ISSN 2176 7785
PÓS EM REVISTA
publicação do Centro Universitário Newton Paiva N.10 | 2015/1
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publicação do Centro Universitário Newton Paiva N.10 | 2015/1 editores Eliana de Faria Garcia Horta | Anderson Hollerbach Klier | Ronaldo Peres Costa
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EDITORIAL Prezado Leitor, Temos a satisfação de divulgar a DÉCIMA EDIÇÃO da “Pós em Revista”. A cada edição, a Pós em Revista busca maturidade, indo ao encontro da qualificação de cada publicação e do reconhecimento como meio de divulgação de qualidade entre os alunos, professores e profissionais do Centro Universitário Newton Paiva e de outras instituições. Nesta décima edição, por meio da mídia eletrônica, a revista traz treze artigos, resultantes de trabalhos científicos, interdisciplinares, de conclusão de curso e de revisão da literatura que possuem relevância em suas respectivas áreas do saber científico: ciências sociais e humanas, ciências da saúde e engenharia. Aproveitamos a oportunidade para agradecer aos autores dos trabalhos que abrilhantaram esta edição. Nós, da Equipe Editorial estamos felizes por mais uma edição publicada e desejamos a participação, interação e divulgação de nossos alunos, professores e leitores para seguirmos crescendo no cenário da divulgação do conhecimento por meio da publicação desta revista. Queremos ainda, convidar aos professores e alunos a enviarem seus artigos. Caso os trabalhos se enquadrem em nosso escopo editorial poderão compor a DÉCIMA PRIMEIRA EDIÇÃO da “Pós em Revista”, prevista para O MÊS DE NOVEMBRO DE 2015. Boa leitura! Eliana de Faria Garcia Horta Anderson Hollerbach Klier Ronaldo Peres Costa Corpo Editorial
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expediente ESTRUTURA FORMAL DA INSTITUIÇÃO Presidente do Grupo Splice: Antônio Roberto Beldi Reitor: João Paulo Beldi Vice-Reitora: Juliana Salvador Ferreira Diretor Administrativo e Financeiro: Cláudio Geraldo Amorim de Sousa Secretária Geral: Jacqueline Guimarães Ribeiro
Corpo Editorial Eliana de Faria Garcia Horta Anderson Hollerbach Klier Ronaldo Peres Costa Área de conhecimento- Ciências Sociais Aplicadas Maria do Carmo Resende Teixeira Guerra Fernando Ferreira Dias Filho Marcos Eugênio Vale leão Iremar Nunes Lima Área de conhecimento- Ciências Humanas Bruno Luciano de Paiva Silva Área de conhecimento- Ciências da Saúde Sérgio Fernando de Oliveira Gomes Roberta Dias Rodrigues Rocha Área de conhecimento- Ciências da Engenharia Érika Silva Fabri Luciano Emirich Faria Tereza Cristina Magalhães
apoio técnico Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton pAIVA http://npa.newtonpaiva.br/npa Editora de Arte e Projeto Gráfico: Helô Costa - Registro Profissional: 127/MG diagramação: Kênia Cristina e Márcio Júnio (estagiários do curso de Jornalismo)
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SUMÁRIO ADMINISTRAÇÃO BABY BOOMERS, X e Y: diferentes gerações “coexistindo” nos ambientes organizacionais.....................................................................................8 Felipe Gouvêa Pena, Talita Soares Martins
GESTÃO UM ESTUDO SOBRE AS PRINCIPAIS CAUSAS DE MORTALIDADES DE EMPRESAS DE PEQUENO E MÉDIO PORTE. COMO A AUSÊNCIA DE UMA EFICIENTE GESTÃO EMPRESARIAL, ALINHADA A DETERMINADOS COMPORTAMENTOS EMPREENDEDORES, FOMENTAM ESTA ESTATÍSTICA.......................................................................................................15 Leonardo Bastos Ávila
COMO AS ESTRATÉGIAS DE MARKETING DE SUBSTITUIÇÃO SÃO UTILIZADAS NO VAREJO FARMACÊUTICO..............................................20 Leonardo Bastos Ávila
ENDOMARKETING E CLIMA ORGANIZACIONAL: Case Localiza Rent a Car...........................................................................................................26 Kellen Aparecida Almeida Correa, Sheyla Rosane de Almeida Santos
COMÉRCIO EXTERIOR UMA ANÁLISE DO MAPA ESTRATÉGICO DE COMÉRCIO EXTERIOR DE MINAS GERAIS: Resultado dos Indicadores do Potencial de Internacionalização da Base Produtiva...............................................................................................29 Rafaella Oliveira Paulinelli
DIREITO O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO SUJEITO CONSTITUCIONAL: UM OLHAR CUIDADOSO DO “EU” COM O “OUTRO” E A NECESSIDADE DE RECONSTRUÇÃO........................................................................36 Cristian Kiefer Da Silva, Fernando José Armando Ribeiro A AUTOCOMPOSIÇÃO SOB A ÓPTICA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: o encaixe da mediação e da conciliação na nova sistemática processual”,............................................................................................................42 Bernardo Serra Moura Pinto, Leandro Henrique Simões Goulart
CIÊNCIAS HUMANAS PSICOLOGIA A FUNÇÃO DIAGNÓSTICA ENTRE PARÊNTESES NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS).........................................................47 Marisa Alves Satler, Roberta Lane Pereira Teixeira, Fábio Walace de Souza Dias
ENGENHARIAS ENGENHARIA DE MATERIAIS MAPEAMENTO DOS DIFERENTES REGIMES DE TRANSIÇÃO DE DESGASTE DO AÇO INOXIDÁVEL AUSTENÍTICO AISI 316L CEMENTADO A PLASMA...................................................................................................................53 Michelle C. S. Duarte e Cristina Godoy
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CIÊNCIAS DA SAÚDE ENFERMAGEM O ENFERMEIRO E A IMPORTÂNCIA DA PREVENÇÃO DO CÂNCER DO COLO UTERINO NA ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER E NO CONTEXTO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA................................................................................60 Fernanda dos Anjos Oliveira, Larissa Cristine Bambirra dos Reis Pedroni
AVALIAÇÃO DA IMPORTÂNCIA DA AUDITORIA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE, UMA REVISÃO DA LITERATURA ATUAL...........................64 Fernanda dos Anjos Oliveira, Larissa Cristine Bambirra dos Reis Pedroni
PROJETO DE EXTENSÃO GRAVIDEZ NA ADOLESCENCIA: um relato de experiência Brizzi Faria Mendes, Daiana de Paula Coelho, Daniele Augusta da Costa, Rosilene da Consolação....................................................................69 Moura Coutinho, Renata Lacerda Prata Rocha
FARMÁCIA TALIDOMIDA: ASPECTOS QUÍMICOS E TECNOLÓGICOS.....................................................................................................................................75 Thais Mendes Diniz, Sonaly Cristine Leal, Anderson Hollerbach Klier
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BABY BOOMERS, X e Y: diferentes gerações “coexistindo” nos ambientes organizacionais Felipe Gouvêa Pena1 Talita Soares Martins2
Resumo: O presente artigo tem como objetivo abordar as características de cada perfil de geração, apresentando um comparativo entre as gerações Baby Boomers, X e Y no mercado de trabalho. São expostas ainda situações rotineiras ao contexto organizacional no qual essas gerações “coexistem” e as possíveis maneiras de se gerir estas particularidades geracionais com maior assertividade. Quanto aos procedimentos metodológicos, este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, sendo que para investigar o problema de pesquisa, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre a temática central deste trabalho. Percebe-se que as gerações podem e devem conviver em um mesmo ambiente de trabalho, de forma que a integração entre elas possa minimizar as suas fragilidades e por consequência agregar as organizações novas forças, para lidar com a dinâmica de um mercado empresarial cada vez mais diferenciado e exigente. Palavras-chave: Gerações; Conflitos; Mercado de Trabalho.
INTRODUÇÃO Em meio às transformações nas carreiras e mudanças das relações produtivas, torna-se cada vez mais difícil delinear as conexões geracionais, que agrupam um grupo de pessoas não apenas em função dos marcos temporais. Conforme Weller (2010) o nascimento em uma mesma época não é um fator suficiente, para se compreender as conexões e diferenças entre as gerações, na verdade, os fatos presenciados e as experiências semelhantes é que funcionam como marcadores geracionais. Os indivíduos que compõe uma geração podem ter expectativas e comportamentos característicos de uma geração próxima por fatores relacionados às histórias de vida, personalidade e valores individuais. Dessa forma, questões relacionadas à demarcação cronológica, são apenas formas de simplificar a aproximação de pessoas, sendo os elementos histórico-sociais os verdadeiros fatores de integração a uma geração. As experiências vividas e o compartilhamento desses acontecimentos durante o processo de socialização podem influir no modo de pensar e agir desses sujeitos (CARRARA; NUNES; SARSUR, 2013). As empresas que buscam entender as diferentes características dos perfis de cada geração, estimulando o trabalho em equipe entre esses colaboradores e lidando com seus eventuais conflitos, já se prédispõe a destacarem-se no mercado. Este esforço conjunto tenderá a fortalecer a organização frente às inconstâncias do ambiente empresarial. A boa convivência dos trabalhadores de diferentes gerações e a cooperação entre todos, deve ser vista como uma vantagem competitiva pela organização, pois ao integrar os grupos é possível extrair as potencialidades de cada um, sendo que usualmente as limitações de cada geração podem ser compensadas pelas forças das demais. Diante do exposto, este artigo tem por objetivo analisar, por meio de uma revisão da literatura, as características dos perfis das gerações Babby Boomers, X, Y, traçando um comparativo entre elas. Além disso, busca-se neste trabalho compreender como estas se relacionam e quais seriam os eventuais conflitos enfrentados. Pretende-se dar uma contribuição aos responsáveis por gerenciar este capital intelectual, no sentido de se observar que colaboradores com atributos diferentes trabalhando de forma integrada, poderão fazer uma organi-
zação mais fortalecida e competitiva. Quanto aos procedimentos metodológicos, este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, pois desta forma foi possível uma melhor abordagem do objetivo proposto. Para investigar o problema de pesquisa, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, que conforme Vergara (2013, p. 43) “é o estudo desenvolvido com base nos materiais publicados em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é materiais acessíveis ao público em geral”. A revisão da literatura que foi realizada para a construção deste trabalho, segundo Sampieri, Collado e Lucio (2006), permite identificar e consultar a bibliografia que trate dos temas correlatos a um determinado estudo, extraindo e selecionando as informações pertinentes para a elaboração da pesquisa. Tal procedimento permite que se identifiquem possíveis lacunas na abordagem teóricas na literatura existem, contribuindo assim para o enriquecimento dos estudos acadêmicos. Pretende-se com este artigo, fomentar a discussão sobre a relação das diferentes gerações no mercado de trabalho, principalmente no contexto brasileiro. Considera-se que muitas vezes pode haver conflitos geracionais e estes precisam ser gerenciados, a fim de propiciar um ambiente de trabalho saudável nas organizações. Dessa forma, em função das temáticas apresentadas e das discussões estabelecidas, o trabalho foi estruturado nos seguintes tópicos: gerações; baby boomers; geração x; geração y; comparativo entre as gerações; e gerenciando conflitos. Por fim, são tecidas as considerações finais da pesquisa. GERAÇÕES Cordeiro e Albuquerque (2013) afirmam que a constituição de uma geração parte de dois pressupostos básicos: o primeiro se remete ao acontecimento de eventos que de alguma forma “quebraram a continuidade histórica”; já o segundo elemento central, está relacionado à vivência deste marco histórico por um grupo de sujeitos, integrados em uma faixa etária, durante seu processo de socialização. Dessa forma, ressalta-se que o que se entende por gerações está diretamente relacionado a um contexto nacional, pois há uma clara distinção entre os percursos históricos das diferentes nações, nas dimensões histórica, social, cultural e econômica, que influenciaram a vida dos indivíduos e
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serviram de marcadores geracionais. Corroborando, Feixa e Leccardi (2010) ressaltam ainda que os sujeitos podem se caracterizar como pertencentes a uma geração, ao compartilharem crenças e valores por terem vivenciado em conjunto certas situações temporais. No entanto, Weller (2010, p. 210) a partir dos pressupostos da obra de Mannheim, afirma que é necessário problematizar as especificidades do convívio de indivíduos que inicialmente apresentam-se interligados por uma unidade geracional. Torna-se importante compreender que tais unidades não consistem em uma “adesão voltada para a criação de grupos concretos, preocupados em constituir uma coesão social, ainda que, ocasionalmente, algumas unidades geracionais possam vir a constituir grupos concretos, tais como os movimentos juvenis”. Além dos casos específicos, pelos quais a “conexão geracional” pode ocasionar a constituição de um grupo concreto, Mannheim destacou que tal conexão seria como um simples marco temporal, podendo os sujeitos casualmente pertencer a ela, mas não haver um sentimento de pertencimento ao grupo concreto. Ressalta-se que não é possível reduzir a discussão de pertencimento a uma geração, apenas a estrutura biológica das pessoas. Considerando que os problemas de cunho sociológico que se impõe as gerações, se iniciam somente quando a “relevância sociológica” desses elementos se mostram de forma realçada. Situações de classe e geracional apresentam-se interligados diante do contexto sócio-histórico a que os indivíduos estão inseridos. Porém, tal posição ocasiona uma forma específica do “viver e do pensar”, sendo essas pessoas agentes ativos da construção histórica de suas sociedades (WELLER, 2010). Neste sentido é importante ponderar que
trabalho, não é positivo, ocasionando uma instabilidade nas relações interpessoais e gerando conflitos que não são construtivos. O gerenciamento empresarial, com foco na gestão de pessoas, deve, portanto ser feito a partir do entendimento das singularidades dos colaboradores, concomitantemente, aproveitando o potencial que cada geração tem a oferecer, estimulando um ambiente de troca mútua e de aprendizagem entre a equipe de trabalho. Para tanto, ressalta-se a importância de discutir as concepções que o sentido do trabalho pode ter para as organizações e sociedades “uma vez que ele determina aquilo que as pessoas julgam ser legítimo no contexto ocupacional, o que estão ou não dispostas a tolerar, como os custos que as elites aceitam para direcionar as várias atividades do mundo do trabalho, até a facilidade com que indivíduos se dispõem a mudar hábitos para satisfazer os imperativos de novas tecnologias.” (CAVAZOTTE; LEMOS; VIANNA, 2012, p. 165). Logo, compreender os significados atribuídos ao trabalho pelos indivíduos e grupos é essencial, para a investigação dos comportamentos humanos nas organizações de um “mundo pós-moderno”. Neste, a dimensão profissional ainda apresenta-se como premissa basilar para a constituição de identidades e para o bem estar dos sujeitos inseridos nos ambientes organizacionais (CAVAZOTTE; LEMOS; VIANNA; 2012).
Cortella (2010) afirma que nas últimas cinco décadas, houve uma aceleração do tempo e os espaços entre as gerações foram diminuindo cada vez mais. Segundo o autor, o modo de produzir e comercializar se alterou consideravelmente, em função principalmente dos avanços tecnológicos que criaram marcas temporais, impactando no comportamento das sociedades e consequentemente nas
BABY BOOMERS Carrara, Nunes e Sarsur (2013, p.4) pontuam que os indivíduos dessa geração “vivenciaram a esperança pelo desenvolvimento econômico do pós-guerra, o aumento da competitividade e da dedicação ao trabalho em detrimento da vida pessoal e da necessidade de reconhecimento e valorização.” Os Bommers usualmente são descritos na literatura como uma espécie de coorte, que valoriza a segurança no trabalho; possuem um vínculo de lealdade com as organizações; são mais diligentes com relação às atividades; e altamente ávidos pelo poder, que para esses sujeitos se materializa no status que a longa carreira proporciona e pelas recompensas extrínsecas em troca de tamanha dedicação. (CAVAZOTTE; LEMOS; VIANA, 2012). A geração Baby Boomers pode ser identificada pelo conjunto de pessoas nascidas entre o período de 1940 a 1960. Estes profissionais nasceram no término ou após a Segunda Guerra Mundial, e foram educados com base na disciplina e rigidez. (Sociedade Brasileira de Coaching). A terminologia em inglês que foi dada para esta geração, surgiu para caracterizar o aumento considerável de nascimento de bebês, no período pós-guerra, pois, com o regresso dos soldados
relações dentro do mundo corporativo. Nesse cenário, as diferenciações percebidas entre as gerações que “coexistem” no mercado de trabalho, não se restringem apenas ao campo das tecnologias, mesmo sendo este um campo importante. Além dessa variável, percebe-se que algumas dimensões dos comportamentos apresentados nos ambientes organizacionais, como processos de comunicação, os estilos de liderança, os objetivos de vida e de carreira, estão diretamente relacionais aos perfis dos diferentes profissionais que integram os grupos de trabalho. A partir disso, Kullock (2010) afirma que quando as três gerações, Baby Bommers, X e Y, se encontram no mercado de trabalho acontece um “nó”, pois grande parte dos profissionais não entende que estas, possuem diferentes modelos mentais, e, portanto exigir que todos pensem e ajam da mesma forma não faz sentido. Percebe-se, que quando não há tal discernimento, o clima organizacional, que tenta mensurar o nível de satisfação e ou insatisfação das pessoas no ambiente de
que estavam em combate no segundo conflito mundial, foi constatado o aumento do número de mulheres que engravidaram nesse período. Conforme Gerbaudo (2011) os indivíduos dessa geração, foram criados em uma época caracterizada por um incipiente desenvolvimento tecnológico e, por isso, muitos deles possuem dificuldades em lidar com novas tecnologias que se apresentam nos ambientes organizacionais. Santos et al (2011) destacam que a educação desses indivíduos teve como base a rotina e a obediência às regras, e tais características influenciaram fortemente a postura profissional, que ainda perpetua, adotada por essa geração. Segundo Oliveira (2012) a geração Baby Boomers procurou construir uma carreira sólida e estável, almejando a realização pessoal. Estes profissionais se preocupam com o dever e com a segurança, e são resistentes aos processos de mudanças. No ambiente de trabalho, as pessoas dessa geração geralmente são dotadas de grande experiência e com um elevado conhecimento tácito, que foi adquirido
“Mannheim considerou as gerações como dimensão analítica profícua para o estudo da dinâmica das mudanças sociais (sem recorrer ao conceito de classe e ao núcleo da noção marxista de interesses econômicos), de “estilos de pensamento” de uma época e da ação. Estes, de acordo com Mannheim, foram produtos específicos – capazes de produzir mudanças sociais – da colisão entre o tempo biográfico e o tempo histórico. Ao mesmo tempo, as gerações podem ser consideradas o resultado de descontinuidades históricas e, portanto, de mudanças.” (FEIXA; LECCARDI, 2010, p.189).
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ao longo de uma carreira profissional estruturada, muitas vezes em uma mesma organização. “Em geral, essa geração vive para trabalhar, atua conforme regras estabelecidas, demonstra forte compromisso e lealdade com a organização e procura estabilidade e segurança nessa relação. Tendem a preferir sistemas de reconhecimento por senioridade, sendo indicadores de sucesso a posição ocupada na hierarquia e o ganho financeiro. No ambiente organizacional evitam conflitos, utilizam a habilidade política ao lidar com a autoridade e são cautelosos diante de mudanças.” (CARRARA; NUNES; SARSUR, 2013, p. 4). Quando se observa o nível de escolaridade dos Baby Boomers, percebe-se que há vários deles, que mesmo não tendo cursado o ensino superior, conseguiram ocupar as posições de liderança nas empresas, em função do tempo de serviços prestados e da lealdade destinada a tais organizações. Estes profissionais vêem o trabalho como a sua principal prioridade, por isso muitos são considerados workaholic, terminologia em língua inglesa que significa “viciados” em trabalho. (OLIVEIRA, 2012). Com tamanha dedicação ao trabalho, estes profissionais exigem receber o reconhecimento por suas ações e estabelecem que a hierarquia seja respeitada por todos os colaboradores. As pessoas dessa geração normalmente se identificam mais com um perfil de empresa mecanística, considerando que conforme Mintzberg (2003) os sistemas mecanísticos possuem uma estrutura organizacional burocrática, com uma hierarquia rígida, centralização das decisões e um predomínio dos processos de comunicação formal. Os Baby Boomers caracterizam-se ainda pela resistência a questionamentos, principalmente se estes vierem das gerações mais jovens, sendo que como para eles a liderança é sinônimo de controle, ser chefiado por profissionais mais jovens nem sempre é algo bem aceito. Neste cenário, os profissionais da geração X, pedem espaço e apresentam-se dispostos a galgar por cargos mais elevados na hierarquia das organizações. GERAÇÃO X Aqueles que nasceram entre o período de 1960 a 1980, podem ser classificados com integrantes da geração X. Estes indivíduos presenciaram fatos históricos importantes para a humanidade e foram influenciados pelos movimentos revolucionários (Sociedade Brasileira de Coaching). No contexto brasileiro, essa geração conviveu com diferentes planos econômicos que buscavam resolver as crises de inflação, por isto esses sujeitos caracterizam pela busca continua da estabilidade financeira. Carrara, Nunes e Sarsur (2013, p.5) corroborando com esses pressupostos, ao afirmarem que os membros da geração X vivenciaram tempos turbulentos de ordem econômica, que os tornaram mais práticos e focados em resultados individuais que lhes garantissem uma vida equilibrada. Estes profissionais, “não se apegam demasiadamente em cargos ou empregos, estando mais abertos a mudanças e às movimentações de carreira desde que atendam a seus objetivos. Buscam um trabalho que tenha sentido claro, com autonomia e liberdade.” Gerbaudo (2011) afirma que essas pessoas cresceram com as transformações tecnológicas e aprenderam a lidar com a tecnologia na adolescência. Àqueles indivíduos com poder aquisitivos mais elevados representantes dessa geração conseguiram cursar uma faculdade e, consequentemente, adaptaram-se mais facilmente as mudanças e ao mercado de trabalho. Oliveira (2012) pontua que esses profissionais, possuem apego a títulos e a cargos, e procuram eviden-
ciar para a sociedade a posição que ocupam dentro das empresas. Segundo o mesmo autor, essa postura de afirmação é característica da geração X uma vez que para eles o cargo é como o símbolo de uma conquista, mérito de muito trabalho, dedicação e esforço. “É uma geração com maior foco em realizações, seus membros enxergam o trabalho como um lugar para aprender e crescer, são mais empreendedores do que os da geração anterior e gostam de arriscar. Atualmente é a geração que está no ápice da produtividade profissional e ocupa a maior parte dos cargos executivos do topo organizacional.” (Carrara, Nunes e Sarsur, 2013, p.5) Os profissionais dessa geração usualmente apresentam-se como independentes e autoconfiantes, são comprometidos com os objetivos organizacionais, quando estão aliados aos individuais, e costumam valorizar conhecimentos, habilidades e atitudes que estruturam as competências, quando assumem os postos de liderança. Além disso, a geração X caracteriza-se pelo perfil empreendedor, mas seu principal temor é ser substituído ou chefiado pela geração Y, que sempre procura a inovação, e apresenta grande facilidade em lidar com as novas tecnologias e vem assumindo seu espaço no mercado de trabalho (OLIVEIRA, 2012). GERAÇÃO Y Essa geração é formada por aquelas pessoas que nasceram entre o período de 1980 a 2000, uma época marcada pela prosperidade econômica, revolução tecnológica, globalização e diversidade. (Sociedade Brasileira de Coaching). Segundo Oliveira (2012) os representantes dessa geração foram educados com um excesso de segurança e receberam estímulos constantes por parte dos pais. Ao contrário dos antecessores, geração X, os Y não viveram rupturas sociais significativas, valorizam a democracia, a liberdade política e a prosperidade econômica. Esses jovens profissionais chegam às organizacionais e com um essa incessante busca pela satisfação pessoal, acabam interferindo na dinâmica dos processos, nas normas e nas relações entre os trabalhadores. “Esses jovens têm uma nova forma de ser e agir em sociedade, principalmente no que se refere à relação com o trabalho, o que traz uma série de novos desafios para mantê-los nas organizações, bem como amenizar os conflitos geracionais que possam surgir. Por ser uma geração que nasceu na era da tecnologia, na maior parte das vezes, esses jovens acompanham e dominam seus avanços.” (ROCHA-DE-OLIVEIRA; PICCININI; BITENCOURT, 2012, p. 551). Nascidos na “era digital”, onde as barreiras geográficas caíram por terra, os integrantes da geração Y, de forma geral, cresceram acostumados a ser o centro das atenções, por isso geralmente percebe-se que eles possuem traços característicos como: autoconfiança, inquietação, independência, ousadia, são ávidos pela inovação e corriqueiramente avessos a regras (Carrara, Nunes e Sarsur, 2013). Esses indivíduos chegam ao mercado de trabalho com uma formação mais atualizada, quando comparados com as outras gerações e com atividades que fomentam à sua formação profissional. Para eles o trabalho é mais uma fonte de satisfação e aprendizado, do que propriamente uma fonte de renda e para tanto buscam o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. De acordo com Gerbaudo (2011) eles precisam de razões e estímulos para se manter no emprego e acreditam que para ocuparem uma
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posição de liderança é necessário ter criatividade e apresentar projetos que dêem resultados imediatos para a organização. Com ideias inovadoras, procuram mudar a empresa, pois querem ter novos desafios e qualidade de vida. Esses profissionais são geralmente impulsivos, impacientes, gostam de participar dos processos decisórios e, sobretudo almejam reconhecimento e ascensão rápida na carreira profissional. No entanto, percebe-se que esses indivíduos têm um ciclo menor de trabalho nas empresas, quando comparados as outras gerações. Isso se deve ao fato de que quando insatisfeitos com o ambiente de forma geral e principalmente quando não obtêm reconhecimento, buscam outros espaços ocupacionais. Nesse sentido, estes profissionais, preferem trabalhar em empresas mais “orgânicas”, uma vez que estas possuem uma estrutura mais flexível, havendo predomínio da comunicação informal e direta, existindo a descentralização de poder. Oliveira (2012) afirma ainda que esses profissionais quando ocupam cargos de liderança necessitam de uma legitimação de sua autoridade, principalmente quando estão gerenciando equipes formadas por outras gerações. Usualmente, os gestores preferem trabalhar com a geração Y porque ela é aberta a novos modelos de trabalhos e se adaptam melhor as mudanças organizacionais impostas pelo ambiente. Além disso, gestores da geração Y associam o controle a algo desnecessário e burocrático dentro do ambiente organizacional, sendo assim delegam maior autonomia para suas equipes, e incenti-
vam que o ambiente de trabalho seja mais descontraído e com formas de controle mais brandas. Cavazotte, Lemos e Vianna (2012) reiteram que os indivíduos dessa geração almejam desde a “experiência do prazer na realização de tarefas, da liberdade para decidir quando e como realizá-las e de equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, até a satisfação através do reconhecimento de suas realizações.” Comparativo entre as gerações Diante do exposto percebe-se a importância de se conhecer as diferentes características dos perfis dos profissionais que atuam no mercado, pois ao identificá-las os gestores podem, com maior destreza e segurança, estimular o trabalho em equipe aproveitando o potencial inerente a cada uma dessas gerações. Cordeiro e Albuquerque (2013) indicam que ao compreender os perfis de carreiras, é possível com que os indivíduos percebam suas identidades e direcionem a forma como desejam construir sua trajetória profissional. De forma a apresentar esta ideia, foi estruturado a Tabela 1 com o comparativo entre os Baby Boomers, gerações X e Y tendo em vista as seguintes variáveis: perfil profissional, posição na empresa, postura com o trabalho, a relação com a liderança, a qualidade de vida e, por fim, sua relação com as tecnologias. Percebe-se, por meio da análise apresentada na Tabela 1, que a flexibilidade dentro do ambiente organizacional e a busca contínua por
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novos desafios, são pressupostos importantes para a geração Y que nasceu na “era digital” sendo altamente comprometida com os seus valores. Em contraponto, os Baby Boomers possuem dificuldade em lidar com as novas tecnologias, porém este não é um fator que restringe essa geração no alcance dos resultados e na dedicação ao trabalho. Já a geração X busca o equilíbrio entre a carreira e a vida pessoal, destacando-se pelo comprometimento com a cultura organizacional, porém receosos em serem substituídos pelas gerações mais novas. Dentre as distinções elencadas entre as gerações, a tecnologia parece ser um ponto chave para a discussão, pois as organizações contemporâneas cada vez mais têm seus processos atrelados a inovações tecnológicas, sendo que os indivíduos que apresentam conhecimento técnico para tais questões acabam por se diferenciar no mercado de trabalho. Neste sentido, é importante se alertar para essa situação para que a balança competitiva não tenda apenas para uma geração, pois considerando um país de grandes desigualdades sociais como o Brasil “acreditar que no presente há apenas uma geração, marcada pelo domínio da tecnologia e pelo imperativo de suas escolhas, é algo deslocado da realidade e serve apenas para reforçar a lógica de que existem ganhadores e perdedores na sociedade e que aqueles que não possuem as características da geração Y são despreparados para vivenciar o seu tempo e alcançar os melhores postos de trabalho.” (ROCHA-DE-OLIVEIRA; PICCININI; BITENCOURT, 2012, p.553). GERENCIANDO CONFLITOS Cada geração possui fatores motivacionais e aspirações específicos ao adentrar no mercado de trabalho, dessa forma as organizações que estão atentas a necessidade de reter seus talentos devem identificar esses “motivadores para ter elementos que permitam explorar novas abordagens e atuar nos principais fatores de retenção de pessoas que contribuem para seu crescimento e posicionamento competitivo no mercado.” (Carrara; Nunes; Sarsur, 2013, p. 5) Diante das características de perfis profissionais extremamente distintos, com “modelos mentais” dissonantes e expectativas diferenciadas para com o trabalho, percebe-se que gerenciar conflitos geracionais é, antes de tudo, um exercício contínuo de autoconhecimento e abertura para as diferenças. Esta analogia deve ser realizada pelas empresas como um todo, de forma que se compreenda e valorize as diferenças, que podem agregar novos valores a organização.
A definição de conflito pode ser a de um “processo que tem início quando uma das partes percebe que a outra parte afeta, ou pode afetar, negativamente, alguma coisa que a primeira considera importante.” (Robbins, 2005, p. 326). Porém, os conflitos organizacionais nem sempre representam um mal para as organizações, sendo que para isso é necessário um esforço para haja um alinhamento entre as partes envolvidas nos processos organizacionais. Por mais que haja uma resistência em associar conflitos a algo positivo, ressalta-se que “os sinais de conflitos construtivos podem ser observados quando há melhora na qualidade das decisões tomadas, a criatividade e inovação são estimuladas e o interesse e curiosidade dos membros das equipes fomentam um ambiente onde os problemas são abertamente apresentados e solucionados, as tensões diminuem e onde prevalece um cenário motivador de trabalho. Dessa forma o conflito agirá como força propulsora da mudança e inovação, tornando o trabalho mais eficiente e satisfatório no ambiente organizacional.” (COSTA et al, 2014, p. 365) Oliveira (2012) ressalta ainda, que as empresas devem gerenciar os conflitos e os potenciais entre as gerações através da desburocratização do ambiente de trabalho, oferecendo um plano de carreira com oportunidades de ascensão profissional iguais para todos os membros e facilitando as formas de comunicação dentro da empresa. Nesse sentido, a área de recursos humanos deve ao mesmo tempo integrar os membros de diferentes gerações, procurando eliminar os conflitos organizacionais, por meio do conhecimento das características de cada geração de forma que seja possível compreender o perfil de cada uma delas. Nesse contexto, as diferenças geracionais impactam na visão de mundo que os indivíduos possuem, nos estilos e perspectivas de aprendizagem, obrigando as organizações a formularem estratégias para lidar com as mudanças e demandas que lhes são impostas. Quando não há tal esforço organizacional, percebe-se a constituição de conflitos internos, insatisfações, absenteísmo e em algumas situações condutas retaliatórias (COLLISTOCHI et al, 2012) Assim, em um esforço de gerenciar os conflitos entre as gerações é preciso romper com os antigos paradigmas relacionados à forma de comunicação dentro do ambiente organizacional e buscar adotar novas práticas de integração. Diante disso, apresenta-se na Tabela 2 algumas situações que são recorrentes ao ambiente de trabalho e que nem sempre são bem conduzidas, além de algumas propostas de possíveis ações gerenciais.
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Depreende-se, portanto, e, a partir do exposto, que um bom ambiente de trabalho é resultado da integração entre a equipe. Entende-se que a forma de se propiciar uma comunicação assertiva entre todos, pode convergir para o alcance das metas organizacionais. Além disso, é importante que as características de cada geração sejam respeitadas e que as organizações busquem pontos em comum entre os diferentes perfis de profissionais, com vista a tornar a gestão mais produtiva e competitiva. Para Cavazotte, Lemos e Vianna (2012, p.163) as “transformações em curso colocam as organizações diante do desafio de seguir motivando e envolvendo uma força de trabalho com menor propensão a desenvolver laços de lealdade e a comprometer-se com as organizações nas quais atuam.” Ressalta-se que na busca pela integração das diferentes gerações nas organizações, é necessário entender que os membros dos grupos de trabalho possuem habilidades e comportamentos que nem sempre estarão alinhados, havendo então a necessidade de administrar tais variações no transcorrer das atividades cotidianas de forma equânime e responsável. Para tanto, as organizações devem buscar promover a aprendizagem de seus membros, por meio de um constante processo de inovação (COLLISTOCHI et al, 2012). Cavazotte, Lemos e Vianna (2012) exemplificam a exposição geral feita na Tabela 2, ao pontuarem que ao longo dos anos e por consequência na transição de uma geração para a outra, é possível inferir que o “peso” relativo que se estabelecia entre deveres e direitos dos trabalhos, trocou de posição na balança das relações “Entre os Boomers aparentemente havia muito mais peso no prato dos deveres, sobretudo a disposição para se sacrificar pelo emprego e pela carreira vertical. O principal direito almejado era exatamente permanecer e crescer verticalmente em um sistema. Na geração seguinte, os Xrs, o prato dos deveres parece ter ficado um pouco mais leve, pois que condiciona-
dos à vigência de interesses e vantagens transacionadas pelo indivíduo com a organização. O prato dos direitos parece ganhar mais peso também, com expectativas de maior participação, de desenvolvimento de competências e de qualidade de vida. No entanto, talvez seja entre os Yrs que o prato dos direitos tenha ganhado mais reforços, dado que aparentemente os contratos psicológicos dessa geração incluem um repertório ampliado de expectativas (prazer, gratificação, liberdade, respeito aos seus limites, relações de qualidade etc).” (Cavazotte; Lemos; Vianna, 2012, p.177-178) Dessa forma, há um processo mútuo de permanência de determinados padrões comportamentais, ao mesmo tempo em que há a constituição de novas condutas e perspectivas de cada geração. Níveis de hedonismo, pragmatismo e impulsividade, por exemplo, são manifestados pelos diferentes indivíduos no mercado de trabalho das mais diferentes formas. Nesse sentido, o esforço das organizações não deve estar limitado simplesmente em como equacionar o que aparentemente pode incomodar, mas sim em agregar as potencialidades de cada geração, sejam elas quais forem, sejam elas quantas forem. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conhecer o perfil de cada geração, a partir do estudo das características que as definem, é de suma relevância para que os gestores mantenham os profissionais integrados e comprometidos com os objetivos e as metas das organizacionais. Sendo assim, deve-se de forma contínua, estimular o trabalho entre equipes heterogêneas de modo que estas, juntas, somem suas particularidades, objetivando a conquista de um resultado positivo maior. Ressalta-se que as gerações podem e devem conviver em um mesmo ambiente de trabalho, de forma que a integração entre elas possa minimizar as suas fragilidades e por consequência agregar as
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organizações novas forças para lidar com a dinâmica de um mercado empresarial cada vez mais diferenciado e exigente. Cabe, portanto, entender que as características que definem os perfis de cada geração são singulares, e para tanto não se pode exigir padrões de comportamentos únicos, mas valorizar as especificidades de cada grupo. Dessa forma o gerenciamento das expectativas de cada geração, bem com as tentativas de conciliação dos conflitos que surgem entre esses diferentes profissionais, são vistos como aspectos essenciais para as organizações que pretendem alcançar um maior comprometimento de suas equipes. No ambiente organizacional, as expectativas elevadas dos jovens podem exigir das empresas grandes esforços para abarcar esses anseios e reter os talentos na organização. Ao término, deste trabalho, acredita-se que as ponderações nele contidas tenham contribuído para proporcionar uma reflexão sobre o tema pesquisado. Sugere-se aos responsáveis pela gestão das equipes nas organizações, uma atenção a esta temática, a partir da sistematização de informações e orientações direcionadas pelo estudo das diferentes gerações existentes no mercado de trabalho. Orienta-se ainda e estimula-se aos acadêmicos que muito ainda precisa ser pesquisado e consolidado sobre o assunto. Por fim, destaca-se a importância do conceito de gerações a partir dos elementos que compõe a cultura nacional, respeitando assim fatores intrínsecos à história e à sociedade brasileira (ROCHADE-OLIVEIRA; PICCININI; BITENCOURT, 2012). Entende-se que o conceito de geração seja uma simplificação, que usualmente não observa as características próprias de uma região, havendo sempre uma tentativa em enquadrar os padrões estrangeiros de forma total a realidade nacional. Dessa forma, sugere-se que estudos futuros que abordem temáticas como: a classificação das gerações diante do contexto cultural do Brasil; os sentidos que as gerações brasileiras atribuem ao trabalho; e como as organizações estão lidando com a eminente chegada da nova geração que sucederá os Y’s; podem trazer grandes contribuições para o desenvolvimento das ciências sociais aplicadas.
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1 Mestrando em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais. Graduado em Administração pelo Centro Universitário Newton Paiva. Contato: felipegouveap@hotmail.com cv: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4836065P2 2 Graduanda em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais e bolsista pelo programa de Iniciação Científica da Universidade Federal de Minas Gerais. Contato: talysoares@hotmail.com cv: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K8154966Z8
Collistochi, Camila Cristina; Fonseca, Tatiane Lourenço da; Silva, Aline Navais da; Watanabe, Cibele Guerrero; Bertoia, Natacha; Nakata, Lina Eiko. A Relação entre as Gerações e o Processo de Aprendizagem em uma Organização Bancária. In: ENCONTRO DE ENSINO E PESQUISA EM ADMINSTRAÇÃO E CONTABILIDADE, XXXVI, 2012, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2012. CORDEIRO, Helena Talita Dante; ALBUQUERQUE, Lindolfo Galvão. Perfis de carreira da geração Y. In: ENCONTRO DE ENSINO E PESQUISA EM ADMINSTRAÇÃO E CONTABILIDADE, XXXVII, 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2013. COSTA, L. F. L. G.; Mendonça, C. M., Rodrigues Jr, G., Araújo, M. V. P., Alloufa, J. M. L.; Silva, R. C. Conflitos organizacionais entre gerações: um estudo empírico com a equipe de desenvolvimento de software do IFRN. HOLOS, v. 30, n. 4, p. 361, 2014 CORTELLA, Mário Sérgio. Geração X,Y e Z. As mudanças no mercado de trabalho. Série Gerações Jornal da Globo. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=npRcPU3IrWg>. Acesso em: 20 mai. 2014.
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UM ESTUDO SOBRE AS PRINCIPAIS CAUSAS DE MORTALIDADES DE EMPRESAS DE PEQUENO E MÉDIO PORTE. COMO A AUSÊNCIA DE UMA EFICIENTE GESTÃO EMPRESARIAL, ALINHADA A DETERMINADOS COMPORTAMENTOS EMPREENDEDORES, FOMENTAM ESTA ESTATÍSTICA Leonardo Bastos Ávila*
Resumo:Para ser um empresário de sucesso, ter uma boa ideia e aproveitar a oportunidade não é garantia de sucesso. Como não cair nesta armadilha é o objetivo deste trabalho que tem como premissas avaliar até que ponto os conceitos e aplicações práticas de gestão empresarial e comportamento empreendedor podem ser fator crítico de seu sucesso em pequenas e médias empresas, e até mesmo da sua sobrevivência no atual momento econômico. Como seus conceitos são utilizados pelas empresas que sobrevivem e prosperam. Tendo como metodologia uma pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo. Tendo obtido como resultado principal que a principal deficiência das pequenas e médias empresas é a falta de conhecimentos de gestão do proprietário e de falhas em seu comportamento empreendedor. Palavras-Chave: Empreendedorismo. Gestão. Planejamento.
1 Introdução O sucesso das empresas usualmente começa graças a um “líder natural”, capaz de empreender o negócio certo, na hora certa com uma metodologia gerencial – dele mesmo – que também dá certo. O que ele faz? Parodiando Glauber Rocha “uma ideia na cabeça e uma obstinação na mão” convence a tudo e a todos do poder de seu negócio e os ventos sopravam a seu favor. Amigos e parentes emprestam o dinheiro que faltava, alguns deles são convidados a ajudar pessoalmente, principalmente no início, e são escolhidos mais pela “fidelidade e confiança” que demonstram do que pela competência profissional. Os planos, todos de curtíssimo prazo, flexíveis e rapidamente mutáveis, são mantidos na cabeça do tal líder, que decide tudo sozinho; dá instruções detalhadas sobre tudo a todos, pois nas reuniões só ele fala, vai pessoalmente a tudo que é evento ligado à empresa. É o primeiro a chegar e o último a sair. De tudo que ele delega, vai atrás para ver como estão sendo feitos e cobra várias vezes até sair. E, nas atividades de controle, então, é como São Tomé, só acreditava no que “enxerga” com os próprios olhos. De acordo com Matias (2014) todos planos de curto prazo. Neste modelo de negócio a gestão vai de vento em popa... E muitas das atuais grandes empresas brasileiras atuais, se criaram nesse cenário. E muitos pequenos e médios empresários ainda se valem deste modelo de negócio como alavanca para o sucesso. Acontece que, na atualidade, num determinado ponto, tudo aquilo que descrito acima dá absolutamente certo passa a dar errado na maioria das pequenas e médias empresas, que invariavelmente acabam por fechar as portas. A experiência do autor como consultor de empresas do segmento e pesquisas realizadas pelo Sebrae/SP (2014), atestam que além dos fatos
apontados acima são três as principais causas deste fato: planejamento prévio, gestão empresarial e comportamento empreendedor. O objetivo geral deste trabalho é descrever como os conceitos de gestão empresarial, planejamento e comportamento empreendedor são fatores críticos de sucesso para qualquer empresa, no caso especificamente nas pequenas e médias que padecem pela falta de conhecimento técnico no assunto. Para tal utilizou-se de estatísticas fornecidas pelo SEBRAE NACIONAL e SEBRAE/SP que destacou fatores predominantes do fracasso e do sucesso do atual empresariado brasileiro descrito acima. 2 Metodologia de pesquisa Uma pesquisa pode ser definida como um processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico de forma a se descobrirem respostas para problemas por meio do uso de procedimentos científico (Gil, 1987). É o autor que ressalta a importância do planejamento da pesquisa para que se possam obter informações confiáveis e adequadas aos seus propósitos. Segundo Seltiz et al (1974): “Uma vez que o problema de pesquisa tenha sido formulado de maneira suficientemente clara para que possam especificar os tipos de informações necessárias, o pesquisador precisa criar o seu planejamento de pesquisa...que varia de acordo com o objetivo da mesma.” Logo este trabalho se caracteriza por uma pesquisa qualitativa documental (Godoy, 1995) que busca o exame de materiais de
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diversas natureza e que podem ser reexaminados por meio de interpretações complementares. Utilizou como base de dados estudos realizados pelo Sebrae/SP durante o ano de 2013 onde se analisou dados referentes aos últimos três anos e pelo Sebrae Nacional sobre os anos de 2011 e 2012 sobre as principais causas de mortalidade de pequenas e médias empresas. Neste sentido os elementos temporais se equivalem, visto que temos uma perspectiva de uma unidade da federação e da unidade como um todo, permitindo o confronto entre uma realidade e outra sem prejuízo de validação de dados. 3 Gestão Empresarial 3.1 Conceito de Planejamento Planejar consiste em estabelecer com antecedências as ações executadas dentro de cenários e condições preestabelecidas, estimando os recursos a serem utilizados e atribuindo as responsabilidades, com finalidade de atingir os objetivos fixados. Os objetivos fixados poderão ser atingidos somente com um sistema de planejamento adequadamente estruturado. (HOJI, 2006) Conforme (TERENCE, 2002) definem as seguintes características que formam o conceito de planejamento: a) é a definição de um futuro desejado e de meios eficazes para alcançá-los; b) significa o desenvolvimento de um programa para realização de objetivos e metas organizacionais, envolvendo a escolha de um curso de ação, a decisão antecipada do que deve ser feito e a determinação de quando e como a ação deve ser realizada; c) é o processo de estabelecer objetivos e linhas de ação deve ser realizada. O conceito de planejamento apresenta dois aspectos bastante destacados na administração: eficácia e eficiência. A eficácia diz respeito à capacidade de obter o sucesso com o qual os objetivos são alcançados; já eficiência é a capacidade de obter bons produtos utilizando a menor quantidade de recursos. (CATELLI, 2007). De acordo com Kwasnicka (2007), a função planejar é definida como análise de informações relevantes do presente e do passado e a avaliação dos prováveis desdobramentos futuros, permitindo que seja traçado um curso de ação que leve a organização a alcançar bom termo em relação a sua estratégia competitiva e obter vantagem competitiva perante seus concorrentes. Os objetivos do planejamento podem ser englobados em dois: determinar objetivos adequados e preparar para mudanças adaptadas e inovações. Produzindo estado futuro desejado e os caminhos para atingi-lo. Segundo Maximiano (2008), objetivos são resultados desejados, que orientam o intelecto e a ação. São fins, propósitos, intenções ou estados futuros que as pessoas e as organizações pretendem alcançar, por meio da aplicação de esforços e recursos. Stoner e Freeman (1999) destacam que os objetivos precisam ser específicos, mensuráveis, realistas e claros. 3.2 Características do Planejamento As principais características do planejamento são abordadas a seguir, de acordo com os autores Mosimann e Fish (1999): a) O planejamento antecede as operações. Essas devem ser compatíveis com o que foi estabelecida no planejamento. b) O planejamento sempre existe em uma empresa, embora muitas vezes não esteja expresso ou difundido. Quando informal, estará contido, no mínimo, no cérebro do gestor. C) O planejamento deve ser um processo dinâmico, associado
ao controle permanente, para poder se adaptar às mudanças ambientais. Quando não há planejamento, não pode haver controle. d) Os riscos envolvidos no processo decisório, aumentando a probabilidade de alcance dos objetivos estabelecidos para a empresa. e) O planejamento deve interagir permanentemente com o controle, para que possa saber se está sendo eficaz, isto é alcançando seus objetivos, pois planejamento sem controle não tem eficácia. f) Associado ao controle, o planejamento serve para a avaliação de desempenho da empresa e das áreas. 3.3 Tipos de Planejamento De acordo com Mosimann e Fish (1999), a amplitude ou nível de atuação do planejamento pode classificá-los em três tipos: 1) Planejamento Estratégico; 2) Planejamento Tático (gerencial) e; 3) Planejamento Operacional. O planejamento estratégico e operacional, tendo em vista que o planejamento tático é enfocado aqui como sendo o planejamento estratégico de cada área. Confunde-se, pois, com o próprio planejamento estratégico da empresa como um todo se tratarmos cada área da empresa como outra empresa, inserida num cenário ambiental que é a empresa maior. 3.3.1 – Planejamento estratégico
Planejamento estratégico é o processo de estruturar e esclarecer os cursos de ações da empresa e os objetivos que devem alcançar. Há diversos componentes nesse processo intelectual, principalmente: l A missão, que é a razão do ser da organização, onde reflete seus valores, sua vocação e suas competências; l O desempenho da organização; l Os desafios e oportunidades do ambiente; l Os pontos fortes e fracos dos sistemas internos da organização; l As competências dos planejadores em termos de conhecimentos, de técnicas, suas atitudes em relação ao futuro e seu interesse em planejar. Segundo Drucker (2003), o planejamento estratégico não envolve decisões futuras e sim a futuridade das decisões atuais. O que interessa ao administrador são efeitos que sua decisão, hoje terá no futuro previsível. As consequências e efeitos futuros desejados são as molas propulsoras do ato de decidir agora. A finalidade do planejamento estratégico é estabelecer quais serão os caminhos a serem percorridos para se atingir a situação desejada. É a arte de passagem do estágio onde estou para onde quero ir. Pode-se conceituar, então, planejamento estratégico como aquele planejamento que, centrado na interação da empresa com seu ambiente externo, focalizando as ameaças e oportunidades ambientais e seus reflexos na própria empresa, evidenciando seus pontos fortes e fracos, define as diretrizes estratégicas. 3.3.2 – Planejamento Tático (gerencial) Planos funcionais (também chamados estratégias ou planos administrativos, departamentais ou táticos são elaborados para possibilitar a realização dos planos estratégicos. Abrangem áreas de atividades especializadas da empresa (marketing, operações, recursos humanos, finanças, novos produtos).5 Exposição dos dados Fazendo-se uma análise sobre o levantamento estatístico feito pelo SEBRAE (2013), podemos chegar a alguns determinantes a respeito da morte precoce de pequenas e médias empresas: l Com relação a planejamento 46% dos empreendedores não levantaram informações sobre o número de clientes potenciais e
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seus hábitos de consumo, 39% destes não sabiam qual era o capital de giro necessário para abrir o negócio, 38% não sabiam o número de concorrentes que teriam, 37% não sabiam a melhor localização, 33% não tinham informações sobre fornecedores, 32% não conheciam os aspectos legais do negócio, 31% não sabiam o investimento necessário para o negócio, 18% não levantaram a qualificação necessária da mão de obra e 55% não elaboraram sequer o plano de negócios. Aprofundando sobre o planejamento 50% não definiram estratégias para evitar desperdícios, 50% não determinaram o valor de lucro pretendido, 42% não calcularam o nível de vendas para cobrir custos e gerar lucro, 38% não identificaram necessidades atendidas pelo mercado, 24% não identificaram tarefas e os responsáveis por realiza-las e 21% não identificaram sequer o público alvo do negócio. l Das empresas em atividade 69% planejaram o negócio por até seis meses e 31% por mais de seis meses. Das empresas encerradas 82% planejaram até seis meses e 18% por mais de seis meses. l Com relação a gestão empresarial, das empresas em atividade 72% já possuíam experiência ou conhecimentos no segmento de negócios, contra 58% que não possuíam experiência ou conhecimentos no segmento de negócios e cujos empresas fecharam. Ainda em relação a gestão empresarial, 38% dos empreendedores procuram oferecer produtos e serviços diferenciados contra 26% que não o faziam, e fecharam suas portas. l Com relação ao comportamento empreendedor algumas características se distinguem dos que obtiveram sucesso, dos demais: 3.3.3 – Planejamento Operacional De acordo com Nascimento e Reginato (2009), o planejamento operacional tem por origem fixar parâmetros e direcionar a execução das decisões. De forma mais específica, ele é a representação quantitativa das diretrizes originadas do planejamento estratégico. Ao mesmo tempo o planejamento operacional passa a ser a base de controle e avaliação de desempenho, visto ser o parâmetro para qualificar a eficácia atingida pela execução das operações realizadas. Assim é o planejamento operacional que irá viabilizar a tomada de decisões. Maximiano (2008), relata que o planejamento operacional é o processo de definir meios para a realização de objetivos, como atividades e recursos. Os planos operacionais, também chamados estratégias operacionais, especificam atividades e recursos que são necessários para a realização de qualquer espécie e objetivo. O planejamento operacional consiste na definição de políticas e metas operacionais da empresa, consubstanciadas em planos para determinado período de tempo, em consonância com as diretrizes estratégicas estabelecidas. Da mesma forma, como no planejamento estratégico, a missão, as crenças, os valores, o modelo de gestão e a responsabilidade social da empresa fazem parte do input do planejamento operacional. Informações a respeito da situação atual, objetivo que se quer atingir (situação desejada) e mais as diretrizes estratégicas, resultantes do planejamento estratégico, também perfazem as entradas do sistema de planejamento operacional. 4 O Empreendedorismo O Empreendedorismo foi identificado inicialmente pelos economistas, segundo Casson (1982) como um elemento útil para entender o desenvolvimento. Em seguida, os estudiosos de perspectiva comportamental tentaram entender o empreendedor como uma pessoa. Entretanto, este campo de estudo ainda se encontra em plena ebulição, e cada vez mais envolve diversas outras perspectivas e disciplinas.
Sobre a perspectiva de Simon (2002) as definições de empreendedorismo dentro do contexto deste estudo é: O Empreendedorismo é o processo de identificar, desenvolver e trazer uma visão para vida. Essa visão pode ser uma ideia inovadora, uma oportunidade, ou simplesmente uma nova maneira de fazer algo. O resultado final desse processo é a criação de um novo empreendimento, estruturado sob condições de risco e incerteza. Segundo o autor, o empreendedor deve reunir a visão, a ideia, a inovação, a oportunidade, o seu olhar comportamental, ao risco e a incerteza, e o seu olhar gerencial. Diante desta separação econômica e comportamental do tema, Stevenson et. al. (1990) estendeu a categorização do estudo do Empreendedorismo organizando-o em 3 grupos: as origens comportamentais do Empreendedorismo, os efeitos dos empreendedores na economia e as formas de atuação do empreendedor. Nos concentraremos apenas na questão do perfil e comportamento do empreendedor, embora não desconsideramos a importância de estudos que concentram-se no impacto econômico do Empreendedorismo. Apesar de não haver uma definição única sobre o tema, foi Schumpeter que realmente lançou o campo de estudo do Empreendedorismo nos tempos modernos, através de sua clara associação com a inovação (FILION, 1998). O estudo de Schumpeter (1984 apud Barini, 2003) trouxe grandes contribuições agregando um sentido humano aos estudos econômicos sobre o tema. Para o autor, o Empreendedorismo requer: Atitudes que estão presentes em apenas uma fração da população e que definem o tipo empreendedor e também a função empresarial. Essa função não consiste essencialmente em inventar nada ou crias as condições para sempre exploradas por uma empresa. Consistem em fazer as coisas acontecerem. Dentro da perspectiva comportamental, o autor que trouxe a contribuição mais importante para o estudo do Empreendedorismo foi McClelland. (McLelland, 1971 apud Braga, 2003; McLelland, 1971 apud Filion,1998), quando afirmou que o empreendedor é aquele que exerce controle sobre a produção, e que não se limita apenas a produzir para consumo próprio, levando em consideração aspectos como características pessoais, motivação, e a forte necessidade de realização nas atividades empreendedoras. 4.1 – Perfil e Comportamento Empreendedor Grande parte do estudo e pesquisa no campo do Empreendedorismo se concentra na identificação do perfil do Empreendedor. (Davidson, 2000; Dornelas, 2003; Drucker,1986). Segundo McClelland (1971, apud Oliveira, 2003) os empreendedores têm características psicológicas que os diferenciam de outras populações, como por exemplo, os gerentes. Desta forma, a identificação de fatores de sucesso de empreendedores a partir da análise de seu perfil e comportamento, poderia contribuir na contenção destes insucessos. A seguir, a partir da complementação bibliográfica da tabela desenvolvida por Carland et al. (1984), temos um resumo das características dos empreendedores identificadas cronologicamente na literatura organizacional:
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cado, 24% não identificaram tarefas e os responsáveis por realiza-las e 21% não identificaram sequer o público alvo do negócio.
5 Exposição dos dados Fazendo-se uma análise sobre o levantamento estatístico feito pelo SEBRAE (2013), podemos chegar a alguns determinantes a respeito da morte precoce de pequenas e médias empresas: l Com relação a planejamento 46% dos empreendedores não levantaram informações sobre o número de clientes potenciais e seus hábitos de consumo, 39% destes não sabiam qual era o capital de giro necessário para abrir o negócio, 38% não sabiam o número de concorrentes que teriam, 37% não sabiam a melhor localização, 33% não tinham informações sobre fornecedores, 32% não conheciam os aspectos legais do negócio, 31% não sabiam o investimento necessário para o negócio, 18% não levantaram a qualificação necessária da mão de obra e 55% não elaboraram sequer o plano de negócios. Aprofundando sobre o planejamento 50% não definiram estratégias para evitar desperdícios, 50% não determinaram o valor de lucro pretendido, 42% não calcularam o nível de vendas para cobrir custos e gerar lucro, 38% não identificaram necessidades atendidas pelo mer-
l Com relação ao comportamento empreendedor algumas características se distinguem dos que obtiveram sucesso, dos demais:
l Após o fechamento do negócio 35% foram ser empregados com direitos trabalhistas, 25% passaram a atuar como autônomos, 20% voltaram a empreender, 16% foram ser empregados sem direitos trabalhistas e 4% se aposentaram.
ações conjuntas com outras empresas e 11% venderam para o governo. Das empresas encerradas, 24% dos empresários realizaram algum curso de capacitação, 23% obtiveram empréstimo em banco, 10% fizeram ações conjuntas com outras empresas e 6% venderam para o governo.
l Ainda tratando do comportamento do empreendedor, das empresas ainda em atividade, 35% dos empresários realizaram algum curso de capacitação, 29% obtiveram empréstimo em banco, 12% fizeram
l Quanto a sobrevivência das empresas, 34% afirmam que uma boa gestão é pré requisito de sucesso, enquanto somente 22% das empresas encerradas afirmaram tal prática.
l Das empresas em atividade 69% planejaram o negócio por até seis meses e 31% por mais de seis meses. Das empresas encerradas 82% planejaram até seis meses e 18% por mais de seis meses. l Com relação a gestão empresarial, das empresas em atividade 72% já possuíam experiência ou conhecimentos no segmento de negócios, contra 58% que não possuíam experiência ou conhecimentos no segmento de negócios e cujos empresas fecharam. Ainda em relação a gestão empresarial, 38% dos empreendedores procuram oferecer produtos e serviços diferenciados contra 26% que não o faziam, e fecharam suas portas.
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6 Analise dos dados Os dados acima levantados demonstram algumas características que permeiam o empreendedor de sucesso, daqueles que fracassaram. São elas um forte planejamento e gestão antes e durante a vida empresa com afinco; e características empreendedoras como experiência e conhecimentos do negócio, antecipar aos fatos e busca por informação. Outra informação de relevância, é que mesmo após fracassarem 45% dos empreendedores voltam a empreender como autônomos (25%) e novas empresas (20%).
DRUCKER, P. Inovação e espírito empreendedor: prática e princípios. São Paulo: Pioneira, 1986.
7 Conclusão Num contexto empresarial cada vez mais acirrado, saber gerir sua própria empresa requer além de conhecimento, competências comportamentais capazes de tornar o gestor apto a sobreviver num ambiente altamente hostil. Levantar números de empresas abertas e número de empresas fechadas por um determinado período de tempo, em juntas comerciais simplesmente, não determina se está ocorrendo sucessos e insucessos neste contexto. É preciso levantar causas e entende-las. Neste sentido o presente trabalho pode comprovar tal fato. Comprovou-se também que as causas de mortalidade de empresas, inicia-se na formação de empreendedores capazes de gerir uma empresa, sob o aspecto técnico e, quanto ao seu perfil e sua busca incessante pela perfeição. Percebe-se que o empreendedorismo por oportunidade, associado as características citadas, permeiam o sucesso de um negócio. Neste sentido, o empreendedorismo por necessidade tendem a diminuir em função do alto grau de profissionalismo que hoje se exigem. Caso tal premissa não se prevaleça estas estatísticas tendem a perdurar. Deixando então como sugestão para futuros trabalhos, a pesquisa sobre como o empreendedorismo é trabalhado no ambiente acadêmico, e se este molda o acadêmico de fato para empreender como dono de seu negócio ou como intraempreendedor em empresas.
HOJI, M. Administração Financeira: uma abordagem prática. São Paulo: Atlas, 2006.
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notas de fim * Graduado em Ciências Econômicas, MBA em Administração Estratégica, MBA em Gestão de Pessoas, Mestre em administração de empresas, Doutorando em administração de empresas. Atua como consultor de empresas de pequeno e médio porte há mais de 15 anos. Atualmente é Professor do Centro Universitário Newton Paiva.
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COMO AS ESTRATÉGIAS DE MARKETING DE SUBSTITUIÇÃO SÃO UTILIZADAS NO VAREJO FARMACÊUTICO Leonardo Bastos Ávila*
Resumo: O varejo farmacêutico vem sofrendo profundas mudanças. A redução do número de drogarias que não pertencem aos grandes conglomerados do setor é uma realidade; e a possível sobrevivência das que estão no mercado é uma interrogação no contexto da gestão empresarial. Para isso, as mesmas têm utilizado diferentes estratégias. O objetivo deste trabalho é realizar um levantamento descritivo sobre uma destas estratégias: o marketing de substituição. Foi realizado um estudo de caso para melhor entender como a mesma foi empregada, obtendo o resultado proposto de apresentar como a unidade de estudo utiliza a estratégia em questão.
Palavras-chave: Varejo. Marketing de substituição. Gestão.
iNTRODUÇÃO Segundo dados da FEBRAFARMA – Federação Brasileira da Industria Farmacêutica (2012), o varejo farmacêutico é um dos setores de maior faturamento na economia brasileira, respondendo por um faturamento bruto anual de mais de 25 bilhões de Reais. Este segmento vem passando por mudanças drásticas nos últimos anos, em que o varejista tradicional ou se adapta a nova realidade ou acaba por sair do mercado. O mercado de medicamentos sempre se caracterizou segundo a ABRAFARMA – Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias (2012) pela grande fragmentação de drogarias fora dos grandes centros econômicos, sendo formado por pequenas redes que são aquelas empresas com até (10) lojas e drogarias isoladas que as que possuem somente uma loja ou ponto de venda. A disputa pelo cliente no varejo farmacêutico tem remodelado este mercado, surgindo novos negócios com estruturas diferentes da antiga drogaria. Este novo modelo se caracteriza pela formação de grandes redes varejistas que não vendem somente medicamentos, mas também: itens de perfumaria, produtos para animais de estimação, produtos de conveniência e correlatos; e também por empresas com estratégia voltada para o telemarketing, realizando a entrega de medicamentos em domicilio com preços altamente atrativos, por não ter a estrutura de custos de uma drogaria convencional. Entende-se por marketing de substituição o conceito de Hoff (2005, p.1): Estratégia do Marketing de Substituição é desenvolver produtos capazes de substituir inúmeros outros ou, ainda, reposicioná-los a fim de simplificar para as pessoas o processo de decisão de compra ou consumo. Esta estratégia adotada pelas pequenas redes se torna um pouco distinta de seu conceito original, pois o que efetivamente se faz e a manipulação de medicamentos e produtos de perfumaria, substituindo os tradicionais medicamentos de marca e produtos consagrados por estes, obtendo-se nesta troca uma margem de ganho um pouco melhor do que se teria usualmente.
Essa adaptação das pequenas redes torna-se então uma estratégia de sobrevivência, adequando sua estrutura a um novo cenário, mostrando-se um fato relevante e de interesse para todos aqueles que se dedicam ao estudo e intervenção no campo da estratégia. Resultando daí a justificativa para este estudo. PROBLEMA DE PESQUISA E OBJETIVO O foco de pesquisa deste trabalho é realizar um levantamento descritivo sobre o marketing de substituição em pequenas redes de drogarias, cujo objetivo consiste em analisar sua fundamentação, em termos de condição de competitividade e fundamentação de sua estratégia. REFERENCIAL TEÓRICO A palavra estratégia remonta a antiguidade. Os gregos utilizavam esta palavra para designar generais militares. Na china antiga o termo também era utilizado para nomear militares. No fim do século XIX, com o aparecimento das grandes empresas integradas verticalmente e que investiam pesadamente em manufatura, marketing e hierarquias gerenciais, o pensamento estratégico foi articulado pela primeira vez por sua gerência. Utilizou-se da estratégia para execução de seus objetivos, como aumento de market share e melhor posicionamento no mercado, por exemplo. Porter (1989, p.43) deixou bem claro o papel da estratégia nas empresas modernas: “Se havermos de assegurar sucesso duradouro, é necessário que se estabeleça uma estratégia competitiva eficaz que seja entendida e aceita pela empresa”. O ambiente organizacional moderno caracteriza-se pela grande instabilidade dos mercados. Isso acontece em função das constantes mudanças ocorridas no sistema macroeconômico mundial. A grande mudança que gerou está mutação foi na metade nos anos 60 quando o modelo fordista de produção começou apresentar sinais de declínio na maior parte das economias industriais desenvolvidas. A busca por novas estratégias a este modelo era então de fundamental importância para sobrevivência das empresas diante do futuro adverso que se mostrava. Como crescer e se desenvolver em face deste novo cenário econômico?
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Segundo Montgomery et al (1998, p.1): Muitas ferramentas e técnicas primitivas de planejamento estratégico foram sendo substituídas por abordagens mais fáceis e adequadas. Tais avanços surgiram num momento em que o mundo se confrontava com uma competição crescente, com o rompimento das barreiras do comércio internacional e a retração da interferência dos governos. A definição de uma estratégia bem fundamentada deixou de ser um luxo para se tornar uma necessidade. A partir destes fatos então, passou o pensamento estratégico a ser condição básica de sobrevivência nas empresas. 1 – Os 5 P’s da Estratégia Como reavaliar ou avaliar a estratégia adotada por uma organização, passa a ser vital para qualquer empresa face as constantes mudanças ocorridas em nossa sociedade moderna atual. Mintzberg e Porter (2001, p. 56) definem os 5 P’s da estratégia como: 1 – Plano – algum tipo de ação consciente tomada para lidar com uma determinada situação; 2 – Pretexto – ação realizada como uma “manobra” especifica com a finalidade de confundir o concorrente ou competidor; 3 – Padrão – fluxo de ações, uma consistência no comportamento, quer seja pretendida ou não aos poucos, abordagens bem sucedidas podem se fundir em um padrão de ação que se torna uma estratégia; 4 – Posição – maneira de colocar a organização no ambiente (a estratégia de torna a força de medição ou harmonização entre a organização e o ambiente, abrangendo os contextos interno e externo); e 5 – Perspectiva – olha-se para dentro das cabeças dos estrategistas, coletivamente, mas com uma visão mais ampla, cujo conteúdo consiste não apenas de uma posição escolhida, mas de uma maneira enraizada de ver o mundo (esta definição é uma perspectiva compartilhada de ver o mundo, podendo a organização priorizar certas áreas, como marketing, engenharia ou qualidade de serviços) “. Como avaliar a melhor estratégia a ser adotada? Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) definiram-na em dez escolas, que se dividiram em função das melhores características que se apresentavam para formulação da estratégia adequada. 2 – A Escola do Design Percebe-se então diante do já exposto que quando se fala em estratégia, avaliamos o ambiente interno e externo de uma empresa a as ações que facilitam o alcance dos resultados desejados. De
acordo com Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000, p. 65) a Escola do Design representa: Sem dúvida, a visão mais influente do processo de formação da estratégia. Seus conceitos-chave continuam a formar as bases dos cursos de graduação e mestrado em estratégia, bem como grande parte da prática da administração estratégica. Em sua versão mais simples, a Escola do Design propõe um modelo de formulação de estratégia que busca atingir uma adequação entre as capacidades internas e as possibilidades externas. 3 – A Escola de Posicionamento De acordo com Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000, p. 85: O ano de 1980 foi um divisor de águas, quando Michael Porter publicou seu livro Estratégia Competitiva, que não foi o criador de uma escola, mas agiu como um estimulante para aglutinar os interesses de uma geração de acadêmicos e consultores. Seguiu-se uma enorme onda de atividade, que tornou a Escola do Posicionamento, em pouco tempo, a escola dominante na área da estratégia. A Escola do Posicionamento tem como premissa que poucas estratégias-chave – como posições no mercado – são únicas em uma empresa, descartando uma premissa da escola do Design de que as estratégias são únicas e sob medida para cada empresa. A Escola do Posicionamento criou e aperfeiçoou um conjunto ferramentas analíticas com objetivo de adequar a estratégia correta as condições da empresa. A estratégia competitiva é a busca de uma posição competitiva favorável em uma indústria, a arena fundamental onde ocorre a concorrência. A estratégia competitiva visa estabelecer uma posição lucrativa e sustentável contra as forças que determinam a concorrência na indústria. (Porter, 1989, p.1) 4 – Escolas de Pensamento Estratégico Além das escolas citadas acima, escola do posicionamento e escola do design; Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) definiram outras escolas de pensamento estratégico em períodos distintos do desenvolvimento da administração estratégica. Estas surgiram em períodos diferentes, algumas tiveram seu apogeu, outras se desenvolveram pouco, mas merecem ser citadas pela sua significância e outras encontraram seu apogeu. Todas podem ser classificadas, por sua natureza limitada, de acordo com o quadro abaixo:
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As escolas do Design, Planejamento e Posicionamento têm caráter prescritivo, e tem por objetivo encontrar a melhor forma de formular a estratégia, ou seja, como devem ser formuladas. As próximas seis escolas descritas no quadro acima são mais descritivas: a “escola empreendedora” descreve a formulação da estratégia resultante da visão do líder natural e forte; a “escola cognitiva” entende o que se passa na ideia humana que resulta em uma estratégia; a “escola do Aprendizado” sugere que a estratégia adequada vem de um processo de aprendizado, quando se passa por situações adversas; a “escola do poder” acha que a estratégia adequada oriunda de um processo de negociação em ambiente hostil; a “escola cultural” releva a dimensão do grupo no processo; a “escola ambiental” sugere que a estratégia ideal é fruto de respostas do ambiente externo. E a “escola da configuração” é um misto de todas as outras escolas, adotada como estratégia dependendo de cada situação. 5 – As Forças Competitivas de Porter De acordo com Porter (1986): “a essência da formulação de
6 – A Estratégia do Marketing de Substituição A grande quantidade de produtos disponíveis ao consumidor muitas vezes o leva a incertezas no momento da compra gerando estresse e confusão em sua mente. Em um mundo, onde os consumidores são cada vez mais atarefados, seja em relação ao trabalho ou a família, esta grande quantidade de produtos a disposição, para atender a uma mesma necessidade, pode gerar uma reação adversa justamente no momento da compra, exatamente por apresentar um excesso de informação num momento inoportuno. Segundo Hoff (2005, p.1): Pode-se dizer que tantas alternativas ou mesmo possibilidades acabam por funcionar de maneira inversa ao pretendido. E neste caminho muitas marcas ou produtos correm o risco de serem relegadas. Por isso, é fundamental que se busque alternativas através de um enxugamento em algumas linhas de produtos em prol do favorecimento de outras. É ai que entra o Marketing de Substituição. Ainda de acordo com Hoff (2005, p.2) complementando o citado acima: E isto já está se percebendo em algumas redes de varejo, que aos poucos estão reduzindo as linhas de produtos ofertados. Esta alternativa está se caracterizando como um antídoto para o que se chama de “cegueira da marca”, que
uma estratégia competitiva está em relacionar uma empresa ao seu meio ambiente”. Embora o meio ambiente relevante seja vasto, envolvendo várias forças sociais e econômicas, seu aspecto principal é o seguimento da indústria em que ela compete. A estrutura industrial tem grande importância e influencia para se determinar as regras do jogo, bem como as potenciais estratégias disponíveis a serem adotadas pela empresa. A concorrência em uma indústria oriunda de sua estrutura básica e alcança além do comportamento de seus concorrentes. O nível de concorrência neste ambiente depende de cinco forças competitivas básicas: a ameaça de novos entrantes, o poder de barganha dos compradores, o poder de barganha dos fornecedores; a ameaça de produtos ou serviços substitutos, e a rivalidade entre os competidores. O conhecimento dessas forças subjacentes propõe ao conhecimento dos pontos fortes e fracos da empresa, alinhando desta forma a estratégia de modo a maximizar as forças da empresa e minimizar suas fraquezas. A figura abaixo mostra as cinco forças que determinam a concorrência de uma indústria.
nada mais é do que consumidores confusos com a multiplicidade de opções de um produto nas quais não se consegue perceber diferenças. Desta forma inúmeros produtos ou serviços que representariam para o consumidor inúmeras decisões necessárias acabam por ser poucos produtos. Percebe-se então de alguns anos para cá, as grandes redes de supermercado colocando marcas próprias com objetivo de facilitar a escolha do cliente e melhorar sua margem de lucro, que se fosse de produtos líderes de venda não seria tão atrativa. E por terem seus preços abaixo dos líderes de venda, não correm o risco de ver sua marcar depreciada. Como complemento Hoff (2005, p.2) destaca os quatro componentes do marketing de substituição: l Recolocação: trata-se da redução das escolhas e da simplificação do cenário das marcas, recolocando alguns poucos produtos no lugar de inúmeros produtos; l Reposicionamento: visa facilitar a migração para produtos melhores dentro de uma mesma marca, tornando uma solução principal mais acessível a um maior número de consumidores, inclusive atraindo aqueles considerados excluídos; l Reagrupamento: busca uma solução integrada mais simples, oferecendo um único ponto de contato ao consumidor através da reunião de múltiplos produtos em um único pacote;
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l Reposição: funciona como um músculo de movimento involuntário através da eliminação gradual das diversas possibilidades de escolha, fornecendo ininterruptamente aos consumidores leais produtos sem defeitos e com preços aceitáveis, buscando a fidelização do cliente no longo prazo.
l Representantes da Distribuidora de Medicamentos Santa Cruz Ltda.; l Representantes da Distribuidora de Medicamentos Profarma Ltda.; l Representantes do Laboratório Pfizer do Brasil.
METODOLOGIA DE PESQUISA Para obter os resultados de uma pesquisa cientifica é necessário por parte do pesquisador julgar a adequação dos métodos pelos quais os resultados foram obtidos. De acordo com Selltiz et al (1974, p. 112):
As entrevistas foram direcionadas a partir de um roteiro que teve como objetivo evidenciar todos os pontos que envolvem o tema deste artigo. (VER ANEXO). Após as entrevistas, foi realizada uma análise do discurso obtido, da qual resultaram as informações expostas a seguir.
Cada vez mais é exigida do pesquisador a capacidade de avaliar e empregar resultados de pesquisa: julgar se um estudo foi realizado de forma a permitir que se tenha confiança em seus resultados e saber se estes são aplicáveis à situação especifica que enfrentamos.
ANALISE DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS
O estudo de caso como estratégia de pesquisa contribui de forma inigualável para a compreensão que temos dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos, sendo cada vez mais utilizado como ferramenta de pesquisa em ciências sociais. Representa uma investigação empírica que analisa um fato contemporâneo no contexto na vida real, especialmente quando os limites entre tal fato e seu contexto não estão claramente definidos.
HISTORICO DO SETOR O varejo farmacêutico sofreu profundas mudanças recentemente. Anterior ao Plano Real em 1994, período de inflação alta e incontrolada, com constantes remarcações de preços, os medicamentos não fugiram a regra. Neste período, os preços dos medicamentos não paravam de subir, proporcionando falsa ilusão de lucratividade. De acordo com a alta gerencia da Medcenter: “Comprava-se pelo preço antigo e vendia-se pelo preço remarcado, o que não demandava do empresário do setor maiores preocupações com custos e margens de lucro”. Após este período, com a inflação controlada os ganhos ilusórios terminaram, gerando dificuldades para aqueles que não estavam estruturados ou que não tinham uma administração profissional. Este novo cenário afetou principalmente as drogarias isoladas e as pequenas redes. Segundo a ABRAFARMA (2012): “A partir desse instante, estas empresas passaram a ser testadas quanto a sua capacidade de gestão, e por serem em sua grande maioria micro e pequenas empresas, o setor não estava preparado para o cenário que começava a desapontar”. Neste novo cenário, as grandes redes buscaram melhores condições de compra junto aos fornecedores, com objetivo de conseguir vantagem competitiva junto aos concorrentes. Intensificou-se, portanto a expansão das grandes redes de drogarias. Concomitantemente, as drogarias isoladas que são aquelas com somente uma loja e pequenas redes com até 10 (dez) lojas, buscaram alternativas a esse novo modelo, com o início de trabalhos de “associativismo”, onde se unem para conseguir melhores condições com os fornecedores. Outro fator que modificou o perfil do varejo farmacêutico, foi a obrigatoriedade da presença do profissional na drogaria, procedimento que é fiscalizado pelo órgão competente, que implica mais custos para as empresas, onerando então ainda mais a estrutura de custo, principalmente para as drogarias isoladas e pequenas redes.
O centro de pesquisa deste artigo foi o setor varejista de medicamentos na região do alto Paraopeba no interior do estado de Minas Gerais; e a unidade de análise, a empresa denominada “Medcenter”, nome fictício por solicitação de seus proprietários. A unidade de observação focou em pessoas que atuam e possuem grande conhecimento do setor varejista de medicamentos no Brasil, bem como uma grande visão do segmento. As pessoas entrevistadas forneceram valiosas informações sobre a empresa foco do estudo e seu mercado atual, sendo estas: l Alta gerência da Drogaria Medcenter; l Representantes da ANVISA na região do alto Paraopeba, estado de Minas Gerais. l Farmacêutico representante da SINFARMIG – Sindicato dos Farmacêuticos do Estado de Minas Gerais;
ANALISE DA INDÚSTRIA Devido à alta complexidade que se tornou o varejo farmacêutico, as farmácias e drogarias brasileiras aumentaram seu grau de profissionalização e buscar alternativas de sobrevivência. As grandes, com fartura de capital passaram a adotar o modelo americano, a drugstore, que se baseia na venda não só de medicamentos e itens de higiene pessoal, mas de todo tipo de produtos, desde ração animal a pneu automotivo, este modelo justifica-se nos Estados Unidos pela ação dos planos de seguro-saúde, em que as seguradoras fornecem os medicamentos por intermédio das farmácias, estipulando margens muito baixas; o que colaborou para melhora de suas margens de lucros e passando por cima dos pequenos estabelecimentos. O atual modelo utilizado pelas grandes redes no Brasil é o modelo americano, por alguns fatores. As margens de lucro dos medica-
Ainda tem como finalidade apresentar de forma clara e especifica as características de uma situação, um grupo ou indivíduo (com ou sem hipóteses especificas iniciais sobre a natureza de tais características). Neste caso o estudo será denominado descritivo, sendo este o modelo adotado neste artigo. A metodologia cientifica tem por objetivo evidenciar os processos técnicos e instrumentais utilizados ao longo de um trabalho cientifico. De acordo com tal conceito, o presente artigo estruturou-se sob o método de estudo de caso, pois foi investigada uma organização em profundidade. Segundo De Bruyne et al (1991, p. 225): “Este foco de investigação reúne informações tão detalhadas quanto possíveis, com vistas a apreender a totalidade de uma situação”. Ainda Lakatos et al (1992, p. 47) diz a respeito do método: Este é o método mais indicado, por consistir-se em um exame intensivo tanto em amplitude como em profundidade de uma unidade de estudo, ao mesmo tempo em que concede ao pesquisador a liberdade de empregar qualquer técnica de investigação, seja qual for à ordem. Para Yin et al (2001, p. 73):
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mentos vêm caindo ano após ano em função da “guerra de preços” deflagrada pelas grandes redes. E o que permite a estas grandes redes praticarem tais preços é justamente a possibilidade de vender a mais variados tipos de produtos, onde recompõe a margem de lucro do medicamento. Além disso, disponibilizam ao cliente a entrega em domicilio, recebimento de contas e o chamado one stop shop; no qual o cliente vai a um único estabelecimento comercial resolve tudo: paga-se às contas, compra ração para o animal de estimação e produtos de conveniência. Segundo Gonzaga (2005, p.1):
Dentro da cadeia de venda entre o produto manipulado e o de marca, atesta-se o porquê consegue-se manter uma melhor margem de lucro, optando pelo marketing de substituição na drogaria, trocando-se o medicamento de marca pelo medicamento manipulado.
Hoje, se uma drogaria depender de mais de 40% de suas vendas em medicamentos, ela estará com seu futuro comprometido. O ideal para o equilíbrio é até 40% de vendas em medicamentos e um complemento de 60% para não medicamentos.
A ANVISA (2015), órgão regulador do segmento, e tratando especificamente de medicamentos manipulados estabelece que toda farmácia de manipulação, necessita de autorização especial para manipulação de medicamentos. Neste sentido, a mesma prevê a diferenciação entre drogaria e farmácia de manipulação conforme abaixo:
Diante dos fatores citados acima, o que se vê hoje no Brasil é a expansão das grandes de drogarias e o encolhimento das drogarias isoladas e pequenas redes. Fica claro o processo de concentração de capital neste grupo em detrimento dos demais. AMEAÇA DE ENTRADA O segmento de medicamentos na região do alto Paraopeba, estado de Minas Gerais, assim como no resto do país, é altamente disputado e competitivo, com maiores dificuldades para as drogarias isoladas, já que na região há duas redes com oito lojas cada, sendo uma delas objeto deste artigo. As drogarias isoladas passam por um processo de abrir e fechar, por não conseguirem se manter competitivamente no mercado. E de outro lado, há a possibilidade da chegada de grandes redes, que certamente traria dificuldades para todos. Fica claro a tendência de se aumentar à diferenciação dos serviços prestados por drogarias, com objetivo de fidelizar o cliente, como respostas às dificuldades financeiras do setor, demonstrando desta forma a necessidade de recursos para criar tal ferramenta, aumentando cada vez mais as barreiras de entrada neste setor da economia.
CADEIA DE VENDA DO MEDICAMENTO DE MARCA Fabricante – Distribuidor – Drogaria – Consumidor Final CADEIA DE VENDA DO MEDICAMENTO MANIPULADO Fabricante – Drogaria – Consumidor Final
Drogaria é o estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e produtos para saúde (correlatos) em suas embalagens originais. Farmácia é o estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e produtos para saúde (correlatos). Na prática, a principal diferença é que apenas a farmácia poderá manipular substâncias (insumos farmacêuticos) sujeitas a controle especial. A drogaria pode manipular substâncias desde que não sujeitas a controle especial e se a atividade de manipular estiver contemplada na AFE.
RIVALIDADE ENTRE OS CONCORRENTES Atualmente na região do alto Paraopeba, estado de Minas Gerais objeto deste estudo há 142 drogarias registradas na junta comercial local para uma população de 600 mil habitantes, o que denota a alta concorrência local. Como uma drogaria pode vender a maior parte dos medicamentos disponíveis, a escolha do cliente fundamenta basicamente em preço e serviço. A disputa pelo menor preço de acirra a cada dia, assim como a melhora no atendimento e serviços prestados.
Neste sentido observou que a unidade de estudo possui uma farmácia de manipulação, permitindo a manipulação de produtos sujeitos a controle especial (Portaria SVS / MS nº 344 / 1998 e suas atualizações) também conhecidos como medicamentos controlados, concluindo que a mesma pode substituir quase todo o mix de produto que uma drogaria comercializa, conforme conceito acima. A exceção da totalidade de produtos manipulados se faz valer de acordo com legislação da ANVISA nº RDC nº 67 / 2007, que exclui permissão para manipulação de produtos sujeitos a “receita amarela”. Segundo a alta gerência da unidade de estudo, o percentual de manipulados vendidos dentro das drogarias da rede é de 15% do total de medicamentos vendidos, entre controlados e não controlados. Tendo como meta 40% deste total.
PRODUTOS SUBSTITUTOS Os tipos de produto que pode ser considerado substituto para os medicamentos são os produtos manipulados, estratégia adotada pela rede de drogarias Medcenter alvo deste estudo. Estes produtos são produzidos sob encomenda e são ofertados a preços mais baixos que o medicamento de marca, e pode-se manipular quase todo tipo de medicamento. Os medicamentos de marca são mais caros, em função dos gastos com P&D, mas também pelo fato da matéria prima adquirida pelas multinacionais ser toda importada, o que reflete no seu preço final. Já os produtos manipulados, apesar de terem também sua matéria prima importada, não possuem o gasto com P&D, e obvio trabalham com margens de lucro menores que os laboratórios que fabricam o medicamento de marca, mas que são superiores aos praticados nas drogarias com os mesmos medicamentos de marca, já que são tabelados seu preço de custo e venda.
CONCLUSÃO Observou-se que a estratégia adotada pela MEDCENTER é a efetiva utilização do conceito de marketing de substituição, mediante a utilização de produtos manipulados. Apesar de não entrarmos na validade jurídica desta estratégia, dado o alto controle do setor, a mesma se apresentou como solução para unidade de estudo manter suas margens de rentabilidade. Ressalta como limitação da presente pesquisa, a utilização de estudo de caso único e o fato desta unidade de estudo possuir uma farmácia de manipulação. O que impossibilita tirarmos conclusões acerca das drogarias que não possuem esta alternativa. Ficando como sugestão de futuras pesquisas a utilização de estudos de casos múltiplos. A principal contribuição do presente trabalho foi a comprovação da utilização do marketing de substituição no segmento varejista de medicamento, pouco abordado no âmbito acadêmico. Neste sentido a presente pesquisa atingiu seu propósito.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAFARMA. Disponível em < www.abrafarma.com.br > acesso em 23/12/14. ANVISA. Disponível em < www.anvisa.gov.br > acesso em 02/04/2015. DE BRUYNE, Paul; HERMAN, Jacques; SCHOUTUEETE, Marx. Dinâmica da pesquisa em ciências sociais. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1991. FEBRAFARMA. Disponível em < www.febrafarma.com.br > acesso em 26/12/14. FODDY, Willian. Como perguntar: teoria e prática da construção de perguntas em entrevistas e questionários. Oeiras: Celta Editora, 2002. GONZAGA, Lázaro Luiz. O novo cenário do varejo farmacêutico. Paper, 2005. HOFF, L. S. Estratégia de Marketing de Substituição. Paper, 2005 LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho Cientifico. São Paulo: Editora Atlas, 2000. MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Porto Alegre: Editora Bookman, 2000. MINTZBERG, H.; QUINN, J. B. O processo da estratégia. Porto Alegre: Editora Bookman, 2001. MONTGOMERY, C. A.; PORTER, M. E. Estratégia: a busca da vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1998. PORTER, M. E. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro. Editora Campus, 1989. PORTER, M. E. Competição: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999. PORTER, M. E. Estratégia competitiva: técnicas para análise de industrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1986. PORTER, M. E. Vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1989. SELLTIZ, C.; JAHODA, M.; DEUTSCH, M.; COOK, S. W. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: Editora Pedagógica Universitária, 1974. YIN, R. K. Estudo de caso: Planejamento e métodos. Porto Alegre: Editora Bookman, 2001.
ANEXO: ROTEIRO BÁSICO DAS ENTREVISTAS 1 – Qual a evolução histórica do segmento farmacêutico no Brasil? 2 – Quais as mudanças que mais influenciaram o setor ultimamente? 3 – Quais as causas destas mudanças? 4 – Como o Sr.(a) vê a concorrência no segmento varejista de medicamentos na região do alto Paraopeba? Como se apresenta a rivalidade entre estas empresas? 5 – Quais apresentam a posição competitiva mais consistente? 6 – Quais as possibilidades para novos entrantes neste mercado? 7 – Como o Sr.(a) vê a estratégia de substituição adotada por alguma empresa na região do alto Paraopeba? 8 – Quais produtos substitutos existem na sua opinião para este mercado? 9 – Na sua opinião, uma drogaria pode adotar uma estratégia de substituição neste setor? 10 – O atual varejo brasileiro de medicamentos está passando por mudanças semelhantes as que ocorreram na Europa e Estados Unidos?
NOTAS DE FIM * Graduado em Ciências Econômicas, MBA em Administração Estratégica, MBA em Gestão de Pessoas, Mestre em administração de empresas, Doutorando em administração de empresas. Atua em empresas do segmento varejista farmacêutico há mais de 15 anos em cargos de direção. Atualmente é Professor do Centro Universitário Newton Paiva.
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ENDOMARKETING E CLIMA ORGANIZACIONAL: Case Localiza Rent a Car Kellen Aparecida Almeida Correa1 Sheyla Rosane de Almeida Santos2
Resumo: O presente artigo analisa a gestão do clima organizacional por meio de estratégias de endomarketing. O endomarketing é uma ferramenta que busca adaptar as estratégias e elementos do marketing tradicional, para o uso interno das organizações, visando atingir uma comunicação clara e transparente com seu cliente interno. A partir de um estudo de caso da empresa Localiza Rent a Car, a presente pesquisa descreve as práticas de endomarketing que podem contribuir positivamente para a gestão do ambiente organizacional. Palavras-chave: Endomarketing. Clima Organizacional. Gestão de Pessoas.
1. ENDOMARKETING Atualmente as empresas têm como desafio buscar novas formas de promover a satisfação e motivação de seus colaboradores no ambiente de trabalho. Com o objetivo de manter uma equipe integrada e alinhada com os resultados organizacionais, as ações de endomarketing estão cada vez mais presentes na interseção entre as práticas de Gestão de Pessoas e Comunicação Organizacional. Tradicionalmente o conceito de marketing está atrelado à satisfação dos clientes externos à empresa, por entender que essa satisfação promove a sustentabilidade econômico-financeira. Já o endomarketing está atrelado à satisfação dos clientes internos da empresa, ou seja, seus colaboradores. Isso significa que os clientes internos, assim como os clientes externos, têm necessidades e desejos, que precisam ser supridos pela organização, por meio de sua comunicação interna. A atual visão das empresas sobre a necessidade de satisfação dos anseios de seu público interno vem de encontro a várias estratégias organizacionais contemporâneas da área de Gestão de Pessoas: necessidade de reter talentos, apagão de mão de obra no mercado de trabalho, práticas de responsabilidade social corporativa, programas de qualidade de vida no trabalho, governança corporativa, etc. Essa visão de uma empresa mais humanizada, que busca a satisfação de seu público interno, é concretizada por meio de várias ações da área de gestão de pessoas, dentre elas, as ações de endomarketing que, auxiliada pela área de comunicação interna da empresa, cria meios, mecanismos e ferramentas de disseminar uma comunicação interna transparente, eficiente, que promova um bom ambiente de trabalho. Alguns autores veem o endomarketing como um instrumento ou mecanismo. Outros enxergam como uma filosofia de gestão, ou como a gestão dos processos e instrumentos de comunicação interna (BRUM apud INKOTE 2000). Outros podem encará-lo como programa dirigido aos funcionários, paralelo e coerente com o programa dirigido ao mercado externo, com o fim de facilitar a implementação das estratégias de marketing (PIERCY e MORGAN apud PONCE, 1995). Mas podemos analisar que ele é mais ou menos a soma de tudo isso. Portanto, o endomarketing pode ser entendido como as ações de marketing voltadas para dentro da empresa (SOUZA e SANTOS, 1992). O endomarketing é atualmente, uma importante ferramenta que tem como estratégia principal aplicar as ideias do marketing ao ambiente interno das empresas, onde o objetivo é construir relaciona-
mentos com o público interno, compartilhar as idéias com a organização, fortalecendo assim tais relações. Uma das estratégias de endomarketing é “vender” um posicionamento de marketing para o colaborador, assim como para o cliente, pois isso o torna aliado ao negócio e responsável com o desempenho e sucesso da organização. Antes de vender um determinado produto ao cliente, a empresa precisa convencer o colaborador a comprar tal ideia. O endomarketing cria um alinhamento entre o colaborador, o produto e o cliente, disseminando informações claras e transparentes sobre o negócio, o produto, a empresa, etc. Um dos principais objetivos do endomarketing consiste em atrair e manter talentos para empresa, o que corrobora com os objetivos da área de Gestão de Pessoas nas organizações (LIMONGI FRANÇA, 2009). Segundo PONCE (1995) o endomarketing tem como objetivos, estipular a participação da organização, melhorar as atitudes e os comportamentos dos empregados com relação ao emprego, criar e promover idéias, estabelecer projetos, além de atrair, desenvolver e reter talentos. As ações de endomarketing trazem mudanças positivas para a cultura organizacional da empresa, pois seu sucesso depende da comunicação clara e transparente com os colaboradores e clientes. As empresas buscam conhecer o cliente interno a fundo, ou seja, seus interesses, crenças, valores e princípios para, a partir daí, implementar ações que visem o alinhamento do negócio a seu público interno para consequentemente, alcançar a captação, satisfação e fidelização do público externo. 2. CLIMA ORGANIZACIONAL Entende-se por clima organizacional o nível de satisfação ou insatisfação dos colaboradores em relação ao seu ambiente de trabalho. Souza (2001) descreve que o clima é o resultado das variáveis culturais, que se entende como a soma de costumes, tradições, valores, e propósitos que fazem com que uma empresa seja singular. Quando essas variáveis sofrem alteração, o clima também é alterado. Luz (1999) corrobora tal pensamento ao afirmar que o clima organizacional é afetado pelos conflitos e pelos fatores tanto negativo quanto positivos que ocorrem no ambiente de trabalho e também na vida particular dos colaboradores. Autores como Bennis (1999) e Toledo e Milione (1979) consideram que o clima organizacional significa um conjunto de valores, padrões de comportamento e atitudes que afetam a maneira pela qual
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as pessoas se relacionam umas com as outras, tais como: sinceridade, padrões de autoridade, relações sociais, etc. O clima organizacional desempenha um papel essencial no comportamento dos trabalhadores (CHEN e LIN, 2004), pois, influencia diretamente no desempenho, motivação e na percepção de satisfação no trabalho. As organizações devem trabalhar no sentido de ter plenas condições de alterar e melhorar o seu clima organizacional, por meio de um permanente diagnóstico e monitoramento de seu ambiente de interno. Para isso, as empresas desenvolvem a pesquisa de clima organizacional, com o objetivo de diagnosticar, monitorar e gerenciar o ambiente interno de trabalho. O clima organizacional não é algo estático, está sempre se alterando em função da complexidade das relações de trabalho nas empresas. As organizações devem ficar atendas para perceber tais mudanças e para isso, utiliza da pesquisa de clima organizacional como ferramenta de gestão do clima organizacional nas empresas. A pesquisa de clima organizacional pode ser considerada como um instrumento que, aplicada de forma consciente e metodológica, tem condições de assegurar consistência em quase todas as mudanças empresariais, na busca pela eficiência, eficácia e qualidade, à medida que caracteriza tendências de satisfação, generalizada aos diferentes colaboradores da empresa a partir de suas interações cotidianas (BERGAMINI e CODA, 1997). A pesquisa de clima organizacional é uma ferramenta utilizada para apurar e medir o nível de satisfação dos colaboradores em relação à motivação, aspirações pessoais, adequação da remuneração, horário de trabalho, relacionamento interpessoal, dentre outros. Metodologicamente tal pesquisa pode se dar por meio de entrevistas, observações e questionários (mais comumente utilizado) junto a líderes e liderados. O objetivo principal da pesquisa de clima organizacional para qualquer organização é maximizar, cada vez mais, suas relações com os colaboradores oferecendo condições de trabalhos adequadas, proporcionando oportunidades de desenvolvimento e procurando estabelecer um ambiente motivacional adequado para o trabalho, bem como o alcance e a superação dos objetivos organizacionais (BERGAMINI e CODA, 1997). Ao implementar ações de endomarketing, a empresa está diretamente interferindo em seu clima organizacional. Uma das estratégias para gerenciar o clima organizacional, tornando-o positivo e satisfatório, é trabalhar a comunicação interna da empresa. Para gerenciar o clima organizacional se faz necessário ter um ambiente de trabalho considerado justo, com informações claras e transparentes, com orientação para as tarefas, com gestão participativa, troca de ideias, interações positivas e confiáveis. Quando o ambiente de trabalho é participativo, acolhedor e democrático, as empresas incentivam os colaboradores a ter e expressar suas opiniões e ideias livremente, criando um clima inovador. Quando as empresas possuem um nível mais elevado de clima inovador, os empregados estão mais inclinados a aumentar a interação entre membros organizacionais e a troca e a partilha de conhecimento (CHEN e HUANG, 2007). Tal argumento nos orienta que o eficaz gerenciamento do clima organizacional depende fundamentalmente do eficaz gerenciamento da comunicação interna da empresa, realizada por meio de estratégias de endomarketing. 3. METODOLOGIA Do ponto de vista de seus objetivos (Gil, 2002) a presente pesquisa é exploratória descritiva, pois visa proporcionar maior familiaridade com o problema por meio de levantamento bibliográfico para assim, descrever as características de determinada variável.
A pesquisa descritiva, segundo Vergara (2005) expõe características de determinado fenômeno e pode também estabelecer correlações entre variáveis e definir sua natureza. Essa pesquisa, não tem compromisso de explicar o fenômeno que descreve, mas serve como base para tal explicação. A presente pesquisa propõe descrever as características de fenômenos teóricos em um contexto organizacional, caracterizando assim, um estudo de caso, que é “uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real” (YIN, 2005). O estudo de caso “consiste no estudo profundo e exaustivo de “um ou poucos” objetos, de modo a permitir seu amplo e detalhado conhecimento” (GIL, 2002). É importante salientar que, ao elaborar esse modelo de pesquisa, teve-se especial atenção para correlacionar a teoria às práticas de gestão, propiciando um conhecimento mais aprofundado da realidade organizacional. 4. A EMPRESA PESQUISADA: LOCALIZA RENT A CAR A empresa Localiza Rent a Car tem como atividade principal o aluguel de carros. Foi fundada em 1973 por dois jovens empreendedores mineiros, com pretensões grandes e audaciosas. Eles compraram seis fuscas usados em um financiamento e abriu uma locadora de veículos em Belo Horizonte. Trinta e nove anos depois os fuscas se multiplicaram e hoje a Localiza conta com uma frota de 103 mil e mais de 500 lojas. Atualmente pertencente ao Grupo Localiza que atua em nove países neste continente (Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai), a Localiza Rent a Car trabalha sob o que é denominado Plataforma Integrada de Negócios, que define como sua atividade principal o aluguel de carros, integrada ao aluguel de frotas, feito pela controlada Total Fleet e a divisão de franchising que cuida da administração e concessão de franquias do direito de uso da marca Localiza. Já a Seminovos Localiza, divisão de venda de carros é tratada como atividade suporte. Desde o inicio de sua fundação, a Localiza Rent a Car teve como foco o atendimento das necessidades de seus clientes externos. Desde a concepção do negócio até as estratégias desenvolvidas pela empresa, tudo é pensado em quem vai alugar o carro. A Localiza valoriza o seu cliente externo e busca atender suas expectativas. Para isso, a equipe de Comunicação junto à equipe de Recursos Humanos desenvolvem várias ações que dentre elas, está o endomarketing. A interdisciplinaridade das áreas explora o potencial criativo e estratégico de cada uma e os articula com o objetivo de manter um ambiente de trabalho motivado e inovador para seus colaboradores, pois a Localiza considera que colaboradores satisfeitos e motivados, contribuem para o melhor desempenho da empresa. A partir do Planejamento Estratégico é que as ações de endomarketing são planejadas e implementadas. Partindo da premissa da clara visão de cliente e uma forte cultura voltada para resultados, descritas no livro de valores Localiza, que as equipes de Comunicação e Recursos Humanos elaboram campanhas de endomarketing a fim de manter um clima organizacional agradável e colaboradores satisfeitos. As estratégias de endomarketing praticadas pela Localiza Rent a Car vem de encontro à valorização de seus clientes interno e externo, por entender que a satisfação das necessidades dos clientes externos depende da boa qualificação e motivação de seus clientes internos. Por meio das estratégias de endomarketing, a empresa pretende uma comunicação alinhada entre seus 5 mil colaboradores. Tais ações podem ser assim descritas: Diversidade de treinamentos e capacitações sobre o negócio e suas especificidades, contribuindo para que o colaborador esteja sempre atualizado;
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Campanhas regulares que visam o envolvimento máximo do colaborador com a essência da marca; Campanhas de incentivo a atitudes dos colaboradores que gerem valor para a empresa; Programa de incentivo a pós graduação e MBA para o desenvolvimento de executivos; Programa “Qualificar” que oferece 20 cursos à equipe matricial, onde cada participante recebe aproximadamente 30 horas de treinamento e os temas variam de matemática financeira até marketing pessoal. A comunicação conta ainda com alguns veículos internos que são capazes de transmitir a informação com objetividade, atualidade e agilidade, fazendo com que os colaboradores interajam com a empresa e fique por dentro de tudo o que está acontecendo. São eles: Jornal Mural, Conexão Online, Plantão Online, Viva Melhor, Revista Eletrônica de Vendas, Atendimento e Operações. A empresa investe no colaborador com o objetivo de ter pessoas competentes, proativas e que tragam resultados. E, claro, que se mantenham motivadas e contribuam para um ambiente de trabalho mais agradável. Entretanto, vale ressaltar que a qualificação só acontece quando o profissional se compromete com o seu autodesenvolvimento. A qualificação não se dá apenas em cursos formais, em sala de aula, mas acontece também no dia a dia, na orientação da liderança e na vontade de realizar um trabalho exemplar, que traga realização e promova desenvolvimento. A empresa acredita ter uma equipe de colaboradores motivada como resultado da adoção de boas práticas na administração de sua política de recursos humanos e comunicação interna. Tais resultados promovem uma gestão do ambiente de trabalho que impacta positivamente no clima organizacional. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com os estudos realizados, pode-se constatar a importância do endomarketing como fator estratégico competitivo a partir do alinhamento de interesses e expectativas da organização, clientes internos e externos. Atualmente as empresas têm um olhar mais para dentro de si, e começam a valorizar o fator humano a fim de tornar os colaboradores mais participativos e engajados, por meio da transparência na comunicação interna e do alinhamento dos interesses organizacionais e individuais. Com o estudo do caso foi possível compreender que ao gerenciar o clima organizacional por meio de estratégias de endomarketing a empresa está atuando de forma estratégica, integrada e interdisciplinar. Conclui-se que as empresas precisam investir cada vez mais em ações de endomarketing que vêm reforçar a importância de preparar, afir-
REFERÊNCIAS BENNIS, W. G. Desenvolvimento Organizacional: sua natureza, origens e perspectivas. São Paulo: Edgar Bleicher, 1999. BERGAMINI, W.; CODA, R, . Psicodinâmica da vida organizacional. 2. Ed. São Paulo, 1997. CHEN, C.; LIN, B. The effects of environment, knowledge attribute, organizational climate, and firm characteristics on knowledge sourcing decisions. R&D Management., n. 34(2), p. 137-146, 2004. CHEN, J. C.; HUANG, J. W. How organizational climate and structure affect knowledge management – The social interaction perspective. International Journal of Information Management, n. 27, p. 104-118, 2007. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4a ed. São Paulo: Atlas, 2002. INKOTE, A.L. Endomarketing: Elementos para a Construção de um marco teórico. 2000. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina. http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/3009.pdf> (11/01/03). LIMONGI FRANÇA, Ana Cristina. Práticas de Recursos Humanos. São Paulo: Editora Atlas, 2009. LUZ, Ricardo S. Clima Organizacional. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999. PONCE, F.A.U. Marketing Interno: um estudo de caso no setor de Franqueado do ramo de perfumaria e cosméticos nas cidades de São Paulo. 1995. Tese de doutorado em Administração da Universidade de são Paulo. SOUZA, A. A.; SANTOS, G.J. Endomarketing: Considerações Teóricas e Praticas de uma Estratégia de Integração. Ed Lorena, SP. 1992. SOUZA, E. B. Motivação para o trabalho: um estudo de caso para operadores da PETROBRAS – Refinaria Presidente Getúlio Vargas. Florianópolis, 2001. 110f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção)-Programa de Pós graduação em Engenharia de Produção, UFSC, 2001. TOLEDO, F.; MILIONI, B. Dicionário de Administração de Recursos Humanos. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1979. VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. 6. Ed. São Paulo: Atlas, 2005. YIN, R. K. Estudo de caso. 2a ed. São Paulo: Sage, 2005.
NOTAS DE FIM 1 Aluna do MBA em Gestão Estratégica de Negócios do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora do Centro Universitário Newton Paiva.
mar, valorizar e satisfazer o público interno nas organizações, para que tenham uma visão compartilhada sobre o negócio da empresa e como tal possa impactar positivamente no atendimento ao cliente externo.
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UMA ANÁLISE DO MAPA ESTRATÉGICO DE COMÉRCIO EXTERIOR DE MINAS GERAIS: Resultado dos Indicadores do Potencial de Internacionalização da Base Produtiva Rafaella Oliveira Paulinelli1
Resumo: Diante dos problemas do comércio exterior em Minas Gerais, verificou-se a necessidade de criação de uma estratégia que aprimorasse as relações comerciais de Minas Gerais com o mercado internacional. Foi criado, desta maneira, em 2010, o Mapa Estratégico de Comércio Exterior de Minas Gerais como ferramenta de gestão das ações do Estado para torná-lo competitivo no mercado internacional. Dentro do Mapa existem indicadores que mensuram a evolução da estratégia do Estado e o objetivo do presente artigo é fazer uma análise sobre os resultados dos indicadores que refletem o objetivo de aumentar o conhecimento do potencial produtivo do Estado para a internacionalização, durante os anos de 2010 a 2013. Os indicadores que permeiam esse estudo fazem alusão às exportações de serviços; à pauta exportadora mineira; e às micro e pequenas empresas (MPEs), sendo o número de MPEs exportadoras e o valor exportado. Esta pesquisa é de abordagem qualitativa e faz uso da pesquisa bibliográfica. Os resultados mostram que o valor exportado de serviços pelo Estado tem aumentado, mas de 2011 para 2012, o valor das exportações diminuíram; o número de produtos da pauta exportadora cresceu 1,2%; e o número de micro e pequenas empresas exportadoras bem como o valor exportado por elas têm diminuído no período proposto. Isso demonstra que novas estratégias e ações para o comércio exterior, considerando especificamente o potencial produtivo de internacionalização do Estado, devem ser conduzidas para que Minas Gerais seja o melhor Estado para se fazer negócios com o exterior. Palavras chave: Comércio Exterior. Serviços. MPEs.
1 Introdução As intensas transformações ocorridas na década de 90, como o crescimento das transações comerciais e a interdependência entre os países, modificaram a dinâmica do comércio internacional. Diante dos problemas e das vulnerabilidades do comércio exterior de Minas Gerais, tais como a dependência por commodities, a pauta pouco diversificada, a logística deficiente, o baixo número de empresas exportadoras, a baixa participação do interior do estado e a burocracia, verificou-se a necessidade da criação de uma estratégia para modificar este cenário desfavorável à inserção do estado mineiro nas relações econômicas internacionais (SECRETARIA DE ESTADO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO/EXPORTAMINAS, 2010). Esse panorama fez com que as estratégias fossem repensadas para a manutenção ou conquista de mercados no cenário internacional. Consoante a SEDE (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico)/ Exportaminas (2010), “a estratégia define a visão de futuro, os principais objetivos e as ações necessárias para que as metas sejam alcançadas”. Desta maneira, o Mapa Estratégico foi criado para gerir todo o processo de comércio internacional de Minas Gerais, com objetivos e indicadores que mensuram o status quo dos negócios internacionais, além de, sobretudo, ter como visão tornar o Estado mineiro o melhor para se fazer negócios com o exterior. Dentro do Mapa Estratégico existe o Eixo de Desenvolvimento, especificamente de Inteligência Comercial e Competitiva, que abrange o conhecimento sobre o potencial de internacionalização da base produtiva do Estado. Diante a importância do conhecimento da base produtiva do Estado para internacionalização, sobretudo para a cultura exportadora do Estado, é imprescindível que uma estratégia seja alcançada para que as empresas e os produtos mineiros sejam conhecidos pelo mundo. O presente projeto, desta maneira, procurará
responder a seguinte questão: quais os resultados dos indicadores que compõem o objetivo de “Aperfeiçoar a Inteligência sobre o Potencial Produtivo do Estado para a Internacionalização”, do Mapa Estratégico de Comércio Exterior de Minas Gerais, no período de 2010 a 2013? Pretende-se, desta maneira,verificar a evolução da estratégia, mensuradas pelos seus indicadores. Este estudo, baseado no objetivo de aprofundar o conhecimento sobre o potencial de internacionalização da base produtiva, fomenta as relações internacionais, no que tange a ciência dos fluxos de comércio entre nações. Este comércio entre países, que está baseado nos pressupostos do Liberalismo Econômico, tem grande importância no desenvolvimento de um Estado, seja através de ações e projetos, seja para a estabilidade política entre os que se relacionam. Partindo deste pressuposto, é perceptível a importância da criação deste artigo para que entidades relacionadas ao comércio exterior reconheçam a efetividade do Mapa Estratégico de Comércio Exterior e para que este seja uma ferramenta que norteie as ações de inserção do estado de Minas Gerais nas grandes cadeias globais de valor. 2 Referencial Teórico 2.1 Comércio Internacional Antes de se falar sobre a importância de um mapa estratégico de comércio exterior que orienta as ações de uma instituição, estado ou país, é imprenscindível verificar e compreender a relevância do comércio internacional, que tem grande importância no crescimento econômico de uma nação, como também confere estabilidade política entre nações que se relacionam. De acordo com Oliveira (2007), para análise do comércio internacional é importante o estudo das determinantes do comércio que
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são embasadas pelas teorias do comércio internacional. Segundo o autor essas teorias podem ser entendidas entendendo o porquê das trocas comerciais, preços e quantidades de produtos a serem comercializados, as vantagens e custos para o crescimento econômico da nação. Entretanto, para Gonçalves (2005), inexiste uma teoria geral do comércio internacional pela complexidade de aplicá-la em todos as transações. Existe uma particularidade em cada teoria que conduz a um setor, produto ou país. 2.1.1 Adam Smith e David Ricardo
Antes do pensamento clássico de Adam Smith e David Ricardo, diversos outros pensadores refletiram sobre o comércio internacional, não obstante, foram com estudos destes dois teóricos que foram arquitetados os modelos mais influentes de comércio entre nações (BRITTO, s.d.). Adam Smith desenvolveu a vantagem absoluta como base do comércio internacional. Para Smith (1985 apud COUTINHO et al., 2006, p. 102) pode haver trocas comerciais vantajosas mesmo se não houver excedentes de comércio exterior. Todos consideram que é mais interessante usar suas capacidades naquilo em que têm vantagem sobre seus vizinhos e comprar, com parte do resultado de suas atividades, ou o que vem a dar no mesmo, com o preço de parte das mesmas, aquilo de que venham a precisar (SMITH, 1985 apud Coutinho et al., 2006, p. 102). “Como a capacidade de consumo dos países envolvidos no comércio internacional será maior após a efetivação das trocas, Smith (1985) concluiu que o comércio exterior eleva o bem-estar da sociedade” (COUTINHO et al. 2006, p. 102). Foi concluído que o comércio entre nações eleva o bem-estar da sociedade ao aumentar a capacidade de consumo de cada país através da exportação de produtos que oferecem vantagem absoluta e da importação de bens produzidos em outros países. Para Gonçalves (2005), David Ricardo sofisticou a teoria de Adam Smith com o princípio das vantagens comparativas, baseado na teoria clássica do valor-trabalho, e afirmou ser não somente países detentores de vantagens absolutas os beneficiados com comércio internacional, mas também os países possuidores de vantagens comparativas. “De acordo com este modelo, os custos comparativos são determinados pela produtividade relativa do trabalho. Variações nessa produtividade entre os países adviriam principalmente de diferenças tecnológicas entre eles” (GONÇALVES, 2005, p. 03). Mesmo que um país tenha custos mais elevados na produção de todos os bens, em sua economia algum setor apresentará custos relativamente menores do que nos outros setores. Como o modelo utiliza um único fator – trabalho -, nesse setor de custos relativamente menores (onde provavelmente os salários são os mais baixos) provavelmente haverá uma vantagem comparativa em relação ao outro país (GRISI, 2001, apud Britto, s.d., p. 10). Os países, desta maneira, devem se especializar em produtos nos quais possuem vantagens comparativas - elevando sua produção interna - e o excedente do mercado doméstico deve ser exportado. Os demais bens, por conseguinte, seriam adquiridos no mercado internacional a um preço menor que se produzidos no interior. 2.1.2 Michael Porter
Segundo Oliveira (2007), Porter disserta que o êxito internacional de uma nação a partir do sucesso de uma indústria depende de quatro determinantes, a saber, condições fatoriais; condições de de-
manda; indústrias correlatas e de apoio; e estruturas, estratégias, e rivalidade de empresas; constituintes do Diamante Nacional. Além dos quatro elementos principais, dois outros são apresentados como coadjuvantes no processo de construção da competitividade nas nações: a) o papel do Estado; e b) o papel do acaso (OLIVEIRA, 2007, p. 14). As condições de fatores no Diamante Nacional provêm da dotação e criação de fatores. Consoante Oliveira (2007, p. 14) “de forma genérica, Porter classifica os fatores em cinco grupos: recursos humanos, físicos, de conhecimento, de capital e infraestrutura”. O autor ainda expõe que a partir do aproveitamento e da obtenção desses recursos é que uma nação obtém a vantagem competitiva. As condiçãoes de demanda são a segunda determinante da competitividade de uma nação. Para Oliveira (2007) sua importância está no fato de ela determinar o rumo e o caráter da inovação. O terceiro elemento do Diamante Nacional de Porter, indústrias correlatas e fornecedoras, está vinculado à proximidade destas empresas, que aumenta o acesso aos insumos, estimula a inovação e reduz os custos de transação (OLIVEIRA, 2007). Em continuidade, Oliveira (2007) ainda pondera sobre a estratégia, estrutura e rivalidade das empresas, representadas pela quarta determinante do Diamante Nacional. Disserta que “as estratégias e as estruturas das empresas dependem das circunstâncias nacionais, o que acaba levando cada país a ter vantagem competitiva em indústrias específicas” (COUTINHO et al., 2006, p. 110). O autor ainda esclarece sobre o papel do coadjuvante Estado, atuante como ator de segunda importância para gerar competitividade internacional, por possuir função limitada e parcial que atinge todas as determinantes do Diamante Nacional. Desta maneira, o Mapa Estratégico de Comércio Exterior orientado e gerido por ações do estado mineiro, bem com o apoio de entidades privadas e sociedades de classe auxilia na competitividade do estado mineiro no cenário internacional. Oliveira (2007, p. 15) reflete que “no que concerne ao papel do acaso, Porter abre espaço para acontecimentos imprevistos que causam interrupções que permitem transformações na posição competitiva.” Além da determinante da estratégia de Porter, existe a estratégia do Balanced Score Card, de Robert Kaplan e David Northon. O BSC foi utilizado para construção da ferramenta de estratégia e gestão do comércio exterior mineiro. Os componentes BSC foram representados através dos objetivos, indicadores e iniciativas com o objetivo de corresponder à visão de futuro: ser o melhor estado brasileiro para se fazer negócios com o exterior, contribuindo para diversificação, agregação de valor e crescimento sustentável da economia mineira e nacional. Através deste trabalho, as políticas para o comércio exterior mineiro poderão ser melhor direcionadas para se dar um salto em competitividade e ser referência para os negócios internacionais. Além dos benefícios ao crescimento econômico do Estado, os impactos da execução da estratégia se estendem à melhoria da qualidade de vida da sociedade, uma vez que impactam na geração de emprego e renda e diminuição das diferenças sociais e regionais (SECRETARIA DE ESTADO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO/EXPORTAMINAS, 2010). Segundo Kaplan e Norton (1997), o BSC descreve a visão de futuro, dá foco ao estímulo de mudança e o sistema de mensuração deve ilustrar as hipóteses sobre as relações de causa e efeito entre as medidas de resultados. “Se os objetivos e medidas certos forem
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identificados, a implementação provavelmente será bem-sucedida” (KAPLAN e NORTON, 1997, p. 154). 2.2 Exportação de Serviços O tema exportação de serviços começou a ser discutido realmente após o início da globalização, quando foi percebida a possibilidade e o lucro gerado por essa comercialização internacional. Para Rocha e Mello (2011, p. 01), “a revolução nas comunicações e na tecnologia da informação permitiu o acesso de prestadores de serviço a outras partes do mundo e ampliou incrivelmente as possibilidades de exportação dos mais variados tipos de serviços”. En este contexto, el comercio internacional de servicios parece haber ido cobrando mayor importancia con el paso de los años, si bien estamos hablando de una actividad histórica tradicional en lo que respecta a los sectores del turismo o el transporte por ejemplo. A pesar de la existência de datos imprecisos e imperfectos sobre el volumen de dicho comercio, es factible afirmar que el intercambio global de servicios ha estado creciendo a tasas elevadas en los años recientes. Asimismo, a lo largo del mundo, los servicios han ido ganando mayor participación en relación a ciertas variables clave como PBI, empleo o inversión extranjera directa (IED) (López et al., s.d., p. 21). Os autores Rocha e Mello (2011) elencam características que diferem produtos de serviços, como inseparabilidade e intangibilidade. Tais características fazem com que as exportações dos serviços também se tornem distintas das exportações de produtos, já que existe a comercialização de algo que não é tangível e não pode ser embalado para entrega. Os autores explicam a situação através de uma compra de viagem a turismo. Para López et al. [s.d.], a maior novidade recentemente é que certos serviços anteriormente ditos como de difícil transição – como saúde, educação, contabilidade, serviços jurídicos – hoje possuem altos níveis de comércio e com expectativas de expansão; e certos segmentos nascentes, como software e informática, tem se transformado de forma acelerada em indústrias nas quais as transações internacionais adquirem um papel central. Nos últimos anos, o Brasil tem elevado sua participação no comércio mundial de serviços. Entre 2008 e 2012, as exportações brasileiras de serviços cresceram a uma taxa maior que a média mundial, e o país aumentou sua participação de 0,7% para 0,9% do total das exportações mundiais de serviços. Nesse último ano, o Brasil ocupou a 29ª posição no ranking dos maiores exportadores de serviços, com um total exportado de US$ 38,1 bilhões (MDIC, Serviços - Panorama do Comércio Internacional, 2013, p. 32). Apesar dos bons números mostrados pelas exportações de serviços, muito ainda deve ser aprimorado para se mensurar tais exportações e para que se perceba seus benefícios e sua agregação de valor a pauta exportadora de um país. 2.3 Internacionalização das Micro e Pequenas Empresas As micro e pequenas empresas possuem papel essencial na economia de um país como agentes econômicos, pois boa parte da população e da economia dependem de seus desempenho. Conforme a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), no texto “Como Melhorar a Competitividade das PME na União Europeia e na América Latina e Caribe” (2013), estas empresas, em geral, geram mais
empregos e atuam em uma variedade de segmentos, entretanto sua produtividade é baixa quando comparadas com grandes empresas. Segundo relatório da OIT (2002) apud Ramos et al.(2006), as MPEs fazem parte da maioria empresarial na América Latina e no Caribe e representam mais de 96% dos negócios formais e mais de 56% da mão de obra formal ocupada, o que demonstra a importância delas no cenário econômico e social. Cresce cada vez mais, no Brasil, América Latina e também no mundo desenvolvido, a importância da pequena produção, representada pelas micro e pequenas empresas, como mecanismo para geração de emprego e renda para as camadas mais pobres da população. Embora não tendo a mesma proporção produtiva que as grandes empresas, as micro e pequenas empresas ocupam um papel de destaque em termos de emprego, renda e diversidade territorial (OIT, 2002, apud Ramos et al., 2006). No estudo da CEPAL (2013), a internacionalização da MPEs contribui para gerar emprego e elevar a renda, além de oferecer possibilidades de agregar valor na origem e introduzir melhoras na produção. Desta maneira, é imprescindível que haja integração das MPEs nas cadeias globais de valor (CGV) e que se reduzam os gaps de produtividade com inserção de tecnologia e inovação. Esses pontos as obrigarão a modificar seus processos para aproveitar as oportunidades do mercado internacional e gerar desenvolvimento econômico. Estar em uma CGV é uma maneira de aumentar a participação das MPEs no dinâmico cenário mundial e tirá-las do círculo vicioso da internacionalização: representado pela baixa produtividade; que gera poucas possibilidades de competir e internacionalizar-se; logo, dificuldades para inovar; e por fim, escassas opções de melhoras produtivas. Para que este círculo não continue, as empresas devem diminuir a dependência dos mercados internos, aumentar sua capacidade produtiva e exportadora, se capacitarem para a internacionalização, promoverem encadeamentos produtivos e identificarem oportunidades de negócios com empresas e cadeias globais de valor (CEPAL, 2013). 3 Desenvolvimento A partir do momento em que um Estado se integra no comércio internacional, vê-se a necessidade de um planejamento a fim de que este se torne cada vez mais competitivo e um grande player no cenário mundial. Diante de tal perspectiva, em conformidade com o Plano de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que cria e elabora ações que tornam o Estado brasileiro mais competitivo e elabora visões estratégicas para consolidar o crescente potencial do país, tem-se o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI), no âmbito do estado de Minas Gerais, que organiza a estratégia do desenvolvimento mineiro. No contexto de globalização e de maior atuação do Brasil nas relações internacionais, verifica-se o operar do estado de Minas Gerais mais expressivo e competitivo. A participação mineira nas exportações brasileiras passou de 10,2%, em 2003, para 15,5%, em 2010, o que posiciona Minas como segundo maior estado brasileiro exportador, atrás apenas de São Paulo (Plano Mineiro de Desenvolvimento Produtivo, 2010, p. 45). Para acompanhar a nova dinâmica das relações internacionais e especificamente do comércio internacional, verificou-se a necessidade de criação de um mapa estratégico que pertencesse às diretrizes de planejamento de gestão federal e estadual e que principalmente fosse ba-
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silar para conduzir as estratégias de comércio exterior de Minas Gerais. Assim, o Mapa Estratégico de Comércio Exterior de Minas Gerais foi lançado no ano de 2010, através do esforço conjunto entre o Governo Federal, o Governo de Minas Gerais e entidades de classe que juntos formam a Comunidade Comex2, sendo o primeiro do Brasil a ser construído pensando na lógica do Comércio Exterior e exemplo para outros Estados do país. Este modelo de gestão e propulsor de ações teve como objetivo construir uma estratégia para o Estado, inserir competitivamente as empresas e os produtos mineiros no mercado internacional e intregrar as ações dos atores envolvidos. Tais objetivos correspondem à visão de futuro de tornar o estado mineiro o melhor para se fazer negócios com o exterior, contribuindo para diversificação, agregação de valor
e crescimento sustentável da economia de Minas Gerais e do Brasil (SECRETARIA DE ESTADO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO/ EXPORTAMINAS, 2010). Os objetivos do Mapa contemplam 1) a Base para o Desenvolvimento, que abrange o Conhecimento e a Cultura Empresarial e a Comunidade Comex; 2) o Eixo de Desenvolvimento, representado pela Inteligência Competitiva, Diversificação e Agregação de Valor, Promoção, Ambiente de Negócios e Infraestrutura; 3) as Partes Interessadas; e por fim, 4) a Sociedade. A baixa produtividade gera, por conseguinte poucas possibilidades de competir e logo se inserir no comércio internacional. Esta sucessão de acontecimentos mantém a empresa no círculo vicioso de internacionalização ditado pela CEPAL (2013).
O Eixo de Desenvolvimento, do qual faz parte a Inteligência Comercial e Competitiva, apoia os estudos de mercados e investimentos, que contribui para planos de ações para construção de competitividade do Estado mineiro, bem como para o desenvolvimento do comércio exterior. Na agenda de Inteligência Comercial e Competitiva existe o objetivo de “Aprofundar o Conhecimento sobre o Potencial de Internacionalização da Base Produtiva”. Este objetivo possui quatro indicadores, a saber, 1) Valor das Exportações de Serviços; 2) Número de Produtos na Pauta Exportadora; 3) Numéro de Micro e Pequenas Empresas que realizam comércio com o Exterior; e 4) Valor das Exportações de MPEs. O conhecimento do potencial de internacionalização da produção de Minas Gerais é essencial para identificar oportunidades para os produtos e serviços mineiros e para que as instituições desenvolvam ações que permitam o aumento de competitividade no cenário global.
O primeiro indicador do objetivo estratégico de “Aperfeiçoar a Inteligência sobre o Potencial de Produção de Minas Gerais para a Internacionalização” é o valor das exportações de serviços no Estado mineiro. Apesar de o tema ser pouco debatido na agenda de comércio exterior do Brasil, ele tem ganhado importância na década de 90. Para justificar a dinamicidade das exportações de serviços de Minas Gerais, pode ser percebido no gráfico 1 que, de 2008 a 2012, essas exportações de cresceram em 13,0%. O ano que teve mais exportações de serviços foi 2011, sendo US$ 684 milhões. Os anos que ocorreram queda nas exportações de serviços em relação aos últimos anos foram 2009, 2010 e 2012, sendo que em 2012, último ano mensurado, houve uma diminuição de 15,1%, com valor de US$ 581 milhões.
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López et al. [s.d.] fala que alguns serviços de difícil transição, como saúde, educação, contabilidade e serviços jurídicos tem sido muito comercializado mundialmente e com expectativas de crescimento, entretanto, em 2012, em Minas Gerais, esses
serviços foram Obras de Infraestrutura; Serviços de Arquitetura e Engenharia, Testes e Análises Técnicas; e Metalurgia, representando 37,4% de toda pauta exportadora de serviços, consoante Exportaminas (2014).
Sobre a pauta exportadora mineira, tem-se o indicador que mensura a quantidade de produtos que a compõem. A fórmula de cálculo utilizada é o somatório de produtos (NCM) da pauta exportadora de Minas Gerais. Desta maneira, durante os anos que compreendem 2010 a 2013,
houve um aumento de produtos exportados em 1,2%. Em 2010 foi exportado 2.875 produtos, já em 2013 este número aumentou e foi para 2.908. De 2010 para 2011 houve o maior aumento, representando 2,8%. Entretanto, 2012 foi o ano que houve o maior número de produtos exportados, representando 2.962 NCM.
No cenário descrito no gráfico 2 é perceptível uma maior diversificação de produtos na pauta exportadora mineira nos anos de 2011 e 2012. Esses anos, inclusive, foram os anos com maior valor exportado (por porte de empresa, em US$) por Minas Gerais, sendo US$ 39,30 milhões, em 2011 e US$ 31,24 milhões, em 2012.
Em relação às exportações de Micro e Pequenas Empresas (MPE), o Mapa Estratégico abrange dois indicadores: o número de empresas mineiras que realizam comércio com o exterior; e seus valores exportados, em US$. Em 2013, Minas Gerais teve 645 MPEs exportadoras, havendo uma diminuição de 16,8% em relação a 2010.
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Durante os anos analisados houve uma diminuição constante do número de MPEs exportadoras, bem como sua representatividade em relação a todos os portes de empresas
exportadoras no Estado. Contabilizando todos os portes de empresas, a representatividade das MPEs caiu de 48,2% em 2010 para 42,4% em 2013.
O gráfico 4 demonstra a participação das MPEs em relação ao valor exportado pelas demais empresas (por porte) do Estado. É perceptível que apesar da quantidade numérica de MPEs, com uma média de 45,2% do número total de empresas exportadoras por porte, as MPEs se mantém com pouca representividade no valor exportado
por Minas Gerais em todo período analisado, representando somente uma média de 0,5% de todas as exportações. Relacionando produtividade com internacionalização, isso comprova o texto publicado pela CEPAL (2013) em relação a baixa produtividade das MPEs quando comparadas a grandes empresas.
Considerações Finais O comércio internacional é imprescindível para o desenvolvimento de um país, bem como para alcançar estabilidade política entre nações. Partindo desse pressuposto, é necessário que as transações comerciais internacionais façam parte da agenda do país, do estado ou da empresa, com intuito de estimular o comércio e fortalecer suas relações, gerando desenvolvimento econômico. Nesta lógica, o Mapa Estratégico de Comércio Exterior de Minas Gerais foi criado, direcionando as ações de comércio exterior do Estado mineiro, como ferramenta que mostra as prioridades para o desenvolvimento do comércio exterior e que coordena a colaboração entre as instituições responsáveis pela pauta. O artigo fez uma análise sobre o Mapa Estratégico de Comércio Exterior de Minas Gerais, baseada no Eixo de Inteligência Competitiva e Comercial, que foi orientada pela pergunta: quais os resultados dos indicadores que compõem o objetivo de “Aperfeiçoar a Inteligência sobre o Potencial Produtivo do Estado para a Internacionalização”, do Mapa Estratégico de Comércio Exterior de Minas Gerais, no período de 2010 a 2013? Com isso, pretendeu-se identificar os resultados dos indicadores do potencial de internacionalização da base produtiva, verificando a evolução da estratégia. Esses resultados são relevantes para que as entidades relacionadas ao comércio exterior compreendam a efetividade do Mapa Estratégico de Comércio Exterior e para que este seja uma
ferramenta que direcione as ações em prol de tornar Minas Gerais mais competitiva no cenário internacional. Os indicadores utilizados foram baseados na exportação de serviços, na pauta exportadora e na exportação de micro e pequenas empresas de Minas Gerais. Seus resultados mostram que, 1) nas exportações de serviços, de 2008 a 2012, houve um aumento do valor exportado pelo Estado, mas que, em 2012, último ano analisado, houve uma queda de 15,1%; 2) a pauta exportadora mineira, de 2010 a 2014, teve crescimento de 1,2%, verificando a necessidade de diversificação dos produtos ofertados por Minas Gerais; e por fim, 3) na quantidade de MPEs exportadoras, houve uma queda de 16,8%, de 2010 a 2013 e que apesar dessas MPEs terem uma média de 45,2% de representatividade em relação a todas as empresas exportadoras, o valor exportado por elas representam, em média, 0,5% do valor exportado pelo Estado. Os resultados dos indicadores revelam que uma melhor estratégia para o comércio exterior de Minas Gerais deve ser seguida rumo ao aumento das exportações de serviços que, apesar de recente, possui relevância e agrega valor às exportações; rumo a uma pauta exportadora mineira mais fortalecida, especificamente dos produtos que serão ofertados ao mercado internacional; e rumo ao aumento de MPE exportadoras e de seu valor exportado, por gerarem emprego e renda. Pensar na tríplice - exportação de serviços, pauta exportadora, e exportação de MPEs – reflete incentivar empresas a
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pensarem globalmente, fortalecer suas ações direcionadas à internacionalização, incentivá-las a aumentarem sua capacidade produtiva, identificando assim oportunidades de negócios e inserindo cada vez mais os produtos e serviços mineiros no mercado internacional.
(BDMG); CORREIOS; Banco do Brasil; Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (OCEMG); Associação das Empresas Comissárias de Despacho e Agentes de Carga de Minas Gerais (CODACA); Sindicato dos Despachantes Aduaneiros de Minas Gerais (SDAMG).
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NOTAS DE FIM 1 Graduada em Relações Internacionais, pela NEWTON PAIVA, no 2°/2014. rafaellapaulinelli@hotmail.com 2 Governo Federal; Governo de Minas Gerais; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC); APEX Brasil; Receita Federal; Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico (SEDE); Secretaria de Estado da Fazenda (SEF); Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SEAPA); Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SECTES); Exportaminas; Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (INDI); Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG); Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG); Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE MG); Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (FECOMÉRCIO MG); Centro Tecnológico de Minas Gerais (CETEC); Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais
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O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO SUJEITO CONSTITUCIONAL: UM OLHAR CUIDADOSO DO “EU” COM O “OUTRO” E A NECESSIDADE DE RECONSTRUÇÃO CRISTIAN KIEFER DA SILVA1 FERNANDO JOSÉ ARMANDO RIBEIRO 2
RESUMO: O presente trabalho tem a finalidade de expor uma análise dos dois primeiros capítulos da obra “A Identidade do Sujeito Constitucional”, do jurista estadunidense Michel Rosenfeld. A obra é muito instigante no que toca ao contínuo diálogo que o autor estabelece com a filosofia e a psicanálise, com o qual demonstra o caráter aberto, e por vezes ambíguo, que a identidade constitucional, entendida na tríplice acepção de sujeito constituinte, destinatários da constituição e conteúdo constitucional, assume no continuo processo de adequação sócio-histórica.
PALAVRAS-CHAVE: CONSTITUCIONALISMO; PLURALISMO E IDENTIDADE; SUJEITO CONSTITUCIONAL.
1 INTRODUÇÃO No presente trabalho dedicaremos em apresentar os contornos do conceito da identidade do sujeito constitucional, com o intuito de situar a discussão tanto em relação à sua problemática quanto ao seu potencial teórico e prático. Iremos abordar os detalhes do conceito então discutido, passando à exposição e à análise de seu processo de constituição e constante modificação, a qual perpassa pela utilização pertinente da filosofia hegeliana e da teoria psicanalítica de Lacan, para explicar o papel e a posição da identidade constitucional a partir da ideia da negação da identidade do sujeito, tanto em seu aspecto de fundamento da ordem constitucional, quanto em seu potencial discursivo. O autor procura fundamentar a construção da identidade do sujeito constitucional a partir de uma ética pluralista, de forma que a legitimidade de uma determinada ordem constitucional depende, a partir da presente ótica, do comprometimento dos discursos sobre a identidade constitucional com os pressupostos éticos de superação do abismo entre o “eu” e o “outro”, que evitam o colapso do direito em mera política, impedindo a completa arbitrariedade e subjetividade interpretativas. Desse modo, pretende-se compreender em que medida os discursos constitucionais necessariamente se vinculam a uma construção possível da identidade constitucional, bem como podem estabelecer reconstruções viáveis dessa mesma identidade, visando ora a justificação de uma situação vigente, ora a critica dessa mesma situação, a partir de um ideal contrafático oriundo de uma possibilidade de interpretação reconstrutiva da identidade constitucional. 2 UMA CONSTRUÇÃO À LUZ DO CONCEITO DO SUJEITO E DA IDENTIDADE CONSTITUCIONAIS Michel Rosenfeld inicia a sua reflexão sobre a identidade do sujeito constitucional com a seguinte afirmação: “A identidade do sujeito constitucional (constitucional subject) é tão evasiva e problemática quanto são difíceis de se estabelecer fundamentos incontro-
versos para os regimes constitucionais contemporâneos.” (ROSENFELD, 2003 p.17). O conceito de identidade do sujeito constitucional compõe-se, na verdade, de dois conceitos correlatos. O primeiro deles é o de sujeito constitucional, que se refere tanto aos elaboradores da Constituição, quanto àqueles que estão sujeitos às suas proposições. O segundo refere-se à matéria constitucional (subject matter), aos próprios elementos que constituem uma dada identidade constitucional. Além das dúvidas relativas sobre quem e o que compõem a identidade do sujeito constitucional, a identidade constitucional é problemática também por tender a se alterar com a passagem do tempo, e se encontrar usualmente entrelaçada com outras identidades culturais da comunidade política, nas quais se mesclam aspectos étnicos, culturais, religiosos, lingüísticos, etc. Assim: Para se estabelecer a identidade constitucional através dos tempos é necessário fabricar a tessitura de um entrelaçamento do passado dos constituintes com o próprio presente e ainda com o futuro das gerações vindouras. O problema, no entanto, é que tanto o passado quanto o futuro são incertos e abertos a possibilidades de reconstrução conflitantes, tornando assim imensamente complexa a tarefa de se revelar as linhas de continuidade. (ROSENFELD, 2003 p.17-18). A identidade constitucional é igualmente problemática em sua relação com um determinado texto constitucional escrito. Toda constituição escrita é necessariamente incompleta e aberta a múltiplas interpretações possíveis e plausíveis, muitas vezes conflitantes entre si. Do mesmo modo, um dado texto constitucional jamais será capaz de contemplar todos os temas pertinentes às questões oriundas tanto do constitucionalismo quanto da própria Constituição, tornando a apreensão da identidade constitucional uma tarefa sempre carente de complementação, e, portanto, sempre necessariamente aberta à interpretação3.
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A identidade constitucional também se encontra muitas vezes em conflito com as várias outras identidades nacionais relevantes, integrantes da tradição de um determinado país ou povo; em decorrência do pluralismo que caracteriza o constitucionalismo moderno, a identidade constitucional necessariamente opõe-se a várias dessas identidades, justamente para que nenhuma delas adquira uma posição dominante na comunidade e suprima ou oprima outras identidades relevantes. Entretanto, a identidade constitucional não pode se definir apenas de forma negativa, abstratamente, em oposição a outras identidades, sob pena de se tornar um conceito vazio e inútil. Direitos fundamentais importantes tais como a liberdade de expressão ou o direito à vida pouco significam abstratamente – tais direitos só adquirem significado e importância quando confrontados com identidades culturais e nacionais que lhes confiram conteúdo e sentido. Desse modo: A identidade constitucional é problemática porque além de permanecer distinta e oposta a outras identidades relevantes, é inevitavelmente forçada a incorporá-las parcialmente para que possa adquirir sentido suficientemente determinado ou determinável. (...) Assim é que a questão-chave passa a ser a de como a identidade constitucional pode se distanciar o suficiente das outras identidades relevantes contra as quais ela precisa forjar sua própria imagem, enquanto, ao mesmo tempo, incorpora elementos suficientes dessas identidades para continuar viável no interior de seu próprio ambiente sociopolítico. (ROSENFELD, 2001, p.22-23). Logo, a identidade constitucional constitui-se, em princípio, a partir da oposição entre ela e outras identidades culturais, e também em decorrência da incorporação de elementos de outras identidades culturais que contribuam para dar sentido e significado à própria identidade constitucional63. Entretanto, a identidade constitucional jamais poderá ser completamente determinada. Desse modo, apesar de se poder considerar que de fato existe uma identidade constitucional inerente a cada comunidade política comprometida com o constitucionalismo, essa identidade só pode ser apreendida parcialmente, em fragmentos consubstanciados em suas muitas possíveis construções e reconstruções realizadas nos discursos dos intérpretes constitucionais (note-se que a expressão “intérprete constitucional” (refere-se, presentemente, a qualquer membro da comunidade política).
Dessa forma, tanto o sujeito quanto a matéria constitucionais são sempre incompletos porque jamais poderão ser exaustivamente delineados e definidos. A identidade constitucional, para poder exercer seu papel de fundamento último da ordem constitucional, deve estar sempre aberta a novas interpretações, a novas possibilidades de construção e reconstrução de seu sentido e conseqüências. E, portanto, a identidade constitucional, assim como toda interpretação jurídica, deve permanecer sempre aberta ao crivo da comunidade de intérpretes constitucionais, ou seja, de todos os cidadãos. É necessário compreender, entretanto, que o conceito da identidade constitucional não é totalmente abstrato e desprovido de sentido a priori. Pelo contrário, o conceito da identidade constitucional, aparentemente destituído de conteúdo ético definível, está firmemente embasado na idéia de superação da distância existente entre o “eu” e o “outro”. Do mesmo modo, a perene carência de interpretação da identidade constitucional vincula-se diretamente ao método de compreensão dos textos e escrituras constante da filosofia desconstrutivista anteriormente apresentada. Antes de se compreender, entretanto, em que medida a desconstrução interfere na identidade constitucional, faz-se necessário analisar o processo de formação da identidade do sujeito constitucional. 3 A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DO SUJEITO CONSTITUCIONAL O relato teórico sobre a formação da identidade do sujeito constitucional elabora-se, inicialmente, a partir da questão do sujeito – que só pode surgir em decorrência do confronto com o “outro”. Se a interação humana não é percebida como uma sempre presente separação entre o “eu” e o “outro”, o problema relativo ao sujeito carece de efetivo significado. Justamente por isso as ordens políticas pré-modernas e pré-constitucionais eram capazes de evitar a oposição entre o “eu” e o “outro”, uma vez que nelas prevaleciam visões de mundo unificadas pela ética, religião e direito, que não só e auto-amparavam e justificavam, como também eram compartilhadas por todos os membros da comunidade política. O constitucionalismo moderno, entretanto, devido ao seu compromisso com o pluralismo, não pode ignorar o conflito entre o “eu” e o “outro”:
Podemos concluir que a identidade constitucional surge como algo complexo, fragmentado, parcial e incompleto. Sobretudo no contexto de uma constituição viva, de uma living constitution, a identidade constitucional é o produto de um processo
Em um nível, o eu (self) constitucional pluralista se enfrenta com o seu outro que é a tradição que mantinha integrada a ordem sociopolítica pré-moderna. Pode-se referir a esse outro como o “outro externo”. Em outro nível, o pluralismo constitucional requer que um grupo que se constitua em um eu (self) coletivo reconheça grupos similarmente posicionados como outros selves, e/ou que cada eu individual (individual self) trate
dinâmico sempre aberto à maior elaboração e à revisão. Do mesmo modo, a matéria constitucional (the constitucional subject) – de qualquer modo que seja definida – parece condenada a permanecer incompleta e sempre suscetível de maior definição, de maior precisão. (ROSENFELD, 2003, p.23).
os demais indivíduos como outros eu, como outras pessoas (selves). Em contraste com o outro externo, este último, precisamente por integrar a comunidade política constitucional (constitucional polity), pode ser denominado “outro interno”. (ROSENFELD, 2003, p.30).
Percebe-se que a matéria e o sujeito constitucionais, de acordo com as formulações apresentadas, são dificílimos de definir, sendo muito mais simples determinar o que eles não são do que o que eles efetivamente são. É justamente a partir dessa idéia que Rosenfeld desenvolve sua tese: a identidade constitucional deve ser considerada antes uma ausência, um vazio, do que uma presença efetiva que legitime a ordem constitucional. Pelo contrário, o potencial legitimador da ordem constitucional decorre da perene necessidade de se reconstruir e se reinterpretar a identidade constitucional, devido à sua eterna incompletude e indeterminação.
O conflito entre o “eu” e o “outro” decorre da separação entre o sujeito e o objeto4 - o sujeito, guiado pelo seu desejo subjetivo, persegue os objetos em busca de satisfação. Os objetos, entretanto, satisfazem o desejo apenas momentaneamente, de modo que, uma vez alcançados os objetos perseguidos, o desejo invariavelmente volta-se para novos objetos. Eventualmente o sujeito compreende que os objetos são incapazes de satisfazer o desejo e descobre que, para se perpetuar e satisfazer o desejo ao longo do tempo, deve voltar-se para outros sujeitos. Logo, é o desejo que conduz o sujeito à busca pelo “outro”.
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Relato semelhante é estabelecido pela teoria psicanalítica5. O sujeito busca a realização do desejo nos objetos, mas, diante da impossibilidade de satisfação, sente a necessidade de ajustamento, que se realiza por meio da renúncia aos objetos. Ou, dito de outra forma, a existência de objetos proibidos ou inalcançáveis, mediatizada pelo ego da psicanálise, impele à necessidade de reconhecimento do outro, que se realiza por meio da internalização dos comandos do superego. A relação entre sujeito e objeto por ora analisada revela que o sujeito é essencialmente carente: Primeiramente, na medida em que o sujeito precisa de objetos, ele é caracterizado por uma carência no sentido de ser incompleto. Em segundo lugar, o sujeito ainda não reconhecido (pelo outro sujeito) é uma carência no sentido de não ser nada senão a negação de seus objetos, ou seja, a sua característica definidora é o sujeito enquanto não sendo nenhum dos objetos de seu desejo. Assim, ao se separar do objeto, o sujeito surge como consciência da carência e da incompletude. (ROSENFELD, 2003, p.31). Logo, é a experiência da carência, da incompletude e da irrealização do desejo que possibilita que a questão do sujeito seja percebida pelo próprio sujeito – que se volta para o outro em busca de reconhecimento. A compreensão de que os objetos do desejo são incapazes de efetivamente satisfazerem o desejo permite ao sujeito conceber a sua identidade como predicável em relação ao reconhecimento dos outros. Entretanto, de acordo com a dialética hegeliana, e a partir da análise relativa à relação existente entre Senhor e Escravo, a mera compreensão de que a satisfação do desejo só se realiza por meio do reconhecimento oriundo dos outros sujeitos não produz necessariamente o reconhecimento recíproco entre iguais. De acordo com Hegel, o Senhor é aquele que supera o medo da morte, e o Escravo, aquele que permanece constrangido pelo medo da morte. O Senhor, visando se tornar o “eu” reconhecido, impõe ao Escravo que ele o reconheça; o Escravo, temeroso por sua vida, aceita a imposição – desse modo, o Escravo abre mão de sua identidade para preservar a própria vida, enquanto o Senhor reforça a sua própria identidade obrigando o Escravo a cumprir suas ordens. O movimento dialético, porém, termina por realizar uma inversão de posições. Uma vez que as necessidades do Senhor só são satisfeitas pelo trabalho do Escravo, o próprio Senhor torna-se dependente, de modo que a identidade do eu reconhecido deve se conformar ao trabalho do eu que reconhece. Já o Escravo, por meio de seu trabalho, ainda que submetido às ordens do Senhor, acaba por adquirir um sentido próprio de identidade, na medida em que o toma por seu e torna-se consciente de sua maestria e habilidade sobre o dado natural. Logo, ao menos em relação à configuração da identidade, o Escravo transforma-se em Senhor, e o Senhor, em Escravo. A idéia de que o movimento do “eu” para configurar sua identidade conduz à sujeição ao “outro” é igualmente utilizada por Lacan. Segundo a análise de Lacan, a compreensão inicial da criança da identidade como sujeito envolve um duplo processo de alienação ou de sujeição ao outro. Impulsionada por seu fracasso em se assimilar completa ou plenamente ao objeto de seu desejo, a criança sem experiência, com uma carência, se esforça por preencher esse sentimento de vazio pela aquisição de uma identidade como sujeito – uma identidade estável para se opor ao movimento centrífugo do desejo ilimitado de séries infinitas de objetos que resistem à incorporação
suficiente. Para adquirir uma identidade como sujeito, a criança, no entanto, deve abandonar o mundo dos objetos e entrar na ordem simbólica da linguagem. Somente pela mediação da linguagem a criança pode esperar afirmar sua identidade como sujeito. (ROSENFELD, 2003, p. 32-33). Entretanto, a linguagem, configurada pelas regras que sistematizam a comunicação, é imposta externamente à criança, alienando-a, uma vez que a possibilidade de aquisição da própria identidade depende da submissão a um código imposto pelos outros. Da mesma forma, em suas tentativas de desenvolver um modo de ser particular no universo simbólico da linguagem, a criança adquire um primeiro sentido de sua identidade a partir do reconhecimento de seu nome. O nome, porém, é igualmente imposto de fora, pois, além de ter sido definido pelos seus pais, são os outros que primeiramente se dirigem à criança por meio de seu nome. Logo, ambas as experiências iniciais de aquisição da identidade pela criança são alienantes. “Em outros termos, a primeira experiência articulável da identidade como sujeito de alguém é alienante, na medida em que ela consiste na autoidentificação com um nome escolhido por outrem e na aquiescência em se deixar identificar como um símbolo no discurso do outro” (ROSENFELD, 2003, p.34). Percebe-se que as narrativas de Hegel e Lacan, tendo em vista os objetivos da teoria de Rosenfeld ao contemplar suas obras, apresentam conclusões consideravelmente semelhantes: o sujeito decorre da carência, e requer a mediação pelo reconhecimento dos outros em sua tentativa de adquirir a própria identidade – igualmente, a confiança inicial do sujeito em sua identidade (que se ampara na tentativa de defini-la por meio da incorporação dos objetos) revela-se alienante, pois resulta necessariamente na sujeição do sujeito ao outro. À primeira vista, o sujeito constitucional pode parecer fundamentalmente distinto de seus correlatos Hegeliano e Lacaniano. Ele pode parecer no controle da situação, em especial se emerge como a conseqüência de uma revolução, ao ter arruinado o outro anti-revolucionário e ao ainda não ter enfrentado o outro das futuras gerações, ou seja, pelo menos em seu estágio inicial. Enquanto detentor do poder constituinte, o sujeito constitucional parece se encontrar em condições de impor sua vontade, ou para dizer com Ulrich Preuss, de “criar um mundo político ex nihilo”. Daí, longe de surgir como uma carência ou como alienado, o sujeito constitucional aparentemente molda uma nova ordem política à sua própria imagem, a partir de uma posição de absoluto domínio, colocado muito acima dos remanescentes em ebulição das tradições deitadas fora, descartadas, pela revolução. (ROSENFELD, 2003, p.34). Um olhar mais cuidadoso, entretanto, revela que a posição de sujeito constitucional não é tão absoluta quanto parece, mas depende de muitos dos elementos constantes da ordem política pré-revolucionária. Uma vez que, na vida política, de fato inexiste criação ex nihilo, a diferenciação total entre a ordem política pré-revolucionária e a ordem política pós-revolucionária não só é impossível como também indesejável. Logo, elementos e tradições pré-revolucionárias são “transformadas e seletivamente incorporadas na nova ordem forjada pelo sujeito constitucional” (ROSENFELD, 2003, p.35). Desse modo, em boa medida, é justamente o passado que se desejava repudiar que determina parte do conteúdo constitucional elaborado pelos constituintes revolucionários. Conclui-se que o constitucionalismo não se constrói por meio da imposição irrestrita da vontade revolucionária que simplesmente eliminaria ou desconsideraria o “outro” pré-revolucionário.
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Por outro lado, uma vez que o constitucionalismo moderno inclui, dentre seus requisitos, o pluralismo social, torna-se necessário que a identidade forjada pelos constituintes vá além da subjetividade de seus autores, de modo a levar os “outros” em adequada consideração. “Assim, do ponto de vista dos constituintes, a identidade do sujeito constitucional surge como um vazio, uma ausência (lack), gerado pela distância que separa a auto-imagem própria dos constituintes daquela da comunidade política constitucional pluralista.” (ROSENFELD, 2003, p. 36). A elaboração de uma constituição escrita, nesse sentido, pode ser interpretada como a tentativa de preencher o vazio da identidade constitucional por meio da busca pelo outro, mediante o estabelecimento de uma identidade comum com fulcro em um texto constitucional compartilhado. Entretanto, as linguagens do “eu” e do “outro” são inadequadas para expressar a identidade comum que se pretende compartilhada por ambos. O discurso constitucional emerge como uma linguagem externa (similarmente à situação da criança lacaniana que precisa se submeter à linguagem de seus pais para adquirir sua própria identidade), e, portanto, alienante dos membros da comunidade política constitucional que, necessariamente, precisam utilizá-la. Segundo Rosenfeld: O constitucionalismo moderno requer o governo limitado, a aceitação da rule of law, ou seja, do Estado de Direito, e a proteção dos direitos fundamentais. Consoante essas exigências, os revolucionários vitoriosos que assumem o papel de constituintes devem reforçar sua pretensão de ocupar o lugar do legítimo sujeito constitucional ao renunciarem a um significativo montante de poder, se submetendo às prescrições do Direito e ao se limitarem em face dos interesses fundamentais de outros. Há, é claro, muitos modos distintos mediante os quais os constituintes podem cumprir as condições para o surgimento do legítimo sujeito constitucional, mas todos eles envolvem a alienação de poder e a construção de uma auto-identidade dependente da vontade e da auto-imagem do outro. (ROSENFELD, 2003, p. 36-37) O sujeito constitucional, portanto, deriva do encontro do “eu” com o “outro”, realizado sempre na ausência, no vazio, e de forma alienante. Sua posição exige que ele deixe de lado sua própria identidade por meio do discurso constitucional, que se converte em linguagem comum e compartilhada que une o “eu” constitucional e os vários “outros” sociais em uma comunidade política constitucionalmente estruturada. O discurso constitucional constrói-se, fundamentalmente, com base em um texto constitucional escrito, que só pode ser apreendido em seu contexto próprio, tendo em vista suas inerentes restrições normativas e factuais. Mas, como todo texto depende necessariamente de seu contexto, e, conforme visto anteriormente, é aberto a múltiplas possibilidades de interpretação e finalidades, e, no infindável processo de escritura e re-escritura, muda seu sentido ao longo do tempo, o sujeito constitucional depende do discurso constitucional para poder criar e re-criar sua própria identidade. “Em outros termos, o sujeito constitucional, motivado pela necessidade de superar a sua carência (lack) e inerente incompletude, precisa se dotar do instrumental do discurso constitucional para construir uma narrativa coerente na qual possa localizar uma auto-identidade plausível”. (ROSENFELD, 2003, p.40). 4 CONSTRUÇÕES E RECONSTRUÇÕES DA IDENTIDADE DO SUJEITO CONSTITUCIONAL Somente por meio da construção intersubjetiva do discurso constitucional que ele pode adquirir sua identidade. Uma vez que a identidade do sujeito constitucional deve harmonizar os interesses e aspirações dos vários “eus” e “outros” da comunidade política, deve-
se evitar a sua personificação precisa e determinada. Em verdade, ele é formado pelos constituintes originários, pelos intérpretes constitucionais, por aqueles que se encontram sujeitos ao texto constitucional, pelos membros da comunidade política pertencentes aos diversos grupos sociais, sem, no entanto, reduzir-se a nenhum de seus componentes. Desse modo: O sujeito constitucional enquanto tal só pode ser apreendido mediante expressões de sua auto-identidade no discurso intersubjetivo que vincula todos os atores humanos que estão e serão reunidos pelo mesmo conjunto de normas constitucionais. A expressão plena da auto-identidade constitucional (constitutional self-identity) só é concebível mediante um exercício imaginário que envolve uma extrema compressão de todas as épocas e uma simultânea apreensão de todas as variáveis interpretativas possíveis, combinadas com a habilidade de destilar, condensar tudo isso em uma narrativa coerente e confiável. Em resumo, a auto-identidade constitucional, no entanto, só pode ser articulada pouco a pouco por um sujeito parcial que deve construí-la a partir de fragmentos díspares que precisam ser projetados em um passado e em um futuro incertos. E, ainda, para que essa construção não seja vista como meramente arbitrária, ela deve ser suplementada por uma reconstrução. Como veremos, a construção não nos possibilita mais do que um vislumbre da identidade constitucional, e, assim, a função da reconstrução é transformar esse vislumbre em uma imagem definida. (ROSENFELD, 2003, p. 40-41). De acordo com Rosenfeld, a compreensão da relação entre a construção e a reconstrução da identidade constitucional depende da percepção da antinomia existente entre facticidade e validade, ou seja, entre fatos e normas, entre o real e o ideal. Duas são as principais conseqüências dessa antinomia para a identidade constitucional. A primeira delas relaciona-se com a justaposição entre as normas constitucionais e os fatos sócio-políticos e históricos: a partir de relevantes fatos históricos diversos, a aplicação de uma mesma norma constitucional pode conduzir a resultados diferentes e igualmente legítimos; similarmente, condições fáticas distintas podem produzir significados e sentidos distintos para uma mesma norma constitucional. A segunda consiste no conflito entre um dado texto constitucional vigente e os requisitos normativos do constitucionalismo: na medida em que cada constituição só pode incorporar uma gama limitada de prescrições normativas, tal conflito pode ser compreendido como o confronto entre a facticidade de um texto constitucional e as normas que estabelecem o ideal de uma democracia constitucional; ou ainda, pode ser interpretado como o desajuste entre as normas promovidas por uma constituição e as normas inerentes ao constitucionalismo. Nesse sentido Rosenfeld: A antinomia entre o real e o ideal figura descaradamente na determinação da auto-identidade do sujeito constitucional como uma conseqüência das limitações e deficiências inerentes à efetiva posição historicamente situada desse sujeito. A realidade do sujeito constitucional, enquanto perpassada pela carência (lack) e incompletude, é sempre por demais empobrecida, enfraquecida para gerar uma auto-identidade viável capaz de fornecer um fundamento consistente, coerente, para a ordem constitucional. Assim, se levarmos em conta que da perspectiva fragmentada e limitada de um juiz constitucional singular, por exemplo, que, na melhor das hipóteses, tem um acesso parcial e incompleto à realidade empírica do constituinte e a mais pálida e fugidia intui-
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ção da realidade das gerações futuras, parece ser absolutamente impossível desenvolver um quadro coerente da auto-identidade constitucional com base exclusivamente no que lhe é empírica e historicamente acessível. (ROSENFELD, 2003, p. 42-43). Logo, uma identidade constitucional viável requer que o real seja complementado pelo ideal, por meio de um exercício de imaginação contrafactual apto a acrescentar sentido e valor ao factual, ao real. O ideal, entretanto, além de suplementar o real, muitas vezes pode contradizê-lo, revelando as antinomias inerentes a qualquer ordem constitucional. Assim, construção e reconstrução exercem a tarefa de harmonizar as antinomias entre os fatos e “contrafatos”, o que acontece ao erguerem pontes entre o real e o ideal (ROSENFELD, 2003). O mérito de uma teoria que lança mão da construção e da reconstrução para trabalhar as antinomias entre o real e o ideal depende do grau de lógica e de persuasão com que essa teoria compara o factual e a imaginação contrafactual. Desse modo, toda tentativa reconstrutiva de comparação entre o real e o ideal será baseada em uma das seguintes finalidades: quando o ideal é concebido como suplementação do real, a reconstrução busca formular uma fundamentação normativa para o status quo; por outro lado, quando o ideal é apresentado em contradição com o real, a reconstrução procura fornecer uma crítica das instituições vigentes na comunidade política. Percebe-se, nessa linha, que a construção vincula-se essencialmente à apreensão do real, ou seja, à apresentação do quadro político-institucional vigente de uma dada identidade constitucional. Já a reconstrução volta-se para a imaginação contrafactual, em busca de um vislumbre ideal que possibilite ou a justificação ou a crítica de uma situação vigente na comunidade política (e de sua correspondente construção da identidade constitucional). Logo, toda reconstrução tem como base uma construção da identidade constitucional, e ora visa sua justificação, ora visa sua própria crítica, ou ainda a crítica de outras possibilidades de construção da identidade constitucional. Assim: Construção e reconstrução representam dois momentos distintos da investigação em curso que objetiva alcançar uma melhor apreensão da incompleta e sempre em desenvolvimento auto-identidade do sujeito constitucional. A tomada de decisão constitucional sempre se dá sob condições que excluem a possibilidade de determinação plena, o que torna a construção necessária. De fato, a tomada de decisão constitucional envolve a construção já que as questões constitucionais sempre requerem escolhas entre duas ou mais alternativas plausíveis. Todas as decisões constitucionalmente significativas produzem algum impacto na identidade constitucional e assim, por isso mesmo, requerem justificação. A reconstrução fornece os meios para se realizar a tarefa de justificação e torna possível a defesa convincente ou a condenação das construções associadas ao processo da tomada de decisão constitucional. (ROSENFELD, 2003. p.44-46) Argumentando de outro modo, toda tomada de decisão constitucional, necessariamente interpretativa, acrescenta novos elementos ao quadro da identidade constitucional. A reconstrução tem por função harmonizar os novos elementos com os elementos anteriormente presentes na identidade constitucional; ou, na medida em que os novos elementos abalam e quebram as harmonias entre os elementos anteriores, a reconstrução deve formular um novo quadro harmônico, inteligível e convincente, que recombine todos os elementos envol-
vidos. Rosenfeld (2003) salienta que essa harmonização ou recombinação não pode ser alcançada apenas tendo como base em uma realidade fragmentária com que ela se defronta e, assim, requer o exercício dessa imaginação contrafactual. Evidentemente, não é todo exercício de imaginação contrafactual que resulta em uma reconstrução plausível e razoável da identidade constitucional. Por exemplo, tanto uma interpretação contrafactual que procurasse justificar o status quo a qualquer custo, como uma outra que estabelecesse um padrão ideal inalcançável, à luz da qual todas as práticas vigentes soariam ilegítimas, não seriam úteis nem aproveitáveis nos exercícios de construção e reconstrução. Nesse sentido: “parece recomendável submetermos a reconstrução, à medida que ela diz respeito à descoberta da identidade do sujeito constitucional aos limites normativos inerentes ao constitucionalismo.” (ROSENFELD, 2003, p.47). O compromisso com o pluralismo, com o princípio do governo limitado, a adoção do Estado de Direito (rule of law), e a proteção dos direitos fundamentais são limites que, além de apontarem para o mútuo reconhecimento entre o “eu” e o “outro”, situam ambos no mesmo grau de dignidade e respeito. Além disso, o exercício de reconstrução, quando limitado pelos princípios decorrentes do constitucionalismo, serve igualmente como critério de avaliação da legitimidade das normas constitucionais efetivamente vigentes. Ademais, o exercício de reconstrução pode ser suplementado pelo conceito de integridade formulado pelo próprio Rosenfeld: Além de requerer a observância às restrições do constitucionalismo, a reconstrução contrafactual pode ser reforçada suplementarmente pela integridade sob a condição da plausibilidade lógica, avaliada nos termos das circunstâncias prevalecentes. Essa última condição, inspirada no conceito hegeliano do sujeito que se desenvolve em uma série de diferentes estágios, exige uma reconstrução contextualmente fundada apta a apreender as tensões e contradições efetivas encontradas no interior das relações políticas e sociais prevalecentes. Em cada estágio do seu desenvolvimento histórico, o sujeito constitucional enfrenta determinadas contradições que o motivam a buscar coerência mediante o emprego da imaginação contrafactual. Assim, a reconstrução parece mais útil se ela apontar para uma solução plausível das contradições prevalecentes ao elaborar um quadro contrafactual que não exceda o horizonte de possibilidades delimitado pelas condições materiais existentes. Em suma, do ponto de vista da identidade do sujeito constitucional, a legitimidade da reconstrução depende da adoção das normas incorporadas no constitucionalismo, vinculada ao respeito aos limites impostos pelo relevante horizonte das possibilidades. (ROSENFELD, 2003, p. 48). Nesse sentido, a integridade funciona, para a identidade do sujeito constitucional, como vínculo com o contexto sócio-político da comunidade. A necessidade de plausibilidade e razoabilidade no exercício reconstrutivo exige que a reconstrução respeite os limites materiais impostos pelo contexto da identidade constitucional analisada, de modo que a reconstrução nem estabeleça padrões contrafactuais virtualmente inalcançáveis, nem justifique o status quo indiferente aos problemas e às contradições constantes do momento histórico específico de uma dada identidade constitucional. É apenas desse modo que o exercício reconstrutivo pode estabelecer uma ponte efetiva entre o ideal e o real, sem sacrificar nenhum dos dois às exigências e limites constantes de um e outro.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de desenvolvimento do sujeito constitucional, que se origina da busca do “eu” pelo “outro”, visando o estabelecimento de sua auto-identidade, deriva diretamente da ética e da ontologia presentes na desconstrução, que igualmente propõe a procura pela superação da distancia entre o “eu” e o “outro” como requisito fundamental constante de qualquer exercício interpretativo. A conclusão a que se pode chegar depois desta análise dos capítulos preliminares da obra de Rosenfeld é que a identidade constitucional não se resume à mera atividade política, ou seja, os processos de construção e reconstrução da identidade constitucional, bem como o desenvolvimento lógico da auto-identidade do sujeito constitucional, devem se pautar por critérios jurídicos, ou melhor, por critérios oriundos do constitucionalismo, e não por considerações derivadas de preocupações políticas, econômicas, etc., que não tenham sido anteriormente filtradas pela própria identidade constitucional e ajustadas aos seus termos. Toda construção da identidade é uma re-escritura da identidade constitucional, parcial e incompleta, sempre aberta a novas possibilidades de interpretação. Ademais, toda reconstrução é uma re-escritura da construção que tem por base, construção que, nesse contexto, funciona como escritura para a re-escritura que é a reconstrução. Dessa forma, a identidade constitucional se projeta temporalmente, de forma vertical, e se projeta discursivamente, de forma horizontal (por se tratar de um mesmo momento histórico). Esta construção se dá necessariamente pelo discurso jurídico, mormente o discurso jurisdicional, na medida em que a identidade do sujeito constitucional, por ser evasiva, prenhe de vacuidade, deve ser reconstruída a cada momento de modo a legitimar a Constituição dentro dos parâmetros do constitucionalismo, donde surge, no entender de Rosenfeld, uma tensão entre Constituição (enquanto texto) e o direito constitucional (valores político-morais a serem implementados), tendo como paradigma o governo limitado (check and balances), os direitos fundamentais e o Estado de Direito.
NOTAS DE FIM 1 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual pelo CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor Assistente e Pesquisador em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Adjunto da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor Assistente da Escola de Direito do Centro Universitário UNA. Professor Adjunto da Escola de Direito da Faculdade de Minas (FAMINAS-BH). Membro associado do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI). Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”. 2 Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2002). Pósdoutor pela Universidade da Califórnia-Berkeley (EUA). É professor adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e professor colaborador da Faculdade de Direito Milton Campos. Juiz Togado do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais e Presidente da Academia Mineira de Direito Militar. É Diretor -Adjunto da Escola Nacional da Magistratura da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). Tem atuação na área de Direito, com ênfase em Hermenêutica Jurídica, Direito Público e Filosofia do Direito. 3 Rosenfeld cita, como mais um aspecto da problemática relação entre a identidade constitucional e o texto constitucional, a questão atinente às emendas constitucionais. Questiona-se em que medida a ampla utilização de emendas constitucionais não significaria de fato uma quebra de continuidade entre uma dada identidade constitucional e uma nova identidade constitucional em construção, fulcrada nas emendas constitucionais. Cita-se, como exemplo, a Hungria, em que quase toda a Constituição foi alterada por meio de emendas durante a transição do socialismo para o capitalismo. No caso brasileiro, apesar de se considerar que o problema das emendas constitucionais em relação à manutenção de uma identidade constitucional carece de estudos mais profundos, optou-se por entender que há uma linha de continuidade entre a identidade constitucional surgida em 1988 e as várias emendas subseqüentes decorrentes da prática democrática nacional. 4 Tais reflexões baseiam-se na obra de Hegel. Rosenfeld utiliza-se de HEGEL, G.W.F. Phenomenology of spirit. [trad.: A.V. Miller]. New York: Oxford University Press, 1977. 5 Rosenfeld recorre, nesse ponto, principalmente a Freud. Ver FREUD, Sigmund. Civilization and its discontents. [trad.: James Strachey]. W.W. Norton & Co., 1961.
REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Civilization and its discontents. [trad.: James Strachey]. W.W. Norton & Co., 1961. HEGEL, G.W.F. Phenomenology of spirit. [trad.: A.V. Miller]. New York: Oxford University Press, 1977. KELSEN, Hans. Il Primato del Parlamento. Coordenação de Carmelo Geraci e prólogo de Paolo Petta. Milão: Giuffrè, 1982. KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. Tradução coordenada por Sérgio Sérvulo da Cunha. São Paulo: Martins Fontes, 2003. LEAL, Aurelino. História Constitucional do Brasil. Prefácio de Luiz Octavio Gallotti. Ed. Fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2002. REPOLÊS, Maria Fernanda Salcedo. Habermas e a Desobediência Civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional, Trad. Menelick de Carvalho Netto, Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. ROSENFELD, Michel (org). Constitutionalism, identity, difference, and legitimacy: theoretical perspective. Durkham and London: Duke University Press, 1994. SCHMITT, Carl. Théologie Politique: 1922, 1969. Tradução de Jean-Louis Schlegel. Paris: Gallimard, 1988. SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. Tradução de Francisco Ayala e epílogo de Manuel García Pelayo. Madri: Editora Revista de Derecho Privado, 1927.
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A AUTOCOMPOSIÇÃO SOB A ÓPTICA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: o encaixe da mediação e da conciliação na nova sistemática processual Bernardo Serra Moura Pinto1 Leandro Henrique Simões Goulart2
RESUMO: O presente trabalho analisa a equivalente jurisdicional autocomposição, especialmente nas espécies da mediação e da conciliação, que vem ganhando espaço no ordenamento jurídico pátrio. Ademais, com o surgimento do Novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105 de 2015 – abarcando veementemente às duas figuras, um estudo interpretativo dos dispositivos legais relativos ao tema mostrou-se necessário para se ter um norte aplicativo dos institutos na prática forense. PALAVRAS-CHAVE: Novo Código de Processo Civil. Mediação e Conciliação. Autocomposição.
1. INTRODUÇÃO É cediço que a equivalente jurisdicional denominada autocomposição tem ganhado grande relevo no cenário da solução amigável dos conflitos, em que pese sua existência remontar há centenas de anos. Por assim dizer, implementou-se, no Brasil, a política pública de tratamento adequado dos conflitos jurídicos através da Resolução n. 125/2012 do Conselho Nacional de Justiça, coadunando com a ideia do incentivo à própria autocomposição. O crescimento relaciona-se, num sentido imediato, por colocar os interessados precípuos como protagonistas para a solução do seu conflito, isto é, coloca-os para atuar ativamente. Por outro lado, em um viés mediato, esse tipo de solução é eficaz e econômica se comparada a outros mecanismos. Em termos práticos, o incentivo pode ser enxergado em diversos pontos do ordenamento jurídico, figurando como exemplo a possibilidade de realização de divórcio consensual administrativamente (Lei nº 11.441 de 2007) e a competência atribuída ao juiz para conciliar as partes a qualquer tempo (art. 125, IV do Atual Código de Processo Civil). Ainda nessa política, o Novo Código de Processo Civil (NCPC) – Lei 13.105 de 2015 – elencou a autocomposição como um de seus objetivos, sobretudo ao afirmar que ao Estado incumbirá a promoção, sempre que possível, da solução consensual dos conflitos. Destarte, diante da recente política de solução negocial face à sua inclusão no NCPC, mormente nas figuras da conciliação e mediação, a necessidade de um estudo a respeito dos desdobramentos mostra-se de especial relevância. Estudo esse que passará pela autocomposição propriamente dita, suas nuances do que tange a conciliação e mediação, suas especificidades do novo diploma e uma conclusão crítica abordando-se todos os pontos examinados. 2. A AUTOCOMPOSIÇÃO A autocomposição, em uma acepção clássica, nos dizeres de Leal (2012, p. 19), é “uma forma antiga de solução de conflitos humanos, pela qual os interessados na dissipação de suas controvérsias, e ausente o Estado jurisdicional, conciliavam-se pela renúncia, submissão, desistência e transação.”
Assim, renúncia releva-se na desistência, por uma das partes, do seu interesse; submissão é o reconhecimento do direito alheio apesar da não concordância; desistência é o abandono da discussão e a transação – figura que mais nos interessa – tem como resultado um denominador comum entre às partes, sobretudo pela troca paritária de interesses. Atentando-se para a ausência de um terceiro dirimindo o conflito. Diametralmente oposta, a heterocomposição consiste na escolha pelas partes de um terceiro imparcial para julgar o conflito, isto é, definir qual a melhor solução para aquele caso em exame. Nesse sentido, tem-se a arbitragem e a jurisdição em si, esta última traduzida na figura do magistrado representando o Poder Judiciário. No que tange ao crescimento da figura ora analisada, insta destacar o surgimento do chamado princípio do estímulo da solução por autocomposição, capaz de orientar a atividade estatal na solução das lides jurídicas (DIDIER, 2014). 3.MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO 3.1.Aspectos gerais Julgando-se a proximidade do instituto da mediação e do instituto da conciliação, necessário, pois, trabalhar os pontos em comum para, só depois, trazer à baila as diferenças entre os dois. Bastante elucidativo é o conceito formulado por Didier (2014, p. 209), no qual “mediação e conciliação são formas de solução de conflito pelas quais um terceiro intervém em um processo negocial, com a função de auxiliar as partes a chegar à autocomposição. (...) Não são, por isso, espécie de heterocomposição do conflito; trata-se de exemplos de autocomposição, com a participação de um terceiro.” Trocando em miúdos, as duas técnicas de alternative dispute resolution ou solução alternativa de controvérsias são os principais exemplos de mecanismos utilizados para que as partes possam transigir, isto é, abrir mão de determinados interesses reciprocamente para se chegar a um acordo no qual a vontade de ambas estará satisfeita. No tocante à diferença entre as técnicas, o comportamento do terceiro interventor é que se servira de norte para desvencilhar da tênue linha
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que separa os institutos. No caso da conciliação, o terceiro, que será denominado conciliador, tem participação ativa, podendo, inclusive, apontar soluções para o conflito das partes. Diversamente, o terceiro elencado na mediação – o mediador – servirá de facilitador, identificando interesses, pontos em comum e fazendo o diálogo fluir, não podendo, em nenhuma hipótese, apontar solução para dirimir o conflito. Ressalta-se que o terceiro não pode compelir as partes a transigirem. Outro ponto que diferencia as técnicas diz respeito a sua recomendação. Enquanto a mediação é indicada para os casos em que exista vínculo preexistente entre as partes, a conciliação é indicada para os casos nos quais haja inexistência de qualquer proximidade anterior, fundamentando-se, para tanto, o próprio papel do terceiro nas duas técnicas, que podem ocorrer judicialmente (no curso de um processo judicial) ou extrajudicialmente (antes mesmo da propositura de uma ação judicial). 3.2. Regras delineadoras importantes As duas técnicas são regidas por princípios próprios dispostos no art. 166 do Novo Código de Processo Civil, sendo os mais relevantes: confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, independência e autonomia, oralidade e informalidade. A confidencialidade traduz-se no dever do mediador e do conciliador de não reproduzir o conteúdo das sessões para fim diverso daquele designado, não podendo divulgar ou depor sobre a questão posta em discussão na sessão. Ademais, por força do dispositivo supracitado, a confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas do procedimento, não podendo as partes valer-se do teor para fim diverso daquele acordado. A decisão informada está ligada ao fato de o jurisdicionado ter de saber, a todo momento, dos seus direitos e deveres face ao contexto ao qual se encontra inserido, enquanto a competência relaciona-se à capacitação do terceiro que conduzirá a mediação ou a conciliação, devendo possuir qualificação para tanto, obedecendo às regras previstas na já citada Resolução 125 do CNJ e submetendo-se às reciclagens quando possível. A imparcialidade é a ausência de preferências ou preconceitos do terceiro, isto é, não permitir que os valores pessoais do conciliador ou mediador influenciem na condução das sessões, beneficiando uma parte específica. Na mesma linha de intelecção, não pode haver qualquer interesse pessoal do terceiro no conflito. Independência e autonomia nada mais são do que o a liberdade de atuação do mediador/conciliador, sem qualquer pressão e com discricionariedade para tomar decisões que melhor lhe aprouver acerca do andamento das sessões. Oralidade e informalidade dão ao mecanismo uma roupagem própria, peculiar, diferente da jurisdicional, necessitando, para tanto, de um ambiente totalmente adequado, capaz de proporcionar as partes a tranquilidade necessária para poderem dialogar e chegar ao acordo final, colocando fim ao conflito. 4.A AUTOCOMPOSIÇÃO NA ATUAL CONJUNTURA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 4.1.Aspectos gerais Com o advento do Novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei 13.105 de 2015 e com vacatio legis de um ano, a autocomposição ganha uma obrigatoriedade prática. Sobretudo pelo fato de estarem inseridas em um capítulo destinado à regulamentação das normas fundamentais do processo civil, traduzem-se em um comando norteador de toda a sistemática processual regida pelo novo Código. Aduzem os §§ 2º e 3º do art. 3º que:
“Art. 3º. §2º. O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual de conflitos. Art. 3º. §3º. A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”(Lei 13.105 de 16 de março de 2015) O legislador, com a redação dos dispositivos supramencionados, obrigou o Estado a promover a autocomposição, elencando como dever dos sujeitos/atores processuais o estímulo, isto é, o incentivo às formas alternativas de solução de conflitos, especificamente com relação à mediação e a conciliação. 4.2. Incidência direta Além da já abordada diretriz geral acerca do estímulo à autocomposição, isto é, em que pese o legislador ordinário ter elencado, principalmente, a mediação e a conciliação como um pilar para a nova sistemática processual, o Novo Código traz a aplicação dos institutos – já didaticamente abordados – em pontos específicos, como a regulamentação geral e a aplicabilidade no próprio processo judicial. 4.2.1.Da regulamentação geral da atividade
Amplamente exposto no presente estudo, os institutos da mediação e da conciliação têm ganhado espaço no ordenamento jurídico pátrio em quaisquer das suas modalidades – extrajudicial e judicial. Em razão desse crescimento, o legislador optou por inserir um rol de normas, estabelecendo regras e princípios acerca da atividade propriamente dita. Nessa esteira, impôs aos Tribunais de Justiça à criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos, com o intuito de se ter um setor especializado destinado única e exclusivamente para estimular a autocomposição, além de ser responsável pela realização das audiências e sessões de conciliação e mediação, observando às Resoluções publicadas pelo Conselho Nacional de Justiça. Possibilitou, ainda, a atuação de câmaras privadas de conciliação e mediação, que deverão respeitar à regulamentação geral destinada àquela promovida pelo Poder Judiciário, com o escopo de alargar a utilização dessas equivalentes jurisdicionais. Elencou dispositivos no sentido de regulamentar à atuação do conciliador e do mediador propriamente dita, isto é, a sua atividade profissional. As diretrizes do curso de formação, a sua inscrição e credenciamento no respectivo tribunal, formas de remuneração e as causas de impedimento e exclusão dos quadros da Justiça. Nesse ponto, é importante destacar que o profissional não precisa, necessariamente, mesmo em se tratando da modalidade judicial, ter qualquer formação jurídica para atuar, figurando como requisito o já citado curso de capacitação. Infundadas críticas são lançadas em relação à desnecessidade de formação jurídica para atuação. Infundadas, porque o profissional não exerce papel de magistrado, não vai solucionar o conflito para as partes, mas, sim, conduzir o diálogo entre elas, estimulando a autocomposição e, quando muito, propor uma solução a qual está submetida à apreciação das partes e a homologação do juiz. Duas considerações gerais merecem ser tecidas acerca da regulamentação geral. A primeira diz respeito a imposição – isto porque foi utilizado um verbo de comando – à Administração Pública (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para criação de câmaras para solucionar consensualmente conflitos com os seus administrados, nos termos do art. 174 do NCPC. Já a segunda, em que pese o texto legal focar na modalidade judicial de mediação e conciliação, em razão de previsão expressa do art. 175 do NCPC,
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não há de se falar na exclusão da forma extrajudicial, podendo haver, inclusive, legislação específica para regulamentar a atuação de profissionais independentes. 4.2.2. Da audiência de conciliação ou de mediação
A obrigatoriedade da audiência de conciliação ou de mediação encaixa como luvas a tudo o que foi dito anteriormente, figurando como um confirmador da atual posição legislativa a respeito da autocomposição. Para uma posterior elucidação didática acerca da referida audiência, a transcrição do dispositivo faz-se de extrema utilidade. In verbis: “Art. 334. Se a petição inicial preencher todos os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. §1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária. §2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes. §3º A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado. §4º A audiência não será realizada: I- se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; II- quando não se admitir a autocomposição. §5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência. §6º Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes. §7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizarse por meio eletrônico, nos termos da lei. §8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. §9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos. §10º A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir. §11º A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença. §12º A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte.”(Lei 13.105 de 16 de março de 2015) Na sistemática do NCPC, o juiz acatando a petição inicial e não sendo hipótese de improcedência liminar do pedido, surge a obrigatoriedade da audiência de conciliação e mediação, observadas as particularidades de cada caso para se inferir qual a modalidade de autocomposição melhor se encaixará. O incentivo é tão grande que não se fala em formas de defesa do réu antes da audiência, isto é, o prazo do réu para defesa começa a contar ou da audiência ou do
momento em que expressa o seu desinteresse na realização do ato. A audiência deve ocorrer, no mínimo, trinta dias após o ‘despacho de aceite’ da peça exordial, devendo o réu ser citado vinte dias antes do dia designado.Já o autor será intimado da data na pessoa do seu advogado, o que não difere da regra para a comunicação dos atos processuais. A atuação do conciliador e do medidor é obrigatória nas audiências ou sessões, que poderão acontecer mais de uma vez, não ultrapassando o lapso temporal máximo de dois meses para o acontecimento de todas elas, além do tempo mínimo de duração de cada sessão que é de vinte minutos. Quanto a quantidade, o legislador não foi muito feliz, sobretudo ao tentar limitar o prazo para realização das sessões. Não há como determinar prazo para um processo de autocomposição como objetivaram os congressistas, até porque cada caso tem suas características próprias, que podem beneficiar ou prejudicar as sessões em termos de atrasos. Assim, visando somente dar celeridade ao processo como um todo, a regra ora analisada carecerá de flexibilização prática para se alcançar o objetivo mediato de fomentar a autocomposição. Quanto à qualidade, o tempo estabelecido é o mínimo, o que permite um alargamento do mesmo na prática, o que irá qualificar o trabalho dos profissionais por não precisarem de alinhavar sua atuação ao relógio. A realização da audiência é a regra, sendo duas as exceções, quais sejam, o manifesto interesse recíproco na autocomposição ou a própria natureza da demanda figurar como causa impeditiva de admissão do procedimento. Em relação a primeira, o interesse deve ser expresso (autor no bojo da própria petição inicial e o réu em peça própria a ser protocolizada dez dias antes da data designada) e, havendo pluralidade de litigantes, isto é, presença de litisconsórcio, o desinteresse deve ser de todos para que, só assim, não seja realizada. No que tange ao alcance da autocomposição, insta mencionar que não abrange os direitos indisponíveis, ou seja, aqueles os quais a parte não pode dispor, como o direito à vida por exemplo. A ausência injustificada da parte é punida pecuniariamente com multa, que levará em conta a vantagem econômica pretendida ou o valor da causa, valendo a regra tanto para o autor, quanto para o réu, o que reitera o interesse do legislador em promover a autocomposição face à heterocomposição, ainda que a arrecadação tenha como destino os cofres públicos. Uma maleabilidade à regra supramencionada, reside na possibilidade da parte estar representada por procurador com poderes especiais (negociar e transigir), o que, na prática, consistirá na representação do cliente por seu advogado ou defensor público, mormente por ser a presença destes últimos obrigatória. Duas observações quanto à realização merecem ser feitas. Declarada a incompetência do juízo, o que pode se dar após a realização da primeira audiência por ser matéria de defesa, nova audiência de conciliação ou mediação será designada no juízo competente. E, caso reste infrutífera a autocomposição nessa primeira audiência, o juiz tem o dever de propiciar no início da AIJ outra tentativa. O NCPC também trata da possibilidade de realização da audiência por meio eletrônico, em conformidade com lei própria. É a famosa videoconferência, que encarece e atrasa demasiadamente o processo, e não condiz com o próprio instituto da autocomposição, traduzindo-se numa inviabilidade tremenda do ponto de vista prático, como ocorre nos interrogatórios no âmbito do processo penal, que são regidos pela Lei 11.900 de 2009. O resultado esperado das audiências é a realização do acordo, que será reduzido a termo (escrito), constando minuciosamente todos os pontos pactuados entre as partes e terá natureza jurídica de título executivo judicial, em razão da sua homologação por sentença pelo
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juiz competente, obedecido do disposto no art. 515, II, do NCPC, facilitando a satisfação do acordo face a uma possível inadimplência de um dos acordantes. 4.2.3. Mediação e conciliação no direito possessório e no direito de família
O Novo Código de Processo Civil prevê hipóteses em que regras específicas deverão ser observadas no tocante às audiências de conciliação e mediação. Uma delas é a necessidade do juiz designar audiência no prazo máximo de trinta dias diante da hipótese de litígio coletivo pela posse de imóvel cuja posse for de força velha – mais de um ano e dia – antes de decidir liminarmente, nos termos do art. 565 do diploma. Já no que tange ao direito de família, a autocomposição deverá alçar uma importância ainda maior do que nos outros ramos, podendo ter atuação de profissionais de outras áreas se necessário for e inexistindo a regra de limitação das sessões, que já foi objeto de crítica neste estudo, tendo o legislador elencado no art. 696.
NOTAS DE FIM 1. Bachalerando em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Monitor no Centro de Exercício Jurídico (CEJU). Monitor da disciplina Teoria Geral do Processo. 2. Bacharel em Direito pela PUC/MG. Especialista em Processo Civil pela UNI -BH. Mestre em Direito pela FUMEC. Professor de Processo Civil, Ética e Estágio Supervisionado do Centro Universitário Newton Paiva. Coordenador do Centro de Exercício Jurídico da Newton Paiva – CEJU. Membro do Núcleo Docente Estruturante e Colegiado na Newton Paiva. Advogado.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS É mais do que sabido que o Novo Código de Processo Civil foi projetado visando propiciar uma maior celeridade aos processos, sejam os novos ou os já em curso, posto que a regra processual tem aplicação imediata aos processos pendentes. Como um instrumento, isto é, ferramenta utilizada para se chegar a este resultado, figura a promoção veemente da autocomposição, o que é fato. Ocorre que não se pode enxergar o estímulo legal à autocomposição, principalmente nas figuras da mediação e da conciliação, somente sob o prisma da celeridade, em que pese ser um princípio constitucional importantíssimo para o deslinde do processo judicial. Mais do que corroborar com as estatísticas do Poder Judiciário ou acelerar o curso dos processos, a autocomposição deve ser estimulada, sim, mas em função das próprias características do instituto. O incentivo à participação do indivíduo em promover a decisão para o seu problema deve ser encarado como a solução mais justa para aquele caso, já que é ele que se encontra inserido naquele litígio. O NCPC inovou trazendo essa nova dinâmica ao processo civil, assim como também o fez em outros pontos do procedimento propriamente dito. Portanto, a atuação jurisdicional deve, obrigatoriamente, levar em conta as normas relacionadas à autocomposição para a condução dos processos, fazendo-o de modo natural, e tentar, ao máximo, promove-la, sem, é claro, constranger às partes para que celebrem um acordo de vontades. REFERÊNCIAS LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo : primeiros estudos. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. 317p. DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Volume 1. 16.ed. Salvador: Juspodvm, 2014. 620p. AZEVEDO, André Gomma. Manuel de Mediação Judicial. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento – PNUD, 2013. 333p. Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em 22/03/2015 em no site http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/ Lei/L13105.htm
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A FUNÇÃO DIAGNÓSTICA ENTRE PARÊNTESES NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS) Marisa Alves Satler1 Roberta Lane Pereira Teixeira2 Fábio Walace de Souza Dias3
Resumo: Este artigo visa refletir sobre a função diagnóstica nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) apontando em qual sentido ela pode contribuir ou se constituir como um impasse para a condução dos casos. Para tal, traz a contextualização da política de saúde mental no Brasil desde o surgimento do processo de Reforma Psiquiátrica até a criação dos Centros de Atenção Psicossocial, assim como também, apresenta uma discussão sobre o uso do diagnóstico nos CAPS como um dos critérios utilizados para inserção, ou não, do usuário neste serviço. Para finalizar, problematizamos de que forma a singularidade do sujeito pode ser resguardada diante de uma construção diagnóstica. Nesse sentido, evidenciamos a importância da construção do caso clínico e de se considerar a lógica do caso a caso como uma das possibilidades para a instauração de novas práticas no campo da saúde mental. Dessa forma, sinalizamos para o “diagnóstico entre parênteses”, dando relevância à singularidade do sujeito no trabalho realizado nos CAPS pelos operadores da Saúde Mental. Palavras Chave: Diagnóstico. Reforma Psiquiátrica. Saúde Mental.
INTRODUÇÃO Para compreensão da função diagnóstica nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), um dos dispositivos abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico no campo da saúde mental no Brasil, se faz necessário o resgate de alguns aspectos históricos da saúde mental visto que a questão da loucura perpassou por várias interpretações ao longo da história da humanidade. Sendo assim, em um breve recorte histórico, tomaremos a questão da loucura e suas interpretações, percebendo-a como uma construção social de acordo com o contexto em que se encontrava inserida. Historicamente, a loucura até a Idade Média não era vista como algo negativo, muito menos uma doença. Ao contrário, a loucura era considerada um privilégio, algo da esfera divina e mística. Isso, pois o problema social a ser enfrentado na época era a lepra. Já na Idade Média, a loucura substituiu a lepra em seu espaço de exclusão. O que antes era ocupado pelos leprosos, passa a se destinar aos insanos. Neste período, ainda, não existia um saber específico sobre a loucura, porém as primeiras instituições criadas já se destinavam a recolher todos aqueles considerados socialmente desajustados (FOUCAULT, 1991). Ainda de acordo com Foucault (1991), no final do século XVIII sob a égide da máxima “descarteana”: “penso logo existo” e a predominância do saber científico -, que se deu no período do Iluminismo -, a loucura recebeu o status de desrazão sendo indesejada para o projeto moderno de sociedade. Ansiando restituir no louco a razão e adequar a sua loucura ao referido projeto, o saber médico a captura e a transforma em enfermidade. Delegando assim ao hospital, dispositivo de referência para tratar a loucura, a função de manter os loucos longe dos olhares da sociedade. Alguns anos mais tarde, surgiu na França em 1656 o primeiro Hospital Geral a partir do agrupamento de várias instituições como Salpêtriêre, Pitiê e Bicêtre como espaço para abrigar todos que se encontravam opostos a ordem pública e social, sendo estes espaços considerados depósitos de loucos. Entretanto, com a Revolução Francesa, houve uma nova reestruturação do espaço social da loucura, pois, já não era admissível o enclausuramento de todos que não se adaptavam à ordem social: mendigos, leprosos, prostitutas, etc. E, por se constituírem como uma ameaça à sociedade “moderna e igua-
litária” os espaços de exclusão destinaram-se somente aos loucos, tendo em vista o seu caráter de periculosidade agora referendado pelo saber científico. Desta forma, o louco passou a ser tratado como doente e não mais como “pecador”, sendo encaminhado à espaços chamados de Manicômios, que possuíam função asilar, entretanto, com objetivo de cura. Neste contexto, a psiquiatria ganhou espaço a partir da necessidade que o saber médico tinha de se constituir como uma nova especialidade dedicada aos cuidados dos loucos em reclusão. Assim, ficou a loucura submetida ao saber e poder da medicina como uma realidade “concentrada numa vontade alheia que é a vontade onipotente do médico” (FOUCAULT, 2006, p.183). O surgimento da psiquiatria nesta época, contou com importante contribuição de Pinel, com a postulação de um novo método clínico que se fundamentou na [...] “observação rigorosa e sistemática dos sintomas como procedimento de avaliar e fundamentar um diagnóstico” (RIBEIRO, 2011, p.66), inaugurando, desta forma, um novo modelo de tratar a loucura, prevalecendo o “tratamento moral”. Este tratamento consistia na reeducação das mentes, afastando os delírios e ilusões, chamando a consciência à realidade (AMARANTE, 2008). No decorrer do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, houve uma expansão dos manicômios e hospitais psiquiátricos em toda Europa, se constituindo como modelo hegemônico de tratamento da loucura. Esses espaços não apenas cresceram em número, mas se tornaram cada vez mais violentos, com maus tratos, péssimas condições de higiene, alimentação e isolamento. Estas práticas foram se agravando ao longo do tempo, o que fez surgir os primeiros movimentos de Reforma Psiquiátrica ao final da segunda Guerra Mundial (AMARANTE, 1998). No Brasil, a história da loucura não se difere tanto da Europa, pois antes do século XVIII, os loucos transitavam livremente pelas cidades. Somente no final do século XIX que a loucura também foi capturada pelo saber médico, destinando às instituições psiquiátricas o lugar do louco. Um marco importante da assistência psiquiátrica brasileira foi a criação do Hospital Psiquiátrico Pedro II em 1852, na cidade do Rio de Janeiro. Com o passar dos anos, outras instituições com a mesma finalidade também foram construídas em outros estados. Com a rápida expansão dos hospitais psiquiátricos em todo o Brasil, consequentemente houve uma superlotação dos leitos psiquiátricos públicos. Com
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isto, para sanar o problema da superlotação ou desassistência foi necessário a realização de convênios firmados entre o poder público e instituições privadas. No entanto, o fato destas objetivarem o lucro fácil, assistiu-se no Brasil o efeito reverso da moeda: a “psiquiatrização”, e internação indiscriminada gerando assim a chamada “indústria da loucura”. Esse momento caracterizado como indústria da loucura, fortaleceu a lógica da exclusão através do enclausuramento e de práticas cada vez mais repressivas, o que levou a denúncias e críticas de diversos seguimentos sociais que se organizavam pela redemocratização do país (AMARANTE, 1998; RIBEIRO, 2011). A Reforma Psiquiátrica brasileira nasceu como um movimento de cunho social e político, com práticas transformadoras visando à ruptura dos paradigmas existentes no que diz respeito à relação entre sociedade e loucura. A consolidação das novas práticas em saúde mental no Brasil se materializou com a promulgação da lei 10.216 em 2001, que regulamenta a assistência em saúde mental e a portaria 336/2002 que oficializa os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) como estratégia principal para substituição do hospital psiquiátrico. Assim as referidas Lei e Portaria consolidaram uma nova forma de tratamento no Brasil -, em liberdade e conduzido por equipe multidisciplinar. Todavia, para a inserção do usuário no CAPS, o diagnóstico médico se constituiu como instrumento de identificação e condução do tratamento. Tendo em vista sua importância para este tipo de serviço e as polêmicas que se constroem à seu respeito é que pretendese discutir neste artigo como e se o diagnóstico nos CAPS pode se configurar, para além de um critério de inserção e manejo clínico dos casos, como um instrumento de classificação e exclusão. POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL: DA REFORMA PSIQUIATRICA BRASILEIRA AOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL Em um cenário de efervescência política e cultural eclodiram diferentes movimentos de Reforma, na década de 1960 e 1970 em várias partes do mundo à saber: Inglaterra, Estados Unidos, França e Itália, cada qual com suas características e particularidades. Este movimento veio trazendo uma crítica radical ao saber médico-psiquiátrico no trato com a loucura, buscando o rompimento com o modelo assistencial e a disciplina hospitalar (MINAS GERAIS, 2006; AMARANTE, 2008). Faz-se necessário um tratamento, ainda que breve, sobre a história das políticas sociais no Brasil antes de adentrarmos ao movimento de Reforma Psiquiátrica. Podemos situar a história de tais políticas a partir do século XX, época em que a prioridade era dada ao sistema econômico e político, prejudicando as políticas sociais como um todo. Do início do século XX até o final dos anos de 1970, “os direitos sociais eram negociados como privilégios de certos grupos” (WERNECK, 2001, p.29). E, com relação à política de saúde, nesta época,
nicômios (ROTELLI et. al. 1990), com o intuito da inclusão social das diferenças e rompimento com a lógica manicomial. Este movimento de Reforma contou com o envolvimento dos trabalhadores da saúde, usuários e familiares em busca de mudanças que extrapolassem o campo da assistência em saúde mental, visto que a Reforma Psiquiátrica no Brasil é compreendida por Delgado et. al. (2007) como um processo político e social, com práticas e saberes que transformam o dia a dia das instituições, serviços e as relações sociais existentes. O autor acrescenta ainda que, diz-se processo, por ser algo em movimento, que se transforma ao longo do caminho com a implicação de vários atores sociais. Desse processo de Reforma podemos, historicamente, situar o II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental, como um propulsor para a busca de transformações no modelo de atenção à saúde mental no Brasil, sendo inicialmente chamado de movimento da sociedade civil e evoluindo mais tarde para Movimento da Luta Antimanicomial (TAVARES & SOUSA, 2009), cujo principal foco, dentre outros, era desmitificar o imaginário social sobre a loucura, dando condições ao doente mental de um tratamento digno e em liberdade. A partir das mobilizações sociais e das ações legais, um novo paradigma veio influenciar fortemente as práticas de atenção à saúde mental, um novo modelo de cuidados parece ter se inaugurado com a Reforma Psiquiátrica no Brasil: o modelo de Atenção Psicossocial. Este veio substituir as práticas psiquiátricas até então vigentes, e é descrito por Costa-Rosa et. al. como um “conjunto de ações teórico-práticas, político-ideológicas e éticas norteadas pela aspiração de substituírem o modo asilar e algumas vezes o próprio paradigma da psiquiatria” (2003, p.16). Nesta lógica, os serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos foram se organizando e propondo um novo tipo de atenção à pessoa em sofrimento mental, reivindicando o direito à cidadania e à sua reinserção social. Desta forma, o campo da saúde mental e atenção psicossocial devem ser entendidos não como um modelo fechado, mas como um processo social com estrutura flexível, que busca vínculos com outros serviços para ampliação dos recursos existentes. Deste modo, devem ser entendidos como “lugar de acolhimento, de cuidado e de trocas sociais” (AMARANTE, 2008, p.69), que se materializam nos CAPS. Sobre o seu surgimento, foi no ano de 1986 que se deu a constituição do primeiro CAPS -, na época nomeado como Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) -, na cidade de São Paulo, que de acordo com Tavares e Sousa (2009, p.41), “são espaços facilitadores da promoção da saúde mental, de apreensão das diversas facetas do processo saúde/adoecimento e de construção de novas práticas para trabalhar com o sofrimento humano”. Portanto, é considerado dispositivo em consonância com o movimento da Luta Antimanicomial e da legislação em
o que se via era um sistema que funcionava de forma excludente e desigual, pois somente os trabalhadores que contribuíam para o sistema previdenciário é que tinham direito à assistência pública em saúde. Diante deste cenário, o movimento de Reforma Sanitária, veio questionar estas políticas de saúde existentes, buscando garantir a todos o direito à saúde, contribuindo para a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990, com a promulgação da Lei 8080 e 8142 (LUZIO & YASUI, 2010; WERNECK, 2001). Foi paralelo a este movimento que eclodiu a Reforma Psiquiátrica e o consequente rompimento com o modelo asilar materializado nos hospitais psiquiátricos. A Reforma Psiquiátrica brasileira sofreu forte influência da Reforma Psiquiátrica italiana que se sustentou no princípio da desinstitucionalização do sofrimento psíquico. Ou seja, compreendendo-o para além da classificação e sintomas da doença, buscando considerar a relação do sujeito que sofre com a sua própria loucura e com o social, tendo como consequência a construção de uma sociedade sem ma-
saúde mental substituindo a lógica psiquiátrica de tratamento. Em termos legais o grande marco no campo da saúde mental brasileira foi a Lei 10.216 de 06 de abril/2001, de autoria do deputado Paulo Delgado, que dispõe “sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando o modelo assistencial em Saúde Mental” (LUZIO & YASUI, 2010, p.21). Esta lei significou um avanço no campo da saúde mental brasileira, mas, faz-se necessário lembrar que já existiam aprovadas leis em alguns estados e municípios que, também, contribuíram para o avanço do processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. Outro passo importante foi a promulgação da Portaria GM/336 de fevereiro de 2002 (Ministério da Saúde, 2002), que instituiu e criou linhas de financiamento para os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), como também trouxe alguns critérios para seu funcionamento. O art. 1º da portaria estabelece que os Centros de Atenção Psicossocial devem se constituir nas seguintes modalidades de serviços:
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CAPS I, CAPS II e CAPS III, definidos por ordem crescente de porte/ complexidade e abrangência populacional, horário de funcionamento, dentre outros. Também, a Lei garante o atendimento de crianças e adolescentes em Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi) e para usuários abusivos de álcool e outras drogas nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas (CAPSad). A referida portaria ainda dispõe que os CAPS devem oferecer atendimento nas modalidades: Intensiva; Semi-intensiva; Não -intensiva. Além disso, de acordo com as diretrizes do Ministério da Saúde, os CAPS devem ser dispositivos de atenção diária segundo a lógica do território e integrados à rede básica de saúde. Entendendo território não somente como espaço geográfico, mas incluindo as pessoas, instituições, conflitos, valores e costumes existentes em torno da vida dos usuários (BRASIL, 2004). Portanto, o CAPS inserido neste território deve se encontrar articulado com as redes existentes para atender às demandas dos usuários em sofrimento mental. Redes estas, que devem ser construídas e articuladas pelo próprio CAPS, a partir do desenvolvimento do projeto terapêutico de cada sujeito, encaminhando-o para os serviços do campo da saúde mental e demais serviços das redes da saúde e outros setores que se fizerem necessários para o tratamento livre, o cuidado, o restabelecimento da autonomia e o exercício da cidadania deste usuário. Nesta perspectiva de trabalho em rede, os CAPS devem ser dispositivos abertos, acolhedores, preocupados com o usuário, respeitando sua singularidade, sua história de vida, etc., visto que seu objetivo é “realizar o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários” (BRASIL, 2004, p.13). Para tal, conforme o Ministério da Saúde (2004), os CAPS devem ofertar os seguintes recursos terapêuticos: atendimentos individuais e em grupo; atendimento às famílias; atividade de suporte social e inserção comunitária; oficinas terapêuticas; visitas domiciliares. O modelo de assistência em saúde mental se redirecionou e ampliaram-se os cuidados tanto em sua intensidade quanto em sua diversidade. Não apenas com a oferta de CAPS e sua articulação com “as redes relacionais e de convivência social” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p.68), mas também com a criação de outros modos de cuidados e atenção em saúde mental como: Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); Programa de Volta para Casa (PVC); Saúde Mental na Atenção Primária; Leitos em hospital geral; Centros de Convivência; Consultório na Rua; Escola de Redutores de Danos (ERD), etc. Diante do exposto, fica claro que a política de saúde mental no Brasil trouxe grandes avanços na forma de abordar o sofrimento psíquico, tanto em extensão quanto na intenção e abrangência dos cuidados. Mas, ainda, existem impasses que precisam ser extrapolados, vencidos diariamente para que o rompimento com a lógica manicomial se efetive. Percebe-se que a expansão dos cuidados se dá na materialidade dos serviços e com a construção de novos espaços e lógicas de tratamento. Contudo, esses espaços se orientam por diretrizes das políticas públicas: do SUS e especificamente da Saúde Mental. Sendo assim, são tratamentos ofertados “para todos” respeitando-se obviamente a necessidade do tratamento. Ora, o próprio SUS preconiza dentro de suas diretrizes: universalidade no acesso e igualdade na assistência (BRASIL, 2000). E, contraditoriamente, este novo modelo de cuidado em saúde mental sustenta a necessidade de se levar em conta a singularidade e a subjetividade de cada usuário, sempre trabalhando a lógica do caso a caso, mas, como isto é possível tendo em vista, o caráter universal de uma política pública? Referendando tal questionamento, Rotelli apud Luzio & Yasui (2010, p.24) aponta que:
O novo modo de cuidado na saúde mental deve orientar-se pela superação do paradigma doença/cura e colocar entre parênteses a doença mental (o diagnóstico e todo o aparato de tratamento do modelo psiquiátrico), entrando em contato com o sujeito para conhecê-lo em sua experiência-sofrimento, com a finalidade de possibilitar seu reposicionamento no mundo, considerando-se sua dimensão subjetiva e social. Se as teorias sinalizam para a necessidade de que os trabalhadores da saúde mental estejam atentos à complexidade da vida dos usuários e a singularidade de cada caso, os atendimentos protocolares e inscritos numa lógica universalizante seriam suficientes? Sendo assim, faz-se necessário colocarmos em suspensão o diagnóstico -, ao considerá-lo como um “protocolo” para inserção ou não de usuários nos CAPS -, para que de certo modo se possa enxergar a existência de um sujeito que sofre, para além de uma classificação diagnóstica. O USO DO DIAGNÓSTICO NO CAMPO DA SAÚDE MENTAL E A INSERÇÃO DOS USUÁRIOS NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL Para problematizarmos o uso do diagnóstico no campo da saúde mental, faz-se necessário situar, inicialmente, o seu lugar antes e depois da Reforma Psiquiátrica, apontando o seu sentido, as contribuições e impasses do seu uso para a condução dos casos em saúde mental. A etimologia da palavra diagnóstico, pelo latim quer dizer: dia (através de) e gnóstico (conhecimento). Portanto, o diagnóstico elucida o conhecimento ou a determinação de uma doença pela observação de seus sintomas constituindo, assim, a disciplina da “psicopatologia”. Sendo esta, um campo específico do conhecimento que estuda o sofrimento psíquico: psi (alma); pato (sofrimento); e logia (teoria). Desta forma, o conhecimento da psicopatologia tem se constituído como prática que embasa o campo da psiquiatria ao se tornar plenamente uma especialidade da medicina (IZAGUIRRE, 2011). Ao situar o diagnóstico nos paradigmas da psicopatologia, podemos perceber as influências da cultura e dos paradigmas vigentes em cada época e lugar, sob a psiquiatria que ainda não se caracterizava como uma ciência. Izaguirre (2011) explica que, o primeiro paradigma da psicopatologia dominou desde fins do século XVIII até a metade do XIX com a ideia de que a psicopatologia estava organizada por uma única afecção, a qual Pinel e também outros autores da época chamou de “alienação mental”. Destacamos o segundo paradigma que diz das “doenças mentais” reunidas no que Emil Kraepelin denominou de “Compêndio de Psiquiatria” em 1883, rompendo com a ideia de doença ou afecção única de Pinel. A partir daí se desenvolveu a organização dos grandes quadros classificatórios. Já o terceiro paradigma, chamado de grandes “estruturas psicopatológicas”, surgiu através da influência de várias disciplinas, inclusive a fenomenologia e a psicanálise que exerceu e exerce enorme influência na psicopatologia. O autor ainda acrescenta que há uma correlação entre paradigma e tratamento. Sendo que para a doença única correspondia um tratamento da loucura pela via da moral e formas jurídicas específicas de se apropriar do alienado. Em contrapartida, neste período, desenvolvem-se novas formas de tratamento, incluindo-se os psicofármacos, fato que passou a ter cada vez maior importância, e imediatamente começou a ter um predomínio dos estudos sobre as neurociências e a genética, o que tem levado a psiquiatria a se apoiar cada vez mais nesse tripé: neurociências, genética e psicofarmacologia. A atuação da psiquiatria como uma especialidade da medicina a partir de Pinel, ficou restrita aos casos de demência, de deficiência mental e às psicoses orgânicas e sintomáticas, prevalecendo na maioria dos casos o método clínico não alicerçando o normal e o
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patológico em bases fisiológicas ou na clínica anátomo-patológica, mas nos costumes de uma sociedade. Barreto (2012) esclarece que a psiquiatria não se fundamentando nem na anatomia, nem na fisiologia para definir o normal e o patológico irá se basear na norma. Porém, numa norma social ou cultural. Como vimos, para a doença única o tratamento era por via da moral, entretanto, houve avanços desde a chegada de Kraepelin e, com a consolidação do “Compêndio de Psiquiatria” ampliaram-se os quadros psicopatológicos e com isso a forma de tratar. Em contrapartida ao tratamento pela via da moral, Izaguirre (2011) permite dizer que, o surgimento dos diversos quadros nosográficos não responde a um novo paradigma, mas é a expressão de uma crise no terceiro paradigma psiquiátrico e inclusive da própria psicanálise, impondo uma mudança no modo de pensar a psicopatologia. “Em consequência, perde-se a ideia de um tratamento único para dar lugar à diversidade de tratamentos, havendo um, específico, para cada doença ou para cada grupo de doenças” (IZAGUIRRE, 2011, p.15). Tendo em vista as contribuições herdadas da medicina e da psiquiatria antes da Reforma Psiquiátrica e a entrada de pleno direito da psiquiatria na medicina, podemos relacionar saúde mental com norma cultural e concluir que a doença mental é, antes de tudo, uma doença social, no sentido de ser uma construção de uma dada organização social? Para tentarmos elucidar essa questão, faz-se necessário, ainda que sucintamente, apresentar o conceito de diagnóstico com o qual opera a psiquiatria contemporânea. Posteriormente à Reforma Psiquiátrica a questão do normal e do patológico na psiquiatria pode ser abordada a partir das classificações das doenças mentais, tendo como principais referências, o Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Norte Americana de Psiquiatria (DSM), atualmente em sua 5º edição, atualizado em maio de 2013, e a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID), hoje em sua 10º edição. Apesar da entrada em cena de “outros saberes, outros profissionais, outros serviços [...], o campo da saúde mental é o resultado de uma reorganização do campo da psiquiatria” (BARRETO, 2012, p.8). Ela não é apenas uma parte no campo da saúde mental, mas o saber que ainda disputa com os demais pelo exercício pleno de poder no tratamento da loucura. Ao mesmo tempo, porém, o campo da psiquiatria vivencia o surgimento e o amadurecimento de inúmeras iniciativas de uma clínica renovada, onde a doença mental pode vir a interessar na sua dimensão subjetiva. Trata-se de uma psiquiatria atravessada pela questão do sujeito, dando espaço para outros discursos e intervenções terapêuticas. Neste contexto, encontramos a lógica diagnóstica da psiquiatria e de outro campo de saber ou de produção de saberes: a psicanálise, onde se discute as formulações sobre diagnóstico estrutural versus diagnóstico fenomenológico e diagnóstico sindrômico/nosográfico versus diagnóstico nosológico (FIGUEIREDO & TENÓRIO, 2002). Convém entender o que isso quer dizer: a psiquiatria se apropriou da fenomenologia para descrição e categorização dos sintomas, tendo como principal instrumento o diagnóstico fenomenológico. Em contrapartida, o diagnóstico estrutural se volta para o funcionamento básico e diz de uma estrutura que existe e condiciona o sujeito desde o seu nascimento. Mas, como foco principal, tratemos aqui da distinção entre diagnóstico sindrômico ou nosográfico e diagnóstico nosológico, segundo os dois sistemas atuais de classificação – o DSM-V e a CID-10. O diagnóstico sindrômico, portanto, descreveria o conjunto de sinais e sintomas, sem definir a doença de fundo. Já a nosologia é, como está no dicionário, “o estudo das moléstias”. O diagnóstico nosológico, portanto indicaria qual é a “moléstia”,
qual é a doença de fundo, nos termos da nosografia psiquiátrica (nosografia por sua vez é a “descrição metódica das doenças”) (FIGUEIREDO & TENÓRIO, 2002, p.33). Essas questões se correlacionam, partindo do geral, ou seja, o campo da saúde mental para o particular, o diagnóstico neste campo. Conforme Barreto (2012), a ideia de saúde mental, é mais abrangente do que os referidos tratamentos embasados apenas no diagnóstico, pois inclui também o trabalho com as famílias, os programas específicos, a organização dos serviços e as diretrizes políticas. As discussões e as formulações em torno das práticas antimanicomiais dizem da relação entre duas ênfases: a clínica, que se refere ao tratamento oferecido a cada sujeito na sua individualidade e a política, que em geral, descarta a noção de clínica em favor de uma prática política voltada para a reinserção social e para o resgate da cidadania. “Umas das expressões mais frequentemente utilizadas para designar as diferentes tentativas de articulação entre clínica e política é a de ‘clínica ampliada’” (FERREIRA NETO, 2007, p.112). A proposta de trabalho da clínica ampliada irá indicar para uma revisão das práticas em saúde mental e dos meios de trabalho de assistência individual, familiar e de grupos. Portanto, conforme as pontuações de Matos et. al. (2005) poderíamos concluir que o diagnóstico nosográfico não se presta a substituir a abrangência do diagnóstico clínico, que resulta da intuição, da percepção e do feeling e que prioriza a relação que se estabelece entre o profissional e o paciente. “Desta forma, ambos os sistemas diagnósticos – DSM-V e CID-10 – são nosográficos e tem por objetivo listar e classificar os transtornos mentais, mas não substituem o exercício da clínica” (MATOS et. al. 2005, p.315). E aí podemos pensar que, não substitui nem o exercício de uma clínica mais “tradicional” e, tampouco, de uma clínica ampliada. Diante deste contexto, indagamos qual o sentido do diagnóstico para a equipe de saúde mental num dispositivo como o CAPS, aonde, a própria questão clínica vem sendo repensada a partir da lógica da clínica ampliada. Para discutirmos essa ponto, tomaremos de empréstimo a reflexão feita por Barreto sobre o diagnóstico: “talvez sua maior importância e contribuição seja esta: fornecer a descrição e a classificação dos transtornos mentais e comportamentais. Definir o que deve ser tratado e a que objetivo o tratamento deve visar” (BARRETO, 2012, p.8). O Centro de Atenção Psicossocial deve ser substitutivo e não complementar ao hospital psiquiátrico, com relevância para o caráter de promoção de autonomia e articulação de recursos em variadas redes: sociais, saúde, jurídicas, educacionais e outras possíveis. De acordo com o Manual do CAPS, as pessoas atendidas neste dispositivo, são aquelas que apresentam intenso sofrimento psíquico, que lhes impossibilita de viver e realizar seus projetos de vida, podendo ser encaminhadas pela rede de atenção básica de saúde ou por demanda espontânea e ao procurar o serviço, a pessoa é acolhida e escutada em seu sofrimento (BRASIL, 2004). Schmidt e Figueiredo (2009) nos explicam que o acolhimento é o primeiro contato com quem nos procura; é o momento em que são discutidos quem atender, como e o que pode oferecer, e discriminar a demanda. Esse acolhimento poderá ser feito por qualquer profissional da equipe técnica, o qual se caracteriza como técnico de referência das pessoas que apresentam demanda para acompanhamento no CAPS, sendo referência também para o desenvolvimento do Projeto Terapêutico Individual (PTI) que irá dispor das propostas para o tratamento no serviço, incluindo as atividades terapêuticas, medicamentos, vínculos e modalidade de permanência. Na construção do PTI, salientamos a importância do diagnóstico no CAPS, embora sugerirmos que este deva estar “entre parênteses”, ou seja, não deve ser
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empregado como um fim, mas como um meio ou como uma hipótese ou fio condutor para o caso. Mas, se pensarmos os CAPS em linhas gerais como espaços destinados a: 1)acolher os pacientes com diversos tipos de sofrimento mental grave; 2) estimular o fortalecimento dos vínculos sociais e familiares e, 3) promover a busca de autonomia através da oferta de atendimentos psiquiátricos, sociais, ocupacionais e psicológicos; quais os critérios utilizados para se definir a gravidade e os cuidados a serem dispensados aos seus usuários? Se o sofrimento mental é o que está em questão, seria possível mensurá-lo? Como pautar essas ações apenas pelo estabelecimento do diagnóstico? Quanto à prática de acolhimento, e podemos expandir para a prática do diagnóstico como critério de seleção, Viganó em “O Lugar da Psicanálise nas Instituições”, propõe a possibilidade de outra rede, pois esta rede que sustenta o acolhimento caracteriza-se por uma organização social, por um gestor que determina que os indivíduos sejam selecionados a partir de seus atos e seu comportamento, uma espécie de rede segregadora que funciona somente recebendo as pessoas pelos seus sintomas nos pontos de recepção pré-estabelecidos. O alcoolista, o toxicômano e acrescentaríamos principalmente o neurótico grave e os psicóticos. Esse tipo de organização produz no sujeito que demanda ajuda um efeito de identificação social: identifica e segrega (apud ALVES, s/d). Nesse sentido, cabe criticar o diagnóstico como critério de inserção para esses serviços. Para além de inserir para tratamento, oferece significantes sociais “negativos” e segregadores: alcoólatra, psicótico, neurótico, obsessivo, etc. Contrariando a lógica segregatória, em geral de acordo com o Manual do CAPS, os seus usuários podem ter tido uma longa história de internações psiquiátricas, podem nunca ter sido internados ou podem ter sido atendidos em outros serviços da rede de saúde; o importante é que saibam que podem ser acolhidos e compreendam o que é o serviço, assim como o que oferecem para além das consultas psiquiátricas e o tratamento medicamentoso (BRASIL, 2004). Há que se ressaltar também, conforme nos expõe Barreto (2012) que estabelecer um diagnóstico é importante, principalmente para o manejo do usuário na rede de serviços. Mas, advertimos para a cautela em seu emprego, pois não deverá ser o único objeto de comunicação e encontro do usuário com o serviço e a equipe interdisciplinar. Caso contrário, corremos o risco de anular o sujeito em prol de um manual que apesar de ser um instrumento de inclusão do usuário no serviço, nos permite questionar se esse mesmo critério de inclusão não contribui para uma prática também excludente, o qual deixa muitas pessoas desassistidas, sem levar em consideração a importância da construção diagnóstica que permite colocar em evidência a singularidade do caso a caso.
no Centro de Atenção Psicossocial não como um fim, mas como um trabalho ao longo do tratamento, tendo em vista as singularidades e a produção de sentido que distinguem os diversos sujeitos como uma forma de não anulá-lo. Sobre a clínica psiquiátrica, Figueiredo e Tenório (2002), apontam que um bom exemplo é resgatar a clínica como prática que se faz junto ao paciente, e como mediação entre o universal da nosografia e o singular de cada caso. Com o advento do século XXI o diagnóstico, diante da adoção de uma postura empirista pela psiquiatria, prioriza exclusivamente a descrição dos fenômenos clínicos, e desta forma, ganharam força no campo da saúde mental os manuais de classificação diagnóstica, como os já citados DSM-V e CID-10 que cumprem a sua parte em escala universal. Neste sentido, Figueiredo e Tenório (2002, p.40) dizem que, “[...] o que se vê aí é um empobrecimento interno à própria lógica psiquiátrica. Empobrecimento que consiste em privilegiar a descrição dos sintomas, privilegiar a síndrome em detrimento da doença, em detrimento da categoria da doença”. Neste contexto, cumpre destacar a importância do diagnóstico em saúde mental para psiquiatria, como citado acima e, em oposição, para a psicanálise. A psicanálise aplicada ao campo da saúde mental, parte da lógica do não saber, mas se propõe à construção de saberes, tendo em vista todos os discursos envolvidos. Conforme afirma Barreto (2012), funda-se na singularidade da relação do sujeito com seu próprio sintoma, desta forma, podemos afirmar que cada sujeito é diferente do outro. Ainda, sobre o diagnóstico distinto do campo da psiquiatria:
A SINGULARIDADE DO SUJEITO DIANTE DA CONSTRUÇÃO DIAGNÓSTICA O conceito de diagnóstico em saúde mental que estamos discutindo tem suas bases estabelecidas aos tempos de Pinel, Kraepelin e outros percursores com o surgimento da psiquiatria desde o trato das alienações mentais à diversidade de categorias diagnósticas. O caráter psicopatológico e fenomenológico do diagnóstico se sustenta ainda pela afirmação de Vilhena e Rosa (2012, p.30), que “os diagnósticos têm uma característica representacional e objetivista, na medida em que procuram descrever as anomalias subjacentes ao funcionamento do paciente”. A psiquiatria tem como ponto de partida a descrição do fenômeno, trabalha visando a sua eliminação e tem como fim a adequação psicossocial, circulando pelo discurso da normatização. Neste sentido, cumpre destacar a importância da construção diagnóstica
que cabe ao usuário do CAPS e a sua possibilidade de circulação e desenvolvimento de sua autonomia nos espaços sociais. Em contrapartida, podemos pensar que esse assujeitamento que é produzido no serviço, por um lado, já é um ganho, visto que o acompanhamento e tratamento do usuário em crise requerem de início o exercício da contratualidade na simples aceitação e implicação ao tratamento, para então a partir daí, construir e resgatar a cidadania na perspectiva de uma subjetividade socializadora e a responsabilização por parte do usuário. A esse respeito, ressalta-se que:
...é importante considerar que o sujeito é determinado por uma estrutura simbólica que não só lhe pré existe como o condiciona desde antes o seu nascimento. Estrutura que põe em jogo um sistema de regras e convenções, funcionando como código e definindo-o por sua posição e não por um conteúdo interno (BARRETO, 2012, p. 19). A construção diagnóstica pela psiquiatria, embasada na descrição e categorização dos fenômenos e sustentada pelos manuais atuais, ainda hoje, tem sido o modelo que orienta as práticas em saúde, principalmente a saúde mental, pois ainda predomina a construção sócio-histórica de que o sofrimento psíquico está relacionado a uma incapacidade de escolhas e de autonomia na sociedade. É importante ressaltar que houve avanços no modelo de atenção à saúde mental, muito embora o usuário do CAPS ainda seja tratado pelos profissionais de saúde como paciente, que em muitos dos casos, o reduz a uma condição de assujeitamento ao serviço e seus profissionais, diante da necessidade do acompanhamento e gerenciamento de diversas demandas, o que na verdade interfere no papel social
[...] embora haja no CAPS uma reprodução das relações sociais de trocas, esse significado evidencia os avanços da relação do usuário de saúde mental com os profissionais de saúde, pois o coloca na condição de exercer alguma contratualidade (eu só aceito me submeter ao tratamento se você me der algo em troca), mesmo que seja uma contratualidade
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passiva ou adaptativa, e pouco orientada para a criticidade, esta já se configura um grande distanciamento do modelo manicomial (TAVARES & SOUSA, 2009, p. 45). Sustentar o acompanhamento se constitui como um dos maiores desafios do trabalho na saúde mental, tendo em vista as políticas de caráter universal que embasam esta prática. E, principalmente diante da necessidade de gerenciamento dos casos que coloque o diagnóstico “entre parênteses”, como forma de resguardar o singular e possibilitar produzir respostas ao usuário. De acordo com Barros et. al. (2010) o acompanhamento no CAPS, deve buscar valorizar as falas, as experiências dos usuários e familiares e, a partir disso, estimulá-los a desempenhar um papel ativo, rompendo com a ideia de assujeitamento como paciente e assumindo uma conduta fundamentada no desenvolvimento da autonomia nas suas relações interpessoais e na condução da sua própria vida. A organização das práticas no cotidiano dos serviços de saúde deve considerar a atenção à pessoa com sofrimento psíquico no âmbito das relações e redes sociais e não apenas da assistência à saúde, mas buscando ampliar a construção de estratégias terapêuticas de ampla articulação social como determinante também das condições gerais de saúde. Assim, Barros et. al. (2010), pontuam que o desafio de se produzir o cuidado em saúde de forma integral é possibilitar a garantia do usuário em ser atendido; tendo acesso pleno e universal a toda rede de serviços e principalmente ao diálogo singular com os técnicos de referência para o atendimento de suas necessidades subjetivas e demandas em torno do sofrimento mental. A partir do apresentado, indagamos como é possível, dentro de uma política universal, fazer uma prática a partir de um? Uma resposta pertinente ao campo da saúde mental é a construção do caso clínico. A construção do caso clínico é uma das principais contribuições da psicanálise para a psicopatologia, por meio da construção diagnóstica e da saúde mental, por meio da relevância para a construção da palavra através da escuta de diversos atores envolvidos e da compreensão da relação que o sujeito estabelece com o seu sofrimento. Convém esclarecermos, o que quer dizer construção do caso clínico. De acordo com Figueiredo (2004), a construção é a partilha de determinados elementos de cada caso em um trabalho conjunto, podendo se constituir como um método clínico de maior alcance. O outro termo: caso, se refere a um encontro direto com o real, com aquilo que não é dizível. Quanto à clínica, seu sentido é o de debruçar-se sobre o leito do paciente e produzir um saber a partir daí. Em suma, Alves (s/d) explica que a construção do caso clínico é importante para operar o deslocamento do sujeito dentro do discurso. Com relevância para a sua história, apreendendo-se a sua relação com o Outro e como esse sujeito interpreta o mundo, buscando intervir na sua relação com o Outro, possibilitando alguma mudança subjetiva e principalmente às saídas que o próprio sujeito tem desenvolvido para lidar com o seu sofrimento, enfatizando a singularidade e colocando o diagnóstico “entre parênteses”. Desta forma, ressaltamos o trabalho em equipe nas instituições de saúde mental, entendendo que a construção do caso clínico é uma das ferramentas para o acompanhamento do caso e (re)elaboração do projeto terapêutico individual já discutido. Tal construção pode ser pensada assim como o matriciamento em saúde mental, que se constitui como um trabalho em equipe e possibilita a comunicação entre diversos profissionais, dispositivos e redes com o apoio de um especialista às equipes de referência. Tendo em vista a participação de uma equipe interdisciplinar, “a construção do caso pode conter elementos discursivos de familiares, de outros envolvidos, mas não
pode perder o fio da meada que é a referência ao sujeito em questão” (FIGUEIREDO, 2004, p.83). Para finalizarmos, é imprescindível darmos conta do que foi exposto e discutido e voltarmos à questão articuladora: como é possível, dentro de uma política universal, fazer uma prática a partir de um? È possível que o diagnóstico para além de contribuir para a condução de um caso, produza a exclusão do sujeito? Como lidar com essas questões no cotidiano de serviços como os CAPS? Entendemos que, se cada sujeito é diferente do outro, sua história, sofrimento e relações sociais são ímpares... Sendo assim cada tratamento é singular, o que o diferencia do outro. Portanto, o que deve fundamentar o tratamento no CAPS não é uma lei universal, mas a construção ética que se faz uma a uma. CONDIDERAÇÕES FINAIS A discussão a respeito da função e uso do diagnóstico no Centro de Atenção Psicossocial nos conduziu a análise do diagnóstico como um instrumento de identificação para inserção do usuário no serviço. Contudo, pode-se percebê-lo também, como produtor de impasses no que diz respeito à condução dos casos nos CAPS, tendo em vista sua condição de classificação, exclusão e categorização dos sujeitos e seu modo de relacionar com o adoecimento mental. Embora o diagnóstico seja um instrumento importante no campo da Saúde Mental, é preciso ter cautela no seu uso, pois, seria possível inserir o usuário no serviço apenas baseando-se em critérios diagnósticos? Nesse sentido, compreender a complexidade da função diagnóstica chamando atenção para o “diagnóstico entre parênteses” pode se constituir como uma das tarefas fundamentais para a Saúde Mental. Isso quer dizer, colocar em suspensão o diagnóstico sustentado pelos manuais e, com isso, possibilitar um novo manejo em saúde mental, favorecendo a compreensão da relação do sujeito com o seu sofrimento e na construção do caso clínico. Assim, a função diagnóstica entre parênteses permitiria evidenciar a singularidade do sujeito possibilitando a construção de novas intervenções privilegiadas pela escuta ética e singular de cada caso. REFERÊNCIAS ALVES, Leila Tavares. Psicanálise: a Interface com a Saúde Mental e a Saúde Pública. s/d. Disponível em: <http://srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Psicanaliseainterfacecomasaudementaleasaudepublica.pdf>. Acesso em: Acesso em 02/02/2014. AMARANTE, Paulo. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. AMARANTE, Paulo. (Coord.). Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998. BARRETO, Francisco Paes. A Psicanálise Aplicada À Saúde Mental (Uma Contribuição ao Tema da Prática Lacaniana nas Instituições). CLINICAPS – Impasses da Clínica, 2012. Disponível em: <http://www.clinicaps.com.br/clinicaps_pdf/Rev_01/Revista01_art3_Barreto.pdf>. Acesso em: 02/02/2014. BARROS, Márcia Maria Mont Alverne; JORGE, Maria Salete Bessa; PINTO, Antônio Germane Alves. Prática de Saúde Mental na Rede de Atenção Psicossocial: a Produção do Cuidado e as Tecnologias das Relações no Discurso do Sujeito Coletivo. Rev. APS, Juiz de Fora, v.13, n.1, mar/2010; p. 72-83. Disponível em: < http://aps.ufjf.emnuvens.com.br/aps/article/view/515>. Acesso em: 31/01/2014. BRASIL, Ministério da Saúde - Secretaria Executiva. Sistema Único de Saúde (SUS): princípios e conquistas. Brasília: Ministério da Saúde, 2000. Disponível em: < file:///C:/Users/user/Downloads/sus_principios.pdf>. Acesso 30/03/2014. BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria n.º 336/GM Em 19 de fevereiro de 2002. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Portaria%20 GM%20336-2002. Acesso em 25/01/2014.
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1 Psicóloga e pós-graduada em Saúde Mental: Clínica e Sociedade pela Faculdade Pitágoras Ipatinga – MG (marysatler@hotmail.com).
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NOTAS DE FIM
2 Psicóloga e pós-graduada em Saúde Mental: Clínica e Sociedade pela Faculdade Pitágoras Ipatinga – MG (betalane@hotmail.com). 3 Psicólogo; Especialista em Saúde Mental e Psicanálise; Mestre em Psicologia Social/UFMG; Doutorando em Psicologia Social/UFMG; Professor da Faculdade Pitágoras de Ipatinga – MG (fabiowsdias@yahoo.com.br).
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Mapeamento dos diferentes regimes de transição de desgaste do aço inoxidável austenítico AISI 316L cementado a plasma Michelle C. S. Duarte1 Cristina Godoy2
Resumo: O desgaste por deslizamento não lubrificado de aços tratados por cementação a plasma tem sido investigado com o propósito de obter informações sobre a resposta tribológica da camada modificada pelo tratamento a plasma. Foi utilizado o aço AISI 316L e o processo realizado em temperaturas próximas de 450°C, pois esta temperatura facilita a introdução de carbono na superfície do aço inoxidável austenitico, formando uma camada rica em carbono e resultando em maior dureza e maior resistência ao desgaste. Este trabalho correlaciona o comportamento de desgaste e a microestrutura com a concentração de carbono difundido pelo tratamento a plasma. O sistema cementado foi investigado pelas técnicas de microscopia eletrônica de varredura (MEV), espectroscopia de raios X de energia dispersiva (EDX), Difração de raios X (XRD), teste de desgaste não lubrificado, análise dos debris, perfilometria e microdureza. Curvas de desgaste foram levantadas com o intuito de identificar as distâncias de deslizamento, correspondentes as transições presentes no aço tratado. Os testes de desgaste sofreram interrupção em diferentes distâncias e foram realizadas análises para caracterização das trilhas de desgaste correspondentes aos períodos parciais. Os debris foram coletados em períodos parciais, para análise de composição. Este estudo demonstrou que o comportamento de desgaste está fortemente relacionado com as diferentes propriedades mecânicas e com estrutura da superfície modificada. Palavras-Chave: Desgaste. Cementação. Tribologia.
Introdução Os aços inoxidáveis, devido à sua excelente resistência à corrosão, constituem uma família de aços com aplicação muito ampla nas indústrias alimentícia, famacêutica, química, nuclear, de bioengenharia, dentre outras. Estes aços apresentam resistência à corrosão devido à formação de uma fina camada de óxido formada em sua superfície, entretanto, a baixa dureza e as pobres características tribológicas comprometem e restringem sua aplicação em alguns campos da engenharia (Lin et al., 2006; Borgioli et al., 2005). Nestas situações, é necessário modificar as estruturas e as composições da superfície e subsuperfície desse material para eliminar os problemas de desgaste (SUN; BELL, 2002). Assim, diferentes tratamentos de superfície têm sido utilizados a fim de melhorar as propriedades desses materiais, tais como processos de deposição química de vapor e de deposição a plasma. Processos como a cementação têm sido utilizado com sucesso para melhorar as propriedades mecânicas da superfície de alguns aços. (Sun; Haruman, 2006; Borgioli et al., 2005). Através do tratamento de cementação a plasma ocorre a introdução de carbono na superfície do aço, por meio de difusão a uma temperatura suficientemente baixa, produzindo uma camada contendo uma única fase de austenita supersaturada de carbono (Fewell et al., 2000). Este tratamento realizado em baixas temperaturas apresenta algumas vantagens sobre outros tratamentos, pois as camadas tratadas são livres da precipitação de carbonetos de cromo e, geralmente, são mais espessas e mais resistentes à corrosão (SUN; Bell, 2002). A dureza da camada rica em carbono é pequena devido a supersaturação do carbono em solução solida ser menor consequentemente a expansão da rede (austenita expandida) é menor, esse fato é atribuído à baixa concentração de carbono na superfície (2% a 12%) (Molleja et al., 2010). Como o carbono, comparado ao nitrogênio, tem uma interação fraca com o cromo (Mändl, 2002), ele se difunde mais rapidamente no aço inoxidável austenítico, a uma taxa de saturação baixa, o que leva a uma camada de difusão de carbono mais profunda.
Quando as superfícies de materiais são tratadas adequadamente as perdas são reduzidas, garantindo um mecanismo de desgaste adequado. Durante o desgaste por deslizamento em aços atuam dois mecanismos principais de desgaste: o adesivo e o oxidativo. Cada mecanismo opera durante o regime permanente estabelecido para cada condição do sistema tribológico. As taxas de desgaste produzidas pelos mecanismos são também conhecidas como regime de desgaste severo e moderado (ViáfAra, 2010). Nas curvas de deslizamento o coeficiente de atrito obtido em testes não lubrificados apresentam dois períodos: o período running-in que pode ser definido como o tempo em que o coeficiente de atrito atinge um valor constante (Viáfara, 2010) e período estacionário que corresponde ao coeficiente de atrito com valor aproximadamente constante (Blau, 2005). Os regimes de desgaste severo e moderado apresentam características específicas em relação à natureza das partículas e superfícies de desgaste, bem como às taxas de desgaste dos corpos. A característica mais relevante entre os regimes é a diferença nas taxas de desgaste de algumas ordens de magnitude. A atuação dos mecanismos de desgaste possui uma forte dependência das características do sistema tribológico. Entre tais características podem ser citadas a dinâmica do sistema (carga, velocidade e geometria) e o meio interfacial (atmosfera, temperatura, lubrificante) (ViÁfAra, 2010). A cinética do processo de cementação depende de vários fatores que exercem influência na velocidade de difusão, espessura da camada como na profundidade e composição química da região difundida. O objetivo deste trabalho foi estudar o comportamento de desgaste do aço austenítico inoxidável AISI 316L cementado e analisar as respostas tribológicas da camada modificada pelo tratamento a plasma. 2. Procedimentos experimentais O material usado como substrato nesse trabalho foi o aço inoxidável austenitico AISI 316L. Antes do tratamento de cementação, o
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material foi cortado em pastilhas com 38mm de diâmetro e 10mm de espessura. A Tabela 1 apresenta a composição química do aço inoxidá-
vel austenítico 316L submetido ao ensaio de análise química realizado no LAMAT – Laboratório de Ensaios e Análises em Materiais - UFMG.
O tratamento de cementação a plasma (treatment plasma carburizing, TPC) foi realizado com a configuração DC triodo, a pressão utilizada foi de 4x10-3 mbar e a tensão foi 200V. A composição utilizada no processo de cementação foi de 95% Ar + 5% C2H4. O processo foi realizado na temperatura de 475°C por 3 horas. Após ao tratamento, as amostras foram cortadas, embutidas, lixadas, polidas e atacadas com uma solução de água regia. As amostras tratadas foram examinadas pela técnica de microscopia eletrônica de varredura (MEV) em um equipamento da FEI modelo Inspect S50 e para análise da microestrutura as amostras foram revestidas com ouro. O mapeamento por raios X na trilha de desgaste foram feitos pela espectroscopia de energia dispersiva (EDS) em um equipamento da EDAX modelo Genesis. A identificação das fases presentes nas camadas tratadas foi realizada pela análise de difração de raios X (DRX) em um equipamento da Philips – PANalytical modelo EMPYREAN, utilizando a radiação Cu-Kα e um monocromador. Medições do perfil de dureza instrumentada foram realizadas nas camadas modificadas e sobre o aço AISI 316L sem tratamento
em um equipamento da Shimadzu modelo DUH-W201S). Os experimentos foram feitos com o penetrador Berkovich, as cargas utilizadas foram de 100 mN e 2 mN e as taxas de descarregamento foram 0,83 mN/s e 0,13 mN/s, respectivamente. Os ensaios de desgaste foram realizados em um tribômetro da microfotônica modelo MT/60/NI, com a configuração de pino-sobre-disco. Os testes foram executados em condições de ambiente com a umidade relativa do ar entre 45% e 50% e temperatura cerca de 20 ± 2° C. Para as diferentes distâncias de desgaste os principais parâmetros utilizados foram: esferas de WC/Co com 6 mm de diâmetro, carga de 15 N, raio de 3 mm, rotação do disco de 382 rpm e velocidade de deslizamento de 0,2 m/s. Os perfis de profundidade das trilhas de desgaste foram determinados utilizando um perfilômetro 2D/3D da Hommelwerke modelo T8000 e os dados analisados com o uso do software Hommelmap.
Observa-se que a camada superficial correspondente a região com maior teor de carbono apresenta-se homogênea e contínua, com espessura média de 11,51 ± 0,28 μm. A formação dessa camada está relacionada à fase formada austenita expandida por carbono, γc (Sun et al.1999; Tsujikawa et al., 2005; Tsujikawa et al., 2007). Segundo os autores, os aços inoxidáveis austeníticos podem ser cementados a temperaturas inferiores a 500ºC para formar uma camada endurecida e
livre da precipitação de carbonetos de cromo. Estudos revelaram que o valor máximo registrado na literatura da super saturação da fase γc rica em carbono foi de aproximadamente 12% (Molleja, et. al., 2010). É importante salientar que as camadas visíveis no MEV não mostram as reais profundidades da difusão alcançada pelos tratamentos a plasma (Czerwiec et al., 2006; Baldwin et al., 1999), mas correspondem apenas às regiões de maiores concentrações do elemento.
3 Resultados Experimentais A Figura 1 apresenta a estrutura da seção transversal do aço inoxidável austenítico cementada.
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A Figura 2 mostra o difratograma de raios X do aço AISI 316L e do aço AISI 316L cementado. Não foram identificados carbonetos em nenhum desses materiais. O aço AISI 316L cementado apresentou a fase de autenita expandida por carbono, γc. Os picos apresentaram-se deslocados para menores ângulos de difração 2θ em relação
a fase γ aço AISI 316L não cementado. Este resultado pode ser atribuído à expansão do parâmetro de rede da estrutura CFC induzida pela supersaturação de carbono na rede austenítica do aço (CULLITY, STOCK, 2001). A Tabela 2 apresenta os parâmetros de rede para o sistema tratado.
A fase γ do aço AISI 316L não tratado apresentou o parâmetro de rede semelhante ao encontrado por Molleja et al. (2010) que encontrou um valor de 0,3584 nm. O parâmetro de rede medido para a fase γc dos sistemas TPC, também concordam com os valores encontrados na literatura. Molleja et al. (2010) determinaram o parâmetro de
rede para a fase γc com valor de 0.366nm. O perfil de dureza determinado por meio de ultramicrodureza para verificar a profundidade de endurecimento por solução sólida, é apresentado na Figura 3.
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O material cementado apresentou valores de dureza na superfície de 3,5 GPa com um efeito de endurecimento até aproximadamente 70 μm até chegar a uma dureza com um valor de aproximadamente 2,7 GPa, esse valor permanece aproximadamente constante ao longo da profundidade indicando que a partir dessa profundidade corresponde ao aço 316L sem tratamento. Através dos ensaios de desgaste por deslizamento não lubrificado do aço inoxidável cementado foram obtidas curvas de coeficiente de atri-
to em função da distância (Figura 4). É possível verificar nesta figura as diferenças existentes no comportamento do atrito, durante os estágios de desgaste por deslizamento em cada distância. As distâncias selecionadas foram de acordo com uma análise visual das replicas das curvas do sistema cementado, pois foi verificado que as curvas apresentam períodos bem definidos, permitindo uma análise mais detalhada do sistema. As curvas parciais foram geradas nas distâncias de 50, 100 e 450 m para uma análise mais detalhada dos debris e das trilhas de desgaste.
A curva (a) apresentada na Figura 4 corresponde ao aço 316L sem tratamento observa-se um coeficiente de atrito de aproximadamente 0,7 após um primeiro estágio chamado de running-in. A curva de desgaste (b) foi levantada para o aço 316L cementado para distância de deslizamento de 1200 m, nela são verificados diferentes regimes de desgaste propostos. Curvas parciais de desgaste por deslizamento foram levantadas nas distâncias de 50, 100 e 450 m para análise por MEV dos debris e das trilhas de desgaste. A curva de desgaste (c), com uma distância percorrida de aproximadamente 50m, apresentou um primeiro período denominado de running-in em torno de 10 m. Segundo Viáfora (2010), o período running-in corresponde à região em que acaba o comportamento crescente do coeficiente de atrito para se tornar aproximadamente constante, esse fato pode ser observado na Figura 4(c). Após o período running-in ocorre um período de regime de desgaste permanente até uma distância de deslizamento de 100 m (Figura 4 (c) e (d)). Neste segundo período de desgaste o coeficiente de atrito continua crescendo até valores próximos a 0,7. Este período de desgaste foi denominado de “regime de desgaste por cementação” e está relacionado a um mecanismo de desgaste intrínseco à região rica em carbono. Na distância de 100m ocorre uma diminuição brusca para o coe-
ficiente de atrito de aproximadamente 0,5 (Figura 4 (d)). Segundo Czichos (1992) esse decréscimo do coeficiente de atrito, pode ser devido à formação de uma camada superficial protetora triboquímica ou por um decréscimo nos processos de sulcamento e deformação de asperezas. Neste terceiro período de desgaste (Figura 4 (e)), o coeficiente de atrito aumenta lentamente até a distância de aproximadamente 450m e a partir dessa distância se mantém com o coeficiente por volta de 0,7; esse foi considerado o quarto período que corresponde ao regime de desgaste observado no aço 316L sem tratamento. As mudanças observadas no ruído, durante o teste de desgaste, corrobora que uma transição na operação dos mecanismos de desgaste ocorreu. Em geral este fenômeno indica que existe um mecanismo de desgaste mais severo atuando durante o crescimento do coeficiente de atrito, enquanto que em valores constantes do coeficiente de atrito é causado por um desgaste moderado. Segundo Blau (2001), quando o coeficiente de atrito alcança um valor máximo este, é associado à alta taxa de desgaste atingida pelo desgaste das asperezas. A superfície fica mais lisa, diminuindo o atrito até o valor de regime permanente. A Figura 5 apresenta os debris de desgaste do sistema cementado para as distâncias de 50, 100 e 450m.
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Nos debris do ensaio de desgaste obtidos na distância de 50m foi encontrada uma concentração do carbono de aproximadamente 36,6% atômica medida por raios X. Nota-se na Figura 5 (a) que as partículas apresentam um tamanho pequeno quando comparada as outras imagens das partículas Figura 5 (b e c), este fato deve estar relacionado com um mecanismo de desgaste oxidativo. Na distância de 100m (Figura 5 (b)) a concentração de carbono foi de 19,8% atômica e para a distância de 450m (Figura 5 (c)) o valor de teor de carbono encontrado foi de 15,3% atômica. Este resultado evidencia que na distância de 50 m o desgaste corresponde ao desgaste da camada cementada, onde
ocorre altos valores de concentração de carbono. Observa-se nas imagens da Figura 5 (b) e (c) a ocorrência de partículas (debris) com tamanhos variados com a presença de partículas de tamanho muito grande. Durante a realização dos ensaios de desgaste foi observado que enquanto ocorria a oscilação do coeficiente de atrito, os debris possuíam a cor marrom. Quando as oscilações cessavam, os debris passavam a ter coloração prateada (metálica). Os detritos pequenos e oxidados são produzidos por desgaste oxidativo, enquanto o desgaste adesivo é caracterizado por debris de tamanho maior e pela cor metálica (HIRST; LANCASTER, 1956 e EYRE; MAYNARD, 1971).
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Através do mapeamento de composição por EDS no microscópio eletrônico, das trilhas de desgaste apresentadas na Figura 6, foi determinado que a concentração do carbono foi de aproximadamente 25% atômica, fora da trilha de desgaste para todas as distâncias percorridas. Na distância de deslizamento de 50 m a concentração de carbono encontrada dentro da pista foi de 12,6% atômica, na distância de 100 m o valor foi 10,3% atômica, para a distância de 450 m foi 8,8% atômica e para a distância de 1200 m o valor encontrado foi 7,7% atômica. Esses valores são muito supe-
riores ao do aço 316L sem tratamento de cementação cujo teor de carbono é igual a 0,02% (Tabela 1). Nas imagens do mapeamento observa-se que a concentração de carbono diminui dentro da trilha com o aumento da distância de desgaste, sem contudo alcançar o teor de carbono do aço AISI 316L, não cementado. A profundidade média das trilhas de desgaste foi determinada por perfilometria para todas as distâncias de deslizamento e estão apresentadas na tabela 3. O parâmetro Wt obtido no perfil de rugosidade é a medida da profundidade da trilha de desgaste.
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Através da Tabela 3, verifica-se que para uma mesma distância de deslizamento de desgaste (1200m), o aço inox austenítico cementado a plasma apresentou um valor de profundidade de desgaste bem menor que o aço inox não cementado. Com a diminuição da distância de desgaste por deslizamento, o valor médio da profundidade de desgaste diminui consideravelmente. Assim, pode-se concluir que a cementação a plasma contribui fortemente para o aumento da resistência ao desgaste de aços inoxidáveis austeníticos. O volume de desgaste gasto pelo sistema pelo aço 316L sem tratamento foi de 21,8 mm3, enquanto que o aço tratado por cementação apresentou 10,07 mm3. Esse resultado corrobora que o sistema cementado a plasma apresenta uma maior resistência ao desgaste do que o aço inox sem tratamento.
EYRE, T.S.; MAYNARD, D. Surface aspects of unlubricated metal–metal wear. Wear, v. 18, p. 301-310, 1971.
Conclusões As curvas de desgaste por deslizamento contêm informações sobre as respostas tribológicas do aço AISI 316L (inox austenítico) cementado a plasma. Foram observados diferentes regimes de transição de desgaste nas curvas de coeficiente de atrito versus distância de deslizamento de desgaste. Os regimes de desgaste foram caracterizados de acordo com as distâncias de deslizamento selecionadas e a identificação dos mesmos mostrou que a resposta tribológica de um material está intrinsecamente relacionada com a estrutura do material. Os resultados obtidos de profundidade de desgaste e de volume desgastado indicam uma efetiva melhoria na resistência ao desgaste de um aço inox austenítico (Aço AISI 316L), cementado a plasma, quando comparado ao aço AISI 316L sem tratamento a plasma.
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Agradecimentos Este trabalho foi apoiado financeiramente pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico), FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais) e Capes-Proex. Notas de Fim Graduada em Química, Mestre em Engenharia de Materiais e Doutora em engenharia metalúrgica. Professora do Centro Universitário Newton – E-mail: chelleduarte@yahoo.com.br. Graduada em Física, Mestre e doutora em Engenharia Metalúrgica e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – E-mail: cristinagodoyufmg@gmail.com.
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O ENFERMEIRO E A IMPORTÂNCIA DA PREVENÇÃO DO CÂNCER DO COLO UTERINO NA ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER E NO CONTEXTO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Fernanda dos Anjos Oliveira1 Larissa Cristine Bambirra dos Reis Pedroni2
RESUMO: A Estratégia Saúde da Família é um modelo assistencial com foco em promoção à saúde e que desenvolve suas estratégias por meio de uma equipe multidisciplinar em prol da saúde integral das famílias. A saúde da mulher é uma das vertentes dessa estratégia e impacta consideravelmente na situação de saúde pública do país. No Brasil o câncer do colo uterino é a terceira neoplasia maligna entre o público feminino e que apresenta um crescente aumento no número de novos casos a cada ano. O presente artigo destaca a importância da Estratégia Saúde da Família (ESF) e do enfermeiro no monitoramento e controle da saúde das mulheres, a fim de garantir qualidade da assistência, educação em saúde e prevenção do câncer do colo uterino. A partir de uma revisão e análise das publicações do Ministério da Saúde acerca da atenção à saúde da mulher, foi possível constatar o importante papel desempenhado pelos profissionais que atuam na Estratégia Saúde da Família na luta contra o câncer do colo uterino. Destaca-se a atuação singular e diferenciada do profissional enfermeiro que possui a atribuição de desenvolver ações de educação em saúde e estreitar o vínculo entre a comunidade e a atenção básica. Palavras-chave: Câncer do colo uterino. Enfermeiro. Estratégia saúde da família.
1 INTRODUÇÃO A atenção básica precisa ser a porta de entrada de todos os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A partir de um acolhimento singular e que considera a inserção sociocultural de cada sujeito, é possível fornecer uma assistência integral e que prioriza ações preventivas. Para sistematizar a integralidade das ações o Ministério da Saúde disponibiliza programas de atenção à saúde destinados aos diferentes públicos frequentadores de uma Unidade Básica de Saúde. A finalidade desses programas é nortear o atendimento do indivíduo e assegurar os princípios da universalidade, da acessibilidade do vínculo, da integralidade da ação, da responsabilização, da continuidade do trabalho e da humanização. Nesse contexto a saúde da mulher é uma das principais vertentes, uma vez que, a cada ano, aumenta o número de novos casos de câncer de mama e do colo uterino nesse público. É pertinente destacar que, o grupamento das neoplasias é o segundo mais importante causador de óbitos em mulheres entre 50 e 59 anos, estando representado por sete tipos de tumor: o câncer de mama, o câncer de pulmão e traqueia, o câncer de cólon e reto, o câncer de colo do útero, o câncer do estômago, o câncer do ovário e o câncer do encéfalo (SES-MG, 2010). Ao considerar o aumento do número de novos casos é possível perceber a importância de estudos sobre a prevenção e o rastreamento do câncer do colo uterino bem como o fundamental papel dos profissionais envolvidos nesse processo, em especial o enfermeiro pertencente a uma equipe de Estratégia de Saúde da Família. O enfermeiro é “peça chave” na atenção primária por ser capaz de refletir acerca dos problemas da população e de intervir procurando garantir equidade nas ações oferecidas (DINIZ, 2013). As intervenções em saúde focadas na prevenção e na educação em saúde permitem um trabalho mais efetivo e coerente às
recomendações descritas nos protocolos, manuais e programas do Ministério da Saúde. Diante dessa questão, é possível perceber o importante papel que o enfermeiro da Atenção Primária à Saúde precisa desempenhar acerca dessa grave doença que tanto impacta os principais indicadores de saúde relacionados à mortalidade da população adulta feminina. As Unidades de Atenção Primária à Saúde são porta de entrada do usuário no sistema de saúde e o enfermeiro é um importante integrante da equipe multiprofissional da Estratégia Saúde da Família, pois tem o desafio de estimular o trabalho integrado e a responsabilidade pelas pessoas ali residentes (MELO, 2012). O público feminino que frequenta os serviços de atenção primária à saúde é distinto e complexo. São mulheres de diferentes idades e perfis sociais e por consequência disso, com demandas e expectativas diferentes. Todavia uma questão é comum à grande maioria: a indicação para a realização do exame Papanicolau e a demanda por orientações de medidas de proteção à saúde. Sendo assim, o objetivo desse artigo é ressaltar a importância da Estratégia Saúde da Família (ESF) e do enfermeiro no monitoramento e controle da saúde das mulheres, a fim de garantir qualidade da assistência, educação em saúde e prevenção do câncer do colo uterino. 2 METODOLOGIA A revisão de literatura foi a metodologia selecionada para embasar o tema desse artigo e alcançar o objetivo proposto. A pesquisa priorizou as publicações elaboradas pelo Ministério da Saúde, a partir dos descritores, “saúde da mulher”, “câncer do colo uterino” e “estratégia saúde da família”. Foram pesquisados e revisados protocolos e manuais com foco em saúde da mulher e posteriormente houve uma seleção, análise e discussão dos conteúdos que abordassem o controle e rastreamento do câncer do colo uterino bem como a atuação
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da Estratégia Saúde da Família e dos Enfermeiros diante dessa questão. Essa sistematização de estudo é proposta por Gil (1991): leitura exploratória, seletiva, analítica e interpretativa; onde serão levantados os dados e conceitos mais relevantes a respeito do tema a fim de confirmar ou refutar a hipótese levantada. O trabalho realizado a partir da pesquisa exploratória permite uma discussão acerca do objetivo proposto por este artigo e, especificamente, ressalta a importância e utilidade das diversas publicações do Ministério da Saúde. 3 SAÚDE DA MULHER E CÂNCER DO COLO UTERINO Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) as mulheres representam 51,03% da população brasileira (IBGE 2010). No Brasil, para o ano de 2012, são estimados 52.680 casos novos de câncer de mama feminino e 17.540 casos novos de câncer do colo do útero (INCA, 2012). Na análise regional no Brasil, o câncer do colo do útero destaca-se como o primeiro mais incidente na Região Norte, com 24 casos por 100 mil mulheres. Nas regiões Centro-Oeste e Nordeste ocupa a segunda posição, com taxas de 28/100 mil e 18/100 mil, respectivamente, é o terceiro mais incidente na Região Sudeste (15/100 mil) e o quarto mais incidente na Região Sul (14/100 mil) (INCA, 2012). Quanto à mortalidade, é também a Região Norte que apresenta os maiores valores do País, com taxa padronizada por idade, pela população mundial, de 10,1 mortes por 100 mil mulheres, em 2009. Em seguida estão, nesse mesmo ano, as regiões Nordeste e Centro-Oeste (5,9/100 mil mulheres), Sul (4,2/100 mil mulheres) e Sudeste (3,6 /100 mil mulheres) (INCA, 2012). O câncer do colo do útero inicia-se a partir de uma lesão precursora, curável na quase totalidade dos casos. Trata-se de anormalidades epiteliais conhecidas como neoplasias intraepiteliais cervicais de graus II e III (NIC II/III). Apesar de muitas dessas lesões poderem regredir espontaneamente, sua probabilidade de progressão é maior, justificando seu tratamento. As mulheres que desenvolvem infecção persistente por HPV do tipo 16 têm cerca de 5% de risco de desenvolverem NIC III ou lesão mais grave em três anos e 20% de risco em dez anos (BRASIL, 2006). Nesse contexto o governo federal lançou o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), 2011-2022 que abrange quatro principais doenças: doenças do aparelho circulatório, respiratórias crônicas, diabetes e câncer. Em relação à saúde da mulher, as metas nacionais propostas são: aumentar a cobertura de mamografia entre mulheres de 50 e 69 anos; ampliar a cobertura de exame citopatológico em mulheres de 25 a 64 anos; tratar 100% das mulheres com diagnóstico de lesões precursoras de câncer. Já as ações para o enfrentamento são: aperfeiçoar o rastreamento dos canceres do colo uterino e da mama e universalizar os exames à todas as mulheres (DCNT, 2011). Dessa forma a atenção à saúde da mulher vem ganhando importantes avanços em todas as faixas etárias do ciclo de vida do gênero feminino e, para assegurar a integralidade das ações, o serviço de saúde precisa receber e buscar esse público de forma humanizada e sem juízo de valores. É fundamental que a especificidade de cada indivíduo seja valorizada e que o profissional envolvido nessa escuta adote medidas proativas que fortaleçam o vínculo entre o serviço e a usuária e estimulam a adesão da mulher desde a prevenção até o tratamento. Humanizar e qualificar a atenção em saúde é aprender a compartilhar saberes e reconhecer direitos. A atenção humanizada e de boa qualidade implica no estabelecimento de relações entre sujeitos, seres semelhantes, ainda que possam apresentar-se muito distintos conforme suas condições sociais, raciais, étnicas, culturais e de gênero (BRASIL 2011a).
É perceptível a preocupação do Ministério da Saúde com o público feminino. Periodicamente são lançados novos guias, manuais e protocolos de orientação para garantir um efetivo atendimento em prol da prevenção em saúde e qualidade de vida das mulheres. Ao considerar que as históricas desigualdades de poder entre homens e mulheres implicam forte impacto nas condições de saúde destas últimas, as questões de gênero, as quais se referem ao conjunto de relações, atributos, papéis, crenças e atitudes que definem o que significa ser homem ou ser mulher as expõem a padrões distintos de sofrimento, adoecimento e morte. Partindo-se desse pressuposto, é imprescindível a incorporação da perspectiva de gênero na análise do perfil epidemiológico e no planejamento de ações de saúde, que tenham como objetivo promover a melhoria das condições de vida, a igualdade e os direitos de cidadania da mulher (BRASIL, 2013). 4 ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NA ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER A Estratégia Saúde da Família (ESF) tem a proposta de reorientar o modelo de assistência na atenção primária à saúde e, por consequência garantir conformidade aos princípios do Sistema Único de Saúde. Segundo o Ministério da Saúde a ESF visa a reorganização da atenção básica no pais, de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde, como estratégia de expansão, qualificação e consolidação da atenção básica por favorecer uma reorientação do processo de trabalho com maior potencial de aprofundar os princípios, diretrizes e fundamentos da atenção básica, de ampliar a resolutividade e impacto na situação de saúde das pessoas e coletividades, além de propiciar uma importante relação custo-efetividade (BRASIL, 2012a). A existência de equipes multiprofissionais (enfermeiros, auxiliares e técnicos em enfermagem, médicos, dentistas, auxiliares e técnicos de consultório dentário, agentes comunitários de saúde) tem o objetivo de alcançar todas as possíveis demandas advindas das famílias cadastradas. Cada integrante da equipe desempenha um papel essencial e indispensável ao bom funcionamento da estratégia proposta. Nesta dimensão do cuidado, os profissionais de saúde, precisam ser dotados de atitudes proativas estimulando a adesão pela mulher desde as ações preventivas até o tratamento da doença. Devem aproveitar as oportunidades da presença da mulher nas unidades básicas de saúde em todos os atendimentos, inclusive enquanto a equipe de saúde dialoga sobre outras intervenções, potencializando dessa forma o seu papel de agente mobilizador (BRASIL, 2013). Segundo o Manual de rotinas e procedimentos para registros de câncer de base populacional, a presença da ESF está relacionada com o maior acesso dos usuários aos serviços de saúde, com padrões de boa qualidade técnica do cuidado, com a melhoria da saúde materno-infantil e redução da mortalidade em crianças e adultos (BRASIL, 2012). Seria prático e bem resolutivo se todas as mulheres procurassem espontaneamente o serviço de saúde para a realização do exame Papanicolau, entretanto ainda existem mulheres que dependem, por motivos individuais e muitas vezes sociais, de uma efetiva busca ativa da equipe de saúde da família para garantir a prevenção em saúde. Mas não basta introduzir a oferta dos exames preventivos na rede básica. É preciso mobilizar as mulheres mais vulneráveis a comparecem aos postos de saúde e utilizar os sistemas de referência para os casos passíveis de encaminhamento. No Brasil, observa-se que o maior número de mulheres que realizam o exame Papanicolau está abaixo de 35 anos de idade, enquanto o risco para a doença aumenta a partir dessa idade (BRASIL 2011a).
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A situação de saúde envolve diversos aspectos da vida, como a relação com o meio ambiente, o lazer, a alimentação e as condições de trabalho, moradia e renda. No caso das mulheres, os problemas são agravados pela discriminação nas relações de trabalho e a sobrecarga com as responsabilidades com o trabalho doméstico. (BRASIL, 2011a). O cadastramento das famílias é um importante instrumento da ESF que favorece busca efetiva das mulheres que apresentam alguma dificuldade para procurar espontaneamente os serviços de atenção primária à saúde. Uma vez que o agente comunitário de saúde (ACS) identifica e cadastra toda a população da área de abrangência do serviço, é possível acompanhar quantas e quais mulheres realizam o exame Papanicolau conforme o preconizado e quantas recebem orientações sobre medidas preventivas relacionadas ao câncer do colo uterino. De acordo com o Ministério da Saúde, a partir desse cadastro, é possível identificar todas as mulheres da faixa etária prioritária, bem como identificar aquelas que têm risco aumentado para a doença. Ao realizar o cruzamento entre as mulheres que deveriam realizar o exame e as que o realizaram, é possível definir a cobertura e, a partir daí, pensar em ações para ampliar o acesso ao exame. Avaliar a cobertura é tarefa fundamental das equipes, bem como a avaliação dos resultados dos exames, em especial os que apresentarem resultados insatisfatórios no caso do colo do útero (BRASIL, 2013). O enfermeiro pertencente a uma equipe da Estratégia Saúde da Família precisa, além de executar suas tarefas internas tais como realização de consultas, grupos operativos, visitas domiciliares, entre outros, acompanhar as informações da população da sua área de abrangência e agir preventivamente. As ações educativas precisam estar presentes na rotina de trabalho das equipes, em momentos coletivos e individuais, em diferentes ambientes parceiros tais como escolas, igrejas, associações de bairros, entre outros. A ESF incorporou como uma de suas diretrizes a definição de porta de entrada preferencial para o sistema de saúde, aliada ao desenvolvimento de ações de promoção de saúde, prevenção de agravos, formação de equipe multiprofissional, maior participação social e intersetorialidade (BRASIL, 2006). A ESF deve pautar suas ações em cinco princípios: a) caráter substitutivo das práticas convencionais de assistência à saúde; b) atuação territorial; c) desenvolvimento de atividades em função do planejamento local, focadas na família e comunidade; d) busca de integração com instituições e organizações sociais para o estabelecimento de parcerias; e) ser um espaço de construção de cidadania (BRASIL, 2006). A prevenção do câncer ginecológico, assim como o diagnóstico precoce e o tratamento, requer a implantação articulada de medidas como sensibilização e mobilização da população feminina; investimento tecnológico e em recursos humanos, organização da rede, disponibilidade dos tratamentos e melhoria dos sistemas de informação (BRASIL, 2011a). A prática de ações extramuros, exercida principalmente pelo enfermeiro e toda equipe de enfermagem, favorece a disseminação de informações acerca da prevenção do câncer do colo uterino e dos sinais de alerta, além da importância da realização dos exames e sua periodicidade. Para tanto é fundamental que, a partir do cadastramento de todos os usuários da sua área de abrangência, a equipe conheça sua população e planeje ações de educação em saúde sistematicamente. Estratégias como reuniões periódicas com os agentes comunitários de saúde, elaboração de um diagnóstico situacional, acompanhamento dos indicadores de saúde, realização de mutirões em horários alternativos, abordagem das usuárias que comparecem es-
pontaneamente ao serviço de saúde, contribuem para o melhor rastreamento de possíveis mulheres portadoras de células precursoras do câncer do colo uterino (BRASIL, 2013). A cada ano a Estratégia Saúde da Família enfrenta novos desafios, entretanto concomitantemente, esse modelo assistencial ganha forças e melhorias que garantem maior acessibilidade e qualidade de vida aos usuários do serviço. A prestação de serviços terá uma evolução positiva e constante se todos os profissionais envolvidos compreenderem o importante papel que desempenham à frente dos serviços de atenção primária à saúde. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Saúde da Mulher é uma importante vertente do Ministério da Saúde e, para que a assistência seja efetiva, é primordial priorizar ações preventivas que interfiram no número de novos casos de câncer do colo uterino e na resolutividade e recuperação das mulheres que precisarão de atendimento nas atenções secundária e terciária. Investir em prevenção significa menos adoecimento, menos complicações e mais pessoas dispostas a serem corresponsáveis pelo combate às doenças crônicas não transmissíveis. É preciso, prioritariamente, estreitar o vínculo entre a comunidade e a atenção primária à saúde a fim de garantir a equidade e a humanização da assistência. Cada profissional envolvido no processo precisa assumir a responsabilidade que lhe compete e intervir em benefício da saúde e controle de agravos, sistematicamente. A realização de uma revisão bibliográfica, fundamentada nas publicações do Ministério da Saúde, favoreceu o entendimento sobre a importância da equipe de Saúde da Família diante do enfrentamento dos problemas de saúde da população, em especial o combate ao câncer de colo do útero. Destaca-se a atuação do enfermeiro em um serviço de atenção primária à saúde que, além da realização de técnicas e procedimentos privativos, tem o singular e efetivo papel de promover educação em saúde, estimular toda a equipe a atuar preventivamente e envolver toda a comunidade na luta pela qualidade de vida. Os manuais e protocolos elaborados pelo Ministério da Saúde são uma ferramenta ímpar e gratuita de auxilio aos profissionais, pois descrevem detalhadamente as atribuições de todas as profissões inseridas na atenção primária à saúde. Tais documentos são atualizados periodicamente e alinham as condutas e garantem a uniformidade das ações de saúde em todo o país. É notório o destaque que os enfermeiros recebem nesses documentos e a valorização das estratégias educativas desempenhadas por esses profissionais. Diante de todas essas percepções e análises é possível constatar a atuação da Estratégia Saúde da Família em prol da coletividade, humanização e integralidade da assistência para que os resultados alcançados sejam positivos e, consequentemente, não haja impacto negativo na qualidade de vida da população, em especial na saúde da mulher. Todas essas questões são destacadas, priorizadas e descritas nas diferentes publicações do Ministério da Saúde. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Viva Mulher. Câncer do colo uterino: informações técnico-gerenciais e ações desenvolvidas. Rio de Janeiro, 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Controle dos canceres do colo do útero e da mama. Brasília, 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Guia prático do cuidador. Brasília, 2008.
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NOTAS DE FIM 1 Bacharel em Enfermagem. Especialista em Gestão Estratégica de Projetos. Experiência em ministrar cursos e palestras e em planejar e executar projetos com foco em educação em saúde. Atuação na área hospitalar e na Estratégia Saúde da Família. Atua como enfermeira do Curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Newton Paiva responsável pelo acompanhamento e orientação de estágios curriculares, bem como orientação de projetos com foco em educação em saúde. E-mail: fe.anjosoliveira@gmail.com 2 Bacharel em Enfermagem. Atuação na área hospitalar. Referência Técnica em Agravos à Saúde na Gerência de Epidemiologia e Informação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Atua como enfermeira do Curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Newton Paiva responsável pelo acompanhamento e orientação de estágios curriculares, bem como orientação de projetos com foco em educação em saúde. E-mail: larissabambirra@yahoo.com.br
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AVALIAÇÃO DA IMPORTÂNCIA DA AUDITORIA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE, UMA REVISÃO DA LITERATURA ATUAL Fernanda dos Anjos Oliveira¹ Larissa Cristine Bambirra dos Reis Pedroni²
RESUMO: O presente estudo tem como objetivo descrever a importância da auditoria como ferramenta para gestão, planejamento, monitoramento e avaliação na Atenção Primária à Saúde (APS). Foi realizada uma revisão literária narrativa capaz de proporcionar o aprimoramento das ideias e conceitos relacionados ao tema proposto. Para tanto foram selecionados 20 artigos, dos quais foram utilizados apenas 10, apresentando como critérios de inclusão artigos publicados entre os anos de 2000 a 2013, artigos em português e em texto completo disponível on line. Com este estudo foi possível identificar que a APS é primordial no sistema de saúde, visto que, suas ações influenciam em todos os outros níveis da atenção, sendo o primeiro contato da comunidade ao sistema de saúde, tendo esta o direito a um acesso humanizado e integralizado. É importante que a auditoria seja tratada como uma ferramenta que proporcione à APS identificar aspectos que devem ser aprimorados na busca por resultados mais satisfatórios. Foi confirmada através da literatura, a importância da auditoria da APS que garantirá uma segurança maior nos processos de trabalho. Observa-se que devido ao fato de se tratar de um núcleo de saúde onde a comunidade é o fator de principal intervenção da APS, é necessária a utilização de instrumento que garanta verificação e monitoramento da qualidade, e que provenha de cada vez mais fatores de cumprimento de normas e funcionamento adequados, para que assim o maior envolvido, o usuário, tenha sua atenção baseada nos princípios do SUS tão preconizados pelo nosso país. Palavras-chave: Auditoria Administrativa. Auditoria em enfermagem. Atenção Primária à Saúde.
1 INTRODUÇÃO A auditoria no Brasil teve seu inicio no período colonial, nestes primórdios a Colônia tinha que prestar contas à Coroa em relação ao recolhimento de tributos. Sendo assim, o processo de auditoria no país iniciou-se na área contábil, e desde então visa garantir qualidade nos serviços prestados à todas as organizações. A auditoria em saúde vem sendo utilizada há aproximadamente 50 anos, e é cada vez mais reconhecida como ferramenta para gestão objetivando a conformidade nos processos e controle da qualidade (LIMA, 2013). A Atenção Primária a Saúde (APS) é o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o Sistema Único de Saúde (SUS), ela leva a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde (CAMPOS et al 2006). Desde a Conferência Internacional sobre Cuidados de Saúde Primários na cidade de Alma-Ata em 1978, a qualidade no atendimento em saúde vem sendo amplamente discutida. Através da declaração de Alma-Ata, ficou estabelecido que a APS é baseada em tecnologia e métodos cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias da comunidade e a um custo que tanto a comunidade como o país possam arcar em cada estágio de seu desenvolvimento. A APS, é sinônimo de cuidado integral, onde o acolhimento, o vínculo, e a equipe de trabalho, são essenciais na busca pela excelência no atendimento ao usuário (LIMA-COSTA et al 2013). Como em qualquer instituição prestadora de serviços, na APS deve haver uma forma de auditoria visando à avaliação do serviço prestado. Tarefa que deve ser estruturada, dado que a APS está contida em um sistema complexo, onde vários fatores que determinam o seu sucesso ou insucesso (DIAS et al 2011).
As principais características da APS são: Constituir uma porta de entrada no serviço à saúde, onde o individuo possa manter seu vínculo com o serviço ao longo do tempo, dando continuidade ao cuidado; Oferecer atendimento integralizado, em que os serviços do nível primário podem realizar visitas domiciliares, reuniões com a comunidade e ações intersetoriais além de organizar, coordenar e/ou integrar esses cuidados (STARFIELD, 2002). Para a garantia desses cuidados foi criada à Estratégia Saúde da Família (ESF) em 1994, sendo um modelo de APS focada na unidade familiar e construída operacionalmente na esfera comunitária; e ainda um modelo coletivo de atenção primária, com a peculiaridade de ser construído no âmbito de um sistema de saúde público e universal (LEÃO; CALDEIRA 2011). Com a crença do custo-efetividade positivo das ações da APS e da possibilidade de melhor estruturar o SUS, a implementação da ESF veio acompanhada de ampla transferência de responsabilidade e adição de novos atores nos processos de decisões de saúde no nível local. A ESF trouxe consigo importante impacto nos mecanismos de gestão de saúde no Brasil, especialmente sob os princípios organizativos do SUS, de universalidade, descentralização, integralidade e controle social (LEÃO; CALDEIRA 2011). Com a consolidação do SUS assumindo o compromisso com a garantia ao acesso, universalização e qualidade dos serviços, além do controle social tornou-se necessário criar mecanismos que possibilitassem o cumprimento destes parâmetros. Sendo assim em 1996, o Ministério da Saúde elaborou a primeira edição de um Manual de Normas de Auditoria e em agosto de 1998, foi lançada a segunda edição (LEÃO; CALDEIRA 2011). O departamento nacional de auditoria do SUS (DENASUS) apresenta em sua publicação Orientações para Proceder na Auditoria da
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Atenção Básica (2004) a definição de Atenção Básica como “um conjunto de ações, de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção nos sistemas de saúde, voltada para a promoção de saúde, prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação”. O SUS apresenta inúmeras fragilidades e ainda necessita de transformações para uma melhor atuação e cobertura do maior numero possível de usuários dependentes do mesmo. Existem diversos problemas como: falhas na comunicação em rede, longas filas de espera, atendimento focado na demanda aguda, comunicação ineficaz com atenção terciária e ainda ausência de materiais básicos para prestação de serviço qualitativo à comunidade, estes fatores interferem ativamente na qualidade do serviço e necessitam de avaliação criteriosa para melhoria e progressão do cuidado prestado com maior excelência. Dentro do processo de auditoria existem três pilares em que se baseiam as avaliações dos serviços de saúde, são: estrutura, processo e resultado. O primeiro refere-se à recursos físicos, humanos, maquinário, bem como normas e rotinas. Já o segundo retrata sobre a utilização desses recursos de forma qualitativa e quantitativa. O último demonstra as consequências das atividades desenvolvidas nas instituições de saúde. Vinculando a auditoria com os problemas encontrados na APS espera-se uma melhoria de processos de atenção ao usuário, não só no cuidado à doença já estabelecida, mas focando na prevenção de doenças e ações que visem cada vez mais a promoção da saúde integral e coletiva (SILVA, 2012). Visto que o cenário atual do SUS Brasileiro demonstra uma fragilidade da qualidade do cuidar, trabalhamos com o seguinte questionamento: “Qual a importância da auditoria na Atenção Primária à Saúde para o processo de qualidade nos serviços do SUS?” Através dos conceitos expostos observamos a necessidade de abordar o tema “Avaliação da importância da auditoria na Atenção Primária à Saúde” com o objetivo de comprovar a importância da auditoria como ferramenta para gestão, planejamento, monitoramento e avaliação na Atenção Primária à Saúde. Para tanto, os objetivos específicos são: demonstrar o conhecimento dos profissionais sobre o papel da APS; revelar a importância da qualidade do serviço sobre a visão desses profissionais atuantes; levantar pontos importantes da auditoria no SUS; apresentar a auditoria da APS e a importância da realização da mesma para melhoria da qualidade do serviço prestado ao usuário. Com base nos objetivos apresentados levantamos a hipótese de que a auditoria é uma ferramenta de grande importância para a qualidade do atendimento prestado nos serviços da APS dado que, proporciona o apontamento de fatores que precisam ser revistos de acordo com a avaliação dos processos, estruturas e da adesão e promoção de programas de educação continuada, pois acreditamos
Foram utilizados os seguintes descritores: “atenção primaria a saúde”, “auditoria administrativa” e “auditoria em enfermagem”. O estudo teve como critérios de inclusão artigos publicados entre os anos de 2000 a 2013, artigos em português e em texto completo disponível on line. Dentre os critérios de exclusão estão os artigos em língua estrangeira, textos não disponíveis na integra on line e publicações anteriores ao ano 2000, além de artigos com resumo pouco integrativo relacionado ao tema. Trata-se de uma revisão de literatura narrativa, a mesma não utiliza critérios explícitos e sistemáticos para a busca e análise crítica da literatura. A busca pelos estudos não precisa esgotar as fontes de informações. Não aplica estratégias de busca sofisticadas e exaustivas. A seleção dos estudos e a interpretação das informações podem estar sujeitas à subjetividade dos autores.
que quando as unidades dão essa real importância, os profissionais atuam de forma mais comprometida e embasada para alcançar a melhoria da qualidade de vida dos usuários. 2 MÉTODOS E MATERIAIS Para atingir o objetivo proposto buscou-se realizar uma pesquisa exploratória apresentando os conceitos encontrados acerca do tema. O trabalho foi conduzido de forma a identificar, analisar e sintetizar estudos já publicados sobre o assunto, possibilitando uma discussão e disseminação do mesmo no meio acadêmico. Este estudo fundamentou-se na pesquisa de artigos publicados em bibliotecas eletrônicas disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (Bvs) e Scientific Electronic Library Online (Scielo), e (Dedalus), que apresentam periódicos nacionais com artigos pertinentes ao tema, sendo eles: Revista Baiana de Saúde Pública, Caderno de Saúde Pública do Rio de Janeiro, Revista Ciência e Saúde Coletiva.
Para se compreender os problemas da organização, é necessária a visão dos sujeitos envolvidos e as relações que se estabelecem entre as pessoas e seus grupos de interesse, para que assim ocorra um funcionamento adequado da APS (PUCCINI, 2012). Diante destas informações faz-se necessária a utilização de ferramentas uma delas é a auditoria que será descrita detalhadamente no âmbito SUS, APS e bem como a sua importância para essa rede de atenção primária que é tão necessária, útil e se bem feita primordial para o avanço e melhorias do SUS.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 O papel da APS sob o ponto de vista dos profissionais atuantes A atenção primária visa o cuidado longitudinal do indivíduo, para a maioria dos problemas e necessidades em saúde. A atenção integral, a provisão de cuidados no contexto da família e da comunidade, assim como a coordenação dos diferentes níveis de atenção, são componentes desse modelo de atenção (LIMA-COSTA et al 2013). Segundo um estudo realizado, para se desenvolver uma organização de serviços e uma prática comprometida com a integralidade do cuidado, precisa-se da concretização desse principio, mas para isso, requere-se a superação do entendimento da rede básica como sinônimo de equipe mínima, simplificada, com baixa resolubilidade, sem trabalho em equipe multiprofissional (PUCCINI, 2012). Ainda segundo alguns profissionais, deste mesmo estudo, foi considerado que deveriam ocorrer mudanças no processo de trabalho das Unidades Básicas de Saúde – UBS , que incluísse acolhimento, atendimento não agendado, trabalho em equipe multiprofissional, definição de protocolos. Já outros, defenderam que a solução estaria em propostas de educação da população para que ela aprendesse a utilização adequada dos serviços de saúde e não se valesse da consulta não agendada na UBS. Muitos dos que afirmaram que não era papel da UBS assumir tal demanda enfatizaram que isto poderia ser adequadamente resolvido com a ampliação de unidades de pronto-atendimento (PUCCINI, 2012). Dentre as visões citadas neste estudo, vale ressaltar que estas integram-se ao conjunto de questões que permeiam a ampliação do acesso na APS. Não se pode reduzir todos os problemas somente em recursos disponíveis, processos normalizados e volume de produção de atos e procedimentos, estes isolados não são suficientes para a compreensão da estruturação da atenção primária em cada local.
3.2 A auditoria no SUS É um instrumento que visa o fortalecimento do SUS, a fim de promover a garantia do acesso, qualidade da atenção e recursos adequados e alocados devidamente. Esse sistema trabalha de forma complexa, pois depende da quantidade e da qualidade das informações ofertadas, para assim trabalhar e interpretar cada uma, de forma cuida-
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dosa. A auditoria é parte integrante da gestão estratégica e participativa e atua como instrumento de qualificação da gestão (BRASIL, 2011). A Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do SUS (SGEP) é o órgão criado para a efetivação da participação social nos processos de saúde. Na SGEP, a auditoria é considerada um instrumento da gestão que fortalece o SUS. Deve estar em constante processo de mudança, no que se refere às práticas de auditoria, e esta, na perspectiva da saúde coletiva, incorpora a avaliação da qualidade das ações de promoção, prevenção e assistência visando, especialmente, a redução das iniquidades, a garantia do direito ao acesso e a eficiência das ações e serviços, que é medida por indicadores de saúde além da efetividade da participação e controle social, sem prejuízo de suas demais funções (BRASIL, 2011). A auditoria requer profissionais que trabalhem com um olhar social para as questões de resolutividade do SUS, que visem assim uma contribuição efetiva na construção de um novo modelo de saúde, com conceito ampliado, onde haja a junção de qualidade de vida e cidadania (BRASIL, 2011). A auditoria deve realizar ações de cooperação técnica com os conselhos municipais, estaduais e o nacional de saúde e também com os gestores, nas três esferas de gestão. Com objetivo de junção e apoio a qualificação da gestão mediante as informações compartilhadas e ações pactuadas, de modo a orientar, colaborar, corrigir impropriedades, coibir irregularidades, avaliar o impacto das ações, repercutindo assim na melhoria da gestão pública de saúde, com visão integral da rede, refletindo então na satisfação do usuário e na melhoria da qualidade de vida da população (BRASIL, 2011). Dentre as diretrizes da Auditoria no SUS estão: a capilaridade, descentralização e integração para garantir atuação em todo o território nacional, com divisão e definição de tarefas específicas de cada esfera de gestão do SUS; A Integração com outros órgãos das estruturas gestoras do SUS, como planejamento, controle e avaliação, regulação e vigilância em saúde e outros órgãos integrantes do sistema de controle interno e externo; Foco na qualidade das ações e serviços e nas pessoas, com ênfase na mensuração do impacto das ações de saúde, na respectiva aplicação dos recursos, na qualidade de vida e na satisfação do usuário (BRASIL, 2011). 3.3 Auditoria na APS O Decreto nº 1.651 de 28 de setembro de 1995, que regulamenta o Sistema Nacional de Auditoria no âmbito do SUS, define auditoria como sendo a “análise prévia, concomitante ou da legalidade dos atos da administração orçamentária, financeira e patrimonial, bem como a regularidade dos atos técnico-profissionais, praticados por pessoas físicas e jurídicas”. A auditoria consiste em uma forma de investigação que tem o intuito de verificar o cumprimento de critérios e ações. Este autor considera os seguintes indicadores, conhecidos como os 3 E’s da gestão pública, eficiência, eficácia e efetividade, ele garante que a presença dos mesmos caracteriza um bom funcionamento administrativo (MELO 2008, apud BARZELAY). A auditoria na APS é considerada complexa por depender de inúmeros fatores responsáveis pelo seu desempenho. Foi então elaborado o Roteiro de Auditoria Operativa em Unidade Básica de Saúde – UBS, pelos técnicos do DENASUS (Departamento Nacional de Auditoria do SUS) em conjunto com a Coordenação da Atenção Básica do Ministério da Saúde. Foram selecionados parâmetros e indicadores para a análise da APS independente da habilitação da gestão do município (DENASSUS, 2004). O roteiro de auditoria segue o esquema clássico de avaliação, onde se aborda: estrutura, processo e resultado. O item Estrutura é
entendido como toda base necessária ao funcionamento da unidade, devendo ser avaliadas as condições físicas e as instalações; a tecnologia, instrumentos e equipamentos; os recursos humanos e nível de capacitação do pessoal; e a estrutura organizacional. O item Processo está relacionado ao conjunto de ações, programas e atividades da Atenção Primária a Saúde, bem como as questões de acesso aos outros níveis de complexidade, referência e contra-referência. O item Resultado contempla as mudanças verificadas no estado de saúde da população, através dos indicadores epidemiológicos, além de entrevistas com pacientes para verificação de informações, portanto, consiste em uma fase analítica de avaliação, onde são analisados documentos e relatórios, com a finalidade de fazer um diagnóstico da situação atual de saúde da população (DENASSUS, 2004). Na auditoria no âmbito da saúde, deve-se ocorrer uma adequação dos indicadores aos da realidade da instituição que será auditada, desde que sejam respeitadas as expectativas de solução para os problemas. A priorização dos indicadores de processos e de resultados amplia a abrangência da auditoria (MELO, 2008 apud REIS, PINA E TORRES). Sob a perspectiva do Sistema Nacional de Auditoria, a auditoria pode ser classificada quanto ao tipo, à causa desencadeante, à consequência da ação, ao nível realizador e ao objeto da ação. Diante dessa temática, vale ressaltar que a tipologia da auditoria é um item de relevância para o presente estudo, portanto o mesmo está retratado a seguir (MELO 2008, apud BARZELAY 2002). São dois tipos, auditoria analítica e operativa. A auditoria analítica constitui-se de um conjunto de atividades que procuram analisar a formulação, a implementação e os resultados de uma política, visando reorientá-la ou reformulá-la. Tem como base a análise de dados estatísticos, documentos, laudos, processos, relatórios, taxas, no sentido de verificar o atendimento às normas e padrões preestabelecidos e redirecionar o modelo de atenção à saúde (MELO, 2008 apud MINAS GERAIS, 1997; JUHÁS, 2002). A auditoria de natureza operacional é a verificação das atividades, procedimentos e condições estruturais. Ela consiste nas atividades de controle das ações, através do exame dos fatos e situações, ensaios, medição, observação e outras técnicas, com o objetivo de sistematizar procedimentos. Tem a finalidade confirmar ou não o atendimento às normas e leis, bem como adequação, conformidade, eficiência e eficácia do processo de trabalho em saúde, além dos seus outros dispositivos de controle existentes, como a avaliação, controle interno e externo e regulação, sugerindo assim soluções alternativas para a melhoria do desempenho operacional (MELO, 2008 apud MINAS GERAIS, 1997; JUHÁS, 2002). 3.4 A importância da Auditoria na APS Independente de suas diversas modalidades, a auditoria tem o objetivo de gerar novos conhecimentos e/ou corroborar ou refutar conhecimentos pré-existentes. É um processo crítico, e deve ser contínuo, para que ocorram análises e ações fidedignas nas instituições as quais se presta um serviço, principalmente na área da saúde, visando assim a otimização da gestão administrativa, através da verificação e controle dos processos e resultados (MELO, 2008). Ela tem a capacidade de assegurar benefícios, verificando se estes se encontram dentro dos princípios legais, normas e legislações vigentes, visa também diminuir riscos e possibilitar maior eficiência em diversas atividades. A auditoria deve estar o mais próximo possível, quanto a realidade da unidade à ser auditada, respeitando os princípios éticos básicos como a autonomia, a beneficência e a justiça. É a partir desse respeito, a realidade, que se ampliam os graus de adequação dos programas propostos, e
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é assim que se torna possível, a reversão da verticalidade do modelo clinico- assistencial que prevalece nessa unidade, corroborando e fortalecendo ações preventivas, coletivas, e legitimando atividades, eventos e serviços desenvolvidos na UBS, promovendo cada vez mais autonomia para a gestão e para a unidade auditada (MELO, 2008 apud RODRIGUES et al., 1988; MEJÍA, 2001; GUIDO OSÓRIO et al., 2002; SILVA; FISCHER, 2004). Existem requisitos básicos para viabilizar a autonomia profissional de um auditor, dentre estes está a não atuação profissional nas atividades que irá auditar, preservando assim a ética; agir com cautela, discrição, sigilo e zelo; manter-se atualizado tecnicamente; ter o apoio e a confiança individual dos coordenadores do serviço, dos usuários e da instituição; estar apto a formular e implementar normas, procedimentos e técnicas para o desempenho da auditoria, assumindo uma posição de independência e imparcialidade (MELO, 2008 apud MANUAL DE NORMAS DE AUDITORIA 1998). Para realizar-se a auditoria no Campo da Saúde, existem etapas norteadoras para que o processo ocorra da melhor forma possível. São essas: planificação dos objetivos (delineando as atividades, os recursos necessários e áreas críticas); o exame e a avaliação da informação; a apresentação dos resultados; a divulgação desses resultados; e a adoção de ações para a melhoria do serviço. Estas etapas devem estar alinhadas a um processo de avaliação estruturado, que seja capaz de atingir dimensões sociais e técnicas, além de consolidar juntamente dados epidemiológicos que orientem o planejamento do serviço, e beneficie o mais importante ator envolvido em questão, que é o usuário do serviço. A auditoria carrega consigo uma dimensão social importante, pois os valores construídos socialmente são alinhados a subjetividade, de quem avalia o serviço e do serviço que é avaliado. Essa peculiaridade demanda a incorporação das perspectivas dos atores sociais envolvidos e um método de análise qualitativa. A importância dessa abordagem liga-se diretamente ao objetivo da auditoria que é a qualidade (MELO, 2008 apud GUIDO OSÓRIO et al., 2002). Para se nortear o processo de auditoria existem privilégios ou vantagens como, por exemplo, a revisão por pares e a melhoria dos seus instrumentos, a estruturação e operacionalização de protocolos que orientem as práticas e o enfoque na “triangulação”, com a inserção e integração das diversas teorias, métodos, procedimentos de coleta e análise dos dados (MELO, 2008 apud CAMACHO; RUBIN, 1996; HARTZ; CAMACHO, 1996). CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este estudo foi possível identificar que a APS é primordial no sistema de saúde, visto que, suas ações influenciam em todos os outros níveis da atenção, sendo o primeiro contato da comunidade ao sistema de saúde, tendo esta o direito a um acesso humanizado e integralizado. A criação da Estratégia Saúde da Família foi um importante passo para o cumprimento e garantia a esse atendimento, baseado nos princípios do SUS, de universalidade, descentralização e integralidade. Mas para o cumprimento desse atendimento, é necessário utilizar-se mecanismos de avaliação e monitoramento das atividades desenvolvidas na APS. No que se refere a esses mecanismos, percebeu-se que a auditoria é um importante instrumento utilizado no sistema único de saúde, como forma de garantir um atendimento de qualidade aos usuários, fortalecendo assim ações de promoção, prevenção e assistência em todos os níveis do SUS. Para a avaliação das APS o Departamento Nacional de Auditoria
dos SUS elaborou o Roteiro de Auditoria Operativa em Unidade Básica de Saúde, seguindo o esquema de avaliação, onde se aborda: estrutura, processo e resultado. Consistindo em atividades que avaliam o cumprimento das normas e leis, bem como adequação, conformidade, eficiência e eficácia do processo de trabalho em saúde, e sugerindo soluções alternativas para a melhoria do desempenho operacional. Dessa forma a auditoria na APS constitui em uma intervenção de relevância, pois permite que avalie a qualidade da assistência básica e sua organização, fornecendo meios para que os profissionais possam se orientar em suas atividades. Permitindo dessa forma que as APS possa ter profissionais capazes e comprometidos com as ações de promoção a saúde, consequentemente proporcionando uma melhoria na qualidade de saúde da comunidade. Percebe-se que a hipótese levantada no inicio do trabalho foi confirmada através da literatura, a importância da auditoria da APS garantirá uma segurança maior nos processos de trabalho. Observase que devido ao fato de se tratar de um núcleo de saúde onde a comunidade é o fator de principal intervenção da APS, é necessária a utilização de instrumento que garanta verificação e monitoramento da qualidade, e que provenha de cada vez mais fatores de cumprimento de normas e funcionamento adequados, para que assim o maior envolvido, o usuário, tenha sua atenção baseada nos princípios do SUS tão preconizados pelo nosso país. REFERENCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Auditoria do SUS : orientações básicas. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Sistema Nacional de Auditoria. Departamento Nacional de Auditoria do SUS. – Brasília : Ministério da Saúde, 2011. CAMPOS et al Atenção Primária à Saúde e a Estratégia da Saúde da Família. Cap. 25 do Tratado de Saúde Coletiva. (Orgs)São Paulo:Hucitec; Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2006. DENASUS, Orientações para Proceder Auditoria na Atenção Básica. Ministério da Saúde. Brasilia, 2004. DIAS, Teresa Cristina Lyporage; SANTOS, José Luís Guedes dos; CORDENUZZI, Onélia da Costa Pedro and PROCHNOW, Adelina Giacomelli. Auditoria em enfermagem: revisão sistemática da literatura. Rev. bras. enferm. [online]. 2011, vol.64, n.5, pp. 931-937. ISSN 0034-7167. LEAO, Claudia Danyella Alves and CALDEIRA, Antônio Prates. Avaliação da associação entre qualificação de médicos e enfermeiros em atenção primária em saúde e qualidade da atenção. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2011, vol.16, n.11, pp. 4415-4423. ISSN 1413-8123. LIMA-COSTA, Maria Fernanda; TURCI, Maria Aparecida and MACINKO, James. Estratégia Saúde da Família em comparação a outras fontes de atenção: indicadores de uso e qualidade dos serviços de saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad. Saúde Pública [online]. 2013, vol.29, n.7, pp. 1370-1380. ISSN 0102-311X. LIMA, Eliana Claudino; ANGELO, Maria Lucia Bom; DEMARCHI, Tatiana Magalhães. Auditoria de qualidade: melhoria dos processos em um hospital público. RAS _ Vol. 15, Nº 58 – Jan-Mar, 2013. MELO, Marilene Barros de; VAITSMAN, Jeni. Auditoria e avaliação no sistema único de saúde. Säo Paulo perspect; 22(1): 152-164, Jan.-Jun. 2008. Artigo em Português | Coleciona SUS (Brasil) | ID: sus-25456 PUCCINI, Paulo de Tarso et al. Concepção de profissionais de saúde sobre o papel das unidades básicas nas redes de atenção do SUS/Brasil. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2012, vol.17, n.11, pp. 2941-2952. ISSN 1413-8123 STARFIELD,Barbara. Atenção primária: Equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco, Ministério da Saúde, 2002.
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NOTAS DE FIM 1 Bacharel em Enfermagem. Especialista em Gestão Estratégica de Projetos. Experiência em ministrar cursos e palestras e em planejar e executar projetos com foco em educação em saúde. Atuação na área hospitalar e na Estratégia Saúde da Família. Atua como enfermeira do Curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Newton Paiva responsável pelo acompanhamento e orientação de estágios curriculares, bem como orientação de projetos com foco em educação em saúde. E-mail: fe.anjosoliveira@gmail.com 2 Bacharel em Enfermagem. Atuação na área hospitalar. Referência Técnica em Agravos à Saúde na Gerência de Epidemiologia e Informação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Atua como enfermeira do Curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Newton Paiva responsável pelo acompanhamento e orientação de estágios curriculares, bem como orientação de projetos com foco em educação em saúde. E-mail: larissabambirra@yahoo.com.br
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PROJETO DE EXTENSÃO GRAVIDEZ NA ADOLESCENCIA: um relato de experiência Brizzi Faria Mendesi Daiana de Paula Coelhoi Daniele Augusta da Costai Rosilene da Consolação Moura Coutinhoi Renata Lacerda Prata Rochaii
Resumo: Trata-se de um relato de experiência descritivo, acerca da vivência das acadêmicas do curso de enfermagem, sobre a participação em um projeto de extensão universitária no âmbito escolar, voltado para a saúde do adolescente no contexto da prevenção da gravidez na adolescência. O objetivo do projeto foi conscientizar os alunos sobre a importância do autocuidado relacionado a higiene e prevenção de gravidez na adolescência, bem como sobre o respeito consigo e com o próximo. Nas atividades realizadas foram utilizados vários métodos instrucionais tais como: pré e pós teste, dinâmicas lúdicas, jogos, teatro e rodas de bate-papo. Apesar da inquietação característica dessa fase de vida, pode-se observar um grande interesse por parte dos adolescentes a respeito da sexualidade e da puberdade. É imperioso que projetos com enfoque na saúde sejam desenvolvidos nas escolas, pois a sexualidade na adolescência é um tema complexo, que gera muitas dívidas, e requer acompanhamento contínuo. Palavras Chave: Adolescência. Gravidez na adolescência. Higiene na adolescência.
INTRODUÇÃO O Curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Newton Paiva, desenvolve diversos projetos de extensão universitária, entre eles o projeto “Gravidez na Adolescência”, que possui como objetivo conscientizar os adolescentes sobre a importância da prevenção da gravidez indesejada e de doenças sexualmente transmissíveis por meio da adoção de comportamentos seguros. Esse projeto é realizado por discentes do curso de enfermagem da referida Instituição de Ensino Superior (IES), sendo coordenado pela docente da disciplina de Estágio Supervisionado em Enfermagem. Os acadêmicos de enfermagem participam desenvolvendo atividades educativas em duas escolas públicas localizadas no entorno da IES, levando-se em consideração as necessidades da fase de vida do adolescente, bem como os métodos instrucionais mais adequados para esse fim. Dessa forma, são desenvolvidas estratégias de ensino específicas para a idade, utilizando-se recursos de aprendizagem adequados aos adolescentes, tais como: grupos de discussões, dramatizações e jogos. A gravidez na adolescência é considerada atualmente um problema de saúde pública, e um desafio a ser enfrentado pela sociedade, governo e profissionais tanto da saúde como da educação. Como docente e discentes, acreditamos que trabalhar a temática “gravidez na adolescência “no contexto do ambiente escolar, principalmente no que diz respeito a sua prevenção, é imprescindível para que se tenha uma maior compreensão do problema, reconhecendo as limitações das abordagens utilizadas na mudança da realidade da situação. É imperioso que haja uma mudança na forma de abordar essa temática, visando a uma atenção que promova, realmente, uma melhoria na saúde da população adolescente. Dessa forma, a importância da realização do projeto “Gravidez na Adolescência” relaciona-se com o fato da necessidade de envolver outros espaços, que não unicamente os especificamente da saúde, na educação sexual de adolescentes; como por exemplo, a escola, considerando o seu papel primordial, na educação dos adolescentes, com vistas na promoção da saúde. Por meio da realização desse projeto pode-se fortalecer o
poder de decisão do adolescente sobre a sua capacidade de negociação e recusa diante de comportamentos de risco e não desejável considerando a amplitude de alcance da educação em saúde. Considera-se também que o desenvolvimento de atividades de extensão universitária é um importante elo entre a instituição de ensino e a comunidade, além de ser primordial na formação de alunos, mais críticos, reflexivos e conscientes de seu papel na sociedade. Assim, o desenvolvimento de um projeto de extensão, voltado para abordagem do adolescente no contexto da gravidez nessa fase de vida, se justifica, pela atualidade e importância do tema, além da necessidade de viabilizar publicações a esse respeito. Diante do exposto, busca-se por meio desse relato, descrever a experiência dos acadêmicos de enfermagem no desenvolvimento de um projeto de extensão universitária no âmbito escolar voltado para a saúde do adolescente no contexto da prevenção da gravidez na adolescência. GRAVIDEZ NA ADOLESCENCIA – CONTEXTUALIZANDO O PROBLEMA A adolescência se refere, segundo a Organização Mundial da Saúde, ao período correspondente dos 10 aos 19 anos, sendo a pré -adolescência dos 10 aos 14 anos e a adolescência, propriamente dita, dos 15 aos 19 anos. (1WHO, 1986) Nessa fase, ocorrem profundas mudanças, caracterizadas principalmente pela aceleração do crescimento, surgimento de características sexuais secundárias, mudança da composição corporal, eclosão hormonal, conscientização da sexualidade, estruturação da personalidade, adaptação ambiental e integração social (2YAZLLE, 2006; 3CAMARGO, FERRARI, 2009). As transformações relacionadas à essa fase da vida, associadas à desinformação e falta de conscientização, em algumas ocasiões, expõe o adolescente a viver sua sexualidade, através de práticas sexuais desprotegidas. (3CAMARGO, FERRARI, 2009). A situação se agrava, pois soma-se a esse fato, à falta de comunicação entre os familiares e escola, receios em falar sobre sexualidade, busca de informações em fontes pouco seguras ou incapazes de ajudá-los e ausência de suporte psicológico e social. (4BRASIL,
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2008;2YAZLLE, 2006; 3CAMARGO, FERRARI, 2009). Esses fatores contribuem para a ocorrência de situações de riscos em uma faixa etária ainda em desenvolvimento. (4BRASIL, 2008; 2YAZLLE, 2006;5CAMARGO, FERRARI,2009). Tais situações podem ser evidenciadas pela maior incidência de gestações em adolescentes, principalmente abaixo dos 15 anos; o que na atualidade tem sido um desafio para profissionais, governo e sociedade (4BRASIL, 2008; 5 BRASIL, 2012) A gravidez na adolescência é considerada um problema de saúde pública, e uma situação de risco psicossocial que pode ser reconhecida como um problema para os jovens que iniciam uma família não intencionada. Ela pode acarretar complicações obstétricas, com repercussões negativas para a mãe e a criança, afetando, especialmente, a biografia da juventude e sua possibilidade de elaborar um projeto de vida estável. (2YAZLLE, 2006, 6GURGEL, 2008) Nesse sentido, torna-se urgente e imprescindível, que sejam elaborados projetos e ações voltadas para a busca de soluções para esse problema, realizando-se ações mais efetivas, reorientadas para a abordagem Inter setorial e interdisciplinar de modo que possam realmente alcançar sua efetividade. (6GURGEL, 2008) Para tal, é imperioso considerar que os comportamentos e decisões sexuais do adolescente são influenciados pelas interações que ele desenvolve com outros jovens do seu vínculo familiar e social, e inclusive no ambiente escolar. (7BRASIL, 2013) Dessa forma, é importante, na abordagem de medidas preventivas voltadas para o adolescente, considerar a escola como um lugar propício e adequado para se desenvolver atividades educativas e trabalhar conhecimentos, habilidades e mudanças de comportamento, tendo em vista ser um local em que o adolescente permanece o maior tempo do seu dia. (7BRASIL, 2013) É necessário que os projetos voltados a esse público, abordem a sexualidade, com enfoque na prevenção da gestação precoce e nas orientações sobre os assuntos relacionados a ela (8BERETTA et al, 2011). PERCURSO METODOLOGICO Trata-se de um relato de experiência descritivo, acerca da vivência das acadêmicas do curso de enfermagem, sobre a participação em um projeto de extensão universitária no âmbito escolar, voltado para a saúde do adolescente no contexto da prevenção da gravidez na adolescência. O local de desenvolvimento do projeto foi uma Escola Municipal localizada no Bairro Grajaú, na região oeste de Belo Horizonte - MG. A escola assiste alunos de 6 a 14 anos, que vivem no aglomerado Morros das Pedras e nos bairros da região, por meio do projeto da prefeitura de Belo Horizonte denominado Escola Integrada, no qual os alunos passam o dia na escola, participando de diversas atividades extracurriculares, além do ensino habitual. Uma dessas atividades extracurriculares foi o projeto “gravidez na adolescência”, que aconteceu às quintas feiras, dos meses de Setembro, Outubro e Novembro. Em cada mês uma turma participou do projeto, sendo assistidos, alunos de 9 a 13 anos de idade, que fazem parte da escola integrada, e estão na 4º, 5º e 6º séries. Anteriormente à execução do projeto, foram realizadas várias reuniões entre a coordenadora do projeto e as acadêmicas de enfermagem envolvidas, a fim de planejar as ações a serem realizadas. Foi definido que os temas a serem trabalhados com os alunos durante o desenvolvimento do projeto seriam: Puberdade, Higiene corporal e oral, Gravidez na adolescência e suas consequências e consciência corporal. O tema higiene, foi incluído no projeto, considerando uma demanda da escola, tendo em vista, a precária higiene dos alunos, bem como as noções da importância sobre a mesma. Para trabalhar os temas, foram
utilizados diversos métodos instrucionais, tais como: dinâmicas lúdicas, jogos, teatro e rodas de bate-papo. A ludicidade é tal qual a infância, um construto cultural. Ela foi pensada como principal meio de socialização de crianças e adolescentes no mundo dos adultos (9CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO NORDESTE, 2008). Utilizar grupos de discussões, dramatização ou jogos como métodos de estabelecimento de valores e resolução de problemas é essencial, pois canalizam a necessidade adolescente de pertencimento e de estar ativamente envolvido nas tarefas, estimulando o aprendizado. À medida que um facilitador propõe e conduz discussões, encoraja os participantes a aprofundarem-se no tema, e o educador enfermeiro deve confiar na escuta ativa, os alunos podem fornecer informações sobre sua percepção em relação a suas necessidades de aprendizagem. O que os adolescentes pensam de si mesmos e do mundo influencia significativamente os assuntos de saúde com os quais se deparam com vários riscos, inclusive a gravidez na adolescência ou doenças sexualmente transmissíveis (10BLASTABLE, 2010). O conteúdo a ser trabalhado foi divido em três encontros. Para cada encontro foi confeccionado um Plano de Ação Educativo (PAE), que continha o objetivo das ações a serem desenvolvidas naquele dia, bem como o período programado para seu desenvolvimento, recursos utilizados, métodos instrucionais, conteúdo a ser trabalhado, responsável pelo dia da ação, resultados esperados e avaliação. Inicialmente, como forma de avaliar o conhecimento dos alunos sobre os temas abordados no projeto antes do trabalho ser desenvolvido por meio das atividades, foi elaborado um pré-teste, com perguntas objetivas. Se bem construídos e moderadamente utilizados, os testes melhoram a capacidade de atenção do aluno, a retenção do tema trabalhado, ativa o processamento dos conteúdos e ajudam a consolidar as aprendizagens (11BRASIL, 2002). O pré-teste foi composto de perguntas, relacionadas ao conhecimento do aluno sobre gravidez na adolescência, alterações na puberdade e higiene. Esse instrumento também foi aplicado após a finalização do projeto em cada turma, a fim de avaliar o conhecimento dos alunos após o desenvolvimento do projeto. Além disso, foi apresentada aos alunos uma caixa, denominada “caixa correio”, que teve como objetivo esclarecer as dúvidas dos alunos participantes do projeto, sobre o tema central e os relacionados. Por meio desse instrumento visava-se criar um meio de comunicação entre os acadêmicos e os adolescentes, para que os mesmos pudessem expor suas dúvidas de forma anônima, depositando-a na caixa sem ser identificado. Ao término de cada mês, as questões levantadas pelos próprios adolescentes, foram esclarecidas, a partir da literatura científica, pelas acadêmicas responsáveis pela atividade. Após o término de cada dia foi planejada uma forma diferente de se realizar a avaliação dos alunos acerca das atividades desenvolvidas; que serviu como um direcionador para as acadêmicas, tendo em vista que a partir da visão dos alunos poderia se ter a percepção do que teria necessidade de mudar ou de melhorar, com vistas a atingir os objetivos do projeto. Utilizaram-se instrumentos de avaliação específicos para cada atividade que identificavam as respostas subjetivas e objetivas dos alunos. O acompanhamento do projeto se deu por meio de reuniões mensais com a coordenadora, a fim de discutirmos os pontos positivos e negativos de cada experiência e o que seria preciso melhorar para os próximos encontros. Ao longo do semestre os dados do pré e pós teste foram compilados e apresentados em gráficos e tabelas, sendo os resultados analisados em relação a sua frequência absoluta e relativa e discutidos descritivamente sob a luz da literatura. Todo esse material configurouse no Relatório Final do projeto.
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O RELATO DA EXPERIENCIA As atividades foram desenvolvidas da seguinte forma: No primeiro encontro as acadêmicas apresentaram o Projeto Gravidez na Adolescência, explicaram sobre seu propósito e objetivo, bem como os temas a serem trabalhados e as dinâmicas e oficinas a serem desenvolvidas. Logo após foi entregue a “caixa correio”, para os alunos colocassem suas dúvidas sobre a puberdade, auto cuidado e gravidez na adolescência, que posteriormente foram respondidas no último encontro com a turma. Como forma de melhorar a disciplina, e favorecer o clima para o aprendizado, realizou-se a Dinâmica do “Combinado” a partir de uma temática central: disciplina. Os alunos foram orientados sobre como deveriam se comportar durante as oficinas, para um melhor aproveitamento das mesmas. Dessa forma, foi estabelecido “combinados”, isto é, regras e normas coletivamente construídas, com a participação das acadêmicas e alunos, definindo os direitos e deveres de cada um, durante a execução do projeto. Logo após, as acadêmicas aplicaram o pré-teste, e como forma, de promover uma melhor interação entre os acadêmicos e alunos foi realizada uma dinâmica “quebra gelo”, denominada “História do Nome”. Foi entregue aos alunos uma etiqueta adesiva para que os mesmos escrevessem seu nome. As etiquetas foram fixadas nos alunos a fim de facilitar a identificação e comunicação e cada aluno foi convidado a contar sobre a história do seu nome, como foi a escolha e se gostavam desse nome. Logo depois foram escritas palavras chaves no quadro, que traduziam valores como respeito, amor, compromisso social e responsabilidade, com objetivo de promover uma reflexão coletiva e estimular o pensamento crítico sobre a temática. Cada aluno foi estimulado a falar o que pensava sobre a palavra e como se sentia em relação a ela. As acadêmicas nortearam a discussão, e propuseram diversas reflexões acerca do assunto relacionando-o com a temática central do projeto. Para finalizar o dia e as atividades propostas, realizou-se a dinâmica “Conhecendo o Corpo”. Quatro alunos foram convidados a desenhar o formato do corpo em papel craft, que após, foi colado no quadro. Foram disponibilizadas figuras do corpo humano para que os alunos pudessem colar no corpo de papel, e fazer a relação entre a fisiologia do corpo humano e as alterações que ocorrem na puberdade. Os alunos foram questionados sobre a fisiologia dos órgãos, e orientados sobre as mudanças que ocorrem na puberdade, importância do auto cuidado e higiene. O objetivo dessa dinâmica foi esclarecer sobre mudanças que ocorrem na puberdade e despertar sobre a prática do auto cuidado. Ao final, como forma de avaliação daquele dia, os alunos foram orientados a escolher uma palavra que expressasse sua percepção sobre às atividades desenvolvidas. A maior parte dos alunos disseram palavras positivas, que expressavam que haviam gostado das atividades. No segundo encontro, com a temática central “Higiene Oral e Corporal”, foi proposto aos alunos, participarem de um jogo, denominado “Tabuleiro Humano”. O jogo aborda a importância da higiene oral e corporal na adolescência, apontando os benéficos de um cuidado realizado adequadamente e os malefícios de sua não realização. Os alunos foram divididos em duas equipes. O representante de cada equipe jogava o dado e o número identificado no dado, corresponderia a quantidade de casas que o aluno “andaria” dentro do tabuleiro, dependendo do acerto ou erro, referente à pergunta realizada sobre a temática trabalhada naquele dia. Logo após esse jogo, foi proposta aos alunos outra dinâmica, definida como “Jogo da Música”, que abordou a higiene corporal e oral. Os alunos formaram um grande círculo, e foram dispostos materiais de higiene oral e corporal no centro da sala. Todos os participantes cantavam uma música “É CUIDAR E LIMPAR!” (Graça Melo). Ao mencionar o nome de uma criança, a mesma deveria deslocar-se,
rapidamente, até o centro da sala, pegar um objeto de higiene pessoal e simular a ação mencionada na letra da música. Para finalizar o encontro, e com o objetivo de promover uma discussão sobre os valores relacionados ao corpo humano, e a importância de respeitá-los, os alunos foram estimulados a escolher uma palavra que representasse o sentimento que ele possuía sobre seu corpo. Como forma de avaliação desse encontro, foi entregue aos alunos três placas com a representação de um boneco com a expressão triste, outra feliz e outra neutra, coloridas de vermelho, verde e amarela, correspondendo à avaliação ruim, boa e regular respectivamente. Foi solicitado aos mesmos que levantasse a placa que correspondia a sua avaliação sobre encontro desenvolvido naquele dia. No terceiro encontro as atividades foram desenvolvidas a partir da temática central: gravidez na adolescência. Para tal, foi apresentada por meio de uma aula expositiva, utilizando-se gravuras, a diferença entre os órgãos sexuais internos e externos tanto femininos quanto masculinos. Logo após, realizou-se um teatro, utilizando-se fantoches, que abordou a história de uma adolescente que ficou gravida, e as consequências advindas dessa gravidez para sua vida pessoal, familiar e escolar. Utilizou-se como referencial para a construção desse teatro a história do “Barômetro”, recomendada pelo Ministério da Saúde a ser trabalhada nesse contexto (7BRASIL, 2013). Muitos educadores, mesmo aqueles que trabalham com adultos afirmam que as brincadeiras, os jogos e os teatros são importantes para a educação, pois o lúdico auxilia no interesse, motivação, engajamento, avaliação e fixação do conteúdo apresentado (12RAMPASO, et al. 2011). Finalizado o teatro, foi proposto aos alunos que realizassem a dinâmica da “Batata Quente”: Os alunos sentaram em roda e um objeto foi passado entre eles ao som de uma música. Quando a música parava de tocar, o aluno que estava segurando o objeto deveria responder uma pergunta feita pelas acadêmicas, sobre as questões discutidas naquele dia. Para finalizar o encontro foi aplicado o pós-teste, a fim de avaliar o conhecimento adquirido após a realização do projeto gravidez na adolescência. Logo após, foram respondidas e discutidas as perguntas da “caixa correio”. RESULTADOS E DICUSSÕES Os encontros realizados na primeira turma assistida aconteceram nos dias 11, 18 e 25 de setembro de 2014. Estavam presentes 9 alunos, com idades entre 9 e 10 anos, matriculados na 4ª. Série. Os alunos mostraram-se entusiasmados e participativos em todos os momentos. Porém, durante a execução das atividades era comum se dispersarem, principalmente em função da agitação, o que dificultou em parte o desenvolvimento do projeto e de modo geral limitou o aprendizado e aproveitamento. Observou-se que eles conseguiram entender a proposta do “Combinado”, mas tiveram muita dificuldade em manterem-se disciplinados. Mesmo com todos esses contratempos todas as atividades propostas foram desenvolvidas e obtivemos um retorno positivo dos alunos tendo em vista que dos 9 alunos que participaram, 7 levantaram a placa “verde” e apenas 2, a placa amarela. As atividades desenvolvidas na segunda turma aconteceram nos dias 09, 16 e 24 de outubro e foi realizada com os alunos da 5º série, com idades entre 10 e 13 anos. Do primeiro encontro participaram 09 alunos e as atividades foram desenvolvidas no horário programado, no auditório da escola. Os alunos apresentavam-se eufóricos devido às atividades em comemoração à semana da criança, que estava sendo realizadas na escola no mesmo horário do projeto. Apesar dos alunos terem mais idade do que os da primeira turma, eles se mostraram ainda mais dispersos e indisciplinados. No entanto, quando foram apresentadas as ilustrações sobre ao tema puberdade
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eles se interessaram a participar da discussão. Verificou-se a incipiência em relação ao conhecimento prévio dos alunos sobre o tema do projeto. No segundo encontro, estavam presentes 10 alunos, que se mostraram participativos, fazendo perguntas pertinentes sobre o tema, esclarecendo assim as dúvidas que tinham. Questionaram por exemplo, sobre a maneira correta de escovar os dentes, os momentos adequados de usar desodorante para as axilas e para os pés. O interesse dos alunos colaborou para o desenvolvimento das atividades, e eles mostraram que possuíam algum conhecimento sobre a higiene corporal e oral, porém, pouca consciência sobre a importância do autocuidado, e da relação entre as alterações corporais que ocorrem na adolescência e a necessidade de maior cuidado; tal como, aumento dos pelos, que predispõe a odores nas axilas, e necessidade de uso de desodorantes. Os encontros realizados na terceira turma assistida aconteceram nos dias 13, 20 e 27 de setembro de 2014. Estavam presentes 15 alunos, com idades entre 11 e 14 anos, matriculadas na 6ª. Série. Poucos alunos mostraram algum conhecimento prévio sobre o tema. Considerando a idade, verificou-se que essa turma sentiu-se mais confortável para fazer comentários sobre o tema. Apesar de serem comentários pouco pertinentes, até mesmo em algumas ocasiões inadequados, verificou-se o pouco preparo dos adolescentes, em relação à temática gravidez na adolescência e puberdade tendo em vista sua importância. A gravidez na adolescência não é um fenômeno novo. Encontram-se grávidas adolescentes em todos os status sociais, contudo parece ser mais prevalente nas classes mais desfavorecidas. Constituem fatores de risco o abandono escolar, o baixo nível de escolaridade da adolescente, companheiro e família, a ausência de planos futuros, e a repetição de modelo familiar (mãe também adolescente) (13RODRIGUES, 2010). Embora o número de gravidez na adolescência tenha diminuído na última década (14RODRIGUES, 2010), torna-se necessária a promoção de programas que respeitem os direitos sexuais e reprodutivos dos adolescentes, contribuindo desta forma para a redução da incidência de abortamento e a reincidência da gravidez nesta faixa etária. No futuro que começa agora, compete à Família, à Escola e às Instituições de Saúde contribuir para a formação dos adolescentes. Muitos educadores têm dito que a aprendizagem se estabelece não pela iniciativa e pela motivação do professor ao processo de aprendizagem, mas pela remoção ou pela redução de obstáculos pelo educador, o que melhora o processo após seu início. O educador deve tornar as informações claramente possíveis de serem absorvidas (10BASTABLE, 2010). Pode-se observar após avaliação do pré teste, que os alunos tiveram várias dúvidas sobre sexualidade, e ainda precisam de mais informações para que possam ingressar na vida sexual com menor risco de colocarem-se expostos a uma gravidez indesejada. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Projeto de Extensão Gravidez na Adolescência pode nos confirmar que os adolescentes realmente necessitam de constante acompanhamento e orientações sobre sexualidade, tendo em vista, entre outros motivos, que a adolescência é um momento de vulnerabilidade, em que os mesmos colocam-se em riscos de uma possível gravidez indesejada ou até mesmo de doenças sexualmente transmissíveis. Apesar de indisciplinados, por ser a adolescência uma fase de grande inquietude, os adolescentes mostraram-se, de modo geral, muito interessados com o tema, dispostos a participar de atividades propostas. Esse fato pode ser atribuído à ser a adolescência uma fase de curiosidade e descobertas para a vida de todos os jovens. Após o término das atividades, e com os resultados dos
testes, podemos observar que o desenvolvimento do Projeto foi esclarecedor para os adolescentes, tendo em vista o pouco conhecimento prévio ao projeto. Foi possível compartilhar as informações de modo com que os alunos absorvessem o conteúdo exposto, sendo a orientação correta uma ferramenta que modificar a vida do indivíduo, orientando sua melhor escolha. Refletindo sobre todos os meses em que trabalhamos para realizar esse projeto vimos que somos de extrema importância para o crescimento desses jovens. Nos acadêmicos, percebemos o quanto precisamos estar presentes para o desenvolvimento desses indivíduos, na escola, trabalhando com a educação em saúde, levando a informação, na busca de sensibilização, conscientização, e quem sabe mudança de vida. REFERÊNCIAS BASTABLE, S. B. Princípios de ensino aprendizagem para a prática de enfermagem. 3º Ed. Porto Alegre; Artmed, 2010. 36,124, 125,190 p. BERETTAL, M, I, R. et al. A construção de um projeto na maternidade adolescente: relato de experiência. Rev. Escola de Enfermagem da USP. São Paulo, v.45, n.2, p.1, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342011000200033>. Acesso em: 16 out. 2014. BRASIL. Ministério da Educação. Departamento da Educação Básica. Métodos de avaliação pedagógica: Avaliação das aprendizagens das concepções às práticas. Lisboa, 2002, p. 65-74. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde do adolescente: competências e habilidades. Brasília, 2008. p.19-48. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Orientações básicas de atenção integral à saúde de adolescentes nas escolas e unidades básicas de saúde 1.ed. Brasília, 2013. p 13-43. BRASIL. Ministério da Saúde. Campanhas educativas previnem a gravidez precoce no País. Brasília, 2012. p.1. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/saude/2012/04/campanhas-educativas-previnem-a-gravidez-precoce-no-pais>. Acesso em: 16 out. 2014. CAMARGO, E.A.L; FERRARI, R.A.P. Adolescente: conhecimento sobre sexualidade e após a participação em oficinas de prevenção. Rev. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 14, n.3, p. 927- 945, 2009. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/csc/v14n3/30.pdf>. Acesso em: 16 out. 2014. CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO NORDESTE. 5., 2008, São Luiz. Brincar para comunicar: A ludicidade como forma de socialização das crianças. São Luiz. Intercon, 2008. 12 p. GURGEL, M. G. I. et al. Gravidez na adolescência: Tendência na produção científica de enfermagem. Rev. Escola de Enfermagem Anna Nery. Rio de Janeiro, 2008. cap14, p. 799-05. Disponível em. http://www.eean.ufrj.br/revista_enf/20084/25-gravidez%20na%20adolescencia.pdf> . Acesso em: 10 set.2014. RAMPASO, D. A. L; et al. Teatro de fantoche como estratégia de ensino: relato da vivência. Rev Brasileira de Enfermagem. São Paulo, 2011. v. 64, n. 4, p. 783785. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n4/a24v64n4.pdf>. Acesso em: 30 nov.2014. RODRIGUES, R.M. Gravidez na Adolescência. Rev. Nascer e crescer. São Paulo, 2010. v. 19, n 3. p.1. Disponível em: : <http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/ scielo.php?pid=S0872-07542010000300021&script=sci_arttext>. Acesso em: 10 nov. 2014. WHO, WHO, World Health Organization. Young People´s Health – a Challenge for Society. Report of a WHO Study Group on Young People and Health for All. TechnicalReport Series 731. Geneva 1986.
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13 RODRIGUES, R.M. Gravidez na Adolescência. Rev. Nascer e crescer. São Paulo, 2010. v. 19, n 3. p.1. Disponível em: <http://www.scielo.gpeari.mctes. pt/scielo.php?pid=S0872-07542010000300021&script=sci_arttext>. Acesso em: 10 nov. 2014.
NOTAS DE FIM i Acadêmicas do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Newton Paiva. Discentes do Projeto de Extensão Gravidez na Adolescência. ii Docente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Newton Paiva. Mestre em Enfermagem (UFMG). Coordenadora do Projeto de Extensão Gravidez na Adolescência. 1 WHO, WHO, World Health Organization. Young People´s Health – a Challenge for Society. Report of a WHO Study Group on Young People and Health for All. TechnicalReport Series 731. Geneva 1986 2 YAZLLE, M, E, H, D. Gravidez na adolescência. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. Rio de Janeiro, 2006. v.28. n.8. p.1. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-72032006000800001>. Acesso em: 16 out. 2014. 3 CAMARGO, E.A.L; FERRARI, R.A.P. Adolescente: conhecimento sobre sexualidade e após a participação em oficinas de prevenção. Rev. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 14, n.3, p. 927- 945, 2009. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/csc/v14n3/30.pdf>. Acesso em: 16 out. 2014.
4 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde do adolescente: competências e habilidades. Brasília, 2008. p.19-48. 5 BRASIL. Ministério da Saúde. Campanhas educativas previnem a gravidez precoce no País. Brasília, 2012. p.1. Disponível em: <http://www.brasil.gov. br/saude/2012/04/campanhas-educativas-previnem-a-gravidez-precoce-no -pais>. Acesso em: 16 out. 2014. 6 GURGEL, M. G. I. et al. Gravidez na adolescência: Tendência na produção científica de enfermagem. Rev. Escola de Enfermagem Anna Nery. Rio de Janeiro, 2008. cap14, p. 799-05. Disponível em. http://www.eean.ufrj.br/ revista_enf/20084/25-gravidez%20na%20adolescencia.pdf> . Acesso em: 10 set.2014. 7 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Orientações básicas de atenção integral à saúde de adolescentes nas escolas e unidades básicas de saúde 1.ed. Brasília, 2013. p 13-43. 8 BERETTAL, M, I, R. et al. A construção de um projeto na maternidade adolescente: relato de experiência. Rev. Escola de Enfermagem da USP. São Paulo, v.45, n.2, p.1, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342011000200033>. Acesso em: 16 out. 2014. 9 CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO NORDESTE. 5., 2008, São Luiz. Brincar para comunicar: A ludicidade como forma de socialização das crianças. São Luiz. Intercon, 2008. 12 p. 10 BASTABLE, S. B. Princípios de ensino aprendizagem para a prática de enfermagem. 3º Ed. Porto Alegre; Artmed, 2010. 36,124, 125,190 p. 11 BRASIL. Ministério da Educação. Departamento da Educação Básica. Métodos de avaliação pedagógica: Avaliação das aprendizagens das concepções às práticas. Lisboa, 2002, p. 65-74. 12 7 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Orientações básicas de atenção integral à saúde de adolescentes nas escolas e unidades básicas de saúde 1.ed. Brasília, 2013. p 13-43. 12 RAMPASO, D. A. L; et al. Teatro de fantoche como estratégia de ensino: relato da vivência. Rev Brasileira de Enfermagem. São Paulo, 2011. v. 64, n. 4, p. 783-785. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n4/a24v64n4. pdf>. Acesso em: 30 nov.2014.
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TALIDOMIDA: ASPECTOS QUÍMICOS E TECNOLÓGICOS Thais Mendes Diniz 1 Sonaly Cristine Leal 2 Anderson Hollerbach Klier 2
RESUMO: Esta revisão tem como objetivo apresentar os aspectos químicos e tecnológicos da talidomida. Este fármaco foi lançado no mercado como um potencial agente sedativo e hipnótico. A teratogênese em gestantes associada ao uso da talidomida, levou à proibição da sua prescrição para mulheres em idade fértil e posteriormente culminou com a retirada do fármaco do mercado. Após estudos de farmacovigilância, a talidomida ressurge no mercado como um medicamento promissor para o tratamento de pacientes hansênicos e portadores de síndrome da imunodeficiência adquirida. Atualmente no Brasil, a talidomida é produzida exclusivamente pela Fundação Ezequiel Dias (FUNED), em Belo Horizonte, MG. Palavras-chave: Talidomida. Teratogenicidade. Focomelia.
1 INTRODUÇÃO E OBJETIVOS A Talidomida, sintetizada na Alemanha Ocidental em 1953, foi utilizada inicialmente como estrutura biologicamente ativa, detentora de propriedades anti-histamínicas para tratamento de alergias. É mais conhecida, por ter causado teratogenicidade em um número expressivo de nascimentos, afetando cerca de 12.000 crianças na década de 60. O desastre da talidomida, como ficou conhecido, começou no momento em que a empresa alemã Grunenthal lançou no mercado esse novo medicamento. Após alguns testes realizados com a talidomida em ratos, os resultados experimentais demonstraram propriedades de induzir o sono. Como os testes não mostraram letalidade significativa e uma baixa toxicidade em animais de laboratórios na época, o fármaco foi visto como um potencial agente sedativo e hipnótico (MATTHEWS, McCOY, 2003; OLIVEIRA, BERNARDES, SOUZA, 1999; SOARES, 2013). Generalizando os resultados obtidos nos testes em animais, o medicamento foi lançado no mercado em 1957 como fármaco sedativo-hipnótico. Sua campanha publicitária na época, incluía os seguintes dizeres: “completamente inócuo e completamente seguro’’; permitindo o consumo sem a necessidade de nenhum tipo de prescrição. A talidomida era prescrita como antiemético para alívio de enjoos em gestantes, e foi utilizada por milhares de pessoas. Entretanto, mesmo após sua inserção no mercado terapêutico, o FDA (Food and Drug Administration), foi um dos poucos órgãos de controle e vigilância sanitária que não autorizou a utilização terapêutica da talidomida durante a década de 50 no mercado americano (LIMA, FRAGA, BARREIRO, 2001; PACHECO, 2012; SILVEIRA et al., 2001). Em 1958, a Grunenthal começou a receber reclamações de casos de neuropatia periférica, tremor, fraqueza musculares e perda de coordenação motora em pacientes submetidos à utilização terapêutica da talidomida. Na década de 60 foi considerada a “droga maldita” devido aos seus efeitos adversos graves e aumento da incidência de nascimentos de crianças com malformações congênitas. Este fato levou os pesquisadores a associarem a utilização da talidomida à Focomelia (encurtamento do membro junto ao tronco, semelhante
aos membros de foca). A decisão de retirar o fármaco do mercado em 1961 estava relacionada com a alta incidência de malformações fetais, quando a gestante era previamente tratada com a talidomida (BASTOS, 2013; BORGES, FROEHLICH, 2003; OLIVEIRA, BERNARDES, SOUZA, 1999). Desde então, apesar de ter sido considerado um fármaco pouco testado antes de sua aprovação, a talidomida é vista com um certo receio pelos órgãos de Vigilância Sanitária e Farmacovigilância (SILVEIRA et al., 2001). Após a retirada do medicamento no mercado mundial, a talidomida continuou a ser utilizada no mercado brasileiro devido à falta de informação, descontrole na distribuição, omissão governamental, automedicação e poder econômico da indústria farmacêutica. Após investigação e comprovação da teratogenicidade com o uso da talidomida, esse medicamento foi proibido para mulheres em idade fértil através da Portaria 63 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, de 6 de julho de 1994. De acordo com a Portaria 160 / 97 de 28 de abril de 1997 sua produção ficou limitada aos laboratórios oficiais. Em 1992 surge a ABPST (Associação Brasileira dos Portadores da Síndrome da Talidomida) para defender os direitos das vítimas da Talidomida (ABPST,1997; SILVEIRA et al., 2001). Nesta mesma época, pesquisas clínicas e estudos realizados pelo FDA com a talidomida, obtiveram resultados satisfatórios para tratamento de pacientes portadores de hanseníase e também para o tratamento de pacientes aidéticos. Devido a esses resultados, em setembro de 1997 foi anunciado que o FDA planejava aprovar a utilização da talidomida no mercado americano (OLIVEIRA, BERNARDES, SOUZA, 1999; SILVEIRA et al., 2001). Após 40 anos, a talidomida ressurge no mercado como um fármaco com boa atividade para algumas doenças, como o eritema nodoso leproso (ENL), uma condição inflamatória em pacientes com Hanseníase. O FDA permitiu sua venda para o portador de ENL, porém com restrições para sua distribuição (AZULAY, 2004; BORGES, FROEHLICH, 2003; MENDES et al., 2005). No Brasil atualmente, a talidomida é produzida exclusivamente
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pela Fundação Ezequiel Dias (FUNED) para atendimento aos programas de Hanseníase e Lupus, do Ministério da Saúde. De acordo com o Art. 5º da Portaria SVS∕MS nº 354 de 15 de agosto de 1997 a talidomida só pode ser indicada e utilizada no âmbito dos programas governamentais de prevenção e controle de Hanseníase (reação hansênica, tipo eritema nodoso ou tipo II); DST/AIDS (úlceras aftóides idiopáticas em pacientes portadores de HIV/AIDS) e doenças crônico-degenerativas (lupus eritematoso, doença enxerto-versus-hospedeiro). Tal portaria regulamenta o registro, produção, fabricação, comercialização, prescrição e a dispensação dos produtos a base da Talidomida (BRASIL, 1997; FUNED, 2014). Como principal objetivo, será descrita uma breve revisão da literatura abordando os principais aspectos químicos do fármaco talidomida, e características tecnológicas de formas farmacêuticas envolvendo o mesmo. 2 JUSTIFICATIVA As patologias em que a Talidomida é prescrita possuem poucas opções terapêuticas, justificando assim o seu emprego. Muitos estudos com a talidomida são realizados para comprovação de suas propriedades farmacológicas. Atualmente, a Fundação Ezequiel Dias (FUNED) está realizando estudos para transformar a etapa de produ-
ção do comprimido, realizada por via seca em via úmida. Com uma boa orientação, produção eficaz e uma farmacovigilância adequada, a talidomida apresentará segurança terapêutica, tornando-a um fármaco ainda promissor. 3 METODOLOGIA Para a realização deste trabalho, foi feita uma revisão da literatura realizada entre fevereiro e junho de 2014. O banco de dados utilizados para a busca dos artigos foram SCIELO, LILACS e BIREME. Para selecionar os artigos, foram utilizadas os seguintes descritores: “talidomida”, “produção de comprimidos”, “aspectos químicos da talidomida”. Como critério de inclusão, adotou-se as citações descritivas envolvendo informações sobre histórico, processo produtivo e aspectos químicos da talidomida. 4 DESENVOLVIMENTO 4.1 ASPECTOS QUÍMICOS DA TALIDOMIDA A Talidomida, ou N-(2,6-diazo-3-piperidil)ftalimida, ou N-alfa-ftalimido-glutarimida, ou 2,6-dioxo-3-ftalimidopiperidina, ou ainda 3-ftalimidoglutarimida (FIG.1), é um derivado sintético do ácido glutâmico e estruturalmente contém duas imidas cíclicas e um único centro quiral (BORGES, FROEHLICH, 2003; TEIXEIRA, FERREIRA, 2011).
Figura 1: Estrutura química da talidomida (BORGES, FROEHLICH, 2003)
A talidomida é uma mistura racêmica, sendo as configurações enantioméricas tanto R quanto S, isoladamente mais tóxicas que a própria mistura racêmica (MEIRA, BITTENCOURT, NEGREIROS, 2004). A glutarimida, representada na figura 1, possui o único carbono assimétrico da molécula (carbono 3’). Este átomo qual faz com que o
fármaco apresente dois enantiômeros, que se interconvertem rapidamente em condições fisiológicas. O enantiômero S está relacionado com os efeitos teratogênicos da talidomida enquanto que o enantiômero R é responsável pelas propriedades sedativas da mesma (FIGURA 2) (FILHO, 2002; MEIRA, BITTENCOURT, NEGREIROS, 2004; TEIXEIRA, FERREIRA, 2011).
Figura 2: Estrutura química dos enantiômeros da talidomida (TEIXEIRA, FERREIRA, 2011).
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Fisicamente, se caracteriza como um pó branco, cristalino, insolúvel em éter e benzeno e pouco solúvel em água, metanol, etanol, acetona, ácido acético glacial, dioxano, dimetilformami-
da, piridina e clorofórmio. É susceptível à quebra hidrolítica das imidas em meio aquoso neutro e ácido, conforme figura 3 (FILHO, 2002).
Figura 3: Proposta de mecanismo para hidrólise da talidomida em meio ácido
A talidomida possui fórmula molecular C13H10N2O4, massa molecular 258,23 g/mol, fórmula centesimal com 60,47 % de carbono, 3,90 % de hidrogênio, 10,85 % de nitrogênio e 24,78 % de oxigênio e faixa de fusão de 269-271ºC (CARINI, 2007).
4.1.1 SÍNTESE DA TALIDOMIDA
A rota de síntese para obtenção da (R,S)-talidomida (1) está representada na figura 4. Na primeira etapa, ocorre a condensação do (R,S)-ácido glutâmico com anidrido ftálico (3), seguida da etapa chave da estratégia sintética, que consistiu na condensação do intermediário ftalimídico (4) com amônia sob aquecimento (LIMA, FRAGA, BARREIRO, 2001).
Figura 4: Rota sintética da talidomida (LIMA, FRAGA, BARREIRO, 2001)
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4.1.2 ESTABILIDADE DA TALIDOMIDA
A talidomida é rapidamente degradada por hidrólise espontânea em meio aquoso com pH fisiológico. Todas as funções imida são sensíveis à hidrólise nessa faixa de pH. Sabe-se que em pH 7,4 são formados vinte produtos de hidrólise resultantes do rompimento dessas ligações, considerando combinações de hidrólise entre as quatro imidas, associadas aos dois enantiômeros (CARINI, 2007). 4.2 FARMACOLOGIA 4.2.1 EFEITOS BIOLÓGICOS E MECANISMO DE AÇÃO
O mecanismo de ação da Talidomida ainda não é totalmente conhecido, mas estudos demonstram sua capacidade em inibir a produção do fator de necrose tumoral (TNF-α), um potente estimulador da inflamação (MAROSTICA, SILVA, VITURI, 2011; SILVEIRA et al., 2001). Os efeitos teratogênicos da talidomida podem ser explicados por três mecanismos distintos, o rompimento do desenvolvimento da crista neural (responsável pela má-formação da face); a inibição da angiogênese (inibe o crescimento de novos vasos sanguíneos, interrompendo o desenvolvimento do feto) e a redução dos receptores de adesão de células mãe que originam os membros e de células cardíacas de embriões (prejudicando a formação dos membros e coração do feto) (MEIRA, BITTENCOURT, NEGREIROS, 2004). Em 2010 pesquisadores japoneses descobriram que a causa da ação teratogênica da talidomida estava ligada a uma proteína chamada cereblon (CRBN) que forma um complexo de ligase ubiquitinado E3 com a proteína 1 ligante de DNA danificado, sendo estas cruciais para a promoção do desenvolvimento e crescimento dos membros no embrião (COSTA, 2011). O fármaco interrompe o desenvolvimento normal do feto bloqueando a angiogênese, ou a capacidade de inibir a formação de novos capilares, pela inibição do fator de crescimento básico fibroblasto. Esse fator estimula o crescimento dos membros, e sua inibição, pode ser a base científica que explica a teratogênese com a utilização da Talidomida (SILVEIRA et al., 2001). Nos casos de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), a talidomida suprime a replicação viral, diminui a carga viral, e aumenta o bem-estar do paciente reduzindo a febre induzida pelo TNF-α. Estudos in vitro sugerem que a talidomida inibe seletivamente a produção de TNF-α pelos monócitos (MEIRA, BITTENCOURT, NEGREIROS, 2004). O efeito sedativo se deve à glutamirida, provavelmente mediado por receptores do sono, estruturalmente análoga aos anéis
contidos em outros fármacos sedativos e hipnóticos, com baixa toxicidade aguda no sistema nervoso central, causando sonolência e letargia (FILHO, 2002). 4.2.2 REAÇÕES ADVERSAS
A mais séria reação da talidomida, documentada em humanos, é a teratogenicidade. O risco de nascimentos com malformações, especialmente, focomelia ou morte fetal é extremamente alto durante o período crítico da gestação (35 e 50 dias após a última menstruação). Estudos realizados contraindicam a utilização da talidomida em todo o período de gestação (MEIRA, BITTENCOURT, NEGREIROS, 2004). Outras reações adversas incluem a sonolência, neuropatia periférica, hipotensão ortostática, neutropenia, constipação, tontura, cefaleia e dores musculares (AZULAY, 2004; SILVEIRA et al., 2001). 4.2.3 FARMACOCINÉTICA
Resultados de estudos em adultos saudáveis indicam que não ocorre o acúmulo de talidomida, e que os parâmetros farmacocinéticos são similares após única dose ou múltiplas doses da droga (MEIRA, BITTENCOURT, NEGREIROS, 2004). Nenhum estudo sobre a absorção, biodisponibilidade e biotransformação da talidomida foi realizado em humanos. A lenta absorção desta molécula pelo trato gastrintestinal é provocada pela reduzida hidrossolubilidade e a biodisponibilidade varia de 67 a 93 %, atravessando a barreira placentária (MEIRA, BITTENCOURT, NEGREIROS, 2004; FILHO, 2002). É desconhecido se a talidomida é excretada no leite materno. Menos de 0,7% da dose é excretada na urina como droga inalterada. O clearance renal é de 1,15 mL/min, enquanto o clearance corporal total é de 10 L/h (MEIRA, BITTENCOURT, NEGREIROS, 2004). A eliminação é particularmente pH-dependente por hidrólise espontânea em todos os fluidos do corpo (FILHO, 2002). A talidomida parece ser bem tolerada em pacientes com insuficiência hepática e renal severas (MEIRA, BITTENCOURT, NEGREIROS, 2004). 4.2.4 METABOLISMO
A talidomida pode sofrer biotransformação hepática, via isoformas enzimáticas do citocromo P 450, gerando metabólitos hidroxilados nos ciclos ftalimídicos e glutarimídicos, conforme figura 5. O tempo de meia vida é de aproximadamente 8,7 horas. A ligação às proteínas plasmáticas é elevada (MEIRA, BITTENCOURT, NEGREIROS, 2004).
Figura 5: Proposta dos principais metabólitos de Fase I para a talidomida. (Adaptado de LIMA, 2001).
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Através da análise da figura 6, percebe-se que os metabólitos da talidomida são instáveis em solução aquosa, em diferentes valores de pH. É possível observar a hidrólise espontânea do anel glutarimídico em pH 6,0, originando os derivados orto-carboxi-benzamido-glutarimida, como principais metabólitos. Estes são identificados na figura
através dos números 5 e 6. Entretanto, em pH fisiológico (pH=7,4) a talidomida sofre 28% de metabolização na primeira hora de ensaio, sendo os principais metabólitos formados identificados como produtos de hidrólise do anel ftalimídico e glutarimídico, originando majoritariamente os compostos (7) e (8) (LIMA, FRAGA, BARREIRO, 2001).
Figura 6: Principais produtos de hidrólise da talidomida (LIMA, FRAGA, BARREIRO, 2001)
4.3 INDICAÇÃO TERAPÊUTICA As propriedades imunomodulatórias e anti-inflamatórias da talidomida são utilizadas para o tratamento da reação hansênica tipo eritema nodoso, prurido nodular, mieloma múltiplo, carcinoma cerebral, doença enxerto-contra-hospedeiro (que acomete pessoas que se submetem a transplante de medula e costuma evoluir de forma grave), lúpus eritematoso discoide, aftose, lesões mucosas da síndrome de Behcet, úlcera idiopática da Aids, síndrome de caquexia associada à Aids (SILVEIRA et al., 2001). 4.4 TECNOLOGIA 4.4.1 LEGISLAÇÃO
Segundo a Portaria nº 354 de 15 de agosto de 1997, a talidomida é proibida para mulheres em idade fértil em todo o território nacional (BRASIL, 1997). A Talidomida é um fármaco sujeito a controle especial, com isso segue as exigências estabelecidas na Portaria SVS/ MS nº 344/98 e na Portaria nº 6/99 ou as que vierem a substituí-las (AGÊNCIA, 2010). De acordo com a RDC nº11 (2011), é proibida qualquer doação da substância e/ou do medicamento que contenha Talidomida. Excetuam-se os laboratórios oficiais fabricantes, que podem doar o
medicamento Talidomida exclusivamente para Secretarias de Saúde e unidades públicas dispensadoras, quando autorizados pela autoridade sanitária competente. 4.4.2 FORMAS FARMACÊUTICAS SÓLIDAS
A via oral é a forma mais comum para administração de fármacos para efeitos sistêmicos. Dentre os medicamentos administrados por via oral, as formas farmacêuticas sólidas, sobretudo os comprimidos, são as mais empregadas na terapêutica. Os comprimidos são obtidos pela compressão do princípio ativo e excipientes e a grande maioria são preparados pelo método de compressão. Esta forma farmacêutica exibe uma série de vantagens na administração de medicamentos com efeitos sistêmicos e tem, por isso, maior divulgação em relação às outras formas farmacêuticas. Apresentam o menor custo em relação às outras formas farmacêuticas orais, possuem conservação mais garantida e maior estabilidade, permitem a administração de dose única exata do fármaco, exibem variação mínima de conteúdo e dosagem (LAMOLHA, SERRA, 2007; PEIXOTO et al., 2005). O processo de compressão requer máquinas capazes de exercer grande pressão para compactar o pó com matrizes e punções (FIG. 7) (ANSEL, POPOVICH, JUNIOR, 2000).
Figura 7: Punções e matrizes para produção de comprimidos (ANSEL, POPOVICH, JR., 2000)
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Os comprimidos são obtidos industrialmente pelo processo de granulação úmida, granulação seca e compressão direta. A compressão direta é o processo pelo qual misturas de princípios ativos e excipientes adequados (como diluentes, aglutinantes e lubrificantes) são comprimidos diretamente, sem a necessidade de um pré-tratamento, como ocorre na granulação úmida ou seca (LAMOLHA, SERRA, 2007).
A granulação úmida é um método utilizado para a produção de comprimidos feitos por compressão. As etapas de preparação por esse método podem ser divididas em pesagem e mistura dos componentes; preparo da granulação úmida; formação de glóbulos ou grânulos; secagem; calibração do grânulo seco; mistura do lubrificante e compressão (FIG. 8) (ANSEL, POPOVICH, JUNIOR, 2000).
Figura 8: Esquema do método de granulação por via úmida (ANSEL, POPOVICH, JR., 2000)
A granulação por via úmida é obtida a partir de solução granulante e secagem. A utilização da umidade e calor exige que o produto seja insolúvel no líquido para umedecimento. O objetivo do granulado é otimizar as propriedades de fluxo, evitar segregação durante as etapas posteriores do processo, minimizar variações de granulometria de diferentes lotes de matérias-primas e também reduzir os riscos que o manuseio e inalação de pós finos causam à saúde (COUTO, GONZÁLEZ ORTEGA, PETROVICK, 2000; LAMOLHA, SERRA, 2007; MOISÉS, 2006). Após os estudos de compressão por via úmida na FUNED, os comprimidos serão avaliados quanto aos testes físicos e comparados aos obtidos por via seca. 4.4.3 TESTES FÍSICOS Na avaliação de qualidade dos comprimidos, é necessário realizar os seguintes testes físicos: l Peso médio: o peso dos comprimidos é determinado pela quantidade de pó ou granulado introduzido na matriz (PEIXOTO et al., 2005). l Teste de dureza: determina a resistência mecânica do comprimido ao esmagamento ou à ruptura sob pressão. O teste consiste em submeter o comprimido à ação deum aparelho medindo a força aplicada para esmagar o comprimido. A dureza do comprimido garante sua integridade física, permitindo que suporte choques mecânicos nos processos de revestimento, drageamento, envelopamento, emblistagem, embalagem e transporte (ANVISA, 2010; MOISÉS, 2006). l Teste de friabilidade: permite avaliar a resistência dos comprimidos ao atrito, quando submetidos à ação mecânica de aparelhagem específica. Garante a integridade dos comprimidos durante os processos de acondicionamento, emblistagem e transporte (ANVISA, 2010; MOISÉS, 2006). l Teste de desintegração: determina o tempo em que um comprimido se desfaz em meio aquoso aquecido a 37ºC, num sistema de movimento, pretendendo produzir os mesmos efeitos sofridos pelo comprimido após ser ingerido (ANVISA, 2010; MOISÉS, 2006). l Teste de dissolução: determina a quantidade de substância ativa dissolvida no meio de dissolução quando o produto é submetido à ação de aparelhagem específica (ANVISA, 2010; MOISÉS, 2006). l Uniformidade de dose unitária: determina a uniformidade ou invariabilidade na quantidade da substância ativa entre as unidades de dose única (ROESCH, VOLPATO, 2010).
4.4.4 ASPECTOS PRODUTIVOS A FUNED é o único laboratório farmacêutico no Brasil que produz o medicamento Talidomida. As etapas de produção deste medicamento (manipulação, compressão e envelopamento), são executadas por pessoas do sexo masculino. Esta medida foi adotada de acordo com a portaria nº 354/1997 na qual diz que “é proibida a alocação de mulheres em idade fértil nas linhas de produção em qualquer das etapas que leve a exposição do produto”. Na etapa de embalagem final, o medicamento está acondicionado no interior dos envelopes (embalagem primária), com isso, mulheres podem trabalhar no setor, pois nesta etapa o produto não está exposto, não oferecendo riscos à saúde (VIANNA, 2008). A amostragem da matéria-prima Talidomida na Funed, é realizada utilizando utensílios dedicados, por um servidor do sexo masculino do Serviço de Controle de Material de Embalagem da Divisão de Controle de Qualidade. Sua análise é realizada pelo Controle Físico-Químico e Serviço de Controle Microbiológico (FUNED, 2009). Nos dias previstos para a execução das etapas de fabricação que correspondem à tamisação, umectação, granulação e normalização, a entrada do Serviço de Sólidos por Via Úmida (SSVU) é sinalizada por placa “PROIBIDA ENTRADA DE MULHERES – PRODUÇÃO DE TALIDOMIDA” (FUNED, 2009). O processo de secagem acontece em equipamentos (estufas) devidamente fechados e identificados. Esta etapa é realizada logo após à manipulação. Em seguida é realizada a compressão (FUNED, 2009). Finalizada a etapa de compressão do produto, os baldes são fechados, limpos externamente. O granel é amostrado pelo servidor do sexo masculino do controle de qualidade. Após a amostragem os volumes são fechados e permanecem armazenados na área de produto intermediário do Serviço de Sólidos por Via Úmida (SSVU) (FUNED, 2009). Após aprovação do controle de qualidade, o lote é enviado para ser envelopado e embalado (FUNED, 2009). Os boxes de pesagem e de amostragem do almoxarifado, bem como todas as salas utilizadas em alguma etapa da produção de Talidomida são sinalizadas quanto ao risco (FIG. 9) (FUNED, 2009).
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Figura 9: Etiqueta utilizada para sinalização da área de produção da Talidomida (FUNED, 2009) Antes do início do processo, a entrada da área de pesagem do almoxarifado, e a entrada da área do Serviço de Sólidos por Via Úmida
também são identificadas (FIG. 10) (FUNED, 2009).
Figura 10: Identificação área de pesagem da Talidomida (FUNED, 2009).
Os resíduos do almoxarifado e da produção do produto Talidomida são acondicionados em sacos plásticos verdes para resíduos
químicos e identificados (FIG. 11) (FUNED, 2009).
Figura11: Identificação para resíduos da Talidomida (FUNED, 2009). 5 CONCLUSÃO A tragédia da talidomida resultou em um grande avanço nas pesquisas e estudos com esse fármaco. Apesar dos problemas graves relacionados a talidomida, ela é ainda muito utilizada para o tratamento de uma variedade de condições autoimunes ou inflamatórias. Ainda há muito para ser estudado em relação ao seu mecanismo de ação. Apesar das consequências do seu uso incorreto, o benefício da talidomida não pode ser ignorado e deve ser cuidadosamente monitorado.
É importante deixar bem claro para os pacientes que a talidomida, se utilizada com as precauções necessárias, é um medicamento muito potente para tratamento de reações causadas por diversas doenças. O mito causado na década de 50 pode ser vencido, pois seus benefícios superam os riscos. Muitos estudos são realizados para comprovar a eficácia desse medicamento, mas como farmacêuticos, uma orientação adequada é necessária para que seu uso seja correto e assim evitar efeitos indesejáveis e muito perigosos.
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NOTAS DE FIM 1 Discente do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Docentes do Centro Universitário Newton Paiva.
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