. Constatou-se, especialmente através das ações do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho, que o Brasil não estava imune ao trabalho forçado, existindo milhares de trabalhadores subjugados por patrões, perece atualmente no interior do país. 3 A ESCRAVIDÃO NO BRASIL NOS DIAS ATUAIS Jacob (2001) aduz que foi em meio a todo esse contexto histórico que a escravidão se apresentou no Brasil, começando logo após a coroa portuguesa tomar posse da Terra de Santa Cruz (posteriormente denominada Brasil).Como havia a necessidade de mão-de-obra para começar a colonização, o índio representava um valor econômico gratuito, mas, o índio não se submetia a nenhum trabalho organizado, era rebelde, de certo modo indolente e, sobretudo, independente; contudo, aos poucos, esses habitantes foram, de certo modo, domados.
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Segundo Jacob a partir do ano de 1560 os portugueses passaram a se dedicar ao plantio de cana-de-açúcar e a mão-de-obra indígena não mais satisfazia à necessidade da Coroa na produção dessa matéria-prima, sendo esta lavoura a responsável pelo tráfico do negro africano para suprimento de mão-de-obra. De acordo com Dutra (2005), no ano de 1888, o regime da escravidão foi abolido no país, mediante a promulgação da Lei Áurea. Imaginou-se, então, que com a previsão legal de vedação ao trabalho escravo, que este seria erradicado de vez do Brasil. Afinal, a liberdade é natural e é a finalidade do homem, que nasceu para ser livre e fazer tudo o que a lei não vede que faça. Quando todos são eminentemente livres, sem qualquer limite legal, há uma tendência do mais forte escravizar o menos forte, porém quando existe a lei, há limites para o uso da liberdade. Assim, usualmente se diz que a liberdade escraviza e que só a lei liberta, isto é, que a liberdade inexiste fora do ordenamento jurídico. Portanto, dentro dessa perspectiva com a assinatura da Lei Áurea, imaginou-se ser o fim da escravidão no país. Entretanto, passados mais de 100 anos da assinatura da presente Lei abolicionista, o Brasil ainda convive com as marcas de exploração da mão-de-obra escrava; e essa escravidão contemporânea no Brasil manifesta-se na clandestinidade e no desrespeito aos direitos humanos. A Constituição do Brasil, em seu art. 5º, XXII, afirma que toda propriedade rural deve cumprir sua função social. Portanto, não pode ser utilizada como instrumento de opressão ou submissão de qualquer pessoa. Porém, o que se vê pelo país, principalmente nas regiões de fronteira agrícola, são casos de fazendeiros que, em suas terras, reduzem trabalhadores à condição de escravos – crime previsto no artigo 149 do Código Penal. Para Dutra (2005), o artigo 5º, inciso XIII da CF/88, define que o trabalho no Brasil é livre, significando que o trabalhador pode dispor de sua força de trabalho de acordo com sua vontade. Por outro lado, o trabalho escravo, ocorre quando o ser humano é explorado no seu ambiente de trabalho, com violação de sua dignidade, retirando-lhe o direito a receber um salário como contraprestação pelo trabalho prestado; assim como privação física ou moral do direito de ir e vir, bem como dos direitos trabalhistas insertos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e no art. 7º da Constituição Federal. E, infelizmente, apesar da CLT, o trabalho escravo no Brasil ainda perdura, sendo revestido de outras características, com as especificidades do novo contexto político e econômico. Segundo Dutra (2005) o Brasil foi o último país a abolir legalmente a escravidão no Ocidente, porém isso foi só no papel, pois o cativeiro continua existindo revelando uma outra realidade. Para Dutra (2005) são cinco as etapas de escravização na realidade brasileira: o recrutamento, o transporte, a hospedagem, a alimentação e a vigilância. Cada uma dessas etapas possui embutidos componentes de fraude, violência física, ameaça e constrangimentos psicológicos que caracterizam crime contra a dignidade humana. Outro fator que, segundo a autora, contribui para a manutenção do trabalho forçado é a ausência quase que absoluta de aplicação de penalidades aos empregadores de mão-de-obra escrava. Ademais, enumera como causas principais dessa situação o desemprego, o analfabetismo, a concentração de riquezas, a desigualdade social e a fiscalização deficiente dos órgãos públicos. Fato é, que para se classicar uma conduta como trabalho analogo ao de escravo é necessario fazer uma poderação acerca da dignidade da pessoa humana, de modo a estabeler limites que regulem tais praticas.
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4 O TRABALHO ESCRAVO FRENTE AO PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Segundo Gabriela Delgado é preciso compreender os direitos fundamentais do homem quanto ao seu conceito, e primeiramente, o sentido dessa expressão; assim, podemos refletir conforme explica Afonso Silva apud Delgado que; No qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecido, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem não como macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais.(2006, p. 54-55) Gabriela Delgado (2006), por sua vez, define os direitos fundamentais discorrendo sobre seus aspectos material e formal. Quanto ao aspecto material (conteúdo), os direitos fundamentais exteriorizam-se segundo os valores considerados matrizes da cultura de uma sociedade. Quanto à forma, são reconhecidos universalmente enquanto direitos propriamente ditos, por meio de sua declaração ou positivação constitucional. Nesse contexto, Lívia Mendes Moreira Miraglia destaca sobre a dignidade social da pessoa humana: A dignidade social diz respeito à afirmação do homem enquanto ser pertecente à sociedade. Assim, está intrinsecamente conectada às liberdade positivas e à igualdade substancial, propostas pelos direitos fundamentais de segunda e terceira gerações, respectivamente. Ademais, funda-se no parâmetro do mínimo existencial assegurado a todas as pessoas.(2011, p. 67) Gabriela Delgado (2006) destaca ainda, a historicidade plena enquanto característica inerente aos direitos fundamentais. Assim sendo, sua evolução apresentar-se-á no curso histórico a partir de três momentos diferenciados do fenômeno jurídico: o da conscientização ou objetivação; o da positivação e o da efetivação. Ainda quanto às características dos direitos fundamentais destaca-se a sua inalienabilidade no sentido de que são direitos de indisponibilidade absoluta, intransferíveis e inegociáveis, porque são destituídos de conteúdo econômico-patrimonial. Dutra (2005) destaca que a indisponibilidade absoluta dos direitos fundamentais pode ser melhor compreendida quando se tem como referência seu caráter axiológico, ou seja, quando manifestam valores inerentes à pessoa humana (como, por exemplo, vida, saúde, trabalho, educação, etc.), todos esses valores considerados indispensáveis à formação integral do homem enquanto cidadão. Delgado (2006) reitera que para se ter dignidade não é preciso necessariamente se ter direitos positivados, visto ser a dignidade uma intrínseca condição humana. De toda forma, quanto à sua proteção, reconhece-se que o Estado, pela via normativa, desempenha função singular para a manutenção da dignidade do homem. Portanto, o Estado é um garantidor da ordem jurídica a ser criada, revelando assim, o seu importante papel na luta pelo direito. A dignidade da pessoa humana consolida-se no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal (Brasil, 1988), como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito. O referido artigo elenca, ainda, em seus incisos II e IV, a cidadania e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, respectivamente. Logo, é de se ver que a Carta Magna desempenha papel essencial na valorização do indivíduo ao elevar os direitos do trabalhador e a dignidade da pessoa humana ao status de direitos fundamentais,
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constitucionalmente garantidos.Tanto que no artigo 3º da referida Carta preceitua-se como objetivos fundamentais da República Federativa Brasileira: a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; e a redução das desigualdades sociais e regionais. Além disso, propugna como dever do Estado a promoção do bem-estar de todas as pessoas, livre de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação. Portanto, pode-se dizer que a dignidade da pessoa humana constitui princípio, fundamento e objetivo do Estado brasileiro. É o valor supremo sobre o qual se edifica a sociedade brasileira. Assim, a Constituição Federal de 1988 ao consagrar a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal. Logo, esse entendimento pautado no ser humano enquanto centro convergente de direitos, porque fim em si mesmo, deve orientar inclusive as relações de trabalho e seu correspondente: o Direito do trabalho. No mais, a escravidão contemporânea ocorre de forma mais cruel e sutil do que a abolida pela Princesa Isabel em 1888. Os escravos modernos não custam nada, não valem nada, são descartáveis, sendo assim não merecem nenhum cuidado ou garantia de suas vidas. O trabalho em condições análogas à de escravo se manifesta com a criação de dívidas artificiais, frustração de direitos trabalhistas, retenção de documentos pessoais, entre outras coisas, visando a impedir o desligamento do trabalhador ao serviço. Não existe o menor respeito em relação à dignidade do trabalhador, garantias mínimas como moradia, higiene, alimentação, etc. Campos (2007) define que trabalho em condições análogas à de escravo é aquele que restringe a liberdade do trabalhador em iniciar ou desligar da relação de emprego, em que há trabalho forçado ou trabalho em condições degradantes. Segundo Nascimento (2006, p. 7): A dignidade é um valor subjacente a numerosas regras de direito. A proibição de toda ofensa à dignidade da pessoa é uma questão de respeito ao ser humano, o que leva o direito positivo a protegê -la, a garanti-la e a vedar atos que podem de algum modo levar à sua violação, inclusive na esfera dos direitos sociais. Afinal, trabalhadores submetidos a essa forma de trabalho forçado, ficam sujeitados aos mais diversos tipos de castigos físicos e psicológicos, como:Privação do acesso às escolas, tanto eles quanto seus familiares, principalmente seus filhos; desfazimento dos vínculos conjugais e familiares; sujeição à contração de moléstias contagiosas e doenças endêmicas, além daquelas decorrentes da prestação de serviços em condições subumanas; jornadas de trabalho sobre humanas, sem alimentação condigna; inexistência de repousos semanais remunerados; apreensão de seus documentos e dos seus familiares; desamparo ao sofrer algum acidente de trabalho ou doença profissional que os deixem incapacitados, transitória ou permanentemente, para o trabalho; não adaptação ao clima ou condições de alimentação dos lugares para os quais foram levados para trabalhar; condições subumanas de higiene de habitat, sem alojamentos dignos, inexistência de água potável, ausência de serviços médicos; desamparo da família em caso de morte ou doença do trabalhador; perda da identidade como pessoa humana; baixa expectativa de vida; escravização de filhos e familiares; punições e maus tratos físicos e psicológicos; altos índices de acidente de trabalho, muitas vezes, com ocorrência de mutilações e/ou mortes.
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A fim de evitar a referência a inúmeras práticas indignas, que podem ser consideradas escravidão, à de escravo, compreende-se ser necessária à construção do conceito de trabalho digno.É somente a partir dessa apreciação que se torna possível estabelecer o que é o trabalho realizado com redução do homem à condição análoga à de escravo. Cabe lembrar aqui que a dignidade impede que o homem seja utilizado como mero instrumento, como meio para a consecução de um fim. Na visão de Delgado (2006, p. 203), o trabalho, enquanto direito universal fundamental, deve alicerçar-se no referencial axiológico da dignidade da pessoa humana, pois o trabalho não violará o homem enquanto fim em si mesmo, desde que prestado em condições dignas. O valor da dignidade deve ser o sustentáculo de qualquer trabalho humano. Delgado (2006) alega que onde o direito ao trabalho não for minimamente assegurado, não haverá dignidade humana que sobreviva, tanto que a proteção conferida pela Constituição da República de 1988 refere-se ao trabalho digno. Delgado (2006, p. 209-210) afirma ainda, que os direitos de indisponibilidade absoluta devem ser considerados patamar mínimo para a preservação da dignidade do trabalhador, pois constituem o centro convergente dos Direitos Humanos ao se revelarem como direitos fundamentais do homem. No entender de GABRIELA DELGADO (2006, p. 214): “Os direitos trabalhistas de indisponibilidade absoluta estão previstos em três grandes eixos jurídicos, positivados pelo Direito do trabalho brasileiro”. Assim, o primeiro eixo diz respeito aos direitos fixados pelas normas de tratados e convenções internacionais ratificadas pelo Brasil. O segundo eixo refere-se aos direitos fundamentais dos trabalhadores previstos no artigo 7º da Constituição da República de 1988. O terceiro eixo encontra-se positivado nas normas infraconstitucionais, por exemplo, na consolidação das Leis Trabalhistas, que preceitua direitos de indisponibilidade absoluta no que tange a saúde e segurança no trabalho, identificação profissional e proteção contra acidentes do trabalho, entre outros. Cuida-se aqui de definir um patamar mínimo essencial para a caracterização da dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho. Para tanto, concentra-se a análise nos dois primeiros eixos dos direitos de indisponibilidade absoluta explicitados, quais sejam: os direitos fundamentais do homem-trabalhador fixados em instrumentos internacionais ratificados pelo Brasildecorrentes da Organização Internacional do Trabalho; e os direitos de indisponibilidade absoluta, constitucionalmente previstos, consubstanciados nos princípios constitucionais do trabalho. Cumpre rememorar que a dignidade da pessoa humana é característica intrínseca ao ser humano e não deve limitar-se ao empregado, de modo que o trabalho digno proposto alcança a todos os indivíduos. Segundo o artigo 149 do Código Penal o trabalho escravo é caracterizado como aquele que submete o indivíduo a trabalhos forçados ou jornada exaustiva, sujeitando-o a condições degradantes de trabalho ou restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. O parágrafo 1º prevê, ainda, as hipóteses de cerceamento do meio de transporte do obreiro, de manutenção de vigilância ostensiva no local do labor e/ou de retenção de documentos pessoais do trabalhador como elementos do tipo “trabalho escravo”. Logo, pode-se inferir que o trabalho escravo contemporâneo é aquele que se realiza mediante a redução do trabalhador a simples objeto de lucro do empregador. O obreiro é subjugado, humilhado e submetido a condições degradantes de trabalho e, em regra, embora não seja elemento essencial do tipo, sem o direito de rescindir o contrato ou de deixar o local de labor a qualquer tempo. No entanto, na prática, o entendimento que prevalece na doutrina e nos Tribunais pátrios é a interpretação restritiva do conceito aduzido no artigo 149 do Código Penal, de modo que o trabalho escravo contemporâneo configura-se apenas se verificada a ofensa ao direito de liberdade do obreiro.
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Agora, para solucionar a presente questão, não basta, simplesmente, a erradicação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil; são prementes a adoção de políticas públicas e o envolvimento da sociedade civil no sentido de restituir ao trabalhador a sua dignidade plena e a sua capacidade de inserir-se, de fato, na comunidade a que pertence. Só assim se impedirá reincidência e a disseminação de conduta tão nefasta no cenário nacional. É salutar a observância dos princípios constitucionais do trabalho como meio eficaz de frear a ocorrência do trabalho em condições análogas à de escravo no país. A concretização do valor trabalho como base da ordem econômica e social, a elevação da justiça social a objetivo primordial da República Brasileira e a consolidação da dignidade social da pessoa humana são capazes de assegurar a todos acesso ao trabalho digno; e assim, propiciar o patamar mínimo existencial, evitando a submissão de seres humanos a estados absolutos de pobreza e miséria, o que, via de consequência repele a conduta escravagista moderna. Além disso, o empregador passou a utilizar mecanismos para escapar da tipificação legal (do artigo 149 do CP), que, de acordo com o entendimento majoritário, exige o cerceamento do direito de liberdade do obreiro. Assim, vale-se de outras formas de coação que não caracterizam, em princípio, ofensa ao direito de liberdade da pessoa. Tal prática objetiva evitar não somente a condenação penal, que ainda é escassa e insuficiente, para escapar da inclusão de seu nome na “lista suja” editada pelo Ministério do Trabalho; Como observaremos no próximo tópico. 5 A “LISTA SUJA” COMO MECANIMO DE COMBATE AO TRABALHO ANALOGO AO DE ESCRAVO Em março de 2003foi lançado, pelo Governo Federal, o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, reafirmando a existência da escravidão no Brasil e tornando sua eliminação uma prioridade nacional, prevendo mais de 60 (sessenta) medidas impeditivas da ocorrência do trabalho em condições análogas às de escravo. Nesse contexto, de forma complementar, em outubro de 2004, o MTE baixou a Portaria nº 540, criando um cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo, a denominada “Lista Suja”. Tal lista identifica, após regular processo administrativo, os empregadores que submetem os obreiros às condições análogas à de escravo, impossibilitando a concessão de créditos públicos e incentivando o boicote pelos consumidores aos produtos derivados das empresas financiadoras dessa prática vexatória. Isto porque, o Ministério da Integração Nacional (MIN), baixou a Portaria nº 1.150/2003, que determina a remessa semestral da relação de empregadores e de propriedades rurais que tenham submetido trabalhadores a formas degradantes de trabalho ou a condições análogas à de escravo, aos bancos administradores dos Fundos Constitucionais de Financiamento, tudo em consonância com “lista suja” publicada pelo MTE.Tais medidas tema finalidade de que os agentes financeiros privem as pessoas físicas e jurídicas que integrem a mencionada relação de receber qualquer ajuda ou financiamento de fundos regulados pelo MIN. Percebe-se então que o cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo, aplicado conjuntamente com a recomendação do Ministério da Integração Nacional, tem se demonstrado como um importante, senão o principal, meio de combate ao trabalho escravo contemporâneo, uma vez que tal mecanismo torna publico quem são os escravocratas modernos, gerando restrições e sanções a estes.
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Logo, a não concessão de créditos públicos subsidiados e de incentivos fiscais aos fazendeiros que submetem trabalhadores a condições análogas à de escravo é plenamente justificada do ponto de vista jurídico, uma vez que tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, possuindo como princípios, dentre outros, a função social da propriedade, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego (CF, art. 170, caput e incisos III, VI, VII e VIII). Segundo Silva (2010), por esta razão pode-se dizer que o Congresso Nacional, tem a oportunidade de promover a “Segunda Abolição da Escravidão no Brasil”. Mas, para isso, é necessário confiscar a terra dos que utilizam trabalho escravo. A expropriação das terras onde for flagrada mão-de-obra escrava é medida justa e necessária e um dos principais meios para eliminar a impunidade. Ademais, Silva (2010) defende que os benefícios e incentivos fiscais e financeiros devem propiciar trabalho justo e digno aos cidadãos, além de promover o desenvolvimento regional, considerando-se que a função social do imóvel rural deve compreender o aproveitamento adequado e racional da propriedade, a utilização adequada dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores (CF, art. 186). Afinal, sabe-se que a dita “Lista Suja” do Ministério Público do Trabalho gera a restrição ao crédito, e por sua vez, configura-se como uma das armas mais eficazes na luta contra essa prática, pois as pessoas envolvidas ficariam impedidas de receber financiamento do governo brasileiro, e tal providência inviabilizaria a manutenção e ampliação do empreendimento. Contudo, é necessário que haja uma maior atuação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério Publico do Trabalho (MPT) no sentido de fiscalizar tanto os empregadores já incidentes na “lista suja” quanto aqueles que não, de forma a prevenir novos historicos de trabalho análogo ao de escravo, ou, simplesmente, trabalho escravo. E, diante de tudo ora abordado, percebe-se que toda a sociedade mostra-se mobilizada no combate ao trabalho escravo. E, somente assim, o Brasil conseguirá extingui-lo. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a promulgação da atual Constituição da república em 1988, o Brasil assevera-se como Estado Social, preocupado, principalmente, com a consolidação da cidadania, da democracia, da justiça social e da dignidade da pessoa humana. Desse modo, uma vez inferido do cenário político e social que pauta a sociedade brasileira nos tempos atuais, o princípio da dignidade humana positiva-se como norma constitucional e, assim, como balizador da atividade jurisdicional pátria. Logo, as normas infraconstitucionais e, mesmo, os princípios constitucionais devem ser lidos à luz da dignidade da pessoa humana, usando-se,quando necessário, o princípio da proporcionalidade para promover a adequação à realidade, realizando assim a justiça. No entanto, como percebe-se ao longo deste estudo, na maioria das vezes a relação hierárquica precisa da violência para se manter, dessa formamuitos fazendeiros usam a própria lei para impor o trabalho escravo. Ao mesmo, a pobreza continua gerando escravos. Diante disso, o fim da escravidão depende do fim da desigualdade social, o que requer uma redistribuição de renda, de oportunidades, de terras e de justiça, garantindo assim melhores condições de se trabalhar e, conseqüentemente, de se viver a todos.
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NOTAS DE FIM 1 Acadêmico do 9º período em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora do Centro Universitário Newton Paiva e orientadora do presente artigo. 3 Tatiana Bhering Roxo e Daniela Zapata
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ARTIGO 15 DO PROJETO DE LEI N. 4.330/2004: análise da possibilidade de enquadramento sindical do obreiro ao sindicato da empresa tomadora dos serviços Larissa Barbosa Braga1 Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo2 Banca Examinadora 11
Resumo: o artigo objetiva demonstrar a impossibilidade de vinculação do empregado terceirizado ao sindicato da empresa tomadora dos serviços. Para tanto, será feita a definição de terceirização, a análise da vinculação sindical de acordo com as normas do Direito brasileiro e, por fim, será analisado o art. 15 do Projeto de Lei 4330/04, sob a perspectiva do conceito de terceirização e da regra da vinculação sindical. Palavras-chave: terceirização; empresa prestadora; empresa tomadora enquadramento sindical; sindicato da categoria profissional. Sumário: 1 Introdução; 2 Definição de terceirização; 3 Enquadramento sindical obreiro; 4 Vinculação do empregado terceirizado ao sindicato da empresa prestadora dos serviços: inaplicabilidade do art. 15 do PL 4330/04; 5 Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO O presente trabalho pretende analisar a impossibilidade de vinculação do empregado terceirizado ao sindicato profissional da empresa tomadora dos serviços, como objetiva o art. 15 do Projeto de Lei 4330/04. Para tanto, inicialmente foi definida a terceirização, trazendo a evolução histórica no cenário jurídico brasileiro e o seu caráter lícito de acordo com as normas atuais. Feito isso, foi demonstrada a regra para o enquadramento sindical obreiro nos termos da legislação vigente, com enfoque na vinculação da categoria profissional. Por fim, foram conjugadas a definição de terceirização e a regra do enquadramento sindical, de forma a se analisar a vinculação sindical do empregado terceirizado nos moldes do art. 15 do Projeto de Lei 4330/04 e suas consequências jurídicas. 2 DEFINIÇÃO DE TERCEIRIZAÇÃO A terceirização surgiu no cenário jurídico brasileiro a partir dos últimos trinta anos do séc. XX (DELGADO, 2012), não sendo abarcada pela Consolidação das Leis Trabalhistas, a qual entrou em vigor na década de 1940. Essa abordou apenas duas espécies de subcontratação de mão de obra, a empreitada e a subempreitada, previstas em seu art. 4553. Somente no fim da década de 1960 e início dos anos 70 a terceirização teve início no ordenamento trabalhista brasileiro. Nesse período, essa forma de contratação ainda não possuía essa denominação, sendo aplicada apenas na administração direta e indireta da União, Estados e Municípios. Consagrou-se, então, pelo decreto lei 200/67, em seu art. 104, e pela Lei 5.645/70 (DELGADO, 2012). Com a entrada em vigor da Lei do Trabalho Temporário, Lei 6.019, em janeiro de 1974, a terceirização ganhou espaço também nas empresas privadas, sendo a primeira norma a tratar especificamente do fenômeno. Em junho de 1983 entrou em vigor a Lei 7.102, dispondo sobre a vigilância bancária permanente realizada através da terceirização (DELGADO, 2012). Entre os anos de 1980 e 90, a terceirização se difundiu nas relações de trabalho, mesmo não havendo legislação específica autori-
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zadora de modelo diverso ao clássico para a contratação de empregados (DELGADO, 2012). Assim, por exemplo, iniciou-se, com maior frequência, a terceirização dos serviços de conservação e limpeza. Com o objetivo de adequação às inovações do mercado de trabalho pátrio, o Tribunal Superior do Trabalho editou a súmula n. 256, em setembro de 1986, a qual possuía a seguinte redação: Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis ns. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, e 7.102, de 20 de junho de 1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços. (TST, 1986) Em seguida, foi introduzida ao ordenamento justrabalhista a súmula 3315 de maio de 2011, também do Tribunal Superior do Trabalho, a qual revogou a orientação que vinha sendo adotada em razão da antiga súmula. Surgiu, desse modo, a nova orientação jurisprudencial, a qual deu contornos mais nítidos à terceirização trabalhista. A partir de então, passou-se a considerar ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, salvo no caso de trabalho temporário. Tornou-se válida a terceirização de empregados para prestação de serviços de vigilância, conservação e limpeza, e relacionados à atividade-meio do tomador de serviços, desde que inexistente a pessoalidade e subordinação (Súmula 331, I e III, TST). Essa última modalidade – atividade-meio – refere-se às funções e tarefas que não estão diretamente ligadas à dinâmica da empresa, ou seja, não são responsáveis pela definição da atividade empresarial desenvolvida, como, por exemplo, o serviço de operação de elevadores em um prédio comercial. Por outro lado, as atividades-fim são “atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços” (DELGADO, 2012, p. 450) e não podem ser terceirizadas. A terceirização trabalhista apresenta-se em duas modalidades, terceirização “para fora da empresa” e terceirização “para dentro da empresa”. A primeira refere-se à terceirização de bens e atividades, na qual a empresa tomadora repassa a produção à empresa prestadora, desde que essa produção não seja voltada a satisfazer a sua atividade principal, sob pena de configurar-se grupo econômico, nos
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termos do art. 2º, §2º da CLT6. A terceirização “para dentro da empresa”, por sua vez, é a prevista na súmula 331 do TST, na qual o empregado é colocado dentro da empresa tomadora dos serviços, contratado por uma prestadora, para desenvolver suas atividades, constituindo terceirização do serviço. Nas palavras do doutrinador Maurício Godinho Delgado (2012, p. 451), [...] a jurisprudência admite a terceirização apenas enquanto modalidade de contratação de prestação de serviços entre duas entidades empresariais, mediante a qual a empresa terceirizante responde pela direção dos serviços efetuados por seu trabalhador no estabelecimento da empresa tomadora. A subordinação e a pessoalidade, desse modo, terão de se manter perante a empresa terceirizante e não diretamente em face da empresa tomadora dos serviços terceirizados. O que define a terceirização trabalhista de serviços, portanto, é a prestação de atividade por pessoa física – empregado terceirizado – a empresa diversa da qual se vinculou contratualmente. Assim, os elementos formadores da relação de emprego, estampados nos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943), estão presentes no vínculo formado entre a empresa terceirizante (prestadora de serviços) e o empregado terceirizado, ou seja, a essa empresa está o empregado subordinado, recebendo através dela sua remuneração, trabalhando de forma não eventual e pessoal. Quanto à empresa tomadora dos serviços, essa estabelece uma relação contratual com a prestadora, não havendo ingerência, de forma direta, sobre o trabalho desenvolvido pelo empregado terceirizado. Esse pode ser realocado nas diversas empresas tomadoras com as quais a empresa prestadora mantém contrato, não prestando serviços de forma pessoal, nem subordinada, àquelas. Assim, terceirização é o meio pelo qual a empresa tomadora repassa a produção de bens ou serviços a uma empresa prestadora; atividades essas estranhas a sua atividade principal, de modo que possa concentrar sua atenção para desenvolvê-la. Portanto, com a terceirização, há a distribuição do capital por várias empresas, fazendo com que um maior número de pessoas possa estar empregado, com especialização do trabalho e consequente redução no preço final do produto, favorecendo a competitividade necessária para o desenvolvimento da economia nacional. Conflito presente nas relações de terceirização trabalhista é o enquadramento sindical do empregado terceirizado. Passa-se, então, a analisar como se dá o enquadramento sindical obreiro de acordo com as normas do direito brasileiro. 3 ENQUADRAMENTO SINDICAL OBREIRO Os sindicatos são entidades associativas que representam tanto a categoria profissional, empregados, quanto a categoria econômica, empregadores, a fim de defender os seus interesses coletivos. Surgiram no Brasil no final do sec. XIX e início do sec. XX (LEITE, 2013), sendo relativamente estruturados, vez que a ordem jurídica os regulamentava apenas em alguns segmentos da economia, como os setores ferroviário e portuário (DELGADO, 2012). Nas décadas de 1.930 e 40 desenvolveu-se o sistema sindical brasileiro, sendo o mais importante pilar do modelo trabalhista implementado na era Vargas (DELGADO, 2012). Com a Constituição de 1988 foi rompida a intervenção do Estado sobre a estrutura dos sindicatos, mantendo-se a contribuição sindical obrigatória, sua unicidade (tendo como base territorial o Município), bem como o sistema de enquadramento (art. 8º, CR/88)7. O art. 511, §2º, da CLT8, dispõe sobre a estruturação sindical
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obreira de acordo com a categoria profissional, constituindo a regra do ordenamento jurídico pátrio. Trata-se de enquadramento dos trabalhadores em razão de semelhança na condição de vida oriunda de trabalho em comum na mesma atividade econômica ou similar. Assim, a vinculação do empregado ao sindicato da categoria profissional está relacionada à atividade econômica exercida pela empresa a que está subordinado, não sendo adstrita à vontade do empregado ou do empregador. Ao contrário, decorre de inclusão automática do trabalhador ao sindicato correspondente à atividade do seu empregador. Exceção a essa regra, é a vinculação de acordo com o ofício ou profissão desenvolvida pelo empregado independente da empresa em que trabalha, os chamados sindicatos da categoria diferenciada, aos quais não se inserem os empregados terceirizados. Analisada a forma de vinculação sindical do obreiro, passa-se a abordar a vinculação sindical do trabalhador terceirizado. 4 VINCULAÇÃO DO EMPREGADO TERCEIRIZADO AO SINDICATO DA EMPRESA PRESTADORA DOS SERVIÇOS: inaplicabilidade do art. 15 do PL 4330/04 Na tentativa de definir as possibilidades de contratação de serviços de terceiros em oposição ao clássico sistema de contratação trabalhista, tramita nas Casas do Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 4330/04, o qual, dentre outras disposições, institui a vinculação do empregado terceirizado ao sindicato da categoria da empresa tomadora dos seus serviços. O art. 15, caput9, do PL 4330/04 dispõe que o empregado terceirizado deverá pagar a contribuição sindical ao sindicato da empresa contratante, ou seja, empresa tomadora de serviços. Entretanto, tal norma não pode ser aceita, como se demonstrará. Ao se analisar os cinco elementos da relação de emprego – subordinação jurídica, pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e trabalho por pessoa física –, observa-se a sua presença na relação havida entre o empregado e a empresa prestadora de serviços, sendo impossível a configuração de tais elementos com a empresa tomadora, sob pena de caracterização de terceirização ilícita. Tem-se que a vinculação sindical do empregado terceirizado segue a regra geral, qual seja, enquadramento ao sindicato representante da atividade desenvolvida pelo empregador, empresa prestadora de serviços, eis que não se inserem na exceção prevista no art. 511, §3º, CLT (categoria diferenciada). Assim, por óbvio, a categoria econômica da empresa prestadora de serviços é diversa da tomadora, vez que essa poderá desempenhar atividade industrial, educacional, bancária, etc., enquanto a primeira desempenha a prestação dos serviços que caracterizam atividade-meio da contratante. Ainda, para que a terceirização dos serviços seja lícita, o empregado não poderá ser remunerado pela empresa tomadora de serviços, bem como não poderá prestar seus serviços de forma pessoal, subordinada e não eventual a ela, conforme supracitado. A impessoalidade na prestação de serviços permite que o empregado ora conduza suas atividades em favor de uma empresa, ora de outra, o que dificultará o seu enquadramento sindical caso seja aprovado o PL 4330/04. Formada a relação de emprego com a empresa prestadora de serviços, não poderá o empregado ser vinculado ao sindicato da tomadora, pois não desempenha a atividade econômica principal dessa, mas sim atividade-meio, a qual é a que prepondera na empresa prestadora. Decisão divulgada no informativo nº 58 do TST, do período de 3 a 9 de setembro de 2013, demonstrou a concordância dos Ministros com o posicionamento aqui defendido. Em dissídio coletivo entre o PROEN Projetos Engenharia Comér-
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cio e Montagens LTDA. e o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Exploração, Perfuração, Extração e Produção de Petróleo nos Municípios de São Mateus, Linhares, Conceição da Barra e Jaguaré no Estado do Espírito Santo, os julgadores decidiram pela abusividade da greve então deflagrada, visto que os empregados terceirizados estavam erroneamente representados pelo sindicato da empresa tomadora de serviços, qual seja, PETROBRAS. Abaixo a transcrição da ementa do referido processo: RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍSIO COLETIVO DE GREVE. PROEN PROJETOS ENGENHARIA COMÉRCIO E MONTAGENS LTDA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NO ÂMBITO DA PETROBRÁS S/A. SINDIPETRO/ES. LEGITIMIDADE PARA LIDERAR MOVIMENTO GREVISTA NA QUALIDADE DE REPRESENTANTE DE EMPREGADOS DE EMPRESA TERCEIRIZADA. ENQUADRAMENTO SINDICAL. QUALIFICAÇÃO DO MOVIMENTO GREVISTA. (...) 2. Diante da legislação sindical infraconstitucional, anterior ao surgimento do fenômeno da terceirização, porém recepcionada pelo atual texto constitucional, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o enquadramento sindical dos empregados terceirizados segue a regra geral aplicável aos demais empregados, já que não se inserem na exceção prevista no § 3º do art. 511 da CLT. Portanto, a definição ocorre a partir da atividade preponderante desenvolvida pelo empregador, na hipótese, a empresa prestadora de serviço. 3. Constatado que a PROEN Projetos Engenharia Comércio e Montagens Ltda., no período objeto da greve em questão, por força do contrato de prestação de serviços celebrado com a PETROBRÁS S/A, destinado exclusivamente à “realização de serviços de manutenção de equipamentos, instrumentos e instalações terrestres e offshore, na Unidade de Negócio de Exploração e Produção do Espírito Santo (UN-ES)”, vinculados a seu objetivo social, atuava de forma preponderante no ramo da construção civil, e não da exploração ou extração de petróleo, inviável reconhecer a legitimidade do SINDIPETRO/ ES, cujo registro sindical lhe confere a representatividade dos trabalhadores “na Indústria de Exploração, Perfuração, Extração e Produção de Petróleo” no Estado do Espírito Santo, para liderar greve, na qualidade de representante dos empregados da PROEN Projetos Engenharia Comércio e Montagens Ltda. nesse Estado. 4. Falta do necessário paralelismo entre a categoria profissional representada pelo SINDIPETRO/ES e a categoria econômica a que pertence a empresa suscitante. 5. O exercício do direito coletivo de greve pertence aos trabalhadores, por meio do sindicato representativo da correspondente categoria profissional, conforme se infere da Lei nº 7.783/89, em especial, do comando inserto no art. 4º. Logo, é abusivo movimento grevista deflagrado sob a liderança de sindicato que não detém a representatividade da categoria profissional. 5. Recurso ordinário a que se dá provimento. (TST, Processo: TST-RO-42600-28.2009.5.17.0000; Data de Publicação: 27/09/2013; Órgão Julgador: Seção Especializada em Dissídios Coletivos; Relator: Ministro Fernando Eizo Ono) (grifou-se) A decisão supracitada demonstra a vinculação do empregado terceirizado de acordo com a regra geral, qual seja, o enquadramento ao sindicato da categoria profissional da empresa prestadora dos serviços, declarando-se a abusividade do movimento grevista, uma
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vez que os tais empregados foram erroneamente representados pelo sindicato profissional ligado à atividade preponderante da empresa tomadora dos serviços. Com essa conclusão, não poderá a empresa prestadora de serviços, que efetivamente remunera os empregados terceirizados, arcar com os benefícios contidos em Acordos ou Convenções Coletivas de Trabalho realizados pela empresa tomadora ou pelo sindicato de sua categoria econômica, vez que a esse não poderá se vincular o empregado terceirizado e, aquela, empresa prestadora, não terá representação em tais normas coletivas. Esse é também o entendimento da orientação jurisprudencial n. 55 da SDI I do TST, convertida na súmula 374 do TST10, com relação ao empregado de categoria diferenciada. Por tais motivos, indevida a vinculação sindical do empregado terceirizado ao sindicato da empresa tomadora de serviços, devendo manter-se vinculado ao da empresa prestadora. Nestes termos, recente decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região: ENQUADRAMENTO SINDICAL. À luz do art. 511 da CLT, o enquadramento sindical é fixado, via de regra, pela atividade preponderante do empregador. A circunstância de o empregado prestar serviços para uma tomadora não altera seu enquadramento sindical, quando não verificada ilicitude na terceirização havida. (TRT da 3.ª Região; Processo: 00926-2011-039-03-00-9 RO; Data de Publicação: 15/04/2013; Órgão Julgador: Terceira Turma; Relator: Cesar Machado; Revisor: Camilla G.Pereira Zeidler; Divulgação: -) Assim, resta demonstrada a impossibilidade de vinculação do empregado terceirizado ao sindicato das empresas tomadoras de serviços, isso porque o contrato de trabalho é firmado entre o empregado e a empresa prestadora, devendo se vincular ao sindicato da sua empregadora, vez que desenvolve as atividades por essa exercidas. Aceitando posicionamento contrário ao aqui defendido, estaria o legislador confrontando a norma constitucional que prevê a vinculação sindical, além de gerar verdadeiro tumulto na empresa prestadora de serviços, vez que, em virtude da prestação de serviços a várias empresas tomadoras de diferentes setores da economia, os seus empregados receberiam verbas salariais diferenciadas, alternando o enquadramento sindical à medida que o serviço fosse prestado a outra empresa tomadora. Em virtude de tal tumulto tanto nas empresas prestadoras de serviços, quanto nas tomadoras, mostra-se inadequado o disposto no art. 15 do Projeto de Lei 4330/04 por propor a vinculação sindical do empregado terceirizado à empresa tomadora dos serviços. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho propôs demonstrar a impossibilidade de vinculação do empregado terceirizado ao sindicato da empresa tomadora dos serviços, como objetiva o art. 15 do Projeto de Lei 4330/04. Para tanto, foi necessário definir terceirização, demonstrando quando é considerada lícita, nos termos da súmula 331 do TST. O enquadramento sindical obreiro também foi tratado, indicando que a vinculação do empregado terceirizado acompanha a regra geral do ordenamento jurídico brasileiro, filiando-se ao sindicato da categoria profissional, por não se tratar de categoria diferenciada. Feitas essas considerações, concluiu-se que, em virtude da formalização do contrato de trabalho com a empresa prestadora de serviços, configurando-se os cinco elementos da relação de emprego, o empregado terceirizado deve se vincular ao sindicato profissional dessa empresa, pois o enquadramento sindical do obreiro se dará de acordo com a atividade preponderante do empregador. Assim, para a elaboração e cumprimento de normas coletivas,
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necessário que os empregados terceirizados estejam representados pelo sindicato profissional relacionado à atividade da empresa prestadora de serviços e pactuem com essa, diretamente ou através do sindicato representante da sua categoria econômica. Conforme restou demonstrado, o empregado terceirizado pode exercer suas atividades em empresas tomadoras diferentes, conforme conveniência do seu empregador, empresa prestadora de serviços, o que inviabilizaria o seu enquadramento ao sindicato daquelas, pois, em períodos curtos poderia ser transferido de local de trabalho, alterando-se, consequentemente, a sua vinculação sindical e os direitos que faria jus em virtude das normas coletivas pactuadas com a empresa tomadora. Por todo o exposto, defende-se a impossibilidade de aprovação do art. 15 do Projeto de Lei 4330/04, eis que devido o enquadramento sindical do empregado terceirizado ao sindicato profissional relacionado à atividade preponderante na empresa prestadora dos serviços.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MINAS. Professora do Centro Universitário Newton Paiva. Advogada. Sócia do Bhering e Zapata Advocacia e Consultoria Trabalhista. 3 Art. 455 - Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro. Parágrafo único - Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo. 4 Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. § 1º A descentralização será posta em prática em três planos principais: a) dentro dos quadros da Administração Federal, distinguindo-se claramente o nível de direção do de execução; b) da Administração Federal para a das unidades federadas, quando estejam devidamente aparelhadas e mediante convênio; c) da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões. § 2° Em cada órgão da Administração Federal, os serviços que compõem a estrutura central de direção devem permanecer liberados das rotinas de execução e das tarefas de mera formalização de atos administrativos, para que possam concentrar-se nas atividades de planejamento, supervisão, coordenação e contrôle. § 3º A Administração casuística, assim entendida a decisão de casos individuais, compete, em princípio, ao nível de execução, especialmente aos serviços de natureza local, que estão em contato com os fatos e com o público. § 4º Compete à estrutura central de direção o estabelecimento das normas, critérios, programas e princípios, que os serviços responsáveis pela execução são obrigados a respeitar na solução dos casos individuais e no desempenho de suas atribuições. § 5º Ressalvados os casos de manifesta impraticabilidade ou inconveniência, a execução de programas federais de caráter nitidamente local deverá ser delegada, no todo ou em parte, mediante convênio, aos órgãos estaduais ou municipais incumbidos de serviços correspondentes. § 6º Os órgãos federais responsáveis pelos programas conservarão a autoridade normativa e exercerão contrôle e fiscalização indispensáveis sôbre a execução local, condicionando-se a liberação dos recursos ao fiel cumprimento dos programas e convênios. § 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficien-
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temente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução. § 8º A aplicação desse critério está condicionada, em qualquer caso, aos ditames do interesse público e às conveniências da segurança nacional. 5 Súmula nº 331 do TST - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral. 6 § 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. 7 Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individu-
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ais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais; VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer. 8 Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas. (...) § 2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional. 9 Art. 15. O recolhimento da contribuição sindical prevista nos arts. 578 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deve ser feito ao sindicato representante da categoria profissional correspondente à atividade exercida pelo trabalhador na empresa contratante. 10 Súmula nº 374 do TST NORMA COLETIVA. CATEGORIA DIFERENCIADA. ABRANGÊNCIA (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 55 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria. (ex-OJ nº 55 da SBDI-1 - inserida em 25.11.1996). 11 Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo; Thiago Freitas.
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LEI 12.654 DE 28 DE MAIO DE 2012: UMA NOVA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL Alexandre Madureira de Oliveira1 Eduardo Nepomuceno2 Banca examinadora3
RESUMO: O estudo tem como foco as mudanças trazidas pela lei 12.654/12, que introduziu no processo penal brasileiro a possibilidade de identificação criminal por coleta de material biológico com fins de obtenção de perfil genético, por meio do DNA e a determinação da criação de um banco nacional de dados para armazenagem dos perfis genéticos obtidos. O instituto normativo em comento alterou o art° 5 da Lei n° 12.037/09, que previa apenas como formas de identificação criminal o processo datiloscópico e o fotográfico, passando a incluir a coleta de material genético durante a Investigação Criminal - mediante autorização judicial. Alterou ainda a Lei 7.210/84, tornando obrigatória a identificação criminal por meio de perfil biológico aos condenados por crime hediondo ou doloso cometido com violência de natureza grave contra a pessoa. Tal coleta tem como objetivo incrementar o Banco Nacional de Dados com perfis genéticos de condenados para futuras comparações com vestígios biológicos necessários às investigações criminais. PALAVRAS CHAVE: Identificação Criminal; DNA; Investigações Criminais; Material Biológico; Perfil Genético. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 O novo método de identificação criminal da lei 12.037/09 introduzido pela lei 12.654/12; 3 A identificação criminal por análise de DNA e sua justificativa; 4 O CODIS e sua aplicação no direito comparado e o caso Crawford; 5 A constitucionalidade da lei 12.654/12 em face do princípio da não auto incriminação; 6 Considerações finais; Referencias; Referencias de sites.
1 INTRODUÇÃO O advento da Lei 12.654/124 promoveu uma grande mudança no processo penal brasileiro ao acrescentar a coleta de material biológico como novo método de identificação criminal (por análise do DNA), determinando o armazenamento destes materiais em um banco de dados nacional. Certamente trata-se de uma revolução, já que a Lei n° 12.037/0956 previa apenas como formas de identificação criminal a fotografia e a datiloscopia. A partir da vigência deste instituto normativo, passa-se a permitir, mediante ordem judicial, que no curso da persecução criminal haja coleta de material genético, denominada Identificação Criminal Facultativa. Entretanto, para os condenados por crimes hediondos ou dolosos cometidos com violência de natureza grave contra a pessoa, a coleta de material genético será obrigatória. Todo o material coletado servirá para alimentar o Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG) e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), ambos instituídos pelo Decreto nº 7.950/13, com vistas a fomentar o cruzamento das informações genéticas ali cadastradas com as obtidas nos vestígios de DNA7 deixados nas cenas dos crimes, possibilitando a identificação do criminoso. A utilização do método de investigação pelo uso de material genético, não é uma novidade, vários países, inclusive os Estados Unidos, se valem do CODIS8 (Combined DNA Index System), que é o nome internacional do sistema adotado no Brasil. Para o autor do Projeto de Lei nº 93/11, que resultou na promulgação da lei em análise, Senador Ciro Nogueira, a “determinação de identidade genética pelo DNA constitui um dos produtos mais revolucionários da moderna genética molecular humana. Ela é hoje uma ferramenta indispensável para a investigação criminal”. A expectativa é que a tecnologia possa contribuir na solução de crimes que parecem ser indecifráveis. Desta forma, o Estado poderia ser mais eficiente nas investigações, e responder a sociedade de uma maneira mais célere e justa.
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2 O NOVO MÉTODO DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL DA LEI 12.037/09 INTRODUZIDO PELA LEI 12.654/12 De acordo com a nova legislação, a coleta de DNA, por meio de material biológico, pode ocorrer de forma facultativa, no curso da investigação criminal, mediante despacho do juízo competente, que poderia ser de ofício, a requerimento da autoridade policial, do Ministério Público e também da defesa. Entretanto, dada a natureza da prova, exige-se como requisito para sua autorização, a essencialidade desta prova em relação à investigação. Esta previsão está contida no art.3°, IV e parágrafo único, da lei 12.037/09, in verbis: Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012) Da leitura do dispositivo retro, algumas análises quanto aos requisitos ensejadores da coleta de material biológico se fazem necessárias. O primeiro deles refere-se à essencialidade da prova na investigação policial, ou seja, deve haver fundada justificativa para que o investigado seja submetido à identificação criminal, se justificando também, quando haja indícios de falsificação da identificação cível apresentada por este indivíduo; a autorização judicial pode ser dada de ofício, quando o magistrado entender que há elementos que a tornem necessária; na esteira deste raciocínio também poderá ser pleiteada pela autoridade policial e pelo membro do Ministério Público.
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Importante destacar que a defesa do investigado também poderá requerê-la a fim de afastar, desde logo, sua responsabilidade criminal em relação às acusações que lhe são imputadas. Para o ilustre doutrinador professor Eugenio Paccelli (2013, p. 296) (...) o juiz, ao exame da necessidade da identificação para a busca de elementos informativos da prova, deverá atentar para a natureza do delito, além da sua gravidade. É que a autoria de alguns crimes vem reforçada exatamente na identificação de material genético, como ocorre, por exemplo, com os crimes de natureza sexual. Como a natureza desta intervenção é exclusivamente probatória, seus resultados estão diretamente vinculados ao processo, sendo que a exclusão dos dados do perfil genético do BNPG se dará ao final do prazo prescricional do delito investigado, conforme dicção do art. 7º-A da Lei nº 12.037/09 cuja redação foi adicionada pela Lei nº 12.654/12. A despeito da legislação em comento ser omissa, entende Pacelli (2013, p.397), que em caso de absolvição ou ainda decisão que tenha extinguido a punibilidade do agente, transitada em julgado, a solução aplicada seja a mesma, em analogia ao disposto no art. 7º da Lei nº 12.037/09, onde se faculta ao investigado, indiciado, acusado ou réu o requerimento da exclusão dos seus dados no sistema. A Lei nº 12.654/12 também inovou em relação à execução penal, ao introduzir o art. 9º-A na Lei no 7.210/64, tornando obrigatória a identificação criminal mediante extração de material biológico, in verbis: Art. 9º-A Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. Este dispositivo determina como sendo obrigatória a identificação criminal por DNA em dois tipos de delitos: Os crimes de natureza grave contra a pessoa e os considerados hediondos, dispostos no rol do art. 1º da Lei nº 8.072/90. Entretanto, a mera prática delituosa não é suficiente para que se autorize a extração forçada de material genético, alguns elementos devem aglutinar-se à conduta criminosa. Neste sentido, o dolo é o elemento imprescindível, ou seja, somente serão catalogados DNA daqueles indivíduos que tenha agido com a vontade livre e consciente de violentar sua vítima. Lado outro, é mister que a sentença condenatória do agente tenha passado em julgado, daí a lógica do disposto ter sido introduzido na Lei de Execuções Penais, LEP. Observa-se que o artigo é taxativo quanto ao alcance da lei, somente os crimes hediondos e os de natureza grave contra a pessoa estão albergados por ela. Não se admite, portanto, interpretação extensiva de seu alcance, o que deixaria de fora, por exemplo, os crimes comparados aos hediondos e aqueles cometidos com violência contra a pessoa, como por exemplo, a lesão corporal leve, que ao seu turno não deixa de ter certo grau de violência.
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3 A IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL POR ANÁLISE DE DNA E SUA JUSTIFICATIVA Cada indivíduo da espécie humana é único, exclusivo, e ainda que encontremos pessoas que sejam extremamente parecidas, ou irmão gêmeos univitelinos, cada um de nós possuí uma identidade genética ímpar. É por esta razão que a identificação de um indivíduo por meio de seu DNA se mostra quase que irrefutável, na medida em que o índice de assertividade é próximo dos cem por cento. Segundo o professor Sérgio D. J. Pena, titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais e presidente do Núcleo de Genética Médica de Minas Gerais (Gene) A determinação de identidade genética é uma técnica muito superior a todas as técnicas preexistentes de medicina forense, inclusive às impressões digitais clássicas. O DNA pode ser encontrado em todos os fluídos e tecidos biológicos humanos. Além disso, os estudos do polimorfismo de DNA (regiões do genoma nas quais existem variações entre pessoas sadias) nos permitem construir um perfil genético absolutamente indivíduo-específico. Não se olvida da importância do uso da tecnologia nos dias atuais, não conseguimos imaginar o mundo sem equipamentos eletrônicos. No campo da saúde, técnicas moderníssimas têm salvado inúmeras vidas. Então porque não aplicar o que há de mais moderno em tecnologia de investigação a serviço do Estado? Esse inclusive foi um dos argumentos utilizados pelo senador Ciro Nogueira, para quem: “A determinação de identidade genética pelo DNA constitui um dos produtos mais revolucionários da moderna genética molecular humana. Ela é hoje uma ferramenta indispensável para a investigação criminal”. Segundo Weedn e colaboradores (1996), apud Pena, “a determinação para a identidade genética pelo DNA pode ser usada para demonstrar a culpabilidade dos criminosos, exonerar inocentes, (...)”. O Brasil é um país que figura entre os primeiros do mundo em matéria de homicídios e, o que é pior, com uma taxa de elucidação baixíssima. O Senador Demóstenes Torres, relator do Projeto de Lei 93/11, em seu parecer, afirmou que: (...) estudos recentes apontam o Brasil como o sexto País do mundo em taxa de homicídios (26,4 homicídios em 100.000 habitantes/ano) e destacam uma situação igualmente grave em relação aos crimes sexuais. As taxas de elucidação desses delitos são baixas, com menos de 10% dos homicidas apropriadamente identificados e condenados, devido à ausência de prova material; tal fato tem causado comumente o arquivamento de vários inquéritos e denúncias. O jurista Luiz Flávio Gomes, em artigo intitulado como Violência epidêmica e política equivocada, destaca que os números da reincidência criminal no Brasil, apontam para números altíssimos. A Tabela abaixo, extraída do artigo retro mencionado, mostra os números da reincidência com base na população carcerária, incluída no “Estudio comparativo de población carcelaria”, PNUD (2013). Brasil e Chile aprecem com destaque, onde esse percentual alcança 47,4% e 68,7%, respectivamente.
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tamente, o CODIS, software que compara os resultados, o associou a 11 assassinatos e um estupro. Já se sabia que todos os crimes haviam sido cometidos por uma única pessoa, mas faltava saber o nome. Se Crawford tivesse dado uma amostra quando foi preso por roubo, em 1993, sua identidade teria sido descoberta logo no primeiro assassinato, impedindo-o de cometer os outros 10.
A pesquisa apontada por Gomes não separa destes índices os crimes hediondos e os cometidos com grave violência contra a pessoa, mas em linhas gerais aponta para números alarmantes acerca da criminalidade no Brasil. 4 O CODIS E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO COMPARADO E O CASO CRAWFORD O processo de identificação criminal por meio de extração de material biológico e análise de DNA é uma realidade em vários países, dentre os quais citamos: Alemanha, Estados Unidos da América, França, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido da Grã-Bretanha e Suécia. Para análise deste estudo no direito comparado, atentaremos nos ao modelo Norte Americano, que serviu de inspiração para o Senador Ciro Nogueira e que foi chancelado pelo também Senador Demóstenes Torres, para quem: O primeiro banco de dados de perfis genéticos de criminosos foi criado na Inglaterra, mas sem dúvida o banco mais importante, criado pelo FBI nos Estados Unidos (EUA), é o Sistema de Índice de DNA Combinado (CODIS – Combined DNA Index System). Tendo em vista que a tecnologia de bancos de perfis genéticos já se mostrou extremamente eficaz em vários países, notadamente nos EUA e Reino Unido, o seu impacto na promoção da justiça e combate à impunidade tem sido fator determinante para sua implantação no Brasil. Os norte americanos já reconheciam a potencialidade da análise de DNA9 como forma de investigação criminal antes do início da década de 90. Em 1994 o Congresso Americano aprovou a chamada Indetification Act (lei de identificação), que autorizou o FBI a utilizar o software CODIS. CODIS é o termo genérico usado para descrever o programa do FBI de suporte para bancos de dados de DNA da justiça, bem como o software usado para executar esses bancos de dados. Em 1998 foi criado o NDIS (National DNA Index System) que é considerada uma parte do CODIS, contendo os perfis de DNA e é a rede de integração e compartilhamento destes dados. Em novembro de 2011 o NDIS já continha mais de 10 milhões de perfis genéticos e já havia auxiliado mais de 25 mil investigações em todo os Estados Unidos da América. Apenas para efeito demonstrativo da eficácia deste método investigativo, passamos a observar o caso de Andre Crawford, preso no Estado de Chicago e que foi noticiado pela revista Super Interessante, em artigo intitulado como Ciência contra o crime, de autoria do jornalista Tarso Araújo. Entre 1993 e 1999, Crawford foi detido uma vez por roubo, outra por tentativa de estupro e duas por porte de drogas. Mas em nenhuma das 4 tinha fornecido seu DNA, já que no estado de Chicago, EUA, esses crimes não obrigavam o fornecimento da amostra. Só quando foi acusado de assassinato, seu perfil foi incluído na base de dados. Imedia-
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O caso Crawford demonstra que a base de dados obtida pela coleta de DNA pode resultar na elucidação que crimes que a priori, não teriam solução. 5 A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 12.654/12 EM FACE DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTO INCRIMINAÇÃO A análise de constitucionalidade da Lei 12.654/12 deve ser feita em dois momentos distintos, já que a referida lei promove a inserção da identificação criminal por meio de extração de material biológico em duas fases do processo penal completamente equidistante entre si, sendo a primeira na fase da investigação e a segunda na fase da execução da pena. Sobre o plano material, o relator do Projeto de Lei que resultou na promulgação do diploma legal em comento, Senador Demóstenes Torres, em seu parecer afirma que: Não há vícios de constitucionalidade porquanto a matéria trata de ciência, cuja competência para proporcionar os meios de acesso pode ser da União, por iniciativa de qualquer membro do Congresso Nacional, tendo em vista o disposto nos arts. 23, V, e 48, ambos da Constituição Federal. Contudo, grande parte da doutrina clama para o princípio do nemo tenetur se detegere, direito insculpido implicitamente na Constituição da República, no art. 5º LXIII, segundo o qual, nenhum indivíduo pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo, para dizer que a coleta de material biológico de forma obrigatória fere garantias individuais do investigado, do Réu ou do condenado. Analisando as razões desta banda doutrinária apenas sob este enfoque, tal argumento de fato não pode ser desprezado, eis que o ordenamento jurídico brasileiro não poderia aplicar sanção alguma ou fazer qualquer presunção de culpa contra aquele indivíduo que optasse por não fornecer material biológico. Entretanto, a análise constitucional deve se dar sob o crivo dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando que o método de extração de material biológico é indolor e não ofende a incolumidade física ou psíquica do indivíduo submetido ao procedimento. Em que pese a lei não descrever quais os métodos seriam utilizados para extração do material, está implícito as garantias a dignidade da pessoa humana, aliás, em seu parecer, o Senador Demóstenes Torres observa que:
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A presente proposição ofertará mais eficiência ao banco de dados de identificação de perfil genético, ao permitir a colheita de DNA por procedimento não invasivo, não ofendendo, por conseguinte, os princípios de respeito à integridade física e à dignidade humana. Pedimos vênia, mas é necessário ressaltarmos que carregamos um histórico de muita repressão e tortura, oriundo de uma época em imperava o poder das forças armadas. Por isso, nossa Carta Maior trouxe em seus alicerces garantias de que aqueles tenebrosos açoites de outrora não mais pudessem ser repetidos. Contudo, por mais garantista que um Estado seja, é imperativo que o direito interno acompanhe a evolução da sociedade, assim, não basta preservar as garantias de uma época remota, mas evoluí-las no mesmo compasso em a sociedade evolui. Para Maria Elisabeth Queijo (2003, p.53 e 54), o princípio da não autoincriminação não reina absoluto e clama pela relativização de dos direitos fundamentais, já que impera a coexistência de vários outros direitos: Os direitos fundamentais têm uma dimensão individual e outra institucional. (...) Todavia, os direitos fundamentais não são absolutos, a própria coexistência dos vários direitos fundamentais gera restrições, que devem ser reguladas por lei, respeitando certos limites, devendo ser claras, determinadas, gerais e proporcionais, obedecendo ainda alguns critérios segundo o princípio da proporcionalidade: (...) a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador; a adequação desses meios à consecução dos objetivos almejados e a necessidade de sua utilização. Pacelli (2013, p.396) assevera que não é possível invalidar o comando normativo com base em “suposto” direito a não autoincriminação e cita: Eis aqui cristalino exemplo da inadequação do argumento: a questão gira em torno da violação ou não (a depender do exame a ser realizado e de sua necessidade efetiva) de direitos materiais, como a integridade física e/ou psíquica da pessoa submetida à intervenção desta natureza. E arremata afirmando que: “os meios de coleta deverão respeitar a proibição de ingerências abusivas e desnecessárias, conforme estipulado em tratados internacionais sobre a matéria”. Este é ponto nefrálgico da discussão, saber como trabalhar a extração desta prova. Rui Barbosa, considerado por muitos, patrono do Direito brasileiro, certa vez disse que: “ainda que o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova; e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta, não só apura-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas”. Não há como se pugnar pela inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 5º, da Lei nº 12.037/09, introduzido no ordenamento pela Lei nº 12.654/12, porquanto não há previsão expressa nos referidos institutos normativos de métodos invasivos de coleta, capazes de ofender a integridade física ou psíquica do indivíduo. Caso não haja respeito aos mandamentos constitucionais que proíbem tratamento degradante aos acusados, não há que se falar em inconstitucionalidade da lei, mas sim em ilicitude da prova obtida, onde, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, não tem valor no processo penal. Ademais, demonstrou-se que não deve haver o sopesamento de direitos, já que eles devem se harmonizar entre si. Também não há que falar em direitos absolutos, já que até mesmo os direitos fundamentais devem ser relativizados, face ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade.
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A investigação criminal por meio de análise de DNA pode contribuir para um processo penal mais justo e adequado, subsumindo-se a ideia da busca pela verdade real, apontando os verdadeiros culpados e impedindo que pessoas inocentes sejam condenadas. Por outro lado, em relação à identificação criminal na fase de execução da pena, a medida carece de uma análise constitucional tanto quanto diferente em relação à admitida para fins probatórios. O condenado por crimes hediondos ou cometido com grave violência contra pessoa, com sentença transitada em julgado, obrigado a fornecer material genético, terá estes dados armazenados ad eternum, já a lei não estipula prazo de duração do cadastro. Para Pacelli (2013, p.398), o grande problema é que após o cumprimento da pena, o indivíduo, por mais bárbaro que tenha sido seu crime, tem o direito de retornar ao estado pleno de cidadania, sendo para tanto presumidamente inocente em relação a fatos futuros. A medida, para além de seu caráter estigmatizante, viola o verdadeiro direito daquele que, após o cumprimento da pena, deve retornar ao seu estado pleno de cidadania e de inocência aos fatos futuros – ressalvada apenas a possibilidade de valoração da condenação para fins de nova imposição penal (reincidência). Não se justifica a manutenção indefinida de seu registro genético, afastada de finalidades probatórias, isto é, ligadas à efetividade do processo penal. Nesse passo, bastaria aos interesses do Estado a manutenção dos registros sigilosos sobre o processo e sobre a condenação, conforme disposto no art. 95, Código Penal, a cuidar da reabilitação. O ilustre doutrinador ainda tece comparação entre os institutos da coleta de material genético trazidos pela Lei nº 12.654/12 Uma coisa é permitir a identificação genética para finalidades probatórias, diante da possível adequação da diligência, pela ausência de risco de danos a pessoa (coleta de saliva, por exemplo), e o proveito a ser obtido na efetividade da tutela penal. Outra, muito diferente, é referendar um cadastro genético nacional de condenados em crimes graves. Aí parece-nos, haveria transcendência exponencial da segurança Pública, incompatível com o Estado de Direito e as liberdades públicas Desta forma, por mais nobre que sejam os objetivos da lei, e aqui não se esconde nossa repugnância por crimes bárbaros, tem-se que a manutenção dos dados genéticos de um individuo, mesmo após o cumprimento da pena, afronta a lógica do Estado Democrático de Direito. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso da tecnologia avança em ritmo frenético sobre todas as áreas da sociedade, estando em um ponto que não é mais possível desassociá-la do nosso dia a dia. A tecnologia tem contribuído de forma intensa na saúde, salvando milhares de vidas. Desta forma, não pode o Direito fechar as portas para a moderna técnica de investigação criminal por meio de análise do DNA do investigado, afinal, esta é uma ferramenta que poderá ser capaz de condenar os verdadeiros culpados, permitindo que o Estado dê a sociedade uma resposta mais eficiente e célere. Demonstrou-se sua efetividade no direito comparado, onde por meio desta técnica milhares de crimes foram elucidados e os culpados devidamente condenados. Não se vislumbrou vícios de constitucionalidade da Lei nº 12.654/12 quando a extração de material genético se der para fins probatórios, não havendo que se falar em afronta ao princípio da não autoincriminação, porquanto demonstrou que não há direito absoluto, mas sim relativizado pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
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Contudo, mesma conclusão não se chega quanto a extração de material genético na fase de execução penal, haja vista que, o instituto normativo em comento não estabelece o tempo de permanência destes dados no banco perfis genéticos. Evidencia-se, portanto, uma punição de caráter perpétuo, eis que o condenado após o cumprimento de sua pena terá o direito pleno e inderrogável de retomar a sua condição de cidadão, o que segundo as diretrizes da norma é impossível, já que a presunção de inocência dará lugar ao estado de suspeição. Por fim, diante de tudo o que aqui foi dito, entendemos que a Lei 12.654/12 representa um avanço significativo para o processo penal, na medida em que é possível uma identificação mais precisa acerca da autoria delituosa.
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NOTAS DE FIM
MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. 26ª ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Atlas, 2010
2 Professor de Direito Processual Penal do Centro Universitário Newton Paiva. Especialista em Ciências Penais. Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
3 Antônio Eustáquio, Eduardo Nepomuceno
1 Graduando em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva
OLIVEIRA, Eugênio Pacceli de. Curso de processo penal. 17. Ed atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2013.
4 Altera as Leis nos 12.037, de 1º de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, para prever a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal, e dá outras providências.
SANTOS, William Douglas Resinente dos. Medicina Legal à luz do direito penal e processual penal: teoria resumida das questões. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2001.
5 Dispõe sobre a Identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da CR/88.
SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2009.
6 Dispõe sobre a Identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da CR/88.
ARAÚJO, Tarso. Ciência contra o Crime 2008. Disponível em: <http://super.abril. com.br/ciencia/ciencia-crime-447772.shtml> Acesso em 20 de Set. 2013
7 DNA, em inglês: deoxyribonucleic acid ou ADN, em português: ácido desoxirribonucleico.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto -lei/del3689.htm>. Acesso em: 12 de Maio de 2014.
8 CODIS is the acronym for the “Combined DNA Index System” and is the generic term used to describe the FBI’s program of support for criminal justice DNA databases as well as the software used to run these databases. The National DNA Index System or NDIS is considered one part of CODIS, the national level, containing the DNA profiles contributed by federal, state, and local participating forensic laboratories.
______. Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210. htm>. Acesso em: 12 de Maio de 2014
______. Lei 8.072, de 25 de Julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8072.htm>. Acesso em: 12 de Maio de 2014 ______. Lei nº 12.037, de 1º de Outubro 2009. Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Cons-
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9 DNA technology was first introduced in criminal court cases around 1988. When the FBI saw the potential for exchanging and comparing DNA profiles to help solve crimes—crimes that might not be solved in any other way—the concept of a national program was born. In 1994, Congress passed the DNA Identification Act, which gave the FBI authority to establish a national database. During the next few years, the FBI developed, tested, and implemented the CODIS software as well as training support for states authorized to collect DNA samples from offenders. In 1998, we started NDIS with nine participating states. Now, all 50 states participate, and NDIS currently contains over 10 million DNA profiles.
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LEI SECA: EFICÁCIA AMPARADA NA LEGÍSTICA Fernanda Prata Moreira Ribeiro1 Marcelo Sarsur Lucas da Silva2 Banca Examinadora 6 RESUMO: O presente artigo visa a demonstrar os resultados positivos alcançados com a implementação da Lei Seca. Essa lei surgiu com o propósito de conscientizar a população para, então, diminuir o número de acidentes de trânsito provocados pela ingestão de bebida alcoólica. Porém, sua permanência no ordenamento jurídico brasileiro foi ameaçada pelos meios probatórios, por ela, estipulados. A recusa do condutor em participar da prova de embriaguez dificultou, sobremaneira, as operações policiais. Adaptações se fizeram necessárias e culminaram na maior operacionalidade das abordagens. A mudança no comportamento das pessoas, real apenas nas teorias da Legística, pode ser observada. Os objetivos pretendidos com a criação da Lei Seca foram atingidos, que mostrou ser uma lei eficaz. PALAVRAS-CHAVE: Lei Seca; Legística; Eficácia; Eficiência; SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Excurso Histórico; 3 A Influência da Legística nos Resultados da Lei Seca; 4 A Eficácia da Lei Seca; 5 Considerações Finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO As leis de trânsito têm o precípuo objetivo de regulamentar o tráfego, de forma a organizar a sociedade e minimizar os impactos nela causados. A combinação entre álcool e direção representa uma das principais causas de acidentes no país, ceifando milhares de vidas, o que traduz a relevância desse tema nos dias atuais. A alcoolemia é um dos fatores que mais ocasiona desastres automobilísticos nas estradas e rodovias, visto que a gravidade dos acidentes se potencializa quando verificada essa circunstância. Considerando a questão em análise ser uma responsabilidade do Estado, os artigos 165 e 306, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, foram alterados com o intuito de coibir essa prática entre os condutores. A Lei Seca, como popularmente é conhecida, foi introduzida em 2008 no ordenamento jurídico brasileiro e voltada a essa finalidade. O início da vigência da referida lei não foi animador. O método utilizado para comprovar a alcoolemia dos motoristas era ineficiente, vez que possibilitava ao infrator a decisão em participar, ou não, da produção da prova. Para solucionar essa dificuldade, foram realizadas novas mudanças nos artigos já mencionados. Penalidades mais rigorosas, menor tolerância e novos meios de prova contribuíram na reversão da situação que persistia. Remetendo-se à Legística, é sabido que a lei é um importante instrumento de controle social, desde que adequada ao contexto e à realidade de cada lugar. O ideal é que toda norma cumpra um processo de elaboração pautado em detalhados estudos, que verificam desde a necessidade da sua criação até os prováveis resultados que serão produzidos. O aperfeiçoamento do ato normativo, após constatado o motivo que o tornava inoperante, também é fundamental para a consecução dos objetivos iniciais. Com a lei finalizada e incorporada ao arcabouço jurídico, busca-se a mudança no comportamento das pessoas, o que, normalmente, está vinculado à ampla divulgação e à efetiva fiscalização. As normas de trânsito, principalmente as que versam sobre a embriaguez ao volante, são classificadas como comportamentais, é dizer, que somente serão vislumbrados os efeitos desejados com a perfeita integração entre o Poder Público e a população. A Lei Seca foi alterada em tempo oportuno, corrigindo-se, exatamente, o que impedia a sua operacionalidade. A verificação da alcoolemia foi facilitada, e assim, a caracterização dos delitos de trânsito em comento adquiriu maior expressividade. E, via de consequência, o número de acidentes provocados pela ingestão de bebida alcoólica antes
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de dirigir foi reduzido. A sociedade, enfim, adotou novos hábitos, ciente da existência da lei e das sanções aplicáveis àqueles que a infringissem. Este artigo discorrerá, inicialmente, sobre a evolução histórica da Lei Seca, começando com sua criação e apontando as principais divergências e implicações no tocante a operacionalidade. Na sequência, apresentará a importância da Ciência da Legislação como instrumento definidor da qualidade de uma norma, além da influência da Legística na eficácia do diploma normativo objeto deste estudo. Por fim, serão demonstrados os resultados obtidos após as mudanças legislativas, os quais ensejaram o êxito da Lei Seca. 2 EXCURSO HISTÓRICO O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece nos artigos 165 e 306, a infração administrativa e o crime caracterizados pela direção de veículo automotor sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa. Em 1997, ano em que foi instituído o CTB, alguns limites fixados pela lei precisavam ser observados para a imputação da infração e do crime de embriaguez ao volante, ou seja, as penalidades não eram impostas pela simples ingestão de bebida alcoólica ou consumo de entorpecentes. Além disso, a fiscalização ineficiente não conseguia coibir essa prática entre os condutores e, consequentemente, os resultados foram preocupantes. Segundo dados da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET/2007), em 30% dos acidentes de trânsito a responsabilidade estava atrelada ao uso de álcool pelos condutores. Ademais, de acordo com o Ministério da Saúde, em 2007, metade das mortes no trânsito era causada pelo consumo de bebida alcoólica antes de dirigir. Neste contexto, em 19 de junho de 2008, foi criada a Lei Federal nº 11.705, mais conhecida como Lei Seca, que alterou os dispositivos mencionados, com a finalidade de estabelecer alcoolemia zero e impor penalidades mais severas para aquele que dirigisse sob a influência de álcool. A missão imbuída nessas mudanças era a de alertar a sociedade para os riscos da associação do álcool e da direção. Assim, almejava-se a redução dos índices, até então, alarmantes. Não obstante a promulgação da referida lei, algumas inconsistências na sua elaboração deturparam o efeito desejado pelo legislador, principalmente no que tange à comprovação da prática delitiva. O Princípio da Não Autoincriminação, ou Privilégio Contra a Autoincriminação, serviu de álibi para os condutores que infringiam as regras de trânsito e dirigiam alcoolizados. Esse princípio do Direito Processual Pe-
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nal, previsto no inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil, determina que nenhuma pessoa será obrigada a colaborar com seus acusadores. Assim, todo meio probatório que dependa da participação do acusado somente poderá ser produzido com o seu expresso consentimento. A justificativa para a existência desse privilégio se dá pelo fato de que o Estado possui aparato suficiente para provar a ocorrência de crimes e infrações, sem a atuação daqueles que, possivelmente, os praticaram. Em última análise, o Privilégio Contra a Autoincriminação assegura o regular exercício do direito de defesa, vez que o acusado não deve temer represálias tão somente por não colaborar com a instrução probatória. Resume-se o preceito à parêmia latina nemo tenetur se detegere – nada a temer por se deter, ou seja, ninguém deve temer o exercício da defesa, que não se confunde, à evidência, com a desobediência a ordem da autoridade pública. No cenário que ora se impunha, com o objetivo de eliminar os equívocos que tornavam os artigos do CTB ineficazes, em 2012, novas alterações legislativas foram introduzidas no ordenamento brasileiro. Além do aumento no valor da multa, do recolhimento da habilitação para dirigir, da suspensão do direito de dirigir por um período de doze meses e da retenção do veículo, a verificação da alteração da capacidade psicomotora do condutor passou a ser realizada por outros meios que não dependiam somente da participação do acusado. Essa mudança permitiu que a confirmação da ocorrência da infração e do crime de embriaguez ao volante fosse feita pelas autoridades de trânsito, através do depoimento testemunhal do fiscalizador. A Lei nº 12.760, de 20 de dezembro de 2012, que imprimiu maior rigidez à Lei Seca, não excluiu os outros métodos probatórios que eram dantes utilizados. Exames de sangue, exames laboratoriais, testes do bafômetro permaneceram em uso, devendo os agentes fiscalizadores de trânsito, até mesmo, priorizá-los. Com a inserção dos novos meios de prova para a verificação da alcoolemia surgiram várias controvérsias. A insuficiência do transporte público e o valor elevado das tarifas do transporte particular de passageiros (táxi) - alternativas para os condutores que desejam consumir bebidas alcoólicas ou substâncias psicoativas - eram a principal justificativa daqueles que se opunham à aplicação da Lei Seca. Contudo, não restam dúvidas de que as modificações realizadas visavam à adequação da lei para que os resultados pretendidos com a sua criação fossem, efetivamente, alcançados. 3 A INFLUÊNCIA DA LEGÍSTICA NOS RESULTADOS DA LEI SECA A Legística, também conhecida como Legisprudência ou Ciência da Legislação, é uma área do conhecimento jurídico que, em sentido amplo, estuda a construção das normas, voltando-se para a qualidade dos diplomas normativos. Sinteticamente, consiste no bom desenvolvimento de um processo elaborativo, observada a fundamentação, para a obtenção da melhor lei possível. Essa ciência decorre da necessidade de normas mais eficazes, principalmente pelo fato serem um instrumento capaz de provocar mudanças sociais. A doutrina elenca algumas etapas que devem ser, minuciosamente, analisadas na elaboração de um ato normativo. Desde o conceito do vocábulo “legislação” até se encerrar na técnica legislativa – emprego de uma linguagem adequada –, é importante considerar os métodos e procedimentos utilizados, além de certificar a razoabilidade e efetividade do que se objetiva criar. A não atenção a estes preceitos culmina no maior desafio da Legística: conter a proliferação de leis e consolidar práticas que permitem a interpretação real da norma. Neste sentido, pode-se reduzir a atuação da Ciência da Legislação em duas dimensões, quais sejam, formal e material. A primeira tangencia a comunicação legislativa, de modo a facilitar a compreensão e o acesso às normas. A segunda, por sua vez, atua no caráter efetivo das leis, evidenciando, no processo de criação, a análise da
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situação, os atos normativos já existentes, as soluções, os prováveis impactos e os resultados idealizados. No aspecto material, a fim de premeditar a eficácia da norma, também são verificados alguns elementos sociais, os quais vão demonstrar a necessidade da nova legislação, os seus efeitos e o alcance dos objetivos iniciais. Sendo assim, para garantir a aplicabilidade de um regramento, é fundamental que o legislador esteja adstrito às técnicas da Legística. Ademais, considerando a norma pronta, mais um fator é indispensável para que ela seja eficaz: a divulgação. É sabido que ninguém pode se escusar do cumprimento de algum dever legal, sob a acusação de não conhecê-lo. Com a apropriada comunicação entre o cidadão e o Estado – acerca da própria lei e das suas consequências -, a chance de bons resultados é indubitavelmente maior. As pessoas sujeitas à norma conhecem seus direitos, obrigações e as sanções aplicáveis e, assim, atuam em conformidade ao que está imposto. Esse é comportamento social esperado na edição de um ato normativo. A Doutora em Filosofia do Direito, Fabiana de Menezes Soares, ratifica esse entendimento: (...), a questão da eficácia da legislação aparece lado a lado das medidas de execução e implementação. A adoção, por exemplo, de estratégias de persuasão através de ações para construção de um consenso possível (...) são meios para otimizar o nível de eficácia social. Isto significa que durante todo o processo de elaboração e redação, a questão da compreensão e aceitação do ato normativo não deve ser considerada uma questão exclusivamente estilística.3 A Lei Seca nasceu de uma urgência do Estado, que precisava reduzir o número de acidentes e mortes decorrentes do consumo de bebidas alcoólicas na condução de veículos automotores. As dificuldades na sua instalação, seja em relação à fiscalização insuficiente, ou à árdua tarefa de conscientizar a população, fizeram com que muitos pensassem que nova lei entraria, rapidamente, para o rol do esquecimento. Em contraponto ao cenário que já era certo para a maioria das pessoas, a Lei Seca, após a alteração dos meios probatórios, ressurgiu com mais força. A identificação do que tornava essa norma ineficaz, com a posterior adequação do texto legal, foram essenciais para a consolidação de uma nova fase. A maior fiscalização, a divulgação em âmbito nacional e a certeza da punição não deixaram outra alternativa para os condutores que não fosse a mudança de comportamento. A Lei Seca, alvo de constantes críticas e discussões, até mesmo em torno da sua constitucionalidade, apresentou uma resposta social positiva. E, surpreendentemente, consagrou a sua eficácia. 4 A EFICÁCIA DA LEI SECA O ordenamento jurídico brasileiro está repleto de leis, sobre os mais variados assuntos. O excesso de normatização faz com que a aplicabilidade e a necessidade de muitas normas sejam plenamente questionáveis. Nestas circunstâncias, um ato normativo que respeite todas as etapas disciplinadas pela Legística é inimaginável. A Lei Seca emerge, em 2008, com o objetivo inicial de reduzir o número de acidentes e mortes no trânsito causados pela ingestão de bebida alcoólica antes de dirigir. Para que essa pretensão fosse atendida, era fundamental que a população conhecesse a lei e as suas punições para, a partir de então, mudar os seus hábitos. Ademais, a fiscalização deveria ser efetiva, de modo que os condutores tivessem a certeza que as sanções impostas seriam, realmente, aplicadas. A divulgação realizada com a publicação e a respectiva entrada em vigor da Lei Federal nº 11.705, em 20 de junho de 2008, alertou as pessoas acerca das modificações ocorridas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A infração prevista no artigo 165, do supracitado Códi-
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go, passou a ser caracterizada, tão somente, pelo consumo de álcool ou outra substância psicoativa. Constatado o delito, ao infrator seriam imputadas duas medidas administrativas, quais sejam, o recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação e a retenção do veículo até que outro condutor, devidamente habilitado, pudesse retirá-lo. Já para o crime de embriaguez ao volante, disposto no artigo 306 do CTB, tornou-se necessário comprovar a concentração de um valor igual ou superior a 06 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue. E a pena para quem praticasse o crime seria detenção de seis meses a três anos, multa e a suspensão, ou até mesmo, a proibição do direito de dirigir. Com essas mudanças legislativas, as operações do policiamento de trânsito tinham a missão de provar que a lei seria cumprida, sem qualquer distinção. O grau de alcoolemia – existência de álcool no sangue - era obtido, preliminarmente, através do bafômetro. Também conhecido como etilômetro, esse instrumento permite verificar a concentração de álcool no sangue, observando o ar alveolar expirado pelo motorista. Outra forma de se provar a embriaguez do condutor era por meio de exames laboratoriais, principalmente, o exame de sangue. Nos primeiros meses de vigência da Lei Seca, os bares e restaurantes registraram uma diminuição no movimento, bem como uma redução do consumo de bebidas alcoólicas por aqueles que estavam dirigindo. Além disso, a procura pelo transporte particular de passageiros (táxi) aumentou. Todavia, os meios probatórios para a verificação da ocorrência da infração ou do crime de direção embriagada, dependiam da participação do agente infrator. A eficácia da Lei Seca estava atrelada à voluntariedade daquele que, após ingerir bebida alcoólica, aceitasse ser submetido ao teste do bafômetro ou ao exame de sangue. O Princípio da Não Autoincriminação – nemo tenetur se detegere - foi o principal escudo para os transgressores. Afinal, no pleno vigor do Estado Democrático de Direito e de um sistema penal garantista, ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.111.566/DF4, confirmou esse entendimento consagrando a prevalência do direito fundamental sobre a atuação fiscalizatória do Estado – posicionamento compartilhado pelo Supremo Tribunal Federal. Evidenciou, ainda, que o Poder Judiciário, limitado à sua função de aplicação e interpretação das normas, não pode ser responsabilizado pela ineficácia de uma legislação falha. Não é papel do intérprete-magistrado substituir a função do legislador, buscando, por meio da jurisdição, dar validade à norma que se mostra de pouca aplicação em razão da construção legislativa deficiente. Os tribunais devem exercer o controle da legalidade e da constitucionalidade das leis, deixando ao legislativo a tarefa de legislar e de adequar as normas jurídicas às exigências da sociedade.4 A recusa na produção das provas da embriaguez foi a causadora do período de maior instabilidade da Lei Seca. A precariedade da fiscalização, seja pelo contingente policial, ou pela insuficiência de aparelhos medidores da alcoolemia, também contribuiu para a perda do impacto que a lei, inicialmente, havia provocado. Acreditava-se, nesse momento de declínio, que a Lei Seca rumava à franca extinção. O Legislativo brasileiro, impulsionado pela descrença da população no que concerne a tal regramento, editou a Lei nº 12.760, em 20 de dezembro de 2012, com o dever de resgatar os efeitos que eram, lentamente, percebidos. A nova Lei Seca foi marcada pela impressão de maior rigor na pena da infração do artigo 165 do CTB, tal como, na configuração do crime de embriaguez na condução de um veículo automotor, disciplinado no artigo 306, do mesmo Código. Além das sanções anteriormente previstas, ao motorista que praticasse a infração (artigo 165, do CTB) seria aplicada multa e a suspensão do direito de dirigir por um período de doze meses. Em contrapartida, para a im-
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putação do crime (artigo 306, do CTB), bastava verificar a concentração igual ou superior a 06 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue, ou valor igual ou superior a 0,3 miligramas de álcool por litro de ar exalado dos pulmões do condutor. No entanto, as principais mudanças foram no parágrafo 1º, inciso II e no parágrafo 2º, ambos do artigo 306, do CTB. Novos métodos para a prova do estado de embriagamento foram introduzidos no ordenamento jurídico. Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: (...) § 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por: (...) II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. § 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. Desse modo, para a constatação dos sinais de embriaguez e o consequente reconhecimento dos delitos, passou também a ter validade o depoimento testemunhal do policial fiscalizador, sem excluir as demais provas utilizadas – teste do etilômetro, perícias e exames clínico e de sangue. A Resolução nº 432, de 23 de janeiro de 2013, editada pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), foi publicada com o objetivo de regularizar a atuação dos agentes fiscalizadores. Critérios como a aparência, atitude, orientação, memória e capacidade motora e verbal do condutor devem ser, cuidadosamente, avaliados. Verificada a existência de algum elemento caracterizador da ingestão de bebida alcoólica - sonolência, olhos vermelhos, soluços, desordem nas vestes, odor de álcool no hálito, agressividade, arrogância, exaltação, ironia, dispersão, dificuldade no equilíbrio, fala alterada, entre outros – ao motorista são, automaticamente, impostas as sanções previstas na lei. As modificações inseridas no ano de 2012 facilitaram a fiscalização. A Lei Seca, em situação de crise, renasceu e voltou a surtir os efeitos desejados na sua criação. O Comandante do Batalhão de Trânsito da cidade de Belo Horizonte, Tenente Coronel Lemos, atuante no momento da edição da Lei nº 12.760/12 e que acompanhava in loco as operações, corrobora essa perspectiva: As alterações dos meios probatórios, advindas com a Lei 12.760/12, contribuíram em muito com as operações de fiscalização, especialmente no que diz respeito à constatação do uso de álcool pelo condutor. Era possível verificar o consumo de bebida alcoólica através dos sinais e sintomas de embriaguez, conforme estabelecido na Resolução 432, do CONTRAN, bem como, por meio de provas testemunhais e da declaração do policial. A partir dessas mudanças, as operações passaram a ser mais produtivas, principalmente, no prosseguimento de nossas ações nas abordagens, inclusive, com resultados concretos da aplicação da lei e das sanções administrativas5. Em Minas Gerais, no ano de 2013, a Lei Seca ganhou forte apoio da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), quando passou a ser considerada como uma política de governo. Com a soma de esforços, a possibilidade de executar uma fiscalização efetiva influenciou diretamente na geração de resultados positivos. A tabela e o gráfico abaixo sintetizam as operações realizadas pelo Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) em Belo Horizonte, no período de 20 de junho de 2008, entrada em vigor da Lei nº 11.705/2008, até 31 de dezembro de 2013.
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Com a mudança legislativa, é notável o significativo aumento do número de veículos abordados, bem como de testes realizados pelo bafômetro, com o consequente recolhimento da carteira de habilitação dos condutores. Embora restritas as informações ao município de Belo Horizonte, não se pode negar que os novos meios probatórios possibilitaram a maior fiscalização. Em decorrência disso, segundo dados do BPTran (ESTATÍSTICA/BPTRAN: 2014), considerando os acidentes provocados pela direção sob a influência de álcool, calculase uma redução de 29% nas ocorrências com ou sem vítima, e uma diminuição de 30% das mortes no trânsito. A divulgação da Lei Seca e das suas penalidades, através de várias campanhas educativas, também foi uma importante aliada do êxito das operações. A população passou a ter certeza da punição e, assim, a mudança de hábito fez-se necessária. O Sindicato dos Taxistas de Belo Horizonte registrou um aumento em torno de 30% nas corridas de táxi, principalmente, nos finais de semana. A própria sociedade desenvolveu um programa de rodízio de motoristas. Entre amigos, um era eleito o “motorista da rodada”, que não podia ingerir qualquer bebida alcoólica, ficando responsável pela condução de todos os outros. Destarte, a soma dos esforços não poderia apresentar resposta diversa: vencidos os maiores obstáculos, a Lei Seca é eficaz. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS As Leis 11.705/2008 e 12.760/2012, que modificaram o Código de Trânsito Brasileiro, em relação aos delitos de trânsito dispostos nos artigos 165 e 306, atribuíram maior rigor à verificação da alcoolemia na direção de veículo automotor. No entanto, a inoperância da lei fez com que os objetivos idealizados, quais sejam, advertir a população dos perigos da associação álcool e direção e reduzir o número de acidentes provocados pela embriaguez ao volante, não fossem rapidamente alcançados. O aperfeiçoamento da Lei Seca foi motivado pela liberdade que os condutores tinham de não colaborar com a produção das provas. Com a reforma da lei em 2012, além dos exames de san-
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gue, exames laboratoriais e testes do bafômetro, os quais foram mantidos, tornou-se possível à autoridade de trânsito observar alguns sinais indicativos e, assim, caracterizar um condutor embriagado. A inconstância na maneira de dirigir, com o desrespeito às regras básicas de trânsito, bem como aspectos físicos do motorista, podem caracterizar a direção sob o efeito de álcool e, consequentemente, qualificar os delitos anteriormente mencionados. Os novos meios probatórios excluíram a possibilidade de recusa na produção de provas, até então, adotada por alguns condutores, uma vez que o depoimento testemunhal do agente fiscalizador de trânsito tornou-se suficiente para configurar a infringência à lei, suprindo a recusa do motorista ao ser abordado. As divergências que surgiram em relação aos meios de prova introduzidos não devem prosperar. Sem omitir a importância das discussões no que tange ao alto valor das tarifas de táxi, o transporte público insatisfatório e o poder dado ao efetivo policial na fiscalização da lei, é fundamental destacar que o Estado, no seu dever de reduzir os índices preocupantes que se impunham, encontrou uma solução. A proibição da direção sob influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa interfere diretamente no número de ocorrências fatais no trânsito. A Lei Seca foi instituída com uma difícil missão: redução dos crimes de trânsito ocasionados pela ingestão de álcool e/ou substâncias psicoativas. E em pouco tempo de vigência os objetivos pretendidos pareciam intangíveis. A adequação da norma, fruto do que disciplina a Legística, fez com que surtissem os efeitos desejados quando da elaboração da lei. Assim, na prática, todos puderam testemunhar a real eficácia da Lei Seca, galgada na divulgação e fiscalização, tendo como um dos resultados a mudança do comportamento social. Hodiernamente, faz-se precipitado afirmar que a Lei Seca vive seu apogeu. Muito condutores ainda insistem em desafiar os seus limites dirigindo veículos em situações absurdamente perigosas. Agora outro desafio é estabelecido: os que ainda transgridem a lei precisam ser conscientizados de que bebida alcoólica e direção são elementos que não se coadunam.
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REFERÊNCIAS
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ROSSET, Patrícia. Legística. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ ilp /legistica.pdf>. Acesso em: 02 maio 2014. SOARES, Fabiana de Menezes. Legística e Desenvolvimento: a qualidade da lei no quadro da otimização de uma melhor legislação. Disponível em: <http:// www.polos.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/31/29>. Acesso em: 02 maio 2014.
NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton. 2 Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; advogado criminalista; professor de Direito Penal do Centro Universitário Newton. 3 SOARES, Fabiana de Menezes. Legística e Desenvolvimento: a qualidade da lei no quadro da otimização de uma melhor legislação. Disponível em: <http:// www.polos.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/31/29>. Acesso em: 02 maio 2014. 129 p. 4 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.111.566/DF. Relator: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Data do julgamento: 28 mar. 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1114564&sReg=200900250862&sData=20120904&formato=PDF>. Acesso em: 13 maio 2014. 5 Depoimento obtido em entrevista realizada, por email, com o Tenente Coronel Lemos. 6 Marcelo Sarsur Lucas da Silva; Renato Machado.
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A EXECUÇÃO DE ALIMENTOS POR MEIO DE FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Hugo Henrique Soares de Assis1 Igor de Matos Monteiro2 Banca examinadora3 RESUMO: O presente estudo pretende enfatizar a execução civil antes e após a lei 11.232/2005, com ênfase no crédito alimentar, demonstrando a não aplicação do sincretismo processual à execução de prestação alimentícia, bem como fomentar a real necessidade da aplicação do referido diploma legal a este tipo execução, tendo em vista a natureza urgente do crédito alimentar. PALAVRAS-CHAVE: Execução Civil; Execução de quantia certa; Lei 11.232/2005; Sincretismo processual; Execução de prestação alimentícia. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A origem da execução civil e o panorama da execução civil no Brasil antes e após o advento da lei 11.232/2005; 3 A não recepção da execução de alimentos pela lei 11.232/2005 e a necessidade de aplicação do sincretismo processual a execução de verba alimentar;4 A evolução jurisprudencial acerca do tema e o julgado paradigmático do superior tribunal de justiça; 5 As perspectivas em torno do projeto do novo CPC em introduzir o sincretismo processual à execução de alimentos; 6 Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO Tradicionalmente o Processo Civil Brasileiro sempre foi regido pelo sistema da dualidade de processos em torno de uma mesma lide, ou seja, para a prestação da tutela jurisdicional, eram necessários dois procedimentos: um procedimento para conhecer de quem era o direito (processo de conhecimento) e outro para satisfazer o direito reconhecido no processo de conhecimento (processo de execução). Ocorre que a falta de funcionalidade, a elevação de custos e principalmente a morosidade desse sistema, prejudicava, e muito, a parte que buscava a tutela jurisdicional através desse antigo sistema executivo, e por outro lado, beneficiava o réu compelido a cumprir a obrigação. Percebendo estas falhas da sistemática dual, o legislador resolveu corrigi-las. Para tanto, editou Leis que introduziram o sincretismo processual no processo civil brasileiro, ou seja, fez com que o processo de conhecimento e o de execução se tramitasse em uma mesma fase, e não em duas fases diferentes como era antigamente previsto. Assim, através da edição da Lei n°8.952/1994, a sentença relativa às obrigações de fazer ou não fazer não se cumprem mais segundo as regras da dualidade processual, mas de acordo com as regras do sincretismo processual. Seguindo essa seqüência de inovações, a Lei 10.444/2005 atribuiu o mesmo efeito ao cumprimento de sentença em relação a obrigações de dar, restituir ou entrega de coisa. Caminhando neste raciocínio e concluindo a introdução do sincretismo processual no processo civil brasileiro, o legislador editou a lei 11.232/2005, fazendo também com que as condenações a pagamento de quantia certa, para serem cumpridas, não mais dependam do manejo de um processo executivo autônomo em uma nova relação processual posterior ao encerramento do processo. A execução de quantia certa passou a ser processada nos mesmos autos, obedecendo ao sistema sincrético. Questiona-se que o legislador, ao realizar esta última mudança, introduzindo o sincretismo processual nas execuções de quantia certa, não abarcou os artigos 732 e 733 do CPC, que tratam da execução de prestação alimentícia. Tal questionamento nos aponta um grande problema: a execução de prestação alimentícia continuou a ser processada pela sistemática dual. Isso vem gerando um grave embaraço para o ordenamento jurídico, para advogados e principalmente para o alimentando, pois, a verba de natureza ali-
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mentar tem caráter urgente, é inerente para a manutenção vital do ser humano, logo ela deveria ter sido abarcada pelo sincretismo processual da Lei 11.232/2005, uma vez que o sistema dual é moroso, muitas vezes colocando em risco a satisfação da pretensão da verba de natureza alimentar. Assim, neste contexto, propões a aplicabilidade da Lei 11.232/2005 à execução de prestação alimentícia, pois irá beneficiar o credor dos alimentos, fazendo com que o mesmo possa se valer de um procedimento mais célere e eficaz para conseguir a verba alimentar devida pelo alimentante, dada a natureza urgente e essencial do alimento. Beneficiará também advogados, juízes, dentre outros operadores do direito, que irão se valer de um procedimento mais efêmero e eficaz na tutela e o no exercício da jurisdição. Para alcançar nosso objeto, que é promover a aplicabilidade do atual sistema executivo brasileiro de cumprimento de sentença à execução de alimentos, será feito um estudo da execução de quantia certa por cumprimento de sentença antes e após o advento da lei 11.232/2005, bem como uma análise do informativo de n°500 do STJ e do projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010, projeto este que dará ensejo ao novo Código de Processo Civil Brasileiro. 2 A ORIGEM DA EXECUÇÃO CIVIL E O PANORAMA DA EXECUÇÃO CIVIL NO BRASIL ANTES E APÓS O ADVENTO DA LEI 11.232/2005 A sistemática executiva do Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 (CPC) tem origem no direito antigo de origem romana. Na Roma Antiga, o credor só poderia se valer da prestação jurisdicional executiva depois de acertado o direito, ou seja, a realização da pretensão do autor teria início somente após prévia fase de conhecimento, na qual ficaria reconhecido o direito do titular do crédito. Nesta lógica, só era possível levar a cabo a execução do crédito reconhecido na fase de conhecimento através de outra ação. Esta nova ação era autônoma, e tinha como principal requisito o titulo executivo judicial formado no acertamento do direito. Assim, o devedor, ora compelido a pagar o credor em virtude do prévio acertamento do direito na fase cognitiva, caso não o fizesse, deveria ser citado novamente em uma nova demanda proposta pelo promovente, para pagar a dívida, sob pena de o Estado invadir o seu patrimônio para satisfazer o credor.
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Nas origens do direito de tradição romanística, só se chegava à prestação jurisdicional executiva depois de acertado o direito do credor, por meio da sentença. Esta autorizava a intromissão do credor no patrimônio do devedor,mas isto reclamava o exercício de uma nova ação – a actio iudicati. Dentro desse prisma, somente por meio de outra ação se tornava possível obter a tutela da autoridade pública (imperium) para levar a cabo a execução do crédito reconhecido pelo iudex, quando o devedor não se dispunha a realizá-lo voluntariamente. Daí a existência da actio iudicati, por meio da qual se alcançava a via executiva. Não existia, outrossim, o título executivo extrajudicial, de modo que a execução forçada somente se baseava na sentença e somente se desenvolvia por meio da actio iudicati. (THEODORO, 2013, p. 4). Esta sistemática executiva dual, advinda do direito antigo romano, sempre vigorou no processo de execução brasileiro: Tradicionalmente, o direito brasileiro exigia para a execução de títulos executivos judiciais um processo autônomo, de forma que a parte, após a obtenção do título executivo no processo de conhecimento, via-se obrigada a propor um novo processo, agora de natureza satisfativa. A era da autonomia exigia a existência de dois processos distintos e sucessivos: primeiro se declarava o direito e se condenava o réu ao cumprimento de uma obrigação (processo de conhecimento) e, posteriormente, se buscava a satisfação da obrigação (processo de execução). A lição tradicional ensina que o processo de execução se desenvolve de forma autônoma, constituindo um ente à parte dos processos de conhecimento e cautelar. Entendia-se, portanto, que o processo de execução não poderia ser considerado como mero ciclo final do processo de conhecimento. A justificativa para a autonomia do processo executivo como inicialmente imaginado pelos doutrinadores que trataram do tema encontrava-se alicerçada em duas justificativas fundamentais: a) A diversidade de atividades jurisdicionais (no processo de conhecimento são desenvolvidas atividades cognitivas; enquanto no processo de execução são praticadas atividades práticas materiais; e b) Os diferentes objetivos traçados para cada uma dessas atividades na solução de diferentes espécies de crises jurídicas (no processo de conhecimento objetiva-se reconhecer o direito do autor e, dependendo do caso, constituir uma nova relação jurídica ou condenar o réu; no processo de execução objetiva- se satisfazer o direito do exequente) (ASSUMPÇÃO, 2013, p. 812).
mesmo a se esquivar da citação, impedindo a marcha do processo executivo, uma vez que já estava ciente do processo que o condenou a cumprir a obrigação. Sem a citação do executado o Estado não teria meios para invadir o seu patrimônio, ficando o exeqüente prejudicado. Pode ser também que a citação não se consumasse pelo fato do executado ter mudado de endereço, ou qualquer outro motivo semelhante. A citação é apenas um dos principais aspectos negativos que o sistema executivo dual possui. Ressaltam-se também os gastos que o Poder Judiciário e a parte exeqüente teriam com a formação de outro processo, haja vista os gastos com uma nova citação e os custos gerais de quando se propõem uma demanda. A falta de funcionalidade do sistema executivo dual demonstra o quanto esse sistema depõe contra princípios constitucionais importantes do Direito Processual Civil Brasileiro, tais como o Princípio da Celeridade Processual e o Princípio da Economia Processual, que são importantíssimos para a manutenção e efetividade da jurisdição. Com isso, cada vez mais se caracterizava a ineficiência do sistema executivo dual, tanto que os agentes jurídicos, advogados e as próprias partes se insurgiam de forma mais abrangente contra a falta de celeridade de tal procedimento, fato este que levou o legislador brasileiro a adotar várias medidas para que as falhas do procedimento autônomo não comprometessem mais a tutela jurisdicional executiva. O próprio tempo foi mostrando que esse sistema já não era o mais adequado. O clamor avolumou-se contra a demora a falta de funcionalidade, e a elevação de custos que a dualidade de processos em torno da mesma lide representava, tanto para as partes como para a própria prestação jurisdicional. Aos poucos foram sendo ampliados, nas leis processuais, não só os títulos executivos negociais, que permitem o acesso direto à execução forçada e, assim, dispensam ação condenatória, como os casos de ações executivas lato sensu, que permitem num só procedimento completar-se o acertamento do direito controvertido e alcançar-se o cumprimento forçado da prestação devida, sem os incômodos da actio iudicati. Em pleno século XX, voltou-se a presenciar o mesmo fenômeno da Idade Média: o inconformismo com a separação da atividade jurisdicional de cognição e de execução em compartimentos estanques, e a luta para eliminar a desnecessária figura da ação autônoma de execução de sentença (a velha actio iudicati do direito romano). (THEODORO, 2013, p. 7).
O sistema da dualidade de processos em torno da mesma lide não se perpetuou no ordenamento jurídico brasileiro. A falta de funcionalidade, a elevação de custos e principalmente a morosidade desse sistema, prejudicava, e muito, a parte que buscava a tutela jurisdicional, e por outro lado, beneficiava o réu compelido a cumprir a obrigação. Tanto é verdade que, após o título judicial se confirmar através da sentença, compelindo o réu a cumprir a obrigação, o autor não poderia dar início ao processo de execução nos mesmos autos. Neste prisma, para que o autor, titular do crédito definido em sentença, executasse a obrigação inadimplida pelo réu, deveria ajuizar uma nova demanda, com uma nova petição inicial, implicando na dualidade de ações. Ocorre que nesta nova lide, agora de natureza executiva, também deveria ocorrer uma nova citação do mesmo devedor que já foi citado no processo de conhecimento, fato este que implicava em uma morosidade gigantesca, pois, o réu que não adimpliu a obrigação no processo de conhecimento, também não teria interesse algum em adimplir a obrigação no processo de execução, o que levava o
Através das palavras do processualista Humberto Theodoro Júnior, podemos perceber que o descontentamento com o sistema dual executivo já vinha se arrastando desde o século XX, de forma que o inconformismo e a falta de praticidade da ação autônoma de execução de sentença se tornaram tão latentes, que o legislador brasileiro procedeu a profundas reformas no Código de Processo Civil Brasileiro. O legislador brasileiro, com o intuito de tornar mais eficaz o processo de execução, promoveu uma grande renovação no Código de Processo Civil. Tal mudança visou dar mais celeridade e funcionalidade ao processo executivo, de tal forma que o credor pudesse reaver o seu crédito sem se ver limitado pelas falhas antigas do procedimento dual. O grande impulso dado pelo legislador, para acabar com a ação autônoma de execução de sentença dos títulos judiciais, foi com a publicação da Lei n°8.952, de 13/12/1994, que alterou o artigo 273 do CPC, incluindo-lhe vários parágrafos. Tal momento normativo causou grande impacto em nosso ordenamento, pois resultou no mecanismo da tutela antecipada. Com a chegada desse instituto, o legislador
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conseguiu em um primeiro momento compatibilizar o processo de conhecimento com o processo de execução, de modo que, o requerente pudesse gozar das medidas executivas antes mesmo de prolatada a sentença, no próprio processo de conhecimento, desde que fosse para contornar o perigo de dano ou para coibir defesa temerária. Desta forma, com a inovação do artigo 273 do CPC, o legislador brasileiro acabou com a pureza e a autonomia procedimental do processo de conhecimento e do processo de execução. O outro grande momento de modernização do sistema executivo se deu com a reforma do artigo 461 do CPC, dada também pela Lei n°8.952/1994 e complementada pela Lei n°10.444/2002. Tal alteração fez com que o cumprimento das obrigações de fazer e não fazer ocorresse no mesmo processo, pelo cumprimento de sentença, e não mais pelo sistema de fases. A sentença em torno do cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer deve conceder à parte a “tutela específica”; de modo que, sendo procedente o pedido, o juiz “deverá determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”. Para alcançar esse desiderato, dever-se-à, conforme o caso, adotar a medida de antecipação de tutela e poder-se-ão observar medidas de coerção e apoio, como multas, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade. Enfim, o credor deve ter acesso aos atos de satisfação de seu direito, desde logo, sem depender do complicado procedimento da ação de execução de sentença. Em outras palavras, as sentenças relativas à obrigação de fazer ou não fazer não se cumprem mais segundo as regras da actio iudicati autônoma, mas de acordo com as regras do art.461 e seus parágrafos, como deixa claro o texto atual do art.644, com a redação dada pela Lei n° 10.444, de 07.05.2002. Seguindo essa seqüência de inovações no Processo Civil Brasileiro, a Lei 10.444/2002 introduziu o artigo 461-A no CPC, fazendo com que as obrigações de entrega de coisa não se processassem mais pelo sistema autônomo executivo, e sim pelo cumprimento de sentença. Assim, as obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa, tiveram sua unificação procedimental, sendo cumpridas não mais através do sistema dual executivo, e sim através do sistema de cumprimento de sentença. Notável era o impacto que a chegada da tutela antecipada causou ao Processo Civil Brasileiro, porém, sentia-se que faltava algo mais. O legislador mostrou que estava querendo unificar os processos de conhecimento e execução em um só procedimento, mas ainda não o tinha feito na obrigação de pagar quantia certa. Em 2005 a reforma iniciada pelo legislador no ano de 1994 foi sacramentada com a introdução da Lei 11.232 de 22/12/2005. Tal diploma legal fez com que as condenações de pagamento de quantia certa não mais dependessem de manejo da ação autônoma para a execução. Ao condenar-se ao cumprimento de obrigação de quantia certa, o juiz assinará na sentença o prazo em que o devedor haverá de realizar a prestação devida. Ultrapassado dito termo sem o pagamento voluntário, seguir-se-à, na mesma relação processual em que a sentença foi proferida, a expedição do mandado de penhora e avaliação para preparar a expropriação dos bens necessários à satisfação do direito do credor (novo art.475-J) (THEODORO, 2013, p. 8). Desta forma, a lei 11.232, de 22/12/2005, introduziu o sincretismo processual no Processo Civil Brasileiro, ou seja, a chamada “ação sincrética”, consubstanciada em um processo com duas fases procedimentais sucessivas: a primeira de conhecimento e a segunda de execução.
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Assim, o legislador atendeu a um clamor antigo da doutrina processualista, dando mais efetividade a tutela jurisdicional e celeridade ao exercício da jurisdição. Vale destacar que o método dual executivo não foi totalmente abolido do Ordenamento Jurídico Brasileiro, uma vez que a execução contra a Fazenda Pública ainda se processa pelo sistema dual, nos revelando outra omissão legislativa que acaba beneficiando o Estado. Também continua se processando pelo sistema dual as execuções de prestação alimentícia, matéria esta que não deve continuar processando-se pelo sistema dual e sim pelo atual procedimento sincrético, tendo em vista a necessidade urgente que o credor tem em receber os alimentos, assunto este que é o tema central deste estudo, e que será abordado com mais ênfase nos capítulos a seguir. 3 A NÃO RECEPÇÃO DA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PELA LEI 11.232/2005 E A NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DO SINCRETISMO PROCESSUAL A EXECUÇÃO DE VERBA ALIMENTAR. Feito este panorama da execução civil antes e após a Lei nº 11.232/2005, podemos adentrar com mais ênfase no tema central do nosso estudo. Esta síntese supracitada, da execução civil antes e após a Lei n°11.232/2005, se faz plenamente necessária, pois o tema -problema é decorrente da criação da referida Lei. O legislador se esqueceu de instituir a nova sistemática sincrética ao procedimento especial da execução de prestação alimentícia. A Lei n°11.232/2005 não abarcou, não recepcionou a execução de prestação alimentícia, fazendo com que o alimentando ainda se valesse da execução autônoma para a realização do seu direito. Podemos observar no Código de Processo Civil através dos artigos 732 e 733, que a execução de prestação alimentícia não foi modificada pela Lei n° 11.232/2005, tanto que os artigos citados fazem menção à execução autônoma: Art. 732. A execução de sentença, que condena ao pagamento de prestação alimentícia, far-se-á conforme o disposto no Capítulo IV deste Título. Parágrafo único. Recaindo a penhora em dinheiro, o oferecimento de embargos não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação. Art. 733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1o Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretarlhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses. § 2o O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas. § 3o Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão. (BRASIL, LEI No 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973,2013). Desta forma, o alimentando teria de se valer da execução autônoma para compelir o alimentante a lhe pagar os alimentos. O alimentando iria enfrentar diversos problemas decorrentes da sistemática dual, eis que, evidentemente, não é possível descrevê-los por completo. O legislador não realizou sua atividade legiferante de maneira correta, pois o procedimento especial de execução alimentícia deve ser feito com celeridade e funcionalidade, diria mais até do que os outros procedimentos executivos. Os alimentos são algo que o alimentando não pode esperar, dado o seu caráter essencial e urgente, uma vez que o mesmo é inerente para a sobrevivência do alimentando.
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Devido a omissão do legislador, vários doutrinadores começaram a se manifestar a respeito do tema, com intuito de demonstrar que apesar da lei 11.232/2005 não modificar a execução de alimentos, o sistema sincrético é aplicável a execução alimentícia, devido a natureza urgente do crédito alimentar, senão vejamos: Portanto, os alimentos podem e devem ser cobrados pelo meio mais ágil. Aliás, o bom é aproveitar a oportunidade criada pela Lei 11.232/05 para aprimorar a execução de alimentos. Não haveria qualquer sentido em se modificar todo sistema de execução de decisões judiciais, tendo por objetivo imprimir maior celeridade ao processo, e deixar de fora logo aquela hipótese em que a necessidade inerente ao crédito alimentar mais impõe a busca pela aceleração dos meios de entrega da prestação jurisdicional executiva. O fato de a lei ter silenciado sobre a execução de alimentos não pode conduzir à idéia de que a falta de modificação dos arts. 732 e 735 do CPC impede o cumprimento da sentença. A omissão não encontra explicação plausível e não deve ser interpretada como intenção de afastar o procedimento mais célere e eficaz logo da obrigação alimentar, cujo bem tutelado é exatamente a vida. Não há nenhuma justificativa plausível para manter-se o demorado processo de execução apenas para as dívidas atinentes à pensão alimentícia. (DIAS, MARIA BERENICE, PAG 11) Assim como Maria Berenice Dias, vários outros doutrinadores como Fredie Didier Júnior, Daniel Amorim Assumpção Neves e Alexandre Freitas Câmara, afirmam que a Lei 11.232/2005 é aplicável a execução de alimentos. Na prática, porém, não era o que acontecia. 4 A EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL ACERCA DO TEMA E O JULGADO PARADIGMÁTICO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A jurisprudência tem evoluído a respeito do tema, neste sentido, apontam as conclusões n. 05 e 06 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, aprovadas por ocasião do Encontro de Desembargadores de Câmaras Cíveis do Tribunal de justiça do Estado do Rio de Janeiro, realizado em Angra dos Reis nos dias 30 de junho, 01 e 02 de julho de 2006, publicadas no Aviso n°33 do Presidente do TJ/RJ: “5. A execução de prestação alimentícia, disciplinada pelo art.733, do Código de Processo Civil, não foi alterada pela lei n°11232, de 22 de
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dezembro de 2005. 6. A Lei n° 11232, de 22 de dezembro de 2005, é aplicável à execução de prestação alimentícia fundada no art.732, do Código de Processo Civil”. Recentemente, o STJ em um julgado paradigmático, deu ensejo à resolução do problema, através da publicação do informativo de número 500: EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. APLICABILIDADE DO ART. 475-J DO CPC. A Turma decidiu ser possível a cobrança de verbas alimentares pretéritas mediante cumprimento de sentença (art. 475-J do CPC). Sustentou-se que, após a reforma processual promovida pela Lei n. 11.232/2005, em que se buscou a simplificação do processo de execução, há de se conferir ao artigo 732 do CPC – que prevê rito especial para a satisfação de créditos alimentares – interpretação consoante a urgência e a importância da execução de alimentos. Assim, tendo como escopo conferir maior celeridade à entrega na prestação jurisdicional, devem ser aplicadas às execuções de alimentos as regras do cumprimento de sentença estabelecidas no art. 475-J do CPC. REsp 1.177.594-RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 21/6/2012. (BRASILIA, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RESP 1.177.594-RJ, RELATOR: MINISTRO MASSAMI UYEDA, 2012) Desta forma, podemos perceber que a jurisprudência, passa a afirmar e permitir que o sistema executivo sincrético introduzido pela lei 11.232/2005, mesmo não modificando os artigos 732 e 733 do Código de Processo Civil Brasileiro, seja aplicado ao procedimento especial de execução alimentícia, devido à natureza urgente do crédito de natureza alimentar. Após a reforma do CPC pela lei 11.232/2005, a maioria dos juízes de 1° grau determinava a emenda do “requerimento” para o início da fase de cumprimento de sentença, exatamente porque o legislador não teria incluído este objeto para este tipo de execução. Então após o trânsito em julgado, tinha o advogado que ajuizar petição inicial da execução, cujos autos seriam apensados aos autos da ação principal (cognitiva). Para demonstrar tal realidade processual, compareci ao Centro de Exercício Jurídico de minha faculdade, o “CEJU”, do Centro Universitário Newton Paiva, com a intenção de demonstrar tal acontecimento na vida prática. Fiz a análise de algumas execuções de prestação alimentícia, na qual o CEJU atua, conforme o quadro abaixo:
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Através desta pesquisa pude concluir que dos cinco casos de execução alimentícia que pesquisei, todos tramitaram perante o fórum Lafayette, na comarca de Belo Horizonte, e em todos eles, sem exceção, a execução da sentença tramitou mediante processo de execução autônoma. Não me surpreendeu muito o fato das análises 1,2 e 3 tramitarem ainda sob o rito dual, tendo em vista que o entendimento do STJ só veio a ocorrer posteriormente ao ajuizamento e a execução das mesmas. Porém, as análises de números quatro e cinco, feitas nos autos de n° 0024.13.235.878-9 e 0024.14.101.135-3 chamaram bastante minha atenção, pois o ajuizamento e o procedimento executivo das referidas ações ocorreram posteriormente ao entendimento do STJ, e mesmo assim, os Juízes de 1ª instância determinaram o trâmite executivo das lides supracitadas pela via autônoma, indo de encontro com o informativo de n°500 do STJ. Na análise de número cinco, o CEJU fez um requerimento, para que o procedimento executivo alimentar tramitasse seguindo as regras do cumprimento de sentença. O Juiz da causa indeferiu, e ainda determinou de forma expressa em sua decisão a emenda do “requerimento” para o início da fase de cumprimento de sentença: “Na execução do artigo 732 não cabe aplicação da multa do artigo 475-J. Ademais a inicial deverá ser emendada para cumprir os requisitos dos artigos 282 c/c 652 e seguintes do Código de Processo Civil, devendo ainda a Requerente juntar procuração e declaração de hipossuficiência. Vista à Exequente. Intime-se.” Autos n°0024.14.101.135-3, proferida em 19 de Fevereiro de 2014. (BELO HORIZONTE, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, JUSTIÇA DE 1ª INSTÂNCIA, COMARCA DE BELO HORIZONTE, 5ª VARA DE FAMÍLIA,2014). Em uma entrevista com o coordenador, professor e advogado do Centro de Exercício Jurídico da Newton Paiva, o Sr. Leandro Henrique Simões Goulart, pude fazer questionamentos ao mesmo sobre como é a execução de alimentos no CEJU, se por fase ou se por petição inicial; e se o CEJU percebeu alguma mudança no entendimento dos Juízes sobre a forma de se fazer a execução de alimentos de 2006 até os dias de hoje. Respondendo a estes questionamentos, o coordenador me esclareceu que: “Até o final do ano de 2013, as execuções de alimentos eram distribuídas como um processo autônomo de execução nos termos dos artigos 732 (penhora de bens) e 733 (pedido de prisão) do CPC, independentemente de ser título executivo ou não. Ocorre que a partir do ano de 2014 os Juízes das Varas de Família de Belo Horizonte, em conformidade com o que foi determinado pelo STJ, estão recebendo a execução de alimentos, com base no artigo 732 do CPC, nos moldes do procedimento do cumprimento de sentença (Artigo 475 –J do CPC), mantendo a execução autônoma, quando se trata de pedido de prisão em que abrange somente os últimos três meses da pensão alimentícia em atraso, conforme a Súmula 309 do STJ. Quanto ao entendimento dos Juízes, até o final de 2013, não houve nenhuma mudança, pois as execuções de alimentos com base em título extrajudicial sempre eram autuadas de forma autônoma. Entretanto, mesmo com essa mudança introduzida pelo STJ, alguns Juízes ainda estão aplicando a regra anterior de execução autônoma para ambos os casos, como ocorreu nos autos de n°0024.14.101.135-3, conforme você pode constatar. Tal divergência entre os Juízes vêem causando dúvidas para nós professores e para os alunos do CEJU, pois não sabemos se procedemos à execução de alimentos pela via autônoma, como vinha sendo feito, ou pelo cumprimento de sentença,
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conforme entendimento do STJ. A solução encontrada, tem sido proceder a execução pela via autônoma, como era feito, e, sempre quando nós professores vamos ao fórum realizar audiencias, tentamos perguntar aos Juízes das varas de família qual está sendo o procedimento adotado por eles.” Através desta pesquisa, cheguei à conclusão de que, na comarca de Belo Horizonte, alguns Juízes de 1ª instância não estão aplicando o entendimento adotado pelo STJ no informativo de n° 500, fazendo com que a execução de prestação alimentícia ainda se desenvolva através da via autônoma, fato este que, torna muitas das vezes, a eficácia da tutela jurisdicional buscada pelo alimentando, comprometida, haja vista a falta de celeridade e de funcionalidade do procedimento ainda adotado. Portanto, somente com uma grande modificação legislativa é que iremos vincular o Poder Judiciário a adotar o procedimento sincrético a execução alimentar. Tal atividade legiferante esta por vir, e irá abarcar esta mudança que os agentes jurídicos tanto esperam, conforme abordaremos a seguir. 5 AS PERSPECTIVAS EM TORNO DO PROJETO DO NOVO CPC EM INTRODUZIR O SINCRETISMO PROCESSUAL À EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. Esta evolução jurisprudencial nos faz criar ótimas perspectivas a respeito do tema em comento, principalmente no que tange o novo projeto do Código de Processo Civil Brasileiro em tramite no Congresso Nacional. O legislador ao finalizar o projeto do novo CPC, provavelmente deverá introduzir o sistema executivo sincrético a execução alimentícia, alterando os artigos 732 e 733, pondo fim ao grave problema existente entre a incompatibilidade procedimental do sistema executivo dual com execução alimentícia, devido à natureza urgente do crédito de alimentar. Atualmente, o legislador já inseriu tal modificação no novo projeto do CPC. O projeto de alteração do CPC, em seu artigo 514 caput, alterou os artigos 732 e 733 do atual CPC, prevendo que, no cumprimento de sentença que condena ao pagamento de prestação alimentícia o juiz mandará intimar o devedor pessoalmente para pagar, e não mais citar como prevê o atual CPC. Art. 514. No cumprimento de sentença que condena ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixa alimentos, o juiz mandará intimar pessoalmente o devedor para, em três dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1º Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretarlhe-á a prisão pelo prazo de um a três meses. § 2º O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas. § 3º Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão. (BRASIL, Congresso. Senado. Quadro comparativo entre a redação original do projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010, o Código de Processo Civil em vigor e as alterações apresentadas no substitutivo do Senador Valter Pereira, 2010) Assim, sendo o devedor de alimentos intimado e não mais citado para pagar os alimentos, o credor enfim irá se valer de um procedimento mais célere e eficaz para ter tutelado o seu direito, uma vez que a execução se processará no mesmo bojo dos autos da ação de acertamento do direito, não havendo “brechas” para que o devedor se esquive de cumprir a obrigação alimentar devida.
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Com tal modificação, o legislador irá por fim a dúvida causada pela lei 11.232/2005, sobre qual o procedimento executivo adequado a execução de alimentos. Apesar do STJ já ter solucionado o problema através do informativo n°500, é de extrema importância que a alteração feita pelo legislador seja consolidada no novo CPC, até mesmo para evitar divergências a respeito da matéria. Fato é que o legislador e a jurisprudência contemporânea enfim atenderam um clamor antigo, fazendo com que o sistema executivo do cumprimento de sentença seja aplicado a execução de alimentos. Podemos perceber que a chegada do novo CPC trará muitos benefícios para o ordenamento jurídico brasileiro, dentre eles, como já exaustivamente citado, a aplicação do sincretismo processual a execução de alimentos. Porém, o novo Código já nascerá desatualizado, eis que o prazo para prisão, de acordo com o artigo 19 caput da Lei de alimentos (Lei n°5478/68) será de no máximo 60 dias, e o artigo 514 do novo diploma legal, em seu parágrafo 1°, alude que esta prisão será de um a três meses. Art. 19. O juiz, para instrução da causa ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias. Art. 514. No cumprimento de sentença que condena ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixa alimentos, o juiz mandará intimar pessoalmente o devedor para, em três dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1º Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretarlhe-á a prisão pelo prazo de um a três meses. Teremos, com a entrada em vigor do novo CPC, duas leis da mesma hierarquia, com previsões conflituosas, o que irá gerar uma grande dúvida no ordenamento jurídico brasileiro sobre qual prazo para prisão será aplicável. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante muito tempo, o Processo Civil Brasileiro era regido pelo sistema dual de ações, em que eram necessárias duas lides: uma para conhecer de quem era o direito e outra para realizar o direito. Com o passar dos anos, a doutrina e operadores do direito notaram que tal sistema não era o mais eficaz para o trâmite processual, tendo em vista a sua morosidade, ferindo princípios constitucionais do Processo Civil Brasileiro, tais como a celeridade e a economia processual. Com tamanho clamor da sociedade jurídica, o legislador foi impulsionado a modificar tal sistema, criando mecanismos para dar mais efetividade a tutela jurisdicional, que estava muito comprometida com o antigo sistema dual. Neste seguimento de inovações, o legislador editou a lei 11.232/2005, unificando os procedimentos executivos por quantia certa, fazendo com que o acertamento e a realização do direito fossem processados em uma única ação. Ocorre que o legislador não aplicou o referido diploma legal à execução de prestação alimentícia, que por ter uma natureza urgente e essencial, deveria sim ter sido abarcada pelo procedimento sincrético introduzido pela lei 11.232/2005. Ao final da presente pesquisa, comprovada a hipótese inicial, sustentou-se então que a execução de alimentos deve ser processada não sob o rito do sistema dual de ações, e sim sob a égide do sincretismo processual introduzido no Processo Civil Brasileiro pela Lei 11.232/2005.
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Chegou-se a esta conclusão devido à urgência que o alimentando possui em receber a pensão alimentícia, tendo em vista que o não recebimento de tal prestação pode comprometer a sua saúde vital e até mesmo a sua saúde psicologica e intelectual, pois sabemos que a pensão alimentícia compreende não somente o alimento em si, mas também o lazer e o desenvolvimento educacional do alimentando. Este raciocínio se solidifica através do informativo n°500 do STJ, que também entendeu ser necessário o processamento da execução alimentícia sob o rito da Lei 11.232/2005. Buscando uma uniformização, o legislador, através do Projeto do novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010), que ainda tramita no Congresso Nacional, atribuiu o sincretismo processual a execução de alimentos, conforme demonstramos ao longo desta pesquisa. Assim cria-se uma forte e positiva perspectiva de que o novo CPC certamente irá por fim ao processamento da execução de alimentos pelo procedimento dual, fazendo com que tal tipo de execução se processe pelo procedimento sincrético. Portanto, conclui-se que é plenamente necessário para o ordenamento jurídico brasileiro que o procedimento sincrético seja instrumento procedimental nas execuções de prestação alimentícia, tendo em vista o caráter urgente da verba alimentar e o atendimento dos Princípios da efetividade jurisdicional, da celeridade e economia processual.
REFERÊNCIAS BRASIL.Congresso.Senado. Quadro comparativo entre a redação original do projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010, o Código de Processo Civil em vigor e as alterações apresentadas no substitutivo do Senador Valter Pereira. Reforma do CPC.Brasília,DF,p. 239. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/ materia/getPDF.asp?t=84496 (Acesso em 08 de outubro de 2013). ______. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de número 500 do STJ. Execução de alimentos. Aplicabilidade do art. 475-j do CPC. Brasília, Superior Tribunal de Justiça, resp 1.177.594-RJ, relator: Ministro Massami Uyeda, 2012. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/infojur/doc.jsp. Acesso em 04 de Outubro de 2013. ______. Leis, Decretos. Vade mecum Saraiva. 15. ed. atual. e ampl. 2013 São Paulo: Saraiva, 2013. lxviii, 2028 p. ISBN 9788502185128 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil: volume II. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2013. xiv, 479 p. ISBN 9788522476411 DIAS, Maria Berenice. A execução dos alimentos frente às reformas do CPC. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/29_-_a_execu%E7%E3o_dos_alimentos_frente_%E0s_reformas_do_cpc.pdf. Acesso em 07 de Outubro de 2013. DIDIER JÚNIOR, Fredie (Et al.). Curso de direito processual civil: execução : vol. 5. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. 5 v. ISBN 8577617084 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito das famílias . 5. ed. Rio de Janeiro: JusPodivm, 2013. 1094 p. ISBN 8577617319 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2013. liv, 1502 p. ISBN 9788530944735 NÚCLEO de bibliotecas. Manual para elaboração e apresentação dos trabalhos acadêmicos : padrão Newton. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton. 2011. Disponívelem:<http://www.newtonpaiva.br/NP_conteudo/file/Manual_aluno/Manual_Normalizacao_Newton_Paiva_2011.pdf. (Acesso em: 22de Novembro de 2013). NÚCLEO de bibliotecas. NORMAS DE PUBLICAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA DE DIREITO DO CENTRO UNIVERSITÁRIONEWTON. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton. 2013. Disponível em <http://blog.newtonpaiva.br/direito/wp-content/ uploads/2013/05/Normas-de-publicacao.pdf> (Acesso em: 22 de Maio de 2014).
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urgência. 48. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013. xlii, 796 p. ISBN 9788530926502
NOTAS DE FIM 1 Graduando em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.
SANTOS, Izequias Estevam dos. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica. 7.ed.rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. 384 p. ISBN 9788576264019
2 Professor Orientador, Mestre em Direito Público com ênfase em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro, Professor do Centro Universitário Newton Paiva da Disciplina Processo Civil, Advogado.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento da sentença processo cautelar e tutela de
3 Maria Renata Yarochewsky, Igor de Matos Monteiro
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O PRAZO DE DURAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA) Junio Alves Correia1 Júlio César Faria Zini2 Banca Examinadora3 RESUMO: O presente trabalho busca estudar formas para a melhor aplicação da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), buscando diferenciar a aplicação de caráter civil/criminal das decisões referentes às varas de famílias ou juízos distintos. Levando-se em conta alguns aspectos importantes, como por exemplo, a natureza jurídica das medidas protetivas de urgências e a sua distinção das medidas cautelares; os procedimentos legais para sua concessão; a influência das medidas protetivas acerca das decisões da seara familiar; a durabilidade das medidas protetivas, que até então, a referida lei não traz de forma objetiva, qual o período de duração das sanções impostas aos agressores, fazendo com que estas perdurem ao longo do tempo. PALAVRAS-CHAVE: 1. Lei 11.340 /06 (Lei Maria Da Penha); 2. Direito de família; 3. Medida protetiva. Antecipação da pena; 4. Devido processo legal; 5. Uso indevido da Lei. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 1.1 Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha); 1.2 Contexto histórico; 1.3 Definição de violência doméstica; 1.3.1 Violência de gênero 1.2.3 Mecanismos de proteção; 2 MEDIDA PROTETIVA E SUA NATUREZA JURÍDICA; 2.1 Da competência jurídica; 2.2 Meio probatórios para deferimento das medidas protetivas; 2.3 Sanções aplicáveis ao agressor; 2.3.1 Central de Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas; 2.3.2 Tornozeleira eletrônica; 3 DURAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS E A POSSÍVEL ANTECIPAÇÃO DA PENA; 3.1 A Influência das Medidas em Juízos Distintos; 3.2 Litigância de Má-Fé nas Medidas Protetivas; 4 JURISPRUDÊNCIAS; 5 CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA
1 INTRODUÇÃO Durante muito tempo a mulher foi tida como um objeto de capacidade limitada ao modo de pensar de uma sociedade extremamente machista e preconceituosa, não passando de mera extensão do homem, subordinada ao pai, ao irmão, ao namorado e ao marido. Tendo este último, adquirindo o terrível papel de vilão, sendo responsável pela forma mais grave de violência praticada contra a mulher, a violência doméstica velada, uma vez que ocorre sem o conhecimento de parentes, vizinhos e amigos, ou seja, no ambiente íntimo familiar. Não restam duvidas que as diversas formas de violências sofridas pela mulher estão relacionadas ao fato da subordinação exercida ao homem, seja esta subordinação econômico/financeira, seja esta subordinação emotiva ou afetiva, que visa na maioria dos casos, a manutenção e preservação do núcleo familiar ou até mesmo por medo de não conseguir gerir e manter o sustento da família. Diante desta realidade que assombrou, e até hoje, assombra nossa sociedade, o Estado se deu conta que era preciso criar mecanismos em nosso ordenamento jurídico, por meio de adoção de políticas públicas, capazes de coibir e erradicar a violência doméstica sofrida pela mulher no seio familiar. O Estado criou uma legislação específica no combate à violência doméstica, a Lei 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha. Com o advento da referida lei, o Estado trouxe algumas inovações em nosso ordenamento jurídico visando dirimir as formas de violência devido à divergência de gêneros, criando medidas protetivas de urgência em favor da vítima. Embora tais medidas sejam de extrema relevância, existem alguns aspectos formais na aplicabilidade destas medidas que podem causar grandes impactos no que diz respeito à segurança jurídica. Serão abordados os aspectos positivos da aplicabilidade da lei, como também, aspectos relacionados a possíveis falhas legislativas no que diz respeito à forma e procedimento processual, diferenciando as medidas protetivas advindas da lei Maria da Penha em relação às
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demais medidas cautelares já existentes; a competência jurídica; as sanções impostas ao agressor; o prazo de duração das determinações impostas ao agressor; as formas de concessões das medidas protetivas e; a relevância da palavra da vítima para concessão das medidas protetivas. Lembrando que o presente trabalho busca mostrar alguns dos meios jurídicos de proteção da mulher vitima de violência doméstica, como também, visa buscar a segurança jurídica e a isonomia entre as partes nas ações de Medidas Protetivas. 1.1 Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) Logo em seu artigo 1º, a lei deixa de forma clara e expressa a que veio, criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, com fundamentos na Constituição Federal, Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra Mulher, Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil. Dispondo também sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar (Lei n° 11.340 de 07 de agosto de 2006, 2006). Em vigor, a Lei Maria da Penha dá cumprimento a determinação imposta pela Convenção de Belém do Pará, da Organização dos Estados Americanos (OEA), que fora ratificada pelo Brasil em 1994, e à Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), da Organização das Nações Unidas. (CNJ – Conselho Nacional de Justiça, 2014). A norma do art. 226, § 8º, da Constituição da República obriga o Estado Brasileiro a prevenir e punir a violência contra a mulher, protegendo a família, ao prever que: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988).
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Visando tornar efetiva a norma constitucional, foi editada a Lei 11.340/2006, que passou a tratar, com maior rigor, os casos em que uma relação de afeto transforma-se em violência, passando a vitimar as mulheres no seio das relações domésticas e familiares. Além disso, a referida lei dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, trazendo as inovações de projetos como o da Convenção de Belém do Pará e outros tratados. (Zacarias, 2013. pg. 49) 1.2 Contexto histórico Em 1983, um professor universitário tentou matar a própria mulher após simular um assalto à mão-armada. Ela ficou tetraplégica. Não satisfeito, tentou matá-la eletrocutada durante o banho. Ela sobreviveu. O nome dela é Maria da Penha Maia Fernandes. Maria da Penha Maia Fernandes, moradora da cidade de Fortaleza- CE, denunciou às autoridades, todos os atos de violência que vinha sofrendo e nada acontecia, até que essa última barbárie praticada pelo seu marido tomou grande repercussão e chegou ao conhecimento do CEJIL - Centro de Justiça o Direito Internacional e ao CLADEM – Comitê Latino-americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher. Em seguida estes órgãos denunciaram o caso à Comissão de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados Americanos. (Programa de Educação à Distância do TJMG, 2014). O Brasil foi responsabilizado pela omissão e negligência em face da violência doméstica, foi imposta indenização em favos de Maria da Penha e reconhecida à adoção de medidas simplificadoras dos procedimentos judiciais penais, objetivando uma prestação jurisdicional mais célere e eficaz, no caso protagonista da lei, o agressor recorreu em liberdade por duas vezes e somente foi preso após 19 anos e meio da ocorrência do crime, cumprindo pena por apenas dois anos. Destarte, após todo o ocorrido, o Brasil passa a cumprir os compromissos internacionais assumidos, regulando alguns direitos assegurados em tratados internacionais sobre direitos humanos das mulheres. Antes mesmo da criação da “Lei Maria da Penha”, o nosso ordenamento jurídico teve algumas mudanças significativas, como por exemplo, no ano de 2002, a Lei 10.406/02 que instituiu o novo Código Civil e a Lei 10.455/02, que modifica o parágrafo único do artigo 69 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Com esta modificação pôde ser exigida fiança e até mesmo a decretação da prisão em flagrante do agressor nos caso casos em que ocorrer violência contra mulher no âmbito familiar e não cabendo mais a transação penal, como era feito nos juizados especiais (Lei n° 9.099/95). Outra alteração importante ocorreu no ano de 2004, na qual a Lei 10.886/04 acrescenta dispositivos ao Código Penal, Criando o tipo especial denominado “Violência Doméstica”. Tal alteração deu origem ao § 9º do artigo 129 do Código penal, aumentando significativamente a pena de Lesão Corporal, quando esta for praticada no âmbito doméstico ou familiar, passando de pena de detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, para pena de detenção, de 03 (três) meses a 03 (três) anos, ou seja, aumentando a pena em 1/3 e passando ser a Ação Penal pública e incondicionada, conforme alude Rogério Sanches Cunha: O STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI 4424), pacificou a questão, reconhecendo que o art. 41 da Lei 11.340/06 não viola a Carta Maior e decidindo que a ação penal nos crimes de lesão corporal dolosa (mesmo que de natureza leve) cometido contra mulher no ambiente doméstico e familiar é publica incondicionada, dispensando, portanto, o pedido-autorização da ofendida. (2014, pg. 142).
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Por fim, em 07 de agosto de 2006, surge a Lei 11.340/06, a “Lei Maria da Penha”, sancionada pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, a nova lei traz nova roupagem para alguns artigos do Código Penal e ao Código de Processo Penal, assim como modificações relevantes nos procedimentos referentes à atuação dos juizados especiais criminais (Lei 9.099/95), aumentando a pena nos casos de agressões contra mulher no âmbito das relações domésticas, sem contar que, cria mecanismos para coibir e erradicar a violência de gênero, com intuito de resgatar a dignidade e cidadania das mulheres, há tempos marginalizadas. 1.3 Definição de violência doméstica A definição de violência doméstica não poderia estar expressa em lugar mais adequado, senão no artigo 5° da Lei 11.340/06, que traz o seguinte conceito: “Violência Doméstica é o tipo de violência impetrada contra a mulher no seio familiar por meio de qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Para Maria Berenice Dias, apenas o artigo 5° da lei seria insuficiente, por considerar que o referido artigo traz expressões vagas, como por exemplo, “qualquer ação ou omissão baseada no gênero”. (2012, pg. 44). Para a autora, uma formar de se chegar a um conceito mais abrangente, seria a interpretação do artigo 5°em conjunto com o artigo 7°, uma vez que este último busca identificar as formas de violência. Sendo que “violência doméstica é qualquer das ações elencadas no art. 7°(violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral) praticada contra a mulher em razão de vinculo de natureza familiar ou afetiva”. (2012, pg. 44). A violência psicológica é uma das mais praticadas no âmbito familiar, embora seja uma espécie de violência subjetiva, ou seja, difícil de ser aferida, uma vez que somente poderá ser dimensionada pelo sujeito passivo, no caso, a mulher. Para isso, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, entende como violência psicológica: A agressão emocional (tão ou mais grave que a física). O comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer quando vê o outro se sentir amedrontado, inferiorizado e diminuído, configurando a “vis compulsiva. Dependendo do caso concreto, a conduta do agente pode, caracterizar o crime de ameaça. (CUNHA, 2011, pg. 58). 1.3.1
Violência de gênero Nesse sentido a lição de Maria Berenice Dias dispõe: Que para ser considerada a violência como doméstica, “o sujeito ativo tanto pode ser um homem como outra mulher”. Basta estar caracterizado o vínculo de relação doméstica, de relação familiar ou de afetividade, pois o legislador deu prioridade à criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher, sem importar o gênero do agressor. (DIAS, 2007, p.41).
A Autora explana de forma á conceituar a violência de gênero distinguindo a palavra sexo e gênero. Para a autora sexo está ligado à condição biológica do homem e da mulher, gênero é uma construção social, que identifica papéis sociais de natureza cultural, e que levam a aquisição da masculinidade e da feminilidade. O artigo 5° da lei 11.340/ 06 delimita de forma clara que o atendimento é apenas às mulheres vítimas de violência sofrida no seio familiar, ao expressar: “configura violência doméstica e familiar contra a mulher”.
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Nesse diapasão, Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti entende como violência doméstica, “a ação ou omissão que ocorrer no espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem convívio familiar, inclusive as esporadicamente agregadas (inc. I)”. (2012. pg. 212). 1.3.2 Mecanismos de proteção Para dar maior efetividade ao cumprimento do dispositivo legal em comento, a Lei 11.340/06 traz em todo seu conteúdo, mecanismos que visam proteger a mulher vítima de violência doméstica, e dar real efetividade ao cumprimento dos dispositivos legais, dos quais traz a referida lei. Como foi dito, a Lei Maria da Penha possui diversos mecanismos de proteção à mulher ofendida no seio das relações domésticas. Nos artigos. 22 a 24, podemos constatar alguns desses mecanismos de proteção. Conforme artigo 22, o juiz poderá aplicar de imediato ao agressor: A suspensão ou restrição do porte de arma; afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a ofendida; a proibição de determinadas condutas, como por exemplo, a proibição de aproximação da ofendida, fixando uma distância mínima, proibição de fazer contanto e de frequentar determinados lugares, nos quais esteja à ofendida, tudo isso visando resguardar a integridade física e psíquica da mulher vítima de violência domestica, assim como aquelas que se sentirem violentadas em ração da afetividade. Se não bastasse, o juiz que julgar os autos relacionados à violência doméstica, também será competente para restringir e suspender o direito de visitas aos dependentes menores, assim como poderá fixar alimentos provisórios ou provisionais, proibir a celebração temporária de contratos relacionados aos bens comum do casal, prestação de caução provisória, mediante deposito judicial, por perdas e danos materiais, dentre outras. Mas para obter tal proteção, o juiz deverá ser provocado, pois ainda que a mulher registre a ocorrência, é da vítima a inciativa para requerer perante a autoridade policial, ou até mesmo, perante o juiz ou Ministério Público, as medidas de proteção pelo viés das “Cautelares de Medidas Protetivas”, também chamadas de tutela de urgência ou simplesmente, medidas cautelares (ressalta-se que esta última, embora tenha a mesma nomenclatura das “cautelares” cíveis, e diferente quanto à aplicabilidade). Algumas correntes defendem que o verdadeiro alcance da Lei Maria da Penha é a proteção da mulher vítima de violência doméstica mesmo que o agir do agressor não constitua infração penal que justifique um possível procedimento inquisitório por parte da autoridade policial. Quanto à natureza jurídica deste instituto, trataremos de forma não exauriente no capítulo seguinte, diferenciando tanto os aspectos formais quanto sua aplicabilidade no caso concreto, sem entrar de formar exaustiva no mérito das mudanças quanto ao procedimento da Ação Penal, se é condicionada ou incondicionada à representação, uma vez já pacificada pelo Superior Tribunal Federal (ADI - 4424). 2
MEDIDA PROTETIVA E SUA NATUREZA JURÍDICA Na prática forense, muito se discutiu quanto à natureza jurídica das medidas protetivas advindas da Lei 11.340/06. Alguns acreditam que são de natureza criminal, e para tanto, necessariamente haveria de existir um processo penal. Outros defendem a sua natureza cível, e que não poderia subsistir sem um processo cível principal. Uma terceira corrente, não majoritária, afirmam que a medida protetiva possui caráter meramente “acessória”, ou seja, somente existiria enquanto perdurar o processo principal, seja ele cível ou criminal. Entende Maria Berenice dias, ao citar Fausto Rodrigues de Lima que, as medidas protetivas não são instrumento para assegurar processo. O fim das medidas protetivas é proteger os direitos fundamentais evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. Não são necessariamente preparatórias de qualquer ação judicial. (2012. p. 147 / 148).
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Para entendermos melhor a questão, iremos diferenciar, de forma sucinta, as medidas protetivas (também chamadas de tutela inibitória) da Lei 11.340/06, das demais medidas cautelares e oriundas do processo civil. As cautelares cíveis para Humberto Theodoro júnior é quando “a atividade jurisdicional cautelar dirige-se à segurança e garantia do eficaz desenvolvimento e do profícuo resultado das atividades de cognição e execução, concorrente, dessa maneira, para o atingimento do escopo geral da jurisdição.” (2010. pg. 490). De um modo geral, no processo civil, as chamadas cautelares (tutela antecipada, tutela de urgência, medida cautelar, medida liminar, dentre outras com caráter satisfativa) são dotadas de requisitos fundamentais para sua concessão, como por exemplo, a “verossimilhanças das alegações”, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Daniel Amorim assegura que: As cautelares referentes a Lei Maria da Penha são de natureza indiscutivelmente satisfativa, e afirma ainda que, “os juízes passaram a conceder esse tipo de tutela atécnica, porque entre permitir o perecimento de um direito aparente em razão de vácuo legislativo ou distorcer a natureza jurídica da cautelar, nitidamente se preferiu a adoção desta segunda alternativa”. (NEVES, 2011. pg. 1141). As chamadas Medidas Protetivas também busca garantir segurança e garantias às mulheres vítimas de violência doméstica, visando à efetividade e a eficácia em seu cumprimento, visando resguardar a integridade física, psicológica e moral da mulher ofendida no âmbito das relações domésticas. Ocorre que essa coincidência, não é capaz de igualar os dois institutos, na prática jurídica, são gritantes as diferenças. Na primeira, predomina as características da acessoriedade, provisoriedade e da autonomia. Ou seja, necessariamente necessitam de um processo principal para existir (ou a iminência do processo dentro de um prazo de 30 dias), tem caráter provisório devido a sua duração condicionada a determinado espaço de tempo, e por fim, a sua autonomia, muito embora é instrumentalizado de forma separada ou em conjunto ao processo principal, sua autonomia e frágil devido seu caráter acessório. Já na segunda, as Medidas Protetivas poderiam ser consideradas uma “Super-Cautelar”, embora a Lei 11.340/06 não traz em seu corpo as características e procedimentos específicos capazes de diferenciar das demais cautelares cíveis, acaba sendo bastante requisitada na prática, o que causa muitas dúvidas no mundo jurídico. Umas delas seria, qual a duração de uma Medida Protetiva? Após um ano de vigência da referida lei a Corregedoria Geral da Justiça e a Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, concluíram: “não caducam em 30 (trinta) dias as medidas protetivas de urgência, aplicada pelo juízo criminal, mesmo que não seja ajuizada ação na esfera cível que a assegure”. (CUNHA, 2011, pg. 108). Percebe que essa conclusão não responde a pergunta, e sim, gera mais duvidas. Parece incoerente, mas o que se pode entender dessa conclusão é uma coisa totalmente inaceitável no ramo do Direito, uma Medida Protetiva terá duração por tempo indeterminado, ou seja, uma decisão judicial que pode restringir direitos com caráter perpétuo (ad eaternum). Quando falamos que uma medida protetiva pode restringir direitos, esta afirmação está amparada nos artigo 22, 23 e 24 da referida lei, uma vez que constatada a prática delituosa, o juiz poderá aplicar de imediato ao agressor, medidas como: Suspensão da posse ou restrição do porte de armas; afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de frequentar determinados lugares, separação de corpos, dentre outras relacionadas nos artigos supracitados.
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É inegável a necessidade de se criarem mecanismo para coibir e dirimir todas as formas de violência existente numa sociedade, principalmente em uma sociedade extremamente machista e preconceituosa. Mas temos que ser coerentes, não podemos simplesmente aceitar imposições estatais sem o devido respaldo legal, ao fazermos isso, corremos o risco de nos tornarmos, além de uma sociedade machista e preconceituosa, uma sociedade autoritária e imperialista. Temos uma constituição construída e praticada pelo povo. Temos que tê-la como base para o exercício da vida em sociedade. Por isso, não podemos aceitar imposições contrárias a esta. No caso das medidas protéticas sem prazo de duração, o Estado tem que regulamentar, por meio de normas, à aplicabilidade das sanções oriundas das medidas protetivas, visando e respeitando um dos principais princípios constitucionais, a segurança jurídica. Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti, cita bem a teoria de Thomas Hobbes, a teoria do pacto social. “Para Hobbes, na ausência de regulamentos e parâmetros institucionais reconhecidos por todos e sustentados por um poder superior, o convívio humano se converte necessariamente na guerra de uns contra os outros”. (2012. pg. 31). Da competência jurídica Conforme disposto no artigo 13 da lei, ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrente de prática de violência doméstica e familiar serão aplicas as normas dos Códigos de processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com os termos estabelecidos na Lei “Maria da Penha”. A lei é de competência comum /ordinária. Com o surgimento da lei, logo apareceram divergências quanto ao juízo competente para julgar as medidas protetivas. Para Maria Berenice dias a competência para julgar as medidas protetivas seriam: Justiça ordinária ou comum é residual e correspondente ao que não é de da competência das justiças especiais: eleitoral, trabalhista ou militar. O que sobra, automaticamente, é justiça comum uma vez que não é uma lei de natureza penal, ainda que traga algumas disposições do âmbito criminal. Não tipifica como crime as ações que define como violência doméstica e nem cria novos tipos penais. (2012. pg.129). Uma coisa é certa, por não prever um rito específico, a lei 11.340/06 gera divergência por parte dos magistrados quanto ao seu processamento. Uma pequena parte dos magistrados adotam uma corrente, em que as medidas protetivas de urgência, possuem as mesmas características das ações cautelares existentes no processo civil, defendendo a obrigatoriedade dos seus requisitos, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Já para a grande maioria dos magistrados, as medidas protetivas possuem um rito mais simples, servindo unicamente para atender o caráter de urgência e emergência da tutela pretendida. Conforme entendimento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ: A Lei Maria da Penha estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, deve ser apurado através de inquérito policial e ser remetido ao Ministério Público. Esses crimes são julgados nos Juizados Especializados de Violência Doméstica contra a Mulher, criados a partir dessa legislação, ou, nas cidades em que ainda não existem, nas Varas Criminais. Portanto, não restam duvidas que a competência primeva, é do juízo criminal, seja ele Juizado ou não. (CNJ, 2014).
2.2 Meio probatórios para deferimento das medidas protetivas A Lei 11.340/06, em seu artigo 11 traz algumas providencias que a autoridade policial deverá tomar em caso de violência doméstica e familiar. Sem contar as medidas e providências corriqueiras como tomar medidas necessárias para a instrução do inquérito policial, lavrar boletim de ocorrência, expedir encaminhamento para a realização de exame de corpo delito, dentre outras posturas decorrente da praxe policial. Ao deparar com situação decorrente de violência doméstica, ao atender a vítima, “a autoridade policial também deverá encaminhá-la a atendimento médico; acompanhá -la para recolher seus pertences; e fornecer-lhe transporte para abrigo seguro”. (DIAS, 2012. pg. 213). Com o advento da Lei “Maria da Penha”, o Boletim de Ocorrência policial (B.O), passou á ser de fundamental importância na instrução dos chamados Autos de Medidas Protetivas. Vejamos o artigo 12, da Lei 11.340/06: Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
2.1
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§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter: I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes; III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida. Como podemos perceber, o artigo supracitado traz alguns procedimentos a serem adotados pela autoridade policia durante o atendimento a mulher vitima de violência domestica. Entretanto, a grande crítica feita a este artigo, é justamente sobre as questões probatórias, uma vez que a palavra da vítima tem principal relevância para a concessão das medidas protetivas em desfavor do suposto agressor. Em decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), à ministra Maria Thereza de Assis Moura afirma em entrevista que: A lei não exige requisitos específicos para validar a representação da vítima, e entende que o registro de ocorrência perante autoridade policial serve para demonstrar a vontade da vítima de violência doméstica, bastando que haja manifestação de sua, conforme dispõe a Lei Maria da Penha. (pub. Superior Tribunal de Justiça, extraído pelo JusBrasil). Embora seja louvável o entendimento da Ministra, assim como o entendimento do STJ, a afirmação da qual se dá um status de “fé pública” à palavra da vítima, pode colocar em xeque o princípio do contraditório e da ampla defesa. Vale lembrar que, na grande maioria o Boletim de Ocorrência (B.O) é feito de forma unilateral, ou seja, sendo pautadas apenas as informações fornecidas pela ofendida. Tendo em vista este entendimento, passaremos trabalhar sobre o enfoque dos aspectos negativos que a Lei 11.340/06 poderá apresentar na prática, lembrado sempre que, o presente trabalho busca apresentar ideias relevantes que possam ser usadas para a melhor aplicabilidade da lei ao caso concreto, visando sempre resguardar a segurança e a integridade física e psicológica da mulher, como também, o respeito perante toda sociedade.
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2.3
Sanções aplicáveis ao agressor Tendo em vista que a Lei Maria Da Penha tem como principal objetivo, a criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para tanto, a lei 11.340/06 alterou de forma signi-
ficativa o ordenamento jurídico no que diz respeito aos meios de proteção, aumentando pena, criando agravantes, e impondo limites ao agressor. O quadro abaixo apresenta uma pequena comparação entre as mudanças apresentadas pela referida lei:
2.3.1 Central de Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas A Central de Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas (Ceapa) é tida pelo Ministério da Justiça referência nacional entre as políticas públicas da área. Seu trabalho busca aproximar da inclusão social o cumprimento das penas restritivas de direito. O Art. 45 da Lei Maria da Penha trouxe nova redação ao artigo. 152 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), passando a vigorar da seguinte forma: “Art. 152. Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação”. O artigo 45 determina que, o magistrado poderá obrigar o agressor a comparecer em programas de recuperação e reeducação. Após a determinação judicial em concedida por meio de medidas protetivas de urgências, o agressor deverá ser intimado a comparecer ao CEAPA, e este último, adotará os seguintes procedimentos: l Acolhimento - O agressor chega ao CEAPA após encaminhamento realizado pelo poder judiciário, e é acolhido por uma equipe do setor psicossocial do programa. l Grupo de inicialização - Após o acolhimento é feita uma reunião com as pessoas que iram iniciar o cumprimento da pena. l Monitoramento e acompanhamento – O trabalho de monitoramento está ligado à execução da pena e ao acompanhamento da pessoa que cumpre a determinação judicial, sendo gerado pelo CEAPA, um relatório sobre o andamento do cumprimento da pena. l Finalização – Ao término do programa, o CEAPA reúne-se com as pessoas que cumpriram as penas, para discutirem sobre as experiências adquiridas junto ao grupo.
2.3.2
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Tornozeleira eletrônica Em 16 de junho de 2010, foi sancionada a Lei 12.258, que também altera dispositivos expressos na Lei de Execuções Penais, trazendo na “Seção VI” do referido códex, o titulo, “Da Monitoração Eletrônica”. Com o advento da referida lei, o juiz poderá definir a fiscalização do agressor, por meio da monitoração eletrônica, ficando o monitorado encarregado pelos cuidados referentes ao equipamento, conforme expressa o seguinte artigo. Art. 146-C. O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres: I - receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações; II - abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça. O monitoramento eletrônico visa garantir o cumprimento das medidas protetivas, principalmente nas quais dizem respeito sobre a proibição de afastamento do lar, de proibição de aproximação da vítima, com distância predefinida pelo juiz, e a proibição de frequentação a determinados lugares por parte dos agressores. A vítima também receber um dispositivo de monitoração eletrônica. Assim, caso o agressor descumpra as determinações impostas, a Central de Monitoração será capaz de detectar uma eventual aproximação do agressor em relação à vítima.
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O equipamento instalado no agressor é semelhante a um relógio de pulso e pesa cerca de 160 gramas, e o equipamento que fica com a mulher, que é semelhante a um celular, que emite um sinal sonoro ou por vibração para a vítima, para o agressor e também para a Central de Monitoração, que fará as tratativas para tentar inviabilizar qualquer tipo de agressão. No caso de descumprimento das medidas protetivas, rompimento ou danificação do material, a Central de Monitoração registra no INFOPEN (Sistema Integrado de Informações Penitenciarias), comunicando imediatamente as polícias Militar e Civil e o juiz da causa. 3 DURAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS E A POSSÍVEL ANTECIPAÇÃO DA PENA A lei Maria da Penha trouxe um certo avanço no que diz respeito aos direitos fundamentais e proteção das mulheres, no entanto, a falta de regulamento legislativo, no tocante das medidas protetivas de urgência, assim como as definições dos procedimentos e do processamento das leis referentes à Lei 11.340/06, pode repercutir de forma negativa no ponto de vista formal/material. Senão vejamos: Vimos que a concessão das medidas protetivas de urgência visa proteger a mulher vítima de violência doméstica no seio familiar, e que poderá ser concedida por meio de decisão judicial, na qual poderá ter o instrumento de registro de ocorrência (Boletim Ocorrência), fundamental importância para seu deferimento. A palavra da vítima tem fundamental importância nos autos de medidas protetivas, unicamente porque é sabido que as mulheres muitas das vezes, são vítimas de violência velada, ou seja, as escondidas, longe dos olhos da sociedade, sendo presenciada muitas das vezes pelos filhos do casal. Este fato poderia sim justificar o procedimento adotado pela Lei Maria da Penha. É quando notamos a precária aplicabilidade do referido códex, colocando princípios essenciais ao Direito Penal, Cível e até mesmo Constitucional, em cheque, como por exemplo, o princípio do contraditório e da ampla defesa, o princípio do devido processor legal, o princípio da não antecipação da pena, sendo este último, pouco comentando e relacionado à Lei Maria da Penha, uma vez que muitos autores não consideram “penas” as sanções impostas pelas medidas protetivas, sendo estas, consideradas unicamente como forma de coibir à prática da violência doméstica. Entretanto, é nítido o caráter sancionatório das chamadas Medidas Protetivas, restringindo direitos, impondo obrigações, podendo até limitar o direito a liberdade de ir e vir. Sabendo que as Medidas Protetivas poderão ser concedidas de forma liminar/cautelar, sem ser confundidas com essas ultimas, fica a questão, até quando durará os efeitos das medidas protetivas? Em julgamento de apelação criminal interposta contra sentença que manteve medidas protetivas já estabelecidas e determinou o arquivamento dos autos nos quais se pleiteavam medidas protetivas de urgência, a 3° Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos territórios- TJDFT negou provimento ao recurso. O Relator Des. Humberto Adjuto Ulhôa destacou: A existência dos requisitos exigidos para a incidência da referida lei, afirmando que não há prazo legal predeterminado para sua duração das medidas protetivas, devendo prevalecer o entendimento de que o termo final deverá ser definido nos autos do inquérito ou da ação penal, após prova de que não existe mais motivo que enseje o acautelamento da integridade física e psíquica das vítimas. (Brasília, 3° Turma Criminal, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Ap 20110610134345, Relator. Des. Humberto Adjuto Ulhôa. 2012).
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Nota-se que o entendimento do Des. Humberto Adjuto Ulhôa vai de encontro ao entendimento doutrinário já apresentando, no qual entendem que os autos de medidas protetivas são autônomos, não necessitando de um processo principal (ação penal ou inquérito) para sua concessão. Ademais, o Douto Magistrando defende que as medidas protetivas deverão durar enquanto e existir a violência física e psíquica da vítima. Quanto à violência física não há nada que se questionar, mas quanto à violência psíquica, esta por sua vez, fica totalmente impossível determinar ou provar seu exaurimento, por ser de subjetiva, ficando exclusivamente vinculada à vontade da vítima, que poderá, até mesmo por má-fé, não demonstrar a realidade vivenciada pela mulher, ferindo assim, um dos princípios mais recentes e utilizados, o “princípio da verdade real”. Conforme define o Professor Luiz Flávio Gomes, “o princípio da verdade real informa que no processo penal deve haver uma busca da verdadeira realidade dos fatos. Diferentemente do que pode acontecer em outros ramos do Direito, nos quais o Estado se satisfaz com os fatos trazidos nos autos pelas partes”. (GOMES, 2011). A não observância do referido princípio, poderá levar ao magistrado a tomar decisões com base apenas na palavra da suposta vítima, podendo tais decisões refletirem até mesmo em juízos distintos. Outro aspecto a ser comentado, seria a possibilidade de interpretação da medida cautelar proferida pela lei Maria da Penha, por seu caráter sancionatório, se tornar verdadeira antecipação da pena. Por não haver prazo de duração, e muito menos a necessidade de um processo principal, as medidas protetivas deferidas em caráter liminar, afrontaria o princípio da presunção de não culpabilidade, contemplado no plano constitucional (artigo 5º, LVII da Constituição Federal de 1988). 3.1
A Influência das Medidas em Juízos Distintos O paragrafo primeiro do Artigo 3o da lei 11.340/06 assegura que caberá ao poder público desenvolver políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares. Para garantir estes direitos, a referida lei assegura às mulheres, direitos já previstos e defendidos pelo Direito de Família (esfera cível). Quando dissemos que as Medidas Protetivas poderão influenciar em juízos distintos, essa afirmativa se dá principalmente pela forma em que são concebidas as medidas protetivas – A palavra da ofendida com relevante status de veracidade; a obrigação do magistrado ter que decidir o feito no prazo máximo de 48 horas, conforme exposto no artigo 18 da lei, assim como outros aspectos pertinentes à Lei Maria da Penha. O artigo 22 trás o seguinte: Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. Podemos notar a importante influência que o artigo supracitado poderá causar nas decisões oriundas do Direito de Família. Lembrando-se sempre a palavra da ofendida tem importante relevância nos autos de medidas protetivas.
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menos eterno, sem limite temporal de vigência, sob pena de ser instaurado a insegurança, a incerteza, ser violada a dignidade da pessoa humana. Para que sejam decretadas, provas do alegado risco à integridade física, moral ou patrimonial da vítima devem ser demonstrados, ao menos por indícios, do contrário, o indeferimento das medidas é de rigor. (MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça, Ap. 1.0024.10.281307-8/001, Relator: Des. Sálvio Chaves, 2014).
Com isso, o requerimento de afastamento do lar, suspensão de visitas aos dependentes menores, a separação de corpos, e até mesmo a prestação de alimentos provisionais ou provisórios, será analisado em caráter “liminar” no prazo máximo de 48 horas, fazendo com que as Varas de Famílias se tornem “órgãos superiores” em se tratando das medidas cautelares requeridas na Maria da Penha, uma vez que irão analisar a demanda já com o crivo de outro juízo, podendo ter relevante influência na decisão do juízo familiar. 3.2
Litigância de Má-Fé nas Medidas Protetivas Um dos pontos criticáveis da lei Maria da Penha é a grande possibilidade da litigância de má-fé, como já argumentando, a palavra da ofendida tem importante relevância para o deferimento de medidas protetivas, isso pode ser perigoso, no ponto de vista técnico-jurídico. Da mesma forma que há inúmeras mulheres necessitando da proteção estatal no que diz respeito à violência doméstica, há também inúmeros casos em que, mulheres mal intencionadas buscam fazer da lei, suporte para prática de “vingança” com os ex-companheiros. Valendo-se da lei, muitas mulheres buscam atingir os ex-companheiros, afim de obterem vantagens em processos existentes na Vara de Família, ou até, simplesmente para prejudicá-los perante aos filhos em comum. Com a criação de núcleos de atendimento multidisciplinar, o juiz, o Ministério Público e à Defensoria Pública, pôde analisar o caso concreto por meio de laudos escritos fornecidos pelas equipes de atendimento multidisciplinar. Nestes casos, muitas vezes o Setor Técnico especializado consegue detectar as causas e até mesmo os motivos que levaram as partes à litigarem na Vara responsáveis pelo julgamento dos delitos praticados em sede familiar ou afetiva. Constatado isto, devido o grande número de mulheres que buscam a revogação das medidas protetivas logo após o seu deferimento, devido que, a real intenção não era sancionar o suposto ofensor. Se não bastasse, o deferimento das medidas protetivas por parte dos magistrados, “inaudita autera pars”, ou seja, sem ouvir a outra parte, muitas vezes se dá, afim de se evitar reportagens como esta: “Mulher morta em BH teve medidas protetivas negadas por juiz: suspeito, ex-marido está sumido” (BRAGON Rayder, 2012). Sendo assim, é preciso rever a melhor aplicabilidade da lei Maria da Penha, para que possa se tornar realmente efetiva, e não ser mais um aglomerado de leis a satisfazer os fadigados por injustiças. 4
JURISPRUDÊNCIAS Para que possamos entender um pouco mais sobre as ideias centrais do presente trabalho, veremos algumas jurisprudências pertinentes ao estudo proposto, como por exemplo, um julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao se manifestar sobre a importância da palavra da vítima. Vejamos: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - LEI MARIA DA PENHA - LEI N. 11.340 DE 2006 - NÃO DEFERIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS - PRAZO DECADENCIAL - 06 MESES - ATO CERTIFICADO NOS AUTOS - MANIFESTO DESINTERESSE DA VÍTIMA EM DAR PROSSEGUIMENTO À REPRESENTAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE FATOS NOVOS DESDE O EVENTO - RISCO A INTEGRIDADE FÍSICA, MORAL OU PATRIMONIAL DA SUPOSTA VÍTIMA NÃO DEMONSTRADOS. Uma simples representação da vítima, do Ministério Público ou policial é o que basta para se requerer quaisquer das medidas protetivas no âmbito de violência doméstica, nos termos art. 19 da Lei 11.340/06. Porém, tal fato não significa que o deferimento do pleito será imediato, automático, ou muito
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Ao analisarmos o acordão supracitado, podemos constatar que o entendimento do Relator: Des. Sálvio Chaves, é que somente a palavra da ofendida não será capaz de fazer perdurar as medidas protetivas. Entendimento recente. Em contrapartida, temos decisões do mesmo tribunal, referente ao uso da tornozeleira eletrônica nos caso de violência doméstica. EMENTA: HABEAS CORPUS - LEI MARIA DA PENHA - USO DE TORNOZELEIRA - FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA - NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO - DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS - INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DE QUALQUER OUTRA MEDIDA CAUTELAR PREVISTAS NO ART. 319 DO CPP - ORDEM DENEGADA. 1. O uso de monitoração eletrônica não configura constrangimento ilegal quando determinado por decisão judicial fundamentada, tendo em vista a necessidade e adequação da medida, mormente em se tratando de agente que descumpriu medida protetiva anteriormente deferida, ao ter se aproximado de sua ex-companheira, sem permissão judicial. 2. Denegado o habeas corpus. . (MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça, Ap. 1.0000.13.096144-4/000, Relator: Des. Eduardo Brum, 2014). Neste sentido, o Douto Magistrado, entende que o uso da tornozeleira eletrônica nos casos de agressores que descumprirem medidas protetivas, em especial à medida que determina e delimita o limite de aproximação entre vítima e agressor, não configura constrangimento, e sim medida que visa a segurança e a integridade física da ofendida. E para finalizar vejamos o seguinte acordão: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - LEI MARIA DA PENHA LEI N.º 11.340 DE 2006 - REVOGAÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS - PRAZO DECADENCIAL - 06 MESES JÁ TRANSCORRIDO - PEDIDO DE PERMANÊNCIA DA MEDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - RECURSO CABÍVEL - APELAÇÃO CRIMINAL - RECURSO CONHECIDO - INEXISTÊNCIA DE FATOS NOVOS DESDE A OCORRÊNCIA DA LAVRATURA DO BOLETIM DE OCORRÊNCIA - INÉRCIA - AÇÃO PENAL - NATUREZA - PÚBLICA INCONDICIONADA - DECISÃO DO PLENO DO COLENDO STF - ADI 4424 - FATO SUPERVENIENTE QUE NÃO MODIFICA O CASO CONCRETO - INEXISTÊNCIA DE PROVA DE INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL OU NA ESFERA CÍVEL LIGADA AOS FATOS - IMPOSSIBILIDADE DE SE DECRETAR/PERMANECER MEDIDAS PROTETIVAS DE MODO ISOLADO E ETERNO EM ESPECIAL QUANDO DECORRIDO O PRAZO DECADENCIAL DE 06 MESES PREVISTO NO ART. 38 DO CPP - APLICAÇÃO POSSIBILIDADE MESMO QUE A AÇÃO SEJA PÚBLICA INCONDICIONADA CONFORME POSICIONAMENTO RECENTE DO STF - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE - ART. 13 DA LEI 11.340/06 - SEGURANÇA JURÍDICA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS - ACERTO - RECURSO NÃO PROVIDO. (MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça, Ap. 1.0024.09.5049383/001, Relator: Des. Delmival de Almeida Campos, 2013).
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O referido acordão expressa bem o tema central deste trabalho, uma vez que aduz que as medidas protetivas não possuem caráter eterno. 5 CONCLUSÃO Perto de completar oito anos de vigência, a Lei 11.340 – a Lei Maria da Penha -, concebida para proteger as mulheres contra a violência, tipificou a violência doméstica contra a mulher, no âmbito físico, sexual, psicológico e moral, e tornou mais rigorosas as sanções penais aplicáveis ao agressor. criando os Juizados Criminais Especiais, que julgam delitos de baixo potencial ofensivo possibilitando agora a prisão em flagrante do agressor e a detenção preventiva, quando houver ameaça à integridade física ou psicológica da vítima. Apesar dos avanços da legislação que versa sobre a proteção da mulher, o Brasil ainda falta muito para poder ser um país livre da violência contra a mulher. Embora haja total dedicação do Estado na proteção da mulher, vale lembrar que vivemos em um país que impera o Estado Democrático de Direito, sendo a intervenção estatal justificada no seu mínimo legal, a ponto de garantir a proteção de todos. A lei 11.340/06 foi um marco muito importante na tentativa de se obter uma igualdade de fato, restando apenas um pouco mais estudo quanto a lei, para que a mesma possa atingir a máxima efetividade no combate a violência doméstica, e não apenas parecer que foi algo feito de ultima hora, devido a intervenção de organismos internacionais motivado por um caso específico. Embora o intuito da lei seja louvável, a mazela estatal ao longo destes sete anos de vigência da lei, leva a crer que o que a promulgação da mesma lei foi unicamente para fazer cumprir imposições dos organismos internacionais. Portanto, para acabar com a violência não basta apenas proteger as vítimas e punir os agressores, o primordial é oferecer proteção para as mulheres em situação de violência, mas também é preciso traçar metas para superar o problema procedimental da lei. A não ser que acreditemos que os autores de violência doméstica são todos criminosos irrecuperáveis, vale à pena investir em seu potencial de transformação e apostar na sua capacidade de mudança, com isso, buscar a construção da paz e a harmonia familiar.
REFERÊNCIAS CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência Doméstica, Análise da Lei “Maria da Penha”, n° 11.340/06: rev.amp. atu., 4° ed. – editora jus podivm- 2012. CUNHA, Rogério Sanches, PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica, Lei Maria da Penha Comentada artigo por artigo: 3a ed., Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal - Parte Especial (2014) - Volume único - 6a ed.: Rev. amp. e atualizada – editora jus podivm- 2014. DIAS, Maria Berenice. A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher: 3. ed. Ver., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 3ª Edição revista, atualizada e ampliada. Editora Método. São Paulo, 2011. ZACARIAS, André Eduardo de Carvalho. Maria da Penha, Comentários a Lei 11.340-06: Anhanguera Editora Jurídica – leme/SP – edição 2013.
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PROGRAMA DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA DO TJMG. A Lei “Maria da Penha” 11.340/2006 – Aplicabilidade nas Rotinas de Secretaria Criminal – Belo Horizonte/MG- 2014. BRASIL. “Lei Maria da penha” Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340. htm>. Acesso em: 18 mai. 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponívelem:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 20 mai. 2014. BRASIL. Concelho Nacional de Justiça – Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/pj-lei-maria-da-penha/lei-maria-da -penha>. Acesso em: 20 mai. 2014. BRASIL. Concelho Nacional de Justiça – Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/noticias/2827942/sexta-turma-afirma-que-boletimde-ocorrencia-basta-para-acao-com-base-na-lei-maria-da-penha>. Acesso em: 30 mai. 2014. BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Jurisprudência. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0000.13.096144-4%2F000&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar>. Acesso em: 30 mai. 2014. BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Jurisprudência. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0024.09.504938-3%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar>. Acesso em: 30 mai. 2014. BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Jurisprudência. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0024.10.281307-8%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar>. Acesso em: 30 mai. 2014.
NOTAS DE FIM 1 Aluno do 10° período do curso de Direito Do Centro Universitário Newton Paiva; estagiário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, lotado no gabinete da 15° Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte - MG (Vara especializada em violência doméstica). 2 Doutor em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG (2014), Mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais/ UFMG (2008), Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais/ UFMG (2004). É professor de “Direito Penal” na Graduação em Direito da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva (desde 2009); professor de “Processo Penal” na Graduação em Direito e “Teoria do Delito”, “Bioética e Direito Penal” e Bioética e Medicina Legal na Pós-graduação em Ciências Penais da Faculdade de Direito Milton Campos/FMC (desde 2007); professor substituto do Departamento de Direito e Processo Penal da Universidade Federal de Minas Gerias/FDUFMG (2006); orientador jurídico e judiciário de “Prática Penal” e “Prática Cível” da Divisão de Assistência Judiciária Prof. Paulo Edson de Sousa da Universidade Federal de Minas Gerais/DAJ-UFMG (2004-2011); orientador jurídico e judiciário de “Prática Penal” no Núcleo de Assistência Judiciária da Faculdade de Direito Milton Campos/NAJ-FMC (2007-2009); Conselheiro do Instituto de Ciências Penais (ICP). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Ciências Penais (Criminologia, Vitimologia, Política Criminal, Direito Penal, Direito Processual Penal, Execução Penal), Direito Penal Econômico, Bioética e Biodireito. Advogado criminalista. (http://lattes.cnpq.br/5743559984353297 Última atualização do currículo em 02/06/2014) 3 Maurício Lopes, Júlio César Faria Zini
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O SAMBA COMO EFETIVADOR DOS DIREITOS SOCIAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: O Trabalho Social Realizado pela Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira é Eficaz no Cumprimento Dos Direitos Sociais da Criança e do adolescente? Priscila Fernandes de Castro Henriques1 Leandro Henrique Simões Goulart 2 Banca Examinadora3 RESUMO: O presente artigo tem como escopo defender que o samba e os projetos sociais são grandes ações que atuam como efetivadores dos Direitos Sociais da Criança e do adolescente. Ao observar o trabalho realizado pela escola de samba Estação Primeira de Mangueira em prol das crianças e adolescentes. PALAVRAS-CHAVE: Projetos Sociais; Direitos Sociais; Samba; Efetivação; Escola de Samba; Estação Primeira de Mangueira. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Breve Histórico; 3. Metodologia; 4.Os projetos sociais realizados pela Estação Primeira de Mangueira; 5. Os Direitos Sociais; 6. O Samba como efetivador dos Direitos sociais da criança e do adolescente; 7. Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO A escola de samba Estação Primeira de Mangueira, através dos seus projetos sociais busca garantir e facilitar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social da criança e do adolescente. Tendo como base a faixa etária de criança de 0 a 12 anos e adolescente de 12 a 18 anos. A escola de samba mangueira hoje é considerada uma nação, que atua como uma escola de vida devido a sua grande visibilidade, organização e compromisso social que ela exerce desde a sua criação ultrapassando assim os limites do mundo. Sendo conhecida mundialmente, principalmente pelos seus projetos sociais que elevam as pessoas consideradas menos favorecidas, rotuladas ate de marginais para uma nova realidade que é a busca de uma perspectiva melhor de vida para o ser humano se tornando assim um cidadão melhor. A grande meta do Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira é investir na integração, formação e proteção da criança e do adolescente, suprindo a necessidade que os jovens têm de ajudar nos sustento de suas famílias. Tornase assim uma oportunidade de tentar mudar a realidade de uma comunidade carente e lutadora, mas que tem um grande compromisso perante os direitos referentes à vida, levando assim a efetivação dos direitos sociais da criança e do adolescente. Fazendo assim a diferença, pois é mais do que uma escola de samba é uma escola de vida. Composta na sua maioria por negros, e é pra mudar esta realidade, que nasceu e vem se aprofundando cada vez mais o desejo da nação mangueirense de valorizar a comunidade, o ser humano, tornando-os membros e mentores da sociedade. 2. BREVE HISTÓRICO O samba surge na favela da Mangueira na cidade do Rio de Janeiro desde a década de 30, mais precisamente no dia 28
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de abril de 1928, pelos sambistas Cartola, Calos Cachaça, entre outros. Desde então a escola de samba Estação Primeira de Mangueira se tornou uma forte condutora e estimuladora junto a sua comunidade na implementação de políticas sociais. A comunidade da Mangueira ficou mundialmente conhecida através de sua Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Hoje, é consenso que a favela da Mangueira possui uma forte marca devido à presença da Escola de Samba que passou a ser considerada o celeiro e o patrimônio da cultura, titulado como berço do samba por alguns poetas mais geniais da musica popular brasileira. A mangueira conviveu com músicos atraídos pelo seu samba, como Heitor Villa lobos, Noel Rosa, Tom Jobim, Cartola e outros grandes nomes. A identidade como o carnaval, o samba e a musica brasileira tem contribuído para a proximidade e o dialogo com diversos setores da sociedade, incluindo turistas de outros estados e países. Além de produzir desfiles de carnaval, a comunidade da mangueira passou a contar desde 1987, com inúmeros projetos sociais, implantados pela Escola de Samba Mangueira, ou seja, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira ligados a educação, cultura, esporte, lazer e mercado de trabalho. Visando principalmente a inserção e inclusão da criança e do adolescente no samba, através dos projetos sociais e da criação da Escola de Samba Mirim, a qual contribuiu para afasta-los da marginalidade e do envolvimento com as drogas. Devido a esse fato a escola agregou parceiros na construção de uma rede de colaboração na criação e viabilização de projetos sociais que nos dias de hoje já lhe renderam três prêmios: dois da BBC de Londres e um da UNICEF, como melhor projeto social da América Latina, e também como programa exemplar para o terceiro mundo. A agremiação faz questão de prevalecer a sua identidade nas cores verde (esperança) e rosa (amor), estando associada a uma cultura cívica comunitária bastante agregadora e solidaria.
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Sendo inovadora e dinâmica, foi a primeira escola a criar a ala de compositores incluindo mulheres (Leci Brandão, Alcione e outras). Dentro dessa sua organização tão moderna se despontou como a pioneira na resolução dos problemas sociais da comunidade. 3. METODOLOGIA Neste artigo, o objetivo é comprovar a efetivação do samba nos Direitos Sociais da criança e do adolescentes através dos projetos sociais realizados pela Agremiação Estação Primeira de Mangueira. Para tanto foi realizado o levantamento de dados tais como pesquisas bibliográficas, documentais, eletrônicas, entrevistas e pesquisa de campo. A análise foi viabilizada por meio de pesquisa descritiva, em 07 de janeiro de 2014, com técnicas de coleta de dados com visitas realizadas na comunidade da mangueira, na quadra da escola de samba e na vila olímpica onde são realizados a maior parte dos projetos sociais. Foram feitas entrevistas no intuito de analisar como a agremiação vem realizando seus projetos, a partir de método qualitativo, foi entrevistado o Atual Presidente a Agremiação Estação Primeira de Mangueira, Deputado Chiquinho da Mangueira e a Coordenadora geral dos Projetos Sociais Sra. Barbara Machado que além de apresentar os projetos e mediar algumas entrevistas com pessoas assistidas pelos projetos nos presenteou com o exclusivo livro que conta a historia da Mangueira. A receptividade da população que participa dos projetos sociais foi enorme, muitas queriam dar o seu próprio depoimento como exemplo de vida explicando assim a sua participação em colaborar com a construção do presente trabalho.
4. OS PROJETOS SOCIAIS REALIZADOS PELA ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA. O Programa Social da Mangueira, atualmente conhecido como Instituto Mangueira do Futuro, fora idealizado em 1987 por, Francisco Manoel de Carvalho (Chiquinho da Mangueira), surge o Projeto Olímpico aproveitando os atrativos que o esporte exerce sobre as crianças e os adolescentes, sendo um instrumento de integração social e desenvolvimento físico e psíquico, oferecendo-lhes oportunidades de crescimento pessoal e profissional, além de ajudá-los na conquista de uma saúde melhor. Com o ideal de transformar vidas oferecendo cidadania. O Projeto Olímpico foi o primeiro a ser implantado pela escola, com o intuito de estimular o aprendizado de diversas modalidades esportivas. Inicialmente suas atividades eram realizadas na quadra da Escola de Samba e nas dependências de um quartel. A Rede Ferroviária Federal concedeu para a agremiação a cessão de um terreno baldio localizado aos pés do morro, nascendo assim a Vila Olímpica da Mangueira que esta instalada numa área de 35 mil metros quadrados, contando com campo de futebol, pista de atletismo, ginásio, piscina semi-olímpica, escolas profissionalizantes, atendimento medico e assistencial, contando com médicos, dentistas, fisioterapeutas, psicólogos além da farmácia popular. Sendo que hoje quase todos os projetos sociais são realizados pela escola de samba mangueira na Vila Olímpica. Sendo frequentado por mais de 15 mil pessoas. Possui vários parceiros como Petrobras, Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), Danneman-Siemsen, Brasilcap, Icatu, xerox do brasil, losango, Nike, Unimed, GSK-Bayer, UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro, UCL- Centro Universitário Celso Lisboa, UniverCidade, universidades Castelo Branco e Veiga de Almeida e Governos Federal, Estadual e Municipal bem como os moradores que além de usuários são os maiores parceiros na complementação dos projetos.
Entrada da Vila Olímpica. Fonte: Priscila Fernandes As atividades oferecidas são: atletismo, basquete, handball, futsal, futebol, ginastica, natação, hidroginástica, balé, ginástica olímpica, entre outras. A proposta inicial não era a formação de atletas profissionais, porem a Mangueira tem recebido inúmeras medalhas e troféus em suas participações em torneios desportivos. Para fazer parte dos projetos é necessário estar matriculado e ser frequente nas aulas das redes de ensino público.
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Atletas da Vila Olimpica. Fonte: Extraída do livro da Mangueira paixão em verde e rosa. O projeto de educação se inicia com a escolinha da Tia Nelma, filha do fundador e primeiro presidente da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Conhecida como uma espécie de Paulo Freire de saia que ensinava os meninos do morro a ler e a escrever em sua própria casa, colocando no quadro negro o que eles mais precisavam saber: a educação é a maior ferramenta de crescimento individual e coletivo. Na escola da Tia Nelma as crianças aprendem durante cinco anos para depois passarem para o CIEP Nação Mangueirense, atende o ensino fundamental do CA á 4º serie.
Escolinha da Tia Neuma. Fonte: Priscila Fernandes. O Projeto de Educação envolve outros sete projetos. O primeiro deles é o CIEP Nação Mangueirense que oferece ensino fundamental e médio, com regime de educação integral, onde todos os alunos recebem café da manhã, almoço, lanche e jantar. A proposta e garantir educação no sentido mais amplo do termo, com crescimento pessoal, formação sócio cultural, material didático gratuito. No qual oferece inúmeras oficinas desportivas e culturais como: capoeira, natação, dança, tênis, informática, ginástica rítmica, construção de instrumentos musicais, desenho e outros.
Ciep Nação Mangueirense. Fonte: Priscila Fernandes. LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
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O ensino superior chegou á mangueira através de um convénio com a UniverCidade e o governo do Estado do Rio de Janeiro para a utilização das salas do CIEP Nação Mangueirense no período noturno. O sucesso foi tanto que além do índice de escolaridade no Morro ter subido de 40% para 95 % foi criado o curso superior de informática e pedagogia onde o aluno nada paga ate a conclusão do curso. O segundo projeto é o CAMP, circulo dos Amigos do Menino Patrulheiro, criado em 1988 por iniciativa da Tia Alice, Alice de Jesus Coelho. Funciona na vila olímpica com o propósito de complementar a educação formal dos jovens em idade escolar, através de apoio e inserção do mesmo no mercado de trabalho. Recebendo aulas de reforço de matemática e português, informática, espanhol, higiene pessoal, iniciação ao trabalho, relações humanas, técnicas comerciais, ética e cidadania, orientação sexual, telemarketing e atividades culturais. Recebendo uma bolsa no valor de um salário mínimo, auxilio refeição e transporte. Tendo o escopo de que ao final do treinamento o jovem esteja apto a continuar o seu aprendizado com experiências práticas em uma das 170 empresas conveniadas ao projeto tendo estas que mantê-los ate que completem 18 anos de idade. As estatísticas do projeto revelam que aproximadamente 70% dos jovens encaminhados as empresas são efetivados após o final do período de estágio. O terceiro projeto e a Orquestra Afro-Brasileira, que desenvolve atividades de percussão, aliados ao trabalho de preservação da tradição musical da mangueira, a orquestra busca também atenuar o problema da violência, utilizando uma prática de ensino através dos benefícios de uma convivência pacifica. Fazendo apresentações em todo o país já gravou até um CD. Com a formação de 100 músicos com idade entre 7 a 16 anos.
Oficina profissionalizante.
Centro Cultural. Fonte: Extraída do livro da Mangueira paixão em verde e rosa.
Fonte: Extraída do livro da Mangueira paixão em verde e rosa.
O quarto projeto educacional é o de informática que se destina a todos as crianças e os jovens matriculados no ensino público lhes ensinando Windows, Word, Excel, Internet, DOS, tendo duração de 5 meses a 1 ano. O quinto projeto e o de Oficinas Profissionalizantes que fora criado para os jovens e adultos entre 14 e 50 anos, visando a capacitação profissional e o crescimento sócio econômico da comunidade mangueirense, através dos cursos de cabeleireiro, estética facial e corporal, auxiliar de escritório, recepcionista, marceneiro, pedreiro, construção civil entre outros.
O sexto é a Mangueira do Amanhã (Escola de Samba Mirim), idealizada pela cantora Alcione com o objetivo de preservar a cultura da Escola de Samba, buscando valorizar a importância das tradições e a riqueza do seu passado. É composta por crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos, reunindo cerca de 1.800 crianças e adolescentes da comunidade. Que desfrutam dos benefícios do programa de saúde e ainda podem participar das oficinas profissionalizantes de alegorias e adereços, percussão, passistas e fantasias. Sendo que durante o ano os componentes da Mangueira do Amanhã selecionados participam dos shows apresentados pela Agremiação no Brasil e no Exterior.
Mangueira do Amanhã. Fonte: Extraída do livro da Mangueira paixão em verde e rosa.
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O sétimo projeto e o Clube Escolar que oferece atividades esportivas extraclasses aos alunos da rede municipal, mesmo aqueles de fora da comunidade. Sendo parte do programa de extensão educacional da Secretaria Municipal de Educação. No qual oferece oficinas gratuitas tais como: atletismo, basquete, natação, vôlei, ginastica, karatê, recreação, jogos e oficinas artísticas.
Pista de Atletismo. Fonte: Priscila Fernandes. Com o objetivo de complementar os projetos supramencionados, o programa social da mangueira criou em convénio com a Universidade Castelo Branco, projetos para resgatar a cultura e a cidadania. Tais como Castelo Branco-Mangueira que oferece prestação de serviços a comunidade como assessoria jurídica, encaminhamentos para empregos e cursos de capacitação profissional, obtenção de documentos junto aos cartórios. Bem como atividades de lazer, recreação e cultura. E o Barracão Mangueira que é um programa social que visa à reintegração de crianças e adolescente infratores a sociedade. Insta salientar que o juizado da 1º vara da infância e da juventude mostrou resultados animadores após a criação deste projetos pois muitos jovens que estavam envolvidos com o crime buscam neste projeto uma saída, uma mudança de vida. Para assegurar a integridade física e mental foi estabelecido em parceria com iniciativa privada e a secretaria municipal de saúde, a criação do posto de saúde que fora instalado dentro da vila olímpica no intuito de atender a toda comunidade mangueirense. O programa e tão amplo que oferece assistência médica, odontológica, psicológica, neurológica, cardiológica, serviços social, nutrição, pediatria, ginecologia e exames laboratoriais. As consultas tem horário marcado, através da distribuição de senhas. Havendo também a distribuição gratuita de medicamentos. Visando assegurar a cultura foi criado, pela bailarina Thereza Aguilar, O Projeto Cultural Dançando para não Dançar, no qual ensina dança clássica para crianças de 6 a 12 anos, as quais recebem apoio social e educativo, com assistência médica, ortopédica e psicológica, fonoaudiologia e acompanhamento de assistentes sociais, inclusive para seus familiares. Insta salientar, que este projeto está ultrapassando fronteiras onde as escolas de dança de outros estados e do exterior têm oferecido bolsas de estudos para os alunos do referido projeto, devido a seu grande sucesso e visibilidade.
Momento Cultural. Fonte: Extraída do livro da Mangueira paixão em verde e rosa.
Projeto Cultural. Fonte: Extraída do livro da Mangueira paixão em verde e rosa.
A agremiação criou O Projeto Faz-Tudo, para a capacitação de jovens promovendo cursos profissionalizantes com o intuito de promover o desenvolvimento de jovens e adolescentes, na área da construção civil, elétrica e hidráulica com o apoio das empresas Tigre Tubos e Conexões e o Instituto Votorantim preparando os jovens para o pleno exercício da cidadania e para o ingresso no mercado de trabalho. LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685
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Projeto Faz tudo.
Casa lar.
Fonte: Extraída do livro da Mangueira paixão em verde e rosa.
Fonte: Extraída do livro da Mangueira paixão em verde e rosa
Para promover a inclusão das crianças e adolescentes do morro da Mangueira o Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira juntamente com a Fundação da Infância e Adolescência, a Prefeitura e o Governo do Estado do Rio de Janeiro, respeitando as diferenças desenvolveu O Projeto Casa Lar Mangueira, que oferece atendimento em regime de abrigo a adolescentes e jovens, entre 12 e 18 anos, do sexo masculino, portadores de deficiência física, mental, psíquica e/ou sensorial. Dando a eles assistência social, médica, terapêutica, psicológica, fonoaudióloga, pedagoga, neurológica e afetiva. Buscando estimular estes jovens especiais, a criarem autonomia, de modo a conseguir uma boa interação social. Dando-lhes assim uma nova perspectiva de vida. Bem como O Projeto Vidro e Cidadania que monstra para a comunidade a importância da reciclagem e preservação do meio ambiente. Onde a cada 90 kg de caco de embalagens de vidro transparente; 100 kg de caco de embalagens de vidro âmbar/marrom; 110 kg de caco de embalagens de vidro verde e 120 kg de caco de embalagens de vidro misto transparente, marrom e verde misturados e entregue a uma família carente da comunidade uma cesta básica.
5. Os Direitos Sociais Segundo o Doutrinador Alexandre de Moraes (2010 p.197), os direitos sociais e um direito fundamental inerente ao ser humano. “Direitos Sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.”. O doutrinador Kildare Gonçalves Carvalho (2006 p.582), prevê em sua obra que os direitos sociais são os direitos do que o ser humano tem a saúde, educação, trabalho, moradia, lazer, cultura, segurança, proteção a maternidade e a infância. “são direitos que visam a uma melhoria das condições de existência, mediante prestações positivas do Estado, que deverá assegurar a criação de serviços de educação, saúde, ensino, habitação e outros, para a sua realização.”. Na mesma linha de pensamento José Afonso da Silva (2010 p. 287) diz que os direitos sociais são “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.”. Segundo Celso Ribeiro Bastos, a Constituição Federal de 1988, criou um capitulo próprio para os Direitos Sociais, onde estabelece aos
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Poderes Públicos a prestação de diversas atividades, visando o bem estar e o pleno desenvolvimento da personalidade humana, principalmente nos momentos em que ela se mostra mais carente de recursos. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a assistência aos desamparados. Sobretudo mesmo que os Direitos Sociais estejam compreendidos pela própria constituição, existe uma preocupação muito grande no Brasil com a desigualdade e a injustiça social que paira na sociedade. A Constituição Federal em seu artigo 203 garante á criança e ao adolescente amparo e assistência social. Visando a promoção e a integração no mercado de trabalho. O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente surgiu em 13 de julho de 1990, como um meio de assegurar a integração da criança e do adolescente na sociedade zelando pela sua proteção integral, seu convívio familiar, sua interação social, cultural e ate financeira conforme o caso. Diante o exposto pelos Doutrinadores acima citados bem como a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira busca, através dos seus projetos sociais garantir e facilitar o desenvolvimento físico, moral, mental, espiritual e social da criança e do adolescente. 6. O SAMBA COMO EFETIVADOR DOS DIREITOS SOCIAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. O Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, desejando uma sociedade mais justa, livre e solidária, se empenha na erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo assim as desigualdades sociais, ao promover o bem estar de todos principalmente das crianças e adolescente sem qualquer discriminação. Esta proposta acima vem sendo executada pelo dinamismo da agremiação que através de seus projetos sociais, contribui e muito para a inserção e inclusão da
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criança e do adolescente no samba, lazer, educação, cultura e assistência, afastando assim os mesmos das drogas e da marginalidade. A agremiação busca proporcionar a criança e ao adolescente uma vida mais digna ampliando e envolvendo cada vez mais parceiros com a ideia de prevalecer a identidade de ser (mangueirense) ocupando assim o seu espaço de cidadão, como um ser humano atuante. Jose Afonso da silva ao conceituar os direitos sociais como prestações positivas que são proporcionadas pelo Estado direta e indiretamente, enunciados em normas constitucionais que possibilitam melhores condições a vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. Dentro desta conceituação a agremiação vem possibilitando a criança e ao adolescente melhores condições de vida através do amor ao samba, carnaval e a aplicação de seus projetos sociais, os quais vêm de encontro a um resgate de uma vida mais digna. Os direitos sociais visam a uma melhor condição de existência, mediante a prestação positiva do Estado, para assegurar a criação de serviços de educação, saúde, ensino, habitação e outros. Proporcionando uma melhoria da vida, mediante a execução de Politicas Públicas. Diante do exposto acima, vamos reafirmar a efetivação do samba através de ações positivas de proteção dos direitos sociais da criança e do adolescente surgindo assim uma cooperação entre empresas privadas, Governo Municipal, Estadual e Federal, sociedade civil, universidades e a comunidade mangueirense como um todo. Sendo este contexto uma reconstrução das relações. Onde a própria comunidade promove esta mudança. O Projeto Social realizado pela Estação Primeira de Mangueira vem de encontro a grande atuação que a agremiação exerce desde sua criação até os dias atuais na qual e uma grande referência que promove a inserção, a valorização e atuação da comunidade mangueirense, como ser humano e membro da sociedade. Uma oportunidade de mudar a realidade de pessoas que lutam por seus ideais, refletindo assim as mudanças que são necessárias para uma comunidade carente composta em sua maioria por negros. Diversos fatores unem a Escola de Samba Mangueira e a Mangueira comunidade, criando um perímetro que ultrapassa as fronteiras e linha imaginária que delimita uma nação - a Nação Mangueirense. Mais do que uma escola de samba, mangueira tornou uma escola de vida. Grande são os exemplos de vida, extraídos dos projetos sociais realizados pela mangueira. A atual Rainha de bateria da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, Eveliyn Bastos, nascida e criada no morro da mangueira, onde vive ate hoje, é um real exemplo de que os projetos sociais são eficazes. A mesma traz na bagagem uma grande experiência com o samba. Sua formação profissional, humana e esportiva passa pela agremiação e seus projetos. A mesma estudou na escolinha da tia Nelma, ganhou bolsa integral para estudar no Colégio Santa Monica, o qual também é parceiro dos projetos sociais da mangueira. Em 2004 foi rainha de bateria da Mangueira do Amanhã (Escola de samba mirim). Participou do time infantil de basquete da Vila Olímpica e atualmente além de ser, rainha de bateria cursa a faculdade de Educação Física na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Foi aprovada em três universidades públicas porem optou pela referida. Este é um grande exemplo de que querer é poder. Insta salientar por fim, que o sucesso dos programas sociais pode ser medido por alguns indicadores, como o baixíssimo numero de menores infratores moradores da comunidade da mangueira, sendo atestado pelo Juizado da Infância e da Adolescência, e o índice de evasão escolar na região é inferior a 5%. Sendo a chave do sucesso dos programas sociais a vontade das crianças e adolescentes em participar das atividades e também frequentar as aulas. 7 CONCLUSÃO
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Sabe-se que os projetos nascem do desejo de mudar uma realidade, ainda existe uma antiga visão sobre as pessoas menos favorecidas que residem nas comunidades que são rotuladas como marginais, traficantes, pessoas não confiáveis pela sociedade, por isso os programas sociais são uma oportunidade para essas pessoas que sofrem preconceitos, e tem dificuldade de se auto afirmarem. Definição de Projetos Sociais, Projetos sociais nascem do desejo de mudar uma realidade. De fazer pontes entre o desejo e a realidade. São ações estruturadas e intencionais, de um grupo ou organização social, que partem da reflexão e do diagnóstico sobre uma determinada problemática e buscam contribuir, em alguma medida, para “um outro mundo possível”. Disponível no site www.fiec. org.br – Por que Projetos Sociais entrevista dada em 03 março de 2003 Armani Domingos. Acesso em 07/03/2014. Com a implantação dos projetos sociais a mangueira ressalta a importância do sonho que se tornou realidade. Pois seus projetos são voltados para o interesse e a valorização da melhor imagem da criança e do adolescente, sua alto estima como ser humano e cidadão brasileiro capaz de buscar e atingir seus objetivos. A implantação desse projeto favoreceu o despertar do interesse da comunidade para novos outros projetos, criando assim um compromisso da comunidade mangueirense perante os direitos referentes a vida, levando assim a efetivação dos direitos da criança e do adolescente. No que diz respeito a eficácia dos projetos sociais da escola de samba mangueira, podemos observar que a mudança das condições de vida da criança e do adolescente com o projeto samba e carnaval é uma realidade positiva sendo motivo de orgulho da Escola de Samba Mangueira que chega ao seu objetivo que é mudar uma realidade. Alguns projetos em questão trouxe não só a visibilidade mas também uma abrangência que ultrapassa o país e ate o mundo, fazendo da escola uma referência na inserção, valorização e promoção da comunidade mangueira. Os projetos sociais da mangueira são bem sucedidos. É preciso continuar com este propósitos, pois novas gerações virão. Sendo necessário que cada vez mais o Poder Público, os parceiros e a escola de samba mangueira se envolvam efetivamente com a comunidade para se alencar projetos de infraestrutura urbana, geração de renda e educação ambiental continua para a população. O Estado deve atuar em conjunto como um elemento de apoio e ser um fomentador de iniciativa de ação como as que vêm ocorrendo na Vila Olímpica. Sendo um dos pontos que mais chama atenção nos projetos sociais da mangueira, é a relação dos moradores e o envolvimento destes com os projetos sociais. Fato, este que explica a abrangência dos projetos sociais e o nível de investimento concentrados basicamente na favela da mangueira.
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NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. 2 Mestre em Direito pela FUMEC, Especialista em Processo Civil Pela UNI-BH, Professor do Centro Universitário Newton Paiva das Disciplinas Processo Civil, Ética e Teoria Geral do Direito Privado, Coordenador do CEJU – Centro de Exercícios Jurídico e Advogado. 3 Leandro Henrique Simoes Goulart; Ronado Passos Braga.
Vila olímpica da Mangueira Priscila Fernandes. Fonte: Priscila Fernandes. A escola de samba Estação primeira de mangueira é capaz de mobilizar a população em termos de geração de emprego e renda, organização comunitária, lazer, assistência, superação e estimulação perante os trabalhos sociais que realiza, efetivando assim a eficácia do samba nos direitos sociais da criança e do adolescente. O bom desempenho dos projetos sócios da Escola de Samba Mangueira demonstra que tudo e possível quando se tem um sonho para sonhar e amor a vida para torna-lo realidade. O próprio Hino de Exaltação á Mangueira, de autoria de Eneias Brites da Silva e Aloisio Augusto da Costa, reflete a eficácia do samba nos direitos sociais da criança e do adolescente. Mangueira teu cenário é uma beleza Que a natureza criou, ô...ô... O morro com teus barracões de zinco,
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Quando amanhece, que esplendor, Todo o mundo te conhece ao longe, Pelo som de teus tamborins E o rufar do seu tambor, Chegou, ô... ô... A mangueira chegou, ô... ô... Mangueira, teu passado de glória, Está gravado na história, É verde-rosa a cor da tua bandeira, Pra mostrar a essa gente, Que o samba é lá em Mangueira ! (Hino de Exaltação à Mangueira, de Enéas Brites da Silva e Aloisio Augusto da Costa). A mangueira faz a diferença, sonha, age e realiza.
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